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CADERNOS DE CINEMA

têm por objectivo a divulgação


de estudos relativos aos mais
diversos aspectos da arte e
da indústria cinematográfica.

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FICHA

© Cinéma 68, Cahiers du Cinéma, Cinema Nuovo,


.
* Bianoo e Nero, Siegbert Mohn Verlag e Publica­
ções Dom Quixote.

Tradução: Carlos Porto, David Lopes, Jorge Nasci­


mento Fernandes, Luísa Lemos e Manuel
Machado da Luz.

Orientação gráfica: Fernando Felgueiras.

As opiniões expressas neste caderno não são neces-


sàriamente as da Editora.

Todos os direitos para a língua portuguesa reservados por


PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE, Rua da Misericórdia, 117-2.° — Lisboa

<
I

ÍNDICE

A OBRA DE ANTONIONI

Crónicas da angústia em Antonioni..................... 11

Crónicas de uma crise e formas estruturais

da alma ................................................................. 25

«O Eclipse»....................................................................... 53

«O Deserto Vermelho»................................................ 59

«Blow-Up» ou a aparência das coisas ............ 69

ANTONIONI E O CINEMA

A doença dos sentimentos................... 75

«L/Awentura» ........................................... 123

A Noite, o Eclipse, a Aurora .......... 127

As ideias de Antonioni............................ 143

Biofilmografia ........................................... 155


165
Documentação..............................................
A OBRA DE
ANTONIONI
>

CRÓNICAS DA ANGÚSTIA
EM ANTONIONI
por Renzo Recz:

Para compreender bem o início da obra


de Michelangelo Antonioni não vem para o
caso recordar a sua singular formatura em
Economia e Comercio obtida na Universidade
de Bolonha. E mais útil lembrar que ele se
formou no clima que antecedeu a guerra: per
um lado, colaborando na redacçào da revista
Cinema; por outro, rodando curtas metragens
(Gente del Po) e sendo assistente de Mareei
Carné em Os Trovadores Malditos. Partici­
pante, já então, de um certo tipo de cinema,
junta depois a sua natural atitude crítica i
amaríssima experiência da guerra perdida
daqui a necessidade — mais ainda que a espe­
rança— de uma regeneração moral responsa
vel que soubesse enfrentar fvnvmeme s ves
lidade tal como era, para oenvereerdè. 1
melhor, descobrindo a intensidade mesov e
desapego aparente.
Mas é certo que, desde então, \nuvreo.
vinha guiando oa seus estada .p
— sombrios o firmíaalnnw por um svi "
/1
persistente, duro, coerente, que procurava ali­
mento e confirmação nas experiências de uma
recente literatura europeia, empenhada em
desfazer os mitos mediante uma desapiedada
sinceridade até perante si próprio; necessi­
tava, também, de novas vocações, de outras
estruturas narrativas, de um alento cruel ca­
paz de manifestar a própria revolta através
do escândalo de uma visão obstinada e monó­
tona. Assim — com estas razões morais e lite­
rárias—, Antonioni saía dos ambientes ene­
voados e insuportáveis da baixa de Ferrara
sem os trair; pelo contrário, submetendo-os
às alegorias de um discurso que se expandia
mesmo no ponto em que se debruçavaA mais . ^
' fielmente sobre si próprio. O estado de animo
sombrio de Antonioni —que é também pro­
testo, que é sempre responsabilidade — ex-
prime-se já nas suas melhores curtas-metra-
gens: Gente del Po, Netteza Urbaim, L Amo­
rosa Menzogna, Superstizione. Elas são os
preparativos de um autor que sabe ja aquilo
que quer fazer — costume, assunto social, es­
tilo, lirismo profundo e temporal, destacam-se
como uma dolorosa reserva: é uma suspensão,
uma prisão do juízo lógico, para deixar que o
assunto se configure e ganhe forma nos seus
mais subtis e insistentes ambientes. Enfim,
um aParente desvio do naturalismo que soli­
cite o estremecimento de uma dificuldade: tal-
vez urna realidade a mudar, certamente uma
realidad e a recusar.
Amo^ando Antonioni> com Escândalo de
dizer-LPassa a ionga-metragem, inicia pode
uma carreira maldita. As dificulda-
12
des que encontra, de filme para filme, são
conhecidas de todos. Produtores e distribuido­
res, com os obstáculos que lhe levantam, pare­
cem querer conservá-lo num ambiente onde o
seu encoberto desespero possa encontrar as
razões para continuar a existir. Mas são tam­
bém a sua rigorosa coerência e a sua solidão
que não lhe permitem conciliar-se fàcilmente
com um mundo demasiado vulgar e acanhado.
Os temas dos seus filmes são todos histórias
de hoje: uma crónica da época que não quer
permanecer igual, mas que ambiciona passar
através do filtro de um gosto literário ade­
quado para angustiar a representação, para
alargá-la, para procurar entre os seus desen­
volvimentos os ecos de uma cultura — isto é, .
de uma consciência— moderna. Perante esta
crónica, de facto, ele nunca se comportou como
aquele que possui uma interpretação ideoló­
gica, racionalmente organizada, para propor
ao espectador; nunca sistematizou os seus
actos numa estrutura político-social definida
e expressa claramente. Contudo formulou
sempre o seu juízo. Mas que qualidades tem
um semelhante juízo e de que modo se ex­
prime nos seus filmes?
O cinema corrente tem tendência para ex­
primir um juízo conclusivo através do resul­
tado dos acontecimentos, e sobretudo através
dele (o bom vence: temos a epopeia; o bom
perde: temos o lirismo e a denúncia). Não é
que Antonioni, naturalmente, viva num mundo
completamente estranho a este modo de jul­
gar e concluir. Mas ele tem uma atitude pe­
culiar para dar relevo ao seu juízo num outro

13
momento da representação. Este momento é o
estado de ânimo pessoal do autor quando
observa o mundo que representa: atribui
muito mais carácter às situações do que às
personagens, quaisquer que sejam os resul­
tados dos factos, que seguem constantemente
uma lógica sua, respeitada; Antonioni, por
outras palavras, percebe os factos que decor­
rem por conta própria. Os factos possuem uma
chave que lhe é estranha. Ele preocupa-se
somente em observá-los, no seu acontecer ine­
vitável, procurando fazer compreender que a
sua sensibilidade está mais atenta num sen­
tido do que noutro, mas excluindo qualquer
forma de manifesto moralismo. Eis porque,
de resto, o episódio inglês de I Vinti, resulta
uma narrativa quase perfeita: o autor mani­
festou nele tudo o que angustiosamente não
compreende dos factos que o circundam, par­
ticipando, como um espectro, na mudança de
um protagonista que o gela por causa da sua
impenetrabilidade, e que contudo Antonioni
sente vivo e moderno: um homem do seu
tempo, para tomar em consideração com objec-
tividade e, ao mesmo tempo, com temor.
Mas vale também, como verdadeiro, um
juízo precedente: diz ele respeito à escolha
dos factos a narrar, recolhidos aparentemente
como dados de uma crónica, que é exposta.
Contêm muitas vezes, constantemente, situa­
ções de crise: um descambar de certos valores,
derrotas, culpabilidades, absurdo, sobretudo
da parte de expoentes da geração jovem em
ambientes burgueses. Assim, em conclusão,
S»;-.

u
descobre-se que Antonioni não propõe solu­
ções, não intervém nos acontecimentos, por­
que se sente participante de um mundo que
não pode dominar muito activamente. Limita-
-se, pois, a documentá-lo por via psicológica.
Desta maneira a sua posição é, por um lado,
de frio afastamento; por outro, de responsa­
bilidade participante. Por outras palavras,
ele está dentro da crise como um cúmplice
responsável: daqui a malograda proposta das
soluções manifestadas e, ao mesmo tempo,
a possível presença de um juízo no plano mo­
ral. Enfim, um processo de dolorosa auto­
consciência.
Tudo isto confere um tom particular às
suas representações. Assinala nelas uma pro­
blemática não resolvida, confundida com a
recordação enervante de derrotas anteriores;
existe ainda a impressão de um provincia-
nismo fechado, que esconde — mas não pode
exprimir— os seus ímpetos demasiado sufo­
cados, para isso tornados ocasiões de pesqui­
sas refinadíssimas e obcecantes. Também por
esta via, de facto, Antonioni é um apaixonado
cultor da forma. Ele aceita o extremo limite
de refinamento do ambiente em que vive;
ambiente no qual sente, todavia, a presença
da crueldade. Ama os sucessos da moda e
conduz até uma polémica de gosto, exprimindo
assim, juntamente à recusa da tese demasiado
racionalmente exposta, a sua confiança nas
possibilidades de descoberta pela via do sen­
timento. Nascem, desta maneira, filmes que
são sobretudo estados de ânimo em forma de

15
I

representação: blues 0) em torno de situa­


ções de crise, onde um secreto autobiogra-
fismo é proposto como documento da época.
O estilo tentado na narrativa não é ocasio­
nal, mas manifesta-se coerentemente com to­
das estas premissas. Antonioni adoptou pela
primeira vez, no nosso cinema, o chamado
«plano-sequência» (EscâyuLalo de Amor e
A Dama sem Camélias). A câmara demorava-
-se a tomar de novo os elaborados movimentos
dos actores, com diálogos extensos, sem corte
Isto é, o enquadramento tem uma duração
excepcional. Ê um retardamento, tal como ume.1
nota musical alta, incomodativa, que parece
não querer cessar (de acordo com a música
de Fusco). O enquadramento, deste modo, do­
mina a rapidez da acção deixando pesar sobre
o espectador uma fadiga, reveladora e neces­
sária para exprimir o estado de ânimo domi­
nante, que é o momento mais forte e decisivo
da representação. Naturalmente, depois dos
primeiros filmes Antonioni abandonou pai
cialmente uma aplicação demasiado progra
mática daquele sistema de montagem. Mas
as cadências internas mantiveram-se, para
testemunhar a não gratuitidade da sua esco­
lha primitiva. !É também pelo culto da impor
tância da fotografia do filme, tão rica de su­
gestões formais. A imagem que oprime cruel
mente, sendo bela, torna-se angustiante (a
duplicidade está na recusa do conteúdo de
um mundo, do qual se ama a forma). Final­
mente, há que considerar uma outra partícula
i (J) Em inglês no texto original. (N. do T.)

16

ua
ridade: o cuidado que Antonioni põe na es­
colha do tema e na realização, descurando
instintivamente — sem razão — a fase inter­
média, a planificação (que, frequentemente,
nos seus filmes, é defeituosa), o que revela
uma intolerância pela construção lógica e uma
clara preferência pelos momentos que melhor
deverão servir a intuição.

Um mundo em crise

Mas o mundo em crise que Antonioni


evoca com os meios adequados que acabámos
de procurar ilustrar necessita de uma mola,
de um pretexto, para existir, para depois se
dissolver. Este pretexto é o amor. O amor,
nos filmes de Antonioni, não é nunca felici­
dade, finalidade, solução: é antes um senti­
mento sombrio e dilacerado, um tormento,
uma impossibilidade, um impulso para a mor­
te. Deste modo, a difícil relação com o outro
sexo torna-se — por uma via romântica en­
tendida até ao desespero — o símbolo desta
impossível confiança na vida: a imagem de
uma solidão destinada a encerrar-se no pes­
simismo e no sofrimento. A ânsia de união
leva todavia Antonioni a procurar a mulher,
como personagem, com o fim de a reintegrar
numa sociedade que substancialmente a des­
cura; para confundir nela os seus sofrimentos,
as necessidades, as imprecações contra a vida,
que o não satisfaz. Eis porque ele concebeu
alguns dos seus dramas a partir de figuras de
mulheres humilhadas, compradas, dependen-

17
V
I 1
? •1 tes (Escândalo de Amor, A Dama sem Camé­

lias), solidarizando-se com o seu justificado


% e trágico debater; reconhecendo-lhes uma
I - actividade (Le Amiche) capaz de dar uma

'
I dignidade mesmo ao jogo das ilusães e das
evasivas. Antonioni, assim, encontra uma afi­
nidade natural com Pavese, uma vez que mui­
II, tos movimentos de fundo são os mesmos.

I A mulher, tão amada, torna-se o receptáculo


do próprio desespero. Mas o desespero nasce

li
:
1li também da difícil relação com ela: da impos­
sibilidade de uma total união.
O Grito é o reverso desta coerente meda­
lha. A mulher é a causa não culpada da tragé­
dia do homem que inutilmente a procura, bus­
cando nela — solitário e vagamente rebelde —
o fim de si próprio. A impossibilidade do
contacto — que é o símbolo da impossibili­
dade do amor, isto é, de uma vida verda­
deira— está, portanto, fora da responsabili­
dade deste homem, numa forma de destino
funesto. E se nos filmes anteriores Antonioni
deixava entrever o indício da denuncia de um
!•< ambiente social preciso, portador da ruína
\x\ inevitável das personagens, em O Grito a indi­
cação torna-se fraquíssima, indirecta, o sim­
I
í
i ples testemunho de um tempo que não satis­
! faz. Agora, precisamente, não existe mais a
!
U dúvida (ou esperança) de que a situação possa
V. ■
:■

ser modificada por outras vias: fechou-se,


J converteu-se numa trágica situação existen­
I cial. Não deve induzir em erro, portanto, o
\ ii facto de que em O Grito Antonioni tenha es­
'-
*. * colhido como protagonista um operário, quer
f dizer, uma figura socialmente qualificada e
.1
■ h

. !
i 18

'
'
reconhecível. Devemos antes entender esta
sua escolha como se o autor pretendesse alar­
gar absolutamente os seus problemas ao com­
ponente de uma classe que parece recusá-los,
para demonstrar quanto está difundido o in­
fortúnio da vida que ele quer exprimir. Anto-
nioni procurou no operário o limite mais
inflamado dos impulsos de comunicação, para
demonstrar a si próprio, através de uma espé­
cie de transfert 0) autobiográfico, que a sua
solidão não é certamente nem um caso pri­
vado, nem a caracteristica de uma única
classe. Mas ele situou-se numa zona de colec-
tivismo para confessar a sua dolorosa incapa­
cidade de aderir.
Se queremos interpretar estas declarações
implícitas como um documento sociológico,
podemos concluir que elas exprimem bem o
momento particular de desconfiança que in­
fluenciou muitas forças — todavia ainda vi­
vas — não só do nosso cinema, mas de todo
o ambiente cultural. Se queremos, ao contrá­
rio, entender o facto como uma evolução pes­
soal de Antonioni diremos que ele concretizou
desta forma, em termos claros, um existencia­
lismo latente, que o conduziu sempre aos ca­
minhos da angústia, num mundo que se
conhece unicamente a si próprio e que recusa
quer o deus da metafísica, quer o da história,
para se contentar com o corajoso e sombrio
reconhecimento do seu desespero 'presente.
É por causa, afinal, deste progressivo amadu­
recimento que, no momento de crise mais
(*) Em francês no texto original. (N. do T.)

19

(
\! , .
6 i
I I
consciente do nosso cinema, Antonioni encon­
trou-se a ocupar justamente a ala mais ex­
trema do alinhamento, lugar que ocupava de
9 t;
facto — pode dizer-se — desde há tempo. Tal­
;i ■
vez desde o momento em que, assistindo a
Carné (e escrevendo apreciados ensaios sobre
o realizador), começava a partilhar os movi­
: mentos de uma determinada cultura que de­
. pois, de maneira mais clara, procurou sempre
I u i
introduzir no nosso movimento cinemato­
1 gráfico.
Por outro lado, que essas raízes fossem
! reconhecíveis confirma-o ainda uma particula­
ridade de O Grito aparentemente insignifi­
cante: referimo-nos à escolha de Steve Co-
chran, o protagonista, que é talvez, bem pen­
sando, um erro do filme. O actor americano,
com efeito, na forma confundiu-se perfeita­
mente com a imagem de um operário. Mas na
substância — isto é, nos estados de ânimo pro­
fundos que cada um de nós tem inevitavel­
mente— ele está bastante longe do tipo de
homem em que havia pensado Antonioni.
Cochran não consegue exprimir completa­
mente — daqui a sua imobilidade, a sua sub­
s I til inexpressividade — o peso do problema,
li
: aquele antecedente cívico que, por exemplo,
f um actor francês teria dado sem esforço. Ele
é verosímil no aspecto exterior, mas não o é
; •- outro tanto no espírito, se queremos que a
i
verosimilhança esteja relacionada particular­
mente com a natureza da representação e,
/j;! sobretudo neste âmbito, ela encontre a sua
justificação. Natureza de uma representação
i
que, dentro da perspectiva dos ecos marxistas,
i
Ti! 20
-ai
i
!
prefere cultivar a presença de motivos român­
ticos — amor e morte —, ilustrando os impul­
sos irracionais da paixão, na tentativa de
colher uma realidade actual, moderna, literá­
ria, através da intuição e do sentimento, como
um documento a propor. O obstáculo está,
precisamente, numa realidade completa, no
destino que possamos influir, visto que está
aqui, agora, na terra. Então o motivo da
crise romântica é sempre dado em termos de
consciência realista unindo-se às subtilezas
de uma morte que o autor sente ainda antes
de partilhá-la.
Õbviamente, a este propósito não é lícito
dizer que Antonioni, só por isto, tenha con­
seguido sempre resultados artísticos. Os seus
filmes, de facto, mais do que obras acabadas,
constituem, cada vez mais, difíceis tentativas
pessoais por caminhos solitários, aristocrá­
ticos, à procura de elaborações coléricas e
insólitas. Quando era fácil encontrar a cor
e a vivacidade no populismo ou, talvez, num
mal-entendido tema proletário, ele procurou
os ambientes nus e amortecidos da burguesia.
Quando imperavam o esquematismo e a im­
provisação, ele procurou o estilo e a forma
literária. Quando se exaltavam a variedade
e a frivolidade, ele explorou a monotonia in­ i
tensa e os filmes tensos num único ponto.
Fiel a si próprio — entre os pouquíssimos —,
fez sempre, mau grado as dificuldades, uni­
camente os filmes que sentia e que queria
fazer. Talvez por isto — por esta coerência
que é também uma força moral e uma neces­
sidade — devamos então reconhecer-lhe os ca-

21
.
•í
I
•!
!• racteres inconfundíveis de uma personalidade
válida. Antonioni, de facto, atrai-nos para
r. uma áspera sinceridade, para uma recusa dos
slogans demasiado correntes. Ele obriga-nos
a reparar na nossa experiência e a comunicá-
: :-í % -la, ainda que a custo da impopularidade.
!!l Se agora, para comodidade de exposição,
quisermos indicar esquematicamente dois mo­
iíl dos de entender a função da arte, de um lado
colocaremos os autores que partem de uma
i I concepção ideológico-política precisa, geral­
; mente reconhecida, e que procuram pois o
documento — por intermédio das obras —
para confirmá-la e em seguida afirmá-la; do
i outro colocaremos aqueles que acreditam que
o contributo da arte deve ser original, como
a revelação de conteúdos ainda não codifica­
dos nas várias doutrinas. Estes últimos, natu­
ralmente, procurarão exactamente na desor­
dem dos estados de ânimo gerais os mais per­
sistentes, para indicá-los como qualquer coisa
que deve ser, em cada caso, trazida à luz da
consciência, ainda que seja na sua confusão
sentimental.
íf \ í
I
O suicídio tentado

i
;
Existe um filme não completamente con­
seguido, na história do nosso cinema, que
1 todavia serve muitas vezes como termo de
comparação para compreender certas prefe­
rências, certos métodos e certas caracterís-
'm
- V
ticas de alguns dos nossos autores cinemato­
gráficos. Este filme é Retalhos da Vida. Entre

22

H;
r I
1

os outros, o episódio de Antonioni, intitulado


Tentato Suicídio, foi frequentemente acusado
de não seguir um fio orgânico, como aconte­
cia, por exemplo, nos fragmentos de Zavattini-
-Maselli, Lizzani, Risi ou Lattuada. Mas, em
nossa opinião, além dos méritos da textura
narrativa, na sua desorganização ideológica,
o episódio de Antonioni relatava-nos situa­
ções de vida muito mais inéditas — em sen­
tido absoluto — do que aquelas que nos ti­
nham mostrado os autores há pouco citados.
Seguindo o método da livre indagação, sem
preconceitos ou programas, seja todavia na
linha de uma matéria congenial, Antonioni
não destroçava certamente as orientações dos
outros autores (porque as verdades, ainda que
já «reveladas», têm a maravilhosa capacidade
de volver novas, desde que o seu ilustrador as
tenha revivido 'poeticamente como descobertas
pessoais): mas dizia-nos que também a arte
como espelho de conteúdos ainda a organizar
ideologicamente em todas as suas ramifica­
ções históricas, sociais, filosóficas, religiosas,
pode encontrar uma função vital sua, quando
situa no centro do próprio discurso situações
sentimentais que revelam os impulsos profun­
dos, ainda fugazes para a razão, de certas
camadas de uma colectividade em movimento.
Eis porque resulta legítima, ainda dentro
desta perspectiva, a afirmação de Thomas
Mann quando escreve: «... um artista privado
de adesão moral à vida é uma coisa impossí­
vel: o seu próprio instinto produtivo é uma
expressão dela, é um sinal de coragem, de
sociabilidade actuante, ainda que ele criasse

23
h
;;
a obra mais adversa à vida que se possa ima­
} }i ginar». O romance dos sentimentos torna-se,
então, o documento vivo, original, de uma
história não oficial, mas igualmente impor­
tante, uma vez que prepara os movimentos
\\ conscientes de amanhã. Daqui nasce, para
! isso, também a razão cívica de Antonioni,
quer dizer, a de um autor que, permanecendo
fiel a si próprio, e exprimindo-se com a me­
ií lhor sinceridade possível, nos ajuda a com­
preender — recolhendo-a em imagens — uma
parte nem manifesta nem insignificante do
nosso tempo. Ajuda a exaltarmo-nos numa
consciência dolorosa: aquela que não quere­
mos reconhecer por nós próprios.
Cinema Nuovo
(Maio/Junho de 1959)
;

|
1|

|:
*
'1.f .
CRÓNICAS DE UMA CRISE
E FORMAS ESTRUTURAIS DA ALMA
por Guido Aristarco

Já vimos quais as fontes literárias e cultu­


rais de Visconti, como sempre relê critica­
mente os textos de que parte (quando os não
transforma no seu significado: Dostoiewski),
como estes textos resultam operantes num
contínuo encontro e integração da experiência
vital do passado — do património ideal e for­
mal da literatura, da tradição intelectual —
com a experiência original, na qual a inspira­
ção brota «directamente dos factos da vida
e dos problemas da existência». E vimos como,.
a partir destas fontes e desta integração de
experiências, ele acabou por chegar ao ro­
mance afim do realismo crítico. De romance
se pode também falar, embora em outras di-
recções e com outras estruturas, a propósito
de A Aventura e de A Noite. É óbvio que
quando estabelecemos, como neste caso, seme­
lhantes cotejos não queremos despojar o filme
dos seus «específicos», das suas qualidades
e possibilidades, mas sim elevar uns e outras
ao nível da autêntica narrativa; de tal modo

25

! que quando falamos, especificamente em rela­


ção a Antonioni, de «cinema literário» o adjec-
tivo se não deve entender em sentido restri­
tivo, mas, justamente, como capacidade por
parte do realizador de alcançar uma dignidade
análoga à do escritor, de igualar a sua com­
plexidade e as suas subtilezas (recorde-se,
a propósito, o «cinema intelectual» de Eisen-
stein, a sua teorização do monólogo interior,
a afirmação de Bresson segundo a qual o ci­
nema é uma «escrita», uma caméra-stylo).
i Não falemos, pelo menos de momento, das
ir! relações, examinadas noutros contextos, entre
Antonioni e Pavese: certos «encontros» do
ÍÃ primeiro com o segundo são interessantes e
pertinentes. É que a contraposição entre a
tendência a que Antonioni pertence e a ten­
dência viscontiana remete, ainda antes que
í': a. Pavese e a outros autores contemporâneos,
Ili! a Flaubert. Não há de facto dúvida de que,
para o realizador de Ferrara, «o verdadeiro
mm cume do romance do século xix, e seu autor
mais tipicamente clássico», é Flaubert, e não
Balzac (ou Stendhal ou Tolstoi), que as suas
preferências não vão para Mann, mas sim para
ti Gide, Proust, Joyce, para a literatura de van­
guarda, incluindo a nouvélle école francesa, o
romance du regarál. A Educação Sentimental
é, tanto do ponto de vista histórico-literário
como do filosófico e do sociológico, o seu
grande modelo. Parece não compreender, pre­
cisamente na esteira de Flaubert, os que con­
tinuam as tradições do realismo crítico, rejeita
qualquer extremo dialéctico ao dar forma às
1/ «personagens», renuncia (ou parece renun-

í:
ti
26

I;
ciar) a qualquer tese, a qualquer indirecta
intervenção nos acontecimentos e a qualquer
directa interpretação dos factos: não participa
e não narra; observa e descreve a vida quoti­
diana monótona, igual, sem relevo. O seu ro­
mance não é feito, como o de Visconti, de uma
progressão dramática e de uma narração de
«perfeito engenho»: substitui esta forma por
uma série de quadros, por uma narração «em
que o protagonista é o tempo, como elemento
que determina e anima as personagens ou
como princípio que as consome, as aniquila,
as devora... Consumimo-nos lentamente com
as nossas esperanças e as nossas ambições; é
a mais triste das realidades. Este langor gra­
dual e imperceptível, que mina silenciosamente
a vida sem sequer produzir o estrondo das
grandes, imponentes, catástrofes, é a experiên­
cia em que — como acentua Thibaudet no seu
Flaubert— se concentra A Educação Senti­
mental e, pode dizer-se, todo o romance mo­
derno».
Um tal conceito da vida e da arte, «ade­
quadamente expresso pela primeira vez» no
romance de Flaubert, é pois em Antonioni o
ponto de partida para atingir, não deixando
de passar por Parese, mas sem recolher certas
iluminações suas (a intuição da «nova palavra
de ordem»: romper a crosta da solidão, a
nossa e a dos outros), as experiências da van­
guarda literária: O Estrangeiroy de Camus,
por exemplo, as «crónicas da crise», as «novas
formas estruturais da alma», de Musil, de
Broch, de Dorerer. Não é por puro acaso que,
em A Noite, Valentina é apresentada a ler
27
5
Os Sonâmbulos enquanto se desencadeia a
parada dos «obcecados», dos convidados da
villa em Brianza: parada que constitui a se­
gunda parte do filme e que se deve relacionar
com a festa final no San Domenico Palace, de
Taormina, em A Aventuray análogo aspecto
da mesma «noite». Não é também por puro
!i acaso que Antonioni nos mostra neste filme
Ui os livros que a «desaparecida» Anna lia: a

I Bíblia e Terna É a Noite (o velho diplomata,


o pai conformista da rapariga, referindo-se
apenas ao primeiro, exclui o suicídio e com
resignação coloca-se «nas mãos de Deus»).
Os seus protagonistas são seres sem qualida­

I !í
I:?
des; sem qualidades é, justamente na acepção
de Musil, o seu existir: «Às suas muitas quali­
dades (as de Ulrich) não corresponde ne­
nhuma capacidade de agir. Talvez fosse mais
exacto dizer — insinua, em certo ponto, o
I autor— que o homem sem qualidades é o
1I conjunto de qualidades sem homem.» Assim
é o arquitecto Sandro, de A Aventura} o ro­
mancista Giovanni, de A Noite. E Valentina
&
s
!■ i.

W.
não sabe com que fim deva agir; tudo lhe
agrada, está disponível para novas experiên­
cias: «continua a cultivar-se e a observar os
outros; pode parecer uma indolente, mas é,
de facto, alguém que está na expectativa».
Também a sua existência é pura possibilidade,
e não realidade efectiva; também nela tudo
poderia acontecer e, justamente por isso, nada
acontece: não se transforma num «farrapo»
depois do encontro com Pontano; permanece
um «farrapo».
I!
28

H
Um semelhante nivelamento das possibili­
dades em sentido puramente subjectivo tem
em Antonioni um papel de primeiríssimo plano.
A solidão identifica-se com a incomunicabili-
dade do homem, com o conceito de que, em
cada encontro, encontramos um «estrangeiro»
e de que cada um de nós é «estrangeiro» para
si próprio. Tem nas últimas obras de Anto­
nioni um diverso e comum ponto de chegada,
a busca desesperada de outrem, a dificuldade,
melhor, a impossibilidade, de se ser transpa­
rente tanto aos outros como a si mesmo? Para
além do facto artístico, da maturidade expres­
siva e de linguagem do realizador nelas atin­
gida, quais as «mudanças» do seu itinerário
nestas novas «crónicas da crise», formas es­
truturais da alma? Que significam os títulos-
-chaves de A Aventura e de A Noite em rela­
ção aos dos seus precedentes filmes, os quais,
como, por exemplo, o de O Grito, não são
menos emblemáticos? Não nos encontramos
perante «aventuras» em sentido comum, pe­
rante o costumado «jogo do amor» mais ou
menos subtil, ainda que o início do primeiro
dos dois filmes — sete pessoas partem num
iate para um cruzeiro às ilhas Eólias, e uma
delas, Anna, desaparece— o possa fazer su­
por a quem não conheça a visão do mundo
e a coerência estatística de Antonioni. O autor
fala de um «romance policial ao contrário»;
e isto é já uma precisa referência à ânsia,
à insegurança da existência: à angústia de
Claudia, primeiro pelo desaparecimento da
amiga e, depois, pelo medo de que esta volte,
irrompa, destruindo a nova experiência que
29
•{
•!:
k/• está a viver. O que significa imediatamente
' uma precaridade dos sentimentos, da sua du­
;
S í ração. «As ambições do filme — afirma Anto-
nioni — são naturalmente mais vastas do que
as de um vulgar romance policial. Ele pre­
Eli tende significar, por exemplo, que os senti­
II
• I-
mentos aos quais é hoje dado um peso defi­
nitivo pela retórica sentimental e pela casuís­
tica narrativa são, na realidade, frágeis, trai­
çoeiros, reversíveis... Começa a busca por
parte dos companheiros de Anna e, sobretudo,
de um deles, Sandro, o apaixonado. E a busca
dura ao longo de todo o filme. Todavia, a par­
tir do meio, o espectador deve desejar (tal
como o deseja Claudia) «que a rapariga não
mais seja encontrada. Anna deixou um vazio,
o vazio preenche-se lentamente» 0).
Sandro deveria estar perturbado, preo­
cupado, ansioso, e ao princípio está-o, mas
depois, lentamente, os seus sentimentos debi­
litam-se porque não têm força. Ê ele quem
já não quer encontrar a rapariga, quem já não
quer procurá-la, quem deixa de se preocupar.
Não tem vontade de sacrificar-se: «Ê idiota
sacrificarmo-nos. Porquê? Por quem? Se Anna
estivesse aqui ainda poderia compreender os
teus escrúpulos — diz ele a Claudia. — Mas
não está. Não será melhor olhar as coisas de
frente, tal como elas são?» Passaram apenas
três dias desde o desaparecimento de Anna
e o primeiro encontro de Claudia com Sandro.
«Será possível que nada mais seja preciso

(*) Cf. UAvventura, volume organizado por Tom-


maso Chiaretti. Cappelli Editore. Bolonha, 1960.

30
íj
a
para mudar, para esquecer? É triste, tão
triste que dá vontade de morrer.» Claudia
não está habituada, preparada, para a mu­
dança, mas já está mudada; inúteis resultam
as tentativas, como a de sequência do com­
boio, para se separar de Sandro. Também a
sua necessidade de ver «tudo claro», o seu
desejo de uma vida mais simples (tal como
surgia a Zola e como este sustentava em polé­
mica com Stendhal), cede. Também para ela
a busca de Anna no itinerário siciliano, desde
a aldeia abandonada até Noto e Taormina, é
agora um pretexto, possui um bem diverso
objectivo. «Há poucos dias — confessa no fim
abertamente a Patrizia —, ao pensar que
Anna podia estar morta, também eu me sentia
morrer. Agora nem sequer choro. Tenho medo
de que esteja viva. Tudo se está a tornar mal­
ditamente fácil, até o privarmo-nos de uma
dor.»
Esta denúncia da fragilidade dos senti­
mentos codificados pela moral corrente insere-
-se no capítulo, caro, como se viu, a Antonioni,
da incomunicabilidade, isto é, no capítulo do
tédio em sentido moraviano ou, melhor, que
Moravia realizou no seu último romance 0):
a impossibilidade de estabelecer uma relação
concreta entre o indivíduo e a realidade, entre
o objecto e o sujeito, entre o pensamento e a
realidade; a ausência de relações concretas
com as coisas, consigo próprio e com os ou­
tros. «Para muitos, o tédio é o contrário do

(*) Alberto Moravia — La Noia (lit.: O Tédio).


Bompiani. Milão, 1960.

