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do Mundo Bíblico
Arqueologia
do Mundo Bíblico
Acir Raymann
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) Andrea Eick
Mara Lúcia Machado André Loureiro Chaves
José Édil de Lima Alves Cátia Duizith
Astomiro Romais
CDU 22:902
ISBN 978-85-7528-323-3
Projeto Gráfico: Humberto G. Schwert Dados técnicos do livro
Editoração: Rodrigo Saldanha de Abreu Fontes: Minion Pro, Officina Sans
Capa: Juliano Dall’ Agnol Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa)
Medidas: 15x22cm
Coordenação de Prod. Gráfica: Edison Wolf
Impressão: Gráfica da ULBRA
Setembro/2010
Sumário
Apresentação............................................................... 7
3 | Métodos de escavação................................................. 27
5 | Período do Bronze...................................................... 43
10 | Arqueologia e Jesus.................................................... 95
Referências..............................................................107
Apresentação
Independente da razão que leva você a ler ou estudar a Bíblia, logo vai se
dar conta de que não precisa ir muito longe, tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento, para querer saber mais a respeito do seu pano de fundo.
A mensagem bíblica em si é clara no seu propósito de mostrar o caminho
da salvação revelado em Jesus Cristo. Do ponto de vista teológico, as Escrituras
Sagradas não dependem de fatores externos a ela para trazer pessoas ao
conhecimento de Deus pela fé. As Escrituras têm uma confiabilidade intrínseca,
própria, exatamente porque são a Palavra inspirada de Deus. Mas, independente
desse fato, devemos olhar para a Escritura como um livro histórico e escrito
por homens – homens que viveram num determinado tempo e espaço. E a
arqueologia, neste particular, pode tornar mais concretas e vivas as circunstâncias
nas quais o texto bíblico se desenvolveu.
Nas últimas décadas, a arqueologia – especialmente a bíblica – tem se tornado
bastante popular. Cada vez mais pessoas se interessam e se fascinam pelas
descobertas, algumas comprovando o relato bíblico, outras deliberadamente
sendo expostas com o fim de questionar a autoridade da Palavra. É difícil passar
uma semana sem que assuntos relacionados à arqueologia sejam lançados em
televisão, revistas e em sites da internet.
8 Apresentação
Acir Raymann
1
|| 1 FEILER, Bruce. Pelos caminhos da Bíblia: uma viagem através do Antigo Testamento. Maria Luiza Newlands
Silveira e Fernanda Rangel de Paiva Abreu, trad. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 122.
12 Arqueologia: definição e natureza
culturas e civilizações passadas ao mesmo tempo em que nos faz refletir sobre
a nossa própria história. Nesse sentido, a Arqueologia nos ajuda e identificar
de onde viemos, por quais estágios de desenvolvimento cultural e tecnológicos
passamos e, a partir daí, como podemos delinear o nosso futuro.
|| 4 DAVIS, Thomas W. Shifting Sands: The Rise and Fall of Biblical Archaeology. New York: Oxford University Press,
2004, p. 10.
14 Arqueologia: definição e natureza
Detalhes destes aspectos veremos mais adiante neste livro, mas é importante
salientar que equilíbrio e bom senso são importantes ao se relacionar a verdade
metafísica da Bíblia com os meios puramente físicos.
Atividade
A partir da afirmação do professor Jones, neste capítulo, explique em que
sentido a arqueologia se relaciona com “fato” e não com “verdade”. É possível
integrar esses dois conceitos com a disciplina que estamos estudando?
2
|| 6 SHANKS, Hershel. Roundup of Annual Meetings. Biblical Archaeology Review 31 (March/April 2005): 48.
Breve história da arqueologia na Palestina 19
decretos de rotina. O inusitado é que a mesma coisa estava escrita nas outras duas
versões: numa escrita conhecida como demótica e, o mais impressionante, em
hieróglifos egípcios, a até então indecifrável escrita dos faraós. Quem conseguisse
traduzi-los teria acesso a quase três milênios de história. A partir do grego, o
francês Jean-François Champollion e o britânico Thomas Young propuseram
que os caracteres cercados por cartuchos7 seriam nomes de faraós e com isso se
identificou o nome de Ptolomeu V Epifanes, que governou o Egito de 205 a 180
a.C., e sua rainha. A partir de então os hieróglifos deixam de ser um mistério,
marcando um passo significativo no conhecimento da cultura egípcia e dando
início a encantos pela arqueologia.
Deixando o Egito e passando sobre a Palestina, vamos até o outro lado do
assim chamado Crescente Fértil,8 a região da Mesopotâmia. Diferente do Egito,
poucos monumentos sobreviveram nessa extensa planície entre os rios Tigre
e Eufrates. Mesmo assim, achados esporádicos e relatos feitos por visitantes
|| 9 Escrita surgida na região da Mesopotâmia que tem os caracteres em forma de cunha, daí o termo
cuneiforme.
Breve história da arqueologia na Palestina 21
|| 10 VARDAMAN, Jerry. La Arqueologia y La Palabra Viva. 2. ed. F. Benlliure, trad. (s. l.).: Casa Bautista de
Publicaciones, 1977, p. 11.
22 Breve história da arqueologia na Palestina
local, que não permitiu que Petrie escavasse a área. Mesmo assim, conseguiu
atingir seus objetivos básicos. Petrie cortou secções verticais na encosta
do cômoro, desvendando 18 metros de ocupação sobreposta, uma camada
cobrindo a outra. Ele deduziu que tinham existido onze cidades durante a
história de Tell el-Hesi, num período de cerca de 3 mil anos. Atestou que cada
camada do cômoro tinha objetos característicos. Sua conclusão foi de que se
pode datar os diferentes níveis do local pelos tipos de cerâmica encontrados.
Esse método revolucionou a arqueologia na Palestina. Em razão disso, Petrie
pode ser considerado o segundo gênio da arqueologia e, de forma mais afetiva,
como o “pai da arqueologia palestina”.11
|| 11 WISEMANN, Donald J. e YAMAUCHI, Edwin. Archaeology and the Bible: An Introductory Study. Grand Rapids,
Michigan: Zondervan Publishing House, 1979, p. 7.
Breve história da arqueologia na Palestina 23
|| 12 KENYON, Kathleen M. Archaeology in the Holy Land. 3. ed. New York: Praeger Publishers, 1971.
Breve história da arqueologia na Palestina 25
ser o local das mais cobiçadas e, por vezes, polêmicas pesquisas arqueológicas
até hoje na Palestina.
Atividade
As bibliotecas têm seu início em períodos bastante antigos. Proceda da
seguinte forma:
Entre no site: http://bibfam.no.sapo.pt/espaco%20crianca/para_que_
serve_a_biblioteca.htm
A partir dele responda as seguintes perguntas:
a) Qual é a etimologia do termo “biblioteca”?
b) Quem ficou conhecido como o “Pai da Imprensa”?
c) Qual foi o primeiro livro impresso que deu início à produção de “livros em
escala industrial”?
3
Métodos de escavação
Muito diferente do que em tempos passados, a arqueologia na Palestina hoje
segue métodos comumente bem mais determinados. Os propósitos de uma
expedição hoje se caracterizam por serem científicos e históricos. Num primeiro
momento, a escavação procura reconstruir, dentro do possível, a vida e a civilização
do povo cujas ruínas examina. Posteriormente, a escavação busca interpretar os
processos técnicos da arte, estruturas e arquitetura com as quais ela se defronta.
O interesse primordial de uma escavação é a análise da evolução social de
determinado sítio. Nesse sentido, para um arqueólogo um caco de cerâmica pode
se mostrar tão ou até mais importante do que um grande monumento.
3.1 O Tel
As condições indispensáveis para o assentamento de seres humanos implicam
disponibilidade de fonte de água permanente, terra suficiente para plantio,
rotas comerciais e defesa natural. Tais condições limitavam bastante as áreas,
especialmente numa região como a Palestina, onde água, talvez o pré-requisito
mais importante para a escolha do local, é elemento relativamente escasso. Não é
sem razão que as mais antigas habitações humanas na Palestina se concentraram
no vale do Jordão e nas proximidades do mar da Galileia.
Outro fator importante era a disponibilidade de terra fértil para a
sobrevivência da população por meio da agricultura. As circunstâncias não
28 Métodos de escavação
permitiam que plantações fossem feitas dentro das cidades ou vilas. Elas
necessitavam de espaço adequado, fora dos muros, ao mesmo tempo em que
requeriam vigilância contínua contra invasores, homens ou animais.
Mesmo com uma boa agricultura, as pessoas dependem também do comércio
de outros produtos, e por isso a necessidade de se estar localizado próximo a
uma rota comercial com outros povoamentos.
Um último aspecto crucial nos inícios de um assentamento era o sistema
de defesa. As condições topográficas da Palestina nesse sentido eram bastante
favoráveis quando comparadas a outras nações como a Mesopotâmia, cujas
enormes planícies obrigavam os povoamentos a se estabelecerem ao nível do
solo. Inúmeros montes e montanhas rochosas proporcionavam uma boa defesa
natural. Além de servir como proteção contra enchentes, a combinação da
elevação natural e do sistema de defesa aprimorado pelos habitantes do local
fez com que os núcleos habitacionais se tornassem bastante seguros.
