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Śrī Īśopaniṣad

O CONHECIMENTO QUE NOS APROXIMA DO ABSOLUTO


Introdução
Invocação:

Deus, a Pessoa Suprema, é perfeito e completo. Sendo completamente perfeito,


tudo que emana dEle, como, por exemplo, este mundo fenomenal, é perfeitamente
equipado como todos completos. Tudo o que é produzido pelo Todo Completo
também é completo em si mesmo. Porque Ele é o Todo Completo, muito embora
tantas unidades completas emanem dEle, Ele permanece o equilíbrio completo.
Mantra Um:

O Senhor controla e possui todas as coisas animadas e inanimadas que estão dentro
do universo. Portanto, todos devem aceitar apenas as coisas que lhes são
necessárias, que foram reservadas como sua cota, e ninguém deve aceitar outras
coisas, sabendo bem a quem pertencem.
Mantra Dois:

Se alguém continua trabalhando dessa maneira, ele pode aspirar a viver por
centenas de anos, pois essa classe de trabalho não o atará às leis do karma. O ser
humano não tem nenhuma alternativa a este processo.
Mantra Três:

O matador da alma, não importa quem seja, tem que entrar nos planetas conhecidos
como o mundo dos infiéis, cheios de ignorância e escuridão.
Mantra Quatro:

Embora permanente em Sua morada, Deus, a Pessoa Suprema, é mais veloz que a
mente e pode ultrapassar todos os outros que correm. Os poderosos semideuses não
podem aproximar-se dEle. Embora esteja em um lugar, Ele controla aqueles que
proveem o ar e a chuva. Ele supera a todos em excelência.
Mantra Cinco:

O Senhor Supremo caminha e não caminha. Está muito distante, mas também
muito próximo. Está dentro de tudo e, ao mesmo tempo, fora de tudo.
Mantra Seis:

Aquele que vê tudo relacionado com o Senhor Supremo, vê todas as entidades


vivas como Suas partes integrantes, e vê o Senhor Supremo dentro de tudo, não
odeia nada nem ninguém.
Mantra Sete:

Quem sempre vê todas as entidades vivas como centelhas espirituais, iguais ao


Senhor em qualidade, torna-se o maior conhecedor das coisas. O que, então, pode
ser ilusão ou ansiedade para ele?
Mantra Oito:
Essa pessoa deve realmente conhecer o maior de todos, que é não corporificado, é
onisciente, irrepreensível, sem veias, puro e não contaminado, o filósofo
autossuficiente que desde tempos imemoriais satisfaz o desejo de todos.
Mantra Nove:

Aqueles que se ocupam no cultivo de atividades ignorantes entrarão na mais escura


região da ignorância. Piores ainda são aqueles que se ocupam no cultivo do
pseudoconhecimento.
Mantra Dez:

Os sábios explicaram que se recebe um resultado a partir do cultivo de


conhecimento e que se obtém um resultado diferente a partir do cultivo de
ignorância.
Mantra Onze:

Só aquele que pode aprender simultaneamente os processos da ignorância e do


conhecimento transcendental pode transcender a influência de repetidos
nascimentos e mortes e usufruir a bênção completa da imortalidade.
Mantra Doze:

Aqueles que se ocupam na adoração aos semideuses entram na mais escura região
da ignorância, e pior ainda é o destino reservado àqueles que adoram o Absoluto
impessoal.
Mantra Treze:

Está declarado que se obtém um resultado adorando a suprema causa de todas as


causas e outro resultado adorando o que não é supremo. Tudo isso foi falado pelas
autoridades imperturbáveis, que deram sobre este assunto uma explicação clara.
Mantra Quatorze:

É dever do homem conhecer perfeitamente a Personalidade de Deus e Seu nome


transcendental, bem como a criação material temporária com seus semideuses,
homens e animais temporários. Ao adquirir este conhecimento, ele supera a morte e
deixa de se sujeitar à manifestação cósmica efêmera. No reino eterno de Deus, ele
desfruta vida eterna, plena de bem-aventurança e conhecimento.
Mantra Quinze:

Ó meu Senhor, sustentador de tudo o que vive, o Teu rosto verdadeiro está coberto
por Tua refulgência deslumbrante. Por favor, remove essa cobertura e manifesta-Te
ao Teu devoto puro.
Mantra Dezesseis:

Ó meu Senhor, filósofo primordial, mantenedor do universo, ó princípio regulador,


destino dos devotos puros, benquerente dos progenitores da humanidade, por favor,
remove essa refulgência, Teus raios transcendentais, para que eu possa ver Tua
forma de bem-aventurança. O Senhor é a Suprema Personalidade de Deus eterna,
semelhante ao sol, tal como sou.
Mantra Dezessete:

Que este corpo temporário seja reduzido a cinzas, e que o ar vital fique imerso na
totalidade do ar. Ó meu Senhor, por favor, lembra-Te agora de todos os meus
sacrifícios, e, como és o beneficiário último, por favor, lembra-Te de tudo o que fiz
para Ti.
Mantra Dezoito:

Ó meu Senhor, poderoso como o fogo, ser onipotente, ofereço-Te agora todas as
reverências e, no solo, caio a Teus pés. Ó meu Senhor, por favor, guia-me no
caminho correto, ajudando-me a alcançar-Te, e, como sabes tudo o que fiz no
passado, por favor, livra-me das reações de meus pecados pretéritos para que não
venham a existir obstáculos em meu progresso.

Introdução
Os Ensinamentos dos Vedas

Conferência dada por Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda em 6 de
outubro de 1969, no Conway Hall, Londres, Inglaterra.

Senhoras e senhores, o assunto de hoje versa sobre os ensinamentos dos Vedas. O que são
os Vedas? A raiz verbal sânscrita de veda pode receber várias interpretações, mas o
significado acaba sendo um. Veda significa conhecimento. Qualquer conhecimento que se
aceite é veda, pois os ensinamentos transmitidos nos Vedas são o conhecimento original.

No estado condicionado, nosso conhecimento está sujeito a muitos defeitos. A diferença


entre a alma condicionada e a alma liberada é que a alma condicionada tem quatro tipos
de defeitos. O primeiro é que ela não pode deixar de cometer erros.

Por exemplo, em nosso país, Mahatma Gandhi era considerado uma grande
personalidade, mas cometeu muitos erros. Quando estava nos últimos instantes de sua
vida, seu assistente advertiu: “Mahatma Gandhi, não vá à reunião em Nova Delhi. Tenho
alguns amigos e fiquei sabendo que há grande perigo”. Apesar disso, ele insistiu em ir e
foi assassinado. Até grandes personalidades como Mahatma Gandhi ou o presidente
Kennedy — ou outros tantos — cometem erros. Errar é humano; este é um defeito da
alma condicionada.

Outro defeito: iludir-se. Ilusão quer dizer aceitar algo que não é: māyā. Māyā significa
“aquilo que não é”. Todos estão aceitando o corpo como o eu. Se eu perguntar sobre sua
identidade, alguém responderá: “Sou o Sr. João. Sou um homem rico. Sou isso, sou
aquilo”. Tudo não passa de identificações corpóreas, enquanto, na verdade, ele não é esse
corpo. Isso é ilusão.
O terceiro defeito é a propensão a enganar. Todos são propensos a enganar os outros. Ele
pode ser o tolo número um, mas, ainda assim, quer se fazer passar por muito inteligente.
Já comentei que a alma condicionada é propensa a iludir-se e cometer erros, mas, ainda
assim, teoriza: “Acho que isso é isso, e isto é isto”. O problema é que ela nem mesmo
conhece sua verdadeira posição, mas se atreve a escrever livros de filosofia, apesar de ter
tantos defeitos. Eis sua doença: vive enganando.

Por fim, nossos sentidos são imperfeitos. Por exemplo, podemos nos orgulhar de nossos
olhos. Sempre há quem desafie: “Você pode me mostrar Deus?” Mas acaso essa pessoa
tem os olhos para ver Deus? Sem os olhos, ela jamais poderá ver. Se de repente a sala
escurece, você não consegue ver nem mesmo suas mãos, logo, até que ponto você pode
ver? Não podemos, portanto, esperar ter conhecimento (veda) valendo-nos desses
sentidos imperfeitos. Com todas essas deficiências, na vida condicionada não podemos
dar conhecimento perfeito a ninguém. Tampouco somos perfeitos. Por isso, aceitamos
os Vedas.

Talvez você possa dizer que os Vedas são o conhecimento hindu, mas “hindu” não é nem
uma palavra original da Índia. Não somos hindus. Nossa verdadeira identificação
é varṇāśrama. Varṇāśrama denota os seguidores dos Vedas, aqueles que aceitam que a
sociedade humana se divide em quatro varṇas e quatro āśramas. Existem quatro divisões
da sociedade e quatro divisões da vida espiritual. Isso se chama varṇāśrama.
Na Bhagavad-gītā (4.13), afirma-se: “Estas divisões existem em qualquer lugar porque
foram criadas por Deus”. As divisões da sociedade
são brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra. Brāhmaṇa refere-se a uma classe de homens
muito inteligentes e que sabem o que é o Brahman. De modo semelhante, os kṣatriyas, o
grupo administrador, são a classe de homens inteligentes situados logo em seguida.
Depois vêm os vaiśyas, o grupo mercantil.

Essas classificações naturais se encontram em toda parte. Este princípio é védico, e nós o
aceitamos. Os princípios védicos são aceitos como verdade axiomática, pois não podem
ter erro algum. Por exemplo, na Índia, aceita-se que o estrume de vaca é puro, apesar de
ser o excremento de um animal. Há o preceito védico segundo o qual se alguém tocar
algum excremento, deve banhar-se imediatamente. Em outra passagem, porém, se afirma
que o excremento de vaca é puro. Se você esfregar estrume de vaca num lugar impuro,
esse lugar se purifica. Munidos de bom senso, podemos argumentar que isso é
contraditório. De fato, é contraditório do ponto de vista comum, mas não é falso. É um
fato. Em Calcutá, um cientista muito famoso analisou o estrume de vaca e verificou que
ele contém todas as qualidades antissépticas.

Na Índia, se uma pessoa diz à outra: “Você tem que fazer isto”, talvez a outra responda:
“O que você quer dizer com isso? Será esse um preceito védico? Tenho que segui-lo sem
questionar?” Os preceitos védicos não podem ser interpretados. Todavia, se você estudar
em detalhes o porquê desses preceitos, acabará descobrindo que todos eles são corretos.
Os Vedas não são compilações do conhecimento humano. O conhecimento védico vem
do mundo espiritual, do Senhor Kṛṣṇa. Outro nome para os Vedas é śruti. Śruti refere-se
ao conhecimento que se adquire ouvindo; não é conhecimento experimental.
O śruti equivale à mãe. Recebemos muito conhecimento de nossa mãe. Por exemplo, se
você quiser saber quem é seu pai, quem melhor lhe poderá responder? Sua mãe. Quando
sua mãe diz: “Eis aqui seu pai”, você tem que aceitar isso. Não há motivos para pesquisar
a fim de saber se ele é de fato o seu pai. Do mesmo modo, é necessário que você aceite
os Vedas caso queira adquirir algum conhecimento que ultrapasse sua experiência, seu
conhecimento experimental e os seus sentidos. Fazer experiências é algo que está fora de
cogitação. A experiência já está feita. Já se chegou a uma conclusão. A versão da mãe,
como exemplo, tem que ser aceita como verdade. Não pode haver outra maneira.

Considera-se que os Vedas são a mãe, e Brahmā é chamado o avô, o antepassado, porque
foi o primeiro a ser instruído sobre o conhecimento védico. No início, a primeira criatura
viva foi Brahmā. Ele recebeu esse conhecimento védico e o transmitiu a Nārada e a
outros discípulos e filhos, os quais também o distribuíram a seus discípulos. Dessa
maneira, o conhecimento védico é transmitido através da sucessão discipular. Confirma-
se também na Bhagavad-gītā que este é o processo pelo qual o conhecimento védico
passa a ser compreendido. Se você fizer um estudo experimental, chegará à mesma
conclusão, mas, só para lhe poupar tempo, é melhor aceitar esse processo. Se você quer
saber quem é seu pai, e aceita como autoridade sua mãe, então tudo o que ela disser
poderá ser aceito sem argumento.

Há três tipos de evidências: pratyakṣa, anumāna e śabda. Pratyakṣa quer dizer


“evidência direta”. A evidência direta não é muito boa porque nossos sentidos são
imperfeitos. Vemos o sol diariamente, e ele nos parece semelhante a um pequeno disco,
mas, na verdade, ele é maior, bem maior, que muitos planetas. Que valor tem essa visão?
É óbvio que a experiência direta não é perfeita. Portanto, temos que aprender lendo livros.
Então, poderemos compreender melhor o sol.

Em seguida, vem anumāna, conhecimento indutivo, a hipótese: “Talvez seja assim”. Por
exemplo, a teoria de Darwin diz que pode ser desse jeito, pode ser daquele jeito, mas isso
não é ciência. É uma sugestão, e também não é perfeita. Em contraste, se você recebe o
conhecimento proveniente de fontes autorizadas, isso é perfeito. Quando você recebe uma
programação elaborada pelas autoridades de uma estação de rádio, você a aceita; você
não a recusa nem precisa comprová-la, porque a recebeu das fontes autorizadas.

O conhecimento védico chama-se śabda-pramāṇa. Outro nome é śruti. Śruti significa que
esse conhecimento deve ser recebido através da recepção auditiva. Os Vedas ensinam
que, para compreender o conhecimento transcendental, temos que ouvir a autoridade. O
conhecimento transcendental é o conhecimento que está além deste universo. Dentro
deste universo, está o conhecimento material, e além deste universo situa-se o
conhecimento transcendental. Se nem ao menos podemos ir ao fim do universo, como
podemos ir ao mundo espiritual? Logo, é impossível adquirir conhecimento completo.
Existe um céu espiritual. Existe outra natureza, que está além do manifesto e imanifesto.
Mas como saber se há um céu onde os planetas e os seus habitantes são eternos? Todo
esse conhecimento existe, mas como você fará suas experiências para comprovar a
verdade? Isso não é possível. Portanto, você tem que recorrer aos Vedas e obter o
conhecimento védico. Em nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa, aceitamos o
conhecimento transmitido pela autoridade máxima, Kṛṣṇa. Todas as classes de homens
aceitam Kṛṣṇa como a autoridade máxima. Falo especificamente das duas classes de
transcendentalistas. Uma é a classe dos impersonalistas, os māyāvādīs. Em geral, eles são
conhecidos como vedantistas, liderados por Śaṅkarācārya. E a outra classe de
transcendentalistas são os vaiṣṇavas, como Rāmānujācārya, Madhvācārya e Viṣṇusvāmī.
Tanto a escola dos māyāvādīs como a dos vaiṣṇavas aceitam Kṛṣṇa como a Suprema
Personalidade de Deus. Śaṅkarācārya era um impersonalista que pregava o
impersonalismo, o Brahman impessoal, mas o fato é que ele era um personalista
disfarçado. Em seu comentário sobre a Bhagavad-gītā, ele escreveu: “Nārāyaṇa, a
Suprema Personalidade de Deus, está além desta manifestação cósmica”. E ele voltou a
confirmar: “Esta Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, é Kṛṣṇa. Ele apareceu como
o filho de Devakī e Vasudeva”. Ele mencionou especificamente os nomes do pai e da mãe
de Kṛṣṇa. Podemos ver que os transcendentalistas aceitam Kṛṣṇa como a Suprema
Personalidade de Deus. Não há nenhuma dúvida sobre isso.

Na consciência de Kṛṣṇa, nossa fonte de conhecimento é a Bhagavad-gītā, vem


diretamente de Kṛṣṇa. Publicamos o Bhagavad-gītā Como Ele É porque aceitamos o que
Kṛṣṇa fala sem nenhuma interpretação. Isso é conhecimento védico. Como o
conhecimento védico é puro, nós o aceitamos. Aceitamos tudo o que Kṛṣṇa diz. Isso é
consciência de Kṛṣṇa, e nos poupa muito tempo. Se você aceitar a autoridade, ou a fonte
de conhecimento correta, poupará muito tempo. Por exemplo, no mundo material, há dois
sistemas de conhecimento: indutivo e dedutivo. Pelo processo dedutivo, você aceita que o
homem é mortal. Seu pai diz que o homem é mortal, sua irmã diz que o homem é mortal,
todos dizem que o homem é mortal — e você não precisa comprovar. Você aceita como
fato que o homem é mortal. Se quiser pesquisar para descobrir se o homem é mortal, você
terá que estudar todos os homens, e talvez venha a pensar que haja um homem que não
morre, mas você nunca o viu. Desse jeito, sua pesquisa nunca terminará. Em sânscrito,
esse processo chama-se āroha, o processo ascendente. Se você quiser adquirir
conhecimento através de algum esforço pessoal, utilizando seus sentidos imperfeitos,
nunca chegará à conclusão certa. Isso não será possível.

Há uma declaração na Brahma-saṁhitā: procure andar no avião que viaja à velocidade da


mente. Nossos aviões materiais podem voar a talvez cerca de dois mil quilômetros por
hora, mas qual é a velocidade da mente? Sentado em casa, de repente você pensa na Índia
— digamos, situada a quinze mil quilômetros de distância — e de imediato a Índia
aparece. Sua mente foi até lá. A velocidade da mente tem essa rapidez. Por isso se declara
que “se você viajar com essa velocidade da mente por milhões de anos, descobrirá que o
céu espiritual é ilimitado”. Não é possível nem mesmo aproximar-se dele. Por
conseguinte, o princípio védico diz que a pessoa deve aproximar-se — e dentro desse
contexto, enfatiza-se que esse ato é “compulsório” — de um mestre espiritual genuíno, de
um guru. E qual é a qualificação do mestre espiritual? Ele é quem ouviu corretamente a
mensagem védica transmitida pela fonte correta. E, na prática, ele precisa estar
firmemente estabelecido no Brahman. São essas as duas qualidades. Caso contrário, ele
não é genuíno.

Este movimento da consciência de Kṛṣṇa é completamente autorizado pelos princípios


védicos. Na Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa diz: “A pesquisa védica tem como verdadeiro objetivo
descobrir Kṛṣṇa”. Na Brahma-saṁhitā, também se afirma: “Kṛṣṇa, Govinda, tem formas
inumeráveis, mas todas elas são apenas uma”. Não são como nossas formas, que são
falíveis. A forma dEle é infalível. Minha forma tem começo, mas a dEle não. Ele
é ananta, e Sua forma — Ele tem ilimitadas formas — não tem fim. Minha forma está
aqui e não em meu apartamento. Você está aí e não em seu apartamento. Kṛṣṇa, porém,
pode estar em toda parte ao mesmo tempo. Ele pode estar em Goloka Vṛndāvana e, ao
mesmo tempo, Ele está em toda parte, pois é onipenetrante. Ele é a pessoa original e o
mais velho. No entanto, sempre que olhar para um quadro de Kṛṣṇa, você vai ver um
jovem de 15 ou 20 anos de idade; jamais verá um ancião. Na Bhagavad-gītā, podem-se
ver gravuras de Kṛṣṇa como o condutor da quadriga. Naquela ocasião, Sua idade já tinha
ultrapassado os cem anos, e Ele tinha bisnetos, mas parecia um rapaz. Kṛṣṇa, Deus, nunca
envelhece. Esse é Seu poder supremo. E se você quiser descobrir Kṛṣṇa, mesmo
estudando a literatura védica, sua tentativa será um fracasso. É possível, mas muito
difícil. A única maneira de aprender sobre Kṛṣṇa é através de Seu devoto, pois esse
devoto pode lhe dar Kṛṣṇa: “Aqui está. Pegue-O”. Esse é o poder dos devotos de Kṛṣṇa.

Originalmente, havia apenas um Veda, e não havia necessidade de lê-lo. As pessoas eram
tão inteligentes e tinham uma memória tão aguçada que o compreendiam mesmo após o
mestre espiritual recitá-lo uma única vez. Elas imediatamente captavam todo o sentido.
Porém, para as pessoas desta era, Vyāsadeva, há cinco mil anos, escreveu os Vedas. Ele
sabia que, com o decorrer do tempo, as pessoas teriam vida curta, suas memórias seriam
muito fracas e suas inteligências não muito aguçadas. Foi por isso que passou a ensinar
esse conhecimento védico sob a forma escrita. Ele dividiu os Vedas em
quatro: Ṛg, Sāma, Atharva e Yajur. Então, deixou-os a cargo de seus diferentes discípulos
e pensou na classe de seres menos inteligentes — strī, śūdra e dvija-bandhu. Levou em
conta a classe feminina e os śūdras (a classe operária) e os dvija-bandhus. Dvija-
bandhu refere-se àqueles que nascem em família elevada, mas não têm a devida
qualificação. Um homem que nasce numa família de brāhmaṇa, mas não tem
qualificação bramânica, chama-se dvija-bandhu. Para essas pessoas, Vyāsadeva compilou
o Mahābhārata, chamado “a história da Índia”, e os dezoito Purāṇas. Compõem a
literatura védica os Purāṇas, o Mahābhārata, os quatro Vedas em si e os Upaniṣads.
Os Upaniṣads fazem parte dos Vedas. Por fim, na obra chamada Vedānta-sūtra,
Vyāsadeva resumiu para os eruditos e filósofos todo o conhecimento védico. O Vedānta-
sūtra é a palavra final dos Vedas.

Vyāsadeva pessoalmente escreveu o Vedānta-sūtra sob a instrução de seu guru, Nārada.


Ainda assim, Vyāsadeva continuava insatisfeito. Esta é uma longa história, descrita
no Śrīmad-Bhāgavatam. Então, Nārada, seu mestre espiritual, o instruiu: “Explica
o Vedānta-sūtra”. Vedānta significa “conhecimento último”, e o conhecimento último é
Kṛṣṇa. Kṛṣṇa diz que todos os Vedas servem para as pessoas compreenderem-
nO, vedānta-kṛd veda-vid eva cāham: “Sou o compilador do Vedānta-sūtra e o
conhecedor dos Vedas”. Portanto, o objetivo último é Kṛṣṇa. Explicam isso todos os
comentários que os vaiṣṇavas tecem sobre a filosofia vedānta. Nós, vaiṣṇavas gauḍīyas,
temos nosso comentário sobre a filosofia vedāntachamado Govinda-bhāṣya, escrito por
Baladeva Vidyābhūṣaṇa. De modo semelhante, Rāmānujācārya tem um comentário, e
Madhvācārya tem outro. A versão apresentada por Śaṅkarācārya não é o único
comentário. Existem muitos comentários ao Vedānta. Porém, como os vaiṣṇavas não
apresentaram o primeiro comentário ao vedānta, ficou-se erroneamente com a impressão
de que Śaṅkarācārya foi o único a fazer um comentário vedānta. Ademais, o próprio
Vyāsadeva escreveu sobre o Vedānta um comentário perfeito, o Śrīmad-Bhāgavatam.

O Śrīmad-Bhāgavatam começa com as mesmas palavras que abrem o Vedānta-


sūtra: janmādy asya yataḥ. E o Śrīmad-Bhāgavatam explica na íntegra este janmādy asya
yataḥ. O Vedānta-sūtra apenas sugere o que é Brahman, a Verdade Absoluta: “A Verdade
Absoluta é aquele de quem tudo emana”. Este é apenas um resumo, mas tudo está
explicado pormenorizadamente no Śrīmad-Bhāgavatam. Se tudo emana da Verdade
Absoluta, então qual é a natureza da Verdade Absoluta? Isto está explicado no Śrīmad-
Bhāgavatam. A Verdade Absoluta tem que ser consciência. Ele é autorrefulgente (sva-
rāṭ). Desenvolvemos nossa consciência e conhecimento recebendo o conhecimento que
outros nos transmitem, mas afirma-se que Kṛṣṇa é autorrefulgente. O resumo total do
conhecimento védico é o Vedānta-sūtra, e, no Śrīmad-Bhāgavatam, o próprio autor
explica o Vedānta-sūtra. Por fim, pedimos àqueles que estão realmente em busca do
conhecimento védico que tentem compreender a explicação de todo o conhecimento
védico recorrendo ao Śrīmad-Bhāgavatam e ao Bhagavad-gītā.
Śrī īśopaniṣad Invocação
oṁ pūrṇam adaḥ pūrṇam idaṁ
pūrṇāt pūrṇam udacyate
pūrṇasya pūrṇam ādāya
pūrṇam evāvaśiṣyate

Sinônimos
oṁ — o Todo Completo; pūrṇam — perfeitamente completo; adaḥ — este; pūrṇam —
perfeitamente completo; idam — este mundo fenomenal; pūrṇāt — do
perfeitíssimo; pūrṇam — unidade completa; udacyate — é produzida; pūrṇasya — do
Todo Completo; pūrṇam — completamente, tudo; ādāya — tendo sido tirado; pūrṇam —
o equilíbrio completo; eva — mesmo; avaśiṣyate — permanece.

Tradução
Deus, a Pessoa Suprema, é perfeito e completo. Sendo completamente perfeito, tudo
que emana dEle, como, por exemplo, este mundo fenomenal, é perfeitamente
equipado como todos completos. Tudo o que é produzido pelo Todo Completo
também é completo em si mesmo. Porque Ele é o Todo Completo, muito embora
tantas unidades completas emanem dEle, Ele permanece o equilíbrio completo.

Comentário
O Todo Completo, ou a Suprema Verdade Absoluta, é a Personalidade de Deus completa.
Compreender apenas o Brahman impessoal ou o Paramātmā, a Superalma, é compreender
de maneira incompleta o Absoluto Completo. A Suprema Personalidade de Deus é sac-
cid-ānanda-vigraha. Compreender o Brahman é compreender Seu aspecto sat, que
caracteriza Sua eternidade. E compreender Paramātmā é compreender Seus
aspectos sat e cit, que caracterizam Sua eternidade e conhecimento. Mas compreender a
Personalidade de Deus é compreender todos os aspectos transcendentais —
sat, cit e ānanda; eternidade, conhecimento e bem-aventurança. Ao compreendermos a
Pessoa Suprema, visualizamos por completo esses aspectos da Verdade
Absoluta. Vigraha significa “forma”. Logo, o Todo Completo não é desprovido de forma.
Se Ele não tivesse forma, ou se houvesse algum aspecto de Sua criação que fosse superior
a Ele, Ele não poderia ser completo. O Todo Completo deve conter tudo o que está dentro
do limite de nossa experiência, bem como o que a ultrapassa; caso contrário, Ele não pode
ser completo.