SI
1^

divertimento; e divertimento é distracção


‘ olvido. Para mim, no entanto, o tédio não é o
contrário do divertimento; poderia mesmo
Si dizer que, sob certos aspectos, se assemelha
ao divertimento na medida em que justa­
mente provoca distracção e olvido, ainda que
de um género muito particular. O tédio, para
mim, é propriamente uma espécie de insufi­
ciência, ou de inadequação, ou de escassez da
U\ realidade.» O tédio, este tédio, é identificável

em Dino — o pintor de Moravia, que, logo
I desde a primeira página, renunciou a pin­
: tar—, tal como em Sandro e em Giovanni,
Iií; o arquitecto e o escritor de A Aventura e de
gl

A Noite. Nasceu neles precisamente devido ao
1 absurdo de uma realidade insuficiente para os
h: persuadir da sua própria, efectiva, existência,
devido à incomunicabilidade e à incapacidade
1H
í
: de a ele se furtarem de outro medo que não
seja o da consciência teórica de que poderiam
de facto furtar-se-lhe «graças a não sei que
VÍ|; milagre».
■! ;•

i1 .iii
t i Mi Também em Sandro o «tédio» tem como
f; consequência a esterilidade da arte, o render-
-se ao conformismo; também ele, como Dino
: I i e Giovanni, tem consciência do seu fracasso;
il! m
'• :: •
daqui a confissão a Claudia perante a fantasia
arquitectónica, o movimento, a extraordinária
liberdade da praça de Noto, daqui a humilha­
ção e a irritação que sente ao encontrar os
dois jovens arquitectos que o levam a recor­
dar-se de quanto havia querido fazer e não
fez. A confissão está ligada ao propósito de
«se chatear» com Ettore, de o abandonar.
Ettore recorre à mãe de Dino, essa fonte de

32

ÍIJ I
dinheiro que o pintor, tal como, aqui, o arqui-
tecto, despreza e à qual, no entanto, continua
a recorrer, sem a qual não pode passar. Em
ambos se estabelece um nexo indissolúvel
entre o tédio e o dinheiro, entre a convicção
de que a riqueza entedia e a de que o tédio
impede de construir, de criar; nem um nem
outro consegue libertar-se da obsessão de que
o tédio depende da riqueza e a esterilidade
da arte do tédio. «Já notei que o tédio con­
siste principalmente na incomunicabilidade.
Ora, não podendo comunicar com a minha
mãe, de quem eu estava separado como de
qualquer objecto, era de certo modo obrigado
a aceitar o equívoco e a mentir-lhe.» Também
Sandro mente da mesma maneira a Ettore:
sabe perfeitamente que o «divertimento» que
este lhe oferece não é nem o contrário do
tédio nem o seu remédio. Daqui a confissão
que assinala a culminação positiva da sua
crise cultural, moral e psicológica; Sandro
propõe a Claudia que se case com ele; tam­
bém ele, por vezes, pensa, como Dino, que
mais vale morrer do que continuar a viver
daquele modo.
Sandro e Anna não comunicam. Só o amor
físico é possível entre eles, não se estabelece
outro contacto. «Estarmos longe um do outro
é um tormento tenta explicar Anna a Clau-
dia.—É difícil manter de pé uma, ligação vi­
vendo cada um para seu lado. Mas é também
cómodo. Porque pensas o que queres. Quando,
pelo contrário, sabes que ele está aí, mesmo
na tua frente, em pessoa, já não há intimi­
dade.» Para tornar mais real esta intimidade
38
3
l-
i •

v que sente afastar-se e desvanecer-se cada


vez mais, e na tentativa de superar o tédio de
1 Sandro que a separa dele, Anna recorre à
grande mentira; mas, dada a inutilidade da
íl,! tentativa de estabelecer um contacto para
'
além do amor físico, coloca-se à margem, de­
i-1
saparece. O tédio, a incomunicabilidade de
: • um sentido extinto após dez anos de concubi­
nato, divide Corrado e Giulia: «não te dás
conta — diz-lhe Corrado — que quanto mais
tempo passa mais difícil se torna falar com as
pessoas? Percebes?». Um outro estádio do
h'!;! tédio, ao mais baixo nível, divide Raimondo
e Patrizia: fazem coisas, brincadeiras, nas
1 Pi í
quais já não crêem: ele, a caça submarina,
ela, a composição de um puzzle, que, uma vez
terminado, deveria figurar uma cena de gosto
II clássico.
Sandro toma-se portanto, tal como Dino
ll! e Giovanni, transparente a si próprio: tem
líit\ • consciência da sua condição, da sua cedência,
do tédio que o levou à esterilidade. Eis um
!-
m traço novo de A Aventura em relação ao pre­
• t cedente Antonioni. Todavia as possibilidades
de Sandro mantêm-se ainda «impossíveis»,
abstractas, e não concretas; é incapaz de sair
da sua própria impotência de homem e de
intelectual. Ã tomada de consciência segue-se
a repugnância por si próprio; mas é justa­
mente esta repugnância que o reconduz às
relações com Anna e, uma vez desaparecida
Anna, ao propósito de viver com Claudia um
análogo «idílio» na ilha deserta e rochosa:
ou, melhor, quanto mais a crise se manifesta
mais explosivo se torna o irrefreável desejo

34
de contacto físico; é justamente então que,
com desesperada indiferença, se deixa arras­
tar de novo para todas as aventuras nesse
sentido possíveis. O encontro com os dois
jovens arquitectos, logo a seguir à confissão
feita a Claudia, à proposta de casamento, im-
pele-o novamente para o tédio no que este tem
de semelhante a um divertimento de género
muito particular nos seus diversos aspectos de
«distracção» e olvido. O propósito de separar-
-se da realidade, de esquecer tudo o que havia
desejado ser, determina o seu violento e im­
previsto desejo físico por Claudia no quarto
do esquálido hotel de Noto; para esquecer
a promessa de abandonar Ettore — dá-se
conta, durante a festa de San Domenico Pa-
lace, de que só em palavras se queria libertar
de Ettore — acompanha a prostituta de luxo.
O tédio serve-lhe, mais uma vez, para velar
o mundo à sua roda, para levar a realidade
à opacidade do início.
Sandro não é apenas transparente a si
próprio; torna-se também transparente, no
fim, a Claudia: comunicam. O gesto da mulher
ao acariciar, após alguns instantes de hesi­
tação, a nuca de Sandro não se confunde com
um simples perdão perante a «traição»; e
parece-nos que nem sequer se pode falar sim-
plisticamente de «piedade». «Poder-se-ia viver
sem nenhuma relação com algo de real e não
sofrer com isso?» — interroga-se o Dino de
Moravia. Este é também o verdadeiro pro­
blema de Sandro: o seu choro —pela pri­
meira vez o vemos chorar— tem justamente
o mesmo significado; e o gesto de Claudia

35
J
.
deve ser relacionado com a compreensão do
próprio problema. Uma semelhante comuni-
cabilidade é outro elemento novo que emerge
li do conjunto da obra de Antonioni; determi­
nando-se no final do filme, conclui ele todavia
a «aventura»? Ou seja, que dimensões assume
este elemento no itinerário do autor, dentro
$ de que âmbito e com que ulteriores possibili­
dades se articula? É possível dizer, como
. podia parecer antes da exibição de A Noite,
!;'ii que ele parece mover-se numa perspectiva
e com dimensões mais abertas, orientadas
para a superação de uma solidão que leva ao
«vício absurdo», ao «grito» do suicida? Por
<!• outras palavras: levam-no as novidades apon­
te tadas a uma efectiva «mudança» da sua visão
í ■'
do mundo? A resposta vem-nos justamente
E de A Noite. Estilística e estruturalmente,
$ A Noite acentua o carácter estático de
A Aventura. Como no romance moderno, de
eh vanguarda, Antonioni, depois de ter renun­
ciado à trama, renuncia agora, ainda mais,
ao protagonista, atinge a deseroicização da
sua narrativa. Já A Aventura é o resultado,
rigorosamente prosseguido e conseguido, de
uma paisagem entendida quase como proemi­
nente, e não mais apenas como indispensável:
«Senti a necessidade de fragmentar muito a
acção inserindo, em muitas sequências, enqua­
dramentos que podem parecer formalísticos
e não essenciais, enquadramentos de tipo ver­
dadeiramente documentário (uma tromba de
água, o mar, a passagem do golfinho, etc.),
que, na realidade, são para mim indispensá­
; veis porque ‘servem’ a ideia do filme.»
!/■

jíri 86
M

mI
O fluir dos pensamentos e das associações
em vez do fluir dos acontecimentos, o fluxo
da consciência em vez dos heróis individuais,
a simultaneidade dos estados de ânimo, estão
no centro de A Noite. Que é o interminável
passeio de Lidia, primeiro no caos da vida
citadina, depois na aparente tranquilidade
da periferia, senão um longo monólogo inte­
rior, senão a imagem caleidoscópica de um
mundo desintegrado que ela desencadeia den­
tro de si (e não é já talvez o despertar de
Claudia no quarto do luxuoso hotel de Taor-
mina um monólogo interior igualmente belo,
artisticamente conseguido?). Aqui, tal como
em A Aventura, Antonioni demonstra a sua
completa maturidade em semelhante espécie
de análises; aqui a novidade da sua linguagem
fílmica. Depois do «cinema intelectual» de
Eisenstein, da teorização do monólogo inte­
rior pelo realizador soviético feita reenla-
çando Joyce, o cinema psicológico na nova
concepção do adjectivo — onde toda a reali­
dade se torna conteúdo da consciência psí­
quica encontra as suas primeiras culmi-
nâncias, supera os resultados de Bresson e do
melhor Bergman. Em Chaplin, em Visconti,
na esteira da psicologia tal como era enten­
dida no romance oitocentista, «alma e carác­
ter contrapõem-se como pólo oposto ao mundo
e à realidade, e a psicologia não é senão a
relação antitética entre sujeito e objecto, eu
e não-eu, intimidade e mundo externo». A An­
tonioni, pelo contrário, como na literatura do
novo século, a de Proust e a dos seus prede­
cessores e continuadores directos ou indirec-

37

J

tos, já não importa tanto caracterizar a per­


sonalidade individual como, precisamente,
analisar o mecanismo psíquico em si, descre­
l ver toda a estrutura psíquica das suas «per­
sonagens». A passagem das sugestões que
encontra em Joyce é o resultado de A Noite.
■ Observando Ulisses vemos que nele se descre­
vem o tecido e os motivos de um dia na vida
:•
i de alguns indivíduos. Este dia é o verdadeiro
herói do romance de Joyce ou, se quisermos,
no sentido apontado, do seu anti-romance.
Continua a denúncia da instabilidade, da
:
fragilidade dos sentimentos. Também Gio-
vanni, o escritor que alcançou o sucesso, está
; emparedado vivo dentro de si próprio, dentro
., da prisão hermética e sufocante do tédio:
P! perdeu o contacto com a realidade, não comu­
nica com os outros. Assiste à agonia de
újt
Tommaso, do amigo escritor, numa absurda
Hl clínica para ricos de significados algo mannia-
nos (ela é apresentada, tal como o sanatório
de Davos 0), como alegoria da Europa da
grande burguesia; e, de resto, não remete o
significado do San Domenico Palace ao do
hotel de luxo de A Morte em Veneza?). E, logo
após este encontro — que é um adeus —, acha­
te disponível para os convites da doente vi­
ciosa que tenta seduzi-lo. Vê Lidia, a mulher,
depois de dez anos de casamento aparente­
mente tranquilo, através de um diafragma
que se interpõe como uma parede divisória
-U:
m (*) O sanatório em que decorre a maior parte da
acção de A Montanha Mágica, de Thomas Mann.
(N. do T.)
I 38

i
(tal-qual a parede invisível que separa Valen-
tina dos outros), e a ambos falta a possibi­
lidade de harmonizar, de fazer ajustar os
aspectos externo e interno das suas existên­
cias; também ela, já o vimos, está condenada
a viver como espectro numa realidade irreal,
isto é, absurda: a impossibilidade opulenta
e entediante da villa} como diria o Dino de
Moravia, própria dos móveis que foram esco­
lhidos por serem caros; o seu pai, o rico indus­
trial, que, tal como Ettore, não acredita senão
no dinheiro e, justamente por isso, vê na cul­
tura conformista, em Giovanni, um bom negó­
cio; os convidados, que se relacionam mais
com os «sonâmbulos» de Broch do que com os
«demónios», os «monstros», de Doderer (a
imagem, a alegorização dos monstros é ine­
rente a Fellini devido às vertentes místicas
deste). Estes sonâmbulos, tanto na sua pa­
rada na villa em Brianza como durante a festa
do San Domenico Palace, já não vivem: são
marionetas, autómatos, mortos como Patrizia
e Raimondo, Corrado e Giulia.
Antonioni sintetiza ainda mais todo o seu
«tempo» no conceito e na expressão «o bur­
guês»; gravita em torno do burguês como um
satélite em torno do seu planeta. A época he­
roica da sociedade burguesa está já definiti­
vamente ultrapassada. Não haverá lugar, pos­
sibilidade de existência, para a stendhaliana
Mathilde de La Mole? Tal como os de Ma-
thilde, também os belíssimos olhos de Valen-
tina, dos quais se exala o mais profundo tédio
e a desesperada convicção de não poder encon­
trar a felicidade, se fixam em Giovanni; mas

39
este, ao contrário de Julien, é como os outros;
com ele a vida não deixaria de ser uma se­
quência de dias todos iguais. Não é decerto
um Danton (Valentina pretende despertar um
convidado que dorme: «Acordemo-lo; as horas
passam e acontecem tantas coisas». «Não é
verdade — responde Giovanni —, nunca acon­
tece nada»). Para Giovanni (e para Sandro)
o «coito é conteúdo e estilo de vida, variado,
atraente, virulento». Lukács sublinha como
um problema análogo é aflorado por Broch,
Kafka, Musil e outros, e como, apenas em
pouquíssimos casos, se trata de uma impotên­
cia física, e diz respeito, pelo contrário, a
uma impotência psíquica, a uma carência
do homem na sua relação com a mulher ou,
melhor, a uma traição para com a mulher
que se pretende seja humilhada a objecto,
cujas qualidades não carnais já não são apre­
ciadas. É todavia de notar que não ê Anto-
nioni quem deseja esta humilhação, mas sim
as suas «personagens»; que a mulher assume
mesmo, na concepção do autor, um peso maior,
uma vitalidade negada ao homem. Esta reva­
lorização da mulher inicia-se em Antonioni
com As Amigas, com o seu encontro não
casual com Pavese. Não há dúvida de que
Claudia é mais receptiva, mais «positiva» do
que Sandro, e que Lidia e a própria Valentina
são-no mais do que Giovanni. Contràriamente
à Louise de Stendhal, a qual nunca tinha
ousado julgar o marido e nem sequer confes­
sar a si própria que este a aborrecia, Lidia
sente a necessidade e tem a coragem de dizer
a Giovanni o que descobriu durante esse

40
monólogo interior que termina com a notícia
da morte de Tommaso.
Lidia é transparente tanto a si própria
como ao marido; vê nele conformismo e
egoísmo; contràriamente a Tommaso, que fa­
lava sempre dela, Giovanni fala sem cessar de
si e compreende que sempre recebeu sem dar
e que, por isso, também não pode enriquecer-
-se a si próprio. A imagem que um espelho
lhe devolve já não é a de um «estrangeiro»;
é posto perante a inevitabilidade de reconhe­
cer como sua a carta que havia escrito a
Lidia e esquecido, e que, agora, Lidia lhe lê
nessa mancha arenosa, árida, do grande e já
deserto parque da villa depois da festa. Frente
a este homem sem qualidades — e frente à
recordação do amor que Tommaso tinha por
ela e que confessa ao marido—, Lidia não se
sente nem fiel nem infiel. Nada pode sobre
ela a corte do «jovem cavalheiro» apaixonado
pelo desporto; diversamente de Mathilde de
La Mole, não amava o seu homem apenas
quando, todas as manhãs, pensava estar a
ponto de perdê-lo em favor de outra; e, por
conseguinte, não recorre ao expediente do
ciúme para destroçar o tédio de Giovanni,
para vivificar nele uma relação interrompida
pelo tédio, para não mais lhe surgir absurda
e irreal, isto é, inexistente (assim, Lidia não
tem ciúmes de Valentina, e podemos com­
preender a sua atitude para com a rapariga,
o beijo que lhe dá antes de a deixar. «Des­
cobri que já não te amo e estou desesperada»
(leiamos em Camus: «Há dias em que se des­
cobre quão estrangeira é aquela que se ama-

u
va.») Lidia e Giovanni compreendem, como
diz a Agata de Musil, que estão ainda indivi­
sos, mas já não unidos. Estão frente a frente,
e entre eles já não há nada, verdadeiramente
nada, «como talvez, nos espaços siderais, nada
haja entre as estrelas afastadas umas das
outras biliões de anos-luz» (Moravia). Ela
não pergunta, como Claudia a Sandro: «Amas-
-me?» E, como Sandro, Giovanni não res­
ponde: «Amo-te.» Grita: «Diz-me que já não
me amas», quando o marido, seguindo o seu
«estilo de vida», recorre ao amplexo físico,
violento, para se atordoar, para se subtrair
à realidade que o rodeia. A resposta «Está
quieta, está quieta», enquanto a aperta e a
mantém deitada na areia, é a confirmação de
uma inútil tentativa e de uma não menos
inútil hipocrisia. Esta tentativa extrema está
destinada a falhar, já falhou, porque não pode
realizar um estado pleno, uma unicidade irre-
petível. «Ela está ali e eu estou aqui»: tam­
bém ele sente que entre ambos não há nada;
e pensa que deve «atravessar, transpor e, em
suma, encher este nada» com o gesto do seu
corpo atirando-se sobre o dela, «como se,
tomando-a naquele momento, pudesse ter a
ilusão de possuí-la através de uma posse física
depois de ter falhado a posse psicológica».
A posse é impossível. Tentarem ainda estar
juntos, como propõe Giovanni, é, no melhor
dos casos, piedade.
Longe de superar num movimento em
frente o anterior, este último filme de Anto-
nioni faz chegar a «aventura» a uma mísera
conclusão. As duas madrugadas que abrem e
fecham o dia de Lidia e de Giovanni confir­
mam a «noite». Também eles se compreen­
dem, comunicam, são transparentes a si pró­
prios; mas o resultado é ainda mais triste
do que a incomunicabilidade, ainda mais sem
esperança. A dúvida expressa por um Renan
(«Quem sabe se a realidade não é triste»)
e por um Rimbaud («Aquilo que não sabemos
é talvez horrendo») revela-se em Pontano
como uma certeza. O1 grito de Lidia, a deses­
perada verificação de quanto sabe, é uma
voluntária aceitação da morte que só um ho­
mem já morto na alma lhe pode dar: um sui­
cídio como o de um Sorel ou o de um Verdoux,
mas bem diversamente decisivo: ele não
assume aqui o vasto significado de protesto
frente ao mundo daqueles. Neste ponto se
põe de novo, mais premente do que nunca,
a pergunta: é A Aventura, antes ainda de
A Noite, um romance, um anti-romance histó­
rico? Isto é, pergunta-se se o destino dos
dias-noites destes homens concentra a crítica
do presente, de todo o nosso presente, e o
torna plenamente histórico, ou se, pelo con­
trário, concentra a de um particular presente
de uma determinada sociedade óu classe; ou
seja, se a solidão que nos descreve é histórica,
de um determinado momento e, portanto, con­
tingente, transitória, ou se é entendida como
estável, imutável e eterna por princípio. Não
há dúvida de que, em Antonioni, o sentimento
da vida se funda na firme persuasão wolfiana
de que «a solidão não é de modo nenhum algo
de raro ou de singular, algo de peculiar apenas
a mim e a uns poucos mais, mas sim o facto
inelutável, central, da existência humana>> -
Antonioni supera em sentido laico (isto é,
recusando a graça, o «milagre») o problema
da incomunicabilidade, a teoria kierkegaar-
diana segundo a qual cada homem vive num
incógnito impenetrável aos outros homens,
imperscrutável a todas as forças humanas ;
todavia resolve este problema exclusivamente
no âmbito de poucos seres, os quais, comuni­
cando, permanecem não menos desesperada­
mente sós. Assim acontece com Claudia e
Sandro, Lidia, Valentina e Giovanni: eles
estão, de facto, na sua essência, todos igual­
mente sós; existem puramente em função
deles próprios. É óbvio que também aqui nos
encontramos, pelo menos nas intenções do
autor, perante o «romance absurdo» de Camus,
explicado à luz de O Mito de Sísifo, e de Sartre.
Também para Antonioni o absurdo se identi­
fica afinal com a condição humana. «Estran­
geiro» é o homem perante o mundo: «nascido
no exilio», «morre no exílio»; e morre na
medida em que não há um amanhã num uni­
verso repentinamente privado de ilusões e de
luzes (Lidia mata-se, mas o seu «suicídio»
é impotente perante o «homem absurdo» que,
como Giovanni, «quer viver sem abdicar de
nenhuma das suas certezas, sem amanhã, sem
esperança, sem ilusão, sem sequer resigna­
ção». É certo que em Antonioni, tal como em
Camus, não existe uma resignação, mas sim
o reconhecimento rebelde dos limites do pen­
samento humano. Ã pergunta «Como viver?»,
posta por Tchekov e, na esteira de Tchekov,
K-
kk
*
1
pelo Mann de A Morte em Veneza, também
Antonioni responde: «Não sei.» A sua não
é todavia a questão razoável de Tchekov.
A solução do problema, dizia o escritor russo,
é coisa bem diversa de uma boa maneira de
pôr o próprio problema: «só esta é obrigatória
para um artista; um artista deve ser a teste­
munha apaixonada das suas personagens e
daquilo que dizem, e não o seu juiz».
Antonioni pretende ser uma testemunha
mais acrítica do que apaixonada; «impassí­
vel». No seu «aristocratismo» de artista e
juntamente com os mais circunspectos e sabe­
dores escritores de vanguarda, recusa a pre­
tensão, considerada «arrogante», de patentear
uma perspectiva; em seu lugar, isto é, em
lugar de uma perspectiva como princípio de
selecção do essencial, coloca precisamente
uma condição humana eterna e imutável por
princípio, um nivelamento das possibilidades
abstractas, e não concretas, o divórcio entre
as aspirações do homem à unidade e o carác­
ter finito da sua existência, o baldado dos seus
esforços (os de Claudia, Valentina, Lidia, San-
dro e Giovanni). Aquilo que é média, que apa­
rece na média, torna-se nele típico; uma socie­
dade, a sociedade; uma classe, todos os ho­
mens; e, inclusivamente, nesta sua imagem da
sociedade, tudo é unívoco, não existem excep-
ções (a não ser aquelas, relativas, que já se
viram). A negação de qualquer desenvolvi­
mento, de qualquer história e, portanto, de
qualquer perspectiva, torna-se marca da pene­
tração da essência da realidade, de uma esta-
ticidade como forma da realidade (daqui, por

tf
.

. exemplo, a escolha de uma ilha árida, como


Lisca Bianca, e da Sicília, consideradas indis­
W ■ pensáveis, essenciais mesmo, na sua interde­
pendência com as «personagens»: ambientes
que, melhor que quaisquer outros, podem pro­
porcionar a alegorização de um mundo parado
e imóvel no tempo: uma Sicília que, no Lam-
pedusa de O Leopardo, assim deveria perma­
ti •
1' fi necer, e não como, efectivamente, ainda hoje é.
1,1 Esta redução do acontecer histórico-social
à estaticidade, da imobilidade a algo de imutá­
« ■
vel, esta negação da perspectiva, faz natural­
mente com que os homens e as mulheres de
Antonioni não tenham um «de onde» e um
«para onde» (uma aspiração com metas pos­
síveis, concretas). Pouco sabemos do passado
; de Sandro, nada ou quase do de Claudia e do
de Giovanni. Ficamos a saber que Giovanni
é rico; e Claudia diz ter tido uma infância
V.
«ajuizada porque pobre». Em Visconti, dada
precisamente a sua radicação na corrente
oposta, a proveniência e a direcção das perso­
nagens são mais claramente reconhecíveis e
efectivas; por muito que possa mergulhar,
como em Rocco, no inferno burguês dos nossos
dias, as deformações da nossa vida aparecem
nele como deformações claramente especifi­
cadas, reconduzidas às suas raízes. É portanto
a maneira de pôr o próprio problema que di­
fere da de Tchekov, o que quer dizer que é não
«boa», não satisfatória. Não é, por exemplo,
um puro acaso que, justamente em Tchekov,
a desventura e a solidão sejam o inevitável
destino dos melhores; e que Sorel e Verdoux,

*6 *
Shadhov e Ntoni 0), sejam vencedores-venci-
dos — e, assim, opostos aos vencidos-vencidos
de Antonioni —, ou seja, indivíduos que não
suportam o absurdo da vida burguesa, reco­
nhecem a falsidade e a íntima insustentabili-
dade da ideologia capitalista e conseguem
encontrar, cada um a seu modo, uma saída
às suas antinomias: rompem no plano poético
o «falso dilema da subjectividade impotente
e da objectividade absurda e infame».
Por via da carência de tipicidade efectiva,
historicamente determinante, a «noite» de
Antonioni deixa de ser uma desgraça aciden­
tal, o círculo fechado de um longo e aterrori-
zador episódio, uma etapa da vida humana.
Esta «noite» não conduz, como vimos, a ne­
nhum futuro: o futuro, como escreve Flaubert
no seu epistolário, «é o que de pior existe no
presente, e todos os presentes são irrelevantes
e vazios, do mesmo modo que o foram no pas­
sado, quando este era presente». Daqui, em
última instância, a angústia como entidade
atemporal absoluta, como sentimento central
do mundo, como condição, e única, do existir.
«A história universal segundo o tédio — pensa
o Dino de Moravia — baseava-se numa ideia
muito simples: a mola da história era o tédio,
e não o progresso, nem a evolução biológica,
nem o facto económico, nem nenhum dos ou­
tros motivos que os historiadores das várias
escolas costumam aduzir». Viu-se que também
Antonioni está «entusiasmado por esta magní-

(*) Personagem do filme La Terra Trema, de


Visconti. (N. do T.)
fica descoberta»; excelente prova disto é
O Grito, no qual o ambiente, a «classe» social
! a que o protagonista pertence, ó transformado
justamente para sustentar que também «algu­
res», também ali, o presente é o mesmo e igual
■ fi ■' (e não apenas no plano da fragilidade senti­
mental; no qual, de resto e voluntariamente,
ifk
aI se não faz distinção entre educação propria­
mente sentimental e educação dos sentimen­
‘ ' ! I ]
tos, ou seja, «consciência dos deveres polí­
ticos, sociais e morais do trabalhador»).
Não há duvida de que as ideias são para
Antonioni os factos. Mas diversos, em relação
a elas, podem ser os resultados em obras sin­
gulares, em determinados filmes seus. A visão
subjectiva, irracional, de um autor nunca pode
ser «julgada dogmàticamente». As perguntas
que nele permanecem não resolvidas do ponto
de vista teorético-subjectivo podem, observa
t. com justeza Lukács, transformar-se na obra,
e como contradições da própria vida, num
conteúdo orgânico tendente para a unidade,
artisticamente homogéneo e capaz de deter­
minar realisticamente a forma. Assim, se pas­
sarmos do exame de Antonioni comprometido
como autor pertencente a uma precisa tendên­
cia ao exame específico do «momento indivi­
dual» de A Aventura e de A Noite, apercebe-
mo-nos de como, neste momento individual, a
essência histórico-social se manifesta, ainda
1 que em certa medida ou grau, dentro de deter­
i! minados limites, precisamente no que as duas
obras reflectem de acontecimentos ocultos
numa estaticidade que postula apesar de tudo
mudanças no tempo (a necessidade objectiva

2 b- í*
:ííj ■:
de tais mudanças) no próprio momento em que
a intuição subjectiva e irracionalista do reali­
zador parece estar, e está, virada para o
oposto. A generalização e a atemporalidade
tendem, em virtude dos pormenores realistas,
a assumir um lugar no tempo, uma autenti­
cidade.
De facto, em A Aventura e em A Noite,
estes pormenores realistas referem-se — ao
recusar as «vertentes» místicas de um Fel-
lini — a uma realidade social que é a burguesa
(no segundo, mesmo, ao neocapitalismo: o in­
dustrial), ao seu estado «agora e aqui»; com­
põem com imagens vivas e concretas uma
galeria de «sonâmbulos», de figuras que pos­
suem uma surpreendente corporalidade mesmo
onde se movem e agem com marionetas ou,
melhor, precisamente quando assim se movem.
É aqui, na psicologia estática, na indagação
psicológica destas figuras, que o «realismo»
do documentário se ajusta a um adequado
simbolismo, se transforma em climas e atmos­
feras (a tromba de água, o mar, as madruga­
das, os homens que «assediam» Claudia na
praça de Noto, a «demonstração» dos machos
sicilianos perante a pseudo-actriz-escritora, a
aldeia abandonada, a farmácia, o inesperado
aparecimento dos padres, em A Aventura; e,
em A Noite, o corpo-a-corpo dos teddy-boys,
os jovens com os foguetes, o parque deserto,
do fim). Antonioni, que pertence inegável-
mente à categoria dos grandes criadores de
imagens, atinge aqui um perfeito acordo entre
a descrição externa e a descrição dos senti­
mentos, das suas mutações, um equilíbrio e
Jf9
uma unidade entre os ambientes e os ânimos:
o seu estilo patenteia-se tanto sob como dcn-
» • tro destas imagens num movimento interior
l?i que «adopta as suas regras e a sua ordem:
a ordem e o movimento dos próprios pensa­
mentos» (Flaubert). Esta coerência estilística
ii é aperfeiçoada, mas não muda em Antonioni:
\ :j. : agora, ele diferencia o ritmo das frases, da 1
montagem sintética passa à montagem analí­
tica, mas continuamos a ter a mesma impres­
são de «monotonia».
II; Antonioni demonstra assim saber o que
é a arte, mesmo através da tendência na­
turalista, simbólica e alegórica a que estes
!f dois filmes, mais do que os outros seus ante­
: si riores, se submetem (o livro que conduz Gio-
vanni ao sucesso tem inclusivamente um título
emblemático: A Estação). Faltam nele aqui
Blit — ao contrário do que acontece com Res-
nais — os modos formalistas tecnicistas, ama-
neirados e literariamente retóricos de exposi­
ção do conteúdo formal, a routine mecânica
e experimental da chamada nouvelle vague,
Godard incluído. A invenção dos meios expres­
sivos ou, melhor, a elaboração, em termos
cinematográficos, dos inventados pela narra­
tiva aludida, é a base poética de A Aventura
e de A Noite; e, conjuntamente, a evidência
sugestiva do mundo neles descrito; uma suges­
tão que não remete ao «fascínio» do pessi­ (
mismo, mas sim à reflexão, e provoca ainda I
antes desta uma reacção no público atento,
1,1 activo. «Esta noite — anotava Flaubert — es- I
tt* tou tão abatido que não consigo empunhar
a pena: é o resultado do tédio que me propor-
ri*
50
í.
—t L
r

;
ciona a visão de um burguês. O burguês torna-
-se-me fisicamente intolerável. Dá-me vontade
de berrar.» Não é o monstruoso que assusta,
diz Adorno; é o seu carácter óbvio. O óbvio
destes homens sem qualidades (Sandro, Gio-
vanni, etc.) e destas qualidades sem homens,
da sua estrutura psíquica, dos motivos e dos
tecidos de que são feitos o dia dos «sonâmbu­
los», a sua noite, os seus impulsos, compor­
tamentos, inclinações; o óbvio do nexo entre
a crise da arte e o conformismo, de uma rela­
ção puramente física com a mulher que não
significa possuí-la e «equivale à pintura (e à
literatura) pornográfica, isto é, a um não
possuído».
Assim, se a descrição (e, portanto, a crí­
tica) da estrutura e da família burguesa não
está ligada —-nas intenções do autor— com
um «para onde», não contempla as forças no­
vas e de qualquer modo vitais, algumas das
quais operam no seio da própria burguesia,
isto é, não contempla um «aqui e agora» que
é também, e sobretudo, um período de lutas
culturais, de contrastes entre concepções anta­
gónicas da vida; se a imediatez da descrição
se exprime no que Antonioni vê, na sua expe­
riência subjectiva, a patente recusa do mundo
e das estruturas burguesas permite-lhe nestes
dois filmes olhar para o seu «presente» não
só sem esperança e sem ilusões, como também
sem medo. O que equivale a uma cessação da
angustia «cega e pânica frente à realidade».
Ao descrever a liquidação de um presente para
além do qual o realizador nada pretendeu ofe-
recer-nos, os dois filmes postulam implicita-

51
mente a necessidade de uma superação da
angústia como entidade atemporal absoluta,
ri põem a pergunta de se o problema é o de
aproximar-se ou — realisticamente — afastar-
} -se dela. A «aventura» permanece assim ao
: P • mesmo tempo concluída e aberta, em sus­
penso; e não é de excluir que Antonioni opere
mais depressa do que se possa pensar uma
qualquer reviravolta, que, numa realidade me­
nos circunscrita, mais objectiva e dialéctica,
descubra um carácter, uma tendência, que pre­
cisamente o conformismo combate e nós dese­
jaríamos acentuar e favorecer.
' «Quando se escreve bem tem-se contra si
dois inimigos — observa Flaubert: —1)0 pú­
blico, porque é constrangido a pensar, porque
é obrigado a um trabalho; 2) O governo, por­
que sente em nós uma força, e o poder não
ama um outro poder.» (Tenha-se presente que,
. para Flaubert, o estilo é apenas uma maneira
de pensar, que, se a concepção é débil, não se
conseguirá nunca escrever de um modo efi­
caz.) Os filmes de Antonioni são por certo par­
ticularmente difíceis, e há nele a intenção de
«desagradar», de espezinhar a moral corrente,
a hipocrisia. Mas o público, uma boa parte do
público, quer hoje pensar, pelo menos quando
vai ver um filme artístico. Como se viu nestes
últimos meses e, recentemente, também com

:r >
A. Noite, o verdadeiro e mais terrível inimigo
. ■jíí é um só.
! Cinema Nuovo, n.° 149

