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INTERDISCIPLINAR EM
SOCIOLOGIA E DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM SOCIOLOGIA E DIREITO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
7° Seminário
Interdisciplinar
em Sociologia e Direito
ISSN 2236-9651, n. 7
Niterói
2017
EDITORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO
Universidade Federal Fluminense
Rua Tiradentes 17, Ingá
24210-510 Niterói/RJ
+55 (21) 3674-7477
sociologia_direito@yahoo.com.br
Coordenador
NAPOLEÃO MIRANDA
Comissão Científica
Comissão Organizadora
Em 2017, completou-se 100 anos da Revolução Russa, um dos eventos políticos e sociais mais
importantes e significativos do Século XX. Sua carga simbólica, enquanto movimento revolucionário
que colocou, pela primeira vez na História, a classe trabalhadora no poder possibilitando a ela
promover as transformações econômicas, políticas e sociais que promoveriam a passagem do
capitalismo para o socialismo, teve imensa repercussão na história do século passado e no imaginário
das classes sociais em todo o mundo.
Nestes 100 anos, o mundo assistiu a uma nova guerra mundial, a muitas revoluções e tentativas de
revolução, ao uso da bomba atômica no Japão, a uma profunda transformação de suas estruturas
econômicas e sociais a partir da globalização e da internet, à reafirmação dos Direitos Humanos, à luta
e reafirmação das mulheres em busca de seus direitos, à luta contra o colonialismo e à luta pela
libertação nacional, em especial na África, na América Latina e na Ásia, além de uma profunda
transformação cultural que levou à valorização das diferenças culturais entre os povos do mundo,
assim como à reafirmação da diversidade como valor intrínseco das sociedades democráticas e da
cidadania.
A contribuição da Revolução Russa para todas essas transformações foi enorme, quando mais não seja
pelo estabelecimento de um exemplo histórico concreto de que, sim, é possível aos seres humanos
assumirem a responsabilidade pelo curso da História de cada sociedade existente.
Sua influência foi profunda, por exemplo, na luta dos trabalhadores em todo o mundo, por assegurar
seus direitos e definir uma Justiça do Trabalho voltada para a defesa dos trabalhadores na sua relação
com os empresários. Ainda na esteira desta influência sobre a história do Século XX, cabe lembrar o
importante papel da então União Soviética na delimitação dos Direitos Humanos Políticos, Sociais e
Econômicos na década de 1960, ampliando o rol dos Direitos Humanos até então centrados nos
direitos individuais.
Apesar de todas as dificuldades que enfrentou e dos grandes erros de condução política que levaram a
uma ditadura burocrática, altamente repressiva sobre a sociedade, a Revolução Russa permanece como
um dos momentos históricos mais importantes e transcendentes do Século XX. Ao colocar a
Revolução Russa de 1917 como tema central do 7° Sociologia e Direito, o PPGSD homenageia a todos
os trabalhadores em sua luta por um mundo melhor, menos desigual e mais solidário.
Napoleão Miranda
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
da Universidade Federal Fluminense
ÍNDICE
xii
DIREITO À TERRA: UMA ANÁLISE DA LUTA INDÍGENA CHIQUITANO .................... 265
MOREIRA DA COSTA, Loyuá Ribeiro Fernandes
COUTO, Larissa de Paula
xiii
GT07 - DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
O CERRADO BRASILEIRO E SUA INVISIBILIDADE NAS METAS DO ACORDO DE
PARIS: A OMISSÃO DO ESTADO COM O DESMATAMENTO NA “CUMEEIRA” DA
AMÉRICA DO SUL ....................................................................................................................... 404
BOLSON, Simone Hegele
MIRANDA, Napoleão
xiv
GT08 - NARRATIVAS DE CONTRADIÇÕES DE CLASSE E RELAÇÕES DE
DOMINAÇÃO
A ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA E SEU DOPPELGÄNGER: AS TENSÕES
ENTRE HEGEMONIA CAPITALISTA E RESISTÊNCIA NESTE RECORTE DO MUNDO
DO TRABALHO ............................................................................................................................ 567
PITA, Flávia Almeida
xv
O IMPACTO DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS ...................................................................................................................................... 701
LOPES, Monique Rodrigues
xvi
AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE: RETRATOS DE UMA PESQUISA SOBRE
A INSERÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS EM UMA FACULDADE PÚBLICA DE DIREITO
.......................................................................................................................................................... 875
SANTOS, Erli Sá dos
ALMEIDA, Matheus Guarino Sant’Anna Lima de
PACHECO, Heloisa de Faria
xvii
GT 15 - ENSINO JURÍDICO HOJE
O DIREITO E O ENSINO JURÍDICO SOB A PERSPECTIVA DE MICHEL MIAILLE E A
RECONFIGURAÇÃO DA CIÊNCIA JURÍDICA A PARTIR DAS OCUPAÇÕES DAS
ESCOLAS PÚBLICAS................................................................................................................. 1015
ABREU, Angélica Kely
xviii
Conferência de Abertura
CEM ANOS DE
TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS:
A Revolução de Outubro de 1917 e seu impacto
no Mundo Contemporâneo
EL DERECHO PENAL TRAS LA REVOLUCIÓN RUSA:
UN PARÉNTESIS DE 100 AÑOS
INTRODUCCIÓN1
1
El presente trabajo se inscribe en el proyecto de investigación “Responsabilidad penal de personas físicas y
jurídicas en el ámbito empresarial, económico, laboral y de los mercados (II)” (Referencia: DER2014-58546-R,
Ministerio de Economía y Competitividad), del que es investigador principal el Prof. Dr. Dr. h. c. mult. Diego-
Manuel Luzón Peña, Catedrático de Derecho Penal de la Universidad de Alcalá de Henares, así como también en
los proyectos de investigación “Las garantías penales como límite y guía en la solución de problemas penales
complejos: la necesidad de evitar atajos” (Referencia: DER2013-47511-R, Ministerio de Ciencia e Innovación) y
“Principios y garantías penales: sectores de riesgo” (Referencia: DER2016-76715-R, Ministerio de Ciencia e
Innovación) de los que es investigador principal el Prof. Dr. Dres. h. c. Miguel Díaz y García Conlledo,
Catedrático de Derecho Penal de la Universidad de León, y de cuyos equipos de trabajo formo parte. Este trabajo
fue presentado como ponencia de apertura del 7.º Seminário Interdisciplinar em Sociología e Direito (S&D 7),
celebrado en la Faculdade de Diereito, Universidade Federal Fluminense, Niterói (Brasil), los días 25 y 26 de
octubre de 2017. Quiero expresar mi agradecimiento al Profesor Napoleão Miranda, así como a los Profesores
Edson Alvisi Neves, Gilvan Luiz Hansen, Wilson Madeira Filho y Antón Lois Fernández Álvarez.
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Las revoluciones liberales de mediados y finales del siglo XVIII que tienen lugar en
la Europa continental y en América del Norte, cuyo precedente inmediato lo podemos
encontrar en los movimientos liberales del siglo anterior en el Reino Unido, van a marcar un
antes y un después en el devenir político y social de los Estados occidentales. El punto de
inflexión generalmente reconocido de este cambio tiene fecha, nombre y apellidos: 14 de julio
de 1789, Revolución Francesa. El levantamiento popular, liderado por la burguesía, que acaba
por derrocar a la monarquía absoluta materializa en la praxis política las corrientes de
pensamiento que habían ido forjando una nueva concepción de poder, legitimidad y, en
definitiva, de Estado. Los clásicos Rousseau, Locke y Montesquieu, compendian las
principales ideas que empujan la transformación definitiva del Estado absolutista en un
Estado de Derecho. El complemento nominal “de Derecho”, que adjetiva la nueva forma de
organización política de la sociedad, nos señala ya la principal característica de esta nueva
realidad. El Estado, como superestructura que planea sobre todos los miembros de una
colectividad (auto)considerada como sujeto político, deberá estar sometida al Derecho. Por
tanto, ni tan siquiera esa superestructura, que concentra el poder, y quienes actúen en su
nombre, es decir, quienes ejerzan fácticamente ese poder, podrán hacerlo sin control, de modo
autónomo, sino que se verán necesariamente sometidos al Derecho, entendido como sistema
de normas. A esto hay que añadir que esas normas las crea el conjunto de personas, la
comunidad, que decide organizarse en Estado. En este orden de cosas, los poderes del Estado,
cedidos por la sociedad en su conjunto que es quien originariamente los ostenta, están
sometidos a las normas, a la Ley, que emana, como decía, de dicha sociedad. El principio de
legalidad se configura como la piedra angular de esta nueva forma de organización política,
de manera que el poder estatal, que es un poder derivado, no pueda hacer nada fuera de la
Ley; Ley que a su vez procede de los hombres y las mujeres que deciden, como miembros de
una comunidad, otorgar la capacidad de dirigir, gestionar y controlar, a una superestructura,
denominada Estado, que lo ejercerá puntual y temporalmente a través de personas concretas,
pertenecientes a esa misma sociedad. La idea de contención del poder que implica el principio
de legalidad se ve complementada con la división de poderes que ya se refiere a una forma
determinada de organizar a las personas que van a ejercer el poder que se atribuye al Estado.
En realidad, supone una división de tareas o funciones que se distribuyen en tres grandes
bloques, ejecutivo, legislativo y judicial, que a su vez es objeto de subdivisiones y
xxi
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2
Véase ROXIN, Claus, Derecho penal, Parte General, Tomo I, trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Javier De
Vicente Remesal, Miguel Díaz y García Conlledo, Civitas, Madrid, 1997, 137; DE FIGUEIREDO DIAS, Jorge,
Direito penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, 177; LUZÓN PEÑA, Diego-
Manuel, Lecciones de Derecho penal, Parte General, 3.ª ed., Tirant lo Blanch, Valencia, 2016, 20.
xxii
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que ese mandato realmente se cumpla, y sea por tanto efectivo, tiene que hacerse siguiendo
unas pautas, adoptando unas formas concretas, y con rigor. Sólo habrá cumplimiento efectivo
del mandato, y el poder legislativo, en definitiva, el Estado, respetará el mandato social, si
identifica y define el delito con precisión, con claridad y con exactitud. De no ser así, es decir,
de tener, cada miembro de la sociedad, que “adivinar” para cada situación si una conducta es
delito o no lo es, no se estaría cumpliendo ese mandato. Esa definición debe hacerse con
carácter previo, pues el telos del mandato es asegurar la convivencia, algo que sólo se puede
conseguir si antes de la toma de decisiones cada persona sabe (o, al menos, puede llegar a
saber) qué consecuencias tiene su conducta (y no solo para él, sino más importante incluso,
qué consecuencias tiene su conducta para los demás, para la sociedad en la que se integra,
pues ésta y no la primera es –o debería ser- la razón de su toma de decisión). Se suele añadir
que esa definición legal ha de fijarse por escrito, para que pueda llegar con más seguridad a
todos los miembros de la sociedad o al mayor número, con un carácter permanente y estable,
e incluso con mayor fuerza vinculante, aunque éste requisito es más discutible (“Lex praevia,
scripta, stricta et certa”)3. Del principio de legalidad, así entendido, derivan dos importantes
consecuencias que no hacen otra cosa que extenderse en ideas que están contenidas en dicho
principio. Primera, la que se conoce como principio de irretroactividad de las leyes penales,
segunda, la prohibición de la analogía en contra del reo. El principio de irretroactividad nos
dice que las leyes que definen delitos e imponen penas no se pueden aplicar con carácter
retroactivo, hacia atrás, a hechos que acontecieron antes de que esas leyes entrasen en vigor y
por tanto pudiesen ser conocidas y pudiesen condicionar así el comportamiento de los
ciudadanos. El principio de irretroactividad persigue proporcionar seguridad jurídica a los
ciudadanos y también eficacia jurídica a las normas penales. Por eso se predica la prohibición
de retroactividad respecto de aquéllas leyes que crean delitos o agravan penas, pero no así de
aquéllas que derogan o atenúan las penas, pues no se estará afectando ningunas de las dos
cuestiones en juego ya señaladas. Por su parte, la prohibición de la analogía en contra del reo,
relaciona la labor del poder legislativo en materia penal con la del poder judicial, otro de los
tres bloques en los que se divide el poder del Estado. Cuando se exige, de acuerdo con el
principio de legalidad, que la ley penal sea lo más precisa y clara posible, se quiere evitar que
3
Véase ROXIN, Claus, Derecho penal, Parte General, Tomo I, trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Javier De
Vicente Remesal, Miguel Díaz y García Conlledo, Civitas, Madrid, 1997, 140 ss.; DE FIGUEIREDO DIAS,
Jorge, Direito penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, 183 ss.; LUZÓN PEÑA,
Diego-Manuel, Lecciones de Derecho penal, Parte General, 3.ª ed., Tirant lo Blanch, Valencia, 2016, 20.
xxiii
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los jueces y tribunales puedan “estirarla” a su antojo para incluir en la descripción de delito
cuantas conductas estimen oportuno. Se quiere impedir que el poder judicial pueda utilizar la
ley penal para aplicar a supuestos que sin estar reconocidos claramente en la misma son
parecidos o quizá los jueces y tribunales le encuentran un parecido, aplicando la norma
analógicamente y ampliando de esta forma el espectro de lo punible, la esfera de lo delictivo.
Esta práctica supone un claro ejercicio de arbitrariedad y una desnaturalización del propio
Estado de Derecho.
A partir del principio de legalidad se han ido desarrollando otros principios que han
acabado por configurar los límites del poder punitivo dentro del Estado de Derecho. Entre
estos límites, cabe destacar el principio de lesividad o exclusiva protección de bienes
jurídicos4, según el cual lo que el poder punitivo tiene que perseguir a través del Derecho
penal es asegurar los derechos e intereses considerados esenciales para la convivencia pacífica
en sociedad. Se trata de derechos intersubjetivos, que transciendan la mera esfera privada o
contractual, y que alcanzan una dimensión pública, colectiva o comunitaria, y sólo en tanto en
cuanto se vea afectada esta dimensión las conductas de los ciudadanos interesarán al Derecho
penal. Desde este punto de vista, el Derecho penal no tendría que ocuparse de aspectos
internos o privados de los ciudadanos, o de comportamientos que sólo afectan a su ámbito
íntimo o particular pero que para nada influyen en la convivencia social, siempre y cuando
nos encontremos en el marco de convivencia de un Estado democrático y libre. Así,
cuestiones como los meros pensamientos, la defensa de determinadas ideas, las tendencias o
gustos sexuales, las creencias religiosas, entre otras, deberían quedar fuera de toda
consideración jurídicopenal. Otro principio es el de proporcionalidad, que nos indica que las
penas a imponer han de ser justas, lo que tiene que ver más con la coherencia del sistema de
penas que con la idea de justicia material, que por los demás difícilmente se puede alcanzar a
través de una herramienta como es el Derecho penal. Así, se dice que las penas deben ser
proporcionales a la gravedad del hecho realizado, que en parte tiene que ver con la
importancia del bien jurídico lesionado y con el grado de afectación del mismo. Un principio
que también se debe destacar aquí es el de culpabilidad, que exige para la imposición de la
pena que el sujeto que actúa, que ha cometido un hecho delictivo, sea libre, es decir, sea capaz
de una acción distinta a la que ha realizado. Sólo la persona libre puede realmente ser
4
Sobre el “bien jurídico”, véase DE FIGUEIREDO DIAS, Jorge, Direito penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed.,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, 133 ss.
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motivado por la norma, conducir su conducta de acuerdo con la ley, y sólo ante esa persona
tiene sentido el juicio de reproche que supone el ser juzgado y el imponer una pena. El grado
de libertad estará en función de las capacidades y conocimientos individuales, de las
condiciones intelectivas, perceptivas del sujeto concreto, de las circunstancias en las que se
desarrolla, de parámetros culturales, y de las posibilidades reales de acción. Junto a éstos
existen otros principios en los que no me voy a detener, pues no interesan especialmente a
efectos del análisis que aquí se propone, como son el principio de subsidiariedad, intervención
mínima o ultima ratio, que tiene que ver en parte con el carácter fragmentario del Derecho
penal, el de efectividad, eficacia o idoneidad, el principio de responsabilidad subjetiva, el de
responsabilidad personal y el principio de humanidad o humanización de las penas5.
En síntesis, se puede decir que la Revolución Francesa, como máximo estandarte de
las revoluciones liberales del siglo XVIII, supone una ruptura con el Estado absolutista,
consagrando una nueva forma de organización política de la sociedad, el Estado de Derecho.
En él, el principio de legalidad constituye la piedra angular, pues todos, sociedad y Estado
están sometidos a la Ley, que emana del pueblo, de la voluntad de sujeto político colectivo, la
“sociedad”. En el ejercicio del poder punitivo por parte del Estado, a través del poder
legislativo, el principio de legalidad se concreta en tres ideas centrales: no hay delito ni pena
sin ley, la ley penal debe ser previa y debe ser precisa. Estas ideas se desarrollan encontrando
reflejo en dos postulados fundamentales: principio de irretroactividad de las leyes penales
desfavorables al reo y prohibición de la analogía en contra del reo. Sobre el principio de
legalidad se construye un entramado de principios limitadores del poder punitivo entre los que
destacan el de exclusiva protección de bienes jurídicos, el de proporcionalidad y el de
culpabilidad. Todos estos principios toman como referencia para definir el delito e imponer
una pena, hechos, es decir, comportamientos o conductas humanas que lesionan bienes
esenciales para la convivencia pacífica en sociedad, sin que sean de interés a estos efectos los
meros pensamientos o ideologías, por muy divergentes que estos puedan ser, u otros aspectos
privados, íntimos, individuales de cada uno de los ciudadanos que conforman la sociedad
organizada en Estado. La libertad individual constituye el punto de partida y sólo se verá
limitada en la misma medida en que en uso de esa libertad el ciudadano dañe a la comunidad.
5
Sobre cada uno de estos principios, en profundidad, LUZÓN PEÑA, Diego-Manuel, Lecciones de Derecho
penal, Parte General, 3.ª ed., Tirant lo Blanch, Valencia, 2016, 20 ss.
xxv
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6
FITZPATRICK, Sheila, A Revolução Russa, trad. Susana Sousa e Silva, Tinta da China, Lisboa, 2017, 35.
7
FITZPATRICK, Sheila, A Revolução Russa, trad. Susana Sousa e Silva, Tinta da China, Lisboa, 2017, 39 ss.
8
En detalle, FITZPATRICK, Sheila, A Revolução Russa, trad. Susana Sousa e Silva, Tinta da China, Lisboa,
2017, 77 ss.; ROSAS, Fernando, Guerra e Revolução na Rússia de 1917, en AA.VV, A Revolução Russa, 100
anos depois, Parsifal, Lisboa, 2017, 68.
9
BLAS ZULUETA, Luis, Notas sobre Derecho penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y Ciencias
Penales, núm. 596, 6.
10
Sobre la CHECA, véase En detalle, FITZPATRICK, Sheila, A Revolução Russa, trad. Susana Sousa e Silva,
Tinta da China, Lisboa, 2017, 138 s.
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la que perteneciese el autor del hecho, siendo más graves para los defensores del zar que para
los integrantes de la clase trabajadora. Esta tendencia se ve reforzada con la promulgación el
12 de diciembre de 1919 de los “Principios directores del Derecho penal de la República
Socialista Federativa de los Soviets de Rusia”, que constituyen el primer intento de legislar de
forma sistemática en materia penal11. Este texto, compuesto de veintisiete artículos y ocho
secciones, contenía una especie de Parte General del Derecho penal, a modo de conceptos
penales comunes que debían seguir cada una de las Repúblicas de la Federación en la
redacción de sus Códigos Penales, y que en todo caso orientaban la acción de la justicia penal
mientras estuviesen en vigor. Este Derecho penal se caracteriza por el abandono de la
tipificación, con una marcada indeterminación de las penas, lo que conducía a una evidente
arbitrariedad judicial que utilizaba como criterio interpretativo el principio de la “conciencia
jurídica socialista”12. Lo que fundamentalmente preocupa es la motivación de los hechos
delictivos, especialmente la motivación de corte político. Un tercer período es el que se inicia
en el año 1922, cuando se aprueba el primer CP “postzarista”, el 24 de mayo, entrando en
vigor el 1 de junio del mismo año. Este CP desarrolla en su Parte General los principios
básicos contenidos en la norma precedente del año 1919, por lo que perfecciona una línea de
pensamiento penal que se aleja definitivamente de los principios limitadores del ius puniendi,
propios de un Estado de Derecho, pervirtiendo el principio de legalidad y, con ello, negando
las garantías inherentes al mismo13. Lo que me interesa destacar aquí del CP 1922 son dos
cosas. Por una parte, la definición de delito, “como un acto o una omisión socialmente
peligrosa que amenaza los fundamentos del régimen soviético y el orden jurídico establecido
por el poder obrero y campesino para el período de transición hacia el comunismo”14. Se trata
de una consagración del delito político y eminentemente clasista, que paradójicamente no
11
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis, Derecho penal soviético, Tipográfica Editora Argentina, Buenos Aires, 1947, 54;
BLAS ZULUETA, Luis, El novísimo Derecho penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales,
núm. 480, 4; el mismo, Notas sobre Derecho penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales,
núm. 596, 5; MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal, algunas consideraciones en torno al mismo,
Universidad Nacional Autónoma de México, México, 1986, 324.
12
ROLDÁN CAÑIZARES, Enrique/DEL RÍO LOIRA, Pablo/MORENO GONZÁLEZ, Gabriel, The social
science post, La Unión Soviética y el Derecho penal, URL: http://thesocialsciencepost.com/es/2015/02/la-union-
sovietica-y-el-derecho-penal/, [consultado o día 23/10/2017].
13
Sobre el CP 1922, en detalle, véase JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis, Derecho penal soviético, Tipográfica Editora
Argentina, Buenos Aires, 1947, 55 s.; BLAS ZULUETA, Luis, Notas sobre Derecho penal soviético, en Anuario
de Derecho Penal y Ciencias Penales, núm. 596, 6 ss. También, MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal,
algunas consideraciones en torno al mismo, Universidad Nacional Autónoma de México, México, 1986, 326 ss.
14
A través de BLAS ZULUETA, Luis, Notas sobre Derecho penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y
Ciencias Penales, núm. 596, 7.
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Sobre los “Principios fundamentales” de 1924, en profundidad, BLAS ZULUETA, Luis, El novísimo Derecho
penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, núm. 480, 4 ss. También, JIMÉNEZ DE
ASÚA, Luis, Derecho penal soviético, Tipográfica Editora Argentina, Buenos Aires, 1947, 59.
16
A través de MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal, algunas consideraciones en torno al mismo,
Universidad Nacional Autónoma de México, México, 1986, 330 s.
17
Véase MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal, algunas consideraciones en torno al mismo, Universidad
Nacional Autónoma de México, México, 1986, 331 s.; también ROLDÁN CAÑIZARES, Enrique/DEL RÍO
LOIRA, Pablo/MORENO GONZÁLEZ, Gabriel, The social science post, La Unión Soviética y el Derecho penal,
URL: http://thesocialsciencepost.com/es/2015/02/la-union-sovietica-y-el-derecho-penal/, [consultado o día
23/10/2017].
xxviii
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18
A través de MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal, algunas consideraciones en torno al mismo,
Universidad Nacional Autónoma de México, México, 1986, 333.
19
A través de MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal, algunas consideraciones en torno al mismo,
Universidad Nacional Autónoma de México, México, 1986, 334.
20
Por una parte el proyecto Krylenko que propugnaba un CP de corte represivo. El “proyecto Krylenko” suponía
abandonar por completo la taxatividad delictiva, así como de las penas, otorgando al juzgador un catálogo entre el
que deberá elegir. Una parte del articulado se dirige expresamente a atajar las conductas de los “enemigos de la
clase proletaria”, con medidas represivas de clase, frente a otro bloque, más benévolo, destinado a la clase
trabajadora y a los delitos comunes cometidos por ésta, que contempla medidas con finalidad coactiva. Casi
paralelo al anterior apareció el “proyecto Schirwindt”, que se oponía al anterior, al diferenciar entre una Parte
general y una Parte especial en la que se recogía una enumeración taxativa de los delitos, basados además en la
protección de bienes jurídicos, aunque mantenía gran parte de los principios recogidos en el CP 1926, como por
ejemplo el de analogía. Véase al respecto, JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis, Derecho penal soviético, Tipográfica
Editora Argentina, Buenos Aires, 1947, 64 ss.; MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal, algunas
consideraciones en torno al mismo, Universidad Nacional Autónoma de México, México, 1986, 337 s.;
ROLDÁN CAÑIZARES, Enrique/DEL RÍO LOIRA, Pablo/MORENO GONZÁLEZ, Gabriel, The social
science post, La Unión Soviética y el Derecho penal, URL: http://thesocialsciencepost.com/es/2015/02/la-union-
sovietica-y-el-derecho-penal/, [consultado o día 23/10/2017].
21
Véase JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis, Derecho penal soviético, Tipográfica Editora Argentina, Buenos Aires,
1947, 79; ROLDÁN CAÑIZARES, Enrique/DEL RÍO LOIRA, Pablo/MORENO GONZÁLEZ, Gabriel, The
social science post, La Unión Soviética y el Derecho penal, URL: http://thesocialsciencepost.com/es/2015/02/la-
union-sovietica-y-el-derecho-penal/, [consultado o día 23/10/2017].
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En resumen, podemos decir que el Derecho penal que surge con la Revolución Rusa
se aparta claramente de los principios establecidos tras la Revolución Francesa y que desde
entonces inspiraban el Derecho penal liberal. Así, se produce un abandono del principio de
legalidad que en un primer momento, tras la Revolución de febrero y octubre de 1917, ni
siquiera formalmente se respeta, pero que en todo caso, desde entonces, no se respeta
materialmente. La falta de taxatividad y precisión en la definición de los delitos, así como la
enumeración de las consecuencias jurídicas como un catálogo abierto, otorgan una absoluta
arbitrariedad al juzgador, que se ve ampliada por el hecho de reconocerse legalmente el
principio de analogía en contra del reo. La referencia en la definición del delito no es el bien
jurídico, sino la necesidad de mantener el orden social instaurado por el Estado socialista, en
definitiva, la necesidad de proteger la dictadura del proletariado, y el hecho sólo constituye la
base del delito, en tanto en cuanto sea revelador de la peligrosidad social del autor para
mantener el orden referido. Se desarrolla un bloque de normas penales especialmente
dirigidas a los enemigos de clase y otro bloque que contemplan delitos comunes cometidos
por el ciudadano “normal”, es decir, que no pretende atentar contra el régimen, con
consecuencias jurídicas diferentes, siendo más severas las contempladas para los primeros
que para los segundos. En definitiva, podemos comprobar como el Derecho penal tras la
Revolución Rusa desarrolla claramente delitos políticos, un Derecho penal a dos velocidades,
o un Derecho penal del enemigo, en el que se ven debilitadas garantías jurídicas básicas,
donde el bien jurídico cede a favor de la protección y preservación del orden social, es decir,
del sistema.
El Derecho penal del enemigo es una expresión que se ha acuñado a finales de siglo
pasado para denominar un Derecho penal y, particularmente, un Derecho procesal penal,
desarrollado en los países occidentales en los últimos tiempos, sobre todo a raíz de los
atentados de Nueva York del 11 de septiembre de 200122. Desde esta concepción, el
delincuente es un “no ciudadano”, es decir, un enemigo, frente a la generalidad de los
22
JAKOBS, Günther, Derecho penal del enemigo, trad. Manuel Cancio Meliá, 2.ª ed., Civitas, Madrid, 2006,
passim; sobre el Derecho penal del enemigo, LUZÓN PEÑA, Diego-Manuel, Lecciones de Derecho penal, Parte
General, 3.ª ed., Tirant lo Blanch, Valencia, 2016, 23.
xxx
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23
Véase GÓMEZ MARTÍN, Víctor, El Derecho penal de autor: desde la visión criminológica tradicional hasta
las actuales propuestas de Derecho penal de varias velocidades, Tirant lo Blanch, Valencia, 2007, passim.
24
Art. 183 ter CP español: “1. El que a través de internet, del teléfono o de cualquier otra tecnología de la
información y la comunicación contacte con un menor de dieciséis años y proponga concertar un encuentro con el
mismo a fin de cometer cualquiera de los delitos descritos en los artículos 183 y 189, siempre que tal propuesta se
acompañe de actos materiales encaminados al acercamiento, será castigado con la pena de uno a tres años de
prisión o multa de doce a veinticuatro meses, sin perjuicio de las penas correspondientes a los delitos en su caso
cometidos. Las penas se impondrán en su mitad superior cuando el acercamiento se obtenga mediante coacción,
intimidación o engaño. 2. El que a través de internet, del teléfono o de cualquier otra tecnología de la información
y la comunicación contacte con un menor de dieciséis años y realice actos dirigidos a embaucarle para que le
facilite material pornográfico o le muestre imágenes pornográficas en las que se represente o aparezca un menor,
será castigado con una pena de prisión de seis meses a dos años”. Art. 189 CP español: 1. Será castigado con la
pena de prisión de uno a cinco años: a) El que captare o utilizare a menores de edad o a personas con discapacidad
necesitadas de especial protección con fines o en espectáculos exhibicionistas o pornográficos, tanto públicos
como privados, o para elaborar cualquier clase de material pornográfico, cualquiera que sea su soporte, o
financiare cualquiera de estas actividades o se lucrare con ellas. b) El que produjere, vendiere, distribuyere,
exhibiere, ofreciere o facilitare la producción, venta, difusión o exhibición por cualquier medio de pornografía
infantil o en cuya elaboración hayan sido utilizadas personas con discapacidad necesitadas de especial protección,
o lo poseyere para estos fines, aunque el material tuviere su origen en el extranjero o fuere desconocido. A los
efectos de este Título se considera pornografía infantil o en cuya elaboración hayan sido utilizadas personas con
discapacidad necesitadas de especial protección: a) Todo material que represente de manera visual a un menor o
una persona con discapacidad necesitada de especial protección participando en una conducta sexualmente
explícita, real o simulada. b) Toda representación de los órganos sexuales de un menor o persona con discapacidad
necesitada de especial protección con fines principalmente sexuales. c) Todo material que represente de forma
visual a una persona que parezca ser un menor participando en una conducta sexualmente explícita, real o
simulada, o cualquier representación de los órganos sexuales de una persona que parezca ser un menor, con fines
principalmente sexuales, salvo que la persona que parezca ser un menor resulte tener en realidad dieciocho años o
más en el momento de obtenerse las imágenes. d) Imágenes realistas de un menor participando en una conducta
sexualmente explícita o imágenes realistas de los órganos sexuales de un menor, con fines principalmente
sexuales. 2. Serán castigados con la pena de prisión de cinco a nueve años los que realicen los actos previstos en el
apartado 1 de este artículo cuando concurra alguna de las circunstancias siguientes: a) Cuando se utilice a menores
de dieciséis años. b) Cuando los hechos revistan un carácter particularmente degradante o vejatorio. c) Cuando el
material pornográfico represente a menores o a personas con discapacidad necesitadas de especial protección que
sean víctimas de violencia física o sexual. d) Cuando el culpable hubiere puesto en peligro, de forma dolosa o por
imprudencia grave, la vida o salud de la víctima. e) Cuando el material pornográfico fuera de notoria importancia.
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materia de libertad e indemnidad sexuales, en los que atendiendo a la redacción típica resulta
realmente difícil esclarecer el bien jurídico que se pretende proteger así como el momento de
consumación del delito, subjetivizando excesivamente la conducta típica y ampliando la
intervención penal hasta criminalizar tendencias o meros pensamientos. El art. 235 CP
español que en su apartado séptimo parece castigar una conducción de vida, más que la
realización de un hecho, al decir que “el hurto será castigado con la pena de prisión de uno
tres años: (…) 7.º Cuando al delinquir el culpable hubiera sido condenado ejecutoriamente al
menos por tres delitos comprendidos en este título, siempre que sean de la misma naturaleza.
No se tendrán en cuenta antecedentes cancelados o que debieran serlo”, aproximándose a lo
que se entiende por Derecho penal de autor. Por su parte, los arts. 270 y 368 CP español25, el
f) Cuando el culpable perteneciere a una organización o asociación, incluso de carácter transitorio, que se dedicare
a la realización de tales actividades. g) Cuando el responsable sea ascendiente, tutor, curador, guardador, maestro
o cualquier otra persona encargada, de hecho, aunque fuera provisionalmente, o de derecho, del menor o persona
con discapacidad necesitada de especial protección, o se trate de cualquier otro miembro de su familia que conviva
con él o de otra persona que haya actuado abusando de su posición reconocida de confianza o autoridad. h)
Cuando concurra la agravante de reincidencia. 3. Si los hechos a que se refiere la letra a) del párrafo primero del
apartado 1 se hubieran cometido con violencia o intimidación se impondrá la pena superior en grado a las
previstas en los apartados anteriores. 4. El que asistiere a sabiendas a espectáculos exhibicionistas o pornográficos
en los que participen menores de edad o personas con discapacidad necesitadas de especial protección, será
castigado con la pena de seis meses a dos años de prisión. 5. El que para su propio uso adquiera o posea
pornografía infantil o en cuya elaboración se hubieran utilizado personas con discapacidad necesitadas de especial
protección, será castigado con la pena de tres meses a un año de prisión o con multa de seis meses a dos años. La
misma pena se impondrá a quien acceda a sabiendas a pornografía infantil o en cuya elaboración se hubieran
utilizado personas con discapacidad necesitadas de especial protección, por medio de las tecnologías de la
información y la comunicación. 6. El que tuviere bajo su potestad, tutela, guarda o acogimiento a un menor de
edad o una persona con discapacidad necesitada de especial protección y que, con conocimiento de su estado de
prostitución o corrupción, no haga lo posible para impedir su continuación en tal estado, o no acuda a la autoridad
competente para el mismo fin si carece de medios para la custodia del menor o persona con discapacidad
necesitada de especial protección, será castigado con la pena de prisión de tres a seis meses o multa de seis a doce
meses. 7. El Ministerio Fiscal promoverá las acciones pertinentes con objeto de privar de la patria potestad, tutela,
guarda o acogimiento familiar, en su caso, a la persona que incurra en alguna de las conductas descritas en el
apartado anterior. 8. Los jueces y tribunales ordenarán la adopción de las medidas necesarias para la retirada de las
páginas web o aplicaciones de internet que contengan o difundan pornografía infantil o en cuya elaboración se
hubieran utilizado personas con discapacidad necesitadas de especial protección o, en su caso, para bloquear el
acceso a las mismas a los usuarios de Internet que se encuentren en territorio español. Estas medidas podrán ser
acordadas con carácter cautelar a petición del Ministerio Fiscal”.
25
Art. 270 CP español: “1. Será castigado con la pena de prisión de seis meses a cuatro años y multa de doce a
veinticuatro meses el que, con ánimo de obtener un beneficio económico directo o indirecto y en perjuicio de
tercero, reproduzca, plagie, distribuya, comunique públicamente o de cualquier otro modo explote
económicamente, en todo o en parte, una obra o prestación literaria, artística o científica, o su transformación,
interpretación o ejecución artística fijada en cualquier tipo de soporte o comunicada a través de cualquier medio,
sin la autorización de los titulares de los correspondientes derechos de propiedad intelectual o de sus cesionarios.
2. La misma pena se impondrá a quien, en la prestación de servicios de la sociedad de la información, con ánimo
de obtener un beneficio económico directo o indirecto, y en perjuicio de tercero, facilite de modo activo y no
neutral y sin limitarse a un tratamiento meramente técnico, el acceso o la localización en internet de obras o
prestaciones objeto de propiedad intelectual sin la autorización de los titulares de los correspondientes derechos o
de sus cesionarios, en particular ofreciendo listados ordenados y clasificados de enlaces a las obras y contenidos
referidos anteriormente, aunque dichos enlaces hubieran sido facilitados inicialmente por los destinatarios de sus
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servicios. 3. En estos casos, el juez o tribunal ordenará la retirada de las obras o prestaciones objeto de la
infracción. Cuando a través de un portal de acceso a internet o servicio de la sociedad de la información, se
difundan exclusiva o preponderantemente los contenidos objeto de la propiedad intelectual a que se refieren los
apartados anteriores, se ordenará la interrupción de la prestación del mismo, y el juez podrá acordar cualquier
medida cautelar que tenga por objeto la protección de los derechos de propiedad intelectual. Excepcionalmente,
cuando exista reiteración de las conductas y cuando resulte una medida proporcionada, eficiente y eficaz, se podrá
ordenar el bloqueo del acceso correspondiente. 4. En los supuestos a que se refiere el apartado 1, la distribución o
comercialización ambulante o meramente ocasional se castigará con una pena de prisión de seis meses a dos años.
No obstante, atendidas las características del culpable y la reducida cuantía del beneficio económico obtenido o
que se hubiera podido obtener, siempre que no concurra ninguna de las circunstancias del artículo 271, el Juez
podrá imponer la pena de multa de uno a seis meses o trabajos en beneficio de la comunidad de treinta y uno a
sesenta días. 5. Serán castigados con las penas previstas en los apartados anteriores, en sus respectivos casos,
quienes: a) Exporten o almacenen intencionadamente ejemplares de las obras, producciones o ejecuciones a que
se refieren los dos primeros apartados de este artículo, incluyendo copias digitales de las mismas, sin la referida
autorización, cuando estuvieran destinadas a ser reproducidas, distribuidas o comunicadas públicamente. b)
Importen intencionadamente estos productos sin dicha autorización, cuando estuvieran destinados a ser
reproducidos, distribuidos o comunicados públicamente, tanto si éstos tienen un origen lícito como ilícito en su
país de procedencia; no obstante, la importación de los referidos productos de un Estado perteneciente a la Unión
Europea no será punible cuando aquellos se hayan adquirido directamente del titular de los derechos en dicho
Estado, o con su consentimiento. c) Favorezcan o faciliten la realización de las conductas a que se refieren los
apartados 1 y 2 de este artículo eliminando o modificando, sin autorización de los titulares de los derechos de
propiedad intelectual o de sus cesionarios, las medidas tecnológicas eficaces incorporadas por éstos con la
finalidad de impedir o restringir su realización. d) Con ánimo de obtener un beneficio económico directo o
indirecto, con la finalidad de facilitar a terceros el acceso a un ejemplar de una obra literaria, artística o científica, o
a su transformación, interpretación o ejecución artística, fijada en cualquier tipo de soporte o comunicado a través
de cualquier medio, y sin autorización de los titulares de los derechos de propiedad intelectual o de sus
cesionarios, eluda o facilite la elusión de las medidas tecnológicas eficaces dispuestas para evitarlo. 6. Será
castigado también con una pena de prisión de seis meses a tres años quien fabrique, importe, ponga en circulación
o posea con una finalidad comercial cualquier medio principalmente concebido, producido, adaptado o realizado
para facilitar la supresión no autorizada o la neutralización de cualquier dispositivo técnico que se haya utilizado
para proteger programas de ordenador o cualquiera de las otras obras, interpretaciones o ejecuciones en los
términos previstos en los dos primeros apartados de este artículo”. Art. 368 CP español: “Los que ejecuten actos
de cultivo, elaboración o tráfico, o de otro modo promuevan, favorezcan o faciliten el consumo ilegal de drogas
tóxicas, estupefacientes o sustancias psicotrópicas, o las posean con aquellos fines, serán castigados con las penas
de prisión de tres a seis años y multa del tanto al triplo del valor de la droga objeto del delito si se tratare de
sustancias o productos que causen grave daño a la salud, y de prisión de uno a tres años y multa del tanto al duplo
en los demás casos. No obstante lo dispuesto en el párrafo anterior, los tribunales podrán imponer la pena inferior
en grado a las señaladas en atención a la escasa entidad del hecho y a las circunstancias personales del culpable.
No se podrá hacer uso de esta facultad si concurriere alguna de las circunstancias a que se hace referencia en los
artículos 369 bis y 370”.
26
Art. 472 CP español: “Son reos del delito de rebelión los que se alzaren violenta y públicamente para cualquiera
de los fines siguientes: 1.º Derogar, suspender o modificar total o parcialmente la Constitución. 2.º Destituir o
despojar en todo o en parte de sus prerrogativas y facultades al Rey o a la Reina, al Regente o miembros de la
Regencia, u obligarles a ejecutar un acto contrario a su voluntad. 3.º Impedir la libre celebración de elecciones
para cargos públicos. 4.º Disolver las Cortes Generales, el Congreso de los Diputados, el Senado o cualquier
Asamblea Legislativa de una Comunidad Autónoma, impedir que se reúnan, deliberen o resuelvan, arrancarles
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Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
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cuales habría que añadir que podría discutirse el corte político de los mismos y, por lo tanto, la
posibilidad de que sean aplicados por razones ideológicas, es decir, por divergencias de
pensamiento más que por auténtica preservación de bienes jurídicos. Algo semejante podría
llegar a predicarse de los delitos de terrorismo de los arts. 570 bis ss. CP español27.
Pues bien, la doctrina ha venido identificado tradicionalmente como antecedentes
originales de esta forma de legislar en materia penal el Derecho penal del régimen Nazi, a
partir de la llegada al poder en Alemania, en 1933, de Adolf Hitler28. Sin duda, durante el
alguna resolución o sustraerles alguna de sus atribuciones o competencias. 5.º Declarar la independencia de una
parte del territorio nacional. 6.º Sustituir por otro el Gobierno de la Nación o el Consejo de Gobierno de una
Comunidad Autónoma, o usar o ejercer por sí o despojar al Gobierno o Consejo de Gobierno de una Comunidad
Autónoma, o a cualquiera de sus miembros de sus facultades, o impedirles o coartarles su libre ejercicio, u obligar
a cualquiera de ellos a ejecutar actos contrarios a su voluntad. 7.º Sustraer cualquier clase de fuerza armada a la
obediencia del Gobierno”. Art. 473 CP español: “1. Los que, induciendo a los rebeldes, hayan promovido o
sostengan la rebelión, y los jefes principales de ésta, serán castigados con la pena de prisión de quince a
veinticinco años e inhabilitación absoluta por el mismo tiempo; los que ejerzan un mando subalterno, con la de
prisión de diez a quince años e inhabilitación absoluta de diez a quince años, y los meros participantes, con la de
prisión de cinco a diez años e inhabilitación especial para empleo o cargo público por tiempo de seis a diez años.
2. Si se han esgrimido armas, o si ha habido combate entre la fuerza de su mando y los sectores leales a la
autoridad legítima, o la rebelión hubiese causado estragos en propiedades de titularidad pública o privada, cortado
las comunicaciones telegráficas, telefónicas, por ondas, ferroviarias o de otra clase, ejercido violencias graves
contra las personas, exigido contribuciones o distraído los caudales públicos de su legítima inversión, las penas de
prisión serán, respectivamente, de veinticinco a treinta años para los primeros, de quince a veinticinco años para
los segundos y de diez a quince años para los últimos”. Art. 544 CP español: “Son reos de sedición los que, sin
estar comprendidos en el delito de rebelión, se alcen pública y tumultuariamente para impedir, por la fuerza o
fuera de las vías legales, la aplicación de las Leyes o a cualquier autoridad, corporación oficial o funcionario
público, el legítimo ejercicio de sus funciones o el cumplimiento de sus acuerdos, o de las resoluciones
administrativas o judiciales”. Art. 545 CP español: “1. Los que hubieren inducido, sostenido o dirigido la sedición
o aparecieren en ella como sus principales autores, serán castigados con la pena de prisión de ocho a diez años, y
con la de diez a quince años, si fueran personas constituidas en autoridad. En ambos casos se impondrá, además,
la inhabilitación absoluta por el mismo tiempo. 2. Fuera de estos casos, se impondrá la pena de cuatro a ocho años
de prisión, y la de inhabilitación especial para empleo o cargo público por tiempo de cuatro a ocho años”.
27
Art. 570 bis CP español: “1. Quienes promovieren, constituyeren, organizaren, coordinaren o dirigieren una
organización criminal serán castigados con la pena de prisión de cuatro a ocho años si aquélla tuviere por finalidad
u objeto la comisión de delitos graves, y con la pena de prisión de tres a seis años en los demás casos; y quienes
participaren activamente en la organización, formaren parte de ella o cooperaren económicamente o de cualquier
otro modo con la misma serán castigados con las penas de prisión de dos a cinco años si tuviere como fin la
comisión de delitos graves, y con la pena de prisión de uno a tres años en los demás casos. A los efectos de este
Código se entiende por organización criminal la agrupación formada por más de dos personas con carácter estable
o por tiempo indefinido, que de manera concertada y coordinada se repartan diversas tareas o funciones con el fin
de cometer delitos. 2. Las penas previstas en el número anterior se impondrán en su mitad superior cuando la
organización: a) esté formada por un elevado número de personas. b) disponga de armas o instrumentos
peligrosos. c) disponga de medios tecnológicos avanzados de comunicación o transporte que por sus
características resulten especialmente aptos para facilitar la ejecución de los delitos o la impunidad de los
culpables. Si concurrieran dos o más de dichas circunstancias se impondrán las penas superiores en grado. 3. Se
impondrán en su mitad superior las penas respectivamente previstas en este artículo si los delitos fueren contra la
vida o la integridad de las personas, la libertad, la libertad e indemnidad sexuales o la trata de seres humanos”.
28
ROXIN, Claus, Derecho penal, Parte General, Tomo I, trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Javier De Vicente
Remesal, Miguel Díaz y García Conlledo, Civitas, Madrid, 1997, 118 s.; MUÑOZ CONDE, Francisco, Edmund
Mezger y el Derecho penal de su tiempo: los orígenes ideológicos de la polémica entre causalismo y finalismo,
Tirant lo Blanch, Valencia, 2000, passim.
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CONCLUSIONES.
Las revoluciones liberales marcan el nacimiento del Derecho penal propio del
Estado de Derecho. Entre ellas cabe destacar por lo que representa la Revolución Francesa de
finales del siglo XVIII. A partir de estas revoluciones el poder punitivo del Estado pasa a estar
sujeto a límites a favor del individuo. El principio de legalidad aparece como el principio
rector y de él se deriva la prohibición de la analogía en contra del reo, como máxima
indiscutible del sistema. El bien jurídico protegido pasa a ser el referente para la construcción
legal del delito y para la interpretación doctrinal y judicial de la Ley penal. El concepto de
29
Sobre esta cuestión, CHARLES, Raymond, Histoire du Droit Penale, Presses Universitaires de France, Paris,
1955, 115, señala de modo revelador que “el fin de la primera guerra mundial abre una nueva era con el
advenimiento de un totalitarismo político, de inspiración bolchevique, fascista y nazi. (…) Mas es la legislación
penal soviética la que representa el tipo de un penalismo totalitario, del cual la aparición sobre el plano positivo
constituye el fenómeno capital de la evolución del Derecho penal en el siglo XX, por el poder de atracción de una
concepción rigurosamente fundada sobre la dictadura de un proletariado identificado con el Estado”. Traducción
tomada de BLAS ZULUETA, Luis, El novísimo Derecho penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y
Ciencias Penales, núm. 480, 4.
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BIBLIOGRAFÍA.
BLAS ZULUETA, Luis, El novísimo Derecho penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales,
núm. 480.
BLAS ZULUETA, Luis, Notas sobre Derecho penal soviético, en Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales,
núm. 596.
CHARLES, Raymond, Histoire du Droit Penale, Presses Universitaires de France, Paris, 1955.
DE FIGUEIREDO DIAS, Jorge, Direito penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007.
FITZPATRICK, Sheila, A Revolução Russa, trad. Susana Sousa e Silva, Tinta da China, Lisboa, 2017.
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GÓMEZ MARTÍN, Víctor, El Derecho penal de autor: desde la visión criminológica tradicional hasta las actuales
propuestas de Derecho penal de varias velocidades, Tirant lo Blanch, Valencia, 2007.
JAKOBS, Günther, Derecho penal del enemigo, trad. Manuel Cancio Meliá, 2.ª ed., Civitas, Madrid, 2006.
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis, Derecho penal soviético, Tipográfica Editora Argentina, Buenos Aires, 1947.
LUZÓN PEÑA, Diego-Manuel, Lecciones de Derecho penal, Parte General, 3.ª ed., Tirant lo Blanch, Valencia,
2016.
MÁRQUEZ PIÑERO, Rafael, El tipo penal, algunas consideraciones en torno al mismo, Universidad Nacional
Autónoma de México, México, 1986.
MUÑOZ CONDE, Francisco, Edmund Mezger y el Derecho penal de su tiempo: los orígenes ideológicos de la
polémica entre causalismo y finalismo, Tirant lo Blanch, Valencia, 2000.
ROLDÁN CAÑIZARES, Enrique/DEL RÍO LOIRA, Pablo/MORENO GONZÁLEZ, Gabriel, The social
science post, La Unión Soviética y el Derecho penal, URL: http://thesocialsciencepost.com/es/2015/02/la-union-
sovietica-y-el-derecho-penal/, [consultado o día 23/10/2017].
ROSAS, Fernando, Guerra e Revolução na Rússia de 1917, en AA.VV, A Revolução Russa, 100 anos depois,
Parsifal, Lisboa, 2017.
ROXIN, Claus, Derecho penal, Parte General, Tomo I, trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Javier De Vicente
Remesal, Miguel Díaz y García Conlledo, Civitas, Madrid, 1997.
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Grupo de Trabalho 01
EMPRESA,
DIREITO E SOCIEDADE
PLANOS NACIONAIS DE AÇÃO
EM DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS:
SUFICENTES ANTE A ARQUITETURA DA IMPUNIDADE?
RESUMO
O presente artigo objetiva analisar se os Planos Nacionais de Ação em Empresas e Direitos Humanos,
documentos que têm sido elaborados pelos países, com finalidade de orientarem suas políticas de
repressão às violações de Direitos Humanos por parte das Empresas, a partir do incentivo da ONU, têm
se mostrado suficientes para evitarem violações de Direitos Humanos. Para se realizar tal análise,
lança-se um olhar sobre o contexto no qual tais Planos devem atuar, o qual é entendido por Juan
Hernandéz Zubizarreta como sendo a chamada arquitetura da impunidade, isto é, um cenário no qual
as empresas gozam de grande poder econômico e político, muitas vezes se sobrepondo aos Estados,
que acabam por depender dos investimentos destas. Em seguida procede-se uma releitura de análises
realizadas sobre os Planos Nacionais em Empresas e Direitos Humanos existentes na Europa, bem
como se realiza um estudo sobre o Plano Nacional em Empresas e Direitos Humanos da Colômbia,
único país da América Latina que já possui tal documento.
ABSTRACT
The present article seeks to analyze if the National Action Plans on Business and Human Rights,
documents that have been elaborated by countries looking to guide their politics of repressing human
rights violations by companies - as of the United Nations’ encouragement - have been enough to avoid
human rights violations. To carry out this analysis one must look at the context in which those Plans
must operate, which is understood by Juan Hernandéz Zubizarreta as the so called architecture of
impunity, i.e. a scenario where companies enjoy a huge economic and political power often overriding
states, which end up depending upon the investments of the companies themselves. Subsequently, a
rereading of the analysis made about the European National Action Plans is carried out alongside a
study about Colombia’s National Plan on Business and Human Rights, the only country in Latin
America that already possess such document.
Keywords. National Action Plans on Human Rights and Business. Architecture of impunity. Human
Rights.
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INTRODUÇÃO
Desta forma, em 1973, surge na ONU o Centro das Nações Unidas sobre
Corporações Transnacionais (UNCTC, sigla em inglês), tendo por objetivo monitorar a
atuação das transnacionais, prover informação e assessoramento e avaliar a possibilidade de
um acordo multilateral, que poderia ter a forma de um código de conduta.
Esse formato vinculante de código de conduta não foi bem visto por muitos países,
em especial aqueles que sediavam grandes empresas transnacionais. Em 1993, o Centro foi
fechado e, a partir de 1999, o então secretário geral da ONU, Koffi Annan, inicia uma ação de
caráter voluntarista, denominada Pacto Global, o qual visa incentivar boas práticas
corporativas no tocante aos Direitos Humanos, padrões trabalhistas, ambientais e
anticorrupção.
Concorrentemente ao Pacto Global e tentando implantar um regramento vinculante
com relação às empresas, surge nos anos 2000, por um grupo de membros da Subcomissão de
Promoção e Proteção aos Direitos Humanos, a iniciativa de criar as chamadas “Normas sobre
a responsabilidade das empresas transnacionais e outras empresas comerciais”. Tal iniciativa
também não prosperou.
Atualmente temos, no âmbito da ONU, duas iniciativas sobre a temática Direitos
Humanos e Empresas: uma de caráter voluntarista e outra que visa a elaboração de um tratado
vinculante.
A de caráter voluntarista teve início em 2005, com a designação de John Ruggie,
pelo então secretário geral da ONU, Koffi Annan, para exercer o cargo de representante geral
para o tema “Empresas e Direitos Humanos”. Ruggie apresentou, em 2008, o chamado
“Marco das Nações Unidas para Proteger, Respeitar e Remediar” e teve seu mandato
estendido por mais três anos, a fim de que apresentasse uma forma de instrumentalizar sua
proposta.
Desta maneira, em 2011, Ruggie apresenta os chamados “Princípios Orientadores
sobre Empresas e Direitos Humanos” e ocorre a criação de um grupo de trabalho denominado
“Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos”, encarregado de divulgar e
promover tais princípios, bem como visitar países para avaliar a situação relacionada aos
Direitos Humanos e às Empresas.
Tal grupo elegeu como melhor ferramenta para a instrumentalização dos Princípios
Orientadores o incentivo aos países, para que elaborem Planos Nacionais de Ação sobre
Empresas e Direitos Humanos, os quais devem se basear nos supracitados princípios.
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Sendo assim, percebe-se que as empresas incentivam cada vez mais que os Estados
adotem políticas de caráter neoliberal, reduzindo e flexibilizando os direitos sociais, em
especial os direitos trabalhistas, o que favorece o interesse empresarial.
Observa-se também a existência de grande número de acordos internacionais de
caráter financeiro, os quais garantem uma série de direitos às empresas e não se preocupam
com questões ambientais, laborais, nem de Direitos Humanos. São os acordos de livre
comércio, como por exemplo, o NAFTA, que estabelecem uma série de condições favoráveis
às transnacionais e acabam por ignorar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, direito
este que deve ser respeitado por todo tipo de legislação internacional, por possuir caráter
obrigatório, isto é, ser hierarquicamente superior às demais normativas internacionais, por
disposição do próprio Direito Internacional, como a Convenção de Viena de Direito dos
Tratados de 1969, que dispõe em seu artigo 53 que será nulo um tratado que afeta à
disposições imperativas de Direito Internacional:
Após avaliar-se o contexto que deve ser enfrentado pelas medidas repressoras das
violações de Direitos Humanos por parte das empresas é necessário realizar a análise dos
Planos Nacionais de Ação em Empresas e Direitos Humanos existentes, a fim de constatar-se
se estes têm se apresentado como suficientes para impedir as violações de direitos humanos
por parte das empresas ante a arquitetura da impunidade.
3.2. Análise crítica dos Planos Nacionais de Ação em Empresas e Direitos Humanos
Ante o exposto cabe realizar-se uma breve análise crítica dos Planos Nacionais de
Ação em Empresas e Direitos Humanos existentes. Para tal, lançar-se-á mão de releitura
bibliográfica de documento produzido, em 2016, pelo HOMA – Centro de Direitos Humanos
e Empresas –, no qual foram analisados os Planos europeus existentes até então, bem como de
análise do Plano Nacional da Colômbia elaborada para fins do presente trabalho.
Em tal documento supracitado, o HOMA analisou os seis planos já publicados:
Reino Unido, Países Baixos, Dinamarca, Finlândia, Lituânia e Suécia; e dois Planos que
estavam prontos, mas pendentes de aprovação: Itália e Espanha.
De tal análise, produzida a partir de uma perspectiva crítica, pode-se verificar falhas
comuns presentes nos Planos europeus.
Primeiramente o estudo detecta que os processos falharam na questão da
participação de múltiplos atores e na publicidade dada durante a confecção dos instrumentos.
Atores fundamentais, como os atingidos por violações de Direitos Humanos por parte das
empresas, tiveram pouca ou nenhuma voz durante o processo.
Verificou-se também que tais Planos apresentaram apenas propostas genéricas, sem
previsão de controle da implementação e aplicação de tais políticas, sem formas de
punibilidade para as empresas violadoras de Direitos Humanos e sem prazos para que os
Estados coloquem em prática as políticas pensadas:
...a experiência dos Planos Nacionais já existentes mostra que estes não possuem
em seu conteúdo o potencial para um efetivo avanço no desenvolvimento de
normativas nacionais e políticas públicas de proteção aos Direitos Humanos contra
violações cometidas por empresas. Muito menos contribuem para o pleno acesso à
justiça e para que as vítimas sejam capazes de alcançar reparação pelas violações
sofridas. (HOMA, 2016, p. 33).
De acordo com o supracitado estudo realizado pelo HOMA, aponta-se que no Plano
Nacional do Reino Unido pode-se perceber que não se priorizou a participação de atores
populares, como os afetados pelas violações de direitos humanos por parte das empresas
durante o processo de elaboração do documento estatal. Também não houve circulação
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pública do documento preliminar que deu origem ao Plano, ficando a circulação restrita
apenas aos atores consultados e às agências governamentais. Pode-se perceber ainda, no
Plano, a utilização de um enfoque empresarial, destacando os benefícios que as empresas
podem obter ao respeitar os Direitos Humanos.
Segundo o estudo, o documento falha ainda por não explicar como se dará a
implementação das ações propostas, bem como não deixar claro o setor governamental que
será responsável por tal implementação. Também não se especificam prazos, o que dificulta
que a sociedade possa controlar o desenvolvimento das medidas apontadas no Plano.
Por fim, não há criação de novas obrigações para as empresas, não se aborda a
responsabilidade extraterritorial, nem mecanismos jurisdicionais de responsabilização das
empresas.
Já quanto ao Plano Nacional da Holanda, aponta o estudo que não houve nenhuma
consulta efetivamente pública e ampla e nem se deu prioridade à participação popular no
processo. O foco deste Plano são medidas de caráter voluntário, tanto para o Estado, quanto
para as empresas. Poucas medidas concretas são apontadas, bem como não se define prazo
para sua execução e não há estratégias para o monitoramento da implementação destas. Deu-
se, ainda, prioridade ao destaque das medidas já existentes no país.
A análise realizada sobre o Plano Nacional da Itália aponta que este enuncia
medidas pouco assertivas no tocante às mudanças sociais e legislativas, bem como traz uma
visão de que a solução para as violações de Direitos Humanos só será possível a partir de uma
matriz europeia:
Da análise realizada sobre o Plano Nacional Dinamarquês pode-se perceber que este
é fruto de um processo pouco inclusivo, vez que houve a participação do Conselho para
Responsabilidade Social Corporativa, mas apenas um grupo seleto de membros deste
conselho foi consultado, bem como setores chaves da sociedade foram excluídos da consulta,
como ocorreu com o Conselho Dinamarquês dos Consumidores.
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A análise realizada pelo HOMA do Plano Nacional lituano destaca que não foi
possível encontrar informações acerca do processo que levou à elaboração de tal documento.
Quanto ao conteúdo de tal Plano, se ressalta que este está restrito a medidas de combate à
discriminação, à corrupção e ao direito de associação trabalhista. As propostas por sua vez
possuem algum grau de concretude, sendo menos vagas do que as encontradas na maioria dos
Planos, bem como se faz referência a medidas que já estão sendo implementadas. Porém,
ainda assim, as propostas são superficiais e não há proposições quanto a mecanismos
vinculantes, que obriguem as empresas a respeitar os Direitos Humanos e sejam capazes de
responsabilizá-las em caso de violações.
Por fim, da análise realizada sobre o Plano Nacional sueco extrai-se que este foi
concebido através de consulta a vários atores interessados, incluídas empresas e ONGs.
Ocorreram também consultas populares ao texto preliminar do documento. O estudo
elaborado pelo HOMA destaca que não foi possível identificar se, em tal processo houve a
participação dos afetados por violações perpetradas pelas empresas.
Quanto ao conteúdo do Plano destaca-se que privilegiou-se as políticas relacionadas
à responsabilidade social corporativa, em detrimento dos princípios de Direitos Humanos. Há
no documento o encorajamento para que as empresas adotem as diretrizes ali contidas, mas
nenhuma medida de caráter vinculante. O documento não estabelece nenhum tipo de
responsabilidade direta para as empresas, deixando as responsabilidades a cargo do Estado, o
qual deve desenvolver programas para orientar as práticas empresariais. Os crimes cometidos
pelas empresas estão sujeitos apenas a penalidades de multa.
No tocante ao Plano Nacional da Colômbia, cuja análise foi realizada para fins da
presente pesquisa, pode-se perceber que, de acordo com o disposto em tal documento, sua
elaboração se deu através da participação de empresas, ONGs, entidades governamentais e
com apoio da comunidade internacional. O esboço de tal Plano foi submetido à consulta em
algumas oficinas, uma nacional em Cartágena e outras regionais, nas quais houve a
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CONCLUSÕES
Ante todo o exposto, pode-se concluir que da análise dos Planos Nacionais de Ação
em Empresas e Direitos Humanos existentes percebe-se que estes por si só não são capazes de
impedir as violações de Direitos Humanos perpetradas pelas empresas, nem de oferecer
mecanismos eficazes de reparação aos afetados por estas violações.
No cenário apresentado em linhas anteriores da arquitetura da impunidade, pode-se
extrair que dificilmente políticas de cunho nacional terão capacidade de enfrentar o grande
poder que possuem as empresas, em especial as transnacionais, as quais tem influenciado até
mesmo a produção de legislação de caráter neoliberal para lhes favorecer, em diversos países,
a partir de pressões financeiras a respeito de investirem ou manterem seus investimentos em
seus países.
Neste contexto, onde vemos Estados tornando-se cada vez mais dependentes do
poder econômico das empresas, torna-se difícil que estes produzam políticas que possam
desfavorecer os interesses de tais atores econômicos.
Face a tal poderio das empresas, percebe-se que os Planos Nacionais de Ação em
Direitos Humanos e Empresas têm se apresentado apenas como proposições de caráter
voluntarista, que não trazem nenhum tipo de obrigação direta para as empresas, nem
prescrevem punições efetivas. Mantêm sua ênfase em políticas relacionadas à
responsabilidade social corporativa, estimulando as empresas a desenvolverem boas práticas
empresariais e respeitarem os Direitos Humanos como uma boa estratégia de
empreendimento.
Sendo assim, pode-se concluir que ainda que os Planos Nacionais em Empresas e
Direitos Humanos tragam em si o benefício de colocarem tal temática, tão costumeiramente
negligenciada nas agendas dos países nos quais são elaborados, estes sozinhos não têm o
poder de impedir as violações perpetradas pelas empresas nem de fornecer aos afetados
remédios efetivos. Desta forma confirma-se a hipótese de insuficiência dos Planos Nacionais
para impedirem as violações de Direitos Humanos, entendendo-se pela necessidade de que,
além de tais Planos, surjam também instrumentos vinculantes e de caráter internacional, para
garantirem de forma efetiva o respeito das empresas aos Direitos Humanos.
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OS DESAFIOS EMPRESARIAIS GERADOS PELOS ELEVADOS
NÍVEIS DE ENCARGOS TRABALHISTAS NO BRASIL
RESUMO
O Brasil possui um dos maiores encargos trabalhistas do mundo, encarecendo a mão de obra e
trazendo complicações para o empresário. A mudança desse cenário é esperada com a vigência da Lei
da Reforma Trabalhista Brasileira, a qual teve inspiração na legislação trabalhista espanhola, ocorrida
há mais de cinco anos, e trouxe diversas alterações benéficas para as empresas, tais como o fim do
recolhimento obrigatório do imposto sindical e a demissão em comum acordo. O objetivo desta
pesquisa é verificar os desafios empresariais enfrentados pelos elevados encargos trabalhistas e analisar
se a alteração da legislação trabalhista poderá reduzir o custo bruto da mão de obra a fim de incentivar
o aumento da oferta de empregos, conforme esperado pelo governo. Como fonte de pesquisa são
utilizados estudos já realizados sobre os percentuais referentes aos encargos trabalhistas no custo bruto
da mão de obra brasileira.
ABSTRACT
Brazil has one of the highest labor costs in the world, increasing labor costs and bringing
complications to the entrepreneur. The change in this scenario is expected with the validity of the
Brazilian Labor Reform Law, which was inspired by the Spanish labor legislation, which occurred
more than five years ago, and brought various changes beneficial to companies, such as the end of
mandatory tax collection union and dismissal by mutual agreement. The objective of this research is to
verify the business challenges faced by high labor costs and to analyze whether the change in labor
legislation could reduce the gross labor cost in order to encourage the increase of the job offer, as
expected by the government. As research source is used studies already performed on the percentages
referring to labor charges in the gross cost of Brazilian labor.
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INTRODUÇÃO
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Fazem parte dos Salários todos os valores dos rendimentos monetários recebidos
pelos trabalhadores, e, por eles direta e individualmente apropriados no período
corrente, ou em algum momento e condições pré-determinados de períodos futuros.
Em outras palavras, há defasagens temporais que envolvem o pagamento dos
valores relacionados com a reposição das condições produtivas da mão de obra no
processo produtivo, vale dizer, há frações do salário que são pagas em momentos
distintos do período corrente. (Vasconcelos e Volpato, 2000, p. 4).
De outro lado, os encargos são as verbas incidentes sobre a folha de pagamento sob
a forma de contribuições sociais pagas pelo empregador ao Estado, e integram o custo total do
trabalho. Os encargos, ao reverso do que ocorre com o salário, não são totalmente revertidas
em benefício do empregado e, segundo a legislação brasileira, seriam os valores pagos a título
de contribuição previdenciária, PIS/COFINS e Seguro de Acidente de Trabalho.
Fato é que além do salário contratual, é devido o pagamento de encargos sobre o
período trabalhado e sobre período não trabalhado, incluindo: Previdência Social, FGTS,
acidente de trabalho, sistema S, repouso semanal, férias, abono de férias, feriados, aviso
prévio, auxílio enfermidade, décimo terceiro salário, despesas de rescisão contratual.
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Além dos autores acima citados, Vasconcelos e Volpato (2000) elaboraram também
as seguintes tabelas, separando os valores pagos a título de custo salarial e custo não salarial, a
fim de obter o custo dos encargos sociais.
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Assim, na análise desses autores, a redução dos encargos sociais seria favorável a
geração de empregos e formalização. Entretanto, para Vasconcelos e Volpato, a conclusão da
pesquisa é diversa:
Por outro lado, como já tem sido apontado em vários trabalhos, é enganosa a ideia
que afirma que os salários, ou mais precisamente, os encargos sociais criam
obstáculos para o estabelecimento de preços que tornem nossas empresas
competitivas internacionalmente, o que estaria dificultando a inserção das nossas
empresas no processo de globalização. (Vasconcelos e Volpato, 2000, p. 14)
Fato é que a redução dos encargos sociais traz benefícios ao empregador que vê a
reduzida a folha de pagamento, entretanto tal redução não pode assegurar a criação de novos
postos de emprego, já que a redução do custo com a mão de obra pode viabilizar o
investimento da empresa em outras áreas, tais como avanço tecnológico ou até mesmo em
aprimoramento das instalações laborais.
Torna-se arriscado, portanto, estabelecer uma consequência específica para a
redução do custo da empresa diante do livre arbítrio do empresário, que pode usar o recurso
economizado para desenvolver outras áreas de interesse, não necessariamente criando novos
empregos como almeja o governo brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se pode ver pelos diversos artigos e cálculos elaborados, os encargos sociais e
salários dos funcionários representam um alto custo para o empresário, entretanto, não há uma
concordância quanto à porcentagem que os encargos representam no total dos custos sobre os
salários.
Apesar dos diferentes posicionamentos, em quase todos há pelo menos um aumento
de cerca de 50% do valor gasto a título de encargos, baseado no salário, o que é uma elevada
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acesso: 31/10/2017.
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A (IN) VISIBILIDADE DE FUNCIONÁRIOS DA LIMPEZA
NA FACULDADE DE DIREITO
DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)
E A TERCEIRIZAÇÃO COMO QUESTÃO SOCIAL
RESUMO
O presente trabalho trata de uma temática estudada na interseção da sociologia do direito e psicologia
do direito: a invisibilidade social. Essa invisibilidade é um fenômeno psicossocial que afeta
determinados indivíduos, normalmente como uma consequência da discriminação. Aqueles que
sofrem com o fenômeno desaparecem aos olhos dos outros, o que faz com que sejam tratados como
parte integrante da paisagem e não como pessoas possuidoras de direitos e sentimentos. Como efeito
desse fenômeno, e outros descritos no artigo em questão, os terceirizados têm diversos direitos
negligenciados ou violados. Sendo assim, o trabalho trata da terceirização como mais uma forma de
precarizar as relações de trabalho, contribuindo diretamente para o aumento da desigualdade e para a
desarticulação sindical dos trabalhadores (que são manejados segundo os interesses de empresas
mediadoras do contrato).
ABSTRACT
The present work deals with a thematic studied on the interseccion of sociology of law and psicology of
law: the social invisibility. This invisibility is as psychosocial phenomenon that afects certain
individuals, normally as a consequence of discrimination. Those who suffer with the phenomenon
disappear in the eyes of others, wich leads them to be treated as an integrant part of the landscape and
not as a person with rights and feelings. As an effect of this phenomenon, and others that will be
described on the arcticle in question, the outsorced has an amount of righs neglected or violated.
Therefore, the arcticle treats outsorcing as one of the many manners used to transforme work relations
to a more precarious kind of bond, contribuing directly to inequality increase and to an union disarray
(as the workers are handled by the third party company's interests).
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INTRODUÇÃO
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1. A INVISIBILIDADE E O UNIFORME
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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indicar que aqueles que mais sofrem com desligamentos sem qualquer justificativa são
justamente os terceirizados. Fica claro, portanto, que as novas formas de flexibilizar a
produção reforçam a flexibilidade estrutural do Brasil (Carelli, 2003).
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Vale a pena lembrar que esses dados são de uma pesquisa de 1992, ou seja, em
momento anterior à expansão massiva da terceirização no Brasil (anos 2000). Ainda assim, os
dados mostram o início de uma situação bastante alarmante, com perdas iniciais de direitos
sociais na casa do setenta por cento e baixas salariais na casa dos sessenta por cento.
Em um estudo sobre as consequências da terceirização, é impossível não falar do
movimento sindical. Com a chegada da política neoliberal e a flexibilização do trabalho, os
sindicatos tiveram sua força bastante diminuída. No pós-guerra, eram considerados um meio
de solucionar os problemas. A partir dos anos 1980, e ainda hoje, são considerados “o”
problema e as tentativas estão em torno de desestruturá-lo.
Primeiramente, o fato dos terceirizados permanecerem em um mesmo emprego por
pouquíssimo tempo faz com que não haja coesão entre os trabalhadores ou mesmo um
sentimento de pertencimento, ambos elementos essenciais para um movimento sindical
fecundo. Além disso, em uma mesma empresa trabalham terceirizados de diversas outras.
Sendo assim, não há mais somente um sindicato representando todos os trabalhadores de uma
mesma localidade, mas vários deles. Sem dúvidas isso também descoletiviza o trabalho
através da desunião dos terceirizados. (Carelli, 2003).
A constante realocação dos trabalhadores terceirizados, além de contribuir para a
desarticulação sindical, em muito influencia a segurança no local de trabalho. Por
consequência dessas mudanças, o empregado encontra-se constantemente desacostumado
com seu local de trabalho. Isso traz consequências por demais negativas, tanto em termos de
segurança quanto em termos de identidade do grupo. Há, portanto, não somente precarização
do trabalho, mas das relações, dos laços. Todos esses fatores tornam o ambiente de trabalho
desconfortável em diversos aspectos. Ademais, esses trabalhadores possuem maior carga de
trabalho e menos dias de descanso, o que também contribui para um aumento de acidentes
(Carelli, 2003).
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Além dos diversos direitos negados e negligenciados aos trabalhadores devido a sua
condição de terceirizados, muitos outros efeitos terríveis surgem como consequência desta.
Um deles é a exclusão. Segundo Alan Touraine, atualmente, a sociedade não mais se estrutura
numa forma de pirâmide, de modo que um indivíduo podia fazer parte do topo ou da base
desta. Hoje em dia, você está dentro ou fora. Entende-se como exclusão social o conceito
trazido por Rodrigo Carelli. Segundo ele,
Sendo assim, a luta de classes sofreu uma transformação. Existem aqueles que
encontravam-se no patamar mais baixo da pirâmide social e direcionam seus esforços para
uma luta contra a exploração dos mais ricos. Porém, existem também aqueles que nem
mesmo chegaram a esse patamar. São indivíduos que não compõem a pirâmide e lutam para
ao menos serem incluídos nela, mesmo que no estrato mais explorado. É nessa situação em
que encontram-se os trabalhadores terceirizados.
De forma geral, eles são moradores de periferia que não possuem acesso aos seus
direitos ou ao consumo, tudo isso por decorrência ou funcionando como causa de sua
exclusão. O elo entre exclusão e todos os fatores citados acima é tão intrínseco que torna-se
difícil estabelecer uma relação clara de causa e consequência. Esses indivíduos, portanto,
encontram-se apartados, discriminados pela sociedade.
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“Uma parte deles sobrevive na margem entre o setor moderno e a exclusão social:
são os trabalhadores de baixa renda. Estão em permanente risco de desemprego,
que os jogaria, talvez definitivamente, na miséria da exclusão” (Buarque, 1993: 37).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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por parte da empresa responsável pela terceirização do serviço da limpeza (Luso Brasileira
S.A), de funcionários que participaram de manifestações por falta de salário em 2015. Em site
de sindicato do Paraná (SINDITEST), que realizou reportagem com os terceirizados nesse
momento crítico, há citação direta da fala de um dos funcionários entrevistados, afirmando
que todos ali ficariam mal vistos na empresa por estarem gozando de seus direitos enquanto
cidadãos, ou seja, exigindo remuneração.
Pouco se fala sobre a terceirização existente em instituições públicas e como esse
processo realmente acontece, com suas particularidades e nuances. Na Universidade Federal
Fluminense, uma das áreas com o maior número de trabalhadores terceirizados é a limpeza e
esse fato pode ter relação direta com as constantes greves, com a invisibilidade, com o
esquecimento que envolve esses indivíduos.
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Grupo de Trabalho 02
TRIBUTAÇÃO JUSTA
COMO
DIREITO FUNDAMENTAL
A EXTRAFISCALIDADE
DA TAXA DE COLETA DE RESÍDUOS SÓLIDOS
RESUMO
O Direito Tributário contemporâneo tem na função extrafiscal dos tributos uma ferramenta eficaz na
concretização dos direitos fundamentais. Embora a extrafiscalidade tributária e a temática ambiental
sejam elementos aparentemente distantes, a sua associação pode contribuir significativamente para a
sociedade contemporânea. Neste sentido, o presente artigo tem como escopo refletir acerca da adoção
de incentivos fiscais de forma a contribuir com o meio ambiente e, em contrapartida, reduzir a carga
tributária tão custosa ao cidadão. Para tanto, debate-se acerca da possibilidade de redução das taxas
referentes à coleta de resíduos sólidos às residências e aos estabelecimentos comerciais e industriais
que promoverem a coleta seletiva do seu lixo, destinando o mesmo ao sistema local de reciclagem.
ABSTRACT
Contemporary Brazilian Tax Law has an extrafiscal function which is an effective tool in the
realization of fundamental rights. Although tax extrafiscalism and environmental issues are apparently
distant elements, their association can contribute significantly to contemporary society. In this sense,
the purpose of this article is to reflect on the adoption of fiscal incentives in order to contribute to the
environment and, on the other hand, reduce the tax burden that is so costly to the citizen. In order to do
so, the possibility of reducing the rates referring to the collection of solid waste from residences and
commercial and industrial establishments that promote the selective collection of their waste, for the
local recycling system, is discussed.
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INTRODUÇÃO
Portugal até a égide democrática atual. Especificamente com relação à experiência local, a
referida atividade estatal, embora profundamente inspirada nos moldes previamente referidos,
assumiu contornos próprios (BARROS, 2012).
Neste contexto, o período colonial brasileiro destacou-se pelo financiamento de
projetos de colonização do território e pelo enriquecimento da Coroa Portuguesa, maior
destinatária das riquezas auferidas em solo americano (BARROS, 2012).
Originalmente, o primeiro imposto a ser instituído no país relacionava-se à
exploração do pau-brasil. O pagamento deste imposto realizava-se por meio da
disponibilização de parte do produto explorado. Tal atividade era exercida pelos chamados
rendeiros ou cobradores de rendas, aos quais eram atribuídos poderes incontrastáveis, o que se
ilustra pela possibilidade de prisão dos inadimplentes (BARROS, 2012).
Com a ascensão da mineração, o sistema tributário brasileiro instituiu o quinto,
equivalente à cobrança de 20% do ouro que era levado às Casas de Fundição, pertencentes à
monarquia, e a derrama, imposto que tinha como objetivo a complementação dos débitos que
os mineradores acumulavam junto ao reino (BARROS 2012).
Ressalta-se que, neste período, não existia um critério determinado de modo a
definir a quantia de impostos que deveria ser paga. Os excessos exacionais cometidos pelos
agentes reais geravam profunda insatisfação na população da época, culminando, em
associação aos ideais libertários propagados na Revolução Francesa de 1789, no movimento
revolucionário da Inconfidência Mineira no século XVIII (BARROS, 2012).
A chegada da Coroa Portuguesa ao Brasil em 1807 trouxe consigo a estrutura
tributária originária daquela nação. Paralelamente às aberturas portuária e comercial então
empreendidas, o Rei Dom João VI contribuiu com a realização de modificações significativas
na ordem colonial. Dentre tais mudanças, destaca-se a criação do Banco do Brasil e do
Tesouro Nacional (BARROS, 2012).
A formação dessas instituições possibilitou o desenvolvimento de novos modelos
fiscais, captando recursos econômicos, especificamente no tocante aos bens imóveis
(construção e transferência de propriedade) e à importação de bens e produtos. Para sustentar
a família Real, historicamente reconhecida como perdulária, práticas arrecadatórias abusivas
tornaram-se comuns como, por exemplo, a bitributação (BARROS, 2012). Para COSTA
(2012), a bitributação traduz-se como a cobrança pelo mesmo fato gerador por mais de um
ente da Federação.
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Segundo Hugo de Brito Machado (2016), o homem precisou de uma entidade com
força superior, com poder suficiente para definir regras de conduta, para construir o direito
positivo. Diante de tal necessidade, nasceu o Estado e a consequente necessidade de realizar
planejamentos por meio da atividade financeira.
No Brasil, a já elevada carga tributária tem crescido substancialmente nos últimos
anos, muito embora nem sempre o cidadão tenha as devidas contrapartidas do Estado em
investimentos sociais. Torna-se evidente, desse modo, que a forte atividade arrecadatória
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estatal nem sempre se reverte em serviço público de qualidade e capaz de atender a toda a
população.
Para se compreender as incongruências da realidade brasileira, devem-se investigar,
assim, as noções fundamentais pertinentes ao modelo tributário nacional.
Partindo do conceito previsto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, “tributo
corresponde a toda prestação pecuniária compulsória, expressa em moeda ou em meio que
nela possa exprimir, que não constitua ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966).
Tal definição se mostra extremamente útil ao presente estudo. Consubstanciado em
operação estatal plenamente vinculada, isto é, conduta eminentemente obrigatória, vislumbra-
se que a lei não concede margem de discricionariedade para o não cumprimento da obrigação
exacional. Logo, está-se diante do princípio da legalidade, um dos principais, senão o mais
importante, princípio em matéria tributária.
Fundado na imperatividade da norma jurídica, tal mandamento está previsto no
inciso II do artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Em matéria fiscal, seu
parâmetro de atuação não se limita exclusivamente ao reconhecimento do pacto social em que
todos se constituem como indivíduos sujeitos ao mesmo tratamento perante a lei, assumindo,
assim, contornos peculiares.
Tal conceito consolida, em suma, autêntico instrumento protetivo em face do poder
de polícia estatal, visto que limita a sua atuação à cobrança daqueles tributos previstos em lei
e, principalmente, dado o caráter hierárquico do ordenamento jurídico nacional, à
Constituição Federal (BRASIL, 1988), que, por sua vez, exerce verdadeiro controle sobre o
plano normativo nacional, visto que encerra os valores mais caros à sociedade.
Sendo a legalidade responsável por definir as espécies tributárias consideradas
admissíveis pelo pacto social e jurídico em vigor, seu fundamento consta na Constituição
Republicana federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), sendo a classificação fiscal a ser
observada pelo legislador ordinário em todas as esferas federativas.
Tendo em vista a materialização do Estado num pacto federativo indissolúvel,
conforme o caput do artigo 1º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o legislador
constituinte distribuiu as receitas tributárias em competências, havendo, portanto, tributos
exclusivamente devidos à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios.
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taxa relativa ao poder de polícia, abrangendo diversas searas em sua incidência, tais como
taxa de licença para publicidade ou, ainda, taxa de licença para construções.
Salienta-se que ambas as espécies de taxa podem desempenhar função extrafiscal,
sobretudo em relação ao meio ambiente, ainda que a doutrina não seja unânime acerca desta
compreensão. Embora a função precípua seja a arrecadatória, é possível estimular ou inibir
condutas que refletem no seio social. Aliás, DOMINGUES (2007) afirma que a taxa admite
extrafiscalidade, desde que se dimensionem o volume e o custo do serviço para à cobrança
desta.
Sob tal égide, destaca-se que, especialmente no que concerne à taxa relativa aos
serviços públicos, a extrafiscalidade se mostra mais eficaz, uma vez ser possível a análise da
proporcionalidade entre serviço e conduta de um contribuinte determinado.
Neste diapasão, no próximo capítulo, discute-se a extrafiscalidade da taxa de coleta
de resíduos sólidos, conhecida como taxa de coleta de lixo. Em face do frequente debate
acerca da produção de resíduos, analisa-se como políticas públicas tributárias podem ser um
importante alicerce na preservação ambiental, inclusive, quando se trata da questão do lixo,
um dos grandes problemas da sociedade atual.
de cálculo do imposto predial e territorial urbano (IPTU) a fim de apurar o valor a ser cobrado
por esta taxa. De fato, a base de cálculo, a rigor, tem como fundamento a metragem e a
localização dos imóveis urbanos para sua cobrança.
Nessa esteira, o Supremo Tribunal de Federal (BRASIL, 2008) reconheceu a
constitucionalidade da apuração do montante devido a termos de tal taxa, desde que não se
verifique identidade integral entre a base de cálculo desta taxa com o referido imposto
municipal, conforme entendimento consolidado no RE 576321, com julgamento em 13 de
fevereiro de 2009, sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.
Demonstra-se uma celeuma de cunho social, visto que se discute como tais
requisitos para a apuração da base de cálculo podem se adequar à noção de serviço público
divisível (uti singuli) atribuível à taxa de coleta de resíduos sólidos. Muito embora o escopo
normativo seja aquele de individualização do contribuinte, resta evidente que o
funcionamento deste instituto não particulariza o cidadão em si, uma vez que a análise da
especificidade é o próprio imóvel. Porém, nota-se que não é possível investigar a produção de
lixo de cada contribuinte apenas com fulcro em aspectos puramente objetivos do imóvel
urbano.
A discussão ainda se torna mais acirrada quando se consideram as políticas
ambientais e a extrafiscalidade. Sob a égide do Estado Democrático de Direito, em que a
atividade arrecadatória não tem viés estritamente econômico, vislumbra-se o aspecto
paradoxal deste tipo de taxa. Embora o ordenamento jurídico promova tributos que zelam
pela promoção dos direitos fundamentais, ainda são vigentes tributos totalmente
desvinculados dos serviços que são devidos em contraprestação.
Conquanto a intenção que permeia a taxa da coleta de resíduos sólidos seja a
disponibilização de um serviço público essencial que permita a higidez urbana, demonstra-se
que o cálculo deste tributo deveria ter cunho particularizado. Não é razoável que a cobrança
seja generalizada, desprezando as especificidades de cada contribuinte, sobretudo, em um
Estado que promova políticas públicas ambientais, consoante o preceito fixado no art. 225 da
Constituição Federal (BRASIL, 1988).
A cobrança tributária deve atender, portanto, aos critérios da extrafiscalidade, sob
pena de institucionalizar, mais uma vez, uma sociedade segregada dos valores constitucionais.
A coletividade deve participar, portanto, da busca por um meio ambiente ecologicamente
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possibilidade de isenção parcial ou total desta espécie tributária. A ideia é que seja
desenvolvido no Brasil um sistema similar ao PAYT, já que tal concepção é pautada na
extrafiscalidade e na efetividade da tributação.
A gestão fiscal promovida pelo Poder Público passa a ter o condão de promover
profundas alterações na coletividade. Nota-se que contemplar comportamentos sociais de
modo a se obter incentivos tributários pode produzir consequências positivas em curto prazo.
Conclui-se que a adoção de políticas públicas em matéria ambiental tributária
corresponde a um instrumento essencial à gestão planejada da Administração Pública para,
principalmente, concretizar os direitos fundamentais.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
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A FUNÇÃO EXTRAFISCAL
DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS
COM A FINALIDADE DE REDUZIR A TRIBUTAÇÃO
DE VEÍCULOS ELÉTRICOS NO BRASIL
RESUMO
Analisa-se a função extrafiscal do imposto sobre produtos industrializados (IPI) e a aplicação de sua
redução no que concerne aos veículos elétricos. Pretende-se inicialmente tratar do conceito de veículos
elétricos, depois realizar uma análise dos diversos benefícios fiscais vigentes na legislação pátria e de
outros países, além de abordar o IPI levando em consideração a aplicação de suas funções à redução
tributária. Demonstrar-se-á a importância das medidas propostas neste estudo para redução dos danos
ao meio ambiente, além da efetivação de princípios do Direito Tributário em prol da sociedade. O
marco teórico será o pós-positivismo jurídico, em razão do status normativo dado aos princípios
consagrados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por fim, a metodologia
utilizada é a de revisão bibliográfica além de crítico-dialética, por conter considerações acerca da
aplicação da função extrafiscal do IPI.
ABSTRACT
The extrafiscal function of the tax on industrialized products (IPI) is analyzed and its application on
tributary reduction regarding electric vehicles. It is intended initially to deal with the addressing
concept of electric vehicles, perform an analysis of the many tax benefits in force under national law
and other states of law, in addition to address the IPI taking into account the application of its
functions regarding tax reduction. The importance of measures proposed in this article will be shown
regarding the reduction of environmental damage, as well as the effectiveness of Tax Law principles in
favor of social welfare. The theoretical framework will be legal post positivism, due to the normative
status given to legal principles set out in the Brazilian Constitution of 1988. Finally, the methodology
used is bibliographical revision, besides being critical and dialectical, as it contains considerations
about the application of the extrafiscal function of the IPI.
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INTRODUÇÃO
A partir desses números, de acordo com dados do MCTI, em 2014 (ano mais
recente da pesquisa do Ministério), o setor de energia, que é composto pela queima de
combustíveis, seja por emissões fugitivas da indústria de petróleo ou a queima de
combustíveis fósseis pelos veículos, representa 37% nas participações de emissões de gases
estufa. Interessante destacar que o setor de energia é o que mais cresce, desde que a medição
da emissão de gases estufa se iniciou em 1990, quando o setor representava aproximadamente
14% das emissões totais (MCTI, 2014).
De acordo com a mesma fonte de dados, as emissões pela indústria petroleira
representam cerca de 4,5% do total das emissões do setor de energia, enquanto que o subsetor
de queima de combustíveis, composto pelos veículos leves e pesados de passeio e de
comércio, além de motocicletas e aeronaves representa aproximadamente 95,5% das
emissões do setor (SIRENE, 2015).
Assim, líder em emissão de poluentes, o setor de energia merece maior atenção,
tendo em vista a possibilidade de sua redução através do emprego de tecnologias cada vez
menos poluentes.
Em estimativa feita pela Confederação Nacional do Transporte, seria possível
reduzir em 10% o consumo de combustível no Brasil se essa frota fosse renovada com
veículos comuns, sendo possível uma maior redução se entre eles estivessem veículos
elétricos (FUNDEP, 2015).
Conclui-se que o aumento das vendas dos veículos elétricos poderia proporcionar
grande redução nos índices de emissão dos gases estufa, tendo em vista que hoje a frota
brasileira de automóveis é constituída quase unicamente por veículos com motores à
combustão interna. Existe grande espaço para desenvolvimento ambiental nesse cerne,
necessitando-se de uma aplicação efetiva da redução tributária na produção dos veículos
elétricos, com vistas a aumentar a sua presença na frota de automóveis, consequentemente,
reduzindo-se os danos ambientais.
É relevante a análise das vantagens tributárias ligadas aos VEs no Brasil e em outros
países, sendo necessário, inicialmente, a definição de “benefício fiscal”, de acordo com a
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doutrina pertinente ao assunto, bem como um estudo sobre os principais benefícios fiscais já
existentes em prol dos veículos elétricos.
O presente estudo utiliza-se do referencial teórico pós-positivista. Esse referencial
pauta-se na teoria de que os valores devem ser resgatados, aplicando-se princípios e regras,
em conjunto com direitos fundamentais. Aliam-se o Direito e a Ética, de modo que possa
interpretar-se a legislação da maneira mais atual possível, adequando-se o sistema jurídico ao
momento social pertinente (VERONESE, 2010).
Além disso, o prisma do pós-positivismo permite que seja realizada uma análise
além do texto legal para que sejam concedidos benefícios fiscais com vistas ao
desenvolvimento ambiental. Apesar de não existir na Constituição Federal de 1988 matéria
específica acerca de “benefícios fiscais ao meio ambiente”, utilizando-se do referencial
teórico do presente estudo, encontra-se uma interdisciplinaridade entre Direito e meio
ambiente, com a aplicação de princípios constitucionais, notadamente os ditames do Estado
Democrático de Direito, que se encontram consagrados nos artigos 1º e 3º do referido
dispositivo legal (VERONESE, 2010).
Independentemente de uma reanálise pós-positivista dos benefícios fiscais, estes já
se encontram previstos no ordenamento pátrio, notadamente na Constituição Federal de 1988,
onde, em seu artigo 150, §6º, prevê que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de
cálculo, entre outros, só poderá ser concedido através de lei específica, nos âmbitos Federal,
Estadual, Distrital ou Municipal (HARADA, 2011).
Cumpre salientar que existe previsão no artigo 23, inciso VI, da CRFB/88 a
competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o meio
ambiente e combater a poluição em qualquer das suas formas, sendo esse o objetivo principal
da concessão de benefícios fiscais aos veículos elétricos.
dispõe em seu artigo 4º, inciso II, que os proprietários de veículos de força motriz elétrica
estão isentos do recolhimento do IPVA (RIO GRANDE DO SUL, 1985).
No caso do Estado de São Paulo, os VEs possuem o benefício de uma alíquota
diferenciada no recolhimento do IPVA. A Lei nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008, ao
tratar das alíquotas desse imposto, define em seu artigo 9º, inciso III, que os veículos que
utilizem exclusivamente álcool, gás natural veicular ou eletricidade, ainda que combinados,
estão sujeitos a alíquota de 3% do imposto, enquanto que a Lei, no mesmo artigo, em seu
inciso IV, define 4% a alíquota para os demais veículos automotores (SÃO PAULO, 2008).
Observa-se que, a alíquota diferenciada, em razão do combustível do veículo,
caracteriza a função extrafiscal do IPVA (ALMEIDA, 2012), tendo em vista que ao conceder
uma alíquota menor ao veículo que polui menos, o fisco incentiva o licenciamento dos
veículos elétricos. E, dessa maneira, quanto mais veículos elétricos forem licenciados, maior
será o benefício ambiental, efetivando-se a função extrafiscal do imposto.
Quanto a políticas do governo federal, merece destaque a diretoria do Banco
Nacional do Desenvolvimento (BNDES), que definiu juros menores para a aquisição de
ônibus movidos a motores elétricos, em margens de 1% ao ano e margem de 2,5% a.a. para
ônibus híbridos, enquanto que, nos demais casos, a margem padrão é de 3,5% a.a., de acordo
com dados da ABVE.
O que se infere é que através da redução de juros para ônibus elétricos e híbridos,
enquanto são mantidas taxas de juros mais altas aos ônibus movidos por motores de
combustão interna, incentiva-se o uso dos veículos que se utilizam da tecnologia limpa.
Nesse cerne, a Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX),
através de sua Resolução nº 97, de 26 de outubro de 2015, zerou a alíquota do Imposto de
Importação (II) para veículos movidos unicamente a eletricidade ou células de hidrogênio
(BRASIL, 2015), que anteriormente eram sujeitos à alíquota de 35% (BRASIL, 2011). Fica
evidenciada a vantagem em importação do VE, levando em conta apenas a benefício do
Imposto de Importação. Apesar da vantagem concedida pela CAMEX, sobre qualquer
veículo importado hoje no Brasil, ainda incidem diversos outros impostos, tais como do
imposto sobre produtos industrializados (IPI), imposto sobre circulação de mercadorias e
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), programas de
integração social e de formação do patrimônio do Servidor público (PIS), contribuição para
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2.2 Incentivos fiscais (tax incentives) aos veículos elétricos existentes em outros países
rodoviária do país europeu. Ainda, os veículos híbridos que tenham autonomia superior a 25
quilômetros usando somente a sua bateria, são sujeitos a somente 25% do imposto
supracitado, conforme dados da ACEA.
Já na Alemanha, veículos elétricos são isentos da taxa anual de circulação que o país
cobra, por um período de dez anos contados do licenciamento do automóvel. Ainda, a partir
de 2016, o governo alemão tem concedido bônus de 4 mil euros para veículos elétricos a
bateria e de 3 mil euros para híbridos plug-in, desde que não sejam modelos com valor venal
superior a 60 mil euros (REUTERS, 2016).
Destaca-se que em 19 países europeus as taxas aplicáveis a veículos automóveis são
baseadas nas emissões de dióxido de carbono (CO2), gás que contribui com o aumento das
temperaturas globais (dados do INEE). As taxas são gradativamente menores para veículos
que emitem menos dióxido de carbono (ACEA, 2017).
Assim como os países europeus, os Estados Unidos da América (EUA) também
adotam diversas medidas que visam desonerar o licenciamento e produção dos veículos
elétricos. Merece destaque a medida do ex-presidente estadunidense Barack Obama, que,
através de sua administração, concedeu 2.4 bilhões de dólares de incentivos fiscais para o
desenvolvimento de veículos elétricos e baterias (USA TODAY, 2010). A medida consistiu
em disponibilizar 1.5 bilhões de dólares para fabricantes de automóveis que fossem sediados
nos EUA, para que pudessem produzir baterias e componentes de alta eficiência. Ainda,
outros 500 milhões de dólares foram concedidos para a fabricação de motores elétricos e seus
componentes e 400 milhões de dólares investidos em infraestrutura para veículos elétricos,
com a instalação de diversos pontos de recarga, além de capacitação de técnicos para realizar
manutenção nesses automóveis, conforme dados da Iniciativa dos Carros da Califórnia, em
inglês: The California Cars Initiative.
Verifica-se que em diversos países europeus, além dos EUA, o veículo elétrico
encontra-se em constante aumento de vendas, sendo que o governo Federal de cada um
desses países adota medidas efetivas para conceder vantagens àqueles que pretendem comprar
um veículo elétrico. Como já explicitado, as medidas do governo de um país têm caráter
essencial na aceitação dos veículos elétricos, que necessitam da criação de um ambiente
tributário amigável, pelo menos inicialmente, à sua aquisição.
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Observada a tributação dos veículos que se movem por motor de combustão interna,
deve ser colacionada a parte pertinente aos veículos elétricos:
A partir dos dados das duas tabelas, observa-se que o legislador se utiliza de
metodologia antiga para estabelecer as alíquotas do IPI sobre os veículos. Infere-se que o
veículo elétrico, mesmo quando equipado unicamente por motor elétrico para propulsão, ou
seja, aquele que não tem qualquer emissão de gases poluentes, é sujeito à alíquota máxima
cabível aos veículos movidos por motores à combustão (25%).
As únicas alíquotas menores que 25% previstas na TIPI, são aos veículos híbridos
plug-in que, se equipados com motor à combustão de até 1000cm³ (conhecidos como 1.0) ou
de cilindrada superior a 1000cm³, mas não superior a 2000cm³, terão a mesma alíquota
cabível aos movidos unicamente por motores à combustão interna, respectivamente 7% e
13%. E, conforme já exposto no primeiro capítulo do presente estudo, nenhum dos veículos
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O mesmo dispositivo, prevê em seu §1º que incumbe ao Poder Público tomar
medidas de preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, além de promover
o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.
Assim, com a exposição do tema, quanto maior for possível o número de veículos
que poluem menos, caso dos veículos elétricos, maior será o benefício ao meio ambiente.
Importante ser salientado, que o Poder Público possui a faculdade de alterar as alíquotas do
IPI que incidem sobre os veículos elétricos, com vistas de incentivar suas vendas.
Verifica-se a existência de previsão constitucional que impõe ao Poder Público o
dever de administração, educação e proteção do meio ambiente. Dessa maneira, a aplicação
da função extrafiscal do IPI e do princípio da seletividade poderiam ser objeto de uso para
efetivação dessa incumbência, na medida em que fossem aplicados benefícios fiscais com
objetivo de reduzir a incidência do imposto sobre os veículos elétricos.
É relevante lembrar que o Poder Executivo, em junho de 2008, reduziu o IPI dos
veículos automotores, zerando a alíquota para carros de até mil cilindradas, e reduzindo as
alíquotas para os demais, através do Decreto 6890/09 (TEIXEIRA, 2013).
O Governo tinha o objetivo de conter a crise econômica que assolou o mercado no
início de 2008. Assim, a intenção era de aquecer a economia e manter o Produto Interno
Bruto (PIB) em nível razoável, mantendo parte da receita tributária através da função fiscal do
IPI, tendo em vista que o benefício fiscal foi temporário (BRASIL, 2009).
À época, a indústria automobilística nacional enfrentava quedas de até 40% em sua
produção, gerando desemprego e diminuição do PIB. O Decreto 6890/09 provocou razoável
melhora nos índices econômicos, ainda em 2009, sendo que o Governo decidiu até postergar
a validade das isenções de IPI, em razão da venda de automóveis ter experimentado aumento
significante (TEIXEIRA, 2013).
O que se experimentou foi a aplicação da função extrafiscal do IPI, tendo em vista
que o fisco desejava aquecer a economia, através da concessão de isenção do imposto. Ainda,
observa-se a aplicação do princípio da seletividade, haja vista que segundo Ricardo Lodi
Ribeiro (RIBEIRO, 2013), o referido princípio, além de onerar os produtos nocivos ou
supérfluos e desonerar os essenciais, também pode ser usado como mecanismo que mensura a
capacidade contributiva dos tributos indiretos, considerando o poder aquisitivo do consumidor
final (RIBEIRO, 2013).
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CONCLUSÃO
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ICMS ECOLÓGICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RESUMO
Tendo como supedâneo a busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado, debate-se acerca
de políticas públicas que zelem por tal garantia constitucional. Com fulcro no Federalismo Fiscal, o
direito fundamental a uma Tributação Justa impõe não somente a observância de normas e
procedimentos legais tributários, como também a aplicação da receita arrecadada em prol da
população. Sob a égide da extrafiscalidade tributária ambiental, repisa-se o instituto do ICMS
Ecológico, o qual se conceitua como o critério ou conjunto de critérios ambientais a ser considerado
quando do cálculo para repasse relativo à parcela do ICMS para cada Município, consoante lei de cada
Estado da Federação. Destarte, o presente artigo tem como escopo analisar, detidamente, o instituto do
ICMS Ecológico no Estado de Minas Gerais, bem como discutir sua efetividade no que concerne à
proteção ambiental em território mineiro.
ABSTRACT
Having as its goal the search for a balanced environment, this article debates public policies that are
supported by such constitutional guarantees. With a focus on Fiscal Federalism, the fundamental right
to Fair Taxation imposes, not only the observance of norms and legal tax procedures, but also the
application of tax revenue to benefit the population. Under the aegis of environmental tax
extrafiscality, the ICMS Ecological Institute, which is conceptualized as the criterion or set of
environmental criteria to be considered when calculating the transfer of the ICMS installment for each
Municipality, according to the law of each State of the Federation. The purpose of this article is to
analyze the ICMS Ecological Institute in the State of Minas Gerais, as well as to discuss its
effectiveness regarding environmental protection in Minas Gerais.
115
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INTRODUÇÃO
2. O ICMS ECOLÓGICO
do ICMS Ecológico. Para tanto, o art. 158, inciso IV, CRFB/88 determina que 25% do valor
arrecadado com o ICMS pertencem aos Municípios. Deste quantum, o parágrafo único do
mesmo artigo define que 75% deste montante serão distribuídos aos Municípios conforme o
critério do Valor Agregado Fiscal e o restante, isto é, 25%, repassados por intermédio de Lei
Complementar Estadual.
Partindo de tal premissa constitucional, o Estado do Paraná em 1991, por meio da
cooperação entre os seus Poderes Executivo e Legislativo e os respectivos Municípios, e
diante de um cenário de manifestos entraves ao desenvolvimento econômico em virtude da
necessidade de manter seus recursos hídricos e florestais em conformidade com a legislação
ambiental, promoveu uma ação conjunta para tentar solucionar, pelo menos em parte, seus
problemas em matéria ambiental, segundo dados fornecidos pelo Instituto Ambiental do
Paraná (PARANÁ, s.d.).
Sob tal égide, o ICMS Ecológico surgiu, consolidando um mecanismo de fomento
ao desenvolvimento sustentável. Por meio da referida iniciativa, a Lei Complementar
Estadual nº 59, de 1º de outubro de 1991, foi instituída a política pública em análise,
consagrando dois subcritérios para a redistribuição de recursos: a existência de mananciais de
abastecimento, cuja água se destina ao abastecimento da população de outros Municípios, no
valor de 50% (cinquenta por cento), e de unidades de conservação e de outras reservas
naturais similares, também na razão de 50% (cinquenta por cento), segundo dados do IAD -
Instituto Ambiental do Paraná (PARANÁ, s.d.)
Ao longo do tempo, tal instrumento extrafiscal foi disseminado no território
brasileiro, sendo instalado, ressalvadas as suas peculiaridades, nos Estados de São Paulo, em
1993, Minas Gerais, em 1995, Rondônia, em 1996, e Rio Grande do Sul, em 1998
(AQUINO, s.d.).
O ICMS Ecológico está em fase de discussão ou implantação nos Estados de Mato
Grosso do Sul, Mato Grosso, Bahia, Goiás, Pernambuco, Pará, Santa Catarina e Ceará,
conforme dados fornecidos pelo LOREIRO (s.d.). Conclui-se que o ICMS Ecológico
simboliza uma alternativa potencialmente eficaz na formulação de políticas públicas dirigidas
à biodiversidade.
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juizforana não tem gozado de políticas que a consagrem como referência no aspecto
ambiental, em comparação com as demais cidades mineiras, quando do recebimento de verba
referente ao ICMS Ecológico.
Segundo informações extraídas do portal eletrônico da Fundação João Pinheiro,
analisado o Município de Belo Horizonte, constata-se o recebimento do montante de
R$300.060,62 (trezentos mil, sessenta reais e sessenta e dois centavos) relativo ao ano de
2016, observados os subcritérios saneamento básico e unidade de conservação. Já em janeiro
de 2017, a soma totalizou R$ 25.158,14 (vinte e cinco mil, cento e cinquenta e oito reais e
catorze centavos), valor proveniente dos mesmos subcritérios ambientais do ano anterior,
tendo, em contrapartida, uma população, segundo dados do IBGE referentes ao ano de 2016,
de 2.513.451 (dois milhões, quinhentos e treze mil e quatrocentos e cinquenta e um)
habitantes.
Torna-se evidente que os valores advindos do critério ambiental do mês de janeiro
do presente ano perpetuam uma média, conforme fixado no ano de 2016, de arrecadação
desses Municípios. Quando se compara tais quantias com outras arrecadadas por entes
menores, destaca-se a participação ínfima de cidades de médio e grande porte com relação à
distribuição do ICMS Ecológico.
Para ilustrar esta assertiva, destaca-se o Município de Cata Altas, situado a 120
quilômetros de Belo Horizonte, que conta com 5.274 (cinco mil duzentos e setenta e quatro)
habitantes, segundo dados do IBGE referentes ao ano de 2016. No ano passado, sua
arrecadação foi de R$ 978.245,67 (novecentos e setenta e oito mil, duzentos e quarenta e
cinco reais e sessenta e sete centavos) quando considerado o repasse do ICMS, consoante
extrato da Fundação João Pinheiro. Recebeu, portanto, valores bastante significativos, quando
comparados com Municípios consideravelmente maiores e de economia mais pujante, como
Juiz de Fora e Belo Horizonte.
Resta claro, portanto, que o propósito da Lei é contemplar Municípios que não
detêm desenvolvimento econômico substancial, necessitando, por consequência, de ajuda
financeira para o custeio administrativo.
Deve-se ressaltar, assim, que o presente estudo não tem como escopo criticar o ideal
de repartição estabelecido no Estado, mas, sim, evidenciar a limitada ou quase inexistente
promoção de campanhas públicas para tutelar o meio ambiente, especialmente pelos
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Em que pese o escopo da Lei, bem como o fato de suas disposições serem louváveis,
em termos práticos, sobrelevam-se algumas considerações críticas. Em princípio, deve-se
registrar que a Lei 18.030/09 dispõe de vocábulos rigorosamente técnicos que impedem a
interpretação pelo leitor que não detém conhecimentos especializados em matéria ambiental.
Nesta toada, explicita-se o conceito dos próprios subcritérios acima citados, como, v. g., os
termos “mata seca”, ou, ainda, “unidade de conservação”, os quais exigem para sua apuração
auxílio técnico.
A hermenêutica do texto legal demanda consultoria especializada sobre o assunto, o
que, na maioria dos Municípios, constitui-se como um verdadeiro obstáculo. Compromete-se,
portanto, o efetivo sentido do instituto legislativo, visto que, como mandamento direcionado à
tutela dos interesses sociais, o instrumento em perspectiva demonstra-se distante dos
princípios da transparência e da universalidade. Resta nítido que um preceito normativo deve
ser claro o suficiente para que o intérprete possa entendê-lo, de forma que se submeta às suas
prescrições. Do contrário, têm-se apenas normas que não são destinadas à população em
geral, mas apenas a uma parte restrita da população que possui conhecimento técnico
especializado.
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Nota-se que os centros que recebem altos valores pelo repasse do Valor Agregado Fiscal não
desempenham, em regra, medidas ambientais nos moldes da Lei, visto que consideram que
tão somente o argumento econômico relacionado a tais iniciativas, efetuando, assim, um juízo
de custo-benefício, que, geralmente, resulta na verificação de que os investimentos não
cobrem os gastos a serem despendidos.
Usualmente, o repasse do ICMS Ecológico não é tão significativo quando cotejado
com os gastos derivados da proteção ambiental. Todavia, em se tratando de tema tão caro à
sociedade contemporânea, seu escopo deve ser visualizado não somente sob o viés
arrecadatório, mas, também, pela urgência da efetivação do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Desta forma, resta evidente que a análise puramente
econômica atualmente hegemônica se consubstancia em argumento de discutível
plausibilidade ante a força dos princípios constitucionais.
Nessa esteira, constata-se que, embora inicialmente a Lei Robin Hood apresentasse
um viés essencialmente compensatório, atualmente, seu propósito extrapola tais barreiras,
preconizando um bem muito maior, tal seja, a efetivação da disposição constante no artigo
225 da Constituição Republicana Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988).
Por conseguinte, o estudo da concepção de extrafiscalidade tributária e da
necessidade de se tratar da atividade estatal como promotora dos direitos fundamentais
assume posição capital. A legislação tributária não pode mais se pautar em critérios
estritamente econômicos, sob pena de mitigar todo o arcabouço constitucional proclamado
pela Carta Magna de 1988. Hodiernamente, não se vislumbra mais o ramo tributário como
fornecedor apenas de divisas para o ente estatal. É indubitável o fato de que o interesse
público tenha como alicerce a promoção, especialmente, dos direitos de terceira dimensão,
isto é, aqueles de fulcro metaindividual, tendo em vista a atual égide democrática (MENDES,
2013).
Dessa forma, parte-se da necessidade de refletir quanto à aplicação destes recursos
em prol da população. O cidadão, considerado como sujeito de direitos, torna-se o destinatário
do ideal de Tributação Justa. Por conseguinte, a gestão financeira operada pelos agentes
públicos passa a se relacionar à noção de responsabilidade na aplicação das rendas em
benefício da coletividade.
Neste diapasão, vislumbra-se uma importante discussão acerca de uma das
principais características dos impostos brasileiros, a saber, a não vinculatividade. Não
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obstante a maioria da doutrina entenda pela necessidade da espécie tributária dos impostos
não ser vinculada, como assim preconizam o texto constitucional (BRASIL, 1988) e o Código
Tributário Nacional (BRASIL, 1966), deve-se ponderar quanto à compatibilidade desta
configuração tributária em face do dever do administrador público de concretizar os direitos
fundamentais previsto na Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Não havendo, em regra, restrição quanto à destinação das receitas de impostos,
torna-se possível a valorização de alguns setores em detrimento de outros, impedindo,
portanto, que os valores consagrados constitucionalmente sejam atendidos de forma
equânime. Assim, caso a receita proveniente de tal espécie tributária fosse vinculada,
possivelmente, as políticas públicas não se baseariam apenas nos planos de governo, já que
estas possuiriam caráter cogente.
A aplicação do valor arrecadado relacionar-se com o fato gerador dos impostos
individualmente considerados, bem como com metas estabelecidas por lei. No que concerne
ao ICMS Ecológico, por exemplo, a verba que cada Município recebesse, a título de repasse
deste imposto em face dos critérios ambientais, deveria ser necessariamente investida na
manutenção e no desenvolvimento de projetos ecológicos. Logo, não haveria lacuna para a
arbitrariedade do gestor público em desenvolver ou não um planejamento ambiental, tendo
em vista a obrigatoriedade da aplicação desta renda. Resta evidente que os gastos
contemplados pelo orçamento público devem ser reanalisados, sobretudo, diante de uma
sociedade que convive diariamente com escândalos referentes à má aplicação do dinheiro
público.
Neste contexto, a não observância dos critérios do ICMS Ecológico pode refletir o
descaso que muitos representantes do Poder Executivo têm para com a população. A
liberdade no orçamento público permite, quando mal empregada, o desprezo dos valores
elencados no Texto Constitucional em troca ao atendimento de necessidades efêmeras ou de
cunho eminentemente eleitoreiro. Isto não se deve simplesmente a uma incompetência do
gestor público, como também à forma de elaboração de seu plano de governo, que, a rigor,
não contempla todas as necessidades da comunidade ou não possibilita a realização de um
debate democrático para aclará-las. Questiona-se, assim, se os direitos considerados
fundamentais podem ser menosprezados ou suprimidos, ao passo que deveriam ser
cotidianamente concretizados pelo Estado soberano, tendo em vista o caráter imperativo das
normas constitucionais.
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CONCLUSÕES
Por fim, tratou-se da discussão acerca da não vinculação dos impostos. Nesta esteira,
vislumbrou-se que a liberdade na aplicação do orçamento público culminou em supressão de
certos direitos fundamentais, haja vista que os planos de governo não conseguem abranger a
totalidade dos direitos elencados na Constituição Republicana Federativa do Brasil de 1988.
Sugere-se que as receitas advindas dos impostos devem considerar seus fatos
geradores, bem como metas estabelecidas por lei. No que concerne ao ICMS Ecológico, nota-
se que os valores advindos dos critérios ambientais quando do repasse deste imposto
deveriam ser, obrigatoriamente, reinvestidos em projetos ambientais, de forma a contribuir
para um meio ambiente sustentável.
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O EFEITO CONFISCATÓRIO DAS MULTAS
NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS
E JUDICIAIS TRIBUTÁRIOS
RESUMO
ABSTRACT
The main goal of this article is to analyze and describe the aspects of capital importance regarding tax
fines in Brazilian courts and how they acquire a confiscatory character. Research has been carried out
to investigate the quantum that can be considered exaggerated to the point of compromising the
incomes and the assets of taxpayers, in a way that surpasses their capacity to contribute, as well as
violating article 150, subsection IV of the 1988 Brazilian Federal Constitution, that forbids
confiscation. Furthermore, court precedent from the STF (Federal Supreme Court) has been examined
relating to the percentage applied to different kinds of taxation fines and, finally a just method of
imposing fines, according to the fundamental right to fair taxation, following the principles of
reasonableness and proportionality, is proposed.
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INTRODUÇÃO
No âmbito dos processos judiciais tributários, questão que chama atenção de juristas
e contribuintes é o exorbitante valor das multas cobradas pelo Fisco. Nota-se dívidas
aumentarem em demasiado, em alguns casos dobrando ou até mesmo triplicando e chegando
a valores absurdos.
Alguns julgados com valores de multas muito altos já foram declarados
inconstitucionais. Há décadas o STF vem avaliando a proporcionalidade das “multas
tributárias” com o intuito de alcançar a conformação entre a gravidade da conduta do devedor
inadimplente e o percentual de penalidade imposto. Todavia, ainda não houve consenso de
qual seria o limite máximo aceitável e nem mesmo qual seria o critério utilizado para cálculo
de tais sanções. Assim, o Direito Fundamental a uma Tributação Justa mostra-se por muitas
vezes, violado.
A Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988), pautada em valores
democráticos e sociais traz em seu artigo 150, inciso IV, a proibição de que o tributo seja
utilizado como forma de confisco por parte do ente público. A cobrança exorbitante de multas
no âmbito tributário se configura, então, como enriquecimento ilícito do Estado. Nesse
sentido, Rui Barbosa Nogueira e Paulo Roberto Cabral Nogueira lecionam que “a
transferência para o Fisco do total ou de parte do patrimônio do particular sem base legal
constitui a figura que se dá o nomem juris de confisco” (BARBOSA NOGUEIRA, CABRAL
NOGUEIRA, p.150).
Assim, este artigo analisa como as multas adquirem no processo judicial tributário
caráter confiscatório e delimita através da análise jurisprudencial e doutrinária parâmetros
máximos de cobranças das diferentes espécies de multas tributárias. Para tal, a estrutura do
trabalho se dividirá em quatro itens. No primeiro item serão analisadas as espécies de multas
tributárias, bem como a natureza jurídica de cada uma delas. O segundo item terá como foco
o efeito confiscatório das multas tributárias. No terceiro item será trabalhado o entendimento
jurisprudencial e o entendimento doutrinário do conceito de multa confiscatória, onde serão
analisadas jurisprudências do sistema judiciário brasileiro. Por fim, o último item trará uma
nova proposta para que as multas tributárias não adquiram caráter confiscatório.
Quanto à metodologia, este artigo não se baseará apenas em reprodução doutrinária
e jurisprudencial, mas também à análise bibliográfica e crítico dialética acerca do caráter
confiscatório das multas no processo judicial tributário.
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Com relação à natureza jurídica da multa moratória, adota-se aqui a teoria de que
tem natureza civil, de caráter indenizatório, já que seu principal objetivo é compensar o fisco
pela intempestividade no pagamento do tributo, ou seja reparar o dano, se assemelhando
muito à multa contratual no sentido de buscar restabelecer o equilíbrio patrimonial antes
prejudicado. É justamente por sua natureza diverso que a multa moratória merece tratamento
distinto da multa punitiva, com valores máximos mais baixos (MELLO, 2013, p. 99).
A multa punitiva, por sua vez, é aquela cobrada pela Fazenda Pública em virtude de
ato ilícito por parte do contribuinte. Tem como gênese o descumprimento de obrigação
tributária acessória, determinada no artigo 113 do Código Tributário Nacional.
Quanto à natureza da multa punitiva, distintamente da multa moratória, tem natureza
tributária. Seu principal objetivo é punir o contribuinte pelo erro ou não cumprimento da
obrigação e coibi-lo a não mais praticar o ilícito. Todavia, por mais que a multa punitiva
admita tal caráter é necessário que se mantenha os limites da proporcionalidade, razoabilidade
e vedação ao confisco na estipulação de seus parâmetros de cálculo (MELLO, 2013, p. 91).
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[...] o princípio do não-confisco tem sido utilizado também para fixar padrões ou
patamares de tributação tidos por suportáveis, de acordo com a cultura e as
condições de cada povo em particular, ao sabor das conjunturas mais ou menos
adversas que estejam se passando. Neste sentido, o princípio do não-confisco nos
parece mais como um princípio de razoabilidade na tributação (grifo do autor),
(COELHO, 1988, p.257).
mas deixa de recolhê-lo por qualquer razão, deve ser sancionado de forma
moderada, porque cumpriu suas obrigações acessórias regularmente. Diferente é a
situação o contribuinte que é autuado pela fiscalização tributária porque deixou de
constituir alguma obrigação tributária, situação em que poderia ser beneficiado pela
ocorrência da decadência. Neste caso específico, deve ser levado em consideração,
na hora da fixação da multa, que o benefício econômico deste contribuinte seria de
100% do valor do tributo (CEZAROTTI, Guilherme. Aplicação de multa pelo
descumprimento de obrigações acessórias. Razoabilidade e proporcionalidade em
sua aplicação (RDDT nº 148, jan/2008).
[...] desse modo, o valor mínimo de duas vezes o valor do tributo como
consequência do não recolhimento apresenta-se desproporcional, atentando contra
o patrimônio do contribuinte, em evidente efeito de confisco. Igual desproporção
constata-se na hipótese de sonegação, na qual a multa não pode ser inferior a cinco
vezes o valor da taxa ou imposto, afetando ainda mais o patrimônio do contribuinte.
pecuniária em patamar superior ao valor do próprio tributo, segundo o mesmo, não está
presente caráter confiscatório da sanção neste caso. Porém, o STF, assentou a
inconstitucionalidade da cobrança de multa tributária em percentual superior a 100% e
determinou a exclusão da penalidade excedente (AgRg no RExt 833.106/GO, p.2-4, 2014).
Após a análise das espécies de multas tributárias bem como do caráter confiscatório
que adquirem nos processos judiciais e administrativos cabe a formulação de proposta de
parâmetro para estipulação de multas em consonância com os princípios da proporcionalidade
e do não-confisco, com o intuito de garantir tanto a justiça tributária quanto a tributação justa.
Com relação às multas moratórias, por sua natureza civil parece razoável a fixação
de padrão máximo de 10% do valor do tributo. Conforme já fora mencionado, se nas relações
de direito privado esse é o percentual fixado, não se mostra razoável que sobre o crédito
tributário incida multas em percentual maior que esse pela mora no cumprimento da
obrigação tributária (MELLO, 2013).
Todavia, questão controvérsia no Direito Brasileiro é o parâmetro máximo de
cobrança da multa punitiva no processo judicial e administrativo tributário. Conforme já fora
analisado no item 3 deste artigo, essa espécie de multa ganha por muitas vezes caráter
confiscatório e atinge valores altíssimos e desarrazoados.
Com o intuito de estabelecer um parâmetro de cálculo para tais multas a tabela a
seguir traz uma proposta de adequação entre o ilícito praticado pelo contribuinte e a
porcentagem de multa punitiva que lhe será imposta:
Porcentagem da
Infração tributária
multa punitiva
que acarrete no não pagamento de tributo, cujo valor seja inferior a cento).
R$1.000.000 (Um milhão de reais).
Para exemplificar a aplicação dessa proposta a tabela a seguir traz alguns exemplos
hipotéticos de impostos descumpridos e das respectivas multas:
Valor da multa
Infração tributária
punitiva
A proposta foi trazer um percentual que aumente de acordo com o valor do tributo
que deixou de ser pago em virtude do descumprimento ou cumprimento parcial de uma
obrigação tributária acessória. Assim, à medida que aumenta o valor do tributo também
aumenta a percentual de multa punitiva que será imposta ao contribuinte.
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A proposta foi trazer um percentual que aumente de acordo com o valor do tributo
que deixou de ser pago em virtude do descumprimento ou cumprimento parcial de uma
obrigação tributária acessória. Assim, à medida que aumenta o valor do tributo também
aumenta a percentual de multa punitiva que será imposta ao contribuinte.
A tributação justa exige que o parâmetro de aplicação tanto de tributos quanto de
multas leve em consideração a realidade social do país. Desta forma, é importante analisar
que as multas que incidem sobre valores abaixo de R$ 10.000,00 (Dez mil reais), por
exemplo, são aquelas que na grande maioria das vezes serão cobradas do contribuinte comum
e dos pequenos empresários. As multas com altos valores, como aquelas que incidem sobre
tributos superiores a R$ 1.000.000, são muitas vezes cobradas de grandes empresas, que
decidem praticar o ilícito com o claro conhecimento do descumprimento da lei. Assim, o
objetivo da proposta é evitar que o contribuinte comum seja punido da mesma forma que as
grandes empresas e os grandes devedores, mas ainda assim evitando que em qualquer dos
casos a multa tributária adquira caráter confiscatório.
Neste interim, é importante distinguir dois termos frequentemente usados pela
doutrina e jurisprudência, quais sejam a tributação justa e justiça tributária. A primeira, diz
respeito à criação e majoração dos tributos. Já a segunda, relaciona-se à justiça dentro dos
processos judiciais e administrativos tributários sendo a efetiva aplicação do direito nos
diversos casos (MELLO, 2013), o que se faz imprescindível na concretude dos princípios
democráticos tratados nos itens anteriores.
CONCLUSÕES
Tais valores excessivos não estão de acordo com os princípios basilares do Estado
Democrático de Direito, visto que a tributação não pode ser utilizada como meio de impedir o
contribuinte de exercer atividades, nem tão pouco afetar seu direito a uma vida digna. Nesse
sentido, destaca-se a importância da aplicação das multas em harmonia com os princípios da
proporcionalidade, razoabilidade e do não-confisco, que além de garantir a justiça tributária ,
permitem uma tributação justa.
Com o fim de garantir tais princípios, foi proposto nesse artigo um novo parâmetro
para estipulação do valor de multas punitivas, no sentido de evitar que as multas tributárias
aplicadas nos processos administrativos e judiciais possuam efeito confiscatório, em
discordância com a Constituição Federal de 1988.
REFERÊNCIAS
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Min. Marco Aurélio. Acórdão, 25 nov. 2014. Disponível em
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7464567>. Acesso em 25 set. 2017.
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ISSN 2236-9651, n. 7
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . Recurso Extraordinário n. 582.461 SP. Relator Min. Gilmar Mendes.
Acórdão, 18 maio 2011. Disponível em
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626092>. Acesso em 25 set. 2017.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário n. 833.106/ GO. Relator Min. Marco Aurélio.
Acórdão, 25 nov. 2014. Disponível em
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TORRES, Ricardo Lobo. O Conceito Constitucional de Tributo. In: TORRES, Heleno (Coord.). Teoria Geral da
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2005.
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Grupo de Trabalho 03
MERCADO DE TRABALHO,
CAMPO PROFISSIONAL
E MEDIAÇÃO
DISPUTAS PROFISSIONAIS
NA INTRODUÇÃO DA MEDIAÇÃO
NO NÚCLEO DO IDOSO E DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
DE FORTALEZA. (MINISTÉRIO PÚBLICO DO CEARÁ)
RESUMO
O presente artigo propõe expor reflexões sobre o processo de criação do núcleo de mediação no
Núcleo do idoso e da pessoa com deficiência de Fortaleza (CE) e seu contexto de disputas
profissionais. A proposta é discutir o tema da mediação a partir da sociologia das profissões,
dialogando com documentos institucionais e dados empíricos coletados no âmbito dessa unidade do
ministério público cearense no período de 2013-2016. A proposta metodológica do trabalho é uma
compreensão interdisciplinar para pensar o instituto da mediação em um ambiente de competição
profissional. São identificados conflitos intra e interprofissionais no contexto de reformas no núcleo do
idoso e da pessoa com deficiência no momento de discussão e aprovação do núcleo de mediação. As
disputas ocorrem entre os promotores de justiça da unidade e percebe-se um ceticismo por parte de
alguns promotores na adoção da mediação, e indícios de uma tensão conflituosa entre ministério
público e defensoria pública.
ABSTRACT
This article proposes to present reflections on the process of creation of the nucleus of mediation in the
nucleus of the elderly and the person with disabilities in Fortaleza (CE) and its context of professional
disputes. The proposal is to discuss the topic of mediation from the sociology of the professions,
dialoguing with institutional documents and empirical data collected within the scope of this unit of the
public ministry of Ceará in the period 2013-2016. The methodological proposal of the work is an
interdisciplinary understanding to think the institute of mediation in an environment of professional
competition. Intra and interprofessional conflicts are identified in the context of reforms in the nucleus
of the elderly and the person with disability at the moment of discussion and approval of the mediation
nucleus. Disputes occur among the unit's prosecutors and there is skepticism on the part of some
promoters in the adoption of mediation, and indications of a conflicting tension between public
prosecutors and public defenders.
143
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7
O segundo autor exerce a função de Promotor de Justiça em Fortaleza-Ceará. No dia 03 de outubro de 2013 foi
removido da 7º Promotoria de Justiça Criminal para a 17ª Promotoria de Justiça Cível da Comarca de
Fortaleza (Núcleo do idoso e da pessoa com deficiência).
8
Iremos usar a abreviatura NUPID (Núcleo do idoso e da pessoa com deficiência).
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cada uma dessas Promotorias de Justiça tem atribuição de intervir nas demais ações em que
haja interesse público ou de incapazes em cada uma das Varas Cíveis respectivas.
Afora uma demanda decorrente da violência interpessoal, há uma demanda que
decorre de uma violência institucional, ou seja, aquela que acontece em razão da omissão ou
da deficiência dos órgãos públicos ou políticas públicas que deveriam criar um ambiente
propício ao envelhecimento e dignidade das pessoas com deficiência, como por exemplo,
podemos citar a não efetivação das alternativas de atendimento ao idoso, educação especial e
acessibilidade, matérias previstas nas respectivas legislações.
Em abril de 2013 a Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério
Público- CNMP publicou um Relatório de Inspeção realizada no Ministério Público do
Ceará9 que apontava uma série de críticas à atuação das Promotorias do Núcleo do idoso e da
pessoa com deficiência de Fortaleza, em especial: a) Os procedimentos administrativos eram
instaurados independentemente de portaria; b) Não havia nos autos atos de publicização geral
de instauração dos procedimentos; c) Não havia observância à necessária prorrogação dos
prazos e/ou convolação de procedimentos preparatórios em inquéritos civis; d) O
funcionamento da Secretaria Executiva em prédio distinto do Núcleo, situação que
prejudicava o atendimento das demandas; e) A ausência de paralelismo entre a definição das
atribuições e funções dos membros do MPCE, em matérias de atuação correlatas (tutela
coletiva a direitos humanos/sociais).
Quanto a esse último item, foi observado na correição, a prevalência de
procedimentos tratando de questões envolvendo direitos individuais indisponíveis de idosos e
de pessoas com deficiência, principalmente em situação de conflitos familiares. Por outro
lado, havia poucos inquéritos civis públicos tratando de direitos coletivos dos dois grupos
vulneráveis atendidos pelo NUPID.
Dessa inspeção decorreram discussões e mesmo, um conflito entre os sete
Promotores de Justiça do NUPID em torno das críticas do Conselho Nacional do Ministério
Público, contexto em que, entre outras propostas, surgirá a ideia de criação de um núcleo de
mediação para atender conflitos envolvendo direitos individuais de pessoas idosas e com
deficiência.
9
Disponível em
http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Corregedoria/inspe%C3%A7%C3%A3o/Relat%C3%B3rio_Conclusivo_
MPE.CE_%C3%BAltima_vers%C3%A3o1.pdf acessado em 15.09.2017
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Antes de exigir uma melhor atuação dos promotores de justiça, esse pessoal deveria
arrumar um prédio melhor para nosso núcleo, que não tem condições de receber
com dignidade o público. Temos procurado fazer o melhor e temos cumprido os
objetivos de atender as pessoas idosas e com deficiência de Fortaleza (Promotor de
Justiça).
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Temos que reconhecer que nosso núcleo tem um grande número de promotores de
justiça (07) em comparação com outras capitais. E o que estamos fazendo em
termos de tutela coletiva em prol da pessoa idosa e da pessoa com deficiência?
Estamos fiscalizando os abrigos de idosos de forma sistemática? Estamos
acompanhando as políticas públicas e os orçamentos destinados a essas políticas?
(Promotor de Justiça)
Realmente, tem dias que me sinto enxugando gelo, pois até consigo resolver alguns
problemas pessoais dessas pessoas, mas as questões das políticas públicas? Existe
uma grande demanda de problemas pessoais individuais envolvendo violências
contra essas pessoas porque não temos políticas públicas efetivas.(Promotora de
Justiça)
Essas falas demonstram muito bem uma situação conflituosa e de uma competição
intra-profissional entre um grupo de promotores de justiça que já estava há alguns anos no
NUPID e no próprio Ministério Público e um grupo de profissionais que havia chegado há
pouco tempo na unidade e pertencia a uma geração mais nova que entendia da necessidade de
mudanças urgentes para melhorar atuação da instituição no âmbito da tutela da pessoa idosa e
da pessoa com deficiência no município de Fortaleza. Maria da Glória Bonelli relaciona a
competição intraprofissional, com vários fatores, entre os quais uma questão de diferença
geracional:
mantinha uma atuação no NUPID quase que exclusivamente no âmbito da tutela de direitos
individuais indisponíveis, motivo da censura por parte do Conselho Nacional do Ministério
Público.
Esse choque geracional demonstra a não coesão da instituição, o conflito
intraprofissional e concepções institucionais diferentes, não se podendo falar uma identidade
coletiva da instituição, senão em uma perspectiva ideológica, a fim de manter a profissão
como uma corporação coesa, como bem esclarece Maria da Glória Bonelli:
Desse modo, o ano de 2014 foi marcado por intensas discussões e conflitos sobre os
novos rumos que deveriam ser dados ao NUPID a fim de melhorar sua atuação, ficando bem
clara a oposição dos dois grupos como acima descrito. Realmente não há como falar de
“grupo coeso”, quando se tem interpretações institucionais diferentes. O fato é que nesse ano,
o grupo que defendia mudanças no NUPID obteve duas importantes vitórias, primeiro,
internamente, onde as propostas defendidas pelo grupo foram deliberadas e aprovadas por
maioria, e segundo, perante as instâncias superiores da instituição que aprovaram as
mudanças demandadas pelo grupo majoritário do NUPID.
