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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FANTASIAS VAZIAS:
UM DESAFIO À CLÍNICA
PSICANALÍTICA

Autor: Ricardo Salztrager

2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
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FANTASIAS VAZIAS:
UM DESAFIO À CLÍNICA PSICANALÍTICA

Autor: Ricardo Salztrager

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teoria


Psicanalítica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Teoria Psicanalítica.

Orientadora: Regina Herzog

Rio de Janeiro
Janeiro / 2006
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FANTASIAS VAZIAS: UM DESAFIO À CLÍNICA


PSICANALÍTICA
Autor: Ricardo Salztrager
Orientadora: Regina Herzog

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Teoria


Psicanalítica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Teoria Psicanalítica.

Aprovada por:

______________________________________ - Orientadora
Presidente da Banca. Prof. Dra. Regina Herzog de Oliveira

______________________________________
Prof. Dra. Gilsa Freiblatt Tarre de Oliveira

______________________________________
Prof. Dra. Josaida de Oliveira Gondar

______________________________________
Prof. Dra. Maria Teresa da Silveira Pinheiro

______________________________________
Prof. Dra. Marta Rezende Cardoso

Rio de Janeiro
Janeiro de 2006
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FICHA CATALOGRÁFICA

Salztrager, Ricardo.
Fantasias vazias: um desafio à clínica psicanalítica/Ricardo Salztrager. -
Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGTP, 2006.
viii, 182f.; 29,7 cm.
Orientador: Regina Herzog
Tese (doutorado) – UFRJ/PPGTP/ Programa de Pós-graduação em Teoria
Psicanalítica, 2006.
Referências Bibliográficas: f. 176-182.
1. Psicologia. 2. Teoria Psicanalítica. I. Herzog, Regina. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Teoria
Psicanalítica. III. Título.
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Resumo

Fantasias vazias: um desafio à clínica psicanalítica

Autor: Ricardo Salztrager

Orientadora: Regina Herzog

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de

Doutor em Teoria Psicanalítica.

Resumo: A presente tese visa analisar o estatuto metapsicológico de uma

modalidade peculiar de fantasmatização para a qual propomos o nome de fantasias

vazias. Trata-se de fantasias conscientes, neutralizadas, anestesiadas e apartadas

das demais produções discursivas do sujeito. Para proceder a esta investigação,

estabelecemos uma analogia deste tipo de fantasia com o registro dos signos de

percepção, apresentado por Freud na "Carta 52". Em seguida, recorremos à noção

de clivagem, com o objetivo de examinar sua origem e função na dinâmica

psíquica. Para finalizar, abordamos a questão da direção do tratamento, dada a

singularidade destas produções fantasísticas que resistem ao dispositivo analítico

da interpretação e da construção.

Palavras-chave: fantasias vazias; signos de percepção; clivagem; interpretação;

psicanálise.

Rio de Janeiro

Janeiro de 2006.
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Résumé

Fantasias vazias: um desafio à clínica psicanalítica

Autor: Ricardo Salztrager

Orientadora: Regina Herzog

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de

Doutor em Teoria Psicanalítica.

Résumé: Cette thèse a pour objet l’analyse du statut métapsychologique d’une

modalité particulière de fantasmatisation que nous nommons « fantaisies vides ».

Il s’agit de fantaisies conscientes, neutralisées, anesthesiées et éloignées des autres

productions discursives du sujet. Pour effectuer cette investigation nous avons

établi une analogie de ce type de fantaisie avec le registre des signes de perception

presenté par Freud dans la « Lettre 52 ». Ensuite, nous avons fait appel à la notion

de clivage en vue d’examiner son origine et sa fonction dans la dynamique

psychique. Enfin, nos avons abordé la question de la direction de la cure, vue la

singularité de ces productions fantaisistes qui résistent au dispositif analytique de

l’interprétation et de la construction.

Clés-mots: fantaisies vides; signes de perception; clivage; interprétation;


psychanalyse.

Rio de Janeiro

Janeiro de 2006.
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Agradecimentos

A Regina Herzog, orientadora desta tese, pela dedicação e atenção dada a

mim durante a produção do trabalho. Agradeço a Regina também pelo

investimento, pela disponibilidade constante e pela consideração ao meu trabalho.

À Dra. Julia Kristeva, por ter aceitado a co-orientação da tese durante o

meu Estágio de Doutorado na Universidade Paris 7 - Denis Diderot.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Teoria

Psicanalítica, que me acompanham desde a graduação, por terem sempre se

mostrado disponíveis em auxiliar, esclarecendo minhas dúvidas durante as aulas e

também contribuindo em bibliografia para a produção da tese.

Ao grupo de pesquisa da Regina que, mediante as discussões que temos

toda semana, em muito contribuíram para que este trabalho assumisse a sua

versão final.

Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica que

sempre se mostraram abertos para a discussão das questões expostas nesta tese.

Ao amigo Tiago Ravanello, doutorando do Programa, pela leitura atenta

do segundo capítulo e pelas dicas que, em muito, ajudaram a esclarecer minhas

dúvidas a respeito da lingüística.

Aos meus pais, Helena e Davi e ao meu irmão Márcio, pelo carinho,

dedicação e investimento afetivo.

À CAPES, pelo apoio financeiro.


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Sumário

Introdução................................................................................................................ 09

Capítulo 1 – Os paradoxos da fantasia................................................................. 19


1.1. Freud e a realidade da fantasia.......................................................................... 20
1.2. A fantasia enquanto cenário narrativo............................................................... 28
1.3. A fantasia enquanto cena indizível.................................................................... 41
1.4. A fantasia enquanto cena originária.................................................................. 48
1.5. A fantasia enquanto cena anestesiada............................................................... 53
1.6. Sobre as fantasias vazias................................................................................... 58

Capítulo 2 – A questão do referencial discursivo................................................. 69


2.1. A “Carta 52” e seus desdobramentos................................................................ 70
2.2. Da cadeia significante ao referencial discursivo............................................... 83
2.3. A simbólica freudiana....................................................................................... 109

Capítulo 3 – Sobre a clivagem psíquica................................................................ 121


3.1. Do recalque à clivagem psíquica....................................................................... 122
3.2. Da clivagem psíquica às fantasias vazias.......................................................... 141
3.3. A dimensão mítica da atividade fantasmática................................................... 145

Capítulo 4 – Da desconstrução de fantasias à produção de enigmas................. 160


4.1. O fracasso da interpretação............................................................................... 161
4.2. A nomeação de fantasias................................................................................... 168
4.3. Sobre a produção de enigmas............................................................................ 172

Considerações finais................................................................................................ 182

Referências bibliográficas...................................................................................... 184


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Introdução

Mesmo se configurando como uma figura de grande relevância na clínica

psicanalítica, a fantasia possui, no pensamento freudiano, um estatuto

metapsicológico paradoxal. A dificuldade de defini-la em termos teóricos, se

deve, em grande parte, pelo amplo campo de fenômenos que ela recobre e,

também, pelas múltiplas acepções que recebeu ao longo do desenvolvimento da

psicanálise. Assim, dentre as diversas roupagens da atividade fantasística,

podemos incluir as lembranças encobridoras, os devaneios, as teorias que o sujeito

inventa sobre o seu passado, presente ou futuro, além de todas as concepções

construídas sobre si e os outros. Com efeito, o próprio discurso do sujeito é

profundamente perpassado por uma série infindável de produções fantasísticas.

Do mesmo modo, suas ações e condutas são sempre atravessadas pela atuação de

uma fantasia.

No âmbito clínico, por sua íntima articulação com o discurso, a fantasia

assume uma importância crucial. Nesta perspectiva, entendemos o convite feito ao

analisando para associar livremente durante a sessão como uma convocação para

que ele relate ao analista suas formações fantasísticas. De acordo com a regra

fundamental da psicanálise, o sujeito discorreria sobre seus castelos no ar, sobre

suas paixões e sua história, experimentando, ao longo da narrativa, os mais

diversos sentimentos, sejam eles relacionados à vergonha, ao temor ou à

satisfação. Desta forma, a fantasia merece ser considerada como uma espécie de

fio condutor do tratamento, pois é através do seu relato que o trabalho analítico se

desenvolve.
10

Acompanhando a amplitude conceitual que a figura da fantasia comporta,

encontramos, na clínica, múltiplos modos dela se manifestar: a fantasia pode

aparecer como um cenário propício à realização de desejos; sob a forma de uma

organização discursiva que visa a correção da realidade insatisfatória; ou, ainda,

como uma estrutura inconsciente subjacente à formação de um sonho, sintoma ou

criação artística. Ademais, vemos que a atividade fantasística tem um papel

fundamental no advento dos fenômenos transferenciais. Assim, durante o

tratamento, o analisando irá atualizar suas diversas produções fantasísticas com a

figura do analista, revestindo-o de acordo com seus anseios e protótipos afetivos.

