Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
PPGAC
Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
Cadernos do
GIPE-CIT
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em
Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade
Nº 18
PPGAC
Prog rama de Pós-gra duaç ão em Art es Cênica s
Cadernos do GIPE–CIT N. 18
ESTUDOS EM MOVIMENTO I: CORPO, CRÍTICA E HISTÓRIA
Abril - 2008
Conselho Editorial
André Carreira (UDESC), Antonia Pereira (UFBA), Betti Rabetti (UNI-Rio), Cássia Lopes (UFBA),
Christine Douxami (CNPq-UFBA), Eliana Rodrigues Silva (UFBA), Makarios Maia Barbosa (UFRN),
Sérgio Farias (UFBA)
Diagramação e Formatação
Nádia Pinho - Fast Design
Capa
Estevam Neto - Fast Design
Revisão:
Daiseane da Silva Andrade
Impresso no Brasil em abril de 2008 pela: Fast Design - Prog. Visual Editora e Gráfica Rápida LTDA.
CNPJ: 00.431.294/0001-06 - I.M.: 165.292/001-60 - e-mail: fast.design@terra.com.br - Tiragem: 300 exemplares
3
SUMÁRIO
Monroe C. Beardsley
Tradução: Leda Muhana Iannitelli
O QUE ACONTECE NA DANÇA? (Trechos Selecionados) ........................................ 05
Everaldo Vasconcelos
NA PONTA DOS DEDOS: ESCREVENDO CRÍTICA DE DANÇA ................................ 14
Fábio Gatti
O MÉTODO AUTOBIOGRÁFICO COMO FERRAMENTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA
PESQUISA EM ARTES VISUAIS CONTEMPORÂNEAS ............................................. 18
Everaldo Vasconcelos
TUDO SE MOVE ........................................................................................................... 25
Gabriela Pérez
A REPADRONIZACÃO: VOLTANDO ÀS RAÍZES PARA PODER ATUAR ..................... 50
4
Peggy Hackney
Tradução: Djane de Almeida Bessa e Djanice de Almeida Bessa
FAZENDO CONEXÕES: INTERAÇÃO ....................................................................... 72
Isa Partsch-Bergsohn
Tradução: Andréia Maria Ferreira Reis
LABAN ....................................................................................................................... 101
Júlio Mota
UM PEIXE NEM TÃO ESTRANHO ASSIM: UM BREVE ESTUDO DO MOVIMENTO COR-
PORAL DE UMA PEÇA DO DV8 PHYSICAL THEATRE ........................................... 127
Monroe C. Beardsley
Beardsley foi professor de estética e filosofia da arte na Swarthmore College e
Temple University, também publicou três livros na área de estética.
Artigo Original
What is going on in a dance? In: Dance Research Journal 15/1, Fall 1982.
o palco, sob refletores, poderia configurar ou imprimir nelas uma qualidade que os
classificaria como dança).
A questão que se apresenta é evidentemente a seguinte: como é que - ou
quais são as condições geradoras que fazem - movimentos corporais ou pausas
se transformarem em movimentos poéticos e pose de dança?
(...) Dizer que o movimento é expressivo é simplesmente dizer que ele tem
alguma qualidade num grau relativamente intenso. E isto é tudo que é necessário
para que eu o considere expressivo.
(...) Na dança, as formas e características de movimento voluntário (a base
geradora) são encorajadas para permitir a emergência de novas qualidades regionais,
que por sua vez, são elevadas a um plano de percepção definido: eles são exibidos e
executados. É especificamente a execução das qualidades de volição, de desejo de
realizá-las, que as transformam em movimentos poéticos. Assim, nossa primeira
resposta à questão acima pode ser reformulada da seguinte forma:
Quando um movimento ou seqüência de movimento é expressiva
em virtude de suas intensas qualidade intencionais, eles configuram-se
como dança.
(...) Outra reflexão rumo às respostas para nossa pergunta refere-se à tentativa
de capturar a essência da dança através do conceito de representação. Certamente
representações de movimentos ocorrem em muitos níveis de abstração, dos quais
podemos destacar três deles. Na atuação teatral encontramos o nível mais realístico;
na mímica, dispensamos elementos de cena e recursos verbais abrindo espaço
para exageros. Em sugestões, meramente fazemos alusões à ação original, retirando
um ou dois movimentos, simplificando ou exagerando e misturando estes
movimentos com outros, como girar ou pular. É nesta abordagem que encontramos
outra resposta para nossa questão:
com funções específicas, não se constituem como dança. À luz desta constatação
podemos afirmar que:
Quando um movimento, ou seqüência de movimentos, não geram
ações práticas, e têm por objetivo promover prazer através da percepção
de uma rítmica, eles definem-se como dança.
(...) Se observarmos a Dança do Milho do “Pueblo”, por exemplo,
notaremos que ela não é realizada somente com a finalidade de estimular o
crescimento agrícola. A dança envolve de algum modo, aspectos de ritual. Se
esta dança acontecesse em algum Festival ou concurso, suponho que ela se
inscreveria no universo da dança.
Talvez possamos nos aproximar melhor de uma conclusão numa linha
final de pensamento. Se todo movimento da Dança do Milho for realizado a partir
de fórmulas mágicas ou regras religiosas para evocar germinação,
desenvolvimento e boa produção, podemos no máximo classificá-la como um
ritual, independente do grau expressivo que ela apresente. Se, em algum
momento do ritual, a dança ignorasse (de forma intencional) qualquer função
prática, ainda assim ela não se configuraria como dança. Contudo, se existisse
um sabor especial, vigor, fluência e expansão, além da necessária, veremos um
fluxo amplificado, ou superfluidez expressiva, que a situará no domínio que
classificamos Dança.
REFERÊNCIAS
BEISWANGER, George. Chance and Design in Choreography. In: Journal of
Aesthetic and Art Criticism 21, Fall 1962.
10
TRABALHANDO E DANÇANDO
Uma resposta ao artigo de Monroe Beardsley
“O que Acontece na dança?”
(Trechos Selecionados)
Artigo Original
Working and Dancing: A Response to Monroe Beardsley´s “What is Going on in
a Dance?”. In: Dance Research Journal 15/1, Fall 1982.
lugar de Cuba. Alguns deles podem até ser dançarinos profissionais. Eles elevam
seus machados bem mais altos do que o necessário, usam mais força do que o
requerido para sua tarefa, e talvez seu balançar se torne rítmico. Sua atividade pode
ser expressiva de um “tempero” patriótico e fervor revolucionário, mas não é dança.
Aqui temos uma acentuada fluidez expressiva, não relacionada ao objetivo prático
do evento, o qual visa o aumento da produtividade e não a demonstração da
solidariedade de classe. Certamente um jornalista poderia descrever a colheita
como uma dança, mas nós teríamos que entender isso como um corte poético,
significando “semelhança à dança”. Considerar o termo “dança” literalmente,
quando se referindo a tal evento, nos comprometeria em relação a outros balés
incomuns tais com algumas impetuosas manobras de infantaria e dramáticas
explosões de um adolescente. Se um crítico de dança analisasse esses eventos,
ficaríamos muito surpresos.
Sem dúvida, um coreógrafo poderia pegar nosso caminhão cheio de
trabalhadores, colocá-los num palco e transformar seu entusiasmo em dança.
Mas neste caso nos parece ser o ato do coreógrafo de emoldurar, ou
recontextualizar, ao invés de apresentar uma intrínseca qualidade do movimento,
que é decisivo. Em geral, quer se fale sobre dança artística ou dança social, o
contexto do evento no qual o movimento é situado, é mais significativo do que a
natureza do movimento em si, para definir se a ação é ou não dança.
A definição do professor Beardsley não apenas falha por ser suficientemente
exclusiva, mais também carece de uma inclusividade. Nós acreditamos que existem
incontestáveis exemplos de dança que não apresentam superfluidez expressiva
em seus movimentos. Um exemplo é Room Service (Serviço de quarto) de Yvone
Rainer, que foi apresentada pela primeira vez na Judson Church em 1963, bem
como no Instituto de Arte Contemporânea na Philadelphia (EUA), no ano seguinte.
Rainer descreve a dança como “um grande espreguiçar-se, com três times de
pessoas brincando de seguir o líder, ao redor de vários objetos que são arrumados
e desarrumados por um rapaz e seus dois assistentes” (RAINER, 1965, 168). Parte
da dança inclui subir em uma escada até uma plataforma e pular de lá. Um
seguimento central da apresentação na Philadelphia (e de interesse particular
nesse artigo) consistia na atividade de carregar um colchão por dois dançarinos
pelo corredor do teatro, entre a platéia saindo do teatro e retornando por outra
entrada.
12
REFERÊNCIAS
BEARDSLEY, Monroe. What is going on in a dance? In: Dance Research Jour-
nal 15/1, Fall 1982.
RAINER, Yvone. Some retrospective notes on a dance for 10 people and 12 mat-
tresses called “Parts of Some Sextets”. In: Tulane Drama Review 10, Winter
1965.
14
Everaldo Vasconcelos
Diretor teatral. Mestre em Artes Cênicas pela UFBA. Professor da Universidade
Federal da Paraíba.
Resenha do Artigo
BANES, Sally. On Your Fingertips: Writing Dance Criticism. In: Writing Dancing
in the Age of Postmodernism. Wesleyam University Press, 1994. p. 24-43.
A autora Sally Banes inicia citando Edwin Denby, que fez uma paráfrase de
um texto de Goethe sobre a crítica teatral. Denby escreveu que “um crítico é
interessante se ele pode contar o que os dançarinos fizeram, o que eles
comunicaram e quão extraordinário aquilo foi”. Bannes diz que esta declaração
parece banal e até mesmo óbvia, mas ela reúne algumas complexas operações
que um crítico precisa realizar. Estas são: Descrição (o que os dançarinos fizeram
- como ele vê e sente o trabalho?); Interpretação (o que eles comunicaram - o
que a dança significa?); e Avaliação (o quão extraordinário foi? - o trabalho é
bom?). Bannes acrescenta à lista de Denby uma outra operação da crítica:
Contextualização (de onde, estética e/ou historicamente, o trabalho vem?). O
papel deste ensaio é trazer para a crítica estas atividades. O trabalho do crítico
seria completar a compreensão do espectador. Desdobrar a dança num espaço
e tempo expandido depois da realização da mesma.
Para Bannes, a avaliação é a atividade mais executada no dia-a-dia da
crítica. Esta seria a crítica incipiente - o crítico como um guia de consumo. Ela
cita como exemplo um artigo de Theóphile Gauthier sobre “Le Lutin de la Vallée”.
Gauthier explana que a chave para este balé é a dança. Ele não dá um resumo
do argumento do balé, pois considera estas informações superficiais. Ele parte
para tratar da dança de forma muito primária usando termos absolutos como
“extraordinário”, “leve”, “vaporoso”: “Mme Guy-Stephan exibe um talento natural,
15
uma extraordinária leveza, ela salta como uma bola de borracha e cai como uma
pluma ou um floco de neve. Seu pé golpeia o solo sem nenhum ruído, como os
pés de uma sombra ou uma sílfide... Ninguém poderia imaginar algo mais
iluminado, viçoso, nem mais noturnamente vaporoso, nem mais cativantemente
puro”. Gauthier usa a comparação e o contraste para tornar clara a sua avaliação
sobre a performance. Sobre a coreografia ele nos informa muito pouco. A avaliação
é feita através de metáforas que até permitem deduzir alguma informação sobre
as qualidades expressivas, no entanto sobre a coreografia pode-se aprender
pouca coisa.
Segundo Bannes, de fato, o balé clássico hoje não precisa mais ser
descrito, interpretado ou avaliado, pois o mesmo já é conhecido por todos,
sobrando apenas a qualidade da performance do intérprete para ser avaliada.
Esta tem sido uma tendência da crítica que tem o balé como referência principal.
A avaliação também pode ser aplicada à coreografia, tanto quanto à performance
do bailarino. O surgimento da dança moderna e do balé moderno fizeram surgir
também uma crítica preocupada com a coreografia. A autora chama a atenção
para a avaliação pura aquela que não revela a obra, que não auxilia na
compreensão da mesma. A avaliação seria uma responsabilidade crucial de
qualquer crítico.
A autora aborda uma outra função da crítica tomada em si mesma, em
estado puro: Interpretação. Neste processo o crítico conta o que ele pensa que a
dança significa, realiza um procedimento hermenêutico, que sonda a conotação
e a denotação dos movimentos e seus desenhos. Segundo Bannes, a
interpretação é frequentemente difícil em dança, pois diferente da linguagem
verbal, a dança sugere significados de forma aberta. Quando ela se torna muito
específica, caminha para a pantomima ou para os signos linguísticos, ou introduz
a linguagem verbal. A tarefa hermenêutica do crítico é importante, mas sozinha
resulta tão frustrante quanto a avaliação pura em si mesma.
Uma abordagem oposta à pura avaliação ou à pura interpretação é a
descrição pura. Na crítica de arte dos anos 60 a descrição foi usada como
antídoto para a ênfase exagerada na avaliação e interpretação literária. Na dança,
esta abordagem se encaixa com certa dominância nas coreografias. A crítica
16
descritiva, que tinha a filósofa Susan Sontag como importante defensora, pretendia
não interferir na realidade e respeitar a diversidade. No entanto, segundo Bannes,
esta crítica não pode dar uma estrutura para pensar um trabalho de dança ou
para compreendê-lo. A descrição precisa ser feita através de categorias
conceituais para ter significado. A descrição, tal como a avaliação, é usada de
forma diferente de acordo com o gênero focalizado.
A quarta categoria é a Contextualização. Segundo Bannes, é raro encontrar
críticas que enfoquem exclusivamente sobre a biografia, história, política ou
estética.
Bannes diz que é possível enfocar estas quatro categorias em quinze
possibilidades. Assim, uma crítica pode ser:
1. Contextual, descritiva, interpretativa, avaliativa;
2. Contextual, não-descritiva, interpretativa, avaliativa;
3. Contextual, descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
4. Contextual, descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
5. Contextual, não-descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
6. Contextual, descritiva, não-interpretativa, não-avaliativa;
7. Contextual, não-descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
8. Contextual, não-descritiva, não-interpretativa, não-avaliativa;
9. Não-contextual, descritiva, interpretativa, avaliativa;
10. Não-contextual, descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
11. Não-contextual, descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
12. Não-contextual, descritiva, não-interpretativa, não-avaliativa;
13. Não-contextual, não-descritiva, interpretativa, avaliativa;
14. Não-contextual, não-descritiva, interpretativa, não-avaliativa;
15. Não-contextual, não-descritiva, não-interpretativa, avaliativa;
Interessa à autora o rico equilíbrio entre as quatro categorias como no
número 1. Quanto à avaliação, a autora afirma que ela é feita de acordo com
algumas dimensões: tais como a moral, a política, a de raça, inevitavelmente
17
Introdução
A importância da definição dos mais coerentes métodos e caminhos a
serem utilizados na pesquisa em Artes Visuais é de extrema relevância para
atingir o objetivo desejado de forma eficaz. A escolha do método estará sempre
fadada ao tipo de pesquisa desejada. Cada pesquisa, a depender de sua
abordagem, poderá utilizar diferentes metodologias para chegar ao seu objetivo
e, desse modo, ao efetuar a escolha por um ou outro método, delimita a
abrangência de seu estudo e, assim, foca-se no objeto desejado sem que o seu
leque de interesses seja demasiado grande.
O presente texto pretende abordar e demonstrar como o método
autobiográfico é uma ferramenta bastante necessária para a pesquisa em Artes
Visuais contemporâneas. O que me levou a essa inquietação foi o Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), do qual faço parte como mestrando e desenvolvo uma pesquisa em
Artes Visuais voltada para minha produção enquanto artista.
Nesse contexto, tornou-se necessário estabelecer uma metodologia que
respondesse às minhas expectativas e que englobasse o meu objeto pesquisado
levando em consideração as questões inerentes ao meu trabalho como artista
visual. É fato que a obra de arte e sua produção estão entregues ao tempo e meio
onde foram formadas/geradas e, por isso, vale utilizar-se da autobiografia como
fator de compreensão para tais campos das Ciências Sociais Aplicadas,
19
empregado por Freud e está a luz da psicologia e não corresponde, a meu ver,
verdadeiramente àquilo que a arte produz: uma transfiguração do real. O próprio
autor se contradiz sobre esta questão quando se refere ao que diz Gombrich: “a
arte é uma resposta estética ante um problema estético, e não ante um problema
de índole psicológica” e ainda vai mais além, diz que “a obra de arte não pode ser
unicamente o resultado de uma personalidade isolada que exterioriza seus sonhos
e frustrações” (ARENAS, 1982, 67). Esclarecido tal fato, valho-me de suas
colocações quando nos diz que tal método é capaz de “transmitir a personalidade
do homem criador de imagens ordenando e classificando-as ao longo de sua
existência” (ibidem, p.56). Entendo que essa ordenação e classificação a qual o
autor se refere, nada mais são do que a memória de uma sociedade ou indivíduo
e que sem essa memória seria impossível estabelecer uma compreensão e/ou
conhecimento a respeito de um objeto.
