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NATUREZA COMO REPRESENTAÇÃO


DA AMAZÔNIA
!MAGALI FRANCO BUENO1

RESUMO
ESTE ESTUDO FOCALIZA A NATUREZA ENQUANTO REPRESENTAÇÃO DA AMAZÔNIA, ESTANDO FORTEMENTE BASEADO EM
ENTREVISTAS REALIZADAS PELA AUTORA TANTO NA REGIÃO QUANTO FORA DELA. NAS ENTREVISTAS A NATUREZA EM SUAS
DIVERSAS MANIFESTAÇÕES APARECE COMO REPRESENTAÇÃO DOMINANTE. A FLORESTA, SUA PRESERVAÇÃO, A FAUNA E OS
RIOS SÃO INDICADOS MAJORITARIAMENTE, FICANDO EM PLANO SECUNDÁRIO A POPULAÇÃO INDÍGENA E AS
TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS RECENTES.
PALAVRAS-CHAVE: AMAZÔNIA, REPRESENTAÇÃO, NATUREZA, FLORESTA, PRESERVAÇÃO, FAUNA E RIOS.

Amazônia : a mera enunciação desse nome evo- ções sociais. Permeado pelas questões das lingua-
ca um conjunto de informações, de imagens e de gens, dos símbolos e das imagens, o problema das
opiniões sobre um determinado espaço. Este con- representações sociais perpassa todas as ciências
junto de elementos forma uma representação so- humanas (Malerba, 2000).
bre a região, uma representação que é social, pois O surgimento do uso do conceito na Geo-
socialmente elaborada e partilhada. grafia está também associado a uma revaloriza-
O conceito de representação social permite ção dos processos subjetivos de apreensão do
ultrapassar o dualismo, promovido pela moderni- real. Embora haja pesquisas de geógrafos sobre
dade, entre sujeito e objeto. O movimento de ten- a consciência de comunidades sobre seu perten-
tativa de superação desse dualismo nas ciências cimento territorial desde a primeira metade do
humanas aparece em várias disciplinas e a noção século XX, foi com o desenvolvimento da Geo-
de representação é considerada fundamental na for- grafia Social – na década de 40, nos Estados
mulação de propostas capazes de integrar os ato- Unidos, e nos anos 60, na França – que os geó-
res individuais ao social e histórico. grafos passaram a se interessar pela diversidade
Inicialmente forjado por Durkheim e por Mauss, psicológica e social de nossas relações com o
o conceito de representação coletiva foi reformu- espaço e, em seguida, ao processo de represen-
lado por Serge Moscovici, no início da década de tação (Bailly, 1995). Mas as representações pas-
60, no âmbito da psicologia social. Moscovici sam ao centro da Geografia, nos anos 80, com a
apoiou-se nos fundadores das Ciências Sociais, na retomada da corrente cultural e interpretativa
França, para elaborar uma teoria das representa- (Levy & Lussalt, 2003).

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No quadro de uma geografia que participa cada grafia, têm contribuído para a formação de uma
vez mais do construtivismo, as representações são visão sobre a Amazônia.
consideradas como constructos que exprimem um Embora caracterizada distintamente por gru-
espaço que já está lá, ao mesmo tempo em que pos sociais diferentes e apesar das características
contribuem a dar-lhe existência como tal, num preponderantemente associadas à região terem se
contexto social dado. transformado bastante no decorrer dos séculos – a
A proposta deste trabalho é evidenciar alguns Amazônia tem sido definida como “terra da canela
aspectos envolvidos na construção da representa- e do ouro”, “paraíso terrestre”, “inferno verde”, “va-
ção da Amazônia no Brasil, hoje, e de que forma zio demográfico”, “pulmão do mundo” – alguns
organizam-se os elementos centrais dessa repre- elementos permanecem em todas essas represen-
sentação. tações, mesmo sendo por vezes ressemantizados.
A região amazônica vem sendo construída desde Se a expressão “inferno verde” foi originalmente
a chegada do colonizador europeu ao novo mun- atribuída à região devido ao calor, aos insetos, à
do. Crônicas, relatos de viagens, relatórios de ex- dificuldade de penetração na densa floresta e pode
pedições, contos, romances e reportagens, além ser hoje uma alusão às freqüentes queimadas que
da cartografia, da iconografia e mesmo da filmo- nela ocorrem.

