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Antropologia I

Jonatas Silva Meneses

São Cristóvão/SE
2009
Antropologia I
Elaboração de Conteúdo
Jonatas Silva Meneses

Projeto Gráfico e Capa


Hermeson Alves de Menezes

Diagramação
Max Willes de Almeida Azevedo

Ilustração
Péricles Andrade
Manuel Messias de Albuquerque Neto
Clara Suzana Santana

Revisão
Edvar Freire caetano

Copyright © 2009 Universidade Federal de Sergipe / CESAD.


Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada
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autorização por escrito da UFS.

FICHA CATALOGRÁFICA PRODUZIDA PELA BIBLIOTECA CENTRAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Meneses, Jonatas Silva.
M543a Antropologia I / Jonatas Silva Meneses -- São Cristóvão:
Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009.

1. Antropologia. 2. Comportamento. 3. História I. Título.

CDU 572
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Sumário
AULA 1
Antropologia: campo de estudo ......................................................... 07

AULA 2
Antropologia: construção e dificuldades ............................................ 13

AULA 3
Antropologia e sua pré-história.......................................................... 21

AULA 4
Antropologia e o conceito de cultura ................................................. 29

AULA 5
Antropologia e os principais conceitos .............................................. 37

AULA 6
Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas do
conhecimento .................................................................................... 45

AULA 7
Os métodos da Antropologia ............................................................. 53

AULA 8
O evolucionismo Antropologia ........................................................... 61

AULA 9
O funcionalismo na Antropologia ....................................................... 69

AULA 10
Antropologia: revisitando os conceitos .............................................. 77
Aula

ANTROPOLOGIA:
1
CAMPO DE ESTUDO

META
Apresentar ao aluno a definição da ciência antropológica e o seu campo de atuação.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
perceber a Antropologia como a ciência que estuda o homem no seu espaço cultural.

(Fonte: http://www.terradagenteparaiba.blogger.com.br)
Antropologia I

INTRODUÇÃO

Caro aluno ou querida aluna: é com alegria que entro em contato com
você para o ensino de Antropologia. Espero
que a escolha desta disciplina possa acrescentar conhecimentos impor-
tantes para sua formação. As aulas deste curso são o resultado da minha
formação em Antropologia e, sobretudo, da minha experiência docente ao
longo dos últimos 20 anos. Somada a essa experiência, apresento também
parte da minha contribuição na pesquisa antropológica, que gerou artigos,
capítulos de livros e, mais recentemente, o livro da minha tese de doutorado.
Espero que as aulas produzidas e apresentadas possam contribuir na
sua formação e que você possa compreender melhor o ambiente cultural
do qual é parte importante.
A palavra antropologia tem causado ao longo das últimas décadas um
misto de surpresa e admiração. É possível que esse sentimento também
invada você, meu caro aluno ou querida aluna, e você fique a se perguntar:
mas, o que é antropologia? Para que serve a antropologia? E, talvez, se
pergunte: qual a importância dessa ciência, ainda tratada como exótica por
muitos, como instrumento de análise do homem? Nesta aula responderei a
essas indagações e provocarei outras para ampliar as discussões a respeito
de tema tão incitante.

(Fonte: http://www.camaraicara.sc.gov.br).

8
Antropologia: campo de estudo
Aula

ANTROPOLOGIA 1
Do ponto de vista etimológico é muito fácil definir antropologia.
Os lingüistas a definiriam como a ciência do homem. Mas, essa definição Etimológico
esconde uma série de problemas, tendo em vista que outras ciências tam-
Definição a partir
bém estudam o homem: a Biologia, por exemplo, é uma ciência que estuda da origem e forma-
o homem, mesmo que a preocupação maior seja o aspecto fisiológico. É ção das palavras.
necessário, portanto, buscar outros caminhos para uma melhor definição Homem distante
do conceito, para que você, aluno ou aluna do primeiro contato com esse ou homem primi-
conhecimento, possa melhor aproveitar os espaços que essa ciência vai tivo: nativo dos
proporcionar. continentes ameri-
cano, asiático e
O conceito de Antropologia remonta ao século XIX e esteve intimamente africano, assim
ligado às preocupações com o “homem distante”, ou, simplesmente, com tratado pelo euro-
o “homem primitivo”. É sempre bom destacar que a definição de homem peu por considerá-
primitivo foi construída a partir da visão que o homem europeu tinha dele lo literalmente dis-
próprio, ou seja, a de homem civilizado. tante e inferior.
Quem era, no entanto, esse homem primitivo, na visão dos antrpolo-
gistas? E por que esse homem distante era chamado de primitivo? As res- Frenética
postas dessas questões ajudarão você a entender, não apenas o conceito de
Antropologia, mas todo o processo de construção dessa ciência e os seus Intensa
objetivos iniciais. Os nativos da América, da Ásia, da Oceania e da África
eram tratados como primitivos, porque o europeu autoproclamava-se su-
perior aos demais, portanto, civilizado.
O século XIX foi marcado pela retomada do processo de colonização. Cultura
A neocolonização – é assim que esse período é conhecido historicamente –
acelerou os processos de contato com os mundos desconhecidos ou pouco Conjunto dos pa-
conhecidos, colocando em evidência povos nativos e as suas características drões de comporta-
étnicas e culturais. mento, das crenças,
A maior visibilidade dos nativos na América, na Ásia, mas, principalmente, das instituições e
de outros valores
na África, impulsionou estudiosos do Velho Continente a uma busca frenética
morais e materiais
por maiores e melhores informações. A preocupação naquele momento era característicos de
estudar esses povos antes que desaparecessem. Havia, no meio dos estudiosos uma sociedade.
da área, o receio de que esses povos e as suas respectivas culturas fossem
suprimidos através da urbanização acelerada, perdendo-se, dessa forma, in- Etnia
formações importantes para o conhecimento da origem do homem.
Grupo de indi-
Perceba, meu caro aluno ou querida aluna, que a Antropologia surgiu
víduos biológica
do interesse em estudar os povos nativos da América, da Ásia, da Oceania e culturalmente
e da África. Destaco, principalmente, que o interesse maior era estudar es- homogêneo; con-
ses povos nos seus aspectos étnicos e culturais. Dessa forma, ampliamos junto de indivíduos
o conceito, visto no início desta aula, que define a Antropologia como unidos por carac-
a ciência que estuda o homem. A Antropologia é a ciência que estuda o terísticas somáti-
cas, culturais e
homem – é correta a afirmação -, mas está preocupada, sobretudo, com a
lingüísticas co-
cultura e com a etnia. muns.

9
Antropologia I

No primeiro momento a Antropologia estava muito mais preocupada


com as questões étnicas, buscando, dessa forma, compreender o que os
Antropologistas estudiosos chamavam de etapas do desenvolvimento humano, estágios
Especialistas em
culturais ou períodos étnicos. Como estavam preocupados com aspectos
antropologia. biológicos, os principais antropologistas do século XIX eram originários das
ciências da natureza, a saber: James George Frazer, Edward Burnett Tylor
e Lewis Henry Morgan. Esses autores escreveram as suas principais obras
entre os anos 1870 e 1910, contribuindo decisivamente para o processo de
construção da Antropologia e do pensamento evolucionista.
Tylor, Frazer e Morgan foram influenciados pela produção intelec-
tual de sua época. O século XIX foi marcado decisivamente pela obra de
Charles Robert Darwin, que escreveu A Origem das Espécies, publicada
em 24 de novembro de 1859. O que os antropologistas evolucionistas
fizeram foi adequar as teses da biologia, que afirmavam a variação evolutiva
Charles Darwin das espécies, resultante das mudanças sucessivas sofridas pelo homem ao
longo da história.
Cientista e naturalista Dessa forma, a Antropologia utilizava elementos da biologia soma-
inglês (1809-1882). dos a elementos da cultura para os seus procedimentos científicos. O
Elaborou a teoria objetivo dessa nova ciência em construção era estudar o homem total,
da evolução das es-
pécies. Autor de A
comparando as diferentes etnias e as diferentes vari ações culturais por
Origem das Espécies ele apresentadas. A Antropologia buscava, assim, as origens dos costumes
(1859). demarcadores da vida humana.
Meu caro aluno, minha estimada aluna, mesmo preocupados com as
questões étnicas, mas objetivando justificar as suas teses, esses estudiosos
Sobrevivências enveredaram, quase que obrigatoriamente, pelos caminhos da cultura, na
medida em que os seus argumentos foram construídos por meio dos vestí-
Restos materiais gios que eles chamavam de sobrevivências.
e simbólicos da Se você quiser saber mais sobre a aula pode construir a seguinte per-
cultura humana.
gunta: “E o que seriam essas sobrevivências, tratadas pelos pesquisadores
como de fundamental importância, para explicar o homem no seu espaço de
habitação sócio-cultural?” A resposta pode ser dada de maneira simples: as
sobrevivências eram restos de culturas materiais e espirituais dos chamados
povos primitivos que, analisadas, poderiam ser de grande valia na explicação
da origem do próprio homem. Ferramentas, equipamentos, armas, utensílios
domésticos, crenças, rituais, estruturas de parentescos foram armazenados
e analisados, formando um gigantesco corpus etnográfico da humanidade.
Nesse sentido, a Antropologia do século XIX e início do século XX
procurou construir, de forma sistemática e com o máximo de validade
científica, um acervo de informações sobre os períodos étnicos do homem
e os seus respectivos valores culturais. São clássicas e ainda muito estudadas
as obras desses autores: O Ramo de Ouro, de James George Frazer, obra
em doze volumes concluida em 1915; Primitive Culture, de Edward Burnett
Tylor, publicada em 1871; e Systems of Consanguinity and Affinity of the
Human Family, de Lewis Henry Morgan, publicada em 1871.

10
Antropologia: campo de estudo
Aula

(Fonte: http:www.bbc.co.uk)

ATIVIDADES

Para fixar, é preciso relembrar o que foi apresentado na aula, como:


quais as definições de antropologia apresentadas nesta aula? Tente explicar,
através da definição, a importância da antropologia no estudo do homem.
No seu processo de construção a Antropologia foi obrigada a definir
o seu objeto de estudo. Qual foi esse objeto de estudo nos primórdios da
Antropologia? Explique as implicações dessa definição de objeto para o
homem dos continentes americano, asiático, da Oceania e africano.
Preocupados em justificar as teses evolucionistas, os antropologistas
do século XIX foram em busca das sobrevivências culturais. O que eram
essas sobrevivências? Tente explicar a importância dessas sobrevivências
nos estudos antropológicos.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


Caro aluno ou querida aluna: a Antropologia, ciência em construção
a partir do século XIX, foi definida como a ciência do homem,
confundindo-se com definições de outras ciências. Os primeiros
estudiosos foram obrigados a buscar alternativas, definindo-a, naquele
primeiro momento, como ciência do homem primitivo. Para analisar o
homem primitivo foi necessário pesquisar as chamadas sobrevivências,
ou seja, restos culturais – materiais ou simbólicos – ainda praticados
pelo homem primitivo.

11
Antropologia I

CONCLUSÃO

Como você viu nesta aula, a Antropologia surgiu no bojo do movi-


mento neocolonialista, atendendo aos interesses, sobretudo, da formação
das ciências do final do século XVIII e século XIX. Os antropologistas
escolheram o homem primitivo como objeto de estudo, objetivando am-
pliar os conhecimentos a respeito daquilo que a antropologia chamaria
nas décadas seguintes de homem total. Para alcançar esses objetivos, esses
estudiosos procuraram nos diversos grupos estudados as sobrevivências
culturais, todas fundamentais para suas análises.

RESUMO

Concluímos a presente aula afirmando que a Antropologia é uma ciên-


cia construída no final do século XIX, desenvolvida, principalmente, por
estudiosos das Ciências da Natureza. Definimos também que a Antropo-
logia não pode ser tratada apenas como a ciência que estuda o homem, na
medida em que a sua prática, desde a sua origem, é muito mais abrangente.
A Antropologia estuda o homem nas suas vivências sociais e culturais. E,
por último, afirmamos que a Antropologia, nos seus primórdios, construiu
como objeto de estudo o homem primitivo e que esse conceito foi con-
struído pelo europeu que se autodenominava homem civilizado.

AUTOAVALIAÇÃO

Depois de estudar esta aula, posso conceituar o que seja Antropologia?


Entendi, com clareza, o conceito de neo-colonização?

REFERÊNCIAS

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,


2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MARCONI, Marina de Andrade ; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antro-
pologia: Uma Introdução. São Paulo: Editora Atlas., 2001.

12
Aula

2
ANTROPOLOGIA:
CONSTRUÇÃO E DIFICULDADES

META
Apresentar o processo de construção da ciência antropológica no contexto do século XIX e as
principais dificuldades epistemológicas.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
conhecer o processo de construção da Antropologia.

PRÉ-REQUISITOS
Conhecer as principais definições da ciência antropológica, bem como ter afinidade conceitual com o
objeto de estudo dessa ciência.

(Fonte: http://farm1.static.flickr.com).
Antropologia I

INTRODUÇÃO

Caro aluno ou querida aluna: espero, nesta aula, que você conheça os
passos do processo de construção da Antropologia. Depois do primeiro
contato é preciso continuar. Espero que tenha gostado da primeira aula e
bom proveito nesta também.
Você viu na aula anterior que a Antropologia estuda o homem nos seus
contextos sociais e culturais comparando diferentes formas de manifesta-
ções. A aula proporcionou o conhecimento de que a jornada antropológica
definiu o homem nativo da América, da Ásia, da Oceania e da África,
tratado como “primitivo”, como o seu objeto de estudo. Espero que tenha
ficado claro também que a preocupação fundamental da Antropologia e
dos antropologistas naquela oportunidade era tentar explicar as origens do
homem nos seus aspectos étnico e cultural. Neste segundo contato ampliarei
a discussão a respeito da prática antropológica, apresentando aspectos do
processo de construção epistemológica dessa ciência.

Malinowski em trabalho de campo (Fonte: http://pt.wikipedia.org)

14
Antropologia: construção e dificuldades
Aula

EPISTEMOLOGIA 2
Para iniciar esta aula é preciso desvendar um problema da ordem da
linguagem: o que seria essa construção epistemológica apresentada na in-
trodução? É preciso, então, definir essa expressão para melhor eficácia na
continuidade da aula.
A Epistemologia tem como premissa principal estudar o conhecimento,
como foi construído e, sobretudo, verificar os espaços que esse conhe-
cimento consegue envolver, bem como os seus limites. Nesse sentido, a
construção epistemológica de um dado conhecimento, no caso específico
desta aula o antropológico, refere-se obrigatoriamente aos caminhos e des-
caminhos da busca da validade científica. Essa busca está relacionada aos
processos de construção dos métodos, das técnicas e das teorias inerentes
ao conhecimento, bem como da própria definição do objeto de estudo,
todos como balizadores da prática.
Dito dessa maneira, afirma-se como essencial, em qualquer conheci-
mento, a definição com propriedade do seu objeto de estudo, dos métodos e
técnicas necessários à prática científica e, como conseqüência, da construção
de uma base teórica que servirá como alicerce. No caso da Antropologia
isto não foi diferente. Foi necessária a definição do objeto de estudo – apre-
sentei na aula anterior que a escolha recaiu sobre o “homem primitivo” – e
do aparato teórico-metodológico para se constituir como ciência. Acertos
aconteceram, mas os erros também fizeram parte dessa caminhada.

CAMINHOS E DESCAMINHOS DA JORNADA


ANTROPOLÓGICA

Não pode haver ciência se não houver a definição daquilo que se pre-
tende estudar. A Antropologia pensou corretamente ao definir o seu objeto
de estudo, e ao definir, também, o aparato teórico e metodológico das ciên-
cias da natureza como partes da sua prática científica. Veja você, caro aluno,
que eu estou afirmando que a Antropologia, nos seus primórdios, usou o
aparato da Biologia para iniciar os seus procedimentos de pesquisa. Nada
contra: tanto no caso da escolha do objeto quanto no uso do conhecimento
de outra ciência. Contudo, problemas aconteceram ao longo da caminhada,
obrigando os antropologistas a buscarem outros caminhos. Preste a atenção
nos problemas acarretados por essas escolhas.
A escolha do aparato teórico e metodológico vinculado às Ciências
da Natureza não se mostrou produtivo. Como os objetos de estudo das
duas ciências – a Antropologia, a Biologia ou qualquer outra ciência da
natureza – são completamente distintos, a aplicação das mesmas técnicas
e das mesmas teorias se mostraram completamente ineficazes.

