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/2019
Os textos a seguir compõem o quadro de leituras obrigatórias para a disciplina “Formação Geral”, no
curso de Engenharia Civil, abordando os temas de estudo da ementa. As leituras serão realizadas
mediante orientação do professor para discussão em sala de aula. A partir das leituras serão
estudados também aspectos textuais, gramaticais e semânticos.
Texto 02: Em artigo, Olívia Santana critica campanha “Somos todos macacos” –
Os recentes casos de racismo no futebol, que resultou na campanha “Somos todos macacos”,
foram analisados pela secretária nacional de Combate ao Racismo do PCdoB, Olívia Santana, que
também preside o Comitê Municipal do Partido em Salvador, em um artigo batizado de “Não me
venham com bananas e macacos!”. No texto, Olívia critica a campanha e os atos racistas, e defende
que a FIFA deve determinar que os clubes de futebol desenvolvam ações para coibir o racismo.
A ideia do artigo surgiu, segundo a secretária, a partir de uma conversa com o integrante do
Comitê Central e ex-deputado constituinte Haroldo Lima. Os dois acreditam que também deve ser de
todo comunista a luta por uma sociedade não-racializada. Confira na íntegra:
* Mary Lúcia
Andrade Correia é professora e coordenadora do curso de especialização em Direito Ambiental da
Unifor. É mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará,
especialista em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Ceará, especialista em Geografia
pela UFC e graduada em Direito pela Unifor e em Geografia pela UECE.
Fonte: http://www.ecologiaurbana.com.br/sustentabilidade/meio-ambiente-sustentavel/
Texto 05:
Texto 06: A NOVA ORDEM MUNDIAL -
José Willian Vesentini
O que é uma ordem [geopolítica] mundial? Existe atualmente uma nova ordem ou, como
sugerem alguns, uma desordem? Quais são os traços marcantes nesta nova (des)ordem
internacional?
Esse tema é clássico na geografia política, na geopolítica, na ciência política e nos estudos
de relações internacionais. Um dos mais importantes (pelo número de citações que recebeu e ainda
recebe) teóricos a abordar esse tema foi o geógrafo e geopolítico inglês Halford J. MacKinder, que
produziu várias obras sobre o assunto no final do século XIX e no início do século XX. A ideia de uma
ordem mundial pressupõe logicamente um espaço mundial unificado, algo que só ocorreu a partir da
expansão marítimo-comercial europeia (e capitalista) dos séculos XV e XVI. Daí os autores clássicos,
em especial aqueles do século XIX, terem cunhado a expressão "grande potência" ou "potência
mundial", indissociavelmente ligada à ideia de ordem mundial. Esta normalmente é vista como uma
situação de equilíbrio (sempre instável ou provisório) de forças entre os Estados. (Afinal é o Estado
quem atua nas relações internacionais e executa tanto a diplomacia quanto a guerra).
E como esses atores privilegiados no cenário global, os Estados, são equivalentes apenas na
teoria -- pois há alguns fraquíssimos, em termos de economia, de população e de poderio militar, e
alguns poucos extremamente fortes --, o conceito de potências (médias ou regionais e principalmente
grandes ou mundiais) é essencial na medida em que expressa algo que ajuda a definir ou a estabilizar
a (des)ordem mundial. Como assinalaram Norberto BOBBIO e Outros (Dicionário de Política, editora
Universidade de Brasília, 1986, pp.1089-1098), cada Estado possui a sua soberania ou poder
supremo no interior de seu território, não estando, portanto, submetido a nenhuma outra autoridade
supraestatal, o que em tese redundaria numa espécie de "anarquia internacional". Mas, a existência
das grandes potências e a própria hierarquia entre os Estados introduz um elemento estabilizador,
uma "ordem" afinal, nessa situação em que não há um poder global ou universal, isto é, acima das
soberanias estatais.
É exatamente essa hierarquia que vai dos "grandes Estados" -- a(s) grande(s) potência(s) --
até os "pequenos", esse sistema de países onde na prática há o exercício do poder pela diplomacia
(ou, no caso extremo, pela força militar) e pelas relações cotidianas (comerciais, financeiras,
culturais...), o que se convencionou denominar ordem mundial. Por esse motivo, via de regra se
define uma ordem mundial pela presença de uma ou mais, grandes potências mundiais: ordem
monopolar, bipolar, tripolar, pentapolar, multipolar etc. Como podemos perceber, não se avança
muito quando se nega a ideia de uma (nova) ordem e se enfatiza o termo desordem, pois toda ordem
mundial é instável e plena de conflitos e de guerras. Estas normalmente, salvo raras exceções, são
explicáveis pela lógica que preside a ordem mundial e, portanto, não a denegam. Podemos dizer,
assim, que o conceito de ordem mundial não é positivista (no sentido de ordem = ausência de
contestações e de conflitos) e sim, na falta de um conceito melhor, dialético (no sentido de ordem =
algo sempre instável e na qual as disparidades, as tensões e os conflitos são "normais" ou inerentes).
A atual ordem internacional, nascida com a ruína da bipolaridade -- que foi o mundo da guerra
fria e das duas superpotências, que existiu de 1945 até 1989-91--, ainda suscita inúmeras
controvérsias e costuma ser definida ora como multipolar (por alguns, provavelmente a maioria dos
especialistas), ora como monopolar (por outros) ou ainda como uni-multipolar (por
Huntington). Aqueles que advogam a mono ou unipolaridade argumentam que existe uma única
superpotência militar, os Estados Unidos, e que a sua hegemonia planetária é incontestável após o
final da União Soviética. E aqueles que defendem a ideia de uma multipolaridade não enfatizam tanto
o poderio militar e sim o econômico, que consideram como o mais importante nos dias atuais. Eles
sustentam que a União Europeia já é uma potência econômica tão ou até mais importante que os
EUA -- e continua se expandir -- e tanto o Japão (que logo deverá superar a sua crise) quanto a China
(a economia que mais cresce no mundo desde os anos 1990) também são economias
importantíssimas a nível planetário. Além disso, raciocinam, a Rússia ainda é uma superpotência
militar, apesar de sua economia fragilizada; a China vem modernizando rapidamente o seu poderio
militar; e as forças armadas da Europa, em especial as da Alemanha, França, Itália e Reino Unido,
tendem a se unificar com o desenrolar da integração continental.
Até mesmo os momentos de crise (Guerra do Golfo, em 1991, conflitos na Bósnia e no
Kosovo, em 1993 e 1999, a luta contra o terrorismo, em 2001, e a ocupação do Iraque, em 2003) são
vistos sob diferentes perspectivas por ambos os lados. Os que insistem na monopolaridade pensam
que essas crises exemplificam a hegemonia absoluta e sem concorrentes dos Estados Unidos,
enquanto que os que advogam a multipolaridade explicam que essa superpotência em todos esses
momentos críticos necessitou do imprescindível apoio da Europa, em primeiro lugar, e até mesmo da
ONU, além de ter feito inúmeras concessões à Rússia e à China em troca do seu suporte direto ou
indireto nesses bombardeios contra o Iraque, contra a Sérvia e contra o Afeganistão.
Mas, independentemente do fato de ser uni ou multipolar -- ou talvez uni-multipolar, uma
fórmula conciliatória que admite uma monopolaridade militar (mesmo que provisória) e uma
multipolaridade econômica --, a nova ordem mundial possui outros importantes traços característicos:
o avançar da Terceira Revolução Industrial, ou revolução técnico-científica, e de uma globalização
capitalista junto com uma nova regionalização que lhe é complementar, isto é, a formação de "blocos"
ou mercados regionais. A revolução técnico-científica redefine o mercado de trabalho (esvaziando os
setores secundário e primário e ao mesmo tempo exigindo cada vez mais uma mão-de-obra
qualificada e flexível) e reorganiza ou (re)produz o espaço geográfico (com novos fatores sendo
determinante para a alocação de indústrias: não mais matérias primas e sim telecomunicações e/ou
força de trabalho qualificada, dentre outros). Ela é condição indispensável para a globalização na
medida em que esta não existe sem as novas tecnologias de informática e de telecomunicações. Ela
influi até mesmo na guerra, pois permite a construção de armas "inteligentes", que destroem alvos
específicos sem ocasionar matanças indiscriminadas (e são mais precisas que as armas de
destruição em massa, o que significa que não é mais necessário o transporte de grande quantidade
delas) e torna as informações algo estratégico para a supremacia militar. Esta última deixa de ser
ligada ao tamanho da população ou mesmo à quantidade de soldados (existe uma tendência no
sentido de haver menos militares, só que com maior qualificação) e passa a depender da economia
moderna, da tecnologia avançada.
PARA SABER MAIS: Como sugestões de leituras sobre o tema, indicamos os seguintes livros
bastante acessíveis (e que contêm no final uma vasta bibliografia):
- Ascenção e queda das grandes potências, de Paul Kennedy (editora Campus, 1989). Um exaustivo
estudo sobre as "grandes potências mundiais" desde o século XVI até o final dos anos 1980. Ele
procura mostrar como era a ordem mundial em cada período e dá uma ênfase especial à ordem
bipolar de 1945 até 1989-91.
- A nova ordem mundial, de José William Vesentini (editora Ática, 1996). Um sucinto texto
paradidático sobre as razões da crise da bipolaridade e as características da nova ordem mundial
dos anos 1990 e do início do século XXI.
- Novas geopolíticas, de José William Vesentini (editora Contexto, 2000). Uma análise crítica sobre
as principais representações geopolíticas sobre o mundo pós-guerra fria: o conflito de civilizações,
a universalização da democracia liberal, a nova geoestratégia, o mundo visto como caos ou
desordem, etc.
- Nova Ordem, Imperialismo e Geopolítica global, de José William Vesentini (editora Papirus, 2003).
Um estudo sobre a pertinência (ou não) das categorias imperialismo e império para a ordem
internacional do início do século XXI, com novas reflexões sobre as desigualdades internacionais e
sobre a uni-multipolaridade das relações de poder no espaço mundial.
Marilena Chauí
Natureza humana? É muito comum ouvirmos e dizermos frases do tipo: “chorar é próprio da
natureza humana” e “homem não chora”. Ou então: “é da natureza humana ter medo do
desconhecido” e “ela é corajosa, não tem medo de nada”. Também é comum a frase: “as mulheres
são naturalmente frágeis e sensíveis, porque nasceram para a maternidade”, bem como esta outra:
“fulana é uma desnaturada, pois não tem o menor amor aos filhos”.
