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São Cristóvão/SE
2009
Antropologia I
Elaboração de Conteúdo
Jonatas Silva Meneses
Diagramação
Max Willes de Almeida Azevedo
Ilustração
Péricles Andrade
Manuel Messias de Albuquerque Neto
Clara Suzana Santana
Revisão
Edvar Freire caetano
CDU 572
Presidente da República Chefe de Gabinete
Luiz Inácio Lula da Silva Ednalva Freire Caetano
Vice-Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
Assessoria de Comunicação
Guilherme Borba Gouy
AULA 2
Antropologia: construção e dificuldades ............................................ 13
AULA 3
Antropologia e sua pré-história.......................................................... 21
AULA 4
Antropologia e o conceito de cultura ................................................. 29
AULA 5
Antropologia e os principais conceitos .............................................. 37
AULA 6
Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas do
conhecimento .................................................................................... 45
AULA 7
Os métodos da Antropologia ............................................................. 53
AULA 8
O evolucionismo Antropologia ........................................................... 61
AULA 9
O funcionalismo na Antropologia ....................................................... 69
AULA 10
Antropologia: revisitando os conceitos .............................................. 77
Aula
ANTROPOLOGIA:
1
CAMPO DE ESTUDO
META
Apresentar ao aluno a definição da ciência antropológica e o seu campo de atuação.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
perceber a Antropologia como a ciência que estuda o homem no seu espaço cultural.
(Fonte: http://www.terradagenteparaiba.blogger.com.br)
Antropologia I
INTRODUÇÃO
Caro aluno ou querida aluna: é com alegria que entro em contato com
você para o ensino de Antropologia. Espero
que a escolha desta disciplina possa acrescentar conhecimentos impor-
tantes para sua formação. As aulas deste curso são o resultado da minha
formação em Antropologia e, sobretudo, da minha experiência docente ao
longo dos últimos 20 anos. Somada a essa experiência, apresento também
parte da minha contribuição na pesquisa antropológica, que gerou artigos,
capítulos de livros e, mais recentemente, o livro da minha tese de doutorado.
Espero que as aulas produzidas e apresentadas possam contribuir na
sua formação e que você possa compreender melhor o ambiente cultural
do qual é parte importante.
A palavra antropologia tem causado ao longo das últimas décadas um
misto de surpresa e admiração. É possível que esse sentimento também
invada você, meu caro aluno ou querida aluna, e você fique a se perguntar:
mas, o que é antropologia? Para que serve a antropologia? E, talvez, se
pergunte: qual a importância dessa ciência, ainda tratada como exótica por
muitos, como instrumento de análise do homem? Nesta aula responderei a
essas indagações e provocarei outras para ampliar as discussões a respeito
de tema tão incitante.
(Fonte: http://www.camaraicara.sc.gov.br).
8
Antropologia: campo de estudo
Aula
ANTROPOLOGIA 1
Do ponto de vista etimológico é muito fácil definir antropologia.
Os lingüistas a definiriam como a ciência do homem. Mas, essa definição Etimológico
esconde uma série de problemas, tendo em vista que outras ciências tam-
Definição a partir
bém estudam o homem: a Biologia, por exemplo, é uma ciência que estuda da origem e forma-
o homem, mesmo que a preocupação maior seja o aspecto fisiológico. É ção das palavras.
necessário, portanto, buscar outros caminhos para uma melhor definição Homem distante
do conceito, para que você, aluno ou aluna do primeiro contato com esse ou homem primi-
conhecimento, possa melhor aproveitar os espaços que essa ciência vai tivo: nativo dos
proporcionar. continentes ameri-
cano, asiático e
O conceito de Antropologia remonta ao século XIX e esteve intimamente africano, assim
ligado às preocupações com o “homem distante”, ou, simplesmente, com tratado pelo euro-
o “homem primitivo”. É sempre bom destacar que a definição de homem peu por considerá-
primitivo foi construída a partir da visão que o homem europeu tinha dele lo literalmente dis-
próprio, ou seja, a de homem civilizado. tante e inferior.
Quem era, no entanto, esse homem primitivo, na visão dos antrpolo-
gistas? E por que esse homem distante era chamado de primitivo? As res- Frenética
postas dessas questões ajudarão você a entender, não apenas o conceito de
Antropologia, mas todo o processo de construção dessa ciência e os seus Intensa
objetivos iniciais. Os nativos da América, da Ásia, da Oceania e da África
eram tratados como primitivos, porque o europeu autoproclamava-se su-
perior aos demais, portanto, civilizado.
O século XIX foi marcado pela retomada do processo de colonização. Cultura
A neocolonização – é assim que esse período é conhecido historicamente –
acelerou os processos de contato com os mundos desconhecidos ou pouco Conjunto dos pa-
conhecidos, colocando em evidência povos nativos e as suas características drões de comporta-
étnicas e culturais. mento, das crenças,
A maior visibilidade dos nativos na América, na Ásia, mas, principalmente, das instituições e
de outros valores
na África, impulsionou estudiosos do Velho Continente a uma busca frenética
morais e materiais
por maiores e melhores informações. A preocupação naquele momento era característicos de
estudar esses povos antes que desaparecessem. Havia, no meio dos estudiosos uma sociedade.
da área, o receio de que esses povos e as suas respectivas culturas fossem
suprimidos através da urbanização acelerada, perdendo-se, dessa forma, in- Etnia
formações importantes para o conhecimento da origem do homem.
Grupo de indi-
Perceba, meu caro aluno ou querida aluna, que a Antropologia surgiu
víduos biológica
do interesse em estudar os povos nativos da América, da Ásia, da Oceania e culturalmente
e da África. Destaco, principalmente, que o interesse maior era estudar es- homogêneo; con-
ses povos nos seus aspectos étnicos e culturais. Dessa forma, ampliamos junto de indivíduos
o conceito, visto no início desta aula, que define a Antropologia como unidos por carac-
a ciência que estuda o homem. A Antropologia é a ciência que estuda o terísticas somáti-
cas, culturais e
homem – é correta a afirmação -, mas está preocupada, sobretudo, com a
lingüísticas co-
cultura e com a etnia. muns.
