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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CURSO DE LETRAS
DISCIPLINA: LITERATURA PORTUGUESA III
PROFª SARA DIVA

CONSIDERAÇÕES SOBRE A METÁFORA DO MAR


NA POESIA DE FERNANDO PESSOA

Otávia Marques de Farias.


Matrícula 0715493

Fortaleza
2004
OTÁVIA MARQUES DE FARIAS

CONSIDERAÇÕES SOBRE A METÁFORA DO MAR


NA POESIA DE FERNANDO PESSOA

Trabalho de aproveitamento da
Disciplina Literatura Portuguesa III do Curso
de Letras da Universidade Estadual do Ceará.

Otávia Marques de Farias


Matrícula 0715493

Fortaleza
2004
1. CONSIDERAÇOES SOBRE A METÁFORA DO MAR NA POESIA
DE FERNANDO PESSOA.

Este trabalho oferece um panorama da obra poética de Fernando Pessoa, a


partir do uso do mar como símbolo recorrente, inclusive nos heterônimos.
Considerando o vasto material a ser pesquisado, escolheu-se um corpus relativamente
pequeno: quarenta poemas aleatoriamente coligidos dentre aqueles que mencionam
elementos ligados à imagética marinha (barcos, ondas, mistério, praias e outros).
Antes de examinar o que se propõe acima, faz-se um breve histórico do que seja
imagem poética, apresentam-se dados tidos como pertinentes acerca da poesia e sua
vertente portuguesa, buscando situar o poeta entre os nomes da literatura moderna do
Ocidente, em que certamente ocupa o lugar privilegiado a que faz jus.

1.1. Imagem poética.

O termo imagem poética abrange todas as formas possíveis de se fazer uma


afirmação através da qual uma coisa é percebida como semelhante ou não, a outra.
Pode ser classificada em três campos maiores: símile, metáfora, e símbolo. A símile,
introduzida pelas expressões como ou assim como, indica uma correspondência
específica e inequívoca; sua variante, a chamada símile homérica ou épica, é
meramente uma passagem de maior ou menor extensão, começando por como ou tal
como e embutida na narrativa principal por tão ou equivalente.
A metáfora também envolve essa correspondência, mas aqui a sentença é
direta, sem os introdutórios como ou tal como; o leitor é convidado a inferir a intenção
do poeta num esforço da própria imaginação e estabelecer uma espécie de fusão entre
o objeto e a imagem. O símbolo vai um pouco além, requerendo uma imaginação mais
rápida e intensa e freqüentemente empregando um complexo sistema de
correspondências. Em Fernando Pessoa, o mar aparece ora como personagem, ora
como motivo, mas a metáfora, a símile e a comparação não são comuns, nas formas
citadas. Na verdade, na maioria das vezes o mar é um interlocutor, e o poeta a ele se
dirige, por meio do vocativo:

ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal! (Mensagem)1

Tradicionalmente, a construção de imagens é reconhecida como uma atividade


essencialmente poética. Aristóteles observou que a capacidade de construir metáforas
era a marca do poeta superior; e Shelley disse que a linguagem poética era
essencialmente metafórica. As maneiras de usá-las foram elaboradas e analisadas
pelos retóricos clássicos, e passadas à critica inglesa com a Renascença.
Tal análise pertence a um método de composição poética que, para os críticos e
escritores modernos, é de interesse puramente acadêmico, e seus termos têm
aplicação limitada. Vejamos os princípios básicos.
O objeto ou experiência contemplado pelo poeta é por ele percebido em relação
a algum segundo objeto ou evento, pessoa ou coisa, a que ele dirige atenção. Por esse
ato, pode o poeta transferir dessa imagem, ao objeto-alvo, certas qualidades que
passam então a ser percebidas como atributos do objeto original; a intenção do artista
pode ser iluminar, enfatizar, ou renovar, através dessas transferências, o caráter
original daquilo que contempla.
A construção ou descoberta da imagem é uma maneira de o poeta convidar o
leitor a estabelecer certas relações que envolvem julgamentos de valor. Imagem e
símbolo são, num certo sentido, o emergir do impulso do poeta para perceber unidade
na diversidade, ou para figurar juntas diversas experiências aparentemente não
relacionadas, ou, ainda, comunicar através de frases penumbrosas ou subjacentes,
significados que extrapolam os recursos da linguagem direta.
As imagens diferem dos significados também em profundidade ou complexidade,
assim como em seu objetivo e origem; podem também adquirir força e vitalidade
adicionais em sua relação contextual com outras imagens do poema, e por meio dos
significados que possa estabelecer com outros trabalhos seus.Tudo pode ser mudado

