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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO:
A experiência de Araraquara

Um estudo de caso sobre um modelo de gestão local dos


recursos públicos por meio da participação popular

ELIELSON CARNEIRO DA SILVA

Orientadora: Drª Márcia Teixeira de Souza

Dissertação de Mestrado

Araraquara/SP: Junho de 2005


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO:
A experiência de Araraquara

Um estudo de caso sobre um modelo de gestão local dos


recursos públicos por meio da participação popular

ELIELSON CARNEIRO DA SILVA

Dissertação de Mestrado submetida à


Faculdade de Ciências e Letras da
Universidade Estadual Paulista, como parte
dos requisitos necessários para a obtenção do
Grau de Mestre em Sociologia.

Aprovado por:

____________________________________
Márcia Teixeira de Souza, Doutora –UNESP
Orientadora

____________________________________
André Roberto Martim - Doutor - USP
Examinador

____________________________________
José Luis Bizelli - Doutor - UNESP
Examinador

Araraquara-SP, julho de 2005

2
SILVA, Elielson Carneiro da

Orçamento Participativo: A experiência de Araraquara. Um estudo de caso sobre um


modelo de gestão local dos recursos públicos por meio da participação popular, 160
p. (UNESP-FCL, Mestre, Sociologia, 2005).

Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e


Letras

1. Orçamento Participativo 2. Gestão Participativa


3. Políticas Públicas 4. Governo Municipal
5. Sociedade Civil

Palavras-chave: Orçamento Participativo, Gestão Participativa, Políticas Públicas,


Governo Municipal, Sociedade Civil.

3
DEDICATÓRIA

À Hilda Maria da Silva, minha mãe, uma sertaneja de muita


fibra. Uma pessoa que conseguiu, apesar das adversidades,
fazer com que eu e meus treze irmãos não entrassem para as
estatísticas do analfabetismo do semi-árido nordestino. Foi ela
a principal responsável por convencer-me de continuar a
estudar e chegar onde estou neste momento.
Apesar da frustração de não poder contar com a sua presença
neste momento, me sinto no dever de fazer esse reconhecimento
da importância desta figura humilde, mas sintonizada com o
mundo da sua época e imediatamente posterior a ela.
Mesmo estando numa dimensão diferente que a minha, mãe, a
senhora continua sendo muito importante para mim.

4
AGRADECIMENTOS

Ao concluir este trabalho, gostaria de agradecer, de forma especial, a minha


esposa, Sylvia Iasulaitis e ao meu filho, Matheus Iasulaitis Carneiro.
A primeira, pela colaboração valiosa que deu, no tocante à discussão sobre o
conteúdo deste texto e, fundamentalmente, com a formatação deste trabalho - para a
qual os seus conhecimentos de informática tiveram uma importância fundamental.
O segundo, pelo comportamento exemplar que teve quando eu me trancava para
dedicar-me aos meus estudos. Mesmo com os seus dois anos de idade, parecia
compreender que, naquele momento, eu precisava privar-me do convívio com ele.
Agradeço, ainda, a minha orientadora, professora Drª Márcia Teixeira de Souza,
pela orientação e colaboração valiosa na discussão do trabalho, no levantamento
bibliográfico, entre outras contribuições, que tornaram possível a realização deste
trabalho.
Agradeço também à Coordenadoria de Participação Popular e à Secretaria
Municipal de Obras da Prefeitura Municipal de Araraquara pelos materiais cedidos.

5
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: A experiência de Araraquara
Um estudo de caso sobre um modelo de gestão local dos recursos públicos por
meio da participação popular

RESUMO

Este trabalho tem como objeto de estudo o Orçamento Participativo da cidade de


Araraquara/SP, experiência realizada na gestão de 2001 a 2004 e que teve continuidade
na gestão de 2005 a 2008.
Para analisar esse caso específico, foi feita uma reflexão teórica sobre o modelo
de desenvolvimento democrático ocidental ao longo dos três últimos séculos, retomando
desde os jusnaturalistas (incluindo aí Locke, Montesquieu e Rousseau) e passando pelo
pensamento social dos séculos XIX e XX, período em que houve muitos avanços e
recuos do ponto de vista democrático. Procurou-se, ainda, abordar a forma peculiar pela
qual o Brasil se inseriu neste processo de democratização.
Discutem-se duas experiências pioneiras na implantação do Orçamento
Participativo: Porto Alegre e Santo André, ressaltando as peculiaridades dos contextos
em que foram implementadas e executadas, assim como as especificidades
metodológicas, fatores que influenciam sobremaneira o sucesso de modelos
participativos de governos.
A partir da reflexão teórica sobre democracia e da análise dessas duas
experiências, é realizada uma discussão sobre a experiência de Araraquara, a qual deve
muito de sua organização e funcionamento ao modelo de OP de Porto Alegre. Além
disso, a participação nas atividades do OP, bem como os materiais adquiridos junto à
Coordenadoria de Participação Popular da Prefeitura Municipal de Araraquara, foram
subsídios importantes para esse trabalho.
A análise das experiências abordadas nessa dissertação possibilita afirmar a
importância desse mecanismo de democratização da gestão pública na esfera local, já
que se trata de um processo em que, de fato, a população participa - particularmente nos
modelos em que todo o recurso para investimentos é decidido no OP.
O presente estudo qualificou as experiências bem-sucedidas de Orçamento
Participativo a partir dos elementos:
a) aumento do número de participantes ao longo do governo;
b) grau de intervenção real da sociedade civil sobre a definição dos
investimentos e

6
c) execução dos Planos de Investimentos definidos no OP.
A partir de tais elementos foi possível concluir que a melhor experiência em
termos de democratização foi Porto Alegre, na qual todos esses elementos foram
encontrados, ao passo que o OP de Araraquara, apesar de ter um mecanismo de
definição dos investimentos semelhante ao de Porto Alegre, falhou na execução dos
Planos de Investimentos aprovados pelo Conselho do Orçamento Participativo.
Diante dos impasses colocados com relação ao OP de Araraquara: diminuição da
capacidade de investimentos da Prefeitura e atraso na execução dos Planos de
Investimentos é possível afirmar que haverá um descrédito por parte da sociedade civil,
acompanhado de esvaziamento constante da participação desta nas atividades do
Orçamento Participativo.

PALAVRAS-CHAVE: Orçamento Participativo, Gestão Participativa, Políticas


Públicas, Governo Municipal, Sociedade Civil.

7
Participative Budget: Araraquara’s experience
A case study on local management model of public resources through popular
participation

ABSTRACT

This work has Araraquara/SP city’s Participative Budget as an object of study,


first tested in the government term from 2001 to 2004 and which has been kept in the
2005 to 2008 government term.
To analyze this specific case, a theoretical reflection was done on the east of
democratic development model throughout the last three centuries, resuming since the
jusnaturalists (including Locke, Motesquieu and Rosseau) and going through XIX and
XX centuries’ social thoughts, a period in which there were advancements and take
backs from the democratic point of view,. It was still aimed to go over the peculiar way
Brazil has been inserted in the democratization process.
A couple of pioneer experiences on the Participative Budget has been discussed:
Porto Alegre and Santo André, emphasizing the context peculiarities in which they were
taken over and accomplished, as well as the methodological specificity, factors that
highly influenced the governments participative models success.
Based on this theoretical reflection on the democracy and both on the
experiences analysis, a discussion about Araraquara’s experience is done, which has
much to do with its organization and Porto Alegre’s working of PB model . Besides,
that the participation on the PB activities, as well as the papers obtained from Popular
Participation Coordination in Araraquara’s City Hall, were also important.
The experiences analysis included in this dissertation is likely to state the
importance of the public management democratization mechanism at the local range,
since it is a process in which the population does take part in – particularly in the
models in which the investment resources is decided in the PB.
The present work has considered the Participative Budget successful based on
the elements:
a) participants number increase throughout govern term.
b) true intervention of civil society in investment definition and
c) accomplishment of investment plans defined for PB

8
Taking on such elements it was possible to conclude that Porto Alegre was the
best experience considering the democratization, in which all these elements were
found. Since Araraquara’s Participative Budget, in spite of having an investment
definition mechanism similar to Porto Alegre’s, failed in the accomplishment of the
approved Investment Plans along with a decrease participation on the Participative
Budget activities.

9
SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS.................................................................................... 12
LISTA DE FIGURAS.................................................................................... 13
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.................................................... 14
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 15
I – UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE O CONCEITO DE 19
DEMOCRACIA............................................................................................
1 - A origem do pensamento democrático ocidental.............................. 19
2 - Os Dilemas da Social-Democracia.................................................... 28
3 - Weber e o elitismo democrático........................................................ 35
4 – Sobre o conceito de sociedade civil.................................................. 38
5 - A importância do pluralismo para a democracia............................... 44
6 - A esfera pública habermasiana.......................................................... 48
7 - O conceito de Comunidade Cívica.................................................... 51
8 - O conceito de Capital Social............................................................. 52
9 - O Brasil e a democracia..................................................................... 54
10 - Experiências de participação anteriores ao PT................................ 64
11 – Orçamento Participativo: uma experiência prática que reforça a 67
idéia da democracia direta......................................................................

II - DUAS EXPERIÊNCIAS, DOIS MODELOS: PORTO ALEGRE E 71


SANTO ANDRÉ...........................................................................................
1 - Introdução.......................................................................................... 71

2 – Porto Alegre: a experiência de Orçamento Participativo que


ganhou maior notoriedade...................................................................... 72
2.1 – A implementação do projeto....................................................... 72
2.2 – Relação do governo com a comunidade..................................... 75
2.3 – Especificidades metodológicas................................................... 80
2.4 – Perfil social, político e econômico dos participantes.................. 83
2.5 – Grau de intervenção da sociedade civil sobre a definição do 86
investimento municipal........................................................................
2.6 – Mudança no perfil dos investimentos......................................... 88
2.7 – Funções exercidas pelo COP...................................................... 89
3 – A experiência de Santo André.......................................................... 90
3.1 – Sobre a implantação do projeto.................................................. 90
3.2 – Relação do governo com a sociedade......................................... 93

10
3.3 – Especificidade metodológica...................................................... 100
3.4 – Perfil dos participantes............................................................... 104
3.5 – Grau de intervenção da sociedade civil sobre a definição do 109
investimento municipal........................................................................
3.6 – Mudança no perfil dos investimentos......................................... 112
3.7 –Funções exercidas pelo CMO...................................................... 114
III - A EXPERIÊNCIA DE ARARAQUARA............................................ 115
1 – Introdução......................................................................................... 115
1.1 – Contexto político....................................................................... 115
1.2 – A sociedade civil........................................................................ 116
1.3 – Contexto econômico.................................................................. 117
1.4 – Contexto social.......................................................................... 118
2 – A experiência de Araraquara............................................................ 119
2.1 - Sobre a implantação do projeto.................................................. 121
2.2 - Relação do governo com a comunidade..................................... 125
2.3 - Especificidades Metodológicas.................................................. 132
2.4 - Perfil social, político e econômico dos participantes do OP de
Araraquara........................................................................................... 137
2.5 - Grau de intervenção da sociedade civil sobre a definição do
investimento municipal........................................................................ 143
2.6 - Mudança no perfil dos investimentos......................................... 146
2.7 - Funções exercidas pelo COP...................................................... 147
IV- CONCLUSÃO........................................................................................ 148
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 150

11
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Prefeitura Municipal de Porto Alegre/RS. Unidades e


Instâncias da Administração Municipal responsáveis pelo
75
Orçamento Participativo.........................................................
TABELA 2 - Critérios para a definição de investimentos............................ 78
TABELA 3 - Participação por sexo nas instâncias do Orçamento 84
Participativo e instâncias comunitárias. Porto Alegre, 1995..
TABELA 4 - Perfil / Idade........................................................................... 105
TABELA 5 - Escolaridade (em %)............................................................... 107
TABELA 6 - Renda familiar mensal em (%)............................................... 108
TABELA 7 - Participação nas Plenárias do OP........................................... 127
TABELA 8 Delegados do OP – Participação por sexo.............................. 140
TABELA 9 Participação por Faixa Etária.................................................. 141
TABELA 10 Participação por Etnia............................................................. 141
TABELA 11 Participação por Escolaridade................................................ 142
TABELA 12 Participação em outras Organizações..................................... 143
TABELA 13 Organizações citadas.............................................................. 143

12
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Renda familiar dos integrantes do Orçamento Participativo.


Porto Alegre, 1995.................................................................. 83
FIGURA 2 - Escolaridade da população integrante do Orçamento 84
Participativo. Porto Alegre, 1995...........................................
FIGURA 3 - Distribuição por sexo dos integrantes do Orçamento 84
Participativo. Porto Alegre, 1995...........................................
FIGURA 4 - Distribuição por idade dos integrantes do Orçamento 85
Participativo. Porto Alegre, 1995...........................................
FIGURA 5 - Participação dos integrantes do Orçamento Participativo em 85
algum tipo de entidade ou associação. Porto Alegre, 1995....
FIGURA 6 - Entidades indicadas. Porto Alegre, 1995................................ 86
FIGURA 7 - Idade (em %).......................................................................... 105
FIGURA 8 - Faixa etária (em %)................................................................. 106
FIGURA 9 - Escolaridade............................................................................ 106
FIGURA 10 - Escolaridade II........................................................................ 107
FIGURA 11 - Renda Familiar (em %)........................................................... 108
FIGURA 12 - Ciclo do Orçamento Participativo.......................................... 123
FIGURA 13 - Comparativo – Participação nas Plenárias do OP.................. 128
FIGURA 14 - Comparativo por Plenária....................................................... 128
FIGURA 15 - Participantes por Gênero........................................................ 138
FIGURA 16 - Participantes por Etnia............................................................ 138
FIGURA 17 - Participantes por Faixa Etária................................................. 139
FIGURA 18 - Participantes do OP por Escolaridade.................................... 139
FIGURA 19 - Variação de escolaridade........................................................ 139

13
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

OP Orçamento Participativo
CPP Coordenadoria de Participação Popular
PMA Prefeitura Municipal de Araraquara
PMPA Prefeitura Municipal de Porto Alegre
COP Conselho do Orçamento Participativo
PMSA Prefeitura Municipal de Santo André
CMO Conselho Municipal do Orçamento
ACIA Associação Comercial e Industrial de Araraquara
SINDCOMÉRCIO Sindicato do Comércio de Araraquara

14
INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo proceder a uma análise sobre a Democracia
Participativa, realizando um estudo de caso do Orçamento Participativo desenvolvido na
cidade de Araraquara a partir do ano de 2001. Para a realização dessa análise, será
empreendida uma reflexão sobre o conceito de democracia, retomando o pensamento
clássico.
A concepção clássica de democracia tem origem em Locke, Montesquieu e
Rousseau, autores nos quais os temas igualdade, liberdade, soberania, propriedade,
apareciam como algo a serem garantidos por normas jurídicas, normas essas que seriam
executadas por um estado constituído e legitimado junto ao conjunto dos indivíduos que
o estabeleceram. Este ato de constituição do Estado civil ou político, em contraposição
ao estado de natureza, é visto por esses autores como um ato eminentemente racional,
visto que o mesmo é o único meio dos indivíduos saírem da situação caótica do estado
de natureza - cujo meio de resolução das controvérsias é a força física, para um Estado
baseado em leis e regras escritas (cujo elemento principal é a busca racional do
consenso, ou da maioria).
Todavia, cabe ressaltar que existem peculiaridades na concepção que esses
autores têm a respeito de temas como igualdade, liberdade, soberania, propriedade,
entre outros, particularidades que serão explicitadas neste trabalho.
Também será realizada uma abordagem fundamentada em Przeworski, a respeito
da emergência e do desenvolvimento da social-democracia nos séculos XIX e XX e de
como os partidos de esquerda trouxeram para o cenário político um grande contingente
de trabalhadores, fenômeno que na avaliação de muitos socialistas criaria as condições
políticas para a derrocada do sistema capitalista: uma revolução proletária dentro da
ordem democrática.
Porém, na avaliação de Przeworski, o que aconteceu – apesar do grande
crescimento eleitoral dos partidos social-democratas europeus – foi um processo de
adaptação desses partidos às regras do jogo democrático burguês, que inclusive
conduziu a social-democracia européia, ao longo do século XX, a não apenas abandonar
o programa de transição para o comunismo, mas, inclusive, a abdicar das reformas
sistêmicas dentro do capitalismo.

15
O passo seguinte foi esboçar uma reflexão sobre a teoria democrática weberiana,
classificada como elitismo democrático, com o objetivo de apontar os limites colocados
por esse autor à elaboração e execução de modelos democráticos que apontem a
possibilidade de participação política das massas no tocante à condução dos governos
democraticamente constituídos. Para este autor, nas democracias complexas do
Ocidente, fortemente controladas por uma burocracia especializada, o papel das massas
é apenas votar nas eleições para a escolha dos representantes escolhidos, previamente,
entre as elites. Nestas sociedades complexas, cujos governos são controlados pela
burocracia, o processo de seleção dos líderes deve ser muito mais rigoroso. Além de ser
um especialista formado nas comissões do parlamento, os líderes devem ser
carismáticos, visto que dependem dos votos das massas para serem eleitos.
Refletir-se-á, ainda, acerca do pluralismo, trazendo a contribuição particular de
Dahl, autor que tem uma importância muito grande para o debate democrático do início
da segunda metade do século XX, tendo sido responsável pela elaboração do conceito
de poliarquia. Na elaboração desse conceito, o autor precisa melhor a sua compreensão
sobre a democracia competitiva (segundo ele, a única possível nas sociedades
industriais complexas) e os elementos que caracterizam um modelo de democracia
como fazendo parte do rol das democracias poliárquicas, operando uma espécie de
quantificação para definir este modelo de governo.
Será feita uma reflexão acerca do conceito de sociedade civil, a partir de autores
como Bobbio, Lavalle, Silva e Avritzer, procurando resgatar a compreensão que
determinados autores como Hegel, Tocqueville, Marx e Gramsci tinham sobre esse
tema no século XIX e a primeira metade do século XX, bem como o intenso debate que
se trava em torno desse conceito a partir das reflexões de Habermas, quando esse tema
foi re-introduzido com muita força nas discussões teóricas e políticas, fazendo emergir a
“nova sociedade civil”, bem como, as experiências participativas em vários governos
locais em vários países, o que trouxe ainda mais elementos para esse debate.
A partir desse ponto será feita uma reflexão sintetizada sobre o Brasil, no tocante
ao seu desenvolvimento sócio-político, procurando buscar as peculiaridades desse país
em comparação com os países desenvolvidos do Ocidente. Com isso, procura-se
caracterizar o modo pelo qual esse país se inseriu – diferenciando-se – no processo de
democratização das relações sociedade civil e Estado, numa trajetória de reforma e
acomodação, de progresso dentro da ordem, particularmente, nos últimos dois séculos.

16
A partir dessa discussão buscar-se-á contextualizar o Brasil do período recente,
procurando identificar os fatores sociais e políticos que criaram as condições reais para
o desenvolvimento de experiências participativas na esfera local. Primeiro, ainda no
regime militar, a partir de administrações do MDB, como uma forma de questionar a
centralização política e administrativa daquele período; segundo, a partir da derrocada
do regime, com a criação de experiências que possibilitaram a participação da sociedade
civil organizada nos governos democraticamente eleitos. Esta sociedade organizada foi
de fundamental importância para o desenvolvimento de experiências como a do
Orçamento Participativo, forma de democracia direta organizada principalmente pelo
Partido dos Trabalhadores. Este partido soube, como nenhum outro, canalizar os
diversos movimentos sociais a se envolverem nas disputas políticas, fator que foi um
dos mais importantes para seu crescimento político e eleitoral.
Feita essa discussão mais geral em torno do processo de democratização pelo
qual passou o Ocidente ao longo dos últimos séculos, e a forma peculiar como o Brasil
se inseriu neste desenvolvimento, adentra-se no segundo capítulo analisando
comparativamente duas experiências de Orçamento Participativo: Porto Alegre e Santo
André, reconhecendo a importância das mesmas enquanto referências paradigmáticas
para as cidades que implementaram o OP mais recentemente, apesar das peculiaridades
de cada uma delas. Esta reflexão será feita a partir da análise de fatores como: relação
do governo com a sociedade, metodologia adotada, grau de intervenção da sociedade
civil sobre a definição da política de investimentos, mudança no perfil dos
investimentos, perfil dos participantes, entre outros. Tais elementos apontarão qual
dessas experiências conseguiu avançar mais do que a outra do ponto de vista do
processo de democratização, que é concebido nesse trabalho como o aumento da
participação e da intervenção real da sociedade civil sobre a política de investimentos.
A análise teórica empreendida no primeiro capítulo, bem como a reflexão sobre
essas duas experiências, são utilizadas como referenciais para fundamentar a reflexão do
terceiro capítulo: a experiência de Araraquara. Neste caso específico, o processo do
Orçamento Participativo teve início com a administração da “Frente Democrática e
Popular”, que ganhou a eleição em 2000, administrando Araraquara entre 2001 e 2004,
reeleita para uma nova gestão entre 2005 e 2008.
Como será relatado no terceiro capítulo, uma das principais dificuldades
enfrentadas na implementação desse projeto foi a ausência de uma sociedade civil ativa
(disposta a participar desse processo). A bem da verdade, a implementação do

17
Orçamento Participativo de Araraquara foi algo concebido e implementado por uma
iniciativa do governo, que contou com a adesão de uma parcela significativa da
população. É neste sentido que o OP de Araraquara difere bastante do de Porto Alegre e
Santo André, embora tenha se referenciado nessas experiências, particularmente na
primeira.
Outro aspecto do OP de Araraquara que difere bastante do OP de Porto Alegre e
Santo André é o momento em que essa experiência foi implementada. Porto Alegre e
Santo André implementaram o OP a partir de 1989, portanto, num momento em que a
sociedade brasileira estava recuperando os direitos civis e políticos, em que havia uma
grande disposição em participar das decisões políticas; ao passo que em Araraquara,
além do histórico de não participação política da sociedade, o OP foi implementado em
2001, ou seja, num momento de forte declínio geral da participação da sociedade civil.
Outro ponto em que Araraquara difere de Santo André e, principalmente, de
Porto Alegre, é com relação à situação financeira encontrada pelo governo que passaria
a administrar a prefeitura. Em Araraquara, apesar de não dispor da capacidade de
investimentos que muitos no governo pensavam, a prefeitura tinha as finanças
razoavelmente saneadas, o que possibilitou que se disponibilizasse, já no primeiro ano
de governo, um montante de investimentos para que fossem discutidos no OP.
Além do mais, Araraquara não precisava gastar tempo para discutir um modelo
de Orçamento Participativo, pois contou com a possibilidade de recorrer às experiências
bem-sucedidas já existentes, algo que, como veremos no terceiro capítulo, facilitou
bastante a implementação do projeto. Estes elementos positivos trazidos de outras
experiências possibilitaram a elaboração de um projeto com alguns avanços
democráticos ao histórico de governos conservadores executados em Araraquara.
Porém, como veremos ainda no terceiro capítulo, o atraso na execução dos
investimentos não possibilitou “efeitos demonstração”.1
Cabe ressaltar, ainda, que além da análise bibliográfica a respeito da temática o
presente estudo ancorou-se em uma análise empírica, por meio de investigação
participante nas plenárias do Orçamento Participativo.

1
Conceito utilizado por WAMPLER & AVRITZER (2004).

18
I – UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE O CONCEITO DE DEMOCRACIA

1 - A origem do pensamento democrático ocidental

Na origem do processo de reflexão sobre o modelo de organização política da


Europa que emergia do feudalismo para o capitalismo, ganharam destaque três autores:
Montesquieu (1689-1755) com a obra O Espírito das Leis; John Locke (1632-1704)
com a sua obra Segundo Tratado sobre o Governo e Jean Jacques Rousseau (1712-
1778) com O Contrato Social.
Em O Espírito das Leis, Montesquieu (1963) observa que existem três tipos de
governo: o Republicano, o Monárquico e o Despótico e, ainda, afirma ser o Republicano
o tipo de governo em que o povo - como um todo ou uma parcela dele - possui o poder
soberano.
Refletindo sobre o tema da igualdade na democracia, Montesquieu chama a
atenção para o fato desta nunca poder ser perseguida com todo o rigor, pois se trata de
algo muito difícil de estabelecer-se plenamente. O autor afirma que
embora na democracia a igualdade real seja a alma do Estado, ela é
tão difícil de ser estabelecida que um rigor exagerado a esse respeito
nem sempre é conveniente. Basta que se estabeleça um censo
reduzindo as diferenças a um certo ponto; em seguida cabe às leis
particulares nivelar, por assim dizer, as desigualdades através dos
encargos que impõem aos ricos e dos alívios que concedem aos
pobres (MONTESQUIEU, 1963:71).

Segundo Durkheim (1980), era na cidade que Montesquieu via a possibilidade


de maior igualdade.
Montesquieu chama a atenção para o cuidado que se deve ter com relação ao
conceito de igualdade, para que não se radicalize demais na reivindicação desse bem e,
ao fazer isso, coloque-se em risco o funcionamento do sistema político. Este tema da
igualdade é tratado pelo autor com a preocupação de que este se configure em um
elemento benéfico ao funcionamento do acordo (pacto) entre os homens, e não no
sentido de promover uma sociedade com ausência de regras e hierarquias, como, aliás,
muitas vezes constatou-se em Roma – uma das experiências que serviram de referência
a Montesquieu para que este fundamentasse as suas teses sobre os sistemas políticos.
Preocupado com o radicalismo político com o qual esse conceito poderia ser tomado,
Montesquieu ressalta que

19
se corrompe o espírito da democracia não somente quando se perde
o espírito da igualdade, mas ainda quando se quer levar o espírito da
igualdade ao extremo, procurando cada um ser igual àquele que
escolheu para comandá-lo. Então o povo, não podendo suportar o
poder que escolheu, quer fazer tudo por si só: deliberar pelo senado,
executar pelos magistrados destituir todos os juizes
(MONTESQUIEU, Ibid:136).

Vernière (1980:322), assim como Dedieu (1980:258), observa que, nas análises
de Montesquieu “o espírito de desigualdade leva a democracia à aristocracia e à
monarquia; o espírito de igualdade extrema, ao despotismo concebido como um refúgio
contra a anarquia” (DEDIEU, 1980:258). Aliás, pelas conseqüências apontadas acima,
ambos os autores admitem que Montesquieu teme mais o espírito de igualdade extrema.
Neste sentido é que Montesquieu observa que
assim como o céu está afastado da terra, o verdadeiro espírito de
igualdade o está do espírito de igualdade extrema. O primeiro não
consiste em fazer de maneira com que todos comandem ou ninguém
seja governado; mas em obedecer e comandar seus iguais. Não
procura não ter senhores, mas apenas ter seus iguais por senhores.
(MONTESQUIEU:138).

Segundo Dedieu, “a grande originalidade a Montesquieu será, portanto, o de ter


sido o teórico da liberdade política” (DEDIEU, 1980:264). Este tema é muito
importante para definir os limites normativos da soberania em Montesquieu, visto que
esta deve ser concebida enquanto algo limitado pelas normas que criaram a comunidade
política. Por conta disso, o principal fator para definir a liberdade é a lei. Nos termos do
próprio autor “liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão
pudesse fazer tudo que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também
teriam tal poder”. (MONTESQUIEU: 1963,179).
Dedieu comenta sobre a reflexão de Montesquieu acerca da confecção das leis e
a necessária salvaguarda de alguns direitos do homem que são superiores a qualquer lei
humana, citando como exemplos: “a liberdade individual, a ‘tranquilidade’, a segurança,
a liberdade de pensar, de falar e de escrever. Existe liberdade, portanto, quando, por um
lado, existe respeito e, por outro, desenvolvimento normal dos direitos do homem”.
(DEDIEU, 1980:277).
Partindo do pressuposto de que é necessário um controle externo para que os
sistemas políticos funcionem a contento, é que Montesquieu (1963:180-81) propõe a
criação de regras que busquem estabelecer limites aos detentores do poder – sem o que
não há garantia de liberdade dos indivíduos. E a forma sugerida por Montesquieu que,
aliás, terá grande aceitação teórica e política posteriormente, é a divisão da esfera

20
administrativa em três poderes: “o poder legislativo, o poder executivo que depende do
direito das gentes, e o executivo das que depende do direito civil” (MONTESQUIEU,
1963:180). Isto garantiria o bom funcionamento do sistema político. E acrescenta que
pelo primeiro, o príncipe ou o magistrado faz leis por certo tempo ou
para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo,
faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a
segurança e previne invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga
as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último de poder de
julgar e, o outro, o poder executivo do Estado (Ibid:16).

Segundo Dedieu (Op. cit,:280), é apenas na organização bem-sucedida da


divisão dos poderes e no seu cumprimento pelo sistema político que Montesquieu vê a
possibilidade de garantia da liberdade, ou seja, a conservação e a harmonia das forças
que compõem a sociedade.
Outro autor fundamental para compreender o debate acerca da organização
política das sociedades ocidentais é John Locke. O autor de O Segundo Tratado Sobre o
Governo procurou universalizar as suas idéias sobre a sociedade liberal-burguesa, que
emergia com o processo de derrocada do feudalismo, como se essas idéias valessem
para o conjunto da população quando o seu conceito de liberdade, propriedade e leis,
por exemplo, estavam ligados à emergente sociedade capitalista. Por isso é que, apesar
da evidente ampliação do ponto de vista das proposições políticas, os seus avanços em
termos democráticos são bastante limitados, pois esse autor oculta o tema da igualdade e
limita o tema da liberdade, esta aparecendo recorrentemente ligada à propriedade.
Aliás, não caracteriza nenhuma negligência afirmar que um dos grandes esforços
‘teóricos’ empreendido por Locke, em O Segundo Tratado Sobre o Governo, concentra-
se na busca da legitimação do processo de constituição da propriedade liberal-burguesa,
em contraposição ao modelo feudal ou primitivo. Isto fica evidente já no início da obra,
quando este autor procura explicar o processo que transforma um bem comum a todos
em um bem particular, por meio do trabalho. Esta valorização do trabalho constituir-se-
ia num elemento fundamental para o desenvolvimento da emergente sociedade
burguesa. Neste sentido é que Laslett afirma que este autor introduz “um motivo para a
instauração da sociedade política que poucos consideraram no contexto das origens
políticas, um motivo ao qual ninguém atribuiu muita importância. De forma abrupta,
Locke insere na discussão o conceito de propriedade” (LASLETT, 1980: 214-15).

Esta análise também é corroborada por Laski, que afirma que, ao discorrer sobre
o papel do Estado, “Locke não teve dificuldade em considerar que o Estado era feito

21
para proteger os interesses de um homem que, pelo seu próprio esforço, acumulou bens
e propriedades”. (LASKI, 1973:84). Acrescentando que “se a propriedade é a
conseqüência do trabalho, então ele tem, claramente, todo o direito à segurança, pois
esta é a ‘grande e principal finalidade da união dos homens em comunidade”.
Laslett comenta que o autor de O Segundo Tratado sobre o Governo, ao trazer o
conceito de propriedade para o centro de sua discussão sobre a formação do pacto que
deu origem à sociedade política, caracteriza esta como algo que simboliza direitos em
sua força concreta; determinando que toda decisão que diz respeito a esta sociedade
pode ficar sujeita ao consentimento dos companheiros. Afirma que
de algum modo, então, que aparentemente só pode ser de forma
simbólica, é através da teoria da propriedade que os homens podem
passar do mundo abstrato de liberdade e igualdade, baseado em seu
relacionamento com Deus e com a lei natural, para um mundo
concreto da liberdade política garantida por acordos políticos
(LASLETT, 1980:216-17).

Para Locke, o homem, no Estado de natureza, desfruta de perfeita liberdade e


gozo incontrolável, de todos os direitos e privilégios. Todavia, este tem, por natureza,
que preservar a sua propriedade (a vida, a liberdade e os bens) contra os danos e ataques
de outros homens, bem como julgar e castigar as infrações da lei da natureza (inclusive
com a morte, dependendo do crime).
A passagem do Estado de natureza para a sociedade política ou civil para Locke
(1690: 54) dá-se quando os homens renunciam a esses poderes passando-os à sociedade
política. Porém, autores como Gough (1980:166) e Laslett (1980:212), chamam a
atenção para o fato da propriedade, na teoria lockeana, já existir antes da criação da
sociedade política e que, portanto, o pacto que cria a sociedade política tem como
objetivo apenas garantir algo que existia anteriormente.
O tema da igualdade não fazia parte das preocupações teórica e políticas de John
Locke; no máximo constava do seu vocabulário uma igualdade formal, que era
importante ao capitalismo nascente. Enquanto um expoente da sociedade capitalista que
ora emergia, as idéias igualitárias não constavam do seu horizonte de reflexão teórica.
Segundo Gough, na teoria lockeana
só os proprietários eram membros de fato da comunidade, e é por
esta razão que, como condição para herdar a propriedade dos pais,
os filhos precisam admitir o governo. Por outro lado, os
trabalhadores sem terra, embora necessários à comunidade, não
eram membros de fato da mesma e, portanto, seu consentimento era
dispensável (GOUGH, 1980:172).

22
Macpherson vai além na crítica da racionalidade lockeana em relação ao tema da
igualdade. Ressaltando que a suposição de igual capacidade de arranjar por conta
própria era necessário para qualquer um que desejasse justificar a sociedade de
mercado. Refletia com bastante acuidade a ambivalência de uma sociedade burguesa
emergente que precisava de igualdade formal, mas que exigia uma substancial
desigualdade de direitos (MACPHERSON,1962:257-58).

Sobre o tema da liberdade, Macpherson aponta a contradição em Locke por este


tratar com um caráter universal direitos e deveres que estavam relacionados a uma
parcela da população. Mas ressalta que
Locke não podia ter consciência de que a individualidade que
advogava era ao mesmo tempo a negação da individualidade [...]
Locke foi de fato o manancial do liberalismo inglês. A grandeza do
liberalismo do século XVII foi sua afirmação do individuo racional
livre, como critério para a boa sociedade; sua tragédia foi que essa
mesma afirmação era inevitavelmente uma negação do
individualismo à metade da população (id., ibid: 273).

Neste sentido é que Laski (1973:112), ao comentar sobre a posição de Locke a


respeito das normas jurídicas que teriam que regulamentar a atuação do Estado em
relação aos indivíduos, observa que estas tinham que se preocupar fundamentalmente
com o cidadão “que conseguiu, ou está conseguindo, prosperidade; a lei terá de ser a lei
que ele considere adequada às suas necessidades. As liberdades pedidas são as que ele
requer”.
Na concepção de Locke (1690:61) a constituição da sociedade política significou
a renúncia da liberdade no estado de natureza e a aceitação de regras fundamentais para
a manutenção e bom funcionamento do pacto fundador do Estado moderno. Uma dessas
regras fundamentais para o funcionamento das instituições políticas nas democracias
ocidentais modernas até os dias atuais é o princípio da maioria que, obviamente, não
deve ser confundido com a vontade de todos. A maioria à qual Locke se referia, como
atesta Laski (973:110-11), era a maioria dos proprietários – em beneficio dos quais o
Estado havia sido criado.
No modelo de organização política da sociedade pensada por Locke, cabe
destacar ainda o papel das leis, que devem ser estabelecidas e promulgadas com caráter
universalizante (para todos) e de acordo com o interesse geral (legítimas). Por isso a
elaboração deve estar ao encargo de representantes escolhidos pelo povo, os quais
estejam capazes de exercer o papel de legisladores no interesse da vontade geral que,
como destacado anteriormente, refere-se preferencialmente à vontade dos proprietários.

23
Devido à importância das leis para o sistema político pensado por Locke é que
este atribui tanta importância ao poder legislativo. Para o autor de O Segundo Tratado
Sobre o Governo o poder, entre os poderes da sociedade política, que deve ser visto
como poder supremo e sagrado pelo povo, é o legislativo. O autor afirma que
a constituição do legislativo é o primeiro ato fundamental da
sociedade, por meio do qual se provê a continuação da união de
todos sob a direção de pessoas e vínculos de leis estabelecidas pelos
que estão autorizados a fazê-las, mediante o consentimento e a
designação por parte do povo, sem o que nenhum homem ou grupo
de homens pode ter autoridade para fazer leis que obrigue a todos os
restantes (op. cit.:136).

Como uma espécie de resumo de sua obra, Locke, no final de seu Segundo
Tratado sobre o Governo, coloca os elementos fundamentais que fazem os contratantes
abandonarem a liberdade que tinham no Estado de natureza e aderirem, por assim dizer,
à sociedade política. Nos termos de Locke
O motivo que leva os homens a entrarem em sociedade é a
preservação da sociedade; e o objetivo para o qual escolhem ou
autorizam um poder legislativo é tornar possível a existência de leis
e regras estabelecidas como guarda e proteção às propriedades de
todos os membros da sociedade, a fim de limitar o poder e moderar o
domínio de cada parte e de cada membro da comunidade, pois que
não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que o
legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam
assegurar-se entretanto em sociedade (id. ibid.:140).

Jean Jacques Rousseau (1762:61), já no início do seu Contrato Social, deixa


claro que são as convenções que legitimam qualquer autoridade entre os homens.
Afirma o autor: “Visto que homem algum tem autoridade natural sobre seus
semelhantes e que a força não produz nenhum direito, só restam as convenções como
base de toda autoridade legítima existente entre os homens”.
Este primeiro contrato retira dos homens a liberdade e o direito ilimitados que
tinham no estado de natureza, mas garante aos mesmos a liberdade civil e a manutenção
da propriedade de tudo que possuem. Cabendo ressaltar que a liberdade e a posse no
estado natural é limitada pela força, ao passo que, com o Contrato Social, a liberdade
civil encontra o seu limite na vontade geral, e a propriedade é garantida pelo título
positivo.
Refletindo sobre o processo de direção soberana da sociedade, este autor afirma
que quem tem a prerrogativa de administrar a sociedade política, emergida do pacto
social, é a vontade geral. É aí, e apenas aí, que se concentra o direito soberano de zelar
pelos destinos políticos emanados do pacto que estabeleceu a organização do Estado,

24
cujo elemento principal é a garantia do bem comum, que determina as bases sobre as
quais esta sociedade deve ser governada, cabendo ressaltar que, para Rousseau (idem:
86) a soberania não é “senão o exercício da vontade geral”. Algo indivisível e
inalienável, pois esta tem que abranger o corpo do povo. Isto é visto pelo autor como
um princípio fundamental da constituição do pacto social que estabeleceu este ser
coletivo. Portanto, a divisão de poderes não significa a divisão da soberania.
O processo de elaboração das leis é visto por Rousseau como o ato maior da
soberania. Por isso, esses sistemas de legislações devem ter como bens superiores dois
objetivos principais: a liberdade e a igualdade. E argumenta o autor: “a liberdade,
porque qualquer dependência particular corresponde a outro tanto de força tomada do
corpo do Estado, e a igualdade, porque a liberdade não pode subsistir sem ela”. (id.,
ibid:127).
Aliás, Rousseau repudiava qualquer possibilidade de renúncia da liberdade do
indivíduo em favor da necessidade de escolher representantes. Segundo Durkheim,
Rousseau recusava a necessidade desta renúncia por vários motivos:
1) Esta alienação só é racional se ela for feita em troca de alguma
vantagem; 2) Não se pode alienar a liberdade das gerações futuras;
3) Renunciar a sua liberdade, é renunciar à sua qualidade de homem
e esse abandono não tem compensação possível; 4) Enfim, um
contrato que estipule em favor de um dos contratantes uma
autoridade absoluta é inútil, pois nada pode estipular para o outro
que não tem direito (DURKHEIM, 1980:354).