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Antropologia I
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Antropologia: campo de estudo
Aula
(Fonte: http:www.bbc.co.uk)
ATIVIDADES
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Antropologia I
CONCLUSÃO
RESUMO
AUTOAVALIAÇÃO
REFERÊNCIAS
12
Aula
2
ANTROPOLOGIA:
CONSTRUÇÃO E DIFICULDADES
META
Apresentar o processo de construção da ciência antropológica no contexto do século XIX e as
principais dificuldades epistemológicas.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
conhecer o processo de construção da Antropologia.
PRÉ-REQUISITOS
Conhecer as principais definições da ciência antropológica, bem como ter afinidade conceitual com o
objeto de estudo dessa ciência.
(Fonte: http://farm1.static.flickr.com).
Antropologia I
INTRODUÇÃO
Caro aluno ou querida aluna: espero, nesta aula, que você conheça os
passos do processo de construção da Antropologia. Depois do primeiro
contato é preciso continuar. Espero que tenha gostado da primeira aula e
bom proveito nesta também.
Você viu na aula anterior que a Antropologia estuda o homem nos seus
contextos sociais e culturais comparando diferentes formas de manifesta-
ções. A aula proporcionou o conhecimento de que a jornada antropológica
definiu o homem nativo da América, da Ásia, da Oceania e da África,
tratado como “primitivo”, como o seu objeto de estudo. Espero que tenha
ficado claro também que a preocupação fundamental da Antropologia e
dos antropologistas naquela oportunidade era tentar explicar as origens do
homem nos seus aspectos étnico e cultural. Neste segundo contato ampliarei
a discussão a respeito da prática antropológica, apresentando aspectos do
processo de construção epistemológica dessa ciência.
14
Antropologia: construção e dificuldades
Aula
EPISTEMOLOGIA 2
Para iniciar esta aula é preciso desvendar um problema da ordem da
linguagem: o que seria essa construção epistemológica apresentada na in-
trodução? É preciso, então, definir essa expressão para melhor eficácia na
continuidade da aula.
A Epistemologia tem como premissa principal estudar o conhecimento,
como foi construído e, sobretudo, verificar os espaços que esse conhe-
cimento consegue envolver, bem como os seus limites. Nesse sentido, a
construção epistemológica de um dado conhecimento, no caso específico
desta aula o antropológico, refere-se obrigatoriamente aos caminhos e des-
caminhos da busca da validade científica. Essa busca está relacionada aos
processos de construção dos métodos, das técnicas e das teorias inerentes
ao conhecimento, bem como da própria definição do objeto de estudo,
todos como balizadores da prática.
Dito dessa maneira, afirma-se como essencial, em qualquer conheci-
mento, a definição com propriedade do seu objeto de estudo, dos métodos e
técnicas necessários à prática científica e, como conseqüência, da construção
de uma base teórica que servirá como alicerce. No caso da Antropologia
isto não foi diferente. Foi necessária a definição do objeto de estudo – apre-
sentei na aula anterior que a escolha recaiu sobre o “homem primitivo” – e
do aparato teórico-metodológico para se constituir como ciência. Acertos
aconteceram, mas os erros também fizeram parte dessa caminhada.
Não pode haver ciência se não houver a definição daquilo que se pre-
tende estudar. A Antropologia pensou corretamente ao definir o seu objeto
de estudo, e ao definir, também, o aparato teórico e metodológico das ciên-
cias da natureza como partes da sua prática científica. Veja você, caro aluno,
que eu estou afirmando que a Antropologia, nos seus primórdios, usou o
aparato da Biologia para iniciar os seus procedimentos de pesquisa. Nada
contra: tanto no caso da escolha do objeto quanto no uso do conhecimento
de outra ciência. Contudo, problemas aconteceram ao longo da caminhada,
obrigando os antropologistas a buscarem outros caminhos. Preste a atenção
nos problemas acarretados por essas escolhas.
A escolha do aparato teórico e metodológico vinculado às Ciências
da Natureza não se mostrou produtivo. Como os objetos de estudo das
duas ciências – a Antropologia, a Biologia ou qualquer outra ciência da
natureza – são completamente distintos, a aplicação das mesmas técnicas
e das mesmas teorias se mostraram completamente ineficazes.
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Antropologia I
EPISTEMOLOGIA
Para sua melhor compreensão veja como se processou a questão: o
especialista das ciências da natureza tem total controle sobre o seu objeto
de estudo, podendo realizar todas as experiências necessárias para o bom
êxito da sua pesquisa. Ele pode manipular a água e qualquer outro elemento
da natureza, pode manipular os animais e, em sucessivas oportunidades e
em lugares distintos, realizar os experimentos necessários à comprovação
das suas hipóteses.
No caso da Antropologia a situação é completamente diferente, o
homem é o objeto de estudo. Dessa forma, o homem é ao mesmo tempo
pesquisador e objeto de estudo. Só que o homem no seu fazer cultural não
pode ser manipulado, assim os métodos e as teorias das ciências da natureza,
tão eficazes no trato com os seus objetos de estudo, não apresentaram o
mesmo êxito quando utilizados nas análises antropológicas. A Antropologia
precisou repensar a sua prática teórico-metodológica, entendendo-a como
uma especificidade relativa ao seu próprio objeto, construindo alternativas
Conveniência mais apropriadas, sem que isso tenha resolvido em definitivo a questão.
Quanto ao objeto de estudo, esse foi definido em virtude de algumas
(Escolha) justifi- conveniências: havia à época a compreensão de que não se poderia escolher
cada em função o homem como objeto de estudo – aqui eu es ou falando no homem em
do interesse e da todos os espaços e em todos os tempos – em virtude do desconhecimento
vantagem. do homem tratado como primitivo. Entenderam os antropologistas que
primeiro era necessário conhecer o primitivo e, a partir desse conheci-
mento, ampliar o foco para o homem total – total no sentido de tempo e
de espaço. O objeto de estudo da Antropologia foi, portanto, construído
a partir da necessidade de conhecer o homem
que não era conhecido, ou seja, populações
que não pertenciam à civilização ocidental
(LAPLANTINE, 2000).
Mas qual o problema da Antropologia
ao fazer essa escolha, perguntaria o aluno?