15
Antropologia I

EPISTEMOLOGIA
Para sua melhor compreensão veja como se processou a questão: o
especialista das ciências da natureza tem total controle sobre o seu objeto
de estudo, podendo realizar todas as experiências necessárias para o bom
êxito da sua pesquisa. Ele pode manipular a água e qualquer outro elemento
da natureza, pode manipular os animais e, em sucessivas oportunidades e
em lugares distintos, realizar os experimentos necessários à comprovação
das suas hipóteses.
No caso da Antropologia a situação é completamente diferente, o
homem é o objeto de estudo. Dessa forma, o homem é ao mesmo tempo
pesquisador e objeto de estudo. Só que o homem no seu fazer cultural não
pode ser manipulado, assim os métodos e as teorias das ciências da natureza,
tão eficazes no trato com os seus objetos de estudo, não apresentaram o
mesmo êxito quando utilizados nas análises antropológicas. A Antropologia
precisou repensar a sua prática teórico-metodológica, entendendo-a como
uma especificidade relativa ao seu próprio objeto, construindo alternativas
Conveniência mais apropriadas, sem que isso tenha resolvido em definitivo a questão.
Quanto ao objeto de estudo, esse foi definido em virtude de algumas
(Escolha) justifi- conveniências: havia à época a compreensão de que não se poderia escolher
cada em função o homem como objeto de estudo – aqui eu es ou falando no homem em
do interesse e da todos os espaços e em todos os tempos – em virtude do desconhecimento
vantagem. do homem tratado como primitivo. Entenderam os antropologistas que
primeiro era necessário conhecer o primitivo e, a partir desse conheci-
mento, ampliar o foco para o homem total – total no sentido de tempo e
de espaço. O objeto de estudo da Antropologia foi, portanto, construído
a partir da necessidade de conhecer o homem
que não era conhecido, ou seja, populações
que não pertenciam à civilização ocidental
(LAPLANTINE, 2000).
Mas qual o problema da Antropologia
ao fazer essa escolha, perguntaria o aluno?
Eu diria que não seria o problema, mas os
problemas, dois para ser mais exato: primeiro,
a escolha não obedeceu a critérios científicos;
segundo, a escolha do homem primitivo es-
tabeleceu uma temporalidade do objeto, isto
é, o homem primitivo caminhava, em virtude
do processo civilizatório, para sua extinção e,
conseqüentemente, para a extinção também
do objeto da Antropologia.
No primeiro caso os critérios de escolha
não atenderam ao bom caminho de uma con-
(Fonte: http://www.cascada-expediciones.cl).

16
Antropologia: construção e dificuldades
Aula

strução epistemológica. O critério principal foi a própria conveniência, mar-


cada pelo desconhecimento do homem nativo da América, Ásia, Oceania e
África. Mas não apenas isso, a Antropologia nos seus primórdios não tinha
2
a percepção de que o aparente conhecimento sobre o homem civilizado era
um engano, na medida em que, na seqüência da construção, se percebeu
que o homem civilizado era tão desconhecido quanto o primitivo, portanto,
alvo possível dos estudos antropológicos.
A Antropologia, ao fazer a escolha do seu objeto de estudo — o
homem primitivo — estabelecia que esse objeto estivesse limita do cro- Subalternidade
nologicamente, por ser exatamente o homem de um determinado tempo,
considerado pelo europeu como anterior ao seu. Outro aspecto dessa diz-se do indvíduo ou
escolha é que o primitivo estava limitado a determinadas áreas geográficas. do grupo que está em
situação de iferiori-
Em relação ao homem primitivo como objeto de estudo e à tempo- dade em relação a outro
ralidade dessa escolha, a explicação será um pouco mais longa, mas espero indivíduo ou a outro
que seja clara para você. Nos parágrafos anteriores afirmei que o homem grupo. Multiplicidade:
primitivo estava em vias de extinção em virtude do processo civilizatório. grande número, diver-
Veja a seguir o que eu estou chamando de processo civilizatório. sidade. Erudito: diz-se
Os europeus se auto-proclamavam superiores e se denominavam de alguém que domina
grande diversidade de
civilizados. Os povos que apresentavam características culturais distintas conhecimentos.
das deles eram tratados como primitivos, exatamente, por não possuírem
as suas características. Os antropologistas, como homens do seu tempo,
também pensaram dessa maneira e trataram o seu objeto de estudo como
se esse homem fosse inferior na escala de uma presumível
evolução.
A aula anterior mostrou que o século XIX foi mar-
cado pelo movimento denominado de neocolonialismo,
desenvolvido a partir dos países europeus e dos Estados
Unidos. A marca principal desse movimento, além do
caráter expansionista através do poder econômico e do
poder político, foi a imposição dos seus valores culturais.
O contato entre esses grupos gerava, obrigatoriamente,
a circulação da cultura e a absorção desta pelo grupo em
situação de subalternidade.
Mesmo que se reconheça que no processo de cir-
culação de culturas há trocas de valores entre os grupos
em contato, é evidente que o grupo que tem maior poder
político e econômico terá muito mais força para impor a
sua cultura. Sei que não é surpresa para você que o nativo
brasileiro – o índio – foi obrigado a absorver a língua e
a religião do branco durante o processo de colonização
(século XVI até a independência), como de resto todos
os nativos nos continentes já referidos acima e que foram
alvo do movimento expansionista do século XIX.
O chamado processo civilizatório ampliou a circu- David Livingstone, explorador europeu do sec.XIX,
que contribuiu para a colonização da África.
Fonte: www.livingstone _upload.wikimedia.org

17
Antropologia I

lação da cultura européia, ampliando as suas bases, e diminuindo a força


das culturas locais, tornando os grupos nativos reféns do mundo europeu
e americano. Dessa forma, os nativos, segundo a visão dos antropologistas
do século XIX e início do século XX, estavam desaparecendo em função
da perda significativa das suas características culturais em favor das car-
acterísticas européias, deixando, portanto, de serem considerados povos
primitivos. O iminente desaparecimento dos povos primitivos geraria, como
conseqüência, o desaparecimento do objeto de estudo da Antropologia.

A RETOMADA DOS CAMINHOS

A Antropologia e os antropologistas não ficaram olhando o tempo pas-


sar. Pensaram e buscaram possíveis alternativas. Segundo LAPLANTINE
(2000), essas possibilidades seriam as seguintes:
1. Os especialistas da área de Antropologia aceitariam a morte da sua ciência
em função da perda do objeto de estudo e migrariam para ciências afins;
2. Procurariam, no âmbito da própria Antropologia, outras áreas de inves-
tigação. Neste caso o novo alvo de estudo seria o camponês europeu, que
passaria a ser tratado como o ‘primitivo’ no interior da civilização;
3. E, por último, aquela que tem sido a escolha da Antropologia até os
dias atuais: o estudo do “(...) homem inteiro (...) em todas as sociedades,
sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas”.
(LAPLANTINE, 2000, p. 16).
Está claro para mim, e espero que também esteja para você, que a
primeira opção não foi a mais referendada, e que a terceira, pelo fato de não
excluir a segunda, mas, sobretudo, por ser a que mais atendia aos interesses
de um conhecimento com validade científica, foi a que predominou e deter-
minou os novos parâmetros do conhecimento antropológico nas primeiras
décadas do século XX. Contudo, apesar de necessário e imprescindível, o
novo caminho não foi desprovido de dificuldades. Os obstáculos tiveram
que ser removidos no curso da própria caminhada.
O aluno envolvido com a leitura da aula começa a se inquietar e per-
gunta: “Mas e o que é esse homem inteiro? Ele é inteiro em que sentido?”
É até possível que especulações possam acontecer, como, por exemplo,
que o homem inteiro seria formado por cabeça, tronco e membros. Antes
que isso ocorra é preciso então explicar a questão. O homem inteiro pen-
sado pela Antropologia não se refere à extensão do corpo biológico, mas à
multiplicidade de fenômenos vivenciados por ele no interior da sociedade
da qual faz parte.
Entendeu a Antropologia naquela oportunidade que a análise
antropológica só poderia ser considerada como tal se levasse em con-
sideração as múltiplas dimensões do homem no seu cotidiano em socie-
dade. Isto é, as dimensões biológica, lingüística, psicológica, cultural e

18
Antropologia: construção e dificuldades
Aula

social. Essa definição de homem inteiro criou limitações ao antropologista,


exigindo da sua prática um conhecimento bastante erudito, sob pena de
subtrair eficácia do seu trabalho.
2
Esse especialista precisaria, nessa perspectiva, ser profundo conhecedor
de todas essas dimensões. Construindo-se, então, uma Antropologia para
cada uma dessas possibilidades: Antropologia biológica, Antropologia psi-
cológica, Antropologia da lingüística, Antropologia cultural e Antropologia
social. A Antropologia fugia, dessa forma, dos caminhos da especialização
e enveredava pelos caminhos da erudição. O antropólogo do final do sé-
culo XIX e das primeiras décadas do século XX tornava-se um erudito em
função as exigências da própria ciência em clara oposição ao espírito do
final do século XIX, marcado pela especialização.

ATIVIDADES

Continuando no esforço de utilização da memória e da capacidade de


interpretação, trabalhe as seguintes questões:
A escolha do objeto de estudo da Antropologia não obedeceu a cri-
térios epistemológicos. Defina epistemologia, construção epistemológica
e explique os critérios da Antropologia quando definiu, ainda no século
XIX, o seu objeto de estudo.
O homem primitivo como objeto de estudo gerou uma grande dificul-
dade à prática antropológica. Apresente essa dificuldade e explique a forma
encontrada pela antropologia para sua superação.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Ao longo da aula afirmei que a epistemologia preocupa-se


fundamentalmente com o processo de construção dos métodos, das
técnicas e das teorias de um dado conhecimento. Afirmei ainda que a
Antropologia, nos seus primórdios, escolheu o seu objeto de estudo
a partir das conveniências do seu momento histórico. O homem
primitivo ao ser escolhido como objeto de estudo já tinha hora marcada
para desaparecer, obrigando os especialistas à busca, agora de forma
epistemológica, de um objeto mais condizente com a própria natureza
de um conhecimento científico.

19
Antropologia I

CONCLUSÃO

Os caminhos e descaminhos do processo de construção da Antro-


pologia implicaram, obrigatoriamente, a definição, agora de forma episte-
mológica, do objeto de estudo e do arcabouço teórico-metodológico. Os
erros e os acertos dos primeiros antropologistas estavam compatíveis com
os preceitos predominantes às suas respectivas épocas. Esses caminhos
e descaminhos precisam estar bem claros para que se tenha um melhor
entendimento das aulas seguintes, portanto, desenvolva com cuidado as
atividades desta aula.

RESUMO

Nesta aula apresentei ao aluno ou aluna de Antropologia aspectos


importantes no processo de construção da ciência. Foi visto, por exemplo,
que a escolha do objeto de estudo a partir da conveniência do tempo e
do espaço, em detrimento de uma abordagem epistemológica mais con-
sistente, causou entraves no percurso. Foi preciso, para que houvesse por
parte do aluno uma melhor compreensão da aula, a definição do que seja
epistemologia e uma construção epistemológica.
O processo civilizatório apareceu nesta aula como o instrumento que
dizimaria o nativo do antropologista, fazendo, dessa forma, desaparecer
o objeto e a própria ciência. Apresentei, também, que a ciência escolheu,
agora através de consistência epistemológica, o homem inteiro como ob-
jeto de estudo. Esse homem inteiro em todos os tempos e em todos os
lugares e, sobretudo, nas suas múltiplas dimensões. Essa escolha gerou a
necessidade de certa erudição por parte dos estudiosos de Antropologia,
proporcionando o surgimento das antropologias biológica, psicológica,
lingüística, cultural e social.

AUTOAVALIAÇÃO

Será que eu aprendi, ao estudar esta aula, os caminhos e descaminhos


da construção da Antropologia?

20
Antropologia: construção e dificuldades
Aula

REFERÊNCIA 2
CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylon e
Frazer. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MARCONI, Marina de Andrade e PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antro-
pologia: uma Introdução. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2001.

21
Aula

3
ANTROPOLOGIA E A SUA
PRÉ-HISTÓRIA

META
Apresentar cronologicamente os conteúdos do processo de construção da
Antropologia.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
identificar e compreender a importância dos pioneiros na construção da Antropologia.

PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os principais objetivos da Antropologia e, principalmente, o seu objeto de
estudo; Conhecer e interpretar o conceito de homem total no âmbito da antropologia.

(Fonte: http://sergivs.blogs.sapo.pt).
Antropologia I

INTRODUÇÃO

A preocupação principal nas duas primeiras aulas foi a de encaminhar


o aluno ao conhecimento dos primeiros passos no processo de construção
Retrospectiva
da antropologia: definição do conceito de antropologia; definição do objeto
Reconstrução histórica de estudo – o homem primitivo e depois o homem total. Espero que você
de determinado fenô- esteja acompanhando e gostando das aulas e que esteja gostando, sobre-
meno sócio-cultural; tudo, do conteúdo.
Nesta aula, utilizando ainda o conteúdo apresentado por LAPLAN-
Contemporâneas TINE (2000), farei uma retrospectiva dos passos da Antropologia quando
Acontecimento históri-
ainda não era Antropologia. Isto é, levarei ao seu conhecimento as informa-
co do presente ou de ções a respeito das primeiras tentativas mais contemporâneas de explica-
tempos próximos ao ção sobre o homem, sem desprezar informações importantes construídas
presente; em períodos anteriores. O fundamental é que você possa compreender de
que forma os pensadores construíram as suas teses a respeito do homem,
sempre pensando essas teses como parte de um grande movimento em
direção ao pensar antropológico.

(Fonte: http://www.fundacaocultural.ba.gov.br).

24
Antropologia e a sua pré-história
Aula

ALTERIDADE 3
O homem sempre esteve preocupado em decifrar os enig mas da sua
existência. Respostas mitológicas, filosóficas e religiosas foram sendo acu-
muladas ao longo da história. Mesmo que hoje a ciência considere que essas
respostas estão defasadas ou simplesmente que não atendem aos critérios
de cientificidade, é possível afirmar que foram momentos importantes e que
contribuíram para pressionar o homem pela busca incessante das respostas
ainda não construídas.
A partir do século XVI, com o movimento das Grandes Navegações
– foi propocionada a descoberta de novos mundos e, por conseguinte, de
novos povos. O homem europeu foi obrigado ao confronto visual, con-
statando uma profunda diferença entre eles e os habitantes dessas regiões.
Os antropólogos, segundo LAPLANTINE (2000), chamariam essa con-
statação de confronto com a alteridade, ou seja, o outro é outro porque Alteridade
é diferente em relação ao que observa.
A pergunta colocada naquela oportunidade aos colonizadores foi a A constatação da
seguinte: “aqueles que acabaram de ser descobertos pertencem à humani- diferença entre po-
vos.
dade?” (LAPLANTINE, 2000, p.37). A grande questão naquela oportuni-
dade e até no século seguinte, fruto da avaliação etnocêntrica dos europeus, Selvagem
foi estabelecer o estatuto de humanidade do nativo dos novos mundos
a partir dos preceitos religiosos: diziam os europeus que a definição de Os nativos da Améri-
homem estava presa à existência ou não de alma. Se tiver alma é humano. ca, mas também de
Se não tem alma não é humano. Aqui, neste momento histórico, o nativo outros continentes,
foram tratados pelos
não era o homem primitivo do início da Antropologia e nem muito menos
colonizadores como
o homem total da sua fase posterior. O nativo dos colonizadores era tratado selvagens porque
como selvagem. eram considerados
No interior dessa discussão os colonizadores, mas também estudio- muito próximos dos
sos e sacerdotes, construíram duas ideologias que se destacaram naquele animais.
período: a primeira tratava o nativo como bom e o civilizado como mau;
e a segunda considerava o nativo como mau e o civilizado com bom. Ou,
para ser bem fiel ao texto de (LAPLANTINE, 2000, p. 40-46), “a figura
do bom selvagem e do mau civilizado; e a figura do mau selvagem e do
bom civilizado.” Convido você, aluno ou aluna, ao entendimento dessas
duas ideologias construídas no curso da colonização dos europeus, princi-
palmente no Continente Americano.
No ardor das disputas, cada lado expôs os seus argumentos. Os que
defendiam que o selvagem era bom, afirmavam, numa clara relação român-
tica com a natureza, que esses indivíduos eram bons porque estavam muito
próximos do estado selvagem, portanto, veja você, consideravam que o
homem nativo ainda não havia sido contaminado pelos males da civiliza-
ção. Espero que o entendimento dessa relação esteja acontecendo: estar
próximo da natureza significava ser bom em virtude das influências boas