Quando Heidegger (1999) nos fala da origem da obra de arte como sendo
ela mesma, isto é, um retorno infindável; acredito que a biografia esteja presente
nesse contexto, pois a obra só pode ser entendida, como ele mesmo diz em
alguns trechos de seu ensaio, pela compreensão da sua dimensão social. A
dimensão social contemporânea abrange não somente os grupos, mas,
principalmente a realidade do indivíduo e sua história pessoal e particular como
formas de contexto social. Desse modo pontua um conceito que denomina de
alethéia que é o fenômeno pelo qual o ser, seja este homem ou coisa, ganha
significado. Além disso, logo no início de seu ensaio esclarece que “o artista é a
origem da obra. A obra é a origem do artista” (Ibidem, p.11).
Por essa afirmação é possível entender o modo como Heidegger abarca
a contextualização social entre obra e artista. Sendo que um não existe sem o
outro e, desse modo, verifico que seria impossível, numa pesquisa em artes
visuais contemporâneas, dissociar a obra do artista e sequer levar em
consideração, ao se estudar o seu percurso e trabalhos a biografia. Por esse
fator, notifico que ao se executar uma pesquisa em artes sobre si próprio, a
ferramenta básica é o método autobiográfico como elemento de diálogo entre a
obra e seu autor.
Ao contexto social, as experiências do cotidiano, a experimentação
necessária à criação, a memória social são elementos importantes para o método
21
mas que se perpetuarão no futuro pela sua aplicação no presente. Penso que a
memória e seus desdobramentos conceituais são relevantes na produção
artística da atualidade devido à perda de identidade que os seres obtiveram com
os grandes avanços das ciências médicas e sociais aplicadas. Assim, memorizar
significaria estabelecer-se como existente.
“A memória expõe, [...], a amabilidade e a brandura ante os sabores, os
aromas, as cores, as sonoridades, as formas essenciais de uma cultura:
significantes de uma maneira de ser que a subjetividade e a intersubjetividade
compuseram de modo mais ou menos inconsciente” e também “revê o curso da
existência como heterogêneo e fértil de possibilidades imprevistas” (GONÇALVES
FILHO, 1988, 96). Possibilidades que para o artista são muito férteis no terreno
construtivo das significações da obra. Essas formas de significantes de pensar e
sentir a memória do corpo, das lembranças, das pessoas e até de nossas células
são representações muito particulares de um mundo sensorial extravagante e
vigoroso. Representações que nos fazem vivo, que nos remetem a nosso contexto
social, que nos projetam àquilo que está por vir por aquilo que já passou e nos
alimentam enquanto ser.
O importante de tudo isso é que, como Wanner (2006, 57) nos apresenta,
as “escolhas, atuações, ações, desejos, decisões, etc., fazem parte de um universo
próprio rompendo, portanto, com um mundo regido por determinações ditatoriais”
as quais o ser está submetido. Esse rompimento é um dos fatores mais importantes
para o artista visual. Por ele é possível transfigurar a realidade da vida pela ação
de criar, extrapolando as barreiras de uma sociedade cega. Para entender tudo
isso, o método autobiográfico associado às questões da memória do indivíduo é
uma maneira inteligente de se estabelecer à pesquisa em artes.
A meu ver a memória, seria hoje, o único meio que cada um possui para
ser alguém, para ser notado enquanto ser existente e dotado de experiências
únicas. A memória na arte contemporânea instaura a identidade pelo corpo e
pelas ações do corpo calcado nas experiências do indivíduo.
É importante lembrar que existem muitos estudos voltados para o método
autobiográfico, porém, eles se restringem as áreas de educação e psicologia, o
que me leva a reafirmar a necessidade de usar desse instrumental para
23
Conclusão
A memória constitui, nas artes visuais contemporâneas, um campo de
pesquisa e significação bastante relevante e, o método autobiográfico é uma
maneira de conseguir edificar uma relação de estreitamento entre as partes e
assim levantar a necessidade da aplicação de tal método como instrumento
eficaz e eficiente para a construção da pesquisa e seus desdobramentos
qualitativos no decorrer do estudo sobre o objeto. Mais especificamente, no caso
da linha de pesquisa da qual participo no PPGAV da UFBA, Processos Criativos
24
REFERÊNCIAS
ARENAS, José Fernandes. La historia Del Arte como ciencia de las fuentes y de
los documentos. In: Teoria y metodología de la historia del arte. Barcelona:
Antrophos, 1982, p. 47-68.
BUENO, Belmira Oliveira. O método autobiográfico e os estudos com histórias
de vida de professores: a questão da subjetividade. In: Revista Educação e
Pesquisa. v.28, n.1. São Paulo: USP, jan/jun 2002, p.11-30.
CATTANI, Icleia Borsa. Arte contemporânea: o lugar da pesquisa. In: O meio
como ponto zero metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre:
ed. Universidade/UFRGS, 2002, p. 35-50.
GONÇALVES FILHO, José Moura. Olhar e memória. In: O Olhar. Cia das Letras,
1988, p.95-124.
HEIDEGGER, Martin. A Origem da Obra de Arte. Lisboa: Edições 70, 1999.
WANNER, Maria Celeste de Almeida. Artes visuais método autobiográfico:
possíveis contaminações. In: Arte: limites e contaminações: 15º Encontro
Nacional da ANPAP Anais. v.02. Salvador: ANPAP, 2006, p.52-59.
25
TUDO SE MOVE
Everaldo Vasconcelos
Diretor teatral. Mestre em Artes Cênicas pela UFBA. Professor da Universidade
Federal da Paraíba.
Resenha do Livro
MOORE, Carol-Lynne e YAMAMOTO, Kaoru. Beyond Words: Movement
Observation and Analysis. London: Gordon and Breach Publishers. 1988. 305 pp.
1
Este vídeo se encontra disponível para empréstimo nas videotecas da Escola de Dança e da Escola de
Teatro da UFBA.
29
coração deste processo de observação está a questão: Por que? Por que estamos
observando? O que nós desejamos aprender? Qual é o nosso propósito no estudo
de um dado movimento? Devemos levar em conta quatro elementos: O papel do
observado; a duração da observação; seleção de parâmetros de movimento;
modo de anotar as observações. As informações colhidas através da observação
seguem o seguinte modelo de interpretação: Por comparação, das observações
leva-se em conta o conhecimento corporal e preconceitos corporais implícitos
através de um julgamento informal e registro das reações. Por correlação, das
observações, leva-se em conta o trabalho explícito de interpretação através do
julgamento formal, avaliação e pesquisa. Por contraste, das observações leva-se
em conta a visão do comportamento desejado através do ensino, direção e critica.
O capitulo 11 é dedicado a analisar quatro casos: uma sessão de aikido;
trabalhadores numa oficina; uma entrevista; uma aula de teatro. O capitulo 12 é
sobre os desafios e horizontes da observação e análise de movimentos.
36
Artigo Original
COHEN, Bonnie Bainbridge. An introduction to Body-Mind Centering. In:
KOVAROVA, Miroslava; MIRANDA, Regina. (Org.) Proceedings of
Conference Laban & Performing Arts. Bratislava: Bratislava in Movement
Association/Academy of Music and Dramatic Arts, 2006, p. 11-20.
áreas, nós mudamos a qualidade de nosso movimento. Então, nós achamos que
o movimento pode ser um caminho para observar as expressões da mente através
do corpo, e pode ser também um caminho para influenciar mudanças na relação
corpo-mente.
Em BMC, “centramento” é um processo de equilíbrio, não um lugar de
chegada. Esse equilíbrio é baseado no diálogo, e o diálogo é baseado na
experiência.
Um importante aspecto da jornada no Body-Mind Centering é a
descoberta da relação entre o menor nível de atividade dentro do corpo e o mais
expansivo movimento corporal alinhando o movimento interior celular com a
expressão do movimento externo através do espaço. Isto envolve identificação,
articulação, diferenciação e integração dos vários tecidos que constituem o corpo,
descobrindo as qualidades que contribuem para um movimento específico, como
estes tecidos têm evoluído neste processo de desenvolvimento e o papel que
eles representam na expressão da mente.
O mais sutil alinhamento, ou seja, o mais eficientemente que nós
podemos funcionar para realizar nossas intenções. Contudo, o alinhamento em
si mesmo não é o alvo, mas sim um contínuo diálogo entre consciência e ação
tornar-se ciente das relações que existem por todo nosso corpo/mente e agir a
partir desta consciência. Este alinhamento cria um estado de conhecimento.
Existem muitos modos de trabalhar na direção desse alinhamento como através
do toque, movimento, visualização, somatização1, voz, arte, música, meditação,
diálogo verbal, abertura da consciência, ou por outros meios.
1
Uso esta palavra “somatização” para engajar diretamente a experiência cinestésica, em oposição a
“visualização” a qual utiliza imagens visuais para evocar a experiência cinestésica. Através da somatização
as células corporais informam o cérebro tão bem como o cérebro informa as células. Eu extraí esta palavra
“somatização” do uso que Thomas Hanna faz da palavra “soma” para designar a experiência do corpo em
contraste ao corpo objetivado. Quando o corpo é experimentado de dentro, o corpo e a mente não estão
separados, mas são experimentados como um todo. Embora Tom falasse sobre isto durante os anos 60,
seu primeiro livro que utilizava o termo “soma” era Bodies in Revolt, o qual revelou-se em 1970. Tom
cunhou o termo “somático” em 1976 quando ele fundou e nomeou a Revista Somática Jornal das Ciências
e Artes do Corpo. Somático também nomeia um campo de estudo o estudo do corpo através da perspectiva
da experiência pessoal. Body-Mind Centering é uma pequena parte deste campo.
38
Os sistemas corporais
Nossa fundação celular, cada célula em nosso corpo tem inteligência. É
capaz de saber de si mesma, iniciando ação e comunicando com todas as
outras células. A célula individual e a comunidade das células (tecidos, órgãos,
corpo) existem como entidade separada e como uma totalidade ao mesmo
tempo. Celular personificação é um estado no qual, todas as células têm igual
oportunidade de expressão, receptividade e cooperação.
Harmonizar a nós mesmos em direção à nossa consciência celular nos
oferece um estado através do qual nós podemos encontrar o terreno onde circula
a intrincada manifestação do nosso ser físico, psicológico e espiritual.
Quando nós incorporamos ou percebemos alguma célula como única,
individual, a sensação ou qualidade mental é a mesma para todas as células.
Existe uma única inclinação. Contudo, quando nós percebemos alguma célula
dentro do contexto desta comunidade de células ou tecido específico, a sensação
ou estado da mente é único para cada tecido. Por baixo dessa unicidade estão
sensações gerais num contínuo entre ansiedade celular e facilitação, repouso e
atividade, foco interior e exterior, e receptividade e expressividade.
Sistema Esquelético: Este sistema nos provê com nossa estrutura básica de
suporte. É composto de ossos e articulações. Os ossos nos alavancam através do
espaço, sustentam nosso peso em relação à gravidade e a forma do nosso
movimento no espaço. Os espaços dentro das articulações nos dão a possibilidade
do movimento e providenciam o eixo em torno do qual o movimento ocorre.
41
Pele: A pele é a nossa camada mais externa, cobrindo nosso corpo por
inteiro. Definindo-nos como indivíduos nos distingue do que não somos. Através
de nossa pele, nós tocamos e somos tocados pelo mundo externo. Essa fronteira
exterior é a nossa primeira linha de defesa e integração. Ela estabelece nosso
tônus geral de abertura e fechamento para estar no mundo. Através de nossa pele
nós somos tanto invadidos como protegidos, é o meio pelo qual nós recebemos
e fazemos contato com os outros.
Todos os Sistemas: Enquanto cada sistema faz sua própria contribuição
separada para o movimento do corpo-mente, eles são todos interdependentes,
juntos provém uma completa estrutura de suporte e expressão. Certos sistemas
são percebidos como tendo afinidades naturais com outros.
Contudo, aquelas afinidades variam entre indivíduos, grupos e culturas.
Nós descobrimos suas ressonâncias quando conscientemente e
inconscientemente os exploramos em diferentes combinações.
Desenvolvimento do movimento
Sublinhando as formas de nossa expressão através dos sistemas
corporais está o processo de desenvolvimento do movimento, tanto ontogenético
(desenvolvimento humano infantil) quanto filogenético (a evolucionária
progressão através das espécies animais).
O desenvolvimento não é um processo linear, mas ocorre em sobreposição
de ondas em que cada estágio contém elementos de todos os outros. Pela razão de
que cada estágio prévio sublinha e dá suporte a cada estágio sucessivo, qualquer
salto, interrupção ou falha para completar um estágio do desenvolvimento pode
levar à problemas de alinhamento no movimento, desequilíbrios nos sistemas
corporais e bloqueios de percepção, sequenciamento, organização, memória,
criatividade e comunicação.
O desenvolvimento material inclui reflexos primitivos, reações de
correção, respostas de equilíbrio, e os Padrões Neurológicos Básicos2. Estas
são as respostas automáticas que acompanham os movimentos gerados
por nossa vontade.
2
O Padrões Neurológicos Básicos são uma seqüência de dezesseis padrões de movimento primários
desenvolvidos por Bonnie Bainbridge Cohen, baseados no desenvolvimento do movimento filogenético
(animal) e ontogenético (humano).
44
As dinâmicas da percepção
É através de nossos sentidos que nós recebemos informação de nosso
ambiente interno (nós mesmos) e de nosso ambiente externo (outros e o mundo).
O modo pelo qual nós filtramos, modificamos, distorcemos, aceitamos, rejeitamos
e usamos estas informações faz parte do ato de perceber.
Quando escolhemos por absorver informações, nos ligamos aos estímulos
do ambiente. Quando bloqueamos estas informações, nos defendemos destes
46
Respiração e Vocalização
Nossa habilidade para incorporar o processo estrutural e fisiológico que
dá suporte à respiração e à produção vocal nos proporciona outra importante via
para estabelecer nossa relação com nós mesmos e com nosso ambiente.
A respiração é automática. Ela é influenciada pelos estados fisiológicos e
psicológicos internos e pelos fatores ambientais externos. O modo como nós
respiramos também influencia nosso comportamento e funcionamento físico.
Respiração é movimento interno. Ela dá suporte ao movimento do corpo através
do espaço externo. Movimento, giro, altera a nossa respiração.
A respiração é organizada em padrões. Estes padrões são influenciados pelo
estímulo emocional. Eles também evocam respostas emocionais. Nossa primeira
respiração, no nascimento, influencia o padrão de nossa respiração em adulto.
47
Aplicações
Body-Mind Centering mantém-se independentemente como uma
envolvente e criativa abordagem terapêutica e educativa. Profundamente
enraizado no relacionamento entre movimento, toque, o corpo e a mente, pode
também ser aplicado para diversas áreas da experiência humana. As seguintes
descrições são alguns exemplos de como esse trabalho vem sendo aplicado.
Dança e Movimento: incrementar a técnica de dança; possibilitar um
completo aquecimento dos sistemas corporais; aperfeiçoar o alinhamento,
flexibilidade, força e integração; prevenir e recuperar lesões; possibilitar a criação
de temas para a improvisação; expandir as possibilidades coreográficas;
aumentar o vocabulário de movimento; proporcionar uma linguagem para análise
de estilos de dança históricos, contemporâneos e transculturais.
Trabalho Corporal e Massagem: comunicar sutilmente através do toque
diferenciando as diversas camadas dos tecidos; dar suporte aos múltiplos sistemas
corporais para avaliação e tratamento; criar uma ponte entre a vida, o trabalho e
o movimento ativo repadronizado, dando aos clientes um caminho para integrar
mudanças através de seus movimentos na vida cotidiana.
Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Dança Terapia e Terapia através do
Movimento: analisar e tratar através do toque, movimento e percepção, baseando-
se numa aproximação compreensiva dos sistemas corporais; promover um sutil
e envolvente suporte dos padrões de desenvolvimento do movimento; possibilitar
uma aproximação dos processos psicofísicos através do movimento, toque,
respiração e voz; e proporcionar caminhos para a percepção sublinhando os
componentes dos problemas, como por exemplo, desequilíbrios da qualidade
fluida nos distúrbios neurológicos, aspectos do desenvolvimento do movimento
apontados por um problema de joelho, desequilíbrios orgânicos influenciando
uma inabilidade para relacionar-se com os outros.
Psicoterapia: acessar a mente pelo trabalho com o corpo através do
movimento, toque, respiração, voz e percepção; os processos psicológicos
sublinhando os problemas emocionais e cognitivos; decalcar a experiência pré-
49
Gabriela Pérez
Professora da Faculdade de Arte da Universidad Nacional del Centro de la
Provincia de Buenos Aires, Argentina. Mestre em Artes Cênicas pela UFBA.
1
Termo criado por Jean Maisonneuve, citado por Dominique Picard em Del Código al Deseo. Buenos Aires.
Paidós. 1986, p.162.
2
PICARD, 1986, p.163.
51
como objeto da pessoa, mas como definição da sua própria existência. A partir de
então uma nova área do conhecimento se desenvolveu. Seu objetivo foi conhecer o
sujeito através do corpo.