O Todo Completo, a Personalidade de Deus, tem potências imensas, todas as quais são
tão completas como Ele. Assim, este mundo fenomenal, ou material, também é completo
em si mesmo. Os vinte e quatro elementos deste universo material temporário são
coordenados de tal maneira a produzir tudo o que é necessário para a manutenção e
subsistência deste universo. Não é necessário que alguma outra entidade faça um esforço
em separado para tentar mantê-lo. O universo funciona em sua própria escala de tempo,
que é estabelecida pela energia do Todo Completo. Quando essa programação termina, a
manifestação temporária é aniquilada pelo arranjo completo do Todo Completo.

As pequenas unidades completas (ou seja, os seres vivos) recebem todas as condições
favoráveis que as capacitem a compreender o Todo Completo. Todas as formas
desprovidas de plenitude existem devido ao conhecimento incompleto do Todo
Completo. A forma de vida humana é uma manifestação completa do ser vivo, sendo
obtida após a evolução através de oito milhões e quatrocentas mil espécies de vida no
ciclo de nascimentos e mortes. Se o ser vivo não compreende sua integridade dentro do
Todo Completo nesta vida humana, a qual é abençoada com consciência completa, ele
não só perde mais uma oportunidade como também é lançado de novo ao ciclo evolutivo
devido à lei da natureza material.

Por não sabermos que na natureza existe um arranjo completo para nossa manutenção,
esforçamo-nos em utilizar os recursos da natureza para criarmos uma vida aparentemente
completa, permeada por gozo dos sentidos. Como o ser vivo não pode desfrutar da vida
materialista sem harmonizar-se com o Todo Completo, a enganosa vida de gozo dos
sentidos é uma ilusão. A mão é uma unidade completa apenas enquanto fizer parte de
todo o corpo. Separada do corpo, a mão pode parecer real, mas carece de todas as suas
potências. De modo semelhante, os seres vivos são partes integrantes do Todo Completo,
e, se são separados do Todo Completo, a plenitude ilusória não pode satisfazê-los
completamente.

A plenitude da vida humana só pode ser entendida se alguém se ocupa em serviço ao


Todo Completo. Todos os serviços neste mundo — sejam eles sociais, políticos,
comunitários, mundiais e mesmo interplanetários — permanecerão incompletos enquanto
não estiverem em harmonia com o Todo Completo. Quando tudo está em harmonia com o
Todo Completo, as partes integrantes também se tornam completas em si mesmas.
Śrī īśopaniṣad 1
īśāvāsyam idam sarvaṁ
yat kiñca jagatyāṁ jagat
tena tyaktena bhuñjīthā
mā gṛdhaḥ kasya svid dhanam

Sinônimos
īśa — pelo Senhor; āvāsyam — controlado; idam — isto; sarvam — tudo; yat kiñca —
tudo o que; jagatyām — dentro do universo; jagat — tudo o que é animado ou
inanimado; tena — por Ele; tyaktena — cota designada; bhuñjīthāḥ — deve-se
aceitar; mā — não; gṛdhaḥ — esforço para ganhar; kasya svit — de outrem; dhanam — a
riqueza.

Tradução
O Senhor controla e possui todas as coisas animadas e inanimadas que estão dentro
do universo. Portanto, todos devem aceitar apenas as coisas que lhes são necessárias,
que foram reservadas como sua cota, e ninguém deve aceitar outras coisas, sabendo
bem a quem pertencem.

Comentário
O conhecimento védico é infalível porque é transmitido através da perfeita sucessão
discipular de mestres espirituais que começa com o próprio Senhor. Como foi Ele que
falou a primeira palavra do conhecimento védico, a fonte desse conhecimento é
transcendental. As palavras faladas pelo Senhor chamam-se apauruṣeya, o que indica que
não partiram de uma pessoa mundana. No mundo material, o ser vivo tem quatro defeitos:
(1) Na certa comete erros, (2) sujeita-se à ilusão, (3) tem a propensão a enganar os outros
e (4) seus sentidos são imperfeitos. Ninguém que possua essas quatro imperfeições pode
transmitir conhecimento perfeito. Os Vedas não são produzidos por semelhante criatura
imperfeita. Originalmente, o Senhor transmitiu o conhecimento védico ao coração de
Brahmā, o primeiro ser vivo criado, e, por sua vez, Brahmā disseminou esse
conhecimento a seus discípulos, que o transmitiram através da história.

Uma vez que o Senhor é pūrṇam, perfeitíssimo, não há nenhuma possibilidade de que Ele
Se sujeite às leis da natureza material, que são controladas por Ele mesmo. Entretanto, as
entidades vivas e objetos inanimados são controlados pelas leis da natureza e, em última
análise, pela potência do Senhor. Este Īśopaniṣad faz parte do Yajur Veda, e, através de
suas informações, tomamos conhecimento de quem é o proprietário de todas as coisas que
existem dentro do universo.
No sétimo capítulo da Bhagavad-gītā (7.4-5), onde se discute parā e aparā prakṛti,
confirma-se que o Senhor é proprietário de tudo dentro do universo. Os elementos da
natureza — terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e ego — pertencem todos à
energia material inferior do Senhor (aparā prakṛti), enquanto o ser vivo, a energia
orgânica, é sua energia superior (parā prakṛti). Essas duas energias, prakṛtis, emanam do
Senhor, e, em última análise, Ele é o controlador de tudo o que existe. No universo, não
há nada que não pertença à parā ou à aparā prakṛti; portanto, tudo é propriedade do Ser
Supremo.

Porque é a Pessoa Completa, a Absoluta Personalidade de Deus tem inteligência completa


e perfeita para controlar tudo por meio de Suas diferentes potências. O Ser Supremo é
frequentemente comparado ao fogo, e toda coisa orgânica ou inorgânica é comparada ao
calor e à luz desse fogo. Assim como o fogo distribui energia sob a forma de calor e luz, o
Senhor apresenta diferentes manifestações de Suas energias. Desse modo, Ele permanece
o controlador, sustentador e coordenador último de todas as coisas. Ele é o conhecedor de
tudo e o benfeitor de todos, pleno de todas as potências concebíveis: poder, riqueza, fama,
beleza, conhecimento e renúncia.

Todos devem, portanto, ser bastante inteligentes para saber que, à exceção do Senhor,
ninguém é proprietário de nada. Cada qual deve aceitar apenas as coisas que o Senhor lhe
reserva como sua cota. A vaca, por exemplo, fornece leite, mas não bebe esse leite; ela
come grama e palha e seu leite é designado como alimento para os seres humanos. Esse é
o arranjo do Senhor, e devemos nos satisfazer com as coisas que Ele bondosamente
reserva para nós, levando sempre em consideração que tudo o que possuímos pertence, de
fato, a Ele.

Uma casa, por exemplo, é feita de terra, madeira, pedra, ferro, cimento e muitos outros
materiais. E se pensarmos de acordo com o Śrī Īśopaniṣad, deveremos saber que nós
mesmos não podemos produzir nenhum desses materiais de construção. Tudo o que
podemos fazer é juntá-los e dar-lhes diferentes formatos através de nosso trabalho. Um
trabalhador não pode afirmar que é proprietário de uma coisa só porque trabalhou
arduamente para manufaturá-la.

Na sociedade moderna, há sempre uma grande desavença entre os proletários e os


capitalistas. Essa desavença assumiu proporções internacionais, e o mundo está em
perigo. Os homens confrontam-se uns com os outros como inimigos e rosnam como cães
e gatos. O Śrī Īśopaniṣad não pode aconselhar cães e gatos, mas pode transmitir ao
homem a mensagem de Deus através dos ācāryas (mestres espirituais) genuínos. A raça
humana deve aceitar a sabedoria védica contida no Śrī Īśopaniṣad, evitando, assim,
guerrilhar por posses materiais. Todos devem satisfazer-se apenas com os privilégios que
lhes são concedidos pela misericórdia do Senhor. Não pode haver paz se os comunistas
ou capitalistas ou qualquer outro grupo alegar propriedade sobre os recursos da natureza,
os quais pertencem unicamente ao Senhor. Os capitalistas não podem coibir os
comunistas com simples manobras políticas, e nem os comunistas podem derrotar os
capitalistas lutando por pão roubado. Se eles não reconhecem a Suprema Personalidade
de Deus como proprietário, todas as posses que alegam possuir são, na verdade, objetos
roubados. Consequentemente são passíveis de punição pelas leis da natureza. As bombas
nucleares estão nas mãos tanto dos comunistas quanto dos capitalistas. Caso não
reconheçam quem é o proprietário, é certo que essas bombas acabarão arruinando ambos
os grupos. Portanto, para se salvarem e trazerem paz ao mundo, ambos os grupos devem
seguir as instruções do Śrī Īśopaniṣad.

Seres humanos não se destinam a brigar como cães e gatos. Devem ser bastante
inteligentes para entenderem a importância e o objetivo da vida humana. A literatura
védica foi compilada para a humanidade, e não para cães e gatos. Para alimentarem-se,
cães e gatos podem matar outros animais sem incorrerem em pecado; porém, se um
homem mata um animal para satisfazer seu paladar incontrolável, ele é responsável por
quebrar as leis da natureza. Por conseguinte, ele deve ser punido.

Não podemos aplicar aos animais o padrão de vida humana. O tigre não come arroz ou
trigo, nem bebe leite de vaca, porque lhe foi concedido alimento na forma de carne
animal. Existem animais e pássaros que são vegetarianos ou carnívoros, mas nenhum
deles viola as leis da natureza, que foram determinadas pela vontade de Deus. Os animais,
os pássaros, os répteis e outras formas de vida inferior adaptam-se estritamente às leis da
natureza; portanto, para eles o pecado está fora de cogitação. Tampouco as instruções
védicas destinam-se a eles. Só a vida humana é uma vida de responsabilidade.

Entretanto, é um erro considerar que, pelo simples fato de tornar-se vegetariano, alguém
pode deixar de transgredir as leis da natureza. Os vegetais também têm vida, e, embora de
acordo com a lei da natureza um ser vivo sirva de alimento para outro, os seres humanos
devem reconhecer a autoridade do Senhor Supremo. Logo, ninguém deve orgulhar-se
simplesmente por ser um vegetariano estrito. Os animais não têm consciência
desenvolvida para compreenderem Deus, enquanto o ser humano é inteligente o bastante
para receber lições da literatura védica. A partir daí, ele pode aprender sobre como as leis
da natureza funcionam e tirar proveito desse conhecimento. Se o indivíduo negligencia as
instruções contidas na literatura védica, sua vida se torna muito arriscada. O ser humano,
portanto, precisa reconhecer a autoridade do Senhor Supremo e tornar-se Seu devoto.
Deve oferecer tudo em prol do serviço ao Senhor e partilhar apenas dos restos do
alimento oferecido ao Senhor. Isso o capacitará a cumprir seu dever corretamente.
Na Bhagavad-gītā (9.26), o Senhor afirma diretamente que aceita alimentos vegetarianos
preparados pelo devoto puro. Portanto, o ser humano deve não apenas tornar-se um
vegetariano estrito como também um devoto do Senhor e oferecer-Lhe todo o seu
alimento. Só então pode compartilhar desse alimento prasāda, ou misericórdia de Deus.
Aqueles que adotam esse procedimento podem desempenhar corretamente os deveres da
vida humana. Aqueles que não oferecem seus alimentos ao Senhor comem apenas pecado
e sujeitam-se a várias espécies de sofrimento decorrentes do pecado. (Bhagavad-gītā3.13)

A causa básica do pecado é a deliberada desobediência às leis da natureza, deixando de


levar em consideração que o Senhor é o proprietário de tudo. Desobediência às leis da
natureza, ou à ordem do Senhor, arruína o ser humano. Por outro lado, quem for sensato e
conhecer as leis da natureza, não se deixando influenciar por apego ou aversão
desnecessários, com certeza receberá do Senhor o Seu reconhecimento, capacitando-se a
voltar a Deus, de volta ao lar eterno.

Śrī īśopaniṣad 2
kurvann eveha karmāṇi
jijīviṣec chataḿ samāḥ
evaṁ tvayi nānyatheto ’sti
na karma lipyate nare

Sinônimos
kurvan — fazendo continuamente; eva — assim; iha — durante este período de
vida; karmāṇi — trabalho; jijīviṣet — a pessoa deverá viver; śatam — cem; samāḥ —
anos; evam — vivendo assim; tvayi — a ti; na — não; anyathā — alternativa; itaḥ —
deste caminho; asti — existe; na — não; karma — trabalho; lipyate — pode ser
atado; nare — a um homem.

Tradução
Se alguém continua trabalhando dessa maneira, ele pode aspirar a viver por
centenas de anos, pois essa classe de trabalho não o atará às leis do karma. O ser
humano não tem nenhuma alternativa a este processo.

Comentário
Ninguém quer morrer, e todos querem viver a vida o quanto puderem. Esta tendência é
visível não apenas no plano individual, mas também no plano coletivo; na comunidade,
sociedade ou nação. Todas as espécies de seres vivos lutam arduamente pela vida, e
os Vedas dizem que isso é muito natural. O ser vivo é eterno por natureza, mas, devido ao
seu cativeiro na existência material, tem que mudar de corpo repetidas vezes. Esse
processo chama-se transmigração da alma, ou karma-bandhana, cativeiro infligido pelo
trabalho que se executa. A entidade viva precisa trabalhar para sobreviver, pois essa é a
lei da natureza material, e se ela não age segundo seus deveres prescritos, viola as leis da
natureza e fica cada vez mais atada ao ciclo de nascimentos e mortes, assumindo muitas
espécies de vidas.

Outras formas de vida também estão sujeitas ao ciclo de nascimentos e mortes, mas, ao
alcançar a vida humana, a entidade viva recebe a oportunidade de livrar-se dos grilhões
do karma. Na Bhagavad-gītā, descrevem-se muito claramente karma, akarma e vikarma.
As ações executadas de acordo com os deveres prescritos, como mencionam as escrituras
reveladas, chamam-se karma. As ações que deixam alguém livre do ciclo de nascimentos
e mortes chamam-se akarma. E as ações que são executadas com o abuso da própria
liberdade, levando a pessoa a formas de vida inferior, chamam-se vikarma. Dessas três
espécies de ações, os homens inteligentes preferem aquela que liberta o homem do
cativeiro cármico. Os homens comuns desejam executar bons trabalhos para serem
reconhecidos e alcançarem um estado de vida elevada, neste mundo ou no céu. No
entanto, os homens mais avançados desejam livrar-se por completo das ações e reações
do trabalho. Eles sabem muito bem que o trabalho, seja bom ou ruim, provoca o mesmo
cativeiro das misérias materiais. Por conseguinte, esses homens inteligentes buscam o
trabalho que os libertem das ações boas ou ruins. Semelhante trabalho libertador é
descrito aqui nas páginas do Śrī Īśopaniṣad.

As instruções do Śrī Īśopaniṣad são explicadas de maneira mais elaborada na Bhagavad-


gītā, que às vezes é chamado Gītopaniṣad, a nata de todos os Upaniṣads. Na Bhagavad-
gītā (3.9-16), Deus afirma que ninguém pode alcançar o estágio de naiṣkarmya,
ou akarma, sem executar os deveres prescritos mencionados na literatura védica. Essa
literatura pode regular a energia funcional de um ser humano a tal ponto que ele passe a
compreender a autoridade do Ser Supremo. Quando ele compreender a autoridade de
Deus — Vāsudeva ou Kṛṣṇa — deve-se concluir que atingiu a fase do conhecimento
positivo. Nessa fase purificada, os modos da natureza — ou seja, bondade, paixão e
ignorância — não podem atuar, e suas ações estão no nível de naiṣkarmya. Esse trabalho
não o prende ao ciclo de nascimentos e mortes.

Na verdade, tudo o que alguém precisa fazer é prestar serviço devocional ao Senhor.
Entretanto, nas fases de vida inferior, não é possível adotar diretamente as atividades do
serviço devocional, nem parar por completo o trabalho fruitivo. A alma condicionada está
habituada a trabalhar em troca de gozo dos sentidos — visando a seu interesse egoísta,
pessoal ou estendido. O homem comum trabalha visando ao gozo de seus sentidos, e
quando esse princípio do gozo do sentido é ampliado de modo a incluir a sociedade, a
nação ou a humanidade em geral, ele assume vários nomes atraentes, tais como:
altruísmo, socialismo, comunismo, nacionalismo e comunitarismo. Esses “ismos” decerto
são formas muito atraentes de karma-bandhana (cativeiro cármico), mas a instrução
védica contida no Śrī Īśopaniṣad é que, se alguém deseja realmente viver em função de
algum desses “ismos”, deve centralizá-lo em Deus. Não há mal algum em tornar-se um
chefe de família ou um altruísta, socialista, comunista, nacionalista ou humanitarista,
contanto que as atividades sejam executadas segundo a concepção de īśāvāsya, ou seja, o
conceito de que Deus está no centro.

Na Bhagavad-gītā (2.40), o Senhor Kṛṣṇa afirma que as atividades centralizadas em Deus


são de tão grande valor que basta apenas algumas poucas delas para salvar alguém do
maior dos perigos. Na vida, o maior perigo é voltar a cair no ciclo evolutivo de
nascimentos e mortes, formado pelas oito milhões e quatrocentas mil espécies. Se de
alguma maneira o homem não aproveita a oportunidade espiritual proporcionada por esta
forma de vida humana e volta a cair no ciclo evolutivo, ele deve ser considerado muito
desafortunado. Devido a seus sentidos imperfeitos, o tolo não consegue perceber que isso
está acontecendo. Consequentemente, o Śrī Īśopaniṣad nos aconselha a empregar nossa
energia segundo o espírito de īśāvāsya. Assumindo essa ocupação, podemos desejar viver
muitíssimos anos; caso contrário, o simples fato de levar uma vida longa não terá nenhum
valor. Uma árvore vive centenas e centenas de anos, mas não faz sentido levar uma
grande vida vegetativa, respirando como foles, procriando filhos como os cães e os
porcos e comendo como camelos. Uma vida humilde, centralizada em Deus, tem mais
valor que uma enganosa vida colossal dedicada ao altruísmo ou socialismo ateus.

Ao serem executadas no espírito do Śrī Īśopaniṣad, as atividades altruístas assumem a


forma de karma-yoga. A Bhagavad-gītā (18.5-9) recomenda essas atividades, pois
aqueles que as executam ficam protegidos de deslizar no processo evolutivo de
nascimentos e mortes. Muito embora possam estar inacabadas, essas atividades
centralizadas em Deus continuam sendo boas para o executor, pois lhe garantem uma
forma humana em seu próximo nascimento. Dessa maneira, ele pode receber outra
oportunidade para melhorar sua posição no caminho da libertação.

O livro Bhakti-rasāmṛta-sindhu, escrito por Śrīla Rūpa Gosvāmī, descreve de maneira


elaborada como alguém pode executar atividades centralizadas em Deus. Apresentamos
essa obra com o título O Néctar da Devoção. Recomendamos esse valioso livro a todos
que se interessem em executar suas atividades no espírito do Śrī Īśopaniṣad.
Śrī īśopaniṣad 3
asuryā nāma te lokā
andhena tamasāvṛtāḥ
tāḿs te pretyābhigacchanti
ye ke cātma-hano janāḥ

Sinônimos
asuryāḥ — destinado aos asuras; nāma — famoso pelo nome; te — aqueles; lokāḥ —
planetas; andhena — pela ignorância; tamasā — pela escuridão; āvṛtāḥ —
cobertos; tān — aqueles planetas; te — eles; pretya — após a morte; abhigacchanti —
entram em; ye — qualquer um; ke — todos; ca — e; ātma-hanaḥ — os matadores da
alma; janāḥ — pessoas.

Tradução
O matador da alma, não importa quem seja, tem que entrar nos planetas conhecidos
como o mundo dos infiéis, cheios de ignorância e escuridão.

Comentário
A vida humana distingue-se da animal por causa de sua profunda responsabilidade.
Aqueles que conhecem essa responsabilidade e trabalham nesse espírito chamam-
se suras (pessoas divinas), e aqueles que negligenciam ou não conhecem tal
responsabilidade chamam-se asuras (demônios). Em todo o universo, existem apenas
essas duas classes de seres humanos. O Ṛg Veda declara que os suras almejam sempre os
pés de lótus do Supremo Senhor Viṣṇu, e suas ações são compatíveis com isso. O
caminho desses seres é tão iluminado quanto o caminho do sol.

Os seres humanos inteligentes devem sempre lembrar-se de que a alma obtém a forma
humana após uma evolução de muitos milhões de anos no ciclo de transmigração. O
mundo material é às vezes comparado ao oceano, e o corpo humano, a um sólido barco
projetado especialmente para cruzá-lo. As escrituras védicas e os ācāryas, os preceptores
santos, são comparados a hábeis barqueiros, e as condições propícias proporcionadas pelo
corpo humano são comparadas a brisas favoráveis que ajudam o barco a navegar
suavemente rumo ao destino desejado. Se, com todas essas condições favoráveis, o ser
humano não utiliza plenamente sua vida para alcançar a autorrealização, ele deve ser
considerado ātma-hā, um matador da alma. O Śrī Īśopaniṣad adverte em termos claros
que o matador da alma está destinado a entrar na mais escura região da ignorância para
sofrer perpetuamente.

Existem porcos, cães, camelos, asnos e tantos outros animais cujas necessidades
econômicas lhes são tão importantes como as nossas o são para nós. Porém, seus
problemas econômicos só são resolvidos sob condições abjetas e desagradáveis. As leis
da natureza dão ao ser humano todas as condições favoráveis a uma vida confortável
porque a forma de vida humana é mais importante e valiosa que a forma de vida animal.
Por que o homem recebe uma vida melhor do que a vida do porco e de outros animais?
Por que um funcionário de alto posto do governo recebe melhores condições do que
aquelas recebidas por um funcionário comum? A resposta é que o funcionário que está
em um posto elevado tem de desempenhar funções de natureza superior. Do mesmo
modo, os deveres que os seres humanos têm que executar são superiores àqueles dos
animais, que apenas vivem ocupados em alimentar seus estômagos famintos. Todavia, a
moderna civilização matadora da alma tem apenas aumentado os problemas do estômago
faminto. Quando nos aproximamos de um animal educado que se nos apresenta sob a
forma de um homem moderno e civilizado e lhe pedimos que se interesse pela
autorrealização, ele diz que apenas deseja trabalhar para satisfazer seu estômago, e que
um homem faminto não precisa de autorrealização. Entretanto, as leis da natureza são tão
cruéis que, apesar de sua recusa à autorrealização e seu desejo ardente de trabalhar duro
só para encher seu estômago, ele vive ameaçado pelo desemprego.

Recebemos esta forma de vida humana não para apenas trabalhar arduamente como
asnos, porcos e cães, mas para alcançar a máxima perfeição da vida. Se não nos
importamos com a autorrealização, as leis da natureza nos forçam a trabalhar de maneira
muito pesada, mesmo que não queiramos. Nesta era, os seres humanos são forçados a
trabalhar arduamente como asnos e bois que puxam carroças. Este verso
do Śrī Īśopaniṣad revela algumas regiões às quais os asuras são enviados para trabalhar.
Deixando de cumprir seus deveres como seres humanos, os homens são obrigados a
transmigrar aos planetas dos asuras e nascer em espécies de vida degradadas, nas quais
têm que trabalhar arduamente em ignorância e escuridão.

Na Bhagavad-gītā (6.41-43), afirma-se que o homem que ingressa no caminho da


autorrealização, mas não completa o processo, embora tenha sinceramente tentado
entender qual o seu relacionamento com Deus, recebe a oportunidade de nascer em uma
família de śuci ou śrīmat. A palavra śuci indica um brāhmaṇa espiritualmente avançado,
e śrīmat indica um vaiśya, um membro da comunidade mercantil. Logo, a pessoa que não
consegue alcançar a autorrealização recebe em sua vida seguinte uma oportunidade
melhor, devido a seus esforços sinceros nesta vida. Se até mesmo um candidato
fracassado recebe a oportunidade de nascer numa família nobre e respeitável, nem se
pode imaginar a condição lograda por alguém que seja bem-sucedido. Pelo simples fato
de tentar compreender Deus, a pessoa tem como garantia o nascimento numa família rica
ou aristocrática, mas aqueles que nem mesmo fazem uma tentativa, que preferem ficar
cobertos pela ilusão, que são muito materialistas e são apegados ao gozo material, terão
que entrar nas mais escuras regiões do inferno, como confirma toda a literatura védica.
Esses asuras materialistas às vezes fazem uma exibição de religiosidade, mas seu
objetivo último é a prosperidade material. A Bhagavad-gītā (16.17-18) reprova esses
homens, chamando-os ātma-sambhāvita, pois somente são considerados grandes valendo-
se de fraudes e são eleitos pelos votos dos ignorantes e através de sua própria riqueza
material. É certo que esses asuras entrarão nas mais escuras regiões do universo, pois
estão desprovidos de autorrealização e do conhecimento de īśāvāsya, o conhecimento de
que Deus é o proprietário universal.

A conclusão é que, como seres humanos, não fomos criados apenas para resolver os
problemas econômicos oscilantes, mas para resolver todos os problemas da vida material
na qual fomos colocados pelas leis da natureza.