FIGURA 1: PRIMEIRA PÁGINA DA REPORTAGEM SOBRE AUMENTO DAS QUEIMADAS NA REGIÃO, EM EDIÇÃO ESPECIAL
SOBRE AMAZÔNIA, DA REVISTA VEJA, DE 8 DE NOVEMBRO DE 1995.

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AS REPRESENTAÇÕES DA AMAZÔNIA NA SOCIEDADE As representações sobre a região sempre esti-
BRASILEIRA ________________________________ veram associadas a dicotomias, como paraíso/in-
Pode-se afirmar que a imagem aérea de uma flo- ferno, barbárie/civilização, bons selvagens/antro-
resta verde recortada por rios é a imagem mental pófagos. Mas, entre as décadas de 1970 e 1980,
mais recorrentemente associada à Amazônia. uma transformação importante opera-se nas repre-
As opiniões expressas em relação à Amazônia sentações da região, como pode ser evidenciado
são também constitutivas da própria região. A Ama- pelos diferentes significados associados às estra-
zônia é continuamente reconstruída de maneira a das em dois momentos: um anterior e outro pos-
manter-se consistente com o sistema de avaliação terior a este período. Esta recente transformação
utilizado pelos indivíduos em relação a ela. está ligada ao surgimento do movimento ecológi-
A opinião de um individuo ou de um grupo em co na Europa e à Conferencia de Estocolmo sobre
relação a um objeto é, de uma certa maneira, tam- o Meio-Ambiente. Embora diversos grupos con-
bém constitutiva do objeto, ela o determina. O tinuem a conceber a região como uma fonte de
objeto – a Amazônia, neste caso – é então recons- recursos, passam a predominar as representações
truído de maneira a estar consistente com o siste- de uma região caracterizada por uma natureza frá-
ma de avaliação utilizado pelo grupo em relação a gil que necessita ser protegida.
ele. Um objeto não existe por si só; ele existe para A teoria das representações sociais fornece ele-
um grupo e em relação a ele (Abric, 1994). mentos para compreender como foi definido um
A “invenção” da Amazônia” é um tema já bas- quadro de referência comum na sociedade brasi-
tante discutido. Esse território – que, para qual- leira no que diz respeito à Amazônia e de que
quer indivíduo, remete quase sempre a uma ima- maneira as práticas espaciais na Amazônia são gui-
gem – já foi nomeado bacia do Rio Amazonas, adas pelas representações da região, inclusive per-
País das Amazonas, região amazônica, passando mitindo aos atores explicar e justificar suas condu-
a ser chamado “Amazônia” apenas no final do tas em relação ao espaço.
século XIX. A região ganha existência a partir Esse conjunto de opiniões, de crenças, de opi-
dos olhares lançados sobre ela. Diversos indiví- niões e de atitudes a propósito da Amazônia é or-
duos e grupos expressaram suas opiniões e, nes- ganizado e estruturado. Num sistema representa-
te processo, a região foi se constituindo. As cional os elementos constitutivos da representa-
mudanças ocorridas nas avaliações sobre a re- ção são hierarquizados. Para compreender a orga-
gião promoveram transformações nas represen- nização da representação é preciso evidenciar qual
tações da Amazônia bem como na própria re- é o elemento ou os elementos que lhe dão signifi-
gião. Se, no início, a construção da região este- cação e de que forma os elementos periféricos or-
ve restrita a alguns grupos de exploradores, hoje ganizam-se em torno dela.
é toda a sociedade mundial que participa desse Para tentar compreender de que forma está or-
processo, embora existam grupos sociais que não ganizada a representação da Amazônia na socie-
partilham dessas representações. dade brasileira, tomou-se o resultado de 80 entre-

