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PRESIDENTE PRUDENTE
Outubro de 2010
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE
PRESIDENTE PRUDENTE
Outubro de 2010
1
Banca Examinadora
Orientadora
2
Dedico este trabalho à minha mãe, ao meu
pai, à minha irmã Fernanda que tanto me
ajudou e incentivou nesta empreitada, aos
meus amigos e à Mãe D´Água...
Odofiaba, Iemanjá!
3
Agradeço minha família, meus amigos: Micheli, Rods, Heide, Thiago, Manoela,
Pássaro, Natalias Cano e Dred, Izid, Drinks, Fernanda, Gabriela, Ricardo Carlos -
amigo companheiro e Marília Coelho – minha orientadora.
4
“Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Káwo-kabiesile-káwo-okê-arô-okê
Ê semba ê ê samba ah
O batuque das ondas
Nas noites mais longas
Me ensinou a cantar
Dor é o lugar mais fundo
É o umbigo do mundo
É o fundo do mar
No balanço das ondas okê arô
Me ensinou a bater seu tambor
No escuro porão eu vi o clarão
Do giro do mundo
Ê céu que cobriu nas noites de frio
Minha solidão
É oceano sem fim, sem amor, sem irmão
Ê káwo quero ser seu tambor
Eu faço a lua brilhar o esplendor e clarão
Luar de luanda em meu coração
1
Yaya Massemba - Roberto Mendes e Capinan.
5
Sumário
I – Introdução ............................................................................................................ 07
IX – Avaliação .......................................................................................................... 62
6
I – Introdução
2
No ano de 2009 recebeu o prêmio na categoria A no 5º congresso de extensão universitária, realizado
em Águas de Lindóia – SP.
3
GARDNER, 1995.
4
SANTOS, 2008.
7
Após a exposição da história dos negros no Brasil, é na proposta de Howard
Gardner acerca das múltiplas inteligências que encontramos ferramentas teóricas
necessárias para dar continuidade ao trabalho. Ao defender a pluralidade da forma de
aprendizagem, o autor prioriza outros materiais pedagógicos, bem como: pinturas,
vídeos, músicas, artes plásticas, danças, etc. Todos estes materiais são encontrados em
elementos da cultura africana, nas celebrações do candomblé, que transcenderam o
papel religioso e se encontram largamente difundidos no espaço geográfico – profano.
Percebemos que ao trabalhar as múltiplas inteligências nos educandos já estaremos
desenvolvendo o conceito de arte/educação, onde elementos artísticos são utilizados
como meios pedagógicos.
Para costurar todas as inteligências, transformando o resultado do processo de
ensino/aprendizagem em uma síntese, utilizamos o teatro, que leva à prática todo o
conhecimento adquirido, expondo-o aos olhares de outros, ocasionando uma
valorização do educando e, sobretudo, de sua produção.
Retirar um povo de seu país por meio de formas desumanas, utilizando a teoria
de que esse povo, por causa da cor de sua pele, era tido como infiel e por isso merecia
ser escravo, é uma forma bruta de imposição cultural do ocidente, não havendo
fundamento plausível para tal prática. Enquanto os colonizadores só enxergavam lucros
e montantes de dinheiro, a população negra, a mercê desses dominadores, é iniciada
num longo e doloroso martírio, marcado pelo sofrimento e degradação, determinadas
populações se viam a mercê desses gananciosos.
Os negros acreditavam em uma terra sagrada que havia depois do oceano:
chamada calunga, terra sagrada, representando a barreira entre a vida e a morte, onde só
havia paz (SLENES, 1999), lá encontrariam o Axé6. Sem compreender porque eram
colocados de forma vil em um porão de navio, com pouca comida, pouca água, muitas
5
Nego Tenga – Brilho de beleza, 1990.
4
Poder em estado de energia pura (VERGER, 1981).
8
vezes longe de seus familiares e desprovidos de dignidade, tentavam procurar um
conforto pensando na calunga. O além mar, não era o das representações
simbólico/religiosas, o que esperava por eles era um futuro bem pior, manchado de
vermelho sangue, de sofrimento e angústia. O grande mal dos séculos se iniciou: a
escravidão.
Os negros capturados eram de diversas regiões africanas, tribos e castas,
algumas até com dialetos diferentes, eram colocados nos “navios negreiros” que:
(...) Traziam indistintamente membros das mais diversas tribos; daí
uma solidariedade nova, a do sofrimento suportado em comum (...) a
escravidão, em seguida, concluía esse trabalho de desterritorialização,
disseminando as famílias ao acaso da necessidade agrícola, nas
fazendas dispersas. (BASTIDE, 1973, p. 260)
9
eterna, pois, cometeram o grave pecado de nascerem negros. Segue um depoimento
datado de 1633, que um “bondoso e digníssimo” padre proferiu:
Deveis dar infinitas graças a Deus por vos ter dado conhecimento de
si, e por vos ter tirado de vossas terras, onde vossos pais e vós viveis
como gentios, e vos ter trazido a esta, onde, instruídos na fé, vivais
como cristãos e vos salveis. (VIEIRA, apud NASCIMENTO, 1978, p.
52)
10
efeito mortal para o escravo – eis algumas das características básicas
da “benevolência” brasileira para com a gente africana.
(NASCIMENTO, 1978, p. 57)
11
Qualquer religioso em meio a tantos santos se sentiria bem protegido. Pena que
estes santos privilegiam um tipo de cor de pele. Oram somente pelos ocidentalizados,
brancos e aptos à salvação.
A brilhante obra de Gilberto Freyre “Casa grande e senzala” (1998), mostra que
muitos dos africanos que aqui chegaram possuíam educação refinada e escreviam numa
língua desconhecidas dos brancos; essa língua era o árabe.
Segundo Freyre (1998), a percepção desse refinamento que divergia conforme a
casta no país de origem, era o que justamente determinava as funções desenvolvidas
tanto pelas mulheres , quanto pelos homens, quer na lavoura, quer na casa grande.
Colocar o papel imprescindível que a obra de Gilberto Freyre tem, no sentido de
proporcionar uma outra leitura do Brasil, ao desmistificar a inferioridade da cultura
africana, colocando-a como parte integrante e importantíssima para a afirmação da
genuína cultura brasileira, fruto da miscigenação de brancos, índios e negros.
Já os africanos, em meio a tantos interesses infundados, traziam consigo sua
cultura submersa junto a seus corpos nas piores condições possíveis, nos navios
negreiros. Passado incrustado em uma infinidade de costumes e crenças. Dentre as
crenças desta população, estavam as religiões. Entre os negros, existiam grupos que
cultuavam diversos deuses, intitulados: Orixás, figurando uma das principais práticas
religiosas do continente africano - o candomblé. No século XVI a igreja católica
reprimia de forma severa qualquer outro pensamento religioso que não coincidissem
com os seus, em busca de uma hegemonia, almejando o controle além dos limites
territoriais - “O uso da pressão política para destruir outros sistemas religiosos se deu
através da conquista e da extensão de controles políticos, que induziam à conversão por
meio de uma variedade de pressões.” (ROSENDAHL, 1996, p. 62)
Ante toda essa carga cultural, nociva aos interesses ocidentais, a igreja e a coroa
tiveram que adotar medidas de genocídio cultural. Os negros eram obrigados a
participar de rituais católicos, adorarem um só deus e todos os santos. Como forma de
burlar a proibição às crenças religiosas africanas, os negros começaram a dar
correspondência africana, aos santos católicos. Santa Barbara passou a ser: Iansã; Nossa
Senhora: Iemanjá; São Jorge: Ogum. Assim procedendo, os negros conseguiram manter
viva sua crença, mesmo diante do genocídio cometido conta eles na época. Com toda
força típica de um povo que já aprendeu a sofrer, mais uma vez, resistiram.
