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Dimensões da ironia na psicanálise, notadamente em Freud e

Lacan

Anteprojeto apresentado à linha de pesquisa ​Conceitos Fundamentais em Psicanálise e


Investigações no Campo Clínico
e Cultura
Área de Concentração​: Estudos Psicanalíticos
TÍTULO

​Dimensões da ironia na psicanálise, notadamente em Freud e Lacan.

TEMA

O tema a ser desenvolvido por esta pesquisa é a relação da psicanálise com a ironia,
em: 1) seu sentido de figura de linguagem e tropo, no qual a psicanálise contribui com o
conceito de chiste elaborado por Freud e posteriormente desenvolvido por Jacques Lacan; 2)
ironia como modo de interrogação próprio à posição do analista, relação esta que fora
inaugurada por Lacan e desenvolvida por outros autores psicanalistas, tais como
Jacques-Alain Miller e Serge Cottet e; 3) ironia como retórica do inconsciente, pensamento
introduzido por Paul-Laurent Assoun.

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO E LINHA DE PESQUISA

​Conceitos Fundamentais em Psicanálise e Investigações no Campo Clínico e Cultura


(Área de Concentração: Estudos Psicanalíticos)

OBJETIVOS

Objetivo Geral:

● Realizar uma sistematização das nuances conceituais do tema da ironia no


âmbito da teoria psicanalítica desenvolvida por Freud, Lacan e aqueles autores
que baseados nestes trouxeram contribuições relevantes à temática.

Objetivos Específicos:

● Desenvolver o entendimento da noção de desejo do analista tendo em vista o uso


da ironia na posição do analista, bem como a relação deste recurso analítico com
a figura de Sócrates;
● Identificar modos de usos da ironia e a pertinência, ou não, de cada um em seu
uso no contexto clínico conforme materiais bibliográficos indicam, tais como a
ironia em sentido retórico, a ironia em sua acepção de chiste, a ironia como
modo de interrogar, etc.;
● Diferenciar e especificar pontualmente a concepção de ironia conforme
determinados autores da filosofia clássica, romântica e contemporânea
(Kierkegaard, Clément Rosset, Quintiliano, Aristóteles, Bergson) e determinar a
relação das ideias elaboradas por estes com as respectivas perspectivas
psicanalíticas apropriadas;
● Estabelecer e discutir a presença da ironia na psicanálise, notadamente, no
mecanismo próprio às formações do inconsciente, perpassando o conceito de
denegação, a ironia no sintoma e a noção de retórica do inconsciente.

