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João Pessoa
Março / 2008
SILVA, Marco Antonio.
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
A Deus, pelo milagre da vida e em cujas mãos me coloco a cada dia;
À minha esposa Goretti, pela força, carinho e paciência nos momentos de ausência;
Às minhas filhas Rebecca, Gabriela e Déborah, pela alegria de tê-las ao meu lado;
À minha família, pais e irmã, pelo esforço ao longo de minha trajetória;
Ao professor Hermes Alvarenga, pelo aprendizado, pela dedicação e paciência;
À Orquestra de Câmera Eleazar de Carvalho, na pessoa do Maestro Marcio Landi, do
coordenador Eduardo Fidelis e aos músicos, por todo apoio dado;
À Ex-Secretária de Cultura do Estado do Ceará, Claudia Leitão, pelo incentivo;
À FUNCAP pelo apoio financeiro que possibilitou minha dedicação ao mestrado;
Aos meus amigos e professores Leopoldo e Ilza Nogueira;
Ao meu “irmão” Ademar, companheiro de longa jornada;
Aos professores e alunos do Mestrado pela amizade e trocas de experiências;
Aos entrevistados pela disposição em contribuir com este trabalho.
6
RESUMO
Na década de 1970, o professor Jaffé causou um grande impacto no cenário musical brasileiro
ao implantar uma metodologia de ensino coletivo para os quatro instrumentos de cordas,
simultaneamente. Desta forma, conseguiu unir as semelhanças entre esses instrumentos para
poder ensiná-los em um mesmo momento. O método foi aplicado no Brasil nas cidades de
Fortaleza e São Paulo, e posteriormente nos EUA. O presente trabalho enfoca a experiência
dessa abordagem realizada no Ceará, que iniciou um numero significativo de instrumentistas de
cordas. Teve como objetivo verificar em que medida o Projeto Jaffé contribuiu para a formação
inicial destes instrumentistas de cordas, participantes do grupo estabelecido em Fortaleza. A
pesquisa teve como suporte metodológico uma abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso.
Para tanto, foram realizadas entrevistas, semi estruturadas, com dez egressos deste projeto. A
pesquisa possibilitou uma aproximação com o trabalho realizado pelo professor Jaffé em 1975,
no SESI, na cidade de Fortaleza. Com base nesse estudo foi possível identificar contribuições
para a formação musical e humana de muitos dos jovens e adolescentes que participaram desse
movimento na década de 1970.
ABSTRACT
During the 1970’s, Professor Jaffé caused a great impact in the Brazilian musical scenario when
he introduced a methodology of general teaching for the four strings, which was applied
simultaneously. Jaffé succeed by associating the similarities of these strings in order to teach all
of them at the same time. The method was applied first in Brazil in the cities of Fortaleza and
São Paulo, and then in the USA. This work focus on the experience of applying this approach in
the city of Fortaleza. This work tried to verify in which measure Jaffé Project contributed for the
initial formation of the musicians in the group established in that city. The research used as a
methodological support the study case – a qualitative approach. In order to do this, were made
half structured interviews with ten former students of this project. The research made possible
an approximation with the work done by Professor Jaffé in the year of 1975, in the SESI in
Fortaleza. Based on this study, it was possible identify how effectively it contributed for the
education of a great deal of young musicians that emerged from this experience in the decade of
1970’s.
.
Keywords: Jaffé method, general teaching of strings, Fortaleza experience, string.
9
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE EXEMPLOS
Exemplo 1 – LÁ-SI-LÁ............................................................................................. 27
Exemplo 2 – Maria Chinesa..................................................................................... 30
Exemplo 3 – Maria Japonesa................................................................................... 31
Exemplo 4 – A Barquinha Ligeirinha...................................................................... 32
Exemplo 5 – Ah, Vous Dirai je Maman (uníssono)............................................... 34
Exemplo 6 – Ah, Vous Dirai je Maman (polifônico)............................................. 35
Exemplo 7 – A Carruagem....................................................................................... 36
Exemplo 8 – O Arqueiro........................................................................................... 38
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 11
1. ALBERTO JAFFÉ: O Método........................................................................ 18
1.1 Atraindo jovens para o estudo do instrumento de cordas.......................... 21
1.2 Aplicação do método....................................................................................... 23
1.3 Os instrumentos.............................................................................................. 39
1.4 Comparação com outros métodos................................................................. 40
1.4.1 Jaffé e Orff: Prática Instrumental & Aspectos Teóricos......................... 40
1.4.2 Jaffé e Suzuki: aspectos divergentes com o método Suzuki.................... 41
1.5 Aspectos Psicológicos..................................................................................... 42
1.6 Algumas considerações.................................................................................. 45
2. UM ESTUDO DE CASO COM OS EGRESSOS DA EXPERIÊNCIA
JAFFÉ................................................................................................................... 47
INTRODUÇÃO
1
¹Disponível em:http://www.solardasartes.com.br/Professores.html. Acesso em: 01/02/2008.