Sl
lif
Mi
: r> I *í
Wi
« O ECLIPSE*
por Pierre Billard

No seu novo filme, Antonioni prossegue


a sua incansável exploração dos desertos do
amor. Deste ponto de vista pode dizer-se que
O Eclipse constitui o último painel duma tri­
logia começada por A Aventura e A Noite.
No início do filme, Vittoria (Monica Vitti)
rompe com o amante, que deixou de amar.
Goza a sua solidão, que constitui uma liber­
dade reencontrada, até ao dia em que encontra
Piero (Alain Delon), um jovem agente da
Bolsa, que lhe faz a corte. O mundo da Bolsa,
com as suas explosões loucas, o agitar de
milhões astractos, a trágica paixão dos seus
frequentadores, constitui o coração mesmo da
vida de Piero. Em contrapartida, espanta e
apavora Vittoria.
Entre estes dois seres nasce o amor.
Quando eles se lhe abandonam, sentem a pro­
fundidade da sua paixão. Ao encontro que
então combinam nem um nem outro virá:
lúcidamente, recusam um amor cuja própria
53
i1 potência os assusta, que constituirá para eles
menos uma exaltação que um obstáculo, cuja
f saída necessariamente fatal os deixará ma­
goados, feridos para toda a vida.
:í Nunca Antonioni tinha ido tão longe na
sua crítica da fragilidade, da inutilidade do
£ amor no homem moderno. Este amor não é
representado através da crise de dois seres
ligados um ao outro, como os amantes de
A Aventura ou o casal de A Noite. Ê recusado
por dois seres livres para quem essa liberdade
é mais importante, mais útil ao seu equilíbrio,
à sua felicidade, que a aceitação duma aven­
tura sentimental por mais apaixonada que
fosse. Vittoria diz a Piero: «Precisamos de
m conhecer aqueles que amamos? Temos ver­
dadeiramente necessidade de amar?» Com
O Eclipse a resposta é: «Não.»
; * \ .V
Se um tal desenvolvimento está de acordo
com a temática habitual de Antonioni, não se
pode, no entanto, pretender que O Eclipse
não constitua uma nova variação sobre uma
temática inalterada. De facto, mais do que as
semelhanças, o que impressiona neste filme
são as diferenças com os filmes anteriores, a
evolução do conteúdo e da forma.
Sobre o plano da construção dramática,
em primeiro lugar, «O Eclipse» distingue-se
pela sua originalidade. Compreende quatro
partes distintas: quarenta e cinco minutos
dedicados a Vittoria só, quarenta minutos con­
sagrados a Piero só, trinta minutos dedicados
H í S', I às suas relações, um poema de dez minutos
sobre os objectos, consagrados a filmar «a au­
sência» de Vittoria e de Piero. Antonioni, pri-
n 5Jf
mitivamente, tinha encarado a hipótese de
realizar dois filmes diferentes, um vivido por
Vittoria e o outro por Piero. Foi sem dúvida
este projecto inicial que inspirou a Antonioni
esta estranha construção em pirâmide, que
desorientará sem dúvida bastantes espectado­
res apesar de ser perfeitamente legítima.
Por outro lado, Antonioni renunciou aos
longos planos-sequências a que nos habituara.
Procede desta vez por planos muito curtos,
que se ligam num ritmo rápido, sempre sem
transições nem fundidos encadeados com elip­
ses percucientes. O processo é grandemente
original, pois em vez de utilizar os planos cur­
tos para acelerar a narração, dar vivacidade
ao tempo da acção, Antonioni, pelo contrário,
utiliza-os para quebrar o ritmo e o abrandar.
A insistência com que Antonioni descreve uma
cena, um rosto, uma paisagem, parece dupli­
cada pela acumulação de planos breves e va­
riados, mas sem progressão dramática. Este
efeito estático obtido^pelo dinamismo da mon­
tagem é dos mais interessantes.
A natureza profunda das personagens é
igualmente bastante diferente em O Eclipse.
A personagem de Piero, em especial, distingue-
-se claramente das personagens masculinas de
O Grito, de A Aventura e de A Noite. Estes
eram marcados e como que atrofiados por um
sentimento de fracasso. Tomavam consciência
do vazio que os habitava, e nele ficavam de­
samparados, quase imbecilizados. Piero repre­
senta uma alienação humana muito mais con­
siderável ainda. Ele é dominado, preso ao jogo
imenso da Bolsa, à valsa insólita dos milhões,
55
",
:
. i
que por vezes julga dirigir, quando é ela que
o esmaga com o seu turbilhão insensato. Mas
este forçado, este prisioneiro dum mundo que o
domina, é possuído pela ilusão do êxito e da
liberdade. É um títere, de que todos os actos
; V essenciais são determinados pelos cordelinhos
do mundo desequilibrado em que está integra­
■ do, mas um títere que vive num sentimento de
: ‘
autonomia e que se julga voluntàriamente o
dono duma mecânica de que é escravo. Repre­
senta bastante bem um destes cheerful robots,
> í ? um destes autómatos alegres descritos pelo so­
1 ciólogo americano Wright Mills. Uma tal per­
» i
sonagem, como se pode ver, é mais rica, mais
significativa também, que o Sandro de A Aveyi-
tf tura ou o Giovanni de A Noite. Ê talvez devido
a este brilho, a esta vitalidade insólita, que
j
A •"; Alain Delon, notável intérprete de Piero, nos
aparece como o melhor actor masculino dos
filmes de Antonioni.
Vittoria está mais próxima, parece, das
personagens femininas caras a Antonioni. Em
primeiro lugar, sem dúvida, porque de novo
Monica Vitti lhe empresta a sua singular be­
leza, o seu humor, o seu sentido do trágico,
o seu jogo, duma extrema variedade, e cujo
deslumbrante brio explode constantemente,
não obstante a vontade de discrição do rea­
lizador.
Esta Vittoria, suspeitamo-la em Claudia,
adivinhamo-la em Valentina. Neste filme ama­
dureceu e o seu verdadeiro rosto aparece-nos
finalmente. É o duma mulher livre que recusa
os subterfúgios, os votos falsos, os vínculos
incómodos. É o duma mulher sincera, que não

56
w jl
aceita fazer batota com a vida. “É o duma
mulher lúcida, e portanto inquieta perante
tantos sinais de loucura do nosso mundo per­ i

turbado. Ê uma mulher de amanhã ou, melhor,


que pressente, que aguarda, outros tempos, !
outros mundos, onde os homens serão mais
fortes e mais livres, onde o amor deixará de
ser uma cadeia e um mal-entendido e valerá
a pena ser vivido.
Esta última característica de Vittoria dá
ao filme o seu tom mais novo, o seu aspecto
mais estranho, no limiar da fronteira duma
If
espécie de ficção científica do futuro da huma­
nidade. Frequentemente, em O Eclipse, Vitto­
ria aparece como que à espreita dum outro
mundo, prestes a receber mensagens dum
outro planeta. Que ela levante voo num avião
de turismo e se liberte da nossa quotidianidade
terrestre, que se comova ao descobrir o uni­
verso junto dos aviadores, que sonhe em face
de uma África que lhe é de súbito revelada,
que escute, espiando, ansiosa e apaixonada, os
frémitos dum vento que vem de algures nas
tubuladuras metálicas das nossas cidades ou
nas palhotas das grandes povoações, Vitto­
ria parece esperar uma solução não do céu
ou de Deus, mas dum futuro melhor que se
aproxima de nós e surgirá dentro em pouco
no horizonte.
Outros sinais ainda — folhagens sacudidas
pelo vento, aviões que atravessam o céu, rostos
tensos, atentos, de transeuntes que espreitam,
esse plano final dum lampeão nimbado de
bruma, prefiguração do novo planeta do nosso
universo futuro — sublinham a evolução de
1
57
,

Antonioni para uma demonstração mais con­


vincente ainda do absurdo do nosso pobre hu­
manismo, e ao mesmo tempo da grandeza do
homem, que baseia as suas convicções neste
conhecimento do absurdo.
Como não evocar, aqui, a recordação de
■!
Albert Camus. Para Vittoria, como para Ca-

mus (Noces), «no céu de Verão vazio de ter­
nura, nenhuma divindade ilusória traçou os
sinais da esperança e da redenção». Para
Antonioni, como para Camus (O Mito de Sí-
P sifo): «O absurdo não tem sentido a não ser
na medida em que não o consentimos... O cor­
I
ti:
po, a ternura, a criação, a acção, a nobreza
humana, reocuparão o seu lugar neste mundo
Ui
;i:i]
insensato. O homem encontrará nele, enfim,
o vinho do absurdo e o pão da indiferença, que
I.!! alimentam a sua grandeza.»
Esta grandeza humana, composta duma
procura da felicidade numa lucidez total e sem
mentira, nunca Antonioni a havia exaltado
com uma arte tão nova e com uma esperança
. Is-. tão trágica.
Cinéma 62, n.° 66

58
f•

«O DESERTO VERMELHO»
por Gilles Jacob e Pierre Philippe

Operários que sonham em partir para a


Patagónia, uma cabana rodeada de bruma,
uma fábrica, problemas sociais, tentativas de
suicídio, uma personagem-chave que erra ao
acaso numa paisagem mergulhada em chuva
e que nada, nem sequer o seu filho, pode curar,
um grito que rompe dum barco em quarentena
— que nos recorda tudo isto? Que as raízes de
0 Deserto Vermelho mergulham na obra do
seu autor e nascem já em O Grito. Os filmes
de Antonioni ligam-se uns aos outros, arti­
culam-se à volta das mesmas charneiras,
como se o autor refizesse incessantemente a
mesma obra, no que aparece a uns como impo­
tência artística e a outros como obsidiante
recriação. O que nos apaixona, porém, é a sua
evolução. Diz-se sempre que Antonioni não
poderá ir mais longe; mas de cada vez dá um
passo em frente. A ausência total do ser hu­
mano no final de O Eclipse deixava o mundo
mineral tomar conta da tela. É o que se repete
em O Deserto Vermelho, sobre o qual o frio da
morte se espalha progressivamente.
59
I '■1

i
t
:l1
i-i l
Tremendo de frio, enregelada, Giuliana não
: fI
m
■' ■ i

consegue aquecer-se nem ao contacto com os
seus amigos na cabana nem com o amor de
Corrado. As paredes estão nuas, os tabiques

í ff
fl ; estão nus (arrancam-nos para os lançar ao
fogo), a loja permanecerá vazia e não passará
de um pretexto para sonhar, para preencher
o tédio. Os pássaros desapareceram, as flores
rarefazem-se, o sol não rompe: é o Inverno da
i)
alma. Nesta progressiva glaciação do mundo
moderno, o supérfluo, mesmo simbólico, é anu­
lado: desapareceram os adolescentes brutais,
os cortejos de órfãos, os lançadores de fogue­
tões. A substituí-los, um velho junto duma
i -fl! 1
carroça de fruta, um operário à escuta dos
murmúrios dos radares, um marinheiro cuja
linguagem é misteriosa, como em O Silêncio.
O mal-estar, nascido da dificuldade de ser
m e de comunicar, que pesava em A Noite e em
O Eclipse, era temperado por raios de humor.
Em A Aventura, o comerciante de fruta seria
pitoresco, como o camponês que dizia: «Por­
que quatro horas da manhã para o senhor é
cedo?» Aqui, olha em frente sem dizer nada.
Falar para quê? Já não nos ouvimos nem nos
compreendemos. Desapareceu o humor bem
como a miséria. Os operários de O Deserto
Vermelho têm aparelhos de televisão e frigo­
ríficos, mas não parecem felizes. A obra de
Antonioni traça um círculo ou, melhor, uma
espiral, e em cada revolução o filme sofre
transformações. Já nos filmes precedentes
sentíamos o que o mundo automatizado com­
porta de inumano. Este vai longe: comunica-
-nos a angústia. A inquietude do futuro tor-

60
I
nou-se angústia porque o futuro tornou-se
presente. Já não se trata da angústia atómica,
mas da vida que vivemos, do ar que respira­
mos, da doença que nos espreita. Sentimos que
diz respeito a todos nós. «Temos de ser todos
tratados.» 0) A angústia que o mundo actual
segrega, os ruídos lancinantes que riscam o
nosso subconsciente (sirenes, roncas de ne­
voeiro), são os responsáveis pela nevrose de
Giuliana e pelos seus suicídios falhados. Seria
necessário desenvolver este tema capital do
suicídio, cuja fascinação em Antonioni é conhe­
cida. Em Le Amiclie, o suicídio não oferece
dúvidas, enquanto o de Aldo em O Grito e o
de Anna em A Aventura são apenas possíveis.
Em O Deserto Vermelho a evolução é clara:
Giuliana tenta suicidar-se defronte dos nossos
olhos? Não sabemos. Mas encontramo-la ao
volante dum automóvel a alguns centímetros
da água, e o essencial reside no facto de ela
pensar imediatamente que os seus amigos vão
crer que tentou, de novo, pôr termo à existên­
cia. Pela primeira vez, as tentativas de suicídio
não resultam duma incapacidade em superar
uma dor que retira todo o sentido à vida. Era,
aliás, lógico que na sequência de O Eclipse
(«talvez não seja indispensável as pessoas
amarem-se») os sentimentos passassem para
um segundo plano. A angústia agarra-a de
novo, brutal, súbita, quando ouve o grito vindo
do barco, e foge da cabana. Giuliana volta-se,
avista os amigos à frente da proa do navio.

(*) Em A Noite, a clínica parecia um hotel: ser­


via-se lá champanhe; aqui, o hotel parece uma clínica.

61
,^

í !:l Na imagem seguinte aqueles desapareceram


no nevoeiro. Está a ficar louca? Em todo o
caso, está só; nada mais lhe fica que o tédio,
o vazio, a vagabundagem. Marido ou amante
; À, ? de nada lhe valem. O seu filho já não a ajuda
(as crianças são raras em Antonioni: a miúda
de O Grito} um carro de bebé que passa em
O Eclipse). O único momento em que Giuliana
1!: parece normal é quando o filho necessita
dos seus cuidados, pois finge estar gravemente
' ! ! doente. O instinto maternal vence então, mas
logo que o vê de pé desinteressa-se dele.
Numa verificação isenta de qualquer crí­
; 1 tica no que diz respeito à evolução e ao pro­
gresso técnico (até os brinquedos são agora
autómatos que funcionam sozinhos enquanto
as crianças dormem), o autor, desta vez, inte­
ressou-se mais pelo mundo em que vivemos
que pelas pessoas. Dedicou-se à transformação
íl!i dos quatro elementos. O oásis paradisíaco não
passa duma recordação. A água é contaminada
pelos desperdícios de fábricas, a terra é um
deserto árido ou um montão de escórias ainda
fumegantes, o fogo já não aquece e não chega
a destruir os resíduos químicos que envenenam
o ar.
Porém, o filme mais desesperado de Anto­
nioni, se não o mais interessante, descobre
o extraordinário entusiasmo dum cineasta que
conseguiu dominar a cor e reinventar a arte
abstracta. Já não é preciso pôr nas paredes
quadros modernos (O Eclipse). Pela utilização
do fiou, demorando-se numa parede em ruínas,
nas tubagens complicadas dum universo futu­
rista, o próprio filme tornou-se abstracto.

62

i,\
M
Esta atracção um pouco vertiginosa da cor
e das formas novas deveria constituir um
poderoso antídoto. Antonioni salvou-se do de­
sespero: encontrou o caminho da beleza.
G. J.

Há obras que fascinam e deixam os seus


espectadores anelantes, e há outras que — sem
serem menos belas — não o deixam um se­
gundo em repouso ou em beatitude e fazem-no
sair da cadeira para inocularem uma espécie
de contestação permanente, de diálogo de sur­
dos-mudos, que começa por se insinuar nos
instantes mais ternos e acaba por corroer o
conjunto da obra. A derrocada sucede, após
a projecção, à admiração decrescente. Castelo
de cartas, areia, que não deixa mais do qi^
uma impressão de alegria furtiva, de tempo
perdido e de talento desperdiçado. O Deserto
Vermelho pertence a esse número. E é uma
outra imagem que me acode ao espírito se
penso na perspectiva duma crítica de porme­
nor (que alguns considerarão mesquinha) do
último Antonioni: uma malha de que se soltou
um fio de lã. Apanho-o e vejo-me com um
novelo de lã, o novelo é O Deserto Vermelho
na cabeça de Antonioni. É muito, talvez, mas
não chega a ser uma camisola quente para
o Inverno.
Começo por aceitar tudo. Há uma fábrica,
uma greve, nevoeiro fotogénico. Bem. Gosto.
Ah! O Grito... Apesar de... Mas eis que se
aproxima uma estrela de cinema, simples como j
podia sê-lo Pina Menichelli, que devora, depois ■r

68
de quase a ter roubado, a sanduíche dum ope­
rário. A falha. Eis que a dúvida se infiltra.
Vigio Monica, não deixo passar nada. Tentam
apanhar-me, explicam-me que ela teve um aci­
dente de automóvel, um choque terrível. - -
admitamos. Quem é, ainda assim, esta bela
mulher que caminha com tanta sedução numa
lixeira deslumbrante de valores (Soulages,
evidentemente) ? Mais ninguém, temo, além
da Sr.n Vitti, a tentar representar às mulheres
de engenheiros e que se parece, «colada» sobre
harmonias de fazer desmaiar, com essas infe­
lizes torturadas pelos fotógrafos «de arte» dos
semanários femininos, em visão branca sobre
fundo de lixo. Não acredito nesta loja aber­
rante, nesta ruela desértica 0), e não acredito
nas reptações de Monica ao longo das paredes
brancas. Mas eis que ela fala. Que diz? Nadas,
que juntos uns aos outros exprimem uma das
ideias mais néscias que conheço: a inadapta­
ção do homem ao mundo «fantástico» que está
a nascer, o seu medo e a sua angústia perante
os «monstros» que despertou. Tudo isto não
é nem muito sério nem muito reflectido vindo
dum cineasta que se diz «moderno». Será
necessário, uma vez mais, crer que o cinema
se arrasta penosamente a cem léguas das ou-
tras artes e que um homem como Antonioni
trata sem pestanejar um «tema» tão falso
quanto gasto, um tema que mesmo um candi­
dato ao Goncourt evitaria, ridículo para um

(J) A loja, na planificação, situava-se natural­


mente no centro comercial de Ravena, mas Antonioni
deve tê-lo achado «vulgar».
romancista das Edições Minuit, ambicioso e
«artístico» para um folhetinista do «Correio»
de Paio Pires?
E, em primeiro lugar, esse tema existe?
Há muitas probabilidades de que já tenha
sido eliminada a nevrose segregada pelas cores
futuristas das fábricas de produtos químicos,
especialmente pelas belas ociosas, que, longe
dos vapores nocivos, esperam sem fobias par­
ticulares o marido dos ovos de ouro. Quando
Giuliana vê os frutos duma carroça perderem
a sua beleza, quando ela se afunda na cama de
Corrado suplicando-lhe aos gritos que a pro­
teja contra as cores, sinto-me vagamente inco­
modado, dividido entre uma irritação surda e
uma franca vontade de rir, sim, de rir desses
excessos de diva agredida pela «modernidade»,
pelo «progresso» e que, para se «reintegrar
na realidade», sonha em voz alta com uma
praia cor-de-rosa banhada por água azul, com
uma vela branca e com música seráfica. Por
mais que Antonioni faça multiplicar as elip­
ses, pôr as personagens a tartamudear, disfar­
çar sequências duvidosas, o que é indispensá­
vel considerar uma ingenuidade fundamental,
rompe-se a cada momento sob a perfeição do
estilo e o aspecto de filme de grande criador.
!Ê necessário, penso, ir além desta intimidação,
ousar fazer perguntas, fazê-las ao grande
homem que é Antonioni. Nada me parece mais
perigoso para ele do que este incenso crítico
automàticamente espargido sobre o seu último
recém-nascido: não se trata de tirar nada
ao grande cineasta de O Grito, de A Aventura,
ao genial autor de Lc Amiche, confessar-lhe
65
5
Ê

■» i
esta decepção de agora, sugerir-lhe que in­
m dubitavelmente se engana quando pretende
abranger o mundo. O mundo defende-se e ridi­
I
cularizará, por todos, enxaquecas distintas de
intelectuais romanos antes que passe muito
tempo. Perante semelhantes vacilações como
deixar de evocar o entusiasmo de Fernand
Léger em face da beleza das paisagens indus­
triais, mesmo no que têm de mais contestável,
como não recordar a filmagem directa dos
documentaristas, dum Menegoz, dum Resnais,
e ainda doutros, dum universo que produz
menos ansiedade ao nosso conforto que os pri­
meiros caminhos-de-ferro à quietude dos ho­
mens do século xrx.

Na verdade, Antonioni — como toda a


gente — só está à vontade quando fala sobre
ele próprio ou sobre o que lhe é familiar: não
é por acaso que a sequência menos atacável
‘ de O Deserto Vermelho é essa maravilhosa
reunião na barraca de Max no porto, onde
reencontramos o observador mordaz de Le
Amiche. Retirada do seu contexto, limpa de
algumas escórias (o simbolismo algo gros­
seiro do quarto vermelho, da tábua quebrada
por Corrado e do auto-de-fé), esta grande se­
quência — e a sua sequela (o cais enevoado,
o mal-estar dos convidados, a tentativa de
suicídio) — constitui, sem dúvida, a obra-
IL -prima absoluta de Antonioni. Justifica, segu­
ramente, a visão, revisão (por várias vezes),
de todo o filme. Invejo, todavia, os futuros
antólogos, que poderão, com dois golpes de

66
liíl:;
I
tesoura, extrair um tal diamante duma ganga
tão evidente: nunca, apesar de numerosas ten­
tativas, Antonioni tinha pintado com tanta
felicidade este erotismo doente e corrosivo que
tanto o interessa 0).

Isto prova que Antonioni, quando leva até


ao fim os seus propósitos, sabe fazer subir as
suas obsessões particulares ao nível da emo­
ção geral. E isto indica que, na ausência
duma reflexão mais aprofundada, dum re­
gresso à humildade criadora, o resto de O De­
serto Vermelho não é talvez mais do que o
esboço falhado, mas atraente, dum próximo
filme bem sucedido. O que, mesmo assim, temo
mais é o extraordinário orgulho de Antonioni,
essa falta de humor e de espírito crítico pe­
rante a sua inspiração: é preciso ler a esse
respeito o muito revelador «Bosquet Blanc»
que Cinéma 6// publicou no seu último numero.
A chave do que julgo ser o fracasso de O De­
serto Vermelho está lá, numa atitude de «ar­
tista» duma outra idade, numa autocontem-
plação satisfeita — apesar das aparências —,
mas insatisfatória. Julgava-se que, depois de
O Eclipse, Antonioni continuaria a procurar
os caminhos arriscados, mas autênticos, as
direcções possíveis dum cinema «interior»,
ainda larvar. O Deserto Vermelho mostra com
clareza, na minha opinião, que o realizador

(*) Em contrapartida, a cena de amor entre Cor-


rado e Giuliana, que passa, a seguir, da desordem
sombria ao rosa terno, afasta-se de tal maneira dos
sentimentos experimentados que roça pelo ridículo.

67
a ■>.

:
• i
anda à volta no fundo dum beco sem saída já
classificado de monumento histórico. Ao longe,
as fábricas, o mundo, o amor, tudo isso vive,
i canta e ruge. Os pássaros que atravessam as
3 belas e terríveis nuvens de fumo amarelas já
não são os melancólicos pardais que um alaúde
anacrónico lamenta — e procuram um cineasta
-
1
|
!
?
para os cantar.
P. F.

y
? V. 'U
V !
Cinéma 6%, n.° 91

n.
i U. 5
KM! :i
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i

III
I ■ :SS
m

I-

m
m 68

fl
«BLOW-UP» OU A APARÊNCIA
DAS COISAS
por Mareei Martin

Não posso em primeiro lugar dissimular


uma certa decepção, que parece ter sido com­
partilhada em Cannes por numerosos críticos.
O choque que senti diante de L’Avventura ou
de O Deserto Vermelho, choque estético antes
de mais, não o tive desta vez, e vi A História de
Um Fotógrafo (Blow-Up) como se assistisse
a um espectáculo brilhante e atraente que não
nos arrasta nem à fascinação nem à emoção.
Inútil sublinhar que não é fácil, à primeira
visão, analisar um filme tão rico e tão com­
plexo, tanto mais que difere sensivelmente do
universo habitual do realizador.
A História de Um Fotógrafo é belo mas
estranhamente frio, interessante mas singu­
larmente cerebral, brilhante mas profunda­
mente «fabricado». Não há a simplicidade
fascinante de UAvventura nem a sublime pu­
reza de O Deserto Vermelho. Sente-se a von­
tade de demonstração por acumulação de

69
.—I

I
r. situações e de efeitos de linguagem que nem
» sempre parecem ser evidentes. Com certeza,

tr í

í
pode pensar-se que o filme é a imagem do
mundo moderno, sobre a qual Antonioni en­
tende testemunhar, brutal e colorida, à ma­
neira de um Godard. Mas articula-se sobre
: M a aventura individual de um fotógrafo de
modas colocado em primeiro plano num qua­
dro da juventude inglesa moderna, sem que
estes dois termos cheguem a interpenetrar-se
1. e a integrar-se de uma maneira inteiramente
satisfatória; introduz-se um elemento ié-ié,
iji!: um factor erótico e um suspense dramático
que são susceptíveis de reter a atenção de
todos os públicos e explicam sem dúvida o
enorme sucesso que o filme teve em Nova
^4 li Iorque.
No centro da história, um fotógrafo de
Ui "{W
fíi * :! i: modas dans le vent, personagem tipicamente

11 britânica. Tendo fotografado de improsivo o


estranho comportamento de um par num par­
que público, surgem-lhe certas suspeitas de­
l: .ii I vido à insistência com que a rapariga procura
recuperar os negativos. Examinando as am­
pliações (daí o título do filme), apercebe-se de
: *! que um cadáver aparece numa delas. Estupe­
facto e incrédulo vai ao parque durante a
noite e descobre efectivamente um cadáver;
!
litei
: i't
de regresso ao seu estúdio, repara que ele foi
revistado e que os negativos desapareceram.

1
' i ' '•••' ? ; J-
Na manhã seguinte, o próprio cadáver tam­
bém se volatilizou... Entretanto, o fotógrafo
passou uma parte da noite numa boite de ié-iés
e num party onde se fuma marijuanay deitado
com duas «queridinhas» vindas ao seu estúdio
70

iu
para posar. De manhã cedo, perplexo diante
da desaparição do cadáver, encontra um grupo
de mascarados que começam a mimar um jogo
de ténis: e como um dos jogadores lhe dá a
entender que uma bola acaba de cair aos seus
pés, apanha a bola, lança-a aos jogadores e
acaba por «ouvir» (e o espectador com ele)
o barulho da bola fictícia sobre as raquetas
inexistentes...
Vê-se a intenção, que não está tão longe
da de O Deserto Vermelho: do mundo visto
pelos olhos de uma nevrótica passa-se aqui a
um jogo entre o sonho e a realidade. É este
cadáver (e toda esta história) real?, ou então
é o rapaz que a sonha, tal como imagina o
barulho das bolas de ténis? Contudo a objecti-
vidade das suas fotografias demonstra a rea­
lidade do cadáver, mas a fotografia nunca
captou outra coisa senão a aparência das
coisas? E o cinema, no fim de contas, não é
uma excelente arte do fugaz e da aparência?
E não é isto o drama fundamental do mundo
moderno?; somos agredidos pela aparência
das coisas (a publicidade e as suas imagens)
e já não temos tempo, nem mesmo o desejo,
de conhecer outra coisa senão as imagens
rápidas e superficiais com que a televisão e o
cinema nos enchem.
Assim, A História de Um Fotógrafo está
longe de ser desinteressante ou gratuita. Mas
não só me posso interrogar sobre a originali­
dade e capacidade desta «mensagem», como
me parece que esta fica constantemente ao
nível da demonstração sem verdadeiramente
se transformar num êxito dramático e plástico
71
v convincente. Antes de ser a imagem do mundo
vista pelos olhos de uma esquizofrénica,
\ O Deserto Vermelho era uma visão artística
coerente e conseguida: ao contrário, A Histó­
ria de Um Fotógrafo procura demonstrar-nos,
um pouco laboriosamente, que a fronteira en­
tre o real e o imaginário é mais ilusória do que
se pode pensar, mas recorre a situações cujo
íi: simbolismo grosseiramente apoiado (a par­
tida de ténis imaginada) surpreende da parte
de um realizador cujo génio tem sido sempre
V !H
o de fazer surgir do real mais simples, e mais
simplesmente filmado, significações tanto
mais convincentes quanto elas permanecem
subjacentes.
«Para que serve isto?», pergunta a Tho-
mas um dos seus modelos a propósito de uma
hélice de avião vista no estúdio. «Isto não
serve para nada, é belo!» Pode-se dizer a
mesma coisa do filme? Seria sem dúvida um
pouco injusto, e contudo... Não creio que
A História de Um Fotógrafo tenha um grande
conteúdo social nem que abra perspectivas
sobre a condição humana num domínio onde
Godard, bem ou mal, já quase disse tudo. Fica
uma obra interessante e original pela sua
forma, ambiciosa pelo seu propósito, uma
criação que é ao mesmo tempo atraente como
um cartaz e fria como uma peça de mármore.
Cinéma 67 (Junho de 1967)

72
7

!
.

ANTONIONI
I

E O CINEMA I

l
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I
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'
A DOENÇA DOS SENTIMENTOS 5

colóquio com Michelangelo Antonioni


u
í:

Antonioni: Em primeiro lugar desejo agra­


decer, tanto ao presidente Ammannati como
ao director Fioravanti, as simpáticas pa­
lavras com que me acolheram neste local,
onde estive como aluno e onde me sentiria
mais à vontade nessas cadeiras que vocês
ocupam do que aqui. Porque se poderia dizer
que sou um homem de imagem fácil, não de
palavra. Em vez de a representar, como me
vejo obrigado a fazer, ser-me-ia muito mais
fácil filmar uma cena deste género; uma das
razões por que o afirmo é que representar não
é o meu forte. Mas momentos há em que, para
se fazer o balanço daquilo que durante anos
diligenciámos realizar com o nosso próprio
trabalho, é necessário, parece-me, fazer um
certo esforço sobre nós próprios. E muitas
vezes esse esforço é-nos pedido; quase que
me atrevo a afirmar que é provocado pela in­
sistência com que alguns jornalistas, por
ekemplo, depois de terminado um filme nosso, ll ■ i
procuram insinuar-se nos mais profundos re­
cônditos do nosso espírito, para procurar des- 1 i<
75 V,
i' cobrir as razões, os motivos, as inspirações,
como se costuma dizer, que deram origem a
1 um determinado trabalho em vez de outro.
Quero dizer que é o momento em que procura­
mos ser mais sinceros. Alguém disse que as
i- palavras servem sobretudo para esconder os
nossos pensamentos, mas apesar dessa afirma­
, .1
í ção procurarei ser, nas minhas respostas às
vossas perguntas, o mais sincero que me for
\ possível, tão sincero como quando filmo. Não
me preparei para fazer um discurso, e talvez
l\ pareça, nesta introdução que tento fazer, um
pouco confuso. Pergunto a mim próprio o que
é que deverei dizer, o que é que vos interessará
mais saber. Sou um realizador que há dez anos
começou a fazer filmes de longa metragem
il e que desde início se esforçou por seguir
uma determinada linha, manter uma certa
coerência. Não o digo para me vangloriar,
digo-o porque essa era a única base em que
M; !
me interessava fazer filmes. Digamos que na
base da decisão havia um certo egoísmo, que
era, num certo sentido, uma espécie de defesa.
Provavelmente, se tivesse cedido, se tivesse
feito filmes diferentes daqueles que fiz, talvez
saíssem piores. Mas agora, se me pergunto
quais foram os motivos, as reflexões, a partir
dos quais consegui fazer um determinado tra­
balho — e é uma explicação a 'posteriori, por­
que não a estabeleci a priori, antes de iniciar
a minha actividade no campo da longa metra­
gem, devo-o lembrar—, parece-me que duas
espécies de verificação me guiaram. As pri­
meiras ligavam-se directamente àquilo que em
nosso redor sucedia, durante o imediato pós-

76
li'
-
I
-guerra, mesmo um pouco depois, por volta
de 1950, quando iniciei a minha actividade;
as segundas eram de carácter mais estrita­
mente técnico, diziam de perto respeito ao
cinema. Em relação às primeiras posso afir­
mar que é verdade que aquilo que se costuma
chamar os filmes neo-realistas italianos,
entre os quais se incluem verdadeiras obras-
-primas, era talvez, nesse preciso momento, a
única, a mais genuína e mais válida forma de i!
expressão cinematográfica, a mais justa. Atra­
vessava-se um período em que tudo o que !
acontecia à nossa volta era anormal, a reali­
dade queimava; existiam factos e situações
excepcionais, e por isso a relação indivíduo-
-ambiente, indivíduo-sociedade, constituía o
facto mais interessante, aquele que merecia
ser examinado. É essa a razão por que (e já
o escrevi muitas vezes, mas não me desagrada
repeti-lo, porque é uma coisa de que estou
profundamente convencido) tomar como per­
sonagem de um filme, por exemplo em Ladrões
de Bicicletas, um operário a quem roubaram
a bicicleta e que por isso não pode trabalhar,
um filme cujo único tema é este, em que isto
é o assunto principal, em redor do qual todo
o filme se organiza, isto, digo, era naquele
momento o essencial, e para nós bastava-nos.
Não interessava saber quais eram os pensa­ r
mentos, qual a natureza, o carácter, dessa per­
sonagem, quais as suas relações mais íntimas
— no sentido mais lato da palavra— com a
mulher; era possível ignorar tudo isso: o im­
portante era definir as relações homem-socie­
dade. Era esse o objecto predominante dos fil-
77