Segundo Michele Mangione (In: FORTIN, 1999, 41), esse novo campo
evoluiu até a atualidade apresentando três etapas no seu desenvolvimento. A primeira
etapa se vincula com as origens do Movimento Corporalista, nos começos do
século vinte, e chega até os anos trinta. Nessa fase os pioneiros desse novo campo
desenvolveram suas técnicas. De 1930 a 1970 constitui-se a segunda fase através
da disseminação desses métodos por parte dos discípulos. Destacam-se aqui
nomes tais como Rudolf Laban, Mathias Alexander e Moshe Feldenkrais
(FRIEDMANN, 1993), cujos estudos exerceram uma influência decisiva na evolução
da área. Dos anos 70 até hoje se define a terceira fase, onde surgem diferentes
aplicações das propostas originais.
Alguns anos atrás as propostas pertencentes a este campo se agruparam
sob a denominação de Educação Somática (FORTIN, 1999). Segundo Sylvie
Fortin, a Educação Somática é o campo de estudo que “engloba uma diversidade
de conhecimentos onde os domínios sensorial, cognitivo, motor, afetivo e espiritual
se misturam com ênfases diferentes” (1999, 40). Incluem-se dentro desta
designação as práticas de Mathias Alexander (FRIEDMANN, 1993), Moshe
Feldenkrais (1977), Irmgard Bartenieff (FERNANDES, 2002, 29-86), Bonnie
Bainbridge Cohen (FERNANDES, 2002, 29-86), entre outros.
Embora cada uma delas tenha definido características particulares, o fato
de compartilhar as mesmas raízes ideológicas permite sua interação com outros
ramos do conhecimento. Articulada com as artes cênicas a Educação Somática
tem contribuído ao enriquecimento de metodologias de ensino e treinamento do
artista. Já desde as origens, as propostas de François Delsarte (ASLAN, 1994, 74-
6) e Jacques Dalcroze (PITOËFF, 1955, 4-6) articularam ambas as áreas e
introduziram inovações no campo cênico.
A estreita vinculação que se estabeleceu entre os criadores de ambos os
âmbitos constitui hoje o fundamento de nossas práticas artísticas. De fato, nas
propostas de treinamento de Constantin Stanislavsky, pode-se apreciar a
conceituação da integridade corpo/mente do ator, além de utilizar conceitos e
52
A conexão orgânica
Quando falamos de movimento, geralmente nos referimos a uma
translação de um corpo ou objeto realizado dentro de um espaço em um tempo
determinado, e utilizando uma certa quantidade de energia. O movimento é um
fenômeno muitas vezes observável. O movimento humano é um fenômeno
observável. Mas o observável do movimento humano é só um de seus aspectos. No
interior do corpo existe todo um sistema de conexões, de relações, que devem
estabelecer-se para gerar um determinado movimento. Como afirma Bonnie
Bainbridge Cohen (1993), todos os sistemas componentes do corpo interagem na
geração do movimento: esqueleto, ligamentos, músculos, tecidos conectivos,
gordura, pele, órgãos, glândulas endócrinas, fluidos; respiração e vocalização,
sentidos e percepção. É a conexão entre o sistema nervoso e o sistema muscular
a responsável pela execução desses movimentos.
Todo esse sistema de conexões geradoras do movimento nos permite
entender que o sistema nervoso não se situa só na cabeça, mas sim que todo o
organismo participa no movimento. O ser humano como sistema orgânico
integrado é protagonista do movimento. “Sustentar as formas de expressão através
dos sistemas do corpo é o processo de nosso desenvolvimento motor, tanto
ontogenético (desenvolvimento infantil humano) como filogenético (progressão
evolucionária através do reino animal)” (COHEN, 1993, 4).
Dentro desse sistema orgânico, a conexão neuromuscular define padrões
ou planos de execução do movimento. Por exemplo, as formas habituais de
relacionarmo-nos com o contexto ou com nós mesmos, as formas de alinhamento
de nossa postura. Segundo Peggy Hackney (1998, 18), um padrão de movimento
é: “… um plano ou modelo desenvolvido pelo sistema neuromuscular para
executar seqüências de movimento, as quais transformam-se num conjunto
habitual de caminhos neuromusculares que agem para cumprir uma intenção”.
Todos os padrões mentais expressam-se através do movimento, no corpo. Ao
mesmo tempo, todos os padrões de movimentos físicos são mentais. É através
dos sistemas do corpo que lidamos com as manifestações físicas da mente.
54
O pólo genético
A padronização faz parte da natureza. Todas as ordens naturais estruturam-
se em padrões. Desde seu estágio embrionário, o ser humano evolui através da
constituição de padrões. Tanto o sistema nervoso quanto o sistema muscular
evoluem estabelecendo conexões mútuas que possibilitam o desenvolvimento
motor do individuo. Os estágios de desenvolvimento ontogenético e filogenético
pelos quais passa o ser humano permitem a complexidade da motricidade que
a pessoa conquista na sua vida adulta. Este processo dá-se em forma espiralada
com cada novo nível de desenvolvimento contendo os anteriores. Cada novo
padrão motor edifica-se sobre o anterior, modificando-o.
O desenvolvimento motor compõe-se basicamente de reflexos primários,
reações de endereçamento e respostas de equilíbrio (COHEN, 1993, 20-39).
Estes padrões constituem uma continuidade de padrões automáticos de
movimento que sustentam nosso movimento volitivo. Desenvolvem-se como
resposta à interação entre nosso corpo e a gravidade, outras pessoas e o espaço.
Misturados e integrados em padrões mais complexos, estes três padrões originam
o que Cohen denominou como Padrões Neurológicos Básicos. Estes constituem-
se em dezesseis padrões de movimentos primários que combinam o
desenvolvimento motor filogenético com o ontogenético (FERNANDES, 2002,
32). Em concordância com seu desenvolvimento espiralado, qualquer interrupção
no desenvolvimento de um estágio pode trazer problemas de alinhamento motor,
desequilíbrio nos sistemas do corpo, problemas na percepção, no
seqüenciamento e na organização do movimento, na memória e na criatividade.
Em cada uma destas seis fases há padrões específicos, coordenações
neuromusculares, que podem acontecer ou não, dependendo de diversos fatores.
Mas o sujeito está capacitado geneticamente para realizar estas etapas, uma vez
que formam parte da sua evolução como ser humano. Os padrões de
desenvolvimento se estimulam naturalmente quando a natureza e o meio o exigem.
A pessoa começa a fazer um padrão de movimento quando o relógio biológico o
determina e o meio ambiente exerce uma demanda sobre ele.
55
3
Recobre-se de mielina, sustância gordurosa que envolve e isola importantes sendas nervosas. O estudo
da seqüência de mielinização sugere que quanto mais rápido um nervo se mieliniza, mais importante é essa
senda para a sobrevivência. Vide Bainbridge Cohen, B. 1993, p. 32.
56
4
O termo “Outro”, escrito com maiúscula, refere-se à terceira pessoa que media entre o sujeito e objeto.
57
tanto o esquema quanto a imagem do corpo. Todos esses processos são fases,
como denomina Lacan o Estágio do Espelho, que respondem à evolução genética
e são, ao mesmo tempo, atravessados pelas experiências relacionais do sujeito.
Podemos observar então, que: os Padrões Básicos de Desenvolvimento
Neurocinesiológico evoluem numa estreita dependência com as relações que o
sujeito estabelece em seus primeiros processos de socialização. Tal evolução
constitui-se na base de toda experiência relacional, cinestésica, motora e expressiva
do indivíduo.
5
Bainbridge Cohen, B. em “Perceiving in action”, entrevista feita por Isa Nelson e Nancy Stark Smith,
publicada na revista Contact Quarterly, Spring Summer, 1984
60
nos até que sejam realmente estimulados a existir. Como estimular então a existência
de novos padrões? Como superar as limitações ou características adquiridas
genética e culturalmente, de maneira a poder ampliar nossa capacidade
cinestésica, expressiva e criativa?
O trabalho sobre os padrões de movimento é nomeado por Cohen como
repadronização. Isto supõe uma reorganização dos processos perceptivo-motores
que originam os padrões. A padronização do movimento esta determinada pela
estrutura psíquica e física do sujeito. Portanto, no processo de repadronização,
deverão ser levados em conta todos os aspetos que se mobilizam. Em outras
palavras, repadronizar não é apenas gerar novas formas de movimento, mas sim
abrir novas possibilidades de pensamento, mobilizando couraças musculares e,
junto a estas mobilizando afetos. Ao mover-se o sujeito, se move sua historia,
impulsiva, relacional, subjetiva. O processo de repadronização é um processo
que, dependendo do grau de profundidade com que se realize, pode gerar grandes
mudanças, estruturais no sujeito.
Repadronizar implica então em dinamizar o esquema corporal - substrato
biológico - e a imagem corporal - substrato simbólico. Dolto (1994, 20), afirma
que a dinamização e a transformação, tanto do esquema quanto da imagem
corporal, sempre é possível. Ainda nos casos em que o esquema corporal esteja
danificado, por exemplo numa paralisia, a imagem corporal pode reorganizar-
se. Um sujeito pode não ter definido sua imagem corporal durante o
desenvolvimento do seu esquema corporal, devido a lesões ou doenças orgânicas
neurovegetativas precoces. Mas pode elaborar uma imagem do corpo com raiz
na linguagem. E isto segundo modalidades próprias e graças a referentes
relacionais, sensoriais e à cumplicidade afetiva com o Outro terapeuta, familiar,
professor, etc. - que o introduz na relação triangular e lhe permite aceder à relação
simbólica.
Partindo desses exemplos extremos, podemos pensar que, em esquemas
corporais “sadios” mesmo que sejam limitados, é possível trabalhar sobre a
repadronização atualizando e reestruturando tanto a conformação do esquema
quanto a conformação da imagem corporal. Mas, como afirma Cohen, há algo
de base que corresponde a nossa estrutura genética que nunca mudará, certa
61
forma de perceber e pensar e, portanto de atuar, que nos representa e nos identifica
como indivíduos. Por isso, quando falamos em repadronizar devemos entender
que por maiores que sejam as mudanças no plano simbólico, existem certas
características na estrutura dos padrões que pertencem por herança genética
ao sujeito e que são imodificáveis: “Há algo que nunca muda, que não tem idade.
Certa coisa de base é realmente estável, um ponto de vista o qual é expresso de
alguma maneira através da atividade perceptivo-motora” (COHEN, 1984, 38). O
processo de repadronização não deve pretender modificar a natureza básica,
mas ajudá-la a ser mais bem-sucedida na expressão do que se deseja.
6
Para aprofundar em cada um desses estágios vide também: Fernandes, C. O corpo em movimento.
São Paulo: Annablume, 2002.
62
geral” (REICH, 1974, 232). Como funciona esse mecanismo? A função biológica
da respiração é a de introduzir oxigênio e eliminar dióxido de carbono do
organismo. O oxigênio inspirado realiza a combustão de alimentos ingeridos.
Durante a combustão se produz calor, energia cinética e energia bioelétrica. Ao
se reduzir a respiração, se reduz a quantidade de oxigênio que ingressa no
organismo, reduzindo a combustão e, portanto, a produção de energia. Em
conseqüência, os impulsos orgânicos são menos intensos e mais fáceis de
dominar: A inibição da respiração tal como se encontra regularmente nos
neuróticos, tem, desde o ponto de vista biológico, a função de reduzir a produção
de energia no organismo, e, de tal forma, de reduzir a produção de angustia
(REICH, 1974, 240).
A herança cartesiana
A conceituação cartesiana do homem que caracterizou, e ainda persiste,
as sociedades ocidentais, foi tema central nas preocupações de Bartenieff. Ela
7
Elina Matoso define a fantasmatização como a encenação, a tradução em imagens, dos desejos “as
sensações, movimentos, percepções, emoções, se escorreriam como a água se elas não achassem seu
leito, sua ancora nas imagens”. A autora cita o Dicionário de psicanálise de Laplanche y Pontalis (Labor: Bs.
As. 1971), que define o fantasma como “encenação imaginária na qual o sujeito esta presente e que
representa, em forma mais ou menos deformada pelos processos defensivos, a realização de um desejo
e, finalmente, de um desejo inconsciente” Vide: Matoso, E. 2001, p 49-63.
65
Conceitos fundamentais
Até esse ponto temos observado como distintos investigadores vinculados
á Educação Somática manifestam a necessidade de reorganizar as experiências
perceptivo-motoras do sujeito. O objetivo comum de todos eles é promover uma
maior organicidade, beneficiando o desenvolvimento da expressividade, do
66
2 - Relação / conexão
Relação é conexão, afirma Hackney. A habilidade para criar relações
começa em nossos próprios corpos no processo de nosso desenvolvimento.
Tudo o que sabemos sobre nossas relações com outras pessoas pode ser aplicado
a nossas relações com nosso corpo. Todos estamos inseridos como parte de
algo, às vezes desfrutando das associações, outras em conflito com elas. Mas é
indiscutível: estamos conectados. Segundo Hackney, quando há seis pessoas,
há sete entidades. Nós, seres humanos, funcionamos como o faz o cérebro: em
conexões associativas. Estamos destinados a apreender sobre como
relacionarmos com nós mesmos e com outros. Nossa habilidade para fazê-lo
estabelece as diferenças. Isto significa que num nível micro com nós mesmos e
num nível macro com nosso universo estamos sempre lidando com complexos
padrões de relacionamento e essas relações estão constantemente mudando.
Por essa razão, do ponto de vista do trabalho corporal, deve-se trabalhar
sempre sobre a conexão entre as diferentes partes, reconhecendo as partes do
corpo em si mesmas como separadas, mas vivendo-as em forma interconectada
com as outras. Ou seja, o ensino e a aprendizagem do movimento é uma experiência
relacionante. Isto implica em identificar cada pequena parte como se fosse o todo.
68
3 - Mudança
Para Bartenieff, “a essência do movimento é a mudança”, o processo de
viver é o processo de aprender a viver com mudança. Como podemos educarmos
a nós mesmos para viver com esse fato estável e suas implicações móveis?
“Quando treinamos para viver em nosso mundo de constantes mudanças, treinar
para desfrutar as sempre mutantes relações que o movimento demanda, pode ser o
treinamento mais compreensivo para a inteligência básica” (HACKNEY, 1998, 17).
A essência do movimento é a mudança, mas essa mudança não é aleatória.
No processo evolutivo a mudança é relacional e padronizada. Podem-se modificar
os padrões recorrentes revisando padrões básicos. E, dado que isto é axiomático,
essa mudança é inevitável. Sempre se muda, queira-se ou não. A questão é o
quanto se deseja ativamente escolher aquelas formas que vão mudar ou aquelas
formas que vão interagir com a mudança.
Concluindo
Até aqui observamos a existência de padrões de movimento em sujeitos
que não se vinculam especificamente com nenhuma disciplina artística. Se todo
trabalho de repadronização leva a um processo de autoconhecimento e
enriquecimento das possibilidades pessoais, o ator deverá passar por um processo
de reconhecimento das relações/conexões criadas para si mesmo e para o
contexto. As técnicas para por em funcionamento um processo deste tipo são
muitas e todas, em diferentes graus, concedem benefícios.
No caso específico do ator, advertem-se dois processos de repadronização
diferentes. O primeiro é o que ele pode atravessar enquanto sujeito abordando o
estudo do movimento segundo a proposta de alguma disciplina que
70
REFERÊNCIAS
ALLISON, Nancy. The Illustrated Enciclopedia of Body Mind Disciplines.
New York: The Rosen Publishing Group, 1999.
ASLAN, Odette. O ator no século XX. São Paulo: Perspectiva, 1994.
BARBA, Eugenio. Além das Ilhas Flutuantes. São Paulo: HUCITEC, 1991.
COHEN, Bonnie Bainbridge. Sensing, Felling and Action. The Experiential
Anatomy of Body-Mind Centering. Northamptom: Contact Editions, 1993.
CUBAS, Gabriela Pérez. Os padrões de movimento no treinamento do ator:
Análise crítico descritiva da padronização do movimento e sua incidência
no desenvolvimento cinestésico expressvio do ator. Dissertação de
Mestrado. Salvador: UFBA/PPGAC, 2002.
DELL, Cecily. A primer for movement description. Using effort-shape and
supplementary concepts. New York: Dance Notation Bureau, 1977.
71
Peggy Hackney
Professora do Programa de Estudos do Movimento Integrado, em Berkeley,
Califórnia e Analista de Movimento pelo Instituto Laban/Bartenieff de Estudos
do Movimento em New York.
Texto Original
HACKNEY, Peggy. Making Connections. Total body integration through
Bartenieff Fundamentals. Amsterdam: Gordon and Breach Publishers, 1998,
p. 201-216.
Nós chegamos agora em uma fase de estudo [deste livro] que não diz
respeito a desenvolver novas habilidades específicas da articulação corporal.