12
Esse estudo tem como foco o trabalho realizado pelo professor Alberto Jaffé na
cidade de Fortaleza – CE. O professor Alberto Jaffé nasceu na cidade do Rio de Janeiro,
no dia 5 de maio de 1935. Teve sólida formação violinística, iniciando seus estudos aos
cinco anos, com a professora Messody Baruel, uma violinista da Orquestra do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. Quando tinha oito anos de idade, realizou sua primeira
apresentação em público, com um recital de violino. Obteve a primeira colocação em
vários concursos no Brasil, a começar com o de solistas da Orquestra Sinfônica
Brasileira - OSB, aos 11 anos de idade. No entanto, em 1954, Jaffé entrou para a Escola
Fluminense de Engenharia com o intuito de atender ao desejo de seu pai. Ao mesmo
tempo, continuou seus estudos de violino com Oscar Borghetti, e com Giancarlo
Pareschi. Jaffé foi escolhido como representante único do Brasil na Orquestra
Internacional, através do Concurso Nacional das Juventudes Musicais Brasileiras. O ano
de 1959 trouxe para Jaffé novas oportunidades. Foi, por exemplo, eleito o melhor aluno
do IX Curso Internacional de Férias da Pró-Arte, em Teresópolis. Tal conquista lhe
conferiu uma bolsa de estudos para a Alemanha, onde estudou na cidade de Colônia,
com o professor Max Rostal. Ao término de seus estudos na cidade de Colônia, Jaffé
voltou ao Brasil, onde dirigiu vários cursos internacionais. Participou de extensas turnês
em diversos países, juntamente com sua esposa, a pianista Daisy de Lucca. Atuou como
solista a frente de diversas orquestras no Brasil e no exterior, a exemplo de Orquestras
em Israel, na Bélgica, Espanha, Alemanha, México e Estados Unidos. De 1982 a 1985,
foi co-diretor do Departamento de Música da National Academy of Arts, em
Champaign, Illinois, atuando na área de violino, viola, música de câmara, além de
trabalhar como professor na Universidade de Illinois.
Do Interesse do pesquisador
É nesse contexto que a presente pesquisa se delineia, tendo como foco o ensino
coletivo de instrumentos de cordas através do “Método Jaffé”. Desta forma, o objetivo
desse estudo é investigar o método de ensino coletivo para instrumentos de cordas no
contexto da proposta de Alberto Jaffé no Ceará, estabelecendo as contribuições desta
15
Da metodologia da pesquisa
Minayo (2004, p.26) defende que cada pesquisa tem um ritmo, denominado de
“ciclo de pesquisa”, e se configura como “um processo de trabalho em espiral, que
começa com um problema ou pergunta e termina com um produto provisório, capaz de
dar origem a novas interrogações”. Diante das possibilidades metodológicas de
desenvolvimento desse trabalho de pesquisa, optou-se pela abordagem qualitativa, mais
especificamente pelo estudo de caso, por possibilitar trabalhar com uma amostra
reduzida, oportunizando um aprofundamento maior das informações sobre o caso
escolhido.
realizadas com o professor Jaffé e sua esposa Dayse, bem como na vivência deste
pesquisador, como aluno dos mesmos.
Ensino, por sua vez, apresenta-se como a ação ou o efeito de ensinar. É ainda,
um dos principais meios de educação, a forma sistemática normal de transmitir
conhecimentos, em geral em escolas.
2
Comenius(1592-1670), foi o criador da Didática Moderna e um dos principais educadores do século
XVII; ele concebeu uma teoria humanista e espiritualista da formação do homem que resultou em
propostas pedagógicas hoje consagradas ou tidas como muito avançadas.