A primeira das mudanças se deu em maio quando o Procurador-Geral de Justiça
editou o Provimento nº10010 que instituiu no âmbito da Estrutura Organizacional do
Ministério Público do Estado do Ceará, a Secretaria Executiva das Promotorias de Justiça
Cíveis atuantes na defesa do idoso e da pessoa com deficiência. A medida deu autonomia
administrativa ao NUPID e agilizou o atendimento de idosos e pessoas com deficiência, bem
como, a distribuição dos processos administrativos.
A segunda mudança se deu no âmbito do Órgão Especial do Colégio dos
Procuradores de Justiça que através da Resolução nº18/201411, especializou12 a atuação das
07 (Promotorias de Justiça), ficando duas Promotorias de Justiça com atribuições de tutela
10
Disponível em http://tmp.mpce.mp.br/servicos/provimentos/2014/Provimento100-2014.pdf acessado em
16.09.2017
11
Disponível em http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2015/12/Resolucao018.2014.pdf acessado em
16.09.2017
12
A distribuição das atribuições: tutela individual x tutela coletiva foram acertadas entre os próprios promotores
de justiça, depois de muitas reuniões e discussões.
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coletiva dos direitos da pessoa idosa (17ª e 19ª Promotorias de Justiça Cíveis), duas
Promotorias de Justiça com atribuições de tutela coletiva dos direitos da pessoa com
deficiência (18ª e 20ª Promotorias de Justiça Cíveis) e três Promotorias de Justiça com
atribuições de tutela dos direitos individuais da pessoa idosa e da pessoa com deficiência (21ª,
22ª e 37ª Promotorias de Justiça Cíveis)13.
Essas duas mudanças deram uma nova dinâmica ao NUPID, mas foram realizadas
com resistências, tanto no âmbito das 07 Promotorias do NUPID, bem como, com menor
intensidade, nos Órgãos superiores do Ministério Público do Ceará. A especialização das
Promotorias mudou completamente a atuação do NUPID a atendeu a uma das principais
demandas do Conselho Nacional do Ministério Público no sentido da instituição priorizar a
atuação na defesa de direitos coletivos dos idosos e pessoas com deficiência.
A última mudança no NUPID nesse contexto de conflitos intra-profissional se deu
com a criação do Núcleo de Mediação do Idoso e da Pessoa com Deficiência pelo
Provimento nº13, de 9 de fevereiro de 2017, da senhora Procuradora-Geral de Justiça em
exercício14. A descrição das mudanças anteriores foi necessária para contextualizar o
surgimento da proposta de criação de um núcleo de mediação no âmbito do NUPID. A ideia é
transferir para esse núcleo de mediação, boa parte da demanda envolvendo questões
individuais, principalmente conflitos familiares de pessoas idosas e de pessoas com
deficiência. Mais uma vez, reacende-se o conflito entre os dois grupos de promotores.
13
É importante registrar que há pelo menos um Promotor de Justiça insatisfeito com a mudança por não se
identificar com o trabalho de defesa da tutela individual.
14
Disponível em http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2016/10/Provimento-n%C2%BA-013-2017-Cria-
N%C3%BAcleo-de-Media%C3%A7%C3%A3o-da-Pessoa-Idosa-e-com-Defici%C3%AAncia.pdf acessado em
16.09.2017.
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mediação (Lei nº 13.140/2015), bem como, o novo Código de Processo Civil (Lei nº
13.105/2015) que também trata do instituto, inclusive estatuindo como norma fundamental do
processo civil brasileiro que:
15
Essas metodologias têm se desenvolvido com êxito em países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália e
Espanha.
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decisão dos jurisdicionados, mas tão somente em razão da incapacidade do Estado Brasileiro
em garantir o acesso a uma jurisdição eficiente. No mesmo sentido, pondera Streck:
17
Disponível: http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2015/12/Minist%C3%A9rio-P%C3%BAblico-
Sociedade-e-Fam%C3%ADlia-Medir-para-proteger.pdf acessado em 16.09.2017.
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“ Vejo um risco de até mesmo nosso núcleo perder Promotorias de Justiça18, já que
haverá uma redução de procedimentos em tramitação nas Promotorias de tutela
individual” (Promotora de Justiça);
“Ainda há uma questão mais grave que traz a criação desse núcleo de mediação,
nós podemos perder público para à defensoria pública. As pessoas gostam de ser
atendidas por uma autoridade, não acreditam em um simples mediador” (Promotora
de Justiça).
“As Promotorias de Justiça perdem muito tempo com conflitos que poderiam ser
resolvidos pela mediação, principalmente os conflitos familiares, inclusive porque
requerem mais tempo e investigação da gênese da desavença, e a mediação é um
excelente instrumento para isso” (Promotor de Justiça).
Mais uma vez percebemos haver uma diferença das concepções institucionais em
razão do fator geracional dos profissionais. A geração mais antiga vê com desconfiança
mudanças no fazer institucional, demonstra uma insegurança em criar outra instância de
resolução de conflitos, no caso o núcleo de mediação. Há uma persistência da tensão
conflituosa em razão de visões institucionais diferentes. Maria da Glória Bonelli ao estudar
instituições do sistema de justiça paulista identifica disputas internas em torno do conteúdo da
ideologia profissional dominante:
18
Observamos que o Ministério Público do Ceará estuda uma reforma administrativa, podendo haver extinção,
fusão ou transformação no atual quadro das promotorias de justiça. Disponível em:
http://intranet.mpce.mp.br/asscom/destaquesresultado.asp?icodigo=5939 acessado em 16.09.2017.
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19
Disponível em http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2015/12/resolucao001-2007proc.pdf acessado em
16.09.2017.
20
Disponível em http://www.mpce.mp.br/2017/04/25/mpce-apresenta-sucesso-de-mediacoes-comunitarias-no-x-
forum-de-mediadores-e-cultura-de-paz/ acessado em 16.09.2017.
21
Disponível em http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/904f097f215cf19a2838166729516b79.pdf
acessado em 16.09.2017.
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22
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11448.htm acessado em
16.09.2017.
23
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP, é a entidade de classe de âmbito
nacional do Ministério Público Brasileiro. Disponível em https://www.conamp.org.br/pt/ acessado em 16.09.2017.
24
Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9058261 acessado em
17.09.2017.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
25
A Defensoria Pública do Ceará dispõe de um Núcleo do Idoso e de Defesa dos Portadores de Necessidades
Especiais e Deficientes Físicos. Disponível em http://www.defensoria.ce.def.br/locais-de-atendimento/fortaleza/
acessado em 17.09.2017.
26
Disponível em
http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_da_pesquisa_CNMP_V7.pdf acessado
em 17.09.2017.
27
As Forças armadas figuraram como a instituição mais confiável.
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REFERÊNCIAS
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Direito, 4ª edição, Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2003.
UMA REFLEXÃO SOBRE A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO NO BRASIL
RESUMO
Este artigo traz uma análise reflexiva a atuação do Poder Judiciário na institucionalização da Mediação
no Brasil, mediante a publicação da Lei 13.105 de 2015 e da Lei 13.140 de 2015. Trata da tendência
em trazer para a estrutura do Judiciário a competência em relação à formação, divulgação e
desenvolvimento da Mediação no Brasil, e traz como problemática, de uma forma reflexiva, se a
atividade exercida pelo Judiciário, que traz um modelo de Mediação Judicial, ao contrário de diversos
outros países que já utilizam a Mediação de Conflitos como forma “extrajudicial”, ou seja, a Mediação
se desenvolve fora do Judiciário.
ABSTRACT
This article brings a reflexive analysis about the performance of the Judiciary in the institutionalization
of mediation in Brazil, through the publication of the rules of Law 13,140 from 2015 and 13.105 from
2015. It is the guidance of to bring the structure of the Judiciary the legitimacy in relation to training,
to spread and development of Mediation in Brazil, and in a reflexive way, if the activity exercised by
the Judiciary.
161
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INTRODUÇÃO
1. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO
1
Principalmente pela instituição da mediação pelos vizinhos argentinos, com a Ley n. 24.573, posteriormente
substituída pela Ley n. 26.589/2010. Disponível em:
http://infoleg.mecon.gov.ar/infolegInternet/anexos/165000-169999/166999/norma.htm. Acesso em: 06 dez. 2015.
2
Brasil. STF. SE n. 5306. Espanha. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. 2001.
3
Segundo pesquisa realizada por Selma Ferreira Lemes, no ano de 2005, primeiro ano da pesquisa, as Câmaras de
Arbitragem do país cuidavam de 21 arbitragens sobre assuntos do dia a dia das empresas, que envolviam pouco
mais de R$ 247 milhões, e, no ano de 2013, oito anos depois, esses números cresceram expressivamente, com
cerca de 147 arbitragens, que envolviam cerca de R$ 3 bilhões. Disponível em:
http://www.valor.com.br/legislacao/3407430/arbitragens-envolveram-r-3-bilhoes-em-2013#ixzz2rb7dlZbv.
Acesso em: 04 nov. 2015.
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4
Disponível em: http://www.conima.org.br/inst_filia. Acesso em: 30 nov. 2015.
5
Como será desenvolvido no decorrer do presente capítulo, e no sentido do pensamento de Michelle Tonon
Barbado, “para nós, basta a compreensão de que, no mundo jurídico, o processo de institucionalização ocorre, via
de regra, às avessas. Em outras palavras: negligencia-se o fator social necessário à legitimação do instituto a ser
incorporado no ordenamento; despreza-se o necessário debate democrático e a consagração empírica do que está
prestes a vigorar por força de lei. Conforme será visto, não parece ser esse o melhor caminho para o estímulo e
desenvolvimento da mediação”. E continua, “diante dessas considerações, e das características intrínsecas à
mediação acima delineadas, notadamente o seu aspecto inovador e interdisciplinar, constata-se que um autêntico
desenvolvimento do instituto não poderá se concretizar com a mera institucionalização pelo direito positivo, isto é,
no plano estritamente jurídico legal”. BARBADO, Michelle Tonon. Reflexões sobre a institucionalização da
Mediação no Direito Positivo Brasileiro. In: AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Estudos em Arbitragem,
Mediação e Negociação. Brasília: Grupos de Pesquisa, 2004. p. 206. Disponível em:
http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol3/parte-ii-doutrina-parte-
especial/reflexoes-sobre-a-institucionalizacao-da-mediacao-no-direito-positivo-brasileiro. Acesso em: 30 nov.
2015.
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6
Segundo Fredie Didier, “a reprodução da consideranda cumpre bem a sua função didática, revelando com
clareza a importância deste ato normativo e os seus objetivos: “CONSIDERANDO que compete ao Conselho
Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela
observância do art. 37 da Constituição da República; CONSIDERANDO que a eficiência operacional, o acesso ao
sistema de Justiça e a responsabilidade social são objetivos estratégicos do Poder Judiciário, nos termos da
Resolução CNJ nº 70, de 18 de março de 2009; CONSIDERANDO que o direito de acesso à Justiça, previsto no
art. 5º, XXXV, da Constituição Federal além de vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à
ordem jurídica justa; CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de
tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente
escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos
judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros Conselho Nacional de Justiça mecanismos de
solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação; CONSIDERANDO a
necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos
consensuais de solução de litígios; CONSIDERANDO que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos
de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já
implementados nos país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de
recursos e de execução de sentenças; CONSIDERANDO ser imprescindível estimular, apoiar e difundir a
sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais; CONSIDERANDO a relevância e a
necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de
solução de conflitos, para lhes evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para assegurar a boa
execução da política pública, respeitadas as especificidades de cada segmento da Justiça; CONSIDERANDO que
a organização dos serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos deve
servir de princípio e base para a criação de Juízos de resolução alternativa de conflitos, verdadeiros órgãos
judiciais especializados na matéria; CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do Conselho Nacional de
Justiça na sua 117ª Sessão Ordinária, realizada em de 23 de 2010, nos autos do procedimento do Ato 0006059-
82.2010.2.00.0000”. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 174-175.
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Uma das importantes previsões da Res. 125, de 2010, foi a determinação de criação,
pelos Tribunais dos Estados de Núcleos Permanentes, de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos, que foi alterada em 2013, constando a obrigatoriedade de instalação dos Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) em locais com até quatro Juízos,
Juizados ou Varas cíveis, fazendárias, previdenciárias ou de família. No entanto, apesar da
obrigatoriedade estabelecida pela Resolução na criação dos CEJUSC, não foi incorporada por
todos os Tribunais(COELHO, 2015).
Outra característica abordada pela doutrina em relação às formas de solução pacífica
de conflitos no ordenamento brasileiro seria que as mesmas são quase sempre associadas ao
Poder Judiciário, que vem se esforçando para perder esse poder e para que esses métodos
continuem atrelados ao processo civil e à estrutura judiciária de forma preliminar à aceitação
da demanda.7
Desse estímulo pelo Poder Estatal, adveio a proposta de institucionalização da
mediação, com as discussões travadas a partir de 2009, quando foi convocada uma Comissão
de Juristas, presidida pelo Ministro Luiz Fux, para criação de um novo Código de Processo
Civil. As discussões traziam sempre uma grande preocupação da Comissão com os meios
alternativos de solução de conflitos, como a conciliação e a mediação.8
7
Essa característica difere, por exemplo, da forma como foi institucionalizada a mediação na Inglaterra, uma vez
que, no Brasil, o Judiciário é o responsável por todo o procedimento de mediação judicial, inclusive por formar
mediadores judiciais e se responsabilizar pelo procedimento.
8
Na redação final do Código de Processo Civil, que foi sancionado em 16 de março de 2015 e publicado em 17
de março de 2015, fica clara a preocupação da Comissão em estabelecer diretrizes e uma regulamentação atenta à
mediação como instrumento de acesso à justiça. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; CABRAL, Trícia
Navarro Xavier. Marco Legal da Mediação no Brasil – Comentários à Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.
Cord. Durval Hale, Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Trícia Navarro Xavier Cabral. São Paulo: Atlas, 2016.
p. 8-9.
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9
Apesar de regular a mediação judicial como fase do processo o artigo 175, do NCPC aduz que não se excluiriam
outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais, que poderão ser regulamentadas por lei específica,
aplicando no que couber às câmaras privadas de conciliação e mediação os dispositivos previstos na norma
processual.
10
Cabe considerar que a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, ainda se encontra em período de vacatio legis, não
sendo possível a análise de sua aplicabilidade no ordenamento brasileiro. Desta forma, o que se pretende são
apenas prospecções sobre sua eficácia no Direito brasileiro.
11
“Costuma-se afirmar que o Brasil é país cujo Direito se estrutura de acordo com o paradigma do civil law,
próprio da tradição jurídica romano-germânica, difundida na Europa continental. Não parece correta essa
afirmação. O sistema jurídico brasileiro tem uma característica muito peculiar, que não deixa de ser curiosa: temos
um direito constitucional de inspiração estadunidense (daí a consagração de uma série de garantias processuais,
inclusive, expressamente, do devido processo legal) e um direito infraconstitucional (principalmente o direito
privado) inspirado na família romano-germânica (França, Alemanha e Itália, basicamente). Há controle de
constitucionalidade difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco). Há
inúmeras codificações legislativas (civil law) e, ao mesmo tempo, constrói-se um sistema de valorização dos
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no direito inglês, busca estimular e regulamentar os substitutivos da Jurisdição que devem ser
usados prioritariamente, em detrimento da solução judicializada, sendo a mediação objeto de
destaque em ambos os ordenamentos (REZENDE, 2013).
No Novo Código de Processo Civil - NCPC, assim como no Civil Procedure Rules -
CPR Inglês12, podem ser observados dispositivos que fomentam a utilização dos meios
consensuais de solução de conflitos, como o artigo 3º, §2º, do NCPC, que prevê que “O
Estado promoverá sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”; e o §3º, do
mesmo artigo dispõe que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução de
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
A doutrina brasileira já aponta o referido dispositivo como uma diretriz que
fundamenta a utilização dos meios consensuais de solução de conflitos e, como afirma Fredie
Didier, em seu Curso de Direito Processual Civil, “pode-se inclusive, defender a atualmente a
existência de um princípio do estímulo da solução por autocomposição – obviamente para os
casos em que ela é recomendável. Trata-se de princípio que orienta toda a atividade estatal na
solução dos conflitos jurídicos” (DIDIER, 2015).
precedentes judiciais extremamente complexo (súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para
causas repetitivas etc.; sobre o tema ver o capítulo respectivo no v.2 deste Curso), de óbvia inspiração no
Common Law. Embora tenhamos um direito privado estruturado de acordo com o modelo romano, de cunho
individualista, temos um microssistema de tutela de direitos coletivos dos mais avançados e complexos do mundo;
como se sabe, a tutela coletiva de direitos é uma marca da tradição do common law”. DIDIER JR, Fredie. Curso
de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed.
Salvador: JusPodivm, 2015. p. 57-58.
12
CPR 1.4. (1) The court must further the overriding objective by actively managing cases.
(2) Active case management includes –
(a) encouraging the parties to co-operate with each other in the conduct of the proceedings;
(b) identifying the issues at an early stage;
(c) deciding promptly which issues need full investigation and trial and accordingly disposing summarily of the
others;
(d) deciding the order in which issues are to be resolved;
(e) encouraging the parties to use an alternative dispute resolution(GL)procedure if the court considers
that appropriate and facilitating the use of such procedure;(grifo nosso)
(f) helping the parties to settle the whole or part of the case;
(g) fixing timetables or otherwise controlling the progress of the case;
(h) considering whether the likely benefits of taking a particular step justify the cost of taking it;
(i) dealing with as many aspects of the case as it can on the same occasion;
(j) dealing with the case without the parties needing to attend at court;
(k) making use of technology; and
(l) giving directions to ensure that the trial of a case proceeds quickly and efficiently.
Disponível em: https://www.justice.gov.uk/courts/procedure-rules/civil/rules/part01. Acesso em: 05 nov. 2015.
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Dentro desse novo contexto social, que rompe com o hermetismo manifestado pelas
instituições judiciais, a Mediação desponta, mesmo que de forma modesta, como uma nova
forma de enxergar o Direito.
A partir de então, tendo como exemplo o desenvolvimento em outros países,
começou no Brasil um movimento pró-mediação que, apesar de pequeno, despertava
interesse dos profissionais que integravam o meio jurídico brasileiro.
Quando se falava em sua institucionalização no Brasil, o principal objetivo era a
formulação de propostas legislativas de institucionalização, que buscavam regulamentar o seu
procedimento. Diante desta perspectiva, o termo institucionalização adquire característica
normativa e se afasta da noção sociológica, que estaria ligada, de forma geral, “à organização
de ideias, concepções, relações intersubjetivas e padrões de comportamento em torno de um
interesse ou finalidade socialmente reconhecidos”.
A Mediação continuou a se desenvolver no cenário nacional mesmo sem uma
legislação específica, seguindo a tendência internacional de incorporação no seio social de
uma mentalidade jurídica voltada para os meios alternativos de solução de conflitos, o que
levou o Conselho Nacional de Justiça, órgão de estruturação da política judiciária nacional, a
editar a Resolução n. 125, de 2010.
Seguindo essa perspectiva, em 16 de março de 2015, foi publicado o Novo Código
de Processo Civil Brasileiro, a Lei 13.105, que regulamenta as diretrizes e o procedimento de
Mediação Judicial; e, em 29 de junho de 2015, foi publicada a Lei n. 13.140, a Lei de
Mediação, que trazia os novos e tão esperados parâmetros de desenvolvimento da Mediação
no Brasil. Acreditava-se que, para a institucionalização da mediação, seria imprescindível um
marco regulatório que estabelecesse parâmetros de desenvolvimento, uma vez que a
legislação seria capaz de se adequar a sociedade, que estava imersa em um contexto social
onde a regra era “judicializar”(PINHO e CABRAL, 2016).
A institucionalização da Mediação no ordenamento brasileiro está, em grande parte,
associada à regulamentação do instituto por meio de lei e da atuação maciça do Poder
Judiciário, como órgão de regulamentação, formação e de desenvolvimento da Mediação.
A Mediação Judicial passou a ser o grande objeto de estudo e de desenvolvimento
da Mediação no Brasil, sendo regulamentada pelo Poder Judiciário tanto pelo CNJ, pela
Resolução 125/2010, que estabelece suas diretrizes como pelos Tribunais Estaduais, sendo o
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Poder Judiciário responsável pela formação dos mediadores judiciais, pela estrutura dos
Centros de Mediação Judicial.
Toda estrutura de desenvolvimento da Mediação que vem sendo assumida pelo
Poder Judiciário e esta se consolidando nas estruturas do serviço judiciário, diferente de
outros países como EUA, Alemanha, Itália e Holanda e Reino Unido. Esses países trazem
taxas de grande desenvolvimento da Mediação, e apesar de alguns deles estimular de forma
clara a Mediação antes de judicializar, como por exemplo nos EUA e no Reino Unido, a
Mediação não é promovida pelo Judiciário e dentro da estrutura do Judiciário, como se
observa no modelo brasileiro de Mediação Judicial (PALO, 2014).
Deste modo, com o esforço na tentativa de incorporação da Mediação na estrutura
social a partir da histórica e habitual concentração de poder do Judiciário, a reflexão que se
impõe, é a seguinte: seria o Poder Judiciário competente para a institucionalização da
Mediação? Ou apenas lhe foi delegada essa competência como decorrência de uma espécie de
capital simbólico e legitimaria o Judiciário na assunção de um instituto como a Mediação?
Seria o Judiciário competente mesmo quando a sua natureza estrutural adversarial afasta os
próprios fundamentos da Mediação? E a Mediação Judicial? Qual seria a intenção de se criar
um modelo de Mediação diverso daquele aplicado em outros países, que se desenvolve dentro
da estrutura judiciária, e é regulamentado pela norma processual civil como fase que precede
o processo judicial?
A intenção não é trazer respostas aos questionamentos propostos, até porque não
temos ainda tempo para chegar a quaisquer conclusões epistemologicamente seguras, mas
seria possível, no entanto definir alguns pontos importantes, e que devem ser esclarecidos.
De um lado, podemos observar o Poder Judiciário, como o detentor do campo de
poder, que exerceu durante anos o “monopólio” da solução de conflitos, e exerce ainda sobre
os jurisdicionados um poder de dependência na solução dos próprios conflitos, baseados no
processo de dominação racional-legal, onde os juristas produzem o discurso sobre o Estado, e
o campo jurídico ganha autonomia, produzindo uma competência técnica e social de dizer o
direito.
Acerca do capital jurídico e da concentração de poder, Frederico Almeida esclarece
que
Essa legitimidade concedida pelo hábito social teria levado o Poder Judiciário a
assumir, mesmo não sendo sua função específica, mesmo não sendo característica de sua
natureza, a institucionalização da Mediação como política pública de resolução de conflitos, e
de outras políticas que não são decorrentes da sua natureza.
O Judiciário seria, nesta visão, o único poder hábil a institucionalizar a Mediação,
competência que decorre da concentração do poder e do capital simbólico que carrega, em
detrimento dos outros poderes.
A Mediação Judicial e atuação política do Judiciário na institucionalização da
Mediação seriam, dentro dessa perspectiva, a grande solução para a efetividade da Mediação,
pois só assim, com a aplicação das leis que instituíram a Mediação essa modificação da
cultura adversarial de solução de conflitos seria possível.
Diante de perspectivas diversas sobre a atuação política do Poder Judiciário na
institucionalização da Mediação, como já mencionado, ainda não é possível chegar quaisquer
conclusões epistemologicamente seguras, ainda é necessário um amadurecimento
institucional e social acerca da Mediação no Brasil, e nesse percurso a atuação dos atores
sociais que promovem e disseminam a Mediação será fundamental.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Grupo de Trabalho 04
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
UM ENSAIO DE DIETROLOGIA JURÍDICA:
O CASO DA ALDEIA IMBUHY
BARAHONA, Henrique
Doutor em Sociologia e Direito pelo PPGSD/UFF
Doutor em História pelo PPGH/UFF
RESUMO:
Este artigo tem como objetivo discutir o papel da “evidência” no direito e a violência de que ela faz
parte, que ela oculta, tomando como base o exemplo da “Adeia Imbuhy”, como ficou denominada a
comunidade tradicional localizada dentro dos limites de uma unidade do Exército Brasileiro situada na
cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. A metodologia a ser utilizada para inquietar a
credibilidade das provas manejadas nas decisões judiciais do Tribunal Regional Federal da 2ª Região
sobre a comunidade e que autorizaram a remoção dos moradores da Aldeia Imbuhy é a “dietrologia”,
tal como a denomina o historiador italiano Carlo Ginzburg. Com esta ferramenta indiciária,
procuraremos formular uma proposta que seja ao mesmo tempo metodológica e de fundo, oferecendo
uma nova visão sobre o conflito sociojurídico verificado naquela localidade.
ABSTRACT:
This article aims at investigating the role of “evidence” in the law and its violence, which it hides,
based on the example of “Adeia Imbuhy”, as it was called the traditional community within the limits
of a unit of the Brazilian Army in the city of Niterói, in Rio de Janeiro. The methodology to be used to
disturb the credibility of the evidence handled in the judicial decisions from Tribunal Federal Regional
da 2ª Região that authorized the removal of the inhabitants of the Imbuhy Village is the “dietrology”,
as the Italian historian Carlo Ginzburg calls it. With this indiciary tool, we will try to formulate a
proposal that is methodological and substantive at the same time, showing a new vision on the socio-
juridical conflict verified in that locality.
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Da minha parte, não sou juiz nem historiador. O meu doutoramento em História não
me confere, por si só, a alcunha de historiador, não me dá a formação de historiador que não
possuo. Mas nem por isso deixo de escrever também tomado de indignação diante da
remoção compulsória destas pessoas baseada nas “provas” dos autos ou em “evidências” que
acredito devam ser rebaixadas, destronadas, como diria M. Bakhtin. Não para colocar uma
outra “verdade” em seu lugar, mas justamente para incomodar a verdade, para desabsolutizar
o lugar dela, espaço que deve ser deixado vazio, desocupado, trazendo à tona a violência que
dela resulta. Eis aqui outra palavra que já foi dita e que precisa ser explicada fora dos cânones
onde geralmente ela se encontra: a violência. Posso até consentir que haja uma invisibilidade
“simbólica” do poder operada pelo discurso jurídico na valoração das provas, uma ficção
legitimante de uma relação de dominação, segundo teorizado por P. Bourdieu. Mas me parece
que o deslocamento forçado recente de dezenove famílias, com as suas casas sendo postas
abaixo por retroescavadeiras ainda com os seus pertences pessoais e mobiliário no interior,
vigiado de todos os lados por cães e soldados armados de fuzis, em cumprimento de uma
ordem judicial de despejo, está situada muito mais além de uma “violência simbólica”
weberiana. Pelo menos ela o será dependendo de como submetemos a prova à prova, quer
dizer, de como passamos a suspeitar da “evidência” que sustenta o olhar adormecido. Pode
ser que eu esteja equivocado, mas talvez ao se esvaziar a “evidência” de todo o conteúdo
despótico de verdade com o qual monopoliza o fato narrado, tudo isso possa ser visto como
uma violência pura, cruel, ignóbil. Aliás, o conflito socioambiental na Aldeia Imbuhy deve
ser compreendido num contexto ainda maior de remoções em marcha atualmente no Rio de
Janeiro. É um caso muito semelhante ao que ocorre na Comunidade Quilombola da Ilha da
Marambaia, onde a União Federal vem também ajuizando diversas ações judiciais de
reintegração de posse em face dos seus habitantes.
Vejamos um exemplo. Há um enunciado no mesmo acórdão do Superior Tribunal
de Justiça antes mencionado de que “A história é bem verossímil”. Para concluir, logo em
seguida, contrariamente aos moradores: “E compreensível que, no final do séc. XIX, os
comandantes militares permitissem que alguns militares e servidores civis das diversas
fortalezas ali existentes trouxessem suas famílias para residir próximo do local de trabalho”. A
referência ao século XIX é uma alusão à suposta posse da área pelo Exército Brasileiro desde
1863. Esta “história verossímil” vem sendo repetida como um mantra em diversas ações
judiciais pesquisadas. E de tal maneira, que se chega a dizer que “resta incogitável qualquer
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tese de posse que possa inviabilizar a gestão da coisa pública” (apelação nº 0033234-
40.1996.4.02.5102). Todavia, estas mesmas ações judiciais estão repletas de certidões
invisíveis expedidas pelos Cartórios de Registros de Imóveis indicando que a área é
particular, que ela está em nome de pessoas feitas de carne e osso, além de outros
documentos, como cartas, recibos e fotografias. Como pode? Ainda que a maioria das ações
relativamente à Aldeia Imbuhy seja de natureza possessória, ou pelo menos deveria ser, este
dado não é irrelevante. A origem destas fontes ou provas menores, desprezíveis, deve ser
buscada no regime de direito público sobre as terras existente desde pelo menos 1850. Deve-
se à Lei nº 601, de 18 de Setembro de 1850, também chamada de “Lei de Terras”, a
normatização “sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por títulos
de sesmaria sem preenchimento das condições legaes, bem como por simples títulos de posse
mansa e pacífica...”.
Foi esta lei que instituiu a obrigatoriedade do registro nos arquivos paroquiais a
partir de 1850. Esta disposição da “Lei de Terras” causa uma certa estranheza a reivindicação
que a União Federal faz da área do Forte Imbuhy desde 1863. Pois ainda que seja verdade que
a unidade militar foi ali instalada naquele ano, já havia ali áreas particulares tituladas e gente
morando anteriormente nelas, gozando plenamente da proteção do Estado Imperial. Essas
pessoas sim, tiveram as suas posses transformadas em propriedade em virtude de lei. Desta
forma, não me parece “verossímil” que o Exército Brasileiro tenha chegado no local e
encontrado tudo vazio, sem ninguém morando, ou que tenha simplesmente dito “cheguei!
Agora vão todos embora”. Isto significaria simplificar demais o conflito sobre a reivindicação
de terras pelas comunidades tradicionais e o olvido dos direitos e garantias a elas conferidos
pela Constituição da República de 1988 e pelo Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.
Mesmo assim, lembro que a já Constituição Imperial de 1824, em vigor quando editada a
“Lei de Terras”, tinha como princípio a proteção da propriedade privada daquelas pesoas em
seu artigo 179 (“A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros,
que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Imperio...”).
A “Lei de Terras” de 1850 foi posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 1318
de 30 de Janeiro de 1854, que dispunha em seu artigo 24 que “Estão sujeitas à legitimação as
posses que se acharem em poder do primeiro occupante, não tendo outro título senão a sua
occupação”, bem como “as que, posto se achem em poder do segundo occupante, não tiverem
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sido por este adquirida por titulos legitimos”. A mesma “Lei de Terras” foi posteriormente
regulamentada pelo Regulamento de 8 de Maio de 1854, que em seu artigo 91 estabalecia que
“Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o título de sua propriede ou possessão, são
obrigados à fazer registrar as terras que possuírem”, o que passou a ser efetivamente feito em
seguida, dando origem à titulação particular de toda a área da Aldeia Imbuhy antes da
chegada do Exército Brasileiro no local. Por isso há nos processos esta grande quantidade de
certidões imobiliárias de áreas circunscritas na Aldeia Imbuhy registradas nos cartórios de
Niterói e São Gonçalo, já que a região de Itaipú, Piratininga e Imbuí ficava antigamente sob a
competência registral deste último município. Documentos ou “provas” abundantes que
ninguém procurou saber de onde vieram. Voltaremos a isso mais adiante. O que eu gostaria
de propor é uma outra narrativa possível, contrária à anterior, e a conclusão que desta outra
narrativa resulta será, por conseguinte, também diametralmente oposta: os moradores da
Aldeia Imbuhy, muitas delas proprietárias das terras onde viviam e trabalhavam muito antes
da chegada da União Federal, jamais tiveram a sua presença no local tolerada pelo Exército, e
por isso vêm sendo paulatinamente arrancadas de lá. A afirmação de que os moradores
“convivem pacificamente com os militares no entorno do Forte Imbuhy (ou Imbuí) há várias
décadas”, que encontramos no acórdão da apelação nº 0033242-17.1996.4.02.5102, faz de
conta que não existe de fato um sério conflito histórico sobre a ocupação do local.
A propriedade “imemorial” da União Federal sobre as terras da Aldeia deve-se ao
que ficou decidido na apelação cível nº 6.421, uma decisão muito mais repetida do que lida.
Se passarmos os olhos com vagar nas alegações finais do Procurador da República naquela
ação de manutenção de posse, ou seja, de índole possessória, José Júlio de Saboia e Silva,
vamos ver que ele próprio reconheceu em suas razões a propriedade particular das terras do
“Imbuhy” desde o século XVIII, mais precisamente, pelo menos desde 1721. E disse ainda
mais: “Após os estudos procedidos pela engenharia militar, o Governo Imperial’, por Aviso
do Ministério da Guerra de 21 de Novembro de 1862, tomou posse da Ponta do Imbuhy, para
melhor construir o Forte D. Pedro II”. Percebam que quando a posse da União Federal teve
início – sem indenização alguma aos proprietários – ela oficialmente estava reduzida à “Ponta
do Imbuhy”, na pedra também conhecida como “Ponta do Boqueirão”, não na praia ou na
direção da lagoa de Piratininga. E a discussão dentro daquele processo, por mais curioso que
possa parecer hoje em dia, era inversa ao que se discute atualmente, se esmerando o
Procurador em demonstrar que a posse então restrita à “Ponta do Imbuhy” não havia sofrido
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qualquer oposição aos moradores da localidade. Ora, isso revela que sempre foi a União
Federal a invasora, a indesejada, a estrangeira. Não foi uma posse clandestina, se tomarem por
fundamento, num apego formalista, o tal “Aviso” ministerial de 21 de novembro de 1862.
Mas ela de qualquer maneira acabou se mostrando violenta, desde o seu início, pela não
indenização de quem ali estava, tendo em vista a proteção da propriedade trazida no já
mencionado artigo 179 da Constituição do Império. Clandestinidade que se perpetua ainda
atualmente, já que estão todos, proprietários e possuidores, abrangidos pela proteção
constitucional dada às comunidades tradicionais. Foi naquela sentença que a posse da União
Federal de uma pequenina parte da região de Imbuhy e Piratininga situada apenas na Ponta do
Boqueirão, encravada na pedra, por uma ficção jurídica, se expandiu para a posse de 600
braças de terras ao seu redor, pouco importando quem já se encontrava lá “imemorialmente”.
Deve-se ao estudo de Márcia Motta a informação de que no Almanak Laemmert de 1867,
apenas quatro anos após a posse do Governo Imperial da Ponta do Imbuhy, eram apontados
dois proprietários e um Inspetor de Quarteirão na referida localidade, cargo surgido com o
Código de Processo Criminal de 1832. Cada Quarteirão deveria ter no mínimo vinte e cinco
casas ou “fogos”, o que nos dá uma noção da provável quantidade de pessoas atingidas pela
intromissão dos homens de farda na sua comunidade. Em seguida, a fortificação na Ponta do
Boqueirão ficou abandonada até 1901, perdendo inteiramente a afetação ou destinação
pública conferida pelo Aviso de 21 de novembro de 1862. Isso demonstra também a trama
das conveniências duvidosas, dos interesses obscuros e seus critérios desiguais. Basta ver que
a presença do Forte do Gragoatá aqui bem perto de dois campi desta Universidade Federal
Fluminense, não limita o tráfego de pessoas ou veículos, moradores e alunos dentro das 600
braças ou 1.318,800 metros ao seu redor, segundo uma anacrônica disposição que remonta a
um Regulamento de 12 de fevereiro de 1812.
Esta gente, portanto, resiste às remoções que foram iniciadas ainda no século XIX.
Nada justificaria o desmando e a violência que ali ocorre ao longo dos anos, com o
desapossamento forçado de bens particulares em virtude do agigantamento do poderio dos
militares após sucessivos períodos históricos em que a democracia fora ela própria violentada.
A começar pelos “vitoriosos” da própria Proclamação da República, quando a população
atônita, assistiu a tudo como se fosse uma parada militar. José Murilo de Carvalho tomou de
empréstimo a expressão na época utilizada por Aristides Lobo indicando que o povo ficou
“bestializado” com a quartelada que pôs fim ao Império. Nas palavras do historiador: “Os
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militares tinham provado o poder que desde o início da Regência lhes fugira das mãos. Daí
em diante julgaram-se donos e salvadores da República, com o direito de intervir assim que
lhes parecesse conveniente” (CARVALHO, 1987, p. 22). Logo em seguida houve o
aprofundamento de uma crise política com Floriano Peixoto que vitimou até mesmo a Rui
Barbosa, que havia saído em defesa das pessoas presas e desterradas pelos militares fiéis ao
“Marechal de Ferro” durante a decretação do Estado de Sítio em 1892. Os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, ao comunicarem a Floriano que não poderiam deixar de conceder
o Habeas Corpus impetrado por Rui Barbosa em favor dos pacientes, ouviram do então
Presidente a seguinte ameaça: “Esta notícia me contraria sobremodo. Não sei amanhã, quem
dará habeas-corpus aos ministros do Supremo Tribunal...” (Apud VIANA FILHO, 1949, p.
253). O resultado foi a denegação do mandamus e o exílio do “Águia de Haya” para a
Argentina, Portugal e a Inglaterra. Se o exílio foi a resposta dada pelo “Marechal de Ferro” ao
grande jurista que era Rui Barbosa, personagem cultuado até os dias de hoje, o que se dirá de
simples pescadores e extrativistas num local que passou a ser naquele momento cobiçado para
acomodar todo o séquito de vitoriosos fiéis florianistas? O resultado disso tudo para eles foi
um exílio dentro das suas próprias casas, o desterro dentro do próprio lugar onde viviam.
Na “Planta do Imbuhy e Arredores, levantada, desenhada e impressa pelo Serviço
Geographico Militar” em 1924, foram apontadas diversas residências em torno da lagoa de
Piratininga e da praia do Imbuhy, ligadas pelo “Caminho da Lagoa”, que depois ficou
chamado de “Estrada da Fonte” (referência à “fonte da Penha”, nome dado ao poço de água
potável que abastecia os moradores na praia de mesmo nome dentro da lagoa), e que depois
teve até mesmo o seu nome apropriado pelo Exército e virou “Estrada do Forte”. Naquela
documento é possível ver a expansão da ocupação militar para além da ponta onde antes
havia apenas os canhões que ficam na Ponta do Boqueirão, a residência original dos oficiais,
o cassino e o quartel. Neste mapa é possível perceber o avanço das edificações militares em
direção às dezenas de casas dos moradores marcadas em pequenos pontos pretos situadas
tanto na praia do Imbuhy como na direção das casas que ocupavam o “Caminho da Lagoa”.
Numa demonstração bruta e deigual de poder, os hotéis de trânsito dos oficiais e suboficiais
foram construídos no local exato onde antes ficava a escola Miriam de Andrade Mello no
outro extremo da praia, que funcionava como uma espécie de centro de tradições
comunitárias. E a guarita ou “guarda” que limitava a entrada e saída de pessoas e veículos
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pelo antigo “Caminho da Lagoa” do lado de Piratininga, e que originalmente ficava bem perto
da praia do Imbuhy, foi esticada até chegar praticamente na antiga Praia da Penha.
Já naquela época havia uma pressão econômica sobre a Aldeia. Neste mesmo ano de
1924 começou a aludida disputa judicial sobre a área entre Mário Guaraná de Barros e sua
esposa e a União Federal. Quem tiver curiosidade de ler aquela primeira sentença proferida
em 9 de setembro de 1932 verá que a primeira coisa que fez Mário Guaraná foi tentar vender
a área que acabara de comprar por quinze contos de réis imediatamente para o Ministério da
Guerra por quinhentos e vinte oito contos de réis! O négócio não deu certo. Todos se diziam
incrivelmente donos de tudo. Nenhum deles tinha razão. Nem Mário Guaraná e sua esposa
eram proprietários de toda a área, nem os militares detinham a posse que dizia ter. Mas quem
se saiu melhor, quer dizer, quem saiu vitoriosa na contenda judicial, como sendo a possuidora
de toda a área de servidão militar compreendida dentro das 600 braças de raio da torre do
Forte Imbuhy, ao menos naquele momento, foi a União Federal. Uma posse que, é bom
repetir, ela nunca teve. Nova investida contra os pescadores ocorreu quando foi praticamente
proibida a pesca de camarões na Lagoa de Piratininga, tornada propriedade particular pelo
Decreto Estadual nº 51 de 1943 que criou a “Companhia Itaipu”. O loteamento de toda a área
lagunar em 1947 empurrou os pescadores para a faixa mais próxima da enseada do Imbuhy,
onde abrigavam melhor os seus barcos das ondas e ventos. O loteamento foi feito num acordo
entre o incansável Mário Guaraná e a empresa Jardins Piratininga Imbuí Limitada, como se
depreende da Certidão do Livro 8-Auxiliar, fls. 008, sob o nº de ordem 02, do Cartório do 15º
Ofício de Justiça de Registro de Imóveis de Niterói. Pela descrição da propriedade da empresa
Jardins Piratininga Imbuí Limitada, ela ia “da lagoa de Piratininga e Praia de Imbuí”. Segundo
este mesmo registro, o loteamento “contará com elemento paisagístico, de grande valor, com
um bosque”; a “construção de um cais”, “um hotel moderno”, e “a sede de um clube,
localizado na ilha, que se encontra no interior da lagoa de Piratininga, no gênero do Clube dos
Caiçaras existente na lagoa Rodrigo de Freitas”. O Decreto-lei 58/37 estabelecia como
condição para o registro da área “uma relação cronológica dos títulos de domínio, desde 30
anos, com indicação da natureza e data de cada um, e do número e data das transcrições” que
jamais foi feita. Caso houvesse sido realizado este levantamento, certamente seria verificada
numa área tão extensa a existência de dezenas de propriedades privadas antecedentes no local.
No estudo feito por Lejeune P. H. de Oliveira sobre o sistema lagunar de Piratininga e Itaipú
em 1948, ele afirmava existerem trinta e oito casas na região. Lejeune reproduzia em seus
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escritos o pressentimento corrente já naquela época de que “as lindas praias atlânticas da
margem oriental de Niterói; Piratininga e Itaipu, transforma-se-ão em futuro breve em bairros
residenciais idênticos aos de Copacabana, Ipanema e Leblon” (Apud OLIVEIRA, 1948, p.
683).
Levantar a propriedade das terras e mesmo a sua posse não interessava aos sócios da
empresa Jardins Piratininga Imbuí Limitada que investiam o seu capital na área. Seria mais
fácil remover os humildes moradores depois, fosse pela truculência, fosse através do Poder
Judiciário. A última coisa que pretendiam era chamar a atenção para a proveitosa fraude em
curso. E por isso precisavam que o Município de Niterói aprovasse tudo às pressas, sem
levantar qualquer suspeita. E também que os cartórios recém-criados não pesquisassem a
origem dos títulos aquisitivos e esquecessem os títulos preexistentes. Assim foi feito. A
dificuldade era que o Decreto-lei 58/37 previa que “o plano e planta do loteamento devem ser
previamente aprovados pela Prefeitura Municipal, ouvidas, quanto ao que lhes disser respeito,
as autoridades sanitárias e militares”. Com isso, o arranjo entre os proprietários da Jardins
Piratininga Imbuí Limitada e o município esbarrou frontalmente nos interesses do Exército
Brasileiro na área loteada, pois em sendo o memorial do loteamento aprovado pela
municipalidade sem a oposição da União Federal, a área se tornaria toda loteada, particular, e
todas as ruas e as praças públicas daquela localidade passaram a pertencer desde então ao
Município de Niterói. Como resultado, a União Federal nunca se opôs juridicamente ao
aludido loteamento. A mencionada matrícula imobiliária do loteamento dizia que “...foram
publicados editais, divulgando a pretensão da requerente para conhecimento de terceiros
interessados, pelo prazo legal, durante o qual, não havendo sido, apresentado, qualquer
impugnação à inscrição requerida...”.
O problema criado para o Exército Brasileiro pelos proprietários do loteamento e os
burocratas municipais era difícil de consertar, mas não impossível. Ainda mais com o
precioso auxílio dos tabeliães. Em 02 de abril de 1951, o loteamento foi alterado, com a
retirada a porção de terras dentro da servidão militar. Para compensar esta “perda”,
aumentaram, como num passe de mágica, de 770 para 1.442 lotes, tendo a parte da praia e
lagoa de Piratininga modificada a sua denominação para loteamento Marazul. Se a área de
servidão onde estava localizada a Aldeia Imbuhy não pertencia ao loteamento, pertencia ao
Exército. Foi mediante mais este artifício que as propriedades particulares situadas na praia do
Imbuí ao longo do tempo ficaram esquecidas, como se a área pertencesse “imemorialmente”
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decorrente dos títulos de propriedade registrados na forma da Lei 6.015/1973, títulos que
remontam ao século XIX, anteriores à presença militar na região, e permanecerá particular até
que todos os passos previstos em lei ou o “devido processo legal” para a desapropriação
sejam cumpridos. Mas este interesse, ainda que houvesse, não poderia suplantar o de uma
comunidade tradicional protegida por lei.
Há também julgados entendendo que a propriedade da Aldeia Imbuhy é pública em
virtude do Decreto nº 77.890, de 22 de junho de 1976. Mas se a propriedade e a posse da área
pela União Federal era “imemorial” (apelação nº 0033477-81.1996.4.02.5102), como se diz
repetidamente nas decisões judiciais, qual seria a necessidade deste Decreto? Apenas
possibilitar o registro traslativo da propriedade? Mas o julgado nº 2001.02.01.010184-6
afirma que o referido decreto não confere a propriedade da área à União Federal. E vai mais
além, dizendo que a posse da União não é originária, devendo ser respeitadas as situações já
consolidadas. Este Decreto nº 77.890/76 nada mais é do que um triste registro do período
ditatorial militar inaugurado em 1964, pelo qual o Presidente da República, Ernesto Geisel,
autorizou o registro em nome da União Federal da área ocupada pela “1ª Bateria do 1º Grupo
de Artilharia de Costa Motorizado e do Presídio do Exército, ocupado nos últimos vinte anos,
sem interrupção nem oposição, pelo Ministério do Exército”. Mas como, “sem interrupção
nem oposição”?
Este Decreto 77.890/76 tem como norma de regência a Lei nº 5.972, de 11 de
dezembro de 1973, estabelecendo que “O Poder Executivo promoverá o registro da
propriedade de bens imóveis da União... possuídos ou ocupados por... unidades militares,
durante vinte anos, sem interrupção nem oposição” (artigo 1º, inciso II). Diz também que
deverá conter “certidão lavrada pelo Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.), atestando a
inexistência de contestação ou de reclamação feita administrativamente, por terceiros, quanto
ao domínio e à posse do imóvel registrando” (artigo 2º); e que “o Oficial do Registro
verificará se o imóvel descrito se acha lançado em nome de outrem” (artigo 3º). Reparem bem
que o aludido Decreto fala em terrnos “possuídos ou ocupados” pela União, ou seja, sobre a
posse. No exemplo que demos acima, a posse da União Federal foi eficazmente contestada
em juízo. Logo, neste e também em tantos outros casos, a União Federal não contava com a
posse vintenária das áreas da Aldeia. Pelo contrário, as casas dos pescadores já estavam lá
vinte anos anos antes. Isso quer dizer que quem exercia a posse eram os moradores da
comunidade! Além do mais, basta uma leitura na Certidão do Cartório do 15º Ofício para
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os aldeães tiveram limitados o ingresso em suas casas dos seus vizitantes, familiares e amigos,
dos seus veículos; foi controlada a entrada das bebidas; foram proibidos de utilizarem o
telefone público, a água da rede de abastecimento, de reformarem as suas casas, quem se
casasse era obrigado a se mudar dali etc. Corpos também militarizados, hábitos, cotidiano. Foi
deles exigido pelo comandante em deterinado momento até mesmo que cantassem o hino
nacional nos dias de solenidades e trocas de bandeira, os homens com a cabeça descoberta.
Mas o final daquele ano guardaria ainda mais uma triste surpresa: a proibição da pesca pelo
comandante da unidade. Em mais um ato de resistência, os moradores denunciaram as
arbitrariedades do comando militar da Aldeia Imbuhy à Comissão Permanente de Direitos
Humanos da Câmara Municipal de Niterói, então presidida pelo vereador João Batista
Petersen Mendes. O Relatório desta Comissão, de 16 de maio de 1995, e que foi aprovado na
reunião do dia 23 do mesmo mês, sugeria que “os contrangimentos e pressões sobre os
moradores têm como único objetivo desalojá-los de suas moradias, por método arbitrário,
ilegal e desumano” (RELATÓRIO, s/p).
De qualquer modo, a ofensiva contra os aldeães encontrou o seu momento decisivo
no ano seguinte, com o ajuizamento contra todos eles de ações de reintegração de posse pela
União Federal. Como diria Michel Foucault, “A lei não é pacificação, pois, sob a lei, a guerra
continua a fazer estragos no interior de todos os mecanismos de poder” (FOUCAULT, 2005,
p. 55). O direito, para ele, invertendo a fórmula de Clausewitz, seria a guerra continuada por
outros meios. Eu apenas acrescentaria que é a guerra continuada por outros meios com as
regras do “inimigo”. No caso, o colonialismo jurídico, o monólogo jurídico sobre o direito à
terra pelas comunidades tradicionais. Toda esta enxurrada de ações de 1996, pelo menos todas
as que tive acesso, foi instruída com a cópia do Decreto nº 77.890, de 22 de junho de 1976,
uma lei que pretendia ocultar não apenas a tortura, mas a violação de outros direitos dos
moradores da Aldeia Imbuhy, como os direitos de propriedade e de posse. É inegável que
ambos fazem parte do rol dos direitos humanos inclusive internamente e não isso é de hoje.
Mas em se tratando de hipótese de violação de tais direitos quando praticada durante a
vigência de regimes políticos autoritários, a questão ganha um tratamento especial. O
Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) se posicionou em 2004 no sentido de
retirar os efeitos e repudiar as autoanistias concedidas aos “crimes de genocídio, crimes de
guerra, crimes de lesa-humanidade ou graves violações dos direitos humanos”. Na data da sua
edição, o Decreto nº 77.890 violava os tratados internacionais de direitos humanos então em
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vigor e dos quais o Brasil fazia parte. Ele riscou o direito de propriedade resguardado nos
artigos 17.1. (“Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros”)
e 17.2. (“Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”) da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de
1948. A “autoapropriação” feita, sem indenização alguma, sem a salvaguarda da posse da
área pelos seus tradicionais ocupantes, colidiu, portanto, com uma matéria inderrogável de
direitos humanos internacionais, não resistindo ao controle de convecionalidade. O historiador
Carlo Ginzburg, cotejando a tarefa do historiador e do juiz diante das provas que manuseiam,
diz que “existem erros catastróficos, erros inócuos, erros fecundos”. Porém, no processo
judicial, este último não tem lugar. “O erro judicial, mesmo quando revogável, se traduz
sempre numa diminuição da justiça” (GINSBURG, 1993, p. 97). E qualquer diminuição da
justiça, para quem a sofre, será sempre uma violência.
REFERÊNCIAS:
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. São
Paulo: Hucitec, 2013.
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia
das Letras, 1987.
FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: Coleção Ditos &Escritos. Volume IV, Estratégia, poder-
saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
FREITAS JÚNIOR, Augusto Teixeira de. Terras e Colonização. Rio de Janeiro: B. L. Garnier – Livreiro Editor,
1882.
GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
GINZBURG, Carlo. El Juez y el Historiador. Madri: Anaya & Mario Muchnik, 1993.
LOBÃO, Ronaldo. Cosmologias Políticas do Neocolonialismo: como uma política pública pode se transformar
em uma política do ressentimento. Niterói: EdUFF, 2010.
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Uma história para não esquecer. O Forte Imbuí e a expulsão dos moradores.
Laudo histórico. 2015.
VIANA FILHO, Luiz. A vida de Rui Barbosa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1949.
ASPECTOS DE PROTEÇÃO ANIMAL, AMBIENTAL E HUMANA:
ANIMAIS E VEÍCULOS DE TRAÇÃO
CHAUFUN, Mery
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito PPGD-UVA.
Mestre em Direito pela UNESA.
Professora da Universidade Veiga de Almeida do Curso de Direito.
ARRUDA, Camila Rabelo de M. S.
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito PPGD-UVA.
Professora da Universidade Veiga de Almeida dos Cursos de Direito e Administração.
NOGUEIRA, Marcelo
Doutorando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito PPGD-UVA,
Mestre em Psicanálise, saúde e sociedade pela Universidade Veiga de Almeida.
Professor da Universidade Veiga de Almeira do Curso de Direito.
RESUMO
A presente pesquisa trata da utilização de animais para atividades pesadas, onde se usa a força, a tração
animal para o exercício de atividades de trabalho. Os impactos causados a saúde dos animais, ao meio
ambiente, e a vida humana. A utilização dos animais possui características de crueldade, grande
esforço físico, levando os animais a exposição de doenças, lesões e diminuição da qualidade de vida. A
pesquisa objetiva verificar a legislação existente quanto ao trabalho de animais de tração, verificar as
consequências para os animais e para o meio ambiente deste tipo de trabalho e analisar as novas
possibilidades que substituam a utilização dos animais. A pesquisa demonstra-se relevante por ser um
tema de relevância social, ao meio ambiente e os animais.
ABSTRACT
The present research deals with the use of animals for heavy activities, where the force is used, the
animal traction for the exercise of work activities. The impacts caused to the health of animals, the
environment, and human life. The use of the animals has characteristics of cruelty, great physical
effort, leading the animals to expose diseases, injuries and decrease the quality of life. The objective of
this research is to verify the existing legislation regarding the work of traction animals, to verify the
consequences for the animals and the environment of this type of work and to analyze the new
possibilities that substitute the use of the animals. The research is relevant because it is a subject of
social, environmental and animal relevance.
193
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INTRODUÇÃO
1.ASPECTOS HISTÓRICOS
(...) tendo observado a entrada de uma tropa de mulas na cidade de Santo, notou
que quando os tropeiros retiravam as cangalhas dos animais, viam-se em muitos
deles feridas que iam até os ossos. Resultado de longas viagens por maus caminhos,
sem que os homens se preocupassem com os animais. E quase o mesmo martírio
sofriam as mulas nas cidades, transportando pelas ruas esburacadas , em caleças e
carros arcaicos, gordos vigários, imensas baronesas acompanhadas de pretas
também opulentas, fidalgos enormemente arredondados pelo pirão e pela inércia ou
inchados monstruosamente pela elenfatíase. (FREYRE, 2006, p.632)
muares1 em 1791, tendo como finalidade beneficiar os criadores e negociantes de cavalos. Tal
determinação foi obtida pelo governador da Capitania de Goiás.
No período posterior a colonização, os animais chamados pelo homem de tração
continuaram sendo explorados sem qualquer preocupação com seu bem estar. Comuns os
maus tratos sofridos por cavalos e burros, que puxavam carroças e charretes, impostas por
seus condutores, realidade que, infelizmente, ainda ocorre, tanto que talvez a primeira lei que
se tenha notícia quanto à preocupação com o animal no Brasil seja o Código de Posturas, de
06 de outubro de 1886, no município de São Paulo, que estipulava no artigo 220 a proibição
do cocheiro impor castigo exagerado ao animal conduzido.2
Posteriormente a sociedade começa a refletir sobre a questão animal e protetores
atentos e atuantes pela causa animal, abolicionistas ou em busca de melhores condições
ambientais e para os animais. Passagem interessante ocorreu em 1905 com José do
Patrocínio, abolicionista e simpatizante da causa animal.
1
“Os Muares são produto do cruzamento de jumentos e jumentas com cavalos e éguas de diversas raças, gerando
burros e mulas. Aptidão: Animais de tração, rústicos e resistentes a terrenos acidentados e temperaturas altas.
Apropriados para o trabalhos no campo, lazer, turismo eqüestre e cavalgada”
Disponível em.<http//:www. mercadodecavalos.com.br> Acesso em 25.08.08.
2
Código de Posturas de 06.10.1886: “Art. 220: É proibido a todo e qualquer cocheiro, condutor de carroça, pipa
d’água, etc, maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados. Esta disposição é igualmente aplicada aos
ferradores. Os infratores sofrerão a multa de 10$, de cada vez que se der a infração.”
3
Decreto n. 24.645 de 10 de julho de 1934: estabelece medidas de proteção aos animais.
Art. 3º Consideram-se maus tratos:
I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou
os privem de ar ou luz;
III – obrigar animais a trabalhos excessívos ou superiores ás suas fôrças e a todo ato que resulte em sofrimento
para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo;
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Além de considerar o animal por ele próprio, tornou contravenção penal os maus tratos aos
animais e possibilitou ao ministério público atuar em benefício dos animais em juízo.
IV- (...)
V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem coma deixar de ministrar-lhe tudo o que
humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária;
VI - (...)
VII – abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação;
VIII. – atrelar, no mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com equinos, com muares ou com
asininos, sendo somente permitido o trabalho etc conjunto a animais da mesma espécie;
IX – atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, ganchos e lanças ou com
arreios incompletos incomodas ou em mau estado, ou com acréscimo de acessórios que os molestem ou lhes
perturbem o'fucionamento do organismo;
X – utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que êste último caso
somente se aplica a localidade com ruas calçadas;
Xl – açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma um animal caído sob o veiculo ou com ele, devendo o
condutor desprendê-lo do tiro para levantar-se;
XII – descer ladeiras com veículos de tração animal sem utilização das respectivas travas, cujo uso é obrigatório;
XIII – deixar de revestir com couro ou material com identica qualidade de proteção as correntes atreladas aos
animais de tiro;
XIV – conduzir veículo de tração animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha bola fixa e
arreios apropriados, com tesouras, pontas de guia e retranca;
XV – prender animais atraz dos veículos ou atados ás caudas de outros;
XVI – fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de 6 horas
continuas sem lhe dar água e alimento;
XVIII – conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés
atados, ou de qualquer outro modo que lhes produza sofrimento;
XX – encerrar em curral ou outros lugares animais em úmero tal que não lhes seja possível moverem-se
livremente, ou deixá-los sem Agua e alimento mais de 12 horas;
Artigo 4º Só é permitida a tração animal de veículo ou instrumento agrícolas e industriais, por animais das
espécies esquina, bovina, muar e asinina.
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que não sejam a humana. Livros são lançados com teorias que incluem o animal na esfera de
consideração moral. Destaca-se o livro Libertação Animal do filósofo Peter Singer, com o
princípio da igual consideração de interesses e Jaulas Vazias do filósofo Tom Regan,
incluindo os animais como sujeitos de uma vida. A temática e reflexão sobre os animais
ganha espaço. Forma-se uma disciplina autônoma, com reflexos ambientais e para o animal
individualmente considerado, cursos de extensão, congressos abordando a questão animal, as
crueldades sofridas em suas tristes realidades cotidianas.
Forma-se um novo ramo do direito com preceitos doutrinários nos quais animais
possuem titularidade de direitos como vida, liberdade, integridade física e psíquica. Animais
como sujeitos de direito, como entes despersonalizados ou como sui generis. Animais com
direito a vida digna e um mínimo existencial. Respeito por sua natureza e essência, liberdade
para viverem com seus pares em conformidade com suas necessidades inerentes,
independente do homem ou para o proveito deste.
Em meio à elaboração de leis, preceitos doutrinários e princípios, e no que tange aos
animais utilizados para tração e carga, pode-se destacar as cinco liberdades defendidas na
ideia de bem estar animal.
Em 1965 foi elaborado o relatório Brambell (1965), através de comissão presidida
pelo veterinário Rogers Brambell e em 1967 a Comissão de Bem Estar de Animais de
Produção e em 1979 o Conselho de Bem Estar de Animais de Produção, surgindo as “cinco
liberdades” as quais deveriam ser aplicadas também aos animais ditos de tração, ou seja;
liberdade nutricional (livre de fome e sede); liberdade psicológica (livre de medo, estresse);
liberdade ambiental (local adequado para viver); liberdade sanitária (livre de dor , lesões e
doenças. Com tratamento veterinário)
Ocorre que, equinos em centros urbanos não tem as cinco liberdades respeitadas.
Concorrem com carros, caminhões, no caos do trânsito. Trabalham longas jornadas, não
descansam de forma adequada, permanecem amarrados ou em baias inadequadas nos
momentos de suposto descanso, calor, privados de convivência com os da sua espécie,
ausência de cuidados veterinários, carga excessiva, arreios de forma rústica gerando feridas e
desconforto. Abandono na velhice ou quando com problemas de saúde. É comum observar
perda de peso, lesões de pele, dores musculares e nos cascos, desidratação, degenerações
ósseas, depressão imunológica; perda de visão, entre outros problemas.
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(61,5%) negaram o uso do chicote nos animais, cargas excessivas de 500 a 800 kg, com
jornada de trabalho exaustiva de 8 a 13 horas por dia e sem intervalos para descanso.
Embora sejam reconhecidos e classificados pelo Art. 96 da Lei 9.603/1997 do
Código Brasileiro de Trânsito como veículos de passageiros (charrete) ou de carga (carroça)
de tração animal, a regulamentação da sua circulação local tem ficado a cargo das legislações
municipais. No entanto, leis municipais de circulação de carroceiros já foram aprovadas em
várias capitais brasileiras, como em Belo Horizonte (10.119/2011) e Curitiba (11.381/2005),
sem que tenham sido ainda hoje feitas suas respectivas regulamentações e aplicações.
Alguns municípios regulamentam a prática, outras elaboraram leis para por fim. O
estado do Rio de Janeiro foi o primeiro estado a proibir a utilização de animais nos centros
urbanos, no entanto, abre exceção em centros turísticos.
Em âmbito internacional também já se observa a proibição ou regulamentação, por
exemplo: o Código Penal italiano: Artigo 544 tipifica como maus tratos a submissão a
trabalhos excessivos; em Israel a circulação de carroças que transportam cargas foi proibida
em 2004, por entender que as condições são inadequadas para o animal.
4
“ Um homem foi detido e indiciado por maus-tratos a animais em Luís Eduardo Magalhães, na região oeste da
Bahia, após um cavalo de propriedade dele desmaiar no meio de uma rua da cidade por não suportar puxar uma
carga de madeira em uma carroça. O dono do animal foi levado à delegacia após uma foto que mostra o animal
caído no chão viralizar na internet, segundo informou ao G1, nesta terça-feira (23), a Polícia Civil do município
“.Disponível em http://g1.globo.com/bahia/noticia/cavalo-desmaia-por-nao-suportar-carga-de-madeira-em-
carroca-e-dono-e-detido-apos-foto-viralizar.ghtml>Acesso em 09\09\2017 “Um cavalo sofreu um acidente, nesta
segunda-feira (24), no bairro Cidade Santa Maria, em Montes Claros. O animal caiu de uma carroça, depois de
não ter forças para seguir. O ocorrido foi registrado pela Repórter do Web Terra que, quando chegou ao local, viu
o animal em pé e bebendo água ofertada por moradores. Segundo o dono do animal, o cavalo “caiu porque quis.
A culpa não é minha”, justificou. A população do bairro, que presenciou o momento também, disse que o dono
do cavalo bateu demais nele, e o bicho apresentava sinais de maus- tratos, fome e cansaço.
Disponívelem<http://olharanimal.org/cavalo-em-carroca-cai-apos-maus-tratos-em-montes-claros-mg/>
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5
Recentemente em Minas, Montes Claros uma carroça colidiu com um ônibus, a carroça tombou sobre a criança
de 11 anos que acabou falecendo. Disponível em <http://g1.globo.com/mg/grande-minas/noticia/crianca-de-11-
anos-morre-apos-colisao-entre-carroca-e-onibus-em-montes-claros.ghtml> Acesso em 09\09\2017.
6
Disponível em <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/05/projeto-cavalo-de-lata-quer-reduzir-
circulacao-de-carrocas-no-rs.html> Acesso em 09\09\2017.
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gerou comoção, impulsionou a lei estadual no Rio de Janeiro e forte atuação da Comissão de
proteção e defesa dos animais do RJ.7 Assim, após longas conversas e negociações com os
carroceiros, alguns apoiando e outros não, os animais foram levados para local adequado e
foram substituídos por charretes elétricas. Muitos dos animais foram levados para a Ong
Santuário das Fadas.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
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DIAS, Edna Cardozo. A defesa dos animais e as conquistas legislativas do movimento de proteção animal no
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2007.
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7
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veículos. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, ano 1.n.1. jan/dez,
2006
http://www.anda.com
http://www.planalto.com.br
http://www.mercyforanimals.org
VULNERABILIDADE SOCIAL
DE MORADORES REASSENTADOS
E SUA PERCEPÇÃO DE RISCOS
RESUMO
A Ocupação Machado de Assis, comunidade de baixa renda situada no bairro da Gamboa, na Cidade
do Rio de Janeiro, foi removida para o bairro de Senador Camará, em função das obras para os
preparativos dos megaeventos esportivos da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Este trabalho avalia as
consequências da remoção na vida destes moradores no tocante às vulnerabilidades sociais, riscos e
perigos da sua nova condição de moradia. O risco é abordado a partir de seu aspecto conceitual,
desdobrando-se sua distinção com o conceito de perigo. Na nova morada, os removidos se expõem a
riscos e perigos distintos dos anteriores, e a mutação da natureza do risco acarreta-lhes incerteza e
receio pelo pior. Baseado em dados empíricos obtidos em entrevistas com moradores removidos,
apresenta como resultados as percepções de risco de cada pessoa, concluindo que a amplitude do risco
tem estreita conexão com a classe social do indivíduo e que muito do que se considera risco, não
ultrapassa os limites do imaginário.
ABSTRACT
The Machado de Assis occupancy, a low-income community in the Gamboa, neighborhood in the City
of Rio de Janeiro, was removed to the neighborhood of Senador Camará, as a result of the
preparations for the mega-events of the World Cup and the Olympics. This paper assesses the
consequences of the removal in the life of these residents regarding the social vulnerabilities, risks and
dangers of their new housing condition. The risk is approached from its conceptual aspect, unfolding
its distinction with the concept of danger. In their new home, the evicted residents are exposed to risks
and dangers different from the previous ones, and the mutation of the nature of the risk brings them
uncertainty and fear for the worse. Based on empirical data obtained from interviews with evicted
residents, its results presents the perceptions of each person's risk, concluding that the extent of risk
has a close connection with the social class of the individual and much of what is considered risk does
not exceed the limits of the imaginary.
205
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INTRODUÇÃO
1
A propósito, muito instrutivo o material produzido pela Relatoria Especial da ONU para a moradia adequada.
Disponível em: <https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2010/01/guia_portugues.pdf>.
2
Ocupação coletiva de 150 famílias que viviam em um prédio industrial de quatro andares desativado na Rua da
Gamboa, nº 111, desde 22/11/2008, com base no Decreto Municipal nº 26.224, de 16/02/2006, que declara o
edifício como de utilidade pública para fins de desapropriação. Disponível em:
<http://ocupacaoma.blogspot.com.br/>. Acesso em 12/03/2015. Muitas famílias da Ocupação Machado de Assis
eram provenientes de outra ocupação que existia na Rua Rodrigues Alves, 143, que foi alvo de um incêndio um
mês antes de ocuparem a área da Gamboa.
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Para a população removida não foi oferecida nenhuma opção mais viável3 como,
por exemplo, um local para reassentamento mais próximo de onde residiam. Apenas como
referência, o assentamento ocorreu a cerca de 40 Km de distância do local da antiga moradia.
Uma distância que percorrida em transporte público, em via expressa, levaria mais de uma
hora, se não houvesse congestionamento de trânsito.
As entrevistas semi-estruturadas foram conduzidas em conversas informais, em que
os entrevistados podiam se expressar livremente. Com a finalidade de homogeneizar as
informações, estabeleci um curto roteiro com cinco perguntas cujo tema eu pretendia que
permeassem os discursos4. As entrevistas foram gravadas de forma discreta, usando o
gravador de um aparelho celular, e depois transcritas.
Antes de iniciar cada entrevista, esclareci o motivo da coleta de dados, e solicitei
autorização para efetuar a gravação. Foi adotado protocolo de entrevistas aderente às
determinações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, na forma da Resolução CNS
196/96, que foi utilizado com pleno consentimento dos entrevistados.
Realizei um total de dez entrevistas com moradores da comunidade, amostra
representativa de dez famílias remanescentes da antiga Ocupação. As entrevistas ocorreram
em dois dias consecutivos. A primeira delas ocorreu no próprio conjunto habitacional, e
contou com auxílio de uma pessoa conhecida que também reside em um dos blocos de
apartamentos, mas não integra o grupo de reassentados, e que ajudou a reunir os moradores
que se interessaram em participar da segunda entrevista.
O segundo encontro ocorreu no bairro de Bangu, também na Zona Oeste; sendo que
a mudança de local se deu a pedido dos próprios entrevistados, uma vez que se instalou um
ambiente de desconfiança e havia receio de represália “das lideranças comunitárias” ou de
“grupo armado” do local, que não estaria gostando do movimento de gente estranha fazendo
perguntas e observando o local.
Durante as entrevistas, principalmente nas que ocorreram in loco na área de
reassentamento, um fato que me chamou a atenção foi o temor recorrente e disseminado que
eles demonstravam em suas falas. Era unânime o receio que desenvolveram de uma
3
Dados oficiais declaram que as famílias tiveram a opção de compra assistida de imóveis na zona central ou em
outras áreas da cidade ou de serem indenizadas (Disponível em: <https://medium.com/explicando-a-
pol%C3%ADtica-de-habita%C3%A7%C3%A3o-da-prefeitura/os-casos-emblem%C3%A1ticos-do-rio-
1b7f4b3f6054#.x0mpjthx8>. Acesso em 05/10/2015), entretanto, depoimentos de moradores contradizem a
afirmação.
4
Vide acima.
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perspectiva muito peculiar de risco de virem a ser novamente sujeitos passivos de outra
remoção forçada.
O risco de nova remoção poderia vir ou ordenada pelo poder público ou pelos
dirigentes do crime organizado. Neste caso, pela força da milícia5 ou pela truculência de
algum comando6. O temor deu a tônica na condução das entrevistas, e os moradores
expuseram o risco da forma como o percebiam a partir da situação que enfrentavam na área
de reassentamento.
5
Termo utilizado para se referir a grupos armados paramilitares que agem sob o argumento de combater a
atividade do tráfico de drogas e criminalidade em determinado local, forçando os moradores a viverem sob suas
regras de conduta; desenvolve seu modus operandi principalmente em práticas de extorsão nos locais onde atua.
Para mais informações, ver: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/01/para-nao-chamar-atencao-
milicia-do-rio-muda-forma-de-assassinar-vitimas.html>. Acesso em 10/01/2017.
6
Termo utilizado para se referir às principais facções criminosas que atuam no estado do Rio de Janeiro,
envolvidas no tráfico de drogas, a saber: CV (Comando Vermelho), TC (Terceiro Comando) e ADA (Amigos dos
Amigos). Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u94005.shtml>. Acesso em 10/01/2017.
7
Tal alegação, em alguns casos, como a situação dos moradores do Morro da Providência e Pedra Lisa, também
na região central da cidade, foi tecnicamente contestada através de contralaudo, comprovando que o argumento do
risco, justificador para a remoção dos moradores, era implausível e falacioso. Sobre o assunto, ver:
<https://forumcomunitariodoporto.files.wordpress.com/2011/12/relatc3b3rio-morro-da-providc3aancia_final-
1.pdf>. Acesso em 09/05/2016.
8
Disponível em: <https://medium.com/explicando-a-pol%C3%ADtica-de-habita%C3%A7%C3%A3o-da-
prefeitura/reassentamentos-s%C3%B3-em-%C3%BAltimo-caso-e-priorizando-popula%C3%A7%C3%B5es-
vulner%C3%A1veis-2cf4a6dc847b#.4tdtileza>. Acesso em 05/10/2015.
9
Disponível em: <https://medium.com/explicando-a-pol%C3%ADtica-de-habita%C3%A7%C3%A3o-da-
prefeitura/explicando-desapropria%C3%A7%C3%A3o-reassentamento-remo%C3%A7%C3%A3o-
f5c86fe100e1#.8itodirfb>. Acesso em 05/10/2015.
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escolha da capital para sediar a Copa do Mundo de Futebol (2014) e, logo após, os Jogos
Olímpicos (2016). Durante a preparação para os dois últimos megaeventos esportivos, a
Prefeitura e a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) passaram a agir nas comunidades
carentes com base em um alegado interesse público na execução de obras para implantação
de infraestrutura urbana e de equipamentos esportivos.
Ainda que a remoção da comunidade não seja reconhecida oficialmente como
devida aos megaeventos esportivos10, a comunidade removida vivia na região portuária, local
extremamente impactado pelas modificações urbanísticas com o surgimento de novas
edificações na região.
A despeito da reformulação urbanística pretendida, o pretenso plano urbanístico
manteve abandonado o decrépito edifício da Gamboa, onde habitava a comunidade removida.
Até o início de 2017, a edificação ainda permanecia em pé sem que lhe fosse conferida função
social. O fato reforça o argumento de ativistas de que se estaria procedendo a uma
higienização social da área, com a “turistificação” (KNAFOU, 2001, p. 70) daquele espaço
urbano.
Este neologismo que teria sido utilizado pela primeira vez por Stephen Kanitz11
frente à situação exposta, dispara um severo processo de exclusão social. Ao elevar os preços
dos imóveis, a consequência natural é a gentrificação (GLASS, 1964) da área, subproduto
resultante de uma política urbanística que desconsidera o habitante despossuído.
A gentrificação (GLASS, 1964) - entendida em sua concepção original como
reestruturação espacial de uma determinada área urbana, implicando o deslocamento dos
moradores de baixa renda que viviam naqueles espaços (MENDOZA, 2016, p. 699) -
remeteu os antigos moradores para mais longe de seu antigo núcleo social. No caso específico
da remoção da Ocupação Machado de Assis, o fato é que o local de reassentamento das
famílias desalojadas, ainda que distante cerca de 40 km de distância, representou a alternativa
mais viável, diante da insuficiente oferta de um aluguel social de R$ 400,00 por família, valor
que não permite alugar um imóvel no subúrbio do Rio de Janeiro, e menos ainda na sua
região central.
10
Oficialmente, a gestão municipal reconhece apenas as intervenções realizadas na Vila Autódromo como ligadas
diretamente aos megaeventos esportivos. Disponível em: <https://medium.com/explicando-a-pol%C3%ADtica-
de-habita%C3%A7%C3%A3o-da-prefeitura/os-casos-emblem%C3A1ticos-do-rio-1b7f4b3f6054#.v0s6xbqmq>.
Acesso em 05/10/2015.
11
KANITZ, Stephen. Turistificando o Brasil. In Veja, edição 1.632, ano 33, nº 3, 19 de janeiro de 2000, página
20.
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2. O CONTEXTO DO RISCO
12
À época, o teto máximo para a compra assistida era de R$ 77.000,00, conforme:
<http://www.jn.pt/brasil/interior/amp/rio-de-janeiro-eleva-indemnizacao-para-familias-que-serao-deslocadas-em-
funcao-das-olimpiadas-2036866.html>. Acesso em 07/01/2017.
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[...] os enfoques dados ao termo pelo senso comum assumem configurações que
não estão diretamente vinculadas à sua expressão abstrata e conceitual, [...]. Isto
revela o caráter polifônico que tem assumido e a sua capacidade de compor
metáforas em contextos sociais diferentes. O termo risco permite a
comunicabilidade sobre o “arriscado”, “arriscoso”, “perigoso”, “inseguro”, os
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13
Disponível em: <periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/download/14840/8397>. Acesso em
10/12/2016.
14
Aqui não se problematizará acerca de interesses econômicos privados que teriam influenciado a decisão política
de remover as pessoas para abrir espaço ao mercado imobiliário e atender a interesses nada nobres e fora de
propósito para um Estado Democrático de Direito.
15
A título de exemplo, ver: < http://ocupacaoma.blogspot.com.br/>. Acesso em 12/03/2015.
16
A respeito, ver:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/default_minimos.shtm
>. Acesso em 10/12/2017.
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Lá na Ocupação era melhor, era tudo perto, dava pra fazer tudo a pé, a gente
entrava e saía a hora que queria, não tinha perigo, não tinha ameaça de tiroteio.
Aqui não dá pra sair à noite, até de dia é risco, tem muita favela no entorno e a
polícia pode estar fazendo operação. É ruim pras crianças. Tem dia que não dá pra
elas irem à escola. Vai, e volta quando está tendo operação. (Marcos)17.
Aqui é o fim do mundo. Nenhum parente quer vir pra cá porque gasta muita
passagem e chega aqui não dá pra ficar saindo, porque ou não tem condução ou
corre risco de tiroteio. (Vera).
Sinto falta da amizade que tinha entre as pessoas na Ocupação. Onde todos estavam
no mesmo barco e um não queria mandar mais do que o outro. Todo mundo se
ajudava. Se um começava a criar caso todo mundo resolvia junto. Agora, aqui, é
cada um por si. (Sílvio).
17
Os nomes aqui utilizados são todos fictícios, a pedido dos moradores entrevistados.
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Tivesse eu condições pra não precisar passar por nada do que passei até chegar
aqui. Ralando desde sempre, ‘apanhando’ muito sufoco pra ter o que dar de comer
pras crianças. E ainda tem gente que acha a maior onda eu nem ter participado de
sorteio pro apartamento, que tô levando vantagem. E quem diz nunca nem morou
na rua e ainda acha que só porque ganha mais eu não mereço estar no meu teto. Tá
arriscado querer ‘armar’ pra me tirar” (Ana).
A história da distribuição de riscos mostra que estes se atêm, assim como riquezas,
ao esquema de classe – mas de modo inverso: as riquezas acumulam-se em cima,
os riscos, embaixo. Assim, os riscos parecem reforçar, e não revogar, a sociedade
de classes. À insuficiência em termos de abastecimento soma-se a insuficiência em
termos de segurança e uma profusão de riscos que precisam ser evitados. Em face
disto, os ricos (em termos de renda, poder, educação) podem comprar segurança e
liberdade em relação ao risco (loc. cit.).
BECK (2010, p. 71) afirma que não se pode pressupor uma hierarquia de
racionalidade que explique a distribuição desproporcional dos riscos para os mais pobres.
Segundo o autor, o que se pode questionar é como a racionalidade de uma distribuição
desigual surge socialmente, como se passa a acreditar nela, e como esta se torna questionável.
Não é a evidência científica quem determina a distribuição de riscos: a percepção de riscos é
uma racionalidade socialmente criada.
Reforçando a ideia de que, na determinação da relevância, nem sempre a evidência
científica teria papel esclarecedor, a classificação dos riscos responde a fatores sociais e
culturais e não naturais (GUIVANT, 1998, p. 4). Deste modo, a partir da percepção social do
observador, sob influência de suas vivências, que prescindem de critérios técnico-científicos,
o observador categoriza o risco a que se submete, com base apenas na sua percepção de
sociedade.
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É, tem que considerar que em matéria de conforto aqui tá muito melhor. O ruim é
começar de novo aquele problema de alguém cismar com a gente ser de área rival
da que comanda aqui e perseguir18 (Marcos).
18
Vide uma série de reportagens veiculadas na imprensa acerca da atuação de grupos do tráfico e milícia naquela
localidade:<http://bandnewsfmrio.com.br/editoriais-detalhes/traficantes-impoem-medo-aos-moradores-de-conj>.
Acesso em 20/01/2017.
<http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/08/quatro-pessoas-sao-presas-em-operacao-contra-milicias-no-
rio.html>. Acesso em 05/09/2016.
<http://www.brasil247.com/pt/247/favela247/183251/Minha-Casa-Minha-vida-est%C3%A1-abandonado-em-
Camar%C3%A1.htm>. Acesso em 05/09/2016.
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Relato que trouxe novo tópico à entrevista, o primeiro de vários outros no mesmo
sentido, é a exposição dessa população compulsoriamente removida e reassentada em local
controlado por facção criminosa rival daquela do local de origem do morador19.
Quando o próprio Estado contribui para criar um quadro de vulnerabilidade (social)
dessas pessoas, que passam a conviver com sensação de medo e ficam expostas ao risco de
agressão ou represália.
À semelhança de uma análise de Teresa Caldeira (2000) sobre estratégias, na forma
de enclaves fortificados (p. 257), como meio de proteção e reação adotadas nos condomínios
nobres na cidade de São Paulo contra o aumento da criminalidade, no caso do Rio de Janeiro
verifica-se que o uso de “estratégias” deste tipo também está presente mesmo nos
condomínios mais populares, ainda que a custos bem mais baixos do que nos condomínios de
luxo, mas não menos relevantes e sacrificados para seus moradores.
Os entrevistados foram unânimes em relatar que estão “obrigados” ao pagamento de
uma “taxa de segurança” cobrada por milicianos, de R$ 15 a 30 reais mensais, dependendo do
condomínio. Taxa que se estende também a todos que desempenham algum tipo de serviço
ali, como mototáxis, entregadores de compras, camelôs, cujo valor vai aumentando conforme
o serviço oferecido e sem contar com os “serviços extras” que os moradores são obrigados a
aderir, como o “Gato Net” e o fornecimento de botijões de gás. No caso daqueles que
realizam transporte alternativo no local essa taxa chega a R$ 450,00 por semana.
Situação que faz daqueles conjuntos habitacionais verdadeiros enclaves fortificados
que, conforme CALDEIRA (2000, p. 12), “criam um espaço que contradiz diretamente os
ideais de heterogeneidade, acessibilidade e igualdade que ajudaram a organizar tanto o espaço
público moderno quanto às modernas democracias”.
Com a remoção e posterior reassentamento dos moradores em área precarizada e
distante de onde viviam anteriormente, fica evidente o processo de segregação espacial a que
<http://extra.globo.com/casos-de-policia/todos-os-condominios-do-minha-casa-minha-vida-no-rio-sao-alvos-do-
crime-organizado-15663214.html>. Acesso em 10/09/2016.
<http://extra.globo.com/casos-de-policia/moradores-de-conjuntos-do-minha-casa-minha-vida-em-senador-
camara-sofrem-com-acao-simultanea-do-trafico-da-milicia-15712204.html> 20/01/2017.
<http://www.folhapolitica.org/2014/01/minha-casa-minha-vida-enfrenta.html>. Acesso em 10/09/2016.
<http://oglobo.globo.com/rio/conjuntos-da-prefeitura-em-senador-camara-viram-alvo-de-milicia-5040165>.
Acesso em 10/09/2016.
19
No entorno do complexo de conjuntos habitacionais de baixa renda em Senador Camará, que somam quase
quinze mil famílias, estão situadas as favelas de Vila Aliança, Taquaral, Rebu e Sapo, todas ocupadas por facção
rival a que atua na região central da cidade, de onde vieram os moradores reassentados.
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20
Pude ouvir de um síndico que o Conjunto Habitacional enfrenta muitos problemas pela alta taxa de
inadimplência entre os moradores, incluindo a taxa condominial e o pagamento de tarifas pelos serviços públicos
disponibilizados, para o que argumentam que antes de ali residirem nada pagavam.
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Tudo para esses lados é mais difícil porque é muito longe, sacrifica muito a gente.
Não tem nada perto. Fora a despesa, que aumentou bastante e está muito difícil
conseguir um trabalho, nem “bico” aparece (Suelen).
Tiraram a gente de onde facilitava pra todo mundo e não fizeram nada lá. Está
fechado. Fizeram obra gigante em tudo que é lugar lá no Centro e de que adiantou
isso pra gente? Por que não podiam reformar o prédio de onde expulsaram a gente?
Gastaram tanto dinheiro! (Marilene).
Diante desses fatos, vê-se que o Estado involuntariamente aumentou os riscos das
pessoas que já se encontravam em situação de franca vulnerabilidade social, sendo esta
entendida como a associação da pessoa a situações de exposição a riscos. Vulnerabilidade
social subentende, então, a maior susceptibilidade dessas pessoas de sofrerem algum tipo
particular de agravo (ACSELRAD, 2006, p. 1).
Desta forma, o Estado, ao invés de desenvolver uma política pública de
planejamento e gestão territorial eficiente na recuperação da população já tão vitimada pela
negação de cidadania e inclusão social, atua promovendo verdadeira desqualificação social
(PAUGAM, 1999, p. 68).
Esta forma de atuação estatal colabora para manter em alta os indicadores de
vulnerabilidade social, que é quantificada pelo índice de vulnerabilidade social (IVS). Este
indicador está disponível a partir de dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) no Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros21, cuja última
edição foi a de 2015. Em termos qualitativos, o indicador busca identificar porções do
21
Disponível em: <http://ivs.ipea.gov.br/ivs/data/rawData/publicacao_atlas_ivs.pdf>. Acesso em 30/06/2016.
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CONCLUSÕES
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PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
UMA APARENTE CONTRADIÇÃO ENTRE
A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E A REFORMA AGRÁRIA
RESUMO
A presente proposta objetiva analisar o modelo de assentamento que está atualmente sendo instituído
pelo INCRA, denominado “Projeto de Desenvolvimento Sustentável” ou simplesmente PDS, enquanto
política agroambiental, inspirada na luta dos seringueiros e dos povos da floresta na Amazônia visando
continuar exercendo o direito ao acesso a terra e à floresta, em regime de uso sustentável, valorizando
os saberes e o modo de vida de suas experiências. Serão examinamos dois casos de assentamentos na
modalidade de PDS criados no estado do Rio de Janeiro: o PDS Sebastian Lan, localizado no
Município de Silva Jardim, no entorno da Reserva Biológica Poço das Antas (REBIO), e o PDS
Osvaldo de Oliveira, situado em Macaé, ambos em território de Mata Atlântica. A contrapelo da
história de construção dessa proposta verificam-se dois processos que merecem análise para entender
empiricamente a questão da produção política de uma suposta contradição entre preservação ambiental
e reforma agrária. No primeiro aparece o PDS através de uma politica pública impositiva do Estado,
sem consulta aos atingidos já estabelecidos na área há 20 anos. No segundo, o INCRA disponibiliza
uma área sem presença humana e só depois conduz um grupo já mobilizado para acesso a terra para os
quais apresenta o PDS como modelo fechado e as tensões começam a emergir criando novas lutas em
lugar de facilitar a emergência de uma comunidade centrada em objetivos que recebeu e sequer soube
como assumir. Pretende-se problematizar pela escuta das vozes afetadas, especificamente em relação
ao modelo de PDS imposto nessas territorialidades para entender o contraste entre interesses políticos
do Estado e os significados e interesses levantados pelo de construção coletiva dos projetos.
ABSTRACT
The present proposal aims at analyzing the settlement model that is currently being set up by INCRA,
known as the “Sustainable Development Project” or simply PDS, as an agro-environmental policy,
inspired by the struggle of rubber tappers and forest peoples in the Amazon to continue exercising the
223
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right to access to land and forest, in a sustainable use regime, valuing the knowledge and way of life of
their experiences. We will examine two cases of settlements in the PDS modality created in the state of
Rio de Janeiro: the PDS Sebastian Lan, located in the Municipality of Silva Jardim, near the Poço das
Antas Biological Reserve (REBIO), and the PDS Osvaldo de Oliveira, in Macaé, both in Atlantic
Forest territory. In contrast to the history of the construction of this proposal, there are two processes
that merit analysis to understand empirically the question of the political production of a supposed
contradiction between environmental preservation and agrarian reform. In the first one the PDS
appears through a public tax policy of the State, without consultation to those already established in
the area 20 years ago. In the second, INCRA provides an area with no human presence and only then
leads a group already mobilized to access land for which it presents the PDS as a closed model and
tensions begin to emerge creating new struggles rather than facilitating the emergence of a community
focused on goals that he has received and even knew how to assume. It is intended to problematize by
listening to the voices affected, specifically in relation to the PDS model imposed in these
territorialities to understand the contrast between political interests of the State and the meanings and
interests raised by the collective construction of the projects.
Keywords. Agrarian reform; Sustainable Development Project; Settlements Sebastião Lan; Osvaldo de
Oliveira Settlement.
INTRODUÇÃO
A relação do homem com a natureza e sua apropriação pode ser analisada sob a
ótica de Marx. Em “Os despossuídos: debates sobre a lei referente ao furto de madeira, de
1842”, Marx analisa “interesses materiais”, apesar de sua crítica à economia política ainda
não ter sido construída, já aparecem, de forma embrionária, expressões como “valor” e “mais-
valor”, assim como o problema da mercadorização da natureza, da vida e do trabalho.
No Brasil, após a década de 1990, a questão ambiental ganha um novo corpo sem
perder as raízes da patrimonialização da natureza, passa a ser operada por um movimento de
institucionalização. Organizações sociais, grupos técnicos e administrativos profissionalizados
reabrem o debate sobre a identidade do “movimento ambientalista”, através de instituições-
redes que atuam, por vezes, induzindo as políticas públicas ambientais, outras servindo de
executoras dessas políticas, através de consultorias e outros mecanismos de assessoramento,
que priorizam o pragmatismo de ação em detrimento de meios democráticos e horizontais de
participação dos atores envolvidos (ACSELRAD, 2004). É a partir desse cenário que uma
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A luta dos povos da floresta Amazônica até a década de 1970 era invisibilizada no
panorama nacional e internacional. Somente após os anos de 1980, com a intensa articulação
de um movimento agrário conectado a temas ambientais, enquanto estratégia de resistência
baseada no paradigma de desenvolvimento sustentável com a participação popular ao modelo
excludente e hegemônico do nacional desenvolvimentismo observado nesse período é que
passa a ter atenção acadêmica e social (ALMEIDA, 2004).
Desse modo, o jogo de forças no campo de lutas da questão agroambiental,
notadamente, a partir de meados dos anos de 1980, tem resultado numa configuração política
em que a reivindicação do direito à diferença e a valorização dos modos de vida tradicionais
como alternativa para uma convivência mais harmoniosa com a natureza são levados em
consideração na formulação de políticas públicas ambientais e agrárias.
1
Portaria INCRA/P/nº. 477, de 04 de novembro de 1999.
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Ressalta-se que as áreas destinadas aos projetos serão objeto de concessão de uso2,
em regime comunal, segundo participação popular das comunidades, podendo assumir a
forma de associação, condomínio ou cooperativa (art. 2º).
Contudo o que se verifica, ao menos nos Projetos já criados ou em via de criação no
Estado do Rio de Janeiro, é que a valorização das diferenças constitutivas das comunidades
tradicionais não aparece em instrumentos político-jurídicos relacionada à noção de patrimônio
cultural, mas uma tentativa de uniformização e nivelamento das comunidades às diretrizes
conservacionistas gerais, aliada às políticas contemporâneas de reforma agrária que visa
somente à distribuição terras, não ofertando satisfatoriamente infraestrutura e capacitação
sociotécnica às famílias assentadas.
Especificamente em relação ao modelo PDS, transposto aqui para a região sudeste e
objeto desse estudo, parece oportuno contextualizar a primeira experiência de PDS,
denominado São Salvador, instituído pela Portaria nº 11, de 19 de junho de 2001/
INCRA/Acre, em um território no entorno da Unidade de Conservação (UC), na modalidade
de Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD). Este PDS possui uma área de 27.830 ha,
dividida internamente em dez comunidades, localizada no município de Mâncio Lima às
margens dos rios Moa e Azul, com capacidade para assentar 117 (cento e dezessete) famílias.
A sua localização se dá em uma região amazônica caracterizada por sua extensão de formas,
vidas, culturas. A criação de um modelo de assentamento cristalizado para essa região seria
uma tarefa inviável. Porém existem regras básicas de conduta a serem adotadas no transcorrer
de um projeto de assentamento, e estas podem ser decisivas para o seu sucesso e essas
normativas gerais, podem ser aplicadas em toda a extensão amazônica, desde que adaptadas a
situações específicas (GUERRA, 2004).
2
A Constituição Federal disciplina a distribuição dos imóveis rurais na implantação da política pública de reforma
agrária em seu artigo 189, prevendo que os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária
receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.
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Terra -, que aqui será entendido como sendo um representante dos movimentos sociais
tradicionais, especialmente se consideradas suas práticas, ações e estrutura, pode ser
representado na criação e na consolidação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS).
O recorte abordado neste item será a atuação do MST, regional Rio de Janeiro, que
acontece em assentamentos nas áreas rurais da cidade de Macaé e de Silva Jardim, no estado
do Rio de Janeiro e ações interligadas com outros coletivos e movimentos como a Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio de Janeiro, FETAG.-RJ.
No assentamento Osvaldo de Oliveira, primeiro PDS do estado, o processo de
criação se deu com a ocupação pelo MST da fazenda Bom Jardim, no território de Macaé,
localizada no distrito Córrego do Ouro, desapropriada pelo INCRA, para fins de reforma
agrária, no modelo de PDS, no final dos anos 2000. Destaca-se tal conflito foi judicializado,
em 2007, pelo Ministério Público Federal (MPF), tendo como principal fundamento a criação
do PDS e sistematização de todas as previsões contidas nas portarias desapropriatórias e de
criação do Conselho Gestor do PDS.
O assentamento, denominado “Sebastião Lan”, foi criado no final da década de
1990 para pouco menos de meia centena de famílias em terras acusadas de grilagem da
Fazenda Sobara. (PEREIRA 2006, p. 96) O fazendeiro não recorreu à Justiça, terminou em
reintegração de posse ao INCRA e na criação do projeto de Assentamento para parte das
famílias acampadas. A área do assentamento Sebastião Lan, apesar de está no entorno da
Reserva Biológica Poço das Antas (REBIO), margeia-se do outro lado com o rio São João, e
não se confronta diretamente com a Reserva. Existiria por parte da administração da REBIO a
intenção de negociação, tendo sido criado o assentamento, de forma que as outras famílias
acampadas fossem transferidas. E o acampamento Sebastião Lan 2, contemplando 82
famílias, em uma área de 1466 ha, criado em 21 de junho de 1997 (PEREIRA, 2006, p.52).
O PDS é um modelo de gestão ambiental da produção, que segundo DIEGUES
(1992), aproveita a ideia de desenvolvimento sustentável derivada do conceito de
ecodesenvolvimento, proposto nos anos 1970, por Maurice Strong, como alternativa a
dicotomia “economia – ecologia”.
O Projeto de Desenvolvimento Sustentável é uma alternativa para o modelo
excludente e seletivo de produção da terra, uma vez que prioriza a construção dos processos
decisórios a partir de uma horizontalidade do Comitê Gestor e da interação com as famílias
beneficiadas equalizando com o meio ambiente. É fato que os problemas ambientais
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relação entre a evasão e as razões relacionadas aos processos sociais que deram origem aos
assentamentos, segundo informa Aleixo (2007, p. 21) esta categoria analítica foi proposta por
Bruno & Medeiros (1998), que sistematizaram os dados da pesquisa realizada em diversas
regiões do Brasil e dividiram em quatro tipos diferentes de processos sociais que originaram
os assentamentos estudados por diversos autores.
O Assentamento Sebastião Lan, em Silva Jardim, nos perece enquadrar-se no
primeiro tipo refere-se aos assentamentos onde o público predominante é o de posseiros e
antigos moradores da área desapropriada. Nesses casos, são trabalhadores que, num
determinado momento, passaram a ser pressionado pelo proprietário para que saíssem ou
pagassem alguma forma de renda. Dos casos que se enquadram nessa categoria, 42,8% tem
índices de evasão menores que 12,5% e em 76,5% dos casos, possuem índices de evasão
inferiores a 25%. É a categoria cuja tendência é a presença de baixos índices de evasão,
embora se observasse no Estado de Mato Grosso índices significativamente mais altos.
O Assentamento Osvaldo de Oliveira, em Macaé, se assemelha ao quarto e último
processo social, que diz respeito aos casos onde coube ao INCRA a iniciativa de constituir
assentamentos, ou seja, onde o órgão desapropriou a terra, independentemente da existência
de demanda e escolheu o público beneficiário. Os índices de evasão nesses casos são bastante
elevados, chegando a 89,3% no assentamento Sertão Bonito (BA), ou seja, de cada dez
pessoas que entraram, cerca de nove saíram. As Regiões Norte (TO, PA e RO) e Nordeste
(CE e BA) concentram tais situações (ALEIXO, 2007, p. 21).
É possível analisar a relação entre a evasão e as razões relacionadas aos processos
sociais que deram origem aos assentamentos, segundo informa Aleixo (2007, p. 21) esta
categoria analítica foi proposta por Bruno & Medeiros (1998) que sistematizaram os dados da
pesquisas realizadas em diversas regiões do Brasil e dividiram em quatro tipos diferentes de
processos sociais que originaram os assentamentos estudados por diversos autores.
O Assentamento Sebastião Lan, em Silva Jardim, nos perece enquadrar-se no
primeiro tipo refere-se aos assentamentos onde o público predominante é o de posseiros e
antigos moradores da área desapropriada. Nesses casos, são trabalhadores que, num
determinado momento, passaram a ser pressionado pelo proprietário para que saíssem ou
pagassem alguma forma de renda. Dos casos que se enquadram nessa categoria, 42,8% tem
índices de evasão menores que 12,5% e em 76,5% dos casos, possuem índices de evasão
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A mesorregião onde está localizado o PDS apresenta propriedades variadas em decorrência das características
botânicas da Mata Atlântica brasileira, a maior floresta tropical do mundo, diversificando, assim, as possibilidades
de aplicação, algumas espécies apresentavam uma densidade superior às madeiras importadas da América do
Norte, o que facilitava, inclusive, o processo de escoamento pelos rios da região até portos marítimos ou pontos de
apoio na logística da atividade de extração madeireira. Sucupira, louro, angelim vermelho e amarelo, vinhático,
oiti, jequitibá, pindaíba, potumuju, jenipapo e tapinhoã, espécies abundantes nas matas locais, eram algumas das
mais utilizadas nos estaleiros (MILLER, 2000, p. 325). Essas características levaram ao INCRA em instituir esse
modelo de produção agroecológica no Estado do Rio de Janeiro. Muito embora, registra-se uma tentativa anterior
no Município de Silva Jardim, através do PDS Sebastião Lan, que será tratado no item 3.1.2.
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poucos minutos antes do despejo. Depois que as famílias saíram do local os barracos foram
incendiados.
Posteriormente, no ano 2015 houve a tentativa de se retomar a área ocupada através
de uma ACP proposta pelo Ministério Público Federal, da Seção de Macaé. Contudo, depois
de algumas audiências públicas realizadas no Palácio Legislativo de Macaé e na Vara Federal
de Macaé, com a apresentação de contra laudos fornecidos pelo Coletivo Mariana Crioula –
Assessoria Jurídica Popular, o magistrado federal resolveu suspender os efeitos da referida
decisão e determinou a reintegração de posse ao INCRA, devendo o órgão elaborar o Plano
de Uso (PU) e cumprir outras obrigações no prazo de oito meses contados da data de
publicação do PU.
Na verdade, entre os anos de 2012 a 2014, foi elaborado o Plano de Uso do Projeto
de Desenvolvimento Sustentável Osvaldo de Oliveira pelo conselho incumbido de sua gestão.
Todavia, por entraves técnicos alegados pelo INCRA, somente em janeiro de 2017 foi
publicada a aprovação do Plano de Uso. Porém, essa delimitação territorial específica vem
sendo trabalhada, visando incorporar como público alvo de suas ações toda a comunidade
assentada no PDS para conscientizar sobre a importância da preservação do meio ambiente, e
esclarecer quaisquer dúvidas quanto à legislação ambiental necessária à viabilização do Plano
de Uso.
A vivência de campo ocorreu com visitas ao assentamento e participação de
diversas ações junto aos assentados do MST, através do grupo de alunos e professores que
integram o Tamoio Coletivo de Assessoria Popular – TaCAP. O Coletivo se constitui como
um grupo de pesquisa e extensão, voltado à prestação de Assessoria Jurídica Popular
Universitária vinculado à Universidade Federal Fluminense. O TaCAP realiza atividades de
extensão e pesquisa, promove interconexões entre a sociedade e universidade como partes
indissociáveis de um todo: a vida social. Essas atividades/projetos são definidas coletivamente
e executadas por cada Grupo de Trabalho.
Observa-se que antes das atividades serem iniciadas (somente com a presença de
todos os assentados) existe a exposição dos alimentos produzidos e colhidos na safra pelos
assentados locais, e a apresentação de cada uma das pessoas presentes fornecendo o nome
completo e a função operacional ou administrativa ocupada por aquele assentado. Somos
informados sobre a origem de cada um deles, bem como os cursos de capacitação que já
frequentaram no local ou em outros assentamentos do MST e mesmo em Instituições
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parceiras. Nesses encontros, todos os assentados tem a liberdade de expressão garantida para
interpelar e apresentar resposta à eventual arguição que lhe seja dirigida e o direito de
apresentar propostas e de votar nas matérias pautadas.
3.1.2 Vinte anos de espera! O PDS Sebastião Lan ainda aguarda sua consolidação
O autor da ação alegou que foi assentado pelo INCRA no Assentamento Lan e que
em razão de grande densidade de chuvas na região, que acarretou aumento acima do normal
na Represa da Lagoa de Juturnaíba, foram abertas as comportas da represa de uma só vez,
causando inundação no Assentamento Sebastião Lan. Em razão de tal fato, o autor perdeu sua
plantação e sua residência.
O Acampamento Sebastião Lan vem resistindo por vários anos, desde 1997,
aguardando a definição para assentamento definitivo nas terras do INCRA. O projeto
ambiental preservacionista tem avançado na região do Vale do São João e muitas unidades de
conservação foram criadas: a Reserva Biológica União com 3.126 hectares (em abril/1998); a
APA Bacia do Rio São João/ Mico-Leao-Dourado (em junho/2002), que abrange dos
municípios de Rio Bonito e Cachoeiras de Macacu até Barra de São João (7 municípios); e
muitas Reservas Particulares do Patrimônio Natural nas fazendas da região, num total
crescente totalizando 3.026,37 hectares no ano de 2000 (em 1991 eram 63,70 hectares sob a
forma de RPPN) (PEREIRA, p. 54), conforme se verifica no mapa abaixo.
A defensoria Pública da União (DPU), em Niterói (RJ) divulgou, em seu endereço
eletrônico, que seus representantes estiveram, em 11 de julho de 2017, na localidade
conhecida como Sebastião Lan II, em Silva Jardim, no estado do Rio de Janeiro, onde
participaram de reunião com moradores e acadêmicos da Universidade Federal Fluminense,
que acompanham o processo de assentamento rural no local.
O objetivo do encontro foi ouvir as famílias de agricultores e definir os próximos
passos a serem tomados em ação civil pública (ACP) movida pela DPU contra O INCRA.
Bárbara Valle, socióloga da DPU, observou que “a visita ao assentamento foi importante para
conhecer a realidade da comunidade e finalizar o mapeamento das famílias, além de ouvir
suas demandas em relação às estratégias de atuação no processo judicial”, já que foi proposta
em 2015 a Ação Civil Pública, questionando exigências que colocam em risco as atividades
agrícolas da localidade e a inobservância do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC),
firmado em 2005 entre o Ministério Público Federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o INCRA (DPU, 2017).
Sobre o caso, o defensor público federal, Bernard dos Reis Alô, afirmou que a
imposição de um modelo de assentamento sem prévia discussão e participação da
comunidade contraria as estratégias e as indicações de educação ambiental e oficinas previstas
no TAC. Um dos lotes visitados é inclusive considerado improdutivo por laudos
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apresentados pelo INCRA. No entanto, há dez anos a mesma família cultiva a terra e produz
no local mandioca, milho, guando e laranja (DPU, 2017).
A Assessoria de Comunicação Social do INCRA/RJ noticiou, em 25 de julho de
2017, em seu site eletrônico, que a Superintendência Regional retomou as atividades de
campo, no PDS Sebastião Lan II. Informou que a equipe do Serviço de Meio Ambiente e
Recursos Naturais da unidade vem realizando estudos e vistorias no local a fim de apresentar
uma nova proposta de ordenamento territorial do assentamento e que os técnicos se reuniram
com a comunidade no dia 20 de julho de 2017 (INCRA, 2017). Segundo o INCRA, a
proposta é rediscutir as condicionantes do licenciamento ambiental com o INEA e com o
ICMBio, que administra reserva biológica vizinha ao assentamento.
A abertura do diálogo visava à promoção de ajustes na proposta de organização
espacial do PDS, que previa a construção de uma agrovila e a destinação das áreas baixas do
assentamento, que possuem alto risco de inundação, exclusivamente como reserva legal. A
nova proposta não prevê inviabilizar totalmente as áreas inundáveis do assentamento, que
somam quase mil hectares, mas permitir sua ocupação em termos de atividade produtiva
(INCRA, 2017).
A recente vistoria do INCRA detectou que será preciso recuperar as margens dos
rios São João e Aldeia Velha, que fazem divisa com o assentamento, e destinar
aproximadamente 10% (dez por cento) da área, hoje ocupada por famílias, à reserva legal,
para se chegar ao mínimo estabelecido por lei (INCRA, 2017).
Cumpre observar que essa é a primeira atividade técnica de campo no PDS, desde a
decisão da 2ª Vara Federal de Itaboraí, em março deste ano, que suspendeu a Ação Civil
Pública movida contra o INCRA pela Defensoria Pública da União (DPU). A ação cobrava
da autarquia a revisão da proposta técnica de implantação do PDS e também das
condicionantes da licença prévia. O INCRA criticou o ajuizamento da ACP classificando-a
como precipitada, uma vez que ainda não se haviam esgotados os recursos administrativos
para a mediação do conflito com as famílias que vivem na área do PDS, que não haviam
aceitado a proposta de ordenamento territorial então apresentada.
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Grupo de Trabalho 05
CAPITALISMO VERDE,
DIREITO À CIDADE E LUTAS
ANTICAPITALISTAS
ccxli
INTERFACES ENTRE ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS
E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
UMA ABORDAGEM TEÓRICA ANTICAPITALISTA
RESUMO
ABSTRACT
The creation of protected areas is a worldwide consensus and exponent of the policy of conservation of
nature, they exist all over the world. Environmental affectation of protected areas tries to protect
nature, its processes and biodiversity. Another international guideline to combat the environmental
crisis is the idea of sustainable use of natural resources by current generations without compromising
future generations, based on the concept of sustainable development. However, the concept is not
capable of contextualizing the role of the capitalist mode of production in the trajectory of the
environmental crisis. Therefore, this work aims to reflect on the efficiency of the policy of creating
protected areas in the long term based on a critical analysis of sustainable development. To this end,
we have used bibliographies in the theoretical framework of socio-environmentalism and Marxism,
identifying in the field of interdisciplinary qualitative research. In the end, appropriation of both
environmental policy and the concept of sustainable development by the capitalist economic model.
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INTRODUÇÃO
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Londres e como forma de comprometer os países da América Latina a criarem áreas naturais
protegidas, além de uniformizar os conceitos e os objetivos dessas áreas. Nesse contexto, a
definição de parques nacionais reforçou a definição da Conferência de 1933, com foco na
conservação da paisagem e das espécies, caracterizando-se como uma ação de difusão da
Convenção de 1933 para os países sul-americanos.
A fundação da União Internacional para a Proteção da Natureza (UIPN), em 1948,
como resultado de um congresso organizado pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em parceria com o governo francês a fim de
promover a cooperação internacional para conservação da natureza, é um marco importante
na organização de uma política ambiental internacional, sendo um fórum que engloba
agências governamentais e não-governamentais.
Diante da constatação do crescente número de plantas em extinção, iniciou-se uma
tendência de manutenção de habitats em vez de espécies específicas, o que exerceu influência
na UIPN, que passou a dar mais atenção à conservação, inclusive alterando seu nome para
União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) alguns anos mais tarde. Em
1960, foi criada a Comissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas com o objetivo de
monitorar áreas naturais protegidas e orientar seu manejo e manutenção (QUINTÃO, 1983,
apud WEI, 2003, p. 25). No mesmo ano, foi lançado o Red data book, mais conhecido como a
lista das espécies ameaçadas de extinção, contendo 135 espécies animais, principalmente os
mamíferos de grande porte mais populares entre o público em geral.
Em 1957 foi promulgada a Convenção 107 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT/ONU) sobre “a proteção e integração das populações indígenas e outras
populações tribais e semitribais” no interior dos Estados Nação, remontando a preocupação
com estas minorias étnicas suscitada pelos genocídios promovidos durante a Segunda Guerra.
Esse convenção tinha a intenção de promover o assimilacionismo e integracionismo dos
povos tribais que representassem minorias restantes dos processos coloniais dos Estados
Nação às sociedades nacionais.
A UIPN organizou a I Conferência Mundial sobre Parques Nacionais, em Seattle,
1962. Apesar dessa conferência ter ficado conhecida pela importância que deu a conservação
dos ambientes marinhos, mais nos interessa a incorporação da possibilidade de existirem
exceções ao princípio geral da não exploração dos recursos naturais estabelecido para os
parques através do zoneamento, defendido por Harroy. Para ele, essa novidade “criava a
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possibilidade de proteger grandes ecossistemas sob a forma de parques nacionais, mesmo que
algumas de suas partes fossem aproveitadas pelos homens” (FOSTER, 1973, apud AMEND
e AMEND, 1992, apud WEI, 2003, p.26).
A 10ª Assembleia Geral da UICN aconteceu em 1969 em Nova Delhi, sendo a
oportunidade de se definir um novo conceito para os parques nacionais, a partir das
experiências em andamento e das recomendações de 1962. Apesar das expectativas, a
definição de parque pouco foi alterada, se resumindo a introduzir a proteção de habitats e
reforçar a lógica de controle pelo poder público e do não uso dos recursos naturais, além da
garantia de acesso controlado aos visitantes (WEY, 2003, p. 27).
No ano anterior, 1968, havia ocorrido a Conferência Intergovernamental de
Especialistas sobre as Bases Científicas para o Uso Racional e a Conservação dos Recursos
da Biosfera, mais conhecida como Conferência da Biosfera, organizada por diversas agências
das Nações Unidas (ONU) como a UNESCO, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) em parceria com da
IUCN, com o objetivo de discutir o impacto humano sobre a biosfera, entendida como
“aquela parte do mundo em que a vida pode existir” (MCCORMICK, 1992, p. 98, apud
WEY, 2003, p.28) e convencer as nações periféricas da necessidade da conservação. Como
resultado dessa conferência, foi lançado o programa O Homem e a Biosfera, que apregoava o
uso racional dos recursos ambientais, defendendo um certo equilíbrio nas relações entre o
homem e seu ambiente na busca pelo desenvolvimento. As Reservas da Biosfera foram
idealizadas para otimizar a relação homem-natureza, constituindo-se ao mesmo tempo como
mostras representativas dos biomas do globo, exemplos de gestão harmoniosa de diferentes
culturas, laboratórios de experimentação do desenvolvimento sustentável e centros de
monitoramento. Além de ter sido a origem de um novo tipo de área natural protegida, a
Conferência da Biosfera teve como conclusões mais importantes:
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biológicas nos países periféricos. Como já comentado, muitos grupos étnicos foram
desalojados para a implantação de áreas naturais protegidas, o que chamou a atenção da
comunidade internacional para uma série de conflitos envolvendo esses grupos.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
1972 e mais conhecida como Conferência de Estocolmo, foi praticamente um desdobramento
da Conferência da Biosfera, sendo a primeira ocasião em que foram discutidos os problemas
políticos, sociais e econômicos do meio ambiente global com objetivo de definir ações
práticas e a fim de estabelecer um compromisso entre Estados-Nação quanto a efetivação
destas ações corretivas. Um dos resultados mais expressivos da Conferência de Estocolmo foi
a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
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criar mais e melhor manejadas áreas naturais protegidas, conceitos que foram posteriormente
aprofundados durante os debates da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que aconteceria naquele mesmo ano no Rio de Janeiro e que ficou
conhecida como Rio-92. Além disso, os direitos dos povos indígenas sobre suas terras foi
ratificado, consequência do cada vez mais presente entendimento de que o destino das áreas
naturais protegidas está ligado ao apoio e, portanto, ao destino das populações locais (UICN,
1993, WEST e BRECHIN, 1991, apud WEY, 2003, p. 34).
Até esse momento, das categorias de áreas naturais protegidas existentes, somente
os parques naturais e as reservas da biosfera possuíam uma política internacional delineada,
entretanto essa política não era totalmente clara no caso dos parques. O ponto que continua
insatisfatoriamente explicitado é o da ocupação humana. Alguns países como Inglaterra
(DOWER, 1945, p. 44 apud HARMON, 1994, p. 34, apud WEY, 2003, p. 32), Canadá e
Japão (JICA, 1990, apud WEY, 2003, p. 32) experimentaram particularidades conceituais que
introduziram modelos alternativos de parque nacional mais permissivos ao uso e ocupação de
suas áreas pelas populações residentes, contribuindo tanto para a difusão do conceito de
parques nacionais quanto influenciando no surgimento de outras categorias de manejo
(WEST e BRECHIN, 1991, apud WEY, 2003, p. 32-33).
Na 19ª Assembleia Geral da UICN, Buenos Aires, 1994, almejou-se alcançar maior
entendimento dos conceitos das diferentes categorias de manejo, permitir maior flexibilidade
à aplicação e interpretação do sistema, menor grau de prescrição quanto a zonificação,
classificação, autoridade de manejo e propriedade das terras e definir princípios que deveriam
guiar o estabelecimento das unidades. No mesmo ano, a Comissão de Parques Nacionais e
áreas Naturais Protegidas da UICN definiu um novo sistema de categorias de áreas naturais
protegidas onde os parques eram definidos como categoria que tolerava moderadas
intervenções humanas e especialmente o uso sustentável dos recursos naturais por parte de
etnias indígenas, rompendo, assim, com o paradigma do impedimento de toda e qualquer
exploração ou ocupação (WEY, 2003, p. 44).
Embora tenham acontecido outros congressos mundiais até então, em 2016 (Havaí),
2012 (Jeju), 2008 (Barcelona), 2004 (Bangkok), 2000 (Amman) e 1996 (Montreal), não nos
foi possível realizar a análise de suas resoluções tendo em vista que o material não está
disponível no site da UICN. Apesar disso, analisando o Programa da UICN 2017-2020
aprovado no último congresso mundial em 2016, observamos uma clara indicação na direção
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Em suas notas para uma história social das áreas de proteção integral no Brasil,
Barreto Filho nos conta que desde 1658 já se falava na defesa das florestas para proteção dos
pequenos rios da Serra da Carioca. A preocupação não era para menos, vez que os habitantes
da cidade dependiam quase que exclusivamente dos rios Carioca e Maracanã para o seu
abastecimento. Porém, com a substituição das matas das encostas da Serra por extensos
cafezais por volta de 1800 e com a chegada da família real em 1808, o que provocou um
imediato aumento populacional de 25% (DRUMMOND, 1997, p. 215, apud BARRETO
FILHO, 2004, p. 54), a cidade passou a sofrer com crises de abastecimento de água.
O governo imperial, em 1817 e 1818, baixa decretos proibindo o corte de árvores
próximas aos mananciais e mandando avaliar terras de particulares para fins de
desapropriação (DRUMMOND, 1997, p. 221, apud BARRETO FILHO, 2004, p. 55). Já
nessa época, havia pessoas preocupadas com a destruição dos recursos naturais no Brasil,
como José Bonifácio de Andrada e Silva, que sugeriu, em 1821, que fosse criado um setor
administrativo para as matas e bosques (VICTOR, 1975, apud WEY, 2003, p. 53), com vistas
no seu potencial científico (DIEGUES, 1994, p. 102, apud WEY, 2003, p. 53). Em 1833 e
1837, em meio a uma grave seca, são criadas Reservas de Florestas. Em 1844, retoma-se a
ideia da desapropriação visando a recuperação florestal e, mesmo antes de concluir as
desapropriações, inicia-se um programa emergencial de plantio de árvores em terras
particulares na Tijuca. Em 1856 são concluídas as primeiras desapropriações e em 1860 são
desapropriadas as nascentes necessárias para abastecer a cidade, até que, finalmente em 1861,
são criadas as Florestas da Tijuca e das Paineiras (DRUMMOND, 1997, p. 221, apud
BARRETO FILHO, 2004, p. 55), podendo esta ser considerada a primeira tentativa oficial de
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conservação. Vale, ainda, comentar que a primeira proposta de criação de parques nacionais
propriamente ditos foi apresentada por André Rebouças ainda em 1876 que, inspirado pelo
modelo Yellowstone, propôs a criação dos Parques Nacionais de Sete Quedas e da Ilha do
Bananal, que não chegaram a ser criados. Mais ou menos nessa mesma época, foram criados
parques nacionais em outros países da América Latina, como México (1876), Argentina
(1903) e Chile (1907) (MOORE e ORMAZÁBAL, 1988, apud WEY, 2003, p. 53).
Importante comentar que a iniciativa de reflorestamento do maciço da Tijuca foi
apoiada e promovida pela elite citadina, que encontrava nas matas das encostas da Serra um
refúgio da cólera e da febre amarela decorrentes das condições sanitárias periclitantes na
cidade (DEAN, 1996, p. 225, apud BARRETO FILHO, 2004, p. 55), devemos lembrar, em
um contexto de crise hídrica. Podemos, então, observar que esta iniciativa inédita de
reflorestamento tinha dois aspectos: manutenção de recursos naturais, no caso a água, e uso
público, sendo paisagisticamente planejado e destinado ao lazer do público em geral
(DRUMMOND, 1997, p. 228, apud BARRETO FILHO, 2004, p. 55).
É assim que chegamos ao fim do século XIX com uma coleção dispersa e
desarticulada de hortos e jardins botânicos, mistos de passeios públicos, entregues
às administrações provinciais e estaduais, duas florestas e outras tantas terras
públicas na capital consideradas Reservas Florestais, sujeitas a inúmeras mudanças
de jurisdição ao longo de meio século, e uma iniciativa de reflorestamento
indicativa da crescente preocupação das elites com o desmatamento e a
conservação das matas (BARRETO FILHO, 2004, p. 55).
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Nesta época, a presença de povos indígenas nas áreas escolhidas para a instalação de
parques, como no caso do Xingu e do Araguaia, não era vista como um problema, mas sim
como “um atrativo a mais a adicionar um toque de exotismo e autenticidade à paisagem
natural primitiva”. Em um primeiro momento, chegou-se a propor que o Xingu fosse um
“parque indígena” de modo que preservasse uma amostra do Brasil prístino (BARRETO
FILHO, 2004, p. 58).
O projeto desenvolvimentista empreendido pelo regime civil militar nos anos
seguintes baseou-se na falsa ideia de “vazio demográfico” para promover a expansão induzida
da fronteira agrícola para a Amazônia, através de projetos de colonização oficial, e ocupar o
território nacional com projetos de desenvolvimento econômico-industrial a partir da criação
de localizações privilegiadas para a valorização de capitais privados e o crescimento de pólos
industriais, via subsídios e investimentos públicos na infra estrutura regional (BARRETO
FILHO, 2004, p. 59).
Diante da obsolescência do Código Florestal de 1934 e da devastação dos recursos
florestais, o regime baixa o Código Florestal de 1965. Neste código aparece, pela primeira
vez, a divisão conceitual entre unidades de conservação restritivas ou de uso indireto (parques
nacionais, reservas biológicas) e unidades de conservação não restritivas ou de uso direto
(florestas nacionais, florestas protetoras, florestas remanescentes, reservas florestais, parques
de caça florestais) (WEY, 2003, p. 58). Segundo Victor (1975, apud WEY, 2003, p. 56), este
novo código florestal confundia a propriedade da floresta com a propriedade da do solo,
fazendo com que toda a limitação ao uso da floresta colidisse com o direito de propriedade,
enfraquecendo bastante essas medidas.
Em 1969, quando os debates sobre os povos indígenas e tribais já encontravam-se
avançados no âmbito internacional quanto a uma migração do paradigma da integração para o
da tolerância, o Brasil incorpora com atraso uma questionada e frágil Convenção 107 da OIT
ao seu ordenamento jurídico. Sem dúvidas que os preceitos desta convenção estavam
alinhados com os projetos desenvolvimentistas e faraônicos já mencionados, mas também não
há dúvidas de que as propostas de novas categorias que surgem como forma de superar a
hierarquia entre raças, como o etnocentrismo (LÉVI-STRAUSS, 1976), a partir da próxima
década, exerceram grande influência no Brasil.
Em 1967, foi criado o Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Florestal (IBDF)
como autarquia do Ministério da Agricultura, com o objetivo de promover a utilização
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racional, à proteção e conservação dos recursos naturais. Em 1972, foi criada a Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior, também orientada
para a conservação do meio ambiente e uso racional dos recursos ambientais. Enquanto
NOGUEIRA NETO (1991 apud WEY, 2003, p. 60) considera que a convivência entre IBDF
e SEMA constitui-se como uma “competição saudável”, relatórios da época (como o
documento Brasil) entendiam que a existência concomitante das duas instituições com
atuação semelhante fazia vigorar legalmente dois sistemas de áreas naturais protegidas
distintos e paralelos sem coordenação entre si (WEY, 2003, p. 60).
Em 1979, o IBDF propôs a I Etapa do Plano do Sistema de Unidades de
Conservação para o Brasil, estabelecendo a região amazônica como prioritária para a criação
de novas unidades de conservação. Durante esse processo, o IBDF inspirou-se nas diretrizes
para o estabelecimento de unidades de conservação desenvolvidas pela UICN no ano anterior,
deixando transparecer a influência de conceitos e diretrizes internacionais. A principal
característica desse processo foi o reforço que deu a necessidade do uso de critérios
eminentemente técnico-científicos na criação de unidades de conservação, além de prever
outras categorias como manumento nacional, santuário da vida silvestre, estrada, parque
(WEY, 2003, p. 61).
É também de 1979 o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros, que
introduziu a necessidade da elaboração de planos de manejo para todos os parques nacionais,
cujo o principal objetivo é a determinação do zoneamento dos parques. Este regulamento
definiu sete zonas, quais sejam zona intangível, zona primitiva, zona de uso extensivo, zona
de uso especial, zona histórico-cultural, zona de uso intensivo e zona de recuperação, sendo
que nenhuma delas corresponde a realidade da ocupação humana no interior das unidades de
conservação de proteção integral, característica própria da então zona de ambiente natural
com culturas autóctones proposta na 11ª Assembleia Geral da UICN de 1972 ou nas zonas
antropológicas propostas por Harroy.
Até 1974, quando foi criado o Parque Nacional da Amazônia em Itaituba-PA, havia
apenas o Parque Nacional do Araguaia e as mais de dez reservas florestais “de papel”,
criadas em 1911 e 1959, mas que nunca chegaram a ser implementadas. Porém,
principalmente a partir da década de 1980, deu-se um grande impulso a criação de novas
unidades de conservação de proteção integral no país, em particular na Amazônia
(GUIMARÃES, 1991, p. 166, apud BARRETO FILHO, 2004, p. 58). Ao todo, foram criadas
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vinte unidades de conservação de proteção integral entre 1979 e 1985, o que levou esse
período a ficar conhecido como a década do progresso para os parques nacionais sul-
americanos (WETTERBERG et al., 1885, apud BARRETO FILHO, 2004, p. 58). Nesse
mesmo período também deu-se uma quantidade expressiva de medidas administrativas e
jurídicas como a elaboração do Regulamento dos Parques Nacionais do Brasil, a Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente, que instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente e o
Conselho Nacional do Meio Ambiente, a regulamentação das Estações Ecológicas e Áreas de
Proteção Ambiental.
Aqui precisamos apontar a aparente contradição de que o momento em que o regime
militar levou adiante as políticas hoje responsabilizadas por impactos sociais e ambientais na
região amazônica coincide justamente com aquele em que mais se avançou em termos de
medidas conservacionistas por meio da criação de unidades de conservação de proteção
integral. Essa relação é mais do que o resultado de um mero concurso favorável de
circunstâncias, devendo-se a um conjunto complexo de fatores, tais como gestão estatal
estratégica do território como instrumento e condição da via brasileira - autoritária - para a
modernidade (BECKER, 1988, 1990, 1992, apud BARRETO FILHO, 2004, p. 59).
Essa relativa facilidade de se estabelecer unidades de conservação de proteção
integral nas décadas de 1970 e 1980 é comumente atribuída à astúcia política dos
planejadores da conservação conjugada ao ambiente tecnocrático do governo federal no
regime militar e às oportunidades que assim se apresentaram para se avançar nas propostas de
criação de tais áreas. Isso fez com que prevalecesse um entendimento de que a conservação
da natureza era um setor técnico e burocrático e que todo o questionamento às políticas de
desenvolvimento deveriam ser encaminhadas dentro dos marcos da técnica e da ciência.
Nesse sentido:
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estrutura econômica do país, sem alterar sua estrutura hierárquica (BECKER, 1988, 1990,
1992, apud BARRETO FILHO, 2004, p. 61).
Em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente traz, de forma inédita, uma
definição legal de meio ambiente, qual seja “o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas”. No mesmo ano, foi estabelecido o Sistema Nacional de Meio Ambiente
(SISNAMA) que, sob direção do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), visava
constituir-se como um conjunto articulado de instituições, entidades, regras e práticas dos
entes federados (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) e de fundações instituídas
pelo poder público , responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental (USP,
1991 apud WEY, 2003, p. 63).
Em 1982, diante da falta de categorias de manejo próprias aos objetivos nacionais da
conservação, do número excessivo de terminologias para unidades de conservação não
consensuais quanto à sua definição, da sobreposição de unidades de conservação de fins
diversos e da confusão de atribuições, foi proposta a II Etapa do Plano do Sistema de
Unidades de Conservação para o Brasil, que, além da definição de critérios técnico-científicos
para a indicação e implantação de unidades de conservação e a ênfase à proteção da
biodiversidade, buscou a criação de novas categorias de manejo. Em 1984, foram definidas as
novas categorias de manejo Reserva Ecológica e Área de Relevante Interesse Ecológico.
(WEY, 2003, p. 65).
Acontece que foram sendo criadas, tanto em nível federal quanto estadual, unidades
de conservação que não correspondiam às categorias de manejo previstas nas duas Etapas de
Planos de Sistemas de Unidades de Conservação, nem às dez categorias previstas pela UICN
em 1978. Mesmo a SEMA parecia ter uma rede própria de unidades de conservação que
incluia as Estações Ecológicas e as Áreas de Proteção Ambiental, independentemente do
sistema adotado pelo IBDF (MILANO, 1990, p. 135 apud WEY, 2003, p. 66).
Em 1989, foi criado o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) (VIANNA et al., 1994 apud WEY, 2003, p. 67) a partir da
acomodação de diferentes instituições em uma só, como o IBDF, a SEMA, a
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e a Superintendência do
Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA) (WEY, 2003, p. 73), com objetivo principal de
unificar a política ambiental brasileira e corrigir distorções presentes na administração de
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unidades de conservação (VIANNA et al., 1994 apud WEY, 2003, p. 67), mas herdando as
funções, a infra-estrutura e os problemas dessas instituições (WEY, 2003, p. 73). Nesse
mesmo ano o IBAMA e a Fundação para a Conservação da Natureza (FUNATURA)
elaboraram uma proposta de Sistema Nacional de Unidades de Conservação, com objetivo de
sistematizar conceitos, objetivos e tipos de categoria para as unidades de conservação (WEY,
2003, p. 67).
No contexto do processo de redemocratização e com movimentações para uma
assembleia constituinte, movimentos sociais como a União dos Povos da Floresta e
ambientalistas se uniram para garantir que suas reivindicações estivessem contempladas na
nova constituição, fazendo surgir, assim, o movimento socioambiental. Em 1992 a proposta
do IBAMA/FUNATURA de um sistema nacional de unidades de conservação é protocolado
como projeto de lei que viria a ser o atual SNUC.
As discussões e debates sobre o projeto de lei do SNUC duraram 10 anos e foram
marcadas por duas concepções distintas de relação homem natureza: a que acreditava que o
homem era inerentemente destruidor da natureza (homem x natureza) e outra, que acreditava
que algumas populações e comunidades podiam viver de maneira integrada com a natureza
(homem-natureza). Dessa forma, ambas as concepções foram contempladas na Lei do SNUC
(2000), que classificou o rol das unidades de conservação em categoria de proteção integral e
uso sustentável e, ainda, rompeu com o paradigma da expulsão compulsória, ao prever a
permanência de populações tradicionais até que seja possível o reassentamento para local com
as mesmas condições de reprodução socioculturais. Apesar de a Convenção 169 da OIT ter
sido incorporada ao ordenamento jurídico pátrio em 2004, o SNUC incorporou vários
conceitos e diretrizes desta convenção, antecipando seus efeitos jurídicos no país.
2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?
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Os fatos nos lembram a todo instante que nós não reinamos sobre a natureza do
mesmo modo que um colonizador reina sobre um povo estrangeiro, como alguém
que está fora da natureza, mas que nós lhe pertencemos com nossa carne, nosso
sangue, nosso cérebro, que nós estamos em seu seio e que toda a nossa dominação
sobre ela reside na vantagem que levamos sobre o conjunto das outras criaturas por
conhecer suas leis e por podermos nos servir dela judiciosamente (ENGELS, 1968,
p. 181 apud LÖWY, 2014, p. 24)
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante o exposto, podemos vislumbrar que uma das possibilidades futuras das
unidades de conservação frente o conceito de desenvolvimento sustentável hegemônico, é se
tornar reserva de mercado de recursos naturais, de modo que para se pensar política
ambiental é imprescindível contextualizar o protagonismo do modo de produção capitalista na
crise ambiental.
Sugerimos, portanto, a necessidade do aprofundamento de estudos interdisciplinares,
inclusive empíricos, capazes de identificar outras interseções entre política ambiental e
desenvolvimento sustentável e os sintomas dessa relação no atual modelo de produção, assim
como estudar e elaborar modelos alternativos.
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DIREITO À TERRA:
UMA ANÁLISE DA LUTA INDÍGENA CHIQUITANO
RESUMO
O estudo se volta para a discussão relacionada ao racismo institucional e ambiental, com enfoque em
questões indígenas brasileiras, em especial da etnia Chiquitano, localizada em Mato Grosso. A
temática demonstrará a luta indígena como potencial emancipador para alcance de construção de
mecanismos jurídicos e econômicos de proteção ambiental e de emersão de novas formas de cidadania.
Para tanto, o estudo realiza uma análise acerca de constituições latino-americanas, como Bolívia e
Equador. Assim, objetiva-se demonstrar perspectivas teóricas e práticas anticapitalistas, sob o viés
decolonial. A pesquisa qualitativa interdisciplinar, calcada na teoria crítica, articula Antropologia,
História, Direito, Política, Economia e Cultura. Isso porque o marco teórico-metodológico adotado
permite demonstrar a interconexão entre os diferentes ramos dos saberes. Conclui-se a pesquisa
demonstrando alternativas ao capitalismo verde e sua relação com a importância das lutas sociais.
ABSTRACT
The study is related to the discussion about institutional and environmental racism, focusing on
Brazilian indigenous issues, especially on the Chiquitano ethnic group, located in Mato Grosso. The
theme will demonstrate the indigenous struggle as an emancipatory potential to reach the construction
of legal and economic mechanisms for environmental protection and the emergence of new forms of
citizenship. To do so, the study analyzes Latin American constitutions, such as Bolivia and Ecuador.