Todavia, o conceito de liberdade defendido por Rousseau é totalmente oposto ao


conceito de liberdade empregado pelos defensores do liberalismo. Segundo Cassirer, a
preocupação de Rousseau ao refletir sobre a liberdade
não se trata de emancipar e libertar o indivíduo, no sentido de
libertá-lo da forma e da ordem da comunidade; trata-se, antes, de
encontrar a espécie de comunidade que protegerá cada indivíduo
com todo o poder conjunto da organização política, de tal modo que
o indivíduo, ao unir-se com todos os outros, obedeça, contudo,
apenas a si mesmo neste ato de união (CASSIRER, 1980:395).

Com relação ao governo, este é visto por Rousseau (Op. cit: 141) como um
corpo intermediário no Estado, posicionado entre o povo e soberano. O governo é algo
que só existe em função do soberano, devendo adotar as suas ações a partir da vontade
geral e das leis, como elementos que determinarão a sua força. Pois, pelo pacto
estabelecido para criar a comunidade política, existe apenas um soberano que é o
conjunto das pessoas, que, enquanto corpo, são portadores da vontade geral. E para que

25
não haja o afrouxamento do corpo político, é necessário que o príncipe submeta as suas
ações às regras estabelecidas pela soberania.
Aliás, os conceitos de soberania e vontade geral em Rousseau estão relacionados
ao conjunto da sociedade; enquanto um corpo político ativo. É a ação política que
caracteriza a coletividade dos indivíduos como um corpo soberano. Comentando sobre
as reflexões de Rousseau a esse respeito Durkheim afirma que para esse autor
a vontade geral é infalível, quando é ela mesma. Ela é ela mesma
quando parte de todos e tem como objeto a coletividade em geral [...]
Ela não pode pronunciar-se nem sobre um homem, nem sobre um
fato. Com efeito, o que a torna competente quando se pronuncia
sobre o corpo da nação indistintamente, é que então é o árbitro e a
parte de um mesmo ser considerado sobre dois aspectos. O soberano
é o povo no estado ativo; o povo é o soberano no estado passivo
(DURKHEIM, 1980:365).

Na concepção de Rousseau (Op. cit.:147) a decisão sobre quem deve governar


deve ficar a cargo do soberano, que confiará a administração de acordo com o que julgar
mais conveniente. O soberano “pode confiar o governo a todo o povo ou à maior parte
do povo, de modo que haja mais cidadãos magistrados do que cidadãos simples
particulares”. Aliás, é na definição da extensão do governo que Rousseau define a sua
forma. Ou seja, quando o governo é confiado a todo o povo ou à maior parte dele,
verifica-se o governo democrático; quando o governo é confiado a uma pequena parte
do povo, verifica-se o governo aristocrático e quando é confiado apenas a um
magistrado, o governo é monárquico.
Rousseau vê a existência de governos como uma espécie de mal com relação ao
qual se deve estar sempre atentos, pois – em que pese o papel que este assume como
uma espécie de mediador entre a vontade soberana e os súditos aos quais ele deve
aplicar-se, é intermediário entre o corpo político concebido como soberano e o corpo
político como Estado; este também é a fonte da ruína da sociedade. Segundo Durkheim,
Rousseau, ao comentar sobre o governo nas sociedades, afirma que
ele é o que é de corruptível nelas e o que determina sua corrupção.
Com efeito, em virtude de sua natureza, ele faz um esforço contínuo
contra a soberania [...]; e como não há outra vontade particular que
seja suficientemente forte para contrabalançar a do príncipe, que a
vontade geral é afetada de uma fraqueza constitucional, disso resulta
que, cedo ou tarde, o poder governamental deve superar o do povo; o
que é a ruína do estado social (DURKHEIM, 1980:375).

Devido à sua preocupação com a possibilidade de usurpação do poder por uma


minoria de representantes que têm o papel de fazer cumprir as leis, é que Rousseau
defende a democracia como modelo ideal de sistema político, pois via este sistema

26
como a melhor forma da vontade geral dominar as vontades particulares. Todavia,
afirma Rousseau
“tomando-se o termo no rigor da acepção, jamais existirá uma
democracia verdadeira. É contra a ordem natural governar o grande
número e ser o menor número governado. Não se pode imaginar que
permaneça o povo continuamente em assembléia para ocupar-se dos
negócios públicos e compreende-se facilmente que não se poderia
para isso estabelecer comissões sem mudar a forma de
administração” (id. Ibid:150).

É justamente pela sua preocupação com a possibilidade de usurpação do poder


pelos representantes que Rousseau volta-se para Roma, procurando resgatar as
experiências de assembléias populares, que serviam de antídoto contra a tirania política.
Para o autor, as assembléias têm uma importância fundamental para avaliação e
questionamento das posturas assumidas pelo príncipe. Por isso, essas devem ser
realizadas enquanto mecanismo de salvaguarda do corpo político, funcionando como
freio do governo e reafirmação da soberania popular. Para Rousseau
a soberania não pode ser representada pela mesma razão porque
não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a
vontade absolutamente não se representa. É ela mesma ou é outra,
não há meio termo. Os deputados do povo não são, nem podem ser
seus representantes; não passam de comissário seus, nada podendo
concluir definitivamente. É nula toda lei que o povo diretamente não
ratificar; em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e
muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do
parlamento; uma vez estes eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante
os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que
merece perdê-la (ibid: 186-87).

O autor radicaliza a sua compreensão sobre o sentido da representação, ou seja,


o que ela acarreta à soberania alcançada com o pacto político, chegando mesmo a
afirmar que “no momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre, não
mais existe” (ROUSSEAU, ibid:188-89).
Como é possível verificar, Rousseau é um defensor de um modelo de
democracia que sempre se preocupa com a garantia da vontade geral, que não significa
a soma da vontade de todos. Por isso é que ele defende a participação constante do
conjunto das pessoas em assembléias, buscando sempre o consenso, pois o que tem que
se manifestar nessas assembléias é a vontade geral e não os longos debates, as
dissensões e o tumulto, que são característicos dos interesses particulares. Além disso,
outra salvaguarda do interesse geral, é que não haja representantes que tomem as
decisões pelas pessoas, pois soberania não pode se representar sem destruir-se. Todavia,
como afirmam Durkheim (1980:373) e Jouvenal (1980:422), Rousseau defende a

27
democracia como um modelo ideal que protege a sociedade política dos usurpadores.
Embora não verifique em nenhuma experiência histórica a possibilidade de
funcionamento de um governo tão perfeito, em que governe o maior número e seja o
menor número governado.

2 - Os Dilemas da Social-Democracia

A partir de meados do século XIX, período em que a democracia burguesa já


estava bastante consolidada na Europa, começa a entrar em cena uma outra concepção
de sociedade que colocava como agente revolucionário não mais a burguesia – que
havia arruinado o sistema feudal, mas o proletariado que, a partir daquele estágio ao
qual as forças produtivas haviam chegado, passaria a ser o sujeito da história.
De posse da utopia política – conduzir a sociedade rumo ao socialismo – a tarefa
dos socialistas europeus passou a ser definir as suas táticas sobre a maneira mais eficaz
de se chegar ao socialismo. Neste sentido é que o principal debate dos socialistas, a
partir de 1850, foi sobre a importância ou não da disputa eleitoral dentro das regras
estabelecidas pela burguesia, ou seja, se a conquista do Estado burguês pelos socialistas
seria aceita pela burguesia e, além disso, se esta conquista ajudaria na tomada do poder
social e na sua conseqüente destruição.
Para a discussão deste tema será utilizado o texto de Adam Przeworski “A
social-democracia como um fenômeno histórico”. O autor afirma que “a escolha passou
a ser entre ação ‘direta’ e ação ‘política’: um confronto direto entre o mundo dos
trabalhadores e o mundo do capital ou uma luta via instituições políticas”.
(PRZEWORSKI, 1989:20).
Foi no meio desse debate que emergiu aquele que seria o principal expoente
teórico dos socialistas, Karl Marx, autor que passou a ser um defensor da organização
dos trabalhadores em um partido político e, depois de um intenso debate que culminou
na ruptura com o movimento anarquista em 1870, esse autor e a maioria dos socialistas
europeus passaram a defender a participação dos partidos socialistas nos processos de
disputas eleitorais, dentro das regras da democracia burguesa, sob a alegação de que,
através do voto, seria possível um acúmulo de forças na trajetória de “emancipação
política para a emancipação social”. (Ibid.:20).

28
Afirma o autor que “a questão essencial que se apresentava aos partidos
socialistas era, como apontou Hjalmar Branting em 1886, se “a classe dominante
respeitaria a vontade popular, mesmo que esta exigisse a abolição de seus privilégios” .
Sterki, o líder da ala esquerda dos social–democratas suecos, estava entre os que
possuíam uma opinião negativa: “suponhamos que [...] a classe trabalhadora fosse capaz
de obter a maioria no legislativo; nem mesmo dessa forma ela chegaria ao poder.
Podemos estar certos de que a classe capitalista, com isso, trataria de não prosseguir na
trajetória do parlamentarismo” (Ibid.:20).
Assim, os socialistas passaram a participar das disputas eleitorais, utilizando-as
para fins de propaganda, como um instrumento de desencadeamento da luta de classes.
“Como disse Marx em 1850. As eleições deveriam ser usadas apenas como um veículo
já pronto para a organização, agitação e propaganda” (Ibid.:22).
Os debates sobre a participação ou não no jogo político da democracia burguesa
perduraram com bastante força até o início do século XX, mesmo com o crescimento
considerável da força eleitoral dos social–democratas.
No entanto, Przeworski chama a atenção para a contingencial mudança dos
programas políticos dos social–democratas, devido ao fato de nenhum partido político,
dentro de um processo democrático, poder constar na sua plataforma apenas os
interesses de médio e longo prazo. É necessário, para atrair uma base social dispersa,
também tratar dos interesses imediatos.
Todavia, o autor afirma que “apesar de toda ambivalência, a despeito da pressão
das preocupações de curto prazo, os socialistas ingressaram na política burguesa para
ganhar eleições, obter um mandato predominantemente voltado para transformações
revolucionárias e criar a legislação que conduziria a sociedade ao socialismo. Isto era o
que objetivavam e esperavam”(Ibid.:29).
Sobre este aspecto, cita vários autores como Jaurés, Millerand e o próprio
Engels. Afirmando que o primeiro considerava a democracia “o solo mais amplo e mais
sólido em que podia pisar a classe trabalhadora [...] O alicerce que a burguesia não pode
destruir sem abrir fendas na terra e nelas despenhar-se”; que o segundo autor afirma que
“para realizar as reformas imediatas capazes de aliviar o fardo da classe trabalhadora,
habituando-a, assim, a conquistar sua própria liberdade, e para dar início, conforme
determinado pela natureza das coisas, a socialização dos meios de produção, é
necessário e suficiente que o partido socialista empenhe-se em apoderar-se do governo
por intermédio do sufrágio universal”; e que o terceiro observa que “os operários

29
alemães [...] mostraram aos camaradas de todas as nações como fazer uso do sufrágio
universal [...] Com a utilização bem sucedida do sufrágio universal [...] entrou em ação
um método inteiramente novo de luta do proletariado, e esse método rapidamente
desenvolveu-se ainda mais. Foi constatado que as instituições de Estado, nas quais se
organiza o governo da burguesia, oferecem à classe trabalhadora oportunidades
adicionais de combater essas mesmas instituições” (Ibid:30).
O autor acrescenta, ainda, uma previsão feita pelo próprio Engels, ressaltando
que “se o [progresso eleitoral] continuar dessa maneira, em fins deste século [...] tornar-
nos-emos o poder supremo no país, perante o qual todos os demais poderes terão de
curvar-se, queiram eles ou não” (Ibid:31).
Tal crença dos social–democratas de chegar ao socialismo através do voto
passou a ter uma justificativa real a partir do início do século XX. Isto porque os
partidos socialistas europeus tiveram um crescimento do número de eleitores que, em
muitos países, ultrapassou os 35% do eleitorado, sendo que em alguns países esta
percentagem ultrapassou os 40%.
Com a emergência da classe operária e a sua conseqüente organização em um
partido político que passou a disputar eleições, foi possível aos socialistas
desmistificarem uma visão burguesa da sociedade, bem como as suas próprias
instituições. Com esta participação em processos eleitorais foi possível, por exemplo –
mesmo que apenas por um período – questionar a ideologia de que a política era um
espaço de domínio autônomo da razão, cujo objetivo seria a busca do bem comum –
devendo esta se manter acima das divisões econômicas da sociedade.
A esta visão da atuação da política como busca do bem comum, os socialistas
contrapuseram a realidades de homens que agiam de acordo com os seus interesses de
classes, ou seja, a idéia de conflitos de classes foi contraposta à idéia de harmonia de
interesses. Por conta disso os socialistas propunham a abolição desse sistema.
Todavia, essas idéias de que para os trabalhadores melhorarem de vida teriam
que destruir o sistema salarial nem sempre eram bem acolhidas pelos trabalhadores. Por
isso, os socialistas tiveram dificuldades para desenvolverem as suas idéias em alguns
países. Aliás, Przeworski ressalta que alguns desses partidos tiveram dificuldades de
filiar associações de trabalhadores, muitos deles tendo que fazer concessões
doutrinárias.
Além disso, havia um dilema eleitoral real dos partidos socialistas, pois
proletariado, mesmo em momentos de pico, nunca se tornou a maioria na sociedade. Por

30
conta disso é que a social–democracia, quando conseguiu maioria relativa, teve que
fazer concessões diluindo o seu caráter de classe. Diante disso é que o autor afirma que
“o sistema democrático pregou uma peça perversa às intenções dos socialistas: a
emancipação da classe operária não poderia ser tarefa dos próprios operários se tivesse
que ser alcançada por intermédio de eleições. Restou somente a questão de ser ou não
possível recrutar uma maioria favorável ao socialismo procurando apoio eleitoral fora
do operariado”. (Ibid.:39).
Mesmo com a busca desses apoios em outros segmentos de trabalhadores e não
trabalhadores, no processo de conversão de partido de classe para partido de massa, o
autor afirma que os social–democratas nunca conseguiram maioria.
“Os social–democratas parecem condenados à condição de minoria
enquanto partido de classe, e aparentemente o mesmo ocorre quando
procuram constituir-se em um partido de massa, da nação como um
todo. Como um partido puramente de operários, não conseguem o
mandato em prol do socialismo, mas também não o alcançam como
um partido da nação inteira”. (Ibid.:42).

Para conseguir vitórias eleitorais, afirma o autor, os social–democratas acabaram


se comprometendo com os interesses imediatos das pessoas, oferecendo “crédito aos
pequenos burgueses, pensões aos empregados de colarinho branco, salário – família às
famílias (...) Ao estender seu apelo às massas, os social–democratas enfraquecem a
importância geral da classe como determinante do comportamento político dos
indivíduos”. (Ibid.:42).
Esta mudança de comportamento dos social–democratas acarretou um efeito
fundamental sobre a forma de conflitos políticos nas sociedades capitalistas. Na visão
do autor “quando os partidos social–democratas tornam-se partidos ‘de toda a nação’,
reforçam a visão da política como um processo de definição do bem-estar coletivo ‘de
todos os membros da sociedade’. A política é novamente definida consoante a dimensão
indivíduo–nação, e não em termo de classe” (Ibid:43).
Assim, há uma espécie de retrocesso dos socialistas com relação ao tema da
revolução, pois “os socialistas passaram a tomar parte em eleições visando a objetivos
finais. O Congresso de Haia da Primeira Internacional proclamou que ‘a organização
do proletariado em um partido político é necessária para assegurar a vitória da
revolução social e seu objetivo final – a abolição das classes’. O primeiro programa
sueco especificava que ‘a social–democracia difere de outros partidos políticos porque
aspira à completa transformação da organização econômica da sociedade burguesa e à
obtenção da liberação social da classe trabalhadora” (Ibid.:44-45).

31
E acrescenta que
“os socialistas iriam abolir a exploração, destruir a divisão da
sociedade em classes, remover todas as desigualdades econômicas e
políticas, eliminar o desperdício e a anarquia da produção
capitalista, erradicar todas as fontes de injustiça e preconceito.
Iriam emancipar não só o operariado, mas a humanidade, construir
uma sociedade baseada na cooperação [...]”. (Ibid.:45).

O autor observa que, mesmo tendo assumido o poder em vários países, os


social–democratas não conseguiram a maioria absoluta em nenhum deles. Por conta
disso, não se registrou, exceto em empresas isoladas, um processo de nacionalização ou
socialização dos meios de produção – algo que constava do programa dos social–
democratas. Afirma o autor que “quando os social–democratas estiveram no poder na
Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grã–Bretanha, Noruega,
Suécia, as riquezas permaneceram quase intacta, e inegavelmente não houve alterações
na propriedade privada dos meios de produção”. (Ibid: 49).
Por conta das próprias contingências históricas que impossibilitaram a
implantação do programa maximalista, adotou-se um programa minimalista, com a
realização de pequenas reformas que eram aceitas pelo status quo, compreendendo-se
que, com isso, estava-se acumulando forças em direção à utopia socialista.
O autor afirma que como os social–democratas não podiam desenvolver, de
forma imediata, um projeto de nacionalização dos meios de produção; podiam, e de fato
fizeram, melhorar as condições dos trabalhadores, a partir de medidas como o
“desenvolvimento de programas habitacionais, introdução de legislação sobre o salário
mínimo, instituição de algum tipo de proteção contra o desemprego, tributação sobre
renda e herança, pensão para os idosos”. Essas medidas eram aceitas, pois não
“modificavam a estrutura da economia nem o equilíbrio político de forças”. (Ibid.:52).
O autor observa que, apesar do longo período de participação e administração
nos Governos, até a década de 1930, os social–democratas não tinham nenhum tipo de
política econômica. Ressalta que a “teoria econômica da Esquerda era aquela que
criticava o capitalismo, afirmava a supremacia do socialismo e conduzia a um programa
de socialização dos meios de produção. Uma vez suspenso esse programa - ele ainda
não fora abandonado – não restou nenhuma política econômica” (Ibid.:52).
Segundo o autor, é apenas a partir da grande depressão em 1929 e,
principalmente, das idéias de Keynes que os socialistas passam a ter uma política
econômica. As teses keynesianas forneceram “aos social-democratas um objetivo e,
com isso, a justificativa para o seu papel no governo, simultaneamente transformando o

32
significado ideológico de políticas distributivas que favoreciam a classe trabalhadora”.
(Ibid.:53).
Referindo-se a Ohlin, o autor observa que as idéias keynesianas caminham na
direção da “nacionalização do consumo”, em contraste com a nacionalização dos
“meios de produção”, do socialismo marxista”. (Ibid.:54). E acrescenta que “a adoção
dessas idéias keynesianas não tardou a levar os social democratas a desenvolver uma
ideologia abrangente sobre o ‘Estado de bem-estar’. Os social–democratas definiram o
seu papel como sendo o de modificar a interação das forças do mercado, efetivamente
abandonando por completo o projeto de nacionalização”. (Ibid.:54).
O autor acrescenta que
enredados nos anos vinte, em uma posição de tudo ou nada, os
social–democratas descobriram um novo caminho para a reforma,
abandonando o projeto de nacionalização em favor do de bem-estar
geral. O novo projeto, na verdade, implicava um compromisso
fundamental com aqueles que ainda eram denunciados como
exploradores, mas era economicamente viável, socialmente benéfico
e, talvez mais importante, politicamente praticável sobre as
condições democráticas. (Ibid.:55).

Sobre o abandono, por parte dos social–democratas, do programa de


nacionalização dos meios de produção, o autor salienta que isso não significou que o
Estado tenha ficado fora das atividades econômicas. Tanto o é que, depois da Segunda
Guerra Mundial, alguns setores em diversos países da Europa, passaram a ser
gerenciados pelo Estado. Todavia, observa que esses setores que passaram para as mãos
do Estado ou eram setores que forneciam infra-estrutura para o desenvolvimento
capitalista, como construção de estradas, ou eram setores deficitários, como a produção
de aço ou carvão.
Comentando sobre a estrutura do sistema capitalista, instituído pelos social–
democratas, o autor afirma que foi o seguinte: “(1) o Estado responsabiliza-se pelas
atividades que não são lucrativas para as empresas privadas, mas que sejam necessárias
para a economia como um todo; (2) o governo regula, especialmente por meio de
políticas anticíclicas, o funcionamento do setor privado; (3) o Estado, aplicando
medidas pautadas pela teoria do bem-estar, atenua os efeitos distributivos do
funcionamento do mercado". (ibidem: 57). E acrescenta que “a essência da social–
democracia contemporânea reside na convicção de que o mercado pode ser dirigido para
as alocações de qualquer bem, público ou privado, que sejam preferidos pelos cidadãos,
e de que pela socialização gradual da economia o Estado pode transformar os

33
capitalistas em funcionários privados do povo sem alterar a situação legal da
propriedade privada”. (Ibid.: 57).
Para o autor, esses compromissos de manter intacta a propriedade privada dos
meios de produção, garantir a eficiência e mitigar os efeitos distributivos, levou os
social–democratas a abandonar não apenas o programa revolucionário, mas também, o
reformismo. Pois “o reformismo sempre significou um progresso gradual em direção a
transformações estruturais; tradicionalmente, encontrou sua justificativa na idéia de que
as reformas são cumulativas e se constituem em etapas, conduzindo em alguma
direção”. (Ibid.: 58).
O autor ressalta que, ao abrir mão da abolição dos meios de produção, os social–
democratas tiveram que se adaptar ao fato de administrar o Estado no modelo de
sociedade capitalista. Isto porque, ao se manter no poder numa determinada estrutura
produtiva, o governo passa a ser dependente dessa estrutura produtiva. Nos termos do
próprio autor,
qualquer governo em uma sociedade capitalista é dependente do
capital. A natureza capitalista das forças políticas que sobem ao
poder não afeta essa dependência, pois ela é estrutural – uma
característica do sistema, e não dos ocupantes de cargos
governamentais, dos vencedores das eleições. Estar ‘no poder’, na
verdade, confere pouco poder; os social–democratas são sujeitos à
dependência estrutural, como qualquer outro partido. (Ibid.:59).

Além do mais, a própria base eleitoral dos social–democratas, mantida a


estrutura produtiva dos capitalistas, não tem interesse que os lucros dos capitalistas
entrem num processo de declínio, pois isto afetaria os próprios salários dos
trabalhadores visto que “as crises do capitalismo não trazem vantagem material a
ninguém; constituem uma grave ameaça aos assalariados, pois o capitalismo é um
sistema no qual o ônus das crises econômicas recai inevitavelmente sobre os que vivem
de salários”. (Ibid.: 61).
Por conta desses impeditivos, a social–democracia abandonou o projeto do
socialismo, pois a guinada neste sentido geraria, necessariamente, uma crise “antes que
o socialismo pudesse ser organizado”. Afirma o autor que “para atingir os picos mais
elevados, é necessário atravessar um vale, e essa descida não pode ser empreendida sob
condições democráticas”. (Ibid:61).
Para que seja possível aos social–democratas ganhar eleições através do voto, é
necessário fazer uma aliança com vários setores da sociedade. E todos esses setores

34
teriam algo a perder, em curto prazo, caso houvesse uma transformação abrupta da
estrutura produtiva. Por isso é que
defrontando-se com uma crise econômica, ameaçados pela perda de
apoio eleitoral e preocupados com uma contra-revolução fascista, os
social – democratas abandonaram o projeto de transição ou, pelo
menos, fazem uma pausa, esperando por épocas mais propícias.
Armam-se de coragem e explicam a classe trabalhadora que é
melhor ser explorada que criar uma situação que envolve o risco de
ser prejudicial à própria classe. Recusam a aventurar seu destino em
um agravamento da crise.(Ibid.:65).

3 - Weber e o elitismo democrático

Ao analisar a sociedade moderna do seu tempo, Max Weber ressalta a


preponderância do Estado em relação à sociedade civil, isto porque este é detentor dos
meios de coação física legítima, o que o coloca em grandes vantagens contra as outras
formas de associações e pessoas individuais. Neste sentido, Weber (2003:529), ao
contrário dos jusnaturalistas, que viram na constituição do Estado moderno a
possibilidade de eliminar a necessidade da força física – visto que as leis positivas
resolveriam os conflitos; vê na organização deste Estado “a criação de uma associação
de dominação institucional, que dentro de um determinado território pretendeu com
êxito monopolizar a coação física legítima como meio da dominação e reuniu para este
fim, nas mãos de seus dirigentes, os meios materiais de organização”. Trata-se de um
processo de desapropriação desses meios das mãos de particulares e a conversão desses
em meios legítimos do Estado.
Outro aspecto característico do Estado moderno na concepção de Weber é um
processo de controle das decisões e das informações por um corpo de funcionários, o
que tolhe a possibilidade de intervenção dos setores sociais. Esta burocracia, mais do
que o parlamento e o próprio monarca, é quem exerce um domínio efetivo no cotidiano
da administração.
Bendix (1986:329) & Freund (1970:171) comentam sobre os princípios e os
atributos da burocracia. Para o primeiro, o cargo destes funcionários têm os seguintes
atributos:
1 – Ele goza de liberdade pessoal e é designado para o cargo através de um
contrato.

35
2 – Ele exerce a autoridade a ele delegada de acordo com regras impessoais e
sua lealdade é requisitada em nome da execução fiel de suas obrigações oficiais.
3 – Sua designação e colocação no emprego depende de suas qualificações
técnicas.
4 – Seu trabalho administrativo é sua ocupação em tempo integral.
5 – Seu trabalho é recompensado com um salário regular e perspectiva de
promoções regulares em uma carreira estável.
Comparando o Estado moderno a uma empresa, Weber (2003:540) estabelece
uma relação de dominação comum entre as duas instituições. Ao fazer isso, ele deixa
claro o papel que a burocracia assume naquele contexto. Afirma que certamente a
burocracia não é, de modo algum, “a única forma moderna de organização, do mesmo
modo que a fábrica não é, nem de longe, a única forma de empresa industrial. Mas
ambas são aquelas que imprimem seu timbre na era atual e no futuro previsível. À
burocatização pertence o futuro”. Segundo Saint-Pierre, Weber fazia as suas reflexões
sobre a burocracia, tendo como horizonte o seu próprio mundo político, no qual o
processo de burocratização se agigantava nas estruturas de dominação. A burocracia,
para Weber, “é capaz, numa perspectiva puramente técnica, de atingir o mais alto grau
de eficiência, e nesse sentido é, formalmente o mais racional e conhecido meio de
exercer a dominação sobre os seres humanos” (SAINT-PIERRE, 1994:138).
Aliás, Saint-Pierre (Ibid.:144) verifica no sistema burocrático weberiano um
sistema técnico de dominação controlado por funcionários especializados,
apresentando-se “como uma maquinaria perfeita de dominação, e, em si mesma, ‘neutra
aos valores no sentido de que, com total adequação poderia ser utilizada em qualquer
direção política’”.
Mesmo diante desta conclusão cética, no tocante à manutenção das liberdades
individuais, Weber vê a possibilidade de um controle desta burocracia a partir de
lideranças formadas no Parlamento. Estes políticos profissionais, em relação com os
funcionários especializados
garantem o controle contínuo da administração e, por meio destes, a
educação e instrução política de líderes e liderados. O que cabe
reivindicar, como pressuposto de todo trabalho produtivo do
parlamento e de toda educação política, é o caráter público da
administração, imposto pelo controle efetivo por parte do
parlamento (Ibid.:560).

Todavia, segundo Saint-Pierre (Ibid.:153) o elemento fundamental para conter a


burocracia do Estado e do partido na teoria weberiana é o líder carismático. Sob a

36
argumentação de que “este se caracteriza pelo modo de agir não racional, dirigido
especialmente a despertar emoções nos seus seguidores”.
A solução para conter a estrutura burocrática, apresentada no parágrafo anterior,
mostra uma certa descrença em relação ao tema da democracia. Por outro lado, pode-se
notar uma outra característica de Weber em relação a este tema, que é uma visão elitista.
Isto pode ser comprovado em dois aspectos: o primeiro está na sua famosa divisão entre
os políticos que vivem da política e os que vivem para a política, e o segundo é a
escolha dos líderes entre os políticos profissionais no parlamento e o papel das massas.
Segundo Bendix (1986:339) numa administração burocrática a liderança deve ter, entre
outros atributos: “uma ‘disponibilidade econômica’ uma vez que o governo burocrático
sob o império da lei tornou o trabalho do político uma ocupação de tipo integral”.
Ao falar sobre os tipos de políticos, obviamente Weber assume a sua preferência
pelos que vivem para a política, num sentido econômico, ou seja, os que são
economicamente independentes dos recursos provenientes da política. Isto porque
a direção de um Estado ou de um partido por pessoas que, no sentido
econômico da palavra, vivem exclusivamente para a política e não da
política significa, necessariamente, um recrutamento ‘plutocrático’
das camadas politicamente dirigente. Somente significa isto: que os
políticos profissionais não estejam diretamente obrigados a pedir
uma remuneração por sua atividade política, tal como o precisa
fazer toda pessoa sem recurso (WEBER, 2003:535).

Nos termos de Weber (Ibid: 561) a parlamentarização significa a seleção dos


líderes parlamentares. Esta seleção rigorosa, que pressupõe um processo de educação e
formação, serve como garantia para o surgimento de parlamentares profissionais
qualificados. Somente esses “que passaram pela escola de trabalho intenso nas
comissões de um parlamento ativo, podem transformar-se em líderes responsáveis que
não sejam meros demagogos e diletantes”. O ideal de líder político em Weber, segundo
Bendix (Op.cit.: 350), é aquele que “deve ter atração carismática, a fim de vencer
eleições em condições de sufrágio universal e que passou pelas [...] comissões
parlamentares, pois, sem liderança nesse segundo sentido, uma vitória nas urnas não
pode ser traduzida em legislação efetiva e supervisão parlamentar da burocracia”.
Weber faz questão de observar que a parlamentarização e democratização não se
encontram necessariamente numa relação de reciprocidade. Inclusive chega a admitir
que sejam necessariamente opostos. O autor conclui que o “verdadeiro parlamentarismo
apenas é possível em um sistema bipartidário, e isto somente com uma dominação de
notáveis aristocráticos dentro dos partidos” (WEBER, 2003: 568).

37
Todavia, como nas democracias de massas o líder não é proclamado apenas pela
sua seleção entre os notáveis no parlamento – tendo que conquistar a confiança e a
crença das massas, surge o perigo do processo de escolha dos representantes dar-se pela
aclamação cesarista. Além disso, o perigo real, diante da questionável educação das
massas à época de Weber e à nosso época, que
reside, em primeiro lugar, na possibilidade de uma forte
preponderância de elementos emocionais na política. As ‘massas’
como tais (quaisquer que sejam as camadas sociais das quais se
compõem no caso concreto), somente pensam até depois de amanhã.
Sempre estão exposta, conforme ensina toda a experiência, à
influência atual, puramente emocional e irracional. (Ibid.:579).

Penso que Weber estava correto no seu diagnóstico sobre as condições adversas
das massas exercerem a soberania e, mesmo na atualidade, é possível notar as
limitações cognitivas em que essas se encontram para tomar decisões que definam o
futuro político da humanidade. Mas a atitude do pesquisador não deve ser a de
resignação. Portanto, um objeto não deve ser analisado para se chegar à conclusão de
como ele é; também cabe ao pesquisador apontar caminhos. Mas, obviamente, esta
postura não estava no horizonte teórico de Weber.

4 – Sobre o conceito de sociedade civil

A presente discussão sobre o conceito de sociedade civil está fundamentada nas


reflexões de Norberto Bobbio (1982), autor que trabalha com o desenvolvimento do
conceito até Gramsci. O texto de Lavalle (1999), bem mais recente, pôde incluir os
novos expoentes da discussão sobre esse conceito, particularmente Cohen e Arato; e no
texto de Silva (2004), autor que, seguindo a mesma perspectiva de Lavalle, critica os
autores que fazem a articulação entre a teoria habermasiana e o debate teórico sobre
“sociedade civil”.
Ambos os autores fazem a discussão sobre o conceito de sociedade civil
recorrendo a toda uma diversidade de pensadores que fazem as suas reflexões acerca da
organização política da humanidade, particularmente a partir do advento da
modernidade. O primeiro inclui nas suas análises autores como: Hobbes, Locke,
Montesquieu, Rousseau, Hegel, Marx e Gramsci. O segundo, além de incluir autores
como: Hobbes, Locke, Fergson, Paine, Kant, Hegel, Montesquieu, Rousseau e Marx

38
também traz os pensadores que foram responsáveis pela retomada do conceito de
sociedade civil, a partir das reflexões de Habermas: Cohen e Arato.
Na concepção dos jusnaturalistas, o advento da sociedade civil dá-se a partir do
momento em que os homens renunciam as condições de vida características do estado
de natureza e, através de um pacto entre os indivíduos, criam a sociedade política ou o
Estado, ou seja, nas reflexões daqueles autores, sociedade civil e sociedade política ou
Estado, configuravam-se em um mesmo conceito. Segundo Lavalle (1999:124) “a
sociedade civil é introduzida, por oposição ao estado de natureza, como hipótese
intermediaria na reconstrução lógica das razões legítimas do surgimento do Estado.
Mais: a sociedade civil é propriamente o Estado, ou seja, o único caminho de ser
trilhado para resolver os dilemas inerentes ao estado de natureza”. Apenas para
exemplificar a posição dos jusnaturalistas a esse respeito é só observar a passagem de
Locke, no seu Segundo Tratado Sobre o Governo (1963) citada por Lavalle (Ibid: 124):
“os que estão unidos em um corpo, tendo lei comum e judicatura – para a qual apelar –
com autoridade para decidir controvérsias e punir os ofensores, estão em sociedade civil
uns com os outros; mas os que não tem essa apelação em comum, quero dizer, sobre a
terra, ainda se encontram no estado de natureza”.
Outra corrente de pensamento ou família, para usar uma terminologia de
Lavalle, é a liderada por Hegel que ainda equaciona sociedade civil em termos do
Estados, sem fazer as mediações. Segundo Lavalle (1999:125), Hegel afirma que os
jusnaturalistas, com suas reflexões acerca do pacto que conduziria o homem do estado
de natureza à sociedade política, “condenava a sociedade civil à lamentável condição de
pura contingência”. Todavia, em que pese esse reconhecimento da sociedade civil
enquanto uma instância separada do Estado, “este aparece como única e última instância
de harmonização e humanização – que inclui imposição – de interesses, superando e
contendo dentro de si a sociedade civil”. Nos termos de Lavalle (1999:126), esta é “uma
teoria triádica da sociedade civil, na qual existe uma nítida diferença entre o mundo
privado, familiar e de particulares isolados, o mundo institucional econômico e estatal
da sociedade civil e o magno mundo político nacional e internacional do Estado”. Cabe
lembrar que na filosofia hegeliana o Estado burguês é a realização de espírito na história
e, portanto, o fim da história.
Segundo Bobbio (1982:33), é a partir desta concepção hegeliana que coloca o
Estado-Nação como o fim da realização da história, que Marx e Engels e,

39
posteriormente, Gramsci farão a crítica à visão de sociedade civil adotada por Hegel e
sua filosofia do direito (1821).
A outra corrente de pensamento é liderada por Aléxis de Tocqueville,
particularmente a partir de sua obra A Democracia na América (1835). Cabendo
ressaltar que essa corrente atribui uma grande importância à capacidade da vida
associativa, inclusive como um contraponto às estruturas formais das instituições
políticas, contribuindo sobremaneira para o processo democrático. Segundo Lavalle
(1999:127), nesta corrente de pensamento a sociedade civil “transforma seu estatuto
político adquirindo um sentido de veicular a intervenção da sociedade no Estado ou,
com maior precisão, de se opor e participar mediante as associações civis, no que tange
aos interesses da sociedade, nas diversas instâncias governamentais”.
Segundo Bobbio (1982:20), a visão da sociedade política ou civil dos
jusnaturalista, bem como a concepção hegeliana de Estado, será fortemente criticada a
partir de meados de século XIX, particularmente por Marx e Engels. Na concepção
desses autores “o Estado não é mais a realidade da idéia ética, o racional em si e para si,
mas – conforme a famosa definição de O Capital – violência concentrada e organizada
da sociedade”. Ao contrário do que defendia os jusnaturalistas, que culmina em Hegel,
“no Estado, o reino da força não é suprimido, mas antes perpetuado, com a única
diferença de que a guerra de todos contra todos foi substituída pela guerra de uma parte
contra a outra parte (a luta de classes, a qual o Estado é expressão e instrumento)”.
Segundo Bobbio (Ibid:22), para Marx e Engels, ao contrário do que afirmava
Hegel, o Estado não se coloca como a superação da sociedade civil; este “contém a
sociedade civil, não para resolvê-la em outra coisa, mas para conservá-la tal qual é; a
sociedade civil, historicamente determinada, não desaparece no Estado, mas reaparece
nele com todas as suas determinações concretas”. O que não podia ser diferente, visto
que na teoria marxiana o Estado está subordinado à sociedade civil, cumprindo um
papel de instrumento da sociedade civil burguesa, portanto, condicionado e regulado por
ela. Como é claramente observável, essa é uma concepção contrária à concepção
positiva do Estado difundida pelo pensamento jusnaturalista, em parte acatado por
Hegel.
Bobbio (1982:24) afirma que Gramsci, enquanto um autor marxista, vê o Estado
enquanto um aparelho, um instrumento que representa interesses particulares: “não é
uma entidade superposta à sociedade subjacente, mas é condicionado por essa e,

40
portanto, à essa subordinado; não é uma instituição permanente, mas transitória,
destinada a desaparecer com a transformação da sociedade que lhe é subjacente”.
Segundo Bobbio, o conceito de sociedade civil é central para reconstruir o
pensamento político de Gramsci, pois é no emprego deste conceito que Gramsci afasta-
se bastante tanto do emprego hegeliano, quanto do marxiano e engelsiano. Assim, o
conceito de sociedade civil, em Gramsci, parte das formulações marxistas que dividem a
sociedade capitalista em estrutura e superestrutura, mas, ao contrário de Marx, que
coloca a sociedade civil no momento da estrutura, Gramsci a identifica no momento da
superestrutura. Embora Bobbio ressalte que
tanto em Marx como em Gramsci a sociedade civil – e não mais o
Estado, como em Hegel – representa o momento ativo e positivo do
desenvolvimento histórico. De modo que em Marx esse momento
ativo e positivo e estrutural, enquanto que em Gramsci é
superestrutural. Em outras palavras, ambos colocam o acento não
mais sobre o Estado, como o fazia Hegel, pondo fim à tradição
jusnaturalista, mas sobre a sociedade civil, ou seja, em certo sentido,
eles inverteram Hegel. (BOBBIO, 1982:32).

