AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.558.569 - PR (2015/0252203-2)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de
agravo regimental interposto por Edson Cardoso Alves contra decisão que negou provimento ao seu recurso especial porque a eficácia objetiva da representação, interligada ao princípio da indivisibilidade que vige na ação penal pública, confere ao Ministério Público a possibilidade de atuar prontamente contra todos os envolvidos, ainda que a representação não tenha abrangido todos os autores da infração. Logo, admissível o aditamento à denúncia pelo Parquet para fins de inclusão de corréu não constante da representação do ofendido (fls. 151 e 152).
A ementa do decisum agravado merece transcrição (fl. 153):
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL
PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ARTS. 303 E 304, AMBOS DA LEI N. 9.503/1997. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. AÇÃO PÚBLICA CONDICIONA. INCLUSÃO DE OUTROS ENVOLVIDOS QUE NÃO CONTAVAM NA REPRESENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. PERSECUÇÃO PENAL CONTRA TODOS OS POSSÍVEIS AUTORES DO FATO. LEGALIDADE. EFICÁCIA OBJETIVA DA REPRESENTAÇÃO. DECADÊNCIA PARA REPRESENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. Recurso especial não provido.
As seguintes proposições são extraídas do agravo regimental (fls.
177/186):
a) pelo teor da redação conferida à representação (anexa aos autos), é
nítido e patente que Andréa Verônica Vosch não tinha a intenção de representar em face de Edson Cardoso Alves, com quem mantém união estável de muitos anos, e quem conduzia o veículo em que Andréa estava na condição de passageira (fl. 180); e
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Superior Tribunal de Justiça
b) indevida a extensão da representação.
Por fim, requer a parte agravante a reforma da decisão agravada (fl.
186).
[...] Seja conhecido o presente Agravo Regimental e, no mérito seja o
mesmo totalmente provido, no sentido de reformar o Acórdão prolatado e reconhecer que houve restrição expressa da vítima quanto a inclusão do recorrente como representado. [...]
Dispensou-se a oitiva da parte contrária.
É o relatório.
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Superior Tribunal de Justiça AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.558.569 - PR (2015/0252203-2)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR): O
agravo regimental não merece provimento.
A questão controvertida cinge-se a saber se, em decorrência da
eficácia objetiva da representação, é possível, na denúncia, o envolvimento de outro agente que não tenha sido apontado desde o início na representação do ofendido.
Esta a ementa do acórdão regional (fl. 61):
PENAL. PROCESSUAL PENAL. LESÕES CULPOSAS NA CONDUÇÃO
DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 303 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. EFICÁCIA DA REPRESENTAÇÃO FEITA PELA VÍTIMA. Nas ações públicas condicionadas, o interesse preponderante é da vítima, de modo que basta o ofendido representar contra um autor para que o Ministério Público possa iniciar a persecução penal contra todos os possíveis autores do fato. Assim, se houve representação contra um dos agentes, não há falar em decadência quanto aos demais.
Por eficácia objetiva da representação, entende-se o seguinte: se
oferecida a representação contra um dos partícipes ou coautores do crime, o representante do Ministério Público deve oferecer a denúncia contra todos aqueles que praticaram o delito.
A matéria é controvertida, tanto que na doutrina e jurisprudência há três
entendimentos distintos, quais sejam:
a) possibilidade: deve-se observar o fenômeno processual eficácia
objetiva da representação, ou seja, se o ofendido, por ocasião da representação, vier a omitir um dos autores ou partícipes, pode o Ministério Público incluir na acusação os excluídos, esta a posição do Supremo Tribunal Federal (STF, RTJ 168/272, 88/86);
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Superior Tribunal de Justiça b) impossibilidade: Sergio Demoro defende que:
A não-inclusão de um dos autores ou partícipes na representação
importaria, assim, na renúncia tácita ao exercício do direito de ação, estendendo-se a todos os demais. Na verdade, faltaria condição exigida em lei para que o Parquet pudesse intentar a ação penal, propiciando a rejeição da inicial (art. 43, III, do CPP). Não pode o órgão ministerial, substituindo-se ao ofendido, acrescentar, mediante aditamento, um nome que ele, ofendido, não deseja ver processado, não importa o motivo. Ação penal não é vingança ou mero capricho do particular; ou todos são processados ou nenhum sê-lo-á (HAMILTON DEMORO, Sergio, Estudos de Processo Penal; 4ª Série. São Paulo: Lumen Iuris, 2012); e
c) posição mista: Luiz Flávio Gomes apresenta a seguinte lição:
Hipótese de coautoria e representação somente contra um dos
coatores: “A” e “B” foram os autores do crime e ambos são conhecidos e acham-se devidamente identificados. O ofendido, entretanto, só ofereceu representação contra um deles. O Ministério Público pode denunciar os dois? Não, porque não há representação contra um deles. Ao Promotor, nesse caso, cabe fiscalizar a indivisibilidade da ação. Como? Ouvindo a vítima e indagando sobre a representação contra ambos. Se o ofendido diz que só quer representar contra um, isso significa renúncia em relação ao outro e havendo renúncia para um dos coautores, estende para todos, isto é, extinção da punibilidade para todos. Caso a vítima reconheça o equívoco e represente também em relação ao outro, cabe ao Ministério Público oferecer denúncia contra todos – desde que haja justa causa em relação a todos (GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997).