Com frequência ouvimos dizer: “os homens são fortes e racionais, feitos para o comando e a
vida pública”, donde, como consequência, esta outra frase: “fulana nem parece mulher. Veja como
se veste! Veja o emprego que arranjou!”. Não é raro escutarmos que os negros são indolentes por
natureza, os pobres são naturalmente violentos, os judeus são naturalmente avarentos, os árabes
são naturalmente comerciantes espertos, os franceses são naturalmente interessados em sexo e os
ingleses são, por natureza, fleumáticos.
Frases como essas, e muitas outras, pressupõem, por um lado, que existe uma natureza
humana, a mesma em todos os tempos e lugares e, por outro lado, que existe uma diferença de
natureza entre homens e mulheres, pobres e ricos, negros, índios, judeus, árabes, franceses ou
ingleses. Haveria, assim, uma natureza humana universal e uma natureza humana diferenciada por
espécies, à maneira da diferença entre várias espécies de plantas ou de animais.
Em outras palavras, a Natureza teria feito o gênero humano universal e as espécies humanas
particulares, de modo que certos sentimentos, comportamentos, idéias e valores são os mesmos
para todo o gênero humano (são naturais para todos os humanos), enquanto outros seriam os
mesmos apenas para cada espécie (ou raça, ou tipo, ou grupo), isto é, para uma espécie
determinada.
Dizer que alguma coisa é natural ou por natureza significa dizer que essa coisa existe
necessária e universalmente como efeito de uma causa necessária e universal. Essa causa é a
Natureza. Significa dizer, portanto, que tal coisa não depende da ação e intenção dos seres humanos.
Assim como é da natureza dos corpos serem governados pela lei natural da gravitação universal,
como é da natureza da água ser composta por H2O, ou como é da natureza da abelha produzir mel
e da roseira produzir rosas, também seria por natureza que os homens sentem, pensam e agem. A
Natureza teria feito a natureza humana como gênero universal e a teria diversificado por espécies
naturais (brancos, negros, índios, pobres, ricos, judeus, árabes, homens, mulheres, alemães,
japoneses, chineses, etc.).
Que aconteceria com as frases que mencionamos acima se mostrássemos que algumas delas
são contraditórias e que outras não correspondem aos fatos da realidade?
Assim, por exemplo, dizer que “é natural chorar na tristeza” entra em contradição com a ideia
de que “homem não chora”, pois, se isso fosse verdade, o homem teria que ser considerado algo que
escapa das leis da Natureza, já que chorar é considerado natural. O mesmo acontece com a frase
sobre o medo e a coragem: nelas é dito que o medo é natural, mas que uma certa pessoa é admirável
porque não tem medo. Aqui, a contradição é ainda maior do que a anterior, uma vez que parecemos
ter admiração por quem, misteriosamente, escapa da lei da Natureza, isto é, do medo.
Em certas sociedades, o sistema de alianças, que fundamenta as relações de parentesco
sobre as quais a comunidade está organizada, exige que a criança seja levada, ao nascer, à irmã do
pai, que deverá responsabilizar-se pela vida e educação da criança. Em outras, o sistema de
parentesco exige que a criança seja entregue à irmã da mãe. Nos dois casos, a relação da criança é
estabelecida com a tia por aliança e não com a mãe biológica. Se assim é, como fica a afirmação de
que as mulheres amam naturalmente os seus filhos e que é desnaturada a mulher que não
demonstrar esse amor?
Em certas sociedades, considera-se que a mulher é impura para lidar com a terra e com os
alimentos. Por esse motivo, o cultivo da terra, a alimentação e a casa ficam sob os cuidados dos
homens, cabendo às mulheres a guerra e o comando da comunidade. Se assim é, como fica a frase
que afirma que o homem foi feito pela Natureza para o que exige força e coragem, para o comando
e a guerra, enquanto a mulher foi feita pela Natureza para a maternidade, a casa, o trabalho
doméstico, as atividades de um ser frágil e sensível?
Os historiadores brasileiros mostram que, por razões econômicas, a elite dominante do século
XIX considerou mais lucrativo realizar a abolição da escravatura e substituir os escravos africanos
pelos imigrantes europeus. Essa decisão fez com que o mercado de trabalho fosse ocupado pelos
trabalhadores brancos imigrantes e que a maioria dos escravos libertados ficasse no desemprego,
sem habitação, sem alimentação e sem qualquer direito social, econômico e político.
Em outras palavras, foram impedidos de trabalhar e foram mantidos sem direitos, tais como
viviam quando estavam no cativeiro. Além disso, sabe-se que quando os colonizadores instituíram a
escravidão e trouxeram os africanos para as terras da América, fizeram tal escolha por considerarem
que os negros possuíam grande força física, grande capacidade de trabalho e muita inteligência para
realizar tarefas com objetos técnicos como o engenho de açúcar. Se assim é, se a escravidão foi
instituída por causa da grande capacidade e inteligência dos africanos para o trabalho da agricultura,
se a abolição foi realizada por ser mais lucrativo o uso da mão-de-obra imigrante para um certo tipo
de agricultura (o café) e para a indústria, como fica a afirmação de que a Natureza fez os africanos
indolentes, preguiçosos e malandros?
Poderíamos examinar cada uma das frases que dizemos ou ouvimos em nosso cotidiano e
que naturalizam os seres humanos, naturalizam comportamentos, ideias, valores, formas de viver e
de agir. Veríamos como, em cada caso, os fatos desmentem tal naturalização. Veríamos como os
seres humanos variam em consequência das condições sociais, econômicas, políticas, históricas em
que vivem. Veríamos que somos seres cuja ação determina o modo de ser, agir e pensar e que a
ideia de um gênero humano natural e de espécies humanas naturais não possui fundamento na
realidade. Veríamos – graças às ciências humanas e à Filosofia – que a idéia de natureza humana
como algo universal, intemporal e existente em si e por si mesma não se sustenta cientificamente,
filosoficamente e empiricamente. Por quê? Porque os seres humanos são culturais ou históricos.
Fonte: CHAUÍ, m. Convite à Filosofia. São Paulo, Ática, 2000.
Texto 10: O que são políticas públicas –
Políticas públicas são conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado
diretamente ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar
determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para determinado seguimento social, cultural,
étnico ou econômico.
As políticas públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se
afirmam graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto
novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais. Exemplos
de Políticas Públicas A educação e a saúde no Brasil são direitos universais de todos os brasileiros.
Assim, para assegurá-los e promovê-los estão instituídas pela própria Constituição Federal
as políticas públicas de educação e saúde. O meio ambiente é também reconhecido como um direito
de todos e a ele corresponde a Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei Federal n.º
6.938. A água é concebida na Carta da República como bem de uso comum. Para proteger este bem
e regulamentar seu uso múltiplo foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídrico mediante a Lei
Federal nº 9.433.
Como são formuladas as Políticas Públicas? As políticas públicas podem ser formuladas
principalmente por iniciativa dos poderes executivo, ou legislativo, separada ou conjuntamente, a
partir de demandas e propostas da sociedade, em seus diversos seguimentos. A participação da
sociedade na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas em alguns casos é
assegurada na própria lei que as institui.
Assim, no caso da Educação e da Saúde, a sociedade participa ativamente mediante os
Conselhos em nível municipal, estadual e nacional. Audiências públicas, encontros e conferências
setoriais são também instrumentos que vem se afirmando nos últimos anos como forma de envolver
os diversos seguimentos da sociedade em processo de participação e controle social.
A Lei Complementa n.º 131 (Lei da Transparência), de 27 de maio de 2009, quanto à
participação da sociedade, assim determina: “I – incentivo à participação popular e realização de
audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes
orçamentárias e orçamentos;”“II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da
sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e
financeira, em meios eletrônicos de acesso público.”
Assim, de acordo com esta Lei, todos os poderes públicos em todas as esferas e níveis da
administração pública, estão obrigados a assegurar a participação popular. Esta, portanto, não é mais
uma preferência política do gestor, mas uma obrigação do Estado e um direito da população.
Quais os instrumentos que compõem as Políticas Públicas? As políticas públicas
normalmente estão constituídas por instrumentos de planejamento, execução, monitoramente e
avaliação, encadeados de forma integrada e lógica, da seguinte forma: 1. Planos 2. Programas; 3.
Ações 4. Atividades.
Os planos estabelecem diretrizes, prioridades e objetivos gerais a serem alcançados em
períodos relativamente longos. Por exemplo, os planos decenais de educação tem o sentido de
estabelecer objetivos e metas estratégicas a serem alcançados pelos governos e pela sociedade ao
longo de dez anos. Os programas estabelecem, por sua vez, objetivos gerais e específicos focados
em determinado tema, público, conjunto institucional ou área geográfica. O Programa Nacional de
Capacitação de Gestores Ambientais (PNC) é um exemplo temático e de público. Ações visam o
alcance de determinado objetivo estabelecido pelo Programa, e a atividade, por sua vez, visa dar
concretude à ação.
Texto 11: As Redes Sociais devem ter responsabilidade sobre os atos de seus usuários? –
Uma questão bastante polêmica envolve as redes sociais. Não é novidade para ninguém que
diversos crimes são cometidos através da internet. A utilização dos sites de relacionamento para
assediar menores, para obter informações a respeito da vida pessoal de usuários entre diversos
outros, é bastante comum em várias partes do mundo.
Isso dá espaço para uma discussão baseada na responsabilidade que o meio tem nas ações
praticadas por seus usuários. Há quem seja muito radical e diga que as redes sociais devem ser
extintas, pois geram muitas possibilidades aos mal intencionados. Outros, até tentam culpar
criminalmente os sites de relacionamento pelos crimes cometidos por usuários!
Nos EUA, há um caso muito recente de brigas judiciais entre pais de usuários e a rede My
Space. A acusação era de que o MySpace não implementou os softwares de verificação de idades
disponíveis nem ajustou o padrão de segurança nos perfis das meninas para "particular". Elas teriam
sido "assediadas" por um outro usuário. Mas o tribunal de Los Angeles considerou que uma seção
da legislação que trata do assunto, chamada Communications Decency Act, deixa os portais de
internet imunes contra as alegações das garotas de negligência e de responsabilidade com o produto.