Bobbio (1982: 40) verifica uma mudança significativa de Gramsci em relação a


Marx, no tocante à singularidade do lugar do conceito da sociedade civil, pois o sistema
conceitual gramsciano opera duas inversões com relação ao modo tradicional de
compreender o pensamento de Marx e Engels: “A primeira consiste no privilégio
concedido à superestrutura com relação à estrutura; a segunda, no privilégio atribuído,
no âmbito da superestrutura, ao momento ideológico com relação ao institucional”.
Nas palavras de Bobbio (1982), o conceito de hegemonia – central no
pensamento gramsciano – sofrerá mudanças no decorrer das suas reflexões teóricas.
Num primeiro momento, Gramsci usa o termo hegemonia enquanto direção política
(significado mais restrito), nos escritos de 1926; e num segundo momento ele associa
esse conceito à direção cultural (significado mais amplo) ao falar sobre o moderno
príncipe: “Gramsci propõe dois temas fundamentais para o estudo do partido moderno,
a saber, o da formação da ‘vontade coletiva’ (que é o tema da direção política) e o da
‘reforma intelectual e moral’ (que é o tema da direção cultural)”.
Bobbio (1982:50) ressalta que, ao contrário de Lênin e dos marxistas ortodoxos,
o tema do fim do Estado quando aparece em Gramsci, este é concebido como a
reabsorção da sociedade política à sociedade civil, ou seja, como os estados que
existiram até hoje são uma unidade de sociedade civil e sociedade política, de
hegemonia e dominação; a classe social que levar a sua hegemonização a um grau de

41
universalização que torne supérfluo a coerção criará as condições para a passagem a
uma sociedade regulada, ou seja, sociedade civil liberada da sociedade política. “Em
Marx, Engels e Lênin, os dois termos da antítese são: sociedade com classe / sociedade
sem classes; em Gramsci, sociedade civil com sociedade política / sociedade civil sem
sociedade política”.
Lavalle (1999:129), a exemplo dos expoentes da nova sociedade civil, não inclui
as reflexões marxianas enquanto uma corrente de pensamento acerca da sociedade civil.
Comentando sobre esse aspecto, o autor afirma que “decantada em torno ao
problemático fulcro moderno da racionalidade legitima do poder, dificilmente poderia
ocupar qualquer posição de alta hierarquia em um arcabouço teórico preocupado não
com a lógica universalizadora do Estado nem com seus fundamentos legítimos, mas
com sua crítica e aniquilação revolucionarias”. Todavia, esse autor reconhece que a
recuperação do conceito de sociedade civil foi obra dos neomarxista.
Lavalle (Ibid:128) denomina de a nova sociedade civil a retomada desse
conceito que se desenvolve a partir da reflexão de vários autores como: Gamsci, Arendt,
Luhman, Habermas, Putnam, Cohen, Arato, o próprio Bobbio, entre outros, embora
ressalte que dentre esses autores os que conseguiram um maior avanço na retomada do
conceito de sociedade civil foram Cohen e Arato. O trabalho desses autores, ao revisar
as teorias existentes sobre o conceito de sociedade civil e “se apoiando no trabalho de
pesquisa de Habermas – particularmente no âmago da teoria da ação comunicativa –,
redefiniu a sociedade civil de forma a sistematizar o crescente uso do termo nas últimas
décadas, a repensar problemas históricos particulares e a possibilitar a pesquisa
empírica”.
Segundo Lavalle (Ibid:131), neste novo modelo da sociedade civil, esta é
pensada como um pólo oposto ao Estado; e que, nesta dicotomia “o pólo axiológico
positivo corresponde à sociedade civil, convertida em protagonista de um incessante
conflito com o Estado, que, por sua vez, ocupa a posição do antagonista e o pólo de
valor negativo”.
O autor mencionado acima ressalta que esta reflexão conseguiu contrapor a
sociedade civil ao Estado e, além disso, colocou esta como portadora e transmissora do
interesse geral. Entretanto, o autor adota uma postura crítica com relação aos critérios
usados por essa teoria para incluir as associações no novo conceito de sociedade civil,
pois, “para se enquadrar nesses parâmetros é preciso se tratar de associações não-
estatais e não-econômicas, de base voluntária e aparição mais ou menos espontânea, o

42
que exclui sindicatos, partidos políticos, igrejas, cooperativas, universidades e um
amplo leque de formas as mais variadas de organização” (LAVALLE: 1999,131).
Segundo Lavalle, esta reflexão da nova sociedade civil teve uma ressonância
muito grande num mundo que lutava por democratização, tanto no Leste Europeu como
na América Latina, ou seja, tratou-se de um projeto político que passou a orientar a ação
pela redemocratização, num momento de crise das teorias de luta de classes e dos
movimentos sociais. Porém, com o processo de redemocratização, essa teoria, além de
perder
pertinência nas suas tarefas de apreensão analítica ou de orientação
prática [...] se defronta com um caráter problemático de três de suas
principais tendências: em primeiro lugar, tem resultado
paradoxalmente consoante com tendências conservadoras atuais
como a retração do Estado; em segundo lugar, e diante da
desproteção social de amplas camadas da população, tem favorecido
o desprezo pelas instituições do sistema político; e por último, tem se
convertido no principal marco de referência da exponencial
multiplicação de ONGs, que parecem estar consolidando um setor de
serviços de intermediação social afastado das intenções normativas
do modelo (LAVALLE, 1999:134-35).

Ao comentar sobre a realidade brasileira a partir do processo de


redemocratização, Silva (2004:3) afirma que, empiricamente, não é possível verificar a
existência de dois pólos independentes: a sociedade civil e o Estado, e muito menos
identificar na sociedade civil o pólo portador das virtudes cívicas, como indicam os
trabalhos de Sérgio Costa (1994, 1997) e Leonardo Avritzer (1994, 1996, 2000). Ao
contrário do que afirma a perspectiva normativa, a sociedade civil “seria altamente
heterogênea e marcada por diversas características (clientelismo, autoritarismo, baixa
densidade associativa, heteronomia frente aos autores políticos e governamentais, etc.)
que problematizaria a vinculação direta entre associativismo civil e democratização”.
Segundo Silva (2004: 4), outro foco de crítica a essa teoria normativa advém das
análises das experiências de Orçamento Participativo e de Conselhos de Políticas
Sociais, que, a partir dos anos de 1990, começaram abrir as gestões públicas às
intervenções da sociedade civil. A perspectiva de que essas iniciativas, que possibilitam
a expressão dos interesses destes setores sociais, geraria a efetiva democratização, “têm
sido problematizadas na medida em que, em grande parte dos casos, não vem
conseguindo alterar de forma significativa as estruturas e dinâmicas políticas
tradicionais”.
Silva (2004: 5 e 6) a partir da “sociologia configuracional” de Norberto Elias
(1994, 1998, 1999), tece algumas críticas sobre a teoria normativa. A primeira crítica do

43
autor sobre a teoria normativa recai sobre “a sua tendência a uma abordagem não-
relacional da sociedade civil [...] Esta abordagem resulta numa apreensão reificada da
sociedade civil, a qual teria uma ‘natureza’ específica predeterminada”. A segunda
crítica é que a abordagens normativas estão marcadas por um viés dicotômico e
maniqueísta, ou seja, “a realidade é interpretada a partir de uma visão polarizada (neste
caso, contrapondo sociedade civil e sociedade política ou campo político-institucional),
na qual cada um dos pólos encarna a positividade ou a negatividade, que assim são
absolutizadas”. A terceira crítica é que as abordagens normativas têm uma tendência a
uma “apreensão estética, a-histórica de seus ‘objetos’ de análises (no caso, a sociedade
civil”. E, por fim, o autor destaca ainda “a ausência e/ou fragilidade dos fundamentos
empíricos oferecidos como suporte aos pressupostos normativos”.

5 - A importância do pluralismo para a democracia

Este tópico tem como referencial a discussão de Paul Hirst a respeito do


pluralismo.
O autor retoma a discussão sobre o pluralismo, ressaltando a importância da
contribuição deste referencial teórico para o debate democrático do século XX,
particularmente as análises de Dahl, que fora responsável pela elaboração do conceito
de poliarquia, ao mesmo tempo em que critica a postura do pensamento marxista, que
questiona os equívocos teóricos e políticos da tese dos pluralistas.
Hirst afirma que “os pluralistas consideram que o poder encontra-se
relativamente difuso nos países industriais do Ocidente em que há democracia
representativa, e em mais uns poucos casos, como a Índia”.
Hirst (1992: 49) retoma a leitura de R. H. Dahl, através do seu livro Um Prefácio
à Teoria Democrática (1956), para concluir que, ao contrário do que afirmam os seus
críticos quando Dahl observava, por exemplo, que todos os grupos ativos e legítimos
poderiam se fazer ouvir no desenvolvimento constitucional americano “não significa a
inclusão de todos os cidadãos no processo político. Ressalta e enfatiza que muitos
cidadãos são passivos, que a renda e a fortuna, bem como os recursos políticos, estão
desigualmente distribuídos.”
No bojo desta discussão acerca da extensão da participação e interferência
política dos diferentes grupos na tomada de decisão é que Dahl (1992: 50) elabora o seu

44
conceito de “poliarquia”. Na definição deste autor, poliarquia é vista “como a
competição relativamente aberta de elites políticas por meio de disputas eleitorais
periódicas, num sistema político em que há uma pluralidade de forças, organizações e
formas de influências políticas sobre a tomada de decisões”. Isto significa que este
conceito está relacionado à idéia de competição democrática mínima, visto que para
esse autor as condições máximas para a democracia são praticamente irrealizáveis, fato
que é constado pelos sistemas administrativos vigentes no estágio em que desenvolvia
as suas reflexões.
Hirst (1992:50) destaca que, do ponto de vista ideológico, o que estava em jogo
na análise que os críticos tinham com relação aos pluralistas é que estas reflexões
funcionaram como justificativa da democracia ocidental, visto que “o pluralismo foi
contraposto ao conceito de ‘totalitarismo’, para ressaltar o caráter negativo deste,
mostrando o Ocidente como inerentemente democrático e o Leste socialista como
barbaramente autoritário”.
Hirst divide os críticos do pluralismo em dois grupos: os marxistas e os radicais.
No primeiro grupo, ele coloca Ralph Milliband e Nicos Poulantzas. No segundo, ele
coloca Pateman.
O autor observa que, dentro do próprio marxismo havia posições diametralmente
opostas sobre a natureza do Estado e o modo como a classe dirigente exercia a
dominação.
“Milliband, em O Estado na Sociedade Capitalista, afirmou que o
pluralismo era empiricamente errado, que os membros da classe
dirigente controlavam as decisões-chave e que as classes
subordinadas tinham uma influência mínima sobre qualquer matéria
que afetasse a base econômica e as relações políticas do capitalismo.
Além disso, sustentou que, através da ideologia e do seu controle
sobre a educação e a mídia, a classe dirigente conseguia impor sua
visão a uma parcela significativa das classes subordinadas”.
(HIRST, 1992: 51).

Ao passo que

“para Poulantzas, tanto em sua resenha do livro de Milliband como


em Poder Político e Classes Sociais (1973), a terceira dimensão era
básica. Independentemente de sua fortuna pessoal real, de sua base
educacional ou de suas crenças subjetivas, os membros da classe
dirigente são impelidos a agir de determinado modo pelo papel
estruturante do Estado capitalista”. (Id. Ibid.).

Hirst (1992: 54) defenderá a tese de superioridade da argumentação pluralista


com relação à teoria marxista e a prática socialista revolucionária, pois a argumentação

45
pluralista atinge estas em seus dois pontos mais vulneráveis: o fracasso da esquerda
socialista em vencer disputas eleitorais relativamente abertas e secretas, com sufrágio
adulto universal; e a formulação marxista de alternativa democrática ao capitalismo
(democracia direta). Esta é vista como utópica, visto que “uma tal democracia direta é
inviabilizada pela extensão da população e a complexidade das tarefas num país
industrial avançado de tamanho médio, ao passo que um Estado menor seria incapaz de
se defender contra predadores externos”.
Adotando uma mistura de posicionamento teórico e posicionamento político, ao
comparar a poliarquia (forma minimalista de democracia) e as alternativas marxistas e
socialistas, segundo ele, inexistentes e provavelmente utópicas, afirma que as primeiras
“seja como for, funcionam na escala de uma sociedade industrial
complexa e de fato proporcionam o pouco que prometem – alguma
influência sobre as decisões e algumas liberdades políticas para as
pessoas comuns que tem tempo, dinheiro e energia para delas fazer
uso. Além disso, o socialismo autoritário também existe e desagrada
tão vivamente à maioria das pessoas comuns que, se lhes fosse dado
escolher entre ele e uma forma minimalista de democracia, optariam
esmagadoramente pela segunda” (Ibid:54).

Hirst observa que os marxistas levam em consideração a competição política no


interior da classe dirigente, bem como, os reflexos da competição nos processos
políticos da sociedade mais ampla. Segundo ele, o que falta aos marxistas é “uma
explicação teórica rigorosa sobre o modo como a classe dirigente se divide e como isso
afeta sua direção. Essa explicação é fornecida pelo pluralismo, através do conceito de
poliarquia” (Ibid: 56).
Com relação aos críticos radicais, estes vêem limitações nas explicações
pluralistas do poder e defendem reformas democráticas, para possibilitar o rompimento
com o controle ilegítimo dos grupos poderosos sobre a agenda política. Um dos
exemplos destes críticos é “Pateman (Participation) que destaca o valor da tradição da
democracia direta e de participação” (Ibid:57).
Todavia, Hirst afirma que Dahl, apesar de ser um expoente da poliarquia,
defende a democracia participativa, ressaltando a importância desta em locais menores e
a auto-gestão de empresas de tipo cooperativo. Visto que este autor está interessado em
modos de preservar algum grau de democracia – isto é, uma influência controladora
pelo povo – na organização política de grandes dimensões, diverge assim de Max
Weber, que vê na democracia representativa uma forma plebiscitária de escolha e
legitimação dos líderes que passam então a dominar as massas com um poder autoritário

46
de mando. Isto é observado não apenas em Um Prefácio à Teoria Democrática de
(1956), como em sua obra mais recente Sobre a Democracia de (1982).
Hirst ressalta a importância de algumas condições objetivas para que seja
possível o funcionamento do pluralismo defendido por Dahl, ou seja, para que o seu
modelo pluralista funcione a contento é necessário

“primeiro, que as relações subculturais e intergrupais não sejam tão


fragmentadas e antagonísticas a ponto de minar o consenso
necessário à competição política estável; segundo, que o poder
político não seja tão concentrado e fechado a ponto de impedir a
competição política efetiva” (Ibid: 58).

Hirst afirma que a poliarquia não está em consonância com o conceito de tirania
da maioria de Tocqueville, nem com o plebiscitanismo autoritário de Max Weber. No
caso do primeiro conceito, Dahl questiona a idéia tocquevilliana de que o povo “é corpo
igual e amorfo de cidadãos”. No caso do segundo conceito, Dahl defende a existência
“da competição política entre uma pluralidade de interesses e partidos organizados (...).
O povo por ser organizado e organizável, e estar representado por partidos concorrentes,
tem uma influência limitada, mas real” (Ibid:59).
Por isso é que para Dahl, “a poliarquia não é uma mera forma de legitimação do
poder; é antes uma forma de influência do povo nas decisões remota e limitada, mas
ainda assim é real”. (Ibid: 60).
O autor conclui o texto chamando a atenção para a necessidade da teoria
marxista fazer uma releitura do pluralismo para incorporá-la ao seu arcabouço teórico.
Principalmente a constatação empírica de que o desenvolvimento do capitalismo não
criou uma “classe trabalhadora relativamente homogênea e majoritária” (Ibid:66).
Desde que se descarte esse pressuposto e se admita que a “classe dirigente” é numerosa,
a necessidade de uma teoria como o pluralismo dentro do marxismo se torna evidente.
Cabe ressaltar que o projeto político do marxismo, que inclusive está para além
de Milliband e Poulantzas, não se conformava com o mínimo possível dentro de um
determinado contexto; sempre partiu da análise das condições objetivas para procurar
transformá-la.
É claro que esta “postura utópica” acabou por gerar vários equívocos teóricos e
políticos, como o preconceito a várias correntes teóricas nas quais poder-se-ia buscar
elementos para alimentar a reflexão e a ação. Deste ponto de vista o processo não seria a
desqualificação pura e simples. Muitas análises que foram desqualificadas,

47
principalmente a partir do socialismo real, poderiam tornar-se fundamental para o
marxismo. No caso do pluralismo, muito mais para a reflexão do que para a ação.

6 - A esfera pública habermasiana

Um dos principais teóricos da democracia da segunda metade do século XX foi,


sem sombra de dúvida, Jürgen Habermas.
Este autor teve um papel fundamental no tocante a reintrodução do tema da
argumentação nos processos de elaboração teórica e prática da democracia, quando
trouxe para o centro deste debate o conceito de esfera pública. Segundo Lavalle (1999:
128), foi a partir da sua teoria da ação comunicativa que autores como Arato e Cohen
redefiniram o conceito de sociedade civil, colocando-a como um pólo independente do
Estado.
Cabe ressaltar que este autor não relaciona o termo público a algo que está
formalmente ligado ao Estado ou a administração pública. Nos termos do próprio
Habermas, certos eventos são públicos quando “são acessíveis a qualquer um”
(HABERMAS, 1984:14).
A esfera pública pensada por Habermas constitui-se, em primeiro lugar, em
contraposição à autoridade da sociedade feudal, ou seja, deve ser entendida como uma
esfera privada que em conjunto age como público. Trata-se da esfera pública burguesa.
Nos termos de Habermas
a esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a
esfera das pessoas privadas reunidas em um público; elas
reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, mas
diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as
leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas
publicamente relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do
trabalho social (HABERMAS, 1984: 42).

Este autor privilegia um segmento para elaboração do conceito de esfera pública,


pois este se encontra na linha divisória entre Estado e sociedade. Este segmento restrito
que tem o papel fundamental no exercício da influência sobre o Estado e as políticas
públicas (Arato, 2002; Cohen, 1998; Avritzer, 2000; Faria, 2000) é um segmento seleto
da sociedade civil burguesa que intermedia, através da opinião pública, a atuação do
Estado em consonância com as necessidades da sociedade. A esfera pública
propriamente dita é a esfera pública literária.

48
Por tratar-se de uma esfera pública burguesa literária, que se desenvolveu ainda
no contexto de decadência da sociedade feudal, tinha como tarefa a criação de uma
consciência política que articula contra a monarquia absoluta, a concepção de leis
genéricas e abstratas e que, por fim, aprende a se auto-afirmar, ou seja, afirmar a
opinião pública como única fonte legítima das leis. No transcurso do século XVIII, a
opinião pública já pretenderá ter competência legislativa para aquelas normas que
devem a ela mesma o seu conceito polêmico-racionalista” (Ibid: 71).
Comentando sobre o processo de desenvolvimento político da esfera pública na
Inglaterra e no continente europeu, Habermas cita o surgimento da imprensa, de
partidos, de parlamentos, de brisões de um confronto entre autoridade e publicidade.
Neste sentido, surge em vários países da Europa a reivindicação de direitos
fundamentais referentes à esfera pública (liberdade de opinião e de expressão, liberdade
de imprensa, liberdade de reunião e de associação). Todavia, ressalta que um elemento
fundamental para sacramentar o papel da esfera pública é a publicidade dos debates
parlamentares, pois estes “garantem à esfera pública a sua influência, assegura a
conexão entre deputados e eleitores como parte de um único público” (Ibid:104).
Habermas afirma que há uma decomposição dos contornos da esfera pública
burguesa. Por outro lado, as teorias sociais, como o marxismo, que prega a destituição
da sociedade civil fictícia burguesa pela sociedade real no poder legislativo. Isto gerou a
expansão dos direitos civis e políticos para todas as classes sociais no âmbito desta
sociedade de classes. Todavia, afirma o autor
“nem o modelo liberal nem o modelo reducionista são adequados
para o diagnóstico de uma dimensão pública que, de modo
particular, flutua entre ambas as constelações estilizadas do modelo.
Duas tendências, dialeticamente inter-relacionadas, assinalam uma
decadência da dimensão pública: ela penetra esferas cada vez mais
extensas da sociedade e, ao mesmo tempo, perde a sua função
política, ou seja, submeter os fatos tornados públicos ao controle de
um público crítico. A esfera pública parece perder a força de seu
princípio, publicidade crítica, à medida que ela se amplia enquanto
esfera, esvaziando, além disso, o setor privado” (Ibid: 167-68).

Retomando um tema recorrente da Escola de Frankfurt, o papel devastador da


comunicação de massas como instrumento de despolitização e dominação, o autor
afirma que havia uma mudança negativa de cenário em que o público pensava cultura
para um público que passou apenas a consumir cultura. Neste momento a esfera pública
literária (principal agente) perde o seu caráter específico. Isto porque “a cultura
difundida através dos meios de comunicação de massa é particularmente uma cultura de

49
integração: ela integra não só informação e raciocínio, (...) é suficientemente elástica
para também assimilar, ao mesmo tempo, elementos da propaganda, até mesmo para
servir como uma espécie de super-slogan” (Ibid: 207).
Este novo contexto levou a um processo de submissão das instituições políticas
do Estado de direito burguês, inclusive do parlamento, às regras manipulativas
publicitárias da propaganda. Muitas vezes o Estado tem que se voltar a seus cidadãos
como consumidores, fazendo uso para isso, da publicidade, esquivando-se do processo
institucionalizado da esfera pública política. (Ibid: 229).
O processo de manipulação exercida pelos meios de comunicação, que interfere
em todas as esferas de decisões políticas, leva a uma perda da garantia da soberania
popular, soberania essa que é um princípio da verdade do Estado moderno. Esta
soberania popular, para Habermas, é preservada mediante a manutenção da esfera
pública burguesa (esfera pública literária) (Ibid: 276).
Diante do conflito no qual a esfera pública política estava impregnada, entre os
modelos de publicidades, o autor verificava a dificuldade de pensar em reativar a esfera
pública sem passar por um rearranjo da comunicação. Nos termos de Habermas
“uma opinião rigorosamente pública só pode estabelecer-se [...] à
medida em que ambos os setores da comunicação passam a ser
intermediado por aquele outro, que é o da publicidade crítica.
Certamente uma tal mediação só é possível, hoje, numa ordem de
grandeza sociologicamente relevante, por meio da participação de
pessoas privadas num processo de comunicação formal conduzido
através das esferas públicas internas às organizações. Uma minoria
de pessoas privadas já pertence, como membros, aos partidos e
associações públicas” (Ibid: 287-88).

Em que pese esse recorte mais ligado à idéia da ação comunicativa, autores com
os mais diferente enfoques teóricos como Sérgio Costa (1994, 1997); Leonardo Avritzer
(1994, 1996, 2000); Lavalle (1999); Faria (2000) e Silva (2004), reconhecem a
importância das reflexões de Habermas para a retomada de um debate teórico que
recolocou o tema da participação da sociedade civil nos espaços de decisões políticas,
como algo importante para a democracia no final do século XX. Apesar de Avritzer
(2000), reconhecer que “a formulação habermasiana exclui [...] a possibilidade de
arranjos deliberativos no nível público” pois para esse autor “a opinião pública é
informal e deve se manter informal”.

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7 - O conceito de Comunidade Cívica

O conceito de Comunidade Cívica foi elaborado por um grupo de estudiosos que


desenvolveram suas pesquisas nas décadas de 60 e 70 do século passado, a saber: Paolo
Bellucci, Sheri Berman, Giovanni Cochi, Bryan Ford, Nigel Gault, Celinda Lake,
Franco Pavoncello e Claudia Rader.
Nestas pesquisas, este grupo de estudiosos analisou a trajetória administrativa
dos governos regionais italianos que começaram a se constituir enquanto formas de
organizações sociais a partir do ano de 1100, quando os italianos estavam emergindo do
obscurantismo da Idade Média.
Enquanto estruturas formais de poder, estes governos regionais foram
organizados a partir de 1970, tendo como referência contrastante a administração
nacional que, durante vários séculos, foi altamente centralizada. Embora caiba ressaltar
que estas estruturas regionais tenham uma origem muito mais remota do que a do
governo nacional, pois a Itália até 1871 não passava de um grande número de cidades-
Estados, ou territórios que não passavam de semicolônias de Impérios estrangeiros.
Segundo Putnam
As comunas tiveram origem nas associações de voluntários que se
formaram quando grupos de vizinhos juraram auxiliar-se
mutuamente com vistas à proteção comum e à cooperação
econômica. Embora seja exagero descrever as primeiras comunas
como associações privadas, já que desde o início devem ter estado
envolvidas com a ordem pública, o fato é que elas se preocupavam
principalmente com a proteção de seus membros e de seus interesses
comuns, não estando organicamente ligadas às instituições públicas
do antigo regime (PUTNAM, 1996:136).

Apesar de admitir as limitações de igualitarismo, o autor reconhece que as


repúblicas comunais do norte da Itália medieval, com seu sistema de participação cívica,
possibilitaram grandes melhorias do ponto de vista político e econômico a seus
cidadãos. Estas organizações foram responsáveis por uma mudança radical das
instituições políticas e econômicas, criando vínculos horizontais de colaboração e
solidariedade cívica, o que, por sua vez, fortaleceu a comunidade cívica.
O autor destaca as invasões estrangeiras que a Itália sofreu a partir do século
XVI, quando passou a ser palco de várias batalhas sangrentas do Continente Europeu, as
várias moléstias que dizimaram boa parte da população italiana, bem como a crise no
comércio internacional como fatores que tiveram influência negativa nas Colônias do
Norte. Apesar disto, o autor ressalta que a partir da reunificação da Itália (1871) são as

51
colônias da referida região que se destacam no tocante à vida associativa,
particularmente no que tange ao cooperativismo, posto que continua a ocupar depois das
duas grandes guerras.
Nestas reflexões, Putnam (1996) analisa as colônias do norte da Itália
contrapondo-as às colônias do sul, procurando demonstrar em que medida as origens
cívicas das primeiras contribuíram para o desenvolvimento econômico, social e político
das mesmas no final do século XX, destacando o civismo enquanto fator determinante
deste desenvolvimento, ao mesmo tempo em que atribui o subdesenvolvimento do sul
da Itália ao baixo grau de civismo daquela região.
Refletindo sobre este tema, Putnam (1996:166) fez a seguinte ressalva: “Mas
quando tomamos por base as tradições cívicas e o desenvolvimento sócio-econômico
registrado no passado para prever o atual desenvolvimento econômico, constatamos que
o civismo é na verdade muito melhor prognosticador do desenvolvimento sócio-
econômico do que o próprio desenvolvimento”.
Resumidamente, o conceito de comunidade cívica para Putnam está fortemente
relacionado à idéia de continuidade histórica, ou seja, está condicionado a uma longa
trajetória cultural. Na conclusão do capítulo V do seu trabalho, onde melhor discute
sobre este conceito, o referido autor faz uma afirmação desanimadora para os
defensores da reforma das instituições políticas, qual seja:
Apesar deste turbilhão de mudanças, as regiões caracterizadas pela
participação cívica no final do século XX são quase precisamente as
mesmas onde as cooperativas, as associações culturais e as
sociedades de mútua assistência eram mais abundantes no século
XIX, e onde as associações comunitárias, as confrarias religiosas e
as guildas haviam contribuído para o advento das repúblicas
comunais do século XII. (PUTNAM, 1996:171).

8 - O conceito de Capital Social

Para definir o conceito de capital social, Putnam parte do questionamento da


teoria dos jogos que, a seu ver, peca por exagerar sobre a falta de perspectiva de
resolução dos dilemas da ação coletiva, pois estes não acreditam na efetividade de uma
relação baseada na confiança.
Relacionando o conceito de capital social ao de confiança, o autor observa que é
mais fácil encontrar soluções para os dilemas da ação coletiva numa comunidade cujos

52
antecedentes históricos sirvam como uma garantia de reciprocidade. Por isso Putnam
afirma que
A superação dos dilemas da ação coletiva e do oportunismo
contraproducente daí resultante depende do contexto social mais
amplo em que determinado jogo é disputado. A cooperação
voluntária é mais fácil numa comunidade que tenha herdado um bom
estoque de Capital Social sob a forma de regras de reciprocidade e
sistema de participação cívica (PUTNAM, 1996:177).

Com este enfoque, o autor está relacionando o conceito de capital social a


algumas características de organizações sociais como confiança, normas e sistemas que
contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas.
O capital social possibilita a cooperação espontânea, a exemplo do que acontece
nas associações de crédito rotativo largamente difundida nos quatro continentes, que se
caracterizam enquanto grupos que aceitam contribuir regularmente para um fundo, que
é destinado a cada contribuinte alternadamente.
Para Putnam (1996:179), este tipo de cooperação não se baseia no altruísmo,
mas numa noção muito viva da importância recíproca desta para os participantes, visto
que todos saem ganhando no processo, já que muitas destas formas de capital social
existentes – confiança, por exemplo – “são o que Albert Hirschman denominou
‘recursos morais’, isto é, recursos cuja oferta aumenta com o uso, em vez de diminuir, e
que se esgotam se não forem utilizados. Quanto mais duas pessoas confiam uma na
outra, maior a sua confiança mútua”.
Outra característica que o autor apresenta para definir capital social é que ele
normalmente constitui um bem público, ao contrário do capital convencional, que
normalmente constitui um bem privado. Reconhece, ainda, que o capital social, a
exemplo de outros bens públicos, costuma ser desvalorizado e suprido pelos agentes
privados.
O autor afirma, ainda, que “em contextos modernos e complexos, a confiança
social pode emanar de duas fontes conexas: as regras de reciprocidades e os sistemas de
participação cívica” (PUTNAM, 1996:181).
Por isso é que, apesar de envolver permuta interpessoal e obrigações recíprocas,
as relações clientelísticas não são geradoras de capital social, devido à verticalidade da
permuta e a assimetria das obrigações, pois esta é uma relação entre superiores e
subalternos, caracterizada pela dependência e não pela reciprocidade. Estas relações são
menos úteis para resolver os dilemas da ação coletiva, em virtude de sua verticalização.

53
Questionando a idéia da importância do Estado forte para resolver o dilema da
ação coletiva, o autor afirma que “os estoques de capital social, como confiança, normas
e sistemas de participação, tendem a ser cumulativos e reforçar-se mutuamente. Os
círculos virtuosos redundam em equilíbrios sociais com elevados níveis de cooperação,
confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivo. Eis as características que
definem a comunidade cívica”. (Ibid.:187).
Ressaltando que é justamente por não terem desenvolvido estas características
de comunidade cívica que as colônias do sul da Itália necessitam recorrer às soluções
hierárquicas hobbesianas para resolver os seus dilemas coletivos, utilizando-se dos
recursos da coerção, da exploração e da dependência, o que, segundo Putnam, só é
preferível como alternativa ao “Estado natural” puramente anárquico, ou seja, esta
solução só serve para os indivíduos que não são capazes de confiar nos outros.
Nos termos de Putnam
“um mínimo de segurança, mesmo que envolva exploração e
ineficiência, não chega a ser algo desprezível para quem se vê
impotente. (...) Eis uma lição a ser tirada de nossa pesquisa: o
contexto social e a história condicionam profundamente o
desempenho das instituições. Quando o solo regional é fértil, as
regiões sustentam-se das tradições regionais, mas quando o solo é
ruim, as novas instituições definham. A existência de instituições
eficazes e responsáveis depende, no jargão do humanismo cívico, das
virtudes e práticas republicanas”. (PUTNAM, 1996:187-191).

9 - O Brasil e a democracia

Revisando a vasta bibliografia sobre o Brasil, é possível constatar as


dificuldades pelas quais passa o país com relação ao processo de democratização.
Além dos três séculos de colonialismo e escravismo pelo qual passou o Brasil –
quando aparecia no cenário mundial apenas como uma parte na estrutura do sistema
imperialista, cuja função era fornecer matérias-primas para os países desenvolvidos,
especialmente a Inglaterra – o processo que culminou com a nossa independência não
partiu de um movimento emanado das aspirações do povo brasileiro, e sim, por uma
elite que havia percebido os benefícios comerciais com a grande metrópole inglesa sem
ter Portugal como intermediário. Além disso, esse processo de independência também
interessava à Inglaterra, pois esse país havia se transformado na maior potência
mundial, o que o colocava numa condição privilegiada para exercer uma pressão sobre
Portugal. Juntava-se a isso, ainda, a grande pressão exercida por determinados

54
segmentos em Portugal para que a sede administrativa da coroa, emigrada de Portugal
desde 1808 para escapar da expansão napoleônica na Europa, voltasse àquele país.
Porém, os quatorze anos em que a sede do Império Português esteve no Brasil,
fez com que as elites exportadoras instaladas nesta colônia sentissem os benefícios
dessa nova condição e passassem a nutrir um certo desejo de independência. Foram
essas elites, que estavam organizadas em torno da Casa de Bragança, formada pelos
próprios herdeiros do Trono Português, que puseram em prática o processo de
independência; processo que, pela sua peculiaridade à brasileira, não gerou nenhum tipo
de manifestação popular (contrária ou favorável) e, obviamente, nenhum derramamento
de sangue.
Todavia, cabe ressaltar que o projeto que setores da elite brasileira tinha em
mente – criar uma nação moderna – era algo que não era possível no Brasil, nem com
um pacto das elites nem, muito menos, com uma participação expressiva do povo, pois
este ainda não estava constituído enquanto coletividade.
Aliás, segundo Eric Hobsbawn (1991), na sua discussão sobre a formação do
conceito de nação, observa que ainda no início do século XX havia uma dificuldade de
trabalhar com conceito de nação. Isto fez com que o termo nação tenha sido usado
inclusive como uma ideologia expansionista que seria responsável, no entender deste
autor, pela catástrofe das duas Grandes Guerras.
Sem a preocupação com o rigor deste conceito, Carlos Guilherme Motta (2000),
no texto Viagem Incompleta, situa o processo de independência do Brasil num contexto
internacional; ou seja, no momento em que estavam dadas as condições para o
reconhecimento do status de nação pelas outras nações, o que pressupõe um tratado
internacional com a ex-metrópole, por meio do qual a nova nação passa a se preocupar
com a organização da esfera social e econômica, com a criação de estruturas
institucionais, e com outras questões como criar bancos, impor tarifas, negociar tratados
comerciais e criar moedas factível.
Mencionando Emília Viotti da Costa e Fernando Novais, Carlos Guilherme
Motta situa a emergência do Brasil enquanto nação independente dentro do contexto da
passagem do Capitalismo Mercantil para o Capitalismo Industrial na Europa, já que
naquele momento os países industrializados, particularmente a Inglaterra, passavam a
demandar a ampliação dos mercados consumidores para outras regiões do mundo, ao
mesmo tempo em que passava a adquirir desses países as matérias-primas nas melhores
condições.

55
Motta observa que, com a assinatura do Tratado Anglo-Brasileiro (1810), a
Inglaterra passou a ter uma condição muito favorável nesta relação comercial com o
Brasil colônia, condições comerciais melhores que as desfrutadas pela própria
Metrópole portuguesa.
Segundo a tese defendida por Carlos Guilherme Motta, o Brasil se tornou
econômico e politicamente independente entre 1808 e 1820, enquanto desempenhava o
papel de centro do Império Luso-Brasileiro. Independência que viria de fato em 1822,
quando o país se nega a voltar à condição de colônia a partir da volta da Família Real
Portuguesa ao seu país sede.
Todavia, no processo de Independência do Brasil, verifica-se um fenômeno que
seria comum nos momentos decisivos da história brasileira, que é um pacto entre as
elites e a exclusão total do povo. Aliás, verifica-se nesta independência muito mais um
processo de continuidade do que de ruptura com a ordem anterior, pois a tarefa da
independência comandada pelo próprio herdeiro do trono português, era a manutenção
da monarquia, da estabilidade e da integridade territorial.
Por conta dessa preocupação exagerada com a continuidade é que idéias
reformistas de um liberal que participou do processo de independência como José
Bonifácio de Andrade e Silva, eram consideradas avançadas demais para o Brasil de seu
tempo. Daí a resistência em aceitar as suas idéias de abolição da escravatura, de
integração dos índios e de homogeneização educacional e cultural legal e cívico como
pilares da construção da nação. Isto porque, ao trazer esses temas para o centro da
discussão sobre o país que se pretendia construir, José Bonifácio estava pensando na
construção de um Estado moderno que, por exemplo, pudesse gerenciar os conflitos,
proposta contraditória com os detentores deste poder no sistema escravocrata senhorial.
Além disso, o seu projeto de reforma agrária que supostamente estava preocupado com
a produtividade, acabava por possibilitar a penetração do Estado no interior da nação,
povoando o território e diminuindo o poder do latifúndio (DOLHNIKOFF, 1998).
O fato é que estas idéias de José Bonifácio, um liberal da elite brasileira, foram
vistas como avançadas demais para a elite da época. Como esta foi uma figura central
do processo de independência brasileira, inclusive fazendo parte do governo imperial, o
seu projeto foi fulminantemente atacado pelas elites agrário-exportadoras da nascente
nação. Estas elites não pretendiam “um futuro glorioso, mas um presente mais
lucrativo”. Nas palavras de Dolhnikoff (1998), a nação que se construiu no Brasil foi

56
uma nação contra as idéias de José Bonifácio, preservando todos os entraves à
construção de um Estado moderno e de uma nação moderna.
Aliás, pode-se constatar que, do ponto de vista dos referenciais que dariam
identidade à nova nação que teria que ser formada, não houve um processo de ruptura
com o período colonial. Isto nos conduziu a uma demora de mais de um século de
debate intenso com relação à definição do povo brasileiro. Reis afirma que nos anos de
1840 – 50 o Brasil estava por construir uma nação, e que
ao responder sobre o que o Brasil queria ser, a elite branca que fez a
independência respondeu que o Brasil queria continuar a história
que os portugueses fizeram na Colônia. A identidade da nação não se
assentaria sobre a ruptura com a civilização portuguesa; a ruptura
seria somente política. Os portugueses são os representantes da
Europa, das luzes, do progresso, da razão da civilização, do
cristianismo. A outra questão é o que o Brasil não queria ser? A
resposta das elites: o Brasil não queria ser indígena, negro,
republicano, latino-americano e não-católico. O que significa dizer:
o Brasil queria continuar a ser português e para isso não hesitará em
recusar ou reprimir o seu lado brasileiro. O novo país será a
continuação da colônia. A diferença é que a Coroa não é mais
exterior, mas interior. E é portuguesa ainda. (REIS, 2002:32).

Na concepção de Reis (2002) o principal teórico do Brasil em meados do século


XIX foi o historiador Varnhagen. Este autor desenvolveu as suas reflexões a partir da
questão de Von Martuis (1841) que, em uma monografia sobre o Brasil, havia levantado
a questão de se o Brasil seria melhor ou pior se o negro não tivesse sido introduzido
neste país.
Vernhagen e toda historiografia brasileira até Gilberto Freyre (1933), responderá
que o Brasil teria sido melhor sem a introdução do negro. Aliás, esse autor é um típico
exemplo de um bajulador da coroa portuguesa, justificando todos atos cometidos por
Portugal contra os levantes sociais acontecidos no Brasil. Inclusive o processo de
“civilização” e “evangelização” dos índios, que levou ao extermínio da maioria da
população nativa.
Sobre a introdução do negro no Brasil, Reis observa que Varnhagen afirma que
“sem o negro o Brasil seria muito melhor. Foi um erro a colonização africana no Brasil.
Perpetuou-se no Brasil um trabalho servil que ele se abstinha de qualificar, mas que não
se pode mais dispensar sem grandes males para o país. Para ele, o índio é que deveria
ter sido usado para o trabalho, e ataca os jesuítas que impediram a escravidão dos
gentios” (Ibid:43).