25
Antropologia I

recebidas; estar próximo da civilização significava ser mau em virtude da


contaminação com as suas mazelas.
Por outro lado, diziam os defensores da ideologia do mau selvagem,
que estes eram maus por não possuírem cultura, leis, religião, estado, moral,
etc. Já o civilizado era bom exatamente porque possuía essas qualidades.
É claro que as duas ideologias estavam completamente erradas. Mas por
que elas estavam erradas? Você, lendo esta aula, deve estar se perguntando.
Tentarei explicar os equívocos dessas duas visões.
Um ponto importante a ser destacado refere-se ao fato de as duas
ideologias definirem os estados de bom ou de mau a partir da proximidade
do nativo com a natureza; ou os estados de bom ou de mau a partir da
proximidade do europeu com a civilização. Veja o seguinte: o nativo na
primeira ideologia foi tratado como bom por estar muito próximo da na-
tureza. Não foram as suas regras sociais, suas práticas culturais ou os seus
conhecimentos tecnológicos que serviram para a definição de ser bom, mas
apenas o grau de proximidade com a natureza. Por outro lado, o estado de
ser mau também estava relacionado com a proximidade: o nativo é mau
porque não tem cultura, não tem religião, não tem estado e até moral. E por
que não tem todas essas características? Não tem por estar muito próximo
à natureza, compartilhando, dessa forma, todas as práticas consideradas
pelos europeus como assimiladas aos animais.
A partir das explicações acima se pode concluir que os defensores das
duas ideologias naturalizavam o nativo, tornando-o um ser dependente dos
benefícios ou malefícios que a natureza pudesse oferecer: mau e bom era o
resultado da proximidade e das influências recebidas – positivas ou negativas.
É possível utilizar os mesmos argumentos para a definição dos estados
de mau e de bom para o homem civilizado: a proximidade, segundo aqueles
pensadores, causava influências negativas ou positivas. O civilizado era bom
porque a civilização tinha oferecido qualidades especiais que o colocava em
patamares de superioridade – religião, cultura, estado, ordem, lei, moral etc..
Enquanto do outro lado, o civilizado era tratado como mau porque essa
mesma civilização o contaminara com as suas presumíveis mazelas.
Espero que você esteja compreendendo que o ter ou não ter cultura,
religião, estado, lei, ordem e moral era fruto da visão etnocêntrica do euro-
peu. Nessa visão, o europeu olhava para si mesmo e todo aquele que não
correspondesse aos seus padrões, por terem práticas diferentes, era con-
siderado como se não tivesse todas essas características. O etnocentrismo
olha o outro e almeja que ele tenha as suas próprias características, como
isso é impossível, o outro é percebido como desprovido de tudo.
Outro ponto importante, naquilo que eu estou chamando de pré-
história da antropologia, são as narrativas escritas por viajantes, militares, sac-
erdotes e administradores, todas durante o período colonial, a respeito dos
nativos dos novos mundos. Apresentarei essas informações para que você

26
Antropologia e a sua pré-história
Aula

(Fonte: www.bp0.blogger.com).

possa, nas aulas seguintes, diferenciar a narrativa do homem comum para


uma narrativa do pesquisador fundamentado em informações científicas.
Os narradores do período colonial não dispunham do aparato técnico-
científico e nem estavam interessados nesse tipo de produção, portanto,
os personagens e fatos apresentados eram o resultado das preocupações
próximas dos seus cotidianos. Isto é, os sacerdotes estavam preocupados
com os aspectos religiosos; os militares estavam preocupados com os as-
pectos militares e os interesses da metrópole; e os administradores também
envolvidos com os interesses mais particulares. Todos, nessa perspectiva,
trabalhavam os seus escritos muito mais preocupados com a relação do
homem com a natureza do que propriamente com critérios que pudessem
melhorar a qualidade da informação apresentada.
O volume dos relatos desses viajantes é significativo e representou
uma contribuição importante na reconstituição histórica desses perso-
nagens, contudo, em virtude da ausência de critérios mais técnicos, os
resultados precisam de cuidados especiais para sua utilização na preparação
de trabalhos antropológicos.
Alguns exemplos podem ser apresentados para melhorar a sua com-
preensão: o religioso no contato com o nativo – é bom lembrar que nesse
momento histórico, o colonial, esse nativo era tratado como selvagem
– construiu uma gigantesca diversidade de narrativas, abordando todos
os aspectos das suas vidas cotidianas. Contu do, a forma de construir a
narrativa era marcadamente religiosa, tendo em vista que a preocupação
era religiosa; o administrador ao fazer a narrativa sobre a vida dos nativos

27
Antropologia I

estava preocupado com as dificuldades próprias da sua função, perdendo,


conseqüentemente, aspectos fundamentais para boa análise da vida social
e cultural desses povos.
Eu citei apenas dois exemplos, mas poderia ter citado muitos mais,
para mostrar que os dados construídos pelos religiosos, militares, admi-
nistradores e outros foram importantes, na medida em que apresentavam
informações sociais e culturais dos povos nativos, mas limitados do ponto
de vista da análise antropológica. Essas limitações só foram superadas, a
partir do século XIX, com o surgimento da Antropologia e a construção
do aparato teórico-metodológico necessários para as análises pretendidas.

Taieira: dança folclórica (Fonte: http://www.overmundo.com.br).

ATIVIDADES

É preciso lembrar e compreender:


1. Na pré-história da Antropologia o Movimento das Grandes Navegações
foi importante? Qual a contribuição do Movimento das Grandes Navega-
ções para a pré-história da Antropologia?
2. Explique a relação entre o contato do colonizador com o nativo do Novo
Mundo e a construção das ideologias sobre o bom e o mau selvagem.
3. O contato do colonizador com o nativo gerou a figura dos viajantes
(militares, religiosos, administradores) que escreveram a respeito das suas
histórias. Explique por que essas histórias não tinham validade científica.

28
Antropologia e a sua pré-história
Aula

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES


3
O Movimento das Grandes Navegações impulsionou as economias
européias e fortaleceu politicamente essas nações. As descobertas
obrigaram os europeus aos contatos, ou, pelo menos, a intensificação
dos mesmos com nativos de cada região, favorecendo o aparecimento
de conceituações e de ideologias, tais como, o conceito de selvagem,
ao se referir aos nativos e, por conta dessa conceituação, a construção
das ideologias que tratavam os nativos e europeus como bons ou como
maus a partir da maior ou menor proximidade com os seus espaços
geográficos.

CONCLUSÃO

Apré-história da Antropologia apresentada nesta aula des tacou alguns


pontos importantes: primeiro, a colonização dos novos mundos intensificou
o contato com a alteridade – diferença -, gerando debates e novas ideologias,
ampliando as necessidades de busca para o pleno conhecimento do outro;
segundo, o colonizador, o religioso, o militar, o administrador ou qualquer
outro tipo de viajante foram importantes narradores dos cotidianos desses
povos, contribuindo com informações da cultura e da sociedade; e, terceiro,
mesmo considerando importantes essas narrativas, reconhece-se também
a precariedade das mesmas do ponto de vista da validade científica.

RESUMO

Nesta aula foi possível perceber parte do caminho da construção da


Antropologia chamada de Pré-história da Antropologia. O Movimento das
Grandes Navegações e as descobertas dos novos mundos permitiram a in-
tensificação do contato com povos diferentes, tratados pelos europeus como
selvagens, porque havia a compreensão, naquela oportunidade, de que os
nativos se assemelhavam aos animais e porque estavam muito próximos da
natureza. O contato e a colonização geraram a construção de intenso debate,
formador de duas ideologias: a do bom selvagem e do mau civilizado; e a
do mau selvagem e do bom civilizado. A aula proporcionou ainda conhecer
a importância daqueles que construíram narrativas importantes a respeito
dos nativos, mesmo reconhecendo que essas narrativas eram desprovidas
de fundamentação científica. Destaco, no entanto, que a caminhada está
apenas no início, mas desafio você a intensificar o interesse pelas paisagens
que ainda se apresentarão.

29
Antropologia I

AUTOAVALIAÇÃO

Entendi os principais objetivos da Antropologia?


Sei definir o conceito de homem total?

REFERÊNCIA

CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylon e


Frazer. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MARCONI, Marina de Andrade ; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antro-
pologia: Uma introdução. São Paulo: Editora Atlas, 2001.

30
Antropologia e o conceito de cultura
Aula

4
ANTROPOLOGIA E O
CONCEITO DE CULTURA

META
Apresentar a importância do conceito de cultura no âmbito da construção da
Antropologia.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
identificar os diversos conceitos de cultura relacionar os conceitos de cultura com a
caminhada epistemológica da Antropologia.

PRÉ-REQUISITOS
O aluno precisa estar familiarizado com a disciplina antropologia, a sua definição, o
seu objeto de estudo e os seus objetivos.

(Fonte: http://www.monitoresantropologia.blogspot.com).

31
Antropologia I

INTRODUÇÃO

A construção da antropologia enquanto ciência se confunde com o


processo de construção do conceito de cultura. Antropologia e cultura,
portanto, fazem parte de uma mesma caminhada. Nesta aula apresentarei
a genealogia do conceito de cultura relacionando-a com o processo de con-
strução da ciência antropológica e evidenciando a importância do conceito
no âmbito da antropologia.

http://www.revistaportal.com.br

32
Antropologia e o conceito de cultura
Aula

CULTURA

Meu caro aluno, a aula de hoje marca o início de uma nova etapa na
4
caminhada sobre o universo do conhecimento antropológico. Nas aulas
anteriores, tenho certeza de que você apreendeu que a antropologia é a
ciência que estuda o homem. Mas não é o homem dessa ou daquela região
ou dessa ou daquela época, é o homem total, ou seja, a antropologia está
preocupada em compreendê-lo como parte efetiva de todo o processo de
construção da cultura. Esta e as aulas seguintes destacarão a importância
da cultura, como também a importância da definição do conceito ao longo
da história da ciência antropológica.
Vivian Schelling, em seu livro A presença do povo na cultura brasileira,
afirma que “(...) ao discutir a natureza da cultura, é necessário começar pela
gênese do termo cultura, pela qual ela se constitui como um tipo de fato
específico.”(SCHELLING,1990, p.21). Segundo a autora a elucidação do Elucidação
conceito de cultura é de alta complexidade, em virtude da própria com-
plexidade da construção do conceito. Schelling diz ainda que o processo Esclarecer deter-
de construção do conceito se configura como um fato cultural, na medida minado fato ou
em que envolveu, em locais e épocas distintas, personagens – estudiosos qualquer fenô-
meno.
de uma maneira geral – preocupados com melhores esclarecimentos a
respeito do tema.
A origem do processo remonta ao século XVII e XVIII e tem a ver
com o conceito de civilização, com o Iluminismo e com as idéias de pro-
gresso que ali predominaram. Pensar cultura, portanto, era o mesmo que
pensar em civilização e quando os estudiosos utilizavam esses dois conceitos
estavam, obrigatoriamente, pensando em progresso. Veja qual era a lógica
dessa forma de pensar: se cultura é a mesma coisa que civilização; e se civi-
lização refere-se à idéia de progresso; ter cultura, portanto, significava que
um determinado grupo tinha alcançado o progresso, segundo princípios
estabelecidos pela sociedade que tinha o domínio político, no caso especí-
fico, a sociedade européia.
Ora, é preciso não perder de vista que as idéias iluministas pregavam
o progresso e que esse progresso provocaria a melhoria das condições de
vida do homem – pelo menos era isso que pensavam os intelectuais da
época. Em outras palavras, a civilização européia, em virtude dos avanços
tecnológicos, do crescimento econômico e da organização política, levaria o
homem europeu a um patamar de qualidade de vida inigualável. Nesse caso,
pensar em civilização ou em cultura era o mesmo que pensar na melhoria
da qualidade material e espiritual na vida do homem.
Contudo, os homens comuns, mas sobretudo o homem intelectual,
começaram a perceber que as coisas não estavam caminhando como eles
imaginaram. O progresso estava acontecendo, mas as condições de vida
continuavam ruins e em muitas situações estavam piorando. Quem conhece

33
Antropologia I

um pouco de história sabe que os trabalhadores da primeira Revolução


Industrial eram explorados e trabalhavam em condições insalubres, que
geraram a morte de milhares de homens e de mulheres, inclusive de crianças
e de velhos. O desencanto tomou conta de todos.
Os intelectuais perceberam que o progresso era apenas para uma parte
da população – a menor parte – não sendo, portanto, compatível manter a
Convergência
convergência entre os dois conceitos: cultura e civilização. Dessa forma,
Tender a derigir- se cultura e civilização foram, gradativamente, se afastando. O conceito de
para o mesmo ponto. cultura passou então a ser repensado, não mais como civilização, mas como
produto obrigatoriamente ligado ao homem que faz a cultura e, principal-
mente, por ser esse homem membro da comunidade.
Estabeleceu-se no século XIX uma nova aliança conceitual: cultura e
comunidade. Se nos séculos XVII e XVIII a aliança civilização e cultura
pensava na humanidade no sentido bem geral e a partir das idéias ilumini-
stas de progresso, no século XIX a aliança cultura e comunidade pensava
o homem na comunidade. Assim sendo, a trajetória do conceito deixou o
universo geral da humanidade e passou a pensar o homem e a sua cultura
local. Espero que você esteja percebendo que não era o homem que era
pensado no interior da cultura.
Essa mudança foi fundamental para o processo de construção do
conceito de cultura. Deixar de pensar a cultura como civilização ou como
mero componente da humanidade geral e passar a pensá-la como parte
da comunidade e o homem, no interior dessa comunidade, como parte da
dinâmica de sua construção, levou os estudiosos do século XIX, agora já
com a presença dos primeiros antropólogos, a pensarem-na na perspectiva
do homem como seu construtor.
É preciso esclarecer melhor essa mudança. Nos séculos XVII e XVIII
o conceito de cultura estava em convergência com o conceito de civilização
e o homem, na qualidade de construtor cultural, estava diluído no interior
dessa convergência. Em outras palavras, nem o homem e nem a cultura
Edward Tylor do grupo apareciam, na medida em que o importante era o caráter geral
de humanidade. Com a mudança, homem e cultura local passaram a ter
Antropólogo britâni-
co (1832-1917). importância, reconhecendo-se o destaque necessário nos estudos posteri-
Considerado o pai do ores. É possível afirmar que esse foi o começo da construção do conceito
conceito moderno de antropológico de cultura.
cultura, Tylor filia-se Quem primeiro conseguiu sintetizar esse momento foi Edward Tylor,
à escola evolucionis- no livro Primitive Culture (1871), quando, sendo fiel ao novo contexto,
ta. Sua principal obra
afirma a cultura como o resultado de comportamentos apreendidos, res-
é Primitive Culture
(1871) saltando a inexistência de qualquer ligação do fenômeno com a genética
dos indivíduos. Outra afirmação importante de Tylor, contida no mesmo
livro, é a de que a cultura é um fenômeno natural, podendo, dessa forma,
ser objeto de estudos científicos. Veja a seguir o conceito em Tylor: “(...)
tomado em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhe-

34
Antropologia e o conceito de cultura
Aula

cimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade


ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.
(apud LARAIA, 2002, p. 25).
4
A síntese produzida por Tylor foi importante na caminhada do con-
ceito. Por que foi importante? Por dois aspectos fundamentais: primeiro,
por confirmar o homem como produtor de cultura e segundo, por negar
a genética como transmissora de cultura. O primeiro aspecto foi funda- Desmistificar
mental na medida em que inseriu o homem definitivamente no processo
de construção. Se no período anterior a predominância era do caráter mais Denunciar um
geral, ou seja, a humanidade; agora, com a contribuição da antropologia, erro ou en-
gano.
o homem passou a ter destaque, sendo ele próprio o produtor de cultura.
O outro fator também foi fundamental por desmistificar a idéia de que
a cultura era transmitida geneticamente.
Contudo, apesar dos avanços que o novo conceito representou, nele
estava inserida a idéia de que a cultura era fenômeno
semelhante a todos os fenômenos da natureza, po-
dendo assim ser estudada de forma científica. Por
que Tylor tinha essa compreensão? Argumentava
esse antropólogo que a cultura tinha causas e regu-
laridades, caberia então à antropologia, utilizando-
se de métodos vinculados às ciências da natureza,
estudar esses fenômenos. A estratégia pode até
parecer simples: se os fenômenos culturais são
iguais aos fenômenos da natureza por terem causas
e regularidades, o método a ser aplicado nas duas
situações deveria ser o mesmo. Acontece, porém,
que os objetos de estudos das duas áreas são de
natureza distinta, ou seja, na natureza os objetos
são distanciados do pesquisador – pesquisador e
objeto não têm qualquer proximidade. Enquanto
que nos estudos antropológicos o objeto de pesquisa
e o pesquisador é o próprio homem, não podendo,
portanto, serem utilizados os mesmos métodos das ciências da natureza.
Esse complicador na estratégia dos primeiros antropologistas não foi re-
solvido de maneira fácil. É até possível afirmar que essa problemática não
foi resolvida definitivamente ao longo de toda a história da antropologia.
A principal pergunta ao longo da caminhada foi sempre a mesma: como
pode a antropologia ter o estatuto de ciência se o seu objeto confunde-se,
todo o tempo, com o pesquisador?
É importante esclarecer, contudo, que esses obstáculos metodológicos
não impediram a caminhada da antropologia. Os estudiosos da área se cer-
caram de maior consistência teórica e metodológica para continuar o estudo