Śrī īśopaniṣad 4
anejad ekaṁ manaso javīyo
nainad devā āpnuvan pūrvam arṣat
tad dhāvato ’nyān atyeti tiṣṭhat
tasminn apo mātariśvā dadhāti

Sinônimos
anejat — fixo; ekam — um; manasaḥ — do que a mente; javīyaḥ — mais rápido; na —
não; enat — esse Senhor Supremo; devāḥ — os semideuses, tais como Indra,
etc.; āpnuvan — podem aproximar-se; pūrvam — em frente; arṣat — movendo-Se
rapidamente; tat — Ele; dhāvataḥ — aqueles que estão correndo; anyān —
outros; atyeti — ultrapassa; tiṣṭhat — permanecendo no lugar; tasmin — nEle; apaḥ —
chuva; mātariśvā — os deuses que controlam o vento e a chuva; dadhāti— suprem.

Tradução
Embora permanente em Sua morada, Deus, a Pessoa Suprema, é mais veloz que a
mente e pode ultrapassar todos os outros que correm. Os poderosos semideuses não
podem aproximar-se dEle. Embora esteja em um lugar, Ele controla aqueles que
proveem o ar e a chuva. Ele supera a todos em excelência.

Comentário
Nem mesmo os maiores filósofos, através da especulação mental, podem conhecer o
Senhor Supremo, que é a Absoluta Personalidade de Deus. Somente os devotos podem
conhecê-lO, e isso através de Sua misericórdia. Na Brahma-saṁhitā(5.34), afirma-se que
mesmo que um filósofo não-devoto viaje pelo espaço à velocidade da mente ou do vento
durante centenas de milhões de anos, ele acabará descobrindo que a Verdade Absoluta
está muito distante dele. Continuando, a Brahma-saṁhitā (5.37) descreve que a Absoluta
Personalidade de Deus tem uma morada transcendental, conhecida como Goloka, onde
Ele reside e ocupa-Se em Seus passatempos. Entretanto, através de Suas potências
inconcebíveis, Ele pode alcançar todas as regiões de Sua energia criadora. No Viṣṇu
Purāṇa, Suas potências são comparadas ao calor e à luz que emanam do fogo. Mesmo
sem sair do lugar, o fogo pode distribuir sua luz e calor a alguma distância; de modo
semelhante, a Absoluta Personalidade de Deus, embora permaneça em Sua morada
transcendental, pode difundir por toda parte Suas diferentes energias.

Embora sejam inumeráveis, Suas energias podem dividir-se em três categorias principais:
a potência interna, a potência marginal e a potência externa. Para cada uma delas, existem
milhões de subdivisões. Os semideuses dominantes, dotados de poder para controlar e
administrar fenômenos naturais, como o ar, a luz e a chuva, fazem parte da potência
marginal da Pessoa Absoluta. Entidades vivas menos importantes, inclusive os seres
humanos, também fazem parte dessa potência marginal. O mundo material é uma criação
da potência externa do Senhor. E o céu espiritual, onde se situa o reino de Deus, é uma
manifestação de Sua potência interna.

Assim, as diferentes energias do Senhor estão presentes em toda parte. Embora o Senhor
e Suas energias não sejam diferentes, ninguém deve confundir essas energias com a
Verdade Suprema. Também não se deve considerar erroneamente que o Senhor Supremo
esteja disperso de modo impessoal por toda parte ou que Ele perca Sua existência pessoal.
O homem está acostumado a chegar a conclusões de acordo com sua capacidade de
compreensão, mas o Senhor Supremo não está sujeito a essa limitada capacidade
intelectiva. Por essa razão, os Upaniṣads nos advertem que ninguém pode aproximar-se
do Senhor através de sua potência limitada.

Na Bhagavad-gītā (10.2), o Senhor diz que nem mesmo os grandes ṛṣis e suras podem
conhecê-lO. E muito menos os asuras, para quem está completamente fora de questão
compreender as atividades do Senhor Supremo. Este quarto mantra do Śrī
Īśopaniṣad sugere muito claramente que, em última análise, a Verdade Absoluta é a
Pessoa Absoluta; caso contrário, não teria sido necessário apresentar tantos argumentos
que comprovam Seus aspectos pessoais.

Embora tenham todos os sintomas do próprio Senhor, as partes individuais integrantes


das potências do Senhor têm limitadas esferas de atividades e são, portanto, todas
limitadas. As partes integrantes nunca são iguais ao todo; por conseguinte, não podem
apreciar a potência completa do Senhor. Sob a influência da natureza material, os seres
vivos tolos e ignorantes que não passam de partes integrantes do Senhor tentam presumir
sobre a posição transcendental do Senhor. O Śrī Īśopaniṣad adverte sobre a futilidade de
tentar estabelecer a identidade do Senhor através da especulação mental. Deve-se tentar
aprender sobre a Transcendência com o próprio Senhor, a fonte suprema dos Vedas, pois
somente o Senhor tem completo conhecimento sobre a Transcendência.

Cada parte integrante do Todo Completo é dotada de alguma energia específica para agir
de acordo com a vontade do Senhor. Quando a entidade viva que é parte integrante se
esquece de suas atividades específicas sob a vontade do Senhor, considera-se que ela está
em māyā, ilusão. Assim, desde o começo, o Śrī Īśopaniṣad aconselha-nos a que tenhamos
cuidado em desempenhar o papel que o Senhor nos designou. Isso não significa que a
alma individual não tenha iniciativa própria. Porque é parte integrante do Senhor, ela
também deve participar da iniciativa do Senhor. Ao tomar corretamente e com
inteligência sua iniciativa, ou adotar a natureza divina, compreendendo que tudo é
potência do Senhor, a pessoa pode reviver sua consciência original, que havia perdido
devido à associação com māyā, a energia externa.

Dado que todo poder é obtido do Senhor, é para executar a vontade do Senhor que se
deve exercer cada poder específico, e não de outra maneira. Quem presta serviço com
essa atitude submissa pode conhecer o Senhor. Conhecimento perfeito significa conhecer
o Senhor Supremo em todos os Seus aspectos. Também se devem conhecer Suas
potências e como elas agem de acordo com Sua vontade. O Senhor descreve esses
assuntos na Bhagavad-gītā, a essência dos Upaniṣads.

Śrī īśopaniṣad 5
tad ejati tan naijati
tad dūre tad v antike
tad antar asya sarvasya
tad u sarvasyāsya bāhyataḥ

Sinônimos
tat — este Senhor Supremo; ejati — caminha; tat — Ele; na — não; ejati —
caminha; tat — Ele; dūre — muito distante; tat— Ele; u — também; antike — muito
próximo; tat — Ele; antaḥ — dentro; asya — deste; sarvasya — de tudo; tat — Ele; u—
também; sarvasya — de tudo; asya — deste; bāhyataḥ — externo a.

Tradução
O Senhor Supremo caminha e não caminha. Está muito distante, mas também muito
próximo. Está dentro de tudo e, ao mesmo tempo, fora de tudo.

Comentário
Eis uma descrição de algumas das atividades transcendentais do Senhor Supremo,
executadas por Suas potências inconcebíveis. As contradições apresentadas aqui provam
as potências inconcebíveis do Senhor. “Ele caminha, Ele não caminha”. Em geral, se
alguém caminha, é ilógico dizer que ele não pode caminhar. Mas quando se trata de Deus,
essa contradição serve apenas para indicar Seu poder inconcebível. Com nosso limitado
campo de conhecimento, não podemos conciliar tais contradições e, portanto,
concebemos o Senhor de acordo com nossos limitados poderes intelectivos. Por exemplo,
os filósofos impersonalistas da escola māyāvāda aceitam apenas as atividades impessoais
do Senhor e rejeitam Seu aspecto pessoal. Contudo, os membros da escola bhāgavata,
adotando uma perfeita concepção a respeito do Senhor, aceitam Suas potências
inconcebíveis e, assim, compreendem que Ele é pessoal e impessoal.
Os bhāgavatas sabem que, sem as potências inconcebíveis, as palavras “Senhor
Supremo” não fazem sentido.

Não devemos apoiar a ideia de que, como não podemos ver Deus com nossos olhos, o
Senhor não tem existência pessoal. O Śrī Īśopaniṣad refuta esse argumento, de modo que
o Senhor está muito distante, mas também muito próximo. A morada do Senhor está
situada além do céu material, e não dispomos dos meios para medir nem este céu
material. Se o céu material tem tamanha extensão, o que dizer, então, do céu espiritual,
que se situa totalmente além daquele? A Bhagavad-gītā (15.6) confirma que o céu
espiritual está situado muitíssimo distante do universo material. Porém, apesar de tão
distante, o Senhor pode imediatamente, em menos de um segundo, aparecer entre nós,
vindo em uma velocidade superior à da mente ou do vento. Ele também pode correr com
tamanha velocidade que ninguém pode ultrapassá-lO. No verso anterior, já se descreveu
isso.

Entretanto, quando a Personalidade de Deus Se apresenta em nossa frente, nós O


desprezamos. Na Bhagavad-gītā (9.11), o Senhor condena essa negligência ignorante,
dizendo que os tolos zombam dEle considerando-O um ser mortal. Ele não é um ser
mortal, nem aparece ante nós com um corpo produzido pela natureza material. Existem
muitos supostos eruditos que argumentam que o Senhor faz Seu advento em um corpo
feito de matéria, tal qual um ser humano comum. Desconhecendo Seu poder
inconcebível, esses tolos colocam o Senhor em nível de igualdade com os homens
comuns.

Como é pleno de potências inconcebíveis, Deus pode aceitar nosso serviço através de
qualquer espécie de intermediário e pode converter Suas diferentes potências segundo
Sua própria vontade. Os descrentes argumentam que o Senhor não pode encarnar de
modo algum porque, caso encarne, Ele vem em uma forma feita de energia material.
Esses argumentos são anulados se aceitarmos a existência das potências inconcebíveis do
Senhor. Então, compreendemos que, mesmo que o Senhor apareça diante de nós numa
forma material, é deveras possível que Ele converta essa energia em energia espiritual.
Como a fonte das energias é a mesma, elas podem ser utilizadas de acordo com a vontade
de sua fonte. Por exemplo, o Senhor pode aparecer sob a forma da arcā-vigraha, a
Deidade, aparentemente feita de terra, pedra ou madeira. As formas da Deidade, embora
esculpidas em madeira, pedra ou outro material, não são ídolos, como afirmam os
iconoclastas.

Em nosso atual estado imperfeito, o estado de existência material, não podemos ver o
Senhor Supremo devido à nossa visão falha. Entretanto, os devotos que desejam vê-lO
através da visão material são favorecidos pelo Senhor, que aparece numa forma
aparentemente material para aceitar o serviço deles. Ninguém deve pensar que esses
devotos, que estão na fase inferior do serviço devocional, adoram um ídolo. Estão de fato
adorando o Senhor, que concorda em lhes mostrar uma forma da qual eles podem
aproximar-se. Tampouco a arcā é uma forma modelada de acordo com os caprichos do
adorador. Essa forma existe eternamente, assim como tudo que lhe concerne. O devoto
sincero pode sentir isso de verdade, enquanto o ateísta não.

Na Bhagavad-gītā (4.11), o Senhor diz que dispensa a Seu devoto um tratamento


compatível com seu grau de rendição. Ele Se reserva o direito de não Se expor a toda e
qualquer pessoa, senão que Se revela apenas às almas que se rendem a Ele. Assim, Ele
está sempre ao alcance das almas rendidas, ao passo que fica muitíssimo distanciado das
almas que não são rendidas, as quais não podem aproximar-se dEle.

Neste contexto, duas palavras que as escrituras reveladas frequentemente usam ao


referirem-se ao Senhor — saguṇa(“com qualidade”) e nirguṇa (“sem qualidades”) — são
muito importantes. A palavra saguṇa não insinua que o Senhor deva assumir a forma
material e Se sujeitar às leis da natureza material ao aparecer com qualidades
perceptíveis. Para Ele, não há diferença entre as energias material e espiritual, porque Ele
é a fonte de todas as energias. Sendo o controlador de todas as energias, Ele, ao contrário
de nós, não pode em tempo algum estar sob a influência delas. A energia material
funciona de acordo com Sua direção. Portanto, Ele pode usar essa energia para satisfazer
Seus propósitos e jamais ser influenciado por qualquer das qualidades dessa energia.
(Nesse sentido, Ele é nirguṇa, “sem qualidades”.) Tampouco o Senhor, em algum
momento, torna-Se uma entidade desprovida de forma, pois, em última análise, Ele é a
forma eterna, o Senhor primordial. O Seu aspecto impessoal, ou a refulgência Brahman, é
apenas o brilho de Seus raios pessoais, assim como os raios do sol são o brilho do deus do
sol.

Quando o menino santo Prahlāda Mahārāja estava perante seu pai ateísta, este perguntou:
“Onde está o seu Deus?” Quando Prahlāda respondeu que Deus residia em todas as
partes, o pai irado perguntou se o Deus dele estava dentro de um dos pilares do palácio, e
o menino disse que sim. No mesmo momento, o rei ateísta reduziu a pedaços o pilar que
estava à sua frente, e o Senhor imediatamente apareceu como Nṛsiṁha, a encarnação
metade homem, metade leão, e matou o rei ateísta. Logo, o Senhor está dentro de tudo e
Ele cria tudo com Suas diferentes energias. Através de Seus poderes inconcebíveis, Ele
pode aparecer em qualquer lugar para favorecer Seu devoto sincero. Ao sair do interior do
pilar, o Senhor Nṛsiṁha não estava interessado na ordem do rei ateísta, mas estava
satisfazendo o desejo de Seu devoto Prahlāda. Um ateísta não pode ordenar que o Senhor
apareça, mas o Senhor aparece em toda e qualquer parte para mostrar misericórdia a Seu
devoto. Na Bhagavad-gītā (4.8), há uma afirmação semelhante, segundo a qual o Senhor
aparece para aniquilar os descrentes e proteger os devotos. É claro que as energias e os
agentes que o Senhor possui são suficientes para derrotar os ateístas, mas Ele sente prazer
em conceder favor especial ao devoto. Portanto, Ele faz Seu advento. Na verdade, Ele
vem a este mundo apenas para favorecer Seus devotos, e não com algum outro propósito.

Na Brahma-saṁhitā (5.35), afirma-se que Govinda, o Senhor primordial, entra em tudo


por intermédio de Sua porção plenária. Ele entra no universo bem como nos átomos do
universo. Externamente, Ele Se apresenta como Sua forma virāṭ, e está no interior de tudo
como antaryāmī. Como antaryāmī, Ele testemunha tudo o que está acontecendo e, através
de karma-phala, concede-nos os resultados de nossas ações. Apesar de não nos
lembrarmos de nossos atos de vidas passadas, o Senhor é testemunha de todos eles,
concedendo-nos os resultados. Assim, temos que nos submeter às reações de todos esses
atos.

O fato é que, interna e externamente, só existe Deus. Tudo é manifestação de Suas


diferentes energias, assim como o calor e a luz que emanam do fogo. Dessa maneira,
existe unidade entre Suas diversas energias. Embora haja unidade, o Senhor, sob Sua
forma pessoal, goza ilimitadamente de todos os prazeres desfrutados em grau diminuto
pelas entidades vivas, que são Suas partes integrantes.

Śrī īśopaniṣad 6
yas tu sarvāṇi bhūtāny
ātmany evānupaśyati
sarva-bhūteṣu cātmānaṁ
tato na vijugupsate

Sinônimos
yaḥ — aquele que; tu — mas; sarvāṇi — todas; bhūtāni — as entidades vivas; ātmani —
em relação com o Senhor Supremo; eva — apenas; anupaśyati — observa de maneira
sistemática; sarva-bhūteṣu — em todo ser vivo; ca — e; ātmānam — a
Superalma; tataḥ — por conseguinte; na — não; vijugupsate — odeia ninguém.

Tradução
Aquele que vê tudo relacionado com o Senhor Supremo, vê todas as entidades vivas
como Suas partes integrantes, e vê o Senhor Supremo dentro de tudo, não odeia
nada nem ninguém.

Comentário
Esta descrição aplica-se ao mahā-bhāgavata, uma grande personalidade que vê tudo
relacionado com a Suprema Personalidade de Deus. A presença do Supremo é percebida
em três etapas. O kaniṣṭha-adhikārī está na fase de compreensão inferior. De acordo com
sua fé religiosa, ele se dirige a um lugar de adoração, tal como um templo, igreja ou
mesquita, onde adora segundo os preceitos das escrituras. Os devotos que estão nessa fase
consideram que o Senhor está presente no lugar onde se presta adoração, e em nenhuma
outra parte. Eles não conseguem determinar em que posição situa-se alguém que presta
serviço devocional, tampouco podem definir quem é que compreendeu o Senhor
Supremo. Esses devotos seguem as fórmulas rotineiras e às vezes brigam entre si,
considerando um tipo de devoção melhor do que outro. Na verdade, esses kaniṣṭha-
adhikārīs são devotos materialistas que simplesmente tentam transcender os limites
materiais para atingir o plano espiritual.

Aqueles que alcançaram a segunda fase de percepção chamam-se madhyama-adhikārīs.


Esses devotos observam as distinções entre as quatro categorias de seres: (1) o Senhor
Supremo; (2) os devotos do Senhor; (3) os inocentes, que não têm conhecimento acerca
do Senhor, e (4) os ateístas, que não têm fé no Senhor e nem naqueles que prestam
serviço devocional ao Senhor. O madhyama-adhikārī manifesta diferentes
comportamentos diante dessas quatro classes de pessoas. Ele adora o Senhor, pois O
considera seu objeto de amor; faz amizade com aqueles que prestam serviço devocional;
tenta despertar nos corações dos inocentes o amor latente que eles têm por Deus, e evita
os ateístas, que zombam do canto do nome do Senhor.

Acima do madhyama-adhikārī está o uttama-adhikārī, que vê tudo relacionado ao Senhor


Supremo. Semelhante devoto não discrimina entre um ateísta e um teísta, mas vê todos
como partes integrantes de Deus. Ele sabe que não existe uma diferença essencial entre
um brāhmaṇa altamente erudito e um cão na rua, porque ambos são partes integrantes do
Senhor, embora estejam aprisionados em diferentes corpos como consequência das
diferentes qualidades das atividades que executaram em vidas passadas. Ele vê que a
partícula brāhmaṇa do Senhor Supremo não abusou da pequena independência que
recebeu do Senhor, e que a partícula cão do Senhor abusou de sua independência e,
portanto, está sendo punida pelas leis da natureza, que a forçaram a aceitar a forma de
cão. Sem levar em consideração as respectivas ações executadas pelo brāhmaṇa e pelo
cão, o uttama-adhikārī tenta fazer o bem a ambos. Semelhante devoto erudito não se
deixa impressionar pelos corpos materiais, mas se sente atraído pela centelha espiritual
que está dentro deles.

Na verdade, aqueles que imitam o uttama-adhikārī, ostentando um sentimento de


igualdade ou camaradagem, mas que agem na plataforma corpórea, não passam de falsos
filantropos. É com o uttama-adhikārī que devemos aprender o conceito de fraternidade
universal, e não com um tolo que não tenha a devida compreensão acerca da alma
individual ou da Superalma, a expansão do Senhor Supremo que reside em toda parte.

Menciona-se claramente neste sexto mantra que a pessoa deve “observar”, ou ver
sistematicamente. Isto quer dizer que ela deve seguir o ācārya anterior, o mestre
perfeito. Anupaśyati é a palavra sânscrita usada exatamente nesse contexto. Anu significa
“seguir”, e paśyati, “observar”. Logo, a palavra anupaśyati significa que ninguém deve
ver as coisas com o olho nu, mas todos devem seguir os ācāryas anteriores. Devido a
defeitos materiais, o olho nu não pode ter uma visão correta; só pode ver corretamente
quem ouviu uma fonte superior, e a fonte mais elevada é a sabedoria védica, falada pelo
próprio Senhor. A verdade védica é transmitida em sucessão discipular começando com o
próprio Senhor e Seu discípulo Brahmā, e de Brahmā a Nārada, de Nārada a Vyāsa, e de
Vyāsa a muitos de seus discípulos. Outrora, não era necessário registrar as mensagens
dos Vedas, porque as pessoas de eras passadas eram mais inteligentes e tinham uma
memória mais aguçada. Elas podiam seguir as instruções só por ouvirem uma única vez o
mestre espiritual genuíno.

Atualmente, existem muitos comentários sobre as escrituras reveladas, mas a maioria


deles não está na linha de sucessão discipular proveniente de Śrīla Vyāsadeva, que
compilou originalmente a sabedoria védica. A obra final mais perfeita e sublime escrita
por Śrīla Vyāsadeva foi o Śrīmad-Bhāgavatam, que é um comentário natural sobre
o Vedānta-sūtra. Há também a Bhagavad-gītā, que foi falada pelo próprio Senhor e
registrada por Vyāsadeva. Estas são as escrituras reveladas mais importantes, e qualquer
comentário que contradiga os princípios contidos na Bhagavad-gītā ou no Śrīmad-
Bhāgavatam não é autorizado. Existe perfeita harmonia entre os Upaniṣads, o Vedānta-
sūtra, os Vedas, a Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam, e não se deve tentar chegar a
conclusão alguma sobre os Vedas sem receber as instruções transmitidas pelos membros
da sucessão discipular de Vyāsadeva, que acreditam na Personalidade de Deus e em Suas
diversas energias explicadas no Śrī Īśopaniṣad.

Segundo a Bhagavad-gītā (18.54), apenas alguém que já esteja na plataforma liberada


(brahma-bhūta) pode tornar-se um devoto uttama-adhikārī e ver cada ser vivo como seu
próprio irmão. Os políticos, que vivem atrás de ganhos materiais, não podem ter essa
visão. Quem imita os sintomas de um uttama-adhikārī talvez sirva o corpo material em
troca de fama ou recompensa material, mas não serve à alma espiritual. Semelhante
imitador não recebe informações a respeito do mundo espiritual. O uttama-adhikārī vê a
alma espiritual dentro do corpo material, à qual ele serve como espírito. Deste modo, o
aspecto material é automaticamente servido.

Śrī īśopaniṣad 7
yasmin sarvāṇi bhūtāny
ātmaivābhūd vijānataḥ
tatra ko mohaḥ kaḥ śoka
ekatvam anupaśyataḥ

Sinônimos
yasmin — na situação; sarvāṇi — todas; bhūtāni — as entidades vivas; ātmā — a cit-
kaṇa, ou centelha espiritual; eva — apenas; abhūt — existe como; vijānataḥ — de
alguém que conhece; tatra — nisso; kaḥ — o que; mohaḥ — ilusão; kaḥ — o
que; śokaḥ — ansiedade; ekatvam — igualdade na qualidade; anupaśyataḥ — de alguém
que vê através da autoridade, ou de alguém que vê constantemente dessa maneira.
Tradução
Quem sempre vê todas as entidades vivas como centelhas espirituais, iguais ao
Senhor em qualidade, torna-se o maior conhecedor das coisas. O que, então, pode
ser ilusão ou ansiedade para ele?

Comentário
À exceção do madhyama-adhikārī e uttama-adhikārī descritos acima, ninguém pode ver
corretamente a posição espiritual do ser vivo. As entidades vivas são qualitativamente
iguais ao Senhor Supremo, assim como as centelhas do fogo são qualitativamente iguais
ao fogo. Entretanto, quando se trata de quantidade, as centelhas não são fogo, pois a
quantidade de calor e luz presente nas centelhas não é a mesma que está presente no fogo.
O mahā-bhāgavata, o grande devoto, vê unidade no sentido de que vê tudo como energia
do Senhor Supremo. Como não há diferença entre a energia e o energético, existe o
sentido de unidade. Embora, do ponto de vista analítico, o calor e a luz sejam diferentes
do fogo, sem calor e luz a palavra “fogo” não tem sentido. Portanto, em síntese, calor, luz
e fogo são a mesma coisa.

Neste mantra, as palavras ekatvam anupaśyataḥ indicam que, tomando como referência
as escrituras reveladas, a pessoa deve ver a unidade de todas as entidades vivas. As
centelhas individuais do Todo Supremo (o Senhor) possuem quase oitenta por cento das
qualidades que se sabe que o Todo possui, mas, quantitativamente, não são iguais ao
Senhor Supremo. Essas qualidades estão presentes em quantidade diminuta, pois a
entidade viva não passa de uma diminuta parte integrante do Todo Supremo. Usando
outra analogia, a quantidade de sal presente numa gota de água nunca se compara à
quantidade de sal presente no oceano completo, apesar do sal presente na gota de água ter
a mesma composição química de todo o sal presente no oceano. Se o ser vivo individual
fosse igual ao Senhor Supremo, tanto qualitativa quanto quantitativamente, não haveria
possibilidade de ele se influenciar pela energia material. Nos mantrasanteriores, já se
comentou que nenhum ser vivo — nem mesmo os semideuses poderosos — podem
superar o Ser Supremo em aspecto algum. Portanto, a palavra ekatvam não significa que o
ser vivo seja igual ao Senhor Supremo sob todos os aspectos. No entanto, num sentido
mais amplo, ekatvam indica um interesse comum, assim como numa família o interesse
de todos os membros é o mesmo, ou numa nação o interesse nacional é o mesmo, embora
existam muitos cidadãos individuais diferentes. Como todas as entidades vivas são
membros da mesma família suprema, seu interesse e o do Ser Supremo não são
diferentes. Todo ser vivo é filho do Ser Supremo. Como se afirma no Bhagavad-
gītā (7.5), todas as criaturas vivas neste universo — inclusive os pássaros, os répteis, as
formigas, os seres aquáticos, as árvores e assim por diante — são emanações da potência
marginal do Senhor Supremo. Portanto, todas elas pertencem à família do Ser Supremo.
Não existe conflito de interesses.