Em agosto de 1834, na Inglaterra, foi decretada a abolição completa da
escravidão em suas colônias. A pressão era cada vez maior para o Brasil tomar a mesma
12
atitude. A primeira alteração no sistema escravocrata nacional ocorreu em 1850, quando
foi decretada a Lei Eusébio de Queirós, que tornou ilícito o tráfico de escravos. Alguns
anos mais tarde, em 1871, entrou em vigor a Lei Visconde do Rio Branco, conhecida
também como a Lei do Ventre Livre, estabelecendo que filhos de escravos, que
nascessem após a promulgação da lei, seriam considerados livres, ficando a cargo dos
proprietários de escravos criá-los até os oito anos de idade, após esta data poderiam
entregá-los ao estado e receber uma indenização. De que adiantava o filho livre e a mãe
escrava? Os senhores cuidavam de que forma das crianças? Em 1855 era a vez dos
escravos idosos conseguirem a liberdade, com a promulgação da Lei Saraiva-Cotegipe,
mais conhecida como Lei dos Sexagenários, ao completar 65 anos de idade (se
suportassem viver tanto em condições péssimas e de exploração). A pressão continuava
por parte da Inglaterra, principalmente depois de passados 54 anos da abolição inglesa.
Em 1888, mais precisamente 13 de maio, oficialmente a escravidão foi abolida no
Brasil. Mas, mesmo assim, continuou como forma ilegal de exploração humana.
Agora o escravo é livre. Livre pra que? Em uma sociedade totalmente racista,
alicerçada nas vigas da escravidão que perdurou por mais de 300 anos. Infelizmente a
lei não bastou para acabar com todos os males que este sistema brutal causou aos
negros. Restou a África perdida, o não pertencimento ao lugar onde vivem. Jogados à
margem da nossa sociedade, os negros não conseguiam empregos (herança racista do
sistema escravocrata), muitas vezes tinham que voltar e trabalhar para os seus antigos
“senhores” em condições parecidas com as que viviam anteriormente, e permaneciam
nessas fazendas, agora presos por dívidas, pois, tinham que comprar sua comida na
venda de propriedade do próprio patrão. Ainda não tinham se findados os sofrimentos
do negro na Brasil. A abolição:
Não resolveu o problema fundamental do escravo que era o acesso à
propriedade de terra. Este liberto, sem qualificação profissional, em
um país essencialmente agrário, não tinha outra alternativa senão
7
Domínio Público.
13
transformar-se em trabalhador livre, assalariado ou semi-assalariado
dos seus antigos patrões. (ANDRADE, 1983, p. 40)
14
estupravam as nativas. O resultado deste desamor era o filho bastardo, rejeitado pelo pai
e pela mãe, que via na criança um produto de seu sofrimento. Com a chegada dos
negros no Brasil, a exploração sexual mudou de foco, eram nas negras que os
“senhores” descarregariam suas vontades sexuais mais sórdidas. Mais uma vez o filho
bastardo. Relegado pelo pai e pela mãe. E assim constituímos nossa miscigenação. A
mulata (filha de branco com negro) foi cada vez mais sexualizada em nossa sociedade:
(...) a existência da mulata significa o “produto” do prévio estupro da
mulher africana, a implicação está em que após a brutal violação, a
mulata tornou-se só objeto de fornicação, enquanto a mulher negra
continuou relegada à sua função original, ou seja, o trabalho
compulsório. (NASCIMENTO, 1978, p. 62)
Estigmas que têm reflexo em nossa sociedade até os dias atuais, manchas que
não somem do universo simbólico das representações sociais. Este é o fardo que nosso
país carrega depois de mais de trezentos anos de escravidão. Apesar de toda a carga
cultural que o negro trouxe para nossa sociedade, ele ainda sofre discriminações,
15
tomamos conta de uma das mais ricas representações culturais que o negro trouxe
consigo do além mar: o candomblé.
Como vimos, o negro foi sempre deixado a margem da sociedade, e como se não
bastasse, mesmo após a abolição da escravidão, muitas de suas práticas culturais ainda
estavam na ilegalidade. A nobre sociedade de olhares e gostos ocidentalizados,“cedeu
espaço” para o negro, entretanto, impôs limites para esta inserção:
Em fins do século XIX, como atestam os jornais e outros documentos
da época, havia grave rejeição, por parte de segmentos dominantes da
sociedade, às práticas religiosas afro-brasileiras. Atribuía-se a eles o
caráter de “selvageria”, cujos exemplos, constantemente citados, eram
a “lascívia das suas danças” e o “estrondoso barulho” de suas
batucadas. (AMARAL; SILVA, p. 189, 2006)
Concluimos que, o governo, por meio de uma elite dominante, não hesitou em
manter proibições da época da escravidão, obrigando os negros a ocultarem seu traço
cultural mais marcante: a religiosidade, escondendo-se dos olhos da sociedade, pois:
“Tais cultos tinham um caráter candestino e as pessoas que neles tomavam parte eram
perseguidas pelas autoridades.” (VERGER, 1981, p. 29) Tornando tradição cultural em
caso de polícia.
Mesmo perante todos os aparatos reprecivos, os negros, ainda sim, lutavam para
dar continuidade a sua cultura, afinal, a escravidão não conseguiu apagar suas crenças,
não seria depois de liberto que iriam eliminá-las. No Rio de Janeiro, eram nas casa das
“Tias” que as celebrações clandestinas aconteciam. Lá, difundia-se a cultura africana e
incitava, sobretudo, a produção artística que levasse em conta elementos étnicos
culturais, que na sociedade eram reprimidos e censurados. Nesses casos: “A arte negra é
precisamente a prática da libertação negra (...) em todos os níveis e instantes da
existência humana.” (NASCIMENTO, 1978, p. 180) As tias eram de descendência
baiana, em sua maioria negras, traziam consigo toda a carga cultural africana obtida
8
Gasolina – “Você me Chamou de Nego”. Gravado pelo cantor Rubi, no cd “Paisagem Humana” em
2006.
16
através de seus antepassados. A casa, continha uma significância simbólica: liberdade.
Ali os negros eram livres para executar sua cultura, deixavam o mundo repressor de
lado para se encontrar com pessoas que comungavam dos mesmo ideais, pensamentos.
Uma das casas mais importântes, no sentido de resistência cultural da época, era a:
A casa de Tia Ciata, Babalaô-mirim respeitada, simboliza toda a
estratégia de resistência músical à cortina de marginalização erguida
contra o negro em seguida à abolição. A habitação – segundo
depoimentos de seus velhos frequantadores – tinha seis cômodos, um
corredor e um terreiro (quintal). Na sala de visitas realizavam-se
bailes (polcas, lundus etc.); na parte dos fundos, samba de partido alto
ou samba-raiado; no terreiro, batucada. (SODRÉ, p.15, 1998)
17
E o negro foi se afirmando cada vez mais, seja por meio da dança, da
corporalidade, dos instrumentos. Foi no samba que o negro encontrou o seu melhor
aliado em direção de sua aceitação cultural – “Sendo música religiosa, o samba
enredou-se, apesar disso, nos espaços profanos, num intenso fluxo de trocas simbólicas
entre as religiões afro-brasileiras e a sociedade.” (AMARAL; SILVA, 2006, p. 192) Foi
aí que a sociedade passou a comungar a religiosidade do negro, mesmo de forma
inconsciente. Entretanto, o samba, por muito tempo só conseguiu abarcar o público
popular, sendo ainda estigmatizado pela elite brasileira, mas esse povo não buscava a
afirmação de sua cultura por parte dos ricos, pois, até mesmo: “As letras dos sambas,
cantadas ao fim das “rodas de santo” nas casas das “tias” baianas, ou nos encontros
festivos populares, como a Festa da Penha, refletiam o cotidiano dos grupos negros do
Rio de Janeiro e a própria importância da música neste cotidiano.” (AMARAL; SILVA,
2006, p. 193) O cotidiano dessas pessoas era simples, dotado de peripécias contra a lei,
bebidas, traições e muito amor. A elite estava acostumada com músicas clássicas que
incitavam a boa educação e as boas maneiras.
Dentre as políticas do estado novo (era Vargas), encontramos a que visava
estabelecer as bases de um estado genuinamente nacional, o que ocorreria por meio de
uma valorização das práticas culturais brasileiras, sobretudo as de origem popular,
causando assim, uma identificação da população com a nação. Dentre as culturas
escolhidas para figurar uma identidade cultural, estavam as práticas afro-brasileiras, foi
a partir dessa época que algumas manifestações foram desestigmatizadas, como a
capoeira e o carnaval. Sendo que ambos foram modificados: a primeira recebeu o nome
de capoeira regional, o segundo só foi aceito com a condição de os sambas enredos
tratarem de temas da história oficial brasileira (que não se importa muito com a cultura
negra) 9 .