Eu diria que não seria o problema, mas os
problemas, dois para ser mais exato: primeiro,
a escolha não obedeceu a critérios científicos;
segundo, a escolha do homem primitivo es-
tabeleceu uma temporalidade do objeto, isto
é, o homem primitivo caminhava, em virtude
do processo civilizatório, para sua extinção e,
conseqüentemente, para a extinção também
do objeto da Antropologia.
No primeiro caso os critérios de escolha
não atenderam ao bom caminho de uma con-
(Fonte: http://www.cascada-expediciones.cl).
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Antropologia: construção e dificuldades
Aula
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Antropologia I
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Antropologia: construção e dificuldades
Aula
ATIVIDADES
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Antropologia I
CONCLUSÃO
RESUMO
AUTOAVALIAÇÃO
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Antropologia: construção e dificuldades
Aula
REFERÊNCIA 2
CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylon e
Frazer. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MARCONI, Marina de Andrade e PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antro-
pologia: uma Introdução. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2001.
21
Aula
3
ANTROPOLOGIA E A SUA
PRÉ-HISTÓRIA
META
Apresentar cronologicamente os conteúdos do processo de construção da
Antropologia.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
identificar e compreender a importância dos pioneiros na construção da Antropologia.
PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os principais objetivos da Antropologia e, principalmente, o seu objeto de
estudo; Conhecer e interpretar o conceito de homem total no âmbito da antropologia.
(Fonte: http://sergivs.blogs.sapo.pt).
Antropologia I
INTRODUÇÃO
(Fonte: http://www.fundacaocultural.ba.gov.br).
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Antropologia e a sua pré-história
Aula
ALTERIDADE 3
O homem sempre esteve preocupado em decifrar os enig mas da sua
existência. Respostas mitológicas, filosóficas e religiosas foram sendo acu-
muladas ao longo da história. Mesmo que hoje a ciência considere que essas
respostas estão defasadas ou simplesmente que não atendem aos critérios
de cientificidade, é possível afirmar que foram momentos importantes e que
contribuíram para pressionar o homem pela busca incessante das respostas
ainda não construídas.
A partir do século XVI, com o movimento das Grandes Navegações
– foi propocionada a descoberta de novos mundos e, por conseguinte, de
novos povos. O homem europeu foi obrigado ao confronto visual, con-
statando uma profunda diferença entre eles e os habitantes dessas regiões.
Os antropólogos, segundo LAPLANTINE (2000), chamariam essa con-
statação de confronto com a alteridade, ou seja, o outro é outro porque Alteridade
é diferente em relação ao que observa.
A pergunta colocada naquela oportunidade aos colonizadores foi a A constatação da
seguinte: “aqueles que acabaram de ser descobertos pertencem à humani- diferença entre po-
vos.
dade?” (LAPLANTINE, 2000, p.37). A grande questão naquela oportuni-
dade e até no século seguinte, fruto da avaliação etnocêntrica dos europeus, Selvagem
foi estabelecer o estatuto de humanidade do nativo dos novos mundos
a partir dos preceitos religiosos: diziam os europeus que a definição de Os nativos da Améri-
homem estava presa à existência ou não de alma. Se tiver alma é humano. ca, mas também de
Se não tem alma não é humano. Aqui, neste momento histórico, o nativo outros continentes,
foram tratados pelos
não era o homem primitivo do início da Antropologia e nem muito menos
colonizadores como
o homem total da sua fase posterior. O nativo dos colonizadores era tratado selvagens porque
como selvagem. eram considerados
No interior dessa discussão os colonizadores, mas também estudio- muito próximos dos
sos e sacerdotes, construíram duas ideologias que se destacaram naquele animais.
período: a primeira tratava o nativo como bom e o civilizado como mau;
e a segunda considerava o nativo como mau e o civilizado com bom. Ou,
para ser bem fiel ao texto de (LAPLANTINE, 2000, p. 40-46), “a figura
do bom selvagem e do mau civilizado; e a figura do mau selvagem e do
bom civilizado.” Convido você, aluno ou aluna, ao entendimento dessas
duas ideologias construídas no curso da colonização dos europeus, princi-
palmente no Continente Americano.
No ardor das disputas, cada lado expôs os seus argumentos. Os que
defendiam que o selvagem era bom, afirmavam, numa clara relação român-
tica com a natureza, que esses indivíduos eram bons porque estavam muito
próximos do estado selvagem, portanto, veja você, consideravam que o
homem nativo ainda não havia sido contaminado pelos males da civiliza-
ção. Espero que o entendimento dessa relação esteja acontecendo: estar
próximo da natureza significava ser bom em virtude das influências boas
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Antropologia I
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Antropologia e a sua pré-história
Aula
(Fonte: www.bp0.blogger.com).
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Antropologia I
ATIVIDADES
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Antropologia e a sua pré-história
Aula
CONCLUSÃO
RESUMO
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Antropologia I
AUTOAVALIAÇÃO
REFERÊNCIA
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Antropologia e o conceito de cultura
Aula
4
ANTROPOLOGIA E O
CONCEITO DE CULTURA
META
Apresentar a importância do conceito de cultura no âmbito da construção da
Antropologia.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
identificar os diversos conceitos de cultura relacionar os conceitos de cultura com a
caminhada epistemológica da Antropologia.
PRÉ-REQUISITOS
O aluno precisa estar familiarizado com a disciplina antropologia, a sua definição, o
seu objeto de estudo e os seus objetivos.
(Fonte: http://www.monitoresantropologia.blogspot.com).
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Antropologia I
INTRODUÇÃO
http://www.revistaportal.com.br
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Antropologia e o conceito de cultura
Aula
CULTURA
Meu caro aluno, a aula de hoje marca o início de uma nova etapa na
4
caminhada sobre o universo do conhecimento antropológico. Nas aulas
anteriores, tenho certeza de que você apreendeu que a antropologia é a
ciência que estuda o homem. Mas não é o homem dessa ou daquela região
ou dessa ou daquela época, é o homem total, ou seja, a antropologia está
preocupada em compreendê-lo como parte efetiva de todo o processo de
construção da cultura. Esta e as aulas seguintes destacarão a importância
da cultura, como também a importância da definição do conceito ao longo
da história da ciência antropológica.