Uma vez escolhido o local, as subsequentes ocupações nesse mesmo espaço
criavam uma colina artificial conhecida como tell.13 O termo é empregado
várias vezes no texto hebraico do Antigo Testamento para se referir a cidades
construídas umas sobre as outras. Por exemplo, em Josué 11.13, se lê: “Tão
somente não queimaram os israelitas as cidades que estavam sobre os outeiros
[pl. da palavra tel, em hebraico], exceto Hazor, a qual Josué queimou”. O mesmo
termo é empregado pelo profeta Jeremias ao anunciar as boas-novas do retorno
do cativeiro babilônico à cidade de Jerusalém: “Assim diz o SENHOR: Eis que
restaurarei a sorte das tendas de Jacó e me compadecerei das suas moradas; a
cidade será reedificada sobre o seu montão de ruínas” [tel] (30.18). Este fenômeno
é fundamental para a arqueologia no Antigo Oriente Próximo (AOP).
Até ao tempo de Alexandre Magno, por exemplo, a maioria das vilas e cidades
na Palestina pode ser encontrada nesses tell. A área de um tell varia bastante,
abrangendo 28 mil a 80 mil metros quadrados. Até o momento, a maior que
se conhece é Hazor, ao norte da Galileia, que mede cerca de 800 mil metros
quadrados.14 Comparados aos tell de outras regiões do AOP, os da Palestina eram
|| 13 A palavra tell é usada tanto em hebraico quanto em árabe. A transliteração do hebraico é grafada como tel,
como em Tel Aviv, ao passo que a forma árabe é tell.
|| 14 DEVER, William. G. “Syro-Palestinian and Biblical Archaeology”. In KNIGHT, Douglas A. and TUCKER, Gene
M., org. The Hebrew Bible and its modern interpreters. Philadelphia: Fortress Press, 1985, p. 31-74.
Métodos de escavação 29
3.2 A estratigrafia
Este ciclo de ocupação-desocupação-reocupação podia se repetir por várias
vezes na história de um determinado local. A cidade de Megido, na cordilheira
Central ao norte, por exemplo, possuía mais de 20 níveis de ocupação. Cada
uma das sucessivas camadas de ocupação de uma elevação artificial é chamada
de estrato (do latim stratum, pl. strata). Uma sequência desses estratos, um
sobreposto ao outro, resulta numa elevação que para alguns se parece com um
chapéu de homem, para outros como um bolo feito de várias camadas.
Uma maneira de se verificar de quantas camadas aproximadas um tel
é formado é fazendo um corte vertical nas suas escarpas. Este processo
se denomina tecnicamente de trincheira. A trincheira tem a finalidade de
determinar a estratificação do tel anteriormente à escavação completa. Isso
proporciona uma visão antecipada das camadas do solo que será encontrado
mais adiante. Esta, por exemplo, foi a maneira que William Flinders Petrie
encontrou para identificar as camadas sobrepostas nos 18 metros de altura de
Tell el-Hesi. Por meio da trincheira ele atestou que a história de ocupação de
Tell el-Hesi (Eglom) escondia onze cidades que atravessavam um período de
cerca de 3 mil anos.
Quando uma cidade era destruída, seja por fenômenos naturais ou fatores
circunstanciais, outra cidade era reconstruída no topo da anterior. A partir de
30 Métodos de escavação
3.3 O preparo
Uma escavação arqueológica dá muito trabalho e é onerosa. Olhando-se de
longe, parece que pegar em picareta, enxada, pá, carrinhos de mão, baldes, colher
de pedreiro, prumo, fita métrica, pincel e outros instrumentos é divertimento
para figuras no mínimo esquisitas. Para um visitante desprevenido, arqueólogos
não passam de gente grande brincando na areia.
A escavação precisa ser feita com as mãos, no alto verão, quando praticamente
não chove e a temperatura fica bastante elevada. Escavar é mão de obra cara. O
elevado custo requer que se organizem consórcios para financiar a escavação.
Por isso, na maioria das vezes, o projeto se realiza sob a égide de governo, museu,
universidade, entidade científica ou até indivíduos. Atualmente, os governos do
Oriente Próximo não permitem pesquisas arqueológicas individuais.
Visto que a escavação hoje é interdisciplinar, especialistas de diferentes áreas
estão envolvidos no projeto. Uma equipe séria deve envolver alguns especialistas,
tais como:
Métodos de escavação 31
1. Muitos tell hoje estão sendo ocupados. Não são raras as vezes em que
importante área a ser escavada se encontre debaixo de construções
modernas de uma vila ou cidade. Um clássico exemplo é a própria cidade de
Jerusalém. Vez por outra, uma atividade envolvendo reforma de canalização
feita pela prefeitura se depara com relíquias históricas do passado – mas
dificilmente uma escavação mais ampla poderá ser levada a efeito.
2. Moradores das vilas adjacentes, especialmente muçulmanos, fazem uso
da colina como cemitérios.
32 Métodos de escavação
3.4 A escavação
A decisão de escavar um tell é uma atitude no mínimo corajosa e dolorida. A ela
está atrelada uma determinação histórica. A pesquisa de campo é a coluna dorsal da
arqueologia, mas é fato que, ao reconstruir a história, ela destrói a história. Pode-se
dizer que “a arqueologia é uma ciência que destrói suas próprias evidências (sic)
no curso de desencavá-las. ... As escavações devem ser conduzidas num ritmo
controlado, pois a arqueologia é uma ciência que não repete seus experimentos”.17
Uma vez removidos, os resquícios já não podem mais ocupar o espaço que
antes ocupavam. A história daquele entulho, ou artefato in situ,18 afastado do
seu local ficará na memória e na palavra apenas do supervisor da área e quiçá
do arqueólogo-chefe. Por isso, quando a escavação estiver concluída, o que
permanece são os artefatos e materiais que foram guardados e armazenados,
os registros em papel ou em filmes e um buraco no solo. A menos que seja
possível reconstruir no papel a relação original do conjunto de materiais que foi
preservado, ele perde todo o valor para se tornar mera curiosidade histórica.
|| 15 Para um retrospecto e atualização das escavações feitas no local, confira FINKELSTEIN, Israel, USSISHKIN,
David. Back to Megiddo. Biblical Archaeology Review 20 (January/February 1994): 26-33.
|| 16 O ossuário descoberto por André Lemaire, com a inscrição “Tiago, filho de José, irmão de Jesus” e que pode
ser considerado um dos mais importantes achados arqueológicos depois dos manuscritos do mar Morto, teve
sua tampa rachada ao meio quando transportado de Tel Aviv para uma exposição em Nova York.
|| 17 SOTELO, Daniel. Arqueologia Bíblica: uma introdução aos conceitos e técnicas. São Paulo: Novo Século, 2003,
p. 31.
|| 18 Literalmente, vem do latim e significa “no lugar”. É expressão usada para designar o local preciso em que
originalmente foi encontrado um artefato.
Métodos de escavação 33
3.5 Publicação
A última etapa no processo da escavação é a publicação dos dados, primeiramente
numa revista especializada e mais tarde em volumes específicos sobre o tell. Vários
podem ser os motivos, porque muitas vezes há demora ou omissão na publicação. Um
clássico exemplo e que causou – e ainda causa – bastante polêmica foi o retardamento
na publicação dos achados dos manuscritos do mar Morto.
Uma publicação abalizada requer análise e interpretação sistemáticas dos
vestígios de uma escavação. A escavação e a análise da estratigrafia, a seleção e
a organização dos dados e a interpretação deles – tudo deve ser formatado pela
perspicácia, o juízo e a intuição bem-informada do arqueólogo. Como diz H.
Darrel Lance, “os dados arqueológicos relevantes, uma vez publicados, adquirem
um grau de imortalidade”.19
Atividade
Consulte em sua própria Bíblia as passagens abaixo, verificando em quais
delas a palavra “ruína” está sendo empregada em sentido literal e em quais em
sentido metafórico.
As passagens são:
Josué 8.28
Salmo 54.7
Provérbios 10.14
Jeremias 10.19
Jeremias 49.2
Ezequiel 3.15
|| 19 LANCE, H. Darrel. The Old Testament and the Archaeologist. Philadelphia: Fortress Press, 1981, p. 56.
4
Os períodos arqueológicos
da Palestina
Os vários níveis ou períodos de ocupação são comumente designados pelos
arqueólogos, como consta na tabela abaixo. A terminologia empregada bem
como as datas dos períodos podem diferir de autor para autor. Os arqueólogos
classificam a história e a cultura da Palestina com um sistema de três períodos:
Pedra, Bronze e Ferro. São assim denominados em vista do suposto predomínio
de cada um desses elementos na vida cotidiana dos seus habitantes em
determinado período de tempo. A partir do período Persa, a identificação dos
períodos assume nomes políticos ou culturais.
V. Persa (Ferro III ou Ferro Posterior): 587 a.C. (Queda de Jerusalém). Exílio:
587-538 a.C.
VI. Helenista: 330 a.C. (Alexandre, o Grande)
1. Ptolomaico: 300 a.C.
2. Selêucida: 200 a.C.
VII. Romano: 63 (Pompeu) – Período do Novo Testamento
VIII. Bizantino: 330 d.C. (Constantino)
IX. Islâmico: (Arábico; Moderno): 700 d.C.
Épica de Gilgamesh
encontrada em Ebla.
