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UNIVERSIDADE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

As Presunções no Código Civil de 2002 e as Consequências da


Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Trabalho apresentado como requisito


parcial para aprovação na disciplina:
DCV5917-2 - O novo Código Civil:
Proposta de Emendas e Revisões I,
ministrada no primeiro semestre do
ano letivo de 2009 pelo Professor
Titular Doutor Rui Geraldo Camargo
Viana, e Professor Titular Doutor
Carlos Alberto Dabus Maluf.

Curso: Doutorado
Aluno: Sérgio Roberto de Niemeyer Salles, nº USP 3634267
e-mail: sergioniemeyer@terra.com.br

julho 2009
As Presunções no Código Civil de 2002 e as Consequências da Recusa à
Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Sumário: I. Introdução; II. Definição e conceito vigentes; III. Crítica à definição e conceito
atuais de presunção; IV. Reinventando a presunção: a redescoberta do conceito e a
reformulação da definição a partir duma concepção oitocentista; V. Sobre a natureza das
presunções; VI. As presunções de direito e sua classificação; VII. Colisão entre presunções no
direito; VIII. Destinatário das presunções; IX. As presunções no Código Civil de 2002 e a
recusa à perícia médica (CC, art. 231 e 232) aplicada pelos tribunais; X. Conclusão.

I. Introdução

O presente trabalho investiga as presunções no Código Civil


brasileiro e as consequências da recusa à perícia médica conforme a
jurisprudência dos tribunais.
Tirante algumas obras editadas durante a Renascença, como o
Tractatus De Praesumptionibus, de Andrea Alciato, publicada em 1559 com
contribuições de Joannes Nicolaus, ou os Comentaria, t. II: De
Praesumptionibus, Coniecturis, Signis, Indiciis, de Jacobus Menochius,
publicada no ano de 1617, o tema relativo às presunções parece nunca ter
interessado aos doutrinadores modernos, os quais não se ocuparam em
aprofundar o estudo a respeito delas. É comum deparar apenas com a
introdução do conceito sem submetê-lo a qualquer exame ou crítica, como se
fosse um postulado. Por essa razão, apresenta-se no item II o conceito de
presunção que vigora desde priscas eras e que se mantém até os dias atuais.
Em seguida, no item III, elabora-se a crítica às diversas definições
encontradiças na doutrina e aos respectivos conceitos que lhes conferem
sustentação, tomando por base os elementos racionais que devem presidir
todo lavor intelectual investigativo, utilizando, para essa tarefa, os recursos da
Lógica e da Linguística como matérias que oferecem o instrumental
necessário à análise desenvolvida, quase sempre menoscabadas pela doutrina
jurídica, como se fosse possível prescindir delas na aquisição e
aperfeiçoamento do conhecimento.
Em consequência da análise crítica desenvolvida, no item IV é
oferecida uma proposta de reformulação do conceito e da definição de
presunção para ajustá-los às conclusões alcançadas e à noção intuitiva que a
palavra transporta, conferindo-lhe maior precisão técnica, o que obsequia
melhor compreensão do fenômeno estudado e resulta notáveis consequências
de ordem prática, algumas das quais são anunciadas e exploradas
subsequentemente. Na verdade, a reconstrução do conceito recupera a
definição de presunção formulada no Regulamento nº 737, de 25 de
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Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

novembro de 1850, aprofundando o exame conceitual por trás dela,


culminando com sua reformulação.
No item V, já partindo do conceito reformulado, aborda-se a
natureza ontológica das presunções como fenômeno que deve ser distinguido
das provas, dos indícios e das ficções de direito.
O direito, como sói ser sua característica, promove modificações na
natureza ontológica das presunções, ajustando-as a determinados fins
práticos, o que implica sua distribuição por entre diversas classes distintas,
caracterizadas pelos diferentes efeitos que produzem. A classificação das
presunções, já inseridas no âmbito do direito, ou seja, com sua natureza
ontológica modificada para atender aos desígnios que lhe são reservados pelo
ordenamento jurídico, é examinada e apresentada no item VI.
Também constitui objeto de análise, no item VII, a colisão entre
presunções, enquanto no item VIII determina-se quem são os destinatários
delas e as implicações daí resultantes.
O item IX elenca diversas ocorrências das presunções no
ordenamento jurídico, enfatizando aquelas presentes no Código Civil
brasileiro de 2002, mencionando, no entanto, algumas outras presentes em
distintos diplomas legais.
É no item X que analisamos a questão que liga as presunções à
recusa de perícia médica prevista no art. 233 do Código Civil brasileiro, e a
interpretação que os tribunais vêm dando a esse dispositivo.
No item XI concluímos este estudo, exaltando a importância das
presunções e a necessidade de sua correta conceituação para escapar à
inteligência nem permitir que esta seja colhida em armadilhas intelectuais
decorrentes do conceito equivocado que até hoje prevaleceu.

II. Definição e conceito vigentes

A palavra presunção não possui significado único. Ao contrário,


admite pelo menos duas acepções. De acordo com a primeira delas, significa
a opinião que uma pessoa faz de si mesma, exteriorizada publicamente e
caracterizada pela imodéstia, a afetação nos modos de agir e de se expressar
como resultado da confiança excessiva que deposita em si mesma. Diz-se,
assim, presunçoso de uma pessoa que apresenta tal pretensão. Presunçoso e
pretensioso são, sob esse aspecto, palavras que guardam entre si relação de
sinonímia. A segunda acepção da palavra presunção, também dicionarizada, é
aquela que deriva do verbo presumir. De acordo com essa segunda acepção,
presunção significa o ato de presumir, que por sua vez transporta o valor
semântico de julgar ou entender antecipadamente.
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A primeira acepção, alinhada com o binarismo característico da


razão humana, pertence ao domínio da dualidade entre a virtude e o vício,
tendo sido objeto de atilada análise por Michel Montaigne em seus ensaios e
não constitui objeto de interesse para os propósitos deste trabalho. A nós
importa a presunção enquanto cognato de presumir.
O conceito de presunção nessa segunda acepção, e que tem sido
empregado em direito, foi haurido de suas ocorrências no direito romano.
Alciato, na obra suso citada, definiu a presunção como “probabilis coniectura
ex certo signo proveniens, quae alio non adducto, pro veritate habetur”.1 Tal a
força obtida por essa definição, que se projetou sobre as gerações seguintes,
influenciado não apenas a doutrina, mas a própria norma jurídica.
Pothier (2001, p. 718), cuja obra, publicada ainda no século XVIII,
teve grande influência no Código Civli francês, definiu presunção como “um
juízo que a lei ou o homem faz sobre a verdade de uma coisa, como uma
consequência tirada de outra coisa”. O próprio Código Civil francês estatui,
no artigo 1.349, “[l]es présomptions sont des conséquences que la loi ou le
magistrat tire d'un fait connu à un fait inconnu”.2 Não discrepa o Código Civil
italiano, cujo artigo 2.727 exprime-se do seguinte modo: “Art. 2.727. Nozione
– Le presunzioni sono le consequenze che la legge o il giudice trae da un fatto
noto per risalire a un fatto ignorato.”3 Também o Código Civil português
caminha na mesma direção, adotando, em seu artigo 349º uma definição que
se pode dizer constitui uma instanciação da tradução do artigo 2.727 do
Código Civil italiano, com a seguinte redação: “Artigo 349.º (Noção) –
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido
para firmar um facto desconhecido.”
Diante dessas definições e do conceito a elas subjacente, não
estranha o rumo trilhado pelos diversos autores a respeito do tema,
apresentando definições de presunção muito semelhantes, as quais diferem
umas das outras com ligeiras variações, mas, de um modo geral, exprimem a
mesma ideia prevista na definição inculcada por Alciato, perfilhada por
Cujácio e Pothier, e adotada no artigo 1.349 do Código de Napoleão.
Para os fins da análise que faremos no item seguinte apresentamos
a seguir as definições mais relevantes oferecidas por vários autores, as quais
traduzem o conceito vigente de presunção:

1
Tradução livre: “[presunção é a] conjetura provável proveniente de certo sinal, não provada por ele, que
se considera como verdade”.
2
Tradução livre: “as presunções são as consequências que a lei ou o juiz tiram de um fato conhecido para
chegar a um fato desconhecido”.
3
Tradução livre: “As presunções são as consequências que a lei ou o juiz extraem de um fato conhecido
para chegar a um fato ignorado.”
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A presunção pode ser definida como um juízo que a lei ou o homem faz
sobre a verdade de uma coisa, como uma consequência tirada de outra
coisa (grifos nossos) (POTHIER, ob. et loc. cit.).
[Presunções] são induções que a lei ou o juiz tira da reiteração de fatos
conhecidos para estabelecer a verdade de fatos desconhecidos”
(BEVILÁQUA, 1929, p. 324).
[Presunção] é a consequência ou a ilação que a lei ou o juiz tira de fato
conhecido para deduzir a existência de outro que se pretenda provar
(grifos nossos) (SANTOS, J., 1991, p. 180).
Presunção é a ilação que se tira de um fato certo, para prova de um fato
desconhecido (sic) (grifos nossos) (PEREIRA, 2004, P. 605).
Presunção é a ilação que se tira de um fato conhecido para se provar a
existência de outro desconhecido (grifos nossos) (SANTOS, M., 1983, p.
80).
Presunção é a conclusão que se extrai de fato conhecido para provar-se
a existência de outro desconhecido (sic) (VENOSA, 2005, p. 651).
Presunção é o recurso técnico de lógica formal, utilizado pelo espírito, a
fim de alcançar a verdade operacional (NADER, 2008, p. 478).
[Presunções são] as consequências ou ilações que a lei ou o julgador deduz
de um fato conhecido, para firmar um fato desconhecido (grifos nossos)
(CASTRO, 2000, P. 580).
[P]resunção é a estimativa que se faz de que um determinado fato é
verdadeiro, independentemente de qualquer prova apresentada nesse
sentido (DANTAS, 1979, p. 393).
Exceto pela definição de San Tiago Dantas, todas as demais
participam do mesmo conceito: o de que as presunções constituem um
processo inferencial pelo qual se chega ou prova um fato desconhecido a
partir de outro conhecido. Numa palavra, o conceito de presunção consiste em
uma espécie de inferência. E não surpreendem tais definições porque apenas
repetem, com ligeiras diferenças, as definições de antanho.
Como se verá no item subsequente, essas definições assim como o
conceito que lhes é subjacente representam uma degradação da ideia
primitiva que já medrava entre os romanos e foi captada pelos intelectuais do
direito de outrora, porquanto essa noção primeva sofreu indevido desvio
semântico que se verifica já na definição de Pothier, tendo influenciado a
elaboração do Código de Napoleão que, por sua vez, projetou-se para
influenciar o próprio discernimento a respeito do tema até os dias presentes.

III. Crítica à definição e conceito atuais de presunção

Antes de tudo, deve esclarecer-se que a análise de um conceito,


mormente de um conceito abstrato como é o da presunção, imprescinde do
exame dos conceitos que entram na sua formulação. Daí que não se pode
descurar as palavras empregadas para exprimir um conceito. Ao contrário,
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estas deve ser escolhidas com esmero porque transportam valores semânticos
que se ligam uns aos outros para formar um todo com um valor semântico
resultante compreensível, ou seja, capaz de gerar representação na mente
humana. A não ser assim, a concepção não é possível. Tão importante é
concepção para a razão humana que já se concluiu ser possível conceber
mesmo sem imaginar. É o que se denomina como inimaginável concebível
(FOULQUIÉ, 1967, p. 169, s.v. concebir, n. 5).
“O valor semântico de um nome é o objeto denotado e o valor
semântico de um enunciado é o seu valor de verdade” (PENCO, 2006, p. 60).
Mas há, ainda, o valor cognoscitivo das expressões, ou seja, o sentido. Assim,
só é possível conhecer o significado a partir do princípio da
composicionalidade, cuja descoberta, segundo Carlo Penco (PENCO, op. cit.,
p. 61), deve-se a Gottlob Frege. De acordo com esse princípio, central para a
semântica, “o significado de um enunciado é função do significado das suas
partes e das suas regras de composição” (PENCO, ibidem).
Um conceito, como é aquele de que ora se ocupa (a presunção), é
um modo de formar representações no espírito. Diferentemente da ideia, que
se distingue por possuir caráter subjetivo,4 o conceito é objetivo
(FOULQUIÉ, op. cit., p. 169, s.v. concepto), e bem por isso se sujeita à crise,
até mesmo quando está funda-se na primeira, ou seja, na ideia. Segundo
Runes (1969, p. 73, s.v. Concepto), todo conceito é “[e]n un sentido estricto,
término genérico, exclusivo o que expresa una relación o categoría. A veces,
en un sentido amplio, cualquier representación general o abstracta.”
O conceito isolado não é nada, ou é muito pouco. Serve, no entanto,
a um propósito mais elevado e profundo: o de viabilizar o juízo. Todo juízo,
por sua vez, é um processo mental de associação que relaciona conceitos para
fixar e isolar as representações necessárias à compreensão de algo ou à
formulação de novos conceitos. Exprimem-se por modo do discurso,5 o qual
se compõe de palavras, signos linguísticos cuja função é exatamente a de
associar um objeto ou significado, seja concreto, seja abstrato, isto é, seja pela
percepção sensível, seja pela percepção metafísica ou meramente intelectual,
a um significante, vale dizer, a um forma capaz de obsequiar a representação
mental que daquele se faz.
4
Uma pessoa pode ter uma ideia própria de justiça, porém, o conceito desta é objetivo, informa a
representação mental por todos apreensível e está na base da compreensão e até mesmo da investigação
que visa à modificá-lo a partir de ideias próprias.
5
O discurso é uma emissão sonora entrecortada. Esses cortes demarcam o que se chama palavra falada.
Assim, o discurso é uma emissão sonora composta por palavras. A palavra, embora não seja a menor
unidade significativa da linguagem, é um elemento sonoro portador de significado que fixa na mente
humana a representação de determinada ideia. A palavra, por sua vez, escrita é apenas uma forma
gráfica que se dá à palavra falada. Exatamente por isso, cada elemento que entra na sua composição está
associado a um determinado som. O pensamento somente consegue articular-se ordenadamente para
formar um raciocínio por meio da linguagem que, de seu turno, manifesta-se sob a forma de discurso.
Daí a imperiosidade da palavra como elemento de aquisição, fixação e propagação do conhecimento.
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Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

