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EXTRACTO

D E

UMA MEMORIA
SOBRE
A ORIGEM E ALTERAÇÕES DOS JUÍZOS
POR PARES E POR JURADOS
DO
JURISCONSULTO GRAAND-DELALEU,

PREMIADA PELA ACADEMIA


DAS
1NSCR1PÇÕES E BELLAS LETRAS:
Traduzido e annolado
POR
FELIX PEREIRA DE MAGALHÃES,
Bacharel em Leit.

COIMBRA,
HA IMPRENSA DA UNIVERSIDADE.
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Aovus saeculorum nascitur ordo.

Spelmat.
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PREFAÇÃO DO TRADUCTCR.

JÁ temos Jurados para conhecerem d'a»


quelles, que abusarem da liberdade d'im-
prensa. Está vencido para ser um dos
artigos Constitucionaes , que lia de haver
Jurados, tanto naâ causas crimes, como
eiveis. He outro artigo Constitucional , que
todo o Cidadão, que estiver no exercício
activo dos seus direitos, pôde ser eleito
Jurado , ou Juiz de Facto, da qual nomea-
ção , ou eleição nem um se pôde escusar,
nem deve; porque, como diz Montesquieu,
o Cidadão só deve viver, obrar, e pensar
para ser util á sua Patria; e como o ser»
aquelle , que se escusar servir um empre-
go, para que ella õ chama ? O que tal fizer,
não he Cidadão, não quer o bem da su#
Patria, que he o seu proprio , concorre
para a sua destruição, por isso, diz Platão,
que a recusarão he Uin dos sinaes da cor»
rupçào do Estado , e que será justo, que
seja punido aquelle, que se escusar aos
empregos, para que a sua Patria o chama»
A 2
( 4 )
Deixemos por tanto interesses particulares,
e procuremos o caminho, que nos possa
guiar para adquirirmos o conhecimento
d'uma instituição, que de novo revive
entre nósi digo que revive entre nós; por-
que d'e!!a usarão nossos Maiores; pois que
não sendo a Assemblêa dos Jurados mais ,
que uns poucos de Cidadãos escolhidos
pela Nação, para conhecerem d'aquelles,
que aberrarem da Lei , offendendo , ou
perturbando a segurança, liberdade, ou
propriedade publica , ou individual, he
certo , que no principio da nossa Monar»
chia tudo isto se decidia pelo ajuntamento
dos homens principaes da mesma terra ,
presidindo o Governador , Conde , Rico-
Homem , Adelantado , ou Thyuphado , e
segundo a pluralidade de votos se decidia
o negocio , como se pôde ver extensamente
em Brandão Monarchia Lusitana Liv. g,
Cap. ia. E que mais fazem hoje os Ju-
rados ? . . D'onde se pode concluir, que
os primeiros Portuguezes , supposto não
conhecessem o nome Jurado, todavia usa-
vão as suas funcções: o que melhor se
colherá desta Memoria, de que publicamos
o Extracto ; por que o seu Auctor quer
mostrar a origem dos Jurados nas insti-
( 5 )
tuições dos Povos do Norte , que invadirão
o Império Romano , e que nas suas ruinas
fundárão as differeotes Rações da Europa ,
não excluindo Portugal; porque todas erão
provindas do Império Romano : todas forâo
invadidas ao mesmo tempo por aquelles
Povos; e todas em fim participarão das
suas instituições ; e por isso a todas ellas
he applicavel o que Graand-Delaleu dia
a respeito d'Inglaterra e França.
Não he do nosso proposito entrar na
questão, se a instituição dos Jurados he,
ou não, util , cujas razões pró e contra
sabiamente forâo produzidas nas nossas
Côrtes actuaes nas Sessões de a , 4 > 7 e 9
de Janeiro do anno corrente ; nellas se
expendeo -tudo quanto se acha escripto,
e que se podia combinar sobre esta mate»
ria ; e por isso só observaremos, que Roma
foi escrava, não teve Juizes de Facto: Roma
sacudio o jugo tyranno dos Reis, e ficou
livre , logo estabeleceu as Assemblêas dos
Cidadãos, para se julgarem reciprocamente.
Roma se tornou escrava no tempo dos Im-
peradores, a administração da justiça ficou
sendo privativa de certa classe de homens,
escolhidos pelos tyrannos. A Inglaterra
desde a expulsão dos Pictes, e esiahclei
( 6 )
çimento dos Anglos-Saxões , e Conquista
dos Normandos até Jorge IV., hoje rei-
nante , foi sempre livre , teve sempre Ju-
rados.
Franca foi livre no tempo dos Fran-
cos , teve Jurados: França succumbio ao
feudalismo, admittio o Direito Romano e
Canonico, perdeo aquelle estabelecimento :
França tentou sacudir o jugo, que por
tantos séculos a acabrunhou , admittio os
Jurados somente nas causas crimes. Mas
esta Nação tão illuminada não conheceria as
utilidades deste instituto para o extender ,
como nós, ás causas eiveis? He esta uma
reflexão, que nos ha de entreter por um
pouco.
A Assemblèa Constituinte de França
nas suas Sessões de 1790 e seguintes , etn
que se discutio o poder judiciário , que
fazia um dos titulos da sua Constituição ,
publicada em 1794» nâo desconheceo as
utilidades, que á Nação resultavâo do esta-
belecimento dos Jurados; porque todos
os seus Membros dizião a uma voz: sem
Jurados não pode haver liberdade. M.
Robespierre, um de seus Membros, chegou
a dizer (com aquelle fogo proprio d'um
homem , que em algum dia havia de ser
( 7 )
o assassino de seus parentes, amigos e da
sua Patria) , que elle sem a instituição
dos Jurados não se podia julgar livre ,
qualquer que Josse a Constituição. Quasi
as mesmas expressões forâo de M. de S.
Martin , M. Charles de Lametli , e do
outros muitos Deputados áquella Assem'
blêa (i).
Todos os querião nas causas crimes.
Todos reconhecião a bondade d'um tal
instituto. Discordavão com Judo em quanto
ao civil. Unsdizião, que se admittissem
indistinctamente ; porque se elles erão o
fundamento mais solido da liberdade in-
dividual , também erào um baluarte , que
se oppunha aos attentados contra a bonra e
propriedade dos Cidadãos : Outros porém ,
reconhecendo estes princípios, não querião
a sua admissão no civil; porque julgavão
a pratica difficultosa á vista do estado con-
fuso , em que se achava a legislação e a
ignorancia do povo sobre esta matéria. M.
Thourel tentou conciliar as duas opiniões
com um projecto , que appresentou , en»
que propunha, que se creassem certos Tri-

(i) Sessões d'Aisemblèa Constituinte de 6 , J


t 8 dAbril de 1790.
í 8 )
bunaes proviscrios para decidirem as can-
sas com brevidade, até que a legislação se
simplificasse de modo, que os Jurados po»
dessem entrar no exercício das suas func-
ções: foi rejeitado: porque lhe acharão
difficuldades. M. Abbade deSyeyes offere-
ceo outro plano, em que mostrava , que
os Jurados se deviâo admittir em um e
outro foro ; e que para aplanar as duvidas
suscitadas propunha , que os homens de
Lei fossem provisoriamente Jurados natos ,
eque juntos com os que a Nação elegesse,
julgassem as causas, até que podessem ad-
mittir a este cargo todos os Cidadãos in-
distinctamente. Este projecto apezar de ser
muito applaudido pelo Povo das Galerias ,
e por alguns Membros , que o defenderão;
com tudo teve a mesma sorte, que o de
M. Thoureth. Esta matéria foi muito deba-
tida n'Assemblèa, fez d'ella o objecto de
muitas Sessões , e a final se decidio, que
os Jurados só fossem admittidos nas causas
crimes. Eis a Francaa reconhecendo a uti-
lidade dos Jurados, e só os admitte no
crime ! ! !
Os Francezes, sempre amantes da
novidade , e ambiciosos da primasia de em
tudo fallarem e escreverem primeiro do
( 9 )
que nenhuma outra Nação, tem procu-
rado instruir-se no processo dos Jurados,
para o que mandarão homens a Inglaterra ,
para a)li verem como os Inglezes fazião
os seus processos ; e não só isto, mas a
Academia das lnscripções e Bellas Letras ,
vendo que em nenhuma outra Lingoa ,
ou Nação se achava cousa alguma escripta
sobre a origem dos Jurados, de que tanto
se duvidava, propoz em 1788 um premio
extraordinário pelo desenvolvimento do
Programma seguinte :
i."
« Qual foi o processo das causas cri*
minaes entre os antigos Francos, e no
tempo dos seus primeiros Reis? »
a.«
« Em que epocha se introduzio no
Reino o uso de julgar pelos Pares e pelos
Jurados? Quanto tempo durou este uso;
e porque só subsistio para algumas classes
de Cidadãos ? »
3."
Em que tempo se estabeleceo em In»
glaterra esta fórma de Juízos, e como nella
«e tem conservado ?
O célebre Jurisconsulto Graand-Dela-
leu appresentando em 1783 na Academia
( «° )
a Memoria, cie que publicamos o Extracto,
levou o premio juntamente com outra do
mesmo Auctor.
He por tanto conveniente que mar-
chemos pelo mesmo caminho dos Franceze»
(nesta parte somente!). Principiaremos por
saber a origem dos Jurados, as alterações,
que tiverão uaquellas Nações , que fizerão
uso dVlles., e as causas, por que em umas
se perderão , e outras se tem sempre con-
servado ; he isto o que mostra a presente
Memoria. Nós reconhecemos a difficuldade,
que ha para se fazer uma boa traducção ; e
por isso se não preenchermos bem aquillo,
a que nos propuzemos, sirva-nos de desculpa
a ingénua confissão, que fazemos,de que não
temos os conhecimentos necessários, nem
da nossa Lingoa , e menos da Franceza.
Esperamos porém , que isto sirva de
incitamento aos Homens Sábios , para que
nos elucidem sobre esta matéria, toda nova
entre nós, e que mesmo os estranhos tra-
tão confusamente: e então diremos com
Tito Livio:

Nihil acceptum unquam a plebe


tanto gáudio tradilur.
Lib. 4>
f I* )

EXTRACTO D'UMA MEMORIA


SOr.RF! A ORIGEM £ ALTERAÇÕES DOS
juízos por pares e por jurados.

Novus saeçulorum nascilur ordo.


t
Sfblmar.

CAPITULO I.

Do antigo estado das Gallias e da Bre~


tanha. Revoluções , que nellas causa-
rão as Conquistas dos Romanos ; e a
invasão dos povos Germânicos.

A Origem dos Gaulcs e dos Bretões se


perde na obscuridade dos tempos. Estes
povos só forâo conhecidos , quando esti-
verão sujeitos a outros. Quanto deiles dis-
sermos , he tirado d'Escriptores Estran-
geiros , que nos relatão a sua historia :
mas elles nem sempre poderáõ ser exactos,
( ia )
t por isso se fazem suspeitos (i). A Gallia
e a Bretanha separadas hoje por um pe-
queno estreito, parece, que em outro
tempo forào contíguas; pelo menos erão
habitadas por povos muito Similhantes
entre si; todos Celtas de origem , e men-
bros d'esta grande Nação , cujos braços
erão tão vários, como extensos.
Os Gaulês e Bretões, sempre divididos
entre si , nem mesmo se sabião reunir,
quando erão ameaçados d'um perigo com»
tnum. Elles por outra parte o procuravão
cora audacia , e arrostarão com intrepi*
dez (2).
A Religião entre estes dois povos era
a mesma. Os Druidas exercião as duas
funcções de Magistrado e Sacerdote. Se
dermos credito a uma tradição de Julio
Cesar , a sua instituição vinha da Breta-
nha. Era nella que tinhão a sua prin-
cipal eschola , á qual concorriào todos

(1) Sobre a primeira parte da historia d'Ingla«


terra nio ha um conhecimento exacto ; d'ella diz o
Cevalleiro Temple na lntroducção à sua Historia:
« Os monumentos, que nos restão, são como aquellas
pinturas antigas e safadas, que na verdade recordío
alguma cousa dos costumes antigos , mas que não
apprcsentão nem linhas , nem proporções.» O Tra-
aiiclor.
(a) Tacit. Vit. sigric.
O)

( i3 )
iquelles , que desejavão adquirir um co-
nhecimento profundo da sua doutrina (i).
Os Gaulês atacados pelos Romanos , e
vencidos mais pelas próprias divisões, que
pelo valor de seus inimigos ; forão obri-
gados a submetterem-se-lhe depois d'uma
longa resistencia. Os vencedores, queren-
do lisongeal-os, lhes deixarão em parte as
suas leis e costumes. Mas por outra parte,
para com facilidade lhes introduzirem o
espirito e costumes Romanos , principiá-
rão por destruir a influencia e auctori-
dade dos Druidas , cujas doutrinas ainda
entretinhão a energia do antigo valor Gau-
lez , o qual pouco e pouco se perdeo de-
baixo do jugo dos vencedores. Os Gaulês
forâo então impunemente esmagados por
uma enormidade d'impostos, e pelo fausto
e crueldade dos Governadores Romanos (a).
Duas vezes tentarão subtrahir-se-lhe, e
duas vezes a discórdia própria e incurável
do paiz lhes tornou inúteis seus esfor-
ços (3).
Os Bretões defenderão por mais tempo,
que os Gaulês , a sua liberdade contra os

(1) Caes. 6. Cap. a.


(2) Tdcit. jénn. 3. 40., Hist. 4. 69, et siq.nZi
(3) Taci uibUk

1
í «4 )
Romanos. Atacados por Julio Cesar , Con-
quistador das OaIlias , só forâo subjugado}
por Agrícola. A sua sorte na dominação
Romana não foi mais feliz, que a do»
visinhos. Ficarão , como elles, sujeitos aos
recrutamentos , e a todas as obrigações,
que lhes querião impor: aeostumárão-se
a obedecer, e por isso nada mais desejavâo,
do que serem isentos das injurias (i).
Queixas as mais cruéis se levantavão de
toda a parte ; « Nós antigamente não tinha-
« mos mais que um Rei , diziâo elles,
k agora porém temos dois ! O Proconsul
0 tenta rigorosamente contra a nossa vida!
« O Intendente contra os nossos bens! A
a sua união he para nós tão formidável,
« como a sua discórdia ! Nada ha que
a esteja ao abrigo da sua cubica e licen-
ça » (a).
Os excessos da oppressão attrahem as
revoluções : mas a fortuna não favoreceo
nem a coragem, nem a boa causa. Os
esforços dos Bretões , para recuperarem
a sua liberdade., não servirão, senão para
aggravarcm mais a sua escravidão: para os

(1) lOíd. -Ann. 14. 3l.


(2) Tacit. rtt, Agrit. Cap. i5.
( «5 )
socegar empregarão-se os mesmos meios, de
que usarão com os Gaulês. Introduzírão-lhes
a Lingoa , Costumes , Leis e Religião dos
vencedores. Os Druidas forão perseguidos;
tratarão de destruir a sua influencia, da
qual elles só usavão, para reanimar a
coragem dos Bretões , e subleval-os contra
o jugo, que lhes haviâo imposto (i ).
A guarda do paiz foi confiada ás Legiões
Romanas; e todos os Brevões forão desar-
mados. A' indolência seguio-se a ociosi*
dade , e os Bretões e Gaulês perdérão o
seu valor com a liberdade (a).
Quando na quéda do Império Ro-
mano no Occidente quebrarão os ferros da
escravidão, não foi para ficatem livres, mas
para lhes serem substituídos por outros,
não menos cruéis e tyrannos. Os Gaule*
forão invadidos pelos povos Germânicos ,
aos quaes a esperança do saque, o desejo
de acharem uma vivenda mais afortunada,
que os pantanos e bosques, que habi-
——-
(i) O Procônsul Paolino aebou era a Ilha de
Man os Druidas á írente de tropas da Bretanha ,
«oimando-as
a
coro suas exhortações. Tacit. Ann. i{.
9- Os Saxões achárâo os Monges de Bangòr pre-
enchendo es mesmas fnnçcóes Bed. A. /. It. C. **
(a) Tacit. Agric. C. II.
( >6 )
tavâo , fez com que corressem a atravessar
o Rhin, e a fazer ahi as suas incursões (i).
Os Romanos nos mais bellos dias da
tua gloria poderão reter esta torrente im-
petuosa , mas na sua decadencia não lhe
poderão resistir. Os Gaulês ao principio
devastados por uma multidão de Barbaros,
que nada mais fazião , que atravessar suas
terras, forâo em fim occupados por diffe-
rentes povos , entre os quaes se distingui-
rão os Francos , os quaes no tempo de
Clóvis vierão quasi a ser Senhores das
Gallias, a que derão o seu nome, e que
ainda hoje tem.
A Bretanha , abandonada na mesma
epocha pelos Romanos, foi assolada pelas
devastações dos Pictes , povos s«lvagens da
Escossia. Debalde implorou o soccorro de
Aécio , que ainda nas Gallias sustentava
a gloria vacillante do nome Romano :
« Nós somos repcllidos, lhe escreviâo os
« Bretões espavoridos, pelos Barbaros para
« o mar, e por este para elles; he infal-
« livel, ou acabarmos em seus ferros,
« ou sermos submergidos pelas ondas. »
Aécio, que se não podia defender dos

(a) Tacit. fíitu 4. 73»


( *7 J
Francos , se fez surdo ás instancias dot
Bretões. Estes chamarão então os Saxões
por uma carta não menos tocante , que
aqueila , que tinhâo escripto a Aécio.
Os Saxões era um dos povos mais
distinctos da Germania ; ou fosse pelo gran-
de espaço , que occupavâo para o Norte,
011 pela sabedoria das suas leis e institui-
ções. Os soccorros , que derão aos Bretões,
forão tão promptos, coftio efficazes; os
Pictes vencidos e repellidos se virão obri-
gados a encerrarem-se nos seus antigos
limites.
Os Saxões perdêrão bem de pressa o
direito , que tinhâo , ao reconhecimento
dos Bretões , pelo grande premio , què
merecião dos seus serviços. Os Bretões ,
revoltados pelas excessivas pertenções da-
quelles , em vão se armarão contra elles ;
da Germania vierão novas Colonias , que
se juntarão ás primeiras; entre ellaS vierão
os Anglos, povo visinho e alliado dos
Saxões, que derão á Bretanha o nome ,
que ella tem hoje.
Os Bretões forão em consequpncia
obrigados a refugiarem-se nas montanhas
do paiz de Galles j e outros se expatriárâo,
e forão formar uma Colonia nas Gallias;
B
( »8 )
a qual conservou o nome dos seus fun-
dadores , e não tem degenerado da sua
gloria. Quasi todos os outros , (jue esca-
parão á barbaridade dos vencedores , lorão
reduzidos a escravos (i).
Os Saxões dividirão entre si as terras,
cuja divisão se fez relativamente á digni-
dade e grão dos Condivisores , segundo o
costume dos povos Germânicos, e o mesmo
fizerão os Francos nas Gallias, que se
apoderarão d'uma parte das terras dos
Gaulês , sem os tratarem com a barbari-
dade , de que usarão os Saxões na Bre-
tanha.
Os Francos era uma grande Tribu
Aleman , da qual os Salienos , os Ripua-
rios , os Cenomanos , e os Morinos erâo
outros tantos braços
t differentes: cada um
destes povos differentes tinha seu Rei , ou
Chefe tirado da mesma ía mil ia. Clóvis,
desfazendose d'ellcs todos, conseguio o
ficar elle só Rei dos Francos (a).
Na Bretanha igualmente cada Tribu
dos Saxonios formou um Reino, mas nein
um d'elles teve a felicidade, ou para dizer

(1) lied. Hht. L. 5. Cap. nlc.