De fato, as redes sociais dão abertura a esse tipo de comportamento criminoso. É um local
onde qualquer mentira pode ser incorporada e onde há uma vasta lista de informações a respeito de
usuários.
E então, As Redes Sociais devem ter responsabilidade sobre os atos de seus usuários?
Para saber mais: A informação completa com as referências teóricas e a pesquisa de opinião com as
características de uso e tendências das redes sociais no Brasil, México e Espanha estão disponíveis
em e-book em: http://issuu.com/cesarviana/docs/uab_socialmedia.
* César Viana é jornalista formado pela UFJF, mestre e doutor em comunicação audiovisual e publicidade pela
Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha.
Disponível em: http://www.mercadoetico.com.br/arquivo/redes-sociais-transparencia-e-a-responsabilidade-
social-de-cada-um-de-nos/
Um povo só se torna realmente justo quando conhece, de forma clara e objetiva, o real
significado da palavra justiça.
Infelizmente, o princípio de justiça ainda não é muito bem compreendido pelo povo brasileiro.
O problema é que, na Língua Portuguesa, a palavra justiça também é utilizada para referir-se a
órgãos do Setor Judiciário, (Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiça Internacional, etc...). Essa
duplicidade na linguagem ajuda a confundir os cidadãos menos esclarecidos. Já é hora de os
brasileiros saberem que a palavra justiça refere-se, antes de tudo, a um princípio de equidade, de
igualdade proporcional; um princípio de sabedoria que deveria ser utilizado pelo Governo em todas
as áreas e principalmente pelo Poder Judiciário.
Os brasileiros ainda não entenderam a importância socioeconômica de se levar a sério o
princípio de justiça. A maioria dos cidadãos conhece apenas duas situações: ser beneficiado ou ser
prejudicado. Infelizmente, a Educação brasileira não nos ensinou a discernir estes extremos e a
adotar situações intermediárias. É no ponto médio, entre o benefício e o malefício, que encontramos
o que é justo para todos.
Em linhas gerais, ser justo é não oprimir nem privilegiar, não menosprezar nem endeusar, não
subvalorizar e tampouco supervalorizar. Ser justo é saber dividir corretamente sem subtrair e sem
adicionar (sem roubar ou subornar). Ser justo é não se apropriar de pertences alheios e dar o correto
valor a cada coisa e a cada pessoa. Ser justo é estabelecer regras claras sem dar vantagem para
uns e desvantagem para outros. Ser justo é encontrar o equilíbrio que satisfaz ou sacrifica, por igual,
sem deixar resíduos de insatisfação que possam resultar em desforras posteriores.
A ausência de uma boa educação, nesse sentido, tem propiciado comportamentos
extremistas (ora omisso, ora violento) por parte da maioria dos cidadãos. Observe que até pouco
tempo a maioria dos brasileiros preferia se calar mesmo diante das inúmeras explorações do nosso
dia-a-dia. O maior problema, consequente desse tipo de comportamento surge com o decorrer do
tempo. A falta de diálogo, para se estabelecer o que é justo e correto, faz o cidadão prejudicado se
cansar de ser omisso e partir pra violência (ir direto ao outro extremo). Essas reações têm acontecido
até mesmo entre parentes e vizinhos. Por isso, precisamos nos reeducar. Os cristãos, em especial,
precisam ensinar ao povo o que é justo e correto para que os cidadãos não se tornem omissos e
saibam estabelecer o diálogo ao perceber toda e qualquer injustiça. Se cultivarmos um padrão de
comportamento realmente justo, ninguém acumulará motivos para se tornar infeliz, desleal,
subornável ou violento.
Em todos os casos de injustiças (profissionais, comerciais, de relacionamento etc.) a pessoa
prejudicada deve primeiramente ir até a pessoa injusta lhe pedir que corrija a injustiça. Se não surtir
efeito deve levar pelo menos uma outra pessoa para que também dê testemunho (reclame) daquela
injustiça. Se, apesar disso, a pessoa injusta não se corrigir, aí então deve levar o caso ao
conhecimento das autoridades competentes para que elas determinem a solução. É muito importante
entendermos que primeiramente deve haver duas tentativas de diálogo, só depois destas tentativas
é que o caso deve ser entregue às autoridades.1
Por outro lado, as autoridades precisam agir de maneira totalmente imparcial (sem se inclinar
para nenhum dos lados), em respeito aos ensinamentos bíblicos que ordenam que: nem mesmo para
favorecer ao pobre se distorça o que é justo,2 e que sempre se use o mesmo padrão de peso e de
medida para qualquer pessoa, seja pobre, rico, analfabeto, doutor, mendigo, autoridade, etc... A
sociedade precisa entender que é a prática correta do princípio de justiça que produz a paz social
viabilizando a prosperidade de forma ordeira e bem distribuída.
A esperteza, a exploração e a má fé, são técnicas ilusórias que têm vida curta e acidentada.
As instituições governamentais, empresas privadas e negócios pessoais, estabelecidos com
injustiças, com espertezas, com explorações e má fé, são comparáveis a construções sobre areia
porque desmoronam nos dias de tempestades (crises, pragas, acidentes, novas concorrências, etc.).
Mas, os negócios estabelecidos de forma justa, com justiça nos preços, nos salários, nos serviços e
nos relacionamentos em geral, são comparáveis a construções sobre rocha porque permanecem de
pé mesmo depois de grandes tempestades.
Portanto, precisamos abandonar a mania subdesenvolvida de gostar de levar vantagem em
tudo, e cultivar a mania desenvolvida de gostar de fazer e receber justiça em tudo. Já é hora de
entendermos que a vantagem que se leva hoje se transforma no prejuízo de amanhã, enquanto a
justiça que se pratica hoje se transformará no lucro de amanhã.
Comportar-se de forma realmente justa, tanto na hora de dar ou de vender, quanto na hora
de cobrar ou de receber, é condição primordial para um povo se tornar pacífico e bem-sucedido.
Os estudos na área da geografia e da sociologia nos tempos atuais permitem uma pergunta:
onde está o limite entre o urbano e o rural? Talvez espera-se uma única e simplista resposta, mas
percebe-se que a interrogação é muito mais complexa.
Desde a Antiguidade, quando as condições políticas e sociais influenciaram a divisão sócio-espacial
do trabalho, originando o fenômeno rural e o urbano por meio do exercício das diferentes formas de
produção, as quais favoreceram o desenvolvimento do capitalismo, definir os limites, a partir de então,
tornou-se um problema.
Existem algumas concepções em relação à cidade e o campo: a cidade é compreendida como
a sede do trabalho intelectual, de organização das atividades políticas e administrativas, da
elaboração do conhecimento científico, da idéia de civilização, urbanização, de aglomeração
demográfica, onde uma parcela significativa da população está envolvida em atividades secundárias
e terciárias e, da diversidade de ocupação industrial; a cidade representa uma condição social em
que, teoricamente, é possível superar a precariedade, pois considera a conquista de melhores
condições materiais decorrentes de um alto nível de produção e produtividade, técnica e cultural.
Quanto ao campo, o mesmo é visto como sinônimo de atrasado, ultrapassado, imóvel no
tempo, rude, como uma vida de privação, onde a sobrevivência só é possível com muito trabalho, o
qual oferece o mínimo necessário para viver, sendo definido como uma área de dispersão
demográfica, dando lugar às atividades primárias, principalmente agropecuárias.
O conceito de cidade e campo confunde-se com o urbano e o rural. A cidade, vista como área
da centralidade administrativa e territorial, onde se fabrica, origina o conceito de urbano, estende-se
para além dela, não restringindo-se a um território fixo, mas passa s ser visto como um modo de vida,
um estilo de vida, onde se propagam, costumes e hábitos urbanos, os quais influenciam, por meio
dos instrumentos de comunicação e transporte, o meio rural. Dessa forma, o modo de vida urbano
alcança os limites geográficos dos interesses e ações existentes na cidade, dos investimentos
efetuados no campo.
O rural, atualmente desenvolvendo atividades múltiplas além das primárias, passou a ser visto
como uma questão territorial, onde o uso do solo e as atividades da população residente no campo
se vinculam à várias atividades terciárias, sendo compreendido como não-urbano, ou seja, o que não
pertence à cidade.
A discussão em torno desta problemática, evidencia o processo de mecanização e
qualificação do campo, o qual serve e abastece a cidade de seus produtos. Os costumes rurais não
são os mesmos do passado. As mudanças na forma de produção, de vestir, do falar, no administrar
o campo, seguem os ditames da cidade, pois acredita-se que de lá é que vem o conhecimento, como
mencionado anteriormente. O campo está sofrendo um processo de urbanização. Sendo assim, rural
e urbano se confundem, se completam e interdependem-se, pois um não existiria sem o outro.
Ainda na cidade, famílias ou pessoas procuram cultivar hábitos rurais, tidos como mais
saudáveis, de produzir alguns produtos para consumo próprio em jardins, terraços e sacadas. Isso
reflete o desejo de estar próximo da natureza, buscando uma melhora nas condições de vida e de
saúde, ingerindo alimentos sem agrotóxicos.
Mas, com o avanço da urbanização, percebe-se que ela é uma moeda de dois lados: de um
lado vê-se o aprimoramento das técnicas, das condições de vida, dos atrativos culturais; de outro,
vê-se a precariedade das favelas, a chaga do desemprego, da marginalidade. Mas, sabe-se que tudo
tem um preço a ser pago, pois vive-se sobre a certeza de que as pessoas não voltariam para o campo
sem eletricidade e outros confortos.
Referências
ENDLICH, Ângela Maria. Perspectivas sobre o urbano e o rural. In: ENDLICH, Ângela Maria, SPOSITO, Maria
E. B. e WHITACKER, Arthur M. Cidade e Campo: relações entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular,
2006. pp 11-31.
Referências:
KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas, São Paulo: Papirus, 2003.
VALENTE, J.A. Diferentes usos do computador na Educação. In: VALENTE JA. (Org.). Computadores e
conhecimento: repensando a educação. 2ª ed. campinas: Gráfica Central UNICAMP, v. , p. 1-27, 1998
O atual contexto internacional, a nova configuração que se está afirmando com força
principalmente a partir de setembro deste ano, certamente não constitui um cenário propício à
afirmação de uma cultura dos direitos humanos. O documento final da recente Conferência Regional
sobre Educação em Direitos Humanos na América Latina e Caribe, promovida pelo Alto Comissariado
para os Direitos Humanos da ONU e pela UNESCO, realizada no México de 28 de novembro ao
primeiro do presente mês, afirma:
“Esta Conferência expressa sua preocupação porque no momento presente o exercício dos
Direitos Humanos pode ser subordinado a políticas de segurança nacional, assim como pelo fato de
se ter produzido uma imobilidade em relação a apoiar agendas para avançar nos direitos humanos,
concretamente as relativas às recomendações da Conferência de Durban”.