Thus, it aims to demonstrate theoretical perspectives and anti-capitalist practices, under the decolonial
bias. The qualitative interdisciplinary research, based on critical theory, articulates Anthropology,
History, Law, Politics, Economy and Culture. This is because the theoretical-methodological
framework adopted allows us to demonstrate the interconnection between the different branches of
knowledge. The study concludes by showing alternatives to green capitalism and its relation to the
importance of social struggles.
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INTRODUÇÃO
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2
Índios e não índios encontram-se numa relação de “colonialidade de poder” (QUIJANO, 2005) que desde
tempos remotos sustenta uma suposta superioridade/inferioridade. Essa relação baseia-se em dicotomias como
“cultura científica/cultura literária, conhecimento científico/conhecimento tradicional, homem/mulher,
cultura/natureza” (SANTOS, 2000, p. 739).
3
O julgamento da Petição nº 3.388, a respeito da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, instituiu como marco
temporal ao direito à terra indígena a data de promulgação da Carta Magna, ou seja: 05.10.1988. (BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Carlos Ayres Britto, julgado em 19.03.2009). Embora o Supremo
Tribunal Federal tenha definido que o marco temporal se aplicaria somente a esse caso, em 2015, aplicou,
também, para anular a demarcação das Terras Indígenas de Guyraroka, dos Guarani Kaiowá, e Limão Verde e
Buriti, dos Terena. Não bastando, em 20.07.2017, foi emitido parecer pela Advocacia Geral da União e assinado
pelo Presidente da República, Michel Temer, com o mesmo entendimento quanto ao marco temporal. Muito vem
sendo discutido a respeito da natureza desse parecer. Uns entendem que seja apenas opinativo, não tendo força
vinculante, e até mesmo inconstitucional (nesse sentido, ver: http://cimi.org.br/site/pt-
br/?system=news&conteudo_id=9395&action=read Acesso em: 02.08.2017). Outros afirmam que o parecer é
vinculante, o que significa que toda a administração federal deverá incorporar elementos da decisão do Supremo
Tribunal Federal sobre o caso da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (nesse sentido, ver http://cimi.org.br/site/pt-
br/?system=news&action=read&id=9393 Acesso em 02.08.2017). Outra transgressão aos direitos indígenas
ocorreu em 21.08.2017, quando o Ministério da Justiça anulou a Portaria nº 581 de 2015 que reconhecia 500
hectares da Terra Indígena do Jaraguá, pertencente ao povo indígena Guarani, em São Paulo. Segundo a decisão, a
área “foi demarcada sem a participação do Estado de São Paulo na definição conjunta das formas de uso da área”
reduzindo-a para apenas 3 hectares. A anulação propiciará a privatização da Unidade de Conservação, Parque
Estadual do Pico do Jaraguá (https://pib.socioambiental.org/pt/noticias?id=181337&id_pov=76 Acesso em
22.08.2017). O artigo não objetiva o aprofundamento dessas questões e etnias, trazendo-as apenas para ilustrar a
problemática que assola os povos indígenas brasileiros.
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4
Trata-se de dado trazido por Moreira da Costa (2006) pautado em relatório elaborado por Grupo de Trabalho da
FUNAI. Para aproximar-se de uma noção mais atualizada, pesquisas documentais realizadas nesse mesmo órgão,
em 2014, possibilitou-me auferir a existência de 137 famílias somente no município de Vila Bela da Santíssima
Trindade, mais especificamente, na Aldeia Urbana Aeroporto Hitchi Tuúrrs; dados coletados nesse mesmo
período apontam que Fazendinha e Acorizal possuem cerca de 384 moradores; em Vila Nova Barbecho, 90
moradores; em Santa Luzia, 130.
5
Moreira da Costa (2006) aponta a existência de trinta e uma comunidades. No entanto, em 2017, ocorreu divisão
interna que originou as comunidades Notchopro Matupama e Nautukich, de acordo com entrevista realizada
virtualmente com membro Chiquitano, totalizando trinta e três comunidades. Notchopro Matupama adveio da
comunidade Central e Nautukich da Acorizal. De acordo com Moreira da Costa (2006), são consideradas
comunidades os núcleos de famílias Chiquitano, mesmo que em algumas se observe a presença significativa de
não índios.
6
Promulgada por Dom Pedro II, trata-se da primeira iniciativa brasileira no sentido de organizar a propriedade
privada, que até então não possuía nenhum documento que regulamentasse a posse de terras. Foi aprovada no
mesmo ano que a Lei Eusébio de Queirós, que previa o fim do tráfico negreiro e sinalizava a abolição da
escravidão no Brasil. Em razão da preocupação de fazendeiros e políticos latifundiários de que negros pudessem
vir a se tornar donos de terras, foi estabelecido também por essa lei que as terras só poderiam ser adquiridas por
compra e venda ou doação do Estado. Portanto, não era mais permitido obter terras por meio de posse
(usucapião). Aqueles que já ocupavam algum lote recebiam o título de proprietário, mas desde que residissem e
tivessem produtividade na localidade.
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(1867)7, intensificaram a ocupação das terras Chiquitano, tidas como devolutas pelos
fazendeiros e destacamentos militares. (MOREIRA DA COSTA, 2006).
Com o advento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em
1891, segunda constituição do Brasil e primeira de sistema republicano de governo, as terras
devolutas foram transferidas à competência dos governos estatais. Estes expediram títulos de
domínio de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas que não tinham seus
territórios reconhecidos, gerando muitos conflitos agrários e socioambientais.
Na guerra do Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai, no início do século XX, índios
Chiquitano lutaram no exército boliviano. Este foi um momento muito difícil para
sobrevivência da etnia, pois o exército boliviano obrigou homens e meninos a entrarem no
combate. Várias famílias Chiquitano fugiram da Bolívia para o Brasil, a fim de pouparem
seus filhos da guerra que os dizimou em grande parte e dispersou muitas comunidades no
Brasil, pois o exército boliviano entrava em terras na fronteira brasileira para arregimenta-los
para a guerra.
Além disso, a regularização fundiária efetuada pelo INCRA nas terras tradicionais
pertencentes aos Chiquitano, a partir de 1970, permitiu a expansão de grandes latifúndios, o
que contribuiu ao aumento das dificuldades de sobrevivência desse povo. (MOREIRA DA
COSTA, 2006; SILVA, 2004).8 Assim, comunidades Chiquitano tiveram suas terras
parceladas em diminutos lotes que, posteriormente, foram adquiridos por fazendeiros. Alguns
índios, sob coação, acabaram abandonando seu local de origem e, por não terem para onde ir,
ocupam faixas de servidão de estradas e periferias de municípios próximos. Os que resistem
em suas terras estão cercados e encapsulados por fazendeiros, confinados em pequenas áreas
comunais. Desde então, assistem aos recursos naturais necessários a sua sobrevivência físico-
7
Celebrado em La Paz, Bolívia, também conhecido como Tratado da Amizade ou Tratado Muñoz-Netto.
Declarou paz entre o Império Brasileiro e a Bolívia, bem como estabeleceu a possibilidade legal de navegação e
tráfego. Assim, foram recuadas as fronteiras bolivianas a favor do Império Brasileiro. As embarcações bolivianas
passaram a ter acesso aos rios brasileiros. O extrativismo da borracha na região tornou-se o novo projeto de vida
de nordestinos que buscavam fugir da seca, o que resultou em maior povoamento da região. Em 1898, a Comissão
Demarcadora de Limites demonstrou que parte do Acre pertencia à Bolívia. Acontece que essa divisão territorial
entre os Estados-nação ocultava os verdadeiros donos das terras: os indígenas que ali viviam.
8
Durante pesquisa documental realizada na FUNAI, em 2014, foi possível auferir que, em 08.01.2013, o
Ministério Público instaurou, por meio da Portaria nº 2, Inquérito Civil Público para apurar o envolvimento do
INCRA no processo de parcelamento das terras tradicionais Chiquitano.
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cultural serem transformados em pastagens, ironicamente por sua própria força de trabalho
que, muitas vezes, é realizada de forma análoga à escravidão.9
Em decorrência desse histórico processo de esbulho, discriminação e silenciamento,
apenas quatro, das trinta e três comunidades Chiquitano, se declaram indígenas. Por isso, o
presente artigo elege, especificamente, a trajetória das comunidades Chiquitano: Fazendinha e
Acorizal (localizadas nas Glebas Casalvasco, Tarumã e Santa Rita), Vila Nova Barbecho e
Nossa Senhora Aparecida (situadas na Gleba Tarumã). Em outra conformação, também
objeto deste estudo, a Aldeia Urbana Aeroporto Hitchi Tuúrrs, composta por Chiquitano
moradores de bairros periféricos do município de Vila Bela da Santíssima Trindade, todas
elas em Mato Grosso.
No final dos anos de 1990, o licenciamento ambiental para a construção do
Gasoduto Bolívia-Mato Grosso10 indicou a necessidade de demarcação das terras Chiquitano
ao longo da fronteira brasileira. Diante de tal condicionante, o Estado brasileiro concedeu
maiores recursos à FUNAI a fim de que promovesse a identificação e delimitação da Terra
Indígena Portal do Encantado, como pressuposto à construção de estrada que passaria pelo
9
Durante pesquisa de campo, por meio de formulário dialogado, foi relatado por membros Chiquitano a forma
como realizavam os trabalhos para fazendeiros que, nos termos da Constituição Federal de 1988 e das leis
infraconstitucionais, configurariam trabalho análogo à escravidão. Isso porque, a exemplo da comunidade Vila
Nova Barbecho, os índios chegavam a ficar mais de doze horas dentro das águas de rio da região, incentivados por
pinga para permanecerem com seus corpos quentes quando no inverno. As condições da comida e o local onde se
alimentavam eram impróprios. Além disso, um dos fazendeiros que chegou a morar na região destruiu a roça da
comunidade, forçando-os a comprarem alimentos produzidos em suas fazendas, bem como as ferramentas de
trabalho em mercearia próxima. No final do mês, ficavam endividados e não tinham dinheiro para receber. Após a
chegada da FUNAI, no final da década de 1990, essa situação cessou, mas não se sabe ao certo como os trabalhos
são empreendidos por aqueles que não se autodeclaram indígenas, pois preferem silenciarem-se a perderem o
trabalho.
10
A efetivação desse projeto foi impedido por movimentos sociais bolivianos, incidente denominado “Guerra do
Gás”. A construção da estrada fazia parte do projeto de desenvolvimento do Eixo Andino (Venezuela, Colômbia,
Equador, Peru, Bolívia) operado pela Iniciativa de Integração da Infraestrutura Sulamericana (IIRSA), que
objetivava implementar interesses do Eixo Interoceânico Central (Sudeste brasileiro, Paraguai, Bolívia, norte do
Chile, sul do Peru), bem como do Eixo Perú-Brasil-Bolívia. A IIRSA é um programa composto por 12 países da
América do Sul que visa promover a “integração sul-americana” a partir da modernização conjunta da
infraestrutura de transporte, energia e telecomunicações. Para isso, seria necessário a construção da referida
estrada que passaria por territórios indígenas na fronteira Brasil-Bolívia, almejando a exploração e exportação dos
recursos naturais pela Petroandina e pela Petrobrás. A construção da estrada para ligação dessas regiões, em nome
do desenvolvimento econômico, seria realizada pela empreiteira brasileira OAS, financiada pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O Eixo Peru-Bolívia-Brasil permitiria a expansão do
comércio destes países com a Ásia. (SANTIAGO; BELLO, 2017). Essa política de desenvolvimento buscava
uma dependência dos países centrais. No entanto, acabou por demonstrar não a integração do Sul, mas uma
interrelação de interesses de mercados globais e de subimpérios calcados na degradação ambiental e extermínios
de etnias indígenas. (SANTIAGO; BELLO, 2017).
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território indígena.11 Assim, parte da área foi reconhecida como pertencente às comunidades
Acorizal e Fazendinha, no entanto, a portaria que assim a declara foi suspensa por decisão
judicial12.
Pesquisas iniciais sobre o processo histórico de esbulho das terras onde se
encontram os Chiquitano, desde a chegada do INCRA, indicam transgressão ao direito à vida.
De acordo com dados coletados, por meio de questionário esquematizado realizado em
pesquisa de campo no ano de 2014, existe a possibilidade de trabalho em condições análogas
à escravidão desde o parcelamento das terras indígenas. Isso, bem como o histórico de
preconceito, degradação ambiental, restrições à reprodução físico-cultural ocasionam fortes
transformações no modo de vida do povo indígena Chiquitano.
Conforme relatos dos indígenas, também foram desrespeitados os direitos à
integridade física e psíquica, em razão dos maus tratos dos gerentes para submetê-los a
jornadas extensas de trabalho e em condições degradantes, bem como quando encontravam-
se doentes ou a fim de obrigá-los a realizar determinada tarefa. Após a chegada da FUNAI, no
final da década de noventa, essa situação atenuou em razão do atendimento que passou a
fornecer à etnia. No entanto, alguns fazendeiros passaram a negar trabalho àqueles que se
declaram índios, sendo que estes dependem da venda da mão de obra para sobrevivência. O
histórico de preconceito e silenciamento faz com que muitas comunidades Chiquitano
neguem sua identidade indígena, dificultando os trabalhos da FUNAI.
A comunidade Vila Nova Barbecho, localizada na Gleba Tarumã, está um longo
período privada de água. Isso porque embora o córrego São Pedro passe por ela, suas águas
banham, primeiramente, as terras da fazenda vizinha, homônima ao do rio, que utilizava o
córrego para abastecimento do gado a ela pertencente, deixando-o impróprio ao uso humano.
11
A Funai é responsável por orientar e executar a demarcação de terras, nos termos da Diretoria de Proteção
Territorial (DPT), conforme disposições da Lei nº 6.001, de 19.12.1973 (Estatuto do Índio), do Decreto nº 1.775,
de 08.01.1996, e do Decreto nº 7.778, de 27.07.2012, que determina as atribuições da FUNAI.
12
Depois de todo o trâmite do processo administrativo demarcatório, de competência da FUNAI, foi publicada no
D.O.U. (Diário Oficial da União) em 31.12.2010, a Portaria nº 2219/2010 do Ministério da Justiça. No entanto,
esta encontra-se suspensa desde 2011. Isso porque foi concedida tutela antecipada no Processo nº 0000151-
76.2011.4.01.3601, que tramita na 1ª Vara da Justiça Federal da subseção judiciária em Cáceres, distribuído em
13.01.2011, cuja parte requerente é possuidora de fazenda na mesma área. Após a declaração do reconhecimento
da Terra Indígena (ato do Ministro da Justiça) e sua homologação (ato do Presidente da República), não há mais
possibilidade, pela via administrativa, de contestação por interessado, devendo o caso, necessariamente, ser levado
à análise do Judiciário. De acordo com o Código Civil, o prazo para que seja feita a contestação de uma portaria
que homologa uma terra indígena, bem como da declaração de posse indígena, é de 15 anos e começa a contar da
publicação da portaria. Exceto tratando-se de Mandado de Segurança impetrado pelo Estado, situação em que será
de 120 dias, nos termos do artigo 110, parágrafo único e do artigo 247, § 1º, ambos do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal (vide Ação Civil Ordinária AgR 365, MT, de relatoria de Aldir Passarinho, 1987).
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Em junho de 2015, o proprietário da fazenda foi multado por poluição e danos ao córrego
pelo Juizado Especial Volante Ambiental (Juvam) da Comarca de Cáceres.13 Em razão das
constantes ameaças empregadas aos índios pelo então proprietário da fazenda São Pedro, em
2006, o Ministério Público instaurou processo14 no qual foi decidido que, ainda que não tenha
demarcação definitiva das terras pela FUNAI, se construísse um poço semiartesiano. A
decisão judicial também estipulou a delimitação de uma área exclusiva de 25 hectares para a
comunidade e o acesso comum à área da fazenda para a coleta de matérias-primas para
confecção de seus artefatos e subsistência.
O acesso comum à área da fazenda é evitado pelos índios, em razão de ameaças
sofridas ao tentarem coletar de matérias primas, caçar e pescar. O material para construção do
poço ficou muito tempo parado na comunidade, já que a empresa responsável se recusa a
construí-lo em decorrência de ameaças efetuadas pela fazenda quando da tentativa de
construção. Não bastando, o material desapareceu, deixando os índios desesperançosos
quanto à possibilidade de terem água potável na comunidade. O processo, em fase de
execução, ainda não promoveu medidas para a efetiva construção do referido poço, mesmo se
tratando de um bem universal necessário à sobrevivência e dignidade. Essa situação evidencia
a morosidade e inefetividade do Poder Judiciário.
A fim de suprir a escassez de água potável, uma missão religiosa construiu um poço
semiartesiano, mas, ainda assim, insuficiente ao abastecimento das 18 famílias da
comunidade15, pois fornece pouco volume de água e não funciona em dias nublados, já que é
movido a energia solar. Em entrevista realizada virtualmente no início de agosto de 2017,
membro indígena da comunidade de Vila Nova Barbecho mencionou que a fazenda aparenta
possuir novo proprietário que desmata e implanta pasto. A utilização da água do córrego
continua sendo evitada pelos índios em razão da desconfiança de emprego de agrotóxicos na
plantação aos arredores do córrego.
Na Gleba Casalvasco, resistem diversas comunidades ao longo do rio Barbados,
dentre elas a de Nossa Senhora Aparecida, única da região que se identifica indígena, motivo
13
Conforme notícia divulgada no site oficial do Tribunal de Justiça de Mato Grosso
http://www.tjmt.jus.br/noticias/40117#.WYJA5ITyvIU Acesso em: 02.08.2017.
14
Ação Civil Pública nº 0001482-69.2006.4.01.3601 que tramita na Justiça Federal da subseção judiciária de
Cáceres.
15
Dado encontrado em uma das petições da Funai no processo.
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pelo qual é alvo de constantes ameaças.16 Embora a FUNAI tenha dado início ao estudo de
identificação e delimitação,17 este não pode ser concluído, pois parte significativa dos
membros da comunidade não se identificam como indígena, em decorrência do histórico de
preconceito e silenciamento.18
Muitas famílias Chiquitano dependem da venda de mão de obra e dos favores dos
fazendeiros que passaram a recusar trabalho àqueles que se autoidentificam indígena. Por
isso, muitos, com medo de não terem para onde ir ou como viver, bem como, por vezes,
envergonhados, em razão do preconceito da região para com indígenas, preferem silenciar-se.
A situação, além de dificultar os trabalhos da FUNAI, tem gerado conflitos internos que
perduram há mais de uma década.
Em Vila Bela da Santíssima Trindade, em 2014, foi possível entrevistar o indígena
Chiquitano Antônio Leite, à época líder de 137 famílias que vivem, em sua maioria, no Bairro
Aeroporto. A comunidade, chamada de Aldeia Urbana Aeroporto Hitchi Tuúrrs, que na
língua significa “espírito protetor das águas”, reivindica o retorno para suas terras tradicionais,
a maior parte localizadas na Gleba Casalvasco, mais especificamente na região de Baía
Grande. Ainda no mesmo ano, em carta ao Ministério Público Federal, Antônio Leite relatou
a ação de expulsão de suas terras de ocupação tradicional, praticada por autoridades locais e
fazendeiros, bem como a prática de violência às famílias indígenas.
Os conflitos agrários perpetuados nas comunidades de Fazendinha, Acorizal, Vila
Nova Barbecho, Nossa Senhora Aparecida e Aldeia Urbana Aeroporto Hitchi Tuúrrs, entre
1970 a 2017, demonstram a vulnerabilidade que o povo indígena Chiquitano se encontra. São
anos de luta para terem suas terras tradicionais demarcadas, assolados pelos ideais do
capitalismo verde e silenciados pelas estruturas sociais e estatais.
16
Denúncias encaminhadas ao Ministério Público Federal culminaram na instauração do Inquérito Civil Público,
por meio da Portaria nº 033/2012, com o fito de apurar o conflito entre Nossa Senhora Aparecida e a Fazenda São
João do Guaporé, esta, localizada dentro da referida comunidade.
17
Estudo instaurado pela Portaria nº 686/2003, publicada no D.O.U. em 16.07.2003.
18
O procedimento de demarcação de terras é composto pelas seguintes fases: fase de identificação e delimitação,
fase de demarcação física, fase da homologação e fase do registro das terras indígenas. Portanto, logo na primeira
fase, identificação e delimitação, o procedimento administrativo frustrou-se por não preencher o requisito da
autoafirmação da etnia.
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Portanto, a luta dos povos indígenas brasileiros encontra como obstáculo não apenas
as engrenagens do capitalismo que opera em uma sociedade atravessada pela colonialidade
em suas diversas dimensões. O racismo estrutural que está imbricado na dominação colonial
(QUIJANO, 2009) atravessa a existência das tantas etnias nacionais como mais uma forma de
manutenção do status quo que marginaliza e invisibiliza os povos originários.
É dentro desta estrutura racista que se articulam o racismo institucional e o racismo
ambiental. A nível institucional pode-se compreender que o racismo de apresenta como uma
“falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas
por causa de sua cor, cultura ou origem étnica” (GELEDÉS, 2013, p. 17), o que vem a
legitimar condutas excludentes que se dão pela insuficiência ou inadequação do tratamento
conferido institucionalmente aos indígenas.
O racismo institucional, portanto, faz parte de um “mecanismo estrutural que
garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados” (GELEDÉS, 2013, p. 17),
operando a nível das instituições públicas ou privadas que se configuram como engrenagens
da hierarquia racial o que, no caso em questão, se impõe na discriminação e marginalização
do povo Chiquitano.
No que se refere ao racismo ambiental, o povo Chiquitano também se apresenta
como uma parcela oprimida por um recorte sócio-espacial, já que, conforme compreende
Bullard (2005, p. 57) “o racismo é um potente fator de distribuição seletiva das pessoas no seu
ambiente físico; influencia o uso do solo, os padrões de habitação e o desenvolvimento de
infra-estrutura”. Dentro de um contexto capitalista no qual uma pequena parcela se
desenvolve e obtém lucro através da exploração e invisibilização de outros grupos, o desvelar
do racismo ambiental se faz indispensável para uma luta que prese pela justiça social e
ambiental.
Assim, o que pensar então, tratando-se dos movimentos indígenas, quando se almeja
uma transição em que o regresso ao passado ancestral, precolonial, se transforma na versão
mais capacitadora da vontade de futuro, um futuro não no sentido de ser inventado, mas
desproduzido? Como almejar demandas de utopia através da memória, de forma a sustenta-la
na realidade? Tais perguntas revelam as dificuldades da tradição crítica eurocêntrica em
entender o sentido dessas questões bem como a impossibilidade de dar-lhes respostas dentro
do marco epistemológico e ontológico ocidental.
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O sentido aqui utilizado com a palavra “ressignificar” está relacionado a uma atitude crítica do indivíduo em
buscar alternativas em “como não ser governado” (FOUCAULT, 2000) por princípios, em nome de princípios,
em vista de objetivos, por meio de procedimentos que demandam interesses capitalistas que atuam em detrimento
de grupos sociais vulneráveis. Dessa forma, é possível construir um pensamento e práxis críticos que atuam
conjuntamente no sentido de suspeitar, recusar, limitar, medir, transformar, escapar.
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CONCLUSÃO
20
Santos (2010) define democracia intercultural como conjunto das seguintes características: 1) a coexistência de
diferentes formas de deliberação democrática, do voto individual ao consenso, das eleições, de lutas por assumir
cargos e suas responsabilidades (a esse aspecto, Santos denomina de “demodiversidade”); 2) Diferentes critérios
de representação democrática (representação quantitativa, de origem moderna, eurocêntrica, ao lado da
representação qualitativa, de origem ancestral, indocêntrica); 3) reconhecimento de direitos coletivos dos povos,
como condição do efetivo exercício dos direitos individuais (cidadania cultural como condição de cidadania
cívica); 4) reconhecimento dos novos direitos fundamentais (simultaneamente individuais e coletivos): o direito à
água, terra, alimentos, recursos naturais, biodiversidade, bosques, saberes tradicionais; 5) direito à educação
orientada a formas de sociabilidade e subjetividades baseadas na reciprocidade cultural: um membro de uma
cultura somente está disposto a conhecer a outro cultura se sente que sua própria é respaldada e isso se aplica tanto
às culturas indígenas como às não-indígenas.
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Também foi abordada a postura cautelosa em não reproduzir discursos ocidentais a fim de
não potencializar relações desiguais de poder.
Partindo da realidade do povo indígena Chiquitano, o artigo demonstrou a
importância do exercício da crítica ao discurso tradicional inviável à efetivação de direitos aos
grupos sociais vulneráveis, à exemplo do direito à terra. Tratando-se de um bem de primordial
interesse do capital, a terra configura alvo de conflitos socioambientais.
Instrumentos constitucionais demonstram potencial para fortalecer lutas sociais, à
exemplo da Bolívia e do Equador que adquirem ideologias emancipadoras originárias dos
povos indígenas. Esse movimento emergente vai de encontro ao discurso racionalista
técnico-jurídico constantes na epistemologia de raiz ocidental.
Assim, mostra-se necessário viabilizar as lutas sociais e instrumentos
emancipadores, partindo de uma autocrítica e autovigilância epistemológica para
compreensão dos interesses por trás de cada demanda. Tais instrumentos não são algo dado
ou conquistado, tratam-se de ferramentas de luta para alcance de direitos que estão em
constante movimento e reformulação.
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BEM VIVER E UBUNTU:
MUDANÇAS DE VALORES NA BUSCA PELO ECOSSOCIALISMO
RESUMO
O presente artigo objetiva proceder a abordagem sucinta de alguns problemas ambientais que servem
de pano de fundo para a demonstração de que estamos vivenciando uma crise no modo de produção
capitalista, que pauta sua atuação na produção de bens de consumo, gerando a riqueza e o lucro para
poucos em detrimento da promoção da justiça social e do uso predatório do meio ambiente, sendo
necessária a mudança de visão da produção para que se dê atenção a necessidade da sociedade,
preservando e usando de forma equilibrada a natureza. Na busca pela implementação do
ecossocialismo, é de suma importância a adoção de novos valores que possam garantir uma maior
conexão do indivíduo com sua comunidade e com a natureza, sendo que os valores que o Bem viver e
Ubuntu acabam promovendo, podem auxiliar na implementação de uma sociedade mais justa. Assim,
o artigo promove a análise destes conhecimentos utilizando-se do método de abordagem dedutivo, pelo
uso do procedimento monográfico e de uma pesquisa bibliográfica para, assim, conectar tais ideias e
demonstrar a importância de suas interações no processo de produção ecossocialista.
ABSTRACT
The present article aims at succinct approaches to some environmental problems that serve as a
background for the demonstration that we are experiencing a crisis in the capitalist mode of
production, which guides its performance in the production of consumer products, generating wealth
and profit for the few at the expense of promoting social justice and the predatory use of the
environment. It is necessary to change the vision of production so that attention is taken to the need of
society, but preserving and using nature in a balanced way. In the search for the implementation of
ecossocialism, it is important to adopt new values that can guarantee a greater connection of the
individual with his community and with nature, and the values that the Well living and Ubuntu end up
promoting can help in the implementation of a society more just. Thus, the article promotes the
analysis of this knowledge using the method of deductive approach, using the monographic procedure
and a bibliographical research, to connect such ideas and demonstrate the importance of their
interactions in the process of ecossocialist production.
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INTRODUÇÃO
Cada vez mais nosso planeta passa por intempéries, das mais distintas origens, que
causam intensos problemas a todos nós. Seja a intensificação da seca no nordeste brasileiro,
na África subsaariana ou na região entre o México e os EUA; ou na promoção de aumento
dos mares em alguns lugares do Pacífico; ou o aumento dos níveis de chuva em outros pontos
do território terrestre, como na Ásia ou na região sul do Brasil; o aumento do frio durante o
inverno em outros locais; ou o aquecimento dos mares de forma geral, entre outros
problemas.
Ocorre que vivemos um período em que a natureza vem apresentando sinais de
respostas às ofensas que constantemente temos praticado contra o meio ambiente, o que vem
ocasionando estes problemas pontuais em alguns lugares do globo terrestre, em que sempre se
tenta relativizar a sua importância.
Porém, há de se perceber que é crescente a poluição que assola o mundo,
principalmente nas grandes cidades, mas que já é possível se sentir nas zonas rurais, ante o
grande impacto das suas consequências, o que deveria dar início à uma preocupação global
com a questão e seus reflexos no clima e na saúde do ser humano.
Não é possível se ver grandes ações governamentais no sentido de empreender a
defesa da natureza e o combate aos males que lhe são destinados, já que estes atos causariam
um impacto direto na ordem econômica e nos meios de produção que os Estados estão
empreendendo de forma geral.
É claro que não podemos deixar de recordar que a partir dos anos 70, iniciou-se um
período de criação de uma série de normas internacionais realizadas no intuito de demonstrar
a preocupação com o meio ambiente e a diminuição da poluição.
Assim, em 1971 a Unesco promoveu a primeira Conferência sobre o tema, chamada
de “O Homem e a Biosfera”, com o intuito de proceder a discussão sobre as mudanças
climáticas e a poluição do meio ambiente. Já em 1972, inicia-se uma Conferência das Nações
Unidas, em Estocolmo, na Suécia, para que fosse tratada a questão do meio ambiente.
Durante esta Conferência, várias foram as discussões que se tornaram basilares para o
desenvolvimento do direito ambiental internacional como vemos hoje, com a descrição do
princípio do poluidor-pagador.
Já em 1987, a Organização Mundial da Saúde divulgou o relatório intitulado “Nosso
futuro comum”, coordenado pela então ministra da Noruega Gro Brundtland, estabelecendo a
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necessidade de um ecossistema equilibrado para que a saúde dos habitantes do nosso planeta
não sofresse qualquer consequência.
Na ECO-92, é assinada a Convenção Quadro das Nações Unidas, sobre Mudanças
Climáticas, estabelecendo as condições de combate ao aquecimento global e, assim,
formulando princípios de políticas de internacionais coordenadas de mitigação de emissão de
gases de efeito estufa, baseado na responsabilidade dos Estados sobre tais ocorrências.
A partir daquele momento, grande parte da discussão internacional sobre o meio
ambiente tomou o rumo somente da discussão do aquecimento global, ficando outras pautas
menos prestigiadas, já que as soluções que foram se apresentando quase sempre tinham como
objetivo de promover a manutenção dos mesmos meios e modos de produção e de utilização
do meio ambiente. Assim, chegamos em 2017 e uma série de questões precisariam ser
amplamente discutidas, como gestão de água, matriz energética dos países, o comércio e a
nossa dependência do uso do petróleo, o uso de agrotóxicos em alguns países, o
desmatamento, entre outras questões que nos afligem, mas tais discussões não se dão, pois,
para isso, seria necessário discutir o próprio modo de produção capitalista como um todo e a
necessidade de se implementar medidas de modificação do uso dos recursos provenientes do
meio ambiente.
Para a mudança destas realidades se faz necessária uma mudança de valores e do
modo de ver o meio ambiente por perspectivas que são apresentadas pelo ecossocialismo
como meio de modificar este modo de produção capitalista atual, baseado no produtivismo,
onde as pessoas são impulsionadas a consumir cada vez mais e de forma menos racional,
gerando-se necessidades de consumo que não é real.
Tal preocupação produtivista orienta os mecanismos de desenvolvimento para uma
lógica de crescimento individual pelo acesso e o consumo de bens, sendo que sistema não se
preocupa com o meio ambiente e os seus impactos na produção dos bens a serem
consumidos, o que acaba por gerar alguns dos problemas ambientais anteriormente descritos.
Assim, a resolução destes problemas ambientais passa diretamente pela necessidade
de mudança do meio de produção capitalista e dos valores que a sociedade que vivenciam tais
meios impõe, sendo necessário vivenciar um novo modo de viver com a modificação dos
valores de produção e de consumo, pautado em um novo tipo de realidade civilizatória, não
individualista, mas coletiva e preocupada com o meio ambiente, no qual essa se encontra
inserida. (Löwy, 2014)
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estufa, entre outros problemas ambientais que vemos nos dias atuais. E, por efeito estufa,
entende-se a concentração de gases na atmosfera que impedem o reflexo dos raios solares,
causando a refração de tais raios de volta para a crosta terrestre e, assim, ocasionando
mudanças climáticas.
Segundo SISTER (2007), tal acontecimento decorre dos “gases que causam o efeito
estufa formando uma espécie de película entre a atmosfera e o espaço, impossibilitando a
reflexão da irradiação solar que provoca o aquecimento do globo terrestre (...)”. Tal efeito
decorre da concentração de vários gases, que se concentram na atmosfera, retendo calor e
raios solares, que retornam a atmosfera, realizando um novo aquecimento da superfície
terrestre, por via da emissão de radiação de ondas longas (infravermelhas) na atmosfera.
Este é um dos grandes problemas que hoje enfrentamos, sendo que também
podemos ver problemas de seca em alguns lugares do mundo, aumento do volume dos mares,
aumento dos níveis de chuva, o aumento do frio durante o inverno em outros locais, ou o
aquecimento dos mares de forma geral, fora os problemas das ofensas reiteradas a fauna e a
flora.
Neste momento histórico, surge a necessidade de promover-se novas alternativas a
este uso exacerbado da natureza e dos recursos ambientais, posto que estas práticas têm
contribuído em muito para o agravamento dos problemas acima apresentados.
Boff versando sobre o tema, assevera que tais problemas derivam diretamente do
modo de produção capitalista e da forma de consumo que este estabelece, quando assevera
que
Ou seja, a forma que se promove o uso econômico do meio ambiente acaba por
proceder a sua devastação, já que não há um pensamento equilibrado e uso sustentável dos
seus recursos, mas um uso de acordo com as necessidades impostas pelo capital e pelo
mercado, o que faz a natureza ser cada vez mais explorada. Esta mesma ideia é descrita por
Löwy (2014).
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Para evitar tais problemas de destruição do meio ambiente e a escassez dos recursos
naturais, é necessária a implementação de uma nova visão econômica, que pense no uso da
natureza de forma equilibrada, na promoção do bem-estar social e na forma efetivamente
sustentável, de forma que seus recursos sejam utilizados para o que for realmente necessário.
Isso passa efetivamente pela necessidade de normas de preservação e uso consciente
do meio ambiente, mas também da promoção de mudanças na forma de explorá-lo, já que
não é mais possível utilizá-lo a partir de um meio de produção predatório e produtivista, que
se pauta na geração de consumo a todo custo para a geração de riqueza, onde grande parte dos
recursos são retirados na natureza de forma não equilibrada e saudável.
Portanto, além de normas que impeçam a propagação destes problemas ambientais,
também se faz necessária a mudança do próprio meio de produção em que vivemos, já que a
continuidade da sua utilização acabará por promover o colapso da humanidade pelo
consumismo excessivo (BOFF, 2015).
2. O ECOSSOCIALISMO
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natureza deve ser vista um ambiente saudável e existente para o bem de todos, sendo que a
relação homem-meio ambiente deve ser harmoniosa e estabelecer a preocupação com a vida
do planeta.
Na Declaração Ecossocialista de Belém (2007) se diz claramente:
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sociedade, sendo que a conjunção destes fatores, num ambiente local integrado, deve se
pautar na harmonia e equilíbrio no uso do meio ambiente, buscando um desenvolvimento
econômico que não integre e preserve o seu entorno.
Abordando a questão do Bem Viver, Gudynas e Acosta acabam por promover não
só a descrição da ideia de bem viver, como também conectá-lo a necessidade de
desenvolvimento com sustentabilidade e responsabilidade social e ecológica, quando descreve
ser esta “una expresión de un conjunto de derechos, y que para asegurarlos es indispensable
encarar cambios sustanciales en las estrategias de desarrollo. (...) que tensiona el concepto de
desarrollo con una propuesta a ser construida, el buen vivir.” (2011, p. 75)
O Bem Viver importa em aglutinar a sua finalidade social e sustentável para
utilização da natureza, já que há uma atuação conectada do ser humano com a natureza com
meio de progresso responsável e saudável, como um novo horizonte direcional para a sua
promoção. Os conceitos ora lançados objetivam a formação de uma concepção de justiça que
assenhore à dignidade do ser humano, a necessidade de respeito a natureza e a sua
sustentabilidade, pela imperatividade de que desta interação do homem com esta natureza se
estabeleça uma vida em conjunto, sendo que a partir destes novos conceitos constitucionais
latino-americanos, inclusive a necessidade de que o ser humano respeite a fauna e a flora
nesta atuação em Bem Viver, a natureza necessita de respeito e não pode ser usurpada pelo
simples supérfluo e banal, mas somente pode se apropriar desta por algo que importe em
necessidade.
Mas a utilização do Bem Viver importa no ser humano se conectar diretamente com
a natureza, com a Pachamama, agindo socialmente integrado ao seu ambiente local,
conectando-se, a partir disso, na formação da sua concepção do que seja justo.
Se o Bem Viver nos traz a noção da natureza como sujeito de direitos, isso nos leva
a compreensão de que nada natural deva ser apropriado, desde que não seja para o equilíbrio
do próprio desenvolvimento sustentável deste sujeito e para a sua relação direta com as
pessoas e a sociedade ao seu entorno, já que a soma destes sujeitos formam um todo
simbiótico que não pode desenvolver senão de forma a sustentar equilibradamente a soma
formada.
Sobre este tema, ARON ao falar sobre a importância do ideário de bem viver com
meio de contraposição ao individualismo da vida moderna, descreve que
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Deste modo, o ser humano deixa de ser o centro do universo e passa a integrar a
natureza. A relação do indivíduo com a Pachamama passa a ser outra, a qual
renuncia o ideal eurocêntrico de desenvolvimento, provocando uma verdadeira
transformação no direito, indicando uma tendência ecocêntrica. Trata-se de uma
epistemologia própria, que reivindica a prática de novos conceitos, fundada na
convivência harmônica e interdependente do ser humano com a natureza. (2015)
Assim, o Bem Viver busca que o ser humano perceba que não é possível que
“outros seres humanos possam tratar seu semelhante com desprezo, bem como uma
perspectiva externa, na qual permite o Estado produzir uma série de ações que violam a igual
dignidade,” (SOUSA, 2013) o que também não permitiria que tal tipo de trato ocorresse em
face dos elementos naturais.
4. UBUNTU
Um antigo pensamento ético africano, derivada das práticas dos povos zulu e xhosa,
onde se exprime a ideia de correlação entre o indivíduo e a comunidade ao qual este pertence,
sendo que Luz (2014) descreve como tal pensamento de “uma sociedade sustentada pelos
pilares do respeito e da solidariedade faz parte da essência de Ubuntu, filosofia africana que
trata da importância das alianças e do relacionamento das pessoas, umas com as outras. “
O termo Ubuntu pode ser traduzida como “eu sou porque nós somos”, na
demonstração de uma consciência pessoal que é afetada quando seus semelhantes são
diminuídos, oprimidos, o que impõe a ideia de que o ser humano não é uma ilha, sendo
essencial da natureza humana agir com compaixão, partilha, respeito e empatia (LUZ, 2014).
A origem dessa práxis é descrita por alguns como associada à África Subsaariana e
às línguas bantos (grupo etnolinguístico localizado principalmente na África Subsaariana),
como a ideia de prática do respeito mútuo como conduta social básica, sendo esta máxima
absorvida pelos povos zulus no desenvolvimento de suas práticas religiosas e tradicionais.
Assim, o Ubuntu é um sistema de crenças africanas, que estabelece uma ética
coletiva, pelo desenvolvimento de um pensamento humanista espiritual que se pauta por
atitudes de altruísmo, fraternidade e colaboração entre os seres humanos, que devem se
preocupar uns com os outros.Nas práticas dos povos xhosa, há uma premissa popular que
descreve “Umuntu Ngumuntu Ngabantu”, que significa “uma pessoa é uma pessoa por causa
das outras pessoas”, que é uma ideia que se relaciona diretamente com a ideia da filosofia
Ubuntu.
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O conceito de UBUNTU tem se tornado para mim a chave para responder essas
questões. A palavra UBUNTU significa humanidade. O conceito de UBUNTU
encorpa um entendimento do que é ser humano e o que é necessário para que seres
humanos cresçam e encontrem satisfação. É um conceito ético e expressa uma
visão do que é valioso e do que vale a pena na vida. (2001, p.10-11)
Uma pessoa com Ubuntu está aberta e disponível para as outras, apoia as outras,
não se sente ameaçada quando outras pessoas são capazes e boas, com base em
uma autoconfiança que vem do conhecimento de que ele ou ela pertence a algo
maior que é diminuído quando outras pessoas são humilhadas ou diminuídas,
quando são torturadas ou oprimidas. (2000, p.21-22)
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A partir desta ideia de abertura e disponibilidade das pessoas para com as outras se
forma uma compreensão de responsabilidade coletiva a influenciar os seus praticantes no
desenvolvimento das suas ações sociais. Shutte promovendo uma crítica a ampla utilização da
filosofia Ubuntu como meio de incluí-la e várias discussões centradas na África do Sul, mas
descreve a necessidade de que esta prática seja utilizada na compreensão da reconciliação e
construção de uma nova sociedade sul-africana.
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A aplicação do Ubuntu fica nítida, já que muitos pareciam buscar saídas para a
punição e aplicação de sanções, se para os grupos ofendidos houvesse a reconciliação, já que
tal prática transformava a sociedade sul-africana numa sociedade que buscava a unidade.
O pensamento de Shutte, bem demonstra que a função pensada pelo Ubuntu não se
afasta das aplicações institucionais, mas sim devem se aplicar a tais instituições como
representação dos elementos tradicionais da cultura sul-africana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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298
Grupo de Trabalho 06
POLÍTICA, SUBJETIVIDADE
E VIDA COLETIVA:
RESISTÊNCIA E MOVIMENTOS
SOCIAIS
ccxcix
O DIREITO ACHADO NA RUA
COMO UMA PERSPECTIVA PARA A CONSTRUÇÃO
DE UM TRATADO VINCULANTE
SOBRE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS
RESUMO
O presente artigo aborda a corrente de pensamento conhecida como “Direito Achado na Rua”, que tem
como ponto central a reflexão sobre a importância de se construir o direito para além das instituições
legalmente encarregadas de sua positivação, mas partir de uma formação plural e participativa da
sociedade. A partir de uma revisão bibliográfica sobre o tema, o trabalho, de cunho exploratório,
pretende trazer essa temática para o âmbito da discussão sobre a formulação de um instrumento
internacional vinculante regulador da atuação de empresas transnacionais no tocante às violações de
direitos humanos que ocorrem em função do desempenho de suas atividades. Busca-se ressaltar a
necessidade de que o documento, que está sendo construído tanto na ONU, quanto a partir de
mobilizações da sociedade civil, seja pensado a partir de uma lógica crítica de direitos humanos, que
coloca a sociedade como ator principal no debate.
Palavras-chave. Direito Achado na Rua; Direitos Humanos e Empresas; Tratado vinculante sobre
Direitos Humanos e Empresas.
ABSTRACT
This article presents the line of thought known as “Law Found on the Street” that has as a bottom line
the reflection about the importance of building the law beyond the institutions legally in charge of its
positivation, however, from a plural and participative formation of the society. Out of a bibliographic
revision, this work, with an exploratory bias, aims to bring this subject for the discussion about the
formulation of an international binding instrument that regulates the activity of the transnational
corporations concerning human rights violations that occurs for its activities. It points that the
document which is building both in the UN and for the civil society, must be think from a critical
perspective of human rights that considers the society the central actor of the debate.
Keywords. The Law Found on the Street; Human Rights and Business; Binding-treaty on Human
Rights and Business.
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INTRODUÇÃO
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qualitativa, em que diferentes frentes, nas quais se incluem as minorias, sejam ouvidas e
participem da construção do conceito.
O presente trabalho se estrutura em consonância com essas ideias, no sentido de
trabalhar, primeiramente, com o termo direitos humanos sob uma lente crítica, mostrando as
questões envolvidas por trás de sua utilização, bem como ressaltando a necessidade de se
buscar sua reconstrução e ressignificação, que se desprenda de um discurso vazio a serviço
das esferas dominantes de poder e assuma contornos práticos, libertários, democráticos e
imbuídos de luta.
Para tratar dessa questão, foram trazidas as correntes de pensamento chamadas
“Direito Insurgente” e “Direito Achado na Rua”, sendo dado destaque à última, como
perspectivas de buscar uma construção do direito que tenha real compromisso com as
discussões que são travadas no seio da sociedade, de forma que a produção do direito seja em
conformidade com as manifestações populares e tenha um caráter verdadeiramente
democrático, plural, libertário e que abarque de forma concreta os direitos humanos, a partir
do respeito às particularidades dos sujeitos.
A partir disso, foi abordada a temática de direitos humanos e empresas, em que se
buscou fazer um breve histórico de como as discussões em torno desse tema tiveram início no
cenário mundial e passaram a ser tão relevantes no presente contexto capitalista, chegando ao
ponto de haver a necessidade de se produzir um instrumento internacional juridicamente
vinculante, que regule as práticas das transnacionais, com o intuito de coibir possíveis
violações aos direitos humanos.
A ideia central do trabalho reside em ressaltar a importância de construção do
tratado que efetivamente leve em conta e valorize as discussões sociais, conforme preceitua o
“Direito Achado na Rua”, mesmo que, nessa corrente, haja um enfoque na busca por uma
alternativa de produção do direito no âmbito do Estado. É possível, no entanto, transportar
essa ideia para esse contexto de produção do tratado sobre direitos humanos e empresas, em
que há uma frente de discussão correndo em paralelo à institucional, composta pela sociedade
civil, centros acadêmicos e demais atores engajados com o tema.
De cunho exploratório, o presente trabalho é fruto de uma revisão bibliográfica
sobre o tema de direitos humanos, encarado sob uma perspectiva crítica, com enfoque nas
produções acerca do “Direito Achado na Rua”, produzidas pelo centro de pesquisa com o
mesmo nome, da Universidade de Brasília. Além disso, abordagem da temática de direitos
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humanos e empresas foi trazida a partir das discussões produzidas no âmbito do Homa –
Centro de Direitos Humanos e Empresas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que
trabalha com o tema de direitos humanos e empresas a partir de uma perspectiva crítica e que
abarque a participação de diferentes atores na construção desse campo de conhecimento.
1
Em sua obra, “O que é direito?”, o autor Roberto Lyra Filho (1982) aborda a discussão sobre as diferenciações
entre as duas das principais ideologias presentes no campo do Direito, que são o jusnaturalismo e o positivismo.
Ao trazer este último, o autor mostra ser a sua essência a ordem estabelecida, no sentido de que as normas
positivadas traduzem o alcance da justiça, sendo o limite máximo desta, definindo padrões de conduta com a
previsão de sanções individualizadas e seus meios de aplicação. Esse ordenamento é fruto do monopólio estatal,
que é povoado por classes e grupos dominantes, que produzem a estrutura da norma com base em sua organização
social e repelem todas as formas que com ela conflitam, não sendo consideradas válidas dentro do ordenamento
vigente. O Estado, nesse entendimento, seria a expressão da classe dominante.
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concepções de mundo diferem de indivíduo para indivíduo e de uma coletividade para outra,
transmitindo a ideia, para uns, de que o outro não se encaixa em sua concepção de Humano.
Dessa forma, seria mais plausível admitir a diversidade da conceituação do termo, já
que é temeroso tentar estabelecer um consenso para a sua definição que não termine por
deixar de lado características inerentes a determinado povo ou cultura, impondo, dessa forma,
um modelo que não abarque todas as inúmeras formas de sociedade e acabe por perpetuar um
padrão de exclusão, como é possível notar com a imposição do padrão ocidental de sociedade
aos demais povos do mundo.
Com essas colocações, percebe-se que não é tarefa fácil estabelecer um consenso
sobre o que seriam os Direitos Humanos, se eles deveriam ser considerados a partir de uma
concepção superior e abstrata cuja marca seria a universalidade, somente esperando que a
razão humana trate de entender como devam ser realizados. Por outro lado, se devem ser
encarados como algo inerente à natureza e à humanidade, tidos como completos e plenos,
apenas à espera de serem desvendados pelos sujeitos. Ou, ainda, serem os Direitos Humanos
provenientes de uma razão mística e superior, tido como uma essência divina inscrita no
coração de cada ser humano, revestida de caráter absoluto e universal (SOUSA JUNIOR;
ESCRIVAO FILHO, 2016).
Além dessas concepções, é comum encontrar a compreensão do termo com base nas
disposições das normas de direito internacional, consubstanciados, por exemplo, na
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Esse tipo de fundamentação, porém,
não se mostra adequado, na medida em que, apesar de documentos desse tipo traduzirem
processos históricos de combate a dominações e violações, há a questão da matriz civilizatória
envolvida em seu bojo, já que as nações tidas como civilizadas não levam em consideração a
carga cultural dos povos que não se encaixam nesse padrão, declarando seus direitos como
universais.
Seja qual for a noção escolhida, importa verificar que essas concepções dos Direitos
Humanos os trazem como uma forma alheia à ação do homem, estando, portanto, fora de um
contexto social e histórico. Com essa descontextualização, os Direitos Humanos são
utilizados como estratégia em favor do sistema capitalista, se tornando ferramentas úteis a
proporcionar uma sensação de satisfação de direitos apenas com a mera positivação destes,
gerando, dessa forma, um efeito imobilizante e de ordem, que tem como consequência a
304
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redução da busca pela justiça social (ESCRIVÃO FILHO; SOUSA JUNIOR, 2016 apud
LUÑO e RUBIO, 2014).
Com isso, aqueles Direitos Humanos que ainda não se encontram na esfera da
positivação e são excluídos por carência de força, especialmente econômica e política, ficam à
margem do ordenamento jurídico e, por isso, não são considerados direitos, tendo sido as
lutas para que emergissem, inclusive, criminalizadas e desqualificadas. Isso pode ser
observado com clareza na luta pelo reconhecimento dos povos indígenas, mulheres,
população sem-terra, entre outros, negando todo o processo de surgimento e desenvolvimento
destes. Nas palavras de Sousa Júnior e Escrivão Filho:
O prof. David Sánchez Rubio (2014) aborda o tema dos Direitos Humanos
ressaltando que os indivíduos concebem o termo de forma dissociada aos processos sócio-
históricos de constituição e de significação, na medida em que a busca por sua efetividade se
reveste nas políticas públicas ou nas decisões judiciais, deslegitimando outras formas de
implementação de um sistema de garantias. A isso se soma o entendimento reduzido sobre a
democracia, que é percebida como representação partidária e eleição, sendo essa herança de
despolitização na seara dos Direitos Humanos a causa de uma construção fragilizada do poder
popular, tendo em vista que, a partir da visão tecnicista imprimida ao referido termo, elimina-
se a dimensão combativa e libertadora típica de movimentos sociais que exercitam seu poder
de luta frente a contextos de dominação e exploração.
Assim, deve-se considerar que o sistema de garantia dos Direitos Humanos deve
assumir contornos concretos, não se confundindo com declarações e ideias, mas sendo
resultado de um processo de criação pela sociedade, em uma trajetória de emancipação
humana. As concepções contra-hegemônicas de Direitos Humanos surgem em contraposição
a estas teorias, pois afirmam o caráter histórico e cultural destes como processos de combate
às violações e luta pela efetivação de direitos não observados ou não previstos.
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[...] ação e expressão jurídico políticas das lutas concretas da classe trabalhadora,
ação enquanto pressupõe movimento, e expressão em suas manifestações efetivas:
ou na resistência organizada à sentença injusta, ou nos conselhos populares, ou na
elaboração interna das comunidades subalternizadas ou na sentença contra a lei
injusta, proferida pelo juiz democrata. Na verdade, sob qualquer tipificação, direito
contra a ordem burguesa. Insurgente, portanto.
2
O Direito Achado na Rua foi apresentado, primeiramente, em uma publicação em 1987, e como curso de ensino
à distância, administrado pelo Centro de Educação a Distância (CEAD) e pelo Núcleo de Estudo para Paz (NEP),
sob a coordenação do Prof. José Geraldo de Sousa Junior. Além disso, consolidou-se como linha de pesquisa,
certificada pela Plataforma Lattes de Grupos de Pesquisa do CNPq e nos programas de Pós-Graduação –
Mestrado e Doutorado em Direito (Faculdade de Direito da UnB) e Direitos Humanos e Cidadania – Mestrado
(CEAM – Centros de Estudos Avançados Multidisciplinares, da UnB) e como disciplinas da Graduação e Pós-
Graduação em Direito (Faculdade de Direito da UnB), apresentando vasta bibliografia que contribui para a
formação de coletivos com a mesma denominação em várias universidades e centros de pesquisa no Brasil.
3
Dentre os objetivos, segundo Sousa Junior (2008), se destacam: 1) a determinação do espaço político em que as
práticas sociais que anunciam direitos, mesmo que os “contra legem”, se inserem; 2) desvendar a natureza jurídica
do sujeito coletivo, que é apto a auxiliar na busca de um projeto político de transformação social, além de elaborar
a sua representação teórica como sujeito coletivo de direito; 3) inserir os dados derivados destas práticas sociais
criadoras de direitos e, além disso, estabelecer categorias jurídicas inovadoras.
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normas que instituem a dominação são travestidas de tratados, convenções e pactos, cujo
conteúdo se traduz em normas contrárias aos Direitos Humanos, mas necessárias, na medida
em que garantem a dominação das nações mais pobres, que, por sua vez, são dependentes
dessa relação, pois tem como fonte de riquezas a exportação de matéria-prima em seus
territórios.
A partir disso, trazendo a questão para a seara dos Direitos Humanos, é importante
notar que para que eles deem frutos é necessário que eles provenham de um contexto de
contradições, de modo que eles cresçam diante de lutas sociais, concessões e conquistas. Eles
nunca encontrarão a devida eficácia quando outorgados em textos normativos, mas quando
estes forem resultado de conquistas sociais (AGUIAR, 2014).
As normas jurídicas não podem servir para fortalecer os instrumentos de controle e
repressão do poder, restringindo os direitos daqueles que são destinatários delas por uma
minoria, senão estaremos diante de um ordenamento que não serve ao bem da maioria, sendo
legal, porém não legitimo. Diante disso, pode-se perceber que a justiça não é neutra, está
sempre comprometida, expressão de interesse de determinado grupo. O Direito Achado na
Rua, dessa forma, tem um papel importante, na medida em que reflete sobre essa fundamental
participação dos atores sociais para a conformação do direito, que deve ser entendido para
além do exercício estatal, podendo, desse modo, ser de fato aplicado e justo para os nichos
marginalizados.
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pelos danos por elas perpetradas, logo, algumas iniciativas em torno dessa temática foram
ocorrendo no âmbito das Nações Unidas. Entre elas, destaca-se o Pacto Global, proposto pelo
secretário-geral Kofi Annan, no ano de 1999, que trouxe um conjunto de princípios
voluntários sobre boas práticas corporativas no âmbito internacional, tendo tido uma ampla
aceitação pelas corporações e stakeholders4. Essa iniciativa incorporava em sua essência a
polêmica ideia de responsabilidade social corporativa, por ter o documento um caráter
eminentemente voluntarista, em que as corporações tem a poder de escolha de serem ou não
signatárias, bem como por dar abertura para que as empresas utilizem essa forma de
vinculação como propaganda de boas práticas, enquanto continuam com sua operação nociva
aos direitos humanos e ao meio ambiente (BERRÓN, 2016).
Vindo ao encontro dessa tendência voluntarista do Pacto, foram criadas, em 2003, as
“Normas sobre Responsabilidade de Corporações Transnacionais e Outras Empresas de
Negócios em Relação a Direitos Humanos”, ainda no contexto da ONU, no âmbito da
Comissão de Direitos Humanos, significando um avanço muito importante no tocante à
necessidade de impor obrigações aos Estados signatários. Porém, a ideia foi rechaçada pelos
países do Norte global por serem, em sua maioria, sede das matrizes das corporações. O
objetivo dessas normas nunca foi alcançado, mas elas serviram para levantar o debate sobre a
importância de haver um instrumento vinculante que gere obrigações para as empresas em
matéria de direitos humanos.
Outro capítulo relevante dessa temática foi a participação do professor John Ruggie,
que criou o “UN Protect, Respect and Remedy Framework”, uma importante contribuição
para o debate, que teve como base a elaboração de consultas nos mais diversos lugares ao
redor do mundo, tanto a membros da sociedade civil como as próprias empresas. Esse
formato, que ainda privilegiava a perspectiva de protagonismo do Estado enquanto principal
responsável pela proteção dos direitos humanos desembocou, em 2011, nos Princípios
Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, que foi adotado por consenso no contexto
do Conselho de Direitos Humanos da ONU, seguindo no entanto, a lógica que se coaduna ao
voluntarismo das empresas no tocante à proteção de direitos humanos durante o desempenho
4 Stakeholder significa ”público estratégico” e diz respeito à uma pessoa ou grupo que possui alguma relação de
interesse com uma empresa, negócio ou indústria, podendo ou não ter realizado investimentos neles. Alguns
exemplos de stakeholder podem ser: seus funcionários, gestores, gerentes, proprietários, fornecedores,
concorrentes, ONGs, clientes, o Estado, credores, sindicatos e diversas outras pessoas ou empresas que estejam
relacionadas com uma determinada ação ou projeto.
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de suas atividades. Além disso, foi criado, ainda, um Grupo de Trabalho de Direitos Humanos
e Empresas, que teria o objetivo de orientar os Estados a desenvolverem sua política nacional
de proteção de direitos humanos em face das corporações, consubstanciadas nos chamados
Planos Nacionais de Ação, que incorporariam no âmbito interno os princípios aprovados no
contexto das Nações Unidas.
Percebe-se que a iniciativa dos princípios orientadores de Ruggie, que culminou na
perspectiva dos Planos Nacionais de Ação, embora considerada válida, no sentido de ser mais
um mecanismo que possa vir a contribuir para o enfrentamento da temática, não pode ser
visto como a ferramenta principal para lidar com o tema, em razão da roupagem que recebeu,
em que não há um tensionamento com a para a mudança das práticas hegemônicas da relação
entre empresas e direitos humanos. Seria necessário, dessa forma, um instrumento que
pudesse ser usado em um processo complementar aos planos, mas, que atuassem nos temas
que fugissem da zona de competência desses, especialmente em relação aos aspectos
internacionais ligados ao tema. Logo, entra em cena a possibilidade de um tratado, criado no
âmbito da ONU, que tratasse também desse objeto.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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da necessidade de redefinição de sentido do termo, com vistas a torná-lo mais próximo ao que
ele propõe essencialmente, qual seja, garantir direitos aos seres humanos de forma efetiva,
sem condicionamentos e limitações e, para isso, faz-se necessária uma construção em que a
maior representatividade possa ser possível.
Com o intuito de buscar um formato que contemplasse essas ideias, foi trazida,
principalmente, a corrente a corrente de pensamento do “Direito Achado na Rua”, que busca
estudar, reunir e sistematizar iniciativas que possibilitem a construção de um aparato jurídico
que contenha efetivamente o compromisso com as discussões sociais, especialmente o que é
formado no âmbito de movimentos e frente de ação, de modo a permitir que o direito tenha
um caráter verdadeiramente democrático, plural, libertário e que abarque de forma concreta os
direitos humanos.
Essa ideia foi trazida para a discussão de direitos humanos e empresas, com o
traçado de um contexto de evolução do tema, culminando na construção de um tratado
juridicamente vinculante, que regule as práticas das corporações frente às violações aos
direitos humanos.
Com isso, o objetivo do estudo foi tentar mostrar, através da proposta pregada pelo
“Direito Achado na Rua”, a necessidade de se construir um tratado que efetivamente seja
baseado nas discussões e manifestações sociais, ainda que filtradas e sintetizadas por
movimentos ligados de forma mais aproximada ao tema, como ONGs e membros da
sociedade civil e academia. É fundamental que os que verdadeiramente sofrem com as
violações perpetradas pelas empresas, bem como os entes engajados com essa temática que
realmente almejam uma discussão mais aprofundada sobre ela, sejam atores protagonistas
dessa produção, que extrapola os limites estatais, pois, somente dessa forma, é possível se
falar em direitos humanos construídos por todos e para todos.
REFERÊNCIAS
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BALDÉZ, Miguel Lanzellotti. Anotações sobre direito insurgente. In: Captura críptica: direito, política,
atualidade - Revista discente do curso de pós-graduação em direito da Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, n.3, v.1, p. 195-205, jul/dez. 2010.
BERRÓN, Gonzalo. Derecho huanos y empresas transnacionales. In: Nueva Sociedade, nº 264, Buenos Aires,
julho-agosto de 2016, p. 147-158.
DOUZINAS, Costas. Que são direitos humanos? In: Projeto Revoluções. 2009.
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LYRA FILHO, Roberto. O Que é Direito. Coleção primeiros passos. Brasília: Ed. Brasiliense, 1982 e 1984.
MELUCCI, Alberto. Um objetivo para os movimentos sociais? São Paulo: Lua Nova: Revista de Cultura e
Política, 1989, nº 17. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
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MEYERSFELD, Bonita. A Binding Instrument On Business and Human Rights: Some Thoughts for an Effective
Next Step in International Law, Business and Human Rights. In: Homa Publica: Revista Internacional de
Direitos Humanos e Empresas, Juiz de Fora, v. 1, n. 1, p. 19 – 39, Novembro 2016. ISSN 2526-0774.
RIBAS, Luiz Otávio. Direito insurgente na assessoria jurídica de movimentos populares no Brasil (1960-2010).
2015. 208f. Tese de conclusão do programa de pós-graduação (Doutorado) – Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
RUBIO, David Sánchez. Entrevista realizada pela Professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa. In:
www.odireitoachadonarua.blogspot.com.br. Acesso em 17/11/2016.
SANTOS, Boaventura de Sousa; CHAUÍ, Marilena. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São
Paulo: Cortez, 2013.
SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Direito como liberdade: o direito achado na rua. Experiências populares
emancipatórias de criação do direito. 2008. 338f. Tese de conclusão do programa de pós-graduação (Doutorado)
– Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
_______; ESCRIVÃO FILHO, Antonio. Para um Debate Teórico-conceitual e Político sobre os Direitos
Humanos. Belo Horizonte: D`Plácido Editora, 2016.
_______ (coord.); O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2015.
314
RAFAEL BRAGA VIEIRA
E A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA
NO CONTEXTO BIOPOLÍTICO
RESUMO
A história do sequestro dos negros e negras africanos deixou marcas que ainda hoje têm repercussões
perversas em nossa sociedade. O lugar social dado a esses indivíduos sempre foi uma posição
subalterna em que a fruição de direitos mínimos é obstaculizada pelo arranjo socioeconômico e pelo
funcionamento institucional que contribuem para sua permanente segregação. As altas taxas de
violência e encarceramento que vitimam o jovem negro no Brasil demonstram a inserção desses
indivíduos em um âmbito de exceçãoque os torna matáveis, sujeitos à violência de todo gênero. Nesse
contexto, tornou-se emblemático o caso de Rafael Braga Vieira, preso nas manifestações de 2013 no
Rio de Janeiro e, depois, em 2016, vítima de dois flagrantes forjados que o mantém encarcerado até
hoje. O homo sacer de Giorgio Agamben é figura que permite analisar,pelo prisma biopolítico, esse
panorama do qual Rafael é um claro exemplo.
Palavras chave. Rafael Braga Vieira. Biopolítica. Estado de Exceção. Homo sacer. Criminalização da
pobreza.
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INTRODUÇÃO
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Novos imperativos econômicos fizeram com que a mão-de-obra negra sofresse um processo
de depreciação, bastante agravado pela facilitação para a chegada de imigrantes europeus para
ocupar os postos de trabalho com sua mão-de-obra supostamente mais qualificada. Ao
mesmo tempo que se investia no clareamento da pele da população, buscava-se obter
trabalhadores considerados mais aptos a contribuir para o desenvolvimento do país. Com isso
consolidou-se a institucionalização de uma política que, se nãoinviabiliza a vida negra, torna-a
absolutamente dificultada e descartável, vista como menos digna de existir e, portanto,
matável.
Sobre a essa substituição pelo trabalhador branco europeu, FLAUZINA (2006, p.
62) afirma que “o imigrante europeu é, nesse sentido, o antídoto à intoxicação negra que a
essa altura já começava a sufocar as elites locais”.
A criação do crime de “vadiagem” durante o Império, antes mesmo da abolição,
aponta para o compromisso de seu sistema penal com o controle dos destinos dos negros no
Brasil. Libertos na dimensão jurídica, negros e negras se viam diante de enormes dificuldades
para inserção na sociedade. Trabalho e moradia dificilmente eram conseguidos e muitas
dessas pessoas tinham de se sujeitar a condições de vida absolutamente precárias. Os que não
permaneceram trabalhando para os antigos senhores e vagavam pelas cidades sem emprego
eram alvo do encarceramento e da violência policial. Novamente, é importante destacar o
pensamento de FLAUZINA (2006, p.61) em sua análise sobre o período: “se as bases do
controle e da inviabilização social desse contingente estavam a se sedimentar, as do
extermínio também atuavam com vigor”.
Ainda hoje, no Brasil, as desigualdades raciais são estruturantes da desigualdade
social conforme se depreende em relatórios como Situação Social da população negra por
estado, divulgado em 2014, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Desse
modo, não causa espanto que esses indivíduos permaneçam fixados nas zonas periféricas,
com renda inferiorà dos brancos, inseridos no mercado de trabalho em postos subalternos,
com níveis mais baixos de estudo e ocupando moradias precárias. Seu padrão de vida e o
tratamento que recebem por parte das instituições denotam o desvalor atribuído a suas vidas.
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Apesar de não mais haver políticas oficiais que possuem o objetivo declarado de
inviabilizar a dignidade da vida negra, convivemos com inúmeros episódios que nos mostram
que tais práticas não ficaram no passado. A seletividade do sistema penal que superlota
presídios por todo o país com indivíduos negros majoritariamente negros (INFOPEN, 2014,
p. 36) é um exemplo sintomático doracismo institucional que confere mais direitos aos
brancos do que aos negros e negras.
Este panorama é muitíssimo bem exemplificado pelo ‘caso Rafael Braga’,
representativo de um enorme contingente de jovens negros e negras que foram selecionados
pelo Estado como merecedores da segregação pelo cárcere.
Rafael Braga Vieira nasceu no dia 31 de janeiro de 1988, no município do Rio de
Janeiro, filho de Adriana e de Reginaldo, moradores da favela da Vila Cruzeiro. Os bons
ventos que pareciam soprar trazendo a “Constituição Cidadã”,em construção naquele
momento na capital do país, não embalariam o menino. Seus primeiros 29 (vinte e nove) anos
de vida seriam prova cabal de que a promessa de uma República protetora da dignidade e
promotora do bem de todos, sem discriminação por origem ou por cor, estavam impressas em
papel, mas não na realidade de quem, como ele, havia cometido o crime de nascer negro e
pobre em uma periferia brasileira.
A hostilidade do entorno não demorou a se fazer presente na vida de Rafael, que,
com apenas 01 (um) ano de idade, mudou-se com sua mãe para Aracaju. O motivo: fugir da
miséria.Adriana tinha alguns parentes naquela cidade e a estrutura familiar era relevante para
sua subsistência e de seu primeiro filho.Aos 08 (oito) anos de idade, Rafael já engraxava
sapatos no centro de Aracaju como forma de obter algum dinheiro e ajudar com a renda da
família. A pobreza ainda marcava severamente a vida dos Braga e a adversidade, novamente,
motivou a mudança.
No início dos anos 2000, Rafael retornou ao Rio de Janeiro, onde passou a
sobreviver coletando materiais recicláveis que encontrava pelas ruas. A volta para casa na
Vila Cruzeiro, após um dia extenuante de coletas, nem sempre era possível devido ao valor do
transporte público, que para muitos representa uma proibição - não positivada, mas
absolutamente efetiva - de circular pela cidade. Não raro, Rafael passava a noitenas ruas.
Em junho de 2013, em meio às manifestações que fervilhavam em todo o país, o
jovem foi abordado por policiais em um imóvel abandonado na região da Lapa, onde se
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abrigaria naquela noite. Sem qualquer participação nas manifestações, Rafael foi detido sob
suspeita de portar material explosivo.O suposto‘coquetel molotov’ encontrado em seu poder
consistia em duas garrafas plásticas contendo água sanitária e “pinho-sol”, material
examinado por peritos e considerado inapto para funcionar como arma. Apesar da prova
pericial em seu favor e da ausência de qualquer relato fático que denotasse uma ação delitiva,
Rafael foi preso e condenado a cinco anos e dez dias-multa, em regime inicialmente fechado,
pelo juiz da 32ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro1.
Àsua prisão se seguiu uma mobilização de advogados populares, notadamente do
Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH, que passaram a atuar na defesa técnica
de Rafael. No ano de 2014, surgiu a Campanha pela Liberdade de Rafael Braga,
organizadapor militantes da Assembleia Popular da Cinelândia, com o objetivo de dar
visibilidade a sua história e de angariar recursos para o sustento de sua família.
No final do ano de 2015, Rafael recebeu com muita alegria a notícia de que havia
reunido as condições para a progressão de regime e,por isso, poderia ir para casa, com a
condição de usar uma tornozeleira eletrônica.
Na manhã do dia 21 de janeiro do ano de 2016, policiais militares, em operação na
Vila Cruzeiro, avistaram o jovem negro que se dirigia a uma padaria e o julgaram “suspeito”.
O dispositivo em sua perna, chamava a atenção. A tornozeleira eletrônica constitui uma marca
que serve à pronta identificação dos socialmente (des)classificados como indignos.
Rafael,abordado pelos agentes do Estado,foi imediatamente capturado e tratado como
“vagabundo”2. Instado a fornecer informações sobre o tráfico de drogas na localidade, ao que
respondeu dizendo que não tinha envolvimento com tais atividades, Rafael foi levado a um
terreno baldio, onde foi fisicamente e psicologicamente torturado, com toda sorte de agressões
e ameaças de violência sexual. Os policiais que efetuaram a prisão atribuíram ao rapaz a posse
de um saco plástico contendo 0,6 (zero virgula seis) gramas de maconha e 9,3 (nove virgula
três) gramas de cocaína, além de um sinalizador. Levado à 22ª Delegacia de Polícia, Rafael
foi indiciado e processado pelo suposto cometimento dos delitos de”tráfico de drogas” (artigo
33 da lei 11.343/06) e de “associação ao tráfico” (artigo 35 da lei 11.343/06).
Apesar do arcabouço probatório extremamente frágil, embasado em depoimentos
contraditórios dos próprios policiais que forjaram a situação de flagrante delito e do
1
Processo nº 0212057-10.2013.8.19.0001, em trâmite perante a 32ª Vara Criminal.
2
Segundo afirmou Rafael durante o contato com seus advogados já na delegacia, era assim que os policiais
militares o chamavam durante todo o tempo em que o tiveram sob custódia.
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depoimento de testemunha que presenciou a ação dos policiais, o juiz da 39ª Vara Criminal
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro condenou Rafael Braga Vieira a 11 (onze)
anos e 03 (três) meses de reclusão e ao pagamento de um mil seiscentos e oitenta e sete dias-
multa3.
No cárcere, Rafael Braga Vieira contraiu tuberculose, doença que vem alcançando
números alarmantes na vitimização de pessoas presas4 e obteve, do Superior Tribunal de
Justiça, uma medida liminar em sede de habeas corpus para receber tratamento em casa,
tendo-se em vista as péssimas condições de higiene observadas no cárcere.
A história de Rafael vem se tornando cada vez mais conhecida, amplamente
noticiada pela mídia nacional5 e por importantes veículos internacionais6.Artistas, intelectuais
e pessoas comuns têm manifestado apoio ao jovem, que aguarda o julgamento do recurso de
apelação contra a sentença que o condenou pelo suposto envolvimento com o tráfico de
drogas.
3
Processo nº 0008566-71.2016.8.19.0001, em trâmite perante a 39ª Vara Criminal.
4
UNIVERSO ONLINE. “Massacre silencioso”: doenças tratáveis matam mais que violência nas prisões
brasileiras”, 2017.Disponível em:<https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/14/massacre-
silencioso-mortes-por-doencas-trataveis-superam-mortes-violentas-nas-prisoes-brasileiras.htm> Acesso em 20 set
2017.
5
G1. Justiça nega liberdade a Rafael Braga, 2017. Disponível em <https://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/justica-nega-liberdade-a-rafael-braga-dizem-advogados.ghtml> Acesso em 20 set 2017.
6
BBC. Rafael Braga: Scapegoatordangerousprotester?, 2016. Disponível em: <
http://www.bbc.com/news/world-latin-america-35578395> Acesso em 20 set 2017.
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exceção (AGAMBEN, 2004, p. 13). O poder soberano, ao longo dos anos, vem alimentando
a máquina bipolar estatal segregatória e incluindo o ser vivente como mercadoria barata e
dócil, sujeita ao ostracismo da vida nua. O Estado, cada vez mais, vem tendo interesse na zoé
(o simples fato de viver), e incluindo o ser vivente em seus cálculos exclusivos. Esse é o
paradigma moderno da política contemporânea: a captura do ser vivente pelos dispositivos
biopolíticos da contemporaneidade através de um método de exceção que submete o
indivíduo a toda sorte de violências institucionais, dentre elas, o processo penal e, por
conseguinte, o cárcere.
Nesse passo, é possível perceber, de modo claro, o paralelo que se estabelece com a
história de Rafael Braga Vieira. O jovem foi denunciado pelo Ministério Público, como
incurso nas penas dos artigos 33 e 35, ambos da lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), e como
exposto,condenado a 11 (onze) anos e 03 (três) meses de prisão por ter sido supostamente
flagrado portando 0,6g de maconha; 9,3g de cocaína e um rojão.
Analisando criticamente a decisão referida, é possível notar o desvalor do indivíduo
em decorrência do racismo institucionalizado que permeia a atuação jurisdicional. O
vocabulário bélico empregado na sentença denuncia a clara institucionalização do racismo no
Poder Judiciário, premissa lógica à luz do pensamento de Agamben quando trata de que uma
das características essenciais do estado de exceção é a abolição momentânea da distinção
entre os poderes do governo (AGAMBEN, 2003, p. 19).
Essa abolição ocorre entre direito público e fato jurídico criando um ponto de
desequilíbrio entre estes e escrevendo a anomia no ordenamento jurídico. O magistrado nessa
ocasião tem o papel preponderante de elaborar um direito positivo de crise. Esse significado
imanente biopolítico aparece com clareza na decisão que condenou Rafael Braga.
No plano de construção da decisão soberana, atribui-se a ela o papel de romper com
a ordem constitucional e de mudar o curso da atividade judicial do magistrado. Em apertada
síntese, a teoria da decisão atua como limitador ao exercício do pensamento crítico, dando
lugar a um pensamento concreto, estereotipado, racista, pautado pelo medo de absolver e
elegendo o magistrado um neo-inquisidor e responsável por todas as inquietudes da
coletividade. A decisão assume uma lógica eficientista a partir de perversões
inquisitoriaistrazendo à baila o pensamento do juiz autoritário.
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A especificação “ao mesmo tempo” não é trivial: o soberano, tendo o poder legal de
suspender a validade da lei, coloca-se legalmente fora da lei. Isto significa que o
paradoxo pode ser formulado também deste modo: “a lei está fora dela mesma”, ou
então: “ eu, o soberano, que estou fora da lei, declaro que não há um fora da lei”
(AGAMBEN, 2003, p.22).
323
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324
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isso: optou-se pela manutenção da vida nua para uns. É a essa vida que podemos comparar a
vivida por Rafael.
Nessa esteira, portanto, cumpre destacar em virtude do episódio em discussão no
presente trabalho, o papel das instituições penais conforme Foucault delineia em O
Nascimento da Biopolítica ao exemplificar o cruzamento entre a veridição e a jurisidição:
7
Os gregos utilizavam as palavras zoé e bios para expressar o que chamamos de vida. Para eles a zoé consistia no
simples fato de viver, comum a todos os seres vivos e, por sua vez, a bios expressava uma forma de viver própria
de um indivíduo ou grupo. A simples vida natural, no entanto, apenas é considerada no mundo clássico, na polis,
quando analisada sob o prisma de mera vida reprodutiva.
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desprezados em no limite, aniquilados, sem que tal ato seja passível de pena àqueles
que a isso tenha dado causa.
Cremos que para fins de justificar o referido desprezo àquele que, na prática, se
equipara ao homo sacer em nossa sociedade exista a necessidade de um discurso, ainda que
raso, que demonstre a “razoabilidade” de tal prática. Largamente empregada, a criminalização
da pobreza é um processo complexo, mas que, sucintamente, é tratado pela Professora Cecília
Coimbra, da Universidade Federal Fluminense, em sua exposição realizada no I Seminário
Internacional de Direitos Humanos, Violência e Pobreza: a situação de crianças e
adolescentes na América Latina hoje:
Presente entre nós até os dias de hoje, esse dispositivo vai afirmar que tão
importante quanto o que um indivíduo fez, é o que ele poderá vir a fazer. É o
controle das virtualidades; importante e eficaz instrumento de desqualificação e
menorização que institui certas essências, certas identidades. Afirma-se, então, que
dependendo de uma certa natureza (pobre, negro, semi-alfabetizado, morador de
periferia...) poder-se –à vir cometer atos perigosos, poder—se- à entrar para o
caminho da criminalidade. (2006, p.2)
CONCLUSÕES
A trajetória de Rafael Braga nos permite estabelecer o paralelo entre sua vida com
uma vida nua, matável, assim como a do homo sacer. Olhar para situação sob esse ponto de
vista permite compreender a banalização da privação de sua liberdade pelo Poder Judiciário,
em que pese a movimentação de diversos setores da sociedade em defesa da mesma.
8
AGAMBEN (2004, pp. 12-13) compreende que é possível a utilização de dispositivos através dos quais
mecanismos de exceção coexistam com o Estado de Direito. Tais mecanismos terão como destinatário desde
adversários políticos ou até mesmo categorias inteiras de cidadãos que pareçam “inadequados à ordem vigente”.
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Insta ressaltar que o perfil de Rafael é o mesmo, por exemplo, daqueles indivíduos
que mais morrem e tem suas mortes esvaziadas pelo uso do instituto dos autos de resistência:
ambos são jovens, negros, pobres e moradores das periferias. As vítimas dos autos de
resistência, assim como aqueles que superlotam os presídios provisoriamente e os que são
revistados em operações de caráter notoriamente higienista como a “Operação Verão”
contemplam esse mesmo e nítido perfil. Suas vidas e, por conseguinte, seus direitos não têm o
mesmo valor, para o Estado, do que se verifica com indivíduos oriundos das camadas mais
abastadas da sociedade.
É inaceitável que convivamos em silêncio com a captura da vida desse modo pelo
Estado e, tampouco, que consideremos razoáveis as duas condenações de Rafael. É preciso ter
a consciência de que tal situação só se dá por intermédio de uma escolha estatal de quem são
os indesejáveis, os inimigos a serem combatidos através do estado de exceção. No caso do
Brasil, resta claramente comprovado pela nossa trajetória histórica a escolha do desviante, do
indivíduo a ser eliminado seja através de sua morte, de seu encarceramento ou de sua
invisibilização social.
Nesse sentido, oportuna reflexão de BAUMAN (2004, p.108) sobre o legado do
Holocausto:
REFERÊNCIAS
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328
REFLEXÕES SOBREA JUDICIALIZAÇÃO
DA EDUCAÇÃO DOMÉSTICA (HOMESCHOOLING):
DISPOSITIVO, IMMUNITAS E A FORMA-DE-VIDA
FARIAS-LARANGEIRA, Marcelo
Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais – Programa de Pós – Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD)
– Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ). Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais – Programa de Pós –
Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) – Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ). Professor de
Direito Empresarial e Tutela Coletiva – Universidade Salgado de Oliveira (Departamento de Ciências Jurídicas
- UNIVERSO – Campus de São Gonçalo – RJ). Advogado.
LIMA, Andrea Peres
Especialista em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ). Graduada
em Letras – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduanda em Direito pela UNESA
(Universidade Estácio de Sá – Campus de Niterói-RJ). Professora de Língua Inglesa da Fundação de Apoio à
Escola Técnica do Rio de Janeiro (FAETEC-RJ).
RESUMO
ABSTRACT
This article pretends to analyze homeschooling under the perspective of biopolitics theory developed
initially by Foucault at College de France (in the seventh decade of the 20th century). Nowadays,
Italian authors as Agamben and Esposito discuss the biopolitics issue as well. At the present,
homeschooling is in the spotlight since the debate is under judicial review by Brazilian Supreme Court.
Earlier in time, this issue was undercover somehow; in order that homeschooling was only applied in
specific cases. Therefore, homeschooling form-of-education is inserted in rhetoric field as part of an
educational agenda whose defenders claim the “right to choose” the way their children must be
educated. This claim, on the other hand, must raise an important reflection, such as the possible
consequences this endeavor may cause to learners as subjects. Isolation or immunization to certain
‘harmful’ contents learned at school, according to these groups, has reignited debate over who has the
right to educate these subjects: Family or Government?
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INTRODUÇÃO
1
VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. Educação na casa: perspectivas de desescolarização ou liberdade de
escolha? Revista eletrônica Pro-posições. Vol.28, número 2: Campinas Maio-Agosto 2017. ISSN 1980-6248.
330
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se formam e, também, quais as possíveis direções que estes podem conduzir os sujeitos
inscritos no mundo da vida. A revisão bibliográfica do pensamento da biopolítica que se
estende desde Foucault até os debates atuais de Agamben (forma-de-vida) e Esposito
(immunitas) podem constituir de grande valia à compreensão dos processos de subjetivação.
Nesse sentido, as pretensões de validade linguísticas emergem como crível sintoma de uma
racionalidade ainda mais profunda.
Por fim, o objetivo desta comunicação não gravita em torno dos processos de
ensino-aprendizagem que envolvem este método de ensino. A educação doméstica
(homeschooling) se perfaz uma ferramenta de análise para se verificar a possibilidade desta
forma-de-educar constituir um dispositivo biopolítico eclipsado pela precariedade da
estrutura pública de ensino.
331
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2
Pesquisa realizada em Outubro de 2017.
3
Sobre a disciplina e as instituições disciplinares, ver FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. 42º Edição. Petrópolis:
Editora Vozes, 2014.
4
BRASIL. República Federativa. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 888.815/RS Relator:
Luís Roberto Barroso.
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ED em detrimento da ‘metodologia de ensino ofertada pelo Estado’. Além disso, algo que
chama a atenção no processo judicial é que, apesar do reconhecimento do STF da
repercussão geral do debate sobre a ED acerca dos limites da liberdade de escolha sobre os
meios de educar segundo as convicções religiosas, morais, pedagógicas e políticas, no Brasil,
é possível obter o certificado de conclusão do ensino médio através do ENEM5.
Outra questão que chama a atenção são os pedidos de ingresso na ação judicial de
entes públicos e privados na qualidade de amicus curiae6; tais como Procuradorias-Gerais e
entidades ligadas ao ED no Brasil. Ao que fica claro, a judicialização do debate sobre a ED
lança luzes sobre o problema da imunização do sujeito-corpo, daquilo que é o comum – o
negativo da immunitas; entretanto, a emergência deste debate também abre frestas para um
limiar até então obscuro, ou seja, a judicialização.
Esta emerge aqui como uma possível arena, onde o problema dos regimes de
verdade desenvolvidos alhures por M. Foucault no Collège de France vem à tona e o
dispositivo imunitário que, no primeiro momento, vem transfigurado pelo discours que
confina os processos de subjetivação ao campo do privado. O paradigma imunitário não se
relaciona somente com a vida, contudo este se articula com sua conservação. Parece-nos que
a ED e os seus arautos desejam conservar algo, mas o quê?
A vida nunca se manifesta distante das relações de poder, assim como não existe um
poder externo à vida. A política não é senão a condição de possibilidade de se conservar ou,
melhor dizendo, trata-se de um possível dispositivo de conservação de uma forma-de-vida.
Cabe-nos analisar como o paradigma imunitário, o discurso e a forma-de-vida encontram-se
decalcados na ED, formando uma espécie de diagrama.
333
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Para Esposito (2010), o pensador francês ao não avançar com maior profundidade
na caixa preta da biopolítica permite o estabelecer da incerteza epistemológica por não
instituir um elo entre o biopoder e a modernidade, ensejando, ipso facto, em aporias
intransponíveis. Deste modo, o autor italiano sugere como viés de superação daquela aporia
enjeitada pela tradição foucaultiana a ideia de imunização8.
7
RIBEIRO, Luís Antônio Cunha. The foucaultian archaeological method in Giorgio Agamben. 25th IVR World
Congress: Law science and technology. Paper series n. 97/2012 Series B. Human Rights, Democracy;
Internet/intellectual property, globalization. Frankfurt am Main: Goethe Universität. Conference paper, August,
2012. Disponível em
<https://www.researchgate.net/publication/282117453_The_Foucaultian_Archaeological_Method_in_Giorgo_A
gamben> . DOI: 10.13140/RG.2.1.1136.6884.
8
ESPOSITO, Roberto. Bios: Biopolítica e filosofia. Tradução de M. Freitas da Costa. Lisboa: Edições 70, 2010, p.
24.
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(...) neste caso, ‘exemplo, ‘paradigma’, mas a lógica do exemplo não é de modo
algum simples, e não coincide com a aplicação de uma lei universal. Forma vitae
designa, neste sentido, um modo de vida que, ao aderir estreitamente a uma forma
ou modelo, de que não pode ser separado. (AGAMBEN, 2014, p.101).
9
Sobre o paradigma da imunização, ver ESPOSITO, Roberto. Bios: Biopolítica e filosofia. Tradução de M. Freitas
da Costa. Lisboa: Edições 70, 2010.
10
Em linhas gerais, Homeschooling, also called home education, educational method situated in the home rather
than in an institution designed for that purpose. It is representative of a broad social movement of families, largely
in Western societies, who believe that the education of children is, ultimately, the right of parents rather than a
government. Beginning in the late 20th century, the homeschooling movement grew largely as a reaction against
public school curricula among some groups. Tradução livre: “‘Homeschooling’, também denominada educação
doméstica, trata-se de um método educacional situado no ambiente doméstico, ao invés de ser operacionalizada
nas instituições criadas para este propósito. Representado por um considerável movimento social de famílias, em
sua maioria nas sociedades ocidentais, que acreditam que a educação da criança é, em última análise, o direito
dos pais ao contrário de ser uma tratativa ou imposição governamental. Iniciado no século XX tardio, o
movimento do ‘homeschooling’ cresceu amplamente como uma reação de alguns grupos contra o currículo das
escolas públicas.”. (BRITANNICA ACADEMIC. Disponível em http://academic-eb-
britannica.ez24.periodicos.capes.gov.br/levels/collegiate/article/homeschooling/488637
11
AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: Regras monásticas e formas-de-vidas. Tradução de Selvino J.
Assmann. 1ª Edição. Coleção: Estado de Sítio. São Paulo: Boitempo, 2014.
335
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12
LAÊRTIOS, Diôgenes. Vida e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução do grego de Mário da Gama Kury. 2ª
Edição. Brasília: Editora UNB, 2014, p. 85.
13
CURY, Carlos Roberto Jamil. A constituição de Weimar: Um capítulo para a educação. Educ. Soc., Campinas ,
v. 19, n. 63, p. 83-104, Aug. 1998. Disponível em
336
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73301998000200006&lng=en&nrm=iso . acesso
em 24.09.2017.
14
“Art. 145: O ensino é obrigatório para todos. Para atender a esta tarefa haverá escolas nacionais com um
mínimo de 8 anos de escolaridade. Haverá também escolas complementares até que o indivíduo complete 18
anos. O ensino e o material escolar são gratuitos tanto nas escolas nacionais quanto nas complementares.” (In:
CURY, Carlos Roberto Jamil. A constituição de Weimar: Um capítulo para a educação. Educ. Soc., Campinas, v.
19, n. 63, p. 83-104, Aug. 1998. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73301998000200006&lng=en&nrm=iso . acesso em 24.09.2017).
337
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15
ESPOSITO, Roberto. Op. cit., p. 74.
16
“Entestehung designa de preferência a emergência, o ponto de surgimento. Do mesmo modo que se tenta
muito frequentemente procurar a proveniência em uma continuidade em interrupção, também seria errado dar
conta da emergência pelo tempo final. Como se o olho tivesse aparecido, desde o fundo dos tempos, para a
contemplação, com se o castigo tivesse sido destinado a dar o exemplo. Esses fins, aparentemente últimos, não
são nada mais que o atual episódio de uma série de submissões: o olho foi primeiramente submetido à caça e a
guerra; o castigo foi alternativamente submetido a necessidade de se vingar, de excluir o agressor, de se libertar
da vítima, de aterrorizar os outros (...) A genealogia restabelece os diversos sistemas de submissão: não a
potência antecipadora de um sentido, mas o jogo casual das dominações. A emergência se produz sempre em um
determinado estado de forças.” (FOUCAULT, Michel. Nietzsche, A genealogia e a história. Tradução de
Marcelo Catan. In: Microfísica do Poder. Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado. 26ª
Edição. São Paulo: Editora Graal, 2013, p. 66.
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Fora da qual se devia falar da biopolítica desde o mundo antigo. Alguma vez, com
efeito, penetrou mais o poder na vida biológica do que na longa fase em que o
corpo dos escravos estava plenamente à mercê do domínio incontrolado dos seus
patrões e os prisioneiros de guerra podiam ser legitimamente passados à fio de
espada pelos vencedores? E como não conotar em termos biopolítico o poder da
vida e da morte exercido pelo pater famílias romano em relação aos próprios filhos?
(...) A única resposta que me parece plausível refere-se justamente à intrínseca
conotação imunitária destas últimas, ausente pelo contrário do mundo antigo.
(ESPOSITO, 2010, p. 83)
R. Esposito (2010) não se limita a olhar o elemento biopolítico sob o viés da gestão
da população, ao exemplo de Foucault, apesar de reconhecer a originalidade das suas
reflexões sobre o tema20, entretanto, se esforça em apresentar um novo limiar; o novo
horizonte de conceitos e paradigmas no qual a biopolítica se assentaria e, deste modo, uma
estrutura, até então, oculta tanto a Foucault quanto para Hannah Arendt. O primeiro não
incluiu o campo de concentração como topos no qual a relação entre política e vida é levada
ao seu extremo horror. Quanto à segunda, em seu estudo sobre o totalitarismo não anelou os
conceitos de animal laborans e homo faber, ambos presentes n’A Condição Humana.
O esboço geral dos conceitos da biopolítica, de Foucault a Esposito, pode nos ajudar
a compreender os elementos que circundam a relação entre a educação doméstica
(homeschooling) e a immunitas nos oferece uma outra perspectiva de análise. Diante deste
cenário, indagamos: O que a educação doméstica deseja conservar? Contra “o que” e
“contra quem”, os arautos da ED pretendem imunizar? E qual é a relação entre a
educação doméstica e o paradigma imunitário? Pode esta forma-de-educar se constituir
17
Neste sentido, ver. RIBEIRO, Luís Antônio Cunha. Notas de aula ministrada em 12.12.2016. Disciplina: Justiça
Social I: A filosofia em Roberto Esposito. Curso ministrado no Programa de Pós Graduação em Sociologia e
Direito (PPGSD). Universidade Federal Fluminense (UFF), Faculdade de Direito, Niterói – RJ, 1º Semestre de
2017.
18
RIBEIRO, Luís Antônio Cunha. Ibidem.
19
ESPOSITO, R. Op. cit. p. 83.
20
ESPOSITO, R. Op. cit.
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como um dispositivo? Ora, são questões que apresentam no limiar do direito e a forma-de-
vida que passamos a comentar.
Um possível traço semiótico que torna possível a análise deste problema são os
2122
discursos dos defensores desta forma-de-educar. É importante sublinhar que,
metodologicamente, o que se chama de discurso aqui se apresenta como uma espécie de
ferramenta para se investigar algo que reside nas profundezas do impronunciável23; que se
pronuncia, contudo tal pronunciamento se localiza no campo do inaudível, na zona de
indiscernibilidade entre o “dentro e fora do direito”.
Sobre o discurso e sua relação com o conceito de arquivo, M. Foucault elucidou que
estes são os “discursos efetivamente pronunciados” (FOUCAULT, 2015, p. 151), entretanto,
não somente de um conjunto de acontecimentos ocorridos ao longo dos processos históricos,
e uma vez esgotados, foram relegados aos seus “porões”, muito pelo contrário, trata-se de
uma condição de possibilidade à emergência de outros discursos, ainda que revisitados. Neste
sentido, o autor francês entende o arquivo24, como:
21
Por ora, entende – se o “discurso” no sentido dado pela Teoria Social que consiste no “modo de falar e pensar
sobre um assunto, unido por princípios comuns. Seu intuito pe estruturar a compreensão e as ações das pessoas
sobre determinado assunto.” (GIDDENS, Anthony. SUTTON, Philip. Conceitos essenciais da sociologia.
Tradução de Cláudia Freire. 1ª Edição. São Paulo: Editora UNESP, 2016, p.7).
22
Sobre a relação entre o discurso, poder e os regimes de veridicção, M. Foucault ponderou que “era o discurso
que pronunciava a justiça e atribuía cada qual a sua parte; era o discurso que, profetizando o futuro, não
somente anunciava o que se ia passar, mas contribuía para a sua realização, suscitava a adesão dos homens e se
tramava assim o destino.” (FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida
Sampaio. 6ª edição. Coleção Leituras Filosóficas, São Paulo: Editora Loyola, 2000, p. 15).
23
“A intenção do sujeito falante, sua atividade consciente, o que ele quis dizer, ou ainda o jogo inconsciente que
emergiu involuntariamente do que disse ou da quase imperceptível fratura de suas palavras manifestas; de
qualquer forma, trata-se de reconstruir um outro discurso, de descobrir a palavra muda, murmuramente,
inesgotável” (FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 8ª edição (5ª
tiragem). Rio de Janeiro: Editora Gen/Forense Universitária, 2016, p. 33).
24
FOUCAULT, M. Entrevista com J.- J. Brochier. “Michel Foucault explica seu último livro”. Publicado na
Magazine littéraine, n. 28, abril-maio de 1969, p.23-25. In: FOUCAULT, M. Ditos e Escritos II: Arqueologia das
ciências e história dos sistemas de pensamento. Organização: Manoel Barros da Motta. 3ª edição. 2ª Reimpressão.
Rio de Janeiro: Editora Gen/Forense Universitária, 2015, p.151.
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25
Mundo da vida (Lebenswelt) é considerado aqui, no sentido husserliano como “o mundo histórico-cultural
concreto, sedimentado intersubjetivamente em usos e costumes, saberes e valores, entre os quais se encontra a
imagem de mundo elaborada pelas ciências. O Lebenswelt é o âmbito de nossas originárias ‘formações de
sentido’, do qual nasce as ciências. (...) Segundo Husserl, é preciso recolocar a subjetividade transcendental no
centro da reflexão.” (ZILLES, Urbano. A fenomenologia husserliana como método radical. In: HUSSERL,
Edmund. A crise da humanidade europeia e a filosofia, Introdução e tradução de Urbano Zilles. Coleção Filosofia
41. 3ª Edição. Porto Alegre: Editora EdPUCRS, 2008, p. 45).
26
HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade europeia e a filosofia, Introdução e tradução de Urbano Zilles.
Coleção Filosofia 41. 3ª Edição. Porto Alegre: Editora EdPUCRS, 2008, p. 83.
27
HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: Sobre a crítica da razão funcionalista. Volume 2. Tradução de
Flavio Beno Siebeneichler. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 251.
28
HABERMAS, J. Op. cit., 2012, p. 250-251.
341
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cultural do qual nutrem, eles reproduzem ao mesmo tempo sua identidade e sua pertença a
coletividades”29. J. Habermas (2012) escreve que:
O conceito “mundo da vida cotidiano, que tomamos como ponto de referência para
representações narrativas, tem de passar por uma reelaboração antes de ser utilizado
teoricamente na formulação de proposições sobre a reprodução e/ou
automanutenção de mundos da vida estruturados comunicativamente. Na
perspectiva dos participantes, o mundo da vida é dado apenas como contexto
formador do horizonte de determinada situação da ação; já o conceito cotidiano de
mundo da vida, pressuposto na perspectiva do narrador, é utilizado para fins
cognitivos. (HABERMAS, 2012, p.251).
29
HABERMAS, J. Op. cit., 2012, p. 255.
30
Como devemos entender o termo “co-presença”? De acordo com Goffman, e também com meu emprego aqui,
co-presença está estribada nas modalidades perceptíveis e comunicativas do corpo. As condições chamadas por
Goffman ‘condições plenas de co-presença’ são encontradas sempre que os agentes “sempre estar
suficientemente próximos para serem percebidos em sua ação, seja esta qual for, incluindo sua experiência de
relação com os outros e, para serem percebidos neste sentir ser percebidos.” (GIDDENS, Anthony. A
constituição da sociedade. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009, p. 78-79.
342
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Estado social, conforme já dito aqui alhures. A homeschooling pretende colocar-se fora do
direito a partir do próprio direito em jogo binário de exclusão – inclusão.
O sentido de forma-de-vida concedido nesta elongação encontra-se inserida na
reflexão agambeniana dado na “Altíssima Pobreza”, que é parte do projeto Homo Sacer.
“Forma” no sentido agambeniano toca o sentido do “paradigma”. G. Agamben esclarece que
a
Forma vitae designa, neste sentido, um modo de vida que, ao aderir estreitamente a
uma forma ou modelo, de que não pode ser separado, se constitui por isso mesmo
como um exemplo (...) para que se transmitisse aos homens o exemplo de vida a ser
vivida (AGAMBEN, 2014, p. 101).
31
Sobre os regimes de veridicção, ver FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de
France (1978-1979). Aula de 17 de janeiro de 1979. p. 4São Paulo: Martins Fontes Editores. p.49.
32
AGAMBEN, Giorgio. Altíssima pobreza: regras monásticas e forma de vida. Tradução de Selvino J. Assmann.
1ª Edição. São Paulo: Editora Boitempo, 2014, p. 101.
33
O dispositivo é o conjunto homogêneo, linguístico e não linguístico que, inclui virtualmente qualquer coisa no
mesmo título: discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de polícia, proposições filosóficas etc. O dispositivo
em si mesmo é a rede que se estabelece entre esses elementos. (In: AGAMBEN, Giorgio. O que é o dispositivo?
O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução de Vinicius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos Editora, p.
29.
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O horizonte da immunitas está se deslocando diante dos nossos olhos, seja pelo
discurso, seja pela judicialização, fato é que os traços de um diagrama formador de um
dispositivo aponta para o aberto; um campo movediço de indecibilidades; a ED emerge como
esforço de se conservar, ao exemplo das regras monásticas, uma única forma-de-vida, onde o
pluralismo ou a convivência das diversas formas não são toleráveis; prefere-se então como
alternativa sombria, imunizar.
CONCLUSÃO
Diante da presente análise pretendeu-se lançar luzes sobre um tema que a priori
encontrava-se adstrito aos círculos das discussões pedagógicas sobre metodologias de ensino
que podem ser aplicadas no processo de ensino-aprendizagem. Com a judicialização da ED
ou homeschooling ante a falta de regulamentação legal, cria-se um “vazio de direito”,
abrindo-se artérias para que outras anomias emerjam. O “direito de educar” se consolida com
o surgimento do Estado Social; gerando uma espécie de vis attractiva ao Estado em prover a
educação da população. Presente na Constituição de Weimar, o direito de educar a população
foi repetido em diversos sistemas constitucionais, inclusive no direito brasileiro.
O que chama a atenção na experiência brasileira da ED é o discurso conservador
fundado no paradigma cristão para se justificar a sua utilização, abdicando-se do sistema
público de ensino. Atualmente, a questão chega ao STF, superando o debate local ou um
mero inconformismo de uma família confessante de uma certa fé e, adquire o status
constitucional de se estabelecer como uma alternativa para se educar, podendo inclusive
suprimir teorias que, eventualmente, conflitem com as crenças teológicas.
A homeschooling, neste contexto, adquire uma potência imunitária de se isolar toda
a convivência com os demais sujeitos que não comungam com a teologia praticada. Nesta
guisa, as relações de co-presença que o ambiente escolar pode proporcionar aos sujeitos
encontra-se em xeque. Mas o que pode surgir daí? Diante do sucateamento da estrutura
pública de ensino no Brasil, que indubitavelmente ostenta seus problemas, entretanto, mesmo
com tantas condicionantes, as instituições públicas de ensino oferecem os espaços de co-
presença e a exposição a pluralidade das diversas imagens de mundo. Contrario sensu, o
paradigma da ED coloca o sujeito em ‘isolamento’, e privado da co-presença.
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Mas qual o flanco que se abre ante a este estado de coisas? É difícil dizer. Quais
seriam as consequências, caso a ED se torne não só uma opção juridicamente possível, mas
um paradigma? Ou um instrumento para se imunizar o sujeito das relações de co-presença.
Basta “judicializar” o debate para que uma “verdade” seja revelada, confirmada ou, como já
disse M. Heidegger, a judicialização da ED confirma um “desvelar” da verdade? São apenas
questões, são inquietações que circundam o debate que ainda se encontra fora do alcance da
sociedade ou, como prefere J. Habermas chamar, de concernidos. Mas como dizemos são
questões, apenas questões.
REFERENCIAS
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Nicastro Honesko. Chapecó: Argos Editora
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346
A CONSTRUÇÃO DA “VERDADE”
E O FIM DAS ILUSÕES ACERCA DO INDIVÍDUO
MONTEIRO, Mariana L.
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF (PPGSD-UFF)
RESUMO
O trabalho que ora se apresenta tem como objetivo colocar em questão o modelo de produção de
verdades construído sob o legado na modernidade filosófica, tendo como eixo de análise a percepção
individual do sujeito que as produz. Indivíduo enquanto uma entidade pronta e acabada, portador de
uma natureza fixa e imutável. Sujeito que goza de aparente privilegio sobre tudo o mais no real em
razão de uma distinta e pretensamente mais qualificada essência. Para reconstruir as condições que
permitiram a consolidação de uma narrativa que produz verdades, retomaremos a passagem o modelo
da palavra mágico-religiosa para o da palavra-diálogo, na Grécia Antiga (séculos VIII-VI), na qual se
dá a afirmação de um discurso racional, laico, em substituição ao simbólico-religioso. A emergência de
um espaço público em que o prestígio da palavra e a argumentação tornam-se dominantes, abrindo o
caminho para o estabelecimento de verdades tão inquestionáveis e dogmáticas quanto as religiosas...
ABSTRACT
The following paper intends to enlight the truth-making model built over the modern philosophy
legacy, foccusing on the individual that leads this process. An individual as a finished entity that
carries within itself an estabilished and unchangeable essence, apparently priviledged in comparison
to everything else, due to a distinct and seemingly mode qualified nature. In order to rebuild the
conditions that allowed the setting of a narrative that creates truths, we shall retrace the passage from
the magical-religious word to the dialog-word, back in Ancient Greece (VIII-VI a.c), the milestone of
the setting of the rational speech, secular, that took over the religious-simbolic one. The rising of a
public arena in which the prestige of the words and arguments became dominants, paving the way to
the stabilishment of certain truths so certain and dogmatic as the religious ones…
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A descrença de que haja uma verdade a ser revelada aos homens, pré-existente a
eles, remonta ao aparecimento da cidade1 e da vida social, que marcam a decadência da
palavra mágico-religiosa, entre os séculos VIII e VII, instituindo um espaço de domínio
público. Dá-se, assim, a transformação do saber esotérico, composto por dogmas impostos
aos homens de forma inquestionada, em um novo campo de sentido no qual prevalece a
palavra como instrumento de poder por excelência, diferente daquela palavra “intemporal;
inseparável das condutas e dos valores simbólicos; o privilégio de um tipo de homem
excepcional2“, presa a uma origem simbólico-religiosa. A emergência da cidade permitiu a
laicização palavra, afastando-a do ritual, da noção de justo, aproximando-a da discussão, do
debate, da argumentação e da retórica. A esse respeito, dirá Jean-Pierre Vernant:
“Historicamente, são a retórica e a sofística que, pela análise que empreendem das
formas do discurso como instrumento de vitória nas lutas da assembleia e do
tribunal, abrem caminho às pesquisas de Aristóteles ao definir, ao lado de uma
técnica da persuasão, regras da demonstração e ao pôr uma lógica do verdadeiro,
própria do saber teórico, em face da lógica do verossímil ou do provável, que
preside aos debates arriscados na prática3“.
1
A pólis grega.
2
Detienne, Marcel, Os mestres da verdade na Grécia Antiga. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1988, p.45.
3
Vernant, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro,1992, p.35.
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A vida em sociedade propiciou aos homens a experiência de viver sob uma lei e
uma ordem igualitárias, em substituição à velha dominação inconteste do monarca, bem como
a vivência de um espaço onde se encarnaram as instituições da polis grega: o espaço político.
A nova organização do espaço urbano reflete, de modo mais estrito, os esforços de se
organizar e racionalizar o próprio mundo humano. É possível notar que este novo quadro
espacial refletiu sobre a orientação geométrica própria da astronomia grega, demonstrando
clara “analogia de estrutura, entre espaço institucional no qual se exprime o cosmos humano e
o espaço físico no qual os milésimos projetam o cosmos natural4“. Decorre disto que a Ágora
materializa no plano dos homens a organização espacial, instituindo um lugar do comum,
onde todos que adentram identificam-se como iguais, em relações de clara reciprocidade.
No tocante à importância grega para o nascimento da linguagem, dirá Pierre Vidal-
Naquet
(...) leva o mistério para a praça pública; faz dele objeto de um exame, de um
estudo, sem deixar entretanto completamente de ser um mistério. Aos ritos de
iniciação tradicionais que proibiam o acesso às revelações interditas, a sophia e a
philosophia substituem outras provas: uma regra de vida, um caminho de ascese,
uma via de pesquisa que, ao lado das técnicas de discussão, de argumentação, ou
4
Vernant, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego, Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1992, p.91.
5
Naquet, Vidal Pierre, in prefácio a Detienne, Marcel, Os mestres da verdade na Grécia Antiga. Ed. Jorge Zahar,
Rio de Janeiro, 1988, p.8.
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Era na Ágora que, em assembleia política, iniciada pela pronúncia do arauto “Quem
quer trazer ao centro uma opinião prudente para a sua cidade?”, os homens levavam suas
opiniões ao centro, fazendo da linguagem um instrumento e consolidando um mundo de
maior autonomia do pensamento. Embora não tivesse origem divina, tampouco se pode
afirmar da palavra-diálogo que ela seja de uso de todos. Apenas os mais talentosos, mais
aptos, privilegiados, podiam fazer uso dela, em detrimento da massa (dêmos), que não tinha
direito de falar por não ser constituída por guerreiros, membros de uma elite. A palavra torna-
se o instrumento político por excelência, permitindo aos homens exercerem dominação uns
sobre os outros.
O desenvolvimento de práticas públicas, aliado ao prestígio da palavra, resultou
numa certa identificação entre os citadinos que, por mais diferentes entre si que pudessem ser,
terminavam por se equiparar, se assemelhar na arena pública. Tal semelhança tem como
efeito a produção de certa homogeneidade, uma unidade na polis, em oposição à relação
hierárquica de domínio anterior. O social não encontra-se mais tecido sobre a autoridade
soberana, submetido a um criador de predicados excepcionais. Na cidade é a ordem que rege
as relações entre os sujeitos, limitando sua ação (poder) e estabelecendo a supremacia da lei e
da ordem.
A esse processo de deslocamento da autoridade religiosa, transcendente, para a
verdade produzida no plano terreno, entre os homens que provassem seu valor publicamente,
segue-se outro efeito, não tão positivo. A exaltação do prestígio e do poder do indivíduo,
práticas marcadamente aristocráticas, aos poucos tendeu a catapultar este a um nível mais
elevado do que o desejado. Passam, assim, a ser rejeitadas práticas que estabelecem a
desigualdade entre os homens, afastando-os, criando desarmonia e cindindo a cidade, como
“a falta de comedimento, a ostentação da riqueza, o luxo das vestimentas, a suntuosidade dos
funerais, as manifestações excessivas da dor em caso de luto, um comportamento muito
ostensivo das mulheres, ou o comportamento demasiado seguro, demasiado audacioso da
juventude nobre7“. Esparta, repudiando a ostentação da riqueza, concentrava-se
6
Idem, ibidem. Pg.41
7
Idem, ibidem, pg.45.
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é sobre ele que em grande parte sua teoria repousa. Para Hobbes, os homens são iguais por
natureza – igualdade na natureza, na mortalidade, não uma igualdade jurídica, vale ressaltar.
Daí o medo disseminado da morte, a qual nos atravessa e nos constitui. Há um esforço que
nos é essencial e espontâneo de buscar tudo que é bom e se compõe com a própria vida, do
mesmo modo que há outro de fugir de tudo que é mal e nos enfraqueça, sobretudo do pior dos
males, a morte. Este é o esforço de conservação, tal qual nos apresenta Hobbes - “O direito de
natureza(...) é a liberdade que todo o homem tem de usar o seu poder, como ele entenda, na
preservação de sua natureza, isto é, da sua vida, e por conseguinte, de fazer seja o que for que,
a seu juízo e segundo sua razão, ele conceba como meio mais adequado para tanto10“.
Tememos a morte muito mais do que desejamos a vida.
Trata-se de um medo terrivelmente originário e que está ligado ao desconhecimento
do que virá, à incerteza – afinal, se há certeza do mal que virá, não há mais esperança e sim
desespero, de modo que medo e esperança andam necessariamente juntos. Esperança e medo
não se separam, quando muito experimentamos mais de um do que do outro – a esperança
jamais vence o medo. O medo é fundacional da política. A esperança nasce do conceber um
mal, juntamente com a forma de evitá-lo, ao passo que o medo que se concentra sobre um
bem e consiste em imaginar um modo de perdê-lo.
Interessa a Hobbes o homem tal como ele se apresenta, sem ilusões a seu respeito ou
sobre uma pretensa moral universal, utópica. Ele rejeita as teorias idealistas, levando-nos à
constatação de que o bom resultado das instituições não pode depender da qualidade dos
homens. É preciso trabalhar com esse homem real, sendo o medo o primeiro motor da
atividade política. Qualquer Estado, bom ou ruim, se origina do medo e, vale notar, não
repousa apenas nas bases do Estado despótico, mas mesmo nas formas legítimas e positivas.
Ele está lá e se compõe inclusive com a razão, ou seja, pode ser força produtiva. O medo não
determina apenas fuga e isolamento, mas também relação e união. É preciso que os homens
se sintam razoavelmente seguros sob a proteção da instituição estatal (temendo-a, ainda
assim) com relação àquele outro medo, o do estado de natureza. Esse medo está ligado
mesmo ao aparecimento do Estado moderno e não é exclusividade do pensamento
hobbesiano, ainda que para muitos autores essa seja uma realidade difícil de enfrentar,
reconhecer.
10
Hobbes, Thomas. Leviatã, in Os Pensadores, ed. Abril, Rio de Janeiro, 1979, p.78.
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Do que se tem medo? Da morte, foi sempre a resposta. E de todos os males que
possam simbolizá-la, antecipá-la, recordá-la aos mortais. Da morte violenta,
completaria Hobbes. De todos os entes reais e imaginários que sabemos ou cremos
dotados de vida e de extermínio: da natureza desacorrentada, da cólera de Deus, da
manha do Diabo, da crueldade do tirano, da multidão enfurecida; dos cataclismos,
da peste, da fome e do fogo, da guerra e do fim do mundo. Da roda da Fortuna. Da
adversidade. Da repressão, murmuram os pequenos; da subversão, trovejam os
grandes. Do que se tem medo? Da morte inglória e infame num mundo
aristocrático e agonístico para o qual o supremo valor é a coragem nos campos de
batalha. Do que temos medo? Da morte seca e nua como um osso, sem mediação,
terror no despencar da guilhotina, no “suicídio acidental” dos calabouços, no grito
abafado dos fornos crematórios. Da morte, senhora absoluta, enfrentada pelo herói
hegeliano para descobrir que não era, afinal, a verdadeira morte, pois passou por ela
e não morreu, deixando a vitória àquele que realmente tremeu de horror diante dela
– o escravo, capaz de construir a liberdade11.
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conhecer algo como “muito pequena e grandemente limitada” ao passo que a vontade figura
como algo muito mais amplo e extenso, “se dirige e se estende infinitamente a mais coisas13“.
A filosofia moderna é, portanto, a filosofia da finitude do homem, uma filosofia da morte,
embora evidentemente não se apresente assim. Diferentemente, se estamos no campo das
relações, no terreno do acontecimento, estamos inscritos no devir, submetidos a uma
dinâmica qualquer, a processos que não cessam de acontecer e que não se cristaliza. Se há
algo que se pode afirmar daquilo que somos, algo que o homem “é”, será quando muito um
algo em aberto, constantemente sendo produzido nas relações. Trata-se de um aberto que não
se agrega ao ser, não o predica, é acontecimento. Não se refere a ele ou lhe atribui qualidades,
o que há são constantes relações, processos, acontecimentos, abertura continua para o novo.
A empresa moderna de classificar e limitar o sujeito, categorizar o real e estabelecer
essências universais, pode ser reconhecida na nossa linguagem, na qual predominam os
substantivos, nomes, indicando algo fixo, consagrando a existência de essências distintas.
Dizemos “o cão”, “o homem”, “a árvore”, por exemplo, ao invés de descrever as coisas por
aquilo que elas fazem ou acontecem (verbos). Nesse sentido, dirá Deleuze, sobre a árvore, que
ela “verdeja14“, em detrimento de dizer dela que é verde. O aberto pode ser pensado como um
sujeito, mas sujeito dinâmico, não egóico. Um aberto em que o sujeito e seu par, o objeto,
andam sempre juntos, não havendo o “eu” separado do que me rodeia, de modo que pensar a
dualidade sujeito/objeto só faz sentido quando não se consideram essas continuas relações
entre eles.
O aberto é, ele mesmo, efeito de um “com”, é sujeito num outro sentido, uma
subjetividade sem ego e que vai se apoiar pura e simplesmente na relação, no que acontece
entre coisas. É como reconhecer que há o sujeito quando se produz ali um sentido, uma
relação. Quando, por exemplo, pensamos nas duas mãos que são necessárias para produzir o
som de palmas ou na dança que só acontece no encontro, em relação, de dois corpos. Não foi
a mão direita ou a esquerda que produziu o som dos aplausos, mas o encontro das duas. Não
foi o corpo do homem ou da mulher que produziram a valsa, mas a relação dos dois.
O nascimento humano, segundo Hanna Arendt, ultrapassa o mero acontecimento
biológico, dado que o homem é capaz de cultura, o que significa dizer que a cada geração ele
é capaz de novas coisas, diferente dos animais, que repetem os mesmos atos, por instinto,
13
Descartes, René, in Os Pensadores. Ed. Abril, São Paulo, 1979, pg.118.
14
Deleuze, Gilles. Lógica do Sentido, Editora da Universidade de São Paulo, 1974, p.10.
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sempre, num “curso repetitivo”. É início que se repete infinitas vezes numa “pluralidade
diferencial15“, o que revela a originalidade da vida humana face à vida animal e abre a
possibilidade de agir rompendo com os instintos. A este respeito, dirá:
15
Espósito, Roberto. Bios – Biopolítica e filosofia. Ed.70, Lisboa, 2004, p.251.
16
Arendt, Hannah, Vita active, cit.,p.182, in, Espósito, Roberto, op.cit, p.251.
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17
Simondon, Gilbert, L,individu et sa genèse phsyco-biologique (1964), Paris, 1995, p.77, in Espósito, Roberto,
op.cit, p.255.
18
Spinoza, Baruch de, in Opera, Heidelberg 1924, vol.III (trad.it.Trattato politico, Roma-Bari, 1991, p.9), apud
Espósito, Roberto. Bios – Biopolítica e filosofia. Ed.70, Lisboa, 2004, p.261.
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CONSIDERAÇÕE FINAIS
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próprio e com o mundo todo. Há uma vontade que emana em nós de continuamente nos
expressar e que pode eventualmente ser contida, mas nunca extinta - desliza para algum outro
lugar, a vida sempre escapa de algum modo. E se nem mesmo nós podemos ser definidos em
termos estanques, como afirmar algo diferente do que está para ser conhecido? Verdades?
Que verdades?
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VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro,1992
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DA BIO À TANATOPOLÍTICA:
AUTOS DE RESISTÊNCIA E A SELETIVIDADE DIREITO À VIDA
RESUMO
O presente trabalho analisa à luz da filosofia política, destacadamente de Michel Foucault e Giorgio
Agamben, o instituto dos autos de resistência e sua estreita relação com o que compreendemos se
caracterizar como verdadeira seletividade do direito fundamental à vida. A flexibilização e supressão
do direito em tela se mostra direcionada à uma segmento da população específico,o qual cremos
possível de equiparação à figura do homo sacer própria do Direito Romano e retomada no pensamento
agambeniano. Partindo da análise do instituto em questão e da seletividade do direito à vida é que se
demonstra, na prática, a passagem da gestão da vida (biopolítica) para, também, a gestão da morte
(tanatopolítica) pelo exercente do poder.
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INTRODUÇÃO
O instituto brasileiro dos autos de resistência é uma ferramenta que nasceu no seio
da ditadura militar através da Portaria “E”, nº 0030 de 06 de dezembro de 1974. Até hoje, seu
uso por agentes policiais se tornaram uma justificativa antidemocrática para legitimar mortes
em confronto.
Nesse trabalho nos propomos a realizar investigação sistemática e filosófica com fito
de diagnosticar uma possível redefinição na gestão estatal no tocante ao controle de vidas que
não interessam ao Estado. Em outras palavras, buscamos analisar o instituto dos autos de
resistência e sua estreita relação com o que compreendemos se caracterizar como verdadeira
seletividade do direito fundamental à vida à luz da filosofia política, com especial destaque às
contribuições de Michel Foucault e Giorgio Agamben. Nessa toada, cumpre destacar que a
flexibilização e até mesmo a supressão do direito em tela se mostra direcionada a um
segmento da população específico,o qual cremos possível de equiparação à figura do homo
sacer, própria do Direito Romano e retomada no pensamento agambeniano. Partindo da
análise do instituto em questão e da seletividade do direito à vida é que se demonstra, na
prática, a passagem da gestão da vida (biopolítica) para, também, a gestão da morte
(tanatopolítica) pelo exercente do poder.
Insta salientar que tal verificação é inserida no contexto da crescente escalada da
criminalidade e a fabricação de uma “crise” na segurança pública do Estado, na qual se faz
necessária a aparição do fenômeno da exceção.Ademais, cumpre assinalar que, em que pese a
alteração recente da nomenclatura1 empregada para o instituto em deslinde, optamos,
metodologicamente por utilizar a denominação clássica do mesmo, tendo em vista sua
história que remonta ao período militar, no qual passou a ser legalmente previsto além, é
claro, do seu uso sistemático que não pode ser abrandado pela nova designação para um
instituto que, como sabido, mantém todo seu teor, peso e letalidade à serviço de uma política
de exceção dos indesejáveis.
Importa esclarecer, ainda, que estes incidentes são registrados de forma singular
pelas polícias, tornando-os diferentes de um caso comum de homicídio tentado ou consumado
por civis. Isso porque, as mortes e/ou lesões corporais classificadas preliminarmente como
autos de resistência, assim o são, na maioria das vezes, para que as execuções sumárias sejam
1
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/fim-do-auto-de-resistencia-e-mudanca-cosmetica-
dizem-especialistas> Acesso em 14.11.2017
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legitimadas e/ou ocultadas, isso sob um respaldo muito maior do âmbito político do que
jurídico.
Agamben,afirma que o Estado moderno que outrora se preocupava em administrar o
território, na atualidade se ocupa na administração dos corpos dóceis pensados em Foucault,
podendo reduzir a vida à mero meio de uma política exclusiva, fazendo uma correlação entre
poder político e direitos e garantias fundamentais.
Possível diagnosticar a lógica beligerante dos mecanismos de exclusão do Estado,
quando da análise de pesquisa realizada pelo Professor Michel Misse da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse trabalho, constatou-se após a colheita dados oficiais do
Instituto de Segurança Pública (ISP/SSP-RJ) que entre 2001 e 2011 mais de 10 mil pessoas
foram mortas em confronto com a polícia no Estado do Rio de Janeiro, em casos registrados
como autos de resistência. A pesquisa conduzida por Misse também observou que diante de
todos os inquéritos instaurados para apurar autos de resistência no ano de 2005, houve um
número alarmante de arquivamentos, chegando ao percentual de 99% do total (MISSE,
2013).
Através dos dados apresentados como resultado da pesquisa de Michel Misse é
possível compreender que os autos de resistência se elevam, à luz da biopolítica, a qualidade
de dispositivo fundamental para a empreitada biopolítica estatal. Cremos que através do
instituto em discussão é implantado um novo paradigma de governo, cujos reflexos podem
ser observados na segurança pública, assegurando a matabilidade de certos indivíduos,que
culmina em sua consequência mais dramática que é a tanatopolítica.
Acenar para possíveis respostas é, como apregoa Agamben, abrir um canteiro que
demandaria anos de escavações e investigações para se aproximar do centro e localizar se
possível, a base teórica e sistemática que utiliza a gestão estatal na eliminação dos indivíduos.
1. AUTOS DE RESISTÊNCIA
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O registro de tais homicídios ocorre por meio desta designação, ou, em face da
atualização de terminologias: “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial”
ou “homicídio decorrente de oposição à ação policial”2.
2
Resolução conjunta nº 2, de 13 de outubro de 2015 – Conselho Superior de Polícia.
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defensores, juízes) e também pela sociedade que coaduna com o discurso do “bandido bom, é
bandido morto” (MISSE, 2013).
Resta claro, portanto, que o instituto dos autos de resistência tornou-se uma das
principais ferramentas da política de extermínio do Estado brasileiro, direcionado a um
segmento específico da população – classes e grupos sociais excluídos, os invisíveis da
sociedade – que vivem na condição de homo sacer (AGAMBEN, 2014). Logo, incontestável
a seletividade do direito à vida exercida por agentes estatais, que evidencia que, para além da
gestão da vida dessa população (biopolítica) o Estado passa a operar também com fito de
empreender, em relação à essas pessoas, consideradas indignas de vida, a gestão da morte
(tanatopolítica).
A título de exemplo, apenas no ano de 2016 o Estado do Rio de Janeiro registrou
925 homicídios provenientes de oposição à intervenção policial, sendo 463 deles registrados
no município do Rio de Janeiro. O perfil das vítimas, segundo dados do Instituto de
Segurança Pública (ISP)3, consiste em: 97% homens, 0,4% mulheres e 2,4% não fora
informado o gênero; 47,6% de pardos, 29,8% de negros, 12,1% de brancos e 10,5% não fora
informada a cor; 42,2% entre 18 a 29 anos, 11,7% entre 12 a 17 anos, 8% entre 30 a 59 anos
e 38,2% não fora informada a idade. No mesmo período, 147 policiais foram mortos no
Estado do Rio de Janeiro.
Em rápida análise dos dados supracitados é inquestionável a quem as políticas de
segurança pública, ou melhor, as políticas de extermínio do Estado são direcionadas: aos
marginalizados, invisíveis da sociedade, que são portadores de deveres e não de direitos, que
vivem em territórios tidos como perigosos (periferias e favelas).
Para além disso, importante observar, que os policiais que são constantemente
colocados em situação de risco, em sua maioria, advém da mesma classe social daqueles
quesão alvo de suas operações. Ou seja, assim como as vidas ceifadas por eles são
consideradas matáveis pelo Estado, as deles também o são. Isso resta claro quando
analisamos que temos a polícia que mais mata, mas também a que mais morre.
Em meio a isso tudo, a seletividade da vida e as dificuldades já mencionadas em
relação às investigações dos homicídios cometidos por agentes do Estado contra civis,
primordial mencionar que recentemente sobreveio nova legislação que, lamentavelmente,
3
Disponível em: <http://www.ispdados.rj.gov.br/Arquivos/SeriesHistoricasLetalidadeViolenta.pdf>. Acesso em:
14.11.2017.
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estabelece que crimes dolosos contra a vida praticados por militares em ações que envolvam a
segurança da instituição militar ou em missões, como operações de paz e de garantia da lei e
da ordem, serão investigados pela corregedoria da própria corporação e julgados pela Justiça
Militar.
A Lei nº 13.461/2017, que transferiu a competência da Justiça Comum para a Justiça
Militar, é um tremendo retrocesso, pois retornamos a uma legislação pré-1996, que interfere
substancialmente na elucidação dos casos, de maneira prejudicial, diga-se de passagem, e
também dá margens para julgamentos corporativistas.
Ou seja, ao invés de avançarmos e buscarmos aprimorar nossa legislação, estamos
fazendo o caminho inverso. Se até então já tínhamos uma série de dificuldades e obstáculos
para deslindar os homicídios praticados por agentes do Estado contra civis, agora teremos um
desafio ainda maior para enfrentarmos e, parte disso, já fora constado recentemente.
Em novembro de 2017, ocorreu uma chacina no Complexo do Salgueiro, em São
Gonçalo, na qual morreram sete civis durante uma operação conjunta da Polícia Civil e do
Comando Militar do Leste (CML). E, segundo informações prestadas na Delegacia de
Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG), por agentes da Coordenadoria de Recursos
Especiais (Core), os disparos no confronto foram realizados apenas por homens das Forças
Especiais do Exército, estes que ainda não foram ouvidos, vez que segundo a legislação em
vigor (Lei nº 13.461/2017) a Polícia Civil não tem atribuição para investigar militares. Logo, a
investigação já iniciou prejudicada, conclusão essa tida pelo Delegado Marcus Amin,
responsável pela mesma. Nas palavras dele:”— Isso atrapalha a minha investigação. Eu
preciso de todas as partes envolvidas para montar o cenário. Quando não tenho uma das
peças, isso dificulta a reconstituição do que aconteceu.”4.
Ainda sobre o caso, em momento posterior, o Comando Militar do Leste, através de
seu porta-voz, Coronel Roberto Itamar, afirmou que a equipe militar não atirou, sendo assim
não há razão, segundo ele, para instauração de um inquérito pelo Exército, mas ressalvou que
isso poderia ocorrer caso a Polícia Civil apresente indícios de envolvimento das tropas nas
mortes5.
4
Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/dh-quer-saber-se-militares-entraram-na-mata-durante-
operacao-com-sete-mortes-22061597.html>. Acesso em: 15.11.2017
5
Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/rio/apos-chacina-com-sete-mortos-em-sao-goncalo-militares-
policia-civil-negam-autoria-dos-disparos-22066617.html>. Acesso em: 15.11.2017.
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Ou seja, duas versões foram apresentadas que não poderão ser verdadeiramente
confrontadas caso a Polícia Civil não faça a oitiva dos militares envolvidos na Operação, o
que pode não ocorrer já que a Polícia Civil não tem competência, conforme a legislação em
vigor, para investigar militares. Sendo assim, como saber qual versão é a verdadeira? Como a
Polícia Civil poderá apresentar indícios do envolvimento das tropas militares sem ouvir todos
os envolvidos na Operação? Como elucidar o caso?
Em menos de um mês da Lei nº 13.461/2017 em vigor, já resta claro as graves
consequências acarretadas pela mesma, principalmente no que tange ao deslinde dos casos,
conforme o relatado acima acerca da investigação da chacina ocorrida no Complexo do
Salgueiro, em São Gonçalo/RJ.
Entretanto, é preciso pensar além, em como essa legislação vai afetar as políticas de
segurança pública, se as tornará mais repressivas e violentas, habilitando ainda mais o uso da
força policial ao patamar de massacre6, ou seja, qualificando o uso letal dos agentes do Estado
como uso legal da força (ZACCONE, 2016, p.25) e, portanto, legitimando ainda mais a
sistemática produção de mortes pelo Estado brasileiro de uma parcela específica da
população, que vive da condição de homo sacer. Ademais, necessário refletir sobre a
segurança jurídica ou a falta dela, que a nova legislação trará a sociedade.
Conforme já aludido, tivemos um grande retrocesso com a sanção da Lei nº
13.461/2017, a mesma acrescenta mais obstáculos àqueles que já existiam e não o contrário.
Infelizmente, seguimos constantemente violando e relativizando direitos basilares de parte
dos cidadão brasileiros, principalmente daqueles que vivem em condições precárias, em
territórios marginalizados, que fazem parte de uma classe social excluída composta
principalmente por negros, jovens, moradores de favelas e periferias. Ou seja, há um longo
caminho pela frente e o percurso só fez aumentar.
6
De acordo com Zaffaroni (2012, p. 358), “massacre é, antes de tudo, um homicídio múltiplo, embora na forma
de prática, ou seja, de exercício de decisão política e não de ação isolada emergente de algum segmento. Assim,
não entram no conceito de massacre os casos de assassinatos policiais isolados que não sejam resultado de uma
prática sistemática”.
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processual, com fulcro no art. 80, do Código de Processo Penal, a fim de não
retardar o início da ação penal contra os já identificados.(VERANI, 1996, p. 35/36).
Resta evidente, pela transcrição acima, que a Portaria foi criada objetivando
legitimar a ação policial não propiciando a elucidação dos casos, vez que da abertura do
inquérito policial não há qualquer investigação, ao contrário, esta ocorre tão somente para que
seja materializada a culpa do civil (opositor da intervenção policial), tanto nas situações em
que este vem a falecer, quanto daquelas em que sobrevive.
Ao opositor, conforme já mencionado anteriormente, é atribuída a condição de
homo sacer, de mera vida nua matável (AGAMBEN, 2014) .Sua ‘memória’ é constantemente
vilipendiada, sendo resumida à folhas policiais, adjetivada e qualificada como meliante,
traficante, bandido, delinquente, mesmo quando não possuí qualquer anotação em sua folha
de antecedentes criminais (FAC).
Entretanto, como bem asseverou Sérgio Verani, apesar da previsão legal do instituto
advir da Ditadura Militar, a conduta que leva a lavratura do auto de resistência, ou seja, do
crime doloso contra a vida praticado por agente do Estado contra civil, é uma prática adotada
no Brasil desde os tempos da escravatura (VERANI, 1996).
O autor elenca algumas ocorrências históricas, sendo especialmente marcante a do
preto Martinho, escravo do Rev. Padre Alexandre Cidreira’, datado de julho de 1882,
conforme se lê abaixo:
À época em que tais fatos ocorreram, o preto Martinho não tinha sua condição
humana reconhecida, vez que escravos, negros e índios não eram contemplados pelos direitos
e garantias previstos na Constituição de 1824, então vigente, ou seja, não eram sujeitos de
direito, ao contrário, eram considerados seres matáveis, viviam da condição de homo sacer.
Ocorre que passados mais de 135 anos, histórias semelhantes ao do preto Martinho
ainda são cotidianamente registradas nas delegacias brasileiras, como vimos anteriormente.
