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- Richard M. Weaver 1
Antes de beber o cálice fatal de cicuta, Sócrates aponta o indicador para o alto,
como quem diz: “a dimensão horizontal da vida está doente e condenada à morte, só na
verticalidade há cura”. A dimensão horizontal é a profunda crise política de Atenas,
cujas raízes são intelectuais e morais. E a dimensão vertical? Em meio ao luto, Platão
Aristófanes em
As Nuvens
Legenda: ocupação do CFH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas), na UFSC (Universidade Federal
de Santa Catarina).
Considerar o céu a tampa dum forno e a vida humana um carvão que arde sem
por quê: eis o supra-sumo da sagezza pós moderna (ou seja, o niilismo). Naturalmente, a
atitude psicológica frente a essa “realidade” absurda será a negação e a revolta: “que
Deus sádico é esse que criou essa joça sem sentido? E quem é que o autorizou a
colocar-me nela?” Catalisando as consequências dessa linha de pensamento, destaco
duas: 1- Não há Deus, logo o homem é o “deus” criador essa realidade; e 2- Eu odeio a
realidade e farei de tudo para destruí-la. A negação radical de qualquer sentido
transcendente para a vida humana é o pano de fundo mental de grande parte dos
iluminados do dia. Entronados em seus pensatórios, eles emanam sua sabedoria aos
desprovidos de diprôma. Aqueles que se deixam levar pela cantilena do niilismo passam
a ser utilíssimos aos movimentos de revolução social. Afinal de contas, haverá
motivação maior à destruição do status quo do que converter o instinto religioso do
homem (transformação de si em busca da Transcendência) em instinto de revolta social
(transformação do entorno em busca da utopia, i.e. do “paraíso” imanente)? “O meu
reino não é desse mundo”, diz Jesus nas Escrituras 2. Já os panfletos de Marx...
A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem os suporte sem
fantasias ou consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da
religião liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atue e configure a sua realidade como
homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão, a fim de que ele gire em torno de si
mesmo e, assim, em volta do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que
gira em volta do homem enquanto ele não circula em tomo de si mesmo.” 3
Alguém aí se lembra dos sofistas e seus umbigos solares 4? O marxismo segue a mesma
linha da sofística grega, no seguinte sentido: busca abolir os valores transcendentes de
modo a dar ao homem mais “poder de ação” sobre a sociedade. Do vermelho sacrificial
da paixão de Cristo, passa-se ao vermelho assassino das revoltas armadas. Da religião
transcendente, passa-se à religião civil.
2
Bíblia. João 18:36.
3Karl Marx (2005). Crítica da filosofia do direito de Hegel. [S.l.]: São Paulo: Boitempo Editorial.
pp. 146/147.
4Link para o texto I, onde falo dos umbigos solares http://escoladeartesliberais.com.br/escada-
do-amor-sintese-da-educacao-filosofica-em-platao-parte-i/
como uma luva para a nossa intelligentsia. Onde foi parar o eros acadêmico? A paixão
teórica desinteressada e desinteresseira? Onde foi parar o ágon filosófico? A
universidade é nossa terra desolada, já estão longe os tempos de glória. Urge criarem-se
círculos de cavaleiros abnegados, investidos de nobreza e devidamente treinados para as
batalhas dialéticas. Urge reencontrar o Graal, o centro divino capaz de devolver a vida e
o sentido à universidade. Mas antes de encontrar cavaleiros, é preciso encontrar pessoas
maduras...
Nós, os xófens
“Se o homem, de uma maneira geral, tem vocação para a escravidão, o jovem tem uma
vocação ainda maior. O jovem, justamente por ser mais agressivo e ter uma
potencialidade mais generosa, é muito suscetível ao totalitarismo. A vocação do jovem
para o totalitarismo, para a intolerância é enorme. Eu recomendo aos jovens:
envelheçam depressa, deixem de ser jovens o mais depressa possível, isto é um azar,
uma infelicidade.”
Nelson Rodrigues
Muitos jovens, em nossos dias, ouvem a velha cantilena: “acredite em você, você
é especial, mude o mundo”. A realidade é que nós, jovens, somos uns coitados sedentos
por alguma validação de nossa “identidade” (essa ilusão mesquinha e com consistência
de geléia). Esses convites, porta de entrada aos movimentos políticos, buscam engajar o
jovem no “verdadeiro” sentido da vida: a revolução social. Os jovens nem conhecem a
si mesmos, quanto mais a complexidade do mundo ao seu redor. Como querer
transformá-lo antes de conhecê-lo? Ao invés daquele convite lisonjeiro e falso, seria
melhor dizer: “querido, você é um ignorante, sua personalidade tem consistência de
isopor; pelo amor de Deus, dê seu melhor para ser alguém!” Contudo, aos menos
conscientes de sua miséria interior, aquele lisonjeiro convite para “mudar o mundo”
prevalece. E por isso a advertência de G. Friedman torna-se atualíssima:
Será que a sanha de reformar o mundo, esse orgulho travestido de “justiça social”, já
não rendeu sangue o suficiente à humanidade? Querido jovem revolucionário, sua
hipocrisia já dá na vista: que tal fazer as pazes com seus pais, antes de querer
revolucionar a Pátria? Dedico ao senhor os versos do poeta Roberto Evangelista 6:
(Sem ofensas)
Vá-se à merda!