A casa das tias, por longos anos, se constituiram em refúgio e territórios de
resistência e afirmação cultural. A identidade dessa população se manteve viva, por
meio de diversas representações, muitas vezes artísticas. A arte era tida como meio de
supressão ante tanta desigualdade e injustiça. A religiosidade, sem dúvida auxiliou e
incentivou todo este processo, muitas vezes, fundida entre manifestações do sagrado e
do profano e, foi no profano que encontrou bases para transcender seu papel religioso,
firmando afinidade com a contituição cultural brasileira.
9
AMARAL; SILVA, p. 199, 2006.
18
V - Candomblé – religiosidade e resistência cultural
10
Vinicius de Moraes e Baden Powell – “Canto para Xangô”. Garavdo no disco “Afro-Sambas” em 1966.
19
específica, seu iaô (na África - elegun), ocorrendo a possessão. Este Orixá servia
também para afirmar e abeçoar o Rei, garantindo assim, a coesão social11.
Não havia muita distinção entre o religioso e o social, prova do quão forte era a
crença dessas pessoas. A escravidão não conseguiria apagar o que foi construido em
séculos de tradição, pois: “Os seres humanos são considerados, por excelência, as
criaturas da comunicação, que armazenam significados através de palavras, desenhos,
gestos, números, padrões musicais e um grande número de outras formas simbólicas.”
(GARDNER, 1995 p.145) Toda essa carga cultural, veio para participar da constituição
da sociedade brasileira, que, embora sempre rechaçada, ainda sim se firmou e criou
raízes, por meio de muito sangue e lágrimas.
Algumas modificações ocorreram como forma de adaptar a religião africana à
nova realidade, pois, os negros eram colocados, muitas vezes, misturados nas
embarcações, oriundos de diversas regiões. Como cada pessoa possuia devoção a um
orixá, no culto do candomblé no Brasil, vários orixás puderam ser cultuados, como
meio de agradar todos os adeptos, totalizando em média desesseis deuses. Por isso,
qualquer afirmação veemente sobre o culto do candomblé no Brasil, pode estar fadada
ao erro. O que expomos aqui é o resultado de uma revisão bibliográfica acerca do tema,
onde encontrando pontos em comum nesta manisfestação religiosa.
Antes de prosseguir, nos atemos que são muitos os preconceitos que anulam a
possibilidade se conhecer em seu profundo o candomblé, tantos anos de repressão social
e política ainda colhem frutos. Por este motivo, se afirma cada vez mais a necessidade
de mostrar esta realidade a todos, entretanto, para não cairmos novamente no velho
discurso discriminatório: “É preciso julgar esse culto não através dos nossos conceitos
de brancos, mas tentando penetrar na alma dos fiéis e pensar como eles próprios
pensam.” (BASTIDE, 1973, p. 284) Analisar a religião, não com olhos estrangeiros, e
sim com abertura a percepções novas, só assim será possível travar qualquer
entendimento com nulidade de preconceito.
Há uma grande complexidade nas manifestações do candomblé, que diferem em
muito dos ritos religiosos europeus. A noção de bem e mal, céu e inferno, não existe no
candomblé. O bem e o mal estão contidos no caráter do ser, resta ao adepto religioso
saber balancear ambos sentimentos, controlar seus defeitos e explorar suas qualidades.
Os deuses desta religião - os orixás, possuem qualidades e defeitos humanizados, pois,
11
VERGER, 1981.
20
foram humanos durante algum tempo. Diferentemente das religiões européias ou
europeizadas, onde o sagrado se manifesta por meio de silêncio, concentração,
subserviência, no candomblé denomina-se “festa” as celebrações religiosas, que têm
como pressuposto a alegria, muita música (pontos) tocada pelos Alabês12 nos atabaques:
rum (grave), rumpi (médio), lé (agudo); enfeites são dispostos no terreiro ao gosto do
orixá homenageado; é realizado sacrifício de um animal para preparação da comida
sagrada, que será parte destinada aos orixás e parte degustada por todos os presentes. As
orações são através dos “pontos”, das danças e da comida. Uma grande
comunhão que prioriza a sociabilidade, descontração e muita fé.
O sagrado, no caso do candomblé, se dá como local nos terreiros – lugares
sagrados, destinados a execução dos ritos, oferendas, trabalhos. Necessariamente o
terreiro deve possuir um espaço com terra, sem nenhum tipo de piso, descoberto, pois, o
candomblé é uma religião que possui o ânima da natureza, todos os seus deuses (orixás)
possuem ligação direta com algum elemento natural, o que auxilia em uma maior
consciência ambiental e respeito ao meio natural. A noção de genealogia também é
muito forte nas práticas religiosas, sobretudo o respeito aos mais velhos e aos entes que
já faleceram:
A religião dos Orixás está ligada a noção de família. A família
numerosa originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos
e mortos. O Orixá seria, em principio, um ancestral divinizado, que,
em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre
certas forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou
salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas
atividades como a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o
conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização. O
poder, àse (axé), do ancestral-orixá teria, após sua morte, a faculdade
de encarnar-se momentaneamente em um de seus descendentes
durante um fenômeno de possessão por ele provocada. (VERGER,
1981, p. 18)
Os orixás eram seres humanos, assim como todos, com defeitos e qualidades,
que, através de um processo doloroso, por meio da ira ou outros sentimentos violentos,
passaram a ser: “Possuidores de um àse (axé) muito forte e poderes excepcionais.”
(VERGER, 1981, p. 18) Segundo a mitologia iorubana: sendo o orixá supremo, criador
da Terra - Olodumaré distribuiu todos os poderes da natureza entre todos os orixás que,
assim divinizados, puderam seguir seus caminhos.
12
No Brasil, Ogã tocador de atabaque,chefe da orquestra do candomblé, na África dono da navalha,
encarregado da escarificações rituais (aberés). (PRANDI, 2001, p. 564)
21
O mundo profano permeia as relações das pessoas religiosas, não há
possibilidade, no caso do candomblé, das pessoas viverem somente no espaço sagrado,
seria como negar toda a vivência cotidiana, portanto, ao se relacionar com o espaço que
circunda sua religiosidade, o adepto age como transformador de seu meio, levando
consigo elementos do espaço sagrado, bem como características, costumes e até mesmo
obrigações: “O homem religioso (...) se exprime sob formas simbólicas que se
relacionam no espaço.”(ROSENDAHL, 1996, p. 64). O candomblé ofereceu bases para
vários elementos que alteram a constituição da cultura brasileira e, por conseguinte, o
espaço geográfico. No plano da música, são diversas as contribuições africanas. O
samba é um ritmo que nasceu junto ao candomblé, se inspirando no ritmo africano
semba, tocado nas festas. Desenvolveu-se, sobretudo em meio a pessoas pobres e em
sua maioria afro-descendentes – ressaltando o papel da casa das Tias no Rio de Janeiro.
Os cantos executados nas celebrações começaram a serem ouvidos fora dos terreiros. A
sociedade passou a comungar das músicas, embora, muitas vezes, alienada a verdadeira
significação religiosa. O profano interage com sagrado, como no caso da culinária das
“baianas”.
Todos os orixás possuem peculiaridades como: dia da semana, cor, música
(ritmo), força sobre determinado elemento da natureza e prato predileto. Nos dias de
festa para determinados orixás, devem ser seguidas à risca as preferências do
homenageado. A culinária predileta dos orixás é intitulada “prato sagrado”. As
responsáveis pela preparação da comida, são mulheres designadas para tal no ato de
“virar o santo”, ou seja, da iniciação na religião, os segredos culinários são passados de
geração para geração, mantendo características trazidas do continente africano. Na
Bahia, principal porto receptor de escravos do período colonial, aconteceu um fato em
particular: a comida baiana não só foi influenciada pela culinária africana, como
aconteceu em grande parte do Brasil, mas, a culinária sagrada transcendeu os terreiros,
ultrapassou os limites do sagrado, se envolvendo e alterando o espaço profano. As
típicas baianas, de roupas brancas (as mesmas utilizadas como indumentária no espaço
sagrado), vendiam preparos suculentos em meio à praça pública:
(...) Se muitas receitas dos pratos africanos, glória da apimentada
culinária baiana, chegaram até nós, é que foram fielmente conservadas
e transmitidas de mães para filhas pelas baianas vendedoras de
quitutes nas ruas. Acontecia às vezes que, antes de sair de casa, elas
faziam oferendas de parte das comidas nos altares de seus orixás.