Globalização, políticas neoliberais, segurança global, estas são realidades que estão
acentuando a exclusão, em suas diferentes formas e manifestações. No entanto, não afetam
igualmente a todos os grupos sociais e culturais, nem a todos os países e, dentro de cada país, às
diferentes regiões e pessoas. São os considerados “diferentes”, aqueles que por suas características
sociais e/ou étnicas, por serem “portadores de necessidades especiais”, por não se adequarem a
uma sociedade cada vez mais marcada pela competitividade e pela lógica do mercado, os
“perdedores”, os “descartáveis”, que vêm cada dia negado o seu “direito a ter direitos” (Hanna
Arendt).
Este é o nosso momento. Nele temos de buscar, no meio de tensões, contradições e conflitos,
caminhos de afirmação de uma cultura dos direitos humanos que penetre todas as práticas sociais e
seja capaz de favorecer processos de democratização, de articular a afirmação dos direitos
fundamentais de cada pessoa e grupo sócio-cultural, de modo especial os direitos sociais e
econômicos, com o reconhecimento dos direitos à diferença.
Articular igualdade e diferença : uma exigência do momento
Esta é uma questão fundamental no momento atual. Para alguns a construção da democracia
tem que colocar a ênfase nas questões relativas á igualdade e, portanto, eliminar ou relativizar as
diferenças. Existem também posições que defendem um multiculturalismo radical, com tal ênfase na
diferença, que a igualdade fica em um segundo plano.
No entanto, na minha opinião, o problema não é afirmar um pólo e negar o outro, mas sim
termos uma visão dialética da relação entre igualdade e diferença. Hoje em dia não se pode falar em
igualdade sem incluir a questão da diversidade, nem se pode abordar a questão da diferença
dissociada da afirmação da igualdade.
Uma frase do sociólogo português Boaventura Souza Santos, sintetiza de maneira
especialmente oportuna esta tensão: "temos direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença
nos inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza.”
Neste sentido, não se deve opor igualdade à diferença. De fato, a igualdade não está oposta
à diferença e sim à desigualdade Diferença não se opõe à igualdade e sim à padronização, à
produção em série, a tudo o “mesmo”, à “mesmice”.
O que estamos querendo trabalhar é, ao mesmo tempo, negar a padronização e lutar contra
todas as formas de desigualdade presentes na nossa sociedade. Nem padronização nem
desigualdade. E sim, lutar pela igualdade e pelo reconhecimento das diferenças. A igualdade que
queremos construir assume a promoção dos direitos básicos de todas as pessoas. No entanto, esses
todos não são padronizados, não são os “mesmos”. Têm que ter as suas diferenças reconhecidas
como elemento de construção da igualdade.
Considero que essa temática nos próximos anos vai suscitar uma grande discussão, um debate
difícil, que desperta muitas paixões, mas que é fundamental para se avançar na afirmação da
democracia. Hoje em dia não se pode mais pensar numa igualdade que não incorpore o tema do
reconhecimento das diferenças, o que supõe lutar contra todas as formas de preconceito e
discriminação.
No momento atual, a questão multicultural preocupa muitas sociedades. O debate
multicultural é intenso nos Estados Unidos e também na Europa. No entanto, na América Latina a
questão multicultural tem uma especificidade. Nosso continente é um continente construído com uma
base multicultural muito forte, onde as relações inter-
étnicas têm sido uma constante através de toda sua história, uma história dolorosa e trágica
principalmente no que diz respeito aos indígenas e aos afro-descendentes.
A nossa história está marcada pela eliminação do “outro” ou por sua escravização, que
também é uma forma de negação de sua alteridade. Esses outros que são “eus” na construção da
identidade latino-americana. Neste sentido, o debate multicultural na América Latina nos coloca
diante dessa questão, desses sujeitos, sujeitos históricos que foram massacrados mas que souberam
resistir e hoje continuam afirmando suas identidades fortemente nas nossas sociedades, mas numa
situação de relações de poder assimétricas, de subordinação e exclusão ainda muito acentuadas.
É importante assinalar como fato de especial importância neste momento histórico que a
UNESCO em sua última Conferência Geral, realizada em Paris, nos meses de outubro e novembro
deste ano, com a presença de 185 dos 188 países membros, tenha aprovado por aclamação uma
Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e que o Diretor Geral, Koïchiro Matsuura, tenha
declarado que esperava que esta declaração chegasse “um dia a adquirir tanta força quanto a
Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
A questão das políticas de ação afirmativa. As políticas de ação afirmativa suscitam uma
grande polêmica em todas as sociedades em que se propõem medidas concretas para sua
implementação Entre nós também estão provocando intensos debates. Este fato é em si mesmo
positivo, pois desvela inúmeros aspectos ligados à própria construção histórica da nossa sociedade
e sua forte hierarquização, lógica de privilégios, autoritarismo, apadrinhamento e favor. São debates
marcados pela emoção e a paixão, onde a indignação, a militância e o conservadorismo se fazem
especialmente presentes.
No entanto, para que não se transforme em um debate estéril, é necessário, em primeiro lugar,
que nos situemos diante do reconhecimento desses sujeitos históricos, que muitas vezes foram
relegados e negados ao longo da nossa história, do reconhecimento da sua contribuição para a
construção dos países latino-americanos, do Brasil, para configurar-nos culturalmente.
Este reconhecimento é fundamental mas não basta. Não é suficiente um reconhecimento teórico ou
formal, expresso em declarações meio retóricas. Este reconhecimento tem que ser acompanhado de
políticas de valorização, de políticas de acesso a oportunidades, de políticas de acesso ao poder,
que são fundamentais para que esses sujeitos históricos tenham uma cidadania plena na nossa
sociedade. É neste horizonte que se situam as políticas de ação afirmativa, orientadas a favorecer
determinados grupos que tiveram suas oportunidades de acesso a recursos e bens da sociedade
negadas ou minimizadas ao longo da história.
Um exemplo concreto é a legislação recentemente aprovada no Rio de Janeiro, que está
provocando uma grande polêmica, que obriga as universidades públicas estaduais a reservarem um
porcentual de vagas para alunos oriundos das escolas públicas. Esta medida vai, evidentemente,
ampliar as possibilidades de alunos e alunas oriundos das classes populares, onde o número de afro-
descendentes é elevado, ingressarem no ensino superior, expandindo assim suas oportunidades
educacionais.
As políticas de ação afirmativa estão o voltadas para, numa sociedade marcada pela
desigualdade e fortes mecanismos de exclusão, favorecer o acesso às mulheres, à população
indígena, aos afro-descendentes ou outros grupos excluídos ou objeto de discriminação na nossa
sociedade, a direitos básicos inerentes a todos os seres humanos. Nesta questão o papel da
educação, assim como os meios de comunicação social, é fundamental. Trabalhar a questão do
imaginário coletivo, das representações das identidades sociais e culturais presentes na nossa
sociedade é um aspecto especialmente relevante.
Outra dimensão desta problemática que vem adquirindo ultimamente maior atenção nesta
debate, diz respeito não somente às condições de acesso de determinados grupos a direitos e
recursos disponíveis na sociedade, como também às políticas orientadas a favorecer a permanência
destas pessoas em contextos específicos em que têm de enfrentar muitas dificuldades. Nesta
perspectiva, processos educacionais que visam o empoderamento destes grupos são de especial
importância.
Este nos parece ser o grande desafio do momento atual da humanidade. Um mundo onde
parece que só uns têm lugar. “A Dignidade é um caminho a percorrer. A Dignidade é o amanhã”.
REFERÊNCIAS
CHAUÍ, M. Cidadania Cultural, Novamerica, n.82, junho, 1999
GUIMARÃES, A . S. A . Racismo e Anti-racismo no Brasil S. Paulo, Ed. 34, 1999
MARCOS (sub-comandante) La Marcha del color de la tierra. (comunicados, cartas y mensajes del Ejército
Zapatista de la Liberación Nacional del 2000 al 2 de abril del 2001) México, rizoma, 2001
ONU / UNESCO Declaración de México sobre Educación en Derechos Humanos en América Latina y el Caribe,
Ciudad de México, diciembre 2001
UNESCO Universal Declaration on Cultural Diversity Paris, 2 de novembro de 2001
Orson Camargo*
Colaborador Brasil Escola
* Graduado em Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP
Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
A menina estava na escola, aprendendo a ser o que um dia seria plenamente: ela mesma,
maior – e mais sabida. Era tão alegre que até incomodava. Mas a alegria é assim, ruidosa, mesmo
se a cultivamos só dentro de nós, nos abafados do coração.
Então, o susto de uma lição nova. Estava sozinha em casa. A mãe, nas compras. O pai
chegou. Ela correu, feliz, e se pendurou no pescoço dele. Mas, estranhamente, ele não a soltou.
Não. E, depois que o fez, ela se viu como uma boneca quebrada. E aí aprendeu que a dor na
memória arde mais do que no corpo.
A mãe não notou a verdade em seu rosto, nem ninguém na escola, em parte por miopia, em
parte porque a alegria tem muitos disfarces. Achavam que a menina era a mesma. Só andava
menos falante.
Quando o pai chegava em casa sorrindo, ou entre outras pessoas, agia como antes, e ela
emudecia. Era o seu avesso: uma menina na calada do dia! E aí aprendeu que o silêncio era o seu
medo no último volume.
Ele se repetiu outras vezes nela, esmagando, aos poucos, o que restava de sua incômoda
alegria. E já quase sem voz, a menina aprendeu o que era a solidão. Assim estava, tão dolorida,
tão sem esperança... quando, de repente, se inflou de coragem – uma coragem que só uma menina
triste é capaz de ter. E, então, mostrou a todos que reaprendera a primeira e mais difícil lição.
Reaprendera a falar. E falou. Tudo.
* Professor da USP e publicou vários livros para crianças, como Aprendiz de Inventor (Editora Ática) e O
Homem que Lia as Pessoas (SM), entre outros.