(2) Greg. Tur. Liv. a. in Jin.
í 19 )
melhor, a deshumanidade de Clóvis , qu«
Fez acabar todos os outros , para elle só
ficar o Senhor. Na Bretanha contavão-se
sete Reinos ; e os Bretões , que se tinhão
refugiado no paiz de Galles , fazião um
oitavo: bem se vê , que oito Reis em um
espaço tão pequeno, não deviâo existir
muito tempo, nem estarem inuito satis-
feitos (1).
As instituições
• dos Francos e dos Sa»
xões forão exactamente as mesmas; elle»
dividirão a França e a Inglaterra em Con-
dados , Centenas e Dezenas. Os lnglezes
aitribuem commummente esta divisão ao
Celebre Rei Alfred o Grande : mas ella
remonta ao primeiro estabelecimento dos
Saxões ; e as leis mais antigas dos Francos
já suppoem a sua existencia ; pois que erâo
•d'origem Germanica. Para governar cada
uma destas divisões, estavâo á sua frente
Officiaes Públicos , que no tempo da paz
julgavão das suas differenças , e no tempo
da guerra os commandavâo.
Em consequência do amor pela novi-
dade., que em todo o tempo fez o caracter

(1) Foi a este governo de teto Rei» qoe se


cbamon Heptarcbic , que acabou em 827 no tempo
ào Rei Egebert , que unio os 7 Reinos Saxonios.
B a
20
( )
dos Francezes, juntarão ás suas próprias
instituições as que achárào nas Gallias
estabelecidas pelos Romanos. Tiverào , co-
mo elies, Patricios, Duques e Condes ,
encarregados dos Governos das Províncias.
Os governos dos Patricios e Duques erão
compostos de muitas Provindas: os dos
Condes d'uma só : havia , além d'estes
Condes , Governadores menores das Cida-
des da segunda ordem, cuja jurisdicçâo
não se extendia fora d'clla. Os nomes,
que lhes derão , erão Romanos: a Lingoa ,
em que escrevião as Leis, era a Latina.
Os Saxonios, mais amantes das suas
instituições , que tinhâo levado do seu
paiz , as allianças estrangeiras não altera-
rão a sua pureza. Os nomes , que derão
as divisões , que fizerão da Bretanha , e
aos Officiaes , que as governavâo erão tira-
dos da sua própria lingoa (i). No prin-
cipio o Clero entre estes dois povos occu-
pava um grão distincto, tanto nos Con-
selhos dos Reis , como nas Assembléas
Nacionacs , e nas Juntas particulares das
Províncias. Os Bispos concorrião neltas

(i) Os Condados d'Iogluterr< tem o nome


S/iire , qoe ainda conservão. As centenas cliamão-se
llundred IVapcntakc , eic.
( 2» )
com os Duques , Condes e Fendes, Senho-
res e Vassallos dos Francos ; e com os Cai-
dornans e Thanes dos Anglo-Saxões. Entre
estes os Caldornans erão o mesmo que os
Duques e Condes, que governava© as Pro»
vincias dos Francos ; e os Thanes erão
o mesmo , que os Leudes (i).
Os Leudes entre os Francos, e os
Thanes entre os Anglo-Saxões, estavào mais
particularmente unidos, que otitro qualquer
Cidadão , á Çôrte do Rei , e erão os que
faziào o seu serviço, tanto no palacio,
como na armada. Os serviços d'elles erão
remunerados com uma concessão de certa
parte do domínio real , que se chamava
benefícios entre os Francos (a) , e que

(i) Entre os povos Germânicos aquelles , que


acompanharão voluntariamente os Príncipes nas suas
einpreza» , se chamavâo I.eudes : Taciio lhes dá o
nome de Companheiros , ou Comkes. A Lei Salica
lit, 44. art. 4. diz , que erão aquelles , que estavio
•ia confiança do Rei , qtti sunt in irusle regis. Mar-
culto Lin, 1. Formula 18. diz , que erão os an~
truslions (vassallos) do Rei , deduzido da pal.ivrt
trew , que ein Alemão segràfica fiel: e em Inglez
Iruc verdadeiro. Os antigos Escriptores Francezej
lhe» chamâo Leudes: Leudes fideles. Os moderno»
rassalli seniores. O Tradurtor.
( a ) E por isso se diz ttrrae jure benefieii
toncessae. O 1'raductor.
/
( aa )
Beile designa pelo nome terras e posses-
sões , cujo valor consistia em o maior ,
ou tnenor numero de fainilias , que dVlle
dependiâo (1). Os benefícios erão amoví-
veis ao principio , assim como as- digni-
dades do Estado , até que pouco e pouco
se tornarão bereditarias (a).
A concessão d'um beneficio dava a
qualidade de Leude (3) e de Thane (4),
e perdia se este titulo com o beneficio.
Entre os Francos não havia nobreza here-
ditária , como entre os Saxões , ella foi
uma consequência da herança dos benefí-
cios e da sua tranformação em Feudos (5).
O povo em geral compunha-se de
nogociantes e artistas , que habitavâo as
Cidades j e de proprietários e cultivado-
res , que vivião espalhados pelos campos :
todos erão tão livres, como os Leudes e

(i) fíist. Liv. 3. Cap. a/). , L. 4. Cap. 3.


i3., e L. 5. Cap. 30,
(3) Apud Francos vero sensim , pedeienlim-
que , jure hereditário ad Utrtdes subinde iransie-
ritnl fenda ; i/uod labente século nono incepil. Du-
cang. voe. Feudom. O Traductor.
(3) Entr. o, Franco,. _ » Q Traductor.
(4) Entre ot Angio-Sa*oe». \
(5) No tempo de Carlos o Gordo Vie qne w
principiou a fazer mo desta palavra Feudo. Glost»
de Ducang. voe. Beneficiura, O Traductor.
( >3 )
Thanes. Todavia os Serros entre os dois
povos erào em grande numero: uns erào
destinados ao serviço pessoal do seu Se-
nhor : outros estavào ligados ás terras ,
que cultivavâo, e delias se não podiãa
separar (i).

— rAWVWVWVW^i

CAPITULO' II.

Do modo como se administrava a Justiça


entre os Francos e Anglo-Saxões , e
das provas judiciarias.

H Avia á testa de cada unia das divisões,


que os Saxões e Francos fizcrão da Bre-
tanha e Gallias , Côrtes de Justiça , cuja
jurisdicção se extendia mais, ou menos ;
e superior a todas era a Côrte do Rei,
Nós não entraremos no detalhe das diffe-
rentes causas , que erào da competência
de cada uma das Cortes , nem a ordein
judiciaria , que nellas se seguia ; porque

(i) Estes são os Servos adscriptieios , a qae


•Ilude a nossa Ord.AiV.^ 4a*«e T,c ^'a ^°bão
^ppwntL Dipl. Hist J. i3. pag. 3i. O Traâuctor•
( >4 )
isto nos apartaria tnuito da brevidade, a
que nos propozemos. Observaremos so-
mente, que os povos Germânicos sempre
mostrarão aversão ás subtilezas dos Le-
gistas Romanos , e ás formalidades da sua
Justiça , bem como ás .depredações de seus
Financeiros e Proconsules. Sabe-se como
elles tratárâo , depois da saída de Varo,
os práticos , que este General tinha levado
comsigo. Arrancarão-lhes a lingoa , e lhes
escreverão nas costas : víbora , cessa de
sibilar. Seria pois ridículo indagar, como
alguns Escriptores Inglezes tem querido
mostrar , a origem dos Juízos por Pares
e por Jurados nas J>eis Romanas (i).

(i) Este Jurisconsulto , a meu pensar , não


tinha examinado o modo como se conhecia da» causas
criminaei no tempo da Republica livre; te não havia
de dar em parte razão aos que querem achar a origem
dos Jurados na Legislação Romana : e por isso ,
■inda que eu nesta parte exceda os limites de uma
nota , permitta-se-me dar aqui orna idêu do que
•e passou em Roma sobre esta matéria , ainilj que
seja abbrevjada. Roma teve o Çòverno Régio 244
annos. Os Reis, abusando do seu poder, forão expol-
(os ; ficando em Republica a Nação governada por
dois Cônsules, e nos casos de perigo imiuinente se
creava um Magistrado , chamado Dictador , cuja
auctoridade acabava com a necessidade, para que
iôra creado. No tempo dos Reis elles erão os Supre-
mo* Magistrado* , que decidias a seu (rbitrio da
( *5 )
He uma instituição própria e intro-

vida dos Cidadãos, e a soa vontade era Lei , tjuod


principi placuerit, legis kabel vigorem , dizião elles.
Foi esta uma auctoridade, pela qual os Heis se tor-
narão aborrecidos; porque atropelando as Leis da
humanidade, com facilidade empregavão as penas ,
sem guardarem a legitima proporção entre ellas e o
delicio ; a innocencia e a perversidade caminhavão
em igual passo ao sopplicio. Os Romanos porém
sonhei5o sacudir o jugo, riscando para sempre da
soa lembrança , e de todo aquillo , que lhes podia
suscitar o nome Rei. Os Cônsules no principio da
Republica quizerão gozar daquelle poder Régio,
sem. que se lembrassem , quanto isso era odioso aos
Romanos. Todavia como elles erâo moderados no
Seu exercício , ainda a conservárão por espaço de
vinte ânuos i Mas o Povo Romano attemlendo ás
consequências , que deste poder absoluto dos Côn-
sules lhe poderião resultar ; e que elles com faci-
lidade podião opprimir os Cidadãos tanto, ou mais
cruelmente , que os Reis ; deliberarão-se a querer
ler parte no Governo , ou no poder jadiciario . para
o que houve diversos tumultos populares. Publio
Valério Publicola , e seu Irmão Marco Valério ,
para socegarem o Povo fizerão uma Lei , que dos
seus Auctores se chamou Valeria, em que se deter-
minava , que nos crimes capitaes dos Cidadãos Ro-
manos , ou quando houvesse de se lhes impor alguma
peua pecuniária , se podesse appeliar para o povo (o).
■As Leis das ia Taboas tirárão inteiramente' aos

(*) Q."''n"m de capite civil romani injuuu pepuli romani


ntn erat permiuuql eoitsu/ifait jm> Jicere , uttjue non modo it
poenj capita/i , tej e/iam i* pecuniária 'multa ad popnlum
provícare iiceret. L. ». j6. D. dc Orie.jur., Dion. pig.
*9*. , Tiu Liv. j. 8,
f >6 )
dozida pelos Francos e Saxões: e em

Consoles o direito He conhecerem da» causai cri»


minaes , e determinarão , que o» Cidadão» só pode»-
amri ser condemnados nos Comicio» Centuriatos ; e
era quanto ás penas pecuniarias, que fossem nos
Comicios Tribunicios. A Lei determinava a pena ,
porém nos Comicios se discutia • existencia do facto.
Outras veies o Povo nomeava um Magistrado, quo
chamara Questor , que julgasse aquelle crime , jun-
tamenie com os Juizes,
Os Romanos pelo andar doa tempos conhecê-
*3o , que isto abria o caminho á impunidade ; por-
que augmentando-je cada dia mais a Republica , o*
Comicios não se podião reunir para julgarem os
delictos , por isso muito frequente» : em consequên-
cia do que estabelecèrão Tribunaes fixo» para conhe-
cerem das causas crirainae» , bem como já »e tinha
feito para o Civil; e aqui tiverão principio a» questões
perpetua» , cujo objecto não referimo» . porque lie
fora de nouo proposito.
O PretorUrbano, ou o do» Perigrino» .escolhia
todos os annos quatrocentos e cincoenta Cidadâot
dos mais provecto» (a), o» quae» erão logo publi-
cado» por um Edicto do mesmo Pretor , para qoe
ei Cidadão» soubessem , que erão aquelle» o» esco-
lhido* para decidirem os negocios criminaes.
Alem dos Pretores havia outro» Magistrados ,
ou Juizes Inferiores . chamados Juites dn Questão ,
cujas funrçõet le verão no que vimos a dizer.
O Acca»ador appresentando a aceusnção ao
Pretor , era examinada por este , e mandava Ioga
(a) Praetores Urbani, qui juntos optimum quemque iiy
selectos juiiices refetre debent, erc. L. Cornei. Praetor qui
jusdicet inter pcrjgiinos CDL. viros kg»t, etc. L. Servili»
Glauciae.
a
( 7 )
nenhuma outra parte se pode achar a sua
origem , senão em seus usos.

«visar o Accusado , declarando-se-lhe o lugar e dia ,


em que havia de comparecer. No dia designado,
estando presentes o Juiz da Questão , o Accusador
e Accusado; o Pretor lançava em uma urna os nomes
dos quatrocentos e cincoenta Cidadãos. O Juiz tirava
um nome , que lia ás partes , as quaes o podião
rejeitar, ou approvar, e assim continuava até se
apurarem com approvação das Parfes aquelle nu-
mero , que havia de compôr o Tribunal , o qual
não era certo , sendo o menor, que apparece ,
aquelle , a que assistirão trinta e dois Juizes (fl).
Algumas vezes também era concedido ao Accusador
nomear cem Cidadãos dos quatrocentos e cincoenta 4
os qnaes appresentava ao Accusado, que d°e)les
nomeava cincoenta (6) para conhecerem da accu-
»ação. Ainda havia outra providencia , principal-
mente nos crimes muito graves , pela qual as Partes
podião escolher os Juizes entre todos o* Cidadãos
indistinctamente (c).
Tendo as Partes por qnalqoer dos modos pro-
postos concordado no» Juizes , o Pretor designava

(rf) Ciccr. f'0 Ciuent• Cdp, 17.