Nem é simplesmente sobre reunir todas as habilidades que nós já temos e
combiná-las de formas diferentes. Esta próxima etapa trata do uso de todos os
padrões de movimento e habilidades que nós adquirimos, de tal forma que o
“todo é mais do que as partes”. Cada habilidade torna-se “mais” porque as
habilidades individuais são vistas de acordo com as relações que existem entre
elas e como podem contribuir para nosso propósito maior de vida. Neste ponto,
devemos incluir a sabedoria do contexto. Esta é a hora de se fazer perguntas
significativas e com objetivo em nossa vida movente. Este é o momento de
ser sensível às habilidades que melhor servirão em uma situação específica e
como expressar o que nós sabemos; dessa forma, nos tornaremos melhores.
Este é um tempo de integração.
1
Random House College Dictionary, p. 692.
74
Por que eu quereria habilidades que se ajustem àquilo que eu conheço num
nível pré-verbal num nível de conhecimento corporal? Como esse Conhecimento
Corporal está relacionado a outras formas de conhecimento as quais eu já
emprego? Estudar os Fundamentos [Bartenieff] ou a Análise Laban de Movimento
é “significativo”? O que seria significativo em minha vida, em nosso mundo hoje?
Quais são as mudanças de relacionamento, os padrões de movimento, em minha
vida, em meu mundo? Como compreender significado em movimento e processo
de mudança ajudaria a se viver uma vida mais plena?
Não existe uma resposta para qualquer uma dessas perguntas. Cada um
de nós responderá às perguntas da nossa própria maneira. Cada um de um nós
terá perguntas diferentes que nos importam mais. O importante é que nós
realmente nos empenhemos em questões que sejam mais importantes para
cada um de nós.
Esse tipo de questionamento parece ser um grande salto com relação
àquelas questões detalhadas sobre articulação corporal com as quais nós
trabalhamos nos capítulos anteriores. Por um lado isso é verdade, por outro não
é um salto tão grande. Felizmente, as sementes para essas questões têm sido
plantadas desde os primeiros capítulos no trabalho que nós temos feito
relacionando movimento ao imaginário interior e aos processos de vida pessoal.
Talvez nós estejamos discutindo aqui duas categorias diferentes de
integração:
a. Integração corporal usando movimento Integrando os vários padrões
corporais e fraseando-os para uma possibilidade de movimento mais plena.
b. A Integração de Movimento e Conhecimento Corporal para a Vida.
Por extensão, existem duas categorias, mas isso também é uma questão
vaga, mais difícil do que dizer “o que veio primeiro, o ovo ou a galinha?”. Pode-se
lidar com cada uma separadamente, mas minha opinião é de que elas são mais
efetivamente ligadas, pela seguinte razão:
Assim como nós abordamos INTEGRAÇÃO, nós estamos,
simultaneamente, integrando os estágios que experienciamos para nos criarmos
corporalmente e também o processo que nós experienciamos para reconhecer
77
Polaridades
Muito da educação escolar que nós recebemos está baseada em ver os
assuntos como se existissem apenas duas escolhas para resolvê-los. Nós somos
encorajados a “tomar partidos” e a aprender a sustentar nossa opinião (similar
aos estágios Superior-Inferior ou Homolateraridade no desenvolvimento corporal).
Lidar com questões por meio de formas Ou isso/Ou aquilo ou Polar é uma fase
útil, mas que é tentadoramente simplista demais. Às vezes, nós lutamos com nós
mesmos dessa forma, assim como quando nos tornamos muito identificados
com um aspecto do nosso ser (i.e., Corpo sobre Mente ou vice-versa). Este tipo
de pensamento não é sempre algo ruim. Na verdade, o dualismo é parte do
processo de desenvolvimento da “individuação”... proveniente da unidade com a
mãe para ser uma pessoa separada. Isso também é uma parte do ritmo da vida
básico da respiração... inspirar/expirar. Polaridades estão sempre conosco e os
opostos polares nos servem de forma bastante útil no processo de diferenciação.
Num estágio no qual nós precisamos fazer distinções para crescer e progredir, é
útil ter definições claras de opostos para nos guiarmos e darmos forma a nossas
2
Obra traduzida para a Língua Portuguesa com o título A Sabedoria Necessária. (N.T.).
80
polaridade e abarcar o todo maior que contém ambos (ou talvez até mesmo mais
elementos) é importante que nós estejamos envolvidos com a vida de maneira
integral. Estes pontos podem parecer evidentes, ainda que algumas polaridades
(tais como Certo/Errado, Com Forma/Disforme, Gracioso/Desajeitado ou Interno/
Externo) parecem mais difíceis de compreender e nós nos tornamos mais
facilmente identificados com a verdade de um pólo. Enquanto nós tentamos
compreender o todo maior que contém essas partes, é importante desenvolver
habilidades para nos movermos além das polaridades. O primeiro estágio em
mover-se além da polaridade é localizar que polaridades são realmente eficazes
em uma dada situação.
É sempre útil identificar suas próprias inclinações polares, talvez até mesmo
simplificando-as, antes que você tente se mover além delas. E assim, nesse ponto,
eu estou percebendo que, freqüentemente, eu me encontro “no lado do movimento”.
Por exemplo, eu me descubro quase que dando um sermão sobre a importância
do movimento e do corpo quando eu estou discutindo “conhecimento”. Algumas
vezes é necessário, uma vez que quase 100% de nossas instituições acadêmicas
desconhecem o conhecimento que é baseado no corpo. Por ser uma voz do pólo
oposto numa instituição acadêmica, eu posso servir para chamar a atenção para
essa parte esquecida e, esperançosamente, encorajar uma discussão mais
abrangente sobre o que está incluído em “saber”. Se, todavia, eu não olho para um
todo maior, eu estarei causando um prejuízo a mim mesma e à instituição.
Movimento e Conhecimento corporal não são “A Resposta” em Educação. Eles
são simplesmente partes importantes do todo partes das muitas formas de
conhecimento.
Se você é um profissional do movimento, você pode querer avaliar suas
próprias crenças. Você se encontra profetizando em favor do movimento. É melhor
estar consciente de que pode haver um contexto no qual o movimento não é o
meio mais apropriado de exploração. Tendo dito isto, eu percebo que este é um
livro sobre movimento, e assim eu continuarei com aquela premissa. Vamos
examinar um pouco mais as polaridades.
Eu percebo que, involuntariamente, os professores de dança, às
vezes, se referem a categorias como pessoas de movimento ou não. Esta
é, obviamente, uma categorização estranha e um tanto inútil. Todas as
pessoas se movimentam! Às vezes, elas simplesmente se movimentam num
âmbito menor e talvez menos visivelmente. Algumas pessoas se identificam
como DANÇARINOS, e outras se referem a si mesmas e aos outros como
NÃO-DANÇARINOS. O não-profissional também dança! Vale a pena prestar
atenção num contexto específico para se descobrir quando estas distinções
são úteis e têm significado... e quando elas são limitadas. Você pode querer
ir devagar para avaliar suas próprias categorias com relação ao Movimento.
Quais são algumas das polaridades que lhe ocorrem?
83
Interno-Externo3
Uma polaridade que vem logo a minha mente é “INTERNO-EXTERNO”.
Antes que você prossiga na leitura, pare um momento e deixe que suas próprias
associações para estas palavras venham de sua consciência. Dentro da área de
estudo do movimento, quando você ouve a palavra “INTERNO” o que vem à sua
mente? E quando você ouve a palavra “EXTERNO”?
Eu passei um bom tempo dos últimos anos do meu processo pessoal
e da minha vida profissional, observando alguns assuntos importantes na
Dança e também me tornando ciente das várias posturas polares que,
freqüentemente, são tomadas para se lidar com eles. Eu estou
profundamente entristecida pelo conflito que continua dentro da área da
Dança. Parece que nós estamos paralisados, porque somos incapazes de
ir além das polaridades em nossa abordagem.
Por exemplo, uma questão maior na Dança é “Como podemos treinar os
artistas?” Abordagens polares que parecem, de certa maneira, estarem
relacionadas com “INTERNO-EXTERNO” são:
1. “Dê aos estudantes a oportunidade de se moverem a partir da sua própria voz
interna eles precisam atender a seus próprios impulsos de movimento”.
2. “Ensine-os as habilidades que eles precisam conhecer para as exigências
EXTERNAS da área eles precisam ser capazes de pular alto, fazer rotações
múltiplas, equilibrar-se em uma perna de determinada forma etc. Dê a eles
treinamento rigoroso na Técnica da Dança”.
Como você pode ver, um pólo vem de uma perspectiva “Deixe o talento
artístico emergir de um mistério informe”; enquanto no outro pólo está claro que
“Os artistas precisam de habilidades formais dê a eles as habilidades e eles
podem usá-las criativamente”. Ah... e então, o outro pólo retorna para dizer, “Mas
como, se eles não têm criatividade nenhuma depois de todo o seu treinamento
técnico talvez eles não tenham nenhuma idéia do que eles queiram 'dizer'. Arte
3
Traduzimos neste texto “Inner-Outer” como Interno-Externo, no entanto, estes termos fazem referência a
um crescente no qual seu significado é “Mais Interno-Mais Externo”.
84
não é sobre formas externas, mas sim uma expressão de uma vida interna.”... A
discussão continua de um lado pro outro entre os pólos. E não é só uma simples
discussão; companhias inteiras de dança, e programas de dança na Universidade,
estão organizados de cada lado... ou entrando em conflito por causa das
polaridades.
O que seria uma abordagem integral para esse assunto? Não haveria
nenhuma “resposta” correta. Quando você se envolve com a questão, talvez
valesse a pena ficar de um lado da sala e se expressar a partir de um pólo e
depois mudar para o ouro lado e falar a partir do outro pólo. Você poderia querer
deixar uma parte de seu corpo seguir um dos pólos e a outra parte seguir o outro
pólo. Ao fazer isso, você provavelmente começará a perceber que o todo maior
pode compreender ambos os pólos. Se você é um educador, você também está
consciente de que há pontos do desenvolvimento específicos para cada idade a
serem incluídos no treinamento dos artistas. E se você é um administrador, você
sabe que qualquer professor pode não ter as habilidades para ensinar tudo.
Como você pode abarcar o todo e valorizar cada parte colaboradora no seu
grupo de profissionais? Até mais importante, como você pode criar um conjunto
no qual as partes possam se conectar e interagir de forma significativa tanto para
a faculdade como para os estudantes? É óbvio, o treinamento dos artistas é
somente um ponto, e a polaridade INTERNO-EXTERNO é simplesmente uma
pequena parte de todo o quadro. Se você é um massagista, um professor de
yoga, trabalha com técnicas de relaxamento etc. ou um treinador esportivo, em
que você pensa quando você ouve a polaridade Interno-Externo? Vamos examinar
um pouco mais adiante...
Mais Polaridades
Eis uma lista parcial de alguns opostos polares na área de estudo do
movimento. Alguns dos pares são formulados de acordo com as partes do corpo,
alguns de acordo com conceitos, outros estão relacionados à estética, outros a
valores. Você, provavelmente, conhece outros. Assim que você ler cada polaridade,
pode querer ampliar o número de pólos, visto que eles se referem a sua área
85
particular de aplicação. Você está pronto para se identificar com um dos pólos?
Você acha que a sua cultura tomaria partido na polaridade?
Bom-Ruim Corpo-Mente
Certo-Errado Interno-Externo
Gracioso-Desajeitado Mobilidade-Estabilidade
Belo-Feio Esforço-Recuperação
Moderno-Antiquado Função-Expressão
Estudante-Professor Simples-Complexo
Consciente-Inconsciente Eficiente-Ineficiente
Parte Inferior-Parte Superior (Cabeça-Cóccix, etc.) Partes-Todo
Freqüentemente, nós nos identificamos com um pólo pela exclusão do
outro, limitando, assim, nosso acesso ao conhecimento (Isso tem se tornado
particularmente verdadeiro em nosso sistema educacional em torno da polaridade
Consciente-Inconsciente). Um pólo se torna “verdadeiro” e o outro se torna “falso”,
um é “bom” e outro é “ruim”. Este estágio polarizado no conhecimento também é
passível de desenvolvimento, como eu mencionei acima, e é conveniente e
apropriado em certos contextos. Mas, como uma cultura nós estamos começando
a ser capazes de ir além desse estágio e, assim que nós o fizermos, estaremos
menos presos às polaridades, as quais permanecem para além de sua utilidade.
Nesse ponto, mais e mais pessoas estão percebendo que nossa capacidade
para o saber reside em nosso corpo vivo (incluindo o físico, espírito, emoção e
mente). “Conhecer”, duvidosamente, também tem uma relação produtiva com o
“não-conhecer”. Assim que nós chegamos nesse ponto, começamos o processo
de integração que é necessário para nosso contínuo crescimento.
Agora você pode querer relaxar para listar quaisquer polaridades que
pareçam ser importantes na sua vida neste momento. Se isso dá a impressão de
lhe parecer difícil, não desista. Às vezes, é desafiador reconhecer e realmente ver
as polaridades na vida de alguém... principalmente se elas, de alguma forma,
atingem seu centro. Isso é verdade, porque há uma tendência em se identificar
com uma metade da polaridade e atribuir a outra metade a um outro alguém, ou
86
Observe que aquilo com que você está trabalhando aqui é a habilidade
para perceber o que está “vivo” no todo. Utilizar “vivacidade” como uma referência
para aquilo que realmente lhe capacita a ir além das posturas polares isoladamente.
“Vivacidade” trabalha com a percepção da vida em uma situação... e, às vezes,
pode ser surpreendente onde aquela vida se encontra. Use seu próprio corpo para
perceber quando você está tratando os assuntos de uma maneira que os traga para
um sentido elevado de interação viva e verdade. Você se sentirá estimulado (o que
não quer dizer, necessariamente, “feliz”). Se você está se comportando dessa forma,
você, provavelmente, se sente como estando, de certa forma, no seu próprio limite
criativo. Em qualquer probabilidade não será totalmente confortável ou seguro,
porque aquele limite criativo lida sempre com a relação Saber/Não-Saber.
Mobilidade - Estabilidade
Na minha própria vida a polaridade Mobilidade Estabilidade tem precisado
de muita atenção. É claro que, em cada movimento (a partir de uma perspectiva
cinesiológica) existe a parte que estabiliza e a parte que mobiliza e se move. Mas
Mobilidade Estabilidade também é um assunto mais amplo. Na maior parte da
vida, eu tenho sido dançarina e tenho me identificado com a extremidade
Mobilidade. Eu passei anos dando aula para “fazer as pessoas se moverem!”
Talvez isso tenha preenchido uma enorme necessidade de uma imensa maioria
que é altamente sedentária. Mas agora, para a saúde do meu próprio corpo eu
estou tendo que aprender a expressar a Mobilidade numa relação mais interativa
com a Estabilidade. Eu acredito que esta é uma lição que a maioria das pessoas
precisa aprender assim que elas envelhecem. O truque é não seguir o pólo
oposto e parar totalmente de se mover, nem continuar se pressionando a ser tão
móvel quanto um indivíduo de 20 anos poderia. Integração, neste caso, teria a ver
com encontrar o tipo de Mobilidade que é mais estimulante e o tipo de Estabilidade
que é mais sustentadora do que enrijecedora. Será importante, então, aceitar
como as inter-relações apropriadas entre essas duas partes podem contribuir
para criar uma existência que é rica e satisfatória na sua expressão. Também
seria importante reconhecer que aquilo que é mais vivo para um estilo individual
pode não ser estimulante para um outro estilo, mesmo concernente à mesma
situação de vida. Este tipo de abordagem de como se lidar com Integração não
é fácil de compreender porque não conduz à mesma “A Resposta” para cada
pessoa a depender das situações.
Função - Expressão
Vamos tomar um outro exemplo de polaridade: praticantes do movimento
nas áreas da Saúde, frequentemente se acham identificados com uma
extremidade da polaridade Função-Expressão.
90
Ser sensível a estas fases da frase nos treina a nos ajustarmos para uma
criação completa que está acontecendo na vida do movimento, e não simplesmente
seu momento mais espetacular e visível. A maioria das pessoas que não é educada
pelo LMA está ciente apenas da ação principal. Por exemplo, elas são muito menos
conscientes do que precede e do que sucede um belo salto do que do salto em si
mesmo. Além disso, estando consciente da frase maior, o praticante de LMA e dos
Fundamentos aprende a valorizar a contribuição dos elementos menos visíveis.
Isto é útil quando nós falamos em vir para uma PERSPECTIVA INTEGRAL, porque,
freqüentemente, o que é verdadeiramente Integral parece menos espetacular do
que os momentos de maior forma articular diferenciada. Nós voltaremos a esta
idéia mais tarde. Enquanto nós estamos discutindo frase, também é importante
lembrar que pode-se estar envolvido em múltiplas frases sobrepostas, acontecendo
ao mesmo tempo. O conceito de frase é aplicável às seqüências de movimento
individual e também a eventos maiores de vida.
Frequentemente, no LMA, nós falamos sobre ensinar em um formato que
inclui:
94
4
Neste ponto é provavelmente óbvio que se poderia enunciar esse objetivo de uma forma diferente, assim
como: “A Meta dos Fundamentos Bartenieff é facilitar interação vigorosa da Expressividade Interna e da
Conectividade Externa”. Tente aquele outro e veja qual é mais vivo para você.
