2SaBIENAL DE SÃO PAULO

tx~o)i~ão )atélite

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BRASíLIA ~~IN ANO ~IO~IA
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Patrocínio e realização Realização

Sponsored and presented by Presented by

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~
CENTRO CULTURAL
BANCO DO BRASIL
Fundação Bienal de São Paulo
 21 de abril a9de junho de 2002
April21 through June 9 2002

Centro Cultural Banco do Brasil- Brasília

Alfons Hug
Curador-Geral da 25 a Bienal de São Paulo
Chief Curator 25 a Bienal de São Pau lo

Agnaldo Farias
Curador do Núcleo Brasileiro da 25 a Bienal de São Paulo
Curator of the Brazilian Section/ 25 a Bienal de São Paulo
 Brasília: Ruin and Utopia

Banco do Brasil presents the exhibition Brasília: Ruin and Utopia,

uniting the works of ten Brazilian and foreign artists that deal with the
contemporary complexities of the metropolises, showing Brasília as a
utopian city, while highlighting its charms and paradoxes.

This event is organized by the 25th Bienal de São Paulo, whose

segment Iconografias Metropolitanas features artwork from 11 of the
world's great cities. The Bienal's curators, Alfons Hug and Agnaldo
Farias, have organized this exclusive exhibition by the Centro Cultural
Banco do Brasil de Brasília, with the aim of offering various
perspectives on this city, the most utopian in Brazil, whose construction
sprang from the visionary talents of Lucio Costa, Oscar Niemeyer of
Juscelino Kubitschek.

The exhibition is designed around this symbol of modernity, designated

by the United Nations as a World Heritage Site. For example, in
portraying the architecture of Manhattan, Sarah Morris establishes a
parallel with the facades of the so-called superblocks of Brasília. For its
part, the white and shining staircase of Turkish sculptor Kemal bnsoy
refers to the steps in the Palácio do Planalto. Italian photographer
Armin Linke records the concrete and the typical colors of the Brazilian
aesthetic, while Elyeser Szturm, originally from the state of Goias but
now a resident of Brasília, denounces social problems by way of a
video installation.

Ali these works, as well as the photographs of the German artists Frank
Thiel and Michael Wesely, the installation of Brazilian artist Lina Kim,
the work of Brazilian sculptor Artur Lescher and that of architects Isay
Weinfeld and Márcio Koogan, deal with the iconography of the city. In
sponsoring Brasília: Ruin and Utopia, Banco do Brasil is reaffirming its
commitment not only to Brasília's architecture, but also to its art,
placing its aesthetic and urban issues within the global context.

Centro Cultural Banco do Brasil - Brasília

L-________________________________________ ~ __________________________________ ~
 Brasília: Ruína eUtopia

o Banco do Brasil apresenta a exposição 11 Brasília: Ruína e Utopia 11 ,

reunindo dez artistas brasileiros e estrangeiros que discutem as

complexidades contemporâneas das metrópoles e expõem Brasília
como a cidade da utopia, destacando seus encantos e paradoxos.

o evento é organizado pela 25 a

Bienal de São Paulo, que nesta
edição privilegia o tema IIlconografias Metropolitanas 11 ,

mostrando a produção artística de 11 grandes cidades do mundo .

. Nesta mostra exclusiva - sob a curadoria de Alfons Hug e Agnaldo
Farias -, o Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília exibe diversos
olhares sobre esta que é a mais utópica cidade do país, construída
a partir dos talentos visionários de Lucio Costa, Oscar Niemeyer e
Juscelino Kubitschek.

É em torno deste símbolo da modernidade, tombado pela ONU

como P?trimônio da humanidade, que a exposição se desenha.
Por exemplo, ao retratar a arquitetura dos prédios de Manhattan,
a pintora americana Sarah Morris estabelece um paralelo com as
fachadas das superquadras de Brasília. Já as escadas brancas e
luminosas do escultor turco Kemal bnsoy remetem às escadas do
Palácio do Planalto. O fotógrafo italiano Armin Linke registra o
concreto e as cores típicas da estética brasiliense, enquanto o
artista plástico goiano radicado em Brasília, Elyeser Szturm,
denuncia problemas sociais numa videoinstalação.

Seja nessas obras, nas fotografias dos alemães Frank Thiel e

Michael Wesely, na instalação da brasileira Lina Kim, ou nas
esculturas do brasileiro Artur Lescher e dos arquitetos Isay
Weinfeld e Márcio Kogan, o que está em pauta é a iconografia da
cidade. Ao patrocinar Brasília: Ruína e Utopia o Banco do Brasil
11 11,

reitera a vocação não só arquitetônica mas artística de Brasília,

tornando-a tema e situando suas questões estéticas e urbanas no
contexto mundial.

Centro Cultural Banco do Brasil - Brasília

The 25th Bienal de São Paulo

Nowadays many museums and art centers around Brazil are holding large- . t

scale exhibitions, attracting thousands of visitors every year. This is the

natural outcome of a consistent integration and a mature relationship
between the Brazilian public and the arts.

Now in its 50th year running, throughout its history the Bienal de São Paulo
has played a fundamental role in the art education of the Brazilian
population. The pioneering initiative and unflagging efforts of the Bienal's
organiz@rs in bringing the latest of the Brazilian and international art scene
to every exhibition have created a dose bond between the public and the
creative artistic process across its entire range of @xpression. The successive
editions of the Bienal de S§o Paulo have always b@en instructive, operating
through the Brazilian visitor's curiosity to promote understanding and
appreciation of th@ work of art. Over th@ years, this mega biennial ev@nt
has catalyzed the growing interest in fine arts throughout Brazil.

Among the Bienal d@ São Paulo's many contributions, we call special

attention to its role of enlightening the gen@ral public, allowing people of
ali ages and walks of life acc@ss to works by r@F1owned international artists
that would otherwise r@main unknown to a large part of the Brazilian
society who cannot afford int@rnational trav@1 to visit museums overseas.

Therefore, it is always with great enthusiasm that we anticipate each and

every Bienal exhibition, produced by curators who elaborate on new
themes and work on new findings with their characteristic boldness and
id@alism. Through carefully s@lected works and artists, the curators of the
Bi€mal de São Paulo afford us a whole world of contemporary (J@ation
from both home clnd abroad.

Fifty years of artistic activities distinguished by comp@tence and succ@sS.

Th@ Brazilian Ministry of Cultum is v@ry proud indeed to take part in such
an Qutstanding initiativ@ as the Bienal d@ São Paulo.

Francisco Weffort
Minister of Cultur@
 2SaBienal de São Paulo

Se hoje diferentes museus e espaços culturais do país estão montando

exposições de grande porte, atraindo milhares de visitantes, é porque existe
uma interação consistente, uma relação amadurecida entre o público e
as artes.

A Bienal de São Paulo exerceu, durante os seus 50 anos de atividades, um

papel fundamental na formação artística da população. Foi esse esforço
pioneiro, esse empenho em trazer o que se faz de mais atual lá fora, para
somar à produção brasileira, em cada edição da mostra, que possibilitou
ao público o contato com o processo de criação artística, em todas as suas
formas de expressão. As Bienais possibilitaram, de forma didática, o
despertar do visitante para a obra de arte, para a sua compreensão e
apreciação. Essa megaexposição bianual colaborou, e continua
colaborando, no crescimento do interesse pelas artes plásticas no país.

São inú~eros os méritos da Bienal de São Paulo, mas, só para citar mais
um, devemos lembrar que esse evento possibilita ao grande público, de
todas as faixas etárias e condições socioeconômicas, o contato com obras
e o conhecimento de artistas de renome internacional, sobretudo para
{ pessoas que não teriam essa oportunidade de outra forma, pois esse
contato fica sempre restrito àqueles que viajam e visitam grandes museus
no exterior.

É, portanto, com grande entusiasmo que se acompanha a montagem de

cada edição da mostra, quando os curadores nos propõem, sempre com a
mesma indispensável dose de ousadia e idealismo, novos temas e novas
descobertas. Através das obras e dos artistas selecionados, os curadores
nos trazem todo o universo da criação contemporânea, nacional e
internacional.

São 50 anos de atividades marcados pela competência e pelo sucesso.

O Ministério da Cultura se sente orgulhoso de participar dessa iniciativa.

Francisco Weffort
Ministro da Cultura
Brasília: lhe Design of aUtopia

Brasília must be conceived not as asimple living organism capable of effortless/y fulfilling the vital functions of any modem
city, but also as urbs and as civitas with the inherent attributes of a capital city.
lúcio Costa, on Brasília's Pilot Plan, March 1957
I hope Brasília can be a city of happy men, who willlive life to the full in ali its fragility; men who can comprehend the
true value behind the simple things of life - a gesture, a word of affection and solidarity.
Oscar Niemeyer, Brasília's architect, June 1960

When André Malraux visited Brasília at the time of its foundation in 1960, he defined it as the first
capital city of a new civilization, the boldest city the Western world had ever built. In fact, as the
foremost expression of the modern notion of progress, Brasília was boldly "planted" in Brazil's central
plains as an achievable utopia, the undeniable proof of the country's capacity to shape its future.
Brasília is also a result of the ingenuity of the architects who conceived it 50 as to be democratically
and aesthetically appropriated by mano Essentially, the city beca me an icon of outstanding signification
that is both understandable and easy to assimilate. One of its most familiar symbols, the distinctive
shape of the Alvorada Palace pillars, was reproduced throughout Brazil in the structure of the most
modest homes as a manifestation of modernity and proof of a national identity which was then being
built. At that moment in time, Brasília strived to express the values and ideas of the very society which
had made it viable.

An ebullient stage for the political, social and economic transformations that Brazil has undergone in
the past four decades, what kind of city is Brasília today? What values has it embodied, and which
have been attributed to it? As an inexhaustible reference to many cities over time, what is its current
symbolic content? What image has been built around the utopia which originated and shaped the
city that dared to emerge under the sign of modernity and hope - the hope of becoming a city of
happy men, as Niemeyer wished?

The 25th Bienal de São Paulo, in light of its theme, "lconografias Metropolitanas", is pertinent in this
contexto Believing that some of the answers to these questions may lie in the results of the artist's
appropriation of reality from a criticai standpoint, the Fundação Bienal de São Paulo together with the
Banco do Brasil Cultural Center invite Brazilian and international artists alike to contribute aesthetically
to building and launching new symbols that will be as relevant as those of the utopia Brasília was
designed on.

Carlos Bratke
President of the Fundação Bienal de São Paulo
Brasília como Desenho de uma Utopia

Ela deve ser concebida não como simples organismo capaz de preencher satisfatoriamente sem esforço as
funções vitais próprias de uma cidade moderna qualquer, não apenas como urbs, mas como civitas, possuidora
dos atributos inerentes a uma capital.
lúcio Costa, Plano Piloto de Brasília, Março de 1957
Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes; homens que sintam a vida em toda a sua plenitude,
em toda a sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras - um gesto,
uma palavra de afeto e solidariedade.
Oscar Niemeyer, Junho de 1960

André Malraux, ao visitar Brasília na época de sua inauguração, definiu-a como a primeira capital da
nova civilização, como a cidade mais audaciosa que o Ocidente já concebera. De fato, como expressão
máxima do ideário moderno de progresso, Brasília foi ousadamente "plantada" no planalto central
do Brasil como uma utopia realizável, como prova da capacidade de realização de um país que
apostava no futuro e, sem dúvida, como resultado da capacidade criadora de seus arquitetos que a
conceberam para ser democrática e esteticamente apropriada pelo homem. Como tal tornou-se um
ícone de significação extraordinária, compreensível e de fácil assimilação. Um de seus símbolos, o pilar
do Palácio da Alvorada, foi reproduzido Brasil afora nas sustentações das casas mais humildes, como
manifestação de mo,dernidade e prova da nacionalidade que então se construía. Naquele momento,
Brasília expressava os valores e os desígnios da sociedade que a viabilizara ....

Palco efervescente das transformações políticas, sociais eeconômicas por que passou o País nas quatro
últimas décadas, que cidade Brasília é hoje? Que valores acidade incorporou ou lhe foram imputados?
Como referência inesgotável em que se transformou ao longo do tempo, qual é o seu conteúdo
simbólico atual? Qual é a imagem que se construiu sobre a utopia que deu origem e formas à cidade
que ousou nascer sob o signo da modernidade e da esperança? Da esperança de ser uma cidade de
homens felizes, como queria Niemeyer.

Aproveitando a oportunidade da 2Sa Bienal e, principalmente, do seu tema "Iconografias

Metropolitanas" e acreditando ainda que algumas respostas para estas questões possam estar
contidas na obra do artista na sua capacidade de se apropriar criticamente da realidade, a Fundação
Bienal de São Paulo em conjunto com o Centro Cultural Banco do Brasil convidam artistas
brasileiros e internacionais para que, pela via da contribuição estética, possa ser lançado um vetor para
a construção de novos símbolos, tão importantes quanto aqueles inerentes à utopia que
desenhou Brasília.

Carlos Bratke
Presidente da Fundação Bienal de São Paulo
~UMÁRIO IND~X

14 Brasília: Ruína eUtopi~

Brasília: Ruin and Utopia
Alfons Hug 46 lina Kim

)4 Artur lescner
24 Utopias Urbqnas
UrDan Uto~las
Barbara Freitag ouanet 62 Armin linKe

70 ~aran Morris
40 Brasília
Helmut Friedel 11

78 Kemal Onso~
84 tl~eser ~zturm 112 Biografia dos Artistas
Artists' Biography
88 rranK Tniel

96 Isa~ Weinfelâ eMárcio Kogan

104 Micnael Wesel~

Brasília - Ruína eUtopia
Alfons Hug
Brasília e a Bienal de São Paulo são aliadas naturais. Ambas
nascem do mesmo espírito esclarecido, compartilham a ousadi a
do projeto e a vocação para um novo despertar. De certo
modo, o pavilhão industrial da Bienal é um exercício
preparatório de Oscar Niemeyer para os posteriores prédios
governamentais na nova capital. Brasília e a Bienal aplainaram
ao país o caminho rumo à modernidade e acompanharam
criticamente o seu progresso. Foram concebidas como pedreiras
de novas imagens e como laboratório de idéias inauditas. No
decurso dos anos, a Bienal passou a ser um ponto de encontro
de artistas e críticos do mundo inteiro; e Brasília, um lugar de
peregrinação de arquitetos.
Da vanguarda russa Brasília herdou a utopia e a ousadia do
projeto; do futurismo, a ruptura radical com o passado e a fé
no progresso. O Bauhaus alemão contribuiu com as linhas
claras, incorruptíveis, a funcionalidade e racionalidade
arquitetônicas, ao passo que a Carta de Atenas presenteou a
cidade com a missão humanista de um novo urbanismo. Mas
essas influências internacionais não significam que Brasília não
tenha assimilado também elementos tipicamente brasileiros.
Assim os amplos arcos da catedral e dos prédios
governamentais, que já tinham conferido um caráter
inconfundível à famosa rampa da Bienal, evocam o barroco
colonial português. Ou será que seria mais correta a explicação
dada pela versão muito peculiar de Oscar Niemeyer, segundo a
qual as curvas sensuais da sua arquitetura teriam sido inspiradas
nas formas do corpo feminino?
Com uma área equivalente a de seis campos de futebol, o
pavilhão da Bienal, que em meio ao oceano da cidade
assemelha-se a um porta-aviões, representa uma oferta sui
generis para cada artista . A Bienal de São Paulo dispõe assim de
um cenário ímpar entre as 50 bienais do planeta, no toca nte à
Brasília: Ruin and Utopia
Brasíl ia and the Bienal de São Paulo are, of course, natural
al lies. Both were born of the same enlightened spirit. Brasília
and the Bienal share a mutual audacity in design and the cal l to
cha nge. The industria l pavilion of the Bienal is in certain
respects a preliminary exercise carried out by Oscar Niemeyer
for the later government bui ldings in the new cap ital . Brasília
and the Bienal have smoothed their country's path towards
modern ism wh ile critically accompanying its progresso They
were conceived as a quarry of new images and a laboratory of
incredible ideas. Over the years the Bienal developed into a
meeting place for artists and critics from around the globe,
while Brasília beca me a place of pilgri mage for architects.
From the Russian avant-garde Brasília inherited the utopian
vision and audacity in design, from Futurism the rad ica l break
with the past and the belief in progresso The German Bauhaus
contrib uted the clear, unerring lines, the fu nctionality and
rationality of architecture, whilst the Charter of Athens gave
the city the humanist mission of a new urbanismo Adm ittedly,
these international infl uences do not mean that Brasília has
avoided assimilating typically Brazilian elements. The sweeping
arches of cathedrals and govern ment buildi ngs, wh ich lent the
great va ult of the Bienal its unmistakable cha racter, are
reminiscent of Portuguese colonial baroque. Or could it be, as
Niemeyer envisaged, that his architecture refl ects more the
sensuous form of the female body?
The Bienal pavilion, that covers an area the size of six footba ll
fi elds and resembles an aircraft ca rrier jutting out into the
ocean of the city, offers a unique cha llenge to every artist and