19
variável. Jaffé não se importava de eventualmente agrupar vinte ou até mais alunos em
uma mesma sala de aula. Além de observar suas vantagens didático-musicais, Jaffé
considerava esse processo gerador de um alto índice de aproveitamento do tempo: “Não
mais um professor ocupando-se de um aluno em uma sala de aula com uma aula
semanal, mas a desejada multiplicação de resultados e, em conseqüência, a formação de
novos músicos em massa” (JAFFÉ, 1976, p. 11).
tocando a partir de partituras. Esse registro fotográfico mostra uma das primeiras aulas
ministradas por Jaffé, quando os alunos tocavam pela repetição das notas que o
professor ensinava. Percebe-se que o grupo é formado por jovens alunos, fato que
demonstra a principal clientela atendida em Fortaleza.
pela primeira vez aqueles instrumentos, que, na época, algumas pessoas só conheciam
através do programa Concertos para a Juventude, apresentado semanalmente por uma
rede nacional de televisão. Esse evento era uma forma de convite para aqueles que
desejassem aprender os instrumentos de cordas.
Nesse aspecto, o primeiro contato dos alunos com a didática do professor Jaffé
contribuiu para que eles percebessem a possibilidade de se tornarem futuros
instrumentistas de cordas. No núcleo de Fortaleza, a faixa etária para admissão era entre
10 e 18 anos de idade. Os alunos foram selecionados através de um teste que avaliava
sua capacidade rítmica e auditiva. A princípio, Jaffé e sua esposa emitiam uma
seqüência rítmica através de batidas na mesa, que o aluno deveria repetir. Em seguida,
cantavam uma melodia que o aluno deveria imitar no mesmo tom.
23
Figura 4: Violoncello
25
Figura 5: Contrabaixo
Essa perspectiva, tão valorizada por Jaffé, de buscar que o aluno esteja relaxado
no momento em que executa o instrumento, é compartilhada por Cruzeiro (2005), que
26
3
A palavra Lá está associada à corda Lá e a palavra Si, à mesma corda com a digitação do primeiro dedo.
27
Exemplo 1: Lá-Si-Lá.
4
Tocando apenas com os dedos pinçando a corda
28
Depois que o aluno aprendia a tocar em pizzicato, o próximo passo era aprender
a utilizar o arco, que era ensinado da seguinte forma: com o dedo polegar na curva entre
a almofada e o talão; o dedo indicador acomodado na almofada do arco, na região da
falange; o dedo médio na lateral do talão, assim como o anelar; a ponta do dedo mínimo
relaxada sobre a vareta do arco, como mostra a figura a seguir:
Depois que os alunos dominam essa técnica de segurar o arco, este é posto sobre
a corda. Nesse momento o objetivo principal dos alunos é conseguir sincronizar o
movimento dos dedos da mão esquerda com o movimento do arco. A melodia
executada é a mesma que fora praticada na forma de pizzicato, no caso, na corda Lá.
Cumprida essa etapa, o aluno é então levado a tocar a música “Lá-Si-Lá”, buscando
extrair dos instrumentos seus primeiros sons com o arco.
29
Jaffé entende que quando o aluno vence cada etapa ele se sente estimulado a
retornar para a próxima aula. A partir do momento que os alunos dominam essa prática
no primeiro exercício, Jaffé aplica o mesmo exercício em outras cordas. Nesse
momento, os alunos utilizam a digitação do primeiro dedo e a corda solta, para que
comecem a se familiarizar com o instrumento. Observa-se que os alunos até esse ponto
da aprendizagem ainda não decifram os símbolos musicais e tocam pelo processo de
ouvir, ver e repetir. O aluno constrói sua autoconfiança aos poucos ao perceber que é
capaz de tocar um instrumento.
5
Relato apresentado em entrevista, via correio eletrônico.
30
6
Relato do autor como participante da experiência com o professor Jaffé.
31
A aplicação dos exercícios era feita em duas etapas. Na primeira, Jaffé ensinava
as músicas por naipes, ou seja, cada instrumento de forma separada. Em seguida, reunia
toda a família das cordas e praticavam juntos. Até então os alunos estudavam ouvindo o
bloco sonoro de seu próprio naipe de instrumento. A seguir, com a reunião de todos os
instrumentos de uma orquestra de cordas tocando ao mesmo tempo, eles ouviam a
sonoridade característica constituída de sons graves e agudos.