1
Todas as citações são retiradas da Obra Poética, cf. Bibliografia Consultada.
pelos métodos usuais da técnica poética; as imagens podem ter significado específico
ou interagir umas sobre as outras.
Ao fazer comparações, a ”fenda” entre objeto e imagem pode variar; se a fenda é
pequena, exigindo o mínimo esforço imaginativo, a imagem logo se torna “morta” ou
ineficaz, como os ditos populares ou provérbios (por exemplo, negro como breu,
preciso como uma agulha, tolo como um boi). Se a fenda é muito larga, a imaginação
se recusa a fazer uma ponte, e a comparação falha em seus objetivos.
A boa imagética envolve uma fenda larga o bastante para frustrar o esforço
imaginativo. A imagética de má qualidade, por outro lado, pode tornar-se ineficaz por
ser a comparação remota demais, fantasiosa, ou indevidamente cerebral em sua
origem. Tanto a boa quanto a má comparação incluem-se no termo “conceito”,
significando qualquer comparação inatingível.
Os aspectos previsíveis da imagem poética podem ser ilustrados por citações de
vários graus de complexidade. O tipo mais comum de símile ocorre nos versos:

Ponha-me como um selo sobre o coração,


Como um selo sobre o braço,
Pois o amor é forte como a morte,
E o ciúme, cruel como o túmulo. (Cânticos de Salomão, 8:6).

Muitas metáforas são usadas para o corpo humano, tais como veste de lama,
casinha escura da alma, o calabouço onde a alma está aprisionada. Mas também pode
ser vista como algo “tecido” ou “atado”, como em John Donne:

Assim como nosso sangue trabalha


Para abrigar espíritos, como almas que são
Porque tais dedos precisam tecer
Esta teia sutil, que nos faz homens. (O Êxtase)

Às vezes temos um sistema de referências técnicas que, dependendo do quanto


estamos preparados para aceitar tais tecnicidades, podem funcionar como imagem ou
fracassar como conceito; como no Rei João, de Shakespeare,
“A corda do meu coração se partiu e se queimou
E todos os véus com que eu navegaria pela vida
Transformaram-se num fio, um fio de cabelo”,

em que a imagem normal da viagem da vida é composta com detalhes de marinhagem,


a fisiologia elisabetana (cordas do coração), e talvez a imagem familiar de “tênue fio da
vida”.
Outro bom exemplo disso nos fornece o próprio Pessoa:

“...E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.”

A metáfora se obscurece no símbolo; e se a mesma imagem é usada


constantemente ao longo de um poema pode ser adequado chamá-la de símbolo.
Deve-se pensar nela também em termos de correspondências; uma pessoa,
acontecimento, objeto, ou mito é percebido pelo poeta como incorporando vários
significados, para os quais ele direciona a atenção do leitor.
Os símbolos religiosos oferecem os exemplos mais comuns: taça, cordeiro, rosa,
vela. Pássaros, feras e répteis, corpos celestes, o mar e o deserto, florestas e rios,
música e dança, artefatos diversos são símbolos freqüentemente usados em poesia. Se
contrastamos estes símbolos com a metáfora, podemos reconhecer correspondências
envolvendo uma série muito mais complexa de significados.
O poeta se justificará dizendo que esses significados não são passíveis de
análise. Nisto há um perigo; pois na interpretação de muitos símbolos, e de algumas
metáforas, há um elemento parcialmente subjetivo, o que dá margem à acusação de
imprecisão sempre levantada contra certos tipos de simbolismo, bem como a
divergências entre os críticos.
O campo do simbolismo é imensamente complexo, e mais uma vez as
ilustrações devem ser arbitrárias. A torre aparece tradicionalmente sob muitas formas;
ora como as aspirações humanas de paraíso, ora como uma defesa ou refúgio, ora
como expressão de orgulho ou desafio, e pode ter muitos aspectos antigos: um
aposento superior iluminado à noite (como disseminação da sabedoria e aprendizado);
suas batalhas podem ser defensíveis ou decadentes; o poeta pode enfatizar aspectos
de sua sinuosa “escadaria”. Citando Yeats:

Declaro que esta torre é meu símbolo; declaro


Esta sinuosa, íngreme, espiralada escadaria
Minha escadaria ancestral
Pois os Goldsmith e os Dean, Berkeley e Burke
Caminharam aqui.