elegância e generosidade da oferta de espaço. Nada lembra o
espaço acanhado da Documenta de Kassel, a penosa
orientação na Bienal de Veneza, os perturbadores acessórios
históricos como em Havana ou Istambul. O pavilhão industrial
da Bienal põe cada obra de arte no contexto da modernidade.
A rigor, Brasília oferece condições similarmente ideais para a
política. Nada lembra o caos urbano das megacidades, os
interesses particularistas ou as heranças feudais como nas
velhas capitais sul-americanas. Em tese, isso configura bons
pressupostos de um estilo moderno de governar.
O autor do presente projeto viveu do início até meados dos
anos 90, em Brasíl ia. De início, andou às turras com a cidade,
como qualquer indivíduo ~a Europa Central, criado à sombra
de catedrais góticas. Talvez a modernidade tenha o seu berço
na Europa; a sua expressão mais radical ela encontrou, porém,
no Planalto Central do Brasil. Onde estão a praça do mercado,
a prefeitura centenária, o café trad iciona l? Depois de várias
estações em cidades" antigas" do continente, Brasília se afigura
ao autor como a única cidade da América do Sul que buscou
um sentido mais profundo no séc. XX e preservou para si certos
momentos utópicos, não obstante todas as imperfeições. Nesse
tocante, não deixa de ser irônico o fato de que os índ ios mato-
grossenses que chegam a Brasíl ia, seja por necessitarem de
cuidados médicos, seja por quererem caçar carpas com arco e
flecha no lago do Palácio do Planalto, aceitam a capital,
supostamente tão fria, com mais facilidade do que muitos
europeus centrais famil iarizados com discursos modernistas.
Sob o tema "Iconografias metropolitanas" a 25 a Bienal de São
Paulo apresenta a arte de 11 metrópoles dos cinco continentes:
Berlim, Caracas, Istambul, Joanesburgo, Londres, Moscou, Nova
Iorque, Pequim, São Paulo, Sidney e Tóquio. Todas elas
pertencem à categoria das velhas cidades, e em todas, os
artistas encontram vestígios de destruição. Por essa razão, a
Bienal convidou um punhado de artistas visionários para que
criassem a assim chamada "décima segunda cidade", capaz de
implementar as idéias nunca rea lizadas dos construtivistas
russos. A décima segunda cidade é a única a escapar do punho
ameaçador do fantasmagórico conto "O brasão da cidade" de
Franz Kafka, que a cada geração aniquila toda e qualquer obra
exhibition curator. In this respect the Bienal de São Paulo
possesses a venue that seeks its comparison among the fifty
Biennials throughout the world: no confined space like that of
the Documenta in Kassel, no painstaking orientation such as in
Venice, no disturbing historical diversions such as in Havana or
Istanbul. The Bienal exhibition pavilion places every work of art
involuntari ly in the context of modernity. When ali is said and
done Brasília itself offers similarly ideal conditions for politics
too: none of the urban chaos experienced by the mega-cities,
no provincial interests and no feuda l heritage like that of the
old capitais of South America. In theory this creates good
conditions for modern government.
The curator of this exhibition lived in Brasília from the early to
mid-nineties and, like ali central Europeans, found it difficult to
adjust at first. Modern art may have its origins in Europe, but its
most radica l expression has materialized in the Planalto Central
of Brazil . Where is the market place, the town hall, the
traditional café? After having lived in a number of 'old' Latin
American metropolises, Brasília seems to me to be the only city
in South America to seek a deeper meaning in the 20th century
and which, despite ali its shortcomings, has managed to
preserve certain utopian impulses. It also possesses a certain
element of irony when, for instance, Indios who come to
Brasília from the Mato Grosso, maybe for medicai treatment or
to attend to administrative matters, or simply to catch a carp in
the presidential pond with their bow and arrow, have less
difficulty accepting the apparent coldness of the capital than
many of the Europeans well-versed in modern discourse.
With its theme "Iconografias Metropolitanas ", the 25th Bienal
de São Paulo is presenting art from eleven major cities in ali five
continents: Berlin, Caracas, Istanbul, Johannesburg, London,
Moscow, New York, Peking, São Paulo, Sydney and Tokyo. Ali
of them fali into the category of old cities, and in ali of them
artists find traces of desolation. For this reason the Bienal
invited a handful of visionary artists to create the so-cal led
Twelfth City which would put into practice the ideas of the
Russian Constructivists that were never realized. The Twelfth
City is the only one to evade the threatening fist in Franz
Kafka's ghostly tale "The City Coat of Arms" which, in each
dos homens em cinco golpes sucessivos. A décima segunda
cidade sacode assim o pó cinzento dos velhos assentamentos,
que Maiakóvski em vão tentara transformar em arco-íris, e
arrebata o argumento aos sociólogos. Supera a violência de
Caracas, o azar de Berlim, e evita o suicídio de Moscou. É a
pura Florença, a formalmente perfeita Nova Iorque, a
insuperável Shanghai. Seus construtores projetam uma nova
Brasília, mas sem o concreto e as severas regras dos anos 60. Se
as cidades antigas foram projetos políticos, econômicos ou até
militares, a décima segunda cidade é uma proposta estética.
Brasília foi a décima segunda cidade do séc. XX. Se ela parou
na metade do longo caminho rumo à utopia, isso se deve talvez
ao fato de a capital brasileira ter sido formulada sempre como
projeto político, dependente de conjunturas políticas e
interesses econômicos. Assim o componente estético fora
concebido apenas como acessório ornamental e recurso auxiliar,
não como interesse de central importância. Agora a velha
cidade voraz, à qual Brasília quis fugir, finalmente alcançou o
Plano Piloto. Os vícios da velha sociedade não tardaram em se
fazer presentes, uma vez que o cânone da modernidade, feito
não somente de frio concreto armado, mas justamente também
de mentalidade democrática e reivindicações igualitaristas,
provocara excessivo desconforto.
A Igrejinha de Vila Planalto
Durante quarenta anos, a minúscula igrejinha de madeira do
bairro operário Vila Planalto fora um símbolo do espírito
t
pioneiro dos construtores de Brasília. Ao longo de quatro
décadas, a capela que levava o significativo nome de "Nossa
Senhora de Pompéia" pregou modéstia e austeridade. Durante
mais de uma geração ela fora o antiprojeto aos sonhos em
concreto da Espl anada dos Ministérios, à cuja sombra ela
cresceu obstinada até se transformar numa pequena lenda.
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generation, des.troys the work of
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manKin~ w ith five su(cessive,
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short sharp blows. The Twelfth City shakes off the ,grey'dust of
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the old settlements that Mayakovsky vain ly atte~'Pfed''t6\ "v
transform into rainbows thus robbing the sociologipts of ali "\
Lucio Costa
argument. The city overcomes the violence of Cara~a~rthe ill: Plano Piloto de Brasília
Projetos apresentados
luck of Berlin and prevents the suicide of Moscow. It embodies na sala hors-concours
the purity of Florence, the formal perfection of New York, the da IV Bienal Internacional
de São Paulo, 1957
ultimate character of Shanghai. If the old cities were political,
economic ar even military projects, then the Twelfth City is an
aesthetic proposition.
Brasília was the Twelfth City of the 20th century. If this city, on
its long path to Utopia stopped half way in its tracks, it might
be beca use the capital had always been formulated as a
political project that was dependent on the political barometer
and economic interests. The aesthetic component was
considered little more than a decorative trimming, a supportive
agent, rather than a central concern. The image of the old, all-
consuming city, from which Brasília wanted to escape, has
finally caught up with the Plano Piloto. And the vices of old
society are following in quick pursuit. The canon of modern art
beca me toa uncomfortable, as it consists not only of coai
concrete but also of democratic thought and aspirations
of equality.
lhe Church of Vila Planalto
For forty years the tiny wooden church of the workers'
settlement Vila Planalto symbol ized the pioneering spirit of the
people who built Brasília . For four decades the little church with
the characteristic na me "Nossa Senhora de Pompéia" preached
modesty and austerity. For more than a generation this church
was the counter-image of the concrete dreams along the
esplanade of ministries in the shadows of which it grew into a
small legend.

Sua mistura de casa de camponeses siberianos e de cabana de
toras canadense trazia um sopro das latitudes boreais às
savanas tropicais do Planalto Central. Para os amantes das artes
e da arquitetura, ela era o espinho na carne do modernismo, a
admirada exceção à regra. Enquanto emblema da pobre Vila
Planalto ela lembrava ao Brasil que as promessas dos anos
sessenta ainda não tinham sido nem de longe cumpridas.
Possivelmente um posto de gasolina ocupe logo mais o lugar
da igrejinha, ou um supermercado, ou uma daquelas casas pós-
modernas que se espraiaram durante os últimos anos no seu
entorno. Provavelmente nunca se saberá se a sua destruição foi
causada por um incêndio criminoso ou por mera irreflexão.
Será que as ruínas fumegantes da igrejinha assinalam o fim da
fase de fundação da nova capital ou mesmo o começo do
aniquilamento de seus ideais? Ao lado de Auschwitz e do
Bauhaus em Dessau, Brasília é, conforme se sabe, o único lugar
do séc. XX tombado pela ONU como patrimônio da
humanidade. Enquanto no Brasil se protesta contra a destruição
das estátuas de Buda pelo Taleban, a escultura tão única e
irrecuperável que é Brasília está sendo decapitada sem que se
faça sentir qualquer resistência digna de nota.
A fascinante abstração da cidade corre o risco de ser
desfigurada por uma mixórdia de gratuidades. Com estas
intervenções, Brasília não ficou mais moderna, mas, quando
muito, mais inchada. As suas linhas claras e incorruptíveis foram
entortadas, a precisão lacônica do seu vocabulário urbanístico
converteu-se em tagarelice irrelevante, a sua elegância
engordou até a obesidade. O diálogo sutil entre natureza e
obra humana foi sensivelmente perturbado, a harmonia entre
céu e terra ficou desequilibrada. Num ato violento de
restauração estética e ideológica a força sugestiva da cultura
cede passagem aos cálculos do comércio. Em duas palavras, um
farol da modernidade está ameaçado de tornar-s~ uma cidade
comum e vulgar, arrancada às mãos dos visionários.
The church's style, a mixture of Siberian farmhouse and
Canadian log cabin, brought a breath of air from boreal
latitudes into the tropical savannahs of Planalto Central . For
lovers of art and architecture it was the thorn in the si de of
modern art, the much marvelled exception from the rule. As
the symbol of the poor Vila Planalto quarter it reminded Brazil
that the promise of the sixties had yet to be redeemed .
Maybe a gas station will soon be built in place of the church, or
a supermarket, or one of those post-modern mansions that
have been spreading throughout the neighbourhood in recent
years. It will most likely never be discovered whether the church
was burned down in a deliberate act of arson or as a result of
pure carelessness.
Do the smouldering ruins of the "igrejinha " mark the end of
the new capital's founding years, or even the beginning of the
destruction of its ideais? Apart from Auschwitz and the
Bauhaus in Dessau, Brasília is the only other 20th century
location to be placed under a United Nations conservation
order. Whilst people in Brazil were protesting against the
destruction of the Buddha statues by the Taliban, the equally
unique and irretrievable sculpture Brasília was decapitated
without much noticeable resistance .
The fascinating abstraction of the city is in danger of being
deformed by an agglomeration of wilful objects. These
interventions have not ma de Brasília more modern, they have
simply inflated it. The city's clear, unerring lines have been
distorted, the laconic precision of its urban vocabulary has
changed into meaningless gossip, it's slim elegance has turned
into flabby portliness. The subtle interplay of nature and human
creativity hps been crucially disturbed, the harmony between
heaven and earth has lost its equilibrium . In a brachial act of
aesthetic and ideological restoration the suggestive power of
culture is succumbing to the calculation of commerce. In short:
a lighthouse of modern art is threatening to become a common
and vulgar city, severed from its visionary roots.
Plataforma Internacional
A 25 a Bienal de São Paulo oferece-se agora como uma
plataforma internacional, a partir da qual poderão ser lançados
novos impulsos para o aperfeiçoamento da utopia de Brasília.
Com a ajuda do Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, a
Bienal convidou artistas do Brasil e do mundo a fazerem um
levantamento crítico da deformação sofrida pela cidade e, ao
mesmo tempo, a indicarem um caminho para o futuro,
legitimado exclusivamente pela estética, abrindo assim um
horizonte para o impossível. Os artistas procuram a cidade
prometida, que se afasta de uma vez por todas dos vícios das
velhas metrópoles. Não dão apenas continuidade às aspirações
da catedral de Nieméyer, que se erguem para o céu e buscam a
transcendência; eles também nos legam a simples ligação
terrena de uma igrejinha de madeira na Vila Planalto e o seu
amor pelo aquém.
A exposição "Brasília: ruína e utopia" apresenta um total de
a Mario Cravo Neto made pioneering artistic explorations into the
nove artistas, todos, com uma exceção, representados na 25
Bienal de São Paulo. Eles criaram novos trabalhos para o Centro
Cultural Banco do Brasil, que discutem de forma complexa a
iconografia da cidade moderna e se referem em parte
explicitamente a Brasília. De certo modo esse projeto é uma
continuação da exposição" Revendo Brasília ", organizada em
1994 pelo Instituto Goethe e pela Fundação Athos Bulcão.
Nela, os fotógrafos Andreas Gursky, Thomas Ruf( Ulrich
Gbrlich, Miguel Rio Branco, Rosângela Rennó e Mario Cravo
Neto realizaram um primeiro inventário artístico da cidade.
International Platform
The 25th Bienal de São Paulo is now presenting an
international platform that offers the prospect of new impulses
for comp leting the Utopia of Brasília . With the help of the
Centro Cultural Banco do Brasil, the Bienal has invited artists
from Brazil and from throughout the world to present a criticai
summary of the city's deformation and to signpost a way to the
future . Their brief is based on pure aesthetics which opens up a
vast horizon to the impossible. The artists are in search of the
promised city wh ich will say goodbye, once and for al i, to the
fa ilings of the old metropolises. They not only lend continuity to
the skyward sweep and the transcendental element of
Niemeyer's cathedra l, they also bequeath us the simple
steadfastness of a small wooden church in the Vila Planalto and
its lave of the terrestrial.
The exh ibition "Brasília: Ru in and Utopia" presents a total of
nine artists, ali but one of whom are represented at the 25th
São Paulo Bienal. Their new works, created for the Centro
Cultura l Banco do Brasil, address the iconography of the
modern city in a complex way, and some of them make explicit
references to Brasília itself. In some respects this project links up
with the exhibition organized by the Goethe Institute and the
Fundação Athos Bulcão in 1994 Revendo Brasília in which
11 11
the photographers Andreas Gursky, Thomas Ruf( Ulrich
Gbrlich, Miguel Rio Branco, Rosângela Rennó and
state of the city.
Por um lado, Frank Thiel localiza as suas fotografias em grande
formato de canteiros de obras exclusivamente em Berlim, mas
as suas imagens são genericamente uma parábola sobre a
transformação das cidades. Em cada ato de construção,
desenvolvido paradigmaticamente no caso berlinense com
referência à Praça Potsdam, ressoa ao mesmo tempo um
elemento de destruição. As fotografias de Thiel não deixam
claro se estamos diante de uma construção ou de uma
demolição. Num lugar a máquina de demolição trabalha
furiosamente, remetendo às feridas do passado, noutro uma
floresta de guindastes se ergue em meio à terra de ninguém da
Guerra Fria. Thiel descobre assim um novo tema para a arte
contemporânea : o canteiro de obras. Em milhares de metros
quadrados as estruturas reticulares geométricas dos andaimes
sustentam a nova Berlim . O enfrentamento do pós-guerra ainda
produz efeitos retardados, a cidade ainda luta para achar a
medida certa . Ocasionalmente a sua fúria edificatória a faz ir Although Frank Thiel's large format photographs focus on
além do objetivo e ceder a manifestações de mau gosto, construction sites located exclusively in Berl in, his pictures are
criticadas com frio distanciamento por Thiel. Fachadas falsas e generally a parable of urban change. His example of Potsdamer
imagens de tentativas desajeitadas de restauração, assim no Platz shows that every act of construction conta ins an element
caso do 5tadtschloss, o castelo da cidade, nos são apresentadas of destruction. And in Thiel's pictures it is never absolutely clear
pelo fotógrafo como um espelho que exibe em escala which of these two processes actually dominates. Whi le the
desproporcional a falta de senso de medida e a megalomania . demolition squad works furiously on old wounds of the past, a
forest of cranes simultaneously emerges in the no-man's-Iand of
Num inteligente estudo, Barbara Freitag-Rouanet chamou com the Cold War era. In th is way Thiel discovers a new subject for
boas razões a atenção aos paralelos entre Berlim e Brasília. As present-day art: the construction site. Spread over thousa nds of
duas cidades foram construídas em lugares impossíveis: Berlim square metres the geometrical mesh structures of scaffolding
nos pântanos inacessívejs de Brandenburgo, Brasília no planalto rise up to give Berlin its new hold. The confrontation of the
infértil entre Goiás e Minas Gerais. Em última instância, as duas post-war era is still partially visible wh ile the city struggles to
cidades devem a sua fundação ao acaso. find a new equilibrium. It sometimes goes over the top in its
renewal efforts and produces tasteless objects which Thiel
No seu estudo fotográfico sobre as Plattenbauten (casas pré- lampoons with cool detachment. Thiel presents us with
fabricadas) de Berlim Oriental, onde ele foi criado, Frank Thiel looking -glass that magnifies unfitting façades and desperate
ressaltou de forma convincente os paralelos surpreendentes restoration enterprises, such as Berl in City Pa lace, and so
entre essa arquitetura típica da RDA e as superquadras ex poses elements of delusion and megalomania .
brasilienses. Os críticos da Asa Sul deverão registrar com
atenção o fato de as Plattenbauten entrementes serem In her clear-sighted study Barabara Freitag-Rouanet quite rightly
consideradas novamente chiques em Berlim . Com efeito, a draws para llels between Berlin and Brasília. Both cities were
publicidade européia descobriu recentissimamente a estética de built in impossible places: Berl in in the swamps of Brandenburg,
Brasília, fria e ainda não desgastada, enquanto veículo de visões Brasília in the infertile hil l country between Goiás and Minas
prenhes de futuro. Gerais. In both cases it was coincidence that led to the
found ing ofthe city.

Frank Thiel made a photo study of the prefabricated apartment

blocks in East Berlin where he himself grew up. In so doing he
reveals astonishingly convincing parai leis between this typical
kind of GDR architecture and the apartment blocks of Brasília.
The fact that these prefabricated blocks are again considered
fashi~nable in Berlin should be careful ly noted by critics of
Brasília's apartment blocks. In recent years European
advertising has discovered the unspent, cool aesthetics of
Brasíl ia as a veh icle of future-oriented visions.
A arte é dark, complex and slow", afirma o diretor de teatro
11
norte-americano Peter Sellars. A caracterização poderia se
referir também ao trabalho de Michael Wesely, que com ajuda
de uma câmara especial de construção própria e um tempo de
exposição à luz de dois anos condensa a atividade de
construção na Praça Potsdam em uma série de fotografias
lacônicas em preto e branco, que desaceleram artificialmente
em grau extremo a azáfama no maior canteiro de obras da
Europa. Se os tons cinzentos predominantes na série sobre a
Praça Potsdam correspondem melhor aos estados da psique
berlinense, irrompe no seu próximo ciclo uma festa
transbordante de cores que poderia perfeitamente provir da
região tropical de Brasília. Wesely fotografou os palácios de
Roma e os interiores de restaurantes de Nova Iorque e criou,
mais uma vez com um longo tempo de exposição à luz,
imagens que apagam os contornos dos objetos representados e
reproduzem tão-somente as cores dos lugares representados,
quase como numa pintura abstrata: verde e marrom discretos
com um tímido amarelo, em Roma, e azul saturado e vermelho
vigoroso em Nova Iorque. As composições regulares
caracterizadas por estrias verticais aludem às linhas claras e às
proporções finamente harmonizadas dos prédios brasilienses,
aos quais Wesely confere uma adicional leveza e alegria serena.
A pintora Sarah Morris mergulha nos desfiladeiros lisos dos
prédios de Manhattan e dos corredores do poder em
Washington. Nas suas composições severas, que evocam as
composições fotográficas de Geraldo de Barros, ela alude às
retículas arquitetônicas da modernidade. Resultam disso
fenômenos paralelos às fachadas anônimas das superquadras
de Brasília, inspiradas pelo Bauhaus. Mas essa geometria fria,
cujas linhas irresistíveis se encontram num distante ponto de
fuga, foi sensivelmente perturbada pelos acontecimentos de 11
de setembro. A pergunta sobre como a artista traduzirá no
futuro esse choque para a linguagem visual não é menos
interessante do que aquela sobre como os arquitetos de Nova
Iorque lidarão com o grande vazio em Downtown .
Kemal bnsoy, de Istambul constrói com simples chapas de
isopor uma escada engenhosamente torneada, que se projeta
para as alturas, bem na esteira da coluna infinita de Brancusi e
da torre de Tatlin, cujo otimismo só é partilhado por poucos
artistas contemporâneos nestes tempos dominados por ruínas.
A disciplina clássica da escultura enfrenta grandes dificuldades
nos dias atuais. As instalações que preferem a aderência ao
chão exercem um poder excessivo. Raras vezes um escultor
l
According to the American theatre director Peter Sellars, art is
11 dark, complex and slow". He could equally well be referring
to the work of Michael Wesely who used a special self-
constructed camera with an exposure time of two years to
monitor building activity on Potsdamer Platz. He then
compacted the outcome of his project into a series of laconic
monochrome photos that artificially slow down and compress
the hectic activity on Europe's largest construction site. Wh ile
the dominating greys of the Potsdamer Platz series probably
best reflect the nervous makeup of Berlin's innermost self, the
next series explodes with an exuberance of colour that could
well have originated in the tropical climes of Brasília. Wesely
also photographed palaces in Rome and the interiors of New
York restaurants and created images that dissolve the contours
of the depicted objects to such an extent that only the colours
of the places remain, resulting in something almost like an
abstract painting. Cautious green and brown with hesitant
yellow in Rome, rich blue and powerful red in New York. The
even compositions with their characteristic, vertica l stripes, play
on the clear lines and finely harmonized proportions of the
buildings in Brasília to which Wesely adds both lightness and joy.
The American painter Sarah Morris steeps herself in the smooth
architectural chasms of Manhattan and the corridors of power
in Washington. Her strict compositions, reminiscent of Geraldo
de Barros' photographic compositions, make allusions to the
architectural patterns of modern art. This results in parai leis to
the anonymous façades of Brasília 's apartment blocks wh ich
were inspired by the Bauhaus. Admitted ly, this cool geometry
whose irresistible lines meet at a distant vanishing point has
been acutely destabilized by the events of 11 September. The
question of how the artist will visually translate this shock in the
future is no less interesting than the question of how the
architects of New York will come to terms with the gaping void
in Downtown Manhattan.
Kemal bnsoy from Istanbul has worked with plain polystyrene
slabs to build an artistically carved, extremely tall staircase that
bears great affinity to Brancusi's "Endless Column" and Tatlin's
Tower and emanates an optimism matched by only a handful of
other contemporary artists. The classical discipline of sculpture
 is currently in a difficult position. Too great is the superior
strength of installations that remain rooted to the ground. It is
now rare for a sculpture to venture upwards, and when it does
the work usually ends in nothingness, such as Olaf Metzel's iron
staircase in the courtyard of Munich's Goethe Institute.
ainda ousa elevar-se às alturas. Quando isso ocorre, a obra
Although it winds its way to lofty heights, it abruptly breaks off
termina no nada, como, por exemplo, a escada de ferro de Olaf
at the top as if it had been hit by a shell. In fact it is interesting
Metzel no pátio interno do Instituto Goethe em Munique, que
in this context that some of the most striking works of the 25th
sobe qual parafuso para o alto, mas quebra-se abruptamente
Bienal de São Paulo have a semi-militaristic character. Both the
na ponta, como se tivesse sido atingida por um projétil. Nesse
Cuban group "Los Carpinteros" and the Swiss artist Fabrice
contexto, é claramente significativo que alguns trabalhos da 25 a
Gygi have erected provisional watch towers. Art as a lookout
Bienal de São Paulo apresentem um caráter, por assim dizer,
post in battle or even as an early warning system in the
militar. Tanto o grupo cubano" Los Carpinteros" quanto o suíço
pending "C lash of Civilizations"?
Fabrice Gygi constróem torres de vigia provisórias: seriam elas
indicativas da posição da arte enquanto posto de observação,
Kemal bnsoy is afraid neither of heights nor of battle. Although
cujo ocupante está a salvo em meio aos combates, ou mesmo
his work has been sculpted from delicate material, the
da arte enquanto sistema de alarme antecipado no iminente
shimmering white staircase appears to keep growing
"choque de civilizações"?
indefinitely. Parallels with the open unrailed staircase in the
~r-~~--~~r---~----