Escrita em caracteres
cuneiformes, inclui
narrativas sobre
criação e dilúvio na
visão babilônica.
|| 21 Caixa, urna ou outro recipiente para os ossos de uma pessoa morta depois da decomposição.
40 Os períodos arqueológicos da Palestina
|| 22 Para um estudo específico e comparativo com a Bíblia, cf. PETTINATO, Giovani. The archives of Ebla: an empire
inscribed in Clay. New York: Doubleday and Company, 1981.
Os períodos arqueológicos da Palestina 41
Atividade
Entre no site, observe atentamente a foto da torre de Jericó mencionada no
texto e procure responder:
1. Por que uma construção tão elevada num tempo tão antigo?
2. Por que uma abertura tão estreita como a que aparece na imagem?
Consulte em: http://www.mucheroni.hpg.com.br/religiao/96/fotos/torre.
jpg
5
Período do Bronze
5.1 Bronze Anterior (BA) (3300-2300 a.C.)
Há diferenças importantes entre o período Calcolítico e o do Bronze Anterior
no que diz respeito a padrões de assentamento, densidade demográfica, métodos
agrícolas e relações comerciais. A pergunta é: essas diferenças refletem apenas
um desenvolvimento local ou implicam a imigração de outros povos e culturas
na Palestina?
A maioria dos estudiosos acredita que a cultura da Palestina passou por
influências de outras culturas advindas da Síria, Anatólia e Mesopotâmia. A
Síria setentrional, na região do Eufrates, estava sob influência sumeriana o
tempo todo. As escavações ao longo do Eufrates mostraram uma sofisticada
urbanização já existente no final do quarto milênio a.C. nessa região. Durante a
segunda metade do terceiro milênio a.C., Ebla, como vimos, foi o centro de uma
próspera civilização letrada. Muito embora o sistema de escrita e outros aspectos
dessa civilização fossem baseados em protótipos sumerianos, os habitantes de
Ebla tinham a sua própria língua – a mais antiga língua semítica ocidental que
se conhece. Ebla, sem dúvida, serviu de ponte entre a Mesopotâmia e a Palestina,
mas até que ponto influenciou as regiões mais ao sul é difícil de mensurar.
Construções. No início, as cidades eram desprovidas de muro, assim como
Megido, Bete-Sã e Arade; mais tarde, porém, elas são cercadas com muros de
tijolos de argila reforçados com pedras cuja largura chega a 4 metros. Nota-se,
portanto, uma marcante continuidade entre vilas abertas para uma grande cidade
44 Período do Bronze
|| 23 Em tempos mais recentes, entretanto, quando um vento não muito ameno sopra na academia, este
posicionamento tem sido questionado especialmente por arqueólogos israelitas como Mazar, Aharoni e outros,
em parte em razão de sua interpretação da evidência arqueológica que data a história patriarcal no período
do Bronze Posterior como tempo do principal assentamento de Israel. Vozes mais radicais ainda fazem coro
com as antigas posições liberais de que as histórias patriarcais são produto da era exílica ou pós-exílica que
visavam estabelecer “direito divino” às reivindicações judaicas da terra naquele tempo. Uma posição mais
ou menos condenada por Ezequiel 33.23 ss.
46 Período do Bronze
As “chaleiras” eram feitas na roda e eram de louça preta, pintadas com linhas
brancas horizontais.
Patriarcas. Uma das cidades florescentes nesse período foi Nuzi, na
Mesopotâmia, não longe das margens do rio Tigre. Nuzi tem revelado
comportamentos que têm nos ajudado a entender o relato bíblico sobre os
patriarcas. O incidente como o de Raquel roubando os deuses ou estatuetas de
argila (teraphim, em hebraico) é hoje reconhecido como incidente histórico
autêntico, porque os documentos de Nuzi mostram que a posse de tais deuses
de argila equivalia a uma escritura de terreno. Quem estivesse de posse dos
teraphim estaria, legalmente, de posse da propriedade do clã.24 Antes de roubar
os teraphim, Raquel se une a Lia e pergunta: “Há ainda para nós parte ou herança
na casa do nosso pai?” (Gênesis 31.14). Seu pai Labão os havia tratado de maneira
desprezível e assim ela tomou a lei em suas próprias mãos, entrou na tenda na
ausência dele e tomou os teraphim – a escritura das propriedades.
A venda da primogenitura por parte de Esaú por um prato de lentilhas
deixa muitos perplexos, mas também faz sentido a partir de tabletes de Nuzi.
Nestes documentos conta-se o episódio de um homem que vendeu sua parte
na herança por três ovelhas.
|| 24 THOMPSON, A. The Bible and Archaeology. Grand Rapids: Eerdmans, 1975, p. 25-36.
48 Período do Bronze
|| 25 WISEMAN, Donald J. e YAMAUCHI, Edwin. Archaeology and the Bible. Grand Rapids, Michigan, 1979, p. 26-27.
|| 26 LAMBDIN, T. O. Hycsos. In: The Interpreter’s Dictionary of the Bible. V. 2. George Arthur Buttrick, ed. Nashville:
Abingdon Press, 1962, p. 667.
Período do Bronze 51
da Palestina, e entre eles ‘š-ra (Aser) e šp-ra (Sífera, cf. Êxodo 1.15). Alguns destes
assumiram posições elevadas; outros se tornaram empregados domésticos.
Não nos deve surpreender o fato de que os egípcios não relatem nada sobre
os hebreus. Hoje é quase consenso entre os historiadores que, quando José foi
empossado como o principal governante no Egito, estrangeiros estavam no
controle. Quando estes estrangeiros (os hicsos) foram expulsos do Egito, todo
esforço foi feito para apagar qualquer referência a esse período. Os hicsos eram
semitas, do mesmo tronco étnico dos hebreus.27 É possível que os hicsos tenham
mantido em certas posições oficiais egípcios locais. Isso talvez explique por que
nos primeiros cinco versículos de Gênesis 39 Potifar é por três vezes chamado de
um “egípcio”. Se egípcios locais estivessem ainda no comando, não faria sentido
referir-se a um oficial como “o egípcio.”
A primeira referência a cavalos na Bíblia está em Gênesis 47.17, quando os
egípcios venderam seus cavalos para comprar cereais. Nisso há consonância
com o contexto, pois foram os governantes hicsos que utilizaram cavalos em
larga escala para conquistar o Egito.
|| 27 THOMPSON, A. The Bible and Archaeology. Grand Rapids: Eerdmans, 1975, p. 40.
52 Período do Bronze
Atividade
A atitude de Raquel ao esconder os teraphim (Gênesis 31) foi esclarecida
pela arqueologia. Qual era a intenção de Raquel?
6
6.1.1 Jericó
O período do Ferro I coincide com a chegada de Israel na Terra Prometida.
Vigilante no caminho de qualquer invasor vindo das montanhas do sul do vale
do Jordão está a fortaleza de Jericó. A narrativa bíblica diz que Deus fez com que
as muralhas de Jericó caíssem depois que Israel a rodeara por sete dias (Josué
6). O interesse nas escavações foi naturalmente focado nas possibilidades de se
trazer mais luz à narrativa bíblica.
Os primeiros escavadores em Jericó foram os alemães Sellin e Watzinger
(1908-1910). A expedição britânica, sob a liderança de John Garstang (1930-
1936) fez importantes descobertas. Como já observamos, descobriu-se que Jericó
56 Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista
foi fundada no período Neolítico pré-cerâmico, o que a torna a mais antiga cidade
escavada na Palestina até o momento. Garstang fez descobertas também sobre
as fortificações da cidade em diferentes períodos; em particular, duas muralhas
de tijolos, datadas por ele no século XV a.C., foram violentamente destruídas e
a cidade incendiada. A partir da cerâmica encontrada, Garstang concluiu que
a cidade fora destruída numa data não posterior a 1385 a.C.
Uma expedição conjunta britânico-americana liderada por Kathleen Kenyon
(1952-1958) obteve grandes resultados na reconstrução da história de Jericó
do período da Pedra. Kenyon, por sua vez, concluiu que as duas muralhas que
Garstang datara do século XV a.C. não são contemporâneas e que a destruição
delas aconteceu cerca de 150 anos antes do que Garstang havia pensado. Para
entornar o caldo, recentemente Bryant Wood questionou Kenyon afirmando que
ela baseara suas conclusões em cerâmica cipriota, ou seja, cerâmica importada,
que ela não encontrou em Jericó. Wood, especialista no setor, examinou a
cerâmica cananita local escavada por várias expedições em Jericó. Segundo ele,
Jericó teria sido destruída por volta de 1400 a.C., e não em 1550, como declarado
por Kenyon. Se Wood estiver certo, este é um momento em que a arqueologia
se acha em harmonia com a narrativa bíblica.
