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VERSÃO

Salome Asega
Homi K.Bhabha
Gregg Bordowitz
Joan Kee
Michele Kuo
Ajay Kurian
Jacolby Satterwhite

Apropriação cultural:
uma mesa redonda

Traduzido por Roberto Cataldo Costa

Artforum, publicado originalmente ©


Artforum, Summer 2017, “Cultural
Appropriation: A Roundtable,” de
Salome Asega, Homi K. Bhabha, Gregg
Bordowitz, Joan Kee, Michelle Kuo,
Ajay Kurian, e Jacolby Satterwhite.
<https://www.artforum.com/inprint/
issue=201706&id=68677>.
Concedido pela Artforum o direito para
publicar em português e inglês na Porto
Arte: revista de Artes Visuais.

Como citar:
ASEGA, Salome; BHABHA, Homi
K.; BORDOWITZ, Gregg; KEE, Joan;
KUO, Michele; KURIAN, Ajay;
SATTERWHITE, Jacolby. Apropria-
ção cultural: uma mesa redonda.
Porto Arte: Revista de Artes Visu-
ais. Porto Alegre: PPGAV-UFRGS,
v. 22, n. 37, p.293-316 jul.-dez.
2017. ISSN 0103-7269 | e-ISSN
2179-8001. DOI: http://dx.doi.
org/10.22456/2179-8001.80138
294 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

VERSÃO

HOMI BHABHA:
Comecemos com uma proposta: eu
prefiro tradução em vez de apropriação.
O processo de tradução é um processo
de interpretação, de relocalização – de
produção, como diz Walter Benjamin,
“em outro lugar, algo novo, que mostra o
rastro de” – não vou chamá-lo de “o origi-
nal”, mas sim de o anterior, o anterior sem
ordem de prioridade. A tradução pressu-
põe a existência de um estado anterior
– seja um texto, um momento histórico
Figura 1. Imagem do vídeo de Katy anterior ou uma identidade anterior, ou
Perry em 2014, This Is How We
Do, dirigido por Joel Kefali. Fonte: seja, existe algo anterior ao que é traduzido. Diferentemente da apropriação, a
<https://www. a r t forum.com/inprint/
issue=201706&id=68677>.
tradução é uma relação que não atribui imediatamente um valor padrão a algum
tipo de original: o anterior não é visto como o texto “apropriado” ou “original”.
Evitando essas premissas padrão, podemos realmente começar a enten-
der se achamos ou não que a apropriação, em qualquer situação, dada é justa
ou injusta, ou imprecisa, insultante, provocativa, problemática ou reducionista.

AJAY KURIAN:
Em nível conceitual, eu concordo com a substituição de apropriação por tradu-
ção. Mas quando mudamos a expressão apropriação cultural para tradução
cultural, de que forma muda o significado? O que se perde pelo caminho?

JACOLBY SATTERWHITE:
A apropriação cultural está tendo este momento de trending hashtag, e mesmo
assim é uma expressão que está se tornando obsoleta.
As crianças já não aprendem mais vernáculos locais. Essa mudança já
tem pelo menos algumas décadas. Na minha infância e na minha juventude em
Columbia, na Carolina do Sul, eu aprendi determinados passos de dança na loja
da esquina, a uma quadra da minha casa. Os negros de todo o país, de alguma
forma, tiveram as mesmas influências. Mas a situação agora é mais extrema.
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Agora, jovens nascidos depois de 1998 simplesmente não reconhecem


distinções regionais; eles reconhecem tutoriais e imitam passos de dança, vlogs,
podcasts, que podem vir de qualquer lugar. Quando eu tinha quatorze anos, eu
ia para casa e assistia os meus DVDs de Madonna, Janet e Sade, e os estudava
todos os dias. Tenho certeza de que os jovens estão fazendo a mesma coisa. É
como um mundo fantasioso onde você faz coisas desconhecidas e desconecta-
das da sua própria experiência.

HOMI BHABHA:
Se os mesmos passos de dança são aprendidos através do YouTube em
Botsuana, depois em Bombaim e mais tarde em outro lugar, isso é uma espé-
cie de representação cultural infecciosa. É interessante que ninguém fale de
apropriação até alguém considerar que algo inadequado está acontecendo. E
é só aí, quando alguém faz a acusação de apropriação, que começa uma certa
discussão.

SALOME ASEGA:
Para mim, apropriação é uma palavra que ainda tem valor e ainda parece útil.
Estou pensando especificamente em um videogame no qual eu trabalhei com Ali
Rosa-Salas, Chrybaby Cozie e outros dançarinos de litefeet, que são uma espé-
cie de guardiões do Harlem Shake. Nós fizemos o videogame logo após a febre
da dança Harlem Shake, do Baauer, ter viralizado, e depois que foi lançado, era
necessário percorrer páginas e páginas no YouTube para encontrar o Harlem
Shake original.
E essa palavra foi muito útil para explicar as nossas motivações, porque
nós estávamos descrevendo uma espécie de apagamento que aconteceu por
causa de uma estrutura de poder específica. É a única palavra. Tradução e cita-
ção não explicam o poder em jogo entre os grupos.

HOMI BHABHA:
Mas não se pode usar apropriação para todas as formas de intercâmbio cultu-
ral ou de intersecção cultural. É uma coisa específica, na minha opinião.

MICHELLE KUO:
E tradução parece explicar as relações de poder, mas não as caracteriza ante-
cipadamente, como apropriação. Mas quando é apropriado usar apropriação?

JACOLBY SATTERWHITE:
Na cultura pop, a apropriação nunca se torna polêmica até que o artista que
a está praticando se torne popular ou tenha sucesso. Eu venho observando
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a carreira de Iggy Azalea desde 2007, e no início, sua base de fãs era muito
diversificada e ninguém tinha problema com ela quando era alternativa – na
verdade, gostar dela era bacana. E então, assim que ela teve uma música em
primeiro lugar entre as mais ouvidas... Eu leio colunas de fofocas, então eu vi
o momento exato em que seu poder cada vez maior provocou essa difamação.
E o poder, ou a falta dele, também pode ajudar a explicar por que agora
há um certo abuso do termo apropriação. Eu acho que muitas pessoas estão
estressadas nestes tempos difíceis, e muitas delas querem ter algo próprio.

JOAN KEE:
Eu acho que uma das óticas da crítica é realmente o marco da propriedade. A
palavra apropriação basicamente vem do direito eclesiástico, onde denotava a
ideia de que um corpo pode anexar algo em caráter exclusivo. Parece que esta-
mos voltando a essa concepção, que é uma das razões pelas quais eu acho
que a apropriação se esgotou, perdeu a utilidade como algo de que falamos em
termos de empréstimo, tomada ou tradução. Parece haver mais e mais disputa
em torno da apropriação como assunto jurídico, onde a lei é que realmente
decide quem usa o quê. E afirmações conflitantes começam a dividir pessoas
que, em teoria, deveriam se unir para construir algum tipo de bem comum ao
invés de endossar esses modos de pensamento muito formais, que tendem a
criar divisões: “este é seu e aquele é meu”.