Blake oferece símbolos de profundo significado em aparente simplicidade; como


em A Rosa Doente, para a qual sua própria ilustração fornece símbolos subsidiários
mas complementares nas lagartas e nos espinhos em que a humanidade parece ser
crucificada:
Estás doente, ó Rosa.
O verme invisível
Que voa na noite
Sob os uivos da tempestade
Descobriu teu leito
De alegria carmesim
E seu soturno e secreto amor
Corrói tua vida.

É possível isolar alguns desses símbolos, em seus aspectos tradicionais, e assim


indicar alguns pontos de partida para apreensão do significado. A rosa é
tradicionalmente o símbolo da feminilidade; o verme (ou serpente, ou dragão), o
princípio masculino; a tempestade sugere um conflito qualquer, físico ou mental.
Mas (como sempre acontece com os símbolos) suas peculiaridades e
significados repousam na totalidade da sentença da qual faz parte.
Em Fernando Pessoa (Ricardo Reis), as rosas podem assumir um significado
bem diferente:
Coroai-me de rosas
Coroai-me em verdade
De rosas –
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo! (R. Reis)

Como exemplo de um outro tipo de complexidade, na qual o símbolo se funde


com a mitologia, consideremos o cisne. Todos os pássaros podem, de alguma forma,
ser associados à alma humana. O cisne tem muitas características relacionadas:
brancura, pureza, força, fidelidade no amor, a estranha melodia do bater de suas asas
ou de seu grito, seu canto de morte, de forma que as associações humanas se
intensificam. Essas características estabeleceram mitos e lendas; transpassam muitas
imagens e emergem por exemplo, no poema Leda e o Cisne, de Yeats, no qual o
símbolo foi enriquecido não somente pela tradição mas também pelas imagens
contextuais e associações com toda a obra do poeta.
Deve-se enfatizar mais uma vez que as correspondências que aparecem no
símbolo não são arbitrárias nem precisas, tais como as que se encontram em escritos
alegóricos ou emblemáticos. O símbolo é independente em uso e significado, em cada
trabalho, (embora muitos possam ter raízes na tradição); aparece para renovar-se e
emanar novos significados, quando é revigorado pelos gênios, em cada novo contexto.
Certas metáforas e símbolos, porque são constantes na literatura mundial,
freqüentemente são chamados arquetípicos. Sua contínua vitalidade sugere que eles
correspondem a perenes e profundos aspectos da condição humana. Entre eles há
muitos mitos, tais como a descida aos submundos, a derrocada do dragão, o resgate do
castelo encantado, flores de todos os tipos, sempre simbolizando o universo feminino
ou suas virtudes; torre, árvore, caverna, gruta; viagem marítima, fonte ou
poço/nascente, e todo tipo de pássaros, feras e répteis. A investigação desses símbolos
colocou a antropologia e a psicologia a serviço da critica literária.
1.2. Origem e desenvolvimento da poesia.