Para fundamentar suas conclusões, Wood afirma que escaravelhos egípcios
foram encontrados em sepulcros do período; a estratigrafia do nível IV, escavado por
Garstang e Kenyon, apresentou vinte diferentes fases arquitetônicas que perduraram
por longos períodos e sofreram ao menos doze destruições, o que, segundo
Wood, demandaria espaço de tempo bem maior do que 1550 a.C. Uma amostra
de radiocarbono (C14) tirada de um pedaço de carvão encontrado na camada da
destruição final indica a data de 1410 a.C.28 Na verdade, em vista do processo de
erosão, pouco resta do último período de ocupação entre 1500 e 1200 a.C. Assim
sendo, Jericó não fornece evidências quer seja para detalhar a maneira como foi
destruída como para se precisar a data da sua queda diante do povo de Israel.
A primeira referência a Israel fora da Bíblia foi feita pelo faraó Merneptá,
em cerca de 1220 a.C., numa estela, uma pedra de granito de cerca de 1,50m
onde narra suas vitórias. “Israel” é um dos grupos assinalados como residindo
na Palestina, embora não seja ainda reconhecida como nação.29
|| 28 WOOD, Bryant. Did the Israelites Conquest Jericho? A New Look at the Archaeological Evidence. Biblical
Archaeology Review 16 (March-April, 1990): 44-49.
|| 29 “Canaã foi pilhada da forma mais cruel, Ascalom foi levada cativa, Gezer foi capturada, Jenoã foi destruída.
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 57
Israel está devastado, dele não resta semente, a Síria está viúva por causa do Egito. Todas as terras estão
unidas em paz, todos os que erravam, ele os subjugou, o rei do Egito [...] Merneptá”. Estas palavras se
encontram no final da inscrição egípcia sobre uma estela, ou seja, uma laje de pedra. O monumento foi
encontrado em 1896, em Tebas, onde se erguia no templo em honra ao faraó Merneptá. Em razão da presença
da palavra “Israel”, a pedra é chamada de “Estela de Israel”.
58 Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista
|| 30 Para um excelente estudo artigo em português sobre a história e arqueologia sobre Ascalom, confira GORE,
Rick. Ascalon: a Antiga Cidade do Mar. National Geographic: Brasil (Janeiro 2001): 52-76.
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 59
|| 31 ZERTAL, Adam. Has Joshua’s Altar Been Found on Mt. Ebal?. Biblical Archaeology Review 11 (January/February
1985): 26-35.
|| 32 KEMPINSKI, Aharon. Different Interpretations: Joshua’s Altar – An Iron Age I Watchtower. Biblical Archaeology
Review 12 (January/February 1986): 44-49.
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 61
6.2.1 Davi
Assim como Saul e os Juízes antes, Davi foi escolhido como líder não porque
tinha algum direito hereditário ao trono, mas porque demonstrava na sua pessoa
|| 33 Posicionamento contrário a este é mantido por arqueólogos contemporâneos como, por exemplo, FINKELSTEIN,
Israel e SILBERMAN, Neil Asher. The Unearthed Bible: Archaeology’s New Vision of Ancient Israel and the
origin of Its Sacred Texts. New York: Touchstone Book, 2002, p. 141-145.
62 Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista
que havia recebido dons especiais, charismata, diretamente de Deus. Ele é, pois,
o último dos grandes heróis carismáticos em Israel. Depois do seu reinado, o
trono em Jerusalém se torna hereditário. Quando eleito rei sobre todo o povo
(Israel no norte, e Judá no sul), Davi se defrontou com o problema de estabelecer
para si uma capital neutra. Decidiu capturar Jerusalém, uma cidade nos limites
entre o norte e o sul, que ainda estava nas mãos de um grupo cananeu conhecido
como jebuseus. Ao conquistá-la com suas próprias tropas, Davi lhe deu o nome
de “Cidade de Davi” (2 Samuel 5.9).
Davi aprimorou as fortificações da cidade e com o auxílio de artesãos fenícios
construiu nela um palácio para si, reconstruiu o Tabernáculo e fez o traslado da
Arca da Aliança para Jerusalém de forma que, a partir de então, a “Cidade de
Davi” se torna o centro do seu reino, tanto político quanto religioso.
Desde 1867, inúmeras escavações têm sido feitas em Jerusalém, e uma grande
quantidade de artefatos da antiga cidade, ao menos nesses inícios de escavações,
tem sido recuperada. Sabemos que o local foi ocupado desde 3000 a.C. e que o
nome atual “Jerusalém” aparece em textos egípcios ao redor de 1900 a.C.
O curioso com Jerusalém é que não há vestígio de formação de um “tell”, ou
seja, a sobreposição de remanescentes de uma cidade sobre a outra. A explicação
é de que os remanescentes antigos foram aplainados dentro da cidade e o que
sobrou foi despejado pelas escarpas em algum momento por volta do segundo e
primeiro séculos antes de Cristo. O historiador judeu Flavio Josefo nos informa
que uma fortaleza síria construída ali no começo do segundo século foi nivelada
até o chão pelo judeu Simão em cerca de 140 a.C. e que a própria colina onde
estava a fortaleza foi removida – um empreendimento que levou três anos.
Não temos evidência arqueológica significativa do tempo do reinado de Davi.
Jerusalém, que ele conquistou, se localizava num contraforte estreito demarcado
a leste pelo ribeiro de Cedrom e a oeste pelo vale de Tiropeon. Escavações na
encosta leste dessa colina, acima da fonte de Giom, revelaram uma construção
imponente, conhecida como a “Estrutura de Pedra em Degraus”, que se atribui
seja do século X a.C. A estrutura é um enorme muro de arrimo, preservado
até uma altura de 16,50 metros, que aparentemente suportava uma construção
portentosa. Assemelha-se a uma enorme queda de água de pedra. Já Kathleen M.
Kenyon, em suas escavações em Jerusalém em 1960, identificava essa estrutura
com o “Millo”, que, segundo ela, era uma simples transliteração do termo hebraico
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 63
(2 Samuel 5.9; 1 Crônicas 11.8; 2 crônicas 32.5) e que deveria ser traduzido por
“enchimento”.34 Escavações recentes no local parecem indicar que este arrimo
dava suporte, de alguma forma, ao palácio de Davi.35
Grande parte da história de Jerusalém está conectada ao estudo do seu
suprimento de água, especialmente a que verte da fonte de Giom, no vale de
Cedrom. Sem esta fonte, Jerusalém jamais poderia subsistir como cidade. Protegê-
la foi preocupação constante dos seus governantes. Um bem trabalhado sistema
de túneis nas proximidades é testemunha eloquente dessa preocupação.
Numa tentativa inicial de se trazer água para mais perto dos habitantes da
cidade murada, um longo aqueduto foi aberto na rocha ao longo da encosta da
montanha. O aqueduto iniciava no Giom e serpenteava até a extremidade sul
da cidade, onde despejava num açude, chamado “açude velho” (Isaías 22.11),
aparentemente junto ao vale Tiropeon, para dentro das muralhas da cidade.
Foi provavelmente neste local que Salomão foi ungido rei de Israel (1 Reis 1.33-
46) e onde o profeta Isaías encontrou-se com o rei Acaz (Isaías 7.3). Em outra
passagem (8.6), Isaías refere-se às águas neste aqueduto como “as águas de Siloé
que correm brandamente” e as emprega em sentido metafórico para descrever
a atitude de Deus para com Israel.
Este conduto é em parte natural e em parte escavado. Por conseguinte, não
havia proteção nem segurança para o suprimento de água em tempos de sítio.
Por essa razão, o rei Ezequias, diante da iminente ameaça de invasão por parte
da Assíria, modificou esse traçado das águas antes de 701 a.C. e construiu o
seu próprio túnel, conhecido como túnel de Ezequias. O empreendimento é
reconhecido como uma grande obra de engenharia. Cavando secretamente,
Ezequias fez um túnel de 533 metros por baixo da cidade de Jerusalém. O relato
bíblico menciona esta façanha (2 Reis 20.20), mas não da maneira como ela foi
feita. Em 1880, meninos que nadavam no túnel descobriram uma inscrição a
seis metros da saída, contemporânea à escavação do túnel. Hoje conhecida como
“Inscrição de Siloé”, narra a história da construção do túnel num hebraico cujo
estilo corresponde ao do tempo do rei Ezequias.
O relato informa que um grupo começou a escavar numa extremidade e
o outro na extremidade oposta. Como eles se encontraram, permanece um
|| 36 A inscrição encontrada na parede do túnel diz o seguinte: “... relato do encontro. E este foi o relato do
encontro. Enquanto os operários ainda estavam trabalhando com suas picaretas, cada grupo em direção ao
outro, e quando ainda faltavam três côvados para serem escavados, a voz de cada grupo era ouvida pelo
outro, porque havia um zdh [termo hebraico incerto, talvez “rachadura”, “sobreposição”, “fissura”] na rocha
no sentido sul-norte. E no momento em que os dois grupos se encontraram, os operários abriram caminho
um grupo em direção ao outro, golpe contra golpe, picareta contra picareta. Então a água fluiu da fonte para
o tanque por 1.200 côvados. E a altura da pedra acima das cabeças dos operários era de 100 côvados.”
|| 37 S[SHANKS], H[ershel]. A Tiny Piece of the Puzzle: Six-Letter Inscription Suggests Monumental Building of
Hezekiah. Biblical Archaeology Review 35 (March/April, 2009): 55.
