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MIGRAÇÃO E TRANSNACIONALISMO
MARIA CELESTE QUINTINO
INTRODUÇÃO:
Desde a consolidação da antropologia enquanto ciência, a religião e as manifestações
religiosas têm sido estudadas por antropólogos de forma bastante contundente.
Com o avanço da globalização, os fluxos migratórios foram se intensificando cada vez mais,
contribuindo assim para a transnacionalização das religiões, tendo em vista que os migrantes
carregam suas práticas religiosas desde o lugar de destino para o lugar de origem.
Para desenvolver o tema proposto acima, começo escrevendo um pouco sobre o
transnacionalismo religioso, que se dá quando a igreja e seus missionários migram para outro
país e aí se estabelecem, mantendo algum -ou alguns- tipo(s) de vínculo(s) com seu local de
origem. Logo após, trato do pentecostalismo e suas características, para então chegar à Igreja
Universal do Reino de Deus, uma das igrejas pentecostais de maior expansão mundial e que
possui características peculiares.
TRANSNACIONALISMO RELIGIOSO
Para escrever sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, antes é necessário falar um pouco
sobre a transnacionalização do pentecostalismo da América para o mundo. Para isso, é
importante deixar claro que “O espaço simbólico continua sendo o mesmo, porém duplicado
e dando origem a espaço sociais transnacionais” (PAOLA GARCÍA), o que quer dizer que
essas igrejas, apesar da transnacionalização, em seus lugares de origem continuam com as
mesmas práticas e cumprindo os mesmos papéis. E os imigrantes que, após deixarem suas
práticas religiosas em seus locais de origem, começam a frequentar a mesma igreja em seus
locais de destino, continuam estabelecendo contato com a família e amigos que em sua terra
de origem ficaram, e com a utilização cada vez mais frequente de aparatos tecnológicos
diversos e a constante presença nas redes sociais, esses meios são utilizados como forma de
compartilhar entre eles as vivências religiosas, já que para os pentecostais, a Igreja é muito
mais que apenas um espaço religioso, fazendo parte também de várias outras esferas da vida
pessoal, e com a mudança para outro país se torna fundamental compartilhar as novas
vivências com as pessoas que lá deixaram. “De ambos os lados do Atlântico há um culto a
uma mesma figura, a um mesmo referente simbólico, criando dessa maneira uma espécie de
comunhão-comunicação paralela, temporal e emocionalmente quase simultânea. Esse
compartilhamento se acentua ainda mais com as filmagens que os imigrantes realizam das
festividades para enviar um testemunho do ocorrido para seus familiares. Mas esse processo é
duplo: os parentes que permaneceram nos lugares de origem fazem o mesmo, dando assim
continuidade a identidades locais fora do espaço de origem”(PAOLA GARCÍA).
Esse duplo local de residência permite a emergência de “identidades religiosas
transnacionais” já que o indivíduo desenvolve a consciência de um pertencimento a uma
comunidade mais além de um território circunscrito, o que nos permite concluir que nos
contextos migratórios a devoção e o rito tem lugar independentemente da territorialidade
(PAOLA GARCÍA).
Diferentemente da tradicional Igreja Católica, que possui vários intermediários -como por
exemplo os santos, que são organizados de maneira territorial, através das paróquias- as
igrejas evangélicas pentecostais substituem a mediação que a igreja e os santos realizam,
estabelecendo uma relação direta entre Deus e o indivíduo, e essa extraterritorialidade
significa que os imigrantes pentecostais podem se organizar no exterior de maneira mais
fácil, constituindo assim, o que García chama de “comunidades religiosas multiétnicas”.
PENTECOSTALISMO
Uma das igrejas pentecostais mais importantes do cenário brasileiro, a Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD) , foi fundada em 1977, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, por
Edir Macedo.
Nos estudos antropológicos da religião, não é segredo que o Brasil é um dos maiores (se não
o maior) exportadores de religião do mundo, e por isso o que chama a atenção no caso da
IURD não é a sua expansão, mas sim a sua rápida expansão e forte adesão em diversas partes
do mundo, ao que tudo indica inclusive, segundo vários autores, ser a IURD a igreja de maior
expansão global.
“O Brasil tem a segunda maior comunidade de protestantes praticantes do mundo, e a maior
comunidade de pentecostais. Que a IURD tenha se expandido a outros países, portanto, não
surpreende, mas sim a dimensão e velocidade dessa expansão. A visão missionária não a
diferencia de outras Igrejas ; mas a capacidade de concretizar a visão tem muito a ver com
uma conjunção única de elementos”. (Freston 1999).
