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Breves notas sobre a literatura de Gonçalo M.

Tavares (texto lido na Apresentação de Atlas do


Corpo e da Imaginação, de Gonçalo M. Tavares).1

Pedro Corga – pedrocorga@gmail.com2

Em 2010, no seguimento da publicação de Uma Viagem à Índia, Gonçalo M. Tavares


afirma, em entrevista a Carlos Vaz Marques: “O que me interessa muito é tentar alcançar cantinhos
do mundo que só se conseguem perceber com formas de escrever diferentes” (Tavares, 2010c: 31).
É precisamente essa posição (ou essas mudanças de posição) que o escritor tem vindo a sustentar
desde o primeiro momento do seu percurso literário, iniciado com a publicação de Livro da Dança
em 2001 e que conta já com 33 publicações, muitas distinções, prémios e nomeações, nacionais e
internacionais, entre os quais o Prémio LER/Millennium BCP 2004, o Prémio José Saramago
2005 e o Prémio Portugal Telecom de Literatura 2007 (Brasil), com o romance Jerusalém
(Tavares, 2004); o Prémio do melhor livro estrangeiro em França em 2010 para outro romance
da sua Tetralogia O Reino, Aprender A Rezar na Era da Técnica (Tavares, 2007); obras da sua série
O Bairro como O Senhor Válery (Tavares, 2002) e O Senhor Kraus (Tavares, 2005) foram
vencedoras do Prémio Branquinho da Fonseca/Fundação Calouste Gulbenkian e o Prix
Littéraire Européens 2011, "Étudiants Francophones" (França), respectivamente; com Uma
Viagem à Índia (Tavares, 2010), o autor já foi distinguido por cinco ocasiões, incluindo o Prémio
Melhor narrativa Ficcional 2010 da Sociedade Portuguesa de Autores, GRANDE PRÉMIO
ROMANCE E NOVELA da Associação Portuguesa de Autores - 2011, Prémio Fernando
Namora/Casino do Estoril - Melhor Livro Ficção 2011, e o Prémio Portugal Telecom (Brasil,
2011). Todos estes prémios, todas as mais de 250 traduções em curso, em cerca de 45 países são
prova da aceitação global de um escritor absolutamente ímpar no panorama literário, já não apenas
português ou europeu, mas mundial. E todas as iniciativas, reacções e criações que surgiram e vão
surgindo a partir das suas obras um pouco por todo o mundo dizem muito da sua escrita
absolutamente universalizante.
No seu primeiro Livro da Dança (Tavares, 2001) encontramos uma dimensão absolutamente
central em Gonçalo M. Tavares: a dimensão de literatura como investigação, que o vai levar, nos
projectos literários seguintes, a experimentar “formas de escrever diferentes” (Tavares, 2010c: 31)
com as quais vai procurando alcançar os “cantinhos do mundo” (Ibid.: 31) também eles diferentes.
1 Local: Auditório da Livraria da Universidade de Aveiro, 18 de Dezembro de 2013 (19:00). Mais informações sobre o evento:
http://uaonline.ua.pt/pub/detail.asp?c=36318
2 Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e Culturas – Aveiro, Portugal (Doutorando em Estudos Culturais)
1
Como afirma o autor em entrevista a propósito de Livro da Dança, “a poesia pode ser um método
de investigação, de obtenção de conhecimento, cujo principal material é a linguagem” (Tavares,
2002). O resultado é uma escrita que “hesita entre a perfeição e o desastre” (Tavares, 2001: 29),
para citar um fragmento presente no livro.
No âmbito dessa sua visão de literatura como investigação, importa igualmente colocar em
destaque a faceta ensaística sempre presente na sua ficção, tomando a palavra “ensaio” quer na sua
acepção genológica, que entende o género como híbrido, quer como sinónimo de “experiência”,
“tentativa”, “treino”, “repetição”, “método” ou “esboço”. Em A Colher de Samuel Beckett e outros
textos (Tavares, 2003), a única narrativa incluída sob a designação de Teatro, a palavra “ensaio” é
tomada como “acção”, “movimento” - e é o texto que ensaia, que experimenta e que faz mover.
Como nos diz uma passagem dessa obra, “Toda a literatura é assunto de letras paradas fazerem ou
não as coisas do mundo moverem-se” (Tavares, 2003, 61). Como vemos, encontramo-nos na
presença de um autor que não dá demasiada importância à demarcação por género, uma vez que
procura precisamente o hibridismo e afasta os seus livros desses rótulos demasiadamente redutores
para aquilo que pretende com a sua escrita. A própria arrumação e catalogação das suas obras
(também sempre sujeita a alterações) dá conta de isso mesmo: para além de Investigações, existem
Canções, Poesia, Teatro, Histórias, Short Movies, Arquivos, Enciclopédia, Cidades, Bloom
Books, Epopeia, O Reino, O Bairro e, mais recentemente, Atlas. A diversidade que está na base
desta divisão revela a intenção clara do autor em pensar a literatura para além do género (ou em não
pensar sequer no género) e espelha a própria natureza híbrida dos seus textos, num universo
literário em permanente reconstrução e movimento e no qual as obras se ligam umas à outras por
meio de linhas que, como afirma o autor, quando cruzadas formam um desenho que “se vai
construindo aos poucos” (Tavares, 2011: 23).
Esta imagem dos pontos que unem linhas que formam desenhos, para além de se relacionar
com a sua forma de pensar e criar através de ilustrações e esquemas, como é exemplo o design do
projecto da série O Bairro, revela-nos outra característica fundamental da escrita de Tavares: a sua
visão sobre as ligações e a oposição entre os mundos do “e” e do “ou”. De facto, Gonçalo M.
Tavares é absolutamente a favor do “e” e absolutamente contra o “ou”. Com efeito, apesar das
diferenças entre projectos como O Bairro e O Reino, ou entre livros como Animalescos, mais
instintivo, e este último Atlas do Corpo e da Imaginação, mais reflexivo, existem sempre linhas que
estabelecem ligações, como por exemplo o uso da ironia e do humor, elementos que nunca
abandonam a sua escrita, embora possam surgir com contornos ligeiramente diferentes de livro para
livro. Assim, por exemplo, em Uma Viagem à Índia deparamo-nos com uma ironia e um humor
que, muitas vezes, “deslocam e boicotam a tensão” (Tavares, 2010b), reservando a distância
necessária para uma observação vigilante, particularmente no caso do seu protagonista, Bloom. É