É provável que a poesia tenha sua origem em palavras mágicas, rituais de


encantamento, e na contação de histórias altamente rítmica das primitivas sociedades
tribais, e parece ter desenvolvido um sofisticado uso de símbolos e de vários “níveis” de
dicção em sua história, se confiarmos nas evidências presentes na literatura oral de
sociedades primitivas sobreviventes em diversas partes do mundo.
Enquanto foi, de diversas formas, uma arte sagrada ou mistério associado à
prática de rituais de fertilidade e purificação, e com idéias de possessão espiritual, a
poesia sempre teve caráter recreativo. Mesmo em seus períodos de maiores
significados religiosos e mágicos, teria sido vista como um jogo de palavras,
entretenimento, passatempo, e forma de alívio emocional. Quando se desvencilhou de
suas funções político-religiosas, a poesia ficou livre para desenvolver-se como
entretenimento, embora continuando a incluir elementos narrativos, ritualísticos,
encantatórios e pseudo-religiosos.
A figura do poeta, que era tido ou como clérigo ou lunático, perdeu sua estatura;
embora pudesse ainda ser olhado com admiração e considerável status, sua
importância repousava mais no valor dos poemas do que numa suposta posse de
poderes espirituais. Mais tarde, a poesia tornou-se objeto de discussão e apreciação
pública mais do que um “mistério” acessível apenas aos “eleitos” .
Vários tipos de poesia se desenvolveram como conseqüência dessa tentativa
dos poetas para reconquistar o status perdido. Assim, os poemas satíricos podem ser
encarados como um produto do esforço do poeta para retomar seu lugar como
“autoridade” definidora de costumes, morais e formas. A poesia épica, originalmente
uma forma oral, surgiu para satisfazer o desejo humano de reviver glorias passadas e
estabelecer genealogias, ao mesmo tempo servindo como entretenimento; deve sua
existência na literatura escrita à necessidade do poeta de aparecer como historiador,
genealogista e criador de mitos.
Poder-se-ia argumentar que as incursões do poeta no drama, sobretudo no
drama religioso, ligam-se a esta busca da autoridade perdida, e muitos outros tipos e
atributos da poesia podem também estar relacionados às tentativas do poeta para
reassumir, numa sociedade literária e sofisticada, a posição e o poder que ele tinha
numa sociedade primitiva e iletrada.
A poesia não é, portanto, simplesmente residual. Embora seu relacionamento
com a sociedade tenha se alterado, ela não se tornou insignificante. Até o fim do século
XVIII, por exemplo, ainda tinha um efeito considerável nos eventos públicos; de lá para
cá, pouca poesia tem tido influência social, embora W.B. Yeats certa vez tenha se
perguntado se porventura suas palavras não teriam despertado um destrutivo
nacionalismo em seus compatriotas.
No século XX, a poesia revestiu-se de mais importância para o leitor solitário do
que para o establishment político, embora nos estados totalitários o trabalho do poeta
seja visto com mais respeito e menos ternura. Esse aspecto “privado” da poesia reflete-
se nas inúmeras tentativas de definição feitas desde o século XVII. Poucos tratam a
poesia como fenômeno social; a maioria a descreve ou em termos de sua relação com
as emoções de seus criadores ou, mais pretensiosamente, em termos de uma profunda
compreensão das verdades eternas.
George Eliot acertadamente combinou essas atitudes quando disse que “Ser
poeta é ter uma alma... na qual o conhecimento passa instantaneamente para a
sensação, e o sentimento funciona como um novo órgão de conhecimento”. Isto, além
de ser uma visão típica do século XIX, eleva o poeta ao status de profeta, como nos
casos de Wordsworth e Coleridge. Outra visão semelhante é a de Herbert Spenser, que
definia poesia como “a melhor forma de expressar idéias emocionais”.
O fato é que a intensidade da percepção experimentada pelo leitor muitas vezes
está relacionada com as sensações vividas pelo poeta quando escreve. Embora muitos
poemas sejam escritos com uma quase completa inconsciência das técnicas usadas,
também é verdade que quase nenhum poema é completado sem que o poeta tenha
consciência das inferências do subconsciente. Uma parte de todo poema, de fato, e às
vezes um poema inteiro, é feito com o poeta “em transe”, ou com a consciência
parcialmente desfocada.
Este, e outros aspectos do processo criativo, têm sido objeto de investigação de
psicólogos, mas até agora não se chegou a um consenso. Parece provável, no entanto,
que o ”transe” seja uma manobra intuitiva, da parte do poeta, para arrumar seus
poderes de associação de forma que estejam livres para trabalhar sem demasiada
restrição da consciência intelectual, e também para ordenar certos movimentos
complexos feitos intuitivamente, porque não podem ser conscientemente alcançados.
Exatamente como um malabarista treinado pode executar, sem pensar, façanhas
das quais provavelmente não seria capaz se tivesse que calcular cada passo, o poeta,
empenhado em manipular ritmo, cadência, sintaxe, dicção, riqueza conotativa, e
profundidades simbólicas, é obrigado a operar sem pensar demais.
É interessante notar que os mais profundos “transes” são geralmente
experimentados na juventude ou em poetas comparativamente iniciantes, ainda que
não jovens; o poeta “profissional” descobre, ao longo do tempo, que pode mais e mais
confiar em seus poderes conscientes.
Quando isto é levado em conta, fica claro que aquelas definições de poesia
dependentes de uma visão quase mística da natureza da “inspiração” são tão
desvirtuadas como aquelas que se referem à “intenção poética” ou a uma suposta
experiência “compartilhada” entre poeta e leitor.
Seria mais fácil, talvez, chegar a uma definição de poesia pela análise de sua
aparência do que por seu objetivos ou origens. Isto conduz a diversas conclusões,
porque, em diferentes épocas e sociedades, a poesia tem assumido diferentes formas e
sido encarada sob prismas diversos. Apesar de tudo, embora seja difícil definir poesia,
é razoavelmente fácil descrever suas diversas formas, embora se deva ter cuidado para
evitar que o pedantismo se transforme numa camisa-de-força, e muito mais cuidado
ainda para perceber que a classificação do fenômeno não se estabelece por leis.
Pode-se dizer que a poesia faz uso de vários meios, o mais comum sendo o
verso, embora alguns poemas tenham sido deliberadamente compostos em prosa, e
alguma “prosa” possa ser descrita como poesia.
O verso pode ser definido como um uso obviamente rítmico da linguagem, tom,
acento e cadência monitorados de tal forma a criar padrões enfáticos. O verso livre,
embora muitas vezes faça uso da repetição de formas sintáticas e de palavras e frases,
não é governado por qualquer outra regra. O verso metrificado, por outro lado, tem
muito mais restrições, embora no século XX tenha se tornado comum mesclar métricas
e tratar as assim chamadas “leis” com maleabilidade.
Para definir poesia não é necessário explorar as minúcias do verso, que é, afinal,
apenas um dos instrumentos usados pelo poeta, e vale lembrar que muitos versos não
são, de forma alguma, poesia. Isto é ponto pacífico, mas não significa que exista uma
exata distinção do que é e do que não é poético.
Parece que, uma vez estabelecidos e respeitados os critérios pelos poetas
“laureados”, e crenças sobre o que habitualmente se considera “poesia” sejam hoje
consideradas inúteis, somos compelidos a aceitar a tese da experiência do leitor. Se
qualquer leitor diz sobre um texto “isto é poesia”, somos obrigados a admitir que isto é
verdadeiro para ele, embora possa não ser para nós.
Portanto, o conceito de poesia é, finalmente, multifacetado, manipulável, e
definível somente em termos de práticas estabelecidas, as quais pode o poeta tentar
alterar e transformar, segundo seu conceito pessoal e intransferível. Além disso, é
evidente que poesia é uma qualidade, não da coisa escrita, mas do leitor.
2. FERNANDO PESSOA NA POESIA PORTUGUESA.