Em suma, a própria realidade narrada no decorrer da análise é, em última

instância, uma realidade eminentemente fantasística. Trata-se, aqui, da realidade

do desejo, singular a cada sujeito e que rege, de modo sobredeterminado, todas as

suas formações psíquicas.

Considerando toda esta complexidade que envolve a figura da fantasia, a

presente tese tem como objetivo analisar uma modalidade bastante peculiar de

fantasmatização que vem se apresentando de forma crucial na clínica

contemporânea. Trata-se de fantasias conscientes, expressas pelo analisando com

certa naturalidade e que surgem apartadas do restante de suas produções

discursivas: “fantasiei que estava num buraco negro”. O fator marcante neste tipo

de construção fantasística remete à escassez de associações produzidas a partir de

seus relatos, parecendo impossível ao paciente ligar, por exemplo, o “buraco

negro” a quaisquer outros elementos discursivos. Também chama a atenção,

nestas fantasias, o aparente caráter de neutralidade que elas comportam; em

decorrência destes aspectos, a dificuldade de associar livremente acaba por


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dificultar o próprio trabalho de interpretação, impondo um sério obstáculo ao

processo analítico. Para investigar este tipo de formação fantasística, propomos

designá-las “fantasias vazias” ou “fantasmas vazios”1, expressão que merece ser

devidamente justificada.

O termo vazio2 será utilizado em referência a estas fantasmatizações

devido à observação clínica de que tais fantasias se mostram, antes de tudo, como

organizações psíquicas esvaziadas de uma narrativa. Ou seja, não se trataria, neste

domínio fantasístico, da constituição de uma história, romance ou teorização. Pelo

contrário, as fantasias vazias remetem à simples produção de cenas nas quais se

manifestam algumas imagens fixas e dissociadas umas das outras. Conforme

assinala Pinheiro (2002), elas também possuem uma relação bastante peculiar

com a temporalidade, na medida em que, por não se configurarem enquanto uma

história, não se reportam a uma idéia de continuidade temporal, na qual uma cena

iria se sucedendo à outra, de modo a estabelecer um vínculo de causa e efeito

entre seus elementos.

O atributo de vazio também remete a estes fantasmas na medida em que, a

partir de seus relatos, as associações livres produzidas são quase nulas, ou mesmo,

inexistentes. De fato, o analisando não consegue ligar os elementos presentes na

cena anestesiada a coisa alguma. Ademais, ele igualmente fracassa na tentativa de

mencionar a razão ou a situação específica que o levou a construir a fantasia. Em

decorrência disto, a cena anestesiada não conduz a lugar algum, a nenhuma outra

formação discursiva: ao relatar estas cenas, o discurso torna-se congelado e

1
Cabe ressaltar que, ao longo da tese, os termos “fantasma” e “fantasia” serão empregados sem
discriminação conceitual.
2
Para uma abordagem mais ampla acerca da temática do vazio no pensamento psicanalítico, ver
Herzog (1999).
12

imobilizado em torno de uma mesma frase. Enfim, tudo se passa como se

houvesse uma ruptura fundamental entre a cena inerte e as demais construções

psíquicas do sujeito.

Também é importante delimitar a freqüência com que estas fantasias se

repetem no discurso, mas sem que nenhum outro elemento lhes seja associado.

São sempre as mesmas cenas paradas e apáticas que, embora recorrentes, se

perpetuam na fala tal como relatadas pela primeira vez. Estas fantasias são

igualmente vazias de predicados, coloridos ou detalhes; enfim, de tudo o que

poderia funcionar como uma brecha para a interpretação. Da mesma forma,

símbolos e metáforas são elementos ausentes em seus conteúdos. Ademais,

conforme veremos ao longo da exposição, parece difícil detectar, em seus

domínios, uma formação desejante.

Com base nestas considerações, verificamos que, se por um lado, estas

fantasias são esvaziadas de narrativa, de associações, de afetos e de desejos, por

outro, elas consistem em formações psíquicas cujo sentido é dado de antemão.

Esta é a característica que mais nos intriga, pois o fato do relato da cena vazia soar

aos ouvidos do analista e do paciente como algo extremamente claro e não

enigmático implica em sua distinção das outras modalidades fantasísticas

abordadas pelo pensamento freudiano. De fato, no campo das fantasias vazias, a

ambigüidade e a polissemia das palavras são postas de lado e, assim, elas se

tornam absolutas e unívocas, de modo a anularem quaisquer possibilidades

metafóricas ou simbólicas. Em outros termos, estas cenas inertes não abrem

espaço para a dúvida, o vacilo ou o tropeço como se os elementos nelas presente


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estivessem atados a uma significação rígida, fixa e já manifesta no próprio

instante do relato.

Desta forma, observamos que, no domínio dos fantasmas vazios, os

elementos que aparecem na fala do sujeito sempre reenviam a eles próprios – e

não a uma formação inconsciente – o que vem a dificultar o processo de

atribuição de sentidos diversos para o discurso congelado. Segundo o nosso

entender, é este o fator que explicaria a irredutibilidade dos fantasmas vazios aos

trabalhos de associação livre e de interpretação. Por isto, devemos ressaltar que as

fantasias vazias representam um grande desafio à clínica psicanalítica, tal como

concebida em seus moldes tradicionais.

Igualmente instigante é o fato delas sempre se manifestarem no discurso

ao lado de outros fantasmas mais elaborados e frente aos quais, de certo modo, o

trabalho analítico se efetiva. No relato destes últimos, há sempre uma riqueza de

detalhes, um colorido especial ou uma narrativa que favorece a interpretação.

Contudo, no tocante às fantasias vazias, a dinâmica é completamente diferente:

sua neutralidade contrasta com a riqueza do cenário devaneativo; seu

congelamento numa única imagem anestesiada se opõe ao colorido próprio ao

romance relatado no devaneio; a univocidade de seus elementos passa à margem

da fertilidade associativa característica da narrativa propícia à realização de

desejos. Deste modo, a única semelhança observada entre uma fantasia vazia e um

devaneio, por exemplo, parece remeter à constatação de se tratarem, nestes dois

domínios, de fantasias propriamente conscientes.

Para ilustrar esta modalidade fantasística que designamos de fantasias

vazias remetemos à obra freudiana, mais especificamente, à “Análise de uma


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fobia em um menino de cinco anos (FREUD, 1910a/1995). Cabe salientar que

estamos extraindo do texto freudiano um exemplo de fantasia que não recebeu

tratamento conceitual específico, mas que atraiu nossa atenção por comportar as

mesmas características por nós assinaladas. Trata-se da cena relatada por Hans a

respeito do cavalo que possuía um estranho objeto preto na boca, objeto que o

menino não conseguia associar a qualquer outra representação. Apesar das

múltiplas tentativas de Freud e de seu pai, o menino dizia que o referido objeto

não simbolizava, de modo algum, um arreio, um bigode ou qualquer outro

elemento. Com efeito, esta cena contrastava com suas outras produções

fantasísticas que, geralmente, assumiam a forma de devaneios ou de lembranças

encobridoras; e, sempre que o trabalho associativo esbarrava neste estranho objeto

preto, o discurso de Hans, até então bastante fértil, tornava-se congelado. Do

mesmo modo, sempre que a cena retornava, as mesmas reticências se

manifestavam. A cena, em si, já era clara, não fazia enigma e se mostrava

irredutível aos esforços interpretativos.

Assim, tendo em vista a inespecificidade conceitual desta modalidade

fantasmática, o objetivo da tese é circunscrever o estatuto metapsicológico das

fantasias vazias, analisando em qual medida elas se diferem das demais estruturas

fantasmáticas apresentadas na obra freudiana. Também, partindo de sua

irredutibilidade ao trabalho interpretativo, será investigada a questão da direção do

tratamento face à singularidade destas produções fantasmáticas.