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Texto 20: TERRORISMO
Leandro Carvalho*
Os atos e ataques terroristas, segundo alguns estudiosos, tiveram início no século I d. C.,
quando um grupo de judeus radicais, chamados de sicários (Homens de punhal), atacava cidadãos
judeus e não judeus que eram considerados a favor do domínio romano. Outros indícios que
confirmam as origens remotas do terrorismo são os registros da existência de uma seita mulçumana
no final do século XI d. C., que se dedicou a exterminar seus inimigos no Oriente Médio. Dessa seita
teria surgido a origem da palavra assassino.
O terrorismo moderno tem sua origem no século XIX no contexto europeu, quando grupos
anarquistas viam no Estado seu principal inimigo. A principal ação terrorista naquele período visava
à luta armada para constituição de uma sociedade sem Estado – para isso, os anarquistas tinham
como principal alvo algum chefe de estado e não seus cidadãos.
Durante a segunda metade do século XIX, as ações terroristas tiveram uma ascensão, porém
foi no século XX que houve uma expansão dos grupos que optaram pelo terrorismo como forma de
luta. Como consequência dessa expansão, o raio de atuação terrorista aumentou, surgindo novos
grupos, como os separatistas bascos na Espanha, os curdos na Turquia e Iraque, os mulçumanos
na Caxemira e as organizações paramilitares racistas de extrema direita nos EUA. Um dos
seguidores dessa última organização foi Timothy James McVeigh, terrorista que assassinou 168
pessoas em 1995, no conhecido atentado de Oklahoma.
Com o desenvolvimento da ciência e tecnologia no século XX, as ações terroristas passaram
a ter um maior alcance e poder, através de conexões globais sofisticadas, uso de tecnologia bélica
de alto poder destrutivo, redes de comunicação (internet) etc.
No início do século XXI, principalmente após os ataques terroristas aos EUA, no ano de 2001,
estudiosos classificaram o terrorismo em quatro formas: o terrorismo revolucionário, que surgiu no
século XX e seus praticantes ficaram conhecidos como guerrilheiros urbanos marxistas (maoístas,
castristas, trotskistas e leninistas). O terrorismo nacionalista, que foi fundado por grupos que
desejavam formar um novo Estado-nação dentro de um Estado já existente (separação territorial),
como no caso do grupo terrorista separatista Eta, na Espanha (o povo Basco não se identifica como
espanhol, mas ocupa o território espanhol e é submetido ao governo da Espanha).
O terrorismo de Estado é praticado pelos Estados nacionais e seus atos integram duas ações.
A primeira seria o terrorismo praticado contra a sua própria população. Foram exemplos dessa forma
de terrorismo: os Estados totalitários Fascistas e Nazistas, a ditadura militar brasileira e a ditadura de
Pinochet no Chile. A segunda forma se constituiu como a luta contra a população estrangeira
(xenofobismo). E o terrorismo de organizações criminosas, que são atos de violência praticados por
fins econômicos e religiosos, como nos casos da máfia italiana, do Cartel de Medellín, da Al Qaeda,
etc.
No mundo contemporâneo, as ameaças terroristas são notícias recorrentes na imprensa,
“para a maior visualização do terrorismo mundial, a mídia exerce um papel fundamental. Mas é
evidente que também cria um sensacionalismo em torno dos terroristas [...] a mídia ajuda a justificar
a legalidade e a necessidade de ações antiterroristas que, muitas vezes, levam adiante banhos de
sangue e violações aos direitos humanos que atingem mais a população civil do que os próprios
terroristas” (SILVA; SILVA, 2005: 398-399).
É importante refletir sobre o terror como prática e o discurso sobre o terror. A separação
dessas ações é fundamental para a compreensão da prática terrorista e para a análise dos discursos
construídos sobre o terrorismo. Feito isso, será possível entender as questões políticas e ideológicas
que estão por trás das práticas e discursos sobre o terror. Assim sendo, estaremos mais aptos a
questionar, lutar e compreender por que tantas pessoas matam e morrem por determinadas causas,
sejam elas políticas, religiosas, econômicas ou culturais.
É mais que necessário a sociedade compreender as ideologias que movem as práticas
terroristas e os discursos construídos sobre essas práticas. A cada ano que passa, a humanidade se
sente mais acuada e receosa, temerosa de ataques com armas de destruição em massa.
* Mestre em História
O século XXI está sendo marcado pelo aceleramento da tecnologia eletrônica, com atenção
especial para a informática, o computador e a Internet. Atualmente, o meio em que vivemos está
permeado pelo uso de técnicas e recursos tecnológicos, fazendo do computador uma ferramenta que
vem auxiliar o processo ensino/aprendizagem nas questões do cotidiano trazidas até a sala de aula.
É muito importante o compromisso do docente e a escola deve impor-se de questionar e discutir os
aspectos da informática dentro da evolução da sociedade juntando nesse processo as
transformações às vezes não percebíveis.
Os meios de comunicação são verdadeiras “extensões do homem”, devemos usa-los desde
a infância num sentido construtivo. Desde o pré-escolar até o 2º grau, a matéria da comunicação e
expressão deveria receber uma ênfase maior, promovendo o crescimento integral das pessoas de
todas as classes sociais adotando para tanto varias formas de comunicação, tais como as
alternativas, participatória, militante, popular, de resistência e por que não a folclórica ou tradicional.
Através das relações diárias, o ser universal (o homem) pensa, sente e age a todo instante através
das relações sociais de que fazem parte. É preciso haver uma educação voltada para a cidadania.
As pessoas agem a partir de uma relação de trocas culturais, modificam a si mesmas, aos
outros e à natureza. Interagem o tempo todo.
No mundo inteiro o rádio e a TV e mais recentemente os computadores passaram a formar
parte da bagagem instrumental da chamada Tecnologia Educativa. O desafio da escola hoje é
preparar as crianças para enfrentarem o mundo do trabalho. Mesmo antes de chegarem a escola, as
crianças recebem informações em suas casas. O educador não pode se neutralizar diante da forte
influência lançada pela mídia, é necessário cuidado. Afinal, informação não é sinônimo de
conhecimento.
É importante que educador e educando aprendam a selecionar as informações apropriadas,
verificando e identificando suas proveniências, quem as criou, divulgou-as e qual a intenção das
mesmas. Informação ou consumismo?
Entretanto, torna-se necessário relacionar teoria e prática para que possamos perceber nos
mais diversos meios das tecnologias a importância de avançarmos enquanto educadores e
educandos. Dessa forma, o uso da tecnologia vem proporcionar a todos uma nova forma de pensar
e de transformar diante desse novo mundo globalizado.
[1] TEIXEIRA, Francisco, Tudo o que você queria saber sobre Patentes mas tinha vergonha de perguntar – 1º
Edição, 1.997, p. 29/30
[2] MUJALLI, Walter Brasil. A Propriedade Industrial – Nova Lei de Patentes. Leme: Editora de Direito, 1997, p.
20
Fonte: https://i7autoral.wordpress.com/2012/05/15/conceito-propriedade-intelectual/
Referências
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo, Perspectiva, 1992, 9ª edição.
FOLHA de S.Paulo. Oxford alerta para aumento de plágio entre alunos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 14 mar.
2006.
FERRARI, Alexandre Coutinho. Plágio de textos e a editora de livros. Doutor D. 17 jun. 2005. FURTADO, José
Augusto Paz Ximenes. Trabalhos acadêmicos em Direito e a violação de direitos autorais através de plágio. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002.
GARSCHAGEN, Bruno. Comércio de teses e dissertações atrai pós-graduandos. Folha de S.Paulo, São Paulo,
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______________. Universidade em tempos de plágio. NoMínimo. 29 jan. 2006.
GOULART, Guilherme. O golpe das monografias. Correio Braziliense, Brasília, 28 mar. 2007.
LOURENÇO, Alexandre. Plágio, direito autoral e registro legal de obras. Microbiologia, 2004.
OLIVEIRA, José Palazzo M. de. Plágio eletrônico e ética. Educação, Computação e Web. Dez. 2005.
RABELO, Camila. Idéias roubadas. UNB Agência, Brasília, 14 jul. 2006.
SILVA, Obdália Santana Ferraz. Entre o plágio e a autoria: qual o papel da Universidade? 29ª Reunião Anual
da Anped, Caxambu, 2006.
UNIVERSIA. Como lidar com o plágio em sala de aula. Universia Brasil, 08 mar. 2005.
Em sua coluna na Folha de S.Paulo do último dia 7 de abril, Hélio Schwartsman, provocado
pelas lamentáveis declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), abordou um tema controverso,
complexo e, também por isso, muito caro a todos nós. Trata-se da polêmica sempre atual envolvendo
o conteúdo e o alcance do princípio fundamental da liberdade de expressão. Sob o título "Uma defesa
de Bolsonaro", Schwartsman sentencia, já nas primeiras linhas de seu texto, que ele,
"evidentemente", está "entre os que acham que o mandatário tem o direito de dizer o que pensa, por
mais politicamente incorretas, ofensivas ou imorais que sejam suas declarações".
Não tenho qualquer coisa nova que valha a pena dizer sobre as palavras do deputado, que,
de resto, considero abomináveis. Por isso, vou me restringir a uma leitura mais detida sobre o
conceito da liberdade de expressão, procurando refutar o argumento de Schwartsman, utilizando as
declarações de Bolsonaro apenas eventualmente como instrumento para ilustrar o meu próprio ponto
de vista.
Os contendores em um debate se utilizam de estratégias de argumentação diversas para
convencer seus interlocutores e a plateia. A indicação de figuras socialmente reconhecidas como
referências em uma área, para o bem ou para o mal, está entre as mais comuns. Assim, no debate
sobre a liberdade, a de expressão entre elas, citamos frequentemente Hitler e Stalin, de um lado, e
Noam Chomsky e John Stuart Mill, de outro. Mas não nos deixemos enganar, pois os discursos a
respeito de um princípio, especialmente nesse caso, são formas de ação política e remontam ao
debate que, embora perene, tem capítulos bastante distintos. Há um esforço constante para elaborar
argumentos capazes de distinguir entre quais discursos devem e quais não devem ser protegidos de
qualquer interferência do Estado – o que não é e nunca foi objeto de consenso, seja nos meios
jurídicos ou na teoria política. Para notar essas distinções, não precisamos nos remeter às práticas
totalitárias e classificar qualquer opinião que se desvie da compreensão da liberdade de expressão
como uma liberdade negativa, como censura ou restrição à liberdade individual.