Vivian Schelling, em seu livro A presença do povo na cultura brasileira,
afirma que “(...) ao discutir a natureza da cultura, é necessário começar pela
gênese do termo cultura, pela qual ela se constitui como um tipo de fato
específico.”(SCHELLING,1990, p.21). Segundo a autora a elucidação do Elucidação
conceito de cultura é de alta complexidade, em virtude da própria com-
plexidade da construção do conceito. Schelling diz ainda que o processo Esclarecer deter-
de construção do conceito se configura como um fato cultural, na medida minado fato ou
em que envolveu, em locais e épocas distintas, personagens – estudiosos qualquer fenô-
meno.
de uma maneira geral – preocupados com melhores esclarecimentos a
respeito do tema.
A origem do processo remonta ao século XVII e XVIII e tem a ver
com o conceito de civilização, com o Iluminismo e com as idéias de pro-
gresso que ali predominaram. Pensar cultura, portanto, era o mesmo que
pensar em civilização e quando os estudiosos utilizavam esses dois conceitos
estavam, obrigatoriamente, pensando em progresso. Veja qual era a lógica
dessa forma de pensar: se cultura é a mesma coisa que civilização; e se civi-
lização refere-se à idéia de progresso; ter cultura, portanto, significava que
um determinado grupo tinha alcançado o progresso, segundo princípios
estabelecidos pela sociedade que tinha o domínio político, no caso especí-
fico, a sociedade européia.
Ora, é preciso não perder de vista que as idéias iluministas pregavam
o progresso e que esse progresso provocaria a melhoria das condições de
vida do homem – pelo menos era isso que pensavam os intelectuais da
época. Em outras palavras, a civilização européia, em virtude dos avanços
tecnológicos, do crescimento econômico e da organização política, levaria o
homem europeu a um patamar de qualidade de vida inigualável. Nesse caso,
pensar em civilização ou em cultura era o mesmo que pensar na melhoria
da qualidade material e espiritual na vida do homem.
Contudo, os homens comuns, mas sobretudo o homem intelectual,
começaram a perceber que as coisas não estavam caminhando como eles
imaginaram. O progresso estava acontecendo, mas as condições de vida
continuavam ruins e em muitas situações estavam piorando. Quem conhece
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Antropologia I
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Antropologia e o conceito de cultura
Aula
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Antropologia I
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Antropologia e o conceito de cultura
Aula
ATIVIDADES
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Antropologia I
REFERÊNCIA
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Aula
ANTROPOLOGIA E OS PRINCIPAIS
5
CONCEITOS
META
Apresentar os diversos conceitos da Antropologia.
OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
conhecer e relacionar os principais conceitos da Antropologia com os fenômenos culturais.
PRÉ-REQUISITOS
Conhecer a definição de Antropologia, o seu objeto e objetivos, bem como a relação entre o conceito
de cultura e o processo de construção da prática Antropológica.
Antropologia I
INTRODUÇÃO
Pretérita
Apresentei na aula pretérita que uma ciência é constituída em função
da definição clara do seu objeto de estudo, mas, sobretudo, em função
Passada. da construção dos métodos, das técnicas e do arcabouço teórico para o
desenvolvimento da pesquisa. Com a Antropologia não foi diferente. Foi
Arcabouço teórico necessário definir objeto e objetivos e a construção dos principais con-
ceitos para uma prática pretendida como científica. Nesta aula mostrarei
Conjunto de concei-
tos e de categorias
os principais conceitos desenvolvidos pela Antropologia, os quais foram
de uma determinada fundamentais no processo de construção dessa ciência.
ciência.
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Antropologia e os principais conceitos
Aula
TEORIA 5
O objeto de estudo da Antropologia é o homem total, em todos os
lugares e em todas as épocas, estudado na perspectiva das suas interações
sociais e culturais. Estudar o homem dessa forma implica percebê-lo no
interior da sociedade como construtor de cultura. Mesmo que a Antropo-
logia tenha contribuído para mudar a visão do homem sobre o homem,
ainda assim, na segunda metade do século XIX esse homem total era visto
como primitivo, ou seja, como o ancestral do homem europeu e sempre Ancestral
na condição de ser inferior. Aquele que viveu
O grande passo da Antropologia naquele período foi o de superar antes do presente.
a dicotomia homem civilizado versus homem primitivo. Essa dicotomia
implicava, obrigatoriamente, na prática daquilo que ficou denominado
de etnocentrismo. É bom que se destaque que as práticas etnocêntricas
não foram exclusivas da Antropologia do século XIX ou dos europeus de
uma maneira geral. Essa visão fez e ainda faz parte do cotidiano dos seres
humanos.
Tentarei, por meio de exemplos, melhor esclarecer esse conceito. Já
está claro que o etnocentrismo fundamenta-se na idéia de que um indivíduo
ou grupo de indivíduos olha o outro como se este fosse inferior. O exem-
plo apresentado se refere ao europeu, homem comum ou pesquisador da
Antropologia, que olhava o nativo dos outros continentes atribuindo-lhe
qualidades inferiores. Por que eram tratados como inferiores? Na verdade
o europeu avaliava o outro a partir das suas próprias características, ou
seja, o outro, na perspectiva do olhar etnocêntrico, tinha que apresentar os
mesmos padrões culturais da sociedade européia. Na medida em que isso
não acontecia, era então considerado inferior.
Os manuais de Antropologia – todos constantes na bibliografia desta
aula - apresentam exemplos que são muito ilustrativos para o tema em
discussão. Em um desses manuais, conta o seu autor que, durante o movi-
mento de neocolonização européia e american no Continente Africano,
uma mulher inglesa, trajando roupa característica do seu país, viajava em
trem freqüentado por brancos e por negros. Em determinado momento
da viagem, em uma das paradas, entrou uma mulher negra, completamente
nua. A mulher inglesa, preocupada com a nudez da mulher negra, ofereceu-
lhe o seu xale, que foi imediatamente aceito. Contudo, para desespero da
doadora, o xale foi transformado em turbante e colocado sobre a cabeça,
mantendo-se integralmente a nudez.
A compreensão da história é a seguinte: a mulher inglesa ao perceber a
mulher negra e a sua completa nudez, viu-a completamente fora dos padrões
de cultura. Só que esses padrões de cultura relacionavam-se aos padrões da
cultura inglesa. Queria, portanto, a mulher inglesa, ao oferecer o seu xale,
que a mulher negra cobrisse a sua nudez incorporando o seu padrão de
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Antropologia I
42
Antropologia e os principais conceitos
Aula
– o outro era inferior porque não era igual àquele que lhe olhava.