Entretanto, ao contrário da Constituição de 1824, a Constituição de 1988, atualmente em
vigor, garante no caput do art. 5º que todos são iguais perante a Lei, porém, curiosamente,
atualmente são os mesmos ‘sujeitos’ que figuram esses registros, os invisíveis da sociedade,
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7
Nesse teor: https://exame.abril.com.br/brasil/policia-brasileira-e-a-que-mais-mata-no-mundo-diz-relatorio/
8
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
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Nesse sentido, cumpre destacar a crítica sobre a utilização desse critério elaborada
por Rafael Valim:
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Forma-se neste caso, uma lógica paradoxal, que para assegurar e tutelar direitos de
certos cidadãos, o Estado naturaliza a morte de sujeitos, que nesse contexto são inimigos da
sociedade, podendo o Estado se tornar uma máquina de eliminação de vidas através de um
juízo discricionário de exceção, articulando uma lógica soberana. Compreendemos que as
ações policiais da atualidade são encaradas hoje como técnicas biopolíticas de eliminação da
população pobre e negra do Brasil, através de sutis intervenções biopolíticas na sociedade na
esteira exclusiva do estado de exceção.
Giorgio Agamben retoma em sua obra biopolítica a figura arcaica do direito romano
do homo sacer. Tal indivíduo era compreendido como ser jurídico-político após a prática de
conduta delituosa, que determinava sua exclusão do direito romano e do escopo divino, ou
seja, o homo sacer sofria o afastamento total da vida religiosa e também de seus direitos,
ganhando um corpo biopolítico propriamente dito. A condição que sua nova forma de vida
lhe outorgava, impedia que ele pudesse ser legalmente morto e, tampouco, sacrificado aos
deuses, apontando para a imposição de castigo permanente pelo Estado. A vida é abandonada
pelo direito e tem sua posição política incluída pela exclusão e excluída de forma inclusiva.
Por ser a vida do homo sacer uma vida matável, seu assassinato não acarretava em nenhuma
consequência jurídica para quem a praticasse.
Na obra Homo Sacer, onde desenvolve suas ideias a partir de tal figura que dá nome
ao livro,Agamben esclarece que sua pesquisa concerne precisamente no ponto oculto de
intersecção entre o modelo jurídico-institucional e o modelo biopolítico de poder. Desse
modo, a produção de um corpo biopolítico é considerada uma contribuição original do poder
soberano, o que permite afirmar que, ao colocar a vida biológica no centro de seus cálculos, o
Estado moderno não faz mais do que reconduzir à luz o vínculo secreto que une o poder à
vida nua- a protagonista da obra que analisamos por ora, isto é, é a vida matável e
insacrificável do homo sacer. O filósofo vai além: entende que a caracterização da política
moderna não se dá apenas pela vida considerada objeto dos cálculos e previsões estatais,
tampouco pela inclusão da zoé na pólis. O que é decisivo é a noção de que, lado a lado, nesse
processo através do qual a exceção se torna a regra:
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A instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que
permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de
categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao
sistema político [...] o estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como
paradigma de governo dominante na política contemporânea.
Através da assunção da vida pelo poder, explicitada por Michel Foucault na obra
intitulada Em Defesa da Sociedade, um dos fenômenos fundamentais do século XIX
compreendida através da análise da teoria clássica da soberania, Foucault conduz-nos, então,
à ideia de que nesse bojo teórico tinha-se por atributos fundamentais do soberano o direito de
vida e de morte de seus súditos razão pela qual “o súdito não é, de pleno direito, nem vivo
nem morto” (FOUCAULT, 2010, p.202). Através dessa dinâmica tanto a vida quanto a morte
9
Dados disponíveis em: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/transparencia-
institucional/estatisticas-prisional/base-de-dados-infopen-csv.csvAcesso em: 14/10/2017.
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são postas como fenômenos situados na esfera do poder político, poder exercido de maneira
desigual conforme apregoa Foucault:
Dizer que o soberano tem direito de vida e de morte significa no fundo, que ele
pode fazer morrer e deixar viver (...) o direito de vida e de morte só se exerce de
uma forma desequilibrada, e sempre do lado da morte. O efeito do poder soberano
sobre a vida só se exerce a partir do momento em que o soberano pode matar. Em
última análise, o direito de matar e que detém efetivamente em si a própria essência
desse direito de vida e de morte: é porque o soberano pode matar que ele exerce seu
direito sobre a vida. (FOUCAULT, 2002, p. 285-286)
(...) para aqueles que não interessam à sociedade neoliberal, por não produzirem,
não prestarem serviços, não consumirem ou resistirem à racionalidade neoliberal,
reserva-se a resposta penal (e a prisão persiste como resposta penal preferencial aos
desvios) ou a eliminação física – o Brasil, por exemplo, é o país em que os policiais
mais matam e mais morrem em razão da função que exercem.
CONCLUSÕES
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2006, p.103). A pobreza, cumpre destacar, não pode ser desconsiderada como elemento
manipulado pela biopolítica e, muito menos, ser compreendida nesse contexto como causa de
processos discriminatórios que apequenam existências: a pobreza é a causa desses processos e
ela é direcionada aos negros como verdadeiro instrumento de redução das condições de vida
historicamente, não sendo correto, portanto, afirmar que tal processo é apenas influenciado
pelo capital.
O preconceito racial ainda é gritante em um país cuja história é marcada pelo
encontro de povos vindos de distintos continentes, encontro esse que resultou em mais de três
séculos de imigração compulsória, bem como o trabalho desempenhado pelos africanos que
aqui desembarcavam na condição de escravos. Tratados de maneira desumana e assim
considerados, posteriormente à abolição da escravidão, tais indivíduos foram descartados
como mão de obra e tiveram sua existência dificultada por medidas governamentais, como a
criação do crime de vadiagem e a facilitação para a imigração de europeus para trabalharem
nas lavouras de café. Relembrar e compreender a história é fundamental na compreensão da
situação aviltante de discriminação racial que, ainda hoje, ceifa vidas negras
indiscriminadamente.
A pobreza e a negritude, alvos de esteriótipos, são determinantes no momento da
ação policial que buscam invalidar ou eliminar o inimigo a ser combatido. Nesse sentido, é
fundamental compreender que a sociedade confiou à polícia uma significativa parcela do
controle social e, por conseguinte, da tomada de decisões políticas. Mais do que instrumentos
da gestão da vida, os policiais se transformam no contexto do auto de resistência sujeitos
investidos da capacidade de decidir, a exemplo de um tribunal de exceção, qual serão os
indivíduos cuja pena capital será decretada sem que lhe seja assegurada nenhuma das
garantias processuais previstas em sede constitucional além, evidentemente, do direito
fundamental à vida.
Acreditamos, pelo exposto nesse trabalho, que ainda se configure como um dos
grandes desafios brasileiros a adoção de uma política de segurança pública que equilibre os
direitos e garantias fundamentais elencados constitucionalmente com o combate a
criminalidade. Tendo em vista a constância com que se noticiam episódios envolvendo
violência policial parece-nos que a superação desse desafio siga distante da nossa realidade.
Cumpre, ainda, ressaltar que apesar da recente alteração de sua nomenclatura, o
instituto segue sendo largamente utilizado para legitimar homicídios cometidos pela polícia
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em situações outras que não aquelas que configurariam o chamado “auto de resistência”. Isso
é, o utilizam para encobrir o uso arbitrário da força letal do Estado e, assim, evitar a
responsabilização pelas mortes. Nesse sentido, importante consideração feita pela ONG
HumanRightsWatch, com fito de alertar para existência de provas substanciais e críveis de
que “que muitas das pessoas mortas em supostos confrontos com policiais foram, na
realidade, vítimas de execuções extrajudiciais” no relatório O bom policial tem medo – os
custos da violência policial no Rio de Janeiro lançado em 2016.
No que concerne a direito à vida, vemos sua seletividade nascer de ações estatais, o
que aponta para. o Estado, ciente das estatísticas e conhecedor de sua população, ser
conivente com os números expressivos de mortes dos mais vulneráveis. Ausentes quaisquer
medidas com fito de efetivamente reduzir tais índices além, é claro, do próprio desinteresse na
apuração do ocorrido resta evidenciada a conivência estatal com tais mortes. À luz da filosofia
foucaultiana e agambeniana brevemente analisada, podemos afirmar, como propomos no
começo desse trabalho, que o Estado não só deixa morrer, como escolhe quem morre. Desse
modo, a condição de homo sacer atribuída aos que prioritariamente superlotam os presídios
brasileiros e que também são prioritariamente as vítimas de homicídios praticados também
pelos agentes do Estado, resta comprovada tendo em vista a vida despojada de direitos ou
existência política.
REFERÊNCIAS
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__________Estado de Exceção. 2ª edição. Trad. Iraci D. Poleti. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2004. (Estado de
Sítio).
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Paulo: Martins Fontes, 2002.
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ZACCONE, Orlando. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. Rio de Janeiro:
Saraiva, 2012.
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UMA REFLEXÃO SOBRE IDENTIDADE E RECONHECIMENTO
A PARTIR DO PARADIGMA DA IMUNIZAÇÃO
DE ROBERTO ESPOSITO
RESUMO
O objetivo do presente artigo é, com base na análise do paradigma imunitário de Roberto Esposito,
refletir sobre identidade e reconhecimento de grupos sociais num contexto contemporâneo marcado
por ideais políticos modernos e ainda submetidos ao ideal do sujeito universal o qual se constitui como
um óbice para o reconhecimento e efetivação dos direitos das minorias políticas. Propõe-se, a partir
disso, uma reflexão acerca do paradigma imunitário para se compreender melhor o reconhecimento de
grupos sociais à margem da efetivação de direitos individuais. A estrutura criada a partir dos ideais
imunitários de conservação da vida reforça as discriminações vivenciadas no lugar de experiências de
cidadania e reconhecimento, razões pelas quais a reflexão parte dos conceitos acima referidos de
Roberto Esposito e passa pela identidade, reconhecimento e representação como meios de se obter uma
compreensão mais próxima acerca dessas questões tão centrais nos debates contemporâneos.
ABSTRACT
The objective of the present article is, based on the analysis of the immune paradigm of Roberto
Esposito, to reflect on the identity and recognition of social groups in a contemporary context marked
by modern political ideals and still submitted to the ideal of the universal subject which constitutes an
obstacle to the recognition and enforcement of the rights of political minorities. Based on this, it is
proposed to reflect on the immune paradigm in order to better understand the recognition of social
groups at the margin of the realization of individual rights. The structure created from the immunity
ideals of life preservation reinforces the discriminations experienced in the place of experiences of
citizenship and recognition, reasons for which the reflection starts from the above concepts of Roberto
Esposito and passes through the identity, recognition and representation like means of being to gain a
closer understanding of such central issues in contemporary debates.
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INTRODUÇÃO
O paradigma imunitário diz respeito à preservação da vida que se impõe por meio da
sujeição. A ideia de sujeição remete a uma situação na qual a submissão ou a obediência se dá
sem muita resistência ou sem resistência efetiva, concreta. O sujeito deixa de algum modo de
se opor e de resistir no intuito de que sua vida preservada. Esposito (2010, p. 74) utiliza o
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termo “conservação” ao tratar da imunização como uma “proteção negativa da vida”. Nesse
sentido, conservar o organismo de uma maneira indireta ou mediata faz com que o organismo
se submeta a uma “condição que ao mesmo tempo lhe nega, ou reduz, a força expansiva”
(ESPOSITO, 2010, p. 74), um poder que o coage e lhe é exterior, contra o qual ele não
apresenta resistência, já que lhe é introjetado parte daquilo que o ameaça. Um fragmento do
inimigo, nesse aspecto, é colocado dentro do organismo no intuito de conservá-lo.
Esposito relaciona o conceito de imunidade com o conceito de communitas, sendo
que esta seria seu oposto. Ambos os conceitos se contrapõem por serem essencialmente
contrários, já que, enquanto communitas relaciona seus membros reciprocamente numa
relação de interdependência, a imunidade ou immunitas é o seu contrário, pois nega a doação
recíproca de seus membros e os individualiza ao dispensar as obrigações existentes entre eles.
As obrigações comuns são dispensadas e os membros são liberados à sua própria
individualidade. Evoca-se com a imunidade a prevalência da identidade individual.
Como se pode verificar, um dos pressupostos iniciais para a reflexão que aqui se
propõe é a compreensão do conceito de communitas, que diz respeito ao conjunto de pessoas
unidas por um dever ou uma dívida em comum, que gera um afeto recíproco por alguma falta
que tornam os sujeitos responsáveis entre si. Ocorre aí um comprometimento espontâneo que
se dá de forma impessoal, na medida em que não se considera um coletivo de pessoas cada
qual com seus interesses individuais, mas sim o que seria seu contrário, ou seja, um coletivo
de pessoas, se assim se pode dizer, despersonalizadas por forças em comum que as
descaracterizariam como pessoas e as tornariam um coletivo de intensidades, já que essas
pessoas não estão eximidas e dispensadas de deveres entre si, mas, inversamente a isso, estão
numa espécie de dívida entre si. Por essa razão é que Esposito aponta que “o 'imune' não é
simplesmente distinto do 'comum', é seu contrário” (ESPOSITO, 2003, p. 39)
Pode-se dizer a partir disso que o paradigma imunitário, ao negar os deveres
recíprocos das obrigações da comunidade, chama para si outras obrigações que são também
contrárias a estas, por se referirem à substituição de um coletivo de forças que une pessoas por
meio de um coletivo de sujeitos de direitos; estes indivíduos se obrigam, espontaneamente, a
responsabilidades que visam manter sua proteção. A relação social que se estabelece é de
obediências contratuais por meio das quais as relações sociais são preestabelecidas e a vida
vivida é renunciada em seu próprio viver. Seria impossível, como observou Esposito (2003, p.
43), “não reconhecer o resíduo de irracionalidade que se insinua nas dobras do mais racional
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dos sistemas: a vida é conservada pressupondo seu sacrifício.” Trata-se, ainda, de um conceito
que se insere dentro do contexto da modernidade, já que esta dá lugar a esse “mecanismo
sacrificial”, na medida em que a modernidade se autolegitima, como aponta Esposito (2003,
p. 43), “desligando-se de todos os laços sociais, de todo vínculo natural, de toda lei comum.”
A modernidade altera substancialmente a ideia de sujeito, o qual passa a ter uma
autonomia em duplo sentido. Nesse aspecto, como aponta Souza (1998, p. 395), o sujeito
deixa um “heteros divino” e se afirma num primeiro sentido como autoconsciente cuja auto-
afirmação se encontra na sua substância, ou seja, aquilo que concebe a si mesmo como
entidade autônoma. Num segundo sentido, a afirmação da autonomia do sujeito se refere à
sua dinâmica essencial a qual “está ligada a uma dinâmica essencial: autopreservação”
(SOUZA, 1998, p. 395). A preservação de si na modernidade é “endo-determinada,
determinada a partir de dentro. Uma vez que ela é endogenamente determinada, temos, então,
'uma inversão da teleologia', caracterizada por uma “autopreservação endo-determinada.”
(SOUZA, 1998, p. 396).
Por conseguinte, a identidade e a consciência de si passam a ser aspectos
fundamentais para a compreensão do sujeito na modernidade, bem como a compreensão do
sujeito em relação a si mesmo e a correspondente premissa do desejo, a qual, de acordo com
Hegel (apud Kojève, 2002), seria a base da consciência de si. A compreensão da modernidade
em Hegel diz respeito a um saber absoluto o qual decorreria não meramente de uma
consciência ou de uma capacidade contemplativa, mas, antes, de uma
Pode-se dizer que em Hegel o sujeito e o saber decorrente da plena consciência que
esse sujeito tem de si mesmo é levado às últimas consequências, na medida em que este
sujeito só pode deter o saber absoluto se for além de sua capacidade contemplativa e ir além
do que é, e assim o faz ao abandonar seu eu fixo e se transformar a partir de seu próprio vazio.
Por consequência, “o homem só é o que é na medida em que ele se torna; seu Ser (Sein)
verdadeiro é devir (Werden) (...)” (KOJÈVE, 2002, p. 162). A centralização do “eu” em
Hegel para determinar o saber absoluto a partir da consciência de si reflete o ápice do sujeito
consciente de si como centro no pensamento moderno, por ultrapassar o pensamento como
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uma premissa da existência e apresentar uma premissa mais essencial que a da mera
existência, isto é, o sujeito que existe porque compreende seu próprio desejo que o caracteriza
como sujeito.
Isso demonstra a relevância do pensamento de Hegel para compreender o
pensamento moderno, seu paradigma imunitário e a questão identitária que se apresenta de
forma intensificada na contemporaneidade que se dá em razão de ele indicar tanto a essência
da importância do sujeito na concepção moderna quanto o aparecimento da identidade e de
sua auto-afirmação. Ambas, nesse sentido, são características de um pensamento
essencialmente imunitário por evidenciar a pessoalidade e a individualidade presentes nas
relações, além de inaugurar uma estrutura de pensamento que altera substancialmente a
subjetividade, já que Hegel aponta uma consciência voltada para o ser que a pensa, tornando-
o sujeito porque pensa a si mesmo e o esvazia ao se projetar e ao contemplar a si mesmo, o
que ressalta as características do paradigma imunitário.
Essas características do pensamento moderno, voltadas ao sujeito e à autonomia a
partir da consciência de si, sustentam sua identidade, sua autoafirmação e autopreservação, a
communitas “é a saída para o exterior a partir do sujeito individual, seu mito é precisamente a
interiorização dessa exterioridade, a duplicação representativa de sua presença, a
essencialização de sua existência” (ESPOSITO, 2003, p. 44), o que reflete, pode-se dizer, a
ambiguidade inerente a qual os filósofos se deparam ao ter como perspectiva o munus, já que
este, como conceito objeto de reflexão, estaria já sem o elemento subjetivo. Dito de outro
modo, como tornar possível a reflexão sobre o munus num contexto cujos sujeitos são
essencialmente autoafirmativos e autopreservativos? O munus na modernidade careceria do
aspecto subjetivo que une essas identidades de maneira que elas não fossem mais
compreendidas como identidades, mas como uma única identidade, caracterizada por um
vínculo afetivo decorrente dessa subjetividade coletiva? Conforme colocou Esposito
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central seria a “autoconservação da vida” que teria, conforme uma observação do Autor, feito
nascer a modernidade, na medida em que, com o surgimento de novas tendências
conservatórias que descaracterizaram um mundo simbólico e “natural”, uma nova tendência
desponta com a “exigência de um diferente aparelho defensivo de tipo artificial voltado a
proteger um mundo que passou a estar constitutivamente exposto ao risco” (ESPOSITO,
2010, p. 86). Isso fez com que a conservação e desenvolvimento da vida tivessem que ser
ordenados por processos artificiais capazes de subtrair a vida aos seus riscos naturais, o que
ilustra a distinção da política moderna da que lhe precedeu. (ESPOSITO, 2010, p. 87)
A autoconservação da vida na modernidade pressupõe sempre uma proteção
negativa da vida, o que torna imune a própria vida que quer preservar, na medida em que uma
de suas características é a segurança do sujeito e a preservação de sua vida. Nesse aspecto,
“ligar o sujeito moderno ao horizonte de segurança imunitária significa reconhecer a aporia
em que sua experiência fica presa: a de procurar o refúgio da vida nas mesmas potências que
impedem o seu desenvolvimento”. (ESPOSITO, 2010, p. 88) O paradigma imunitário,
portanto, despotencializa a vida ao assegurá-la.
A ideia que o sujeito passa a ter de si mesmo com o advento da Modernidade lhe dá
uma autonomia que o fundamenta e essencializa; a determinação do sujeito parte apenas dele
mesmo, tornando-o autônomo de forças externas e de um possível criador. A ressonância
moderna sobre o sujeito lhe torna essencialmente autônomo e sua subjetividade passa a se
constituir a partir de uma racionalidade cujas condições de possibilidade são apenas os
“elementos estruturais de sua própria reflexão” e de uma “orientação original de liberdade e
autonomia” (SOUZA, 1998, p. 400), características estas que apresentam ao sujeito uma nova
identidade marcadamente individualizada, consciente de si e autopreservadora, na qual o
paradigma imunitário se encontra. Nesse sentido, a immunitas, por ser o poder de conservação
da vida e, em razão disso, a proteção negativa da vida, “salva, assegura, conserva o
organismo, individual ou coletivo, a que é inerente – mas não de uma maneira direta,
imediata, frontal”, mas, contrário a isso, submete-o a “uma condição que ao mesmo tempo lhe
nega, ou reduz, a força expansiva”. (ESPOSITO, 2010, p. 74)
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CONCLUSÃO
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possível compreender melhor as bases sobre as quais a Modernidade opera. Traça-se, com
isso, os referidos conceitos que são essencialmente opostos de modo que a imunidade diz
respeito a obrigações cujas causas remetem à necessidade de proteção da vida, por meio de
obediências contratuais cuja consequência é a renúncia da própria vida.
O paradoxo que se apresenta, a partir disso, ilustra o resíduo de irracionalidade
presente na modernidade na medida em que a vida é sacrificada no intuito de se conservá-la.
O sacrifício se encontra na maneira pela qual o caráter privatista é evocado e levado a efeito
na modernidade; priva-se os indivíduos do que lhes é comum, mas com a subjetividade
racional da modernidade o pressuposto é já individualista porque a autonomia do indivíduo
lhe confere uma sujeição à sua autopreservação, o que altera toda sua forma de pensar e agir.
E é neste ponto que a essência da modernidade se encontra e se mantém, pela autoafirmação
irrestrita do eu.
Identidade e autoconsciência se elevam na subjetividade e centralizam a consciência
no eu, o que faz com que a imunidade se contraponha à communitas, na medida em que
ambas evocam conceitos e modos de agir não só distintos, mas essencialmente contrários. O
conceito do primeiro está em consonância com a centralidade do sujeito e seu núcleo é a
afirmação da identidade por meio de sua autoconsciência, o que se harmoniza à modernidade.
No que concerne ao conceito de communitas, pode-se dizer que ele se coloca distante dos
ideais da modernidade, por ter como base pressupostos opostos ao da imunidade, razões pelas
quais a própria reflexão do que é a communitas é obstaculizada. Nesse sentido, todas as bases
do pensamento moderno e do que deriva dele são invariavelmente pautadas pelo sujeito como
centro. Assim, a ideia de communitas, nos termos que Esposito propõe apenas subjaz ao
paradigma imunitário.
O paradigma imunitário visa, por conseguinte, maneiras privatísticas e
individualistas de existir no mundo. O sujeito de direitos individuais não se contamina com o
que lhe é estranho ou ameaçador à sua própria individualidade; sua subjetividade é pautada na
sua proteção em relação ao que lhe é externo e ele se priva do que é comum ou pode ser
comum a todos. A comunidade lhe é privada com seu consentimento, sua obediência
contratual que lhe promete a proteção e conservação de sua vida. A noção de riscos passa a
ser condição para que a imunidade opere e os riscos estão relacionados com o que pode ser
comum a todos, com a contaminação do que diz respeito a todos, ao externo e, portanto, à
impessoalidade ao lidar com o que não seria do interesse apenas de um indivíduo, mas seu
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O TRABALHO ESCRAVO E O CAPITALISMO:
UM PROBLEMA NA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA
RESUMO
O Brasil é uma formação social e econômica complexa e comporta muitas contradições. É a décima
terceira economia do mundo (FMI, 2017), ao passo que persistem em seu território a superexploração
de trabalhadores vulneráveis em termos de educação e renda (PHILLIPS, 2012). Nesse cenário, o
trabalho escravo contemporâneo é uma de suas mais graves, injustas e persistentes problemáticas
sociais. Longe de ser um fenômeno recente, isolado e pontual, o trabalho escravo compôs parte da
história econômica brasileira, em diferentes modalidades, tais como tráfico de pessoas, servidão por
dívida, exploração de órgãos ou até mesmo sexual. A despeito da abolição da escravatura, o trabalho
escravo, resiste na atualidade. A problemática da escravidão é um dos traços marcantes no
desenvolvimento da história humana. Mais especificamente, o Estado determina um limite externo à
relação de assalariamento no Brasil, que contempla o tipo de coerção específica do capitalismo, pois
independe da coação individual do comprador da força de trabalho para se configurar. Os desafios à
diminuição da incidência de condições de trabalho análogas à escrava são colossais e incluem
resistências desde os próprios aparelhos do Estado. O presente artigo utilizará método bibliográfico
através da literatura jurídica existente
SUMMARY
Brazil is a complex social and economic formation and it has many contradictions. It is the thirteenth
largest economy in the world (IMF, 2017), while the overexploitation of vulnerable workers in
education and income persists on their territory (PHILLIPS, 2012). In this scenario, contemporary
slave labor is one of its most serious, unjust and persistent social problems. Far from being a recent
phenomenon, isolated and punctual, slave labor composed part of Brazilian economic history in
different modalities, such as human trafficking, debt bondage, organ exploitation or even sexual
exploitation. In spite of the abolition of slavery, slave labor resists today. The problem of slavery is one
of the defining traits in the development of human history. More specifically, the State determines an
external limit to the wage relationship in Brazil, which contemplates the specific type of coercion of
capitalism, since it does not depend on the individual coercion of the buyer of the work force to be
configured. The challenges to reducing the incidence of slave-like working conditions are colossal and
include resistance from the state apparatuses themselves. This article will use bibliographical method
through existing legal literature
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INTRODUÇÃO
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atividade sindical obreira. Ademais, pode-se afirmar que também é possível inferir dessa
liberdade o direito de livre-arbítrio na escolha do serviço prestado e o direito de o trabalhador
encerrar a relação jurídica a qualquer tempo.
No mundo da moda nos deparamos com o trabalho escravo em diferentes matizes,
sendo necessário um questionamento sobre as possíveis políticas de erradicação e as
consequências no consumo.
“Quantos escravos trabalham para você?” é a pergunta que o aplicativo
SlaveryFootprint, da Organização Não Governamental (ONG) anglo-australiana Made in a
Free World, utiliza para instigar as pessoas a pensarem sobre o tema. O teste é composto por
onze perguntas, que incluem a aquisição de produtos de higiene, alimentação, vestuário, entre
outros, a fim de mensurar quantos escravos podem ser encontrados ao longo dessa cadeia
produtiva.
Enquanto o internauta responde às questões, são exibidas informações a respeito do
trabalho escravo no mundo e sua relação com o consumo.
Por meio da conscientização, a ONG busca fazer com que as pessoas repensem seus
hábitos de compra e, em consequência, desestimular a prática criminosa de trabalho escravo.
No Brasil, a ONG Repórter Brasil desenvolveu, em 2013, o aplicativo Moda Livre,
que avalia grandes grupos varejistas de moda e relaciona aqueles em que a produção têxtil foi
flagrada em casos de trabalho escravo.
A proposta é que o consumidor conheça a conduta das marcas antes de efetuar a
compra e, assim, se torne um agente no combate ao trabalho escravo.
1. A ESCRAVIDÃO ONTEM?
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da história as relações concretas entre os homens, sendo, uma delas o trabalho (ARENDT,
2000).
A condição humana é mutável, enquanto que a natureza humana não porque é
inerente ao homem.
A dignidade é um valor inerente a pessoa humana e está intimamente ligada à
respeitabilidade no grupo social. Somente a pessoa é considerada honrada quando ela tem sua
honra reconhecida e respeitada (ARENDT, 2000)
Diante disso, faz sentido compreender as duas situações nas quais Hannah Arendt
(ARENDT, 2000), refere-se quando analisa o aspecto interno, ou seja, aquilo que pensamos
ou sentimos. Sendo que há uma condição extrínseca que está ligada à cultura, à família, aos
amigos e à vida cotidiana.
Tais aspectos são roubados do trabalhador escravizado, tenha sido no passado como
no Estado Contemporâneo.
A partir de meados do século XIX, os ingleses começam a pressionar o Brasil para
que faça a abolição da escravidão. A pressão interna para a abolição da escravatura também é
forte. Em contrapartida, os donos de escravos defendem a manutenção da escravidão, mesmo
que nos moldes moderados, a fim de preservar a economia brasileira, que depende do trabalho
escravo (COSTA, 1977, p. 222.)
Como disse Emilia Viotti da Costa (COSTA, 1982, p. 9), “a escravidão marcou os
destinos da nossa sociedade. Seus traços ficaram indeléveis na herança e nos legaram a
cultura negra e as condições sociais nascidas do regime escravista”.
A escravidão pré-capitalista era considerada uma forma tradicional de trabalho,
legalizada e permitida pelo Estado.
A questão econômica sempre foi um dos traços marcantes no predomínio da
escravidão, havendo outros como a liberdade, dignidade, desigualdade e miséria.
Privilegiamos perseguir o aspecto econômico para evidenciar que tanto no mundo antigo
como no mundo contemporâneo, existem os que dominam e os que são dominados e os
mecanismos de combate a esta realidade são de difícil cumprimento.
Finalmente, a Lei Áurea2, como é denominada, não contem mais que dois artigos e
coloca fim a uma instituição de mais de três séculos no Brasil, além de determinar que os
2
A palavra áurea, que vem do latim, aurum, é uma expressão de uso simbólico que significa “feito de ouro”,
“resplandecente”, “iluminada”. A palavra áurea é usada para expressar o grau de magnitude das ações humanas e
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senhores não sejam indenizados, assim como não prevê qualquer forma de reparação aos ex-
escravos.
Vale ressaltar, que em 13 de maio de 1888, mais de noventa por cento dos escravos
já estão libertos em nosso país, seja por meio de fugas ou alforrias (ALBUQUERQUE, 2006).
Segundo Jacob Gorender: “Com toda a evidência, a Abolição não foi ‘negócio de
brancos’. Constituiu conquista revolucionária da luta autônoma dos escravos conjugada à
militância do abolicionismo urbano-popular” (GORENDER, 2011, p. 182).
2. ESCRAVIDÃO HOJE ?
é explorada há séculos por muitos soberanos, reis, imperadores e faraós, no ato de assinatura de seus tratados.
Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em :<http://www.priberam.pt>
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Gato é o intermediador entre o empregado e o empregador. É a pessoa que alicia trabalhadores com promessas
de excelentes salários e condições de vida (MIRAGLIA, 2011).
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procurando utilizar 89 do seu poder de compra para promover uma mudança social, seja por
meio do consumo de produtos oriundos de empresas responsáveis ou do boicote àquelas que
não possuem comportamento compatível com a visão social dos consumidores (WEBSTER
JR, 1975).
Encontrar consumidores com esse comportamento indica que existe espaço para o
consumo consciente, no entanto, esse espaço é percebido pelas organizações como importante
para o crescimento de um mercado, como criticado por Barros et al (2011), Fontenelle (2007)
e por Sampaio (2013). É por meio do consumo que as pessoas expressam seus pensamentos,
seus ideais e sua ética. O consumo consciente é uma nova cultura do consumo forjada para
este público (FONTENELLE, 2007, 2010), que assume a responsabilidade pelos crimes
organizacionais, sob a noção de que se não houvesse consumo não haveria oferta de produtos
oriundos de práticas criminosas. Quanto mais visibilidade as práticas das organizações, sejam
elas boas práticas ou nefastas, mais os consumidores poderão se posicionar e fazer escolhas
racionais, de acordo com seus ideais.
Por derradeiro, pode-se afirmar que a história do trabalho no Brasil não se iniciou
com a industrialização ou com a CLT, mas sim com o trabalho escravo, que persistiu como
atividade legal por mais de três séculos, iniciado com a exploração de mão de obra indígena e
consolidado com o tráfico negreiro e exploração do trabalho dos africanos (ROCHA; GÓIS,
2011).
A luta pela sobrevivência de um lado pelo trabalhador e a visão de um lucro
exorbitante pelos empregadores facilita a mitigação de custos, a violabilidade dos direitos e a
perpetuação do trabalho escravo.
A dinâmica do processo gira em torno do capital e poder enraizado no Estado
Brasileiro, seja no aspecto comportamental, político, psicológico, regional, dentre outros.
CONCLUSÃO
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perante a Corte Interamericana de Direitos Humanas, é que o Brasil se tornou uma referência
ao combate ao trabalho escravo.
A problemática inicia-se na dificuldade em estabelecer um conceito preciso para
caracterizar está temática, o que incide muitas vezes, na inviabilidade da sua concretização.
Não há ausência de legislações, nem, tampouco tratados ou convenções, mas como
cada uma utiliza um conceito e nomenclatura própria, torna a discussão mais ampla em sede
jurisdicional.
O trabalho precário e, especificamente, o trabalho escravo contemporâneo, interfere
negativamente no desenvolvimento do indivíduo, visto que viver para o trabalho atrapalha a
educação dos trabalhadores e de suas famílias, não apenas pelas possibilidades de ascensão
promovidas pela educação, mas pela mudança cultural e intelectual que a educação produz.
Aceitar que pessoas trabalhem sem garantir educação é condená-las a estas condições
precárias. A educação, por si só, pode não transformar a sociedade, mas “sem ela tampouco a
sociedade muda” (FREIRE, 2000, p.67), mas isto é pauta para uma outra discussão.
A respeito da responsabilidade do Estado, podemos relacionar a baixa educação
formal para essas pessoas escravizadas como os fatores que enraízam a escravidão
contemporânea, conforme identificados por Crane (2013): extrema pobreza, falta de educação
e conscientização.
As contribuições desta pesquisa são de natureza teórica e social. Como contribuição
teórica adentramos nas discussões sobre trabalho escravo contemporâneo, conseguimos
relacionar organizações, cultura e sociedade ao tema, mostrando a relevância do tema para a
área de Estudos Organizacionais. A contribuição social foi mostrar à sociedade e, em especial,
aos consumidores, a existência do trabalho escravo contemporâneo e a participação de cada
indivíduo no combate ou manutenção dessa prática criminosa.
Grandes grifes hasteiam a bandeira da responsabilidade social, do respeito, do
comportamento ético e do compromisso com a verdade. Criam códigos de conduta que
contemplam missões, valores e princípios dignos de um Estado Democrático de Direito e,
com isso, vinculam sua imagem à probidade, ao decoro e aos direitos humanos. Contam com
público fiel à marca e ao estilo de vida que lhe corresponde. Mascara-se, no entanto, uma
realidade cruel e pungente: uma produção barata e degradante. Pulveriza-se intensamente a
cadeia produtiva: contrata-se e subcontrata-se, dissipando-se os riscos da atividade. Negocia-
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se a prestação dos serviços sob o rótulo de relações estritamente comerciais. Paga-se pouco,
muito pouco: o limite necessário para garantir o lucro máximo. (CAVALCANTI, 2013).
Somado a isso há uma cultura do medo que é instaurada para evitar denúncias sobre
a existência nos locais de trabalho escravo. Para combater a prática da escravidão
contemporânea é preciso denunciar. Através das denúncias, o Ministério Público, o Ministério
do Trabalho e a Polícia Federal iniciam um processo de investigações e de fiscalizações.
Apesar de todos os esforços resta constatada a existência em pelo século XXI de
trabalho escravo contemporâneo em nosso território nacional.
A realidade é que constatamos mais de 125 anos após a abolição da escravatura, que
o Estado Brasileiro ainda é insuficiente e ineficaz no combate ao trabalho forçado, valendo
destacar, que muitas pessoas são libertadas todos os anos no país em condições análogas à de
escravos, e, tantas outras permanecem sem a efetiva aplicação da proteção estatal.
Portanto, é difícil acreditar que exista uma realidade de tamanha crueldade e
covardia tão perto de nós. Trata-se da exploração de pessoas realizada por grifes de renome e
de solidez econômica, das quais provavelmente já adquirimos produtos. É uma escravidão
impune, pois não está visível aos olhos da sociedade. A melhor solução para combater esse
crime talvez esteja em nossas mãos: o poder do consumidor. Quando compramos, estamos
depositando nosso voto de confiança na empresa e na forma como aquela mercadoria foi
produzida. É preciso fortalecer essa consciência e repugnar grifes que exercem trabalhos
análogos à escravidão.
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402
Grupo de Trabalho 07
DIREITOS HUMANOS,
CIDADANIA
E ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
cdiii
O CERRADO BRASILEIRO E SUA INVISIBILIDADE
NAS METAS DO ACORDO DE PARIS:
A OMISSÃO DO ESTADO COM O DESMATAMENTO
NA “CUMEEIRA” DA AMÉRICA DO SUL
RESUMO
Pretende este ensaio trazer a lume a omissão do Estado brasileiro quanto ao desmatamento do Cerrado
nas metas de redução da emissão dos gases de efeito estufa, firmadas no Acordo de Paris, através da
INDC (Contribuição Nacionalmente Pretendida). O Cerrado é um sistema biogeográfico que distribui
– como se fosse a cumeeira de uma casa – as águas de suas bacias hidrográficas, as quais alimentam a
bacia amazônica e a floresta. Conquanto essa condição especialíssima, ele vem sendo devastado nos
últimos decênios por projetos desenvolvimentistas predatórios, seja com plantações de soja (v.g.
projeto do MATOPIBA) ou com a pecuária extensiva. Embora a importância do bioma Cerrado, ele
continua “invisível”, olvidado na política pública nacional e internacional, sendo alvo de degradação
que coloca em risco sua biodiversidade, mas que, antes de tudo, coloca em risco a própria Amazônia.
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INTRODUÇÃO
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O Cerrado também pode ser denominado de cerrados, já que sua região não pode
ser entendida como uma unidade zoogeográfica particularizada, pois não apresenta esta
característica; tampouco pode ser considerada uma unidade fitogeográfica, por não se tratar
de uma área uniforme em termos de paisagem vegetal – ele é tanto os chapadões como os
campos limpos – mas ela é um sistema, justamente por ser um conjunto de vários elementos
1
Desde 1992, o antropólogo Altair Sales Barbosa tem sugerido a utilização do conceito biogeográfico,
classificando cada grande matriz ambiental como um sistema. Essas grandes matrizes ambientais podem ser
agrupadas da forma seguinte: Sistema Biogeográfico Amazônico; Sistema Biogeográfico Roraimo-Guianense;
Sistema Biogeográfico das Caatingas; Sistema Biogeográfico Tropical Atlântico; Sistema Biogeográfico dos
Planaltos Sul-Brasileiros; Sistema Biogeográfico das Pradarias Mistas Subtropicais, e por último o Sistema
Biogeográfico do Cerrado. Em entrevista ao IHU On-line: Cerrado: o laboratório antropológico ameaçado pela
desterritorialização. Edição n. 500, 13. março. 2017.
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que abrange áreas planálticas, v.g. , o Planalto Central Brasileiro, com altitude média de 650
metros, clima tropical subúmido de duas estações, solos variados e um quadro florístico e
faunítico extremamente diversificado e interdependente (SALES BARBOSA, 2013, p.2-3)
Sob a perspectiva histórica, o(s) Cerrado(s) exerceu papel fundamental na vida das
populações pré-históricas que iniciaram o povoamento das áreas interioranas do continente
sul-americano. Na região do(s) Cerrado(s), essas populações desenvolveram importantes
processos culturais que moldaram estilos de sociedades bem definidas, em que a economia de
caça e coleta imprimiu modelos de organização espacial e social com características
peculiares. Os processos culturais indígenas, que se seguiram a este modelo, trouxeram pouca
modificação à fisionomia sócio-cultural, e embora ocorresse o advento da agricultura
incipiente, exercida nas manchas de solo de boa fertilidade natural existentes no domínio dos
cerrados, a caça e a coleta, em particular a vegetal, ainda constituíam fatores decisivos na
economia dessas sociedades (SALES BARBOSA, 2013, p.4-5).
Esse panorama regional começou a sofrer sensíveis modificações, a partir do século
XVIII, com a colonização e as entradas e bandeiras que se embrenharam pelo interior do País,
em busca de ouro, pedras preciosas e índios escravos. Não é aleatório que os nomes de
Bartolomeu Bueno da Silva (Anhanguera) e Raposo Tavares, hoje, são denominações de ruas,
avenidas, bairros, rodovias e até cidades na região do Cerrado. Nesse contexto, e a partir dessa
data, surgiram os primeiros aglomerados urbanos e a exploração mais intensa dos recursos
minerais que começava a se incrementar, já provoca os primeiros sinais de degradação, como
ocorreu com as “vilas”, Vila Boa de Goiás (depois Goiás Velho) e Pirenópolis, em Goiás. No
apogeu desse ciclo, essas vilas eram tão ricas quanto Vila Rica (hoje Ouro Preto).
Findo o ciclo da mineração, a região do(s) Cerrado(s) permaneceu economicamente
dedicada à criação extensiva de gado e à agricultura de subsistência. Tais modelos
econômicos persistem em espaços localizados até os dias atuais, e outros modelos mais
simples, baseados no extrativismo, são adotados por populações caboclas, habitantes atuais de
espaços definidos. Somente no século XX, em um processo de interiorização, o Cerrado
passou a ser atraente economicamente e a necessidade da produção de alimentos em níveis
maiores encontrou terreno fértil naquele ecossistema.
Contudo, hoje, o que degrada o rico ecossistema do Cerrado é o que lhe trouxe,
paradoxalmente, desenvolvimento econômico a partir da década de 60: a pecuária, em um
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primeiro momento, e a agricultura intensiva de cereais, como a soja e o milho. Essa nova
“corrida” às gerais e ao sertão foi fruto da expansão da agropecuária:
Entre as décadas de 1950 e 1970, a hoje reconhecida economia agropecuária
instalada no cerrado começou a tomar forma. Além da criação de infraestrutura e de um
mercado consumidor, a introdução de alta tecnologia, apoiada em planos nacionais de
desenvolvimento, acelerou esse processo. A partir da fundação da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, foi possível fazer o melhoramento genético de
plantas e animais e a correção da fertilidade e acidez dos solos no cerrado, bem como o
treinamento e a formação de profissionais envolvidos nessas pesquisas. Junto com o
desenvolvimento do transporte rodoviário e o crescimento do mercado nacional e
internacional de bens e serviços agrícolas (entre eles, a exportação de algodão e de grãos,
como soja e milho), essas transformações atraíram populações de outras regiões para o
cerrado, levando ao rápido crescimento demográfico de algumas cidades.
Até meados da década de 70, o Cerrado das “gerais” e do “sertão” goiano e mineiro
recebeu várias levas de migrantes do Centro-Sul (principalmente gaúchos e paulistas) que ou
compraram – legalmente - áreas na região ou, infelizmente, se apropriaram através da
grilagem de terras, e que ali implantaram uma estrutura fundiária ligada à monocultura, seja
da soja ou de outro cereal. Conquanto essa nova “fronteira agrícola” tenha sido amplamente
explorada, uma nova região – no Cerrado mesmo – passou a ser alvo de cobiça, qual seja: o
Oeste da Bahia; o Sul do Maranhão e, mais recente, o Sudoeste do Pará. Nesse sentido,
explicam Ferreira; Bustamante e Fernandes:
Na década de 90, a fronteira agrícola foi expandida para quase todas as terras
restantes no Cerrado. Devido aos (ainda) preços proporcionalmente baixos das terras e com
boas condições de mecanização e melhoramento da fertilidade, essa expansão chegou à região
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hoje conhecida como MATOPIBA, formada pela confluência dos limites estaduais de
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Tal região, hoje, apresenta os maiores índices de
desmatamento, justamente em razão de uma política desenvolvimentista predatória e alheia às
consequências socioambientais nefastas dessa opção por um tipo de desenvolvimento
econômico explorador e destrutivo.
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que é em Formosa, formando a Reserva Biológica das Águas Emendadas, com águas do São
Francisco, do Araguaia e assim sucessivamente.
Sendo o Cerrado a cumeeira, ele detém a condição de distribuidor das águas para
as maiores bacias hidrográficas do país. Essa condição especialíssima está ameaçada pelo
desmatamento e a desenfreada exploração econômica de um bioma que desde o Ciclo do
Ouro tornou o interior do Brasil o “Eldorado” a ser atingido e sua natureza “domesticada”.
Hoje, a destruição que houve no Ciclo do Ouro está se perpetuando com o “Ciclo da Soja”,
não só esse cereal, mas principalmente, e em conjunto com o manejo da pecuária de corte.
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entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (o acrônimo advém das siglas dos
estados). Juntos, eles respondem por 11% dos quase 30 mil quilômetros quadrados
desmatados no Cerrado entre 2013 e 2015. Os três campeões são baianos: São Desidério (337
km2), Jaborandi (295 km2) e Formosa do Rio Preto (271 km2), todos municípios produtores
de soja (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2017).
Em estudos divulgados pelas ONGs antes citadas constatou-se que entre as
empresas de soja que operam no Cerrado, a Cargill e a Bunge são as duas empresas de soja
mais ligadas ao desmatamento (MIGTHY EARTH, 2017). Ambas as empresas compram
soja de fazendeiros, que é enviada para várias partes do mundo para alimentar galinhas,
porcos e vacas mantidos em confinamento, até serem transformados em sanduíches de frango,
bacon e hambúrgueres. A Cargill é a maior empresa privada dos Estados Unidos, com
faturamento de US$ 120 bilhões, líder mundial no comércio de soja, óleo de palma, gado,
algodão e outras commodities. Já a Bunge possui a maior infraestrutura instalada no
MATOPIBA, a região do Cerrado com maior desmatamento causado pela soja.
Recentemente, a Bunge ampliou ainda mais a sua rede na região.
Denuncia a ONG que, nos 29 municípios do Cerrado onde a Bunge opera silos
comerciais foram detectados quase 50 mil hectares de desmatamento em 2015, e um total
acumulado de 567.562 hectares de 2011 a 2015, conforme o referido anteriormente. Já nos 24
municípios onde a Cargill opera silos, foram 130 mil hectares de desmatamento durante esses
mesmos cinco anos. Além disso, em 12 municípios, tanto a Cargill quanto a Bunge operam
silos. O desmatamento total dessas áreas atingiu um total de 90.129 hectares no mesmo
período. A investigação não pode afirmar que todo o desmatamento identificado foi causado
pela soja. Entretanto, essas empresas fornecem incentivos financeiros que estimulam a
destruição e não estão tomando medidas adequadas para evitar o desmatamento das regiões
onde operam.
Embora a Bunge tenha adotado uma política de proibição do desmatamento em sua
cadeia de suprimentos, não houve comunicação clara e expressa aos seus fornecedores. Já a
política da Cargill para esse assunto é reconhecidamente falha. Ao contrário dos concorrentes
com políticas de proibição de desmatamento que entram em vigor imediatamente, a Cargill
deu a si mesma o prazo até 2030 para eliminar o desmatamento de suas cadeias de
suprimentos, dando aos produtores de soja e de outras mercadorias quase 15 anos para
continuar o processo de destruição.
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São dados alarmantes divulgados por quarenta (40) ONGs que assinam o manifesto.
O esforço brasileiro à conservação da Floresta Amazônica é inegável, por que, então, não
estão em curso os mesmos esforços para a conservação do Cerrado? O reconhecimento da
savana mais biodiversa do Planeta e cumeeira da América do Sul é imprescindível à própria
regulação do clima na Terra. A Amazônia não sobreviverá sem a água do Cerrado. Deter o
desmatamento do Cerrado é tão importante quanto deter o desmatamento da Amazônia!
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poderiam ter sido encaminhados pela política brasileira de clima, porém não o foram. As
escolhas legislativas foram tímidas em relação às metas determinadas na lei.
Hoje a taxa média anual de desmatamento no Cerrado está em torno de 6 mil
quilômetros quadrados, ou seja, superior à perda de cobertura nativa na Amazônia em 2014
(4,8 mil quilômetros quadrados) (BUSTAMANTE, 2015). Essa taxa é um valor médio e
regiões que hoje concentram as novas frentes do desmatamento vem perdendo vegetação
nativa a taxas maiores ocasionando um intenso processo de fragmentação que compromete
importantes funções ecológicas. Adicionalmente, o bioma concentra aproximadamente 5
milhões de hectares de áreas de vegetação, em especial nas áreas de intenso uso agropecuário,
que devem ser restauradas de acordo com o Código Florestal (sendo 1, 7 milhão de hectares
de áreas de preservação permanente, tão relevantes para a conservação dos recursos hídricos).
Se já em 2009, era preocupante ver um compromisso pouco ambicioso por parte do
governo brasileiro com relação ao desmatamento do Cerrado, seis anos depois, em 2015, na
COP- 21, o texto da contribuição brasileira para o Acordo de Paris, a denominada INDC (em
português: Contribuição Pretendida Nacionalmente Determinada), acentua essa preocupação.
O desmatamento é o maior responsável pelas elevadas emissões de gases de efeito estufa, as
quais pretendem ser prevenidas e combatidas pelo novo acordo climático,
O Acordo de Paris é um instrumento de governança climática global, firmado por
195 países, tendo entrado em vigor, após a ratificação de mais da metade dos países, em
novembro de 2016. Considerado o mais ambicioso dos acordos sobre o clima, tem como base
de trabalho as projeções sobre o câmbio climático, divulgadas pelo IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) em seu 5º Relatório, constituindo-se em um
acordo internacional cujas metas pretendem mitigar os efeitos das mudanças climáticas,
adaptar-se às mesmas, além de pretender estabilizar o nível das emissões dos gases de efeito
estufa, visando que a temperatura da Terra não aumente mais que 1,5 grau nos próximos
decênios (VIOLA; NEVES, 2016).
A INDC brasileira traz a contribuição nacional em relação à prevenção e combate às
mudanças climáticas, tendo sido formulada com base no trabalho de negociadores. Dentre
esses negociadores há os membros da diplomacia brasileira; os técnicos do Ministério do
Meio Ambiente; os integrantes do Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas e
representantes do Legislativo federal, etc. tendo sido os responsáveis pela construção de
novas metas brasileiras.
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cumprir essa meta sem que já esteja em curso um conjunto objetivo de medidas para garantir
seu cumprimento.
Mais uma vez, percebe-se, aqui, a pouca relevância dada à presente situação
ambiental do Cerrado. A distribuição das áreas convertidas no bioma não é homogênea. Há
áreas de ocupação mais antiga e com menores proporções de remanescentes na porção sul do
bioma, enquanto a região norte do Cerrado concentra os últimos grandes remanescentes de
vegetação nativa e também as novas frentes de desmatamento que avançam pelo citado
projeto desenvolvimentista predatório do MATOPIBA.
Logo, há omissão do Estado brasileiro em relação ao bioma Cerrado. Não há,
portanto, um compromisso claro acompanhado de um esforço político consistente de reduzir
o desmatamento no Cerrado e nos demais biomas de forma mais ambiciosa em relação ao
fixado em 2009 pela PNMC, nem na INDC. Aliás, essa “omissão” vai ao encontro da guinada
de retrocesso jusambiental que o governo Temer vem promovendo (inobstante já no governo
Dilma isso também se verificasse), v.g., vários projetos pretendendo subtrair direitos
socioambientais conquistados a duras penas.
Embora o governo brasileiro tenha lançado em 2010 o Plano de Prevenção e
Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado)2, nos moldes do que há havia sido
instituído para a Amazônia, tendo como objetivo promover a redução contínua da taxa de
desmatamento e da degradação florestal, bem como da incidência de queimadas e incêndios
florestais no Cerrado através da integração e aperfeiçoamento das ações de monitoramento e
controle de órgãos federais (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2010), não foram
obtidos resultados que convergissem para a diminuição das taxas de desmatamento, ao revés,
projetos agropecuários - cujo exemplo maior é o do MATOPIBA – continuam sendo
implantados em áreas tanto de campina (v.g. Centro-Sul do Tocantins) como de chapadões
(v.g. Oeste da Bahia)
2
Suas ações visam a regularização ambiental das propriedades rurais, gestão florestal sustentável e combate às
queimadas, ordenamento territorial, conservação da biodiversidade, proteção dos recursos hídricos e uso
sustentável dos recursos naturais, incentivo a atividades econômicas sustentáveis, manutenção de áreas nativas e
recuperação de áreas degradadas. In: Plano de Prevenção e Controle Desmatamento do Cerrado e
Queimadas. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2010.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse breve ensaio trouxe à tona um tema que emergiu nas discussões jurídico-
ambientais nos últimos anos, com o recrudescimento do aquecimento global e as mudanças
climáticas. Trata-se de um recorte de um estudo maior que está sendo realizado no âmbito de
um projeto de pesquisa desenvolvido no PPGSD/UFF e que relaciona a atuação do Brasil no
âmbito internacional (Acordo de Paris); a opção por um desenvolvimentismo predatório em
nível interno e as práticas – como o projeto agropecuário do MATOPIBA – implementadas
com o intuito de degradação.
A destruição do Cerrado e suas consequências é tão importante quanto a destruição
da Amazônica. O bioma ou sistema biogeo. Cerrado é indispensável à Amazônia; é a partir do
Cerrado e suas águas, que abastecem os rios amazônicos, o que torna o que é a Floresta
Amazônica – o maior regulador do clima mundial! Sem água, a floresta não consegue prestar
o mais importante serviço ecossistêmico ao Planeta.
Há uma simbiose entre esses dois biomas, um não sobrevive sem o outro! Além
disso, o Cerrado (ou os cerrados) contém uma biodiversidade tão rica que sua perda significa
uma erosão genética sem precedentes. Portanto, o desmatamento do Cerrado é devastador e
degradante, pois além de elevar per si o número das emissões de gases de efeito estufa – o
que contribui ao aquecimento global e as mudanças climáticas – também é responsável pelos
reflexos diretos na Amazônia.
Contudo, infelizmente, o Cerrado continua invisível nas metas estabelecidas pelo (e
para o) Brasil na prevenção e combate às mudanças climáticas. No Plano Nacional sobre
Mudanças Climáticas (PNMC, Lei 12.187/2013) houve o estabelecimento de metas
voluntárias quanto à diminuição das emissões dos gases de efeito estuda e, via de
consequência, o combate ao desmatamento. Mas, no acordo climático de Paris, não obstante a
INDC tenha feito referência expressão à Amazônia, o Cerrado foi olvidado. Em realidade,
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419
A JUSTIÇA RESTAURATIVA
COMO EFETIVAÇÃO NO PROCESSO DE ADMINISTRAÇÃO
DOS CONFLITOS ESCOLARES
ESTEVES, Pâmela
Professora adjunta do Departamento de Educação da UERJ.
Pesquisadora da Puc-Rio.
GOMES, Ingrid
Mestranda em Educação pela UERJ.
RESUMO
Esse artigo busca compreender como a cultura escolar se constrói dentro de uma sociedade que
aprendeu a naturalizar/banalizar a violência. Em outras palavras, nosso interesse é investigar os tipos de
conflitos que são produzidos na escola e os procedimentos adotados diante dos casos de elevada
gravidade. Com o objetivo de facilitar o entendimento do leitor dividimos o artigo em três partes. Na
primeira parte apresentamos uma discussão sobre o cotidiano escolar no que tange a relação entre
diferença e violência, a partir da constatação da dificuldade dos estudantes em reconhecerem as
diferenças que os constituem e os casos de violência que são oriundos dessa dificuldade (ESTEVES,
2015). Em um segundo momento, analisamos situações de judicialização dos conflitos que acontecem
nas escolas do município de São Gonçalo/RJ, caracterizadas pela atitude da escola em acionar o
Conselho Tutelar, doravante (CT) e este, por sua vez, encaminha o caso para a Delegacia de proteção à
criança e ao adolescente (DPCA) e/ou ao juizado da infância e da juventude. Por fim, na última parte,
argumentamos a favor da urgência do desenvolvimento de concepções de justiça no ambiente escolar,
em especial de uma justiça restaurativa voltada para construção de uma cultura de paz, como um
instrumento de educação em direitos humanos e uma alternativa à judicialização da educação.
ABSTRACT
This article seeks to understand how school culture is built within a society that has learned to
naturalize / trivialize violence. In other words, our interest is to investigate the types of conflicts that
are produced in the school and the procedures adopted in cases of high gravity. In order to facilitate
the understanding of the reader we divide the article into three parts. In the first part, we present a
discussion about the school routine regarding the relation between difference and violence, based on
the students' difficulty in recognizing the differences that constitute them and the cases of violence that
arise from this difficulty (ESTEVES, 2015) . In a second moment, we analyzed situations of
judicialization of the conflicts that occur in the schools of the municipality of São Gonçalo / RJ,
characterized by the attitude of the school in triggering the Guardianship Council, henceforth (CT)
and this, in turn, forwards the case to the Police station for the protection of children and adolescents
(DPCA) and / or the Juvenile Court. Finally, in the last part, we argue in favor of the urgency of the
development of conceptions of justice in the school environment, especially a restorative justice aimed
at building a culture of peace, as an instrument of human rights education and an alternative to
judicialization education.
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INTRODUÇÃO:
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principal instrumento de conquista do poder, e não estamos aqui nos restringindo ao poder
político, mas sim as mais diversas relações de poder que se constroem/reconstroem formando
uma economia do poder religioso, ideológico, econômico, midiático, entre outros
(FOUCAULT, 2008). Quanto mais disputas pelo poder, mais violência. Essa equação pode
ser exemplificada no aumento das intolerâncias religiosas, quando o poder religioso é
disputado através de radicalismos. Os crescentes episódios de racismo, também, nos ajudam a
compreender a relação entre poder e violência, nos casos em que a hegemonia branca é
desafiada por etnias minoritárias. Temos, ainda, as disputas pelo poder político, agravadas
pela falência do Estado Nacional brasileiro, cuja a violência se expressa no momento em que
pessoas inocentes são mortas por “balas perdidas” em confrontos entre a polícia (poder
estatal) e traficantes (poder paralelo) nas periferias brasileiras.
E na escola? A escola é uma instituição de formação, consolidação dos valores
morais apreendidos no seio familiar e socialização das experiências do crescer, mas
atualmente, vem se transformando em uma instituição de combate à violência. Cada vez mais,
a sociedade acredita e deposita suas crenças na educação escolar como um caminho
impeditivo ao protagonismo da criminalidade. O paradoxo é que a escola é uma instituição
social, o que significa que não está imune à violência produzida pela sociedade e que por mais
esforços que sejam feitos por parte da comunidade escolar, esta não tem condições nem
obrigação de assumir a responsabilidade do Estado e reduzir a violência.
É diante desse panorama, de múltiplas e crescentes formas de violências, que esse
artigo busca compreender: Como a cultura escolar se constrói dentro de uma sociedade que
aprendeu a naturalizar/banalizar a violência? Em outras palavras, nosso interesse é investigar
os tipos de conflitos que são produzidos na escola, sem deixar de considerar a estreita relação
desses conflitos com a cultura violenta que permeia as relações sociais externas à escola.
Além de compreender a natureza e as especificidades da violência escolar, buscamos,
também, conhecer os procedimentos adotados diante dos casos de elevada gravidade.
Com o objetivo de facilitar o entendimento do leitor, dividimos o artigo em três
partes. Na primeira parte, apresentamos uma discussão sobre o cotidiano escolar no que tange
a relação entre diferença e violência, a partir da constatação da dificuldade dos/as estudantes
em reconhecerem as diferenças que os constituem e os casos de violência que são oriundos
dessa dificuldade (ESTEVES, 2015). Em um segundo momento, analisamos situações de
judicialização dos conflitos que acontecem nas escolas do município de São Gonçalo (RJ),
422
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caracterizadas pela atitude da escola em acionar o Conselho Tutelar, doravante (CT) e este,
por sua vez, encaminha o caso para a Delegacia de proteção à criança e ao adolescente
(DPCA) e/ou ao juizado da infância e da juventude. Por fim, na última parte, argumentamos a
favor da urgência do desenvolvimento de concepções de justiça no ambiente escolar, em
especial de uma justiça restaurativa voltada para construção de uma cultura de paz, como um
instrumento alternativo à judicialização da educação.
Charlot (2002) argumenta que a violência escolar não é uma novidade dos séculos
XX e XXI. Já no século XIX, há registros de práticas violentas em escolas secundárias,
sancionadas com prisões. Contudo, se a violência escolar não é um fenômeno radicalmente
novo, ela tem assumido novas feições. Na medida em que a violência escolar passa a ser vista
como estrutural e não mais acidental, as famílias, os/as estudantes, os/as professores/as e toda
a comunidade escolar passam a desacreditar no potencial da escola como instituição
formativa, socializadora e protetora. Na escola, a violência não se restringe a dificultar o
processo de ensino e aprendizagem, mas também contribui para um cotidiano inseguro,
permeado por medos, revoltas, injustiças das mais diversas e, fatalmente, atitudes autoritárias
e punitivas.
Sposito (2001) também considera que a violência escolar não é um fenômeno novo
e, devido as suas novas roupagens, demonstra preocupação na maneira como ela vem sendo
conceituada. Buscando evitar equívocos, Sposito (2001) defende a necessidade de
compreender a violência escolar como aquela que nasce entre os muros da escola, isso
significa trabalhar em uma perspectiva stricto sensu que nos permita minimizar afirmações
precipitadas baseadas em raciocínios de causa e efeito como o binômio pobreza/violência, e
possibilita compreender a violência escolar em sua singularidade.
Há várias interpretações para o aumento da violência escolar. Explicações
macrossociais responsabilizam os altos índices de violência social, na medida que uma
sociedade que recorre à agressão como mecanismo de resolução de conflitos produz escolas
violentas. De certa forma, essa visão é compartilhada pela sociologia francesa de Bourdieu
(1975), que compreende o sistema educacional como um instrumento de dominação do
423
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1
Estamos argumentando que os conflitos escolares não se restringem a uma dominação de classe no sentido
proletário/burguês.
424
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2. O CAMINHO DA JUDICIALIZAÇÃO
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Foi esse tipo de poder, que fabrica o indivíduo, que Foucault delimitou como poder
disciplinar, cujo os métodos “que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que
asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-
utilidade (...)” (FOUCAULT, 1987, p.139).
Nessa lógica, o controle das ações e dos comportamentos dos indivíduos segue em
voga no contexto de vigilância e de punição das instituições sociais, num movimento onde o
poder de decisão recai sobre o poder judiciário, tendo o seu modo de operação – controle,
julgamento, punição – legitimado diante das situações de gerência da vida e de subjetivação
dos indivíduos. Nesse sentido, Nascimento e Scheinvar afirmam que:
427
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2
“Desde 1998, o Grupamento especializado de Ronda Escolar foi criado com o objetivo de atender os alunos da
rede municipal de ensino, além de manter proteção de serviços, bens e instalações nas unidades escolares
municipais.” Informação extraída em: http://www.pmsg.rj.gov.br/guardamunicipal/grupamentos.php. Acesso em:
13/06/2017.
428
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mesmo sendo um órgão não-jurisdicional, muitas das práticas dos sujeitos que ali atuam se
revelam pautadas na lógica jurídica, conforme afirmam, novamente, Nascimento e Scheinvar
(2007), sobre a juridicialização das práticas, que a:
Dessa forma, o conselho tutelar (CT) é uma instituição contraditória. Sua criação
remete a tentativa de desjudicialização, nomeando a sociedade civil para auxiliar na proteção
e garantias de direitos às crianças e adolescentes, porém, o que a práxis nos mostra é um
conjunto de procedimentos regulamentadores da vida escolar que enquadram os conflitos em
legislações e normatizações construídas fora do espaço escolar, ou seja, a judicialização das
relações escolares.
O contexto desta pesquisa, ainda em fase preliminar, busca investigar as três
unidades de Conselho Tutelar do município de São Gonçalo (RJ) divididas por áreas de
abrangência3, que atendem o respectivo município em sua totalidade. Com base em
entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente com os/as conselheiros/as4 e com as
pedagogas5 oriundos/as destas três diferentes unidades procurou-se compreender as formas de
atuação e de articulação entre os pares no cotidiano de trabalho; a relação do CT com as
escolas do município, e os seus respectivos entendimentos sobre a judicialização dos conflitos
escolares bem como os recursos utilizados diante desses casos. Consideramos que estes
aspectos poderiam expor as concepções e a realidade de trabalho dos/as conselheiros/as e de
sua equipe técnica frente às ocorrências escolares recebidas, favorecendo o entendimento
empírico da dinâmica do órgão e do tema de pesquisa.
Uma característica marcante observada foi o fato do Conselho Tutelar atuar em
redes, como menciona a conselheira C2:
Nós trabalhamos em rede, nós trabalhamos com abrigo, nós trabalhamos com
hospitais, com escolas. Então, é assim, tudo depende da rede. O conselho tutelar
3
O município de São Gonçalo (RJ) é composto por três unidades do CT. Cada unidade atende por
localização/bairros específicos.
4
Para garantir o anonimato dos sujeitos de pesquisa, mencionaremos como C1, C2 e C3.
5
Pelo mesmo motivo do anonimato, mencionaremos como P1 e P2.
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não trabalha sozinho. A gente depende de outros órgãos. Nós somos garantidores
de direitos, mas não necessariamente nós vamos ser atendidos. Nós podemos
representar o órgão que não nos atende, mas às vezes a condição que o governo dá
não nos ajuda mesmo a gente tendo o respaldo legal que nós somos garantidores de
direito.” (C2)
Sob a ótica educacional, a ocorrência encaminhada pela escola que mais se destaca é
a FICAI (Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente), que se refere aos/às alunos/as
ausentes na escola, com sucessivo número de faltas. A escola recorre ao conselho para saber o
porquê das referidas faltas do alunado. Apesar de realizarem essa tarefa, os/as conselheiros/as
afirmam, unanimamente, que essa atribuição deveria ser acolhida pela própria escola, não
cabendo ao conselho. Este é um exemplo de ocorrência descrito pelos/as conselheiros/as em
que a escola deixa de assumir o seu papel educacional e recorre ao conselho sem a verdadeira
necessidade, deixando de solucionar questões que poderiam ser resolvidas no interior da
própria instituição escolar.
Outro exemplo ilustrativo que contribui com essa percepção é o recebimento de
ocorrências envolvendo conflitos escolares, que para os/as entrevistados/as a escola deveria
tentar realizar medidas para lidar com essas situações, pois “não é qualquer coisa que é pro
conselho”6. Em outras palavras, “a escola poderia ‘enxugar’ mais, fazer todas as tentativas
possíveis antes de vir pro conselho.”7 Os conselheiros percebem que há uma aguda ausência
de diálogo no interior das escolas para resolver essas situações, e logo buscam o CT. Nesse
sentido, a conselheira C2 afirma que:
... assim, o conselho tutelar é chamado pra isso, pra essas divergências. E, muitas
das vezes, esses conflitos na escola depende só de orientação e não de conselho
tutelar. Só que eles, em algumas situações de colégio, dependendo do colégio, eles
têm medo dos orientadores. A direção tem medo de ir pra um conflito maior, mais
intenso por causa da situação de tráfico, de ser da comunidade, e aí encaminha pro
conselho. (C2)
6
Fala proferida por C1.
7
Fala proferida por C1.
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... ela não aguentava mais a colega falar sobre algo no corpo dela, e aquilo foi
passando. Foi passando, até que um dia ela projetou que aquilo ia acabar. Como
que acabaria isso? Ela machucando a colega. Graças a Deus, não chegou até o
final.Alguma coleguinha contou que a professora, a coordenadora, não recordo, que
fulano estava com algo cortante na mochila. Aí, elas não podem mexer, né. E aí, ela
foi chamada na secretaria. A menina mesmo mostrou que estava. E aí, a ronda
escolar junto com a direção, mais a família vieram aqui no conselho. (C3)
431
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E quando se trata de lesão corporal, já não cabe muito a mim, né. A gente pode até
tentar, pode. Mas aí, já se torna lesão corporal, que é crime. Então, não compete ao
conselho. Então, fica muito difícil não judicializar, mas pode parar só na delegacia
também. Mas assim, já foge da minha competência. (C1)
A mãe retirou ela de um colégio, colocou ela em outro, ela fez o mesmo
procedimento: tomar conta do colégio. E aí, ela sempre acha um alvo: um
adolescente que não aceita as regras dela, e aí ela vai e espanca. E aí, quando ela foi
fazer a ocorrência, ela viu que já tinha outro registro. E aí, que gerou um processo
criminal, porque ela levou 16 pontos. Um soco que ela deu. (C2)
Embora seja assegurado pela Constituição Federal do Brasil (1988) e pelo ECA
(1990), que todos têm direito à educação, há um escancarado descompasso com a realidade
na garantia de vaga na escola. A implementação desses aparatos se mostra frágil para
concretização plena do que se propõe. Diante disso, é paradoxal primar por uma educação
pública de qualidade com um sistema de educação excludente.
Algumas equipes do Conselho Tutelar constataram um distanciamento na relação
com as escolas, no sentido de realizarem trabalhos preventivos, e consideram este um dos
motivos que endossa o medo da comunidade escolar pelo Conselho Tutelar, “porque as
pessoas identificam o conselho tutelar como um órgão punidor”8. Não há um contato
frequente para estabelecer trocas de informações ou trabalhos estratégicos de sensibilização
que fortaleçam a difusão das prerrogativas do ECA, como um instrumento de luta e
resistências pelos direitos e deveres da infância e juventude brasileira. Scheinvar (2012) nos
indica que:
O viés punitivo da escola tem encontrado aliança no conselho tutelar, cuja prática é
vivida de forma ameaçadora. A característica singular do conselho tutelar é não ser
do âmbito da justiça, mas a sua existência está diretamente vinculada a uma lei, o
que tem contribuído para que use métodos da justiça. Não que a escola não seja
punitiva, mas todos pensam que não cabe à escola julgar, condenar e punir, apesar
da ênfase na sua função de controle dos alunos – o que acaba significando a adoção
8
Fala proferida pela conselheira C2.
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A justiça restaurativa surgiu nos anos de 1970 como uma alternativa ao modelo de
justiça criminal prevalecente. Em oposição ao modelo de justiça baseado em leis, atribuição
de culpa, e punição, a justiça restaurativa enfatiza os danos, as necessidades e as obrigações.
Ao contrário de responsabilizar advogados e juízes para o relato do conflito e sobre a decisão
quanto ao destino dos autores, a justiça restaurativa estimula a participação ativa de vítimas,
9
Os termos, entre aspas, referem-se as próprias falas dos/as entrevistados/as.
10
Em “A Verdade e as Formas Jurídicas” (1999).
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434
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11
As três tabelas foram construídas com base nos dados retirados do artigo de GOMES PINTO, Renato Sócrates.
A construção da Justiça Restaurativa no Brasil. O impacto no sistema de Justiça criminal. Jus Navigandi,
Teresina. 11, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível em http//jus2.uol.com/doutrina/texto.asp. Último acesso em:
18/01/2010
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para trabalhar empatia, o perdão, e a responsabilização pelos erros através da reparação da dor
provocada.
Infelizmente a escola ainda busca o modelo retributivo que educa pela punição e
recorre a lei como um instrumento absoluto da verdade e da justiça. A diferença desafia a
escola construindo e reconstruindo situações de conflitos que uma vez desnecessariamente
judicializadas são procedimentalizadas através de uma lógica penal julgadora que ao invés de
problematizar como os conflitos são produzidos, se concentra apenas na legalidade das
práticas que serão regulamentadas. Já a justiça restaurativa se estabelece como uma oposição
à violência quando defende a restauração da paz através da reparação do dano, quando se
posiciona pelo reconhecimento e pela valorização das diferenças, quando postula a paridade
na participação do processo de resolução do conflito e principalmente quando explicita a
importância de sempre se considerar o outro.
Uma escola justa luta para compreender seus próprios conflitos, investiga os
contextos que a violência é produzida, analisa os diferentes discursos, enfatiza a validade do
diálogo na busca pelo pedido/aceitação da desculpa. Nessa escola os estudantes são
chamados a compreender a origem de seus conflitos e de que maneira é possível aprender
com os próprios erros. Quando, e se todas essas possibilidades não forem efetivas, nesse caso,
o Conselho Tutelar deve ser acionado, mas não para enquadrar o conflito em leis previamente
normatizadas e nem tampouco para consertar a escola com a lógica retributiva do poder
judiciário, mas sim para aconselhar a equipe escolar na administração do conflito
responsabilizando assim a sociedade civil pela garantia e proteção dos direitos das crianças e
dos adolescentes nesses tempos tão sombrios!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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De Petrus; Rio de Janeiro: Novamérica, 2009.
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CHARLOT, Bernard. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias,
Porto Alegre, 2002
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VIANNA, L. W. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Revan,
1999.
437
REGULAÇÃO DO EMPREENDEDORISMO:
PERCEPÇÕES DE UMA (RE) CONFIGURAÇÃO
DA CIDADANIA ATRAVÉS DA FORMALIZAÇÃO DA
ATIVIDADE EMPRESARIAL
JUAREZ, Rodson
Doutorando do PPGSD/UFF
Pesquisador associado ao InEAC/UFF
RESUMO
ABSTRACT
In order to reflect on the business formalization of small individual businesses in the Individual
Microentrepreneur (MEI, under Brazilian law) format as an autonomous choice possibility, even in a
regulated scenario, considering the implications and practices that allow such occurrence, we use the
qualitative method to understand the perception of SEBRAE employees, penitentiary system operators,
judicial agents and prison inmates. The preliminary conclusions are in the sense of criminological
perceptions, which focus on the punitive system constructed by a society, as well as on the effects that
such a system provokes in sociability, with interference in the notion of citizenship and
entrepreneurship, as well as not recognized in the legislation that allows the formalization of
companies with a simpler approach, operating towards (re) building a citizenship or the conformation
of bodies to a morally adjusted and acceptable perspective.
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INTRODUÇÃO
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características componentes do grupo de garantias mínimas que classificam uma pessoa como
cidadã, mesmo considerando as possibilidades da existência de gradações de cidadania.
Assim, o aparato normativo para a formalização de atividade empresarial, como
condição de conferir reconhecimento oficial da atividade, constrói o ambiente que possibilita
a transição de condições informais para formais, conformando e institucionalizando
indivíduos sob suas regras, produzindo efeitos pedagógicos sobre os procedimentos de
operacionalização da gestão empresarial. Especificamente no formato Microempreendedor
Individual (MEI), que demonstra regras menos burocráticas, mais disponíveis e flexíveis, o
que acabou popularizando a formalização de pequenos negócios.
A etnografia realizada revela um referencial simbólico na prática dos servidores e
consultores do SEBRAE, que passam a reproduzir a comunicação estratégica para a
formalização e divulgação do MEI como uma política pública de fomento à atividade
empreendedora, sob diversos enfoques de justificativa. As abordagens do tema da
formalização, dos indivíduos apenados e as reações aos desafios de orientação empresarial
são identificados e descritos, bem como a ambientação dos eventos descritos.
As conclusões são preliminares, por se tratar de pesquisa empírica em
desenvolvimento, buscando comparações em comarcas diferentes, com práticas e significados
próprios. Mas as percepções já compõem argumentos no sentido da identificação de um perfil
empreendedor sonegado na tratativa da composição da cidadania, com demonstrações de
reconfigurações de sentidos, percebendo o precariado, o desviante, o outsider e as recentes
transformações na economia brasileira como conceitos presentes na compreensão desse
cenário que conforma os corpos e suas atitudes.
1. EMPREENDEDORISMO E O MEI
440
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1
No conceito de autonomia trazido por KANT (1999), como condição de exercício da liberdade, não
instrumentalizada, mas como regulação da ação moral.
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com tempo predeterminado, nas quais o responsável pela realização dos serviços realiza
subcontratações empresariais para realização da obra, deixando de contratar recursos
humanos, passando a tratar seu contratado como pessoa jurídica, uma empresa formal.
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MEI, tendo em vista que as regras ficam disponíveis de forma filtrada pelos operadores do
sistema perito específico, que antecede a formalização empresarial. Advogados, analistas e
operadores do sistema de orientação àquele que pretende se inserir no movimento empresarial
formal conservam as informações específicas para realização da formalização MEI, mesmo
que publicamente disponíveis no Portal do Empreendedor, no sítio digital da Receita Federal
do Brasil dedicado para tal.
Ainda, a avaliação da condição pós-moderna em David Harvey (1992) constrói
cenário que serve como base para compreensões sobre as mutações do capitalismo
contemporâneo e como se dão alterações no tecido social, seja pelas alterações no regime de
acumulação da produção capitalista, seja pelas novas regulações que se ajustam a tais
mudanças. Identificando uma redução no escopo dos empreendimentos capitalistas entre as
décadas iniciais do século XX e os anos que o findaram, saindo de uma lógica fordista,
centralizadora do sistema de tomada de decisões e com domínio direto dos recursos
produtivos, para um formato mais leve, descentralizado e com menores recursos individuais
investidos, ou pulverizados pela abertura de capitais da atividade empresarial na negociação
de mercados futuros.
Essa dinâmica, trazendo efeitos na composição das relações sociais, migrando as
expectativas individuais de parte da população brasileira contemporânea com foco no
trabalho, para a condição de empresário, ou “dono do próprio negócio”, sem a presença do
patronato ou das relações tradicionais que marquem classes proletária e capitalistas. Essa
disseminação induz as escolhas individuais e a ação racional, pretendida por Immanuel Kant
(1999) quando tece sua critica da razão prática, que não deve ter sua moralidade
instrumentalizada para que seja idealizada, mas a busca de uma concepção pela coletividade
que se é pretendida.
Ao se perceber a busca de ganhos ou benefícios individuais daquele que age
racionalmente, percebe-se, então, o uso da razão para construção de um cenário propenso à
satisfação de necessidades próprias do individuo. Mas ainda considerando o raciocínio
kantiano, qual é tal autonomia dos indivíduos ao realizarem tal escolha pela atividade
empresarial de baixa complexidade e capitais em detrimento das relações tradicionais do
trabalho? Percebe-se, então, que a regulação da atividade empresarial formal se apresenta
como veiculo de uma vertente heterônoma de coerção social pelo fetiche do status
443
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2
A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) tem o objetivo de padronizar os códigos de
identificação das unidades produtivas do país nos cadastros e registros da administração pública nas três esferas de
governo
444
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8.000.000
7.000.000
6.000.000
5.000.000
Quantidade
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
0
31/10/2009 31/10/2010 31/10/2011 31/10/2012 31/10/2013 31/10/2014 31/10/2015 31/10/2016 31/07/2017
MEI's 24.982 648.629 1.524.107 2.562.694 3.534.243 4.527.267 5.545.935 6.540.843 7.310.314
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SP; 1.892.882;
MG; 808.140; 26%
11%
BA; 425.137; 6%
446
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podem formalizar; ou por executarem atividades não previstas e autorizadas pela legislação
para constituição de empresa no formato MEI ou pela condição individual de vínculo anterior
em sociedade empresarial, por exemplo.
Esse movimento não se encontra dissociado de demais significados e utilidades. A
possibilidade de oficialização de atividades antes consideradas clandestinas cria uma série de
desdobramentos. Entre eles, a utilização dos documentos formais de empresário para a
progressão de regime de apenados ou obtenção de Livramento Condicional, demonstrando
que a apropriação de uma política pública por setores ou grupos sociais pode ser remodelada
pelos significados que empregam e pela utilização que propõem.
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pedreiro, outros como lanchonetes, outros como salão de beleza, entre outras atividades
empresariais. Do lado de fora, logo na entrada principal do prédio, uma equipe operacional de
agentes penitenciários, guarneciam e garantiam a permanência dos apenados no local. Não
que o comportamento dos presos desse algum sinal de tentativa de fulga ou produção de
desordem.
Ouvia-se murmurinhos nos corredores sobre o atendimento que ocorria dentro da
sala escolhida para tal. Essa demanda não era recorrente, apesar de informarem vários casos
de apenados que já haviam passado pelo atendimento SEBRAE, mas que não revelavam sua
condição para causar o espanto que estavam causando. Presos anteriores buscaram
atendimento durante gozo de algum indulto e não estavam sob a escolta de agentes. Essa
diferença movimentou os olhares e tirou pessoas de suas cadeiras confortáveis para saber do
que se tratava a presença daqueles “estranhos”.
Afinal, o público apenado não é recorrente no atendimento das agencias de
orientação e formalização. Treinamentos não são realizados para compreensão ou
racionalização desses efeitos sobre o movimento empreendedor. Pensar sobre a formalização
MEI como potencial meio para alcançar uma finalidade penalista, na execução da pena, é
uma demanda colateral, como efeito não planejado para esse uso. Os peritos, que operam o
sistema perito para formalização ou orientação, não carregam essa condição específica para
diminuir os riscos dos patos sociais em relação ao empresariado, mesmo no nível mais baixo
de organização.
Esse despreparo ficou evidente na falta de protocolo procedimental para resposta a
esse quesito penal após a formalização. Os olhos e gestos desconfortáveis dos atendentes
habilitados denunciaram o estranhamento, não só das demandas apresentadas pelos apenados,
como pela própria presença dos corpos daqueles indivíduos. A percepção do “outro”, em
contraste ao cotidiano daqueles que frequentemente utilizavam aquele ambiente, evidenciava
uma classificação hierarquizada, bem marcada através da escolha de quem atenderia o
apenado, quais os procedimentos sumaríssimos e especiais eram adotados, com a finalidade
de terminar o atendimento e sem “contradizer o cliente”, como costumava lembrar uma
gerente de atendimento em relação ao trato diferenciado para demandas diferenciadas,
especialmente dos apenados.
Outros procuraram atendimento em outros lugares, ou realizaram a formalização por
conta própria, através do sítio da Receita Federal, próprio para esse autoatendimento, o
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mesmo que é utilizado pelos atendentes SEBRAE, mas que apresenta vantagens em relação
às explicações de detalhes que poderiam passar despercebidos. Muitos usuários entram no
Portal do Empreendedor para buscarem informações, preenchem um formulário eletrônico e
acabam formalizando uma empresa, sem se dar conta dos efeitos sobre suas opções.
O fato aguçou as percepções dos atendentes e da própria instituição, que buscou
confirmação das informações sobre os apenados, percebendo a possibilidade de
ressocialização através do empreendedorismo. De fato, os presos apresentaram os
documentos construídos com o auxílio do SEBRAE para a Vara competente e tiveram suas
petições apresentadas pela representação da Defensoria Pública do Estado do Amapá,
alcançando ou progressão de regime (do semiaberto para o abeto), ou Livramento
Condicional. Tais documentos foram essenciais para comprovação de ocupação lícita, uma
vez que não tinham conseguido emprego com carteira assinada, ou outro trabalho
remunerado.
2.2. O SUJEITO-PRODUTO
A construção de políticas públicas através da execução da pena, bem como de seus
operadores nas variadas agências, passando pela manifestação oficial da legalidade de
determinada atividade empresarial, pode ser interpretada como uma possibilidade de controle
sobre comportamento do apenado.
Com a aplicação de intenções evidentes, a hierarquia social também se evidencia,
não somente dentro do cárcere, mas fora dele também. Esse movimento constrói condições de
desigualdade que impendem a competição social de forma livre, deixando alguns indivíduos
em desvantagens em relação a outros. Mudanças na dinâmica social alteram também as
relações dentro do cárcere, numa lógica de interação de causa e efeito, onde um interfere no
outro.
Dario Melossi e Massimo Pavarini (2010) tecem uma crítica ao sistema liberal de
prisão, pois o crescimento do crime foi dada a uma questão: as pessoas não tinham medo da
prisão, ao contrário, elas cometiam pequenos delitos para serem presas e poder ter um lugar
para comer e um lugar menos miserável para dormir. Esse agravamento da luta por
sobrevivência pôs o nível de vida da classe trabalhadora incrivelmente baixo; as massas de
pessoas mais pobres eram conduzidas ao crime no fim do século XVIII e início do século
XIX.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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outro status na hierarquia social, buscando a identificação como “empresários”, mas através
de empreendimentos de baixa complexidade que lhe entregam um rendimento baixo e que
aumenta pouco o capital aplicado ao negócio, sendo utilizados por empreendimentos com
maior capital através de subcontratações e terceirizações, seguindo a lógica de um regime de
acumulação flexível, inerente ao capitalismo contemporâneo.
Percebe-se, então, o perfil capitalista perseguido por quem formaliza atividade
empresarial precária, seja para fugir dos estigmas do proletariado tradicional e alcançar um
status diferenciado, pretensamente majorado, seja para encontrar alternativas à falta de
emprego resultante de políticas sociais ou mesmo do movimento pela redução do escopo dos
empreendimentos do capitalismo contemporâneo. É comum a associação do
empreendedorismo como alternativa à ocupação formal no lugar do emprego, cada vez mais
escasso na organização social da contemporaneidade.
Pretende-se avançar nos achados de campo, identificando as estruturas de Direito
disponíveis em e como produzem um comportamento empreendedor entre seus indivíduos.
Não somente a formatação jurídico-legalista como estrutura estruturante sobre a formalização
da atividade empresarial, mas a comparação de diferentes dimensões cidadanias e qual o lugar
ocupado pelo empreendedorismo na contemporaneidade.
Mas já se pode considerar a concepção de Dario Melossi e Massimo Pavarini
(2010), no livro Cárcere e Fábrica, o cárcere desempenha um papel para domesticar o
desviante para desempenho de funções especificas para o interesse de uma sociedade
produtivista. Não somente promove a mutação antropológica, domesticando o sujeito, mas
bestializando seu corpo, maltratando-o até conseguir alcançar os objetivos da administração,
pela subordinação econômica e ética pretendida, o que se legitima pela internalização de tais
aspectos. Nesse processo punitivo, criminoso e preso são tratados da mesma forma, pois
pertencem ao mesmo grupo social, esvaziado de valor econômico e que demandam
intervenção da política de controle social.
Com a mesma lógica apresentada para labor, pode-se perceber que o movimento
para a formalização de atividades empresariais rudimentares pode estar no cerne inconsciente
do esforço social e produzir e reproduzir percepções de uma cidadania empreendedora, não
mais associada exclusivamente ao emprego formal, mas à condição de um sujeito
empreendedor, digno de gozar de status da estrutura social do consumo, gerando, fornecendo
e facilitando o consumo de outros indivíduos, principalmente satisfazendo necessidades
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metropolitanas, mas também sendo agente ativo do consumo, garantindo a marca de sucesso
na contemporaneidade.
Assim, a produção de um efeito sobre o sujeito não estaria na conformação de seus
corpos para o trabalho, como antes do refinamento das características da modernidade, mas
satisfazendo um perfil de regime de acumulação flexível, com regras maleáveis e dominação
dos interesses individuais sobre os coletivos. Representando uma maneira alternativa de
construção da cidadania, seja pela apropriação dos objetivos estratégicos que instituíram o
MEI, seja pelo uso diverso com foco em benefícios não necessariamente empresarias. Ainda
assim, a percepção de autonomia não resta presente, uma vez que o regramento heterônomo
que promove ambiente para as escolhas tuteladas.
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A ARMADILHA AUTORITÁRIA E O ESTADO DE EXCEÇÃO:
AS LIÇÕES DE CARL SCHMITT
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo adentrar na análise do pensamento do jurista e filósofo político
alemão, Carl Schmitt, e suas contribuições para o campo da Política e do Direito. Particularmente, duas
obras serão destacadas “Teologia Política” (1922) e “O Conceito do Político” (1932). Na natureza da
análise política de Schmitt predomina o autoritarismo como forma de manifestação máxima do
soberano. Por sinal, a soberania é um conceito essencial para o pensamento schmittiano e o qual coloca
o Direito em um plano inferior, uma vez que o soberano é quem decide sobre a aplicação material do
estado de exceção, ou seja, uma zona nebulosa entre a democracia e o absolutismo. Ademais, seu
pensamento se torna atual e merece ser analisado, na medida em que se observa uma evolução
degenerada das democracias ocidentais que fazem concessões para o fascínio do autoritarismo, caindo
em uma sedutora armadilha de difícil saída.
ABSTRACT
The present work aims at analyzing the thinking of German jurist and political philosopher, Carl
Schmitt, and his contributions to the field of Politics and Law. Particularly, two works will be
highlighted "Political Theology" (1922) and "The Concept of the Political" (1932). In the nature of
Schmitt's political analysis, authoritarianism predominates as the ultimate manifestation of the
sovereign. By the way, sovereignty is an essential concept for Schmittian thought and which places
Law on a lower plane, since the sovereign is the one who decides on the material application of the
state of exception, that is, a nebulous zone between democracy and absolutism. In addition, his
thinking becomes current and deserves to be analyzed, as one observes a degenerate evolution of the
western democracies that make concessions to the allure of authoritarianism, falling into a seductive
trap of difficult exit.
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INTRODUÇÃO
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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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Ele [Jean Bodin] é o início da moderna doutrina do Estado, muito menos por causa
da sua sempre citada definição (“la souveraineté est la puissance absolute et
perpétuelle d’une republique” – a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma
República) do que pela sua doutrina dos “vraies remarques de souveraineté” (sinais
verdadeiros de soberania; cap. X do primeiro livro de A república) (SCHMITT,
1922/1996, p. 89).
Enfatizando, uma questão crucial para Schmitt é sua busca por uma legitimação de
um conceito tão crítico, polêmico e oscilante entre o objetivo e o subjetivo para a percepção
do soberano e, na mesma medida, nas pretensões dele das formas mais variadas de
atrelamento ao poder e seus limites reais de atuação. Schmitt retorna a Bodin onde analisa tais
comportamentos possíveis do soberano e seus compromissos com as corporações:
1
Jean Bodin (1530-1596) passou por uma formação entre os campos da Teologia, Direito e Política e escreveu em
1576 sua primeira edição de “Os seis livros da República”, tal como afirmou LENZ (2004, p. 119): “o florentino
de formação humanista, pretendeu, a partir de leituras dos escritos antigos, mesclados à sua experiência nas
atividades políticas, escrever uma orientação para os dirigentes políticos”. Bodin tinha uma preocupação em
escrever propostas para o uso na prática da política, visando à manutenção da ordem pública. Neste quesito, pode-
se encontrar semelhanças na natureza objetiva da realidade entre Bodin e Schmitt. Desta forma, o âmago das
interlocuções de Bodin dentro do campo jurídico-político consistia no diálogo entre “[...] questões teóricas,
práticas políticas, administrativas e constitucionais devidamente relacionadas à economia política” (LENZ, 2004,
p. 120). Bodin sujeita a Economia ao plano da Política, uma vez que pregava que o soberano teria o controle sobre
“câmbios e moedas, pesos e medidas, tributação interna e externa” (LENZ, 2004, 129). É importante salientar que
Bodin foi um homem do seu tempo histórico e o seu livro foi escrito no seio de intensas contendas teológicas,
grandes conflitos políticos e assassinatos em meio às guerras religiosas (LENZ, 2004).
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Bodin [...] diz que as promessas são compromissos porque a força do compromisso
de uma promessa repousa no direito natural. Mas, no caso emergencial, o
compromisso segundo fundamentos naturais genéricos acaba. Geralmente, diz ele,
diante das corporações ou do povo, o príncipe só é obrigado a algo na medida em
que o cumprimento da sua promessa é de interesse do povo; mas ele não permanece
ligado ao compromisso se “la necessite est urgente” (se a necessidade é urgente).
Esse é, na verdade, o fator mais marcante de sua definição, que considera a
soberania uma unidade indivisível e decide definitivamente a questão do poder do
Estado. (SCHMITT, 1922/1996, p. 89)
Hoje quase não existe uma explicação para o conceito de soberania no qual não
apareça essa citação de Bodin. Mas em nenhum lugar encontramos a citação do
trecho essencial daquele capítulo de A república. Bodin pergunta se as promessas
que o príncipe faz às corporações ou ao povo anulam sua soberania. E responde
apontando o caso em que se torna necessária a transgressão dessas promessas,
modificações ou anulações das leis, “selon l’exigence des cas, des tempos et des
personnes” (segundo a exigência de cada caso, da época, e das pessoas). Se, num
caso assim, o príncipe tiver que consultar previamente o Senado ou o povo, então
ele terá que dispensar-se de seus súditos. (SCHMITT, 1922/1996, p. 89-90)
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como toda ordem, baseia-se numa decisão e não numa norma”. Schmitt foi um pensador da
“práxis política”, ou seja, buscou simultaneamente elaborar suas análises com uma visão de
aplicabilidade no mundo material.
Sob o auspício das Constituições dos Estados Modernos, destaca-se aquela
produzida pela Alemanha que levou o nome de “Constituição da República de Weimar”.
Uma Carta com muitas inovações paradigmáticas, dentre elas um artigo exclusivo pelo qual o
presidente do Reich poderá impor o Estado de exceção sob controle do Parlamento e, por sua
vez, poderá exigir a sua imediata suspensão conforme desejar:
Schmitt busca interpretar tal artigo como uma forma de testar a legitimidade e
consistência dos Estados constituintes do Reich Alemão:
Diante de um caso extremo, ela se sente confusa, pois nem toda atribuição
excepcional, nem toda medida ou ordem emergencial policial é um Estado de
exceção. É preciso muito mais do que isso para a atribuição de um poder em
princípio ilimitado, isto é, capaz de suspender toda a ordem vigente. Assim que essa
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Não existe norma aplicável no caos. A ordem deve ser implantada para que a
ordem jurídica tenha um sentido. Deve ser criada uma situação normal, o soberano
é aquele que decide, definitivamente, se esse Estado normal é realmente
predominante. Todo direito é um direito “situacional”. O soberano cria e garante a
situação como um todo, em sua totalidade. Ele detém o monopólio dessa última
decisão. É nisso que reside a essência da soberania estatal que, portanto, define-se
corretamente não como um monopólio da força ou do domínio, mas juridicamente,
como um monopólio da decisão, em que a palavra “decisão” é empregada num
sentido genérico, passível de um maior desdobramento. O caso da exceção revela
com a maior clareza a essência da autoridade estatal. Nesse caso, a decisão
distingue-se da norma jurídica e (formulando-a paradoxalmente) a autoridade prova
que, para criar a justiça, ela não precisa ter justiça. (SCHMITT, 1922/1996, p. 93)
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A burguesia liberal quer um Deus, mas ele não deve tornar-se ativo; ela quer um
monarca, mas ele deve ser frágil; ela exige liberdade e igualdade e mesmo assim
exige que o direito de voto seja restrito às classes dos proprietários para garantir a
influência necessária da cultura e da propriedade sobre a legislação, como se cultura
2
Schmitt se refere aos filósofos da contrarrevolução iluminista: o visconde Louis Bonald (1754-1849), político e
escritor francês e defendia os príncipes monárquicos e católicos; conde Joseph de Maistre (1753-1821), escritor e
filósofo francês que foi contrário à Revolução Francesa e apoiou a autoridade do rei e do papa; Juan Francisco
Donosco-Cortés (1809-1853), filósofo católico e diplomata espanhol (Schmitt, 1922/1996).
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Acontece que aqui nos deparamos com o caso raro em que, numa situação política
concreta, um erudito alemão burguês de formação hegeliana pode ser confrontado
com um católico espanhol, porque ambos – naturalmente sem influências mútuas –
constataram as mesmas inconsequências para depois, por meio de suas diversas
avaliações, assumirem uma rivalidade de bela e típica clareza. (SCHMITT,
1922/1996, p. 126)
Hoje, nada é mais moderno do que a luta contra tudo o que é político. Magnatas
americanos, técnicos industriais, socialistas, marxistas e revolucionários anarco-
sindicalistas juntam-se ao exigir a eliminação da dominação não-objetiva da
política sobre a objetividade da vida econômica. Não devemos mais existir
problemas políticos, só tarefas-organizacionais e econômico-sociológicas. A
espécie de pensamento econômico hoje dominante pode até nem aceitar mais uma
ideia política. O Estado moderno parece realmente ter se transformado naquilo que
Max Weber previu: uma grande empresa. (SCHMITT, 1922/1996, p. 129)
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A preocupação de Schmitt com uma visão “puritana” da política, ou seja, uma visão
sem contextualizar a política como uma eclosão de fatos materiais e artifícios momentâneos
entre os atores envolvidos torna-se sintomática a passagem de sua indignação pela
“desconstrução” que transitava na política de sua época em defesa de sua legitimação da
ditadura:
“Ele [Schmitt] celebra em Hobbes o único teórico político de categoria que teria
reconhecido no domínio soberano a substância decisionista da política estatal. Mas
lamenta o teórico secular que teria recuado diante das últimas consequências
metafísicas e, contra sua vontade, tornando-se um dos ancestrais do Estado de
direito da lei positiva” (HABERMAS, 1987/2008, p. ix).
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Da mesma forma como o Leviatã só constitui o poder que ele é, quando subjulga
Beemot, o Estado se afirma como poder soberano somente ao oprimir a resistência
revolucionária. O Estado é a guerra civil continuadamente impedida. Sua dinâmica
constitui-se na repressão da revolta, na sujeição continuada de um caos, instalado na
natureza má dos indivíduos. Estes insistem em sua autonomia e pareceriam no
sobressalto de sua emancipação, se não fossem salvos pela facticidade de um poder
que domina qualquer outro poder. (HABERMAS, 1987/2008, p. x)
[...] o lance verdadeiramente problemático é dado por Carl Schmitt com a separação
entre democracia e liberalismo. Ele restringe o processo da discussão pública ao
papel da legislação parlamentar, desacoplando-o da volição democrática em geral,
como se a teoria liberal já não tivesse sempre incluído a noção de uma formação de
vontade e opinião na publicidade política. Democraticamente é a condição de
participação com igualdade de oportunidades de todos em um processo de
legitimação guiado pela via da discussão pública (adjudicada ao liberalismo) a
democracia compreendida de forma identitária. Conceitualmente, ele prepara estes
pressupostos universais de participação geral, restringi-la a um substrato
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O texto reimpresso de 1932 tinha que ser apresentado como documento, na sua
forma original, com todas as suas falhas. A principal falha no tema reside no fato de
que vários tipos de inimigo – inimigo convencional, real ou absoluto – não são
diferenciados e separados o suficiente de maneira nítida e precisa. [...] É inexorável
acerca do problema, desempenhando esta um autêntico progresso em termos de
consciência, pois os modernos tipos e métodos de guerra forçam a refletir sobre o
fenômeno da inimizade. (SCHMITT, 1963/2008, p. 16)
Schmitt cita Jacob Burckhardt no sua “História Mundial” sobre a contradição interna
entre um tema tão apreciado pelo jurista alemão, o Estado constitucional liberal e a
democracia:
Por um lado, o Estado deve ser, assim, a realização e a expressão da ideia cultural
de cada partido e, por outro, apenas a roupagem visível da vida burguesa, mas
apenas onipotente ad hoc! Ele deve poder fazer tudo que é possível, mas não deve
ter a permissão para mais nada, ou seja, não lhe é permitido defender sua forma
existente perante nenhuma crise – e, ao fim, deseja-se, sobretudo, participar
novamente do exercício de seu poder. Desta maneira, o regime estatal torna-se cada
vez mais discutível e a abrangência de poder cada vez maior. (BURCKHARDT
apud SCHMITT, 1932/2008, p. 25, grifos do autor)
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Para Schmitt, o conflito entre amigo/inimigo não passaria por outro “intermediador”
que pudesse resolvê-lo. Logo, Schmitt poderia se dizer que era um “antimediador”, ou seja, a
natureza de um conflito somente se resolveria, tão somente, por meio das partes beligerantes.
Daí sua crítica à então Liga das Nações, como intermediadora de pesadas sanções econômicas
contra a Alemanha, a grande derrotada da Primeira Guerra Mundial.
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Quem então decidiria quem seria o inimigo? Para Schmitt (1932/2008, p. 48, grifo
do autor), tal tarefa teria incumbência destinada ao Estado: “Ao Estado como unidade
essencialmente política pertence o jus belli, isto e, a real possibilidade de determinar o inimigo
no caso dado por força de decisão própria e de combatê-lo”. Ademais, reafirma a
responsabilidade do Estado a respeito de sua dimensão e presença sobre a vida do seu próprio
povo. Da mesma posição que o Estado tem para fazer a guerra, tem também de promover a
paz. Schmitt tem como pressuposto o engajamento do Estado na escolha de inimigos e critica
uma suposta falsa neutralidade daqueles que recusam esta escolha. Para ele, a questão da
escolha é política e estaria inerente ao povo que saiba conduzir o seu próprio caminho e se
proteger e, caso contrário, sofrerá riscos: “O político não desaparecerá do mundo só porque
um povo não mais possui a força ou a vontade de se manter na esfera do político. O que
desaparecerá será tão somente um povo fraco” (Schmitt, 1932/2008, p. 57). Aqui, Schmitt já
utiliza uma linguagem mais intensa, um “inimigo” com rosto a ser “eliminado”, um “povo
fraco” como base de um pensamento totalitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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o soberano como “aquele que decide sobre o estado de exceção” (SCHMITT apud
AGAMBEN, 2004, p. 11). Em seu ensaio a respeito do estado de exceção, Giorgio Agamben
delimita algumas condições que dão suporte para a compreensão do estado de exceção e sua
instauração dentro de um Estado supostamente democrático, mais particularmente, pela
“força de lei” por parte do soberano ao modo schmittiano:
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regime se imporia levando um estado de permanente coação dos seus cidadãos. Conforme
enfatiza Agamben (2004, p. 13) o qual ele define como “guerra civil mundial”:
[...] o estado de exceção tende cada vez mais se apresentar o paradigma de governo
dominante na política contemporânea. Esse deslocamento de uma medida
provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar
radicalmente – e, de fato, já transformou de modo muito perceptível – a estrutura e
o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado
de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação
entre democracia e absolutismo. (AGAMBEN, 2004, p. 13)
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durante todo o regime Nacional-socialista, o estado nazista, liderado por Adolf Hitler. Logo
que subiu ao poder, Hitler com auxílio das suas tropas de assalto, a SA (Sturmabteilung), em
27 de fevereiro de 1933, forja um incêndio no palácio presidencial do Reichstag e, como
planejado, o atentado caiu sobre as costas dos comunistas à responsabilidade pelo ato. A
orquestração de Hitler teve a comoção esperada e, no dia seguinte, persuadiu o presidente
alemão Paul von Hindenburg assinar o chamado “Decreto para a proteção do povo e do
Estado” e que tinha como efeito a suspenção dos artigos da Constituição de Weimar, no que
se referia às liberdades individuais e civis (PRINTCHARD, 1976)3. A esse respeito, o estado
de exceção se instaurava na Alemanha da ascensão nazista e perdurou até o seu fim, em 1945
e se mostrou a face mais intensa e devastadora do totalitarismo moderno:
O decreto nunca foi revogado, de modo que todo o Terceiro Reich pode ser
considerado, do ponto de vista jurídico, como um estado de exceção que durou 12
anos. O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração,
por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação
física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de
cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político.
(AGAMBEN, 2004, p.13)
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Ressalta-se ainda o papel do soberano schmittiano, ou seja, aquele que induz por sua
própria vontade a imposição do estado de exceção. A consolidação ou execução do estado de
exceção visa proteger os interesses subjacentes ao Estado e não seus cidadãos, ou seja, na
situação limite, estabelecer a prerrogativa de proteção do Estado frente aos seus próprios
cidadãos! Conforme salienta Agamben (2004, p. 30), a instauração por via de um estado de
exceção se configuraria em uma “democracia protegida” como regra e não mais como uma
excepcionalidade.
A instabilidade e a fragilidade das democracias contemporâneas, com forte rejeição
e desconfiança dos cidadãos, baixa participação ativa dos mesmos, além da evocação de uma
“desnaturalização” da política do meio social e banalização do sentido de se fazer política na
sociedade (em geral, confundida com as disputas fratricidas entre partidos políticos), são
elementos que ajudam a diluir a organização política da ação da democracia participativa em
um Estado e aliando-se ainda a uma grande porosidade e aglutinação indevida entre os
poderes da República.
Conforme ressalta Matos (2003, p. 49), “onde não há política, governam a violência
e o terror”. O estado de exceção é a negação da liberdade e da democracia dentro de um
Estado. Seus cidadãos ficam reféns de um estado onde o soberano emprega leis como um
arauto divino, tal como Carl Schmitt comparava o estado de exceção na política, ao milagre
na teologia. O perigoso trade off entre liberdade e segurança é cada vez mais voltado para o
segundo pressuposto vital, com a falência da Política como mediação entre os cidadãos,
prossegue assim Matos (2003, p. 49): “o descrédito no parlamento, nas instituições políticas
de representação social, nas punição de sua violação, em sua aplicabilidade faz com que,
hobbesianamente, troque-se liberdade por segurança”.
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478
DIREITO E MORAL:
UMA DISCUSSÃO ACERCA DAS POSSIBILIDADES DE
UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
RESUMO
ABSTRACT
The present article intends to discuss the possibilities of universalization and internationalization of
human rights in contemporary society. In order to do so, the understanding of the relationship between
law and morals is rediscovered, and then an analysis of the United Nations Universal Declaration of
Human Rights seeking to understand the challenges and perspectives inherent to a project of
internationalization of human rights. Finally, we bring new perspectives to the possibility of
universalization of human rights.
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INTRODUÇÃO
1. O CONCEITO DE DIREITO
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Robert Alexy, por sua vez, desenvolve a ideia da natureza dupla do direito,
incluindo uma dimensão real ou fática e uma dimensão ideal ou crítica. O lado fático seria
refletido em elementos definitórios da produção formalmente adequada e da eficácia social, e
o ideal na correção moral. Para o autor, o conceito positivista de direito se baseia apenas no
primeiro ponto, a produção adequada e a eficácia social. A tese da dupla natureza tem um
caráter não positivista acrescendo a equação a correção moral. (ALEXY, 2010, p. 9)
É preciso observar dois argumentos para entender a posição de Alexy: o argumento
da injustiça - as normas e os sistemas jurídicos vão perder seu caráter jurídico quando
sobrepassarem determinados limites de injustiça - e o argumento da correção - em que, no
momento da criação de uma norma e da aplicação do direito, é formulada necessariamente
uma pretensão de correção (GAIDO, 2001, p. 19).
Para entender melhor podemos utilizar da discussão entre Alexy e Bulygin, em que
Alexy traz uma afirmação como exemplo para explicar a pretensão de correção que é
necessariamente formulada por todo ordenamento jurídico: supõe-se uma assembleia
constituinte que formula como primeiro artigo da nova constituição o seguinte “X é uma
república soberana, federal e injusta.” (tradução livre). Para Bulygin, o artigo em questão não
tem sentido enquanto ordem, afirmando que existem Constituições justas, mas tal estado não
pode ser ordenado ou prescrito, somente ações ou estados de coisas que são resultados de uma
ação podem ser conteúdo de normas. Portanto, tal enunciado pode ser interpretado como uma
declaração política, expressando a intenção do órgão constituinte, assim, teria o enunciado
sentido, apesar de deficiente. (BULYGIN, 2001, p. 46 e 47)
Alexy responde Bulyngin dizendo que a cláusula de injustiça não exprime apenas
um erro político. Nas palavra do autor:
Isso [um erro político] ela [cláusula de injustiça] é sem dúvida, embora tal fato
também não esclareça completamente o defeito. [...] Nem a incorreção
convencional, nem a moral, nem a técnica explicam a absurdidade da cláusula de
injustiça. Ela resulta, como é comum em absurdos, de uma contradição. Tal
contradição que se origina, com o ato constituinte, de uma pretensão de correção
que é erigida, a qual, nesse caso, é essencialmente uma pretensão de justiça.
Pretensões incluem, como exposto, asserções. No caso da pretensão de justiça aqui
levantada, a asserção é a de que a república é justa. (ALEXY, 2010, p. 12)
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2. DIREITO E MORAL
Gaido (GAIDO, 2001, p. 31 e 32) afirma que, para Alexy, o jogo da argumentação é
regido pelas regras da teoria do discurso, sendo assim, depois da argumentação, é possível
obter diferentes respostas corretas como resultado, o que terá que ser feito é o sobrepesamento
para decidir qual será aplicada, havendo apenas um limite, retirado por Alexy da fórmula
radbruchiana: “o que é extremamente injusto não é direito” (tradução livre). Assim, a extrema
injustiça impossibilitaria o caráter jurídico devido a pretensão de correção: o que é
extremamente injusto não pode se incorporar ao direito por não respeitar as regras
estabelecidas que fazem possível um discurso racional.
A pretensão de correção seria, então, uma dimensão ideal e necessária que conecta o
direito com a moral universal procedimental, implicando, a pretensão de correção, uma
pretensão de justificabilidade, criando a possibilidade de apresentação de contra-argumentos
que possam levar a mudança a prática da justificação. Justificação na presença de qualquer
um: igualdade e universalidade como bases de uma ética procedimentalista a aceitação do
outro como igual e a pretensão de defender o que se afirma (GAIDO, 2001, p. 28 e 29).
Para Alexy, uma conexão entre direito e moral não traz a necessidade uma moral
objetiva compartilhada por todos que fazem direito, sendo suficiente a prática da
argumentação racional sobre o que é moralmente correto (GAIDO, 2001, p. 33).
Habermas traz a possibilidade de uma interpretação moral dos direitos humanos
com base na ideia de que o aperfeiçoamento político de uma cidadania democrática pode
preparar o caminho para um status de cidadão do mundo. Assim, uma perspectiva moral dos
direitos humanos seria necessária para que Habermas possa pretender que os direitos
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fundamentais sejam concedidos a todos os homens, o que levaria a uma fundamentação moral
dos direitos humanos, sendo o direito responsável apenas pela forma. (LOHMANN, 2013, p.
93 e 94)
Habermas defende ideia contrária a uma oralização da política mundial
fundamentada nos direitos humanos, em que a possibilidade de reagir contra violação de
direitos humanos se encontrasse em uma instável indignação moral, tornando impossível a
tarefa de paz e segurança e a produção do direito internacional. Para o autor, para que
violações de direitos humanos em âmbito mundial possam ser denunciadas judicialmente, é
preciso um tribunal global de direitos humanos que siga um processo efetivo. (LOHMANN,
2013, p. 96)
Em Faticidade e validade, Habermas pesquisou as ações e efeitos de uma justiça
constitucional: discutindo uma interpretação republicana da linguagem jurídica constitucional
desenvolve um entendimento proceduralista constitucional, em que as condições
procedimentais apoiam a suposição de que o processo democrático permite resultados
racionais. Habermas desenvolve então uma compreensão política deliberativa e constitucional
em que a teoria do discurso fundamenta um modelo de mediação entre a moral universal, a
institucionalização limitada do direito e a revisão constitucional. Para o autor, os direitos
humanos universalizados não vão atuar como normas morais, mas sim como regras formais
de procedimento da legislação e controle constitucional. Tal compreensão sofreu críticas por
seu caráter puramente formal, o que levou Habermas a enriquecer o conteúdo moral dos
processos formais: o universalismo interno se alimenta de conteúdos morais de formas de
vida transigentes, conteúdos que o direito formal não poderia criar (LOHMANN, 2013, p.
98).
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Resta claro o domínio de uma perspectiva Ocidental, centrada nos países vencedores
da Segunda Guerra Mundial, e também componentes permanentes do Conselho de Segurança
da ONU, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na atuação da
Organização das Nações Unidas, o que nos traz questionamentos não apenas acerca das reais
possibilidades de universalização dos direitos humanos através da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, mas também dos desafios e da necessidade de novas perspectivas em
busca de um projeto universalizante.
Costas Douzinas (2009, p. 3), parte de uma perspectiva externa de direitos humanos,
afirmando que a sociedade capitalista do individualismo e do livre-arbítrio não possui um
“código de moral universal”, assim, o que restringe o egoísmo privado são determinações
externas: “É exatamente isso que crime, delito e direitos realizam”. É a lei que irá possibilitar
que os indivíduos façam valer seus direitos, assim como será a lei que irá limitar o exercício
de tais direitos. O autor afirma que podem os direitos humanos ser a última expressão “de um
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Para o autor, as duas posições apresentam razões que justificam sua defesa:
O direito, visto desde sua aparente neutralidade, pretende garantir a “todos” e, não
apenas a uns frente a outros, um marco de convivência comum. A cultura, vista
desde seu aparente encerramento local, pretende garantir a sobrevivência de alguns
símbolos, de uma forma de conhecimento e de valoração que orientem a ação do
grupo para os fins preferidos por seus membros. (FLORES, 2009, p. 150)
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Flores, apresenta então, uma visão complexa dos direitos humanos, que pode ser
simplificada a partir do esquema: “Visão complexa → Racionalidade de resistência → Prática
intercultural”. Perspectiva essa que deseja superar “a polêmica entre o pretendido
universalismo dos direitos e a aparente particularidade das culturas”.
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CONCLUSÕES
Em outro texto seu, Costas Douzinas traz sete teses de direitos humanos, onde,
aponta, na tese número 7, a necessidade de se combinar direito à resistência e igualdade
axiomática na projeção de uma humanidade que se oponha ao individualismo universal e ao
fechamento comunitário. O autor defende que não devemos desistir do ímpeto
universalizante, do que chama de ‘cosmos que desraiga toda a polis, perturba toda filiação,
contesta toda soberania e toda hegemonia’. (DOUZINAS, 2013, tradução nossa). Nos
convida a acreditar na utopia de uma nova sociedade, onde o ser humano não seja mais
escravizado e oprimido. Nossas conclusões vêm, portanto, em sentido encaminhativo,
incentivando que se amplie o debate acerca da universalização dos direitos humanos, dentro e
fora do âmbito da Organização das Nações Unidas, a partir de uma visão complexa, que
busque a construção de espaços de luta através de uma racionalidade de resistência, tendo
como horizonte utópico a garantia de direitos humanos para todos, assim como uma nova
organização societária onde seja possível a completa emancipação do ser humano.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FLORES, Joaquín Herrera. A (re)invenção dos direitos humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia;
Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundaçao José Arthur
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ENFRENTAMENTO À VIOLENCIA DOMÉSTICA:
REFLEXÕES A PARTIR DA DESOBEDIENCIA CIVIL,
ÉTICA-MORAL E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
RESUMO
A violência doméstica contra a mulher tem aumentado de forma alarmante, e por este motivo tem sido
alvo de estudos de todas as áreas de conhecimento. A proposta deste trabalho é discutir a complexidade
dessa temática propondo uma intervenção que seja eficiente no combate dessa violência. A
metodologia adotada é a pesquisa de referências bibliográficas atinentes ao estudo proposto. Busca-se
entender a violência doméstica dentro de uma dimensão histórica, política, cultural e ideológica,
procurando pistas e sinais da objetivação da mulher como eixo principal desse problema. Utiliza como
base de discussão a desobediência civil, a problematização entre ética e moral, e a mediação como
mecanismo de superação dos conflitos de interesses que nos permitem compreender como estes
estudos são fundamentais para a problematização e enfrentamento da violência doméstica contra a
mulher.
RESUMEN
La violencia doméstica contra la mujer ha aumentado de forma alarmante, y por este motivo ha sido
objeto de estudios de todas las áreas de conocimiento. La propuesta de este trabajo es discutir la
complejidad de esta temática proponiendo una intervención que sea eficiente en el combate de esa
violencia. La metodología adoptada es la investigación de referencias bibliográficas sobre el estudio
propuesto. Se busca entender la violencia doméstica dentro de una dimensión histórica, política,
cultural e ideológica, buscando pistas y señales de la objetivación de la mujer como eje principal de
ese problema. Utiliza como base de discusión la desobediencia civil, la problematización entre ética y
moral, y la mediación como mecanismo de superación de los conflictos de intereses que nos permiten
comprender cómo estos estudios son fundamentales para la problematización y enfrentamiento de la
violencia doméstica contra la mujer.
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INTRODUÇÃO
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de uma atitude que pode desembocar num “processo revolucionário de ruptura das normas
constitucionais”, ou seja, como o primeiro estágio de uma caminhada que conduzirá à
violência e ao terrorismo.
Essa análise perniciosa da desobediência civil é alimentada pela sociedade civil e
governos. Com isso é criada uma “ojeriza social” à atitudes e pessoas que se utilizam das
manifestações, pois estas são consideradas por muitos como desobediência. (HANSEN, 2004,
p. )
A desobediência civil e a resistência à autoridade são discutidas pelo autor em tela
como parte do processo de constituição da espécie humana que nunca esteve isento de
conflitos de opiniões e interesses. Moises, Spartacus e Wiliian Wallace e a Revolução
Francesa foram por ele escolhidos como exemplos de resistência à autoridade e desobediência
civil.
Moises consegue tirar um povo inteiro da sua zona de conforto e estes apostam tudo,
deixam para trás uma história de sofrimento e fazem a busca por uma nova história, sem se
eximir das dores e sacrifícios que também são inerentes às mudanças, principalmente quanto
mudamos concepções de vida. Já Spartacus nos dá pistas de como os processos de
mobilização entre pessoas diferentes são fundamentais para mudar toda uma realidade de
exclusão. Em William Wallace encontramos o exemplo de como podemos possuir o poder
evitando que ele nos possua, pois este mesmo com tanta autoridade em suas mãos, abriu mão
dessa e buscou libertar aquele que era o soberano legitimo. Finalizando os exemplos, citados
por Hansen (2004), a Revolução Francesa nos ajuda a pensar como na modernidade se faz
importante modificar rumos políticos, jurídicos e culturais .
Interessa também nos atermos na análise que o autor faz de Facticidade e Validade
da Desobediência Civil, entendendo a predominância da tensão entre elas atingindo diferentes
esferas da vida humana.
O pressuposto da facticidade da desobediência civil possui as seguintes
características: “contexto de opressão ou injustiça [...] intransigência do poder constituído [...]
Descrédito no poder da autoridade [...] punição exemplar dos vencidos [...] Dramaticidade de
heroísmo [...]” (HANSEN 2004, P. 206). No entanto, não podemos extrair apenas elementos
comuns da dimensão factica da desobediência civil, mas, precisamos estabelecer validade
para a desobediência civil considerando-a como ato desenvolvido na sociedade.
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Mas, além desses elementos comuns também podem ser observados no trabalho de
Hansen aquilo que legitima cada um desses movimentos, e contribui para estabelecer assim
uma validade para a desobediência Civil. A primeira condição apresentada pelo autor sobre a
validade da desobediência civil é a exigência da “possibilidade de reflexão, de argumentação
sobre o próprio sentido da existência.” Interessa-nos em especial a fala de Hansen ao
caracterizar essa capacidade de reflexão como existência da capacidade racional. Para o autor
“ser racional implica desejo de ser melhor a cada dia, libertando-se das mazelas as quais o
homem se prende” (HANSEN, 2004, p.207- 208).
Uma segunda condição apresentada por Hansen (2004, p.207- 208-210) passa pelo
conceito de liberdade não apenas como livre arbítrio em que podemos decidir qual caminho,
que são postos como opção, mas também, como “autonomia ou possibilidade de escolher e
seguir preceitos e normas que a si mesmo o ser humano se impõe, na condição de legislador”.
Acrescenta ainda que para garantia dos direitos e tornar estáveis as conquistas surgem a
importância da ordem jurídica que se torna onipresente na sociedade a partir figura do
Estado. “[...] A desobediência civil e a resistência à autoridade injusta é legitima num Estado
democrático de direito?
Transformando a fala do autor em questionamento recorremos a um fragmento do
seu trabalho em que ele responde de uma forma incisiva esta questão
[...] a desobediência civil é um ato público, não violento, perpetrado por uma pessoa
ou grupo de pessoas no sentido de sensibilizar a maioria e chamar a atenção da
opinião pública para ações, decisões ou normas injustas que tem vigência na
sociedade. [...] A desobediência civil é, portanto, um mecanismo indispensável para
a saúde política e jurídica do Estado democrático de direito, como o é para qualquer
Estado de direito. (HANSEN, 2004, p. 214)
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Passamos agora a discussão de Hansen sobre ética e moral como forma de entender
as condutas humanas demarcando valores culturais.
Neste momento é que surge o impasse, pois a partir de qual critério se pode definir
qual ética é passível de realização e qual será inviabilizada? Será pela força bélica?
Pela etnia? Pelo poderio econômico? Pela capacidade de subjugação da
alteridade?(...) e o problema é que, na maioria das vezes, não encontramos
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1ª) Age de tal modo que tua ação sirva de modelo aos demais (...) Isso significa que
se pratiquei uma ação, ela será moral se todos puderem praticá-la sem que, com
isso, a sociedade seja ameaçada ou inviabilizada. Se minha ação trouxer beneficio a
todos, então ela é moral [...] (HANSEN, 2012, p. 72).
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3ª) Age de tal maneira que tua ação seja a de um legislador universal. A atitude de
alguém que se move moralmente implica na vigilância crítica e permanente ás
normas e leis, de sorte que uma lei ou norma somente adquirem validade e
legitimidade á medida que puderem receber a autorização racional daqueles para as
quais se voltam. Esse prisma torna cada um dos cidadãos não apenas cumpridores
das leis, mas também legisladores (HANSEN, 2012, p. 73).
1.3. MEDIAÇÃO
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cometidas por um homem foi: 15% em mulheres sem filhos e 34% com filhos; a raça e o tipo
de violência também foi apresentado dentro da temática vulnerabilidade, pois das violentadas
57% eram brancas e 74% pretas ou pardas. O terceiro tema que pede observação diz respeito
a Lei Maria da Penha, embora todas tenham afirmado conhecer esta lei, 77% declaram que
este conhecimento é superficial.
Ao analisar a pesquisa acrescento outro tema fundamental, a situação da infância.
Segundo dados do IPEA (2014), crianças e adolescentes são 70% das vitimas de
estupro, 24,1% dos agressores são pais ou padrastos e 32,2% são outras pessoas próximas
(tios, vizinhos, primos e amigos).
O Espírito Santo é o estado com maior numero de feminicídio do Brasil. Na
pesquisa sobre a realidade Brasileira sobre feminicídio, 68,8% ocorreram dentro de casa,
sendo 65% cometido por parceiros ou ex-parceiros. Cristiane Brandão (2015) professora
Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora dessa pesquisa,
afirma que a violência contra a mulher é um sintoma de uma sociedade brasileira machista e
patriarcal.
Oliveira e Cavalcanti (2007) realizaram uma pesquisa utilizando os acervos da
Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Salvador-Bahia, nesta pesquisa uma
delegada e uma doutora em história observaram que a violência contra a mulher se manifesta
de diversas formas e que esta tem sua base principal na naturalização de desigualdade entre
homens e mulheres. Perceberam que as categorias poder e violência são temáticas bases para
a análise do fortalecimento de valores históricos e culturais do patriarcado. A base do poder
discutido pelas autoras se aproxima de uma visão negativa do poder, ou seja, aquele que
adestra impondo uma “docilidade-utilidade” produzindo domínio e carregando verdades.
Buscando ampliar essa discussão sobre o poder recorremos a Arendt (2009, p. 62)
que nos convida a uma reflexão sobre a distinção entre violência e poder. Para a autora o
poder é a habilidade de buscar o assentimento para uma ação sobre o outro. Já a violência é o
uso da força, vigor e coerção para chegar o domínio de outrem. Comenta que “a diminuição
do poder, seja individual, coletivo ou institucional é sempre um fator que pode levar à
violência [...] muito da presente glorificação da violência é causada pela severa frustração da
faculdade de ação do mundo moderno” Fazendo uma escuta a contrapelo e analisando a teoria
de Arendt adequada á época que vivemos, refletimos que a violência contra a mulher é
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naturalizada e por isso não reconhecida como violência. Esta, ganha contornos ainda mais
perverso porque se efetiva a partir do poder.
Oliveira e Cavalcanti (2007) analisam o patriarcado, numa perspectiva do individuo,
engendrando e naturalizando uma cultura de gênero que define papéis, funções e condutas de
homem e mulher. No que se refere ao chamado estrutural, as autoras afirmam que esta mesma
crença e valores de gênero que atua no individual é reforçada pelas instituições como justiça,
escola, família, espaços sociais, hospitais enfim nos espaços de circulação de poder.
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autora enfatiza que Adolfo Eichiman abdicou da característica que mais define o homem
como humano.
Comenta a autora:
[...] há de ser capaz de pensar e essa capacidade de pensar permitiu que muitos
homens comuns cometessem atos cruéis [...] a manifestação do ato de pensar não é
o conhecimento, mas a habilidade de distinguir o bem do mal [...] eu tenho a
esperança de que o pensar dê forças ás pessoas para evitarem a catástrofe nesses
raros momentos na hora da verdade. (ARENDT, 2012)
CONCLUSÃO
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mulher e com isso naturaliza a violência contra mulher, evidencia o poder como violência
simbólica efetivado na dimensão individual e institucional.
Essa pesquisa nos aponta a desobediência civil como possibilidade de enfrentamento
desse sistema histórico, político, cultural e ideológico, uma vez que concordamos Hansen
quando a refere como uma resistência à autoridades injustas. Desobedecer, nesse sentido,
seria então se contrapor às normas e decisões vigentes nos espaços sociais, na família, na
escola, na igreja enfim nas instituições, chamando a atenção também da opinião pública das
injustiças presentes nestes espaços que se afirmam democráticos.
Quanto ao mecanismo de superação de conflito, tendo como base a mediação,
acreditamos que nos ajuda a identificar, nas nossas experiências cotidianas, onde estão os
pré-conceitos existentes em nossa subjetividade e que fomos reproduzindo e recriando ao
longo da nossa condição de sujeitos históricos e sociais.
A fala de Arend colocando o pensar como enfrentamento á violência, por parte de
quem sofre e também de quem violenta, nos dá pistas importantes para a análise daquilo que
nos constitui enquanto sujeitos das nossas experiências ao longo da nossa história individual e
coletiva. Como nem sempre conseguimos ter clareza que nos tornamos cúmplice da nossa
própria dominação, a proposta da autora nos convida a uma humildade que na maioria das
vezes estamos longe de possuir.
Em nosso projeto de extensão da UFES, criado desde 2005 “Fordan: Cultura com
Enfrentamento à Violência” temos experimentado identificar em nos resquícios fortes de do
racismo, lgbtfobia, gordofobia, machismo, e outra violências, visto que a compreensão de que
esses valores excludentes nos constitui e nos ajuda romper e buscar uma moral compatível
com nossa proposta de auto-formação humana.
Ao acolhermos as mães, crianças e jovens em situação de vulnerabilidade e que
sofrem violências cotidianamente, acionamos a mediação como mecanismo de superação de
conflitos de interesse.
A equipe multidisciplinar formada por advogada, assistentes sociais, professores de
arte, professores de educação física, professores universitários da área de ciência sociais,
história, letras, psicanálise tem buscado acreditar na solução de conflitos, engajando em lutas
especificas e pontuais junto a políticas sociais, oferecendo acessos aos direitos negados a essa
população, e principalmente se colocando como ponto de resistência, fazendo a própria
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critica, estudando e dialogando constantemente sobre cada violência que temos buscado ações
para combatê-la.
Os espaços de conversa usando como dispositivos a arte, dança e música também
têm se colocado como necessários e potentes para a discussão junto com os acolhidos pelo
projeto, desta complexidade histórica, política, cultural e ideológica da violência. Como
Arendt temos esperança de que pensar fortalece as pessoas..
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506
CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UMA CONSTRUÇÃO
HORIZONTALIZADA DOS DIREITOS HUMANOS COM
APORTES NO TRANSCONSTITUCIONALISMO
RESUMO
ABSTRACT
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INTRODUÇÃO
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passarem em 2 turnos em cada casa legislativa com 3/5 dos votos terão status de emenda
constitucional – norma constitucional derivada.
Em 2007, o Presidente da República assinou a Convenção Internacional e o
Protocolo facultativo relacionado aos direitos humanos - no que tange a pessoa com
deficiência. O Congresso Nacional aprovou por meio do Dec. 186 e o Presidente da
República promulgou na forma do Dec. 6949/2004, sendo até o momento o único que possui
status de norma constitucional.
Outro ponto sinalizado por Marcelo Neves é a grande proporção em que a
jurisprudência brasileira cita outras ordens jurídicas, mas sem se deixar influenciar por elas,
um caso que pode ser mencionado é o das células tronco (ADI n. 3510). Em contrapartida,
um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, divulgado em abril de 2012 sobre
os recursos extraordinários, entre os anos de 2003 a 2009, constatou que 95,5% dos acórdãos
trazem obras nacionais e 34,7% estrangeiras, e não há citação à Convenção Americana
(ROSILHO, et. al., 2012, p. 18).
Contudo, nessa perspectiva de análise sobre o transconstitucionalismo, traz-se
Cançado Trindade1 em “Os Tribunais Internacionais Contemporâneos” (2013), no que tange,
grosso modo, a relação entre a interação entre o direito internacional e os tribunais. No
primeiro capítulo do livro o autor aborda os antecedentes históricos até o advento da Antiga
Corte de Haia (CPJI). Versa que em 1907 criou-se o primeiro tribunal internacional – a Corte
Centro Americana de Justiça, estabelecida pela Convenção de Washington – que tinha ampla
base jurisdicional atendendo aos Estados e aos indivíduos, estes através das reclamações
apresentadas, conforme as pretensões da II Conferência da Paz de Haia.
Em 1920, quando se estava na elaboração do Estatuto da Corte Permanente de
Justiça Internacional (CPJI), optou-se que o exercício da função jurisdicional internacional
estaria adstrito aos Estados, isso para favorecer os membros do comitê de juristas encarregado
de redigir o Estatuto da CPJI.
1
Antônio Augusto Cançado Trindade, jurista brasileiro nascido em Belo Horizonte/MG em 1947. Professor
Emérito de Direito Internacional da Universidade de Brasília; Professor Titular de Direito Internacional do
Instituto Rio Branco (1978-2009); Professor Honorário da Universidade de Utrecht; Honorary Fellow da
Universidade de Cambridge; Ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Juiz da Corte
Internacional de Justiça (Haia); Ex-Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores (1985-1990);
Membro Titular do Institut de Droit International, e do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia.
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[...] que oito meses antes da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos
pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, vinte e um países das Américas,
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República
Dominicana, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras,
México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, reunidos em
Bogotá, adotaram aquele que, de fato, deveria ser considerado como o primeiro
instrumento de relevo no campo da proteção internacional dos direitos humanos: a
Declaração Americana dos Direitos do Homem.
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ex., “o governo federal [...] tem se confrontado com uma forte resistência por parte dos
militares no tocante ao acatamento da decisão da justiça federal e à garantia do direito à
memória. Consequentemente, o governo federal tem promovido uma política de
esquecimento e impunidade”.
Em relação ao caso Maria da Penha, o governo do Ceará resistiu para indenizar a
vítima; e no Simone Diniz, a autora dispõe que “no âmbito federal, a Secretaria Especial para
Direitos Humanos tentaram, embora sem êxito, encontrar novas maneiras de cumprir as
recomendações feitas pela CIDH. No âmbito local, o estado de São Paulo negou até mesmo a
existência da violação”.
Assim, a postulação de denúncias de ONGs e indivíduos à CIDH acaba sendo uma
estratégia política para se fomentar a mudança social pretendida e, a reformulação das normas
internacionais de direitos humanos, já que se encontram emperradas no estado nacional
(SANTOS, 2007, p. 40).
Nesse sentido, André Ramos Carvalho (2016, p. 183-185) considera que a
interpretação internacional dos direitos humanos é contramajoritária, porque as violações que
chegam ao plano internacional são aquelas que não foram reparadas mesmo após o
esgotamento dos recursos internos. Assim, na visão de Carvalho, o aspecto abstrato encontra
concretude. Isto é, o próprio plano internacional confere concretude à normatização abstrata,
quer dizer:
[...] para as minorias vulneráveis, o universalismo será mais uma palavra ao vento
caso não seja possível o acesso às instâncias internacionais, para que possam
inclusive questionar as interpretações nacionais majoritárias dos Tribunais
domésticos que tenham violado direitos humanos. Por isso, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos não aceita a teoria da margem de apreciação nacional
(CARVALHO, 2016, p. 186).