57
As dificuldades de definir-se um projeto de Estado nacional que contemplasse e,
ainda, fundasse o povo brasileiro, perdurou durante todo século XIX, contando com as
inúmeras manobras do governo imperial. Foi justamente no final daquele século que,
depois de sofrer inúmeras pressões nacionais e internacionais, o governo imperial deu
uma espécie de canetada final (com a assinatura da lei da abolição da escravatura),
fazendo passar para a história oficial, como um ato voluntário da princesa Isabel, pondo
fim à escravidão. Mais uma vez a farsa do grande acontecimento sem a intervenção do
povo. Um problema que se arrastava, há séculos, entra para a história como tendo sido
resolvido pelas elites que gravitavam em torno do decadente governo imperial, sendo
este ato capitaneado pelo governo, que manobrou enquanto pode para protelar a
escravidão. Mais uma vez opera-se a mudança pelo alto, evitando-se um conflito
popular, que poderia por em risco o próprio governo que já estava cambaleando.
É claro que essa abolição, como é abordado por vários autores (como Emília
Viotti da Costa,1978; Florestan Fernandes,1974), deu-se porque naquele momento já
não era mais conveniente para os proprietários rurais que sofriam grandes pressões e
restrições inglesas, país que há meio século já se opunha à escravidão, pois, para aquele
país, era necessário uma produção baseada no trabalho livre que gerasse um mercado
consumidor para seus produtos industrializados. Ademais, naquele momento, o Brasil já
contava com um grande contingente de mão-de-obra imigrante, que estava se
convertendo numa força de trabalho mais viável, tanto para o principal setor produtivo
agrícola (as plantações de café), como para a indústria nascente.
O processo de abolição formal da escravatura acabou sendo a última cartada dos
monarquistas para a manutenção do sistema político, adiando a mudança desse sistema
apenas por pouco mais de um ano, visto que em 1889 seria proclamada a República. O
fato é que, mesmo tendo aparecido na cena política como o responsável pela abolição da
escravatura, o governo monárquico já se encontrava em fase de ruínas, ou seja, todas as
contestações enfrentadas por esse sistema oriundas de uma população que se
transformava e se diversificava, contestações que se intensificaram a partir da Guerra do
Paraguai, acabou por criar as condições objetivas para a derrocada do mesmo em 1889.
Todavia, ao contrário do que se podia imaginar, esse movimento que derrotou a
Monarquia e implantou a República no Brasil, não contou com a participação dos
setores descontentes com o sistema político decadente. Muito pelo contrário, ficou
resumido a uma elite militar e civil. Cabendo ressaltar que coube aos primeiros a
possibilidade de indicar os dois primeiros Presidentes da República.

58
Como uma espécie de “maldição à brasileira”, a Primeira República que se
estenderia até 1930, foi um período em que o Estado esteve a serviço de uma elite
política e econômica, particularmente paulista e mineira, mas também de outros estados.
Isto gerou enormes frustrações políticas, inclusive entre intelectuais daquele período.
José Carlos Reis (2002) comentando sobre a obra de Capistrano de Abreu (1907),
observa que este autor, ao contrario de Varnhagen, traz para o centro de sua reflexão o
povo brasileiro, sendo este representado na figura do sertanejo autônomo, soberano e
orgulhoso que vive longe do Rei.
Capistrano de Abreu é um dos primeiros autores a refletir sobre a trajetória
política brasileira, optando pela tese da descontinuidade. Aliás, isso o colocou em
dilemas teóricos, pois ao analisar o passado político brasileiro, teve que se resignar
diante das contingências políticas, resvalando para o ceticismo. As suas reflexões estão
sempre a meio caminho entre o que foi e o que ele gostaria que fosse – um tipo
Florestan Fernandes.
Constatando esses dilemas de Capistrano de Abreu, Reis (2002) afirma que esse
“depois de se mostrar entusiasmado com a expressão do sentimento
patriótico entre os brasileiros, termina a sua síntese cético em
relação ao futuro deste novo povo. Para ele, a vida social não
existia, pois não havia sociedade. As questões públicas não
interessavam. No máximo se sabia se havia guerra ou paz. É
duvidoso que tivessem uma consciência nacional e até mesmo
capitanial”(Ibid.).

Apesar de verificar no passado a impossibilidade de uma independência feita sob


a liderança dos brasileiros, Capistrano verifica a possibilidade de o sujeito da historia do
Brasil vir a ser o povo brasileiro, em sua diversidade e unidade. Segundo Reis (2002)
“Capistrano é um historiador da mudança, da descontinuidade entre
o passado e o futuro do Brasil: o futuro será a realização da
Independência que o Brasil aspirou no passado, mas não realizou. O
futuro será brasileiro descontinuando o passado português. A
verdade histórica se oporá a esse passado tradicional português e
servirá à construção do futuro novo, brasileiro, a idéia da revolução
brasileira”(Ibid.).

O fato é que, em que pese as preocupações com as reformas políticas que


estavam contidas nas palavras e na Constituição dos ‘liberais republicanos’ da Primeira
República, o país continuou carente de reformas políticas nas estruturas reais da
sociedade. No entender de Oliveira Vianna (1942), continuou a haver um descompasso
entre o país formal da Constituição e o país real dos clãs eleitorais. Isto se arrastou até
1930, quando o país foi sacudido pela revolução varguista. Cabendo ressaltar que, mais

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uma vez, tratou-se de uma revolução de caráter militarista e antidemocrática, pois se
tratou de um levante militar no qual o povo, enquanto conjunto de pessoas ativas, não
participou da cena política.
Deixando o evento de 1930 de lado e voltando à análise do pensamento social
brasileiro daquela época, é possível constatar que as reflexões que se fazia sobre a
realidade brasileira passaram a incorporar elementos vindos de fora do país.
Por um lado se tinha a matriz iberista, que havia perdido campo no debate
político e teórico no primeiro quartel do século XX e ganhou uma figura de fundamental
importância para explicar o Brasil até aquele momento e projetá-lo para o futuro. Trata-
se de Gilberto Freyre autor que, entre outras obras, escreveu o clássico Casa Grande &
Senzala (1933), no qual atribuiu uma importância altamente positiva ao nosso modelo
de colonização portuguesa. Inclusiva, introduzindo no rol dos aspectos positivos da
nossa colonização o fato de essa ter introduzido nos trópicos a figura do negro. Neste
quesito, Freyre coloca uma discussão totalmente nova, pois os iberistas que o
antecederam não ousavam atribuir tanta positividade ao modelo de escravidão brasileira
e ao próprio negro; no máximo justificavam este fator como um mal necessário diante
das circunstâncias de falta de mão-de-obra.
Por outro, a matriz americanista, que ganhou um teórico de grande envergadura
como Sérgio Buarque de Holanda autor que, a exemplo de Gilberto Freyre, importa
elementos das novas teorias sociais internacionais. S. B. Holanda teve as suas reflexões
sobre o Brasil referenciadas nas teorias de modernização racionalização de Max Weber.
Segundo Reis (2002), o olhar de S. B. Holanda sobre o passado brasileiro é o olhar
urbano recentemente emergente, do homem médio das cidades que teme a violência dos
senhores do campo e as possíveis ações revolucionárias dos escravos ressentidos. Seu
desejo é o de uma organização racional da sociedade, na qual todos possam encontrar o
seu espaço, para exprimir-se segundo as regras universais e consensuais. A substituição
de um mundo de senhores e escravos por um mundo de cidadãos.
A visão de S. B. Holanda sobre o Brasil manifesta um ataque frontal às
concepções defendidas por Freyre, no tocante às características peculiares do ser
brasileiro que deveriam ser vistas como positivas. Não é por acaso que o principal alvo
de S. B. Holanda seja transformar as características de pessoalidade, afetividade e
cordialidade; elementos próprios da alma ibérica que se adaptou à vida colonial
brasileira: o isolamento rural, a ausência de espaço público, a falta de visão

60
cosmopolita, fatores que estavam sendo gradualmente superados pela mudança das
condições sociais.
A sua reflexão sobre o passado ibérico era para mostrar a necessidade deste ser
transformado. Por isso é que, ao discutir sobre a revolução, ou seja, um processo de
transformação lenta, afirma que “a nossa revolução liquida o passado, adota o ritmo
urbano e propicia a emergência de camadas oprimidas da população, únicas capazes de
revitalizar a sociedade e dar-lhe um novo sentido político. Ela significa a ruptura com as
oligarquias rurais e o advento de novos sujeitos urbanos” (Ibid.:136).
Apesar de verificar um passado nocivo ao desenvolvimento sócio-político do
Brasil, S. B. Holanda é otimista com relação ao futuro do país, verificando a
possibilidade de mudanças a partir do processo de urbanização e industrialização que
viabilizaram uma sociedade mais racional, que viabilizaria a emergência de valores de
cidadania. Por isso é que, como ressalta Reis (2002) em Raízes do Brasil, seu tema é o
futuro democrático do Brasil, que será uma novidade, uma mudança substancial com
relação ao seu passado. No tempo brasileiro ele enfatiza a mudança e não a
continuidade. “A sociedade não está dominada pelo passado, pela tradição, não está
submetida a determinismo de nenhuma espécie e não está, portanto, condenada a repeti-
lo, a continuá-lo” (Ibid:140).
Há uma outra corrente de pensamento que influenciou sobremaneira o
pensamento social brasileiro, que ganhou peso principalmente a partir das análises de
Caio Prado Jr., a corrente marxista. Este autor desenvolve as suas reflexões sobre o
Brasil verificando em nossa realidade um conflito de interesses antagônicos a que ele,
em consonância com a terminologia marxista, chama de luta de classes.
Seguindo a orientação dos chamados marxistas circulacionistas, Caio Prado
defende a tese de que o Brasil, desde o seu descobrimento, já foi integrado ao sistema
internacional enquanto um país capitalista, visto que já cumpria um papel fundamental
para o capitalismo mercantil, que era o de fornecer matéria-prima para os países
industrializados e, ao mesmo tempo, consumir os produtos manufaturados destas
economias desenvolvidas que, por sua condição de desenvolvimento ocupavam um
papel central na organização internacional do comércio.
Este autor escreveu várias obras de reflexão sobre o Brasil, mas pelas teses
polêmicas de revisão teórico-tática do projeto de revolução brasileira, a mais
controvertida de suas obras foi “A Revolução Brasileira” (1966). Nesta obra ele retoma
a reflexão sobre o programa dos comunistas brasileiros, altamente influenciados pelas

61
teses etapistas da III Internacional Comunista liderada pelos bolchevistas, para
questionar toda a parte do programa de transição que afirmava que o Brasil deveria
fazer uma revolução democrático burguesa de caráter nacional, derrotando os setores
aliados ao capital internacional para, só então, criar as condições para uma revolução
proletária. Por não verificar esse conflito de interesse entre a burguesia nacional e os
setores que se alinhavam ao capitalismo internacional, Caio Prado defende que a
revolução brasileira deveria ser comandada pelo proletariado que eliminaria, num
processo permanente, os resquícios feudais e a burguesia, ambos altamente submetidas
aos ditames do capitalismo internacional.
Reis (2002) comentando sobre a ditadura de 1964 e seu significado para os
setores democráticos, afirma que
a revolução democrático-burguesa terminou no pesadelo-realidade
da revolução autoritário-burguesa, e as elites retomaram a sua
posição de conquistadores do povo brasileiro, descendentes dos
conquistadores do Brasil. Em tal contexto, era urgente rever,
repensar, reconsiderar as interpretações e propostas anteriores,
apesar da angústia e da emoção da derrota, quando se soube que o
Brasil continuaria a ser o que sempre fora e que não mudaria, como
se sonhara (Ibid:182).

É neste contexto que Caio Prado escreve A Revolução Brasileira, tentando


reerguer os sonhos das esquerdas das diferentes organizações, que saíram bastante
derrotadas do famigerado golpe de Estado de 1964, e que precisavam avaliar melhor as
peculiaridades da história brasileira para que as idéias fossem mais bem adequadas a
esta realidade.
O curioso é que todos os autores sociais brasileiros, particularmente os de
inspiração marxista, desenvolveram as suas teses colocando a impossibilidade de
rupturas abruptas com a ordem vigente. Isto porque a característica brasileira é a de
mudanças pactuadas entre as elites, com a exclusão da grande maioria do povo
brasileiro.
Neste sentido é que Reis (2002) pensa ser inviável “propor uma ruptura
revolucionaria em uma realidade social na qual o presente mantém uma aliança sólida
com o passado”. Observa que Octávio Ianni (1989 e 1994) afirma que neste país o
presente se acha impregnado de vários passados. O Brasil moderno preservou marcas do
passado recente e remoto. Toda a complexa história do Brasil colonial está contida no
Brasil contemporâneo. O tempo histórico brasileiro tem um ritmo especial: uma
repetição monótona, uma continuidade sem grandes rupturas, um presente que sempre
revigora o passado.

62
Comentando sobre a Revolução Burguesa no Brasil de Florestan Fernandes, Reis
(2002) observa que autor supracitado sustenta que esta revolução deu-se por um
processo lento que teve início com a vinda da família real portuguesa (1808) e se
consolidou com a expansão da ordem social competitiva (pós 1888).
Com a proclamação da República (1889) é criado o Estado burguês que, ao criar
o direito e a burocracia burguesa, constituiu o indivíduo livre e igual perante a lei,
pronto para oferecer a sua força de trabalho ao mercado.
Mas Florestan observa que
“foram as oligarquias tradicional e agrária aliadas à elite dos
negócios comerciais e financeiros que decidiram, e não as classes
industriais, o que deveria ser a mudança na prática. Foi essa aliança
reacionária que comboiou os outros setores das classes dominantes,
reprimindo o proletariado e conduzindo a luta de classes.
Aparentemente, essa aliança foi destituída em 1930, mas ressurgiu
em 1937, no governo Dutra e em 1964, sem desaparecer nos
entreatos. Em 1964, a burguesia ainda estabeleceu uma relação
íntima com o capital financeiro internacional, reprimiu a subversão
política da ordem, apossou-se do Estado, que se tornou
exclusivamente burguês”. (Ibid.:230).

E acrescenta:
“Desde 1808-22 a revolução burguesa no Brasil se deu de cima para
baixo, autoritária, autocrática, repressiva. Desde o início, esta
revolução exclui a população brasileira do acesso ao poder político
e das conquistas democráticas (...). Foi uma revolução feita sob o
signo da ordem, do progresso, do desenvolvimento com segurança,
isto é, o passado não foi totalmente abolido, interrompido, como
aconteceu em processos realmente revolucionários (Ibid.:230)..

Cabe acrescentar que, com a retomada do processo democrático, o povo


brasileiro continuou distante do centro onde se decide o futuro do país. Mesmo com a
eleição de representantes dos segmentos que reclamavam a participação do povo na
cena política, o fato é que esse povo assiste atônito aos pactos conservadores da elite
que negam constantemente os direitos elementares da maioria. Os chamados setores
reacionários têm seus interesses garantidos, inclusive, nos governos de Fernando
Henrique (um intelectual que recebeu influência marxista) e de Lula (um importante
representante do novo movimento sindical que emergiu de um cenário de decadência da
ditadura militar, com a promessa de defender os interesses dos trabalhadores).
Os maiores avanços em termos democrático no Brasil são registrados nos
municípios. E é justamente por isso que este ente federativo tem despertado tanto
interesse dos pesquisadores que estão preocupados com o tema da democracia no Brasil.

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Estas iniciativas democráticas na esfera municipal, que serão discutidas no próximo
item, começaram a surgir no Brasil ainda no regime militar, expandindo-se a partir da
Constituição de 1988, quando os municípios ganham muito mais autonomia. Cabendo
ressaltar que é principalmente com o Partido dos Trabalhadores e, particularmente, com
a discussão especifica do orçamento, que é possível verificar esse processo de
democratização.

10 - Experiências de participação anteriores ao PT

Não se pode fazer uma análise de experiências como as do Orçamento


Participativo partindo do pressuposto de que antes destes projetos o que existia, do
ponto de vista da democracia participativa no Brasil, era o caos. Isto seria negligenciar
aos fatos históricos, o que não contribuiria para a realização de uma investigação
relevante do ponto de vista da transmissão de conhecimento.
Deste ponto de vista, não é possível fazer uma investigação coerente de modelos
de democracia participativa sem levar em consideração os antecedentes de civismo
encontrados nestas realidades. Por isso é que se faz necessário, ao analisar os processos
de Orçamento Participativo, partindo da reflexão sobre as diferentes organizações da
sociedade civil, que na maioria dos casos, servem de base para o desenvolvimento de
políticas públicas de cunho democrático, reconhecer as experiências pioneiras de
participação da sociedade civil nos governos.
Outro aspecto importante a ser considerado são as experiências desenvolvidas
em outros contextos e a partir de outras matrizes teóricas, mas que organizam-se tendo
em vista objetivos semelhantes. A bem da verdade, nenhuma análise sobre experiências
que pretendem, ou que parecem pretender dar respostas para questões da humanidade –
como, por exemplo, a questão da democracia – devem ser feitas a partir de datas
específicas ou de casos específicos, visto que todo fato ou toda experiência são
precedidos de outros fatos e outras experiências.
Neste sentido, ao analisar as experiências relatadas neste trabalho é necessário
que se recorra não apenas às organizações da sociedade civil: associações comunitárias,
sindicatos, igrejas, etc., mas também a outros projetos desenvolvidos em outras
localidades. Elementos que contribuem para que seja possível qualificar melhor tais
reflexões.

64
Analisando a história brasileira imediatamente anterior às administrações
petistas (pioneiras na elaboração e execução do Orçamento Participativo), podemos
verificar experiências que certamente serviram de referenciais práticos para a concepção
dos modelos de OP. Estas, juntamente aos organismos sociais ressurgidos com o
processo de redemocratização do país, criaram as condições para a implementação, a
partir de 1989, das experiências de Orçamento Participativo; cabendo observar que a
implementação do OP foi muito além dos processos participativos de Lages (SC) e Boa
Esperança (ES) e de outras iniciativas do gênero, e que, em que pese a utilização do
capital social das associações comunitárias (Abers, 1999) as experiências do OP
contribuíram para uma mudança qualitativa nas posturas políticas destas associações
comunitárias, e ainda, aumentaram significativamente o número destes organismos, ao
criarem lideranças que foram responsáveis pela fundação de várias destas associações.
Destas experiências de participação popular desenvolvidas em administrações do
MDB, portanto, anteriores às do PT, comentarei sobre duas delas: Lages (SC) e Boa
Esperança (ES), experiências estas citadas na obra de Lesbaupin (2000).
Na gestão de 1976-82, a prefeitura de Lages (na época com 180 mil habitantes)
iniciou uma experiência de governo com a participação da população procurando
resolver os principais problemas da cidade. Preocupado em dar resposta a estas
demandas e sofrendo a pressão da falta de recursos, a administração estabeleceu como
condição para a melhoria em bairros ou nas áreas rurais ou nas escolas a organização de
associações de bairro, de núcleos agrícolas e de conselhos de pais. (Lesbaupin, 2000).
Com isso, a prefeitura definiu que as obras de calçamento das ruas, por exemplo,
só seriam executadas após estas serem discutidas e escolhidas em reuniões da população
nos bairros. O mesmo acontecendo com a construção de postos médicos, com
reconstrução e ampliação de escolas, com a distribuição do serviço dos tratores que
eram mandados para o campo para arar as terras dos pequenos produtores (Alves,
1984:31).
Com este processo de participação, uma parte do problema de habitação do
município, relativo aos setores de baixa renda, foi solucionada através dos mutirões de
habitação, para os quais a prefeitura entrava com a assistência técnica e materiais e os
trabalhadores com o trabalho organizado.
Esta idéia possibilitou que já em 1980 300 casas estivessem construídas e 108
em processo de construção. E que, como desdobramentos do mesmo, tenha sido
possível a descoberta de materiais mais baratos, a pesquisa de formas tradicionais de

65
construção, a organização de uma olaria experimental, o que permitiu a redução do
custo da obra em menos da metade (Lesbaupin, idem). Nas escolas municipais, foram
criados os conselhos de pais de alunos, que passaram a participar da direção escolar
como colaboradores na busca de soluções para os problemas da escola, inclusive,
procurando adaptar os materiais didáticos à realidade local, para ligar o aprendizado ao
cotidiano das pessoas.
Mediante a constituição dos núcleos agrícolas, os pequenos agricultores
passaram a se beneficiar da utilização de tratores, emprestados pela prefeitura daquele
município. Esta parceria – através da qual a prefeitura comprava os tratores e o núcleo
organizava o serviço, pagava o combustível e garantia a manutenção básica do
implemento – possibilitou que a área arada do município fosse quintuplicada.
Isto possibilitou que a sociedade civil de Lages readquirisse uma auto-imagem
positiva de sua localidade (Alves, 1984), o que segundo o próprio Lesbaupin, 2000 é
uma constante nas experiências bem-sucedidas de administração municipal.
Outra experiência pioneira de modelo participativo citado no trabalho de
Lesbaupin (idem) foi desenvolvida na cidade de Boa Esperança (ES), num processo que
teve início na administração do prefeito Amaro Covre, que exerceu o mandato entre
1971-1972 – quando iniciou o processo de participação da comunidade – e depois de
1977 a 1982 quando pode desenvolver com um pouco mais de tempo esta experiência.
Para confirmar a regra que, a maioria dos modelos de participação popular em
governo municipais são desenvolvidos a partir de organizações prévias da sociedade
civil, o governo de Boa Esperança partiu da iniciativa da organização das comunidades
de base da Igreja Católica. Foi utilizando-se dos trabalhos da igreja católica que o
prefeito Amaro Covre criou o Conselho de Desenvolvimento Municipal de Boa
Esperança, reunindo líderes das comunidades e representantes de órgãos, entidades
sociais, econômicas e culturais.
No segundo mandato do prefeito Amaro Covre (1977-82), o Conselho de
Desenvolvimento Municipal foi retomado, passando a discutir os problemas
fundamentais do município, particularmente os relacionados ao desenvolvimento
socioeconômico. Fazia parte deste conselho, além do prefeito e o vice, os vereadores,
um representante de cada igreja, de cada sindicato, de cada órgão técnico e de crédito,
delegado de polícia, juiz de paz e os diretores das escolas. Segundo Lesbaupin, esta era,
na verdade, a assembléia soberana do município, a qual se submetiam o prefeito, a
burocracia e os vereadores.

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Com a participação das comunidades nos centros de irradiação criados pelo
governo, a prefeitura incentivou a organização dos centros de culturas permanentes
visando fixar o produtor. Incentivou a diversificação de culturas e ofereceu apoio para
os agricultores (tratores e máquinas). Paulatinamente foi ajudando a construir escolas,
postos de saúde e as estradas mais necessárias. Lesbaupin cita como resultado deste
trabalho conjunto o fato de Boa Esperança ter deixado o último lugar (53º) em
arrecadação do estado e passado a ser o 21º e, além disso, ter estancado o fluxo
migratório, aumentando a produção para 100 mil sacas de café ao ano, 26 mil litros de
leite diários e mil sacas diárias de farinha de mandioca. E ainda, que a eletrificação rural
foi levada aos povoados e foram construídos 300 quilômetros de estrada, que a rede
escolar foi ampliada (cobrindo todo município) assim como o serviço de atendimento
médico da população, com um caráter preventivo e não apenas curativo. Isto corrobora,
em larga medida, com as análises feitas por Putnam (1996) que afirma ser o civismo um
potencializador do desenvolvimento socioeconômico.
Cabe ressaltar, para concluir este item, que alguns elementos são comuns a estas
duas experiências pioneiras relatadas aqui, como a participação no processo decisório; a
capacidade de recuperação destes municípios do ponto de vista do desenvolvimento
econômico; os resultados sociais em termos de saúde, de educação, de moradia, a
ruptura com a cultura política tradicional em relação a outras esferas de governos e ao
clientelismo. Elementos que, aliás, vão estar na base das discussões sobre a elaboração
dos modelos participativos desenvolvidos no final da década de 1980, que serão
analisados no próximo capítulo.

11 – Orçamento Participativo: uma experiência prática que reforça a idéia da


democracia direta

Ao comentar sobre a chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo de Porto


Alegre, Pont (2000) afirma que uma coisa que inquietava o partido naquela cidade era a
idéia de desenvolver um projeto político que transcendesse ao modelo de democracia
representativa. Partindo do pressuposto de que a democracia representativa era muito
melhor do que os regimes autoritários, ditatoriais, mas reconhecendo suas debilidades, é
que aqueles governantes buscaram fazer algo que retomasse uma tradição histórica da
humanidade, particularmente da esquerda democrática, que é a organização de um

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modelo democrático mais substantivo. É justamente para dar respostas a esse dilema
que é criado o Orçamento Participativo.
Neste sentido, é um equívoco muito grande pensar o Orçamento Participativo
como algo que nega a democracia representativa. A bem da verdade este se coloca
como uma tentativa de correção das debilidades do modelo tradicional de democracia
que é muito permeado por um processo de burocratização que afasta os cidadãos das
decisões sobre questões públicas, como ressalta Pires:
O Orçamento Participativo representa mais um passo no sentido do
aperfeiçoamento político. Nele não somente os parlamentares devem
participar das decisões sobre finanças e políticas públicas: a
população organizada, a sociedade civil assume papel ativo, passa a
ser agente e não mero paciente. Ocorre uma radicalização
democrática. Nessa passagem, a democracia passa a ser encarada
não só como meio para atingir o fim de melhor alocação de recursos,
mas também como fim em sim mesma. (PIRES,1999:43).

Neste processo em que estão envolvidos os governo, tentado a fazer valer seu
ponto de vista e a sociedade civil, tentada a pensar que os recursos são sempre
suficientes para dá conta de todas as demandas, a organização do Orçamento
Participativo surge como uma idéia capaz de disputar a hegemonia com a visão
tradicional de governo cuja legitimação é dada exclusivamente pelo voto e pela
utilização da técnica.
Ao comentar sobre a tomada de decisão no Orçamento Participativo, Fedozzi
(1999) chama a atenção para os critérios objetivos, impessoais e universais. Segundo
este autor, neste projeto “há um evidente sentido utilitário na aplicação desse tipo de
método, o qual tende para a confecção de um orçamento mais realista, determinando
assim uma racionalidade no processo de orçamentação com resultados superiores às
técnicas convencionais, às quais geralmente resultam em orçamentos formalistas,
distantes das decisões “reais” tomadas pelos governos”.
Estes critérios objetivos e impessoais possibilitaram a organização de um
processo de elaboração do orçamento e, conseqüentemente, dos investimentos públicos
muito mais democráticos, pois abre espaços à participação da comunidade das
diferentes regiões da cidade, às quais colocam as suas demandas locais e regionais em
contraposição às demandas de outras localidades e regiões, saindo deste espaço a
elaboração de um Plano de Investimento que é uma espécie de síntese das demandas
reais da cidade.

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Este processo de fato tem gerado várias tensões com o modelo tradicional,
tecnoburocrático, pois ataca sobremaneira o poder tanto de setores da burocracia do
Estado, como do chefe do Executivo, visto que no modelo tradicional de administração
a tecnoburocracia estatal detém o monopólio do saber técnico, das informações e
procedimentos administrativos, onde prevalece o segredo burocrático e certas
linguagens cifradas (códigos urbanos, leis orçamentárias, etc.) e ainda que este modelo
gera práticas clientelistas que reproduzem por um lado a privatização do Estado e por
outro o controle estatal sobre a sociedade civil. Lembremos que estamos nos referindo
ao Brasil.
Segundo Fedozzi,
“a racionalização política empreendida pelo Orçamento
Participativo de Porto Alegre, através das regras de participação e
do método de definição dos recursos de investimentos, indica um
padrão de interação Estado/sociedade que estabelece obstáculos
objetivos, tanto as formas usuais de utilização pessoal e/ou privada
dos bens públicos, como ao acesso clientelista aos recursos públicos
do município” (ibid:159).

Para este autor, a dinâmica do Orçamento Participativo na cidade de Porto


Alegre possibilitou a constituição de uma esfera pública que parece favorecer o
exercício do controle público sobre os governantes; “criando obstáculos objetivos tanto
para a utilização pessoal/privada dos recursos públicos, por parte desses governantes,
como para a tradicional troca de favores (individual ou coletiva) que caracteriza o
fenômeno clientelista”.
Aliás, os conflitos gerados com o poder legislativo, a partir da implementação do
Orçamento Participativo, são dados justamente por conta deste processo que acaba por
quebrar a tradicional troca de favores e barganhas políticas entre os vereadores e a
comunidade, visto que no modelo tradicional os vereadores serviam de ponte entre as
demandas da comunidade e os órgãos governamentais, mecanismo que os garantem no
poder, pois os legitima junto à comunidade. No entanto, com a adoção do OP não há
como negar que não tenha havido uma crise de legitimidade dos vereadores que se
especializaram em exercer seus mandatos baseados na política tradicional. Isto tem
levado a muitos choques entre a sociedade civil e os vereadores descontentes com o
processo, choques de sentido duplo, o que leva muitos conselheiros a fazer um
questionamento equivocado sobre a importância política das instituições legislativas
para a democracia.

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Em que pese essas dificuldades de relacionamento com o legislativo, que tem
gerado posicionamentos equivocados de ambos os lados, a experiência do Orçamento
Participativo tem contribuído para a retomada de um debate democrático
participacionista, algo que pode ser analisado como uma instituição democrática da
“esfera pública”, pois possibilita a implementação de um poder visível em contrapartida
ao poder invisível que detém o poder da tecnoburocracia estatal. Esfera pública
reconhecida pela sociedade civil, principalmente, pelo processo de prestação de contas
(accountability), visto como de fundamental importância à continuidade de sua
participação do processo.
Segundo Fedozzi
“No caso da experiência do Orçamento Participativo de Porto
Alegre, um dos aspectos que enseja a constituição de uma esfera
pública de mediação institucional está no fato de que as regras do
jogo participatório pressupõem uma regularidade e, portanto, uma
previsibilidade do processo, no qual a accountability é parte
integrante, previsível e obrigatória da própria estrutura de
legitimação da gestão do orçamento” (Ibid:168).

Caracterizando o modelo democrático instituído com o Orçamento Participativo


Fedozzi (1999) afirma que este “criou um modelo de participação ampliada ou
neocorporativista, no qual a população tem a capacidade de influenciar, direta ou
indiretamente, das definições das macroprioridades, das diretrizes e da formulação,
reestruturação ou implementação de programas e políticas públicas”. Nestes modelos há
a criação de canais específicos de que surgem mediante estas consultas. Isto predomina
em todas as experiências estudadas nesta pesquisa.
Analisando comparativamente o orçamento tradicional e o Orçamento
Participativo Raul Pont afirma que:
O Orçamento Participativo altera radicalmente esse quadro, ao se
converter em um orçamento – programa, tornando a decisão da
população independente da vontade subjetiva das autoridades
constitucionais, do secretário, do lobby, da manchete do jornal, que
exige isto, exige aquilo. Por quê? Porque o compromisso está
tomado e toda a comunidade que participou do processo sobre
exatamente qual a obra que foi decidida, qual a sua localização, qual
a metragem, qual o volume, quanto custa e como isto está inserido na
projeção, na estimativa de receita e despesa do poder público.
(PONT, 2000:88).

Estes aspectos acabam por atribuir bastante poder aos participantes do


Orçamento Participativo, pois a comunidade tem conhecimento de todo o processo, o
que a credencia para exercer fortes mecanismos de controle sobre os governantes.

70
II - DUAS EXPERIÊNCIAS, DOIS MODELOS:
PORTO ALEGRE E SANTO ANDRÉ

1 - Introdução

Neste capítulo refletirei sobre duas experiências de Orçamento Participativo de


administrações do Partido dos Trabalhadores, que tiveram início no ano de 1989.
Tratam-se, portanto, de cidades pioneiras entre as que desenvolvem/desenvolveram este
modelo de definição da política de investimento: Porto Alegre (RS) e Santo André (SP).
O motivo da escolha destas duas cidades deveu-se ao fato de tratarem-se,
conforme discorrido anteriormente, de experiências ‘petistas’ que estão na matriz da
elaboração do processo de Orçamento Participativo, assim como pelo diferencial
apresentado nestas práticas administrativas em termos metodológicos e políticos, o que
teve grande influência na qualidade e duração da intervenção nas políticas públicas
nestas cidades.
Os principais diferenciais destas experiências resumem-se ao fato de na cidade
de Santo André haver um forte controle do governo sobre as definições de
investimentos, particularmente até 2001 quando o CMO (Conselho Municipal do
Orçamento) era paritário e, mesmo a partir daquele ano se conserva a paridade na
coordenação do conselho. Isto inibe sobremaneira a possibilidade de definição por parte
da sociedade, visto que formalmente conserva a preponderância do governo sobre a
sociedade civil. Ao passo que, em Porto Alegre, desde o início do processo – como
veremos no decorrer deste trabalho – o Conselho do Orçamento é composto
basicamente por representantes da comunidade.
Destacadas as devidas peculiaridades, os dois modelos de Orçamento
Participativo em questão compõem o rol das práticas bem sucedidas, pois em ambos os
casos foi possível notar um certo avanço na cultura política da população.
Em Porto Alegre, o êxito é mais visível, uma vez que os partidos que compõem
a Frente Democrática e Popular, liderada pelo Partido dos Trabalhadores,
permaneceram no governo por quatro mandatos consecutivos e o projeto aí

71
desenvolvido tornou-se referência internacional a partir da premiação recebida por
ocasião do Habitat II2.
Na análise deste capítulo, bem como, do capítulo sobre a experiência de
Araraquara, será desenvolvida uma reflexão em que, mesmo apontando algumas falhas
destes processos, se buscará demonstrar os pontos positivos dessas experiências de
Orçamentos Participativos, no que se refere ao estabelecimento de modelos
democráticos. Em consonância com a bibliografia desta área que, em sua maioria, adota
uma postura positiva com relação aos processos participativos. Segundo (Cortês, 2004:
7), “São relativamente poucos os autores (Fiorina, 1999; Pinto, 2004; Skocpol, 1999)
que analisam os fóruns participativos em uma perspectiva cética”. Sob o argumento de
que os participantes desses fóruns não representam os mais pobres ou a maioria.
Nas experiências estudadas neste trabalho esse argumento deve ser relativizado,
uma vez que há uma grande participação dos setores mais pobres da cidade – apesar
desses nem sempre manifestarem as suas demandas, embora participem do processo de
discussão e encaminhamento das propostas. Esta baixa capacidade de intervenção de
certos segmentos sociais, em processos deliberativos abertos, deve ser sempre levada
em consideração para não se adotar uma posição adesista e apologética com relação a
esses processos. Todavia também se faz necessário o cuidado para não se adotar uma
posição que aponte para o outro extremo, ou seja, adotar uma posição condenatória.

2 – Porto Alegre: a experiência de Orçamento Participativo que ganhou maior


notoriedade

2.1 – A implementação do projeto

Antes de entrar na discussão sobre o Orçamento Participativo na cidade de Porto


Alegre, cabe-me ressaltar que embora cite vários outros autores, a minha principal fonte
de referência é Luciano Fedozzi (1999) em seu brilhante trabalho: “Orçamento
Participativo: Reflexões sobre a experiência de Porto Alegre”.
Passando à análise de experiências de modelos participacionistas, é possível
notar que boa parte do êxito obtido foi fruto de um processo de aprimoramento histórico

2
2ª Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, realizada em 1996 Istambul –
Turquia.

72
de instituições democráticas da sociedade civil, o que Robert Putnam (2000) conceituou
de capital social.
Neste sentido é que autores como Silva (1999); Vitale (2004); Wampler &
Avritzer (2004) e Mantovaneli Junior (2001), chamarão a atenção para importância da
rede de instituições encontradas nesta cidade quando a “Frente Democrática e Popular”
ganhou a eleição de 1989. Instituições estas (destacando-se as Associações de
Moradores) que cumpriram um papel fundamental, segundo tais autores, para a vitória
da coalizão de esquerda que chegou ao poder naquele ano.
Questionando esta falta de critério acadêmico para a reflexão do Orçamento
Participativo, Silva observa que a explicação do OP geralmente tem se limitado a uma
reprodução de discursos construídos pelos próprios participantes do processo, na qual
predomina a idéia de que o OP é um resultado da vontade da
administração popular, que teve a capacidade política e técnica de
construir um novo arranjo institucional que permitiu a expressão e a
intervenção dos setores sociais populares organizados da cidade, os
quais viviam no final da década de 80 uma forte crise de identidade e
de projeto. (SILVA, 1999:196).

Apesar de não encontrarmos nas obras de alguns autores que estudam o


Orçamento Participativo como Fedozzi (1999), Pontual (2000), Avritzer (1997), Genro
(1999), Pont (2000), uma retomada da trajetória cívica da sociedade porto-alegrense,
também não se pode atribuir a esses uma postura deliberada de conferir às forças
políticas que administraram Porto Alegre durante dezesseis anos todo o mérito
alcançado por este modelo de democracia direta.
Mas, de fato, se faz necessário deixar claro como o faz Silva que
um dos pilares fundamentais do OP (e de forma mais genérica dos
processos de participação popular em Porto Alegre) é uma rede
associativa formada por lideranças de comunidades populares da
cidade, as quais se legitimam e legitimam o processo através da
produção de um reconhecimento público da existência de um efetivo
caráter redistributivo no OP e da abertura deste para antigas e
novas demandas identificadas e reivindicadas pela população da
cidade.(Ibid:195).

Os elementos que serviram de base para a elaboração e execução do Orçamento


Participativo na cidade de Porto Alegre já constavam nas discussões da União das
Associações de Moradores de Porto Alegre (UAMPA), que já em 1986 chamavam a
atenção para a importância de interferir na arrecadação e destinação do dinheiro
público, definir prioridades de investimento, discutir o transporte coletivo, educação,

73
saúde, moradia, esporte, cultura, etc., assim como controlar e fiscalizar a execução das
obras e serviços públicos.
Como é possível constatar pelo relato das reivindicações das Associações de
Moradores da cidade de Porto Alegre, a discussão sobre a abertura de canais de
participação da sociedade civil organizada já estava presente bem antes do ano de 1989,
momento em que a “Frente Democrática e Popular” chegou ao poder em Porto Alegre.
Portanto, estas organizações tiveram um papel fundamental na articulação do processo
político que conduziu Olívio Dutra e Tarso Genro a suplantarem os adversários na
eleição de 1988.
Cabe chamar a atenção, ainda, para o fato de que, apesar da participação no OP
se dar de forma individualizada, ou seja, as pessoas não participam enquanto
representantes de uma organização, o peso dos indivíduos no OP que fazem parte de
associações ou entidades é muito significativo. Segundo Silva (2000), são,
aproximadamente, 2/3 dos participantes.
Ainda segundo os dados do autor supracitado, dado que é corroborado por Vitale
(2004) quando se trata de indivíduos que foram eleitos representantes da população
(conselheiros e delegados), o percentual dos que participam de alguma entidade atinge
90% do total de moradores mobilizados pelo OP.3
Todavia, cabe chamar a atenção para os relatos de autores como Pont (2000);
Genro (1997); Avritzer (1999 e 2004); Vitale (2004) e, principalmente, Abers (1997)
que em suas reflexões observam que o processo do Orçamento Participativo de Porto
Alegre cumpriu um papel fundamental para o aumento significativo das organizações da
sociedade civil, particularmente as Associações de Moradores, bem como para um
processo de reeducação política destes organismos, e do próprio poder público
municipal. Num processo de crescimento político dos atores envolvidos, numa
“perspectiva relacional” (SILVA, 2004: 5).