MICHELLE KUO:
O que reproduz exatamente o tipo de propriedade e autoria que fazem parte da
estrutura de poder.

HOMI BHABHA:
Ao contrário da citação, a apropriação assume um sentido de propriedade:
quem possui o quê? Em que sentido eu possuo a minha história ou você possui
a sua arte? O sentido de propriedade pessoal está relacionado a essa noção
de propriedade: quem pode falar por ela se ela pertencer a alguém. Isso torna
o termo problemático no seguinte sentido: de modo muito geral, na história da
opressão – daqueles que são oprimidos pela discriminação racial, por questões
de gênero, colonialismo, violência – os oprimidos são sujeitos de uma determi-
nada história, que se torna, de alguma forma, a sua própria. Essa é a experiência
deles. Mas essa experiência também foi criada pelo opressor – então há uma
dualidade, no mínimo.
Não se pode dizer que a história do colonialismo, ou da escravidão, é
apenas a história dos nativos ou dos escravos, porque sua trágica história,
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em si, foi consequência de uma relação – uma relação violenta, hegemônica,


eticamente inaceitável e politicamente opressiva. Todas as formas de opressão,
assim como todas as formas de resistência ou todas as formas de autorização
de poder, são relacionais. Sobre isso, Frantz Fanon pensou o seguinte: para
que a mudança aconteça, ela não passará apenas pela resistência justificada
e corajosa daqueles que são oprimidos. Ela também terá que desalojar as posi-
ções de hegemonia e opressão.
É por isso que eu acho que não se pode
simplesmente possuir a própria história de
opressão ou de sofrimento. É claro que essa
experiência é específica. É claro que ela cria
sua própria linguagem e sua experiência
em comum. Ela cria sua própria capacidade
de construir uma história. Mas ela deve ser
vista em termos de “relacionalidade”, de
uma história de interações dinâmicas.

GREGG BORDOWITZ:
Eu tenho 52 anos e estava na faculdade
de arte em Nova York quando a apropria-
ção passou a ser usada como estratégia, no início da década de 1980. A apro- Figura 2. Dara Birnbaum,
Tecnology/Transformation: Wonder
priação era vista como uma tática da contracultura – na arte, mas também em Woman, 1978-79. Vídeo, cor, som,
5 minutos 50 segundos. Fonte:
uma contracultura mais ampla, que abrange as lutas de libertação de esquerda <https://www. a r t forum.com/inprint/
sobre raça, gênero, sexualidade... Muitas outras conotações se incorporaram ao issue=201706&id=68677>.

termo desde que formei minha compreensão inicial sobre ele, talvez limitada.
Em última análise, para nós, naquela época, a questão da apropriação
tinha a ver com o material ao qual não tínhamos acesso legal nem tecnoló-
gico. Exemplos importantes foram Sherrie Levine, Barbara Kruger, Jenny Holzer
e membros da Pictures generation; mas estou pensando especificamente em
Dara Birnbaum e no vídeo Technology/Transformation: Wonder Woman [1978-
79], que usava uma cópia da filmagem daquele programa de TV de bastante
audiência.
Então, na verdade, apropriação significava roubo, e era uma maneira
de reconhecer que a propriedade é roubo e que aqueles que não têm acesso
devem se apropriar dos meios de produção e dos materiais da cultura como um
ato crítico. Houve muita discussão naquela época sobre os aspectos econômi-
cos, sobre o roubo do rock and roll pela cultura branca, por exemplo, negação de
direitos de publicação, injustiças econômicas que tornavam certos autores invi-
síveis. E ainda há pessoas sendo roubadas monetariamente, pessoas de cultu-
ras que não têm acesso a meios de produção.
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JACOLBY SATTERWHITE:
Então talvez a apropriação possa ser vista como um dispositivo intelectual, mas
quando sangra e escorre na cultura de massa, ela se torna outra coisa.

SALOME ASEGA:
Mas o dispositivo que você está descrevendo é semelhante ao que, digamos,
Yellow Jackets Collective ou BUFU estão fazendo...

JACOLBY SATTERWHITE:
Você quer dizer FUBU?

SALOME ASEGA:
Não, é um projeto coletivo e multimídia – By Us For Us [Por nós, para nós]. Legal-
mente, eles não podem usar FUBU porque é marca registrada, então: BUFU-By
Us For Us. Esses coletivos de artistas e educadores políticos usam a burla [no
original, scamming, NT], em vez de apropriação. E eu sou completamente a favor
de burlar, que tem a ver com perceber que, para sobreviver, você deve se apro-
priar dos signos e da linguagem das pessoas que estão no poder a fim de obter
recursos institucionais. Se for uma questão específica de linguagem, eu gosto
do termo burlar.

JACOLBY SATTERWHITE:
Eu também gosto. Podemos chamar este artigo de “Burla”?

HOMI BHABHA:
Essa noção de burlar sugere que há maneiras melhores de descrever o repo-
sicionamento de ícones culturais ou ideologias. Para mim, esses processos de
recontextualização podem ser positivos. Eles podem ser estratégias de resis-
tência. Por exemplo, anos atrás, eu escrevi um ensaio chamado “Sly Civility”
[Civilidade ardilosa], que relatava como os missionários cristãos na Índia colo-
nial iam ficando cada vez mais ansiosos quando os índios que aprendiam o
inglês e a simbologia do cristianismo começavam a usar essa linguagem. Os
missionários diziam: “Agora estamos totalmente perdidos. Não se apropriem
da nossa linguagem – nós não sabemos se esses índios estão nos saca-
neando ou se eles acreditam no que estamos dizendo. Não conseguimos mais
controlá-los”.
Eu acho que nós precisamos ter uma maneira positiva de pensar sobre
essas atividades, essas estratégias de juntar coisas diferentes, na qual a noção
de propriedade seja questionada de alguma forma e se abram algumas novas
perspectivas.
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AJAY KURIAN:
A maior parte da criação cultural atual usa a apropriação em todos esses senti-
dos diferentes. É praticamente 100%. Há apropriação, há tradução em tudo.

HOMI BHABHA:
Eu concordo.

AJAY KURIAN:
Não há como se evitar, mas talvez eu esteja me concentrando no aspecto nega-
tivo exatamente porque o aspecto positivo é algo dado na produção cultural
contemporânea no mercado global. O negativo cumpre um papel importante na
orientação de possibilidades.

HOMI BHABHA:
Mas não de forma isolada. “Não tome meus símbolos, não os deturpe no seu
trabalho”: essas ordens podem ser dadas por qualquer pessoa em todo o espec-
tro político. A apropriação não precisa se dar apenas entre gêneros ou raças.
Dentro do mesmo gênero, pode haver apropriações de classe, pode haver apro-
priações para todos os tipos de propósitos. Isso não significa que um uso político
dessas táticas seja intercambiável com outro – cada um precisa ser avaliado em
seus próprios termos, e eles são muito mais complicados do que permite o termo
apropriação. Precisamos perguntar: Por que você está fazendo isso? Por que está
escolhendo fazer essa citação ou sobreposição?
E eu acho que a noção de fazer uma escolha – uma escolha política, uma
escolha estética e uma escolha ética – é algo que tem que ser aceito. É importante
se ter alguma ideia sobre as maneiras pelas quais podemos usar essas relações
interseccionais, intergráficas e intermidiáticas como, mais uma vez, estratégias de
resistência que nos permitam tomar algo da casa do senhor de escravos e colocar
no lugar do escravo, e produzir algo diferente para ambos.