A pesquisa antropológica mudou ao mudar as suas estratégias
metodológicas: o outro passou a ser visto na condição de fazedor de
5
cultura e essa cultura entendida a partir do contexto no qual estava
inserida. Isto é, a análise não acontecia mais em função dos padrões
do analista, mas em função dos padrões do próprio pesquisado. Veja
os exemplos abaixo para que a sua compreensão possa melhorar.
Povos aparentemente iguais geram costumes culturais diferentes: nor-
destinos, habitantes de estados vizinhos (Bahia e Sergipe, por exemplo), têm
costumes alimentares, vocabulários e regras morais bem diferentes, apesar
da proximidade geográfica. Os baianos da capital e do Recôncavo usam
quantidades grandes de dendê na produção dos seus alimentos, enquanto
os sergipanos, da capital ou do interior, não se utilizam desse ingrediente
alimentar. A análise dos contextos poderia concluir pela maior ou menor
influência da cultura negra ou em virtude da maior ou menor incidência da
palmeira geradora do fruto utilizado para a produção desse tipo de óleo, sem
que isso permitisse atribuir a um ou outro grupo os graus de superioridade
ou de inferioridade.
A relativização, nesse sentido, considera todas as culturas a partir dos
seus respectivos contextos, ressaltando a importância dos indivíduos e dos
grupos como genuínos produtores culturais. A prática relativista considera,
a princípio, que não há culturas superiores ou culturas inferiores. As cul-
turas são olhadas e analisadas em função dos seus ambientes sociais e as
43
Antropologia I
ATIVIDADES
necessárias interações no processo permanente de inventar e reinventar
costumes, normas, valores etc.
Você deve construir exemplos do seu contexto histórico que apresentem
características do etnocentrismo praticado pelos primeiros antropologistas,
como também práticas que demonstrem a capacidade de relativizar do
pesquisador.
CONCLUSÃO
44
Antropologia e os principais conceitos
Aula
RESUMO 5
Esta aula ressaltou a importância do relativismo na prática
antropológica. Para chegar a esse conceito a Antropologia foi
obrigada a superar as práticas etnocêntricas do século XIX, dos
primeiros antropologistas, que ainda pensavam e analisavam o
homem e a sua cultura integrados a um todo homogêneo, ou seja, à
humanidade. Relativizar foi incorporado ao método antropológico
como premissa indispensável, mudando completamente a forma de
fazer Antropologia.
REFERÊNCIAS
45
Aula
META
Apresentar os limites metodológicos e a relação entre Antropologia e outras áreas do conhecimento
no âmbito das Ciências Sociais.
OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
compreender os limites da pesquisa antropológica e a sua relação com as ciências afins.
PRÉ-REQUISITOS
Conhecer a definição de Antropologia, o seu objeto e objetivos; a relação entre o conceito de cultura e
o processo de construção da prática antropológica; como também os principais conceitos construídos
ao longo da primeira etapa da ciência.
(Fonte: www.revistaportal.com.br).
Antropologia I
INTRODUÇÃO
(Fonte: http://contanatura.weblog.com).
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Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas ...
Aula
OBJETO DE ESTUDO 6
A ciência antropológica, no alvorecer do século XX, já havia definido
o homem total como seu objeto de estudo. Esse homem que, no século
XIX, tinha um caráter universal, no sentido de humanidade, passou nessa
nova etapa a ser particular, ou seja, contextualizado a partir das respectivas
construções culturais e sociais necessariamente relativizadas. Esse feito,
contudo, não significou a configuração definitiva com a qualidade de
ciência objetiva, ao contrário, esse drama de ser ou não ser ciência objetiva
continua até o presente. Mas, quais seriam os limites que se interpunham
entre a prática antropológica e os critérios mais rígidos de uma pretensa
ciência objetiva? Pode uma ciência como a Antropologia, que lida com o
fazer cultural e com o homem como construtor de cultura, ser objetiva,
igual às ciências da natureza?
Em módulos anteriores, houve a apresentação da problemática relação
entre o pesquisador e o seu objeto na prática antropológica; bem como a
conseqüente dificuldade de isenção do antropologista no desenvolvimento
do seu trabalho. Os limites da prática antropológica estão relacionados
diretamente com essa questão: o pesquisador, na sua condição humana,
pode pesquisar com isenção outros humanos nos seus grupos sociais? Se
a resposta for positiva, quais as estratégias teórico-metodológicas capazes
de provocar o necessário estranhamento entre esses dois personagens? Estranhamento
Apresentada de outra forma, a afirmação ficaria assim: para a Antropologia,
o objeto de observação e de análise é o homem na condição de indivíduo Ato de estranhar.
que pertence a uma época e a uma cultura; e o pesquisador é também um
indivíduo que pertence a uma cultura e a uma época.
Sendo o pesquisador de uma dada cultura e de uma dada época; e o
seu objeto de estudo portador da característica de fazedor de cultura na
mesma proporção que a sua – o pesquisador -, a isenção parece tarefa quase
impossível. Por que tarefa quase impossível?
Bem, veja o seguinte exemplo: o antropologista, na sua condição hu-
mana, é membro de uma dada sociedade e participa dela desenvolvendo
papéis sociais exigidos pelo grupo: é professor, é pai de amília, é membro
do sindicato e do partido político, está inserido num clube social, é parte
da vizinhança na rua e no bairro onde reside, e tantos outros possíveis
papéis. Este antropólogo, igual a qualquer outro indivíduo em sociedade,
“é o resultado do meio cultural em que foi socializado” (LARAIA, 2002,
p. 45), portanto, dominado pela visão de mundo construída no seu meio.
O grande problema está, para este indivíduo na condição de pesquisa-
dor em Antropologia, em estranhar os seus valores culturais para melhor
observar e analisar os valores do outro que se apresenta na condição de seu
objeto de estudo. O estranhamento permite ao pesquisador olhar a cultura
do outro e a sua própria cultura de forma diferente, ou seja, não mais a
49
Antropologia I
50
Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas ...
Aula
51
Antropologia I
52
Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas ...