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 65
6.2.2 Salomão
A Bíblia fala, em parte, das atividades arquitetônicas e comerciais de Salomão,
e várias delas são atestadas pelas escavações arqueológicas. Salomão fortificou
Jerusalém, construiu ali o seu palácio, o seu centro administrativo e o Templo.
Além disso, construiu “cidades-armazém” como também “as cidades para os
seus carros de guerra e cidades para seus cavaleiros” em todo o seu território
(1 Reis 9.19).
Em parceria nos negócios com Hirão, rei da Fenícia, Salomão possuía uma
frota de navios que viajava com a frota de Hirão, que, a cada três anos, voltava
trazendo riquezas minerais e animais exóticos (1 Reis 10.22). Em terra, Salomão
possuía “mil e quatrocentos carros e doze mil cavalarianos” (1 Reis 10.26). Seu
tino comercial está retratado no texto bíblico: “Os cavalos de Salomão vinham
do Egito e da Cilícia; e comerciantes do rei os recebiam da Cilícia por certo
preço. Importava-se, do Egito, um carro por seiscentos siclos de prata e um
cavalo por cento e cinquenta; nas mesmas condições, as caravanas os traziam
e os exportavam para todos os reis dos heteus e para os reis da Síria” (1 Reis
10.28-29).
|| 38 WRIGHT, Ernest G. Biblical Archaeology. Philadelphia: The Westminster Press, 1960, p. 75.
66 Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista
|| 39 DAVIES, Graham I. King Solomon’s Stables still at Megiddo? Biblical Archaeology Review 20 (January/February
1994): 45-49.
|| 40 DAVIES, Graham I. King Solomon’s Stables still at Megiddo? Biblical Archaeology Review 20 (January/February
1994), p. 49.
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 67
|| 41 DeVAUX, Roland. Instituições de Israel no Antigo Testamento. Daniel de Oliveira, trad. São Paulo: Editora
Teológica, 2003, p. 356.
68 Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista
|| 42 KENYON, Kathleen M. Digging up Jerusalem. London and Tombridge: Ernest Benn, 1974, p. 114-115.
|| 43 SHANKS, Hershel. Is this Inscription Fake? You Decide. Biblical Archaeology Review 33 (September/October,
2007): 67-69.
|| 44 AHARONI, Yohanan. The Archaeology of the Land of Israel. Anson F. Rainey, trad. do hebraico. Miriam Aharoni,
ed. Philadelphia: Westminster Press, 1982, p. 60, passim.
|| 45 HERZOG, Ze`ev, AHARONI, Miriam e RAINEY, Anson. Arad: an Ancient Israelite Fortress with a Temple to
Yahweh. Biblical Archaeology Review 13 (March/April, 1987), p. 16-35.
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 69
a) Megido
Megido se localizava numa área geográfica estratégica. Por ela passavam
duas estradas importantes, uma comercial e outra militar. Uma subia de
Jerusalém e ligava a Palestina com a costa mediterrânea; a outra, a Via Maris,
iniciava no Egito e seguia até o outro extremo do Crescente Fértil. Megido foi
habitada por mais de 3000 anos e possuía mais de 22 níveis de ocupação. Por
estar localizada numa área de convergência, Megido foi uma cidade rica em sua
história, revelando, no período cananeu, grande movimento de importação de
ouro e marfim trabalhado.
|| 46 Para uma análise mais ampla e profunda sobre a teologia do Templo, cf. HUMMEL, Horace D. The Word
Becoming Flesh: An Introduction to the Origin, Purpose, and Meaning of the Old Testament. St. Louis:
Concordia Publishing House, 1979, p. 135-139.
70 Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista
b) Hazor
As ruínas de Hazor ficam ao norte de Israel. Por ser a cidade mais setentrional,
vigiava lugares estratégicos, entre os quais o vale do lago Hulê. A cidade estava
dividida em duas partes. A colina propriamente, ou cidade alta, e a planície ou
cidade baixa. Grandes muros de terra protegiam a cidade baixa. A colina possuía
muralhas grandes e bem fortificadas, tornando Hazor uma cidade importante
Período do Ferro (1.200 a.C.-722) – Período Israelita: a Conquista 71
no contexto do Antigo Oriente Próximo. Por ter prestígio, a cidade era alvo de
constantes ataques.
Hazor é mencionada com frequência na Bíblia e fora dela. Quando os
israelitas liderados por Josué conquistaram Canaã, o rei de Hazor fez uma
coalizão com outros reis para se defrontar com o exército de Israel. O texto
bíblico diz que, depois de derrotar várias cidades, Josué capturou Hazor e a
queimou (Josué 11.1-13). Hazor é mencionada também nos arquivos de Mari.
Estes arquivos narram a história de caravanas que viajavam entre Hazor e a
Babilônia. Escritos cuneiformes encontrados no Egito dão conta de que havia
correspondência amistosa entre o faraó e o rei de Hazor.
A cidade de Hazor do tempo de Salomão só ocupava metade do cômoro
superior, uma área de 32 mil metros quadrados. A cidade era rodeada por
um muro de casamata e a entrada era feita por um portão também de seis
câmaras, similar ao de Megido, embora construído de pedras de campo bastante
rústicas.
c) Gezer
Já em Gezer, o portão de seis câmaras foi construído com grandes pedras do
campo, sendo usadas pedras de cantaria47 somente para as paredes de fachada. Um
muro de casamata, similar ao de Hazor, flanqueava o portão, mas provavelmente
não rodeava toda a cidade. O acesso à cidade era feito por um portão externo
oblíquo um pouco mais baixo que o portão principal construído de pedras de
cantaria e conectado a uma sólida muralha externa com suas torres de cantaria.
Como o ponto defensivamente mais frágil, o portão principal necessitava desse
reforço extra. Esse monumental sistema de fortificações persistiu até a conquista
de Israel pelos assírios.
|| 47 Pedra de cantaria é pedra de corte retangular uniforme em tamanho e forma, e assentada em fileiras
horizontais. Em geral postadas junto ao portão principal da cidade, eram colocadas regularmente ou como
a própria parede ou como revestimento de uma parede em alvenaria.
Atividade
Em geral, os filisteus são descritos na Bíblia como povo hostil ao povo de
Israel. A arqueologia apresenta um aspecto importante em que os filisteus se
destacaram. Indique que aspecto é esse e caracterize-o brevemente.
7
assíria de sítio. Ela tinha como objetivo proteger a muralha contra os aríetes e
prover uma defesa alternativa caso a muralha fosse rompida pelo inimigo. Os
esforços hercúleos para proteger Laquis falharam. Laquis foi tomada e queimada
e seus habitantes foram executados ou levados cativos.
Uma vez capturada Laquis, Senaqueribe concentrou seus esforços na
perseguição a Ezequias, rei de Judá, que estava em Jerusalém. O profeta
Isaías, conselheiro de Ezequias, assegurou ao rei que, não obstante o aparente
e invencível poderio militar de Senaqueribe, ele “não entrará nesta cidade,
nem lançará nela flecha alguma, não virá perante ela com escudo, nem há de
levantar tranqueiras contra ela” (2 Reis 19 32). Esta foi a palavra do SENHOR
por intermédio de Isaías, e assim aconteceu. Senaqueribe impôs pressão militar
na forma de sítio sobre Jerusalém, forçando Ezequias a se render e reconhecer
Judá como vassalo e a se submeter a pesados tributos. Mas Jerusalém não foi
atacada.
Daqui por diante, o relevo mural assírio fica em silêncio. As ameaças e o sítio
que Senaqueribe impõe sobre Jerusalém não obtiveram êxito. Senaqueribe, no
seu prisma deixado para a história, claramente reconhece que não conseguiu
conquistar Jerusalém.48 Por sua vez, o texto bíblico relata que o Anjo do SENHOR
dizimou grande parte do exército assírio e que Senaqueribe, ao retornar para
sua casa, foi morto pelos seus próprios filhos (2 Reis 19.35-37; 2 Crônicas 32.21;
Isaías 37.36-38). As palavras do profeta Isaías se cumpriram.
Passado pouco mais de um século, outro profeta judaíta, Jeremias, alerta de
que Yahweh, por causa da maldade dos habitantes de Jerusalém, permitiu que
os babilônios erguessem rampas contra a cidade e enchessem o seu interior
com cadáveres de homens (Jeremias 33.4-5). Este acontecimento ocorre em
587 a.C., quando Jerusalém é sitiada, tomada e incendiada e o povo de Deus é
levado cativo para a Babilônia.
|| 48 PRITCHARD, James, ed. Ancient Near Eastern Related to the Old Testament. Princeton, NJ: Princeton University
Press, 1969, p. 288 apresenta a versão de Senaqueribe: “Quanto a Ezequias... cerquei-o e conquistei 46 das
suas cidades fortemente muradas, além de incontáveis pequenas povoações em torno delas, por meio de
rampas de terra e máquinas de sítio, além de ataque de infantaria, escavações, invasões e escaladas. Levei
deles, contando como despojo, 200.150 pessoas de todas as posições, homens e mulheres, além de cavalos,
mulas, jumentos, camelos, gado e ovelhas. O próprio rei, confinei-o em Jerusalém, a capital do reino, como
passarinho na gaiola...”