(ij Cicer. fra Muni, Caf. 2J. , fro Plan. Cap. IJ.
" 17(e) Practor, ad quem nomen delalum erit , facito, ut is
«lie vigésimo ex en die , quo cujusque quiique nomen detulerlt,
centum vires ex eis , qui ex hie Itge quidringenti quinqua-
ginta viri in eum annum lecti emni , legat editve. Quo» 1»
centum viros ex hac lege ediderit, de eis ita facito, juret
palam apud se coram, se cos scientem dolo maio non legisse.
is centum viros ediderit, juraritque , tum eis facito ut
is unde pelitur , die vigésimo , postquam nomen ejus delatum
erit, quos centum is, qui petit, ex hac lege ediderit, de
judices quinquiginta legat, edaive. L, Servil. Glauc.
( =8 )
Estes povos, cuja liberdade e inde-
pendencia tanto estimavão , não conhecião

o dia , em que as Partes havião de produzir as suas


provas: Se erão documentos, erão. entregues ao
Juiz da Questão , para os appresentar no dia da
discussão do facto : Se erão testemunhas , depunhâo
na presença do Pretor , do Juiz da Questão e das
Partes, e dos Juizes nomeados, os quaes exami-
nando a questão , e confrontaudo-a com os depoi-
mentos das testemunhas, principiava entre elles a
discussão do facto , que estando complicado com
direito , o Pretor lhes declarava a Legislação , que
havia , ou que naquelle caso tinha lugar , sem que
•e intrometiesse no debate em mais do que vigiar,
que se observassem as formulas judiciarias. As Partes
erão naquelle acto perguntadas para esclarecerem
algum ponto , que ainda não estava liquido , c em
quanto ellas não terminassem sua resposta com o
verbo Jixi, a questão progredia. Os Juizes , tendo
feito todas as investigações necessárias, confeien-
ciavão entre si para darem a sentença (a); depois
cada um dos Juizes lançava o seu voto em uma urna,
que era a letra A, se absolvia ; e a letra C , se con-
«Jemnava : e quando nem uma , nem outra cousa ,
ás letras iV L (Non J-iquet), O Pretor , que tinha
assistido ã votação , examinava os votos , e segundo
a pluralidade d'elles proferia a sentença.
Eisaqui como entre os Romanos se protegia a
innocencia : eisaqui como , em quanto Roma foi
livre, os homens, posto tinhão aberrado da lei, erão
todavia protegidos em sua defeza , doudo-se-llies
ampla liberdade para*escolberem d'entre seus iguaes

(a) A esta conferencia chamavão ire in cmcilium. Aic»h,


pag. 6j. rt 17$.
( 39 )
outra regra para decidir as differenças ,
que houvesse entre elles, senão a força (i).
Todo o inundo conhece as provas pelo
lerro ardente , pela agoa quente, pelo
juramento, e pelo combate , a que elles
recorriâo nos factos duvidosos e incer-
tos. As quaes se designavào pela palavra
Saxonia Ordeal, que significa grande
Juizo (a). O uso destas prdvas era tão

quem os julgasse > e por isso com razão diz Cicero:


JScminem voluernnl majores nostri rion modo de
exisliqiatione cujusquam , sed ne de pecuniaria
(juidem re mínima judicem esse, nisi qui inter
adversários convenisset (pro Cluent»). Daqui se vè ,
<jue os Romanos já pralicavão o mesmo , que hoje
os Jurados , ainda que desconhecessem o nome : e
por isso não deixão de ter razão' aquelles, que para
achar a su» origem, se remontáo á Legislação Ro-
mana. Fiiang. Scienc. de la Levisi» Tom. 3. Chap•
16» O Traductor.
(1) Os povos Germânicos , qoe passarão o
Rhin para subjugar os Gaulês ♦ eráo em extremo
independentes. O seu Rei só tinha por titulo o va-
lor. e o voto : e como nos bosques , que habitavao,
tinhão adquirido umas noções mui limitadas da
auctoridade ; por isso elles seguião um Chefe , mai»
como socios na conquista ,• do que como súbditos*
Delolme Constit. d Anglet. Chap. 1. O Traductor.
(2) O uso determinou a palavra Ordeal , ou
O r dal te unicamente ás provas por elementos, e as
que se usaváo entre o povo. Mentor• de Lilerat.
tom. i5. pag» 624*
Pelo que tem de singular estas differentes espe»
( 3o )
familiar aos povos do Norte , que per-
tendem alguns , que ainda exista em

cies de proves , julgamos a propósito dizer com


brevidade o que ellas erão : A prova feita pelo fogo,
era pondo o Accusado a mão no ferro quente , ou
roettendo-a em agoa fervendo', envolvia-se-Ihe a
mão em um sacco , que era cosido e lacrado. S#
tres dias depois lhe não aparecia signal do lerro ,
ou da agoa fervendo, se declarava innoçente. Os
que recusavio , erão reputados como homens eife-
minados ; e sendo uma Nação guerreira , não podia
soffrer taes homens , e por isso erão punidos ! ! !'
A Lei Salica TU. 56, e outras dos povos bar-
baros , forão as que edmittirão estas provas : porem
a Lei Salica , vendo que erão muito barbaras , per-
mittio, que o Accusado se podesse resgatar , dando
certa somma de dinheiro , que a mesma Lei deter-
minava , e então o Accusador ficava satisfeito, ju-
rando o Accusado com certo numero de testemu-
nhas , que elle não tinha commettido o delicio. A
Lei até dava uma espneie de remuneração ao Acco*
dador, que permittisse o resgate. Em quanto i
prova pelo combate Judiciário , devemos notar , qn®
os Ecclesiasticos não admittião outra prova , senão
a do juramento , e a dos elementos , que também
era uma especie d'el!e; porém sendo estes povos
inteiramente guerreiros , não contentes com o ju-
ramento , recorrião is armas , quando tinhão cer-
teza do crime , e vião , que o Accusado se livrava
pelo seu juramento ; vinha por tanto o combate a
ser um remedio da Lei, que tinha introduzido aquel-
]as provas. Eata prova pelo combate não tinha uso
entre os Francos , o que se vè da carta , que escreve»
Agobard a Luiz le Debonaire , em que lhe pedia,
que em Borgonha se decidissem os negocios pela»
leis dos Franco» ! si plaçutrit domino «ostro , ui eos
C 3i )
algumas partes da Suécia (i). Não lhes
era com tudo particular ; porque já se
acha o seu uso na Grécia nos tempos
heroicos, e hoje mesmo se usa nas índias.
A generalidade d'um tal uso, que á pri-
meira vista parece tão monstruoso, faria
quasi crer, que não temos conhecimento
algum do modo como elle se praticava ,
ou pelo menos, que somente toos foi com-
municado pelos povos , que já o tinhâo
adulterado. Mas o que nos persuade , vem
a ser, que nas provas por Ordalie se in-
clue a do juramento , que era não só a
niais conforme á razão , inas ainda uma
das idèas mais felices, que se tiuha tido;
pois que evidentemente foi ella , a que

traruferret ad legeirt Fraiicorum. Era só privativa


dos Repuarios , e de todos os povos , que admiuião
• prova por juramento. No principio era tão só-
mente aduiittida nos casos crimes. Carlos Magno,
Loiz Debon.iire, e os Othons I. e II. a extendérão
«o Civil. S. Luii, Hei de França, foi o primeiro,
que principiou a querer abolir este costume. Adver-
tindo porém, que sobre a extensão destas provas,
que sc faxiio pelo combate Judiciário , e serem pra-
ticadas por todos os dilierentes povos, que habitavão
» França , ou só em parte, ba diíférente» questões,
como se pôde ver em jVIontesquieu Espirit. das LtU
18. O Traductor.
(i) Hyuior. tom. 9. pag, vj.
( 3a )
deo origem aos JuizOs dos Pares e dos
Jurados. Aqui ha uma opinião , que alguns
Escriptores tem tocado , e outros con-
testado , e por isso será necessário apro-
fundal-a (i).
Logo que qualquer , sendo accusado ,
não podia ser convencido do crime , que
se lhe imputava ; mas se havia contra elle
presumpções fortes , não podia ser con-
demnado por falta de provas ; obrigava-se
por isso a purgar estas presumpções pelo
juramento. Quando se tratava d'nm delicto
leve, e que o Accusado era pessoa d'um
gráo distincto, o seu juramento era bastau-
te (a). Mas se o delicto era grave , se
pbrigava a fazer jurar comsigo um certo
numero de testemunhas; sobre o qual as
Leis Germânicas variavâo muito. Doze
parece, que era o numero mais commum,

(■) Dopai era uma nota , que se aclia na


Historia d'Academia das Inscripçôes Tom. 38. pag»
309, avançou esta opinião, sem fornecer prova algu-
ma. Elle enganou-se , quando attribuio a prova por
juramento aos Capitulares , a qual he muito mais
autiga. O D. Hanr. na Hist. ãlnglal. não quer
que a prova pelos Jurados venha do juramento ,
mas as suas razões aâo convencem.
(2) Não se usou assim era Greg. de Tours;
Vid, a lua Hitt.L, 5. C. 49-
( 33 )
ainda que algumas vezes fossem necessariaá
muitas mais (i). O Accusailo, que não
achasse aqtiellas pessoas , que quizessem
jurar comsigo, se tinha como culpado.
Este costume pareeeo a muita gente
absurdo e arriscado ; e julgarão qufe nada
havia mais fácil para qualquer se justificar;
porque um criminoso, por pouco credito
que tivesse, não podia deixar de ter as
testemunhas, que lhe fossem neccssarias.
Todavia não era isto tão fácil , como pa«
rece ; porque succedia muitas vezes não
acharem testemunhas , que se atrevessem
a jurar em seu favor (a). Os Ecclesiasticos,
que ao principio se oppozerâo a que nos
seus TrihunaeS se admittisse a prova pelo
juramento , que elles olhavão como con-
traria aos Cânones, ao depois foi por elles
adoptada em seus Codigos, com o nome
de purgação canónica (3). E nelles se
diz, que esta prova só deve ter lugar ,
quando o Accusado, sem poder ser con-

(i) Leg. tíurgund tit. 8. pari. 3. , Leg. fíovor


tit. 8. p. 5., Leg. Frislon. tit. 14. Capital. Li!/. 3.
Cap. a3.
(a) Ex. 8e ví em Greg. de Tonrj, Lib. g,
Cap. i3. , Capilul. Lib. 3. Cap. a3.
(3) Decret. de Gracian. càitt. a, tfuaest. 5.,
Decrct, Lib. 5. tit. 34.
c
( 34 J
vencido , está sobrecarregado d'indicios
graves ( i), Mas a prova jurídica era tão
diflicil de se fazer , que em quasi todos
os casos se podia recorrer á prova pelo
juramento. Era necessário, para conven-
cer um Accusado , quasi tantas testemu-
nhas , como para o justificar.
Exigião se setenta e duas contra um
Bispo ; quarenta contra um Padre ; mais ,
qu menos, contra uin Leigo, segundo a
qualidade do Accusado , e > gravidade
(Taccusaçào (a). Por outra parte não era
livre escolher toda a qualidade de pessoas
para as fazer jurar comsigo. As testemu»
uhas devião ser homens bons , justos ,
honestos e incorruptíveis ( 3 j : homens
dignos de fé , e irreprehensiveis em sua
vida e costumes: em uma palavra, homens
legaes, para me servir da expressão das

(i) Gratian. ibid. Cann, ia. i3, 16. 17. ig.,


T>recret. l.ib. 5. til. 34. Cap. 4. et ser/. Os Er.cle-
slasticoj no Concilio celebrado em 967 no tempo
do Papa João Xlli. e do Imperador Othon I. tcn-
tárâo proliibir o combate judiciário , então muito
vulgar , e admittir a juramento. O Traduclor.
(a) Ducang# voe. jurnre, Grat. caus.i. qitnesU
4. can. 2.
(3) Capital. Lih. 6, Cap. 3i., Decrct. Lib. 5.
C. 7. ti.
( 35 )
leis antigas (i). Elias deviâo ter conhe-
cimento não só da conducta passada , mas
ainda da vida presente do Accusado (a).
He por isso, que erão obrigados a trazêl-as,
quanto podia ser , dos mais visinhos ao
Cantão, ou Centena, em que habitavão (3).
Era necessário alem disso , que vigessem
debaixo das mesmas leis do Accusado (4),
que fossem da mesma cotidiç-âo e ordem (5).
Acliarão-se Legisladores tão escrupulosos
neste ponto , que até exigião , que as
testemunhas fossem do mesmo sexo (6).
Naquellas causas , em que era necessário
provar o parentesco , a ingenuidade e de-

(1) I.egales homilia. Dncnng. voe. Sacrameri'


iam cita ama multidão d'auctoridades , tiradas (ias
Leis Francezas c Inglezas.
(2) Ducang. ibid. , Decrel. Lib. 5. til. 34»
Cap. 10.
(3) Ibid., e Capital. J-ib. 5. Cap. 10.
(4) Capital. Lib. 19. Todo o Mando sabe,
que uaquelle tempo rada povo vivia debaixo da soa
tei particular. Os Gaulês e Romanos debaixo da*
Romanas ; os Francos da Lei Salica ; e os Ripuario»
debaixo da Lei do mesmo nome , etc.
(5) Ducang. voe. Sacram., Leg. Fresion, T. 1,
pnrt. 7., Grat. caus. 2. t/aaesl. 5. cann. 12. i3. 16.,
Decrct. Lib. 5. tit. 34. cap. 8. 10. 12.
(6) Ex. as Leis de Holwel le bon, Priocipe
de Gales cap. 14. e 17. » Ducang, voe. Sacramen-
tam,
C a
( 36 )
lictos occultos , como adultério , as teste*
inunlias erão tiradas d'entre os parentes
inais proximos (t). O Accusado não era
o senhor absoluto da escolha, o Accusador
tinha direito a indicar-lhe um certo nu-
mero (a). Mas aquelle podia recusar as
deste , quando para isso tivesse motivos
Jegitiinos , e algumas veies mesmo sem
a 1 legar razão alguma (3). As testemunhas,
que juravâo com o Accusado, designavão-se
com differentes nomes , que todos tinhão
relação com o juramento, que havião de
prestar , c com as funcções , que os ju-
rados havião de preencher (4): bem se
conhece a sabedoria d'uma tal instituição.
Quando havia presumpções graves sobre
ã conducta d'alguem ^ a quein sc poderia

(i) Ibid., Pasqoier Recbercli. Liv. 4- cliap. 3.


(a) Dorang. ibid., Paci. Icg. Salic. ann.
cap. 5. lio!u7, tom. i • colou. 16. , Capiiui. l.ib. 3*
Cap. io. , Mern de Lilt. tom. i5. pag. 621.
(3) Ducange supra, l*eg jillcman tit.H. part. 2»
(4) Charnavão-se conjuralores. Durang. h, verb.
Sacram entales , consacramentalcs. Lií. ?. Capital.
5. 8.. Leg. Henr. I., Heg. singl. Cap. 64. 66. 87 1
Fend. l.ib. 1. til. 10. Em outro tempo desipnavão-se
pelai palavras , conjuralores , boni Itomines , pela»
rjuaes os Auctores InglezPS desígnio ainda os seus
Jurados. Ducang. supra , Capitu/. passitn , Sp»lraan
íiloss. voe. jurataf
( 37 )
melhor encarregar para as esclarecer, que
a um certo numero de pessoas justas , im-
parci.-ies , e bem instruídas da sua con-
ducta , as quaes se obrigãvio a declarar
a sua opinião debaixo do juramento ?
Os Jurados , ou Sacramentaes não
faziâo unicamente as funccões de, teste-
munhas; elles erão d'alguina sorte 0sJui7.es
do facto , que á sua decisão se submettêra
sobre a boa , ou má conducta do Accu-
sado , a qual pronunciavão , segundo os
conhecimentos pessoaes , que tinhão d'elle ,
e pela convicção intima da sua consciên-
cia (1). Os Jurados modernos não pre-
enchem outras Tuncções , e se determi-
nâo pelas mesmas considerações , o seu
Juízo ainda tetn em Inglaterra o nome de
Tryal by jury [prova pelos Jurados] (2).
A prova pelo juramento foi muito útil no
tempo das duas primeiras raças dos Rejs
de França. Ella servia particularmente para
as pessoas d'um gráo distincto. Deixando-se
ao povo o uso da prova por Ordalie, ou
por elementos ; porque estavão mais ao

(1) Durang. v. Sacramenuim, Decret. Lib.5K


tit, 34. cap. g. cl 16.
(a) Veja-se o nosso Decreto dt 4 de Julho de
>821 T. 3 c 4. O Traducior.
( 38 )
seu alcance , e por lhe serem maii pro-<
prias (i).
Não se pode todavia duvidar, que a
prova por juramento (lava lugar a muitos
perjúrios , que devem ser sempre exaspe-
rantes para aquelles, que seguros da reali-
dade do crime , vendo o seu auctor absol-
vido , jurão, ou fazem jurar , que elle lia
innocente. Acha-se em Gregorio de Tours
um exemplo bem notável de consequências
funestas, que os juramentos falsos pro-
duzirão» Uma mulher foi accusada d'adul*
terio , os parentes forào ter com o Pai ,
e llies disserâo : corrigi vossa filha , quan-
do não , cila morre ; alfim , que nfio
desdoure toda a sua família com a sua
conducla. O Pai negou , imputando esta
3ccus3çiÍo á calumnia , e se offereceo a
justificar sua íilha com o juramento. Se
vos atreveis , replicarão os parentes , vinde
jurar sobre o tumulo de S. Diniz. O
Pai consentio. Ajuptárão-se , e na sua pre-
sença jurou o Pai , pondo as mãos sobre
o altar , que sua filha estava innocente.
Um grito geral d'indignaeão o aceusoit

0) G,(rç- de Toar». Lib. 8. Cap. 9., Capitul.


Lio. 5. Cap. 34., Grau caui, 2. yuaest. 5. Can. j5.
( 39 )
de ter feito um juramento falso : tirou a
espada , e se degolou diaute do altar (i)i
A fiequencia dos perjúrios contribuio para
se inlroduzir a do combate , que era uma
das mais usadas entre os povos do Norte,
e se remonta a tempos muito reconditos ;
por isso que já se praticava entre ob
Celtas e os Scandinavos (a). Alguns povos
Germânicos, estabelecidos nas Gallias, a
quizerâo abolir; e ao principio foi muito
usada entre os povos Bourguignons (3).
Mas a frequencia dos perjúrios , e a neces-
sidade , obrigarão Carlos Magno e seus
successores a tornarem esta pratica uni»
versai (4). E se introduzio de tal sorte,
que osEscriptores, que escrevêrâo os prin-
cípios sobre a pratica judiciaria no tempo
da terceira raça , não fallâo senão desta.
A prova pelo juramento abafada, por
assim dizer , pela do combate , não foi
por ella anniquilada; porque no tempo
da terceira raça deo a origem aos Juizoà

(r) Greg de Toais. Lib. 5. Cap. 5a.


(2) Velleiu» Pntercul. a.118., Greg. de Tours.
Lib. 4. Cap. 2.
(3) Greg. de Toars. Lib. to. Cap io.
(4) Lég. Bargund. Cap. 45.« Capitnl. Lib. 4%
Cap. a. Veja-»e a Nota (a) pag. 29-
( 4o )
por Pares e por Jurados. Os Pares erão Juizes
e testemunhas nas causas feudaes , e das
pessoas nobres e possuidores dos feudos ;
os Jurados Juizes e testemunhas nas dos
Cidadãos e plebeos. Uns d'institiiiçào feu-
dal , provinda das revoluções, que houve
nas dignidades e benefícios. Outros era
instituição municipal, que gozava das pre-
rogativas adquiridas pelas Cidades, oti que
lhes forâo confirmadas.
A origem dos Juízos por Pares e por
Jurados em Inglaterra , foi a mesma , que
em França: ella remonta também á prova
por juramento, que se usou no tempo
dos primeiros Beis Saxões (i): ainda que
só forào regulados estes Juízos , depois da
conquista dos Normandos pelo modelo ,
que se praticava em França (a). As palavras
Pares e Jurados só forào conhecidas 11a
Lingoa Ingleza na epocha, de que fal-
íamos ; d'onde se pôde concluir , que
aquillo, que elles exprimião antes, não

(i) Leg. lnae Capp. 16. 17.