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claro que nos romances de O Reino ou em em certas narrativas de Matteo Perdeu o Emprego
(Tavares, 2010) ou de Short Movies (Tavares, 2011) não existe esse boicote da tensão nem o humor
presente na série O Bairro, série mais lúdica que nos traz as histórias de seus moradores,
personagens criadas a partir de traços distintivos de grandes autores da literatura e cultura mundiais,
como é o caso de O Senhor Calvino (a partir do escritor Italo Calvino) ou O Senhor Brecht (a partir
do poeta e dramaturgo Bertolt Brecht). Nos romances de O Reino, em especial, a ironia aparece
ligada a uma visão mais desencantada, mais descrente e menos ingénua do mundo contemporâneo,
herdeiro do século XX em que o melhor do homem caminhou de mãos dadas com a sua capacidade
para praticar o mal.
Relativamente a esta questão da memória do século XX, existe uma passagem do episódio
do documentário O tempo e o modo que conta com a participação do escritor, no qual este utiliza o
termo “humanesco” (Tavares, 2012) para qualificar o que considera “repelentemente humano”
(Tavares, 2012): “a utilização da nossa inteligência, para a violência” (Tavares, 2012), como no
caso dos acontecimentos brutais que definiram a história do século XX. E isto, diz Gonçalo M.
Tavares, mostra-nos claramente que é errada a ideia de que a inteligência se encontra associada
exclusivamente à bondade. E é por isso também, alerta, que temos que estar vigilantes, não só em
relação à potencial maldade de outros, mas também em relação à nossa própria tendência para o
mal, de modo a que esses momentos catastróficos do século passado não voltem a acontecer. É
exactamente essa reflexão que encontramos de forma mais consistente nos romances da série O
Reino: em relação à violência humana, ao medo e ao poder da máquina que domina o mundo do
homem (como os tanques de guerra que invadem a cidade) - este temas são, pois, o substrato
temático deste romances, que deixam de lado o mundo lúdico, alegre e utópico de O Bairro e nos
trazem uma visão mais crua da realidade que, segundo afirma Luís Mourão, “nos olha e pensa onde
não nos queremos olhar nem pensar” (Mourão, 2011: 61). Aproveitando esta afirmação, importa
referir que é justamente esta a intenção de Gonçalo M. Tavares: escrever livros que pensem e que
estimulem o pensamento, provocando a reflexão. A literatura deve, segundo Tavares, ocupar esse
espaço, que é o espaço da lucidez. Mais: deve “aumentar a lucidez” (Tavares, 2007) de quem lê,
incitando à reflexão e à reacção, nomeadamente através de outras criações, como acontece com
muitas das suas obras. Esta é uma ideia muito forte em Gonçalo M. Tavares. De acordo com esta
visão, o livro poderá, então, auxiliar o leitor no treino da lucidez, como se de um músculo se
tratasse - isto porque uma postura lúcida é importantíssima, depois de um século XX que nos
revisita tantas vezes e nos alerta para o potencial destrutivo da maldade humana.
A sua predilecção pelo fragmento, pela narrativa breve, o seu estilo limpo e claro, pleno de
linguagem aforística e alegórica, contribuem também para essa distinta característica de lucidez da
escrita de Gonçalo M. Tavares. O autor afirma preferir este tipo de linguagem “quase bíblica”

