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O peso na balança foi tanto que tivemos o direito de sonhar, por um pequeno
instante, com o mapa invertido de Torres Garcia se tornar realidade. O ex-
presidente do Equador, Rafael Correa, chegou a propor a “Canção Para Todos”, de
Mercedes Sosa, como um hino da Unasul: “Canta conmigo, canta/hermano
americano/libera tu esperanza/con un grito em la voz”.
Porém, com um golpe atrás do outro e uma falsa operação jurídica no Brasil, o
projeto da Nuestra América de Martí foi por água abaixo em poucos meses e
reverter este quadro é o desafio das próximas gerações, afirma o ex-ministro. A
entrevista faz parte da série de Carta Maior sobre o impacto dos cinco anos de
Operação Lava Jato no Brasil.
O Lula tem uma grande capacidade de entender a realidade e se colocar diante dela.
Não vejo nenhum outro líder no Brasil com essa capacidade, independentemente da
capacidade intelectual que cada um tem. Você pode entender intelectualmente um
problema, agora quem é capaz de falar com o povo, isso é o Lula.
Os sindicatos continuam a ser importantes, a gente teve essa greve geral que foi
bem sucedida, mas é uma coisa mais ampla e mais complexa. Mas reconquistar a
classe média é muito importante porque ela oscila. Muita gente que achava o Lula
bom, depois achou ruim porque acreditou nas fábulas todas da corrupção, agora
deve estar escandalizada com o [Sérgio] Moro.
Tem a famosa frase do Tolstoi que abria Anna Karenina: ‘todas as famílias felizes se
parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira’. A nossa maneira é mais
cruel. A organização hoje tem vários níveis. Tem que continuar trabalhando pela
coisa do longo prazo, evidentemente, sem esquecer da frase do [John Maynard]
Keynes que “no longo prazo estaremos todos mortos”.
Mas ainda não estamos discutindo um programa de governo. Claro que tem que
começar a discutir porque tem que oferecer um horizonte alternativo. Não basta
dizer que o que está aí está ruim, tem que dizer como que vai ser o bom. Mas tem
que ter muita clareza que nós estamos vivendo uma situação tão dramática no
Brasil de demonização da cultura… Se há uma coisa que caracteriza a atual
administração é o ataque à razão. Tudo que é racional está sendo atacado.
Isso aqui sempre foi visto como quintal dos EUA. ‘Quintal’ parece uma expressão
que a gente inventou aqui feito complexo de vira-lata, mas não é. É tratado nos
livros acadêmicos norte-americanos a América Latina como ‘back área’ ou seja, é o
quintal estratégico deles. Então isso aqui não pode mudar. [Os EUA consideram que]
alguém pode até explorar o nosso petróleo, mas tem que ser parte da reserva
estratégica deles num caso de con�ito.
Brics
Se você tem uma política externa - não só brasileira - que começa a ter
consequências práticas como os Brics… Os Brics talvez tenham sido o ponto mais
importante porque implica numa possível associação mais profunda com China e
Rússia. O IBAS [Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul] não incomodava eles
[os EUA], mas o Brics é uma mudança possível na geopolítica mundial.
Eu fui convidado para participar de uma reunião de estratégia europeia para falar
sobre Brics e uma das perguntas que eles me fizeram foi: ‘mas o banco dos Brics é
para substituir o Banco Mundial?’. Então havia uma percepção que talvez fosse até
exagerada com relação à realidade mas que estava mudando a organização
estratégica do mundo. Você tem o petróleo aqui, tem os Brics, tem uma percepção
que se consolida em 2009, 2010, com todas as iniciativas que o Brasil tinha tomado,
e outros países da América do Sul também tinham tomado para participar que foi a
Unasul e a Celac. Isso é concreto, não são palavras ao vento. Nosso comércio com a
América do Sul aumentou muitíssimo, e o deles conosco.
Este conjunto de coisas fez com que o famoso Estado profundo norte-americano
despertasse para o problema geopolítico que significava a atuação externa do
Brasil. O Brasil é um dos maiores países, junto com os EUA, e tem projeção na
África, nos países árabes, na Índia, etc... e a América Latina passou a ser vista já não
mais como um quintal. Tudo isso fez com que tenha despertado a visão de ‘temos
que ter alguma ação’. É por aí que as ciosas começam.
Hoje em dia há três polos de poder muito grandes, são Estados Unidos, China e
Rússia. Com a possível associação que se vê de maneira crescente entre Rússia e
China, serão dois polos novamente. Não será mais o polo ideológico Leste-Oeste do
passado, que era capitalismo contra comunismo. Agora é uma coisa bem mais
complicada. Mas pode ser Estados Unidos de um lado, e Eurásia de outro, com a
União Europeia ali no meio sem saber que partido tomar. Ideologicamente mais do
lado capitalista, mas com os seus interesses também…
Quando eu vejo o que está ocorrendo hoje na política externa… é uma coisa
dramática. Não é só contra o Lula. Não é o regresso à política do Fernando Henrique
Cardoso — que eu já lamentaria em muitos aspectos — é um retrocesso inominável.