97
- “Eu estou 'me debatendo' com algumas das partes do trabalho que são difíceis
para mim.”
- “Eu estou tentando melhorar minhas habilidades e seria bom conseguir algumas
informações mais detalhadas.”
- “Eu estou no processo de integrar meu aprendizado sobre meu corpo com meu
aprendizado sobre a vida, e eu me sinto adiantada nesse processo.”
- “Eu preferiria estar lendo romances de amor e/ou ficção científica.”5
Já que você vai continuar a trabalhar com todo esse material, lembre-se
que enquanto houver habilidade e competência em adquirir todos os padrões
corporais, não existe um padrão corporal “correto”. Você encontrará aquele que
é verdadeiro para você em qualquer dado momento. Esse livro forneceu uma
perspectiva baseada em uma de múltiplas possibilidades para descobrir o que é
Fundamental no treinamento do corpo, e fornece explorações direcionadas de
movimento para ajudar você a Fazer Conexões que podem ser Integrais para o
seu desenvolvimento.
Louis Pasteur, o grande cientista, disse: “A oportunidade favorece a mente
preparada.”
Também é verdade que a aptidão para ação apropriada favorece a pessoa
preparada, uma que está viva para seus recursos como um ser humano e capaz
de mobilizá-los interativamente com o meio ambiente no momento.
Boa sorte na continuação da sua aventura...
5
Todo livro precisa pelo menos de uma afirmação engraçada. Você acabou de ler uma. Você riu? (Ops,
talvez isso fosse Verdade).
101
LABAN
Isa Partsch-Bergsohn
Professora associada aposentada da Universidade do Arizona, Tucson.
Texto Original
PARTSCH-BERGSOHN, Isa. Modern Dance in Germany and the United
States: crosscurrents and influences. Chur, Suíça: Harwood Academic
Publishers, 1994, 12-20.
serviço militar, em 1900, Laban partiu para Paris, contrariando a vontade de seu
pai, para se envolver com desenho e pintura, arquitetura, encenação e dança.
Na virada do século, Paris vibrava com idéias artísticas inovadoras, no
entanto, tentando se manter lá como ilustrador, Laban experienciou a pobreza.
Fez aulas de balé entre 1902 e 1903, familiarizou-se com os princípios de
movimento expressivo de François Delsarte, através de um de seus primeiros
alunos Monsieur Morel. Laban estava fascinado por esse primeiro encontro com
uma abordagem teórica para expressividade humana e especialmente pela
definição de trindade de Delsarte: “a unidade de três coisas, cada uma das quais
é essencial para as outras duas, cada uma co-existindo no tempo, co-penetrando
no espaço, e cooperativa no movimento”. Mais tarde, Laban desenvolveu sua
idéia de trindade, modificando-a para a trindade de “Tanz, Ton, Wort” (Dança,
Tom, Palavra).
Entre 1900 e 1910 Laban foi um viajante, simultaneamente tentando seguir
seus interesses artísticos e ganhar seu sustento. Munique o atraia por sua vitalidade
artística e também por seu estilo de vida Boêmio, que alcançava seu clímax todo
ano em fevereiro, quando o Shrovetide era celebrado com festividades bem
elaboradas. Laban ficou conhecido como designer e organizador de desfiles de
carnaval e roupas de bailes com atividades espetaculares de dança. Sua vida
tornou-se relativamente estabilizada quando casou-se com Maja Lederer, uma
cantora, em 1910.
Nesse mesmo período, Laban começou a explorar a dança como uma
forma de arte, não exatamente como um instrumento para preparar um festival.
Ele começou a dar aulas de “Dança Livre” (Free Dance), uma dança que não
ilustrava uma música nem contava uma estória, mas que nascia do ritmo interno
do movimento corporal que encontrava sua realização em componentes
dinâmicos e espaciais. Nestes anos pré primeira Guerra Mundial, a linha de
fronteira entre ginástica e dança ainda não estava claramente definida, nem era
uma relação de movimento que soasse bem compreendida. A Duncan School,
dirigida pela irmã de Isadora Duncan, Elizabeth, era especializada na educação
de jovens moças. Nos fascinantes arredores de um parque com um original
castelo gótico, Elizabeth Duncan usou música com suas instruções de dança,
104
Tudo indica que o termo tanztheater foi inicialmente cunhado por Laban
na tentativa de encontrar uma nomeação adequada que pudesse estabelecer as
diferenças entre a dança moderna e as outras formas de dança: tanto aquelas
que já existiam, como as formas que emergiram na cena cultural urbana das
cidades européias em sua época. Além de não haver uma clara separação entre
os gêneros de dança que apareciam simultaneamente, apenas o ballet era
reconhecido como uma forma artística e gozava de uma existência oficial.
Enquanto que a dança moderna, nascida no bojo dos movimentos da cultura do
corpo, não possuía inicialmente um nome próprio, mas sim denominações
variadas que tentavam contemplar suas características específicas sem impedir
que esta, desprovida do status de arte, fosse constantemente confundida com as
outras formas “contemporâneas” da dança. Esta era até mesmo com a ginástica
e a dança ginástica, a tanzgymnastik. O mesmo se dava em relação às danças
grotescas ou exóticas, formas inspiradas na tradição oriental e que Laban
considerava como “uma leitura de formas existentes e não uma nova forma”
(LAUNAY, 1996, 79).
Este alto grau de indefinição justificou o esforço classificatório e a busca
de termos que atendessem as diferenças da nova dança. A preocupação de
Laban com a taxonomia parece justificar-se pela necessidade de localização e
afirmação da dança moderna perante a cultura. Foi esta situação que fez com
que ele pensasse sobre a verdadeira natureza da arte da dança a fim de distingui-
la aos olhos do público como uma forma portadora de características próprias,
diferentes das características do ballet e das danças de entretenimento. Isa
Partsch-Bergsohn (1994, 14) destaca que “Desde Munique, Laban se dedicou
ao pensamento da dança para fazer a distinção entre a dança e a ginástica e
para esclarecer a relação da dança com a música e o drama”. Ele buscou então
um meio de classificação para os tipos de dança, a partir do qual surgiram os
termos como a dança livre e a dança-teatro, esta última nos parece ter surgido
como uma derivação do termo balé-teatro, como veremos no próximo parágrafo.
Mais tarde ele criou mais um termo, dança-coral, uma dança comunitária para
leigos, cuja finalidade difere da dança profissional ou teatral. A dançarina Silvia
Bodmer, que fez parte da companhia de Laban afirma:
116
1
Wigman alcançou tamanho sucesso em uma de suas tournées na Alemanha que foi convidada pelo
prefeito de Dresden para fundar sua escola nesta cidade. Transformada em um centro avançado no
treinamento de dançarinos, a escola que Wigman criou oferecia um currículo que incluía música, pedagogia,
anatomia, expressão, técnica, (escalas locomotoras, círculos, giros, vibrações) e composição. A formação
requeria três anos de estudos e ao final deste período o estudante prestava uma série de exames e
apresentações de trabalhos práticos em grupo e solo, assim como provas escritas, para a obtenção do
certificado.
119
difusão, uma anunciação do que aconteceu nos anos 80, com a geração de
Pina Bausch que finalmente se instalou nos teatros estatais da Alemanha. Ele
“sonha num espaço cênico que possa abrigar todos os gêneros de dança” ao
mesmo tempo em que pensa “a restauração da arte coreográfica em sua função
primordial de cultura festiva” (GUILBERT, 2000, 70). Ao contrário de Wigman,
Laban reconhecia a tradição teatral da dança e pretendia uma revolução a partir
de dentro de suas estruturas, abrindo-as ao mundo contemporâneo.
Wigman pregou uma ruptura radical com o passado. Sabemos que ela
negou toda e qualquer filiação com as formas coreográficas anteriores, pregando
o rompimento das relações entre as formas da nova dança e as instituições
tradicionais do ballet. Para ela “é a experiência pura do movimento que conta.
Um artista é ao mesmo tempo criador e criatura da obra coreográfica que está
ligada à personalidade que a carrega” (GUILBERT, 2000, 70). O termo theatertanz
também esteve ligado ao trabalho de Wigman, possivelmente para representar
sua posição de desacordo em relação à posição de Laban.
Wigman usou o termo drama-dançado (tanzdrama) quando começou a
fazer coreografias de grupo para sua companhia. Segundo Ivernel (2003, 198),
este termo parece “realizar bem o programa da dança expressiva, da dança
livre ou ainda da dança absoluta”. Vemos aqui, este autor considerar os termos
como sinônimos, ou seja, como expressões legítimas das formas artísticas
características da dança moderna. O tanzdrama de Wigman tem uma estrutura
formal que obedece as leis de uma dramaturgia que é, ao mesmo tempo,
dialética em seu desenvolvimento e simbólica em seu significado. Nele, também
podemos intuir um certo grau de parentesco com a tanztheater moderna de
Pina Bausch, associado, sobretudo, à primeira fase de sua obra, representada
pelas peças Iphigenie auf Tauris e Orpheus und Eurydike: “Há um sistema de
polaridades que abre-se para graduações, contradições, ou desvios, através
do qual tende-se à imposição de um tipo de totalidade expressiva”, escreve
Ivernel (2003, 198), afirmando que entre elas parece haver a mesma
“compreensão de que o corpo é o terreno do embate do indivíduo e de suas
relações com o mundo, ponto de encontro e atrito entre a realidade subjetiva e
social do homem”.
120
Além de ter sido um dos mais conhecidos discípulos de Laban, Jooss foi peça
fundamental na disseminação de suas idéias. Ele pertenceu a uma geração
que foi influenciada por um movimento gerado nas artes plásticas, a Nova
Objetividade (Neue Sachlichkeit) que pensava a relação entre a arte e a
realidade social. Desse modo seu trabalho tomou um direcionamento diferente
daquele que estava sendo explorado em sua época. Ele se aproximou mais
dos pintores Otto Dix e Georg Grosz que descreviam a pobreza, as misérias e
os vícios da cena urbana, que de Emil Nolde e Edward Munch, que tratavam de
temas mais subjetivos. Do mesmo modo que fizera Wigman, Jooss utilizou o
aprendizado com Laban para criar um trabalho autoral, no seu caso uma dança
dramática que buscava aderência nos temas sociais. Seu trabalho começou a
refletir os conflitos sociais, guerra e política, temas que então não eram
considerados pelos artistas da dança como apropriados para a elaboração
coreográfica.
Vemos, portanto, que foi a partir da orientação de seu trabalho coreográfico
para os temas sócio-políticos, e buscando comunicar essas idéias (às quais Jooss
se referia como assuntos concretos) que ele se afastou dos temas psicológicos da
dança moderna para aproximar-se cada vez mais de uma forma de dança teatral.
Para retratar a situação do homem em seu meio social ele começou a fazer uso de
técnicas próprias ao teatro, assimilando-as em benefício de suas coreografias até
que conseguiu formular um tipo de dança que se comunicava facilmente e
diretamente com o público. Assim, Jooss encontrou um meio de encarnar o termo
dança-teatro, “como uma forma coral e dramática que poderia também tirar proveito
da tradição técnica” (KANTON, 1995, 155). Jooss era menos radical e foi o primeiro
dos modernos a incorporar a técnica do ballet no treinamento de sua companhia e
a combinar seus elementos com os movimentos da dança moderna buscando
uma síntese das artes cênicas. Ele mesmo dizia pensar a dança mais como um
autor de teatro.
No fundo sou um autor de teatro. Penso em termos de teatro e não é fácil
se desfazer desse tipo de pensamento. Preciso dos roteiros que prendem
e apaixonam, e busco conseguir transformar em movimento e em emoção
a dramaturgia de um texto (ASLAN, 1998, 9).
122
maestro Frederick Cohen, assim como sua futura esposa, a bailarina Aino Simula.
Sigurd Leeder, que já era seu parceiro de trabalho, também juntou-se a este
grupo na mesma época.
Podemos imaginar que Niedecken-Gerbhardt e Jooss tenham desenvolvido
uma relação de aprendizado mútuo nos anos em que conviveram e observaram-
se no desempenho de seus respectivos trabalhos, de modo que cada um deles
chegou a uma forma peculiar de dança-teatro. Sem dúvida, a experiência no
Teatro de Hannover, sob a direção de Niedecken-Gerbhardt, forneceu a Jooss os
fundamentos necessários para a elaboração de sua visão de uma tanztheater.
Tudo o que ele aprendeu sobre a máquina do palco teatral, naquilo em que nela
se implicam seus aspectos de aparato cênico, de poder atmosférico, de criação
espacial, de ambientação e iluminação, nos deixa supor que foi uma experiência
fundamental para a elaboração de sua dança: uma fusão bem dosada entre as
artes da dança e do teatro. Jooss usou o aparato cênico de modo equilibrado,
escolhendo cenários simples e objetos indispensáveis, bem como figurinos de
modo a caracterizar os personagens. Ele manipulava a luz pessoalmente para
criar espaços onde “o corpo em contrapartida cria ações teatrais, exprime idéias
e é portador de uma psicologia individual e social”, afirma Odette Aslan nos
ajudando a entender o conceito embutido no termo dança-teatro (1998, 16).
No Segundo Congresso de Dança, em 1928, sediado na escola de Essen,
Jooss apresentou o texto Tanztheater und Theatertanz, Laban falou sobre Theatertanz
e Wigman, falou sobre os princípios da Ausdruckstanz (dança da expressão). Em
seu ensaio, Jooss alertou para a superficialidade das definições que levavam a crer
que a forma theatertanz “reúne todas as forças artísticas ligadas ao teatro enquanto
que a tanztheater identifica apenas os grupos independentes [de dança]”, nos
fazendo crer que o uso das terminologias estavam sendo aplicadas de modo a
atender diferentes necessidades, ora o termo se aplicava como um meio de
organizar a profissão, ora como tendência estética e ora como corrente política.
Jooss chamou a atenção para as limitações que as terminologias
encontravam quando aplicadas no tratamento de questões artísticas essenciais.
Jooss afirmou que as modalidades da tanztheater e theatertanz possuíam valor
estético, pois ambas buscavam “produzir um efeito artístico visando a
124
REFERÊNCIAS
ASLAN, Odette. Theatertanz et tanztheater. In: Théâtre/Public. Gennevilliers n.
139, jan. 1998.
BAUSCH, Pina. Dance, senão estamos perdidos. In: Folha de São Paulo. São
Paulo, Caderno Mais, p. 11-13, 27 ago. 2000.
CANTON, Kátia. E o príncipe dançou... São Paulo: Ed. Atica, 2002.
FERNANDES, Ciane. O corpo em movimento: o Sistema Laban/Bartenieff
na formação e pesquisa em artes cênicas. São Paulo: Annablume, 2006.
IVERNEL, Philippe. Dionysos en Allemagne. Sur l'interference moderne de la
danse et du théâtre. In: Aslan, Odette (org.). Le corps en jeu. Paris: CNRS, 2003.
p.193-204.
GHILBERT, Laure. Danser avec le III Reich: Les danseurs modernes sous
le nazisme. Bruxelas: Ed. Complexe, 2000.
LABAN, Rudolph. Le mouvement, l'acte, le théâtre. Trad. Laurence Louppe. In:
Nouvelles de Danse. Bruxelas, n. 18, p. 20-22, jan. 1994,
LAUNAY, Isabelle. À la recherche d'une danse moderne. Rudolph Laban-
Mary Wigman. Paris: Chiron, 1996.
LAUNAY, Isabelle. Portrait d'une danseuse en sorcière, Hexentanz de Mary Wigman.
In: Théâtre Public, n. 154-155, p. 85-89, out. 2000.
LAUNAY, Isabelle. Le sujet et la masse. In: Mouvement. Paris, n. 2 p. 14-18, jan.
1996.
SCHOENFELDT, Susanne. La danse-théâtre de Kurt Jooss In: Nouvelles de
Danse. Bruxelas, n. 18, p. 29-37, jan. 1994,
PARTSCH-BERGSOHN, Isa. Modern dance in Germany and the United
States: Crosscurrents and influences. Chur, Suíça: Harwood Academic Pub-
lishers, 1994.
PARTSCH-BERGSOHN, Isa. Dança-teatro de Rudolph Laban a Pina Bausch.
Trad. Ciane Fernandes In: Cadernos do GIPE-CIT, n.12, p.17-25, jul. 2004.
127
Júlio Mota
Bailarino e coreógrafo do Teatro Guairá, Curitiba. Doutor em Artes Cênicas pela
UFBA com estágio no Laban Centre London. Atualmente leciona na Hong Kong
Academy of Performing Arts.
O Processo de estruturação
1
Essa explicação foi dada durante uma entrevista de Kozlov a esse autor por ocasião do Fringe Festival
de Edimburgo, em 2005. É importante destacar que o Do Theatre apesar de ser originalmente uma
companhia russa, estava na época dessa entrevista baseada na Alemanha.
132
2
Newson apud Tushinghan, Lloyd Newson... Dance About Something. Adaptação da entrevista inicialmente
veiculada no Live (Methuen). Entrevistador original David Tushinghan Program Enter Achilles, 1995. In: DV
8 Archive. Disponível em: <http://www.dv8.co.uk>
134
além do Trestle Theatre, The Moving Picture Mime Show, The Right Size, e é claro,
de Steven Berkoff.