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(Tavares, 2010a: 9), sem floreados ou como ele próprio diz, sem “fogos-de-artifício” (Tavares,
2013: 10), preferindo que a mesma seja clara e despojada de todos os elementos que considera
supérfluos. Deste modo, essas frases limpas e lúcidas procuram desvendar o aparentemente simples
do que existe em nós e à nossa volta, devolvendo-lhe a complexidade escondida de uma forma
limpa mas que provoca sempre reflexão e reacção.
Relacionado com o exercício da lucidez pela leitura encontra-se a ideia do autor segundo a
qual o livro é “uma máquina da lentidão” (Tavares, 2011a), no sentido em que se opõe à velocidade
desenfreada do mundo quotidiano como nenhuma outra. Para Gonçalo M. Tavares, o livro impõe
um outro ritmo e o direito a esse ritmo mais lento é fundamental para se conservar a lucidez num
mundo que gira a toda a velocidade, muito por culpa da tecnologia, cuja lógica Tavares define como
“opressora” (Tavares, 2010c: 84) e “violenta” (Tavares, 2010c: 84). Através da lentidão que acto de
leitura pede estamos, então, a treinar a nossa lucidez. Intimamente relacionado com a questão de
treino da lucidez através da adaptação à lentidão que o livro exige encontra-se a ideia, também
importantíssima em Gonçalo M. Tavares, de aprender a “lidar com o tédio” (Tavares, 2010c: 84) no
mundo contemporâneo. Uma vez mais nos voltamos para a velocidade excessiva do quotidiano e
para as chamadas actividades antitédio, que parecem fazer tudo menos eliminar esse estado de
desânimo contemporâneo que se sente com cada vez mais intensidade. Em Uma Viagem à Índia,
obra na qual a questão do tédio é brilhantemente explorada pelo autor, Bloom diz-nos: “Não sou
indiferente às repetições, suporto melhor o tédio/ que certas aventuras desnecessárias./ Não estou,
pois, obcecado por novidades./ Porém não suporto que, em mim, a não surpresa já não me
surpreenda” (Tavares, 2010: 104). A chave é então, segundo Gonçalo M. Tavares, aprender a lidar
com o tédio, uma vez que, segundo o autor, os momentos que ele nos proporciona constituem “uma
matéria fundamental” (Tavares, 2010c: 84) que devemos saber aproveitar. Ao debruçarmo-nos sobre
a leitura, estaremos então a abrandar o ritmo caótico do nosso quotidiano e a treinar a lucidez - e
essa lucidez passa também por uma maior compreensão do tédio contemporâneo, segundo a visão e
Gonçalo M. Tavares.
Para terminar, e regressando ao ponto inicial da minha intervenção, em que comecei por dar
conta da curiosidade investigativa da escrita de Gonçalo M. Tavares, gostaria de citar uma
passagem de um poema presente no seu livro de poesia 1: “Entre a possibilidade de acertar muito,
existente/ Na matemática, e a possibilidade de errar muito,/ Que existe na escrita (errar de errância,
de caminhar/ Mais ou menos sem meta) optei instintivamente/ Pela segunda. Escrevo porque perdi
o mapa” (Tavares, 2004: 163). Este poema é, de facto, ilustrativo da sua concepção de escrita como
caminho em busca do que ainda não se conhece, em busca do sempre novo, experimentando o erro
através do desafio que se segue. E ainda sobre o erro, regressemos à sua primeira publicação, Livro