As entidades espirituais são destinadas a obter prazer, como confirma o Vedānta-


sūtra (1.1.12): ānanda-mayo ’bhyāsāt. Por natureza e constituição, todo ser vivo —
incluindo o Senhor Supremo e cada uma de Suas partes integrantes — destina-se a obter
prazer eterno. Os seres vivos que estão aprisionados no tabernáculo material
constantemente buscam o desfrute, mas o estão buscando no lugar errado. Situada além
desta plataforma material está a plataforma espiritual, onde o Ser Supremo desfruta junto
de Seus inumeráveis associados. Nessa plataforma, não existe nenhum indício de
qualidades materiais, e, portanto, ela chama-se nirguṇa. Na plataforma nirguṇa, nunca se
entra em conflito pelo objeto de prazer. Aqui no mundo material, os diferentes seres vivos
estão sempre em desacordo porque lhes falta o verdadeiro centro de prazer, o Senhor
Supremo, que é o centro da sublime e espiritual dança da rāsa. Todos nós somos
destinados a nos unir a Ele e gozar a vida com o mesmo interesse transcendental e sem
nenhum conflito. Essa é a plataforma máxima de interesse espiritual e, tão logo a pessoa
perceba essa forma perfeita de unidade, fica fora de cogitação a ilusão (moha) ou a
lamentação (śoka).

A lamentação é o resultado de uma civilização ímpia, que surge da ilusão. Esse tipo de
civilização, fomentada pelos políticos modernos, vive sempre em ansiedade, pois pode
ser dizimada a qualquer momento. Esta é a lei da natureza. Como afirma a Bhagavad-
gītā (7.14), só podem ultrapassar as estritas leis da natureza aqueles que se rendem aos
pés de lótus do Senhor Supremo. Logo, se desejamos nos livrar de todas as espécies de
ilusão e ansiedade e unificar todos os diversos interesses, temos que inserir Deus em
todas as nossas atividades.

Devemos usar os resultados de nossas atividades para servir ao interesse do Senhor, e não
para algum outro propósito. Só quando servirmos ao interesse do Senhor, poderemos
compreender o interesse ātma-bhūta mencionado nesta passagem. O interesse ātma-
bhūta mencionado neste mantra e o interesse brahma-bhūta mencionado na Bhagavad-
gītā(18.54) são a mesmíssima coisa. A ātmā suprema, ou alma, é o próprio Senhor, e
a ātmā diminuta é a entidade viva. A ātmā suprema, Paramātmā, mantém sozinha todos
os seres individuais diminutos, pois o Senhor Supremo quer sentir prazer na afeição que
eles Lhe devotam. O pai se expande em seus filhos e os mantém para obter prazer. Se os
filhos obedecerem à vontade do pai, as relações familiares serão harmônicas, com um
interesse comum numa atmosfera agradável. A mesma situação vale na plataforma
transcendental na família do Parabrahman, o Espírito Supremo.

Tanto quanto as entidades individuais, o Parabrahman é uma pessoa. Nem o Senhor nem
as entidades vivas são impessoais. Essas personalidades transcendentais são plenas de
bem-aventurança e conhecimento transcendentais e vida eterna. Essa é a verdadeira
posição da existência espiritual, e, tão logo passe a conhecer na íntegra essa posição
transcendental, a pessoa imediatamente se rende aos pés de lótus do Ser Supremo, Śrī
Kṛṣṇa. Mas é raro encontrar semelhante mahātmā, ou grande alma, porque só depois de
muitos e muitos nascimentos é que se alcança essa percepção transcendental. Entretanto,
uma vez que tenhamos atingido essa compreensão, não haverá mais ilusão e lamentação
nem as misérias da existência material — o nascimento e a morte —, todas as quais são
experimentadas em nossa vida atual. É essa a informação que obtemos
deste mantra do Śrī Īśopaniṣad.
Śrī īśopaniṣad 8
sa paryagāc chukram akāyam avraṇam
asnāviraḿ śuddham apāpa-viddham
kavir manīṣī paribhūḥ svayambhūr
yāthātathyato ’rthān vyadadhāc chāśvatībhyaḥ samābhyaḥ

Sinônimos
saḥ — essa pessoa; paryagāt — deve conhecer de fato; śukram — onipotente; akāyam —
não corporificado; avraṇam — irrepreensível; asnāviram — sem veias; śuddham —
antisséptico; apāpa-viddham — profilático; kaviḥ — onisciente; manīṣī —
filósofo; paribhūḥ — maior de todos; svayambhūḥ — autossuficiente; yāthāta thyataḥ —
apenas em prosseguimento a; arthān — coisas desejáveis; vyadadhāt —
concede; śāśvatībhyaḥ — imemorial; samābhyaḥ — tempo.

Tradução
Essa pessoa deve realmente conhecer o maior de todos, que é não corporificado, é
onisciente, irrepreensível, sem veias, puro e não contaminado, o filósofo
autossuficiente que desde tempos imemoriais satisfaz o desejo de todos.

Comentário
Esta é uma descrição da forma transcendental e eterna da Absoluta Personalidade de
Deus. O Senhor Supremo não é desprovido de forma. Ele tem Sua própria forma
transcendental, que não se parece nem um pouco com as formas encontradas no mundo
material. Neste mundo, as entidades vivas assumem corpos de natureza material, que
funcionam como qualquer máquina material. A anatomia de um corpo material precisa de
uma constituição mecânica com veias e assim por diante, mas o corpo transcendental do
Senhor Supremo não possui nada parecido com veias. Aqui, afirma-se claramente que Ele
não é corporificado, o que significa que não há diferença entre Seu corpo e Sua alma. E,
diferentemente de nós, Ele não é forçado a aceitar um corpo imposto pelas leis da
natureza. Na vida materialmente condicionada, a alma é diferente da forma corpórea
grosseira e da mente sutil. Entretanto, ao Senhor Supremo nunca se aplica essa diferença
entre Ele e Seu corpo e Sua mente. Ele é o Todo Completo, e Sua mente, corpo e Ele
próprio são a mesma coisa.

Na Brahma-saṁhitā (5.1), o Senhor Supremo recebe uma descrição semelhante. Lá, Ele é
descrito como sac-cid-ānanda-vigraha, o que significa que Ele é a forma eterna que
representa eternamente a existência, o conhecimento e a bem-aventurança
transcendentais. Nesse caso, Ele não precisa de um corpo ou mente separados, como
precisamos na existência material. A literatura védica afirma com toda a clareza que o
corpo transcendental do Senhor é completamente diferente do nosso; logo, às vezes
descreve-se que Ele não tem forma. Isso significa que Sua forma não é como a nossa e
não podemos percebê-la. Continuando, a Brahma-saṁhitā (5.32) afirma que, com cada
parte de Seu corpo, Ele pode executar as funções próprias dos outros sentidos. Isso quer
dizer que o Senhor pode caminhar com as mãos, aceitar oferendas com as pernas, ver com
as mãos e os pés, comer com os olhos, etc. Nos śruti-mantras, também se afirma que,
embora não tenha mãos e pernas como as nossas, o Senhor tem um tipo diferente de mãos
e pernas, com as quais pode aceitar tudo o que Lhe oferecemos e correr mais rápido que
qualquer pessoa. Com o uso de palavras como śukram(onipotente), este
oitavo mantra confirma esses pontos.

A forma adorável do Senhor (arcā-vigraha), instalada no templo por ācāryas autorizados,


não é diferente da forma original do Senhor. Esses grandes mestres compreenderam o
Senhor em consonância com o mantra sete. Śrī Kṛṣṇa, a forma original do Senhor,
expande-Se num ilimitado número de formas, tais como Baladeva, Rāma, Nṛsiṁha e
Varāha. Todas essas formas são a mesmíssima Personalidade de Deus. De modo
semelhante, o Senhor também Se expande na arcā-vigraha adorada nos templos.
Adorando a arcā-vigraha, a pessoa pode imediatamente se aproximar do Senhor, que,
com Sua energia onipotente, aceita o serviço prestado pelo devoto. A arcā-vigraha do
Senhor vem a este mundo a pedido dos ācāryas, os preceptores santos, e, em virtude da
onipotência do Senhor, tem a mesma atuação originalmente empreendida pelo Senhor. Os
tolos que não conhecem o Śrī Īśopaniṣad ou algum outro śruti-mantra consideram que
a arcā-vigraha adorada por devotos puros é feita de elementos materiais. Essa forma
pode parecer material aos olhos imperfeitos dos kaniṣṭha-adhikārīs, ou pessoas tolas, mas
eles não sabem que o Senhor, sendo onipotente e onisciente, pode, de acordo com Seus
desejos, transformar matéria em espírito e espírito em matéria.

Na Bhagavad-gītā (9.11-12), o Senhor Se compadece da condição caída dos homens que,


tendo pouco conhecimento, zombam dEle porque Ele faz Seu advento neste mundo numa
forma humana. Essas pessoas pouco informadas desconhecem a onipotência do Senhor.
Logo, aos especuladores mentais o Senhor não Se manifesta por completo. A pessoa só
pode apreciá-lO num grau proporcional à sua rendição a Ele. As entidades vivas estão
numa condição caída só porque se esqueceram de sua relação com Deus.

Neste mantra, bem como em muito outros mantras védicos, afirma-se claramente que,
desde tempos imemoriais, o Senhor fornece às entidades vivas diferentes classes de
artigos. O ser vivo deseja algo e, proporcionalmente à qualificação da pessoa, o Senhor
fornece o objeto desse desejo. O homem que quer ser juiz do Supremo Tribunal não
precisa apenas adquirir as qualificações necessárias, mas também o consentimento da
autoridade que possa lhe conceder o título de juiz do Supremo Tribunal. As qualificações
em si não são suficientes para que ele ocupe o posto: é preciso que isso seja concedido
por alguma autoridade superior. Do mesmo modo, proporcionalmente às suas
qualificações, o Senhor recompensa as entidades vivas deixando que elas sintam
determinado prazer, mas, em si, as boas qualificações não são suficientes para capacitar
alguém a receber recompensas. Também é necessária a misericórdia do Senhor.
De um modo geral, o ser vivo não sabe o que pedir ao Senhor, nem a posição que deve
assumir. Entretanto, ao passar a conhecer sua posição constitucional, o ser vivo pede que
seja aceito na associação transcendental do Senhor para lhe prestar transcendental serviço
amoroso. Infelizmente, os seres vivos, sob a influência da natureza material, fazem
muitos outros tipos de pedido, e a Bhagavad-gītā (2.41) descreve que essa conduta condiz
com alguém cuja inteligência é reduzida e dispersa. A inteligência espiritual é única, mas
a inteligência mundana é diversificada. O Śrīmad-Bhāgavatam(7.5.30-31) afirma que
aqueles que se deixam cativar pelas belezas temporárias da energia externa se esquecem
do verdadeiro objetivo da vida, que consiste em voltar ao Supremo. Esquecendo-se disso,
a pessoa recorre a vários planos e programas para que tudo dê certo, mas isso é o mesmo
que mastigar o que já foi mastigado. Entretanto, o Senhor é tão bondoso que permite que
a entidade viva que está sofrendo desse esquecimento não tenha nenhuma interferência
em continuar em seu processo. Assim, este mantra do Śrī Īśopaniṣad usa a
palavra yāthātathyataḥ, que serve para indicar que o Senhor recompensa as entidades
vivas exatamente de acordo com o que elas desejam. Se o ser vivo quer ir para o inferno,
o Senhor lhe concede o desejo, e não interfere em Sua atitude. Se alguém quer voltar ao
lar, voltar ao Supremo, o Senhor o ajuda.

Aqui, Deus é descrito como paribhūḥ, o maior de todos. Ninguém é superior ou igual a
Ele. Outros seres vivos são aqueles tidos como mendigos que pedem que o Senhor lhes dê
tudo o que eles necessitam. O Senhor supre o que é desejado pelas entidades vivas. Se as
entidades vivas tivessem a mesma potência do Senhor — se fossem onipotentes e
oniscientes —, ficaria fora de cogitação elas pedirem algo ao Senhor, mesmo que fosse a
suposta liberação. Verdadeira liberação significa voltar ao Supremo. A liberação
conseguida pelos impersonalistas é um mito, e, por isso, enquanto não se munir de
sentidos espirituais e perceber sua posição constitucional, a pessoa sempre continuará
buscando o gozo dos sentidos.

Apenas o Senhor Supremo é autossuficiente. Ao aparecer na terra há cinco mil anos, o


Senhor Kṛṣṇa, através de Suas várias atividades, apresentou Suas manifestações plenas
como a Personalidade de Deus. Em Sua infância, Ele matou muitos demônios poderosos,
tais como Aghāsura, Bakāsura e Śakaṭāsura, e não foi preciso que Ele adquirisse esse
poder através de algum empenho extra. Ele ergueu a colina Govardhana sem jamais
praticar halterofilismo; dançou com as gopīs sem Se restringir a alguma convenção social
ou sujeitar-Se a alguma censura. Embora as gopīs se aproximassem dEle demonstrando
sintomas de amor extraconjugal, o relacionamento entre as gopīs e o Senhor Kṛṣṇa é
adorado até mesmo pelo Senhor Caitanya, que era um sannyāsī estrito e um rígido
seguidor das regulações disciplinares. Para confirmar que o Senhor é sempre puro e não
contaminado, o Śrī Īśopaniṣad descreve-O como śuddham (antisséptico) e apāpa-
viddham (profilático). Ele é antisséptico no sentido de que até mesmo uma substância
impura pode purificar-se pelo simples fato de entrar em contato com Ele. A palavra
“profilático” refere-se ao poder da associação com Ele. Como menciona a Bhagavad-
gītā (9.30-31), um devoto talvez pareça su-durācāra, mal comportado no começo, mas é
considerado puro, pois está no caminho correto. Isso se deve à natureza profilática da
associação com o Senhor. O Senhor também é apāpa-viddham porque o pecado não pode
tocá-lO. Mesmo que atue de uma maneira aparentemente pecaminosa, Suas ações são
inteiramente puras, pois não há nenhuma possibilidade de que Ele seja afetado pelo
pecado. Porque em todas as circunstâncias é śuddham, puríssimo, Ele é frequentemente
comparado ao sol. O sol retira a umidade de muitos lugares impuros da Terra; no entanto,
permanece puro. De fato, graças a seus poderes esterilizantes, ele purifica coisas
repulsivas. Se o sol, que é um objeto material, é tão poderoso, então mal podemos
imaginar a força purificatória do Senhor Todo-Poderoso.

Śrī īśopaniṣad 9
andhaṁ tamaḥ praviśanti
ye ’vidyām upāsate
tato bhūya iva te tamo
ya u vidyāyāḿ ratāḥ

Sinônimos
andham — ignorância grosseira; tamaḥ — escuridão; praviśanti — entram em; ye —
aqueles que; avidyām — ignorância; upāsate — adoram; tataḥ — do que isso; bhūyaḥ —
mais ainda; iva — como; te — eles; tamaḥ — escuridão; ye — aqueles que; u —
também; vidyāyām — no cultivo de conhecimento; ratāḥ — ocupados.

Tradução
Aqueles que se ocupam no cultivo de atividades ignorantes entrarão na mais escura
região da ignorância. Piores ainda são aqueles que se ocupam no cultivo do
pseudoconhecimento.

Comentário
Este mantra oferece um estudo comparativo sobre vidyā (conhecimento)
e avidyā (ignorância). A ignorância é indubitavelmente perigosa; porém, ao ser deturpado
ou aplicado erroneamente, o conhecimento é mais perigoso ainda. Este mantra do Śrī
Īśopaniṣad tem mais aplicação hoje do que em qualquer época passada. A civilização
moderna empreendeu um considerável avanço no campo da educação em massa, mas o
resultado é que as pessoas estão mais infelizes que nunca porque se dá muita ênfase ao
avanço material em detrimento do aspecto mais importante da vida — o lado espiritual.

Em relação ao conhecimento, o primeiro mantra explica muito claramente que o Senhor


Supremo é o proprietário de tudo e que se esquecer desse fato é ignorância. Quanto mais
se esquece desse fato da vida, mais o homem mergulha na escuridão. Em vista disso, uma
civilização ímpia, voltada para o falso avanço educacional, é mais perigosa que uma
civilização em que as massas de pessoas são menos “instruídas”.
Das diferentes classes de homens — karmīs, jñānīs e yogīs —, os karmīs são aqueles que
estão ocupados em atividades de gozo dos sentidos. Na civilização moderna, 99,9 por
cento das pessoas estão ocupadas nas atividades de gozo dos sentidos sob os rótulos de
industrialismo, desenvolvimento econômico, altruísmo, ativismo político e assim por
diante. Todas essas atividades baseiam-se mais ou menos no gozo dos sentidos, deixando
de lado a espécie de consciência de Deus descrita no primeiro mantra.

Na linguagem da Bhagavad-gītā (7.15), aqueles que se ocupam de uma maneira grosseira


no gozo dos sentidos são mūḍhas, asnos. O asno é um símbolo de estupidez. De acordo
com o Śrī Īśopaniṣad, quem se ocupa na simples busca infrutífera de gozo dos sentidos
está adorando avidyā, ou ignorância. E aqueles que, em nome do avanço educacional,
agem com o propósito de ajudar essa espécie de civilização, na verdade são mais
prejudiciais que aqueles que estão na plataforma grosseira do gozo dos sentidos. O
avanço de aprendizado empreendido por um povo ateu é tão perigoso como uma joia
preciosa na cabeça de uma serpente naja. Uma serpente naja decorada com uma pedra
preciosa é mais perigosa do que outra que não tenha esse enfeite. No Hari-bhakti-
sudhodaya (3.11.12), o avanço educacional de um povo ateu é comparado aos adornos
colocados em um corpo morto. Na Índia, como em muitos outros países, é costume que
algumas pessoas liderem uma procissão, carregando um corpo morto adornado para o
prazer dos parentes comovidos. No mesmo sentido, a civilização moderna é uma
miscelânea de atividades feitas para esconder as misérias perpétuas da existência
material. Todas essas atividades visam ao gozo dos sentidos. Porém, acima dos sentidos,
está a mente, e, acima da mente, está a inteligência, e, acima da inteligência, está a alma.
Logo, o objetivo da verdadeira educação deve ser a autorrealização — compreender os
valores espirituais da alma. Toda educação que não conduza a essa compreensão deve ser
considerada avidyā, ou ignorância. E cultivar essa ignorância significa descer à mais
escura região da ignorância.

De acordo com a Bhagavad-gītā (2.42, 7.15), os falsos educadores mundanos são


conhecidos como veda-vāda-rata e māyayāpahṛta-jñāna. Também podem ser demônios
ateístas, os mais baixos da humanidade. Os veda-vāda-ratas se fazem passar por grandes
conhecedores da literatura védica, mas, infelizmente, desviam-se por completo do
propósito dos Vedas. Está dito na Bhagavad-gītā (15.15) que o propósito dos Vedas é
conhecer a Personalidade de Deus, mas estes homens veda-vāda-ratas não estão nem um
pouco interessados na Personalidade de Deus. Pelo contrário, estão fascinados por
resultados fruitivos, como, por exemplo, alcançar o céu.

Como está declarado no mantra um, devemos saber que a Personalidade de Deus é o
proprietário de tudo, e que devemos nos contentar com o quinhão que nos foi reservado
para satisfazer as necessidades da vida. Toda a literatura védica tem como propósito
despertar essa consciência de Deus no ser vivo que se esqueceu dEle, e, para que a
humanidade tola desenvolva compreensão, as diferentes escrituras do mundo apresentam
de diferente maneiras esse mesmo propósito. Logo, o propósito último de todas as
religiões é levar a pessoa de volta ao Supremo.
Mas os veda-vāda-ratas, ao invés de compreenderem que o propósito dos Vedas é reviver
na alma sua relação com a Suprema Personalidade de Deus, preferem aceitar que o
interesse secundário é o objetivo último dos Vedas. Entende-se por interesse secundário
tudo o que possa fornecer o gozo dos sentidos, tal como a obtenção de prazeres celestiais.
Entregar-se a esses prazeres é a própria causa do cativeiro material.

Semelhantes pessoas enganam os outros deturpando a literatura védica, chegando


inclusive a condenar os Purāṇas, que fornecem aos leigos autênticas explicações védicas.
Os veda-vāda-ratas dão suas próprias explicações sobre os Vedas, negligenciando a
autoridade de grandes mestres (ācāryas). Também tentam mitificar em sua própria classe
de gente alguma pessoa inescrupulosa ostentando-a como o expoente máximo do
conhecimento védico. Neste mantra, as apropriadíssimas palavras sânscritas vidyāyāṁ
ratāḥ condenam especificamente semelhantes veda-vāda-ratas. Vidyāyāmrefere-se ao
estudo dos Vedas porque os Vedas são a origem de todo o conhecimento (vidyā),
e ratāḥ significa “aqueles que estão ocupados”. Logo, vidyāyāṁ ratāḥ quer dizer “aqueles
que estão ocupados no estudo dos Vedas”. Nesta passagem, condenam-se os supostos
estudantes dos Vedas porque, devido à sua desobediência aos ācāryas, ignoram o
verdadeiro propósito dos Vedas. Semelhantes veda-vāda-ratas procuram interpretar cada
palavra dos Vedas de modo a satisfazer seus próprios objetivos. Eles não sabem que a
literatura védica é uma coleção de livros extraordinários que só podem ser entendidos
através da corrente de sucessão discipular.

O Muṇḍaka Upaniṣad (1.2.12) determina que, para compreender a mensagem


transcendental dos Vedas, é preciso aproximar-se de um mestre espiritual genuíno.
Entretanto, esses veda-vāda-ratas têm seus próprios ācāryas, que não estão na corrente
de sucessão transcendental. Assim, eles avançam em direção à mais escura região da
ignorância, pois deturpam a literatura védica. Sua queda na ignorância é maior do que a
daqueles que não têm nenhum conhecimento acerca dos Vedas.

Os homens da classe māyayāpahṛta-jñāna são “deuses” autofabricados. Semelhantes


indivíduos pensam que eles mesmos são o próprio Deus e que não há nenhuma
necessidade de adorar outro Deus. Concordarão em prestar adoração a um homem
comum, contanto que ele seja rico. Porém, jamais adorarão a Personalidade de Deus.
Incapazes de reconhecer sua própria tolice, semelhantes homens não param para pensar
como seria possível Deus cair na armadilha de māyā, que é Sua própria energia ilusória.
Se Deus algum dia caísse na armadilha de māyā, māyā seria mais poderosa do que Deus.
Eles dizem que Deus é todo-poderoso, mas não analisam o fato de que, sendo Deus todo-
poderoso, não há nenhuma possibilidade de que Ele fique dominado por māyā. Esses
“Deuses” autofabricados não podem dar a essas perguntas uma resposta clara; estão
simplesmente satisfeitos em terem se tornado “Deus”.
Śrī īśopaniṣad 10
anyad evāhur vidyayā-
nyad āhur avidyayā
iti śuśruma dhīrāṇāṁ
ye nas tad vicacakṣire

Sinônimos
anyat — diferente; eva — decerto; āhuḥ — disseram; vidyayā — pelo cultivo do
conhecimento; anyat — diferente; āhuḥ — disseram; avidyayā — pelo cultivo da
ignorância; iti — assim; śuśruma — eu ouvi; dhīrāṇām — dos sábios; ye — que; naḥ—
nós; tat — isto; vicacakṣire — explicaram.

Tradução
Os sábios explicaram que se recebe um resultado a partir do cultivo de
conhecimento e que se obtém um resultado diferente a partir do cultivo de
ignorância.

Comentário
Como aconselha o décimo terceiro capítulo da Bhagavad-gītā (13.8-12), deve-se cultivar
conhecimento da seguinte maneira:

(1) Tornando-se um perfeito cavalheiro e aprendendo a oferecer aos outros o devido


respeito.

(2) Evitando exibir religiosidade apenas em troca de nome e fama.

(3) Não causando ansiedade aos outros pelas ações de seu corpo, pelos pensamentos de
sua mente ou por suas palavras.

(4) Aprendendo a ser tolerante, mesmo quando alguém o provoca.

(5) Evitando a duplicidade em seu relacionamento com os outros.

(6) Procurando um mestre espiritual genuíno que possa aos poucos conduzi-lo à fase de
compreensão espiritual, submetendo-se a ele, prestando-lhe serviço e fazendo-lhe
perguntas relevantes.

(7) Seguindo os princípios reguladores prescritos nas escrituras reveladas para alcançar a
plataforma de autorrealização.
(8) Fixando-se nas doutrinas das escrituras reveladas.

(9) Abstendo-se por completo das práticas que são prejudiciais ao interesse da
autorrealização.

(10) Aceitando apenas o necessário para a manutenção de seu corpo.

(11) Não se identificando com o corpo material grosseiro, nem considerando que aqueles
que têm relação com seu corpo são propriedade sua.

(12) Lembrando-se sempre de que, enquanto tiver um corpo material, terá de enfrentar as
misérias manifestadas sob a forma de repetidos nascimentos, velhice, doenças e mortes.
Não adianta fazer planos para livrar-se das misérias inerentes ao corpo material. A melhor
linha de ação é descobrir o processo pelo qual se pode recuperar a identidade espiritual.

(13) Aceitando apenas as mínimas necessidades da vida que facilitem o avanço espiritual.

(14) Evitando o apego ao cônjuge, filhos e lar mais do que as escrituras reveladas
ordenam.

(15) Evitando a felicidade ou aflição resultantes de situações desejáveis ou indesejáveis,


sabendo que esses sentimentos são simples criações da mente.

(16) Tornando-se um devoto imaculado da Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, e


absorvendo-se em como servi-lO com toda a atenção.

(17) Interessando-se em morar num lugar afastado, onde prevalece uma atmosfera calma
e quieta, favorável ao cultivo espiritual, e evitando lugares congestionados, onde os não-
devotos se reúnem.

(18) Tornando-se um cientista ou filósofo e pesquisando sobre o conhecimento espiritual,


reconhecendo que o conhecimento espiritual é permanente ao passo que o conhecimento
material acaba quando o corpo morre.