JUSTIFICATIVA

As razões nas quais o presente anteprojeto assenta e justifica-se são divididas em três:
A primeira refere-se à importância da temática ao campo psicanalítico conforme
autores cuja produção de trabalhos na área indicam, desde Sigmund Freud a Jacques Lacan,
sendo desenvolvida ainda posteriormente por Paul-Laurent Assoun, Serge Cottet e
Jacques-Alain Miller, chegando a ser colocada por este último como uma forma de prática
clínica correspondente às últimas elaborações de Lacan, qual seja: a Clínica irônica, tal como
o trabalho homônimo de Miller apresenta.
A segunda razão estabelecida para o desenvolvimento deste trabalho emana da
constatação de que poucos foram os trabalhos produzidos cujo enfoque seja afim ao que esta
pesquisa propõe, principalmente entre aqueles fabricados em território nacional. Neste âmbito
o que se encontra na bibliografia recenseada é: um capítulo de Marco A. C. Jorge que dedica a
analisar a ironia na obra dos chistes de Freud; e seis artigos, (a maioria derivados de trabalhos
mais extensos, tais como livros, teses e dissertações) um por Antônio M. R. Teixeira, um por
Marie-Jean Sauret, um por Ines R. B. Loureiro, um de Ramon A. Souza, um por Anna L.
Kauffmann e um de Leila R. Coelho, cada qual ao seu modo retratando a temática da ironia e
alguma relação desta com a psicanálise, entretanto, destes, apenas o primeiro artigo
corresponde especificamente à mesma perspectiva desta pesquisa, sendo o capítulo publicado
por Marco A. C. Jorge e o artigo de Ines Loureiro materiais que tangenciam a proposta desta
pesquisa, porém em menor medida.
O levantamento bibliográfico acima exposto caracteriza, portanto, a realização que
este anteprojeto se propõe como um trabalho que em sua maior extensão apresenta uma
relação de pensamentos e desenvolvimentos da teoria psicanalítica, que apesar da atualidade,
pode trazer novos horizontes conceituais no que concerne ao campo psicanalítico brasileiro,
isto devido, principalmente, à diversidade dos materiais acerca da ironia já produzidos a
serem coligidos e cotejados.
Por fim, a terceira razão reside na lógica própria à ironia e nos modos de seu uso e
aparecimento na cultura que a tornam um fenômeno que, desde Sócrates até Lacan, tornou-se
objeto de estudo por diversas escolas e tradições filosóficas, de lingüistas e psicanalistas.
Assim, relacionar o que se produziu acerca da ironia, de modo muito específico e pontual da
filosofia clássica até a filosofia contemporânea, com a respectiva visada psicanalítica sobre os
mesmos pensamentos, os pontos de incidência na qual a forma de analisar o mesmo fenômeno
ora coincide, ora se distancia da psicanálise, mostra outra faceta do projeto aqui em questão
que contribui no esclarecimento daquilo que é específico do campo de estudos e práticas da
psicanálise acerca da ironia, assim como também circunscreve os lugares onde filosofia e
psicanálise comunicam-se e, por implicação, reserva o espaço que somente interessa ao
discurso filosófico.
Igualmente, desvelar os mecanismos pelos quais a ironia opera, as condições da
possibilidade de sua emergência no discurso, os efeitos clínicos quando realizada pelo
analista, o que pode indicar ao clínico quando é o analisante que a utiliza, dentre outras
dimensões e manifestações da ironia, configuram como dados e questões que visam ao
aprimoramento do campo psicanalítico. Por todas as razões acima mencionadas, a linha de
pesquisa que este anteprojeto melhor enquadra-se é a de ​Conceitos Fundamentais em
Psicanálise e Investigações no Campo Clínico e Cultura, cuja área de concentração
correspondente é a de Estudos Psicanalíticos.

REFERÊNCIAS TEÓRICAS

A ironia possui uma extensa historia. Diversos autores contribuíram para sua difusão,
alguns assim o fizeram através de dedicação à investigação de seu sentido, outros pela
freqüência desta em seus escritos, tendo sido explicitamente evocada em determinados casos
ou ainda mesmo que apenas tacitamente. Segundo D. C. Muecke (1995) são notados usos e
discursos sobre a ironia desde a antiguidade grega com poetas e filósofos como Homero,
Ésquilo e Platão, sendo o último conhecido por ter associado indissoluvelmente a figura de
Sócrates à ironia, tal como Xenofonte e Aristófanes também vincularam. Posteriormente, na
Roma antiga podemos citar Cícero, Horácio e Tácito; durante o Renascimento encontramos
formas de ironia registradas em Boccaccio e Ariosto na Itália; em Shakespeare, na Inglaterra
durante o Período elisabetano, e também em Cervantes, na Espanha. Ainda, para
mencionarmos mais alguns exemplos notáveis, encontramos registros de ironia no Iluminismo
em Voltaire e Diderot; durante o romantismo alemão, com autores como August Schlegel e
Søren Kierkegaard até autores mais contemporâneos como Henry Bergson, Gilles Deleuze,
Franz Kafka, Paul de Man, Richard Rorty, Jacques Derrida e Clément Rosset. Uma lista
completa de todos os autores que poderíamos categorizar no rol supracitado seria dificilmente
concluída, mas estes já mencionados bastam para que se tenha uma breve ideia do amplo
alcance da infiltração da ironia na história da cultura ocidental.
Se identificar traços de ironia em uma exaustiva lista de autores reconhecidos
mostrar-se-ia uma tarefa impossível, conceituar univocamente um sentido ao vocábulo ironia
seria uma realização mais difícil ainda. Esta opinião encontra respaldo, por exemplo, em De
Man (1996), para o qual:

Em verdade há um problema fundamental: o fato de que se a ironia realmente fosse um conceito seria
possível dar uma definição da ironia [...] Parece impossível se apossar de
uma definição [da ironia], e isto está inscrito em certa extensão na tradição
1
da escrita dos textos. (p. 164, tradução nossa).