Palácio do Planalto, one of Niemeyer's trademarks, are clearly

Kemal bnsoy não tem medo das alturas nem da guerra.
visib le. l1's as if both the architect and the artist are saying to
Embora feita de material frágil, a sua escada em branco
themselves, nobody needs to cling on to anything here beca use
resplandecente parece crescer eternamente. Os paralelos com
stability is guaranteed.
as escadas sem guarda-corpo no Palácio do Planalto, marca
registrada de Oscar Niemeyer, saltam aos olhos. Aqui ninguém
The Italian photographer Armin Linke, always restlessly on the
precisa agarrar-se, pois nada oscila, eis o que parecem dizer um
move around the globe, believes he can find the Twelfth City in
ao outro o arquiteto e o artista.
utopian projects of the world around us, even though these
may have lost much of their glamour, such as the Soviet space
O fotógrafo italiano Armin Linke, que percorre incessantemente
launching-pad at Baikonur in Kazakhstan. Pharaonic projetcs,
o globo, crê encontrar a décima segunda cidade em projetos
such ~s the Three Gorges Oam in China or the Akaki Seko
utópicos do mundo contemporâneo, embora eles tenham
perdido muito do seu brilho, como, por exemplo, as
plataformas de lançamento de foguetes da antiga União
Soviética em Baikonur no Cazaquistão. Seus temas prediletos
são construções faraônicas como a represa das "Três
Gargantas" na China ou a Ponte Akaki Seko no Japão. O
canteiro de obras da maior mesquita do mundo em Abu Ohabi
rivaliza com o "Petronas Tower" de Kuala Lumpur, o prédio
mais elevado do planeta . Brasília, a utopia mais formidável
do séc. XX, não falta no seu catálogo, tampouco Las Vegas,
a nova Jerusalém construída sobre estilhaços de sorte que
caem repentinamente do céu . Aqui a cópia, mesmo a de
Veneza, produz o original de melhor qualidade. Linke
encontra cenários de cidades não-corrompidas até na remota
Patagônia ou ainda no Pólo Norte, onde o vento e as
tempestades riscaram os contornos de uma colônia de
nômades na neve. Embora o concreto desalmado seja o
material predominante, as suas imagens de Brasília possuem
uma forte dimensão espiritual. Linke busca ali as cores
típicas: o cinza da cúpula sobre o batistério, o azul na
cobertura abobadada de vidro da catedral de Niemeyer e o
branco do campo das esculturas de Athos Bulcão no teto do
Teatro Nacional, que poderia ser a edição em miniatura de
uma cidade imaginária.
Quando os arquitetos paulistas Isay Weinfeld e Márcio Kogan
se aproximam de uma cidade, esta deve estar prevenida. Os
urbanistas auto-suficientes temem os comentários sarcásticos
de Weinfeld e Kogan, apresentados na forma de maquetes.
Suas intervenções subversivas não poupam nem o Big Ben de
Londres, nem o Arco do Triunfo de Paris. Sob o impacto da
crescente violência em muitas metrópoles do mundo eles
projetaram para a Bienal de São Paulo uma chamada
"aerocasa " na forma de um aeroporto. Os habitantes desse
prédio de alta segurança não mantêm contato entre si e
usufruem todas as formas imagináveis de proteção, inclusive
máscaras contra gás, disponibilizadas automaticamente em
caso de ataques químicos. A maquete inclui também barcos
patrulhadores blindados, os assim chamados" bateaux-
mouches blindados", baterias anti-aéreas e um "parque de
refugiados" . Na Bienal esse conjunto cínico foi instalado
como um showroom, incluindo recepcionistas que oferecem
residências na "aerocasa " e instruem os visitantes, através de
Bridge in Japan are his favourite motifs. The construction site
of the world's largest mosque in Abu Dhabi competes with the
"Petronas Tower" in Kuala Lumpur, the tallest building on
earth. Brasília, the mightiest Utopia of the 20th century, is as
much a part of his research as the new Jerusalem of Las Vegas
created by a shower of good-Iuck fragments shooting down
from the cosmos. The copy, even that of Venice, matures there
into the better original . Linke even discovers the setting for
unspoiled towns in far distant Patagonia and at the North Pole
where wind and weather have etched out a nomad camp in
the snow. His Brasília pictures have a strong spiritual dimension,
even thoug h its main material is soulless concrete. Linke seeks
out Brasíl ia's typica l colours: the grey of the dome on the
chappel, the blue in the domed glass roof of the cathedral and
the white of Athos Bulcão's sculpture field at the National
Theatre that gives the impression of being the miniature edition
of an imaginary city.
When the architects Isay Weinfeld and Márcio Kogan approach
a city, it's advisable to be on the alert. Their sarcastic
commentaries in the shape of maquettes are the dread of ali
complacent urban planners. Neither London 's Big Ben nor Paris'
Arc de Triomphe have been spared from their subversive
interventions. Influenced by the impression of increasing
violence in many metropolises, Isay Weinfeld and Márcio Kogan
have designed a so-ca lled "Aero-Casa" for the Bienal de São
Paulo. The inhabitants of this high-security wing have no
contact with each other and enjoy every conceivable kind of
protection, including gas masks that are automatically
distributed during chem ica l weapon attacks. The set also
includes armoured excursion boats, so-called bullet proof
bateaux-mouches, air defence batteries and a "refugee camp ".
This cynical ensemble has been set up at the Bienal as a
vídeos, sobre os procedimentos a serem adotados no caso de
catástrofes. Éverdade que Brasília ainda está muito distante
desse estado apocalíptico, mas ela já abre hoje um número
suficiente de flancos para ataques dos dois críticos da
arquitetura, cuja arma mais afiada é o humor.
No Espelho do Kitsch
Lina Kim combina na sua instalação o universo dos
candangos, pioneiros nos canteiros de obras de Brasíl ia, com
o dos salões da antiga corte carioca . Na fo rma de um
espelho com ornamentos elaborados, o Palácio do Catete da
antiga capital se funde com o chamado "Catetinho" de
Brasília, uma modesta casa de madei ra nas imediações da
cidade, que serviu de residência provisória a Juscelino
Kubitschek nos pri meiros dias da nova capital. As insígnias
do poder feudal contrastam com as singelas ferramentas dos
operários da construção: picaretas, pás e ancinhos. Um
carrinho de mão enferrujado se espelha no vidro arrogante
da riqueza. A artista não só une sob um arco histórico a
esplendorosa Rio de Janeiro e a sóbria Brasília, mas aponta
também para os obsMculos amontoados nesse percurso: a
pobreza e a exclusão socia l. Mas talvez uma outra leitura seja
permitida: privado do seu contexto, o espelho barroco se
converte em kitsch e produz um reflexo de todo o mau
gosto que ameaça as sociedades modernas. Segundo
Clement Greenberg, o kitsch é um subproduto da revolução
industrial e da cultura popular. Na nossa perspectiva, ele é
antes uma cria do dinheiro fácil. Seja como for, as
ferramentas do Catetinho são imunes a ele. O mesmo vale
para os assentamentos dos sucessores dos candangos nas
cidades-satélite, nas quais se pode perceber em meio às
cores estridentes e às formas pouco ortodoxas um senso
ineludível de estilo.
showroom, comRlete with hostesses who offer apartmentSi
for sale in the "Aero-Casa" and run videos with instructions
on how to act in the event of a catastrophe. Although
Brasíl ia is very far from th is apocalyptic scenario, its current
state still offers plenty of targets for these two architects,
heavily armed with their very own fierce brand of humour.
In the Mirror of Kitsch
In her installation Lina Kim combines the world of the
Candangos, the pioneers of Brasília's construction sites, with
that of the salons of courtly Rio de Janeiro. In the shape of
an artistically decorated mirror the Catete Palace of the old
capital melts together with the so-called Catetinho of
Brasíl ia, an unadorned wooden house on the periphery of
the city which served as a temporary residence for Juscelino
Kubitschek in the city's founding phase. The insignia of
feudal power contrasts with the simpie tools of the
construction workers: picks, shovels and rakes . A rusty
wheelbarrow is reflected in the arrogant mirror of wealth .
The artist not only highl ights the historical link between
glamorous Rio de Janeiro and sober Brasíl ia, she also points
to the obstacles littering its path: poverty and social
exclusion. But other ways of read ing her work are also
possible. The baroque mirror, robbed of its context, becomes
kitsch and creates a reflection of al i the bad taste that
threatens modern societies. According to Clement
Greenberg, kitsch is a by-product of the industria l revolution
and popular culture. From our point of view it is more the
offspring of making fast money. Whatever the case, the
Catetinho tools are immune to it. The same applies to the
successors of the Candangos in the satellite towns where an
infallible sense of style is palpable amid the brash colours
and unorthodox designs.
Utopias Urbanas 1
Barbara Freitag Rouanet
As utopias não são muitas vezes mais que verdades prematuras.
Lamartine
... e é isso que dá aos nossos sonhos a ousadia: eles podem ser realizados.
Le Corbusier
A origem das cidades e as características das cidades utópicas
Em seu clássico A cidade na história, Lewis Mumford 2defende
algumas teses fascinantes sobre a origem das cidades. Entre
outras, afirma que a cidade dos mortos (necropolis) antecedeu
a cidade dos vivos (pólis) . As verdadeiras fundadoras de cidades
e civilizações teriam sido as mulheres, que cultuavam seus
mortos em lugares aos quais, mesmo em períodos de
nomadismo, voltavam com regularidade, erguendo santuários
para aqueles que haviam partido deste mundo. As mulheres
ainda procuravam lugares seguros e protegidos para dar à luz,
lugares esses simbolizados pelo círculo, remetendo à cidade
com muralhas. A cruz, a grade ou o tabuleiro representariam
de forma mais imediata as ruas da cidade e, metaforicamente,
a ousadia, o expansionismo dos homens, sua atitude
conquistadora e guerreira. Por isso, não surpreende que os
hieróglifos de mulher, casa e cidade se confundam .
Esse mesmo símbolo já foi encontrado em Nimrod, em
escavações na Mesopotâmia, sob a forma de um baixo-relevo
assírio, mostrando que a existência de cidades no Oriente
próximo antecedeu por milênios a existência das cidades
ocidentais, incluindo aquelas da Antigüidade clássica como
Atenas e Roma.
Em A metrópole e a cultura da diferença, Richard SenneW
revisita essa idéia da representação da cidade enquanto círculo
que encerra uma cruz e lembra a oposição entre o interno e o
externo, a tensão entre o expansionismo (comércio/guerra) e o
recolhimento, a oposição entre guerra e paz. Desde sua
fundação, a cidade e sua representação estariam caracterizando
duas tendências contrárias da civilização humana: a expansão
para além de suas fronteiras (cruz/grade) e a defesa com
muralhas fortificadas (círculo/muros). A cidade expressa, ao
mesmo tempo, construção e expansão versus destruição e
Urban Utopias 1 j
Utopias are often no more than realities whose time has not yet come.
Lamartine
.. .and this is what lends audacity to our dreams: they can be realized.
Le Corbusier
The origin of cities and characteristics of utopian cities
In his classic The City in History, Lewis Mumford posed some
fascinating theories on the origin of the city.2One was that the
city of the dead (necropolis) had preceded the city of the living
(polis). The real founders of cities and civilizations were women,
who worshipped their dead in places that they later revisited
regularly, even during periods of nomadism, and where they
erected shrines for those who had departed this world . For
birthing, women also sought safe and sheltered places, which
were symbolized by circles evoking city walls. Cross, grid, or
checkerboard schemes represented city streets in a very direct
way; metaphorically, they evoked audacity, man's drive to
expand, conquer, and wage war. Therefore, it comes as no
surprise that the hieroglyphs for woman, home, and city were
fused into one .
This same symbol was found in Nimrod, in excavations in
Mesopotamia, in the shape of an Assyrian bas-relief, thus
revealing that there were cities in the Middle East some
thousands of years before the first cities were founded in the
West, even those of Classical Antiquity such as Athens and
Rome.
In The Metropolis and the Culture of Difference, Richard
SennetP revisits this idea of the representation of the city as a
circle containing a cross and recalls the opposition between
'within ' and 'without', the tension between trade- or war-
driven expansionism and retreat, and the opposing states
leading to war or to peace. Since its found ation, the city and its
representation characterized the binary opposition within
human civilization : the expansion beyond borders (cross/grid)
and the defense within fortified wal ls (circle/walls). The city also