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vistas, realizadas entre adultos escolhidos aleato- sua preservação ou destruição, é o segundo ele-
riamente, em locais de grande circulação de tran- mento mais freqüente nas respostas. Os índios, por
seuntes, nas áreas centrais das cidades de São Pau- aparecerem nas entrevistas muitas vezes totalmente
lo - SP, Manaus - AM e Belém - PA. A entrevista vinculados à natureza, foram classificados na in-
compreendia duas partes: na primeira pedia-se ao terface entre este tema e população.
entrevistado para marcar a área correspondente à Esta associação é freqüente também nos meios
Amazônia num mapa da América Latina; na segun- de comunicação, bem como nos livros didáticos.
da parte colocava-se a seguinte questão: “Quando Duas respostas expressam de forma clara essa re-
se fala em Amazônia, qual é a primeira coisa que presentação do índio como elemento integrante
você pensa? Qual é a primeira imagem que lhe vem da natureza. Francisca, tecelã cearence entrevis-
à cabeça?” tada em São Paulo, responde que sua imagem ime-
Os resultados (ver quadro 1) mostram que a diatamente associada à Amazônia é “Mato, bicho,
representação da Amazônia é organizada em tor- índio, falta de cultura”. Em Belém, um servidor
no da natureza, sobretudo do elemento “floresta”. público expressou da seguinte forma sua visão da
Entre os 80 entrevistados, 43 associaram a Ama- região: “jacaré, jabuti, cobra, onça, índio... e o
zônia à floresta (ou mato, mata, selva). A natureza, desprezo do governo”.

QUADRO 1: SÍNTESE DAS RESPOSTAS OBTIDAS NAS ENTREVISTAS.

TEMA IDÉIAS ASSOCIADAS À NÚMERO DE


RELACIONADO À AMAZÔNIA VEZES
IDÉIA MENCIONADO

floresta (ou mata, mato, selva) 43


preservação ou destruição 9
animais 6
natureza água, rios 5
natureza 5
pulmão do mundo 3
índios 5
população “vazio demográfico” 2
divisão menção a diferentes cidades ou 9
político-administrativa estados da região
Zona Franca 5
economia turismo 2
minérios 1
- não soube dizer 3

Juntos, os elementos articulados em torno do O terceiro elemento mais citado são as unida-
nó organizador “natureza” correspondem a 70% des da federação que compõem a região norte ou
das respostas, subindo para 75% se as respostas cidades nela localizadas. Isto pode ser compreen-
que mencionaram apenas os índios forem associa- dido como eficácia do Estado através do IBGE e
das também a esse tema. do sistema de ensino em impor uma delimitação