A discussão se encaminhará ao longo de quatro capítulos. No primeiro,

intitulado “Os paradoxos da fantasia”, são examinados os principais escritos

freudianos sobre a atividade fantasmática, visando delimitar as ambigüidades


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manifestas em suas concepções sobre o tema. Assim, veremos que, nestes textos,

a atividade fantasística se mostra sob diferentes roupagens, seja como aquilo que

chamaremos de cenários narrativos, de cenas indizíveis, de cenas originárias e de

cenas anestesiadas. No início de sua teorização, após o abandono da teoria da

sedução sexual (FREUD, 1897/1995), a fantasia foi privilegiada enquanto um

cenário narrativo. Trata-se aqui da fantasia historicizada, que se manifesta na

forma de relato propício à realização de desejos e corrigindo a realidade

insatisfatória. Neste contexto, delimitaremos as relações que tais fantasmatizações

possuem com a interpretação psicanalítica, na medida em que este dispositivo

clínico operaria na decomposição destes cenários narrativos, com o propósito de

trazer à tona os desejos inconscientes que os fundamentam. As lembranças

encobridoras (FREUD, 1899/1995), os devaneios (FREUD, 1908a/1995) e as

organizações inconscientes subjacentes aos sintomas neuróticos (FREUD,

1908b/1995) e às criações artísticas (FREUD, 1910b/1995) são exemplares desta

modalidade fantasmática.

Também destacaremos, no decorrer do capítulo, que estas

fantasmatizações contrastam com outras modalidades fantasísticas analisadas por

Freud no desenvolvimento de sua obra. Estas últimas podem remeter às cenas

indizíveis e às cenas originárias. Para uma investigação metapsicológica acerca

das cenas indizíveis, nossa atenção se voltará para os ensaios “Historia de uma

neurose infantil” (FREUD, 1918/1995) e “‘Uma criança é espancada’: uma

contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais” (FREUD, 1919a/1995).

Nestes artigos, a fantasia é circunscrita como o que, justamente, escapa ao

encadeamento discursivo, não consistindo numa organização psíquica passível de


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expressão por meio da fala. Assim, no tocante a tais fantasmatizações, restaria ao

trabalho analítico a tarefa de construí-las. Já no campo das cenas originárias,

teríamos fantasmatizações reportadas às temáticas da sedução, da castração e da

cena primária (FREUD, 1917b/1995): fantasias que, remetidas a um acervo

filogenético, estruturam toda a vida fantasmática do sujeito. Para finalizar,

veremos que, na obra de Freud, a fantasia também pode se apresentar enquanto

uma cena anestesiada. Nesta oportunidade, propomos retomar a fantasia

neutralizada do Pequeno Hans (FREUD, 1910a/1995) – a do estranho objeto preto

ao redor da boca do cavalo – com o propósito de examinar sua analogia com o que

designamos por fantasias vazias.

No segundo capítulo “A questão do referencial discursivo” trabalharemos

alguns aspectos que vão possibilitar a circunscrição do estatuto metapsicológico

dos fantasmas vazios. Primeiramente, apresentaremos o modelo de aparelho

psíquico arquitetado por Freud (1896a/1995) na “Carta 52” ; em especial, no que

diz respeito ao contraste entre os signos de percepção e os registros da

inconsciência e da pré-consciência. Deste modo, será elaborada uma discussão

que conduza à associação das fantasias vazias com o registro mnêmico dos signos

de percepção. Nesta perspectiva, as fantasias em questão seriam consideradas

enquanto uma formação psíquica que escapa ao domínio significante, sendo, desta

maneira, configurada enquanto uma escritura eminentemente cifrada e ainda

estranha à organização narrativa propriamente dita. Em seguida, retomaremos o

ensaio “Contribuição à concepção das afasias” (FREUD, 1891/1987), com o

propósito de explicar o estranho fato de, nesta modalidade fantasística, as palavras

serem unívocas, não ambíguas e de sempre reenviarem a si próprias. Nesta


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perspectiva, veremos que seus elementos comportam-se, na fala do sujeito, como

aquilo que denominaremos de referenciais discursivos. De acordo com nossa

proposta, a nomenclatura de referenciais discursivos servirá para designar alguns

elementos do discurso cujas significações são unívocas, diretas e passam à

margem do processo de formação simbólica. Conforme veremos, tal designação

servirá para evitar o equívoco de conceber estes elementos fantasísticos como

reportados seja a um referente concreto, seja a um referente idealizado.

No terceiro capítulo, intitulado “Sobre a clivagem psíquica”,

investigaremos a questão do mecanismo psíquico responsável pela formação dos

fantasmas vazios através de algumas considerações acerca da noção de clivagem,

tal como pensada por Freud e por Ferenczi. Com esta noção, pretendemos mostrar

que as cenas anestesiadas se perpetuam no discurso do sujeito sem jamais serem

tocadas pelas outras fantasmatizações de cunho narrativo. Dando prosseguimento

à argumentação, nos voltaremos para o exame das figuras da incorporação e da

cripta, presentes na obra de Nicolas Abraham e Maria Torok, visando analisar o

modo peculiar através do qual a figura da fantasia se manifesta no pensamento

destes autores. Trata-se, para eles, de uma estrutura situada para além dos jogos

metafóricos e metonímicos na qual os diversos elementos parecem não consistir

em substitutos simbólicos de algo recalcado. Por estes fatores, será proposta sua

analogia com os fantasmas vazios. Com base nesta discussão, efetuaremos uma

investigação acerca da dimensão mítica própria à atividade fantasmática, o que

levará a conclusão de ser justamente esta vertente que falta aos fantasmas vazios,

o que os distinguiria dos devaneios e das lembranças encobridoras.


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Já no último capítulo, intitulado “Da desconstrução de fantasias à

produção de enigmas”, partimos da irredutibilidade dos fantasmas vazios à

interpretação psicanalítica, para investigar outros artifícios de intervenção clínica.

Retomaremos o contraste existente entre os devaneios e os fantasmas vazios para

explicitar em qual medida a interpretação psicanalítica se exerce frente aos

primeiros e vacila face aos segundos. Nesta medida, será discutido o artifício

clínico proposto por Kristeva (2002) referente à nomeação de fantasias no caso

Didier, paciente cujo discurso neutralizado e desafetado funcionava como uma

espécie de limite aos esforços analíticos. Mesmo considerando não se tratar,

exatamente, de um extrato clínico paradigmático daquilo que denominamos de

fantasias vazias, esta discussão será útil para delimitarmos a importância da

produção de enigmas no decorrer do tratamento analítico. Segundo nosso

entender, a estratégia clínica de produzir enigmas viabilizaria a promoção da

dimensão eminentemente mítica dos fantasmas vazios, permitindo ao sujeito em

análise o trabalho de elaboração psíquica de suas fantasias neutralizadas. Esta

discussão será ilustrada por uma releitura do caso clínico do Pequeno Hans

(FREUD, 1910a/1995), com o objetivo de mostrar em qual medida a produção de

enigmas possibilitou o resgate, e a conseqüente apropriação, de sua fantasia

neutralizada pelos cenários narrativos fantasísticos.


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Capítulo 1 – Os paradoxos da fantasia

Tendo em vista o objetivo de circunscrever o estatuto metapsicológico das

fantasias vazias, a proposta deste primeiro capítulo é analisar os escritos

freudianos que tratam da questão da atividade fantasmática, a fim de lançar alguns

subsídios que auxiliem em nossos propósitos.

De um modo geral, a figura da fantasia possui, no pensamento

psicanalítico, um estatuto de difícil precisão teórica. Ou seja, naquilo que Freud

designa por atividade fantasística, podem incluir-se as lembranças encobridoras

(FREUD, 1899/1995), os devaneios que expressam de maneira deformada o

material recalcado (FREUD, 1908a/1995), e as organizações inconscientes

subjacentes aos sintomas neuróticos (FREUD, 1908b/1995) e às criações artísticas

(FREUD, 1910b/1995). É sobre tais formações fantasmáticas que nos

debruçaremos no início do capítulo, visando delimitar que, apesar das diferenças

em suas situações topográficas, todas elas possuem a característica comum de se

manifestarem enquanto cenários narrativos. Ou seja, é através delas que o sujeito

pode falar, por exemplo, sobre seus desejos, sua história de vida ou seus planos

futuros. Em seguida, será exposto que tais manifestações fantasísticas contrastam

com aquelas que, paradoxalmente, se configuram enquanto um conjunto de cenas

indizíveis. Incluem-se aí o fantasma de cena primária do Homem dos lobos

(FREUD, 1918/1995) bem como o segundo tempo da fantasia de espancamento

(FREUD, 1919a/1995). Estes não são passíveis de expressão por intermédio da

fala e, por isso, merecem ser considerados como espécies de resíduos da atividade

psíquica. Uma terceira forma de presentificação da atividade fantasmática aponta

para as cenas originárias (FREUD, 1917b/1995), tidas como esquemas


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filogeneticamente adquiridos e que, assim, estruturam e organizam todas as

produções fantasísticas do sujeito. Para Freud, são três as formações fantasísticas

originárias: fantasia de sedução, fantasia de castração e fantasia da cena primária.