)
.1

I

yi mes neo-realistas. Mas quando eu comecei a


fazer filmes a situação transformara-se. Che­
guei à longa metragem já um pouco tarde,
nesses anos próximos de 1950, cm que a pri­
ii li! meira floração de filmes de que falei começava
já a dar sinais, segundo me parecia, de um !
1 •certo cansaço. Vi-me então obrigado a pensar: !
1 que é que neste momento é mais importante
examinar, tomar, portanto, como assunto das
i• i ; histórias que se hão-de construir e pensar?
m
i
h
E pareceu-me então que era mais importante
não tanto, como dizia atrás, examinar as rela­
ções personagem-meio quanto parar nessa
h
:jf mesma personagem, dentro dela, para se ver
que é que, de tudo o que se passara —a guerra,
■li'!:
o pós-guerra, aquilo que ainda continuava a
acontecer, coisas que eram importantes de !
mais para não terem deixado vestígios nas
pessoas—, que é que, de tudo isso, teria fi­
cado dentro das personagens, quais eram não
digo já as transformações da sua psicologia
ou dos seus sentimentos, mas os sintomas da
evolução que se processava, qual a direcção
em que se começava a delinear a mudança
e a evolução que depois se verificou na psi­
cologia e nos sentimentos, talvez até na moral,
das pessoas. E assim comecei Escândalo de
Amor (Gronaca di TJn Amore), em que
analisava as condições de aridez espiritual,
além de um determinado tipo de frieza moral,
de algumas figuras da alta burguesia mila-
nesa. Precisamente porque me parecia que
nessa ausência de qualquer interesse além do
seu, nesse estar totalmente virado para si pró­
prio, sem um preciso contraponto moral, sem
78
nada que lhes revelasse ainda o sentido da
validade de determinados valores, nesse vazio
interior existia matéria suficientemente impor­
tante para merecer um exame. Foi aquilo que
os críticos franceses quiseram muito favorà-
velmente definir como uma espécie de neo-
-realismo interior. Esse era, portanto, o cami­
nho que na altura me parecia mais certo.
Direi depois como e porquê utilizei uma deter­ \
minada técnica, uma técnica que se ligava
precisamente à conclusão a que chegara. O se­ i'
gundo tipo de razões responsáveis pelo cami­
nho que tomei foi determinado por um cansaço '
instintivo que já há muito me causavam as

!
formas e as técnicas de narrativa normais e
convencionais do cinema. Essa relação entre
o assunto e a técnica comecei a senti-la intui­
tivamente logo com os meus primeiros do­
cumentários, sobretudo a partir de N. U., que
tinha filmado de uma maneira bastante dife­
rente da da até à data utilizada. (Lembro-lhes
que começara a filmar o meu primeiro do­
cumentário em 1943 e o terminara depois em
1947. Principiara já a preocupar-me com as
pessoas de uma maneira muito mais quente,
muito mais directa, muito mais interessada,
do que era costume, em vez de me preocupar
com as coisas, ou com as paisagens, ou com
os sítios, como era hábito suceder em Itá­
lia.) Quanto ao que diz respeito à forma do
documentário, sobretudo de N. U.f sentia a
necessidade de eludir determinados esquemas
que se tinham formado e que então nin­
guém punha em dúvida. O próprio Paolucci
— que na altura era um dos documentaristas
:
79
1.;

1! mais importantes — fazia os seus documen­


tários segundo um determinado critério, pode

dizer-se que segundo blocos de sequências pos­


suindo um princípio, um fim, uma ordem pró­
pria; esses blocos, unidos entre si, originavam
uma determinada parábola, que conferia ao
documentário a sua unidade. Formalmente
: eram documentários impecáveis; mas essa or­
dem provocava-me já um certo cansaço, sentia
■j a necessidade de quebrar um pouco aquilo que
se podia chamar a sistematização do assunto
do documentário. Foi assim que, ao encontrar-

m
í í 1: ■ -me com determinado material entre mãos,
procurei fazer uma montagem absolutamente
livre (estou talvez a pronunciar uma palavra
demasiado grande; a ideia era mais patente
| i nas minhas intenções do que nos resultados;

m
jyi
os resultados, não os quero julgar), livre poè-
ticamente, procurando determinados valores
expressivos não tanto através de uma ordem
de montagem que conferisse, com um princí­
uiv 1 pio e um fim, segurança às cenas, mas sobre­
tudo baseando-me numa montagem que se
poderia classificar «por relâmpagos», a partir
de enquadramentos senarados, isolados, a par­
tir de cenas que não tivessem a mínima rela­
ção umas com as outras, mas que apesar disso
conseguissem dar uma ideia mais mediata
danuilo aue eu aueria exnrimir, daouilo que
constituía a própria substância do documen­
tário: no caso de N. Ua vida dos varredores
de ruas numa grande cidade. Quando me
decidi a fazer EscândaJo de Amor estas
ideias já tinham amadurecido, assimilara-as
já como experiência interior. Ora, como já
80
!'

o disse antes, se utilizei uma determinada téc­


nica, construída com enquadramentos muito
longos e com panorâmicas que seguiam inin­
terruptamente as personagens (parece-me que
o mais longo enquadramento de Escândalo de
Amor tinha 132 metros, e era o da ponte),
utilizei-a instintivamente; mas pensando ago­
ra sobre o facto consigo compreender porque
é que o fiz. Com efeito, não me parecia justo s
abandonar as personagens nos momentos em
que, exaurido o exame do drama, ou pelo «I
menos aquilo que do drama interessava mos­ i.;
trar, os momentos dramáticos mais intensos, :
a personagem ficava sozinha consigo própria,
t
com as consequências das cenas, dos traumas,
desses momentos psicológicos violentos que
com certeza sobre ela tinham exercido uma
determinada acção e que iriam provocar a sua
posterior evolução psicológica. Parecia-me
oportuno segui-la também nesses momentos
anarentemente secundários em que nada pare­
cia haver que justificasse mostrar a cara que
tinham, ou quais fossem os seus gestos, o seu
comportamento. Ora a mim parecia-me, pelo
contrário, que eram precisamente esses mo­
mentos, quando as personagens se abandona­
vam a si próprias (e quando digo personagens
digo também actores, porque muitas vezes
seguia os actores sem que eles o notassem,
quando julgavam que o ennuadramento ti­
nha terminado: em Escândalo de Amor fiz r.
isso muitas vezes com Lucia Bosè Fia jul­
gava que já se tinha acabado, eu dizia-lhe í v
«continua», ela prosseguia e eu continuava
a filmar), que me ofereciam a possibilidade

6
81
i'
l
: l:
de encontrar no écran movimentos espontâ­
neos e que de outra maneira não teria conse­
Íli-Í guido provocar (sobretudo no caso da Bosè,
uma rapariga que não possui extraordinários
t
i f ;t
dotes de actriz, ou que pelo menos não tinha
ainda a experiência e a técnica suficientes
■ :
:
para a frio poder chegar a determinados
i: : fins). Todo este trabalho está na base dos
i! resultados de A Noite (La Notte). Daí para
: diante (é outra coisa que também só agora
]
posso afirmar, porque só hoje me apercebo de
facto daquilo que foi o caminho que percorri,
bom ou mau que ele seja) parece-me ter con­
seguido libertar-me de um sem-número de coi­
sas que então constituíam preocupações cons­
tantes, até no campo formal. Digo formal não
no sentido de que eu quisesse absolutamente
\ atingir determinados resultados figurativos.
.
Não é assim; isso nunca me preocupou. Pelo
!
contrário, procurei sempre tentar dar, através
de um particular cuidado com a forma, uma
maior sugestão à imagem, para conseguir,
isso sim, que uma imagem construída de uma
determinada maneira me ajudasse a dizer
aquilo que com esse enquadramento pretendia
dizer e ajudasse a própria personagem a ex­
primir aquilo que devia exprimir, além de me
servir para criar uma determinada relação
entre personagem e fundo, quer dizer, aquilo
que está por detrás da personagem. Julgo,
dizia, ter-me verdadeiramente liberto de todas
essas preocupações. Num certo sentido, o meu
último filme, A Noite, foi para mim revelador.
Numa entrevista que dei a um jornal francês
perguntaram-me: «Que é que o levou a tratar
82
esse tema?» Devo confessar nunca ter pen­
sado porque é que tinha feito A Noite. Porque
nunca se pensa porque é que escolhemos um
determinado argumento; o argumento escre­
ve-se, vem à lembrança. No entanto, reflec-
tindo sobre a pergunta, fiz uma pequena mas
muito pessoal descoberta. Esta: comecei a !
pensar todos os meus argumentos muito antes
de começar a realizá-los. Por exemplo, o argu­
mento era inicialmente um assunto intitu­
lado A Casa à Beira-Mar (La Casa sul Mare),
,1
escrito quando estava na Scalera, ainda antes
de ter ido para França, com Carne, em 1942. 1
Realizei-o em 50. O argumento de O Grito
escrevi-o ainda antes de realizar Le Amiche,
mas deixei-o numa gaveta e só o filmei muito
tempo depois. O argumento de A Noite escre­
vi-o antes de UAvventura, mas não fiquei
muito convencido com ele. Era um argumento
coral. Aliás, antes desse argumento tinha
escrito uma outra história; a de uma festa.
Era, ligeiramente modificada, a história de
uma festa a que por acaso tinha ido. Cha­
mava-se Pândega (Baldoria) e Ponti queria
comprá-la. Mas recusei cedê-la, precisamente
porque era uma história que não me conseguia
convencer; e deixei-a na gaveta. Voltei a esse
argumento só alguns anos depois, e entretanto
escrevi então aquilo que depois se deveria
transformar em A Noite. A personagem cen­
tral desse argumento era também uma mu­
lher, mas uma mulher feia, a quem sucedia
mais ou menos aauilo que acontecia à prota­ i
gonista de A Noite. Mas o facto de ser feia
— e só reparei nisso mais tarde — modificava
83
j
completamente as relações entre as persona­
gens, porque deixava supor que a mudança
dos sentimentos do marido era causada pre­
cisamente pela fealdade da mulher. Existiam,
além disso, demasiadas histórias marginais.
í§ ii i Tudo isso não me convencia, de modo que dei­
: : ; xei ainda o argumento na gaveta. Depois fiz
I UAvventura, que tinha escrito muito antes,
durante um cruzeiro. Era também um argu­
mento imaginado antes da sua realização,
precisamente porque eu testemunhara o desa­
i ; :| : ! parecimento de uma rapariga que nunca mais
i\:\ fora encontrada. O facto, mesmo não me dando
então nenhum motivo para a partir dele fazer

m um filme, não me deixara no entanto indife­


rente, e isso porque, também, tinha partici­
pado em todas as buscas organizadas para
se encontrar a rapariga, que de facto desapa­
recera e da qual nunca mais se soube nada.
!Í Mas a coisa em si e por si não me interessava.
Durante o cruzeiro o episódio da rapariga
desaparecida veio-me à lembrança, e então os
•íí vários assuntos combinaram-se e UAvventura
nasceu. Regressei depois à outra história.
Lembro-me de que, quando era ainda a histó­
ria de uma mulher não bela, a propus a Giu-
letta Masina, discutindo-a com ela e com Fel-
lini: mas a Masina tinha contratos no estran­
geiro e não me podia dar uma resposta ime-
ditamente. Não me preocupei mais com o
assunto, porque na altura tinha deixado de
me agradar. Tornei a interessar-me pelo
argumento de UAvventura; compreendi en­
tão que não podia ser apenas a história de
uma mulher, e portanto permanecer um facto

8Jf
l-i

isolado, mas que podia ser a história de uma


mulher e do seu marido. Reforcei então a per­
sonagem do marido, de modo a criar uma liga­
ção entre os dois temas. Existiam os temas
que diziam respeito à crise profissional do
marido, aqueles que estavam ligados à mulher
e que diziam respeito à sua crise conjugal,
i
os da crise conjugal da mulher, da sua crise
intelectual. Uma série de assuntos. Chegado i
a este ponto decidi-me a fazer o filme. Depois,
durante o decurso das várias fases do traba­
lho baseado nesse argumento, nada mais fiz
do que esvaziá-lo de tudo o que anteriormente
possuía; todas as personagens marginais de­ í
sapareceram quase por completo. Apenas fica­
ram, nuas, como viram, as duas personagens
principais. Também eliminei vários aconteci­
mentos que primeiro enriqueciam o argu­
mento e que eram muito mais precisos, em
determinado sentido muito mais ligados entre
si; eliminei-os precisamente para deixar que
a história criasse uma determinada coerência
interna, atingisse, se possível, um suspense
interno que não tivesse ligações com o exte­
rior senão através dos actos das personagens,
actos esses que correspondiam aos seus pró­
prios pensamentos, às suas angústias. Esse
trabalho de corte julgo tê-lo levado a cabo
também, repito, naquilo que diz respeito ao
meu trabalho no conjunto. De filme para filme
fui eliminando a pouco e pouco aquilo que
mais não era do que tecnicismos, certos pre­
ciosismos técnicos. Dos quais, devo no en­
tanto dizer, não me arrependo, porque sem eles
talvez não tivesse chegado a atingir uma

85
maior simplicidade. Ainda agora me permito =
fazer, e faço, certos erros de gramática. Faço-
-os de propósito, porque penso que posso assim
atingir uma maior eficácia. Por exemplo, um
certo uso não ortodoxo do «campo» e do «con-
tracampo», certos erros na direcção dos olha­
res ou dos movimentos dos actores. Eliminei
portanto muitas preocupações e superstrutu-
ras técnicas, eliminei tudo aquilo que pudesse
.•, constituir os nexos lógicos da narrativa, os
í.t! saltos de sequência para sequência através
•« • .1 dos quais uma servia de trampolim à que
N'j se lhe seguia, e isso precisamente porque
me pareceu, e me continua a parecer, que
H p! hoje o cinema deve estar mais ligado à ver­
} fj! dade do que à lógica. E a verdade da nossa
iikííi vida quotidiana não é mecânica, convencional
e artificial como geralmente ela aparece nas
: Pi||P histórias tal como são construídas no cinema.

Ir O ritmo da vida não é equilibrável, é um ritmo


que ora se precipita, ora se torna mais lento,
que por vezes estagna, por outras corre velo­
císsimo. Há momentos de espera, outros muito
velozes, e parece-me que tudo isso se deve sen­
tir na narrativa do filme, se se quiser perma­
necer fiel a determinado princípio de veraci­
dade. Não digo isto por achar que se deva
seguir a vida a par e passo, mas porque me
parece que é através dessas pausas, a partir
dessa tentativa de coerência a uma determi­
nada realidade interna e espiritual, e também
moral, que se organiza aquilo a que hoje cada
vez mais se dá o nome de cinema moderno:
quer dizer, um cinema que não se preocupa
tanto com aquilo a que poderíamos chamar
86

i
5 . I

os factos externos, aquilo que aconteceu, mas


sim aquele que volta a sua atenção para as
causas que nos levam a agir de uma determi­
nada maneira em vez de uma outra. E este í
é precisamente o ponto importante: os nossos
actos, os nossos gestos, as nossas palavras,
não são mais do que as consequências de
uma posição pessoal relativamente às coisas
deste mundo. É essa a razão por que hoje me .
parece também muito importante procurar ‘
.•
fazer cinema literário, ou figurativo. (Eviden­
temente, estou a falar por paradoxos: porque
não acredito que exista um cinema absoluta­ :
.
mente literário, ou totalmente figurativo.
Existe apenas o cinema, que contém em si
todas as experiências das outras artes e que
delas se serve como muito bem lhe parece,
livremente.) Hoje julgo importante que o ci­
nema se volte para esta forma interna, para
esta forma absolutamente livre, assim como
livre é a literatura, como livre é a pintura,
atingindo a abstracção; talvez suceda até que
o cinema consiga construir também a poesia,
o poema cinematográfico, com versos. Actual-
mente isso parece-nos absolutamente impen­
sável, mas no entanto chegará talvez o mo­
mento em que até o público conseguirá
aceitar essa nova forma, a pouco e pouco;
e isso porque há qualquer coisa que se mexe,
que evolui e que felizmente também não passa
desapercebida aos olhos do público; parece-
-me que é essa a razão por que determinados
filmes «difíceis» começam a ter um sucesso . ?

também comercial, saindo das cinematecas a


que estavam condenados, das gavetas onde ;=
j

87
•1
h>
f
> .
estavam guardados, conseguindo chegar às
massas. E devo dizer que muitas vezes quanto
: mais profundamente o filme penetra melhor
é compreendido. (Ê o que está a suceder, por
] exemplo, com UAvveyitura, quanto mais pro­
Mi.1; fundamente penetra na província maior inte­

ím

resse suscita. Em Bordéus e nos arredores


L’Avventura teve uma receita superior à de
Ben-Hur. Pensem se isto, há alguns anos, teria
sido possível. É extraordinário, não o digo por
minha causa mas para glória do cinema. Por­
que desta maneira, continuando a avançar,
; ; encontramos já o caminho desimpedido.
ti*:.':: Parece-me que já falei de mais. Mas falei
o mais sinceramente que me foi possível, e

lir
? ■ i' iilU
julgo que isso é o importante. Agora, se al­
guém quiser fazer perguntas terei muito pra­
zer em responder-lhe.
ti
íiiv.i;j L. Finravanti: Agradecemos-te muito, An-
tonioni, pela sinceridade com que falaste, pelo
exame crítico-histórico que fizeste das tuas
actividades e que me parece corresponder a
uma confissão profissional de opiniões muito
meditadas. Parece-me que os nossos alunos,
que te seguiram com enorme interesse, terão
com certeza aprendido muito contigo. Pode­
mos portanto iniciar o nosso pequeno colóquio.
Enzo Bataglia, aluno de realização: Queria
•il falar do enquadramento do muro branco da
Noite, ao longo do qual, a determinada altura,
a protagonista se move, parecendo esmagada.
Foi pensado e previsto na planificação ou foi
improvisado durante as filmagens? Queria
saber até que ponto é que os seus enquadra-

88
4
mentos são previstos, até que ponto se deixa
guiar pelo ambiente.
Antonioni: Parece-me que no facto artís­
tico existe sempre, antes de qualquer outra
coisa, uma escolha. Essa escolha que o autor
faz é, como dizia Camus, a revolta do artista
contra o real. Assim, todas as vezes que
começo a filmar um determinado ambiente I
real, determinadas sequências em cenários ;
naturais, faço o possível por chegar ao sítio j
escolhido para filmar naquilo que se poderia
chamar um estado de «virgindade». Porque :.
me parece que é do choque entre o ambiente :
e o meu particular estado de espírito nesse
momento que nascem os melhores frutos. Não
gosto de pensar nem de estudar uma cena na
noite anterior às filmagens, ou no dia ante­
rior. Gosto de ficar sozinho no local onde irei
filmar, começar a sentir o ambiente vazio de
personagens, de pessoas. É para mim o modo
mais directo de conseguir recriar um determi­
nado ambiente, de estabelecer uma relação com
o próprio ambiente, o modo mais simples de
deixar que o ambiente nos sugira qualquer
coisa. É claro que estamos desde início pre­
dispostos de uma maneira favorável em rela­
ção ao local, visto que o escolhemos e que
portanto sabemos que existem possibilidades
de nele se ambientar uma determinada cena. t.
Trata-se apenas de inventar — porque é uma
fase de invenção— a sequência, adaptando-a
precisamente às características do ambiente.
Por isso (falo, claro, apenas do meu método
de trabalho) procuro ficar sempre uma meia
hora no local onde irei filmar tanto interiores
..
89
•i ii
\ ;•

como exteriores. Depois chamo os actores e \


começo a ensaiar a cena. Porque também esse
é um meio de se verificar se a cena sairá bem
i; ou não. De facto, pode suceder que uma deter­

11 i
minada cena, pensada a uma mesa, deixe de
funcionar no momento em que é transposta
í&
fi
para um determinado ambiente real, sendo
então necessário transformá-la, modificá-la.
;| 1 i Uma certa saída, dita contra um muro ou
ii : tendo por fundo uma estrada, pode mudar to-
V! ! i ' talmente de significado. Assim como muda de
sentido uma saída dita por uma personagem
a três quartos ou de frente; assim como um
pr;> diálogo pode mudar de significado conforme
a altura da câmara. O realizador apercebe-se
de tudo isto (repito que estou a falar do meu
método de trabalho) unicamente quando está
no local de trabalho, quando começa a mover
l i Is
«1 as figuras segundo as primeiras ideias que o
estar ali lhe sugere. Por isso é raríssimo fil­
mar enquadramentos prèviamente estudados.
Ê claro que durante a fase de preparação de
um filme o realizador constrói determinadas
imagens, mas é sempre perigoso apaixonarmo-
-nos por elas, porque geralmente se acaba
perseguindo, numa realidade que não é a
mesma da da mesa de café, uma imagem abs-
tractamente pensada precisamente a essa
mesa. É muito melhor adequarmo-nos à nova
situação; e pode-se até generalizar um pouco
— todos sabem que hoje as planificações não
são já as planificações de ferro de antiga­
mente, são cada vez menos pormenorizadas,
menos técnicas. São apontamentos que o rea­
lizador toma, é uma espécie de falsa linha
90
l-i
sobre a qual, durante as filmagens, se traba­
lha. Precisamente porque aquilo que se chama
improvisação no cinema provém também da
relação, como dizia há pouco, do ambiente
connosco próprios; tem a sua origem, quase
que me atrevo a afirmá-lo, nas relações que
o realizador estabelece com as pessoas que
estão à sua volta, tanto os costumados cola­
boradores profissionais como as pessoas en­
contradas ocasionalmente para uma determi­
nada cena de exteriores. Quero dizer: a rela­
ção que se estabelece em primeira mão com
uma pessoa pode sugerir para uma certa cena
uma determinada solução em vez de outra,
poderá dar azo à modificação de um diálogo;
poderá sugerir muitas outras coisas, razão
essa por que também este é um método de
improvisação. Repito por isso que dificilmente
penso prèviamente nos enquadramentos, que
penso neles apenas a partir do momento em
que ponho o olho na máquina de filmar, a
partir do momento em que ponho os pés no
local onde irei filmar uma determinada cena.
Giulio Cesare CasteTlo: Isso para os cená­
rios naturais. E no estúdio?
Antonioni: O que disse é válido também !
para as cenas de estúdio.
CasteTlo: Alguns dos coeficientes de estí­
mulo inerentes a uma cena filmada em cená­
rio natural não se mantêm na cena filmada
em estúdio, que sempre te determinará prè­
viamente, nem que seja apenas por causa do
cenário, construído de uma determinada ma­
neira: não poderás fazer certos movimentos I
de câmara, porque para os fazeres seria neces- !
SI
91 ri
)
i
l
sário ter-se construído o cenário de maneira
diferente.
Antonioni: Ã parte o facto de que filmo
cada vez menos em estúdio (é o segundo filme
que faço sem pôr os pés nele), mesmo quando
filmo uma cena construída no estúdio mante­
nho sempre uma certa liberdade. É óbvio que i
possuo o esboço daquilo que a cena virá a ser,
que a sugiro ao arquitecto, como é, aliás,
costume fazer-se, estabelecendo determinadas
relações entre os ambientes. Mas parece-me
que é só quando me encontro no estúdio, nesse
momento e só nesse momento, que tenho a
exacta sensação daquilo que poderá vir a ser
a cena que me preparo para filmar. Também 1
esse ambiente me pode sugerir qualquer coisa;
ele também, apesar de idealizado e previsto
por mim num determinado sentido, me pode
surpreender, lembrar-me determinadas mu­
danças, ideias novas. Nunca recuso isso. Tam­
bém nele procuro ficar sozinho durante vinte
minutos, meia hora, ou mais.
Antonio Petrucci: Uma vez escreveste, se
não me engano, que quando começas a filmar
te sentes um pouco como o escritor que se
senta diante da folha em branco. Apesar disso, 1
é evidente que determinados elementos preexis­
tem já no teu espírito, como aliás já preexis­ !
tem no espírito do escritor, mesmo que ele não
saiba com uma absoluta precisão aquilo que
irá escrever.
Antonioni: Não, penso que corresponde,
para ficarmos na comparação do escritor,
àquilo que o escritor pensa poder ser a cara
da sua personagem, mas quando ainda a não

92
fy
começou a descrever. Ora, todo o esforço de
criação reside precisamente nessa descrição,
assim como a dificuldade em figurar uma de­
terminada cena está precisamente no filmá-la.
Ora há inúmeras maneiras de eu fazer Anna
entrar num quarto e dar um estalo em Giulio.
Uma dessas maneiras é a justa, e as outras
cinquenta mil são erradas. Trata-se de des­
cobrir qual é a justa. Por isso entrar em con­
tacto com um ambiente novo é para mim o
mesmo que para um escritor ter à sua frente
uma folha em branco, porque não sei por onde í
é que hei-de começar. E as dúvidas continuam ■

a perseguir-me até ao instante em que vejo


o material projectado. Por isso me parece que
até o estúdio pode oferecer surpresas, preci­
samente neste sentido. E também porque a
partir do momento em que se começam a pôr
os actores em cena, da relação actor-ambiente
— e essa relação é absolutamente nova e ines­
perada —, nasce a ideia da sequência, de uma
sequência que se vai transformando consoante
a maneira como é tratada. Por exemplo, tinha-
-se previsto um determinado travelling, que
no entanto se revela desnecessário, etc. Por­
tanto, hoje um filme faz-se, é pelo menos a I
minha opinião, realizando-o, só nessa altura
ele é escrito, na máquina de filmar.
Castello: Esse sistema obriga-te a filmar
muito mais material do que o normal. Por
exemplo, para UAvventura e A Noite quantos
metros filmaste?
Antonioni: Não muitos. Ou pelo menos
nada de especial. Para UAvventura filmei cin­
quenta e três mil metros, para A Noite qua-
i
ú
! I
9$
.
)
U

! 1$
renta e três, quarenta e quatro mil. O que não
é muito. Para UAvventura filmei muito mais
i ri do que era necessário, mas porque filmava em
condições absolutamente loucas. Consegui for­
■i: i :■ mar uma ideia do filme enquanto à minha
volta sucediam coisas violentíssimas, e além
i
disso interessantíssimas, o que me exigia um
enorme esforço de concentração, um esforço
para recusar essas coisas e conseguir que a
1 história tivesse apenas uma direcção, a direc-
\! ção e o desenvolvimento prèviamente estabe­
lecidos. Isso foi o que durante as filmagens
de UAvventura maior esforço me exigiu; tudo
i V isso contribuía para me criar uma série de
dúvidas, e por causa delas via-me obrigado
a filmar muitas mais coisas, coisas que sabia
HM que talvez não me servissem, mas que, por
ib.rl garantia, procurava ter dans la boite, como
|'ií dizem os franceses.
Castello: Gostaria de fazer uma outra per­
’ ' ift 4
' í gunta, de carácter mais geral. Dando como
assente que tudo o que fizeste foi porque
quiseste, porque nunca chegaste a compro­
missos com os produtores, há na tua obra
alguma coisa que recuses, de que te sintas
descontente, não digo descontente na medida
em que qualquer artista tende sempre a estar
insatisfeito com aquilo que faz, mas alguma
coisa que não devesses ter feito, ou que deves­
ses ter feito diversamente?
Antonioni: Não é que esteja contente com
aquilo que fiz; o facto de me sentir descon­
tente é natural e é lógico. Mas parece-me que
não encontro um filme que em bloco me deixe
mais descontente do que os outros; de facto,
. ' . ’’: ;

i !# u
-I r
I-

são sobretudo determinadas cenas que me dei­


xam descontentes. São, por exemplo, I Vinti,
naturalmente, e algumas partes de A Dama
sem Camélias (Signora senza Camelie). No
conjunto, é um filme que considero estragado,
precisamente porque comecei mal, parti de
uma personagem que deixara de ser a «perso­
nagem certa». Talvez haja pessoas que não
concordem com o que digo, mas para mim,
que sabia o que queria fazer, permanece a
amargura de ter sido obrigado a modificar 8
demasiado a ideia primitiva. No entanto o
filme tem sequências que hoje continuaria
a fazer da mesma maneira. Nos Ivinti, mante­
ria o episódio italiano. Mudaria muitas coisas
ao francês, porque hoje conheço melhor a
França. Quanto ao episódio inglês, talvez o
deixasse como está. Mas é muito difícil julgar
desta maneira o meu trabalho, começa-me a
parecer que até em L'Avventura existem coi­
sas que me desagradam, mesmo em A Noite.
Além de que ainda não consegui gostar de
A Noite, ainda estou demasiado dentro dela;
chega-se a uma determinada altura em que o
realizador se sente nauseado pelo próprio
filme. Ainda não me sinto suficientemente dis­ I
tanciado para o poder julgar.
Fioravanti: Quais são, em UAvvcntara,
as sequências que menos te satisfazem?
Antonioni: Por exemplo, hoje filmaria de
maneira totalmente diferente toda a festa
final. Não quero dizer que tal como está não
esteja bem, digo apenas que a faria de ma­
neira diferente, talvez até ficasse pior, mas
de qualquer modo de uma maneira diferente.

95
;
i

« Í: Í
Depois, determinadas coisas da ilha, por exem­
,j ]! ;í plo, certas coisas com o padre, com o helicóp­
tero. Não sei se viram a versão integral, se a
que tinha cortes; se não tinha a cena do heli­
ií’
cóptero, era a cortada: na francesa faltam
cerca de cinquenta e cinco minutos.
Krystyna Stypulkowska, aluna de arte de
representar: Queria falar sobretudo de UAv-
]; ventura; mais exactamente, do significado fi­
nal de ÚAvventura. Sei muito bem que a um
i i
realizador nunca se deveriam fazer tais per­
\Ú ! guntas, e peço desculpa de as fazer; mas pas­
m\ sámos muitas horas, até noites inteiras, a
discutir o assunto, porque cada um de nós via
o problema de maneira diferente. Alguns di­
zem que se trata de uma concepção quase que
i !} ’'••• ■ 1
pascaliana da vida e do homem, pondo a nu
a solidão de cada homem, o seu perpétuo fali-
í ).!■ i mento, a sua humilhação, o caminho sem saída
iii-s: > que percorre. Outros, pelo contrário, encon­
tram no final de UAvventura, apesar de per-
turbante, uma concepção que talvez seja a
mais optimista de todos os seus filmes. Que é
que acha? Quanto à segunda pergunta, ape­
sar de ser bastante banal, interessa-me muito
porque sou aluna de representação. Como é
que trabalha com os actores? Por exemplo,
citando o nome de três actrizes bastante dife­
rentes umas das outras que trabalharam con­
sigo: Lucia Bosè, Jeanne Moreau, Monica
Vitti.
Antonioni: Parece-me que será útil ler-vos,
porque o trouxe precisamente pensando que
poderia vir a ser necessário, aquilo que disse

96
O ECLIPSE: Alain
' Delon e Monica Vitti
(Foto de Filmes Lu-
som undo)

O DESERTO VER­
MELHO: Richard
Harris e Monica Vitti
(Foto de Doperfilmc)
•31 ■;:!:
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li r.
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BLOW-UP: Vanessa Redgravc e David Hemmings (Foto de
Vida Mundial)

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BLOW-UI
David Hei
mings ( F o
de Vida- Mu
dial)
O GRITO: Betsy Blair
e Steve Cochran (Foto
de Mundial Filmes)

L'AV VENTURA: Mo-


:ica Vitti e Gabriele
Ferzetti (Foto de Pu­
blicações Dom Quixote) ,.ar\
V

A NOITE Marco
Masti<fianni e Jcanr
M o i »■ a 11 ( FotO Ú
Ftunk Fihnps)

O ECLIPSE: Moni
Vitti (Foto de F
mr.fi Lusom undo )

■ •

■ na conferência de imprensa dada quando


UAvventura foi projectada em Cannes. Coin­
cide bastante bem com aquilo que penso acerca
dos motivos e das considerações que me leva­
ram a fazer UAvventura; responde também,
nas suas linhas gerais, à pergunta que me foi
feita e à qual responderei mais directamente
depois. «Hoje, um desequilíbrio gravíssimo
ameaça corromper o mundo, desequilíbrio
esse que se estabelece entre uma ciência cons­
: ciente e totalmente projectada para o futuro,
disposta a quotidianamente se renegar, desde
que dessa negação advenha a conquista de
uma fracção do futuro que pretende conquis­
tar e um universo moral rígido e estilizado,
como ninguém hesita já em defini-lo e que no
entanto se mantém de pé graças aos nossos
esforços, por maldade ou por preguiça. E onde
é que é mais fácil notar esse desequilbrio?
Qual é a zona mais descoberta, mais sensível,
mais dolorosa? Pensem no homem da Renas­
cença, na sua alegria, na sua plenitude, nas
suas múltiplas actividades. Eram homens
grandes, homens técnicos e ao mesmo tempo
realizadores, sentindo a sua dignidade, a sua
importância de serem homens, a plenitude
ptolemaica do homem. Depois, o homem des­
cobriu-se copernicano, sentiu-se projectado
nos confins de um universo e desconhecido.
E hoje um novo homem nasceu, com todos os
terrores, os medos, o balbuciar, que sempre
acompanham uma nova gestação. E, o que é
ainda mais grave, o homem nasce já carregado
com um peso morto de sentimentos que nem ;
sequer é exacto classificar como de velhos
í
97
c

4
ou superados, porque são apenas desadapta-
dos, e que condicionam sem ajudarem, com­
V! plicam tudo sem sugerirem uma solução.
íl :M E apesar disso o homem não se consegue
desembaraçar desse peso. Impelido por forças
|i 1 J e mitos morais, que hoje, em vésperas de se
alcançar a Lua, não deveriam continuar a ser
V: t)s do tempo de Homero, mas que no entanto

t!
:l
ainda o são, o homem ama, odeia e sofre.
Sente-se disposto a desembaraçar-se imediata­
mente dos conhecimentos técnicos ou cientí­
ficos, que se verificam errados: nunca, como

m
\
hoje, a ciência foi tão humilde. E no entanto
é o quietismo mais absoluto que continua a
reinar no campo dos sentimentos. Estudámo-
-los, analisámo-los, dissecámo-los durante os
últimos anos até à saturação. Disso fomos
capazes, mas não conseguimos achar outros
que os substituíssem, nem sequer fomos capa­
zes de tentar colmatar o desequilíbrio cada
vez mais grave que se cavava entre o homem
moral e o homem científico. Claro que eu não
quero, nem posso, resolver o problema; não
sou um moralista, nem o meu filme é um ser­
mão ou uma denúncia: é apenas uma narra­
tiva feita com imagens, de que espero que
resulte não o nascimento de um novo tipo de
MU
\m sentimento, mas, sim, a maneira como hoje se

íi
adulteram os sentimentos. Porque, repito-o,
í existe uma moral velha, velhos mitos, velhas
i!
convenções. E todos nós sabemos que são
íí velhos e superados; mas todos os respeitamos.
i
Porquê? As minhas personagens não concluem
; por uma anarquia sentimental, quanto muito
atingem uma forma de piedade recíproca.