É semelhante a posição de Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf
Maluly. Documento: 66765858 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 6 Superior Tribunal de Justiça Todavia, em 2014, a Quinta Turma e a Sexta Turma deste Superior Tribunal unificaram os entendimentos adotando a 1ª posição:
INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE EM AÇÃO
PÚBLICA. Na ação penal pública, o MP não está obrigado a denunciar todos os envolvidos no fato tido por delituoso, não se podendo falar em arquivamento implícito em relação a quem não foi denunciado. Isso porque, nessas demandas, não vigora o princípio da indivisibilidade. Assim, o Parquet é livre para formar sua convicção incluindo na increpação as pessoas que entenda terem praticados ilícitos penais, mediante a constatação de indícios de autoria e materialidade. Ademais, há possibilidade de se aditar a denúncia até a sentença. Precedentes citados: REsp n. 1.255.224/RJ, Quinta Turma, DJe 7/3/2014; APn 382-RR, Corte Especial, DJe 5/10/2011; e RHC n. 15.764-SP, Sexta Turma, DJ 6/2/2006. RHC n. 34.233-SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014.
Ademais, incabível a incidência da decadência semestral para
representação criminal em desfavor do recorrente, sobretudo porque há que se considerar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, que vincula e legitima a atuação do Ministério Público a fim de que, havendo notícia do crime, apure os fatos e promova a ação penal contra todos os envolvidos no fato delituoso.
Conforme a lição de Guilherme de Souza Nucci:
[...] Apresentando-a contra um dos coautores ou partícipes, serve de base
contra todos, legitimando o Ministério Público a oferecer denúncia contra todos os agentes. Decorre tal situação da obrigatoriedade da ação penal pública, razão pela qual não deve o Ministério Público escolher qual dos vários coautores merece e qual não merece ser processado. Alguns autores invocam a indivisibilidade da ação penal, embora prefiramos invocar a obrigatoriedade. O promotor, dispondo de autorização para agir contra um, cm crime de ação pública condicionada, está, automaticamente, legitimado a apurar os fatos e agir contra todos. Pensamos que a indivisibilidade da ação penal é mais apropriada para o contexto da ação privada, quando a vítima pode optar, livremente, entre ajuizá-la ou não, prevalecendo o princípio da oportunidade. E, nesta situação, porque a eleição é feita pela parte ofendida, atendendo a critérios discricionários, impõe o Estado que, promovida contra um, seja também ajuizada contra os outros, para que não haja a indevida prevalência de vingança ou de acordos
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Superior Tribunal de Justiça despropositados e desonestos. O promotor, por sua vez, que deve sempre agir contra todos os que cometem delitos de ação pública, legitimado a fazê-lo contra um, está obrigado a agir contra os demais. [...] (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado - 11ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2012, págs. 159 e 160)
Por conseguinte, não merece provimento a insurgência especial do
agravante, porque a eficácia objetiva da representação, interligada ao princípio da indivisibilidade que vige na ação penal pública, confere ao Ministério Público a possibilidade de atuar prontamente contra todos os envolvidos, ainda que a representação não tenha abrangido todos os autores da infração. Logo, admissível o aditamento à denúncia pelo Parquet para fins de inclusão de corréu não constante da representação do ofendido.
Dessa forma, o agravo regimental não merece prosperar, porquanto as
razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
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