No caso da vertente de dança do Teatro Físico inglês um evento divisor
de águas segundo Lark (1999) foi a turnê feita por Pina Bausch com o Wuppertaler
Tanztheater a Grã-Bretanha, em 1982. Que teve um significativo impacto tanto
no mundo da dança quanto no do teatro. Lark citando Isa Partsh-Bergsohn diz
que “a visita, parece, apanhou o espírito dos tempos. O trabalho de Bausch
assimilando os fios da Ausdrückstanz e o legado analítico de Rudolf Laban
manifestou uma visão quase Wagneriana de 'uma nova ligação entre dança e
teatro'” (1999, 34). Dessa forma o trabalho de Bausch surge como o fio de Ariadne
que conduz à saída do labirinto formalista em que se encontrava a dança britânica.
Após essa turnê de Bausch seguiu-se na Grã-Bretanha - aliás, como em
vários outros países por onde passou - uma onda de reformulação nos processos
de criação de uma série de grupos de dança e de teatro. A contaminação memética
que Bausch deixou atrás de si criou um rastro de crescente reconhecimento
pela dança como um meio de desenvolvimento de um novo potencial na
abordagem da fisicalidade do teatro.
O trabalho do DV 8 é uma prova dessa influência, mas também de sua
adaptação através de um processo de assimilação e acomodação da informação
que somada ao acervo de informações pré-existentes veio a se transformar
deixando de ser exatamente a mesma. O desenvolvimento posterior dos trabalhos
produzidos por Newson junto com o DV 8 vão provar essa transformação na
utilização de muitos dos princípios empregados por Bausch na criação de suas
peças com o Wuppertaler. Mas é importante que se frise que apesar de replicar
alguns conceitos, princípios e até mesmo procedimentos do método empregado
por Bausch, o trabalho de Newson não é uma cópia estéril do trabalho dela. Nem
o estilo de Teatro Físico produzido pelo DV 8 é uma variação menor do estilo de
Dança-Teatro do Wuppertaler.
O que se pode ver aqui na questão envolvendo a influência da Dança-
Teatro de Pina Bausch sobre o Teatro Físico de Lloyd Newson é a dinâmica do
comportamento dos memes agentes de transmissão cultural e sua capacidade
de replicagem de uma idéia. Nesse caso a idéia em questão diz respeito à
136
3
O conceito de IGP foi elaborado por Warren Lamb (ex-aluno e colaborador de Laban). Ele é a síntese de
gesto e postura num movimento corporal próprio e único. A imersão, ou fusão do gesto com a postura (IGP)
acontece como resultado expressivo do continuum transformacional que se estabelece entre gesto e
postura em determinadas situações de comunicação interpessoal; a SGP é justamente a manutenção da
segregação (separação) entre essas duas formas de ação corporal. Essas duas formas co-existem e são
indicadoras não só da atitude interna do indivíduo, mas da forma como ele a realiza na relação com o
ambiente.
138
4
Newson apud Butterworth, Entrevista realizada em 18 de agosto de 1998 e publicada por Bretton Hall. In:
Interviews with Lloyd Newson. Disponível em: <http:// www.dv8.co.uk>
140
suas variantes estilísticas. Algo que fica mais claro na declaração de Newson que
diz
Eu não estou interessado em fazer trabalho que não foque claramente
em conteúdo. Conteúdo, mais do que estilo dirige o trabalho do DV 8,
e que o distingue de um monte de outras danças contemporâneas.
Questões, mais do que beleza ou estética, são importantes. (...) Eu
busco movimento com intenção e propósito. O que estão eles ou estamos
nós tentando comunicar?5
Newson afirma reiteradamente que o seu interesse é comunicar estórias
ou idéias através do movimento e de imagens, mas ele também reconhece que
ambos têm suas limitações e que, portanto, se ele não consegue encontrar um
movimento, ou uma imagem, que seja apropriado a finalidade pretendida ele
também usa palavras. Um aspecto poético igualmente partilhado por outros
criadores de Teatro Físico que conforme diz Peter Latham
Diferentemente do teatro convencional onde as palavras são o foco
costumeiro da performance, no teatro físico a voz é usada apenas
como uma outra parte do corpo e a narrativa é criada através de
qualquer combinação de palavras, movimento, dança, mímica e
habilidades circenses.6
Esta característica de valorização da fisicalidade da voz e da palavra
através de seu uso como mais um componente corporal também é partilhada
pela poética de diferentes estilos da Dança-Teatro como bem atestam os trabalhos
de Bausch, Hoffmann e Kresnik.
Além dessa particularidade, Teatro Físico e Dança-Teatro também
partilham outros pontos comuns, como por exemplo, a observação como método
para criação de papéis, que lembra de certa forma o método cultivado por
Stanislavski para criar a ilusão de realidade em cena, não fosse essa ilusão
mimética um artifício propositalmente criado para tornar mais efetiva a aplicação
do V-Effekt brechtiano, como normalmente acontece nas peças de Bausch ou,
5
Newson apud Butterworth, Disnponível em: <http://www.dv8.co.uk>
6
LATHAN, Peter. Physical Theatre. In: About British Theatre. Disponível em: <http://
www.britishtheatre.about.co>
141
por exemplo, em Just for Show (2005) do DV 8. Além da observação outro ponto
importante é a valorização da biografia pessoal dos performers (com suas
experiências para além do campo das artes cênicas e especialidades próprias),
utilização do performer como elemento performativo.
Além de ser utilizado como elemento performativo do espetáculo, o per-
former pode também ser usado para preencher as demais funções semióticas
do espetáculo, como por exemplo:
z Função estética - Quando o performer é usado devido aos seus dotes físicos,
a competência técnica ou interpretativa, bem como uma associação de todas
essas características e outras mais.
z Função referencial - Por ser um persuasivo ator, o performer ao recontar um
drama estabelece referências a objetos, sentimentos, idéias, entre outros
exemplos, que são conhecidos e partilhados por espectadores e artistas no
mundo real.
z Função metalingüística - Por dar surgimento a questões ocultas no próprio
código, tecendo assim um comentário que expõe as regras do jogo cênico,
como por exemplo, invertendo a expectativa de tratamento de temas polêmicos
como: etnicidade, orientação sexual, plástica corporal.
z Função performativa - Por se identificar com o trabalho e por isso ter um
desempenho melhorado o performer adiciona sua contribuição pessoal ao
ato de comunicação.
z Função fática Por ter a capacidade de estabelecer a relação ente performer
e espectador, e a maneira como consegue mantê-la ou rompê-la consciente
e intencionalmente.
z Função injuntiva - Por ter um senso de humor que provoca uma resposta
mais intensa e imediata por parte do espectador.
A presença e a eficácia na utilização dos pontos acima mencionados
podem ser avaliadas em dois exemplos de trabalhos produzidos, um pelo DV 8
Physical Theatre (Bound To Please), e o outro pelo Wuppertaler Tanztheater
(Kontakthof). Em Bound To Please a presença de Diana Payne-Myers, uma
experiente dançarina de setenta e poucos anos, nua no palco põe em
142
7
Newson apud Butterworth, disponível em: <http://www.dv8.co.uk >.
8
Bausch, P. apud Mei, R., Dance Insider Disponível em: <http://www.danceinsider.com/f2002/f0329_1.html>
(ativo em 04/04/2006)
143
ainda muitos outros aspectos que distingue os dois gêneros, dando-lhes identidades
próprias.
Dentre os elementos que diferenciam os dois gêneros talvez o mais
flagrante esteja no contexto histórico e geográfico residente na origem de cada
um. O Dança-Teatro (que é grafada aqui sempre em maiúsculas para marcar a
referência direta a vertente alemã considerada originária dos desdobramentos
do gênero) é uma prática cênica iniciada por Laban entre 1918 e 1926, mais
especificamente entre 1923 e 1926 quando funcionou o Kammertanzbühne
Laban.
Laban chegou à forma da Dança-Teatro a partir de estudos e experiências
voltados para um objetivo maior, que era o seu projeto de estabelecer a autonomia
da dança em relação às demais formas artísticas. Ele buscava uma nova forma
de dramaturgia, uma dramaturgia que estabelecesse uma nova maneira de
relacionamento entre dança e teatro criando assim uma forma de arte que
permitisse alcançar a síntese final entre expressão e comunicação artística.
Segundo Sanchez-Colberg (1992), seu modelo era a Gesamtkunstwerk
wagneriana e, uma de suas primeiras tentativas em recriar esse modelo de oba
de arte total, tendo a dança ao invés da música como eixo central, foi o sistema
Tanz-Ton-Wort (dança-som-palavra).
Ainda segundo Sanchez-Colberg, além da influência do modelo wagneriano
de Gesamtkunstwerk, Laban também sofreu a influência do modelo de Kandinski, da
mesma forma que sofreu sua influência em relação a teoria das Klänge e do conceito
de harmonia interna. Assim como a influência da Teoria da Harmonia de Schoenberg,
cujos reflexos podem ser constatados nos princípios da Corêutica. Esse trânsito de
informações levou Laban a reconsiderar a cadeia de influências que tradicionalmente
partia das outras formas de arte em direção à dança, invertendo-a. Essa inversão da
perspectiva corporal, embora já tivesse sido sugerida por Wagner anteriormente, foi
uma síntese realizada única e exclusivamente por Laban.
Como um das principais conseqüências dessa inversão está o fato de
Laban considerar o corpo como a origem do ritmo e, portanto, como o criador de
sua própria música “os dançarinos se tornam acompanhadores, os sons do
corpo são usados como acompanhamento” (SANCHEZ-COLBERG, 1992, 90).
144
Além disso, essa nova visão e esse novo papel do corpo passaram a ser
incorporados em muitos aspectos da produção teatral expressionista,
encontrando uma identificação especial com os aspectos performativos do Ich e
do Schrei.9 Dessa forma
A predominância da fala dentro da produção dramática muda para
uma predominância da linguagem gestual que precede a fala. A
linguagem se torna uma atividade inextricável do corpo. Portanto,
nota-se uma mudança em direção a uma dramaturgia “sem palavras”,
no qual a existência corporal, a fisicalidade e não a razão dá significado
e entendimento à experiência. Este novo foco sobre a corporeidade
altera os outros elementos da produção, dos figurinos aos ambientes
teatrais (SANCHEZ-COLBERG, 1992, 90).
Portanto, a partir do acima exposto é possível entender a importância e o
alcance que a revolução perpetrada por Laban teve para as artes cênicas
ocidentais. Uma revolução não só na dança, mas também no teatro e na mímica
que, segundo Fernandes (1996)
Libertou o corpo para organizar estórias com sua própria linguagem,
à sua maneira. Qualquer que seja a estória, é sempre a estória do
corpo, pelo corpo, para o corpo. Os meios são a linguagem do corpo,
que deixa de ser objeto, instrumento e intérprete para ser o autor e
contador de sua própria história enquanto memória em movimento.
Embora tenha sido o responsável por essa verdadeira revolução copernicana,
fato que o levou à criação da Dança-Teatro, Laban basicamente só cultivou essa
pesquisa e essa prática do tanztheater de maneira mais direta por aproximadamente
oito anos. Isso é devido a um traço característico de sua personalidade, que é
sabido através de suas biografias, de ter sido ele um homem de muitos interesses
e que, em função de poder estar livre para continuar investigado, tinha como
característica pessoal delegar o encaminhamento de seus estudos e práticas - de
certa forma já estabelecidos - aos seus colaboradores de confiança. Dentre esses
9
Schrei (grito, extático), um estilo de intenso estado onírico onde os elementos que compõem o nexo da
performance era tecido ao mesmo tempo de maneira uniforme e bizarra; e o Ich (eu ou ego), em muitos
aspectos semelhantes ao Schrei, mas que contava com um tratamento especial do performer central que,
ao agir de maneira menos ou mais grotesca que os demais performers, se tornava a referência de
identificação entre o autor e a platéia, um elo de ligação.
145
Lloyd Newson interviewed by Zoë Borden In: Interviews with Lloyd Newson. Disponível em: <http://
10
www.dv8.co.uk >
147
11
A expressão usada por Newson é uma gíria americana que diz respeito aos âncoras dos telejornais que
são normalmente apresentados da cintura para cima, num enquadramento que privilegia a cabeça em
detrimento do restante do corpo, configurando a imagem de uma cabeça falante. Uma imagem claramente
logocêntrica que mostra a cabeça onde estão o cérebro (órgão que representa a razão, o logos) e a boca
(órgão responsável pela fala, pela enunciação do verbo, do logos). Essa imagem oferecida na expressão
de Newson pode ser vista como uma crítica clara ao excesso de literalidade, de oralidade que ainda
predomina na cena teatral ocidental; fato ao qual Newson se opõe através da busca e da prática de um
teatro físico.
12
Newson apud Boden.
148
Imagens e sensações são ainda as coisas que nós nos lembramos. (...) O
aspecto visceral da dança precede o pensamento consciente: isto é o seu
poder. (...) Se alguém pode construir imagens, a mente as reterá. Apóiem-
nas com movimento e sensação e o corpo as lembrará.13
Essa longa declaração de Newson encontra-se plenamente de acordo
com o que foi abordado aqui nos capítulos 2 e 3 sobre a formação das imagens
perceptivas e evocadas, e da incorporação de conhecimento em forma de
representações dispositivas, além do papel do neurônio espelho no processo de
reconhecimento e identificação das imagens cinéticas. Dessa forma é possível
afirmar que a poética de Newson e do DV 8 objetiva justamente dar forma tangível
a essas imagens mentais e estabelecer um teatro que se fundamenta nesse
princípio de comunicação. Uma posição que aproxima muito Newson de Laban
pelo fato de que Laban focava no conteúdo dinâmico e no fraseado rítmico do
comportamento que ele observava como sendo o ponto crucial do potencial
semiótico relacionado com o que é não-literal no relacionamento social e na
representação do self. Segundo Preston-Dunlop e Sanchez-Colberg, Laban
afirmava que:
Os fatores de movimento, seu conteúdo de peso/ força, sua forma
espacial, seu timing e seu conteúdo de fluxo são significantes em toda
atuação humana. Isto é obviamente assim no comportamento e na
dança narrativa, mas também, nas danças formais e nas danças
chamadas de sem enredo ou abstratas (PRESTON-DUNLOP &
SANCHEZ-COLBERG, 2002, 66).
Laban afirmava ainda que os ritmos dinâmicos mediados pelo performer
são os signos ocultos na estrutura das ditas danças abstratas. Uma posição
corroborada por um longo estudo - 30 anos ao todo - desenvolvido por Marion
North (ex-diretora do Laban Centre de Lodres) que suporta a argumentação de
que os estados internos da mente são evidentes nos padrões de movimento e
são altamente influentes no desenvolvimento pessoal. O que contradiz a crença
de que o movimento abstrato não se refere a nada a não ser a si próprio.
13
Newson apud Tushinghan.
149
Descrição da Cena
Duas amigas (Houstoun e Potter) e um amigo (Charnock) comentam
gestualmente a respeito de um indivíduo (Tanner) aparentemente alguém novo,
um estranho, no local - e sobre as impressões (principalmente físicas) que ele
causou. Houstoun o descreve gestualmente para Potter enquanto Charnock
confirma e reitera o que Houstoun diz. É no meio desta conversa gestual que
Tanner entra no salão. Charnock assustado adverte Houstoun e Potter e desvia o
olhar. Ao contrário das duas que olham diretamente para Tanner, que se exibe
caminhando na direção deles sobre as mãos, de ponta cabeça.
Quando Tanner os olha, eles desviam o olhar e disfarçam o interesse. Tanner
vai para uma parede próxima e começa a se exercitar, numa clara demonstração de
suas qualidades físicas. Assim, os outros três resolvem retribuir a provocação e se
exibir. Charnock é levado por suas duas companheiras a entrar num jogo de
competição masculina com Tanner onde a competição está baseada na imitação.
Tanner aparentemente vence o jogo e intimida Charnock que sai de cena. Com a
saída de Charnock, Houstoun e Potter passam a provocar Tanner que tem subitamente
sua atenção desviada para a entrada de uma terceira mulher, Champion.
A entrada de Champion introduz uma atmosfera de sedução sobre Tan-
ner, o que provoca a zombaria e aparentemente o despeito e a inveja das outras
duas que resolvem interferir no relacionamento dos dois. Elas afastam Cham-
pion de Tanner que resolve sair do ambiente. Ele é seguido por Champion que
deixa Houstoun e Potter a sós e surpresas. A cena se estende a um corredor por
aonde Tanner vem e entra num quarto. Champion o segue, mas ela sofre uma
progressiva resistência por parte das outras duas que criam obstáculos até que a
imobilizam e retiram de cena.