Quando as pessoas compravam e comiam acarajé, participavam, sem
saber de uma comida em comum com Iansã, e se era caruru, também
22
chamado amalá nos terreiros de candomblé, era com Xangô que
comungavam. Assim por consideração aos gostos dos orixás,
nasceram e perpetuaram-se os vários quitutes na Bahia. (VERGER,
1981, p. 32)
13
Sacrifícios, oferendas, despachos.
23
regras específicas, nenhuma pessoa “recebe o orixá” somente ouvindo um ponto de seu
orixá, ou permanecendo em um espaço sagrado:
È necessário que tenham sido preparadas para receber o orixá através
de certas interdições, como a do corpo limpo, certos banhos de ervas,
em resumo, por um conjunto de fatos regulamentados pela sociedade,
sem os quais a música nada produz. (BASTIDE, 1973, p. 279)
14
SANTOS, 2008
24
Foto 1:
25
VI – Sincretismo no candomblé
“Vestimenta de caboclo é samambaia” 15
15
Ponto cantado na Umbanda (religião criada no Brasil que une elementos do candomblé e do espiritismo
Kardecista) - Domínio público. Adaptado e Gravado por Martinho da Vila no disco “Canta, canta minha
gente” no ano de 1974.
26
nativa dos indígenas manifesta-se nos terreiros de caboclo, onde o
culto mistura dois sistemas espirituais (...) (NASCIMENTO, 1978, p.
109)
27
VII – Terreiro - território África
“Neste terreiro em festa, entre mil adobás
Prestamos nosso tributo aos Orixás” 16
16
Mauro Duarte, Noca e Rubens Tavares. “Tributo aos Orixás”. Gravado por Clara Nunes no disco
“Clara Clarice Clara” em 1972.
28
É por meio dos símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce
sua função de mediação entre o homem e a divindade. É o espaço
sagrado, enquanto expressão do sagrado, que possibilita ao homem
entrar em contato com a realidade transcendente chamada deuses.
(ROSENDAHL, 1996, p. 30)
29
margem da produção cultural dominante, e, assim, ocultar seu papel
de agente transformador. (p. 280, 2004)
17
PAREYSON, 2001, p. 41.
18
BALLENGE-MORRIS; DANIEL; STUHR. In: BARBOSA, 2008.
30
Gardner (1995) identificou inteligências múltiplas em campos distintos, a saber:
linguística, lógico-matemática, espacial, musical, corporal-cinestésica, interpessoal,
intrapessoal.
Como nos mostra este autor, identificar a inteligência que cada indivíduo possui,
tomando por base a Teorias das Inteligências Múltiplas, nos possibilita perceber que a
competência cognitiva humana é melhor descrita em termos de um conjunto de
capacidades, talentos, ou habilidades mentais que chamamos de inteligências19. O autor
define inteligência como: “A capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos
que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários.” (1995,
p.14) Isto possibilita também, que cada pessoa expresse, por meio de ferramentas
artísticas (teatro, música, dança, pinturas, poesias, crônicas) o que conseguiu absorver
sobre o tema.
A proposta de Gardner nos permite identificar na cultura brasileira a influência
de elementos africanos oriundos das celebrações do candomblé e usá-los como
instrumentos pedagógicos a fim de desenvolver nos educandos as múltiplas
inteligências, auxiliando a dissipação de discriminações e opiniões discriminatórias em
nossa realidade, pois, só por meio de uma cultura de paz conseguiremos acabar com
todo processo de desumanização pautado no preconceito20. Com os pressupostos de
Gardner, desenvolvemos a idéia de multiculturalismo em nossa sociedade, que abarca
diversas visões da realidade, podendo, assim, atingir um maior esclarecimento das
situações - que dizem respeito a culturas tradicionais e populares enquanto portadoras
de riqueza ímpar em nossa sociedade – conseguindo, dessa forma, traçar um paralelo
com outras áreas do saber, como literatura, artes, história, ciências sociais, etc. Unindo
áreas afins em prol do processo ensino aprendizagem, percebemos “(...) que a
competência cognitiva humana é melhor descrita em termos de um conjunto de
capacidades, talentos ou habilidades mentais que chamamos de ‘inteligências’.”
(GARDNER, 1995, p.21)
Ao unir o candomblé (como cultura afro-brasileira) com a teoria das
inteligências múltiplas, estamos ampliando a visão das pessoas sobre sua comunidade,
onde poderiam participar mais ativamente, integrando-se e compreendendo as diferentes
pluralidades existentes, além de proporcionar-lhes mais recursos para a apreensão de um
tema, ao mesmo tempo atual e complexo.
19
GARDNER, 1995.
20
CAO. In: BARBOSA, 2008.
31
Com o intuito de mostrar uma visão diferenciada e alternativa à convencional,
buscamos embasar o conhecimento e torná-lo tão interessante quanto é, pois,
cometeríamos um crime pedagógico se acreditássemos que todos os educandos possuem
uma forma única de aprendizagem e, para suprirmos esta realidade, temos que levar em
conta a pluralidade do intelecto. Para tanto, utilizamos diferentes elementos expositivos
e práticos como instrumentos pedagógicos, a exemplo de: filmes, músicas, ilustrações,
poesias, textos, fotografias, instrumentos musicais e pratos típicos com referência no
candomblé, expondo elementos da cultura africana, que, transcenderam a religiosidade e
estão presentes no cotidiano cultural brasileiro, pois: “uma inteligência também deve ser
capaz de ser codificada num sistema de símbolos – um sistema de significados
culturalmente criado, que captura e transmite formas importantes de informação.”
(GARDNER, 1995, p.22)
Nos capítulos posteriores haverá a exposição de cada tipo de inteligência e como
ela se relaciona com as manifestações culturais africanas no Brasil.
Intimamente ligada às múltiplas inteligências está a arte/educação. Podemos
dizer que, somente pelo fato de se trabalhar a teoria de Gardner, já estamos praticando a
arte/educação. A arte, por sua vez, tem o poder de alcançar sentimentos e sensações que
normalmente não são alçadas, ressaltando que ela penetra no inconsciente por meio da
consciência21. O que gera uma maior criatividade e crítica ante o tema abordado, pois, a
arte abre perspectivas amplas, que fornecem instrumentos necessários para se
compreender o mundo com mais sensibilidade de maneira poética, flexível e
significativa22. Utilizar a arte na educação só faz enriquecer a proposta de trabalho,
proporcionando ao educando a visão de quão artísticas são as manifestações da cultura
africana no Brasil, principalmente do candomblé: “A vida social enobreceu-se e refinou-
se sob a evidente influência de um ideal estético, as várias cerimônias da vida (...)
religiosa colorem-se com arte, num nexo concreto em que a beleza não é separável do
resto, do culto, da convenção, do símbolo.” (PAREYSON, 2001, p. 30) Não há
possibilidade de dissociar a arte das celebrações do candomblé: “Essas minorias trazem
culturas, portanto arte, e desenvolvem-na em sua comunidade. Acredito ser importante
que a arte que eles fazem e sua peculiaridade seja reconhecida, analisada e registrada”
(SMITH. In: BARBOSA, 2008, p.33) O que devemos fazer é utilizar essa cultura
ressaltando suas significações culturais em prol do processo ensino–aprendizagem,
21
VIGOTSKI, 2001.
22
STRAZZACAPPA, 2006.
32
enfatizando que a interpretação das obras artísticas não é estática, de modo que sempre
nos deparamos com uma variável, imposta pelo nosso inconsciente:
A verdadeira natureza da arte sempre implica algo que transforma,
que superação sentimento comum, e aquele mesmo medo, aquela
mesma dor, aquela mesma inquietação, quando suscitadas pela arte,
implicam o algo a mais acima daquilo que nelas está contido.
(VIGOTSKI, 2001, p. 307)
A criação desta lei foi uma medida da União que podemos considerar como
contraditória, pois estas matérias já deveriam ser trabalhadas no conteúdo normal.