3
Estes dados quantitativos são oriundos de uma pesquisa realizada pelo CIDADE – Centro de Assessoria
e Estudos Urbanos e pela coordenação de relações com a comunidade da Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, durante as Plenárias Regionais e Temáticas na primeira rodada do OP de 1998. Foram feitas 1039

74
2.2 – Relação do governo com a comunidade

O Orçamento Participativo na cidade de Porto Alegre, como ficou claro no item


anterior, foi organizado a partir de uma base social extremamente avançada do ponto de
vista do desenvolvimento político.
Estas condições objetivas possibilitaram às forças políticas que permaneceram
no poder por dezesseis anos uma interlocução relativamente qualificada no sentido de
viabilizar um processo de avanço no desenvolvimento de um modelo bem organizado –
no tocante à relação sociedade civil e Estado. Condições objetivas que, segundo (Silva,
2004; Vitale, 2004; Wampler & Avritzer, 2004), são fundamentais para o
desenvolvimento de processo de democratização do poder local.
Este incremento da estrutura do Orçamento Participativo fez com que o projeto
avançasse na organização de um modelo estruturado a partir de três tipos de instâncias
que estabelecem a relação entre o Executivo Municipal e os moradores de Porto Alegre:
(FIGURA 1)
1) Unidades administrativas e órgãos internos ao Executivo Municipal voltados
especialmente para a coordenação e a discussão orçamentária com os moradores. São
eles: GAPLAN (Gabinete de Planejamento), CRC (Coordenadoria de Relações com a
Comunidade).
2) Instâncias comunitárias, autônomas em relação à administração municipal, formada
por organizações de base regional, que articulam a população nos diferentes locais da
cidade.
3) Instâncias institucionais permanentes de participação comunitária: Conselho do
Orçamento Participativo (COP), Assembléias Regionais, Plenárias Temáticas, Fórum
Regional do Orçamento e Fórum Temático.

entrevistas através de questionário estruturado, com perguntas fechadas e abertas. Estes dados embasaram
o trabalho de Marcelo Kunrath Silva, que me serviu de referência para esta discussão.

75
Tabela 1 - Prefeitura Municipal de Porto Alegre/RS. Unidades e Instâncias da
Administração Municipal responsáveis pelo Orçamento Participativo.

GAPLAN FÓRUM DAS CRC FASCOM CROPs CTs


Gabinete de ASSEPLAS Coordenação Fórum das Coordenadores Coordenado
Planejamento Assessorias de das Relações Assessorias Regionais do res
Planejamento com a Comunitárias Orçamento Temáticos
Comunidade Participativo
Data de 1990 1990 1981 1990 1992 1994
Criação (informal) (informal) Em 1989
1994 vincula-se ao
(formalização) Gab. do
Prefeito
Partici- Assessores e Coordenadores Assessores e Assessores Assessores Assessores
pantes funcionários da de funcionários comunitários comunitários da CRC e/ou
Prefeitura planejamento da Prefeitura das secretarias da CRC e secretarias
Municipal das secretarias Municipal e órgãos secretarias
e órgãos
Atribui- *Coordenação *Discute os *Articula a *Discute e *Subordinados *Cada uma
ções do planejamento procedimentos relação com a propõe ao CRC das cinco
estratégico técnico- comunidade políticas de *Cada uma das temáticas
*Gerencia a administrativo através dos participação 16 regiões tem tem um CT
execução do s para a coordenadores popular, um CROP que
Plano de elaboração do regionais articulando responsável, acompanha
Investimentos orçamento e o *Coordena as tanto quanto que o processo
(PI) procedimento reuniões da 1ª possível o acompanha de discussão
*Coordena a das demandas e 2ª rodadas do trabalho das todo o nas plenárias
elaboração da comunitárias Orçamento várias processo do
proposta em cada órgão Participativo secretarias Orçamento
orçamentária do *Coordena as Participativo
exercício reuniões do
seguinte Conselho do
Orçamento
Participativo
Periodici Permanente Reuniões Permanente Semanal Permanente Permanente
dade esporádicas
Coorden Indicação do Indicação das Indicação do Indicação das Indicação da Indicação da
ação prefeito secretarias prefeito secretarias CRC CRC
municipal municipais municipal municipais
Fonte: GAPLAN/PMA e Andreatta (1995) apud FEDOZZI (1999)

Segundo autores como Vitale (2004), Avritzer (1999 e 2004) e Fedozzi (1999) o
processo de participação nas definições do Orçamento Municipal é organizado em três
etapas e a partir de duas modalidades de participação: a regional e a temática.
Estas três etapas que formavam o ciclo anual do Orçamento Participativo eram:
1) realização das Assembléias Regionais e Temáticas;
2) formação das instâncias institucionais de participação, tais como o Conselho do
Orçamento e os Fóruns de Delegados;
3) discussão do orçamento do município e aprovação do Plano de Investimento pelo
COP.

76
Na primeira etapa ocorriam as Plenárias Regionais I em cada uma das dezesseis
regiões em que estava dividida a cidade de Porto Alegre, bem como as Plenárias
Temáticas que aconteciam em locais que se prendiam ao recorte regional. Cabe destacar
que a divisão da cidade em regiões obedeceu a critérios sócio-espaciais e de acordo com
a tradição dos movimentos de moradores, tratados no item anterior.
Estas modalidades de participação (as Plenárias Regionais e Temáticas) geravam
vinte e uma Assembléias, sendo dezesseis Assembléias Regionais e cinco temáticas.
Cabe ressaltar que as Plenárias Temáticas foram organizadas a partir da gestão
de Tarso Genro (1994) para tornar o Orçamento Participativo mais democrático, visto
que estas temáticas abriram espaço para a participação de vários segmentos que estavam
às margens do processo. Os temas escolhidos para estas Assembléias foram:
1) Transporte e Circulação
2) Educação, Lazer e Cultura
3) Saúde e Assistência Social
4) Desenvolvimento Econômico e Tributação
5) Organização da cidade e Desenvolvimento Urbano
Na segunda etapa são formadas as instâncias institucionais de participação da
comunidade: o Conselho do Orçamento Participativo (COP) e os Fóruns de Delegados
oriundos das dezesseis regiões e das cinco temáticas.
Neste arranjo institucional, a principal instância de participação foi o Conselho
do Orçamento Participativo, já que foram atribuídas a esta instância as funções de entrar
em contato com as finanças municipais, bem como discutir e defender as prioridades
das Plenárias Regionais e Temáticas, devido ao fato de a elaboração do Plano de
Investimento da Prefeitura ter sido executada nesta instância; ao passo que os Fóruns de
Delegados são instâncias amplas que possuem um caráter consultivo, fiscalizador e
mobilizador, que se reúnem de forma esporádica, assumindo, entretanto, uma
importante função para a eficácia do projeto, pois mobilizam os moradores que
participam das plenárias para continuarem acompanhando o processo de elaboração do
Plano de Investimentos, assim como cumprem um papel de agentes fiscalizadores da
execução das obras definidas no OP.
A terceira etapa acontecia a partir da posse dos novos conselheiros e delegados,
nos meses de julho e agosto, quando tinha início o detalhamento da elaboração do
orçamento.

77
Durante o mês de agosto, havia uma espécie de fragmentação do processo do
OP, pois o Executivo se voltava para dentro da burocracia para tentar contemplar as
demandas dos moradores e as suas próprias demandas de acordo com as receitas
municipais. Era quando o Conselho do Orçamento Participativo, na qualidade de
instância representativa da comunidade, discutia os critérios para a distribuição dos
recursos de investimentos, definia o calendário de reuniões e analisava o Regimento
Interno.
Fedozzi (1999) observa que os trabalhos do Conselho do Orçamento
compreendiam basicamente duas fases: a)discussão dos itens de receita e despesa (que
não contém a especificação das obras) até o envio do projeto de Orçamento à Câmara de
vereadores (30 de setembro); b) elaboração do Plano de Investimentos, que constava de
uma lista detalhada de obras e atividades priorizadas pelo conselho do orçamento.
O Executivo participava da definição dos investimentos, através do Gabinete de
Planejamento (GAPLAN) e de outros órgãos do governo municipal, que iriam defender
determinados investimentos junto ao COP, investimentos esses cuja avaliação do
governo os apontou como de grande relevância para o município: “obras e projetos de
interesse global, de abrangência multiregional (que atende a diversas regiões) e os
investimentos que o governo, mediante avaliação técnica, entendia como necessários
para determinada região da cidade” (FEDOZZI, 1999: 124).
Cabe reforçar, como atestados por alguns autores Fedozzi (1999), Pontual
(2000), Pires (1999) e Pont (2000) que a distribuição dos recursos de investimentos por
parte do Executivo Municipal obedecia às decisões das instâncias do Orçamento
Participativo, que “iniciava com a indicação das prioridades pelas instâncias regionais e
temáticas e que culminavam com a aprovação pelo Conselho do Orçamento, de um
plano de investimento detalhando as obras e atividades discriminadas por setor de
investimento, por região e por toda a cidade”. (FEDOZZI, 1999:126).
Ao estabelecer critérios objetivos para a definição de investimentos, os
organizadores deste arranjo institucional conseguiram dar mais credibilidade ao
processo, pois as decisões passaram a fundamentar-se em uma metodologia que
possibilita a transparência do mesmo. Estes critérios, resumidos por Fedozzi, são: 1)
carência de serviço de infra-estrutura urbana; 2) população em áreas de carência
máxima; 3) população total da região do Orçamento Participativo e 4) prioridade
atribuída pela região aos setores de investimentos demandados por ela.

78
Tabela 2 – Critérios para a definição de investimentos
CARÊNCIA DE SERVIÇOS OU INFRA-ESTRUTURA PESO 3
Até 25% Nota 1
De 26% a 50% Nota 2
De 51% a 75% Nota 3
De 76% em diante Nota 4
POPULAÇÃO EM ÁREAS DE CARÊNCIA PESO 2
MÁXIMA DE SERVIÇOS OU INFRA-ESTRUTURA
De 4.999 habitantes Nota 1
De 5.000 a 14.999 Nota 2
De 15.000 a 29.999 Nota 3
Acima de 30.000 Nota 4
POPULAÇÃO TOTAL DA REGIÃO PESO 1
Até 4.999 habitantes Nota 1
De 50.000 a 99.999 habitantes Nota 2
De 100.000 a 199.999 habitantes Nota 3
Acima de 200.000 Nota 4
PRIORIDADE DA REGIÃO PESO 2
Da Quarta prioridade em diante Nota 1
Terceira prioridade Nota 2
Segunda prioridade Nota 3
Primeira prioridade Nota 4
Fonte: GAPLAN apud FEDOZZI (1999).

Todavia, em que pese o nível de organização que Orçamento Participativo de


Porto Alegre atingiu, Fedozzi (1999) ressalta o longo caminho percorrido para que esta
experiência ganhasse o formato atual e passasse a ser o referencial que o projeto se
tornou. O autor cita quatro fases pelas quais este modelo passou:
1) a primeira fase (1989/90) distingui-se pela inexperiência dos novos
dirigentes do Executivo e dos movimentos comunitários em promover a participação
institucionalizada, pela frustração dos moradores em função da ausência de resultados
materiais em termos de serviços urbanos e pela conseqüente crise na interação política
entre os atores comunitários e o Executivo;

79
2) num segundo momento (1990/91), ocorrem modificações internas na gestão
do planejamento municipal e a montagem de uma estrutura política-administrativa
específica para a participação comunitária;
3) na terceira fase (1991/92) consolida-se a dinâmica da participação
comunitária e o método para a escolha das prioridades dos recursos orçamentários,
verificando-se um significativo crescimento quantitativo da participação comunitária;
4) a última fase (1993/95), iniciada com a segunda gestão da Frente Popular,
caracteriza-se pela introdução de algumas modificações na estrutura e na dinâmica do
Orçamento Participativo, as quais, não obstante tenham ampliado e enriquecido o
processo participativo, trouxeram novas complexidades em seu sistema de
funcionamento.
Foi justamente nesta última fase apontada por Fedozzi que o OP de Porto Alegre
tomou duas medidas importantes para o funcionamento do projeto. A primeira foi a
efetivação de um espaço diferenciado no Orçamento Participativo, em que se passou a
discutir alguns temas específicos (as Plenárias Temáticas – sobre as quais falaremos
adiante); e a segunda medida foi tomada depois de uma grande polêmica em torno da
regulamentação do OP (apresentação de projetos do Executivo, do Legislativo e, até
mesmo de iniciativa popular) até que em 1994, contrariando um Projeto de Lei de
regulamentação do OP – oriundo da Câmara municipal (Fedozzi, idem: 146), o
Conselho do Orçamento Participativo aprovou o Regimento Interno do OP daquela
cidade, o que significou uma normatização interna da dinâmica do Orçamento
Participativo.
Em que pese essas investidas de parte do legislativo, com a elaboração de vários
Projetos de Lei tentando normatizar o Orçamento Participativo, o funcionamento deste
projeto manteve-se quase intocável ao longo dos últimos dez anos, no que diz respeito à
relação entre o Executivo e a sociedade civil.

2.3 – Especificidades metodológicas

Segundo autores como Avritzer (1999 e 2004), Vitale (2004), Fedozzi (1999),
Genro (1997) e Mantovaneli Júnior (2001) o Orçamento Participativo na cidade de
Porto Alegre efetuou uma mudança significativa na forma de gerir os recursos públicos.
É claro que, como foi tratado no item anterior, este projeto enfrentou diversas
dificuldades para constituir-se em um modelo reconhecidamente eficaz, enquanto

80
mecanismo de criação de espaços deliberativos legitimados pela maioria da sociedade
civil (legitimidade que também é confirmada pelas seguidas vitórias da Frente
Democrática e Popular, que permaneceu no poder durante dezesseis anos).
Cabe ressaltar que, apesar das condições encontradas pela Frente Democrática
que assumiu o governo municipal em Porto Alegre em 1989, cujo principal organismo
da sociedade civil eram as Associações de Moradores (SILVA, 1999, et alii), estes
novos governantes tiveram uma grande dificuldade de implementação do Orçamento
Participativo, o que se deveu à falta de experiência dos administradores, mas
principalmente, à situação financeira da Prefeitura que só melhorou a partir de 1991
(Fedozzi, 1999; Avritzer, 2004; Vitale, 2004; Pont, 2000; Genro, 1997).
Segundo Pont (2000), a primeira barreira que a Frente Democrática e Popular
teve que enfrentar quando assumiu o governo na cidade de Porto Alegre, foi criar as
condições estruturais para a retomada de uma política de investimento. Por isso é que
no primeiro ano a mais importante tarefa dos novos governantes foi, aproveitando-se
das condições criadas pela Constituição de 1988 que atribuiu maiores poderes aos
municípios no tocante à gestão financeira, fazer uma reforma fiscal que retomou o
potencial de investimento daquela cidade.
Esta reforma fiscal é apresentada pelos autores supracitados como um
componente muito importante para a elaboração e legitimação do processo do
Orçamento Participativo, elemento sem o qual o projeto teria entrado em descrédito
absoluto, pois não se pode falar em eficácia do Orçamento Participativo se os
governantes não criam ou resgatam as condições de desenvolver políticas de
investimento público.
Resolvido este impasse estrutural é que se pôde avançar no processo de
elaboração deste modelo de democracia deliberativa, estabelecendo formas e critérios
que ajudaram na dinâmica e funcionamento do processo.
Do ponto de vista dos princípios básicos (Fedozzi, 1999), o Orçamento
Participativo de Porto Alegre se desenvolveu a partir de: regras universais de
participação em instâncias institucionais e regulares de funcionamento; um método
objetivo de definição dos recursos para investimentos, que perfazem um ciclo anual de
atividades públicas de orçamento do município; e de um processo decisório
descentralizado tendo por base a divisão da cidade em 16 regiões orçamentárias.
O processo anual de discussão do Orçamento Participativo passa pelas seguintes
fases:

81
No mês de março, antes das Plenárias, ocorrem as reuniões preparatórias dos
moradores, sem a coordenação da Prefeitura Municipal, cujo objetivo é dar início ao
levantamento das demandas e reivindicações dos moradores individualmente, das
instituições comunitárias de base e/ou grupos organizados que atuam em cada região ou
temática.
Nos meses de março e abril acontecem as Plenárias Regionais I, as quais têm os
seguintes objetivos e pautas:
Prestação de contas pelo Executivo do Plano de Investimentos que foi ou
deveria ser executado no ano anterior e apresentação do Plano aprovado para o
orçamento vigente;
Avaliação do Plano de Investimentos do ano anterior pelos moradores da
região e/ou participantes das temáticas e pelo Executivo. Plano este, bastante
simplificado, constando as obras e projetos e os seus respectivos custos.
Primeiras eleições para os fóruns de delegados, adotando-se a proporção de
um delegado para cada vinte pessoas presentes na assembléia.
No intervalo entre estas Plenárias Regionais I e as Plenárias Regionais II,
acontecem as reuniões preparatórias (intermediárias), de março a junho, que também
são organizadas pela própria população nas regiões e temáticas, com acompanhamento
de um membro do Executivo.
Nos meses de junho e julho acontecem as Plenárias Regionais II e as Plenárias
Temáticas, onde: o Executivo apresenta os elementos da política tributária,
simplificados nos itens receitas e a despesas, que devem direcionar a elaboração da peça
orçamentária do ano seguinte, bem como a proposta dos critérios para a distribuição dos
recursos de investimentos; os representantes comunitários apresentam para a assembléia
dos moradores e para o Executivo as demandas priorizadas que foram aprovadas nas
reuniões intermediárias das regiões ou temáticas; são eleitos os representantes do
Conselho do Orçamento Participativo (COP), escolhendo-se dois membros titulares e
dois suplentes em cada região e temática.4
Nos meses de Julho e Agosto são empossados os novos delegados e
conselheiros, passando a se discutir o detalhamento e a confecção do Orçamento. O
Executivo busca compatibilizar as demandas da sociedade com as demandas
institucionais (propostas pelas Secretarias Municipais) para, a partir daí, apresentar uma

4
Estas informações têm como fonte Luciano Fedozzi em “Orçamento Participativo: reflexões sobre a
experiência de Porto Alegre”. Porto Alegre, Tomo Editorial, 1999.

82
primeira proposta do Plano de Investimentos para o Conselho do Orçamento
Participativo, que passa a debater em cima dessa proposta, atentando-se para o fato de
que deve fechar o Plano de Investimento definitivo até o mês de setembro, quando por
lei o Orçamento Municipal deve ser encaminhado à Câmara Municipal.
Portanto, como afirma Fedozzi:
A distribuição dos recursos de investimentos obedece a um método
processual de planejamento participativo que inicia com a indicação
das prioridades pelas instâncias regionais ou temáticas e culmina
com a aprovação, pelo Conselho do Orçamento, de um Plano de
Investimentos detalhando obras e atividade discriminadas por setor
de investimento, por região e para toda a cidade. (FEDOZZI,
1999:126).

Cabe ressaltar que todo esse processo contou com o acompanhamento da


Coordenadoria de Relações com a Comunidade e o Gabinete de Planejamento, órgãos
da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, que cumpriram um papel fundamental para a
elaboração deste modelo, baseado em critérios objetivos, discutido e aprovado pelo
Conselho do Orçamento Participativo.

2.4 – Perfil social, político e econômico dos participantes

Trabalhando com os dados apresentados por Luciano Fedozzi (1999), colhidos


em agosto de 1995, é possível notar determinadas preponderâncias no público
participante do Orçamento Participativo:

Figura 1. Renda familiar dos integrantes do Orçamento


Participativo. Porto Alegre, 1995.

até R$ 100
9
até R$ 300 30,55
até R$ 500 17,85
R$ 500 34,08
8,52
não respondeu

0 10 20 30 40

Fonte: 5FEDOZZI (1999)

5
Todos os gráficos citados neste capítulo tem como fonte FEDOZZI (1999).

83
1º) Podemos notar que este público é predominantemente originário dos setores
populares ou médios, visto que quase 60% do contingente pesquisado possui uma renda
familiar inferior a 5 salários mínimos, sendo que destes 39,55% estão na faixa igual ou
inferior a 3 salários mínimos.
2º) Outro elemento que evidencia a origem destes setores que participam do
Orçamento Participativo daquela cidade é o grau de escolaridade, pois destes
indivíduos, 53,87% têm instrução até o primeiro grau completo; destes, 5,47% não
possuem nenhuma instrução e 36,5% tem o primeiro grau incompleto.

Figura 2 . Escolaridade da população integrante do


Orçamento Participativo. Porto Alegre, 1995.

sem instrução
5,47
1º grau incompleto 36,5
1º grau completo 11,9
2º grau incompleto 12,38
2º grau completo 18,33
curso superior 13,99
não respondeu 1,45

0 10 20 30 40

3º) Podemos notar que há uma maior participação no processo entre os homens,
perfazendo um percentual de 52,25% contra 46,78% de mulheres.

Figura 3. Distribuição por sexo dos integrantes do


Orçamento Participativo. Porto Alegre, 1995.

feminino
46,78

masculino 52,25

0,96
não respondeu

0 20 40 60

Quanto mais se desloca análise da participação por sexo para os espaços de


representação, como as Associações de Moradores, o Fórum de Delegados e o Conselho
do Orçamento Participativo, verifica-se o um número ainda maior de pessoas do sexo
masculino.

84
Tabela 3 – Participação por sexo nas instâncias do Orçamento Participativo e
instâncias comunitárias. Porto Alegre, 1995.
Sexo/instância OP AMs Dir. AMs Del. OP Cons. OP
Feminino 46,78 44,90 39,53 41,28 40,00
Masculino 52,25 54,46 59,69 58,14 60,00
Não respondeu 0,96 0,64 0,78 0,58 00,00
OP (Orçamento Participativo) AMs (Associação de Moradores) Dir. AMs
(Dirigente de Mas) Del. OP (Delegado do OP) Cons. OP (Conselheiro do OP)
Fonte: FEDOZZI (1999)

4º) Um outro fator que merece atenção é a uniformidade da participação no OP


no tocante às diferentes faixas etárias, ou seja, do conjunto dos participantes: 15,76%
têm entre 16 e 25 anos; 19,13% entre 26 e 33 anos; 22,99% entre 34 e 41 anos de idade;
18,1% entre 42 e 49 anos e 22,35% têm mais de 50 anos de idade.

Figura 4. Distribuição por idade dos integrantes do


Orçamento Participativo. Porto Alegre, 1995.

16 a 25
15,76
26 a 33
19,13
34 a 41 22,99
42 a 49 18,81
mais de 50 22,35
não respondeu 0,96

0 5 10 15 20 25

5º) Outro dado importante é relativo ao associativismo, mostrando um forte laço


entre o Orçamento Participativo e as organizações da sociedade civil (particularmente as
Associações de Moradores), aspecto já demonstrado anteriormente. Cabe ressaltar que
este é um movimento de mão dupla, ou seja, tanto as Associações de Moradores
contribuem para o fortalecimento do OP, como as atividades do OP ajudam a formar
lideranças que cumprem um papel fundamental na organização e fortalecimento do OP
(Abbers, 1997). Mas o fato é que dos participantes do Orçamento Participativo 75,88%
fazem parte de alguma entidade ou Associação em seu bairro.

85
Figura 5. Participação dos integrantes do Orçamento Participativo em
algum tipo de entidade ou associação. Porto Alegre, 1995.

participa
75,88

não participa 21,7

2,41
não respondeu

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Cabe destacar que neste quesito, a maior relevância fica por conta das
associações de moradores que são citadas por 61,84% dos indivíduos que dizem
pertencer a algum tipo de organização da sociedade civil.

Figura 6. Entidades indicadas. Porto Alegre, 1995.


associação de moradores

grupo religioso ou cultural


61,84
conselho popular 8,7
comissão de rua 3,86
5,31
centro comunitário
2,65
partido político 1,93
1,45
sindicatos
4,35
cl. recreativo ou esportivo 1,83
3,14
clube de mães
4,82
cooperativas

outras 0 20 40 60 80

2.5 – Grau de intervenção da sociedade civil sobre a definição do investimento


municipal

Uma das questões fundamentais quando discutimos o Orçamento Participativo é


saber até que ponto existe uma intervenção real por parte da sociedade civil sobre a

86
forma de planejar e executar a política de investimentos do Executivo. Esta é uma
discussão feita por diversos autores como (Pontual, 2000; Vitale, 2004, Avritzer, 1999 e
2004; Pires, 1999; Abers, 2000; Fedozzi, 1999).
Comentando sobre este tema, Fedozzi (1999) chama a atenção para o processo
de participação popular, no que diz respeito à definição do Orçamento Público, que
representa um tipo de participação ampliada ou neocorporativista, por excelência,
contrastando com o modelo de participação restrita ou instrumental.
Na definição deste autor,
A participação ampliada ou neocorporativista refere-se a
capacidade de influenciar, direta ou indiretamente, as definições das
macroprioridades, das diretrizes e da formulação, reestruturação ou
implementação de programas e políticas públicas. (FEDOZZI, 1999:
174).

Referenciando-se em Bordenave (1986:30-36), Luciano Fedozzi cita alguns


elementos que determinam o grau de participação ascendente da sociedade civil, o que
define o nível de controle: informação/reação; consulta facultativa; consulta obrigatória;
elaboração/recomendação; co-gestão; delegação e autogestão.
Citando Celso Daniel (1990,1994), (Fedozzi, idem: 176) comenta sobre três
alternativas na interação entre governo e população, no tocante ao poder dos atores no
processo decisório do Orçamento Municipal:
1) A clara discriminação da proporção dos recursos do Orçamento que caberia
à decisão do Executivo e à decisão autônoma da sociedade;
2) Uma modalidade próxima da autogestão, através da transferência à
comunidade do poder de decisão sobre o orçamento, limitando-se o Executivo – a par
de responsabilizar-se pela organização do processo – em apresentar e defender as suas
propostas nas plenárias com o direito de voto somente da população;
3) E uma terceira alternativa, onde é estabelecida uma forma conjunta,
consensual, entre Executivo e Conselho do Orçamento, para a definição das prioridades.
Fedozzi qualifica a experiência de Orçamento Participativo de Porto Alegre
como fazendo parte da terceira modalidade de processo decisório do orçamento
municipal, ou seja, que este modelo é caracterizado enquanto um processo de co-gestão
dos recursos públicos, no qual o poder público municipal partilha o poder decisório por
meio “de uma dinâmica de deliberações que busca o consenso e a negociação política”.
Fedozzi (ibid.: 176) afirma que na relação entre o Conselho do Orçamento e o
Executivo havia um processo de decisão negociada, pautada por uma polêmica aguda

87
desde os primeiros anos do projeto, citando o exemplo da elaboração do Regimento
Interno (1992), em que “os representantes comunitários propunham o caráter
deliberativo do Conselho, enquanto o Executivo inclinou-se por uma forma que, na
divisão do poder, procurava resguardar a representação política e constitucional do
prefeito municipal”.
No tocante à tomada de decisões do Conselho do Orçamento, a dinâmica da
gestão do orçamento municipal era a seguinte: “as deliberações eram por maioria
simples. Essas deliberações eram encaminhadas para o Executivo e, em caso de veto,
retornavam ao Conselho para nova apreciação. A rejeição do veto do prefeito precisava
do voto de 2/3 dos Conselheiros. Na hipótese de rejeição, a matéria retornava ao
prefeito para apreciação e decisão final”. (Fedozzi, ibid. 176-77).
Apesar dos limites objetivos, apresentados pelas chamadas despesas
continuadas, limites esses que dificultam a tomada de decisão no Conselho sobre a
totalidade do orçamento, a deliberação no Conselho expressava “um processo de
negociação e mediação que ocorria num espaço público único, onde o Executivo não
podia impor de forma unilateral a sua visão ao Conselho – sob pena de deslegitimação
do processo de participação – e o Conselho precisava reconhecer a legitimidade da
representação eleitoral da Administração Municipal”. (Fedozzi, 1997:177)
Apesar de haver uma positividade na avaliação sobre o poder de decisão da
sociedade civil sobre as obras e serviços no Orçamento Participativo, percebia-se a
necessidade de um avanço neste quesito. Citando uma avaliação da opinião dos
participantes do OP em 1995, Luciano Fedozzi aponta o seguinte quadro:
“32,96% disse que a população “sempre” decide. Ao mesmo tempo, a soma das
respostas “quase sempre” (27,33%) e “às vezes” (23,79%) abarca a maioria dos
entrevistados, com 51,12%, expressando uma opinião das comunidades que relativiza o
seu poder de decisão sobre as obras e serviços. O que permite verificar uma positividade
na avaliação destes participantes, é o fato de que a soma de “sempre” e “quase sempre”
ultrapassa o índice dos 60% das opiniões, contra 24,43% que respondeu “às vezes” e
“nunca”, sendo 23,79% e 0,64% respectivamente.

2.6 – Mudança no perfil dos investimentos

Um outro elemento que está presente nas diversas reflexões acerca do OP, que
possibilita uma percepção sobre a melhoria da qualidade da democracia no município de

88
Porto Alegre, é um processo de reconfiguração na política de investimento, ou seja, o
fato de ter havido um deslocamento sócio-geográfico do montante de investimento em
obras e serviços das regiões economicamente mais abastadas para as regiões das zonas
periféricas da cidade.
Dos autores estudados sobre este aspecto, o que mais conseguiu avançar no
aprofundamento deste enfoque foi Adalmir Marquetti (2003). Este autor verifica uma
participação eminentemente ativa da sociedade civil na definição do orçamento e no
controle da cidade, o que possibilitou uma grande redistribuição dos investimentos para
as regiões pobres, gerando uma distribuição de bens e serviços públicos nestas regiões.
O processo de divisão da cidade de Porto Alegre em 16 regiões possibilitou um
maior grau de padronização regional da cidade, o que facilitou sobremaneira a
identificação das áreas de maior carência de investimentos.
Além deste processo de redefinição do mapeamento da cidade, a elaboração do
modelo de confecção do orçamento a partir de 1992, levou em consideração alguns
aspectos que possibilitaram as condições para efetivação da mudança das prioridades
dos investimentos da Prefeitura, pois os critérios adotados na elaboração do Orçamento
de 1992 passaram a levar em conta itens como: carência do serviço em infra-estrutura
urbana; população em áreas de carência máxima; população total da região do
Orçamento Participativo, etc. Portanto, características de regiões de maior carência
social.
Estes critérios possibilitaram à sociedade civil porto-alegrense um processo de
organização que viabilizou uma redistribuição de rendas. Fato observado quando se
verifica o mapa disponibilizado pela Prefeitura de Porto Alegre e que se encontra no
texto de Marquetti (2000).
O processo de redistribuição de rendas é ainda mais visível quando verificamos
a relação inversamente proporcional entre rendimento familiar das regiões e o
percentual de investimento nas regiões. É possível observar que a região nordeste possui
o menor percentual no que concerne à renda e o maior percentual no que concerne ao
número de obras por mil habitantes e de investimento per capita.
Na conclusão do texto, Marquetti reafirma que, a análise realizada mostrou que
o OP teve um efeito redistributivo, as regiões mais pobres foram as que receberam
maior montante de investimento per capita no período 1992-2000 e maior número de
obras por mil habitantes no período de 1989-2000. (MARQUETTI, 2000: 20).

89
O autor finaliza o texto sobre a política redistributiva do OP de Porto Alegre
chamando a atenção para o elemento limitador do processo de redistribuição a partir da
esfera de poder local, ou seja, as limitações das finanças públicas municipais que
impossibilitam a resolução de vários problemas que afetam a coletividade.

2.7 – Funções exercidas pelo COP

O Conselho do Orçamento Participativo é um órgão que, quando se conscientiza


do seu papel, possui um grande poder. Principalmente em modelos do Orçamento
Participativo como o de Porto Alegre, em que o a política de investimentos é definida
neste órgão.
Isto porquê, compete ao COP acompanhar todas as fases: de elaboração, de
execução e de prestação de contas da Prefeitura de Porto Alegre, o que coloca este
órgão numa posição privilegiada no tocante a todo o processo de democratização
administrativa pelo qual aquela cidade passou a partir de 1989.
Analisando o Regimento Interno, que tem cumprido um papel fundamental
como um balizador das experiências administrativas que desenvolvem o Orçamento
Participativo – uma espécie de cartilha do OP, é possível verificar como a sociedade
civil passou a ser um ator importante naquele município. O quesito que define as
atribuições deste Conselho o coloca como um órgão que possui um nível de controle
muito grande sobre a política de investimentos do Executivo Municipal.

3 – A experiência de Santo André

Antes de adentrar na abordagem sobre o Orçamento Participativo na cidade de


Santo André, cabe chamar a atenção que o meu principal referencial teórico, para
discorrer sobre aquela realidade, é a tese de doutoramento de Pedro Carvalho Pontual
(2000) – “O Processo Educativo no Orçamento Participativo: Aprendizados dos Atores
da Sociedade Civil e do Estado”.
A experiência de Orçamento Participativo da cidade de Santo André é outro
modelo bem sucedido.
Esta cidade da região do ABC Paulista foi uma das pioneiras na implementação
do OP, a partir do ano de 1989 quando, juntamente com outras cidades administradas

90
pelo PT (dentre elas a cidade de Porto Alegre), passou a desenvolver esta metodologia
de elaboração e execução do orçamento municipal.

3.1 – Sobre a implantação do projeto


Segundo Pedro Pontual (2000) o Orçamento Participativo começou a ser
implantado no município de Santo André já na primeira gestão do prefeito Celso Daniel
(PT) no período de 1989-1992. O autor comenta, ainda, que este projeto foi
interrompido com a derrota eleitoral do PT que trouxe à prefeitura uma gestão de
modelo tradicional (1993-1996) e foi retomada com novas características a partir da
segunda gestão do prefeito Celso Daniel (1997-2000), com a vitória do PT ainda no
primeiro turno das eleições de 1996.
Com relação às condições encontradas, que deram suporte à implementação do
projeto do Orçamento Participativo, o autor retoma a reflexão sobre os níveis de
civismo característicos da cidade de Santo André, que possibilitaram já no ano de 1947
a eleição do prefeito e 13 vereadores (correspondendo na época a 40% das cadeiras na
Câmara) de orientação comunista que, obviamente, não chegaram a tomar posse.
Esta trajetória de envolvimento da sociedade nos destinos políticos da cidade,
reforçada ao longo das décadas (particularmente da década de 1980), acabou criando as
condições políticas para a vitória do PT no ano de 1989. Todavia, esta conquista do
governo pela esquerda em Santo André – e em outros municípios brasileiros – não veio
acompanhada da elaboração de um projeto político exeqüível.
As forças que chegaram ao governo tiveram que aprender governando, visto que
passaram a administrar uma máquina contraditória em relação às proposições
administrativas das esquerdas que haviam ganhado as eleições: primeiro, pelas
dificuldades financeiras, devido à centralização das finanças patrocinada pelos governos
militares; segundo, pelo perfil conservador das máquinas administrativas, que
dificultava sobremaneira modelos democráticos de gestão administrativa.
Os documentos citados por Pedro Pontual (2000), organizados pela Prefeitura de
Santo André, atestam que o governo ficou mais da metade do primeiro ano de
administração patinando na implementação dos mecanismos de participação popular.
Apenas a partir de agosto de 1989, os jornais, rádios e outros meios de
divulgação como outdoors, convocaram os moradores para discutir a proposta
orçamentária para 1990 e ampliá-la com a apresentação de suas reivindicações. Era o
início do processo de envolvimento da população na definição do orçamento municipal

91
por meio dos mecanismos de participação popular; iniciativa que teve o apoio dos
movimentos sociais, das organizações religiosas e entidades civis. O que foi
considerado pelo Diário do Grande ABC como a admissão pública de total
desconhecimento de causa por parte dos governantes, dando uma dimensão política para
o orçamento quando se tratava de uma questão técnica.
Cabe chamar a atenção que Santo André assumiu um certo conservadorismo no
que tange à elaboração do orçamento. Isto se deu pela falta de clareza em relação à
forma de participação da sociedade civil. Diante desse impasse, o governo acabou por
optar por um modelo paritário no Conselho Municipal do Orçamento, algo que
engessou as ações deste Conselho.
Apesar do cuidado em manter o controle do processo de elaboração e execução
do orçamento municipal, percebe-se uma preocupação por parte do governo com uma
abertura democrática à participação da comunidade. Um documento da Prefeitura
Municipal de Santo André, do final daquele mandato, ressaltava no seu corpo que:
com o Orçamento Participativo, a administração democrática e
popular de Santo André visava favorecer essa ruptura, confrontar no
terreno da disputa pela hegemonia os valores e práticas que negam o
direito à população de opinar sobre a destinação dos recursos
públicos. Tratava-se de democratizar as informações sobre o
orçamento, de dar transparência às atividades da administração, de
contribuir para a consolidação de uma nova cultura política, na qual
a participação popular faça parte do cotidiano dos cidadãos.
(PMSA, 1992:39).

Neste documento da PMSA (1992), recorrentemente citado por Pedro Pontual,


consta que no ano de 1989 (1º ano de elaboração do Orçamento Participativo) foram
realizadas 14 reuniões com entidades, 10 plenárias de bairro e 7 reuniões temáticas,
mobilizando cerca de 1400 pessoas nos diversos fóruns. Neste ano, foi discutida a
destinação de 11% dos recursos orçamentários, que era o percentual do total das receitas
que estava disponível para a política de investimentos do ano seguinte. Visto que o
restante do orçamento já estava comprometido com as despesas de custeio (salário,
material de consumo, serviços de terceiros, transferências).
Ao longo do primeiro mandato de Celso Daniel (1989-1992) o Orçamento
Participativo de Santo André caminhou sem grandes mudanças, essas só ocorreriam no
segundo mandato (1997-2000). O fato da Frente que governou Santo André entre 1989

92
e 1992 ter sido derrotada nas urnas em 1992 forçou os membros do governo a
repensarem o projeto e procurarem qualifica-lo melhor para a segunda gestão.6

3.2 – Relação do governo com a sociedade

Como relatado no item anterior, o modelo de Orçamento Participativo de Santo


André sempre se pautou pela garantia formal do controle do governo sobre a sociedade
civil.
Em que pese o esforço governamental para o aumento quantitativo e qualitativo
da participação popular, o modelo de Santo André sempre exerceu um controle formal
sobre a definição da política de investimentos; justificando que ao governo caberia
encaminhar o projeto para o qual foi eleito, projeto este que lhe conferia a legitimidade.
O próprio governo admite em um documento de 1992 (o que é fato) que a transferência
total do governo é algo que não se realiza. De posse dessas formulações teórico-
metodológicas, que serviram de referenciais para a elaboração de um modelo de
participação popular, em agosto de 1989 (através de veículos de comunicação), fato
relatado anteriormente, a Prefeitura de Santo André abre a possibilidade para que os
segmentos sociais organizados passem a fazer parte da discussão e execução da política
de investimentos.
Naquele ano, foram realizadas 14 reuniões com entidades, 10 plenárias de bairro
e 7 reuniões temáticas, mobilizando 1400 pessoas nos diversos fóruns. E, ainda no ano
de 1989, foi criada uma comissão de fiscalização, integrada por cerca de 300 pessoas
eleitas pela comunidade, em sua maioria ligadas aos movimentos organizados, cuja
função seria acompanhar a elaboração do cronograma das obras previstas para o ano de
1990 e fiscalizar a sua execução.
Como uma das preocupações do governo era com a qualidade da participação
dos membros da sociedade civil, no tocante aos conhecimentos técnicos, em maio de
1990, a prefeitura organizou o “Curso de orçamento” contendo cinco temas: a cidade, a
administração pública, orçamento/estrutura, o orçamento e as prioridades da população
e organizações de comissões7.