O juízo, quando excele em sua atividade e alcança o seu fim, torna


possível exprimir determinados conceitos em uma única palavra. Na verdade,
essa é mesmo a meta desejada, embora nem sempre alcançada. Toda vez que
o intelecto não consegue conceituar adequadamente um objeto de cognição,
recorre à tipificação ou à exemplificação. Quando, ao contrário, essa
atividade intelectiva e exitosa, conseguindo-se obter para determinado objeto
do conhecimento uma conceituação ou definição imediatamente apreensível,
tal concepção passa a exprimir-se por meio de uma palavra ou uma locução
curta formada de poucas palavras.
É o que ocorre com a presunção, cujo étimo provém do Latim
praesumptio, -onis. Esta, por sua vez, deriva do verbo praesumo, -is, -ere, -
psi, -ptum, que significa presumir, por meio do processo de derivação que
agrega ao tema praesump- do verbo no modo do supino o sufixo -tio para
designar o resultado ou a própria ação verbal, o ato que ele exprime. Por
outro lado, o verbo praesumo forma-se pela adjunção do prefixo prae-, que
designa anterioridade, aquilo que vem ou ocorre antes em antecipação ou
antecipadamente, ao verbo sumo, -is, -ere, -psi, -ptum, o qual significa tomar,
assumir, admitir, reconhecer. Diante desses dados, pode-se concluir que prae
+ sumo = praesumo significa tomar, assumir, admitir, reconhecer
antecipadamente. Numa palavra, presumir é um juízo antecipado e sem prova
que agrega o valor de verdade ao enunciado de um fato. Portanto, pode-se
dizer que presunção significa o ato de antecipar algo, admitir a verdade de
alguma coisa antes de qualquer evidência que a comprove.
Por outro lado, a ideia intuitiva que a palavra presunção infunde no
espírito, definitivamente, não é compatível com a certeza. Ao contrário,
presunção liga-se à incerteza, à dúvida de algo que, exatamente por isso, é
tomado como verdadeiro até que evidências retumbantes demonstrem não sê-
lo. Numa palavra, presume-se. Mas não se pode pretender obter um conceito
para a presunção a partir do seu cognato presumir, porque assim agindo
incorreríamos em petição de princípio. Devemos, então, buscar encontrar
outros elementos capazes de conferir ao conceito independência e precisão
capazes de apascentar o discernimento.
Um bom ponto de partida é perceber que, de um modo geral, e não
apenas no âmbito do direito, a presunção ocorre na ausência de informações
ou evidências relevantes sobre determinado objeto de cognição. De outro,
deixa de produzir efeito quando fortes evidências são apresentadas
infirmando-a.
Porque constitui um instrumento a serviço do conhecimento, a
presunção não pertence à lei das evidências ou das provas, mas às regras do
raciocínio. Sem a presunção toda atividade do raciocínio ficariam sobrestadas
à espera de evidências para progredir. A presunção opera a função de
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Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

colmatar as lacunas deixadas pela falta de informação, permitindo assumir


como verdadeiro determinado fato e agir sob tal consideração até que ocorra a
demonstração de que aquela verdade não se mantém, ou seja, a consideração
feita é falsa.
Assim entendida, a presunção não é um fato, mas apenas a
estimativa provisória que se faz de um fato. Embora sujeita à invalidação,
permanece segura até que seja destruída efetivamente por meio de revelações
desestabilizadoras. Dito dessa forma pode parecer à primeira vista haver certa
similitude entre a presunção e o argumento ad ignorantiam.6 A semelhança,
contudo, não procede senão na aparência. A conhecida falácia ad ignorantiam
não se confunde com o argumento em estado de ignorância. O estado de
ignorância não constitui uma base ou premissa do raciocínio, mas uma
circunstância caracterizada pela precariedade do conhecimento na qual, à falta
de melhores condições, faz-se o melhor que se pode para resolver uma
questão que precisa ser solucionada. Embora tanto o argumento ad
ignorantiam quanto a presunção compartilhem da transferência do ônus da
prova, o primeiro é empregado para forçar essa inversão quando ela não tem
cabimento, enquanto o segundo é aceito voluntariamente ou por imposição da
lei porque atende razoavelmente aos fins a que se destina. Ali, impera a
erística, aqui a perseguição de uma solução racional.
É característico das presunções, qualquer que seja o apoio em que se
sustenta, seu funcionamento operacional é sempre o mesmo. Em todos os
casos, sob uma perspectiva ontológica,7 a presunção constitui um substituto
plausível da verdade cujas credenciais podem provar-se insuficientes. Encerra
um esquema de plausibilidade, o que está de pleno acordo com a ideia
intuitiva de incerteza.
Se a dúvida constitui um elemento inerente à presunção e, se é certo
que só se pode conhecer o significado de um enunciado (como é a
conceituação de um objeto do conhecimento) por meio do significado de suas
partes, i.e., do conceito representado pelas palavras empregadas, então, pode-
se dizer que as conceituações nas quais entram palavras indicativas de uma
certeza são incompatíveis com o conceito correto e verdadeiro das
presunções. Desse modo, o conceito de presunção não pode conter palavras
que expressem o atingimento ou aquisição de uma certeza. Devem, pois, ficar
fora do conceito de presunção palavras como: tirar, deduzir, inferir, ilação,

6
“Argumentos ad ignorantiam (apelo à ignorância) têm uma das seguintes formas:
Não tem sido provado que P.
 ~P.
Não tem sido que ~P.
 P.” (NOLTE; ROHATYN, 1991, P. 361)
7
A ressalva é feita porque o direito pode alterar essa funcionalidade natural das presunções, como ocorre
com as ditas presunções absolutas, analisadas mais adiante neste trabalho.
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Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

indução, dedução, extrair, conclusão, provar, e outras que infundem a ideia de


certeza.
Não se pode associar a noção de presunção com a de inferência,
dedução, ilação, indução ou conclusão.
Inferência advém do Latim inferentia, acusativo plural neutro do
particípio presente inferens, -tis, de infero, fers, ferre, intŭlli, illātum (palavra
não dicionarizada). Define-se como a atividade psicológica que consiste em
aduzir uma conclusão a partir de provas, em chegar a certas crenças e
opiniões com base em outras. É, portanto, um processo mental que conduz a
uma certeza, ou seja, a um estado de espírito tranquilo por ter alcançado uma
evidência, entendida esta última palavra como a percepção direta e imediata
do sujeito sobre um objeto de cognição que implica no fim da indagação e de
toda atividade probatória. A evidência faz emergir a certeza do conhecimento
e desaparecer toda dúvida sobre o objeto a que se refere de modo
inquestionável, impossibilitando qualquer outra hipótese de explicação nas
condições analisadas.
É o raciocínio, organização do pensamento que se ordena visando a
um objetivo, que exibe com nitidez uma certeza nova. Segundo Hegenberg
(1995, pp. 106-107, s.v. inferência), é o processo mental “que permite ao
espírito passar de certas proposições (admitidas como verdadeiras), chamadas
premissas, para outra proposição, denominada conclusão (cuja verdade está
subordinada e associada à das premissas)” (HEGENBERG, op. et loc. cit.). A
inferência é imediata quando pode derivar de uma única premissa, que se
associa à conclusão. A inferência também não se confunde com a implicação
material8 nem com a implicação lógica. 9 Estas podem entrar na composição
de uma inferência figurando como uma das premissas ou como parte destas.

8
O operador condicional, representado em Lógica pelos símbolos → ou , serve para exprimir a relação
entre duas proposições nucleares sob a forma “se, então...”. Em simbologia lógica a fórmula A → P, que
deve ser lida: se A, então P. As variáveis A e P podem assumir qualquer valor, v.g., “se João está
desaparecido há longo tempo sem dar notícia, então, João está morto”, “se José não há prova da
culpabilidade de João, então ele é inocente”. Para entender a funcionalidade do operador condicional, e,
conseguintemente, dos enunciados condicionais, sejam A e P duas proposições quaisquer.
Representando verdadeiro pelo símbolo y e falso z com o símbolo, pode-se construir a tabela-verdade
da implicação material (enunciado condicional) do seguinte modo:

A P A→P
y y y
y z z
z y y
z z y
O que a tabela acima indica que a proposição composta consistente da implicação material somente será
falsa quando a proposição antecedente for verdadeira e a consequente falsa. Por outras palavras, uma
verdade não pode implicar uma falsidade. Já o inverso é possível, quer dizer, uma falsidade pode
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Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

A presunção não é, portanto, uma inferência ou um processo


inferencial, conquanto assuma a feição de uma proposição entra como
segundo termo numa implicação lógica. E o fato de a presunção ser o
consequente de uma implicação lógica não significa ser uma consequência de
natureza etiológica do antecedente que figura na mesma implicatura. A
implicação lógica apenas garante, por definição, que toda vez que o
antecedente de um enunciado condicional for verdadeiro, o consequente
também o será, nada informando sobre a existência de algum elo de
causalidade entre tais proposições. Daí poder-se dizer serem equivocadas as
definições e os conceitos que sugerem o contrário.
Por isso, é preciso cuidado no emprego das palavras ao exprimir
uma noção ou conceito para não macular a perfeita cognição com o senso
vulgar das coisas, principalmente quando a investigação tem caráter
científico. Quando se diz que se tira ou extrai algo de algum lugar, implícito
está que o objeto retirado estava onde foi obtido. E se estava lá, é porque era
certo, e não duvidoso. Assim, afirmar que a presunção é a verdade que se tira
como consequência de outra coisa não transmite a noção intuitiva que a
presunção infunde no espírito. Ao revés, constitui uma contradição interna,
pois reveste a presunção de certeza, tudo o que definitivamente não se lhe
pode atribuir.
Tampouco é correto dizer que a presunção é uma ilação. Em sentido
vulgar, ilação, conclusão e dedução guardam certa relação de sinonímia.
Todas essas palavras impregnam-se de uma carga semântica que transporta a
noção de certeza, a qual, como já vimos, é incompatível com a noção intuitiva
da presunção que serve como guia da busca de seu conceito.
Em sentido técnico, notadamente no sentido empregado pela
Lógica,10 ilação significa a conclusão ou o resultado de uma inferência, seja

implicar uma verdade, por isso que nessa hipótese o enunciado condicional será verdadeiro. Também
será verdadeiro quando ambas as proposições, antecedente e consequente, forem falsas, significando ser
verdade que uma falsidade implica outra falsidade.
9
Um implicação lógica é definida como a relação entre duas proposições de maneira que, sempre que a
primeira for verdadeira, a segunda também o será. Em outras palavras, uma proposição A implica
logicamente uma proposição P, se P é verdadeira todas as vezes em que A é verdadeira.
10
Neste passo, impende rechaçar os ataques desferidos contra a Lógica por aqueles que soem afirmar não
ser um Direito uma ciência exata e, por essa razão, não estar subordinado à “Lógica Matemática”. A
Lógica é o mais poderoso instrumento da razão. Por isso está intimamente ligada com a linguagem (toda
linguagem só se caracteriza como tal porque possui uma estrutura formal lógica, sem a qual a ordenação
do pensamento se torna impossível). A Lógica está presente em todas as disciplinas do conhecimento
humano. Bem por isso pode ser predicada como uma matéria transdisciplinar, dado o caráter que possui
de permear todas as demais disciplinas, desde aquelas classificadas sob a categoria das ciências exatas
(Matemática, Computação, Engenharia, etc.), das ciências naturais (Física, Biologia, Química, etc.), até
as que são alocadas sob a classe das ciências sociais (Sociologia, História, Economia, Antropologia,
Direito, Geografia, Linguística, Pedagogia, etc.). Só quem não conhece Lógica, cuja descoberta ocorreu
no âmbito da Filosofia, é que ousa negar sua aplicação pelo temor de que a razão bem ordenada com
base em seus preceitos seja atentatórias à justificativa dos interesses que pretende defender.
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ela dedutiva ou indutiva. É, portanto, a proposição final de um processo


inferencial. Numa dedução, a conclusão está contida nas premissas, porém de
forma indistinta. Exatamente porque conclusão está contida nas premissas,
não pode ter extensão maior do que estas, e uma vez que se chegue a ela, a
verdade das premissas impõe a da conclusão com força de absolutidade. Em
síntese, dedução é o processo inferencial de passagem do geral para o
particular, de modo que a certeza obtida não comporta prova em contrário.
O mesmo não ocorre quando a inferência é indutivo. A indução é a
passagem do particular para o geral, ou a generalização científica a partir da
evidência observacional (WESLEY, 1993, p. 9). “Os argumentos indutivos,
ao invés dos argumentos dedutivos, fornecem conclusões cujo conteúdo
excede o das premissas” (WESLEY, op. cit., p. 45). Podem indicar-se ainda
três características marcantes da indução, a saber: a) embora a conclusão
exceda em conteúdo as premissas, esse excesso diz respeito ao quanto foi
observado e constitui o ponto comum entre elas; b) a generalização só é
possível porque não se conhece, nem em potência, qualquer possibilidade de
ocorrência capaz de infirmar a conclusão; c) ainda que ulteriormente seja
verificada uma falha empírica, o que implica, via de regra, a necessidade de
se abandonar ou ajustar a conclusão, ainda assim a verdade das conclusões
obtidas nos casos particulares que serviram de base para a generalização
persistirão. É exatamente com base em (a) e (b) que se pode atribuir à
conclusão de um processo inferencial por indução elevada carga da certeza.
Em outras palavras, por meio da indução formula-se uma regra geral de que
os casos particulares constituem simples instanciações. As ocorrências já
verificadas são imutáveis, de modo que somente as instanciações futuras
podem frustrar a previsibilidade alcançada com a generalização.
Nada disso, no entanto, se verifica no caso das presunções. Quando
se presume algo, já se sabe de antemão que pode não ser verdadeiro porque os
fatos capazes de refutar a presunção são previamente conhecidos. Apenas não
se conhece a verdade de um e de outros, procedendo-se a uma escolha em
favor do primeiro por razões de conveniência e razoabilidade. Isso não
significa recorrer ao argumento quod plerumque fit.11 É razoável admitir
como morta a pessoa desaparecida há muito tempo. Trata-se de uma
presunção, pois sabe-se que se a pessoa aparecer viva fica completamente
destruída aquela admissão de sua morte, provando-se simplesmente que era
falsa. Por outro lado, se se encontra o cadáver ou a ossada, também
desaparece a presunção, não por ser derrogada, mas confirmada,
consolidando-se a certeza sob os auspícios da verdade real. Assim, o que se
presume é a verdade de algo, mas ao assumi-lo como verdadeiro já se sabe

11
Tradução livre: “as coisas como ordinariamente acontecem”
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 11
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

que certas circunstâncias podem vir a lume para derruir tal consideração de
verdade.
Daí o equívoco de dizer que a presunção consiste em tirar ou extrair
de um fato conhecido a prova de existência de outro desconhecido. Não existe
fato desconhecido a ser provado pela presunção. O fato presumido é
conhecido enquanto possibilidade. O que não se conhece é o valor verdade
desse fato, ou seja, se ele é verdadeiro ou não, se ocorreu ou não. A ausência
não prova o passamento, embora possa razoavelmente sugeri-lo. Mas, em
potência, sabe-se que tanto pode ter ocorrido quanto pode não ter ocorrido.
Considerá-lo como verdadeiro é um juízo de conveniência, que serve a
determinado fim. Ontologicamente, contudo, a presunção sempre admite
prova em contrário.
Outro argumento contra os conceitos e definições vigentes é que se
por meio da presunção se obtém, de um fato conhecido, a prova de um fato
desconhecido, desaparece toda a incerteza a respeito desse último, surgindo
em seu lugar uma certeza irrefutável porque provada com base em um fato
certo. Evidentemente isso contradiz a noção de presunção que se caracteriza
exatamente pela incerteza que envolve o conhecimento da verdade do fato
sob consideração.
Para aluir completamente a concepção errônea que se tem
formulado sobre as presunções, pense-se nos seguintes enunciados: 1) “se não
há prova da culpa de A quanto à pratica de certo delito, então presume-se que
seja inocente”; 2) “se não há prova de que A é inocente quanto à prática de
certo delito, então presume-se que seja culpado”. Sob uma perspectiva lógica,
ambos esses enunciados são, rigorosamente, semelhantes. Não há razão,
primo ictu oculi, para preferir o primeiro ao segundo a não ser que se recorra
a outros elementos da razão, como, v.g., as repercussões derivadas de cada
um no cotejo de cânones éticos e da finitude da vida como espaço temporal
limitado para o exercício da liberdade. Isso, contudo, indica tratar-se de uma
escolha política. Em cada um desses enunciados não há um fato antecedente,
mas, sim, um não-fato, porquanto a ausência de prova sobre alguma coisa
constitui um dado, mas definitivamente não se pode classificar como um fato
na acepção própria desse termo. Quando muito, um dado sobre um fato ou um
não-fato em potência, o que não chega sequer a ser um metafato, ou o fato do
fato (ou do não-fato). No entanto, ambos os enunciados contêm uma
presunção: a de inocência, no primeiro, e a de culpado, no segundo.
Também não resiste a própria definição oferecida por Alciato
porque subsome a presunção ao conceito de conjectura ao dizer que
“[presumptio] est coniectura probabilis ex certo signo, quae alio no adducto,
pro veritate habetur”. Presumir nada tem a ver com conjeturar. São conceitos
que não se compatibilizam entre si. Já pelo étimo dessas palavras obtém-se a
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 12
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