Aula
ATIVIDADES 6
Simule uma proposta de pesquisa sobre tema relacionado à sua região:
cidade, bairro ou qualquer outro espaço.
A pesquisa antropológica precisa levar em consideração os seguintes
critérios: definição do tema ou objeto, leitura básica sobre o tema escolhido,
definição dos objetivos e esboço da metodologia para alcançar os objetivos
pretendidos.
RESUMO
CONCLUSÃO
A antropologia é ciência. Essa assertiva tem que ficar bem clara no seu
entendimento. É, contudo, uma ciência diferente em relação às ciências da
natureza. É diferente porque o objeto de estudo é da mesma natureza do
pesquisador. Isto é, pesquisador e objeto de estudo fazem parte do mesmo
ambiente, que é o ambiente social e cultural. Os limites da antropologia
estão relacionados diretamente a essa relação: pesquisador e objeto. Para
diminuir o impacto dessa relação o pesquisador precisa estranhar os seus
valores culturais e, dessa forma, enxergar com os olhos mais científicos
a sua própria cultura, mas também e, principalmente, a cultura do outro.
Parte importante desta aula foi a constatação de que em termos científicos
nenhum conhecimento atua isoladamente. No caso da antropologia não é
diferente: sociologia e história, bem como tantos outros conhecimentos,
trocam experiências e conhecimentos, todos importantes na caminhada do
desenvolvimento científico.
53
Antropologia I
AUTOAVALIAÇÃO
Foi fácil e rápida a leitura desta aula. Mas acho melhor ler novamente,
pois não estou bem certo sobre o significado dos limites da ciência
antropológica. Preciso compreender melhor, principalmente, essa rela-
ção complicada entre o pesquisador, que é homem social e cultural, e
o pesquisado que também tem as mesmas características. Depois dessa
re-leitura tenho certeza que as dúvidas desaparecerão.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylor e
Frazer. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental.
São Paulo: Abril Cultural, 1978.
54
Aula
OS MÉTODOS DA ANTROPOLOGIA
7
META
Apresentar os principais métodos da antropologia.
OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
compreender os principais métodos da antropologia e deverá ser capaz de aplicar esses métodos na
prática da pesquisa antropológica.
PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os princípios básicos da antropologia e os seus limites epistemológicos na aplicação dessa
ciência.
(Fonte: http://www.unicamp.br).
Antropologia I
INTRODUÇÃO
(Fonte: http://www.observacaoparticipativa.blogsport.com).
56
Os métodos da Antropologia
Aula
MÉTODOS
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Antropologia I
58
Os métodos da Antropologia
Aula
(Fonte: http://www.theage.com).
59
Antropologia I
PRIMEIRO EXEMPLO
SEGUNDO EXEMPLO
ATIVIDADES
60
Os métodos da Antropologia
Aula
CONCLUSÃO 7
É possível perceber na narrativa desta aula alguns pontos importantes:
primeiro, a existência de dois métodos no âmbito da antropologia, ambos
utilizando a comparação; segundo, que o primeiro método, desenvolvido pe-
los evolucionistas, tinha características completamente distintas. Enquanto
este fundamentava a pesquisa através da história, o método comparativo Inexoravelmente
desenvolvido e/ou consolidado por Franz Boas utilizava a história, mas
Que não se move a
priorizava a comparação com vistas à identificação das diferenças entre os
rogos; não exorável;
fenômenos e os diversos contextos; terceiro, enquanto o primeiro priorizava implacável, inaba-
a identificação das semelhanças, com o objetivo da confirmação de uma lável.
história linear, onde os povos passavam inexoravelmente pelas etapas da
selvageria, barbárie e civilização; o segundo método estava preocupado
com a identificação das diferenças, objetivando conhecer os meandros dos
processos de construção dos fenômenos culturais.
RESUMO
AUTOAVALIAÇÃO
61
Antropologia I
REFERÊNCIAS
62
Aula
8
O EVOLUCIONISMO NA
ANTROPOLOGIA
META
Apresentar o pensamento evolucionista no âmbito da antropologia.
OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
interpretar de forma crítica o pensamento evolucionista.
PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os objetivos da antropologia; conhecer os conceitos básicos da antropologia; e conhecer os
principais métodos e técnicas para o desenvolvimento da pesquisa em antropologia.
Antropologia I
INTRODUÇÃO
64
O Evolucionismo na Antropologia
Aula
EVOLUCIONISMO
65
Antropologia I
66
O Evolucionismo na Antropologia
Aula
67
Antropologia I
ATIVIDADES
CONCLUSÃO
RESUMO
68
O Evolucionismo na Antropologia
Aula
REFERÊNCIAS
69
Aula
9
O FUNCIONALISMO
NA ANTROPOLOGIA
META
Apresentar o pensamento funcionalista no âmbito da antropologia.
OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
saber definir o pensamento funcionalista; identificar os principais pensadores funcionalistas na
antropologia e os seus princípios.
PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os principais conceitos da antropologia e os princípios do pensamento evolucionista.
(Fonte: http://www.amphilsoc.org).
Antropologia I
INTRODUÇÃO
(Fonte: http://bp0.blogger.com/.../s400/Mulçumanas.bmp).
72
O Funcionalismo na Antropologia
Aula
FUNCIONALISMO 9
Apresentarei nesta aula dois autores considerados os “pais fundadores
da etnografia”: Franz Boas (1858-1942) e Bronislaw Kasper Malinowski
(1884-1942). Esses autores primaram pela ruptura com o velho modelo
de pesquisa, iniciando e consolidando uma prática marcada pela coleta de
informações pelo próprio pesquisador. Segundo esse novo modelo, o pes-
quisador de antropologia, ao se dirigir ao campo para o trabalho de coleta
das informações, “(...)... aprende então, como aluno atento, não apenas a
viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa
língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele mesmo.” (LAPLAN-
TINE, 2000, p. 76). Esse novo modelo passou a ser o instrumento principal
da pesquisa antropológica e, mesmo com o tempo passado, ainda hoje é
considerado a própria fonte da pesquisa. Por que essa ruptura e quais as
possíveis vantagens dessa nova prática?
