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1. INTRODUÇÃO
A promoção de atividades que visem o levantamento, valorização e divulgação de
bens patrimoniais considerados relevantes por pessoas normalmente excluídas dos
discursos acadêmicos e/ou oficiais é algo que vem sendo propagado por autores com
diferentes formações (ABREU, 2007; ALMEIDA, 2002; FUNARI, 2007; HORTA, 1999;
HODDER, 1999). Assim, no contexto de São Raimundo Nonato, urge a necessidade
de construção de novas narrativas sobre o passado e o patrimônio cultural local, que
não limitem-se à inquestionável importância do Parque Nacional Serra da Capivara.
Para tanto, reconhecer a potencialidade e relevância dos saberes e da memória das
comunidades locais é algo imprescindível, visto sua capacidade de catalisar meios e
ações que possam incentivar a articulação dos diferentes segmentos da população em
torno de “novos olhares” sobre nosso passado e patrimônio cultural.
Neste mister, o presente trabalho almeja discutir e fomentar “novos olhares” sobre o
passado e patrimônio cultural de São Raimundo Nonato. Deste modo, as narrativas a
serem construídas neste processo não necessariamente vinculam-se ao discurso
oficial e a produção acadêmica sobre a antiguidade do homem americano ou sobre a
importância das pinturas rupestres no Parque Nacional Serra da Capivara. Mas sim
buscam perceber e divulgar o que a comunidade, não acadêmica, identifica enquanto
bens relevantes graças à sua ontológica e afetiva vinculação com a memória
(individual e coletiva) e a vida das pessoas que hoje vivem no município.
Deste modo, nosso interesse é oportunizar que novas interpretações, ou leituras,
sobre o passado e o patrimônio local sejam construídas e divulgadas, dando
visibilidade as identidades locais, bem como as narrativas e saberes tradicionais que
vem sendo historicamente negligenciados. Nesse movimento, serão discutidas e
promovidas diferentes ações visando um levantamento dos bens patrimoniais do
município, a partir das memórias e dos anseios da comunidade local. Para tanto serão
realizados levantamento de dados etnográficos junto aos moradores dos bairros
próximos ao Campus Serra da Capivara (em especial as comunidades dos bairros
Aldeia, Campestre, Ingazeira e Santo Antônio), oficinas de fotografia, exposição de
fotos e objetos escolhidos pela comunidade local.
2. OBJETIVOS
Geral: Promover reflexões sobre a formulação e valorização do patrimônio cultural e
da memória no município de São Raimundo Nonato – PI através de uma perspectiva
multivocal pautada na colaboração e participação de docentes, discente e membros da
comunidade envolvente.
Específicos:
Identificar junto a comunidade envolvente do campus Serra da Capivara os bens
patrimoniais locais. Realizar o levantamento etnográfico nos bairros Aldeia,
Campestre, Santo Antônio e Ingazeira, com vistas a registrar as narrativas (memórias)
dos moradores locais a respeito do passado e do patrimônio cultural do município.
Estabelecer um trabalho colaborativo entre equipe técnica e comunidade. Promover
oficinas de fotografia. Criar um banco de dados com as informações coletadas ao
longo do trabalho.
3. METODOLOGIA
Na tentativa de alcançar os objetivos anteriormente expostos lançamos mão de duas
vertentes metodológicas a primeira embasada na pesquisa etnográfica e a outra
voltada à pesquisa-ação.
O levantamento etnográfico pode ser definido como a transcrição das culturas
possibilitada pela atividade de observação; é, antes de tudo, “escrever o que vemos”
(LAPLANTINE, 2004, p. 10). Praticar a Etnografia é elaborar uma descrição mais
densa sobre o que um grupo de pessoas faz e pensa, e analisar o significado que
determinados atos ou objetos tem para elas, considerando o contexto em que vivem
(GEERTZ, 1989).
Já a escolha pelos preceitos metodológicos da pesquisa-ação recai na convicção de
que produção acadêmica e comprometimento social podem caminhar juntos,
contribuindo para a transformação prática de uma dada realidade. Desta forma a
pesquisa-ação é entendida como: “um tipo de pesquisa social com base empírica que
é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de
um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da
situação ou problema esta envolvidos de modo cooperativo ou participativo”
(THIOLLENT, 1986, p.14).