distinção. Conjetura provém do Latim conjectura, -ae, e significa explicação


do futuro, adivinhação, o ato de predizer o futuro, numa palavra, é a
especulação sobre o porvir. Aliás, o verbo cognato conjecto, -as, -are, -avi, -
atum, deriva da composição obtida pela adjunção do prefixo con-, designativo
de companhia, concorrência, ao verbo jacto (-as, -are, -avi, -atum), que
significa lançar, do que resulta que conjecto equivale a lançar juntamente,
prognosticar. Tais noções não entram naquela que irradia da presunção.
Quem presume, assume como verdadeiro algo passado ou presente, mas não
futuro. A conjetura é uma especulação da mente que labora hipoteticamente,
sem nenhuma atribuição de certeza ou valor verdade ao objeto da hipótese. Já
a presunção é o crédito que se dá a uma afirmação que enuncia um fato sem
demonstrá-lo. Por ela o fato reveste-se de certeza e de valor de verdade, ainda
que apenas temporariamente. Não há nisso conjetura. Conforme Pontes de
Miranda (2000, p. 497), “a presunção simplifica a prova, porque a dispensa a
respeito do que se presume.” Leibniz (1999, p. 461), também distingue a
presunção da conjetura nestes termos:
Quanto à presunção, que é um termo dos jurisconsultos, o bom uso vigente
entre eles o distingue da conjetura. É algo a mais, e que deve
provisoriamente passar como uma verdade provisória, até que se demonstre
o contrário, ao passo que um indício, uma conjetura, muitas vezes deve ser
pesada e comparada com outra conjetura.
Se a conjectura não dispensa a prova, isso não se deve aos mesmos
fundamentos que também a dispensam no caso da presunção. Isso se dá
porque aquela, diferentemente desta, não assume nada como verdadeiro,
apenas cogita de uma possibilidade. A prova aí é dispensável porque dela não
ocorre necessidade, e, em ocorrendo, incumbe a qualquer um, seja aquele que
se valeu da conjetura, seja de quem tiver interesse em demonstrar sua
impossibilidade. Relativamente à presunção, a dispensa de prova funda-se em
efeitos práticos. Ontologicamente não é absoluta (salvo em certas hipóteses
legais, com manifesta alteração da essência das presunções), e opera o efeito
de transferir o ônus da prova para quem tiver interesse em destronar a
presunção, ou seja, em demonstrar que ela não subsiste. Pontes de Miranda
esclarece ainda que
[à] base das presunções legais está julgamento sobre fatos que não se
podem conhecer facilmente, ou que de ordinário escapam à investigação,
tal como, a respeito dos que morreram na mesma ocasião, sem se poder
averiguar, se presumem simultaneamente mortos: ‘Non videtur alter alteri
supervixisse’ (Marciano, L. 18, pr., D., de rebus dubiis. 34, 5; Código Civil,
art. 11).
A disparidade entre os conceitos que estão na base de cada uma
dessas noções (conjetura e presunção) impede sejam assimilados, mesmo que
de modo fraco, tênue.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 13
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Demonstra-se, assim, que a presunção não é um fato, mas um


enunciado sobre um fato ou um não-fato, existência ou inexistência, cujos
caracteres são conhecidos apenas in abstracto, mas não in concreto. Posto de
outra maneira, a presunção é um enunciado que traduz um juízo que agrega
valor de verdade a um fato lato sensu, para abranger tanto o fato stricto sensu
quanto o não-fato, por questões de conveniência razoável, nada havendo nela
de conjetural ou especulativo, inferencial, dedutivo ou indutivo, conclusivo
ou definitivo, mas, ao contrário, caracterizando-se pela provisoriedade de
uma consideração de verdade e certeza, a qual pode ser derrubada em
qualquer momento com a apresentação de evidências substanciosas capazes
de atestar a impertinência do valor de verdade atribuído.

IV. Reinventando a presunção: a redescoberta do conceito e a


reformulação da definição a partir duma concepção oitocentista

Demonstrada a erronia das definições que se espalham pela doutrina


desde o século XVIII sobre a presunção, surge a necessidade de prosseguir e
aprofundar o exame de suas característica para obter seu conceito com maior
exatidão, de modo a torná-lo compatível com a noção intuitiva que a própria
palavra infunde no espírito, para daí construir uma definição adequada.
De imediato, pode-se afirmar que a presunção não é bem um dado,
mas uma consideração. “[A] presumption is not so much a ‘given’ as a
‘taken’”, ensina Nicholas Rescher (2006, P. 36). A verdade presumida pode
ser considerada de dois modos: 1) boa como uma verdade real ou como algo
realmente verdadeiro, a ser efetivamente classificada como verdade; 2) como
verossimilhança ou uma candidata à verdade, algo que é potencialmente
verdadeiro, e que deve ser classificado como uma verdade provisional, isto é,
dado que tal consideração não crie problemas ou anomalias indesejáveis, mas
facilite as coisas para o atingimento de determinados fins (RASCHER, op. et
loc. cit.).
A presunção não é uma proposição no primeiro sentido, mas apenas
no segundo. Não chega a ser uma impostura, mas uma pretensão da verdade
cujas credenciais podem provar-se insuficientes como um corredor que, numa
corrida, pode não sair vitorioso, mas concorre à vitória. Por isso a presunção
representa a aceitação de uma tese não fundamentada, no sentido de que não
está amparada em provas do fato reputado verdadeiro, senão uma verdade
meramente temporária, que subsiste enquanto não são apresentadas
evidências que a contrariem.
O status de uma presunção é sempre provisional. Surgindo
evidências capazes de confirmar a verdade presumida, perde ela aquele status
para assumir o de uma verdade real. Ao contrário, se for arrostada por prova
concreta de sua falsidade, é destronada.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 14
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Os romanos já se valiam dessa noção, e não obstante a inexistência


de registros de qualquer definição jurídica do termo, é possível encontrá-lo,
entre outros, nos textos antigos que integram o Digesto,12 o Código
Justinianeu.13 Tudo indica que os romanos utilizavam largamente as
12
“Digestae, Liber XXII, Dig. 22.3 - De probationibus et praesumptionibus”
“Dig.22.3.24 Modestinus 4 reg. Si chirographum cancellatum fuerit, licet praesumptione debitor
liberatus esse videtur, in eam tamen quantitatem, quam manifestis probationibus creditor sibi adhuc
deberi ostenderit, recte debitor convenitur.”
Dig.22.3.25pr. Paulus 3 quaest. Cum de indebito quaeritur, quis probare debet non fuisse debitum? Res
ita temperanda est, ut, si quidem is, qui accepisse dicitur rem vel pecuniam indebitam, hoc negaverit et
ipse qui dedit legitimis probationibus solutionem adprobaverit, sine ulla distinctione ipsum, qui negavit
sese pecuniam accepisse, si vult audiri, compellendum esse ad probationes praestandas, quod pecuniam
debitam accepit: per etenim absurdum est eum, qui ab initio negavit pecuniam suscepisse, postquam
fuerit convictus eam accepisse, probationem non debiti ab adversario exigere. Sin vero ab initio
confiteatur quidem suscepisse pecunias, dicat autem non indebitas ei fuisse solutas, praesumptionem
videlicet pro eo esse qui accepit nemo dubitat: qui enim solvit numquam ita resupinus est, ut facile suas
pecunias iactet et indebitas effundat, et maxime si ipse qui indebitas dedisse dicit homo diligens est et
studiosus pater familias, cuius personam incredibile est in aliquo facile errasse. Et ideo eum, qui dicit
indebitas solvisse, compelli ad probationes, quod per dolum accipientis vel aliquam iustam ignorantiae
causam indebitum ab eo solutum, et nisi hoc ostenderit, nullam eum repetitionem habere.”
13
“CJ.1.17.2.5: Imperator Justinianus. Quartus autem locus, qui et totius compositionis quasi quidam
invenitur umbilicus, octo libros suscepit. In quibus omnia quae ad hypothecam pertinent oreposita sunt,
ut non a pigneraticia actione in libris de rebus posita multum distarent: alio libro eodem inserto
volumine, quae aedilicium edictum et redhibitoriam actionem et duplae stipulationem, quae de
evictionibus proposita est, continet. Quia haec omnia titulis emptionum et venditionum consentanea sunt
et praedicta actiones quasi pedisequae illarum ab initio processerunt, in vetustioris quidem edicti
ordinatione in loca devia et multo distantia devagantes, per nostram autem providentiam his
congregatae, cum oportuerat ea quae de eodem paene loquuntur in confinio ponere. Alius itaque liber
post duo primos nobis excogitatus est de usuris et traiecticiis pecuniis et de instrumentis et testibus et
probationibus nec non praesumptionibus. Et memorati tres singulares libri iuxta compositionem de
rebus positi sunt. Post hos si qua de sponsalibus vel nuptiis vel dotibus legibus dicta sunt reposuimus,
tribus librorum voluminibus ea concludentes. De tutelis autem et curationibus geminos libros
conscripsimus. et memoratam ordinationem octo librorum mediam totius operis reposuimus, omnia
undique tam utilissima quam pulcherrima iura continentem. <a 533 data septimo decimo kalendas
ianuarius constantinopoli dn. iustiniano pp. a. iii consule>“
“CJ.3.2.1: Imperatores Gratianus, Valentinianus, Theodosius. Quisquis fuerit exhibitus, usque ad negotii
terminum ab eo apparitore, cui primum traditus fuit, observari eum decernimus: si qua praesumptione
fuerit haec mansuetudinis nostrae posthabita praeceptio, primiscrinio qui iussa temeraverit quinque
librarum auri condemnatione multando. * grat. valentin. et theodos. aaa. ad potitum vic. * <a 379 d. viii
k. nov. ausonio et olybrio conss.>“
“CJ.4.5.11.1: Imperator Justinianus. Quod nos decidentes sancimus omnibus, qui incerto animo
indebitam dederunt pecuniam vel aliam quandam speciem persolverunt, repetitionem non denegari et
praesumptionem transactionis non contra eos induci, nisi hoc specialiter ab altera parte approbetur. <a
530 d. k. oct. constantinopoli lampadio et oresta vv. cc. conss.>“
“CJ.4.28.7.1: Imperator Justinianus. Sin autem miles filius familias pecuniam creditam acceperit, sive
sine mandato vel consensu vel voluntate vel ratihabitione patris, stare oportet contractum, nulla
differentia introducenda, ob quam causam pecuniae creditae vel ubi consumptae sunt. in pluribus enim
iuris articulis filii familias milites non absimiles videntur hominibus qui sui iuris sunt, et ex
praesumptione omnis miles non credatur in aliud quicquam pecunias accipere et expendere nisi in
causas castrenses. <a 530 d. xii k. aug. lampadio et oresta vv. cc. conss.>“
“CJ.4.65.31: Imperator Leo. Milites nostros alienarum rerum conductores seu procuratores aut
fideiussores vel mandatores conductorum fieri prohibemus, ne omisso armorum usu ad opus rurestre se
conferant et vicinis graves praesumptione cinguli militaris existant. Armis autem, non privatis negotiis
occupentur, ut numeris et signis suis iugiter inhaerentes rem publicam, a qua aluntur, ab omni bellorum
necessitate defendant. * leo a. aspari mag. mil. * <a 458 d. prid. non. iul. constantinopoli leone a.
cons.>“
“CJ.8.11.12: Imperatores Arcadius, Honorius. Omnes provinciarum rectores litteris moneantur, ut sciant
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 15
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

presunções de acordo com o sentido lexical do termo. Exemplo de sua


incidência verifica-se no fim da República quando, em razão da frequência da
dissolução do matrimônio, o jurisconsulto Q. Mucio Scaevola construiu a
regra segundo a qual as aquisições de bens durante o matrimônio presumiam-
se feitas pelo esposo, salvo prova em contrário, assegurada à mulher
(ARGÜELLO, 200, p. 438). No processo formulário, embora pouco
frequentes (KASER, 1999, p. 456), são introduzidas regras a respeito das
presunções, de modo que o juiz, em decorrência delas, fica vinculado a certos
fatos, os quais deve reputar verdadeiros mesmo contra sua convicção pessoal
e até contra eventual prova em contrário (JOLOWICZ; NICHOLAS, 1972, p.
444).
A presunção enquadra-se num contexto em que “se aceita como
existente um fato sem dele fazer prova, ao menos até a outra parte provar o
contrário (a presunção que admite prova em contrário chama-se, na Idade
Média, praesumptio juris, a que não admite praesumptio juris et de jure)”
(KASER, op. cit., ibidem). Ihering (2001, p. 40) também anota essa insígnia
característica das presunções, e que decorre do próprio conceito de presunção,
consistente do poder de provocar a inversão do ônus da prova.
Esse traço característico da presunção é ínsito àquela noção intuitiva
que o próprio termo inculca: a aceitação antecipada (não fundamentada) de
algo como verdadeiro até que se prove o contrário. Também o Código
Canônico faz expressa alusão a essa insígnia.
Can. 1584 — Praesumptio est rei incertae probabilis coniectura; eaque alia
est iuris, quae ab ipsa statuitur; alia hominis, quae a iudice conicitur.
Can. 1585 — Qui habet pro se iuris praesumptioem, liberatur ab onere
probandi, quod recidit partem adversam. (CONFERÊNCIA..., 2001, p.
682).14
Se a presunção é uma antecipação de algo ainda não provado, então,
pode-se dizê-la uma verdade putativa, a qual, embora apenas plausível nas

ordines atque incolas urbium singularum muros vel novos debere facere vel veteres firmius renovare:
scilicet hoc pacto impendiis ordinandis, ut adscriptio currat pro viribus singulorum, deinde adscribantur
pro aestimatione futuri operis territoria civium, ne plus poscatur aliquid, quam necessitas imperaverit,
neve minus, ne instans impediatur effectus: oportet namque per singula non sterilia iuga certa quaeque
distribui, ut par cunctis praebendorum sumptuum necessitas imponatur: nemini excusatione vel alia
praesumptione ab huiusmodi immunitate praebenda. * arcad. et honor. aa. caesario pp. * <a 396 d. viiii
k. april. arcadio iiii et honorio iii aa. conss.>“
“CJ.8.14.7: Imperator Justinianus. Sancimus de invectis a conductore rebus et illatis, quae domino pro
pensionibus tacite obligantur, non solum in utraque roma et territorio earum hoc ius locum habere, sed
etiam in nostris provinciis. tali enim iusta praesumptione etiam omnes nostros provinciales perpotiri
desideramus. * iust. a. iohanni pp. * <a 532 d. xv k. nov. post consulatum lampadii et orestis vv. cc.
anno secundo.>“
14
Tradução: “Cân. 1584 — A presunção é a conjectura provável de uma coisa incerta; se é estabelecida
pela lei, chama-se presunção iuris; se formulada pelo juiz, chama-se presunção hominis. Cân. 1585 —
Quem tem a seu favor uma presunção de direito fica livre do ônus da prova, que recai sobre a parte
contrária.” (CONFERÊNCIA..., 2001, p. 683).
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 16
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