Por essa teoria da margem da apreciação – que fora formulada na antiga Comissão
Europeia de Direitos Humanos – em linhas gerais, a Corte internacional deixaria de interferir
em questões polêmicas sobre direitos humanos para que cada Estado exercesse a sua
interpretação – isto é, realizasse sua margem apreciativa sobre o caso.
O fato da Corte Interamericana não adotar essa teoria significa verdadeiro reforço à
afirmação da justiça internacional em defesa dos direitos humanos dessas minorias em
contraste às tradições nacionais majoritárias com discurso universalista. No Brasil, por meio
do Dec. Legislativo n. 89/1998, reconheceu-se a jurisdição obrigatória da CIDH. Isto permite
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Essa questão que está intimamente relacionada à soberania e separação de poder dos
estados nacionais quanto a interpretação, também encontra normatização na Carta da
Organização dos Estados Americanos, cujo art. 1ª traz a não intervenção nos assuntos
domésticos e defesa da soberania, a saber:
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2
Note-se que sentido semelhante há em Cesare Beccaria (1999) apenas no que diz respeito ao reconhecimento de
que a intepretação não pode ficar limitada aos juízes. Entretanto, nesse modelo de Häberle não se reduz a
atividade do magistrado ao mero silogismo perfeito, tampouco se atribui a intepretação apenas ao soberano –
aqueles que cederam parcela de suas liberdades para a formulação do bem comum, conforme desenvolvido por
Beccaria para o contexto de sua época, ao qual se insurgira contra as desproporções entre a aplicação da pena e o
delito cometido defendendo a elaboração de leis mais objetivas e próximas dos indivíduos para que a partir do seu
envolvimento na elaboração, até os delitos pudessem ser reduzidos. Na hermenêutica de Peter Häberle, reconhece-
se todos como intérpretes, até mesmo os magistrados e legisladores (HÄBERLE, 2002, p. 24-25), cuja
interpretação de todos forma a sociedade aberta, cujo texto constitucional está conformado com a realidade.
3
O próprio Häberle destaca a diferença da sua teoria do sistema de autopoiésis de Luhmann, pois pela
hermenêutica pluralista, não obstante a existência de conflitos de consenso, os tribunais atuariam em harmonia
com a qualidade dos discursos (vinculados ao direito) da sociedade, e não apenas conhecendo suas deliberações,
entendendo-os legítimos tão somente no plano formal como em Luhmann – no qual prevalece um sistema
cognitivamente aberto e operativamente fechado. Sobre Niklas Luhmann, ver: (AMADO, 2004, 301-339).
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4
Para conformação do processo constitucional, planteia Häberle (2002, p. 46-48) que “os instrumentos de
informação dos juízes constitucionais – não apesar, mas em razão da própria vinculação à lei – devem ser
ampliados e aperfeiçoados, especialmente no que se refere às formas gradativas de participação e à possibilidade
de participação no processo constitucional (especialmente nas audiências e nas ‘intervenções’)”.
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5
Utiliza-se aqui a noção luhmanniana de sistema que não dialoga com o que lhe é exterior.
6
Complexas para Habermas e plural para Häberle.
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construção dialógica entre sujeitos e ordens jurídicas, que através de constante adequação
podem construir uma interpretação coerente aos seus contextos.
APONTAMENTOS FINAIS
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523
A EFETIVAÇÃO DA SEGURANÇA
ALIMENTAR E NUTRICIONAL EM PAUTA:
A ALIMENTAÇÃO ADEQUADA
COMO DIREITO FUDNAMENTAL
RESUMO
É fato que alimentação e nutrição são requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde,
viabilizando a afirmação plena do potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com
qualidade de vida e cidadania, tal como estruturação de condições sociais mais próximas das ideais.
Em âmbito internacional, a partir de 1994, com a Declaração de Roma, o direito à alimentação passou
a figurar como direito humano e pautado no trinômio disponibilidade, acessibilidade e adequação. Em
relação à disponibilidade do alimento, destaca-se que, quando requisitado por uma parte, a alimentação
deve ser obtida dos recursos naturais, ou seja, mediante a produção de alimentos, o cultivo da terra e
pecuária, ou por outra forma de obter alimentos, a exemplo da pesca, caça ou coleta. Pressupõe-se, em
relação à disponibilidade alimentar, que o direito reclama uma alimentação natural, com o mínimo de
acréscimo de pesticidas e similares, tal como o combate aos transgênicos. No debate acerca dos
alimentos transgênicos, sobretudo sua utilização na afirmação do direito em comento, há defensores
que entendem que aqueles serviriam para subsidiar a materialização do direito em comento, porquanto
seriam capazes de colocar fim à fome, em especial nos países em que essa é extrema e alcançam
índices alarmantes, tal como poderá influenciar diretamente no barateamento dos gêneros alimentícios.
Ocorre, porém, que o direito à alimentação não deve ser encarado como sinônimo de utilização de
qualquer fonte alimentar, mas sim gêneros que sejam quantitativamente e qualitativamente detentores
de condições mínimas, residindo em tal debate o artigo proposto.
ABSTRACT
It is true that food and nutrition are basic requirements for the promotion and protection of health,
enabling the full realization of growth potential and human development, quality of life and citizenship
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as structuring closer to the ideal social conditions. Internationally, since 1994, with the Rome
Declaration, the right to food has been integrated as a human right and guided the trinomial
availability, accessibility and adequacy. Regarding the availability of food, it is emphasized that, when
requested by a party, the power must be obtained from natural resources, ie by producing food, the
cultivation of land and livestock, or otherwise obtain food , such as fishing, hunting or collecting. It is
assumed in relation to food availability, the law calls for a natural diet, with minimal addition of
pesticides and the like, such as the fight against transgenics. In the debate about GM foods, especially
their use in law statement under discussion, there are advocates who understand that those would
serve to support the realization of the right to comment, because they would be able to put an end to
hunger, particularly in countries where this is extreme and reach alarming rates, as can directly
influence the cheapening of foodstuffs. It happens, however, that the right to food should not be
regarded as synonymous with the use of any food source, but genres that are quantitatively and
qualitatively holders of minimum conditions, living in such a debate the proposed article.
Keywords. Food Security and Nutrition. Human Right to Adequate Food. Effectuation.
INTRODUÇÃO
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Josué de Castro (2003) vai voltar-se sobre a fome, no que toca à região do sertão
nordestino, discorrendo que ela não atua apenas sobre os corpos das vítimas da seca,
consumindo sua carne, corroendo seus órgãos e abrindo feridas em sua pele, mas também
atua sobre seu espírito, sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta moral. Mais que isso, há
que se destacar que nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade humana tão
maciçamente e num sentido tão nocivo quanto à fome, quando alcança os verdadeiros limites
da inanição. Sobre a influência da imperiosa necessidade de se alimentar, os instintos
primários são despertados e o homem, como qualquer outro animal faminto, demonstra uma
conduta mental que pode parecer das mais desconfortantes. Josué de Castro explicita, ainda,
que:
A ação da fome, no homem, não se manifesta como uma sensação contínua, mas
como um fenômeno intermitente, com acessos e melhorias periódicas. No começo,
a fome provoca uma excitação nervosa anormal, uma extrema irritabilidade e,
principalmente, uma exaltação dos sentidos que se animam num elã de
sensibilidade ao serviço quase exclusivo das atividades que permitem obter
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sertanejo. “É bem verdade que nem sempre obtêm estes ascéticos vaqueiros um tal teor
calórico em sua ração e mais raramente ainda dispõem de um excesso de energia alimentar
que se possa acumular sob a forma de reserva de depósito de gordura de glicogênio”
(CASTRO, 1984, p. 194) e que, obviamente, seria de inestimável valor no período de seca.
Com efeito, ainda na perspectiva apresentada em Geografia da Fome, é esta parcimônia
calórica, sem margens a exageros, que faz do sertanejo um tipo magro e anguloso, de carnes
enxutas, sem arredondamentos de tecidos adiposos e sem nenhuma predisposição ao
artritismo, à obesidade ao diabetes. Trata-se do atleta fisiológico descrito por Castro (1984),
com o seu sistema neuromuscular equilibrado, dotado de grande força e agilidade e com
excepcional resistência, nos momentos oportunos.
Ainda no que toca à dieta alimentar verificada nos comboios de retirantes, que em
uma tentativa desesperada de fugir do açoite da seca e da fome que estala em seus corpos,
Castro vai descrever que eles são forçados a ingerir substâncias bem pouco propícias à
alimentação, das quais os habitantes de outras zonas do país sequer ouviram falar que fossem
alimentos. “Substâncias de sabor estranho, algumas tóxicas, outras irritantes, poucas
possuindo qualidades outras além da de enganar por mais algumas horas a fome devoradora,
enchendo o saco do estômago com um pouco de celulose” (CASTRO, 1984, p. 211). Mais
que isso, esgotados os recursos naturais de alimentação, tocados pela fome, os famintos do
sertão nordestino, em uma tentativa excruciante de aplacar o flagelo que os açoita, se atiram
aos últimos recursos vegetais, comumente impróprios à alimentação, ricos apenas em
celulose, mesmo que sejam tóxicos, a exemplo de mucunã e de macambira. Nesta linha, do
cardápio extravagante do sertão faminto fazem parte uma série de iguarias bárbaras, tais
como: farinha de macambira, de xique-xique, de parreira brava, de macaúba e de mucunã;
palmito de carnaúba nova, chamado de guandu; raízes de umbuzeiro, de manjerioba, de
mucunã; beijus de catolé, de gravatá e de macambira mansa (CASTRO, 1984).
Quando o sertanejo utiliza tão extravagante cardápio é que o martírio da seca já vai
longe e que sua miséria já atingiu os limites de sua resistência orgânica. Trata-se da última
etapa de sua permanência na terra desolada, antes de se fazer retirante e descer aos magotes,
em busca doutras terras menos castigadas pela inclemência do clima. Ora, esgotadas as suas
esperanças e reservas alimentares de toda espécie, iniciam os sertanejos o êxodo, despejados
do sertão pelo flagelo implacável. Sem água e sem alimentos, tem início a terrível retirada,
encontrando-se pelas estradas poeirentas e pedregosas as intermináveis filas de retirantes,
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como se fossem uma centopeia humana. Homens, mulheres e crianças, todos esqueléticos,
deformados pelas perturbações tróficas, com a pele enegrecida colada às longas ossaturas,
desfibrados e fétidos pelo efeito da autofagia. São sombrias caravanas de espectros
esquálidos, esmaecidos, caminhado centenas de léguas em busca das serras e dos brejos, das
terras de promissão. “Com os seus alforjes quase vazios, contendo quando muito um punhado
de farinha, um pedaço de rapadura; a rede e a filharada miúda grupada às costas, o sertanejo
dispara através da vastidão dos tabuleiros e chapadões descampados, disposto a todos os
martírios” (CASTRO, 1984, p. 218). Sem recursos de nenhuma espécie, atravessando zonas
de penúria absoluta, gastando na farpada trilha o resto de suas energias comburidas, os
retirantes acentuam no seu êxodo as consequências terríveis da fome. Vê-los é ver, em todas
as suas ferinas manifestações, o drama fisiológico da inanição.
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CONCLUSÃO
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Editora, 2013.
539
A DIVULGAÇÃO DAS OPERAÇÕES DA POLICIA FEDERAL:
DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO,
LIBERDADE DE IMPRENSA E INTERESSE PÚBLICO
RESUMO
Discute a divulgação de notícias sobre a persecução penal e o direito de acesso à informação, diante do
direito à privacidade e o interesse social. Aborda os efeitos do interesse particular e interesse coletivo e
geral em face do acesso à informação. Discute o direito à informação face à liberdade de imprensa e o
direito de imagem. Aborda a boa fé na liberdade de imprensa sob a perspectiva da ética habermasiana.
INTRODUÇAO
A divulgação pela imprensa sobre a execução dos trabalhos das polícias (civil,
federal e militar) preocupa uma parcela da população nos dias de hoje, mas em tempos outros
muitos clamaram pela publicidade de sua prisão como forma de ser novamente encontrado.
Independentemente da divulgação da imagem, a preocupação no período da ditadura militar
era o de não ser levado na calada da noite (ou do dia) e depois nunca mais ser visto. Um
exemplo disso foi o caso de Rubens Paiva, cuja filha buscou apoio na imprensa nacional e
internacional para salvar os pais que haviam sido levados à prisão pelos militares.1
1
- Rubens Paiva foi deputado federal pelo estado de São Paulo. Com o Regime Militar, foi cassado e exilado,
tendo voltado ao Brasil clandestinamente. Foi levado de sua residência na zona sul da cidade do Rio de Janeiro e
nunca mais foi visto. Sua esposa e filha (Eliana Paiva) foram levadas para uma unidade do Exército no mesmo
dia; tendo a primeira ficado 12 dias em poder dos militares e a segunda (menor de idade na época) permanecido
no calabouço por 24 horas. Eliana Paiva narra que procurou apoio da imprensa; principalmente a imprensa
internacional, para tentar a soltura de seus pais. Sua mãe retornou ao seio familiar após doze dias na prisão, mas
seu pai nunca mais foi visto. De acordo com a entrevista concedida, houve até dificuldade em provar que o
deputado cassado havia sido levado pelos servidores do regime militar; o que só foi possível através da exibição
do recibo de entrega do veículo do desaparecido, que estava no pátio do Doi-Codi do Rio de Janeiro. Entrevista
disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/pela-primeira-vez-filha-de-rubens-paiva-conta-que-passou-
4120922. Acessado em 30.set.2014.
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2
Artigo primeiro da Lei nº 12.527/2011, que submete aos Poderes das três esferas de governo e mais ao
Ministério Publico e os Tribunais de contas os princípios da publicidade e do acesso à informação.
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principalmente aqueles relacionados à persecução penal, que dão causa à demandas judiciais
por reparação de danos morais, tendo-se como base discussões sobre: esfera pública e
privada para efeito de divulgação; direito de informação e liberdade de imprensa; efeitos
fastos e nefastos da mídia e; ética e moral na divulgação de fatos.
Para atingir tal objetivo traremos fragmentos históricos, sociais e filosóficos a partir
do referencial teórico habermasiana, numa tentativa de tentaremos externar nossa
compreensão ao entendimento de Sylvia Moretzshon, de que “O exercício do jornalismo é
basicamente o respeito à realidade factual”3 e, por fim, argumentar sobre efeito fasto e/ou
nefasto na divulgação dos atos praticados pelos órgãos responsáveis pela persecução penal.
3
Nota de aula em: UFF .dez.2013.
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assim como na sociedade de corte. Na zona intermediária fica a esfera pública política, a
esfera pública literária e o mercado de bens culturais que formam a chamada opinião pública.
Trazendo para o “mundo da vida” essas distinções verifica-se o ponto a partir do
qual deve-se preservar o indivíduo da divulgação de informações pela imprensa, pois se se
levar em consideração as informações que o Estado detém sobre pessoas (registro de
nascimento, arquivos de institutos de identificação, identificação cível, criminal, informações
funcionais, etc.) trata-se de dados da vida privada cadastráveis no serviço público – estes
abrangidos pelo interesse particular - enquanto as informações voltadas para a esfera pública
são aquelas de interesse coletivo ou geral, portanto passíveis de divulgação nos sítios dos
órgãos públicos, ou na imprensa em geral, dependendo de sua repercussão no interesse da
sociedade.
É aí que se posicionam os atos da persecução penal; sobre os quais podem ser
exercidos, com menos limite, o direito de informação e a liberdade de imprensa, posto que
sua divulgação melhor atende aos interesses da coletividade.
4
A Constituição Federal, no artigo 5º,inciso XXXIII trata do tema sob a denominação interesse particular e
interesse coletivo e geral; enquanto a Lei nº 12.527/2011 (LAI – Lei de Acesso à Informação) cita entidades
privadas de um lado e ações de interesse público de outro.
5
SALDANHA, Nelson. O Jardim e a Praça: Ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e
Histórica.
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6
Lei nº 12.527/2011
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medida em que acham que deve ser sabido. É nesse espaço entre a informação filtrada e
aquilo que deve ser sabido que entra a liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa avança mais. Apesar do jornalista, em parte, agir com o
mesmo ânimo limitador do agente público – no sentido de publicar aquilo que pensa que deve
ser sabido – aplica a teoria de Marx7 no sentido de apropriar-se da informação disponível por
força de lei e nela incorporar determinada quantidade de trabalho de forma a transformá-la
numa mercadoria; ou seja: enquanto a informação é o produto, a matéria jornalística é a
mercadoria. A informação agregada de valor gera o conhecimento.
Verifica-se no portal da Polícia Federal – exemplo de transparência ativa - a
publicação do resumo das operações que foram deflagradas, mas o conteúdo não é suficiente
para prestar o esclarecimento que numa matéria jornalística se presta.
Daí há de surgir o questionamento se o acesso à informação - conforme cumprido
pelos órgãos públicos - está atingindo a função social vislumbrada pelo legislador, ou melhor;
como necessitam os concernidos. É sabido que quase todo o trabalho de persecução penal é
feito com utilização de meios tecnológicos (monitoramento telefônico, escuta ambiental, etc)
que permitem à descoberta de fragmentos de informações que requer dos órgãos envolvidos a
agregação de mais trabalho para que seja produzida uma informação pronta para ser acessada
e processada jornalisticamente.
Carvalho (1999, p.81/86) afirma que a expressão liberdade de imprensa é
ultrapassada, posto que o termo remete à invenção da máquina por Gutemberg. Diz que, para
os dias atuais, a expressão mais acertada é informação jornalística em função dos vários
meios e órgãos de comunicação que dispomos:
Mas a expressão não lhe presta mais, não é suficiente para designar um complexo
de relações jurídicas em que se transformou a imprensa na sociedade moderna. A
sua atividade característica – a informação de fatos – hoje é exercida por vários
outros meios ou órgãos, como a televisão, o rádio, a internet e quem sabe tantos
outros que ainda surgirão. Por isso, não é mais justificável tratar-se de imprensa este
tipo de informação responsável pela divulgação de fatos. Melhor mesmo concebê-
la como informação jornalística.8
7
MARX, Karl. Manuscritos econômicos –filosóficos e outros textos escolhidos (Salário,Preço e Lucro), pag.80
8
Obra citada, p. 81/82
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Mas logo depois o Congresso começou a promulgar as leis que alteraram essa
configuração. No rol de novas normas, Abel Gomes citou as Leis 9.034, de 1995,
que tipifica e prevê punições para o crime organizado, a 9.296, de 1996, que regula
as interceptações telefônicas, a 9.613, de 1998, sobre o crime de lavagem de
9
Idem, p. 82
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dinheiro, e, ainda, a 9.605, também de 1998, que cuida dos crimes contra o meio
ambiente.
A partir daí, e da intensa atuação que a Polícia Federal começou a desenvolver
ancorada nessas normas, tornou-se possível processar e julgar os acusados de
crimes de grande poder lesivo à ordem e à economia públicas: “Notadamente,
depois de 2003, verificamos uma sensível mudança de paradigma. As ações
policiais, que até ali eram quase sempre isoladas e pontuais, passaram a se constituir
na forma de forças-tarefa, de ações orquestradas em vários Estados
simultaneamente, envolvendo setores de inteligência e o uso de aparatos
tecnológicos sofisticados”, afirmou.10
10
Disponível em: http://www10.trf2.jus.br/25anos/seminario-25-anos-da-justica-federal-da-2a-regiao-questoes-
penais-controversas-a-partir-da-constituicao-de-1988/. Acessado em: 01.fev.2015.
11
Carvalho (1999) – prefácio
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12
Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI158606,81042-
OABRJ+Campanha+pela+memoria +e+verdade+tem+novos+projetos. Acessado em: 20 mar. 2015.
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13
Teoria e práxis, página 29
14
Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros: “Art. 2º Como o acesso à informação de relevante interesse público
é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse,
razão por que:
I - a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida
independentemente de sua natureza jurídica - se pública, estatal ou privada - e da linha política de seus
proprietários e/ou diretores.
II - a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o
interesse público;
III - a liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a
responsabilidade social inerente à profissão;
IV - a prestação de informações pelas organizações públicas e privadas, incluindo as não-governamentais, é uma
obrigação social.
V - a obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação, a aplicação de censura e a indução à
autocensura são delitos contra a sociedade, devendo ser denunciadas à comissão de ética competente, garantido o
sigilo do denunciante.” Disponível em: http://www.fenaj.org.br/materia.php?id=1811. Acessado em 25 mar.2015.
15
Anotado na aula ministrada em 02/12/2013 - UFF
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elege o que o povo pode e deve saber – enquanto a liberdade de imprensa visa dar
conhecimento que permita o indivíduo a “pensar, ou pensar que está pensando”.
A junção de ambos – liberdade de imprensa e direito à informação – forma o
esclarecimento que “é a saída do homem de sua menoridade auto-imposta, isto é da sua
incapacidade de pensar por si próprio.” (pag. 111)
Portanto, liberdade de imprensa é, no dizer de Moretzsohnn (2007), o jornalismo
para esclarecer; enquanto ao direito à informação visa cumprir o rito da lei, sem extrair do
indivíduo a manifestação que expresse opinião.
Ao tratar de jornalismo, verdade e política Moretzsohnn referencia Hanna Arendt,
que bem esclarece o atual comportamento da mídia, diante de um suposto desaparecimento da
esfera do poder público e esfera privada, para a prevalência do poder político, como se
percebe, em que se retorna à prática da época original do jornalismo, quando grandes
comerciantes e empresários custeavam as publicações. Com as publicações bem pagas pelo
poder político criam-se vínculos de amizade e de negócios que comprometem a
imparcialidade da mídia jornalística, pois não há “isenção do interesse pessoal no
pensamento e no julgamento” (ARENDT, apud Moretzsohnn – página 116)
Lopes Filho (2011)17 aponta que são tantos as investigações que os delegados
tendem a escolher aquelas que prometem melhor destaque ao trabalho (na mídia), deixando
16
Op. Páginas 106/107
17
Entretanto, é fato que todas as dificuldades do IP são superadas, nos casos de maior repercussão midiática,
quando então recebe contornos de show, e seus protagonistas adquirem status de verdadeiras estrelas e astros de
televisão ou cinema: alguns assumindo o papel de vilões e de abomináveis encarnações do mal; outros, o papel de
pobres e indefesas vítimas; finalmente, existem ainda os “mocinhos” do enredo, quais sejam,, os representantes
estatais envolvidos no inquérito (investigadores, delegados, promotores), dispostos a desvendar a trama e a punir
os culpados, que, a essa altura do dramático enredo, de regra, já foram pré-julgados e punidos pela grande massa
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da opinião pública. LOPES FILHO, Ozéas Corrêa. Inquérito Policial: uma alternativa democrático-
discursiva para o modelo brasileiro. Dissertação. UFF/PPGSD. Niterói, 2011.
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A utilidade de toda essa definição reside no efeito fasto ou nefasto que causará, após
a deflagração de uma operação policial de cumprimento de determinação judicial, fruto de
persecução penal na qual foi usado como meio de produção de provas o monitoramento
telefônico e/ou a escuta ambiental.
O efeito fasto da divulgação dos atos de polícia é a garantia do direito à informação,
previsto na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais. É bom que a sociedade saiba
quem são seus inimigos, posto que a divulgação de fatos criminosos têm sido mais eficaz que
o próprio encarceramento do indivíduo. Não faz retornar ao status quo anti, mas garante o
estancamento ou diminuição do prejuízo social.
O efeito nefasto só opera sobre as pessoas inocentes e injustiçados, posto que a
antecipação da divulgação sem a devida checagem causa dano irreparável ou de difícil
reparação.
O contrapeso opera em favor da sociedade, haja vista que se permitir somente o
sigilo, se estaria avalizando para que o criminoso permanecesse impune ou, no mínimo,
invisível; assim como a divulgação, ainda que precipitada pode dar oportunidade do inocente
apontar o real culpado, ou demonstrando sua inocência, abre os olhos para que se localize o
real culpado.
É fato que a imprensa tem seus pecados, mas sem seus olhos e bocas muitos crimes
caem no esquecimento e na impunidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Não deixe de corrigir seus filhos; a disciplina não lhes fará mal! Não morrerão se
você der uma surra neles! O castigo irá conservá-los longe do inferno.” Provérbios
23.13-14
Essa chamada de atenção serve para as Corregedorias dos órgãos do poder público,
pois a harmonia entre os poderes pressupõe que cada poder esteja exercendo seu mister com
moral e ética, para que não ocorram episódios como o da Operação Dominó18 em que agentes
dos Três Poderes foram presos e expostos, por circunstâncias naturais da democracia, à
imprensa.
"São os homens e não as leis que precisam mudar. Quando os homens forem bons,
melhores serão as leis. Quando os homens forem sábios, as leis por desnecessárias,
deixarão de existir. Mas isto, será possível somente, quando as leis estiverem
escritas e atuantes no coração de cada um de nós." – Hermôgenes
A tolerância administrativa obriga que se “tente matar mosca com tiro de canhão”.
“Parece que exagerar é preciso” quando os comportamentos chegam à raia do absurdo.
18
A Polícia Federal desencadeou em 04 de agosto, no estado de Rondônia, a Operação Dominó, para desarticular
uma organização criminosa que agia na Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia (ALE/RO) desviando
recursos públicos. O grupo também é acusado de exercer influência indevida e promíscua sobre agentes do Poder
Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e do Poder Executivo do Estado. Na operação foram presos
deputados estaduais, um procurador, o desembargador presidente do TJ/RO, além de um juiz de direito e
empresários. No total, 24 pessoas foram presas. Disponível em: http://www.dpf.gov.br/agencia/estatisticas/2006#
Dominó. Acessado em 20 mar.2015.
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Verifica-se a cada dia que muitas operações policiais serão necessárias para que se
dê bom rumo ao mundo, posto que, por todo lado, é notável os pequenos deslizes, que se
avolumam até se tornar insuportáveis. Na verdade o que está ocorrendo é apenas a
condenação pela imprensa; a condenação virtual, o que nos leva a indagar: A imprensa é o
único tribunal?
Se hoje o principal meio de prova criminal é o monitoramento telefônico, a escuta
ambiental, o uso de imagens, fotografias, etc; e estas não forem colhidas com a devida isenção
e seriedade, colocará por terra toda a utilidade da persecução penal. Estamos a enxugar gelo;
estamos a construir castelos de areia, pois se a prova não é bem produzido todo o trabalho só
poderá provocar o susto da deflagração da operação. Passado o “susto” da divulgação dos
fatos, os casos caem no esquecimento; a persecução penal se desacelera; todos descansam em
paz, inclusive os investigados, até que surjam outros fatos que possa dar repercussão.
Hansen (notas de aula) afirma que quando se inaugura um novo escândalo, o
anterior tende a cair no esquecimento. Ontem foi o “Mensalão”, hoje o “Petrolão”; não dá
tempo de se apurar até o fim, antes do próximo capítulo.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM. J.E. Carreira. Operação Hurricane: um juiz no olho do furacão. Geração Editorial. São Paulo, 2011.
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de Informação e liberdade de expressão. Editora
Renovar. Rio de Janeiro, 1999.
HABERMAS, Jürgen. Teoria e Práxis: Estudos de filosofia social. Tradução e apresentação Rúrion Melo.
Editora UNESP. São Paulo, 2013.
______. Mudança Estrutural da Esfera Pública: Investigações quando uma categoria da sociedade
burguesa. Tradução Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
LOPES FILHO, Ozéas Corrêa. Inquérito Policial: uma alternativa democrático-discursiva para o modelo
brasileiro. Dissertação. UFF/PPGSD. Niterói, 2011.
MENDEL, Toby. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. UNESCO. 2ª Ed. Brasília,
2009.
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MORETZSOHN, Sylvia. Pensando contra os fatos: jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso
crítico. Editora Revan. Rio de Janeiro, 2007.
WITTGENSTEIN, Ludwig J.J.Investigações Filosóficas. Tradução José Carlos Bruni. Editora Nova Cultural.
São Paulo, 1999.
556
O DIREITO NA SOCIOLOGIA
RESUMO
Através da observação do cotidiano acerca das disparidades sociais que afligem determinados grupos e
da análise de dados que expõem a relação entre a igualdade formal e a realidade socialmente desigual,
surgiu o interesse de investigar mais a fundo as perspectivas que envolvem a questão da cidadania no
Brasil. A Política brasileira e as suas instituições refletem a baixa legitimidade da agenda de segurança
pública no conceito ampliado de direitos humanos e cidadania. No presente artigo será dada ênfase à
população vulnerável socialmente através do estudo da discriminação sofrida por esse grupo e da
exposição a determinadas situações sociopolíticas e jurídicas que ocorrem por não terem acesso ao
exercício pleno da sua cidadania.
ABSTRACT
Through the observation of daily life about the social disparities afflicting certain groups and the
analysis of data that expose the relationship between formal equality and socially unequal reality, the
interest arose to investigate more deeply the perspectives that involve the issue of citizenship in Brazil.
The Brazilian policy and its institutions reflect the low legitimacy of the public security agenda in the
expanded concept of human rights and citizenship. This article will emphasize the socially vulnerable
population through the study of the discrimination suffered by this group and exposure to certain
socio-political and legal situations that occur because they do not have access to the full exercise of
their citizenship.
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INTRODUÇÃO
1. DESIGUALDADE SOCIOECONÔMICAS
558
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1
DAGNINO, Evelina. (2004) (2005)
2
NAVES, Márcio Bilharinho. (2014)
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Caldeira declara, então, que a cidadania civil foi deslegitimada no Brasil e que os
direitos individuais (especialmente das classes trabalhadoras) foram reduzidos. A partir do
raciocínio categorizante de “fala do crime”, os indivíduos marginalizados
socioeconomicamente são cada vez mais segregados e expostos à uma realidade na qual o uso
da violência é legitimado sob um discurso de manter a ordem social e torna-se um dos
instrumentos de desigualdade e que serve para hierarquizar dois códigos sociais opostos.3
A concretude do universo do crime é um caráter disjuntivo da democracia brasileira
porque ele cria uma contradição entre a expansão da cidadania política e a deslegitimação da
cidadania civil.
De acordo com os dados do “Estudo Global sobre Homicídio 2013”, o Brasil é o 16º
país mais violento do mundo, com uma média de 25,2 mortes por mil habitantes, quase seis
vezes maior que a média mundial de 6,2 mortes por mil habitantes (a Organização Mundial
da Saúde considera uma epidemia de homicídios quando a taxa ultrapassa 10). A 10ª edição
do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apresentou dados de que a taxa de mortes
decorrentes da intervenção policial no Brasil (1,6 mortes/100 mil habitantes) é maior que a
taxa do país considerado o mais violento do mundo, Honduras, que possui uma taxa de
violência policial de 1,2/100 mil habitantes.4
Outro dado alarmante apresentado foi que em 2012 56 mil pessoas
(aproximadamente 3% da população) foram assassinadas e, destas, 30 mil estão na faixa
etária dos 15 aos 29 anos e, desses jovens, 77% são negros. Esses assassinatos ganharam
tamanha proporção que a Anistia Internacional os usou como tema de uma campanha em
novembro de 2014. A ação “Jovem Negro Vivo” defende a preservação da vida sem
preconceitos e a realização de políticas integradas de segurança pública, educação, cultura,
trabalho, etc., além de trazer também o debate sobre a impunidade e a indiferença com a qual
esses jovens são tratados na agenda pública nacional.
3
CALDEIRA, 2000, p.138.
4
10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, p. 21.
560
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5
Cidadania diferenciada: a exemplo do que ocorre no Brasil, a cidadania legitima as diferenças entre os grupos,
reproduzindo-as e gerando uma distribuição desigual de direitos a partir deste conceito.
6
DAGNINO, Evelina. (2004) (2005)
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7
NEVES, Marcelo. (2013)
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8
NEVES, Marcelo. (2013). p. 250.
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CONCLUSÃO
Ainda que direito positivado nas leis garanta que “todos são iguais perante a lei”,
materialmente este princípio não é aplicável e a partir da relação dos autores citados, é
possível perceber os problemas postos na realidade sociojurídica, na qual a desigualdade no
acesso aos direitos fundamentais promove ainda mais disparidade na sociedade entre os
diversos grupos, e os que estão/são vulneráveis socialmente continuam sendo cada vez mais
marginalizados devido a esse círculo vicioso – como não têm acesso aos direitos são
excluídos da comunidade; uma vez que são excluídos, permanecem não reconhecendo seus
direitos.
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REFERÊNCIAS
10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (edição atualizada em 18/11/2016). Disponível em:
</http://www.forumseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/10o-anuario-brasileiro-
de-seguranca-publica>
Autor desconhecido. “Assassinato de jovens negros é tema de nova campanha da Anistia Internacional”.
Disponível em: <https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/>. Acesso em: 10/11/2014.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de Muros: Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo. 1ª edição. São
Paulo: Ed. 34 & Ed. USP, 2000.
_____. Políticas culturais, democracia e o projeto liberal, Revista do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 15,
p.45-65, Jan./Abril 2005.
HABERMAS, Jürgen. Sobre a legitimação baseada nos direitos humanos. Trad. Maria Celina Bodin de
Moraes e Gisele Cittadino. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 1, jan.-mar./2013.
_HESPANHA, Antônio Manuel. O caleidoscópio do Direito: o direito e a justiça nos dias e no mundo de
hoje. 2a ed. Coimbra: Almedina, 2009.
NAVES, Márcio Bilharinho. A questão do Direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões; Dobra
Universitário, 2014 (p. 9-104).
NEVES, Marcelo. “Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil”, 3ª edição/ 2ª tiragem, São Paulo: Ed.
WMF Martins Fontes, 2013.
565
Grupo de Trabalho 08
NARRATIVAS DE
CONTRADIÇÕES DE CLASSE E
RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO
dlxvi
A ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA
E SEU DOPPELGÄNGER:
AS TENSÕES ENTRE HEGEMONIA CAPITALISTA
E RESISTÊNCIA NESTE RECORTE
DO MUNDO DO TRABALHO
RESUMO
Objetiva-se neste artigo, a partir de reflexões teóricas, circunscrever o que se denomina economia
popular e solidária, especialmente no que diz respeito às contradições e questões que a permeiam, com
ênfase no papel que ocupa no mundo do trabalho contemporâneo, no Brasil. O texto compõe um
quadro maior de apontamentos teóricos necessários a pesquisa em andamento, desenvolvida perante o
PPGSD-UFF, cujo objetivo é investigar os processos de formalização jurídica de grupos que hoje
atuam na chamada economia popular e solidária, no Brasil, tendo como pano de fundo as relações
estabelecidas entre capitalismo e Direito, e entre ambos e os arranjos econômicos e produtivos
peculiares à história e ao modo de sociabilidade brasileiros, em especial considerando o processo
colonizatório.
INTRODUÇÃO
As reflexões reunidas neste artigo visam a compor um quadro maior de
apontamentos teóricos necessários a pesquisa em andamento, desenvolvida perante o
Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Estadual Federal
Fluminense. Seu título provisório é Direito e Colonialidade do Poder: um olhar a partir do
problema da formalização jurídica de grupos de trabalho associado da economia popular e
solidária no Brasil.
O título, por si, demonstra a tentativa de articulação entre diversos campos, mas que
tem como horizonte principal uma reflexão sobre o Direito na nossa específica condição de
povo que vivenciou o processo de colonização política e continua enfrentando seus
desdobramentos: qual o papel que desempenha o Direito de matriz europeia na conformação
do modo brasileiro de trabalhar e produzir?
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Sendo possível admitir que o Direito de matriz europeia mantém-se como parâmetro
acrítico no Estado burguês, empiricamente localizado na América Latina e na
contemporaneidade, a pesquisa tem como pano de fundo as relações estabelecidas entre
capitalismo e Direito, e entre ambos e os arranjos econômicos e produtivos peculiares à
história e ao modo de sociabilidade brasileiros, em especial considerando o processo
colonizatório.
Pensar um cenário tão amplo, por certo, exige um enquadramento que torne viável a
empreitada. Eis porque se elegeu para a pesquisa um trecho da realidade onde se identifica
uma ponte entre um recorte do mundo do trabalho e uma determinada questão jurídica: o
objetivo, assim, é investigar os processos de formalização jurídica de grupos que hoje atuam
na chamada economia popular e solidária, no Brasil. Para isso, parte-se do marco teórico que
circunda este aspecto da realidade para recortar uma unidade de investigação empírica mais
específica, dois grupos de trabalhadoras da zona rural de Feira de Santana, município do
semi-árido nordestino. Os grupos produzem e comercializam alimentos, organizam-se de
maneira associada e participam de projetos de pesquisa participante em execução pela
Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária da UEFS, programa do qual a
pesquisadora faz parte.
Neste artigo pretende-se, por ora, no bojo do esforço teórico que pressupõe a
investigação, circunscrever o que se denomina economia popular e solidária, apresentando as
razões que justificam fazer dela o recorte pesquisado – inclusive no que diz respeito às
contradições e questões que a permeiam, desde o seu nome até o papel que ocupa no mundo
do trabalho contemporâneo. Pretende-se que estas reflexões subsidiem, assim, a análise das
específicas configurações das lutas, contradições e características da economia popular e
solidária no semi-árido baiano, considerando a unidade de investigação escolhida.
Muito embora a expressão economia solidária prevaleça no Brasil, em especial
devido à sua adoção oficial pelas políticas públicas implementadas desde o início do primeiro
governo Lula, são diversas as formas pelas quais, aqui e no resto do mundo, o conceito é
batizado: economia social, alternativa, invisível, subalterna, periférica1. Desde já se pontua a
preferência (e a adoção, a partir daqui) por economia popular e solidária, justificada pela
intenção de agregar às notas distintivas gerais da chamada Economia Solidária – “atividades
1
Uma boa retrospectiva sobre a gênese e utilização das diversas expressões, no Brasil e fora dele, em LECHAT
(2002)
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2
O governo Temer rebaixou a SENAES a uma sub-secretaria, desde a primeira reforma ministerial
implementada. Os recursos e projetos minguaram desde então, no mesmo ritmo das políticas sociais de uma
maneira geral.
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1. IMPERIALISMO AO CAPITAL-IMPERIALISMO
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3
Como bem exemplifica Eduardo Galeano ao descrever a dinâmica do latifúndio açucareiro na Américo colonial:
“A plantação, nascida da demanda de açúcar no ultramar, era uma empresa movida pelo afã do lucro de seu
proprietário e posta a serviço do mercado que a Europa ia articulando internacionalmente. Por sua estrutura
interna, no entanto – e considerando que, em boa medida, bastava-se a si mesma –, alguns de seus traços
dominantes eram feudais. Por outro lado, utilizava mão de obra escrava. Três idades históricas distintas –
mercantilismo, feudalismo, escravatura – ajustavam-se numa só unidade econômica e social, mas era o mercado
internacional que estava no centro da constelação de poder que o sistema de plantações desde cedo integrou”
(2016, p. 92)
4
Tradução livre da Autora.
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5
Nas palavras do filósofo argentino Enrique Dussel, “desde uma releitura cuidadosa e arqueológica de Marx
(desde suas obras juvenis de 1835 a 1882), indicávamos que toda cultura é um modo ou um sistema de ‘tipos de
trabalho’. Não é em vão que a ‘agri-cultura’ era estritamente o ‘trabalho da terra’ – já que ‘cultura’ vem
etimologicamente do latim ‘cultus’, no sentido de consagração sagrada. A poiética material (fruto físico do
trabalho) e mítica (criação simbólica) são produção cultural (um por para fora, objetivamente, o subjetivo, ou
melhor, o intersubjetivo, comunitário). Desta maneira, o econômico (sem cair no economicismo) era resgatado”
(2005, p. 8). (Tradução livre da Autora)
6
Sua análise aparece de maneira muito precisa em outro texto do sociólogo peruano, o clássico Colonialidad y
Modernidad-Racionalidade (1992), em que Quijano apresenta, pela primeira vez, o conceito de colonialidade do
poder: “Durante o mesmo período em que se consolidava a dominação europeia se foi constituindo o complexo
cultural conhecido como a racionalidade-modernidade europeia, o qual foi estabelecido como um paradigma
universal de conhecimento e de relação entre a humanidade e o resto do mundo. Tal simultaneidade entre a
colonialidade e a elaboração da racionalidade-modernidade não foi de nenhum modo acidental, como o revela o
modo mesmo em que se elaborou o paradigma europeu do conhecimento racional”.(p. 440) (Tradução livre da
Autora)
7
Para a contraposição civilização versus barbárie na compreensão dos processos históricos dos países americanos,
vide Raúl Fornet- Betancourt (1999).
8
“A descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da
população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a transformação da África
572
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A realidade brasileira parece desafiar, assim, uma análise que não se completa com
o que já se tem constatado genericamente acerca dos problemas enfrentados pela classe
trabalhadora no resto do mundo, desafiando esforços teóricos e críticos e aproximações
empíricas ainda mais específicas e atentas a tais peculiaridades.
numa reserva para a caça comercial de peles-negras caracterizam a aurora da era da produção capitalista. Esses
processos idílicos constituem momentos fundamentais da acumulação primitiva.” (MARX, 2017, p. 821)
573
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9
“Mas se uma população trabalhadora excedente é um produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento
da riqueza com base capitalista, essa superpopulação se converte, em contrapartida, em alavanca da acumulação
capitalista, e até mesmo numa condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército
industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se ele o tivesse criado por
sua própria conta. Ela fornece a suas necessidades variáveis de valorização o material humano sempre pronto para
ser explorado, independentemente dos limites do verdadeiro aumento populacional.” (MARX, 2017, p. 707)
574
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A força deste movimento amplifica-se, por certo, nos espaços em que, como o brasileiro, pelo
seu histórico de colonização, as subjetividades individuais e coletivas foram forjadas
secularmente a partir do lugar do excluído, da negativa (não branco, não civilizado, não
desenvolvido).
O filósofo italiano Roberto Esposito, ao desenvolver seu conceito de immunitas,
como força repulsiva e contraditória que opõe à communitas, na tentativa de explicar os
dilemas da modernidade, a desenha como “uma engrenagem interna d’Ela [da omunidade]: o
vinco que algum modo a separa de si mesma [...]” obrigando-a a “introjetar a modalidade
negativa de seu próprio oposto, mesmo que esse oposto siga sendo um do de ser, privativo e
contrastivo, da comunidade mesma”10 (2006, p. 83-84). Eric Santner assemelha este
mecanismo ao nascimento de um Doppelgänger (2011, p. 15), demônio de lendas germânicas
capaz de transformar-se na cópia idêntica e ao mesmo tempo maligna de suas vítimas.
Do alemão doppel (duplo, réplica, suplicata) e Gänger (aquele que anda, ambulante,
ser errante), a figura mitológica do Doppelgänger serviu muitas vezes de inspiração para a
literatura. Willian Wilson (1839), conto de Edgar Alan Poe, O Duplo (1846), de Dostoievski e
os célebres Dr. Jekyll e Mr. Hyde (O médico e o monstro,1886) do escritor escocês Roberto
Louis Stevenson, são disso exemplos. O médico e o monstro, em especial, foi inspiração para
diversas versões cinematográficas. Nos quadrinhos, talvez o mais famoso Doppelgänger
contemporâneo seja o “Incrível Hulk”, criado na década de 60 pelos americanos Stan Lee e
Jack Kirby.
Há leituras que estabelecem uma relação de inspiração entre o mito do duplo e a
estrutura psicanalítica freudiana do id, ego e superego. Vale menção ainda um ensaio de
Freud, de 1919, “Das Unheimliche” (“The uncunny”, “El sinistro”, L’inquiétante familiarité”
ou “O estranho”), onde a força do mito do “duplo” é explorada através da novela O Elixir do
Diabo (1816), do escritor romântico alemão E. T. A. Hoffmann (1776-1822), mais um
exemplo da apropriação do mito do Doppelgänger pela literatura. No ensaio, Freud parte da
etimologia da própria palavra alemã “Unheimliche” (algo como “não-familiar” – un-não,
heimliche-familiar, amistoso, íntimo), na tentativa de compreender o sentido psicanalítico do
“estranho” – “pode ser verdade que o estranho [unheimlich] seja algo que é secretamente
familiar [heimlich-heimisch], que foi submetido à repressão e depois voltou, e que tudo aquilo
que é estranho satisfaz essa condição.” (FREUD, 1996).
10
Tradução livre da Autora.
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A metáfora parece vir a calhar para ilustrar aquilo que se quer ressaltar: o
capitalismo, em seus esforços para suplantar as resistências, segue produzindo seus
Doppelgängers – seu oposto maligno que, afinal, é o mais eficiente assassino de seu gêmeo. É
a partir dela que se deseja pensar a economia popular e solidária no contexto que se vem até
agora traçando.
Modos alternativos de viver, trabalhar e produzir convivem e sobrevivem aos
avanços do capitalismo, que, todavia, imuniza-se de seu potencial contra-hegemônico,
integrando-os paulatinamente à sua lógica. É possível catalogar diversos exemplos de
experiências produtivas11 que reúnem mais ou menos características opostas aos signos da
mercadoria, do mercado, da competitividade, da racionalidade plasmada no sujeito-homem
versus objeto natureza, na valorização do tempo da vida. Muitas delas encontram guarida na
expressão economia popular e solidária, sem que dela dependa sua existência12, sendo
reconhecíveis, aliás, muito antes que para elas se criasse um nome13.
Num sentido oposto, o discurso e as práticas do que vem sendo chamado no Brasil
de economia popular e solidária também são com frequência apontadas tout court como um
produto do quadro de crise da sociedade do trabalho. Indícios relevantes o justificam: os
números oficiais apontam para um crescimento significativo das iniciativas catalogadas nos
levantamentos oficiais (associações, cooperativas e, em número significativo, grupos
informais) concomitantemente ao quadro de agudização da mencionada crise (em especial,
nas últimas três décadas); e, não menos importante, os mesmos dados demonstram um
considerável grau de precariedade das condições de trabalho neste universo, com baixas
remunerações, ausência de cobertura previdenciária e outros direitos garantidos pela
legislação trabalhista.
Em detrimento dos trabalhadores formais (cuja centralidade, no caso brasileiro,
sempre foi discutível), avolumam-se as relações de trabalho que, embora reproduzam
implicitamente a subordinação da relação de emprego tradicional, não estão juridicamente
formalizadas como tal (e, portanto, alijadas das garantias legais que – cada vez mais
11
Uma eloquente relação, representativa da multiplicidade e factualidade de tais experiências em todo mundo,
pode ser encontrada em Boaventura de Souza Santos (2005), por exemplo.
12
Sem que se desconheça, é claro, wittgensteinamente, que o mundo também se cria pela linguagem, e pode ter
nela seu limite.
13
Foram diversas as vezes que a autora presenciou, em suas atividades de pesquisa e extensão junto a
trabalhadores deste universo, a surpresa ao se dar conta que, o que “o pessoal da universidade” descrevia como
economia popular e solidária é “o que eu sempre fiz, mas não sabia o nome”
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A crítica ao papel assumido pela economia popular e solidária nas últimas décadas,
no contexto de precarização e flexibilização do trabalho acima descrito, mobiliza em especial
14
“Uma noção ampliada de classe trabalhadora deve incluir também todos aqueles e aquelas que vendem sua
força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial e dos assalariados do setor de
serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Incorpora o proletariado
precarizado, o sub-proletariado moderno, part-time, o novo proletariado McDonald’s, os trabalhadores
terceirizados e precarizados, os trabalhadores assalariados da chamada ‘economia informal’ – que muitas vezes
são indiretamente subordinados ao capital –, além dos trabalhadores desempregados, expulsos do processo
produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de
reserva na fase de expansão do desemprego estrutural” (ANTUNES, 2005, p. 60)
15
Dardot e Laval (2016) salientam como este processo deságua em uma racionalidade peculiar, a produzir uma
nova subjetividade acoplada à lógica empresarial, na qual se centra o neoliberalismo. O enevoamento da
subordinação e alienação do ser humano à exploração capitalista atinge, assim, um grau de eficiência nunca dantes
visto, desenhando subjetividades ainda mais incapazes de reagir: “Do sujeito ao Estado, passando pela empresa,
um mesmo discurso permite articular uma definição do homem pela maneira como ele quer ser “bem sucedido”,
assim como pelo modo como deve ser “guiado”, “estimulado”, “formado”, “empoderado” (empowered) para
cumprir seus “objetivos”. Em outras palavras, a racioanlidade neoliberal produz o sujeito de que necessita
ordenando os meios de goberná-lo para que ele se conduza realmente como uma entidade em competição e que,
por isso, deve maximizar seus resultados, expondo-se a riscos e assumindo inteira responsabilidade por eventuais
fracassos.” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 328)
577
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16
Tradução livre da autora.
17
Há uma evidente coincidência entre os princípios que informam o movimento cooperativista (i. adesão
voluntária e livre; ii. gestão democrática; iii. participação econômica dos membros; iv.autonomia e independência;
v. educação, formação e informação; vi. intercooperação; vii. interesse pela comunidade) (OCB, s/d, on line) e as
características escolhidas pela SENAES para conceituar a Economia Solidária:
Alguns princípios são muito importantes para a economia solidária. São eles:
1. Cooperação: ao invés de competir, todos devem trabalhar de forma colaborativa, buscando os interesses e
objetivos em comum, a união dos esforços e capacidades, a propriedade coletiva e a partilha dos resultados;
2. Autogestão: as decisões nos empreendimentos são tomadas de forma coletiva, privilegiando as
contribuições do grupo ao invés de ficarem concentradas em um indivíduo. Todos devem ter voz e voto. Os
apoios externos não devem substituir nem impedir o papel dos verdadeiros sujeitos da ação, aqueles que
formam os empreendimentos;
3. Ação Econômica: sem abrir mão dos outros princípios, a economia solidária é formada por iniciativas com
motivação econômica, como a produção, a comercialização, a prestação de serviços, as trocas, o crédito e o
consumo;
4. Solidariedade: a preocupação com o outro está presente de várias formas na economia solidária, como na
distribuição justa dos resultados alcançados, na preocupação com o bem-estar de todos os envolvidos, nas
relações com a comunidade, na atuação em movimentos sociais e populares, na busca de um meio ambiente
saudável e de um desenvolvimento sustentável.(MTE-SENAES, 2015, on line)
Contraditoriamente, no entanto, no Brasil, a forma jurídica cooperativa, por sua complexidade e onerosidade, está
muito distante da realidade dos grupos populares de economia solidária. O último mapeamento da SENAES
(2013) indica que apenas 8,8% das iniciativas mapeadas adotam este formato.
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18
Tradicional longa manus das elites rurais brasileiras, como destaca Virginia Fontes (2012, p. 221-222): “Em
finais do século XX, a industrialização do campo brasileiro modificaria, enfim, a estrutura representativa das
diversas frações dessa burguesia e, sem eliminar suas antecedentes, passaria a ter como fulcro outras entidades
associativas, como a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), porta-voz do agronegócio estreitamente
associado aos grandes capitais multinacionais internacionais, mas agregando em seu interior expressivas parcelas
da grande burguesia agroindustrial brasileira.”
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Forja-se uma cultura cívica (ainda que cínica), democrática (que incita à
participação e à representação) para educar o consenso e disciplinar massas de
trabalhadores, em boa parte desprovidos de direitos associados ao trabalho, através
de categorias como “empoderamento”, “responsabilidade social”, “empresa
cidadã”, “sustentabilidade”.
A “onguização” da associatividade popular prossegue, convertendo-a em espaço
privado e competitivo – com hierarquias internas fortes e, portanto, com
diferenciações burocráticas e sociais que reproduzem a gestão empresarial.
Subalternizam-se as mais incipientes formas de organização popular, direcionadas
para “gerenciamento de força de trabalho”, processo potencializado pela
formatação atual do Estado (2012, p. 296).
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3. CONTRA-ATAQUE?
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19
Muito embora saliente Thompson que Engels fora generoso com Owen no seu Anti-Düring (2002, p. 289, nota
118)
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Mas em que consiste esse caráter fantasioso? Em que essa gente não compreende a
importância fundamental, essencial, da luta política da classe operária para derrubar
o domínio dos exploradores. Agora já é um fato esta derrubada, e muito do que
parecia fantástico, mesmo romântico e até vulgar nos sonhos dos velhos
cooperativistas, converte-se em realidade sem artifícios (1961, p. 612)
CONCLUINDO
20
“Num primeiro momento, dinheiro e mercadoria são tão pouco capital quanto os meios de produção e de
subsistência [...]A relação capitalista pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições
da realização do trabalho. Tão logo a produção capitalista esteja de pé, ela não apenas conserva essa separação,
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em si, um potencial revolucionário – talvez o mais factível diante da pulverização das classes
trabalhadoras que caracteriza a nova razão do mundo neoliberal –, e deve ser preservado e
adubado como uma semente preciosa no solo árido que hoje abriga tanta desesperança e
desalento. Deste modo, no dizer de Carlos Schmidt:
REFERÊNCIAS
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Boitempo, 2005.
mas a reproduz em escala cada vez maior. O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo
de separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho, processo que, por
um lado, transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção e, por outro, converte os produtores
diretos em trabalhadores assalariados.” (MARX, 2017, p. 786)
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VIA COLONIAL E NEOLIBERALISMO:
AS REFORMAS TRABALHISTAS
E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO FEMININO
RESUMO
Pretende-se no artigo, desvendar as novas formas de precarização do trabalho feminino, com especial
atenção ao desmantelamento das previsões legais de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras, como
parte das medidas impostas pelo neoliberalismo, que ganha fôlego no Brasil a partir da década de 90 do
século XX. Para isso, partimos de compreensões acerca da formação do capitalismo brasileiro, aqui
categorizado como capitalismo de via colonial, e que, ante sua gênese específica, apresenta também
peculiaridades na consolidação do movimento global neoliberal. Tendo em vista tais perspectivas,
lançamos o olhar à questão das condições de trabalho das mulheres no contexto neoliberal brasileiro,
buscando identificar como os recentes ataques às legislações protetivas, especialmente a reforma
trabalhista aprovada pela lei 13.467 de 2017, influem no aumento da exploração das trabalhadoras.
ABSTRACT
The aim of this article is to unveil the new forms of precariousness of women's work, with special
attention to the dismantling of legal provisions to protect workers, as part of the measures imposed by
neoliberalism, which has gained momentum in Brazil since the 1990s of the 20th century. For this, we
start with understandings about the formation of Brazilian capitalism, here categorized as colonial
capitalism, and which, before its specific genesis, also presents peculiarities in the consolidation of the
neoliberal global movement. In view of these perspectives, we look at the issue of women's working
conditions in the Brazilian neoliberal context, seeking to identify how the recent attacks on protective
legislation, especially the labor reform approved by law 13,467 of 2017, influence the increase in the
exploitation of women workers .
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INTRODUÇÃO
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precarização geral, para demonstrar como seus efeitos se diferenciam entre homens e
mulheres trabalhadoras.
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diferenciados, de país para país, de acordo com as suas respectivas formações econômico-
sociais.
Por isso faz-se necessário trazer a categoria de via-colonial para caracterizar a
especificidade do capitalismo brasileiro, em sua gênese histórica, que pode iluminar a
compreensão sobre a especificidade do neoliberalismo no país. José Chasin, dentro dos
debates sobre as vias de objetivação para o capitalismo iniciado com os marxistas clássicos
(via clássica, via francesa, via prussiana, via russa...) diferencia a formação do Brasil dos
modelos de atraso da via-prussiana, e realizando na década de 70 uma “síntese corretora do
pensamento social brasileiro de talhe marxista” (PAÇO CUNHA, 2017), particulariza a via-
colonial em relação às outras vias para o capitalismo É uma via particular por ser um
processo histórico hiper-tardio.
O capitalismo de via colonial diferencia-se assim das outras vias para o capitalismo -
via clássica e prussiana - como um “particular contrastante do qual se avizinha o caso
brasileiro, também diverso dos casos clássicos.” (CHASIN, 1999, p. 627) - por ser um
processo histórico hiper-tardio, incompleto, retardatário, não-autocentrado, lento, inorgânico e
atrófico (ASSUNÇÃO, 2004, p. 9), sustentado por uma burguesia caudatária, que não cumpre
sua função na industrialização e independência do país e se nutre da superexploração das
classes trabalhadoras, excluindo-as dos processos políticos.
Desta forma, “A superexploração da força de trabalho também é uma característica
do país e tem raízes firmemente plantadas na história nacional.” (ASSUNÇÃO, 2004, p. 11).
Chasin aponta que todos os chamados “milagres econômicos” brasileiros - que sempre foram
centrados nos bens de consumo duráveis, capitaneado por empresas monopólicas
majoritariamente estrangeiras, e complementado pelo “esforço exportador”, basicamente de
produtos agrários - tinha como pilar fundamental o rebaixamento salarial: a superexploração
do trabalho. A forma retardatária, subordinada e conciliada com o historicamente velho de
evolver a industrialização brasileira mostra a manutenção, devidamente modernizada e
“desenvolvida”, de sua fase mais perversa - a miserabilidade das amplas massas
trabalhadoras, que se põe, não como produto de uma lacuna “distributivista”, mas como
sustentáculo da própria forma de desenvolvimento (Contrim, 2000).
O processo de consolidação do capitalismo de via colonial que se dá nos anos de
1930 e o seu caminhar posterior se coloca frente a alternativas que se efetivaram sempre
590
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ruptura com elas, deu-se, assim como todas as anteriores alterações significativas na
vida nacional, por influxo, pelo alto e sob o domínio dos capitais subordinantes.
(Contrim, 2000)
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2000, p. 9). Diz Anderson (2000), que apresenta uma cronologia histórica do neoliberalismo
no mundo, desde sua teorização até consolidação e reprodução desse movimento ideológico,
que
1
Sobre o governo FHC e as reformas de Estado neoliberais: “E isso se explica pela permuta de valores ocorridos
no governo FHC. Ao trocar a idéia de solidariedade, presente na Constituição de 88, pela competitividade,
expressa a elevação das questões econômicas a um primeiro plano, de forma a relegar a questão social a um
simples pano de fundo, inserida na lógica neoliberal de restrição dos gastos sociais.” (Carinhato 2008, p. 46).
Ainda sobre reformas trabalhistas no Governo FHC ver KREIN, J. D., 2003
2
Sobre os governos PT ver: CASTELO, Rodrigo, 2012 e também Boito Júnior, Armando
593
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Como trazido por Cláudia Mazzei Nogueira (2004), através do enfoque nas relações
de trabalho, é possível apreender de um lado, a exploração da mulher inerente à sociedade de
classe e de outro, diferenciações e explorações especificamente suportadas pela mulher
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3
Heleith Saffioti trabalha a partir da teoria marxista da dependência nas teorizações realizadas por Florentan
Fernandes. Tendo sido orientada em sua tese de doutoramento A mulher na sociedade de classes: mito e realidade
pelo sociólogo paulista.
595
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Além disso, mesmo com a CLT, a exploração da força de trabalho no Brasil sempre
foi marcada por grandes contingentes de trabalhadores na informalidade. Com a expansão do
mercado de trabalho feminino do final do século XX, as formas de flexibilização do trabalho,
desde as formas mais recentes de teletrabalho e uberização, até o próprio desemprego
estrutural, afetam de modo específico, a exploração da força de trabalho feminina, indicando
uma maior intensidade e anterioridade da desproteção da mulher trabalhadora.
Desta forma, a recente reforma trabalhista aprovada em 2017, Lei 13.467 de 2017,
tende a precarizar fortemente as condições de trabalho da trabalhadora. Em vista de suas
alterações substanciais nas formas de remuneração, na extensão da jornada de trabalho, na
flexibilização das formas de contratação, permitindo a terceirização ampla, o trabalho
temporário e o intermitente, recua-se em relação à, já, pouca estabilidade presente na CLT, e
abrem caminho para uma exploração aberta. As indicações e tendências históricas evidenciam
que a informalidade, os baixos salários e, mais recentemente, as ocupações atípicas e
precárias, como respostas às crises produtivas, especulativas e de queda da taxa de lucros,
pela natureza e profundidade destas crises e contradições, materializam-se através dos setores
mais fragilizados socialmente. Em outras palavras, buscando recuperar taxas econômicas
anteriores às crises, a precarização do trabalho como saída é rapidamente direcionada para o
trabalhador mais precarizado, neste caso, o das trabalhadoras.
É por isso que, Cláudia Mazzei Nogueira (2009) afirma que, muito embora as
alterações no mundo do trabalho atinjam a totalidade dos trabalhadores, em verdade a
precarização tem sexo, e ainda, como trazido por Hirata & Kergoat (2007), no caso das
mulheres trabalhadoras, a questão do tempo de trabalho assume papel de destaque no
processo de flexibilização do emprego feminino.
A flexibilização da jornada de trabalho no caso das mulheres, é incentivado pelo que
Miriam Nobre (2004) denomina como “sabedoria da conciliação”, através da qual as
trabalhadoras são levadas a ocuparem jornadas flexíveis tendo em vista o tensionamento entre
as obrigações familiares e profissionais.
É o caso do trabalho por tempo parcial, atividade majoritariamente feminina, que se
expandiu fortemente nos anos 1990 num grande número de países (HIRATA, 2002-a),
possibilitado no Brasil a partir da medida provisória 2164-41 de 2001 e caracterizado pela
jornada não excedente a vinte e cinco horas semanais, excluída a possibilidade de realização
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de hora extraordinária, com salário proporcional à jornada contratada, vez que, como destaca
Hirata (2002-a) trabalho em tempo parcial significa salário parcial.
Como nos apresenta Cássia Maria Carloto em Gênero, Reestruturação Produtiva e
Trabalho feminino, as novas estruturas do mercado, especialmente as ocupações de tempo
parcial, facilitam a exploração da força de trabalho feminino, “substituindo homens melhor
remunerados e mais difíceis de serem admitidos, pelo trabalho feminino mal pago”
Aliás, é a tendência do mercado de trabalho brasileiro a expansão dos postos de
trabalho precarizados, conforme trazido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas
(IPEA):
Houve queda expressiva do trabalho precário4 até 2013, com leve tendência de
aumento a partir de então, corroborada pelos dados da Pnad 2014, conforme se
pode depreender do gráfico abaixo. O percentual de trabalhadores inseridos em
formas precárias de ocupação apresenta a mesma estrutura hierárquica que os
estudos clássicos sobre estratificação social com base na renda apresentam: a
mulher negra é a base do sistema remuneratório, sujeito preferencial das piores
ocupações, convergência da tríplice opressão de gênero, raça e classe. Nada menos
que 39,1% das mulheres negras ocupadas estão inseridas em relações precárias de
trabalho, seguida pelos homens negros (31,6%), mulheres brancas (27,0%) e
homens brancos (20,6%) (IPEA, 2016, p. 11-12)
4
Foram classificados como trabalhadores precarizados aqueles trabalhadores com renda de até 2 salários mínimos
e com as seguintes posições na ocupação: sem carteira assinada, construção para próprio uso, conta-própria
(urbano), empregador com até 5 empregados (urbano), produção para próprio consumo (urbano) e não-
remunerados (urbano).
598
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tempo parcial de trabalho, pela suposta possibilidade de conciliação com suas tarefas no
ambiente reprodutivo:
5
Para o aprofundamento do debate acerca da lógica de empreendedorismo de si, com especial atenção às
mulheres, e suas implicações com a tripla jornada de trabalho e a “polivalência precária” do trabalho feminino das
revendedoras de comésticos, ver ABÍLIO, Ludmila. Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de
revendedoras de cosméticos. São Paulo : Boitempo, 2014
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Casaca (2002) argumenta que esta espécie de trabalho representa para as mulheres
uma “saída flexível” para conciliar a atividade remunerada com as funções domésticas,
gerando, no entanto, problemas com a gestão do tempo, tendo em vista a distorcida união
entre o tempo de atividade profissional e o tempo com a família e obrigações domésticas,
além da necessidade de simultaneidade de tarefas:
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CONCLUSÃO
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604
APORTES MATERIALISTAS AO
ESTUDO DO PENSAMENTO JURÍDICO COMO IDEOLOGIA:
A CRÍTICA ROMÂNTICA DO CAPITALISMO
E O DIREITO SOCIAL DE CESARINO JÚNIOR
RESUMO
Este artigo objetiva apresentar a fundamentação ontoprática para o estudo do pensamento jurídico
como ideologia. A proposta coloca-se entre duas tendências igualmente insuficientes: a primeira que
autonomiza o pensamento para lançar-se a uma hermenêutica e a segunda que procede por mera
derivação do pensamento jurídico da estrutura econômica. Dessa maneira, recupera-se de Marx,
Lukács, Mészáros e Chasin delimitações para o estudo das formas de consciência como “objeto
ideológico” com gênese e função. Situou-se prioritariamente essa discussão nos marcos da decadência
ideológica a partir de 1848, quando se desenvolve uma crítica romântica do capitalismo. A
determinação ontoprática do direito como ideologia assegura sua gênese e funcionalidade no interior
dos conflitos sociais, em que o pensamento jurídico possui especificidades se comparado a outras
formas de consciência. A partir desses elementos, o artigo apresenta um exemplo de pesquisa,
lançando mão de uma investigação de dois materiais de Cesarino Júnior, ambos de 1940 e versados em
direito social, para determinar o desenvolvimento da crítica romântica do capitalismo no contexto de
objetivação hipertardia do capitalismo.
ABSTRACT
This article aims at to present the ontopractical study of juridical thought as ideology. The proposal
falls between two equally inadequate tendencies: the first that autonomizes thought to launch some
hermeneutics and the second that proceeds by mere derivation of juridical thought from the economic
structure. Thus, recovers from Marx, Lukács, Mészáros and Chasin delimitations for the study of forms
of consciousness as ideological objects with its own genesis and function. This discussion has placed
first within the framework of ideological decadence since 1848, when the romantic critique of
capitalism arises. The ontopractical determination of law as ideology ensures your genesis and
functionality inside social conflicts, in which juridical thought has specificities compared to other
forms of consciousness. From these elements, the article presents an example of research, using an
investigation of two materials of Cesarino Júnior, both from 1940 and about social law, to determine
the development of romantic critique of capitalism in the context of hiperlate capitalist objetification.
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INTRODUÇÃO
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tornam possível e, ao mesmo tempo, compreender a função social a que tal pensamento é
chamado a responder nos contextos materiais particulares.
É nesse sentido que a consideração do pensamento jurídico como “objeto
ideológico”, isto é, como ideologia que nasce de condições objetivas e atua no interior delas, é
contributiva à pesquisa na área do direito. Também é particularmente útil para o estudo desse
pensamento no contexto brasileiro de objetivação do capitalismo. Como parte de um estudo
mais amplo sobre a função do direito nas vias de desenvolvimento do capitalismo clássico,
prussiano e colonial (brasileiro), esta investida demonstra na exemplaridade de Cesarino
Júnior (1930-1940) não só a convergência de tendências teóricas do período (como a crítica
romântica do capitalismo), mas também, e tão importante quanto, como esse pensamento é
chamado a atuar no conflito social posto entre as classes sociais no período marcadamente
industrializante. Cabe acrescentar que Cesarino Júnior foi importante jurista, compilador dos
direitos sociais e teve destacável relacionamento como intelectual no período em questão.
Para efeito dessa exemplificação, restringiu-se a consulta a Direito Corporativo e Direito do
Trabalho e Direito Social Brasileiro, ambos com primeira edição em 1940.
Assim, o presente trabalho tem por objetivo apresentar o estudo dos “objetos
ideológicos” tendo por base um materialismo consequente como alternativa aos limites dos
caminhos frequentemente percorridos. Para tanto, recorreu-se a, sobretudo, Marx, Lukács,
Mészáros e Chasin, para discutir precisamente esse materialismo e o direito como ideologia
para, em seguida, apresentar uma formulação que demonstra a pesquisa do pensamento
jurídico na formação do capitalismo brasileiro na exemplaridade de Cesarino Júnior.
Marx (1996) coloca o ano de 1830 como ano de início da crise decisiva da
Economia Política burguesa, quando, tendo a burguesia tomado o poder político na França e
Inglaterra, a luta de classes assume, tanto na teoria quanto na prática, “formas cada vez mais
explícitas e ameaçadoras” (MARX, 1996, p. 135). Assim, “já não se tratava de saber se este
ou aquele teorema era ou não verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou prejudicial,
cômodo ou incômodo, subversivo ou não” (MARX, 1996, p. 135). O combate da burguesia
contra o feudalismo se encerra; a defensiva contra o proletariado ascendente se inicia
(LUKÁCS, 1979, p. 32).
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Lukács aponta como, em período anterior, que se inicia “no fim do primeiro terço do
século XIX” (LUKÁCS, 1979, p. 31), a filosofia burguesa clássica ocupa um importante
papel na produção do conhecimento. Neste período, a filosofia burguesa clássica, gera a
“expressão mais elevada de concepção de mundo da burguesia” (LUKÁCS, 1979, p. 31), por
ser o momento da revolta burguesa frente ao feudalismo, de consequente apresentação dos
princípios e da visão de mundo próprios da burguesia (LUKÁCS, 1979, p. 32).
Em período posterior a 1848, a filosofia se desvia das questões últimas, passando a
pressupor sem utilidade tais estudos, e considerar “anticientíficas as grandes realizações
ideológicas do período precedente” (LUKÁCS, 1979, p. 43). O período de decadência
ideológica burguesa “tem início quando a burguesia domina o poder político e a luta de classe
entre ela e o proletariado” (LUKÁCS, 1968, p. 50) passa a ocupar o centro da dinâmica social
regida pelas legalidades fundamentais da sociabilidade do capital.
Analisar ideologias exige a compreensão do que é afirmado por elas e, ainda, na sua
“relação com a situação concreta de quem as afirma” (CHASIN, 1978, p. 66). Assim, quando
se fala da filosofia burguesa em seu período de decadência, é necessário observar as novas
condições materiais em que se encontra enquanto classe.
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Fica com isto superado o tipo de análise que dicotomiza a questão, colocando de
um lado as condições para o florescimento de uma ideologia, e doutro a ideologia
ela própria, o que, de algum modo, sugere sempre que cada uma delas habita um
universo fechado e que suas relações se baseiam numa reciprocidade excludente,
isto é, aparecem como se fossem externas uma à outra, da mesma forma que o
ninho, apesar de sustentar, é externo ao ovo e à ave que o ocupam (CHASIN, 1979,
p. 67).
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mais relevante dessas formas de consciência prática; a segunda, na medida em que o caráter
do “conflito social fundamental”, que marca as ideologias conflitantes, surge exatamente do
caráter historicamente modificável das “práticas produtivas e distributivas da sociedade e da
necessidade correspondente de se questionar a continuidade da imposição das relações
socioeconômicas e político-culturais que, anteriormente viáveis, tornam-se cada vez menos
eficazes no decorrer do desenvolvimento histórico” (MÉSZÁROS, 1996, p. 25).
O autor húngaro aponta então três posições ideológicas fundamentalmente distintas,
sendo a primeira a que apoia a ordem estabelecida de forma acrítica, exaltando a formação do
sistema dominante vigente, independentemente de suas problemáticas e contradições; a
segunda mostra com certa competência as irracionalidades presentes na sociedade de classes,
rejeitando-as, porém sua crítica é “viciada pelas contradições de sua própria posição social”,
que se encontra submetida às determinações de classe; a terceira, por sua vez, questiona a
“viabilidade histórica da própria sociedade de classes”, tendo como objetivo a superação de
toda e qualquer forma de antagonismo de classe (MÉSZÁROS, 1996, p. 26).
A divisão acima exposta, proposta por Mészáros, se assemelha com a crítica
realizada por Lukács, em que define a “apologética”, denunciada por Marx, como
problemática da reviravolta político-ideológica do pensamento burguês após o fim do
feudalismo e consequente ascensão da burguesia ao poder, em que o materialismo e a
dialética são liquidados, passando o pensamento do “apologetas” a abandonar a crítica das
contradições do desenvolvimento social para então buscar mitigá-las, de acordo com as
necessidades econômicas da burguesia (LUKÁCS, 1968, p. 51). A semelhança é clara a com
primeira posição ideológica proposta por Mészáros, seriam os apologetas aqueles que fazem a
exaltação da ordem vigente, fechando os olhos para as contradições presentes na sociedade,
operado um falseamento da realidade. Lukács aponta, ainda, para a chamada crítica romântica
do capitalismo, que se pode relacionar com a segunda posição ideológica trazida por
Mészáros. A crítica romântica possibilita o desenvolvimento de uma apologética mais
“complicada e pretensiosa”, sendo uma apologia indireta, que faz a defesa a partir da crítica
(LUKÁCS, 1968, p. 55).
Recuperando o já mencionado acima, o período de decadência do pensamento
burguês se inicia com a tomada de poder pela burguesia em meados de 1830, Lukács (1979)
aponta para uma tendência ao agnosticismo, que renuncia a descoberta da essência verdadeira
do mundo e da realidade, alegando que nada podemos saber sobre esta. Assim, para o
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Isto não elimina certa maleabilidade nesse terreno para acomodar tensões, a depender de contextos históricos
contingentes. O Livro dos Mortos do antigo Egito registra que, apelando para o aspecto religioso, sofreria os
infortúnios após a morte aquele senhor que maltratasse seus escravos. A zona cinzenta que acentua certo aspecto
protetivo cobre uma dimensão no limite em que não ameace seriamente a própria relação social posta. Em
verdade, a preservação dessa relação depende da reprodução física do próprio escravo como condição básica
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dessa relação. O caso da Ática antiga é também ilustrativo no episódio das resoluções de Sólon com respeito à
nova redistribuição das terras entre gregos ricos e pobres. Na iminência de uma guerra civil, decide, como
legislador, pela nova partição apenas até certo limite, arrefecendo o conflito então posto. Podemos multiplicar
esses exemplos até o contemporâneo, como as leis fabris na Inglaterra ou as leis trabalhistas no Brasil da primeira
metade do século XX. O importante é não descartar o terreno jurídico por ser expressão da dominação de classes
e, igualmente importante, reconhecer que esta é sua determinação material irrevogável. É a existência das classes
que torna funcional o terreno jurídico, das formas arcaicas e antigas, às modernas.
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uma suposta autonomia do fenômeno e da própria atividade do jurista lhe são garantidas,
afastando-a da realidade econômica, e “mascarando” a influência dessa realidade no direito.
Nesse sentido, o conteúdo e a forma do direito passam a assumir uma “roupagem fetichista de
forças soberanas da humanidade” (VAISMAN, 2010, p. 52).
No momento em que a divisão social do trabalho delega o cuidado do âmbito
jurídico aos seus especialistas, ocorre aquilo que Lukács chama de “ideologização da
ideologia”: fecha-se o ciclo da ideologia, pois os especialistas do direito tendem a apresentar
uma resistência à visão ontológica do fenômeno ideológico, procedendo com uma espécie de
“operação escamoteadora”. Conforme Vaisman:
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conforme uma certa “lógica jurídica” autossuficiente, que necessita cada vez mais de
“especialistas” capazes para tanto. No entanto, para que um sistema jurídico possa ser real,
não basta que seja teórico, mas deve, antes de tudo, ser prático. Assim, o caráter do direito é
duplo: ao mesmo tempo em que ele deve expor a factualidade do modo mais exato possível
em termos de definição ideal, essas constatações também devem compor um sistema formal,
coeso e livre de contradições. Com efeito, o sistema jurídico não espelha a realidade, mas a
manipula em busca dessa aparência de coesão. Sendo assim, o funcionamento do direito
positivo se dá através da manipulação das contradições existentes na realidade, de modo que
através disso surja não só um sistema unitário e coeso, mas um sistema capaz de regular na
prática as contradições sociais, capaz de se mover entre os polos antinômicos elasticamente,
com o intuito de implementar nos casos concretos as decisões que não ameaçam seriamente a
preservação das relações postas. Destarte, para que a manipulação aconteça, faz-se necessária
a existência de uma técnica bem própria, o que explica o fato de que o complexo jurídico só é
capaz de se reproduzir se houver em conjunto uma reprodução de seus especialistas
(LUKÁCS, 2013).
Importa ressaltar que a especificação da função ideológica do direito não o impede
de se inter-relacionar e se alimentar de outros conteúdos. Como dito acima, o direito se
configura como um corpo aparentemente coeso, coerente e isento de contradições, e como
instrumento de resolução de conflitos sociais que reflete o estágio desse conflito e que segue
precisamente uma direção de apaziguamento tensionado. Ele reflete o meio econômico de
forma aproximada, mas não mecânica, até porque do contrário sua efetividade estaria
comprometida. O direito, portanto, deve pretender o máximo de universalidade, objetividade
e autonomia possíveis para cumprir sua função de regulação, e é aí que a análise do direito
enquanto ideologia deve ser feita. Não importa, portanto, se o direito é falso, pois o que o
determina enquanto ideologia é se ele cumpre o seu papel como forma de regulação e
ordenação da vida econômica de forma efetiva.
Dado o duplo caráter do direito como ideologia, ele se diferencia da filosofia, por
exemplo, na medida em que a filosofia constitui, junto com a arte, aquilo que Lukács chamou
de “ideologia pura”. Formas ideológicas puras são aquelas que não estão diretamente
vinculadas à ação prática humana, objetivando cultivar o gênero humano (VAISMAN, 2010,
p. 57), diferenciando-se, portanto, do direito e da política, formas ideológicas que visam atuar
diretamente na práxis humana. A filosofia configura uma forma ideológica particular, cuja
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Como visto, em síntese, o estudo das formas ideológicas exige o mesmo rigor que
qualquer análise que se lance sobre o plano concreto. Mesmo porque está pressuposto a
compreensão deste plano concreto para a devida apreensão. No caso, considerando a
ideologização da ideologia como atributo dos juristas, o exercício sucinto aqui no presente
tópico tem natureza meramente demonstrativa e não conclusiva. Para isso, vamos considerar
aspectos acerca do direito social que Cesarino Júnior esboçou sob as confluências dos anos de
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1930 e 1940 no Brasil (Direito Corporativo e Direito do Trabalho, de 1940, e Direito Social
Brasileiro, do mesmo ano, atualizado várias vezes até os anos de 1950).
Procura-se apontar as marcas da crítica romântica do capitalismo nas condições do
capitalismo no Brasil do período como sustentáculo do chamado direito corporativo, não se
tratando de um espelhamento mecânico do fascismo, mas sim de uma variante do ideário
nostálgico do corporativismo medieval de talhe católico e industrialmente orientado para as
condições nacionais de então que, em insuficiência material, recorre compreensivelmente ao
Estado como agente modernizante. Aliás, solução compartilhada em grande medida pelas
vias mais tardias de objetivação do capitalismo, como a própria Alemanha, remontando aos
processos turbulentos do século XIX, não obstante a particularidade do processo brasileiro.
Enquanto a via prussiana teve por anterioridade a existência do feudalismo, a via colonial
marcadamente brasileira é historicamente delimitada no sistema colonial escravista já
integrado de modo subordinado aos processos dinâmicos principalmente europeus. Essa
diferença separa claramente a particularidade brasileira, cuja objetivação capitalista se dá de
maneira hipertardia se comparada ao modo tardio prussiano e clássico inglês e francês. Certos
aspectos, no entanto, igualam o modo tardio e hipertardio: processo de modernização não
revolucionário, dado por via de conciliação entre as classes (CHASIN, 1978).
Para efeito de recuperação, basta dizer que a crítica romântica do capitalismo que se
desenvolve no entre guerras parte do reconhecimento de certas modalidades de contradições
da sociabilidade, mas nega a alternativa prática de superação do próprio capitalismo,
estabelecendo uma espécie de resignação a um capitalismo modificado em termos de
limitação do liberalismo. Diante da inexistência de uma real “terceira via”, a crítica romântica
é uma apologia indireta ao capitalismo. No caso brasileiro, de condições débeis de
objetivação do capitalismo, essa crítica romântica assume formas diferenciadas. É o caso, por
exemplo, do integralismo de Plínio Salgado. Tratou-se de uma “proposta ruralista, tecida
sobre as mal traçadas linhas de uma crítica romântica ao capitalismo” (CHASIN, 1978, p.
618) que, em sua especificidade,
[...] não foi certamente uma cópia [do fascismo]; correspondendo às condições
histórico-sociais, foi um movimento reacionário, conciliatório, norteado por valores
e interesses da pequena-burguesia parasitária do capitalismo; inscrito num
panorama de capitalismo atrasado, o presente e sobretudo o futuro lhe causavam
medo, e ele incorporou um máximo de tradição ruralista e patriótica, refugando a
dinâmica do mundo industrial; para fazer isso, absorveu elementos essenciais do
fascismo, que o inspirou em boa parte, desenvolvendo, todavia, traços próprios que
permitem considerá-lo uma variante especificamente brasileira; se não foi um
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A gênese do direito social, tal como Cesarino Júnior foi capaz de apreender, é o
conflito social e a ele deve retornar para, como ideologia, atuar em suas direções. Explicou o
jurista que como o “Direito Social se criou para resolver as questões surgidas com o
aparecimento da grande indústria, entre patrões e operários, teve ele, a princípio, os nomes de
Direito Industrial e de Direito Operário, com as correspondentes finalidade de regular as
relações oriundas desses problemas” (1957, p. 27). Não obstante o fato de capturar o
problema da gênese, não era dada a possibilidade de determinar a real funcionalidade do
direito e jamais pôde abandonar sua posição social que, muito próxima de homens como
Roberto Simonsen, cobrava resposta prática na direção da industrialização. Este último
aspecto não é, em absoluto, desimportante. A filiação a determinados interesses sociais postos
no contexto conflituoso implica uma programática manifesta através da pena do jurista.
Embora o próprio autor não estivesse em condições de apreender, a “situação econômica
geral” atuou sobre a “mentalidade dos legisladores”2 (1987, p. 91).
Mas a força do período não se direcionava tão somente pelo aspecto industrializante.
Refletia-se na manifestação de grandes questões da época. Os conflitos sociais no exterior, a
revolução russa de 1917, as críticas de diferentes tipos ao capitalismo rodavam o mundo:
O período entre as duas guerras foi dominado pela doutrina corporativista na área
católica. Várias idéias estavam confluindo numa fórmula: a crise da representação
liberal, um certo esvaziamento dos parlamentos, a necessidade de superar o conflito
capitalismo vs. comunismo, a nostalgia das corporações medievais, o
reconhecimento de que nós entrávamos numa época em que a sociedade seria
organizada em corporações (em sentido lato) (TORRES apud CHASIN, 1978,
327).
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JÚNIOR, 1957, p. 23), explicou o autor. Em discussão acerca da nomenclatura, grafou que “a
lembrança da sua origem na solução da ‘questão social’, nas dúvidas entre as ‘classes sociais’,
ao mesmo tempo que a extensão do campo de aplicação das novas normas jurídicas,
inspiradas aliás, em conceitos filosóficos opostos ao individualismo, não deixava de influir
para que se desse, ao novo direito, também a denominação de Direito ou legislação Social”
(1957, p. 27).
A crítica romântica aqui não se completa pela constatação do aspecto individualista
do capitalismo - o que é tautológico -, mas pela resposta de uma propositura que nega
peremptoriamente a alternativa prática disponível à época. Quer dizer, a recusa do caminho
socialista revolucionário, de um lado, e a constatação dos problemas intrínsecos do
capitalismo, de outro, assinalam a busca de uma via que não existia. Após dar mostras da
recorrente ignorância acerca do marxismo, condição compartilhada, aliás, com muitos de seus
contemporâneos e sucedâneos, sustentou que o “coletivismo é, relativamente, uma escola
moderna (…). É uma doutrina nascida no século XIX, tendo sido CARLOS MARX,
sobretudo na sua obra ‘O Capital’, quem a sistematizou” (1957, p. 65). Não apenas não há
sistematização em O capital sobre assunto e, se houvesse, não seria sobre coletivismo. É a
vulgata que operava em todos os níveis e servia à contrapropaganda da revolução russa (cuja
pobreza material já tinha se revelado cabalmente nos anos de 1930, isto é, o retrato de uma
revolução que não que tinha condições objetivas de ocorrer, mas não poderia deixar de ser
realizada). O que Cesarino denomina de “coletivismo integral de MARX” (1957, p. 67) não
passa da posição ideologicamente instruída a encontrar uma posição intermediária e
inexistente entre capitalismo e socialismo. Não há dúvidas com respeito a isso, pois,
contrariando todos os nexos concretos que apontam, com o mais alto rigor, para o trabalho
como o fundamento da produção social, sustentou, sem provas aliás, que “sem a propriedade
privada, não haveria riqueza a distribuir, pois, a mola da produção é o interesse privado”
(1957, p. 69). Vê-se que a crítica romântica que se esboça é igualmente uma apologia indireta
do capitalismo. E a propositura que Cesarino Júnior adjunta é para que se confirme o “espírito
da legislação social do trabalho, principalmente no Brasil”, orientada “no sentido da
solidariedade social, do equilíbrio de interesses, da justiça social e da dignidade do homem”
(1957, p. 101).
Todos esses apetrechos expressam o empuxo de garantir que os fundamentos da
ordem do capital permaneçam intocados. Não é algo que se oculte a todo instante, mas
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também não é parte do argumento geral sempre reposto. Todavia, ao classificar as leis sociais
quanto aos efeitos sobre a produção, explicou que não tinha “em vista encarar as leis sociais
mais do ponto de vista de sua elevada finalidade, pois agora o aspecto em que nos colocamos
é tão somente o de sua influência no mecanismo da produção. (...) qualquer conclusão a
respeito deve ter por escopo, para ser a um tempo útil e justa, propor, nunca qualquer medida
prejudicial a essas finalidades, mas tão somente as alterações aconselháveis no seu modus
faciendi, isto é, modificações de forma e não de conteúdo”. É uma expressão de caráter
positivista, do cálculo entre riscos de danos e chances de êxitos. Mais importante ainda, é que
o jurista ecoava não apenas a posição da classe industrial brasileira em sua vigorosa iniciativa
de estabelecer limites aos inevitáveis direitos sociais naquele período, em fazer a legislação
refletir as condições de realização dos interesses do capital em condições débeis de
desenvolvimento. Ecoava igualmente o contumaz argumento desta classe de que os
legisladores são estranhos em matéria econômica. Em linguagem condizente com o que está
em jogo, escreveu que é “óbvio que este estudo lucraria muito mais em ser feito por um
industrial e não por um professor universitário”, explicou o jurista, fazendo reverência a
Roberto Simonsen de passagem. “E se o fizemos - queremos repeti-lo - é unicamente com o
intuito de sugerir a sua realização pelos competentes” (CESARINO JÚNIOR, 1957, p. 93).
Sua vinculação ao projeto industrializante é bastante evidente, diferenciando-o da variante
ruralista que marcou, como visto, o integralismo de Plínio Salgado.
Essas questões são adensadas pela análise de material da mesma época e terminam
por enfatizar ainda mais o aspecto conciliatório ao dar preponderância ao Estado. O jurista
responde, por encomenda do então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo, o recorrente Roberto Simonsen, sobre as diferenças entre a organização do Estado
Brasileiro, determinada pela Constituição de 1937 e a organização do Estado Corporativo
Italiano3. Concluindo pelas diferenças mais do que pelas igualdades, ressalta que na “esfera
econômica, em matéria de organização do Estado, há que acentuar a preocupação política
dominando a economia italiana e o fato da Constituição de 1937 traçar somente as bases de
um corporativismo de Estado, já plenamente atuado no Estado Fascista Italiano” (1940, p. 9).
3
Mais tarde escreveria: “No capítulo sobre a ordem econômica, vê-se muito forte a influência da Carta do
Trabalho italiana” (Cesarino Júnior, 1957, p. 124). Completando em nota que “Não significa isto, porém, a
inexistência de diferenças entre a nossa legislação social e a italiana. Há diferenças fundamentais” (1957, p. 124,
nota 166).
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em sua forma corporativa e idealizado na qualidade ente moral supra classe, que servisse de
alavanca necessária a tais processos nas condições atróficas de um capitalismo hipertardio. E
é por esse motivo que a crítica ao capitalismo que dá o arranque a esse processo é, ao final,
uma apologia do capitalismo.
Nesses termos, revela-se que o fio vermelho é a crítica romântica do capitalismo que
pressupõe superá-lo sem, de fato, mudar sua essência. A ilusão do controle das contradições
por meio dessa modalidade política se desfez no tempo histórico, pois irromperam à luz do
dia nos períodos subsequentes, denotando os limites e a temporalidade de medidas desse tipo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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direito social orientado a influir principalmente sobre as questões postas entre capital e
trabalho.
Essas contribuições apontam também para a necessidade de continuação da
pesquisa, uma vez que os achados se sustentam em poucos materiais. Seria muito importante
adicionar outros elementos de composição do pensamento jurídico do período em tela, mas
também seria proveitoso abarcar outros períodos e outros personagens igualmente
indispensáveis e que marcaram o processo histórico nacional.
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Salesianas, 1935.
SIMONSEN, Roberto. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. São Paulo: Editora Nacional, 1973.
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STREET, Jorge. Ideias sociais de Jorge Street. Brasília: Senado Federal, 1980.
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UMA REFLEXÃO SOBRE AS CATEGORIAS:
CAMPESINATO E AGRICULTURA FAMILIAR
COMO PROCESSO DE LUTA
RESUMO
Em homenagem aos “Cem anos da Revolução Russa", esse trabalho propõem uma reflexão histórica
sobre o “Relato de pesquisa do retrato da repressão política no campo: Brasil 1962-1985 - camponeses
torturados, mortos e desaparecidos”. Qual foi o legado dos camponeses em 1917, quais foram as
transformações sociais e políticas naquela época e como essa revolução reverberou na
contemporaneidade. Uma análise de pesquisadores críticos que revelam através de entrevistas,
memórias e uma vasta pesquisa bibliográfica, quais foram as perseguições camponesas no Brasil. Uma
releitura da construção de uma luta emancipatória campesina, suas contradições e o desmantelamento
das relações sociais. Pretende-se também analisar a desconstrução do conceito camponês em outra
terminologia - os agricultores familiares.
ABSTRACT
In honor of "one hundred years of the Russian Revolution", this paper proposes a historical reflection
on the "research report on the portrait of political repression in the countryside: 1962-1985 Brazil-
peasants tortured, killed and missing". What was the legacy of the peasantry in 1917, which were the
socio-political transformations of that epoch and how the revolution reverberated in contemporary
times. Also approaches an analysis of critical researchers reveal through interviews, memoirs and a
wide bibliographical research; how were the peasant chases in Brazil. We have here the construction
of retelling a peasant emancipatory struggle, its contradictions and rupture of social relations. Lastly
is intend to analyze a deconstruction of the concept peasant in another terminology- family farmers.
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INTRODUÇÃO
Neste ano homenageamos os “100 anos da Revolução Russa” seu legado, e quais
foram as transformações sociais, políticas, históricas e culturais conquistadas ao longo desse
século. Este trabalho propõe uma releitura de um “Relato de pesquisa do retrato da
repressão política no campo: Brasil 1962-1985 - camponeses torturados, mortos e
desaparecidos”. Quais foram as influências desse movimento revolucionário em 1917 e nos
tempos atuais. Trata-se de um recorte da opressão, resistência e luta dos camponeses na
Rússia naquele ano e o seu alcance nas décadas de 60 a 80 no Brasil.
Para compreender melhor as mudanças e as transições neste período, foram
utilizadas várias fontes de informações:
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Em 1859, na confecção de sua obra, Karl Marx descreve como foi construído o
processo de produção do capital (a acumulação para o capitalismo) e a expropriação que
levou os camponeses, ao desmantelamento de suas relações sociais, levando-os a um quadro
de miséria, delineando a construção de um novo sistema de exploração da mais valia e
transformando em capital. Nesse percurso, houveram resistências, conflitos e subordinação
dos camponeses:
O preço pela luta contra a opressão e expulsão de suas terras significou a perda de
suas próprias identidades, quando muitas vezes eram levados à clandestinidade e á miséria na
cidade maior, longe de seus familiares, forçados a romperem seus vínculos mais essenciais. A
outros, o terror do passado deixou derradeiras marcas emocionais, que não esmaecem nem se
apagam (CARNEIRO, 2010, p.20).
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hoje se batem contra a pressão espoliadora do agronegócio que concentra cada vez mais as
terras disponíveis, seja enquanto “sem terra” ou como agricultor familiar. Apenas pode-se
considerar que em geral, pesquisas tem apontado para o fato de que a presença de
assentamentos de trabalhadores rurais, ou a concentração de pequenas propriedades, ou
posses caracterizando a produção familiar, tem demonstrado uma tendência a efetivação de
impactos socioterritoriais positivos contribuindo tanto para a preservação ambiental como
para a distribuição de alimentos contribuindo para as políticas de Segurança Alimentar e
Nutricional, e, finalmente fortalecendo o desenvolvimento regional e com a melhoria da
qualidade de vida (FERNANDES, 2004, p.2).
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desfrutavam dos poucos empregos da fraca indústria russa, viviam descontentes com esse
governo (CHRETIEN, 2017, p. 20).
Foi a partir dos anos 1950 que os movimentos passaram a generalizar o uso do
termo “camponês” no país, revestindo demandas locais em propostas políticas
vinculadas a um projeto nacional. A palavra reunia ampla gama de categorias -
lavradores, trabalhadores rurais, meeiros, foreiros, agricultores familiares, pequenos
proprietários, posseiros, articulando reivindicações diversas: direitos trabalhistas,
acesso à previdência social, direito à posse, reforma agrária, etc. Assim, carregava
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A resistência do campesinato brasileiro, através de sua luta por terra e por direitos,
trazia em si singularidades, como a repressão política e as transformações democráticas.
Muito antes do golpe militar de 1964, o campo brasileiro já era um trágico palco de abusos e
assassinatos de trabalhadores rurais. As associações de trabalhadores rurais e as ligas
camponesas expandiram-se nas décadas de 50 e 60, desenvolvendo-se significativamente no
Nordeste, mas tiveram também núcleos no Paraná, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no
Rio Grande do Sul e em Goiás. Mesmo diante de tantas coerções ainda havia certo espaço
para as manifestações populares, uma possibilidade de enfrentamento contra a violência dos
patrões. Era adotado um sistema de sindicatos, mas a situação se tornou ainda mais crítica nos
anos 1970, quando ocorreu um maior número de prisões e assassinatos dos líderes
camponeses, praticadas por pistoleiros, jagunços e capangas, que eram contratados por
latifundiários e empresas, para matar e muitas vezes, para compor milícias privadas. Um
percurso violento que se estende no tempo e no espaço (CARNEIRO, 2010, p.21-28).
A questão agrária, tão antiga quanto vasta, incide diretamente sobre a longa história
de lutas sociais no país. A “reforma agrária”, ao contrário, remete ao designativo
mais recente, datada de meados da década de 1950, e a um discurso estatizado. A
questão agrária sempre existiu, com ou sem projetos de reforma agrária,
acontecendo independentemente desta última (NATIVIDADE, 2013).
Portanto, o processo que cria a relação-capital não pode ser outra coisa que o
processo de separação de trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho,
um processo que transforma, por um lado, os meios sociais de subsistência e de
produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados.
A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o processo
histórico de separação entre produtor e meio de produção. Ele aparece como
“primitivo” porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que
lhe corresponde (MARX, 1859, p.340).
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[...] todos os momentos em que grandes massas humanas são arrancadas súbita e
violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho
como proletários livres como os pássaros. A expropriação da base fundiária do
produtor rural, do camponês, forma a base de todo o processo. Sua história assume
coloridos diferentes nos diferentes países e percorre as várias fases em sequência
diversa e em diferentes épocas históricas (MARX 1859, p. 341-342).
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RESULTADOS ALCANÇADOS
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
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files/2014/06/Texto-6.pdf>. Acesso em: 22 set. 2017.
641
Grupo de Trabalho 09
ARTE E LITERATURA
EM CENÁRIOS SOCIOJURÍDICOS
dcxlii
O DIREITO E SUAS NECESSÁRIAS INTERAÇÕES
COM A LITERATURA E A TECNOLOGIA
RESUMO
ABSTRACT
The present work had as objective to analyze the relation between Law and Literature and
technological innovations, evaluating the influence that is exerted, of reciprocal form, between these
subjects for the creation of laws. First, a parallel was drawn on the ways in which these different
fundamentally distinct systems evolve, highlighting the different rhythms with which changes occur in
each of them. After this initial analysis, it was intended to discuss the mutual influence that is exerted in
each system. The study aimed to examine whether linguistic and technological innovations influence
the law or whether legislation and jurisprudence can dictate the directions of literature and
technology. Thus, it was verified the existence or not of an integration between Law and Literature and
the level of integration between the systems based on the text of the author François Ost, "The
Reflection of the Right in the Literature".
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INTRODUÇÃO
Em uma análise superficial, é certo que Direito, Linguagem e Tecnologia são áreas
que abordam ramos notoriamente diversos do estudo científico, possuindo poucas
características em comum e diferentes formas de construção. E, ainda hoje, são estudadas e
concebidas de forma isolada, sem que haja esforço de integração de seus sistemas de
estruturação.
O presente e preliminar estudo se desenvolveu diante da percepção de que há
necessidade que seus estudos e desenvolvimentos sejam integrados, porque a pouca
integração entre elas é prejudicial aos seus próprios aprimoramentos e adequação social.
Partiu-se da ideia de pensar um estudo ou uma ciência multidisciplinar, cujo qual
tem como proposta aliar os sistemas, integrando-os, o que visa colaborar com suas respectivas
evoluções. Logo de início já foi possível vislumbrar o surgimento de novas disciplinas e
grupos de estudo, que propõem efetivar essa ligação constante entre os diferentes ramos,
como, por exemplo, um estudo do livro “Crime e Castigo”, do escritor russo Fiódor
Dostoiévski, e sobre como as câmeras de vigilância podem auxiliar na prevenção e repressão
aos crimes.
Com relação às tecnologias, quase impossível negar que há uma interação delas com
o Direito e que essas interações ocorrem de maneiras distintas, podendo os recursos
tecnológicos servirem de auxílio à resolução dos conflitos, mas também se valem do Direito
para regulamentar o seu uso ou proteger seus dados – como nos casos de propriedade
intelectual relacionado a novos programas e aparelhos, por exemplo.
Já no que tange ao Direito e a Literatura, esta consiste em uma maneira do Direito
compreender a razão prática, ao passo que a literatura perpassa a mera retórica judicial,
alcançando questões fundamentais de justiça e poder.
Considerando a obra de François Ost, “El Reflejo Del Derecho em La Litertura”, e
de Austin Sarat, Cathrine O. Frank, e Matthew Anderson, “Teaching Law and Literature”,
bem como as aulas ministradas pelo professor Vicente Riccio na disciplina “Direito, Mídia e
Construção Social do Justo”, do Mestrado em Direito e Inovação da Universidade de Juiz de
Fora, se desenvolveu um estudo balizado na compreensão da inter-relação dos ramos e a
necessidade de entender como ocorre a integração multidisciplinar.
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Fato é que toda nação possui seu formato de Direito, o qual terá desenvolvimento ou
alteração mais facilitada ou mais burocrática, mas, da mesma forma que as sociedades
evoluem, as normas também sofrem mutações para acompanharem – ou tentarem
acompanhar – as novas formas de expressão, composição e inovação da coletividade que visa
regular.
A doutrina e a jurisprudência, mesmo em países de Civil Law, denotam, cada vez
mais, seu potencial para impulsionar mudanças, almejando tornar o Direito aplicado eficaz. A
evolução pode ser lenta, mas ocorre, e os fatores de inovação, assim como os de reflexão, são
essenciais à formação de um novo contexto ensejador de atualizações.
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sendo utilizada para oitiva dos envolvidos em um processo, sejam eles partes ou testemunhas.
Os casos judiciais em que são utilizados recursos tecnológicos também têm crescido, embora
ainda haja notória resistência por parte dos operadores da lei.
A utilização das inovações nos casos judiciais não tende a diminuir, pelo contrário, a
tendência é que sejam mais valorizados no processo como lastro probatório ou meio de
obtenção de provas. Existe uma inevitabilidade de que as provas obtidas por meio de
inovações, como vídeos, gravações sonoras e coisas do gênero, repercutam de forma mais
intensa na formação da opinião do espectador, e essa repercussão precisa ser analisada de
maneira crítica e objetiva, para que a incorporação ao sistema judicial não abale as garantias
constitucionalmente asseguradas às partes envolvidas. No presente trabalho não se pretendeu
desenvolver essa temática, servindo apenas para demonstrar que a incorporação tecnológica
também requer estudo e regulamentação – devendo haver dinamicidade nesse processo.
Os desafios lançados ao Direito envolvem não só a imprescindibilidade de
incorporação das ferramentas tecnológicas, o que demanda repensar conceitos jurídicos, mas,
também, regulamentar o desenvolvimento dessas inovações e seus limites de alcance. A
integração entre os sistemas enseja dificuldades, considerando as diretrizes do texto legal e a
dinâmica veloz das inovações. Talvez uma das maiores dificuldades seja entender que, para
que haja integração, deve ocorrer verdadeira mudança e não mera incorporação dos recursos
na aplicação das normas atuais, pois serão conflitantes. O Direito deve ser repensado como
um todo, para que haja recepção dos meios tecnológicos, de modo que se evite o dissenso
entre os doutrinadores e aplicadores.
Antigos conceitos jurídicos devem ser repensados para que se crie um novo formato
de processo, o qual se coadune com a inserção de recursos tecnológicos e abarque a própria
regulamentação do uso das tecnologias. Sem uma reforma substancial não é possível haver
uma integração eficiente entre os ramos. O Novo Código de Processo Civil Brasileiro se
propôs a algumas mudanças, mas manteve uma concepção engessada, pois o estudo para a
sua criação não foi multidisciplinar, tendo apenas focado nas normas já existentes e
reformulações pouco significativas ao ramo tecnológico.
É de extrema importância um estudo multidisciplinar para que exista a integração
entre os sistemas jurídico e tecnológico, uma vez que o Direito se forma pelo clamor social e
o contexto vigente, sendo inegável que a popularização das tecnologias torna imprescindível
sua incorporação.
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a soma dos estudos dessas duas ciências possibilita novas formas de ver o Direito e, também,
novos modelos de construções literárias.
A Literatura também pode ser considerada uma fonte de conhecimento jurídico,
assim como são os costumes, porque ela retrata o que já foi vivenciado ou está sendo vivido
em uma determinada época e em um local específico. Afora o fato de que muitas obras
literárias vão além do seu tempo, explorando situações que um dia poderão se tornar um
conflito fático e judicial.
Enquanto o Direito figura como uma ciência mais fechada, a Literatura tem como
característica ser ampla, aberta a visões de mundo completamente diferentes, o que incita o
sujeito que está envolvido em sua trama a sentir empatia aos personagens. O leitor consegue
vivenciar novas situações e, assim, se posicionar sobre aquela situação retratada após uma
reflexão palpável.
A construção de uma formação mais crítica é importante para o ensino jurídico, pois
isso vai além de um auxílio ao desenvolvimento crítico dos indivíduos, isso toca questões de
justiça e equidade. O Direito deve ser dotado de estudos mais aprofundados para que não se
torne uma ciência superficial e distante da realidade em que esteja inserido.
No que concerne ao uso das tecnologias, o profissional da área jurídica necessita
desenvolver habilidades na área tecnológica, pois as exigências estão maiores, não basta mais
apenas saber digitar, é preciso entender um pouco das configurações dos sistemas. Isto ficou
claro a partir da implantação dos processos jurídicos eletrônicos, que são meios facilitadores
(pois permitem acesso à distância) e também complicadores para quem não se adaptou aos
meios digitais.
O número de analfabetos digitais é grande, o que tem como um dos fatores o
conflito de gerações, pois alguns se negam a aderir à realidade digital da comunidade ou ainda
possuem um acesso precário, outros sequer entendem como pode se dar o uso de provas de
vídeo, áudio e etc – o que na verdade ainda gera dúvidas em todo o meio jurídico, seja ele
acadêmico ou relacionado à práxis -. As mudanças, mesmo que positivas pela facilitação do
acesso e da ampliação dos meios probatórios, ainda gera dificuldade de adaptação e
obstáculos que precisam ser superados pelo Poder Judiciário.
Os cursos jurídicos estão carentes de disciplinas que considerem a exclusão digital,
bem como promovam um estudo mais profundo sobre as provas no processo. É cada vez
maior o número de casos envolvendo contratos via telemarketing, crimes virtuais, flagrantes
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registrados em vídeos, e muitos desses temas ainda não estão devidamente ou suficientemente
regulamentados pelo legislador.
É necessário que os aplicadores do Direito priorizem a inserção dos aparatos
tecnológicos, renovando suas posturas e se abrindo aos novos meios e possibilidades, com o
fito de dinamizar a tramitação dos processos, para que a justiça se torne eficaz, garantindo o
acesso à justiça, à igualdade, a informação e, como consequência, teremos a consolidação da
Democracia.
CONCLUSÃO
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pois não é mais condizente ao novo contexto. Afora o fato de que o trâmite para elaboração
ou alteração de uma norma não é apto, regra geral, a acompanhar de forma adequada o
desenvolvimento tecnológico e suas constantes transformações, ficando o ordenamento
jurídico, frequentemente, em falta para com a sociedade.
O Direito, como instrumento de gestão do convívio social, serve para pacificar e
organizar o espaço público, necessitando, portanto, ser reflexo das demandas da sociedade em
que se encontra inserido. Ele representa a expressão da vontade social, não estando, portanto,
submetido a conceitos imutáveis, pelo contrário, precisa se adequar aos avanços.
De tudo que fora exposto, resta claro que a inter-relação do Direito com a Literatura
e as tecnologias é algo intrínseco à sua própria natureza, porquanto ambas lhe permitem se
atualizar e se manter alinhado aos valores da comunidade. Para que isso se torne real, deve o
Poder Público incentivar a integração desses ramos científicos, criando e exigindo a
incorporação de disciplinas multidisciplinares nas grades curriculares, fornecendo incentivos
para que as empresas e o ordenamento possam estabelecer acordos voluntários de
desenvolvimento e regulamentação das tecnologias, enfim, promover estudos
interdisciplinares.
Destarte, se faz necessária a criação de meios que garantam maior eficácia das
diretrizes jurídicas e integração das tecnologias ao mundo jurídico, para que representem,
efetivamente, a vontade social.
REFERÊNCIAS
OST, François. El Reflejo Del Derecho En La Literatura. Doxa, Cuadernos de Filosofía del Derecho, 2006, 29, p.
333-346.
SARAT, A.; FRANK, C.; ANDERSON, M. Teaching Law and Literature. New York, Modern Language
Association, 2006.
STRECK, Lenio. Verdade e Consenso. 2 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008.
TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães. Direito e Literatura: aproximações e perspectivas
para se pensar o direito. In: TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães (Orgs.). Direito &
Literatura: reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
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ORDEM E DESORDEM NA FRONTEIRA DO DESERTO:
A NARRATIVA DE BREAKING BAD E
AS TRANSGRESSÕES MORAIS.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a análise da narrativa do seriado Breaking Bad, do canal de
televisão por assinatura AMC, criado por Vicent Gilligan utilizando como contraponto conceitual
produções acadêmicas nacionais selecionadas que versam sobre análises pontuais de características da
sociedade brasileira, buscando estabelecer paralelos conceituais que aproximam as particularidades
existentes entre as representações arquetípicas dos personagens da série e a teoria que se conecta à
realidade brasileira. A complexidade narrativa do seriado, assim como o teor das obras nacionais aqui
selecionadas, permite uma coerente análise das representações e dos modelos utilizados no enredo do
seriado que revelam traços das contemporâneas configurações sociais do mundo ocidental. Como
método de análise destacamos pontos centrais da narrativa das cinco temporadas que compõem o
seriado, contrapondo os discursos e representações ali produzidos às teorias contidas nas obras
acadêmicas nacionais selecionadas. Como resultado, será esclarecido como os indivíduos
representados na narrativa do seriado se relacionam com as questões de ordem e desordem e como as
transgressões ocorrem numa configuração social contornada pela moral religiosa protestante.
ABSTRACT
The objective of this paper is to analyze the TV series Breaking Bad, from the cable TV channel AMC,
created by Vicent Gilligan, using as conceptual counterpoint selected national academic productions
that discuss punctual analyses characteristic of Brazilian society, in order to establish conceptual
parallels that approximate the existing particularities between the archetypal representations of
characters from the series and the theory that connects it to the Brazilian reality. The narrative
complexity of the series, as well as the tenor of the national works selected for discussion, allow for a
coherent analysis of representations and of the models utilized in the series plot that reveal traces of
the contemporary social configurations of the Western world. As method of analysis, we highlight
central narrative points of the five seasons that compose the series, contrasting the discourses and
representations there produced to the theories pertaining to the selected national academic works. As a
result, this paper explains how individuals represented in the narrative of that series relate to questions
of order and disorder and how the transgressions occur in a social configuration circumvented by the
protestant religious morals.
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INTRODUÇÃO
1
MILL, Stuart. Utilitarismo: Introdução, tradução e notas de Pedro Galvão. Trad. Pedro Galvão. Porto: Editora
Porto Editora, 2005, p. 43.
656
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2
De acordo com Anthony Stevens (2012) “os arquétipos dão origem a pensamentos, mitologemas, sentimentos e
ideia semelhantes nas pessoas, independente de classe, credo, raça, localização geográfica ou época histórica. A
herança arquetípica inteira de um indivíduo compõe o inconsciente coletivo, cujo poder e autoridade pertencem a
um núcleo central, responsável pela integração da personalidade como um todo, que Jung chamou de si mesmo”.
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indivíduos. O que Walter White deseja inicialmente, e que se apresenta como mote principal
do seriado, é a felicidade de sua família, ou seja, a manutenção efetiva dos seus entes na
sociedade de consumo. O objetivo do protagonista fica claro quando este, sabendo que
morrerá de câncer e sua família ficará desprovida depois do inevitável desenlace, estabelece
como meta uma quantia de dinheiro que seria bastante para atender as exigências mínimas
dos seus familiares, tais quais, educação, plano de saúde, faculdade e alguns confortos.
Resolve, pois, unir seu conhecimento em química à expertise das ruas, que Jesse Pinkman,
seu parceiro na empreitada, parece possuir, e monta o lucrativo negócio de produção e venda
de metanfetamina.
Algumas produções culturais se apresentam como marcos representativos destes
valores puritanos, que até hoje em dia permeiam o consciente e inconsciente da sociedade
norte-americana. Nathaniel Hawtorne no livro “A letra escarlate” narra a história de Hester
Prynne, uma jovem que, quando da ida do seu marido à guerra em Amsterdã, acaba se
envolvendo, secretamente, com Arthur Dimmesdale, o jovem sacerdote da cidade, e
engravida deste. A comunidade puritana de Boston do século XVII ao tomar ciência do fato -
do adultério de Hester - clama pela condenação da personagem, o que, de fato, acontece.
Além da prisão, Hester é condenada a usar perpetuamente a letra A escarlate presa às suas
vestimentas. Ou seja, a letra A (de adultério) escarlate é a marca da vergonha, do pecado, da
humilhação e do mesmo modo, dos valores da sociedade.
Embora compelida pela comunidade a revelar o nome de seu amante, Hester Prynne
não o faz. O sacerdote, no entanto, com a culpa e o pecado pesando em sua consciência –
mecanismos de repressão interna - se pune, de diversos modos, chegando a gravar no seu
peito, na carne, a letra A, assim como Hester Prynne. Por baixo de sua batina está a vergonha,
a penitência auto infligida por ter pecado, mas a cor escarlate da letra marcada no dorso tem a
cor do próprio sangue do pastor. Mas ninguém sabe, a sociedade de Boston do século XVII
não desconfia que o pastor violou as regras morais. A letra escarlate se encontra escondida
dos olhos dos cidadãos.
A letra escarlate é a expressão-símbolo da sociedade moral tradicional norte-
americana. Uma sociedade rígida, obcecada com o irrestrito e imediato cumprimento da lei e
da observância da moral, preocupada com a ordem cujos indivíduos se apropriam, por vezes,
da lógica utilitarista para operacionalizar suas intenções de conquista do saldo líquido de
prazer.
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A teoria ética utilitarista, que encontra em Stuart Mill seu maior defensor, parte da
premissa de que o objetivo principal na vida dos indivíduos é a busca pelo prazer. Assim, se a
finalidade da vida humana é a perseguição da felicidade, as ações moralmente corretas seriam
aquelas que se consolidassem como instrumentos para o alcance deste objetivo principal, vez
que “os princípios utilitários nos aconselham que boas ações são aquelas que produzem o
máximo de felicidade para o maior número de pessoas” (SARA, 2014).
O Princípio da Maior Felicidade, principal guia da teoria utilitarista, determina que
“as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida
em que tendem a produzir o reverso da felicidade”3 e desse modo, em nome do prazer e da
satisfação pessoal, as ações seriam moralmente justificáveis. Na busca pela felicidade
individual os indivíduos estariam ao mesmo tempo promovendo a felicidade geral vez que o
padrão moral teria a natureza de senso comum, seriam, em verdade, princípios morais gerais.
Decorre naturalmente daí que, uma vez que o significado de felicidade é compartilhado por
toda uma sociedade, a busca da felicidade de um indivíduo seria uma colaboração para a
felicidade de toda a sociedade em que os valores fossem compartilhados.
Assim, o certo e o errado na ética utilitarista se mostram como parâmetros flutuantes
que, de acordo com a situação concreta, podem sofrer alterações nos seus significados,
outrora estabelecidos pelo método indutivo/empírico. O que foi considerado certo uma vez, e
possibilitou dada conduta individual do ponto de vista moral, pode não ser considerado certo
na próxima oportunidade. Os conceitos de certo e errado seriam constantemente reanalisados
à luz da necessidade de se obter saldos positivos de prazer e, deste modo, a decisão a ser
tomada ou o ato a ser realizado seria moralmente correto se tal conduta tivesse o condão de
proporcionar ao indivíduo uma maior felicidade.
A útil letra escarlate é, enfim, o pecado racionalmente praticado, que se esconde por
baixo das roupas, muito embora marcado na carne. Se esconde, em verdade, dos olhos dos
outros. É a vergonha do pecado cometido, mesmo que não visto por ninguém, e por assim ser,
ainda que exista a reprovação do próprio individuo da sua conduta, uma vez libertado das
correntes morais, a lógica utilitarista se mostra como um permissivo para a o ilícito, para a
desordem. A performance do indivíduo é o que vale se um bom resultado é alcançado, e o
que existe de ruim neste ato, o que se mostra como negativo, imoral, não merece ser visto, por
ninguém, nem pelo próprio indivíduo.
3
Stuart Mill, op. cit, p. 48.
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661
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6
Antônio Cândido, op. cit., p.70
7
Ibidem, p. 71
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8
Roberto Schwarz, op. cit., p. 150
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(...) de um lado temos a ênfase numa lei universal (cujo sujeito é o indivíduo),
sendo apresentada como igual para todos; e de outro, temos a resposta indignada de
alguém que é uma pessoa e exige uma curvatura especial da lei (...) duas noções
operando de modo simultâneo, devendo a pesquisa sociológica localizar os
contextos em que o indivíduo e a pessoa são requeridos.12
O malandro, para DaMatta, surge nas situações concretas, forçando sua passagem
através do uso do poder e prestígio disponibilizado pelos ritos autoritários que permitem sua
transição do domínio do indivíduo para o domínio da pessoa, e é assim que o “uso do rito de
autoridade expressa uma tentativa de transformação drástica, do universo da universalidade
9
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Ed.
Rocco: Rio de janeiro, 1997, p. 185
10
Ibidem, p.192
11
Ibidem, p. 222
12
Ibidem, p. 229
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A narrativa da série Breaking Bad revela que por trás da sociedade de indivíduos -
baseada na aplicação da lei geral para todos, do moralismo puritano norte-americano
ensejador de uma culpa interna repressiva que impediria o processo de formação de formas
espontâneas de sociabilidade - existe uma estrutura social que denuncia a conduta individual
que, mediada através de manejos muito bem calculados, escapa da rígida ordem imposta.
As ações das personagens da série indicam a existência subjacente de uma desordem
latente que denuncia com mesmo efeito a ausência de obsessão de uma ordem que sobrevive
apenas como uma fina camada superficial da sociedade norte-americana. São desvios
comportamentais, imoralidades, transgressões, ilicitudes que passam desapercebidas pelo
13
Ibidem, p. 219
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termômetro ético das consciências das personagens e que ganham corpo no cotidiano, nas
práticas sociais rotineiras, exigindo, para tanto, longos formatos de adaptação.
Walter White possui marcado no seu dorso uma imensa letra escarlate cuja
acentuada cor é composta pela mistura do sangue das vidas ceifadas em decorrência da
ganância cega e do egoísmo do personagem. Diante da necessidade de sua sobrevivência e de
sua família, o anti-herói opta por caminhar pelo mundo sem quaisquer amarras morais, muito
embora mantenha, ciente do olhar vigilante da comunidade em que vive, a fantasia puritana
que exibe no dia a dia. White exige o lugar ao sol que tanta dedicação com o trabalho deveria
ter trazido da forma mais utilitarista possível, sob o salvo conduto do câncer, que na verdade
se alastra pela sua alma muito mais do que pelo corpo já doente.
Com a notícia do câncer, e do pouco tempo de vida que lhe resta, White decide
“despertar”, conforme enuncia no episódio piloto. Começa a produzir e traficar
metanfetamina para conseguir dinheiro para sua família, dado que sua morte é inevitável, e
mesmo sabendo que está cometendo um crime, a consciência desta conduta não lhe parece ser
um impedimento e isso graças a lógica utilitarista que orienta a consciência do personagem,
racionalizando suas condutas em torno de uma avaliação de custo e benefício. Nisto,
destacamos que a criação pelo protagonista de Heisenberg, seu alterego, é o ponto de virada
da narrativa da série que indica que as reflexões morais de White serão deliberadamente
suplantadas em determinadas ocasiões em benefício próprio.
White, inserido numa sociedade moral de valores rígidos, uma sociedade de
indivíduos - tal qual descreve DaMatta - ao se subordinar superficialmente à lei universal e
individualizante se revela como uma caricatura do moralismo que orienta a sociedade da qual
faz parte: possui um discurso sobre correção que orienta os caminhos de sua vida, mas tal
discurso se descola das suas ações. Mas esconde, e bem, as transgressões cometidas, e apesar
de ‘passar’ a imagem de um indivíduo que age corretamente, moralmente, temos um
personagem egoísta, por vezes cruel, e que não enxerga o prejuízo que causa ao mundo a seu
redor.
Para o protagonista não há problema algum em produzir e traficar metanfetamina e
que com isso seja causado um prejuízo à sociedade e, especialmente, à vida pessoal de seu
parceiro, que é viciado no produto que distribui. As preocupações de White com o jovem
parceiro se resumem às questões que envolvem exclusivamente a felicidade do protagonista.
Se a produção e a venda de metanfetamina forem prejudicadas por conta de algum problema
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na vida de Jesse Pinkman, afetando de algum modo o lucro do protagonista com o negócio,
White é capaz de resgatá-lo do inferno, e se sente bem com isso, como se fosse o salvador e
redentor do jovem. Através do correto e preciso manejo da hipocrisia e da mentira White
passa pelas reavaliações morais de suas próprias ações, e assim, dá continuidade aos seus
desejos e anseios, objetivando ao final, a sua própria satisfação material e emocional. A letra
escarlate permanece escondida sob suas roupas de tom pastel, que se tornam recorrentes a
partir do seu ingresso no mundo do crime.
Neste sentido, temos que White é um malandro, mas de natureza diversa daquele
compreendido pela análise Cândido: é um malandro do puritanismo, que através destes jogos
de interpretação entre o certo e o errado, orientado pela busca da felicidade, subverte a ordem
estabelecida, ocultamente, sem que ninguém saiba ou perceba. O segredo acerca do conduta
desviante, transgressiva, é condição indispensável deste modo de agir peculiar à sociedade
norte-americana.
Jesse Pinkman, o pupilo e principal comparsa de White, não racionaliza acerca de
suas condutas e, assim, dificilmente poderíamos afirmar que suas ações estão orientadas por
uma análise de custo e benefício, própria do utilitarismo. O personagem, um outsider viciado
em metanfetamina, que caminha pelo submundo das drogas, seja consumindo, seja vendendo
e produzindo, possui uma hipersensibilidade em relação ao mundo que conquista o
espectador. Pinkman é a resistência, é o olhar de humanidade que falta a quase todos os outros
personagens da série. E por isso se culpa, se destrói, e irracionalmente, se vê tragado para um
buraco que ele mesmo criou. Se existe algum traço de malandragem o personagem é apenas o
resquício do malandro romantizado, quase um pícaro, que se brutaliza ante as circunstâncias
da vida, mas possui uma natureza ingênua e uma espontaneidade que afasta a lógica
utilitarista. O comportamento em Pinkman são apenas reflexos de ataque e defesa, nada mais.
O cunhado de White, Hank Schrader, o agente da narcóticos que investiga, sem
saber, White, é o bastião da ordem, modelo forte de conduta regrada e ilibada, o arquétipo do
americano puritano tradicional. Hank é a referência de ordem e moral dos outros personagens
da série. Aos poucos, é revelado que o exemplar (e politicamente incorreto) agente do
departamento de narcotráfico da polícia de Albuquerque dá seus passeios pela desordem,
fazendo vista grossa aos roubos de sua mulher em lojas de jóias e roupas, torturando
prisioneiros para conseguir informações, importando charutos proibidos de Cuba, entre outros
deslizes morais e ilícitos, que passam desapercebidos por qualquer julgamento moral interno.
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Os desvios de conduta do bastião da ordem da série ocorrem através da mesma dinâmica que
as transgressões de White se dão. O custo-benefício das ações de Hank indicam que este
percebe que seus desvios são muito mais úteis que prejudiciais à sociedade. Ou seja, torturar
os prisioneiros não se mostra como atitude reprovável se tal proceder leva ao principal
traficante da cidade de Albuquerque, que causa com suas ações criminosas muito mais dano
aos indivíduos. Muito embora seja eixo de autoridade, Hank se apropria da ética utilitarista,
do mesmo modo que White. Através de um método indutivo/empírico, que leva em conta as
experiências pessoais, Hank pondera acerca de suas escolhas, buscando a melhor
performance, ainda que, os danos oriundos de tal escolha sejam inevitáveis.
Skyler, a mulher de White, irredutível personagem quando se trata de flexibilização
nas suas convicções morais, é a própria encarnação da obsessão norte-americana pela ordem.
É a mão-de-ferro que, através de seu discurso e ações, em inúmeros momentos, traz à tona
todo o sistema de valores morais constritores de condutas. Contudo, ao descobrir que o
marido está produzindo e traficando drogas, depois de superadas as tormentas que a
consciência lhe preparou, resolve tornar lícito o dinheiro sujo do negócio de White, propondo
a compra de um lava-jato, que serviria de empresa de fachada, se apropriando das mentiras do
marido, tornando-as verossímeis. Soma-se isto o caso extraconjugal que Skyler manteve com
seu chefe, mas que, no entanto, não aparentou qualquer arrependimento ou culpa. O
moralismo é, sem maiores reflexões, posto de lado, sem muitas cerimônias. O pensamento
consequencialista de Skyler demonstra o peso que a personagem confere à reinterpretação
entre o certo e o errado. Dependendo da circunstância, do caso concreto, Skyler adequa os
significados da moral que muito bem conhece. Mas, assim como o marido, mantém a letra
escarlate escondida por baixo da roupa, uma outra letra, diversa da A, de adultério, eis que o
caso extraconjugal não foi escondido dos olhos da sociedade.
Saul Goodman, advogado de White e Pinkman - que surgiu como um personagem
secundário, mas ganhou espaço e atualmente é o protagonista de uma série que carrega o seu
lema profissional, a saber, “Better call Saul”- é o que mais se aproxima do malandro
brasileiro, conforme o pensamento de Cândido. Goodman utiliza o trânsito entre a ordem a
desordem como ferramenta de trabalho. Entre ilegalidades, ilicitudes e o ordenamento
jurídico norte-americano, o patrono de White opera dentro e fora da lei e da moral, para
garantir a satisfação dos seus clientes, e consequentemente, alcançar o sucesso em sua
carreira. E nesta lista de ilicitudes que buscam se travestir em legalidades estão incluídas
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negociatas com traficantes e revendedores de drogas, lavagem de dinheiro, saídas legais para
problemas burocráticos, entre outras diversas práticas moralmente corrosivas.
Gus Fring, o poderoso executivo da rede de restaurantes de fast-food Los Pollos
Hermanos, controla ao mesmo tempo o mercado nacional norte-americano de metanfetamina.
Vestido com ternos impecáveis, uma postura elegante, cauteloso, disciplinado, uma fala
serena, calma, aparentemente, Gus é a própria visão da ordem, o exemplar mais puro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem (caracterização das memórias de um sargento de milícias) In:
Revista do Instituto brasileiro, nº 8, São Paulo, USP, 1970.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Ed. Rocco:
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671
Grupo de Trabalho 10
ESTADO,
POLÍTICAS PÚBLICAS E
GOVERNANÇA
dclxxii
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE:
UM ESTUDO DOCUMENTAL
RESUMO
Trata-se de estudo documental com abordagem quantitativa que visa discutir os principais casos de
procura do judiciário para solução de litígios relacionados às pessoas jurídicas de direito privado que
operam planos de assistência à saúde, regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Envolve direito social garantido constitucionalmente e, assim, a pesquisa abordará casos publicados da
26ª Câmara Cível do Consumidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no período de
2012 a 2016. No desenvolvimento será verificada a judicialização da saúde, ao considerar demandas
repetitivas relacionadas ao assunto, decorrente da falta de garantia a esse direito na esfera
administrativa. Os dados serão coletados por meio de formulário com a utilização de busca de
Decisões Monocráticas e/ou Acórdãos no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Assim, trará como possibilidade de solução para o problema a reestruturação da esfera administrativa.
ABSTRACT
This is a documentary study with a quantitative approach that aims to discuss the main cases of
judicial search for the settlement of litigation related to legal entities under private law that operate
health care plans, regulated by the National Agency of Supplementary Health. It involves a
constitutionally guaranteed social right and, thus, the research will address published cases of the 26th
Consumer Civil Chamber of the Court of Justice of the State of Rio de Janeiro, between 2012 and
2016. In the development will be verified the judicialization of health, when considering demands
related to the subject, due to the lack of guarantee to this right in the administrative sphere. The data
will be collected through a form using the search for Monocratic Decisions and / or Judgments on the
website of the Court of Justice of the State of Rio de Janeiro. Thus, it will be possible to solve the
problem of restructuring the administrative sphere.
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INTRODUÇÃO
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quanto aos direitos políticos. Já em relação aos direitos sociais, não apresentou grandes
alterações, apenas diminuiu as possibilidades de intervenção do Estado na esfera econômica.
O centro dos direitos sociais da atual Constituição (BRASIL, 1988) está fundado no
direito do trabalho e no direito de seguridade social e, em torno destes, outros direitos
gravitam. O direito à saúde é um deles, bem como o direito de previdência social, o de
assistência social, o de educação e o do meio ambiente.
A Constituição Federal de 1988 inaugura a abordagem sobre os direitos
econômicos, sociais e culturais no rol dos direitos fundamentais e, a fim de que esses direitos
sejam eficazes, menciona dispositivos que abordam a matéria, como, por exemplo, a previsão
de fonte de recursos para a seguridade social, com aplicação obrigatória nas ações e serviços
de saúde e às prestações previdenciárias e assistenciais (arts. 194 e 195) e a reserva de
recursos orçamentários para a educação (art. 212), além de outros (BRASIL, 1988).
Doutrinariamente, os direitos sociais são chamados de direitos fundamentais de
segunda geração e se revelam como direitos de crédito do indivíduo contra o Estado. Foi na
intenção de toda população ter acesso ao direito à saúde que o Sistema Único de Saúde (SUS)
foi criado pela Constituição Federal de 1988 (art. 198) e regulamentado pela Lei nº 8.080/90,
chamada Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990a), e pela Lei nº 8.142/90 (BRASIL, 1990b).
O SUS surgiu com o fim de modificar a situação de desigualdade na assistência à
saúde, através da obrigatoriedade do atendimento público a qualquer indivíduo, com
proibição de cobrança de quaisquer valores pelo serviço prestado. Dessa forma, pode-se dizer
que a ideia inicial era de equidade no atendimento das necessidades de saúde da população,
com oferta de serviços de qualidade adaptados às necessidades, independente do poder
aquisitivo do indivíduo. Objetiva gerar saúde ao privilegiar as ações preventivas e ao
democratizar as informações importantes, para que a população perceba seus direitos e riscos
à saúde.
As Leis 8.080/90 (BRASIL, 1990a) e 8.142/90 (BRASIL, 1990b) dispõem que, em
cada esfera de governo, a direção do SUS é formada pelo órgão setorial do Poder Executivo e
pelo Conselho de Saúde correspondente.
O SUS tem algumas responsabilidades, dentre elas, controlar a ocorrência de
doenças, seu aumento e propagação; controlar a qualidade de remédios, exames, alimentos,
higiene e adequação de instalações que atendem ao público, onde atua a vigilância sanitária.
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de saúde, em muitos casos, negam a prestação de serviço de saúde a usuários que têm direito
de obtê-los. Sendo assim, impossibilitada a resolução do conflito na esfera administrativa,
resta aos interessados buscar solução no judiciário.
Dessa forma, fica a cargo dos juízes decidirem demandas referentes a fornecimento
de remédios, tratamentos de saúde, cirurgias, internações, dentre outros procedimentos
terapêuticos. Portanto, o judiciário fica abarrotado de ações vinculadas ao tema saúde, o que
pode se denominar “judicialização da saúde”.
Se, com a existência de problemas, as pessoas se deparassem com uma
administração bem estruturada, capaz de apresentar soluções, elas não teriam necessidade de
procurar o judiciário, o que colaboraria para reduzir o número de demandas repetitivas.
Além disso, é importante destacar que, para resolver demandas referentes à saúde, o
julgador adentra em um domínio que foge ao seu conhecimento técnico. Desta forma, para
melhor solucionar os problemas que envolvem prestação de serviços e produtos de saúde,
seria adequado reestruturar a administração, tendo em vista ser este o setor responsável.
Logo, diante dos entraves apresentados quanto à prestação de serviços e produtos de
saúde, o estudo analisará os principais pedidos judiciais referentes à saúde vinculados à
prestação de serviços pelos planos de saúde, no âmbito da 26ª Câmara Cível do Consumidor
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no período de 2012 a 2016.