Esses dezoito itens combinados formam um processo gradual através do qual se pode
desenvolver o conhecimento verdadeiro. Considera-se que quaisquer outros métodos
estão na categoria da ignorância. Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura, um grande ācārya,
afirmava que todas as formas de conhecimento material são meros aspectos externos da
energia ilusória e que aqueles que os cultivam ficam no mesmo nível que um asno.
Encontramos esse mesmo princípio no Śrī Īśopaniṣad. O avanço do conhecimento
material está convertendo em asno o homem moderno. Alguns políticos materialistas,
disfarçados de espiritualistas, taxam de satânico o atual sistema de civilização, mas,
infelizmente, não se importam com o cultivo do conhecimento verdadeiro que está
descrito na Bhagavad-gītā. Por isso, não podem mudar a situação satânica.
Na sociedade moderna, até um menino se considera autossuficiente, e não tem respeito
algum pelos mais velhos. Devido ao tipo incorreto de educação transmitido em nossas
universidades, os jovens do mundo inteiro têm causado muita dor de cabeça às pessoas
mais velhas. Por isso, o Śrī Īśopaniṣad adverte veementemente que o cultivo da
ignorância é diferente do cultivo do conhecimento. As universidades são meros centros de
ignorância; por conseguinte, os cientistas estão empenhados na descoberta de armas letais
para acabar com a existência de outros países.

Hoje em dia, os estudantes universitários não recebem instruções sobre os princípios


reguladores que fazem parte de brahmacarya (vida de estudante celibatário), tampouco
têm eles alguma fé em quaisquer preceitos das escrituras. Os princípios religiosos são
ensinados visando unicamente nome e fama, e não há nenhum interesse de serem postos
em prática. Portanto, há animosidade não apenas nos campos social e político, mas
também no campo da religião.

Devido ao cultivo da ignorância pelas pessoas em geral, o nacionalismo desenvolve-se


em diferentes partes do mundo. Ninguém leva em consideração que esta Terra pequenina
é apenas um pedaço de matéria que, no espaço incomensurável, flutua juntamente com
muitos outros pedaços. Em comparação com a vastidão do espaço, estes pedaços de
matéria são como partículas de poeira no ar. Como Deus bondosamente criou esses
pedaços de matéria completos em si mesmos, eles estão perfeitamente equipados com
tudo aquilo que é necessário para que flutuem no espaço. Os condutores de nossas naves
espaciais talvez sintam muito orgulho de suas conquistas, mas não levam em conta o
condutor supremo dessas gigantescas espaçonaves chamadas planetas.

Existem inumeráveis sóis bem como inumeráveis sistemas planetários. Como partes
integrantes infinitesimais do Senhor Supremo, nós, pequeninas criaturas, tentamos
dominar esses planetas ilimitados. Como consequência, submetemo-nos a repetidos
nascimentos e mortes, e a velhice e a doença acabam frustrando nossos planos. O tempo
de vida do ser humano, que é de aproximadamente cem anos, está aos poucos diminuindo
para vinte ou trinta anos. Graças ao cultivo da ignorância, os homens iludidos criaram
neste planeta suas próprias nações para que, durante esses poucos anos, obtivessem mais
intensamente o gozo dos sentidos. Esses tolos elaboram vários planos para traçarem com
perfeição os limites territoriais, uma tarefa que é inteiramente impossível. Entretanto,
buscando satisfazer esse propósito, cada nação se tornou uma fonte de ansiedade para as
outras. Uma nação desperdiça mais de cinquenta por cento de sua energia empregando-a
em medidas de defesa. As pessoas não se importam com o cultivo de conhecimento,
apesar de se orgulharem falsamente pensando que são avançadas em conhecimento
material e espiritual.

O Śrī Īśopaniṣad nos adverte dessa espécie de educação imperfeita, e a Bhagavad-


gītā nos instrui acerca de como desenvolver verdadeiro conhecimento.
Este mantra afirma que, para obter instruções sobre vidyā (conhecimento), é preciso
recorrer a um dhīra. Um dhīra é aquele que não se deixa perturbar pela ilusão material.
Só não fica perturbado quem tem perfeita percepção espiritual, pois semelhante pessoa
não tem ansiedade e não lamenta por nada. O dhīracompreende que o corpo e a mente
materiais que ele acabou adquirindo através da associação material não passam de
elementos alheios a ele, em virtude do que ele simplesmente tenta fazer o melhor uso de
um mau negócio.

Para a entidade viva espiritual, o corpo e a mente materiais são um mau negócio. No
mundo espiritual, a entidade viva executa suas verdadeiras atividades, mas este mundo
material é morto. Enquanto as centelhas espirituais vivas estiverem manipulando os
pedaços de matéria morta, o mundo morto parecerá um mundo vivo. Na verdade, são as
almas vivas, as partes integrantes do ser vivo supremo, que põem o mundo em
movimento. Os dhīras passaram a conhecer todos estes fatos depois de ouvirem as
autoridades superiores e comprovaram este conhecimento por seguirem os princípios
reguladores.

Para seguir os princípios reguladores, é preciso refugiar-se no mestre espiritual genuíno.


O mestre espiritual transmite ao discípulo a mensagem transcendental e os princípios
reguladores. Semelhante conhecimento não segue o caminho obscuro criado pela
educação ignorante. Só pode tornar-se dhīra quem ouve com submissão o mestre
espiritual genuíno. Arjuna, por exemplo, tornou-se dhīra ouvindo com submissão o
Senhor Kṛṣṇa, a própria Personalidade de Deus. Portanto, o discípulo perfeito deve ser
como Arjuna, e o mestre espiritual deve estar no mesmo nível que o próprio Senhor. Este
é o processo para receber e compreender vidyā (conhecimento) de um dhīra (o indivíduo
imperturbável).

O adhīra (alguém que não recebeu treinamento para tornar-se dhīra) não pode ser um
líder instrutivo. Os políticos modernos, que se fazem passar por dhīras, na verdade
são adhīras; por isso, ninguém pode esperar que tenham conhecimento perfeito. Estão
apenas pensando no dinheiro que poderão ganhar. Nesse caso, como poderão dirigir o
povo no caminho da perfeita autorrealização? Portanto, para conseguir verdadeira
educação, deve-se ouvir submissamente o dhīra.
Śrī īśopaniṣad 11
vidyāṁ cāvidyāṁ ca yas
tad vedobhayaḿ saha
avidyayā mṛtyuṁ tīrtvā
vidyayāmṛtam aśnute

Sinônimos
vvidyām — verdadeiro conhecimento; ca — e; avidyām — ignorância; ca — e; yaḥ — a
pessoa que; tat — isso; veda — sabe; ubhayam — ambos; saha —
simultaneamente; avidyayā — pelo cultivo da ignorância; mṛtyum — mortes
repetidas; tīrtvā — transcendendo; vidyayā — pelo cultivo do conhecimento; amṛtam —
imortalidade; aśnute — goza.

Tradução
Só aquele que pode aprender simultaneamente os processos da ignorância e do
conhecimento transcendental pode transcender a influência de repetidos
nascimentos e mortes e usufruir a bênção completa da imortalidade.

Comentário
O homem tenta, desde a criação do mundo material, conseguir uma vida permanente, mas
a lei da natureza é tão cruel que ninguém consegue escapar das garras da morte. Ninguém
quer morrer, tampouco alguém deseja envelhecer ou adoecer. Entretanto, a lei da natureza
não deixa ninguém imune à velhice, doença ou morte. Tampouco o avanço do
conhecimento material conseguiu solucionar esses problemas. A ciência material pode
descobrir uma bomba nuclear que acelera o processo da morte, mas não pode descobrir
nada que proteja o homem das garras cruéis da doença, da velhice e da morte.

Os Purāṇas narram as atividades de Hiraṇyakaśipu, um grande rei que obteve muito


avanço material. Com suas conquistas materiais e com a força de sua ignorância, ele
queria sobrepujar a morte cruel e, portanto, submeteu-se a uma meditação tão rigorosa
que os habitantes de todos os sistemas planetários perturbaram-se com seus poderes
sobrenaturais. Ele forçou o criador do universo, o semideus Brahmā, a vir ter com ele,
quando então lhe pediu que o deixasse tornar-se amara, uma bênção que, quando
recebida, faz com que a pessoa nunca mais morra. Brahmā disse que não lhe poderia
conceder essa bênção porque mesmo ele, o criador material que governa todos os
planetas, não é amara. Como confirma a Bhagavad-gītā (8.17), Brahmā tem uma vida
muito longa, mas isso não quer dizer que ele seja imortal.

Hiraṇya significa “ouro”, e kaśipu significa “cama macia”. Esse astuto cavalheiro
Hiraṇyakaśipu estava interessado nestas duas coisas — dinheiro e mulheres —, e queria
desfrutar delas tornando-se imortal. Ele pediu a Brahmā muitas bênçãos, na esperança de
indiretamente satisfazer seu desejo de tornar-se imortal. Como Brahmā lhe disse que não
lhe poderia conceder o dom da imortalidade, Hiraṇyakaśipu pediu para não ser morto por
nenhum homem, animal, deus ou qualquer outro ser vivo incluído nas oito milhões e
quatrocentas mil espécies de vida. Também pediu para não ser morto na terra, no ar, na
água, nem por nenhuma arma. Dessa maneira, Hiraṇyakaśipu ficou pensando que essas
garantias o salvariam da morte. Entretanto, embora Brahmā lhe tenha concedido todas
essas bênçãos, ele acabou sendo morto por Nṛsiṁha, que é a encarnação de Deus na
forma metade leão e metade homem. Para matá-lo, não foi usada nenhuma arma, pois foi
morto pelas unhas do Senhor. Tampouco morreu na terra, no ar ou na água, pois foi morto
no colo desse maravilhoso ser vivo, Nṛsiṁha, que estava além de sua concepção.

O ponto em questão aqui é que, se nem mesmo Hiraṇyakaśipu, o mais poderoso dos
materialistas, pôde tornar-se imortal através de seus vários planos, o que, então, poderão
lograr os pequeninos Hiraṇyakaśipus de hoje em dia, cujos planos são frustrados a cada
momento?

O Śrī Īśopaniṣad aconselha que não façamos esforços isolados para vencer a luta pela
existência. Todos lutam arduamente pela existência, mas as leis da natureza são tão
rígidas e rigorosas que não deixam ninguém superá-las. Para alcançar a vida permanente,
é preciso preparar-se para voltar ao Supremo.

The process by which one goes back to Godhead is a different branch of knowledge, and
it has to be learned from revealed Vedic scriptures such as the O processo para voltar ao
Supremo é um ramo de conhecimento diferente, e é preciso aprendê-lo nas escrituras
védicas reveladas, tais como os Upaniṣads, Vedānta-sūtra, Bhagavad-gītā e Śrīmad-
Bhāgavatam. Para tornar-se feliz nesta vida e alcançar uma vida permanente e bem-
aventurada após deixar este corpo material, a pessoa deve estudar essa literatura sagrada e
obter conhecimento transcendente. O ser vivo condicionado se esqueceu de seu
relacionamento eterno com Deus e vem erroneamente aceitando que o lugar temporário
onde nasceu é tudo o que existe. Muito bondosamente, o Senhor transmitiu essas
escrituras na Índia e outras escrituras em outros países para que o ser humano que vive no
esquecimento se lembre que seu lar não é aqui neste mundo material. Sendo uma entidade
espiritual, o ser vivo só poderá ser feliz quando retornar a seu lar espiritual.

De Seu reino, a Personalidade de Deus envia Seus servos genuínos para divulgar essa
mensagem que habilita a pessoa a voltar ao Supremo, e às vezes o próprio Senhor vem
executar essa tarefa. Como todos os seres vivos são Seus amados filhos, Suas partes
integrantes, Deus, mais do que nós, fica compadecido ao ver o sofrimento a que
constantemente submetemo-nos nesta condição material. As misérias deste mundo
material servem indiretamente para nos ajudar a nos lembrar de nossa incompatibilidade
com a matéria morta. Em geral, as entidades vivas inteligentes se dão conta desses avisos
e se ocupam no cultivo de vidyā, ou conhecimento transcendental. A vida humana é uma
oportunidade para o cultivo do conhecimento espiritual, e o ser humano que não aproveita
essa oportunidade é chamado de narādhama, o mais baixo da humanidade.
O caminho de avidyā, ou o progresso em conhecimento material visando o gozo dos
sentidos, é o caminho em que predominam repetidos nascimentos e mortes. Como tem
existência espiritual, a entidade viva não nasce nem morre. Nascimento e morte aplicam-
se à cobertura externa da alma espiritual, o corpo. A morte é comparada ao ato de tirar as
roupas; nascimento é o ato de vesti-las. Os seres humanos tolos, estando absortos no
cultivo de avidyā, ignorância, não se importam com esse processo cruel. Encantados com
a beleza da energia ilusória, submetem-se às mesmas misérias repetidas vezes e não
aprendem nenhuma lição com as leis da natureza.

Portanto, o cultivo de vidyā, o conhecimento transcendental, é essencial para o ser


humano. Na condição material enferma, o gozo dos sentidos deve ter a máxima restrição
possível. Nesta condição corpórea, o gozo sensorial irrestrito é o caminho da ignorância e
da morte. O ser vivo não é desprovido de sentidos espirituais; em sua forma espiritual
original, cada ser é dotado de todos os sentidos, que agora estão manifestados
materialmente, cobertos pelo corpo e pela mente materiais. As atividades dos sentidos
materiais são reflexos pervertidos das atividades dos sentidos espirituais originais. Em
sua condição doentia, a alma espiritual ocupa-se em atividades materiais impostas pela
cobertura material. O verdadeiro gozo dos sentidos só é possível quando se remove a
doença do materialismo. Ele só é possível em nossa forma espiritual pura, livre de toda a
contaminação material. Para que volte a desfrutar de verdadeiro prazer sensorial, o
paciente deve recuperar sua saúde. Logo, o objetivo da vida humana não deve ser o gozo
pervertido dos sentidos, mas, sim, a cura da doença material. O agravamento da doença
material não é sinal de conhecimento, mas indício de avidyā, ignorância. Para gozar de
saúde, uma pessoa que está com febre de quarenta graus não deve aumentá-la para
quarenta e um graus, mas deve reduzi-la para o normal, que é trinta e sete graus. Esse
deve ser o objetivo da vida humana. A tendência atual da civilização material é aumentar
a temperatura de sua condição febril, que, sob a forma da energia atômica, atingiu
quarenta e um graus. Enquanto isso, os políticos tolos exclamam que, a qualquer
momento, o mundo pode ir para o inferno. É esse o resultado do avanço do conhecimento
material e da negligência da parte mais importante da vida, o cultivo do conhecimento
espiritual. Neste ponto, o Śrī Īśopaniṣad adverte que não devemos seguir esse caminho
perigoso que conduz à morte. Pelo contrário, temos que desenvolver o cultivo de
conhecimento espiritual para que nos livremos por completo das garras cruéis da morte.

Isso não significa que todas as atividades que servem para ajudar na manutenção do corpo
devam ser interrompidas. Está fora de cogitação parar de agir, assim como está fora de
cogitação eliminar completamente a temperatura corporal quando se tenta se recuperar de
uma doença. “Tirar o melhor proveito de um mau negócio” é a expressão adequada. Para
o cultivo do conhecimento espiritual, é necessária a ajuda do corpo e da mente; por isso,
se quisermos alcançar nosso objetivo, se faz necessária a manutenção do corpo e da
mente. O normal é que a temperatura fique nos trinta e sete graus, e os grandes sábios e
santos da Índia tentaram mantê-la nesse nível, seguindo uma programação equilibrada
entre os conhecimentos material e espiritual. Eles não permitem o desperdício da
inteligência humana com o gozo doentio dos sentidos.
Sob os princípios da salvação, os Vedas regulam as atividades humanas contaminadas
pela tendência ao gozo dos sentidos. Esse sistema emprega religião, desenvolvimento
econômico, gozo dos sentidos e salvação. Porém, no momento atual, as pessoas não estão
interessadas em religião ou salvação. Elas têm um único objetivo na vida — gozo dos
sentidos — e, para alcançar essa meta, fazem planos de desenvolvimento econômico. Os
homens desorientados pensam que se deve conservar a religião porque ela contribui para
o desenvolvimento econômico, necessário para o gozo dos sentidos. Assim, para garantir
que, após a morte, continue havendo gozo dos sentidos nos céus, observam-se certas
práticas religiosas. Mas não é esse o propósito da religião. Na verdade, o caminho da
religião serve para se alcançar a autorrealização, e o desenvolvimento econômico é
necessário apenas para manter o corpo numa condição saudável. O homem deve levar
uma vida saudável e ter uma mente sã para que possa compreender vidyā, verdadeiro
conhecimento, porque é esse o verdadeiro objetivo da vida humana. Esta vida não foi
feita para se trabalhar como um asno ou cultivar avidyā, que promove o gozo dos
sentidos.

O caminho de vidyā é muito bem apresentado no Śrīmad-Bhāgavatam, o qual orienta o


ser humano a utilizar sua vida em indagar acerca da Verdade Absoluta. A Verdade
Absoluta é compreendida aos poucos. Primeiro como Brahman, depois Paramātmā e, por
fim, Bhagavān, a Personalidade de Deus. Compreende a Verdade Absoluta o homem
magnânimo que alcançou conhecimento e desapego, seguindo os dezoito princípios
da Bhagavad-gītā descritos no significado do mantradez. O objetivo maior desses dezoito
princípios é alcançar o transcendental serviço devocional à Personalidade de Deus.
Portanto, recomenda-se que todos os tipos de pessoas aprendam a arte do serviço
devocional ao Senhor.

Em seu Bhakti-rasāmṛta-sindhu, que apresentamos traduzido como O Néctar da


Devoção, Śrīla Rūpa Gosvāmī descreve o caminho que com toda a certeza conduz ao
objetivo de vidyā. Além disso, o Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.14) resume o cultivo
de vidyā com as seguintes palavras:

tasmād ekena manasā


bhagavān sātvatāṁ patiḥ
śrotavyaḥ kīrtitavyaś ca
dhyeyaḥ pūjyaś ca nityadā

“Portanto, com grande atenção, a pessoa deve constantemente glorificar, lembrar e adorar
a Personalidade de Deus, e ouvir sobre Ele, pois Ele é o protetor dos devotos”.

A não ser que a religião, o desenvolvimento econômico e o gozo dos sentidos tenham
como objetivo obter o serviço devocional ao Senhor, eles não deixam de ser formas
diferentes de ignorância, como o Śrī Īśopaniṣad indica nos mantrasseguintes.
Śrī īśopaniṣad 12
andhaṁ tamaḥ praviśanti
ye ’sambhūtim upāsate
tato bhūya iva te tamo
ya u sambhūtyāḿ ratāḥ

Sinônimos
andham — ignorância; tamaḥ — escuridão; praviśanti — entram em; ye — aqueles
que; asambhūtim — semideuses; upāsate — adoram; tataḥ — do que isto; bhūyaḥ —
ainda mais; iva — dessa maneira; te — aqueles; tamaḥ — escuridão; ye— que; u —
também; sambhūtyām — no Absoluto; ratāḥ — ocupados.

Tradução
Aqueles que se ocupam na adoração aos semideuses entram na mais escura região
da ignorância, e pior ainda é o destino reservado àqueles que adoram o Absoluto
impessoal.

Comentário
A palavra sânscrita asambhūti refere-se àqueles que não têm existência
independente. Sambhūti é Deus, a Pessoa Suprema e Absoluta, que é completamente
independente de tudo. Na Bhagavad-gītā (10.2), Śrī Kṛṣṇa afirma:

na me viduḥ sura-gaṇāḥ
prabhavaṁ na maharṣayaḥ
aham ādir hi devānāṁ
maharṣīṇāṁ ca sarvaśaḥ

“Nem as hostes de semideuses, nem os grandes sábios conhecem Minha origem ou


opulências, pois, sob todos os aspectos, Eu sou a fonte dos semideuses e dos sábios”.
Logo, Kṛṣṇa é a origem dos poderes outorgados aos semideuses, aos grandes sábios e aos
místicos. Embora eles sejam dotados de grandes poderes, esses poderes são limitados, em
virtude do que lhes é muito difícil saber como, através de Sua própria potência interna,
Kṛṣṇa em pessoa aparece sob a forma humana.

Com seus minúsculos poderes cerebrais, muitos filósofos e grandes ṛṣis, ou místicos,
tentam distinguir entre o Absoluto e o relativo. O ponto máximo ao qual eles podem
chegar é a formulação de um conceito negativo sobre o Absoluto sem Lhe atribuir
nenhum traço positivo. A definição do Absoluto através da negação não é completa.
Essas definições negativas os levam a criar seus próprios conceitos, fazendo com que
imaginem que o Absoluto não tem forma nem qualidades. Essas qualidades negativas são
simples aspectos opostos encontrados nas qualidades materiais relativas e, portanto,
também são relativas. Com essa concepção acerca do Absoluto, o ponto máximo que
podemos alcançar é a refulgência impessoal de Deus, conhecida como Brahman, mas não
progredimos para compreender Bhagavān, ou seja, Deus como a Pessoa Suprema.

Os especuladores mentais não sabem que Deus, a Pessoa Absoluta, é Kṛṣṇa, que o
Brahman impessoal é a refulgência reluzente de Seu corpo transcendental e que o
Paramātmā, a Superalma, é Sua representação plenária onipenetrante. Tampouco sabem
que Kṛṣṇa tem uma forma eterna, cujas qualidades transcendentais são a bem-aventurança
e o conhecimento eternos. Os semideuses e grandes sábios, que não têm existência
independente de Deus, consideram erroneamente que Kṛṣṇa é um semideus poderoso e
que a refulgência Brahman é a Verdade Absoluta. Mas os devotos de Kṛṣṇa, por força de
sua rendição a Ele e de sua devoção imaculada, podem saber que Ele é a Pessoa Absoluta
e que tudo emana dEle, o manancial de tudo. Tais devotos prestam-Lhe contínuo serviço
amoroso.

Na Bhagavad-gītā (7.20,23), também se afirma que apenas as pessoas sem inteligência e


confusas, impelidas por um forte desejo de gozo dos sentidos, adoram os semideuses
como um meio de obter alívio transitório dos problemas temporários. Como tem
envolvimentos materiais, o ser vivo precisa livrar-se de todo o cativeiro material para,
então, alcançar alívio permanente no plano espiritual, onde há bem-aventurança, vida e
conhecimento eternos. Portanto, o Śrī Īśopaniṣad instrui que não devemos buscar alívio
temporário de nossas dificuldades adorando os semideuses, que, por serem dependentes,
podem outorgar apenas benefícios temporários. É preferível adorarmos Deus, a Pessoa
Absoluta, Kṛṣṇa, que é todo-atrativo e que pode nos livrar por completo do cativeiro
material levando-nos de volta ao lar, de volta ao Supremo.

Afirma-se na Bhagavad-gītā (7.23) que os adoradores dos semideuses podem ir ao


planeta dos semideuses. Os adoradores da lua podem ir à lua, os adoradores do sol, ao sol,
e assim por diante. Com a ajuda de foguetes, os cientistas modernos estão se aventurando
a ir à lua, mas, na verdade, isso não é um empreendimento novo. Os seres humanos, com
sua consciência avançada, têm natural inclinação a viajar no espaço sideral e alcançar
outros planetas — seja por meio de espaçonaves, poderes sobrenaturais ou adoração a
semideuses. Nas escrituras védicas, afirma-se que é possível alcançar outros planetas por
qualquer um desses três métodos, mas o método mais comum é a adoração ao semideus
encarregado de um planeta específico. Dessa maneira, pode-se alcançar o planeta Lua, o
planeta Sol e até mesmo Brahmaloka, o planeta mais elevado neste universo. Entretanto,
todos os planetas no universo material são residências temporárias; os únicos planetas
permanentes, os vaikuṇṭha-lokas, encontram-se no céu espiritual, onde Deus, a Pessoa
Suprema, predomina. Como o Senhor Kṛṣṇa declara na Bhagavad-gītā (8.16):

ā-brahma-bhuvanāl lokāḥ
punar āvartino ’rjuna
mām upetya tu kaunteya
punar janma na vidyate
“Partindo do planeta mais elevado do mundo material e indo até o mais baixo, todos são
lugares de misérias, onde ocorrem repetidos nascimentos e mortes. Mas quem alcança
Minha morada, ó filho de Kuntī, nunca mais volta a nascer”.

O Śrī Īśopaniṣad assinala que todo aquele que adora os semideuses e alcança seus
planetas materiais ainda permanece na mais escura região do universo. O universo inteiro
está coberto pelos elementos materiais gigantescos, assim como um coco está coberto por
sua casca com um pouco de água dentro. Como a cobertura é hermeticamente fechada, a
escuridão interna é densa e, portanto, para que haja iluminação, precisa-se do sol e da lua.
Externamente ao universo, está a vasta e ilimitada expansão brahmajyoti, cheia
de vaikuṇṭha-lokas. No brahmajyoti, o planeta maior e mais elevado é Kṛṣṇaloka, ou
Goloka Vṛndāvana, onde reside a Suprema Personalidade de Deus, o próprio Śrī Kṛṣṇa. O
Senhor Śrī Kṛṣṇa jamais sai de Kṛṣṇaloka. Embora more lá com Seus associados eternos,
Ele é onipresente em todas as manifestações cósmicas materiais e espirituais. Esse fato já
foi explicado no mantra quatro. Tal qual o sol, o Senhor está presente em toda parte.
Entretanto, Ele está em um único lugar, assim como o sol está situado em sua própria
órbita inalterável.

Os problemas da vida não podem ser resolvidos com uma simples viagem à lua ou a
algum outro planeta acima ou abaixo dela. Por isso, o Śrī Īśopaniṣad adverte que não
percamos tempo buscando algum destino dentro deste universo material escuro, mas que
tentemos sair dele para alcançar o refulgente reino de Deus. Há muitos pseudo-adoradores
que, apenas em troca de nome e fama, tornam-se religiosos. Esses pseudo-religiosos não
querem sair deste universo para alcançar o céu espiritual, pois tudo que desejam é se
manterem bem posicionados no mundo material sob a aparência de estarem adorando o
Senhor. Pregando o culto do ateísmo, os ateístas e os impersonalistas conduzem esses
pseudo-religiosos tolos às regiões mais escuras. Os ateístas negam diretamente a
existência de Deus, a Pessoa Suprema, e são apoiados pelos impersonalistas, que
enfatizam o aspecto impessoal do Senhor Supremo. Até aqui, não encontramos
nenhum mantra no Śrī Īśopaniṣad que negasse Deus como a Pessoa Suprema. Afirma-se
que Ele pode correr mais rápido que qualquer um. Com certeza, aqueles que correm em
busca de outros planetas são pessoas, e, se o Senhor pode correr mais rápido do que eles,
como considerá-lO impessoal? A concepção impessoal acerca do Senhor Supremo é outra
forma de ignorância, decorrente de uma concepção imperfeita acerca da Verdade
Absoluta.