(i) « No tempo ile Henrique II. a liberdade
caminhou um passo j e se vio renascer , ainda que
«Vurna maneira imperfeita , a antiga Tryal by a
jliry (prova pelos jurados)» Delolrae CoiuíU. dt
ÍAnglei. O Traductor.
( 4« )
existia (i). A' vista do que lie inútil discu-
tir as diversas opiniões , que se tem avan-
çado sobre a origem dos Juízos por Pares
e por Jurados. O Cavalleiro Temple na
Introducção á Historia d'lnglaterra diz ,
que nós temos muitos rasgos do costume de
julgar pelos Pares e pelos Jurados , dVpois
das Constituições d'Odin, o primeiro Con-
ductor dos Godos Asiáticos , ou Getas para
a Europa; e fundador d'aquel!e grande
Império, que faz a volta do mar Báltico , e
d'onde todos os Governos da Europa forão
tirados; mas elle não indica nem um destes
indícios. Ducange, tão sábio em nossas an-
tiguidades, não fez mais, que variar á cerca
disto (aj. Spclinan , o Ducange d'ingla-
terra, attingio melhor, não se remon-
tando mais longe, que ao regimen feudal,
para achar a origem dos Juízos por Pares
e por Jurados. Blakston , querendo acha-la
em unia Lei d'Ethelride , tomou simples
Juizes por Pares , ou por Jurados , o que
com tudo he bem differente (3).
(1) Kupin. Tojraj. Hist. d'Anglet. Tom. i.
P"S- 343. i« 4-° He o mesmo, «jue a palavra verdict,
yere dictum.
(2) Dissert. sur Joinvellc pag. i56. 23o.
(3) l.rg. Elliclrid Cap. A., Spelinaa I. Hun*
«red « jurata.
• ( 4» )
Vimos pois como o regimen feudal
trouxe esta fórma de Juízos.

I 'i^vWWVVWVWV1» ■■■ 1
■ —-

CAPITULO III.

Do modo como se estabelecerão em


Franca os Juízos por Pares e por
Jurados.

A França no fim da segunda raça d


principio da terceira, conservava a forma
e apparencia do Governo, que tinha no
tempo da primeira , e nos reinados mais
gloriosos da segunda : tinha um Bei, que
era o Chefe do Estado. Neste tempo havia
Duques, Condes , Viscondes , e outros
Offieiaes subordinados a estes. Havia os
mesmos cargos, umas vezes com os mesmos
nome6 , outras com differentes d'aquelles ,
que tinhão tido no tempo de Clóvis , e de
Carlos Magno. Todavia na essencia havia
muita differença: as dignidades dos Du-
ques , Condes, e dos subalternos, assim
como os benefícios dos Leudes e An-
trustions no principio erão amovíveis p«la
( 43 )
morte d'aqtieUes, a quem erao dado»,
alfim se tornarão hereditários (i). A fra-
queza dos Reis introduziu esta innovaçâo ,
e a necessidade a firmou. As dignidades e
os benefícios mudarão de nome , e também
d'alguma sorte de forma , e os coippre-
heudiâo debaixo da nome geral de Feu-
do (a). Houve então um corpo de nobreza
hereditário , composto dos proprietário*
dos feudos , os quaes derão origem á no-
breza ; pois que era bastante possuir um
feudo para ser nobre (3). Havia diversas
classes de Nobres e de possuidores de
feudos. Os Nobres erâo os Duqives «
Condes , unidos immediatamente á Coroa ,

(i) No tempo da primeira raça lie qoè prin-


cipiarão a ser hereditários , e o forão absolutamente
nos tempos de Charles-Martel e de Pepino: c qu«
no principia forão amovíveis, vé-sc em Greg. de
Tours Liv, 9. Cap. 38. , que se tiroa a Sunegisilo «
Galloinan , quauto possuiâo do Fisco. Gotran ele-
vando ao Throno a seu sobrinho Cbildebert , lhe
disse a quem devia tirar os feudos , e a quem oé
havia, do dar : Qtias 'umararcL uiutiariluit r qua* mÍ
honore Aepellerel. O Tradnctor.
(a) Ao prinripio chamavão-se Bens fumes.
Marculfo Liv, 1. form.nl. 24. Fiscalla. E aqnelle» ,
que erão destinados para sustento da tàmilia Real ,
«e chamavão Regalia. Depois chamarão-se benefi-
*'os , e alfim feudos. O Traductor.
(3) Instit. coutum. de Loitel Z-iV. 1. fít. l> art, 9»
( 44 )
aos quaes se cliamavào Barões, ou Pares.
Esta palavra Barão, teve significações muito
várias : designava na frase feudal aquelle ,
que tinha alcançado do Rei um Senhorio
com jurisdicção (i). Os Barões, cada um
em seu destricio, tinha o governo dos
povos , a distribuição da Justiça , o com-
inando das Armas , e a direcção das Fi-
nanças. Apenas esta dignidade se tornou
hereditaria , logo se fizerâo Soberanos e
independentes no exercício de todas as
parles do Poder Supremo , e apenas ao
Rei prestavào uma homenageai , promet-
tendo-lhe certas obrigações , que quando
queriao , não lhes faltavão pretextos para
se isentarem d'ellas. Os Barões também
se chamavão Pares; porque erâo Vassallos
do mesmo Príncipe , e iguaes entrç si, pela
homenagem cotnmum, que lhe prestavào,
lie a igualdade da condição, e da digni-
dade, d'onde se deriva a palavra Par (a),
e he um synonymo de Barrio (3).

(i ) Sobre as diversas significações da palavra lia-


rão. Vej. I.oisau Dcsscigneur. C/ipp. 7, n. 41. ,
Spelman. Voe. liarones.
(2) Darang. voe. Pares.
(3) Etabless. de Saint Louis I.iv. 1. Chnp. 6g.,
• aj Observações de Ducange,
( 45 )
A segunda ordem dos possuidores dos
feudos erão os Senhores immediatos aos
Barões, ou Pares de França , que tinhão
as mesmas prerogativas no» seus senhorios.
Estes no terceiro século chamavào-se Vas-
sallos : mas este nome he inais comrtium
aos Senhores dos feudos de maior conside-
ração; e aquelles , que não tiniiâo roais
que uma jurisdicçào media, chamavâo-se
segundos feudos (i). Havia outra especie
de destrictos feudaes , que chamavâo Co»
tieres , que erão os que tinhão a primeira
renda d'um feudo alem do censo, e sobre
ellas os proprietários , que se chamavâo
Pares Côtieres, e que pagaVâo delias um
Censo a um Senhor Superior , estabeleciâo
nellas também um em seu favor (a). Fi-
nalmente no principio da terceira raça tudo
era feudo, e muito tempo depois: a Coroa
niesmo não era mais, que uni feudo (3),

(i) Etabless <le Saint Louit Liv, i. Chap. 58.


Deloutnin. Cliap. a i. 05 chama vavatseun Oas-sire,
(a) Beaumanoir coutam, de Beauvoisis Chap.
24. pag. 126.
(3) No tempo da primeira raça os feudos , por
convenção recíproca dos Senhores , iorão arinuaes,
e depois vitalícios. J4 dissemos, que no tempo da
Carlos Magno principiarão a ser bereditariot. Hujjo
Cjpeto , porquê se tez eleger Rei, em prejuízo da
( 46 )
d'onde dependião immediatamente alguns
Senhores, que também tinhão Vassallos, e
estes tinhão ainda outros abaixo d'elles.
Todos os Vassallos d'um mesmo Senhor erão
Pares entre si (i). Os deteres, que as Leis
feudaes itnpunhão aos Vassallos, ou Pares
sujeitos ao mesmo Senhor, erão dois:
i.° d'o» acompanharem na guerra: a.° de
lhe fazerem b Côrte, e de os ajudarem com
seus conselhos e luzes. Erão estes os deveres
dos Leudes no tempo das primeiras raças:
o que parece mostrar, que a formação do
regimen feudal fôra dirigida pelo espi-
rito das instituições anteriores. Seja o que
for, o ceitohe, que os Barões erão in-
dependentes dos Soberanos : seus rivaes

Carlos de Lorraine , a quem pertencia a Coroa ,


estabeleceo o principio geral , que os feudos erão he-
reditários ; islo para mostrar, que a Coroa o era
tambera na sua lamilia. O Traductor,
(i) Aquellea , a que o Hei dava um beneficio,
o dividião por diversos Vassallos : mas estas parles
faziio um todo de maneira, que em quanto torão
amovíveis , se o Rei tirava o feudo ao primeiro, os
segundos também ficavâo sem a parte , que tinhão:
e pot isso quando s« tornárão hereditários, os segun-
dos leudos também o ficirâo sendo para aq uelles ,
que os possuiâo , e seus herdeiros. Capitular do anuo
de 757 ari, 6. Edição de Balnz. pag. 181, O Tra-
ductor.
í 47 )
na auctoridade: e algumas vezes superio-
res a elles pela extensão de seus domínios
e riquezas. Não querião reconhecer por
Juizes uma Côrte composta de membros
inferiores a elles, tanto em gráo, como
em dignidade. O serem julgados pelos
seus Pares e iguaes , era já muito con-
sentir (i). Era por tanto o estabeleci-
mento dos Juízos por Pares uma conse-
quência necessnria do regimen feudal. Isto
se extendia a toda a Europa (a). Todos
os diversos gráos de Jerarquia feudal go-
zavào do privilegio do Juizo por Pares.

(i) Para conhecermos «té onde chegava o sen


orgulho , basta ver esle facto , que nos conta Me-
Zíiray: « Os Grandes do Reino julgavão , que Hngo
Capeto devia toilrer todos os insultos , qoe elles lha
quizessem fazer. E a tua licença era tão grande t
que cscreveudo o Hei a Audibert, Visconde de Pe-
rigueux , que levantasse o cerco , que tinha posto
a Tour» , e que se lembrasse , que elle era o que
o tinha feito Visconde! Audibert lhe respondeo
com altivez, a que não lôra elle, mas os que o tinhâo
feito Rei !• O Traduclor.
(a) Não foi só em França e Inglaterra , que oi
Juízos por Pares forão conhecidos. Filipp* Jacqueí
Ííi». í/e Caris Domin. tom. 3. júris feud. /ttem.
pog. 553. falia disto, como d'um direito commum era
'Alemanha. Os Livros do* feudos provão , qoe este
direito estava recebido em toda a Itália. Os Nor-
mandos o levarão ás duo» Sicilias , e a* Cruzada*
é Palestina»
( 48 )
Os possuidores mesmo tias terras C6lieres\
a pezar da grande questão, que tem havido,
erão julgados por seus Pares Còtietes (i).
Todos os Barões , que erão iinmediatos á
Coroa, erão Pares de França , e como taes
Membros da Côrte do Rei, que então se
chamava Corte dos Pares, ou Parla.-
mento. Por uma serie de revoluções, em
cuja explicação se gastaria muito tempo(a)j
a Côrte dos Pares substituio a Côrte Su-
prema do tempo das primeiras raças, a
Côrte Dominical , a Côrte Plenaria, e
mesmo até um certo ponto a Assemblêa
da Nação. E se naquelle tempo se não
conta vão mais , que doze Pares, he sem
duvida , porque não havia maior numero
de Vassallos immediatos ao Rei. Quando
pelo andar dos tempos se adquirirão outros
de novo pelas reuniões e tractados , erão
igualmente admittidos á Côrte dos Pares ,
sem outra distincção, que a do gráo e
qualidade de Par ; os quaes permanecião

(i) Inslit. coutam. de Loisel T. 3. pag. i3g. ,


• as notas ao í.anrier.
(a) Nlo cabe nos limitei d'uma nota a expli-
cação destas revoluções; mas se houver alguém tão
curioso , que queira ter noticia delias , vej. Mon»
teicj. Espirit. das Lus Liv. 3o. e teq. O Tradoctor»
f 49 J
privativamente affectos aos antigos (i).
Esta clistincçâo existio muito tempo só
em nome: mas veio outro , em que os
Vassallos immediatos ao Uei íorâo excluí-
dos, ficando só os Pares. A Còrte,dos
Pares , alem das suas causas, julgava tam-
bém as querelas do povo commum , para
tne servir da expressão de Beaumanoir (a).
A justiça dos Pares era a do Senhor , e a
Côrte dos Pares da terceira raça formava
a Côrte do Palacio das duas primeiras.
Os Juízos nella erão muito fáceis J
tudo se reduzia a simples questão do facto,
que a maior parte das vezes se decidia
pelo combate. Os Pares não erão só para
julgar as causas dos seils Pares j mas algu-
mas vezes também erão admittidos como
testemunhas : em uma palavra , todas aí
formulas judiciarias não podião ser pre-
enchidas, senão por elles, nenhum outro
tinha o direito de ser enqueredor, e de
sequestrar a pessoa do Par , quando o
caso o requeria (3).
(i) Na sentença , dada em 8 d'Abril de i33r.
contra Roberto d'Artois , se acha alem dos Pares um
numero considerável de Prelados , Abbades , Prín-
cipes , Senhores , etc. , Mem. Lit. tom. io. pag. 618.
(a) Couium. de Beauvois C/utp. 69.
(3) Ducang. voe. Parei, e Observações sobra
D
( 5o )

■■uVWWWWW^1»" i ■

CAPITULO IV.

Dos Juízos por Jurados.

No tempo mesmo dos Reis os mais


vigilautes (las duas primeiras raças , os
Duques, Condes, Governadores das Pro-
víncias e Cidades e os OfficiaeS, que lhes
erão subordinados, abusavào da sua aucto*
ridade , como passageira e amovível, para
vexar os povos. Que deveria succeder ,
quando estas dignidades se tornarão here-
ditárias, e os que as tinhão , d'alguma
sorte iudependentes? Rapinas , roubos nas
estradas , imposições exorbitantes , vexações
de ioda a qualidade , escravidões as mais
huiuUuntes , direitos ouerosos, destruido-
res da Sociedade e do Commercio , tudo
praticava !
A Religião , esta grande consoladora

o estabelecimento de S. Luii pag. 169. , Assis,


de Jerusalém C/iap. 64., Feudor. Lib. 1. Til. 10.
âf>, Lib. a. TU. 19. , Dutãlel. TiC. det pai-
ínstit. coutiun. de Lois, Lin. 1. liU 1. n. 3í. * «•
«{ilos ils Louriéra,
( Si )
do genero humano, foi a tinica cousa ,
qu« pôde defender os povos opprimidos:
debaixo da pena d^xcommunhão prohi-
bio, que se iinpozcssem tributos novos , e
que se fizessem exacções sem o consenti-
mento do Soberano (i). Todavia os fiabi-
tantes das Cidades , que não estavão habi-
tuados á oppressão , como os dos Campos;
e algumas Cidades , que ainda conservavâo
resto» do seu antigo Governo Municipal ,
não se deixarão despojar com tanta tran-
quilidade , como os Camponezes : e se
suMevavão contra os oppressorcs todas as
vezes, que tinhão occasiâo opportuna.
Para socegar estas insurreições , se consu*
mia a maior parte do tempo em tratar cora
os Bourgeois ; era este o nome, que davão
aos habitantes das Cidades.
Para isto se lavrava uma Carta , em
qlie se expunhíio os direitos respectivos
dos Senhores e dos habitantes , que d'ántes
erão incertos e arbitrados , nella ficavào
fixos. As Cidades obtiverão , ou fizerào
confirmar, o direito de terem Assemblèas,
de crear um Mairt, Vereadores, e outros
Officiaes , t»nto pará administrar Justiça,

(i) Decret. Lib. 3. lit. 3q, de ccnsib, Cap, 10.


D a
f 54 )
Como para distribuir as imposições, e
administral-as (i). Esta foi a primeira ori-
gem do privilegio dos Communs; todos os
habitantes juravão a observaocia da Carta :
he a isto, que se pretende chamar Jura-
dos (a).
Os Tribunaes das Cidades erão com-
postos d'um Alciire , ou d'utn Pievot (ou
Presidente), e d'um certo numero d'As-
sessores, chamados quasi todos Scoxins ,
ou Jurados ; mas em muitos lugares tam-
bém a estes se dá o nome de Pares , á imi-
tação das Cortes Feudaes (3). Nos Tri-
hunaes dos Jurados seguião-se , pouco mais
ou menos, as mesmas Leis , que nos dos
Pares , excepto , sem duvida , aquelles di-
reitos , que forâo regulados pelas Cartas
dos Communs. Os Jurados iazião, como
os Pares , as duas funeções de Juizes e

(i) Ducange voe. Cotnmunes, Alem. Liu.


tom. 38. pag. iòg.
(i) Alguns Communs parece que fazem
«listineção de Scaliins u Jurados. Comm. de Tournai
anuo de 1187. Cap. , Spicileg. T. 3. pag. 55i.
(3) Ducaríg. voe. Parei Coinmun. Dutillet
pag- 1i5. achou «inda no XV. aeculo Jurados do*
Communs , chamados Pares. Recueil des Ordon.
Tom. 6. pag. ig5. 538. 6o3. 606. 637. La
Rochele en eut A ia prise par Loitis i3. Longu»r-
vaua pag. tia.
( 53 ) I
Testemunhas ( i ). Juravão administrar
Justiça , segundo o que llies inspirasse a
sua consciência (a).
Os Membros dos Communs não po-
dião ser obrigados
& a ir litigar
r» fóra0 da sua
Cidade, e só erão julgados pelos seus Con-
cidadãos (3). A sorte dos habitantes do
Campo, a quem chamavão Villãos , nome
generico de todos os plebeos, que não
erào Bourgeois (habitantes da Cidade) ,
era muito differente. Dizem , que entre
elles e o seu Senhor não havia outro Juiz ,
senão Deos (4). Estavão totalmente degra-
dados pela escravidão, em que os tinhão ;
erão olhados até como incapazes de sabe-
rem o que era honra (5). O poder arbi-
trário , que nelles exerciào , não era aucto-
rizado^telas Leis ; mas aonde o opprimido
não tem protector , e aonde a força não
tem freio , está esta em lugar da Lei ! !!