Nessa melodia, o aluno emprega também a digitação dos três primeiros dedos.
Diferentemente das músicas anteriores, nessa peça, porém, o aluno trabalha em duas
cordas e todos tocam em uníssono. Na próxima etapa desse processo, o tema trabalhado
35
Nesse momento, os aprendizes não tocavam mais em uníssono, mas com uma
diversidade de sons que não estavam acostumados. Dessa forma, cada naipe tocava em
36
uma parte diferente. Se no princípio, todos tocavam as mesmas notas, nesse momento, e
pela primeira vez, Jaffé iniciava a diversificação de vozes. Não havia mais uma única
voz e sim uma grande massa sonora harmoniosa formada por várias vozes. Embora
Jaffé aplicasse os exercícios anteriores em outras cordas além da corda “Lá”, que era
comum a todos os instrumentos, nesse tema os alunos tocavam em outras cordas pela
própria necessidade da música.
Exemplo7: A Carruagem
37
O exemplo a seguir foi criado pelo professor Jaffé para desenvolver arcadas.
Exemplo 8: O Arqueiro
outros. Assim, o professor Jaffé continua seu trabalho de ensinar esses instrumentos
através da prática em orquestra. Nessa fase posterior, Jaffé também utiliza métodos e
técnicas tradicionais de estudo para instrumentos de cordas, como por exemplo, Kayser,
Kreutzer, entre outros autores.
No ano 2000 o método desenvolvido pelo professor Jaffé foi publicado nos
Estados Unidos, pela A Beka Academy, filiada ao Pensacola Christian College, com o
título de Jaffé String Program. Esse método foi oferecido ao público em formato de
workbook impresso para os alunos, acompanhado de tutoriais para os professores em
fitas de vídeo. O conteúdo desse método segue a mesma proposta do projeto aplicado
em Fortaleza, apenas tem seu conteúdo um pouco mais expandido devido às várias
revisões feitas por Jaffé. Na edição mais recente disponível as fitas de vídeo foram
substituídas pelo formato DVD.
1.3 Os Instrumentos
(SUZUKI, 1994). Ao passo que o Método desenvolvido por Jaffé procura incentivar
adolescentes e jovens na prática instrumental.
Nessa mesma linha, Oliveira (1998) afirma que o primeiro passo, com relação ao
aprendizado da música, deve ser o ensino da prática instrumental, e não o ensino da
teoria em música, pois, dessa forma, o ensino não tem o aproveitamento imediato.
Assim, ele se expressa:
Cazarim e Ray (2000) destacam uma grande preocupação por parte de alguns
pesquisadores com os aspectos psicológicos envolvidos na performance musical. Estes
43
Oliveira (1998) chama atenção para esse fato por ter convivido por algum tempo
como aluno do professor Jaffé. Lembra que Jaffé utilizava uma estratégia pedagógica
denominada de timing. Essa didática quebra a tradicional maneira de fazer repetir um
ensinamento sem um estímulo para o aluno que, muitas vezes, desanima durante esse
processo de aprendizagem por ausência de incentivo. A palavra timing é utilizada para
descrever o momento certo de tomar determinadas decisões em relação ao aluno a partir
da percepção do professor. A esse respeito, o professor Jaffé comenta:
Essa abordagem pedagógica praticada pelo professor Jaffé era planejada e usada
com cuidado (GALINDO, 2000), pois se tratava de estimular os alunos, incentivá-los,
sem, contudo, permitir que a aula se transformasse em um momento de desordem e
desrespeito. Essa forma de gerar motivação se expressa bem na citação de Pozo (2002)
quando afirma que:
prática como professor, quanto para a aprendizagem dos alunos. Essa configuração das
aulas de música em grupos incentiva a relação entre os alunos. Também melhora a
forma de se relacionarem mutuamente, posto que, tocar em conjunto também motiva o
ouvir ao outro, estimula a ajuda mútua, estreitando as relações de intercâmbio e
cooperação entre as pessoas.