Período Persa (587 a.C.) 79
pela cultura grega. O império foi dividido entre seus generais e a Palestina se
tornou o país-fronteira entre a dinastia selêucida da Síria e a ptolomaica do
Egito. Até o ano de 198 a.C., a Palestina foi controlada pelo Egito. Foi então que
os selêucidas assumiram o controle da Palestina e tentaram uni-la com a Síria
com uma cultura helenista, sob uma religião mista entre grega e síria, a língua
grega, literatura, esporte e modo próprio de vestir. O movimento atingiu sua
culminância com Antíoco IV, Epifanes, que tentou destruir o agora sim Judaísmo
e converter o templo de Jerusalém num templo pagão.
Historicamente, Epifanes é o primeiro monarca na história a empreender uma
perseguição religiosa. Seus decretos determinavam um fim às observâncias dos
festivais dos judeus como o sábado e a páscoa; proibia a circuncisão e ordenava
a queima de pergaminhos da Torá. Sob ameaça de pena de morte, proibiu
também sacrifícios no templo de Jerusalém. O pior: colocou uma estátua do
deus olímpico Zeus e ordenou o sacrifício de um porco no altar do templo. Este
processo desencadeou a revolta dos macabeus, fazendo com que o século II a.C.
se tornasse um tempo bastante trágico e sangrento.
O período dos selêucidas deixou mausoléus em estilo helenista com capitéis
coríntios. Em Samaria as antigas muralhas foram reconstruídas com uma série
de torres helenistas arredondadas. Uma fortaleza com muro de mais de quatro
metros de espessura fazia parte da defesa na guerra dos selêucidas contra os
macabeus. Gezer foi fortificada pelos macabeus e, ao redor de 140 a.C., uma
inscrição em pedra fora da cidade determinava a distância em que se podia
caminhar num sábado.
As mudanças que ocorreram desde a destruição de Jerusalém foram tantas
de maneira que eram poucas as reminiscências do tempo em que Israel era
dono do seu próprio campo. O que antes era comum, como lâmpadas, utensílios
e joias, agora mudou radicalmente. A arquitetura se helenizou e o país se
abasteceu de estrangeiros, alguns dos quais se tornaram famosos como filósofos
e historiadores. No ano de 37 a.C., a dinastia herodiana substituiu a macabeia e,
com Herodes, o Grande, a arquitetura e a cultura helenistas floresceram.
Alguns grupos procuraram manter certas tradições, costumes, cultura e
religião, distanciando-se do apego mais direto com a nova realidade. Redutos
distantes e quase inacessíveis foram criados. Do ponto de vista militar, o reduto
mais grandioso foi o construído em Massada ao sudoeste do mar Morto.
Período Persa (587 a.C.) 81
Massada é um monte escarpado com vista para o mar. Ali Herodes construiu
uma enorme fortaleza cercada com muros de 6 metros de altura, 3, 50 metros
de largura e 38 torres, cada uma com pelo menos 21 metros de altura. Na
extremidade norte, a única parte do local que fica à sombra durante a maior
parte do dia, Herodes mandou construir um palácio de três andares, suspenso
sobre um desfiladeiro.
O reduto mais representativo na relação com o texto bíblico se estabeleceu
nas cavernas de Qumran (Cumrã), a noroeste do mar Morto. As dependências
espartanas nesse retiro no deserto foram construídas, em parte, como uma
reação aos grandiosos projetos arquitetônicos de Herodes em Jerusalém. Aqui,
os essênios – devotos judeus separatistas – reconstruíram, ao redor de 4 a.C.,
um assentamento que seus predecessores haviam estabelecido em 31 a.C. Em
Qumran foram encontrados 227 textos hebraicos do Antigo Testamento. Estes
textos são conhecidos como manuscritos do mar Morto e são datados de 250
a.C., até a destruição de Qumran pelos romanos em 68 d.C. A maioria dos
textos do Antigo Testamento é fragmentária, mas há um pergaminho completo
do profeta Isaías com 7,30 metros de comprimento, que hoje se encontra no
museu de Jerusalém.
Atividade
A descrição abaixo é extraída do Prisma de Senaqueribe ao sitiar Jerusalém.
Na sua opinião, ele conquistou ou não Jerusalém? Aponte evidências no texto.
8.1 Jerusalém
A maior façanha de Herodes foi, sem dúvida, a reconstrução do segundo
templo, o de Zorobabel. Cerca de 20 mil homens, incluindo mil sacerdotes,
envolveram-se com a obra. A construção começou no décimo oitavo ano do
reinado de Herodes, e as estruturas principais, incluindo a plataforma, foram
concluídas ao redor do ano 9 a.C. Mas obras adicionais foram feitas e o complexo
todo ficou pronto no ano de 64 d.C., apenas 6 anos antes de os romanos arrasarem
o templo. Quando Jesus foi desafiado pelos fariseus: “Em 46 anos foi edificado
este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?” (João 2.20). A data do episódio
deve ter sido em 27/28 d.C.
As escavações feitas por Benjamin Mazar na década dos anos 1970 trouxeram
à luz fileira de enormes pedras trabalhadas na parte sudoeste da plataforma
herodiana. Estas pedras deixaram extasiados até os próprios discípulos de Jesus:
“Mestre! Que pedras, que construções!” (Marcos 13.1).
A área da plataforma foi dividida num pátio para os gentios e numa área
menor ao redor do templo propriamente. Numa pedra nesta parte interior,
advertências em grego e latim estavam postadas. Em 1871, uma cópia em
grego foi encontrada com a inscrição onde se alertava a que gentios não se
aproximassem da parte interna do templo sob pena de serem condenados à
morte.
Quando o apóstolo Paulo retornou a Jerusalém pela última vez, causou
alvoroço porque os judeus achavam que ele havia conduzido um gentio para
a área interna do templo, profanando o recinto (Atos 21.27-30). Sem dúvida,
o apóstolo estava se referindo a esta barreira quando mencionou a parede de
separação entre judeus e gentios – a parede que foi derrubada pela obra de Jesus
Cristo (Efésios 2.14).
Separação entre homens e mulheres não havia no culto do Antigo Testamento.
Este costume, ou, mais propriamente, esta cultura, impregnou-se no Judaísmo
ao tempo do Novo Testamento, e ele foi materializado no templo de Herodes.
O portão que separava o átrio das mulheres do átrio de Israel era decorado,
doado por Nicanor, um homem rico de Alexandria. No início do século passado,
Arqueologia e o Novo Testamento 85
8.2 Cesareia
Cesareia situa-se na costa do mar Mediterrâneo, a meio caminho entre Jope
e o monte Carmelo. Herodes levou doze anos para edificá-la, ou seja, de 25 a 13
a.C, aplicando ali o padrão romano de construção ortogonal e dedicando-a ao
imperador César Augusto. O historiador Flavio Josefo conta que Herodes quis
celebrar a inauguração de Cesareia com grande pompa, e para isso mandou vir
86 Arqueologia e o Novo Testamento
|| 49 JOSEFO, Flavio. História dos Hebreus. V. 5. Vicente Pedroso, trad. São Paulo: Editora das Américas, 1956, p. 97.
|| 50 BULL, Robert J. Caesarea Maritima: The Search for Herod’s City. Biblical Archaeology Review (May/June 1982):
24-40.
|| 51 LEVINE, L. I. Caesarea under Roman Rule. Leiden: Brill, 1975, p. 37.
Arqueologia e o Novo Testamento 87
8.3 Massada
Nas proximidades do mar Morto, num planalto em forma de diamante
nas montanhas da Judeia, há uma arquitetura que desafia a imaginação de
arqueólogos, peregrinos e turistas. Dois palácios foram construídos por Herodes,
o Grande, nessa fortaleza natural no final do século I d.C. Herodes andava em
busca de um lugar tranquilo no deserto não para purificação ou meditação, mas
para fugir das intrigas e ameaças dos seus subalternos, que com justa razão o
odiavam.
O palácio do setor norte consistia de apartamentos em três níveis ornamentado
com colunatas. Atrás do palácio, no alto do morro, havia uma casa de banho
no estilo romano com câmaras quentes, mornas e frias. Havia uma sinagoga e
também armazéns, alguns dos quais foram escavados e outros deixados como
ilustrações para a história.
Durante a primeira revolta dos judeus contra os romanos em 66-70 d.C., a
fortaleza de Massada foi tomada pelos judeus zelotes. Ali resistiram aos romanos
até três anos após a queda de Jerusalém. A fortaleza foi tomada, mas apenas
depois de um longo sítio. As dificuldades para se escalar Massada eram enormes,
porque o acesso só era possível por meio de uma vereda estreita e íngreme
chamada “Caminho da Serpente”. O general romano Silva conseguiu romper as
muralhas na parte superior do planalto depois de construir uma enorme rampa
de terra no lado oeste da fortaleza. Só então os romanos conseguiram lançar
tochas de fogo para dentro do reduto zelote. Em vez de se render, os zelotes
cometeram suicídio coletivo deixando como despojo aos romanos apenas um
local sem vida e deserto. Duas mulheres, que haviam se escondido, viveram para
contar a façanha narrada pelo historiador Flávio Josefo.