(i) Commitn. de Tournai Cap. 16. , Specileg.


tom. 3. pag. 5Sl., Chanterenu pag. 27a.
(a) Commun. de WkcHcj Cap. 11., Comm.
d'Arie en Artois Cap. 1. , Spicileg. tom. 3 p. 553.
(3) Loisel Inst. coutam. Liv. 1. tit. 1. art. 26. y
Com. de Wacliei et Condé yJnn. 1187. Cap. i3. ,
Spieil. tom. 3. pag. 55o.
(4) Consell de Pedro de Fontaine art, 8.
(5) Conseil iOid, C/tap, i3. art. aa.
( 54 )
Se homens Vwrcs çrip assim tratados ,
como o sen ião os escravos, cujo numera
se tinha augmentado tã» prodigiosamente?
Elles sempre fiaerào parte da terra , que
{ertilizavâo com seu tmihallio ; não podia»
mudar de domicilio , nem casarem.se sen»
licença dos seus Senhores; quando lha con-
cediâo , era sempre debaixo da condição d»
serem Senhores filhos , que viessern.
d'essa união (i), Abusos os mais revohuoso»
devião segui r-se a uma auctoridade tão ilti-
initada: os esforços , que alguns Reis fkerâ»
para os reprimir, ficarão quasi sempre sem
successo; o seu poder não favorecia 9» sna»'
intenções (a).

(1) Vèj. a Nota (1) pag. i5.


(2) Os Senhores, que concorrèrão , para que
Hugo Capelo subiste ao Throno, nio o fizerão gra-
tuitamente ; rompêrào aqnelles fracos vínculos , com
<jue ainda estavão ligado» i auctoridade real , e s©
tornárão absolutamente independentes , e nenhuma
jurisdicçao deixário ao Rei sobre elles, nem sobra
«eus Vassallo» : arrogátão a si o direito de Fazerem
a guerra entre si < e mesmo em certos caíos de a,
fazerem ao Rei tal era , quando bavia alguma
diíTerença entre cila e o. Senbor , e o Rei não
queria nomear Juiae* paru a decidirem., o Senhor
não sq. pegava em arnjat contra o- Rei , m?s até
oorigava seus Vassallo» a que o seguissem, E ainda
que a auptoiidade do Rei se ftugmemou. muito no
tempo de S». Luiz > todavia uesta parte se vio obri-
( 55 )

CAPITULO V.

Como os Juízos por Pares e por Jurados


se estabelecerão em Inglaterra.

A Morte de Eduardo, o Confessor, sem


descendentes poz fim á raça do* Príncipes
Anglo-Saxões, que occupárão o Throno
d'Inglaterra por espaço de seis séculos (i).
Houve muitos pertendentes a disputar esta
grande successão. O direito do mais forte
decidio a favor de Guilherme , Duque
de Normandia. Os Historiadores discordão
muito acerca do modo como este Príncipe
tratou os conquistados. Uns querem que
elle transtornasse a Constituição Politicá «
Civil d'Jnglaterra , e que pela força intro-
duzira nella as Leis, Costumes , e até a
Lingoa dos Normandos , que não era então
como a dos Francezes. Outros pelo con-
trario, querem mostrar, que elle respeitot»
e jurou a observancia das Leis antigas do

pado a eito privilegio «os Barões, e aol


.Vassallo». Delolrae Conslit. ã A riflei, O Traduct.
(i) Eduardo moireo em 1066.
( 56 )
paiz , e q»c não permittio , que fossem
despojados dos seus bens, senão os sectários
de Haroldo, seu competidor, para osdistri»
buir pelos Senhores , que o acompanharão
nos seus trabalhos e gloria. Seja o que for,
o certo he, que elle foi um hábil Politico:
as innorações , que fez, forào debaixo do
nome d'Eduardo , seu antecessor (engano
fácil naquelle tempo, em que ninguém
sabia ler, nem escrever); e as approxiinou,
quanto foi possível , ás antigas instituições
Saxónicas , que facilmente se accommoda-
vão a estas transmutações (i). Por este
meio introduzio em Inglaterra os tertnos
e usos feudaes , que existiâo em França ;
mas os modificou , segundo o seu interesse
e ambição.
»
Os proprietários ínglezes, que até
áquelle tempo só erão empregados em um
serviço militar proporcionado á extensão
das suas possessões , se virão então gra-
vados com um sem numero de direitos tão
onerosos, como tyrannicos (a). A he-
rança das dignidades e benefícios , que se

(t) Chamnrio-se Condes e Barões «qoelles ,


a quem as Leia antigas chamavâo Aldtrnans • Tha.
net.
(si) Blakscon Codig• Çrimin. d lnglal. eap. ult.
( *7 )
tinha principiado a introduzir no tempo
dos últimos Reis Danezes e Saxões , foi
plenamente estabelecida. Tudo se com-
prehendia debaixo do nome geral Feudo:
os seus proprietários se chamárãt) Ba-
rões {i).
Os Barões Inglezes, todos Normandos
d'origem , e creados pelo modelo dos de
França , tomárão , como elles , o nome
de Pares (a). Mas em quanto á Jerarquia
Feudal de França, que subordinava a maior
parte dos possuidores dos feudos a um
pequeno numero de Barões, ou Pares do
lleino, que Ihesserviãode meio para resistir
á auctoridade Real, ou para a combater;
0 hábil Guilherme fez de todos os Barões
Inglezes outros tantos Vassallo* immediatos
a sua Coroa , a qual elle sustentou com
a união de tantas forças tão divididas entre
M , e até muitas vezes oppostas (3). Segun-
do as Leis do regimen feudal , os Barões ,

(i) Spelm. voe. Barones. Este Auetor lio


celebre, faltando de Guilherme , no sen Tratado dos
Parlamentos diz: Kovus saeculorum rtascitur ordo.
O Tradactor.
(i) Lio. des L~. Comm. dlngJat. ManocripL
tit. por Dncang. Observ. sobre os estabelcc. pog. lyt.
(5) Spclrnan voe. Ftiidurn.
( 58 )
ou Pares formavão o Tribunal Supremo
do Rei: mas não erão estes os Juixes , de
que necessitava Guilherme : a outros gran-
des OfEciaes da Coroa , que estavão intei-
ramente debaixo do seu poder , lhes deo
entrada na Côrte Real , e também alguns
Ecclesiasticos Italianos e Normandos, que
o tinhào acompanhado a Inglaterra, e que
levarão ahi o Direito Romano e as formas
Canónicas; cujo conhecimento naquelle
tempo era privativo dos Clérigos e Monges.
Elie obteve d'um golpe aquillo , que os
Reis de França só poderão alcançar depois
de muitos séculos ; uma Côrte Suprema ,
pela qual tinha a administração da Justiça
á sua disposição , e todos os Tribunaes
subalternos , debaixo da sua dependencia.
O jogo se appresentou sobre todas as or-
dens do Estado. Os Communs forão esma-
gados , e o resto do povo o foi, como em
França (i). Guilherme, deixando a Coroa
a seus successores , não lhes transmittio
O seu caracter altivo , nem aquella força
repriminte, com que tinha atterrado aquel-
les espíritos tão tímidos, como submissos.

(i) BUiuton CW. Criai, Jhsglat. tit, 2. pagi


319.
f 5g J
Os Barões se aproveitarão da primeira
occasiâo , que se Ibes appressentoti , para
recuperarem aquella especic d'independen-
cia , que as I,eis Feudaes lhes davão em
a Normandia. Henrique I. obteve sim
d'elles a Coroa ; mas foi sacrificando quasi
inteiramente as Leis de seu Pai; e isto
porque o direito do sangue a dava a seu
irmão Roberto. Elie modificou os Direito*
da Côrte Real. Restituio ás Còrtes subal-
ternas osdireitos, de que ellas gozavão antes
da. conquista (i). A Côrte Real não era
como em Franca i a Côrte dos Pares:» estes
sempre desconfiarão d'um Tribunal, que sá
fòra engrandecido, para lhes absorver aqucl-
les privilégios, que elles tanto conservavão
em se» coração. Assim na França , quan-
tas Còrtes existia o no principio da terceir»

(i) Vimos , que Guilherme fez o esraBefeci-


mentn deste Tribunal , que se rbumava Aitla Rugis f
|)ura ell« se appellava das Còrtes dos Barões , e n«U»
(e julgava em ultima instancia dos bens , da honra ,
• da vida dos. mcwao» ftaróe» : era composta d'©#'
fieiaes da Coroa amoviveis , segundo a vontade da
Rei , que era o Presidente ; pelo que rstavâo sujeitai
■o seu arbítrio , desde o primeiro BfcrSo , até ao
ultimo súbdito. Esta Côrte muitas vezes tomou o
nome de Ctlrte plenaria, como a dos Reis de França.
Mkm. lie Lit. tom. 41. pag,"612. , Delòlm, Cònstit.
d -dnglet, O. Traductor.
( 6o )
raça, e mesmo a Assemblêa Geral da Na-
ção, se confundirão , para formarem uma
só , que se chamou Parlamento , 011 Corte
dos Pares. Em Inglaterra a Còrte Suprema
do Rei soffreo muitos desmembramentos, e
foi sempre distincta d'Assemblèa da Nação,
que também teve o nome de Parlamento (i).
No tempo dos primeiros Reis Normandos
O Parlamento era unicamente composto de
Bispos e Barões, e d'alguns membros da,
Còrte do Rei , que pelo andar do tempo
se forão separando d'elle insensivelmente,
não ficando senão as Assemblêas da Nação,
l '
ou o Parlamento , os quaes depois da ad-
missão dos Communs formavâo a primeira
Ordem (a).
Como os Barões só achavão os seus.
Pares no Parlamento, só por elle he que
podião ser julgados, segundo as maximas
então recebidas. O Direito, que os Barões
tinhão, de serem julgados pelos seus Pa-
res , foi-lhe reconhecido e confirmado pela

(1) As Cáries Soberanas exisletuti hoje em


Inglaterra, tanto a do Banco do Rei , como a dos
Communs defensores .tão desmembracôes desta Còrte.
Beal.
(2) Os Communs forão admittidos so Parlai
mento no tempo dç Henrique III, em 1268 [telot
mesmos Barões. Rjmer. Tom. 9. pag. 37.
( 6t )
Carta, que obtiverâo de Henrique I., o
qual por outra supprimio todos os Juízos
estranhos , sem duvida os de Direito Ro-
mano e Canonico, aos quaes o Conquista-
dor tentou submettel-os (i). Os Juízos dos
Pares confirmados pela Grande Carta, e por
uni sem numero d'outras , subsiste ainda
ein Inglaterra. Os Pares Ingletes formão
a primeira classe da Nação, e a Camera
Alta do Parlamento , e tem o direito de
se julgarem uns aos outros nas suas causas
capitaes (a). Formão mesmo a Alta Còrte

(i) Leg. Henrique I. art, 3i.', Welkins Leg,


Saxvn. pag, a38.
(a) As partes constituintes do Parlamento boja
em Inglaterra são as duas Cameras , que tern o poder
de lazer, abrogar , mudar, e explicar as Leis: Uma
destas Cameras he a dos Communs , que se com-
poem dos Deputados seguintes:
87 Pares cm Inglaterra e Principado de
Galles , elegem ----- 218.
21 Pares em Esrossia , elegem - - 5l.
36 Pares em Irlanda , elegem - - 5l.
—— Soo.
90 Proprietários dc Tourg'sourry , em
Inglaterra e Galles , elegem - - 137.
14 Idem cm Escossia , elegem - - - 14.
iq Idem em Irlanda - -- -- -- - 20.
171*
O Governo, como Proprietário, elngé - - 16.
Os Eleitores, que reunirem as quali-
dades requeridas , elegem - - - - - - 171.
Total - - - 658.
( 63 )
Nacional, e a sua auctoridade se estende
a todas as Cortes de Justiça , segundo a
opinião dos Jurisconsultos luglezes (i).
A prova pelo juramento, que foi a que
deu origem aos Jurados, como temos pro-
vado , e que era conhecida em Inglaterra
no tempo dos Reis Saxões , foi substituída
pela do combate, âegundo as Leis do
Conquistador , um Francez , accusado de
matador , roubo , etc., por um Inglez ,
podia ser obrigado a combater , ou a se
justificar pelo juramento e conjectura»,
segundo a Lei da Normandia. Mas o Inglez,
accusado pelo Francez , não era admittido

Outra Camera he a dos Lords, que se com-


põem dos Lords espirituaes, que sâooí Arcebispos de
Cantorbúry c d'Yorck , e os 24 » e Lords
temporaes , que são os Duques , Condes , Larôes ,
®tc. A terceira parte Constituinte do Parlamento
be o Rei , que tom o direito de convocar as C-ime-
ras , de as dissolver e prorogur. Delolm. Constii.
dlnglat, O Traductor.
(1) O numero dos antigos Pares ou Barões
Inglezes foi em extremo reduxido ; porque as guer-
ras civí», tão frequentes em Inglaterra, fornecerão
occasião ao Rei de só cbamar ao Parlamento aquel-
le» , que elle julgava a proposito. A dignidade de Par
pelo andar dos tempos , bem como na França , foi
simplesmente nm titulo, que o Rei creava e destribuia
a seu arbítrio. Spelman voe. Vares, Comes , Smitb
dt Rep. sJngl, 2. Cap. 17-
( 63 )
a provar , senão pelos elementos, ou pelo
combate (i). Olhava-se então a prova pelo
juramento , ou pelos Jurados , como um
uso particular de França. A provi pelo
combate geralmente adoptada em' Ingla-
terra lutou muito tempo contra as Leis
Normandas; e a prova pelo juramento foi
muito tempo desprezada, e principiando-se
a abandonar a pratica da primeira , o foi
geralmente no Reinado de Henrique II. (a).
Com effeito no tempo deste Principe , em
que se via renascer d'alguina sorte a prova
pelos Jurados, segundo diz Delolme (3),
se acharão Leis as mais expressas sobre
este objecto nas Constituições de Claredon
de 1164, confirmadas algum tempo de-
pois por Norlliamptom. A Grande Carta
acabou aquillo, que as Constituições tinhâo
principiado , e extendeo a todas as ordens
de Cidadãos um privilegio , que até alli
somente pertencia aos Barões e Senhores
dos Feudos. O Villâo e Servo, que por toda

( 1 ) Lcg. Wellelmi nothi Cap. 68. , Leg.


VVelkiin png. a3o.
(s) Spelman voe. Jurata. A pratica do com-
bate se conservou cm Inglaterra muito alem desta
epoclu. Smith liep. dugl. L. 3. Cap. 3.
(3) Veja-íe a Nota (a) pag. 4o*
( 64 )
a parte, e principalmente em França, nã<J
havia entre elles e o seu Senhor outro
Juiz , senão Deos , não forão jamais con-
demnados , senão pelo juramento de doze
homens da sua visinhança , reconhecidos
como homens de boa reputação (i). O
artigo, que prohihio o prender e despojar
as pessoas dos seus bens, costumes e liber-
dades, e cm fim de se lhe não impòr a
pena de morte, senão pelo Juizo dos seus
Pares , não fazia excepção alguma , com-
prehendia todas as classes de Cidadãos (a).
Ainda que o processo dos Jurados chegou
neste tempo em Inglaterra ao estado de
perfeição, em que está hoje; todavia acre-
ditou-se por espaço de muitos séculos,
que os Jurados não devião julgar pela
convicção intima de sua consciência , mas
pelas provas legaes , isto he, a de duas

(1) Magna Charla aru 20.


(2) Magna Charla ari. 29. « Nnllus liber
homo capiatur çcl imprisonetur , aut dissessieiur
de libero lenemento sito \>el libertatibus , \>el liber ti
consuetuduúbus suis ; aut lagctur , aut exuletur ,
aut aliquo modo distrnatur : nec super eum ibimus ,
nec super eum miuemns nisi per legale judiciam
pariam suorum , vel per legem lerrac• JSulli vcri-
demus, nulli negabimus aut deferemus jus til iam
yel rectum, » O Traductor.
í <55 )
testemunhas por exemplo , » qual se julgava
irrefragavel. Erão as maximas do direito
Romano , que tinlião introduzido este»
prejuizos , e ainda que os Juriscqnsultos
cotiheciào o verdadeiro espirito dos Juizos
por Jurados , com tudo tiverão bastante
pezar eiti os destruir. Foi no Reinado
de Maria , que os Accusados gozarão do
direito de produzirem testemunhas em seu
favor, e de terem um Conselheiro; a
ordem Judiciaria dos Jurados foi esiabe»
lecida em Inglaterra pelo Estatuto do j.°
anno de Guilherme 111., e outro do l."
anno do Reinado d'Anna (i).

(i) Segundo o que se vè deste Capitulo, foi


no Reinado d'Anna , que os Jurados cm Inglaterra
tomarão a estabilidade , que boje tem : desejáva-
mos dar aqui uma noticia ampla do seu processo
actual, ainda que ejtcedessemos as regras preteriptaa
a um Annotador ; porém, como diz o Illustre Filan-
gieri, os Escriptores Ingleze», quando fallão nesta
matéria , lie só para os Nacionaes, que tem conhe-
cimento do- seu mechanismo; e por isso , «pezar do
consultarmos aquelles , que nos foi possível , delle*
não podemos tirar mais, que as breves idêas , que
vamos expender. Em cada ura dos Condados de
Inglaterra ba cm certo numero de Magistrados in-
feriores , que se chamâo Justice , ou Juizes de paz»
Este Magistrado , apenas recebe do Accnsador a
gueixa , he por elle examinada , para ver se vem
'egal , e passa logo uma ordem, a que cbamã»
E
( 66 )

^VVVVWWVWV*'

CAPITULO VI.