Jaffé estruturava suas aulas em três partes distintas. Como mostra Oliveira
(1998), a aula era dividida da seguinte forma:
Jaffé tinha por costume recapitular a aula anterior para que os alunos fixassem as
informações obtidas em sala de aula. As habilidades e os conhecimentos adquiridos em
aula necessitavam ser absorvidos pelos alunos antes de enfrentarem novas dificuldades
técnicas.
era necessário também trabalhar o comportamento social dos alunos. Nesse sentido,
além da técnica de seu instrumento, eles deveriam desenvolver elementos de cidadania
para tornarem-se bons cidadãos, além de bons músicos. Essa atitude teve um efeito
importante na constituição profissional de cada aluno. Esses aspectos serão discutidos
no capítulo seguinte, que discorrerá sobre os egressos da experiência Jaffé.
47
Nesse estudo, optou-se pela abordagem qualitativa por entendermos que essa é a
que melhor responde ao nosso objeto de análise. A utilização desta justifica-se por sua
importância para pesquisas que trabalham com dados complexos para quantificar e para
serem facilmente percebidos. Segundo Minayo, a pesquisa qualitativa:
[...] Se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não
pode ser quantificados. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2004, p.
21-22).
Nessa abordagem, foi eleito o estudo de caso pois permitiu perceber o contexto
no qual a experiência com a metodologia aplicada pelo professor Jaffé se desenvolveu
em Fortaleza. Para tanto, utilizou-se a entrevista semi-estruturada como estratégia de
coleta de dados.
Observando o perfil social das famílias dos sujeitos, percebeu-se que a maioria
dos entrevistados era oriunda da classe operária e tinham renda familiar baixa. Existia,
no entanto, uma abertura para que outras pessoas, ainda que não possuíssem vínculo
com o SESI, usufruíssem das atividades ofertadas pela instituição. Esse fato explica a
diversidade de pessoas de outras camadas da sociedade que também participaram dessa
experiência musical na década de 1970. Dessas, grande parte habitava no entorno da
instituição, em um bairro na periferia de Fortaleza, o que facilitava o acesso às aulas.
Outros residiam mais distantes e chegavam a andar, muitas vezes, cinco a seis
quilômetros de suas casas até o SESI. É importante ressaltar que, na época, crianças
com esse perfil social não tinham muitas oportunidades de acesso à arte, ao esporte e ao
50
lazer. Nesse contexto, foi, portanto, lançado o convite para que essas crianças
participassem das aulas de instrumento de cordas com o professor Alberto Jaffé.
2.4 O convite
Na verdade, não sabia o que era uma orquestra. E não só eu como várias
pessoas. Eu fiz a inscrição pela curiosidade de estudar um instrumento. Eu
pelo menos nem conhecia o contrabaixo (Entrevistado E).
7
Proprioceptiva é a sensibilidade própria aos ossos, músculos, tendões e articulações, que fornece
informações sobre a estática, o equilíbrio, o deslocamento do corpo no espaço etc.
51
Três sujeitos expressam que naquele dia havia algo diferente acontecendo no
auditório. Em virtude da grande movimentação, eles foram atraídos a observar o que
ocorria naquele recinto. Ao entrarem, presenciaram um ambiente agradável
proporcionado pelos sons daqueles instrumentos. Ao finalizar a apresentação, foi
anunciado que era um convite para o aprendizado. Muitos dos presentes, incentivados
pela apresentação, se inscreveram. Outros três entrevistados que já se encontravam no
auditório fazem os relatos que se seguem. O primeiro descreve:
O que chamou a atenção desse indivíduo foi uma possível semelhança entre o
violão e o violoncelo. O segundo relato expressa a percepção de um dos presentes sobre
a forma como Jaffé e sua família tocavam. Um estilo diferente do que já tinha ouvido
antes. Jaffé tinha uma maneira própria de lidar com o instrumento. A maneira de tocar
parecia muito simples. Esse aspecto a atraiu para a prática do instrumento:
Foi a forma como tocavam. O modo como ele regia, eu achei muito
interessante. Ele tinha uma maneira própria de lidar e também a maneira dele
reger era muito simples, popular, a gente via que não era uma coisa muito
erudita (Entrevistado F).
Outros dois entrevistados que não estiveram presentes nesse evento, narram que,
depois de iniciado o curso, observaram como seus colegas se desenvolviam rapidamente
no aprendizado daqueles instrumentos. Esse fato os incentivou a se integrarem ao
grupo.