2. HIPÓTESE
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3. JUSTIFICATIVA/RELEVÂNCIA
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4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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5. OBJETIVOS
6. METODOLOGIA
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como o estudo está em fase inicial, não há resultados concretos de quantificação das
principais demandas judiciais referentes à prestação de saúde pelos planos de pré-pagamento
no âmbito da 26ª Câmara Cível do Consumidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, no período de 2012 a 2016. Portanto, o desenvolvimento se dará com intuito de que
essas necessidades sejam contabilizadas, com observância de que o direito à saúde é
constitucionalmente garantido e se encontra no rol dos direitos fundamentais, o que
demonstra sua relevância à população.
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684
GOVERNANÇA CORPORATIVA,
GOVERNANÇA PÚBLICA E ACCOUNTABILITY:
INSTRUMENTOS PARA A CONCRETIZAÇÃO
DE DIRETOS FUNDAMENTAIS NAS COMPANHIAS ABERTAS
RESUMO
O presente trabalho visa analisar como as normas de governança corporativa e governança pública
podem contribuir para a efetividade dos direitos fundamentais, pelo fortalecimento do princípio da
prestação de contas (accountability), nas relações jurídicas polarizadas por sociedades anônimas de
capital aberto, mais especificamente as sociedades de economia mista. Para tal, primeiro será feita uma
breve análise das governanças corporativa e pública na cultura empresarial nacional e como a
governança pode ser instrumentalizada para a prevenção de danos aos direitos humanos/fundamentais.
Logo após, será procedido um estudo de caso a partir da análise dos instrumentos de governança
adotados pelas sociedades de economia mista Petrobras S/A, Copel S/A e CEDAE, além de um breve
exame a fim de averiguar se estas promessas se realizam, a partir de busca realizada no banco de dados
disponibilizado no sítio eletrônico do Ministério Público do Trabalho.
ABSTRACT
This present paper intends to analyze how corporate governance and public governance norms can
contribute to the enforcement of the constitutional rights, by the empowerment of the accountability in
the juridical relations polarized by join-stock companies, more specifically those that are state-owned
enterprises. In order to do it, will be proceeded a brief analysis of the corporate and public governance
in brazilian business culture, and how the governance can be utilized for the prevention of damages in
constitutional/human rights. There upon will be proceeded a case study by the review of governance
instruments adopted by Petrobras S/A, Copel S/A and CEDAE, and a short scrutiny to discover if these
promises are undertaken, by means of a search in the database from the website of the Ministério
Público do Trabalho.
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INTRODUÇÃO
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constitucional (art. 173). Muitas delas com ações negociadas em bolsa de valores, também se
submetem às regras da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, bem como devem estar em
conformidade com o que sugere o IBGC para que possuam um grau de governança perante a
Bolsa de Valores que possa atrair investidores.
Desse modo, o que em princípio se busca destacar é a relação entre direitos
humanos/fundamentais e mercado de capitais quando se está diante de uma sociedade de
economia mista. A ideia inicial é de alertar para o fato de que nem sempre o que as
companhias prometem aos investidores em matéria de sustentabilidade, respeito aos direitos
humanos/fundamentais, responsabilidade social, ambiental, etc., estão sendo efetivados na
prática, ou se constituem meros discursos desvinculados de qualquer prática. Também
deverão ser analisadas as normas, por exemplo, do TCU e TCE que versem sobre o controle
das estatais, visto que para além da prestação de contas propriamente dito, deverão, enquanto
entes da administração pública, ter uma boa governança pública também.
Governança pública, regra geral, vale ressaltar, é a capacidade que o estado tem de
executar as decisões tomadas. Assim, considerando a governança e a accountability para
efeitos de verificação da atuação estatal nas sociedades de economia mista, no que tange, por
exemplo, aos processos de corrupção sistêmicos ocorridos ultimamente no país, pode-se
ressaltar que há um déficit de accountability que gera, por si só, um déficit de governança.
Ressalta-se que o momento não é o mais adequado para tratarmos do assunto, restando o
mesmo apenas como exemplo: aquisição da Refinaria de Pasadena2. Plenamente perceptível,
no caso mencionado, a falta de governança, bem como de accountability (prestação de contas,
responsabilização dos agentes e responsividade)3.
Os programas e determinações de transparência dos atos públicos, por exemplo,
também não deixam de ser comando normativo, de origem inclusive constitucional, que
também não passa de “norma de papel” – o que é lamentável – mas que, em grande parte
2
Por todos, conferir reportagem que trata da condenação, pelo TCU, de 11 diretores da Petrobras pela compra de
Pasadena. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/07/1490125-tcu-condena-11-diretores-da-
petrobras-por-prejuizo-de-us-792-mi-na-compra-de-pasadena.shtml>. Acesso em 05 de out 2017.
3
Sobre a classificação, cabe observar que a accountability, além das formas vertical e horizontal pode ainda
ser entendida em 3 dimensões: (i) Prestação de contas: que reflete a transparência do governo para com a
população, como, por exemplo, Lei de responsabilidade Fiscal (LRF); (ii) Responsabilização dos agentes: os
agentes púbicos são responsáveis pelos mau uso dos recursos, como, por exemplo, Lei de Improbidade
Administrativa (LIA); e (iii) Responsividade dos agentes: está relacionada com a capacidade de resposta do
poder público às demandas sociais, como, por exemplo, colocar em prática as políticas escolhidas pelos
cidadãos, como, por exemplo, a imediata aprovação da Lei das Estatais em momento de descrédito nos
agentes da administração Pública (lei 13.303/2016)
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sem, ou muito pouca, efetividade. Ainda nessa linha, observa-se que enquanto se tem de um
lado normas que são soft law por parte do direito privado, como são as normas de governança
corporativa, por outro lado temos normas impositivas, decorrentes da lei e da própria
Constituição Federal e aí fica complicado estabelecer uma divisão nítida de aplicação às
sociedades de economia mista, ainda mais no que diz respeito à observância de normas
direcionadas a proteção de direitos fundamentais, não se olvidando de demais diretrizes de
outros órgãos como a OCDE, BIRD, BID4 etc.
Para uma melhor compreensão do acima apontado foram selecionadas três
sociedades de economia mista. São elas: Petrobras, Copel e CEDAE. O objetivo é demonstrar
se as companhias selecionadas estão agindo ou não em conformidade com o que apontaram
em seus estatutos ou códigos de conduta no que está relacionado aos direitos
humanos/fundamentais.
A metodologia utilizada na realização do presente trabalho se fez em razão da
análise da bibliográfica e documental, bem como do levantamento de dados empíricos
levantados junto ao banco de dados do Ministério Público do Trabalho, sendo o método
dedutivo-indutivo o utilizado para a conclusão do exposto.
4
Vale mencionar que recentemente (20.06.2017) foi aprovado pela CAE (comissão de assuntos econômicos) o
repasse de US$750 milhões oriundos do BID para o BNDES, a fim de financiar investimentos em energias
renováveis.
5
Empresa tida neste trabalho como atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de
serviços, como é enunciada pelo art. 966 do Código Civil, apesar das diversas teorias a respeito da empresa.
6
Artigo 170 da CRFB/88.
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sociedades em defesa e promoção dos direitos fundamentais a vinculam para além de normas
gerais, considerando ter advindo de sua liberdade no exercício da empresa o seu
comprometimento às normas de governança, tornando-a mais comprometida que as demais,
visto estar inserto em seus regulamentos e códigos de conduta referido agir. Dito de outra
forma, o comprometimento integra o objeto social e reforça o interesse público da companhia,
mais especificamente ainda da sociedade de economia mista.
11
Conflitos de agência são os conflitos entre as diversas partes interessadas de uma determinada empresa.
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Desse modo, a partir de um simples silogismo, conclui-se que todo ato violador de
direitos fundamentais seja um ato ilícito, máxime a partir do protagonismo conferido aos
direitos fundamentais com a promulgação Carta Constitucional de 1988, inserida no contexto
de afirmação das bases democráticas e valorização da pessoa humana. Portanto, a partir de tal
instrumento de governança, pode-se prevenir não só o conflito de interesses unicamente
econômicos, mas também aqueles em que se esteja em jogo direitos constitucionalmente
protegidos, e mais especificamente, os direitos humanos/fundamentais.
Por outro viés, as propostas de governança prescrevem maior transparência nas
atividades empresárias, partindo do pressuposto que a companhia deve prestar contas à
sociedade, em geral, de sua atuação. Desse modo, o consumidor/investidor consciente do
papel que as companhias devem desempenhar na sociedade poderá nortear a sua atuação no
mercado com base, não só com os proveitos que suas transações geram (a mercadoria ou os
dividendos), mas também com o que tal companhia gera de valor para o meio em que atua.
Não faz parte do escopo deste trabalho responder se o agente econômico, em posse de tais
informações, norteará (ou, pelo menos, levar em consideração) sua atuação com base nos
impactos gerados para a sociedade, meio ambiente, etc. Contentamo-nos com a mera
possibilidade que a exigência de respeito aos valores da pessoa humana possa vir dos próprios
agentes econômicos.
O mercado de capitais, portanto, pode ser visto também como um instrumento capaz
de auxiliar na construção de uma postura mais alinhada aos ditames constitucionais,
permitindo um atuar mais ético dos agentes econômicos, integrando investidores e
companhias de capital aberto e propiciando um maior controle e transparência também neste
aspecto, que vai além do controle econômico propriamente dito.
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Para ilustrar o acima mencionado, foram separadas algumas estatais: (i) Petrobras,
(ii) Copel e a (iii) CEDAE.
O objetivo é demonstrar o quanto as referidas empresas estão alinhadas com seus
estatutos e códigos de conduta para que se possa verificar o grau de efetiva governança, bem
como se estão alinhadas com as propostas apresentadas aos investidores no que se relaciona à
proteção de direitos humanos/fundamentais, de forma a demonstrar também o grau de
comprometimento das empresas com suas propostas e como seu efetivo agir no mercado.
Vale mencionar também que a Petrobras S/A é signatária do Pacto Global da
Organização das Nações Unidas, o qual “pretende mobilizar um movimento global de
empresas sustentáveis e as partes interessadas para criar o mundo que queremos”14 (ONU,
2017). Em sendo companhia de grande projeção nacional, e internacional, com ações
negociadas na B3 e na Bolsa de Nova Iorque, deve-se ficar atento para todo
comprometimento realizado para que não passem a ser apenas instrumento capaz de chamar a
atenção de investidores e que não tragam maiores consequências, tal qual a vinculação ao que
proferiram em relação à proteção e implementação de direitos humanos /fundamentais.
Também será apresentado o resultado de uma análise do banco de dados do
Ministério Público do Trabalho a fim de averiguar a possível violação de direitos
humanos/fundamentais dos empregados de tais companhia. Justifica-se a escolha pela
reconhecida fragilidade de tal parte interessada para corroborar com o acima referido que são
os trabalhadores os que mais sofrem lesão aos seus direitos fundamentais, para além dos
demais agentes que com a empresa se relacionam, como consumidores, fornecedores,
acionistas, investidores etc.
12
As estatais já constituídas à época da promulgação da lei terão 24 meses para se adaptar às disposições da Lei
13.303, conforme redação de seu art. 91.
13
Ver em: INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Governança Corporativa em
empresas estatais listadas no Brasil / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP : IBGC, 2017.
14
Disponível em: https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/mission, acessado em 02/11/2017.
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As breves linhas traçadas sobre o tema têm o condão, repita-se, de chamar a atenção
para a vinculação dos estatutos sociais e códigos de conduta das sociedades de economia
mista como elemento também de instrumentalização de governança pública e corporativa,
que devem ser considerados quando da análise para efeitos de verificação de accountability e
responsividade do agente público ante ao agente privado também em sede de mercado de
capitais.
Recentemente a Petrobras foi reconhecida “como uma das empresas brasileiras que
mais atendem a requisitos de conformidade, práticas de mercado e excelência em governança
e transparência” pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest)
para a formação do inédito Indicador de Governança (IG Sest), merecendo ser destacado ter
recebido nota 10 em todos os quesitos. 16 Também está previsto uma reformulação do estatuto
da estatal a fim de que se faça uma adequação do mesmo as novas regras impostas pelo
estatuto das estatais.17
Sobre suas ações, de acordo com a tabela abaixo, é possível identificar a composição
acionária em 30/09/2017:
15
Vale mencionar que a estatal foi criada pela Lei 2004/1953. Seu estatuto social foi alterado pela Lei 9.478 de
1997 e recentemente tem previsão de ser novamente modificado.
16
Conforme pode ser verificado em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/lideramos-ranking-de-
governanca-e-transparencia-com-nota-maxima.htm>.Acesso em 14 nov.2017
17
Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/5193255/petrobras-convoca-assembleia-para-discutir-
reforma-do-estatuto-social>. Acessado em 14 nov 2017.
694
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Tabela 1
Fonte: (Petrobras; 2017)
Tal tabela revela a divisão das ações em ordinárias e preferências. Estas sem direito
a voto por determinação do parágrafo único do art. 62 da Lei 9.478. Destarte, a União detém
50,26 % das ações ordinárias. Ressalte-se a participação do BNDES e do BNDESPar, tanto
no quadro de ações ordinárias, tanto no de ações preferenciais. A Petrobras negocia suas
ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE – New York Stock Exchange),
695
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18
Principle 1: Businesses should support and respect the protection of internationally proclaimed human rights;
and;Principle 2: make sure that they are not complicit in human rights abuses. Disponível em:
https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/mission/principles, acessado em 02/11/2017.
19
Disponível em: http://www.prt1.mpt.mp.br/component/mpt/?task=baixa&format=raw&arq=Ch6_yP7BU7lIK6
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20
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696
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7.783/1989”21 (MPT, 2016, p.2). Exsurge, portanto, da leitura de tal documento a agressão ao
direito fundamental à greve garantido no art. 9º da Constituição Federal.
4.2 COPEL
21
“Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I - o emprego de meios pacíficos tendentes a
persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve; II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do
movimento. § 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou
constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem. § 2º É vedado às empresas adotar meios para
constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do
movimento. § 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao
trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.”
22
Conforme disponível em:
<http://www.copel.com/hpcopel/root/sitearquivos2.nsf/arquivos/conduta_port/$FILE/ codigo_conduta.pdf>.
Acesso em 15 de nov.2017
697
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23
“Comprometida com a conduta ética e visando maior transparência e segurança de suas atividades, a Copel
possui o Portal Compliance e o Programa de Integridade, incentivados pela alta direção da Companhia. A
disponibilização de canais de acesso, abertos e amplamente divulgados ao público, empregados e terceiros,
expressa o compromisso da Copel com o cumprimento efetivo deste Código de Ética e de Conduta Empresarial.
Estes canais fazem parte do sistema de compliance adotado pela Companhia”. Disponível em:
<http://www.copel.com/hpcopel/root/sitearqui vos2.nsf/arquivos/conduta_port/$FILE/codigo_conduta.pdf>.
Acesso em 15 nov. 2017.
24
Nos termos do Código de Conduta: “O Conselho de Orientação Ética – COE é constituído como um colegiado
vinculado administrativamente à Presidência, com a atribuição de contribuir para que a atuação da Companhia
seja permanentemente conduzida por princípios moralmente sãos no desenvolvimento de seus negócios, bem
como pela divulgação e efetiva aplicação dos preceitos e orientações deste Código de Conduta por parte dos
empregados, administradores e contratados, em consonância com os valores da Copel, os Princípios do Pacto
Global e os Princípios da Governança Corporativa. O COE aprecia e emite orientação em processos relacionados
à conduta ética na Companhia. Para garantir transparência e autonomia, o COE é constituído por doze
conselheiros, dos quais onze são empregados da Copel nomeados através de circular e um é representante da
sociedade civil”. Disponível:
<http://www.copel.com/hpcopel/root/sitearquivos2.nsf/arquivos/conduta_port/$FILE/codigo_conduta.pdf>.
Acesso em 15 nov. 2017.
698
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CONCLUSÃO
25
Tal informação foi obtida no seguinte endereço: <http://www.cedae.com.br/portals/0/ri_cedae/a_cedae/distri
buicao_capital/distribuicaodosacionistas.pdf>
26
<http://www.cedae.com.br/Portals/0/codigoconduta.pdf>
27
<http://www.prt1.mpt.mp.br/component/mpt/?task=baixa&format=raw&arq=Ch6_yP7BU7lIK6x4RUYfsfHlX
trG3or4h2WtPnDHWWfFQ9k7TdFR6vM_8Gu2L0QaBlNeAXukdRmCy2gAz_jqf5RxbfFxv4z3fpgGJM7jX-L
9clgUfxw3ewq2c5EjeFRX>
699
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desenvolvimento prático das condutas assumidas no âmbito interno das companhias, condutas
estas que servem para traçar um norte ao investidor – e talvez aos demais agentes que se
relacionam com a companhia –, mas que não demonstram ter eficácia direta e ser condutas
efetivamente assumidas e seguidas pelas companhias de uma maneira geral.
A melhora na exigência de maior governança por parte da legislação, ainda que
pendente de melhoras na própria legislação, já aponta para um comportamento mais
condizente com a exigência do mercado, ao qual as sociedades de economia mista terão que
se adaptar, não podendo mais ficarem sob o manto da proteção do interesse público e de
normas de direito administrativo que impediam, de certa forma, maior acesso a informações
não só em relação ao atuar econômico da sociedade, mas também em relação ao seu agir em
conformidade com os ditames legais, tais quais os relacionados a proteção de direitos
fundamentais, direcionando a companhia para aquilo que podemos considerar como sendo
uma maior interação ética das estatais e mais alinhadas também com a teoria do Capitalismo
Consciente, em razão da personalidade jurídica de direito privado que recobre as sociedades
de economia mista, de forma que o interesse público possa ser identificado na realização
mesmo dos direitos humanos/fundamentais.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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700
O IMPACTO DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS
NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
RESUMO
A atuação dos movimentos de mulheres e feministas no Brasil tem sido de grande importância na
consolidação e garantia dos direitos das mulheres e na luta pela equidade de gênero. Nesse sentido, este
trabalho busca compreender a trajetória brasileira de luta das mulheres, desde a década de 1980 até os
dias atuais, no que tange a efetiva promoção de seus direitos a contar qualquer tipo de discriminação.
Como a estrutura de dominação do direito pode ser quebrada pela atuação tática do movimentos das
mulheres e feminista? Como instituições, Ongs, associações e movimentos na luta pelos direitos das
mulheres tem se articulado na promoção e garantias dos direitos das mulheres principalmente após o
final da década 1980? Desta forma, traçaremos a história da inclusão das pautas feministas nesses
movimentos e organizações, os avanços alcançados na luta pelos direitos das mulheres e o que muito
há por fazer pelas mulheres brasileiras.
Palavras-Chave. Feminismo, Direito das Mulheres, Esfera pública, movimentos sociais, trajetórias
históricas
[a]s mulheres que ouvimos não falavam nem de progresso nem de retrocesso, ao
passo que os homens, e por consequência os discursos que eles detêm, quase
sempre falam em progresso ou retrocesso, mesmo quando se inquietam com as
ameaças que pesam sobre um desenvolvimento durável (2011,p.72)
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representa menos de 10% nas eleições de 2014 na Câmara Federal, perdendo o Brasil para
todos os países da américa do sul (BLAY, Eva. 2017, p.50); onde estima-se que cinco
mulheres são espancadas a cada 2 minutos; o parceiro (marido, namorado ou ex-
companheiro) é o responsável por mais de 80% dos casos reportados, segundo a
pesquisa “Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado” (FPA/Sesc, 2010).
Importante ressaltar a aprovação da Lei Maria da Penha (lei 11.340) em 2006 onde
todo o processo começou no Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (Cejil) e no
Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). Quando os dois
órgãos e Maria da Penha formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) contra o então marido dela, o
colombiano Heredia Viveiros. A discussão que chega ao governo federal coordenada pela
secretaria especial de políticas para mulheres e pela repercussão internacional coloca as
autoridades do país em cheque.
Ainda nesse caminhar das trajetórias da consolidação de direito das mulheres e sua
ocupação nos mais diversos espaços de poder temos em 2010 Dilma Rousseff eleita
presidente da República. Pela primeira vez uma mulher ocupa o cargo mais elevado do
executivo federal.
Entre erros e acertos desse período, não podemos deixar de mencionar o quanto
misógino foi o processo de impedimento da mesma presidente no decorrer de seu segundo
mandato em 2016. Vinculações de imagens depreciativas com referências claras ao estupro.
A imagem da presidenta - com as pernas abertas sobre a entrada do tanque de combustível –
foi adesivada em alguns automóveis, sugerindo a vulgaridade da pessoa, a violação de seus
direitos, enquanto mulher, bem como uma vontade de que a política, ou seja, sua gestão
explodisse com a injeção da bomba de combustível em seu corpo, no caso, na sua vagina. No
entanto, quando alguma crítica política se dirige ao homem, não verificamos os mesmo
adjetivos misóginos ou pejorativos no sentido de ofender sua sexualidade.
Tal fato nos remete a questão da virilidade e violência abordada por Pierre Bourdieu
(1998) no poder simbólico masculino dos espaços públicos no que o autor chama de
“‘agorafobia socialmente imposta’, que pode subsistir por longo tempo depois de terem sido
abolidas as proibições mais visíveis e que conduz as mulheres a se excluírem motu próprio da
agora”( BOURDIEU,1998. p.52), isso somado a dominação do assédio com a conotação da
bomba de gasolina entrando e explodindo, assim o que acontece é que ele (o assédio) “visa,
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Dessa maneira dentro das políticas sociais as políticas de gênero fazem referência as
políticas do Estado que buscam reduzir as desigualdades e descriminação entre os gêneros e
atender as mulheres na sua condição de subjugação. Assim, essa inclusão demanda uma
necessidade de redistribuição e também de reconhecimento, implicando condições matérias
de existência e também de “condições simbólicas” que quebrem uma somatização das
relações sociais de dominação. (BOURDIEU, op.cit p. 33)
Nessa esteira de reconhecimento e redistribuição a qual menciona Nancy Fraser
(2001), temos que esses vetores da justiça vão estabelecer como as disputas serão resolvidas.
A política lida assim como quem pode reivindicar e nesse sentido há uma problema de falsa
representação. Tanto as políticas de reconhecimento quanto a de redistribuição são ações de
transformação que buscam assim os problemas estruturais que as originaram.
Assim, a forma como homens e mulheres foram alocados no mundo público ou na
esfera privada, revela o caráter patriarcal da doutrina liberal que vem hoje sendo
reforçadamente denunciado pelas teorias feministas. Dessa maneira, a autora se apoia na ideia
de que a família e a vida pessoal são reguladas politicamente, assim sendo, “problemas
pessoais só podem ser resolvidos através de uma reflexão política e de uma ação política”
(LAVINAS apud PATEMAN,1989).
Dentro desse contexto de ação política que os movimentos organizados de mulheres
e feministas tem procurado exercer sobre as cidades, para Lavinas uma espécie de lar
expandido. Assim nesse sentido as mulheres fazem suas reivindicações colocadas pelas lutas
urbanas, como moradia, qualidade de vida e serviços básicos. Surge então uma questão nessa
relação que é as mulheres estabelecerem o Estado como interlocutor na luta por atendimento
as suas necessidades, via formulação de políticas públicas e esse Estado para qual se voltam
as mulheres é o mesmo patriarcal que se apropria do trabalho doméstico não remunerado
delas, da maternagem e no trato com os idosos. (LAVINAS.L,ibidem,1997).
Como esse estrutura de dominação do direito e do Estado pode ser quebrada pela
atuação dos movimentos feministas? Se percebemos o Direito como instrumento de uma
dominação historicamente masculina e patriarcal com reprodução dos valores
heteronormativos como afirma Catherine Mackinnon1 (1991a), vendo as leis de
1
Estamos cientes dos problemas epistemológicos de trabalhar com a leitura de Mackinnon sobre feminismo,
principalmente na questão da diversidade, dado as premissas radicais que ela evoca em seu discurso. Nada
obstante, para os fins deste trabalho, sua perspectiva de igualdade e papel do Direito nos serve bem como ponto de
partida.
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discriminação sexual, que são analisadas dentro da teoria moral corrente, vêem as questões de
igualdade e gênero como questões de similitude e diferença. De acordo com essa abordagem,
que tem dominado a percepção política, jurídica e social, a igualdade é vista como
equivalência, não distinção, enquanto gênero é visto como uma distinção, não uma
equivalência.
O mandato legal da igualdade de tratamento, afirma Mackinnon, que é tanto uma
norma sistêmica quanto uma especificidade jurídica, se torna uma questão de tratar os iguais
como iguais e os desiguais a partir de suas desigualdades. Isto é, gênero é socialmente
construído como diferença epistemológica e a legislação limita a igualdade de gênero a partir
da diferença através da doutrina, o que acaba por não enfrentar diretamente a questão da
desigualdade histórica da vivência dos gêneros.
Como afirma Foucault (2014, p.37), existem “as sociedades do discurso, cuja função
é conservar e produzir discursos, mas para fazê-los circular em espaços fechados, distribuí-los
somente segundo regras restritas, sem que seus detentores sejam despossuídos por essa
distribuição”, isto é, o Direito como dominação atribui papéis pré-estabelecidos. Assim, ainda
com Mackinnon (1991b), a dominância reificada torna-se diferença. A coerção legitimada
torna-se consentimento. A realidade objetificada torna-se ideias. Ideias objetificadas tornam-
se realidade; e a realidade é inquestionável.
Já buscando respostas na teoria feminista pós-moderna do direito, por mais que sua
proposta não seja oferecer respostas mas destrinchar os questionamentos, argumenta que as
abordagens comparativas do tratamento igual (mulheres são como os homens) e do
feminismo cultural (as mulheres não são como os homens) assumem erroneamente que todas
as mulheres são, grosso modo, iguais, tal como os homens (LEVIT e VERCHICK, 2006).
Neste sentido, defende, por um lado, que as categorias binárias de homem e mulher são
ambas um produto e reprodução de relações de poder, estando especialmente interessada em
analisar como mulheres e homens são construídos pelo direito e como o direito reproduz as
relações de gênero (MCCORKER et al., 2000). Por outro lado, recorre à ferramenta da
desconstrução para questionar a existência de verdades absolutas e, em especial, de um direito
imparcial e objetivo (LEVIT e VERCHICK, 2006).
Na mesma linha, isto é, sobre a necessidade de repensar o “como se faz” pela via
institucional, Judith Batller (2008) afirma que as teóricas feministas que debatem o papel de
dominação social via legislação compartilham de três premissas: as doutrinas jurídicas
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convencionais, produzidas por homens, em uma sociedade dominada por homens, possuem
em si os preconceitos machistas, ainda que se digam ostensivamente neutros em relação a
gênero; a vida das mulheres são diferentes, por diversas razões, da vida dos homens, de modo
que as doutrinas tradicionais não conseguem encaixar ou retratar a realidade concreta das
vidas das mulheres; por fim, concordam que o desenvolvimento de uma teoria feminista do
Direito requer a produção de doutrina jurídica a partir de mulheres, que coloquem na teoria as
suas práticas, as suas vivências e suas perspectivas.
Neste sentido, a corrente feminista pós estruturalista vai dizer que o Direito não é
uma construção racional como a ciência jurídica propõe, menciona (OLSEN, 1990) tampouco
que o Direito seja masculino. O Direito não tem uma natureza imutável, ele é uma atividade
humana, uma prática social, que tem sido operada majoritariamente por homens e que, por
este motivo, as características culturalmente associadas ao masculino são ressaltadas e
valorizadas em detrimento das características associadas ao feminino, que não teriam sido
eliminadas, mas sim invisibilizadas. Então, a autora menciona que o “Direito é tão irracional,
subjetivo, concreto e particular como também pode ser racional, objetivo, abstrato e
universal”. (OLSEN, ibidem p. 32, 1990). Os estudos pós-estruturalistas vêm, assim,
confrontar o essencialismo da categorização de homens e mulheres feita por meio de valores
distintos e duais, sustentando que tal normatização é a própria origem das formas de opressão.
Assim, Olsen, parte da constatação de que desde o pensamento liberal, o nosso
pensamento (pensamento ocidental) se estruturou em torno de dualismos ou pares opostos:
ativo/passivo, racional/irracional, objetivo/subjetivo, cultura/natureza, universal/particular. Os
primeiros termos são culturalmente associados ao masculino e os segundos, ao feminino
(termos estão sexualizados e hierarquizados), de modo que esta bipolarização teria
contribuído para limitar o acesso e a influência das mulheres no Direito (já que o Direito é
identificado com o lado masculino dos dualismos).
Negando então que a irracionalidade e a passividade sejam categorias inerentes às
mulheres, pois elas teriam sido ensinadas a serem assim e isso precisa ser desconstruído, para
que as mulheres possam ter a capacidade de se desenvolver e, que a possibilidade de quebra
ou de inversão da hierarquia dos termos seria uma forma de subverter esses dualismos.
Nos perguntamos portanto como trazer essa perspectiva para o Direito? Sendo ele
participante da produção das identidades e na produção de políticas públicas é preciso incluir
o gênero no ensino do Direito, como aponta (REVOREDO, 2006). De acordo com a mesma,
710
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isso poderia ser feito de duas formas: uma mudança de cima para baixo, reelaborando a
estrutura curricular das faculdades, com o objetivo de formar operadores do Direito
questionadores de uma ordem sexista e conscientes da bagagem cultural que pode ser
estendida para aplicação e criação das normas ou, uma mudança de baixo para cima, quando
os professores e professoras trazem esse debate para dentro de sala de aula, inclusive
propondo disciplinas que tratem sobre gênero e sexualidade. Mas, como aponta Smart (2000)
é preciso considerar que nem todos os alunos se interessam pelo assunto e que muitos, não se
interessam não porque não seja relevante, mas que esse estudo mais teórico e crítico não é
absorvido depois pelo mercado de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
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O poder do direito e o poder do feminismo: revisão crítica da proposta teórica de Carol Smart (PDF Download
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critica_da_proposta_teorica_de_Carol_Smart. Acesso em 22 de Novembro 2017.
713
ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS
CONDENADOS (APAC) COMO POLÍTICA PÚBLICA
ALTERNATIVA AOSISTEMA CARCERÁRIO CONVENCIONAL
RESUMO
O presente trabalho visa demonstrar, através da jurisprudência, da doutrina e de dados numéricos, que
o sistema prisional brasileiro não cumpre com um dos seus objetivos centrais, qual seja, a
ressocialização dos condenados. Para ocorrer uma mudança nesse quadro deve ser aplicada uma nova
política pública ao sistema carcerário. Com esse objetivo, será demonstrado o método APAC como
política pública alternativa ao sistema penitenciário convencional. O método já é aplicado em alguns
Estados brasileiros e também outros países. Os resultados da aplicação do método “apaqueano” têm
sido positivos, pois respeita os direitos fundamentais do ser humano no momento da execução da pena
e os ditames previstos na lei de execução penal, de forma que o nível de reincidência torna-se baixo e o
custo mensal de cada preso é reduzido pela metade, se comparado com os números do sistema
prisional atual.
Palavras-Chave. sistema prisional brasileiro; direitos fundamentais dos presos; Estado de Coisas
Inconstitucional; execução penal; Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).
ABSTRACT
This work intend to demonstrate that the brazilian prison system do not fulfill its main goal: the re-
socialization of prisioners. Therefore, it will be shown the APAC as a alternative public policy. This
system has been aplied in some brasilian states and in others countries. The consequences of adopting
this method are positive: the fundamental rights of prisioners are respected, the predictions of penal
execution law are fulfilled, the nível of recidivism are low and the cost is cut in half if compare with the
tradicional system.
Keywords. Brazilian Prision System; fundamental rights of prisioners; unconstitutional state of affair;
penal execution; APAC.
714
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INTRODUÇÃO
1
ADPF 347 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016.
2
INFORMATIVO REDE DE JUSTIÇA CRIMINAL, São Paulo: ed. 8, jan. 2016.
3
Idem
4
Ibidem.
715
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um dos objetivos da pena, qual seja, a recuperação do apenado e a sua reinserção sadia no
meio social.
Como se afirma acima, apesar da Magna Carta dispor estes direitos e garantias ao
preso, a norma constitucional torna-se inócua e vazia de sentido frente à realidade do sistema
prisional brasileiro, pois não é devidamente aplicada na execução penal, tornando o texto
constitucional uma mera diretriz, quando deveria ser mandamental, sendo claro, como será
disposto a seguir, a ineficiência do Estado Brasileiro na implementação dessa política pública
O que se vê, no sistema penitenciário brasileiro, é a total discrepância entre o que é
determinado na Constituição e na lei de execução penal com o que realmente ocorre dentro do
cárcere. Ao preso e ao internado devem ser garantidos todos os direitos que não se oponham
ao que lhe foi retirado pela sentença: sua liberdade de locomoção.
5
CRFB, art. 5, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
6
ROIG , Rodrigo Duque Estrada. Direito e Prática Histórica da Execução Penal no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro:
Saraiva, 2006. p.15.
716
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7
GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso Atual e Soluções Alternativas.3. ed. Niterói: Impetus, 2016.
8
Idem 7.
9
Idem 7. p. 174 – 176.
10
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados apud .GRECO, 2016. p. 176.
11
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da
pessoa humana;
12
ADPF 347 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016.
717
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13
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas Inconstitucional.1. ed. Salvador: JusPodvim, 2016.
p. 271.
14
Vale salientar que, o Estado de Coisas Inconstitucional foi reconhecido pela primeira vez pela Corte
Constitucional da Colômbia, em um processo que envolvia direitos previdenciários e de saúde de professores
municipais. Esta Corte é conhecida como modelo de ativismo judicial na América do Sul e uma das mais ativistas
do mundo, voltada, sobretudo, para o “controle das práticas políticas e das ações dos Poderes Executivos e
Legislativos, e a promoção dos direitos fundamentais, sociais e econômicos” (YEPES, 2007 apud CAMPOS,
2016. p. 100). Após este processo, diversos foram os temas que tiveram como fundamento o Estado de Coisas
Inconstitucional e foram acolhidos pela Corte Colombiana, como por exemplo, reivindicações por melhorias no
sistema prisional colombiano.
15
CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de
descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil.
SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES
DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS
ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de
violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas
públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e
orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “Estado de coisas inconstitucional”.
FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária
das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional.
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso
perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão. (ADPF 347 MC,
718
Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
ISSN 2236-9651, n. 7
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016).
16
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF determina realização de audiências de custódia e
descontingenciamento do Fundo Penitenciário. Brasília, 09 set. 2015. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo= 299385>. Acesso em: 03 abr. 2017.
17
STF determina realização de audiências de custódia e descontingenciamento do Fundo Penitenciário. Brasília,
09 set. 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo= 299385>.
Acesso em: 03 abr. 2017.
18
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, InfoPen - Dezembro de
2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf/>. Acesso em: 05
abr. 2017.
19
Idem 18. p. 4.
20
Idem 18. p.18.
21
Idem 18. p. 4.
22
Idem 18. p. 37.
719
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ISSN 2236-9651, n. 7
prisional brasileiro não consegue atingir a finalidade da pena, qual seja, a reabilitação do
condenado e a sua reinserção na sociedade.
Por conseguinte, foi evidenciada, através desses dados, a falência do modelo
prisional atual, sendo este uma política pública que precisa ser revisada e reformulada para
que possa enquadrar-se com os dispositivos legais que o regulam e, acima de tudo, com o que
dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil. Partindo desse pressuposto, o
presente artigo, visa demonstrar o modelo “Apaqueano”, apresentando-o como uma
alternativa de política pública carcerária.
23
OTTOBONI, Mário; FERREIRA, Valdeci. Método APAC: Sistematização de Processos. 1. ed. Belo Horizonte:
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2016. p. 20.
24
Idem 23. p. 21.
25
Idem 23. p. 21.
720
Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
ISSN 2236-9651, n. 7
partindo dessa perspectiva, ele começou a se aprofundar sobre os problemas nos presídios de
todo o Brasil26.
Em 1986 foi fundada juridicamente a APAC de Itaúna – Minas Gerais, que,
atualmente, é referência no mundo inteiro, sendo uma entidade civil com caráter social, que
necessita de voluntários, conta com parcerias públicas e privadas e que tem o auxílio dos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como de empresas privadas e,
fundamentalmente, da comunidade27.
Em Minas Gerais, o Poder Público se envolve através da Secretaria de Estado de
Defesa Social, que garante o repasse de recursos financeiros; para isso ocorrer: “O Poder
Legislativo, por meio da Lei 15.299/2004, reconheceu as APACs como entidades aptas a
firmar convênios com o Poder Executivo [...]”28, já o Poder Judiciário contribuiu com o
“Projeto Novos Rumos”, que foi criado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com o
objetivo de difundir o método APAC nas demais Comarcas do Estado29.
Além de Minas Gerais, já existem APACs nos Estados do Espírito Santo,
Maranhão, Paraná, Rio Grande do Norte. Tendo ainda 6330 em processo de implementação,
“que ainda não tem uma sede ou um Centro de Reintegração Social, em vários Estados
brasileiros. Estas APACs existem juridicamente e estão em processo de implantação”31.
O método APAC, adotado nesses Estados é baseado no amor, na confiança e na
disciplina. A filosofia da APAC é “matar o criminoso e salvar o homem”32. Com isso, deve-
se enxergar o ser humano além das suas transgressões, incentivar a participação da família do
26
SILVA, Jane Ribeiro (Org.). A Execução Penal à Luz do Método APAC, 1. ed. Belo Horizonte: Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, 2012. p. 55 – 56.
27
Idem 23. p. 159 – 160.
28
Idem 26. p. 6.
29
Idem 23. p.19.
30
Localizam-se nas Comarcas de: Alfenas (unidade feminina), Araçuaí, Barbacena, Barroso, Belo Horizonte,
Bom Sucesso, Campos Gerais, Carlos Chagas, Conceição do Rio Verde, Conselheiro Lafaiete (unidade feminina),
Conselheiro Pena, Curvelo, Diamantina, Divinópolis, Guanhães, Ibiá, Ipanema, Itabira, Itabirito, Itajubá,
Itamarandiba, Jaíba, Manhumirim, Mantena, Matozinhos, Monte Santo de Minas, Montes Claros, Muriaé,
Nanuque, Nova Era, Novo Cruzeiro, Piumhi, Sacramento, Santa Vitória, Santos Dumont, São Sebastião do
Paraíso, Tupaciguara, Uberaba, Uberlândia e Varginha (MG); Alto Paraná, Cascavel, Cruzeiro do Oeste,
Jacarezinho, Londrina, Marilândia do Sul, Matelândia, Palotina, Piraí do Sul, Ponta Grossa, Prudentópolis, Santo
Antônio da Platina e Toledo (PR); Cachoeiro de Itapemirim, Vila Velha e Vitória (ES); Distrito Federal (DF);
Bacabal e Balsas (MA); Cuiabá (MT); Canoas (RS); Ji-Paraná e Porto Velho (RO).
31
FRATERNIDADE BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS. APACs filiadas em processo
de implementação. Disponível em: <http://www.fbac.org.br/index.php/pt/component/contact/category/72-apacs-
mundo/68-apacs-brasil/142-em-implantacao?alias=sao-joao-del-rei-feminina&limitstart=0> Acesso em: 18 abr.
2017.
32
OTTOBONI, Mário. Vamos Matar o criminoso?: Método APAC. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2014. p.49.
721
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33
Idem 32. p. 56.
34
Apesar da notável importância da educação, que além de prevenir a reincidência, é uma forma de remição de
pena (12 horas de frequência escolar é igual a menos 1 dia de pena), no sistema carcerário convencional, apenas
13% da população prisional participam de atividades educacionais (infopen, 2014, p. 6) Cabe salientar que apenas
50% de estabelecimentos prisionais têm salas de aula, apesar da obrigatoriedade do oferecimento, no mínimo, do
ensino fundamental aos presos (infopen, 2014, p. 118).
35
NEVES, Eduardo. Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados. Informações sobre APACs
[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <belinhagnunes@hotmail.com.br> em 02 maio 2017.
36
Idem 32. p. 58 – 59.
722
Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
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37
Idem 32. p. 65 – 100.
38
Tal diretriz, já presente no artigo 4º da lei de execução penal, o método APAC apregoa a conscientização da
sociedade, primordialmente da comunidade local, chamando-a para a responsabilização e cooperação na execução
penal, através do voluntariado.
39
Este elemento diz respeito à cooperação que deve ser incentivada entre os recuperandos, devendo ensiná-los a
viver em comunidade. Os apenados devem aprender a importância da solidariedade.
40
Cada regime prisional tem uma especificidade quanto ao trabalho. No regime fechado, o método APAC indica
os trabalhos laborterápicos (artesanais), no regime semiaberto o trabalho visa dar ao recuperando uma profissão,
caso ainda não tenha, ou praticar suas habilidades já adquiridas. Já ao passar para o regime aberto, o objetivo do
trabalho é a consolidação de todo o processo de transformação do recuperando. O trabalho nessa fase será uma
comprovação que o recuperando já está apto a viver em sociedade e a ter obrigações e responsabilidades.
41
A evangelização no método APAC é embasada na valorização humana. Inicialmente se deve reconstruir a
confiança no homem para que a partir disso o recuperando possa ter uma religião, sem uma imposição de credo,
fazendo-o refletir sobre o amor ao próximo e a oportunidade de uma vida nova.
42
A assistência jurídica deve se restringir àqueles definitivamente pobres que se encontram comprometidos na
proposta da APAC, não devendo apenas visar a liberdade do preso sem levar em conta os seus méritos.
43
A assistência à saúde deve estar em primeiro plano, pois além de dar maior qualidade de vida ao recuperando,
transmite a mensagem de cuidado e acolhimento. Para a aplicação desta assistência é necessário que se busque
voluntários da área da saúde, da localidade em que se encontra a APAC, que possam, mesmo que de forma
intervalada, prestar atendimento aos recuperandos.
44
Ações como chamar o recuperando pelo nome, ouvir as necessidades de cada um e tentar atendê-las dentro do
possível, conhecer a família de cada um que se encontra na entidade, são medidas que contribuem para a o
restabelecimento da autoestima do recuperando.
45
Em cada entidade deve haver um departamento próprio para lidar com os entes dos recuperandos, oferecendo
aos familiares cursos e palestras que façam estreitar o relacionamento destes com os recuperandos, buscando-se
sempre facilitar o contato entre os mesmos. Segundo o Informativo da Infopen (2014, p. 88-89), no sistema
carcerário atual, apenas 37% dos estabelecimentos prisionais tem local reservado à visitação, existindo somente
em 31% dos estabelecimentos prisionais locais destinados a visitas íntimas.
46
O trabalho na APAC é, em sua maioria, gratuito; a entidade deve manter-se pelo voluntariado e pelo trabalho
dos recuperandos. Após a captação dos voluntários, um curso será ministrado a eles, para que possam desenvolver
suas habilidades compatíveis com o trabalho na entidade.
47
Trata-se do espaço físico onde será constituída a entidade, visando o cumprimento da pena o mais próximo
possível do núcleo afetivo do recuperando. É disposto em três pavilhões, cada um para um regime: fechado,
semiaberto e aberto, respeitando desta forma o que preceitua a lei de execução penal.
48
Este fator deve se sobrepor ao lapso temporal para embasar a progressão de pena, verificado através das
atividades que o recuperando desempenha dentro da entidade, não sendo relacionado com uma obediência
imposta. O cotidiano do apenado, assim como todas as tarefas que desempenha, é registrado em uma pasta-
prontuário para que possa ser avaliado o mérito.
49
A Jornada de Libertação com Cristo é disposta em três dias, dividindo-se em duas etapas, com a seguinte
finalidade, conforme preleciona Mário Ottoboni (2016, p. 100), “a Jornada nasceu da necessidade de se provocar
723
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ISSN 2236-9651, n. 7
De acordo com o Sr. Ronald Nikkel, presidente e chefe executivo da PFI (Prison
Fellowship International), durante a realização do 6º Congresso Nacional das APACs na
cidade de Itaúna, Estado de Minas Gerais, em Julho de 2008: “o fato mais importante que está
acontecendo no mundo hoje, em matéria prisional é o movimento das APACs no Brasil”50.
Em contrapartida, resta inconteste a ineficiência do Estado Brasileiro na
implementação da política pública relativa ao sistema carcerário, após o que foi disposto
acima, é notório que a APAC seria uma opção viável de política pública a ser aplicada no
sistema carcerário, sendo o método apaqueano de fácil implementação.
Com base no livro “Método APAC: Sistematização de Processos”51, pode-se
compreender como se dá o processo de implantação de uma APAC. O processo inicia-se
através de uma audiência pública que tem por objetivo demonstrar à comunidade o método
APAC. A partir deste ponto, apura-se os interessados em criar uma APAC e também àqueles
que pretendem dar subsídios para tanto, após, forma-se uma assembleia geral e aprova-se o
estatuto pelos membros que estarão à frente da criação e gestão da APAC, devendo ser
encaminhado a FBAC, que emitirá um parecer sobre a aquiescência ou não da implementação
da nova unidade.
Após a aprovação pela FBAC, deve-se registrar a entidade no cartório da localidade
onde será implantada a APAC. Posteriormente a filiação, devem os membros dos conselhos
eletivos e demais responsáveis pela implementação visitar unidades que já estão em
funcionamento. Além disso, deverá ser realizado o seminário de estudos e conhecimentos do
método “apaqueano” juntamente com a FBAC.
uma definição do recuperando sobre a adoção de uma nova filosofia de vida [...], com o objetivo precípuo de fazer
o recuperando repensar o verdadeiro sentido da vida[...]”
50
FRATERNIDADE BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS. Filiação à FPI. Disponível em:
< http://www.fbac.org.br/index.php/pt/filiacao-a-pfi> Acesso em: 01 maio 2017.
51
OTTOBONI, Mário; FERREIRA, Valdeci. Método APAC: Sistematização de Processos. 1. ed. Belo Horizonte:
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2016.
724
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ISSN 2236-9651, n. 7
Para a instalação física da APAC é ideal que haja a aquisição de um lugar próprio,
com setores distintos para cada regime penal de cumprimento de pena. Podendo este ser
obtido através de uma cessão pelo Poder Público ou Privado de um terreno ou edificação,
podendo também ser alugado. Essa escolha deve ser levada a aprovação do Ministério
Público, do Poder Judiciário e da FBAC.
A partir desse ponto, a obtenção de parcerias é necessária para que possa ser dado
início aos trabalhos da APAC, essas parcerias podem se dar através de convênios com o
Poder Púbico estadual e municipal, instituições privadas sem fins lucrativos, empresas
privadas, entidades religiosas, bem como toda e qualquer instituição que possa contribuir para
o trabalho da APAC. Logo em seguinte é oferecido pela FBAC o curso de capacitação para
os voluntários que irão trabalhar na unidade.
A etapa posterior ocorre faltando três meses para o início dos trabalhos na unidade
da APAC, onde deverão ser escolhidos pela equipe da APAC dois a três condenados que
cumprem pena no sistema penitenciário convencional, para que façam um estágio em uma
APAC já instituída, com o fim de se adaptarem ao funcionamento do CRS e assimilarem a
metodologia.
Concomitantemente a etapa anterior, deve-se requerer ao Poder Executivo que seja
feito um convênio de custeio com a APAC, visando que sejam atendidas necessidades básicas
dos recuperandos. Os recursos que o poder público disponibiliza para a APAC é
correspondente a metade dos valores que disponibilizaria no sistema convencional para o
custeio do mesmo preso.
Antes de inaugurar a nova unidade da APAC, ocorre o estágio em APACs já
consolidadas para os funcionários que irão trabalhar nesse novo Centro de Reintegração
Social - CRS, esse estágio irá selecionar e qualificar os futuros funcionários da APAC.
Após todas as etapas acima concluídas, pode-se inaugurar o novo Centro de
Reintegração Social, a nova APAC começará suas atividades com número muito pequeno de
recuperandos, para que haja inicialmente uma adaptação não apenas dos apenados, mas
também dos voluntários e funcionários52.
Para assegurar a aplicação da metodologia na APAC recém-inaugurada é necessário
a constante comunicação da unidade com a FBAC. Este contato tem como fim controlar, de
52
OTTOBONI, Mário; FERREIRA, Valdeci. Método APAC: Sistematização de Processos. 1. ed. Belo Horizonte:
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2016..p. 30 – 31.
725
Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
ISSN 2236-9651, n. 7
forma habitual, as atividades da APAC, mantendo esse canal direto da unidade com a
Fraternidade.
Por todo exposto e, após esta sucinta disposição do processo necessário para
implantação dessa política pública, é notório que a implementação do sistema “apaqueano”
como política pública pode ser uma solução para a falência do sistema prisional convencional,
que atualmente é aplicado no Brasil. Para tanto, é necessário, para a implementação dessa
política pública, a colaboração da comunidade, cabendo ao Poder Público o papel de
incentivar e propagar a metodologia APAC, oferecendo subsídios para que o método
“apaqueano” seja instituído como política pública alternativa ao modelo prisional brasileiro.
53
FRATERNIDADE BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS. Relatório de Atividades da
FBAC – Abril de 2017. Disponível em:
<https://www.dropbox.com/sh/7epj02ditiaobua/AADsLlBfmNL6L0jS7OiwRAkOa>. Acesso em: 01 maio 2017.
726
Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
ISSN 2236-9651, n. 7
54
Idem 55.
55
NEVES, Eduardo. Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados. Informações sobre APACs
[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <belinhagnunes@hotmail.com.br> em 02 maio 2017.
56
FRATERNIDADE BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS. Mapa das APACs no mundo.
Disponível em: < http://www.fbac.org.br/index.php/pt/realidade-atual/mapas-2> Acesso em: 01 maio 2017.
57
Idem 53.
58
Localizam-se nas Comarcas de: Alfenas-MG, Araxá-MG, Arcos-MG, Campo Belo-MG, Caratinga-MG,
Canápolis-MG, Conselheiro Lafaiete-MG, Frutal-MG, Governador Valadares-MG (feminina), Inhapim-MG,
Itaúna-MG (masculina), Itaúna-MG (feminina), Ituiutaba-MG, Januária-MG, Lagoa Da Prata-MG, Manhuaçu-
MG, Nova Lima-MG (masculina), Nova Lima-MG (feminina), Paracatu-MG, Passos-MG, Patos De Minas-MG,
Patrocínio-MG (masculina), Patrocínio-MG (feminina), Perdões-MG, Pedra Azul-MG, Pirapora-MG, Pouso
Alegre-MG (masculina), Pouso Alegre-MG (feminina), Rio Piracicaba-MG (feminina), Salinas-MG, Santa
Bárbara-MG, Santa Luzia-MG, Santa Maria Do Suaçui-MG, São João Del Rei-MG (masculina), São João Del
Rei-MG (feminina), Sete Lagoas-MG, Teofilo Otoni-MG, Timóteo-MG, Viçosa-MG, Barracão-PR, Pato Branco-
PR, Macau-RN, Imperatriz-MA, Itapecuru-Mirim -MA, Pedreiras-MA, São Luis-MA, Timom-MA , Viana –MA.
59
NEVES, Eduardo. Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados. Informações sobre APACs
[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <belinhagnunes@hotmail.com.br> em 02 maio 2017.
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Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
ISSN 2236-9651, n. 7
criminal nas APACs de todo o Brasil, confrontando uma média de 80 a 85% que ocorre no
sistema prisional convencional e a média mundial que é cerca de 70%. Quanto ao custo
mensal de cada preso na APAC, este é de R$ 1.089,73, enquanto no sistema prisional
convencional o custo médio é de R$ 2.200,0060.
Diferente do que ocorre no sistema penitenciário atual61, nenhuma rebelião,
assassinato ou ato de violência foram registrados nas APACs, desde a sua criação, em 1992.
Mesmo as chaves do Centro de Reintegração Social estando sob o controle dos recuperandos,
fugas são consideradas raras dentro do sistema “apaqueano”62.
Consta destes dados, também, outra informação relevante: “Além dos funcionários
que atuam especificamente no setor administrativo, as APACs contam com mais de 800
voluntários atuando nos mais diversos setores, como saúde, educação, valorização humana,
revistas, etc.63”
Além disso, relativamente a experiência mineira, segundo relato de Cristiane Santos
de Souza Nogueira, no livro publicado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
divulgado em 2012: “As dezenas de unidades APAC, que são mantidas por convênio com o
Estado de Minas Gerais, custam aos cofres mineiros 1/3 (um terço) do valor que seria
despendido para manutenção do preso no sistema comum”64.
Para concluir, cabe ressaltar que avanços significativos já estão sendo alcançados,
em Minas Gerais, no mês de maio de 2017, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa do Estado realizou uma audiência pública com o intuito de discutir a implantação
do método APAC em todo o Estado. Um grande passo rumo à aplicação da metodologia
APAC como regra de modelo prisional e não mais exceção aplicada apenas em parte do
60
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cármen Lúcia diz que preso custa 13 vezes mais do que um
estudante no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83819-carmen-lucia-diz-que-preso-custa-
13-vezes-mais-do-que-um-estudante-no-brasil> Acesso em: 07 de maio 2017.
61
De acordo com o Informativo Rede Justiça nº 08 (2014, p. 6), confrontando a proporção de pessoas mortas por
100 mil habitantes da população brasileira, há uma disparidade de três vezes mais mortes dentro da prisão, do que
mortes que aconteceram fora do cárcere. Segundo o informativo: “ Mesmo sem a apresentação dos dados de São
Paulo e Rio de Janeiro, o número de mortes nas unidades prisionais brasileiras assusta: apenas no primeiro
semestre de 2014 foram registradas 565 mortes, sendo que aproximadamente metade delas foi classificada pelos
agentes públicos como violentas intencionais”.
62
Idem 59.
63
Idem 59.
64
SILVA, Jane Ribeiro (Org.). A Execução Penal à Luz do Método APAC, 1. ed. Belo Horizonte: Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, 2012.
728
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nosso país, logo tornando mais próximo a sua implementação como política pública
alternativa ao sistema carcerário brasileiro.
CONCLUSÃO
729
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política pública padrão ao cumprimento das penas no Brasil, pois este assegura uma forma
digna de cumprimento de pena. E o modelo prisional adotado atualmente, seria aplicado de
forma subsidiária, com as devidas correções, para alcançar os ditames da lei nº 7.210/84.
REFERÊNCIAS
______. STF. ADPF nº 347. Rel. Min. Marco Aurélio. J. 09/09/2015. DJe 19/02/2016.
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas Inconstitucional. 1. ed. Salvador: JusPodvim, 2016.
GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso Atual e Soluções Alternativas.3. ed. Niterói: Impetus, 2016.
OTTOBONI, Mário. Vamos Matar o criminoso?: Método APAC. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2014.
______; FERREIRA, Valdeci. Método APAC: Sistematização de Processos. 1. ed. Belo Horizonte: Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, 2016.
ROIG , Rodrigo Duque Estrada. Direito e Prática Histórica da Execução Penal no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro:
Saraiva, 2006.
SILVA, Jane Ribeiro (Org.) A Execução Penal à Luz do Método APAC. 1. ed. Belo Horizonte: Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, 2012.
730
OS PAÍSES DO BRICS E O
CONTEXTO INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO:
O DEBATE NO ÂMBITO DA GOVERNANÇA GLOBAL
RACHED, Gabriel
Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD/UFF)
RESUMO
Desde 2009, os países do BRICS vêm buscando estabelecer estratégias coordenadas para uma nova
plataforma de cooperação econômica entre esses países, com o objetivo de alcançar um maior nível de
desenvolvimento acompanhado de um reposicionamento na arena internacional. Apesar de todas as
diferenças, esses países têm alguns elementos e aspirações que os unem e o desafio consiste em
projetar uma plataforma comum para ganhar espaço e uma maior inserção do ponto de vista
internacional. Neste sentido, as questões podem ser colocadas da seguinte forma: num mundo em
constante transformação, no qual se percebe a perda do poder econômico e político dos poderes
tradicionais (especialmente Estados Unidos e Europa), como seria possível pensar inserção dos
chamados "países emergentes"? Como esse processo pode ser dinamizado com o conjunto de
instituições internacionais em vigor? O Novo Banco de Desenvolvimento (BRICS Bank) poderia
desempenhar um papel relevante neste contexto? Nesta perspectiva, pretende-se discutir como repensar
a inserção dos países do BRICS no cenário internacional, levando em consideração a dinâmica atual
em face às aspirações desses países do ponto de vista das instituições internacionais. Para tanto, a idéia
consiste em refletir sobre esses pontos, usando uma abordagem ampla e crítica acerca da temática em
questão.
Palavras-Chave. Inserção internacional dos países emergentes. BRICS. Nova Governança Global.
ABSTRACT
Since 2009, the BRICS countries have been seeking to develop coordinated strategies for a new
platform for economic cooperation between these countries, with the aim of reaching a higher level of
development accompanied by a repositioning in the international arena. Despite all the differences,
these countries have some elements and aspirations that unite them and the challenge is to design a
common platform to gain space and greater insertion from the international perspective. At this
moment, the questions are posed as follows: in a world in constant transformation, in which can be
perceived the loss of economic and political power of the traditional powers (especially the United
States and Europe), how it would be possible to think on the insertion of the so-called "emerging
countries"? How could this process be dynamic with the set of international institutions in force?
Would the New Development Bank (BRICS Bank) play a relevant role in this context? From this
perspective, this paper intends to discuss how to rethink the insertion of the BRICS countries in the
international scenario - taking into consideration the current dynamics face to the aspirations of these
countries from the point of view of the international institutions. In order to execute it, the idea is to
reflect upon these points, using a broad and critical approach to the thematic.
Keywords. International insertion of the emerging countries. BRICS. New Global Governance.
731
Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
ISSN 2236-9651, n. 7
Nas últimas décadas vem se observando uma série de transformações – cada vez
mais velozes e profundas - na conjuntura internacional que se reflete em aspectos
econômicos, políticos, sociais e institucionais.
Ainda nos anos 80 e 90, com exceção dos países asiáticos, a quase totalidade dos
países periféricos - dentre os quais os da América Latina e África - apresentou não apenas
baixas taxas de crescimento, como também uma ampla restrição externa imposta por crises de
dívida e pela abertura financeira nos anos 90, tornando essas economias amplamente
dependentes das economias centrais.
Em contraste com este período, desde os anos 2000 tem se observado tanto o
aumento das taxas de crescimento dos países periféricos, como uma maior contribuição destes
para o crescimento do PIB global e do comércio mundial, quando comparados à participação
dos países centrais, como os Estados Unidos e Europa.
Com singularidades evidentes e contrastantes os países do BRICS - Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul - vêm expandindo seu comércio externo e suas taxas de
crescimento através da ampliação de seus mercados domésticos e da intensificação do
comércio realizado entre estes próprios países. Ainda que com eventuais particularidades ao
longo do período é possível observar, como tendência mais geral, que o cenário concernente
aos países periféricos está em transformação – o que sugere um panorama com maior
inserção internacional das economias até então consideradas não centrais. Dessa forma,
dentro desta nova configuração da economia internacional, observa-se a presença de polos
autônomos de crescimento que surgem em paralelo ao “centro cíclico principal”.
Essas transformações alcançam dimensões que extrapolam a esfera econômica
passando por mudanças que envolvem também as correlações de força dentro do sistema
interestatal.
Nessa perspectiva é possível afirmar que a nova conjuntura expressa uma fase de
mudanças do sistema interestatal, ainda centrada na expansão do poder americano, porém
apresentando agora elementos que apontariam para um possível cenário no qual as decisões
internacionais seriam permeadas por plataformas de países que alcançaram uma posição
intermediária, denominados países ou economias emergentes. Em tal ambiente reforça-se a
pressão competitiva entre os Estados e aponta-se até mesmo para um processo de expansão
ou nova corrida imperialista.
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Assim como outras regiões periféricas, os países emergentes vêm enfrentando uma
série de desafios nesse início de século XXI. Novas estratégias de desenvolvimento
econômico, inserção em uma nova dimensão da divisão internacional do trabalho, aderência a
novos arranjos institucionais, além de decisões ligadas à alocação de recursos estratégicos
tornam-se questões da ordem do dia cujo debate apresenta-se fundamental. É dentro desse
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ISSN 2236-9651, n. 7
contexto que se pretende analisar a inserção internacional dos países emergentes do BRICS,
bem como investigar o papel sua principal instituição – o Novo Banco de Desenvolvimento.
Para tanto, torna-se relevante nesse momento voltar aos primórdios dos anos 2000,
no intuito de situar os acontecimentos e processos decisórios, que levaram da criação do
agrupamento do BRICS à constituição do NBD.
O termo BRIC foi criado em 2001 pelo economista inglês Jim O'Neill1 para fazer
referência a quatro países Brasil, Rússia, Índia e China. Em abril de 2001, foi adiciona a letra
“S” em referência à entrada da África do Sul (em inglês South Africa). Desta forma, o termo
passou a ser BRICS.
Estes países emergentes, naquele momento, apresentavam características comuns
como, por exemplo, perspectivas positivas de crescimento econômico no médio e longo
prazo. Ao contrário do que se pensa, estes países até então não compõem especificamente um
bloco econômico, apenas compartilham de uma situação econômica com índices de
desenvolvimento e situações econômicas parecidas - ainda que não similares. Esses países
configuram uma espécie de aliança que busca ganhar força no cenário político e econômico
internacional, diante da defesa de interesses comuns. A cada ano ocorre uma reunião (cúpula)
entre os representantes destes países, com o intuito de formalizar acordos e medidas com
claros objetivos de compor um bloco econômico. Um exemplo disso foi a criação recente do
Novo Banco de Desenvolvimento, também conhecido como Banco do BRICS, visando
representar uma fonte alternativa àquelas preexistentes em termos de financiamento do
desenvolvimento.
Criado em 15 de Julho de 2014, na ocasião da 6ª Cúpula dos BRICS, o Novo Banco
de Desenvolvimento foi fundado em decorrência do acordo entre os países membros do
BRICS com um capital inicial de 100 bilhões de dólares e um fundo (Arranjo Contingente de
Reservas) contemplando mais 100 bilhões de dólares.
O Arranjo Contingente de Reservas possui um sistema de governança em dois
níveis: as decisões mais importantes serão tomadas pelo Conselho de Governadores
(Governing Council) e os assuntos de nível executivo e operacional ficarão a cargo de um
Comitê Permanente (Standing Committee), sendo que o consenso será a regra para quase
todas as decisões.
1
Nessa ocasião em 2001, Jim O’Neill (economista da Goldman Sachs) intuiu que o PIB dos países do BRIC até
2041 (horizonte posteriormente antecipado para 2039 e depois para 2032) seria superior àquele dos principais
países industrializados do G7. Para mais sobre esse tema, ver O’Neill (2011) e Goldstein, (2011), p.07-11.
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Uma das questões que se coloca nesse momento se refere à diferença entre os países
em relação ao montante que compõe o Arranjo Contingente de Reservas. Essa diferença já
remeteria a uma diferença de poder no interior da organização? Nessa direção, seria uma
evidência do protagonismo da China desde a fundação do Banco?
A proposta do Novo Banco de Desenvolvimento consiste em financiar projetos de
infra-estrutura e desenvolvimento sustentável não somente nos países membros do BRICS,
mas também em outros países em desenvolvimento diante da carência de recursos para
financiar o desenvolvimento de infra-estrutura no âmbito internacional. Ou seja, a própria
iniciativa de fundação do Banco se formaliza para oferecer mais uma possibilidade de
financiamento, com a diferença que desta vez não se trata de um organismo tradicional
decorrente do formato instituído em Bretton Woods.
O Banco estará aberto à participação dos países-membros das Nações Unidas, sendo
que os países desenvolvidos poderão ser sócios, porém não tomadores de empréstimos. Por
outro lado, os países em desenvolvimento poderão ser sócios e captar recursos. Os países do
BRICS preservarão sempre pelo menos 55% do poder de voto total enquanto os países
desenvolvidos terão no máximo 20% do poder de voto. Exceto os países-membros, nenhum
outro deterá mais do que 7% dos votos.
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2. O FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO
Nesse contexto, com a abertura para novos membros do Banco prevista em 2017
será interessante observar como os principais players internacionais irão se posicionar: seria
interessante integrar e participar desse projeto do ponto de vista das economias centrais
(sobretudo EUA e Europa)? Mais especificamente, o que a fundação desse novo acordo com
tendência de longo prazo poderia estar sinalizando no cenário internacional?
A relevância do desenvolvimento do BRICS deriva possivelmente do modus
operandi que se vem decidindo percorrer. Não se trata apenas de um Fórum que se propõe a
revolucionar a governança global, mas sim, de um caminho que vem trilhando através de uma
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via legal sinalizando para a necessidade de reforma - que possa contemplar, gradualmente, um
formato que se aproxime na direção de decisões multilaterais promovendo maior justiça
social no âmbito interno e também internacional. Esse projeto aparentemente já foi lançado,
ainda que as distâncias para as metas progressivas e no que concerne à forma de atuação a
curto, médio e longo prazo, ainda sejam passiveis de acompanhamento e observação ao longo
das próximas décadas.
De acordo com o artigo 3 do documento final oriundo do Fourth BRICS Summit:
Delhi Declaration (2012), “Os BRICS são uma plataforma para o diálogo e a cooperação
entre países que representam 43% da população mundial, para a promoção da paz, da
segurança e do desenvolvimento em um mundo globalizado multipolar, interdependente e
cada vez mais complexo. Vindo da Ásia, da África, da Europa e da América latina, a
dimensão transcontinental dessa interação ganha valor e significado”2.
O que parece permear as iniciativas do BRICS é uma proposta construtiva atípica,
na qual o fluxo de medidas políticas e normas legais vão formando um novo e diverso modelo
de institucionalização regional. O dinamismo desencadeado desse processo de cooperação
interestatal acaba representando um processo diferente daquele verificado no caso europeu ou
norte americano. Do ponto de vista jurídico institucional, por exemplo, destaca-se o forte
papel que esses cinco países remetem ao Estado.
Segundo Lucia Scaffardi (2012), os BRICS quanto atividade interinstitucional, se
inserem em perspectiva de comparação internacional (inclusive sob o ponto de vista do FMI e
Banco Mundial) através de elementos centrais e imprescindíveis para a compreensão de
policymaking interno e externo a outros Estados – comparação que requer esforço cognitivo e
avaliativo complexo tanto do ponto de vista jurídico institucional como levando em conta as
estruturas informais que levam em conta o “diálogo” e o “fluxo” que sustentam a dinâmica
em curso (SCAFFARDI, 2012, p.163).
A pergunta que fica em aberto se refere a qual posicionamento seria o mais
apropriado na direção do crescimento e desenvolvimento econômico pensando na realidade e
conjuntura dos diferentes Estados. Esse assunto não toca apenas aos países periféricos ou
emergentes, mas a todos os países do globo, que possuem suas nuances e suas demandas
nesse início de século XXI. Voltamos ao debate recorrente da proporção desejável entre
2
Art. 3 da Declaração final do New Delhi Summit (29.03.2012). Disponível em: <http://brics5.co.za/aboutbrics/
summit-declaration/fourth-summit/>. Acesso em Junho de 2017.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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741
AS DISPUTAS DE CAPITAL SIMBÓLICO NO CAMPO JURÍDICO:
AS REAÇÕES AO NOVO DESENHO CONSTITUCIONAL DA
DEFENSORIA PÚBLICA
RESUMO
ABSTRACT
In recent years, brazilian law has observed the process of institutional reconfiguration of the Public
Defender's Office, notably marked by successive Constitutional Amendments. Constitutional
Amendment 80/2014 only complements a cycle initiated with Constitutional Amendment 45/2004, in
the sense of the constitutional restructuring of the Public Defender's Office and the theoretical attempt
to implement the public policy of access to justice. The present study aims at a dialogue between Law
and Sociology, in order to demonstrate that, behind legal arguments related to the adequacy of the
aforementioned Constitutional Amendments to the national legal system, there is in fact a dispute of
symbolic capital. The paper is based on Bourdieu’s classic concepts, in order to base the proposed
thesis, in the sense that the conflict of legal theses masks corporate disputes in a certain social field.
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INTRODUÇÃO
1
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça: Trad. Ellen Grancie Northfleet. Porto Alegre:
Fabris, 1988.
2
ECONOMIDES, Kim. “Lendo as ondas do movimento de acesso à justiça: epistemologia versus metodologia”.
Revista Cidadania, Justiça e Violência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
743
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órgão auxiliar do governo, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer
subordinação ao Poder Executivo. Assim, tinha início o processo de tentativa de
concretização do direito fundamental de acesso à justiça, através da assistência jurídica
gratuita estatal, tendente a abolir qualquer vinculação entre a Instituição e o Poder Executivo,
seja no que toca à “atividade-meio” ou à “atividade-fim”.
Continuando o movimento, o Congresso Nacional promulgou, em 29 de março de
2012, nova Emenda Constitucional, oriunda da proposta nº 445/2009, que concedeu
competência ao Distrito Federal para organizar e manter a sua própria Defensoria Pública. A
Constituição Federal, no art. 21, XIII, conferia à União a organização e manutenção da
Defensoria Pública do Distrito Federal, e o art. 22, XVII, atribuía à União a competência
privativa para legislar sobre a instituição. Destarte, o Distrito Federal não possuía autonomia
quanto à Defensoria Pública, embora pudesse, com fulcro no art. 24, XIII, primeira parte, da
CF, legislar sobre assistência jurídica.
Com a Emenda Constitucional nº 69/2012, a organização e manutenção da
Defensoria Pública do Distrito Federal passaram a ser de competência deste ente federativo e
não mais da União, alterando a redação dos arts. 21, XIII, 22, XVII e 48, IX, da Constituição
da República. Importante observar que, segundo o art. 2º, da referida Emenda, à Defensoria
Pública do Distrito Federal, sem prejuízo do estatuído pela Lei Orgânica do DF, seriam
aplicáveis as regras e princípios atinentes às defensorias estaduais, inclusive no que toca à
plena autonomia.
Contudo, subsistia a exclusão da Defensoria Pública da União, que permanecia
vinculada à estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o que, inclusive, foi objeto da
ADI nº 4282, sob o patrocínio do então advogado, hoje Ministro do STF, Luís Roberto
Barroso, buscando interpretação conforme a Constituição, com intuito de estender as
garantias institucionais conquistadas à Defensoria Pública da União.
Todavia, antes que o mérito da ação fosse julgado pela Corte Suprema, o poder
constituinte reformador conferiu, expressamente, as garantias institucionais do art. 134, § 2º,
da Constituição, à Defensoria Pública da União, através da Emenda Constitucional nº
74/2013. A partir de então, a Defensoria Pública da União adquiriu o mesmo patamar
constitucional das Defensorias estaduais e do Distrito Federal, podendo gerir sua própria
proposta orçamentária.
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Cabe registrar que, em 2015, por ocasião do primeiro orçamento próprio da DPU,
sem qualquer vinculação ao Ministério da Justiça, já houve incremento significativo dos
valores. Em 2014, o governo federal enviou proposta ao Parlamento em valor inferior ao
executado no ano de 2013 (R$ 115 milhões), apenas R$ 103 milhões para custeio, enquanto,
em 2015, a proposta encaminhada pela DPU foi de R$ 245 milhões. Ressalte-se que este
aporte orçamentário permitiu, no ano 2016, o planejamento da abertura de 25 novas unidades,
em locais que não eram atendidos pela Instituição, iniciando o processo de plena
interiorização.
Arrematando o processo, em 04 de Junho de 2014, foi promulgada a Emenda
Constitucional nº 80/2014, conhecida, no mundo jurídico, como “PEC Defensoria Para
Todos”, “PEC das Comarcas” ou “PEC das Defensorias Públicas”. A alteração constitucional
buscou interferir na realidade do sistema de Justiça no país, empoderando a Instituição, com o
escopo de garantir a universalização do atendimento, com os recursos jurídicos e materiais
necessários para sua plena interiorização.
A Emenda em tela constitucionalizou o art. 1º, da Lei Complementar nº 80/94
(alterada pela Lei Complementar nº 132/2009), Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública
(LONDP), e os princípios institucionais da unidade, indivisibilidade e independência
funcional (art. 3.°, LC 80/94), além de ampliar o conceito de Defensoria Pública, tornando-a
“instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como
expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a
promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do
inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal” (art. 134, caput, da CRFB 88).
Ademais, criou-se a Seção IV, no Capítulo constitucional das Funções Essenciais à
Justiça, diferenciando, inequivocamente, a Advocacia privada, presente na Seção III, da
Defensoria Pública, cada qual com Seção específica (Ministério Público, Advocacia Pública,
Advocacia Privada e Defensoria Pública, respectivamente). Mudança importante também
ocorreu nos requisitos de ingresso na carreira de Defensor Público, arrastando para o cargo a
exigência, já aplicável à Magistratura e ao Ministério Público (art. 93, CRFB/88), de três anos
de atividade jurídica para os concursos públicos.
Entretanto, os pontos mais relevantes deste diploma foram a estipulação de
mandamento constitucional tendente à efetiva instalação da Defensoria Pública em todo
745
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território nacional, tendo o constituinte derivado, inclusive, estipulado o prazo de 8 anos para
concretização (art. 98, § 1º, ADCT), e, principalmente, a previsão de iniciativa legislativa,
conforme arts. 96, inc. II, e 134, § 4.°, da CRFB, conferida aos Defensores Gerais, no que
toca a matérias relevantes como, por exemplo, criação e extinção de cargos.
Assim, consolidou-se o arcabouço constitucional necessário à efetiva instalação da
Defensoria Pública, em âmbito nacional e em todas as esferas de governo (União, Estados e
Distrito Federal), conferindo-lhe, o constituinte, toda musculatura jurídica necessária para a
busca de recursos materiais indispensáveis à prestação de um serviço público de qualidade.
Interessante notar que, como colocado acima, o novo patamar orçamentário conferido à DPU
pela EC 74/2013 permitiu, no ano 2016, o planejamento da abertura de 25 novas unidades,
sendo certo que, mantendo-se tal proporção de investimento e o mesmo ritmo de abertura de
novas unidades (25/ano), em 8 anos a DPU alcançará as 200 subseções judiciárias da justiça
federal que ainda carecem de sua atuação, cumprindo, com exatidão, o prazo estipulado pela
EC 80/2014.
A nova moldura constitucional aqui narrada resultou, portanto, na plena autonomia
da Defensoria Pública em relação aos Poderes constituídos, permitindo que a Instituição possa
defender os interesses de seus assistidos, independente de qualquer ameaça de retaliação à
Instituição ou aos seus membros. Contudo, reações dos Poderes Executivos surgiram, a fim
de manter a subordinação da Instituição. A partir da EC 45/2004, práticas costumeiras dos
Governos estaduais, que travavam o desenvolvimento institucional, como, por exemplo,
cortes unilaterais de dotação orçamentária e subordinação da Defensoria a Secretarias
estaduais, passaram a ser repelidas pela Corte Suprema. Nesse sentido, vejamos:
746
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3
ASSOCIAÇÃO DOS DEFENSORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Disponível
em: <http://www.adpergs.org.br/todas-as-noticias/item/parecer-de-daniel-sarmento-na-adi-proposta-pelo-governo-
dilma-rousseff-contra-a-autonomia-da-defensoria-publica-da-uniao>. Acesso em: 03 de agosto de 2017.
747
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julgamento. Porém, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (8 a 2),
indeferiu o pedido de liminar, sob o entendimento de que não houve violação a princípios
constitucionais.
4
BOURDIEU, Pierre. Capitulo 1: Espaço Social e Espaço Simbólico; Capitulo 2: O Novo Capital, Capitulo 4:
Espíritos de Estado: gênese e estrutura do campo burocrático. IN: Razões práticas: sobre a teoria da ação.
Campinas: Papirus, 1996 (pp. 13-28, 35-52, 91-124).
5
______. Capitulo III: A Genese dos conceitos de Habitus e de Campo. In: O Poder Simbólico. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2010 (pp. 59-73).
6
SANTOS, Márcio Achtschin . Uma leitura do campo jurídico em Bourdieu. In: Águia: revista científica da
FENORD , v. 01, p. 90-105, 2011.
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Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma
configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas
objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus
ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na
estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse
comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e, ao mesmo
tempo, por suas relações objetivas com outras posições (dominação, subordinação,
homologia etc.). Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmos social é
constituído do conjunto destes microcosmos sociais relativamente autônomos,
espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade
especificas e irredutíveis às que regem os outros campos. Por exemplo, o campo,
artístico, o campo religioso ou o campo econômico obedecem a lógicas diferentes.”
7
BARROS, Clóvis de Barros. “A sociologia de Pierre Bourdieu e o campo da comunicação”: Uma proposta de
investigação teórica sobre a obra de Pierre Bourdieu e suas ligações conceituais e metodológicas com o campo da
comunicação. Tese de doutorado, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 2003. p. 120.
8
BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2005. P. 60.
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9
VOIROL, O. A esfera pública e as lutas por reconhecimento: de Habermas a Honneth. Cadernos de filosofia
alemã, São Paulo, n. 11, p. 33-56, Jan./Jun, 2008.
750
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Para a Autora, a Defensoria Pública não poderia defender, por ação civil pública,
direitos coletivos (difusos e coletivos estrito senso – transindividuais) tampouco
direitos individuais homogêneos porque a atuação da Defensoria está condicionada
à identificação dos que comprovarem a insuficiência de recursos.
Partindo da afirmativa de que, em ação civil pública, não são identificáveis e
individualizáveis os hipossuficientes que poderiam se beneficiar dos serviços da
Defensoria, esse instrumento processual não se adequaria aos limites impostos à
instituição pela Constituição da República, pelo que a norma impugnada deveria ser
declarada inconstitucional.
Parece-me equivocado o argumento, impertinente à nova processualística das
sociedades de massa, supercomplexas, surgida no Brasil e no mundo como reação à
insuficiência dos modelos judiciários convencionais. De se indagar a quem
interessaria o alijamento da Defensoria Pública do espaço constitucional-
democrático do processo coletivo.
A quem aproveitaria a inação da Defensoria Pública, negando-se-lhe a legitimidade
para o ajuizamento de ação civil pública?
A quem interessaria restringir ou limitar, aos parcos instrumentos da
processualística civil, a tutela dos hipossuficientes (tônica dos direitos difusos e
individuais homogêneos do consumidor, portadores de necessidades especiais e dos
idosos)? A quem interessaria limitar os instrumentos e as vias assecuratórias de
direitos reconhecidos na própria Constituição em favor dos desassistidos que
padecem tantas limitações? Por que apenas a Defensoria Pública deveria ser
excluída do rol do art. 5º da Lei n. 7.347/19852?
A ninguém comprometido com a construção e densificação das normas que
compõem o sistema constitucional de Estado Democrático de Direito.
(…)
A ausência de demonstração de conflitos de ordem objetiva decorrente da atuação
dessas duas instituições igualmente essenciais à justiça (a Defensoria Pública e o
Ministério Público) demonstra inexistir prejuízo institucional para a segunda,
menos ainda para os integrantes da Associação Autora.”
O Ministro Marco Aurélio, defendendo que o mérito da ação sequer deveria ser
analisado, por ausência de pertinência temática da CONAMP, coloca:
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“Presidente, peço vênia para divergir. Não reconheço à CONAMP – e vejo que a
CONAMP tem receio da Defensoria Pública – a legitimidade universal.”
Importante registrar que não se está a advogar um cenário de heróis e vilões, no qual
instituições supostamente mais legítimas seriam perseguidas por outras menos legítimas. Na
realidade bourdieusiana que expomos, todas estão legitimamente disputando capital social e
troféus específicos. Apenas a título exemplificativo, pode-se citar as Ações Diretas de
Inconstitucionalidades (ADIs) 3892 e 4270, que declararam a inconstitucionalidade de
normas do Estado de Santa Catarina sobre a defensoria dativa e a assistência judiciária
gratuita. O Estado não possuía Defensoria Pública e a população hipossuficiente recebia
prestação jurídica gratuita por meio de advogados dativos indicados pela seccional
catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC). Não obstante a discussão técnico-
jurídica travada, inegável que, no âmago, buscava a Defensoria ganhar capital social,
conquistando um espaço no campo até então ocupado pela advocacia privada.
A reflexão que merece ser feita diz respeito ao limite tênue em que excessos nas
contendas institucionais passam a disputar espaço com a efetiva tutela dos direitos. Até que
ponto preocupações com aspectos meramente formais, que tentam esconder competições
sociais de poder, colocam em segundo plano a preocupação com a efetivação da justiça? Eis
uma provocação que merece destaque, notadamente na discussão sobre a materialização
social da ciência jurídica.
CONCLUSÃO
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VOIROL, O. A esfera pública e as lutas por reconhecimento: de Habermas a Honneth. Cadernos de filosofia
alemã, São Paulo, n. 11, p. 33-56, Jan./Jun, 2008.
753
CORRUPÇÃO E INSTITUIÇÕES
RESUMO
O presente artigo discute um fenômeno muito presente no passado e nos dias atuais: a corrupção. Para
tanto, será apresentado neste ensaio algumas teorias que buscavam explicar a relação entre Estado,
corrupção e agentes políticos e econômicos. Neste sentido, destaca-se, inicialmente, a teoria da
modernização, muito presente a partir dos anos 1950, segundo a qual a corrupção poderia ser explicada
a partir da lacuna deixada entre o desenvolvimento econômico e a baixa institucionalização da política.
A corrupção surge, nesse contexto, como um mecanismo para driblar barreiras políticas para a
obtenção de benefícios econômicos. Ressalta-se também, teorias institucionalistas, que tentaram
articular a ideia de atores autointeressados e o papel das instituições. Neste caso, insere-se uma
discussão a respeito do rent-seeking, uma teoria que evidencia como agentes agem em busca de rendas
geradas pela atuação estatal. Por fim, deve-se apontar, na realidade brasileira, que fatores contribuíram
e contribuem para práticas corruptivas e que medidas são tomadas para combatê-las.
ABSTRACT
This article discusses a very present problem in the past and in the present day: corruption. For this,
we will demonstrate in this essay some theories that sought to explain the relationship between State,
corruption and political and economic agents. In this sense, the theory of modernization, very present
from the 1950s onwards, stands out, according to which corruption could be explained from the gap
left between economic development and the low institutionalization of politics. Corruption emerges in
this context as a mechanism to overcome political barriers to obtaining economic benefits.
Institutionalist theories have also tried to articulate the idea of self-interested actors and the role of
institutions. In this case, there is a discussion about rent-seeking, a theory that shows how agents act in
search of revenues generated by state performance. Finally, it should be pointed out, in the Brazilian
reality, what factors contributed to and contribute to corruptive practices and what measures are taken
to combat them.
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INTRODUÇÃO
Este artigo se propõe a analisar algumas teorias sobre corrupção que foram
desenvolvidas ao longo do século XX. Veremos que, em muitas delas, aborda-se este
fenômeno a partir de uma perspectiva da economia - a economia política da corrupção.
A teoria da modernização evidencia a corrupção a partir do espaço deixado entre o
desenvolvimento econômico e a baixa institucionalização política, em que os agentes
políticos e econômicos tendem a burlar regras do sistema político em seu próprio benefício.
Enquanto a teoria da escolha pública toma um indivíduo como foco de análise,
considerando uma instituição como agrupamento de pessoas, em que cada uma visa um
interesse específico, a teoria da escolha racional, desenvolvida a partir dos anos 1980, procura
evidenciar o papel que as instituições exercem sobre o comportamento dos indivíduos.
Dentro desse panorama, surgem análises mais específicas, como a do rent-seeking.
A partir dessa teoria, da atuação estatal, como a regulação, por exemplo, surgem rendas, ou
seja, benefícios que são almejados por agentes econômicos. Para ganhar essas rendas, esses
agentes encontram na corrução uma saída com custo inferior ao caminho que deveria ser
perseguido caso fossem observadas as regras do sistema.
Analisaremos ainda a situação brasileira, fortemente marcada pelo patrimonialismo,
“que envolve a ideia de confusão entre bens particulares e públicos” (SOUZA, 2012, p.68),
fenômeno já apontado por Sérgio Buarque de Holanda em 1936, evidenciando uma realidade
histórica em nosso país. Além disso, ao longo do século passado, diversas práticas
contribuíram para o avanço da corrupção, como o clientelismo.
Ainda em curso, a operação Lava-Jato é um marco dos dias atuais que demonstra,
não obstante nossa história tenha mudado de atores, que práticas corruptivas estão ainda
muito presentes na relação entre Estado e sociedade.
1. TEORIA DA MODERNIZAÇÃO
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contexto de um desenvolvimento econômico que não é acompanhado por uma evolução das
instituições. O principal pano de fundo para essa teoria são “grandes dicotomias como rural e
urbano, não industrializado e industrializado, subdesenvolvidas e desenvolvidas”
(FILGUEIRAS, 2012, p.300).
A partir da década de 1950, a questão da modernização ganhou força dentro de uma
análise funcionalista, cujo objetivo era investigar a relação entre o desenvolvimento político-
econômico e a corrupção. Samuel Huntington1, um dos principais nomes dessa escola,
sustentava que a corrupção surgia no espaço existente entre a modernização e a
institucionalização (AVRITZER, FILGUEIRAS, 2011, p.10), quando esta não conseguia
resolver as necessidades que aquela impunha.
Para HUNTINGTON, a baixa institucionalização política seria um fator que
favoreceria a prática de atos corruptivos. Neste sentido:
Com isso, devido à baixa institucionalização das organizações políticas, que pouco
se adaptam à dinâmica de mudanças, ocorre a corrupção, que pode representar um meio
facilitado de ascensão para o agente corrupto. Há autores, como JOSEPH NYE, que aludem a
um caráter positivo da corrupção, que se consubstanciaria na formação de “capital privado,
superação de barreiras burocráticas, integração das elites políticas e de capacidade
governamental” (FILGUEIRAS, 2012, p.301), o que, em uma perspectiva econômica,
favoreceria o desenvolvimento político de um país. Contudo, isso apenas se aplicaria em
casos de corrupção controlada.
Os estudos funcionalistas da corrupção, a partir da teoria da modernização, tiveram
grande influência até os anos 1970, restando superada, simbolicamente, com a queda do muro
de Berlim3.
1
Um de seus principais livros é “A ordem política em sociedades em mudança”, de 1975.
2
Texto original data de 1968.
3
FILGUEIRAS, 2012, p.302
756
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4
Apresentação do Livro Uma teoria econômica da democracia, de Anthony Downs
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exercer uma forte pressão sobre o governo para a defesa de seus interesses. Até mesmo
grupos menores podem ser “mais eficazes em organizarem-se e em influenciarem as políticas
governamentais” (PEREIRA, 1997, p.434).
A partir dos anos 80, passaram a exercer força no cenário político proposições da
teoria da escolha racional (rational choice) e de teorias institucionalistas. Nesse contexto,
evidenciam-se análises sobre grupos de interesse mais específicos, como no caso do rent-
seeking5, que será abordado em seguida.
O grande diferencial desse novo panorama consiste na consideração por parte dos
teóricos vinculados ao neo-institucionalismo da escolha racional do papel fundamental que as
instituições exercem na influência sobre o comportamento dos agentes e grupos de interesses
envolvidos no processo político. Segundo MARQUES:
Within the rational choice tradition there are two now-standard ways to think about
institutions. The first takes institutions as exogenous constraints, or as an
exogenously given game form. The economic historian Douglass North, for
example, thinks of them as ‘‘the rules of the game in a society. [...] An institution is
a script that names the actors, their respective behavioral repertoires (or strategies),
the sequence in which the actors choose from them, the information they possess
5
Em português: caçadores de rendas
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when they make their selections, and the outcome resulting from the combination
of actor choices. (SHEPSLE, 2006, p.24)
The second interpretation of institutions is deeper and subtler. It does not take
institutions as given exogenously. Instead of external provision, the rules of the
game in this view are provided by the players themselves; they are simply the ways
in which the players want to play. (SHEPSLE, 2006, p.25)
Institutions are simply equilibrium ways of doing things. If a decisive player wants
to play according to diferent rules [...] then the rules are not in equilibrium and the
‘‘institution’’ is fragile. (SHEPSLE, 2006, p.26)
First, there is rational choice theory: public choice theory. For the independent
variables to explain corruption, it primarily looks at the level of the individual.
(GRAAF, 2007, p.46)
The advantage of public choice theory is that it has relatively close focus (Schinkel
2004: 11). Instead of looking for general determining factors, it concentrates on a
specific situation of an agent (a corrupt official) who calculates pros and cons. In
that sense however, it is insensitive to the larger social context (which is something
public choice in general has often been criticized for). (GRAAF, 2007, p.48)
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4. RENT-SEEKING
From the outset, corruption has been considered as one form of rent-seeking. It was
viewed as a special means by which private parties may seek to pursue their
interests in the competition for preferential treatment. Just like other forms of rent-
seeking, corruption representes a way to escape the invisible hand of the market and
influence policies to one’s own advantage. (LAMBSDORFF, 2007, p. 113-114)
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econômico que sejam benéficas seus fins, em prejuízo do bem-estar da coletividade. Trata-se,
de todo modo, de uma manifestação da corrupção (ZURBRIGGEN, 2012, p. 365). Neste
sentido, portanto:
5. CORRUPÇÃO NO BRASIL
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A corrupção no Brasil é atribuída como uma herança ibérica, assim como também
decorrente do patrimonialismo, que constitui uma modalidade de dominação política. Para
AVRITZER e FILGUEIRAS, a corrupção não é uma prática a ser considerada como natural,
mas sim um fenômeno existente em várias dimensões:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se afirmar, ao fim, que não é aconselhável falar-se em uma teoria política da
corrupção. Como foi visto, diversas teorias foram desenvolvidas ao longo do século passado,
cada uma com um foco específico. A corrupção é um fenômeno ainda muito presente na
realidade brasileira e de outros países. Trata-se de uma manifestação institucionalizada, a
partir da qual agentes políticos e econômicos procuram obter vantagens pessoais em
detrimento do interesse público.
REFERÊNCIAS
AVRITZER, Leonardo; FILGUEIRAS Fernando. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF:
CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2011
DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. Tradução de Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos.
São Paulo: Edusp, 2013.
FIGUEIREDO, Luciano Raposo. A corrupção no Brasil colônia. In. Corrupção: ensaios e críticas. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2. ed., 2012
FILGUEIRAS, Fernando. Marcos teóricos da corrupção. In. Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2. ed., 2012
GRAAF, Gjalt de. Causes of corruption: towards a contextual theory of corruption. Vrije Universiteit
Amsterdam, 2007
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 26. ed., 1995
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ISSN 2236-9651, n. 7
HUNTINGTON, Samuel: “Modernization and corruption”. In Heidenheimer, Arnold J. and Johnston, Michael
(eds.): Political Corruption: Concepts and Contexts (Third Edition), New Brunswick and London: Transaction
Publishers, 2002
LAMBSDORFF, Johann Graf. The institucional economics of corruption and reform. Cambridge, 2007
MARQUES, Eduardo. Notas críticas à literatura sobre estado, políticas estatais e atores políticos. BIB, Rio de
Janeiro, n. 43, 1° semestre de 1997, pp. 67-102
PEREIRA, Paulo Trigo. A teoria da escolha pública (public choice: uma abordagem neoliberal?. Análise Social,
vol. xxxii (141), 1997 (2°), 419-442
SHEPSLE, Kenneth A. Rational choice institutionalism. In. The Oxford handbook of political institutions.
Oxford, 2006
SOUZA, Jessé. Weber. In. Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2. ed., 2012
ZURBRIGGEN, Cristina. Empresários e redes rentistas. In. Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2. ed., 2012
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A LEI N. 13.019/14: LIÇÕES DE “BOA” GOVERNANÇA
NAS PARCERIAS COM O TERCEIRO SETOR?
RESUMO
Nos primeiros meses do corrente ano, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro expediu uma
recomendação ao Município do Rio de Janeiro para que o mesmo suspendesse novas contratações por
meio de Organizações Socias (OS’s) para a saúde. O argumento que serve de base argumentativa para
tal documento sugere que a Secretaria Municipal de Saúde deve promover, antes de tudo, uma
reestruturação interna, de modo a ser capaz de realizar uma fiscalização eficaz dos contratos de gestão
firmados. A recomendação se alicerça nos sucessivos casos de corrupção capitaneados por OS’s, com
o desvio de pelo menos quarenta e oito milhões de em recursos públicos. O caso em apreço exterioriza
apenas um dos pilares da crise que afeta os entes do Terceiro Setor. A falta de repasse dos recursos
fomentados, aponta para o fracasso do modelo quando pautado apenas na parceria com o poder público
e coloca em xeque a efetividade, grande bandeira dos entes do Terceiro Setor. O denominado “Marco
Regulatório do Terceiro Setor” - Lei n. 13.019/15 - surge em um cenário de incertezas como promessa
não só de um lugar ao sol para tais entes parceiros do poder público na realização de direitos sociais de
primeira grandeza, mas também como esperança de um modelo de sucesso na implementação de mais
transparência e uma governança exemplar no trato desses acordos.
ABSTRACT
In the earliest months of 2017, Ministério Público of Rio de Janeiro State, an institute responsible for
public accountability and compliance, recommended to Rio de Janeiro healthy secretary to interrupt
their contracts with social organizations which are responsible for the management of contracts in
health área. The reports of corruption had increased properly. The crisis in the sector, with
economical impacts in the contracts, is another cruel reality of the partnership constructed between
groups that are socially responsible and the public sector. A bill, that marks the regulation of the
Brazilian third sector – n. 13.019/14 – is a huge promise in the construction of more transparency and
responsability between public and private partners, in order to implement a fairness that could change
the logic of the implementation of public services.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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adotados na busca pela plena realização das finalidades públicas, indicando um cenário de
pulsante mudança. É certo que essa mudança estrutural não sinaliza para outra coisa senão
para a conclusão inquestionável de que o próprio Estado se encontra em permanente mutação.
É neste cenário que insurgiu a perspectiva de um “Terceiro Setor”, que se
desenvolve para além do “Primeiro Setor” (Estado) e do “Segundo Setor” (mercado), e que
tem como expoentes, as Organizações Não Governamentais (ONGs), as Organizações
Sociais (OS’s) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
Como não poderia deixar de ser, o primeiro capítulo do presente estudo traçará, em
algumas poucas linhas, acerca da evolução da Administração Pública que culminou no
cenário que temos hoje, de verdadeira proliferação dos entes do Terceiro Setor. Sendo assim,
antes de adentrarmos na problemática proposta no título deste estudo, passar-se-á,
primeiramente, à análise de todo o processo que culminou na mudança do paradigma estatal,
bem como nas repercussões doutrinárias que impulsionaram a adoção desta nova estrutura
administrativa, que recebe a denominação recorrente de “Terceiro Setor”.
Em um segundo momento, interessa-nos mais de perto, focando-se no objeto em
estudo, a percepção desenvolvida no sentido de se entender que a evolução do Terceiro Setor,
fruto de uma verdadeira “profissionalização” da sociedade civil organizada, encontra-se
cercado de promessas e dificuldades. Em um segundo capítulo, pretende-se enfrentar tal
problemática, com base em revisão bibliográfica pautada em alguns marcos teóricos de
importância ao tema, no que citamos: Montaño (2008) e Oliveira (2008).
Por fim, no terceiro capítulo, de modo a proporcionar certo direcionamento ao
questionamento impresso no título deste estudo, julgamos oportuna uma breve reflexão acerca
do pensamento kantiano sobre seu entendimento quanto a “boa vontade”, sua percepção do
“outro” com base em sua concepção de alteridade. Refletir-se-á, ainda, em contraponto,
acerca das noções de cidadania e solidariedade, que rotulam o Terceiro Setor no sentido de
fazer o “bem” e o poder que tal condição lhe investe.
Ernst Forsthoff (1958) já advertia: “Cada época da história dos Estados produz um
tipo próprio de Administração, caracterizado por seus fins peculiares e pelos meios de que se
serve. Isso não quer dizer, está claro, que uma espécie de Administração seja substituída,
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abrupta e repentinamente por outra” 1. Pelas palavras de citado autor é possível perceber a
gradação das mudanças, que não ocorrem de forma súbita. Novos paradigmas vão sendo
incorporados de modo a respeitar as realidades históricas e sociais.
A primeira forma do Estado moderno é o Estado absoluto. Aqui, o poder ainda se
encontra com a aristocracia, mas aliada à burguesia, burguesia esta que não representa mera
fonte de poder, mas também as elites profissionais, passando a demandar a garantia dos
direitos civis. Nessa perspectiva, desabrocham os primeiros traços do Estado liberal,
garantidor destes direitos, garantia pautada em uma conduta absenteísta, avessa a qualquer
tipo de intervenção.
A premissa maior no Estado Liberal de Direito sugere uma postura negativa, um
non facere. Fundado nos direitos de liberdade, propriedade e de participação política, o
Estado ausente, até mesmo indiferente, é que garantiria as liberdades individuais. Tal
sistemática fazia toda a lógica diante das arbitrariedades estatais tão presentes no Estado
Absoluto, que desconhecia conceitos tais como o de Direitos Fundamentais.
Voltado à limitação do poder em favor das liberdades individuais, o Estado liberal
concedia à iniciativa privada toda a liberdade negocial, ficando a seu cargo poucas atividades,
ligadas à segurança, tributação e relações exteriores. Nesta linha, sob pena de se caracterizar
ofensa a essa, digamos, “ordem natural”, a Administração correspondia à burocracia guardiã,
patrimonialista, encarregada de tarefas clássicas de segurança pública, defesa externa e
distribuição de justiça2.
Ademais a expectativa de que a atividade econômica conduzisse ao
desenvolvimento de toda a sociedade, o crescimento incomum da economia no século XIX
representou um aumento da concentração de riquezas, que culminou em níveis alarmantes de
exclusão social e miséria. Os mecanismos autorreguladores do mercado não conseguiram
frear crises econômicas cíclicas. O liberalismo não se prestava a dar respostas às gritantes
contradições sociais.
O movimento reivindicatório das massas, aliado às concepções socialistas levou à
crise do Estado, que foi compelido a movimentar seu aparato administrativo para atender aos
reclamos da sociedade. Surgem desigualdades que não podem mais ser dirimidas e suportadas
pela sociedade. O senso coletivo floresce e o Estado se faz presente efetivamente, no que se
1
FORSTHOFF, Ernst. Tratado de derecho administrativo. Tradução de LACAMBRA, Legaz, FALLA, Garrido
e ORTEGA Y JUNGE, Gómez de. Madrid: Instituto de Estudios Politicos, 1958. p. 35.
2
NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade de iniciativa na constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 67.
769
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chama de Estado Social. Migra-se da concepção de uma prestação estatal negativa para uma
prestação positiva (facere). Inicia-se, então, a transição do Estado liberal para o Estado Social,
na tentativa de superar as injustiças provocadas pela postura abstencionista do liberalismo.
Esta nova “fórmula” demandou uma conduta ativa por parte do Estado, sendo
significativa a demanda por maior intervenção administrativa (planejamento, coordenação,
execução e controle). Sem deixar de lado a defesa da liberdade, o Estado assumiu a justiça
social como sua preocupação primeira, bem como a busca pela igualdade material. O Estado,
em especial sua Administração Pública, deixa sua postura abstencionista e passa a assumir a
responsabilidade pela condução do processo de satisfação das necessidades coletivas.
O público passa a prevalecer sobre o privado, estando o Estado no comando do
interesse coletivo. A retomada da gestão direta da ordem social e econômica tornou-se
imperativo essencial à correção dos efeitos disfuncionais de um desenvolvimento social e
econômico não controlado, estruturando a sociedade através de medidas diretas ou indiretas3.
O aumento da demanda social sobre o Poder Público forçou o crescimento do
aparato administrativo, com o incremento do número de empresas estatais, escancarando o
mau gerenciamento administrativo que acabou por conduzir ao aumento no déficit público.
Uma lista cada vez maior de necessidades sociais sem o correspondente incentivo ao
investimento eficaz, o crescimento do setor público e a corrupção inerente ao sistema
administrativo corroboraram para o colapso do sistema4.
Diante deste cenário, passa a ganhar destaque uma sistemática estatal mais
colaborativa, de um Estado fomentador, negocial, subsidiário, que vai em busca de parcerias
para realizar de forma efetiva suas competências públicas. Um Estado financiador, nas
palavras de Gaspar Ariño Ortiz5, se caracterizaria como a atividade de estímulo e pressão,
realizada de modo não coativo, sobre os cidadãos e grupos sociais, para imprimir um
determinado sentido a suas atuações . Para o autor, por meio de subvenções, isenções fiscais e
créditos, o Estado não obriga nem impõe; oferece e necessita de colaboração do particular
para que a atividade fomentada seja levada a cabo.
3
GARCIA PELAYO, Manuel. Las transformaciones Del Estado contemporâneo. Madrid: Alianza Universidad,
1980, p. 21-23.
4
MUÑOZ, Jaime Rodrigues-Arana. Reflections on the reform and modernization of the public administration.
Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, Millano, Dott. A. Giuffré, n. 2, p. 522, apr/giu. 1996.
5
ARIÑO ORTIZ, Gaspar. Principios de derecho publico econômico: modelos de Estado, géstion pública,
regulación econômica. Granada: Comares, 1999, p. 290.
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2. O TERCEIRO SETOR
Pedro Gonçalves pontua com extrema clareza três momentos essenciais do processo
de transformação do Estado contemporâneo: “(i) a cooperação mais ou menos sistemática e a
conjugação ordenada dos papéis de actores públicos e privados no desenvolvimento das
tradicionais finalidades do Estado Social e de Serviço Público; (ii) Sob o mote de uma
‘modernização administrativa’, um complexo processo de ‘empresarialização’ que, por vezes,
passa pela ‘privatização das formas organizativas da Administração Pública’; (iii) A
promoção de mecanismos de envolvimento e de participação de particulares ‘interessados’ na
gestão de um largo leque de incumbências públicas”6.
O Terceiro Setor, como tivemos a oportunidade de verificar no tópico anterior, nasce
deste cenário de profusa mutação estatal. A expressão “Terceiro Setor”, traduzida do inglês
third sector, se difundiu a partir da década de setenta, se referindo às organizações formadas
pela sociedade civil, cujo objetivo maior é a satisfação do interesse social e não o mero lucro.
O Terceiro Setor surge em contraposição aos chamados Primeiro Setor
(representado pela figura do Estado) e o Segundo Setor (Mercado). Disto se extrai que o
Terceiro Setor é tradicionalmente entendido como área dentro da qual se encontram todas as
entidades, que não fazem parte do Estado nem do mercado.
Neste viés, difundiu-se a utilização, como referência para classificação do Terceiro
Setor, dos critérios estabelecidos pelo Handbook on nonprofit institutions in the system of
6
GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos. Coimbra: Almedina, 2005. p. 13-14.
771
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national accounts, editado pela Organização das Nações Unidas, em conjunto com a
Universidade John Hopkins. Sob esta metodologia, fariam parte do Terceiro Setor as
entidades que detenham, cumulativamente: (i) natureza privada; (ii) ausência de finalidade
lucrativa; (iii) institucionalizadas; (iv) auto-administradas; (v) voluntárias7.
Apesar desta referência, ela não se presta à adoção de um conceito satisfatório à
dogmática jurídica, mormente pela amplitude e pelos contornos assumidos pela matéria no
cenário institucional pátrio. De toda forma, na tentativa de conceituar o Terceiro Setor uma
concepção prevalece: a idéia de delegação social. É o que alerta Diogo Figueiredo Moreira
Neto, ao inserir os entes do Terceiro Setor no que denomina entes intermédios, para os quais
haveria a transferência de serviços de interesse público “(...) em favor de entes criados por ela
própria sociedade, dedicados à colaboração no atendimento de interesses legalmente
considerados como públicos”8.
Diante dos mais variados conceitos apresentados pela doutrina do que se entenda
por Terceiro Setor, citamos o conceito de Gustavo Justino de Oliveira, por sua variedade de
elementos, senão vejamos: “o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por
organizações privadas não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações ou fundações),
realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado),
embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos e
privados)9”.
Há ainda quem diga:
7
SALAMON, Lester; ANHEIER, Helmut. The emerging sector: an overview. Baltimore, 1994.
8
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.
129-130.
9
OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito do Terceiro Setor. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 17.
10
GOHN, Maria da Glória. Mídia, terceiro setor e MST: impacto sobre o futuro das cidades e do campo.
Petrópolis: Vozes, 2000, p. 60.
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774
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13
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros.
2009, p. 167.
775
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aforismo “o homem é medida de todas as coisas, das que são o que são, e das que não são o
que não são”14.
A partir do início do século XX, por imposição de suas Constituições (seguindo a
influência da Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919), os Estados passam a
fornecer prestações positivas, a fim de viabilizar a plena fruição dos direitos fundamentais de
que são titulares os cidadãos, além do dever de abstenção em relação às chamadas liberdades
públicas. Nesta escala evolutiva, após a segunda metade do século XX, verifica-se a
ocorrência do fenômeno que se denominou de neoconstitucionalismo, onde não se afirma
apenas o caráter estrutural ou organizacional da Constituição, mas sua nova dimensão: a da
normatividade e da eficácia dos direitos fundamentais.
Como uma faceta deste constitucionalismo contemporâneo, surge a expectativa de
que o mesmo seja incorporado ao que foi chamado por Roberto Dromi e Eduardo Menem de
“constitucionalismo da realidade”, baseado em um sistema “que no solo consolida y afianza
El Estado de derecho, sino que posibilita uma verdadeira ejecución de sus proclamas, una
realización de la verdad prática de sus declaraciones, derechos e garantias” 15.
Nestas bases, a solidariedade surge como um novo valor, sendo, segundo citados
autores, uma nova concepção de igualdade, sustentada sobre o velho princípio da segurança
jurídica, constituindo não a exaltação do individualismo, mas sim, um equilíbrio entre o
homem e as instituições.
Proveniente de um dos primados da Revolução Francesa (fraternidade) e alçado à
qualidade de princípio, a solidariedade (que para muitos tem como fundamento último a
dignidade humana), encontra fundamento no ordenamento constitucional brasileiro como
objetivo da República Federativa do Brasil (art. 3º, I, CF/88).
Analisando o tema pelo viés filosófico, percebe-se uma permanente disputa entre
egoísmo x altruísmo. Aristóteles teria sido o primeiro a ressaltar a verve egoísta do ser
humano, tendo defendido que toda ação humana busca a felicidade do agente e o altruísmo
genuíno é algo impossível16. Arthur Schopenhauer chegou a afirmar que “o egoísmo é
14
SILVA, Cleber Demétrio. O princípio da solidariedade. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1272, 25
dez. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9315>. Acesso em: 10 ago. 2015.
15
DROMI, Roberto; MENEN, Eduardo. La Constitucion reformada, comentada, interpretada y concordada.
Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1994, p. 19.
16
ALLAN, D. J. A filosofia de Aristóteles. Tradução de Rui Gonçalo Amado. Lisboa: Editorial Presença, 1983, p.
166.
776
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gigantesco: ele rege o mundo”17. Terence Irwin e John Cooper18, por sua vez, tentaram
mostrar a importância do altruísmo sustentando em uma felicidade que consiste no
desenvolvimento da parte racional da alma, tornando genuína não só a preocupação consigo,
mas com os outros.
Immanuel Kant (1724-1804), como um dos expoentes do pensamento moderno e
como verdadeiro norte em termos de teoria do conhecimento, presta-nos como autor de
referência, na medida em que passados mais de duzentos anos de sua morte, seu pensamento
surpreende pela atualidade, precisão e conexão com a temática abordada. Sua compreensão
de moralidade e a construção do denominado “Imperativos Categórico” emprestam
importantes contribuições ao estudo ora empreendido, bem como a sua noção de “boa
vontade”.
Em termos de solidariedade, Kant alimenta o paradoxo que denominou de
“sociabilidade insociável dos homens”, explicando que: “isto é, a sua tendência para entrar
em sociedade; essa tendência, porém, está unida a uma resistência universal que,
incessantemente, ameaça dissolver a sociedade. Esta disposição reside manifestamente na
natureza humana. O homem tem uma inclinação para entrar em sociedade, porque em
semelhante estado se sente mais como homem, isto é, sente o desenvolvimento das suas
disposições naturais. Mas tem também uma grande propensão para se isolar, porque depara ao
mesmo tempo em si com a propriedade insocial de querer dispor de tudo a seu gosto e, por
conseguinte, espera resistência de todos os lados, tal como sabe por si mesmo que, da sua
parte, sente inclinação para exercer a resistência contra os outros”19.
Segundo o autor, é nesta insociabilidade que se construiria, verdadeiramente, o valor
social do homem20, no que acreditamos sejam as bases para a construção de sua ideia de boa
vontade e de seu Imperativo Categórico.
17
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de insultar. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes,
2003, p. 51.
18
IRWIN, T. H. Aristotle’s First Principles. Oxford: Clarendon Press, 1992, p. 364; COOPER, John. The forms
of Friendship in: COOPER, John. Reason and Emotion. New Jersey: Princeton University Press, 1999, p. 316.
19
KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Trad.Rodrigo Naves e
Ricardo R. Terra. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 08.
20
Segundo Kant, seria na insociabilidade onde “desenvolvem-se a pouco e pouco todos os talentos, forma-se o
gosto e, através de uma incessante ilustração, o começo transforma-se na fundação de um modo de pensar que,
com o tempo, pode mudar a grosseira disposição natural em diferenciação moral relativa a princípios práticos
determinados e, por fim, transmutar ainda, deste modo, num todo moral uma consonância para formar sociedade,
patologicamente provocada” (KANT, 1986, p. 08).
777
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A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para
alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é em si
mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do
que tudo o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer
inclinação, ou mesmo, se se quiser, da soma de todas as inclinações23.
21
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. Portugal: Edições70,
2007, p. 21.
22
KANT, 2007, p. 22.
23
KANT, 2007, p. 23.
24
KANT, 2007, p. 26.
25
KANT, 2007, p. 27.
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Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de
disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou
interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar
com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo, porém, que
neste caso uma tal ação, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem
contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras
inclinações, por exemplo o amor das honras que, quando por feliz acaso topa aquilo
que efetivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é consequentemente
honroso e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o
26
HANSEN, Gilvan Luiz. Conhecimento, verdade e sustentabilidade: perspectivas ético-morais em cenários
contemporâneos. In: REBEL GOMES, Sandra Lúcia ; NOVAIS CORDEIRO, Rosa Inês; MENDES DA SILVA,
Ricardo Perlingeiro. (Orgs.). Incursões interdisciplinares: Direito e Ciência da
Informação. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012, v. 1, p. 55-76.
27
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Estudos de teoria política. Trad. Gorge Sperber e Paulo Astor
Soethe. São Paulo: Loyola, 2002, p. 53.
779
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conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem, não por inclinação, mas
por dever28.
E mais:
(...) se a natureza não tivesse feito de um tal homem (que em boa verdade não seria
o seu pior produto) propriamente um filantropo, — não poderia ele encontrar ainda
dentro de si um manancial que lhe pudesse dar um valor muito mais elevado do que
o dum temperamento bondoso? Sem dúvida! — e exactamente aí é que começa o
valor do carácter, que é moralmente sem qualquer comparação o mais alto, e que
consiste em fazer o bem, não por inclinação, mas por dever.
28
KANT, 2007, p. 28.
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No mais, é possível dizer, com certa certeza, que associações, fundações privadas,
organizações não-governamentais (todas pessoas jurídicas de direito privado) possuem em
seu instinto (e em seu discurso) a ideologia do coletivo. Em breves considerações, vimos
todas as consequências do discurso que preza pela tutela do coletivo e neste, momento, nos
valemos de uma reflexão que coloca em xeque os efeitos do poder por detrás das ideologias,
inclusive das que pregam a solidariedade.
Assim nos alerta Pedro Demo (2002):
(...) as relações de poder são repletas de artimanhas, das quais a mais conhecida é a
ideologia, no sentido mais preciso de Thompson (1995): ideologia é reflexo
necessário do poder e se configura como tentativa sempre renovada de justificação
do cultivo e manutenção do poder. Ideologia é discurso orientado, em primeiro
lugar, para justificar, encobrir, pregar subalternidades, por vezes de modo ostensivo,
mas mais comumente de modo sibilino. Ideologia inteligente vende-se como
ciência, evolução lógica, rodeios aparentemente fundamentados, números
reveladores, porque sabe que a relação de poder torna-se mais aceitável quando
manejada sob o véu do envolvimento lógico e emocional.
CONCLUSÕES
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29
CARDOSO, Carlos Cabral. Comportamento Organizacional e Gestão. Lisboa: Editora RH, 2006, p.16.
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Grupo de Trabalho 11
SEXUALIDADE,
DEMOCRACIA E PODER
dcclxxxv
A SOCIOLOGIA DAS EMOÇÕES, O POLIAMOR E O
RECONHECIMENTO DA UNIÃO POLIAFETIVA PELO
TABELIÃO DE NOTAS EM ESCRITURA PÚBLICA
RESUMO
No mundo hodierno novos arranjos familiares surgem com diferentes contornos, tendo por suporte
vínculos afetivos poliamorosos. É o afeto, emoção construída socialmente, o elemento estruturante do
poliamor. As relações poliafetivas ocorrem entre mais de duas pessoas e são anti-monogâmicas em sua
essência. Sob a ótica jurídica, as uniões poliafetivas - nova espécie de família -, são “invisíveis” à
sociedade e invisibilizadas pelo Judiciário. Embora o menoscabo pela sociedade, as uniões poliafetivas
existem no contexto nacional e são fatos sociais dos quais os operadores jurídicos não podem descurar.
O tabelião de notas, enquanto ator social e jurídico, através do exercício de sua função e, instado a
exercê-la, pode lavrar escrituras públicas poliafetivas, e, em consonância com os princípios da
igualdade e da dignidade da pessoa humana, a pluralidade das entidades familiares e autonomia
existencial, estabelecer cláusulas que traduzam a vontade dos policonviventes e, ao fim e ao cabo,
realizem os direitos de personalidade dos mesmos.
ABSTRACT
In the modern world new family arrangements arise with diferente outlines, having as support
polyamorous affective bonds. It is affection, socially constructed emotion, the structuring element of
polyamory. Poly-affective relations occur between more than two people and are anti-monogamous in
their essence. From the juridical point of view, polyaffective unions - new species of family -, are
"invisible" to the society and invisibilizadas by the Judiciary. Although society is undermined,
polyaffective unions exist in the national context and are social facts that legal practitioners can not
ignore. The notary public, as a social and legal actor, through the exercise of his or her function and,
when called upon to exercise it, may draw up public legal writings and, in accordance with the
principles of equality and dignity of the human person, the plurality of family entities and existential
autonomy, to establish clauses that reflect the will of the polyvinists and, after all, to realize their
personality rights.
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INTRODUÇÃO
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Essa sociologia especial possuiu duas grandes tendências teóricas de análise das
emoções, que divergem significativamente no modo como veem e analisam o objeto. Em sua
obra Emoções, Sociedade e Cultura, Koury (2009) apresenta, brevemente, segundo a
concepção de Kemper, estas duas grandes perspectivas teóricas como sendo, uma de cunho
positivista e outra com feições “antipositivistas”. A primeira analisa as emoções dentro da
sociologia concebendo maior importância aos aspectos biológicos e fisiológicos em relação
aos substratos sociais, partindo de uma concepção teórico-metodológica positivista. A
segunda, por sua vez, sobreleva os aspectos socioculturais das experiências emocionais,
valorizando os sentidos subjetivos que os próprios atores sociais atribuiriam aos fenômenos
emocionais através das relações sociais criadas e desenvolvidas na sociedade e na cultura as
quais pertencem. Desta forma para esta segunda posição as emoções são uma construção
social (KOURY, 2009, p.9).
Assim, para Koury, o que de fato importa para esta corrente teórica, não é se existem
semelhanças biossociais/universais entre as emoções, nem o processo evolucionário das
emoções, e sim os aspectos da emoção que diferenciam os grupos sociais de seres humanos.
Sejam ligadas ao interacionismo simbólico ou não, as atuais tendências de estudos na
Sociologia das Emoções privilegia a perspectiva culturalista das emoções como explicação
social para os fenômenos emocionais, demonstrando que o modo como se vê e se percebe o
mundo ao nosso redor e todos os fenômenos recorrentes de interações sociais, são
constituídos no seio destas mesmas interações, que regem nosso comportamento. Dentre essas
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O(s) afeto(s) é uma teia de sentimentos que pode englobar o amor, a amizade, o
desejo sexual, a confiança, a solidariedade e, paradoxalmente, o egoísmo, o rancor, a mágoa,
a desconfiança. Lembrando Giselle Groeninga (2015, p. 1), “o afeto é o que nos emociona, o
que nos move, e que ganha no encontro com o Outro, igual ou diferente de si mesmo, a
qualidade de sentimento: o que dá sentido às relações. Tal teia dá conformidade a um produto
relacional advindo da interação entre os indivíduos, a cultura e a sociedade de que fazem
parte. Se sob a perspectiva da Neurociência, as emoções têm origem no sistema límbico e são
definidas como processos neuroquímicos que ocorrem no cérebro, e na Psicologia elas têm
uma concepção de cunho cognitivo, isto é, como fruto de como se interpreta conscientemente
determinadas situações; na Sociologia o afeto é uma construção social, sob a perspectiva de
cunho culturalista-construtivista. Há uma interação entre as estruturas sociais existentes e a
influência dessas no “como sentimos”. Nas relações afetivas são estabelecidas alianças entre
os envolvidos, em que os esforços de manutenção desses laços de amor, de amizade se
pautam por uma moral e por códigos de ética próprios, mas que não estão imunes à influência
de uma estrutura social pré-existente, pois o ser humano é um sujeito em relação.
A categorização jurídica do afeto é recente, fruto da repersonalização do Direito
Privado e da constitucionalização do Direito de Família. Não obstante a expressão afeto não
esteja no texto da Constituição Federal, houve, nos últimos vinte e oito anos, um processo de
construção doutrinária calcada na valorização da afetividade, como uma das projeções da
dignidade da pessoa humana – princípio expresso no artigo 1º, III, CF. O afeto, de mera
expressão do subjetivismo, transmudou-se em um valor jurídico. Para Tepedino (2015, p.7),
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Tendo em vista que o afeto é uma construção social e o principal valor do poliamor
e esse artigo analisa esse fenômeno social e as uniões poliafetivas, que já existem na
sociedade, não poderia deixar de trazer um recorte que trata de interessante estudo etnográfico
realizado em Brasília, com um grupo denominado Poliamor Brasilia, cujos participantes ou
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No que compete a este artigo, cumpre esclarecer que o estudo etnográfico realizado
em Brasília mais do que levantar dados, descrever as visões de mundo e a própria atuação
sócio-política desse grupo, retrata a crítica ao amor romântico e à monogamia. Não é
demasiado dizer que algumas das conclusões da dissertação são o esboço do pensamento de
parte dessa nova geração acerca de institutos “tradicionais” como o casamento e a família,
além das escolhas amorosas. Uma geração que convive com a diversidade sexual e novos
arranjos afetivos e que têm suas idiossincrasias. O grupo pesquisado era composto por jovens,
como se infere da faixa etária dos participantes, entre os 18 e os 34 anos; em sua maioria,
formada por universitários ou profissionais recém-egressos do ensino superior, moradores do
Plano Piloto na capital federal, com hábitos semelhantes, inseridos em uma mesma cultura.
Diz o pesquisador que “praticamente todas/os integrantes do Poliamor Brasília
compartilham da ideia de que na monogamia e no amor romântico há um discurso hipócrita
sobre a dimensão das relações amorosas”, tendo em vista que mesmo em relações
monogâmicas pode acontecer de ambas as partes se apaixonarem por alguém de fora da
relação e isso se tornar fonte de conflito, mágoa, revolta, etc.
Outro aspecto que é sublinhado nesse espaço é o que tange ao estigma e preconceito
com os poliamoristas. Em todos os espaços de discussão do Poliamor Brasília (grupos de
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Facebook e WhatsApp, poliencontros, happy hours do amor etc.), boa parte dos relatos
giraram em torno de situações em que poliamoristas eram acusadas/os de serem
promíscuas/os e, no limite, estarem usando o termo poliamor como desculpa para praticar
“putaria”, ou ainda, “pegação”. A seguir alguns dos comentários sobre a condição de
poliamoristas e o estigma sobre a mesma:
Para os conservadores que acham isso tudo uma grande putaria, deixamos duas
notícias: a primeira é que não adianta lutar contra essa tendência, pois ela já está
acontecendo. No futuro, iremos olhar para a época em que vivemos hoje e será
mais fácil identificar essa mudança acontecendo na vida de muitas pessoas. A outra
notícia é que essa abertura tende a quebrar modelos e apontar para uma direção
onde não há regras – se alguém quer ficar casado por 60 anos com a mesma pessoa,
ótimo. Se a outra quer casar com 5 pessoas, ótimo também. Se a outra quer ficar
sozinha, sem problemas. (FACEBOOK, 2014). (Grifo nosso).
[...]
Valéria [negra, 25 anos, faz graduação no curso de Letras, feminista: Debater a
pluralidade do amor ok, mas, falar que você namora 3 pessoas [risos] é complicado
[...] Imagina só, eu falando sobre isso no meu serviço ou para a minha avó cristã de
70 anos [risos].
[...]
Maiara [Comunicadora]: Eu costumo dizer que meus pais sabem que eu sou do
poliamor, mas eles preferem chamar carinhosamente de “promiscuidade”.
(FRANÇA, 2016, p.95-102).
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terceiros não podem ser subtraídas do indivíduo, sob pena de se violar sua
dignidade.
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uma única união. E como entidades familiares que são, devem ser protegida (artigo 226,
caput, CF).
Embora no mesmo artigo 226, o parágrafo 3º, CF tenha regulamentado a união
estável entre duas pessoas, isso não significa uma negativa de proteção da união entre mais de
duas pessoas, pois, segundo a melhor doutrina, não quis o dispositivo expressar que somente
será união estável aquela que possa ser convertida em casamento. (VECHIATTI, 2014).
Não é o matrimônio e muito menos a monogamia que constitui família. Destaca-se
que a monogamia não é princípio estruturante do direito das famílias e que, em razão disso,
são inconsistentes teses que desqualificam a união poliafetiva como (nova) entidade familiar.
A monogamia caracteriza um vetor que pode ou não se inserir no mundo dos valores de cada
um dos membros da família. É capaz de contentar mais ou menos algumas pessoas – seja por
fatores morais, religiosos e/ou culturais – ou desagradar mais ou menos outras – seja por
fatores individuais, sexuais e/ou íntimos. No caso dos policonviventes, é obvio que não se
trata de vetor inserido em suas vidas.
Compartilha-se da opinião de Rafael Santiago de que,
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No que diz respeito ao objeto do negócio em estudo, como tenho exposto em aulas
e escritos, a monogamia não está expressa na legislação como princípio da união
estável, mas apenas do casamento, eis que o Código Civil enuncia que não podem
casar as pessoas casadas, sob pena de nulidade do casamento (arts. 1.521, VI, e
1.548, CCB). Em relação à união estável, muito ao contrário, admite-se até que a
pessoa casada tenha um vínculo de convivência, desde que esteja separada
judicialmente, extrajudicialmente ou de fato (art. 1.723, § 1º, do CC/2002, em
leitura atualizada), o que denota um tratamento diferenciado a respeito da liberdade
de constituição das duas entidades familiares.
CONCLUSÃO
Ao longo do artigo discorreu-se sobre tema polêmico que já faz parte da sociedade
brasileira. Alicerçou-se o estudo na convicção de que o poliamorismo, mais do que um
movimento ou estilo de vida, é uma manifestação dos tempos pós-modernos no âmbito das
relações humanas. Ancorado na emoção/teia de sentimentos que é o afeto, as relações
poliamorosas vividas por jovens da geração pós-anos 80, em um microcosmo como
Brasília(DF), e suas representações podem ser vislumbradas em outros ambientes do país. Se
nos Estados Unidos já há mais de meio milhão de pessoas que se identificam como
“poliamorosas” (SANTIAGO, 2014, p.256), no Brasil, ao contrário, não há uma
demonstração consistente quanto à essa condição. Mas essa é uma realidade social, que não
pode ser desconsiderada pelo Direito.
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807
DIÁLOGO ENTRE FEMINISMOS, DIREITO E RELIGIÃO
RESUMO
ABSTRACT
Modernity has been the scene of overcoming great traditions and the emergence of emancipatory
movements, especially with regard to male domination. In this sense, considering the articulation
between feminisms and the Christian religion, this article points to the outbreak of the Christian
feminist movement, presenting the demands of two groups present in the Brazilian socio-political
scenario: Catholics for a Free Choice and Evangelicals for Gender Equality. In the end, it is
questioned whether such a movement has an emancipatory practice or whether it consists of a
religious adaptation of feminist discourse to social dynamics.
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INTRODUÇÃO
1. MODERNIDADE E FEMINISMOS
1
O presente artigo não tem como objetivo aprofundar tal discussão, pois esta constitui parte do debate que será
desenvolvido no estudo para dissertação de Mestrado.
809
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810
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nas práticas dos atos da vida civil, relegando-as ao cuidado do lar e da prole na esfera
doméstica.
O século XIX também abarcou o surgimento do feminismo socialista ou marxista,
que insere no debate a discussão da relação entre a desigualdade de gênero, a exploração
sexual e a estrutura econômica capitalista, numa tentativa de demonstrar que o patriarcado é
subproduto do capitalismo.2 E que, por este motivo, aos homens estaria confiada a produção
social por meio do trabalho assalariado e as mulheres, a reprodução. Analisando a opressão
sob o viés de classe e de gênero, a reprodução feminina seria explorada pelos homens da
mesma forma que o seu trabalhado produtivo seria explorado pelo sistema capitalista.
A argumentação sobre a necessidade da igualdade de gênero, largamente utilizada
no século XIX, foi substituída pela valorização da diferença. Assim, o feminismo cultural (ou
da diferença), a partir dos estudos de Carol Gilligan (1982), pontuou que homens e mulheres
possuem uma formação moral distinta, constituindo duas perspectivas: a ética da justiça e a
ética do cuidado. A primeira, considerada tipicamente masculina, estaria baseada em um
raciocínio abstrato, em que as decisões são tomadas com base em noções de justiça,
respeitando direitos individuais e normas universais. Já a segunda, consistiria em um
raciocínio contextual, já que as mulheres se perceberiam como integrantes das relações
sociais e, dessa maneira, com o devido cuidado e atenção, prezariam pela manutenção de
relacionamentos pacíficos.
O estudo da diferença também é observado no feminismo radical, que tem como
expoente a jurista Catherine Mackinnon. Esta corrente demonstra que a igualdade formal
entre homens e mulheres não alterou a realidade da subordinação feminina na sociedade,
apontando que a sexualidade constitui um lugar privilegiado de opressão dos homens sobre as
mulheres. Nesse caso, o ponto central de explicação da dominação masculina seria o
patriarcado, em que as instituições − sociais, políticas, econômicas e jurídicas − estariam
baseadas em linguagens, interesses e perspectivas essencialmente masculinas, modelando o
desejo e se apropriando da sexualidade feminina.
Diferentemente das abordagens supramencionadas, o feminismo pós-moderno ou
pós-estruturalista preocupou-se com a multiplicidade de identidades e subjetividades. As
reflexões desta vertente partem de uma compreensão de gênero como fruto de um discurso de
poder, que oprime os indivíduos por meio das noções de feminino e masculino. Nesse
2
No Brasil, a abordagem feminista marxista do patriarcado é inaugurada por Heleieth I. B. Saffioti.
811
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sentido, a autora Judith Butler (2003 [1990]) tensiona as concepções de sexo e gênero, pois
ambos seriam um produto das relações sociais e culturais dos indivíduos, não havendo uma
característica inerente ao ser humano que o definisse segundo o binarismo homem/mulher.
Portanto, provoca-se a desconstrução da neutralidade e da naturalidade das convenções sobre
sexo, gênero e sexualidade.
Diante dessa breve contextualização, pode-se observar que a construção dos sujeitos
e a sua relação com a sociedade não estariam mais pautadas em uma ordem divina, mas sob
uma perspectiva humana, centrada na razão. Não há mais uma lógica transcendente que
determina o sentido do ser e o desenvolvimento de papéis sociais para homens e mulheres,
mas uma constante releitura e reconstrução dos espaços sociais e de quem deles participam.
Nesse sentido, vale ressaltar que o próprio contexto religioso tem absorvido essa
dinâmica. E isso se deve as sucessivas críticas internas às estruturas das instituições religiosas,
no tocante a dominação masculina. As pregações, a literatura, as músicas, os discursos e todas
as outras formas de ensino religioso são acusadas de impor uma posição hierárquica, de
superioridade do homem, como se ele fosse "um cidadão de primeira classe, escolhido para
dominar não somente os animais e a terra, como também a mulher" (RODRIGUES:2011,11).
É nesse contexto que as mulheres cristãs têm criticado não somente as constantes
reafirmações do masculino como único representante do sagrado, mas também as relações
sociais operadas na dicotomia entre o público e o privado. A crítica à exclusão da mulher da
esfera pública e a sua submissão à esfera privada é, historicamente, o tema central do
pensamento feminista. Só que, neste caso, o que está em questão é a herança da religião
primitiva cristã, em que a esfera pública religiosa se confunde com a esfera privada da
família. (FIORENZA:1992, 287). E, diante disso, como a igreja é considerada a extensão da
casa, a ingerência do poder patriarcal é potencializada.
Com isso, o que se pretende levantar é que se a igreja é um espaço público, "a casa é
política" (SOUZA:2009, 8) e isto significa que nem a instituição religiosa, tampouco o lar são
espaços de ocultamento das injustiças sociais praticadas contra as mulheres. Assim, a
tentativa é a de que as discussões sobre as atividades públicas e privadas estejam atentas as
representações de gênero, que perpassam os corpos dos sujeitos, construindo as noções de
masculinidade e feminilidade no âmbito religioso.
Apesar de muitas mulheres ainda estarem sujeitas a sacralização masculina e a igreja
representar uma das estruturas sociais de dominação masculina em que se reproduzem e se
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A busca por emancipação por parte das mulheres cristãs se iniciou nos Estados
Unidos, no século XIX, onde surgiu uma das primeiras construções de uma interpretação
3
O fragmento é parte da entrevista de Maria José Rosado Nunes com Ivone Gebara, publicado na Revista de
Estudos Feministas. vol.14, n.1, Florianópolis, jan./abr. 2006.
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As mulheres das diferentes esferas de vida e de trabalho necessitam uma das outras
para celebrar sua fé, reforçar sua luta, redescobrir ou, se for o caso, rejeitar tradições
cristãs. Quer dizer, a teologia feminista tanto é expressão como porta-voz deste
movimento de mulheres no cristianismo e em outras religiões em busca de superar
o patriarcado. É ruptura e saída a um só tempo. (GOSSMANN: 1997, 505)
Como resultado não só desse pensamento, mas também desse engajamento, é que se
faz necessário demonstrar, brevemente, a história e a atuação de dois grupos presentes no
contexto social e político brasileiro: o Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) e o
Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG). Tais movimentos, opondo-se a assimetria sócio-
eclesial sustentada, ao longo dos séculos, pelas doutrinas religiosas cristãs, militam em prol da
autonomia, da garantia de direitos e da emancipação das mulheres.