Das alterações tia Legislação Francesa ;


das causas , que Jizerão na França
perder o methodo de julgar pelos Pares
e pelos Jurados.
/ ,

J^.S Leis das «luas primeiras raças tem


alguma cousa d'importante. A'justiça estava

Warrant, esppriíitando nella o motivo da queixa ,


sem o que lie nullo tudo o que se fizer : com esta
ordem lie o Arrasado levedo á preren^n do Jn&tiee y
que llie lai perguntas sobre a accusaçáp , as quaes
manda escrever com as respostas do Àccusado , au
que ajunta todas e quaesqucr informações , que por
outra qualquer via possa haver : e assirçi está íor-
niado o corpo de delicto. Se destas indagações resul-
tío, »o menos, indícios de que elle be o auctor do
crime, o Jusfiçe yi se he tal, que liaja de sollrer
pena capitai , çomo se he por tentar contra a segu-
rança do Est^uo , contra a vida do Rei, etc. ; o
Àccusado por esws crimes he posto em custodia:
çe he crime menos gravt , presta caução, era que
segure vir a j(mo , logo que seja avisado para respon-
der á accusaoão : se aaquella* averiguações não
provém indícios alguns, o Accusarfo he logo posto
em liberdade. Quando alguém lie pitíso em Jlagranto
delicio , lie levado á presença do Jiisífcc, que la A
o mesmo , que dissemos-
( «7 )
ao alcance de todos os Cidadão» ; os nego-

Formado assim o corpo de delicto, segue-s«


reunir o Tribunal dos Jurados, |>»ra decidirem , se
a accusução pode , ou não ter lugar ; antes de tudo
devemos saber, que am cada Proviucia , ou Condado
ha um Magistrado nomeado todos os annos, qua
sa chama Sheriff, e he o Presidente dadminisiração
da Justiça. Este Magistrado no Condado cada tre*
mczes , e na Capital cada seis semanas nomêa a
Grande Assemblè» dos Jurados (Grand Jarj) , esta
primeira Asseroblêa he composta pelo menos de 24
Cidudãos dos mais qualificados d'aque!le Condado t
nesta Assemblâa he nppresentada a accusaçâo pelos
Juizes de Paz com suas provas; os Jurados us exa-
mina» e discutem , e depois as julgão ; para elles
decidirem , que a accusaçâo he legitima , e que tem
lugar , be necessário , que haja doze votos; se um
16 faltar , o Accusado se julga logo livre. Soppondo
que foi julgado criminoso o Accusado , manda-se
avisar, para que prepare a soa deieza , e se ilio
declara o dia , em que ha de comparecer com ella
na Assembléa dos Jurados , a qual be presidida por
alguns Juites Ordinários , que são os depositários
interpretes da Lei , mas qus de nenhum moda
influem na discussão e decisão do iacto. Estes Juizes
ião os de Paz » quando a accusaçâo lie appresen-
tada nos Tribunaes das quatro Sessões geraes da
Paz: ou são os Juizes d'auvir e terminar, quando
be nos Tribunaes, qne se íormão duas vezes na
anno em cada um dos Condados Meridionaes , duas
vezes nos quatro Condados Septentrionaes , oiro era
Londres e em Medlcsex. Em todos estes tempos sàem
os Magistrados do Kwg's Benck (Banco do Rei)
a lormár estes diversos Tribunaes juntamente com
os Jurados respectivos , alfim de lançarem (tira dos
Cárceres os infiel ices , que até á sua chegada «tio
E a
( 66 )
dos erâo quasi todos terminados por um

nelles gemendo; e a estes Tribunaes, compostos dos


Magistrados do Banco do Rei e dos Jurudos, cha»
ruáo os Inglezes síffiscs.
No dia marcado para apparecer o Accusado
o Juiz. lhe lê o bill, que he o acto , pelo qual a
Assemblêa dos Grandes Jurados (Grand Jury) de-
clarou legitima a uccusação ; o qual deve conter o
nome , sobrenome , estado e qualidade do Accu-
sado; o dia e lugar , em que sc%comrnaiteo o crime ;
o que classe pertence; e até em alguns casos deve
conter as palavras da Lei , que transgredio ; e 01
motivos, por que tem sido retido : feita a leitura ,
pergunta-lbe: Por quem quer ser julgado ? Ao que
o Accusado responde: Por D cos e pelas Leis dl
meu Paiz.
A isto segoe-se o Sberiff nomear a Assombra
dos Pequenos Jurados (PeUi Jury) , a qual be com-
posta de doze homens escolhidos dos 4^ da l'sla
(penal), que o Sberiff tem do Gondudo, em que
se commetteo o crime , e cada um d'elles deve ter
de renda de bens patrimoniaes dez libras storiinas.
Em quanto ao modo d os escolher : o Sberiff
eppresenta a lista ao Accusado , que pode recusar
os nomeados de dois modos : Pode recusar a
Assemblèa toda , e neste caso o Juiz de Paz suppre
o lugar doSherifT, e faz uma nova lista dos Jura-
dos. Os casos , em que tem lugar esta recusaçâo ,
Tem a ser, !.• quando o Sberiff se interessa na
accusaçâo. a.° Se ba parente , ou socio do Accu-
sador. As palavras, coro que faz esta recusaçâo , são
to lhe arrjr (irtuni^crsum , totalmente). O segundo
Jie recusando qualquer dos Jurados ; o que pode
fazer , sem dar motivo algum , até vinte, ou alie-
nando , que este , ou aquelle nio tem os requisitos
da Lei , que lie seu inimigo , qu« he parenta , ou
( 69 )
cú juizó: a auctoriilade Real presente em

amigo , ou da mesma profissão do Arcuiador ; o


que melhor explica o Cavalleiro e Jurisconsulto
Coke deita maneira : >.• prupter honoris respcctiim ;
quando o Jurado he de dilTerente condição, como
te he Lord , e o Accusado não o lie : a.° propler
dclicuim ; se o Jurado já tinha sido condemnado
por algum crime : 3.* propler tlrfcclum ; se o
Jurado be Estrangeiro , ou não teui patrimonio ,
que renda o que a Lei determina : propler
afftcuim ; «e o Jurado tem interesse na condemna-*
cão : como <e andão em demanda , se for parente,
alliado , ou socio do Accusador , ou da mesma Cor-
poração. Já dissemos , que pode recusar assim até
vinte Jurados, » que se chama recusação iri Capita ,
e se exprime pelas palavras /Ao the polis ; porque
se oppoem a cada um dos Jurados sepaiadamente ;
advertindo porém, que se recusa mais de trinta •
cinco , a Lei presume, que são subterfúgios , e por
isso se tem como convencido.
A recusacão, de que acabamos de fallar, pertença
ás aceusações ordinarias; porque nos crimes d'alta
traição , que já dissemos , tal he quando conspira
contra a segurança do Estado, contra a vida da
Rei , ou por não revelar a conspiração,, nestes a
Lei protege mais os Accnsados: pelo que a accusaçâo,
excepto contra a do Rei, i.° não pode ser Icita
passado tres nnoos: a.* pôde o Accusado recusar
Íeremptoriamente , e sem allegar causa alguma 35,
urados : 3.* pôde chamar para lhe Assistir á sua
defeia dois Advogados : 4.0 são-lhe fornecidos todo»
os meios necessários para obrigar as testemunhas ,
3ue nomear para a sua deleza : 5.' Dei dias ante*
e se abrir o Tribunal, que o ha de julgar, se-lhe dá,
ça presença de duas testemunhas uma copia do pro-,
Cesso , a qual dev« conter o» factos, de <jue lie accu-.
( 7° )
totla a parte por meio tle pessoas , que

srulo . o nome, morada « profissão dos Jurados*


que bão dt compor a Assemblèa, e de todas M
testemunhas, que se hão de produzir contra pile.
São estes os preliminares , que precedem á
Assemblèa dos pequenos Jurados; chegado o dia,
reutiem-se, e depois de prestarem juramento , se
declara o processo aberto. O Accusador mostra
publicamente as razões , qtio teve para fazer aquella
accusaçáo , e produz as suas provas , ou sejâo teste-
munhas, ou documentos. O Accusado disputa com
o Accusador e testemunhas . allega tudo o qne
quer em sua defeza , e appresenta as provas. A Lei
nos crimes ordinários não lhe concede Advogado ;
porém a equidade dos Juizes tem tolerado , que lhe
assista um para o instruir tanto no Facto, como no
direito, se com elle está complicado.
Os Juizes e Jurados fazem ás partes e teste-
munhas aquellas perguntas , que bem lhes patec»
para elucidação da facto controverso , e julgando-se
suficientemente debatido e claro , levanta-se um dos
Juizes, e recapitula quanto se tem dito , mostrando
■os Jurados qual he precisamente o estado da que-
stão ; e ultimamente diz a tua opinião sobre ó que
ha de Legislação áquelle respeito , sem tocar na
decisão do facto.
Instruídos assim os Jurados, se retirão a uma
Camera separada , aonde fazem as suas combina-
ções , e decidem a questão ; ainda que para isto
gastem muito tempo , »e conservâo fechados na Ca-
mera , até decidirem o negocio ; pois que , como sa
explicão os Jurisconsultos Inglezes , devem «Itimar
a questão , sem comer , nem beber: o que hoje não
»e pratica. Para ser condemnado , he necessário a
unanimidade nos doze Jurados; um que vote pelo
contrario , he julgado litre.
( 7* )
enviava , para vigiarem os que occupavJo

A soa decisão se exprime por esta» palavras 8


íJe culpado , ou , não he culpado do facto , Jt
que foi accusado. E quando os Jurados diKúdão da
Lei , decidem o facto , e eiti quanto ao direito, escre-
vem esta clausula : Et Super tola matéria petnnt
discretionem justitiariorum. (E sobre toda a matéria
pedem a declaração dos Justices.)
Se o Accusado se julgou culpado, o Juiz, dá d
tua sentença, applicandolhe a pena determinada pelá
Lei. . _
Da decisão dos Jurados não ha appellocao • mal
o Juiz pôde remetter o processo á Córte do Bancd
do Rei , que olhando o primeiro Juíío como nãi
feito . nomeia novos Jurados para examinarem a
decidirem novamente o processo.
Finalmente devemos notar i . • que estando o
Reo preso , ainda que seja pelo crime o mais grave,
tem liberdade para fallar com quím qui/er ; sobmi-
nistrão-se-lbe todos os meios, para lhe fazer tolerável
os horrores da prisão: 2.* Por nenhum crime hg
mettido a tortura. 5.* Qoe sendo julgado iníiocento,
por mais defeito» que o processo tenha , nunca jà-
mais pdde tornar a ser accusado por aquelle lacto.
O que temos dito, he nos casos crimes ; em quantd
ao eivei , be o mesmo processo naquillo , que lho
ha applicavel.
Em Inglaterra ha outra cousa não menos fa-
vorável i Uberdade , e A innocencia , que he o Hd-
beas Corpus , do qual daremos uma breve idén histó-
rica. He preciso notar , que as Leis Inglezas tem
dado as melhore» providencias , para que os Cida-
dãos não sejio retidos injustamente nos Cárceres.
Illas, como vimos, concedem aos Accussado» da-
rem caução na maior parte do» crimes : isto porein
não lie bastante j porque o Poder Executivo , «empré
í 7a )
ps lugares, e proteger os fraco» c oppri»
f
inclinado á arbitrariedade , muitas vezes mandava
prender os Cidadãos em menoscabo dais I.eis , que
prohibem as prisões sem culpa formada : para obstar
a isto , se determinou , quo quando qualquer fossa
preso , se passasse um Writ (Ordesi) , chamada do
mainprite , de odio et atiá , de homine replegiando ,
•o Sherilf do Condado . em que estava preso , pari
que examine as causaes da prisão, se não tiver culpa,
que o livre , ou que llie acreite caução no caso de
• ter ; mas cm um , ou outro caso , deve ser posto
em liberdade. Isto foi abolido pelo Habeas Corpus,
que he um IVrit, assim fhamad» , porque prinui-
pia , Habeas Corpus ad subjiciendum, o qual he
passado pelo Kings ISenck (Banco do»Rei), pelo
qual se manda , que o preso seja appresentado com
as causas , por que foi preso , e o dia, em que , ao
Juiz, para tomar conhecimento delias.
Este Writ, que se usou muito na Inglaterra ,
decaio no Reinado da Cusa dos Tudors , e no prin-
cipio da dos Stuarts , até que no primeiro anno
do Reinado de Carlos I. os juizes do Kings Benck
(Banco do Rei) decidirão , que aquelle , que fossa
preso por ordem do Rei , ou do seu Conselho Pii-
vado , fosse solto em virtude do IVrit.
No terceiro anno do Reinado do mesmo Prín-
cipe o Parlamento determinou , quo taes prisões
jémais se fizessem, e que os Juizes, qua não achassem
a causa da prisão, os livrassem immediatamente ;
files não duvidavão do Decreto , mas tratarão de
illudir a sua disposição; porque tantas indagações
Fazião , que nunca lhe faltavão motivos para o rete-
Tem na prisão ; o que deu causa a que no sexto
enno do Reinado d'aquelle Príncipe se determinasse
definitivamente, que quando algum fosse preso por
ordem do Rei, ou do teu Conselho Privado, se ILq
( 73 )
ynidos. Quem julgaria , que esta havia de
ser a idade d'ouro da Monarchia ? Mas
que podem as Leis , quando ellas só estão
escriptas em o papel ; e que uniçamente
as conhecem , e a cada passo ai violão
aquelles , que as fizerão , e que estão en-
carregados da sua execução? He o ludibrio
p a irrisão junta á tyrannia !!!
Os Francos estavão longe de terem
as disposições necessarias, para se suhmet-
terem a Leis sabias , e bem ordenadas.
Kào tinhão ainda perdido nas Gallias
aquelle espirito d'independencia , e insu-
bordinação , que trouxerão das montanhas
da Gcrmania. Habituados com a guerra, se

passasse, sem demora , om iVrit de Habeas Cor par,


e que o Juiz dentro cm três dias examinasse a lega-
lidade da prisão. Esta determinação tão justa parece
i primeira vista que jámait seria illudida : mas ho
certo , que nada obsta á perversidade d'um homem ,
que quer abusar d'auctoridade , que se lbe confiou.
Os Juizes continuarão a nutrir-se com ot gemidos
dos Cidadãos encarcerados , nada fazião em seu lu-
*or , sem receberem segundo e terceiro IVrit! o
que concorreo , para que no tempo de Carlos 1J- se
fizesse um tal acto de Habeas Corpus , que tiroa
para sempre aos Juizes a sua arbitrariedade , o qual
os Inglezes olhão como nma segunda Magna Chana*
íilang. Scienc. de la Legisl. Tom. 3. Chao. 16. ,
fcelol. Corutil. d'Anglet. Chnp.11. e i3. , BUckston,
1Commtnt. sur Ut Lois i' Anglet, O Traductor,
.( 7.4 í
fornirão mais sanguinários , conservando
toda a sua ferocidade nativa , a qual não
■podarão dissimular nem com a cultura das
Letras, nem das Artes (i). Que quadro
não nppresentão os Reinados de nossos pri-
meiros Reis ? Qual he a especie de crimes,
de que nelles se não ache exemplo! Ne-
nhuma Lei era respeitada; commettião-se
continuamente abusos da auctoridade ; a
Justiça era venavel; tudo se fazia por favor
e por dinheiro; os mesmos Juizes prote-
gião os Salteadores (a). O povo vexado,
saqueado e massacrado durante a guerra ,
na par não estava livre destas violências.
A penas Gotran se queixou aos Chefes das
Armadas dos vexames cruéis, que tinhào

(1) Cortavlo » cabeça a seus inimigo» , e a pen-


durxvão á porta de casa. Mem. de LiU. Tom. 19.
■pag. 6i3. « Eo julgo, á vista do Paiz, que a nossa
Nação foi icmpre muito leviana , e algumas vezes
moiro crnel : cila jamais se soube governar por si
mesma : não he muito capaz de ser livre Eu acre-
scentarei a isto , ftue apezar do amor extremo , qos
tenho pela liberdade, antes quero viver debaixo
da pata de am Leão , do qne estar continuamente
exposto aos dentes d'uni milheiro de Ratos, meus
Co-irmios. » Voltaire Lettf. ao March, de Rcchtleu
de 20 de Maio de 1771.
(2) Greg. de Toars passito, et Lib. 4. Cap. 42.
4. , TU. 1. 5. C. 16. eliilt. 18. C. 18. , L. 10. C. 5.
8., Buluz, 2'. i.p. 22. 72.
( 75 )
eommettido em seus Vassalos: Todo a
povo, lhe responderão elles, está incli-
nado ao mal. Não se acreditada nem o Rei;
nem os Duques, nem os Condes. Sfe algum
se formalizasse e quizesse reprimir esta*
desordens , as sedições e tumultos, quê
de toda a parte se levantavão, o faziSfl
bem depressa metter ao Silencio (t). O
remedio , que a tantos males deu Clo«
taire II., não teve èffeitos muito durá-
veis (a). A Nação se vio forçada a entregai»
se nas mãos dos Ministros de Palacio, quo
não se demorarão em usurpar o titulo
de Rei , que elles já tinhão na realidade.
A energia, que os primeiros Charlovinges
derão ao Governo e a sua sabia policia ^
suspenderão uma parte dos males , que
assolavâo a França, mas não os reprimio
de todo. Acliâo-se ainda vestígios bem
deploráveis no tempo mesmo de Carlos
Magno (3).
Este Príncipe , misturando sem dij-

(i) Ibid. C. 3o. .