Os pseudo-religiosos ignorantes e os inventores de supostos adventos, violadores diretos


dos preceitos védicos, são passíveis de entrar na região mais escura do universo porque
enganam seus seguidores. Em geral, para os tolos que não conhecem a sabedoria védica,
os impersonalistas fazem-se passar por adventos de Deus. Nas mãos desses enganadores,
o conhecimento é mais perigoso do que a própria ignorância. Esses impersonalistas nem
mesmo adoram os semideuses como recomendam as escrituras. As escrituras fazem
recomendações para que se adorem os semideuses sob certas circunstâncias, mas, ao
mesmo tempo, declaram que, normalmente, isso não é necessário. A Bhagavad-
gītā (7.23) afirma claramente que os resultados obtidos da adoração aos semideuses não
são permanentes. Como o universo material inteiro não é permanente, tudo o que se
consegue dentro da escuridão da existência material também é impermanente. O ponto
em questão consiste em obter verdadeira vida permanente.

O Senhor declara que logo que O alcançamos através do serviço devocional — o meio
único e exclusivo para aproximarmo-nos da Personalidade de Deus — libertamo-nos por
completo do cativeiro de nascimentos e mortes. Em outras palavras, o caminho no qual
alguém se salva das garras da matéria depende inteiramente dos princípios de
conhecimento e desapego obtidos no serviço ao Senhor. Os pseudo-religiosos não têm
conhecimento nem desapego dos afazeres materiais, pois a maioria deles quer viver nos
grilhões dourados do cativeiro material, à sombra de atividades filantrópicas disfarçadas
de princípios religiosos. Exibindo falsos sentimentos religiosos, eles dão um espetáculo
de serviço devocional e se fazem passar por mestres espirituais e devotos de Deus,
embora se entreguem a toda sorte de atividades imorais. Esses violadores dos princípios
religiosos não respeitam os ācāryas autorizados, os preceptores santos que estão na estrita
sucessão discipular. Eles ignoram o ācāryopāsana, o princípio védico segundo o qual
todos devem adorar o ācārya, e não dão nenhuma importância ao fato de que,
na Bhagavad-gītā (4.2), Kṛṣṇa afirma que evaṁ paramparā-prāptam: “Essa ciência
suprema de Deus é recebida através da sucessão discipular”. Ao contrário, para enganar
as pessoas em geral, eles próprios se tornam pretensos ācāryas, embora nem mesmo
sigam os princípios em que se baseia a vida do ācārya.

Esses canalhas são os elementos mais perigosos da sociedade humana. Como não há
governo religioso, a lei do Estado não lhes aplica nenhuma punição. Entretanto, não
podem escapar da lei do Supremo, que, na Bhagavad-gītā, afirma claramente que os
demônios invejosos disfarçados de propagandistas religiosos serão atirados nas regiões
mais escuras do inferno (Bhagavad-gītā 16.19-20). O Śrī Īśopaniṣad confirma que esses
assim chamados religiosos, após concluírem suas atividades de mestres espirituais, irão
aos lugares mais repulsivos do universo, pois o verdadeiro objetivo deles é o gozo dos
sentidos.
Śrī īśopaniṣad 13
anyad evāhuḥ sambhavād
anyad āhur asambhavāt
iti śuśruma dhīrāṇāṁ
ye nas tad vicacakṣire

Sinônimos
anyat — diferente; eva — decerto; āhuḥ — está dito; sambhavāt — adorando o Senhor
Supremo, a causa de todas as causas; anyat — diferente; āhuḥ — está
dito; asambhavāt — adorando o que não é o Supremo; iti — assim; śuśruma — eu ouvi
isto; dhīrāṇām — das autoridades imperturbáveis; ye — que; naḥ — nós; tat — sobre
este assunto; vicacakṣire — explicaram perfeitamente.

Tradução
Está declarado que se obtém um resultado adorando a suprema causa de todas as
causas e outro resultado adorando o que não é supremo. Tudo isso foi falado pelas
autoridades imperturbáveis, que deram sobre este assunto uma explicação clara.

Comentário
Este mantra aprova o processo de se ouvir de autoridades imperturbadas. Quem não ouve
o ācārya fidedigno, que jamais se deixa perturbar pelas mudanças existentes no mundo
material, não pode ter verdadeiro acesso ao conhecimento transcendente. O mestre
espiritual genuíno, que também ouviu seu ācārya imperturbado falar os śruti-mantras, ou
o conhecimento védico, jamais apresenta algo que não esteja mencionado na literatura
védica. Na Bhagavad-gītā (9.25), afirma-se claramente que aqueles que adoram os pitṛs,
ou antepassados, alcançam os planetas dos antepassados; que os materialistas grosseiros
que planejam ficar aqui permanecem neste mundo; e que os devotos do Senhor, que
adoram apenas o Senhor Kṛṣṇa, a suprema causa de todas as causas, O alcançam no céu
espiritual. Também aqui, no Śrī Īśopaniṣad, comprova-se que, através de diferentes
modos de adoração, obtêm-se resultados diferentes. Se adorarmos o Senhor Supremo,
com certeza O alcançaremos em Sua morada eterna, e, se adorarmos os semideuses, como
o deus do sol ou o deus da lua, poderemos sem dúvida alguma atingir seus respectivos
planetas. E com certeza também poderemos ficar neste planeta ignóbil com nossas
comissões de planejamento e ajustes políticos provisórios se assim desejarmos.

Em nenhuma passagem das escrituras autênticas afirma-se que alguém acabará


alcançando a mesma meta fazendo qualquer coisa ou adorando qualquer um. Somente os
“mestres” autofabricados oferecem essas teorias tolas, totalmente desvinculados
do paramparā, que é o sistema genuíno de sucessão discipular. O mestre espiritual
genuíno não pode dizer que todos os caminhos levam ao mesmo objetivo e que, através
de seu próprio processo de adoração aos semideuses ou ao Supremo ou a quem seja,
qualquer um pode alcançar esse objetivo. É muito fácil o homem comum compreender
que só se pode chegar a um determinado destino comprando uma passagem para esse
destino. Aquele que comprar uma passagem para Calcutá poderá chegar a Calcutá, mas
não a Bombaim. Porém, os supostos mestres espirituais dizem que todos os caminhos
levam-nos à meta suprema. Essas ofertas mundanas e comprometedoras atraem muitas
criaturas tolas, que se envaidecem com seus métodos inventados de desenvolvimento
espiritual. No entanto, as instruções védicas não as apoiam. Enquanto não recebermos o
conhecimento transmitido pelo mestre espiritual genuíno que está na linha de sucessão
discipular autorizada, não poderemos captar o verdadeiro sentido das coisas. Kṛṣṇa diz a
Arjuna na Bhagavad-gītā (4.2):

evaṁ paramparā-prāptam
imaṁ rājarṣayo viduḥ
sa kāleneha mahatā
yogo naṣṭaḥ parantapa
“Esta ciência suprema foi então recebida através da corrente de sucessão discipular, e os
reis santos compreenderam-na dessa maneira. Porém, com o passar do tempo, a sucessão
foi interrompida, e, portanto, a ciência como ela é parece ter se perdido”.

Quando o Senhor Śrī Kṛṣṇa esteve presente nesta Terra, os princípios de bhakti-
yoga definidos na Bhagavad-gītā tinham sido distorcidos. Por isso, foi preciso que o
Senhor restabelecesse o sistema discipular, começando com Arjuna, Seu amigo e devoto
mais confidencial. O Senhor disse claramente a Arjuna (Bhagavad-gītā 4.3) que, porque
ele era Seu devoto e amigo, os princípios contidos na Bhagavad-gītā seriam facilmente
compreensíveis a ele. Em outras palavras, somente o devoto e amigo do Senhor pode
compreender a Gītā. O que também significa que só é possível compreender a Bhagavad-
gītā seguindo o caminho trilhado por Arjuna.

No momento atual, há muitos intérpretes e tradutores desse diálogo sublime que não dão
a menor importância ao Senhor Kṛṣṇa e a Arjuna. Esses intérpretes explicam os versos
da Bhagavad-gītā à sua própria maneira e, em nome da Gītā, formulam todas as espécies
de disparates. Esses intérpretes não acreditam nem em Śrī Kṛṣṇa nem em Sua morada
eterna. Como, então, podem explicar a Bhagavad-gītā?

Kṛṣṇa diz claramente que apenas aqueles que perderam o juízo prestam aos semideuses
adoração em troca de uma mísera recompensa (Bhagavad-gītā 7.20-23). Em última
análise, Ele aconselha que abandonemos todos os métodos e processos de adoração e
rendamo-nos única e exclusivamente a Ele (Bhagavad-gītā 18.66). Apenas aqueles que se
purificaram de todas as reações pecaminosas podem depositar no Senhor Supremo essa fé
inabalável. Outros continuarão pairando na plataforma material com seus processos
mesquinhos de adoração e, então, se desviarão do verdadeiro caminho, deixando-se
conduzir pela ideia de que todos os caminhos levam ao mesmo objetivo.
Neste mantra do Śrī Īśopaniṣad, a palavra sambhavāt, “através da adoração à causa
suprema”, é deveras significativa. O Senhor Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus original, e
tudo o que existe emana dEle. Na Bhagavad-gītā (10.8), o Senhor diz:

ahaṁ sarvasya prabhavo


mattaḥ sarvaṁ pravartate
iti matvā bhajante māṁ
budhā bhāva-samanvitāḥ

“Eu sou a fonte de todos os mundos, materiais e espirituais. Tudo emana de Mim. Os
sábios que reconhecem isso perfeitamente ocupam-se em Meu serviço devocional e
adoram-Me de todo o coração”.

Eis uma descrição correta do Senhor Supremo feita pelo próprio Senhor. As
palavras sarvasya prabhavaḥ indicam que Kṛṣṇa é o criador de tudo, incluindo Brahmā,
Viṣṇu e Śiva. E como essas três principais deidades do mundo material são criadas pelo
Senhor, o Senhor é o criador de tudo o que existe nos mundos materiais e espirituais. De
modo semelhante, no Atharva Veda (Gopāla-tāpanī Upaniṣad 1.24), afirma-se: “Aquele
que existia antes da criação de Brahmā e que iluminou Brahmā com o conhecimento
védico é o Senhor Śrī Kṛṣṇa”. Igualmente, no Nārāyaṇa Upaniṣad (1), afirma-se: “A
Pessoa Suprema desejou criar todos os seres vivos. Assim, Brahmā nasceu de Nārāyaṇa.
Nārāyaṇa criou todos os prajāpatis. Nārāyaṇa criou Indra. Nārāyaṇa criou os oito vasus.
Nārāyaṇa criou todos os onze rudras. Nārāyaṇa criou os doze ādityas”. Como Nārāyaṇa é
uma manifestação plenária do Senhor Kṛṣṇa, Nārāyaṇa e Kṛṣṇa são a mesmíssima coisa.
O Nārāyaṇa Upaniṣad (4) também afirma: “O filho de Devakī (Kṛṣṇa) é o Senhor
Supremo”. A identidade de Nārāyaṇa com a suprema causa também foi aceita e
confirmada por Śrīpāda Śaṅkarācārya, muito embora ele não pertença ao culto vaiṣṇava,
ou personalista. O Atharva Veda (Mahā Upaniṣad) também afirma: “Apenas Nārāyaṇa
existia no começo, quando nem Brahmā, Śiva, o fogo, a água, as estrelas, o sol ou a lua
existiam. O Senhor não fica sozinho, mas cria o que quer que deseje”. O próprio Kṛṣṇa
afirma no Mokṣa-dharma: “Eu criei os prajāpatis e os rudras. Eles não têm completo
conhecimento a Meu respeito porque estão cobertos por Minha energia ilusória”.
Também se afirma no Varāha Purāṇa: “Nārāyaṇa é a Suprema Personalidade de Deus, e
dEle manifestou-se o Brahmā de quatro cabeças, bem como Rudra, que depois se tornou
onisciente”.

Assim, toda a literatura védica confirma que Nārāyaṇa, ou Kṛṣṇa, é a causa de todas as
causas. Na Brahma-saṁhitā (5.1), também se afirma que o Senhor Supremo é Śrī Kṛṣṇa,
Govinda, a alegria de todo ser vivo e a causa primordial de todas as causas. Aqueles com
verdadeira erudição obtêm esse conhecimento, seguindo a evidência dada pelos grandes
sábios e pelos Vedas, e por isso decidem adorar o Senhor Kṛṣṇa como tudo o que existe.
Eles são chamados budhas, ou realmente eruditos, porque adoram somente Kṛṣṇa.

Ao ouvirmos com fé e amor a mensagem transcendental transmitida


pelo ācārya imperturbado, desenvolvemos a convicção de que Kṛṣṇa é tudo o que existe.
Quem não tem fé no Senhor Kṛṣṇa, nem sente amor por Ele, não pode se convencer dessa
verdade simples. A Bhagavad-gītā (9.11) descreve os infiéis como mūḍhas — tolos ou
asnos. Afirma-se que os mūḍhas zombam da Pessoa Suprema porque não receberam
do ācārya imperturbado o conhecimento completo. Quem se deixa perturbar pelo
redemoinho da energia material não está qualificado para tornar-se um ācārya.

Antes de ouvir a Bhagavad-gītā, Arjuna estava perturbado pelo redemoinho material, por
causa de sua afeição à família, sociedade e comunidade. Assim, Arjuna queria se tornar
um filantropo, adepto da não-violência neste mundo. Todavia, após ouvir a Pessoa
Suprema transmitir o conhecimento védico contido na Bhagavad-gītā, ele tornou-se
um budha, mudando sua decisão e passando a adorar o Senhor Śrī Kṛṣṇa, que
pessoalmente planejara a batalha de Kurukṣetra. Lutando contra seus supostos parentes,
Arjuna adorou o Senhor, tornando-se, então, Seu devoto puro. Essa compreensão só é
possível quando se adora o verdadeiro Kṛṣṇa, e não algum “Kṛṣṇa” fabricado e inventado
por homens tolos que não conhecem as complexidades da ciência de Kṛṣṇa descrita
na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam.

De acordo com o Vedānta-sūtra, sambhūta é a fonte do nascimento e do sustento, bem


como o reservatório que permanece após a aniquilação (janmādy asya yataḥ). O Śrīmad-
Bhāgavatam, a obra em que o mesmo autor tece um comentário natural ao Vedānta-sūtra,
afirma que a fonte de todas as emanações não é uma pedra morta, mas é abhijña,
plenamente consciente. Kṛṣṇa, o Senhor Primordial, também afirma na Bhagavad-
gītā (7.26) que Ele tem pleno conhecimento sobre o passado, o presente e o futuro e que
ninguém, nem mesmo semideuses tais como Śiva e Brahmā, conhece-O por completo.
Com certeza, “líderes espirituais” semi-educados, que se deixam perturbar pelo fluxo da
existência material, não podem conhecê-lO na íntegra. Eles tentam se comprometer,
fazendo da massa de gente o objeto de adoração, mas não sabem que essa adoração é
apenas um mito, porque as massas são imperfeitas. A tentativa desses supostos líderes
espirituais é parecida com o ato de a pessoa derramar água nas folhas de uma árvore ao
invés de regar a raiz. O processo natural consiste em regar a raiz, mas esses líderes
perturbados sentem-se mais atraídos às folhas do que à raiz. Entretanto, mesmo que
continuem perpetuamente jogando água nas folhas, tudo secará por falta de nutrição.

O Śrī Īśopaniṣad aconselha-nos a regar a raiz, a fonte germinadora. A adoração à massa


humana, prestando-lhe serviço físico, que jamais pode ser perfeito, é menos importante
que o serviço à alma. A alma é a raiz que produz diferentes espécies de corpos que lhe
são impostos pelas leis do karma. Prestar serviço aos seres humanos, dando-lhes auxílio
médico, assistência social e condições educacionais favoráveis e, ao mesmo tempo,
cortando o pescoço de pobres animais em matadouros não é, em hipótese alguma, um
serviço prestado à alma, o ser vivo.

O ser vivo sofre perpetuamente as misérias materiais existentes sob a forma de


nascimento, velhice, doença e morte em diferentes tipos de corpos. A forma de vida
humana é uma oportunidade para se sair deste enredamento, bastando restabelecer a
relação com o Senhor Supremo. O Senhor vem pessoalmente ensinar essa filosofia, que
consiste na rendição ao Supremo, o sambhūta. Ao ensinar a rendição e a adoração ao
Senhor Supremo com amor e energia totais, a pessoa presta verdadeiro serviço à
humanidade. É essa a instrução contida neste mantra do Śrī Īśopaniṣad.

Nesta era conturbada, a maneira mais simples de adorar o Senhor Supremo é ouvir e
cantar Suas grandes atividades. Mas os especuladores mentais, que pensam que as
atividades do Senhor são imaginárias, procuram não as ouvir e, para desviar a atenção das
massas inocentes, inventam algum jogo de palavras disparatado. Ao invés de ouvirem
sobre as atividades do Senhor Kṛṣṇa, esses falsos mestres espirituais promovem a si
mesmos, induzindo seus seguidores a glorificá-los. Nos tempos atuais, o número desses
farsantes sofreu um considerável aumento, dificultando as atividades dos devotos puros
do Senhor, que querem impedir que as massas caiam vítimas dessas propagandas
profanas fomentadas por esses farsantes e pseudo-avatāras.

TEnquanto os Upaniṣads dirigem nossa atenção para o Senhor Kṛṣṇa, o Senhor


primordial, de uma maneira indireta, a Bhagavad-gītā, que é o resumo de todos
os Upaniṣads, assinala diretamente Śrī Kṛṣṇa. Portanto, devemos recorrer à Bhagavad-
gītā ou ao Śrīmad-Bhāgavatam para deles ouvirmos sobre como Kṛṣṇa é. Desse modo, a
mente aos poucos se purifica de todas as contaminações. O Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.17)
diz: “Ouvindo sobre as atividades do Senhor, o devoto chama a atenção do Senhor.
Assim, o Senhor, estando situado no coração de todo ser vivo, ajuda o devoto dando-lhe
as devidas orientações”. A Bhagavad-gītā (10.10) também confirma isso: dadāmi buddhi-
yogaṁ taṁ yena mām upayānti te.

A orientação que o Senhor transmite internamente limpa do coração do devoto toda a


contaminação produzida pelos modos da paixão e da ignorância. Os não-devotos estão
sob a influência da paixão e da ignorância. Quem está em paixão não pode desapegar-se
do anseio material, e quem está em ignorância não pode saber o que ele é ou o que é o
Senhor. Logo, quando alguém está em paixão ou ignorância, não há nenhuma
oportunidade de ele atingir a autorrealização, por mais que possa representar o papel de
religioso. Pela graça do Senhor, o devoto livra-se dos modos da paixão e da ignorância,
situando-se, então, na qualidade da bondade, sinal de um brāhmaṇa perfeito. Todos que
seguirem o caminho do serviço devocional, sob a orientação do mestre espiritual genuíno,
poderão qualificar-se como brāhmaṇas. O Śrīmad-Bhāgavatam (2.4.18) também diz:

kirāta-hūṇāndhra-pulinda-pulkaśā
ābhīra-śumbhā yavanāḥ khasādayaḥ
ye ’nye ca pāpā yad-apāśrayāśrayāḥ
śudhyanti tasmai prabhaviṣṇave namaḥ

Através da orientação de um devoto puro do Senhor, qualquer pessoa de nascimento


inferior pode purificar-se, pois o Senhor tem poderes extraordinários.

Ao obter qualificações bramânicas, a pessoa fica feliz e sente entusiasmo para prestar
serviço devocional ao Senhor. Para ela, a ciência de Deus se desvenda de modo
automático. Conhecendo essa ciência, ela aos poucos se livra dos apegos materiais, e sua
mente, que antes vivia imersa em dúvidas, torna-se clara e cristalina. Isto se dá pela graça
do Senhor Supremo. Quem atinge esta etapa é uma alma liberada e pode ver o Senhor a
cada passo da vida. Esta é a perfeição de sambhava, como descreve este mantra do Śrī
Īśopaniṣad.

Śrī īśopaniṣad 14
sambhūtiṁ ca vināśaṁ ca
yas tad vedobhayaḿ saha
vināśena mṛtyuṁ tīrtvā
sambhūtyāmṛtam aśnute

Sinônimos
sambhūtim — a eterna Personalidade de Deus, Seu nome, forma, passatempos, qualidades
e parafernália transcendentais, a variedade que há em Sua morada, etc.; ca —
e; vināśam — a temporária manifestação material de semideuses, homens, animais, etc.,
com seus falsos nomes, fama, etc.; ca — também; yaḥ — aquele que; tat — isto; veda —
conhece; ubhayam — ambos; saha — juntamente com; vināśena — com todas as coisas
suscetíveis à destruição; mṛtyum— morte; tīrtvā — superando; sambhūtyā — no reino
eterno de Deus; amṛtam — imortalidade; aśnute — desfruta.

Tradução
É dever do homem conhecer perfeitamente a Personalidade de Deus e Seu nome
transcendental, bem como a criação material temporária com seus semideuses,
homens e animais temporários. Ao adquirir este conhecimento, ele supera a morte e
deixa de se sujeitar à manifestação cósmica efêmera. No reino eterno de Deus, ele
desfruta vida eterna, plena de bem-aventurança e conhecimento.

Comentário
Com seu aparente avanço de conhecimento, a civilização humana criou muitas coisas
materiais, incluindo espaçonaves e a energia atômica. Entretanto, não conseguiu criar
uma situação em que as pessoas deixem de morrer, voltar a nascer, envelhecer ou
adoecer. Sempre que um homem inteligente apresenta ao suposto cientista uma pergunta
a respeito dessas misérias, o cientista responde com muita argúcia que a ciência material
está progredindo e que, algum dia, será possível ao homem tornar-se imortal, jovem e
saudável. Essas respostas provam sua crassa ignorância a respeito da natureza material.
Na natureza, todos estão sob as estritas leis da matéria e devem passar por seis fases de
existência: nascimento, crescimento, manutenção, criação de subprodutos, deterioração e,
enfim, a morte. Ninguém que esteja em contato com a natureza material pode estar imune
a essas seis leis da transformação; portanto, ninguém — semideus, homem, animal ou
planta — pode sobreviver para sempre no mundo material.
A duração de vida varia segundo as espécies. O senhor Brahmā, o principal ser vivo deste
universo material, vive milhões e milhões de anos, enquanto um germe diminuto vive
apenas algumas horas. No mundo material, contudo, ninguém pode sobreviver
eternamente. Os seres nascem e são criados sob certas condições, permanecem por algum
tempo e, se continuarem a viver, crescem, procriam, degeneram aos poucos e, por fim,
desaparecem. De acordo com essas leis, até os milhões de Brahmās que existem nos
diferentes universos estão sujeitos a morrer hoje ou amanhã. Portanto, o universo material
inteiro é chamado de Martyaloka, o lugar onde há morte.

Os cientistas e políticos materialistas tentam fazer daqui um lugar imortal porque não têm
informações sobre a natureza espiritual imortal. Isto se deve ao fato de eles não
conhecerem a literatura védica, que contém conhecimento pleno, confirmado pela
experiência transcendental madura. Infelizmente, o homem moderno não se interessa em
receber o conhecimento contido nos Vedas, Purāṇas e outras escrituras.

O Viṣṇu-Purāṇa (6.7.61) nos dá a seguinte informação:

viṣṇu-śaktiḥ parā proktā


kṣetrajñākhyā tathā parā
avidyā-karma-saṁjñānyā
tṛtīyā śaktir iṣyate

O Senhor Viṣṇu, a Personalidade de Deus, possui diferentes energias, conhecidas


como parā (superior) e aparā (inferior). As entidades vivas pertencem à energia superior.
A energia material, na qual estamos atualmente enredados, é a energia inferior. Esta
energia, que cobre as entidades vivas com ignorância (avidyā) e que as induz a executar
atividades fruitivas, possibilita o aparecimento da criação material. No entanto, existe
outra parte da energia superior do Senhor que é diferente das entidades vivas e desta
energia material inferior. Essa energia superior constitui a morada eterna e imortal do
Senhor. Confirma isso a Bhagavad-gītā (8.20):

paras tasmāt tu bhāvo ’nyo


’vyakto ’vyaktāt sanātanaḥ
yaḥ sa sarveṣu bhūteṣu
naśyatsu na vinaśyati
Todos os planetas materiais — superiores, inferiores e intermediários, incluindo o Sol, a
Lua e Vênus — estão espalhados pelo universo. Esses planetas existem apenas durante a
vida de Brahmā. Entretanto, alguns planetas inferiores são aniquilados ao fim de um dia
de Brahmā, e voltam a ser criados no próximo dia de Brahmā. Nos planetas superiores, o
tempo tem um cálculo diferente. Em muitos dos planetas superiores, um de nossos anos
equivale a apenas 24 horas, ou a um dia e uma noite. De acordo com a escala de tempo
dos planetas superiores, as quatro eras da Terra (Satya, Tretā, Dvāpara e Kali) duram
apenas 12 mil anos. Essa duração de tempo multiplicada por mil representa um dia de
Brahmā, e sua noite tem a mesma duração. Esses dias e noites formam meses e anos, e
Brahmā vive cem desses anos, ao fim dos quais toda a manifestação universal é
aniquilada.