Anacronismo perigoso
A liberdade de expressão está comumente associada à busca da verdade, à auto-expressão
individual, ao bom funcionamento da democracia e a um equilíbrio entre estabilidade e mudança
social. Ela não é necessária apenas para que os cidadãos exerçam as suas capacidades morais de
ter um senso de justiça e defender uma concepção do bem. Combinada aos procedimentos políticos
estabelecidos constitucionalmente, a livre expressão de ideias aparece como uma alternativa à
revolução e ao uso da força, que ameaçam sobremaneira as nossas liberdades básicas.
Já no século 17, na Inglaterra, John Milton, no manifesto intitulado Areopagitica, defendia a liberdade
de impressão sem prévia autorização estatal. Como bem lembrou Schwartsman, Mill, dois séculos
depois, também defendeu a livre expressão de ideias. Mas o alvo deste último era outro e por isso
oferecia razões distintas das de Milton. Enquanto este fundamentava a sua defesa na crença de que
as opiniões eram constitutivas dos indivíduos enquanto tais, Mill se baseia na ideia de uma relação
interna entre liberdade e verdade, em que a primeira se define e se limita pela última.
O que quero dizer é que me parece, para dizer o mínimo, um anacronismo perigoso e sem tamanho
buscar em um filósofo inglês novecentista uma discussão sobre a proteção a certos discursos, como
o faz Schwartsman em relação ao de Bolsonaro. Questões como a homofobia, simplesmente não
faziam parte da agenda. Afora isso, não me parece que de nenhum desses casos se depreenda um
argumento a favor do estabelecimento de uma área livre de interferência do Estado e da sociedade
sobre a conduta dos indivíduos – isso é fruto de interpretações, a meu ver equivocadas, da obra de
Mill.
Propagandas falsas ou calúnias
Sabemos que as liberdades políticas em geral, e a liberdade de expressão em particular, têm
tanto uma dimensão defensiva (contra a intervenção indevida do Estado), quanto uma dimensão
protetiva (que requer a intervenção do Estado para ser de fato garantida). A questão que se coloca
é saber em que medida devem ser defendidas ou quais seriam os limites dessas duas dimensões.
Seria possível a restrição de conteúdos específicos, como discursos de incitação ao ódio, de caráter
racista, homofóbico etc., sem se restringir demais a liberdade de expressão? Ou devemos dar
preferência a regulações neutras em relação ao conteúdo?
Precisamos distinguir, antes de mais nada, entre restrição e regulação das liberdades
fundamentais. Autores da tradição liberal, como John Rawls, afirmam que a prioridade dessas
liberdades não é ameaçada quando se estabelecem regras, que se combinam em um sistema, no
intuito de fomentar as condições sociais necessárias ao seu exercício duradouro. Na definição sobre
se e quanto uma determinada política infringe a liberdade de expressão, está certamente incluída,
como vimos, uma discussão sobre o conteúdo e o alcance dessa liberdade e sobre o que implica um
julgamento a respeito disso.
Admitindo-se que as pessoas em geral, e os mais poderosos especialmente, desejam afastar
qualquer crítica e evitar a expressão de posições das quais discordam, podemos ter a impressão de
que a regulação de conteúdos pode se tornar um instrumento eficaz para que se impeçam a
expressão de críticas e posições contrárias a certas opiniões consideradas em um certo momento
politicamente incorretas ou moralmente condenáveis. Uma das presunções contra o controle de
conteúdo afirma que ele traz consigo a possibilidade de que se excluam inteiramente certos pontos
de vista do mercado de ideias: a regulação de conteúdos representaria uma ameaça maior de que
certas ideias sejam impedidas de serem expressas, a despeito do valor que tais ideias possam ter
para os próprios falantes ou para a comunidade em geral. No entanto, embora a impermissibilidade
de certas formas de regulação de conteúdo tenha um papel importante para a liberdade de
expressão, disso não decorre que seja uma questão fundamental e definitiva que qualquer restrição
a conteúdos seja indesejável: não creio que muitos de nós viríamos a nos opor à proibição de
propagandas falsas ou calúnias.
Regulação de conteúdos ofensivos
Uma leitura corrente, e que me parece combinar-se com a posição de Schwartsman no artigo
a que estou me referindo, defende a possibilidade de se usar a própria expressão como forma de
combater os custos envolvidos em expressões ofensivas ou condenáveis. Há a presunção de que, já
que as pessoas têm a capacidade de mudar as suas opiniões quando apresentadas a novas e
distintas razões, basta que sejam formalmente garantidas oportunidades a discursos que se
contraponham às expressões racistas, homofóbicas etc. para que a "verdade" seja restabelecida.
No entanto, há discursos cujo conteúdo é incompatível com o axioma da igualdade moral
humana, não sendo, também por isso, publicamente razoáveis. Devemos nos indagar, nesse sentido,
se seria uma atitude intolerante impedir a expressão de crenças intolerantes. Pelo próprio caráter de
indeterminação do que deve ser o sistema de tolerância, não parece fora de questão, mesmo para
aqueles que advogam a favor da tolerância, reivindicar que algumas formas de conduta e expressão
sejam proibidas no intuito de proteger grupos discriminados.
O professor Joshua Cohen, da Universidade Stanford, argumenta que a regulação em relação
a determinados conteúdos ofensivos não contraria uma proteção rígida à liberdade de expressão,
desde que os discursos regulados sejam: (a) expressões cuja intenção é insultar e cujos insultos são
diretamente endereçados a um indivíduo ou a um pequeno grupo; (b) a ofensa é transmitida através
de expressões que estigmatizam características individuais associadas a gênero, raça, etnia etc., as
quais não seria possível combater com "mais discurso", pois causam danos direta e imediatamente;
e (c) quando as regras destacam uma subcategoria específica e não representam um convite ao
balanço entre custos e benefícios do que deverá ou não ser permitido, sendo atentas, antes, à
vulnerabilidade dos discursos.
Defesa do espancamento
Herbert Marcuse, teórico alemão da Escola de Frankfurt, reforça que os diversos interesses
não se contrabalançam em uma sociedade desigual e na qual a desigualdade permanece e se
perpetua, se as coisas são deixadas a correr o seu curso normal. Um dos defensores mais
conhecidos de intervenções pontuais e incisivas do Estado sobre a expressão política, Marcuse, não
obstante, concorda em grande medida com Mill em relação ao valor epistêmico associado a uma
deliberação pública livre e aberta. Marcuse sustenta também a ideia de que a tolerância, entendida
como uma restrição à interferência de alguém sobre a expressão de ideias das quais discorda
fortemente, é uma das condições que mais favorece a descoberta social da verdade – ainda que uma
verdade inatingível. Contudo, a tolerância, por si mesma, não promove a verdade sem que esteja em
conjunção com outras condições. Se essa tolerância serve principalmente à manutenção de uma
sociedade repressiva, neutraliza-se a oposição e imunizam-se os indivíduos contra outras formas de
vida. Repelido pela solidez de uma sociedade governada, o esforço pela emancipação torna-se
abstrato, reduzindo-se a facilitar o reconhecimento do que já é sustentado.
Basta uma pesquisa rápida nos últimos meses pelos diários brasileiros para que nos
recordemos de escabrosos casos de violência contra negros, homossexuais, nordestinos etc. Não
custa lembrar do que houve logo após o segundo turno da eleição presidencial de 2010. Será que
"direito de dizer o que [se] pensa, por mais politicamente incorretas, ofensivas ou imorais que sejam
as declarações" deve ser estendido a uma Mayara Petruso, ou a quem defenda a ideia subjacente
aos espancamentos de negros e homossexuais por bandos de skinheads?
Preconceitos difundidos
Como o próprio Schwartsman admite, é inexoravelmente controverso definir o que constituiria
um dano causado por um discurso. Parte do debate contemporâneo sobre a liberdade de expressão
vincula-se às interpretações da Suprema Corte norte-americana a respeito da Primeira Emenda à
Constituição. A Primeira Emenda é comumente compreendida como uma postulação clássica dos
limites à interferência do Estado sobre a conduta individual. A Suprema Corte, no entanto, muitas
vezes a tomou menos como uma vedação absoluta à intervenção estatal sobre a liberdade de
discurso do que como um dispositivo para estabelecer as fronteiras móveis da atuação do Estado.
Em alguns casos, foram levados em conta para a ponderação certas categorias de discurso
– hate speech,fighting words etc. – que se permitiria regular sem deixar de proteger a liberdade de
expressão.
Owen Fiss, professor de Direito da Universidade Yale, chamou atenção para o papel
silenciador de algumas formas de expressão, que podem reforçar e ser reforçadas por preconceitos
difundidos na sociedade contra determinados grupos. Dessa forma, quando o Estado adota uma
postura positiva no sentido de impedir que se silencie uma parte dos cidadãos, especialmente de
grupos mais vulneráveis, ele estaria, antes protegendo a liberdade de expressão do que restringindo-
a.
Antes que sejamos acusados de propor ou justificar a censura prévia, cabe um breve
esclarecimento: não se trata aqui de estabelecer uma entidade encarregada de analisar caso a caso
quais formas e conteúdos podem ser expressos publicamente, mas de estabelecer critérios a partir
dos quais possam ser posteriormente julgados e, eventualmente, punidos os responsáveis pela
veiculação de discursos cujo conteúdo seja potencialmente ofensivo e reforce a estigmatização de
determinados grupos sociais. Na minha opinião, expressões como as do referido deputado não são
apenas "politicamente incorretas, ofensivas ou imorais", mas extrapolam o que se pode considerar
publicamente razoável. E isto, exatamente por se referir a preconceitos amplamente difundidos na
sociedade e em relação a grupos, também por isso, flagrantemente vulneráveis.
*Mestre em Ciência Política pela UFMG e doutorando na mesma área pela USP
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/os-limites-da-liberdade-de-expressao
Texto 27: Tragédia na França intensifica debate sobre limites da liberdade de expressão
Jesus sodomiza Deus enquanto é sodomizado pelo Espírito Santo. Maomé salta com tudo
numa bacanal. Rabinos preparam o bote na carteira de um israelita distraído por uma suruba. Nada
é sagrado, mesmo quando não se vê o ar da graça, nas páginas do Charlie Hebdo, o jornal francês
chacinado em 7 de janeiro por fanáticos ligados à Al Qaeda do Iêmen.