No antigo modelo desenvolvido pelos evolucionistas o contato en-
tre o pesquisador e os atores sociais nos seus respectivos fenômenos era
praticamente inexistente. Isto é, o pesquisador, instalado no seu gabinete,
em Londres ou qualquer outra cidade européia ou americana, de posse das
informações coletadas por viajantes, realizava as análises, considerando
completamente desnecessário esse contato. Não havia, nesse sentido,
qualquer contato com o personagem, com a sua língua, com os seus cos-
tumes, não havia, portanto, vivência com os fenômenos sociais. Não havia
interação – troca de informações – entre o pesquisador e o pesquisado.
A nova antropologia, iniciada no final do século XIX e início do século
XX, propunha um outro modelo, no qual o pesquisador, obrigatoriamente,
teria que sair do seu ambiente social e instalar-se no ambiente do pesquisado,
permanecendo longos períodos nesses espaços, aprendendo o idioma, mas,
sobretudo, observando cotidianamente os seus costumes, interessado em
penetrar nas mentes dos nativos de cada região. Com esse objetivo Franz
Boas afirma a necessidade de anotar tudo a respeito das coisas observadas,
mes mo aquelas consideradas rotineiras e até sem importância. Considerava
Boas que a rotina dos nativos escondia aspectos importantes das suas cul-
turas e que, por isso, não podia ser desprezada. Outro aspecto importante
nesse novo modelo diz respeito ao modo de perceber a cultura do outro. Se
antes a cultura do outro era vista como parte de uma totalidade, a cultura
universal do homem, nessa nova perspectiva, a cultura do outro, passa a
ser vista como uma totalidade autônoma. O que isso significou em termos
de maior eficácia da ciência antropológica?
Na proposta evolucionista os costumes não eram relacionados com os
seus respectivos contextos. Os críticos dessa corrente entendiam a neces-
sidade, para um melhor entendimento dos fenômenos culturais, que esses
fossem relacionados ao contexto particular nos quais estavam inseridos. Para
73
Antropologia I
74
O Funcionalismo na Antropologia
Aula
que contemplar esse caráter para alcançar eficácia no seu resultado final.
A partir dessa visão Malinowski criou os princípios do funcionalismo,
retirados dos modelos anteriormente criados pelas ciências da natureza,
9
sobretudo da biologia, que estabelecia a função como ponto de partida
principal. Segundo esse modelo teórico, o indivíduo tem determinadas
necessidades e a cultura, através das suas institui ões, existiria exatamente
para atender a essas necessidades, construindo, dessa forma, a estabilização
da sociedade. Tentarei explicitar melhor, nas linhas seguintes, essa situação
no interior do modelo.
Para os funcionalistas a sociedade é o resultado da articulação entre
o social, o psicológico e o biológico. Essa articulação acontece a partir da
satisfação das necessidades sentidas pelos indivíduos através dos diversos
mecanismos - fenômenos culturais -. É possível tentar clarear um pouco
mais esse princípio: o indivíduo é parte da sociedade. A sociedade, com as
suas instituições sociais e culturais, é um sistema que atende às necessidades
dos indivíduos. As diversas instituições sociais e culturais, todas com funções
sociais específicas, atenderiam aos indivíduos nas suas necessidades, tudo
isso funcionando de forma harmônica. Tentando ser ainda mais claro: a
religião, a família, o aparato jurídico, os costumes, as regras, tudo, a partir
das suas funções, existiria para atender o indivíduo e, dessa forma, pos-
sibilitar o pleno funcionamento da sociedade.
Ora, aparentemente o funcionalismo teria descoberto o modelo per-
feito, que retrataria plenamente a realidade da sociedade, contudo, os críticos
não perderam tempo e construíram perguntas que o modelo funcionalista
também não conseguia responder: se a sociedade pensada pelos funciona-
listas se organiza de forma equilibrada e capaz de atender às necessidades
do homem, como explicar os processos de mudanças sociais comuns a
toda sociedade em qualquer época e em qualquer lugar? Os críticos pon-
deraram ainda que Malinowski havia construído leis gerais ou propostas
de leis gerais a partir da análise dos costumes de uma micro-sociedade
localizada em minúsculo arquipélago quase ou totalmente afastado dos
contatos inter-culturais.
Mesmo que consideremos as críticas formuladas contra Malinowski,
é evidente a sua contribuição aos estudos antropológicos, tanto que ainda
permanece: primeiro, a invenção literal da observação participante. Pesquisar
o outro deixou de ser tarefa dos viajantes circunstanciais e passou a ser, em
profundidade, tarefa do pesquisador. E Malinowski realizou essa tarefa na
prática, deslocando-se do seu mundo civilizado e habitando com os seus
pesquisados, na tentativa de melhor compreender os fenômenos culturais
desses indivíduos e dos seus grupos. É como no dizer de “Malinowski nos
ensinou a olhar” (LAPLANTINE, 2000, p. 84).
Outra contribuição importante de Malinowski diz respeito ao social.
Na sua pesquisa o social deixou de ser anedótico, exótico ou curioso e
75
Antropologia I
ATIVIDADES
CONCLUSÃO
Esta aula encerra a narrativa de parte importante no processo de
construção da antropologia desde a primeira metade do século XIX até as
primeiras décadas do século XX. A antropologia construiu o seu objeto,
o homem primitivo no primeiro momento e depois o homem total – em
qualquer época e em qualquer espaço -; construiu o seu método, o método
comparativo, espaço metodológico importante para decifrar os significa-
76
O Funcionalismo na Antropologia
Aula
dos dos
por
E , fenômenos culturais; construiu a observação participante, técnica
fundamental
úl-
tindivíduos
e eficaz na coleta de dados mais próximos do cotidiano dos
i m o , observados e pesquisados. O evolucionismo e o funcionalismo
9
Mforama fundamentais
- nesse processo de construção da antropologia, mesmo
reconhecendo a avalanche de críticas a esses modelos de pensamento
linows-
kelaborados.
i, no Nas aulas precedentes tratarei dos aspectos mais práticos da
antropologia
seu tra- e espero que vocês possam continuar interessados no tema.
balho
de pes-
quisa e na sua obra, restaura o homem primitivo no interior do sistema social
do qual faz parte. Através da observação participante o homem observado
é mais importante do que o sistema do qual ele faz parte.