Entre as conotações mais conhecidas para a ironia tomemos três e analisemos,


exclusivamente como forma de reforçar nosso argumento e ilustrar o que dizíamos
anteriormente. São estas: 1) ​dizer o contrário daquilo que se pensa; 2​ ) ​fazer entender o
contrário daquilo que se diz; e​ ​3) ​representação pelo oposto.​ Respectivamente, atribuída a
primeira noção a Kierkegaard (1991), a segunda a Quintiliano (2006) e a terceira a Freud
(1969). ​Temos, pois, uma primeira concepção da ironia conforme o uso retórico que enfatiza a
diferença entre o dito e o pensado, uma segunda, na qual a ênfase recai sobre a compreensão
do interlocutor, aquele que é suposto entender a distância entre o dito e o pensado, e uma
terceira, para a qual a representação é o elemento mais importante. Todavia, todas têm em
comum a ideia de que na ironia a contrariedade é um aspecto fundamental, este sim poderia
ser grafado como o ponto essencial da ironia, ao menos em seu sentido no uso retórico. Um

1
​There is indeed a fundamental problem: the fact that if irony were indeed a concept it should be possible to give
a definition of irony. (…) It seems to be impossible to get hold of a definition, and this is itself inscribed to some
extent in the tradition of the writing on the texts.
hiato cuja natureza seja antitética, seja sobre o representado e a representação, entre o dito e o
pensado, ou mesmo sobre a falsidade e a verdade.
Mas se esta forma de proceder pode parecer verídica neste pequeno exame e
começamos a crer que definir o que é a ironia não seja assim algo tão complicado, outras
concepções sobre sua significação, como, por exemplo, mesmo em Kierkegaard (1991),
quando estabelece a existência de uma ​ironia contemplativa diferenciando-a da ​ironia
executiva (​ p. 220-221), mostram-se tão díspares em relação às aqui apresentadas que
novamente caímos em aporia e seu sentido torna-se novamente obnubilado. Igualmente, tal
como Kierkegaard que fizera algumas subdivisões em relação à ironia de modo a poder
organizar suas características em relação aos autores que anteriormente dela trataram, Muecke
(1995) realiza outras que abrem novas perspectivas à investigação do sintagma. Para este,
poder-se-ia separar a ironia entre: Ironia instrumental, Ironia do destino, Ironia verbal, Ironia
literária, dentre outras formas.
No mesmo sentido, recuperando brevemente as primeiras tentativas registradas de
significar o termo deparamo-nos com a mesma dificuldade.
Na Grécia antiga, Aristóteles, um dos primeiros autores a se preocupar em abstrair o
fenômeno da ironia, distinguia entre ​eironeia ​e ​alazoneia, dissimulação autodepreciativa e
dissimulação jactanciosa, respectivamente. A primeira, a ​eironeia, ​estaria mais para algo da
ordem de uma simulação de modéstia, uma forma de dissimulação superior à outra, a
alazoneia​, que poderia ser traduzida do vocábulo grego como fanfarronice.
O termo ​eironeia aparece pela primeira vez na ​República ​de Platão sendo utilizada
por Sócrates no sentido de “uma forma lisonjeira, abjeta de tapear as pessoas” (MUECKE,
1995, p. 31). O ​eiron c​ onforme o político Demóstenes o via, é: “aquele que, alegando
incapacidade, fugia de suas responsabilidades de cidadão” (MUECKE, 1995, ​p. 31), já para
Teofrasto, o ​eiron s​ eria aquele que “era evasivo e reservado, escondia suas inimizades,
alegava amizades, dava uma impressão falsa de seus atos e nunca dava uma resposta direta”
(MUECKE, 1991​., p​ . 31).
Por outro lado, o ​alazon corresponde à figura do zombeteiro, do fanfarrão, do
indivíduo que dissimula, não a fim de parecer pequeno, tal qual um ​eiron c​ omo Sócrates, mas,
sobretudo, a fim de se vangloriar e parecer grande aos demais. Deste modo, o ​alazon
caracteriza-se como aquele sujeito que se mostra fingidamente confiante, ao passo que o ​eiron
resume-se bem na figura do fingidamente modesto.
Já para Cícero, a ironia não teria tal pretensão abusiva como na Grécia antiga,
consistindo, principalmente, como figura de retórica, ou conforme Muecke (1995) indica:
“como a ‘pretensão amável’ totalmente admirável de um Sócrates, ironia como um hábito
pervasivo do discurso.” (p. 31).
A despeito da dificuldade de se objetivar um sentido único para a ironia, Freud tratou
desta diretamente em sua obra ​Os chistes e sua relação com o Inconsciente (1905),​