6
Sobre este assunto discorrei mais atentamente em outro item deste capítulo.
7
cuja principal era a de fiscalização, já citada anteriormente.

93
Devido aos problemas de relacionamento com a comunidade, o grupo gestor de
participação popular formado no 1º semestre de 1990 organizou o seminário
“Desemperra Participação”, que seria realizado no final daquele mesmo ano. Foi como
um dos desdobramentos desta atividade que em 1991 surgiu a Assessoria de
Participação Popular (ligada à Secretaria de Governo) e o coletivo dos APP’s (Agentes
de Participação Popular). O segundo grupo formado por técnicos da prefeitura que, na
avaliação do governo, estavam sintonizados com a política de participação popular.
Pelo fato de estar conseguindo cumprir as obras decididas no ano anterior, as
reuniões realizadas com a comunidade em 1990 mobilizaram um número maior de
pessoas, visto que nas 14 plenárias de bairro, 12 reuniões temáticas e 14 reuniões com
entidades, conseguiu-se mobilizar 2800 pessoas, exatamente o dobro do ano anterior.
Devido a fatores conjunturais, como a queda da arrecadação da Prefeitura –
particularmente o ICMS – essas estruturas tiveram grandes dificuldades com relação às
suas atuações. A bem da verdade as suas funções ficaram limitadas a um caráter
praticamente informativo.
Isto contribuiu sobremaneira para desmobilizar o processo de elaboração do
orçamento que seria executado em 1993, ou seja, para o primeiro ano de um novo
mandato.
Todavia, em alguns depoimentos que são citados na tese de Pedro Pontual
(2000), encontramos uma avaliação positiva sobre aquele primeiro período da
experiência do Orçamento Participativo desenvolvido pela Prefeitura de Santo André.
Vejamos trechos do depoimento dos representantes da sociedade civil que
ressalta a importância daquela experiência:
“A gente se sentia como pessoas importantes por estar nessa
discussão. Foi um processo muito rico, pois não é sempre este
privilégio da pessoa de poder discutir com o prefeito, ouvir, cobrar
suas reivindicações. Para mim foi importante porque eu não tinha
em lugar nenhum participado desse processo. Cada participação que
a gente fez num processo organizativo da sociedade é um processo
importante e a gente está sempre aprendendo. É uma escola sem ser
a escola formal. É um processo de aprendizagem”. (Donato in
Pontual, p. 146).

Vejamos outro depoimento que segue na mesma direção:


“Para mim foi uma aprendizagem porque eu vi uma questão que
envolvia muito os moradores. Principalmente para mim que vim da
Bahia nos anos 85 e lá a gente não tinha essa discussão com os
moradores sobre suas necessidades. Nos anos 89-90 eu chegando
aqui vi essa questão importante de estar conversando com os
moradores sobre suas necessidades básicas. Até então a gente não

94
via uma administração voltada para as necessidades básicas e isso
me ensinou muito. O que eu achei muito bonito foi essa participação
do povo, onde o povo tinha o direito de falar o que ele precisava
numa região daquela. Isso ajuda até a própria administração a estar
vendo os problemas mais de perto. Isso para mim foi uma
aprendizagem muito grande, essas coisas pequenas onde o povo
começou a se organizar, foi onde me ensinou a estar hoje como
conselheiro”. (Emanuel in Pontual, P. 147).

No período final da primeira gestão do Celso Daniel (1989-92) apesar da


avaliação positiva por parte dos membros da população, é possível notar um processo de
autocrítica por membros do governo (inclusive o prefeito), que chamavam a atenção
para três principais deficiências do OP de Santo André naquele período:
1) O fato do processo do OP ser consultivo, ou seja, não ter caráter
deliberativo;
2) O processo de mobilização ter ficado restrito às bases sociais do PT e
3) O fato de não ter conseguido adaptar a máquina pública àquele modelo de
participação popular.
Provavelmente estes aspectos contribuíram para a derrota da “Frente
Democrática e Popular” que governou Santo André entre 1989-1992. Durante este
período o prefeito Newton Brandão (PTB) governou aquela cidade planejando e
executando o orçamento baseado no modelo tradicional. Aliás, Pedro Pontual chama a
atenção para o fato daquela administração ter desarticulado toda e qualquer forma de
participação popular, verificando como um agravante o fato de não ter tido nenhuma
resistência por parte dos setores sociais e políticos, nem mesmo pela bancada do Partido
dos Trabalhadores na Câmara Municipal. Isto significa que articulação entre as
lideranças não aconteceu de forma eficiente – o que só iria acontecer na segunda gestão,
com a criação do Conselho Municipal do Orçamento.
Na retomada da segunda gestão da “Frente Democrática e Popular” em janeiro
de 1997, como forma de colocar como um elemento central deste segundo mandato a
organização popular, foi retomado o NPP – Núcleo de Participação Popular, agora
vinculado ao gabinete do prefeito, que passou a ter como atribuições elaborar políticas
de participação popular e contribuir com os órgãos da administração direta e indireta,
objetivando implementar a participação popular como marca de governo. Este órgão é
formado por um coordenador geral, quatro coordenadores de programas, seis agentes de
participação popular.

95
Naquele ano, também, teve início o Núcleo de Planejamento Estratégico (NPE)
que foi o responsável pela coordenação dos seminários de planejamento estratégico de
todos os órgãos da prefeitura, adotando como referencial o programa de governo.
Segundo Pontual (2000), no primeiro trimestre de 1997 a administração
municipal intensificou o processo de mobilização que envolveu desde a máquina
administrativa a outros segmentos da sociedade civil, bem como a Câmara de
Vereadores que recebeu no mês de abril daquele ano a visita do prefeito municipal.
Além disso, foi organizado um grande processo de mobilização que envolveu desde
material impresso, colocação de outdoors, divulgação nas rádios e imprensa locais.
Para a execução do OP, a cidade foi dividida em 18 regiões, obedecendo, sempre
que possível, a critérios de proximidades geográficas, identidade sócio-cultural,
buscando um equilíbrio de densidade populacional entre as regiões (Pontual, 2000 e
Carvalho & Felgueiras, 2000).
Além das 18 regiões, foram organizadas as plenárias temáticas: Educação,
Saúde, Habitação, Cultura, Assistência Social, Desenvolvimento Econômico e Geração
de Emprego e Renda, Saneamento e Meio Ambiente e Funcionalismo. Nestas plenárias
são discutidos temas que extrapolam o recorte de investimento regional.
Outra inovação deste novo período foi a organização de um processo que parte
das plenárias informativas (plenárias regionais I e temáticas I) passa pelas plenárias
intermediárias e culmina nas plenárias deliberativas (plenárias regionais e Temáticas II).
Voltaremos a esta discussão na avaliação sobre os procedimentos metodológicos do OP
de Santo André.
Também neste período foi organizado o Conselho Municipal do Orçamento
(CMO), com composição paritária. No total de 52 membros da sociedade civil - 26
efetivos e 26 suplentes, escolhidos por eleição direta – e 52 integrantes do governo
municipal – 26 efetivos e 26 suplentes, indicados pelo gabinete do prefeito –
assegurando a representação das diversas secretarias. Conselho que seria alterado em
2002.
Cabe chamar a atenção que o formato paritário do Conselho do Orçamento de
Santo André difere das outras experiências estudadas. Este aspecto coloca esta
experiência formalmente num grau maior de tutela do que outros modelos estudados
aqui: o processo de Porto Alegre já analisado e o processo de Araraquara, que será
estudado no terceiro capítulo.

96
Nos anos de 1997-98 um dos elementos importantes para equacionar as
demandas da população ao Plano de Investimentos foi a Caravana de Prioridades, por
meio da qual os representantes da população percorreram a cidade verificando quais das
prioridades apontadas pela sociedade civil e pelos representantes do governo eram as
mais urgentes e que, por isso, teriam que fazer parte imediatamente do rol das obras a
serem executadas.
Este modelo participativo, por meio do qual a sociedade civil pode apresentar
suas prioridades, possibilitou a elaboração de um orçamento que incorporou várias
demandas da população dos bairros. Este processo de elaboração orçamentária envolveu
boa parte da sociedade civil de Santo André e mobilizou os conselheiros a
acompanharem a discussão na Câmara Municipal, isto fez com que o orçamento de
1997 fosse aprovado pelo Legislativo Municipal com ampla maioria.
Particularmente no que se refere ao Conselho Municipal do Orçamento, este a
partir da aprovação do Orçamento, passa a exercer o papel de agentes fiscalizadores e
esclarecedores do processo de definição das prioridades e do cronograma de execução
de obras à população, cumprindo a tarefa definida no Regimento Interno do OP, art. 2º.
Para que fosse possível a qualificação da população para o acompanhamento da
elaboração e da execução do orçamento por meio da participação popular, foi de
fundamental importância alguns cursos de formação apresentando temas como:
administração pública, finanças e orçamento público, conhecimento de outras
experiências de OP, custos, licitações, entre outros, organizados pelo núcleo de
Planejamento Estratégico, criado naquela gestão.
No segundo mandato de Celso Daniel, houve um aumento significativo da
credibilidade das discussões e deliberações encaminhadas pelo OP, o que gerou um
aumento significativo das pessoas que se dispuseram a participar do projeto. Segundo
dados fornecidos pelo NPP (Núcleo de Participação Popular) da PMSA, citados no
trabalho de Pontual (2000) e Carvalho e Felgueiras (2000) o número de participantes
nas plenárias do OP em 97 e 98 foi o seguinte:
Na primeira rodada de plenárias informativas houve em 97 a
participação de 2583 pessoas e em 98 de 3725 pessoas, já na
segunda rodada de plenárias deliberativas houve em 97 a
participação de 7343 e em 98 a participação de 9733 munícipes.
Pode-se observar, portanto, um crescimento geral dos participantes
de 97 para 98”(PONTUAL, 2000; CARVALHO e FELGUEIRAS,
2000).

97
Todavia, em que pese o aumento do número de participantes, cabe ressaltar que
o Orçamento Participativo na cidade de Santo André continuava a ser um projeto
desconhecido da maioria da população, a ponto de numa pesquisa de opinião sobre a
administração de Celso Daniel apontar, em julho de 98, que 60% não sabia da existência
do OP. Em Araraquara, em que pese o forte investimento em divulgação, o OP é
desconhecido por mais de 60% da população.
Um outro aspecto que pode ser verificado como um fator negativo da
experiência de Santo André, que certamente será verificado em outras experiências, é o
processo de rotatividade dos participantes nestas plenárias. Pontual afirma em sua obra
que:
Entre os participantes das plenárias de 99 (2ª fase) a maior parte
(51%) afirmou não ter participado das reuniões do OP nos dois
primeiros anos da atual gestão (97 e 98), sendo, portanto, sua
primeira vez, enquanto cerca de 1/3 (32%) afirma que participou
tanto em 97 como em 98. Estes dados confirmam as pesquisas
anteriores e indicam que a cada ano houve o ingresso de cerca de
50% de novos participantes e uma permanência de cerca de 30% dos
que já haviam comparecido em anos anteriores. (PONTUAL, 2000).

Isto coloca o desafio de uma renovação constante do nível de informações para


propiciar a participação no OP e, ao mesmo tempo, qualificar estas informações para
atender as exigências dos participantes dos anos anteriores, no que diz respeito ao
conhecimento do processo.
Cabe destacar, ainda, que em 1998 houve uma alteração no processo de
definição das obras, o que gerou sérios conflitos no Conselho Municipal do Orçamento.
Alegando dificuldades financeiras, o governo abriu o processo de negociação em
98, apresentando uma proposta de política de investimento que reduzia a margem para a
negociação, deixando implícito com esta estratégia que a incorporação de demandas da
comunidade só seria possível com muita negociação.
Isto gerou muita polêmica tanto entre os conselheiros da população como do
governo, pois esta estratégia foi organizada a partir de um grupo muito restrito da
coordenação de orçamento do governo, o que gerou um grande desgaste interno, visto
que os próprios conselheiros do governo se sentiram alheios às definições e tencionaram
para que nos anos posteriores houvesse uma definição mais participativa, no interior do
governo, da proposta a ser debatida no Conselho. Pontual, corroborando com esta
avaliação destes conselheiros afirma que:
A ausência de critérios mais claramente definidos e, sobretudo,
compartilhado entre os conselheiros da população e do governo,

98
aparece como uma das sérias limitações do processo de definição
conjunta das prioridades, enfraquecendo, portanto, a percepção mais
positiva do Conselho obtido ao final do processo da negociação.
(PONTUAL, 2000, p. 219).

Outro aspecto destacado por Pontual como algo negativo dos primeiros anos do
segundo governo de Celso Daniel e que é apontado pelos Conselheiros, é a dificuldade
de acompanhamento, por parte da população, da execução das obras. O que se dá em
grande parte pela morosidade do governo em apresentar o cronograma de obras, bem
como uma centralização das informações por parte da Prefeitura Municipal, que
dificulta o processo de atuação da população – apesar de reconhecer que a pressão
exercida pelos Conselheiros ter mudado significativamente este quadro.
Todavia, mesmo apontando as avaliações críticas por parte dos conselheiros,
Pontual afirma que estes reconhecem que o Orçamento Participativo de Santo André
possibilitou o aumento da consciência política e da mobilização popular, pois abriu
canais para que as pessoas participassem efetivamente da tomada de decisões sobre
obras e demais investimentos, que eram demandas históricas da população. Este
processo viabilizou uma maneira distinta de fazer e conceber a política.
No trabalho de Pedro Pontual (2000: 226) são encontrados alguns depoimentos
dos conselheiros do OP de Santo André, cuja fonte não foi citada pelo autor. Ao
comentar sobre o projeto, os conselheiros afirmam que este propiciou:
“Melhoria em geral para a cidade, oferecendo mais qualidade de
vida e melhorando a cidadania; mesmo com a demora, acredito que
traz a possibilidade de que aconteçam coisas que dificilmente
aconteceriam sem a participação popular; a população acaba
desenvolvendo um poder de pressão e descobre que não é pequeno;
por pequeno que seja, é um efeito de mudança de poder e inversão de
prioridades, onde a população tem nas mãos uma ferramenta que
pode dirigir os caminhos da cidade; os efeitos são positivos, porque
a comunidade tem acesso às informações que em outros governos
não teria; está mostrando para a cidade que existe uma outra
maneira de governar que é através da população. Antes existia o
prefeito e seus secretários que criavam a peça orçamentária e eles
mesmos decidiam de que forma empregar o dinheiro”.

Citando dados de uma pesquisa realizada pela PMSA, Pontual (2000: 229)
apresenta o seguinte quadro de respostas dos Conselheiros do grupo 98/99.
“O percentual de entrevistados deste período que afirmou que a
participação no projeto trouxe a ampliação dos conhecimentos sobre
administração pública e/ou finanças públicas era 69% em 98/99,
enquanto que em 97, era 44%. A experiência significou um
importante aprendizado sobre a importância da participação na vida
pública para 31% dos entrevistados do grupo 98/99 (em 97/98 eram
29%); outros 22% afirmaram ter adquirido uma visão mais ampla

99
dos problemas da cidade contra 27% no grupo anterior; 18%
indicaram como ganho significativo um enriquecimento/crescimento
pessoal, antes 22%; 13 afirmaram ter passado por um processo de
conscientização política e ou social, antes 22%”.

Com relação aos conselheiros indicados pelo governo, a maioria destes


entrevistados nesta pesquisa aponta o contato com a comunidade como um elemento de
grande importância para o seu aprendizado, pois os ajudou a ter uma visão geral da
cidade, da estrutura administrativa, do processo de tomada de decisão.
Pontual (2000:235) ressalta a discussão sobre a importância que é dada ao
orçamento Participativo enquanto um processo pedagógico que estimula a participação
dos membros da sociedade civil, criando uma co-responsabilidade na elaboração e
execução do orçamento, haja vista que a própria dinâmica deste processo possibilita que
o mesmo tenha credibilidade junto aos participantes que ajudaram a definir as
prioridades, visto que, tanto os representantes do governo como os da população são
agentes ativos do processo de tomada de decisão e ambos dão legitimidade ao projeto.
Entretanto, o modelo de Orçamento Participativo de Santo André apresenta um
problema que está na origem de sua constituição e que deve ser destacado: a paridade na
composição do Conselho, algo que estabelece um processo de tutela do Orçamento
Participativo por parte do governo. Não que em outras experiências estudadas neste
trabalho o governo deixe de manter a preponderância nas atividades do OP, mas nos
outros casos o faz dentro do debate político nas assembléias. Ao passo que, em Santo
André, o governo formalizou este controle a partir do próprio Regimento Interno, no seu
artigo 2º, colocando os conselheiros do governo em pé de igualdade com os da
população, no tocante às suas atribuições, inclusive o exercício do voto para definir os
investimentos.
Mesmo com as reformulações da 2002, quando os representantes da Cidade
Futuro (em número de 18) passam a fazer parte do CMO, a coordenação deste órgão
continua paritária.

3.3 – Especificidade metodológica

A definição da metodologia do Orçamento Participativo de Santo André foi dada


a partir de um debate político que procurou responder à questão que paira na cabeça dos
vários administradores que se dispõem a desenvolver projetos com este caráter: a
comunidade deve participar do governo ou auto-governar-se?

100
Em torno desta discussão a Prefeitura de Santo André produziu um documento
que foi publicado em 1992, com o seguinte apontamento:
A transferência da totalidade do poder político à comunidade
significaria a anulação do governo, sua desistência de encaminhar o
projeto para o qual foi eleito e que lhe confere legitimidade. Mais
ainda, a eventual transferência formal de todo o poder político à
comunidade tende, em algum momento a fazer com que o poder de
decisão do governo reapareça de forma dissimulada. A transferência
total de poder à comunidade é algo que, de fato, não se realiza.
Defendemos em Santo André a fórmula da co-gestão. A atual
administração foi eleita com base num programa que configura,
ainda que em termos genéricos, um conjunto de compromissos
públicos ligados a uma postura ética, às políticas públicas e à
participação popular. Investido de uma legitimidade calcada em tais
compromissos, o governo cria condições para concretiza-las ao
transferir à comunidade uma parcela do seu poder político. Assume
o seu papel de governar – para o qual foi eleito – combinando-o com
a democracia participativa. (PMSA, 1992, p. 136/137).

Este impasse fez com que a Prefeitura de Santo André elaborasse um modelo de
Orçamento Participativo de caráter consultivo, cabendo a decisão final sobre o destino
das receitas à administração.
Segundo (Pontual, 2000: 139), a partir de 1989 a elaboração do Orçamento
Participativo obedeceu a quatro fases:
1) Uma fase interna, na qual o prefeito e os secretários definem uma proposta
preliminar de orçamento;
2) Uma fase pública, na qual o prefeito e a equipe de governo discutem o
orçamento com a população, mediante reuniões com entidades, reuniões temáticas
(saúde, transporte, habitação, etc.) e plenárias setoriais nos bairros;
3) Uma fase de ajuste, na qual o prefeito, secretários e equipes técnicas de
finanças e planejamento ajustam o orçamento em função das demandas levantadas nas
diversas reuniões com a população;
4) Uma fase legislativa, em que a lei do orçamento tramita na Câmara
Municipal.
Em 1989, a partir da apresentação do orçamento na Câmara, a proposta passou a
ser discutida por entidades civis, através dos seus representantes eleitos. No
acompanhamento deste processo foram ouvidas entidades como a CUT (Central Única
dos Trabalhadores), Associação Comercial e Industrial de Santo André (ACISA),
Associação de Engenheiros e Arquitetos, Cúria Diocesana de Santo André, CIESP
(Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) e várias outras.

101
Ainda no ano de 1989, foram criadas comissões de fiscalização e
acompanhamento do orçamento, comissões essas que entraram num processo de
esvaziamento a partir de 1990 por causa de choques com os funcionários da máquina
administrativa que boicotavam as atividades destas comissões e pela própria dificuldade
que os membros da comunidade tinham em compreender a morosidade da máquina.
Na elaboração do Orçamento Participativo em 1992, foram realizadas diversas
reuniões com a sociedade civil para colocar a importância daquela metodologia de
elaboração do orçamento, com a preocupação de orientá-la para que, no futuro governo,
esta reivindicasse a continuidade do projeto.
Apesar deste trabalho de convencimento sobre a importância daquele projeto
político, o fato é que a “Frente Democrática e Popular” que havia ganhado a eleição em
1989 acabou sendo derrotada pelo candidato Newton Brandão (PTB) que acabou por
abolir o Orçamento Participativo, sem que tivesse havido qualquer resistência na
Câmara Municipal ou nos movimentos sociais andreenses. Isso parece corroborar com a
tese de d’Avila Filho que, ao discorrer sobre o Orçamento Participativo, afirma que
“tanto para a criação do mecanismo quanto para a sua manutenção,
sustentação e articulação executivos municipais se apresentam como
peça chave [...]. O grau de controle da máquina governamental ou
do partido do governo e seus militantes sobre os processos,
procedimentos decisórios e seus resultados pode variar caso a caso,
mas assim como seu funcionamento o êxito dos instrumentos
democráticos é extremamente dependente da estrutura e
coordenação fornecida pelo executivo” (d’Avila Filho et alii,
2004:15).

Tese que também é formulada por Wampler & Avritzer (2004).


No período compreendido entre 1993-1996, os estrategistas do governo anterior,
cuja principal figura era o próprio Celso Daniel, dedicou bastante tempo no processo de
avaliação dos fatores que contribuíram para a derrota daquele projeto político, e em
identificar em quais aspectos ele teria que ser mudado para que esse pudesse preencher
os requisitos de bom projeto de governo que, além de bem avaliado internamente, fosse
reconhecido pela população.
Neste período, os membros da “Frente Democrática e Popular” que integraram o
governo 1989-92, particularmente o ex-prefeito Celso Daniel, reabrirem o velho debate
sobre o processo metodológico do Orçamento Participativo que esteve presente no
começo do primeiro governo. Aqui começa a ganhar força nas reflexões de Celso
Daniel o modelo deliberativo do Orçamento Participativo, em contraposição ao modelo
consultivo, apesar de ainda apresentar-se duas objeções àquele modelo: a perda de

102
legitimidade momentânea do governo, que pode alijá-lo inteiramente das decisões
orçamentárias e, por outro lado, a descrença na possibilidade de que se possa
efetivamente encaminhar um processo administrativo em que o governo abra mão de
todo o seu poder de decisão.
Estas reflexões, no período em que esteve afastado do governo, levou os partidos
que compuseram a “Frente Democrática Popular” a colocarem o Orçamento
Participativo como uma das principais prioridades para o governo de 1997-2000, algo
que se delineava já no programa de governo. Isto fica evidenciado em um trecho
daquele programa citado por Pontual:
A participação popular se constitui em um elemento essencial de
oposição ao uso privado do Estado e de transformação cultural
calcada nos valores da cidadania. A participação popular se
expressa na instituição de um modelo de co-gestão pública dos
assuntos locais, envolvendo governo e sociedade, de modo a criar
condições para a participação dos cidadãos nas decisões locais.
Para a sua maior efetivação, a participação popular precisa ser
incorporada ao dia-a-dia da administração pública, não apenas
como uma diretriz de governo, mas enquanto metodologia de
trabalho.(PONTUAL, 2000: 161).

Nesta nova fase do OP, a cidade foi dividida em 18 regiões, obedecendo, sempre
que possível, a critérios de proximidade geográfica, identidade sócio-cultural entre
outros. A partir de 1997, nas Plenárias Regionais II passou-se a escolher três prioridades
regionais e duas para a cidade como um todo. Acontecendo o processo semelhante com
as plenárias temáticas que escolhe três prioridades nos respectivos temas e duas em
outros temas.
Após a escolha destas prioridades, estas são encaminhadas para o Conselho
Municipal do Orçamento, conselho este que tem uma composição paritária, o que
possibilita ao governo exercer um controle formal bastante significativo do processo,
visto que possui 50% dos membros e, além disso, pode fazer uso de um dispositivo do
parágrafo único, do artigo 18º que diz que em caso de impasse nas deliberações, caberá
ao prefeito a decisão final. Paridade esta que será mantida mesmo com a reformulação
de 2001, agora na coordenação do CMO.
Outro órgão importante, criado pela PMSA a partir do segundo mandato, foi o
núcleo de Planejamento Estratégico (NPE), ligado ao gabinete do prefeito. Este órgão
passou a coordenar todas as ações que visavam qualificar melhor a política de
participação popular, responsabilizando, por exemplo, por coordenar as atividades
relativas à produção das informações necessárias para subsidiar a elaboração da sua

103
execução. Este órgão foi responsável, também, pela Caravana das Prioridades, atividade
por meio da qual os conselheiros visitaram as diferentes regiões da cidade, para
conhecerem todas as prioridades levantadas por cada uma das regiões, e ter mais
elementos na hora de definir os investimentos.
Orçamento Participativo em Santo André, em 1998, foi organizado por meio do
seguinte processo: (Pontual, 2000).
a) O governo apresentou dados de estimativa de custos e viabilidade técnica de
todas as prioridades votadas nas plenárias, assim como informações relativas à previsão
de receitas e capacidade financeira de investimentos do município para o ano seguinte;
b) O governo apresentou estudo dos projetos coincidentes, ou seja, daqueles
que eram demandas das plenárias e que estavam entre os projetos do governo, assim
como uma análise da sua viabilidade financeira e técnica;
c) O governo apresentou proposta global de orçamento ao conselho;
d) Conselheiros do governo e da população constituíram grupos de trabalho
mistos, por temas específicos (por exemplo: saúde, educação, infra-estrutura e
saneamento, cultura e cidadania, etc.), para discutir critérios para incorporação de outras
demandas que não estavam entre as coincidentes;
e) Conselheiros eleitos pela população apresentaram proposta alternativa à do
governo;
f) Conselheiros da população e do governo debateram ponto a ponto cada
projeto até a produção do consenso sobre quais deles poderiam ser efetivamente
incorporados para além daqueles que já o haviam sido no rol das demandas
coincidentes;
g) A coordenação paritária apresentou ao conselho texto final com a descrição
de todas as propostas discutidas e incorporadas à peça orçamentária com deliberação
final pelos conselheiros.
Em linhas gerais este processo foi seguido na elaboração do Orçamento
Participativo nos anos posteriores, salvo algumas adaptações como a incorporação de
alguns grupos de trabalho que foram integrados para auxiliarem no equacionamento de
demandas surgidas nas plenárias regionais e temáticas.

104
3.4 – Perfil dos participantes

A fonte das informações as quais serão citadas neste item é Pontual (2000), autor
que se baseia relatórios e pesquisas encomendadas pela Prefeitura de Santo André no
ano de 1999.
O primeiro deles, intitulado “Orçamento Participativo: Plenárias”, de julho de
1999; e o segundo relatório, intitulado “Orçamento Participativo: Perfil dos/as
representantes da população e do governo e avaliação do OP” de maio de 99.
Com relação à participação por sexo, nas plenárias de 97 e 98 o número de
mulheres foi superior ao número de homens (51% x 49% em 97 e 55% x 45% em 98),
percentual que se alterou em pesquisa realizada em 99 (42% de mulheres e 58% de
homens).
No tocante à participação por sexo, o dado que chama a atenção é a
preponderância dos homens (desde 97), na composição do Conselho (73% do sexo
masculino e 27 do sexo feminino), repetindo a situação em 98 (67% x 33%), embora
neste ano tenha havido um pequeno crescimento do número de mulheres. Aliás, este
dado confirma uma dificuldade recorrente na cultura política brasileira, que é a
dificuldade de participação das mulheres em órgãos de representação política.
Com relação à participação por faixa etária, podemos observar uma pequena
participação dos jovens até 20 anos (lembrando que no Regimento do OP de Santo
André é aceita a participação a partir dos 16 anos), bem como, dos que têm mais de 51
anos. Ao passo que há uma participação bastante significativa nas faixas etárias
compreendidas entre 21 e 50 anos.

Figura 7 - Idade (em %)

3
até 20 anos 8
8
24
21 a 30 anos 25
18
Plenárias 99
32
31 a 40 anos 29 Plenárias 98
28
Plenárias 97
24
41 a 50 anos 22
23
18
51 ou mais 17
23

105
Tabela 4 – Perfil / Idade
Idade (em %) TOTAL Plenária
Jun/99 Regional (80%) Temática (20%)
Até 20 anos 3 1 7
21 a 30 anos 24 23 28
31 a 40 anos 32 31 33
41 a 50 anos 24 25 21
51 anos ou mais 18 19 11
BASE: total da amostra Fonte: WM/Gestão Venturi apud PONTUAL (2000)

Um fator que deve ser chamado à atenção neste quesito é a preponderância dos
indivíduos entre 40 e 49 anos no Conselho Municipal do Orçamento, em torno de 45%,
o que evidencia uma preferência por pessoas com mais idade para a representação neste
órgão.

Figura 8 . Faixa etária (em %)

4
Conselheiros da 18 a 29 anos 13
população 97/98 13
43
30 a 39 anos 20
Conselheiros da 24
população 98/99 44
40 a 49 anos 43
42
Conselheiros do 9
governo 98/99 50 ou mais 22
20
0 10 20 30 40 50

Fonte: WM Gestão Venturi apud PONTUAL(2000) 8

Com relação ao nível de escolaridade das pessoas que participaram das plenárias
de 99, podemos observar que a grande maioria (74%) está no nível que vai até o 1º grau
incompleto (sendo 44% até a 4ª série incompleta, e 30% de 5ª a 8ª séries incompletas).
Com uma pequena melhora entre os participantes das plenárias temáticas que possui
63% dos participantes até o 1º grau (sendo 33% até a 4ª série e 30% de 5ª a 8ª séries)

8
Todos os gráficos citados neste capítulo tem por fonte PONTUAL (2000).

106
Figura 9 - Escolaridade

até 4ª série 54
39
(inc/completo) 41

5ª a 8ª série 30
28
(inc/completo) 23 Plenárias 99
Plenárias 98
17
2º grau
21
Plenárias 97
(inc/completo) 19

Superior 9
11
(inc/completo) 15

Fonte: NPP-PMSA (em 98) e WM (em 99) / Gestão Venturi apud PONTUAL (2000)

Tabela 5 – Escolaridade (em %)


Escolaridade (em %) TOTAL Plenária
Jun/99 Regional (80%) Temática (20%)
Até 4ª série (inc/completo) 44 47 33
5ª a 8ª série (inc/completo) 30 30 30
2º grau (inc/completo) 17 16 22
Superior (inc/completo) 9 8 15
BASE: total da amostra Fonte: WM/Gestão Venturi

Cabe destacar que entre os membros do Conselho Municipal do Orçamento a


participação dos menos instruídos cai significativamente. De um percentual de 73% do
total dos participantes nas Plenárias, os que estavam no nível até a 8ª série
representavam apenas cerca de 30% no Conselho do Orçamento.

Figura 10 - Escolaridade

91

superior
41 42 2º grau
31 5ª a 8ª série
26
20 até 4ª série
15 13
11 9

0 0
Conselheiros da Conselheiros da Conselheiros do
população 97/98 população 98/99 governo 98/99

107
Com relação à renda familiar dos participantes das plenárias regionais,
entrevistados na pesquisa encomendada pela Prefeitura de Santo André (nos anos de 98
e 99), a maioria está nas menores faixas de renda que recebem entre zero e cinco
salários mínimos (cerca de 60%).
Aliás, estes números das plenárias regionais (no tocante ao rendimento familiar)
estão muito próximos. Isto mostra uma certa homogeneização dos participantes das duas
modalidades de plenárias, com relação à renda familiar. Veja tabela comparativa:

Tabela 6 – Renda familiar mensal em (%)


Renda familiar mensal (em %) TOTAL Plenária
Jun/99 Regional (80%) Temática (20%)
Até 2 S.M. 23 22 24
Mais de 2 a 5 S.M. 37 38 32
Mais de 5 a 10 S.M. 21 21 19
Mais de 20 S.M. 5 5 6
Não respondeu 5 5 5
BASE: total da amostra Fonte: WM/Gestão Venturi apud PONTUAL (2000)

Em que pese o grande número dos participantes das Plenárias Regionais que
possuem renda familiar inferior a cinco salários mínimos, quando analisamos o
Conselho Municipal do Orçamento verificamos uma queda drástica dos integrantes
desta faixa etária. Isto demonstra uma dificuldade dos setores populares em se
posicionarem enquanto lideranças naquele espaço, demonstrando que quanto maior a
renda familiar dos participantes maior é a propensão a serem representantes.

Figura 11 - Renda Familiar (em %)

83

Conselheiros da
população 97/98
Conselheiros da
população 98/99
33 Conselheiros do
31
24 24 24
27 governo 98/99
18 17 15

Mais de 20 SM Mais de 10 a 20 Mais de 5 a 10 SM Até 5 SM


SM

108
Um outro aspecto que cabe observar neste item é o grande número dos
participantes desempregados (15% nas plenárias de 98 e 20% nas plenárias de 99).
Com relação à filiação a entidades, em Santo André acontece um fenômeno
inverso ao que verificamos em Porto Alegre, pois nesta cidade a maioria dos
participantes das Plenárias, quando inquirido sobre se pertenciam a alguma entidade,
responderam negativamente. O curioso é que este número só foi aumentando ao longo
dos anos (57% em 97, 63% em 98 e 70% em 99).
Entre os que responderam pertencer a alguma entidade ou movimento, 11%
responderam que estavam ligados a Associação de Moradores, seguida de 9% que
afirmaram pertencer ao movimento sindical.
Um outro aspecto que deve ser observado neste item é a total inversão dos dados
levantados nas Plenárias com relação aos verificados no Conselho Municipal do
Orçamento. Nesse grupo seleto quando questionados sobre o pertencimento a alguma
entidade ou movimento, cerca de 80% respondiam afirmativamente (sendo 80% no
mandato 97/98 e 82% no mandato 98/99). Destes 48% tinham vínculo com mais de uma
entidade em 98/99 e 35% em 97/98. Este número é ainda maior entre os representantes
do governo, que atingiram os 87% em 98/99, com 35% pertencendo a mais de uma
entidade.
Ainda neste item cabe observar que entre os conselheiros que responderam
afirmativamente sobre a participação em entidades e movimentos, citaram, sobretudo,
partidos políticos e sindicatos. Entre os representantes do governo, a vinculação em
98/99 chegou a 78% (sendo que todos os que têm ligação partidária vinculam-se ao PT,
exceto um dos entrevistados que afirmou ser filiado ao PMDB). A vinculação partidária
diminui entre os representantes da população (atingindo 49% dos conselheiros de 97/98
e 98/99). Desses, a grande maioria estava filiada ao PT, sendo 42% em 98/99 e 47% em
97/98.

3.5 – Grau de intervenção da sociedade civil sobre a definição do investimento


municipal

Desde a implementação do Orçamento Participativo na cidade de Santo André, a


preocupação com um processo de avanço da democratização do poder sempre esteve
presente. Já na elaboração do programa de governo se colocava como um dos eixos o
direito dos cidadãos à sua cidade, desdobrando-se em cinco itens: a re-elaboração da

109
identidade local; a reafirmação da autonomia municipal sob novas bases; a inversão de
prioridades; a reforma administrativa; e uma relação democrática entre a Prefeitura e a
comunidade.
Este último item, que trata da relação entre o poder público e a comunidade, foi
tema de uma publicação da PMSA (1992) intitulada “Participação Popular”, que resume
a compreensão predominante que os integrantes daquele governo tinham sobre o
referido tema:
O desafio de fundo para as administrações democráticas e populares
diz respeito à necessidade de inverter a relação subordinada entre a
sociedade e o Estado. Trata-se de alterar o próprio modo de
legitimação do poder político, baseando-o em uma cultura política
não-elitista, a cultura política dos direitos. (PMSA,1992, p. 16).

Em que pese toda esta preocupação com a mudança da filosofia administrativa,


que possibilitou o avanço no que tange à democratização da administração pública da
cidade de Santo André, no período de 1989 a 92, é possível notar que houve uma
espécie de timidez na definição do modelo, pois ao responder à referida questão: se a
comunidade organizada deve participar do governo ou auto-governar-se? Optou-se por
um modelo de Orçamento Participativo em que o governo formalizou o seu controle
sobre o processo, ao estabelecer a paridade na composição do Conselho do Orçamento
com a salvaguarda de que em caso de impasse o prefeito é quem definiria a aprovação
ou não de um investimento.
Além do mais, no primeiro mandato da “Frente Democrática e Popular”em
Santo André (1989-92), o Orçamento Participativo não tinha um caráter deliberativo, ou
seja, o que o governo fazia era consultar a população sobre algo já definido a priori
pelos próprios integrantes do governo e, portanto, não havia a abertura para um
processo de definição de prioridades pela sociedade civil, fator que diminui
sobremaneira o papel da população frente à política de investimento. Um excesso de
controle contraditório com o discurso da preocupação com a democratização dos
mecanismos de definição, controle e execução da política orçamentária. Este modelo
desenvolvido naquela gestão pode ser visto como responsável pela estagnação do
processo de qualificação das intervenções da sociedade civil constatada pela própria
secretária de governo e responsável pelo Orçamento Participativo, Terezinha dos
Santos, que em documento da PMSA, 1992 chamava a atenção para a necessidade de
instruir a comunidade para que nas futuras discussões do orçamento esta saiba se
posicionar.

110
Esse excesso de medo na implementação de um modelo que atribuísse mais
poder à comunidade é criticado pelo próprio Celso Daniel ao avaliar a participação
popular no seu governo afirma que:
Mantidas as idéias de plenárias abertas e de Conselho de
Orçamento, trata-se de estabelecer uma forma de interação por meio
da qual governo e conselho do Orçamento decidam em conjunto as
prioridades orçamentárias, num processo que busque o consenso.
Neste caso, as deliberações são negociadas, de modo que não há um
elo dominante, o governo não pode impor sua visão ao Conselho,
pois com isso deslegitimaria o processo de participação, nem o
Conselho pode se sobrepor ao governo, que possui legitimidade para
a defesa de suas propostas. (PMSA,1994: 35).