AJAY KURIAN:
O outro ponto interessante que você levanta, Homi, é a intencionalidade. É quase
como se nós presumíssemos que qualquer pessoa que pratique a cultura e esteja
colocando esses símbolos lado a lado esteja consciente do que está fazendo. Mas
na verdade, na maioria das vezes, parece que elas ignoram muito o que estão
fazendo. Como Katy Perry ou Taylor Swift – há tantos vídeos aos quais a reação
é: “Como é que isso aconteceu? Quem foi que viu isso e achou que era uma boa
ideia?” Eles fazem parte de uma máquina de mídia que existe para gerar receita,
mas, ainda assim, seria de se esperar que houvesse pelo menos mecanismos nomi-
nais de contenção, alguém para dizer: “Talvez seja melhor não mexer com isso”.
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HOMI BHABHA:
Você está certo: a questão da intencionalidade é deturpada se for apresen-
tada como um ato plenamente consciente de tradução, interseção, montagem.
Nunca poderemos controlar muito esses atos e o que eles significam. Eles exce-
dem a intenção. Por exemplo, o mercado tem múltiplos objetivos – circulação,
consumo, reificação, lucro, concorrência, exploração – mas nunca devemos nos
esquecer da importância do mercado na criação de dinâmicas interculturais
de poder, em tornar certos objetos apropriados e outros, inapropriados, certos
objetos visíveis e outros, invisíveis. O mercado tem tanto a ver com isso quanto
a mídia com a circulação de determinadas formas de representação, determina-
das formas de vida, ação e performance.

MICHELLE KUO:
É isso que impressiona com relação a Dara Birnbaum ou mesmo o Warhol no
início, roubando dos meios de comunicação de massa e da televisão comercial
em comparação com um músico pop que apenas toma amplamente da cultura
como um todo. Mas o que também impressiona é que a indústria cultural tem
a maior intencionalidade possível, certo? Eles têm tantos recursos, tanta gente
pensando de forma extremamente deliberada sobre o que estão fazendo! E isso
é poder.

GREGG BORDOWITZ:
Bom, é interessante usar uma expressão como indústria cultural neste
momento, assim como o termo apropriação. Isso porque, na verdade, o mundo
da arte contemporânea gera tanto capital que está situado em um contínuo
com a indústria cultural. Eu não acho que se possa falar de qualquer museu ou
acervo sem reconhecer que o chamado mundo da arte, em um nível de alta capi-
talização, é semelhante ao entretenimento popular. Por exemplo, a Björk ganha
uma exposição no Museu de Arte Moderna [em Nova York]. Não estou dizendo
nada de ruim sobre Björk ou o MoMA; só estou tentando deixar claro que já
não se pode fingir que as belas artes estão de alguma forma fora da indústria
cultural.
Devemos distinguir expropriação de apropriação. Expropriação signi-
fica tomar a propriedade de alguém. Na teoria de Marx sobre a mais-valia, o
valor do trabalho árduo dos trabalhadores é expropriado deles. Apropriação
significa tomar algo, como uma imagem, de uma fonte, que talvez pertença a
outra pessoa, citando-a, reutilizando-a e lhe dando novo propósito na própria
obra de arte. Fora do mundo da arte, um dos mais corajosos atos de apropria-
ção foi a decisão do Brasil de comprar medicamentos contra a AIDS patentea-
dos nos Estados Unidos e na Europa e fazer engenharia reversa para produzir
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versões genéricas de alta qualidade, que foram distribuídas para pessoas com
HIV no país. Isso salvou uma enorme quantidade de vidas, e a OMC rejeitou
um processo movido por dezenas de grandes empresas farmacêuticas. Foi uma
grande vitória. Qual a relação disso com a arte? Os regulamentos da OMC sobre
propriedade intelectual incluem fórmulas de medicamentos, bem como produ-
ções culturais, como filmes e programas de computador.
Sobre a questão da intencionalidade, eu queria acrescentar que um certo
grau de acaso ou escolha inconsciente é inerente à nossa navegação cotidiana
na mídia eletrônica e digital que usamos. Se você está apenas surfando em
canais a cabo ou indo de uma página do YouTube a outra, o que está fazendo,
de muitas maneiras, é participar de uma espécie de acervo aleatorizado de
imagens. Basta fazer uma pesquisa de imagens no Google, sobre qualquer
termo, e ver o que aparece. Todos nós fazemos isso todos os dias. Os mecanis-
mos de pesquisa possuem algoritmos particularmente prescritivos, e ainda há
ocorrências, colisões e sobreposições ocasionais.

MICHELLE KUO:
Isso remete à questão dos bens comuns,
que você levantou, Joan. Muitos de vocês
são artistas, talvez considerem as suas
obras a mesma coisa que a de Katy Perry,
eu não sei. Mas digamos que existam
diferentes escalas de produção, mesmo
hoje em dia, uma vez que está ficando
cada vez mais difícil diferenciar a arte da
chamada indústria cultural. O que isso
Figura 3. Salome Asega, Ali Rosa-
significa para a ideia de um bem comum, no sentido de um conjunto comum de Salas e Chrybaby Cozie. Level Up:
sentidos e formas que sejam realmente desprovidos de propriedade no sentido The Real Harlem Shake, 2015.
Videogame interativo. Fonte:
capitalista? <https://www. a r t forum.com/inprint/
issue=201706&id=68677>.

JOAN KEE:
A questão da escala é realmente importante. A ideia dos bens comuns – prin-
cipalmente no que se refere à reprodução e à tecnologia digitais – dá origem à
falácia de que todos têm uma participação igual ou cumprem o mesmo papel
na produção e na recepção da cultura. E claro que isso absolutamente não é
verdade, porque algumas pessoas têm mais acesso aos recursos do que outras.
E então parece que os bens comuns representam realmente sua própria tragé-
dia. Você tem demanda por um determinado recurso, mas todos os que conso-
mem esse recurso prejudicam outros que não têm o mesmo acesso. Então, se
parte do objetivo for, digamos, nivelar as escalas de operação, então talvez parte
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do dever de cada indivíduo seja contribuir para o desenvolvimento dos bens


comuns, ao invés de simplesmente usufruir infinitamente deles.

HOMI BHABHA:
Os bens comuns nunca podem ser algo que as pessoas simplesmente consu-
mam. Tem que ser uma relação produtiva e interlocutória. Agora, nem se sabe
se é possível nivelar os bens comuns. Pode haver igualdade de um tipo, mas
sempre haverá desigualdade de outro. Isto é o que [W. E. B.] Du Bois quis dizer
com “pode haver divisões de cor até mesmo dentro de divisões de cor”. Muitas
vezes, a equalização se transforma em universalização, e temos que ter cuidado
com isso porque a universalização é inimiga da especificidade histórica. É
inimiga da diferença. O melhor que podemos fazer ao definir uma comunidade
é criar condições nas quais as pessoas possam concretizar sua agência, o que
Amartya Sen chamou de capacidades.