circunstâncias em questão, é aceita como uma verdade provisional, permitida


até que evidências concretas no sentido contrário surjam para despojá-la. A
presunção assim considerada empresta fundamento e estrutura ao argumento,
apesar de não torná-lo absoluto. Segue-se que, por natureza, a presunção é
refutável, ou seja, admite prova em contrário.
Assim concebida, a presunção não é conhecimento propriamente
dito: não se conhece o que se presume. É um recurso da razão. Um recurso
informativo, que exerce um papel extremamente útil para colmatar lacunas
debilitadoras do conhecimento, emprestando credibilidade a um
conhecimento incerto. Tudo se passa como se esse fosse firme, conquanto
seja apenas plausível, até o surgimento de prova concreta que o desqualifique.
Numa palavra, a presunção opera a transformação da incerteza em
conhecimento putativo até prova em contrário.
Precisamente essa era a concepção oitocentista estabelecida no art.
186 do Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850, ao definir as
presunções condicionais: “[p]resumção legal condicional é o fato, ou o ato
que a lei expressamente estabelece como verdade, enquanto não há prova em
contrário.” A presunção assim definida nada tem de inferencial, dedutivo ou
indutivo, como tem sustentado a doutrina hodierna. Ao contrário, resulta na
consideração de que algo é verdadeiro até que surjam evidências
contraditórias dessa reputação.
De acordo com RESCHER (op. cit., p. 7), as presunções são
guarnecidas da cláusula “unless and until there are indications to the
contrary”.15 Isso implica em reconhecer uma íntima relação entre a presunção
e o ônus da prova. Enquanto recurso preenchedor das falhas do
conhecimento, a presunção satisfaz àquele que dela se utiliza nas
circunstâncias em que é autorizada, transferindo para quem não tenha
interesse na sua preservação o encargo de produzir que lhe contraria.
A presunção é válida por sua eficácia funcional: o cumprimento de
um propósito prático, dentro do operacional para o qual foi estabelecida, e
não por sua exatidão estatística. As presunções são validadas por sua eficácia
funcional dentro do contexto, não estando subordinadas a nenhuma
generalidade ou estatística geral, ou ainda, como propunha Cujácio, de
sustentar-se sobre as coisas como geralmente são. É novamente Rescher (op.
cit., p. 9) quem ensina que as presunções existem para fomentar as funções da
lei ou os interesses da administração social, e como instrumentos efetivos
empregados para facilitar os fins públicos, não necessitam refletir diretamente
fatos empíricos. A presunção de inocência, por exemplo, não assenta suas
sapatas no fato de o acusado ser geralmente inocente. Tampouco aquele sobre
o qual foi declarada a ausência morre com a expiração do prazo assinado em
15
Tradução livre: “a menos e até que haja indicações em contrário.”
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 17
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

lei para a abertura da sucessão. Como ensina Rescher (op. cit., p. 9),
“[p]resumptions have a life of their own determined correlative with the
objectives in whose service they are operative.”16
Tais características das presunções explicam porque estas se
encontram presentes em uma vasta gama de situações cognitivas, sejam elas
relativas a contendas judiciais, sejam concernentes ao processo investigativo
de cognição científica ou, ainda, em qualquer outro segmento, inclusive no
dia-a-dia das pessoas. Isso, por sua vez, conduz à ilação de que as presunções
possuem uma essência que não se funda no âmbito jurídico. Ao contrário, o
direito toma emprestado a noção de presunção da vida quotidiana e opera
sobre o seu conceito algumas modificações para atender a certos fins, como
será visto mais adiante.
Pelo que foi dito até aqui, dessume-se que a presunção exerce um
papel epistêmico, servindo ao propósito do conhecimento, suprindo suas
falhas quando isso se faz necessário ou conveniente, desde que as
circunstâncias assim autorizem.
Porque radica numa aceitação não fundamentada da verdade de
determinada proposição sobre algo, a presunção opera uma realocação do
ônus da prova, transferindo-o para aquele a quem interessa negar sua
aplicação no caso específico em que foi adotada. A este incumbirá, portanto,
o encargo de produzir prova concreta de que o fato presumido não se sustenta
nas circunstâncias em questão. Por outras palavras, como o efeito da
presunção é atribuir importância e operosidade ao fato ao atribuir-lhe um
valor verdade, recai sobre quem tenha interesse no sentido inverso ao
estabelecido pela presunção o ônus de trazer evidências antes desconhecidas
para elidi-la.
Dessume-se, acima de tudo, as presunções não são,
ontologicamente, incontestáveis. Não se confundem, contudo, com a
suposição razoável. Quem presume, não supõe. Aceita antecipada e
provisoriamente algo como verdadeiro, ao passo que a suposição, ainda que
predicada de razoável, não está comprometida com essa aceitação. A exemplo
da presunção, a suposição pode servir a diversos fins da atividade cognitiva e
indagatória. Porém, diversamente daquela, não se guarnece do valor de
verdade, isto é, não é reputada verdadeira, permanecendo sempre no plano
especulativo todos os efeitos dela derivados. Já com a presunção as coisas se
passam de modo diferente. Ela assume um valor de verdade. Serve a um
propósito mais firme e seguro do que a suposição. A par disso, as presunções,
quando caibam, têm o condão de transferir o ônus da prova para aquele que
tenha interesse em eliminá-la, enquanto a suposição pode ser negada até
16
Tradução livre: “As presunções têm uma vida própria determinada em correspondência com os objetivos
em função dos quais são operosas.”
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 18
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

mesmo por quem a formulou, pela simples razão de que não faz nenhum
sentido a própria pessoa que se vale de uma presunção desincumbir-se de
provar sua invalidade, já que isso não lhe trará nenhum benefício e quiçá
algum prejuízo. Ao aceitar uma proposição como verdadeira, consente-se que
seu status probatório seja provisional e pro tempore. Não se diz: “[o]thers
abide our question, thou art free.”17
Rescher (op. cit., p. 23) ensina que a aceitabilidade não é um
conceito situado num espectro unidimensional, que varia da incerteza à
certeza. Não apenas há vários graus de aceitabilidade como também várias
espécies. A presunção representa uma dessas espécies: sui generis, e não
apenas uma versão atenuada de “aceitação como certo”.
Not everything qualifies as a presumption: the concept is to have some
probative bite. A presumption is not merely something that is ‘probably
true’ or that is ‘true for all I know about the matter. To class a proposition
as a presumption is to take a definite and committal position with respect to
it, so as to say ‘I propose to accept it as true as no difficulties arise from
doing so18 (RESCHER, op. cit., p. 23).
Existe, portanto, uma diferença crucial entre uma verdade alegada e
uma verdade presumida. Uma alegação meramente retórica, e não uma
categoria epistêmica. Todo argumento exposto numa discussão é
“alegadamente verdadeiro” — isto é, alega-se que seja expressão da verdade.
Uma presunção, rectius, uma verdade presumida, por sua vez, é um tipo
epistêmico, diz respeito aos avanços do conhecimento sobre o assunto que lhe
serve de objeto e por essa razão, sob circunstâncias especiais, constitui
argumento de uma espécie sistêmica que merece ser aceito provisoriamente
como verdadeiro, até que se obtenham maiores informações.
Essa noção de presunção exerce um papel fundamental em diversas
áreas de cognição, principalmente naquelas em que se aplica a questão do
ônus da prova. É novamente Rescher (op. cit., p. 24) quem ensina: “[t]he
mechanism of presumption accomplishes a crucial epistemic task in the
structure of rational argumentation”,19 porquanto há diversas situações que
reclamam a necessidade de se aceitar determinados argumentos como
verdadeiros, pelo menos provisoriamente e de acordo com uma moldura bem
definida sem nenhuma prova a respeito de seu conteúdo, porque isso favorece

17
Extraído do poema Shakespeare, de Matthew Arnold (1822–1888), apud RESCHER (2006, op. cit., p.
21). Tradução livre: “Outros respeitam nossa questão, tu és livre.”
18
Tradução livre: “Nem tudo se qualifica como uma presunção: o conceito se relaciona com a atividade
probatória. Uma presunção não é apenas uma coisa que é ‘provavelmente verdadeira’ ou que é ‘verdade
em função de tudo o que se sabe sobre o assunto’. Classificar uma proposição como uma presunção é
tomar uma posição limitada e comprometida a respeito dela, como se dissesse ‘eu proponho aceitar isto
como verdadeiro enquanto não surgir nenhuma dificuldade que impeça de assim fazê-lo.”
19
Tradução livre: “o mecanismo da presunção realiza uma tarefa epistêmica crucial na estrutura da
argumentação racional.”
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 19
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

o atingimento de certos efeitos desejáveis, entre os quais o progresso da


atividade cognitiva que não fica paralisada à espera de uma evidência capaz
de comprovar a presunção invocada.
As presunções são criadas para responder a questões preenchendo
lacunas de informação. Alguns autores dizem-nas “artificialis quia arte igenis,
quodammodo conficitur per collectionem ex sgnis, indicii, probabilibusque
argumentis.”20 São, na verdade, um instrumento prático a serviço do
raciocínio e da argumentação racional que guiam o processo de decisão. Em
outras palavras, são fontes de informação. Provisórias, é verdade, mas
aceitáveis como verdades, permitem progredir o processo decisório.
Em termos lógicos, a presunção assume o papel de proposição
implicada numa implicação lógica, de modo que será verdadeira sob certas
circunstâncias. A questão que se coloca é, então, saber quais são essas
circunstâncias que garantem a presunção. A resposta decorre da própria
definição dada pela Lógica à implicatura. Trata-se da circunstância em que
determinada proposição que se associa à presunção também é verdadeira, o
que no caso da presunção se expressa segundo a fórmula abaixo, sugerida por
Rescher (op. cit., p. 33), que aninha a implicação material sob uma
implicação lógica:
C Y (~D Y P),
ou, de modo mais elaborado, utilizando o quantificador universal que permite
explícita provisão para casos específicos, seguindo novamente o modelo
proposto por Rescher:
(x) [Cx Y (~Dx Y Px)],
em que C representa a proposição cuja veracidade implica a presunção P,
desde que não haja prova D em contrário. Há duas implicações lógica
aninhadas. Se a primeira for verdadeira ela implica que, sendo verdade que
não há prova em contrário, subsiste o fato presumido, ou seja, aceita-se como
verdade o conteúdo da proposição presuntiva.
Exemplificando, enquanto não houver sentença penal condenatória,
presume-se a inocência do acusado (Constituição Federal, artigo 5º, inciso
LVII. Tomando-se C = “Tício é acusado da prática de um crime”, D =
“ocorreu o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” e P = “é
inocente aquele que não foi condenado por sentença definitiva”, aplica-se
como uma isntanciação da fórmula acima, resultando: a verdade de que (Tício
é acusado da prática de um crime) implica que, (enquanto não ocorrer o

20
Tradução livre: “[a presunção é] artificial porque nasce com imaginação, criada de alguma maneira pela
reunião de sinais, indícios e argumentos plausíveis.”
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 20
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

trânsito em julgado da sentença penal condenatória, implica presumir-se Tício


inocente).
A utilização de um exemplo em matéria penal é proposital porque
permite perceber que a presunção não decorre, necessariamente, da existência
de um fato ou de um indício como sustentam alguns autores. Pode acontecer,
como de regra acontece, que Tício tenha mesmo cometido o crime. Isso,
contudo, não significa que será condenado, pois pode ter agido sob coação, ou
pode intervir qualquer outra excludente, seja da culpabilidade, seja da
ilicitude, resultando, ao final, em sua absolvição.
Com essas considerações, sem pretender signifiquem o esgotamento
do tema, chegamos ao fim desta seção em condições de cumprir a meta
estabelecida, qual seja, formular uma nova definição para a presunção nos
seguintes termos: presunção é um mecanismo de cognição temporária,
que serve para colmatar a ausência ou impossibilidade do conhecimento
em obter a certeza sobre um fato devido à falta de informações mais
consistentes, ou à dificuldade ou impossibilidade encontrar evidências
capazes de sustentá-lo, ou, ainda, porque não convém obter tais
evidências num primeiro momento, aceitando-o como verdadeiro e
transferindo-se o ônus da prova àquele que tiver interesse em contestar o
fato presumido.
Essa definição, assim como o conceito que lhe é subjacente,
encontravam-se implícitos no Regulamento nº 737, de 25 de novembro de
1850, que assim se exprimia:
Art. 186. Presumpção legal condicional é o facto, ou o acto que a lei
expressamente estabelece como verdade, emquanto não ha prova em
contrario (arts. 200, 305, 316, 432, 433, 434, 476 e outros Código).
Estas presumpções dispensam do onus de prova áquelle que as tem em seu
favor.
Conforme se percebe, nenhuma alusão se faz de que as presunções
sejam inferências, ilações, deduções, induções ou conclusões de fatos
conhecidos para provar ou dar ciência de outros desconhecidos. Tampouco
comete-se a heresia de equiparar as presunções a suposições ou a indícios. Ao
contrário, a definição legal contida no diploma do século XIX, com absoluta
perfeição técnica e primor lógico, reconhece as presunções como a
consideração de uma verdade, ou seja, um juízo antecipado que considera
verdadeiro um fato, desde que não haja prova em contrário. E mais, impõe,
sob tal consideração, a inversão do ônus da prova, liberando de fazê-la aquele
que tem em seu favor a presunção. Em outras palavras, embora a análise aqui
desenvolvida ainda não tenha entrado no âmbito jurídico, o Regulamento nº
737/1850 estabelecia para as presunções o mesmo conceito que aqui
pretendemos resgatar sob o pretexto de reinventá-lo, como um juízo
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 21
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

antecipado sobre a verdade de um fato, que deve ser aceita até que aquele a
quem interessa refutá-la desincumba-se de provar sua insubsistência.
A vantagem dessa definição sobre as demais apresentadas na seção
II, é que nela entram todos os elementos necessários à perfeita concepção da
presunção. Além disso, o conceito subjacente desses elementos ligam-se uns
aos outros com harmonia, coisa que não acontece com as definições até hoje
enunciadas, satisfazendo-se, assim, a necessidade de o significado do todo
compatibilizar-se com o de suas partes.

V. Sobre a natureza das presunções

A definição oferecida reconduz à questão da natureza da presunção.


Ictu oculi pode-se afirmar a presunção possui um caráter provisório. Vigora
até serem apresentadas evidências com força suficiente para anular a certeza
que dela irradia como mera atribuição, mas não como algo confirmado por
elementos de prova. E sendo a assunção de que determinado fato é
verdadeiro, tem a natureza de antecipação de um juízo, traduzido numa
aceitação de veracidade não fundamentada ou não qualificada em elementos
probatórios. Como não se conhece o que se presume, a presunção é mais um
ato de decisão do que um fato.
A presunção também não se reveste de verossimilhança, porquanto
não se investiga a aparência de verdade de seu conteúdo, como sói ocorrer
nos casos em que se cogita de verossimilhança. A presunção pode, quando
muito, ser plausível, o que reforça sua natureza pro tempore. Dizemos
plausível porque nem mesmo isso é necessário. Basta que seja possível,
porque sendo um juízo de antecipação da verdade, um ato decisório,
representa uma escolha política que sempre poderá ser destronada mediante o
aparecimento de prova de uma verdade real inconciliável com a verdade
presumida.
No sentido ontológico do conceito, pode-se dizer ser da essência da
presunção o caráter provisional, cuja noção conceitual abrange outras
inerentes ao conceito da presunção e que por isso pertencem à sua natureza, a
saber, as noções de: provisoriedade, conveniência e cautelaridade. Presume-se
para privilegiar certos efeitos e prevenir outros cuja severidade e gravidade
são indesejáveis e que somente deverão prevalecer sob a especial condição de
se provar como verdadeira a sua causa e falsa a dos primeiros.
Sendo um instrumento do conhecimento, a presunção se caracteriza
também por ser uma categoria epistêmica, e por essa razão não se confunde
com prova, meio de prova nem indício, como pretendem alguns
doutrinadores.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 22
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Não é prova porque não constitui a evidência do seu conteúdo. O