m m 98

$
/

O que também não é muito moderno, poder-


-me-ão dizer. Mas que nos resta fazer, se não
conseguimos fazer mais nada? Que é que jul­
gam que o erotismo hoje imperante na lite­
ratura e no espectáculo é? É apenas um sin­
toma, talvez o mais fácil, o mais imediata­
mente perceptível, da doença dos sentimentos.
Não seríamos eróticos, quer dizer doente de
Eros, se Eros fosse são, e por são entendo
verdadeiro, adequado à medida e à condição
do homem. É claro que sentimos um certo
mal-estar, e, como a todos os outros, o ho­
mem reage mal também a este: limita-se a
despertar ao estímulo erótico; por isso sente-se
infeliz. A catástrofe de UAvventura é provo­
cada por um estímulo erótico desse tipo: infe­
liz, mesquinho, inútil. Saber criticamente,
como a protagonista de L’Avventura o sabe,
que o estímulo erótico a que reage é vulgar e
inútil, não é suficiente, não chega. E eis o desa­
bar de um mito: que seja suficiente saber,
que seja suficiente conhecermo-nos, analisar­
mo-nos criticamente; e não chega: é apenas
um prólogo. Todos os dias temos uma aven­
tura, qualquer encontro sentimental, moral,
ou apenas de diálogo. Porque, apesar de saber­
mos que as velhas tábuas da lei apenas sus­
tentam palavras já demasiado usadas, obsti­
namo-nos, com uma pertinácia que só ironica­
mente classificarei de comovente, a ser-lhes
fiéis. E assim o homem moral, que não sente
medo do ignoto científico, teme hoje o ignoto
moral. Partindo do medo e da frustração, a
sua aventura mais não se poderá revelar do v
que uiça cisão.» :

99
■ í;
\y:\
Isto foi o que li em França. Parece-me que
.1
"■ \

í a partir deste texto se pode deduzir qual é o


,■ •*i significado final de L’Avventura, mesmo que
: o queiramos considerar meio optimista e meio
! :! pessimista. Georges Sadoul fez uma pequena
'
! \ descoberta, que até condizia—quando mo disse
— com a intenção com que tinha filmado o
último enquadramento do filme. Não sei se se
li lembram. De um lado vê-se o Etna coberto de
neve, do outro um muro. O muro simboliza o
homem, o Etna a posição da mulher. O foto-
grama está portanto dividido em dois: me­
tade do muro corresponde à parte pessimista,
a outra metade corresponde à optimista. Eu
não sei se a relação que se estabelece entre
os dois protagonistas será duradoura ou não,
mas é já qualquer coisa que essas duas pes­
soas não se separem. Constitui já algo de posi­
tivo o facto de a rapariga não fugir do homem,
que em vez disso fique e lhe perdoe. Até por­
que, num certo sentido, se revela como ele
I — se não por mais nada, a partir do momento
em que julgando que Anna regressou também
ela se sente aterrorizada pela ideia. Porque
tem medo do regresso de Anna, tem medo que
ela esteja viva, o que portanto quer dizer que
também nela morreu já o sentimento da ami­
zade, da mesma maneira que no homem mor­
rera o amor pela morta e talvez se esteja já
a corromper o amor pela rapariga. Mas que
outra coisa poderá fazer senão permanecer
junto dele? — encontramos então esse trait
d/union que é a piedade, piedade que também
constitui um recurso. Em A Noite as perso­
nagens avançam um pouco mais Jm UAvven-

ESCOLA £ * ;
BI8LI0T -
I
1
tura comunicam apenas entre si através do
trait d’union que é a piedade; não falam.
Enquanto em A Noite as personagens falam,
comunicam, têm a consciência do que lhes
sucede. Mas o resultado nem por isso se modi­
fica. Por parte do homem encontramos a hi­
pocrisia (e aqui o discurso podia alargar-se):
recusa o colóquio precisamente porque sabe
que se naquele momento aceitasse falar seria
o fim. O que é também uma maneira de que­
rer que a relação continue; e sobressai então
o aspecto optimista da história.
Castello: Parece-me um pouco ridículo
querer-se estabelecer à viva força se um de­
terminado final é optimista ou pessimista.
No entanto, notei uma certa divergência de
opiniões. Parece-me que o final de UAvven-
tura é muito mais optimista do que o de
A Noite. Mas há pessoas que têm precisa­
mente a opinião contrária.
Antonioni: Uma vez em que Pirandello se
encontrava numa situação semelhante à minha
bombardearam-no com perguntas sobre as
suas personagens, as suas peças, as suas
comédias. E ele respondeu: «Como é que hei-
-de saber? Sou o autor.» A segunda pergunta,
a que ainda não respondi, é sobre a represen­
tação. Em relação ao trabalho dos actores
tenho determinadas ideias, as quais não sei
se serão justas ou erradas mas que, no en­
tanto, são minhas. Koje, fazendo o balanço
daquilo que constitui o meu trabalho com os
actores, posso dizer que trabalhei de uma
determinada maneira porque não me apetecia
trabalhar de outra, porque sentia que tinha i
101
I- ■ i: '•«
=
í i razão em utilizar o método que praticava por­
que verificava que trabalhando dessa maneira
i\
ÍU V
obtinha determinados resultados que com ou­
tro sistema diferente não poderia obter. E tam­
! ■:
f!• i|i bém porque não pertenço ao tipo de realizador
: como, por exemplo, Visconti e De Sica, que
• íi conseguem fazer «ver» a cena ao actor, que
'B 5 conseguem representá-la. É uma coisa que
! nunca conseguiria fazer, porque não sei repre­
,
i 1 •> sentar. Mas parece-me que mesmo assim sei
13.il1 -1■; :! muito bem o que pretendo, quais as minha*;
iU ; ideias. Parece-me que um actor não deve com­
Ui ; preender aquilo que está a fazer. Nos meus
1. i : li primeiros contactos com os actores, sobretudo
com certos actores estrangeiros, é sempre essa
a maior dificuldade que encontro. Mas se
fosse verdade que um actor deve perceber o
que está a fazer, o melhor actor seria então
o mais inteligente: o que não sucede, e a rea­
lidade encarrega-se muitas vezes de demons­
trar precisamente a inversa. Quanto mais um
actor se esforça por compreender o signifi­
cado de uma determinada cena, quanto mais
procura aprofundar um diálogo, ou uma se­
quência, o próprio filme, maiores danos sofre
a sua natural espontaneidade e por consequên­
. í :!1 cia a realização da cena. Ã parte o facto de

II j V
que, se age dessa maneira, transforma-se por
assim dizer no realizador de si próprio. O que,
além de não constituir uma vantagem, se
II i{ transforma num factor negativo. Não me
I: parece que se deva exigir a um actor que tra­
balhe com o cérebro, mas sim que ponha o
instinto a trabalhar. Eu, que sou o realizador,
í não devo perder tempo a tentar descobrir
ii
!
102

:
/
i
quais são os meus planos em relação ao actor.
Se lhos revelo, ele transforma-se imediata­
mente numa espécie de cavalo de Tróia, um
cavalo de Tróia que penetra na minha praça
forte, que é só minha, porque só eu é que
sei o que pretendo, porque só eu é que sou
capaz de avaliar se o que o actor me dá me
convém ou não. Eu vejo-o, porque para mim
o actor é um dos elementos de um determi­
nado enquadramento, precisamente como uma
arvore, um muro, uma nuvem, e se a sua po­
sição se modifica, todo o enquadramento se
modifica com ele. E só eu é que posso saber
se essa modificação é oportuna ou não; não
o actor. E, como disse há pouco, um diálogo
dito com a máquina alta possui um signifi­
cado determinado, diferente do que se diz
com a máquina baixa, de lado, de perfil ou
de frente. São tudo coisas que só o realizador
pode julgar, porque só ele consegue ver a
cena no seu conjunto. O actor não.
O mesmo se pode dizer da entoação. A en­
toação, antes de ter um significado, de se
transformar num diálogo, é um ruído. É um
barulho que se deve fundir com os outros
ruídos da imagem; ora são barulhos que
na imagem, na altura em que o actor repre­
senta, ainda não existem — tudo factos que
o actor ignora, mas que o realizador sabe.
Mas de maneira nenhuma excluo a improvi­
sação de um método como o meu. Porque, se
o actor, ao representar uma determinada cena,
seguindo as indicações que lhe sugeri, se en­
gana, deixo-o sempre continuar. Deixo-o con­
tinuar a enganar-se, porque quero ver, antes >-
103
I
I II. 1.
■í> ■:
=
\
i i ; ». de o corrigir, se os erros que faz me poderão
j|_ ser úteis. Porque eles, nesse momento, são
j:: i h
aquilo que de mais espontâneo o actor me
n
mk ' \
oferece. E é isso de que eu tenho necessidade,
da sua espontaneidade, mesmo se a obtenho
enganando-o. Muitas vezes experimento de­
u; | terminadas reacções, com diálogos que nada

11m
j têm a ver com eles, e sinto-me embaraçadís-
simo quando os actores me pedem explicações.
Precisamente porque eu só lhes posso dizer
i determinadas coisas, nada mais. Quando fil­
- 3 U mei O Grito, essa óptima actriz que é Betsy
ttl \ \M
1 ;■ 2
Blair quis ler o argumento comigo, pedia-me
explicações a cada instante. Passei as duas
horas mais infernais da minha vida, porque
fui obrigado a inventar significados que não
existiam, mas coincidiam perfeitamente com
aquilo que ela achava que devia ser. E tam­
bém é necessário ter em conta o que os actores
querem que uma determinada coisa seja.
Existe ainda uma outra razão para o meu
método de trabalho. Se de facto fosse sempre
necessário explicar a um actor a cena que se
vai filmar, seria também lógico que a expli­
cação dessa cena se mantivesse a mesma,
qualquer que fosse o actor que a interpre­
; ,n '!
tasse. O que não sucede. Porque sei que a de­
i I
terminados actores devo dizer certas coisas
para obter um determinado resultado, a outros
: ?s Íi outras, para obter esse mesmo resultado. Por­
que conheço o seu temperamento, porque com­
S: ' !
' preendi a sua maneira de reagir, porque sei
que se tocar em determinadas cordas reage
2 de uma maneira, se noutras doutra; e pare­
1 ■

y r- ce-me que isso demonstra que com os actores

ui
:
mfi;
104

. ' ■■;:
;t
não é possível utilizar sempre o mesmo sis­
tema. Para mim a cena permanece sempre
a mesma, mas para obter de cada actor deter­
minados resultados vejo-me obrigado, a mu­
dar de método, a mudar as explicações.
Stefano Satta, aluno de arte de represen­
tar: Apesar de UAvventura e de A Noite ter­
minarem com dois encontros (o senhor falou
de piedade) e de O Grito terminar com um
suicídio, a mim parece-me que tanto UAvven­
tura como A Noite estão mais eivadas de
desespero e de angústia que O Grito. Gostaria
de saber a que é que isso se deve, se não é
devido ao diferente ambiente social.
Antonioni: É uma pergunta a que os crí­
ticos poderão responder muito melhor do que
eu. Não me está a fazer uma pergunta, está
a fazer-me uma observação. Diz-me que em
A Noite e UAvventura se obtiveram determi­
nados resultados que em O Grilo não se con­
seguiram alcançar. Quando me diziam — a
propósito de O Grito — que era frio, cínico,
desumano ate, parece-me que não estavam
a ter em linha de conta as pesquisas formais
que eu tentava viver num filme intuitivamente
claro, e que depois deram os seus frutos nos
outros meus filmes. Talvez esses dois filmes
expliquem um pouco 0 Grito, filme que, se
hoje fosse de novo projectado em Itália, talvez
£/btivesse maior êxito do que o que teve.
/ ' Íq entanto, a mim parece-me que 0 Grito era
\ftlme mais pessimista, mais desesperado,
do^ qu£"xo,^ outros dois que mencionou, talvez
até porque eu, nesse preciso momento da
minha vida, au-avessava uma grave crise de

105
f
. í it:í I
depressão. Não sei, de facto, que é que lhe
; poderei dizer mais.
Satta: Gostaria de precisar a minha per­
\ gunta. Em O Grito encontrei um maior calor
! i': humano, mais do que em UAvventura ou em
*
:r A Noite; quer dizer, O Grito termina com um
suicídio, portanto de uma maneira mais dra­
mática e trágica; mas na realidade esse filme
é, sob certos aspectos, mais optimista do que
UAvventura ou A Noite} que me parecem
U ,! mais frios, apesar de neles se aperceber um
certo vislumbre de esperança.
Antonioni: Mas, visto que esse calor hu­
mano não serve ao protagonista para se sal­
var, não lhe serve para evitar a sua perda,
parece-me que a conclusão do filme se torna
mais desesperada que a dos outros. Não sei.
Apesar de tudo esse calor não serve para
«ligar» o protagonista de O Grito a qualquer
coisa. É uma pessoa que já não «liga» com
a vida.
Satta: Gostaria de fazer outra pergunta: •*
a propósito da cena final de A Noite tive a \
:) sensação de que o filme se transformava,
abandonava um pouco aquilo que se poderá
chamar o seu estilo: enquanto foi sempre
acusado de fazer falar pouco as suas perso­
nagens, no final de A Noite sucede quase o ?

contrário. Parece até que com o colóquio firal >


tenha querido dar uma explicação para us) i
e consumo dos espectadores.
t
Antonioni: Não sei se esse final dá
sensação ou não. Na realidade esse coló­
quio, que aliás é quase um soKlíOClU10, um
monólogo dela, pretende ser * continuação

106 i
3
l;•
I
»;
i

do filme, pretende tornar claro o significado


efectivo daquilo que sucedeu. A mulher está
ainda disponível, pode falar, analisar, exami­
nar, as razões que determinaram o erro da
sua união. Mas esbarra de encontro à recusa
do homem, esbarra com a sua negação de se
lembrar ou de não se querer lembrar, portanto
a sua recusa de raciocinar, a sua incapacidade
de procurar um novo ponto de encontro cons­
truído sobre uma base de análise lúcida — e
em vez disso o homem refugia-se num con­
tacto irracional e desesperado, que não sabe­
mos que resultado poderá dar.
Marco Bellocchio, aluno de realização 0):
Nós, eu e, julgo, alguns de nós, não sabemos o
que fazer de certas exortações que tantas vezes
nos fazem. Somos quase que totalmente esque­
cidos pelas pessoas que têm nas mãos as
rédeas do cinema. Resumindo: ninguém nos
telefonará, ninguém nos chamará. Seremos
portanto nós que, com as nossas próprias
mãos, teremos de abrir o nosso próprio cami­
nho, deveremos ser nós a superar muitas in­
compreensões, muitas incertezas, muitas an­
gústias, que vocês, todos vocês, os antigos,
terão talvez suportado em silêncio. Pois bem, t
quando está perante um jovem que é que lhe
pode oferecer? Não lhe estou a pedir a fór­
mula do sucesso, a maneira de «chegar»; peço-
-lhe apenas que nos confesse se não tem nada

í1) É um dos cineastas mais destacados da nova


geração italiana, tendo realizado I Pugni in Tasca e
La Cina è Vicina — duas obras discutidíssimas. (N.
do Ed.)

íoi
II '
■'íl ' I
*fj || ;
para dizer, se o senhor, como julgo que sucede
a quase todos, já esqueceu. O problema do
esquecimento é-lhe muito caro, parece-me tê-lo

ff íjl
i <
reencontrado em UAvvcntura como um tema
fundamental. Queria precisamente perguntar-
-lhe se, perante um jovem que o olha, ou lhe
pergunta qualquer coisa, fica calado ou se
n [ 1 sente que lhe pode dar qualquer coisa.
Antonioni: Podia responder à sua per
gunta de várias maneiras. Posso, no entanto,
iiiif ^ dizer-lhe desde já que não sou nem um mora­
*

iil lista nem um pedagogo. Faço filmes porque


me interessa fazer filmes. Se uma obra de arte
deva ser educativa ou não é um problema que
deixo a outros o cuidado de resolver; não me
diz respeito. Isso resultaria apenas no esta­
belecimento de uma relação espectador-autor.
Explicando-me melhor, faço filmes, o senhor
pode gostar deles ou não; diz-lhe respeito a si
tirar desses filmes determinadas lições, posi­
tivas ou não, e não a mim fornecê-las. Eu es­
gotei o que tinha a dizer quando fiz o filme.
Repito: o que se deve criar é uma relação
entre o filme e o espectador, não entre o jo­
vem e o realizador. Porque senão a relação
i transforma-se noutra, torna-se numa relação
!
■m pessoal, privada. E então o que eu lhe posso
í. dizer éNapenas aquilo que qualquer outra pes­
I . soa mais velha, com experiência, lhe poderá
dizer, independentemente do facto de ser rea­
lizador ou não, de ser ou não artista. Gosta­
ria, no entanto, de vos pôr em guarda, de vos
pedir que não confundam a solidão, o isola­
mento inevitável e transitório dos jovens, com
a solidão em geral, com a «Solidão». Porque

108
‘'v-

>
I
então o discurso mudaria, deveria ser posto
noutros termos. Mas parece-me que pôs a
pergunta em termos bastante vagos. E sinto-
-me bastante embaraçado para lhe responder.
Christa Windisch-Gràtz, aluna de arte de
representar: Entre O Grito, UAvventura e
A Noite agradou-me sobretudo O Grito. Agra-
dou-me o final de O Grito, porque esclarece ;;
qualquer coisa, porque chega a uma meta;
mesmo se é uma meta demasiado cruel, que
não deveria ser o que é, mas que o é. En­
quanto A Noite e L’Avventura me deixam
fria, porque não apresentam uma conclusão
definida.
Antonioni: Diz Lucrécio, que é sem dúvida
um dos maiores poetas de sempre: «Nada se
assemelha a si próprio neste mundo em que
nada é estável. De estável existe apenas a
secreta violência que tudo subverte.» Pense
nisso. Lucrécio dizia isto no seu tempo, mas o
que disse continua de uma actualidade descon­
certante, porque me parece que a incerteza
de que ele fala faz hoje parte integrante do
nosso mundo, continua um tema filosófico
actualíssimo. Ora não me parece justo que me
peça a mim a resolução do problema, que pre­
tenda que seja eu a propor determinadas solu­
ções; e uma das razões por que não me pode
exigir isso é porque sou um burguês, que trata
de dramas burgueses e não possui os meios
necessários de lhe dar o que me pede. Porque í ;
a burguesia não me dá os meios para resolver
os problemas burgueses. Por isso limito-me
apenas a indicar determinados problemas, e
não a propor soluções. O facto de os indicar

109
IP
M'i
tv
)
-lhes
como & cfoa-r~
- importante
parece-me já ta.o 1 * Gosta-
pode
soluções. oiuno de r ealí|aiuc<idez
Baruj-Hai/isen, ^ Qnto é que
ria de saber até qu hvaCão. ão é urna
ser uma forma de ~ a lucidez , ca uma.
Aníoíziorií/ pv,ep1ie Veralmente difícil POI~"
solução. Diria ate que mais
pessoa numa situaç a escala- afcí - ^ T, e
que onde existe "ff" razão de exisdr e
habitual perde toda r-iaro que sou a
portanto, é pior a minha posição de
da lucidez, porque e es sentido smiO in-
homem laico; mas em verem todos os
veja daqueles que, .Pf^^^iar na fé.
problemas da sua vida, s- p -À me ner-
Mas nem todos podem ^ fazer isso. Faz-me pex
gimtas de tal maneira grandes que me sinto
demasiado pequeno para lhe responder.
Pualo 'Todisco, aluno de arte de represen­
tar: Voltando à sua maneira de trabalhar coni
os actores, disse há pouco que o realizador
procura criar no actor a sua personagem,
dando-Lhe algumas indicações, e que denois
observa as suas reaccões ~ 1 oepois
A^nton ion i : IV ã o nàn A
que o actor faça 'aquilo b 1SS° . iNTa.o deixo
tudo o que deve fazer ° que q^r. Digo-lhe
Tod isco : Está h>e *
Há três nomes de arJ*1' ^ Pergunta
Bosè, steve Cochr^0^ no seu fpJf esta. :
perieneias. três tiPo<?’ ^onica Vitt!”1^ Lu<=ia
nes: Lucia Rosi tnuito Hif ^ ttl- Três
Cocb° pouco a«tes 5°rque tinehentes de acto
Cochran por ter -T o tlnha trahoii, L°“
muito diferente ^Perjfc1' Consigo^A^3^
°Ssa hCia de u£°* SteVe
’ M°nica Vittf escola
tt:i» prove
i:
i

»
niente do teatro. Qual deles lhe deu maiores
dificuldades?
Antonioni: Steve Cochran. Porque é o me­
nos inteligente.
Castello: Um momento. Há pouco disseste
que não queres actores inteligentes; este, ti-
veste-o como o querias, de que é que te quei­
xas?
Antonioni: Deixem-me explicar. Era o me­
nos inteligente no sentido que, quando lhe
dizia para fazer alguma coisa, ele recusava-se
a fazê-la. Se queria que seguisse à letra as
minhas instruções, que fizesse determinados
movimentos, certas deslocações pensadas em
função de um particular ângulo de filmagens,
ele respondia apenas: «Não.» «Porquê?» —
perguntava-lhe. «Porque não sou uma mario-
neta.» Ora quando se chega a este ponto...
Há um limite para tudo.
Tinha então de o dirigir com truques, sem
nunca lhe dar a entender que é que queria
dele.
Guião Cincotti: Mas das duas uma. Ou
Cochran se resignava a seguir as tuas instru­
ções ou então esse teu método especial não
funcionou: Mas como os resultados foram efi­
cazes, que é que sucedeu?
Antonioni: Acabou sempre por fazer aquilo
que eu queria: apenas nunca deu por isso.
Quanto ao que diz respeito a Lucia Bosè,
quase que tinha de usar a violência para a
conseguir pôr antes de cada cena no estado de
espírito que ela pedia. Se era uma cena dolo­
rosa tinha de a fazer chorar, mas fazê-la cho­ A
rar por motivos que nada tinham a ver com
i
111 ■
! í;
parece-me já tão importante como achar-lhes
1
; soluções.

u Bang-Hansen, aluno de realização: Gosta­


ria de saber até que ponto é que a lucidez pode
ser uma forma de salvação.
Antonioni: Repare, a lucidez não é uma
ii..li solução. Diria até que geralmente coloca uma
; pessoa numa situação ainda mais difícil, poi
•: ; que onde existe lucidez a escala de valores
habitual perde toda a sua razão de existir e,
portanto, é pior ainda. Claro que sou a favor
i da lucidez, porque é essa a minha posição de
* 1
homem laico; mas em certo sentido sinto in­
veja daqueles que, para resolverem todos os
w\ > problemas da sua vida, se podem apoiar na fé.
Mas nem todos podem fazer isso. Faz-me per­
;M guntas de tal maneira grandes que me sinto
rfSi demasiado pequeno para lhe responder.
Paolo Todisco, aluno de arte de represen­
ÍÍ tar: Voltando à sua maneira de trabalhar com
os actores, disse há pouco que o realizador
procura criar no actor a sua personagem,
dando-lhe algumas indicações, e que depois
observa as suas reacções.
Antonioni: Não, não é bem isso. Não deixo
que o actor faça aquilo que quer. Digo-lhe
tudo o que deve fazer.
Todisco: Está bem. A pergunta era esta:
Há três nomes de actores no seu filme: Lúcia
Bosè, Steve Cochran, Monica Vitti. Três ex­
periências, três tipos muito diferentes de acto­
res: Lucia Bosè porque tinha trabalhado
muito pouco antes de o fazer consigo; Steve
Cochran por ter a experiência de uma escola
muito diferente da nossa; Monica Vitti, prove-
110
i:
ii
niente do teatro. Qual deles lhe deu maiores
dificuldades?
Antonioni: Steve Cochran. Porque é o me­
nos inteligente.
Castello: Um momento. Há pouco disseste
que não queres actores inteligentes; este, ti-
veste-o como o querias, de que é que te quei­
xas?
Antonioni: Deixem-me explicar. Era o me­
nos inteligente no sentido que, quando lhe
dizia para fazer alguma coisa, ele recusava-se
a fazê-la. Se queria que seguisse à letra as
minhas instruções, que fizesse determinados
movimentos, certas deslocações pensadas em
função de um particular ângulo de filmagens,
ele respondia apenas: «Não.» «Porquê?» —
perguntava-lhe. «Porque não sou uma mario-
neta.» Ora quando se chega a este ponto...
Há um limite para tudo.
Tinha então de o dirigir com truques, sem
nunca lhe dar a entender que é que queria
dele.
Guido Cincotti: Mas das duas uma. Ou
Cochran se resignava a seguir as tuas instru­
ções ou então esse teu método especial não
funcionou: Mas como os resultados foram efi­
cazes, que é que sucedeu?
Antonioni: Acabou sempre por fazer aquilo
que eu queria: apenas nunca deu por isso.
Quanto ao que diz respeito a Lucia Bosè,
quase que tinha de usar a violência para a
conseguir pôr antes de cada cena no estado de
espírito que ela pedia. Se era uma cena dolo­
rosa tinha de a fazer chorar, mas fazê-la cho­
rar por motivos que nada tinham a ver com

111
‘ I:
s a cena; outras vezes, se era uma cena alegre,
tinha de a fazer rir. Quanto a Monica Vitti,
I é uma actriz muito conscienciosa. Vem da
I! i'1 Academia, está portanto de posse de uma téc­
nica extraordinária. Mas sucedeu também ter­
v :i
mos diferentes ideias sobre uma determinada
cena; tinha então de lhe pedir que não se
metesse naquilo que era o meu campo.
: Todisco: Diz-se que o actor de teatro —
1

1! í
falo do actor com experiência — cria dificul­
dades ao realizador que o dirige. Encontrou
essas dificuldades com Monica Vitti, por
exemplo, que é uma actriz proveniente do
'•'ifi i teatro ?
li Antonioni: Não, não me parece. Porque
Monica Vitti é uma actriz muito moderna

e no teatro nunca usou essas atitudes que se
íliíi costumam classificar de «teatrais». Por isso
ir não senti nenhuma dificuldade. E além disso
Monica Vitti é extraordinariamente expres­
siva, o que para o actor de cinema é uma

grande qualidade. Talvez essa expressividade


não a servisse tanto no teatro: é uma quali­
dade que se existe tanto melhor, mas se não
existe não tem importância; conta mais a ati­
tude do actor do que a sua expressão. A ex­
pressão a trinta metros perde-se. No cinema,
pelo contrário, é sobretudo a expressão que
tem um papel importantíssimo. E Monica
Vitti tem um rosto extraordinariamente
móvel.
Marcéllo de Filippo: Queria fazer-lhe uma
pergunta a propósito do problema dos cená­
rios. Sobretudo das relações personagem-am-
biente. Os cenários são para si a consequência
h !h
! 112
li!
1 ij
Irk
lógica de um resultado desejado, tendo em
vista determinadas situações psicológicas?
Antonioni: Tudo é sempre desejado, nunca
há nada de acidental. A relação actor-ambiente
é importantíssima, porque me confio precisa­
mente ao ambiente de maneira a conseguir
para cada cena um máximo de eficácia, ou
um máximo de sugestão. É evidente que o
cenário está ligado à personagem. Com cer­
teza que reparou, ao seguir as filmagens de
qualquer filme, que quando o actor se desloca
devem ao mesmo tempo deslocar-se alguns ele­
mentos do cenário, precisamente porque há
necessidade de se criar uma determinada com­
posição, porque uma certa composição é mais
sugestiva do que outra.
Mario Verdone: Que é que actualmente
pensas sobre a importância do contributo da
música para o filme? Digo actualmente por­
que me pareceu que nos últimos tempos esse
contributo se ia reduzindo.
Antonioni: Para responder à tua pergunta
deveria primeiro pedir ao maestro Fusco que
saísse, porque talvez lhe desagrade ouvir
aquilo que vou dizer. Penso que a música teve,
e poderá continuar a ter, uma grande impor­
tância no cinema, porque não existe nenhuma
arte que não lhe possa ser útil. No caso da
música a união torna-se ainda mais estreita.
No entanto parece-me que a relação música-
-filme está a modificar-se. A função da mú­
sica, tal como há alguns anos era compreen­
dida, talvez até há cerca de dez anos, trans-
formou-se totalmente; hoje essa relação
tradicional deixou de poder existir. Pedia-se

113
8
í
à música que criasse no espectador uma deter­
i minada atmosfera, através da qual as imagens
;
pudessem chegar mais fàcilmente até ele.
1 f Ji
I •
O que de resto era a função do velho piano
dos filmes mudos, que servia, antes de qual­
• j quer outra coisa, para cobrir o ruído da má­
quina de projecção, depois para sublinhar e
dar um maior impacte às imagens que silen­
ciosamente se sucediam no écran. Apesar de a
Jb ' V;
função da música ter evoluído muito desde
então, ela continua a ser a mesma em muitos
filmes. Uma função de comentário exterior,
br ; de um comentário que tende a estabelecer
<
uma ligação música-espectador, e não música-
rit; -filme. Fazem-se ainda hoje filmes, sobretudo
americanos, em que se se vê uma batalha se
I ir .
ouve uma espécie de sinfonia em crescendo;
se, pelo contrário, se trata de uma cena paté­
im tica, então há os violinos, porque se acha que
os violinos criam uma atmosfera patética, uma
atmosfera que naturalmente resulta adoci­
cada e artificial. Ora parece-me que isso é um
erro, que é qualquer coisa que nada tem a ver
com o cinema, precisamente porque se man­
tém voluntàriamente à margem do fenómeno
cinematográfico; é uma relação que se esta­
belece entre a música e o espectador, fora da
imagem. Mas há, pelo contrário, filmes nos
quais, muito logicamente, a música se consti­
tui mais naturalmente como complemento da
imagem, em que contribui para lhe aumentar
; m o significado, para lhe conferir maior impacte.
Então vê-se, como em determinadas cenas de
I/Avventura9 ou como em Hiroshima, Mon
I Amour —para citar um filme musicado pelo
: )A

'y m
i •
• íi ■ *8 »; i
•l

maestro Fusco —, a música utilizada de uma


maneira excelente. E devo dizer que ajuda
muito, quer dizer, exprime aquilo que a ima­
gem queria exprimir, funde-se com a própria
imagem. Depois disto parece-me, no entanto,
ser meu dever dizer que pessoalmente sou
muito relutante a utilizar música nos meus
filmes, precisamente porque sinto a necessi­
dade de uma certa austeridade, de dizer as coi­
sas o mais simplesmente possível, de utilizar
o menor número possível de meios. E a música
é mais um meio. Tenho demasiada confiança
na eficácia, no valor, na força e na sugestivi-
dade da imagem para julgar que ela não possa
passar sem a música. Mas no entanto continuo
a sentir a necessidade do barulho, do ruído,
que nesse caso passa a ter uma função essen­
cialmente musical. Talvez fosse mais justo se
dissesse que a verdadeira música para o ci­
nema ainda não foi inventada. Talvez lá che­
guemos. No entanto, até ao momento em que
a música de um filme puder ser separada da
imagem, gravada em disco e valer autonoma­
mente, serei obrigado a dizer que não é mú­
sica de cinema.
Petmcci: Queria recordar, a propósito do
que acabou de dizer, toda a sequência de
A Noite nas ruas de Milão, em que se ouvem
os claxons a tocarem e outros barulhos.
É evidente que os claxons, isolados da imagem
a que pertencem, não possuem nenhum sen­
tido. Comentando a imagem, desempenham
uma função que é essencialmente musical.
Antonioni: É verdade. É necessário que i""""

exista uma reciprocidade, isto é, a imagem 1


115 i .
I, .
■ ■.; i
n
não deverá poder prescindir da música, como
i ' !' ; a música não poderá prescindir da imagem,
porque perderia qualquer validade.
Verdone: Parece-me notar nos teus últi­
mos filmes uma particular sensibilidade em
;i ,! : relação à arte contemporânea: uma sensibili­
dade que não é dada pelo quadro de Morandi
4- que se vê em A Noite, ou pelo quadro abs- ■

i tracto de Le Amiche9 mas que se verifica


sobretudo na maneira como filmas determi­
í ! í nados enquadramentos, como, por exemplo, na
I ! maneira de veres uma parede branca, ou uma
\ \i \ ,
calçada de saibro, ou tábuas de madeira pre­
I gadas. Um amor por uma determinada pin­
tura que já quase não tem pintura, como
a de Burri, uma escultura como a de Consagra
È ou a de outros — poderia citar Vedova, Fon­
is li: tana, etc. Queria saber se o facto é acidental
(e estou certo de que o não é, porque nada
nos teus filmes é acidental), ou então se existe
uma relação particular entre a arte contem­
porânea e os teus últimos filmes.
Antonioni: De facto, gosto muito de pin­
tura. É uma das artes que, com a arquitec-
tura, vem para mim logo a seguir ao cinema,
se estabelecesse uma escala de valores. Gosto
de ler livros de pintura e de arquitectura, de
os folhear continuamente, de ir a exposições,
de seguir o que acontece; não apenas para
estar a par, mas porque é uma coisa que me
apaixona, que me agrada. Portanto, parece-
-me que essa sensibilidade, de que falas, a
assimilei lentamente. Ao fazer determinados
enquadramentos não me parece que recorra
a aproximações directas com um determinado
m
V

quadro, ou um determinado pintor. Excluo-o


totalmente. fè um facto mediato, que se ori­
gina espontaneamente do facto de eu seguir
a evolução da pintura moderna, de me ter
orientado para um determinado tipo de gosto,
uma determinada forma.
Petrucci: Queria fazer-te uma pergunta
relacionada com o que disseste na introdução
acerca do que de início constituiu uma tua
particular tendência, do ponto de vista téc­
nico, para usares, por exemplo, longos enqua­
dramentos, longas panorâmicas. Tudo isso
desapareceu dos teus últimos filmes. Houve,
portanto, uma evolução na maneira de te ex­
primires, utilizando um meio técnico de ma­
neira diferente. Se pudesses falar disso aos
alunos de realização parece-me que seria
muito interessante.
Antonioni: Quando comecei Escândalo de
Amor, como disse há momentos, não me
tinha imposto realizar filmes de uma deter­
minada maneira, não me encontrava na posse
de uma técnica pré-ordenada, prèviamente
pensada. Mas quando subi pela primeira vez
para a Dolly, quando comecei a seguir as per­
sonagens, durante as primeiras cenas, vi que
o corte não era necessário, e então continuei.
Precisamente por causa dessa necessidade,
como dizia há pouco, de seguir as persona­
gens até nos momentos considerados menos
importantes, aparentemente secundários. Por­
que, e isto é evidentemente uma descoberta
que só agora fiz, parecia-me que assim, se-
guindo-os fisicamente com a câmara, expri­
miria melhor os seus sentimentos, os seus pen- *

ui
sarnentos, os seus estados de espírito, Depois,
com o tempo (e devo dizer que isso também
sucedeu intuitivamente) verifiquei que talvez
esse não fosse o melhor método para contar
uma história da maneira que a queria contar,
porque podia suceder que a atenção do espec­ ■