A literatura portuguesa distingue-se pela riqueza e variedade de sua poesia lírica,


de seus escritos históricos e relativa escassez de drama, biografias e ensaios.
Os primeiros cancioneiros evidenciam uma escola de poesia amorosa que se
disseminou, com a língua, para a Espanha, numa época em que o lirismo ainda não
contaminara os espanhóis. Os Lusíadas, de Camões, pode ser tido como o mais
famoso épico da Renascença nos moldes clássicos, assim como o mais nacionalista
dos grandes poemas da literatura moderna, e, embora Gil Vicente, no começo do
século XVI, fosse um dramaturgo de peso, nenhum outro surgiu até Almeida Garrett
(século XIX); assim, Portugal jamais desenvolveu o que se poderia chamar de uma
dramaturgia nacional.
A literatura portuguesa, que até o século XIX permanece pouco estudada e
praticamente desconhecida, foi, desde o começo, largamente exposta a influências
externas, sobretudo do Provençal, e depois do Castelhano, com uma escassa produção
poética que serviu como modelo até a Renascença.
Após a Primeira Guerra Mundial, pouco se ouviu sobre o culto do passado, e a
poesia, em pleno desenvolvimento, embora pessoal e introspectiva, ganhou novo ânimo
com Cesário Verde e Antônio Nobre, no século XIX. Fernando Pessoa publicou em vida
apenas Mensagem (1934); postumamente, em quatro volumes, dos quais três sob
pseudônimos (mais tarde reconhecidamente heterônimos), revelou-se como uma
personalidade complexa e desde então é considerado o poeta mais inspirado de sua
geração. A influência de Pessoa foi profunda e enriqueceu toda a poesia subseqüente,
sem impor qualquer sugestão de escola poética.
Este trabalho pretende desvelar o uso da metáfora do mar2 em Fernando
Pessoa, em nível puramente estético. Gênio exponencial e inigualável na literatura
portuguesa, transfunde vida e alma, com concentração e intensidade, num universo
literário próprio, e com rara consciência criadora.