enquadrando-a como uma dentre as onze técnicas de elaboração de chiste. Lá ele nos diz: ​“A
única técnica que caracteriza a ironia é a representação pelo oposto” (FREUD, 1969, p. 76)​.
No entanto, embora não tenha desenvolvido sistematicamente esta noção, Freud a
assenta e redige algumas páginas para exemplificar o que entende por ironia no campo dos
chistes. Mas antes de abordar dos pormenores de seus exemplos, cabe aqui uma consideração
preliminar a respeito do que seja o chiste tal como o considerara.
Para Freud (1969), os chistes (​Jokes ​conforme a tradução inglesa de James Stratchey
para a palavra ​Witz,​ como consta originalmente em alemão, e ​Mot d’esprit t​ al como preferiu
Jacques Lacan empregar em francês o mesmo termo) são uma espécie de produção verbal
capaz de provocar riso e/ou gerar prazer, tanto para aquele que o elabora e o enuncia, quanto
para o interlocutor ​(p. 36). ​Por conseguinte categoriza-o como um dos fenômenos do cômico,
tal como o humor também o é. Entretanto, nem o humor nem os chistes subsumem-se na
categoria do cômico para Freud, e isto por razões específicas, pois o cômico corresponde a
algo que se constata e seja risível, já o chiste e o humor são produções, e, portanto, precisam
de ao menos um sujeito engajado ativamente para que ocorram.
Para além deste modo de diferenciar os fenômenos supracitados, qual seja, a
passividade daquele que reconhece algo como cômico e o caráter ativo, tanto do humorista
quanto do emissor de um chiste, Freud dividiu ainda os mesmos três fenômenos segundo
outra perspectiva, uma que atende mais especificamente à natureza da investigação das
relações destes com o inconsciente. Por esta via, chiste, cômico e humor assemelham-se
enquanto técnicas de extração de prazer, mas diferenciam-se conforme o recurso utilizado na
economia libidinal que realizam para a concorrência disto. Destarte:

O prazer nos chistes pareceu-nos proceder de uma economia na despesa com a inibição, o prazer no
cômico de uma economia na despesa com a ideação [catexia] e o prazer no
humor de uma economia na despesa com o sentimento. (FREUD, 1969, p.
218)
Implica-se daí que ocorre no chiste uma transgressão a ser autorizada, seja esta uma
infração em relação ao código lexical, tal como quando há a produção de um neologismo, ou
mesmo uma transgressão moral, como por exemplo, um chiste do gênero ​smut, ​ou uma ofensa
elaborada. Os primeiros, Freud (1969) os agrupou na classe que denominou de chistes
não-tendenciosos, os segundos na de tendenciosos.
Enquanto os já expostos modelos de análise dos processos psíquicos aptos à produção
do riso lançam luz sobre a dimensão econômica no curso de suas elaborações sob o domínio
inconsciente, ainda encontram-se outras concepções para estes fenômenos ao longo da obra
do referido autor. O humor pode ser visado também como um mecanismo de defesa, um
modo de um sujeito defender-se de um afeto doloroso, através do qual o humor irrompe no
lugar do afeto (FREUD, 1969, p. 212), enquanto o cômico pode ser entendido como uma
reação diante de uma situação que evoca a superioridade daquele que o constata (p. 183).
Da mesma forma, há outra característica no chiste que o diferencia radicalmente do
cômico e do humor, qual seja: a necessidade de outrem para sua efetivação. Pois se a atitude
humorística tanto pode ser dirigida a outros quanto para a própria pessoa (FREUD, 1927, p.
165), o chiste, “(...) pelo contrário, ​deve s​ er contado a alguém mais” (1969, p. 165. grifo
nosso). Sendo a ironia, ou representação pelo oposto, conforme Freud preferiu escrever na
maior parte dos casos que tratou desta técnica, uma das técnicas de elaboração de chiste, esta
também há de ser contada a alguém mais quando for produzida tal como um chiste. Contudo
Freud (1969) não restringe à ironia a peculiaridade de ser apenas um modo de chiste, mas
também um recurso que responde a outras funções, como o próprio autor destaca em uma
peça de Shakespeare na qual, em uma cena, quando diante do cadáver de César, Marco
Antônio exclama: “For Brutus is an honourable man...”, de modo que a platéia lhe devolve as
palavras no sentido realmente intencionado: “They were traitors: honourable men!” (p. 76).
Se para Freud a ironia mereceu apenas algumas páginas em sua obra sobre os chistes
(1905), encontramos ainda menos desenvolvimentos acerca desta na obra daquele que ficou
conhecido pelo seu empreendimento de um ​Retorno à Freud.​
Os elementos que localizamos no conjunto dos textos e seminários de Jacques Lacan
acerca da ironia resumem-se a: uma frase no Seminário 4 na qual Lacan a caracteriza como
um modo de questionamento (1995, pág 29), definição que se alinha em certa extensão àquela
dada por Aristóteles, e em seu Seminário 2 (1985, pág 12) a propósito da ironia socrática. De
resto, o que se identifica do significante ironia, ou mesmo de significantes relacionados, tais
como ‘irônico’; ‘​eiron’; ‘​ironicamente’; etc., nos textos e seminários de Lacan, ou não passam
de indicações de que alguém fora irônico em determinada ocasião, ou então quando o próprio
autor utilizara para indicar que está sendo, ou não, irônico, no decorrer de suas exposições.
Apesar da pouca atenção que Lacan concedeu à ironia explicitamente, Jacques-Alain
Miller, em seu texto ​Clínica irônica,​ apresenta, entre outras ideias, a de que a clínica
psicanalítica dever-se-ia orientar à maneira de uma clínica universal do delírio, supondo
assim, que todos os sujeitos são delirantes uma vez que a própria linguagem introduz o
delírio, isto é, que a estrutura da linguagem, enquanto composta de significantes articulados a
outros significantes “irrealiza o mundo” (MILLER, 1996, p. 193).
Levando em conta esta concepção do hiato que a linguagem instaura entre a palavra e
a coisa, e em determinada acepção, entre o Real e o Simbólico, Miller argumentará em prol de
que a clínica psicanalítica seja irônica, uma vez que a ironia “vai contra o Outro” (MILLER,
1996, p. 191), e desse modo visa à desrealização dos semblantes que dão consistência ao
sujeito em sua alienação imaginária, diferentemente da clínica psiquiátrica, cuja perspectiva
melhor se expressaria na forma do humor, que como o autor pontua, se “inscreve na
perspectiva do Outro” (MILLER, 1996, p. 191).
Teixeira (2010) ressalta bem esta característica humorística da clínica psiquiátrica ao
comentar uma anedota na qual um médico que estando prestes a dar alta a um paciente
paranóico lhe diz: ​“estou de olho em você, você vai se haver comigo se eu souber que você
voltou com suas histórias de perseguição” (p. 14).
Assim, longe de se colocar em uma posição de prescrição do saber, tal como a clínica
psiquiátrica que seria a representante dessa vertente, tanto para Miller quanto para Teixeira, a
pertinência de uma clínica irônica para a psicanálise ganha corpo com a ideia de que: “A
ironia é a forma cômica tomada pelo saber de que o Outro não existe, isto é, de que, como
Outro do saber, ele não é nada” e, portanto: “(...) a ironia só se exerce aí onde a queda do
sujeito suposto saber foi consumada”. (MILLER, 1996, p. 191).