'A
:: { tador apenas se dirigisse para os aspectos
:
u. exteriores da acção, para os aspectos exterio­
res de um determinado estado de espírito, não
1

'!
sobre o estado de espírito em si. Era necessá­
rio construir a cena, inventar os movimentos
:u
ij i
i
da máquina e a montagem de uma maneira
diferente, de tal modo que da aproximação
de uma determinada panorâmica e de um de­
terminado enquadramento, precedente ou pos­ i
terior, conseguisse obter os resultados que
li }:
queria. Afinal de contas, apercebi-me de que
a técnica que usava não era suficiente para
obter o tipo de narrativa específico que pre­
tendia, que era necessário ir mais fundo na
própria narrativa, que era necessário traba­
lhar mais a matéria escolhendo os enquadra­
mentos de maneira diferente.
Francesco Bronzi, aluno de cenários: Por
vezes, falando com os alunos realizadores, en­
contramo-nos perante ideias que nos parecem
um pouco estranhas. Muitos alunos realizado­
res, ou jovens realizadores, julgam que o cená­

K1
i!
m \b íij
rio não tem importância. Parece que para
eles, tendo em conta os resultados formais,
filmar uma cena sobre uma parede real ou
uma outra reconstruída no estúdio é precisa­ I

mente a mesma coisa; segundo a sua opinião,


I i os cenários são um factor concorrente ou de­
terminante para o êxito do filme?
rh
118
■! !'J
*
íi!
í
i 1

Antonioni: Não digo que o sejam; podem


sê-lo. Depende do tipo de filme que se faz.
Por exemplo, daqui a alguns meses começarei
um filme para o qual não me parece vir a ter
necessidade de estúdio, mas logo a seguir, a
menos que mude de ideias ou que qualquer
coisa suceda, farei outro que será quase in­
teiramente filmado neles, porque é um filme
a cores e quero intervir no emprego da cor,
quero pintar o filme como se pinta um quadro,
quero-o inventar, não quero limitar-me a foto­
grafar cores naturais. Neste caso os cenários
transformam-se num elemento importantís­
simo. Há ainda outra coisa a dizer: é que
quando se filmam exteriores a função do cena-
rista na escolha de uma determinada paisa­
gem é tão importante como no estúdio. Hoje
há alguns realizadores que fazem um pouco
aquilo que eu faço, que fiz. Resnais, por
exemplo, é um deles, e alguns jovens, como
Godard e outros. Intervêm na paisagem natu­
ral, transformam-na, chegam a pintar pare­
des, a acrescentar árvores. Porque não se
trata de escolher um local e de o aceitar tal
como é. O local dá apenas uma ideia muito
geral daquilo que poderá ser o ambiente ne­
cessário para o filme, mas também é necessá­
rio intervir nos exteriores, nos cenários natu­
rais. E então a função do cenarista torna-se
muito importante.
Gian Luigi Crescenzi, aluno de arte de re­
presentar: No filme Le Amiche encontramos
a figura do pintor, a figura de um indivíduo
em crise (as suas relações com a mulher, tanto
no plano do afecto como no do trabalho). No :
I
119
I
à ' t
I
' i

í : !
: ■

filme UAvventura há a figura do engenheiro


construtor civil, que não constrói, não pro-
; c jecta, que se limita a fazer cálculos no cimen­
ú ■ > to. Em A Noite} Mastroianni é um escritor
f j ki

!
que se declara, embora ironicamente, em
crise. Gostaria de saber se estas três persona­
gens, semelhantes entre si também no campo
intelectual, foram concebidas por si como pro­
| j) 1
curando uma personagem que pudesse resu­
mir a situação de um determinado homem em
H UM
sí \ : crise, ou se isso é uma simples coincidência.
Antonioni: Parece-me estranho que possa
il‘ pensar haver uma coincidência. Evidente­
mente, quando escolho a profissão das perso­
j:U:
> ■
nagens dos meus filmes sei muito bem que é
r•/ que estou a fazer. Escolho intelectuais, sobre­
úví tudo, porque são aqueles que têm mais cons­
ciência daquilo que lhes acontece; uma intui­
ção mais subtil através da qual posso filtrar a
realidade que me interessa exprimir, quer i

exterior, quer interior. São sobretudo figu­


ras através das quais, mais do que através
de quaisquer outras, posso dar os sintomas
da crise que me interessa descrever. Porque é
evidente que se utilizasse personagens insen­
síveis, um bruto, os problemas deixariam de
existir e a história acabava. Por isso não com­
preendo que é que está a dizer. Se estou à
procura de um personagem único que resuma
f
todos os outros? Não percebi muito bem.
:! Castello: Talvez tenha querido perguntar
i
se existirá uma evolução de personagem para
i ií ■

personagem, se a tua é um caminho em direc-



ção a uma personagem conclusiva na defini-
120
. ;!!

IH/íí (
ção do intelectual em crise, ou se cada uma
é diferente da outra.
Antonioni: Não, não me parece que tenda
para uma personagem que possa constituir o
resumo de todas as outras. É claro que hei-de
fazer um filme que conclua este ciclo dedi­
cado, por assim dizer, aos sentimentos. No \
filme que preparo, apesar de nele se analisar
sobretudo o problema das relações sentimen­
tais, a determinado momento, por exigências
da narrativa, esse tema perde a preponderân­
cia que até aí, e nos outros meus filmes, tinha,
deixando o campo livre a outros problemas.
Bronzi: Gostava de fazer uma pergunta
relacionada com o filme a cores que pensa
fazer. Julga poder, de qualquer maneira, reno­
var aquilo que hoje é o cinema a cores?
Antonioni: É impossível sabê-lo já, mas
espero consegui-lo. Mas façamos antes assim:
voltamo-nos a encontrar no próximo ano,
quando o filme estiver feito. Então respon-
der-lhe-ei.

Este colóquio decorreu numa aula do Cen­


tro Sperimentale di Cinematografia (Centro
Experimental de Cinema), a 16 de Março de
1961, depois da projecção, para alunos e pro­
fessores, do conjunto da obra de Antonioni.
Dirigiu o debate o director do C. S. C., Leo­
nardo Fioravanti.
Bianco e Nero
(Fevereiro/Março de 1961) u
r-• (
\ ;!
121

)
r.

«L'AVVENTURA»
por Michelangelo Antonioni

Existe hoje no mundo uma ruptura muito


grave entre, por um lado, a ciência — comple­
tamente projectada no futuro e sempre pronta
a negar o que ela era na véspera se tal lhe
permite conquistar uma fracção desse futuro
— e, por outro lado, uma moral rígida, conge­
lada, de que o homem tem perfeita consciên­
cia e que, todavia, continua a manter-se de pé.

Por preguiça ou por cobardia

Desde o seu nascimento o homem encon-


tra-se imediatamente sobrecarregado por um
conjunto de sentimentos. Não digo velhos ou
caducos, mas completamente inaptos, condi-
cionando-o sem o ajudar, prendendo-o sem
nunca lhe mostrar a saída.
E, contudo, o homem ainda não foi bem
sucedido — parece — em se desembaraçar
desta herança. Age, ama, odeia, sofre, condi­
cionado por forças e mitos morais que perten­ ■ í*
cem à época de Homero. O que é um absurdo
123
f:
ív : i

! i no nosso tempo, na véspera das viagens para


a Lua. Mas é assim.
O homem está, portanto, pronto a libertar-
f! 1;
i
-se dos seus conhecimentos técnicos ou cientí­
ficos quando os reconhece falsos. Nunca a
ciência tinha sido tão humilde, tão pronta a
retratar-se. Mas no domínio dos sentimentos
existe um conformismo total.
Durante estes últimos anos examinámos e
íl:i i -v; estudámos os sentimentos, tanto quanto pos­
sível, até à saciedade. Foi tudo o que pudemos
1:1
íi' fazer.
11; 1 3 Mas não pudemos encontrar nada de novo
nem mesmo antever uma solução para este
; \ problema.
Não tenho nem a pretensão, nem a possi­
bilidade, de encontrar, por mim mesmo, esta
".. í solução. Não sou um moralista.
O meu filme não é uma denúncia, nem
n um sermão. É uma história contada por ima­
gens, e desejo que aí vejam não o nascimento
de um sentimento enganador, mas o modo pelo
qual nos podemos enganar pelos sentimentos.
Porque, repito-o, servimo-nos de .uma moral
envelhecida, de mitos caducos, de velhas con­
venções. E isto com plena consciência. Porque
respeitamos nós uma tal moral?
A conclusão à qual as minhas personagens
chegam não é a da anarquia moral. Chegam,
quando muito, a uma espécie de piedade recí­
proca. Isto também é velho, dir-me-eis. Mas
.. .Jj A
que nos fica sem isto?
Íi Por exemplo, que acreditais que seja este
r erotismo que invadiu a literatura e o espec-
táculo? !É um sintoma, o mais fácil talvez

m
M: : ; ' ■
m
l:-Slilt
íi
de perceber, da doença que sofrem os senti­
mentos.
Não seríamos eróticos, isto é, não teríamos
a doença de Eros, se Eros estivesse de boa
saúde. E, dizendo de boa saúde, quero dizer
justo, adequado à medida e à condição do
homem.
Há, pois, uma doença. E, como lhe sucede
sempre que está doente, o homem reage. Mas
reage mal e é infeliz.
Em UAvveyitura, a catástrofe é um im­
pulso erótico deste género: barato, inútil, infe­
liz. E não basta saber que é assim. Pois o
herói (que palavra ridícula) do meu filme
tem perfeita consciência da natureza gros­
seira do impulso erótico que o invade, da sua
inutilidade. Mas isto não basta.
Eis um outro mito que cai, esta ilusão que
basta conhecermo-nos, analisarmos minucio­
samente a parte mais recôndita da alma.
Não, isto não basta. Cada dia vive-se
UAvventura, seia ela uma aventura sentimen- *
tal, moral ou ideológica.
Mas se sabemos que os velhos códigos não
oferecem mais do que um ensinamento dema­
siado conhecido, porquê ficarmos fiéis a eles?
Eis uma obstinação que me parece triste-
mente comovente.
O homem, que não tem medo do desconhe­
cido científico, tem medo do desconhecido
moral.
.
Cinéma 60
(Outubro de 1960)
íj
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*
íT> ;
125
!
!
• i

A NOITE, O ECLIPSE, A AURORA


entrevista de Jean-Luc Godard

O Deserto Vermelho não é somente


o mais conseguido dos filmes de Anto-
nioni. É também o mais novo e o mais
aberto, iluminando com uma luz com­
pletamente nova O Eclipse, permitindo
a esta obra ambígua adquirir enfim a
sua plena dimensão. Em Veneza, no
grande festival, Jean-Luc Godard en­
controu Michelangelo Antonioni; de­
pressa, entre os dois cineastas, que
brincavam às entrevistas, a discussão
de cinema transforma-se em discussão
sobre o mundo... Algo de estranho?
Para um e outro só lhes resta filmar,
quer dizer, tentar viver e compreender.
G: Os seus três filmes precedentes, A Aven­
tura, A Noite, O Eclipse, davam-nos a impres­
são de uma linha recta, que avança, que pro­
cura; e agora você chegou a um novo ponto,
que se chama talvez Deserto Vermelho, que é
possivelmente um deserto para essa mulher,
mas que para si é, pelo contrário, um filme

m
\
! i\
í !: sobre o mundo total, e não só sobre o mundo
dos outros, mas alguma coisa de mais pleno
e de mais completo: é um filme sobre o mundo
•\ã b
total, e não só sobre o mundo de hoje...
A: É-me muito difícil falar agora deste
filme. É demasiado recente. Estou ainda muito
ligado às «intenções» que me levaram a fazê-
-lo, não tenho a lucidez nem o distanciamento
i l necessários para poder julgá-lo. Creio poder
íi-f dizer no entanto que desta vez não se trata
i de um filme sobre os sentimentos. Os resul­
tados (sejam eles bons ou maus, belos ou
n \r\
feios) obtidos nos meus filmes precedentes
y; • estão aqui ultrapassados, caducos. A intenção

i ;í é muito diferente. Antes eram as relações en­


tre as personagens que me interessavam.
Aqui, a personagem central é confrontada
igualmente com o meio social, o que faz que
eu trate a minha história de uma maneira
IP . totalmente diferente. É muito simplista, como
muitos afirmaram, dizer que eu acuso este
mundo industrializado, inumano, onde o indi­
víduo é esmagado e conduzido à nevrose. A mi­
nha intenção, pelo contrário (embora se saiba
muitas vezes donde se parte, mas nunca onde
se vai chegar), era traduzir a beleza deste
mundo, onde mesmo as fábricas podem ser
muito belas... A linha, as curvas das fábricas e
das suas chaminés, são talvez mais belas que
uma linha de árvores, que se viu já demasiado.
É um mundo rico, vivo, útil. Insisto em dizer,
essa espécie de nevrose que se vê em Deserto
i tJ Vermelho é sobretudo uma questão de adapta­
s ção. Há pessoas que se adaptam, e outras que
ainda não o fizeram porque estão demasiado
r I
B,i 128

ij n
il ■
vi­

ngadas a estruturas, ou a ritmos de vida que


estão agora ultrapassados. É o caso de Giu-
liana. A violência da separação, o desnível
entre a sua sensibilidade, a sua inteligência,
a sua psicologia e a cadência que lhe é im­
posta provoca a crise da personagem. E uma
crise que não tem que ver apenas com as suas
relações epidérmicas com o mundo, a sua per-
cepção dos ruídos, das cores, das personagens
frias que a rodeiam, mas também com o seu
sistema de valores (educação, moral, fé), que
já não são válidos nem a sustêm. Ela encon-
tra-se na necessidade de se renovar inteira­
mente, enquanto mulher. E o que os médicos
lhe aconselham e o que se esforça por fazer.
O filme é, num certo sentido, a história deste
esforço.
G: Como se insere então o episódio da his­
tória que conta ao rapazinho?
A: Há uma mulher e uma criança doentes.
A mãe deve contar uma fábula ao miúdo, mas
as que ela sabe ele já as conhece todas. Tem
então de inventar uma. Tendo em conta a psi­
cologia de Giuliana, parece-me natural que,
para si, esta história se torne — inconsciente­
mente— uma evasão à realidade que a en­
volve, para um mundo onde as cores perten­
cem à natureza: é o mar azul, a areia cor-de-
-rosa. Os próprios rochedos tomam forma
humana, constrangem-na e cantam docemente.
Lembra-se da cena do quarto, com Corrado?
Ela diz, apoiada à parede: «Sabes o que
eu queria?... Todos os que me amaram... tê-
-los aqui, à minha volta, como uma parede.» &
Tem necessidade, com efeito, que a ajudem
129 !
9
(
!
a viver, porque tem medo de não conseguir
fazê-lo sozinha.
G: O mundo moderno não é senão o reve­
lador de uma nevrose mais antiga e mais
profunda?
A: O meio no qual vive Giuliana acelera
a crise da personagem, mas é preciso natural­
mente que esta tenha em si o terreno favorá­
vel a esta crise.- Não é fácil determinar as
causas e as origens da nevrose; manifesta-se
por formas tão diferentes, e por vezes mesmo
no limite da esquizofrenia, cujos sintomas se
assemelham muitas vezes aos indícios nevró-
ticos. Mas é através de uma exasperação da
personagem que se chega a definir uma situa­
ção. Censuraram-me ter escolhido um caso
patológico. Mas se tivesse escolhido uma mu­
lher normalmente adaptada já não havia dra­
i
ma; o drama pertence àqueles que não se
: adaptam.
G: Não há traços desta personagem na
5- de O Eclipse?
A: A personagem de Vittoria em O Eclipse
é o contrário da de Giuliana. Em O Eclipse,
Vittoria é uma rapariga calma e equilibrada,
que reflecte no que faz. Não há nela nenhum
elemento de nevrose. A crise, em O Eclipse,
é uma crise de sentimentos. No Deserto Ver­
melho os sentimentos são um dado. Aliás as
relações entre Giuliana e o marido são nor­
mais. Se lhe preguntassem: «Amas o teu ma­
fll rido?», responderia que sim. Até à tentativa
de suicídio, a sua crise é subterrânea, não é
visível.
ISO
«Insisto em sublinhar que não é o meio que
faz nascer a crise: fá-la somente explodir.
Pode-se pensar que fora deste meio não há
crise. Mas não é verdade. A nossa vida, mesmo
sem nos apercebermos, é dominada pela ‘in­
dústria’. E por ‘indústria’ não se deve enten­
der somente fábricas, mas também, e sobre­
tudo, produtos. Estes produtos estão em todo
o lado, entram nas nossas casas, feitos de
plástico ou de outros materiais desconhecidos,
e desde há apenas alguns anos são vivamente
coloridos e chegam até nós onde quer que
estejamos. Com a ajuda de uma publicidade
que tem cada vez mais em conta a nossa psi­
cologia e o nosso subconsciente, obcecam-nos.
Posso dizer isto: situando a história de De­
serto Vermelho no mundo das fábricas, subi
à nascente desta espécie de crise, que, como
um rio, recebe mil afluentes, se divide em mil
braços, para enfim tudo submergir e se espa­
lhar por todo o lado.»
G: Mas essa beleza do mundo moderno não
é também a resolução das dificuldades psicoló­
gicas das personagens e não mostra a sua
fragilidade?
A: Não se deve subestimar o drama destes
homens assim condicionados. Sem conflitos
talvez nem sequer haja homens. E também
acredito muito menos que a beleza do mundo
moderno possa resolver sozinha os nossos dra­
mas. Creio, pelo contrário, que, uma vez
adaptados às novas técnicas de vida, encon­
traremos talvez novas soluções para os nossos
problemas. Mas para que é que me faz falar
destas coisas? Eu não sou um filósofo, e todos

131
I
>■ .
estes raciocínios nada têm que ver com a «in­
í tenção» de um filme.
í G: Por exemplo, a presença do autómato
no quarto do rapazinho é benéfica ou malé­
fica?
1 A: Em minha opinião, benéfica. Porque a
i.
criança, brincando com este género de brin­
; quedos, adaptar-se-á muito bem à vida que a
espera. Mas eis que voltamos à conversa de
\ há momentos. Os brinquedos são produzidos
V : pela indústria, que desta maneira influencia
i a própria educação das crianças.
í'í •i
i! «Estou ainda estupefacto com uma con­
versa que tive com um professor de ciber­
: nética da Universidade de Milão, Silvio Gec-
cato, que os Americanos consideram como
;!:! i uma espécie de Einstein. Um tipo formidável,
m ; que inventou uma máquina que olha e des­
creve o que vê, uma máquina que pode con­
duzir um carro, fazer uma reportagem de
\yí 11
um ponto de vista estético, ou ético, ou jorna­
lístico, etc. E não se trata de televisão: é um
cérebro electrónico. Este homem, que dá pro­
vas, por outro lado, de uma lucidez extraor­
dinária, não pronunciou nunca, no decorrer
da nossa conversa, quaisquer termos técnicos
que eu me arriscaria a não compreender. Pois
bem, fiquei doido. Passado um momento não
compreendia mais nada do que me dizia. Es-
forçava-se por empregar a minha linguagem,
mas encontrava-se num outro mundo. Perto
dele estava uma rapariga de vinte e quatro
i ou vinte e cinco anos, bonita, de origem pe­
queno-burguesa — a sua secretária. E ela
= compreendia-o perfeitamente. Em Itália, são

if 182

-
geralmente as raparigas muito novas e muito
simples, e que não têm senão um modesto
diploma, que tratam do estabelecimento dos
programas para os cérebros electrónicos: para
elas é muito simples e muito fácil fazer um
raciocínio para um cérebro electrónico, em­
bora seja bastante complicado, pelo menos
para mim. ■

«Um outro sábio, Robert M. Stewart, es­


teve em minha casa, há seis meses, em Roma. I
Tinha inventado um cérebro químico, e diri-
gia-se a Nápoles, para um congresso de ciber­
nética, a anunciar a sua descoberta, que é
uma das mais extraordinárias do mundo.
É uma caixinha, montada sobre tubos: trata-
-se de células em cuja composição entra o
ouro, misturado com outras substâncias. Vi­
vem num líquido químico uma vida autónoma
e têm reacções: se você entra no comparti­
mento, a célula tomará uma certa forma, se
entro eu, tomará uma forma diferente, etc.
Na caixinha não existem senão alguns milhões
de células, mas a partir daí pode-se chegar
a refazer o cérebro humano. Este sábio ali­
menta-as, adormece-as... E falava-me de tudo
isso, que era muito claro, mas tão incrível que
a partir de certo momento eu já não consegui
segui-lo. Pelo contrário, a criança que brinca
com o autómato desde a mais tenra idade
compreenderá muito bem e não sentirá ne­
nhuma dificuldade em voar, se quiser, no
espaço, num foguetão.
«Olho tudo isto com muito interesse, e gos­
taria de estar já neste novo mundo. Infeliz-
mente, ainda não chegámos, e é um drama
d
133

j
!/

|!!l
ii ;F ) para muitas gerações como a minha, a sua, a
do imediato pós-guerra.
: «Penso que haverá, nos anos que estão
para vir, transformações muito violentas, não
í ; só no mundo como no interior do indivíduo.
A crise actual vem desta confusão espiritual,
j ;'i desta confusão das consciências, da fé, da polí­
tica; eis outros tantos sintomas das transfor­
iíii mações que se avizinham. Então disse para
;lt
d mim próprio: ‘O que se conta hoje no cinema?’
E tive desejo de narrar uma história baseada

u nas motivações de que falei acima.»


G: Os heróis deste filme estão entretanto
integrados nessa mentalidade, são engenhei­

i :!
ros, fazem parte desse mundo...
A: Nem todos. A personagem de Richard
Harris é quase romântica; pensa fugir para
t : a Patagónia e não tem qualquer ideia sobre
o que há a fazer. Foge, e julga resolver assim
m
n?
\ : ■
o problema da sua vida. Mas este está dentro
dele, e não fora. É tanto mais verdade quanto
$ lhe basta o encontro com uma mulher para
provocar uma crise, e já não sabe se parte ou
não, esta história transtorna-o. Gostaria de
assinalar um momento no filme que é uma
acusação ao velho mundo: quando esta mu­
lher em crise precisa de alguém que a ajude,
encontra um homem que se aproveita dela
e dessa crise. Encontra-se frente às coisas
velhas, e são essas coisas velhas que a saco­
dem e a arrastam. Se tivesse encontrado al­
guém como o marido, este teria agido de
forma diferente: procuraria primeiro tratá-la,
depois, talvez... Ao passo que aí é o seu pró­
prio mundo que a atraiçoa.
ii m
íí
ST 1

G: Depois do final do filme irá ela tornar-


-se numa personagem como o marido?
A: Creio que como resultado dos esforços
que ela faz para encontrar uma ligação com
a realidade acabará por achar um compro­
misso, mas a nevrose ficará. Creio ter dado
a ideia desta continuidade na doença com
essa imagem um pouco esbatida: está numa
fase estática. O que vai acontecer-lhe? Seria
preciso um outro filme para o saber. I
G: Pensa que a tomada de consciência
deste novo mundo tenha repercussões na esté­
tica, na concepção do artista?
A: Sim, julgo que sim. Muda a maneira de
ver, de pensar: tudo muda. A «pop» arte de­
monstra que se procura outra coisa. Não se
deve subestimar a «pop» arte. É um movi­
mento «irónico», e esta ironia consciente é
muito importante. Os pintores «pop» arte sa­
bem muito bem que fazem coisas cujo valor
estético ainda não está amadurecido — salvo
Rauschenberg, que é mais pintor que os ou­
tros... Ainda que a «máquina de escrever
mole» de Oldenburgo seja muito bela... gosto
muito dela. Julgo que é bom que tudo isto
apareça. Não pode senão acelerar o processo
de transformação, de que temos falado.
G: Mas o sábio terá a mesma consciência
que nós? Raciocinará como nós em relação
ao mundo?
A: Perguntei isso a Stewart, o inventor do
cérebro químico. Respondeu-me que o seu
trabalho, tão particular, tinha sem qualquer
dúvida influência na sua vida privada, até nas :
relações com a família. .

135 f

1
I
:i

tos?
G: E será preciso conservar os sentimen­
F
íf A: Que pergunta! Julga que é fácil res­
ponder? Tudo o que posso dizer a propósito
t de sentimentos é que é preciso que mudem.
•* I
* «É preciso» não é o que quero dizer. Mudam.
Já mudaram.
i • G: Nos romances de ficção científica nunca
i há personagens de artistas, de poetas...
.1
A: Sim, é curioso. Talvez pensem que se
Irti pode passar sem a arte. Talvez sejamos os
; últimos a produzir coisas tão gratuitas, apa­
i ti rentemente, como são as obras de arte.
!l; G: Será que Deserto Vermelho o ajuda

também a resolver problemas pessoais?
'f: A: Ao fazer-se um filme vive-se, e portanto
resolvem-se problemas pessoais. Problemas do
)í ■t:
nosso trabalho, mas também da vida parti­
!: P
cular. Se as coisas de que falamos hoje não
Mllf
M \ são as de que falávamos logo a seguir à guerra
mi é porque, realmente, o mundo à nossa volta
mudou, mas nós também mudámos. As nossas
exigências, as nossas intenções, os nossos te­
mas. Logo a seguir à guerra as coisas que era
preciso dizer eram muito numerosas; era inte­
ressante mostrar a realidade social, a condi­
ção social do indivíduo. Hoje tudo isso está
feito, está visto. Os temas novos que se podem
tratar hoje em dia são os que acabámos de
citar. Ainda não sei como podem ser aborda-
dados, apresentados. Tentei desenvolver um
desses temas no Deserto Vermelho, e não
penso que o esgotei. Não é senão o começo de
uma série de problemas e de aspectos da nossa
sociedade moderna e desta maneira de viver
136
N

que é a nossa. Aliás, você também, Godard,


faz filmes muito modernos, a sua maneira de
tratar os problemas revela uma exigência de
ruptura com o passado.
G: Quando começa ou acaba certos planos
de formas quase abstractas, de objectos ou
pormenores, fá-lo num espírito pictórico?
A: Sinto a necessidade de exprimir a rea­
lidade sob formas que não sejam completa­
mente realistas. A linha branca abstracta que i
entra no plano, no começo da sequência da pe­
quena rua cinzenta, interessa-me muito mais
que o carro que chega: é uma forma de aproxi­
mar a personagem a partir das coisas, mais do
que através da sua própria vida. A sua vida, no
fundo, não me interessa senão relativamente.
Ê uma personagem que participa na história
em função da sua feminilidade, do seu aspecto
e do carácter feminino, que são o essencial
para mim. É justamente por esta razão que
insisti em fazer interpretar este papel de
uma forma um pouco estática.
G: Há portanto também neste aspecto uma
ruptura com os seus filmes precedentes.
A: Sim, é um filme menos realista, do
ponto de vista figurativo. Quer dizer, é rea­
lista por uma forma diferente. Por exemplo,
servi-me muito da telobjectiva para não ter
profundidade de campo, sendo este um ele­
mento indispensável do realismo. O que me
interessa presentemente é pôr a personagem
em contacto com as coisas, porque são as coi­
sas, os objectos, a matéria, que têm peso hoje
em dia. Não considero o Deserto Vermelho *
como uma meta: é antes uma procura. Quero

1SH
! !

:
i .
' :
U •5'
contar histórias diferentes com meios diferen­
tes. Tudo o que foi feito, tudo o que fiz até
aqui, já não me interessa, aborrece-me. Talvez

mi .
sinta também a mesma coisa?
G: Rodar a cores foi uma mudança impor-
tante ?
; i ;:
y
A: Muito importante. Tive de mudar a téc­
nica por causa disso, mas não somente por
causa disso. Tinha já necessidade de mudar de
Í!
i1 r '
técnica, pelas razões de que já falámos.
«As minhas exigências já não eram as mes­
mas. O facto de me servir da cor acelerou essa
I! mudança. Com a cor não se empregam as mes­
mas objectivas. Ao mesmo tempo apercebi-me
de que certos movimentos do aparelho nem
sempre se adaptavam ao seu emprego: uma
:?j V: i panorâmica rápida é eficaz sobre um verme-
lho-vivo, mas sobre um verde-escuro não dá

iíp
< V- / .. |
i-'
nada, a não ser que se busque um novo con­
traste. Creio que há uma ligação entre os mo­
vimentos da câmara e a cor. Um só filme não
chega para estudar o problema a fundo, mas
é um problema que é preciso examinar. Fiz,
sobre este assunto, ensaios em dezasseis milí­
metros muito interessantes, mas não me foi
possível pôr em prática, durante o filme, al­
guns efeitos que tinha descoberto. Está-se
demasiado apertado nesses momentos. Sabe
que existe uma psicofisiologia da cor; estudos,
experiências, foram feitos sobre este assunto.
Pintou-se o interior da fábrica que se vê no
filme de vermelho; quinze dias mais tarde, os
! V: operários lutavam entre si. Tornou-se a pintar
! de verde-pálido, e toda a gente passou a viver
I em paz. O olhar dos operários deve descansar.»
íj.
r: 188

'*■» .

; I .
>

G: Como escolheu as cores da loja?