Adube-se! Vingue-se!
Cresça e floresça!
Goethe
"Um professor afeta a eternidade; ele nunca pode dizer onde a sua influência
termina."
Henry Adams
Sócrates e a Justiça
Legenda: Urizen, pintura de William Blake. “Deus é a medida de todas as coisas” (Platão, As Leis,
716 c).
A moral humana não surge por dedução, mas indução. A partir de casos concretos
induz-se o universal. Através dos exemplos concretos, dos heróis e santos, as mais altas
potencialidades humanas são reveladas e, assim, e delas extraem-se preceitos e normas
gerais para a orientação da conduta particular, estruturando-se uma moralidade. É do
Perfeito que o homem abstrai o ideal de perfeição, como um filho encantado com a
virtude de seu adorado pai. Nesse sentido, a convivência com homens nobres e
virtuosos (“hombre de carne y hueso”, como diria Unamuno) é muito mais rica, para a
formação moral, do que mil e um tratados filosóficos. Na origem da filosofia, está um
homem de carne e osso: “o julgamento e morte de Sócrates não é apenas o cume de uma
história viva e dramática, mas também uma instância visível da Ideia de Justiça” 7. A
ideia do Bem e sua consequência (a Justiça) manifestam-se no mundo concreto através
de seus abnegados servidores.
7 William H. F. Altman. Plato the teacher: the crisis of the Republic. Lexington Books,
pg. 279.
8
Bíblia, Coríntios 1:13.
pedagógicas (uma lista nada completa) de tal maneira que parece quase uma blasfêmia
dizer que qualquer [uma só] coisa seja sua principal preocupação, o único propósito
de Platão é persuadir o leitor - assim como o único propósito de Sócrates é persuadir
Glaucon - a escolher a Justiça. Em retrospecto, isto é, no contexto da alegoria da
caverna no livro VII, a primeira palavra de Sócrates revela que a justiça é a decisão
voluntária do filósofo de voltar à caverna, instanciada em primeiro lugar pelo próprio
Sócrates.” 9
A torre de marfim não salva, o isolamento não salva, afinal de contas, “eu sou eu e a
minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo” 10. A redenção da pólis
está (em alguma medida) em minha ação individual: quando ascendo, reconheço a
Realidade espiritual e de lá desço, em busca de salvar minha circunstância concreta. O
filósofo platônico contempla a Ideia do Bem e de lá desce, pelo dever de encarnar (o
quanto puder) a justiça: por sua ação concreta o Bem desce. O Centro Divino buscado
por Platão coincide com o centro da cruz cristã, ali há a união da dimensão vertical e da
horizontal, ali a ação concreta torna-se nobre, por apontar ao que está além.
9 William H. F. Altman. Plato the teacher: the crisis of the Republic. Lexington Books,
pg. 37,38.
10 Ortega y Gasset, Meditações de Quixote, Introdução.
São João Batista, pintura de Leonardo Da Vinci.
A morte de Sócrates
“ Vós também, senhores juízes, deveis esperar a morte e considerar particularmente esta
verdade: não há, para o homem bom, nenhum mal, quer na vida, quer na morte, e os deuses
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Platão. Carta VII (324 d-e). Tradução: Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2007.
não descuidam de seu destino. (...) Não me insurjo absolutamente contra os que votaram contra
mim ou me acusaram. (...) Contudo, só tenho um pedido que lhes faça: quando meus filhos
crescerem, castigai-os, atormentai-os com os mesmíssimos tormentos que eu vos infligi, se
achardes que eles estejam cuidando mais da riqueza ou de outra coisa que da virtude; se
estiverem supondo ter um valor que não tenham, repreendei-os, como vos fiz eu, por não
cuidarem do que devem e por suporem méritos, sem ter nenhum. Se vós o fizerdes, eu terei
recebido de vós justiça; eu, e meus filhos também.
Bem, é chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue
melhor rumo, se eu, se vós, é segredo para todos, menos para a divindade.”12
12
Platão. Apologia de Sócrates (41c – 42 a). Tradução: Jaime Bruna. Nova Cultural, 1987.