Portanto, o que podemos constatar é que há um processo de “embranquecimento” da
nossa memória, pois os ícones históricos no que tange a política, a cultura, ao social,
citados nos processo de ensino, são em sua maioria brancos, de modo que já deveria ter
33
sido reconhecida a importância de outras etnias na constituição cultural brasileira. Fato
que não é exclusivo do Brasil, pois, o governo colombiano, diante da mesma
problemática, em 1993 (três anos antes da criação da lei no Brasil) sancionou a “lei 70”
- de comunidades negras da Colômbia, que assegura o ensino das práticas, história e
cultura dos negros. Entretanto, mesmo tardia, a criação da lei em nosso país vem
auxiliar um processo de recuperação e valorização da memória indígena e africana, o
que ocorre espontaneamente nas celebrações do candomblé, nas quais são resgatadas
não só a memória, mas também a cultura do povo africano e, no caso do candomblé de
caboclo, além disso, nos deparamos com a valorização de traços da cultura aborígene
(indígena).
23
Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro. “O Canto das Três Raças”. Gravada por Clara Nunes, no disco
“O Canto das Três Raças” no ano de 1976.
24
Elementos míticos oriundos da África, que fundamentam o candomblé.
34
revolucionaram a música nos diversos países onde essa presença chegou.” (SALES. In:
BARBOSA, 2008, p.185) Daí a relevância de se tratar deste assunto, pois a música
brasileira de um modo geral foi altamente influenciada por ritmos africanos, sobretudo
pelo candomblé, que possui como uma das bases de suas celebrações a música, sendo
impossível a existência da musicalidade brasileira sem se levar em conta ritmos
africanos.
Na inteligência musical serão trabalhadas músicas compostas ou interpretadas a
partir de canções de umbanda e candomblé que foram incorporadas à cultura musical
brasileira, considerando que as músicas africanas são fundamentalmente rítmicas e,
portanto, plenamente musicais25. Ressaltando que estas músicas, foram gravadas e
comercializadas por seus intérpretes, despidas de toda a sua significação religiosa para
se tornarem produtos culturais, que na atualidade, pela ampla difusão tornaram-se
elementos da cultura global brasileira. Os intérpretes e compositores que difundiram o
candomblé como cultura brasileira são inúmeros, mas no presente trabalho nos atemos a
cinco artistas que auxiliaram neste processo, que são: Martinho da Vila, Maria Bethânia,
Vinicius Moraes e Baden Powell, Clara Nunes e Rita Ribeiro. Levando em
consideração que o intento do trabalho é abordar os temas por meio da arte/educação,
vale lembrar que os meios artísticos não são somente figuração do tema trabalhado, mas
possuem uma valoração estética, pois: “Arte e utilidade, beleza e funcionalidade nascem
juntos.” (PAREYSON, 2001, p. 54)
O Interprete e compositor Martinho da Vila gravou se primeiro disco em 1969,
com músicas de samba, que como vimos, têm influência direta do ritmo semba –
executados nos terreiros em celebrações do candomblé. Este trabalho ainda não
continha um teor alto de religiosidade africana, mas, cita um procedimento ritualístico
do candomblé, conhecido como festa, na música “Casa de bamba”, composta por ele:
“Macumba lá na minha casa/ Tem galinha preta, azeite de dendê/ Mas ladainha lá na
minha casa/ Tem reza bonitinha e canjiquinha pra comer”. No disco gravado em 1974 –
“Canta, canta, minha gente”, Martinho transpôs para o disco pontos (músicas) da
religião umbanda, como observamos na música “Festa de umbanda”:
O sino da Igrejinha/ Faz belém blem blam/ Deu meia-noite/ O galo já
cantou/ Seu tranca rua/ Que é dono da gira/ Oi corre gira/ Que ogum
mandou/ Tem pena dele/ Benedito tenha dó/ Ele é filho de Zambi/ Ô
São Benedito tenha dó/ Tem pena dele Nanã/ Tenha dó/ Ele é filho de
Zambi/ Ô Zambi tenha dó/ Foi numa tarde serena/ Lá nas matas da
25
SODRÉ, 1998.
35
Jurema/ Que eu vi o caboclo bradar/ Quiô/ Quiô, quiô, quiô, quiera/
Sua mata está em festa/ Saravá seu mata virgem/ Que ele é rei da
floresta/ Vestimenta de caboclo/ É samambaia/ Saia caboclo/ Não me
atrapalha/ Saia do meio/ Da samambaia.
36
Fui feita na Bahia/ Num terreiro de Oxum/ Os tambores sagrados/
Bateram pra mim/ Me banhei com guiné, alfazema e dandá/ Defumei
com quarô, benjoin/ E de pano da costa/ Batizei no Bonfim/ Um velho
preto alaketo me disse/ Que foi lá de Keto que eu vim/ Eu já vim
predestinada pra cantar assim/ Sou iluminada, eu sou/ Sou de Keto
sim/ Sou iluminada, eu sou/ Sou de Keto sim.
37
A cor deste orixá é o branco, por isso a designação “tem sete cores sua cor”, seu
dia da semana é sexta-feira, em que todos os devotos devem se privar de bebidas
alcoólicas, sexo, e por obrigação devem usar indumentária branca em respeito ao “Rei”.
No contexto da exaltação da cultura afro-brasileira está a cantora Clara Nunes,
que, durante sua vida foi devota fervorosa da umbanda e a maioria de seus trabalhos
continham alusão à religiosidade iorubana:
Clara Nunes surgiu como uma espécie de “reedição” da baiana de
Carmen Miranda, imprimindo-lhe um conteúdo religioso mais
evidente. Apresentava-se, freqüentemente, descalça e vestida de
“filha-de-santo” estilizada, usando saia rodada de renda branca,
colares e figas, pulseiras e, na cabeça, diademas de conchas, palhas e
flores. (AMARAL; SILVA, 2006, p. 210)
38
abre o cd: “Saudação / Abertura”, que consta como domínio público com adaptação da
artista, reúne as várias saudações aos orixás e as entidades umbandísticas, como forma
de pedir permissão para desenvolver nas faixas seguintes músicas que remetem ao tema
do sagrado:
Balorê êxu é Mojubá/ Ogunhé Patacuri/ Ogum é Orixá !/ Kao Cabicile
Xangô/ Kao meu pai !/ Okê Arô/ Oxossi é Caçador !/ Ewá Sossanha/
Ewá Sá/ Arroboboia Oxumaré/ Roboboia!/ Atoto Ajuberô/ Atoto
Obaluaie!/ É tempo, é tempo sará tempo/ Eparrei/ Ora ieie o mamãe
Oxum/ Ora ieie o/ Ô docyaba Yemanja/ Ôdoia mamãe/ Saluma Nanã
Saluba!/ Erê mim Ibeji/ Jurema / Adorei as almas/ As almas adorei/
Shiuépa babá Oxalá Shiuépa !
26
Despacho com oferendas, pontos e danças para Êxu.
39
Depois de toda a exposição da cultura africana intervindo na cultura brasileira
por meio da música e de mostrar para os educandos o quanto a música é essencial nas
manifestações afro-brasileiras, entendendo que os instrumentos constituem a extensão
do corpo e da voz, formando assim o todo musical (SALES. In: BARBOSA, 2008,
p.184), passamos a trabalhar com instrumentos artesanais, como: caixinha de fósforos,
potes com arroz dentro para fazer chocalhos, fazendo a conexão com ritmos executados
com palmas, bater dos pés, auxiliando a compreensão rítmica, dentro da temática afro-
brasileira, sobre o trabalho com diferentes ritmos e instrumentos Gardner afirma: “Esses
‘ganchos’ potenciais poder ser utilizados para explorar o interesse e a confiança do
aluno em algum domínio de conhecimento, como meio de facilitar o crescimento em
outros domínios.” (1993, p.110)
“Salve o navegante negro, que tem por monumento as pedras pisadas do cais” 27
27
Aldir Blanc e João Bosco – “Mestre sala dos mares”. Gravado por Elis Regina no disco “Elis” em
1974.
40
1835, que se encontra em coleção particular. Por meio do neoclassicismo28 o artista
evidencia escravos se divertindo em meio a palmas e gestos corporais que sugerem
música e dança, endossando a teoria de que ambas sempre estiveram imbricadas na
cultura negra.