Toda essa proposta de redefinição do modelo de Orçamento Participativo de


Santo André – no tocante ao papel da sociedade civil, que ganhou grande destaque no
período em que a o PT esteve fora do governo naquela cidade, culminou na elaboração
de um programa de governo que atribuía um papel de maior importância à comunidade.
Com a vitória da chapa encabeçada por Celso Daniel nas eleições de 1996
houve, já no início de 1997, um processo de elaboração e discussão da proposta, da
metodologia, dos objetivos e do Regimento do OP, envolvendo diferentes setores da
PMSA como: prefeito, vice-prefeito, secretariado, NPPJ e o Conselho Político (bancada
de vereadores e Diretório do PT), proposta essa que também foi discutida com diversos
segmentos sociais organizados.
Apesar da referida importância desta redefinição daquele projeto do ponto de
vista da participação da sociedade – pois criou vários fóruns de intervenção dos setores
sociais envolvidos no processo como: as Plenárias Regionais e Temáticas I, as reuniões
intermediárias e as Plenárias Regionais e Temáticas II (já citadas anteriormente), agora
com caráter deliberativo – o espaço onde de fato se define os investimentos, que é o
Conselho Municipal do Orçamento, do ponto de vista da sua composição e função, se
manteve inalterado, pois este continuou paritário: composto por 52 integrantes da
sociedade civil (26 efetivos e 26 suplentes) eleitos pelo voto direto, e 52 integrantes do
governo (26 efetivos e 26 suplentes), indicados pelo Gabinete do Prefeito, membros das
diversas secretarias (verificar os artigos 1º, 2º, 3º, 10º, 11º do Regimento Interno do OP
de Santo André).
Para observar o processo de controle das deliberações no Conselho do
Orçamento por parte do governo, é importante observar também o artigo 18º do
Regimento do OP daquela cidade, que diz o seguinte:

111
Artigo 18º - As deliberações do Conselho se darão pelo voto
favorável de pelo menos 2/3 (dois terços) dos votos em reunião em
que estejam presentes 2/3 (dois terços) dos conselheiros e
conselheiras, eleitos nas plenárias deliberativas Regionais e
Temáticas.
Parágrafo único – caracterizada uma situação de impasse, caberá ao
prefeito a decisão final.

Como é possível observar, trata-se de um modelo de democratização da


elaboração orçamentária com um vício de origem, ou seja, na própria elaboração das
normas que regem o processo já estão as amarras que impossibilitam o desenvolvimento
do mesmo. Uma democratização formalmente patrocinada e, ao mesmo tempo,
controlada pelo governo.
É claro que é difícil conceber um modelo de democracia na esfera municipal no
qual o governo não seja hegemônico, sem mudar a estrutura administrativa do Estado
democrático burguês. Mas é possível verificar em experiências como Porto Alegre uma
cessão maior de poder à sociedade, pois em que pese o grau de influência que o governo
possui nestes fóruns, naquela cidade o governo não tem direito a voto; já que, tanto nas
assembléias, como no Conselho do Orçamento, quem tem direito a voto são os
representantes da sociedade civil. Este aspecto coloca o modelo de Porto Alegre como
um modelo mais bem-sucedido que o de Santo André, no que tange ao grau de
intervenção da sociedade civil sobre a ação dos governantes em relação à política de
investimentos.
Todavia, cabe ressaltar que houve um avanço no que tange à democratização da
administração pública na cidade de Santo André, se comparado à administração
anterior, fator que é constatado na avaliação das pesquisas qualitativas encomendadas
pela PMSA e bastante utilizadas por Pontual com os conselheiros da população (97/98 e
98/99), apesar das ponderações que podem ser feitas na comparação com modelos mais
favoráveis à intervenção da sociedade, como o de Porto Alegre.

3.6 – Mudança no perfil dos investimentos

Apesar da ponderação feita no item anterior, em relação ao modelo do OP de


Santo André, ainda assim verificamos uma forte tendência constatada pelas respostas
dos Conselheiros a uma avaliação positiva da redefinição da política de investimento
feita a partir do OP, com a abertura para que os diferentes segmentos sociais e regionais
possam interferir na decisão do que é prioritário para a cidade.

112
Em pesquisa da WM Gestão Venturi – encomendada pela Prefeitura de Santo
André – utilizada por Pedro Pontual (2000: 227) encontramos as seguintes citações de
conselheiros da comunidade:
“Melhoria em geral para a cidade, oferecendo mais qualidade de
vida e melhorando a cidadania; mesmo com a demora, acredito que
traz a possibilidade de que aconteçam coisas que dificilmente
aconteceriam sem a participação popular; a população acaba
desenvolvendo um poder de pressão e descobre que não é pequeno;
por pequeno que seja, é um efeito de mudança de poder e inversão de
prioridades, onde a população tem nas mãos uma ferramenta que
pode dirigir os caminhos da cidade; os efeitos são positivos, porque
a comunidade tem acesso às informações que em outros governos
não teria; está mostrando para a cidade que existe uma outra
maneira de governar que é através da população”.

Já as falas dos conselheiros do governo (uma espécie de fala oficial sobre o


processo) avaliam positivamente o processo do OP. No trabalho de Pontual, verificamos
as seguintes afirmações sobre o Orçamento Participativo:
O 1º efeito é uma possibilidade de atender as reivindicações reais da população.
O 2º é que a cidade começa a permitir um diálogo entre setores sociais diferentes (...)
acaba-se tendo uma visão macro dos problemas do município. O que mudou foi a
maneira de se decidir sobre as demandas existentes na cidade, porque a população
participa nas decisões, o que não acontecia (...) estamos mudando o conceito de que
quem consegue obra para o bairro é o vereador.
O fato é que, com a adoção do Orçamento Participativo na cidade de Santo
André, foi introduzida uma metodologia que possibilitou a participação da sociedade
civil na definição da política de investimento. Aliás, em Santo André foi estabelecido
um limite máximo de duas prioridades por região com um mesmo tema ou beneficiando
o mesmo núcleo de favela ou bairro. Cabendo destacar, ainda, que a partir de 1999 as
demandas passaram a ser pré-selecionadas nas plenárias intermediárias (espaços
organizados pela própria sociedade civil) o que possibilita a escolha das demandas
legitimadas pela população – o que nem sempre ocorre no modelo tradicional de
elaboração da política de investimento. (Pontual, 2000, Carvalho & Filgueiras, 2000).
Principalmente entre os conselheiros da população esta mudança com relação à
política de investimento no município de Santo André é algo totalmente significativo.
Verificando os dados de WM/Gestão Venturi, da pesquisa encomendada pela Prefeitura
daquela cidade em 98/99, constata-se que, ao responder a questão sobre os efeitos que o
OP está trazendo para a cidade, 49% dos entrevistados citaram os itens: obras em várias
partes da cidade e governo atendendo as demandas da população.

113
3.7 –Funções exercidas pelo CMO

Antes de falar das funções exercidas pelo Conselho Municipal do Orçamento em


Santo André é preciso falar da sua composição. O Conselho Municipal do Orçamento
da cidade de Santo André atualmente é composto contando com participação de 56
integrantes do governo (28 titulares e 28 suplentes) e 56 integrantes da sociedade (28
titulares e 28 suplentes), contando ainda com a participação de mais 18 conselheiros(as)
(9 titulares e 9 suplentes) eleitos em cada um dos nove eixos temáticos da Conferência
da Cidade Futuro.
Cabe chamar a atenção que até o ano de 2001, o Conselho Municipal do
Orçamento de Santo André era composto de forma paritária, contando com 56 membros
do governo (28 titulares e 28 suplentes) e 56 membros da sociedade civil (28 titulares e
28 suplentes). É a partir de 2002 que o Conselho do Orçamento passa a contar com os
18 membros oriundos dos eixos temáticos da Cidade Futuro.
Cabe chamar a atenção, ainda, para o fato de na composição do CMO, existirem
instâncias deliberativas e de apoio (art. 5º). Cabendo às instâncias deliberativas
(coordenação paritária e reuniões do Conselho Municipal do Orçamento) decidir sobre
os assuntos referentes aos trabalhos do Conselho Municipal do Orçamento.
Esta coordenação paritária é composta por 10 membros, sendo 5 (cinco)
indicados pelo governo e 5 (cinco) indicados pelos representantes da população (sendo
que um destes membros é oriundo do Cidade Futuro).
Portanto, apesar de possuir funções semelhantes às do Conselho do Orçamento
Participativo de Porto Alegre (conforme consta no seu Regimento Interno, no seu Art.
4) o Conselho Municipal do Orçamento de Santo André tem uma possibilidade de
definição sobre os investimento muito mais controlada pelo governo do que o naquela
experiência. Isto se deve ao fato do CMO em Santo André ser composto por membros
do governo e da sociedade civil, com direito a voz e votos; ao passo que o COP em
Porto Alegre é composto apenas por representantes da população.

114
III - A EXPERIÊNCIA DE ARARAQUARA

1 - Introdução

1.1 – Contexto político

A trajetória política de Araraquara nas últimas décadas que antecederam a


vitória da “Frente Democrática e Popular” foi marcada por um revezamento no poder de
duas forças políticas: uma que é oriunda da Arena, o atual PP, e a outra que se formou a
partir do antigo MDB, o atual PMDB. Dessas duas forças, a que mais perdeu peso
político no último período foi o agrupamento político liderado por Waldemar De Santi,
que apesar de ser o grupo que permaneceu o maior tempo no poder (durante três
mandatos), acabou se deparando com um dos principais problemas enfrentados por
todos os partidos políticos – a renovação de seus quadros. Por causa das limitações
físicas da sua grande liderança política, Waldemar De Santi, o Partido Progressista
passou a não dispor de um nome próprio para disputar a sucessão municipal.
Esta falta de alternativa sucessória própria pela qual passou o PP, conduziu o
partido a uma tática eleitoral arriscada do ponto de vista da sua sobrevivência política
local. Numa disputa eleitoral inédita em Araraquara, em que as forças políticas se
dividiram em diversas candidaturas, os principais adversários da campanha eleitoral de
1996, PP e PMDB, acabaram saindo aliados para a disputa de 2000. Com um quadro em
que se apresentavam algumas candidaturas em potencial para ganhar aquela eleição, o
Partido dos Trabalhadores, que contava com um nome de expressão na Câmara
Municipal (o vereador Edinho Silva), apostou na possibilidade de vencer a eleição e,
numa coligação inexpressiva com o PSB e o PCdoB, aproveitou-se da mencionada
fragmentação das elites políticas para vencer a eleição daquele ano.
Apesar da expressiva vitória, em termos relativos, da “Frente Democrática e
Popular”, com uma diferença de 9% para o segundo colocado, o prefeito eleito
conseguiu apenas 37% dos votos válidos (muito aquém da maioria absoluta). Este
quadro talvez justifique o fato deste ter sido um governo que contemporizou com os
interesses de vários segmentos sociais araraquarenses, posição que, diga-se de
passagem, foi importante para a aproximação do único deputado federal da cidade na
época, Dimas Ramalho. Isto possibilitou a entrada do PPS, partido do referido deputado,
na coligação liderada por Edinho Silva na disputa de 2004.

115
A eleição municipal de 2004 foi um pleito totalmente diferente da eleição
anterior. Como a administração municipal contava com uma boa avaliação, era quase
certo que a divisão das forças políticas em diversas candidaturas seria pavimentar o
caminho para a reeleição do atual prefeito. Neste sentido, a única chance dos setores
oposicionistas ganharem a eleição seria forçarem uma espécie de plebiscito. De posse
dessa constatação foi que, depois de uma discussão intensa – inclusive envolvendo a
imprensa local – a oposição lançou o nome do ex-deputado federal Marcelo Barbieri
pelo PMDB, candidato bancado por uma ampla aliança política que envolvia, entre
outros nomes, os ex-prefeitos Waldemar De Santi e Roberto Massafera. A grande baixa
nesta frente oposicionista, que pode ter sido o fiel da balança na disputa eleitoral, foi o
deputado Dimas Ramalho. Este, mais por divergências pessoais com Marcelo Barbieri,
seu desafeto quando ambos pertenciam ao PMDB, do que por convergências políticas
com Edinho Silva rompe com a frente oposicionista, trazendo consigo o seu partido e o
PL.
Assim, a aliança política liderada pelo PT conquista novos aliados, passando a
contar com o apoio não apenas de setores empresariais, mas de várias lideranças ligadas
ao mandato do deputado Dimas Ramalho, tanto as de bairros, quanto as político-
partidárias ligadas a esse deputado.

1.2 – A sociedade civil

Araraquara possui uma tradição de organização de entidades representativas da


sociedade civil de caráter classista, filantrópico, religioso, etc., e conta com a
organização de várias Associações de Moradores.
Todavia, as administrações municipais nunca contaram com uma pressão dos
movimentos sociais organizados, visto que essas Associações de Moradores sempre
atuaram voltadas para as demandas pontuais, geralmente tuteladas por figuras políticas
que negociavam as demandas na Prefeitura Municipal e na Câmara de Vereadores em
troca de votos na disputa eleitoral. Não se tem conhecimento de Associações de
Moradores em Araraquara que adquiriram um grau de organização e conscientização
independente e capacitada para enfrentar o poder público municipal, objetivando passar
as suas demandas.
Outra organização importante, que foi um dos principais focos de oposição no
primeiro governo Edinho Silva, é o Sindicato dos Servidores Municipais de Araraquara

116
e Região. Porém, cabe ressaltar que esse órgão representativo só foi organizado
recentemente e, além disso, o seu nível de organização e atuação é muito pautado por
uma lógica de enfrentamento. Esta importante arma dos trabalhadores foi utilizada mais
como um instrumento de construção partidária, do que como um instrumento que se
legítima frente aos funcionários através de uma luta por melhorias de suas condições de
trabalho, cujo objetivo final deve ser atender melhor a população.
Outro segmento importante da sociedade organizada em Araraquara, que possui
um bom nível de organização, são os setores empresariais. Este segmento está
articulado principalmente na Associação Comercial e Industrial de Araraquara (ACIA) e
no Sindicato do Comércio de Araraquara (SINDCOMÉRCIO). Nestas duas
organizações está outra fonte de resistência ao governo Edinho Silva, particularmente o
SINDCOMÉRCIO – cujo presidente é do PSDB – que tem travado disputas públicas
com a administração municipal, principalmente em torno da reurbanização da rua Nove
de Julho – Boulevard, principal corredor comercial da cidade. Esta divergência fez com
que recentemente o sindicato confeccionasse várias faixas de protesto contra o governo
municipal, acusando-o de estar colaborando com a diminuição dos consumidores do
referido corredor comercial.
Outras organizações sindicais como Metalúrgicos, Rurais e Apeoesp –
Associação dos Professores do Estado de São Paulo, tem tido uma atuação discreta no
tocante a exercer influências sobre os rumos políticos da cidade. No caso da Apeoesp,
no passado ainda teve uma postura de destaque no apoio financeiro e político a algumas
mobilizações, mas, nesse caso, quase sempre se tratava de enfrentamento ao governo
estadual, até por se tratar de uma entidade representativa dos professores da rede pública
estadual.
Com relação às ONG’s de Araraquara, a maioria delas tem um caráter
assistencial, não exercendo influência significativa sobre os rumos da política local,
exceto a ONG “Araraquara Viva”, que possui um certo destaque na mídia e nos círculos
informados da cidade. Porém, esta organização ambientalista não causa grandes
preocupações políticas aos detentores do poder, apesar da reconhecida importância do
trabalho que desenvolve na cidade.

1.3 – Contexto econômico


O município de Araraquara tem como principal fonte geradora de valor o setor
agro-industrial, particularmente a cana-de-açúcar e a laranja. Dentro do seu limite

117
geográfico, localizam-se três usinas: a Tamoio, a Zanin e a Maringá. Além dessas usinas
o município conta com uma das maiores fábricas de suco de laranja do país: a Cutrale.
O município conta ainda com outras indústrias de grande porte como a
Metalúrgica Iesa, a Fábrica de Meias Lupo, uma unidade da Nestlé e uma unidade da
cervejaria Kaiser, bem como uma diversidade de empresas de pequeno porte.
Porém, os setores que mais empregam em Araraquara são o comércio e a
prestação de serviços, nos quais Araraquara sempre se destacou, devido ao fato desta
cidade ter desenvolvido o status de pólo regional que congrega em torno de si várias
pequenas cidades. Estes setores tiveram um desenvolvimento ainda maior a partir de
2002, por conta da vinda da Embraer para Gavião Peixoto, município que até
recentemente era um distrito que pertencia a Araraquara.

1.4 – Contexto social

Araraquara, até a década de 1970, resumia-se a um núcleo de bairros que


circundavam a região central. No interior deste cinturão urbano, predominava uma
população com uma forte tradição conservadora, que desenvolvia a ideologia da “nossa
Araraquara”, fator que durante um longo período dificultou e atravancou o
desenvolvimento econômico e político da cidade. Todavia, este núcleo central da cidade
adquiriu uma infra-estrutura urbana, com um alto padrão de qualidade, construídos ao
longo de várias décadas de administrações que deram uma atenção especial a essa
região privilegiada.
A partir da década de 1970 e, principalmente a partir da década de 1980,
Araraquara passou por um crescimento populacional acelerado e desordenado,
impulsionando a abertura de vários bairros com infra-estrutura precária. Este processo
fez com que Araraquara passasse a contar hoje com mais de 30 bairros com problemas
de pavimentação – o que se transformou numa grave dificuldade para os atuais
administradores municipais.
Este crescimento desordenado deu-se em conseqüência do desenvolvimento do
pró-álcool, fator que impulsionou a migração de outras regiões do país (especialmente
do Nordeste), acompanhado do êxodo rural – provocado pela desarticulação de várias
fazendas e colônias de trabalhadores rurais. Este incremento populacional também
impulsionou um grande crescimento do setor de construção civil, que acabou por

118
absorver grande parte desta mão-de-obra com baixa qualificação, tanto da população
migrante como da população que se deslocou dentro do próprio município.

2 – A experiência de Araraquara

O Orçamento Participativo foi o principal projeto implantado na Prefeitura de


Araraquara a partir de 2001, momento a partir do qual a Frente Democrática e Popular
(PT, PSB e PCdoB) liderada pelo PT passou a administrar esta cidade.
Por ser um projeto pioneiro nessa cidade e, ademais, por se tratar de um projeto
elaborado a partir de um compromisso contido no Programa de Governo da aliança que
chegou ao poder em 2000, e não a partir de uma demanda real da população, o governo
municipal teve que desenvolver uma forte campanha publicitária de divulgação do
projeto, ao mesmo tempo em que colocou a equipe de governo (particularmente a
equipe de Participação Popular) em contato direto com os bairros da cidade com o
objetivo de organizar as chamadas Plenárias Explicativas, nas quais seriam divulgadas a
metodologia e a sistemática do projeto, fornecendo as razões pelas quais seria
importante a participação da comunidade.
Este processo de divulgação foi de fundamental importância para que houvesse
uma participação de um número significativo naquele ano, principalmente se considerar
a pulverização desta participação por toda a cidade, incluindo a zona rural. Houve um
convencimento da importância da participação coletiva, recorrendo-se a um forte
investimento em divulgação, deixando claro para a população que as obras e serviços
seriam decididos naquelas plenárias do Orçamento Participativo. Esta divulgação foi
feita através de diversos meios de comunicação, que incluía rádio, outdoor, material
impresso e carro de som. Além disso, reforçava-se junto à população a não aceitação de
tráfico de influências (nem mesmo de vereadores) na definição dos investimentos
públicos a serem efetuados pelo governo. Esse era o discurso de quem estava no
governo.
Ainda é necessário ressaltar que, embora tenha sido maior a participação dos
representantes dos bairros periféricos, houve uma participação significativa de
segmentos sociais médios, que conseguiram fazer passar as suas demandas, que em sua
maioria estavam ligadas ao lazer e à cultura, ou mesmo se solidarizar com demandas
vindas de bairros mais carentes que geravam um forte apelo coletivo dentro das
assembléias.

119
Apesar do Orçamento Participativo não ser a panacéia que alguns governos
pregam, esse projeto de fato conseguiu contribuir com uma mudança significativa no
perfil dos investimentos em Araraquara, fato que também é constatado nas outras
experiências discutidas anteriormente neste trabalho, conforme relatos de autores como
Fedozzi (1999), Pontual (2000), Lesbaupin (2000), Pires (1999), Avritzer (1999 e
2004), Vitale (2004), entre outros. Este aspecto é confirmado pelos investimentos
realizados pelo governo municipal que, em sua maioria, foram executados em bairros
periféricos. Inclusive uma obra que era prioridade do governo municipal – a
revitalização da Nove de Julho (principal corredor comercial da cidade) foi executada
com recursos do Governo Federal, devido ao fato desta não ter sido contemplada no
Plano de Investimentos definido pelo Conselho do Orçamento Participativo.
Isto quer dizer que em modelos como o de Araraquara - em que as decisões
sobre a política de investimento são tomadas em assembléias e encaminhadas ao
Conselho do Orçamento Participativo (que também é escolhido nas Plenárias) a
sociedade civil acaba exercendo uma intervenção significativa sobre os investimentos a
serem realizados. Por mais que se questione que o governo tem as informações que
garantem o controle sobre o processo, o fato é que a metodologia do Orçamento
Participativo se baseia em critérios impessoais e objetivos (a exemplo das outras
experiências estudadas), o que simplifica a tomada de decisão sobre a política de
investimento, possibilitando a compreensão dos critérios por pessoas bastante simples,
não apenas os critérios de decisões, mas, de fiscalização sobre a execução do que fora
decidido em anos anteriores.
Analisando uma experiência concreta de Orçamento Participativo em Gravataí-
RS, Silva afirma que
com a introdução do OP, observa-se uma significativa ampliação da
possibilidade de controle social em relação à atuação do governo
municipal. A definição, através da participação social massiva, de
um conjunto de ações a serem executadas, mesmo que não tenha sido
publicizada de forma mais intensa através da publicação de um
Plano de Obras e/ou investimentos, conferiu maior transparência às
ações do Executivo em Gravataí, que passou a estar sob constante
monitoramento dos participantes do processo. (SILVA, 2004:17).
Esta intervenção exercida pela sociedade civil faz com que em muitas
administrações que implementaram o Orçamento Participativo, e em Araraquara
aconteceu isso, haja uma tentativa de esvaziamento por parte do governo, pois este
espaço que se inicia como um grande canal de legitimação do governo que democratiza
as decisões, pode se transformar em um grande canal de questionamento do governo

120
que não cumpriu com o que fora acordado - e isso também aconteceu em Araraquara.
Isto contribuiu para que, nos últimos anos do primeiro governo Edinho Silva, houvesse
um esvaziamento desse fórum por parte do governo municipal, inclusive do próprio
prefeito, que praticamente se ausentou do processo em fases importantes (como as
plenárias sub-regionais de 2004), o que gerou bastante insatisfação entre os
participantes destas plenárias.
Assim, como sustenta Wampler & Avritzer (2004) uma das grandes razões para
o sucesso de experiências de Orçamento Participativo, são os “efeitos demonstração”,
ou seja, o cumprimento das obras e projetos definidos nesse espaço. E o não
cumprimento de vários investimentos entre os que foram definidas pelo OP da
Araraquara, é o ponto mais vulnerável dessa experiência, algo que tornou esse espaço
tenso para o governo.

2.1 - Sobre a implantação do projeto

Como relatado anteriormente, o Orçamento Participativo constava do Programa


de Governo da Frente Democrática e Popular que ganhou a eleição municipal de
Araraquara no ano de 2000. Conquistado o direito de administrar a cidade entre 2001 e
2004, uma das primeiras medidas executadas pelo governo municipal após compor a
equipe de governo, foi colocar a equipe de Participação Popular em campo, através de
um processo de organização de plenárias nos bairros, para criar as condições de
implementação do Orçamento Participativo enquanto um mecanismo de democratização
da metodologia de elaboração do orçamento que seria executado em 2002.
No início de 2001, foi empreendido um esforço muito grande por parte do
governo, particularmente da equipe de Participação Popular, no sentido de mobilizar a
comunidade a se fazer presente às reuniões do Orçamento Participativo. Ainda assim,
não foi possível a mobilização de um contingente muito grande da população (1196
pessoas) num universo de cerca de 120 mil aptas a participar (que é número aproximado
das pessoas com mais de dezesseis anos em Araraquara).
O esforço foi ainda maior devido ao fato da população de Araraquara ter um
legado de deficiência de capital social (Putnam,1996), ou seja, nunca ter tido a tradição
e a oportunidade de participar dos destinos da cidade e, nem mesmo, despertar-se para a
importância do exercício desse direito e dever cívico.

121
Cabe ressaltar que – ao contrário de experiências como as de Santo André e
Porto Alegre nas quais Silva (1999), Pontual (2000), Fedozzi (1999), Abers (2000),
Avritzer (1999), entre outros, afirmavam haver uma pressão muito grande por parte da
sociedade civil no tocante à participação nos rumos da política municipal, e,
particularmente, em Porto Alegre, em que a pressão era diretamente com relação a
participar das discussões orçamentárias – em Araraquara, quando a “Frente
Democrática e Popular” ganha o governo, não existia a menor pressão para a instalação
do Orçamento Participativo, exceto por parte de setores isolados do Partido dos
Trabalhadores. Neste sentido, o modelo de Orçamento Participativo que se instala em
Araraquara é um modelo cujo sentido é do Estado para a sociedade, por isso, muito
mais dependente (para o bem ou para o mal) da postura e do empenho político por parte
do governo.
Embora pareça um truísmo fazer a afirmação de que o Orçamento Participativo
de Araraquara é um modelo cujo sentido é do Estado para sociedade, quando
verificamos definições como a de d’Avila Filho (et alii, 2004:15) que atesta que o
“Orçamento Participativo é uma espécie de conselho (...) freqüentemente criado por
iniciativa política da Prefeitura”.
O fato é que, em muitos casos, há uma pressão real da sociedade para que o
poder público crie mecanismos de participação, ao passo que, neste caso específico, a
criação do Orçamento Participativo significou o cumprimento de algo que constava do
Programa de Governo apresentado na campanha, concebido como um fator que alteraria
a relação clientelística da sociedade civil em relação ao Estado e vice-versa, o que,
segundo autores como Vitale (2004), Abers (2000), Wampler & Avritzer (2004), entre
outros, é um elemento que limita o sucesso de experiências de participação popular.
Todavia, como as pessoas que estavam assumindo a política de participação
popular no município não tinham nenhuma experiência na execução de projetos deste
tipo, sentiu-se a necessidade de adotar como modelo alguma experiência já
desenvolvida em outra localidade. Neste sentido é que vieram representantes de outras
administrações petistas que haviam implementado o Orçamento Participativo há algum
tempo (Porto Alegre e Caxias do Sul) para passarem as principais ferramentas para a
instalação do projeto em Araraquara, inclusive o modelo organizativo.
A visita desses representantes de outras administrações, bem como o
conhecimento que se tinha através de documentos, subsidiou a equipe de Participação
Popular a elaborar o modelo de funcionamento do OP de Araraquara que, em 2001, se

122
iniciou com as realizações das plenárias explicativas e concluiu-se o ciclo com a eleição
das prioridades de investimentos, bem como dos conselheiros, nas plenárias regionais II.
Figura 12 – Ciclo do Orçamento Participativo

CICLO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

REUNIÕES
EXPLICATIVAS

SEMINÁRIO ABERTO
- Regimento interno
- 8 regiões
- Cronograma

Eleição de PLENÁRIAS Prestação


Delegados/as REGIONAIS I de Contas

Reunião com Material


Importância/
Delegados(as) Divulgação
delegados(as)

Escolha REUNIÕES NAS


Eleição
Prioridades SUB-REGIÕES
Delegados(as)

Distribuição FÓRUM MUNICIPAL DOS(AS) Posse


Materiais DELEGADOS(AS) Delegados/as

Fórum Regional Caravana da


Cidadania

3 Prioridades
por Região

Entrega PLENÁRIAS Eleição de


Prioridades REGIONAIS II Conselheiros/as

Prestação de Conselho do Orçamento


Contas Participativo (COP)

Fonte: CPP/PMA

123
Esse intercâmbio com outras administrações também contribuiu para a
elaboração das normas gerais do Orçamento Participativo de Araraquara, por exemplo,
constatou-se que grande parte dos itens do Regimento Interno do OP de Araraquara
consta de Regimentos elaborados em Porto Alegre e Caxias do Sul. Neste regimento
estão as regras fundamentais que norteiam todas as fases do processo de relação do
governo com a sociedade através do Orçamento Participativo, algo que estabelece
regras claras por escrito, com o intuito de garantir objetividade e transparência,
facilitando o acompanhamento e a intervenção por parte da sociedade civil.
Cabe ressaltar ainda, que, nas primeiras atividades desenvolvidas com a
comunidade (as Plenárias Explicativas), a maioria da população comparecia para
reclamar dos problemas que se arrastavam nos seus bairros há várias administrações, a
maioria das vezes partindo da idéia que está no senso comum, que a resolução de todos
os problemas administrativos depende da vontade do chefe do executivo. Isto gerava um
constrangimento político para quem estava ali representando o Executivo, justamente
para explicar a implementação de um projeto que partia do pressuposto de que, devido à
escassez de recursos para investimento, era a comunidade que deveria apontar para o
governo quais as obras e projetos que seriam os mais prioritários de o governo
implementar. Este imediatismo, que é uma coisa legítima para quem tem suas demandas
reprimidas há bastante tempo, neutraliza o desenvolvimento de uma cultura cívica que é
algo que depende de um amadurecimento histórico (PUTNAM, 1996: 171). Mas cabe
ressaltar que a população é muito mais vítima do que vilã neste processo.
Para a implantação do OP em Araraquara, a cidade foi dividida em 7 regiões
urbanas, seguindo o critério de proximidade geográfica entre os bairros, e uma região
que inclui toda a zona rural de Araraquara, inclusive os assentamentos. Esta divisão
geográfico-espacial facilitou bastante no desenvolvimento do OP. Todavia, pelo caráter
das decisões que eram tomadas, ou seja, atendendo o critério de maior prioridade por
região (definida pelo grau de carência), desestimulava a participação das pessoas que
gostariam de propor demandas específicas. Por isso é que em 2002 foram criadas as
Plenárias Temáticas, que mobilizou pessoas ligadas a temas específicos a participarem
das atividades do Orçamento Participativo. A esse respeito será realizada discussão
específica posteriormente.
Cabe ressaltar a ausência de pressão por parte da comunidade no sentido de
participar da elaboração, do acompanhamento e da execução orçamentária em
Araraquara até o ano de 2001. No entanto, ao se analisar os dados fornecidos pela

124
equipe de Participação Popular da Prefeitura Municipal desta cidade, é possível
verificar, uma vez criada a possibilidade, a importância da sociedade civil organizada no
percentual dos participantes das Plenárias do OP do ano de 2004.

2.2 - Relação do governo com a comunidade

O Orçamento Participativo na cidade de Araraquara, como exposto


anteriormente, foi organizado a partir de uma realidade na qual não havia uma
organização da sociedade civil no sentido de reivindicar a participação na elaboração e
execução do orçamento público.
Esta realidade fez com que a “Frente Democrática e Popular”, que assumiu o
governo em 2001, tivesse que buscar parâmetros em outras realidades para elaborar um
modelo que seria executado em Araraquara. Neste sentido é que as experiências vindas
do sul do país, particularmente de Porto Alegre e Caxias do Sul, serviram como
referenciais importantes. Todavia, cabe ressaltar que em Porto Alegre, experiência
descrita no capítulo anterior, havia uma participação muito ativa da sociedade civil
organizada já na elaboração das bases fundamentais do Orçamento Participativo, visto
que naquela cidade havia uma demanda por parte das Associações de Moradores por
uma participação efetiva na elaboração do orçamento municipal (Silva, 1999; Wampler
& Avritzer, 2004; Abers, 2000; Vitale, 2004), ao passo que, em Araraquara, a
implementação do orçamento democrático deu-se a partir de uma medida tomada pelo
poder Executivo municipal, o que teve a adesão de uma parte significativa da sociedade
araraquarense.
Este modelo apresentado e aprovado pelo poder público municipal de
Araraquara, com a participação da sociedade civil, colocou para a população de
Araraquara uma estrutura que conseguiu ter um nível razoável de credibilidade junto às
pessoas que passaram a participar desta nova forma de elaboração do orçamento
municipal. Isto porque no próprio Regimento Interno, que foi aprovado já no início do
governo com a participação efetiva da comunidade, estavam definidos os critérios de
discussão e aprovação da política de investimento do município, bem como as funções
que cada representante da sociedade tinha nas diferentes instâncias de participação no
OP.
Para mostrar o papel que teria a participação popular, já no início daquele
governo foi criada a Coordenadoria de Participação Popular, formada pela coordenadora

125
e mais cinco membros, que passaram a trabalhar exclusivamente para a implementação
e funcionamento desta área do governo, número que foi ampliado no decorrer do
processo.
Esta Coordenadoria foi responsável pela organização, no primeiro trimestre
daquele governo, de um Seminário aberto que contou com a participação de
aproximadamente 800 pessoas, quando foi aprovado o Regimento Interno, contendo
todas as regras de participação da comunidade nas diferentes instâncias do OP; e ainda,
foi definida a forma de funcionamento do OP no tocante aos fóruns de participação da
comunidade, bem como o cronograma do OP do ano de 2001.
O processo de elaboração do orçamento público municipal, com a participação
da comunidade no ano de 2001, foi definido em quatro etapas e com apenas uma
modalidade de participação - a regional, visto que as chamadas Plenárias Temáticas só
começaram a ser organizadas a partir de 2002.
Estas quatro etapas que formaram o ciclo anual do OP de Araraquara em 2001
foram:
1 - as Plenárias Explicativas
2 - as Plenárias Regionais I
3 - as Plenárias Sub-Regionais
4 - as Plenárias Regionais II
Na primeira etapa foram realizadas as Plenárias Explicativas. Esta etapa foi
precedida de uma divulgação ampla feita pelo governo municipal, sob a coordenação da
equipe de Participação Popular, que empreendeu um esforço muito grande para divulgar
estas Plenárias. Nesta etapa, havia uma espécie de primeiro contato entre a população e
o governo recentemente empossado, por isso a população vinha para essa atividade
trazendo todo tipo de demandas, desde as mais particulares às mais gerais. O governo
apresentava as limitações orçamentárias para resolver todas as demandas, ao mesmo
tempo em que aproveitava esse questionamento da população para alertar a
impossibilidade de resolver todos os problemas históricos da cidade e comprometendo-
se a resolver as demandas mais prioritárias, que seriam apontadas pelos próprios
participantes das reuniões do Orçamento Participativo. Isto queria dizer que os
cidadãos, para terem suas demandas resolvidas, deveriam acreditar na nova metodologia
de definição da política de investimento e participar não apenas enquanto um indivíduo,
mas ajudar a mobilizar a sua região e o seu bairro para participar do processo.

126
Esta foi uma etapa importante na relação do governo com a comunidade, pois
significou uma possibilidade de rompimento com uma prática paternalista e
clientelística de tratar a política de investimento neste município. Isto acabou gerando
frustração em muitos munícipes que tinham ido àquela atividade com a crença de que o
chefe do Executivo se comprometeria com a resolução dos problemas, o que se podia
comprovar nas diferentes intervenções nas Plenárias.
Como era um momento imediatamente posterior à posse do novo prefeito,
quando normalmente os governos estão fortes, esperava-se uma maior participação por
parte da sociedade, o que não acabou acontecendo, visto que nas oito plenárias
participaram 1196 pessoas, o que dá uma média de aproximadamente 120 pessoas por
reunião, sendo que destas reuniões, quatro delas contaram com uma participação acima
de 185 pessoas.