35
Antropologia I

dos fenômenos culturais, mas ressalte-se: a relação do pesquisador com o


seu objeto não foi e não tem sido isenta de dificuldades. Qual a confusão
presente nessa relação?
A questão básica é a seguinte: o pesquisador de antropologia ao de-
senvolver a sua pesquisa tem pela frente a gigantesca tarefa de tornar-se
neutro, ou seja, despir-se dos seus valores culturais para que os mesmos não
interfiram nos seus resultados. Darei um exemplo dessa problemática: um
pesquisador praticante de uma determinada religião resolve realizar pesquisa
sobre a mesma. Para que o resultado seja de neutralidade científica o pesqui-
Alfredo Kroeber sador precisa abandonar os seus valores, para que eles não influenciem nas
suas análises. Fica claro que nenhum pesquisador pode, ao sair para realizar
Antropólogo pesquisa, abandonar ou trancar no armário os seus valores culturais, dessa
norte-americano
forma, a pretensa neutralidade científica passa a ser um mito em termos
(1876-1960). estu-
dou antropologia de pesquisa antropológica.
com Franz Boas e Nessa caminhada muitos outros autores foram incorporando contri-
em 1901 apresen- buições à síntese produzida por Tylor. Desses destaco dois para não alongar
tou tese sobre o muito esta aula: Alfredo Kroeber (1876-1960) e Clifford Geertz (1926-
simbolismo deco- 2006). O primeiro teve o mérito de aprofundar o debate sobre a presumível
rativo dos Araha-
influência do orgânico sobre a produção da cultura. Em seu artigo “O
po, tribo indígena
de Montana superorgânico” mostrou que o homem é o resultado do seu fazer cultural
e que, graças a essa capacidade, o homem distanciou-se dos outros animais.
Clifford James Geertz, falecido em 2006, inovou ao considerar a cul-
tura como “estrutura de significado socialmente estabelecida”. Defendeu
ainda que a cultura era constituída por “sistemas entrelaçados de signos
interpretáveis”. (apud SCHELLING, 1990, p.29). Qual a novidade do con-
ceito e qual a relação desse conceito com a pesquisa antropológica? Neste
conceito Geertz considerou a cultura como discurso e discurso possível
de ser interpretado. Isto é, na prática, esse antropologista americano estava
desobrigando a antropologia de atuar atrelada aos métodos e às técnicas
vinculados às ciências da natureza, na medida em que atribuiu a essa ciên-
Clifford Geertz cia o trabalho de interpretar os discursos contidos nas práticas culturais.
Nesse sentido, a antropologia continuava na busca do estatuto de ciência,
Antropólogo norte- só que agora não mais preocupada em utilizar métodos de outras áreas do
americano (1926- conhecimento, mas preocupada em interpretar os fenômenos culturais.
2006). Considerado o
fundador de uma das
vertentes da antropo-
logia contemporânea
- a chamada Antro-
pologia Hermenêu-
tica ou Interpretativa.

36
Antropologia e o conceito de cultura
Aula

ATIVIDADES

1. O conceito de cultura alcança destaque numa relação de convergência


com o conceito de civilização. Tente demonstrar como, no interior dessa
relação, o homem como fazedor de cultura não aparecia.
2. Cultura como conceito antropológico afirma a supremacia do homem
como fazedor de cultura. Explique a importância dessa nova definição de
cultura.
3. No final desta aula apresentei a cultura como um entrelaçado de signos
e de significados possível de ser interpretado. Por que esse novo conceito
de cultura contribuiu para desatrelar a Antropologia dos métodos e das
técnicas ligados às ciências da natureza?

37
Antropologia I

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

A convergência entre os conceitos de cultura e de civilização


evidenciava o caráter geral do pensamento nos séculos
XVII e XVIII, onde a humanidade se destacava e o homem
era subtraído. Os intelectuais daquela época pensavam a
humanidade e a civilização e excluíam o homem e a cultura
local como partes importantes da sociedade. A seqüência
da gênese do conceito de cultura mostrou uma mudança
significativa: o homem e a comunidade assumem destaque,
assegurando a importância desse homem como fazedor de
cultura. Nesses dois conceitos ainda prevalecia a prática
metodológica que vinculava a Antropologia aos métodos
das ciências da natureza. Foi necessário definir cultura como
estrutura de signos e de significados passível de interpretação
para que se pudesse pensar a Antropologia sem as amarras
do cientificismo que predominou durante o século XIX e
parte do século XX.

REFERÊNCIA

CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan,


Tylon e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo:
Brasiliense, 2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MARCONI, Marina de Andrade ; PRESOTTO, Zélia Maria
Neves. Antropologia: Uma introdução. São Paulo: Editora
Atlas S. A., 2001.
SCHELLING, Vivian. A presença do povo na cultura brasilei-
ra. Campinas (SP): Editora da UNICAMP, 1990.

38
Aula

ANTROPOLOGIA E OS PRINCIPAIS
5
CONCEITOS

META
Apresentar os diversos conceitos da Antropologia.

OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
conhecer e relacionar os principais conceitos da Antropologia com os fenômenos culturais.

PRÉ-REQUISITOS
Conhecer a definição de Antropologia, o seu objeto e objetivos, bem como a relação entre o conceito
de cultura e o processo de construção da prática Antropológica.
Antropologia I

INTRODUÇÃO

Pretérita
Apresentei na aula pretérita que uma ciência é constituída em função
da definição clara do seu objeto de estudo, mas, sobretudo, em função
Passada. da construção dos métodos, das técnicas e do arcabouço teórico para o
desenvolvimento da pesquisa. Com a Antropologia não foi diferente. Foi
Arcabouço teórico necessário definir objeto e objetivos e a construção dos principais con-
ceitos para uma prática pretendida como científica. Nesta aula mostrarei
Conjunto de concei-
tos e de categorias
os principais conceitos desenvolvidos pela Antropologia, os quais foram
de uma determinada fundamentais no processo de construção dessa ciência.
ciência.

40
Antropologia e os principais conceitos
Aula

TEORIA 5
O objeto de estudo da Antropologia é o homem total, em todos os
lugares e em todas as épocas, estudado na perspectiva das suas interações
sociais e culturais. Estudar o homem dessa forma implica percebê-lo no
interior da sociedade como construtor de cultura. Mesmo que a Antropo-
logia tenha contribuído para mudar a visão do homem sobre o homem,
ainda assim, na segunda metade do século XIX esse homem total era visto
como primitivo, ou seja, como o ancestral do homem europeu e sempre Ancestral
na condição de ser inferior. Aquele que viveu
O grande passo da Antropologia naquele período foi o de superar antes do presente.
a dicotomia homem civilizado versus homem primitivo. Essa dicotomia
implicava, obrigatoriamente, na prática daquilo que ficou denominado
de etnocentrismo. É bom que se destaque que as práticas etnocêntricas
não foram exclusivas da Antropologia do século XIX ou dos europeus de
uma maneira geral. Essa visão fez e ainda faz parte do cotidiano dos seres
humanos.
Tentarei, por meio de exemplos, melhor esclarecer esse conceito. Já
está claro que o etnocentrismo fundamenta-se na idéia de que um indivíduo
ou grupo de indivíduos olha o outro como se este fosse inferior. O exem-
plo apresentado se refere ao europeu, homem comum ou pesquisador da
Antropologia, que olhava o nativo dos outros continentes atribuindo-lhe
qualidades inferiores. Por que eram tratados como inferiores? Na verdade
o europeu avaliava o outro a partir das suas próprias características, ou
seja, o outro, na perspectiva do olhar etnocêntrico, tinha que apresentar os
mesmos padrões culturais da sociedade européia. Na medida em que isso
não acontecia, era então considerado inferior.
Os manuais de Antropologia – todos constantes na bibliografia desta
aula - apresentam exemplos que são muito ilustrativos para o tema em
discussão. Em um desses manuais, conta o seu autor que, durante o movi-
mento de neocolonização européia e american no Continente Africano,
uma mulher inglesa, trajando roupa característica do seu país, viajava em
trem freqüentado por brancos e por negros. Em determinado momento
da viagem, em uma das paradas, entrou uma mulher negra, completamente
nua. A mulher inglesa, preocupada com a nudez da mulher negra, ofereceu-
lhe o seu xale, que foi imediatamente aceito. Contudo, para desespero da
doadora, o xale foi transformado em turbante e colocado sobre a cabeça,
mantendo-se integralmente a nudez.
A compreensão da história é a seguinte: a mulher inglesa ao perceber a
mulher negra e a sua completa nudez, viu-a completamente fora dos padrões
de cultura. Só que esses padrões de cultura relacionavam-se aos padrões da
cultura inglesa. Queria, portanto, a mulher inglesa, ao oferecer o seu xale,
que a mulher negra cobrisse a sua nudez incorporando o seu padrão de

41
Antropologia I

cultura. Contudo, para espanto da inglesa, a africana transformou o xale


em turbante e o colocou sobre a cabeça. O espanto da inglesa corresponde
a um comportamento etnocêntrico, ou seja, almejar que o outro – no caso
aqui, a mulher africana – adotasse o seu comportamento de
cultura. Esse tipo de comportamento a Antropologia deno-
mina de etnocentrismo.
Outro exemplo que clareia muito bem essa questão al-
cança o lado oposto dessa relação entre civilizado e nativo,
para mostrar que o etnocentrismo tem caráter universal.
Quando os portugueses chegaram ao Brasil trataram os
nativos – os nossos índios – com crueldade, fruto da visão
etnocêntrica que tinham sobre eles.
Os nossos índios também não deixaram por menos e
também tinham comportamentos etnocêntricos em relação
ao branco português. Conta o narrador que um determinado
grupo de nativos do território brasileiro matava o branco e
o colocava dentro da água. Afirmavam então os nativos: se
não apodrecer não é gente. O entendimento etnocêntrico
do indígena brasileiro era semelhante ao do português ou de
qualquer outro europeu, imaginava ele que todos os “outros”, por serem
diferentes, não podiam ser considerados como gente. Dessa forma, era
preciso tirar a prova dos nove: matá-lo, colocá-lo dentro da água e esperar
para ver se apodrecia ou não. O outro, como não era ele próprio em função
dos padrões culturais diferentes, não poderia ser considerado como gente.
Comportamento etnocêntrico igual ao exemplo apresentado na história da
mulher inglesa e da mulher africana.
A Antropologia também adotou comportamento etnocêntrico ao tratar
o nativo, objeto dos seus estudos, na qualidade de primitivo. Contudo, um
antropólogo alemão e radicado nos Estados Unidos, Franz Boas, contribuiu
firmemente para mudar esse cenário. Como aconteceu essa mudança? Esse
antropólogo, ao fazer a crítica aos antropólogos evolucionistas, rompeu
Franz Boas com a idéia de cultura humana ou cultura da humanidade como um todo
homogêneo. Franz Boas entendeu que a cultura do homem só poderia ser
Antropólogo ger- interpretada na perspectiva da cultura local. Isto é, cada grupo tem uma
mânico (1858-1942). cultura que é particular. Dessa forma, propunha “que um costume só tem
Seu trabalho contri-
significado se for relacionado ao contexto particular no qual se inscreve.”
buiu para firmar as
bases da antropologia (LAPLANTINE, 2000, p. 77-78).
como ciência. Formu- Essa mudança foi fundamental para o processo de substituição
lador do conceito de do conceito de etnocentrismo pelo conceito de relativismo na prática
etnocentrismo. Em antropológica. Veja o significado dessa mudança: o etnocentrismo de
sua obra se contrapôs indivíduos, de grupos ou da própria prática antropológica se pautou em
aos evolucionistas.
uma visão que não considerava o outro como parte do seu mundo, ou,
no máximo, o considerava integrante, mas em situação de inferioridade

42
Antropologia e os principais conceitos
Aula

– o outro era inferior porque não era igual àquele que lhe olhava.
A pesquisa antropológica mudou ao mudar as suas estratégias
metodológicas: o outro passou a ser visto na condição de fazedor de
5
cultura e essa cultura entendida a partir do contexto no qual estava
inserida. Isto é, a análise não acontecia mais em função dos padrões
do analista, mas em função dos padrões do próprio pesquisado. Veja
os exemplos abaixo para que a sua compreensão possa melhorar.
Povos aparentemente iguais geram costumes culturais diferentes: nor-
destinos, habitantes de estados vizinhos (Bahia e Sergipe, por exemplo), têm
costumes alimentares, vocabulários e regras morais bem diferentes, apesar
da proximidade geográfica. Os baianos da capital e do Recôncavo usam
quantidades grandes de dendê na produção dos seus alimentos, enquanto
os sergipanos, da capital ou do interior, não se utilizam desse ingrediente
alimentar. A análise dos contextos poderia concluir pela maior ou menor
influência da cultura negra ou em virtude da maior ou menor incidência da
palmeira geradora do fruto utilizado para a produção desse tipo de óleo, sem
que isso permitisse atribuir a um ou outro grupo os graus de superioridade
ou de inferioridade.
A relativização, nesse sentido, considera todas as culturas a partir dos
seus respectivos contextos, ressaltando a importância dos indivíduos e dos
grupos como genuínos produtores culturais. A prática relativista considera,
a princípio, que não há culturas superiores ou culturas inferiores. As cul-
turas são olhadas e analisadas em função dos seus ambientes sociais e as

43
Antropologia I

ATIVIDADES
necessárias interações no processo permanente de inventar e reinventar
costumes, normas, valores etc.
Você deve construir exemplos do seu contexto histórico que apresentem
características do etnocentrismo praticado pelos primeiros antropologistas,
como também práticas que demonstrem a capacidade de relativizar do
pesquisador.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

O etnocentrismo foi e continua sendo prática comum no cotidiano


das pessoas e dos grupos sociais. A prática é universal, utilizada por
povos considerados civilizados ou primitivos. A Antropologia, ao
nascer no século XIX, analisava o outro na perspectiva dos seus
próprios padrões culturais, concluindo pela existência de graus de
valores: alguns são superiores e aqueles que não fazem parte dos seus
costumes, foram avaliados como inferiores. A Antropologia mudou e
passou a compreender o outro a partir dos seus respectivos costumes,
anulando qualquer possibilidade da existência de superioridade ou
inferioridade nas relações culturais.

CONCLUSÃO

A caminhada da Antropologia no contexto das práticas científicas foi


marcada, de forma fundamental, pela passagem da prática etnocêntrica
para a análise que priorizou relativizar os valores culturais. Essa passagem
foi decisiva. Mesmo que hoje críticas sejam feitas ao relativismo, na me-
dida em que o considera limitador das exigências científicas, ainda assim
é possível concluir que esse conceito e mais o conceito de cultura são os
balizares da prática antropológica. Qualquer trabalho antropológico prima
pelo reconhecimento do outro e da sua cultura a partir do seu contexto sem
qualquer construção de juízo de valor sobre o outro. Fazer antropologia é,
obrigatoriamente, relativizar.

44
Antropologia e os principais conceitos
Aula

RESUMO 5
Esta aula ressaltou a importância do relativismo na prática
antropológica. Para chegar a esse conceito a Antropologia foi
obrigada a superar as práticas etnocêntricas do século XIX, dos
primeiros antropologistas, que ainda pensavam e analisavam o
homem e a sua cultura integrados a um todo homogêneo, ou seja, à
humanidade. Relativizar foi incorporado ao método antropológico
como premissa indispensável, mudando completamente a forma de
fazer Antropologia.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylon e


Frazer. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. Rio de Janeiro:
Brasiliense, 1996.
SANTOS, José Luis. O que é cultura. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1994.

45
Aula

ANTROPOLOGIA: LIMITES METODOLÓGICOS E A


6
RELAÇÃO COM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO

META
Apresentar os limites metodológicos e a relação entre Antropologia e outras áreas do conhecimento
no âmbito das Ciências Sociais.

OBJETIVOS
Ao final desta aula, o aluno deverá:
compreender os limites da pesquisa antropológica e a sua relação com as ciências afins.