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da região conveniente aos seus interesses. Para o tureza constitui o elemento central e organizador
IBGE a região norte é aquela constituída pelos es- das representações sobre a região. Este nó central
tados do Amazonas, Pará, etc. É importante lem- perpassa os textos dos cronistas do século XVI e
brar que a região norte foi oficialmente delimita- dos naturalistas do século XVIII; o célebre livro
da a partir do critério da região natural, do reco- de Alberto Rangel, Inferno Verde, que se tornou epí-
brimento da floresta mais especificamente, o que teto da Amazônia; os planos de desenvolvimento
talvez explique a freqüente superposição, no dis- dos governos JK e do período militar, quando a na-
curso do próprio IBGE, dos conceitos de região tureza era vista ao mesmo tempo como símbolo da
norte e “Amazônia”. pungência do Brasil e obstáculo ao progresso; e, mais
Além destas entrevistas, outras 10, menos diri- recentemente, os discursos dos meios de comunica-
gidas, foram realizadas nos municipios de Igarapé- ção de massa e de ONGs, sobretudo, que concebem
Miri e Abaetetuba, nos respectivos centros urba- a natureza como um bem a ser preservado.
nos, e na comunidade rural de Anequara, todas as O que define a centralidade de um elemento
localidades na foz do Rio Tocantins, no estado do na representação não é a freqüência de aparição
Pará. Estas entrevistas foram focadas na percepção nos discursos dos sujeitos, mas é um indicador
do lugar e da região dos entrevistados e na sua pertinente da centralidade a importância quanti-
concepção de Amazônia. tativa das ligações que um elemento mantém com
Uma teoria do “nó central” é proposta por Abric os demais (Abric, 1994). Articuladas sobre o nó
(1994), que demonstra a presença da mesma no- central da representação estão variadas concep-
ção em outros autores, embora recebendo nomes ções sobre a natureza. Da mesma forma, há uma
distintos. A determinação do nó estruturante de multiplicidade de tomadas de posição produzida
uma representação social é essencialmente social a partir desse núcleo organizador comum.
e ligada às condições históricas, sociológicas e Os elementos periféricos da representação não
ideológicas da construção da representação. O nó afetam a representação. Pelo contrário, permitem
central constitui um princípio organizador das sua ancoragem na realidade. As cidades da Amazô-
representações, assegurando a coesão do conjun- nia, por exemplo, podem ser consideradas elemen-
to da representação (Guimelli, 1994). Ele organi- tos periféricos associados ao elemento central por
za a imagem do objeto e, ao mesmo tempo, o cons- oposição, ou seja, evidenciam a oposição domesti-
trói (Flament, 1994). Para Flament (1994), quan- cado/selvagem na representação, reforçando o ele-
do a representação social é bem constituída, o mento “floresta”, que é dominante. A resposta do
objeto é totalmente definido pelo nó central da marinheiro mercante peruano é elucidativa de, pois
representação. associa a Amazônia à cidade de Manaus, comparan-
Apesar das grandes transformações ocorridas nos do-a logo em seguida com outras duas do sul do
contextos sociais e econômicos do Brasil e em toda país: “Amazônia é uma cidade não muito desenvol-
a área correspondente à chamada Amazônia brasi- vida. Porque o nome tá falando, onde tem a selva.
leira no decorrer dos últimos cinco séculos, a na- Manaus fica longe do Rio de Janeiro, São Paulo...”

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A natureza como nó articulador da representa- A entrevista com o militar cearense também
ção de Amazônia pode ser constatada em várias demonstra a dissociação feita, em alguns casos,
entrevistas, mas a entrevista com Débora, estudante entre o lugar, a partir do qual se fala, e a região.
em Abaetetuba, demonstra claramente essa cen- Em outra entrevista, um vendedor nascido no Es-
tralidade. Quando interrogada se o local onde ela pírito Santo, mas morando em Manaus há dois anos,
está, naquele momento da entrevista, no centro apontou no mapa o estado do Amazonas como
da cidade de Abaetetuba, é Amazônia ou não, há localização da Amazônia, mas quando questiona-
um primeiro momento de surpresa e mesmo de es- do sobre a visão que tem dessa região respondeu
panto frente à indagação, como se a pergunta fosse que não sabia dizer, por não conhecer o “lugar”.
absurda: “Se aqui é Amazônia... como assim, na ci- Um estudo feito sobre as representações soci-
dade?” A seguir, após um momento de silêncio e ais da Amazônia para os alunos de uma escola da
reflexão, a dúvida. Finalmente, a estudante conclui rede pública de Belém – alunos que, portanto,
que a Amazônia está “Perto da estrada [ ...].Lá, mui- nasceram e/ou habitam a região – mostra que eles
ta vegetação, assim, muita plantação, mato...” têm essa mesma visão distanciada da região. Sua
Embora um documento publicado pelo Minis- concepção de Amazônia é totalmente associada à
tério do Meio Ambiente (1995) – portanto, uma natureza, um espaço onde a relação homem/na-
visão oficial sobre a percepção da Amazônia no tureza não existe (Rocha & Amoras, 2006). Esse
Brasil – afirme que há diferenças entre as percep- distanciamento em relação à região ocorre tam-
ções internacional e nacional da Amazônia, os bém em Anequara, comunidade ribeirinha da foz
dados obtidos nesta pesquisa não apontam na mes- do Rio Tocantins. Como a realidade vivida co-
ma direção. Considerando também entrevistas re- tidianamente e a Amazônia apresentada na te-
alizadas em Igarapé-Miri e Abaetetuba, no Pará, e levisão são muito diferentes, seus lugares de vida
Careiro da Várzea, no Amazonas, pode-se afirmar não podem ser considerados como parte inte-
que o elemento em torno do qual estrutura-se a grante da Amazônia.
representação da Amazônia é a natureza. Assim,
seja na escala internacional, nacional, regional ou MEIOS DE COMUNICAÇÃO E ONGS: DUAS
mesmo local, a representação da Amazônia é cons- REPRESENTAÇÕES DA AMAZÔNIA _________________
tituída pelo mesmo elemento central. Vários autores já mostraram o papel dos via-
A associação imediata com a imagem de flores- jantes, naturalistas e escritores na formação de
ta leva a uma visão distanciada da Amazônia. As- uma visão sobre a Amazônia. Já discutimos em
sim, sem a presença da mata não se trata de Ama- outra oportunidade (Bueno, 2003) a contribui-
zônia. Isso fica claro em algumas respostas, como ção dos planos governamentais regionais de de-
a de um militar cearense que, apesar de viver há senvolvimento para a região e dos livros didáti-
vinte quatro anos em Belém, diz que a primeira cos de geografia na constituição de um imagi-
coisa que passa pela sua cabeça quando se fala em nário sobre a regiao. Neste item abordaremos
Amazônia é que “tinha vontade de conhecer”. as representações da Amazônia elaboradas e di-