Depois de iniciada nossa pesquisa, tivemos notícia da existência de um ensaio sobre o assunto, assinado pelo Prof.
Linhares Filho (UFC), mas não tivemos acesso ao texto.
Pode-se dizer que, na obra de Fernando Pessoa, o criador se identifica e se
torna uno com sua obra. O aparente distanciamento entre autor e obra, tão evidente em
outros poetas, é em Pessoa uma postura de superfície e cultivada como necessária à
projeção de sua poesia, a partir de um universo vivencial interiorizado. Há disto
testemunhos copiosos em sua poemática ortônima, e não menos na complexa
heteronímia, altamente polemizada pelos estudiosos.
Achamos por bem dirigir nossa pesquisa ao extrato profundo da mensagem
literária pessoana, embora o presente estudo careça de respaldo teórico para
“aprofundar essa profundidade”. Limitaremos nossas considerações a um panorama
dos arquétipos centrais, entendidos aqui como aqueles em que se revelam as
qualidades metafísicas da obra literária, levando a uma transmutação da sensibilidade
ou elevação do nível da consciência poética.
Nosso trabalho pretende explorar, ainda que superficialmente, o estrato
metafísico da obra de Pessoa, com suas aderências temáticas, no que ela encerra de
mais representativo a esse respeito.
Em Pessoa, o estrato metafísico aflui sensivelmente, de forma patente e clara; o
poeta fala ou pela voz dos heterônimos ou por si mesmo, e sua matéria-prima é o si-
mesmo, em relação ao mundo, em imagens simples, pois essencialmente poéticas,
apesar da temática complexa. Nem por isso deixa de ser épico e lírico, ao mesmo
tempo, numa perplexidade ante o mistério da existência, que perpassa toda a sua obra:
3
“Quero a consangüinidade com o mistério das coisas”

O mistério é tema do poema inacabado “Primeiro Fausto”, cuja primeira parte se


intitula “mistério do mundo”. Veja-se este excerto:

“ O mistério de tudo
Aproxima-se tanto do meu ser,
Chega aos olhos meus d’alma tão (de) perto,
Que me dissolvo em trevas e universo...”

3
PESSOA, Fernando. Obra poética. 17ª reimpressão da 3ª edição, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro:1999.
Álvaro de Campos, tão paradoxal quanto o próprio Pessoa, admite a insuficiência
da linguagem para dizer-se e falar do mundo:

“Perante esta única realidade que é o mistério”.

No magistral poema ódico que começa com o verso “Afinal, a melhor maneira de
viajar é sentir”, o mesmo Álvaro de Campos faz uma exaltada descoberta:

“Sursum corda! Erguei as almas! Toda a matéria é Espírito,


Porque matéria e Espírito são apenas nomes confusos
Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho
E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo!”

A existência, e o sentido do mistério, podem ser alinhados entre os temas


capitais de Fernando Pessoa. Quanto à natureza do mistério, talvez seja acertado
dizer-se que a sua essência consiste no contrário do que pressupõe o pensamento
comum, do homem comum, que dificilmente será o poeta. Fernando Pessoa foge a
qualquer tentativa de explicação fácil; ora é coerente consigo mesmo, com seus
heterônimos, ora absolutamente contraditório, sobretudo no que se refere ao recorrente
tema do mistério, presente indiscriminadamente em todos os “eus”, com significados
diversos, às vezes obscuros para o leitor. Vejamos alguns excertos:
“O único mistério do Universo é o mais e não o menos,
Percebemos demais as cousas – eis o erro, a dúvida.” (Caeiro)

“Ah, perante esta única realidade, que é o mistério...”(Campos)

“Grandes mistérios habitam


O limiar do meu ser” (Pessoa)

“O mistério ruiu sobre a minha alma


E soterrou-a... Morro consciente! (Pessoa)

“O mistério das cousas, onde está ele?