Uma das entrevistadas lembra que o professor Jaffé tocou naquela apresentação
a Chaconne da Partita nº 2 para violino solo, de J.S.Bach. Ela ressalta que ter
presenciado essa performance foi decisivo tanto para sua inscrição, como para a escolha
do instrumento.
Não obstante a todo esse contexto, observou-se um caso onde o entrevistado não
percebia a importância que a música poderia ter na vida das pessoas. Naquele momento,
a apresentação significou para ele apenas mais um curso ofertado pelo SESI. Sua
percepção, no entanto, passou a ser outra no decorrer de seus estudos com o professor
Jaffé. Posteriormente esse aluno se tornou um profissional de destaque na área da
música.
Esse objetivo era tão forte dentro de nós que sempre que assistíamos a um
concerto, surgia um desejo muito forte de tocar em uma orquestra, não
importava se era de cordas ou uma sinfônica. Porque, pelo fato de
musicalmente termos nascido numa orquestra, sonhávamos com o momento
em que tocaríamos numa orquestra profissional (Entrevistado M).
... Estes jovens fariam do que estavam aprendendo o uso que lhes fosse mais
apropriado - alguns seriam profissionais, outros seriam artistas mesmo,
outros amadores da música e a maior parte formaria um público que saberia
ter prazer em ouvir música clássica (JAFFÉ).
Essa interação entre arte e sociedade tem como objetivo ativar certas funções
humanísticas das artes. Assim, a arte cumpre uma função socializante, tornando seu
papel mais eficaz na sociedade (KOELLREUTTER, 1997). Nesse sentido, observa-se
que a música possui um potencial transformador, capaz de promover ações de inclusão
54
Tudo isso foi muito importante. Nós vimos o que poderia ser de nossas vidas.
Poderia ter sido bem diferente... Se eu não tivesse entrado no projeto do
Jaffé, minha realidade seria outra. A comunidade onde eu morava... Bem, os
amigos de infância... hoje são traficantes. Então, junto comigo, muitos outros
do SESI saíram de lá. Mas aí, vimos uma perspectiva nova, com novos
amigos... Foi outra história (Entrevistado D).
8
A Associação Meninos do Morumbi é formada por mais de 4.000 crianças e adolescentes
da cidade de São Paulo. A maioria mora nos bairros de Campo Limpo, Paraisópolis, Morumbi, Vila
Sônia, Jardim Jaqueline, Real Parque, Caxingui, e municípios de Taboão da Serra e Embu. O grupo,
criado por Flávio Pimenta em 1996 tem na prática musical uma forma de criar alternativas às drogas e à
delinqüência juvenil, muito presentes em São Paulo.
http://www.meninosdomorumbi.org.br/frames/principal.html
55
Essa era a melhor parte das aulas e ensaios. O Jaffé tem uma didática
psicológica especial para crianças e adolescentes. Nunca me esqueci de
como aprendi a fazer os golpes de arco, spiccato e staccato no violino. As
suas analogias humorísticas ficavam na memória e davam um resultado
surpreendente e de rapidez de execução (Entrevistada J).
Eu acho que ele tem uma didática excelente. Ele é muito sábio em dar aula,
tem um toque de “mestre”. Ele sabe tirar do aluno o seu melhor e incentiva o
aluno a confiar em si. Eu acho isso muito importante, porque nem todo
mundo nasce pra ensinar, acho que ele tem o dom de ser professor. Sua
didática era muito boa. Eu gostava muito (Entrevistada F).
Na época que o Jaffé chegou aqui ele se preocupou muito com o meu jeito de
ser, por que eu era um cara muito tímido, muito calado, não gostava de
conversar com muita gente. Então, eles procuraram se aproximar de mim.
Eles me deram uma função de fazer prova com alunos que iam entrando. Eu
era uma espécie de monitor (Entrevistado C).
Jaffé nos tratava como filhos. Isso gerava muita motivação no aprendizado do
instrumento. Ele conservava o bom humor e tinha de todos nós muito
respeito para com ele (Entrevistado M).
O que não funcionou foi o pouco tempo para desenvolver uma base sólida.
Aparentemente isso levaria uns cinco anos. Mas o grande problema foi
termos começado com o professor Jaffé de uma forma, e, de repente,
chegaram outros professores e tudo mudava [...] e isso realmente atrapalhou
muito o início do nosso aprendizado (Entrevistado P).