O grupo Católicas pelo Direito de Decidir (Catholics For a Free Choice - CFFC)
surge, inicialmente, nos Estados Unidos, na década de 1970. Anos mais tarde, em 1990, seus
ideais serão recepcionados por alguns países da América Latina. Em qualquer dos casos, é um
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movimento que se caracteriza como católico, mas que se contrapõe aos ensinamentos
clericais tradicionais, fundamentando os seus posicionamentos com argumentos feministas.
No Brasil, a organização não governamental Católicas pelo Direito de Decidir
(CDD/BR) foi fundada em 1993, sendo composta por pesquisadoras e pesquisadores da
academia, operadoras e operadores do Direito e por fiéis de forma geral.4 Além disso, integra
a Rede Latino-americana de Católicas pelo Direito de Decidir, criada em 1996, que se articula
por mais onze países.5 A Rede, atuando a partir da teologia feminista, luta contra as injustiças
sociais na América Latina e no Caribe e é responsável por difundir argumentos que
fundamentam o direito de decidir, a liberdade de consciência e o reconhecimento da
diferença, todos em prol da autonomia feminina.
No contexto brasileiro, a ONG tem como enfoque promover transformações
sociais, no que diz respeito a desconstrução de padrões culturais e religiosos. Para tanto, tem
como objetivos específicos contribuir para a promoção da justiça social, a garantia de uma
vida sem violência, o diálogo interreligioso e, por fim, assegurar a implementação de leis e
políticas públicas necessárias ao desenvolvimento das mulheres, em sua interseccionalidade
com as questões de raça, classe, geração, orientação e identidade sexuais.
Além disso, as Católicas, assim como muitas teóricas feministas, trabalham com a
ideia da maternidade como sendo invenção da modernidade. (GIDDENS:1993,53) Nesse
caso, opõem-se aos discursos religiosos que condenam a atribuição de uma natureza própria
às mulheres, cuja essência é a maternidade, bem como o exercício livre da sexualidade.
Importante destacar que, a socióloga e uma das fundadoras da CDD/BR, Maria José Rosado
Nunes, questiona o sentido materno imposto as mulheres católicas, tendo em vista que se não
forem mães biológicas, poderão − e deverão − cumprir o seu papel sendo mães espirituais.6
Ademais, cumpre destacar que contrapondo-se a moral sexual católica, ressaltam a
contribuição dos feminismos que retiraram a discussão dos direitos sexuais e reprodutivos do
campo da moral e os colocaram no campo dos direitos. Seguindo esta influência e,
entendendo que a possibilidade de interrupção da gravidez é tema controverso dentro da
4
Todas as informações mencionadas estão disponíveis nos seguintes sítios eletrônicos: <http://catolicas.org.br/> e
< https://www.facebook.com/catolicasdireitodecidir/?fref=mentions>.
5
A Rede se articula nos seguintes países: Argentina, Chile, Colômbia, Chile, Equador, Espanha, El Salvador,
Nicarágua, México, Paraguai e Perú.
6
Esta crítica foi levantada numa palestra sobre "Feminismo e Religião" que integra a série "O que querem as
mulheres?", com curadoria de Margareth Rago, e que está disponível na seguinte página eletrônica do programa
Café Filosófico: <https://www.youtube.com/watch?v=kFpLZC8tNS0 >
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7
Somente no século XIX é que se afirma que o feto possui vida a partir da concepção.
8
O livro mais recente publicado é "Entre dogmas e direitos: religião e sexualidade" e está disponível para
download no link que segue: <http://catolicas.org.br/wp-content/uploads/2017/09/ENTRE-DOGMAS-E-
DIREITOS_RELIGI%C3%83O-E-SEXUALIDADE.pdf>.
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feminismos para as suas vivências? É o que se passa a expor, com base no grupo Evangélicas
pela Igualdade de Gênero.
O grupo Evangélicas pela Igualdade de Gênero foi criado em maio de 2015, durante
o Fórum Pentecostal Latino-Caribenho, diante da necessidade de se discutir como se
operacionalizam as relações de gênero dentro da igreja. O objetivo geral é reunir mulheres
protestantes, pentecostais e neopentecostais, para compartilharem as vivências e experiências
de suas caminhadas cristãs. O eixo dos debates são as violências contra as mulheres, sejam
elas físicas ou simbólicas, praticadas tanto no espaço doméstico e de trabalho, quanto no
âmbito da igreja. Para este último ponto de análise, reivindicam-se voz e participação
feminina no seio religioso, em igualdade de condições com os homens.
Apesar da EIG só ter sido constituída em 2015, Valéria Cristina Vilhena, uma de
suas fundadoras, defendeu em 2009, sua dissertação de Mestrado intitulada "Pela Voz das
Mulheres: uma análise da violência doméstica entre mulheres evangélicas no Núcleo de
Defesa e Convivência da Mulher − Casa Sofia". Em sua investigação, ela desenvolveu um
estudo que relaciona gênero e religião. Sua motivação foi o campo de pesquisa, a Casa Sofia,
projeto social da igreja católica localizado na periferia de São Paulo, onde os dados revelaram
que 40% das mulheres atendidas se declaravam evangélicas. (VILHENA:2009, 90)
Não por acaso, a pauta norteadora da EIG seja a violência praticada contra as
mulheres, incluindo, a violência doméstica, justificada no dever de sujeição feminina ao
homem e reforçada pelos aconselhamentos dos líderes religiosos de que a mulher deve
preservar o matrimônio. No entanto, segundo Valéria, essa questão precisa ser tratada fora do
âmbito religioso, pois violência doméstica e familiar é crime e não há argumentos religiosos
que o podem contrapor:
(...) quando tratamos de direitos humanos, como é o caso do 'direito a ter uma vida
sem violência', entendemos que as teologias deveriam procurar rever suas bases
estruturais à não utilizarem bases sexistas e patriarcais que fortaleçam relações de
violência doméstica. (VILHENA: 2009, 125)
A dissertação foi o início de uma caminhada que rendeu como frutos as seguintes
obras: Uma Igreja sem Voz (2011), Evangélicas por sua Voz e Participação (2015) e
Violências de Gênero, Evangélicos (a)políticos e os Direitos Humanos (2015). A partir dos
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títulos do livros, observa-se a tentativa de romper com o silenciamento das mulheres nos
templos cristãos, demonstrando que "não são subalternas e que podem falar"9 e, além disso,
que são sujeitas de direito dentro e fora da igreja. Assim, busca-se um tratamento igualitário,
sem hierarquias, nos espaços religiosos.
A reivindicação pela extensão da liberdade e da igualdade às mulheres no âmbito
religioso é fruto da aproximação dos feminismos com a fé cristã. Sobre esse assunto,
questionada sobre a possibilidade de uma feminista se manter religiosa, Valéria Vilhena10
afirma que:
Muitas mulheres, jovens ou não, têm demonstrado que é possível continuar a ser
cristã, mesmo aderindo ao feminismo. Mesmo porque o movimento feminista é
composto por muitas linhas de pensamento feminista. É um movimento plural.
Nem todas as feministas convergem em todos os pontos. Há divergência. E isto só
nos enriquece, porque consegue responder a mais demandas sociais. Mas há um
ponto comum: a igualdade entre homens e mulheres. O olhar para além das
diferenças biológicas, ou seja, as diferenças biológicas não podem justificar
injustiças, violências, desigualdades de oportunidades. Nem tão pouco a bíblia
pode ser base para isso, porque é violento - toda desigualdade é violenta. O
feminismo pauta-se em direitos humanos, no resguardo da dignidade humana para
homens e mulheres, independentemente da diversidade humana que nos diferencia.
O feminismo é forma de luta política e a bíblia tem muitos textos que pautam por
estas lutas pelos mais pobres, os desfavorecidos, os injustiçados, as minorias.
(grifos nossos)
9
"Pode o subalterno falar?" é o título da obra de Gayatri Chakravorty Spivack, publicado pela Editora UFMG,
em 2010.
10
Entrevista concedida por Valéria Cristina Vilhena a Edson Caldeira, do sítio eletrônico Metrópole de Brasília. A
entrevista foi publicada, em 30 de maio de 2017, na página eletrônica da EIG, sob o título "É possível alinhar a
proposta feminista com o evangelho?" e pode ser acessada no seguinte endereço eletrônico: <
https://mulhereseig.wordpress.com/2017/05/30/e-possivel-alinhar-a-proposta-feminista-com-o-evangelho/>
11
Há quem defenda a existência da Papisa Joana, embora não se tenha relatos que confirmem o período histórico
de seu papado.
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Diante desse fragmento, pode-se constatar que as mulheres cristãs, de forma geral,
se posicionam e se declaram feministas, a fim de lutar pela efetivação dos direitos das
mulheres. Nesse caso, tanto católicas, quanto evangélicas têm somado forças para juntas
defenderem o direito de decidir, independente de qualquer postura conservadora que, não só
12
As páginas eletrônicas são: < https://mulhereseig.wordpress.com/> e <
https://www.facebook.com/mulhereseig/>.
13
BOLDRINI, Angela. Comissão da Câmara aprova regras mais duras sobre o aborto no país. Folha, Brasília, 08
nov. 2017. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1933899-comissao-da-camara-
aprova-regras-mais-duras-para-aborto-no-pais.shtml> Acesso: 10 nov. 2017.
14
Nota publicada em 10 nov. 2017, podendo ser acessada na rede social Facebook a partir do seguinte link: <
https://www.facebook.com/pg/mulhereseig/posts/?ref=page_internal>
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os parlamentares, mas também elas mesmas possam vir a ter, no tocante a interrupção da
gravidez.
Portanto, observa-se que as mulheres evangélicas não só tem lutado por liberdade e
igualdade, mas também tem buscado uma ruptura com o paradigma masculino, que cerceia
todo e qualquer sentido emancipador insistentemente almejado por elas. E isso tem se
expandido, tal como já realizado há muitos séculos por feministas não religiosas, ao espaço
público, político. São mulheres que, independente de estarem ou não "desigrejadas"15,
mantém a sua religião na esfera privada, e buscam desconstruir uma mentalidade sexista e
conservadora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
15
Expressão que caracteriza quem mantém o exercício da fé, ainda que não mantenha vínculos com nenhuma
instituição religiosa específica. Algumas observações empíricas, que não são alvo desse artigo, mostram que
muitas mulheres se declaram evangélicas, mas não pertencem a denominações cristãs.
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Paulo, 2009.
822
Grupo de Trabalho 12
ENSINO JURÍDICO,
FACULDADES DE DIREITO E
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
dcccxxiii
A ARTE DE ENSINAR DIREITO TRIBUTÁRIO
RESUMO
Este artigo trata da experiência da Professora Elizabete Rosa de Mello, que ministrou aulas de Direito
Tributário, Coordenou Cursos de Pós-graduação Lato sensu por mais de quinze anos em instituições
públicas e particulares, demonstrando ser possível desmistificar os conteúdos de uma disciplina que,
geralmente, não tem muita aceitação entre os alunos. O artigo sugere metodologias, procedimentos e
recomendações para chegar a ter resultados satisfatórios de aprendizagem, detectados por diversas
formas de avaliação. Para ensinar é necessário primeiro ter conhecimento, metodologias adequadas e
requisitos de ordem subjetiva e objetiva. Tudo isso pode ser apreendido, não somente para ensinar
Disciplinas que tratam do Direito Tributário, como também para outras, já que ensinar é uma arte
interdisciplinar de constante transformação.
ABSTRACT
This paper discusses the experience of lecturer Elizabete Rosa de Mello, who has taught Tax Law for
over ten years in public and private institutions, demonstrating that it is possible to demystify the
content of a discipline which is usually not very popular among university students. The article
suggests methodologies, procedures and recommendations for achieving satisfactory learning
outcomes, prover by various means of evaluation. Successful teaching requires knowledge of the
subject, appropriate methodology as well as subjective and objective requisites. All this can be learned,
not only for subjects dealing with Tax Law, but also for others, since teaching is an interdisciplinary
art of constant transformation.
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INTRODUÇÃO
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Ensinar Direito Tributário sem relacioná-lo com outros ramos e áreas é afastá-lo da
realidade jurídica e social.
Geralmente as disciplinas relacionadas ao Direito Tributário como Legislação
Tributária, Introdução ao Estudo do Direito Tributário, Direito Financeiro e Tributário,
Direito Tributário Internacional, Direito Tributário Ambiental ou, simplesmente, Direito
Tributário são ministradas nos últimos períodos da Faculdade por ser uma disciplina de
caráter profissional, de especialização e, muitas vezes, não são relacionadas com os demais
ramos e áreas do Direito, fazendo com que a aluno imagine ser uma disciplina totalmente
nova, o que é um grave engano, por termos disciplinada a tributação no Brasil desde a
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 e, atualmente, pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Código Tributário Nacional de
1966.
O Direito Tributário inter-relaciona com todas outras áreas do Direito, a saber: com
o Direito Constitucional, que é a base de sua fundamentação, por estar o Sistema Tributário
Nacional disciplinado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; com o
Direito Financeiro por ser o tributo a principal fonte de receita orçamentária do Poder Público;
com o Direito Administrativo por serem atos administrativos os atos tributários praticados
pelos agentes fiscais, considerados como servidores públicos; com o Direito Empresarial
diante teoria das sociedades empresariais e títulos de crédito, que em suas relações jurídicas
incidem variados tributos; com o Direto do Trabalho pela tributação retida na fonte
empregadora; com o Direito Previdenciário diante do pagamento das contribuições
previdenciárias; com o Direito Penal perante os crimes contra a ordem tributária; com o
Direito Processual para viabilizar concretamente o direito material tributário; com o Direito
Civil diante do disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional(CTN) no sentido de que
podemos utilizar conceitos de direito privado, como alguns conceitos do Direito Civil, como
propriedade, inventário, casamento e outros, sem alterar sua definição, evidentemente, porque
conceitos milenares não devem ser afastados pela CTN instituído em 1966; com o Direito
Ambiental por utilizar a tributação na sua função extrafiscal como forma de educação e de
proteção do meio ambiente; com o Direito Imobiliário diante de toda transação imobiliária
estar sujeita a tributação, exceto às protegidas pelos benefícios fiscais, como imunidade,
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A aula dialogada propicia ao docente a aprender a lidar com a tensão entre a palavra
e o silêncio, e ao discente a fazer perguntas, que segundo Paulo Freire (1989. p. 2-3):
[...] Se alguém como educador não resolve bem esta tensão, pode ser que sua
palavra termine por sugerir o silêncio permanente dos educandos.
Se não sei escutar os educandos e não me exponho a palavra deles, termino
discursando “para” eles. Falar e discursar “para” termina sempre em falar “sobre”,
que necessariamente significa “contra”.
Viver esta experiência de tensão da palavra e o silêncio não é fácil. Exige muito de
nós.
Temos de aprender algumas questões básicas, como estas, por exemplo: não existe
pergunta boba nem resposta definitiva.
A necessidade de perguntar é parte da natureza do homem. A ordem animal foi
dominando o mundo fazendo-se homem e mulher sobre o alicerce de perguntar a
perguntar-se.
É preciso que o educador testemunhe aos educandos o gosto pela pergunta e o
respeito à pergunta.
[...] É necessário desenvolver a pedagogia da pergunta, porque o que sempre
estamos escutando é uma pedagogia da contestação, da resposta. De maneira
geral, nós professores, respondemos a perguntas que os alunos não fizeram.
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eletrônico, o que faz com que, o aluno sinta-se prestigiado, fazendo parte do processo ensino-
aprendizagem. O docente também poderá colocar o roteiro, semanalmente, na página do
facebook, abrindo um Grupo de Estudos de Direito Tributário, uma vez que é notório que a
maioria dos alunos acessa o facebook, que também pode ser utilizado como instrumento de
acesso ao conhecimento e à aprendizagem, com a criação desse grupo o professor poderá
incluir notícias dos Tribunais, alterações legislativas e benefícios fiscais relacionados ao
Direito Tributário.
Em cada roteiro é necessário que seja colocada uma advertência no sentido de que a
simples leitura do roteiro não substitui a bibliografia indicada ao final, no próprio roteiro.
Nenhum roteiro, tabela, mapas substituem livros que contribuirão para análise crítica do
conteúdo a ser ministrado, apenas ajudarão nos estudos.
Apresentações de filmes, noticiários demonstrando o direito vivo, como a apreensão
de mercadorias e bens pertencentes a contribuinte que não efetuaram o pagamento de tributos,
nos portos e aeroportos, realizada por fiscais da Receita Federal, demonstra que o conteúdo
tratado em aula está mais perto da realidade do discente do que ele imagina.
O incentivo aos alunos para responderem questões de desafios e casos concretos,
não se trata de “obrigar” o discente a escreve algo, mas oportuniza-lo a pensar e interpretar,
mostrando que pesquisar, aplicar e concluir é mais importante do que decorar um instituto
para passar em uma prova.
Aqui, temos duas metodologias diferenciadas: a do caso concreto (AMARAL, 2011.
p. 39) e a da questão de desafio, para esta última devem ser observados os seguintes
procedimentos: o docente ministra a aula e diante de um assunto que ele ainda irá tratar, ele
faz um questionamento aos alunos solicitando para eles pesquisarem e trazerem a resposta
para a próxima aula, a maioria dos alunos se sentem desafiados a acertarem e, trazem de
forma escrita a resposta, o docente rubrica e devolve para o aluno antes de respondê-la, e na
data da prova o aluno entrega todas as questões respondidas para que seja atribuída a
pontuação acordada entre docente e discente no início do período letivo.
A questão de desafio deve gerar no aluno uma necessidade de pesquisar, para que o
discente não venha de plano com a resposta, para obtê-la terá de pesquisar a legislação,
doutrina e jurisprudência. O docente deverá sempre informar o tema relacionado à questão de
desafio, como no exemplo abaixo:
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QUESTÃO DE DESAFIO:
Para o contribuinte, pessoa física ou jurídica, recorrer na esfera administrativa ele
deve depositar 30% do valor do crédito tributário?
Responda de forma fundamentada informando o atual entendimento do STF.
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O caso concreto ajuda o aluno a relacionar teoria com a prática, que na visão de
Paulo Freire (1989. p. 6-7) é uma das principais virtudes do educador:
Ainda Paulo Freire (1989. p. 8) entende que “[...] toda a leitura de texto pressupõe
uma rigorosa leitura do contexto”, independente do grau de instrução dos educandos é
necessária a experiência indispensável de ler a realidade sem ler as palavras. Para que
inclusive, se possa entender as palavras”.
Assim, o docente ao levar para a sala de aula uma cópia de uma certidão de
inscrição de dívida ativa eivada de vícios, retirada de um processo de uma ação de execução
fiscal, deverá informar ao aluno o contexto daquela certidão, oriunda de qual Município e em
qual ano foi inscrita. Com estas informações o aluno poderá identificar o que está disposto no
artigo 202 e parágrafo único do Código Tributário Nacional (requisitos da certidão de
inscrição em dívida ativa), com a cópia da certidão que está em suas mãos. O discente
presenciará o direito vivo, identificando quais falhas ocorreram em um processo com uma
certidão nula, que durante muitos anos tramitou e por fim, foi julgado o pedido sem o
julgamento do mérito, causando prejuízo para às partes, de tempo e de investimento, por não
ter o aplicador do direito observado a teoria com a prática.
Depois do término de um curso, seja de Graduação ou Pós-graduação, o aluno
seguirá sozinho. E como trabalhar sozinho? Somente sabendo pesquisar. E como saber
pesquisar se não aprendeu a fazê-lo? O docente deve ensinar o aluno a pesquisar e orientá-lo a
desenvolver suas respostas nos seguintes pilares: legislação, princípios, jurisprudência e
doutrina e, preferencialmente, nesta ordem. Evidentemente, a opinião do aluno deve ser
explicitada, afinal ele pode inovar, concordar ou discordar com o que vem sendo tratado a
respeito do Sistema Tributário brasileiro.
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Não basta aplicar determinada metodologia para ser um bom docente, a metodologia
é o instrumento que não deve somente ser aplicado, deve ser bem aplicado, este é um dos
requisitos objetivos sugeridos.
Um bom docente ajuda o aluno a pensar e a interpretar determinada lei ou instituto
jurídico e fatos, segundo o autor Eros Roberto Grau (2005, p. 71):
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pontualidade não deve ser medida apenas por meio de um ponto eletrônico, o que adianta um
docente usar o ponto eletrônico e demorar a adentrar na sala de aula, ou estar em sala de aula
sem sequer tratar do conteúdo programático e da metodologia? Ser pontual é chegar com
antecedência para ministrar a aula mas, além disso, é iniciar a aula no horário programado, os
alunos vão se adaptando a chegar no horário programado e também encerrar a aula no
horário, já que os discentes poderão ter outras aulas e outras atividades.
A assiduidade é também necessária, um docente ausente não interessa ao aluno,
mesmo que ele seja o melhor dos professores, sem estar com os alunos não adiantará nada. As
faltas frequentes são sinônimas de ausência de comprometimento com a turma e consigo, já
que o docente deve ensinar o conteúdo proposto pela Faculdade.
Outro aspecto relevante é a postura do docente, que se traduz desde sua vestimenta,
seu linguajar e suas críticas em relação à instituição onde ensina. O docente é uma imagem
modelo para o aluno, ir para sala de aula de tênis de corrida e camiseta, como se estivesse
indo fazer um lazer ou produzido(a) como se estivesse indo para uma festa, ou sentar em cima
de uma mesa de qualquer jeito, não convém. O professor que pretende se aproximar dos
alunos falando gírias apenas os incentivam a continuar com este linguajar, o que para a
carreira jurídica é inapropriado. Nossa língua portuguesa deve ser correta, polida, formal em
qualquer matéria que se pretenda ensinar, para evitar interpretações incorretas.
Criticar de forma negativa a instituição onde se ministra aulas além de ser antiético é
desagradável, existem formas de fazer isso, até mesmo sem que o docente necessite ser
identificado, como por meio de caixas de sugestões ou diretamente perante às Coordenações
de Cursos. O docente sempre deve zelar estritamente pela aprendizagem do aluno, esta é uma
de suas atribuições determinada pelo artigo 13, inciso III da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro
de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Portal do MEC, 2014).
As tarefas extracurriculares dos professores, como o preenchimento das pautas com
os lançamentos de todas e frequências, não é uma exigência somente da instituição de ensino
onde se ministra as aulas, é também do MEC, além de ser essencial para o aluno acompanhar
sua vida acadêmica.
Nas instituições públicas o docente deve se preocupar não somente com ensino, mas
também com pesquisa e extensão, mas não deve esquecer de seus alunos graduandos, que são
sua razão de ser, sem eles ficará inviável pesquisa e extensão. Ministrar uma boa aula,
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5. AVALIAÇÃO
A cada semestre a avaliação dos discentes acaba sendo a pior parte do trabalho dos
docentes, muitos reclamam que devem corrigir provas de diversas turmas e acabam passando
madrugadas fazendo isso.
A avaliação é necessária para que o docente verifique se a sua metodologia de
ensino deu certo, servirá tanto para analisar se o aluno conseguiu entender a matéria quanto
para o professor, se foi apto o suficiente para informar, transformar e educar seus alunos.
Há várias espécies de avaliação do aluno, desde sua autoavaliação, pouco utilizada,
até as provas escritas, provas orais, seminários, simulados, grupos de debates e avaliação
contínua, durante às aulas pela participação dos alunos.
Com a metodologia do caso concreto e das questões de desafio é possível esta
avaliação contínua, o discente tenta elaborar uma resposta, e terá a oportunidade de falar sobre
ela em sala, treinará sua oratória e argumentação.
As provas escritas sobre o conteúdo ministrado é a espécie de avaliação mais
utilizada, incontestada, pois expressa o conteúdo que o aluno conseguiu reter ou apreender, de
forma escrita. Dependerá muito do docente ao elaborar sua prova para ser uma forma de
avaliação eficiente, de sua metodologia empregada.
Todo docente deveria fazer um curso ou oficina de como elaborar questões objetivas
e discursivas, para poder apreender os diversos níveis de dificuldades das questões, e saber
montar uma prova. Não se pode partir do pressuposto que um professor já nasce professor, ele
aprende a ser professor, e quando mais aprende, melhor será.
A prova é um contínuo processo de aprendizagem, anterior, concomitante e
posterior a sua realização, o docente deve escolher o conteúdo que será utilizado na prova,
dentre os que foram tratados em sala de aula, com seus níveis de dificuldade, ao fazer a prova
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o aluno está testando tempo versus conteúdo, se consegue naquele curto período de
tempo expressar
em palavras o que conseguir aprender e, posteriormente, diante do gabarito
apresentado pelo docente, o discente verifica o que acertou e o que errou. E, por fim, teríamos
a avaliação após o gabarito, de aplicar uma prova oral somente com os alunos que erraram,
para eles explicarem o motivo de tais respostas erradas e quais seriam as respostas corretas, já
que na maioria das vezes o aluno ao ter o gabarito guarda ou descarta a prova, sem entender
bem os erros que cometeu. O erro também é uma forma de aprendizagem para chegar ao
acerto.
Estas foram apenas algumas sugestões que poderão ser aperfeiçoadas com o
objetivo de concretiza a arte de ensinar, de tornar-se um educador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues. Ensino Jurídico e Método do Caso: ética, jurisprudência, direitos e
garantias fundamentais. São Paulo: Lex Magister, 2011.
FILHO MELO. Álvaro. Direito Tributário: metodologia e aplicação. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
837
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FREIRE, Paulo. Virtudes do Educador. In pronunciamento verbal realizado no dia 21 de junho de 1985, na
Reunião Preparatória da III Assembléia Mundial de Educação de Adultos promovida pelo CEAAL(Conselho de
Educação de Adultos da América Latina). Disponível em: <
http://acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/1475#page/4/mode/1up>. Acesso em: 15 ago. 2017.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação: aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2005.
Portal do MEC: Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=comContent&view=article&id=13088:legislacao-e-
normas&catid=323:orgaos-vinculados>. Acesso em: 15 ago. 2017.
838
AS UNIVERSIDADES PRIVADAS NO BRASIL:
O LONGO CAMINHO
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo problematizar o ensino privado no Brasil. De que modo a reforma do
ensino superior promoveu a transformação do cenário educativo brasileiro. Compreendendo o percurso
histórico do nascimento da universidade no país e seus desdobramentos na atualidade. Para além do
aspecto acadêmico também pretendemos apontar e investigar problemas de gestão, mantença tão
comuns a estas instituições. Ainda, analisar os meios de regulação e burocracia que regem o ensino
privado no Brasil e seus reflexos na seara jurídica, social e educacional. Demonstra profunda
relevância dentro do contexto jurídico nacional, posto que o cenário da realidade das futuras gerações
no que concerne a educação Brasileira está em vias de extinção.
ABSTRACT
This study aims to problematize private education in Brazil. In what way did higher education reform
promote the transformation of the Brazilian educational scene. Understanding the historical course of
the birth of the university in the country and its unfolding in the present time. In addition to the
academic aspect, we also aim to identify and investigate management problems that are so common to
these institutions. Also, to analyze the means of regulation and bureaucracy that govern the private
education in Brazil and its reflections in the legal, social and educational area.
839
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INTRODUÇÃO
840
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841
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eram os colégios jesuítas espalhados pelo país. Neste sentido Luiz Antônio Cunha (2007,
p.27):
1
Entre 1891 e 1910 foram criadas vinte e sete escolas superiores, nove de Medicina, Obstetrícia, Odontologia e
Farmácia; oito de Direito, quatro de Engenharia, três de Economia e três de Agronomia. Final do século XIX: a
criação da Escola de Engenharia do Mackenzie College, em 1896, e a criação da Escola de Engenharia de Porto
Alegre, no mesmo ano, de iniciativa privada e sem orientação religiosa.
842
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843
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públicas. Ou seja, o Estado é o máximo gestor no que se refere à avaliação e ao controle das
IES, mas é o mínimo no que se refere ao financiamento das IES públicas, liberando a oferta
da educação superior para a iniciativa privada, conforme vemos a seguir:
2
Grupo LAUREATE – que envolve administra várias universidades/faculdades no brasil. E também a rede
ILUMNO – mantenedora da UVA.
3
Da educação mercadoria à certificação vazia [...] O ensino superior, público e privado, no Brasil, passou por
grandes transformações nas últimas décadas. Essas mudanças – travestidas de democratização, por favorecerem o
acesso – visaram atender a uma proposta de privatização e barateamento da educação. A predominância de
objetivos economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente
novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte
participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. (SOUZA, Le Monde Diplomatique Brasil,
online).
844
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4
MEC fecha Universidade Gama Filho e UniverCidade, no Rio: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/01/
mec-descredencia-universidade-gama-filho-e-univercidade-no-rio.html>
845
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Prouni – que concede bolsas de 100% e 50% a estudantes de baixa renda para
cursos em instituições privadas – e ampliou o alcance do Fies – Programa de
financiamento estudantil. O setor privado da educação superior vive forte processo
de concentração e de internacionalização das instituições que, ao longo deste início
do século XXI, mantiveram a tendência de crescimento, especialmente nos
primeiros anos da década.5
De acordo com CRFB de 1988 em seu Art. 207 – “As universidades gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão"; Já o
Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997 - Regulamenta para o Sistema Federal de Ensino. Art
1º - As instituições de ensino superior do Sistema Federal de Ensino, nos termos do art. 16 da
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, classificam-se, quanto a sua natureza jurídica, em:
II - privadas, quando mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito
privado.
Com base neste mecanismo legal questiona-se: a universidade privada deve ter o
mesmo modelo de gestão da universidade pública? É possível um ensino que conjugue a
educação de qualidade e a satisfação do mercado econômico que visa o lucro? Sabemos que
as universidades possuem autonomia pra gerir seus departamentos, sendo necessário respeitar
apenas critérios mínimos de exigência do MEC na graduação e da CAPES na pós-graduação.
O conceito de autonomia tem sido tratado pela doutrina nos moldes do art. 207 da CRFB. Na
lição de Ferreira (1995, p. 97):
5
<http://www.revistaforum.com.br/2012/10/18/democratizacao-da-educacao-superior-no-brasil-avancos-e-
desafios/>
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exercida pelas unidades que a integram. A autonomia plena não significa o poder
de tudo fazer, mas ela mesma está condicionada pelos limites com que a legislação
a enclausurou, estabelecendo competências privativas e exclusivas tanto para a
universidade como para as suas unidades integrantes. Cada uma delas tem
autonomia no campo de suas atividades especificas e exclusivas, competências que
não deverão e não poderão ser anuladas pelo poder central da universidade. Tudo se
resume, pois, em uma questão de competências, de atribuição e exercício de
competência.
6
Universidade Braz cubas. Curso de Odontologia. Fechamento por inobservância da legislação de regência.
Portaria n. 196, de 3-2-94, do ministro da educação e do desporto. O ensino universitário, administrado pela
iniciativa privada, há de atender aos requisitos, previstos no art. 209 da constituição federal: cumprimento das
normas de educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo poder público. MS 3318/DF, Rel.
Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 31.05.1994, DJ 15.08.1994 p.
20271
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CONCLUSÃO
7
Agravo de instrumento 0005960-87.2015.4.03.0000/SP.
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REFERÊNCIAS
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Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.
BARREYRO, Gladys Beatriz. Mapa do ensino superior privado. Brasília (DF): Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.puccampinas.edu.br/services/e-books /Relatosdepesquisa37.pdf> Acesso em jun. 2014.
BRAGA, Mariza Alves. A atuação do Programa Universidade para Todos no Rio de Janeiro e na Rede de Ensino
Superior Estácio de Sá. In: Maria de Fátima Costa de PAULA; Maria das Graças Martins da SILVA. As
políticas de democratização da educação superior nos Estados do Rio de Janeiro e de Mato Grosso: produção de
pesquisas e questões para o debate, Cuiabá, EdUFMT, 2012, p.121-140
CUNHA, L.. A. Qual Universidade. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1989.
_____ A educação nas Constituições Brasileiras: Análise e propostas. In: Educação e Sociedade, nO23, ano VIII,
abril de 1986. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1986.
849
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FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira, 7° volume, Art.s, 193 a 245, ADCT - Art., 1° a 70 -
EC.1/92, 2/92, 3/93, 4/93, ECR-1/94, 2/94, 3194, 4194, 5/94, 6/94, Editora Saraiva, São Paulo, 1995, p. 207.
SAMPAIO, Helena. O ensino superior no Brasil: o setor privado. São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2000.
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RIBEIRO, D. A Universidade Necessária. 4. ed. Capo11 e 111.São Paulo: Paz e Terra, 1982.
850
A CRISE NO ENSINO JURÍDICO
E OS CONCURSOS PÚBLICOS
RESUMO
ABSTRACT
The paper focuses on the crisis of law education in Brazil, questioning the traditional model of
education, based on the uncritical reproduction of knowledge, detached from practical reality and
subordinated to the interests of the market for preparation for public tenders. It analyzes the efforts of
the State's regulatory intervention in legal education through specific norms, its contributions to the
improvement of the quality of training and its limitations in the maintenance of a traditional
pedagogical model. It also discusses the relationship between the exponential increase in the number
of law courses since the 1990s, the low quality of legal training and the subordination of this to the
market for preparation for public examinations.
851
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INTRODUÇÃO
1
MARTÍNEZ, Sérgio Rodrigo. A evolução do ensino jurídico no Brasil. Disponível em:
<http://www.egov.ufsc.br/ portal/sites/default/files/anexos/29074-29092-1-PB.pdf>. Acessado em 28 set. 2017.
2
Idem.
852
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mesmo nível de qualidade. Também foi fixado um mínimo de 300 horas de estágio de prática
jurídica obrigatória.
A portaria também incluiu no currículo de Direito a obrigação de redação,
apresentação e defesa de monografia final perante banca examinadora. Outras importantes
inovações trazidas foram a exigência de desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e
extensão, de forma interligada e obrigatória, a obrigatoriedade de implementação de
“escritórios modelos” nas faculdades e a exigência da manutenção de bibliotecas com pelo
menos dez mil volumes.
A evolução do quadro das faculdades de Direito não pode ser creditada inteiramente
à portaria do MEC, pois outras normas aplicadas tiveram importância na manutenção de uma
rede de avaliação e controle periódico de qualidade das condições de ensino e do conteúdo
absorvido pelos alunos. Deve-se mencionar, nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei 9.394/96).
Sobreveio a Resolução 09/2004, também do Ministério da Educação, que revogou a
sobredita portaria, mas manteve suas inovações, diferenciando-se desta por acrescentar
disciplinas ao currículo, além de ser mais explícita e detalhista quanto ao nível de qualificação
que um curso de Direito deve oferecer ao graduando, prescrevendo uma “sólida formação
geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da
terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos
jurídicos e sociais”.
Com a portaria de 1994 verifica-se um esforço em ir além das reformas anteriores
do ensino jurídico, que se limitavam a alterações de currículo. Inovações como a obrigação de
horas mínimas de estágio e as atividades de pesquisa e extensão demonstram um movimento
no sentido de superar a ideia da educação apenas como o que acontece em sala de aula e de
uma formação não só dogmática, mas também prática.
Apesar disso, o modelo liberal e tradicional de transmissão do conhecimento em sala
de aula permaneceu o mesmo e é lá que a maior parte da carga horária se realiza. A
concepção do mercado ditando a formação dos graduandos resistiu à intervenção regulatória
do Estado. Também permanece a influência de um modelo pedagógico onde o professor é a
figura que concentra todo o conhecimento e o transmite aos alunos, sem interações
significativas e sem troca de experiências.
Criticando a didática jurídica tradicional, Santiago Dantas afirma:
853
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3
DANTAS, Santiago. A educação jurídica e a crise brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1955. p. 16.
4
MARTÍNEZ. “A evolução...”.
5
FONTAINHA, Fernando de Castro; GERALDO, Pedro Heitor Barros; VERONESE, Alexandre; ALVES,
Camila Souza. O concurso público brasileiro e a ideologia concurseira. Revista Jurídica da Presidência Brasília v.
16 n. 110 Out. 2014/Jan. 2015 p. 673-674.
854
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6
Idem. p. 674.
7
Idem. p. 677.
855
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superação dos problemas do ideal meritocrático; o cenário brasileiro não é em nada melhor ao
cenário de países como França, EUA e Inglaterra.
Investigações sobre o universo dos concursos públicos demonstram fatores de
influência sobre as chances de aprovação que contrariam o conceito de meritocracia. Questões
como renda familiar, grau de escolaridade e local de residência são determinantes para as
possibilidade de aprovação em certame 8.
Fernando de Castro Fontainha et al (2014) realizaram pesquisa estatística nos editais
de 698 processos seletivos ocorridos entre os anos de 2001 e 2010 através de vários recortes
distintos, mas sempre focando nos editais, enquanto projetos das instituições recrutadoras; não
apenas como documentos jurídicos que estabelecem as regras de realização dos certames, mas
principalmente como “fontes de discursos institucionais” 9, retirando dos mesmos o perfil de
candidato que as instituições desejam empregar em seus quadros.
Através do estudo verificou-se que, em relação aos critérios para seleção de
profissionais 10, virtualmente todos se valem de prova de múltipla escolha e a maioria também
utilizam provas discursivas e de títulos. Exames médico, psicológico e de vida pregressa
foram encontrados em uma minoria dos concursos. A experiência do candidato com as
funções do cargo que pretende ocupar foi aferida em apenas 4,3% dos concursos e nenhum
dos quase 700 certames aplicou prova prática para avaliar a capacidade de desempenho das
funções típicas da carreira.
Além disso, estudo identificou uma incongruência chamativa: nos concursos
estudados, os profissionais com título de mestrado percebiam menos da metade dos
vencimentos dos profissionais com graduação. Profissionais com doutorado também ganham
menos que os graduados, embora a diferença fosse menor (cerca de 20% menos) 11, indicando
que o grau de titulação não é fator para fixação de salário, em clara contradição à lógica da
meritocracia escolar.
Realizado esse estudo, os autores expõem uma “ideologia concurseira” baseada na
constatação de que “os certames recrutam os mais habilidosos, competentes e aptos a fazê-
12
los” . De fato, da forma como são organizados, os certames privilegiam sobremaneira o
8
Idem. p. 680.
9
Idem. p. 682.
10
Idem. p. 694-695.
11
Idem. p. 693.
12
Idem. p. 682.
856
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ISSN 2236-9651, n. 7
Ao contrário do que se pode supor, os editais não expressam uma vontade, mas
uma ideologia que legitima os funcionários públicos e orienta os concurseiros.
Entender esses instrumentos em termos políticos permite compreender a complexa
ligação entre as instituições e as entidades organizadoras e entre os candidatos e o
mercado de cursinhos. 14.
13
Idem. p. 695.
14
Idem. p. 683-684.
857
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Em 1964 havia 61 cursos de Direito no Brasil. Dez anos depois esse número dobrou:
eram 122 cursos em 1974 15. Quase duas décadas à frente, em 1991, percebia-se um pequeno
aumento ao alcançarmos 165 faculdades de Direito credenciadas. Repetindo novamente o
intervalo de vinte anos, tem-se que, em 2011 o Brasil contava com 1.174 cursos, um
16
crescimento de 612% . Em 2015, uma última atualização dá conta de 1.280 cursos de
graduação em Direito 17.
Paralelamente a esses dados, são recorrentes as notícias sobre os baixos índices de
aprovação no exame nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, que ficou em 22% no XX
Exame (2016) e chegou a apenas 15% no XXI Exame (2017). Além disso, a entidade
recomenda apenas 142 faculdades de Direito em 2016 18.
Não se defende a utilização do exame da OAB como parâmetro para aferição de
qualidade, tendo em vista a qualidade do próprio modelo de provas, critérios de avaliação e
correção etc. Porém, se impõe a correlação entre a proliferação dos cursos de Direito e a
percebida baixa qualidade da formação jurídica.
Conforme se observa pelos dados acima, a partir da década de 1990 houve um
investimento maciço na criação de novos cursos de Direito. Esse incremento na oferta de
cursos de graduação pode ser creditado ao modelo liberal de ensino para fins de suprir as
necessidades do mercado.
A graduação em Direito foi valorizada não apenas por ser requisito para investidura
em cargos públicos, mas também porque seu currículo engloba conteúdo cobrado nos
certames. Além disso, fomentou-se todo um mercado de preparação para concursos públicos,
como cursos preparatórios e material didático específico.
Conforme a oferta de cursos jurídicos crescia para atender a demanda por
preparação para concursos públicos, também se configurava a subordinação do ensino
15
MARTÍNEZ. “A evolução...”.
16
Disponível em: <http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/06/17/numero-de-faculdades-de-direito-chega-a-
mais-de-mil/>. Acessado em 28 set. 2017.
17
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-06/segunda-leitura-excesso-faculdades-direito-implodem-
mercado-trabalho>. Acessado em 28 set. 2017.
18
Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/29187/oab-entrega-a-142-faculdades-selo-de-qualidade-em-
ensino-de-direito>. Acessado em 28 set. 2017.
858
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ISSN 2236-9651, n. 7
19
STRECK, Lenio Luiz. Concursos públicos: é só não fazer perguntas imbecis!. 2013. Revista Consultor
Jurídico. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-fev-28/senso-incomum-concursos-publicos-nao-
perguntas-imbecis>. Acessado em 26 set. 2017.
20
PRADO, Geraldo. Campo jurídico e capital científico: o acordo sobre a pena e o modelo acusatório no Brasil –
transformação de um conceito. In: PRADO, Geraldo; MARTINS, Rui Cunha; CARVALHO, Luis Gustavo
Grandinetti Castanho de. Decisão judicial: a cultura jurídica brasileira na transição para a democracia. Madrid:
Marcial Pons, 2012. p. 43.
859
Anais do 7 Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito
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21
Idem. p. 31.
22
Como exemplo: Faculdade de Direito Damásio de Jesus, Faculdade de Direito do Instituto Processus,
Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. SANTOS, Aline
Sueli de Salles. A formação acadêmica em direito e a preparação para concursos públicos: conexões e disputas no
interior do campo jurídico. In: Anais completos do VIII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Ensino
do Direito (ABEDi) / Associação Brasileira de Ensino do Direito. 1ª ed. Brasília: Associação Brasileira de Ensino
do Direito, 2015. p. 80.
860
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
23
Idem. p. 81-82.
861
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Brasília: Associação Brasileira de Ensino do Direito, 2015. p. 75-84.
862
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Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-fev-28/senso-incomum-concursos-publicos-nao-perguntas-
imbecis>. Acessado em 26 set. 2017.
863
ENTRE O TECNÓLOGO E O JURISTA
RESUMO
Considerando a oportunidade atual sobre o debate da proliferação dos cursos de graduação em Direito
no Brasil e também a abertura dos cursos de tecnólogos em serviços jurídicos, pergunta-se: qual é o
objetivo do estudante em Ciências Jurídicas e o que se espera do curso de Direito? Objetiva-se, assim,
destacar parte das intenções dos discentes nos cursos que abordam o sistema judicial. Para tanto,
procede-se a um levantamento em uma faculdade particular na cidade de Ubá, Minas Gerais,
“Fundação Presidente Antônio Carlos”, com um questionário direcionado para 78 alunos que estão nos
primeiros e últimos períodos. A pesquisa será direcionada a traçar as expectativas dos que ingressam e
dos que finalizam o curso. Desse modo, observa-se a mudança de projeções futuras, o que permite
indagar a necessidade e relevância da expansão dos cursos de Direito e a criação de cursos técnicos
para atenderem a demanda dos mercados e atuações profissionais contemporâneos.
ABSTRACT
Considering the current opportunity on the discussion about the proliferation of universities of Law in
Brazil and the opening of the certificate programs in legal services, we ask: what is the objective of the
student in Law and what is expected of the course? It aims to highlight some of the intentions of the
students in the courses that approach the judicial system. To do so, a survey was carried out in the city
of Ubá, Minas Gerais, at "Presidente Antônio Carlos Foundation". The research was directed to
discover the expectations of those who enter and those who finish the course. In this way, we can
observe the change in future projections, which allows us to investigate the need and relevance of the
expansion of Law courses and the creation of certificate programs to meet the demand of job markets
and professional performances.
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INTRODUÇÃO
Uma polêmica ronda o universo jurídico no Brasil. Após uma suspensão temporária
e a consequente reabertura, no dia 4 de outubro de 2017 foi publicado no Diário Oficial da
União (D.O.U.) o reconhecimento pelo Ministério da Educação (MEC) do curso a distância
de Gestão de Serviços Jurídicos e Notariais (Tecnológico) do Centro Universitário
Internacional (Uninter), com três mil vagas. A contragosto, a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), que discorda publicamente da iniciativa desde 2015, ingressou com uma ação
civil pública contra o reconhecimento do curso (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO,
2017).
Pelo menos três instituições de ensino do país já oferecem cursos de tecnologia em
Serviços Jurídicos, na modalidade a distância. O Centro Universitário Internacional (Uninter)
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oferece desde 2014 aulas de Gestão de Serviços Jurídicos e Notariais. A sua grade curricular
inclui legislação trabalhista, mediação e arbitragem, registro de imóveis e competências do
oficial de Justiça (LUCHETE, 2017)
O site da Uninter anuncia: “O curso prepara você para um excelente desempenho
nas carreiras parajurídicas do Poder Judiciário, cartórios judiciais e extrajudiciais,
tabelionatos, escritórios de advocacia, esfera policial, departamentos jurídicos e de recursos
humanos de empresas, assessoria parlamentar, ou como profissional autônomo” (in
LUCHETE, 2017).
Portanto, o curso de tecnólogo tem o intuito de encaminhar ao mercado de trabalho
pessoas aptas a auxiliar advogados, promotores e juízes, por exemplo, além de concursos que
não exigem a formação específica em Direito. É preciso destacar que a preparação do
tecnólogo é distinta da de um bacharel em Direito. Sua formação se dá em dois anos, mas o
diploma é também considerado de ensino superior.
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Em uma contínua expansão, a Fundação Presidente Antônio Carlos passou a estar presente na
cidade de Ubá no ano de 1970. Atualmente a FUPAC/UNIPAC está presente em mais de 160
cidades de Minas Gerais, com cerca de 45 mil universitários, oferecendo mais de 200 cursos
de graduação, e contando ainda com o Ensino Fundamental, Médio, pós-graduação lato sensu
em diversas áreas do conhecimento, além de pós-graduação stricto sensu, em Administração,
Direito, Comunicação e Tecnologia e Educação e Sociedade.
Mais precisamente, a Faculdade de Direito da FUPAC de Ubá teve sua primeira
turma de ingressos no ano de 1997. Atualmente a unidade conta com cerca de 320 alunos na
graduação de Direito. De acordo com a última avaliação (2017) do MEC, o curso de Direito
recebeu conceito 4, o que denota um desempenho satisfatório.
2.2. QUESTIONÁRIO
Gráfico 1. Idade
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Gráfico 2. Período
De acordo com o levantamento, 58,9% (8º e 10º períodos) dos entrevistados são os
potenciais egressos. Enquanto que 41,1% (1º e 2º períodos) são os ingressos no curso.
Gráfico 3. Atividades
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Gráfico 4. Objetivos
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Acho que os 05 anos que estudamos o Direito não é suficiente para nos qualificar
de forma adequada para o mercado de trabalho, imagina profissionais formando
com muito menos tempo. Sem contar que são vários sacrifícios para enfrentar uma
faculdade durante 05 anos, para criarem um curso que teoricamente o aluno teria a
mesma qualificação de quem fez um curso de Direito regular. (Estudante do 10º
período)
Posições favoráveis:
Acho que o curso de tecnólogo é válido para aqueles que fazem o curso de Direito
mas na verdade não pensam em seguir nenhuma carreira jurídica, mas querem
ampliar seus conhecimentos e consequentemente as oportunidades de emprego.
(Estudante do 8º período)
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e tempo; com certeza fariam o curso em uma faculdade ou até mesmo em uma
federal. (Estudante do 10º período)
Creio que o curso para técnico seria uma opção mais viável para pessoas com um
tempo mais curto e que não tenham interesse nas grandes oportunidades que o
direito pode proporcionar. (Estudante do 2º período)
Acredito que para a área jurídica, em regra, não haja uma substancial diferença
entre cursar a graduação em direito ou tecnólogo para aqueles que desejam prestar
concurso público nas áreas permitidas para ambos os cursos. Haja vista que os
concursos são muito concorridos e o que diferencia os candidatos é a dedicação nos
estudos direcionados para o concurso que pretende. (Estudante do 10º período)
CONCLUSÕES
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Direito gera também um discurso de reserva de mercado e uma perceptível indignação que se
transforma em críticas à política de ensino das ciências jurídicas.
Talvez isso explique em parte a resistência de algumas instituições, como a OAB, à
abertura do curso de Tecnólogo em Serviços Jurídicos. Talvez isso denote uma contradição na
própria pesquisa. A certeza é a de que o estudo e o debate necessitam de mergulhos reflexivos
mais profundos.
REFERÊNCIAS
IBGE. Disponível em
https://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=_PT&codmun=316990&search=||infogr%E1ficos:-dados-
gerais-do-munic%EDpio
LUCHETE, Felipe. Conselho do MEC libera cursos de tecnólogo e técnico em Serviços Jurídicos. Consultor
Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-abr-10/conselho-mec-libera-tecnologo-tecnico-
servicos-juridicos
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. OAB vai à Justiça contra curso superior de tecnólogo em Serviços
Jurídicos. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-out-23/oab-justica-curso-tecnologo-servicos-
juridicos.
874
AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE:
RETRATOS DE UMA PESQUISA SOBRE
A INSERÇÃO DA POLÍTICA DE COTAS EM UMA
FACULDADE PÚBLICA DE DIREITO
RESUMO
O presente artigo traz conclusões e reflexões de pesquisa realizada acerca da implementação das ações
afirmativas em uma Faculdade de Direito de uma universidade pública federal. A pesquisa se dividiu
em dois momentos: em uma primeira parte, a pesquisa consistiu na coleta e tabulação objetiva de
dados nos bancos públicos da universidade. Na segunda parte, a pesquisa buscou investigar a
percepção da comunidade acadêmica (graduandos, pós-graduandos, professores e servidores) sobre o
sistema de cotas, através de questionários semi-estruturados. Foram utilizados os referencias teóricos
da Análise do Discurso de matriz francesa. Os resultados da pesquisa apontam para a mudança no
perfil do corpo discente da faculdade, e aponta ainda dificuldades no combate ao racismo, no
sentimento de pertencimento dos alunos cotistas, e no silenciamento do debate sobre cotas na
Faculdade.
ABSTRACT
The following article brings conclusion and reflection about the search done onto the Federal
University Law school. The research has been devided in two topics: the first part consists in the
gathering and systemizing of public data from the university. In the second part, the research
investigated the academic community’s (undergraduates and graduated students, professors and staff)
perception about the quota system, through semi-structured questionnaires. For the purpose of this
article, theoretical references from French school of Discourse Analysis. Research results point to a
change in the student body profile, and also to challenges in combating racism, in the quota student’s
sense of belonging and in the silencing of quota debate in the University.
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INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de pesquisa realizada entre os anos de 2015 e 2016, acerca da
implementação e recepção das ações afirmativas na Faculdade de Direito da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Mais precisamente, a pesquisa buscava investigar tanto dados
sobre o sistema de ações afirmativas implementado na UFF, quanto dados objetivos
relacionados às ações afirmativas na Faculdade de Direito desta universidade, quanto dados
subjetivos ligados às percepções dos diferentes seguimentos da comunidade acadêmica desta
faculdade quanto à implementação das ações afirmativas, compreendendo alunos de
graduação, pós-graduação, professores e servidores.
O sistema de reserva de vagas por cotas para o ingresso no ensino superior em
universidades federais foi implementado em seu modelo atual através da lei 12.711/2012, a
chamada lei de cotas. Anteriormente a ela, algumas universidades federais já adotavam outros
modelos de ações afirmativas para grupos minoritários, por critérios de renda ou raça e etnia.
Na UFF, havia anteriormente um sistema de acréscimo de pontos na nota do vestibular para
os autodeclarados pretos e pardos, sistema este que foi abandonado com a implementação da
lei atual.
Pela lei atual, são reservados, “em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos
de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para
estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas” (BRASIL,
2012a). Deste percentual, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes
oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e
meio). Ainda deste percentual, serão reservadas vagas aos autodeclarados pretos, pardos,
indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde a
universidade estiver situada, de acordo com o censo da Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Os outros 50% de vagas do total serão destinados aos
estudantes não cotistas, ou seja, aqueles que fazem o processo seletivo em ampla
concorrência.
Desta maneira, a reserva é realizada atualmente em quatro modalidades, de acordo
com o artigo 14 da Portaria nº 18, de 11 de outubro de 2012, do Ministério da Educação
(BRASIL, 2012b), que regula a aplicação da lei de cotas. A primeira modalidade (chamada
L1) engloba os candidatos com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário
mínimo que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A segunda
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877
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interpretação de dados, e algumas reflexões sobre eles. Na segunda parte, serão expostos e
analisados alguns dos dados objetivos coletados pela pesquisa, provenientes dos bancos
públicos de dados da Universidade, oriundos de dados cedidos pela coordenação de curso da
Faculdade de Direito, e coletados a partir dos questionários semi-estruturados. A terceira parte
realizará uma breve análise das respostas abertas dos questionários, sobre a percepção da
comunidade acadêmica sobre o sistema de cotas. Por fim o encerramento traz algumas
reflexões sobre o silenciamento do debate acerca do racismo e das ações afirmativas,
entendendo o silenciamento como a materialidade do silêncio. Tomando por base os
referenciais teóricos da Análise de Discurso de matriz francesa, através dos conceitos
desenvolvidos por Eni ORLANDI (1995), será apresentado o resultado de um esforço
interpretativo que buscou compreender os discursos apurados na pesquisa. Assim, com essa
base teórica, o silêncio no contexto universitário representa uma categoria que significa,
porque por trás dele há uma história, que possibilita sua compreensão.
Como colocado, a pesquisa foi realizada entre os anos de 2015 e 2016 e contou com
diversas etapas. A primeira etapa, inicial, consistiu na coleta e tabulação objetiva de dados nos
bancos públicos da UFF e de dados fornecidos pela Coordenação do curso de Direito da UFF.
Primeiramente, foi realizado um mapeamento do corpo estudantil da UFF e das
formas de ingresso dos estudantes entre os anos de 2010 e 2015. Para o mapeamento, foram
utilizados dados públicos da Coordenação de Seleção Acadêmica da UFF (COSEAC-UFF) e
do SISU/ENEM1 do Ministério da Educação. Estes dados foram cruzados com dados
fornecidos pela Coordenação de Curso da Faculdade de Direito da UFF, que traziam
informações como CR (Coeficiente de Rendimento, média de notas do aluno ao longo do
curso), trancamento e reprovação de disciplinas, idade, abandono, nota de ingresso no ENEM.
Também foram obtidos dados gerais sobre notas de corte, notas de chamada na última
chamada, desistência de vaga, cancelamento2, porcentagem de alunos que continuam
1
SISU é o Sistema de Seleção Unificada para o ingresso no ensino superior, generalizado para a maior parte das
universidades brasileiras, através das notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), realizado
anualmente pelo Ministério da Educação.
2
Os cancelamentos foram descriminados em trancamentos por indeferimento de avaliação socioeconômica, por
alteração de matrícula, por mudança de curso, por rematrícula ou por solicitação oficial. Se realizados com os
dados do ano de 2017, também haveriam dados
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cursando o curso e os que estão com a matrícula trancada, sendo todos estes dados
descriminados por semestre de ingresso e por forma de ingresso (cada tipo de reserva de
vagas ou ampla concorrência). Estes dados, conforme será demonstrado, nos ajudaram a
desfazer uma série de pré-concepções sobre o aproveitamento dos alunos ingressantes por
ação afirmativa em comparação com os ingressantes por ampla concorrência, assim como
mapear uma série de desafios para a concretização dos fins do sistema ações afirmativas.
A partir desta etapa inicial, os pesquisadores envolvidos puderam discutir e elaborar
as questões a constarem nos formulários que seriam distribuídos para a comunidade
acadêmica, tomando como base as reflexões tiradas da análise dos dados coletados, e
reflexões acerca da problemática das ações afirmativa das questões raciais e sociais internas à
Faculdade de Direito e ao campo jurídico.
Em um segundo momento, então, foi realizada pesquisa através de questionários
semi-abertos, distribuídos por meio eletrônico, a serem respondidos pelos diversos setores da
comunidade acadêmica. Desta maneira, foram elaborados questionários diferentes para os
alunos de graduação3, para os alunos de pós-graduação, para os professores e para os
3
A título de exemplo, o formulário graduandos (ingressantes por ampla concorrência ou por ação afirmativa)
possuía onze perguntas objetivas e uma de resposta aberta. Todas as perguntas objetivas, com exceção das
perguntas 4 e 8, consistiam em uma afirmação, à qual se questionava o nível de concordância (“concordo
integralmente”, “concordo parcialmente”, “discordo parcialmente”, “discordo integralmente” ou “não tenho
opinião formada”). Eram elas: 2) “Com relação à frase "a Universidade deveria considerar exclusivamente o
mérito intelectual como critério de acesso aos cursos de graduação”; 3) “Com relação à frase "a Universidade
deveria selecionar estudantes que representassem fielmente a diversidade econômica e étnica de nossa sociedade”;
5) “Com relação à frase "reservar vagas para estudantes de baixa renda diminui a qualidade do Curso de Direito";
6) “Com relação à frase "reservar vagas para estudantes egressos de escolas pública (ensino médio) diminui a
qualidade do Curso de Direito"; 7) “Com relação à frase "reservar vagas para estudantes indígenas, negros e
pardos”; 9)“Com relação à reserva de vagas para bolsas no Curso de Graduação em Direito da UFF (monitoria,
extensão, PIBIC etc.)”; 10) “Com relação a reserva de vagas para ingresso nos Cursos de Pósgraduação stricto
sensu (mestrado e doutorado) vinculados à Faculdade de Direito da UFF”; 11) “Com relação a reserva de vagas
nos concursos para professor efetivo do Curso de Direito da UFF: diminui a qualidade do Curso de Direito"; e 12)
Com relação a reserva de vagas nos concursos para carreiras jurídicas (magistratura, Ministério Público,
Defensoria Pública, Advocacia Pública etc.)”. As duas perguntas que possuíam opções de respostas diferentes
eram: 4) “Em sua opinião, a reserva de vagas por política de ação afirmativa (pode marcar mais de uma opção)”,
com as seguintes possibilidades de resposta: a) “Não deveria existir”; b) “Deve incluir estudantes que cursaram
ensino médio em escolas públicas”; c) “Deve incluir estudantes pobres.” d) “Deve incluir estudantes por critérios
étnicos (indígenas, negros e pardos)” e) “Não tenho opinião formada”; e 8) “Em sua opinião, qual seria um
percentual justo de reserva de vagas, no Curso de Direito da UFF, para políticas de ação afirmativa?”, com as
seguintes possibilidades de resposta: a) “0% (todos devem disputar em igualdade de condições).”; b) “1% a
10%.”; c) “11% a 25%.”; d) “26% a 50%.”; e) “51% a 75%.”; f) “76% a 90%.”; g) “91% a 99%.”; h) “100%”. i)
“Não tenho opinião formada.”
A pergunta aberta era “Qual é a sua opinião sobre reserva de vagas para o Curso de Direito da UFF, em razão de
políticas de ação afirmativa ("cotas").
Os outros formulários distribuídos aos professores, servidores e estudantes de pós-graduação traziam perguntas
sobre os conhecimentos, percepções e opiniões destas pessoas acerca do sistema de cotas, sua inserção na
Faculdade de Direito, e sobre outras políticas de ações afirmativas.
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Constavam como perguntas específicas para este questionário: 1)“Em qual escola você concluiu o ensino
médio?” (resposta aberta) ; 2) “Em que ano você concluiu o Ensino Médio?” (resposta aberta); 3) “Você
frequentou algum curso preparatório para o ENEM?” (com as possíveis respostas: a) não; b) “Sim, curso
preparatório gratuito ou com taxa de valor baixo, incluindo "pré-vestibular" comunitário”, ou c) “Sim, curso
preparatório pago”); 4) “Em qual município você morava ao optar, no vestibular/SISU, pelo Curso de
Direito/UFF?” (resposta aberta); 5) “Você permanece morando no mesmo município, atualmente?” (com as
possíveis respostas: a “sim”; b) “Não, ao longo do curso, mudei-me com minha família (pais, casamento, união
estável etc.”) c)” Não, ao longo do curso, mudei-me para morar sozinho”; e d) Não, ao longo do curso, mudei-
me para morar com outras pessoas (ex. "república estudantil"); 6) “Exerce alguma ocupação além dos
estudos?” (com as possíveis respostas: a) “Não, sou estudante em tempo integral” b) “Sim, faço estágio
extraoficial não remunerado; c) “Sim, faço estágio extraoficial remunerado”; d) “Sim, faço estágio oficial em
instituição pública (MP, Defensoria, Juizado etc.)”; e) Sim, faço estágio oficial em escritório de advocacia.” f)
“Sim, trabalho em órgão público (servidor ou terceirizado)”; g) “Sim, trabalho em empresa privada com
carteira de trabalho”; h) “Sim, sou profissional liberal e/ou trabalhador informal”; i) Prefiro não responder a
esta pergunta .h)Outros); 7) Você cursou outra graduação antes de se matricular no Curso de Direito da UFF?
(com as possíveis respostas: a) “Não”; b) “Sim, cursava graduação em Direito em instituição particular, com
financiamento estudantil”; c) “Sim, cursava graduação em Direito em instituição particular, sem financiamento
estudantil (FIES)”; d) “Sim, cursava graduação em Direito em outra universidade pública”; e) “Sim, na própria
UFF, e me graduei em outro curso”; f) “Sim, na própria UFF, sem concluir outro curso de graduação”; g)
“Sim, em outra universidade pública, concluindo a graduação em outro curso”. h) “Sim, em outra universidade
pública, sem concluir o outro curso de graduação”); j) “Sim, em instituição particular (com FIES) concluindo a
graduação em outro curso”. h) “ Sim, em instituição particular (com FIES), sem concluir outro curso de
graduação”; i) “Sim, em instituição particular (sem FIES), concluindo a graduação em outro curso” k) “Sim, em
instituição particular (sem FIES), sem concluir outro curso de graduação”) ;8) Por que você decidiu cursar
Direito? (resposta aberta); 9) Atualmente, o que mais motiva você a concluir a graduação em Direito? (resposta
aberta); 10) Com relação aos estudos no ensino médio, você considera o Curso de Direito da UFF (com as
possíveis respostas: a) “Com maior exigência e rigor nas avaliações”; b) Com praticamente o mesmo nível de
exigência do Ensino Médio” c) “menos exigente que o Ensino Médio”). 9) Ao longo do Curso, você obteve algum
tipo de apoio financeiro e/ou acolhimento? (com as possíveis respostas: a) “Não, e não faria diferença para
mim”; b) “Não, e isto seria importante para minha vida acadêmica” c) “Sim, fui/sou bolsista (monitor, iniciação
científica, extensão, acolhimento etc) d) “Sim, moradia estudantil”; e) “Sim, obtive apoio financeiro eventual
para participação em eventos acadêmicos, esportivos e/ou culturais.”; f) “Outros”). Por fim, também era
perguntado no questionário, se o aluno se disponibilizaria para participar de grupo focal com o grupo de pesquisa,
o que resultou nos dois grupos focais descritos ao longo do texto.
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A pesquisa zelou para que fosse obtido um mínimo de respostas para cada período da graduação, de modo a não
haver uma contaminação de respostas da pesquisa por um grande número de respostas de alunos de um período, e
menos de outro, uma vez que com o processo gradual de implementação do sistema de cotas, as turmas mais
antigas possuem menos cotistas.
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de corte do SISU entre o primeiro semestre de 2014 e o segundo semestre de 2015, as maiores
notas de corte na primeira chamada foram todas da ampla concorrência, sinalizando que a
nota dos ingressantes por ampla concorrência é superior à dos ingressantes por reserva de
vagas em geral, Nesse período, a maior nota de corte na primeira chamada da ampla
concorrência foi 756,42 pontos no primeiro semestre de 2015 para o turno integral, enquanto
a maior nota para reserva de vagas nessa seleção foi 733,10 pontos na modalidade L3 para o
turno integral. Já maior nota de corte na primeira chamada da reserva de vagas nesse período
foi 741,22 pontos na modalidade L3 no primeiro semestre de 2014 para o turno integral,
enquanto a nota de corte para ampla concorrência foi 754,82 pontos nesse processo seletivo.
Em contra partida, a menor nota de corte na ampla concorrência nesse período foi 732 pontos
no segundo semestre de 2014 para o turno noturno, enquanto a menor nota de corte para
reserva de vagas foi 671,64 pontos foi no segundo período de 2015, modalidade L2.
A diferença de notas para o ingresso através da ampla concorrência e da reserva de
vagas muitas vezes reafirma a pré concepção de que os estudantes cotistas não teriam
condições de acompanhar o curso ou prejudicariam a qualidade dele. Entretanto, apesar da
diferença de notas no ingresso pelo SISU, os dados sobre o Coeficiente de Rendimento Médio
(CR) dos ingressantes por ampla concorrência e por reserva de vagas sinalizam que o
aproveitamento destes estudantes não diverge ao longo do curso. Nesse sentido, o maior CR
médio no primeiro semestre de 2013 foi 8,62 pontos dos estudantes ingressantes pela
modalidade L3 de reserva de vagas; no segundo semestre de 2013 foi 9,07 pontos dos cotistas
ingressantes pela modalidade L1; no primeiro semestre de 2014 foi 9,04 pontos dos cotistas
ingressantes pela modalidade L4; no segundo semestre de 2014 foi 9,01 pontos dos cotistas
ingressantes pela modalidade L4; no primeiro semestre de 2015, 8,81 pontos dos estudantes
cotistas ingressantes através da modalidade L3 de reserva de vagas. Ao contrário do senso
comum, os dados sinalizaram que os estudantes cotistas apresentam maior Coeficiente de
Rendimento Médio ao longo de todo o período da pesquisa, apontando que, apesar do deficit
na formação básica, os ingressantes por reserva de vagas não possuem um aproveitamento
inferior aos ingressantes por ampla concorrência.
Além dos dados sobre as notas de ingresso através do SISU e do aproveitamento dos
graduandos ao longo do curso, a pesquisa também possibilitou o mapeamento do perfil dos
estudantes cotistas, como a idade, a escola em que ele concluiu o ensino médio, se ele realizou
algum curso preparatório para o vestibular, a participação em programas de assistência
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estudantil ou apoio financeiro, entre outros dados. O mapeamento desses dados ocorreu
através da coleta de informações por meio de questionários eletrônicos com doze perguntas
gerais, respondidos por 115 estudantes cotistas.
A pesquisa possibilitou mapear se os estudantes que ingressaram por ações
afirmativas receberam algum tipo de apoio financeiro ou acolhimento estudantil ao longo do
curso. Das 115 respostas recebidas, 28 estudantes (24,3%) responderam que não receberam
auxílio e que este apoio não faria diferença para eles; 53 estudantes (46,1%) responderam que
não receberam auxílio e que este apoio seria importante para a vida acadêmica deles; 27
estudantes (23,5%) responderam que receberam apoio pois receberam bolsa de monitoria,
iniciação científica, extensão, acolhimento estudantil, etc.; 1 estudante (0,9%) respondeu que
morava na moradia estudantil; 2 estudantes (1,7%) responderam que obtiveram apoio
financeiro para participação em eventos acadêmicos, esportivos e/ou culturais; e 13 estudantes
(11,3%) deram outras respostas, como participação em projetos de extensão ou auxílio
financeiro dos pais.
O questionário também possibilitou mapear se os estudantes cotistas frequentaram
algum curso preparatório para realizar o ENEM/Vestibular. Das 115 respostas recebidas, 68
estudantes (59,1%) responderam que não realizaram qualquer tipo de curso preparatório; 23
estudantes responderam que frequentaram curso preparatório gratuito ou com taxa de valor
baixo, incluindo-se pré-vestibular comunitário; e 24 estudantes (20,9%) responderam que
frequentaram curso preparatório pago.
A pesquisa também buscou mapear se os estudantes cotistas conciliavam a
graduação em direito com alguma outra ocupação. Das 115 respostas recebidas, 43 estudantes
(37,4%) responderam que estudavam em tempo integral; 5 estudantes (4,3%) respondera que
realizavam estágio extraoficial não-remunerado; 13 estudantes (11,3%) responderam que
realizavam estágio extraoficial remunerado; 18 estudantes (15,7%) responderam que
realizavam estágio oficial em instituição pública, como o Ministério Público, a Defensoria
Pública, etc.; 4 estudantes (3,5%) responderam que realizavam estágio oficial em escritório de
advocacia; 24 estudantes (20,9%) responderam que era servidor ou terceirizado de órgão
público; 3 estudantes (2,6%) responderam que trabalham em empresa privada com carteira
assinada; 5 estudantes (4,3%) responderam que eram profissional liberal ou trabalhador
informal; 7 estudantes (6,11%) sinalizaram outras respostas.
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concordam com a reserva apenas para estudantes com renda familiar inferior a 1,5 salário-
mínimo; 30% dos servidores/terceirizados, 37,5% dos professores, 54,5% dos pós-
graduandos e 21,9% dos graduandos concordam com a reserva de vagas apenas para pobres,
indígenas e negros; e 10% dos servidores/terceirizados e 17,5% dos graduandos não tem
opinião formada.
Com relação a reserva de vagas para ingresso nos cursos de Pós-Graduação stricto
sensu (mestrado e doutorado) vinculados à Faculdade de Direito da UFF, 20% dos
servidores/terceirizados, 50% dos professores e 34,7% dos graduandos discordam
integralmente com a reserva de vagas; 30% dos servidores/terceirizados, 20,6% dos pós-
graduandos e 23,4% dos graduandos concordam com a reserva de vagas apenas para
candidatos com renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo; 35% dos
servidores/terceirizados, 50% dos professores, 55,9% dos pós-graduandos e 28,4% dos
graduandos concordam que haja reserva de vagas para candidatos pobres, indígenas negros e
pardos; 15% dos servidores/terceirizados.
Com relação a reserva de vagas nos concursos para professor efetivo do Curso de
Direito da UFF, 45% dos servidores/terceirizados, 50% dos professores, 23,5% dos pós-
graduandos e 47,5% graduandos discordam integralmente; 20% dos servidores/terceirizados,
concordam que haja reserva apenas para candidatos pobres (renda familiar inferior a 1,5
salário-mínimo); 12,5% dos professores, 14,7% dos pós-graduandos concordam que haja
reserva de vagas apenas para candidatos indígenas, negros e pardos; 20% dos
servidores/terceirizados, 37,5% dos professores, 47,1% dos pós-graduandos e 25,9% dos
graduandos concordam que haja reserva de vagas para candidatos pobres, indígenas, negros e
pardos. Os demais não possuem opinião formada.
Com relação a reserva de vagas nos concursos para carreiras jurídicas (magistratura,
Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública, etc.), 45% dos
servidores/terceirizados, 43,8% dos professores, 20,6% dos pós-graduandos e 43,4% dos
graduandos discordam integralmente. 10% dos servidores/terceirizados, 12,5% dos
professores, 17,6% dos pós-graduandos; 35% dos servidores/terceirizados, 43,8% dos
professores, 50% dos pós-graduandos e 27,8% dos graduandos concordam que haja reserva
de vagas para candidatos pobre, indígenas, negros e pardos. Os demais não possuem opinião
formada.
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3. RESPOSTAS ABERTAS
6
Pretende-se que uma análise mais profunda destas respostas seja alvo de publicação específica.
7
Para a análise, entendemos as respostas como um modo de organização argumentativo, articulando categorias
da análise do discurso de matriz francesa. O modo de organização argumentativo se baseia em alguns fatores.
Basicamente, pode-se dizer que é necessário que exista “uma proposta sobre o mundo que provoque um
questionamento, em alguém quanto à sua legitimidade (um questionamento quanto à legitimidade da proposta).”
(CHARAUDEAU, p. 2014, p. 205), além de um sujeito engajado em defender esta proposta e um sujeito-alvo a
ser convencido dela. Além disso, toda argumentação parte de “uma busca de racionalidade” que tende a um ideal
de verdade quanto à explicação de fenômenos do universo”, além de “uma busca de influência que tende a um
ideal de persuasão, o qual consiste em compartilhar com o outro (interlocutor ou destinatário) um certo universo
de discurso até o ponto em que este último seja levado a ter as mesmas propostas” (CHARAUDEAU, p. 2014, p.
205). Nas respostas analisadas, veremos que as argumentações tem como tema as ações afirmativas, elaborando
diferentes estratégias discursivas para legitimarem um posicionamento de defesa ou repulsa a reserva de vagas.
Por estratégias discursiva, entende-se a maneira, consciente ou não, que o discurso se constrói, quais informações
e argumentos articula.
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A maior parte das respostas, 187 delas não articularam nenhum tipo de argumentação consistente, se limitando a
preencher o campo com afirmações como “sou a favor”, “positiva” e “perfeito”.
9
De maneira diversa em relação ao argumento que se baseia apenas na debilidade do ensino público, o argumento
que tem como base a dívida histórica por causa do passado escravocrata se baseia em aspectos muito mais
diversos, como genocídio da juventude negra, baixos salários, encarceramento e violência e racismo. Desta
maneira, aqueles que se baseiam neste argumento vêem nas cotas uma solução para problemas sociais mais
profundos e amplos do que a simples equiparação no acesso a universidade. A cota seria uma maneira lutar contra
o racismo e a desigualdade racial brasileira.
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respostas já identificam nas turmas mais novas, com maior número de cotistas, estas
mudanças. As respostas dão a entender que alunos cotistas seriam mais interessados em um
aspecto social do Direito, e não teriam apenas interesses individuais e profissionais.
Outra recorrência é a proposição de que a presença de alunos de diferentes origens
traria um benefício geral para a universidade. Os cotistas seriam pessoas que trariam suas
vivências diferenciadas para o ambiente universitário, de modo a contribuírem para uma
produção acadêmica diferenciada, pluralizando o ambiente acadêmico e o tornando mais rico
e inovador. A diversidade também seria um elemento de luta contra o racismo e a exclusão
dentro do ambiente acadêmico, e contribuiria, com a formação de profissionais e intelectuais
negros, pardos e indígenas, ou de classes sociais diversas, para a criação de um mercado de
trabalho e uma sociedade mais inclusiva.
Mesmo entre os argumentos favoráveis, como colocado, foram diversas as ressalvas
as cotas. A primeira ressalva, já apresentada, consiste em ressaltar o caráter paliativo ou
temporário das cotas, explicando que, apesar de ser a favor do sistema de reserva de vagas,
entende que ele deve ser realizado junto com outras medidas, como o combate a pobreza ou a
melhoria do sistema educacional. Importante notar que estes argumentos nunca articulam o
racismo como um problema em si, identificando sempre como principal problema a
desigualdade socioeconômica. As outras duas ressalvas dentre as respostas favoráveis são a
ampla possibilidade de fraude às cotas10, e os problemas ligados à permanência dos alunos
cotistas, que articulam a ideia de que o simples ingressos destes alunos não garantem a
permanência deste aluno, que encontra outras dificuldades para continuar na faculdade.
Todas as ressalvas feitas pelas pessoas favoráveis às cotas também estão presentes
nos argumentos das pessoas contrárias a elas. Desta maneira, muitas respostas contrárias as
cotas reconhecem os mesmos problemas que os defensores das cotas enxergam, mas
simplesmente entendem que as cotas não são um caminho para solucionar estes problemas.
Das respostas contrárias, dois são os elementos centrais. O primeiro deles é a
identificação do principal problema a ser combatido. Este seria a desigualdade social, que
seria resolvido com políticas públicas de combate a pobreza, e por um ensino básico de
qualidade. Desta maneira, o debate racial em geral não é citado, e quando é citado, é citado
em subordinação à questão social. Resolvendo um, se resolveria o outro.
10
Como já dito, a pesquisa foi realizada antes da instauração do Comissão Verificadora de Cotas pela UFF, que
veio para combater estes tipos de fraudes no que tange à reserva de vagas por critérios étnico-raciais.
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Um texto é um tecido cujas linhas podem ser constituídas por palavras (se texto
verbal) ou outros signos não linguísticos (texto não verbal), sua essência reside no significar.
Um texto é uma unidade significativa. E, numa situação comunicativa, seja verbal ou não
verbal, os interlocutores comprometem-se, mesmo que inconscientemente, com a
significação, com o político, já que um texto é discurso. Deve, assim, ser compreendido como
materialização de um processo histórico-ideológico, presente na sua construção, porque toda
palavra integra um contexto, por isso tem história. Essa afirmativa é essencial para se
interpretar o silêncio, porque “Sem considerar a historicidade do texto, os processos de
construção dos efeitos de sentidos, é impossível compreender o silêncio.” Essa unidade de
sentido, que sempre diz algo, utiliza determinadas formas/maneiras para dizer, porque o
tecido não é apenas produto, mas, sobretudo, processo. Ler um texto é, portanto, um
movimento de atribuição de sentido. Deve o leitor atentar não só para o resultado, mas para o
como, por que, para que e para quem se diz.
Considerando-se que a ideologia está presente no texto (que é discurso) e que o dizer
é um enunciado produzido por um sujeito que é motivado a dizer e, portanto, o dito tem uma
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finalidade, o mesmo pode ser afirmado quando ao não dizer, ao silêncio, compreendido como
elemento comunicativo, portanto, como categoria de sentido.
Na pesquisa, foi possível identificar formas de não dizer significativas, elementos
discursivos que, no contexto de implementação de uma política afirmativa de inclusão social
e étnico-racial, podem simbolizar mais que ausência de conhecimento, mas, talvez, não
reconhecimento, constituindo-se o silêncio que torna não aparente, o que está presente. É o
que podemos evidenciar na fala de um dos entrevistados em entrevista (grupo focal)
promovida pelo grupo de pesquisa:
A faculdade de direito é uma faculdade bem elitista, apesar das exceções, mas é
uma faculdade bem elitista, a parte das políticas de ações afirmativas, as pessoas
não gostam de tocar no assunto, pelo ao menos eu senti assim, as pessoas da minha
turma são ótimas, mas ninguém toca no assunto, as pessoas falam de colocação,
políticas de ações afirmativas ninguém toca muito, assim, eu não sei muito bem
quem entrou por política de ação afirmativa ... Há comentários, eu já ouvi assim, a
maioria não gosta a maioria com quem eu tive contato, mas isso não é verbalizado.
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Argumentação e linguagem. 12. Ed. São Paulo: Cortez, 2009.
MENDES JUNIOR, A.A.F.; WALTENBERG, F.D. Políticas de cotas não raciais aumentam a admissão de
pretos e pardos na universidade?: simulações para a UERJ. Texto Para Discussão: CEDE/UFF, Niterói, p.1-21,
2013. (Disponível em http://www.proac.uff.br/cede/sites/default/files/TD89.pdf).
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. 8. ed. Campinas: Pontes, 2009.
_______________. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, Editora da Unicamp, 1995.
TEIXEIRA, Moema De Poli. Negros na Universidade: identidade e trajetória de ascensão social no Rio de
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PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. A discussão judicial das ações afirmativas étnico-raciais no Brasil. In:
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comprometer o desempenho? Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v. 7, p. 36-77, 2012. (Disponível em
http://www.proac.uff.br/cede/sites/default/files/TD73.pdf).
______________, Elementos para uma definição de justiça em educação. Outubro, 201. (Publicado nos Cadernos
Cenpec. Pesquisa e ação educacional. V. 3(1), pp. 41-62, 2013. (Disponível em:
http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/).
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A EXPERIÊNCIA DE MEDIAÇÃO NA COMAR UNIG
RESUMO
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INTRODUÇÃO
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com a finalidade de que possam manter uma comunicação produtiva à procura de um acordo
possível para elas. Destaco que não colide, nem compete com o processo judicial, sendo mais
um meio de resolução de conflitos.
Considerada dialogal, especialmente indicada para conflitos interpessoais e relações
continuadas, apresenta a promessa de resolver a questão de forma integral, e não apenas a lide
processual, sendo um método que promete ser rápido, barato e eficaz, contribuindo para um
efetivo acesso à justiça (AMARAL, 2009, p. 89) Além disso, busca atuar previamente, na
medida em que educa para a solução autônoma dos próprios conflitos, intencionando
promover mudanças nos relacionamentos sociais e por consequência, a promessa de
pacificação social. Em definição de Guillaume-Hofnung:
Esses meios, segundo tal normativa, seriam a mediação e a conciliação, bem como
os serviços de atendimento e orientação ao cidadão. Esse serviço recebe o nome de
atendimento de cidadania, e tinha, inicialmente, prazo limite de 12 meses para ser
colocado em funcionamento em todas as cortes do país (FILPO, 2016, p. 45).
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2.1. A UNIG
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Campus I, onde funciona a sede em Nova Iguaçu, possui ainda outros quatro Campi ativos
distribuídos na Baixada Fluminense, sendo um dos mais importantes o Campus III, onde está
localizada a EDHAPI (Escola de Desenvolvimento de Habilidades Profissionais Integradas),
que abrange o Núcleo de Prática Jurídica (NPJUR), o Escritório de Prática Jurídica
(ESAJUR), além de possuir pólos conveniados do PROCON e SEBRAE.
O Núcleo de Prática Jurídica tem o objetivo de estabelecer o diálogo entre sociedade
hipossuficiente de Nova Iguaçu e a Universidade, por meio da Assistência Jurídica
Universitária, realizando atividade de extensão, de acordo com o que estabelece a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 52 que diz que “as universidades são
instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de
pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano(...)”.
Tendo em vista que a Defensoria Pública do Estado, órgão constitucionalmente
incumbido de atender aos vulneráveis economicamente, não tem condições materiais de
suportar tamanha demanda, o Escritório de Prática Jurídica acabou tornando-se uma
alternativa para aqueles que não têm condições de suportar as inúmeras filas e o atendimento
massificado pela enorme quantidade de processos que necessitam do auxílio deste Órgão.
Muitas partes que procuram inicialmente a Defensoria Pública da Comarca acabam sendo
encaminhados para o ESAJUR, realizando uma espécie de “convênio informal”, seja por
terem alguma restrição física que os impossibilitaria de enfrentar as longas horas de espera
para atendimento na Defensoria, seja por tratarem de ações não abrangidas por sua
competência, mas trabalhadas pelo ESAJUR (Que englobam direito do trabalho e direito
previdenciário, por exemplo).
Em contrapartida, os alunos integrantes do Núcleo, além de terem contato com a
prática jurídica de forma holística e multidisciplinar, são incentivados a terem uma visão
crítica e humana do direito, condizente com as necessidades da população local, em especial a
atendida pelo Núcleo, tendo em vista que o mesmo se presta a assistir os hipossuficientes.
3. A COMAR UNIG
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1
Em pesquisa na rede mundial de computadores, é citado pelos sites da Prefeitura de São João de Meriti e de
Nova Iguaçu, mas não possui uma página oficial. Segundo o site Wikipédia, é formado pelo curso de direito na
Faculdade de Direito do Catete (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1954. Foi interventor de São João de
Meriti, nomeado pela ditadura militar, em 1970, permanecendo até 1971. Nas eleições de 1972 foi eleito vice-
prefeito de Nova Iguaçu. Em 1975, eleito pelo partido do governo, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA),
Lubanco assumiu a chefia do executivo até 1977. Em sua administração construiu a primeira pista de skate de
América Latina, inaugurada em 1976, e desapropriou a Fazenda São Bernardino, marco da arquitetura colonial do
Brasil, e expulsou seus moradores e proprietários (família Gavazzoni). Foi também deputado estadual do Rio de
Janeiro de 1978 a 1982. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Batista_Barreto_Lubanco>.
Acesso em 22 jun. 2017.
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Importante esclarecer que a comissão atende, além dos moradores de Nova Iguaçu,
moradores do município vizinho, Mesquita, que durante muitos anos foi parte da cidade de
Nova Iguaçu. Apenas em 1997, a cidade de Mesquita foi desvinculada e elevada à categoria
de Município, mas, a despeito de já ser considerada comarca de segunda entrância pelo
CODJERJ2 desde 2011, somente teve sua sede inaugurada em dezembro de 2013. Por esta
razão, mesmo após sua emancipação, durante o período de 1997 a 2013, as demandas
provenientes da população da região foram absorvidas pela Comarca de Nova Iguaçu, o que
explica a abrangência da Comissão de Mediação. Até o momento da inauguração de sua sede,
Mesquita contava apenas com um ônibus da chamada “Justiça Itinerante”, que de acordo com
o site do TJRJ, é coordenado pela Divisão de Justiça Itinerante e acesso à Justiça - DIJUI,
ligada ao Departamento de Instrução Processual - DEINP da Diretoria Geral de Apoio aos
Órgãos Jurisdicionais - DGJUR, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cujo
principal objetivo é dar concreção ao postulado do amplo acesso à Justiça e fomentar a
cidadania, por meio de atendimentos regulares previamente estabelecidos mediante
calendários amplamente divulgados.
Foram realizadas ao todo 10 visitas, entre os meses de abril e maio de 2017, ocasião
em que foram realizadas observações no local, além de entrevistas com os atores da COMAR
(assistidos e funcionários). Foi possível observar que, inicialmente, as partes procuram o
Núcleo de Prática Jurídica da Universidade, seja por indicação de amigos e parentes que já
tenham passado por algum tipo de atendimento no local, seja por indicação da Defensoria
Pública, conforme explicado anteriormente, para ter acesso ao atendimento jurídico gratuito,
ou mesmo indicado por alunos ou ex aluno da instituição.
Após a triagem, que é feita por funcionários com treinamento específico, onde se
identifica o problema apresentado e o motivo da visita, o assistido, como é denominado o
atendido pelo Centro de Formação Profissional, é perguntado sobre a possibilidade de acordo
no problema apresentado, sendo ele na seara cível ou familiar. Caso a resposta seja positiva, o
funcionário pergunta se ele acredita que a outra parte aceitaria vir ao local para uma conversa
informal sobre o objeto da questão para então tentar se chegar a um acordo. Essa pergunta é
considerada crucial para o encaminhamento ou não da parte para a realização do
2
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Lei nº 6.956, de 13 de janeiro de 2015. Dispõe sobre a Organização e Divisão
Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, pelos relatos dos funcionários, esses costumam durar bem mais que os três
meses de média das mediações, desde a propositura até a homologação do acordo, o que
indica que as mediações, ao menos realizadas pela COMAR, são de fato mais céleres do que
o procedimento tradicional.
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EM BUSCA DE UM NOVO SABER JURÍDICO:
A EXPERIÊNCIA EM “PODER JUDICIÁRIO E POLÍTICA”
RESUMO
O presente estudo traz relato de experiência em torno da criação e vivência do curso de Poder
Judiciário e Política na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. A partir desse
relato, intenta refletir sobre tradições no ensino jurídico e vias de ruptura para a construção de uma
educação emancipatória. Para tanto, aborda as tentativas de inovação metodológica e de estruturação
de temas no campo da disciplina, na busca de uma experiência de educação jurídica socialmente
referenciada, horizontal e contra hegemônica. Aponta e analisa criticamente os desafios encontrados
nessa trajetória e as perspectivas por ela lançadas. O trabalho se ampara teoricamente nas construções
críticas de Paulo Freire e Pierre Bourdieu sobre educação. Espera-se contribuir para uma avaliação
crítica da realidade do ensino jurídico, bem como para a reflexão sobre alternativas aos modelos
tradicionalmente adotados.
ABSTRACT
The present study brings an experience report about the creation and experience of the course of
Judiciary and Politics at the Law School of the Federal University of Juiz de Fora. From this report, it
tries to reflect on traditions in the legal education and routes of rupture for the construction of an
emancipatory education. In order to do so, it approaches the attempts of methodological innovation
and structuring of subjects in the discipline field, in the search for an experience of socially referenced,
horizontal and counter hegemonic legal education. It points out and critically analyzes the challenges
encountered in this trajectory and the perspectives it launches. The work theoretically relies on the
critical constructions of Paulo Freire and Pierre Bourdieu on education. It is hoped to contribute to a
critical evaluation of the reality of legal education, as well as to the reflection on alternatives to the
models traditionally adopted.
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INTRODUÇÃO
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religiosa e a política, de modo que quando chegam a ter espaço esses temas costumam receber
um tratamento tecnicista e socialmente pouco ou nada referenciados.
Desse modo, a partir da reflexão que propõe, este trabalho busca contribuir para a
ruptura das amarras que ainda inibem modificações mais substanciais nas formas de se
conceber o ensino jurídico na contemporaneidade. Assim, utiliza-se de autores críticos ao
modelo de ensino tradicional e ao campo jurídico, como Paulo Freire e Pierre Bourdieu,
respectivamente, na expectativa de pavimentar caminho para a construção de um novo saber e
ensino jurídicos, com novas cores, horizontalidade, empatia, acolhimento e humanidade.
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sem se distanciarem do campo jurídico, comprovando ser possível entendê-lo de uma nova
forma. Utilizam-se os seguintes instrumentos: painéis de discussão de textos; práticas
argumentativas; visita a órgão estatal; participação em role-play e na sensibilização pela arte;
elaboração de um portfólio, de um ensaio de análise de caso e de um grupo em rede social.
Parte-se, portanto, à explicação conceitual e programática de cada um desses instrumentos,
compreendidos como construtores de conhecimento, não mais como avaliativos stricto sensu.
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Nas aulas seguintes aos painéis, são realizadas as práticas argumentativas, que se
caracterizam pela reflexão acerca de um caso concreto, geralmente decisões judiciais que
propiciem a aplicação dos conceitos presentes no painel anterior, de modo a efetivar o debate
acerca desses conceitos e a proporcionar a construção de uma visão reflexiva e crítica.
Durante a atividade, os (as) estudantes são divididos (as) em grupos com distintas tarefas
argumentativas diante do caso. Sugere-se em geral que o (a) estudante tente identificar
eventual pré-compreensão sobre o pano de fundo temático do caso e que procure integrar o
grupo cuja tarefa argumentativa se choque com essa posição, a fim de que exercite sua
capacidade argumentativa.
São priorizados nas escolhas dos casos concretos aqueles que tangenciem problemas
sociais que influenciam o hoje e o amanhã dos (as) alunos (as), sendo possível que eles (as)
interajam com as demandas sociais. Nesse sentido, as práticas argumentativas são de extrema
importância, pois, primeiramente, contribuem para o melhor entendimento dos temas
trabalhados em aula anterior, e também porque, por meio da construção de argumentos, é
possível romper com as amarras impostas pelo ensino tradicional, principalmente o ensino
jurídico tradicional, através de uma análise interdisciplinar.
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A experiência junto ao órgão estatal tem o objetivo de aproximar o (a) aluno (a) da
atuação de um dos Poderes da República. A inserção dessa atividade foi posterior e se faz
importante pois leva o conhecimento para fora da sala de aula, possibilitando a compreensão
sobre temas debatidos durante o semestre, como a repartição dos poderes, as atividades
legislativa e judicial, a construção do Direito institucionalmente, dentre outros. Após a
experiência (visita, participação de audiência pública, etc.), é necessário que se faça um
relatório, abordando quais foram as impressões e as dificuldades detectadas em realizar essa
atividade. Durante essa relatoria não somente cabem os apontamentos de questões objetivas,
mas também devem ser descritas as informações subjetivas e as sensações relativas ao
ambiente físico visitado - ponto muito relacionado com a análise de Pierre Bourdieu sobre o
campo jurídico, que é discutida pelos (as) alunos (as) - bem como as contribuições
proporcionadas por esta experiência.
Realizam-se também simulações de julgamento, que, apesar de serem uma opção
de prática jurídica, ainda não são tão frequentes no curso de Direito da UFJF. Por meio da
dinâmica de role-play, a disciplina propicia a experimentação de sensações similares às que
visitam juízes (as) e partes envolvidas em casos difíceis, como os que ditam sobre direitos de
minorias representativas, de forma que a análise crítica feita, ao longo da disciplina, em torno
da atividade jurisdicional, possa ser também humanizada.
O role-play é uma espécie do grande gênero da prática simulada e consiste em um
jogo de papéis, com natureza lúdico-pedagógica, por meio da qual pessoas adultas brincam de
vivenciar situações que suscitam decisões, posicionamentos, antecipação e avaliação de
consequências. A dramatização propicia o envolvimento dos e das participantes em torno de
algum conflito em relação ao qual precisam realizar um julgamento moral.
São realizadas três atividades desta espécie ao longo do semestre, sempre ao fim de
cada módulo. São organizadas simulações de julgamento de casos de grande repercussão
social, anteriormente apreciados pelo Supremo Tribunal Federal e, preferencialmente,
daqueles nos quais o Tribunal tenha utilizado audiência pública, que ao menos, em tese, serve
como instrumento de diálogo social voltado a conferir legitimidade democrática à tomada de
decisão da esfera deliberativa. Ao longo de todos os semestres em que a disciplina, que tem
caráter de ênfase, foi disponibilizada aos alunos, já foram simulados diversos julgados de
grande repercussão social, como o das ações afirmativas no ensino superior, do aborto de
fetos anencéfalos, do uso de células tronco, do reconhecimento da união estável homoafetiva,
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do uso de substância entorpecente, escola sem partido, entre outros e o mais recente, sobre
ensino religioso em escolas públicas.
Por fim, cabe uma explicação sobre como a atividade é estruturada. Dessa forma, a
experiência é dividida em dois momentos: o primeiro corresponde à fase de audiência
pública, na qual são ouvidos atores da sociedade civil que têm relação com a temática
discutida; no segundo, é simulada a sessão de julgamento em que as ministras e os ministros
do STF proferem seus votos. Para interpretar tais papeis, alunas e alunos são incentivadas (os)
a se caracterizar, assumindo o personagem. São disponibilizadas togas para aqueles (as) que
representam os (as) ministros (as) do STF, o que facilita a adequação e a crítica à posição
ocupada pelo (a) julgador (a). Após a interpretação, as alunas e os alunos devem tecer uma
opinião crítica sobre o tema e a posição adotada por quem interpretou. Pode-se concluir,
portanto, que a disciplina possibilita aos (as) alunos (as) uma abordagem plural e
extremamente rica de métodos de ensino jurídico, sem se descolar tanto de discussões
dogmáticas quanto da apreensão de questões sociais tocantes ao Direito.
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sobre os métodos adotados, já tendo contribuído para modificações estruturais. Dessa forma,
cumpre-se mais uma vez a proposta dialética da disciplina, onde professora, monitores e
alunos (as) atuam em conjunto na construção do projeto de ensino.
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Outro caminho adotado para romper com o ensino jurídico hermético e alienante é a
realização da Sensibilização pela Arte. Experiências sensoriais, viabilizadas pelas artes, são
transformadoras em nosso processo de formação de identidade, contribuindo também para o
processo pedagógico crítico e reflexivo previsto no plano de curso da disciplina, criticidade e
reflexão que, como nos alerta Paulo Freire, são aspectos indispensáveis para a superação da
alienação. Dessa forma, a arte não somente nos (re) conecta e contribui para melhorar a
qualidade de vida no ambiente universitário, como também proporciona o encontro com a
sociedade e a cultura em que estamos inseridos.
Nessa lógica, na proposta da atividade, a sala de aula é afirmada enquanto espaço
lúdico e cultural, acomodando a livre manifestação das subjetividades, com intervenções
artísticas diversas, como poemas, músicas, teatros, danças, dentre outras modalidades. O
conteúdo das apresentações é livre, procura-se que hajam apresentações que de alguma forma
dialogam com o tema da disciplina, ou seja, o Poder Judiciário e Política, entretanto, não há
uma limitação quanto a isso, de forma a realmente contribuir com o objetivo da proposta.
Deste modo, não há censura prévia ou juízo de admissibilidade para as intervenções, bastando
apenas a vontade de se expressar.
Como a disciplina propõe-se a desenvolver um saber crítico, direcionado à realidade
social, as e os estudantes acabam por demonstrar esse espírito crítico nas apresentações, como
fruto direto das experiências vivenciadas em sala de aula. Assim, as e os estudantes
percebem-se como sujeitos do conhecimento, atores responsáveis pela sua própria condução
pedagógica – dentro e fora da disciplina - pois o indivíduo “deve ser o sujeito de sua própria
educação, não pode ser o objeto dela” (FREIRE, 1979).
Por fim, cabe destacar, neste momento, que Poder Judiciário e Política não só
promove métodos avaliativos diferenciados, nos quais o objetivo é a construção do
conhecimento do (a) estudante, como também fomenta a discussão fora dos muros da
universidade – o que torna as redes sociais amplamente relevantes, pois se configuram como
espaços férteis de promoção de debates. Para fazer essa comunicação se estender ainda mais
para outros horários e espaços que não os da aula, a disciplina conta com um grupo no
Facebook. Neste grupo, quaisquer alunos ou alunas podem manifestar-se publicando notícias
e assuntos relativos aos temas discutidos durante as aulas. O grupo é composto por estudantes
que estão com a disciplina em curso no semestre e por aqueles e aquelas que já passaram
pelas aulas.
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Tais apontamentos têm origem nos portfólios, que se mostram como um ótimo
instrumento para que se possa estar em constante reflexão sobre o método adotado. Por meio
dessas atividades entregues ao final do período letivo já foi possível perceber que há uma
grande dificuldade em lidar na prática com a autonomia trabalhada na disciplina, por não ser
tão exercitada concretamente no ambiente acadêmico, em suma, ter autonomia é algo
estranho para os (as) estudantes de um curso de Direito.
Além disso, ao trazer para a sala de aula temas considerados cada vez mais
explosivos – como sexualidade, gênero, relações étnicas raciais, dentre outros – embora
essenciais a uma adequada formação profissional, a disciplina foi espaço para a manifestação
de conflitos presentes em nossa sociedade. Esta experiência, como esperado, não foi fácil.
Deixou aflorar pré-compreensões muitas vezes amparadas em uma moralidade religiosa
intolerante e inconfessa. O conforto da certeza e da verdade, em geral buscados na academia,
foi, em muitos momentos, substituído pelo incômodo do desnudamento de contradições e da
autodescoberta da reprodução de culturas opressoras.
Como já apontado é perceptível o estranhamento de alguns ao modelo de aula
proposto. O rigor com presença e na atribuição de notas em outras disciplinas contribui para
que o comprometimento com o método alternativo de ensino não seja uno, ainda que
involuntariamente, o que evidencia a necessidade de que o ensino jurídico seja rediscutido em
linhas emancipatórias. Nesse sentido, foram necessárias algumas mudanças, como na
distribuição dos painéis. A decisão de como fazer isso não foi fácil, a professora e o grupo de
monitoria discutiram em várias oportunidades o que poderia ser feito, mas sem ceder à
pressão imposta pela concepção tradicional de ensino jurídico.
Portanto, o modelo de ensino em PJP sofreu modificações e continuará sofrendo,
sempre tendo como alvo a construção de uma educação contra hegemônica. A contribuição
dos alunos e das alunas, não somente por meio dos portfólios, mas também por
questionamentos e debates, é sempre importante nesta conjuntura. Pretende-se que evoluções
sejam constatadas, assim como são percebidas no momento em que este trabalho é redigido e
que PJP não seja entendida como um projeto findo, tão menos o melhor projeto possível, a
constante crítica é condição imprescindível para que melhores resultados sejam alcançados.
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com a pretensão de configurar-se como a panaceia de todos os males, como a solução ideal.
Não haverá soluções herméticas, prontas e perfeitas, mas sim tentativas, que sempre
enfrentarão desafios. “Poder Judiciário e Política” busca colocar-se como mais uma destas
tentativas.
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919
Grupo de Trabalho 13
SOCIOLOGIA
DOS SENTIMENTOS MORAIS
cmxx
MANUEL DA NÓBREGA E AS MISSÕES JESUÍTAS
NOS PRIMEIROS ANOS DO GOVERNO GERAL
DO ESTADO DO BRASIL (1549-1559)
BROCCO, Pedro
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense
(PPGSD-UFF)
GONÇALVES, Marcus Fabiano
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Direito (PPGSD-UFF)
RESUMO
O trabalho objetiva analisar a dinâmica dos primeiros anos de funcionamento do Governo Geral do
Estado do Brasil. Partindo do exame de fontes produzidas por membros da Companhia de Jesus,
sobretudo pelo jesuíta Manuel da Nóbrega (1517-1570), que esteve à frente das missões brasileiras
desde 1549, a construção da análise se debruçará sobre a problemática moral (de fundo teológico)
acerca dos costumes dos nativos brasileiros, dos colonos portugueses e do clero secular que habitavam
a terra antes da fundação do Governo Geral por D. João III. Neste sentido, se pretende verificar em que
medida o projeto missionário, para além de sua preocupação com a conversão dos nativos, gera
impactos na reforma dos costumes e na administração da justiça na colônia.
ABSTRACT
This work aims to analyze the dynamics of the first years of operation of the General Government of
the State of Brazil. Starting from the examination of sources produced by members of the Society of
Jesus, especially by the Jesuit Manuel da Nóbrega (1517-1570), who has been at the leader of the
Brazilian missions since 1549, the construction of the analysis will focus on the moral problematic (of
theological background) about the customs of the Brazilian natives, the Portuguese settlers and the
secular clergy who inhabited the land before the founding of the General Government by King John
III. In this sense, it is intended to verify to what extent the missionary project, besides its concern with
the conversion of the natives, generates impacts on the reform of customs and on the administration of
justice in the colony.
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1
HANSEN, João Adolfo. Manuel da Nóbrega. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010,
pp. pp. 11-47, passim.
922
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2
Idem, p. 11.
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Nestes dois trechos pode-se vislumbrar duas linhas de força centrais na construção
da epopeia de Camões: a que coloca Portugal na dianteira da cristandade europeia a lançar-se
ao mar para dilatar a vida cristã, a Lei da Vida eterna e, de outro lado, uma feroz rivalidade
frente às outras religiões monoteístas e aos gentios: “Vós, que esperamos jugo e vitupério /
Do torpe ismaelita cavaleiro / Do Turco Oriental e do Gentio / Que inda bebe o licor do santo
Rio”4.
Camões coloca Portugal liderado por Vasco da Gama, e ele próprio, Camões, sobre
dois eixos principais: do lado cultural, nas disputas militares pela vitória da melhor e mais
verdadeira religião, e do lado temporal, também cultural, de supremacia de uma forma de vida
cristã, produtora dos mais sublimes feitos capazes de serem cantados e escritos. Ilustram essas
afirmações as famosas três primeiras estrofes do Canto Primeiro:
3
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Porto: Porto Editora, 2014, pp. 239-241.
4
Idem, Canto Primeiro, p. 67.
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As três estrofes ou estâncias acima citadas representam três grandes linhas de força
dos Lusíadas: a de colocar Portugal na dianteira da dilatação da cristandade no mundo,
edificando “Novo Reino”, a de, assim fazendo, conservar as gloriosas memórias de reis
cristãos construtores no campo secular da fé e do império cristão frente a outras religiões e
culturas; e, finalmente, a pretensão de escrever um poema épico capaz de fazer frente a
grandes cânones da cultura clássica, como os gregos (Homero) e troianos (referência à Eneida
de Virgílio) e as respectivas navegações que narram, Homero com Ulysses ou Odisseu;
Virgílio com Eneias. Camões visa narrar o heroico percurso de Vasco da Gama e sua
esquadra até a Índia, em um esforço ao mesmo tempo militar e literário: Alexandre e Trajano
dividem a estrofe com Homero e Virgílio. Tal é, de fato, a posição de Portugal naquele
momento: a de estar na vanguarda econômica e militar, lançando-se ao arrojo da nova rota
comercial na Índia via périplo africano, o que não custou pouco investimento em tecnologias
náuticas e em planejamento. Camões aparece, assim, como um virtuoso poeta
fundamentalmente patriota, sublimando os feitos portugueses nas letras de sua épica.
Pode-se dar razão a comentadores de Camões como Emanuel Paulo Ramos,
organizador da edição aqui consultada, quando diz que “o real grandioso” de que se ocupa
Camões diz respeito a dois mundos: o mundo material, abrangendo os grandes fenômenos
observáveis pelos sentidos: batalhas, cercos, tempestades, etc.; e o mundo moral, reunindo
estados psicológicos das pessoas que participam da ação “ou durante ela são recortadas ou
pressentidas em profecia”6: tal é o caso de lançar mão de certos personagens capazes de
transmitir ideias e conceitos: D. Afonso Henriques é evocado para transmitir ímpeto épico; já
Inês de Castro, no Canto Terceiro, aparece como personagem histórico transmitindo
passividade e dominância por sentimentos elevados7. Não obstante essa divisão no interior da
obra, pode-se sustentá-la também em relação ao que foi afirmado logo acima: Camões
enquanto sujeito histórico produz sua épica em um Portugal dividido entre o mundo material,
do comércio e da supremacia geopolítica ante seus rivais e, ao mesmo tempo, o mundo moral
ou aquele que forma a estrutura psicológica de seus agentes, movidos por uma ingente e ígnea
vontade de dilatar os limites do catolicismo pelo mundo, subjugando militarmente os
5
Idem, p. 65.
6
RAMOS, Emanuel Paulo. Introdução literária a Os Lusíadas, op. cit., p. 44.
7
Idem, ibidem.
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resilientes e trazendo para si os convertidos. Também faz parte desta dinâmica, e de forma
muito peculiar, a Companhia de Jesus. Fundada por um ex-militar, é certo afirmar que a
Companhia de Jesus manteve uma estrutura muito próxima da militar: rígida hierarquia,
rigorosa formação, incursões em locais distantes e hostis em operações nomeadas de
“missões”.
Um jesuíta devia ser um exemplo de preparo teológico e humanista, capaz de
dominar as mais refinadas capacidades voltadas às letras, à teologia, às ciências e à tradução.
Envolvida em operações de alto nível de dificuldade de consecução, a Companhia produziu
ao mesmo tempo padres tradutores capazes de descrever não apenas o mundo físico que se
descortinava às potências europeias, mas as sociedades e os costumes ali desenvolvidos.
Tradutores completos, humanistas e teólogos, vivendo em uma (quase) estrutura militar:
talvez aí se possa buscar o vigor e o sucesso da Ordem nos dois séculos em que atuou mais
diretamente no campo da tradução e conversão das culturas estrangeiras.
A Companhia de Jesus, fundada no mesmo período histórico em que Camões
participa das incursões às Índias como soldado e escreve sua poesia épica, compartilha com
Camões dos mesmos pressupostos de sua ação: tanto cultural quanto militar. Anima a
Companhia de Jesus o desejo de igualmente dilatar a fé cristã pelo mundo quanto o da
supremacia de uma civilização sobre outras. O método a ser utilizado, no entanto, não será o
de subjugar pelas armas, mas pela conquista espiritual ou conversão.
O subjugar pela conversão envolve uma rede de posturas e saberes que vai sendo
formada e atilada ao longo dos primeiros séculos de contato ibérico com o Novo Mundo e
com o Oriente.
A conversão não implica somente na criação de qualquer espécie de docilidade na
alma dos convertidos, mas em refazer suas coordenadas imaginárias e simbólicas, primeiro
mediante uma aproximada compreensão de seu mundo, seus usos e costumes, além de seu
ambiente físico, para depois realizar um processamento e conversão do registro estrangeiro
em clave europeia-católica. Pode-se supor de início a supremacia cultural europeia, em
relação à qual seriam os padres os representantes e porta-vozes. É verdade que em relação às
culturas americanas e em alguns lugares da Ásia, conseguiu-se com sucesso implantar as
principais coordenadas simbólicas europeias, como o vernáculo, porém não é verdade que o
intuito fosse o de apenas subjugar aqueles povos em nome de uma cultura “europeia” ou de
um país específico: o interesse era antes mais sofisticado e religioso. Mesmo dentro dos
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limites da Europa, havia a guerra intestina entre católicos e protestantes. Tratava-se então de
recolocar a conversão dos gentios no interior do planejamento e dos objetivos tridentinos
contrarreformistas da Igreja católica.
Buscando aliar a disciplina militar a uma robusta preparação e treinamento nas letras
e na teologia, a Companhia enviava os padres mais eruditos para serem superiores das
missões. É o caso do primeiro Provincial jesuíta do Brasil, Manuel da Nóbrega. Nóbrega
estudou em Salamanca e em Coimbra, tendo obtido o grau de bacharel em cânones. Forte em
direito canônico e filosofia, possuindo como mestre Martín de Azpilcueta Navarro, Nóbrega
tentou tornar-se Lente (professor) da Universidade, mas não obteve sucesso nas provas de
leitura devido ao fato de ser gago. Talvez para enfrentar tal defeito na fala, Nóbrega é
ordenado pela Companhia de Jesus aos vinte e sete anos, em 1544, tornando-se pregador.
Após viajar por Portugal e Espanha pregando o Evangelho, recebe um convite do rei D. João
III para juntar-se à armada de Tomé de Sousa que partia para o Brasil em 1549. Chegam com
ele os padres jesuítas Leonardo Nunes, João de Azpilcueta Navarro (sobrinho de Martín de
Azpilcueta Navarro), Antônio Pires e os irmãos Vicente Rodrigues e Diogo Jacome. Nóbrega
desde o início possui atuação muito próxima ao poder secular de Tomé de Sousa, o que
continua com seus sucessores, sobretudo Mem de Sá, do qual se torna também amigo e
conselheiro. Nessa atuação conjunta dos poderes secular e espiritual se depreende a
importância do direito positivo (secular) para a consecução dos fins da conversão da
Companhia de Jesus, e vice-versa. Como afirma Nicola Gasbarro, é impossível separar a
faceta religiosa das missões da faceta política e civilizacional, o religioso e o civil. Ao longo
da gestão conjunta de Nóbrega e Mem de Sá, percebe-se um esforço de extinção da prática da
antropofagia através de leis penais mais rígidas contra a prática, com a instalação de um
pelourinho em Salvador. Nóbrega também pede que o Governador Geral baixe leis para a
proteção dos índios, visando coibir sua escravização sem limites legais (os da guerra justa).
Com isso, o padre abre espaço para o início do uso de mão-de-obra escrava africana, tendo
inclusive apoiado tal expediente.
O exame de suas cartas e de seu diálogo composto para retratar as agruras da
conversão no Brasil da segunda metade do século XVI – período de análise deste trabalho –
será fundamental para estudos subsequentes.
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8
Era comum que jesuítas e colonos nestes primeiros anos se referissem aos índios como negros. Cf.
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
9
NÓBREGA, CB, p. 72.
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É neste sentido que Nóbrega diz a Simão Rodrigues que o que mais importava
naquele momento para a missão brasileira era o básico e o infraestrutural: tecidos para cobrir
os índios e pessoal para percorrer as aldeias indígenas e levar a eles o paradigma de vida
cristã. Diz Nóbrega: “Cá não são necessarias letras mais que para entre os Christãos nossos,
porém virtude e zelo da honra de Nosso Senhor é cá mui necessário”15.
Ao mesmo tempo em que pede cristãos virtuosos a Simão Rodrigues, Nóbrega
confessa temer o mau exemplo dos cristãos portugueses que já habitavam a terra. Fica clara a
questão já posta por Nóbrega, já na primeira carta escrita no Brasil, de que um dos principais
obstáculos para a conversão será a sociedade civil composta por colonos cristãos já instalados
no território. Se por um lado marca a docilidade do gentio e a facilidade de sua conversão,
teme pelo “mau exemplo que o nosso Christianismo lhe dá”:
O padre Leonardo Nunes mando aos Ilheos e a Porto Seguro, a confessar aquella
gente que tem nome de Christãos, porque me disseram de lá muitas misérias, e
assim a saber o fructo que na terra se póde fazer. (...) Leva por companheiro a
Diogo Jacome, para ensinar a doutrina aos meninos, o que elle sabe bem fazer; eu o
fiz já ensaiar na nau, é um bom filho. Nós todos os tres confessaremos esta gente; e
depois espero que irá um de nós a uma povoação grande, das maiores e melhores
13
CB, p. 73.
14
Idem, pp. 73-74.
15
Idem, p. 74.
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lado de dentro das sociedades com as quais se relacionavam. E se vinham desde o lado de
fora e funcionavam ou buscavam funcionar como os que estavam do lado de dentro,
buscando a compreensão de seus mecanismos, os jesuítas mostram a ductibilidade da
natureza humana, ao transitarem entre diferentes consistências sociais e culturas e fazerem o
“dentro” e o “fora” deixarem de apresentar fronteiras rígidas.
A liberdade de obter privilégios e conceder benefícios, em lugares geograficamente
muito distantes das estruturas do clero secular e de superiores hierárquicos como os bispos,
pode trazer um questionamento, a nosso ver, a respeito da obediência que o jesuíta devia ter
ao Papa, constante do quarto voto. Ao menos, o funcionamento do jesuíta em terras
longínquas marca o caráter curioso de um voto e juramento de obediência e, ao mesmo
tempo, a grande liberdade para administrar as almas e suprir o direito canônico então
inoperante em sua integralidade nessas localidades, fazendo espécies de arranjos e adaptações
adequadas ao modo de funcionamento das sociedades locais. Castelnau-L’Estoile chega a
uma afirmação curiosa que toca no cerne deste trabalho: “a missão é definida não mais como
um espaço geográfico mas como um espaço jurídico onde o clero tem a necessidade de
faculdades. Às faculdades do clero correspondem os privilégios dos fiéis, outro instrumento
jurídico em terra de missão”18.
Torna-se interessante o pensamento das missões como zonas jurídicas por dois
motivos: o primeiro deles é o deslocamento do ponto de vista da colonização da conquista
militar e tomada territorial para o de um horizonte jurídico capaz de fundar uma sociabilidade.
O segundo motivo toca na raiz do que se entenderia neste contexto como “jurídico”. Pois
parece que mesmo fundada em um direito cujo sentido último seria o direito divino19, o
jurídico tomado no século XVI como a criação de um ambiente de vida social capaz de
organizar e regular um horizonte de suposições razoáveis de mútua expectatividade20, o papel
exercido pelo termo “jurídico” não foi alterado desde então. O que se observa a partir do
século XVIII, de modo especial, é a tentativa de fundar o direito epistemologicamente em um
campo não religioso, ao mesmo tempo em que também se busca fazer o mesmo com a moral.
18
Idem, p. 326.
19
Fazendo-se aqui menção aos desenvolvimentos teóricos da Escola de Salamanca, com o direito natural e o ius
gentium, a partir dos conceitos de ius communicationis de Francisco de Vitoria.
20
Esta é a definição de Marcus Fabiano Gonçalves para a noção de confiança: a suposição razoável de uma
mútua expectatividade (cf. GONÇALVES, M. F.; ARRUDA, Edmundo Lima. Fundamentação ética e
hermenêutica: alternativas para o direito. Florianópolis: CESUSC, 2002). Com efeito, não seria o direito um
saber capaz de caucionar a confiança e fundamentar uma vida social e cooperativa possível? Parece-nos que sim.
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Deve-se em grande parte a Kant a configuração de uma moral alheia à religião e submetida à
Razão, bem como as noções de agir conforme os imperativos categórico e hipotético. Tais
conceitos, relacionados também aos de liberdade e autonomia, irão dar origem às noções de
autonomia e heteronomia, fundamentais à epistemologia de uma ciência do direito.
Os jesuítas são tributários de uma longa tradição orientada pela tecnologia da escrita
que vai desde a dimensão religiosa, sob o registro do hebraico até o grego dos evangelhos
sinóticos, e também pela grande tradição greco-romana, em seu aspecto filosófico e jurídico
que informou as principais estruturas de poder e de sociedade, como, por exemplo, todo o
saber que envolveu o direito civil romano, direto influenciador do direito canônico. As lutas
que envolveram a evangelização e conversão de tradições orais no Brasil, neste sentido,
seriam as mesmas em relação àquelas que ocorreram depois do fim do Império romano do
Ocidente, levadas adiante pela Igreja primitiva, em vias de se tornar um grande poder
hegemônico capaz de mobilizar o saber e a tradição ocidentais. Compreender que a
evangelização e a cristianização vai de mãos dadas com todo este saber potencial que envolve
a tecnologia da escrita é de grande importância para sustentarmos que a Companhia de Jesus
foi o primeiro grande esforço, no Brasil, de implantação efetiva de aparato jurídico, ético e,
neste sentido, político. Sem este esforço de mudança de registro e paradigma que subjaz à
evangelização, toda tomada de território resvalaria na ineficácia e na violência, como ocorreu
nos primeiros anos de colonização ibérica na América e no fracasso das capitanias
hereditárias.
Um exemplo podemos encontrar nesta mesma carta de Nóbrega, quando relata uma
pregação por intermédio de um menino língua21:
Quando viajamos nós outros da Companhia, nunca nos abandonam, e antes nos
acompanham para onde se queira, maravilhados com o que pregamos e escutando
com grande silencio.
21
Os “línguas” eram os intérpretes e tradutores. Nóbrega desde o início utiliza línguas, neste primeiro momento
crianças, para se comunicar com os índios, inclusive na confissão, o que gerou um grande atrito com a Igreja.
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Dentre outras coisas, recordo-me que por meio de um menino lingua eu lhes dizia,
uma noite em que eu pregava ao luar (não lhes podendo ensinar mais), que tivessem fé em
Jesus Christo, e que ao deitar e ao levantar o invocassem dizendo: Jesus, eu te encommendo a
minh’alma, e depois que delles me parti, andando pelos caminhos, notei a alguns que diziam
em voz alta o nome de Jesus, como lhes havia ensinado, o que me dava não pequena
consolação.
A rivalidade dos jesuítas com os feiticeiros travava-se neste contexto de uma cultura
oral que dava grande importância aos anciãos que conseguiam conservar e repetir oralmente
os saberes e as fórmulas aprendidas entre as gerações. Os padres buscavam então vencer a
eficácia simbólica dos feiticeiros (lembremos dos ritos envolvendo os maracás) através das
pregações e dos sacramentos, como a confissão e o batismo. O batismo, assim, neste primeiro
momento, apresentava este aspecto performativo e dotado de eficácia simbólica a partir da
qual se entrava na comunidade cristã depois de um rito e um conjunto de palavras proferidas.
Percebe-se neste momento um esforço já de início dos aldeamentos que pudessem
funcionar como isolamento em relação aos feiticeiros e assim também ao saber oral que
portavam e, ao mesmo tempo, como centros de instrução-alfabetização e educação nas
questões morais e religiosas.
Neste sentido, a criação de “centros de educação” estava colocada de forma
inseparável do sacramento do batismo. Tornar-se catecúmeno era um status relacionado ao
batismo:
Em duas das principais aldeias de que tem cargo, fizeram-lhe uma casa onde esteja
e ensine aos cathecumenos; em outra aldeia, tambem próximo a esta cidade22,
fizemos uma casa a modo de ermida, onde um de nós está incumbido de ensinar e
pregar aos baptisados de pouco, e a outros muitos cathecumenos, que nella vivem.
Os Principaes da terra baptisaremos em breve (...).23
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aqui, porque tudo é papel branco, e não ha que fazer outra cousa, sinão escrever á vontade
as virtudes mais necessarias e ter zelo em que seja conhecido o Creador destas suas
creaturas”24.
Essas virtudes mencionadas por Nóbrega tocam em pontos importantes da moral e
do funcionamento social dos índios. Além da já citada antropofagia, em que se encerra o
mandamento de amar o próximo como a si mesmo do Sermão da Montanha, tem-se também
a delicada questão da poligamia e de como os índios organizavam-se acerca das relações
sexuais e amorosas:
(...) outra cousa não se espera sinão que tornem á suas mulheres, que têm esperança
qme que conservem a fidelidade: porque é costume até agora entre elles não
fazerem caso do adulterio, tomarem uma mulher e deixarem outra, como bem lhes
parece e nunca tomando alguma firme. O que não praticam os outros infieis de
Africa e de outras bandas, que tomam mulher para sempre e si a abandona é mal
visto: o que não se usa aqui, mas ter as mulheres simplesmente como concubinas.25
Tal questão naquele momento era crucial e toca de alguma maneira em todos os
seguintes pontos: religião, moral, subjetividade, direito, política, família e sociedade. A Igreja
era a responsável por ministrar os sacramentos que organizavam a vida seja do indivíduo, seja
da família cristã: está-se aqui falando de batismo e casamento. Ao mesmo tempo, a noção de
indivíduo que possui um nome e uma história de vida toca no ponto da tradição e da
transferência geracional e simbólica do nome de família: aspectos que se incorporam na
história social e individual daqueles que se assujeitam a tal ordem simbólica.
Estava, portanto, em jogo na conversão a mudança de paradigma segundo o qual os
índios organizavam sua vida social: a maneira como se nomeavam, como se entendiam como
sujeitos e partícipes da sociedade. Sabe-se que no rito antropofágico o nome do executado era
incorporado pelo que o matava. Com a interdição à poligamia e concubinato, estava-se em
busca de um horizonte social e moral em que se pudesse fundar um sistema de parentesco,
com suas possibilidades e proibições, à moda europeia: famílias fundadas por e centradas no
leito matrimonial monogâmico; um sistema social e moral que produzisse vergonha e culpa
àqueles que transgredissem suas normas: aí comparece o sacramento da confissão, para que as
culpas possam ser ouvidas e examinadas antes que o ato se possa produzir, ou expiadas após
sua execução. Mais uma vez, trata-se de examinar os atos individuais em uma história de
24
Idem, p. 94.
25
Idem, p. 93.
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vida; uma implicação narrativa de um indivíduo em relação aos atos cometidos na história
narrada; enfim, a produção de um sujeito que se pensa enquanto tal.
REFERÊNCIAS
HANSEN, João Adolfo. Manuel da Nóbrega. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
NÓBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 1988.
PROSPERI, Adriano. Il Concilio di Trento: una introduzione storica. Torino: Giulio Einaudi, 2001.
936
XENOFOBIA PARA ALÉM DA MORAL
RESUMO
O discurso e as condutas xenofóbicas alcançam cada vez com mais força as sociedades democráticas
ocidentais, trazendo consigo a reação de pessoas que se indignam e rejeitam tal comportamento. No
entanto, ainda que não se deva descartar o conteúdo moral das motivações da xenofobia, há outros
elementos a ele anteriores que na academia, em especial nas áreas de ciências humanas, costumam não
receber a devida atenção, e geralmente sequer são tomados em consideração aos estudos migratórios.
Com base em obra recente do primatologista Robert Sapolsky, apresento estudos de neurologia que
remetem à compreensão da empatia, da compaixão e da repulsa. Este trabalho repercute uma parte da
pesquisa realizada para elaboração de dissertação de mestrado, cujo problema principal foi a questão da
integração do estrangeiro aos esquemas normativos sociais e jurídicos da sociedade de recebimento.
ABSTRACT
Xenophobic discourse and behavior increasingly reaches Western democratic societies, bringing with
them the reaction of people who are outraged and reject such behavior. However, although the moral
content of the motivations of xenophobia should not be discarded, there are other elements to it that in
academia, especially in the human sciences, are not given due attention, and are generally not even
taken into account in migration studies. Based on the recent work of the primatologist Robert Sapolsky,
I present studies of neurology that refer to the understanding of empathy, compassion and repulsion.
This work reflects a part of the research carried out for the elaboration of a master's dissertation,
which main problem was the integration of the foreigner to the normative social and legal schemes of
the receiving society.
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INTRODUÇÃO
O medo das invasões bárbaras há muito tempo não mais se funda no pavor da
chegada da guerra e aniquilação. Em outros tempos, pessoas que se comunicavam em
idiomas diferentes do falado no país e pessoas provenientes de etnias e culturas diferentes
geralmente eram apenas invasores ou mercadores. Naturalmente as pessoas temiam o
estrangeiro, o hostis. Esse temor não mais faz sentido, porém a xenofobia ainda existe.
Nos dias atuais, muitas palavras que se reportam a conceitos vêm sendo utilizadas
como porretes orais, sempre dispostos a nocautear argumentos discordantes, e geralmente
atacando o interlocutor e não o conteúdo do argumento. Vivendo em tempos de imensos
fluxos migratórios, a palavra xenofobia está entre as que mais repercutem. Porém, xenofobia,
assim como grande parte das demais palavras, não é propriamente insulto, mas conceito
elaborado para designar um fenômeno específico.
No plano do direito e da legislação brasileira, a xenofobia pode ser encontrada na
Lei 7.716 de 1989, ainda que implicitamente, pois há punição a certas condutas que abusam
da discriminação de “raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, e na Lei de
Migração1, que prevê que “(n)inguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça,
religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política”. Esta lei, ainda recente
no ordenamento jurídico brasileiro, dispõe ainda que o “repúdio e prevenção à xenofobia, ao
racismo e a quaisquer formas de discriminação” é um dos princípios da política migratória
brasileira, apesar de deixar em aberto a definição de xenofobia.
A abstração em torno do tema dificulta o investimento em soluções, pois presume
que ter ou não ter atitude xenófoba é fruto de uma opção moral por conduzir-se pelo caminho
do mal ou do bem. Essa linha de pensamento não é descartável e tem mérito somente a partir
de um processo de autoconhecimento coletivo da sociedade e de um aprofundamento a
teorias do bem. Não seguirei aqui esse percurso, por maior que seja meu fascínio pelo tema.
Além disso, como bem resumiu Peter Singer, “(d)escobrir que alguma forma de
comportamento tem uma base biológica não justifica aquele tipo de comportamento”
(SINGER, 2011, p. 150), apenas nos permite compreendê-lo melhor.
1
Lei 13.445 de 2017.
938
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1. A REJEIÇÃO DO ‘NÃO-EU’
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e dele captura apenas as demandas que lhe alcançaram cognitivamente a partir das lentes pré-
compreensivas subjetivas moldadas por suas experiências de vida.
Adotar uma posição difere de ter preconceito. A posição exige um “encargo
argumentativo de fundamentação e justificação”5, respeitadas as capacidades para liberdade
argumentativa – aceitação ou rejeição do argumento com base na razão6 – , ainda que haja
discordâncias de bases axiológicas. Os preconceitos são o contrário da tomada de posição7:
Trata-se daquilo que, justamente por não se revelar ou não se assumir enquanto
posição, só pode ser presumido e conjecturado segundo os rumores ou efeitos que
produz ou deixa como resultado. Um preconceito estabelece distinções
interpretativas, porém sem arcar com o custo de suas justificações. (ARRUDA
JUNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 257)
5
(ARRUDA JUNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 257).
6
(BENHABIB, 2004).
7
(ARRUDA JUNIOR e GONÇALVES, 2002)
8
(ARRUDA JUNIOR e GONÇALVES, 2002).
9
(ARRUDA JUNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 259).
10
(ARRUDA JUNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 259).
940
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Betts e Collier afirmaram em sua mais recente obra, que não sentir compaixão por
quem precisa ser salvo de algo seria uma conduta sociopata11. Essa generalização me parece
improdutiva e não dá conta do problema da rejeição a imigrantes, o que vulgarmente
generalizamos como xenofobia, o medo do estranho12 (do xenos) ou de estrangeiros. Que
mecanismos despertam essa rejeição, que muitas vezes sobrepõe fortes valores, como
compaixão e hospitalidade, e anula a empatia?
11
(BETTS e COLLIER, 2017, p. 103).
12
Ainda que xenos, do grego antigo, não se traduza como estrangeiro, mas como alguém que faz parte do pacto
xenía, a palavra veio a ser empregada como prefixo de xenofobia com o sentido de “sujeito incomum”. No grego
contemporâneo, xenos é traduzido como desconhecido. A palavra estranho melhor seria traduzida por paráxenos
(παράξενος). Logo, xenofobia não necessariamente designa o medo de estrangeiros ou ao repúdio a outras
nacionalidades ou etnias (algo fácil de se confundir em francês – étrange e étranger), mas o medo ou repúdio ao
desconhecido, ao estranho, ao incomum.
13
Segundo Sapolsky, ao alcançar a idade adulta, a empatia se dá através de um processo envolvendo um circuito,
que inclui o CAC, a amígdala cerebral e a ínsula.
14
(SAPOLSKY, 2017).
15
(SAPOLSKY, 2017).
16
(SAPOLSKY, 2017, p. 360).
941
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17
(SAPOLSKY, 2017).
18
(SAPOLSKY, 2017).
19
(SAPOLSKY, 2017).
20
(SAPOLSKY, 2017).
21
(SAPOLSKY, 2017, p. 361).
22
(SAPOLSKY, 2017).
942
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(...) nós temos uma resposta sensorimotor mais forte em nossas mãos quando a mão
que vemos sendo espetada com uma agulha é de nossa raça; quanto mais forte for o
viés implícito de grupo-de-dentro do indivíduo, mais forte é seu efeito. Enquanto
isso, outros estudos demonstram que quanto mais forte for a discrepância em
padrões de ativação neural enquanto se observa uma pessoa do grupo-de-dentro que
sofre versus uma do grupo-de-fora, menores são as chances de ajudar a última.
(SAPOLSKY, 2017, p. 362)
23
(SAPOLSKY, 2017).
24
(SAPOLSKY, 2017).
25
(CAGGIANO e colab., 1996; DI PELLEGRINO e colab., 1992; FOGASSI e colab., 1992).
26
(SAPOLSKY, 2017).
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27
(IACOBONI e colab., 2005).
28
Os neurônios "executivos" no córtex pré-frontal decidem algo, passando a notícia para o resto do córtex frontal
logo atrás dele. Que envia projeções para o córtex pré-motor logo atrás dele. Que envia projeções um passo para
trás, para o córtex motor, que então envia comandos aos músculos. Assim, o córtex pré-motor abrange a divisão
entre pensar e realizar um movimento. (SAPOLSKY, 2017, p. 364)
29
(SAPOLSKY, 2017).
30
(SAPOLSKY, 2017, p. 364).
31
(IACOBONI e colab., 2005, p. 530).
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entender as intenções dos outros enquanto se observa as suas ações têm um longo caminho
pela frente32. Além disso, após mais de duas décadas da descoberta dos neurônios-espelhos
por Giacomo Rizzolatti e Vittorio Gallese e a sua associação ao desenvolvimento de estados
empáticos (o que faz sentido, pois a replicação de um sentimento pela observação é a sua
característica), nos últimos anos surgiram dúvidas quanto ao grau de importância deles no
sistema empático, que envolve uma série de outras áreas do córtex, incluindo críticas à
centralidade sobre cognição dada ao sistema motor33.
Feitas todas as últimas considerações sobre neurociência, ainda que não haja
participação dos neurônios-espelho no sistema empático, ou que haja pouca, este sistema
funciona a partir de acionamentos automáticos e cognições ditando o grau de envolvimento
emocional de um indivíduo com uma forte emoção de outrem, um forte sentimento.