Por fim, consideramos que a atividade fantasística também abrange, no

pensamento freudiano, um conjunto de cenas anestesiadas que, embora manifestas

no discurso subjetivo, não se vinculam a nenhuma formação desejante recalcada.

Conforme veremos, estas últimas resistem ao trabalho de associação livre e à

interpretação psicanalítica e, em muito, se assemelham ao que designamos de

fantasias vazias.

A discussão acerca dos paradoxos da figura da fantasia na obra freudiana

se encaminhará rumo ao estabelecimento de um contraste entre estas múltiplas

acepções – a fantasia enquanto um cenário narrativo, cena indizível, cena

originária e cena anestesiada – para que, finalmente, possamos delimitar em qual

medida elas contribuem para o propósito de circunscrever o estatuto

metapsicológico dos fantasmas vazios.

No entanto, antes de entrarmos diretamente nesta investigação proponho,

num primeiro momento, voltarmos nosso interesse para os motivos que

respondem pela importância da figura da fantasia no pensamento psicanalítico.

1.1. Freud e a realidade da fantasia

A figura da fantasia está intimamente ligada, nos textos freudianos, ao conceito de

realidade psíquica. Trata-se, nesta última, da própria realidade do desejo, da

realidade operante no aparelho psíquico e que, assim, predomina no mundo das

neuroses e justifica a produção dos sintomas (LAPLANCHE & PONTALIS,


21

1998). Neste aspecto, a realidade psíquica deve ser associada àquilo que a língua

alemã designa por Wirklichkeit, ou seja, uma realidade efetiva e construída e que,

deste modo, se opõe à Realität, esta referente a um dado objetivo específico e ao

próprio mundo material3.

Com efeito, a postulação do conceito de realidade psíquica só se deu no

livro “A interpretação de sonhos” (FREUD, 1900/1995). Antes disto, foi

necessário a Freud percorrer um longo caminho, repleto de volteios e percalços

com respeito a quais os fatores determinantes na causação de uma neurose. Um

retorno às publicações pré-psicanalíticas nos leva à conclusão de que apenas

quando se deu a percepção das limitações da teoria da sedução sexual (FREUD,

1897/1995) – teoria que focalizava a função da realidade material na formação

dos sintomas histéricos – é que foi possível ao pensamento freudiano destacar a

importância da realidade fantasmática na dinâmica de funcionamento do aparato

psíquico. Nesta perspectiva, faz-se necessário descrever de que modo,

gradativamente, a fantasia passou a assumir um lugar de relevo na clínica

freudiana.

A teoria da sedução sexual – elaborada, em sua forma definitiva, no artigo

“Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (FREUD,

1896b/1995) – foi o primeiro modelo teórico construído na tentativa de esclarecer

a etiologia das neuroses. De acordo com tal concepção, os sintomas se tornariam

inteligíveis na medida em que fossem considerados como conseqüências de uma

cena na qual uma criança era seduzida por um adulto. O acontecimento em

questão seria interiorizado pela criança na forma de um corpo estranho, ou seja,

3
Para maiores detalhes acerca da distinção dos termos “Wirklichkeit” e “Realität” na língua alemã,
remeto a Garcia-Roza (1996).
22

uma marca mnêmica não dotada de significação traumática, até que uma segunda

cena, ocorrida na puberdade, a evocasse mediante alguns traços associativos.

Somente neste segundo instante, o momento do trauma propriamente dito, o

caráter sexual é fornecido à lembrança da sedução, fazendo derivar o processo de

recalcamento.

Em suma, o recalque foi circunscrito, nestes primórdios do pensamento

psicanalítico, como um mecanismo de defesa patológico aplicado a representações

sexuais que provocassem um sentimento de desprazer. Posto em prática contra a

evocação da lembrança da cena de sedução, o procedimento em questão teria o

objetivo de mantê-la o mais afastada possível da consciência. No caso da histeria,

o afeto ligado à representação intolerável desloca-se para o corpo do sujeito,

dando origem aos sintomas conversivos (FREUD, 1896b/1995).

Contudo, em pouco tempo, Freud (1897/1995) percebe as limitações da

teoria da sedução sexual revelando, ao longo da “Carta 69”, os diversos fatores

responsáveis pelo abandono destas hipóteses iniciais. O primeiro argumento diz

respeito à dificuldade de conduzir algumas análises até a rememoração do evento

patogênico. Tal fator foi reforçado pelos resultados obtidos com o tratamento de

psicóticos nos quais, a princípio, o inconsciente parecia mais acessível e, ainda

assim, a recordação não ocorria. Ademais, para que sua teoria tivesse consistência,

seria necessário supor um número imenso de adultos perversos na sociedade. No

entanto, dentre todos os argumentos, o que mais interessa ao presente estudo

concerne, segundo suas palavras, à “descoberta comprovada de que, no

inconsciente, não há indicações de realidade, de modo que não se consegue


23

distinguir entre a verdade e a ficção que é investida com afeto” (FREUD,

1897/1995, p. 310).

De fato, a hipótese de o inconsciente desprezar, por completo, os signos de

realidade enviados ao aparelho psíquico já vinha se insinuando há algum tempo

em seu pensamento, principalmente, a partir da construção do modelo da vivência

de satisfação, sistematizado ao longo do “Projeto para uma psicologia científica”

(FREUD, 1895/1995). No ensaio em questão, Freud menciona o caso de um

recém nascido que tenta suprimir a estimulação de fome por intermédio de

respostas motoras, tais como o choro e o agito dos membros. Estas respostas, no

entanto, não produzem o alívio desejado, sobretudo, por ainda persistir a

estimulação desagradável. A eliminação do desprazer só é obtida mediante a

realização de uma ação específica, neste caso, a mãe lhe fornecendo o alimento.

Ao momento mítico de supressão da tensão pela ação específica, Freud denomina

vivência de satisfação.

Com o alívio da tensão, se estabelece no sistema uma facilitação entre os

neurônios que correspondem à lembrança do seio e os que foram informados da

descarga pela ação específica. Conseqüentemente, em virtude do caminho

facilitado no sistema neuronal, o reaparecimento do estado de desejo provoca em

um impulso que reinveste a lembrança do seio. Neste segundo momento, a

satisfação não é alcançada, pois a situação tem como resultado uma alucinação.

Freud (1895/1995) designa por processo primário, o funcionamento em que,

partindo da estimulação desagradável, culmina na alucinação do objeto desejado.

A frustração obtida pela via alucinatória provoca o surgimento dos

processos psíquicos secundários, possibilitados pelo advento de uma organização


24

em denominada ich (eu), que tem por função a inibição da regressão, caso o

objeto desejado não se encontre presente no mundo externo. Ou seja, a percepção

do seio excita os neurônios , provocando uma descarga neste sistema neuronal

que, por sua vez, funciona como um signo de realidade para Assim, estes

conseguirão distinguir entre o objeto real e o objeto representado, e efetuar uma

descarga mais segura da excitação (FREUD, 1895/1995)4.

De acordo com o modelo em questão, verificamos que o desconhecimento

das indicações de realidade, por parte do inconsciente, desencadeia um modo de

funcionamento bastante peculiar a este sistema: é plausível que uma formação

originada no inconsciente possa ser tida como pertencente à realidade material.

Foi, justamente, com base nesta argumentação que a questão da autenticidade da

cena de sedução se tornou problematizada. Por conseguinte, Freud (1897/1995)

contrapôs a possibilidade de uma fantasia produzir, na vida subjetiva, os mesmos

efeitos de uma cena real.

Quando a temática do funcionamento do sistema inconsciente é retomada,

anos mais tarde, no artigo “Formulações sobre os dois princípios do

funcionamento mental”, Freud (1911/1995) faz a seguinte afirmação:

“A característica mais estranha dos processos inconscientes (recalcados), à qual


nenhum pesquisador se pode acostumar sem o exercício de grande autodisciplina,
deve-se ao seu inteiro desprezo pelo teste de realidade; eles equiparam a realidade
do pensamento com a realidade externa e os desejos com sua realização – com o
fato – tal como acontece automaticamente sob o domínio do antigo princípio de

4
Deste modo, tanto os processos primários quanto os processos secundários são inconscientes, por
estarem atrelados ao sistema de neurônios. Contudo, cabe ressaltar que numa revisão da
questão, apresentada no livro “A interpretação de sonhos”, Freud (1900/1995) relaciona as funções
de alucinação de rastreamento da realidade a dois sistemas psíquicos distintos, a saber, o
inconsciente e o pré-consciente/consciente, respectivamente.
25

prazer. Daí a dificuldade de distinguir fantasias inconscientes de lembranças que se


tornaram inconscientes. Mas nunca os devemos permitir ser levados erradamente a
aplicar os padrões da realidade a estruturas psíquicas recalcadas e, talvez, por causa
disso, a menosprezar a importância das fantasias na formação dos sintomas sob o
pretexto de elas não serem realidades” (FREUD, 1911/1995, p. 243).

