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«No caso da fotografia, e consequentemente na escrita da sua história, entre fotógrafos, historiadores,
comissários ou editores, a condição expositiva que se pode identificar para a arte, dilui-se frequentemente
num processo necessário e implícito à sua exibição pública, e numa decisão, exclusiva por natureza, do
revelar de uma fotografia e do eclipsar do seu antes e depois.
Entrando temporariamente no campo das suposições, seria certamente uma tarefa hercúlea o positivar de
todos os negativos que existem actualmente, e que parecem começar a deixar de ser utilizados, ou a
ampliação de milhares de fotografias digitais, que preenchem quotidianamente os arquivos numéricos,
domésticos ou colectivos, mesmo circunscrevendo esta proposta a referentes institucionais e profissionais,
com o objectivo único de dar a ver fotografias que não foram, por decisões várias, exibidas ou publicadas.
A criação deste tipo de inventário, que não dispensaria certamente intuitos comerciais, iria contrariar um
princípio indispensável para a exposição e ou publicação fotográfica, no qual, para cada fotografia escolhida se
pode encontrar sempre um número incerto de outras que lhe são próximas, e foram necessariamente
preteridas. Todas as histórias da fotografia, extensas ou breves, conferem-lhe inevitavelmente um território
exclusivo, que precisa de obliterar e separar a fotografia do mundo com que ela naturalmente se relaciona.
É nesse sentido que a construção de uma história da fotografia se reveste de hesitações sobre a
inclusão/exclusão e respectiva categorização de uma quantidade incontável de objectos que se situam para lá
da já ampla denominação de História da Fotografia. Esta indecisão ganha ênfase quando se começa a privilegiar
um crescente e obsessivo fascínio de visibilidade e circulação sobre imagens privadas, nomeadamente o
registo fotográfico sem dimensão pública e ou publicável, onde se incluem todo o tipo de objectos pessoais,
como os mais indiscriminados álbuns de família, ou imagens fotográficas não reveladas, como seria exemplo
o espólio completo de um qualquer fotojornalista ou mesmo os arquivos de uma qualquer casa comercial de
fotografia. O carácter autoral das escolhas.
Qualquer uma das imagens fotográficas, não reveladas ou preteridas, correspondem a uma ampliação desse
espaço, fazem parte desse fora de cena, e implicam, em último reduto, uma outra história, um outro passado,
ausente e inacessível, onde se escondem ou desvendam fotografias.» Excerto do texto Esquerda-Direita-
Esquerda (Susana Lourenço Marques, Voca, 2008)
«Uma importante referência que Douglas Crimp solicita para o seu texto é a de Julia Van Haafteen e o
trabalho desenvolvido na NY Public Library em 1926: ela é um exemplo do que se passou no resto do: pobreza
urbana torna-se Jacob Riis, retratos de Delacroix e Manet tornam-se retratos por Nadar, a ultima colecção de moda
da Dior’s é Irving Penn e a Segunda Grande Guerra torna-se Robert Capa. Se a fotografia foi inventada em 1939,só
foi descoberta em 1960’s e 1970’s… Livros sobre o Egipto foram literalmente desmontados para que fotografias Francis
Frith fossem emolduradas e expostas em museus. Uma vez lá nunca mais seriam as mesmas. [74:CRIMP]
Douglas Crimp defende uma alteração da condição do museu e da própria afirmação da Fotografia no seu
interior: «a fotografia vai, de hoje em diante, ser encontrada em departamentos de fotografia ou secções de arte e
fotografia. Assim confinada deixará de ser útil a outras práticas discursivas; não irá mais servir os propósitos de
informação, documentação, prova, ilustração e reportagem. A anterior pluralidade que caracterizava a fotografia irá
ser reduzida à singular e congregadora estética.»
Tal como afirma Douglas Crimp, a crise em que de certa forma, a fotografia se tem envolvido reduz o seu
carácter documental a uma concepção totalmente esteticizante das suas práticas e essa esteticização
exclusiva representa, em última instância, o fim do seu carácter utilitário. Mas negá-lo é obliterar e
contrariar de forma desatenta o seu entrelaçamento com todos os territórios de conhecimento que
integram o registo fotográfico e sobre ele estruturam os seus modelos de investigação. É na ligação que a
fotografia mantém com as múltiplas formas de manipulação e com as hierarquias de poder, que se
sustenta o seu próprio desenvolvimento.
Defender a esteticização da fotografia é procurar definir a exclusividade do seu território dentro da esfera
da arte, separando-o do mundo com que naturalmente se relaciona e é igualmente inverter a sua história
através de uma obliteração parcial do que a constitui e devolver-lhe uma espécie de aura que ela nunca
teve, nem nunca quis ter.»