(a) Edict. Clotair. apud Baldi, T. 1, Col.
7. 23.
(3) Capital. L. a. C. 16.< 3. C. 64* 1 4*
63. 64.1 Capital, ann< 801. C. 46. » lialnt, r. 1.
Ç«l, 356. et 400.
( 76 )
cernimênto as Leis Romanas com as dos
Povos Barbaros , cujo espirito era tão
opposto , metteo 11a Legislação Franceza
uma confusão tal , de que ella sempre se
resentirá. Fez redigir as suas Leis na
Lingoa Latina, que deixava então de ser
.vulgar até aos mesmos Gaulês , e por isso
não estavão ao alcance d'aquelles , que
interessavão conhecêl-as. Finalmente 01
obstáculos , que elle achou para policiar
a Nação , se patentéão da variedade das
•uas Leis: tão depressa proscrevia as provas
por Ordalie , com quanta ordenava a sua
pratica (i). Foi alfitn obrigado a recor-
rer ás penas Canónicas, nas quaes fazia
toda a força. Feliz ainda, por achar este
meio de conter a ferocidade popular !
O abuso da auctoridade , a fran-
queza , e as divisões intestinas, que per-
dérão a posteridade de Clóvis , concorrerão
para a quéda de Carlos Magno. A Justiça
estava banida dos Juízos : não se vivia
senão de fraudes e enganos : o povo era
vexado pelos exercitos. Os roubos e Sal-
teadores ficavão impunes. Os Cenleniers ,

(i) Copit. ann. 806. C. 14.1 Baluz. Tom. i.«


Col, 444- ) Ducang. voe. Crux,
f H )
Isto lie , tís Juizes Subalternos erSo obrfc
gados a jurarem o que não qtterião (i).
As incursões dos Normandos vierão pôr
o cumulo aos males da Nação. Cada um ^
segundo Nethard, só procurava o seu pro-
prio interesse, despresando o bem publico:
as divisões e a miséria, que lie d'ellas
uma consequência necessaria , espalharão
por toda a parte a tristeza e o luto! !
Todas as Leis cairão no esquecimento.
Os mesmos Reis forâo obrigados a sane-
cionar a herança (das dignidades e feudos),
e por conseguinte a independencia , que
as Grandes dignidades tinhâo arrogado a
si (a). Os Príncipes, não tendo Senhorios ,
nem graças , que podessem conceder, só
achavâo súbditos infiéis e desobedientes.
He a pratica da Justiça, e a felicidade
publica , que ella produz , que firma os
Thronos ; por esta falta não podia o dos
Carlovinges jamais existir.
Tal era a situação , em que Hugo
Capeto achou a França. Quasi nenhuma
Lei se conhecia nella , segundo o teste-

( i ) Capitu). Carl. Calv. Duchejn«sv T% 1<


P- 4®o 441. , Alem. LiU. 17. p«g 1^9-
(») Veja-»e a Nota (1) a pag. 47« > •
( 7» ) .
munho de Pedro de la Fontaine (i). Só
a plebe trabalhava alguuia cousa , interro-
gando testemunhas , para recuperar alguns
restos dos antigos costumes Gaulezes , ou
Francezes, que a tradição unicamente con*
ferrara.
O direito dos Nobres era a força ,
O seu Juiz a sua espada. Todas as suas
differeoças erâo decididas pelo combate.
Costume muito antigo entre os Francos
o procurarem vingar-se por si mesmos
das suas próprias injurias : costume , que
a força das Leis jamais pôde reprimir no
tempo das duas primeiras raças; e resur-
gio de todo, quando o fraco obstáculo, que
os continha , foi derrubado (a). Na impo>
tencia e anniquilação de todas as Leis, as
guerras particulares vierão d'algum modo
a serem necessarias para conter os mal-
feitores ; por isso que ao principio só era
permittido pegar em armas para punir
os crimes atrozes , capitaes e públicos:
depois combatia-se mesmo por casos civis.
Mas este meio de conter os malfeitores
forneceo logo outro , que foi imitar os

(i) Conteil Chap. i. art. 3.


(a) Disse ri, 39. de Ducang. sobre Joinville.
( 79 )
Salteadores. O roubo, as mortes, a pilha-
gem , e as devastações e incêndios, fo-
rão as consequências necessarias d'aquella&
desordens (i). O contagio se extenlleo a
toda a Europa. Por toda a parte e quasi no
mesmo tempo os Soberanos obravâo, como
de concerto, para terminarem estas guerras
destruidoras. A Religião vejo também çm
soccorro da humanidade afflicta , e teve
a gloria de dar preceitos aos Seculares
mais poderosos ! Ella proscreveo as guer-
ras particularas durante certos dias da
semana , e em um certo tempo do anno.
Ordenou que se guardasse respeito aos
Padres , aos Religiosos , aos Viajantes , e
aos Lavradores; probibio, que se roubasse
a estes as suas bestas e chartua» (a). He
sem duvida depois disto, que S. Luiz.
estaheleceo a quarentena , que se chama
do Rei ; durante a qual os parentes do
offendido não podião ser obrigados a toma*
rem parte na' sua injuria. A qual dava
tempo de pacificarem a differença (3).

(1) Ducang. supr. pag. 343.


(2) Concite íU Clcrmonl arui. iog5,, Je Tróia
«11 107. , e muito» outros, Hecneil. da best. frarte,
10. p. 49. 147. , fíecret. Lib 1. 1\ S4.
(3) A sua ordenai), na som. rural de Oouteilh*
( 8o )
Os Nobres querião , que lhes fosse
privativo o direito de se immolarem mu-
tuamente; direito este , que elles reivin»
dicárâo muitas vezes, como um de seus
melhores privilégios. Os plebeos, que sem-
pre tiverão a fraqueza de quererem imitar
seus vicios , também quizerão gozar deste
em certos casos (i).
As provas por agoa fria e agoa quen-
te , e sobre tudo pelo combate, ás quaeá
recorrião , quando 1 cjuerião seguir o pro-
cesso , pouco mais favoraveis erão , que
as guerras particulares. Os Reis, que que-
rião persuadir o amor da Justiça , e o
bem publico, lamentavào tanta barbari-
dade. Elles trabalhavão com a sua auctò-
, tidade em substituírem as guerras parti-
culares , e ás provas judiciarias, as formulai
do Direito Romano e Canonico, que se-
guião os Tribunas Ecclesiasticos. Os Reis
da primeira e segunda raça conservarão
o uso do Direito Romano para os seuí
súbditos Gaulezes, e sobre tudo para os
Ecclesiasticos, que erão quasi todos; o
qual foi o que sustentou melhor o seu
credito no destroço de todas as Leis , que

(«) Ducang. Pissert, P<J- png. 343. et seq.


( S. )
operou a queda dos descendentes de Carloí
Magno (i).
A jurisdicção Ecclesiastica encerrada
antes em limites muito estreitos , fez então
progressos incriveis , favorecida pelas des-
ordens da justiça secular, e pelo absurdo
das regras, que nella se seguião.
Queriâo tnais litigar nos Tribunaes
Ecclesiasticos , aonde só se osgremia com
a penna , que perante os Seculares , aonde
sempre se acabava batendo-se com a espada.
A escolha , que fizerão os Ecclesiasticos,
da prova pelo juramento , foi a única
cousa rasoavel , que houve 11a pratica das
Leis dos Povos Barba tos.
O anathema, que elles pronunciarão
contra a prova por (Jrdalie, duelo e guer-
ras particulares, prova que com efleito
tinhão algumas luzes de Legislação.
A tocha da Religião ainda os dirigio
nesta obscuridade profuuda , que encubria
tudo o mais. Elles tornarão do Direito
Romano as formulas , que lhes erâo ne-

(i) A maior parte das disposições dos Capitu-


lares sobre a ordem judicial, são uma copia das
I-eis Romanas , que se designavâo pelo nome da Lei
Secular. Capitu!. Cap. 229. 33g., Capital. 0/1/10
801., Baluz. Tom. 1. pag, 563.
F
( 8a )
cessarias neste prodigioso augmento do seu
poder. As Decretaes dos Papas sobre este
objecto não são mais que uma copia das
Leis Romanas. O estudo destas Leis eslava
encerrado nos Mosteiros.
Só principiou a ensinar-se em Bolonha
no meio do Século XI., segundo uns, e
do XII. , segundo outros. O resto da
Europa não se demorou a seguir este
exemplo. Entregarâo-se por toda a parte
a este estudo com um ardor inconside»
ravel (i). S. Luiz fez d'elle um grande
uso bos seus estabelecimentos. O Conse-
lho de Pedro de la Fontaine quasi todo
lie uma traducção, ou compilação das Leis
Romanas, que elle conciliou , como pôde,
com as maximas d'autiga Jurisprudência
Franceza.
Deste misto necessariamente havia
do resultar confusão a mais estranha. A
simplicidade das maximas do direito con«
sueiudinario , que algumas vezes servirão
inuito para corrigir o numero infinito
de subtilezas das Leis Romanas, devia
soffree consideravelmente. 0 que não foi
bem conhecido nos primeiros instantes da
4 .•-
(i) Pusquíer Roclicr. Lw. 9. Chap. 37.
f 33 )
adopção direito Romano ; proliihindo-se
aos Advogados allegarein direito csçripto,
onde tivesse lugar o consuetudinário (i).
0 effeito mais funesto, que resultou do
grande credito , que se deo ao Direito
Romano , foi o contribuir este para a
anniquilação dos Juízos por Pares e por
Jurados. A sua introducçâo na Còrte dos
Pares, que tinha tomado o nome de Par-
lamento , lhe mudou inteiramente a natu-
reza. A vontade dos Reis era inuiias vezes
contradictada em uma Còrte, aonde só*
mente se admittia a dos Barões, dos quaes
alguns erào ião poderosos, como os Reis.
Não era com o soccorro daquelles , que

(i) Orden. de U77. art. g., Alem. Lia. Tom.


3o. pag. 626. Devemos saber , que a França no
principio foi dividida em differentes Principados,
cada um cora seu Chefe Soberano , e independente,
os quaes pelo (eiapo adiante se reunirão na Coroa
pçir diííerenies causas ; uns por successão, outro*
por casamentos, ele. Em quanto 4 Legislação , tam-
oem era dividida : uns Principados adoptárão o
Direito Romano , e a estes se chamou Vaiz da
Hircilo Efcripto. Outros governai ão-se pelo? seus
costumes particulares , não admittindo o Direito
Romano ; e a estes se chamou Paiz do Direito Con-
Uieiudinario. Assim se conservou até ao Código cba-
JJiajlo de Napoleão , ç que hoje tem o titulo dp
Código Civil dos Franceies , o qual foi Legijlação
geral para todo o Reino- O Traduaçr.
F a
( 84')
os Beis se podião lisongear de levantar a
sua auctoridade abatida , e de recuperarem
os direitos, que lhes tinhâo roubado,; Elles
tentarão , e sairão bem , reunir otítros
Membros, que estivessem mais dependen-
tes d'elles. Em iaa4 determinarão, que
os quatro Officiaes maiores do Palacio ,
isto he, o Clianceller , o Copeiro Mór,
e os Camaristas terião não só assento na
Côrte dos Pares , mas também o direito
d'assistireni aos Juízos deites (i). Depois
concedeo-se também entrada no Parla-
mento aos Cavalleiros, que ninguém ignora
a sua singular instituição nestes tempos
barbaros. A necessidade de se instruírem
era um de seus primeiros preceitos. Tam-
bém erão chamados as Cortes de Justiça »
e aos Conselhos dos Soberanos , no Parla-
lnento porém erão em grande numero (a).
Quando se principiou a conhecer a
influencia do Direito Romano eCanonico,
foi também necessário admittir os Eccle-
siasticos, únicos , que sabião as suas regras.
Logo que os leigos se derâo a este estudo ,
se creou uma nova ordem de Cavallaria,
chamados Cavalleiros de Justiça, de £<=-
(1) D. Martin. Meicejl. T. i. Cot. iig3.
(2) Alem. I.itt. T. 2o, pag. 829. 83/j. 84a-
( 85 )
tras , ou de Sciencia; ou Cavalleiros
Clérigos , em virtude do que forãp ad-
mitiidos ao Parlamento. Estes Cavalleiros
em Leis alcançarão muitas honras, direi-
tos., e prerogativas de Cavalleiros em ar-
mas (i j.
As Gentes de Leis pelo seu numero
e principalmente pelos conhecimentos, que
tinhão das Leis novas , tiverão toda a pre-
ponderância no Parlamento. Os Barões e
os Cavalleiros, que a maior parte das vezes
nem sabiào ler , nem escrever , nada mais
entenderão d'aquella multidão de Leis ,
que mesmo para aquelles, que as tinhão
estudado, erão obscuras: e muito menos
entenderão os Commentarios, que mais
os acabou de confundir. O desgosto , que
isto lhes causou, os obrigou a abandonar
o Parlamento; ficando nelle só os que
tinhão o titulo de Par, qualidade , que
na sua origem era só d'aqpelles Senhores,
que estavão immediatos á Coroa, e depois
foi uma distincção, que os Reis concederão
áquelles , a quem lhes agradou condeco-
rar com ella. A prerogativa , que elles
conserva vão , de se julgarem a si mesmos,

(i) Alem. Liu. Tom. ao. pag. 841.


( 86 )
que principiou a perder o seu valor , logo
que íorão introduzidos tio Parlamento
aquelles, que não erào Pares, não foi
mais, que um direito illusorio, apenas os
Cavalleiros e Graduados poderão assistir e
determinar os Juízos dos Pares , aos quaes
erào SUptttiôrès em numero.
A mesma causa fez abolir os JuizoS
por Pares e por Jurados nos Tribttnaes
dos Senhorios: só por este modo se jul->
gavão as causas feudaes. Os Senhores não
Se apressarão a juntar as suas Còrtes pelo
desgosto, que lhes caúsavão as formulas
e mafcimas , que elles não entendião: e
mesmo pela dificuldade, que tinhão , de
achar Pares e fazer vir a tílias os seus
Vassalloè ; porque b multa , em que por
isso èrSo condemDàdos naquelles Juízos ,
se reformava , chamando-os ao Parlamen-
to (>), porquê o Direito Romano tinha
introduzido o direito d'appetlação , desco-
nhecido até áquelle tempo.
A frequência dai appellações fe* tam-
bém eèssar os Juízos por Jurados nos Tri-
bunaes dos Còmmuns, que forSo obrigados
a introduzir nelles as formulas seguidas

(i) AecucU dts Ordcnn. Tom. 6. pag. i5o.


8
( 7 )
nos Tribunaes <lo Rei , de quem elles
iicárâo dependentes. Os Membros dos Com-
muns ao principio tinhão o direito de serem
julgados pelos Fares Cidadãos do lugnr da
sua residencia , Fosse qual Fosse a parte , erh
que sc tivésstí comniettido o delicto, de que
erão accusados. Este privilegio se restringio
depois sómente ao caso, em que elle o
Fosse na jurisdicção do seu Commnm (i).
As Justiças das Cidades <, depois de terérti
soffrido estes assaltos successivos , ForSo to-
talmente abolidas pelas Ordenanças de
Moulins.
Os Juízos por Pares e por Jurados
não se praticarão jámais nos Tribunaes rftts
Juizes Ordinários, que Filippe Augusto
creou , segundo a opinião commum , em
ugo, no emprego do Grande Senescal ,
que erâ o Chefe da Justiça nos DominkVs
Reaes. Cuidárao em não introduzir nos
Tribunaes dos Juizes Ordinários as Folr-
mulas dos Juízos por Pares e por Jurados,
que tanto os incotnmodavão na sua própria
Còrtek Os Juizes Ordinários não erão obri-
gados a chamarem ás suas Jantas, segundo
Beaumanoir , senão pessoas sabias, para

(l) Recuell lies Ortlentt. pag. 416. 4^- ^^9»


( 88 )
fazerem o Juizo pelo seu Conselho (i), e ot
homens bons (2); finalmente os Grandes
e as pessoas sabias do Cantão, segundo
Bouteiller. Havia nelles um numero equi-
valente dc Jurados , mas não erào a mesina
cousa ; e fui na distincçâo de Juízos por
Pares e por Juizos Ordinários , que prin-
cipiou adecadencia dos Juizos por Jurados,
e o Direito Romano os acabou. Os Juizes
Ordinários e todos os seus succesiores ,
homens d'espada e não legistas , como
4iz Pedro de la Fontaine, não sabião ler ,
nem escrever , forão por isso obrigados a
escolher para seus Lugares Tenentes os
homens graduados ; e quando os não acha-
vão erào elles mesmos os que julgavâo.
Os Juizos por Pares e por Jurados
desapparecérão então inteiramente da nossa
Jurisprudência. Em seu lugar lhe foi sub-
stituída uma ordem judiciaria, pequena
e minuciosa em seus meios, obscura e
complicada na sua marcha , oppressiva nas
suas formulas , equasi tão formidável para
o innocente, como para o criminoso !! O
———————————————
(1) Couluin. de BenuvoU. Tom. 1. pag. 11.
(2) Segundo a Orrlen. de 1377. art. 29. Vej.
tamlipm 01 art. ao e 26 da Orden. de S. Lniz citada,
nas Mem, de Litt. Tom, i5. pag. 726. e
í 89)
que nella houve ile mais notável, foi que
aquellas formulas simples, que nosso* pais.
souberão conservar em séculos reputados
harharos, forão abandonadas lojjo desde
o nascimento, e rhaior esplendor d'aqnillo,
a que se chamou Luzes. A Ordem Judicial
secreta , que Francisco I. extendeo a toda
a França , recebeo o seu ultimo gráo da
perfeição no tempo de Luiz XIV. Foi este
o effeito dos prejuizos funestos, que as
maximas do Direito Romano e Canonico
imprimirão naquelles , que fazião, ou que
executavão as Leis. He isto , que nos aca-
bou de convencer , como veremos no Ca-
pitulo seguinte , que os Inglezes conser-
varão sempre com pureza o deposito pre-
cioso, que seus pais lhes deixarão, porque
ahandonárâo tudo o que era estrangeiro»
^/VVVVVVNAAA/W^ "
CAPITULO VIL
Observações geraes sobre a Legislação
Ingleza, e sobre as causas , que nella
impedirão as alterações.