PRÉ-REQUISITOS
Conhecer a definição de Antropologia, o seu objeto e objetivos; a relação entre o conceito de cultura e
o processo de construção da prática antropológica; como também os principais conceitos construídos
ao longo da primeira etapa da ciência.

(Fonte: www.revistaportal.com.br).
Antropologia I

INTRODUÇÃO

As aulas anteriores demarcaram as principais definições d a


Panacéia
prática antropológica: objeto, objetivos e conceitos principais. A passa-
Remédio para to- gem da prática etnocêntrica para o processo de relativização nos estudos
dos os males. antropológicos foi apresentada como fundamental. Nesta aula o aluno
terá acesso a informações que lhe permitirão conhecer os limites dessa
ciência e sua relação com as ciências afins. É importante ficar atento
aos limites da ciência, que não foi e não será apresentada neste curso
como panacéia para os problemas enfrentados pelo homem nos seus
relacionamentos sociais e culturais.

(Fonte: http://contanatura.weblog.com).

48
Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas ...
Aula

OBJETO DE ESTUDO 6
A ciência antropológica, no alvorecer do século XX, já havia definido
o homem total como seu objeto de estudo. Esse homem que, no século
XIX, tinha um caráter universal, no sentido de humanidade, passou nessa
nova etapa a ser particular, ou seja, contextualizado a partir das respectivas
construções culturais e sociais necessariamente relativizadas. Esse feito,
contudo, não significou a configuração definitiva com a qualidade de
ciência objetiva, ao contrário, esse drama de ser ou não ser ciência objetiva
continua até o presente. Mas, quais seriam os limites que se interpunham
entre a prática antropológica e os critérios mais rígidos de uma pretensa
ciência objetiva? Pode uma ciência como a Antropologia, que lida com o
fazer cultural e com o homem como construtor de cultura, ser objetiva,
igual às ciências da natureza?
Em módulos anteriores, houve a apresentação da problemática relação
entre o pesquisador e o seu objeto na prática antropológica; bem como a
conseqüente dificuldade de isenção do antropologista no desenvolvimento
do seu trabalho. Os limites da prática antropológica estão relacionados
diretamente com essa questão: o pesquisador, na sua condição humana,
pode pesquisar com isenção outros humanos nos seus grupos sociais? Se
a resposta for positiva, quais as estratégias teórico-metodológicas capazes
de provocar o necessário estranhamento entre esses dois personagens? Estranhamento
Apresentada de outra forma, a afirmação ficaria assim: para a Antropologia,
o objeto de observação e de análise é o homem na condição de indivíduo Ato de estranhar.
que pertence a uma época e a uma cultura; e o pesquisador é também um
indivíduo que pertence a uma cultura e a uma época.
Sendo o pesquisador de uma dada cultura e de uma dada época; e o
seu objeto de estudo portador da característica de fazedor de cultura na
mesma proporção que a sua – o pesquisador -, a isenção parece tarefa quase
impossível. Por que tarefa quase impossível?
Bem, veja o seguinte exemplo: o antropologista, na sua condição hu-
mana, é membro de uma dada sociedade e participa dela desenvolvendo
papéis sociais exigidos pelo grupo: é professor, é pai de amília, é membro
do sindicato e do partido político, está inserido num clube social, é parte
da vizinhança na rua e no bairro onde reside, e tantos outros possíveis
papéis. Este antropólogo, igual a qualquer outro indivíduo em sociedade,
“é o resultado do meio cultural em que foi socializado” (LARAIA, 2002,
p. 45), portanto, dominado pela visão de mundo construída no seu meio.
O grande problema está, para este indivíduo na condição de pesquisa-
dor em Antropologia, em estranhar os seus valores culturais para melhor
observar e analisar os valores do outro que se apresenta na condição de seu
objeto de estudo. O estranhamento permite ao pesquisador olhar a cultura
do outro e a sua própria cultura de forma diferente, ou seja, não mais a

49
Antropologia I

partir das pré-noções – preconceitos -, mas reconhecendo que a sua cultura


não é tão familiar e que, portanto, precisa também ser estudada; e que a
do outro já não se apresenta sob a forma de cultura exótica como vista até
então. Na perspectiva de LAPLANTINE (2000), a partir da “prática do
estranhamento”, deixamos de ser cegos em relação à cultura do outro e
deixamos de ser míopes em relação à nossa própria cultura.

Mesmo reconhecendo a dificuldade de isenção total do pesquisador na


prática antropológica, há também o reconhecimento de que o antropólogo
não pode abdicar das estratégias teórico-metodológicas para aprimoramento
de sua prática. Além das estratégias, é preciso considerar a Antropologia na
qualidade de ciência, mas de ciência com diferenças marcantes na compara-
ção com os ramos das ciências da natureza. Essas diferenças dizem respeito,
principalmente, à especificidade do objeto de estudo, que, na Antropologia,
B ro n i s l a w Ma- é o próprio homem. Mas, quais seriam essas estratégias? Continue atento
linowski e veja a seqüência da aula!
Bronislaw Kasper Malinowski, nascido em Cracóvia, em 07 de abril
Antropólogo polaco de 1884 e falecido em 16 de maio de 1942, naturalizado inglês, é considerado
(1884-1942). Con- um dos pais fundadores da Antropologia. Na sua obra mais importante,
siderado um dos fun-
“Argonautas do Pacífico Ocidental”, fez um relato da vida social e cultural
dadores da antropolo-
gia social. Fundou a de povos da Nova Guiné. Na introdução dessa obra o autor faz um relato
escola funcionalista. minucioso das principais estratégias teórico-metodológicas para trabalho
Suas grandes influên- antropológico com padrão científico.
cias incluiam James Malinowski inicia a sua obra apresentando os principais requisitos
Frazer e Ernst Mach. para o desenvolvimento da pesquisa científica: primeiro, a definição clara
e honesta do tema; segundo, definição dos métodos a serem utilizados na

50
Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas ...
Aula

pesquisa; terceiro, domínio da teoria a respeito do tema a ser pesquisado;


e, como quarto requisito, o conhecimento da língua do grupo social sob
investigação científica.
6
Se você, em sua cidade, resolver realizar pesquisa antropológica, a
primeira pergunta a ser feita é a seguinte: o que vou pesquisar? Não sei qual
é o seu espaço de habitação, mas presumo que, como em qualquer cidade
brasileira, aí existam manifestações folclóricas e que você resolva estudar
essas manifestações ou uma dessas manifestações. Ao definir o tema o
pesquisador deu o primeiro passo para o desenvolvimento do seu trabalho.
Mas é preciso mais. É preciso ler a respeito, ou seja, apossar-se do conhe-
cimento já produzido sobre a temática: listar material bibliográfico sobre
folclore e, mais especificamente, tentar identificar possíveis publicações a
respeito do folclore na região a ser estudada.
Definido e delimitado o tema de pesquisa é preciso caminhar um pouco
mais e definir o que se pretende com o tema proposto: identificar os perso-
nagens do fenômeno folclórico; pensar a relação desses personagens com
o fenômeno e a relação do mesmo com a sociedade; analisar os possíveis
significados atribuídos pelos personagens envolvidos; como também pensar
os significados atribuídos pela sociedade da qual o fenômeno é parte. Todos
esses aspectos podem compor os objetivos do pesquisador, que, a partir
dessa nova situação, vai pensar nos métodos que lhe permitam cumprir a
tarefa estabelecida pelos objetivos.
Na pesquisa antropológica do autor polonês citado o método definidor
da empreitada foi a observação participante. É possível, e muito provável,
que os seus objetivos, aqueles estabelecidos para o estudo sobre folclore,
exijam métodos e técnicas completamente diferentes daqueles estabeleci-
dos por Malinowski. Isto porque, para cada contexto cultural e para cada
temática exige-se um tipo específico de método a ser utilizado, objetivando
o alcance dos objetivos propostos.
Para realizar os propósitos de analisar os nativos da Nova Guiné Ma-
linowski entendeu que era necessário se afastar da sua terra e embrenhar-se
na região definida como espaço de pesquisa, vivendo literalmente com o
seu objeto. O autor afirmou que foi necessário, para realizar a observação
participante, desligar-se dos seus valores culturais, dominar o idioma nativo
e viver o cotidiano desses personagens, anotando tudo, objetivando alcançar
a alma e o espírito das coisas produzidas pelo observado.
Dessa forma, cumprindo os passos acima apresentados, entende o
autor dos “Argonautas do Pacífico Ocidental” que a tarefa científica do
antropólogo possa ser satisfatoriamente produzida, mesmo que se con-
sidere – e essa é a posição deste professor – que a antropologia é uma
ciência diferente das ciências da natureza. Contudo, é bom que fique
muito claro que essa posição não prejudica em nada a cientificidade da
pesquisa antropológica.

51
Antropologia I

A antropologia, mesmo sendo uma ciência jovem e com características


diferenciadas na relação com as ciências
da natureza, tem, ao longo dos anos,
estabelecido profícua relação de troca
de experiências e de conhecimentos com
as chamadas ciências afins. Quais seriam
essas ciências afins e quais seriam as ex-
periências e conhecimentos trocados? E
qual o efeito dessas trocas na ampliação
das possibilidades da antropologia?
Muitas são as ciências afins da antro-
pologia: sociologia, história, psicologia,
geografia, economia, política, todas da
área das Ciências Humanas; e ainda man-
tém relações de trocas com ciências da área da natureza: biologia, genética,
anatomia, fisiologia, geologia, zoologia, química, física etc.
Todos esses conhecimentos citados são importantes para o aprimora-
mento do conhecimento em antropologia. Darei apenas dois exemplos para
ilustrar essa afirmação: a relação da antropologia com a sociologia – sua
parceira mais próxima – tem sido, este é o meu entendimento, de comple-
mentaridade. Ambas trabalham com o caráter global do homem, contudo,
enquanto a antropologia enfatiza o conceito de cultura, a sociologia enfatiza
o conceito de sociedade, e os dois conceitos são largamente utilizados pelas
duas ciências através de empréstimos ou trocas recíprocas, acrescentando
conhecimentos e experiências importantes para cada ciência.
A antropologia, desde o seu nascimento, sempre estabeleceu vigorosa
relação com a história. No primeiro momento da antropologia essa relação
tinha um caráter absoluto – era o tempo do evolucionismo -, na medida
em que todo o trabalho antropológico era fundamentado na reconstituição
histórica dos povos estudados.
No período seguinte – agora já no pensamento funcionalista - houve o
arrefecimento dessa relação. Alguns antropólogos chegaram a afirmar não
necessitar dos conhecimentos da história para o exercício da antropologia,
contudo os conhecimentos da história não podem ser dispensados para a
boa prática antropológica, como de resto das ciências que tenham algum
tipo de proximidade teórica ou metodológica com a antropologia.

52
Antropologia: limites metodológicos e a relação com outras áreas ...
Aula

ATIVIDADES 6
Simule uma proposta de pesquisa sobre tema relacionado à sua região:
cidade, bairro ou qualquer outro espaço.
A pesquisa antropológica precisa levar em consideração os seguintes
critérios: definição do tema ou objeto, leitura básica sobre o tema escolhido,
definição dos objetivos e esboço da metodologia para alcançar os objetivos
pretendidos.

RESUMO

Esta aula serviu para duas constatações importantes: a antropologia


tem limites e não abdica de interagir com outras ciências para a produção
do conhecimento. Tem limites porque é diferente na comparação com as
ciências da natureza, tendo em vista que o seu objeto de estudo é o próprio
homem e o pesquisador também faz parte do universo do objeto.

CONCLUSÃO

A antropologia é ciência. Essa assertiva tem que ficar bem clara no seu
entendimento. É, contudo, uma ciência diferente em relação às ciências da
natureza. É diferente porque o objeto de estudo é da mesma natureza do
pesquisador. Isto é, pesquisador e objeto de estudo fazem parte do mesmo
ambiente, que é o ambiente social e cultural. Os limites da antropologia
estão relacionados diretamente a essa relação: pesquisador e objeto. Para
diminuir o impacto dessa relação o pesquisador precisa estranhar os seus
valores culturais e, dessa forma, enxergar com os olhos mais científicos
a sua própria cultura, mas também e, principalmente, a cultura do outro.
Parte importante desta aula foi a constatação de que em termos científicos
nenhum conhecimento atua isoladamente. No caso da antropologia não é
diferente: sociologia e história, bem como tantos outros conhecimentos,
trocam experiências e conhecimentos, todos importantes na caminhada do
desenvolvimento científico.

53
Antropologia I

AUTOAVALIAÇÃO

Foi fácil e rápida a leitura desta aula. Mas acho melhor ler novamente,
pois não estou bem certo sobre o significado dos limites da ciência
antropológica. Preciso compreender melhor, principalmente, essa rela-
ção complicada entre o pesquisador, que é homem social e cultural, e
o pesquisado que também tem as mesmas características. Depois dessa
re-leitura tenho certeza que as dúvidas desaparecerão.

REFERÊNCIAS
CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylor e
Frazer. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2005.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental.
São Paulo: Abril Cultural, 1978.

54
Aula

OS MÉTODOS DA ANTROPOLOGIA
7
META
Apresentar os principais métodos da antropologia.

OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
compreender os principais métodos da antropologia e deverá ser capaz de aplicar esses métodos na
prática da pesquisa antropológica.

PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os princípios básicos da antropologia e os seus limites epistemológicos na aplicação dessa
ciência.

(Fonte: http://www.unicamp.br).
Antropologia I

INTRODUÇÃO

Iniciarei, a partir desta aula, os estudos sobre os aspectos mais práticos


da antropologia, ou seja, os seus métodos e, na seqüência, os princípios
básicos das suas principais escolas de pensamento. Conhecendo os métodos
da ciência o estudante, transformado em pesquisador, se habilita a colocar
em prática todo o conhecimento acumulado acerca da antropologia. Os
métodos se apresentam, portanto, como uma grande porta que permite o
acesso ao desenvolvimento da pesquisa. Essa afirmação se aplica a antropo-
logia ou a qualquer outra ciência. Habilite-se, portanto, a ser um pesquisador
dos fenômenos culturais, estude com bastante atenção esta aula e seja um
antropologista, mesmo que na qualidade de “pesquisador amador”.

(Fonte: http://www.observacaoparticipativa.blogsport.com).

56
Os métodos da Antropologia
Aula

MÉTODOS

A antropologia tem como objeto de estudo o homem e o seu fazer


7
cultural. Esta é uma definição simples, mas que serve aos propósitos desta
aula. Serve aos objetivos construídos na medida em que coloca o homem
nos dois lados da questão: na qualidade de pesquisador; bem como na de
objeto de pesquisa. A aula anterior demonstrou que essa relação foi e tem
sido um complicador, tendo em vista que o homem não pode simples-
mente ausentar-se de si para se auto-pesquisar. tornando, dessa forma, o
conhecimento científico produzido pela antropologia diferente dos outros
conhecimentos trabalhados pelas ciências da natureza. Mas, ainda assim, os
antropologistas do passado e do presente primaram pela busca incessante de
métodos e de técnicas que lhes permitissem produzir conhecimentos acerca
do homem, que estivessem o mais próximo possível da neutralidade. Os
dois métodos iniciadores da pesquisa antropológica, ambos desenvolvidos
ainda no século XIX, foram o método comparativo puramente histórico,
desenvolvido pelos evolucionistas; e o método comparativo desenvolvido
por um dos pais da antropologia – Franz Boas, antropólogo alemão, que
viveu entre 1858 e 1942 -, que levava em consideração a necessidade de se
conhecer os fenômenos culturais, compará-los e desvendar os processos
de construção de cada um dos fenômenos analisados.
O método comparativo desenvolvido e utilizado pelos evolucionistas
priorizou o registro de costumes e de crenças, todos tratados como curiosos
e colocados em estágios de uma presumível linha histórica de evolução. Em
termos mais práticos, veja como funcionava o método dos evolucionistas: o
pesquisador, normalmente sem sair do seu gabinete, catalogava os registros
produzidos por viajantes, militares, administradores e outros personagens,
que se deslocavam das metrópoles européias para as regiões colonizadas
(África, Ásia, América e Oceania) e, a partir de uma história linear previa-
mente produzida, na qual o ápice era a própria Europa, esses costumes Ápice
eram colocados. Isto é, tentando ser mais prático ainda, o pes quisador tinha
no seu gabinete, sobre a sua mesa, a história do homem, desde os mais O ponto mais el-
evado.
primitivos até os mais desenvolvidos. O mais desenvolvido era o próprio
europeu e o mais atrasado era o homem australiano (Oceania).
Dessa forma, os costumes e crenças eram colocados nessa história
linear em conformidade com as suas características. Vejam alguns exem-
plos para melhorar a compreensão: no caso específico do estudo sobre a
organização familiar do homem, sempre o pensando do mais atrasado ao
mais desenvolvido, todas as informações que dissessem respeito a uma
presumível família comunista ou promíscua, ou seja, organização familiar
na qual a mulher se relacionaria sexualmente com todos ou com parte
dos homens da sua geração, seriam catalogadas como do primeiro e mais
primitivo estágio do desenvolvimento humano – a selvageria.