As semanas seguintes aos atentados alçaram uma revista demolidora a mártir da democracia.
A comoção se refletiu em chefes de Estado e povos mesmo islamizados, indignados com o ataque a
um desejo humano tão elementar quanto o de expressar o que se pensa.
E então a imensidão nublada tomou conta do cenário. Sinais dissonantes começaram a dar
curto no discurso de fé absoluta na liberdade de expressão. Em questão de dias, a França é acusada
de dois pesos e duas medidas quando o antissemita Dieudonné M'bala M'bala é preso por postar a
mensagem Je suis Charlie Coulibaly, com o sobrenome de um dos terroristas. A opinião pública,
aturdida, se fez a pergunta: se Charlie pode, por que não Dieudonné? A edição pós-atentado do
Charlie Hebdo, com Maomé na capa, voltou a inflamar o mundo islâmico e, dez dias após a tragédia,
o papa Francisco declarou que a liberdade de expressão não dá a ninguém o direito de insultar a
religião alheia.
Limites
Dúvidas sobre os limites de um direito tão fundamental assaltaram posts e celulares de janeiro
e raras vezes se viu tal esforço concentrado para circunscrever um conceito a que, de outro modo,
pouco nos ocupamos em detalhar fraquezas, validade ou fronteiras. A confusão foi tal que o televisivo
Rafinha Bastos, num rasgo de confiança a ser clinicamente estudado, se sentiu à vontade para expor-
se ao sereno: "Você é Charlie? Onde estava quando eu tentava falar sobre liberdade de expressão?",
escreveu rancoroso na Folha de S.Paulo.
O que estaria, afinal, contido no sintagma "liberdade de expressão", usado tantas vezes para
dizer coisas muitas vezes diferentes? Significa que alguém pode dizer o que quer, a qualquer hora e
lugar? Ou sua expressão deve ser limitada pela sociedade?
Segundo Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da UERJ e autor de Livres e
iguais (Lumen Juris, 2006), a liberdade de expressão é importante porque viabiliza outros direitos.
Com ela, conseguimos reivindicar, protestar, criticar, avaliar relações e garantir um melhor controle
social pela população.
- Há vários tipos de limites, principalmente quando há colisão com outros direitos, como o de
privacidade, a proteção da reputação ou o direito da criança e do adolescente. A questão complicada
é saber até que ponto a liberdade de expressão contempla as manifestações que podem ofender.
Isso é sempre objeto de controvérsia - diz ele.
Num primeiro olhar, a zona limite para a expressão estaria na ofensa. Mas, fosse só isso,
qualquer manifestação de certezas distintas pode facilmente ofender crenças e convicções.
Liberal
Para constitucionalistas como Sarmento, a coisa se complica ainda mais quando atuações do
Estado dão sinais conflitantes ao tratar a questão, e confundem a opinião pública que não tem o
debate sobre o assunto em suas preocupações diárias. Assim pensa Zuenir Ventura, jornalista e
imortal da Academia Brasileira de Letras.
- A liberdade de expressão absoluta talvez seja uma utopia: não existe nem dentro de nossa
casa. Mas numa sociedade democrática, os seus limites só podem ser determinados por leis, pela
Justiça, que é a instância a que se deve recorrer - pondera Zuenir.
É o que diria um espírito aberto como o do inglês Stuart Mill (1806-1873), farol do liberalismo:
a única finalidade que autoriza a humanidade a intervir na liberdade de ação de seus membros é a
proteção de si mesma. O problema de tal raciocínio é quando a lei não responde a todos os casos -
e eles costumam ser muitos e variados. Ou, por outra, a mera existência de leis evita que um princípio
seja reversível, ao considerar intolerável uma declaração que outros na mesma sociedade entendam
ser tolerável?
- Na chacina do Charlie Hebdo, os assassinos não recorreram nem à bárbara Lei de Talião, a
do olho por olho, a da "reciprocidade". Para esses novos bárbaros, o extermínio físico é a única
maneira de revidar uma suposta ofensa - protesta Zuenir.
O autor de Cidade partida (Companhia das Letras, 1994) aqui ecoa um limite à liberdade de
expressão herdado do Iluminismo, cunhado num contexto de redução dos poderes de natureza
religiosa e aumento de uma concepção dirigista do Estado.
Não por acaso, Voltaire prega, em Tratado sobre a tolerância (1763), que os homens devem
começar por não serem fanáticos para merecerem a tolerância. A lei francesa é mergulhada nesse
ideário anticlerical: não pune a blasfêmia, mas veta qualquer apelo ao ódio religioso ou apologia a
crimes contra a humanidade. Daí viria a justificativa para a prisão de Dieudonné.
Brigitte Bardot foi multada por ter escrito, em 2006, que os muçulmanos "estão destruindo
nosso país", enquanto o escritor Michel Houellebecq foi inocentado da acusação de dizer que o Islã
"é a religião estúpida". Segundo Alexander Stille, da revista The New Yorker, Bardot transpirou
hostilidade contra muçulmanos enquanto Houellebecq estava criticando sua religião - o que configura
blasfêmia, mas não crime na França.
Relativismo
O exercício da liberdade de expressão não é absoluto, como lembram Zuenir e Stille. Se um
contexto cultural pode fundar critérios e limites tão distintos daqueles que adotaríamos para a
liberdade de expressão, talvez ele seja um princípio menos universal do que se imaginava.
Para o filósofo Diogo Pires Aurélio, professor da Universidade Nova de Lisboa, por princípio,
a liberdade de expressão só deve ser negada a quem pretenda limitá-la.
- É isso o que distingue a democracia dos outros regimes: não reconhecer nenhuma doutrina
ou opinião como indiscutível, a ponto de não poder ser criticada - diz ele.
Em Um fio de nada: ensaio sobre a tolerância (Martins Fontes, 2010), Diogo Pires lembra, no
entanto, que determinar se uma ação ou declaração é intolerante é uma interpretação, "processo
global" em que entram não só regras de linguagem e lógica, mas crenças e a situação de quem
interpreta. Em consequência, os limites à tolerância não assentam em quaisquer premissas racionais
universalmente significantes e pertinentes.
Paradoxo da tolerância
Nos EUA, a Suprema Corte manteve o direito de manifestação de passeata neonazista que
atravessou um vilarejo de descendentes do holocausto. Mas em nome da segurança nacional, o
Estado persegue Julian Assange, do WikiLeaks, por exercer a liberdade de divulgar documentos que
o governo considera sigilosos. Como os que provaram a espionagem sobre a presidenta Dilma
Rousseff. Os casos francês e norte-americano mostram a dificuldade de determinar quando uma
ofensa deixa de ser ofensa. Quem deve ter direito a tal liberdade? Só quem emite opinião que a
maioria aceita? Ou todos, até os de ideias que a maior parte odeia?
- Democracia não é a prevalência da vontade da maioria, mas a garantia do direito à
discussão, ao acesso à informação antes das decisões, à participação na vida pública e à formação
livre da personalidade - diz o constitucionalista Daniel Sarmento.
Para ele, só a neutralidade do Estado, a partir da inteira liberdade de todos, pode escapar das
armadilhas da mitificação sobre o assunto.
- O direito à liberdade de expressão, para ser válido, deve garantir a manifestação de
pensamentos que até magoem ou ofendam. Críticas duras, sátiras, humor corrosivo e de mau gosto
devem ser simplesmente tolerados.
O que não significa que não se possa criticar o mau gosto.
- Um discurso deve ser combatido com mais discurso. É preciso proteger quem se manifesta.
Proteger mesmo as ideias que consideramos odiosas. A premissa não pode ser que a sociedade não
tem maturidade para avaliar - explica Sarmento.
O filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) apontava o "paradoxo da tolerância" como o da
vida contemporânea: a tolerância ilimitada conduz ao desaparecimento da própria tolerância. Se
ampliamos os limites do que é tolerável àqueles que são intolerantes, a sociedade deve estar
preparada para reagir ao intolerante, caso contrário não vai prevalecer a tolerância.
Seus críticos o acusaram de "ingenuidade semântica", lembra Diogo Pires Aurélio: a condição
para esse preceito ser usado é a aceitação de que há um conjunto de regras inquestionáveis, superior
aos diversos tribalismos. O fato de alguém não aceitá-las coloca a pessoa fora do seu espaço de
aplicação. Mas a se levar ao pé da letra tal ideia, até a organizações e pessoas contrários à sociedade
liberal e democrática, como partidos fascistas ou manifestantes de passeatas pela volta à ditadura
militar no Brasil, como ocorreu em 2014, deveria ser negado o direito à liberdade de expressão, pois
nem fazem segredo de que suprimiriam liberdades caso conquistassem o poder. Tal critério é
insuficiente para sabermos como agir.
- A história da democracia mostrou que pode haver sátira e crítica de qualquer opinião, sem
que daí resultem danos para a pessoa, o bom nome ou os bens de alguma pessoa privada. Permitir
que um grupo, minoritário ou majoritário, defina aquilo que os outros podem dizer sobre as suas
próprias crenças e atitudes, é acabar com a liberdade de expressão. Se as repúblicas holandesas do
século 17 atendessem às exigências de calvinistas, judeus e católicos, as obras de Galileu ou
Espinosa não teriam sido publicadas, por serem ofensivas e faltarem ao respeito a uma ou a várias
dessas confissões religiosas - diz o filósofo.
Ódio
A exceção à regra é o discurso de ódio, a apologia da intolerância política, racial ou religiosa,
que constitua incitamento à discriminação ou hostilidade. Daniel Sarmento diz que a Justiça de vários
países tem entendido que manifestações que incitam ao ódio não devem ser protegidas. Para Renato
Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política na USP, a questão central é saber agir em
casos em que há fronteira delicada entre a expressão livre e o crime.
- O grande limite para a liberdade de expressão é o crime, o que inclui a propaganda de ódio.
Isso não pode ser considerado trivial- diz Renato.
Autor de O afeto autoritário (Ateliê Editorial, 2004), Renato considera que o desprezo
doCharlie Hebdo pela falsa altivez não está no mesmo patamar dos incitadores do ódio.
- O jornal ataca a prepotência do poder, o discurso que oprime mulheres, não só por líderes
muçulmanos, mas maridos e pais. Jamais pregou o assassinato ou a exclusão.