objeto da prova é o fato alegado, o qual não se considera verdadeiro enquanto
não se recolherem as evidências bastantes que atestem sua ocorrência. A
presunção basta-se por si só. É ato de decisão pelo qual se atribui valor de
verdade a um fato sem ele estar provado. A certeza que emerge da presunção
em nada se equipara àquela que corre da prova. Esta é estável, firme,
enquanto aquela equilibra-se na ausência da prova em contrário. Uma vez que
seja produzida desestabiliza a verdade presumida que perde o posto que
ocupava.
Tampouco é meio de prova porque não tem vocação para
demonstrar a verdade real. A verdade presumida é uma decisão. Não chega a
ser uma arbitrariedade, porque toda arbitrariedade não comporta prova,
qualquer que seja, e a presunção subordina-se à prova que a contrarie. É
próprio das arbitrariedades a imposição autoritária que não seja arrostada. Já a
presunção não subsiste diante de evidências incompatíveis com sua
preservação.
Também não é indício, porque não constitui um sinal autônomo a
sugerir, de algum modo, a ocorrência do fato presumido. Indícios são
evidências sobre outros fatos cuja existência sugere, ainda que por um
vínculo raquítico, a existência de outro fato. A presunção, em si mesma, não
exerce esse papel. Não sugere a existência de nenhum fato diferente daquele
que é presumido. Ao presumir algum fato, o que se faz é aceitar esse fato
como verdadeiro. Se a presunção é induzida de algum modo, isto é,
difusamente, por um indício qualquer, essa relação não pode ser confundida
com a própria presunção, porque haveria aí o vício da petição de princípio.
Mesmo nas hipóteses em que uma presunção suscite outra, não se está diante
de indícios, mas de uma cadeia de presunções.
A criação de presunção a partir do conhecimento de outros fatos não
significa que haja entre aqueles e estas uma relação de causalidade. Se
houvesse, de presunções não se trataria, mas de efeitos daquelas causas e isso
seria infenso não só à noção intuitiva de presunção, como ao seu próprio
conceito. Quando se diz: “dadas as coisas como ordinariamente acontecem,
presume-se X”, outra coisa não se está a fazer senão enunciar segundo uma
instanciação da estrutura da implicação lógica que a contém. A proposição
“as coisas como ordinariamente são” entra para preencher a variável C da
fórmula lógica que confere estrutura à presunção. Expressando de outra
forma, o que se diz é: sendo verdadeiras as coisas, tal como ordinariamente
acontecem, implica que, enquanto não houver prova em contrário, presume-se
X. Demais disso, as máximas de experiência são uma espécie de presunção
ampla, difusa, porquanto deposita-se confiança em que certos fatos se repitam
apenas porque no passado se repetiram, sem nenhuma evidência de que isso
ocorrerá novamente. Disso decorre que uma presunção pode implicar outra, e
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 23
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

não há nada de ilógico aí, porquanto ao presumir um fato, outra coisa não se
faz senão aceitá-lo como verdadeiro, de modo que o primeiro requisito da
implicatura estrutural em que figura a segunda presunção estará atendido. A
recíproca, porém, não é verdade. Isto é, não se pode elidir uma presunção
com base em outra, conforme será analisado na seção VII adiante.
De acordo com o próprio conceito, o fato presumido não é
desconhecido. Ao contrário, é conhecido, embora em abstrato, não
concretamente, no sentido de que não se tem prova de sua existência (ou
inexistência, quando se tratar de um não-fato). Dizer que algo é conhecido
abstratamente significa afirmar que se conhece os traços caracterizadores do
objeto de cognição e que servem ao propósito de identificá-lo com distinção
de outro objeto qualquer. Exatamente porque há esse conhecimento abstrato é
que se torna possível tanto a criação da presunção quanto sua anulação. A
criação decorre de assumir como verdadeiro o fato presumido. Já a elisão é
consequência do cotejo entre os traços identificadores do fato presumido,
conhecidos em abstrato, com evidências de que não ocorreu ou não pode
ocorrer. Numa palavra, a elisão deriva da incompatibilidade insanável que se
instaura entre os elementos que caracterizam o fato presumido (objeto de
cognição) e as provas em contrário produzidas por quem haja interesse em
refutá-lo.
A presunção também não se confunde com a ficção. Segundo
Castro (2000, p. 578), Cujácio já afirmava: “fingimus ea quae non esse
scimus; praesumimus ea quae vera esse arbitramur ducti probabilibus
argumentis”.21 Pontes de Miranda (op. cit., p. 496) explica que na ficção tem-
se alguma coisa, que não é, como se fosse, ao passo que na presunção tem-se
alguma coisa, que pode não ser, como se fosse, ou que pode ser, como se não
fosse.
A natureza das presunções, portanto, é a de que representam uma
verdade temporária para as quais não há necessidade de prova, mas que se
sujeitam à prova em contrário, e desde que essas sejam produzidas, padecem
irremediavelmente inanes.
As presunções exercem um papel importantíssimo nas atividades
cognitivas e de inquirição probatória em diversos segmentos do conhecimento
humano, sendo também frequentes na vida cotidiana. Não obstante essa
natureza que possuem, ao entrarem no campo do direito, sofrem modificações
notáveis em sua estrutura para atender a certas conveniências, novamente, de

21
Tradução livre: “imaginamos aquilo que sabemos não ser; presumimos aquilo que arbitramos ser
verdadeiro levados por argumentos plausíveis.” De acordo com o que já foi desenvolvido neste trabalho,
pode-se adaptar a afirmação de Cujácio para: “ficção é aquilo que sabemos não ser; presunção é o que
aceitamos antecipadamente como verdadeiro, embora possa ser ou não ser, por uma conveniência
qualquer.”
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 24
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

ordem política, como instrumentos a serviço do controle social exercido pela


norma jurídica. Esse é o ponto a ser analisado na próxima seção.

VI. As presunções de direito e sua classificação

Uma das características intrínsecas do direito é a conformação da


realidade. Por outras palavras, o direito não se interessa por todos os fatos
observáveis relacionados com o homem e suas relações intersubjetivas.
Apenas aqueles considerados relevantes são objeto de normatização. Por
outro lado, a atuação da norma jurídica segue, rigorosamente, o mesmo
esquema da causalidade naturalística, com a diferença que a consequência
prevista na norma jurídica deriva de uma atribuição feita pelo próprio
homem, o legislador, enquanto a consequência de uma lei da Natureza é
totalmente independente, podendo o homem interferir, quando muito, para
evitar que se realize.
Por vocação, o direito é transformador. Tem a pretensão de
transformar a realidade social, fazendo com que os fatos ocorram segundo as
regras jurídicas. Assim, o funcionamento da norma implica em que toda vez
que houver divergência entre o resultado real e o resultado imposto pela lei,
esta deverá incidir para promover a devida correção. Nesse afã transformador,
tudo o que cais sob as malhas do direito, está sujeito a sofrer transformações
em sua natureza.
No ordenamento jurídico atual não traz nenhuma definição de
presunção, como também não há definição de outras categorias como, v.g., o
juro. Não o fazia igualmente o Código precedente. Todavia, o Regulamento
737, de 25 de novembro de 1850, definia as presunções legais, distinguindo-
as em absolutas ou condicionais.22
De um modo geral, as presunções são largamente utilizadas e
exercem um papel fundamental para o atingimento de certos objetivos que,
sem elas, tornar-se-iam simplesmente impossíveis, acarretando infindáveis
controvérsias. Para alcançar tais propósitos e evitar o surgimento de focos de
litígios insolvíveis, o direito incide sobre a natureza das presunções para
modificá-la conforme as necessidades decorrentes dos objetivos perseguidos.

22
Art. 184. As presumpções legaes ou são absolutas, ou condicionaes.
Art. 185. São presumpções legaes absolutas os factos, ou actos que a lei expressamente estabelece como
verdade, ainda que haja prova em contrario, como - a cousa julgada.
Art. 186. Presumpção legal condicional é o facto, ou o acto que a lei expressamente estabelece como
verdade, emquanto não ha prova em contrario (arts. 200, 305, 316, 432, 433, 434, 476 e outros Código).
Estas presumpções dispensam do onus de prova áquelle que as tem em seu favor.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 25
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Uma dessas alterações diz respeito à refutabilidade da presunção. O


direito retira essa insígnia característica de certas presunções, impedindo que
sejam contestáveis. Trata-se das presunções absolutas ou indisputáveis, ainda
referidas como juris et de jure. Consistem de proposições sobre fatos para os
quais a lei não admite prova capaz de contrariá-las. Nem mesmo o fato
notório tem força suficiente para destruí-las.
Novamente, o Regulamento nº 737/1850 define as presunções
absolutas como os fatos ou atos que a lei expressamente estabelece como
verdade, ainda que haja prova em contrário. Assim, é indiferente para o
direito a existência de evidências que infirmem o fato presumido com
absolutidade.
As presunções dizem-se também relativas, disputáveis, condicionais
ou juris tantum. Estas consistem dos fatos que a lei reputa verdadeiros
enquanto não houver prova em contrário, liberado aquele que aproveita do
fato presumido de todo o ônus da prova, que passa para parte contrária.
Há, por fim, uma terceira espécie de presunção jurídica, chamada de
presunção simples ou hominis. São as presunções que o juiz formula no ato
de decidir para encher o vazio cognitivo existente sobre os fatos postos à sua
apreciação, mas que não podem ser reflexo de uma arbitrariedade. Devem ser
suscitadas por outros elementos probatórios constantes do processo.
Diante de tais reflexões, no que atina com a natureza modificada das
presunções, pode-se dizer que as presunções absolutas são regras jurídicas.
Entram no preceito material como suporte fático ou primeiro membro da
matriz algébrica que traduz a equação jurídica: Dado o fato, deve ser a
consequência jurídica atribuída. Em termos lógicos, a fórmula da norma
jurídica assume a feição F → C (leia-se: se ocorre o fato F, então deve ser a
consequência C). A presunção absoluta assume a posição do fato F, que é
considerado verdadeiro e não admite prova em contrário, ainda que dele não
se tenha convencido o juiz da causa ou que se tenha obtido evidência capaz
de derruí-lo.
Já a presunção relativa, também chamada de disputável ou
condicional, sujeita está à prova em contrário. Assim, prevalece até que
surjam provas concretas para desapossá-la. Essa prova incumbirá à parte
contrária ou ao interessado em destruir a presunção, aquela verdade
estabelecida, presumida. Não é qualquer prova que deve ser admitida.
Somente a prova segura, certeira, concreta. Presumindo-se a morte da pessoa
ausente há muito tempo sem dar notícias, não bastará indícios de que está
viva para afastar a presunção do seu posto saliente. Mas se a pessoa
reaparecer “vivinha da silva”, então, a presunção desmorona, esboroando-se a
verdade que nela se sustentava.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 26
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Por isso é que se diz ser ela relativa, disputável ou condicional. Na


verdade, trata-se da genuína e pura presunção em toda sua exuberância
ontológica. Porém, no confronto da presunção absoluta, criada pelo direito e
para o direito, o adjetivo serve para marcar a distinção entre uma e outra.
Enquanto a presunção absoluta é indisputável, no sentido em que não pode
ser arrostada sob nenhum fundamento, a presunção relativa é disputável,
condicionada à inexistência ou ao não surgimento de evidências que a
contrariem, a serem trazidas por quem tenha interesse em solapar a verdade
presumida. Isso indica que as presunções relativas têm, para o direito,
natureza de regra de distribuição do ônus da prova.
Há ainda as presunções simples ou do homem (hominis), que são
aquelas criadas pelo juiz. Diferentemente das outras duas, cujas matrizes
gerais se conhecem previamente porque estabelecidas na lei, as presunções
hominis não são dadas a conhecer previamente porque integram o lavor
cognitivo do juiz no momento em que deve decidir alguma questão, delas
lançando mão para colmatar as falhas porventura existentes e que de outro
modo não poderiam ser preenchidas, constituindo verdadeiro empeço à
atividade jurisdicional. São, portanto, regras de decisão, das quais as partes
conhecerão quando tomarem ciência do ato decisório que as empregou.
O fato de possuírem natureza de regra de decisão não torna as
presunções hominis por nenhum modo absolutas. Ao revés, elas se
apresentam também com o caráter relativo, à medida que podem ser
arrostadas, já com base em meros argumentos que lhes retire o tegumento
justificador, o qual deverá ser expresso para não embuçar sob o pálio da
presunção um ato de pura arbitrariedade, já com fulcro em prova concreta
colhida ulteriormente e a propósito de desabilitá-la.
Não se pense que, na esteira da doutrina que enxerga na inversão do
ônus da prova uma regra de decisão, que isso equipararia as presunções
jurídicas relativa e hominis, alocando-as sob uma mesma categoria. Isso não
ocorre porque a presunção relativa é lançada pela lei, ao passo que a
presunção simples origina-se das circunstâncias específicas de cada caso no
processo correspondente. Essa distinção acarreta efeitos notáveis, entre os
quais, uns dos mais importantes consistem em que a regra do artigo 130 do
Código de Processo Civil torna-se inaplicável toda vez que houver uma
previsão legal de presunção, seja ela absoluta ou relativa. Essa questão será
objeto de aprofundamento na seção VIII.
As presunções sofrem alteração de sua natureza quando ingressam
no mundo jurídico, e passam a se classificar como absolutas, relativas e
hominis. Pontes de Miranda sugere ainda um quartum genus, que denomina
de presunção mista. Seria aquela presunção para a qual a lei, embora
admitindo prova em contrário, especifica algum ou alguns meios de prova a
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 27
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

serem observados para que a prova produzida possa repercutir o efeito de


destronar a presunção.
Ora, esse raciocínio afigura-se totalmente equivocado. A uma,
porque o conceito de absoluto não comporta mitigação. O que é absoluto é.
Do contrário será relativo. O absoluto não se mistura e não comporta
gradação, sob pena de nunca ter sido absoluto. A absolutidade transporta um
valor semântico abstrato perfeitamente concebível e que não se compatibiliza
com nenhuma contemporização ou transigência. Já o mesmo não se pode
dizer da relatividade. Esta admite gradação. Pode haver relatividade em maior
ou menor grau.
Portanto, se há presunções para as quais a lei admite apenas
determinadas provas em contrário, mas não todas ou outras formas
probatórias, isso não as torna uma simbiose da presunção absoluta e da
presunção relativa, como se fosse possível algo ser ao mesmo tempo absoluto
e relativo em determinada proporção. A contradição aí é palmar. Na verdade,
trata-se de presunções relativas, com mais baixo grau de relatividade. Mas,
definitivamente, tais presunções nada têm de absolutas.
Deflui que as presunções jurídicas são de três espécies: absolutas,
relativas e hominis. As primeiras, regras jurídicas, integram a matriz legal e
não podem ser refutadas, ainda que contrariamente à opinião do magistrado.
As segundas admitem prova em contrário e comportam gradação quanto ao
tipo de prova capaz de ilidi-las. Integram as regras de distribuição do ônus da
prova. Igualmente, não podem ser preteridas pelo juiz, a não se quando sua
rejeição decorra do confronto com evidências capazes de infirmá-las,
produzidas por quem tenha interesse nisso. As últimas, as presunções simples
ou do homem, são formuladas pelo juiz ao decidir alguma questão da causa.
Deve ser empregadas com critério, pudor e honestidade intelectual, aferrando-
se o magistrado ao conceito e à estrutura das presunções, ciente de que a
presunção por ele criada para colmatar a lacuna cognitiva existente no
processo poderá ser alvo de impugnação por meio do recurso cabível para o
segundo grau de jurisdição, por isso só deve lançar mão dela quando houver
necessidade imperiosa desse auxílio da razão, do contrário transforma-se em
ato de pura arbitrariedade.

VII. Colisão entre presunções

Há colisão entre presunções quando se opõem umas às outras.