delimitação. Sennett introduz ainda outras oposições que, em
diferentes épocas da história das cidades, foram hegemônicas,
como a oposição entre cidade e natureza, entre cultura e
civilização, entre urbis e civitas, recuperando, com esta última,
o binômio introduzido pelo engenheiro espanholldelfonso
Cerdas do século XIX. Segundo os dois autores, urbis se
referi ria ao aspecto material, urbanístico de uma cidade, com
seu traçado das ruas, suas casas, praças e palacetes; enquanto
civitas representaria o aspecto sócio-político da organização dos
moradores da cidade enquanto cidadãos.
Ao discutir a forma e estrutura da cidade da Antigüidade
clássica, Mumford lembra que a idéia da cidade ideal, da cidade
sonhada, da utopia urbana, sempre acompanhou a concepção
da cidade, como procurarei explorar os tópicos que se seguem.
Antes de mergulhar em exemplos específicos, vale a pena
relacionar as características das cidades utópicas, como
introduzidas por Patrice .de Moncan no primeiro capítulo de seu
belíssimo livro As cidades sonhadas.4
Ao relembrar cidades idealizadas, como Atlântida, a própria
Utopia, o Falanstério e até mesmo Brasília, o autor destaca
como primeira característica das mesmas o isolamento. A maior
parte das utopias (u-topos = sem lugar) eram situadas em ilhas
distantes, desconhecidas, não identificáveis. Seus idealizadores
fixavam-lhes um tamanho ideal: o Falanstério de Charles Fourier
poderia ter até 3.000 habitantes, a "cidade jardim" de
Ebenezer Howard estava prevista para 30.000 pessoas, Brasília
foi planejada por Lúcio Costa para meio milhão de habitantes e
a ville radieuse de Le Corbusier teria, como tamanho ideal, três
milhões de moradores. De preferência, as cidades utópicas
deveriam ser construídas em terreno plano, sem relevo, para
que pudessem expandir-se. As ruas e os prédios deveriam
privilegiar o ângulo e a linha reta . Muitos utopistas urbanos
defendiam a tolerância religiosa e filosófica em "suas" cidades
e condenavam a propriedade privada .
Atrás da concepção da cidade utópica escondia-se a idéia de
uma sociedade perfeita, harmônica, livre dos defeitos das
cidades e sociedades históricas em que viviam os seus
idealizadores. Segundo Karl Mannheim 5, o conceito de
"utopia" implica a idéia de uma possível realização do
modelo sonhado. Isso vale igualmente para as sociedades e as
cidades utópicas.
stands for construction and expansion versus destruction and
delimitation . Sennett goes on to introduce further oppositions
that have been hegemonic at different times in the history of
cities, such as the opposition between city and nature, between
culture and civilization, between "urbis" and "civitas" - the
latter going back to the dichotomy that Spanish en gineer
Ildefonso Cerdá introduced in the 19th century. Accordi ng to
Cerdá - and Sennett - "urbis" referred to the material aspect
of a city, to its layout or plan, with its urban gri d of streets,
houses, squares, and mansions. "civitas" represented the
sociopolitical organization of city dwellers as citizens.
In discussing the form and structure of the city in classical
antiqu ity, Mumford rema rks that the notion of an ideal city, a
city of dreams, an urban Utopia, has always been found
alongside the concept of the city - and th is is what I shall
attempt to explore below.
Before delvi ng into specific examples, however, I fi nd it
worthwhile looking at the characteristics of utopian cities as
posed by Patrice de Moncan in the first chapter of his
marvelous book Villes rêvées [Dreamed Cities]4
In discussing utopias such as Atlantis, Utopia, the Phalanstere
(Phalanstery), and even Brasília, de Moncan highlights isolation
as the main feature. Most of the utopias (from the Greek ou,
no, + topos, place) were located in remo te island settings that
were unknown or undiscovered. Their creators even set the
ideal size for them: Charles Fou rier's Phalanstere cou ld hold up
to 3,000 inhabitants. Ebenezer Howa rd's "garden city" was to
house some 30,000 people. Lúcio Costa planned Brasília for
half a million inhabitants, and Le Corbusier's Vil/e Radieuse
(radiant city) was ideally desi gned for 3 million residents.
Utopian cities were preferably to be built on levei sites, thus
favoring expansion. Streets and buildings shou ld champion
angles and straight lines. Many urban utopianists advocated
religious and philosophical tolera nce in "their" cities and
denounced private property.
Underlying the concept of the utopian city was the idea of a
perfect and harmonious society untainted by the flaws their
creators had experienced in cities and societies of the past.
According to Karl Mannheim,5the concept of "utopia" impl ies
th e possibility of actual ly achieving the desi red model. Th is
applied to utopian societies and to utopian cities.
 A partir da Ilustração, os utopistas reclamavam a separação
entre vias de pedestres e vias para carros/carruagens (cf. Rétif
de la Bretonne para a Paris do século XVIII); propunham a
separação das diferentes funções da cidade - como habitar,
trabalhar, divertir-se - em diferentes áreas. Também coube a
eles imaginar a produção de habitações em série, com materiais
pré-fabricados. Foram eles que lançaram o mito dos espaços
verdes como o "pulmão" das cidades (parques, bosques, jardins
dentro ou próximos às mesmas). Basta lembrar, como
exemplos, o Hyde Park, em Londres, o Grunewald, em Berlim, o
Bois de Boulogne, em Paris, () Parque Florestal de Monsanto,
em Lisboa, a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, o Parque do
Ibirapuera, em São Paulo, o Parque da Cidade, em Brasília .
Se examinarmos a relação da cidade utópica com o pode( são
reveladas novas características deste ideal de cidade e
sociedade. Como valor supremo busca-se encontrar a cidade
justa, harmoniosa, ordenada . Para alcançá-Ia, são propostas
medidas pedagógicas, tendo em vista educar seus moradores
para serem cidadãos esclarecidos, envolvidos com o trabalho e
a paz. Essas concepções foram desenvolvidas como respostas à
industrialização crescente no século XVIII. Mumford lembra, no
entanto, que grande parte das utopias urbanas tinha caráter
autoritário. Veremos isso na organização do trabalho em um
"falanstério", no qual todos trabalhariam, inclusive crianças de
três anos, acordando às 4:30h da manhã e dormindo às 22 :00h
da noite. Alguns utopistas quiseram até mesmo controlar o
sexo, fixando as idades em que os jovens estariam autorizados
a praticá-lo, determinando até mesmo quantas vezes por
semana um casal poderia ter relações sexuais, entre outras
regulamentações. Não é por acaso que as construções
idealizadas pelos utopistas assemelhavam-se ao panóptico de
Jeremy Bentham,6que inspirou a arquitetura das fábricas e
prisões futuras .
Com a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento do
bloco socialista, as utopias caíram em descrédito. A
globalização da economia mundial, que vem ameaçando a
sobrevivência do Estado-Nação, fez emergir um tipo especial de
cidade que Saskia Sas5en denominou de global cities7 . Trata-se
daquelas cidades pós-modernas, capazes de hospedar o capital
global e garantir seus fluxos. Com isso, chegou o momento de
questionarmos o futuro das cidades e a possibilidade de
sobrevivência das utopias urbanas.
Beginning in the Enlightenment period, utopians demanded
that pedestrian walkways be separated from thoroughfares for
carts or carriages (cf. Rétif de la Bretonne, for 18th-century
Paris). They proposed dividing the city into areas according to
the different functions of cities - residence, work, and
recreation . They also conceived mass-produced homes using
prefabricated materiais, and were responsible for the myth of
areas of greenery (parks, forests, and gardens withi n or dose to
the cities) as "Iungs " for the cities, after the examples of Hyde
Park, in London; Grunewald, in Berlin; Bois de Boulogne, in
Paris; Parque Florestal de Monsanto, in Lisbon; Floresta da
Tijuca, in Ri o de Janeiro; Pa rque Ibirapuera, in São Paulo; or
Parque da Cidade, in Brasília.
A scrutiny of the relations between the utopian city and power
reveals further characteristics of this ideal city and society. The
supreme va lue is the quest for a just, harmonious and orderly
city To reach this ideal, they proposed instructional action to
educate residents as enl ightened, industrious and peaceful
citizens. These concepts were developed as a response to the
increasing industrialization in the18th century. Mumford
reca lls, however, that urban utopias were in many ways
authoritarian in their character. We will find this in the labor
organization in a phalanstére (phalanstery), where everyone had
to work, including 3-year-old children - and they ali got up at
4:30 a.m. and went to bed at 10 p.m.
Some utopianists even sought to regulate sexua l activity by
setting the age of initiation for young men and women, and
determining the weekly frequency of sexual intercourse, among
other regu lations. It is no accident that the buildings conceived
by the utopianists resembled Jeremy Bentham 's panopticon,6
which was the inspiration for the future architecture of the
factories and prisons.
However, utopias fell into discredit after the toppli ng of the
Berl in Wall and the socialist block. The globalization of the
world economy th reatens the survival of the nation-state and
has prompted the emergence of what Sask ia Sassen called
"global cities"7 as postmodern cities suited to hosti ng ca pital
and ensuring global flows of funds, which suggests that it is
time we question the future of cities and the chances of
su rviva l of the urban utopias.
o mito de Atlântida e a sociedade ideal de Platão
Em dois dos seus últimos Diá/ogos8, "Crítias" e "Timeu" ,
Platão retoma o "Mito de Atlântida" , em que faz Crítias repetir
a lenda que ouvira de seu avô, de mesmo nome, o qual, por
sua vez, a teria ouvido de Sólon, que o escutara de um
sacerdote egípcio.
Há nove mil anos, encontrava-se, além das colunas de Hércules,
uma ilha do tamanho da Líbia, chamada Atlântida. Na partilha
do mundo entre os deuses, Poseidon, o deus dos mares, teria
recebido a ilha de Atlântida, dividindo-a entre seus dez filhos
gerados com Clito, uma moça natural da ilha. Na descrição de
Crítias, a cidade, que ficava ao norte da ilha era esplêndida,
formada por prédios claros de mármore branco, alguns dos
quais revestidos de ouro e prata . Até mesmo a população
comum morava em casas sólidas, construídas de pedras e
materiais nobres. A cidade era cercada por uma planície. Fora
da acrópole, ao pé de seus terraços, encontravam-se as
habitações dos artesãos e dos agricultores, que cultivavam os
campos vizinhos. No cume, a classe dos guerreiros agrupava-se
em torno dos templos de Atena e Hefaisto, acompanhando a
muralha que protegia a acrópole. Como relata Crítias .. . "aqui
eles viviam em abrigos comuns e refeitórios de inverno, sendo
abastecidos por tudo que exigia o seu estilo de vida em
comunidade, seja sob a forma de habitações, seja sob a forma
de templos, excluindo-se unicamente o ouro e a prata, da qual
não faziam uso ... " (Crítias 11I-112d, p.484 e ss.).
Neste local, os reis de Atlântida haviam construído um
admirável império, dominando toda a ilha, bem como aquelas
vizinhas. Em breve, tornaram-se mestres da própria Líbia, parte
do Egito e da Europa, chegando a ameaçar até mesmo a Grécia
e particularmente Atenas. Os "atlântidas" haviam formado um
exército forte, considerado imbatível, que, num certo momento,
reuniu todo o seu poderio para combater os atenienses, os
únicos ainda não submetidos à escravidão. A bravura, o
conhecimento bélico e a força com a qual os guerreiros
atenienses revidaram os ataques, impedindo a tomada de
Atenas, chamou a atenção e levou à gratidão do resto do
mundo. Não fossem os atenienses, boa pa rte dos povos que
viviam aquém das colunas de Hércules teria sido subjugada .
Nos tempos que se seguiram a essas conquistas aconteceram
terríveis tremores de terra e inundações. "No espaço de um
único dia e de uma única noite, os combatentes de Atenas
foram engolidos pelas águas, no momento em que toda a ilha
de Atlântida se precipitou no mar e desapareceu." Graças ao
longo convívio dos atenienses com os atlântidas, a cidade de
Atenas foi tomando a forma da capital dessa misteriosa ilha . É
dela que os atenienses teriam assimilado a beleza de sua pó/is,
seus templos e casas, mas também as instituições políticas, as
artes guerreiras, a ciência e a filosofia, inclusive o conceito e a
The myth of Atlantis and Plato's ideal society
In two of his last dialogues,8Critias and Timaeus, Plato takes up
the Myth of Atlantis in wh ich he has Critias repeat the legend
he had heard from his grandfather of the same name, who had
heard it from Solon, who in turn had heard it from an Egyptian
high priest.
Nine thousand years ago, beyond the columns of Hercules, lay
an island the size of Libya, called Atlantis. In the division of the
world between the gods, Poseidon, god of the seas, had
received the island of Atlantis and divided it among the ten
chi ldren he sired by Cleito, a young woman native to the island .
As described by Critias, there was a splendid city on the north
side of the island with clear white marble buildings, some of
them covered in gold and silver. Even the common people lived
in solid homes made of stone and other fine materiais. The city
was surrounded bya plain and, beyond the acropolis, at the
foot of its terraces, lay the homes of the artisans and fa rmers
who cultivated the neighboring countryside. At the summit, the
city's warriors were housed around the temples of Hephaestus
and Athena, and along the wa ll protecting the acropolis. As
Critias narrated, "they lived in dwellings in common and had
erected halls for dining in wi nter, and had ali the bui ldi ngs
wh ich they needed for th eir common life, besides temples,
but there was no adorning of them with gold and silver, for
they made no use of these for any purpose .. " (C ritias 111-112d,
p.484 ff.).
On that site, the kings of Atlantis built a wondrous empire, and
it dominated al i of the island as well as the neighboring islands.
Soon, they became masters of Libya itself, part of Egypt and
Europe, and even threatened to take Greece and particul arly
Athens, since the "Atlanteans" had built up such a strong
army. Atlantas was thought to be invi ncible and on one
occasion summoned al i its might in combat against the
Athen ians, the only people yet to be enslaved. The bravery,
mi litary expertise, and force with which the Athenian wa rriors
repelled the attacks and impeded the tak ing of Athens
captured the attention of the rest of the world and earned its
gratitude. Thanks to the Athenians, the fearful subjugation of
many of the people that lived on this side of the columns of
Hercules was prevented.
In the wake of these conquests came terri ble earthquakes and
floods. "In a single day and nig ht of misfortune al i your warli ke
men in a body sank into the earth, and the island of Atlantis in
like manner disappeared in the depths of the sea ." Since the
Athen ians had long been in contact with the Atlanteans, the
city of Athens began to look like the capita l of the mysterious
island of Atlanta from which Athenians assimi lated the beauty
of their polis, their tem pies and houses, their politica l
institutions, their arts of war, science and philosophy, besides
the concept and practice of justice sanctioned by law. It was