GREGG BORDOWITZ:
Eu sempre pensei nos bens comuns como um ideal que existe em oposição
ao mercado. Os bens comuns são um lugar de contestação, uma tentativa de
manter uma noção sobre o que é público – uma noção liberal e burguesa de
público que na verdade poderia ter nos servido bem, apesar das contradições
do liberalismo.
Eu acho que a coisa mais radical que uma obra de arte pode fazer é consti-
tuir um novo público, um grupo de pessoas que nunca se imaginaram sentadas
na mesma sala. Esse ainda é o potencial radical da arte – essa capacidade de
estabelecer o que costumamos chamar de coalizões ou alianças ou afinidades
através das fronteiras da diferença, de constituir novos públicos de interesse,
em vez de apelar para um grupo demográfico. Os públicos têm interesses; os
grupos demográficos são grupos de consumidores. E esses públicos podem
se sobrepor, coexistir – em outras palavras, eles nos permitem conceituar um
público que não seja monolítico, onde diferentes grupos de pessoas possam ter
participações diferentes nesses debates incrivelmente pesados.
Pessoalmente, eu não consigo imaginar que possamos formular uma
proposição universal que nos leve a sair dessas tensões, porque a sociedade
está repleta das desigualdades que Joan e Homi mencionaram. A resposta não
vai surgir de qualquer polêmica específica do mundo da arte. É muito maior do
que isso.

JACOLBY SATTERWHITE:
Eu acho que esses debates vão desaparecer com as gerações. O novo adoles-
cente de treze anos está absurdamente distante dos problemas de que estamos
Porto Arte, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 293-315, jul./dez. 2017. 303

VERSÃO

falando. Da maneira como a cultura está sendo divulgada, é claro que somos
uns velhos contemplando algo que acabará desaparecendo.

MICHELLE KUO:
Eu me perguntava se algumas das polêmicas ocorridas no mundo da arte nos
últimos dois anos... A geração de jovens de treze anos é mistificada por tudo
isso?

SALOME ASEGA:
Você acha que é?

MICHELLE KUO:
Eu não sei.

SALOME ASEGA:
Estou pensando em Amandla Stenberg.

MICHELLE KUO:
Nós nem sabemos quem é essa pessoa porque somos muito velhos! [Ri.]

SALOME ASEGA:
Amandla Stenberg fez um vídeo de cinco minutos no YouTube que define a apro-
priação cultural, chamado Don’t Cash Crop on My Cornrows [Não lucre com as
minhas tranças negras].

JACOLBY SATTERWHITE:
Eu acho que ela estava dando uma aula básica sobre o que significa apropria-
ção cultural e por que essa apropriação é problemática, mas, como eu disse,
no futuro próximo talvez isso não importe, porque haverá uma inteligência na
forma como as pessoas integram ideias, simplesmente porque elas nasceram
na mesma época do YouTube ou depois. Nos anos 90, uma mulher branca se
vestia de gueixa em um vídeo pop e isso era considerado inteligente. Esse não
é o ambiente de hoje.
O que eu penso é: “certo, isso é bem polêmico, eu sou uma raivosa polí-
tica”. Mas eu escolho as minhas batalhas com sabedoria porque eu sou artista
e tenho um tipo específico de vocabulário na forma como eu trabalho, e ele é
muito sincero. Mas acho que, para algumas pessoas, denunciar a apropriação
tem a ver com tendências mais do que com um gesto sincero. É parodiar. É como
“tranças de negra em uma garota branca”, entende? E não é inteligente, é só: “Oh
meu Deus, eu estou denunciando isso! Estou usando uma saia curta!”
304 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

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SALOME ASEGA:
Eu entendo totalmente isso, mas então a pergunta que eu devolvo a você é se
os jovens viram o vídeo dela, se eles estão aprendendo a policiar dessa forma
que você está descrevendo, qual é a linguagem que eles vão usar quando forem
mais velhos? Esse debate realmente vai desaparecer?

JACOLBY SATTERWHITE:
Eu não acho que eles vão usar essa linguagem. Eu acho que eles estão só paro-
diando isso. Eles vão ler alguns livros e formar seus próprios argumentos sobre o
que é apropriação. Neste momento, eles estão apenas parodiando o sofrimento
de outra geração. E esse vídeo é apenas um vídeo viralizado falando bobagens e
frivolidades, ao qual que não devemos prestar atenção. Esses jovens não estão
prestando atenção; eles ainda estão assistindo alguma dança em algum lugar em
Bali, e fazendo isso em seu quarto.

GREGG BORDOWITZ:
Como se julga a sinceridade do sofrimento de alguém? Eu acompanhei a recente
polêmica sobre a pintura de [Dana] Schutz (Open Casket [Caixão aberto], 2016),
embora não tenha conseguido chegar a nenhuma conclusão. Eu estava confuso.
O debate revisitou argumentos que eu já havia testemunhado antes; as várias
posições formaram uma constelação de divergências, cada uma com preceden-
tes históricos. As questões levantadas abordaram problemas não resolvidos e,
até agora, aparentemente intratáveis em torno de raça e representação – ques-
tões nas quais eu venho pensando há muito tempo.
Uma analogia que me ocorreu foi o movimento para acabar com o uso
de imagens racistas e estereotipadas sobre os índios norte-americanas nas
logomarcas das equipes esportivas. Talvez essa analogia não seja comple-
tamente apropriada à situação em questão, mas há muito tempo eu ouvi um
ativista indígena norte-americano dizer: “Que parte de ‘ai, que dor’ você não
entende?” E aquilo realmente me marcou. Eu quero dizer que eu nunca pode-
ria ter a pretensão de julgar a sinceridade do que alguém diz sobre seu próprio
sofrimento.

JACOLBY SATTERWHITE:
A minha geração se sente mais à vontade com isso porque nós somos a geração
do grupo focal, das áreas de comentários do YouTube.

JOAN KEE:
Eu não acho que a expressão da sinceridade agora seja exatamente como era
há dez anos, ou dez como anos antes disso. Existem determinados marcos
Porto Arte, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 293-315, jul./dez. 2017. 305

VERSÃO

dentro dos quais determinados textos ou ideias são considerados mais sinceros
ou adquirem mais credibilidade do que outros.

MICHELLE KUO:
E a indignação da exposição de Kelley Walker em 2016, no Museu de Arte
Contemporânea de St. Louis, por exemplo, que incluiu um trabalho conhecido
que cita Race Riots [Revoltas raciais], de Warrock, entre outras imagens oriun-
das de fontes históricas e da cultura pop? Aquilo era obviamente sincero, mas
também parecia haver muitos desencontros e mal-entendidos com relação à
arte em si, o que, na minha opinião, continua sendo um exame interessante da
subjetividade e da tecnologia. Que diferença fazem o meio – fotografia versus
pintura, graus de reprodução e transformação – e a identidade autoral?