Assim, por exemplo, quando um juiz nega o benefício da assistência
judiciária gratuita àquele que se declarou pobre para fins judiciais,
fundamentando a negativa no fato de o interessado exercer determinada
profissão. Ocorre, nesta hipótese um conflito de presunções. De um lado, a
presunção legal de pobreza, fundada e autorizada pelo art. 4º, caput e § 1º, da
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 28
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. De outro, uma presunção hominis,


criada pelo juiz para arrostar os efeitos daquela.
Já foi dito linhas atrás que uma presunção pode suscitar outra. Não
nisso nenhuma incompatibilidade porque os efeitos que irradiam das
presunções em tal hipótese, quais sejam, o de estabelecer como verdadeiro o
fato presumido e transferir o ônus da prova para quem tenha interesse em
demonstrar sua falsidade, correm no mesmo sentido. Se o interessado na
elisão da presunção lograr êxito em atacar aquela que suscitou a segunda,
então ambas serão solapadas de um só golpe. Já se o ataque for desferido
exclusivamente contra a presunção suscitada por outra, somente ela será
abalada com a prova em contrário.
O mesmo não sucede quando se opõem presunções. Nestes casos,
instaura-se uma contradição inconciliável e com a qual não pode conviver o
direito. A razão é simples e deriva da natureza das presunções. Sendo elas
instrumentos da atividade cognitiva que antecipam o conhecimento da
verdade, ainda que de modo meramente provisional, transferindo o ônus da
prova para quem se insurgir contra elas, opor duas presunções significa
imolar aquela contra a qual se opôs por meio da segunda. Na verdade, quando
se opõe uma presunção a outra, o que se faz é usar um expediente para
suplantar a exigência que corre da transferência do ônus da prova, porquanto
a invocação de uma presunção traz em si nova transferência com o vetor
invertido. Numa palavra, contorna-se a necessidade de apresentar prova
concreta de que a primeira presunção não deve prevalecer, utilizando para
tanto uma segunda presunção que, aceita, implica considerar igualmente
verdadeiro um fato incompatível com a verdade presumida que se estabeleceu
com a primeira presunção. Ambas implicam considerar verdadeiros os fatos
objetos de seus conteúdos; ambas também implicam a transferência do ônus
da prova.
Levadas às últimas consequências, esse procedimento cai num
círculo vicioso em que se opõem presunções umas às outras recursivamente,
impedindo, dessa maneira, toda a atividade cognitiva, já que as presunções
assim em conflito aniquilam-se reciprocamente a cada oposição sem nenhuma
razão concreta para tanto. Esse ilogismo é contraproducente, solapa das
presunções toda a utilidade para que foram especialmente criadas e, por essa
razão, não pode persistir. A prova aí é por absurdo. Parte-se da hipótese que
admite a oposição entre presunções para chegar-se ao absurdo do
aniquilamento delas, ou da escolha sobre qual que deve prevalecer sobre a
outra, sendo que essa escolha nunca será realizada por quem invocou a
primeira presunção, mas por quem socorreu-se da segunda para afrontar a
primeira, ou seja, caso típico de julgamento em causa própria. Daí não ser
admissível opor uma presunção a outra, muito menos opor uma presunção
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 29
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

fraca, como são as presunções hominis, a uma presunção que lhe é superior,
como são as presunções legais.
Conforme ensinamento de Moacyr Amaral Santos (1998, p. 497),
não é por outra razão que o legislador não deixa ao sabor do alvedrio dos
juízes o poder de estabelecer presunções com ampla discricionariedade. Ao
contrário, limita as hipóteses em que isso pode ocorrer, restringindo, assim, a
intercorrência de presunções hominis, porque isso acarretaria perturbações à
ordem jurídica. O comércio jurídico, por razões de ordem pública (a
preservação da paz social e a manutenção do estado democrático de direito),
não se harmoniza com tanto poder concentrado nas mãos de uma única
pessoa. Por isso, o legislador constrói as presunções impondo ao juiz a
vontade da lei, estabelecendo os casos em que as presunções podem ser
invocadas e por quem, antecipando, desse modo, ao juiz, o que deve ser
reputado verdadeiro e o que deve ser objeto de prova. As presunções isentam
de prova aquele que delas tira proveito. “O raciocínio lógico (…) é
antecipadamente feito pelo legislador, consagrando-o num preceito legal que
o juiz deverá obedecer” (SANTOS, M. A., ibidem).
De outro giro, o conflito de presunções, embora inadmissível, em
tese só poderia ocorrer entre presunções que não se qualifiquem como
absolutas. Ou seja, entre presunções legais relativas, entre presunções
simples, ou entre estas e aquelas. Jamais entre qualquer delas e as presunções
ditas absolutas, ou entre as próprias presunções absolutas.
As razões são as mesmas, alentadas pelo fato de ser próprio das
presunções absolutas a impossibilidade de prova em contrário, de modo que
nada adianta opor a uma presunção absoluta outra, ainda que da mesma
espécie, porque ambas estabelecem uma verdade que deve ser aceita sem
contestação, ainda que de fato contestáveis ou, até mesmo, provada sua
falsidade.
Destarte, toda vez que o a lei estabelece em favor de alguém uma
presunção, não pode o juiz, sob pena de extravasar os limites de sua
competência e invadir a do legislador, negar seus efeitos à parte que dela
aproveita opondo-lhe outra, de natureza mais fraca, como é a presunção
hominis. O juiz que age desse modo ou revoga a lei ou nega-lhe vigência.
Esse modo de proceder do juiz agrava a situação jurídica da parte que deveria
beneficiar-se com a liberação do ônus da prova porque impõe a ela o dever de
provar o fato presumido ou a insubsistência da presunção hominis erigida
para confrontá-lo, violando, ambas essas hipóteses, a determinação legal que
manda aceitar o fato presumido pela lei como verdadeiro até prova em
contrário.
A ocorrência de conflito entre presunções legais que estabeleçam a
verdade de fatos reciprocamente anuláveis traduz uma incongruência
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 30
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

sistêmica, que deve ser resolvida pelo juiz com siso e prudência. Em outras
palavras, intervindo numa mesma situação jurídica duas presunções legais
juris et de jure, como correspondem cada qual a uma regra jurídica sobre a
mesma situação, compondo o suporte fático da norma, tal circunstância
importa genuína antinomia, cuja solução só se pode obter por aplicação das
regras de hermenêutica.
Se a colidência for entre uma presunção juris et de jure e outra juris
tantum, deve-se resolver a questão em favor da primeira, porque dotada de
força imarcescível, não pode ser derrotada, enquanto a outra admite prova de
fato capaz de ilidi-la. A presunção com força absoluta outra coisa não faz
senão estabelecer a imutabilidade da verdade de um fato, ainda que putativo.
Já a presunção relativa pode ser destruída pela comprovação de falsidade do
fato presumido ou pela prova que se faz de um fato com ele incompatível.
Portanto, na competição com uma presunção absoluta, a presunção relativa
cede o passo porque aquela configura exatamente o fato inconciliável com
esta, fazendo-a desmoronar.
Tratando-se de conflito entre duas presunções relativas, o juiz terá
de decidir em função do grau de aceitabilidade das presunções, isto é, em
favor daquela que apresentar o grau mais elevado de aceitabilidade da
verdade do seu conteúdo. Se de tudo não houver meios que permitam decidir
qual deva prevalecer, restará o recurso à regra de equidade, aos costumes e
aos princípios gerais de direito. Caso típico de colidência de presunções que
se tem verificado na prática forense ocorre em ações negatórias da
paternidade. De um lado há a presunção de veracidade da paternidade
fundada no registro de nascimento. De outro, a presunção que surge quando o
juiz considera que a recusa de uma das partes em se submeter ao exame de
perícia médica supre a prova pretendida. Essa questão será abordada na seção
IX.
Os conflitos entre presunções legais são, no entanto, raros. A fortiori
quanto ao antagonismo entre duas presunções hominis. Como estas são
criações dos juízes, incidirá numa contradictio in terminis se estabelecer uma
presunção, assumindo como verdadeiro determinado fato e,
subsequentemente, no mesmo lavor decisional, estabelecer outra, capaz de
ilidir a primeira. Se isso acontecer, exsurge ao menos uma certeza: a da
inconsistência do argumento agitado como fundamento da decisão proferida,
submersa em manifesta contradição a ser sanada por meio de embargos de
declaração (CPC, artigo 535, inciso I).
Resulta do exame aqui realizado que os conflitos entre presunções
podem surgir entre presunção legal absoluta e presunção legal relativa, ou
entre duas presunções legais disputáveis, mas amiúde ocorrem opondo uma
presunção legal juris tantum e uma presunção ex homine. Sempre que isso
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 31
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

acontece há exorbitância da atividade jurisdicional. Numa palavra: abuso de


jurisdição. Pois o juiz, ao criar uma presunção simples que colide com uma
presunção legal, usando-a como fundamento para afastar os efeitos desta
última, estará colocando sua vontade pessoal acima da vontade da lei,
retirando da parte a quem a presunção legal aproveita os benefícios que desta
irradiam, o que de resto escapa dos poderes que detém.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 32
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

VIII. Destinatário das presunções

A questão do destinatário das presunções deve ser encarada sob


duas perspectivas, conforme sejam os efeitos, positivo e negativo que
emanam da presunção. A primeira, diz respeito a quem delas tire proveito. A
segunda, atina com quem sofre de algum modo um agravo em sua situação
jurídica.
Assim, a parte que pode invocar uma presunção legal porque
contemplado pela lei que a estabelece como potencial beneficiário dos seus
efeitos é destinatária da presunção sob o aspecto positivo. No quadrante
antípoda figuram o juiz e a parte contrária, porque experimentam uma
restrição em suas situações jurídicas na mesma relação que os envolve com o
beneficiário da presunção.
O juiz suporta uma limitação em seus poderes instrutórios, deixando
de se aplicar a regra do artigo 130 do Código de Processo Civil, porquanto,
incidindo a regra legal criadora da presunção, toda a atividade cognitiva do
juiz ou cessará, no caso de se tratar de presunção absoluta, ou ficará
paralisada, no caso da presunção ser relativa, ainda que o contrário povoe sua
mente, já que deve aceitar o fato presumido como verdadeiro por imposição
da lei, de modo peremptório, no primeiro caso, ou até que a parte adversária
apresente prova concreta capaz de esboroar a verdade presumida, no segundo.
Nessa última hipótese, a inércia da parte a quem incumbe o ônus da prova
constitui impediente à atividade de perquirição do juiz, devendo vergar-se ao
comando da lei e tomar o fato presumido como verdade a partir da qual
deverá pronunciar-se ao decidir a questão controvertida posta sob sua
apreciação. A não ser desse modo, se se permitir possa o juiz duvidar da
veracidade do fato presumido pela norma jurídica e opor-se a essa verdade,
então, estar-se-á admitindo que o juiz não tem o dever de respeitar a lei, que
não estamos sob o império da lei, mas sim do home, dele, juiz, além de ser
forçoso admitir também, possa o juiz imiscuir-se numa atividade probatória
que a lei preordena à parte ex adversa, desviando-se do rumo preconizado
pelo ideal de imparcialidade. Isso traria implicações nefastas para a ordem
jurídica: violação da imparcialidade do juiz, vulneração do estado de direito,
invasão competencial do legislador, apenas para citar alguns dos mais
indesejáveis efeitos dessa prática.
A parte contrária àquela que aproveita os benefícios da presunção
também é destinatária dos efeitos negativos desta, à medida que fica onerada
em sua situação jurídica em maior ou menor grau, conforme se trate de
presunção absoluta, relativa ou simples.
No primeiro caso, a restrição de que padece é categórica e
terminante. Sendo absoluta a presunção, o fato presumido será tido como
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 33
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

verdadeiro independentemente de haver qualquer evidência em sentido


contrário. Tampouco terá alguma utilidade a parte contra a qual a presunção
produz seus efeitos desincumbir-se de demonstrar sua insubsistência. Trata-se
de uma escolha política realizada pelo legislador que impõe o fato presumido
como uma verdade incontestável. Portanto, incidindo a regra que estabelece a
presunção absoluta, cessa a atividade cognitiva do juiz a respeito do fato
presumido, o qual deverá ser considerado verdadeiro para todos os fins, sendo
indiferente a convicção tanto do juiz quanto da parte contra a qual a
presunção é aplicada.
Já no segundo caso, uma vez que a presunção relativa constitui
propriamente uma presunção genuína, com todos os seus característicos
intrínsecos, o fato presumido deve ser aceito como verdade pelo juiz até que a
parte contra a qual milita a presunção apresente evidências de sua
insubsistência. A presunção dirige-se a ela, então, impondo-lhe que o fato
presumido é verdadeiro até que ela mesma demonstre a falsidade dessa
consideração. Não poderá, portanto, ilidir a presunção opondo outra, de
natureza ex homine, nem meras alegações. A lei não se contenta com simples
argumentos. Exige prova concreta. Assim, não basta dizer que a pessoa
ausente e sem dar notícias há muito tempo está viva. Tal assertiva não será
suficiente para ferir a presunção. Deverá oferecer elementos bastantes que
demonstrem estar viva a pessoa desaparecida, ou seja, que provem o seu
reaparecimento, ainda que em lugar distante.
As coisas se passam de modo diverso no caso das presunções
hominis. Como estas são criações do juiz — e aqui não se cogita de
presunções simples criadas pelas partes em razão dos argumentos desfiados
porque não há autorização legal para que sejam aceitas23 — construídas no
momento em que profere decisão, admitem refutação por meio de
apresentação de contraprova ou de argumentação lógica, consistente, sólida,
que demonstre a insubsistência do argumento criador, resultando, assim, na
sua eliminação.

23
Não se deve confundir a presunção de veracidade dos fatos, sempre relativa, quando não contestados,
porque não se trata de presunção hominis criada pela parte, mas de presunção relativa criada pela lei sob
determinada circunstância. Tampouco se pode supor tratar-se de presunção ex homine estabelecida pelo
juiz no momento em que se profere decisão, porque a contrariedade a tal presunção limita-se aos
elementos constantes dos autos do processo, ou seja, está confinada aos elementos probatórios alojados
no processo. Se não houver nada capaz de infirmar os fatos não contestados, não poderá o juiz deixar de
atribuir-lhe valor de verdade baseando-se em uma praesumptio hominis. Ao revés, terá de os declarar
verdadeiros.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 34
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

IX. Presunções no Código Civil e a recusa à perícia médica (CC, art. 231
e 232) aplicada pelos tribunais

As presunções, assim como as ficções, têm um papel fundamental


em matéria de direito, e por essa razão são largamente utilizadas pelos
diversos ordenamentos jurídicos dos povos civilizados. São indicadas, assim
como as ficções, no corpo da lei, por palavras ou expressões como: presume-
se, considera-se, reputa-se, é considerado, é presumido e outras com valor
semântico equivalente. A distinção entre umas e outras decorre da natureza
do fato considerado. Se for daqueles que podem ocorrer ou não, tratar-se-á de
presunção. Porém, se se tratar de algo de que se saiba para logo não existir
nem poder existir, então, estar-se-á diante de uma ficção. Ambas, presunção e
ficção, servem como instrumentos de cognição, aquelas instrumentos
temporários, estas, vicários, porque enchem de conteúdo o que se encontra
vazio. São reconhecidas desde o direito romano.
O Código Civil brasileiro prevê, expressamente, isto é, emprega o
termo presunção ou um de seus cognatos em nada menos do que 51
dispositivos (art. 6º; art. 7º; art. 8º; art. 133; art. 163; art. 164; art. 191; art.
219; art. 257; art. 283; art. 323; art. 325; art. 330; art. 500, § 1º; art. 510; art.
569, I; art. 574; art. 581; art. 591; art. 614, §§ 1º e 2º; art. 658; art. 699; art.
775; art. 790 par. ún.; art. 861; art. 862; art. 1.187, IV; art. 1.198, par. ún.; art.
1.202; art. 1.209; art. 1.231; art. 1.253; art. 1.256, par. ún.; art. 1.276, § 2º;
art. 1.282; art. 1.297, § 1º; art. 1.315, par. ún.; art. 1.324; art. 1.436, § 1º; art.
1.446, par. ún.; art. 1.597; art. 1.598; art. 1.662; art. 1.674, par. ún.; art. 1.680;
art. 1.793, § 1º; art. 1.802, par. ún.; art. 1.932; art. 1.947; art. 2.005, par. ún.).
O Regulamento nº 737/1850 expressamente admitia prova contra a
presunção legal toda vez que a lei não a excluísse expressamente. Desse
modo, só se configurava a hipótese de presunção absoluta quando a lei
estabelecesse em favor de algum fato o valor de verdade inadmitindo
refutação, ainda que houvesse prova em contrário.24 Código de Processo Civil
de 1939 dispunha orientação semelhante no art. 251 ao estatuir que “[a] prova
contra presunção legal será sempre admitida, salvo quando a própria lei a
excluir.” A ressalva in fine põe a salvo de dúvida a exigência de expressa
determinação legal excluindo a oposição de evidências com o condão de
contrariar uma presunção legal para que esta fosse considerada absoluta. Não
sendo esse o caso, a presunção deveria ser considerada relativa, isto é, sujeita
ao ataque e destronamento ante a apresentação de prova concreta que a
infirmasse.