57
Antropologia I

Outro exemplo importante, ainda com o mesmo propósito de melho-


rar a compreensão, se refere aos costumes familiares registrados, em que a
organização familiar era desenvolvida a partir de um homem e a possibili-
dade da convivência com mais de uma mulher. Nesse caso, a organização
familiar era denominada de patriarcal e o estágio de desenvolvimento era
superior ao anterior.
Fica evidente, espero que para você também seja assim, que a tarefa
contida no método comparativo dos evolucionistas se fundamentava na
coleta de costumes e de crenças, no registro e na catalogação, preocupados
exclusivamente em comparar esses fenômenos e identificar as semelhanças,
para relacioná-los aos estágios previamente construídos: selvageria, barbárie
e civilização. Nesse sentido, afirma Franz Boas que “(...) identidades ou
similaridades culturais eram consideradas provas incontroversas de conexão
histórica ou mesmo de origem comum (...)” (CASTRO, 2004, p. 26).
Na etapa seguinte da antropologia, final do século XIX, Franz Boas, já
erradicado nos Estados Unidos, desenvolveu, de forma muito contundente,
críticas ao método dos evolucionistas, entendendo que não bastava apenas
o registro, a catalogação e a comparação com base nas possíveis similitudes,
era preciso muito mais para uma melhor compreensão do fenômeno cultural.
Afirmava o pesquisador alemão que o trabalho antropológico precisava ir
além desses registros. Precisava identificar as origens do fenômeno e como
eles foram construídos e consolidados nas várias culturas do ambiente
humano.
Outro aspecto destacado por Franz Boas e fundamental no desen-
volvimento da pesquisa antropológica, e que é de fácil constatação, é que
os fenômenos culturais, apesar de aparentemente iguais, concretamente eles
se apresentam bastantes diferentes um do outro. Na prática a proposta do
método comparativo em Franz Boas funcionava da seguinte
maneira: listados os fenômenos a serem estudados, o pesqui-
sador, após a identificação das possíveis causas, analisaria as
variantes externas e internas nos seus respectivos processos
de construção. Isto é, trabalharia o fenômeno cultural na
perspectiva dos seus contextos históricos, comparando-os
com fenômenos de outros contextos, sempre com o obje-
tivo de descobrir e analisar os caminhos percorridos nos
processos de construção.
Os métodos de pesquisas, quaisquer métodos, depen-
dem fundamentalmente das técnicas. Na antropologia isso
não é diferente. Os primeiros antropólogos, os evolucionis-
tas, usaram como técnica principal na coleta dos seus dados
(Fonte: http://www.globalphatness.com).
os viajantes, de todos os tipos, que coletavam durante as suas
viagens aos novos mundos ou aos mundos menos conhecidos, informações
sobre os costumes e crenças dos povos habitantes dessas regiões. Esses

58
Os métodos da Antropologia
Aula

dados eram depois analisados no conforto dos gabinetes desses pesqui-


sadores. Não há como negar a importância desses pesquisadores e dos
trabalhos que foram produzidos. A obra de Sir James George Frazer, “O
7
ramo de ouro”, construída a partir do método e das técnicas desenvolvi-
dos pelos evolucionistas, é uma das obras mais importantes e instigantes
da antropologia. Nela os temas mais importantes da antropologia foram
analisados (mitos, lendas, magia e religião), sem que o seu autor tenha feito
qualquer pesquisa de campo.
Já a pesquisa desenvolvida por Franz Boas e seus seguidores primou
pelo uso da pesquisa de campo. Esses pesquisadores foram pioneiros,
desenvolvendo a técnica da observação participante, na qual o an-
tropólogo convive com o grupo social, objeto da pesquisa. O contato
pessoal do pesquisador com o objeto permite, com total segurança,
um relato detalhado dos fenômenos culturais observados e dos atores
envolvidos, evidenciando aspectos que ficariam escondidos aos olhos
de observadores pouco treinados.
Para concluir essa aula cito dois exemplos apresentados por James Clif-
ford, na sua obra “A Experiência Etnográfica: Antropologia e Literatura no
século XX”, organizada por José Reginaldo Santos Gonçalves, que retratam
muito bem os dois momentos da antropologia tratados nesta aula e que eu
os apresento para que você possa melhor refletir sobre o tema:

(Fonte: http://www.theage.com).

59
Antropologia I

PRIMEIRO EXEMPLO

“O frontispício de 1724 do livro Moeurs des sauvages américains, do


Padre Lafitau, retrata o etnógrafo como uma jovem mulher sentada numa
escrivaninha em meio a objetos do Novo Mundo, da Grécia Clássica e do
Egito. Ela está acompanhada por dois querubins – que ajudam na tarefa
de comparação – e pela barbuda personagem do Tempo, que aponta para
uma cena que representa a fonte primordial da verdade brotando da pena
do escritor. A imagem para a qual a jovem mulher dirige seu olhar é a de
um conjunto de nuvens onde estão Adão, Eva e a serprente. Acima deles
está o homem e a mulher redimidos do Apocalipse, de cada lado de um
triângulo que irradia luz e ostenta a inscrição Yahweh, em alfabeto hebraico.”
(CLIFFORD, 2002, p. 17).

SEGUNDO EXEMPLO

“Já em Os argonautas do Pacífico Ocidental o frontispício é uma


fotografia com o título ‘Um ato cerimonial do kula’. Um colar de conchas
está sendo oferecido a um chefe trobriandês, que está de pé na porta de
sua casa. Atrás do homem que presenteia o colar, está uma fileira de seis
jovens, curvados em reverência, um dos quais sopra uma concha. Todas
as personagens estão de perfil, com a atenção aparentemente concentrada
no rito da troca, um evento importante na vida melanésia. Mas a um olhar
mais atento parece que um dos trobriandeses que se curvam está olhando
para a câmera.” (CLIFFORD, 2002, p. 17-18).

ATIVIDADES

Foram apresentados nesta aula dois exemplos ilustradores dos dois


principais métodos utilizados pelos primeiros antropólogos, extraídos do
livro “A Experiência Etnográfica: Antropologia e Literatura no século XX”,
de autoria de James Clifford.

60
Os métodos da Antropologia
Aula

CONCLUSÃO 7
É possível perceber na narrativa desta aula alguns pontos importantes:
primeiro, a existência de dois métodos no âmbito da antropologia, ambos
utilizando a comparação; segundo, que o primeiro método, desenvolvido pe-
los evolucionistas, tinha características completamente distintas. Enquanto
este fundamentava a pesquisa através da história, o método comparativo Inexoravelmente
desenvolvido e/ou consolidado por Franz Boas utilizava a história, mas
Que não se move a
priorizava a comparação com vistas à identificação das diferenças entre os
rogos; não exorável;
fenômenos e os diversos contextos; terceiro, enquanto o primeiro priorizava implacável, inaba-
a identificação das semelhanças, com o objetivo da confirmação de uma lável.
história linear, onde os povos passavam inexoravelmente pelas etapas da
selvageria, barbárie e civilização; o segundo método estava preocupado
com a identificação das diferenças, objetivando conhecer os meandros dos
processos de construção dos fenômenos culturais.

RESUMO

A antropologia construiu as suas bases teóricas e metodológicas a


partir do século XIX. Nesta aula vocês perceberam que, além da teoria, é
preciso que o conhecimento, para ser científico, se cerque de técnicas para
o desenvolvimento da pesquisa. Aqui foram apresentados os dois métodos
iniciadores do trabalho antropológico: o método comparativo utilizado pelos
evolucionistas, que primava pelo uso da história e da busca incessante pelas
semelhanças, objetivando o registro e a confirmação da trajetória evolu-
cionista do homem, através dos estágios de selvageria, barbárie e civilização.
E o método comparativo utilizado pelos seguidores de Franz Boas, que
primava pela pesquisa de campo, pelo uso da comparação e a preocupação
em estudar cada grupo a partir das suas próprias características.

AUTOAVALIAÇÃO

A leitura das aulas de antropologia continua instigante, onde a cada


passo tenho a oportunidade de conhecer novas facetas dessa ciência.
Contudo, preciso ler mais da aula e, sobretudo, consultar as obras comple-
mentares listadas, para ampliar o conhecimento sobre os métodos. Lerei,
principalmente, o livro “Franz Boas: Antropologia Cultural”, que por certo
melhorará o meu desempenho.

61
Antropologia I

REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR


Editor, 2004.
CLIFFORD, James. A Experiência Etnográfica: Antropologia e Litera-
tura no século XX/James Clifford; organizado por José Reginaldo Santos
Gonçalves. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico Ocidental.
São Paulo: Abril Cultural, 1978.

62
Aula

8
O EVOLUCIONISMO NA
ANTROPOLOGIA

META
Apresentar o pensamento evolucionista no âmbito da antropologia.

OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
interpretar de forma crítica o pensamento evolucionista.

PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os objetivos da antropologia; conhecer os conceitos básicos da antropologia; e conhecer os
principais métodos e técnicas para o desenvolvimento da pesquisa em antropologia.
Antropologia I

INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas aulas vocês tiveram acesso a infor-mações im-


portantes acerca da antropologia: definição, objeto de pesquisa, limites da
prática antropológica, além dos métodos que contribuíram no início da
construção da antropologia: o método comparativo dos evolucionistas,
fundamentado na narrativa histórica e na identificação das semelhanças;
e o método comparativo desenvolvido por Franz Boas, fundamentado na
comparação de grupos particulares, preocupado em identificar e analisar
as diferenças.
No processo de construção de uma ciência, as correntes de pensamento
vão sendo consolidadas, quase sempre em função das idéias predominantes
em seus respectivos contextos históricos. A antropologia passou, também,
por essas mesmas etapas e construiu escolas que contribuíram para a consoli-
dação da ciência. As principais escolas antropológicas, desde a fundação até
os nossos dias, são as seguintes: evolucionismo, culturalismo americano ou
particularismo histórico, funcionalismo, estruturalismo e interpretativismo.
Neste curso você terá acesso às escolas evolucionista e funcionalista, bem
como as características principais do particularismo histórico. E, nesta aula
em particular, apresentarei as principais idéias e os principais pensadores
do evolucionismo.

64
O Evolucionismo na Antropologia
Aula

EVOLUCIONISMO

O evolucionismo cultural se desenvolveu a partir da segunda metade do


8
século XIX, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, por meio
de autores que, institucionalmente se identificavam como antropólogos –
Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1919) e
James George Frazer (1854-1941) -, mas também com autores que não se
identificavam como antropólogos, mas que a pesquisa e os textos produzidos
eram partes da chamada antropologia clássica. O mais importante desses
autores, e que não será estudado nesta aula, é Herbert Spencer, filósofo
inglês que nasceu no dia 27 de abril de 1820 e faleceu no dia 08 de dezembro
de 1903. Por que considerarei apenas os três inicialmente citados? Primeiro,
porque, mesmo em suas épocas eles se identificavam como antropólogos;
Segundo, porque são considerados os “pais fundadores da antropologia”,
tendo, portanto, importância histórica na construção e consolidação da Herbert Spencer
antropologia; terceiro, e, sobretudo, porque esses autores foram capazes
de produzir uma síntese da teoria e dos métodos que caracterizaram o Filósofo e sociólogo
evolucionismo cultural de suas épocas. inglês (1820-1903).
Comum aos três autores foi a diversidade de formação e o en- Aplicou as teorias de
Charles Darwin ao
caminhamento, por meio das pesquisas e da produção de textos, para o estudo da sociedade,
conhecimento antropológico. Morgan se formou em direito, em 1842, elaborado o chamado
e se dedicou, na seqüência da sua formação, ao estudo das relações de “darwinismo social”,
parentescos, principalmente dos iroqueses (grupo nativo que viveu na embora jamais tenha
América do Norte), encaminhando-se, dessa forma, para os estudos da utilizado o termo.
antropologia clássica. Tylor nunca cursou uma universidade, iniciando É autor de O indi-
víduo contra o estado
a sua formação depois de viagem que fez ao México, escrevendo o seu (1884).
primeiro livro e enveredando pelos caminhos da pesquisa antropológica.
Já Frazer, formado pela Universidade de Glasgow (Escócia) em 1874,
desenvolveu estudos sobre os autores clássicos da Grécia e de Roma,
lendo-os no original, o que lhe garantiu bolsa de estudo, renovada suces-
sivamente, até o fim dos seus dias.
As correntes ou escolas de pensamentos espelham as suas respectivas
épocas históricas. No caso da antropologia evolucionista não foi diferente.
Predominou nesse período o pensamento produzido por Charles Darwin
(1809-1882), através do livro Origem das espécies, publicado em 1859, que
afirmava, dentre outras coisas, “que as espécies existentes haviam se desen-
volvido lentamente a partir de formas de vidas anteriores, e apontou como
mecanismo principal desse processo a teoria da seleção natural através de
variações acidentais”. (CASTRO, 2004, p. 24-25). O ponto principal desse
pensamento era a evolução fundamentada na idéia de progresso, portanto,
bem coerente com aquele momento histórico dominado pelo iluminismo
e pelo capitalismo. Outro fator importante para a aceitação das teses con-
tidas na evolução biológica se refere ao alargamento do período histórico

65
Antropologia I

que, a partir das pesquisas científicas, o colocaram bem a frente do tempo


histórico bíblico, ampliando as possibilidades de aceitação da idéia de que
o homem descenderia de formas inferiores.
Dessas concepções biológicas para a construção do evolucionismo
cultural foi um pulo. Contudo, diferente do darwinismo que não postulava
Pretéritas
uma direção única para o progresso ou evolução, o evolucionismo cultural
Que passou; se consolidou através da idéia de evolução linear da humanidade, ou seja,
passado. todos os homens, em épocas e lugares distintos, passariam necessariamente
pelos mesmos estágios de desenvolvimento. A seguir apresentarei as prin-
cipais características dessa corrente de pensamento da antropologia, todas
Óbvio
já apresentadas superficialmente em aulas pretéritas.
Que está diante A primeira característica, e isto aparece como óbvio, é a idéia de
dos olhos. evolução para todos os homens, em todas as épocas e em todos os lugares.
Mesmo sendo óbvio, havia, porém, um problema fundamental para ser
resolvido: como aplicar essa tese diante da enorme diversidade de povos
e de culturas? Os evolucionistas resolveram esse problema reduzindo as
diferenças dos fenômenos culturais, colocando-os em estágios históricos
de desenvolvimento. Isto é, a análise do homem como ser cultural passou
a ser feita a partir da comparação dos seus fenômenos, buscando suprimir
as diferenças ou, ao menos, minimizando-as em favor das semelhanças
para, dessa forma, alcançar o proposto, ou seja, os famosos estágios de
desenvolvimento: selvageria, barbárie e civilização.
Aqui deve ficar claro que o ponto de partida da análise era a sociedade
do pesquisador, o povo europeu; e que os demais povos estariam nos
estágios históricos anteriores. Entendiam os evolucionistas que para con-
hecer o mundo europeu era necessário conhecer os grupos tratados como
primitivos, seus antepassados. Assim pensado, o evolucionista coletava in-
formações sobre parentesco, magia e religião preocupado em listar o maior
número dessas evidências e depois catalogá-las nos estágios previamente
construídos.
Veja um exemplo de como funcionava a prática da
pesquisa evolucionista: os estágios, como já vistos, eram
selvageria, barbárie e civilização. A civilização era o estágio
do pesquisador, portanto não necessitava ser desvendado,
tendo em vista que havia uma prévia compreensão de
que este já era suficientemente conhecido. Os dois outros
estágios eram destinados aos povos dos novos mundos
contatados a partir do século XV e XVI. A partir desses
estágios todo o estudo se desenvolvia. Por exemplo, no
caso da religião, havia também três estágios: magia, dos po-
vos mais primitivos; religião, daqueles grupos que haviam
produzido ritos mais complexos nas suas práticas; e, no
terceiro estágio, os civilizados apareciam como os utiliza-

66
O Evolucionismo na Antropologia
Aula

dores da ciência para explicar o mundo. A pesquisa coletava e o pesquisador,


a partir das similitudes, ia colocando os fenômenos nos respectivos estágios
sem maiores preocupações em analisar cada um a partir dos seus contextos.
8
Outra característica do evolucionismo foi o método comparativo. Como
este já foi objeto de estudo da aula anterior, não apresenta ei maiores infor-
mações a respeito, mas recomendo a sua releitura. A última característica se
refere ao pesquisador que, nessa corrente de pensamento, era intitulado “an-
tropólogo de gabinete”. Esse pesquisador não tinha maiores preocupações
com dois aspectos da antropologia, que, na
seqüência histórica da ciência, passaram a ser
fundamentais: o estudo de povos particulares
e a confiabilidade das informações coletadas.
Como os antropólogos evolucionistas
estavam preocupados na construção ou re-
construção de uma história linear da humani-
dade, os grupos ou comunidades particulares
perdiam importância e eram relegados a um
(Fonte: http://www.colegiosaofrancisco.co
plano secundário. Pensavam os evolucionistas não haver
qualquer necessidade de contextualizar os fenômenos culturais de cada
povo, ao contrário, eles apenas coletavam as informações, comparava-as
e as registrava no interior dos estágios de desenvolvimento. Ao não con-
textualizar os fenômenos culturais estudados o evolucionista perdia muito
em relação ao resultado final do trabalho, na medida em que deixava de
relacionar os aspectos particulares às influências internas e externas do
processo de construção.
Outro aspecto negligenciado pelos evolucionistas refere-se à confi-
abilidade dos dados coletados. O antropólogo de gabinete não realizava
a pesquisa de campo. Quem então as realizava? Essa tarefa era delegada
a terceiros: missionários, comerciantes, viajantes ou quaisquer outros que
eventualmente pudessem oferecer algum tipo de informação a respeito
dos povos pesquisados. Ora, esses observadores, em geral, não tinham
qualquer formação que lhes permitissem realizar a coleta de dados sob os
fundamentos da ciência em construção. Portanto, a observação acontecia
a partir das suas próprias perspectivas ou visões de mundo. O observador
atuava muito mais como um turista de férias, preocupado com a natureza
e com os seus fenômenos, que como um pesquisador a serviço da ciência,
preocupado em identificar os fenômenos culturais que pudessem contri-
buir para melhorar a compreensão do grupo social observado. Mesmo
que o antropólogo de gabinete tivesse o cuidado de utilizar vários relatos
sobre um mesmo fenômeno, tentando atestar a possibilidade de recor-
rência, ainda assim o resultado era passível de grandes desconfianças, sem
que isso, contudo, anulasse o trabalho desenvolvido.