A configuração da cena de sedução enquanto efeito de construções

fantasmáticas forneceu à figura da fantasia um lugar de destaque no pensamento

psicanalítico. Nesta perspectiva, a atividade fantasística foi circunscrita,

inicialmente, como um artifício do qual o sujeito dispõe para dissimular as

diversas manifestações da sexualidade infantil. No contexto da sedução, por

exemplo, uma fantasia masturbatória é convertida em lembrança real, mascarando

uma atividade sexual espontânea mediante uma cena de passividade frente a um

adulto (FREUD, 1906/1995). Portanto, subjacente às construções fantasmáticas

estaria, em toda a sua amplitude, a vida sexual de uma criança imersa em seus

amores edipianos, sendo a interpretação da fantasia necessária para, justamente,

trazer à consciência as diversas situações experimentadas pelo sujeito em sua mais

primitiva infância, sob o pano de fundo de seus complexos infantis.

Este deslocamento clínico conduziu Freud no caminho de suas grandes

elaborações teóricas. Assim, pressupondo que a fantasia de sedução seria uma

produção inconsciente, tornou-se inevitável examinar o funcionamento do

aparato, visando destacar o mecanismo que respondesse pela construção destas

fantasias. Tal investigação culminou na construção da primeira tópica (FREUD,

1900/1995), com a postulação de um inconsciente sistematizado, ou seja, um

espaço psíquico dotado de características e funcionamento próprios. As múltiplas

análises empreendidas acerca dos sonhos e sintomas neuróticos levaram à


26

postulação de que o inconsciente é a base fundamental de todos os mecanismos

psíquicos, restando à consciência a mera função de percepção seja dos processos

do mundo externo, seja dos sentimentos de prazer e desprazer. De acordo com a

passagem a seguir:

“O inconsciente é a base geral da vida psíquica. O inconsciente é a esfera mais


ampla, que inclui em si a esfera menor da consciência. Tudo o que é consciente
tem um estágio preliminar inconsciente, ao passo que aquilo que é inconsciente
pode permanecer nesse estágio e, não obstante, reclamar que lhe seja atribuído o
valor pleno de um processo psíquico. O inconsciente é a verdadeira realidade
psíquica; em sua natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido quanto a
realidade do mundo externo, e é tão incompletamente apresentado pelos dados da
consciência quanto o é o mundo externo pelas comunicações de nossos órgãos
sensoriais” (FREUD, 1900/1995, p. 637, grifo do autor).

Deste modo, a postulação de uma realidade psíquica implicou num

deslocamento fundamental na clínica psicanalítica na medida em que esta deveria

operar, tal como os processos inconscientes, com base na suspensão do

julgamento de realidade. Por exemplo, para a psicanálise pouco importa se um

determinado paciente realmente vivenciou as diversas experiências narradas

durante o tratamento pois, no que tange ao estabelecimento de um sintoma, a

realidade psíquica vigora como realidade decisiva. Conforme apresentado no

ensaio “Totem e tabu”, Freud (1913/1995) considera errôneo remontar o

sentimento de culpa de um neurótico obsessivo a um malfeito real, pois é

perfeitamente plausível que o sujeito seja acometido de uma culpa exacerbada,

mesmo comportando-se socialmente como alguém altamente escrupuloso e


27

respeitável. Neste caso, um simples desejo infantil de morte dos seus semelhantes,

ainda ativo no inconsciente, basta para despontar o sentimento de culpa.

Com base nestes pressupostos, verificamos que a realidade em jogo nas

neuroses é a realidade do desejo: o desejo inconsciente, ao ser encenado numa

determinada fantasia, adquire o potencial de inventar a própria realidade psíquica

regendo, de forma crucial, todas as produções subjetivas5. Em outros termos,

trata-se de considerar que o pensamento psicanalítico atribui ao desejo

inconsciente o poder de criação de uma realidade própria ao sujeito; uma

realidade fantasmática que é construída, justamente, para servir à satisfação de

seus impulsos mais desconhecidos. De acordo com a famosa metáfora, o desejo

inconsciente se configura como o verdadeiro motor de todas as produções do

aparelho psíquico, estabelecendo-se como o capitalista do sonho, ou seja, como

aquele que dispõe da energia psíquica necessária e suficiente para o acionamento

do aparato (FREUD, 1900/1995).

São, portanto, estes os fatores que respondem pela importância da figura

da fantasia no pensamento freudiano. Articulada ao desejo inconsciente e à

realidade psíquica, a atividade fantasmática vai sendo, cada vez mais, privilegiada

na clínica psicanalítica, passando a ganhar um lugar de destaque na

metapsicologia freudiana. Foi, justamente, por ter em vista o papel fundamental

desempenhado pela fantasia no mecanismo de estruturação dos sonhos, sintomas

neuróticos e demais produções psíquicas, que Freud se debruçou, ao longo dos

primeiros anos de sua obra, sobre uma investigação teórico-conceitual da

atividade fantasmática. Nesta perspectiva, os principais escritos desta época – de

5
Para maiores detalhes a respeito desta questão, remeto a Herzog (2001).
28

1899 a 1914 – que versavam sobre a função da fantasia na dinâmica de

funcionamento do aparelho psíquico, explicitavam suas articulações com a

temática do recalque, com a divisão topográfica do aparato e com o primado do

princípio de prazer.

Passemos, então, a uma análise destes escritos nos quais a fantasia se

manifesta, basicamente, enquanto um cenário narrativo.

1.2. A fantasia enquanto cenário narrativo

Como o analista pode obter o conhecimento necessário desta realidade psíquica,

efetiva e singular a cada um de seus pacientes? De quais artifícios clínicos ele

dispõe para trazer à tona o desejo inconsciente que se liga às construções

fantasmáticas de seus analisandos?

Para estas questões, Freud (1905c/1995) fornece a seguinte resposta: o

analista deve fazer com que o paciente fale acerca de si mesmo. Mas, nesta

perspectiva, cabe indagar: o que vem a ser este convite à livre associação senão a

convocação para que o paciente discorra sobre as suas mais variadas

fantasmatizações?

Com efeito, no processo de associação livre, o paciente fala de seus

devaneios, das lembranças encobridoras referentes a eventos infantis, dos diversos

romances e teorias inventados sobre si e sobre a realidade circundante, além das

concepções arquitetadas acerca do seu passado, presente ou futuro. Cabe à

interpretação psicanalítica a desmontagem destes circuitos fantasmáticos, em

vistas de exprimir o desejo inconsciente subjacente a toda e qualquer construção

fantasística deste gênero. Ou seja, considerando o discurso do sujeito em análise


29

como um conjunto de enunciados eminentemente fantasmáticos, o artifício da

interpretação permite ao analista, partindo de tais enunciados, chegar ao desejo

inconsciente que os fundamenta. Para tal, é necessário operar a decomposição dos

elementos presentes no discurso subjetivo, desconstruindo o conjunto de teorias

arquitetadas sobre si e sobre a realidade circundante, a fim de conceder a devida

expressão aos desejos recalcados (FREUD, 1905c/1995).

Nestes termos, a interpretação psicanalítica consiste basicamente na

decomposição incessante de produções fantasmáticas que, em si mesmas, já são

interpretações, fornecidas pelo próprio sujeito em análise, para as mais variadas

experiências de sua vida. Desta forma, não haveria um símbolo primário,

totalmente purificado e isento de qualquer apreciação subjetiva que se oferece à

interpretação psicanalítica, sendo todos os elementos da cadeia associativa tidos

como interpretações de outros elementos, e assim por diante. Nesta perspectiva,

devemos atentar para o pano de fundo de violência sobre o qual a interpretação

psicanalítica se exerce, na medida em que ela se apodera de uma construção

fantasmática já pronta, com o objetivo de destroçá-la e arruiná-la, para que uma

outra fantasia seja recomposta (FOUCAULT, 1987).