prática da justiça, sancionada por lei . Somente depois de os
atlântidas terem desrespeitado suas próprias leis e instituições é
que a derrota abateu-se sobre eles e sua ilha foi engolida pelos
mares. (cf. Timeu, 233-251, p.407 e ss.).
Em interessante artigo na Revista Galileu de setembro de 2001,
Marcelo Ferroni informa que hoje somam-se as evidências
arqueológicas de que a ilha de Atlântida teria sido, em verdade,
a ilha de Santorini. Aqui ocorreram erupções vulcânicas datadas
entre 1520-1500 a.c., que destruíram grande parte da ilha hoje
submersa no Mediterrâneo. 9
A Cidade Celeste: Jerusalém
Segundo Patrice de Moncan, a utopia urbana desaparece com
o advento do cristianismo. Durante a renascença, porém,
ressurgirá, como ainda veremos, a idéia de uma sociedade
perfeita, assentada em uma cidade ideal.
o autor do livro Cidades sonhadas (1998)10 atribui essa ausência
de utopias urbanas durante a Idade Média ao misticismo
cristão, para o qual a Jerusalém Celeste era sinônimo do Paraíso
e da esperança de uma vida melhor. A utopia não se daria
sobre a terra mas somente depois da morte, no Reino dos
Céus. É neste sentido que os cruzados lutavam pela reconqu[sta
de Jerusalém. Não se tratava da Cidade Santa, propriamente
dita, mas do ideal de cidade que a Europa medieval havia
construído em seu imaginário.
Um belíssimo documento dessa concepção da cidade celeste
pode ser admirado na tapeçaria do Apocalypse, na Caisse
Nationale des Monuments, identificada com o reino de Deus
nos céus, depois do fim do mundo. Foi Santo Agostinho que
nos forneceu, em sua Cidade de Deus, uma descrição da cidade
divina, representando-a como a Jerusalém Celeste.
Ainda segundo Patrice de Moncan ll , é no decorrer do século
XVI, e a reboque da Contra-reforma, que a idéia da cidade de
Deus ressurge, retomando o mito de Babel, que encontramos
no Gênesis (11,1-9) do Velho Testamento. Segundo este mito,
os homens haviam ficado orgulhosos e arrogantes, querendo
igualar-se a Deus. Resolveram, por isso, construir uma cidade e
uma torre muito alta, que atingisse os céus. Para tal,
começaram a fabricar tijolos de argila e usar o betume como
ligação, dando início à construção.
Irritado com os afazeres dessa gente, que falava uma única
língua, o hebraico, Deus desceu à terra e resolveu puni-los,
confundindo-lhes a língua. Falando uns com os outros,
deixaram de se entender e de agir em conjunto. A
incompreensão recíproca fez com que abandonassem o projeto
da construção de uma cidade com sua torre, símbolo do
poderio humano, dispersando-se sobre a face da terra.
not until the Atlanteans had failed to live up their own laws
and institutions that defeat fell on them and the seas
swallowed their island. (cf. Timaeus, 233-251, p. 407 ff.).
In an interesting article in the September 2001 issue of Galíleu
magazine, Marcelo Ferroni reports that the accumulated
archeological evidence points to the island of Atlantis having
been in fact the island of Santorini, where volcanic eruptions
from 1520-1500 B.C. destroyed much of the island now
submerged in the Mediterranean.9
lhe Heavenly City of Jerusalem
According to Patrice de Moncan, urban utopias disappeared
with the advent of Christianity. However, as we shall see below,
the idea of a perfect society based on an ideal city was
resumed during the Renaissance.
De Moncan's book Vílles rêvées (1998)10 attributes this absence
of urban utopias during the Middle Ages to Christian mysticism,
in which Celestial Jerusalem was synonymous with paradise and
the hope for a better life. Utopia would never be found on this
earth but only after death, in the Kingdom of Heaven. Hence,
the crusaders struggled to recapture Jerusalem, not as a Holy
City, but as the ideal city that medieval Europe had created in
its imagery.
A superb document of this notion of celestial city is found in
the Apocalypse tapestry on display at Caisse Nationale des
Monuments, showing the Kingdom of God in the Heavens, at
the end of the world. In his City of Gad, Saint Augustine
provided a description of the divine city, which he names
Celestial Jerusalem.
Again, according to Patrice de Moncan, ll it was during the 16th
century, in the wake of the Counter-Reformation, that the idea
of the City of God reappeared, bringing back the myth of
Babel, as found in the Old Testament Book of Genesis (11:
1-9). According to this myth, men had become proud and
arrogant in their quest to raise themselves to the levei of God,
and decided to build a city and a very tall tower to reach the
heavens. To this end, they began to make bricks from clay to
build a tower, using bitumen as mortar.
God was angered by the customs of this people who spoke one
single language, Hebrew, and he came down to earth to punish
them by confusing their tangues. They could no longer speak
to or understand one another, or act in unison. Mutual
incamprehension led them to abandon the project of building
the city and tower as a symbol of human omnipotence, and
they scattered over the face of the earth .
o Gênesis deixa claro que a força-dos homens é dada por sua
ação em conjunto. A civilização é u~a construção coletiva,
cujos pilares constituem, segundo o Velho Testamento, a cidade
e a linguagem. Ambas sobrevivem ao tempo de vida dos
indivíduos. Tratam-se de instituições sociais que, internalizadas
no imaginário de cada um, permitem a sobrevivência
do coletivo.
A utopia renascentista de lhomas Morus (1478-1535)
Thomas Morus tornou-se famoso pelo seu livro Utopia' 2,
editado pela primeira vez em latim, em 1516. U-topos quer
dizer "sem lugar" ou "em lugar nenhum". Com este título,
Thomas Morus procurou evitar a perseguição de Henrique VIII.
O relato não se refere a lugar nenhum e descreve uma ilha não
existente, que não figurava no mapa. É nesta ilha que Morus
situa o modelo de uma sociedade perfeita, procurando, ao
mesmo tempo, fazer uma crítica severa à sociedade inglesa e às
suas instituições sociais e políticas. Para ele, o governo inglês
não era outra coisa senão uma conspiração dos mais ricos
contra os pobres. Na Inglaterra, as leis eram feitas pelos
primeiros para protegerem seus interesses e suas propriedades
com prejuízo para os pobres.
Amigo de Erasmo de Rotterdam, Thomas Morus, negou-se a
prestar juramento ao seu rei, Henrique VIII, quando este se
declarou chefe supremo da Igreja. Dois anos depois, o rei
mandou executá-lo.
Thomas Morus inspirou-se na obra de Platão, em especial, no
mito de Atlântida e numa lenda fenícia relatada em A
República . Com base nesses diálogos, Morus procurou
desenvolver um tratado visando a uma forma de governo
melhor. Usou como artifício o relato de um capitão português,
Rafael, que teria encontrado uma ilha ideal, depois de ter
viajado com Américo Vespúcio para as Américas. A ilha de
Utopia estaria povoada por uma sociedade ideal, distribuída por
54 núcleos urbanos, todos iguais. Bastava descrever a vida em
um deles, "Amaurose", para saber como viviam os "utopianos"
nas demais.
Em Utopia tinha sido abolida a propriedade privada. Aqui
somente se trabalhavam seis horas por dia, três horas antes e
três depois do almoço, havendo duas horas de repouso depois
da refeição. O resto das 24 horas do dia estava previsto para
dormir, estudar e jogar. A cozinha e o refeitório eram coletivos
e funcionavam em espaços onde o olhar do panóptico
(Bentham) estendia-se a todos. O sexo e o casamento seriam
regulamentados da seguinte forma: a moça, virgem, teria pelo
The book of Genesis emphasizes that men's power comes from
their acting together. Civilization is a collective construction,
and its twin pillars are - according to the Old Testament - the
city and the language. Both are more enduring than any
individual since they are social institutions, which when
internalized in the psyche of each individual, enable the
collective to survive.
Thomas More's Renaissance Utopia (1478-1535)
Sir Thomas More is famed for his book Utopia, published for
the first time in Latin in 1516.'2 "U-topos" means "without
place" ar "in no place". He used this title in an attempt to
avoid persecution by Henry VIII. The account refers to no actual
place and describes a nonexisting island not found on the map.
More situates on this island his model of a perfect society, and
at the same time leveis biting criticism at English society and its
social and political institutions. The English government, on
More's reading, was nothing but a conspiracy of the richest
against the poor. In England, the laws were made by the former
to protect their interests and properties, with consequent harm
to the latter.
Thomas More was a friend of Erasmus of Rotterdam and
refused to swear fealty to King Henry VIII after the latter had
declared himself supreme head of the English Church. Two
yea rs later, the king ordered More's execution .
Thomas More was inspired by the work of Plato, and
particularly by the myth of Atlantis and a Phoenician legend
narrated in The Republic. Taking these dialogues as his starti ng
point, More attempted to develop his treatise on the perfect
form of government. As a prop, he used a report from the
Portuguese navigator Raphael, who had discovered an ideal
isl and on his travels to the Americas with Amerigo Vespucci .
The island of Utopia was populated by an ideal society, divided
into 54 similar settlements. A description of life in one of them,
Amaurot, was enough to reveal how "Utopians" lived in the
rest of them.
Private property had been abolished in Utopia. The workday
had 6 hours, 3 before and 3 after lunch, with two hours rest
break ?fter the meal. The remaining hours of the day were
devoted to sleep, study and play. Kitchen and dining hall were
collective and occupied spaces where the eye of the panopticon
(Bentham) reached everything. Sex and marriage were
menos 22 anos e o rapaz, 26. O noivo tinha o direito de ver
sua futura esposa antes do casamento, totalmente nua .
Quanto à habitação, procurava-se respeitar as regras de higiene
conhecidas na época. As casas eram propriedade de todos e
seus inquilinos se mudavam por sorteio de 10 em 10 anos.
Essas casas tinham duas portas (uma de entrada - da rua e
outra de saída - para o quintal) e três andares e eram cobertas
com telhados de telhas de barro para não pegarem fogo. Todas
as casas tinham janelas de vidro para deixarem entrar a luz. Os
seus moradores não pagavam aluguel . Havia serviços públicos
como hospitais gratuitos, escolas públicas para todos, liberdade
de crença religiosa. O autor defendia uma organização e
divisão racional do trabalho, a igualdade social, mantendo
contudo a escravidão.
Se Thom~s Morus se havia inspirado em Platão, influenciara,
por sua vez, Thomas Campanella (1568-1639), com sua Cidade
do Sol, e Francis Bacon (1561-1626), com sua Nova Atlântida,
Robert Owen, com a sua "New Harmony" e Charles Fourier
com seu "Falanstério", entre vários outros.
A utopia socialista de Charles Fourier (1772-1830) e seus
seguidores:
Das várias obras do socialista utópico Charles Fourier 13 , entre as
quais A teoria dos quatro movimentos (1808) e A teoria da
unidade universal (1822), a que mais nos interessa neste
contexto é a obra tardia, de 1848, intitulada A harmonia
universal e o falanstério.
O socialismo a ser realizado com a utopia de Fourier visava à
felicidade de cada um, à harmonia e à reconciliação de todos.
O instrumento para a realização desses objetivos era o que
Fourier chamara de "falange" . Tratava-se de uma organização
social de 2.000 a 3.000 pessoas bem equipadas para a vida e o
trabalho, que elevariam à civilização povos até então ainda
mergulhados na barbárie. Essas pessoas seriam abrigadas em
um grande prédio, o "falanstério", verdadeiro palácio para o
povo, inspirado na construção dos grandes castelos dos reis de
França, como, por exemplo, o Château de Vincenne ou de
Versailles.
Para esse novo modelo de sociedade, Fourier inspirou-se em
Felipe da Macedônia, que havia organizado os seus soldados
em forma de falange, isto é, unidades de batalha capazes de
regulated as follows: the virgin brides must be at least 22 years
old, and th e grooms, 26 . A fiancé was entitled to see his future
wife naked before marriage.
As to dwelli ng places, the rules of hygiene as known at the
ti me were put in practice. Houses were commonproperty
real located by drawing lots once every 10 years. Every house
had a door to the street, a back door to the garden, and three
fl oors, roofed with clay tiles so as not to catch fire . Ali houses
had glass windows to let in light. Their residents paid no rent
and there were public services such as free hospitais, public
schools for ali, and freedom of religion . More argued for
ra ti ona l organ ization and division of labor, and social equality,
but was for keeping slavery.
Thomas More had been inspired by Plato and, in turn,
influenced works by many other authors, including City of the
5un by Tommaso Campanella (1568-1639); New Atlantis by
Francis Bacon (156 1-1626); Robert Owen's ideal city New
Harmony, and Charles Fou rier's Phalanstere (Phalanstery).
Charles Fourier's socialist utopia (1772-1830) and his
followers
Of the several works of the utopian socialist Charles Fourier, 13
such as The Theory of the Four Movements (1808) and The
Theory of Universal Unity (1822), the most relevant of them, in
this context, is the later work of 1848, entitled L'harmonie
universelle et le phalanstere [Universal Harmony and the
Phalanstery].
The socialism envisaged by Fourier's utopia sought happiness,
harmony, and reconciliation for alI. The means of reaching
these objectives was what Fourier called the "phalanx" - a unit
of society consisting of 2,000 to 3,000 people wel l equ ipped
for life and labor, who were to raise the levei of civil ization for
peoples stil l immersed in barbarism oThese people were to be
housed in a great building, the phalanstere, truly a people's
palace, but inspired by the great castles in France such as
Château de Vincennes or Versailles.
This new society was also modeled on the "pha lanx" of Phi lip
of Macedonia, who had organized his sold iers in th is way, i.e.,
com bat units able to quickly penetrate enemy columns. In the
infiltrar-se rapidamente nas colunas dos inimigos. Da mesma
maneira, na utopia de Fourier, as falanges e os falanstérios
avançariam para o interior dos territórios e das sociedades
européias, reestruturando-as de dentro para fora .
Capital, talento e trabalho deveriam compor todo esse processo
segundo proporções aritméticas (4/12; 3/12; 5/12
respectivamente). Crianças (a partir de três anos), homens e
mulheres trabalhariam conjuntamente para garantir o seu
sustento no campo e nos mais variados ofícios. Segundo
August Bebel, o biógrafo alemão de Charles Fourier, o estilo de
vida em um falanstério durante o verão tinha a seguinte rotina
(cf.p.81):
" Levantar e vestir-se às 3:30h; às 4:00h, uma sessão de
trabalho do grupo que lida com os animais; às 5:00h, sessão
com os jardineiros; às 7:00h, café da manhã; às 7:30h, reunião
dos cortadores de trigo e às 9:30h, sessão com os horticultores.
Devido ao forte calor nessa estação do ano, Fourier previa os
trabalhos nas plantações sob o abrigo de toldos e tendas. Às
11 :OOh, nova sessão com os grupos que cuidam dos animais; às
13:00h, almoço; às 14:00h, trabalhos no bosque; às 16:00h,
ocupação com manufatura; às 18:00h, irrigação das plantações;
às 20:00h, prestação de contas e contabilidade; às 20:30h, jantar;
às 21 :OOh, conversação; às 22 :00h, deitar-se para dormir." 14
Os falanstérios podiam localizar-se em áreas rurais, em torno
das quais se distribuíam ?s casas dos camponeses, que também
poderiam-se alojar, caso o quisessem, no prédio principal do
falanstério, isto é, o "palácio do povo ". Este era cercado pelas
casas dos camponeses, manufaturas e fábricas ligadas por
galerias e avenidas. Formavam-se, assim, três círculos
concêntricos. No centro, o "palácio do povo" abarcaria os
alojamentos dos operários e trabalhadores, as salas coletivas
para reuniões de todo tipo, conforme enumeradas por Bebel,
para a realização dos comícios políticos, cerimônias religiosas,
atividades de trabalho, ensino e jogo para as crianças e jovens.
No térreo ficariam os ateliers; ao lado, as creches e dormitórios
das crianças, o refeitório e as cozinhas coletivas. Quem quisesse
comer por conta própria não era impedido de o fazer, mas as
refeições coletivas tinham a vantagem de economizar espaços,
tempo de trabalho e mão-de-obra. Com isso, imaginava-se
poupar dinheiro para a comunidade e reduzir os acidentes.
A circulação neste grande palácio se daria por galerias
envidraçadas, aquecidas durante o inverno e refrigeradas
durante o verão. Os pedestres não sujariam os pés na chuva e
não se molhariam, tendo o máximo de conforto. O modelo
eram as galerias do Palais Royal .
same way, in Fourier's utopia, the phalanxes and phalansteres
would move forward in European territories and societies to
restructure them from within.
The labor process was to consist of capital, talent and labor in
arithmetic proportions (4/12; 3/12; 5/12 respectively). Children
(as of 3 years of age), men and women would work together
to earn their livelihood from toiling the land and from engaging
in the most varied crafts. According to August Bebel, Charles
Fourier's German biographer, the lifestyle in a phalanstere
during the summer featured the following routine (cf. p. 81):
"Get up and dress at 3:30; 4:00 working session for the group
dealing with the animais; 5:00 session with gardeners; 7:00
morning breakfast; 7:30 meeting of wheat reapers, and 9:30
session with gardeners. Due to the seasonal heat, Fourier
planned for plantation work to be carried out under canopies
or in tents. 11 :00 new session with animal husbandry groups;
13:00 lunch; 14:00 work in the forest; 16:00 manufacturing
activities; 18:00 plantation irrigation; 20:00 reports on work
executed and accounting; 20:30 dinner; 21 :00 conversation;
22:00 to bed and sleep." 14
The phalansteres were to be located in rural areas, with peasant
housing spread around them. If they so wished, peasants could
also be lodged in the main building of the phalanstere, i.e., the
"people's palace." The farmers' houses, manufacturing units,
and factories connected by arcades and thoroughfares
surrounded this "palace" forming three concentric circles. In
the center, the "people's palace" would conta in workers'
lodgings and multipurpose community rooms, wh ich Bebel
described as being for political meetings, religious ceremonies,
labor activities, teaching, and recreation for chi ldren and
youths. The ground floor wou ld house workshops, along with
day-care centers and children's dorms, the dining hall, and
collective kitchens. Anyone wishing to eat alone was not kept
from doing so, but collective meals offered the added
advantages of savi ng space, time, and labor. The idea behind
the col lective kitchen was to reduce accidents and save money
for the community.
Circulation in this great palace would be through glass-sided
arcades heated during the wi nter and cooled in the summer.
This system wou ld offer added comfort to pedestrians who
would not soil their feet or wet themselves in the ra in.
Circulation was modeled on the arcades of the Palais Royal.
Essa concepção das ruas-galerias viria influenciar a construção
das chamadas "passagens", muito freqüentes na Paris do
século XIX e que tanto atraíram a atenção de Walter Benjamin,
que nelas se inspirou para escrever uma de suas obras mais
conhecidas, As Passagens de Paris.
Foram seguidores de Charles Fourier: Victor Considérant (1808-
1893) et Jean-Baptiste André Godin (1817-1888).
o "familistério" de Godin, na região de Guise ao norte da
França, foi o único projeto utópico realizado com sucesso. 15
Trata-se de um "familistério", como Godin preferiu chamá-lo,
inserido em um terreno de 18 hectares com terras agrícolas,
manufaturas e prédios industriais. Nele foram realizados todos
os princípios descritos para o falanstério de Fourier, tanto de
cunho arquitetônico, higiênico quanto político e social. O
Familistério de Guise foi construído e habitado pelo próprio
Godin. Sua construção teve início em 1859. Em 1862, já estava
quase todo habitado. Em 1866, as obras foram concluídas. Em
1870 foram acrescidos os berçários, o p/ay ground, as escolas e
o teatro, lavabos e salas de banho. Seu interior abrigava
padarias, açougues, queijarias etc. Nele também funcionava a
cozinha e o refeitório coletivos. Havia água encanada, esgoto e
todo o conforto das ruas-galerias, aquecimento e refrigeração,
com os quais havia sonhado Fourier. Este "falanstério" passou a
abrigar 900 pessoas, em sua maioria operários, que se auto-
administravam por intermédio de uma Associação (" Association
du Capital et du Travail"), eleita pelos próprios moradores do
local. O Familistério de Guise funcionou até 1968, quando foi
entregue à administração municipal. Hoje funciona como
museu, com horários de visita diários, estando sob o mecenato
da União Européia .
Se Marx & Engels haviam criticado o "bias" utópico de uma
união entre capital e trabalho, outros críticos denunciaram a
"compaixão" pelos operários como sendo nada mais que uma
tentativa de apaziguar os ânimos da classe operária para
despistá-Ia de possíveis ações revolucionárias.
Segundo Lore Fortes 16 , registrou-se uma tentativa de
implementar um falanstério em Santa Catarina por volta de
1842, antes da construção do Familistério de Guise/França. A
iniciativa partiu de BenoTt Mure, um médico homeopata que
trouxe mais de 100 famílias francesas para o Brasil para aqui
instalar um "falanstério" e praticar a homeopatia. O Imperador
D.Pedro 11 concedeu a essas famílias um território perto de
This conception of roofed passageways was to influence
the construction of the arcades" commonly found in 19th-
11
century Parisian architecture, wh ich so attracted Walter
Benjamin's attention and inspired his best-known work on The
Arcades Project.
Victor Considérant (1808-1893) and Jean Baptiste André Godin
(1817-1888) were followers of Charles Fourier. Godin's
fami/istére in Guise, northern France, was the only successful
utopian project. 15 The 18-hectare site comprised agricultural,
manufacturing, and industrial facilities. The same principies as
devised for Fourier's pha/anstére were applied to architecture,
sanitation, politics, and social issues. Godin himself, who also
lived there, built the fami/istére at Guise. Construction began in
1859 and, by 1862, it was almost fully inhabited, although
work was actually concluded in 1866 and nurseries, a
playground, schools, a theater, restrooms and bathrooms were
added in 1870. The fami/istére a/50 contained bakeries, butcher
shops, dairies and cheese-making facilities, a collective kitchen
and dining hall. There were also plumbing and sewer systems,
heating and cooling, and the convenience of arcades, just as
Fourier had imagined it. This pha/anstére accommodated 900
people, mostly workers, and was self-managed through a
workers' association (Association du Capital et du Travai l), its
leaders elected by the local residents. The Guise Familistere
functioned until 1968, when it was handed over to the Guise
municipal administration, and it is now a museum sponsored by
the European Union and open daily to visitors.
Marx and Engels criticized the utopian "bias" of a union
between capital and labor, whi le other critics denounced
this "compassion" for workers as being no more than an
attempt to appease the worki ng class and divert it from
revolutionaryaction.
According to Lore Fortes,16 there are records of an attempt to
install a pha/anstére in Santa Catarina (Brazil) in or around
1842, i.e., before the construction of the Guise Familistere, in
France. This attempt was credited to BenoTt Mure, a
homoeopathic doctor who brought over 100 French families to
Brazil to found a pha/anstére and practice homoeopathic
medicine. Emperor Dom Pedro 11 granted the French immigrants
Joinville, onde ergueram o único "falanstério" no Brasil, do
qual temos conhecimento. Este recebeu o nome de Sahy, uma
localidade que posteriormente passou a ser grafada como Saí.
O projeto funcionou perfeitamente por mais de três anos. No
entanto, a luta que Mure travou com a medicina alopática no
Brasil prejudicou a realização do "falanstério" e levou Mure a
deixar o Brasil, trocando-o pelo Egito e pela França, para
implementar a homeopatia como forma de medicina popular
preventiva em outra parte do mundo.
A utopia urbana de Charles Fourier influenciou vários outros
pensadores e intelectuais, entre eles Etienne Cabet (1788-
1856), diretor do jornal Le Populaire, que escreveu vários livros.
Entre eles, merecem menção: Viagem a Icara; Como sou
comunista; Meu credo comunista e a História popular da
Revolução Francesa. Ele idealizou a cidade de íca ra, cujo projeto
tentou concretizar em 1847 no Texas. A realização caiu por
terra com a Guerra da Secessão americana e outros conflitos.
Robert Owen, o socialista inglês, conseguiu, da mesma forma
que Godin, concretizar em Indiana/USA o projeto urbano "New
Harmony", no qual despendeu 4/5 de sua fortuna, adquirida
através do casamento com uma aristocrata. Foi a primeira
tentativa (em 1824) de erguer uma cidade com base em idéias
coletivistas, desenvolvidas em seu livro O sistema social. Outro
socialista nobre, o conde de Saint-Simon (1750-1825), idealizou
a "cidade industrial", em que conviveriam proprietários e
operários. Também este socialista utópico inspirou-se, entre
outros, nos escritos e id ~i as de Charles Fourier. 17
La Vil/e Radieuse de Le Corbusier (1887-1965)
Le Corbusier (nome verdadeiro: Charles-Edouard Jeanneret)
tornou-se célebre por ter reunido em um documento, hoje
conhecido como "Carta de Atenas" (1943), o encontro
programático dos Arquitetos e Urbanistas, em 1933, na capital
da Grécia. Trata-se de uma espécie de 10 Mandamentos do
urbanismo moderno, que influenciaram sobremaneira a
arquitetura da segunda metade do século XX, em particular os
brasileiros Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
Le Corbusier definiu a linha e o ângulo reto como o princípio
mais racional e estético para a moderna arquitetura. Introduziu
a verticalização dos prédios e a separação dos mesmos por
grandes espaços livres como a nova forma de construção
arquitetônica . Sugeriu dividir o espaço urbano em diferentes
áreas, respeitando as diversas funções da cidade que haviam
sido definidas em Atenas, a saber: habitação, trabalho,
transporte, lazer. A esses princípios fora m acrescidas as idéias
de separar as vias dos pedestres dos caminhos, das ruas e das
avenidas dos carros. A idéia da eliminação dos cruzamentos
(algo corriqueiro para os brasilienses, acostumados às
tesourinhas), a construção de elevados e passagens por baixo
das grandes pistas é parte integrante dessa nova concepção
land near Joinville, where they set up the only phalanstere
known to have existed in Brazil, at Sahy (spell ing later changed
to Saí). The project worked perfectly for over three years, but
Mure's struggle agai nst all opathic medicine in Brazil harmed the
chances of the phalanstere's success. As a result, he left to
practice homoeopathic med icine in Egypt and France, where he
looked to implement preventive medicine on a mass basis.
Charles Fourier's urban utopia influenced several others,
including Etienne Cabet (1788-1856), the editor of the Le
Populaire newspaper, who wrote severa I books, the most
noteworthy being Voyage en Icarie [A Voyage into Icaria], Mon
Credo Communiste [My Communist Bel iefs], and Histoire
Populaire de la Révolution Française [People's History of the
French Revolution]. He conceived the city of Icaria and
attempted to materialize it in Texas in 1847, but the U.S. Civil
War and other conflicts put an end to the venture. The Engl ish
socia list Robert Owen founded a commu ne similar to God in 's in
Indiana where his New Harmony project cost him 4/5 of the
fortune he had acquired through marriage to an aristocrat. This
was the first attempt (in 1824) to build a city based on the
collectivist ideas posed in his text "The Social System." Another
aristocratic socialist, Saint-Simon (1750-1825), designed the
"industrial city" in which proprietors and workers would live
together. This utopian socialist was also inspired by the writings
and ideas of Charles Fourier and others n
Le Corbusier's Ville Radieuse (1887-1965)
Le Corbusier (real name: Charles-Edouard Jeanneret) beca me
famous for the document now known as "Th e Athens Charter"
(1943), which emerged from a programmatic conference of
architects an d urban planners held in 1933 in the Greek ca pital.
Th is was something of a Ten Commandments of modern
urbanization and had a major influence on architecture in the
second half of the 20th century, particu larly on Brazilian
architects and city planners Lúcio Costa and Oscar Niemeyer.
Le Corbusier established the line and the right angle as the
most rational and aesthetic principies for modern architecture.
He introduced vertica l-rise bui ldings separated by extensive free
spaces around them as the new form of architectural
construction. He suggested dividing urban space in different
areas according to the different functions of the city as
discussed at the Athens meeting, namely, residence, work,
tra nsport and leisure. To these principies, he added the ideas of
separating pedestrian passageways from the roadways and
thoroughfares used by motor vehicles. The notion of
eliminating intersections using elevated expressways and
passages underneath huge avenues was an integral part of this
new urban conception (residents of Brasília are fami liar with the
urbana .. Le Corbusier ainda defendeu a prática da
multiplicação, ad infinítum , de módulos de casas, que deveriam
ser consideradas auto-suficientes, como carros ou verdadeiras
"máquinas de morar e viver" . A aglomeração de muitas casas
iguais ou semelhantes resultaria na cidade moderna. Os
materiais utilizados para a construção seriam placas de concreto
e cimento pré-fabricadas. Nos países do Leste Europeu, essa
idéia traduziu-se imediatamente em prática socialista com o
chamado Plattenbau, que hoje enfeia cidades históricas como
Praga, Dresden, Leipzig, Berlim, entre outras.
Apesar de sua enorme influência sobre os arquitetos e
urbanistas em todo o mundo, Le Corbusier tinha a alcunha de
"planejador urbano incansável sem cargo", porque grande
parte de seus projetos não foi realizada . A tendência autoritária
entre os utopistas, constatada por Mumford, aplica-se
perfeitamente a Le Corbusier.
Como os socialistas utópicos de século XIX mas também como
Haussmann, Pereira Passos e tantos outros, a arquitetura
pactuava com o poder, a fim de realizar megaprojetos urbanos.
Basta lembrar a atuação de Albrecht Speer junto a Adolf Hitler,
redesenhando o plano urbano de Berlim, para consagrá-Ia a
capital do "Império milenar" .
Entre algumas das realizações de Le Corbusier cabe mencionar
a cidade de Shandigarh, no Punjab/índia, que, apesar de posto
em prática pelo governo indiano, é hoje considerado um
projeto fracassado . O arquiteto suíço, sediado em Paris, ficou
conhecido ainda por sua concepção da Maison radieuse em
Marselha e por sua Ville radieuse, a tentativa de remodelar o
centro de Paris. Sua intenção foi pôr abaixo todas as
construções da Cité e do seu entorno, para "sanear" a capital
francesa . Para a nossa alegria e sorte, esse foi mais um projeto
não realizado, que, no entanto, levantou enorme celeuma entre
arquitetos e urbanistas.
overpass system nicknamed tesourinhas, literally, little scissors).
Le Corbusier continued to advocate the adnfinitum
multiplication of home mod ules that were seen as self-
contained like automobiles or "machines for living in." The
grouping of numerous identical ar similar houses was to result
in the modern city. The material used for construction would be
prefabricated concrete slabs. In Eastern Europe, th is idea
translated immediately into social ist practice withthe so-ca lled
Plattenbau structures that now blemish historical cities such as
Prague, Dresden, Leipzig, and Berli n.
In spite of his enormous influence on arch itects and city
plan ners worldwide, Le Corbusier was labeled the "untiring but
jobless urbanist, " since few of his projects were ever executed.
The notion of an authoritarian trend among utopian ists, as
descri bed by Mumford, is very much applicable to Le Corbusier.
Li ke the utopian socialists of the 19th century, but also like
Haussma nn, Perei ra Passos, and so many others, his
architecture was open to bei ng co-opted by the ru ling elite in
order that his mammoth urban projects cou ld be implemented.
One has only to recal l Albrecht Speer's work for Adolf Hitler,
and his redesigning of Berlin to consecrate it as the capita l of
the "millenn ial empire."
Notable among Le Corbusier's bu ilt works was the city of
Chandigarh, which the Indian government erected in the
Pu njab (19 56), but which is now viewed as unsuccessful. Swiss-
born and Paris-based, Le Corbusier was also known for his
"Maison Radieuse" conception in Marseilles, and his "Ville
Radieuse" attempt to remodel the center of Paris. He planned
to tear down ali the buildings in and around the Cité and thus
"cleanse" Paris. Fortunately, th is was yet another unexecuted
project, but it did have an enormous impact among arch itects
an d city planners. The desig n was inspi red by th e spirit of the
checkerboard . Some 24 buildings, each 60 fl oors high, were to
be built in a cruciform layout. Le Corbusier wanted airy and
well-lit environments to overcome the sensation of
cla ustrophobia that assailed him in Paris, particularly in the
Cité district.
o projeto inspirava-se no espírito do tabuleiro. No seu centro
seriam erguidos 24 edifícios de 60 andares cada um, tendo
uma planta em forma de cruz. Le Corbusier defendia a
necessidade de arejamento e de claridade, para superar a