Onde está ele que não aparece
Pelo menos amostrar-nos que é mistério?” (Caeiro)

“...o mistério do mundo,


o íntimo, horroroso, desolado,
Verdadeiro mistério da existência,
Consiste em haver esse mistério.” (Pessoa)

O espaço literário de Fernando Pessoa não se dissocia do universo dos


símbolos, dos mitos, dos arquétipos; nele, bem mais nitidamente que noutros poetas,
as palavras assumem dimensões semânticas especiais.
Caso complexo e estranho na Literatura Portuguesa e mundial, tudo o que se
disser para compreender e definir sua poesia será provisório, não obstante a extensa
bibliografia crítica hoje existente, quase setenta anos após sua morte.
A personalidade literária de Fernando Pessoa é densa e problemática,
integrando todas as facetas do lirismo tradicional, ricamente ilustrado em Camões,
Bocage, João de Deus, Cesário Verde e outros. Mas o poeta fez mais do que
amalgamar a tradição, enriqueceu-a, e tanto, que superou essas matrizes poéticas.
A poesia saudosista, que parece ser uma parte essencial da alma portuguesa,
atinge um ápice no culto à sutileza, à vacuidade, tão bem expressos no Paulismo, no
Interseccionismo e no Sensacionismo, espécies de evolução requintada do
Saudosismo. Depois dessas fases, e com a criação da revista Orpheu, Pessoa começa
de fato a criar sua própria e peculiaríssima poesia. Partindo de verdades axiomáticas,
ele constrói sua visão de mundo com algumas imagens que já se tornaram clichês: o
nada que é tudo; o que em mim sente está pensando; o poeta é um fingidor etc.
Fernando Pessoa não acreditava no Absoluto, mas não abria mão do conceito
para explicar o caos; é como se ele tentasse reconstruir o mundo partindo do nada. Sua
intenção é conhecer o universo, e para isso quis ser todos os homens, e sentir com eles
a realidade; daí, os “outros eus”:

“Multipliquei-me, para me sentir


Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei-me, não fiz senão extravasar-me” .(Campos)

Assim, através de “outros” poetas, com identidade e sentido próprios, Fernando


Pessoa pode ver o mundo de outras formas, alcançando um mínimo de verdade
absoluta em meio a todo o relativismo em que se insere, e que tanto o angustia.
Entre os vários desdobramentos do eu, que o poeta criou para poder “sentir tudo
de todas as maneiras”, destacam-se os três mais conhecidos do grande público: Alberto
Caeiro, “mestre querido” dos demais, é o poeta da natureza, para quem o importante é
“saber ver, sem estar a pensar”. Ricardo Reis é o humanista, de espírito clássico de
antes do paganismo, sem noção de pecado. Álvaro de Campos, engenheiro, é o poeta
moderno, que transforma em revolta o seu estar no mundo: “Na véspera de não partir
nunca/Ao menos não há que arrumar malas.
Embora não seja difícil perceber as várias faces do poeta, é perfeitamente claro
que se trata de uma só personalidade, desdobrada. Os heterônimos são dramáticos, e
uma criação genial; escondem ao mesmo tempo em que revelam, isto é, cada
heterônimo revela e esconde aspectos da personalidade do ortônimo.
Em vez de simplesmente tentar transmitir suas emoções, como fazem outros
poetas, Pessoa passa toda sua emoção pelo filtro da “razão poética”; assim,
compreende a identidade que há entre as sensações e as idéias. Como se tivesse
receio de “perder” alguma sensação ou idéia, caso não a registrasse (nos poemas), ele
se angustia e registra também no poema essa angústia, esse medo de perder parte de
si, no pensamento que se foi, antes que pudesse ser “congelado” em palavras escritas.
Pessoa experimentou muitos caminhos poéticos, na busca de uma síntese da
realidade, sondando tudo com um olhar profundo, mas não era um niilista; muito ao
contrário. era uma inteligência incomum, na busca desesperada pelo Absoluto, (Deus?)
que a razão repudiava. Sabia que era uma procura inútil, mas foi a única forma que
encontrou de sondar o tal “mistério”, sua maior obsessão.
2.1. A metáfora do mar em Fernando Pessoa.

Nenhuma outra entidade da natureza com forte carga simbólica aparece de


forma tão recorrente na obra de Fernando Pessoa quanto o mar. E o símbolo é a
expressão das profundezas da alma, é a linguagem das verdades superiores à
inteligência, nas palavras do poeta. O mar aparece em sua obra como entidade
simbolizante da psique, em que se desenrola a travessia da vida e do mundo. O fato é
que as experiências psico-estéticas de Fernando Pessoa culminam na criação dos
heterônimos, desdobramentos da persona, em seus comedimentos e excessos.
A viagem para além daquele “oceano excessivo” que deixa transluzir o mistério
do absoluto, da eternidade e do infinito, é ao que aspira Pessoa-Campos neste verso
da Ode Marítima, deixando entrever a natureza do “outro Mar” (vida).