Excertos da tese Cópia e Apropriação… (Susana Lourenço Marques, 2007)
«De acordo com André Malraux (1901-1976) a fotografia «substitui a obra-prima pela obra significativa e o prazer
de admirar pelo de conhecer» cedendo, pela sua capacidade de ordenação e catalogação da obra, a um impulso
pela padronização recorrente das suas distinções espácio-temporais.
Ao associar a ideia de reprodução fotográfica e de conhecimento pela reprodução, a partir da década de
1950, a fotografia transforma-se, no interior da instituição museológica, na condição contemporânea de
acesso à obra e o que pode ser visto no museu é apenas uma confirmação do que o espectador conhece.
Malraux apresenta a condição de Museu Imaginário no seu conhecido texto de 1950, como um lugar
constituído por todos os objectos a que podemos chamar de arte e que podem ser submetidos ao processo
de reprodução fotográfica. Como o próprio afirma, «a história de arte nos últimos cem anos – quando escapa
aos especialistas – é a história do que é fotografável.» Apesar de lhe reconhecer esse potencial, Malraux não
admite a possibilidade da fotografia se disponibilizar como objecto a reproduzir e ao admitir a
reconfiguração da própria estrutura orgânica do museu, não reconhece a entrada da Fotografia, como
objecto artístico, nesse espaço institucional. No entanto e paradoxalmente, Malraux interessa-se pela
adição ficcional que a fotografia confere à obra de arte, através das alterações à sua percepção, pela
miniaturização ou ampliação da sua escala, na concretização do detalhe e respectiva fragmentação da sua
unidade e ainda pela reinvenção das cores originais da obra. Malraux defende, nesse processo de
ficcionalização, que a fotografia introduz, a possibilidade de aproximação, equivalência e portabilidade da
obra, através da sua representação fotográfica. Para Crimp, Malraux ficou como que fascinado pelas
possibilidades ilimitadas que a definição de museu imaginário propunha, na recombinação permanente e
infindável das fotografias que o podiam edificar. Na perspectiva de Douglas Crimp, o espaço do museu
serve para requalificar a condição do fotográfico e destronar a sua função documental. A entrada da
fotografia no museu, como apresenta Crimp no ensaio On the Museum’s Ruins, para lá da função de
reprodução da obra de arte, interfere e modela a função do próprio museu. No livro On the Museum’s
Ruins, que Crimp publica em 1993, é reproduzida uma fotografia de André Malraux com a legenda «André
Malraux with photographic plates for The Museum without Walls» [fig. 41]. Dez anos depois, no livro Design
and crime, and other diatribes (2003) de Hal Foster, uma fotografia de André Malraux, que representa
exactamente a mesma cena, é reproduzida inversamente com a legenda «André Malraux with photographs
for the Voices of Silence, c. 1950: history as catastrophe recouped as a story of stylistic connections.» [fig. 42]. A
reprodução desta imagem, de forma inversa, em duas obras que reflectem as questões da reprodução da
imagem e a integração da fotografia no Museu, um aparente lapso, não deixa de ser uma paradoxal ironia
sobre a veracidade da reprodução fotográfica, no que Benjamin afirma como a autonomia e a emergência
do fragmento histórico e a sua emancipação, em que o agente da fragmentação é a própria reprodução
técnica. Ambas as imagens registam o mesmo evento, espacial e temporal, mas aparecem representadas de
modo inverso uma da outra, desmentindo, na sua comparação, o real representado que individualmente
apresentam. A distinção que as separa, não se situa apenas na dimensão formal mas numa incoincidência e
desfasamento, que na comparação, anula a fidelidade do real da outra, circunstância que transpõe ambas
as imagens para o plano do falso. Apesar de este lapso ser frequente nas técnicas de reprodução, o facto de
o localizarmos na fotografia de Malraux permite associar o entrelaçamento da sua tese com a de Walter
Benjamin, pois se Malraux encontra na reprodução mecânica a convergência e a unidade que permite o
redimensionar do espaço do museu e a libertação do seu constrangimento físico e espacial, Benjamin
defende antes a assumpção do seu colapso e uma ruptura com o modelo teológico de obra de arte, em
benefício de uma nova formulação assente na técnica, que pode assumir uma função política na produção
cultural e um respectivo aceleramento e institucionalização da reprodução artística como obra de arte em
si.» Excertos da tese Cópia e Apropriação… (Susana Lourenço Marques, 2007)