sensação de aperto e constrangimento que Paris lhe causava,
especialmente na Cíté. Na parte leste, estava previsto um centro
cívico, atrás do qual se encontrava um enorme parque (área
verde). As quadras residenciais seriam superquadras, com
prédios de até 12 andares da altitude (immeubles víllas).
Imaginou construir 108 dessas superquadras. O trânsito se
adaptaria à velocidade do seu tempo, tendo autopistas para
ônibus e carros individuais, metrôs e trens rápidos,
considerando-se até mesmo o transporte de avião. Felizmente
(para nós), os franceses não conseguiram entusiasmar-se com
esse projeto, nem mesmo as grandes empresas
automobilísticas, como a Citroen e a Michelin.
Antes de completar a reflexão sobre o idealizador da Vil/e
radieuse, cabe lembrar a presença de Le Corbusier no Brasil. Em
final de 1929 ele empreendeu, juntamente com Saint Éxupéry,
uma viagem à América do Sul, visitando o Rio de Janeiro, São
Paulo, Montevidéu e Buenos Aires. Nessa viagem ele
desenvolveu esboços para a remodelação das quatro cidades
visitadas. Em todos esses casos, propôs construir grandes pilotis
de 30 metros de altitude, que permitiriam sustentar novas
cidades nesses patamares mais elevados, sem precisar interferir
no tecido urbano das vieil/es vil/es (centros históricos) existentes.
Deste modo, poderiam çoexistir dois níveis de cidades, um
sobre o outro, que somente teriam os pilotis (com grandes
elevadores) e autopistas como conexões entre si . Em
Montevidéu, tratar-se-ia de edifícios que, partindo do centro,
seguiriam de forma perpendicular e retilínea até o mar. Algo
semelhante Le Corbusier propôs para São Paulo. No Rio, fez
suas galerias e viadutos acompanharem o relevo ondulado das
praias, algo que Lampugnani atribui ao redescobrimento das
linhas curvilíneas da mulher! 18
Le Corbusier veio uma segunda vez ao Brasil, a convite do
Ministro Capanema, convite esse mediatizado por Lúcio Costa,
com o encargo de projetar o novo Edifício do MEC, no início da
década de 30. Há uma correspondência significativa, em
francês, sobre qual teria sido a contribuição de Le Corbusier e
qual a da equipe de Lúcio Costa (na qual teve participação ativa
Oscar Niemeyer) para a construção defin itiva do prédio, o qual
constitui o marco para a instalação da arquitetura moderna no
Brasil e no mundo 19 .
A última vez que Le Corbusier veio ao Brasil foi para visitar
Brasília, a nova capital do país, no início dos anos 60. Esta havia
sido construída sem a colaboração do mestre.
The plan cal led for a civic center in the eastern end with an
enormous park behind it. The residential units would be
"superblocks" of 12-story buildings (immeubles vil/as). He
intended to bui ld 108 of these superblocks. Traffic flow was to
be adapted to the speed ethos of the times, with expressways
for buses and automobiles in addition to subway and high-
speed tra in systems, and, eventually, even air transport.
Fortunately (for uS), the French were none too enthusiastic
about the project, not even the auto-industry giants such as
Citroen or Michelin.
Before leaving Le Corbusier, and his Ville Radieuse, let us recall
his visits to Brazil. In late 1929, together with Saint Éxupéry, he
traveled to South America and visited Rio de Janeiro, São Paulo,
Montevideo, and Buenos Aires. On the journey, he drafted
sketches to remodel the four cities. In every case, he intended
to build huge 30-meter-high pi lotis to sustain new cities on a
higher levei and avoid the need to intervene in the urban fabric
of the existing vieil/es vílles (old towns). Hence, the two leveis
would remain si de by si de - or rather one on top of the other -
with only the pi lotis (and huge elevators) and expressways
interconnecting them. In Montevideo, he planned buildings
rad iating from the center and proceeding toward the ocean
perpendicularly and in straight lines. Le Corbusier proposed
something similar for São Paulo. In Rio, he would have arcades
and viaducts follow the sinuous shoreline, which Lampugnani
attri butes to his red iscovering womanly curves !18
In the 19305, Le Corbusier came to Brazi l for the second time
on offi cial business . Following Lúcio Costa's suggestion,
Minister Gustavo Capanema commissioned him to design the
new Ministry of Education and Public Health Building, to be
bu ilt in Rio de Janeiro. The correspondence in French provides a
significant account of Le Corbusier's contribution and the role
of Lúcio Costa and his team (of which Oscar Niemeyer was an
active member) in the design and construction of this building
which, as it turned out, beca me the cornerstone of modern
architecture in Brazil and worldwide. 19
Le Corbusier's last tri p to Brazil was to visit Brasília, the
coun!ry's new capita l, in the early 19605. The city had been
built to completion without the master's assistance.
Brasília: Utopia e Realidade
(a obra de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer):
Brasília sempre é apresentada como sendo a realização plena da
utopia contida na Carta de Atenas. Isso vale especialmente para
os analistas e observadores internacionais 20
. Mas essa visão não
corresponde aos fatos, como demonstrou a minuciosa pesquisa
21
de Carpintero, concluída em 1998 . Segundo o professor de
arquitetura da UnB, o projeto vencedor do concurso público foi
o de Lúcio Costa, que longe de seguir à risca os princípios e
preceitos da Carta de Atenas, deu atenção especial a uma série
de aspectos e propôs inúmeras soluções para o projeto urbano,
que destoam daqueles princípios, como, por exemplo, a
atenção especial dada à bacia hidrográfica, ao relevo e aos
acidentes do solo no Planalto Central, bem como à tradição
arquitetônica trazida pelos portugueses. Lúcio Costa também
não implementou a linha e o ângulo reto, mas concedeu aos
dois eixos que se entrecruzam uma forma de arco e flecha . As
superquadras procuram atender às formas de convivência
brasileiras. Costa reduz o gabarito das edificações para seis
andares, não observando o número de 12 proposto por Le
Corbusier. Longe da pureza clássica e racional da arquitetura
moderna, Costa mescla os princípios da Carta de Atenas com o
modelo das "cidades-jardim" de Ebenezer Howard, sintetizados
em Brasília nas várias superquadras, que apesar de serem
compostas, via de regra, por 11 a 12 blocos iguais ou
parecidos, apresentam aspectos variados pela riqueza e
diversidade vegetais habilmente introduzidas e exploradas por
Burle Marx.
As transgressões aos princípios da Carta de Atenas ainda são
mais óbvias e visíveis nos monumentos e prédios públicos
projetados por Oscar Niemeyer. Este introduz formas e curvas
ousadas, como as dos prédios do Congresso Nacional, do
palácios da Alvorada, do Planalto, do Itamaraty, da Justiça. Tudo
isso dá a Brasília a visão de uma cidade irreal, de extrema
beleza estética, com seus amplos espaços vazios, suas largas
avenidas e esplanadas, seus eixos monumentais e transversais.
A dimensão utópica não advém, pois, da inspiração em um
modelo utópico de cidade, mas sim da ousadia pela qual o
urbanista e o arquiteto, verdadeiros artistas plásticos, integram
espaços, formas, beleza e funcionalidade.
Em 1990 Brasília foi declarada patrimônio da humanidade, não
simplesmente por ter concretizado boa parte dos princípios da
Carta de Atenas mas sim por ser a primeira e única cidade
modernista, erguida em um tempo recorde, apresentando uma
Brasília: Utopia and Reality
(the work of lúcio Costa and Oscar Niemeyer)
Brasília is constantly presented as the full realization of the
utopia of the Athens Charter, particularly by non-Brazilian
ana lysts and observers zo But this view does not fit the facts, as
was shown in meticu lous research by Carpintero, concluded in
1998 at the University of Brasília 21 . Carpintero found that Lúcio
Costa's winning project in the competition paid particular
attention to a series of features that were far removed from the
principies and precepts of the Athens Charter. In fact, he
proposed several urban-planning solutions that clashed with the
Charter's principies: the special concern for the hydrographic
basin, the relief, and the features of the terrain on the Central
Plateau; the citation of Portuguese architectural tradition . Lúcio
Costa also failed to use straight lines or right angles, but he did
have two axes intersect in a bow-and-arrow shape. In Brasília,
the so-called superblocks were redesigned to meet the needs of
Brazil ian way of life. To th is end, Costa reduced the buildings to
six floors rather than the 12 origina lly proposed by Le
Corbusier. Far from the classic and rationa l purity of modern
arch itecture, Costa combined the principies of the Athens
Charter with Ebenezer Howard's "garden city" model, and the
result was synthesized in Brasília, where the several superblocks,
despite usually holding 11 or 12 identical or simi lar towers,
show variations in their rich and diverse fl ora as introd uced and
exploited by Burle Marx.
The Athens Charter principies were even more flagrantly and
visibly transgressed in Oscar Niemeyer's monuments and public
bu ildings. He introduced bold forms and curves such as those
of the National Con gress and the "palaces," i.e., the Alvorada,
Planalto, Itamaraty, and Supreme Court buildings. Ali this lends
Brasília the air of an unreal city of extreme aesthetic beauty,
with its vast empty spaces, broad avenues and esplanades, and
its monumental and transversal axes. Its utopian dimension is
not, therefore, derived from its being inspired by a utopian
model of the city, but from the boldness with which its city
plan ners and architects integrated spaces, forms, beauty and
functiona lity, li ke true visual artists.
In 1990 Brasília was listed as a World Cultural Heritage site, not
simply for having materialized many of the principies set forth
in the Athens Charter, but for being the first and only
modernist city, erected in record time and maintaining an
unidade e coerência urbanísticas jamais vistas. Com a
construção de Brasília, Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer e
Lúcio Costa demonstraram uma vontade sincera e não apenas
declarada de modificar e reestruturar a sociedade brasileira,
tornando-a mais igualitária, mais justa, mais confortável para os
seus habitantes. Verdade é que essa pretensão encontrou
resistências insuspeitas, entre elas, o golpe militar de 1964.
o novo "Estatuto da Cidade" de julho de 2001: Utopia ou
realidade?
Depois de 11 anos de tramitação entre Câmara e Senado, o
Congresso Nacional aprovou a lei N° 10.257, "que estabelece
diretrizes gerais da política urbana" . Essa lei, mais conhecida
como "Estatuto da Cidade", foi sancionada em 10/7/2001 pelo
Presidente da República e entrou em vigor em outubro do
mesmo ano. O novo Estatuto preocupa-se com "o pleno
desenvolvimento das funções sociais das cidades" e "garante o
direito a cidades sustentáveis" . Em vários artigos e parágrafos,
esse direito é especificado: direito à terra, à moradia, ao
saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públicos,
ao trabalho e ao lazer. Entre outros pontos, a lei se propõe
ordenar e controlar o uso do solo de forma a evitar a
deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a
degradação ambiental.
São apresentados como instrumentos da nova políticaurbana :
planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do
território e de desenvol~imento econômico e social, planos
diretores (plurianuais), tombamento de imóveis, usucapião,
referendo popular e plebiscito, entre outros instrumentos.
O novo Estatuto da Cidade regulamenta os artigos 182 e 183
da Constituição de 1988, referentes à cidade e à urbanização.
Tendo em vista a legislação até então vigente, podem ser
consideradas novidades: a introdução do IPTU progressivo no
tempo, mecanismos especiais de desapropriação, reforço do
direito usucapião individual e coletivo, o estudo do impacto
de vizinhança, entre outras inovações. No capítulo 111 do
Estatuto fala-se até mesmo de qualidade de vida, justiça social
e do desenvolvimento de atividades econômicas, enquanto que
no capítulo IV se propõe a gestão orçamentária
participativa. Aqui podemos ler textualmente: "Os organismos
gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas
incluirão obrigatória e significativa participação das
populações e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle
direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. "
Tudo indica estarmos diante de mais uma lei admiravelmente
progressista, arejada, com vocação democrática,
autenticamente preocupada com o futuro de nossas cidades e
das novas gerações de moradores que as habitarão. Trata-se,
unprecedented levei of un ity and consistency in its urban plan.
Those responsible for the construction of Brasília - Jusceli no
Kubitschek, Oscar Niemeyer, and Lúcio Costa - showed earnest
rather than merely verbal commitment to the mission of
mod ifying and restructuring Brazilian society, to making it more
equalitarian, fa irer, and more convenient to live in. It is true that
their endeavor met with unsuspected resista nce, such as the
1964 milita ry coup.
The new "Statute of the City" of July 2001 : utopia or
reality?
After 11 years of being passed back and forth between the
House and the Senate, the National Congress passed Law No.
10.257, which establ ishes "general guidelines for urba n policy"
in Brazi l. This law, more widely known as "Statute of the City,"
was sanctioned by the President on July 10, 200 1, and enacted
in October of the same yea r. The new Statute is concerned with
"the full development of the social functions of cities" and
"guara ntees the right to sustainable cities." Th is right is
specified in severa I articles and paragraphs: the rights to land,
to a home, to environmenta l san itation, transport and public
services, work and leisure. The law aims to organize and control
the use of lan d in such a way as to avoid deterioration of
urbanized areas, poll ution and environmental degradation.
The instruments for the implementation of the new urban
policy are to be: national, reg ional, and state plans to organize
territory and economic and social development, (multiyear)
master pla ns, listing of properties, land possession through
acquisitive prescri ption, popular referendums and plebiscites,
among other instru ments.
The new Statute of the City reg ulates articles 182 and 183 of
the 1988 Constitution concern ing the city and urbanization . In
relation to the previous legislati on, the fol lowi ng points may be
seen as innovative: the introduction over time of progressive
municipa l property tax (IPTU); special mechanisms for
exprop riation; reinforcement of individual and col lective rig hts
to possession through acquisitive prescription, impact
studies for city districts, and others. Chapter III of the Statute
even refers to qual ity of life, social justice and the development
of economic activities, while Chapter IV focuses a participa tive
budget management. The exact words used are as follows:
"The management bodies of metropolitan areas and urban
conurbations will include a mandatory and significant
participation of the people and associations representing the
various segments of the commun ity so as to ensure direct
control over their activities and the ful l exercise of
citize[l spirit."
Ali indications are that we have another progressive and
innovative law, of democratic vocation, genuinely concerned
with the future of our cities and the new generations of
residents that wi ll inhabit them. It is truly a "Utopia, " as
em verdade, de uma" Utopia", no sentido que Thomas Morus
quis conferir a este conceito. Uma lei dessas não existe em
lugar nenhum e dificilmente será realizável no Brasil. Alguns
comentaristas do novo Estatuto deram destaque ao caráter
social da lei, que buscaria beneficiar os habitantes de favelas,
cortiços e invasões, legalizando o seu direito de moradia 22
. unused lands by legal izing their rights to a home 22 More
Comentaristas mais cépticos se perguntam se no caso do novo
Estatuto não estaríamos diante de mais uma lei progressista
que não sairá do papel, levando-se em conta a realidade
urbana brasileira que, em certas megalópoles, como São Paulo
e Rio de Janeiro, já assume aspectos catastróficos 23 .
Conclusões: A Utopia como "Princípio Esperança"
A revisão das várias utopias urbanas que filósofos, economistas,
socialistas, arquitetos e urbanistas procuraram desenvolver para
melhorar as condições de vida dos moradores neste planeta,
raras vezes encontraram sua realização . Na maioria das vezes, o
modelo utópico permaneceu uma virtual idade, sem chances de
impor-se na realidade . Outras vezes, a utopia reverteu-se em
seu contrário, perverteu-se. Longe de realizar um sonho
intensamente desejado pela maioria dos seres humanos,
transformou-se em um pesadelo. Vale aqui mencionar o
desmoronamento das sociedades socialistas, que almejavam
trazer a liberdade, igualdade, justiça para todos que aderiam
aos seus princípios norteadores e à luta em favor do socialismo.
O "real existierender Sozialismus", como foi denominado o
regime da Alemanha do Leste, erguido no pós-guerra com
auxílio da União Soviética, foi odiado pelos seus herdeiros,
filhos e netos daqueles que, na melhor das intenções,
procuraram realizar as idéias de Marx, Engels, Lênin, entre
outros. A utopia desmoronou com a demolição do Muro
de Berlim .
Outras utopias foram parcialmente realizadas, como foi o caso
do familisté rio de Godin, que concretizou o modelo utópico do
falanstério de Charles Fourier. Mas, via de regra, o verdadeiro
destino da utopia é a sua decomposição e fragmentação . Partes
constitutivas, retiradas do contexto, passam a ser realizadas . Éo
caso da idéia de Fourier, das "ruas-galerias" como elementos
de construção importantes do falanstério, mas que isoladas do
resto do prédio e do arcabouço ideológico, perde o seu sentido.
A galeria ou as passagens guardam os traços de um grande
ideal socialista, mas são assimiladas pelo capitalismo e
transformadas em vitrines luxuosas da produção capitalista,
como demonstrou Walter Benjamin .
Longe de desanimarmos com a impossibilidade ou dificuldade
de realização dos modelos utópicos, devemos mantê-los como
princípios norteadores de nossas ações e esperanças, sem
fraquejar, sem abandonar o objetivo. Um mundo sem utopias
seria um mundo entediado, desanimado, morto. Por isso
mesmo, Erst Bloch nos convida a refletir sobre a utopia em seu
24
livro intitulado Prinzip Hoffnung (Princípio esperança):
conceived by Sir Thomas More. No other country has a law of
this kind, and it is unlikely to be put into practice in Brazil .
Some commentators have highl ighted the social character of
the new Statute, wh ich seeks to benefit people living in
shantytowns or slum tenements, or occupying otherwise
skeptical commentators wonder whether the new Statute is yet
another progressive law that wil l never leave the drawing
board, bearing in mind the situation in Brazil's cities, which in
certain megalopolises such as São Paulo and Rio de Janeiro has
already taken on catastrophic features 2 3
Conclusions: Utopia as a "Principie of Hope"
The various urban utopias that philosophers, economists,
socialists, architects and city planners have attempted to
develop in an attempt to improve living conditions for the
residents of the planet have rarely materialized. Utopian models
have mostly rema ined in the rea lm of the virtual, with little or
no chance of being rea lized. At times, utopias have switched to
their opposites and become perverse. Far from realizing the
aspirations intensely desired by most human beings, they
beca me nightmares. Here we should mention the toppling of
the socialist societies that sought to bring freedom, eq ual ity
and justice to ali who adhered to their guiding principies and
the stru ggle for socialism . "Rea lly existing Socialism," as the
East German reg ime was ca lled, was bui lt in the postwar period
with assistance from the Soviet Union. However, it was met by
the hatred of its heirs, namely the children and grandchi ldren of
those who - with the best of intentions - attempted to real ize
the idea is of people like Marx, Engels, and Leni n. That utopia
collapsed with the tumbling of the Berli n Wa ll.
Other utopias were partially achieved, such as Godin's
familistere, which materialized the utopian model of Charles
Fourier's phalanstere. By and large, however, the real destiny of
utop ia has been its decomposition and fragmentation . Some of
its constituent elements, taken away from their context, have
indeed been materialized . This is the case of Fourier's idea of
"covered passageways," the arcades, as important elements in
the construction of a phalanstere, but when separated from the
rest of the building and its ideological context they lose ali their
original significance. These arcades retain the outlines of a great
socialist ideal, but they have been assimilated by capita lism and
tra nsform ed into luxu rious shop windows for ca pitalist
production as Wa lter Benjami n showed .
Far from being discouraged by the impossibility or difficulty of
actualizing utopian models, we should keep them as guiding
principies for our actions and hopes, without weakening or
shri nking from our aims. A world without utopias would be a
bored, discou raged, and lifeless world. This is why Ernest Bloch
invites us to consider the utopia, in his book Prinzip Hoffnung 24
(Hope Principie):
/I A utopia ... deve ser igualmente rigorosa contra si mesma,
desenvolvendo uma consciência de suas próprias fronteiras ...
Uma utopia que se vai dissolvendo à medida que se realiza,
poderia fazer surgir uma situação que escape, por princípio, à
previsão utópica: novos obstáculos, novas dificuldades, novos
ônus poderiam apresentar-se, que difiram completamente de
tudo quanto conhecemos ...
A utopia realizada seria 'outra' ./1
Brasília, 6.1 .2002
1 Este artigo resultou de Conferência sob o mesmo título, apresentada
por ocasião do encerramento do X Encontro da Sociedade Brasileira de
Sociologia, realizado entre 3 e 7 de setembro de 2901 em Fortaleza .
2 Lewis Mumford, The City m HIstory Its Ongms, ItS Transformatlo.n
amd its Prospects, London : Pengum Books, 1992. (1961 1a. edlça?)
3 Richard Sennett, The Conscience of the Eye. The Deslgn and SOCIal
Life of the Cities, N.York: Alfred A. Knopf, 1990.
4 Patrice de Moncan (em colaboração com Phillipe Chiambaretta),
Villes rêvées Paris: Les Éditions du Mécene, 1998.
5 Karl Man~ keim, Ideologie und Utopie, Frankfurt: Fischer Verlag,
1929. " .
6 Jeremy Bentham, Panoptique._Mémolre sur un nouveau pnnClpe
pour construir des maisons d'inspection, e~. nommément des malsons .
de force . Impresso por ordem da Assemblela Nacional, Pans: Impnmene
Nationale, 1791. Edição utilizada de Jacques-AlamMlller, Mlchelle
Perrot, Simon Werret, organizada por Tomaz Tadeu da Silva (org.), O
Panóptico., Belo Horizonte: A Autêntica, 2000.
7 Saskia Sassen, Cities in a World Economy, Rhousand Oaks-London-
New Delhi : Pine Forge Press, 1994. . . . 4 M onca~, Patrice de (with Phillipe Chiamba retta) (1998): Villes rêvées.
8 Cf. Plato, The Collected Dialogues, Edlted by Edtlth Hamilton &
Huntington Cairns, 1961. Bollingen
Series LXXI: Pantheon Books
9 Marcelo Ferroni, /I Atlântida . Em busca do reino perdido/l , in : Galileu,
Vivendo e aprendendo, ano 11, n° 122, set. 2001, p.24-31.
10 Patrice de Moncan, Villes rêvées, op.cit., p.18-19.
11 Ibid., p.32-34. Vide tarobém, do mesmo autor, interessante artigo,
intitulado: "La ville utopiqu'e", em:
Magazin littéraire. La rennaissance de l'Utopie, n° 387, mai o2000,
p.47-51.
12 Thomas Morus, (1516), A Utopia ou o Tratado da melhor forma de
Governo, Porto Alegre e São Paulo: L & PM, 2000. Tradução de Paulo
Neves.
13 August Bebel, Utopischer Socialismus. Charles Fourier sein Werk
und sein Leben, Leipzig, 1880.
14 Ibid., p.81 . . , . .. , .
15 Christian Godin, "D'une utople a I'autre ", In: Magazm Iltteralre. La
renaissance de l'Utopie, n° 387, maio 2000, p.42-43. . Galileu, Vivendo e aprendendo. Septem ber 200 1, Year 11, n. 122, pp .
16 Lore Fortes, A institucionalização da homeopatIa no Brastl e na
Alemanha. Uma análise sociológica dos conflttos e convergênCias entre
os seus agentes, Tese de Doutorado, Brasília : Departamento de
Sociologia / UnB, 2000.
17 Cf. Patrice de Moncan, op . cit., p. 41 - 65 .
18 Vittorio Magnani Lampugnani, "Le Corbusier und die Charta von
Athen", in: Kursbuch 112, 1995, p.l0-ll.
19 Cf. Lúcio Costa, Notas autobiográficas, Rio de Janeiro, 2000. Cf.
igualmente Oscar Niemeyer, Minha Arquitetura, Rio de Janeiro: Revam,
2000, p. 11-17. . ..
20 John Holston, The Modernist City An Anthropologlcal Cntlque of
Brasília, Chicago & London, University of C,~icag~ Press, 1989.
21 Antonio Carlos Cabral Carplntero, Brasllla: pratIca e teona
urbanística no Brasil, 1956-1998, Tese de Doutoramento, São Paulo:
FAU-USP, 1998.
22 Cf. Correio Braziliense de 11 de julho de 2001: /I Estatuto das
Cidades: Reforma Urbana ", p. 6-7.
23 A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do
Estado de São Paulo fez um retrato urbano do Estado e detectou 5,5
milhões de pessoas vivendo em loteamentos ilegais, favelas e cortiços
somente na Grande São Paulo . Cf. Folha de São Paulo, 4/6/2001 .
24 Ernest Bloch, apud ,Barbara Freitag & Sergio Paulo Rouanet,
Habermas, São Paulo: Atica, 1980, no capítulo dedicado a Bloch.
/I The utopia .. has to be equally rigorou s against itself,
delevoping a consciousness of its own frontiers... A utopia
which is dissolved as it is realized cou ld lead to a situation that,
in pri ncipie, ru ns out of control of the utopian prospect: new
barriers, new dificu lties could appear, that wou ld differ enti rely
of anything we know. ..
The real ized utopi a would be 'another'./1
Brasília, 1.6.2002
1 This article emerged from a talk under the same title given for the
closure of the 10th Meeting of the Brazilia n Sociology Soclety, held m
Fortaleza from 3 to 7 September, 2001.
2 Mumford, Lewis (1992) The City in History Its Origins, its
Transformation and its Prospects. London: Penguln Books (1961, 1st
edition). .
3 Sennett, Richard (1990): The Conscience of the Eye. The Deslgn and
Social Life of Cities. New York: Alfred A. Knopf, Inc.
Paris: Les Editions du Mécene.
5 Mann heim, Karl (1929): Ideologie und Utopie. Frankfurt: Fischer
Verlag, (Mann heim, K. (1960). [Ideology and utopIa: An mtroductlOn to
the sociology of knowledge. London : Routledge. (Ongl nal work
publ ished 1936)].
6 Bentham, Jeremy (179 1). Panoptique. Mémoire sur un nouveau
principe pour construir des maisons d'inspection, et nommément des.
ma isons de force. Printed on the orders of the National Assembly. Paris:
Imprimerie Nationale. Edition used by Jacques-Alai nMdler, Michelle
Perrot, Simon Werret, organ lzed by Tomaz Tadeu da Silva (2000): O
Panóptico. Belo Horizonte: A autêntica.
7 Sassen, Saskia (1994): Cities in a World Economy. Thousand Oaks-
London-New Delhi: Pine Forge Press.
8 cf. Plato. The Collected Dialogues. Edited by Edtith Hamilton &
Huntington Ca irns. (1961) . Bollingen
Series LXXI: Pa ntheon Books.
9 Ferroni, Marcelo (2 001 ): "Atlântida. Em busca do reino perdido", IN:
24-31.
10 Moncan, Patrice de (1998): Villes rêvées . Paris: op. cit. p. 18/19.
11 Ibid., pp. 32-34. See also an interesting article by th e same auth or:
"La ville utopique", IN: Magazin littéraire. La rennaissance de I'utople.
n. 387, May 2000, pp. 47-51 . _
12 Morus, Thomas (15 16): UtopIa. Porto Aleg re and Sao Paulo: L & PM
Pocket, 2000 (translated by Paulo Neves). . .
13 Bebel, August (1880): Utopischer Socialismus. Charles Founer sem
Werk und sein Leben. Leipzig .
14 Ibid., p. 81. .
15 Godin, Christian (2000): "D'une utopie à I'autre", IN: Magazm
littéraire. La renaissance de l'Utopie. n.387, May 2000, pp . 42-43. .
16 Fortes, Lore (2000): "A institucionalização da homeopatia no Brasil
e na Alemanha . Uma análise sociológica dos conflitos e convergências
entre os seus agentes." Doctoral dissertation defended at the Soclology
Department, Un iversity de Brasíl ia, Brasília.
17 cf. Moncan, Patrice de: Villes Rêvées, pp. 41-65.
18 Lampugnani, Vittorio Magnan i (199 5): "Le Corbusier und die
Charta von Athen", IN: Kursbuch 112, p. 10/11. .
19 cf. Costa, Lúcio (2000) Autobiog raphical notes. Editora: Rlode
Janeiro; and Niemeyer, Oscar (2000) Minha ArqUItetura. RIo: Editora
Revam, pp 11 -1 7. .
20 Holston, John (1989): The Modernist City An Anthropologlcal
Critique of Brasília. Chicago & London . Univers~~y of ,Chica~o Press. .
21 Carpmtero, Anton io Carlos Cabral (1998):. Brasllla: pratica e teona
urbanística no Brasil, 1956-1998." Doctoral dlssertatlon presented at
the Universidade de São Paulo's School of Architecture and Urbanlsm.
22 cf. Correio Braziliense 11 July 200 1: "The Statute of the cities:
Urban Reform", p. 6/7. .
23 The State of São Paulo's housing development body (Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano) su rveyed the urban areas of
the state. It found that in the Greater São Paulo area alone there were
5.5 million people living on illegal sites, or in shantytowns and slums.
cf. Folha de São Paulo 4/6/200 1.
24 Ernest Bloch, apud ,Barbara Freitag & Sergio Paulo Rouanet,
Habermas, São Paulo: Atica, 1980, chapter dedicated to Bloch.
Brasília
Helmut Friedel
o nome da capita l brasileira está vinculado a lembranças de
uma utopia que se tornou realidade concreta há muito tempo.
Parecia utópico colocar no solo marrom-avermelhado e virginal
do Brasil Central uma cidade com projeto de Lúcio Costa e
arquitetura de Oscar Niemeyer, definida inteiramente na
prancheta, quer dizer, num pedaço de papel que não passava
de tabula rasa. Pretendia-se com isso um novo começo que se
libertasse das condições do status quo e se elevasse em muito
acima do mundo velho. Por trás de cada utopia se esconde um
sonho. Na católica América do Sul, mais especificamente em
Brasília, o sonho foi de Dom Bosco. A esse santo católico
ocorrera em 1883 a idéia de um lugar tão feliz quanto bem-
definido, que seria o centro do Brasil. A construção dessa
cidade é precedida por uma inspiração do âmbito do
inconsciente, naturalmente determinada de outro modo no
contexto da teologia. Essa visão é compreendida ou
interpretada como aceno divino na busca de um "lugar
sagrado" para a nova capital do Brasil. Realiza-se uma
expedição exploratória, bem ao molde das lendas antigas, e.g.
da Demanda do Santo Graal. Em 1892 a "terra abençoada"
finalmente foi encontrada e definida. Passaram-se outros trinta
anos até a colocação da pedra fundamental da futura capital
federal nas proximidades da cidade de Planaltina, mas apenas
em 1955 o cand idato à presidência Juscelino Kubitschek
prometeu a construção efetiva da capital. Em 1957 Lúcio Costa
ganhou o concurso para projetar a nova cidade, em 1960 ela
finalmente pôde ser inaugurada.
Ocorre que diversas culturas conhecem há vários milênios as
cidades construídas de acordo com um plano. Um dos
princípios das cidades planejadas é a sua regularidade
geométrica. Somente a geometria, compreendida literalmente
como medição da terra, e a subjacente orientação pelo chão do
planeta permitem esse procedimento sistemático. Assim as
pirâmides egípcias são monumentos tumulares dos seus faraós,
mas ao mesmo tempo pontos de orientação. Orientam-se
segundo o sol. Na essência da compreensão de orientação está
o direcionamento segundo o Oriente, quer dizer, em termos
literais e em termos de realidade, segundo o Leste, o sol
I
1
The na me of the Brazilian capital is associated with memories
of a Utopia which has long since become rea lity. It seemed
utopian to go to the drawing board and take the plan of a city
- a combination of Lucio Costa's design and Oscar Niemeyer's
architecture, an unknown quantity laid out on a blank piece of
paper - and simply set it in the red virg in soil of Brazil. This was
supposed to mark a new beginning, a release from existing
conditions to greatly transcend the past. Every Utopia is based
on a dream, and in Catholic South America it was the dream of
Don Bosco. In 1883 this Italian saint predicted a happy place as
the focal point of a great civil isation, with details concerning its
geographical position. Thus, Brasília's initial source was
inspiration from the realm of the unconscious. The explanation
was of course different in theological terms. This vision was
seen or interpreted as a sign from God to look for 'hallowed
ground' for the new capital of Brazil. A mission was begun in
the style of old sagas and legends, such as the search for the
Holy Grail. Finally, in 1892, the 'sacred place' was found and
defined. Another thirty years passed before the foundation
stone of the future federa l capita l was laid in Planaltina. But it
was not until 1955 that the presidential candidate, Juscel ino
Kub itschek, promised the actual construction of the city. In
1957 Lucio Costa won the competition for the new city's
design and in 1960 the capital was finally opened .
There have been cities built to definite designs in different
cultures for thousands of years. A principie of such pre-planned
cities lies in the their geometrical regularity. This planned
procedure was first made possible by geometry, litera lly "the
measuring of earth", and man's basic orientation upon the
earth. As a result, the Egyptian pyramids are not only tombs to
the Pharaohs but also orientation points. They themselves are
oriented towards the sun. In its essence orientation means
being directed towards the Orient, literally and factually
towards the East and the rising sun. Based on the assumption
of a fixed point within the continu ity of nature, the other points
of the compass are defined with the help of a cross-shaped
axis. It is the orthogonal principie of the right angle that makes
it possible to gain a constructed, planned grasp of rea lity. The