Assim, acreditamos que o emprego destes preceitos teórico-metodológicos nos
permitem promover ações que contribuam para a valorização da memória e do
patrimônio cultural local; possibilitando a elaboração de discursos mais democráticos e
multivocais sobre o passado e sobre os bens patrimoniais do município de São
Raimundo Nonato. Do ponto de vista prático, com o intuito de fomentar atividades que
contribuam para a valorização da memória e do patrimônio cultural local,
oportunizando o protagonismo de diferentes atores sociais no processo de produção,
transmissão e divulgação do conhecimento sobre os bens patrimoniais, realizamos,
tanto as ações vinculadas ao levantamento etnográfico (entrevistas, formatadas na
forma de material audio-visual), quanto oficinas de fotografia e exposições temporárias
de fotos e objetos escolhidos pela comunidade local.
4. RESULTADOS
Inicialmente, foram realizados encontros o intuito de discutir as diretrizes teórico e
metodológicas que fundamentam as atividades previstas no projeto. Assim os
discentes realizaram leituras direcionadas e apresentaram seminários que versavam
sobre temas como patrimônio e metodologia para o levantamento e registro de dados
etnográficos. Também foram debatidos e redefinidos os procedimentos para
realização das oficinas de fotografia e registro das entrevistas. A partir de sugestões
formuladas pelos discentes definiu-se que as oficinas de fotografias, bem como o
registro fotográfico dos bens patrimoniais locais, deveriam ser realizadas com o uso de
telefones celulares e não com câmeras fotográficas. Esta mudança permitiu a
participação de um maior número de pessoas (visto que os laboratórios do campus
Serra da Capivara dispõe de poucas máquinas fotográficas), e maior liberdade e
tempo de duração na capitação das imagens. Deste modo, foram pensadas e
repassadas aos alunos algumas técnicas simples de fotografia que poderiam melhorar
a qualidade das imagens captadas por aparelhos celulares e que os discentes
deveriam repassar as pessoas da comunidade durante as oficinas de fotografia. Entre
essas técnicas as mais relevantes são controle da iluminação (opção pela iluminação
difusa, no qual objetos e/ou pessoas recebem luz de forma indireta; evitar contraluz,
uso de flash, claridade excessiva ou muito baixa) e aplicação da “regra dos terços”
para melhor disposição dos elementos em uma foto, de forma que eles fiquem mais
bem distribuídos (para isso, é preciso dividir a tela mentalmente em nove partes e
tentar enquadrar o elemento principal em um dos quatro pontos centrais. No caso dos
celulares é possível configurar os aparelhos para ativar as linhas na tela no momento
da foto; algo que foi realizado durante as oficinas de fotografia). Quanto ao registro
das entrevistas, optou-se na sobreposição de duas metodologias: inicialmente foram
realizadas entrevistas livres/informais, com o intuito de identificar os temas e objetos
considerados relevantes pelos moradores/colaboradores (patrimônio cultural local);
num segundo momento, foi realizado o registro audiovisual das entrevistas com o
objetivo de produzir alguns filmes de curta metragem. Neste segundo caso, os
discentes tiveram que assumir tanto o papel de “entrevistadores” (conduzindo a
conversa e realizando as perguntas) quanto a responsabilidade do registro
audiovisual.
No bairro Ingazeira, contamos com a colaboração da senhora Maria Vani da Silva e do
senhor Waldimir Ribeiro dos Santos, dois dos moradores mais antigos da localidade.
Além de concederem as entrevistas que deram origem aos curta metragens, ambos
foram responsáveis por selecionar uma série de objetos considerados importantes pra
sua história familiar e da localidade.
Também foi por intermédio da Sra. Vani e do Sr. Waldimir, que entramos em contato
com outros moradores da comunidade para a realização da oficina de fotografia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, R.M.R.M. Patrimônio cultural: tensões e disputas no contexto de uma nova
ordem discursiva. IN: Apostila Seminários Temáticos: Arte e Cultura Popular. 1º
Edição. Museu Casa do Pontal, Rio de Janeiro, pág. 54-63. 2007.
ALMEIDA, Márcia Bezerra. O Australopiteco Corcunda: as crianças e a
arqueologia em um Projeto de Arqueologia Pública na Escola. 2002. Tese
(Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia - Universidade de São
Paulo/USP, São Paulo, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
FETTERMAN, Davis M. Ethnography step by step. 2. ed. Londres: Sage Publication,
FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia e Patrimônio. Erechim Habilis, 2007.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice. 1990.
HODDER, I. The Archeological Process: an introduction. Oxford: Blackwell
Publishers. 1999.
HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane
Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional/Museu Imperial, 1999.
LAPLANTINE, François. A descrição Etnográfica. São Paulo: Terceira Margem, 2004.
MATTOS, Carmen L.G. A abordagem etnográfica na investigação científica UERJ.
(2001).
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1986. 108 p.