JACOLBY SATTERWHITE:
A minha visão é: essa série existiu por uma década e meia, caramba! Esse traba-
lho circulou tanto, e ninguém teve um problema com ele. E foi isso que eu quis
dizer quando falei que, quando uma pessoa chega a um determinado nível alto
de poder, é aí que de repente se percebem as transgressões criativas dela.

AJAY KURIAN:
Não, eu não concordo. Eu não acho que o que aconteceu foi desencadeado em
função de o artista ter conquistado mais poder. As circunstâncias eram muito
específicas. Mostrar esse trabalho em Saint Louis, na sequência [das revoltas
raciais em] Ferguson e ter a instituição tão mal preparada para lidar com a
crítica, o artista tão mal preparado para receber um público que expressasse
questões legítimas – estava claro que ia acontecer. A instituição não propor-
cionou um contexto e o artista não foi participante ativo quando solicitado.
Essa é a receita perfeita para um desastre como resultado da incapacidade
de escutar.

JACOLBY SATTERWHITE:
O que não chega a ser surpreendente, porque o discurso da cultura da imagem
no momento em que essas obras foram feitas está, de certa forma, distanciado
das questões concretas da política de representação, das interseções de repre-
sentação com identidade, com a experiência vivida do racismo, do sexismo hoje
em dia... Quando essas peças foram feitas, outras preocupações estavam em
primeiro plano – a ambivalência da imagem, sua circulação, monetização, digi-
talização – e as preocupações associadas ao mundo da arte dos anos 90 foram
postas de lado. E isso foi uma pena – eu não concordo com isso. Mas entendo,
contextualmente.
306 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

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HOMI BHABHA:
Isso destaca outra forma na qual o conceito de tradução é útil, eu acho: apro-
priação e tradução têm diferentes matrizes de tempo e diferentes formas de
abordar valor e valor histórico. A tradução pressupõe que haverá mudanças
interpretativas ao longo do tempo em relação a um texto ou trabalho anterior, ou
a uma coisa que veio antes. É por isso que eu estou chamando de anterior e não
original: haverá traduções, haverá transformações. O tempo e o deslocamento
contribuirão para essas transformações. É como ter um daqueles comprimidos
de liberação lenta, nos quais elementos do objeto anterior emergem em dife-
rentes lugares, em momentos diferentes, e constituem coisas diferentes. Então,
pensar sobre o anterior – eu sei que soa estranho – é enfatizar a temporalidade
do evento, objeto ou ideia, seu lugar no tempo, e não a posse exclusiva do tempo
como um momento congelado, imediato ou imóvel.
A tradução também pressupõe que a relação do anterior com a coisa que
segue possa ser tangencial. Não precisa ser mimética nem reflexiva. Não é uma
relação fundacional. É uma relação vetorial, de modo que o objeto traduzido não
é irreconhecível pelo objeto anterior, mas tem suas próprias figurações e configu-
rações e até mesmo deformações e interpretações equivocadas... . É uma inter-
venção interpretativa.
Então, se você aceita a tradução, o problema não é de continuidade entre
o original e o posterior; é de convergência. As coisas vêm de diferentes lugares,
por diferentes meios, histórias diferentes, e convergem a um lugar, uma ideia ou
uma imagem. Essa convergência se tornará, ela própria, um momento de anterio-
ridade, do qual surgirão outras estruturas ou figuras de tradução e interpretação.
Não quero, de forma alguma, negar a especificidade histórica ou a singu-
laridade cultural de algo que acontece pela primeira vez ou de algo que vive na
memória ou na história como uma “cena primitiva”, ou algum evento fundacional
em torno do qual uma história é construída ou destruída. Reconhecer o caráter
de tradução do “original” ou o “autêntico” certamente não é uma forma de plura-
lismo ou relativismo sem consideração com a agência, o poder ou o conflito. A
tradução como uma atividade do anterior enfatiza o que Walter Benjamin chama
de “contraste dialético”: há um espaço de resistência ou deslocamento, revisão e
rearranjo, intervenção e reinterpretação, reinvenção e redescrição, se você procu-
rar o suficiente e refletir por tempo suficiente. Naquele momento, começa o traba-
lho de discernimento e escolha: o que é uma apropriação fácil, autoenaltecedora
e narcisista? E o que é uma tradução com caráter de busca e questionamento?

GREGG BORDOWITZ:
Isso retorna ao que Ajay estava dizendo sobre a falta de discurso produtivo:
acho que a discussão pública sobre essas questões é extremamente importante.
Porto Arte, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 293-315, jul./dez. 2017. 307

VERSÃO

Mas eu não quero viver em um mundo onde isso seja legislado, onde o que pode
e não pode ser feito seja prescrito pela autoridade.

AJAY KURIAN:
Não, não pode ser legislado. Mas ninguém está dizendo a Dana Schutz que ela
não poderia ter feito a pintura.

MICHELLE KUO:
Bom, algumas pessoas estavam dizendo isso.

JACOLBY SATTERWHITE:
As pessoas estão dizendo que ela vai ser destruída, o que eu não gosto. Uma
obra de arte nunca deve ser destruída.

GREGG BORDOWITZ:
Eu não quero ver essas coisas policiadas em nível de lei. Em termos de senti-
mentos, dor, desencadeantes, os tipos de contextos em que existimos hoje; eu
sou muito, muito sensível a essas preocupações como educador. Eu entendo
isso da perspectiva de alguém que vê, em primeira mão, como os professores
estão respondendo a esses desafios em sala de aula. E acho que o debate é a
única maneira de enfrentar os desafios, porque o contexto é muito importante.
Acho que a exposição de Walker em Saint Louis hoje é diferente do trabalho em
si, independentemente das proposições de Walker no momento em foi feito ou
de como ele o entendia. Acho que o ensaio de Glenn Ligon sobre Walker [2010]
foi muito instrutivo na medida em que ele leu o trabalho de Walker como sinto-
mático do fascínio da cultura branca por imagens de pessoas de cor. E foi uma
leitura incrível e profunda.
Se você olhar para a história – você sabe, as leis de patentes têm apenas
cerca de 150 anos – até um tempo relativamente recente, se você traduzisse
um livro, você era considerado o autor desse livro na língua da tradução. Agora
estamos em um momento histórico onde os regimes de mercado se encontram
com os bens comuns e tentam regulá-los, com grande êxito, mas não com um
controle total.

JOAN KEE:
Uma das coisas que me chamaram a atenção com relação à controvérsia sobre
o Open Casket de [Schutz] é a certeza com que as pessoas se agarravam às suas
opiniões, ao ponto de não haver absolutamente mais nenhuma dúvida. Se você
odiasse a pintura, odiava a pintura e não havia mais o que conversar. Eu também
vejo isso em termos de sala de aula. Este ano, pela primeira vez, todos os meus
308 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

VERSÃO

alunos nasceram depois de 2000. E foi impressionante ver até que ponto todos
eles simplesmente se recusaram a discutir essa polêmica porque, para eles, o
chamado à discussão muitas vezes parecia pouco mais do que o ensaio de um
conjunto limitado de afirmações de verdade. Em termos da discussão que real-
mente ocorre, será que ela é feita realmente para se chegar a um consenso ou
uma resolução ou é discussão por discutir?