Com o intento de desenvolver a inteligência espacial, exibimos duas fotos (2 e 3)
que mostram adeptos, com pintura corporal empregada no ritual de iniciação do
candomblé, conhecido como “virar o santo”, onde os iniciados ficam de 7 a 21 dias
enclausurados no terreiro, durante este tempo o iniciado bebe preparos que o
entorpecem, tornando-o mais passivo aos ensinamentos religiosos29. No último dia,
integrantes da religião já iniciados, realizam a pintura no corpo do indivíduo que está
sendo iniciado, preparando-o para a cerimônia, que, além de iniciá-lo no candomblé, o
conceberá um novo nome, pelo qual deve ser chamado no espaço sagrado e, assim
procedendo, torna-se membro do candomblé.
28
Movimento que reviveu os princípios estéticos da antigüidade clássica, apontando uma reação contra a
aristocracia.
29
Aldir Blanc e João Bosco – “Mestre sala dos mares”. Gravado por Elis Regina no disco “Elis” em
1974.
41
Fotos 2 e 3:
30
Livre tradução de: “Old world”.
42
capitalista se espalhou e a escravidão figurou um dos maiores impasses para a sua
difusão, em 1850, com a Lei Eusébio de Queirós, o tráfico de escravos foi proibido no
Brasil, mesmo assim, ainda havia a captura e transporte de escravos de forma ilícita.
Não podemos precisar exatamente qual o número de negros africanos que
entraram no país durante a escravidão, pois, o Brasil tentou a todo custo “apagar” o
rastro desumano da escravidão, com o intuito de expurgar as atrocidades cometidas,
como foi o caso da:
[...] Circular Nº 29, de 13 de maio de1891, assinada pelo ministro das
finanças, Rui Barbosa, a qual ordenou a destruição pelo fogo de todos
os documentos históricos e arquivos relacionados com o comércio de
escravos e a escravidão em geral. (NASCIMENTO, 1978, p. 49)
Infelizmente, a ferida deixada foi bem maior e, o fogo não foi suficiente para nos
fazer esquecer. No mapa 1, observamos a destinação dos africanos no trajeto trans-
atlântico, no mapa 2 podemos observar quais as regiões africanas que os negros eram
sequestrados (para servirem de escravos em terras estrangeiras), sendo no total oito,
com seus respectivos portos de embarque. A região intitulada de “Bight of Benin”
(golfo de Benin) e ao sudoeste da região “Bight of Biafra” (golfo de Biafra) é de onde
vieram os negros de procedência iorubá, que, mais tarde receberam a denominação de
“Nagôs” no Brasil, originando as nações31 Ketu e Jejes do candomblé.
Como forma de exercitar o que o educando conseguiu absorver sobre o tema,
incentivamos uma atividade, abarcando elementos expostos, podendo ser uma gravura,
um mapa, quadrinhos, a fim de trabalhar na prática a inteligencia espacial. Neste
primeiro momento o educando deve deixar-se levar por sua criatividade, sendo a única
imposição: a adequação ao tema abordado.
31
Grupos religiosos do candomblé, que se distinguem pela região de procedência, possuindo alguns
aspectos variantes nas celebrações.
43
Mapa 1: Destino do tráfico de escravos no atlântico32
32
Livre tradução de: “Destination of the atlantic slave trade”.
44
Mapa 2: O Tráfico Trans-Atlântico de Escravos33
33
Livre tradução de: “The Trans-Atlantic Slave Trade”.
45
8.3 – Inteligência corporal-cinestésica
34
“O vento bateu na saia de Iansã, o vento bateu pra Iansã roda”
34
Romildo e Toninho. “A Deusa dos Orixás” – Gravado no cd “Técnomacumba” de Rita Ribeiro, no ano
de 2006.
35
SODRÉ, 1998.
46
ilustrar esta cultura oriunda do popular, exibimos o vídeo do programa “Danças
Brasileiras”, episódio de “Batuque de Umbigada”, disponível no site de
compartilhamentos “youtube”.
47
Por fim, a dança e o histórico dos ritmos demonstram o quanto esta inteligência
deve ser levada em consideração como as demais, figurando o quanto a África
influenciou, influência e faz parte da nossa cultura, nos enobrecendo com seus aspectos
artístico/culturais.
36
Gilberto Gil. “Babá Alapalá”. Gravada por Rita Ribeiro no cd “Tecnomacumba” no ano de 2006.
37
GARDNER, 1995.
48
sendo Iansã a única orixá capaz de enfrentar os Eguns. No candomblé, a cada sete anos
que o indivíduo foi iniciado ele recebe um título que lhe garante respeito em meio aos
partícipes, o que demonstra o respeito não somente aos Eguns, responsáveis pela
manutenção e difusão do candomblé e da cultura africana, mas também pelos entes
idosos que abarcaram conhecimento com o tempo, como o exemplo de Aganju, que é a
forma idosa do orixá Xangô, representando justiça e conhecimento supremo.
38
Dorival Caymmi. “Dia dois de Fevereiro” – Gravado por Maria Bethânia no disco “Diamante
verdadeiro” no ano de 1999.
39
GARDNER, 1995.
49
O candomblé, de per si, é um meio de interação social, onde os adeptos, seja no
espaço sagrado ou no profano, interagem, se reconhecem, garantindo assim um meio
eficaz de sociabilidade. Dia dois de fevereiro é a data atribuída a Iemanjá, orixá
feminina, senhora das águas salgadas, onde fez sua morada. Todos os pescadores,
marinheiros e população caiçara, adeptos do candomblé, devem apreço a ela, pois,
protege e ampara os que direta ou indiretamente depende das águas do mar.
Observamos nas fotos 3 e 4, o dia dois de fevereiro em uma praia da Bahia, onde o
espaço sagrado transpõe o muro do território terreiro para se apossar das praias, que
recebem inúmeros adeptos, se deslocado até lá para agradecer, fazer pedidos e entregar
presentes como: perfume, espelho, flor, pente para o adorno da conhecida “Rainha do
mar”, as praias são tomadas pelo fervor religioso, figurando uma “festa” idêntica a que
ocorre no espaço sagrado. Músicas são entoadas, danças, as vestimentas que dominam a
indumentária das pessoas é a de cor branca e/ou azul clara. Ocorrendo uma autêntica
celebração da cultura afro-brasileira. As saudações feitas a Iemanjá, no dialeto iorubano
são: alodê, agô, odofiaba, odoya.
Fotos 3 e 4:
O número de adeptos que se dirigem às praias neste dia, nos mostra o quanto a
religiosidade africana está presente em nossa sociedade, não podendo simplesmente ser
posta de lado como simples folclore, a mercê da observação de estranhos que apontam a
manifestação como fetiche. O fator de sociabilidade que permeia esta celebração, se faz
importante na constituição cultural deste povo, levando em conta que a sociedade
50
moderna priva cada dia mais as pessoas de agrupamentos sociais, beneficiando a idéia
de isolamento e medo do outro.
Para melhor trabalhar essa modalidade de inteligência com os educandos,
propomos o desenvolvimento de dois jogos expostos por Augusto Boal (1998) no livro
“Jogos para atores e não-atores”. Partindo do pressuposto de que estamos condicionados
pela vida moderna a executar sempre as mesmas ações e os mesmos movimentos,
nossos sentidos são, alguns superdesenvolvidos e outros atrofiados. O autor apresenta
jogos que vêm auxiliar o desenvolvimento de outras áreas, tanto do nosso físico, quanto
de nossos sentidos. O primeiro jogo é o “Hipnotismo colombiano”, consiste na
separação de trios, um dos três por hora é o mestre, com as duas mãos na frente da face
dos outros ele começa a guiá-los, o objetivo é que o mestre faça os outros colegas se
contorcerem, chegando a movimentos não usais, bizarros, respeitando o limite da cada
um, após alguns minutos troca-se o mestre até que os três experimentem esta posição. O
segundo é o “jogo do bom dia”, em que cada um dos participantes tem que apertar a
mão de alguém dizendo - bom dia e só deve largar a mão de um quando apertar a mão
de outro, formando uma corrente do aperto de mão, trabalhando assim a interação.
Como última atividade, vamos expor e incitar uma encenação acerca do teatro-
fórum, que consiste na dramatização de problemas reais vividos na sociedade,
representado por personagens que são: os oprimidos, os opressores e um coringa. No
primeiro momento, no conflito entre oprimido e opressor, diante de todas as
argumentações, o oprimido leva a pior, o coringa, então, vem intervir na cena, buscando
saídas para o problema em questão40, que, no caso, será a desigualdade racial e as
discriminações para com a religião e a população afro-brasileira. A presente atividade
será permeada pela criatividade dos educandos e por cenas que eles mesmos observaram
ao longo de suas vidas, facilitando assim o processo de ensino-aprendizagem por meio
de elementos do cotidiano.