67
Antropologia I

ATIVIDADES

Depois de ler a aula de hoje você está sendo desafiado a mergulhar


nesse conhecimento oferecido e apresentar os pontos mais importantes do
evolucionismo, tentando relacioná-los aos fenômenos culturais observáveis
em sua comunidade local: a feira, a paróquia da cidade, o grupo folclórico,
etc. Aplique o método desenvolvido pelos evolucionistas.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

É sempre bom lembrar que qualquer atividade deve ser precedida


de nova leitura do texto apresentado como aula. Ao reler o texto
você vai perceber, mais uma vez, que as características principais
do evolucionismo são: evolução linear da humanidade; método
comparativo e o trabalho desenvolvido a partir do gabinete do
pesquisador.

CONCLUSÃO

Mesmo que as limitações do conhecimento antropológico possam ser


apontados, e as apontamos nesta e em ou tras aulas depois de mais de cem
anos, ainda assim é possível reconhecer os méritos daqueles estudiosos, so-
bretudo, o mérito de tentar construir, e de ter construído, em certo sentido,
um gigantesco acervo etnográfico da humanidade. O que isso significou?
Eles foram capazes, mesmo com as limitações já apontadas, de reconstruir,
em grande medida, a história, ainda que linear, de povos e de suas culturas
na Ásia, África, América e Oceania. Este é um legado que ainda hoje tem
sido utilizado por jovens pesquisadores dessa área de conhecimento no
âmbito das ciências humanas.

RESUMO

O evolucionismo foi uma escola do pensamento antropológico pre-


dominante no século XIX, sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos,
identificado com os ideais de progresso, portanto de evolução, influenciado
pela evolução biológica de Charles Darwin e o seu livro “Origem das espé-
cies”. Fundamentava-se na idéia de história linear para todos os homens,
em todos os lugares e em todas as épocas; e justificava as suas teses a par-
tir do método comparativo que privilegiava a história e a constatação das

68
O Evolucionismo na Antropologia
Aula

similitudes, com vistas ao mapeamento dos estágios de desenvolvimento:


selvageria, barbárie e civilização.
8
AUTOAVALIAÇÃO

Bem, a aula de hoje foi interessante! Novas informações sobre o tra-


balho do antropólogo foram apresentadas, mas confesso que não estou
ainda bem certo sobre o que o professor quis dizer com história linear.
História linear significa evolução do homem? Preciso discutir melhor esse
assunto com algum colega ou mesmo com o monitor da disciplina para
tirar essa dúvida.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylor


e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
______________. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR
Editor, 2004.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

69
Aula

9
O FUNCIONALISMO
NA ANTROPOLOGIA
META
Apresentar o pensamento funcionalista no âmbito da antropologia.

OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
saber definir o pensamento funcionalista; identificar os principais pensadores funcionalistas na
antropologia e os seus princípios.

PRÉ-REQUISITOS
Conhecer os principais conceitos da antropologia e os princípios do pensamento evolucionista.

(Fonte: http://www.amphilsoc.org).
Antropologia I

INTRODUÇÃO

A caminhada do pensamento antropológico, como de qualquer ciên-


cia, foi marcada por dificuldades, mas os conceitos e teorias que formam
as diversas correntes foram gradativamente sendo construídos. Foi assim
com o pensamento evolucionista, apresentado ao aluno na aula anterior,
e não foi diferente em relação ao processo de construção do pensamento
funcionalista. Este pensamento surgiu a partir das análises críticas con-
struídas sobre a corrente evolucionista, ou seja, pensadores, já no final do
Século XIX, avaliavam os limites dessa corrente, entendendo a necessidade
da antropologia pensar o homem e o seu habitat cultural a partir de novas
possibilidades teóricas. Dessa forma, esses pensadores iniciaram o pro-
cesso de des-construção da idéia de uma evolução linear – você deve estar
lembrado desse conceito: história linear como processo único para todos
os povos, tendo, ao final, a sociedade dos civilizados como parâmetro -,
e passaram a pensar o homem a partir das suas culturas particulares. Essa
nova proposta rompia também com a velha idéia de pesquisa, marcada pela
repartição entre observador e pesquisador, ou seja, de um lado o viajante
que coletava as informações e do outro lado o pesquisador que, instalado
no seu gabinete processava as informações recebidas.

(Fonte: http://bp0.blogger.com/.../s400/Mulçumanas.bmp).

72
O Funcionalismo na Antropologia
Aula

FUNCIONALISMO 9
Apresentarei nesta aula dois autores considerados os “pais fundadores
da etnografia”: Franz Boas (1858-1942) e Bronislaw Kasper Malinowski
(1884-1942). Esses autores primaram pela ruptura com o velho modelo
de pesquisa, iniciando e consolidando uma prática marcada pela coleta de
informações pelo próprio pesquisador. Segundo esse novo modelo, o pes-
quisador de antropologia, ao se dirigir ao campo para o trabalho de coleta
das informações, “(...)... aprende então, como aluno atento, não apenas a
viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa
língua, a sentir suas próprias emoções dentro dele mesmo.” (LAPLAN-
TINE, 2000, p. 76). Esse novo modelo passou a ser o instrumento principal
da pesquisa antropológica e, mesmo com o tempo passado, ainda hoje é
considerado a própria fonte da pesquisa. Por que essa ruptura e quais as
possíveis vantagens dessa nova prática?
No antigo modelo desenvolvido pelos evolucionistas o contato en-
tre o pesquisador e os atores sociais nos seus respectivos fenômenos era
praticamente inexistente. Isto é, o pesquisador, instalado no seu gabinete,
em Londres ou qualquer outra cidade européia ou americana, de posse das
informações coletadas por viajantes, realizava as análises, considerando
completamente desnecessário esse contato. Não havia, nesse sentido,
qualquer contato com o personagem, com a sua língua, com os seus cos-
tumes, não havia, portanto, vivência com os fenômenos sociais. Não havia
interação – troca de informações – entre o pesquisador e o pesquisado.
A nova antropologia, iniciada no final do século XIX e início do século
XX, propunha um outro modelo, no qual o pesquisador, obrigatoriamente,
teria que sair do seu ambiente social e instalar-se no ambiente do pesquisado,
permanecendo longos períodos nesses espaços, aprendendo o idioma, mas,
sobretudo, observando cotidianamente os seus costumes, interessado em
penetrar nas mentes dos nativos de cada região. Com esse objetivo Franz
Boas afirma a necessidade de anotar tudo a respeito das coisas observadas,
mes mo aquelas consideradas rotineiras e até sem importância. Considerava
Boas que a rotina dos nativos escondia aspectos importantes das suas cul-
turas e que, por isso, não podia ser desprezada. Outro aspecto importante
nesse novo modelo diz respeito ao modo de perceber a cultura do outro. Se
antes a cultura do outro era vista como parte de uma totalidade, a cultura
universal do homem, nessa nova perspectiva, a cultura do outro, passa a
ser vista como uma totalidade autônoma. O que isso significou em termos
de maior eficácia da ciência antropológica?
Na proposta evolucionista os costumes não eram relacionados com os
seus respectivos contextos. Os críticos dessa corrente entendiam a neces-
sidade, para um melhor entendimento dos fenômenos culturais, que esses
fossem relacionados ao contexto particular nos quais estavam inseridos. Para

73
Antropologia I

melhor compreensão apresentarei exemplos de como a proposta funcionava


e ainda continua funcionando no âmbito da antropologia.
A religião sempre fez parte do interesse dos pesquisadores da ciência
antropológica. Na proposta evolucionista as diversas formas de religiosi-
dades eram colocadas nos estágios considerados como partes do processo
evolutivo: selvageria, barbárie e civilização, sem a necessária contextualiza-
ção. Na prática era como se o fenômeno religioso pudesse ser compreen-
dido sem ser relacionado ao contexto particular. Na proposta boasiana
o fenômeno religioso ou qualquer outro fenômeno cultural teria que ser
relacionado ao seu contexto particular, analisando os obrigatórios relacio-
namentos entre eles e as conseqüentes trocas de informações.
Essa nova proposta – e os seguidores desse pensamento a ampliaram
nos anos seguintes – afirma não ser mais possível opor sociedade simples,
dos povos descobertos a partir do movimento das grandes navegações,
à sociedade complexa, dos povos considerados civilizados. Ou, muito
menos, tratar os povos diferentes como superiores ou inferiores. Dessa
forma, cada povo passa a ter a sua própria configuração e importância a
partir das suas construções culturais e sociais. Cada fenômeno é autônomo
em relação a outros povos, mas uarda, necessariamente, interdependência
com fenômenos distintos no interior do próprio grupo, ou seja, o religioso
interage com o econômico, com o social, com o político e assim sucessiva
e indefinidamente.
A partir dessa proposta os seus defensores afirmarão que “apenas o
antropólogo pode elaborar uma monografia, isto é, dar conta cientificamente
de uma microssociedade, apreendida em sua totalidade e considerada em
sua autonomia teórica.” (LAPLANTINE, 2000, p. 78).
Se Franz Boas foi o iniciador mais intenso dessa nova proposta e um
ardoroso crítico do evolucionismo, Malinowski foi quem a consolidou, co-
locando em prática a pesquisa participante – pesquisa em que o pesquisador
passa a habitar com o pesquisado -, considerando que “uma sociedade deve
ser estudada enquanto uma totalidade, tal como funciona no momento
mesmo onde a observamos.” (LAPLANTINE, 2000: p. 80). Malinowski,
ao desenvolver o seu pensamento contrário ao pensamento evolucionista,
produziu perguntas básicas para o desen-
volvimento da sua teoria: o que é uma so-
ciedade para os que a construíram? Quais
as funções produzidas pelos membros
dessa sociedade aos fenômenos culturais
e sociais dos seus cotidianos? Afirmava
Malinowski que os fenômenos culturais
particulares têm significados que são
próprios e que são, também, portadores de
(Fonte: http://weblogs.clarin.com). coerência. Desse modo, a observação teria

74
O Funcionalismo na Antropologia
Aula

que contemplar esse caráter para alcançar eficácia no seu resultado final.
A partir dessa visão Malinowski criou os princípios do funcionalismo,
retirados dos modelos anteriormente criados pelas ciências da natureza,
9
sobretudo da biologia, que estabelecia a função como ponto de partida
principal. Segundo esse modelo teórico, o indivíduo tem determinadas
necessidades e a cultura, através das suas institui ões, existiria exatamente
para atender a essas necessidades, construindo, dessa forma, a estabilização
da sociedade. Tentarei explicitar melhor, nas linhas seguintes, essa situação
no interior do modelo.
Para os funcionalistas a sociedade é o resultado da articulação entre
o social, o psicológico e o biológico. Essa articulação acontece a partir da
satisfação das necessidades sentidas pelos indivíduos através dos diversos
mecanismos - fenômenos culturais -. É possível tentar clarear um pouco
mais esse princípio: o indivíduo é parte da sociedade. A sociedade, com as
suas instituições sociais e culturais, é um sistema que atende às necessidades
dos indivíduos. As diversas instituições sociais e culturais, todas com funções
sociais específicas, atenderiam aos indivíduos nas suas necessidades, tudo
isso funcionando de forma harmônica. Tentando ser ainda mais claro: a
religião, a família, o aparato jurídico, os costumes, as regras, tudo, a partir
das suas funções, existiria para atender o indivíduo e, dessa forma, pos-
sibilitar o pleno funcionamento da sociedade.
Ora, aparentemente o funcionalismo teria descoberto o modelo per-
feito, que retrataria plenamente a realidade da sociedade, contudo, os críticos
não perderam tempo e construíram perguntas que o modelo funcionalista
também não conseguia responder: se a sociedade pensada pelos funciona-
listas se organiza de forma equilibrada e capaz de atender às necessidades
do homem, como explicar os processos de mudanças sociais comuns a
toda sociedade em qualquer época e em qualquer lugar? Os críticos pon-
deraram ainda que Malinowski havia construído leis gerais ou propostas
de leis gerais a partir da análise dos costumes de uma micro-sociedade
localizada em minúsculo arquipélago quase ou totalmente afastado dos
contatos inter-culturais.
Mesmo que consideremos as críticas formuladas contra Malinowski,
é evidente a sua contribuição aos estudos antropológicos, tanto que ainda
permanece: primeiro, a invenção literal da observação participante. Pesquisar
o outro deixou de ser tarefa dos viajantes circunstanciais e passou a ser, em
profundidade, tarefa do pesquisador. E Malinowski realizou essa tarefa na
prática, deslocando-se do seu mundo civilizado e habitando com os seus
pesquisados, na tentativa de melhor compreender os fenômenos culturais
desses indivíduos e dos seus grupos. É como no dizer de “Malinowski nos
ensinou a olhar” (LAPLANTINE, 2000, p. 84).
Outra contribuição importante de Malinowski diz respeito ao social.
Na sua pesquisa o social deixou de ser anedótico, exótico ou curioso e

75
Antropologia I

passou a ser apresentado na profundidade do seu processo de construção.


A partir de Malinowski o homem nas suas interações sociais e culturais
passou a ser observado no seu cotidiano, mesmo as coisas consideradas
mais insignificantes foram tratadas como relevantes, tendo em vista que,
dentro do contexto e das suas interações, poderiam apresentar significações
importantes. Observando esses fatos sociais considerados insignificantes
o observador poderia, como observador participante, identificar as trocas
generalizadas desses fatos com os demais fatos do grupo social.

(Fonte: http://Ruth Benedict_httpi72.photobucket.com).


Ruth Bernedict em trabalho de campo

ATIVIDADES

Depois de conhecer as duas principais correntes do pensamento


antropológico das primeiras décadas da antropologia, compare-as e apre-
sente as principais diferenças entre as práticas de pesquisa vinculadas a
essas correntes.