SALOME ASEGA:
E como estamos usando ou instrumentali-
zando imagens nessas discussões? Já faz
mais de vinte anos que temos o Google. Esta-
mos acostumados com a velocidade em que
as imagens nos chegam. E elas também pare-
cem ter um período de vida mais curto – nós
as discutimos e elas somem. Estamos redu-
zindo o ritmo e lendo imagens? Ou somos
rápidos em falar sobre elas, descartá-las e
deixar que morram?
Figura 4. Yellow Jackets
Collective, YJC, 2017, colagem
digital com fotografias de Grace JACOLBY SATTERWHITE:
Na e Christal Sih. Fonte: <https://
www. a r t forum.com/inprint/ Mas não se sabe realmente se elas estão mortas, porque mesmo que seja uma
issue=201706&id=68677>.
cultura de memes, os memes às vezes são ressuscitados. Nós armazenamos
essas coisas, e elas acabam sendo usadas para outros propósitos. Para ser
sincero, não sei se as estamos descartando. Eu acho que nossos discos rígidos
estão realmente cheios, e isso provavelmente está mudando a maneira como a
cultura geral lida com as imagens.

JOAN KEE:
Eu concordo. Muitos dos meus alunos olham as imagens com uma postura do
tipo “deixe eu acumular este arquivo maior e encontrar um algoritmo que possa
ser replicado eternamente usando todas essas imagens que eu acumulei”.
Mesmo que sua atenção se mantenha por menos tempo, o banco de dados que
eles usam é muito maior. E portanto, para eles, trata-se de uma infinita recombi-
nação e da alteração das imagens, e não do uso intencional de imagens intactas
tão fundamental para o legado do Pop e a estratégia da apropriação.
O pensamento deles, por sua vez, é transnacional e transcultural, influen-
ciado por abordagens múltiplas e às vezes conflitantes à cópia e ao empréstimo.
Um exemplo seria a atitude que muitos dos meus alunos da China têm em rela-
ção a shanzhai, uma palavra que antes era usada principalmente para se referir
a atos criminosos de violação de direitos autorais. Hoje ela é mais usada para
Porto Arte, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 293-315, jul./dez. 2017. 309

VERSÃO

indicar a produção de código aberto destinada a ampliar a acessibilidade. Mas


a facilidade com que agora é possível fazer apropriação física definitivamente
faz parte do problema; para alguns, justifica nivelar a arte em um fluxo geral
de comércio ou, mais problematicamente, para os outros, sugere que o uso de
imagens sem referência ao contexto simplesmente deixou de ser um problema
legítimo a se debater.

GREGG BORDOWITZ:
Mas existem diferentes mercados de arte e mesmo mundos da arte, certo?
Então eu não sei se essas posições ou abordagens só podem ser desmembra-
das em categorias geracionais. Por exemplo, no mundo predominante da arte,
ainda se valoriza o objeto artesanal, que tem um certo mercado. Não estou
criticando qualquer método particular de se fazer arte, estou falando sobre as
operações do mercado. A antiga noção marxista de desenvolvimento desigual é
útil agora porque nos lembra de que não podemos presumir que haja desenvol-
vimento igual ou homogêneo em todos os lugares. Grande parte do mundo não
tem acesso à internet, nem à tecnologia de que estamos falando. Aliás, a distri-
buição global de pessoas sem acesso à internet não corresponde com tanta
facilidade a nações “desenvolvidas” ou “em desenvolvimento”.

HOMI BHABHA:
Nada lhe impede de combinar tudo o que você quiser, assim como nada lhe
impede de plagiar – até você ser pego. Você pode se apropriar do que quiser,
mas só quando você for pego é vai surgir o problema. E, portanto, o próprio
processo, por mais tecnologicamente aprimorado e geracionalmente aceito que
seja, precisa de certas condições de aceitação ou critérios de julgamento.
Esses critérios não podem se basear simplesmente no tabu de apropriação
ou no policiamento do que pode ou não ser apropriado, porque essas formas
de apropriação e tradução continuarão a ser produzidas, gostemos ou não. De
certa forma, elas são inerentes à nossa existência tecnológica.
E, portanto, a questão agora não se resume às condições de produção. A
questão é: Quais são as condições de recepção? Quais são as “boas práticas
interpretativas”, se me permitem cunhar uma expressão? Essas práticas podem
lidar com o sentido, com a moralidade, com implicações políticas, mas devem ser
fundamentadas na crença da importância da convergência em vez do consenso,
de reconhecer a diferença e os critérios de julgamento.
Mais uma vez, precisamos perguntar: quando juntamos essas diferentes
citações ou imagens e que história elas estão contando? E você acha que essa
história é útil? Ela está dizendo algo novo? É um pastiche ou puramente deco-
rativa? Se a montagem realmente faz o que a montagem faz, que não é apenas
310 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

VERSÃO

colocar duas coisas uma ao lado da outra, mas sim produzir um tertium quid,
produzir outra coisa que desloque cada uma dessas imagens ou textos e possa
ser acumulada em um arquivo cada vez maior por meio da tecnologia, então a
questão então passa a ser: quais são os critérios – interpretativos, políticos –
para se julgarem essas constelações? Quais são os critérios éticos de aceitação?

AJAY KURIAN:
Eu estou lendo um livro sobre migração, de Thomas Nail [The Figure of the
Migrant, 2015] e parece apropriado à forma como estamos falando de imagens.
Em vez de falar sobre apropriação, também podemos falar sobre a imagem
migratória e as dinâmicas sociopolíticas que influenciam seus movimentos.
Como a migração não é neutra, Nail fala em termos de nômade, bárbaro, vaga-
bundo e proletariado, abordando, entre outras coisas, o estado de ilegalidade
– não “ilegais”, mas a condição em que tantas pessoas existem hoje, a de ilegali-
dade ou de sem-pátrias. E essa é uma relação de poder muito específica.

MICHELLE KUO:
Hito Steyerl fala sobre a imagem pobre, a imagem de baixa resolução que hoje
viaja mais rápido e mais longe do que nunca, em maiores quantidades do que
nunca, e que tem certa quantidade de poder. Quanto mais baixa resolução ela
tiver, quanto mais empobrecida for, mais rápido ela viajará e mais poderosa
será, em função de sua maior circulação.
Mas me impressiona que alguns dos debates que têm surgido sejam preci-
samente sobre parar essa circulação ou exigir que algumas imagens não prolife-
rem nem circulem desse modo. E assim, essa é outra maneira de pensar sobre o
movimento das imagens, para o bem ou para o mal. Jacolby, Ajay, Gregg, Salome
– todo o seu trabalho e seu pensamento envolvem isso de alguma forma, sim.

SALOME ASEGA:
E temos que pensar sobre a diferença que surge quando as imagens circulam. A
minha internet tem uma aparência diferente da sua, ainda que nós dois usemos
o mesmo navegador. Enquanto isso, nossas máquinas estão nos aprendendo e
estão desenvolvendo personalidades que são como as nossas.

JACOLBY SATTERWHITE:
Não é assustador quando um aplicativo aparece enquanto você está falando ao
telefone, e está relacionado a algo que você disse em voz alta?