Mas eu vejo que há uma determinação de impedir que a América Latina volte a ficar
de pé. É escandaloso que não tenha havido uma reação na América Latina em
relação à ameaça norte-americana de aumentar as tarifas do México, ou diante da
proposta de construção de um muro. Agora, veja que eles estão dando os tiros
certos: destruíram a Unasul. Começou no governo Temer e o Bolsonaro consolidou.
O que acontece na Argentina, pro bem ou pro mal, tem um impacto no Brasil. Eles
acabaram com a ditadura lá, em poucos meses acabou aqui; tem uma crise
financeira lá, pouco depois tem uma crise aqui. Da mesma forma que a
democratização lá acelerou a redemocratização aqui, se você tiver governos
progressistas na Argentina, México, Bolívia, na própria Venezuela que está
conseguindo se segurar... é importante, por isso o Bolsonaro está tão interessado.
Agora, claro, o Brasil tem um peso muito grande: todos os outros países do mundo
têm interesses comerciais e econômicos aqui. Não é à toa que quando fala-se dos
países que apoiam a linha americana em relação à Venezuela falam logo do Brasil.
Retomada do desenvolvimento e soberania
Temos que alargar a frente pela soberania com as pessoas que, digamos, são mais
derrotadas na democracia, que não tão pensando tanto na soberania, mas que
pensam na democracia. E é indispensável que haja uma repactuação, mas quem nós
podemos incluir nessa repactuação pra mim não é claro. Por exemplo, eu tenho
pouca confiança numa boa parte da indústria brasileira.
[A demissão do Joaquim Levy] retoma a ideia de que estamos vivendo uma profunda
anormalidade insustentável. O governo vai ter que fazer uma adaptação para
sobreviver. Quando o Bolsonaro comenta que vai armar a população para evitar o
golpe... o que ele quer dizer com isso? Se eventualmente o Lula for solto e o exército
não resolver agir, então a população age? O que é o golpe? Uma eventual tentativa
de impeachment? Não acho nem que é o caso de mexer com isso agora, mas vai que
alguém mexa... O que me espanta nisso é que essa declaração tenha sido feita em
uma cerimônia militar. É como dizer que não se confia no Exército, e sim “no meu
povo”. Isso é espantoso e vai obrigar uma reorganização.
Veja bem, eu não gosto desse artigo da Constituição do jeito que é, acaba servindo
para dar um poder de arbítrio; mas na Constituição atual é missão das forças
armadas: ‘1. A defesa da pátria; 2. A garantia dos poderes constituídos e a pedido
deles a lei e a ordem’. Quem teria que evitar o golpe, em teoria, são as forças
armadas! Se você passa essa obrigação para a população, qual o papel das forças
armadas? Você mexe com um dos pilares do atual governo, os militares, que devem
estar abalados com todas essas mudanças.
A gente tem que aceitar que nesse plano mais amplo temos outros aliados também,
ainda que no meio do caminho a gente se separe. A nossa estratégia de
desenvolvimento tem que ter o lado econômico fundamental que o professor
Bresser-Pereira enfatiza sempre, que faz parte do nosso Projeto Brasil Nação. Mas
ela tem que ter também um lado de igualdade social, racial.
O Brasil não é um país que tem uma nação a ser defendida, é um país que ainda
precisa construir uma nação. Com tantas pessoas excluídas, e a questão de classe
ainda não superada… é difícil fazer um projeto.
E aí voltamos ao ponto inicial, como é que pode ter discussão de soberania nacional
se você não construiu a nação a partir da soberania popular? O conceito de
soberania nasce com a formação dos estados nacionais da Europa, era algo para se
defender de fora. Aí vem o Jean-Jacques Rousseau e cria o conceito de soberania
popular, ou seja, a soberania para dentro.
Desta forma, só há soberania quando é o povo que exerce o poder. Está nas nossas
Constituições antigas “todo poder emana do povo”. Enfim, são esses dois âmbitos, e
quando você diz que o poder emana do povo, é do povo mesmo, não é da elite, é do
povo pobre, negro, do nordestino, das mulheres, dos LGBTs, dos índios. Você tem
que reconstruir isso ao mesmo tempo que se prepara para enfrentar as pressões
externas, não é uma tarefa fácil, é uma tarefa gigantesca. E não vai ser uma tarefa
para uma geração.
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