24
“Art. 185. São presunções legais absolutas os fatos, ou atos que a lei expressamente estabelece como
verdade, ainda que haja prova em contrário, como — a cousa julgada.”
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 35
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

As presunções, assim como as ficções, estatuídas pelo ordenamento


jurídico devem ser examinadas com todo cuidado. Tome-se o exemplo do
artigo 1.597, enunciado da seguinte maneira:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à
dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e
anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga,
mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se
tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial
homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que
tenha prévia autorização do marido.
Para logo, vislumbra-se no caput, de modo expresso, o verbo
presumem-se. Cumpre, no entanto, examinar as diversas hipóteses elencadas
nos incisos I a V para verificar: 1) se se trata realmente de instanciações das
presunções ou não; 2) em se tratando de presunção, qual a espécie de que se
cuida.
“Para dar conta da paternidade dentro do casamento, a ordem
jurídica estatuir a presunção, cujo valor jurídico não solve a mesma questão
no âmbito extramatriomonial” (FACHIN, op. cit., p. 51). O instrumento de
que se serve o ordenamento jurídico para solver tais indagações é a
presunção, cuja operosidade funciona como elemento de colmatação de uma
lacuna do conhecimento da realidade.
Os incisos I e II são genuinamente presunções. De acordo com Luiz
Edson Fachin (2003, p. 50), “[o] novo Código Civil brasileiro mantém (…) a
tradicional presunção pater is est”. O fato do nascimento de uma criança
provoca severas repercussões no mundo jurídico. Quem é o pai? Quem é a
mãe, nos famigerados casos da “barriga de aluguel”? Quando realmente
ocorreu o nascimento? E a concepção? O registro, enquanto prova formal, só
opera seus efeitos quando realizado e se não houver conflito de interesses
entre as pessoas envolvidas. Os dados lançados no assento registrário são
apenas relativos, já que se fiam em informações trazidas pelas pessoas
indicadas na lei. Por isso não constituem prova de uma verdade absoluta, mas
cedem diante de evidências que lhe contrarie.
Surge a questão de saber se se trata de presunção absoluta ou
relativa. De regra, a ausência de disposição específica atributiva de valor
verdade irrefutável, devem ser consideradas como presunções relativas, isto é,
que admitem prova em contrário. O artigo 1.598, esclarece de uma vez por
todas a questão, estabelecendo que a presunção estatuída nos incisos I e II do
artigo 1.597 são relativas, isto é, autênticas presunções que se sujeitam à
prova em contrário. Assim, mesmo concretizando-se a fattispecie descrita em
cada um dos incisos I e II, pode-se contestar a paternidade opondo-se à
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 36
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

presunção legal com a apresentação de prova sólida em sentido contrário ao


que resulta da presunção.
O inciso III parte da premissa de a concepção ter-se operado por
inseminação artificial homóloga, isto é, aquela em que não só há o
consentimento dos pais como também o fornecimento do material genético
necessário, o sêmen do marido, para fertilizar a mulher. Não se trata de
fecundação in vitro, mas inoculação do material reprodutivo masculino
diretamente no útero da mulher. A indagação sobre a paternidade só tem
sentido em caso de erro médico ou dolo a envolver a mulher, o médico e
quiçá interposta pessoa. Isso se afigura-se suficiente para que a hipótese seja
de presunção relativa. A uma, porque a lei nada dispõe a respeito, isto é, não
veda a prova em contrário ou, o que é a mesma coisa, não impõe uma verdade
incontestável. A duas, porque é possível obter evidências capazes de infirmar
a presunção de paternidade, mesmo no caso de inseminação artificial
homóloga. Por outras palavras, apesar do baixo grau de probabilidade, é
possível, no caso previsto pelo inciso III, ocorrer de o filho ter sido gerado
por inseminação artificial heteróloga, e não homóloga como se supunha. É
essa possibilidade que torna a presunção estatuída no dispositivo sob exame
uma presunção relativa. É indiferente o fato de o marido estar vivo ou não. A
questão será sempre a mesma: saber se o material genético introduzido na
mulher para a concepção do filho foi realmente o dele.
Porém, há um quid de ficção quando a concepção ocorrer depois da
morte do marido. Trata-se da hipótese de seu material genético ter sido
armazenado para fertilização em momento futuro. Em tal hipótese não se
pode falar propriamente em presunção quanto ao momento da fecundação,
pois se ao tempo da morte a mulher não estava grávida e veio a ser fecundada
com o sêmen do falecido marido depois do passamento deste, há presunção
relativa de paternidade nos moldes já esclarecidos e ficção quanto ao
momento da concepção. A lei estabelece como verdadeiro algo que não é e
não pode ser: a concepção durante um casamento que, na realidade, já não
existe mais.
Tudo que se disse sobre o inciso III pode repetir-se para o inciso IV,
dado às semelhanças que apresenta com aquele. A diferença é que na hipótese
do inciso IV o embrião forma-se in vitro e não no útero da mulher. Por razões
análogas representa uma instanciação de presunção relativa, cabendo aqui a
mesma análise e conclusão.
Não se pode, no entanto, estender as conclusões obtidas a respeito
dos incisos III e IV para a hipótese do inciso V. Este cuida da concepção por
inseminação artificial heteróloga. Ou seja, em que o material genético
masculino não provém do marido, mas de pessoa desconhecida. A
paternidade fundada no inciso V pressupõe não só o consentimento como
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 37
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

simples manifestação da vontade, mas a autorização expressa do marido.


Assim, eventual contestação somente terá cabimento para impugnar a
autorização. Existente esta, não será caso de paternidade presumida, mas de
paternidade ficta. A lei considera ser aquilo que não é, que se sabe não pode
ser nem poder ser. Dada, contudo, a autorização e não havendo controvérsia a
seu respeito, fixa-se a paternidade como uma verdade irrefutável. Não por
presunção, mas por ficção. Rigorosamente não há diferença entre a
paternidade decorrente da inseminação artificial heteróloga e a adoção, a não
ser pelo tratamento jurídico dado a cada uma dessas situações.
Feita essa breve digressão, interessa, particularmente, ao escopo
deste trabalho, as disposições contidas nos artigos 230 a 232 e principalmente
este último.
O artigo 230 estabelece que “[a]s presunções, que não as legais, não
se admitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhal. Trata-se de
preceito que diz respeito às presunções hominis, a que o Regulamento nº 737
de 1985 denominava de presunções comuns, e já previa preceito semelhante
quando enunciava, em seu artigo 188 que “[a]s presunções comuns são
admissíveis nos mesmos casos em que o é a prova testemunhal”.
Essa espécie de presunção, como já se disse linhas atrás, não são
estabelecidas por lei, embora sua criação esteja aí autorizada em certos casos.
Tal autorização, contudo, não pode ser compreendida sem limites. É defeso
ao juiz prodigalizar a criação de presunções ex homine sob pena de criar
bizarras situações e infirmar a segurança jurídica, já que as presunções, por
sua natureza ontológica, constituem apenas um mecanismo de cognição
antecipada, temporária e que acarreta a transferência do ônus da prova para
aquele contra o qual milita a verdade presumida. A deixar-se livre a criação
das presunções comuns pelos juízes, corre-se o risco de ver a solução de
muitos casos com expressa regulamentação legal, decididos sob o
fundamento de uma presunção qualquer com evidente prejuízo para a ordem
pública e a certeza do direito. Não é por outro motivo que o Regulamento nº
737 de 1850 prescrevia em seu artigo 187 que as presunções comuns deviam
ser articuladas pelo juiz com prudência e discernimento.
Exatamente porque as presunções hominis não emanam da lei é que
só são admitidas quando também se admitir a prova testemunhal, que é a mais
lânguida das provas, impregnada de subjetividade. Quer isso significar que a
o fato presumido pode, de um lado, ser atacado por meio da prova
testemunhal, e de outro, não pode ser invocado para desqualificar uma prova
objetiva, assim entendida a que não provém de testemunhas, nos casos em
que a lei excluir esse tipo de prova. Portanto, nas hipóteses em que a lei
prescreve um tipo específico de prova, não admitindo a prova testemunhal,
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 38
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

será defeso ao juiz socorrer-se de presunções hominis para proferir


julgamento.
O mesmo não ocorre em relação às presunções legais. Essas,
precisamente porque estabelecidas na lei, podem ser invocadas e produzem os
efeitos previstos pela norma criadora ainda que no caso específico não sejam
admitidas as provas testemunhais.
O artigo 251 do Código de Processo Civil de 1939 admitia todo tipo
de prova contra as presunções legais, salvo quando a lei expressamente
dispusesse em sentido contrário. A regra, então, era de que toda presunção
legal deveria ser considerada relativa, admitindo prova em contrário.
Absolutas seriam apenas aquelas presunções para as quais a lei,
explicitamente, negasse a possibilidade de serem arrostadas pela apresentação
de evidências que a destruíssem.
O atual Código de Processo Civil, no artigo 334, inciso IV, dispõe
que os fatos tidos como verdadeiros em virtude de presunção legal não se
sujeitam à prova. Como esse preceito legal não distingue entre as presunções
absoluta e relativa, estamos que ambas são abrangidas por seu enunciado.
Evidentemente que a inexigência, quando se tratar de presunção absoluta,
constitui um preceito vinculante tanto do juiz quanto da parte contra a qual a
presunção é utilizada. Tratando-se, porém, de presunção relativa, a
inexigência somente refere-se a quem tira proveito do fato presumido, porque
dispensado de prová-lo em função do juízo antecipado que o reputa
verdadeiro, caracterizando o modus operandi da presunção relativa.
Somente as presunções legais estão incluídas sob a égide do artigo
334, inciso IV, do Código de Processo Civil atual. Isso porque as presunções
hominis só vêm a lume no momento em que o juiz decide. Assim, toda prova
ou argumentação capaz de destruí-la será permitida à parte inconformada com
o decisum poderá apresentar juntamente com o recurso não só as alegações,
como também as provas em que se fundam para arrebatar aquela presunção.
O artigo 231 do Código Civil brasileiro determina que “[a]quele que
se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de
sua recusa.” Isso significa que o indivíduo não poderá argumentar sobre uma
base presuntiva suscitada pela ausência de prova a que ele mesmo deu causa.
O juiz, nesses casos, julgará com base nos elementos probatórios constantes
dos autos, levando em conta que a prova necessária não foi produzida. Não há
necessidade de criar nenhuma presunção hominis para decidir nesses casos,
pois ao dizer que o exame é necessário, outra coisa não faz a lei senão afirmar
que sem ele não é possível decidir o fato que por ele seria atestado. Trata-se
de uma condição necessária para decidir o fato, e não de uma condição
meramente suficiente. Se o fato que se pretende provar com o exame dito
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 39
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

necessário puder ser provado por outros meios, então, força convir, o exame
não é, em verdade, necessário, mas apenas suficiente.
Assim, por exemplo, numa demanda entre uma seguradora e o
segurado, a verificação de uma patologia que a primeira tenha recusado pagar
somente pode ser feita por meio de exame médico. Recusando o segurado em
submeter-se ao exame, não poderá invocar que a seguradora não se
desincumbiu de provar a desnecessidade ou a inexistência da enfermidade.
Tal argumento do segurado incidiria na falácia ad ignorantiam. Como não é
caso de inversão do ônus da prova de conformidade com as regras do Código
de Defesa do Consumidor, porquanto a realização o exame depende
exclusivamente do segurado, se alguma presunção pode advir dessa situação é
a de veracidade das alegações da seguradora, se tiverem sido no sentido de
negar a existência da patologia reclamada. Porém, nem mesmo isso é
necessário para julgar a questão, já que aquele que não prova os fatos
alegados sofre o ônus de não tê-los reconhecidos por ausência de prova.
Portanto, o artigo 231 do Código Civil brasileiro não contém
hipótese de presunção legal. Apenas impede que um dos litigantes, aquele que
se opõe ao fato controvertido cuja prova só pode ser obtida com o exame
médico de si, alegue que seu antagonista não se desincumbiu do ônus que lhe
cabia. Assim, não chega propriamente a inverter o ônus da prova, como nos
casos de presunção, mas neutraliza os efeitos desse ônus quando há
resistência injustificada da parte contrária.
Em tais hipóteses, o juiz deverá decidir com base nos demais
elementos de prova alojados nos autos, podendo, inclusive, aplicar a regra do
artigo seguinte, se for o caso, para suprir a falta do exame recusado.
Por fim, o artigo 232 do Código Civil vigente inovou ao determinar
que “a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que
se pretendia obter com o exame.”
Em primeiro lugar, deve-se notar as diferenças entre os preceitos
legais do artigo 231 e esse do artigo 232. Já pelo próprio enunciado percebe-
se que a matriz legal é diferente daquela prevista no artigo 231. Neste, o
Código veda expressamente que a parte possa tirar proveito da própria recusa
em se submeter a exame médico necessário ao deslinde da questão
controvertida. No artigo 232, ao contrário, além de a perícia médica ser
ordenada pelo juiz, de ofício ou a requerimento, a recusa repercute de modo
notável, pois pode suprir a prova pretendida com o exame pericial.
O exame açodado poderia sugerir a conclusão de tratar-se de uma
hipótese semelhante àquela estabelecida para a revelia: a criação de uma
sanção para punir o comportamento censurável daquele que não colabora com
a justiça, considerando-se verdadeiro um fato relevante para o
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 40
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

pronunciamento do juiz sem qualquer elemento probatório que o confirme.


Tratar-se-ia, então, de presunção juris tantum, já que escapa ao conceito de
ficção o reputar verdadeiro um fato que pode não sê-lo,25 e mais, cuja
veracidade poderia ter sido ilidida por contraprova. Porém, isso não é
suficiente para equiparar a situação jurídica que cai no âmbito de incidência
do artigo 232 do Código Civil com aquela que corre da aplicação do artigo
319 do Código de Processo Civil.
A revelia estabelece presunção de veracidade de fatos não
contestados. Já o artigo 232 do Código Civil estatui a possibilidade de o juiz
considerar verdadeiro o fato objeto da prova frustrada, mas nada diz a
respeito de esse fato ter sido ou não contestado. Se não foi, incide a regra do
artigo 319 do Código de Processo Civil. Se foi e faltam elementos de prova
suficientes para a formação do convencimento, em favor ou contra a parte que
recusou a perícia, o juiz terá à sua disposição o preceito do artigo 232 para
suprir a prova faltante e dar à lide solução apoiada na presunção relativa
implícita nesse dispositivo legal.
Ao dizer que a recusa à perícia pode suprir a prova visada, a lei
pretende que se houver nos autos outros elementos capazes de sustentar a
decisão independentemente do resultado do exame pericial, não há
necessidade de o juiz aplicar a regra do artigo 232. Porém, se o resultado da
perícia recusada, dada a natureza do exame, poderia constituir,
inegavelmente, prova mais forte do que aquelas encontradas nos autos ou a
produzir, seja em sentido oposto, seja em reforço destas, ou, se não houver
nos autos nenhuma outra prova sobre a qual possa o juiz decidir o fato, então
poderá aplicar a regra do artigo 232 declarando suprida a prova.
Com isso surge um problema de proporções enormes: a lei não diz
que o juiz poderá presumir esse ou aquele resultado da perícia. Apenas afirma
que tal recusa supre a prova que se pretendia obter com o exame. Assim, dada
a recusa à perícia, deve-se fazer a seguinte indagação: qual a prova que se
pretendia obter com o exame pericial?
A perícia pode tanto confirmar quanto negar o fato alegado pela
parte que a requereu. Diante desse dualismo inerente ao resultado do exame
pericial, a indagação inicial reconduz a outra: qual o resultado esperado pela
parte que solicitou a perícia médica? A reposta, agora, é imediata: pretendia
que a perícia resultasse na confirmação das alegações por ela deduzidas na
quaestio in judicium deducta. Assim, conquanto ao requerer perícia médica o
litigante requerente sujeite-se ao resultado que lhe seja desfavorável, se
soubesse disso antecipadamente, por razões óbvias, não a requereria.
Portanto, sua expectativa, aquilo que pretendia e em que depositou sua
25
Rememore-se que a ficção se caracteriza por considerar existente o que se sabe não existir ou inexistente
aquilo que se sabe existir.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 41
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