SALOME ASEGA:
Sim. É escuta, mesmo!
Porto Arte, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 293-315, jul./dez. 2017. 311

VERSÃO

JACOLBY SATTERWHITE:
Eu vi anúncios no Facebook que têm a ver com a minha conversa falada. Ou se
eu pesquisar algo no Instagram, ele pode aparecer no meu e-mail.

MICHELLE KUO:
Isso é que é apropriação, uma loucura!

GREGG BORDOWITZ:
Acho que essa é a ansiedade que está na base desta conversa: essa cultura de
vigilância em que vivemos, que funciona através da apropriação, do fato de que
a capacidade de apropriação está embutida nas tecnologias que usamos todos
os dias.
E a intransigência das posições dentro dos debates atuais é sintoma de
uma ansiedade muito maior sobre viver em um país que está profundamente
dividido e administrado por um regime neofascista.
O presidente e seus assessores são modelos de um certo tipo de intransi-
gência. O que tenho medo é da política dos testes para por as pessoas à prova,
mesmo que o objetivo seja algo que eu possa apoiar. Por exemplo, divulgar os
nomes dos membros do conselho do museu que apoiaram o Trump durante
a eleição – aonde isso vai levar? É uma estratégia limitada e perigosa para a
esquerda.
Eu me lembro de que no movi-
mento LGBTQ, divulgar nomes e constran-
ger foram estratégias venenosas para a
atmosfera de ativismo queer porque leva-
ram a uma política de testes nos quais se
passava ou não. E há um velho ditado na
esquerda: “Quando o inimigo não está na
sala, praticamos uns nos outros”. Esse não
é um futuro que me interesse.
Eu tenho muito medo disso. Eu já
vi isso. Eu vi isso nos movimentos de que
participei, no movimento ativista da AIDS
e em outros movimentos de esquerda. Eu
Figura 5. Ajay Kurian, Here to Help,
abandonei a política sectária para participar do ativismo da AIDS, porque a AIDS 2016. Sacos de dormir que se
vestem, fio de alumínio, fita adesiva,
nunca foi um movimento político de uma questão única – a epidemia tocou argila epóxi, cereais impressos 3-D,
em todas as questões e o ativismo da AIDS não era sectário, ao contrário da corrente de plástico, folhas falsas,
areia, espuma, concreto, Rockite,
esquerda tradicional do final dos anos 70 e início dos anos 80, que era assolada tinta, ferragens, varas de incenso,
poliuretano, 40 × 66 × 52”. Fonte:
por lutas internas terríveis. E agora eu sinto isso novamente no tipo de política <https://www. a r t forum.com/inprint/
que está surgindo, e me assusta. issue=201706&id=68677>.
312 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

VERSÃO

HOMI BHABHA:
O que entendemos como política sectária não é tanto que o inimigo esteja fora da sala,
e sim duas outras coisas: em primeiro lugar, quando o inimigo é complexo demais
para criar solidificação ou solidariedade entre aqueles que estão contestando seu
poder; em segundo, quando o próprio inimigo é complexo internamente, contraditório
– cedendo poder em um ponto, retendo-o em outro. Não é que o inimigo esteja fora da
sala, e sim que, quando ele está sentado dentro da sala, não se pode entender quem
é o inimigo ou quais são seus diferentes rostos dentro da sala.
Diante desse tipo de complexidade, os grupos de oposição tendem enfrentar
uns aos outros, devido a problemas de estratégia ou compreensão. O truque é garan-
tir que você entenda que existe uma linha que você não pode ultrapassar sem cola-
borar com os poderes aos quais quer se opor.

SALOME ASEGA:
Depois da eleição, eu tenho passado muito tempo pensando em que tipos de estru-
turas de responsabilização precisam ser criados para quando eu pisar na bola ou
quando pessoas ao meu redor fizerem isso. E isso não significa necessariamente
constranger, mas deve haver pelo menos algum tipo de código ou conjunto de regras.

GREGG BORDOWITZ:
Eu concordo – tem que haver uma maneira de criticarmos uns aos outros e nos
responsabilizarmos. Mas estou pensando em como organizar uma discussão crítica
na qual possamos nos deparar com momentos dolorosos de diferença e superá-los.

AJAY KURIAN:
Agora, nas redes sociais, quando divulgamos algo, estamos colocando um ponto
final – como em “fim da discussão” – no fim de cada coisa que dissemos. Houve uma
época em que eu me envolvia nessas brigas de Facebook, e cada vez que eu construía
um comentário, pretendia que fosse a última palavra; não era dialógico. E eu parei de
fazer isso. Eu pensei: isso é ridículo. Estou alimentando uma habilidade tóxica.

JACOLBY SATTERWHITE:
Ensina a digitar mais rápido.

AJAY KURIAN:
E ensina a vomitar no próprio cérebro. É uma facilidade nociva na qual as
pessoas estão ficando realmente boas. Não é uma crítica, porque não há possi-
bilidade de entrar em diálogo com a outra pessoa. Ainda é a produção de si
mesmo contra a produção de outra pessoa.
Porto Arte, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 293-315, jul./dez. 2017. 313

VERSÃO

MICHELLE KUO:
E é claro que há muitas pessoas que só viram o Open Casket no Instagram ou na
internet; elas nunca viram no contexto da exposição. E tem muita gente que viu a
exposição e não tem ideia de que essa polêmica esteja acontecendo. Então eu acho
que as formas pelas quais uma imagem ou uma obra são arrancadas isoladamente
do seu contexto, o que parece inevitável agora, exige novas formas de comunicação.
Se tudo o que resta do discurso é uma série de comentários que não são dirigidos a
ninguém em particular, nunca poderemos ter sentido intersubjetivo, ou seja, entender
outra pessoa, entender sentidos em um texto ou em uma imagem, entender algo fora
de nós mesmos. A única opção que resta para a arte é a autobiografia. Isso é absurdo,
mas como se começa a pensar em outros modelos de conversa ou interação? É claro
que se pode resistir a essas estruturas, mas será que existem alternativas?

JOAN KEE:
Uma possibilidade pode ser se afastar das discussões baseadas em direitos e, em
vez disso, considerar quais são as nossas obrigações e para com quem. É claro que
isso levanta a questão de quem vai administrar essas obrigações ou, ou seja, de
autoridade e aplicação. Mas pelo menos estimula a pensar na participação como
um reconhecimento de dívida e não como exercício de direitos. Isto é, deve-se fazer
um trabalho preliminar no registro de atitude: humildade em vez de presunção de
onisciência. Talvez seja necessário promover momentos deliberados de fracasso.

HOMI BHABHA:
Dito de outra forma: como representamos de maneira justa os pontos de vista
que contestamos ou rejeitamos ao fazer o melhor que podemos para garantir que
nossos oponentes reconheçam que seus pontos de vista foram representados e
avaliados com justiça, mesmo quando recebem questionamentos contraposições
devastadoras? Partindo de histórias, crenças e valores diversos, tem que haver
uma visão que enfatize a importância da convergência e que nos liberte para
seguirmos nossos próprios caminhos.
A convergência é movida por processos, e o “devido processo” no debate
exige o que eu chamo de boa prática interpretativa. Como uma comunidade
define isso sem aceitar a noção de um livre mercado de ideias, sabendo que nada
é “livre” de custos, nada sai de graça?