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da Dança: “errar e avançar, não é errar: é avançar; errar e corrigir não é corrigir: é errar”. E por
último, em Uma Viagem à Índia, e avançando para 2010, afirma-se, acerca do protagonista:

Bloom procurava o insólito que não


sendo acontecimento mudo ou ruído, sendo
sítio, obriga a caminhar. Se o que procuro
chegasse à minha cadeira,
para que me serviriam os sapatos? Mas é já
um conhecimento clássico: acontecimentos novos
existem em espaços novos, e não em antigos.
Não deixes que a tua cadeira confortável prejudique
a tua curiosidade.
(Tavares, 2010: 54)

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Referências bibliográficas

MOURÃO, Luís (2011). “O romance-reflexão segundo Gonçalo M. Tavares”, in Diacrítica, Revista


do Centro de Estudos Humanísiticos (nº 25/3 - 2011) Série Ciências da Literatura, Braga:
Universidade do Minho.

TAVARES, Gonçalo M. (2001). Livro da Dança, Lisboa: Assírio & Alvim.

TAVARES, Gonçalo M. (2002). “Poesia ou um mapa de cicatrizes” - entrevista a Ana Marques


Gastão, in Diário de Notícias, 21 Janeiro 2002. Disponível em:
http://puxapalavrainextenso.blogspot.pt/2005/01/gonalo-m-tavares-entrevista.html

TAVARES, Gonçalo M. (2003). A colher de Samuel Beckett e outros textos, Porto: Campo das

Letras.

TAVARES, Gonçalo (2004). 1, Lisboa: Relógio D´Água

TAVARES, Gonçalo M. (2007). “Ler para ter lucidez” - entrevista a Joca Terron, in Revista
Entrelivros, Setembro 2007. Disponível em:
http://www2.uol.com.br/entrelivros/artigos/entrevista_goncalo_m__tavares_-
ler_para_ter_lucidez-.html

TAVARES, Gonçalo M. (2010). Uma Viagem à Índia, Alfragide: Leya/ Editorial


Caminho.

TAVARES, Gonçalo M. (2010a). “Gonçalo M. Tavares - Uma epopeia mental” - entrevista a Luís
Ricardo Duarte e Maria Leonor Nunes, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 20 de Outubro - 2 de
Novembro 2010 (pp. 8-11)

TAVARES, Gonçalo M. (2010b). “Gonçalo M. Tavares - O romance ensina a cair” - entrevista a


Pedro Mexia, in Jornal Público, Suplemento “Ípsilon”, 27 Outubro 2010. Disponível em
http://ipsilon.publico.pt/livros/entrevista.aspx?id=268246

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TAVARES, Gonçalo M. (2010c). “Gonçalo M. Tavares” - entrevista a Carlos Vaz Marques, in
Revista LER, Dezembro 2010 (pp. 30-38, 84).

TAVARES, Gonçalo M, (2011). “Gonçalo M. Tavares” - entrevista a João Morales, in Revista Os


Meus Livros, Janeiro 2011 (pp. 23-24).

TAVARES, Gonçalo M, (2011a). “Não há nenhuma máquina idêntica ao livro” - entrevista a Sérgio
Oliveira, in Revista Babel/ livros do mundo, Jornal de Notícias, 25 Novembro 2011. Disponível em:
http://www.jn.pt/blogs/babel/archive/2011/11/25/quot-escrevo-apenas-o-que-quero-quot.aspx

TAVARES, Gonçalo M. (2012). O tempo e o modo. Gonçalo M. Tavares, documentário realizado


por Graça Castanheira. Disponível em: http://www.rtp.pt/programa/tv/p28865/e4.

TAVARES, Gonçalo M. (2013). “Gonçalo M. Tavares - Uma ficção que pensa” - entrevista a Luís
Ricardo Duarte e Maria Leonor Nunes, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 13 a 26 de Novembro
2013 (pp. 7-11)

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