MÉTODOLOGIA

Este é um trabalho de caráter teórico-conceitual que envolve a discussão da


literatura pertinente da área sobre o problema delimitado, partindo de uma abordagem
interpretativa de análise do horizonte interno de produção do campo psicanalítico
(CAMPOS e COELHO JUNIOR, 2010). Portanto, trata-se de uma pesquisa que se
caracteriza como um delineamento geral de ​pesquisa sobre psicanálise (​ CAMPOS, 2008)
na modalidade específica de ​revisão de literatura.​ Seu procedimento vai se basear na
análise sistemática de um levantamento bibliográfico prévio, que envolverá a leitura e
discussão de referências primárias e secundárias, buscando uma síntese, articulação e
sistematização da ironia na teoria psicanalítica, circunstanciada pelas discussões que
orientam o campo na atualidade.
Para tanto, esta pesquisa dependerá de adequada fundamentação teórica nos
princípios conceituais da teoria psicanalítica freudiana em geral, bem como da lacaniana em
particular. Portanto, o trabalho de pesquisa se desenvolverá apoiado em uma etapa prévia de
resgate dessa fundamentação, que foi compilada por meio dos textos clássicos da literatura
psicanalítica sobre o tema e por outros textos pertinentes no contexto da psicanálise na
atualidade. Este trabalho preliminar de fundamentação e delimitação indicou então cinco
eixos de discussão que poderão organizar esta investigação e estruturar o cronograma de
atividades. São elas: (1) Fundamentação geral da teoria psicanalítica conforme Freud
apresentou com estudo detalhado e circunscrito da sua obra no que tange ao
desenvolvimento do chiste, do humor e do cômico; (2) Desenvolvimentos de Jacques Lacan
acerca do chiste, da posição do analista e do desejo do analista; (3) Elaborações posteriores
de autores psicanalistas acerca da ironia na psicanálise, dentre os quais Jacques-Alain
Miller, Serge Cottet e Paul-Laurent Assoun configuram como mais relevantes; (4)
Recuperação da história da noção de ironia no contexto da filosofia ocidental, perpassando
por Aristóteles, Quintiliano, Kierkegaard, Bergson até Clément Rosset; e (5) Concepções de
autores de outros campos que trataram do estudo da ironia e sua história, notadamente, D.C.
Muecke, Norman Knox e G.G. Sedgewick. Sendo os três primeiros eixos os pólos
principais de desenvolvimento do trabalho e os dois últimos convindo como material
secundário para referência e balizamento teórico, estando, portanto, condicionados aos
desenvolvimentos lógicos dos três primeiros.
Deste modo, este trabalho teórico-conceitual se baseará no estudo das seguintes
obras dos autores selecionados, escolhidas pela sua proeminência e afinidade com a
temática aqui proposta, cuja finalidade é resgatar e operar com os termos tal como a
literatura revisada indicou. Assim, no eixo (1) de Sigmund Freud tomaremos como obras
principais para a efetivação desta pesquisa ​Os Chistes e sua relação com o Inconsciente e ​O
Humor, u​ ma vez que são estes os textos nos quais o referido autor desenvolve a noção de
chiste irônico, coteja e diferencia o chiste do humor e do cômico.
No eixo (2) de Jacques Lacan o Seminários 5, ​Formações do Inconsciente,​ no qual
introduz o grafo do desejo a propósito do seu funcionamento na produção e recepção dos
chistes; e o Seminário 8, ​A Transferência, q​ ue, assim como o Seminário 11, ​Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise,​ são os lócus onde se encontram as principais
referências de Lacan a Sócrates e o desejo do analista.
No eixo (3) de Serge Cottet, ​Freud e o desejo do psicanalista,​ obra na qual o autor
oferece ordenadamente a relação de Sócrates com o analista e demonstra algumas das vias
pelas quais Lacan pensou a relação entre ambos; de Jacques-Alain Miller, ​Matemas I​, no
qual, em um capítulo específico, desenvolve a ideia de Clínica irônica a partir do
pensamento de Lacan; de Paul-Laurent Assoun, ​L’ironie comme rthetorique de