A: Era preciso escolher entre cores quen­
tes e cores frias. Giuliana quer cores frias
para a sua loja. São as que alteram menos os
produtos expostos. Se você pintar uma parede
de cor de laranja, esta cor matará os objectos
vizinhos, ao passo que um azul ou um verde- r.
-pálido realçarão os objectos sem os esmagar.
Queria este contraste entre cores quentes e
cores frias: há um cor de laranja, um amarelo,
um tecto castanho, e a minha personagem
apercebe-se de que isto não lhe convém.
G: O primeiro título do filme era Celeste
e Verde...
A: Abandonei-o, porque não me parecia um
título suficientemente viril; estava demasiado
ligado à cor. Nunca pensei primeiramente na
cor em si. O filme nasceu a cores, mas pensei
sempre primeiro no que ia dizer, como é natu­
ral, e cuja expressão ajudava com a cor.
Nunca pensei: vou pôr um azul ao pé de um
castanho. Pintei a erva que rodeia a barraca
perto do pântano para reforçar a sensação de
desolação, de morte. Havia uma verdade da íI

paisagem que era preciso mostrar: quando as


árvores morrem têm essa cor.
G: O drama não é já psicológico, é plás-
tico...
A: É a mesma coisa.
G: Assim, todos estes planos de objectos
durante a conversa sobre a Patagónia?... K
A: É uma espécie de «distraeção» da perso­
nagem. Está cansado de ouvir toda essa con­ *
versa. Pensa em Giuliana.
139
!

l" G: Os diálogos são mais simples, mais fun­


cionais que os dos filmes precedentes; será
que a sua função tradicional do «comentário»

i|!íi
é agora tomada pela cor?
A: Sim, creio que é verdade. Digamos que
estão aqui reduzidos ao mínimo indispensável,
5
e nesse sentido estão ligados à cor. Por exem­
plo, nunca teria feito a cena na barraca, onde
i 1 ' se fala de drogas, de excitantes, sem empregar
o vermelho. Não o teria feito a preto e branco.
í O vermelho põe o espectador num estado de
:j.: espírito que lhe permite aceitar estes diálogos.
A cor está certa para as personagens (que são
iíi■h\ justificadas por ela) e também para o espec­
tador.
m G: Sente-se mais próximo das procuras dos
pintores que das dos romancistas?
ri:! A: Não me sinto longe das procuras do
«novo romance», mas elas ajudam-me menos
que as outras: a pintura e a procura científica
interessam-me mais. Não creio que me in­
Ri:. R fluenciem directamente. Não há neste filme
qualquer procura pictórica; estamos, parece,
longe da pintura. E, naturalmente, estas exi­
gências, que não têm na pintura qualquer
conteúdo narrativo, encontram um no cinema.
Eis onde as procuras do romance se juntam
às da pintura.
G: Tornou a trabalhar a cor no laboratório,
como o permite o technicolor?
A: Não tive confiança no laboratório du­
rante a filmagem. Quer dizer, tentei, durante
I as filmagens, pôr as cores que queria, nas pró­
prias coisas, nas paisagens. Pintei directa­
i mente, em vez de modificar a cor no labora-
llfO
r
i
i

tório. O que pedi depois ao laboratório foi


■ uma reprodução fiel dos efeitos que tinha

obtido. O que não foi fácil, porque o techni-
! color, como sabe, exige numerosas interven­
ções sobre a matriz. O trabalho foi muito
longo e delicado.
: G: Você determinava a luz de impressão
I durante a filmagem...
A: Exactamente. Creio que não nos deve­
mos ficar muito no trabalho que se pode fazer
nos laboratórios. Não é culpa deles. É que,
tècnicamente, está-se ainda muito atrasado
na cor.
G: Em sua opinião, Giuliana vê as cores
como você as mostra?
A: Sabe, há nevróticos que vêem as cores de
forma diferente. Os médicos fizeram experiên­
cias sobre isto, com mescalina, por exemplo,
para tentarem saber o que vêem. Num dado
momento tive a intenção de fazer efeitos deste
género. Mas afinal não há senão um momento
em que se vêem manchas numa parede. Pensei
também em modificar a cor de alguns objec-
tos e, depois, o facto de empregar todos esses
«truques» pareceu-me tornar-se muito de­
pressa superficial; era um modo artificial de
dizer coisas que poderiam ser ditas muito
mais simplesmente. Então eliminei estes efei­
tos. Mas pode-se pensar que ela vê cores di­
ferentes.
«'É engraçado: neste momento estou a fa­
lar com o Godard, um dos mais modernos
e dotados cineastas de hoje e, mesmo agora,
almocei com René Clair, um dos maiores rea­
lizadores do passado — não era de forma ne-
i
m
í.
Ti nhuma o mesmo tipo de conversa... Ele preo-
jni ■
i
cupa-se com o futuro do cinema. Nós, pelo
contrário (e você está de acordo, julgo eu),
temos confiança no futuro do cinema.»
\ :
G: E que vai você fazer agora?
A: Vou fazer um episódio com Soraya...
Este episódio interessa-me porque vou pros­
: seguir as minhas investigações sobre a cor,
!
levar mais longe as experiências que fiz com
I Deserto Vermelho. Depois vou fazer um filme
: : que me interessa mais. Se encontrar um pro­
i

. í
dutor que me deixe fazê-lo.
ií! (Declarações recolhidas em fita magnética, reli­
ri: das e corrigidas por Michelangelo Antonioni.)
í * •'
II Cahiers du Cinéma, n.° 160
i
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Vi -

-J:
i I.
í;'
H2
i
I

AS IDEIAS DE ANTONIONI
entrevista de Pierre Billard

Preparação

P. — Usualmente, o que é que lhe sugere


a primeira ideia dos seus filmes?
R. — Parece-me que nenhuma pessoa que
desempenhe uma actividade criadora poderia
responder de boa fé à pergunta que me fez.
A lucidez não é uma das minhas prerrogati­
vas especiais, do mesmo modo que não julgo
possuir extraordinárias tendências especula­
tivas. Olho tudo àvidamente, ouço também
muito, pelo menos parece-me. De uma coisa
tenho no entanto a certeza: as ideias surgem-
-me sempre de improviso. Não me interessa
aprofundar o assunto.
P. — Escrever o argumento que é que
significa para si: encontrar a linha dramática
da história, precisar o aspecto visual do filme,
estudar as personagens?
R. — O aspecto visual do filme está para
mim estritamente ligado ao seu aspecto temá­
tico. No sentido que, quase sempre, as ideias
surgem-me através de imagens. O problema
US
(
!
if

1
Hl; é outro: é o de restringir a acumulação des­
sas imagens, procurar reconhecer as que coin­
cidem com o que no momento nos interessa.
É um trabalho instintivo, quase automá­
i s:jl tico, que no entanto exige uma grande tensão.
Somos nós que estamos em jogo; é uma esco­
lha moral muito precisa.
-• I
O que, ordinàriamente, se entende por «li­
i nha dramática» não me interessa. Um meca­
nismo nunca é a priori superior a um outro.
i Ijl E não me parece que as antigas leis que regu­
lavam a representação dramática continuem
ainda válidas. Hoje as histórias são aquilo que
são, se necessário sem princípio nem fim, sem
cenas-chaves, sem curva dramática, sem ca-
tarsis. Podem construir-se com farrapos, frag­
mentos: serem desequilibrados como a vida
que vivemos.
; Familiarizar-me com as personagens? Mas
as personagens não são desconhecidos com os
quais possamos estabelecer uma intimidade.
m Saem de nós, são a nossa própria intimidade.
P. — Que é que trabalhar em colaboração
com outras pessoas, na criação de um argu­
mento, representa para si?
R. — Sempre que tentei que outros escre­
vessem partes da planificação, o fruto desse
trabalho, mesmo que objectivamente fosse
excelente, era-me estranho. Qualquer coisa
que se aproximava do que eu desejava, sem
nunca coincidir totalmente. E isso dava-me
uma terrível sensação de impotência: come­
çava então um trabalho de correcção, de selec-
ção, de adaptação, tão difícil como inútil,
I porque desembocava sempre num compro-
I
m
u

misso. Nunca consigo ser objectivo ao julgar


o trabalho dos meus colaboradores. Entre eles
e eu está o filme, e é apenas através desse
filtro, extremamente denso, que eu consigo
olhar. De modo que, depois de algumas ten­
tativas, acabei por escrever eu, quase que
totalmente, o argumento dos meus filmes.
Mas apesar disso não excluí as colabora­
ções. Escolho-as apenas não segundo as nos­
sas afinidades, mas até a partir do critério
oposto. Sinto a necessidade de ter à minha
volta pessoas muito diferentes de mim, com
as quais possa ter discussões animadas, vivas.
Começamos a falar, a discutir, meses antes
do filme. Falamos de um ror de coisas. Por
vezes também do filme, mas não necessària-
mente. O que eu digo ricocheteia nos meus
interlocutores e regressa sob a forma de
comentários, de críticas, de sugestões. A par­
tir de determinado momento o filme está
claro. E só nesse momento começo a escrever
a planificação. Trabalho muitas horas por dia,
por vezes começo ao amanhecer, até ao embru­
tecimento.
P.—Na sua fase final, que forma reves­
tem os seus argumentos?
R. — Para mim, a planificação nunca é
definitiva. São apenas notas de realização,
nada mais. Nenhuma indicação técnica, como
antigamente se fazia: grande plano, plano de
conjunto, plano médio, travelling, panorâ­
mica... A colocação da câmara, o emprego de
objectivas, os movimentos de aparelho, tudo
isso diz apenas respeito à fase das filmagens,
não à da planificação. *• í

U5
10
!

$;;í Direi a mesma coisa dos diálogos. É-me


necessário escutar, ouvir a voz viva dos acto-


i res, quer dizer, das personagens, integradas
no ambiente da cena de que fazem parte, para
i me aperceber totalmente da sua validade.
E existe ainda um outro factor. Acredito i

na improvisação. Ninguém costuma preparar- !


ç -se para um encontro de negócios, de amor ou
de amizade; aceitamo-los como aparecem,
J adaptamo-nos aos poucos à sua evolução, ex­
{•
plorando os imprevistos. É isso que sinto
quando filmo.
lilii P. — A escolha dos locais de filmagem e
: ií'i dos intérpretes pode influenciar o argumento?
1 Como?
!•' | R. — Em geral escolho os exteriores antes
h\ de começar a escrever a planificação. Para po­
; j der escrever preciso de ter bem claro o am­
biente do filme. Pode também suceder que
o filme me seja sugerido por um determinado
i■>’ ambiente. Ou, mais precisamente, que um
meio determinado se venha colocar em redor
de determinados motivos, de determinadas
personagens, que se passeiam na minha ca­
beça. Por vezes é um conjunto de coincidên­
cias bastante estranhas.

Filmagens

P. — No momento das filmagens que mar­


gem deixa à improvisação?
R.— A propósito de improvisação devo
acrescentar qualquer coisa ao que acima disse.
Ao pensar no meu passado posso afirmar que
U6
:

sempre vivi minuto a minuto. O que ainda


hoje continua a ser a minha maneira de viver.
Cada momento do dia me parece igualmente
- importante, cada um constitui uma experiên­
. cia nova. Ora nada disto muda quando realizo
i um filme. Pelo contrário, as solicitações da
realidade aumentam durante as filmagens,
porque nos encontramos num estado de espí­
rito fortemente receptivo, porque se encon­
tram pessoas até aí desconhecidas, estabele­ I
cem-se relações por vezes imprevistas com os
membros da equipa, relações essas que são
sempre flutuantes. Tudo isso influi sobre o
meu trabalho, dirige-me para escolhas impro­
visadas, até para modificações radicais. Ê isso
que entendo por improvisação. Mas há ainda
mais qualquer coisa.
De manhã, quando chego ao local das fil­
magens, não estou nunca a pensar nas cenas
que me esperam. Nem sequer sei que cenas
são. Ê o meu assistente que me comunica o
programa do dia. Logo a seguir fico sozinho.
Afasto todos os membros da equipa e perma­
neço no local, no seu ambiente, a imaginar
a cena, a resolver os problemas que vão sur­
gindo, inclusivamente os técnicos.
Prefiro proceder assim, porque é como se,
perante o filme, nos encoptrássemos num es­
tado de virgindade; e, geralmente, a primeira
ideia que me surge é a certa.
P. — Que relações mantém com a equipa
técnica?
R. —As minhas relações com a equipa téc­
nica são excelentes. Procuro dar-lhes um tom
cordial. Gosto de ter à minha volta pessoas i
llfl

■ *
I
que riem. Pessoas aparentemente sem proble­

1
ífl mas. Problemas, são suficientes os meus.
No entanto parece-me que sou muito exi­
gente. Não tolero que alguém que esteja perto
de mim, que trabalhe comigo, não saiba o seu
í ofício. Ou que trabalhe de má vontade. Existe
: sempre nas equipas cinematográficas uma
; ! certa indolência; é qualquer coisa de inevi­
tável, de natural. Mas é isso que acima de
: i tudo detesto. Se chego a gritar com alguém
6
(o que acontece a todos os realizadores, pare­
i í ce-me), é contra a resignação que grito.
.! I íj í P. — Que relações mantém com os actores,
qual é a sua concepção sobre a sua direcção?
R. — Com os actores mantenho sempre ex­
:• I celentes relações, por vezes até demasiado

Iiír boas. Ouvirem-me afirmar isto pode parecer


estranho, mas é a verdade. Mesmo com Jeanne
Moreau, que afirma o contrário, nunca tive
— repito-o: nunca— qualquer disputa du­
: rante o trabalho.
Sei, no entanto, que os actores, em relação
a mim, sentem um certo mal-estar, porque se
sentem excluídos do meu trabalho pessoal.
De facto, são-no. Mas é precisamente essa
forma de colaboração, e não outra, que lhes
peço.
Uma única pessoa possui uma ideia clara
sobre o filme, na medida do possível: o reali­
zador. Uma única pessoa pode fundir no seu
espírito o conjunto dos diferentes elementos
de que se compõe o filme, uma única se encon­
tra em posição de prever os resultados dessa
(;| fusão: o realizador. O actor é um dos elemen­
tos do filme, por vezes até o mais importante.
.1; ']
PU
m
Mas há qualquer coisa que lhe é recusada:
poder observar-se no visor, e as sugestões
que desse facto poderia retirar. Esse privilé­
gio diz apenas respeito ao realizador, que por­
tanto se limitará a mover o «elemento actor»
segundo critérios e exigências que apenas ele
conhece.
Existem diversas maneiras de obter uma
determinada expressão de um actor, e não
tem o mínimo interesse saber se por detrás
dessas expressões se encontra ou não um
estado de espírito correspondente. Isso pode­
ria até constituir um obstáculo, porque repre­
sentaria o fruto de uma sensibilidade dife­
rente da minha, de maneira diferente compro­
metida no filme.
Por razões práticas utilizei frequente­
mente actores estrangeiros: acordos com dis­
tribuidores, não disponibilidade de actores
italianos, etc. Por vezes porque achava esses
actores mais bem adaptados ao papel a desem­
penhar do que aqueles de que dispunha em
Itália.
P. — Prefere filmar em directo, ou pós-
-sincronizar?
R. — Quando me é possível prefiro filmar
em directo. Os sons, os ruídos, as vozes natu­
rais, recolhidos pelo micro têm um poder de
sugestão que com a pós-sincronização não se
consegue obter. Além disso, a maior parte
dos micros profissionais são muito mais sen­
síveis do que o ouvido humano, por vezes uma
enorme quantidade de sons e ruídos inespe­
rados vem enriquecer uma banda sonora *
obtida em directo. v •.
llfi
;í 8
U;
m Infelizmente ainda não estamos suficiente­
mente adiantados, tècnicamente falando, para
podermos utilizar sempre esse sistema. Na fil­
magem de exteriores dificilmente se consegue
1 uma boa banda sonora. No entanto, tanto a
pós-sincronização como a dobragem possuem
também as suas vantagens. Parece-me que
j
por vezes a modificação de um ruído ou de
um som se tornam indispensáveis para certos
lis efeitos especiais. Do mesmo modo, por vezes
torna-se necessária a alteração da voz hu­
mana.
;
P. — Que razões determinam o enquadra­
mento exacto e os movimentos de câmara?
!;? i . R. — Quem é que escolhe o enquadramento
i
í: • V e os movimentos da máquina de filmar? Não
■iii consigo imaginar um realizador que deixe
esse trabalho a outros. Excluir ou incluir na
imagem um pormenor, mesmo aparentemente
i secundário, escolher o ângulo de filmagem,
as objectivas, os movimentos de máquina,
tudo isso constitui um conjunto de decisões
indispensáveis ao êxito do filme.
A técnica não constitui um facto limitado,
valendo por si próprio e podendo ser aplicado
a partir do exterior, quer dizer, por não im­
porta quem. Se houver estilo, a técnica é inva­
dida por ele. Se não houver estilo o problema
deixa de existir.
P. — Filma os mesmos planos com vários
ângulos, de maneira a ter uma maior liber­
dade de montagem?
R. — Até ao Deserto Vermelho (II Deserto
Rosso) filmei sempre com uma única câmara,
portanto sob um único ângulo. A partir do
150
r
I
Deserto Vermelho comecei a utilizar diversas
máquinas com objectivas diferentes, mas sem­
pre segundo o mesmo ângulo. E isso porque
a narrativa exigia planos de corte de uma rea­
lidade um pouco abstracta, de uma matéria
transformada em cor, que se obtinham com
umas determinadas objectivas. É claro que
i durante as filmagens possuo já uma ideia
muito nítida da montagem do filme. E é ape­
nas quando, levado pelas circunstâncias, im­
proviso e, consequentemente, sou obrigado a
filmar mais rapidamente, que procuro acumu­
lar material que depois possa ter em reserva.

Depois das filmagens

P. — Em que medida participa na monta­


gem dos filmes?
R. — Tive sempre a meu lado, para a mon­
tagem dos meus filmes, um montador. Ex-
cepto para Escândalo de Amor (Cronaca di
Un Amore), esse montador foi Eraldo da
Roma. É um técnico extremamente compe­
tente, dotado de uma vasta experiência, além
de ser também um homem apaixonado pelo
seu trabalho. Montamos os filmes em con­
junto. Digo-lhe com a maior precisão pos­
sível o que quero, e ele executa-o. Conhece-
-me, compreende-me imediatamente, temos o
mesmo sentido da medida, a mesma sensibili­
dade no que diz respeito à duração do plano.
P. — Qual é o papel que a música e a
banda sonora desempenham nos seus filmes?
R. — Fui sempre contra o comentário mu­
sical usual, convencional, contra a função so-
f:
151
i H| porífica que geralmente se lhe destina. Ê a
ideia de «pôr em música» as imagens que não
i! I ■ me agrada: como se se tratasse de um libreto
de ópera. A necessidade de não deixar lugar
í\ ao silêncio, de preencher os supostos vazios,
é uma necessidade que recuso, uma necessi­
t
dade que dura desde os tempos do mudo,
\: \l quando o papel do piano era o de cobrir o
;; ,1 . •
* ■
ruído da máquina de projectar, o de criar uma
atmosfera. Tudo somado, a situação não mu­
iM* i:3i '
dou muito desde então. E parece-me que, con­
tradizendo a afirmação feita, os raros e céle­
i! ■ bres exemplos de aderência quase perfeita
entre música e imagem, como Alexandre
5 *
Nevski, não bastam.
A única forma de se aceitar a música no
ilr filme é a de ela desaparecer entretanto como
7&Í expressão autónoma, assumindo então o pa­
pel de um elemento de impressão sensorial
de carácter geral.
E hoje, com o cinema a cores, isso torna-se
ainda mais necessário.

Generalidades

P. — Preocupa-se, durante qualquer está­


dio da realização dos seus filmes, com o pú­
. blico e com as suas eventuais reacções?
S ■ R. — Nunca penso no público. Penso no
í fii »
filme. Evidentemente, há sempre um interlo­
r
cutor ideal (talvez um outro eu-próprio). Se
não fosse assim não saberia que linha seguir,
visto que há pelo menos tantos públicos quan-
•í
152

i!!
tos continentes e raças humanas, para não
I dizer nações.
P. — Qual a fase da criação cinematográ­
fica que lhe parece apresentar maiores difi­
culdades, requerer maiores esforços?
R. — Cada filme tem a sua história. Um
exige esforços sobre-humanos durante as fil­
magens; um outro uma enorme tensão inte­
lectual no momento da planificação, da dobra-
gem, da pós-sincronização, quando parece que
o material que possuímos é totalmente dife­
rente daquilo que queríamos.
E depois há também a nossa história pes­
soal, que não se interrompe durante as filma­
gens, que, pelo contrário, se torna mais aguda,
conferindo ao nosso trabalho uma função esti­
mulante ou não, moderadora, etc.
P. — Considera que o cinema, e os seus
filmes em particular, constitua um reflexo da
evolução da sociedade moderna?
R. — O homem foi sempre um reflexo da
sociedade. É, portanto, o reflexo mais antigo
da sociedade moderna. E como os filmes,
quando representam o fruto de uma sincera
exigência de comunicar, de mostrar, são
expressões do homem, reflectem sempre, de
qualquer modo, a evolução da sociedade actual. i
Este raciocínio desenvolve-se, mas ao de­
senvolver-se de uma maneira essencialmente i:
lógica tenho a impressão de que acaba por
obscurecer uma verdade bem mais complexa:
a de que o homem nada mais reflecte do que
a sua própria imagem, a sua eterna luta na
sociedade. Mas não me compete a mim teo­
rizar.

153
i ■■ ,

:
U'•rt: ■i
P. — Parece-lhe ter-se processado uma evo­
ii lução da linguagem cinematográfica? Em que
medida contribuiu para essa evolução?
R. — A minha contribuição para a forma­
h ção de uma nova linguagem cinematográfica
é um assunto que diz respeito aos críticos.
:; :
:! ; ! E não aos críticos de hoje, mas aos de ama­
:i!i- nhã, se o cinema durar entretanto como arte
e se os meus filmes resistirem à usura do
1 ■i1H tempo.
Cinéma 65, n.° 100

! i ;

ft
■l ■ :

15Jf
W'

l
BIOFILMOGRAFIA V.

organizada por Lauro António I

Michelangelo Antonioni nasceu em Fer­


rara, a 29 de Setembro de 1912. Estuda Econo­
mia em Bolonha. De regresso a Ferrara in­
gressa no jornalismo e, tempos depois, em
Roma, inscreve-se no Centro Experimental de
Cinema, colaborando, simultâneamente, em
diversas publicações, nomeadamente na re-
vista Cinema. Em 1942 inicia o seu trabalho
no cinema, como assistente de Enrico Ful-
chignoni (I Due Foscari) e também de Mar­
eei Carné, em Os Trovadores Malditos (Les
Visiteurs du Soir)} 1942.
A partir de 1942 Antonioni dedica-se aber­
tamente ao cinema, escrevendo alguns argu­
mentos para películas dirigidas por outros
autores, ao mesmo tempo que realiza as suas
primeiras curtas-metragens.

Como argumentista colaborou em:


1 Due Foscari, de Enrico Fulchignoni; ar­
gumento de Michelangelo Antonioni, G. Cam-
panile, Mino Doelti, Enrico Fulchignoni
(1942).
4*1
i
155
!
U.1; Un Pilota Ritorna, de Roberto Rossellini;
m argumento de M. Antonioni, Rosário Leone,
Ugo Betti, Massima Mida e Gherardo Ghe-
í •i - H; rardi (1942).
.1
Caceia Tragica, de Guiseppe de Santis; ar­
gumento de Guiseppe De Santis, M. Antonioni,
' i V
Cario Lizzani, Cesare Zavattini, Corrado Ál­
! !■!

.
.1 I I varo, Umberto Barbaro, Tulio Pinelli (1947).
O Sheik Branco (Lo Sceicco Bianco), de
í I Federico Fellini; argumento de M. Antonioni,
Federico Fellini e Tullio Pinelli (1952).

n», Na sua actividaáe de documentarista, Mi- I

chelangelo Antonioni realizou:

í
ií;
líl 1943-1947 — Gente del Po — Realização: M.
Antonioni; fotografia: Piero Porta-
lupi; música: Mario Labroca; produ-
U;
dução: I. C. E. T.
: 1948 — N. U. (Netteza Urbana) — Realiza­
ção: M. Antonioni; fotografia: Gio-
vanni Ventimiglia; música: arranjo
de jazz de Giovanni Fusco e prelúdio
de J.-S. Bach; produção: I. C. E. T.
1949 — L’Amorosa Menzogna — Realização:
M. Antonioni; fotografia: Renato Del
Frate; música: Giovanni Fusco; pro­
dução: Filmus.
Superstizione — Realização: M. Anto­
nioni; fotografia: G. Ventimiglia; mú­
sica: Giovanni Fusco; produção: I. C.
E. T.
La Funivia del Faloria Realização:
M. Antonioni; fotografia: Goffredo

156
Bellisario e Ghedina; música: Teo
Usuelli; produção: Teo Usuelli.
Sette Canne, Un Vestito — Realiza­
ção: M. Antonioni; fotografia: G. Ven-
timiglia; música: de reportório; pro­
dução: I. C. E. T.
1950__La Villa dei Mostri — Realização: M.
Antonioni; fotografia: Giovanni de
Paoli; música: Giovanni Fusco, pro­
dução: Filmus.
1955 — Uomini in Piu — Realização: M. An­
tonioni; produção: Comité Intergo-
vernamental para as Emigrações Eu­
ropeias (C. I. M. E.).

Como autor de filmes de fundo} Michclan-


gelo Antonioni dirigiu:

1950 — Escândalo de Amor (Cronaca di Un


Amore) — Realização: M. Antonioni;
argumento e diálogos: M. Antonioni,
planificação: M. Antonioni, Daniele
d’Anza, Silvio Giovaninetti, Francesco
Maselli, Piero Tellini; fotografia: Enzo
Serafin; cenografia: Piero Filiponne;
guarda-roupa (de Lucia Bosè): Fer-
dinando Sarmi; música: Giovanni
Fusco; intérpretes: Lucia Bosè (Pao-
la), Massimo Girotti (Guido), Ferdi-
nando Sarmi (Fontana), Gino Rossi,
Marika Rowsky, Rosi Mirafiore, Rubi
d’Alma, etc.; produção: Franco Vil-
lani e Stefano Caretta (Villani-Film);
1 h. e 30 m.; filmagens: Milão e arre­ i
dores, estúdios; estreia: Roma, 25 de

157
í í:
í
;J. ■ Ji Novembro de 1950; estreia em Por­

Si
I ] ‘I
■A
tugal: Cinema Tivoli, a 11 de Maio de
1952; distribuidora: Filmitalus.
1952__7 Vinti — Realização: M. Antonioni;
argumento e diálogos: M. Antonioni,
Suso Cecchi D’Amico, Diego Fabbri,

>r
: I
'
Turi Vasile; fotografia: Enzo Serafin;
cenografia: Gianni Polidori; musica.
Giovanni Fusco; intérpretes: a) epi­
=

sódio italiano: Anna Maria Ferrero,


i Franco Interlengui, Eduardo Cianelli,
Evi Maltagliati, Umberto Sparado,
Gastone Renzelli; b) episódio inglês:
Peter Reynolds, Patrik Barr, Fay
Compton, Elleen Moore; c) episódio i
francês: Henry Poirier, André .Tac-
:
: ques, Jean-Pierre Mocky, Etchika
! : S Choureau, Annie Noel, etc.: produ­
ção: Film Costellazioni; 1 h. e 20 m.;
t i! filmagens: Roma, Londres, Paris
(1952); estreia: Festival de Veneza
(fora de competição), 4 de Setembro
de 1953. Inédito em Portugal.
1953 — a Dama sem Camélias (La Signora
senza Camelie) — Realização: M. An­
tonioni; argumento: M. Antonioni;
planificação e diálogos: M. Antonioni,
Suso Cecchi D’Amico, Francesco Ma-
selli, P. M. Pasinetti, fotografia: Enzo
Serafin; cenografia: Gianni Polidori;
música: Giovanni Fusco; intérpretes:
Lucia Bosè, Andrea Cecchi, Gino Cer-
• í! vi, Ivan Desny, Alain Cuny, Monica
Clay, Anna Carena, Enrico Glori, etc.;
produção: Domenico Forges Davan-
!
158

I
w '
zati; E. N. I. C.; lh. e 35 m.; filma­
gens: Roma, Veneza e Milão, entre
Dezembro de 1952 e Fevereiro de
1953; estreia: Roma, 27 de Fevereiro
de 1953; estreia em Portugal: Cinema
Eden, a 7 de Maio de 1954; distribui­
dora: Filmitalus.
1953_Tentato Suicidio — episódio do filme
em sketclies Retalhos da Vida
(UAmorc in Città) — Realização: M.
Antonioni; argumento, planificaçao e
diálogos: M. Antonioni, Aldo Buzzi,
Luigi Chiarini, Luigi Malerba, Tullio
Pinelli, Vittorio Veltroni, Cesare Za-
vattini; fotografia: Gianni di Venan-
zo; cenografia: Gianni Polidori; mú­
sica: Mario Nascimbene; interpreta­
ção de actores não profissionais; pro­
dução: Faro Film; filmagens: Roma;
estreia: Roma, 27 de Novembro de
1953; estreia em Portugal: Cinema
S. Luiz, a 28 de Julho de 1959; distri­
buição: Filmitalus.
1955 — Le Amiclie — Realização: M. Anto­
nioni; argumento: M. Antonioni, se­
gundo Tre Donne Sole, de Cesare Pa-
vese- planificação e diálogos: M. An-
tonióni, Suso Cecchi D'Amico, Alba
de Cespedes; fotografia: Gianni di
Venanzo; cenografia: Gianni Polidori;
música: Giovanni Fusco; intérpretes.
Eleanora Rossi Drago, Valentina Cor-
tese, Gabriele Ferzetti, Franco Fa-
brizi, Ettore Manni, Madeleine Fis- í
cher,' Yvonne Furneaux, Anna Maria

159
I
, -

yi
:!í
Pancani; produção: Trionfalcine; fil­
magens: Turim, 1955; estreia: Festi­
I
i | li val de Veneza, 7 de Setembro de 1955.
Inédito em Portugal.
;!' ■ ;í 1957 — o Grito (11 Grido) — Realização: M.
Antonioni; argumento: M. Antonioni;
planificação e diálogos: M. Antonioni,

: ti Elio Bartolini, Ennio De Concini; fo­


tografia: Gianni di Venanzo; ceno-
: i
m; grafia: Franco Fontana; guarda-rou­
pa: Pia Marchesi; música: Giovanni
« Ris:
j i!
Fusco; intérpretes: Steve Cochran
(Aldo), Alida Valli (Irma), Dorian
:T» Gray (Virgínia), Betsy Blair (Elvira),
Lynn Shaw (Andreina), Gabriella Pal-
\mh;í lota, Gaetano Mattencci, Guerrino
Campanili, Pina Boldrini, etc.; pro­
dução: Franco Cancellieri (SPA Cine­
!fiV! matográfica) ; estreia: Festival de Lo-
carno, 14 de Julho de 1957; estreia em
Portugal: Cinema S. Jorge; distribui­
ção: Mundial Filmes.
1960 — UAvventura — Realização: M. Anto­
nioni; argumento: M. Antonioni; pla­
nificação e diálogos: M. Antonioni,
Ennio Bartolini, Tonino Guerra; foto­
grafia: Aldo Scavarda; cenografia:
Piero Polleto; guarda-roupa: Adriana
Berselli; música: Giovanni Fusco; in­
térpretes: Gabriele Ferzetti, Monica
Vitti, Lea Massari, Dominique Blan-
char, Renzo Ricci, James Addams, Do-
rothy de Poliolo, Lelio Luttazi, Gio­
vanni Petrucci, Esmeralda Ruspoli,
Enrico Bologna, Franco Cimico, Gio-

160
T:
vanni Danesi, Rita Mole, Renato Pin-
cirolli, Angela Tommasi di Lampe-
dusa, Vincenzo Tranchina, etc.; pro­
dução: co-produção Cino del Duca,
Produzioni Cinematografiche Europee
(Roma), Société Cinématographique
Lyre (Paris); filmagens: Roma, Sicí­
lia (ilhas Lipari, Milazzo, Catana,
Taormina); estreia: Festival de Can-
nes Maio de 1960. Inédito em Por-
tugal.
1961 _ A Noite (La Notte) — Realizaçaoj M.
Antonioni; argumento, planificação e
diálogos: M. Antonioni, Ennio Flaiano,
Tonino Guerra; fotografia: Gianni di
Vennanzo; cenografia: Piero Zuffi;
música: Giorgio Gaslini; intérpretes.
Jeanne Moreau, Marcello Mastroianni,
Monica Vitti, Bernard Wicki, etc.;
produção: co-produção Nepi-Film Sil­
va Film (Roma); Sofitedip (Paris);
filmagens: Milão; estreia: Milão, 24
de Janeiro de 1961; estreia em Por­
tugal: Janeiro de 1964 (I Festival de
Arte Cinematográfica da Cidade de
Lisboa); distribuição: Rank Filmes de
Portugal.
1962 — O Eclipse (UEclipse) —Realizaçao:
M. Antonioni; argumento, planifica­
ção e diálogos: M. Antonioni, Tonino
Guerra, Elio Bartoloni, A. Ottiri; fo-
tografia: Gianni di Vennanzo; ceno­
grafia: Piero Poletto; música: Gio-
vanni Fusco; intérpretes: AlainDelon,
Monica Vitti, Francisco Rabal, Louis

161
4
11
I
il I;; Seigner, Lila Brignone, etc.; produ­

I\n
I Úi
ção: co-produção Paris Film Produc-
tion (Paris) e Interopa, Cineriz
(Roma); filmagens: Milão; estreia:
Festival de Cannes, 2 de Maio de
1962; estreia em Portugal: Cinema
. 5
Império, 4 de Dezembro de 1963; dis­
;\\r; tribuição: Lusomundo.
iii;

1964_O Deserto Vermelho (II Deserto


Rosso) — Realização: M. Antonioni;
argumento, planificação e diálogos:
i;|l M Antonioni, Tonino Guerra; foto­
grafia: Cario di Palma (technicolor);

1
cenografia: Piero Poletto; música.
Giovanni Fusco; música electrónica:
Vittorio Gelmetti (voz: Cecilia Fusco);
montagem: Eraldo da Roma; intér­
im 1
pretes: Monica Vitti (Giuliana), Ri-
chard Harris (Conrado), Cario Chio-
netti (Ugo), Kenia Valderi (Linda),
Rita Renoir (Emília), Aldo Gnotti
(Max), Lili Rheims, Valerio Barto-
leschi, Emmanuela P o 1 a , Carboni,
Bruno Borghi, etc.; produção: Anto-
nio Cervi-Films Duemila-Francoriz;
1 h. e 55 m.; filmagens: Ravena, Sar­
denha; estreia: Festival de Veneza,
7 de Setembro de 1964; estreia em
Portugal: Maio de 1965 (II Festival
de Arte Cinematográfica da Cidade
! de Lisboa); distribuição: Doperfilme.
1965__As Três Faces duma Mulher (I Tre
Volti) — Realização: M. Antonioni;
. fotografia: Cario di Palma (techni-
color-écran panorâmico); música: Pie-
r 162
ro Piccioni; intérprete: Soraya; pro­
dução: Dino de Laurentiis Cinema­
tográfica (apenas o «prefácio» foi
dirigido por Antonioni; os dois epi­
sódios foram realizados por Mauro
Bolognini e Franco Indovina); es­
treia: Roma, 1965; estreia em Portu­
gal: Cinema Império, 20 de Outubro
de 1965; distribuição: Lusomundo.
1966_História dum Fotógrafo (Blow-Up) —
Realização: M. Antonioni; argumento,
planificação e diálogos: M. Antonioni,
Tonino Guerra; fotografia: Cario di
Palma; cenografia: Asheton Gorton;
música: Herbert Hancock; monta­
gem: Frank Clarke; intérpretes: Da-
vid Hemmings (Thomas); Vanessa
Redgrave (Jane), Sarah Miles (Patrí­
cia), Verushka (Verushka), Jill Ken-
nington (Models), Peggy Moffitt, Ro-
saleen Murray, Ann Norman, Melame
Hampshire, etc.; produção: Cario
Ponti (para a M. G. M.); 1 h. e 50 m.;
filmagens: Londres; estreia: Festival
de Cannes, Maio de 1967; estreia em
Portugal: cinemas Condes e Roma, a
9 de Janeiro de 1968; distribuição:
Filmes Castello Lopes (divisão M.
G. M.).
1968_Prepara Zabricski Point (nos E.U.A.).

•)

163
u
ív-;
1:

»

h-

DOCUMENTAÇÃO
organizada por António Ruivo Mouzinho

I — BIBLIOGRAFIA DE ANTONIONI

1) Paul-Louis Thirard — Premier Plan, n.° 15. Ed.