Há uma questão mais profunda sobre o processamento de valores que tomaria muito
tempo neste trabalho, que, malgrado pisar neste e em outros campos epistemológicos de alta
complexidade, não se propõe a neles aprofundar-se. O que desejo aqui, com o máximo de
cuidado dentro dos limites da proposta, é repercutir pontos essenciais – cuja contumaz
ausência nos estudos migratórios impossibilita uma visão holística do fenômeno – para
compreender as razões pelas quais uma mesma situação vivida por pessoas é observada e
interpretada de formas diferentes por outras, despertando, em diversos graus e em diferentes
pessoas, sentimentos de compaixão, indiferença e repulsa pelo outro. Seria possível afirmar
que a prévia adesão a um ou outro sistema moral influencia na automática ativação do sistema
empático e na produção da reação por ele ornamentada? Ou estamos fadados ao
determinismo biológico?
A intenção é responder por que motivos um italiano residente ao sul da península
tem uma reação empática a migrantes diversa de um alemão ao norte do continente. O mesmo
ocorre entre nacionais do Reino Unido residentes em Londres e York, ou americanos da
cidade de Nova Iorque e do interior do Wyoming.
32
(IACOBONI e colab., 2005).
33
(HICKOK, 2014; SAPOLSKY, 2017).
945
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34
(SAPOLSKY, 2017).
35
(TWENGE e colab., 2007).
36
(MARTIN e colab., 2015).
37
(SAPOLSKY, 2017).
38
(SAPOLSKY, 2017).
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comportamento empático (com foco total em sentir o sofrimento de alguém que experimente
angústia) e comportamento compassivo (com foco total no sentimento de acolhimento e
cuidado ao comiserado)39. O empático demonstra maior ativação da amídala cerebral e um
estado negativo de ansiedade40. O compassivo demonstra não despertar a amídala, ativando
fortemente elementos de cognição (córtex dorsolateral pré-frontal) atuando em conjunto com
regiões dopaminérgicas, gerando emoções mais positivas e maior tendência a
comportamentos pró-sociais41.
A adequação positivista da situação de cada indivíduo ou grupo de indivíduos em
deslocamento sob o manto protetivo jurídico-conceitual do refúgio geralmente influencia a
decisão do intérprete, talvez pela mesma razão que tendemos a consolar vítimas e não
agressores. Presumimos serem estas pessoas vítimas das circunstâncias e merecedoras de
compaixão e caridade. Porém, quando se não mais enxerga essa aura de miserabilidade da
vítima, seja porque a situação individual não é (pelo sujeito intérprete) julgada enquadrar-se
como refúgio, ou porque se há uma noção genérica de que ser refugiado não mais o torna
presumidamente uma vítima, ou ainda, quando surge uma ideia de que o refugiado ou o
migrante econômico, ainda que reconhecidamente vítima das condições difíceis em sua terra
natal, na Europa passaria a ser um possível agressor, a interpretação subjetiva da situação
realizada no âmbito da produção de um estado empático pode tomar uma série de caminhos
que genericamente, nos tempos atuais, são prematuramente enquadrados como xenofóbicos.
Além do sentimento de compaixão, podem surgir a indiferença e a repulsa. Logo, se
podemos dizer que hostilidade é o alter ego da hospitalidade, a xenofobia é, portanto, o alter
ego da empatia.
Em 2007 foi publicada uma pesquisa que pode ser importante para aqueles que,
como eu, nutrem esperança após estes parágrafos, que podem parecer um tanto duros e
alinhados com um determinismo aparentemente inultrapassável. Compreender os fenômenos
o mais desenviesadamente possível é o único caminho para se pensar em soluções factíveis, e
o resultado alcançado pode parecer desanimador, mas é dele que as alternativas realistas
surgem.
39
(RICARD e colab., 2014; SAPOLSKY, 2017).
40
(SAPOLSKY, 2017).
41
(SAPOLSKY, 2017).
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Tendo isso em mente, me deparei com a pesquisa realizada por Caroline Catmur e
sua equipe do Departamento de Psicologia da University College London, que estudou o
“sistema espelho” com o objetivo, entre outros, de descobrir se o espelhamento de ações
acontece de forma fixa ou pode reprogramado.
Catmur e equipe descobriram, não apenas que o sistema espelho, após regularmente
adquirido em certa idade, pode ser reprogramado ao nível neurofisiológio por aprendizado
sensorimotor (observação-execução de ações), bem como que suas propriedades não são
inteiramente inatas, e que ele é ao mesmo tempo produto e processo de interações sociais42.
Essa pesquisa pouco tem a dizer sobre a reprodução de um sentimento alheio em si,
mas ela indica ao menos não ser impossível a reprogramação após a fixação. Tendo o estudo
apenas se concentrado no espelhamento de uso dos dedos das mãos, se é possível remodular o
espelhamento de reações emotivas, ainda que tenha aberto a possibilidade, isso não ficou
claro.
Retomando o raciocínio do início, a xenofobia ocorre quando há uma repulsa
injustificável ou sem fundamento racional aceitável enquanto ainda que reprovável,
caracterizada pelo preconceito. Há, ainda que possa não parecer, ativação significante do
sistema cognitivo. Mas ela pode se manifestar automaticamente ao se interpretar fenômenos,
ou seja, sem envolver muita cognição. Isso aconteceu em um curiosíssimo caso
hollywoodiano.
Durante as filmagens do cânone do cinema Planeta dos Macacos de 1968, os atores
utilizando maquiagem e fantasia foram divididos em três grupos: chimpanzés, gorilas e
orangotangos. De modo que durante as refeições eles preservassem o duro trabalho de
transformação em primatas, um bufê especial foi organizado onde os “humanos” não
entravam. Peculiarmente, as três espécies jamais se misturavam ou se sentavam juntas. E
todos eles praticamente não se relacionavam com os humanos fora do set de filmagens. Eles
se auto segregavam. Havia, sim, certas regras, como a proibição dos fantasiados de deixar o
set durante o dia de gravações, e havia segredo total na produção, mas não havia regras contra
o relacionamento social.
Kim Hunter, que interpretou a Doutora Zira, um chimpanzé, afirmou que “foi uma
questão de se aproximar com quem entendia o que você estava passando”43. De fato, os atores
42
(CATMUR e colab., 2007).
43
(HOFSTEDE, 2001, p. 13).
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acordavam as cinco horas da manhã e começavam o dia com fatigantes três horas e meia de
sessão de colocação da fantasia e maquiagem. Não podiam se coçar ou espirrar, e comer era
complicado44. Hunter era muito amiga do ator Maurice Evans45, que estava no elenco, porém
raramente se comunicavam, pois estavam em grupos símios diferentes – Evans era um
orangotango.
O longo e diário processo de transformação física auxiliava na transformação mental
necessária para que os atores entrassem no papel de símios. Eles se esforçavam para acreditar
que eram verdadeiros chimpanzés, gorilas e orangotangos. Hunter investia com tanto esmero
que chegou ao ponto de ter seu pior pesadelo da vida durante um cochilo em um intervalo de
filmagens. Ela dormiu com a maquiagem e sonhou ter de fato o rosto de um chimpanzé e não
conseguia ver se o resto de seu corpo havia também se transformado em símio 46. Maurice
Evans revelou que “assim que toda essa maquiagem é aplicada, a pessoa, como ocorreu, entra
na pele do papel47” (CLARKE, 1972, p. 30).
Conforme se depreende do exposto até o momento, diversas forças externas às
adesões a agrupamentos axiológicos também interferem na repulsa aos diferentes, e que
podem ter influência no despertar de preconceitos, que são as atitudes negativas infundadas,
ou insuficientemente fundamentadas, a pessoas que se subjetivamente julgue compor o grupo
dos eles. Um último elemento que apresento que sustenta esse argumento, entre vários outros,
pode ser demonstrado por uma pesquisa publicada em 200948 que concluiu que mulheres
brancas em período de ovulação têm mais negativa atitude em relação a homens afro-
americanos. Isso ocorre porque, quando mulheres estão ovulando, certas áreas do córtex
cerebral reagem com mais intensidade a rostos, principalmente masculinos, tendo os
hormônios influência na formação dos grupos nós e eles.
Como afirma Sapolsky, “(n)ossos sentimentos sobre eles podem ser moldados por
forças subterrâneas que sequer temos ideia”49. E “ter ideia” deles, ou ao menos termos
consciência de que há fatores desconhecidos atuando, é crucial para compreendermos melhor
os fenômenos da hospitalidade, da compaixão e da xenofobia.
44
Comida líquida, tipo papinha para bebês (HOFSTEDE, 2001).
45
Dr. Zaius.
46
(CLARKE, 1972).
47
A expressão get into the skin em inglês remete a “sentir o que o outro sente”.
48
(NAVARRETE e colab., 2009).
49
(SAPOLSKY, 2017, p. 279).
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CONSIDERAÇÔES FINAIS
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Isso quer dizer que é preciso explorar além do espaço conhecido, ao menos para que
não se abra lacunas à ignorância de elementos importantes às questões estudadas, como, no
caso deste trabalho, as migrações, nos permitindo, assim, tocar o outrora desconhecido. Este
trabalho não tem a presunção de inovar no campo da neurologia, tampouco no da moral, mas
o desejo de iluminar o caminho dos estudos migratórios e recordar que o conhecimento não se
encerra nas barreiras que construímos, ainda que elas existam para facilitar a aquisição de
conhecimento.
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952
IMPEACHMENT NA CONVERGÊNCIA ENTRE DIREITO,
MORAL E POLÍTICA À LUZ DA TEORIA INSTITUCIONALISTA
DE NEIL MACCORMICK
RESUMO
ABSTRACT
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INTRODUÇÃO
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um conjunto de expectativas sociais mais ou menos parecidas, às quais pode ser imputada
uma gama de ações praticadas pelos participantes, em uma convergência interpretativa
explicitada por atitudes. Vejamos como decompõem-se tais expectativas comungadas pelo
prisma eminentemente jurídico e as incorporações e processamentos que o Direito faz das
emanações advindas da moral e da política.
2.1. O DIREITO
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2.2. A MORAL
2.3. A POLÍTICA
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provenientes das mais diversas origens e formações pessoais, o que é próprio e basilar do
princípio democrático – a possibilidade de qualquer cidadão ser eleito, sem credenciais mais
rígidas –, 3) atendidos os princípios-garantia da ampla defesa e do contraditório e demais
regras e garantias processuais previstas na lei.
Não obstante, em um contexto de alta complexidade social e crescente
distanciamento entre os clamores e humores populares, de um lado, e a capacidade de
decomposição e oferta por parte dos representantes democraticamente eleitos, de outro,
verifica-se uma dissociação entre a formação de interpretações condensadas em decisões que
espelhem as percepções e desideratos sociais depositados no voto e renovados
conjunturalmente na execução dos mandatos eletivos. O sentimento e experiência geral é o de
que os representantes, umas vez eleitos, não falam e agem em nome e nos interesses de seus
representados, e sim de que estariam encastelados no parlamento, em nebulosos
procedimentos, negociações e respectivos jogos de poder. No caso brasileiro, em que a
eleição de parlamentares é pelo voto proporcional, ademais, os cidadãos não tem um
reconhecimento ou identificação com determinado deputado ou senador, que figuram como
uma massa indivisa no Congresso Nacional, e a quem não se sabe como recorrer e cobrar suas
expectativas.
Esse quadro de desagregação cívico-política, de crise de legitimidade democrática,
remete e esgota ao momento das urnas e aos procedimentos eleitorais renovados a cada quatro
anos, o depósito da legitimidade democrática para a investidura e exercício dos mandatos,
mas sem a correspondente expectação quanto às medidas e políticas públicas, principalmente
estruturais, insertas em um projeto de governo e de nação, que seriam postas em prática
durante a vigência da legislatura. A própria noção de legislatura dissolve-se quando não se
tem uma renovação dos quadros políticos eleitos e mesmo dentro dos novos partidos, que são
formados por transferências de nomes da antiga para a nova sigla.
De fato, a engenharia constitucional, nos moldes em que foi importada da matriz
norte-americana, propicia essa separação e isolamento entre representantes e representados
para além do voto proporcional. Perquirindo sobre a lógica desse modelo de disposição e
organização do poder, expressa nos artigos de O Federalista e que serviu de base para a
confecção das constituições da quase totalidade dos países latino-americanos, Roberto
Gargarella (2009) elucida que a ideia de representação dos pais fundadores dos Estados
Unidos, está estreitamente vinculada ao governo de alguns poucos capazes e ilustrados.
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A engenharia constitucional criada à época e reproduzida até hoje procura com êxito
garantir interesses contramajoritários e o exercício da representação a salvo ou infensa às
demandas de maiorias naturalmente orientadas pelas paixões e não pela razão, a qual apenas
floresceria se os governantes credenciados ostentassem um distanciamento do eleitorado.
Dispositivos variados são apontados para a concretização desse escopo, como mandatos
dilatados, a exemplo dos senadores brasileiros, foro privilegiado e imunidades parlamentares.
O impeachment se enquadra nessa lógica.
Mais que isso, na análise do impeachment de um chefe de Estado e governo como
mecanismo de resolução de instabilidades políticas, procedimentalmente viabilizado pelo
direito, mas resolvido exclusivamente na seara política, ainda que seja um evento
extraordinário na ordem constitucional, aprofunda a situação de crise de representação se se
considera que, em países presidencialistas, há uma forte tendência ao culto da personalidade
do presidente, essa figura unipessoal e de identificação imediata, eleito diretamente pelo povo
(BONAVIDES, 1974).
Some-se a isso, um histórico que reforça esse reconhecimento e aproximação do
eleitorado ao chefe do Poder Executivo em países como o Brasil, cuja aquisição de direitos de
cidadania não teria seguido a ordem lógica da Revolução Francesa dos direitos de liberdade,
igualdade e solidariedade (MARSHALL, 1967), em que os direitos sociais foram sendo
conquistados não como o encadeamento de uma luta e conquista sequencial 1) pelas
liberdades civis, salvaguardados pelo Poder Judiciário, 2) pelos direitos políticos na influência
ou ascensão ao Poder Legislativo, via movimentos sindicais e ampliação e franqueamento dos
critérios de habilitação para votar e ser votado, e, por fim, 3) pela conquista de direitos sociais
levados a efeito pelas políticas públicas do Poder Executivo, como desdobramento da etapa
anterior.
Ao contrário, teria seguido a ordem inversa (CARVALHO, 2010), desenvolvendo-
se pela concessão de direitos sociais, sobretudo trabalhistas e previdenciários, por um
Executivo que traz para si, organizando, financiando e fiscalizando, dentro da administração
estatal, a estrutura sindical, em que o sindicato e organizações da sociedade civil exercerão ao
invés do papel de centro de mobilizações e demandas combativas, o de negociador e
mediador entre Estado e os seguimentos da população por ele representados.
A cena que se descortina no impeachment especificamente opõe, assim, de um lado,
um parlamento que, quando na eventualidade de decidir orientado pela opinião da maioria ou,
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antes, pela coincidente confluência de seus interesses com os de uma ampla maioria, não age
e não é reconhecidamente identificado como agindo em nome do povo (a conquista é deste,
sem intermediários); a um presidente que, dado o alto nível de personificação dos regimes
presidencialistas e a construção pública e publicitária que se irá construir em torno de sua
imagem e percepção social do cometimento de crimes de responsabilidade e as
discursividades e narrativas daí advindas, irá coligir desde as mais ferrenhas campanhas pró
ou contra sua manutenção no exercício do poder até a total apatia e indiferença sociais (que
resolvam os políticos entre si os seus problemas, já que efetivamente não representam os
cidadãos).
Em outros termos, o funcionamento e funcionalidade do instituto do impedimento é
algo que só se verificado ao sabor de complexas conjunturas e como pretexto jurídico-
procedimental legitimador de uma finalidade, não meio ou mecanismo de solução de
mandatos presidenciais de políticos apurados e julgados como indignos de exercer a alta
função de chefe do Executivo.
Não por outro motivo, Bruce Ackerman (2009) propôs uma revisão da separação
dos poderes segundo a formulação de sua teoria da democracia dualista, que distingue a
política extraordinária, correspondente aos momentos de intensa manifestação da cidadania
em contextos de grande mobilização cívica; da política ordinária, que se realiza
cotidianamente por meio das deliberações de órgãos de representação popular. Tem-se, assim,
dois instantes de mobilização política da cidadania.
Na teoria dualista, que se debruça justamente sobre os problemas de crise de
representação das democracias modernas, os eleitos, sob a fiscalização das cortes,
determinarão os conteúdos constitucionais rotineiros por meio da edição de leis ordinárias
(normal lawmaking) e, em situações excepcionais, fá-lo-ão por meio da intervenção mais
intensa do povo, que, inclusive de maneira direta pela realização de referendos regulares,
conferirá legitimidade democrática extraordinária a seus representantes para que possam
editar normas constitucionais originárias ou derivadas, superando obstáculos eventualmente
impostos pelas instituições que se destinam a preservar a integridade da ordem constitucional
vigente (higher lawmaking).
Transpondo-se esta teoria para o presente objeto de estudo, tem-se que o
impeachment constitui procedimento judicante exercido pelo Poder Legislativo em função
não típica, portanto não se trataria propriamente da edição de normas, mas de um julgamento
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CONCLUSÕES
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intr.). São Paulo: Ed. 34, 2002.
968
Grupo de Trabalho 14
HERMENÊUTICA,
PROCESSO E TEORIA DA
DECISÃO
cmlxix
LEI OU JUSTIÇA:
UMA ANÁLISE ETNOMETODOLÓGICA
DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS I E II DA COMARCA
DE VOLTA REDONDA
MIRANDA, Napoleão
Professor do PPGSD-UFF
SEIXAS, Marcus Wagner de
Doutorando do PPGSD-UFF
MARCHI, Amanda Aguado
Aluna de Graduação de Direito na UFF/VR
RESUMO
A Lei n° 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, trouxe como um de seus
grandes escopos a promoção da conciliação. Para fins de sua observância prática, foram escolhidos os
Juizados Especiais Cíveis da Comarca de Volta Redonda I e II como objeto de estudo. Em fase inicial
da pesquisa, foi constatado que o número de acordos é praticamente igual ao número de sentenças
proferidas. A fim de investigar os fatores responsáveis pelo baixo número de acordos nestes JECs, foi
utilizada a etnometodologia. Formulou-se a hipótese de que um juiz mais rígido com relação à
aplicação da Lei (em especial a Lei 8.078/90) desestimula a apresentação de propostas de acordo por
parte dos reclamados; enquanto um outro Juiz mais propenso em buscar o justo entre as partes,
acabaria por estimular indiretamente a busca do consenso na fase prévia de análise do mérito. Todavia,
os resultados encontrados apontaram para um tema extremamente discutido no cenário atual: o
ativismo judicial.
ABSTRACT
The Law No. 9.099 / 95, which created the Special Civil and Criminal Courts, has brought conciliation
as one of its great scopes. For the purpose of its practical observance, the Special Civil Courts of the
District of Volta Redonda I and II were chosen as object of study. In the initial phase of the research, it
was found that the number of agreements is practically the same as the number of sentences handed
down. In order to investigate the factors responsible for the low number of agreements in these JECs,
ethnomethodology was used. It was hypothesized that a more rigid judge with respect to the
application of the Law (in particular Law 8.078/90) discourages the presentation of proposals of
agreement on the part of the claimed ones; while another Judge more prone to seek the fair between
the parties, would eventually indirectly stimulate the search for consensus in the previous phase of
merit analysis. However, the results found point to an extremely discussed topic in the current
scenario: the judicial activism.
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INTRODUÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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de forma imparcial e justa. Esse poder se estende ainda aos conflitos entre os particulares e o
próprio Estado, ou seja, a pacificação é o escopo da jurisdição.
Porém, esse poder-dever que o Estado possui de pacificação social, nem sempre é
feito da forma mais eficiente e célere, uma vez que os processos em nosso país são morosos
(por diversos motivos) e possuem um alto custo financeiro para que sejam concluídos. Diante
dessas dificuldades, surgem meios alternativos, por parte do Estado, como forma de resolução
dos conflitos, tais como, a conciliação , a mediação e o arbitramento.
A idéia de conciliação está presente em nosso ordenamento desde a Constituição
Imperial brasileira, contudo, somente a partir da Constituição de 1988 ela passa a ser
entendida como meio eficaz de pacificação social e resolução de conflitos.
Com o novo Código de Processo Civil, as técnicas autocompositivas adquiriram
ainda maior relevância, porquanto logo no §2° do artigo 2 está prevista a promoção da
solução consensual dos conflitos pelo Estado sempre que possível, e no §3° do mesmo artigo
está estabelecido que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”
Ao incluir os supracitados dispositivos no capitulo das normas fundamentais do
processo civil, o legislador colocou como escopo a utilização de métodos consensuais de
solução de conflitos, ao invés do antigo modelo heterônomo de decisão.
Estes métodos já eram priorizados em algumas leis, tais como a Lei nº. 10.259 de
2001, que estabeleceu os Juizados Especiais Federais, e a Lei nº. 12.153 de 2009, que criou os
Juizados Especiais da Fazenda pública.
Neste mesmo sentido, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais foram criados pelo
artigo n° 98, inciso I, da Constituição Federal e disciplinados pela lei Federal nº. 9.099 de 26
de Setembro de 1995. Eles são competentes para a conciliação, mediação, o julgamento e a
execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo.
Segundo a Lei nº. 9.099 de 1995, a postura do conciliador deve ser tranqüila e
respeitosa. Conciliador é um profissional que através de técnicas autocompositivas facilita o
diálogo entre as partes e estimula a buscar soluções compatíveis com os interesses em jogo.
Ao mesmo tempo, o artigo 2 da referida lei exige que o princípio da informalidade reja as
atividades do Juizado Especial Cível.
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2. METODOLOGIA:
Conceito Conteúdo
Prática / Indica a experiência e a realização da prática dos membros de um grupo em
Realização seu contexto cotidiano, ou seja, é preciso compartilhar desse cotidiano e do
contexto para que seja possível a compreensão das práticas do grupo.
Indicialidade Refere-se a todas as circunstâncias que uma palavra carrega em uma situação.
Tal termo é adotado da linguística e denota que, ao mesmo tempo, em que
uma palavra tem um significado, de algum modo “genérico”, esta mesma
palavra possui significação distinta em situações particulares, assim, a sua
compreensão, em alguns casos, necessita que as pessoas busquem
informações adicionais que vão além do simples entendimento genérico da
palavra. Trata-se da linguagem em uso.
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Tabela 2 - Fonte: elaborado por BISPO, Marcelo de Souza, com base em Coulon (2005), Garfinkel
(2006) e Heritage (1987).
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
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3.1. 2013
3.2. 2014
I JEC II JEC
Empresas mais N° processos Empresas mais N° processos
demandadas demandadas
1ª OI 112 PROCESSOS 1ª OI 138 PROCESSOS
2ª SANTANDER 70 PROCESSOS 2ª SANTADER 100 PROCESSOS
3ª BRADESCO 57 PROCESSOS 3ª ITAÚ 99 PROCESSOS
4ª ITAÚ 50 PROCESSOS 4ª VIVO 93 PROCESSOS
5ª CLARO 24 PROCESSOS 5ª BRADESCO 70 PROCESSOS
Total de Processos no 848 PROCESSOS Total de Processos no 1.611 PROCESSOS
Juizado no período Juizado no período
avaliado avaliado
RESOLUÇÃO DA LIDE EM:
Média Média em Média Média em
numérica Valores numérica Valores
ACORDO 104 R$ 561,63 ACORDO 162 R$ 134.64
CONDENAÇÃO 108 R$ 303,03 CONDENAÇÃO 142 R$ 216,48
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presente em nosso país, que somada à falta de informação sobre seus direitos dos cidadãos
leva-os a pensar que aceitar um acordo consiste em dar razão à outra parte.
Outro fator dificultador da obtenção do acordo é a pequena flexibilidade e
autonomia dos advogados contratados pelas grandes empresas investigadas nessa pesquisa,
que recebem as instruções do teto a que poderá chegar o acordo e a elas estão presos, não
podendo tentar negociar com o autor, que tem duas opções: acatar o valor oferecido pela
empresa ou esperar pela sentença. Um exemplo é, se o advogado de determinada operadora
telefônica vem com proposta de x valor de danos morais, mas o autor, além de danos morais,
quer o cancelamento da linha telefônica; nenhum acordo será feito, pois a empresa não
instruiu o advogado a negociar o cancelamento da linha e por isso este não terá autonomia
para tanto, resignando-se as partes a esperar a sentença.
Neste sentido, em entrevista a seguir relatada, uma advogada afirmou que um dos
fatores que contribuíam para o baixo número de acordo destes JECs é a:
Ainda, uma advogada que atua para as empresas mais demandadas contou que:
(...) a gente não tem como negociar, é como falei. Vem, a empresa se organiza de
uma forma, manda aquilo para a gente e a gente segue um roteiro. Às vezes,
quando a gente pode fugir, vem um telefone, que a gente pode tentar entrar em
contato. Mas na maioria das vezes não, a gente é preso àquilo, e como que vem esse
acordo ? Quando o escritório realmente tem essa organização, ele se baseiam mais
ou menos no valor da sentença. Então por que o valor do acordo está vindo baixo,
porque a sentença é ruim. É isso que vejo aqui em Volta Redonda, acontece isso.
Por que os valores estão vindo baixos ? Porque as sentenças estão sendo muito
precárias.”
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Autônomo 50%
Sociedade 15%
Escritório 35%
Sim 70%
Não 30%
Muitos afirmaram que as sentenças dos juízes togados são melhor fundamentadas e
mais minuciosas quanto ao caso concreto. Ainda, 45% criticou a limitada autonomia dos
juízes leigos ao proferirem suas sentenças, que por serem homologadas posteriormente pelo
juiz togado, que não teve contato com as partes, reforma as que destoam muito dos seus
entendimentos, padronizando-as
Sim 50%
Não 50%
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(...) porque não tem uma punição muito grande para elas. Mil reais, o que é mil
reais para as Casas Bahia? Não é nada. Muitas das vezes eles não pagam, você tem
que entrar várias vezes pedindo penhora online. Eu particularmente estou com um
caso agora por causa de mil reais, estou pedindo a penhora online porque as Casas
Bahia não cumpriu dano moral de mil reais. Acho que um dos grandes motivos de
eles não melhorarem o atendimento deles perante o consumidor é isso, é essa falha
em cobrar isso deles, uma punição maior para que faça ser cumprida a lei.
Sim 50%
Não 50%
Sim 45%
Não 55%
Sim 15%
Não 50%
Eles têm de se ater mais à letra da lei 35%
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(...) têm que ser um pouco mais rígidos, trazer um pouco mais pro lado concreto e
não pensar só em estatística. Porque o tribunal de justiça do Rio tem uma política
que é o seguinte: achata o dano moral que é para diminuir o número de demandas.
Quando na verdade deveria talvez dar indenizações mais altas, como ocorre nos
EUA, para evitar as demandas em massa.
Outro, ainda, contou, ao fundamentar sua opinião de que as sentenças são injustas,
que “às vezes a sentença são baixas. Vai para a turma recursal e em razão do volume eles
têm uma tendência em manter as sentenças que são dadas aqui em primeiro grau.”
Desta forma, verifica-se um efeito cascata. O magistrado prioriza a não concessão
de indenização e, nos casos em que concede, a fixação de um baixo valor, com o fim de
desestimular o consumidor lesado a ingressar no judiciário buscando sua reparação. O baixo
valor ou apenas a condenação a obrigações de fazer reafirma nas empresas o comportamento
lesivo, sem investimento na melhoria dos serviços oferecidos e interesse na proposição de
acordos, porquanto a espera pela sentença retarda o pagamento, e muitas vezes as execuções
são frustradas, devido à ocultação de bens.
Aos consumidores, por fim, restam duas vias: tentar solucionar seus problemas pela
via administrativa, sem no entanto ter seus danos morais indenizados, ou ingressar no
judiciário, contando com a sorte para que sua sentença respeite minimamente seus direitos
previstos no CDC e sua execução seja bem sucedida.
Todavia, há de se fazer uma reflexão: a adoção desta postura pelo magistrado reduz,
a longo prazo, a demanda, ou a mantém, porquanto a impunidade ou baixa punitividade das
empresas reitera seu comportamento lesivo, gerando repetidos danos aos consumidores ?
Qual o real impacto destas decisões ? Não estariam apenas negando o efetivo acesso à justiça
dos consumidores, e perpetuando a alta demanda nestes JECs ?
Ainda mais: seria o direito ao acesso à justiça, previsto constitucionalmente, tão
disponível assim, a ponto de ser mitigado para melhor atender aos interesses dos magistrados,
guiados por um ativismo judicial desenfreado ?
Impera a realização desta reflexão, porquanto o acesso à justiça é um direito
fundamental, viabilizador da efetivação dos demais, que não pode operar somente no plano
formal, na mera possibilidade do ingresso em juízo, devendo buscar ao máximo o escopo
final da resolução do litígio e da pacificação social.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Portanto, insta o olhar cuidadoso às partes, a análise detida de cada caso concreto,
porquanto a padronização das sentenças não está promovendo a celeridade, tampouco
diminuindo a demanda, que mostra-se repetitiva e com soluções pouco efetivas. Urge a
atenção com a vontade do legislador, expressa recentemente no Código de Processo Civil de
2015, e a utilização dos textos legais como balizador para as decisões proferidas, de modo a
promover um formal e material acesso à justiça.
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providências.
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LUGARO, Jorge A. Marabotto Lugaro. Um derecho humano esencial: el acesso a la justicia. Anuario de Derecho
Constitucional Latinoamericano.2003.
982
TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL
NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO:
ALGUNS ARRANJOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
RESUMO
Dentre as principais inovações do Código de Processo Civil de 2015 podemos citar a gestão
cooperativa do procedimento e a democratização do processo decisório. Essas técnicas processuais
exigem, para ter eficácia na prática jurídica, uma reformulação na teoria do processo e na teoria da
decisão judicial, pois toda produção científica elaborada no período de vigência do CPC/73 tinha como
pano de fundo um modelo processual individualizante e centrado no monopólio do processo decisório
pelo juiz. Diante deste cenário, se faz necessário elaborar uma teoria da decisão judicial, que dê conta
das técnicas de democratização do processo decisório inseridas no CPC/2015. O presente artigo tem
como principal escopo refletir sobre alguns arranjos, teóricos e metodológicos, que podem contribuir
para o debate sobre a temática.
ABSTRACT
Among the main innovations of the Civil Procedure Code of 2015 we can mention the cooperative
management of the procedure and the democratization of the decision-making process. These
procedural techniques require, in order to be effective in legal practice, a reformulation of process
theory and judicial decision theory, since all scientific production elaborated during the period of CPC
/ 73 had as its background an individualized and monopoly of the decision-making process by the
judge. Given this scenario, it is necessary to elaborate a theory of judicial decision, which gives
account of the democratization techniques of the decision-making process inserted in the CPC / 2015.
The main objective of this article is to reflect on some theoretical and methodological arrangements
that can contribute to the debate on the theme.
O artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa em andamento intitulada As dimensões democratizantes do
CPC/2015 e seus impactos na cultura jurídica processual brasileira, com auxílio da Bolsa Produtividade da
Universidade Estácio de Sá. As reflexões e conceitos aqui apresentados são desdobramentos das ideias
desenvolvidas no texto Elementos para (re) construção da teoria geral da decisão judicial no Processo Civil
brasileiro publicado na Revista da Faculdade de Direito de Valença.
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INTRODUÇÃO
1
A virada metodológica mencionada no texto diz respeito ao método de julgamento e não à metodologia de
pesquisa, que será utilizada na parte final do trabalho.
2
Entendemos por estrutura dialógica de julgamento a ampliação da participação dos sujeitos processuais na
construção da decisão judicial.
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capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar
precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a
existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Destarte, o código exige uma fundamentação qualificada exigindo do julgador uma
justificação acerca da sua convicção e das questões jurídicas que foram fundamentais para o
equacionamento dado ao caso. Por outro lado, exige a adequada aplicação do sistema de
precedente determinando o dever de justificar o critério de distinção (distinguish) como
também evidenciar de forma inequívoca a ratio decidendi do precedente que melhor se ajusta
ao caso sob julgamento, conforme art. 489, §1º, V.
Essa mudança paradigmática, do ponto de vista normativo, foi bem destacada pela
escola mineira de processo civil através da seguinte passagem:
Em todos esses posicionamentos a decisão judicial é vista como ato de criação
solitária pelo magistrado; mesmo aqueles que pensam que a exigência se abriria a uma
possibilidade de um controle público da decisão.
Essa premissa equivocada agora foi corrigida normativamente pelo Novo CPC,
pois este leva a sério o atual quadro de litigiosidade massiva que impõe aos juízes e,
especialmente, aos Tribunais (em decorrência da força que a jurisprudência vem
obtendo na práxis jurídica), analisar desde a primeira vez que as questões (com
destaque para as repetitivas) com amplo debate e levando a sério todos os
argumentos para que, tais decisões e suas ratione decidendi, possam ter a dimensão
que necessitam. É dizer, ao contrário do que possa parecer a uma leitura menos
atenta, a fundamentação substancial é resposta (e não empecilho) a esse momento
no qual há que se enfrentar julgamentos em massa e formação de precedentes: um
precedente bem formado, quando amadurecida a questão, é a solução mais
consentânea com os ditames constitucionais e práticos para servir de parâmetro
para o julgamento de futuros casos sobre a mesma temática. Para isso, no entanto,
há que ser formado como resposta às questões postas, de ambos os lados do debate
(THEODORO JUNIOR; DIERLE; BAHIA E QUINAUD, 2015).
Interessante observar, por oportuno, que o art. 489, §3º do código é contundente ao
asseverar que a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os
elementos tratados no dispositivo legal estabelecendo um potente critério de justificação e
validade das sentenças tendo como eixo valorativo a fundamentação estruturada e adequada.
Essa nova perspectiva da sentença reflete no próprio conceito de interpretação das
normas de Kelsen como também redimensiona a definição de jurisdição no âmbito do
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3
Há muito se defende, em sede doutrinária, a existência de decisões interlocutórias com nítido conteúdo de
sentença como ocorre nos casos de rejeição liminar da reconvenção ou exclusão prematura de um litisconsorte. O
novo código, por sua vez, normatizou adequadamente a sentença parcial compatibilizando com um sistema
recursal que viabilize a efetividade do processo e celeridade no julgamento das demandas.
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utilizados na decisão judicial, mas que não foram fundamentais para o julgamento (obter
dicta).
Esse complexo exercício analítico deve ser levado pelo julgador nos casos
concretos, observando a fundamentação estruturada, conforme dispõe o art. 927, §1º do
CPC/2015, o que exige, para que esse sistema tenha eficácia plena, uma sólida teoria da
decisão judicial que contemple essa metodologia de julgamento. Luiz Guilherme Marinoni
(2010) e Thomas da Rosa de Bustamante (2012) envidaram esforços intelectuais, exitosos em
nosso entendimento, no sentido de estabelecer os elementos fundantes de uma teoria dos
precedentes judiciais na processualística brasileira. No entanto, com a aprovação do novo
Código de Processo Civil exsurge a necessidade de uma teoria geral da decisão judicial onde
o sistema de precedentes constitui um dos institutos.
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4
Fredie Didier e Dierle Nunes possuem importantes trabalhos neste sentido.
5
Os trabalhos sobre decisão judicial utilizam como principal referencial teórico os aportes da hermenêutica e da
filosofia do direito. A nossa proposta neste trabalho tem como principal escopo discutir a teoria da decisão judicial
utilizando, para tanto, os aportes da perspectiva sociológica da teoria democrática.
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natureza do pronunciamento judicial com o objetivo de se definir com clareza qual recurso
cabível em cada caso.
A Constituição Federal de 1988, ao expandir os direitos e garantias coletivas,
contribuiu para romper, pelo menos em parte, com esse modelo de processo e trouxe para o
Poder Judiciário o debate sobre direito das minorias étnicas, questões de gênero, direitos
humanos, populações tradicionais entre outros temas.
Em outra perspectiva, a admissão dos amici curiae na jurisdição constitucional,
sobretudo nos processos com ampla repercussão social, com o advento das Leis nº 9.868/99 e
9.882/99, foi determinante para democratização da processo decisório através da intervenção
de variados atores coletivos e entidades da sociedade civil organizada (CATHARINA, 2015).
Esse redimensionamento do processo decisório no Supremo Tribunal Federal, com destaque
para a democratização do processo decisório, pode ser identificado em diversas ações
constitucionais como ADPF 186, ADI 3239, ADC 41, ADI 4277, ADPF132, ADPF 54,
dentre várias outras.
O Poder Judiciário, neste contexto, se constitui como uma esfera pública através da
qual a sociedade civil, atores coletivos e movimentos sociais atuam para debater publicamente
suas demandas que, de alguma forma, não foram contempladas pelas instituições
democráticas tradicionais ou mesmo excluídos do projeto político dominante. Esse fenômeno
social e político, muito comum na América Latina (WOLKMER & RONCHI, 2016)
transfere para o Judiciário a dinâmica da vida democrática, que até então era restrita à
sociedade política6.
Nesta toada, o CPC/2015 estendeu as dimensões democratizantes do amicus curiae
para todas os graus de jurisdição (art. 138) como também dispôs sobre a audiência pública no
julgamento de recursos extraordinário e especial, possibilitando, pelo menos em tese, a
participação da sociedade civil na formação dos precedentes judiciais. A dimensão
democrática do processo civil e da jurisdição constitucional já foi abordada nos trabalhos de
Dierle Nunes (2008) e Catharina (2015).
Não há dúvidas de que a teoria da decisão judicial elaborada no período anterior à
Constituição Federal de 1988, marcadamente individualizante, não tem condições de
6
Importante ressaltar que não houve mudança estrutural no Poder Judiciário, enquanto instituição hierarquizada e
conservadora. Entretanto, o deslocamento das tensões da vida democrática para este espaço institucional tem sido
importante para se repensar as estratégias de atuação dos movimentos sociais e da sociedade civil no período
posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988.
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7
Essa opção decorre da constatação de que a teoria habermasiana tem como pano de fundo a Europa, cuja cultura
política diverge em boa medida da que foi aqui estabelecida.
8
O conceito de esfera pública de Habermas ainda contribui para se pensar as sociedades complexas
contemporâneas. Entretanto, o aperfeiçoamento do conceito pelos autores, ao incorporar, em certa medida, as
críticas de Nanci Fraser, em muito contribui para se pensar o Poder Judiciário na América Latina.
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político e a forma como os novos atores sociais ganham relevância na política contemporânea
(AVRITZER & COSTA, 2004).
A dialética processual nos casos com ampla repercussão social transformam o Poder
Judiciário numa importante esfera pública para democratização onde a decisão judicial
proferida retrata, em grande medida, as disputas sociais ocorridas no processo decisório. Essa
dimensão sociológica do processo civil, sobretudo no período de vigência do CPC/2015, deve
ser considerada numa teoria abrangente da decisão judicial. Por essa razão que se propõe
estabelecer, neste particular, um diálogo entre a teoria do processo e a teoria democrática
elaborada a partir da América Latina9. Esse trabalho representa um pequeno passo neste
sentido.
9
Empreendimento similar, em perspectiva diversa, já vem sendo realizado pela Escola Mineira de Processo,
capitaneada por autores como Dierle Nunes e Alexandre Bahia.
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A metodologia que nos parece mais adequada é aquela forjada nas pesquisas
realizadas no campo das ciências sociais. Um arranjo metodológico que conjugam os
elementos das pesquisas quantitativas e quantitativas permitirá ao pesquisador se aproximar
mais da realidade social objeto da pesquisa permitindo-o surpreender dados “não ditos” num
determinado processo judicial. Esse arranjo metodológico foi por nós aplicado em pesquisa
publicada no livro Movimentos sociais e a construção dos precedentes judiciais (2015).
Neste contexto, para se analisar, de forma adequada, a eficácia das normas
inovadoras do CPC/2015 em relação à decisão judicial e à democratização do processo é
imprescindível aplicar um arranjo metodológico abrangente, que conjugue investigação
qualitativa e quantitativa.
CONCLUSÃO
A principal proposta deste trabalho teve como fio condutor tornar público algumas
reflexões sobre a necessidade de uma teoria abrangente da decisão judicial que aborde as
dimensões jurídicas e sociológicas do processo civil brasileiro. A pesquisa é embrionária e
será expandida na medida em que o debate for se ampliando, tanto em sede doutrinária como
jurisprudencial.
No entanto, o atual estado da arte nos permite inferir que um estudo aprofundado no
campo da ciência processual brasileira não pode prescindir do estudo sociológico da decisão
judicial e de seus impactos no tecido social. Eis o nosso propósito.
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América Latina. Trabalho apresentado no XVIII Encontro ANPOCS, ST08, Caxambu, outubro, 2004.
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jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012.
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do caso da Comunidade Remanescente de Quilombo Pedra do Sal. Dissertação de Mestrado defendida no
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, 2007.
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dos movimentos sociais no Brasil e na Bolívia. Revista Culturas Jurídicas, Niterói, RJ, v.3, n. 6. p. 151-171,
2016.
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PERÍCIAS NAS AÇÕES DE
CONCESSÃO DE AUXILIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO:
A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIODA RAZOABILIDADE
NOS PROCESSOS JUDICIAIS
RESUMO
O estudo proposto tem por fim analisar a demora na realização das pericias medicas no âmbito
administrativo e processual. A problemática do atraso na realização da perícia médica nos casos de
concessão de auxílio doença acidentário vem causando infindáveis problemas aos segurados da
Previdência Social. No âmbito judicial Estadual a pesquisa analisou, o porquê da necessidade de
realização de duas perícias, quando já se poderia em uma única perícia de nexo causal detectar se a
incapacidade laborativa do segurado decorre de acidente de trabalho ou de doença ocupacional em
razão das atividades exercidas pelo segurado. Pois assim, teríamos uma demanda justa e célere, sem
gastos desnecessários para o Estado com a realização da 2ª perícia. Quando o Magistrado não
determina seja identificada a relação do nexo causal já na primeira perícia, isso faz com que o segurado
fique no “limbo”, pois não recebe do INSS nem do seu empregador. Devemos atentar que quando o
cidadão procura o judiciário, ele espera ter uma justiça célere, eficaz e justa já que é um direito
fundamental esculpido no artigo 5º, inciso LXXVIII, da nossa Constituição Federal. Observa-se que a
questão é de relevância para a academia, tendo em vista que causa danos não só ao segurado
individualmente, como a toda a sociedade que padece com a insegurança jurídica em situações
análogas. É fundamental um estudo sobre as viabilidades de se minimizar a demora na realização das
perícias para concessão do benefício previdenciário, bem como a real necessidade de submissão de
dois exames realizados por Perito para a comprovação do nexo de causalidade e a incapacidade.
SUMMARY
The purpose of this study is to analyze the delay in the performance of the medical examinations in the
administrative and procedural scope. The problem of the delay in performing medical expertise in the
cases of granting accidental illness aid has been causing endless problems to Social Security
policyholders. In the State judicial area, the study analyzed the reason for the need to carry out two
tests, when one could already in a single investigation of causal link detect if the incapacity of work of
the insured is due to work accident or occupational illness due to the activities performed by the
999
insured. Thus, we would have a fair and fast demand, without unnecessary expenses for the State with
the accomplishment of the 2 nd expertise. When the Magistrate does not determine that the relationship
of the causal link is already identified in the first examination, this causes the insured to remain in the
"limbo", since he does not receive from the INSS or his employer. It should be noted that when the
citizen searches for the judiciary, he expects to have speedy, effective and fair justice, since it is a
fundamental right set forth in article 5, paragraph LXXVIII, of our Federal Constitution. It is noted
that the issue is of relevance to the academy, since it causes damage not only to the insured individual,
but also to the whole society that suffers from legal uncertainty in similar situations. It is fundamental
to study the feasibility of minimizing the delay in performing the skills to grant the social security
benefit, as well as the real need to submit two exams performed by Expert to prove the causal link and
the disability.
INTRODUÇÃO
1. ORIGEM
Significava que o rei devia julgar os indivíduos conforme a lei, seguindo o devido
processo legal, e não segundo a sua vontade, até então absoluta.
Também estabelecia a Carta Magna que o rei não poderia mais criar impostos ou
alterar as leis sem antes consultar o Grande Conselho, órgão que seria integrado por
representantes do clero e da nobreza. Além disso, nenhum súdito poderia ser condenado à
prisão sem antes passar por um processo judicial.
Nas colônias inglesas da América do Norte esse princípio foi reconhecido e evoluiu
para uma posterior consagração na Constituição dos Estados Unidos. Em 12.06.1776 com a
Declaração de Direitos da Virginia, mais uma vez, se fortalecia a ideia de associação do
devido processo e da duração razoável do processo.
1
REALE JR., Miguel. Valores fundamentais da Reforma do Judiciário. Revista do Advogado. vol.24. n.75. p.78-
82. São Paulo: IASP, 2004.
2
Ruy Barbosa de Oliveira foi um extraordinário brasileiro, tendo se destacado principalmente como jurista,
político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador.
4. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Essa vem a ser a preocupação que ronda há muito os tribunais de todo o mundo. A
duração razoável do processo é um conceito vago e indeterminado, porém segue sendo o
objeto dos TEDH e dos Tribunais Constitucionais dos países europeus há mais de 30 anos.
Como também da Suprema Corte Americana, que reconhece que:
3
Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 88-89. 3.
Apesar de reafirmarmos que a razoável duração do processo é um conceito vago e
indeterminado, isso não pode importar na negatividade de efetividade ao direito até porque é
função do Judiciário interpretar conceitos vagos e indeterminados.
No entanto, a imprecisão desse conceito poderia nos levar à tentação de se entender
necessária a fixação de prazo para se verificar a razoabilidade e o tempo e, por consequência,
o descumprimento destes indicaria a violação do direito. Seria essa uma saída?
Lopes Jr.4 defende que todos têm direito de saber, antecipadamente e com precisão,
o tempo máximo de duração dum processo concerto, justificando ser inerente às regras do
jogo. É uma questão de reconhecimento de uma dimensão democrática da qual não podemos
abrir mão. Ou seja, associa-se desta forma a fixação de prazo com a própria natureza
democrática do processo.
Por outro lado, os que defendem a não fixação de prazo, o fazem embasados no fato
de que o tempo é relativo e subjetivo. Assim, quem teria melhor condição de aferi-lo ao
processo? O legislador, que deve atuar de forma genérica e abstrata ou o juiz que atua no caso
concreto?
A Comissão Interamericana de Direito Humanos (CIDH) também perfilha o
entendimento de que não é possível fixar um prazo razoável e que os Estados não estão
obrigados a prescrever um prazo fixo.
É certo que estamos tratando de um conceito vago e indeterminado. Mas, nem por
isso se pode tomar por justificativa a imprecisão do texto para se negar efetividade à norma
constitucional, consagrada também em instrumentos internacionais. Igualmente, não se pode
interpretar esse preceito arbitrariamente sem balizar-se em nenhum critério.
A parte de ser uma matéria por demais polêmica, O TEDH como também os
Tribunais Constitucionais de países europeus, buscando dar objetividade na análise da
duração razoável do processo, destaca alguns critérios. Certo é que tais critérios são
igualmente aplicáveis à realidade brasileira. São eles:
4
Aury Celso Lima Lopes Junior é um jurista gaúcho, graduado em Direito pela Fundação Universidade Federal do
Rio Grande em 1991, especialista em Direito desde 1993 e obteve seu doutorado em Direito Processual Penal pela
Universidade Complutense de Madrid em 1999.
De toda a forma, a elaboração destes critérios reflete o esforço de se buscar uma
racionalização que permita uma interpretação coerente fugindo à arbitrariedade.
É importante frisar que a importância concreta do processo para os demandantes é
um fator que deve, indubitavelmente, ser considerado pelo Judiciário na aferição de violação
do direito à duração razoável do processo.
Outro ponto importantíssimo de registro são as justificativas levantadas pelo
Judiciário pelos atrasos questionados: o acúmulo do trabalho, a falta de juízes, a legislação
deficiente, o comportamento das partes, problemas estruturais e conjunturais.
No entanto, o TEDH se mostra intransigente com tais justificativas, alegando que ao
consagrarem a Convenção, os Estados devem efetivamente cumprir seus compromissos.
Concluindo, é necessário rigor na avaliação das justificativas sob pena de se negar a
efetividade do direito ao processo em tempo razoável por deficiência estrutural do Estado que
assumiu o dever de garantir a todos este direito fundamental, seja quando depositou sua
adesão ao pacto internacional, seja quando incluiu o inciso LXXVIII do artigo 5º da
CRFB/88.
Afinal, como ensina Canotilho5, viu-se nesta fase que a pessoa não tinha apenas o
direito a um processo legal, mas, sobretudo, a um processo justo e adequado, pois o processo
devido deve ser orientado materialmente por princípio de justiça. Não pode o legislador criar
qualquer procedimento para conduzir as pessoas à privação da liberdade e de outros valores.
Por tal razão passou-se a exigir que o processo seja justo, pautado nos valores e
critérios materiais fixados na Constituição. Isso deve ocorrer desde a criação legislativa e os
Juízes, baseados em princípios constitucionais de justiça, poderiam e deveriam analisar os
requisitos intrínsecos da lei, daí o surgimento do judicial review of legislation.
5
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. P.
492-494.
preliminar e geral sobre os limites da responsabilidade do Estado por dano decorrente da
prestação jurisdicional, o que vale ressaltar que dificilmente em nosso ordenamento jurídico
se encontrará tema de maior contraste.
E, por outro lado, a questão da responsabilidade do Estado por comportamentos
omissivos dos seus agentes, que resultam na demora na prestação jurisdicional. A regra geral
na matéria, segundo a jurisprudência amplamente majoritária, é a responsabilidade pessoal do
magistrado, ancorada nas regras do direito civil, vale dizer, a responsabilidade subjetiva e
direta do agente público, exigente de demonstração da culpa, referida em diversas disposições
infraconstitucionais.
Segundo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e pela
jurisprudência majoritária, o Estado somente responde por danos decorrentes da prestação
jurisdicional em hipóteses expressamente indicadas na lei:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da
empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do
artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause
a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho.
O que acontece hoje é que após o ajuizamento da ação, o juiz determina a perícia
médica para se constatar a incapacidade alegada. E isso, por suposto leva algum tempo.
Depois de realizada, o juiz novamente determina outra perícia para o estabelecimento do nexo
causal entre a incapacidade e a atividade laborativa do trabalhador, para que ocorra a
concessão o restabelecimento ou manutenção do benefício decorrente de acidente de trabalho.
E, infelizmente, isso também leva outro tanto de tempo.
Enquanto isso, o trabalhador está sem trabalhar por conta de sua incapacidade, sem
receber do empregador, pois a ele não lhe compete mais essa obrigação, vez que está por
conta do INSS, que também não lhe paga a espera da sentença do juiz.
Ou seja, o trabalhador está totalmente à deriva, sem capacidade de subsistência
própria e de sua família. É uma realidade estrutural que acaba por causar grave prejuízo aos
segurados.
Embora o foco desse trabalho seja o processo judicial, é bom que se diga que a
precariedade na concessão do benefício de auxílio-doença acidentário por incapacidade
laboral, tanto na esfera administrativa quanto na judicial se deve a demora extrema no
agendamento de perícias médicas. O resultado disso, é a afronta aos direitos fundamentais dos
segurados, que são privados de seu trabalho, e ao mesmo tempo da proteção estatal em forma
pecuniária, seguro social devido a este tipo de risco social.
A solução seria na esfera administrativa tornar obrigatório o deferimento inicial
pelas agências de previdência de todo país tendo por base os pareceres dos médicos
assistentes. Uma vez que pela ausência de efetivo necessário nas agências da Previdência
Social, que não possuem um número de peritos-médicos suficientes para atender, as filas de
segurados doentes se tornam gigantescas.
Em 2012, foram as agências do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) do
Paraná as que mais demoram no país para analisar os pedidos de aposentadoria, auxílio-
doença e auxílio-maternidade, entre outros. Segundo dados do Boletim Estatístico da
Previdência Social, de dezembro de 2011, 47% dos benefícios solicitados naquele mês
demoraram mais de 45 dias para serem examinados – quase o dobro da média nacional, que
foi de 25%. O que vai de encontro ao estabelecido no próprio Decreto 3.048/99 do INSS, que
estipula que a primeira parcela do benefício solicitada pelo trabalhador seja paga em até 45
dias após a entrega da documentação exigida.
Não à toa, o INSS aparece como litigante (uma das partes do processo) em 43,1%
das ações em trâmite na Justiça Federal do país, conforme pesquisa do Conselho Nacional de
Justiça6.
O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) é o maior litigante do País nas justiças
Estadual e Federal. Isso significa que o órgão participa da maior fatia do total de processos,
4,38%, ingressos na Justiça Comum e nos Juizados Especiais, entre janeiro e o fim de outubro
de 2011, último dado disponível. Ao todo são 56 tribunais espalhados pelo País, que integram
o SIESPJ (Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário). Somente na Justiça Federal, o INSS
liderou com 34,35% das ações. A segunda posição nesta área é da Fazenda Nacional, que
detém 12,89% dos processos. Os dados são da pesquisa Os 100 maiores litigantes 2012,
publicada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Boa parte dos processos em tramitação são recursos do INSS contra decisões
favoráveis a trabalhadores que reivindicam benefícios, especialmente aos relacionados a
auxílio-doença. Levantamento do instituto revela que só no Grande ABC, entre janeiro e
maio, as agências da Previdência Social realizaram 75.992 perícias médicas. Sendo elas
iniciais ou recorrentes.
6
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/
8.1. PERÍCIAS MÉDICAS
CONCLUSÕES
A evolução dos direitos fundamentais confirma que não mais se pode falar em
liberdade e igualdade sem a existência dos pressupostos materiais que viabilizem tais direitos,
surgindo a necessidade de assegurar meios que possibilitem seu exercício.
Há uma preocupação do Novo Código de Processo Civil em, mais que agilizar,
entregar à demanda um laudo conclusivo para elucidar a causa em questão e entregar a justa
prestação jurisdicional no menor tempo possível. E é justamente disso que trata esse trabalho.
A perícia no Novo Código de Processo Civil é tratada nos artigos 464 a 480 e é
aquela que conta com um especialista em determinada área técnica (perito) para esclarecer
certo fato que interessa à demanda. E se destacam quatro novidades de maior interesse
prático: produção de prova técnica simplificada; apresentação de currículo do perito; perícia
consensual; e requisitos do laudo pericial.
Sem dúvida alguma, trata-se de importante inovação do NCPC, a permitir a
desburocratização em demandas nas quais, embora exista a necessidade da prova técnica, a
baixa complexidade envolvida em nada justifica que as partes se sujeitem à demorada e
custosa produção da prova pericial nos moldes tradicionais, tal como previstos atualmente.
Igualmente importante é ressaltar a necessidade imperiosa, agora prevista em lei, de
que o perito, no prazo de cinco dias de sua nomeação, junte aos autos, além da sua proposta
de honorários e dos seus contatos profissionais, também o seu currículo atualizado com a
devida comprovação de sua especialização, sob pena de substituição, conforme disposto no
artigo 462, parágrafo 2º, inciso II e artigo 468, inciso I do NCPC. O que é muito alvissareiro,
pois que não raro se vê na prática a nomeação de peritos não especialistas na matéria objeto
de controvérsia entre as partes.
REFERÊNCIAS
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p.
492-494.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p.537-567.
MACHADO, Edinilson Donisete; NAHAS, Thereza Christina; PADILHA, Norma Sueli. Gramática dos Direitos
Fundamentais. 1.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.21-44.
NICOLITT, André. Razoável Duração do Processo. 2.ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2014. p.15-40.
PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 256.
REALE JR., Miguel. Valores Fundamentais da Reforma do Judiciário. Revista do Advogado. vol.24. n.75. p.78-
82. São Paulo: IASP, 2004.
Grupo de Trabalho 15
mxiv
O DIREITO E O ENSINO JURÍDICO
SOB A PERSPECTIVA DE MICHEL MIAILLE
E A RECONFIGURAÇÃO DA CIÊNCIA JURÍDICA
A PARTIR DAS OCUPAÇÕES DAS ESCOLAS PÚBLICAS
RESUMO
O presente estudo objetiva realizar uma abordagem crítica sobre o direito e o ensino jurídico, para
tanto, utilizaremos Michel Miaille e faremos um diálogo entre a emergência de um ensino do direito
transdisciplinar e a necessidade de uma ciência jurídica que coadune prática e teoria com os fenômenos
sociais, isto é, faremos um paralelo entre as críticas de Miaille quanto ao estudo jurídico ofertado nas
instituições de ensino, com os apontamento de Marilena Chauí de um ensino tecnológico e mercantil.
Para percebemos que o direito pode ser entendido e estudado com algo alternativo, distante do que os
manuais impõem, traremos para o debate as ocupações das escolas públicas como lugar onde houve
um estudo crítico do direito, da democracia e da cidadania, na tentativa de ilustrarmos a partir de uma
abordagem empírica como lugares comuns (não tão acadêmico) podem realizar verdadeira explicação
do que é o direito.
ABSTRACT:
This study aims to make a critical approach to law and legal education, therefore, we will use Michel
Miaille and make a dialogue between the emergence of a school of transdisciplinary law and the need
for a legal science that incorporates practice and theory with social phenomena, that is, we will make
a parallel between the critical Miaille as the legal study offered in educational institutions, with the
appointment of Marilena Chauí a technological and commercial education. To realize that the right
can be understood and studied with something alternative, distant than manual impose, we will bring
to the debate the occupations of public schools as a place where there was a critical study of law,
democracy and citizenship in the try of illustrate from an empirical approach as ordinary places (not
so academic) can hold true explanation of what is right.
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ISSN 2236-9651, n. 7
INTRODUÇÃO
Miaille inicia sua obra com o conceito de obstáculo epistemológico que são
obstáculos objetivos interligados às condições históricas nas quais a investigação científica se
realiza. Com isso, preleciona que a ciência jurídica se esbarra com tais obstáculos que são
estudados a partir das características da sociedade francesa. O autor realiza a análise do
trabalho sob três eixos:
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epistemológicos. É necessário ver para além do direito positivo e se atentando para sua
experiência e para sua especificidade, como já suscitamos.
Além disso, o idealismo jurídico também se afigura como obstáculo epistemológico.
Tal idealismo causa uma sobreposição da filosofia sobre o materialismo, ou seja, a explicação
do mundo está no campo das ideias. Em paralelo ao mundo jurídico, os juristas realizam o
idealismo quando ignoram o contexto social de um caso concreto e subordinam esse ao seu
pensamento soberano.
[...] a atitude dos juristas resulta de as noções de direito serem sempre apresentadas
e tratadas, nos fatos, fora de um contexto social preciso: o jurista não nega a
existência e o peso das estruturas sociais, subordina-as ao seu sistema de
pensamento. Estes mecanismos intelectuais conduzem a resultados desoladores: os
fenômenos, por vezes os mais evidentes, perdem-se, enquanto que as ideias se
tornam o fundamento da realidade. A introdução ao direito não é senão sempre a
aprendizagem insidiosa desta inversão de perspectivas (MIAILLE, 1994, p. 38).
O idealismo, por sua vez, é uma abstração a partir da representação de alguma coisa,
sendo, portanto, uma abstração ideológica. Em contrapartida, quando se há uma abstração a
partir de uma explicação tem-se uma abstração científica, isto é, noções produzidas de acordo
com os métodos próprios.
Em relação ao mundo jurídico, a partir da percepção de uma abstração ideológica e
uma abstração científica, a ciência jurídica se apresenta como uma imagem do mundo do
direito, quando deveria ser uma explicação.
A ciência jurídica para Miaille (1994), na forma como é ensinada, se funda apenas
nas instituições e nas noções criadas pela sociedade para representar uma ordem social.
Apresenta-se, assim, o Estado que tenta promover a ordem da desordem. E para manter uma
vida social em uma sociedade desigual e dividida em classe criam-se noções que são
representações do mundo real: o idealismo.
Nesse contexto de representação do mundo real surge a ciência jurídica que “vai
tomar como certa a imagem que lhe transmite a sociedade e tomá-la pela realidade”
(MIALLE, 1998, p. 51). Desse modo, temos um ciclo em que a sociedade cria noções que a
representam e as representações se explicam por elas próprias. Como informamos, tudo
constitui abstrações ideológicas, representações.
A noção de direito não se relaciona com o fenômeno social que a produziu, mas
com as idealizações da sociedade: a representação da vida real. Assim os juristas tornam-se
grandes idealistas que reproduzem uma representação da vida e não a explicação e abordagem
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Ora o que eu proponho mostrar é que direito e economia, mas também política e
sociologia, pertencem a um mesmo continente, estão dependentes da mesma teoria,
a da história. É que direito e economia podem ser reportados ao mesmo sistema de
referências científicas. Para admitir esta nova perspectiva é necessário abandonar o
mito da divisão natural do saber. Este mito não é de papel: é um obstáculo, na
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Miaille (1994) defende que para termos um estudo científico do direito precisamos
ultrapassar três obstáculos: transparência do objeto de estudo, o idealismo tradicional da
análise jurídica, a convicção da necessidade de isolamento do direito.
O autor defende que a confluência entre prática e teoria leva a uma emancipação,
com isso, procura na teoria marxista a referência para o desenvolvimento de seu estudo sobre
as ciências jurídicas. Não adentraremos, especificamente, na obra de Marx, mas essa teoria
inaugurou uma nova forma de estudo na qual o seu objeto é visto não apenas através de seu
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Dessa maneira, para uma cientificidade das ciências jurídicas precisa-se entender
“que tipo de direito produz tal tipo de sociedade e porque é que esse direito corresponde a
essa sociedade” (MIAILLE, 1994, p.68).
Observamos a necessidade de um estudo de direito mais crítico que se distancie de
uma abordagem tecnicista baseada em manuais de juristas que impõem seus pensamentos e
estes se afiguram como a representação da sociedade.
Miaille (1994) desmistifica o conceito de modo de produção criado por Marx, que
não pode ficar restrito ao significado unilateral econômico, e o conceitua como a maneira
como uma sociedade se organiza para produzir a vida social.
O autor sugere que a partir do conceito de modo de produção podemos compreender
o lugar ocupado pelo sistema jurídico na vida social. Dessa forma o direito não estaria
respaldado apenas por si próprio (o direito é o direito) que seria uma percepção positivista,
bem como escaparia do idealismo (o direito é a expressão da justiça).
A explicação do direito não por si mesmo se torna possível a partir do conceito de
modo de produção trazido por Marx, que permite compreender a organização social e o
sistema jurídico. Miaille faz uma análise do conceito “produção social da existência”
desenvolvida por Marx, entendendo que a produção social da existência significa que “a vida
social nunca é uma vida dada pela natureza, pelo ambiente, mas sim que é sempre construída
pelos homens, e construída na totalidade dos seus elementos tanto materiais como espirituais”
(MIAILLE, 1994, p. 70). Reforça, contudo, a ideia de que essa produção ocorra de forma
organizada, utilizando-se de métodos próprios.
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É a constatação que Marx traduz pelo termo materialismos: há, fora de mim, uma
realidade que não esperou a minha ação ou a minha reflexão para se manifestar.
Esta constatação é de todo cientista. É simplesmente testemunho da necessidade
que o espírito tem de reconhecer a existência e a oposição da matéria. Não há aí
nenhuma declaração acerca do primado da matéria sobe o espírito. Esta seria de
natureza filosófica: não teria qualquer sentido num estado científico. (MIAILLE,
1994, p. 80-81).
Desta feita, precisa ser vigilante para que o pensamento científico não utilize como
verdades imagens criadas pelo sistema ideológico do indivíduo. Contudo, o indivíduo sofre
influência direta da sociedade, de modo que não passa ileso pelos reflexos das instâncias
econômicas, políticas, jurídicas, em uma palavra, ideológicas.
Nesse ponto, o autor realiza uma distinção do sentido do termo direito. Até aqui
utilizava-se direito como um sistema de regras, daqui para frente será utilizado como instância
jurídica. Desmistifica a ideia de um direito imutável e blindado à interferências externas ao
seu campo. Adota-se a percepção de uma instância jurídica que faz parte de um todo e,
portanto, não é dotada de uma autonomia absoluta do modo de produção a qual se insere.
O próprio termo indica que se trata de uma parte de um todo e que portanto não tem
valor ou não é compreensível senão em função deste todo; mas, por outro lado,
significa que este todo, sendo um dos modos de produção teoricamente definidos,
dá a esta instância um lugar, uma função, um eficácia particular. Funcionando o
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outras formas de conhecimento, pois essas são vistas através das definições hegemônicas
impostas pelo próprio direito. Assim, cria-se uma ideologia particular do direito que é sempre
utilizada para embasar as técnicas deste. Essa ideologia também é denominada de forma
distinta pelos juristas, deuses criadores do direito, afigurando-se como fundamentos do
direito.
Noutro giro, o aspecto ideológico do direito é revestido pelo sentimento de justiça e
de segurança. A justiça está entrelaçada à concepção de dar a cada um o que lhe é de direito,
um tanto quanto genérica tal premissa. Além do mais a partir dela pode-se concluir que há um
incentivo às lutas (os trabalhadores se rebelariam por seus direitos laborais, as trabalhadoras
pela equiparação salarial em relação aos homens...) daí surge a importância do outro
sentimento: a segurança. A segurança apresenta-se como ordem, bons costumes, interesse
geral sendo corolário da justiça e como forma de despertar um sentimento que reforça a ideia
da real existência da justiça.
Miaille ao tecer comentários sobre a justiça e a segurança faz uma crítica no sentido
de que estamos inseridos em um sistema jurídico marcado por uma ideologia jurídica que no
campo universitário leva a discussões acaloradas e abstratas e que propõe mudanças que são
distantes dos fundamentos reais das instituições jurídicas, ou seja, um tanto quanto supérfluas.
Por isso o direito é visto como um sistema de comunicação em melhoramento, pois é através
dele que a ideologia jurídica se consubstancia. Há um aperfeiçoamento constante do
vocabulário, por exemplo, pois o que se pretende é “integrar fenômenos novos a esquemas
antigos” (MIAILLE, 1994, p. 98).
Por outro lado, o campo institucional é caracterizado pelo conjunto de técnicas e
métodos que permitem a concretização da ideologia jurídica. As instituições seriam um
conjunto de normas jurídicas que engloba várias relações sociais que se assemelham por
exercerem a mesma função, e podem ser tanto um aparelho quanto uma organização
(Administração, justiça, universidade dentre outras). Nessas instituições o conhecimento é
marcado com princípio e ideias sem valor explicativo, como o autor defende, não passam de
meras representações.
A ciência jurídica tem o poder da dominação sobre a organização social e associa a
isso a expressão ordem jurídica ou ordenamento jurídico, que nós, bacharéis de direito,
aprendemos ser a mais complexa estrutura jurídica que abarca e possui soluções para todos os
eventos da sociedade. Na verdade, o ordenamento jurídico é apresentado nos cursos de direito
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O autor faz uma reflexão de que para compreensão do direito é necessária uma
análise da própria sociedade, ou seja, “que tipo de direito produz tal tipo de sociedade e
porque é que esse direito corresponde a essa sociedade” (MIAILLE, 1994, p.68), isto é, uma
perspectiva crítica do direito que se distancia do senso comum tão reproduzido pela visão
tecnicista presente nas faculdades e nas instituições de ensino de um modo geral.
Trago para o debate as percepções de Marilena Chauí, que compartilha do mesmo
entendimento de Miaille ao afirmar que o ensino reproduz uma visão tecnocrata, que não
aguça o senso crítico, mas reitera a hegemonia de certas práticas, que não encontram
correspondência na realidade social.
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1
Disponível em http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,invasoes-em-escolas-recriam-movimento-
estudantil,10000003261. Acesso em 28/07/2016.
2 Essas reivindicações foram feitas pelos alunos do colégio Pedro II na cidade do Rio de Janeiro, e divulgadas nas
redes sociais. Disponível em: <https//m.facebook.com/ocuparCP2real/?locale=pt_BR>. Acesso em 28/07/2017.
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tenha uma experiência amparada por conceitos teóricos e um empirismo real. Nas palavras de
Roberto Lyra Filho (1981), o que os estudantes promoveram foi uma manifestação para que
houvesse um “direito vivo, isto é, o direito que não se deixa matar pela dogmática e
embalsamar nas urnas da velho jurisprudência nunca esteve tão forte, prestante e reclamado
como agora” (FILHO, 1981, p. 7).
Os alunos pleiteavam o reconhecimento de seus direitos e a participação deles nas
tomadas de decisão. O que faz questionar se não seria a função da educação a integração dos
alunos no debate, o fomento e construção do senso crítico. Como defende Marilena Chauí, em
Ideologia e Educação (1979) a educação deveria ser “um instrumento de conhecimento e de
transformação do real, graças à sua compreensão crítica”. Vejamos:
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apresento o relato dos próprios estudante que em uma rede social com a denominação “Ocupa
CPII Real” (2016) assim descreveram o que significaram as ocupações:
E diante esse relato, encerramos nosso estudo que buscou realizar uma análise
crítica do direito a partir da teoria de Michel Miaille com o objetivo de demonstrar o ensino
deficitário nas instituições de ensino que promove um estudo superficial do direito a partir de
técnicas do senso comum dos juristas. Por outro lado, demonstramos alternativas
antissistêmicas, ou melhor, “fora da caixinha” que derrubam obstáculos epistemológicos e
realizam uma análise crítica do direito que juristas e os manuais de direito não comportam. As
ocupações das escolas públicas, como manifestação contra-hegemônica aos ditames da
normatização estatal, nos parece um caso exemplar de uma concepção de direito que faz a
sociedade, na medida em que é feito por esta, como lembra Pierre Bourdieu (2010). Nesse
passo, como uma instância de um todo complexo com dominante no dizer de Miaille (1994),
o direito se expressa e se constitui em contradição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
3
Disponível em: <https//m.facebook.com/ocuparCP2real/?locale=pt_BR. Acesso em 28/07/2017>.
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mudanças permitirão que o mundo do direito tenha seu funcionamento e sua existência sendo
estudados de uma maneira explicativas e não mais apenas como mera representação da
sociedade a partir do pensamento de juristas que entendem que suas ideologias são expressões
máximas sobre a realidade.
Podemos concluir que se faz necessário um direito inserido como parte de um todo
que é composto pelos fenômenos sociais, influenciado e modificado ao longo da história, que
tenha uma experiência que coadune os conceitos teóricos com a empiria advinda de uma
formação social, sendo esta consubstanciada pelas mobilizações sociais que os estudantes de
escolas públicas promoveram durante as ocupações.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BOURDIEU, P.O Poder Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
CHAUI, Marilena. Ideologia e educação. Campinas: Faculdade de Educação Estadual de Campinas: 1979.
FILHO, Roberto Lyra. Problemas atuais do ensino jurídico. Brasília: Editora Obreira, 1981.
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PARA ALÉM DAS AULAS EXPOSITIVAS:
UM REPENSAR DO ENSINO JURÍDICO A PARTIR DO
PROTAGONISMO DOS DISCENTES
RESUMO
O presente tem por objetivo examinar a experiência de métodos de ensinagem empregados nas
disciplinas ministradas e que auxiliaram no rompimento da tradicional aula expositiva, conferindo aos
discentes, em uma nova perspectiva, maior autonomia na construção do conhecimento jurídico.
Tradicionalmente, o processo de ensino-aprendizagem jurídico tem suas bases assentadas em aulas
meramente expositivas, pautada na premissa de que o docente é detentor do conhecimento e o discente
apenas um receptáculo vazio a ser preenchido pelo conteúdo ministrado. Comumente, a construção do
conhecimento jurídico dá-se com o simples entendimento e memorização de conteúdo, sem que haja a
submersão do discente na (des)construção das bases epistemológicas do conhecimento, limitando-se,
portanto, a reproduzir o que lhe fora ensinado. Contudo, pesquisas apontam que este modelo está
superado, sendo, para tanto, imprescindível o repensar do processo de ensino-aprendizagem jurídico,
notadamente no que toca ao fortalecimento de metodologias ativas que confiram protagonismo ao
discente nos cursos de Direito. O método utilizado é o hipotético-dedutivo, valendo-se de revisões
bibliográficas e estudo de caso das turmas em que a metodologia ativa foi empregada. As conclusões
parciais alcançadas apontam que o empoderamento dos discentes na condução do processo de ensino-
aprendizagem é de preponderante importância para conferir autonomia na apreensão do conteúdo
proposto e, destarte, efetivar caminhos para o processo de emancipação crítica.
ABSTRACT
This aims to examine the experience of teaching and learning methods employed in the subjects taught
and helped in breaking the traditional lecture, giving the students in a new perspective, greater
autonomy in the construction of legal knowledge. Traditionally, the legal teaching-learning process
has its foundations settled in merely lectures, based on the premise that the teacher holds the
knowledge and the student just an empty vessel to be filled by the content taught. Commonly, the
construction of legal knowledge occurs with the simple understanding and memorizing content without
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submersion of the student in the (de) construction of the epistemological foundations of knowledge,
limited, therefore, to reproduce what taught you off . However, surveys show that this model is
outdated and is, therefore, imperative to rethink legal education-learning process, notably as regards
the strengthening of active methodologies which give prominence to students in law schools. The
method used is the hypothetical-deductive, drawing on literature reviews and case studies of classes in
which the active methodology was employed. The partial conclusions reached indicate that the
empowerment of students in conducting the teaching-learning process is of major importance to
empower the seizure of the proposed content and, Thus, effect paths to the critical emancipation
process.
1
Ao utilizar esta expressão, este trabalho faz uma crítica à reprodução automática de definições e conceitos
legalistas em inobservância com a hermenêutica e com finalidade da norma em alcançar a paz social. Nas palavras
de Nonet e Selznick (2010) “o foco nas normas tende a estreitar o leque de fatos juridicamente relevantes,
separando com isso a reflexão jurídica da realidade social. O resultado é o legalismo, uma predisposição a apoiar-
se inteiramente na autoridade das leis em detrimento da solução de problemas práticos. (...) O legalismo custa
caro, em parte pelas rigidezes que impõe, mas também porque regras interpretadas in abstrato são muito
facilmente satisfeitas por uma observância formal que pode ocultar importantes omissões substantivas em
matérias de política pública.”
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educação e o ensino jurídico, de forma geral, sofrem com a narração, na qual, uma vez
enunciados, conteúdos se petrificam, permanecendo alheios à realidade.
Neste sentido, Orsini e Silva (2013, p. 13) explica que o ensino jurídico, alicerçado
apenas na sala de aula e que valoriza uma concepção bancária da educação, fomenta uma
formação fundada na realização do depósito, pelo professor, de conteúdo estanques e
compartimentados nos discentes, que se reduzem a meros receptáculos deste conhecimento,
promovendo lacunas no processo de sensibilização social dos discentes e os alienando, por
vezes, do contexto no qual estão inseridos.
“Uma educação pré-fabricada, não adaptada a seu destinatário final, não irá
favorecer a construção de um ensino voltado a despertar nos alunos interesse pelos problemas
sociais, que estão muito além dos conteúdos normativos repassados nas faculdades de direito”
(ORSINI; SILVA, 2013, p. 13). Os docentes, e também os discentes, devem, imperiosamente,
repensar as estruturas do ensino jurídico, de forma a favorecer uma aproximação crítica e
emancipatória da realidade, permitindo, inclusive, sua transformação. Pesquisas apontam,
cada vez mais, que esta concepção de ensino está em crise por não favorecer uma
aproximação com a realidade social além de não permitir o desenvolvimento de uma visão
crítica, autônoma e emancipatória do saber (RODRIGUES, 1992; MORATO, 2001;
FREITAS, 2003; FAGÚNDEZ, 2004; MACHADO, 2006; STRECK, 2006; BITTAR, 2008;
GARCEZ, 2012; FACHIN, 2013)
Em se tratando de educação geral, Freire (1979), em apontamento ainda
contemporâneo, entende que o professor fala da realidade como se esta fosse estagnada, sem
movimento, separada em compartimentos e previsível; ou, ainda, fala de um tema alheio à
experiência existencial dos discentes. Em tal situação, verifica-se que o docente, no processo
de ensino-aprendizagem, desempenha uma tarefa de “encher” os discentes do conteúdo da
narração, conteúdo alheio à realidade, destacado da totalidade que a gerou e poderia conferir
sentido. Santos (2007), ao discorrer acerca dos cursos de Direito, aponta que há uma tentativa
de se eliminar os elementos extranormativos do ensino jurídico, causando indiferença ou
mesmo um não conhecimento das mudanças ocorridas na sociedade e, por consequência, o
distanciamento das preocupações sociais por parte dos operadores do Direito, que se tornam
profissionais descomprometidos com as questões da sociedade. O cenário retratado é mero
reflexo de um Direito formalista e burocrático, e de um ensino desvinculado da extensão e da
pesquisa, instrumentos aptos a permitir uma aproximação da instituição de ensino e dos
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discentes com a comunidade, seus problemas, e sua realidade, além de também promover a
possibilidade de atuação construtiva e transformadora, não inerte e não conformada.
Assim, em consonância com Duarte (2003), Colaço (2006), Machado (2006),
Fachin (2013) e Orsini e Silva (2013), apenas com o fomento de um ensino jurídico
preocupado em associar teoria e prática, doutrina e realidade, é que será viável a formação de
operadores do Direito conscientes do papel que devem desempenhar como dos problemas
sociais, que certamente vindicarão a intervenção de um profissional preparado e
contextualizado, não alheio ao que se passa no meio social. Há que reconhecer que, para a
materialização do protagonismo discente, no processo de ensino-aprendizagem, o modelo
tradicional estruturado, pautado em aula expositiva, requer uma reestruturação.
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O fosso entre a realidade do ensino jurídico atual e o que ela deveria ser são um dos
múltiplos fatores, ao lado de aspectos econômicos, políticos e sociais, que tem
contribuído para a “crise do ensino jurídico” (...). Quem percorre os programas de
ensino de nossas escolas, e sobretudo quem ouve as aulas que nelas se proferem,
sob a forma elegante e indiferente da velha aula-douta Coimbra, vê que o objetivo
atual do ensino jurídico é proporcionar aos estudantes o conhecimento descritivo e
sistemático das instituições e normas jurídicas. Poderíamos dizer que o curso
jurídico é, sem exagero, um curso de institutos jurídicos apresentados sob a forma
expositiva de tratado teórico-prático (FACHIN, 2005, p. 56-57).
Grande parte das vezes, a aula expositiva é a única alternativa do docente, seja em
decorrência da falta de preparo técnico do docente, seja pelo número elevado número de
discentes nas turmas, seja por falta de condições materiais nas instituições de ensino ou por
exigência das coordenações dos cursos que optam pela manutenção do caráter
exclusivamente profissionalizante/mercadológico do curso. Segundo Lima (2005), a
sociedade impõe aos cursos de Direito novas realidades, nada obstando que os docentes se
desenvolvam, concomitantemente, em uma consistente formação humanística, reflexiva e
crítica, tal como uma sólida formação profissionalizante. Mais que isso, há que anotar que as
formações mencionadas elas não são incompatíveis ou excludentes; ao reverso, são
complementares e trazem grandes contribuições para a missão formativa que deve orientar os
cursos superiores.
2
Um trabalho interessante acerca da história do ensino jurídico brasileiro a partir dos preceitos elencados pela
Universidade de Coimbra/Portugal está presente no trabalho elaborado por RODRIGUES (2000) e WOLKMER
(2003).
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expositiva, a saber: a exposição pode ser dogmática e, nesse cenário, a mensagem emitida
pelo docente deve ser aceita pelo discente, sem contestação e para ser repetida de maneira
automática por ocasião das avaliações, ou a exposição pode ser aberta e dialogada, sendo que,
nessa situação, o discurso apresentado pelo docente servirá como ponto de apoio para
desencadear a participação dos discentes. (WACHOWICZ, 2001)
Em sede de ensino jurídico, os maiores inconvenientes das aulas expositivas advêm
das exposições meramente dogmáticas, nas quais as mensagens transmitidas não comportam
contestação e são aceitas como verdades absolutas. Assim, a exposição dogmática é aquela
alocada no modelo clássico do ensino bancário (ORSINI & SILVA, 2013), caracterizada pela
docilidade do discente. Por seu turno, a aula dialogada é aquela inserta no contexto
contemporâneo da moderna ciência da comunicação, na qual o processo de comunicação está
vinculado a habilidades na transmissão e com as características da mensagem, com a
conveniência do canal de veiculação e com a disposição do receptor (DUARTE 2003;
MACHADO, 2006; GHIRARDI, 2012).
Na aula dialogada, docentes e discentes são partes integrantes de um processo de
comunicação. Obviamente, isso requer dos professores múltiplos cuidados, conforme
obtempera Gil (2009b), porquanto o professor, na aula expositiva, é a fonte das informações.
Logo, o docente deve cuidar da clareza dos seus objetivos, de maneira que os alunos
compreendam. Ademais, como fonte de informação, os docentes devem cuidar da
organização de ideias, do tom, da altura e do ritmo da voz.
Defensores de uma metodologia dialogada, Câmara & Muraro (2012, p. 18)
expõem, “a mensagem emitida pelo professor deve ser adequada à necessidade e
características dos alunos; deve ser clara e concisa; os tópicos devem ser planejados
considerando uma sequência lógica; a mensagem deve ter um ´colorido emocional´ com a
inclusão de momentos bem humorados e de fatos pitorescos”. A mensagem deve propor
situações problematizadas e apresentar ideias de forma diversa para escapar da monotonia,
evitando a tentação de expor o tempo todo e apresentar um conteúdo engessado e dogmático.
Há que se reconhecer que o diálogo ganha importância, porquanto permite a
liberdade de expressão, ao conceder aos participantes, docente e discentes, no processo de
ensino-aprendizagem o controle da ação. É o que se aproxima dos estudos denominados “sala
de aula invertida” propostos por Oliveira (2016). Segundo Martínez (2005), não há como
questionar sem diálogo, porquanto monólogo significa imposição do conhecimento. Mais que
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Há que reconhecer que esta técnica serve para alertar os discentes sobre a
necessidade de maior número de informações quando se quer analisar fatos não presenciados.
Doutro lado, requer mais preparo do professor, tal como os materiais relacionados. Com o
emprego do processo do incidente algumas vezes pelo professor, é possível que os discentes
sejam orientados ou convidados a preparar situações para desenvolvê-lo em sala com seus
colegas, sob a supervisão do docente. “Desse modo, a criatividade e a responsabilidade são
estimuladas e valorizadas, podendo resultar no desenvolvimento de graus de envolvimento,
de iniciativa, autoconfiança, ingredientes importantes para a autonomia” (BERBEL, 2011, p.
31). Supera-se, assim, a visão engessada de conteúdos compartimentados e independentes no
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COMENTÁRIOS FINAIS
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AÇÃO AFIRMATIVA, EDUCAÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO:
SILÊNCIOS E SENTIDOS
RESUMO
O artigo que segue desenvolve uma reflexão sobre o tema Políticas Afirmativas de Inclusão Racial no
Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, tomando
por base o Edital 2017. Procura estabelecer relações entre a implementação da política, seus
desdobramentos, principalmente, o processo de judicialização do certame e o contexto educacional
inaugurado. Em especial, o texto busca discorrer sobre a categoria silêncio identificada como nas
relações travadas entre os sujeitos envolvidos no processo. O principal interesse é situar essa categoria
como elemento discursivo, portanto, significativo, utilizando-se para isso os referencias teóricos da
Análise de Discurso, vertente francesa, presentes nos estudos realizados por Eni P. Orlandi (1995;
2009).
ABSTRACT
The following article develops a reflection about Affirmative Politics of Racial Inclusion in the
Prostgraduate of Sociology and Law from Fluminense Federal University, taking for base the 2017
notice. Looks for establish relations between politics implementation, your topics, especially, the
judicialization of competition and the inaugurated educational context. In especial, the text looks to
describe the silence category, it identifies as on relationships between the subjects envolved in the
process. The main interest is to locante this category as a discursive element, significant, using for that
the theoretical references of Law Analysis, presented on studys developed by Eni. P. Orlandi (1995;
2009).
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INTRODUÇÃO
“... enquanto esperamos em silêncio pelo luxo final do destemor, o peso deste
silêncio nos sufocará. O fato de que estamos aqui e que eu estou dizendo estas
palavras é uma tentativa de quebrar este silêncio e conciliar algumas destas
diferenças entre nós, porque não é a diferença que nos imobiliza, mas o silêncio. E
há muitos silêncios a serem rompidos.” 1
Este trabalho representa uma leitura, dentre outras possíveis, acerca do tema
“Políticas Afirmativas de Inclusão Racial”. O recorte diz respeito à implementação dessa
política pública no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade
Federal Fluminense (PPGSD).
Ler é atribuir sentido, portanto, interpretar. A interpretação aqui apresentada é
resultado de um exercício de atribuição de sentido ao silêncio identificado no processo de
judicialização do certame de ingresso na pós-graduação do PPGSD (Edital 2017), marcado
pela presença do silêncio como estratégia de manutenção do poder hegemônico.
Conduzem o processo de atribuição sentido ao corpus selecionado para observação,
em especial, os referenciais teóricos da Análise de Discurso (AD), vertente francesa, presentes
em obras de Eni P. Orlandi (1995; 2009). A partir dessa lente teórica é possível atribuir
sentidos às mais diferentes vozes identificadas, bem como aos silêncios, que podem se
manifestar nas mais diversas situações e, como elemento discursivo, significa. Tomar por
base um suporte teórico cujo interesse se volta para o discurso, definido, nas palavras de
Orlandi, como “palavra em movimento, prática de linguagem...” (2009, p.15) constitui um
método que conduz o processo de leitura, a interpretação, tomando o silêncio como categoria
significativa já que discurso 2, porque resultante de um processo histórico, do qual faz parte.
Ora, se a palavra discurso, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento, essas qualidades possibilitam atribuição de sentido também ao silêncio, eis que
também integra a atividade comunicativa humana, significando, no contexto comunicativo.
As vozes (os ditos) e os silêncios (os não ditos) analisados como elementos linguísticos, numa
perspectiva materialista (Materialismo Histórico), situam-se, de acordo com Orlandi, “em
1
Audre Lord, in “A Transformação do Silêncio em Linguagem e Ação”, palestra proferida no painel
“Lesbianismo e Literatura” da Modern Language Association, em Chicago, Illinois, dezembro de 1977, ...
disponível em https://transformativa.wordpress.com/2017/01/31/a-transformacao-do-silencio-em-linguagem-e-
acao-audre-lorde/
2
Etimologicamente a palavra discurso representa a idéia de movimento, dinamismo. Qualidades essas que
concede permissão para a atribuição de sentido também ao silêncio, eis que integrante da atividade comunicativa
humana, portanto significante.
1048
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Esse percurso interpretativo observa o homem como ser social, na sua relação com o
outro, exigindo uma abordagem interdisciplinar. Assim, busca-se realizar uma conexão entre
conceitos de diversas áreas do saber.
Contribuem para a abordagem, em alguma medida, como recurso metodológico
interpretativo, conceitos desenvolvidos por Pierre Bourdieu, no campo da sociologia da
educação, sendo utilizados como lentes condutoras do olhar sobre os recortes feitos para
realização de uma leitura interessada em busca de elementos para compreensão do recorte
feito: poder simbólico e violência simbólica, capital social e cultural, habitus e reprodução.
Esses conceitos mostram-se fundamentais para a atribuição de sentido às manifestações em
sociedades como a brasileira, em que as relações sociais, e, consequentemente, as relações no
campo da educação sistematizada, são marcadas pelos arbítrios da classe dominante, visando
à manutenção do seu poder e dominação sobre os excluídos.
O conceito de invisibilidade social, de larga utilização nos estudos das sociedades
contemporâneas, mostra-se imprescindível para a abordagem. É essencial para compreender a
negação do acesso ao lugar conquistado pelos alunos autodeclarados aprovados no concurso
do PPGSD-2017. Essa negação pode ser compreendida como manobra institucional de
apagamento do sujeito (também pelo silenciamento), portanto de invisibilização.
Por fim, porém não menos importante, como recurso metodológico de atribuição de
sentido, serão utilizados os referenciais teóricos da Teoria Crítica da Raça que, segundo Pires
& Félix, “compreende o conceito de raça a partir de uma construção social e não sob o viés
biológico. Desta maneira, a referida teoria inova ao questionar o direito sob uma perspectiva
3
Orlandi, 1995, p.20.
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1. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
(...) ao longo dos séculos, o acesso aos cursos de maior prestígio nas universidades
que, por sua vez, representava o cartão de ingresso aos postos de poder de maior
peso, nos remetia quase que inevitavelmente à imagem de brancos. Médicos,
advogados, engenheiros, por exemplo, Bacharéis, com anéis nos dedos, ‘dotores’,
em que repousava o saber e o poder que advém daí.4
De acordo com a Romanelli, que faz um estudo sobre a educação brasileira a partir
da Revolução de 1930, o quadro em que se situa a educação no Brasil, hoje, pode ser
explicado pelo contexto de expansão do capitalismo, caracterizado pela luta de classes, que
influenciou diretamente o sistema de ensino. Segundo a autora, a
4
Emir Sader, in texto de apresentação do livro “Cotas Raciais no Brasil: A primeira avaliação. 2007, p,7.
1050
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5
2002, p. 64-65.
6
D’Adesky,2006, p. 48.
7
Moore, 2007, p.16.
1051
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8
Sandel, 2011, p. 213.
9
O texto da Portaria não estipula índice de reserva de vagas, ficando a critério da instituição a estipulação do
percentual de reserva.
10
O registro encontra-se em ata.
1052
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03.2017.4.02.5102. Dessa forma, concretizou-se uma busca, pelas vias judiciais, da resolução
de um conflito que, no ponto de vista do canditato, havia se instaurado. Nas palavras do
Ministro do STF Luís Roberto Barroso, “judicialização representa em grande parte a
transferência de poder político para o Judiciário, principalmente, para o Supremo Tribunal
11
Federal.
Antes de iniciar o primeiro semestre de 2017, em março desse ano, o juiz da causa,
que, nesse momento, ainda tramitava em 1ª instância, na base do Poder Judiciário, portanto,
proferiu decisão suspendendo o processo seletivo. O conteúdo de sua decisão, em síntese,
questionava a política de cotas raciais no certame, bem como a probidade administrativa dos
componentes da banca avaliadora. Essa suspensão é aqui compreendida como primeira marca
institucional de silêncio, que, conforme define Orlandi, “É o silêncio da opressão”. (1995, p.
104), portanto, violência simbólica que congelou o percurso do processo. Na prática,
suspendeu também o início do período letivo, adiando o início das aulas para os alunos
aprovados.
Segundo postagem na página do PPGSD, em nota de esclarecimento na rede social
facebook,
Em decisão desse Juízo, foi suspenso o PPGSD da UFF, em hipótese levantada por
particular, mas também pelo MPF, em Ação Civil Pública. No processo existem
várias questões relevantes, entre elas a aplicação execução de ações afirmativas, a
partir da Portaria 13 do MEC.12
As duas soluções possíveis aqui a fim de fazer uma moderação de interesses, são:
1a. ) suspender o concurso em face dos erros que contém, ou 2º.) não suspender o
concurso, mas sim manter o autor-candidato no programa na qualidade de “sub-
judice”, assim preservando seu eventual direito e evitando maior prejuízo ao
andamento do Programa. Como já disse, os ônus e responsabilidade da suspensão
não são do Juízo ou do MPF, mas da própria UFF, que, embora alertada pelo MPF,
não melhorou o Edital. Não obstante isso, interessa ao Juízo providenciar a decisão
menos gravosa. A segunda solução não foi dada inicialmente pois, em princípio,
prefere o juízo não determinar isso unilateralmente, ainda mais quando há notícia
11
http://www.conjur.com.br/2009-mai-17/judicializacao-fato-ativismo-atitude-constitucionalista
12
https: //PT-br.facebook.com/permalink.php
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de que o projeto do aluno não é satisfatório. Porém, para evitar delongas para quase
uma centena de alunos a melhor solução é a segunda.”13 (Grifei.)
Uma Audiência Pública, sob a presidência do juiz da causa, foi realizada no dia 20
de julho de 2017, nas dependências da Faculdade de Direito – UFF, para o debate de três
temas: ações afirmativas, autodeclaração e nota de corte. Essa diversidade temática diluiu o
debate, invisibilizando a demanda central que deu origem à judicialização do concurso.
Nas palavras do presidente da audiência, na dinâmica da Audiência Pública, cada
um dos inscritos teria 10 minutos para falar, momento seguido de perguntas formuladas pelos
componentes da bancada, com previsão de réplica e tréplica. A primeira testemunha, uma
professora, que explanou sobre autodeclaração e banca verificadora, falou, nas palavras do
próprio juiz, durante 1h10min, entre sua explanação inicial e respostas às questões levantadas.
O segundo orador, que também representava uma fala especializada, não levou menos tempo.
O terceiro, representante cuja fala também pode ser compreendida como especializada no
lidar com a temática, não ficou longe. A “delonga”, retoma-se aqui a seleção vocabular do
juiz em sua primeira decisão judicial, contribuiu significativamente para a diluição ainda
maior dos pontos relevantes para o processo judicial propriamente dito.
Vale ressaltar que essa “aparente democratização” do desenrolar processo, não se
confirma, porque houve cortes, interrupções, imposição de sentidos e isso, como bem diz
Orlandi, tem relação com silêncio, “Poder-se-ia falar do modo como a censura funciona do
lado da opressão. Mas isto não tem nenhum mistério: proíbem-se certas palavras para se
proibirem certos sentidos.” (1995, p. 78).
13
Trecho da termo de audiência, disponível em https: //PT-br.facebook.com/permalink.php
14
Moore, 2007.
15
Moore, 2007, p. 15-16.
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Nesse momento a fala foi interrompida pelo juiz que solicitou sua identificação. E,
feita a devida identificação, a estudante continua seu questionamento:
É que nós temos aqui especialistas que não foram aceitos para falar aqui também.
E, além disso, nós temos os coletivos negros que estão fazendo a denúncia de
fraude e que tem uma ligação direta com os temas debatidos aqui, mas que não
estão tendo o direito de fala.
16
Coletivo de estudantes negros da pós-graduação do PPGSD.
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A ação de silenciamento de vozes pode ser questionada: Quem não diz? Quem não
permite dizer? Por que não se permite dizer? Para quem não se diz? O que não se diz? A
resposta talvez seja a já enunciada por Orlandi: “Essa situação corresponde a uma forma
direta e sem sutilizas da política do silêncio, ou melhor, do silenciamento: se obriga a dizer
“x” para não deixar a dizer “y”. (1995, p.83).
Os silêncios impostos pelo processo de judicialização contribuem para silenciar a
efetiva presença dos alunos cotistas, mas não só, também a dos autodeclarados negros
aprovados na ampla concorrência, apagando o sujeito, invisibilizando sua existência em mais
um espaço institucional, o que configura uma prática de reprodução da estrutura social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
D’Adescky muito contribui para apontar marcas muito significativas nesse processo
ao qual foi submetido o PPGSD. De acordo com o pesquisador, “há ainda uma longa trilha a
ser percorrida, no sentido do encontro de uma sociedade menos desigual. Do mesmo modo,
tanto as políticas de ação afirmativa, como o cenário socioeconômico recente de queda das
assimetrias sociais e raciais estão sujeitos a sérias ameaças. (2015, p. 26).
Ora, mesmo com as transformações que marcam o cenário da graduação em Direito
da UFF, na pós- graduação, cujo processo inicia-se em 2017, as barreiras iniciais ainda não
foram superadas. Por isso a importância de, já neste momento, romper o silêncio institucional,
que tem relação com racismo institucional, apontando o silêncio e significando-o. Mesmo
sendo um enfrentamento difícil, significa movimento no sentido de fazer valer direitos que
são hoje constitucionalmente garantidos.
REFERÊNCIAS
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Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
17
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http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/).
1057
ENSINO JURÍDICO NO BRASIL:
A PREPARAÇÃO MULTIFUNCIONAL
RESUMO
A pesquisa visa analisar a questão da preparação do estudante de direito brasileiro em comparação com
a preparação jurídica de outros países, diante da ausência de necessidade de curso de formação
específica para certas atuações profissionais após a conclusão da universidade, como ocorre na
advocacia. Analisam-se ainda os casos em que apesar de ocorrer curso de formação após a aprovação
em concurso público, a duração do curso pode não ser suficiente para a preparação de profissionais que
ocuparão importantes cargos. O objetivo é analisar os problemas gerados por esta formação
multidisciplinar e verificar possíveis impactos no desempenho profissional dos operadores do direito.
Como fonte de pesquisa serão analisados editais de Concursos Públicos e do Exame Nacional da OAB
para verificar os requisitos de ingresso e eventuais necessidades de cursos preparatórios para o
exercício da função.
ABSTRACT
The research aims at analyzing the issue of the preparation of the student of Brazilian law in
comparison with the legal preparation of other countries, due to the absence of a need for a specific
training course for certain professional activities after the university conclusion, as in the law. It is also
analyzed the cases in spite of the fact that a training course takes place after the approval in public
competition, the duration of the course may not be sufficient for the preparation of professionals who
will occupy important positions. The objective is to analyze the problems generated by this
multidisciplinary training and to verify possible impacts on the professional performance of the
operators of the law. As a source of research, public tender bids and the OAB National Examination
will be analyzed to verify entry requirements and possible needs for preparatory courses for the
exercise of the function.
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INTRODUÇÃO
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1
Fonte: https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/noticia/brasil-tem-mais-faculdades-de-direito-que-china-
eua-e-europa-juntos-saiba-como-se-destacar-no-mercado.ghtml
2
Fonte: https://jota.info/carreira/oab-registra-1-milhao-de-advogados-em-seus-quadros-18112016
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3. DIREITO COMPARADO
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Acho que o primeiro fato que precisa ser observado quanto às faculdades de Direito
nos Estados Unidos é que elas fazem parte de uma estrutura de pós-graduação.
Após terminar o Ensino Médio, o estudante norte-americano ingressa no “college”,
que geralmente integra uma universidade (embora possa existir de forma
autônoma) e outorga títulos equivalentes ao curso superior no Brasil, como o de
bacharel.
Após concluir essa etapa, o estudante pode se candidatar ao ingresso em uma
faculdade de Direito. Uma das implicações mais notáveis dessa diferença é que os
alunos são mais “velhos” que nos cursos jurídicos brasileiros. Não é raro encontrar
calouros com 27 anos nos corredores das faculdades nos Estados Unidos. Outra
consequência é que os alunos têm mais experiência profissional, já que muitos
preferem trabalhar após concluir o “college” e só então decidem ingressar na
faculdade de Direito. (DE MACEDO, 2013, p. 21)
Apenas para deixar claro: a aula consiste em resolver os problemas. Eles não são
complementos ao que o professor ensina.
O que acabo de explicar não se confunde com o “estudo de caso” (algo muito
diferente). Neste há um caso (geralmente um precedente importante) decidido por
um tribunal (talvez a Suprema Corte) e os alunos devem saber o que aconteceu
(entender os fatos), o que o Judiciário decidiu e o fundamentos da decisão. (DE
MACEDO, 2013, p. 24)
Um aspecto que acho interessante destacar é que, ao estudar para uma disciplina, os
norte-americanos não costumam ler doutrina. Em regra, o estudante se prepará para
uma aula apenas lendo a legislação, a jurisprudência ou um livro básico (só
explicando os conceitos mais rasos). (DE MACEDO, 2013, p. 24)
O ensino jurídico brasileiro também não é similar ao ensino jurídico europeu. Afinal
no Brasil é preciso cursar cinco anos de bacharelado, dois anos de mestrado e quatro anos de
doutorado para que uma pessoa tenha o título de doutor em direito, totalizando onze anos de
estudos.
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após três anos de curso, (2) o Master 1, constituindo um quarto ano de curso, (3) o
Master 2, constituindo um quinto ano de curso, (4) e o Doctorat, após três anos de
pesquisas e a defesa de uma tese. A obtenção do diploma de Master 1 – após quatro
anos de curso – autoriza a candidatura à profissões jurídicas como a advocacia, a
magistratura ou o comissariado de polícia. Nas Faculdades de Direito, após cinco
anos de curso e a obtenção do Bacharelado, está autorizada a candidatura a todas as
profissões jurídicas, à exceção da docência superior em Direito. Nas Facultés de
Droit, um doutorado é condição essencial para que ocorra a agregação de um
profissional à carreira da docência. (FONTAINHA, 2014, p. 71)
3
Tradução livre
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(...) o Exame de Ordem é composto por duas provas. A primeira prova é composta
de até oitenta questões de múltipla escolha, sendo habilitado para a segunda prova o
candidato que acertar ao menos metade delas, que versarão sobre as seguintes
disciplinas: Processo Civil, Processo Penal, Direito Civil, Direito Penal, Direito
Comercial, Direito e Processo do Trabalho, Direito Tributário, Direito
Constitucional, Direito Administrativo, Direitos Humanos e Deontologia. A
segunda prova é discursiva e dividida entre a “redação de uma peça profissional” –
comumente uma petição ou um parecer – e a resposta a “questões práticas, sob a
forma de situações-problema”, ambas sobre uma das matérias à escolha dos
candidatos: Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Constitucional, Direito
Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Penal e Direito Tributário. Está
definitivamente aprovado no Exame o candidato que obtiver ao menos a nota seis
na segunda prova (FONTAINHA, 2014, p. 79)
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(...) para se tornar um magistrado deve ser selecionado em uma das formas
dispostas por lei e depois ter sido escolarizado na ENM, exceto aqueles que são
dispensados. (FONTAINHA, 2014 p. 158)
4
Centres Régionaux de Formation à la Profession d’Avocat
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que no Brasil não há uma preparação específica para o cargo jurídico que
se pretende exercer, e quando há um curso de formação para aperfeiçoamento no cargo
raramente esse faz parte do processo seletivo, ou é de alguma forma condicionante ao
exercício da carreira almejada. A falta de uma formação específica para o cargo pode gerar
dificuldades para o ingressante na carreira e prejudicar sua atuação, bem como trazer
prejuízos para os jurisdicionados.
No Brasil criou-se uma indústria de cursinhos preparatórios para concursos públicos
e para o ingresso na OAB, Fontainha faz uma crítica do assunto ao dizer em seu artigo:
Não se faz a defesa aqui de que o modelo de ensino e prática jurídica do Brasil
precisa ser igual ao dos Estados Unidos ou da França, questiona-se apenas os problemas que
podem ser gerados para os jurisdicionados e para os ingressantes na carreira jurídica sem que
ocorra a preparação específica para o cargo a ser exercido.
A alteração do atual modelo de formação jurídica multiprofissional é importante
para que se possa preparar os profissionais de uma maneira mais adequada de modo a evitar
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possíveis erros por falta de conhecimento prático, além de se proporcionar uma melhor
atuação profissional.
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http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v6n1/04.pdf>. Data de acesso: 16/10/2017.
1069
Grupo de Trabalho 16
ARTE, MÍDIA
E DIREITOS HUMANOS:
O TEATRO, A FOTOGRAFIA,
O CINEMA E A TELEVISÃO
mlxx
A VERDADE DE NIETZSCHE NA OBRA
A LIBERDADE GUIANDO O POVO DE EUGENE DELACROIX,
UMA PERSPECTIVA FEMINISTA
COELHO, Naiara
Estudante de mestrado do Programa de Sociologia e Direito da UFF
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a obra A liberdade guiando o povo, de Eugene Delacroix a
partir do conceito de verdade apresentado por NIetzche no seu texto intitulado Verdade e mentira no
sentido extramoral, a partir de uma perspectiva feminista. Sem a intenção de faer uma análise artística
a perspectiva apresentado é do caráter representativo das imagens enquanto registros da história e de
como a imagem cria um aspecto de realidade. Para isso, a pesquisa traz as funções da imagem, o
contexto da Revolução Francesa, a atuação das mulheres na Revolução e a análise da obra.
ABSTRACT
The objective of this work is to analyze Eugene Delacroix 's The Freedom Guiding the People from the
concept of truth presented by NIetzche in his text Truth and lies in the extramoral sense, from a
feminist perspective. Without intending to make an artistic analysis the perspective presented is the
representative character of the images as records of history and how the image creates an aspect of
reality. For this, the research brings the functions of the image, the context of the French Revolution,
the role of women in the Revolution and the analysis of the work.
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INTRODUÇÃO
Ainda mais do que as palavras, imagens são capazes de nos contar histórias,
passadas ou inventadas repletas de ambiguidades, contradições e invisibilidades. Assim, o
presente trabalho se propõe a observar esses elementos de interpretação na obra de Eugene
Delacroix, intitulada A liberdade guiando o povo.
Essa ilustração hoje entendida como emblema da revolução Francesa nos permite
recontar a história da revolução a partir de uma perspectiva que a história não se empenhou
em fazer, a da luta das mulheres.
Considerado como o primeiro momento do feminismo enquanto movimento
organizado, a imagem símbolo da Revolução pouco e mal tem para nos dizer desse fato de
tanta importância, motivo pelo qual esta pesquisa alia a leitura da obra à perspectiva da
história feminista na Revolução Francesa.
Para melhor compreensão do tema, este artigo se divide em quatro momentos. O
Primeiro consiste na apresentação da imagem como registro da verdade, após contextualiza-se
a situação da França no período de revolução, para então se falar da atuação das mulheres no
período e, enfim, analisar a imagem proposta.
Encerra-se o trabalho apresentando as considerações finais do estudo.
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2. A REVOLUÇÃO FRANCESA
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estrategistas e burgueses que lutavam intensamente pelos seus direitos, existiram conquistas
importantes realizadas por mulheres e pouco evidenciadas.
Um desses fatos foi a Marcha de 5 de outubro de 1789, considerada a primeira
intervenção da multidão feminina na Revolução, marcou o início da participação política
expressiva das mulheres do povo no processo revolucionário.
Essa manifestação ocorreu principalmente devido a um suposto novo complô dos
aristocratas que queriam derrotar o povo pela fome. Para as mulheres do povo, era o pior dos
mundos: a escassez, os autos preços dos alimentos e o desemprego causado pela retração do
comércio da moda e da criadagem doméstica, afetados seriamente pela crescente emigração
dos nobres. Nessa situação as mulheres começaram a agir de formas não tradicionais (LEVY,
1980, p. 15), saindo em procissões e marchas rituais quase diárias.
No dia 05 de outubro, a continuada falta de pão e as notícias de ofensas ao povo por
parte dos oficiais em um banquete ocorrido em Versalhes foram o estopim de uma
insurreição. Seis mil mulheres de Paris e das regiões próximas, com a ajuda armada de parte
da Guarda Nacional, marcharam até Versalhes para levar o rei até o Palácio de Tulherias
(MARAND, 1989, p. 72), onde havia maior vigilância popular.
As mulheres conseguiram alcançar o objetivo que pretendiam e foram retratadas na
ilustração anônima, conhecida como Marcha das Mulheres.
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uma arma em cada mão que parece chamar os demais para a caminhada, como faz a mulher
no centro da imagem. Esses personagens masculinos simbolizam as várias camadas da
sociedade que agora tinham voz, como os intelectuais, operários e demais estratos da
sociedade.
Todos os personagem estão em cima de corpos, o que simboliza a derrota do
governo absolutista, eles se sobrepõem como se formassem um pedestal onde o lugar de
destaque é o da bandeira da França e da liberdade ali representada apela imagem da mulher.
Essa mulher ao centro aparece em perspectiva maior do que qualquer outro
personagem, ela também leva as cores mais destacadas e destoa dos demais ao apresentar seu
seio a mostra e os pés descalços. É ela quem guia o povo, ela representa a Liberdade que
intitula a obra.
Na imagem ela aparece vitoriosa, lembrando a imagem de uma deusa. A liberdade
vence, tem a França em suas mãos e chama por todas as camadas a lutarem com ela. Com
olhares firmes e determinados, todos caminham a frente, destemidos e certos de seus passos.
Os principais personagens se inscrevem dentro de um triângulo em cujo vértice está
a bandeira. As cores predominantes são azul, branco e vermelho – as cores da bandeira da
França, que se destacam dos tons de cinza e marrom predominantes. O branco que remete a
luz da vitória, o céu em um azul que chama à comemoração e mostra a energia de um dia
ensolarado e o vermelho sangue, cor símbolo de revoltas e sangue.
Tendo entre os personagens, o de maior destaque uma mulher, ao centro, carregando
a bandeira, em uma posição elevada e a frente dos demais, que verdade essa imagem
transmite com relação aos direitos das mulheres na Revolução Francesa¿
A Revolução Francesa, considerada o ponto inicial do feminismo e símbolo da luta
pelo sufrágio no movimento feminista, em sua imagem emblemática, retrata em destaque a
representação de um grupo de indivíduos que não foram por ela considerados enquanto
sujeitos de direitos.
Há contradição em simbolizar a liberdade com uma mulher, já que a única liberdade
de que as mulheres gozaram foi a de servir à luta, mas sem dispor de seus frutos na mesma
proporção.
A verdade para os revoltosos se manteve na imagem idealizada da mulher enquanto
deusa, mas não como cidadã real e sujeita de direitos. O contrassenso da ordem de morte à
Olympe e tantas outras mulheres que foram consideradas transgressoras por defenderem seus
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ideais são escancarados quando o símbolo da Revolução leva o rosto de uma mulher que guia
o povo, enquanto que, na realidade, elas não foram ouvidas, apoiadas ou respeitadas por eles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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TOQUEVILLE, Alexis de. O Antigo Regime e a Revolução. Vol 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
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1081
A(R)TIVISMO FEMINISTA:
INTERSECÇÕES ENTRE ARTE POLÍTICA E FEMINISMO
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar a categoria artística Artivismo, por meio da discussão sobre
as conexões entre arte, política e feminismo. Através da análise do conceito de artivismo, serão
apresentadas artistas e obras que possibilitam visualizar a arte enquanto manifestação política de
algumas das reivindicações feministas, como as produções de Bárbara Kruger, Guerrilla Girls e Márcia
X, além da modificação de uma campanha publicitária brasileira.
ABSTRACT
This work aims to present the artistic category Artivismo, through the discussion about the connections
between art, politics and feminism. Through the analysis of the concept of artivism, artists and works
will be presented that make it possible to visualize art as a political manifestation of some of the
feminist claims, such as the productions of Barbara Kruger, Guerrilla Girls and Márcia X, as well as
the modification of a Brazilian advertising campaign.
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INTRODUÇÃO
1. ARTIVISMO
Possuindo sentido amplo, o conceito de Arte tem abarcado cada vez mais variações
dentro de sua concepção principal. Hoje, longe de ser apenas o que remete à Arte Clássica,
como a mera reprodução de retratos de pessoas ou paisagens, à simples diversão das elites e à
distração das massas, a arte encontra também o seu teor político, crítico e reinvindicativo que
ultrapassa a técnica.
A essas variações da arte, principalmente a partir da década de noventa, passam a ser
utilizados diversas nomenclaturas – como ativismo, arte ativista, arte política e artivismo. etc.
(MESQUITA, 2011, p. 36). O termo artivismo surge em 2003, enquanto resposta à crítica
artística de Juliana Monachesi, que tentou relacionar a produção dos coletivos artísticos do
momento às obras dos situacionistas Cildo Meirelles, Helio Oiticica e Artur Barrio,
importantes artistas da década de sessenta e setenta, no Brasil. Segundo Juliana, os novos
artistas estariam utilizando dos mesmos meios e técnicas próprios dos situacionistas,
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2. ARTIVISMO FEMINISTA
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Assim, das mais diversas forma e mais fortemente a partir do século XX, as
mulheres, artista ou não, tem se utilizado dos métodos artísticos para a intervenção e
manifestação política da crítica a subordinação das mulheres no sistema patriarcal, como será
visto nos exemplos a seguir.
3. BARBARA KRUGER
KUGER, Bárbara – s.d.: 100% Natural e I Never Wanto To Grow. Acervo Bárbara Kruger.
Uma de suas obras mais famosas é a Your body is a battleground (Seu corpo é um
campo de batalha – tradução livre), criada em 1989 para a passeata em favor do direito de
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escolha das mulheres, no caso de aborto (ARRUDA, 2011, p. 395). A manifestação decorreu
da demanda judicial do caso Roe x Wade, onde um lado defendia o direito a vida dos fetos e o
outro, a escolha das mulheres.
4. GUERRILLA GIRLS
Guerrilla Girls é um grupo de mulheres que tem como principal objetivo questionar
como a mulher é vista no meio artístico e mostra o quão são desvalorizadas e invisibilizadas.
A primeira aparição do grupo se deu em 1987, em Manhattan, quando fizeram uma passeata
com cartazes que expunham de forma irônica “As vantagens de ser uma mulher artista”
(TAVARES, sd., p. 4), como o salário inferior a outros artistas, as múltiplas jornadas de
trabalho e os poucos convites para exposição.
A identidade real do grupo não é conhecida, pois todas utilizam máscara de gorilas e
nomes de artistas famosas já falecidas. Segundo as integrantes do grupo, essa escolha se deu
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de forma estratégica, para que o foco seja mantido nos fatos que elas questionam e para que
elas possam circular e estar em todos os lugares à vontade (GUERRILA GIRLS, s.d., s.p.).
Fonte: GUERRILLA GIRLS: NÃO PRONTO PARA FAZER AGRADECIMENTOS, 30 ANOS E AINDA
CONTAR , Abrons Art Center , NYC, 2015. Pop-up Birthday Exhibition. Acervo Guerrilla Girls
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A exposição foi bem recebida no Brasil e compôs uma série individual que deve
ficar disponível ao público, por três meses. No Brasil, também existem artistas que levam esse
tipo de crítica e conseguem visibilidade na mídia, ainda que em menor intensidade.
6. BRASILEIRAS
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A repercussão negativa fez com que a marca se retratasse com o público feminino
que também conse seu produto e, como estratégia, convidou oito ilustradoras brasileiras para
refazerem seus anúncios de forma respeitosa e positiva. Além da retirada dos anúncios
ofensivos, as novas versões foram publicizadas e a marca assumiu o compromisso de
modificar seu posicionamento.
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Outra artista brasileira de destaque é Márcia X, artista plástica desde 1980, Márcia
através de suas performances questiona estruturas culturais e institucionais de poder, por meio
d eum olhar sensível e crítico da realidade.
É a partir de 200 que Márcia tem sue trabalho reconhecido pela crítica especializada
e passa a expor em grandes evento e espaços artísticos. Suas obras, pelo alto teor crítico já
chegaram a ser inclusive censuradas em alguns espaços, como é o caso da performance
Desenhando com terços.
Nesta obra, a artista utiliza diversos terços para desenhar no chão inúmeros pênis,
numa área indeterminada. A performance, dura de três a seis horas e o público pode
acompanhar o desenvolvimento do trabalho que adquire características específicas,
dependendo da situação em que é realizado.
A proposta tem como objetivo, impactar o espectador através do uso de um objeto
que se liga ao sagrado, formando a imagem de um órgão sexual, possibilitando o
questionamento do sexo dentro da religião, do hierarquização masculina de homens nessa
crença, dos casos não relatos de abuso etc.
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Nesta performance, a artista derruba sobre si diversas latas de leite condensado, até
que fique completamente coberta, quando, então, esparrama sobre sim, através de uma
peneira, confeitos coloridos, terminando sua apresentação como se houvesse se transformado
em um tipo de doce.
Assim, podemos verificar que os questionamentos feministas são expostos através
da arte de diversas formas e em muitos países. No Brasil, ainda que com menor visibilidade, o
artivismo existe e vem crescendo com o acesso as discussões feministas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desse estudo é possível verificar que a arte tem sido um meio de
manifestação também política de mulheres que se posicionam contrarias ao padrão machista
de grande parte dos ramos profissionais. Mais especificamente a partir do artivismo feminista,
observa-se que o feminismo se torna lúdico e autoexplicativo através de imagens e
performances que representam o que é a inferiorização das mulheres.
Apesar das obras e artistas escolhidas, percebe-se que o conteúdo das obras não é
tema recente na arte, porém de pouca visibilidade e acesso, o que inclusive é motivo dos
questionamentos recentes. Além disso, muitas artistas de rua tem seu trabalho não divulgado
ou apropriado, por sofrerem de outras opressões que ultrapassam a questão de gênero, como a
questão racial e econômica.
Sendo assim, releva-se possível e pertinente a intersecção entre arte, política e
feminismo enquanto forma de manifestação artística, luta contra opressões e demonstração
das reivindicações e perspectivas dos grupos feministas.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, Lina Alves; COUTO, Maria de Fátima Morethy. Ativismo artístico: engajamento político e questões
de gênero na obra de Barbara Kruger. Revista Estudos Feministas, 2011.
BOAS, Alexandre Gomes Vilas. A(r)tivismo: Arte + Política + Ativismo - Sistemas Híbridos em Ação. Instituto
de Artes: São Paulo, 2015.
FERREIRA, Verônica C. Entre emancipadas e quimeras - imagens do feminismo no brasil. Cadernos AEL, n.
3/4, 1995/1996.
FONSECA, Rui Pedro. O activismo estético feminista de Nikki Craft. Revista Estudos Feministas, 2010.
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GUERRILLA GIRLS. Acervo. Disponível em: < https://www.guerrillagirls.com/> Acesso em: 10 out. 2017.
Helena Cabello e Ana Carceller, “Sujetos imprevistos (Divagaciones sobre lo que fueron, son y serán)”, Zona F,
Espai D’Art Contemporani de Castelló, 3 Febrero – 9 de Abril de 2000, Castelló.
Márcia X. Acervo. Disponível em: < http://marciax.art.br/index.asp> Acesso em: 10 out. 2017.
MESQUITA, André. Insurgências Poéticas: Arte Ativista e ação coletiva. São Paulo: Annablume Editora, 2011.
PINTO, Céli Regina. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. 2003.
TAVARES, Paula. Breve cartografia das correntes desconstrutivas feministas na produção artística da segunda
metade do século XX. Arte Capital, sd.
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INDIVÍDUO, SOCIEDADE E O CINEMA:
A CONTEMPORANEIDADE, O DINHEIRO
E O MOVIMENTO NA CIDADE
RESUMO
ABSTRACT
This article seeks to analyze the influence of money in contemporary times, in the direction of the use of
this instrument as an end in itself, and demonstrate how to work this implement in contemporary
society. The present study is based on the criticism of the modern world in Georg Simmel, in relation to
the advent of the monetary economy, followed by the analysis of these circumstances in social life and
the movement in the city, using the film "Medianeras", directed by Gustavo Taretto, and the
documentary "Edifício Master", by Eduardo Coutinho, as a specific reality where the city is character
along with the individuals who inhabit it.
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INTRODUÇÃO
“O dinheiro é mais livre que as pessoas. As pessoas estão a serviço das coisas”.
(GALEANO, 2009, p. 129)
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troca imediata de mercadorias e que reduz dia a dia o trabalho para o cliente.
(SIMMEL, 1903, p. 579)
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É neste viés que podemos perceber uma nova dinâmica monetária, quando, por
exemplo, a indenização por danos morais e materiais seja na ausência na prestação de
determinado serviço, ou por quaisquer que seja a ofensa, até mesmo em caso de morte, seja
em valores representados pelo dinheiro.
A sensação do “dinheiro como Deus moderno”, assim como trata Simmel, é
atingida porquanto tal “produz a expressão e a equivalência de todos os valores, unindo os
contrários e os estranhos” (SOUZA, 2005, p. 13). Essa onipotência do “Deus-dinheiro” é
circunstancialmente demonstrada quando tudo pode ser comprável e valorizado conforme
critérios monetários, tornando possível, dessa forma, relações econômicas das mais diversas
possíveis, como transações bancárias mundiais simultâneas, constituições de empresas,
compra e venda de ações, dentre outras, como até mesmo as compras feitas pela internet,
transacionando coisas e pessoas que, muitas vezes, nem se conhecem.
Dessa forma, o mundo das quantificações fez heroica a personalidade destacável
dentre as demais, distinta na medida em que foge a regra dos padrões impostos por essa nova
ordem. O que aparentemente faz da distinção “a única saída contra as patologias do cotidiano
instauradas pelo império do dinheiro” (SOUZA, 2005, p. 16), daí vem a moda, e o que
conhecemos como “alternativo”, também. Os modos de vida alternativa aos padrões
capitalistas e metropolitanos tendem a ser a única maneira de se estabelecer isento ao modelo
de vida atual das grandes cidades, porém, fugir dessa nova engrenagem econômica é cada dia
mais difícil.
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completamente apartada nas grandes cidades, estas “como grandes palcos onde os efeitos do
dinheiro podem ser mais bem observados” (SOUZA, 2005, p. 16).
1
Utiliza-se aqui os postulados de Simmel no que tange aos aspectos mais visíveis da economia monetária
emergente. É nesse sentido que ao sinalizar as grandes cidades como produto desta nova ordem, estas são vistas
como catalisadoras dos efeitos do dinheiro sobre a vida social, funcionando como uma espécie de palco.
2
Tradução livre da fala inicial do personagem Martín (Javier Drolas) no filme argentino Medianeras (2011),
dirigido por Gustavo Taretto, ao comparar a construção assimétrica das cidades às subjetivações humanas.
Trabalharemos com o longa metragem mencionado ao longo do presente trabalho.
3
“Medianeras” é a designação dada às paredes costumeiramente sem janelas dos edifícios, também conhecidas
como “paredes cegas”. Essas paredes laterais tornam-se impossibilitadas de qualquer tipo de abertura, como
janelas, devido à proximidade com áreas vizinhas. São comuns na utilização de outdoors ou qualquer tipo de
publicidade. Tal termo não se encaixaria tão bem no contexto do filme se o desenvolvimento das cidades não
estivesse intrinsicamente ligado às relações humanas. (Disponível em: <
http://portalarquitetonico.com.br/medianeras/>. Acesso em 16 jul. 2014).
4
Em termos semânticos, a palavra nos remete ao ato ou efeito de “apartar”, separar. E, ainda, no Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa, podemos encontrar sinônimos como ausência, retiro, solidão. Disponível em:
<http://www.priberam.pt/DLPO/apartamento>. Acesso em 15 jul. 2014.
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A sociedade que modela tudo o que a cerca construiu uma técnica especial para agir
sobre o que dá sustentação a essas tarefas: o próprio território. O urbanismo é a
tomada de posse do ambiente natural e humano pelo capitalismo que, ao
desenvolver sua lógica de dominação absoluta, pode e deve agora refazer a
totalidade do espaço como seu próprio cenário. (DEBORD, 1997, p. 112)
Desse modo, o cotidiano moderno na cidade, por sua vez, rege-se agora por
princípios segregatórios, os quais a transformam em uma verdadeira mise-en-scène
mercadológica, turística e consumista. Os citadinos experimentam uma cidade cada vez mais
em concreto e em obras. As suas vivências aceleradas advindas das conquistadas obrigações
da vida moderna, resultaram em um empobrecimento da experiência urbana e social daqueles
que habitam, com o crescimento, por outro lado, das barreiras sociais e dos muros, onde a
única coisa que se compartilha é a solidão.
É o que se passa no filme Medianeras com o personagem Martín, que divide sua
vida em um pequeno apartamento, e sua única interação física é com o cachorro de estimação.
O filme é uma excelente amostra da realidade citadina, onde os indivíduos não mais se
conhecem e interagem, no momento em que se tornou muito mais fácil estar “presente”
através de um sinal wireless.
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cada vez maior nas cidades, e uma massa homogênea de seres que comportam-se de uma
maneira muito semelhante. Estas pessoas geralmente trabalham para sustentar uma qualidade
de vida ao menos padrão para aquela sociedade, nem que isso signifique a “venda” de mais da
metade do seu dia, e ao chegarem no “apartamento-apartado”, normalmente cansadas,
preferem não experimentar o espaço em que vivem, e restringem a passos largos sua vivência
social.
A “falta de tempo” cotidiana, o mal do século para alguns, faz levar a crer que não
há mais tempo nem espaço para os vínculos interpessoais no espaço público. E ainda que haja
após o expediente diário, muitos preferem permanecer invólucros e estagnados em seus
apartamentos, sem mais nenhum tipo de interferência externa devido ao stress e cansaço
gerado em meio ao caos urbano.
Ao mesmo tempo em que há uma aparente necessidade de nos constituirmos em
barreiras sociais e físicas levantadas pelas cidades, surge o sentimento de estar só em meio a
multidão. Aqui se apresenta um dos principais elos com a virtualização das relações: como
afirmado anteriormente, a internet trouxe consigo uma sensação de proximidade, porém,
vazia, como é percebido no filme “Medianeras”.
Essas angústias contemporâneas retomam ao pensamento de Simmel quando este
trata da cultura do dinheiro na vida moderna. A partir da nova geração econômica e a garantia
de liberdade preconizada pelo dinheiro, ou seja, quando o homem das épocas anteriores
realizavam negócios de modo pessoal, comprometendo-se com outros individualmente bem
definidos, e hoje podemos permuta-los a nosso bel-prazer, por meio de relações anônimas e
impessoais, conquistamos uma relação de forte individualismo. Desta forma, Simmel ressalta
que
As cidades, é claro, sempre foram movimentadas, mas nunca haviam sido tão
movimentadas quanto se tornaram logo antes da virada do século. O súbito
aumento da população urbana (que nos Estados Unidos mais do que quadruplicou
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5
“Edifício Master” (2002) é um documentário brilhante que narra a experiência da vida em sociedade sob os
olhares dos moradores do Edifício Master, um antigo e tradicional edifício, que possui em média 500 moradores,
com 276 apartamentos conjugados, 12 andares e 23 apartamentos por andar, localizado em Copacabana, um
bairro cartão-postal da cidade do Rio de Janeiro, conhecida por atrair uma grande soma de pessoas de todos os
lugares do mundo, e movimentada por natureza. O cineasta Eduardo Coutinho e sua equipe alugaram um
apartamento nesse edifício por um mês, e filmaram a vida no prédio por uma semana, e o resultado pode ser visto
através das 37 entrevistas que formam o documentário, realizadas com os moradores do prédio.
6
O trecho citado é parte integrante da entrevista realizada com a Daniela, moradora do edifício Master, que se
declara portadora de neurose e sociofobia, deixando clara a sua intolerância ao modelo de vida dos grandes
centros.
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As cidades do caos e dos muros são constituídas de tal forma que permitem a
privacidade e a preservação da individualidade, e, ao mesmo tempo, facilitam o anonimato e o
desinteresse pelo outro que não seja o “eu”, constituindo verdadeiros egoísmos e
individualismos exacerbados.
É o caso de relatos como o da Daniela, que para muitos a fazem soar como “louca”,
mas pode ser percebida como uma simples consequência e resultado dos muros e impactos
causados por esse novo modelo de sociedade imposta pelas grandes cidades. Desta forma,
colocamos a cidade como personagem de uma nova conjuntura social, onde temos como
exemplos desta realidade o documentário mencionado, de maneira semelhante à forma
exposta no filme “Medianeras”.
Assim, a configuração da cidade como personagem no filme argentino conversa
com os “personagens” do documentário brasileiro. Em tempos os quais o olhar sobre o outro
é visto de forma banal, não é difícil afirmarmos que todos nós carregamos consigo as nossas
medianeras portáteis.
Seja pelo uso indiscriminado dos espaços virtuais que afastam ao pregar uma maior
proximidade, como é o caso dos aparelhos celulares, computadores e semelhantes, ou até
mesmo pela busca do elevador vazio, como é o caso da Daniela do edifício Master, o fone de
ouvido ao transitar pelas ruas, ou até mesmo um semblante de poucos amigos, todas essas
ferramentas constituem as nossas medianeras diversas dos muros de concreto.
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7
Rua dos Junquilhos, como bem relata Bourdieu, é o “conjunto de habitações heteróclitas, primeiramente
designado por iniciais burocráticas, ZUP (Zona a urbanizar com prioridade), depois rebatizada 'Vai Saint Martin’,
um desses eufemismos pelos quais os responsáveis pelas ‘operações’ de ‘desenvolvimento social dos bairros’
(DSQ) pretendem ‘mudar a imagem’ dos bairros a restaurar, é, como as populações que o habitam, o traço visível
que as políticas industriais sucessivas têm deixado, como sedimentos, sobre as antigas terras agrícolas que se
estendem ao pé do monte Saint Martin e de sua igreja romana. A torre de 14 andares foi destruída no começo dos
anos 90, não resta mais hoje em dia que um arruamento de pequenas casas geminadas, em ‘acesso à propriedade’,
ocupadas por famílias de operários qualificados, chefes de equipe ou contramestres da indústria metalúrgica que,
muitas vezes oriundos do estrangeiro, principalmente da Argélia, estão, quase a metade, desempregados ou em
pré-aposentadoria, em consequência das diferentes ‘reestruturações’ da indústria siderúrgica”. (BOURDIEU,
2008, p. 15)
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8
“É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e
aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2008, p. 118). Utilizamos aqui as referências de Foucault para sinalizar um dos
desdobramentos da era moderna no contexto trabalhado no presente artigo, qual seja, a transformação dos corpos
conforme a necessidade, sendo modelados e disciplinados conforme a atuação de poder. Um detalhamento maior
de tal conceito pode ser estudado na obra “Vigiar e Punir” de Foucault, publicado originalmente em 1975.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
9
“Tempos Modernos” (Modern Times), filme produzido pelo próprio Charles Chaplin em 1936, nos serve como
base para discussões e críticas ao modo capitalista de produção e ao liberalismo econômico. É considerado hoje
um clássico do cinema moderno, onde Chaplin mostra seu famoso personagem "O Vagabundo" (The Tramp) em
meio ao mundo moderno e industrializado, trabalhando em uma grande fábrica, sofrendo as ingerências do
sistema, e transformando-se em um instrumento mecanizado e rotinizado.
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REFERÊNCIAS
EDIFÍCIO MASTER. Direção: Eduardo Coutinho. Produção: João Moreira Salles e Mauricio Andrade Ramos.
Roteiro: Eduardo Coutinho. Elenco: moradores do edifício Master. Brasil: Videofilmes; 2002. 1 filme (110
min).
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens pós-modernas: configurações institucionais contemporâneas. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2000.
MEDIANERAS: Buenos Aires na era do amor virtual. Direção: Gustavo Taretto. Produção: Natacha Cervi e
Hernán Musaluppi. Roteiro: Gustavo Taretto. Intérpretes: Javier Drolas; Pilar López de Ayala; Inés Efron e
outros. Argentina: Eddie Saeta S.A.; Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA); Pandora
Filmproduktion; Rizoma Films; Televisió de Catalunya (TV3) e Zarlek Producciones; 2011. 1 filme (95 min).
SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, Out. 2005.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132005000200010&script=sci_arttext>.
Acesso em: 5 ago. 2014.
SINGER, Ben. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, Leo;
SCHWARTZ, Vanessa R (Org.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p.
95-123.
SOUZA, Jesse & ÖELZE, Berthold (Orgs). Simmel e a modernidade. 2ª ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2005.
TEMPOS MODERNOS. Direção: Charles Chaplin. Produção: Patríciu Santans. Roteiro: Charles Chaplin.
Intérpretes: Charles Chaplin; Paulette Goddard; Henry Bergman; Stanley Sandford; Chester Conklin e outros.
Estados Unidos: Charles Chaplin Productions; 1936. 1 filme (87 min).
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