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fundidas pela mídia e pelas organizações gover- “Somente durante o ano de 1987, na Amazônia,
namentais que atuam na região. uma área de 8 milhões de hectares perdeu a capa
A natureza, mais particularmente a floresta de árvores que a recobria, o que equivale a dei-
exuberante e seus habitantes nativos – estes xar sem uma única folha verde a extensão total
quase sempre associados à natureza –, tem sido, do Estado de Sergipe. Somente em Rondônia, e
desde o século XVI, fonte de inspiração para também só em 1987, a queima de árvores jogou
exploradores, aventureiros e escritores, aos quais mais carbono na atmosfera do que toda a cidade
foram se somando cientistas, artistas plásticos, de São Paulo nos últimos sessenta anos. Essas
cineastas e autores de histórias em quadrinhos duas cifras – para ficar só no Brasil, e só na
(Le Bris & Dibie, 2005). Amazônia – vão ao coração de uma das evi-
Se todas estas visões são produtoras das repre- dências mais marcantes da época em que vive-
sentações da Amazônia, hoje são os meios de co- mos: a de que a Terra é uma fonte não renovável
municação de massa os principais responsáveis pela de recursos e atravessa um momento de contrapé,
elaboração e difusão das representações sociais no qual a humanidade não está conseguindo
desse espaço. E se os meios de comunicação de gerar energia sem sujar perigosamente a cama-
massa são os principais formadores das representa- da de atmosfera que lhe permite respirar.
ções sobre a Amazônia, seja em qual escala for, as [...] Com a paz ao alcance da mão, a preserva-
ONGs têm um papel transformador dessas repre- ção da natureza passou a ser a causa mais
sentações sobretudo localmente, nas comunida- empolgante dos últimos 20 anos.”
des onde atuam.
A partir da década de 1980 prevalece nos FOTO 2: PAGINA DUPLA DA EDIÇÃO ESPECIAL
meios de comunicação de massa a representa- COMEMORATIVA DOS 20 ANOS DA REVISTA VEJA, DE 14
ção da Amazônia como uma área ameaçada de DE SETEMBRO DE 1988.
desaparecimento. A mídia dá ênfase à destrui-
ção da floresta; o desmatamento e as queimadas
são os temas mais freqüentes. Como pode ser
visto no quadro 1, em seguida à imagem da flo-
resta, as idéias relacionadas à destruição/preser-
vação da natureza são as mais freqüentemente
associadas à Amazônia. A Amazônia tornou-se
mesmo um símbolo da natureza ameaçada. A
edição comemorativa dos 20 anos da Revista
Veja – revista semanal de informação mais ven- As estradas na Amazônia representam de ma-
dida no Brasil, com tiragem superior a um mi- neira exemplar o deslocamento de sentido opera-
lhão de exemplares – é exemplar desta signifi- do nas últimas três décadas em relação à natureza.
cação de que é portadora a região: Duas fotografias, ambas visões aéreas oblíquas de