Mas essa não é a questão em jogo, diz ele. O ponto é estabelecer um parâmetro estável de
julgamento, saber qual circunstância converte em crime o ato de dizer "O negro é inferior" ou "O judeu
é ladrão". Só é crime quando o dito se converte em ato? Ou mesmo antes do ato?
- É engano acreditar que palavras não causam mal. Elas têm poder. Seja na imprensa, no
sacerdote que diz ter a chave do céu. Falar pode, sim, ser um ato criminoso, pois a distância entre
falar e agir muitas vezes é a de um passo. Cada caso deve ser avaliado. Mas pregar preconceito é
um ato criminoso e isso deve estar claro - explica Renato.
A posteriori
O norte-americano Oliver Wendell Holmes (1809-1894) dizia que a liberdade de expressão
não protege o sujeito que grita "Fogo!" num teatro lotado. Para Carlos Eduardo Sandano, especialista
em epistemologia do jornalismo e professor da Universidade Mackenzie, tudo depende de como se
assume a responsabilidade ao lidar com o ato de expressar-se.
- Não há exatamente uma fronteira, o que pode e não pode. Nem deve existir um Estado ou
instituição dizendo o que pode e não pode, porque aí a gente recai na censura. Quem faz uso da
liberdade de expressão deve assumir a responsabilidade em relação a isso e assumir a
responsabilidade é pensar nas consequências - afirma Sandano, em podcast produzido pela
Universidade Estadual Paulista.
A contestação à liberdade de falar o que quiser deve ser sempre posterior à expressão,
concorda Carlos Alberto di Franco, advogado e doutor em comunicação pela Universidade de
Navarra, colunista de O Estado de S. Paulo atento ao debate sobre o tema.
- A tragédia do Charlie não é um episódio qualquer. Está-se mexendo em área delicada, a
relação com o mundo islâmico de paz e um segmento violento que age em seu nome, e a relação
com uma comunidade marginalizada na França. Mesmo assim, não se deve impedir nenhum tipo de
veiculação ou expressão, até a abusiva. Isso deve ser enfrentado a posteriori e com muita firmeza -
avalia.
Para Carlos Alberto, é preciso cuidado para não se dar ao governo o aval para que ele, a seu
critério, decida o que se pode ou não ser dito. Charges mexendo no miolo de sentimentos religiosos,
como faz o Charlie Hebdo, parecem a ele "mais do que mero exercício da liberdade de expressão",
mas o risco do controle sobre elas seria "infinitamente pior".
- É preciso liberdade ampla de expressão, e medidas judiciais posteriores muito fortes, que
ajudem a sociedade ou a pessoa afetada a penalizar o que julgar excessivo. Toda vez que se cerceia,
ainda que com motivo justo, as consequências serão piores - diz ele.
Diálogo
Há uma tradição internacional de preservação do diálogo como critério. Nos EUA, a Corte
Suprema adotou a doutrina do clear and present danger (perigo claro e imediato), para determinar
em que circunstâncias pode ser colocada em questão a 1ª Emenda constitucional, que protege esse
direito no país.
Sob tal preceito, pode-se restringir a manifestação de pensamento quando há perigo iminente,
em que não há tempo para iniciar o debate. Para haver debate é preciso lacuna de tempo que impeça
a violência. Quem diz "Vamos fazer a revolução pela força" exerce sua liberdade. Mas se, no meio
da multidão, disser "Vamos destruir o prédio", não haveria tempo para iniciar qualquer debate. Do
mesmo modo, deveria ser coibida a pichação anônima em muros, como na Londrina (PR) de 1998,
com os dizeres "Acabe com o problema do menor de rua. Mate um por dia".
Renato Janine Ribeiro contesta a validade de tal critério.
- A lacuna de tempo não basta. Seria pressupor que todos têm o mesmo preparo e acesso
aos meios de comunicação, os mesmos instrumentos para processar as ideias. O pressuposto para
a liberdade de expressão é estar exposto ao diálogo, mas o crime de ódio exclui o ambiente de
diálogo. Em geral, o contato de um grupo com outro é para melhor desqualificá-lo.
No Brasil, o terreno é sinuoso porque os operadores do Direito seguem entendimentos
diversos e a desigualdade da comunicação limita o acesso público ao debate.
- Nossa tradição histórica é de desprezo pela expressão livre. Esse desprezo está lá na
maneira como fomos colonizados, nas nossas ditaduras. A Constituição de 1988 rompeu com esse
passado autoritário. Mas a cultura social e jurídica sobrevive a mudanças do marco normativo. Temos
ainda uma cultura pouco sensível à livre expressão - diz Sarmento.
Vanguarda
Segundo Sarmento, há dúvidas, por exemplo, sobre a constitucionalidade de crimes contra a
honra.
- No Brasil, a acusação de calúnia, difamação e injúria tem sido usada por pessoas poderosas
contra a crítica a suas ações. Há uma maneira assimétrica de manejar o direito à expressão,
geralmente para proteger a reputação de autoridades, governantes e celebridades que querem
escapar de críticas.
A Constituição de 88 e o Supremo Tribunal Federal estabeleceram tradição liberal no quesito.
O STF assegurou a realização de marchas da maconha (2011), afastou a restrição ao humor contra
candidatos em período eleitoral (2010) e tornou inválidas as restrições à expressão da Lei de
Imprensa (2009). Mas, segundo Sarmento, outros juízos e tribunais têm sido indiferentes à
jurisprudência constitucional. São volumosos os casos de censura judicial à imprensa e restrições
desproporcionais às liberdades comunicativas. A justiça eleitoral, por exemplo, ainda retira vídeos da
TV e da internet que considere "propaganda negativa" a candidatos.
- Muita gente no judiciário está alerta para fazer valer algum grau de restrição à liberdade
expressão - diz.
É certo que o Supremo nunca afirmou o caráter absoluto dessas liberdades públicas. A Corte
já admitiu restrições pontuais, como a criminalização de publicações racistas e o veto à divulgação
de nomes e imagens de crianças e adolescentes envolvidos em crimes, duas decisões de 2004.
Contudo, a orientação do STF é de que a liberdade comunicativa desfruta de posição
preferencial na ordem jurídica, o que lhe confere prioridade quando outros direitos fundamentais
colidem com ela.
- Queimar bandeira é uma forma de expressão. No Brasil, havia uma lei dos militares que
proibia isso, que não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Ser preso por isso seria hoje
inconstitucional. Mas a incitação ao ódio é punida por ser crime de racismo. Em cada tipo de conflito
com direitos à honra, privacidade e igualdade, à proteção a crianças e adolescentes, a liberdade de
expressão deve receber proteção forte. Não se pode entregá-la de barato - diz Sarmento.
Fissuras
Para Renato Janine Ribeiro, o STF é avançado no melhor sentido da palavra "liberal". Mas
"manco" em direitos democráticos, que não raro envolvem liberdade de expressão.
- O Supremo, por exemplo, já deu posse a concorrentes derrotados quando Jackson Lago
(PDT) e Cássio Cunha Lima (psdb) foram cassados no Maranhão e na Paraíba, sem convocar novas
eleições, o que não é democrático - principia.
Do mesmo modo, diz Renato, o discurso antigay não é punido.
- Se um pastor falar contra a homossexualidade, o Supremo pode considerar que ele está na
esfera da liberdade da expressão. Mas não está dado que tal discurso não alimente e seja a causa
de violências contra gays.
O limite à liberdade de expressão seria, afinal, o dano causado? Se um católico bate boca
com um evangélico, ainda que um deles se sinta ofendido, ambos têm o direito de discutir suas ideias.
Mas se um deles organiza um protesto na porta do outro, a questão muda e vira incitação à
violência, a ser impedida pelo Estado.
- A democracia reconhece quem é contra a democracia. Mas muita coisa é tolerada quando
a democracia não está em risco. Simplesmente se deixa que bandos de malucos falem o que quiser.
Se o bando cresce, e só aí queremos tirar seu direito ao voto, por exemplo, será uma crise. Seria
preciso cortar pela raiz. O que fazer? - pergunta Renato.
Dessa ideia não escaparia nem o preceito segundo o qual onde o direito de um começa o do
outro termina. Um dos limites à expressão livre estaria na preservação da intimidade ou reputação,
por exemplo. Mas nem sempre é claro onde começa um direito e acaba outro.
- Um biógrafo descobre que seu biografado teve um caso extraconjugal, e isso é importante
para seu relato. Defendemos que as biografias devem contar tudo sobre pessoas públicas e os
incomodados que nos processem. Mas essa mulher pode nunca ter tido atuação pública de impacto,
não é persona a ser exposta. Como fica a imagem dela, esteja viva ou morta? - questiona Renato.
Narrado o fato, não há reparação.
- Reputação é como cristal. Se não há como consertar o feito, a punição será em dinheiro,
certo? Libera-se tudo, mas o autor sabe que, se o fizer, perderá as calças na Justiça. É insustentável
a posição do biógrafo que não sabe se pode escrever um texto sem perder fortunas ao fazê-lo. Libera-
se tudo? Omitem-se nomes? O Brasil não chegou a uma conclusão.
O reconhecimento da igualdade das culturas vai contra o princípio liberal da igualdade dos
indivíduos. Mas o fundamentalista jamais aceitará o princípio que sobrepõe a liberdade de expressão
à autoridade religiosa. E seu esforço contra blasfemos nos soará intolerável.
- O critério deveria ser: não se pode ir contra o próprio fundamento da tolerância recíproca -
diz Renato.
Nem a isso os especialistas aderem de forma unânime. Talvez descubramos ao final ser
impossível seguir regras claras. Tudo dependerá de como cada cultura encara a diferença entre as
pessoas. E sobre isso, o Brasil talvez tenha ao menos uma lição a dar aos franceses. Um bispo
neopentecostal já chutou a imagem de Maria via satélite e nem por isso um católico o metralhou.
Qualquer decisão que tomarmos vai denunciar nosso ponto de partida, se o da igualdade de
todas as pessoas ou da igualdade de todas as culturas. Não há um modelo universal de soluções.
Apenas a certeza de que o reconhecimento do indivíduo sem o de suas referências comunitárias (e
vice-versa) degenera em intolerância.
Fonte: http://escolas.educacao.ba.gov.br/etnicoraciais#sthash.XUzwddTO.dpuf
Texto 29: Diretrizes Curriculares Nacionais Para A Educação Das Relações Étnico-Raciais E
Para O Ensino De História E Cultura Afro-Brasileira E Africana