“Para a aventura indefinida, para o Mar Absoluto,


para realizar o impossível!”

No poema “Calma”, pergunta-se o poeta:

“Que costa é que as ondas contam


E se não pode encontrar
Por mais naus que haja no mar?
O que é que as ondas encontram
E nunca se vê surgindo?
Esse som de o mar praiar,
Onde é que está existindo?”

Estes versos simbolizam também o que está para além do visível, em dimensão
que transcende o relativo e o efêmero. É o que vemos em muitas passagens, como
nesta outra, da Ode Marítima:

“...Mas estupendamente vindo de além da aparência das coisas,


A Voz surda e remota tornada a Voz Absoluta, a Voz Sem Boca,
Vinda de sobre e de dentro da solidão noturna dos mares,
Chama por mim, chama por mim, chama por mim...”
A alma humana é atraída pelo impossível, onde se originam todas as
possibilidades, dentro da idéia ancestral dos quatro elementos.
Distribuindo-se os poetas pessoanos pelos arquétipos do inconsciente coletivo,
Alberto Caeiro seria terra, Ricardo Reis o ar, e Fernando Pessoa alimentado por um
fogo de natureza alquímico, aquecendo a sensibilidade e a consciência num constante
processo de sublimação, usando inclusive os três outros elementos; a personalidade de
Álvaro de Campos é impelida pela instabilidade da água, e atenderia ao “chamamento
confuso das águas. Mas a água aqui não exclui os rompantes telúricos de Álvaro de
Campos, sem falar em seus arroubos abrangentes do cosmos:

“Dentro de mim estão presos e atados ao chão


Todos os movimentos que compõem o universo”...
Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes,
Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos...”

Depois do que foi dito, vejamos agora alguns exemplos do que se pode citar em
imagens, na obra pessoana, envolvendo como símbolo global, o mar:
Símbolo do mundo e da vida:

a) “Em torno a mim, em maré cheia,


Soam como ondas a brilhar,
O dia, o tempo, a obra alheia,
O mundo natural a estar”.
b) “Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em ser conjunto, dura e flui”
c) “Da vida sobe a maresia...”
d) “Quem me dera um sossego à beira-ser
Como o que à beira-mar o olhar deseja”
e) “Se aqui, à beira-mar, o meu indicio
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que será na alta praia
Em que o mar é o Tempo?
Símbolo de terra/vida
a) “Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo.”
b) “Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente
Com todos os meus sentidos em ebulição...”
c) Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra/rola,
auroreada, entardecida, a prumo sóis, noturna.”

Símbolo da alma, do eu, do mundo:

a) “Barco indelével pelo espaço da alma...”


b) “Ó mar sem cais nem lado na maresia,
que tens comigo, cuja alma é minha?”
c) “Mar sou: baixo marulho ao alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu...”

Silêncio e solidão, dois símbolos que aderem à metáfora do mar, também podem
ser vistos em Pessoa:

“No fim tudo será silêncio salvo


Onde o mar banhar nada.”

È claro que a vivência portuguesa do mar tinha que estar presente de forma
poderosa na alma lusitana, e portanto não poderia estar ausente no destino poético de
um gênio como Fernando Pessoa, que chegou a cruzar mares (fisicamente) e viveu
debruçado sobre o Atlântico, cheio de nostalgia, ansioso pelo regresso, imerso na
intraduzível “saudade” lusitana. Nostalgia e saudade, enquanto relacionadas ao mar, se
bifurcam em dois vetores na obra de Fernando Pessoa: o da Mensagem e o de Álvaro
de Campos, que é “tomado pelas coisas marítimas”.
Por seu mar interior, Pessoa “viajou” mais do que pelo oceano físico, e chegou a
todos os portos, de certa forma realizando o “impossível” na reduzida escala humana,
que era, afinal tudo o que ele queria.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ADERALDO, Noemi Elisa. Aproximações entre Fernando Pessoa e Guimarães Rosa.


Ensaios, Brasília: 1992.
ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA, verbetes, Universidade de Chicago: 1998.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 21ª edição, Cultrix, São Paulo: 1985.
PESSOA, Fernando. Obra Poética. 17ª reimpressão da 3ª edição, Editora Nova Aguilar,
Rio de Janeiro:1999.

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