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estradas recortando a vegetação, na Amazônia, ilus- zon, ISA e WWF -, e outras associações compo-
tram a transformação das representações sobre a nentes desses grupos, Neli Mello (2002) conclui
Amazônia e, por extensão, das representações so- que nas décadas de 1970 e 1980 a tônica deles
bre a natureza. Em 1958, a abertura da estrada estava nas denúncias e no incentivo à preserva-
Belém-Brasilia significava progresso e integração ção. Após a Conferência do Rio, apesar de conti-
da Amazônia ao resto do país. A floresta, neste nuarem as criticas às políticas governamentais, bem
momento, representava um empecilho à chegada como a preocupação com os impactos ambientais,
do progresso à região e a natureza hostil, apesar a ênfase passa a ser a proposição de novos mode-
de forte, deveria ser enfrentada e vencida pelo los de desenvolvimento, vinculados à sustentabi-
homem. Em 1989, a rodovia BR-364 era apontada lidade dos recursos naturais, à redução dos impac-
como vilã dessa mesma natureza: “caminho aberto tos ambientais e à melhoria da renda dos atores
ao oeste da Amazônia e à devastação desenfreada envolvidos. Essa mesma autora mostra que, no que
da floresta”. diz respeito aos impactos ambientais, a preocupa-
A mídia é um dos principais responsáveis nesse ção das ONGs, como da mídia, está marcada pelo
processo de transformação das representações da desmatamento e pelas queimadas.
região. Nesse processo, há também uma mudança Desmatamento e queimadas são também repre-
no modelo de desenvolvimento a ser defendido. sentações articuladas em torno do nó central “na-
Os profissionais dos meios de comunicação têm tureza”, pois constituem-se em ações que provo-
contribuído para a difusão do ideário do desenvol- cam sua destruição. Uma questão essencial é saber
vimento sustentável, paralelamente à intensa mo- qual a concepção de natureza têm essas ONGs,
bilização das Organizações Não-Governamentais e pois isso tem conseqüências no tipo de política
sua presença ativa tanto nos meios de comunicação ambiental defendida por elas e nas mudanças que
quanto na estrutura do Estado (Mello, 2002). elas podem provocar no que diz respeito às rela-
Essas organizações são hoje parceiras tanto do ções homem/natureza (Chartier, 2005).
setor privado como governamental; participam na Ao analisar o discurso do Greenpeace, Chartier
elaboração, implantação e monitoramento de pro- (2005) identifica duas visões opostas de natureza, às
jetos, bem como na proposição de políticas pú- quais ele propõe acrescentar uma terceira: na pri-
blicas. Sua atuação nas comunidades amazônicas, meira, da modernidade, natureza e sociedade são
muitas vezes em parcerias com associações de seg- radicalmente separadas; na segunda, em ruptura com
mentos locais, contribui para uma transformação o pensamento moderno ocidental, percebe-se uma
das representações da Amazônia na escala local, natureza construída socialmente e integrada à socie-
na medida em que são propostas muitas vezes no- dade; a terceira concepção de natureza seria inter-
vas formas de manejo dos recursos naturais, apoia- mediária entre estas duas anteriores, radicalmente
dos na idéia de sua sustentabilidade. opostas. Nesta terceira visão a separação natureza/
A partir da análise do discurso de quatro ONGs cultura é ainda conservada, mas insistindo-se mais na
com atuação na Amazônia - Amigos da Terra, Ima- relação homem/natureza do que na sua separação.