CONCLUSÃO
Esta aula encerra a narrativa de parte importante no processo de
construção da antropologia desde a primeira metade do século XIX até as
primeiras décadas do século XX. A antropologia construiu o seu objeto,
o homem primitivo no primeiro momento e depois o homem total – em
qualquer época e em qualquer espaço -; construiu o seu método, o método
comparativo, espaço metodológico importante para decifrar os significa-

76
O Funcionalismo na Antropologia
Aula

dos dos
por
E , fenômenos culturais; construiu a observação participante, técnica
fundamental
úl-
tindivíduos
e eficaz na coleta de dados mais próximos do cotidiano dos
i m o , observados e pesquisados. O evolucionismo e o funcionalismo
9
Mforama fundamentais
- nesse processo de construção da antropologia, mesmo
reconhecendo a avalanche de críticas a esses modelos de pensamento
linows-
kelaborados.
i, no Nas aulas precedentes tratarei dos aspectos mais práticos da
antropologia
seu tra- e espero que vocês possam continuar interessados no tema.
balho
de pes-
quisa e na sua obra, restaura o homem primitivo no interior do sistema social
do qual faz parte. Através da observação participante o homem observado
é mais importante do que o sistema do qual ele faz parte.
RESUMO

O funcionalismo foi criado a partir das críticas elaboradas contra os


pensadores evolucionistas e os seus modelos de história linear caracterizados
pela análise descontextualizadas dos fenômenos culturais. Os principais
pensadores que iniciaram e consolidaram essa corrente da antropologia
foram Franz Boas (1858-1942) e Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942),
considerados os pais fundadores da moderna etnografia. Os principais pon-
tos levantados por esses autores foram os seguintes: a sociedade, mesmo as
pequenas sociedades, deve ser analisada na perspectiva das suas respectivas
totalidades, ou seja, cada fenômeno cultural, para ser melhor compreendido,
tem que ser contextualizado no interior da própria sociedade; outro ponto
importante foi a introdução e consolidação da pesquisa de campo através
da observação participante. Esse novo modelo foi importante e continua
entre nós como parte significativa da antropologia contemporânea.

AUTOAVALIAÇÃO

A leitura desta aula contribuiu para melhorar o meu conhecimento


sobre a prática antropológica, principalmente a respeito das duas correntes
de pensamento construídas na primeira metade do século XIX e no início
do século XX. Contudo, preciso entrar em contato com o meu monitor
para melhor compreender as mudanças em relação à prática de pesquisa
entre os dois modelos de pensamento. Micros sociedades e sociedade total
ainda não estão claros para mim.

77
Antropologia I

REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo Cultural: textos de


Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
______________. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge
ZAHAR Editor, 2004.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
1986.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo:
Brasiliense, 2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

78
Aula

ANTROPOLOGIA:
10
REVISITANDO OS CONCEITOS

META
Relembrar os principais conceitos trabalhados nesta unidade.

OBJETIVOS
Ao final desta aula o aluno deverá:
ter uma visão panorâmica da Antropologia como ciência que estuda o homem.

PRÉ-REQUISITOS
Ter estudado e assimilado o conteúdo das nove aulas da presente unidade.

(Fonte: http://home.utad.pt).
Antropologia I

INTRODUÇÃO

A antropologia se constituiu em conhecimento com pretensão de cien-


tificidade a partir da segunda metade do século XIX. A caminhada foi longa
e implicou muitos acertos, como também muitos equívocos, que foram, na
grande maioria, incorporados na condição de fases do processo de apren-
dizagem. Nesses caminhos e descaminhos na construção da Antropologia
é fácil destacar os seguintes pontos: a aceitação, por parte dos primeiros
antropólogos, da história como fundamento da prática antropológica; ou
a veemente negativa de utilização desse conhecimento nas análises dos
antropologistas que sucederam ao grupo de evolucionistas. Outro aspecto
importante no processo de construção da Antropologia, e que representou a
tônica dos primeiros antropologistas, foi a priorização, nas suas análises, da
visão evolucionista e etnocêntrica, desconsiderando a importância da con-
textualização dos fenômenos culturais e do caráter de totalidade necessários
para a eficácia do trabalho científico em ciências sociais. Os conceitos de
cultura e de relativização foram os fundamentos da construção teórica da
Antropologia, bem como o método comparativo, que continua sendo o
arcabouço metodológico que baliza o caminhar das pesquisas.

80
Antropologia: revisitando os conceitos
Aula

OBJETO DE ESTUDO

Destacaremos, nesta aula de revisitação dos conceitos, dos métodos e


10
das técnicas da Antropologia, os seguintes pontos: a construção do objeto
de estudo; os conflitos na utilização do conhecimento histórico nas pesqui-
sas antropológicas; o etnocentrismo, o relativismo e o conceito de cultura
como partes do processo de consolidação da antropologia; e a construção
do método comparativo e da observação participante no desenvolvimento
da pesquisa.
Nas aulas iniciais deste módulo apresentei as etapas do processo
de construção da Antropologia. Nesse processo foi apresentado que
a Antropologia estuda o homem nos seus contextos sociais e culturais
comparando diferentes formas de manifestações. O estudo inicial
proporcionou o conhecimento de que a jornada antropológica definiu
o homem nativo da América, da Ásia, da Oceania e da África, tratado
como “primitivo”, como o seu objeto de estudo. Espero que tenha ficado
claro também que a preocupação fundamental da Antropologia e dos
antropologistas, naquela oportunidade, era tentar explicar as origens
do homem nos seus aspectos étnico e cultural. O objeto de estudo da
Antropologia foi, portanto, construído a partir da necessidade de se
conhecer o homem que não era conhecido, ou seja, as populações que
não pertenciam à civilização ocidental (LAPLANTINE, 2000).

OS CONFLITOS NA UTILIZAÇÃO DO
CONHECIMENTO HISTÓRICO NAS PESQUISAS
ANTROPOLÓGICAS

O conhecimento histórico foi utilizado no início da Antropologia como


parte fundamental. Isto é, como o que se procurava era a reconstituição da
origem do homem e, sobretudo, dos seus costumes, regras, leis e religião,
a Antropologia precisava desses conhecimentos e assim o fez. Todos os
passos da pesquisa antropológica eram orientados para a construção da
reconstituição histórica dos hamados povos primitivos. A premissa da
metodologia implicava estabelecer uma linearidade histórica desses povos,
preocupada em comprovar as teses do evolucionismo cultural, ou seja, de
que os povos primitivos eram os ancestrais dos povos europeus, numa
linha inexorável, onde os primeiros teriam que passar obrigatoriamente
pelas etapas já vencidas pelos civilizados. Contudo, o uso da História não
permaneceu como premissa ao longo do processo de construção da Antro-
pologia. A construção do pensamento funcionalista inibiu e até, através de
muitos pensadores dessa corrente, impediu o uso da História na pesquisa
antropológica. Entendiam esses pensadores que a análise da cultura humana
não necessitava do conhecimento histórico, na medida em que o princípio

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Antropologia I

metodológico demarcador deveria ser a análise sincrônica, totalmente dife-


rente da prática no evolucionismo, que se fundamentava no diacronismo.
Tentando deixar mais claras as afirmações acima: no evolucionismo a análise
era diacrônica porque procurava o estabelecimento de uma linearidade
histórica – dos mais antigos (os primitivos) aos mais recentes (os europeus);
enquanto os funcionalistas analisavam sincronicamente os fenômenos cul-
turais, preocupados em vê-los nas suas respectivas totalidades e nos seus
cotidianos históricos. Em outras palavras, o fenômeno era analisado no
seu acontecer cotidiano.

O ETNOCENTRISMO E O RELATIVISMO
Esses dois conceitos, apesar de antagônicos, fizeram parte da caminhada
antropológica em linha necessariamente sucessória. No primeiro, os povos
primitivos foram conceituados a partir do conhecimento que o europeu
tinha da sua própria cultura. Desse modo fica fácil perceber que o conceito
estabelece juízo de valor: os povos primitivos eram considerados inferiores
aos europeus e esse julgamento acontecia a partir do modelo de cultura
que os europeus entendiam ser o melhor, ou seja, o seu próprio modelo.
O outro, na perspectiva etnocêntrica, era tratado como diferente, mas de
qualidade inferior. Esse tipo de visão prejudicava, a priori, qualquer pos-
sibilidade de análise científica.
Espero que você esteja compreendendo que o ter, ou não ter, cultura,
religião, estado, lei, ordem e moral era fruto da visão etnocêntrica do eu-
ropeu. Nessa visão, o europeu olhava para si mesmo e todo aquele que
não correspondesse aos seus padrões, por terem práticas diferentes, era
considerado como se fosse inferior e assim era tratado. O etnocentrismo
olha o outro e almeja que ele tenha as suas próprias
características, como isso é impossível, o outro é
percebido como desprovido de tudo.
O relativismo surgiu com a crítica ao pensa-
mento evolucionista ainda no final do século
XIX. Os dois pontos principais dessa crítica
foram os seguintes: primeiro, a visão descontex-
tualizada sobre o fenômeno sócio-cultural, não
permitindo perceber a totalidade social na qual
o mesmo estava inserido; segundo, a história linear
traçada pelos evolucionistas que colocava os po-
vos denominados de primitivos como o início da
cadeia e os europeus eram colocados no topo e
tratados como civilizados. A partir dessas críticas
os novos antropólogos iniciaram um processo no
(Fonte: http://www.dominiofeminino.com.br).
qual o fenômeno cultural passava a ser analisado como

82
Antropologia: revisitando os conceitos
Aula

totalidade social, ou seja, cada costume tem o seu contexto e tem que ser
analisado em função desse contexto. Dessa forma o antropologista rela-
tiviza o fenômeno cultural, considerando as suas peculiaridades e os atores
10
sociais envolvidos no processo. Deixa de haver valores culturais superiores
ou inferiores e passa a existir apenas o valor cultural construído e em uso
por um determinado grupo social, que atende, plenamente, as necessidades
através das funções de cada fenômeno. Relativizar significou, portanto,
desconsiderar o mundo do pesquisador como o centro de todas as coisas
e passou a considerar cada fenômeno particular como totalidade social.

O CONCEITO DE CULTURA
Afirmei em aulas pretéritas que a construção da Antropologia como
ciência se confunde com o processo de construção do conceito de cultura.
Antropologia e cultura, portanto, fazem parte de uma mesma caminhada.
Apresentei, também, a genealogia do conceito relacionando-a com o pro-
cesso de construção da ciência antropológica e evidenciando a importância
do conceito no âmbito da antropologia. Nesta remissiva dos conceitos não
entrarei nos detalhes da sua genealogia, mas convido-o a reler a aula número
quatro do presente módulo. Aqui me prenderei apenas ao conceito e a sua
importância no contexto da Antropologia.
Quem primeiro conseguiu sintetizar o conceito, na
segunda metade do século XIX, foi Edward Tylor, no livro
Primitive Culture (1871), quando, sendo fiel ao contexto
histórico no qual desenvolvia o seu pensam- ento, afirma a
cultura como o resultado de comportamentos apreendidos,
ressaltando a inexistência de qualquer ligação do fenômeno
com a genética dos indivíduos. Outra afirmação importante de
Tylor, contida no mesmo livro, é a de que a cultura é um
fenômeno natural, podendo, dessa forma, ser ob- jeto de estudos
científicos. Veja a seguir o conceito em Tylor: “(...) tomado
em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui con-
hecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem (Fonte: http://www.vanuatutourism.com).
como membro de uma sociedade”. (apud LARAIA, 2002, p. 25).
A síntese produzida por Tylor foi importante na caminhada do con-
ceito. Por que foi importante? Por dois aspectos fundamentais: primeiro,
por confirmar o homem como produtor de cultura; e segundo, por negar a
genética como transmissora de cultura. O primeiro aspecto foi fundamental
na medida em que inseriu o homem definitivamente no processo de con-
strução. Se durante o Iluminismo havia a predominância do caráter mais
geral, ou seja, a humanidade como um todo; agora, com a contribuição da
Antropologia, o homem passou a ter destaque, sendo ele próprio o produtor

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Antropologia I

de cultura. O outro fator também foi fundamental por desmistificar a idéia


de que a cultura era transmitida geneticamente. Mesmo que a Antropologia,
ao longo da sua história, tenha tentado modificar ou melhorar o conceito
de Tylor, é evidente que muito pouca coisa foi acrescentada e ainda hoje
prevalecem os princípios fundamentais contidos naquela síntese: o homem
é produtor de cultura e a transmite socialmente.

MÉTODO COMPARATIVO E A OBSERVAÇÃO


PARTICIPANTE

A definição do objeto de estudo e a construção do aparato teórico


foram fundamentais no processo de construção da Antropologia. Contudo,
nenhuma ciência se fez ou se faz sem definição clara dos métodos e das
técnicas para o desenvolvimento da pesquisa. A Antropologia não se furtou
a esse trabalho e desenvolveu, com os embates óbvios da caminhada, o
método e a técnicas fundamentais até os dias de hoje: método comparativo
e a pesquisa participante.
Os antropologistas do passado primaram pela busca incessante de
métodos e de técnicas que lhes permitissem produzir conhecimentos
acerca do homem, que fosse o mais próximo possível da neutralidade. Os
dois métodos iniciadores da pesquisa antropológica, ambos desenvolvidos
ainda no século XIX, foram o método comparativo puramente histórico,
desenvolvido pelos evolucionistas; e o método comparativo desenvolvido
por um dos pais da Antropologia – Franz Boas, antropólogo alemão, que
viveu entre 1858 e 1942 -, que levava em consideração a necessidade de se
conhecer os fenômenos culturais, compará-los e desvendar os processos
de construção de cada um dos fenômenos analisados no interior dos seus
respectivos contextos históricos.
O método comparativo desenvolvido e utilizado pelos evolucionistas
priorizou o registro de costumes e de crenças, todos tratados como curiosos
e colocados em estágios de uma presumível linha histórica de evolução.
Em termos mais práticos, veja como funcionava o método dos evolucioni-
stas: o pesquisador, normalmente sem sair do seu gabinete, catalogava as
informações produzidas por viajantes, militares, administradores, e outros
personagens, que se deslocavam das metrópoles européias para as regiões
colonizadas (África, Ásia, América e Oceania) e, a partir de uma história
linear previamente produzida, na qual o ápice era a própria Europa. Nesse
método não havia a preocupação em perceber as conexões entre os cos-
tumes catalogados e a totalidade na qual estavam inseridos, prejudicando
o resultado da análise.
Na etapa seguinte da Antropologia, final do século XIX, Franz Boas, já
erradicado nos Estados Unidos, desenvolveu, de forma muito contundente,
críticas ao método dos evolucionistas, entendendo que não bastava apenas

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Antropologia: revisitando os conceitos
Aula

o registro, a catalogação e a comparação com base nas possíveis similitudes,


era preciso muito mais para a melhor compreensão do fenômeno cultural.
Afirmava o pesquisador alemão que o trabalho antropológico precisava ir
10
além desses registros. Precisava identificar as origens do fenômeno e como
eles foram construídos e consolidados nas várias culturas do ambiente
humano. Agora, de forma mais científica, os costumes passavam a ser anali-
sados na perspectiva dos seus respectivos contextos históricos, ampliando
de forma considerável as possibilidades de maior cientificidade. É sempre
bom destacar que a Antropologia contemporânea continua trabalhando
com o método comparativo, ou seja, não se faz antropologia sem comparar
os fenômenos estudados.
Concluindo esta aula remissiva de conceitos e de técnicas da Antro-
pologia, apresento a técnica da observação participante. Franz Boas e seus
seguidores primaram pelo uso da pesquisa de campo. Esses pesquisadores
foram pioneiros, desenvolvendo a técnica da observação participante, na
qual o antropólogo convive com o grupo social objeto da pesquisa. O
contato pessoal do pesquisador com o objeto permite, com total segurança,
um relato detalhado dos fenômenos culturais observados e dos atores
envolvidos, evidenciando aspectos que ficariam escondidos aos olhos de
observadores pouco treinados. A observação participante, mesmo que não
seja mais utilizada com o vigor das primeiras décadas, tendo em vista que
o universo foi ampliado e agora a cultura urbana tem sido estudada com
amplitude, continua sendo instrumento importante na prática da pesquisa
antropológica.

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Antropologia I

ATIVIDADES

Reveja as questões formuladas nas aulas anteriores e procure uma maior


fixação das mesmas.

CONCLUSÃO
A Antropologia é uma ciência construída por homens e preocupada
fundamentalmente em estudar o homem no seu fazer cultural. O objeto
de estudo, as teorias com os seus conceitos, os métodos e as técnicas são
instrumentos de uma ciência que continua – como todas as ciências – em
processo constante de sempre se (re) fazer. O fundamental – e foi isso
que tentamos passar neste primeiro módulo – é tentar compreender a
Antropologia como instrumento de compreensão do homem. Não pode,
e compreendemos que não deve, ser pensada como ciência nos rigores
estabelecidos pela visão cartesiana, mas como uma ciência na qual pes-
quisador e pesquisado são o próprio homem. Até o próximo módulo!

REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo Cultural: textos de Morgan, Tylor


e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
______________. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR
Editor, 2004.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense,
2000.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

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