Durante a noite de Brahmā, todos os seres vivos que residem nos planetas superiores
(como o Sol e a Lua), bem como aqueles que estão em Martyaloka (este planeta Terra), e
também aqueles que vivem nos planetas inferiores, submergem-se nas águas da
devastação. Durante esse período, nenhum ser vivo de nenhuma espécie permanece
manifesto, embora continue a existir espiritualmente. Essa fase imanifesta chama-
se avyakta. Posteriormente, quando todo o universo é destruído ao final da vida de
Brahmā, há outro estado avyakta. Entretanto, além desses dois estados imanifestos, há
outro estado imanifesto, que é a atmosfera ou natureza espiritual. Nessa atmosfera, há um
grande número de planetas espirituais, e esses planetas existem eternamente, mesmo
quando todos os planetas deste universo material são aniquilados ao final da vida de
Brahmā. Existem muitos universos materiais, e cada um deles está sob a jurisdição de um
Brahmā, e esta manifestação cósmica dentro da jurisdição de vários Brahmās representa
apenas um quarto da energia do Senhor (ekapād-vibhūti). Esta é a energia inferior. A
natureza espiritual, que se chama tripād-vibhūti, que representa três quartos da energia do
Senhor, ultrapassa a jurisdição de Brahmā. Essa é a energia superior, ou parā-prakṛti.

O Senhor Śrī Kṛṣṇa é a pessoa suprema dominante que habita dentro da natureza
espiritual. Como a Bhagavad-gītā (8.22)confirma, só podemos nos aproximar dEle
através do serviço devocional imaculado, e não através do processo
de jñāna(filosofia), yoga (misticismo) ou karma (atividades fruitivas). Os karmīs, ou
trabalhadores fruitivos, podem elevar-se aos planetas Svargaloka, que incluem o Sol e a
Lua. Os jñānīs e yogīs podem alcançar planetas mais elevados, tais como Maharloka,
Tapoloka e Brahmaloka, e, quando aumentam suas qualidades através do serviço
devocional, podem ingressar na natureza espiritual, ou na iluminada atmosfera cósmica
do céu espiritual (Brahman) ou nos planetas Vaikuṇṭha, de acordo com as qualificações
adquiridas. No entanto, é certo que, sem estar treinado no serviço devocional, ninguém
pode ingressar nos planetas espirituais Vaikuṇṭha.

Todos os seres nos planetas materiais, desde Brahmā até a formiga, tentam assenhorear-se
da natureza material, e isso caracteriza a doença material. Enquanto persistir a doença
material, a entidade viva terá de submeter-se ao processo de mudança corpórea. Qualquer
que seja a forma que aceite — homem, semideus ou animal — ela, por fim, terá de
sujeitar-se a uma condição imanifesta durante as duas devastações: a devastação durante a
noite de Brahmā e a devastação ao final da vida de Brahmā. Se quisermos colocar um fim
a este processo de repetidos nascimentos e mortes, eliminando os fatores concomitantes,
velhice e doença, devemos tentar ingressar nos planetas espirituais, onde poderemos viver
eternamente na associação do Senhor Kṛṣṇa ou de Suas expansões plenárias (as formas de
Nārāyaṇa). O Senhor Kṛṣṇa ou Suas expansões plenárias dominam cada um desses
inumeráveis planetas, fato este confirmado nos śruti-mantras: eko vaśī sarva-gaḥ kṛṣṇa
īḍyaḥ/ eko ’pi san bahudhā ’vabhāti. (Gopāla-tāpanī Upaniṣad 1.3.21)
Ninguém pode dominar Kṛṣṇa. A alma condicionada tenta dominar a natureza material e,
ao invés disso, submete-se às leis da natureza material e aos sofrimentos que lhe são
impostos através de repetidos nascimentos e mortes. O Senhor vem aqui para estabelecer
os princípios da religião, e o princípio básico consiste em desenvolver uma atitude de
serviço a Ele. Esta é a última instrução que o Senhor apresenta na Bhagavad-
gītā (18.66), sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: “Abandona todos os
outros processos e renda-te apenas a Mim”. Infelizmente, homens tolos deturparam esse
ensinamento primordial e desencaminharam as massas de diversas maneiras. As pessoas
são instadas a abrirem hospitais, mas não a se educarem para que, através do serviço
devocional, ingressem no mundo espiritual. São instruídas a se interessarem apenas por
atividades assistenciais temporárias, as quais nunca proporcionarão verdadeira paz.
Fundam uma grande variedade de instituições públicas e semigovernamentais para
tentarem lidar com o devastador poder da natureza, mas não sabem como apaziguar a
intransponível natureza. Muitos homens se apresentam como grandes estudiosos
da Bhagavad-gītā, mas deixam passar despercebida a mensagem ali contida, através da
qual se pode apaziguar a natureza material. Poderosa, a natureza só pode ser apaziguada
quando há consciência de Deus, como a Bhagavad-gītā (7.14) assinala claramente.

Neste mantra, o Śrī Īśopaniṣad ensina que é preciso ter perfeito conhecimento simultâneo
acerca do sambhūti (a Personalidade de Deus) e vināśa (a manifestação material
temporária). Conhecendo apenas a manifestação material, ninguém pode salvar-se, pois,
no transcurso da natureza, há devastação a cada momento (ahany ahani bhūtāni
gacchantīha yamā-layam). Tampouco pode alguém salvar-se dessas devastações abrindo
hospitais. Só pode salvar-se quem conhece por completo a vida eterna, plena de bem-
aventurança e percepção. Todo o esquema védico serve para educar as pessoas nesta arte
de alcançar vida eterna. As pessoas frequentemente se deixam iludir por atrativos
temporários, baseados no gozo dos sentidos, mas o serviço prestado aos objetos dos
sentidos é ilusório e degradante.

Portanto, devemos dar a nós mesmos e a nossos semelhantes a salvação correta. Não se
trata de gostar ou desgostar da verdade. Ela existe. E se quisermos nos salvar dos
repetidos nascimentos e mortes, devemos adotar o serviço devocional ao Senhor. Não
pode haver concessão alguma, pois é uma questão de necessidade.
Śrī īśopaniṣad 15
hiraṇmayena pātreṇa
satyasyāpihitaṁ mukham
tat tvaṁ pūṣann apāvṛṇu
satya-dharmāya dṛṣṭaye

Sinônimos
hiraṇmayena — pela refulgência dourada; pātreṇa — por uma cobertura
deslumbrante; satyasya — da Verdade Suprema; apihitam — coberto; mukham —
rosto; tat — essa cobertura; tvam — Ele mesmo; pūṣan — ó sustentador; apāvṛṇu — por
favor, remove; satya — puro; dharmāya — ao devoto; dṛṣṭaye — para mostrar.

Tradução
Ó meu Senhor, sustentador de tudo o que vive, o Teu rosto verdadeiro está coberto
por Tua refulgência deslumbrante. Por favor, remove essa cobertura e manifesta-Te
ao Teu devoto puro.

Comentário
Na Bhagavad-gītā (14.27), o Senhor faz a seguinte explicação a respeito de Seus raios
pessoais (brahmajyoti), a refulgência deslumbrante de Sua forma pessoal:

brahmaṇo hi pratiṣṭhāham
amṛtasyāvyayasya ca
śāśvatasya ca dharmasya
sukhasyaikāntikasya ca

“Eu sou a base do Brahman impessoal, que é imortal, imperecível e eterno e é a posição
constitucional da felicidade última”.

Brahman, Paramātmā e Bhagavān são três aspectos da mesma Verdade Absoluta.


Brahman é o aspecto mais facilmente percebido pelo iniciante. Quem progride ainda mais
compreende Paramātmā, a Superalma. Por fim, visualizar Bhagavān é a percepção última
acerca da Verdade Absoluta. Confirma isso a Bhagavad-gītā (7.7), onde o Senhor Kṛṣṇa
diz que Ele é o conceito último acerca da Verdade Absoluta: mattaḥ parataraṁ nānyat.
Portanto, Kṛṣṇa é a fonte do brahmajyoti e do Paramātmā onipenetrante. Em uma
passagem posterior da Bhagavad-gītā (10.42), Kṛṣṇa continua Sua explicação:

atha vā bahunaitena
kiṁ jñātena tavārjuna
viṣṭabhyāham idaṁ kṛtsnam
ekāṁśena sthito jagat

“Mas qual a necessidade, Arjuna, de todo esse conhecimento minucioso? Com um


simples fragmento de Mim mesmo, Eu penetro e sustento todo este universo”. Assim,
com uma única porção plenária Sua, o Paramātmā onipenetrante, o Senhor mantém toda a
criação material cósmica. Ele também mantém todas as manifestações existentes no
mundo espiritual. Portanto, neste śruti-mantra do Śrī Īśopaniṣad, o Senhor é chamado
de pūṣan, o mantenedor último.

Kṛṣṇa, a Pessoa Suprema, está sempre repleto de bem-aventurança transcendental


(ānanda-mayo ’bhyāsāt). Desde o começo de Seus passatempos infantis em Vṛndāvana,
Índia, há cinco mil anos, Kṛṣṇa sempre permaneceu em bem-aventurança transcendental.
Matar vários demônios — tais como Agha, Baka, Pūtanā e Pralamba — foi para Ele uma
simples recreação agradável. No Seu vilarejo, Vṛndāvana, Ele divertiu-Se com Sua mãe,
irmão e amigos, e, ao agir como um travesso ladrão de manteiga, o roubo causou em Seus
associados uma bem-aventurança celestial. Sua fama como ladrão de manteiga não é
censurável, pois, roubando manteiga, o Senhor alegrou Seus devotos puros. Tudo o que o
Senhor fazia em Vṛndāvana era para o prazer de Seus associados que estavam lá. O
Senhor criou esses passatempos para atrair os que querem encontrar a Verdade Absoluta,
tais como os especuladores áridos e os acrobatas do suposto sistema de haṭha-yoga.

A respeito das diversões infantis do Senhor e dos vaqueirinhos, Seus companheiros de


folguedos, Śukadeva Gosvāmī diz no Śrīmad-Bhāgavatam (10.12.11):

itthaṁ satāṁ brahma-sukhānubhūtyā


dāsyaṁ gatānāṁ para-daivatena
māyāśritānāṁ nara-dārakeṇa
sākaṁ vijahruḥ kṛta-puṇya-puñjāḥ

“A Personalidade de Deus, que os jñānīs percebem como o bem-aventurado Brahman


impessoal; que os devotos que adotaram a atitude de servos adoram como o Senhor
Supremo, e que as pessoas mundanas consideram um ser humano comum, divertia-Se
com os vaqueirinhos, que alcançaram sua posição após acumularem os resultados de
muitas atividades piedosas”.

Assim, o Senhor ocupa-Se com Seus associados espirituais em amorosas atividades


transcendentais, caracterizadas por várias espécies de relações, tais
como śānta (neutralidade), dāsya (servidão), sakhya (amizade), vātsalya (afeição
parental) e mādhurya (amor conjugal).

Como se afirma que o Senhor Kṛṣṇa nunca sai de Vṛndāvana-dhāma, talvez alguém
pergunte como Ele administra os afazeres da criação. A Bhagavad-gītā (13.14-18) dá esta
resposta: através de Sua porção plenária conhecida como Paramātmā, Superalma, o
Senhor penetra toda a criação material. Embora nada tenha a ver com a criação,
manutenção e destruição materiais, o Senhor provoca todos esses fenômenos através de
Sua expansão plenária, o Paramātmā. Cada entidade viva é conhecida como ātmā, e a
principal ātmā que controla todas as demais é Paramātmā, a Superalma.

O sistema para se compreender Deus é uma grande ciência. Os sāṅkhya-


yogīs materialistas podem apenas analisar e meditar nos vinte e quatro fatores da criação
material, pois têm pouquíssima informação sobre o puruṣa, o Senhor. E os
transcendentalistas impersonalistas estão simplesmente perplexos com a refulgência
deslumbrante do brahmajyoti. Para ver a Verdade Absoluta por inteiro, é preciso
ultrapassar os vinte e quatro elementos materiais, bem como a refulgência deslumbrante.
O Śrī Īśopaniṣad dirige-nos a esse ponto, orando pela remoção da hiraṇmaya-pātra, a
cobertura refulgente do Senhor. Enquanto essa cobertura estiver presente, impedindo que
se perceba o verdadeiro rosto da Personalidade de Deus, jamais se poderá obter
verdadeira compreensão da Verdade Absoluta.

O aspecto Paramātmā da Personalidade de Deus é uma das três expansões plenárias,


ou viṣṇu-tattvas, que, no conjunto total, são conhecidas como puruṣa-avatāras. Um
desses viṣṇu-tattvas que está dentro do universo é conhecido como Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu.
Ele é o Viṣṇu que compõe as três principais deidades — Brahmā, Viṣṇu e Śiva — e Ele é
o Paramātmā onipenetrante situado em toda entidade viva individual. O segundo viṣṇu-
tattva dentro do universo é o Garbhodakaśāyī Viṣṇu, a Superalma coletiva de todos os
seres vivos. Além desses, há o Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, que repousa no oceano causal. Ele
é o criador de todos os universos. O processo de yoga ensina ao estudante sério como
encontrar os viṣṇu-tattvas após ter ultrapassado os vinte e quatro elementos materiais da
criação cósmica. O cultivo da filosofia empírica ajuda a pessoa a perceber
o brahmajyoti impessoal, o qual é a refulgência deslumbrante do corpo transcendental do
Senhor Śrī Kṛṣṇa. A Bhagavad-gītā (14.27), bem como a Brahma-saṁhitā (5.40),
confirmam que, de fato, o brahmajyoti é a refulgência de Kṛṣṇa:

yasya prabhā prabhavato jagad-aṇḍa-koṭi-


koṭiṣv aśeṣa-vasudhādi vibhūti-bhinnam
tad brahma niṣkalam anantam aśeṣa-bhūtaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
“Nos milhões e milhões de universos, existem inumeráveis planetas, e, através da
constituição cósmica, cada um deles difere do outro. Cada um desses planetas está situado
num canto do brahmajyoti. Esse brahmajyoti são apenas os raios pessoais da Suprema
Personalidade de Deus, Govinda, a quem eu adoro”. Este mantra da Brahma-saṁhitā foi
falado a partir do estado de verdadeira compreensão da Verdade Absoluta, e o śruti-
mantra do Śrī Īśopaniṣad que está sendo aqui comentado confirma-o como um processo
de realização. O mantra do Īśopaniṣad é uma simples oração em que se pede ao Senhor
que remova o brahmajyoti para que Seu verdadeiro rosto possa ser visto. Essa
refulgência brahmajyoti é descrita em pormenores em vários mantras do Muṇḍaka
Upaniṣad (2.2.10-12):
hiraṇmaye pare kośe
virajaṁ brahma niṣkalam
tac chubhraṁ jyotiṣāṁ jyotis
tad yad ātma-vido viduḥ
na tatra sūryo bhāti na candra-tārakaṁ
nemā vidyuto bhānti kuto ’yam agniḥ
tam eva bhāntam anu bhāti sarvaṁ
tasya bhāsā sarvam idaṁ vibhāti
brahmaivedam amṛtaṁ purastād brahma
paścād brahma dakṣiṇataś cottareṇa
adhaś cordhvaṁ ca prasṛtaṁ brahmai-
vedaṁ viśvam idaṁ variṣṭham
“No reino espiritual, situado além da cobertura material, está a ilimitada refulgência
Brahman, que está livre da contaminação material. Os transcendentalistas compreendem
que essa refulgente luz branca é a luz de todas as luzes. Naquele reino, não há
necessidade de iluminação proveniente do sol, luar, fogo ou eletricidade. De fato, toda
iluminação que aparece no mundo material é apenas um reflexo dessa iluminação
suprema. Esse Brahman está na região anterior e posterior, no Norte e no Sul, no Leste e
no Oeste, e também na parte superior e inferior. Em outras palavras, essa suprema
refulgência Brahman espalha-se nos céus material e espiritual”.

Conhecimento perfeito significa conhecer Kṛṣṇa como a raiz dessa refulgência Brahman.
Esse conhecimento pode ser obtido em escrituras como o Śrīmad-Bhāgavatam, que faz
uma perfeita elaboração sobre a ciência de Kṛṣṇa. No Śrīmad-Bhāgavatam, o autor, Śrīla
Vyāsadeva, estabelece que a Verdade Absoluta será descrita como Brahman, Paramātmā
ou Bhagavān de acordo com nossa percepção. Śrīla Vyāsadeva jamais afirma que a
Verdade Suprema é uma jīva, uma entidade viva comum. Jamais se deve considerar que o
ser vivo é a Verdade Suprema todo-poderosa. Se ele fosse o Supremo, não precisaria orar
pedindo para o Senhor remover Sua cobertura refulgente para poder ver Seu verdadeiro
rosto.

A conclusão é que, quando não temos conhecimento das potências da Verdade Absoluta,
só percebemos o Brahman impessoal. De modo semelhante, ao compreendermos as
potências materiais do Senhor, tendo pouca ou nenhuma informação sobre as potências
espirituais, obtemos a percepção Paramātmā. Portanto, perceber a Verdade Absoluta
como Brahman e Paramātmā está na plataforma das percepções parciais. Contudo, ao
visualizar a Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, em toda a Sua potência depois da
remoção da hiraṇmaya-pātra, o indivíduo compreende verdadeiramente que vāsudevaḥ
sarvam iti (Bhagavad-gītā 7.19): O Senhor Śrī Kṛṣṇa, que é conhecido como Vāsudeva, é
tudo – Brahman, Paramātmā e Bhagavān. Ele é Bhāgavan, a raiz, e Brahman e
Paramātmā são Seus ramos.
Na Bhagavad-gītā (6.46-47), há uma análise comparativa das três classes de
transcendentalistas — os adoradores do Brahman impessoal (jñānīs), os adoradores do
aspecto Paramātmā (yogīs) e os devotos do Senhor Śrī Kṛṣṇa (bhaktas). Lá se afirma que
os jñānīs, aqueles que cultivaram conhecimento védico, estão numa posição melhor que
os trabalhadores fruitivos. No entanto, lá também se diz que os yogīs são superiores
aos jñānīs e que, entre todos os yogīs, os mais elevados são aqueles que constantemente
servem ao Senhor com todas as suas energias. Em resumo, o filósofo está em melhor
situação do que o trabalhador, o místico é superior ao filósofo, e, de todos
os yogīs místicos, superior é aquele que segue bhakti-yoga, constantemente ocupando-se
no serviço ao Senhor. O Śrī Īśopaniṣad nos encaminha a essa perfeição.

Śrī īśopaniṣad 16
pūṣann ekarṣe yama sūrya prājāpatya
vyūha raśmīn samūha tejo
yat te rūpaṁ kalyāṇa-tamaṁ tat te paśyāmi
yo ’sāv asau puruṣaḥ so ’ham asmi

Sinônimos
pūṣan — ó mantenedor; eka-ṛṣe — o filósofo primordial; yama — princípio
regulador; sūrya — o destino dos sūris(grandes devotos); prājāpatya — o benquerente
dos prajāpatis (progenitores da humanidade); vyūha — por favor, remove; raśmīn — os
raios; samūha — por favor, retira; tejaḥ — refulgência; yat — para que; te —
Tua; rūpam — forma; kalyāṇa-tamam — absolutamente auspiciosa; tat — essa; te —
Tua; paśyāmi — eu possa ver; yaḥ — aquele que é; asau — como o Sol; asau —
esta; puruṣaḥ — Personalidade de Deus; saḥ — o mesmo; aham — eu; asmi — sou.

Tradução
Ó meu Senhor, filósofo primordial, mantenedor do universo, ó princípio regulador,
destino dos devotos puros, benquerente dos progenitores da humanidade, por favor,
remove essa refulgência, Teus raios transcendentais, para que eu possa ver Tua
forma de bem-aventurança. O Senhor é a Suprema Personalidade de Deus eterna,
semelhante ao sol, tal como sou.

Comentário
O sol e seus raios são qualitativamente iguais. Do mesmo modo, em qualidade, o Senhor
e as entidades vivas são iguais. O sol é um, mas as moléculas dos raios do sol são
inumeráveis. Os raios do sol constituem parte do sol, e, conjuntamente, o sol e seus raios
constituem o sol completo. Dentro do próprio sol, reside a divindade do sol, e também
dentro do planeta espiritual supremo, Goloka Vṛndāvana, reside o Senhor Kṛṣṇa. Lá, Ele
desfruta de Seus passatempos eternos e é de lá que emana a refulgência brahmajyoti,
como comprova a Brahma-saṁhitā (5.29):
cintāmaṇi-prakara-sadmasu kalpa-vṛkṣa-
lakṣāvṛteṣu surabhīr abhipālayantam
lakṣmī-sahasra-śata-sambhrama-sevyamānaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
“Adoro Govinda, o Senhor primordial, o progenitor primeiro, que está apascentando as
vacas e realizando todos os desejos em moradas repletas de joias espirituais e rodeadas
por milhões de árvores-dos-desejos. Ele é sempre servido com grande reverência e
afeição por centenas e milhares de lakṣmīs, ou deusas da fortuna”.

A Brahma-saṁhitā descreve o brahmajyoti como os raios que emanam desse planeta


espiritual supremo, Goloka Vṛndāvana, assim como os raios do sol emanam do globo
solar. Até não ultrapassarmos o brilho do brahmajyoti, não poderemos receber
informação acerca da terra do Senhor. Os filósofos impersonalistas, ofuscados
pelo brahmajyotirefulgente, não podem compreender a verdadeira morada do Senhor nem
Sua forma transcendental. Limitados por seu pobre fundo de conhecimento, esses
pensadores impersonalistas não podem compreender a bem-aventuradíssima forma do
Senhor Kṛṣṇa. Portanto, nesta oração, o Śrī Īśopaniṣad roga que o Senhor remova os raios
refulgentes, o brahmajyoti, para que o devoto puro possa ver Sua bem-aventurada forma
transcendental.

Compreendendo o brahmajyoti impessoal, experimentamos o aspecto auspicioso do


Supremo, e, compreendendo Paramātmā, ou o aspecto onipenetrante do Supremo,
passamos a experimentar uma iluminação ainda mais auspiciosa. Porém, ao ficar face a
face com a própria Personalidade de Deus, o devoto experimenta o aspecto mais
auspicioso do Supremo. Por ser chamado de filósofo primordial, mantenedor e
benquerente do universo, Deus, como Verdade Suprema, não pode ser impessoal. Este é o
veredicto do Śrī Īśopaniṣad. A palavra pūṣan (mantenedor) tem um significado especial,
pois, embora mantenha todos os seres, o Senhor mantém especificamente Seus devotos.
Após ultrapassar o brahmajyoti impessoal e ver o aspecto pessoal do Senhor e Sua
auspiciosíssima forma eterna, o devoto passa a compreender na íntegra a Verdade
Absoluta.

Em seu Bhagavat-sandarbha, Śrīla Jīva Gosvāmī afirma: “Na Personalidade de Deus,


obtém-se a concepção completa acerca da Verdade Absoluta porque Ele é todo-poderoso
e possui potências transcendentais plenas. No brahmajyoti, não se percebe a potência
plena da Verdade Absoluta; portanto, a percepção Brahman é apenas uma percepção
parcial acerca da Personalidade de Deus. Ó sábios eruditos, a primeira sílaba da
palavra bhagavān (bha) tem dois significados: o primeiro é ‘aquele que mantém’ e o
segundo é ‘guardião’. A segunda sílaba (ga) significa ‘guia’, ‘líder’ ou ‘criador’. A
sílaba vān indica que todo ser vive nEle e que Ele também vive em todos os seres. Em
outras palavras, o som transcendental bhagavān representa conhecimento, potência,
energia, opulência, força e influência infinitos — todos eles sem nenhum vestígio de
embriaguez material”.
O Senhor encarrega-Se da manutenção de Seus devotos puros e progressivamente os guia
no caminho que conduz à perfeição devocional. Como líder de Seus devotos, o Senhor
acaba concedendo os resultados àqueles que praticam serviço devocional entregando-Se a
eles. Por Sua misericórdia incondicional, os devotos do Senhor O veem face a face.
Assim, o Senhor ajuda Seus devotos a alcançar o planeta espiritual mais elevado, Goloka
Vṛndāvana. Sendo o criador, Ele pode conceder a Seus devotos todas as qualificações
necessárias para que eles possam, por fim, alcançá-lO. O Senhor é a causa de todas as
causas. Em outras palavras, como não há nada que tenha causado Sua existência, Ele é a
causa original. Consequentemente, Ele desfruta Seu próprio eu, manifestando Sua própria
potência interna. A potência externa, por sua vez, não se manifesta exatamente através
dEle, pois, para isso, Ele expande-Se como os puruṣas, e é por meio dessas formas que
Ele mantém os aspectos da manifestação material. Por meio dessas expansões, Ele cria,
mantém e aniquila a manifestação cósmica.

O eu do Senhor também manifesta expansões diferenciadas, que são as entidades vivas.


Como algumas delas desejam dominar o mundo e imitar o Senhor Supremo, este lhes
permite entrar na criação cósmica com a opção de utilizarem completamente sua
propensão a assenhorear-se da natureza. Por causa da presença das partes integrantes de
Deus, as entidades vivas, o mundo fenomenal inteiro fervilha com ações e reações.
Assim, as entidades vivas recebem todas as condições favoráveis para assenhorear-se da
natureza material. Porém, o controlador último é o próprio Senhor, sob Seu aspecto
plenário como Paramātmā, a Superalma, que é um dos puruṣas.

Logo, há um abismo de diferença entre a entidade viva (ātmā) e o Senhor controlador


(Paramātmā), a alma e a Superalma. Paramātmā é o controlador, e ātmā, o controlado, de
modo que estão em categorias diferentes. Porque coopera completamente com a ātmā, o
Paramātmā é conhecido como o companheiro constante do ser vivo.