Rítmico (forte e direto) para logo em seguida disfarçar fraseando para Estado
Alerta (livre e indireto). Quando Tanner vai para a parede se exercitar / exibir,
o grupo se organiza na forma de uma parede com ênfase vertical acentuada
por uma sensação de estreitamento na horizontal como se eles estivessem
sendo esmagados pela fisicalidade de Tanner. A caminhada do grupo é uma
Ação Básica (direta, forte e desacelerada) que pressiona o espaço à frente
como que para abrir caminho e resistir à pressão exercida pela presença e
atuação de Tanner.
Durante o jogo entre Charnock e Tanner, quando Charnock propõe
as ações físicas, essas são organizadas primeiramente de forma homóloga,
seguindo para homolateral e chegando a contralateral. Indo
progressivamente da polaridade Condensada para a Entregue. Essa
complexificação e mudança de dinâmica é uma tentativa de Charnock de
criar uma armadilha para Tanner, tentativa essa frustrada pois Tanner
consegue fazer tudo o que Charnock propõe, exceto uma seqüência de
gestos feitos em Impulso Visual (acelerado, livre e indireto) que parece
significar um último suspiro para uma saída honrosa da sua disputa com
Tanner, cuja qualidade de movimento é caracteristicamente marcada pelo
Impulso Mágico, isto é, pelo peso forte, intensificado pelo fluxo contido,
espaço direto e tempo constante. Essa qualidade de Tanner só pode ser
sobrepujada por Charnock se este exarcerbar a combinação de suas
qualidades expressivas, já que nele o fator peso está ausente.
O resultado da exarcebação de suas qualidades leva Charnock a se
comportar com um nervosismo extremo, provocando uma espécie de tique
nervoso semelhante a uma crise epilética. Isto é resultado de excesso de flutuação
do seu fluxo e do seu tempo, o que leva a uma dissipação de sua energia em
muitos pontos diferentes (um espaço indireto ou multifoco). Isto produz uma
movimentação cuja agitação é incabível para Tanner que é forte, estável, sólido
e impávido como uma estátua de mármore.
suas amigas, através de uma postura forte, direta e desacelerada por parte delas,
a continuar no jogo.
Na continuação do jogo Tanner toma a liderança. Diminui a ênfase verti-
cal com a transferência do peso através da pelve (centro de gravidade) para o
solo, o desenho corporal deixa de ser simétrico, passando a ser assimétrico, da
mesma forma que os traceforms criados pela progressão espacial. A diferença
entre Charnock e Tanner situa-se na forma com cada um utiliza os seus fatores
expressivos e abordam o espaço: Charnock apresenta forma direcional linear,
cinesfera pequena, sua forma traz a sensação de fechamento na horizontal
(mesmo quando os movimentos são periféricos) com baixa intensão espacial.
Seu movimento a princípio é leve, desacelerado e direto, o que mostra baixa
intencionalidade (peso) e hesitação (tempo), mas com grande atenção (espaço).
Depois seu movimento passa a ser acelerado e livre embora ainda leve (Impulso
Apaixonado), significando que sua decisão aumenta, mas em conseqüência
disso, cai sua precisão e mantém-se sua indeterminação. Esses aspectos acabam
conferindo um caráter de fragilidade física e uma baixa convicção de idéias e
ações ao seu personagem.
Tanner em contrapartida apresenta cinesfera de média a grande, sua
forma no início também é direcional, mas parece crescer, abrir e desdobrar nas
três dimensões até se transformar em uma forma plenamente tridimensional.
Isso, associado ao seu movimento predominantemente forte e direto (Estado
Estável), aumenta a sua fisicalidade, o que atrai a atenção de todos para si.
Quando ele toma a liderança do jogo vê-se uma mudança na sua qualidade
predominante, caracterizada pelo Impulso Mágico. Ele passa a dar ênfase ao
fator tempo que fica momentaneamente acelerado (indicando decisão,
determinação), entretanto seu peso continua forte e seu fluxo continua contido,
caracterizando o estado mais condensado do Impulso Apaixonado. Essas
qualidades são indicativas de sua alta convicção de propósito (peso forte), decisão
(tempo acelerado) e precisão (fluxo contido). O que confere ao seu personagem
características que o tornam um perfeito antAgonista do personagem de Charnock.
A qualidade na entrada de Champion contrasta radicalmente com as de
156
REFERÊNCIAS
CALLOIS, Roger. Les jeux et les hommes - Le masque et le vertige. Paris:
Gallimard, 1967.
FERNANDES, Ciane. Corpo e(m) Contraste: A Dança-Teatro como Memória. In:
Reflexões sobre Laban, o Mestre do Movimento. Maria Mommensoh e Paulo
Petrella, org. São Paulo: Summus, 2006.
GARAUDY, Roger. Dançar a Vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
LARK, Christine. The Body Finds a Voice: An Investigation into the Dual Identity of
Physical Theatre in Dance and Drama. Tese (Doutorado em Filosofia). Surrey:
University of Surrey Department of Dance Studies, June, 1999.
PRESTON-DUNLOP, Valerie. Looking at Dances - A Choreological Perspec-
tive on Choreography. London: Verver, 1998.
164
FILMAR A DANÇA:
ALGUNS ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
quando pensamos no forte conteúdo visual e físico que estão presentes nestas
atividades, a dominante corporal. Neste sentido, devemos ter em mente o célebre
artigo escrito em 1936 por Marcel Mauss “As técnicas do corpo”, no qual o
antropólogo francês expõe algumas regras para se compreender e analisar as
atividades corporais. Para M. Mauss
[...]é preciso dizer muito simplesmente: devemos lidar com técnicas
corporais. O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem.
Ou mais exatemente, sem falar de instrumento, o primeiro e mais natural
objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é seu
corpo (1974, 217).
Mas para quê filmar esta atividade corporal e gestual e como representá-
la através da imagem em movimento? Vamos nos ater neste texto a algumas
características teórico-metodologicas fundamentais para se compreender a
importância da representação da dança, sobretudo, no âmbito de uma pesquisa
acadêmica. O homem realiza esta atividade corporal, a dança, em praticamente
todas as sociedades humanas, e estas se revestem de diferentes sentidos e
significados. Por exemplo, a dança realizada pelos indígenas durante a realização
de um ritual difere sem nenhuma dúvida desta mesma coreografia quando
realizada em um outro local e contexto, por exemplo, um espaço teatral. Não
querendo entrar neste texto em questões relativas às diferentes acepções e
significados da dança, podemos observar que a coreografia será praticamente a
mesma, com o diferencial de que no primeiro caso a dança é ancorada na
cultura tradicional daquele povo e na qual todos os membros do grupo social
participam e no segundo caso uma atividade, frequentemente, desvinculada da
cultura tradicional e que tem por finalidade o espetáculo tal qual o
compreendemos no mundo ocidental. Ou seja, realizado em um espaço fechado
onde os “participantes ativos” da atividade se encontram no palco e os outros
participantes, que podemos denominar, “passivos” se encontram face à cena.
Neste sentido, como dar conta através da imagem em movimento, desta
grande diferença de significados em um e outro caso. Aqui talvez seja importante
sublinhar através da imagem animada as características de uma e de outra
representação através de mise en scènes adaptadas e adequadas a dar o melhor
167
rendimento possível das duas situações. Como filmar cada uma das atividades,
que tipo de enquadramentos utilizar, que ângulos de vista são os mais adaptados
a captar o essencial destas apresentações. Estas são apenas algumas questões
que o cineasta-pesquisador deverá se confrontar em face de uma atividade desta
ordem, ou seja, na qual o fluxo de atividade é constante e preferencialmente não
deve ser interrompido durante a gravação filmica, cabendo ao cineasta adaptar
a sua mise en scène à auto-mise en scène das pessoas filmadas. Claudine de
France define a auto-mise en scène como sendo uma
Noção essencial em cinematografia documentária, que define as
diversas maneiras pelas quais o processo observado se apresenta
por si mesmo ao cineasta no espaço e no tempo. Esta mise en scène
própria, autônoma, em virtude da qual as pessoas filmadas mostram
de maneira mais ou menos ostensiva, ou dissimulada a outrem, seus
atos e as coisas que a envolvem, ao longo das atividades corporais,
materiais e rituais é, todavia, parcialmente dependente da presença do
cineasta (1998, 405).
A atividade coreográfica e de dança interessará tanto a pesquisadores
acadêmicos como a artistas que utilizarão a câmera filmográfica e videográfica
para tentar dar conta destes momentos, muitas vezes únicos, que estão presentes
na atividade coreográfica. Encontramos a dança tanto em atividades tradicionais
(rituais, por exemplo), quanto ocidentais (teatro), é importante conseguir captar
tanto no primeiro caso quanto no segundo a atividade em sua totalidade, tanto do
ponto vista visual quanto sonoro.
Alguns pesquisadores dedicaram grande parte de sua investigação a
estudar e filmar a dança em diferentes culturas, é o caso dos antropólogos
Margaret Mead (1995) e Gregory Bateson, a quem devemos a primeira pesquisa
acadêmica onde se privilegiou o uso do instrumental cinematográfico. No contexto
da pesquisa realizada pelo casal em Bali e Nova Guiné durante o período de
1936 a 1938, os pesquisadores realizaram vários filmes antropológicos, sendo
pelo menos dois deles dedicados à dança: Learning to Dance in Bali e Trance
and Dance in Bali. Outro pesquisador que dedicará grande parte de suas
pesquisas no registro da dança será o folclorista e etnomusicólogo Alan Lomax,
que realizou desde 1965 um amplo estudo filmografico e fonográfico sobre a
168
1
“O termo diegese, próximo, mas não sinônimo de história (pois de alcance mais amplo), designa a história
e seus circuitos, a história e o universo fictício que pressupõe (ou “pós-supõe”), em todo caso que lhe é
associado [...]. Este termo apresenta a grande vantagem de oferecer o adjetivo diegético (quando o adjetivo
“histórico” se revela inutilizável) e ao mesno tempo uma série de expressões bem úteis, como “universo
ou mundo diegético”, “tempo, duração diegéticas”, “espaço diegético”, “som, música diegéticas” (ou extra-
diegéticas)” (Vanoye, Goliot-Lété, 2006, 41).
169
2
É importante observar que a dança será uma atividade bastante presente nos filmes de ficção realizados
a partir dos anos 1930, desde os filmes coreográficos de Busby Berkeley aos de Fred Staire e Gene Kelly,
produzidos por grandes estúdios hollywodianos. No Brasil teremos dois estúdios de cinema no Rio de
Janeiro, o primeiro “Cinédia” foi criado em 1931 e o segundo “Atlântida” em 1941, que realizarão um grande
número de comédias musicais, vindo a se espcializar neste gênrero cinematográfico.
170
dançarinos. O filme cumpriria então uma função de resgate de algo que está
inefavelmente destinado a perecer, e a ficar somente na memória daqueles poucos
que puderam assistir ao espetáculo no momento de sua exibição. Através do filme
a coreografia ganha uma “imortalidade” e pode ser apreciada, discutida, analisada,
estudada, por exemplo, por especialistas e pode vir a cumprir uma função no
momento do ensino de tal prática coreográfica ou do trabalho de um determindado
coreógrafo. Neste sentido, observamos no livro de Ciane Fernandes, Pina Bausch
e o Wuppertal Dança-teatro: repetição e transformação (2000), dedicado ao trabalho
coreográfico de Pina Bausch, que Fernandes trabalhou não somente com a
memória das coreografias assistidas para restabelecer alguns dos princípios
norteadores na coreografia de Bausch, mas, sobretudo, com material fílmico
existente sobre suas coreografias a fim de analisá-las em profundidade e compará-
las com outras coreografias de Pina Bausch, e de outros coreógrafos. Mais tarde
estes mesmos filmes podem ser vistos, comentados e analisados em sala de aula,
perante alunos que não tiveram a oportunidade de assistir a um dos espetáculos da
coreógrafa alemã. O filme cumpre aqui diferentes papéis, em primeiro lugar como
registro de uma atividade corporal e gestual, mas também como corpus de análise
para uma pesquisa acadêmica, servindo igualmente como possibilidade de
conhecimento para alunos de dança e teatro. É importante observar que o filme
nunca substituirá a experiência sensorial e de conhecimento em sua totalidade da
obra coreográfica assistida durante uma apresentação real (“ao vivo”), o filme pode
vir a cumprir um papel de substituto desta experiência podendo ser visto, revisto,
pausado, durante, por exemplo, o trabalho de pesquisa sobre determinada
coreografia.
Mas como analisar este material, ou melhor, como trabalhar com o mate-
rial filmográfico relativo a uma obra coreográfica? Observamos aqui duas questões
metodológicas importantes, a primeira concerne à obra coreográfica que
desejamos estudar e por úlitmo à obra filmica realizada sobre a coreografia, será
impossível não pensarmos nestas duas questões, que em cinema estão vinculadas
à forma e ao conteúdo. A imbricação entre as duas é total, e não podemos pensar,
nem analisar uma sem a outra, pois a coreografia vista através do filme, não é
mais a coreografia per se, mas a representação desta através do instrumental e
da linguagem cinematográfica.
171
Temos aqui uma das questões que nos interessam sobremaneira, como
então filmar a dança?, até que ponto podemos tomar certas libertades de mise
en scène para não mais traduzir o espetáculo em sua aproximação com o real,
mas extrapola-lo em um viés interpretativo e autoral? Neste ponto é importante
sublinhar o que seria mais importante enquanto realizador do filme: curvarmo-
nos face à obra que estamos filmando ou tomarmos liberdade para produzir algo
novo. Independentemente da situação escolhida, sempre haverá uma relação
com o trabalho coreográfico. Mas ao mesmo tempo, em decorrência das
estratégias filmicas escolhidas (duração de plano, ângulos de visão,
enquadramentos etc) e das opções em termos de edição do material (mais
sóbrio, tentando retratar o espetáculo real ou utilizando os inúmeros recursos
disponíveis na ilha de edição tais que fades, fusões etc), o resultado, ou melhor,
o filme editado, será radicalmente diferente em decorrência das estratégias
escolhidas.
Considerações finais
À quiçá de conclusão, é importante observar o grande interesse que
tem despertado tanto no público quanto nos artistas, coreógrafos e
pesquisadores a utilização da imagem em movimento, nesta representação
da dança e da coreografia.
Os produtos audiovisuais resultantes desta relação entre dança e cinema
são os mais variados, e cumprem, como vimos acima, funções diferenciadas.
Atualmente temos não somente realizadores videográficos que se interessam
em filmar a dança, como também, os próprios coreógrafos que realizam produtos
fílmicos sobre suas próprias coreografias. Os espaços de exibição de tais produtos
são também bastante amplos na atualidade, por exemplo, na França o canal de
televisão “Arte”, reserva uma parte da programação noturna, aos sábados, para
exibir filmes sobre dança. Anualmente acontece, igualmente, em Paris, no Centro
Georges Pompidou (Beaubourg), um dos festivais mais antigos em videodança,
sendo que em 2007, o “Vidéodanse” festejou seus 25 anos de existência. Este
festival, com 15 dias de duração, exibe em média 200 filmes de dança
contemporânea, abrindo espaço para o que há de mais instigante e inovador no
campo da dança.
Observamos que filmar a dança é uma atividade que tem ocupado uma
parte importante na agenda dos coreógrafos, mas para que esta possa ter um
interesse além do meramente cinematográfico, como foi evidenciado acima
através dos trabalhos de Alan Lomax, Claudine de France, Margaret Mead e
Gregory Bateson, é fundamental que o realizador esteja preparado para captar o
espetáculo com rigor metodológico. A fim de que o material editado possa ser
utilizado, por exemplo, não como mero instrumento de ensino (manual) de uma
determinada coreografia, ou movimento, mas sim, para que possamos
177
REFERÊNCIAS
ALTER, Judith. “Another View of Lomax's Film Dance and Human History”, In:
Ethnomusicology, vol. 23, n. 3, 1979, p. 500-503.
COLLEYN, Jean-Paul. “Entrevista com Jean Rouch, 54 anos sem tripé”. In:
Cadernos de Antropologia e Imagem. Rio de Janeiro: UERJ, 1995, p. 65-74.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-teatro: repetição
e transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.
FREIRE, Marcius. “Fronteiras imprecisas: o documentário antropológico entre
a exploração do exótico e a representação do outro”, In: Revista Famecos, n.
28, Porto Alegre, 2005, p. 107-113.
GOLIOT-LÉTÉ, Anne e VANOYE, Francis. Ensaio sobre a análise fílmica (4ª
edição). Campinas: Papirus Editora, 2006.
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Volume II. São Paulo: EPU/EDUSP,
1974.
MEAD, Margaret. “Visual Anthropology in a Discipline of Words”, In: HOCKINGS,
Paul (editor), Principles of Visual Anthropology. Berlin/New York: Mouton de
Gruyter, 1995, p. 3-10.
178
que nos diz o que fazer e o que ser, sempre em busca da perfeição, ou seja, corpo
enquanto "coisa", "objeto" de consumo. Cria-se um modelo de corpo: magro,
jovem, definido, trabalhado, malhado. Como nos diz Foucault: "Como resposta à
revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma
de controle-repressão, mas de controle estimulação: 'Fique nu... mas seja magro,
bonito, bronzeado!'" (FOUCAULT, 1979, 147). Com a evolução da medicina
estética ficou fácil ter o "corpo" que desejamos: muda isso, muda aquilo e nunca
há a satisfação plena, pois a grande questão está na dificuldade e incapacidade
de lidarmos com as diferenças. Dessa forma estabelece-se uma nova relação
de poder?