convicção ao requerer a prova, era obter um resultado favorável, útil para


comprovar os fatos alegados.
Arrima-se exatamente nessa ordem de ideias a inteligência da
expressão “a prova que se pretendia obter com o exame” contida no
enunciado do artigo 232. Seria escusado mencionar, essa norma só faz sentido
quando a perícia médica é requerida por uma das partes em face da outra, que
recusa submeter-se ao exame, pois não teria sentido cogitar da recusa à
perícia pela própria parte que dela pretende tirar proveito.
No entanto, esse dispositivo legal não se aplicará quando a perícia
recusada tiver sido determinada pelo juiz com fundamento nos poderes
instrutórios que lhe confere o artigo 130 do Código de Processo Civil. É que o
juiz não pode antecipar seu juízo sobre a questão. Se pretende a obtenção de
alguma prova, isso significa a existência de dúvida sobre o fato controvertido
objeto da prova. Dúvida em sentido amplo e imparcial, e não eivada de
inclinação para essa ou aquela alegação das partes. De modo que se encontra
num estado de incapacidade para pronunciar decisão sobre o fato probandum.
Não pode afirmá-lo nem negá-lo. O juiz não tem, ou pelo menos não deveria
ter, pretensão dirigida sobre o resultado de qualquer prova por ele ordenada
sem o respaldo em pedido das partes. A não ser assim, despede-se do ideal de
imparcialidade, passando a agir de forma vicária no lugar de um dos
litigantes, notadamente daquele para cujos interesses propende sua convicção,
com evidente prejuízo para o primado do tratamento paritário que deve
conferir às partes do processo, o qual finca suas raízes no princípio
constitucional da isonomia.
Por outro lado, o artigo 232 não estabelece uma ficção. A questão
nele tratada não se plasma no conceito da ficção e, conseguintemente, não
pode ser interpretado dessa maneira. Se de ficção não cuida, então, introduz
hipótese de presunção, já que pode ocorrer a consideração de uma verdade
não demonstrada, porém, demonstrável.
Contudo, não impõe ao juiz que considere verdadeiro o fato alegado
por uma das partes e cuja prova não pôde ser feita devido à recusa da outra.
Apenas autoriza-o a presumir provado o resultado que se pretendia obter com
a realização da perícia médica. Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 569)
abona essa exegese quando afirma que
(…) o preceito não impõe, necessariamente, o suprimento da prova pericial
médica, pela imediata acolhida da veracidade do fato que se iria apurar por
meio da diligência probatória frustrada pela resistência de um dos
litigantes. A norma simplesmente admite a possibilidade de se ter como
ocorrente tal suprimento (…)
Isso significa que o juiz decidirá de acordo com os elementos
probatórios constantes dos autos, podendo, inclusive, pronunciar-se
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 42
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

contrariamente à parte que requereu a prova frustrada pela recusa da parte


adversária em submeter-se ao exame médico pericial. As hipóteses de
aplicação do artigo 232 limitam-se, portanto, àquelas situações em que não
haja outras evidências suficientes para o juiz formar sua convicção.
Nos tribunais tem prevalecido esse entendimento. O Tribunal de
Justiça do Distrito Federal manteve uma sentença proferida em ação negatória
de paternidade que tinha por objetivo desconstituir o vínculo declarado em
outra ação que reputou provada a paternidade do autor em razão de ter-se
recusado a proceder ao exame de DNA.26 No mesmo sentido decidiu o
Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou provimento à Apelação Cível nº
625.466-4/8-00,27 em julgado de 26/03/2009, na qual o apelante alegava ter
havido cerceamento de defesa, já que o artigo 232 não impõe
peremptoriamente a presunção de paternidade como suprimento da prova que
se pretendia obter com o exame hematológico de DNA. O tribunal, no
entanto, desacolheu o recurso sob o fundamento de que o apelante recusou-se
ao exame pericial por três vezes sem nenhuma justificativa, mesmo havendo
sido intimado para sua realização. Demais disso, não ofereceu oportuno
tempore nenhuma prova hábil em apoio de suas alegações, de modo que a
incidência do artigo 232 impunha-se mesmo pelas circunstâncias do caso
concreto.
A presunção que decorre a aplicação do artigo 232 já vinha sendo
aplicada pela jurisprudência antes mesmo da promulgação do Código Civil de
2002. O Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível nº 46.324-4,28
manteve a sentença que declarou a paternidade do apelante presumindo-o pai
por não ter-se submetido ao exame de perícia médica para aferição biológica
do vínculo. No mesmo sentido e de modo ainda mais enfático é o julgamento
do Agravo de Instrumento nº 53.311-4,29 que apresenta a seguinte ementa:
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - Prova - Perícia - Recusa do réu -
Direito de não comparecer - Ausência, entretanto, que poderá ser
interpretada em favor dos pedidos formulados na inicial - Recurso não
provido.
No voto condutor afirmou-se que a prova pericial era necessária
para a comprovação, pela autora, da afirmação de ser o réu o seu pai
biológico. Fazendo analogia com o artigo 186 do Código de Processo Penal,
antes da redação dada pela Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, o tribunal
reconheceu ao agravante que não poderia ser constrangido a submeter-se ao
26
TJDF – 1ª T.Cív. – Ap. Cív. 20070111012215APC – rel.: Des. Flávio Rostirola – j. 24/09/2008 – site do
TJDF; DJU: 06/10/2008, p. 78.
27
TJSP – 6ª C.D.Priv. – Ap. Cív. 625.466-4/8-00 – rel.: Des. Vito Guclielmi – j. 26/03/2009 – site do
TJSP.
28
Lex-JTJ 201/128, j. 12/08/1997.
29
Lex-JTJ 210/203, j. 03/02/1998.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 43
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

exame, mas ressalvou que a recusa, considerada no conjunto das provas,


poderia ser interpretada em favor dos pedidos formulados na petição inicial.
Ou seja, em desfavor do réu.
Esse entendimento consolidou-se com o Código Civil de 2002, que
introduz a inédita norma do artigo 232. Em ações de investigação da
paternidade, o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado a regra do artigo 232
pacificamente.30
Um ano após a entrada em vigor do novo Código, o Superior
Tribunal de Justiça, editou a Súmula nº 301, segundo a qual “[e]m ação
investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade.”
A novidade do verbete está em que: primeiro, restringe a regra a um
caso específico, qual seja, o de ação de investigação da paternidade; segundo,
estabelece uma presunção relativa, portanto contestável, do fato alegado pelo
autor da ação. Com isso limita, a contrario sensu e sem justificativa razoável,
o alcance da regra prevista no artigo 232 do Código Civil.
A hipótese prevista no artigo 232 não se limita aos casos de
investigação da paternidade. Outros há que podem suscitar sua aplicabilidade.
Por exemplo a ação negatória da paternidade, por simetria isonômica,
também pode ser resolvida com aplicação do artigo 232 se houver recusa do
réu em submeter-se ao exame de DNA para apurar a veracidade da
paternidade constante do registro caso este seja contestado. Além disso, a
regra do artigo 232, interpretada do modo como preconizado neste trabalho,
quando aplicada, faz surgir a presunção de veracidade do fato. E só tem
sentido de ser aplicada se o contrário não resulta do conjunto probatório dos
autos, assim entendido, quando o juiz não tem nenhum outro elemento de

30
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – PRELIMINARES
DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E COISA JULGADA APRECIADAS EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO TRANSITADO EM JULGADO – RECUSA DO RÉU EM SUBMETER-SE AO
EXAME DE DNA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS NA INICIAL -
RECURSO ESPECIAL – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO – FUNDAMENTO SUFICIENTE –
SÚMULA 283/STF.
I – Improsperável o recurso especial, se o recorrente deixa de impugnar fundamento suficiente à
manutenção do acórdão recorrido. Aplicação do enunciado n.º 283 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal.
II - Segundo a jurisprudência desta Corte, a recusa da parte em submeter-se ao exame de DNA constitui
presunção desfavorável contra quem o resultado, em tese, beneficiaria.
Recurso especial não conhecido.” {STJ – 3ª T. – REsp 460.302/PR – Relator: Min. Castro Filho – j.
28/10/2003 – REJSTJ}
“ Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Investigação de paternidade. DNA. Recusa na
realização do exame.
1. O posicionamento desta Corte é no sentido de que a recusa injustificada à realização do exame de
DNA contribui para a presunção de veracidade das alegações da inicial quanto à paternidade.
2. Agravo regimental desprovido.” {STJ – 3ª T. – AGA 498.398/MG – Relator: Min. Carlos Alberto
Menezes Direito – j. 16/09/2003 – REJSTJ}
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 44
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

convicção para fundamentar sua decisão. A inatacabilidade da presunção


surgida desse modo é indireta, já que não corresponde a uma determinação
legal categórica, o que retira dela a possibilidade de ser encarada como
presunção juris et de jure. Mas de interpretação sistemática que conjuga o
preceito insculpido no artigo 232 com o instituto da preclusão do processo
civil, conduz à ilação de que a verdade dimanante da aplicação do artigo 232
se torna absoluta, já que parte que recusou submeter-se à perícia não terá
outra chance para apresentar contraprova capaz de infirmar o fato presumido
na sentença com fulcro no artigo 232.
A questão, contudo, não é pacífica. O Tribunal de Justiça de Minas
Gerais aplicou a regra do art. 232 na Apelação Cível nº 1.0702.03.079528-1,31
para presumir verdadeiro o fato alegado cuja prova foi obstada pela parte
contrária em ação negatória da paternidade na qual a representante legal do
menor recusou-se em permitir a colheita de material para o exame genético.
Diante da resistência injustificada, declarou o tribunal que a prova pretendida
pelo autor da ação estava suprida, reputando-se presumida a ausência do
vínculo de paternidade e reformando a sentença. O mesmo tribunal, no
entanto, ao julgar a Apelação Cível nº 1.0056.03.059866-0,32 pronunciou-se
no sentido antípoda, tendo afirmado que a recusa ao exame pericial de DNA,
por constituir presunção juris tantum, não é suficiente para ilidir a presunção
de paternidade decorrente do registro promovido pelo pai voluntariamente,
apesar de esta ter o mesmo status daquela.
Ademais, há outra questão ainda em aberto. Tem-se entendido pela
possibilidade de os herdeiros ajuizarem ação negatória da paternidade. Se
assim é, supondo que o de cujus tenha saído vencido em ação de investigação
da paternidade, julgada com fundamento na aplicação do artigo 232, poderão
seus herdeiros propor ação negatória e pedir a realização de perícia médica
para provar suas alegações em face daquele que obteve o provimento
favorável na ação investigatória?
Como a presunção que surge da aplicação do artigo 232 é do tipo
relativa, então, a resposta deve ser afirmativa. A recusa do exame na ação
investigatória acarreta a presunção em desfavor do réu. No entanto, já se
admitiu ação negatória de paternidade promovida pelo herdeiro para anular o
vínculo declarado em ação investigatória fundada em presunção relativa
devido à recusa do réu em submeter-se ao exame pericial. A mesma solução,
só que em sentido inverso, foi dada na ação negatória de paternidade. O

31
TJMG – 5ª C.Cív. – Ap. Cív. 1.0702.03.079528-1 – rel.: Des. Barros Levenhagen – j. 14/05/2009 – site
do TJMG.
32
TJMG – 4ª C.Cív. – Ap. Cív. 1.0056.03.059866-0 – rel.: Des. Almeida Melo – j. 07/02/2008 – site do
TJMG.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 45
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Superior Tribunal de Justiça, em julgado recente, ainda não publicado,


admitiu a incidência do artigo 232 nas ações negatórias da paternidade.
O espectro de abrangência desse dispositivo, contudo, não se limita
às questões de filiação. A regra legal tem amplitude que permite seja aplicada
mesmo em ações cuja relação jurídica de direito material esteja sob a regência
do Código de Defesa do Consumidor, pois trata-se de preceito geral e de
prova que depende da parte, insuscetível de enquadramento nas hipóteses de
hipossuficiência que autorizam a inversão do onus probandi. Assim, v.g.,
ações entre segurados e seguradores, podem ser resolvidas com aplicação do
artigo 232 caso o segurado recuse submeter-se ao exame médico pericial
ordenado pelo juiz.

X. Conclusão.

A definição dada pelo Regulamento nº 737 de 1850 afigura-se, de


um modo geral, mais adequada à noção intuitiva veiculada pelas presunções
do que aquela que vem sendo preconizada pela doutrina e que tem raízes no
pensamento da Idade Média. O exame das presunções a partir de sua
ontologia conduz ao resgate daquela noção e permite o aprofundamento da
investigação para esclarecer o conceito e estabelecer uma definição mais
precisa e condizente com as características das presunções, constituindo,
ainda, os fundamentos da erronia que vem de se propagar há séculos.
De outro lado, a revisão do conceito e da definição afiguram-se
importantes para clarificar a natureza e o funcionamento dos diversos tipos de
presunção com repercussão em sua aplicação prática pelo direito, porquanto
só assim se consegue evitar contradições que atentam contra a razão prática
jurídica e construir soluções mais adequadas ao que prescreve a lei, sem o
vezo do ativismo judicial e sem afrontar a lógica que deve governar a
elaboração dos conceitos.
As presunções exercem um papel epistêmico fundamental, daí por
que necessária a perfeita compreensão do mecanismo que operam:
instrumento que antecipa um juízo por meio de uma decisão para suprir a
falta de conhecimento, erigindo uma verdade temporária e provisional na qual
se baseará. O direito, como sói ser sua característica, tem o condão de
modificar as coisas, adaptando-as aos desígnios e conveniências de sua
atuação como instrumento de controle social. Por essa razão, incorpora as
presunções com ferramenta a serviço da cognição, mas faz incidir sobre elas
modificações em sua natureza para atingir determinados fins, desmembrando-
as nas três modalidades conhecidas: absolutas, relativas e simples, cada qual
com características próprias que as distinguem umas das outras, porém com
uma única essência.
As Presunções no Código Civil de 2002 e as 46
Consequências da Recusa à Perícia Médica Aplicadas pelos Tribunais

Diferentemente do que se observa em outros ordenamentos, como


no Código Civil italiano e no Código Civil português, que serviram de
inspiração ao novo Código Civil brasileiro, hoje na sua primeira infância, se
comparado à longevidade do seu predecessor, este último não dispõe sobre as
presunções de modo específico, salvo a disposição contida no art. 230. Sob
esse aspecto, parece-nos ter andado bem o legislador, já que assim evitou
incorrer nas mesmas erronias que se verificam naqueloutros, fruto de uma
equivocada concepção sobre a ontologia das presunções.
São elas poderosos instrumentos que permitem passar do direito em
potência para o direito em ato, incidindo no caso concreto para obsequiar a
construção da solução mais adequada naqueles casos em que, pela relevância
que ostentam, à falta de algum elemento de cognição devido à
impossibilidade de prova ou a conveniência de não demonstrar o fato num
primeiro momento, a lei considere ou autorize considerá-lo provisionalmente
verdadeiro.
Tal é a importância das presunções que sem elas seria impossível
resolver alguns casos, os quais cairiam no vazio da falta de solução
contribuindo para fermentar a insatisfação com o sistema.
Finalmente, os avanços tecnológicos têm permitido a criação de
mecanismos de prova cada vez mais complexos e precisos, cujos resultados
são fundamentais para o conhecimento de determinados fatos controvertidos e
subsidiar as decisões a seu respeito. Nesse contexto, de renovado
aperfeiçoamento científico-tecnológico que não pode ser ignorado nem
menosprezado pelo direito, as presunções atuam como valioso instrumento de
distribuição do ônus da prova, e ao mesmo tempo em que prestigia a
persecução da verdade real, privilegia os valores morais mais encarecidos
pela sociedade contemporânea, fortalecendo a certeza do direito e a segurança
jurídica.

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