Entretanto, é necessário também destacar que, para se operar de modo

eficaz, a interpretação deve necessariamente vencer alguns obstáculos. Neste

contexto, Freud (1914a/1995) coloca a necessidade de diminuir a força das

resistências oferecidas pelo sujeito em análise, resistências que teriam por função

proteger, ao máximo, o eu do desejo inconsciente propulsor das fantasmatizações

em questão. Tal modalidade de resistência se presentifica na medida em que, após

o processo de recalque, o eu ainda se vê na obrigação de empregar um certo


30

dispêndio de energia psíquica, com o propósito de manter o recalque e de impedir

o acesso dos impulsos inconscientes na consciência.

Com base nestes pressupostos, cabe destacar que as formações

fantasísticas consistem em estruturas passíveis de interpretação pelo procedimento

analítico por se fazer presente, em seus conteúdos, uma série de entrelinhas,

equívocos e contradições6. Deste modo, as lacunas evidenciadas no discurso

neurótico funcionam como espécies de brechas a serem privilegiadas pelo

procedimento analítico, com a finalidade de percorrer a trama de pensamentos

inconscientes, subjacentes aos enunciados do paciente.

Lembranças encobridoras, devaneios, concepções acerca do futuro: todas

estas formas de presentificação da atividade fantasmática relatadas no processo de

associação livre se configuram enquanto cenários narrativos propriamente ditos7.

Quando decompostas pelo artifício da interpretação, algumas outras fantasias, que

em virtude de seu conteúdo ameaçador se tornaram inconscientes, são também

trazidas à tona. Mas, pode-se dizer que, apesar desta diferença topográfica, todas

estas construções fantasmáticas se apresentam enquanto estruturas passíveis de

ordenação e expressão por intermédio da fala. É justamente esta a característica

comum às manifestações fantasísticas estudadas por Freud nos primeiros quinze

anos de sua elaboração teórica. Com base nestes pressupostos, passemos ao

exame destas diversas modalidades fantasmáticas.

A primeira modalidade fantasística analisada por Freud é a lembrança

encobridora (FREUD, 1899/1995). A investigação sobre este gênero fantasmático

tem como ponto de partida a observação de que as mais remotas recordações de


6
Para maiores detalhes, remeto a Pinheiro (2002).
7
As relações destes cenários narrativos com a interpretação e com a associação livre serão
retomadas em outros momentos da tese. Ver, por exemplo, a primeira seção do quarto capítulo.
31

seus pacientes se referem a eventos infantis irrelevantes e, portanto,

aparentemente nada justificaria sua retenção na memória. O encaminhamento

teórico elaborado para esclarecer tal paradoxo culmina na proposta de considerar

estas recordações como lembranças encobridoras, ou seja, como produções

fantasísticas erigidas para, justamente, ocultar o que foi de suma importância na

história do sujeito.

Assim, a confecção de uma lembrança encobridora é resultante de um

mecanismo de distorção dos traços mnêmicos referentes à cena original e

relevante para o sujeito. Duas forças psíquicas antagônicas interagem no processo:

uma que impõe a fixação dos traços na memória consciente e outra que resiste a

tal propósito. Resulta deste conflito uma conciliação entre as duas exigências

contrárias, de modo que uma cena suficientemente distorcida, por intermédio de

condensações e deslocamentos, ascende à consciência (FREUD, 1899/1995).

Deste modo, Freud (1899/1995) pressupõe que as impressões advindas da

realidade material jamais sobrevivem na memória do sujeito da maneira tal como

elas foram percebidas. Pelo contrário, o processamento de uma lembrança é

fatalmente contaminado pela atuação do aparelho psíquico, que dissimula os

dados materiais, mediante a reelaboração e reorganização das impressões

referentes à realidade. Nesta medida, a atividade fantasmática, manifesta na

clínica na forma de lembranças encobridoras, possui um estatuto metapsicológico

semelhante ao de uma formação de compromisso.

Visando ilustrar suas elaborações teóricas, Freud (1899/1995) se volta para

a análise de uma cena aparentemente irrelevante de sua infância que, no entanto,

permaneceu gravada na memória. A cena se passa num relvado onde ele, um


32

primo e uma prima estão colhendo diversos ramos de flores amarelas. Quando,

num dado momento, Freud arranca as flores da mão da prima, esta se põe a chorar

e, como consolo, lhe é oferecido um pedaço de pão pela governanta. A fim de

também receber o pedaço de pão, os dois meninos escondem suas flores.

Com o objetivo de apreender o verdadeiro significado da cena em questão,

Freud é remetido à outra recordação datada de seus dezessete anos, na qual se dá

um retorno à terra natal. Nesta viagem, ele se apaixona por uma jovem, passando

o restante da viagem a fantasiar acerca de um possível casamento. De fato,

morando ao lado dela no campo, poderia provar diariamente o gosto do pão que é

produzido no interior. Entretanto, o que mais lhe chama atenção nesta viagem é a

lembrança do primeiro encontro com a moça, no qual ela trajava um vestido

amarelo. As associações prosseguem com outra recordação, agora datada dos

vinte anos, quando volta novamente para o interior e reencontra a prima que

estava presente na lembrança encobridora. Neste segundo momento, Freud é mais

uma vez tomado por devaneios, agora concernentes a um plano de casamento com

a prima, arquitetado minuciosamente pelo pai e pelo tio (FREUD, 1899/1995).

Com base nestas associações, Freud (1899/1995) conclui que a cena

infantil, na qual as flores da prima são arrebatadas, representa uma dissimulação

de um desejo inconsciente de defloramento, tanto da prima, quanto da outra

jovem, sendo a lembrança encobridora construída para, justamente, atender à

satisfação deste desejo. Trata-se, em outros termos, de uma construção

fantasmática que, apesar de servir de cenário à realização de um desejo recalcado,

consegue ascender à consciência, por simbolizá-lo de maneira disfarçada. A


33

necessidade de oferecer um disfarce às impressões da infância se faz presente em

virtude de suas associações com o desejo sexual recalcado.

A temática da fantasia é retomada no livro “A interpretação de sonhos”, no

qual Freud (1900/1995) esboça uma primeira distinção concernente à sua situação

topográfica. De acordo com o encaminhamento proposto, a atividade fantasmática

se manifesta, em primeiro lugar, sob a forma de devaneios. Ou seja, cenas e

romances inventados pelo sujeito são também apresentados como formações de

compromisso, expressando o material recalcado de maneira deformada para

conseguir o acesso à consciência. Por outro lado, a fantasia também se configura

como uma estrutura inconsciente, devendo assim permanecer, em virtude de seu

conteúdo ameaçador. Freud declara que ambas possuem um papel crucial no

mecanismo de formação dos sonhos: enquanto as fantasias inconscientes

encontram-se atreladas ao desejo instigador do sonho, os devaneios são utilizados

pelo trabalho de elaboração secundária, servindo como um importante recurso

para a finalidade de fornecer uma fachada inteligível aos sonhos.

Estas duas formas de presentificação da atividade fantasmática no aparelho

psíquico são objetos de uma análise mais detalhada em alguns escritos posteriores

da obra freudiana. No artigo “Escritores criativos e devaneio”, por exemplo, Freud

(1908a/1995) focaliza a vertente consciente da fantasia circunscrevendo-a, em

linhas gerais, como uma atividade imaginativa que visa à correção da realidade

insatisfatória. O devaneio é, neste sentido, uma produção psíquica que fornece o

suporte necessário para o sujeito retirar seus investimentos libidinais do mundo

externo, rearrumando-o de modo tal que propicie a satisfação dos desejos

inconscientes. Desta maneira, o objetivo do devanear é a obtenção de um prazer


34

que a realidade material, com todas as suas limitações e privações, não

proporciona.

A discussão se inicia com a comparação entre as atividades do brincar e do

devanear, mediante a constatação de que ambas objetivam a criação de uma

realidade própria ao sujeito a partir do rearranjo dos elementos da realidade

material. As duas realizações são impulsionadas por um desejo insatisfeito, mas

diferem quanto à natureza e conteúdo deste desejo: enquanto no brincar, trata-se

do anseio inofensivo de se tornar adulto, os devaneios funcionam como uma

espécie de cenário para a realização de um desejo recalcado e vinculado à

sexualidade infantil (FREUD, 1908a/1995).