nascente. A partir da suposição de um ponto fixo em meio ao
continuum da natureza, os outros pontos cardeais são definidos
por meio de um eixo em forma de cruz. A apreensão
construtiva, planejada da realidade é permitida pelo princípio
ortogonal do ângulo reto. Os eixos que estruturam de modo
cruciforme a cidade romana e o castrum são denominados ordo
e decumanus. Princípios similares já foram aplicados na Grécia
helenística, mas valiam também na China e no México. Ao
mesmo tempo essa primeira orientação no retículo é uma
terminação em meio à extensão sem fim da paisagem . Ela
somente foi possível a partir do momento no qual a agricultura
permitiu o surgimento de hábitos sedentários no homem .
Somente quando o homem abandonou a migração
vagamundeante, a arquitetura, bem como a agricultura se
tornaram possíveis. Ambas se condicionam reciprocamente.
Nessa perspectiva é significativo que as pirâmides fossem
construções tumulares. Em outras palavras, a consciência da
morte e da sua inclusão na vida encontra expressão na
arquitetura. Nesse sentido, os prédios que habitamos são,
desde o princípio, cidades de mortos. Na Mesopotâmia existem
até formas de assentamentos nas quais as casas eram
construídas sobre os túmulos, do que resultavam no decorrer
das gerações colônias em forma de colinas. Assim, o momento
da fugacidade e tempor91idade está ligado estreitamente à vida .
Porém, diante de condições de produção inteiramente
modificadas, nas quais a vinculação da agricultura à terra tem
um peso cada vez menor, surge a pergunta se com isso não
mudaram também as condições da construção bem como do
dimensionamento das cidades. A pergunta já foi respondida há
muito tempo pela nítida miudeza e vileza das nossas cidades
modernas, que trazem em si a decadência como um selo de
qualidade. Paul Virilio analisou e descreveu de modo
impressionante esses fenômenos de transição da forma estática
da habitação tradicional para estruturas dinâmicas, com base
no caso de Las Vegas.
Enquanto uma cidade permanece utopia, ela pode assumi r
qualquer forma e qualquer perfil. Presta-se dessarte a ser o
fundo de projeção das imaginações mais distintas possíveis.
Provavelmente é próprio da natureza humana empurrar cada
vez mais longe esses planos de projeção e imaginar novos
campos de concretizações possíveis. Há muito tempo os fluxos
energéticos parecem ter se movido das estepes da Ásia Centra l
para o Ocidente, Europa adentro. Todo o movimento da
colonização da América do Norte, especialmente por parte dos
europeus, segue a mesma tendência direcional, acompanhando
o curso do Sol de Leste a Oeste. A ele se liga provavelmente a
esperança latente de chegar no curso da viagem a um lugar no
qual a utopia se possa tornar realidade.
axes defining the cross-shaped design of the Roman city and
the castrum are called the cardo and decumanus. Similar
principies were already known and applied not only in ancient
Greece but also in China and Mexico. But th is initial orientation
device is also a fixed demarcation in the endless expanses of
landscape, and only beca me possible when agricu lture enabled
the human species to settle. It was only after humans gave up
the nomadic way of life that architecture, like agriculture, was
able develop. The two are interdependent. In this respect it is of
significance that the pyramids were buildings for the dead, in
other words the consciousness of death and its integration into
life is expressed throug h architecture. Consequently buildings
are from the very beginn ing cities of the dead that we inhabit.
In Egypt there are even settlement forms where the houses
were erected over the graves 50 that as generations passed the
settlements eventually beca me hill shaped . Thus the aspects of
transitoriness and tempora lity are closely linked to life.
But in view of the totally changed conditions of production and
the decreasing significance of agricultura I stabi lity, one begins
to wonder whether or not there has been an accompanying
change in the construction and the layout of cities. The obvious
shabbiness of our modern cities that carry the seeds of decay
like a tradema rk has long answered this questiono In his case
study of Las Vegas, Paul Viri llio exam ined and lucidly described
these phenomena of change from the static form of habitation
to the dynamic structures of habitation.
As long as a city remains a Utopia it is free to take on any
shape and character. This makes a suitable projection area for
ali kinds of fantasies. It is probab ly human nature to extend
these projection leveis and envisage new spaces for making the
imaginary concrete. It seems that over the ages the streams of
energy from the steppes of centra l Asia have flowed westwards
into Europe. The whole development of settlement in North
America, especially by Europeans, follows the same trend in
direction and the movement of the sun from East to West.
Paral lel to this there most likely li es the latent hope that along
the tra il there wi ll be a place where Utopia may become real ity.
A great variety of models lie between the American East Coast
and California along the route of the East to West tre k. The last
place, the sole remaining one for a Utopia, is in Hollywood,
where there can never again be a real city, only the projection
of different fantasies, a nowhere, and so the perfect Utopia.
Entre a Costa Leste dos EUA e a Califórnia, há modelos
distintos no cam inho percorrido por essa evolução de Leste a
Oeste. O último lugar, o único remanescente para uma utopia,
está em Hollywood, onde não pode mais existir nenhuma
cidade real, mas apenas a projeção de imaginações distintas,
um Nada e, por conseguinte, a utopia perfeita.
Há muito tempo Brasília não é mais nenhuma cidade utópica. É
uma cidade de grande precisão no seu dimensionamento
arquitetônico básico, que encarna algo da idéia da liberdade,
mas também da abertura e disposição a assumir riscos, quando
pensamos no dimensionamento dos diferentes prédios
governamentais projetados por Oscar Niemeyer. Essa coragem
de assumir uma postura e posição específicas se expressa já nas
rampas e escadarias sem guarda-corpos. A gen ialidade e
generosidade dos projetos, as grandes retículas das fachadas,
bem como a suspensão da gravidade caracterizam a concepção
arquitetônica. Superfícies aquáticas espelhantes, sobre as quais
se erguem as construções em concreto branco e vidro, a
inversão das formas, a preponderância de estruturas de brilho
dourado e variáveis sobre a arquitetura produzem um estado de
levitação e leveza. O que na prancheta se afigura mera simetria
e ordem rigorosa foi reformulado, modificado e adaptado pelo
tempo, pelas pessoas que ali trabalham e residem . Assim, os
trabalhos mostrados nessa exposição devem ser vistos diante
desse contexto.
O olhar de Michael Wesely sobre a Praça Potsdam trata do
tema antes aludido na medida em que uma nova imagem de
cidade surgiu dentro de pouco tempo num lugar concreto de
devastação, marcado pela história e por grandes tensões
políticas. Michael Wesely fixa esse surgimento nas fotografias
individuais que surgiram durante a duração da construção dos
diferentes prédios nessa área . Em cada fotografia são
registradas as diversas fases, pois a câmara ficou
ininterruptamente aberta e registrou tudo o que surgiu nos dois
anos de construção. Virtualmente cada transformação ocorrida
nesses anos na Praça Potsdam foi registrada em cada
fotografia, em perspectivas distintas. Naturalmente a película
do filme, sensível à luz, só reg istra o que pôde emitir energia
suficiente, isto é, luz suficiente. Não obstante, podemos ver
nessas camadas da construção nitidamente os diferentes planos
de sobreposição. Surge assim, no lugar de uma fotografia
pronta ou de uma série de reproduções quaisquer, uma
estrutura de imbricação e condensação cujo conteúdo é o
conceito de energia, mas também o conceito de tempo.
Brasília has long since ceased to be a Utopia. It is a city with
arch itectural foundations of great precision . It embodies
something of the idea of freedom but also of openness and the
willingness to take risks, as is visible in Oscar Niemeyer's layout
of the various government buildings. His courage to take up a
parti cular stance, a marked position, is clea rly expressed in the
lack of han dra ils on th e ramps and stairways. The brilli ance and
generosity of the designs, the huge grids of the façades and
the neutralisation of weight are the hallmark of his architectu ral
concept. Reflecting water surfaces above which the buildings of
white concrete and glass rise, the inversion of forms, the
variable shiny golden structures radiating over the architecture,
create the sensation of a state of suspension an d levity. What
looks li ke plain symmetry and strict order on the drawing board
has been modifi ed by ti me and the people who work and live
there. This is the contextua l backdrop to the works on show in
this exhibition.
Michael Wesely's view of Potsdamer Platz is concerned with the
above theme inasmuch as a new city image has emerged
within a short space of time in a concrete area of desolation, a
place shaped by history and fu ll of politica l tension. Michael
Wesely has captured this process of emergence in individua l
photographs created throughout the construction of the
various buildings on this piece of urban space . The conti nuity of
the different building phases was captured in each photog raph
by a ca mera with a permanently open aperture that recorded
everything in a two-year period. Each photograph conta ins
virtual ly every change that took place at Potsdamer Platz from
ali possible perspectives within these years. Of course, the light-
sensitive film membrane on ly picks up the things that emit
sufficient energy, in this case li ght. Nevertheless, the different
layers of construction are clea rly visible in the va rious
superimposed leveis on the fi lm. Instead of producing a finished
photo or a series of arbitrary pictures, this process creates a
structure that interlocks and condenses to become a fused
expression of both energy and ti me.
Diante dessas imagens, o observador começa a refleti r sobre o
tempo perdido dos raios de luz que entram na escuridão de
uma câmara. O que muda sob a ação do fator tempo? Em quê
uma tomada que dura apenas uma fração de segundo se
distingue de outra que dura horas, dias ou mesmo anos? Se,
portanto, os raios de luz entram enfeixados por uma abertura
pequena e estreita no espaço da câmara e podem assim
reproduzir o mundo diante da mesma, essa câmara integra no
decorrer de um dia, um mês ou um ano todas as mudanças
que transcorrem diante dela, desde que a luz do dia e a luz
artificial logrem apreendê-Ias. À diferença de um documento
cinematográfico que reproduz a realidade em percurso
temporal semelhante ao dela, mas também na dependência da
técnica da projeção de 16 imagens por segundo como no filme
"A Sleep" de Andy Warhol de 1963, com duração de seis
horas, ou no filme "Empire" de 1964, que chega a oito horas,
a imagem de Wesely reproduz simultaneamente espaços de
tempo ainda maiores. Aqui surgiram ao mesmo tempo quadros
de estações ferroviárias que nos mostram pavilhões com
plataformas vazias e relógios nos quais os ponteiros quase que
se fundiram, depois de se terem movimentado com excessiva
rapidez no mostrador, em comparação com a duração integral
da tomada. Nessas estações ferroviárias a duração da tomada
tinha sido determinada pela duração da viagem de um trem do
momento da sua saída até o momento da sua chegada à
estação de destino. O fato do efêmero desaparecer por meio da
duração do registro da imagem, conferindo ao permanente
uma presença integral, é um resultado especial das longas
exposições à luz usadas por Wesely. Fenômenos que se perdem
em virtude do colorido do movimento rápido - e uma estação
ferroviária é o perfeito emblema do transitório -, em virtude da
chegada e saída, ou que simplesmente são encobertos,
retornam ao primeiro plano. O que está parado e tranqüilo
sacode o pó da azáfama, os pavilhões das estações ferroviárias
são mostrados como arquiteturas gigantescas sem pessoas e
com ligeiras intuições de comboios de trens que fi caram
estacionados durante um tempo maior. As grandes
transformações se tornam visíveis nas exposições à luz que
duraram um ano. As construções na Praça Potsdam em Berlim
crescem e se encobrem paulatinamente, o escritório e as salas
de exposição respi ra m um sopro tranqüilo de transformações, o
que é ao mesmo tempo sinônimo de vida.
These pictures inspire the observer to think about the lost time
of the light rays that penetrate the dark cavity of a ca mera.
What is changed by the factor of ti me? What is the difference
between a photograph taken in a fraction of a second and one
taken over hours, days or even years? If the light can enter the
inner space of the ca mera as a thin beam of tightly bundled
energy and create an image of the world outside, then this
camera will register ali the changes that take place there within
a day, a month ar a year, providing they are first struck by
daylight or artificia l light. In contrast to a fi lm document that
reflects rea lity as a reciprocal of time but is dependent on the
technique of projecti ng 16 frames per secon d, such as Andy
Warhol's six-hou r film A Sleep of 1963 or his eight- hour Empire
of 1964, Wesely's pictures embrace far greater ti me spans
simultaneously. At fi rst they were pictures of ra ilway stations
that show deserted platforms and clocks whose hands seem to
have melted away after moving too fa st around the face when
seen in relation to the total time of the photographic processo
The duration of these railway station pictures was determi ned
by the duration of a specific train 's journey between departu re
and arrival at its destination. One of the most notable resu lts of
Wese ly's long-exposure technique is that the ephemeral
va nishes whi le the constant assumes an undiminished presence.
Phenomena that ten d to be lost or at least hidden by the
shimmer of rapid movement - an d a station is the absolute
epitome of transitoriness, of departure and arriva l - return to
the foregroun d. That wh ich stands peacefully and quietly is
allowed to shake off the dust of hectic motion: the stations are
depicted as huge architectu res, devoid of people but with a
del icate suggestion of tra ins which happen to have stayed
longer. The bigger changes become visible in the exposures that
extend over a whole year. The buildings at Potsdamer Platz in
Berlin gradual ly grow and concea l each other, offices and
exhibition hal ls calmly breathe the rhythm of change, indicati ng
a sign of life.
Em várias perspectivas os quadros de Sarah Morris se afiguram
análogas, ainda que num colorido intenso com relação às
estruturas que podemos ver nas fotog rafias de arquitetura de
Michael Wesely. Na sobreposição das camadas e no seu
cruzamento, no escalonamento dos planos na dimensão da
profundidade, na justaposição da estrutura e da sua superação
podemos adivinhar uma aproximação às plantas de cidades.
Somos lembrados dos planos de quadros de um Piet Mondrian,
especialmente dos seus quadros nova-iorquinos que
encontraram a sua expressão mais radical nos cruzamentos de
tiras coloridas sobre a superfície branca da tela. Eles poderiam
ter inspirado os traba lhos de Sa rah Morris. Aq ui, como na obra
de Mondrian, surge imediatamente a pergunta se o mundo
pode ser apreendido num retângulo, o que significaria que ele
também pudesse ser representado desse modo num quadro.
Piet Mondrian começou a realizar tentativas na sua pintura
desde a década de 1910, e justamente o seu quadro intitulado
"Broadway Boogie Woogie" (1942/43), hoje incorporado ao
acervo do Museum of Modem Art em Nova Iorque, fornece a
prova visível de que só assim é possível reproduzir com
credibilidade e plausibilidade visua l o ritmo e a qualidade
específicas de uma estrutura urbana. Nesse contexto cabe
mencionar a descoberta de Bertolt Brecht, de que nada pode
mostrar a rea lidade na era técnica tão bem como a reprodução
exterior de uma máquina . Assim um objetivo dessa arte, que
não pode ser ignorado, consiste em estender por meio de
retângulos e linhas cruzadas as fronteiras do quadro além dos
seus confins materiais - um ali over é a conseqüência
compreensível de tal reflexão. O quadro pode ser mentalmente
recapitulado com clareza, mas além disso só é concluído no
imaginário. Sarah Morris parece ter ta is intenções ou intenções
similares nos seus traba lhos, quando estrutura as estrias que
atravessam o quadro, analogamente aos dados arquitetônicos.
Sugere, dessarte, espaços e imbricações. Há nisso algo da
utopia da construção enqua nto rede que se estende na sua
expansão espacial da construção mínima do microship até as
grandes estruturas de campos urbanos.
Inteiramente distinto é o enfoque fotográfico de Frank Thiel,
que se aproxima da arquitetura no momento da sua
decomposição, isto é, no estado da sua decadência. Estamos
aqu i diante de fotografias de ruínas, embora não de ruínas no
sentido clássico, nas quais o material arquetípico de construção,
feito de pedras de cantaria ou tijolos, se decompôs no decorrer
dos séculos por força da ação das intempéries, mas de um
abandono de lugares que surg iram há pouco menos de uma
geração. As fotografias de Frank Thiel apresentam-nos fachadas
por trás das quais ainda podemos intuir a evocação do
esplendor e orgulho de outrora, quando elas foram construídas,
ao passo que a dimensão da ruína se difunde de dentro para
Despite their intense colourfulness, Sarah Morris' paintings are
in some respects very much akin to the structures we find in
Michael Wesely's architectural photographs. They are vaguely
suggestive of city maps with their diverse layers and
intersections, varying depths and weightlessness. They remind
one of Piet Mondrian's urban interpretations, especially his New
York paintings with their most radical expression of intersecting
bands of colour on the wh ite-primed canvas. In fact it's easy to
imagine that they acted as godfather to Sarah Morris' work. As
in the case of Mondrian, the question quickly arises whether
the world is conceivable within a square frame and, if so, can
this be expressed within a painting? In his works Piet Mondrian
experimented in this direction from around 1910 onwards. His
Broadway Boogie Woogie of 1942/43, now hanging in the New
York Museum of Modern Art, provides excellent visible proof
that this is probably the only way to create a convincing
rendering of the specific rhythm and quality of the
urban complex. Bertolt Brecht aptly observed that nothing
reflects the reality of the technological age better than the
bare, externai appearance of a machine. Consistent with this,
Broadway Boogie Woogie's obvious aim is to use squares and
intersecting lines to extend the boundaries of the picture
beyond its own material limitations. This means that the picture
itself can be grasped intellectua lly but has then to be
completed by the imag ination. In her work Sarah Morris seems
to have the same, or similar, intentions when she draws the
structured bands across the picture in analogy to the given
architectural conditions. In doing this she creates allusions to
spaces and interconnections. This in turn ex poses utopian
elements of the architectural design expressed as a network
wh ich, in its spatial extension, embraces everything from the
mini mal framework of the microchip to the huge structures of
urban expanses.
Frank Thiel's photographic approach is completely different. He
looks at architecture in the process of decomposition and
decay. He takes pictures of ruins. Not, however, ruins in the
classical sense where the archetypal building material of stone
blocks or bricks has been eroded by centuries of exposure to
the elements. He focuses instead on deserted places that were
developed little more than a generati on ago. His photographs
present us with fa çades that still vaguely reflect the splendour
and pride of their inception, whi le emanating as well their
current decay and ruin from within. As a result, his pictures
fora. Com isso essas fotografias se tornam emblemas da
construção no séc. XX, enquanto máquinas de caráter efêmero.
Bem à diferença da monumental idade do caráter único,
vinculado à morte, na colocação arquitetônica no início dessa
monumentalidade, por exemplo nas pirâmides do Egito, o
primeiro plano é ocupado aqui pelo caráter en passant, casual,
bem como também pelo caráter transitório, isto é, efêmero. As
arquiteturas estão abandonadas à decadência, de certa forma
ainda em vida dos seus construtores. Podem assim testemunhar
a mutabilidade das nossas necessidades em termos de espaço
urbano, mas também a nomadização da nossa sociedade.
Lugares fixos, apresentados com dignidade e dimensionados
com vistas à duração, não parecem existir nesse mundo. Trata-
se de um mundo que se assemelha ao teatro, a uma dança
macabra. Assim as fotografias de Frank Thiel são imagens da
transitoriedade, representações atuais da velha idéia da vanitas.
o trabalho de Kemal On~oy, que nos apresenta uma escada em
espiral, alude às geniais soluções arquitetônicas de Oscar
Niemeyer. A forma rosqueada que conduz para o alto, em
forma de espiral, é uma forma esférica complexa que expressa
o movimento de baixo para cima e de tal forma, que o olhar
humano possa refazer esse movimento como que fisicamente .
Essa escada em espiral é um signo vi rtual da ascensão também
no plano metafórico. O arquiteto barroco Borromini valeu-se da
espiral para coroar a igreja "La Sapienza" em Roma, coroando
adicionalmente essa forma helicoidal com uma grinalda de
chamas. A espiral visualiza o caráter luminoso da ascensão. A
isso corresponde a forma, uma forma circula r que avança a
partir do plano, espaço adentro. A clareza e perfeição absolutas
na execução, a sua intangibilidade fazem dela um quadro e
afastam-na da possibilidade de ser usada, quer dizer,
percorrida . Ela também não pode levar a nada concreto sem
perder o seu sentido intrínseco. Representa um círculo que no
entanto não se fecha, mas conduz na repetição dos círculos à
dimensão do sublime. Nisso o quadro escultórico de Kema l
Onsoy se distingue nitidamente do modelo arquitetônico de
Niemeyer, dessas escadas em espiral indubitavelmente também
dotadas de um caráter escultórico, embora expressem outra
coisa em virtude da sua clara funcionalidade. Mas graças à
imbricação complexa que Onsoy introduz no motivo da espi ra l,
graças à multiplicação da problemática formal surge uma
tensão específica nessa obra que parece ser um quadro.
represent symbols of twentieth-century buildings, machines of
ephemeral character. In complete contrast to the
mon umentality, for instance, of the Egyptian pyramids - whose
unique architecture was, from their very inception, essentially
death-related - the emphasis here lies in the transient, the
incidental, the temporal and, therefore, the ephemeral. The
architectures are doomed to decay, even within the lifetime of
their builders. They could well be evidence of the fickleness of
our desires in urbanity, but also of the tren d towards nomadism
in our society. Fixed positions presented with dignity and
directed towards permanence seem non-existent in this world,
a world th at bears great similarity to a macabre theatrical
dance. Consequently, Thiel's photographs depict the transitory;
they are pictures of present-day conceits.
Kemal Onsoy presents us with a spirai staircase, an artwork th at
makes playful references to Osca r Niemeyer's brilliant
architectural solutions. The screw-like form that spirals upwards
is complexly spherica l, and is so evocative that it transforms the
movement from below to above into a palpable experience.
This spiral staircase is a virtua l symbol of rising upwards, in both
the physical and the metaphorical sense. The baroq ue arch itect
Francesco Borromi ni used a spi ral to crown the Sa nt'lvo alia
Sapienza church in Rome, and topped this spi ra l form with a
garland of flame. The spiral emphasises the enlightening
experience of ascent. The same applies to this form, a circu lar
one, that penetrates into space from the plane . Its absolute
clarity and perfection of execution along with its inviolability
transform it into an image and release it from practical
application, from the tra mpling of feet. The staircase can not
lead anywhere without losing its inner meaning. It stands for a
circle that is not closed, and wh ich, beca use of its openness,
rotates towards a state of elevation. In this respect Kemal
Onsoy's sculptural image clearly differs from Niemeyer's
architectural prototypes, those spiral staircases that definitely
have a sculptural character toa, but express something different
th rough their clear fun ctional lines. But by introducing an
element of complex interlocking into the spira l motif Onsoy
empowers the formal problematic to produce a highly
distinctive form of tension in his sculpture.
 Una Kim