A inteligência interpessoal será também trabalhada de forma prática, no
momento que separaremos grupos de acordo com cada inteligência, momento em que os
educandos poderão escolher de qual grupo participar, levando em consideração sua
identificação com a inteligência desenvolvida. Sendo assim, nesta prática os educando
terão que lidar com idéias e propostas oriundas de diversos pontos de vista, exercitando
assim sua capacidade de interação com os outros, praticando tolerância e respeito.
40
BOAL, 1998.
51
8.6 - Inteligência linguística
41
Caetano Veloso. “Língua”, gravado no cd “Língua” no ano de 2007.
42
Castro, 2005.
52
dançar e difundir este ritmo, trouxe a essa palavra um tom pejorativo, por isso se faz
necessária a distinção de seu significado no meio profano e no meio sagrado.
Os educandos serão incitados a montarem frases utilizando por base todas estas
palavras, entendendo como esta cultura se inseriu e influenciou a cultura brasileira, ou
seja, alterou o espaço geográfico.
Para melhor ilustrar esta inteligência, empregamos em nosso trabalho, trechos da
poesia “O Navio Negreiro” de Antônio Frederico de Castro Alves, nascido no estado da
Bahia em 1847. Em seus versos, encontramos a mais poética descrição deste trágico
acontecimento: a saga que os negros foram obrigados a suportar da África para o Brasil,
passando pelo oceano atlântico. No quarto movimento percebemos o quão trágica foi
esta viagem:
(...) Era um sonho dantesco... o tombadilho / Que das luzernas
avermelha o brilho/ Em sangue a se banhar/ Tinir de ferros... estalar
de açoite... / Legiões de homens negros como a noite, / Horrendos a
dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas/ Magras crianças, cujas bocas
pretas/ Rega o sangue das mães:/ Outras moças, mas nuas e
espantadas,/ No turbilhão de espectros arrastadas,/ Em ânsia e mágoa
vãs! (...)
53
No sexto e último movimento o autor fala do Brasil, que afirmou durante tanto
tempo toda crueldade e destruiu a vida de tantas pessoas, preferindo que a guerra tivesse
destruído o país, para assim não seqüestrarem e atearem a desgraça sobre esta
população. Por fim, clama a Colombo, primeiro navegador a “abrir” os mares do oceano
atlântico, que volte atrás e feche as suas portas para assim acabar com tanta injustiça:
(...) Existe um povo que a bandeira empresta/ P'ra cobrir tanta infâmia
e cobardia!.../ E deixa-a transformar-se nessa festa/ Em manto impuro
de bacante fria!.../ Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,/
Que impudente na gávea tripudia?/ Silêncio. Musa... chora, e chora
tanto/ Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,/ Que a brisa do Brasil beija e
balança,/ Estandarte que a luz do sol encerra/ E as promessas divinas
da esperança.../ Tu que, da liberdade após a guerra,/ Foste hasteado
dos heróis na lança/ Antes te houvessem roto na batalha,/ Que servires
a um povo de mortalha!...
(...) Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga/ Levantai-vos, heróis do
Novo Mundo!/ Andrada! arranca esse pendão dos ares!/ Colombo!
fecha a porta dos teus mares!
43
Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. “A Carne”. Gravado por Elza Soares no cd “Do cóccix
até o pescoço” no ano de 2002.
54
em todas as principais regiões metropolitanas do Brasil, espelhando a política
discriminatória que impera desde a época da escravidão.
Outro fator importante, passível de análise, é a taxa de alfabetização, que
consiste na porcentagem total da população brasileira de 15 ou maior de 15 anos de
idade que são alfabetizados, ou seja, pessoas com quatro anos de estudos completos. No
gráfico 2, observamos a taxa de alfabetização segundo cor ou raça, que mostra grande
disparidade entre brancos e pretos & pardos, evidenciando que a política brasileira
privilegia os brancos, sobrando ao resto da população altas taxas de desemprego,
fazendo com que a população negra tenha que se “virar”, executando trabalhos
informais, não priorizando os estudos e sim sua sobrevivência. O mapa 3 nos permite
observar a taxa de analfabetismo por estado brasileiro, permanecendo os negros &
pardos com porcentagens superiores em todos os estados, sendo a região sudeste com a
Gráfico 1 -
55
Tabela 1 - Taxas de desemprego total, por sexo e cor - Regiões metropolitanas do Brasil
- 2002
Negros Não-Negros
Regiões
Metropolitanas
Total Mulheres Homens Total Mulheres Homens
Distrito
23,0 25,2 21,0 17,2 21,2 13,3
Federal
menor taxa média:4,4% para brancos e 8,4% para negros & pardos e a região Nordeste
com a maior taxa: 16,6% para brancos e 22,5% para negros & pardos, portanto, não há
igualdade no sentido educacional, pessoas estão sendo privilegiadas em nosso país no
que tange ao acesso a alfabetização.
O gráfico 3, aponta a proporção de famílias abaixo da linha da pobreza, que leva
em conta o montante monetário para o suprimento de necessidades básicas, bem como:
custo de transporte, alimentação, moradia, vestuário, etc. O cálculo deste indicador é
realizado por meio da comparação entre o rendimento médio domiciliar per capita (por
pessoa) e o custo da cesta básica de consumo mais o custo dos bens acima citados. Se o
indivíduo não possui renda suficiente suprir estas necessidades, ele está abaixo da linha
da pobreza. Esse conjunto de dados (gráfico 3) aponta que, a presença de crianças e pré
adolescentes em uma família, como sabemos, gera gastos e, por conseguinte, aumenta a
probabilidade de níveis mais severos de privação material. Esta realidade é claramente
maior entre as famílias de pretos & pardos, sendo agravada ainda no caso das mulheres,
neste grupo de cor ou raça, que provém a família sem um marido.
No que tange ao mercado de trabalho, a maioria dos negros empregados ocupam
cargos subalternos, sendo que os cargos como executivo, gerência e supervisão são
ocupados por brancos, respectivamente 94,4%; 89%; 84,1%. O negro, além de estar em
maioria no montante dos desempregados, quando empregado serve de mão de obra
barata, para cargos precariamente remunerados, havendo uma predisposição histórica
para a preferência de contratação de indivíduos com a pele branca, fato que conta
56
também com o maior acesso às universidades por pessoas brancas, que, por
conseguinte, agregam maior valor a sua força de trabalho. No gráfico 4, percebemos
quão é díspar a renda salarial média entre a população branca e a preta & parda, sendo a
renda média da população preta & parda R$ 505,54, quando a média da renda do
branco, chega a R$ 977,22, uma diferença de R$ 471,68. Os dados se tornam mais
alarmantes quando analisamos a diferença entre o salário médio da mulher negra: R$
388,18, em relação ao do homem branco: R$ 1164,00, uma diferença de R$ 775,82. Na
tabela 2, observamos que nas famílias que têm o chefe de cor preta 54,8% concentram
sua renda em menos de um salário mínimo, já os pardos 58,1%, os brancos 32,7%.
Quando o assunto é sobre os chefes de família que recebem mais de um salário mínimo,
os brancos figuram 62,5%, os que são pretos 38,8% e os pardos 35,3%, quase o dobro
de brancos recebe mais que os pretos e pardos em nossa sociedade.