Para continuar seus estudos foi preciso transferir-se para outro estado em busca
de aperfeiçoamento. Esse entrevistado relata, ainda, que a mudança de professor o
confundia em relação ao seu treinamento prévio. Em parte, esse problema era devido à
metodologia diferente daquela com a qual havia iniciado seus estudos. Ele acreditava
que se o processo de aplicação desse método tivesse se estendido pelo menos por cinco
anos, o resultado teria sido mais positivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
implantação do projeto que permitiu aos alunos um nível de proficiência que abriu a
possibilidade de aperfeiçoamento em outros centros de estudos após a interrupção do
trabalho com o professor Jaffé. Embora no momento da interrupção muitos alunos ainda
se encontrassem em uma fase intermediária do aprendizado, isso já foi suficiente para
colocá-los em outros centros de estudos para aperfeiçoamento do que já sabiam. De
certa forma, foi essa migração causada pelo encerramento do trabalho com o professor
Jaffé que patrocinou a diversidade de locais para onde esses alunos se deslocaram
buscando dar segmento aos seus estudos. Essa diversidade pode ser notada pelas
posições ocupadas por ex-alunos do projeto em orquestras de diversas partes do país e
exterior.
Essa investigação não pretendeu esgotar toda a discussão sobre essa temática.
No entanto, poderá contribuir para promover e expandir a reflexão sobre metodologias
de ensino para iniciantes de instrumento de cordas. Poderá ainda, incentivar a prática de
ensino coletivo para instrumentos de cordas. Estudos como este, poderão ser feitos em
outras instituições para que novos questionamentos surjam no âmbito das metodologias
coletivas para instrumentos de cordas, buscando maior aperfeiçoamento desta didática
musical.
62
REFERÊNCIAS
APÊNDICES
65
QUESTÕES
Professor Jaffé,
a) Lá-Si-Lá
b) Maria Chinesa
c) Maria Japonesa
d) Barquinha ligeirinha
e) A carruagem
f) O Arqueiro
67
QUESTÕES
2. Como foi o seu contato inicial com a música? E como foi seu
contato inicial com o método Jaffé?
Apêndice C - RÉSUMÉ
69
Apêndice C – RÉSUMÉ
Marco Antonio iniciou seus estudos de violino aos 13 anos de idade, ainda na
década de 1970, no SESI da Barra do Ceará, na cidade de Fortaleza, com o professor
Alberto Jaffé. Durante três anos, o pesquisador, vivenciou esse aprendizado com o
professor Jaffé. Depois continuou seus estudos de violino através de aulas individuais
na graduação em violino na Universidade Federal da Paraíba. Em João Pessoa, durante
mais três anos, esteve como violinista da Orquestra Jovem da Paraíba e posteriormente
ingressou na Orquestra Sinfônica do mesmo estado. Retornando à cidade natal, concluiu
o curso de licenciatura em música na UECE - Universidade Estadual do Ceará, o qual
lhe proporcionou novas experiências no âmbito pedagógico musical, bem como
despertou-lhe a preocupação com os processos de aprender e ensinar música na
atualidade.
Hoje, leciona violino e tem como principal meta motivar os alunos para a
execução deste instrumento, visto sua complexidade e, portanto, necessidade de
dedicação. Trabalha com um grupo de alunos em um projeto desenvolvido pela
Secretaria de Educação do Estado do Ceará – SEDUC. O objetivo desse projeto é
estimular crianças de escolas da periferia ao estudo de instrumentos como violino, viola,
violoncelo e contrabaixo, desenvolvendo habilidades artísticas que promovam uma
inclusão social. A metodologia de ensino que adota com seus alunos é o método
coletivo, utilizando conhecimentos e materiais tanto do Método Jaffé quanto do Método
Suzuki. Esses alunos são crianças que necessitam de oportunidade para se
desenvolverem e talvez se tornarem, no futuro, músicos e/ou educadores musicais.
I
J.S.BACH (1685-1750)
Sonata Nº 1 em Si menor para violino e piano BWV 1014
I. Adagio
II. Allegro
III. Andante
IV. Allegro
C. DEBUSSY (1862-1918)
Sonata em Sol menor para violino e piano
I. Allegro vivo
II. Intermede
III. Finale
II
J. BRAHMS (1833-1897)
Scherzo em Dó menor para violino e piano
ANEXOS
72