l’inconsciente, ​que propõe uma perspectiva de análise da retórica de inversão como própria
ao inconsciente, e ​Ironie, Langage, Humanisme, c​ apítulo do mesmo livro que trata do uso
da ironia em alguns autores do período histórico do humanismo renascentista, entre os
quais, Montaigne e La Rochefoucauld.
Quanto ao eixo (4): de Aristóteles, ​Ética a Nicômaco, ​uma das primeiras obras
escritas que trata da ironia; de Quintiliano, ​Institutos de Oratoria, na qual o autor descreve
o que seja a ironia em seu sentido retórico e apresenta suas faces de tropo e figura; de
Kierkegaard, ​O conceito de ironia,​ que apresenta uma relação dos autores românticos, dos
irmãos Schlegel a Hegel, e suas concepções sobre a ironia, assim como discute o que fora a
ironia socrática e seu impacto na formação da subjetividade na história; de Henry Bergson,
O riso,​ livro que apresenta a diferenciação proposta pelo autor entre humor e ironia; e,
finalmente, de Clément Rosset, ​Lógica do pior, q​ ue traz uma segunda forma de
diferenciação entre humor e ironia para além da enunciada por Bergson.
Por fim, no eixo (5), D.C. Muecke, ​Ironia e o irônico, ​livro que apresenta a ironia
sumariamente no decurso da história conforme o desenvolvimento dos sentidos ao vocábulo
que foram aplicados; de Norman Knox, ​the word irony and its context​; e de G.G.
Sedgewick, ​Of irony, Especially in drama, e​ xemplares estes que em conjunto traçam as
variações e aplicações da ironia de Aristófanes até 1755, no que se refere ao uso da palavra
ironia com ênfase na literatura inglesa e latina.
Consideramos ainda muitas outras obras cuja relevância para o tema poderiam ser
analisadas, tais como ​The concept of irony¸ de De Man, ​L’ironie d​ e Vladimir Jankélevitch,
ou mesmo ​A Rhetoric of irony, ​por Wayne C. Booth, entretanto, a fim de preservar a
exeqüibilidade do projeto, a centralidade da temática aqui proposta e um espaço para o
acréscimo de obras que se mostrarem mais pertinentes ao trabalho conforme sua
consecução, optamos por apenas apresentar a relação já supramencionada.
Todavia, no que se refere às obras de Freud e Lacan, mesmo que hajam sido listados
livros, artigos e seminários específicos, estes só o foram assim dispostos pela conveniência
de organização em relação à temática e objetivos tal como estabelecidos pelo projeto, em
realidade, o conjunto dos desenvolvimentos de ambos os autores em sua totalidade poderão
ser consultados. Deste modo ressaltamos que enquanto uma análise específica pode trazer
elementos para uma apresentação concisa do tema, uma argumentação que considere as
elaborações teóricas no decurso do desenvolvimento nas quais se inserem, conforme o
momento histórico que foram introduzidas, como se relacionam a outros conceitos e
problemáticas, bem como ao corpo teórico que as sustentam, pode trazer desenvolvimentos
ainda mais sólidos.

BIBLIOGRAFIA

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Jornada Internacional de Pesquisa em Psicanálise e Fenomenologia - Pesquisa Qualitativa
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Pós-Graduação em Psicologia: PUC Campinas, 2008. p. 153-160.

CAMPOS, E. B. V.; COELHO Jr., N. E. Incidências da Hermenêutica para a Metodologia da


Pesquisa Teórica em Psicanálise. ​Estudos de Psicologia (​ PUCCAMP. Impresso), v. 27, p.
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COTTET, S. Freud e o Desejo do Psicanalista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

DE MAN, P. The Concept of Irony. In: ​Aesthetic Ideology.​ M


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Minnesota Press. 1996
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KIERKEGAARD, S. A. conceito de Ironia – Constantemente referido a Sócrates. Editoras


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LACAN, J. O seminário. Livro 2: O Eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de


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