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Bactéria (vista geral)

Instalação com lustres, cristais, espelhos e ralos
2001
Projeto para a mostra Rede de Tensão - Bienal 50 anos
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Formigas
Instalação com grafite e folha de ouro sobre parede
2002

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Ratos
Espelho, madeira e folha de ouro
2000
Dimensão variável
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55
57
 Sem Título
Madeira prensada
1998
173 x 63 x 31 em
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Pião
Ferro e mercúrio
1993
65 x 65 cm

59
 Sem Título
Sal de cobre e ferro
1993
50 x 50 x 10 cm (cada peça)

60
Sem Título
Sal marinho e sal de cobre
2000
400 x 400 x 15 em (cada peça)

61
 Armin Linke

North Pole Fotografia 2001 150 x 300 em

Nasa IPL Researeh Lab. 99.9% Air-Based Transparent Gel, Pasadena, CA, USA Fotografia 2001 100 x 200 em

62
Mahha Kumbh Me/a, Allahabad, India Fotografia 2001 100 x 200 em

63
 Underground Mobile Walkway Fotografia 1999 100 x 200 em

64
65
 Ski Dome, Tokyo, Japan Fotografia 2001 100 x 200 em

66
Reception, Bel/agia Hotel, Las Vegas Fotografia 2001

67
 Teatro Nacional, Brasília (detalhe) Fotografia

38
69
 Sarah Morris

70
Midtown - Revlon Corporation
Verniz caseiro sobre tela
1998
214 x 214 cm
Coleção Particular, Detroit, EUA,
Cortesia Friedrich Petzel, Nova Iorque
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World bank [Capital}

Verniz caseiro sobre tela
2001
214 x 214 cm
Cortesia Friedrich Petzel, Nova Iorque
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-- Federal Reserve [Capital}

Verniz caseiro sobre tela
2001
214 x 214 cm
Cortesia Friedrich Petzel, Nova Iorque
75
76
 Midtown - Crowne Plaza Hotel
Verniz caseiro sobre tela
1999
214 x 214 cm
Cortesia Friedrich Petzel, Nova Iorque

77
Come and Cry from My Eyes
Escultura com canos e isopor
2000-200 1
Dimensões variadas
Cortesia 7a Bienal Internacional de Istambul

79
 Elyeser Szturm
Ermos Urbanos
videoinstalação
2002
Ambientação sonora - isn't

Agradecimentos Cine Foto UnB,

Prodesivo e Rodhia

84
85
86
87
 frank Thiel

City 5/24/A (Ber/in)

Colorprint
2001
175 x 197 em
Cortesia Galerie Art + Publie, Genebra
88
10
City 5/16
Colorprint
2000
240 x 177 em
Cortesia Sean Kel ly Gallery, Nova Iorque

City 9/31/0
Colorprint
2001
300 x 160 em
Cortesia Sean Kelly Gallery, Nova Iorque
91
 City 7/11 /A (Berlin)
1999
175 x 240 em
Cortesia Galeria Helga de Alvear,
Madrid

92
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93
 Isay Weinfeld eMárcio Kogan

96
Aero-Casa
Maquete
1995
80 x 80 em

97
 Detenção em Casa
Maquete
1995 Edifício Guarita
90 x 90 em Maquete
1995
100 x 100 em
98
 Esteira Rolante
Maquete
1995
60 x 120 em

Bateau-mouche blindado
Maquete
1995
100 x 100 em
101
 CJ CJ

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102
 Happy/and
Projeto para maquete
2002
400 x 400 em

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bose4mX4m
maquete 1/250

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.... parque do lbt...... ' pcwIlhOo bienal

..... planta geral

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.... isay weinfeld / mareio kogan
-_..-......--
...-.... arquitetos
02
--:============~ ....-
103
 Michael Wesely

5.4.1997-3.6.1999 Potsdamer P/atz, Ber/in

Fotografia
100 x 140 em
Sammlung DaimlerChrysler

104
5.4.7997-24.9.7998 Potsdamer Platz, Berlin
Fotografia
100 x 140 em
Sammlung DaimlerChrysler

105
 4.4.1997-4.6.1999 Potsdamer P/atz, Ber/in
Colorprint, Diasee
200 x 175 em
106
107
 Village Restaurant + Pizza
Colorprint, Diasec
2002
215 x 125cm
108
Carnegie Delicatessen Restaurant
Colorprint, Diasee
2002
215 x 125 em
109
 Cinderella Original Falafel
Colorprint, Diasec
2002
215x125cm
110
Astro Restaurant
Colorprint, Diasee
2002
215 x 125 em
111
 Patrocínio
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FICHA TÉCNICA

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Translation
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Abril April 2002