Tabela 7 – Participação nas Plenárias do OP

Total
Explicativas Plenárias Regional I Sub-Regiões Plenárias Regional II Região % Região
Região 1 19 195 65 70 349 7,52
Região 2 89 165 164 62 480 10,35
Região 3 185 350 95 87 717 15,46
Região 4 158 177 235 48 618 13,32
Região 5 219 238 230 69 756 16,30
Região 6 195 262 89 26 572 12,33
Região 7 195 216 108 43 562 12,12
Região 8 136 170 165 113 584 12,59

Total
Reunião 1196 1773 1151 518 4638 100
Fonte: CPP/PMA

127
Figura 13 – Comparativo – Participação nas Plenárias do OP

5000

4500

4000

3500

3000

2500

2000

1500

1000

500

Explicativas Plenárias Regional I Sub-Regiões


Plenárias Regional II Total Região

Figura 14 – Comparativo por Plenária

400

350

300

250
Explicativas
Plenárias Regional I
200
Sub-Regiões
Plenárias Regional II
150

100

50

0
1

8
o

o


eg

eg

eg

eg

eg

eg

eg

eg
R

Na segunda etapa, ocorreram as Plenárias Regionais I em cada uma das oito


regiões (7 urbanas e 1 rural) em que está dividida a cidade de Araraquara, divisão que,
como foi ressaltado anteriormente, obedeceu a critérios sócio-geográficos. Nesta etapa
fizeram-se presentes: o prefeito, o vice-prefeito, os secretários municipais e a equipe de

128
participação popular. Nestas plenárias é feita uma prestação de contas pelo secretário
municipal de Finanças, complementado por um membro da Participação Popular. Há a
abertura do microfone para que a população tire suas dúvidas e faça suas críticas,
finalizando com a escolha dos delegados que irão representar o bairro e a região na
seqüência das atividades do OP.
Na terceira etapa, há uma subdivisão das atividades do Orçamento Participativo:
a partir deste momento as reuniões passam a acontecer em regiões menores (as sub-
regiões). Esta é uma etapa muito importante no processo, por isso a população sempre
priorizou a participação, visto que é nesta plenária que a população escolhe as três
prioridades a serem discutidas nas Plenárias Regionais II. Além do mais, nestas
plenárias são escolhidos os delegados que acompanharão de forma mais sistemática as
atividades do Orçamento Participativo.
Na quarta etapa, há uma recomposição das regiões, ou seja, as discussões que
foram feitas nas plenárias das sub-regiões são trazidas para estas reuniões regionais,
quando são somadas às demandas das outras sub-regiões para que possam ser discutidas
e analisadas em conjunto para se chegar a um acordo definido pelo voto sobre quais
daquelas prioridades deverão ser encaminhadas para a discussão no Conselho do
Orçamento Participativo. Cabe ressaltar que apenas três demandas são votadas nestas
plenárias, e se não houver a possibilidade de todas elas serem contempladas no Plano de
Investimentos, o Conselho do Orçamento Participativo (COP), sob a coordenação da
equipe de Participação Popular, é quem define quais destas prioridades devem ser
preteridas.
Outra atribuição importante dos participantes das Plenárias Regionais II é eleger
entre os delegados presentes na Assembléia dois conselheiros titulares e dois suplentes
que serão as representantes da região no Conselho do Orçamento Participativo.
Outra etapa importante na relação do governo com a sociedade civil, que passou
a vigorar a partir do segundo ano de governo, são as chamadas Plenárias Temáticas de
Cidadania. Esta foi uma forma encontrada, a exemplo de outras administrações (veja
Fedozzi, 1999; Pontual, 2000; Abers, 2000; Mantovaneli Júnior, 2001) de envolver
alguns segmentos com atuações específicas na sociedade. Por isso a criação, naquele
ano, das discussões específicas com portadores de deficiências, mulheres, idosos, afro-
descendentes, juventude e desenvolvimento urbano e econômico. Esta forma de
organização permitia o envolvimento de segmentos específicos, a ponto de reunir em

129
média mais de 90 pessoas por encontro, com o pico de 178 pessoas nas Plenárias de
Mulheres no ano de 2003.
Cabe ressaltar ainda, que, além dessas etapas deliberativas, há algumas
atividades no ciclo anual do Orçamento Participativo que possuem um caráter de
conscientização e de sensibilização de todos os delegados e conselheiros do Orçamento,
que são intermediários aos processos deliberativos:
1 - Fórum Municipal de Delegados, que tem um caráter de integração de todos
os delegados eleitos nas regiões, nas sub-regiões e nas plenárias temáticas, momento em
que são discutidas todas as prioridades das regiões. Este é um momento importante, pois
os delegados tomam contato com todas as demandas, o que ajuda num posicionamento
menos individualista e mais voltado a uma visão total da cidade.
2 - Caravana da Cidadania, momento em que todos os delegados de uma mesma
região e das temáticas percorrem todos os bairros de uma região num ônibus e verificam
as necessidades que foram escolhidas pelos moradores da região. Isto prepara os
delegados para uma intervenção e votação mais embasada na realidade da região e não
apenas no seu próprio bairro.
3 - Caravana da Cidade, momento em que os conselheiros das diferentes regiões
visitam toda a cidade, buscando analisar de perto as três prioridades escolhidas pelas
regiões e temáticas.
Essas atividades, que fazem parte da sistemática do Orçamento Participativo de
Araraquara, foram pensadas com o intuito de fornecer determinados recursos para que
os delegados e conselheiros pudessem se posicionar melhor nos espaços de discussão e
deliberação do OP. Um aspecto ao qual Fuks e Perissinotto (2004:18), ao analisar os
conselhos gestores de políticas públicas de Curitiba, concebeu como a conquista da
“capacidade dos atores de influenciarem o processo decisório”.
No Fórum Municipal dos Delegados há um processo de integração e
conscientização entre delegados e conselheiros, mas o objetivo fundamental deste fórum
é a posse dos Conselheiros, num total de 32 representantes (titulares e suplentes) das
oito regiões e 24 representantes (titulares e suplentes) das seis Plenárias Temáticas que
foram mencionadas anteriormente.
A partir deste evento – que acontece no mês de agosto, as atividades do
Orçamento Participativo assumem uma dimensão mais interna. Neste momento, as
demandas que foram aprovadas nas Plenárias Regionais e Temáticas são trazidas para a
burocracia da Prefeitura, que é responsável formalmente pela elaboração do orçamento,

130
para que sejam adequadas ao Orçamento Municipal. Esta adequação das demandas ao
Orçamento Municipal conta com o acompanhamento dos conselheiros do OP, enquanto
representantes da sociedade civil, para que seja garantida a manutenção dos critérios da
política de investimento previamente acordadas nas atividades anteriores.
O Executivo participa das atividades do Conselho do Orçamento Participativo
através da Coordenadoria de Participação Popular e, esporadicamente, das Secretarias
Municipais, que vão defender as demandas ligadas às suas pastas junto ao COP, quando
se trata de projetos que o governo julga de grande relevância para o município;
geralmente são obras de abrangência multiregional (que abrange várias regiões) que o
governo, mediante uma avaliação técnica e política, entenda como um investimento
altamente necessário.
Cabe ressaltar que geralmente o governo respeita as demandas escolhidas pela
comunidade, mas, observando as prioridades tiradas nas regiões e as que foram
executadas pelo poder público municipal, verificou-se que é comum uma prioridade que
estava em segundo ou terceiro lugar ser realizada antes da primeira, ou ainda, uma
prioridade que foi escolhida em primeiro lugar receber um recurso equivalente a 1/3 de
uma que ficou como segunda prioridade. Isto se dá devido ao fato de o Plano de
Investimentos não possuir força de lei e, além disso, haver uma “diferenciação dos
recursos” decisionísticos das partes envolvidas no processo – para usar uma
terminologia de Fuks & Perissinoto (2004:10), pois a posição institucional do prefeito o
coloca na posição privilegiada com relação à definição da efetivação do investimento,
embora essa postura possa gerar (como gerou) o esvaziamento do processo, o que
comprova a importância do cumprimento das decisões do COP, fator que Wampler &
Avritzer (2004) denominou de “efeitos demonstração”.
No tocante à discussão dos critérios utilizados pelo Orçamento Participativo de
Araraquara, é possível observar que o critério objetivo para definir um investimento
numa região ou em um determinado tema é o número de participantes tanto nas
Plenárias como no COP. Apesar deste não ser um motivo para colocar em xeque a
credibilidade do processo, pois respeita um princípio básico da democracia (o princípio
da maioria) talvez necessitasse de um avanço no sentido de estabelecer outros critérios
para a política de investimento, como fez Porto Alegre, que colocou como critérios para
definir o investimento em uma região:
1 - Carência de serviços em infra-estrutura urbana;
2 - População em áreas de carência máxima;

131
3 - População total da região do Orçamento Participativo;
4 - Prioridade atribuída pela região aos setores de investimentos demandados por
ela.
Constata-se que a execução de um projeto, na prática, demonstra as suas
fragilidades, pois algumas coisas que passam despercebidas na elaboração de um
projeto convertem-se em verdadeiros disparates no curso da implementação do mesmo.
Por exemplo, nos critérios definidos para a escolha dos investimentos até 2003 no
Orçamento Participativo de Araraquara, estava garantido o direito das pessoas votarem
em 3 prioridades, sem a ressalva de que teriam que ser prioridades diferentes. O que
ocorreu foi que, em determinado momento do processo, percebeu-se que as pessoas de
uma determinada região que se mobilizavam para votar num determinado investimento
recebiam a cédula que lhe dava o direito de votar em 3 prioridades e, de forma
oportunista, votavam três vezes em uma mesma prioridade.
Até um determinado momento, apenas os representantes do OP se aperceberam
do que havia acontecido, e consultando o Regimento Interno não viam nenhuma
possibilidade de vetar esta prática. Mas em algumas reuniões isto ficou evidente, pois
uma prioridade que atenderia apenas um bairro passou a receber três vezes o número de
votos que o bairro tinha na Plenária. Inclusive em uma reunião que participei no bairro
do Melhado este fato gerou o maior impasse, porque o bairro citado tinha maioria na
Plenária e não conseguiu passar a sua prioridade.
Essa é uma falha que afronta um princípio básico da democracia, pois é
inconcebível que um indivíduo possa votar três vezes para um determinado
representante ou para uma determinada prioridade, enquanto um outro indivíduo teve
direito a apenas um voto. Mas o fato é que este problema se arrastou até o final de 2003,
quando foi rediscutido o Regimento Interno que passaria a valer a partir de 2004.

2.3 - Especificidades Metodológicas

O Orçamento Participativo na cidade de Araraquara provocou uma mudança


considerável na forma do poder público municipal se relacionar com a sociedade civil,
no tocante à elaboração e à execução do orçamento público municipal. É claro que em
Araraquara, mais do que em outras experiências estudadas neste trabalho, este projeto
enfrentou uma série de dificuldades, pois este espaço de deliberação da política de
investimentos municipais, criado a partir de 2001, não contou com a participação

132
política mais efetiva da sociedade civil, como aconteceu nas experiências de Santo
André e Porto Alegre.
Isto em parte deveu-se à fraca tradição da sociedade araraquarense em participar
do processo de decisão e implementação das políticas públicas, devido à tradição elitista
e paternalista da política local, que historicamente tem influenciado as administrações
públicas nessa cidade, bem como na maioria das cidades brasileiras. Este
conservadorismo no tocante à manutenção da estrutura política araraquarense, fez com
que, nas últimas décadas, houvesse um revezamento no poder apenas entre dois grupos
políticos: um liderado pelo PPB (atual PP) e o outro liderado pelo PMDB. Ademais,
cabe ressaltar ainda que o Orçamento Participativo foi implementado em Santo André e
Porto Alegre no ano de 1989, no período em que a sociedade brasileira tinha saído
recentemente da ditadura militar e, portanto, estava disposta a participar das decisões
políticas.
Assim, a composição política alternativa a esses dois grupos, que chegou ao
poder em 2000, tinha dois grandes problemas que dificultavam a implantação das
políticas de participação popular: 1) o primeiro deles era implantar um projeto de
participação num contexto em que os atores não estavam e nem nunca estiveram
mobilizados na perspectiva de uma administração participativa, visto que esses
processos não estavam postos no horizonte político dos administradores e, nem
tampouco, da sociedade civil araraquarense, essa historicamente alijada das decisões
políticas; 2) o segundo problema que limitava a implantação de um projeto de
participação popular em Araraquara a partir de 2001, era a falta de experiência das
pessoas que estavam à frente do governo, particularmente da Coordenadoria de
Participação Popular. Isto forçou os integrantes do OP a utilizarem-se de referenciais
exógenos à realidade o que, como é sabido por todos, traz um complicador muito
grande, visto que cada cidade tem as suas peculiaridades.
Cabe reconhecer que – apesar das deficiências encontradas na Prefeitura de
Araraquara, desde as mais banais, como um déficit em recursos informacionais, e outras
mais difíceis de resolver, como uma estrutura burocrática fechada a qualquer
intervenção da comunidade – as condições financeiras encontradas nesta cidade em
2001 possibilitaram uma política de investimentos.
Nesse sentido, não houve necessidade de a Prefeitura empreender uma reforma
fiscal (como fez Porto Alegre) para que fosse possível garantir as condições materiais
para a execução de um projeto com esse caráter. No caso de Araraquara, já foi possível

133
no primeiro ano de governo projetar a capacidade de investimentos e partir para a
divulgação e convencimento da sociedade sobre a importância desta mudança na
elaboração e execução do orçamento público. Neste sentido, cabe ressaltar que houve
uma certa competência técnica da burocracia pública municipal, bem como dos demais
gestores públicos, em manter as finanças públicas saneadas. Mesmo que, para isso, às
vezes tenham recorrido aos generosos empréstimos do Departamento Autônomo de
Água e Esgotos (DAAE), empréstimos esses nunca quitados pela Prefeitura Municipal.
Como não tinha que resolver dois impasses fundamentais de outras experiências
pioneiras analisadas neste trabalho (Porto Alegre e Santo André), isto é, fazer uma
reforma fiscal que criasse as condições para uma política de investimentos e organizar
um modelo de Orçamento Participativo, a “Frente Democrática e Popular”, que assumiu
o poder em 2001 em Araraquara, pode avançar bastante já no primeiro ano a sua política
de participação popular.
O que houve em Araraquara foi uma adaptação dos princípios básicos de Porto
Alegre, apontados por Fedozzi (1999); Avritzer (1999 e 2004); Abers (2000, et alii),
isto é, a adoção de regras universais de participação em instâncias institucionais e
regulares de funcionamento, um método objetivo de definição de recursos para
investimentos, que perfaz um ciclo anual de atividades públicas de orçamento do
município, e de um processo decisório, tendo por base a divisão da cidade em 8 regiões.
O processo anual do Orçamento Participativo de Araraquara passa pelas fases
apontadas anteriormente:
No primeiro ano do OP de Araraquara (2001), as atividades se iniciaram pelas
Plenárias explicativas, pois era necessário que a população passasse a conhecer este
projeto. Portanto, esta era realizada com o objetivo de mobilizar e informar a população
sobre os diversos aspectos do OP, como critérios de participação, critérios de escolhas
dos representantes, critérios de deliberação, etc.
Como relatado anteriormente, naquele ano também foi organizado um seminário
aberto, que contou com mais de 800 pessoas, cujo objetivo foi discutir os pontos
polêmicos e aprovar o Regimento Interno que passaria a valer para os anos
subseqüentes.
Nos meses de março a abril de todos os anos foram realizadas as Plenárias
Regionais I em todas as oito regiões do Orçamento Participativo, contando com a
presença do prefeito, vice-prefeito e o secretariado municipal, bem como dos membros
da Participação Popular. Esta Plenária tinha os seguintes objetivos:

134
1 - A prestação de contas pelo governo municipal das obras e investimentos
definidos nos anos anteriores;
2 - A apresentação dos itens receita e despesa para a população ficar ciente das
possibilidades e limites financeiros da Prefeitura;
3 - Era aberto o microfone para a população se posicionar sobre os dois itens
anteriores;
4 - A população escolhia os delegados que iriam representar o bairro e a região
no OP do ano em curso.
Nos meses de abril e maio, a Coordenadoria de Participação Popular divide o
processo de mobilização e trabalho nas sub-regiões. Estas reuniões menores têm uma
importância muito grande no processo metodológico do OP de Araraquara, visto que é
nelas que são selecionadas as três prioridades que entrarão no processo de votação nas
Plenárias Regionais II, quando há um afunilamento dessas prioridades para a escolha,
por parte dos representantes da sociedade civil, das três prioridades regionais.
Resumidamente, as Plenárias Sub-regionais têm basicamente duas atribuições:
1 - Escolha de três prioridades até 2003 e duas a partir de 2004, que serão
encaminhadas à Plenária Regional II para apreciação e votação;
2 - Escolha de delegados(as) para representarem os bairros presentes, que
ficaram sub representados nas Plenárias Regionais I.
No mês de junho, são realizadas as Plenárias Temáticas de Cidadania,
expediente que começou a funcionar a partir de 2002. Ao todo, são seis temas que
foram definidos a partir da compreensão do poder público de que essas seriam as áreas
de maior exclusão da sociedade. Obedecendo a esse critério estão os temas: Mulheres,
Juventude, Idosos, Afro-descendentes e Pessoas com Deficiência. O outro tema
Desenvolvimento Urbano e Econômico entrou nas Plenárias Temáticas pelo governo
julgar que seria necessário um espaço temático que discutisse a cidade, isto é, discutisse
os temas e os investimentos que fossem relevantes para toda a cidade.
No mês de junho, ainda, são realizados o Fórum Municipal de Delegados e a
Caravana da Cidadania. A primeira atividade é justificada pelo governo municipal como
um momento de integração, que reúne todos os delegados(as) eleitos nas etapas
anteriores para discutirem sobre as prioridades escolhidas nas regiões e temáticas, um
espaço onde são socializadas todas as informações sobre o que foi decidido nas etapas
anteriores, para que as pessoas tenham maior conhecimento no momento da definição
dos investimentos encaminhados ao Conselho do Orçamento Participativo.

135
A segunda atividade também tem um caráter de preparação dos delegados para
uma escolha mais fundamentada das prioridades, pois este é um momento em que todos
os delegados de uma mesma região e das Plenárias Temáticas percorrem, de ônibus, os
bairros de uma mesma região para conhecerem de perto as prioridades que foram
escolhidas por cada sub-região, para poder contrapor às demandas da sua sub-região.
No mês de julho acontece aquela que, no processo metodológico do OP de
Araraquara, é a atividade mais importante: as Plenárias Regionais II. Nesta fase do OP
de Araraquara mais uma vez são realizadas reuniões nas oito regiões do OP, com as
seguintes atribuições:
1) Eleger aqueles que serão os representantes das regiões e temas no Conselho
do Orçamento Participativo;
2) Aprovar as prioridades das regiões e dos temas que serão discutidas pelo
Conselho do Orçamento Participativo.
Ainda no mês de julho, é realizada a Caravana da Cidade, que tem como
objetivo possibilitar que os conselheiros das regiões e dos temas conheçam as diferentes
prioridades escolhidas pelas Plenárias Regionais II, num total de 42 prioridades. Nesta
atividade eles percorrem toda a cidade. A segunda atividade é mais interna, com um
caráter de “integração e formação” dos delegados e conselheiros. É neste espaço que o
prefeito dá posse aos conselheiros que cumprirão o mandato de um ano.
A partir do mês de agosto, o COP passa a se reunir com os membros da equipe
de Participação Popular e com as diferentes Secretarias Municipais para se apossarem
das informações técnicas, que contribuirão para a adequação das prioridades escolhidas
ao montante dos recursos de investimentos disponibilizados pelo governo, para que o
Plano de Investimento não se configure em algo que não esteja devidamente
contemplado na disposição geral dos itens receita e despesa. Estas reuniões do COP são
abertas, mas apenas os conselheiros é que podem votar, cabendo ressaltar que apenas os
conselheiros e membros do governo é que têm participado das reuniões do COP.
Geralmente, os investimentos definidos pelo governo entre 2001 e 2004,
respeitaram às decisões originárias deste processo de elaboração da política de
investimento. Todavia, várias obras foram executadas sem passar por esse processo; a
bem da verdade, todas as que foram executadas com recurso do Governo Federal e
Estadual não foram submetidas às definições do OP. No máximo aconteceu um informe
ao Conselho do Orçamento Participativo. Com um agravante de que, pela legislação,
todas as obras executadas com recursos oriundos de outras esferas do poder conta com

136
uma contrapartida que às vezes ultrapassa os 30% do custo total da obra. Essa
contrapartida geralmente é retirada dos recursos disponibilizados para os investimentos
definidos no OP.
Esse procedimento tem se tornado um “calcanhar de Aquiles” do Orçamento
Participativo de Araraquara. E isto tem sido cada vez mais utilizado por decisão do
governo, mesmo com uma forte resistência do Conselho do OP e de membros da
própria Coordenadoria de Participação Popular, que admitem que chamadas
contrapartidas têm achatado cada vez mais as verbas de investimentos que são
deliberadas no OP. Contrapartida que é um instrumento recente, dos governos Federal e
Estadual, utilizado como um fator condicionador de liberação de recursos de
investimentos para as prefeituras. Segundo Wampler & Avritzer (2004) esse é um dos
principais fatores que deslegitimam os fóruns de participação junto à comunidade.

2.4 - Perfil social, político e econômico dos participantes do OP de Araraquara

Os dados fornecidos pela Coordenadoria de Participação Popular representam


uma lacuna quando se tem por objetivo definir perfil dos participantes, visto que um dos
principais itens para a definição do perfil das pessoas que fazem parte de algum tipo de
organização pesquisada é a renda, principalmente a renda familiar.
Todavia, mesmo faltando este item, é possível verificar, por meio da análise de
outros dados, o perfil social, político e econômico das pessoas que participam do OP de
Araraquara.
O perfil foi traçado mediante ao cadastramento realizado por representantes da
Coordenadoria de Participação Popular nas plenárias do Orçamento Participativo. Os
participantes ao serem cadastrados respondem de forma espontânea às perguntas que
constam de um formulário (etnia, escolaridade, data de nascimento, deficiência física,
etc.).
Fonte de dados: Cadastro do Orçamento Participativo
Período: Cadastros realizados de 2001 a 2004
Critério para seleção: Participantes com mais de 16 anos9
Total de cadastrados: 5886 participantes
Observações:

9
16 anos é a idade mínima para que o participante possa votar em uma reunião do OP.

137
O cadastro do OP foi reformulado em 2002, tendo sido incluídos novos itens
(Gênero, deficiência física).
Vários cadastros estão preenchidos de forma incompleta, portanto os números
abaixo são inferiores ao número de pessoas cadastradas.

Figura 15 - Participantes por Gênero

Homens: 1587
Mulheres: 1945 Participantes no OP por Gênero

45%

55%

Masculino Feminino
Fonte: CPP/PMA10

Figura 16 - Participantes por Etnia


Participação no OP por Etnia

Etnia Total Oriental


Branco 1517 Mestiço 0,81% Indígena
Negro 631 12,24% 0,16%
Mestiço 303
Oriental 20
Indígena 4 c

Negro
25,49% Branco
61,29%

10
Todos os gráficos citados neste capítulo tem por fonte a Coordenadoria de Participação Popular da
Prefeitura Municipal de Araraquara

138
Figura 17 - Participantes por Faixa Etária
Participantes do OP por Faixa Etária

Nº de
8%
Faixa Etária Participantes
31%
De 16 a 24 anos 1804
De 25 a 64 anos 3633
A partir de 65 anos 449

61%

De 16 a 24 anos De 25 a 64 anos A partir de 65 anos

Figura 18 - Participantes do OP por Escolaridade


Escolaridade Total
Analfabeto 32 Participantes do OP por Escolaridade
Alfabetizado 9
De 1ª a 4ª 686
0,1%
De 5ª a 8ª 1291
1,0%
Ensino Médio 844 Analfabeto
Ensino Superior 372 0,3%
11,5%
Alfabetizado
Pós-graduação 2 21,2% De 1ª a 4ª
De 5ª a 8ª
26,1% Ensino Médio
Ensino Superior
Pós-graduação

39,9%

Figura 19 – Variação de escolaridade


Variação de Escolaridade
900
800
700
600
Nº de Pessoas

500
400
300
200
100
0
-100
De 1ª a 4ª De 5ª a 8ª Ensino Ensino Ensino Ensino
A nalfabet A lfabetiza De 1ª a 4ª De 5ª a 8ª Pó s-
inco mplet inco mplet M édio M édio Superio r Superior
o do completo co mpleto graduação
o o inco mplet co mpleto inco mplet completo
Variação de Esco laridade 32 9 438 248 784 507 135 709 61 311 2

139
No que se refere aos delegados do OP, é possível afirmar com segurança que os
delegados do OP de Araraquara, em sua maioria, pertencem à população das classes
baixas, em sua maioria do sexo masculino, de cor branca, com escolaridade até o ensino
médio e não participantes de outras organizações. Nas plenárias abertas pode haver
alterações nestes números, porém não existem dados disponíveis sobre os participantes
das plenárias abertas.
Com relação à participação por gênero, entre os delegados do OP de 2001 a
2004, num universo de 669 delegados (as) eleitos (as), 277 pessoas são do sexo
feminino e 392 são do sexo masculino. Cabe ressaltar que nas plenárias em que estive
participando sempre observei um número maior de mulheres; como a função de
delegado é uma atribuição de representação, é possível que as mulheres estejam sub-
representadas neste espaço, devido às nossas mazelas advindas de um modelo patriarcal
de sociedade, que inibe a participação das mulheres em funções de representação.
Talvez isso explique o fato de o sexo masculino contabilizar um maior número entre os
(as) delegados (as) do Orçamento Participativo de Araraquara.

Tabela 8 – Delegados do OP – Participação por sexo


Delegados(as) do OP
Categoria Nº de Participantes
Gênero
Feminino 277
Masculino 392

Com relação à participação por faixa etária, é possível afirmar que há uma
participação menor entre os mais jovens, aumentando consideravelmente a participação
na faixa etária a partir dos 25 anos. Os dados disponibilizados pela Participação Popular
da Prefeitura, neste quesito, estão agrupados da seguinte maneira: dos 669 delegados
(as), 38 estão na faixa etária entre 16 e 24 anos; 380 na faixa etária de 25 a 64 anos; 28 a
partir de 65 anos e 223 não responderam a este item do questionário. Estes dados talvez
corroborem com os números gerais dos participantes das Plenárias, pois, de fato, era
possível verificar um número bastante reduzido de jovens nestes espaços. Talvez
houvesse um número proporcional maior nas plenárias em relação ao número de
delegados jovens, mas certamente o número de representantes a partir dos 25 anos foi
muito maior também nesses espaços. Isto confirma uma tendência preocupante dos
jovens não darem importância a nenhuma forma de organização política, provavelmente

140
por serem as principais vítimas do processo de exclusão social que avançou bastante nas
últimas décadas.

Tabela 9 – Participação por Faixa Etária


Faixa Etária
De 16 a 24 anos 38
De 25 a 64 anos 380
A partir de 65 anos 28
Não preencheu 223

Com relação à participação por raça/etnia há uma citação bem menor entre os
delegados que afirmaram ser negros. Todavia, não é possível afirmar com segurança
que a maioria dos delegados do OP de Araraquara sejam brancos. Isto porque há um
certo tabu ao responder a esta questão; este aspecto é observado pelos membros da
Participação Popular que geralmente respeitam as respostas e não-respostas dos
participantes das plenárias. Para se ter uma idéia, dos 669 delegados(as) questionados
sobre o pertencimento a uma raça/etnia 158 responderam que são brancos; 83 afirmaram
que são negros; 31 afirmaram que são mestiços; 2 afirmaram que são orientais; 1
afirmou ser indígena. Ao passo que a maioria absoluta dos delegados (394) não
preencheu esses dados. Participando de algumas dessas plenárias, pude constar na
prática esta dificuldade que às vezes causavam constrangimentos aos representantes do
governo, pois muitos se curvavam a responder a esta questão; e outros que eram negros,
afirmavam ser marrom, moreno, brancos, etc. e, como estavam na mesma mesa que os
membros do OP que preenchiam os questionários, estes eram orientados a preencher os
dados de acordo com as respostas dadas pelos mesmos.
Porém, cabe ressaltar que uma parte dos 394 que aparecem como não
preencheram este quesito sobre a raça/etnia, deve-se ao esquecimento dos membros da
Participação Popular do governo que estavam preenchendo a ficha de inscrição daqueles
que viriam a ser os delegados do Orçamento Participativo.
Tabela 10 – Participação por Etnia
Etnia
Brancos 158
Negros 83
Mestiços 31
Orientais 2
Indígenas 1
Não preencheu 394

141
Com relação à participação por grau de escolaridade, não é possível afirmar que
não há entre os delegados pessoas analfabetas ou semi-alfabetizadas, embora não haja
nenhuma afirmação que comprove a existência de pessoas analfabetas. Este é mais um
quesito com um número muito alto de não preenchimento. Pelos dados fornecidos pela
Coordenadoria de Participação Popular, dos 669 delegados(as) nenhum deles afirmaram
ser analfabeto; 23 deles afirmaram possuir de 1ª a 4ª séries completas; 66 afirmaram ter
de 5ª a 8ª séries completas; 9 afirmaram ter o ensino médio incompletos; 93 afirmaram
ter o ensino médio completo; 3 afirmaram ter o ensino superior incompleto; 48
afirmaram ter o ensino superior completo; nenhum afirmou ter pós-graduação e a
maioria deles (355) não preencheu a essa questão.
Diante deste número bastante alto fica difícil afirmar o grau de escolaridade das
pessoas envolvidas no processo, embora seja possível que os que não preencheram
provavelmente estão divididos em todos os graus apresentados na tabela do quesito
escolaridade. Nada indica que tenha havido uma postura deliberada de omitir
informações ao responder a esta questão.

Tabela 11 – Participação por Escolaridade


Escolaridade
Analfabeto 0 -
Alfabetizado 0 -
De 1ª a 4ª incompleto 23
42
De 1ª a 4ª completo 19
De 5ª a 8ª incompleto 66
119
De 5ª a 8ª completo 53
Ensino Médio incompleto 9
102
Ensino Médio completo 93
Ensino Superior incompleto 3
51
Ensino Superior completo 48
Pós-graduação 0 -
Não preencheu 355 -

Com relação à participação em outros espaços, os números são referentes ao


total das pessoas presentes nas atividades do OP de 2004. De um o total de 1987
pessoas que preencheram o cadastro da Participação Popular, 1201 não participam de
outras organizações, ao passo que 786 participam de outras organizações, a saber:

142
Tabela 12 – Participação em outras Organizações

Participação em Organizações
Participa 786
Não participa 1201

Tabela 13 – Organizações citadas

Organizações citadas
Número de
Organização Percentual
participantes
Igreja 259 33%
Conselho de Escola 136 17,3%
Conselho Gestor de Saúde 76 9,7%
3ª idade 60 7,6%
Associação de Moradores 44 5,6%
Grupos de ginástica coletiva 42 5,3%
Grupos culturais 31 3,9%
Conselhos Municipais 23 2,9%
Sindicatos 15 1,9%
Outros grupos 100 12,7%

No tocante à participação em outras organizações, podemos notar que há uma


diferença significativa em relação a Porto Alegre e Santo André. Em Porto Alegre há a
predominância entre os participantes do OP de pessoas oriundas das Associações de
Moradores, e em Santo André, de pessoas oriundas de Partidos e Sindicatos. Estas
organizações possuem uma importância muito menor na composição política dos
membros do OP de Araraquara; onde os partidos políticos sequer são citados.

2.5 - Grau de intervenção da sociedade civil sobre a definição do investimento


municipal

Uma das ponderações fundamentais quando discutimos sobre o Orçamento


Participativo é saber até que ponto a sociedade civil exerce uma intervenção de fato
sobre o planejamento e elaboração da política de investimento executada pelo poder
público municipal.

143
Luciano Fedozzi (1999) citando Celso Daniel (1990; 1994), comenta sobre três
alternativas de interação entre o governo e a população, no tocante ao grau de controle
exercido por esta no que concerne ao processo decisório do orçamento municipal:
1 - A clara discriminação da proporção dos recursos do Orçamento que caberia à
decisão do Executivo e a decisão autônoma da sociedade;
2 - Uma modalidade próxima da autogestão, através da transferência do poder de
decisão sobre o orçamento à comunidade, limitando o
Executivo - a par de responsabilizar-se pela organização do processo - a apresentar e
defender as suas propostas nas plenárias com o direito de voto somente para população;
3 - e uma terceira alternativa, onde é estabelecida uma forma conjunta,
consensual, entre Executivo e Conselho do Orçamento, para a definição das prioridades
(FEDOZZI, 1999: 175-76).
O modelo de Orçamento Participativo de Araraquara tem como filosofia adotar a
prática da co-gestão dos recursos públicos, sugerindo haver um processo de partilha do
poder decisório, buscando elaborar uma política de investimento que signifique um
consenso entre poder executivo e comunidade. Este modelo de decisão da política de
investimento é todo ele definido num processo que garante o que foi definido pela
comunidade, num exercício de negociação constante entre o Conselho do Orçamento
Participativo e governo, mediante as disponibilidades orçamentárias.
As áreas de investimentos são sempre deliberadas no ciclo já mencionado, que
começam a ser definidas nas plenárias das sub-regiões e culmina nas Plenárias
Regionais II, quando as deliberações são encaminhadas ao Conselho do Orçamento
Participativo que tem a incumbência de fechar a questão sobre o Plano de Investimento.
Cabe ressaltar que, se houver necessidade de votação no Conselho, este define
por maioria simples; e que o governo apesar de não ter direito a voto, participa sempre
das reuniões do COP para subsidiar e interferir nas definições do Conselho, portanto,
exerce uma influência nessas definições.
Cabendo ressaltar ainda que o COP não tem nenhuma interferência sobre as
chamadas despesas continuadas, sendo apenas informados sobre a totalidade do
orçamento municipal. Este tem a incumbência de definir apenas os destinos dos cerca de
5% que a Prefeitura tem disponível para investir na cidade.
Mas saindo das generalizações filosóficas e da retórica política, o que podemos
acompanhar em Araraquara é um processo de desautorização contínua das decisões
tomadas nos fóruns do Orçamento Participativo, visto que todo o montante de

144
investimento destinado pelos governos Federal e Estadual (investimentos esporádicos)
não passa pela discussão do Orçamento Participativo. Aliás, nem a contrapartida de
cerca de 30% oriunda dos recursos próprios, que é exigida por lei, passa pela definição
do Orçamento Participativo. No máximo o COP é informado, visto que muitas vezes é
necessário o cancelamento de um outro investimento para garantir a contrapartida.
Além disso, muitas obras que foram para os Planos de Investimentos nunca
saíram do papel, mesmo algumas que ficaram como 1ª prioridade; segundo o governo,
devido à falta de recurso. Mas o fato é que muitos investimentos que nem passaram pelo
OP, como a pavimentação dos setores IV e V (do Jardim Roberto Selmi Dei), a
reurbanização da Rua Nove de Julho, várias praças poliesportivas, a ampliação do
Fórum, e muitos outros investimentos estão sendo executados. E até mesmo algumas
obras que ficaram em 4º lugar, por decisão do governo, já foram realizadas.
Isto tem gerado um descrédito bastante acentuado entre os participantes das
Plenárias e do COP, com relação ao OP de Araraquara, materializado pela diminuição
do número de participantes e pelas freqüentes críticas que estes tem feito ao referir-se ao
projeto. Nas discussões mais internas ao Partido dos Trabalhadores, tenho presenciado
várias intervenções do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, decretando o esgotamento
do modo petista de governar, tendo como um dos fundamentos de sua intervenção o
esgotamento de experiências como o Orçamento Participativo. Por conta destas posturas
adotadas pelo chefe do Executivo, é possível que haja um processo de estrangulamento
deste projeto no segundo mandato, a exemplo do que já aconteceu no final do primeiro.
Por outro lado, é possível deduzir que esta experiência não adquiriu maturidade
suficiente para que haja uma cobrança por parte dos setores sociais envolvidos no
processo, o que facilita ainda mais a sua descaracterização. A não ser que alguns
segmentos que atuaram ativamente no projeto tenham adquirido uma experiência maior
do que transparecem, o suficiente para constranger o governo responsável pela
implementação deste projeto a manter o que fora estabelecido pelo próprio Regimento
Interno.
A realização deste compromisso assumido com a população, algo que Wampler
& Avritzer (2004) denominou de “efeitos demonstração”, isto é, o cumprimento dos
investimentos por parte do Executivo municipal, pode resgatar a crença da população no
OP, caso contrário, o descrédito só tende a aumentar.

145
2.6 - Mudança no perfil dos investimentos

Apesar de verificar na experiência de Araraquara, particularmente no final do


mandato 2001-2004, uma postura que descaracterizou bastante aquilo que seria o
objetivo principal desta experiência, isto é, o controle social sobre a política de
investimento, é possível verificar que a grande maioria dos investimentos realizados
pelo governo nesse período de fato foi definido com a participação direta da
comunidade.
Isto contribui para a melhoria no exercício da democracia, num setor altamente
controlado pelas burocracias públicas - o orçamento público municipal, possibilitando
um deslocamento dos investimentos para os bairros periféricos da cidade que são os de
maior carência de investimento público. E o que é mais importante nisto tudo é que a
garantia dos investimentos deu-se mediante a participação da sociedade civil das regiões
onde os investimentos foram efetuados, o que significa o exercício da cidadania.
Analisando os planos de investimentos da Prefeitura ao longo deste governo, é
possível verificar que quase todas as demandas são oriundas dos bairros mais carentes
da cidade. Apesar das insistências do governo em tentar passar demandas que fugiam
destas características, acabavam sempre passando as demandas que a população achava
prioritárias; geralmente nos temas pavimentação, saúde e educação.
Tomando o Plano de Investimento do ano de 2002, por exemplo, verificamos a
seguinte distribuição por região do OP: na região 1, região do Vale do Sol, que contou
com o total de R$ 1.467.765,85 de investimentos, a primeira prioridade foi
pavimentação, a segunda foi Saneamento Básico, a terceira foi Saúde (contratação de
profissionais e aumento de custeio) e a quarta foi Educação (construção de Escola). A
Região 2, região do Centro da cidade, que contou com a disponibilidade de 130 mil
reais de investimentos, a prioridade única foi Esporte e Lazer. Na Região 3, região do
Selmi Dei, que contou com R$ 840.968,54 de investimento, a primeira prioridade foi
Pavimentação e a segunda prioridade foi Educação (reforma e ampliação de Escola). Na
Região 4, a região da Vila Xavier até o Parque São Paulo, que contou com R$
570.000,00 de investimentos, a primeira prioridade foi Saúde (construção de área para o
funcionamento de Programa de saúde da Família – PSF) e a segunda prioridade foi
Educação (reforma e ampliação de Escola). Na Região 5, que incluiu Yolanda Ópice e
Jardim das Hortênsias, contou com R$ 881.874,23 de investimentos, sendo que a
primeira e única prioridade foi Pavimentação. Na Região 6, nas proximidades do Cecap

146
e Iguatemi, contou com R$ 700.239,22 de investimentos, sendo que a primeira e única
prioridade foi Pavimentação. Na Região 7, que inclui o Jd. Universal até o São José,
contou com R$ 910.000,00 de investimento, sendo que Canalização de Águas Pluviais
foi a primeira prioridade e Educação (reforma e ampliação de Escola) a segunda. Na
Região 8 (a região rural, que inclui os Assentamentos), contou com 800 mil reais, sendo
que a primeira prioridade foi Educação (construção de Escolas nos dois Assentamentos)
e a segunda prioridade foi Geração de Trabalho e Renda (compra de utensílios para
potencializar a produção e o escoamento da mesma).
Incluindo o montante de investimentos destinado às Plenárias Temáticas, o valor
total do Plano de Investimento da Prefeitura de Araraquara, elaborado em 2002,
totalizou R$ 7.390.847,84, abarcando aí os recursos do Departamento Autônomo de
Água e Esgotos e do Ensino Fundamental, que entra no cômputo geral dos
investimentos da Prefeitura, e que também são definidos no COP.

2.7 - Funções exercidas pelo COP

Em modelos de Orçamento Participativo como o de Araraquara, o Conselho do


Orçamento Participativo possui uma grande capacidade de exercer o poder de
deliberação, isto porque todos os recursos próprios para investimento são definidos por
esse órgão e apenas os representantes da comunidade fazem parte deste.
Apesar da discussão do orçamento passar pelas fases de Plenárias Abertas à
comunidade, é neste órgão que se define o Plano de Investimento contendo as obras e os
recursos financeiros para a realização das mesmas, inclusive quais das obras e demais
investimentos que foram selecionadas nas plenárias abertas devem ser cortadas para que
as demandas sejam ajustadas aos recursos disponíveis na Prefeitura.
Para verificar as atribuições que tem o COP no Orçamento Participativo é só
consultar o Regimento Interno, no seu capitulo IV, documento balizador do processo
metodológico do OP de Araraquara.

147
CONCLUSÃO

A partir das experiências analisadas, é possível afirmar que o Orçamento


Participativo é um mecanismo de elaboração e execução da política de
investimentos que avançou bastante no tocante à democratização das
administrações públicas municipais.
Todavia, cabe ressaltar que há diferenças qualitativas significativas no
tocante aos procedimentos adotados em cada uma das experiências analisadas,
as quais têm origem nos contextos encontrados quando da implementação do
Orçamento Participativo, bem como na disposição dos governos em fomentar
de fato a democratização da gestão pública municipal.
Neste sentido, comparando-se as duas experiências que tiveram início em
1989, Porto Alegre e Santo André, cidades que organizaram o Orçamento
Participativo em contextos parecidos, pode-se afirmar que tais municípios
tiveram avanços democráticos diferenciados, o que se deve à disposição dos
governos em democratizar de fato a elaboração e execução dos Planos de
Investimentos, quesito no qual Porto Alegre conseguiu progredir
consideravelmente.
Apesar de Araraquara ter como um dos seus principais referenciais
paradigmáticos o modelo de Porto Alegre, assemelhando-se a esta experiência
no tocante à elaboração do Plano de Investimentos, esta não conseguiu ter o
mesmo desempenho de Porto Alegre no quesito execução dos investimentos
definidos no OP.
Como este trabalho define o sucesso das experiências de Orçamento
Participativo a partir dos elementos: a) aumento do número de participantes ao
longo do governo; b) grau de intervenção real da sociedade civil sobre a definição dos
investimentos; e, ainda, c) a execução dos Planos de Investimentos definidos no OP, é
possível concluir que a experiência que melhor se destacou foi Porto Alegre, pois neste
caso (e somente neste) foi possível detectar a presença desses três elementos.
Com relação a Araraquara, houve um processo de elaboração dos planos de
investimentos semelhante ao que ocorreu em Porto Alegre. No entanto, houve uma falha
naquilo que Wampler e Avritzer (2004) denominaram “efeito demonstração”, ou seja, a
execução dos investimentos que foram definidos nas Plenárias do Orçamento
Participativo.

148
Diante dos impasses colocados com relação ao OP de Araraquara: diminuição da
capacidade de investimentos da Prefeitura e atraso na execução dos Planos de
Investimentos é possível afirmar que haverá um descrédito por parte da sociedade civil,
acompanhado de esvaziamento constante da participação desta nas atividades do
Orçamento Participativo.

149
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