É inegável o poder político e econômico que a IURD tem, e a construção de templos
faraônicos, as compras de canais televisivos, rádios e terrenos em locais extremamente caros
das grandes capitais mundiais são apenas uma mostra do poder que a IURD possui. “A IURD
talvez seja única porque, ao contrário de outras expressões do protestantismo
latino-americano ou africano, possui um poder político e uma força econômica que lhe
asseguram a visibilidade mesmo no mundo desenvolvido” (Freston 1999)
“Fora do Brasil, a Universal conta com um ou mais pastores que ficam responsáveis pelo
evangelismo e pelas iniciativas de implantação do templo local. Na maior parte das vezes, os
líderes missionários se mudam com suas esposas e filhos e lideram as diversas atividades
propostas. Por isso, é comum que as obras sociais desenvolvidas sejam organizadas pelas
mulheres dos bispos e pastores, que também ocupam posições estratégicas na liderança.” Não
deverá surpreender, portanto, que a quase totalidade da ação social a ser descrita seja
orientada para mulheres ou por grupos por elas assistidos, afinal, o campo das assistências
ainda é um espaço de concentração das mulheres” (Simões, 2004), de modo que elas se
tornam “agentes preferenciais das doações” (Machado e Mariz, 2008). Além disso, há regiões
em que a presença delas ultrapassa 80% da audiência da IURD (Almeida e Montero, 2001;
Jacob et al., 2003)” ( ROSAS, 2016) .
Quero destacar aqui também o crescimento da IURD na África, crescimento esse que vem
ganhando mais força desde as últimas décadas, principalmente devido às ações sociais
desenvolvidas pela IURD. Em alguns casos, inclusive, a Igreja realizou projetos na área de
saúde pública, substituindo tarefas de responsabilidade do Estado, principalmente no que diz
respeito ao combate do HIV/SIDA em vários países do continente, visto o alto número de
pessoas infectadas.
Outro exemplo é a Angola, lugar em que a ABC “está ativa entre os angolanos e organiza os
seguintes projetos: Comunidade Vida Feliz (destinado a distribuir alimentos a pessoas
necessitadas); S.O.S. Cunane (responsável por socorrer vítimas de desastres naturais e
catástrofes); e Ler e Escrever (atividade de alfabetização). Os voluntários da associação
distribuem de modo recorrente folhetos com informações de prevenção contra AIDS, cólera e
malária (Arca Universal, 15/01/2010). À ABC angolana também é atribuída a criação do
Centro Profissional Acadêmico, onde funcionam o programa Ler e Escrever e outras
atividades profissionalizantes, como cursos de corte e costura, informática, cabeleireiro,
pastelaria, panificação e decoração (Folha Universal, n. 893 e 900). A ABC também organiza
o centro de crianças e jovens desfavorecidos El-Betel, que atende adolescentes instruindo-os
para que mudem de vida. O El-Betel funciona com a ajuda de membros da igreja, que levam
doações, e de parcerias estabelecidas com o governo da Angola. A IURD auxilia ainda o
Centro Alnur, destinado a acolher crianças órfãs e jovens que enfrentam o vício das
drogas”(Folha Universal, n. 893).
Nos outros países africanos a IURD tem ações muito semelhantes, sempre desenvolvidas em
conjunto com outras ações visando sua permanência exitosa, como já descrito acima, e
mostrando que é uma igreja de sucesso não apenas entre os imigrantes, mas também com a
população local dos países para o qual a IURD se transnacionaliza.
GARCIA, Paola. “El carácter transnacional de las creencias y prácticas religiosas de los
inmigrantes latinoamericanos en España”, Universidad París XII.
RODRIGUES, Donizete; SILVA, Marcos de Araújo. 2012, “Gesù Cristo è il Signore: a Igreja
Universal do Reino de Deus em Itália”, in Etnográfica: Revista do Centro em Rede de
Investigação em Antropologia vol. 16 (2).
ROSAS, Nina; A Igreja Universal do Reino de Deus: ação social além-fronteiras Ciências
Sociais Unisinos, vol. 52, núm. 1, enero-abril, 2016, pp. 17-26 Universidade do Vale do Rio
dos Sinos São Leopoldo, Brasil.