Recentemente, os arqueólogos Ehud Netzer e Guy Stiebel, do Instituto de
Arqueologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, retomaram as escavações
em Massada, que foram dirigidas por Yagel Yadin na década de 1960. Numa das
últimas empreitadas arqueológicas ali, Netzer e Stiebel desenterraram a primeira
inscrição já encontrada com o título completo de Herodes. Sua descoberta dá
substância à realidade histórica deste rei e de sua dinastia, que figuram na vida
88 Arqueologia e o Novo Testamento
8.4 Séforis
Surpreendentemente, a Galileia ficou imune a essa desvairada tendência
romanizante de Herodes. Depois da morte dele, seu filho Antipas iniciou a
romanização da Galileia com um projeto de reconstrução em Séforis, a capital
da Galileia.
Em 363 A.D, um terremoto destruiu a cidade romana de Séforis. Embora
desastroso para os habitantes da Galileia, ele foi crucial para a preservação de
um assoalho de mosaico numa das vilas da cidade. Removendo os entulhos
dezesseis séculos mais tarde, os arqueólogos descobriram essa mansão romana
com um triclinium, ou seja, uma sala de jantar, com o mosaico que retratava ritos
dionisianos. Um teatro escavado na rocha a nordeste do sítio é uma das grandes
belezas de Séforis e que acomodava 4.500 espectadores sentados. O setor leste
da cidade é ortogonal, com um cardo margeado por colunatas. No lado norte há
uma exuberante estrutura com cerca de 40m x 60m que provavelmente servia
como mercado. Suas fundações eram herodianas.
Embora o evangelista Mateus atribua significado teológico ao retorno de Jesus
e seus pais a Nazaré após a morte de Herodes (Mateus 2.13), as oportunidades
econômicas na área possibilitadas por tão ousados projetos arquitetônicos
podem ter empolgado um construtor como José. Mas evidências textuais ou
arqueológicas de que José trabalhou em Séforis e que Jesus o tenha ajudado não
foram encontradas.
Não obstante, arqueólogos como James F. Strange e Richard A. Batey, que
escavaram Séforis, admitem que Jesus tenha frequentado o teatro assistindo a
|| 52 NETZER, Ehud. In the Name of the King. Eretz 48 (September/October, 1996): 66.
Arqueologia e o Novo Testamento 89
dramas clássicos e comédias. Para eles o termo “hipócrita”, por exemplo, que
originalmente significa um “ator”,53 seria empregado por Jesus para caracterizar
aqueles que usam a religião como um pretexto. Jesus faz uso do termo nada
menos que 17 vezes, enquanto o apóstolo Paulo não o emprega nenhuma vez. O
uso do termo por Jesus indicaria, para estes arqueólogos, uma familiaridade com
o teatro em Séforis.54 Afinal, a cidade ficava a apenas uma hora de caminhada de
Nazaré, onde Jesus passou a sua infância. Séforis, entretanto, não é mencionada
nos evangelhos.
Em sua conclusão, Batley afirma que “as contínuas escavações em Séforis têm
levantado a cortina para um ato seguinte no progressivo drama de Jesus que faz
dele o protagonista. O palco onde representou seu ministério é cosmopolitano
e sofisticado e sua compreensão da vida urbana foi mais relevante do que se
imaginava. O fato de que Jesus cresceu à sombra de Séforis, uma avançada
capital romana, lança nova luz sobre o homem e sua mensagem – luz que muda
a percepção de Jesus como simplesmente um homem rústico das remotas colinas
da Galileia. As pessoas a quem Jesus proclamou sua mensagem de esperança e
salvação – sejam judeus, gregos, romanos ou outros gentios – estavam lutando
por um significado na vida numa cultura onde tradições judaicas e valores
greco-romanos colidiam. Os ensinos de Jesus refletem uma consciência de vida
de cidade com sua audiência cosmopolita e ele aborda questões humanas que
são, curiosamente, contemporâneas”.55
Atividade
Explique por que Séforis, segundo a arqueologia, teria importância no
ministério de Jesus.
|| 53 No teatro grego, por não haver telão à disposição, os atores usavam máscaras para serem mais bem identificados
pelo público.
|| 54 BATEY, Richard A. Sepphoris: An Urban Portrait of Jesus. Biblical Archaeology Review 18 (May/June 1992):
50-62.
|| 55 Idem, p. 62.
9
|| 56 ALBRIGHT, W. F. The Teacher’s Yoke. E. J. Vardaman, ed. Waco: Baylor University Press, 1964, p. 29.
92 Arqueologia e o Novo Testamento
|| 57 RAMSEY, W. M. The Bearing of Recent Discovery on the Trustworthiness of the New Testament. Grand Rapids:
Baker, 1953.
Arqueologia e o Novo Testamento 93
de Felipe, fundadas por ele, são exemplos dessa visão. Os zelotes sobrepunham
as suas inscrições nas moedas romanas com palavras de ordem ou lemas que
instigavam o povo à independência.
No Novo Testamento, a moeda mencionada com mais frequência é o denário,
que equivale ao pagamento de um dia de trabalho. A moeda com a imagem de
César apresentada a Jesus (Mateus 22.19-21) trazia provavelmente a efígie ou
de Tibério ou de Augusto.
Atividade
Leia Mateus 22.19-21. Veja a imagem abaixo. Ele apresenta uma moeda
romana do tempo de Jesus. Analise-a e diga se uma moeda com tais características
poderia ser a que apresentaram a Jesus naquela ocasião.
Arqueologia e Jesus
O cristianismo é uma religião histórica. Fundamenta-se em fatos, pessoas
reais e eventos que fazem parte de um passado real. Há mais de vinte séculos
Deus é tangível, visível no mundo na pessoa e obra de Jesus Cristo. Ao contrário
de outros personagens religiosos, Jesus não é um mito, mas uma personalidade
histórica como César Augusto, em cujo reino ele nasceu.
evangelista Lucas (Lucas 2.2). Houve realmente um censo? Paul Maier chama a
atenção que quando César Augusto morreu, ele foi enterrado no seu mausoléu,
junto ao rio Tiber, onde mandou colocar um par de placas de bronze em frente
a este mausoléu listando de 30 a 35 coisas pelas quais queria ser lembrado na
posteridade. O item de número 8 diz assim: “Realizei um censo do império por
três vezes”.58
No Egito foram encontrados papiros com registro de censos. Um destes, que
se acha na Universidade de Michigan, fala de um homem que está registrando a
sua família mais ou menos nestes termos: “Para Ptolomeu, secretário municipal,
de Horos, o filho de Horos... Sua mãe é Horius, me registro a mim mesmo e
os de minha família, para o censo de casa em casa do segundo ano passado de
Hadriano César, nosso imperador... Sou Horos, mencionado anteriormente,
lavrador de terras estatais, de 48 anos de idade, com uma cicatriz na minha
sobrancelha esquerda”.59 O imperador Hadriano César governou de 117 a 138.
Como se vê, censos não eram coisa nova. Lucas, um detalhista, não está relatando
algo que seja extraordinário, mas conhecido.
10.2 Belém
Ao examinar acontecimentos relacionados à vida de Jesus, muitas vezes
dependemos de relatos ou tradições posteriores. No ano 70 d.C., Jerusalém
foi destruída por Tito e depois mais uma vez por Hadriano em 135, que fez da
cidade a Aelia Capitolina – proibida para judeus e cristãos de origem judaica.
Mas uma comunidade cristã gentílica havia se estabelecido em Jerusalém nesse
período.
A tradição de que Jesus havia nascido numa gruta em Belém remonta ao
tempo de Justino, o Mártir, que nascera em Samaria ao redor do ano 100.
Jerônimo, que traduziu a Vulgata, morou numa gruta adjacente a Belém em 385.
Ele nos informa que Hadriano dessacralizou a gruta da Natividade consagrando
uma alameda a Tamuz-Adônis e que Helena, mãe de Constantino, construíra
uma igreja no local em 326. A Igreja da Natividade que hoje ali se encontra é
|| 58 MAIER, Paul L. Jesus: verdade ou mito? Paulo R. Warth, trad. São Paulo: Cristo para Todas as Nações, 2007,
p. 43-44.
|| 59 Idem, p. 44-45.
Arqueologia e Jesus 97
uma basílica construída por Justiniano, no século VI. Investigações feitas nas
décadas de 1930 e 1940 trouxeram à luz um piso de mosaicos abaixo do piso
atual, que remonta à igreja do tempo de Constantino.
10.3 Nazaré
Nazaré é a cidade onde Jesus passou a sua infância. Nazaré não é mencionada
no Antigo Testamento, no Talmude e nem em Josefo. Curiosamente, uma
igreja construída no local bem como a expansão urbana comprometem os
remanescentes arquitetônicos de Nazaré. A vila fica próxima a uma fonte, mas
o que permanece são algumas cisternas, silos, lagares esculpidos na rocha e
pequenas cavernas. Uma torre e terraços na colina foram encontrados. Cacos de
cerâmica, pedras de moinho, artigos domésticos e fragmentos de utensílios de
pedra foram recuperados. Não há evidência de cerâmica importada, mármore
ou edifícios públicos.