O aspecto onipenetrante do Senhor — que existe em todas as circunstâncias de sono e


vigília, bem como em estados potenciais, e que gera a jīva-śakti (força viva) seja como
almas condicionadas, seja como almas liberadas — é conhecido como Brahman. Como é
a origem do Paramātmā e do Brahman, o Senhor é a origem de todas as entidades vivas e
de tudo o que possa existir. Quem tem esse conhecimento se ocupa de imediato no
serviço devocional ao Senhor. Semelhante devoto puro, que conhece na íntegra o Senhor,
apega-se completamente a Ele, de corpo e alma. Sempre que esse devoto se reúne com
outros devotos de afinidade semelhante, sua única ocupação consiste em glorificar as
atividades transcendentais do Senhor. Aqueles que não têm a mesma perfeição dos
devotos puros — ou seja, aqueles que compreenderam apenas os aspectos Brahman e
Paramātmā do Senhor — não podem apreciar as atividades dos devotos perfeitos. O
Senhor sempre ajuda os devotos puros, transmitindo a seus corações o conhecimento
necessário. Assim, por Seu favor especial, o Senhor dissipa toda a escuridão produzida
pela ignorância. Os filósofos especuladores e os yogīs não podem imaginar o que vem a
ser isso, porque eles dependem, em menor ou maior grau, de sua própria força. Como
afirma o Kaṭha Upaniṣad (1.2.23), o Senhor só pode ser conhecido por aqueles que Ele
próprio favorece, e por ninguém mais. Esses favores especiais são concedidos apenas a
Seus devotos puros. Por conseguinte, o Śrī Īśopaniṣad assinala o favor do Senhor, que
está além da jurisdição do brahmajyoti.

Śrī īśopaniṣad 17
vāyur anilam amṛtam
athedaṁ bhasmāntaṁ śarīram
oṁ krato smara kṛtaṁ smara
krato smara kṛtaṁ smara

Sinônimos
vāyuḥ — ar vital; anilam — reservatório total de ar; amṛtam — indestrutível; atha —
agora; idam — este; bhasmāntam — depois de ser reduzido a cinzas; śarīram —
corpo; oṁ — ó Senhor; krato — ó desfrutador de todos os sacrifícios; smara — por
favor, relembra; kṛtam — tudo o que foi feito por mim; smara — por favor,
relembra; krato — ó beneficiário supremo; smara — por favor, relembra; kṛtam — tudo o
que fiz para Ti; smara — por favor, relembra.

Tradução
Que este corpo temporário seja reduzido a cinzas, e que o ar vital fique imerso na
totalidade do ar. Ó meu Senhor, por favor, lembra-Te agora de todos os meus
sacrifícios, e, como és o beneficiário último, por favor, lembra-Te de tudo o que fiz
para Ti.

Comentário
O corpo material temporário com certeza é vestimenta estranha. A Bhagavad-
gītā (2.20) diz claramente que, após a destruição do corpo material, o ser vivo não é
aniquilado nem perde sua identidade. A identidade do ser vivo nunca é impessoal ou
amorfa; pelo contrário, é a roupa material que não tem forma e assume um formato de
acordo com a forma da pessoa indestrutível. Ao contrário do que pensam as pessoas com
um pobre fundo de conhecimento, originalmente nenhuma entidade viva é destituída de
forma. Este mantra comprova o fato de que a entidade viva continua a existir depois da
aniquilação do corpo material.

No mundo material, a natureza material apresenta uma criatividade maravilhosa, dando


aos seres vivos corpos de diferentes qualidades segundo suas propensões para o gozo dos
sentidos. Quem quiser provar excremento receberá um corpo material bastante adequado
para comer excremento — o de um porco. De modo semelhante, quem quiser comer a
carne e o sangue de outros animais pode receber o corpo de tigre, que dispõe de dentes e
garras adequados. No entanto, o ser humano não se destina a comer carne, tampouco tem
ele algum desejo de provar excremento, mesmo quando se encontra no estado mais
aborígene. Os dentes humanos são feitos de tal maneira que possam mastigar e cortar
frutas e legumes, embora existam dois dentes caninos para que os seres humanos
primitivos que queiram comer carne possam se curvar a esse seu desejo.

Em todo caso, os corpos materiais de todos os animais e seres humanos são estranhos ao
ser vivo. Eles mudam de acordo com o que o ser vivo deseja para satisfazer seus sentidos.
No ciclo da evolução, a entidade viva muda de corpos sucessivamente. Quando o mundo
estava cheio de água, a entidade viva assumiu uma forma aquática. Então, ela passou para
a vida vegetal, da vida vegetal para a vida de verme, da vida de verme para a de pássaro,
da de pássaro para animal terrestre, e da vida animal terrestre para a forma humana.
Quando é dotada de um sentido pleno de conhecimento espiritual, esta forma humana é a
forma mais desenvolvida. Este mantra descreve o desenvolvimento mais elevado da
sensibilidade espiritual: devemos abandonar o corpo material, que será reduzido a cinzas,
e deixarmos o ar vital imergir no eterno reservatório de ar. Dentro do corpo, as atividades
dos seres vivos são executadas através do movimento de diferentes espécies de ar, que,
em resumo, são conhecidas como prāṇa-vāyu. De um modo geral, os yogīs estudam como
controlar os ares do corpo. A alma deve elevar-se de um círculo de ar a outro até que
alcance o círculo mais elevado, o brahma-randhra, ponto em que o yogī pode transferir-
se a qualquer planeta que deseje. O processo consiste em abandonar um corpo material
para depois entrar em outro. Porém, a perfeição mais elevada dessas mudanças só
acontece quando a entidade viva consegue abandonar o corpo material completamente
(como sugere este mantra) e entra na atmosfera espiritual, onde pode desenvolver uma
espécie de corpo inteiramente diferente — um corpo espiritual, que jamais precisa
submeter-se a mudanças ou morte.

Aqui no mundo material, a natureza material força a entidade viva a mudar de corpo
devido aos seus diferentes desejos de gozo dos sentidos. Esses desejos estão
representados nas diversas espécies de vida, desde os germes até os mais aperfeiçoados
corpos materiais em que vivem Brahmā e os semideuses. Todos esses seres vivos têm
corpos compostos de matéria em diferentes formatos. O homem inteligente vê igualdade,
não na variedade de corpos, mas na entidade espiritual. A centelha espiritual, que é parte
integrante do Senhor Supremo, é a mesma, esteja ela num corpo de porco ou de semideus.
De acordo com suas atividades boas ou viciosas, a entidade viva assume corpos
diferentes. O corpo humano é altamente desenvolvido e tem consciência plena. De acordo
com a Bhagavad-gītā (7.19), depois de muitas e muitas vidas cultivando conhecimento, o
homem mais perfeito rende-se ao Senhor. O cultivo de conhecimento só atinge a
perfeição quando o conhecedor rende-se ao Senhor Supremo, Vāsudeva. Caso contrário,
se mesmo depois de conhecer sua identidade espiritual a pessoa ainda não sabe que as
entidades vivas são partes integrantes do todo, jamais podendo tornar-se o todo, ela terá
de recair na atmosfera material. De fato, cairá mesmo que tenha imergido no brahmajyoti.

Como aprendemos nos mantras anteriores, o brahmajyoti que emana do corpo


transcendental do Senhor está cheio de centelhas espirituais, que são entidades
individuais com pleno sentido de existência. Às vezes, essas entidades vivas desejam
obter gozo dos sentidos, razão pela qual são colocadas no mundo material, onde se
tornam falsos senhores que seguem os ditames dos sentidos. O desejo de dominar é a
doença material do ser vivo, pois, sob o encanto do gozo dos sentidos, ele transmigra
pelos diversos corpos manifestados no mundo material. Imergir no brahmajyoti não
representa conhecimento maduro. Só com a completa rendição ao Senhor e com o
desenvolvimento de uma atitude de serviço espiritual é que alguém alcança a fase de
perfeição mais elevada.

Neste mantra, a entidade viva ora pedindo para ingressar no reino espiritual de Deus logo
que abandone o corpo e o ar materiais. O devoto ora pedindo que o Senhor Se lembre das
atividades e dos sacrifícios que executou antes de seu corpo material ser reduzido a
cinzas. Ele faz essa oração no momento da morte, com pleno conhecimento de suas
atividades passadas e da meta última. Aquele que está sob completo controle da natureza
material lembra-se das atividades hediondas executadas durante a existência de seu corpo
material, e, após a morte, obtém outro corpo material. A Bhagavad-gītā (8.6) confirma
essa verdade:

yaṁ yaṁ vāpi smaran bhāvaṁ


tyajaty ante kalevaram
taṁ tam evaiti kaunteya
sadā tad-bhāva-bhāvitaḥ

“Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se lembre ao deixar o corpo, ó
filho de Kuntī, esse mesmo estágio ele alcançará impreterivelmente”. Assim, a mente
transporta todas as inclinações e gostos do ser vivo para sua próxima vida.

Ao contrário dos animais simples, que não têm mente desenvolvida, o ser humano pode,
no leito de morte, lembrar-se das atividades de sua vida como se fosse um sonho durante
a noite. Portanto, sua mente permanece sobrecarregada de desejos materiais, não lhe
sendo possível conseguir um corpo espiritual com o qual possa entrar no reino espiritual.
Entretanto, os devotos, praticantes do serviço devocional ao Senhor, desenvolvem um
sentido de amor a Deus. Mesmo que na hora da morte o devoto não se lembre do serviço
que prestou ao Senhor, o Senhor não Se esquece desse devoto. Esta oração serve para
lembrar o Senhor dos sacrifícios que o devoto realizou. Porém, mesmo sem esse pedido, o
Senhor não se esquece do serviço prestado por Seu devoto puro.

Na Bhagavad-gītā (9.30-34), o Senhor descreve claramente Sua relação íntima com Seus
devotos: “Mesmo que alguém cometa ações das mais abomináveis, se estiver ocupado em
serviço devocional deve ser considerado santo porque está devidamente situado em sua
determinação. Ele logo se torna virtuoso e alcança a paz duradoura. Ó filho de Kuntī,
declara ousadamente que Meu devoto jamais perece. Ó filho de Pṛthā, mesmo que sejam
de nascimento inferior, mulheres, vaiśyas (comerciantes) ou śūdras (trabalhadores
braçais), todos os que se refugiam em Mim podem alcançar o destino supremo. Isso tem
ainda maior validade para os brāhmaṇas virtuosos, os devotos e os reis santos. Portanto,
como você veio a este miserável mundo temporário, ocupa-te em Me prestar serviço
amoroso. Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me
reverências e Me adora. Estando absorto por completo em Mim, com certeza virás a
Mim”.

Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura dá a esses versos a seguinte explicação: “Todos devem


aceitar que o devoto de Kṛṣṇa está no caminho correto, trilhado pelos santos, muito
embora esse devoto pareça ser su-durācāra, ‘uma pessoa licensiosa’. É preciso tentar
compreender o verdadeiro significado da palavra su-durācāra. A alma condicionada tem
que executar duas funções, ou seja, manter o corpo e também trilhar a autorrealização.
Posição social, desenvolvimento mental, limpeza, austeridade, nutrição e luta pela
existência são todos para a manutenção do corpo. Quanto à autorrealização, seu dever
deve ser ocupar-se como devoto do Senhor. Essas duas funções diferentes são paralelas
porque a alma condicionada não pode deixar de manter seu corpo. Entretanto, à medida
que as atividades em serviço devocional aumentam, as atividades que servem para a
manutenção do corpo vão diminuindo. Enquanto o serviço devocional não atingir a
proporção correta, existirá a oportunidade de uma exibição ocasional de atividades
mundanas. Mas é preciso notar que essas atividades mundanas não podem continuar por
muito tempo porque, pela graça do Senhor, essas imperfeições acabarão muito em breve.
Portanto, o serviço devocional é o único caminho correto. Se alguém está no caminho
correto, nem mesmo um episódio ocasional de atividades mundanas impedirá o seu
avanço em autorrealização”.

Os impersonalistas não obtêm as condições favoráveis à prática do serviço devocional


porque estão apegados ao aspecto brahmajyoti do Senhor. Como sugerem
os mantras anteriores, eles não podem penetrar no brahmajyoti porque não acreditam na
Personalidade de Deus. Estão mais interessados em jogos de palavras e especulação
mental. Por conseguinte, os impersonalistas entregam-se a um trabalho infrutífero, como
confirma a Bhagavad-gītā (12.5).

Todas as condições favoráveis mencionadas neste mantra podem ser facilmente obtidas
através do contato constante com o aspecto pessoal da Verdade Absoluta. O serviço
devocional ao Senhor consiste essencialmente em nove atividades transcendentais: (1)
ouvir sobre o Senhor, (2) glorificar o Senhor, (3) lembrar-se do Senhor, (4) servir os pés
de lótus do Senhor, (5) adorar o Senhor, (6) oferecer orações ao Senhor, (7) servir o
Senhor, (8) partilhar amizade com o Senhor, e (9) entregar tudo ao Senhor. Esses nove
princípios do serviço devocional — executados individual ou coletivamente — ajudam o
devoto a permanecer em constante contato com Deus. Dessa maneira, será mais fácil que,
no final da vida, o devoto lembre-se do Senhor. Adotando apenas um desses nove
princípios, os seguintes devotos do Senhor conseguiram alcançar a perfeição mais
elevada: (1) Ouvindo sobre o Senhor, Mahārāja Parīkṣit, o herói do Śrīmad-Bhāgavatam,
alcançou o resultado desejado. (2) Pelo simples fato de glorificar o Senhor, Śukadeva
Gosvāmī, o orador do Śrīmad-Bhāgavatam, alcançou sua perfeição. (3) Orando ao
Senhor, Akrūra alcançou o resultado desejado. (4) Lembrando-se do Senhor, Prahlāda
Mahārāja alcançou o resultado desejado. (5) Adorando o Senhor, Pṛthu Mahārāja
alcançou a perfeição. (6) Servindo os pés de lótus do Senhor, Lakṣmī, a deusa da fortuna,
alcançou a perfeição. (7) Prestando serviço pessoal ao Senhor, Hanumān alcançou o
resultado desejado. (8) Por intermédio de sua amizade com o Senhor, Arjuna alcançou o
resultado desejado. (9) Entregando ao Senhor tudo o que ele tinha, Mahārāja Bali
alcançou o resultado desejado.

Na verdade, a explicação deste mantra e de praticamente todos os mantras dos hinos


védicos é resumida no Vedānta-sūtra e esmiuçada no Śrīmad-Bhāgavatam, que é o fruto
maduro da árvore da sabedoria védica. No Śrīmad-Bhāgavatam, este mantra específico é
explicado nas perguntas de Mahārāja Parīkṣit e nas respostas de Śukadeva Gosvāmī logo
quando eles se encontram. O princípio básico da vida devocional é ouvir e cantar sobre a
ciência de Deus. O Bhāgavatam foi ouvido por Mahārāja Parikṣit e recitado por Śukadeva
Gosvāmī. Mahārāja Parīkṣit fez perguntas a Śukadeva porque este era um mestre
espiritual maior do que qualquer grande yogī ou transcendentalista contemporâneo seu.

A principal pergunta de Mahārāja Parīkṣit foi: “Qual o dever de todo homem,


especialmente na hora da morte?” Śukadeva Gosvāmī respondeu:

tasmād bhārata sarvātmā


bhagavān īśvaro hariḥ
śrotavyaḥ kīrtitavyaś ca
smartavyaś cecchatābhayam
“Qualquer um que deseja libertar-se de todas as ansiedades deve sempre ouvir sobre a
Personalidade de Deus, glorificá-lO e lembrar-se dEle, que é o supremo diretor de tudo, o
eliminador de todas as dificuldades e a Superalma de todas as entidades vivas”. (Śrīmad-
Bhāgavatam 2.1.5)

De um modo geral, a suposta sociedade humana passa a noite dormindo e fazendo sexo e,
durante o dia, ocupa-se em ganhar todo dinheiro possível ou então em ir às compras para
o sustento da família. As pessoas têm pouquíssimo tempo para conversar sobre a
Personalidade de Deus ou para perguntar sobre Ele. Elas rejeitam a existência de Deus de
muitas maneiras, principalmente declarando que Ele é impessoal, isto é, sem percepção
sensorial. Entretanto, a literatura védica — os Upaniṣads, Vedānta-sūtra, Bhagavad-
gītā ou o Śrīmad-Bhāgavatam — declara que o Senhor é um ser sensível e superior a
todas as outras entidades vivas. Suas atividades gloriosas são idênticas a Ele mesmo.
Ninguém deve, portanto, ficar ouvindo e falando sobre as atividades indecorosas dos
políticos mundanos e dos supostos grandes homens da sociedade, mas deve organizar sua
vida de tal maneira que possa ocupar-se em atividades virtuosas, não desperdiçando um
segundo sequer de sua vida. O Śrī Īśopaniṣad nos encaminha para essas atividades
virtuosas.

A não ser que estejamos treinados nas práticas devocionais, de que iremos nos lembrar na
hora da morte, quando o corpo estiver desmantelado? Como poderemos orar pedindo que
o Senhor todo-poderoso lembre-Se de nossos sacrifícios? Sacrifício significa abolir o
interesse dos sentidos. Para aprender essa arte, é preciso que, durante a vida,
empreguemos os sentidos no serviço ao Senhor. E, na hora da morte, poderemos utilizar
os resultados advindos dessa prática.

Śrī īśopaniṣad 18
agne naya supathā rāye asmān
viśvāni deva vayunāni vidvān
yuyodhy asmaj juhurāṇam eno
bhūyiṣṭhāṁ te nama-uktiṁ vidhema

Sinônimos
agne — ó meu Senhor, poderoso como o fogo; naya — por favor, guia; supathā — pelo
caminho correto; rāye — para alcançar-Te; asmān — a nós; viśvāni — todos; deva — ó
meu Senhor; vayunāni — ações; vidvān — o conhecedor; yuyodhi— por favor,
remove; asmat — nós; juhurāṇam — todos os obstáculos no caminho; enaḥ — todos os
vícios; bhūyiṣṭhām — muito numerosos; te — a Ti; namaḥ-uktim — palavras de
reverência; vidhema — eu apresento.

Tradução
Ó meu Senhor, poderoso como o fogo, ser onipotente, ofereço-Te agora todas as
reverências e, no solo, caio a Teus pés. Ó meu Senhor, por favor, guia-me no
caminho correto, ajudando-me a alcançar-Te, e, como sabes tudo o que fiz no
passado, por favor, livra-me das reações de meus pecados pretéritos para que não
venham a existir obstáculos em meu progresso.

Comentário
Rendendo-se ao Senhor e suplicando por Sua misericórdia imotivada, o devoto pode
progredir no caminho da completa autorrealização. O Senhor é comparado ao fogo
porque pode reduzir a cinzas qualquer coisa, incluindo os pecados da alma rendida. Como
descrevem os mantras anteriores, a característica verdadeira e definitiva do Absoluto é
Seu aspecto como a Personalidade de Deus. Seu aspecto brahmajyoti impessoal é uma
cobertura que brilha sobre Seu rosto. As atividades fruitivas, ou a autorrealização através
do caminho karma-kāṇḍa, é a etapa inferior desse empreendimento. O mais leve desvio
dos princípios reguladores dos Vedas transforma essas atividades em vikarma, ou ações
contra o interesse do agente. Iludida, a entidade viva pratica esse vikarma em troca do
simples gozo dos sentidos, e assim essas atividades viram obstáculos no caminho da
autorrealização.

A autorrealização é possível na forma de vida humana, e não nas outras formas. Existem
oito milhões e quatrocentas mil espécies de vida, ou formas de vida, e, destas, a forma
humana, quando desenvolvido o cultivo bramânico, apresenta a única oportunidade de
obter conhecimento acerca da transcendência. Cultura bramânica significa veracidade,
controle dos sentidos, tolerância, simplicidade, conhecimento completo e plena fé em
Deus. Não vem ao caso orgulhar-se de uma elevada ascendência. Assim como o filho de
um grande homem recebe a oportunidade de tornar-se um grande homem, o filho de
um brāhmaṇa recebe a oportunidade de tornar-se um brāhmaṇa. Todavia, esse direito
adquirido no nascimento não é tudo, pois é preciso que a própria pessoa desenvolva
qualificações bramânicas. Se alguém se orgulha de ter nascido como filho de brāhmaṇa e
não se interessa em obter as qualificações de um verdadeiro brāhmaṇa, tal pessoa
imediatamente se degrada e cai do caminho da autorrealização. Assim, sua missão como
ser humano fracassa.

Na Bhagavad-gītā (6.41-42), o Senhor garante que os yoga-bhraṣṭas, ou almas que


caíram do caminho da autorrealização, recebem a oportunidade de corrigirem-se,
nascendo em famílias de bons brāhmaṇas ou em famílias de comerciantes ricos.
Nascimentos assim proporcionam maiores oportunidades para se cultivar a
autorrealização. Entretanto, se tais oportunidades não são aproveitadas devido à ilusão, a
pessoa desperdiça a vida humana, uma dádiva concedida pelo Senhor.

Os princípios reguladores agem de tal maneira que, seguindo-os, é possível sair do plano
das atividades fruitivas e promover-se à plataforma do conhecimento transcendental.
Após muitas e muitas vidas de cultivo do conhecimento transcendental, podemos nos
aperfeiçoar quando nos rendemos ao Senhor. Este é o procedimento geral. Entretanto, se
nos rendemos logo de início, adotando a atitude devocional que este mantra recomenda,
imediatamente superamos todas as fases preliminares. Como se afirma na Bhagavad-
gītā (18.66), o Senhor logo Se encarrega dessa alma rendida, libertando-a das reações a
seus atos pecaminosos.

As atividades karma-kāṇḍa envolvem muitas ações pecaminosas, ao passo que, nas


atividades jñāna-kāṇḍa — o caminho do desenvolvimento filosófico —, o número das
ações pecaminosas é menor. Porém, no serviço devocional ao Senhor, o caminho
de bhakti, não há praticamente nenhuma oportunidade de incorrer em reações
pecaminosas. Quem é devoto do Senhor adquire todas as boas qualificações do próprio
Senhor. O que dizer, então, das qualidades de um brāhmaṇa? Ainda que não tenha
nascido em família de brāhmaṇa, o devoto facilmente adquire as qualificações de
um brāhmaṇahábil, autorizado a executar sacrifícios. Essa é a onipotência do Senhor. Ele
pode fazer um homem nascido em família de brāhmaṇas tornar-se tão degradado quanto
uma pessoa de nascimento inferior e que é comedor de cachorro. Ao mesmo tempo, pela
simples força do serviço devocional, Ele também pode transformar
em brāhmaṇa qualificado o indivíduo de nascimento inferior que é comedor de cachorro.

Como está situado dentro do coração de todos, o Senhor onipotente pode dar a Seus
devotos sinceros orientações através das quais eles podem trilhar o caminho correto.
Essas orientações são especialmente oferecidas ao devoto, mesmo que ele tenha algum
outro desejo. Quanto aos outros, Deus sanciona suas ações, mas eles se responsabilizam
pelos riscos das ações que executam. No entanto, quando se trata de um devoto, o Senhor
o orienta de tal maneira que ele jamais comete uma ação errada. O Śrīmad-
Bhāgavatam (11.5.42) diz:

sva-pāda-mūlaṁ bhajataḥ priyasya


tyaktānya-bhāvasya hariḥ pareśaḥ
vikarma yac cotpatitaṁ kathañcid
dhunoti sarvaṁ hṛdi sanniviṣṭaḥ
“O Senhor é tão bondoso com o devoto que está plenamente rendido a Seus pés de lótus
que, muito embora o devoto às vezes caia no enredamento de vikarma — atividades que
vão de encontro às orientações védicas — Ele imediatamente corrige esses erros a partir
do interior do coração do devoto. Isso se dá porque os devotos são muito queridos ao
Senhor”.

Neste mantra do Śrī Īśopaniṣad, o devoto ora pedindo que, do interior de seu coração, o
Senhor passe a corrigi-lo. Errar é humano. A alma condicionada tende a cometer erros
com frequência, e a única medida terapêutica ao combate a esses pecados desintencionais
consiste em render-se aos pés de lótus do Senhor para que Ele possa guiá-la impedindo-a
de cair vítima desses perigos imprevistos. O Senhor encarrega-Se das almas plenamente
rendidas; assim, todos os problemas são resolvidos pelo simples fato de render-se ao
Senhor e agir segundo Suas orientações. Há duas maneiras de transmitir ao devoto
sincero essas orientações: (1) por intermédio dos santos, escrituras e mestre espiritual; (2)
por intermédio do próprio Senhor, que reside no coração de todos. Assim, o devoto,
plenamente iluminado com o conhecimento védico, está protegido sob todos os aspectos.

O conhecimento védico é transcendental e não pode ser compreendido através de


métodos educacionais mundanos. Só é possível compreender os mantras védicos pela
graça do Senhor e do mestre espiritual (yasya deve parā bhaktir yathā deve tathā
gurau [Śvetāśvatara Upaniṣad 6.23]). Quando alguém se refugia no mestre espiritual
genuíno, deve ficar claro que ele obteve a graça do Senhor. Para um devoto, o Senhor
aparece como o mestre espiritual. Assim, o mestre espiritual, os preceitos védicos e o
próprio Senhor situado internamente orientam o devoto com força plena. Dessa maneira,
não há nenhuma possibilidade de que o devoto volte a cair no lamaçal da ilusão. O
devoto, tendo essa proteção de todos os lados, com certeza alcançará o destino final da
perfeição. Este mantra faz uma alusão a todo o processo, que é explicado em maiores
detalhes no Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.17-20):

Ouvir e cantar as glórias do Senhor são por si só atos de piedade. O Senhor quer que
todos ouçam e cantem Suas glórias porque Ele é o benquerente de todas as entidades
vivas. Ouvindo e cantando as glórias do Senhor, a pessoa se purifica de todas as coisas
indesejáveis, e, então, sua devoção se fixa no Senhor. Nessa etapa, o devoto adquire as
qualificações bramânicas, e os efeitos dos modos inferiores da natureza (paixão e
ignorância) desaparecem por completo. Devido ao seu serviço devocional, o devoto fica
plenamente iluminado, e assim passa a conhecer o caminho do Senhor e o processo para
alcançá-lO. À medida que todas as dúvidas diminuem, ele se torna um devoto puro.
Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do Śrī Īśopaniṣad, o
conhecimento que nos aproxima da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa.

Fonte: https://vedabase.io/pt-br/library/iso/

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