Ainda com respeito à articulação entre o brincar e o devanear, Freud

(1908a/1995) postula que o sujeito jamais consegue renunciar a uma satisfação

outrora experimentada; só lhe é possível, apenas, substituir uma atividade

prazerosa por outra. Ou seja, o homem adulto troca a satisfação que obtinha ao

brincar pelo prazer de devanear, passando a construir seus romances e castelos no

ar, tomando suas fantasias como seus bens mais íntimos e investindo nelas uma

grande quantidade de emoção. No entanto, ao contrário da criança que brinca, o

adulto faz questão de esconder seus fantasmas dos outros, e isto, em virtude dos

desejos ameaçadores que impulsionam seus devaneios.

O estabelecimento do devaneio enquanto a atividade psíquica encarregada

de corrigir a realidade frustradora conduziu Freud (1908a/1995) à polêmica

afirmação de que “a pessoa feliz nunca fantasia, somente a insatisfeita” (p. 137).

Deixando de lado a controvérsia passível de ser gerada por tal afirmação8,

8
Principalmente, se tivermos em mente o fato de que, para o pensamento psicanalítico, não há
sujeito plenamente satisfeito.
35

podemos ainda examinar uma outra característica importante da atividade

devaneativa. De fato, Freud postula que o devaneio conduz o sujeito à

revivescência de um estado mítico de sua história – analisado de modo mais

abrangente no artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução” (FREUD,

1914b/1995) – no qual ele tivera, supostamente, todos os seus desejos realizados.

Trata-se de um fenômeno eminentemente narcísico no qual a criança – que,

segundo as fantasias parentais é situada enquanto “Sua Majestade, o bebê” –

poderá realizar todos os desejos que os pais tiveram de abandonar ao longo da

vida. Assim, não haveria limites para a criança, bem como restrições às suas

vontades, de modo a promover a ilusão de que o mundo inteiro pode ser

modificado a seu bel prazer. De acordo com o desejo dos pais, é considerado que,

por exemplo, o menino se tornará um grande homem e um herói no lugar do pai;

já a menina se casará com um príncipe para compensar as frustrações de sua mãe9.

Por este viés, Freud (1908a/1995) indica que o devaneio nada mais é do

que um retorno fantasmático para esta condição narcísica. Isto porque, no

devaneio, o próprio sujeito, tido como o personagem principal do romance, por

muitas vezes se imagina como um verdadeiro herói: ele parece estar protegido por

uma espécie de Providência especial; todas as atenções lhes são dirigidas; nada de

mal lhe acontece, ou se acontece, é em virtude de um desejo inconsciente; ele é

invulnerável aos perigos enfrentados; todas as personagens femininas por ele se

apaixonam; e, enfim, os outros personagens bons do devaneio lhes são aliados,

enquanto que os maus são tidos como inimigos ou rivais.

9
O modelo da “Sua majestade, o bebê” (FREUD, 1914b/1995) é de suma importância para esta
tese e será retomado adiante, na última seção do terceiro capítulo.
36

Também é mencionado que a produção de devaneios se dá de forma

constante no decorrer da vida subjetiva. Em outros termos, os devaneios não se

constituem enquanto estruturas inalteráveis; pelo contrário, a cada nova frustração

com a qual o sujeito se defronta, um novo devaneio é erigido com o propósito de

ocasionar a realização do desejo insatisfeito.

Em respeito às relações da atividade devaneativa com o tempo, Freud

(1908a/1995) assinala que o devaneio é uma produção psíquica que articula o

passado, o presente e o futuro. Nesta perspectiva, a motivação para sua

constituição encontra-se no presente, tempo no qual uma determinada impressão

desperta um desejo do sujeito. Deste ponto, retrocede ao passado, época na qual

este desejo fora realizado. Por fim, produz-se uma cena futura que representa,

justamente, a realização do desejo. De acordo com suas palavras: no devaneio, “o

passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo que os une”

(FREUD, 1908a/1995, p. 138). O exemplo fornecido é o de um pobre órfão que,

ao procurar emprego numa determinada firma, fantasia que consegue o trabalho,

torna-se indispensável e amado para o seu chefe que, assim, entrega-lhe a mão de

sua filha em casamento. Segundo Freud (1908a/1995), com o desfecho deste

devaneio, o órfão revivenciaria o lar protetor que tivera na infância, bem como o

amor que lhe fora depositado pelos pais.

Já a vertente inconsciente da atividade fantasmática é analisada em outros

artigos desta mesma época. Nestes, ela é considerada, de modo geral, como uma

espécie de solo comum tanto à criação artística quanto à formação dos sintomas.

Ou seja, por um lado, as fantasias inconscientes constituem as verdadeiras fontes

através das quais os artistas retiram a inspiração para a confecção de suas obras.
37

Em contrapartida, caso o sujeito não consiga sublimar a libido, as fantasias podem

se tornar profusas e poderosas, dando origem aos diversos transtornos neuróticos.

O mecanismo de formação sintomática a partir de uma fantasia

inconsciente é discutido, de maneira mais abrangente, no artigo “Fantasias

histéricas e sua relação com a bissexualidade”, no qual Freud (1908b/1995)

postula que os mais variados sintomas constituem a manifestação de uma fantasia

inconsciente que não consegue forma de expressão mais adequada. O processo

tem seu início com o recalcamento de uma fantasia outrora construída pela criança

durante um ato de masturbação. A partir daí, a ausência de interferência por parte

da consciência provoca um desenvolvimento desinibido da fantasia e, quando esta

é despertada por algum acontecimento fortuito, um sintoma se estabelece como

formação de compromisso. Em outros termos, os sintomas neuróticos são

concebidos como a resultante de uma espécie de conciliação entre uma fantasia

inconsciente que busca realização e um impulso contrário que tenta recalcá-la.

É neste sentido que devemos entender a afirmação de Freud (1908c/1995),

presente no ensaio “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna”, de que

o sintoma é a atividade sexual do neurótico. Com efeito, o sintoma é tido, nesta

época de sua teorização, como uma espécie de satisfação substitutiva de uma série

de fantasmas sexuais inconscientes que não conseguem expressar-se em virtude

dos padrões morais vigentes na cultura. De acordo com tal concepção, o neurótico

seria aquele que cede às exigências da moralidade e, de fato, recalca sua

sexualidade. Entretanto, o processo de recalque falha e as tendências perversas

continuam a existir no inconsciente, sendo ainda mantidas na esfera da fantasia.

Tal constatação clínica levou Freud (1905b/1995) à famosa formulação de que “a


38

neurose é (...) o negativo da perversão” (p. 157), assim estabelecendo que as

fantasias conscientes dos perversos e os fantasmas inconscientes dos neuróticos

coincidem até em seus mínimos detalhes. Nesta medida, no domínio fantasmático

inconsciente, o impulso sexual desejante do neurótico continuaria a existir, se

desenvolvendo à espreita de alguma oportunidade para se revelar. Quando tais

fantasmas se tornam exageradamente investidos, de modo a forçar sua entrada na

consciência, concebe-se a formação sintomática.

Os exemplos mais claros a respeito de como uma fantasia inconsciente –

ao se tornar profusa e desinibida – se transforma num sintoma podem ser

encontrados nos “Fragmentos da análise de um caso de histeria” (FREUD,

1905a/1995). Nele, é demonstrado que a tosse nervosa de Dora se constituiu como

uma formação substitutiva de uma fantasia de felação, embora haja controvérsias

quanto a qual o objeto das fantasias de Dora – se seu próprio pai, ou o Sr. K. O elo

intermediário entre o fantasma inconsciente e o sintoma seria a sensação de

cócegas na garganta.

Do mesmo modo, os sintomas de apendicite e de arrastamento da perna

simbolizariam uma fantasia inconsciente de parto. Ou seja, o sintoma de dor no

abdômen, por surgir exatos nove meses após a cena do lago, corrigira o desfecho

infeliz de suas relações com o Sr. K.: mediante a formação sintomática, Dora se

lamentava por não ter cedido às investidas do homem amado. Assim, uma fantasia

de relação sexual não realizada tornou-se inconsciente, desenvolveu-se

profusamente neste sistema psíquico e, nove meses depois, foi substituída por um

sintoma que, em si, simulava uma situação de parto. Igualmente, o sintoma


39

referente ao arrastamento da perna simbolizaria um “passo em falso” que não fora

dado, porém intimamente fantasiado, na ocasião da cena do lago.