Túmulos romanos e bizantinos limitam o tamanho da vila a 4 hectares e a
população não deve ter ultrapassado a 400 pessoas.60
10.4 Cafarnaum
Escavações têm sido realizadas recentemente na região da Galileia e de
Golã. Cafarnaum é uma das cidades mais importantes e arqueologicamente
representativas da área. A cidade é bastante conhecida pela descoberta da
sinagoga branca do século V d.C. e a basílica octogonal do período Bizantino,
que cerca a suposta casa de Pedro. A vila como tal parece que se estendia por
cerca de 400 a 500 metros na orla do mar da Galileia e por 250 metros na
direção do continente. O tamanho da vila era cerca de 10 a 12 hectares, embora
os limites exatos não se possam dimensionar, visto que a cidade não possuía
muralhas externas.
A construção doméstica valia-se de pedras basálticas. As casas possuíam
pátios cercados por pequenos cômodos, como demonstra a reconstrução da
casa de Pedro. Nos pátios havia fogões; escadas davam acesso ao teto das casas
|| 60 STRANGE, James. “Nazareth”. In Anchor Bible Dictionary. V. 4. David Noel Freedman, ed. New York; Doubleday,
1992, p. 1050-51.
98 Arqueologia e Jesus
bizantina Eudócia (ca. de 400-460 d.C.) para celebrar este milagre narrado no
Novo Testamento. Entretanto, o local exato do tanque como existiu no tempo
de Jesus permanecia um mistério até junho de 2004.
A prefeitura de Jerusalém precisou consertar tubos de canalização de água
ao sul do monte do Templo próximo à Cidade de Davi, quando duas grandes
pedras chamaram a atenção dos engenheiros. Os arqueólogos Rony Reich e Eli
Shukron foram chamados. A continuidade das obras atestou que as pedras faziam
parte de uma monumental piscina datada do período do Templo de Herodes, o
período em que Jesus andava em Jerusalém. As pedras tinham forma trapezoide
com a parte mais larga direcionada para o vale do Tiropeon. Há três conjuntos
de degraus em forma de cascata, cada um consistindo de quatro degraus.
A Piscina de Siloé:
como deve ter sido na
concepção de um artista,
fundamentado em recentes
pesquisas arqueológicas
em Jerusalém.
100 Arqueologia e Jesus
|| 61 SHANKS, Hershel. The Siloam Pool. Biblical Archaeology Review (September/October 2005): 16-23.
|| 62 Afresco é uma pintura decorativa feita com pigmentos aplicados em camada recente de gesso de cal, ainda
úmido.
|| 63 TZAFERIS, Vassilios. Crucifixion – The Archaeological Evidence. Biblical Archaeology Review 11 (January/
February 1985): 44-53.
Arqueologia e Jesus 101
|| 64 BROSHI, Magen. Evidence of Earliest Christian Pilgrimage to the Holy Land Comes to Light in Holy Sepulcher
Church. Biblical Archaeology Review 3 (December 1977): 42-44.
|| 65 BARCLAY, Gabriel. The Garden Tomb: Was Jesus Buried Here? Biblical Archaeology Review 12 (March/April
1986): 40-53, 56-57.
102 Arqueologia e Jesus
|| 66 BRUCE, F. F. New Testament History. Garden City, NY: Doubleday, 1972, p. 300-303.
Arqueologia e Jesus 103
no paleo-hebraico tinha forma de uma cruz – como marca dos que eram fiéis
ao SENHOR (cf. Ezequiel 9.4).
Entretanto, em ao menos um caso da Dominus Flevit a inscrição parece ser
o símbolo Chi-Rho, correspondente ao português com um “P” maiúsculo e um
“X” maiúsculo sobreposto a ele, comum hoje na liturgia cristã. O símbolo indica
“Cristo” ou “Cristão”. Num outro ossuário há a inscrição de um monograma das
letras gregas Iota, Chi e Beta, uma abreviação, quem sabe, para a frase “Iesous
Christos Boethia” ou seja, “Jesus Cristo, Ajuda!”.67
Recentemente, o filólogo francês André Lemaire anunciou a descoberta de
um ossuário datado do século I d.C. A peça estava em poder de um colecionador
de antiguidades, em Jerusalém. Trabalhado em pedra, o ossuário mede 50cm de
comprimento, 25cm de largura e 30cm de altura. Mas o que chama a atenção
dos arqueólogos é a inscrição em aramaico que se encontra no lado externo
da urna funerária: “Yakov, bar Yosef, Akhui di Yeshua” (“Tiago, filho de José,
irmão de Jesus”).68 O achado tem provocado muita polêmica com respeito à sua
autenticidade, mas há fortes indícios de que o Jesus mencionado seja o mesmo
dos evangelhos.
Há um outro grupo de ossuários menos famoso do que o de “Tiago,filho de
José, irmão de Jesus”, mas que pode estar relacionado a Jesus e seu sofrimento.
Segundo Tom Powers, tais ossuários pertencem à família de Simão, o Cirineu.
– o homem que ajudou Jesus a carregar a cruz a caminho do Calvário (Mateus
27.32; Marcos 15.21; Lucas 23.26). “Alexandros Simon” – “Alexandre, (filho) de
Simão” lê-se na inscrição. Interessante que o evangelho de Marcos relata que
Simão de Cirene tinha um filho de nome Alexandre: “E obrigaram a Simão
Cireneu, que passava, vindo do campo, pai de Alexandre e de Rufo, a carregar-
lhe a cruz” (Marcos 15.21).
Na urna a inscrição está em grego e hebraico; em hebraico se lê: “Alexander
QRNYT”. O significado de qrnyt não é claro, mas é possível, segundo Powers,
que quem gravou o nome cometeu um pequeno erro e sua intenção era escrever
qrnyh – termo hebraico para “Cireneu”.69
|| 67 FINEGAN, J. The Archaeology of the New Testament. Princeton: Princeton University press, 1969, p. 248-49.
|| 68 LEMAIRE, Andre. Burial Box of James the Brother of Jesus. Biblical Archaeology Review 28 (November/December
2002): 24-28.
|| 69 POWERS, Tom. Treasures in the Storeroom: Family Tomb of Simon of Cyrene; Carried Jesus’ Cross. Biblical
Archaeology Review 29 (July/August 2003): 50.
104 Arqueologia e Jesus
Conclusão
A arqueologia não fornece nem ousa fornecer dados que informem quem
foi Abraão, Moisés ou Jesus nem o que eles disseram. Entretanto, o que ela faz é
desafiar o intérprete bíblico a contextualizar a Escritura, a ouvi-los pelas vielas
das cidades e vilas, entre o cheiro da vida doméstica agrária, junto às águas
frescas dos lagos e rios e até mesmo entre o luxo da alvenaria romana. A vida e
obra dos patriarcas, profetas e de Jesus estão entrelaçadas com este mundo real e
não com uma fantasia espiritual. É nesse contexto histórico e geográfico que em
Jesus Deus se faz homem com a finalidade única de realizar a obra da salvação
em benefício da humanidade. Para expandir esta mensagem, de repente até as
pedras começam a clamar...
Atividade
Considerando as descobertas arqueológicas em torno da vida e atividade
de Jesus, como:
a) O ossuário de “Tiago, filho de José, irmão de Jesus”.
b) Os ossuários pertencentes à família de Simão, o Cirineu.
c) O ossuário de “Caifás” e “José, filho de Caifás”.
Qual desses, na sua opinião, deveria ser considerado o mais importante e
por qual motivo?
Referências
AHARONI, Yohanan. The Archaeology of the Land of Israel. Anson F. Rainey,
trad. do hebraico. Miriam Aharoni, ed. Philadelphia: Westminster Press,
1982.
ALBRIGHT, W. F. The Teacher’s Yoke. E. J. Vardaman, ed. Waco: Baylor
University Press, 1964.
________. The Archaeology of Palestine. Harmondsworth: Penguin Books,
1960.
AVI-YONAH, Michael. Archaeology. Jerusalem: Keter, 1974.
BRUCE, F. F. New Testament History. Garden City, NY: Doubleday, 1972.
BUTTRICK, George Arthur, ed. The Interpreter’s Dictionary of the Bible. V. 2.
Nashville: Abingdon Press, 1962.
CHARLES-PICARD, Gilbert. Encyclopedia of Archaeology. New York:
Larousse and Co., Inc., 1984.
COOK, Randall. Jerusalém nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova,
1992.
CURRID, John. Arqueologia nas terras bíblicas: um manual destinado a
despertar o interesse e a paixão pelo tópico. Trad.: Meire Portes Santos. São
Paulo: Cultura Cristã, 2003.
DANIEL-ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida
Nova, 1990.
108 Referências
Periódicos
Biblical Archaeologist (American Society of Oriental Research)
Biblical Archaeology Review
Bibliotheca Orientalis
Journal of Near Eastern Studies
Near Eastern Archaeology
National Geographic: Brasil
110 Referências
Sites interessantes
http://www.bible-history.com/empires/megiddo_seal.html (amostra de
escavação em sítio específico)
http://www.bridgesforpeace.com/bfpfood.htm (traz os mais recentes relatos
arqueológicos em Israel)
http://www.christiananswers.net/abr/abrhome.html (relatos de escavações
realizadas pela Associates for Biblical Research)
http://www.britishmuseum.org (pesquisa, material e fotos de arqueologia
no AOP)
http://www.bible.ca