Os Anglo-Saxões, que invadirão a Grã*


Bretanha ,, não únhào costumes differentes
( 9° )
tios outros povos Germânicos, que con-
quistarão as Gallias , a italia, e as Hespa-
tihas. Se a sua ferocidade se pode julgar
pelas suas Leis antigas , era sem duvida
muito grande : ellas estabelecem penas
contra os que «e baterem no Palacio do
Rei, nas Igrejas , nas casas dos Grandes,
Ou dos Particulares (i), As Leis , sobre as
vinganças particulares, a que toda a famili»
do ofFendido era obrigada associar-se >
o sobre as guerras particulares, erão as
mesmas, que as dos outros povos do Con»
tinente (a). Duarte, o Confessor, decretou
unia tregoa por certos dias , e em certos
lagares, durante a qual, era, prohibido
fner se a guerra (3). Em tudo isto imitou
perfeitamente as Leis, que sobre este ob-
jecto se fi/erão em todo o resto da Europa.
Os Inglezes tiverão mesmo a gloria
de as desvanecer ; e seus esforços para
destruir a barbaridade antiga forão co-
roados de muitos successos. Quasi se não
otivlo mais fallar em guerras particíilarM ,
(i) Leg. Inat Cap. 6. Alfred te vio obrigado
a estabelecer a pena de morte contra oj que «a
batessem no sen Palacio , delicto este , qne loa puflia
com uma condemnação.
(») Ltg. Inae, Edimundi, Eduardi , passim.
(5) Spelthín Conti Britait. T<m. i. pog< 619.
( 91 )
depois da conquista dos Normando» (i).
Em uma grande parte dos Estados da
Europa se praticárão muito, ainda alítn
desta epocha.
Mas apezar da 6ua ferocidade e simi«
lhanca com os outros poros Germânico» ,
os Saxões tinhào um caracter, que lhes
era particular, e que be essencial o refé-
ril-o, porque os faaia mais proprios , qut
os outros, para seguirem o que lhes inspi-
rasse a sua razão, e conformarem-se cotti
fila.
Distinguião-fle principalmente por um
acatamento inviolável, que tinhào ás suas
Leis , e um amor inalteravel pela liber-
dade. Este amor porém não era o da licen»
ça. Era a nobre resolução de não conhe*
ceifem outra auctoridade , senão a Lei. Os
seus Legisladores , como já mostrámos ,
de tal sorte lhes fisterSo amar as suas Leií,
e lhes inspiráiSo horror a toda a Legislação
estrangeira, que nem a força, nem a*
conquistas podérSo destruir aquelles sen-
timentos impressos tão vivamente no seu
coração, e que d'alguma Sorte circulavã»

(i) Robertson Inlred, á Hist. de Carl. /' .


Tem, a. pag. tgí.
( 9* )
nas velas com o seu sangue. Estas Leis
tanto na ordem politica , como civil, são
ainda quasi as mesmas, que erâo no prin-
cipio da Monarchia.
As Leis estrangeiras , e as innovações
contrarias ao espirito de sua primeira
constituição não se poderão jamais esta-
lielecer em Inglaterra. Elias sempre ahi
achárão uma resistencia surda , que destru-
indo-as insensivelmente , as anniquilava ,
ou as forçava a se accom.modarem ao espi-
rito geral e primitivo da Legislação.
Sempre as Leis em Inglaterra se fi-
zerão na Assemblèa da Nação pelo con-
curso e consentimento de todas as ordens
do Estado. (Devemos exceptuar o intervallo
desde a conquista dos Normandos até á
admissão dos Communs ao Parlamento em
ja58 , que era somente composto de Clé-
rigos e Barões.) Elias por isso se fizerâo
sempre com reflexão e madureza. O povo
era affecto ás vantagens das Leis , cuja
sabedoria e apego impedia , que se intro-
duzisse alguma nociva, ou quç,;caísse em
esquecimento aquella , que era util. Os
pactos fundamentaes , que união e ligavâo
os súbditos ao Soberano, forão logo re-
duzidos a escripto. A estas importantes
( 93 )
convenções se deo a mais perfeita authen*
ticidade, e a maior publicidade possivel.
Por este modo se fixarão os direitos ,
e se apartárào aquellas disputas vans, e
raciocinios vagos sobre as Leis fundamen-
taes , de que continuamente se falia em
os outros Paizes, e de que senão faz de-
monstração alguma (i). As Cartas depo-
sitarias dos Direitos dos Cidadãos postas
no meio d'elles como Divindades tutelares ,
erâo o centro, aonde se dirigião todos os
respeitos ; e a sua destruição se tornava
por isso impossível: era o palladium, cujo
perigo, ninda o menor, deifundia, uma
consternação geral ; porque o socego pu-
blico estava affecto á sua conservação. E
muito mais , porque cada um dos Cidadãos
tinha continuamente diante dos olhos as

(i) Temos exemplo disto em Casa. íie ás noj-


»( Côrtes <le Lamego te lhe désse logo esta publi-
cidade , não le teria dado occasião a untes argu-
mentos , que pró e contra á sua existência se tem
produzido desde i53o, em que Fr. Antonio Brandão
as publicou pela primeira vez . até nossos dias, que
Íara as defender , te tem empenhado não só muitot
lomens Sábios da Nação , mas ate Corporações
Lilerarias , como foi a Academia da Historia Por»
tugueza de Lisboa , e a Uuiversidade de Coimbra. O
que não suceederia , se EIRei D. Alfonso Henrique*
as mandtisto logo publicar. O Traduclor.
( 94 )
regras da sua conducta, e o baluarte da sua
liberdade: As Leis Inglezas forão sempre
escriptas era uma Lingoa, que todos en-
tendião , costume este , que deveria ter
lugar em todas as sociedades, onde ellas
não são o instrumento da vexação dos
povos , o que por tantos séculos succedeo
na Europa. Quando os Francos , os Bour-
guegnons , e os Godos fizerâo redigir as
auas Leis em Latim, Lingoa, que poucos
d'elles entendião, e que até mesmo deixava
já de ser vulgar nos Paizes, que elles tinhão
invadido , os Saxões as escreverão sempre
A a sua própria Lingoa (i). Os Normandos
levando á Inglaterra Leis novas , também
lhe quizerão introduzir Lingoa nova; mas
esta esprcie d'escravidão, que todos 01
Conquistadores tem a mania de quererem
estabelecer, não foi durável em Inglaterra.
A Lingoa Frauceza, que era a dos
Normandos, cedeo bem depressa o lugar á
Lingoa Nacional (a). As Leis mesmas,

(i) Bed. Hist. Lib. *. Cap. 5.


(a) Foi no tempo dEduardo III. i q"e ra
supprimio o aso da Lingoa Francia no# Juízos o
Actos Públicos. Apezar aisto , segundo diz Delolmc
na Constituição d'Inglaterra, o Rei , quando »e lluj
appresentão os Billt da parte das Camera», as lor-
rnuUs j c9in quo os accsiu , on rejeita, pois qae
í 95)
isto he , o regimen feudal foi destruído
naquclla parte, em que era duro e tyran-
nico, e aperfeiçoado naquella, em que era
razoavcl e justo (1 j. Os Juízos dos Pares
e dos Jurados se conservarão com tanto
cuidado, quanto elles erão conformes á
Constituição Saxónica, e que em algum
dia podiào vir a ser o mais firme apoio da
liberdade publica. Tal foi a ascendencia
do espirito da Constituição Ingleaa sol>re o
regimen íèudal, que ella soube fazer con-
tribuir para a sua perfeição e consolides :
Quando nas duas Sicilias , levado ahi a
mesmo regimen feudal pelos Normandos,
anuiquilou todas as Leis do Paia , e ainda
nellas he o instrumento do despotismo a
da oppressâo.
Toda a Lei, que levasse comsigo al-
gum signal de servidão , não devia jamais
esperar estabelecesse em Inglaterra. O Di-
reito llomano e Canonico ,• em quanto
nella existio , foi sempre perseguido pelas
reclamações e aversão publica. Guilherme,

tem o féto absoluto , são exprimidas em Liogoa


trunríza. O Trnduclor.
(1) Em Spelaidii voe. Feudum se pôde ver
como todos us direitos feudses forão reduzido* em
loglat«reà.
( 96 )
o Conquistador teve em vista romper a
unidade da Legislação , separando a júris-
dicção Ecclesiastica da Civil : o Clérigo,
que elle para esse fim queria favorecer,
não chegou a obter aquella auctoridade
independente , de que gozava em todos os
Estados da Europa. O Reino podia muito
bem ser veiado pelos Legados de Roma ,
os mesmos Reis se submettêrão ao Senho»
rio Feudal do Papa ; entre tanto em Ingla-
terra nem a sua auctoridade , nem a do
Clérigo chegou áquelle augmento , que
teve nos outros Reinos , porque o povo
não estava tão opprimido , nem os Reis
sujeitos a tanta huiniliaçâo. Nas Juntas dos
Juizes de Cloredon, e depois no tempo
de Eduardo I. no Estatuto de Proemu•
nere, se pozerão taes limites á jurisdicção
dos Ecclesiasticos, que elles nunca mais
os poderão vencer (i).
A sorte do Direito Romano em Ingla-
terra não foi mais feliz , que a do Direito
Canonico ; elle foi também introduzido
pelo Conquistador , e por aquella mul-
tidão d'Ecclesiasticos , que elle trouxe no
seu séquito. Os Inglezes não se esquecerão,

(1) EUkjtoa CW. Crim, d/inglet. Chap. 84


( 97 J
que este Direito fora o principal instril-
mento do despotismo de Guilherme : ellea
se consternavâo com algumas das suas
maximas , as quaes lhes parecião muito
favoraveis á auctoridade arbitraria : elles
estavão feridos destas iustituções tão op-
postas á justiça e á humanidade , tal por
exemplo, como a da questão. O Parlamento
110 tempo da Ilairiha Helena não prescçeveo
«ó o Direito Romano , mas condemnou
a desterro os que o estudassem , e declarou ,
que o Reino d'lnglaterra não seria jamais
governado por similhante Direito (i). Esta
proscripção não perturbou os sectários do
Direito Romano: elle se conservou ainda
por muito tempo em Inglaterra , onde
quiz luctar com o Direito Nacional , até
que este lhe poz fim. O credito do Direito
Romano caio inteiramente na epocha da
reforma, e hoje somente se segue em
algumas Cortes , cuja jurisdicçâo he muito
limitada , e só podem fazer uso d'aquelle,
que não lie contrario ás Leis do Paiz. A
prevenção dos Jurisconsultos Inglezes con-
tra o Direito Romano he tão forte, que

(i) Seklen Janits singl. pag. a35, , Arthur


Duk de Aucior. Jur. Rom. LiO, a, Cap. 8, n. 39.
G
1
í 98)
altribuCni a liberdade, de que gozào, á
sabia precaução , que tiverão seus maiores
de o regeitarem (1).
Os Inglezes livres dos grilhões , que
tis Leis estrangeiras lhes poderião roetter
lia sua liberdade, e dos prejuízos, que
lhes tinhâo obscurecido a sua razão , não
cessarão jamais de defender a sua Consti-
tuição, e de procurarem os meios de a
lavarem ao mais alto gráo de perfeição,
a que lhes tem sido permittido aspirar.
Logo que se estabelecerão os Juizes por
Pares e por Jurados, e que a Carta os
estendeo a todas as ordens de Cidadãos ,
nada mais houve, que os podesse assaltar;
esta Carta, muitas vezes violada pelos Reis,
cujas vontades arbitrarias ella opprimia ,
teve até quarenta confirmações , pela obsti-
nação e firmeza da Nação em reclamar a
.sua execução. Assim , em quanto os Juizos
por Pares e por Jurados se perderão e
alterarão nos outros Paizes da Europa,
onde existiâo , adquirião em Inglaterra
uma solidez tal, que estão hoje livres de
todo o ataque.

(l) Arthur Dufc de Jur. Rom. n. 38., DeloN


me Çanttiu ãAnçlct. Tom. 1. pag. 91. 94.
í 99 ) >
Os Inglezes achárão todavia menos
obstáculos em a empreza , tão util , como
gloriosa , para elles melhorarem a sua
Legislação , e ainda que havia differentes
costumes em cada um dos Condados ,
com tudo os principaes erão os mesmos ,
e o seu Reino não ficou sendo composto
de differentes Províncias , que para el le
fossem ,' cada nma com sua Constituição »
e Leis oppostas e disparatadas, O Estado
era um , assim como era uma só a Legis-
lação. Nesta feliz posição as Leis Inglezas
tomarão um caracter de justiça e de razão,
que se não acha em Estado algum dos
antigos , ou modernos.
Os delictos estão nella exactamente
determinados. Existe entre elles e a pena
nma proporção muito justa ; e logo que
se appresenta um caso ainda não provi-
denciado , tem-se o cuidado de o reme-
diar na execução. Nunca jamais se admittio
a questão nesta Legislação, tão sabia, como
humana : as multas excessivas, e os suppli*
cios cruéis são inteiramente excluídos. A
confiscação reduziose ao usofructo dos bens
do condem nado por espaço d'um anno.
A humanidade tem sido abatida até na
execução das penas , que em toda a parte
100
( )
se faz. com uma atrocidade muito cruel.
A sociedade de seus parentes e amigos Ih»
lie concedida alé aos últimos momentos.
Aquellas consolações , que as circumstan-
pias lhe perinittem dar, não lhe são tira»
das ; o supplicio não he acompanhado
d'apparato algum , que atigmente a severi-
dade, e a ignominia. A infamia do culpado
acaba com elle, não vai infectar seus pa-
rentes , innocentes em seu delicto.
Por tanto as revoluções e inconstân-
cia apparente da Inglaterra , que tanto se
censura , não se vê na sua Constituição,
e principalmente nas suas Leis criminaes :
sempre forão , o que ainda são, as inimigas
do crime, e as protectoras da inriocencia :
lie sempre para este fim , essencial em
toda a Legislação sabia , que ellas dirigirão
a sua marcha. Ainda que se lance a
vista para todas a Constituições sabias,
sejâo antigas , ou modernas , não se achará
alguma, que se possa comparar com a
«ringlaterra ; em quasi todas se vê pender
o Estado , ou para Anarchia , ou para o
Poder arbitario. Alli Leis sabias e justas
são exactamente executadas, não se reco-
nhece outra auctoridade mais , que a sua:
o seu império se estende com uma forç^
( 101 )
igual, tanto para os grandes, como para oí
pequenos; tanto sobre o Soberano , como
sobre os Vassallos. Este caracter particular
á Legislação Ingleza , he seguramente uma
fonte fecunda de reflexões para o Filosofo.
Darei fim a isto, fazendo um parallelo
resumido das duas Legislações , de que
acabo de dar a Historia. »
Os Francos e os Saxões levarão uns
ásGallias, outros á Bretanha as institui-
ções Germauicas: mas entre os primeiros
forão de alguma sorte subjugadas pelos
povos vencedores , que as anniquilárãot
entre os segundos.
Carlos Magno, o mais illustre dos
antigos Reis Francezes, foi tanto um hábil
Bei, como hábil Legislador : pela sua faci-
lidade em adoptar as Leis Romanas ; pela
sua imprudência em as misturar com as
dos povos barbaros, metteo na Legislação
Franceza uma confusão tal, de que ainda
hoje está resentida. As suas Leis passarão
tão rapidamente , como o seu império.
Exterminadas hoje da ordem dos monu-
mentos antigos , que a curiosidade só vio
desterrar; o bem que ellas produzirão , he
quando nada ura problema.
Alfred , o mais celebre dos Reis Sas
( »°a )
toes, Príncipe esclarecido nos séculos
4as trevas; Legislador Filosofo entre ura
povo bárbaro, Fundador, ou, pelo menos,
Restaurador duma Constituição , que ainda
hoje brilha com tanta gloria no meio das
luzes , com que a Europa está esclarecida;
estabeleceo Leis , que o tempo, que tantas
outras cousas tem destruído, nno pôde
ainda encetar, e cuja sabedoria he attesta-
da com tantos applausos do Universo.
O regimen feudal, que o destroço ;
de Petat ameaçou em França , não desappa.
recia , tendo depositado nella tudo o que
tinha de mais pernicioso e absurdo : elle
introduzio na sua decadencia os Juizos por
Pares e por Jurados, que só por um in- í
stante existirão em seu Paiz natal no tempo,
em que a barbaridade das Leis não lhes
permittia servirem para outra cousa mais,
que para manter a Anarchia e a licença, j
O mesmo regimen, que a força introduzio
em Inglaterra , achou nella uma resistên-
cia, que lhe fez desapparecer bem depressa
aquillo , que tinha de vicioso ; não dei-
xando outros vestígios , que os Juizos por
Pares e por Jurados, que vinhão a ser o
ornamento e apoio da Constituição , que
os adoptou.
( i°3 )
A Legislação Franceza foi subjugada
por Leis estrangeiras , que a dominarão
inteiramente. A de Inglaterra triunfou de
seus esforços, vindo por fitn a expulsal-as
do seu seio. Foi nos Reinados de Francisco
I. e Luiz XiV. r na aurora das luzes, e
em seu meio dia , que a inconstância e
leviandade dos Francezes fez os mais fu«
uestos attentados contra os costumes Na-
cionaes, e contra a Liberdade Civil, ado-
ptando-se, ou aperfeiçoando a Ordem
inquisitorial , substituindo as formas au-
gustas e imparei aes da Constituição : e foi
quasi na mesma epoclia , no meio das per*
turbações e revoluções , nos Reinados de
Maria e Guilherme 111. , que os Inglezes
constantemente affectos ás instituições da
(eus Pais, fizerão nellas os mais» firmes
baluartes da sua liberdade, redobrando
assim seu vigor, e sua pureza primitiva.

F I M.
ADFERTENCIA.
\ '

Quando este Opúsculo estava no


prelo , publicou-se em Lisboa um Folheto
com o titulo = Breve Exposição da Insti-
tuição do Jurado , das suas vantagens ,
e dos defeitos e melhoramentos , de que
he susceptível. = O seu Auctor judicio-
samente satisfez ao Prospecto; e eu dese-
jarei , que aquelles, que quizerem prin-
cipiar a ter alguns conhecimentos desta
Instituição , unâo os dois Folhetos ; por
que um mostra a sua origem , outro as
puas vantagens e defeitos.
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