O corpo enquanto coisa, também pode ser entendido como "máquina"
nos tempos atuais, reflete o jornalista e filósofo Adauto Novaes:
O corpo transformou-se em máquina ruidosa a ser reparada a cada
movimento. Máquina defeituosa, "rascunho" apenas, como escreve
David Lê Breton, sobre o qual a ciência trabalha para aperfeiçoá-lo.
Por que esse interesse em mudar o corpo a ponto de projetar para
que ele se transforme em uma terceira coisa, nem natural nem
inteiramente artificial?
Pensar o corpo apenas como máquina ou, no limite, sua substituição
por "máquinas inteligentes" é o mesmo que ver sem perceber. A
máquina funciona, o homem vive, isto é, estrutura seu mundo, seus
valores e seu corpo (NOVAES, 2003, 10).
Na busca do ver e perceber, pensemos no "ser" bailarino. Além do
modelo de beleza e dos padrões estéticos impostos pela sociedade
contemporânea, o bailarino também luta com seus estereótipos da mesma
forma impostos, são os famosos padrões do "belo" herdados pelo balé
clássico. Há alguns anos, se o corpo do bailarino não estava dentro de um
padrão, não servia para a dança, ou seja "corpo longilíneo e bem
proporcionado, pés arqueados, pernas na posição en-dehors, costas retas,
pescoço longo e nada de curvas acentuadas". E quem nunca ouviu as
famosas frases: "bailarino tem que ser jovem", "o bailarino tem que começar
seus estudos muito cedo", "para dançar tem que ter vitalidade"?
182
Desejo de se expressar, comunicar... talvez seja isso o que faz com que o
bailarino permaneça dançando. Afinal, todos nós sempre temos algo a mais a
dizer. Se estamos nos inventando o tempo todo, estamos também mudando nossos
focos sobre a vida. E se na vida “nunca fica pronta nossa edição convincente”
(DRUMOND, 2004, 11) então “meu prazer mais refinado não sou eu quem vai senti-
lo” (Ibid, p. 14).
A próxima dança, o próximo gesto, o próximo movimento, estarão sempre
lá, na frente, sempre por acontecer. E para acontecer é necessário que exista um
corpo, um corpo que dança. Pensemos na “matéria” como suporte de criação do
bailarino: seu próprio corpo. Pensemos também nas mudanças que o “tempo”
perfaz como caminho sem volta, que modifica e transforma esse corpo. O tempo
de um não é o mesmo tempo do outro, portanto vivam as singularidades e os
novos olhares para esse corpo transformado pelo tempo que se configura em
uma outra beleza e derrama aos olhos da alma outras poéticas e outras estéticas,
“eis que revela o ser, na transparência do invólucro perfeito” (Ibid, p.18),
A dança pós-moderna traz inúmeras possibilidades para o bailarino e
para a continuidade da carreira. Se nos metamorfoseamos o tempo todo, a dança
também se metamorfoseia nesse corpo e o bailarino põe-se diante de si mesmo,
de sua existência e de sua arte. E há de se ter coragem para continuar se
descobrindo, é uma busca de sua própria identidade, do direito de continuar
exercendo sua dança dentro ou fora dos padrões. E quem determina os padrões?
2. A Longevidade no Pós-Modernismo
Sabemos que a longevidade é um assunto muito discutido atualmente
por médicos, cientistas e outros estudiosos. Recentemente, em 30 de novembro
de 2006, aconteceu o I Fórum da Longevidade, realizado pelo Bradesco Vida e
Previdência em São Paulo. Estamos vivendo mais, é fato. Mas estamos vivendo
mais e melhor?
O Fórum debateu o aumento da expectativa de vida, que leva não só a
reinventar a velhice, mas a ponderar sobre as escolhas da juventude e sobre o
fato de que incapacidade física não significa declínio intelectual. Mas ainda há
185
pesquisa maior. Mas são questões que todo bailarino se faz em algum momento
de sua existência, é claro, de forma particular, pessoal e intransferível, pois cada
ser é único. Portanto não teremos apenas uma resposta, mas várias respostas,
múltiplas, ou quem sabe, nenhuma certeza. Voltemos ao ciclo da vida e com o
assunto da longevidade, com a palavra de Giannetti no seu livro O Valor do
Amanhã. Segundo o autor: "O ciclo de vida, a senescência e a morte do organismo
são fatos biológicos. O modo de lidar com as diferentes fases da vida, o aumento
geral da longevidade e a tentativa de suprimir a consciência da morte são fatos
sociais" (GIANNETTI, 2005, 128).
A questão é: o que fazer com nosso corpo aqui e agora, para assegurar
uma vida mais longa, mais saudável e mais feliz? Alimentação, dieta, vitaminas,
exercícios? Essa é a fórmula? O fato é que tudo aquilo que experimentamos no
corpo, fica no corpo que responde de diferentes formas. Para explicarmos melhor,
recorremos ao pensamento do filósofo Henri Pierre Jeudy:
O que eu sinto, o que aprendo, o que memorizo, todas as sensações,
percepções e representações interferem nas imagens de meu corpo,
que é simultaneamente a possibilidade e a condição daquilo que
experimento e de minhas maneiras de interpretar o que eu experimento
(JEUDY, 2002, 20).
Portanto, transformar o corpo pelo lado de fora pode ser ótimo e durar por
um bom tempo, mas por dentro, o corpo sempre terá a idade biológica. Pois
O ideal moderno de vida - a ambição de ganhar e consumir sempre
mais, ao passo que se permanece indefinidamente jovem, esbelto e
distraído - não se sustenta. Essa postura empobrece nossa existência,
reduzindo-a a uma espécie de corrida de obstáculos veloz e
tecnicamente sofisticada, mas rumo a lugar nenhum. Ao mesmo tempo,
ela se choca frontalmente com duas realidades incontornáveis ao
menos por um bom tempo ainda da condição humana: a senescência
e a finitude (GIANNETTI, 2005, 133).
Segundo os estudos do referido autor, a vida no ambiente pré-moderno
era relativamente curta, isto é, não mais do que trinta ou quarenta e poucos anos
de vida. "Situação completamente distinta, contudo, é a que se a apresenta no
ambiente moderno de alta longevidade e envelhecimento em larga escala"
187
Um Outro Corpo
As veias correm pelo meu corpo, pelas minhas pernas, pela minha
boca.
A força dos cataclismos de que somos vítimas como sujeitos de uma
sociedade inquieta, violenta e depressiva, dirigiu nosso olhar para o
mundo interno dos gestos e movimentos que trazem consigo uma
carga expressiva capaz de acordar no corpo memórias de um outro
corpo, talvez mais sensível e desperto para a realidade simbólica do
mundo interior (AMIGOS BALÉ DA CIDADE, 2006, s.p.).
Ao investigar questões relacionadas com o amor e a morte, o espetáculo
se propõe à criação de uma dança onde os elementos que compõem a cena se
entrelacem para atingir nossa sensibilidade. "Um Outro Corpo" nasce a partir
das imagens corporais, carregadas de memória e repleta de sons e silêncio, da
intérprete-criadora, Cláudia Palma (2006, s.p.).
"Um Outro Corpo" trouxe à tona uma série de questionamentos: já há
alguns anos refletíamos sobre a idade do bailarino e quais as possibilidades de
continuar nos palcos, dançando. Questões da dança que fazem parte do corpo
de qualquer bailarino como extração, repetição, força muscular, flexibilidade,
coordenação, ritmo, vigor e técnica estão em um outro lugar no corpo de um
bailarino mais velho, sendo que este corpo vive em constante metamorfose. Isto
se evidencia no depoimento de Cláudia Palma (2006, s.p.).
Sentia isso na própria musculatura, na pele. É um certo enrijecimento
do corpo o que primeiro denuncia a transformação. Tudo muito sutil.
Percebi essa diferença física aos 37 anos. O que foi muito ingrato, pois
também foi quando me senti madura e realmente pronta para a dança.
Mas o físico me impunha outro movimento.
Cláudia Palma abordou a questão do envelhecimento em um outro
trabalho coreografado por ela, o "Deserto dos Anjos", no ano de 2002,
argumentando que esse trabalho jamais poderia ser realizado por corpos jovens.
"Há um efeito dramático que, de fato, só poderíamos passar com a nossa própria
maturidade. Como se vê, o bailarino jovem também tem suas limitações", afirma,
sem disfarçar o sorriso; e define: "são os limites do estereótipo" (OLIVEIRA, 2003,
59).
189
O Guaira 2 Cia de Dança foi criado em 1999 por bailarinos do Balé Teatro
Guaíra, incentivados pela diretoria do Centro Cultural Teatro Guaíra - CCTG, que
buscavam alternativas de trabalho visando a uma maior longevidade da carreira,
bem como uma maior satisfação pessoal, aliando a sua maturidade artística a uma
técnica dentro da dança, que melhor atendesse a seu potencial criativo. O
reconhecimento veio logo com o Prêmio Estímulo, concedido pela APCA, em 2000,
em razão da originalidade e qualidade da proposta apresentada pela companhia
em tournée na cidade de São Paulo, com as coreografias: "Pare! Pense! Faça
alguma coisa!..." do coreógrafo Tuca Pinheiro e "Instável Sonata" da coreógrafa
Adriana Grechi.
191
4. Conclusões Finais
Há muito ainda para ser estudado sobre o assunto que propus para essa
simples monografia. Parte deste estudo será ampliada em novas discussões em
minha dissertação de mestrado (PPGAC - UFBA no qual estou inserida), pois o
corpo mais velho que dança merece nossa admiração e nosso profundo respeito,
além da necessidade de discutir e ampliar novos olhares, formular e reformular
conceitos além de antigos valores que permeiam o universo da dança.
“Podemos conceber que todas as fórmulas de representar o corpo, para
nós e sob o olhar do Outro, traduzem nossa maneira de ser no mundo, como se
o corpo não fosse nada sem o sujeito que o habita” (JEUDY, 2002, p.20). Este
estudo buscou trazer o “ser”, o “sujeito”, à tona, com suas falas e uma pequena
parte de suas trajetórias. No universo da dança, é natural que o “sujeito” nunca
seja ouvido, mas manipulado. O bailarino como um “alfabeto” completo de corpo
e técnica onde seja capaz de (re)escrever, com todos os acentos e pausas, o
texto e o pensamento do coreógrafo: se ele não estiver apto, então é descartado
como objeto sem sentidos e significados.
Precisamos pensar em novas metodologias para o ensino da dança, visando
o respeito e a valoração do sujeito-bailarino, não mais um objeto com sua realização
ideal de beleza e perfeição, mas o ser humano que se movimenta e dança pelo
prazer e pela beleza da vida. É assim com Angel Vianna, cujo pensamento influenciou
a formação da dança pós-moderna não só no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha
atualmente, mas por todo o Brasil. Por isso pensemos em suas palavras:
O bailarino tem um instrumento que é um instrumento de vida dele e
registra uma história dentro dele que é a vida dele, então! Muitos
necessitam de se expressar através dessa coisa fantástica que é o
corpo, não é? (ver entrevista no Anexo I).
Como um dos exemplos mais significativos da história da dança no Brasil,
termino essa monografia com uma entrevista de Angel Vianna (ver entrevista no
ANEXO I), para que possamos despertar com suas palavras qual o sentido real
196
REFERÊNCIAS
AMIGOS BALÉ DA CIDADE. Balé da Cidade: corpo estável no Theatro Munici-
pal de São Paulo. s.d. Disponível em: http://www.amigosbaledacidade.com.br/
acia.asp. Acesso em 19 jun 2006.
______. A Companhia 2. s.d. Disponível em: http://
www.amigosbaledacidade.com.br?cia2.asp. Acesso em 20 abr. 2006.
______. Notícias. s.d .c. Disponível em: http://
www.amigosbaledacidade.com.br?cia2.asp. Acesso em 25 jun.2006.
______. Coreografias. 2006. Disponível em: http://
www.amigosbaledacidade.com.br/coreografias/soloemq.asp. Acesso em 2 nov.
2006.
AZEVEDO, S. M. de. O Papel do corpo no corpo do ator. São Paulo:
Perspectiva, 2002.
BALÉ DA CIDADE DE SÃO PAULO. Cia 2 recebe prêmio APCA no Theatro
Municipal. http://www.baledacidade.com.br/notícias.aasp?temp=5&id=4.
Acesso em 5 abr. 2006.
BANCO DO BRASIL. Cia 2 do Balé da Cidade de São Paulo "Todos os 12".
Disponível em: http:// www. bb.com.br/appbb/portal/bsb/ctr/bs/evt/
Evt.Det.jsp?Evento.código= 23631 Acesso em 18 nov. 2006.
CENTRO CULTURAL GUAÍRA. G2 Cia de Dança. s.d. Disponível em: http://
www. Pr.gov.br/guairá/7_ciag2.shtml. Acesso em 18 nov. 2006.
DRUMONND, C. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 2004.
EDITAL ATELIÊ, 2006. Disponível em: http:/www.ateliedecoreografos.com.br/
edital.html. Acesso em 25 JUN. 2006.
197
ANEXO I
Entrevista com Angel Vianna
Rio de Janeiro, Faculdade Angel Vianna, 21 de Julho de 2006.
Não precisa dançar o balé clássico, na ponta, que eu não sou maluca, eu caio,
não é? (risos). Mas dançar o meu sentimento... Eu posso dizer em palavras muito
menos do que eu posso falar através do sentimento do movimento. Eu digo com
o movimento o que eu não sou capaz de dizer com palavras. É porque movimento
depende muito do sentimento do movimento. Fazer movimento mecanicamente
é uma coisa, sentir o movimento é outra coisa, então, eu acho importante na
minha concepção hoje e cada vez mais, trazer à tona o movimento do sentimento.
Eu não preciso explicar o meu sentimento: você (o público) vai conseguir perceber
através do próprio movimento.
ML - Como é para você, a experiência de dançar coreografias de outros
coreógrafos como, por exemplo, Paulo Caldas?
Angel: Olha é muito bom e eu acho que todo bailarino necessita também saber
utilizar o trabalho do outro e memorizar o trabalho do outro com fidelidade, com
sinceridade e a coisa que eu expliquei pra eles era que... (pausa). Paulo Caldas,
por exemplo, gosta do trabalho linear como ele fez, baseado em Borges, Jorge Luís
Borges, não é? Ele fez todo um trabalho sobre a linha de expressão e eu aí... Ele
gostaria que ficasse um trabalho limpo, e tudo bem! Mas eu falei, olha não adianta,
porque eu só trabalho através do meu movimento e do sentimento dele. Eu vou
fazer exatamente o que você quer, mas não posso impedir a maneira que eu trabalho
e faço. Trago sempre alguma lembrança daquele movimento e um sentimento
daquele movimento, ele vem à tona. Você (o público) vai perceber que eu não vou
ficar chorando, que eu não vou ficar fazendo é... dramalhão... Não! Eu vou transmitir
esse sentimento para a platéia e sem nenhuma modificação no que você (Paulo
Caldas) está querendo, mas a platéia vai sentir outra coisa, o que eu estou querendo
e é verdade. É interessante o trabalho do Caldas eu fiz exatamente o que ele queria,
exatamente, sem perder, e é cheio de detalhes... são movimentos, sabe? Se você
perde um dedo, você perde tudo. Se você vai com um movimento mais forte, depois
usando as direções, se você se perde com um detalhe, você perde tudo porque ele
é muito repetido em diversas direções.
É um trabalho muito interessante, ele é de uma lentidão... é desenhando mesmo
cada detalhe, sabe? Então, vai te dando uma... Quando você começa a desenhar
o seu próprio rosto é uma coisa que... sabe? Vai, esse sentimento vai brotando,
ele vai brotando, vai estimulando a história e é interessante, é muito interessante...
201
dedos, sabendo utilizar... Outra coisa importante: olha bem! Que coisa bonita...
Porque ao mesmo tempo em que eu trabalhava o corpo eu trabalhava o piano,
com as articulações dos dedos, era o toque e era a audição, ouvir... Aprender a
sensibilizar esse sentido. Ouvir, prestar atenção. Então era um trabalho com o
sentido de visualizar a música, tocar, três... Três sentidos importantes: sentir o
toque, ouvir o que eu estava tocando e ver o que eu estava pesquisando na
partitura e depois a dança.... Por que a dança? A dança veio completar: além de
utilizar todo o instrumento corporal utilizar também o movimento. A dança veio me
dar a percepção da utilização das articulações de maneira e-fi-caz, então! Através
dela eu pude perceber mais claramente o movimento e usar o movimento com
projeção, com direção. São coisas específicas de cada uma que se juntaram e
que fez essa formação. A minha formação é essa.
Apoio
VIRT U T E S P I RIT U S
GIPE-CIT
Endereço: Av. Araújo Pinho, 292, Canela
CEP 40.110-150 Salvador - Bahia
Telefax: (71) 3245 0714
E-mail: ppgac@ufba.br