Serdoc. 1960.
2) Pierre Leprohon — Cinéina d'Aujourd'hui, n.° 2.
Ed. Seghers. 1961.
3) Roger Tailleur e P.-L. Thirard — Classiques du
Cinéma, n.° 12. Ed. Universitaires. 1963.
4) Peter Cowie — Antonioni, Bergman, Resnais. Ed.
Barnes & Co. Inc. Nova Iorque, 1963.
5) Philip Strick — Antonioni. Motion Publications.
1963.
6) Vários — Études Cinematographiques, n.°* 36-37.
«L/Homme et 1’Objet». 1964.
7) M. Antonioni — Sei Film (Le Amiche, II Grido,
UAvventura, La Notte, L’Eclisse e II Deserto
Rosso). Ed. Einaudi. 1965.
8) Versão castelhana da obra acabada de citar, em
dois volumes: I — La Noche, El Eclipse, El De-
sierto Rojo; II — Las Amigas, El Grito, La Aven­
tura e Blow Up, n.°* 87 e 115, respectivamente, da
Col. El Libro de Bolsillo. Alianza Ed. Madrid,
1967 e 1968.

|| — HEMEROGRAFIA DE ANTONIONI

a) ARTIGOS
1) M. Antonioni—Prefácio a Sei Film (trad. fran­
cesa: Positif, n.° 69, Maio de 1965, pp. 82 a 91;

165
V í

! ;É trad. espanhola com o título «La última reflexlón

1
sobre su obra», Nuestro Cine, n.° 47, 1965, pp. 4
a 10; e trad. portuguesa, com o título «Notas de
um Cineasta», Plano 5, Julho de 1967, pp. 18 a 25).
2) «Qui est Michelangelo Antonioni?». Cinéma 58,
n.° 30. Setembro-Outubro, pp. 64 a 76.
‘i;
3) Tommaso Chiaretti — «Antonioni ou le refus de

n
í 4)
la banalité». Cinéma 60, n.° 50. Outubro, pp. 12
a 21.
Guido Aristarco — «Les 4 phases du cinéma ita-
lien de 1’après-guerre». Cinéma 61, n.° 36. Maio.
.
.
: -1 pp. 4 a 14 e 122-123.
*r :
j

6) José Monleón — «Por qué, Antonioni?». Nuestro


Cine, n.° 1. Julho de 1961. p. 1.
6) Paul-Louis Thirard — «Antonioni — Sus temas,
SUS personajes, su lenguaje». Nuestro Cine, n.° 1.
•I *
Julho de 1961. pp. 17 a 25.
7) Dulce Rebelo — «A Modernidade das Persona­
gens» — Vértice, n.08 218-219. Novembro de 1961.
pp. 719 a 722.
8) Fabio Carpi — «Solamente aqui y solamente aho-
ra». Nuestro Cine, n.° 14. Novembro de 1962.
p. 38.
9) Nerio Minuzzo — «Antonioni e Fellini, os Cam­
peões da Fórmula 2». Jornal de Letras e Artes,
n.° 65. 26 de Dezembro de 1962. p. 16.
10) Guido Fink — «M. Antonioni et les Hommes de
1’Oklahoma». Positif, n.08 50-51-52. Março de 1963.
pp. 124 a 129.
11) Guido Fink — «Antonioni e il Giallo alia roves-
cia». Cinema Nuovo, n.° 162. Março-Abril de 1963.
12) Dalmo Jeunon — «Antonioni — Anatomia do Té­
dio». Jornal de Letras, n.08 168-169-170. Agosto,
Setembro e Outubro de 1963. Rio de Janeiro, pp. 7
8 e 9, respectivamente.
13) M. Antonioni — «La Realtà e il Cinema Diretto».
Cinema Nuovo, n.° 167. Janeiro-Fevereiro de
1964.
14) Gilles Jacob—«Antonioni — Os Caminhos da So­
lidão. Jornal de Letras e Artes, n.° 151. 19 de
Agosto de 1964. pp. 9 a 11.
15) Manuel Vitorino de Queirós — «Antonioni ou a
Tentação do Absurdo». Tábua I. Porto, 1965.

166
v

16) Dulce Rebelo — «Meditação sobre Antonioni».


Vértice, n.os 271-272. Abril-Maio de 1966. pp. 346
a 350. . x
17) Lorenzo Quaglieti— «Les 3 Grands du Cinema
Italien Sont 4». Image et Son, n.° 196. Julho de
1966. pp. 42 a 44.
18) Luís Neves Real — «Cinema de Antonioni ou a
angústia de não haver outros com quem viver».
Plano //. Outubro de 1966. pp. 22 a 41.
19) André Pefenninger — Cinéma International, n.° 15.
Julho-Agosto de 1967. pp. 655 e 656.
20) Manuel de Sousa — «Cinema de comportamento:
a predominância do subjectivo sobre o objectivo».
Jornal de Notícias, 9 de Agosto de 1968, Suple­
mento «Palco».

b) DEPOIMENTOS

21) Benayoun, Demeure, Kyrou, Seguln, Tailleur, Thi-


rard e Viazzi — Positif, n.° 30. Julho de 1959.
pp. 1 a 27.
22) Monica Vitti — «Antonioni vu par ses interprè-
tes». Cinéma 60, n.° 50. Outubro, pp. 8 a 11.
23) Bardem, Berlanga, Cobos, Diamante, Eceiza,
Egido, Ezcurra e Monleón — Nuestro Cine, n.° 1.
Julho de 1961. pp. 8 a 12.
24) «Maselli, Fava, Fellini, Vitti, Guerra, Cervi e In-
dovina — 7 Personnages en quête d’Antonioni».
Positif, n.° 76. Junho de 1966. pp. 16 a 22.

c) ENTREVISTAS

25) Guy Allombert — «Bròve rencontre avec Anto­


nioni». Image et Son, n.° 134. p. 3.
26) André S. Labarthe — «Antonioni hier et demain>.
Cahiers du Cinéma, n.° 110. Agosto de 1960; e
Entrevista, n.° 112. Outubro de 1960.
27) «Un entretien avec Antonioni» — Cinéma 60,
n.° 50. Outubro, pp. 4 a 7.
28) Michèle Manceaux — Sight and Sound. Vol. 30,
n.° 1.

167
I
t

I
liÚ : 29) Julio Diamante — «Selecção de entrevistas com
Antonioni». Nuestro Cine, n.° 1. Julho de 1961.
■li
pp. 13 a 16.
ii': 30) Oriana Fallaci — «Visite à Antonioni» — Positif,
i n.° 44. Março de 1962. pp. 28 a 35.
31) Franco Berutti — «A situação de O Eclipse na
obra de Antonioni»—Jornal de Letras e Artes,

.!
• %
I n.° 38. 20 de Junho de 1962. pp. 1 e 16.
32) Jean-Luc Godard — Cahiers du Cinéma, n.° 160.
Novembro de 1964. pp. 8 a 17.
33) «O aborrecimento é um fenómeno de sugestão».
Jornal de Letras e Artes, n.° 179. 3 de Março de
• Í! 1965. p. 11.
: 34) «O homem corre o risco de não mais se com­
preender a si próprio...», Jornal de Letras e Ar­
tes, n.° 184. 7 de Abril de 1965, p. 14.
35) Pierre Billard — «Voix Off» — Cinéma 65, n.° 100.
■.
l\vi Novembro, pp. 50 a 57. ]■
IJiii
III — «O GRITO»

1) Antonioni — II Grido. Col. «Dal Soggetto al Film».


Ed. Cappelli. Bolonha.
2) Guido Aristarco — Cinema Nuovo, n.° 116. 15 de
Outubro de 1957.
3) Enzo Muzzi — Contemporâneo. 26 de Outubro de
1957.
4) Edoardo Bruno — Filmcritica, n.° 74. Janeiro de
1958.
5) Jacques Doniol-Valcroze — «Photo du Mois». Ca­
hiers du Cinéma, n.° 70. p. 81.
6) André Bazin — «Venise 1957». Cahiers du Ci­
i!
;
néma, n.° 75. p. 41.
7) Claude Beyle —«Haute Gamme». Cahiers du Ci­
néma, n.° 91. p. 60.

1: h ■
!
8) Adelino Cardoso — Imagem, n.° 24. Novembro de
1958. p. 444.
9) Avelino Dias — Celulóide, n.° 12. Dezembro de
1958. pp. 13 a 17.
10) Jean d’Yvoire — Téléciné, n.° 80. Janeiro-Feve­
reiro de 1959.

168
:

— !
*

11) F. Tranchant, Michel Delahaye e Bemard-Luc de


Ville — Cinéma 59, n.° 33. Fevereiro, pp. 111 a
119.
12) Madeleine Garrigon-Langrange — «Ficha n.° 346>.
Téléciné, n.° 81. Março de 1959.
13) René Gilson — «De Gente del Pò à II Grido>. Les
Temps Modernes, n.° 158. Abril de 1959.
14) Louis Seguin — Positif, n.° 30. Junho de 1959.
pp. 19 e 20.
15) Jacques Chevalier — Image et Son, n.° 118. 1959.
p. 15.
16) Jacques Chevalier — La Saison Cinématographi-
que 59. pp. 66 e 67.
17) Francisco Xavier Pacheco — Jornal de Notícias.
10 de Julho de 1959. p. 9.
18) Manuel Pina — Boletim do ABC Cineclube de Lis­
boa, n.°“ 13-14. Julho, Agosto e Setembro de
1959. pp. 159 a 162;
19) Gérard Gozlan — «Da Faillite de Nos Sentiments».
Positif, n.° 35. Julho-Agosto de 1960. pp. 12 a 21.
20) R. Munoz Suay — «Un Antonioni Leído». Nuestro
Cine, n.° 1. Julho de 1961. pp. 32 e 33.
21) António Augusto Sales — Diário de Um Especta­
dor de Cinema. Torres Vedras, 1961. pp. 147-148.
22) José Dino Griinewald — Jornal de Letras, n.° 179.
Janeiro de 1965. Rio de Janeiro, p. 8.

IV — «L'AVVENTURA»

1) Antonioni — UAwentura. Col. «Dal Soggetto al


Film». Ed. Cappelli. Bolonha; versão francesa:
Col. «Du Sujet au Film». Ed. Buchet-Chastel.
Paris; e versão espanhola: Col. «Voz-Imagem».
Ed. Ayma. Barcelona.
2) Giovanni Ricco — «Antonioni nous raconte 1’aven-
ture de UAvventura». Cinéma 60, n.° 47. Junho,
pp. 35 a 38.
3) Robert Benayoun, Jean Barrai e Nelly Kaplan —
Positif, n.° 35. Julho-Agosto, pp. 34 a 40.
4) Madeleine Garrigou-Lagrange — Téléciné, n.° 91.
Setembro-Outubro de 1960.
5) M. Antonioni — Cinéma 60, n.° 50. Outubro, pp. 2
a 21.

169
I
:
ji.j;
!-
■ !
6) René Gilson — Cinéma 60, n.° 51. Novembro-De­
zembro. pp. 119 a 121. I
;|V !!
1?
7) Marie-Claire Wuilleumier — Esprit. Dezembro de
1960.
8) Jean Domarchi — «Cannes 1960», Cahiers du Ci­
néma, n.° 108. p. 40.
j; 9) Jacques Chevalier — Image et So?i, 135. 1960.
p. 15.
10) Guy Allombert — La Saison Cinematographxque
.i 60. pp. 399 e 400.

3
iln 11) Jacques Doniol-Valcroze — «Le Facteur Rhésus et
le Nouveau Cinéma». Cahiers du Cinéma, n.° 113. i
r ;i p. 47-
12) Arlette El-Kaim — Les Temps Modernes. Feve­
* .
1 • 1 ! reiro de 1961.
i* 13) Louis Seguim— «La Fin de l’Êté avec Monica».
Positif, n.° 38. Março de 1961. pp. 12 a 31.
14) Henri Crespi — «Je, UAvventura, Jamais le Di-
manche et les autres». Positif, n.° 38. Março de
1961. pp. 32 a 35.
15) Madeleine Garrigou-Lagrange— «Ficha n.° 378».
Téléciné, n.° 95. Abril de 1961.
16) Gilbert Salachas — «Réticences». Téléciné, n.° 95.
Abril de 1961.
17) René Gilson — «Une question inquiète et chaleu-
reuse sur la vie intérieure». Cinéma 61. Maio.
pp. 116 a 121.
18) Luciano C. Egido — Nuestro Cine, n.° 1. Julho de
1961. pp. 34 a 56 (com largo extracto da planifi­
cação e diálogos).
19) José Lino Griinewald — Jornal de Letras, n.os 145-
-146. Setembro-Outubro de 1961. Rio de Janeiro,
p. 9.
20) Parker Tyler — Classics of the Foreign Film.
Spring Books. Londres, 1962. pp. 222 a 225.
21) Jacques Chevalier — Regards Neufs sur le Ci­
néma. Ed. du Seuil. Paris, 1963. pp. 224 a 231.
22) Jacques Chevalier — «Ficha Filmográfica». Image
et Son, n.° 184. Maio de 1965. pp. 73 a 92.

V — «A NOITE»

1) Antonioni — La Noite. Col. «Dal Soggetto al


Film». Ed. Cappelli. Bolonha, 1961; trad. fran-

170
\
'

cesa : La Nuit. Col. «Du Sujet au Film». Ed. Bu-


chet-Chastel. Paris. _ A _ ,_ ....
2) Pierre Billard — Cinéma 61, n.° 55. Abril. pp. 11
a 14 e 98 a 102.
3) Jacques Chevalier — ímage et Son, n. 140-141.
Abril-Maio de 1961. pp. 35 e 36; ou La Saison
Cinematographique 61. pp. 190 a 192.
4) René Gilson — Cinema 61, n.° 56. Maio. pp. H6
a 121
5) Jean Collet — Téléciné, n.° 96. Maio de 1961.
6) Roger Tailleur — Positif, n.» 39. Maio de 1961.
I
pp. 34 a 53. _ ,i , moí
7) Robert Benayoun — Positif, n.° 40. Julho de 1961.

8) ALfonso Sastre — Nnestro Cine, n.° 1. Julho de


1961. pp. 28 a 31.
9) Marc Kravetz — «Ficha Cultural». Ímage et Son,
n° 146. Dezembro de 1961. pp. I a XII.
10) Raymond Borde — Positif, n* 44. Março de 1962.
pp. 50 e 51. , , . o iki
11) José Lino Grunewald — Jornal de Letras, n. 154.
Junho de 1962. Rio de Janeiro, p. 6.
12) Alberto Moravia — Nnestro Cine, n.° 14. Novem­
bro de 1962. pp. 37 e 38.
13) «Planificação e diálogos», Nnestro Cine, n. 14.
Novembro de 1962. pp. 39 a 54.
14) Parker Tyler—Classics of the Foreign Film.
Spring Books. Londres, 1962. pp. 232 a 23o.
15) Jesus Garcia de Duenas —Nnestro Cine, n.° lb.
Janeiro de 1963. pp. 51 e 52.
16) Manuel de Azevedo — Diário de Lisboa, 12 de
Janeiro de 1964. .
17) José Vaz Pereira — Jornal de Letras e Aites,
n.° 122. 29 de Janeiro de 1964. p. 11.
18) João Pais — O Tempo e o Modo, n.° 12. Janeiro
de 1964. pp. 88 a 90.
19) Leonardo Ferraz de Carvalho Rumo, n. 84.
Fevereiro de 1964. p. 163.
20) Luís de Andrade Pina —Filme, n.° 59. Fevereiro
de 1964. p. 4. _ .
21) Avelino Dias — Celulóide, n.° 74. Fevereiro de
1964. pp. 5 e 6.
22) Romano —Juventude Operária, n.° 229. Fevereiro
de 1964. p. 8.

171
I
li 23) Manuel Pina — Seara Nova, n.° 1422. Abril de
1964. pp. 121 e 122.
24) Lauro António — Seara Nova, n.° 1422. 20 de
li:; Abril de 1964. pp. 9 e 12.
25) Carlos Morais — Cadernos de Cinema, n.° 1. Maio

mti de 1964. pp. 15 e 16.


26) Plateia, n.° 193. 1 de Agosto de 1964. pp. 62 e 63.
27) António Lopes Ribeiro — «Crónica de Retarda­
dor». Diário Popular. 12 de Agosto de 1964, pp. 20 -
e 23.
28) Fernando António Almeida—Vértice, n.OB 252-253. '
Setembro-Outubro de 1964. pp. 541 a 547.
I IA 29) Avelino Dias — Celulóide, n.° 83. Novembro de
1964. pp. 20 a 22.
í
. 30) Angel Femández-Santos — Nuestro Cine, n.° 37.

III Janeiro de 1965. pp. 56 a 61.

m 31) Francisco Xavier Pacheco — Jornal de Notícias,


12 de Fevereiro de 1965. p. 9 («Palco»).
32) Vasco Santos — Romance, n.° 21. Ed. da Agência
Portuguesa de Revistas.

VI — «O ECLIPSE»

1) Antonioni —- L’Eclisse. Col. «Dal Soggetto al


Film». Ed. Cappelli. Bolonha, 1962.
2) Pierre Billard e René Gilson — Cinéma 62, n.° 62.
Janeiro, pp. 24 a 29.
3) Victor Erice — Nuestro Cine, n.° 11. Maio de 1962.
pp. 33 a 35.
4) Pierre Billard — Cinéma 62, n.° 66. Maio. pp. 18
a 21.
5) Alberto Moravia — Cinéma 62, n.° 67. Junho. pp.
68 a 70; trad. port. em Jornal de Letras e Artes,
, n.° 123. 5 de Fevereiro de 1964. pp. 1 e 15.
6) Guido Piovene — Cinéma 62, n.° 67. Junho. pp. 71
■■■

e 72.
7) ítalo Calvino — Cinéma 62, n.° 67. Junho. pp. <2.
! e 73.
.
8) Philippe Durand — Image et Son, n.° 152. Junho
i de 1962. pp. 8 e 9; ou La Saiso7i Cinematographi-
que 62. pp. 106 a 109.
9) Robert Benayoun — Positif, n.° 47. Julho de 1962.
pp. 72 a 74.

_
m
10) Jean-Louis Boris — Jornal de Letras e Artes,
n.° 51. 19 de Setembro de 1962. p. 16.
11) André S. Labarthe— Cahiers dn Cinéma, n.° 136.
Outubro de 1962.
12) José Augusto França — Jornal de Letras e Artes,
n.° 57. 31 de Outubro de 1962. p. 13.
13) Gilbert Salachas — Téléciné, n.° 107. Outubro-
-Novembro de 1962.
14) José Lino Griinewald — Jornal de Letras, n.° 159.
Novembro de 1962. Rio de Janeiro, p. 6.
15) «Os 58 Planos Finais do Filme». Nuestro Cine,
n 0 17. Fevereiro de 1963. pp. 2 e 3.
16) Enzo Paci e Giairo Daghini — Cinéma 62, n.° 70.
Novembro, pp. 75 a 88 (trad. do texto do primeiro
em Nuestro Cine, n.° 18. Março de 1963. pp. 4 a 7,
com o título «Intorno a la Dialectica de la Inter-
subiectividade»).
17) Pierre Gay — Cinéma 62, n.° 70. Novembro, pp.
100 e 101.
18) Robert Benayoun — Positif, n.° 49. Dezembro de
1962. pp. 63 a 66.
19) Parker Tyler—Clossics of the Foreign Film.
Spring Books. Londres, 1962. pp. 248 e 249.
20) Victor Erice — Nuestro Cine, n.° 18. Março de
1963. pp. 8 a 11.
21) André Glucksmann — «La Vacuité du Sentiment».
Artsept, n.° 3. Outubro-Dezembro de 1963. pp. 90
a 97.
22) José Vaz Pereira — Jornal de Letras e Artes,
n.° 116. 18 de Dezembro de 1963. p. 11.
23) António Lopes Ribeiro — «Crónica de Retarda­
dor». Diário Popular. 18 de Dezembro de 1963,
pp. 24 e 27, e 8 de Janeiro de 1964, pp.^20 e 23.
24) Armando Servais Tiago — Plateia, n.° 171. 20 de
Dezembro de 1963. p. 55.
25) João Pais — O Tempo e o Modo, n.° 11. Dezembro
de 1963. pp. 92 e 93.
26) Leonardo Ferraz de Carvalho — Rumo, n.° 83.
Janeiro de 1964. p. 77.
27) Luís de Andrade Pina — Filme, n.° 58. Janeiro de
1964. pp. 30 e 31.
28) Álvaro Luz e Silva — Vértice, n.°" 244-245. Ja­
neiro-Fevereiro de 1964. pp. 87 a 93.

173
I.
I : ■ri:
n: ! [Í.ÍÍI
y 29) Manuel Machado da Luz — Seara Nova, n.° 1420.
' :' !■
Fevereiro de 1964. pp. 57 a 59.
30) Francisco Xavier Pacheco — Jornal de Notícias.
28 de Fevereiro de 1964. p. 9 («Palco»).
' ;

31) Jorge Listopad — «O significado do décor na Eva


iíi de Losey e no Eclipse de Antonioni. O Comércio
do Porto. 28 de Abril de 1964. p. 6 («Cultura e
Arte»).
32) Luís da Cunha Ferraz — Seara Nova, n.° 1249.
i: ' Novembro de 1964. pp. 350 e 351.
f m
VII — «O DESERTO VERMELHO»

i ! 1) Antonioni — II Deserto Rosso. Col. «Dal Soggetto


1 al Film». Ed. Cappelli. Bolonha; versão francesa:
Le Désert Rouge, in UAvant-Scène du Cinema,
n.° 49. 1 de Junho de 1965; e versão espanhola:
:jj"?
s I
El Desierto Rojo. Col. «Voz-Imagem». Ed. Ayma.
Barcelona.
2) Actuelles — Cinéma 6\), n.° 82. Janeiro, pp. 13
e 14. , L
3) José Monleón — Nuestro Cine, n.° 33. Setembro
de 1964. pp. 21 a 23.
4) M. Antonioni — «L’Art de Voir». Cinéma 0>h, n.° 89.
Setembro-Outubro, pp. 19 a 22.
5) M. Antonioni — Caliiers du Cinéma, n.° 159. Outu­
bro de 1964. pp. 14 e 15.
6) Jean-Louis Comolli — Cahiers du Cinéma, n.° 159.
Outubro de 1964. pp. 29 a 31.
7) Michelangelo: Période Rouge («Le l.or Film en
Couleurs», por Mareei Martin; «Le Bosquet
Blanc», por Antonioni; «Journal de Tournage»,
por Flavio Nicolini; «La Couleur des Sentiments»,
por Cario di Cario). Cinéma 6Jh n.° 90. Novembro,
. . pp. 46 a 71.
I;: ' 8) Philippe Esnault — «Venise 64». Image et Son,
! n.° 179. Novembro de 1964. pp. 89 e 90.

!
! II. 9) José Augusto França — Jornal de Letras e Artes,
n.° 164. 18 de Novembro de 1964. p. 3.
10) Jacques Chevalier — Image et Son, n.° 179. De­
=. zembro de 1964. pp. 91 a 93.
11) Gilles Jacob e Pierre Philippe —• Cinéma 6it, n.° 91.
Dezembro, pp. 119 a 122.
i:

i m
ir

12) Antonioni, Nicolini, Benayoun c Delarbre — Posi-


tif, n.° 66. Janeiro de 1965. pp. 33 a 63.
13) Michel Ciment — «Michelangelo Pittore». Positif,
n.° 66. Janeiro de 1965. p. 93.
14) Philippe Maillat — Téléciné, n.° 119. Janeiro-Feve­
reiro de 1965. pp. 36 e 37.
15) «Débat de Jeunes Spectateurs»—Jeune Cinéma,
n.° 5. Fevereiro de 1965. pp. 37 e 38.
16) Jean-André Fieschi — «Pas de Printemps pour la
Prisonnière du Désert». Cahiers du Cinéma,
n.° 163. Fevereiro de 1965. pp. 82 a 84.
17) Manuel de Azevedo — «O Deserto e o Oásis».
Diário de Lisboa. 27 de Fevereiro de 1965. p. 5.
18) Roger-Tailleur—«Le Désert jusqu’à plus soif».
Positif, n.°" 67-68. Fevereiro-Março de 1965. pp. 81
a 92.
19) José Vaz Pereira — Jornal de Letras e Artes,
n.° 179. 3 de Março de 1965. p. 3.
20) Michel Mortier—«Ficha n.° 444». Téléciné, n.° 120.
Março de 1965. pp. 23 a 33.
21) Dinis Ramos —A Esfera, n.° 19. Março de 1965.
p. 10.
22) Carlos Araújo — Vértice, n.° 258. Março de 1965.
pp. 205 e 206.
23) Lauro António — Plateia, n.os 216, 20 de Março de
1965, p. 59, e 217, 1 de Abril de 1965. p. 57.
24) Manuel Machado da Luz— Seara Nova, n.° 1434.
Abril de 1965. pp. 125 e 126.
25) Carlos de Pontes Leça — Rumo, n.° 98. Abril de
1965. pp. 309 e 310.
26) Paul-Louis Thirard — Positif, n." 69. Maio de
1965. pp. 92 e 93.
27) Avelino Dias — Celulóide, n.° 90. Junho de 1965.
pp. 2 a 4.
28) Júlio C. Acerete — Vértice, n.° 267. Dezembro de
1965. p. 927.
29) Joaquim Soares da Costa — Plano 2/3. Dezembro
de 1965. pp. 100 e 101.
30) Guy Gauthier —«La Saison Cinématographique
65». Image et Son, n.os 190-191. Janeiro-Fevereiro
de 1966. pp. 107 e 108.
31) António Luís Landeira — Vértice, n.° 269. Feve­
reiro de 1966. pp. 133 a 135.

175
■i,
I

32) José Vaz Pereira—«Talvez em Tahiti». Jornal


de Letras e Artes, n.° 230. 23 de Fevereiro de
1966. p. 12. T J t
33) Vítor Silva Tavares — Direcção: Deserto. J. de L
e A. Idem. p. 13.
34) Manuel Machado da Luz — Seara Nova, n.° 1447.
Maio de 1966. pp. 153 a 158.

I 35) Pier Paolo Pasolini — «Visão Delirante». Vértice.


n.° 279. Dezembro de 1966. pp. 833 a 835.
36) Carlos Porto—«Ficha Filmográfica». Plano 5.
Julho de 1967. pp. 26 a 35.
37) Jean-Louis Curtis— «Esthétisme et Contestation, .
:

Cinéma. Ed. Julliard. Paris, 1967. pp. 93 a 97.

VIII— «HISTÓRIA DE UM FOTÓGRAFO»

lí 1) Paul-Louis Th irard — «Actuelles». Cinéma 66.


n.° 105. Abril. pp. 19 e 20.

l Vil i
4 2) «Antonioni english spoken». Cinéma 66, n.° 111.
Dezembro, pp. 46 a 55.
3) «Le Triomphe de Michelangelo». Cinéma 6«.
n.° 114. Março. pp. 14 e 15.
4) Garey Harrison — Siglit and Sound. Primavera
de 1967.
5) Triunfo, n.° 259. 20 de Maio de 1967.
6) Jean Clair — «Le Chemin de Damas». Positif,
n.° 84. Maio de 1967. pp. 1 a 6.
7) Claire Clouzot — Cinéma 67, n.° 116. Maio. pp. 60
a 75.
8) Mareei Martin — «La Surface des Choses». Ci­
néma 67, n.° 117. Junho. pp. 37 a 39.
9) Jean Delmas — Jeune Cinéma, n.° 24. Junho-Julho
de 1967. pp. 9 a 11.
10) César Santos Fontenla — «Una imagen es algo
mas y algo menos que una imagen». Nucstro
Cine, n.° 63. Julho de 1967. pp. 66 e 67.
I 11) Robert Benayoun — Positif, n.° 86. Julho de 196 <
pp. 26 e 27.
12) Use Losa — Diário Popular («Quinta-Feira n
1 i! ■ Tarde», n.° 550). 10 de Agosto de 1967. pp. 1 e 4.
13) Gilbert Salachas — Téléciné, n.° 134. Agosto-Se­
•T. tembro de 1967. pp. 145 e 146.
!1
176
i

: 14) Roberto Nobre — «Os Filmes ‘Difíceis’ da Pró­


xima Época». Diário Popular (Quinta-Feira a
Tarde, n.° 555). 14 de Setembro de 1967. pp. 1 e 2.
15) Jacques Bontemps — Cahiers du Cinéma, n.° 193.
! Setembro de 1967. p. 4. .
Í 16) Michel Delahaye — «L'Oeil des 3 Miroirs». Ca­
hiers du Cinéma, n.° 193. Setembro de 1967. pp.
64 e 65.
17) Roger Tailleur—«La Fausse Note». Positif, n.°
1 87. Setembro de 1967. pp. 38 a 41.
1 18) Jacqueline Lajeunesse — «La Saison Cinématogra-
phique 67». Image et Son, n.os 208-209. Setembro-
f -Outubro de 1967. pp. 24 e 25.
19) Raymond Lefèvre — Image et Son, n.° 210. No­
vembro de 1967. pp. 110 a 115.
‘ 20) Pedro Vieira de Almeida — Jornal de Letras e
S Artes, n.° 257. Novembro de 1967. pp. 18-19 e 23.
! 21) Moacy Cirne — Jornal de Letras, n.°* 211-212. No­
vembro-Dezembro de 1967. Rio de Janeiro, p. <■
22) Pierre Leroy — «Ficha n.° 476». Téléciné, n.° 137.
Dezembro de 1967. pp. 1 a 12.
23) Eduardo do Prado Coelho — Diário de Lisboa. 10
de Janeiro de 1968.
24) Vera Lagoa — «A História de uma Juventude».
Diário Popular («Quinta-Feira à Tarde», n.° 572).
18 de Janeiro de 1968. p. 11.
i 25) Vasco Santos — Plateia, n.° 364. 23 de Janeiro de
1968. p. 54. ^ , . .
26) João Gaspar Simões — «Olha o Passarinho.»
* O Primeiro de Janeiro. 23 de Janeiro de 1968. p. 5.
27) Virgílio Ferreira — «Uma Cultura de Plástico».
Diário de Lisboa. 23 de Janeiro de 1968. pp. 1 e 17;
e «Um Filme Ambíguo». Idem. 24 de Janeiro de
1968. p. 2. . _
28) Roberto Nobre — «Temas de Cinema». Diáno Po­
* j pular («Quinta-Feira à Tarde», n.° 573). 25 de
I Janeiro de 1968. pp. 1 e 2.
29) Vários — Cinema International, n.° 17. Janelro-
-Fevereiro de 1968. pp. 763 e 770-771.
C . 30) Diário Popular. 14 de Fevereiro de 1968. pp. 22
e 23.
31) Mário Dionísio — «Um Espelho Confortável».
A Capital. 21 de Fevereiro de 1968. p. 3 do
suplemento «Literatura e Arte».
!'
177
12
!
:
J
II
)
Vji !

l! 32) Júlio C. Acerete — Vértice n.° 293. Fevereiro de


1968. pp. 1:19 e 120. _


ii
i 33) Jorge da Silva Melo —«Da Critica e de Seu Ci- _
nema» O Tempo e o Modo n.°* 57-58. Fevereiro-
-Março de 1968. pp. 285 a 288.
34) Vários — Movimento, n.° 1. pp. 8 e 18 a 20.
35) Manuel de Sousa — «História de um fotógrafo
sem história». Jornal de Notícias. 8 de Março de —
A 1968. pp. 17 e 18 («Palco»). _
36) Mário Dionísio — «Segunda Vida». A Capital. 13
y de Março de 1968. p. 3 do suplemento «Literatura

:
r- ; e Arte».
37) Agustina Bessa Luís — «I Back Britain». Diário
i ■ Popular («Quinta-Feira à Tarde». n.° 581). 21 de |
Março de 1968.
í!: 38) José Vaz Pereira — «O Funcionamento da Ver­
I!
SUi
dade». Seara Nova, n.° 1469. Março de 1968.
i: 39) Carlos de Pontes Leça — Rumo, n.° 133. Março
de 1968. p. 157. _ ..
1 40) António Augusto Sales — Vértice, n.° 2^5. Abnl
de 1968. pp. 286 e 287.

11; jil:1

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178

i
I

ARISTARCO, Guido: crítico e ensaísta italiano de ci-


nema. Director da revista Cinema Nuovo. Autor
dos livros L’Arte del Film, História das Teorias do
Cinema (Arcádia), Cinema Italiano 1960, Miti e
Realtà del Cinema Italiano, e II Dissolvimento delia
Ragione. Dirigiu cursos de cinema na Universidade
de Milão. Faz também crítica para o diário La
Stampa.

BILLARD, Pierre: crítico francês de cinema. Pertence


; à Redacção da revista Cinéma 68. Faz crítica tam­
bém no semanário VExpress.

GODARD, Jean-Luc: um dos realizadores mais dis­


cutidos nos últimos anos. Dos seus filmes, apenas
dois foram projectados em Portugal até ao mo­
mento: Alphaville e Pedro, o Louco.

JACOB, Gilles: crítico e ensaísta francês de cinema.


Publicou um livro controverso: Le Cinéma Mo-
derne.

MARTIN, Mareei: crítico, ensaísta e historiador de


cinema. Membro da Redacção de Cinéma 68. Na
sua bibliografia, destaca-se um notável trabalho:
Le Language Cinématographique.

PHILIP PE, Pierre: crítico e membro da Redacção de


Cinéma 68.

REN2I, Renzo: crítico e ensaísta italiano de cinema.


Colaborador de Cinema Nuovo.
■i
OUTROS LIVROS
D E
jl
PUBLICAÇÕES
DOM QUIXOTE

CADERNOS
DE
CINEMA
2. NOVO CINEMA EUROPEU
Uma panorâmica que lança luz sobre
um «cinema» pràticamente desconhe­
cido do público português.

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CINEMA
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CADERNOS
DE
§ »
LITERATURA
i
í
5m í
coI ecção

ÍESJ
DIÁLOGO
1. A RESPONSABILIDADE
DOS INTELECTUAIS
de Noam Chomsky
Neste ensaio, Chomsky ocupa-se
das intervenções americanas na Re­
pública Dominicana, em Cuba e prin­
cipalmente no Vietname.

2. AMÉRICA LATINA
de Miguel Angel Asturias
com prefácio de Josué de Castro

Ensaios sobre aspectos fundamen­


tais da América Latina pelo escritor
guatemalteco que ganhou o Prémio
Nobel 1967.

ASSINE

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Edlç5o 1 M 49

J57sí<? Zivro foi composto e impresso


na Soc. Ind. Gráfica Telles da Silva, Ma-
Lisboa, em Outubro de 1968
'
para Publicações Dota Quixotc
Rua da Misericórdia, 117-2.° — Lisboa

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