RESUMO
AUTOAVALIAÇÃO
77
Antropologia I
REFERÊNCIAS
78
Aula
ANTROPOLOGIA:
10
REVISITANDO OS CONCEITOS
META
Relembrar os principais conceitos trabalhados nesta unidade.
OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
ter uma visão panorâmica da Antropologia como ciência que estuda o homem.
PRÉ-REQUISITOS
Ter estudado e assimilado o conteúdo das nove aulas da presente unidade.
(Fonte: http://home.utad.pt).
Antropologia I
INTRODUÇÃO
80
Antropologia: revisitando os conceitos
Aula
OBJETO DE ESTUDO
OS CONFLITOS NA UTILIZAÇÃO DO
CONHECIMENTO HISTÓRICO NAS PESQUISAS
ANTROPOLÓGICAS
81
Antropologia I
O ETNOCENTRISMO E O RELATIVISMO
Esses dois conceitos, apesar de antagônicos, fizeram parte da caminhada
antropológica em linha necessariamente sucessória. No primeiro, os povos
primitivos foram conceituados a partir do conhecimento que o europeu
tinha da sua própria cultura. Desse modo fica fácil perceber que o conceito
estabelece juízo de valor: os povos primitivos eram considerados inferiores
aos europeus e esse julgamento acontecia a partir do modelo de cultura
que os europeus entendiam ser o melhor, ou seja, o seu próprio modelo.
O outro, na perspectiva etnocêntrica, era tratado como diferente, mas de
qualidade inferior. Esse tipo de visão prejudicava, a priori, qualquer pos-
sibilidade de análise científica.
Espero que você esteja compreendendo que o ter, ou não ter, cultura,
religião, estado, lei, ordem e moral era fruto da visão etnocêntrica do eu-
ropeu. Nessa visão, o europeu olhava para si mesmo e todo aquele que
não correspondesse aos seus padrões, por terem práticas diferentes, era
considerado como se fosse inferior e assim era tratado. O etnocentrismo
olha o outro e almeja que ele tenha as suas próprias
características, como isso é impossível, o outro é
percebido como desprovido de tudo.
O relativismo surgiu com a crítica ao pensa-
mento evolucionista ainda no final do século
XIX. Os dois pontos principais dessa crítica
foram os seguintes: primeiro, a visão descontex-
tualizada sobre o fenômeno sócio-cultural, não
permitindo perceber a totalidade social na qual
o mesmo estava inserido; segundo, a história linear
traçada pelos evolucionistas que colocava os po-
vos denominados de primitivos como o início da
cadeia e os europeus eram colocados no topo e
tratados como civilizados. A partir dessas críticas
os novos antropólogos iniciaram um processo no
(Fonte: http://www.dominiofeminino.com.br).
qual o fenômeno cultural passava a ser analisado como
82
Antropologia: revisitando os conceitos
Aula
totalidade social, ou seja, cada costume tem o seu contexto e tem que ser
analisado em função desse contexto. Dessa forma o antropologista rela-
tiviza o fenômeno cultural, considerando as suas peculiaridades e os atores
10
sociais envolvidos no processo. Deixa de haver valores culturais superiores
ou inferiores e passa a existir apenas o valor cultural construído e em uso
por um determinado grupo social, que atende, plenamente, as necessidades
através das funções de cada fenômeno. Relativizar significou, portanto,
desconsiderar o mundo do pesquisador como o centro de todas as coisas
e passou a considerar cada fenômeno particular como totalidade social.
O CONCEITO DE CULTURA
Afirmei em aulas pretéritas que a construção da Antropologia como
ciência se confunde com o processo de construção do conceito de cultura.
Antropologia e cultura, portanto, fazem parte de uma mesma caminhada.
Apresentei, também, a genealogia do conceito relacionando-a com o pro-
cesso de construção da ciência antropológica e evidenciando a importância
do conceito no âmbito da antropologia. Nesta remissiva dos conceitos não
entrarei nos detalhes da sua genealogia, mas convido-o a reler a aula número
quatro do presente módulo. Aqui me prenderei apenas ao conceito e a sua
importância no contexto da Antropologia.
Quem primeiro conseguiu sintetizar o conceito, na
segunda metade do século XIX, foi Edward Tylor, no livro
Primitive Culture (1871), quando, sendo fiel ao contexto
histórico no qual desenvolvia o seu pensam- ento, afirma a
cultura como o resultado de comportamentos apreendidos,
ressaltando a inexistência de qualquer ligação do fenômeno
com a genética dos indivíduos. Outra afirmação importante de
Tylor, contida no mesmo livro, é a de que a cultura é um
fenômeno natural, podendo, dessa forma, ser ob- jeto de estudos
científicos. Veja a seguir o conceito em Tylor: “(...) tomado
em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui con-
hecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem (Fonte: http://www.vanuatutourism.com).
como membro de uma sociedade”. (apud LARAIA, 2002, p. 25).
A síntese produzida por Tylor foi importante na caminhada do con-
ceito. Por que foi importante? Por dois aspectos fundamentais: primeiro,
por confirmar o homem como produtor de cultura; e segundo, por negar a
genética como transmissora de cultura. O primeiro aspecto foi fundamental
na medida em que inseriu o homem definitivamente no processo de con-
strução. Se durante o Iluminismo havia a predominância do caráter mais
geral, ou seja, a humanidade como um todo; agora, com a contribuição da
Antropologia, o homem passou a ter destaque, sendo ele próprio o produtor
83
Antropologia I
84
Antropologia: revisitando os conceitos
Aula
85
Antropologia I
ATIVIDADES
CONCLUSÃO
A Antropologia é uma ciência construída por homens e preocupada
fundamentalmente em estudar o homem no seu fazer cultural. O objeto
de estudo, as teorias com os seus conceitos, os métodos e as técnicas são
instrumentos de uma ciência que continua – como todas as ciências – em
processo constante de sempre se (re) fazer. O fundamental – e foi isso
que tentamos passar neste primeiro módulo – é tentar compreender a
Antropologia como instrumento de compreensão do homem. Não pode,
e compreendemos que não deve, ser pensada como ciência nos rigores
estabelecidos pela visão cartesiana, mas como uma ciência na qual pes-
quisador e pesquisado são o próprio homem. Até o próximo módulo!
REFERÊNCIAS
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