GREGG BORDOWITZ:
Eu acho que deve começar pelo reconhecimento de que estamos atomizados
como nunca estivemos, e que todos estamos olhando várias telas e acompa-
nhando a história de todas as maneiras diferentes. E assim, o trabalho da educa-
ção é estabelecer um terreno em que o aluno possa conceituar sua subjetividade
314 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

VERSÃO

como um eu múltiplo, usando uma constelação de histórias, ideias e convicções,


referências que podem abranger a história da arte, mas que também incluirão
outros tipos de formação de habilidades e trajetórias históricas.
Concordo com você, Jacolby, em que a apropriação terá um formato muito
diferente no futuro e isso pode acontecer de acordo com visões muito diferentes
sobre identidade. Novas formações identitárias surgem historicamente. Por exem-
plo, “pessoas com AIDS” é um exemplo relativamente recente de uma identidade
nova que atravessa limites estabelecidos para criar novos públicos de interesse.

AJAY KURIAN:
Pensando sobre essa atomização, é curioso porque, em certo sentido, a única
coisa que nos liga agora é o produto. Todo mundo tem um iPhone, todo mundo
tem alguma tecnologia definidora. “Nós temos isto” é a nossa inteligência social
agora, uma forma compartilhada de conhecimento. Para os artistas, tem sentido
querer se tornar Katy Perry ou um superastro, porque, para passar a fazer parte
de um sentido social compartilhado, você precisa se transformar em produto.

GREGG BORDOWITZ:
Como se cria um contexto onde se possa ter uma sala cheia de pessoas envolvi-
das em todas essas práticas diferentes e onde as diferenças possam ser negocia-
das? Parece valer a pena voltar à noção de poética de Aristóteles como disciplina
ou prática que molda a forma como se juntam as coisas. A composição se torna o
conceito comum através do qual todos podemos conversar uns com os outros em
diferentes mídias. Pode ser um movimento pedagógico conservador, mas talvez
seja uma maneira de estabelecer uma linguagem comum para a conversa.

JACOLBY SATTERWHITE:
Estou surpreso que a Rachel Dolezal não tenha aparecido hoje. [Ri.]

SALOME ASEGA:
Pare!

JACOLBY SATTERWHITE:
Eu estou obcecado com ela.

AJAY KURIAN:
É uma espécie de incômodo para você?

JACOLBY SATTERWHITE:
Eu gosto das pinturas negras dela. Eu adoro que ela faça arte.
Porto Arte, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 293-315, jul./dez. 2017. 315

VERSÃO

AJAY KURIAN:
Eu não sabia disso.

JACOLBY SATTERWHITE:
Ela tinha um mercado. Aquelas pinturas do J. J. de Good Times. As pinturas dela
são como pinturas do orgulho negro que você pode ver em uma loja coreana de
produtos para o cabelo.

GREGG BORDOWITZ:
Eu entendo por que a Rachel Dolezal foi tão perturbadora. A minha política iden-
titária, formada nos anos 80, reconhece a autodeterminação como o princípio
mais importante. Os grupos de mulheres, as pessoas que ocupam posições
minoritárias, principalmente as posições oprimidas, tiveram e têm o direito de
se organizar e controlar os espaços onde definem os termos da discussão.

MICHELLE KUO:
Mas esse tipo de controle é problemático. Mais uma vez, pode acabar reprodu-
zindo as próprias estruturas de supressão que marginalizam e reprimem.

HOMI BHABHA:
Em todos os contextos de sofrimento, há sempre a posição de testemunhar e há a
posição de atestar. Parece-me que, se você disser que “somente quem sofreu ou
foi oprimido pode falar pelos oprimidos” se corta a possibilidade de construir uma
coalizão mais ampla de pessoas e estruturas que sejam contrárias às formas de
opressão e possam defender a liberdade ou o bem comum.
Por exemplo, a crítica de James Baldwin a Elijah Muhammad [e à Nação
do Islã] foi: “Já temos problemas suficientes para criar uma nação. Será que
realmente queremos duas?” Ou sua outra grande declaração: “Não se pode
resolver o problema dos afroamericanos sem
os brancos americanos. Não se pode resolver
esse problema, e tampouco se pode transferi-lo
para algum Pan-Africanismo”.

MICHELLE KUO:
Eu interpreto a demanda que diz que “apenas
uma pessoa certificada da raça X pode falar
por essa raça” como um retorno a uma fanta-
sia de pura subjetividade; o ponto final é o solipsismo. Como é que podemos Figura 6. Jacolby Satterwhite, Pi,
2013, Impressão C-print, 30×53”.
aprofundar a disseminação do pensamento intersubjetivo, das imagens, das Fonte: <https://www. a r t forum.com/
ideias, independentemente do lugar de onde elas vieram ou de quem acha que inprint/issue=201706&id=68677>.
316 Salome Asega, Homi K.Bhabha, Gregg Bordowitz, Joan Kee, Michele Kuo, Ajay Kurian e Jacolby Satterwhite: Apropriação cultural: uma mesa redonda

VERSÃO

as possui, enquanto garantimos que a disseminação seja feita de maneira –


para usar um termo anódino – produtiva em vez de sofrida?

GREGG BORDOWITZ:
Acho que eu diria que é nos organizando. É a isso que eu estou direcionando
a minha atenção agora. Primeiro, tem que haver uma maneira de pessoas de
diferentes identidades se aliarem. Eu defendo um ideal de política de coalizão
organizado entre ativistas, com a finalidade de compartilharmos recursos e nos
apoiar mutuamente, arriscando-nos uns pelos outros quando necessário. Ainda
estou procurando modelos como esse.
Ouvi e adotei o que Stuart Hall nos disse em 1991, no Studio Museum, no
Harlem: que devemos avançar sem as garantias de essencialismo. E agora não
sei o que aconteceu com aquele momento.

HOMI BHABHA:
Nós todos também, e tínhamos razão em fazê-lo. Mas estamos no meio de um
apagamento feroz das vidas, experiências e histórias dos marginalizados, dos opri-
midos, das minorias. É uma história antiga, mas também nova. Os imigrantes sem
documentos são imediatamente identificados como criminosos apenas porque atra-
vessam uma fronteira – procurando trabalho e sendo absorvidos na economia infor-
mal – mas, de repente, eles se tornam ração para alimentar a xenofobia populista
e o racismo. Quando ocorrem esses apagamentos, há um desejo compreensível de
se apegar a algo que seja “próprio”, que não esteja sendo tirado de você ou imposto
a você pelo poder e a rentabilidade alcançada à sua custa. Nesses momentos, as
pessoas se tornam possessivas – infelizmente, até mesmo “essencialistas” – como
se fosse para se defender de “fundamentalismos” hegemônicos com alguma identi-
dade ou crença fundacional alternativa, com algo que pertence a você e que está em
perigo e vulnerável. E isso levanta a complexa e polêmica questão da apropriação.

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