Gráfico 2 -
57
Mapa 3 -
Gráfico 3 -
58
Tabela 2 - Distribuição das famílias por classe de rendimento médio mensal
familiar per capita, segundo a cor do chefe (em %) Brasil - 1999
59
Gráfico 4 -
Gráfico 5 -
60
Para demonstrar que algo está sendo feito em beneficio da população afro-
descendente, apresentamos a tabela 3, que contém dados do Iphan – Instituto do
patrimônio histórico e artístico nacional, que é responsável pela política de tombamento,
que consiste no ato jurídico que reconhece o valor cultural e (ou) artístico e (ou)
histórico de um determinado bem, que pode ser material ou imaterial, no caso do quadro
3, encontramos o tombamento de um bem material que é o Terreiro. No estado da Bahia
seis terreiros foram tombados, ou seja, foram reconhecidos ante a inteireza de sua
riqueza cultural. Observamos que a contribuição para esse acontecimento, se originou
por meio de várias fretes de preservação e proteção da cultura material e imaterial, bem
como: IPHAN, Ongs, Frentes parlamentares, etc. O primeiro patrimônio material
reconhecido que era de origem afro-brasileira, foi o Terreiro da Casa Branca do
Engenho Velho, ou Ilê Axé Nassô Oká (BA), fato que auxiliou a valorização das
tradições afro-brasileiras no Brasil como um todo, resultado de um processo de lutas
desempenhado por artistas, intelectuais e adeptos da religião, abrindo espaço para a
discussão da própria identidade de nossa nação. Tal medida de reconhecimento
representou certa reparação às perseguições e intolerâncias para com as religiões afro-
brasileiras. A partir de então várias outras manifestações foram tombadas, não somente
as de origem européias e luso-brasileiras.
Tabela 3-
61
IX – Proposta de avaliação -
44
BOAL, 1998.
62
ensino/aprendizagem as capacidades gerais e pessoais, procurando sempre despertar no
educando a criatividade e, por conseguinte, as forças nas áreas que não são usualmente
desenvolvidas. Para tanto, pautamo-nos na teoria da avaliação autêntica, que, prioriza
todo o processo, levando em conta tanto os produtos obtidos, como os procedimentos
adotados para atingir o conhecimento45, devemos também observar o quanto os
educandos participaram durante o desenvolvimento do tema, pois, o envolvimento é
umas das premissas para a apreensão do tema de forma profunda, que é a base para uma
educação satisfatória. Devemos acabar com a mentalidade de “aprender para a
avaliação”, demonstrando que o educando e o professor, a todo o momento estão sendo
avaliados, entendendo a onipresença do processo avaliatório como algo natural à sala de
aula e, que, se ocorresse de modo contrário, estaria o educando apenas decorando algo
que será facilmente esquecido no futuro46. Como base metodológica para a análise do
desenvolvimento do educando durante o processo ensino-aprendizagem, ressaltamos a
seguinte técnica, que pode variar de acordo com a realidade vivida, mas serve de apoio
para o sistema de avaliação autêntica: “relativa habilidade de desenvolver e de
interpretar um tema; nível de especialização técnica; relativa habilidade de atingir
sensibilidade expressiva pessoal pelo uso de várias técnicas e processos.”
(BOUGHTON. In: BARBOSA, 2008, p.381)
Assim, estaremos sendo justos, valorizando todas as formas do conhecimento e,
sobretudo valorizando o próprio educando, que se sentirá útil e intelectualmente
inserido no processo educacional.
45
ZIMMERMAN. In: BARBOSA, 2008.
46
GARDNER, 1995.
47
MORANDI; STRAZZACAPPA, 2006.
48
COURTNEY,1980.
63
encontro da técnica intitulada “sociodrama”, que consiste na representação dos anseios
de um determinado grupo social, onde o indivíduo é representado por um arquétipo
social, exemplo: o negro não representa somente um, mas sim todos os negros, retirando
as situações dramáticas da realidade social de cada um49. Os jogos auxiliam em uma
maior compreensão do mundo, fazendo que o educando tome conta da situação
estudada, dominando as ações e agindo de maneira válida, percebendo na prática, por
meio de ações vivenciadas ou observadas. Levaremos depois, estes jogos para o palco,
para a apresentação, contribuindo também para a formação de público no meio escolar,
fazendo com que os educandos possam se familiarizar com apresentações
artístico/culturais. O ato dos educandos representarem “é, de fato, uma extensão do jogo
dramático. Jogo, representação e pensamento estão inter-relacionados: são mecanismos
pelos quais o indivíduo testa a realidade, se liberta de suas ansiedades e domina o seu
meio.” (COURTNEY,1980, p. 119) Percebemos então, que o teatro, de per si, já é um
instrumento social e deve, sem dúvida, ser utilizado para ensinar de maneira crítica, não
apenas priorizando traços europeus de nossa sociedade, mas sim, afirmando nossa
diversidade, bem como o papel da contribuição africana à nossa constituição cultural.
Por meio do teatro, vamos buscar a expressão acerca do tema desenvolvido, mostrar
injustiças que corriqueiramente acontecem a nossa volta e, muitas vezes, as
interiorizamos e reproduzimos até mesmo de forma inconsciente. É importante salientar
que a arte possui o poder de fornecer uma propriedade social ao sentimento, trazendo a
temática afro-brasileira à tona e incorporando aspectos mais íntimos e pessoais de nosso
ser50.
Unindo todo o material que os educandos desenvolveram na última atividade,
propomos a montagem de uma instalação artístico/pedagógica que permanecerá na
escola durante um tempo determinado, onde será apresentada para os demais estudantes
uma peça, encenada pelo grupo da inteligência interpessoal, por meio de uma esquete
acerca do teatro-forum, incitando o questionamento da temática com a platéia; o
material produzido pelo grupo da inteligência corporal-cinetésica será apresentado por
meio das danças coreográficas; o material da inteligência espacial será exposto como
cenário; as músicas separadas ou produzidas na inteligência musical como trilha sonora;
o material da inteligência linguística pode ser utilizado como texto norteador para a
encenação e exposto na instalação; o material da inteligência intrapessoal e lógico-
49
COURTNEY,1980.
50
VIGOTSKI, 2001.
64
matemática será exposto na forma de cartazes e folders para melhor esclarecer a todos a
temática abordada. O objetivo desta atividade é pedagógico, não havendo nenhum
anseio estético incluído neste, pois, somos todos amadores, e o fim seria a melhor
compreensão do tema por meio de todas as habilidades, sem priorizar esta ou aquela
inteligência. A instalação artístico/pedagógica, também serve como medida
incentivadora, pois, o educando verá seu trabalho valorizado no contexto geral,
ocasionando uma identificação direta com o tema e um aumento de sua auto-estima.
XI – Considerações finais
Este trabalho tem como propósito, evidenciar aspectos da cultura africana que
estão latentes em nossa realidade, porém, escondidos e, por conseguinte, rejeitados pela
produção cultural de massa. Por meio da arte/educação buscamos uma maior
compreensão por parte dos educandos acerca do tema proposto, pois, a cultura africana
está incrustada na sociedade brasileira, e muitas vezes nem nos damos conta. Uma
exposição prática/artística fomenta um maior envolvimento e uma identificação que está
para além dos muros do ambiente escolar, observando estes elementos em nosso próprio
cotidiano. Ao desenvolver as múltiplas inteligências estamos enriquecendo de arte o
trabalho e, por conseguinte, trabalhando todos os sentidos em prol do processo de
ensino/aprendizagem, enriquecendo a visão geográfica acerca das contribuições afro-
brasileiras à constituição de nossa cultura.
Esta proposta pedagógica busca uma maior aproximação entre estudos e
realidade, evidenciando que outros meios de ensino são possíveis e, se utilizados de
forma válida, só farão enriquecer a prática pedagógica. O tema abordado, sempre
ocupou lugar a margem dos debates sociais, reflexo da história brasileira. O que afirma
a importância de se pensar a contribuição afro-brasileira em nossa sociedade, pois, com
o objetivo de manter o Brasil como um país de plena “democracia racial”, debates
acerca da discriminação foram ferozmente desencorajados ao longo da história. Como
expõe o autor negro Abdias do Nascimento:
65
tema a atenção ou mesmo a analise cientifica! Estarão chamando
a atenção para uma realidade social que deve permanecer
escondida, oculta. (NASCMENTO, 1978, p. 45)
66
XII - Referências Bibliográficas
AMARAL, Rita; WAGNER, Gonçalves da Silva. Foi conta para todo canto: As
religiões afro-brasileiras nas letras do repertório musical popular brasileiro. In. Afro-
Ásia, Bahia, v. 34, 2006, p.189-235.
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Secretaria Municipal de Educação - Prefeitura da Cidade do Salvador. (Org.).
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Educação, 2005.
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1993.
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REVISTA BRAVO. “A voz não é minha. É das Sereias”. Entrevista com Maria
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João José (org).Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro no
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 87-140.
68
SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: Trajetórias, limites e perspectivas.
Campinas SP: 6ª ed. Editora Contemporânea, 1996.
Filmografia
69