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Esse autor mostra como estas diferentes visões do grupo de empresários que vê a natureza como
podem estar justapostas nos discursos de uma mesma recurso a ser explorado e a do ambientalista, que a
ONG e vai ainda mais longe, demonstrando como vê como bem a ser preservado, estão ambas referi-
um mesmo discurso pode ser interpretado como atre- das ao mesmo elemento articulador central.
lado a uma concepção fortemente conservacionista
e moderna da natureza ou como questionador da REPRESENTAÇÕES DA AMAZÔNIA E PRÁTICAS ESPACIAIS ____
dualidade homem/natureza. Apesar disso, ele afirma As representações sociais têm um papel fun-
que predomina, tanto no Greenpeace como em ou- damental na dinâmica das relações sociais, das re-
tras ONGs, uma representação da natureza conside- lações da sociedade com seu espaço e também nas
rada como exterioridade à sociedade, que necessita práticas sociais e espaciais. Elas são informativas e
ser dominada e protegida. Essa é, como bem assinala explicativas da natureza dos laços sociais e das re-
o autor, uma visão totalmente inserida na história do lações dos indivíduos com seu meio.
movimento ambientalista ocidental. Por suas funções de elaboração de um senso
Outro autor trata das diferentes concepções li- comum, de construção da identidade social e pe-
gadas à natureza em nossa sociedade de forma mais las expectativas e antecipações que elas geram, as
abrangente. Besse (1997) evidencia três tipos de representações estão na origem das práticas soci-
concepções ainda hoje constitutivas da relação à ais. Mas elas são, ao mesmo tempo, dependentes
natureza, cada uma delas produto histórico de uma das circunstâncias exteriores e das próprias práti-

época: uma significação metafísica da natureza, que cas. Assim, há uma relação dialética entre repre-

a concebe como substância, como poder criador sentações sociais e práticas.

autônomo; uma significação tecno-científica, que As representações sociais da Amazônia engen-

concebe a natureza como um sistema de fenôme- dram um papel fundamental na dinâmica das re-

nos e um instrumento que pode ser colocado a ser- lações sociais, das relações da sociedade com esse

viço de um projeto; e, finalmente, uma significação espaço e também nas práticas espaciais. Desta for-

ética, que vê a natureza como um objeto a ser cui- ma, o movimento recente de preservação da na-

dado, um objeto de inquietude face aos efeitos da tureza, ao mesmo tempo em que transforma as

atuação humana. Embora a terceira significação apa- representações sobre a região, tem efeito tam-

reça de forma preponderante hoje, nas representa- bém nas práticas sobre este espaço, sobretudo

ções sobre a Amazônia estão presentes estas três localmente.

significações da natureza, e a preponderância de


uma ou outra depende, sobretudo, do grupo social. NOTAS __________________________________
1- Doutoranda em Geografia Humana - USP. Bolsista
Mas continua sendo a natureza o elemento central
CNPq/ CAPES.
articulador da representação.
A articulação em torno desse nó central permi-
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792-793.

ABSTRACT
THIS PAPER IS FOCUSED ON THE NATURE AS A REPRESENTATION OF THE AMAZONIAN REGION. BASED PRIMARILY IN
INTERVIEWS WITH PEOPLE IN THE REGION AND OUTSIDE, THE AUTOR INDICATOR IS THE MAIN REPRESENTATION OF
AMAZONIA. THE FOREST, IT´S PRESERVATION, THE FAUNA ANF RIVERS ARE MORE IMPORTANT THAN THE INDIGENOU
POPULATION OR THE RECENT ECONOMOC TRANSFORMATIONS
KEY WORDS: AMAZONIA, REPRESENTATION, NATURE, FOREST, PRESERVATION, FAUNA AND RIVERS.

86 ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 77-86, JAN./JUN. DE 2008

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