Retomando o artigo “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa

moderna”, constatamos – conforme foi acima ressaltado – que Freud

(1908c/1995) ainda concebe uma outra vicissitude para a sexualidade humana que

não o recalque e a conseqüente formação de sintomas. Trata-se do destino da

sublimação: com ela, demonstra-se a singular característica da pulsão de substituir

um objetivo sexual por outro não-sexual e compatível com as exigências sócio-

culturais. A partir da circunscrição da noção de sublimação, o pensamento

freudiano passa a considerar que os artistas retiram a energia necessária para suas

criações da força de suas tendências sexuais. Assim, ao longo de vários outros

ensaios, Freud põe-se a analisar as obras de alguns de seus artistas prediletos, com

o propósito de estabelecer que, tal qual os sintomas, elas também se configuram

como um substituto disfarçado de uma série de fantasias inconscientes.

Dentre todos estes ensaios, “Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua

infância” (FREUD, 1910b/1995) é o mais expressivo. Nele, Freud propõe uma

interpretação da fantasia do milhafre, visando ao preenchimento das lacunas da

infância do artista. O conteúdo manifesto da fantasia refere-se a um milhafre que

desce sobre o berço de Da Vinci, abre-lhe a boca com a cauda e fustiga-lhe os

lábios por repetidas vezes. Em linhas gerais, tal fantasia consciente simbolizaria,

de maneira deformada, uma relação sexual – inconscientemente fantasiada – na

qual a mãe de Leonardo introduz seu pênis na boca da criança. Trata-se, portanto,

de uma construção fantasmática erigida a partir da crença na universalidade do

órgão sexual masculino. Em si, o conteúdo latente dessa produção fantasmática


40

remete a um período ainda mais remoto, encontrando seus alicerces em

impressões indestrutíveis concernentes ao período de amamentação, no qual o

seio da mãe era introduzido por entre os lábios de Da Vinci. Concluída a

interpretação, destaca-se que a fantasia indica que o artista passou os primeiros

anos de sua infância apenas na companhia da mãe; ela, por sua vez, compensava a

falta do marido com a figura do filho, despertando precocemente sua sexualidade.

Deste modo, no momento em que Freud (1910b/1995) submete à análise

algumas obras de Leonardo da Vinci, torna-se irresistível recorrer a tais

impressões da infância. Assim, por exemplo, o duplo significado de “promessa de

ternura infinita” e “sinistra ameaça” do misterioso sorriso da Mona Lisa é

retomado para se reconhecer, aí, a expressão da lembrança do sorriso de uma mãe

abandonada que muito fascinara o artista em seus primeiros anos de vida.

São, portanto, estas as formas de presentificação da atividade fantasmática

analisadas ao longo dos quinze primeiros anos da obra freudiana, período no qual

vigorava a primeira tópica do aparelho psíquico. Cabe destacar, mais uma vez,

que à parte de suas mais variadas peculiaridades, todas estas estruturas

fantasísticas consistem em um cenário narrativo. Em outros termos, tanto as

lembranças encobridoras, quanto os devaneios e ainda as fantasias inconscientes –

quando tornadas conscientes – se manifestam na clínica enquanto organizações

através das quais o paciente encontra os devidos meios para falar sobre seu

passado, presente ou futuro, bem como expressar seus anseios insatisfeitos ou

corrigir a realidade insatisfatória. É justamente esta a peculiaridade que une todos

os tipos de fantasias em questão: trata-se, aqui, de fantasias passíveis de serem

expressas e ordenadas por intermédio da fala.


41

1.3. A fantasia enquanto cena indizível

No decurso da obra freudiana, deparamo-nos com duas outras formações

fantasmáticas que, ao contrário das analisadas até então, não se apresentam na

clínica na forma de um cenário narrativo. De modo paradoxal, elas se manifestam

enquanto cenas indizíveis, resíduos da atividade psíquica. Trata-se do fantasma da

cena primária, mencionado por Freud (1918/1995) ao longo da análise do Homem

dos lobos e do segundo tempo da fantasia de espancamento estudado no artigo

“Bate-se numa criança” (FREUD, 1919a/1995). Em si, elas possuem um estatuto

metapsicológico distinto do das lembranças encobridoras, devaneios ou dos

fantasmas inconscientes até então investigados. Isto porque elas não se ligam

originalmente a nenhuma formação desejante recalcada, não almejam a correção

da realidade insatisfatória e, embora digam respeito ao passado do sujeito, não

funcionam na dinâmica psíquica como uma lembrança encobridora.

Temos, assim, um primeiro paradoxo presente na circunscrição

metapsicológica de Freud acerca da figura da fantasia. Aqui, a atividade

fantasmática resiste ao encadeamento narrativo, não se tratando de algo que o

sujeito consiga exprimir por intermédio da palavra. Dada a impossibilidade do

sujeito falar sobre tais fantasias, percebemos que elas consistem em estruturas

inacessíveis aos esforços da associação livre e da interpretação, funcionando como

uma espécie de limite à clínica psicanalítica, tal como concebida por Freud até

então.

Ao se deparar com tais limites clínicos, Freud foi conduzido a uma

complexificação da sua proposta terapêutica inicial, lançando mão do artifício da

construção em análise (FREUD, 1937/1995). Com efeito, a existência de um lócus


42

não interpretável no aparelho psíquico já vinha se insinuando desde “A

interpretação de sonhos”, quando Freud (1900/1995) postulou a existência do

denominado umbigo dos sonhos. Com o desenvolvimento de sua obra, alguns

impasses relacionados ao conceito de repetição (FREUD, 1914a/1995), em

conjunto com o destaque concedido à “inquietante estranheza” (FREUD,

1919b/1995) e aos fenômenos compulsivos (FREUD, 1920/1995), levaram-no a

radicalizar a impossibilidade de levar adiante a proposta clínica de vencer as

resistências do paciente para trazer à consciência a totalidade do material

recalcado. Neste sentido, se antes a ênfase na dificuldade da condução do material

recalcado à consciência recaía sobre as resistências do eu, a partir de então, tal

impossibilidade passa a ser referida a algo que escapa ao encadeamento

discursivo; àquilo que o paciente não consegue colocar em palavras e expressar

por intermédio da fala. O conjunto destas tendências inacessíveis à fala podem ser

relacionadas com o lócus pulsional situado para além do princípio de prazer e que,

portanto, resistem ao trabalho de inscrição psíquica (FREUD, 1920/1995).

Deste modo, o recurso à construção é utilizado quando a interpretação, a

rememoração e a associação livre se tornam vacilantes. Assim, no artigo

“Construções em análise”, Freud (1937/1995) define o procedimento em questão

como a ferramenta analítica que visa o preenchimento das diversas lacunas

deixadas pelo processo interpretativo. É exposto que os fragmentos mnêmicos dos

quais o sujeito não consegue se lembrar freqüentemente aparecem de maneira

disfarçada em seus sonhos, em atos dentro ou fora do setting analítico ou na

própria relação transferencial. É a partir destes fragmentos que o analista poderá

extrair o material que está a procura e reuni-lo, para uma posterior comunicação
43

ao paciente. Assim, num dado momento do artigo, o trabalho do psicanalista é

comparado com a incumbência do arqueólogo, sendo também enfatizado que

ambas atividades objetivam uma reconstrução mediante os procedimentos de

suplementação e combinação dos resíduos sobreviventes. Todavia, o psicanalista

situa-se, de certa forma, numa posição privilegiada, pois o material que lhe

interessa não foi extinto, e ainda se encontra preservado na memória do sujeito,

embora inacessível à interpretação10.

Com base nestes pressupostos a respeito dos fantasmas indizíveis e do

artifício da construção, passemos à análise da “História de uma neurose infantil”

(FREUD, 1918/1995). Nela, veremos que este fragmento da história subjetiva

configurado enquanto algo inacessível à fala e a quaisquer outras tentativas de

verbalização aponta, justamente, para uma cena fantasmática.

Aos vinte e dois anos de idade, o Homem dos lobos foi se consultar com

Freud. O diagnóstico estabelecido foi de neurose obsessiva, caracterizada por

inúmeros sintomas, tais como dependência extrema das outras pessoas e profunda

desadaptação social. Porém, sabe-se que não foi esta neurose o objeto de

investigação ao longo do relato do caso, mas uma neurose infantil, que se

apresentava no contexto de uma fobia animal (FREUD, 1918/1995).

O objetivo de Freud (1918/1995) ao publicar o caso, foi tentar demonstrar

que a neurose adulta do paciente estava apoiada na neurose infantil, surgida a

partir da noite de seu quarto aniversário. Durante o tratamento, o interesse clínico

se dirigiu para a construção de uma cena que justificasse a fobia do Homem dos

lobos. Para tal, foi tomado como ponto de partida um sonho, datado da noite de

10
Retomaremos adiante, ainda neste capítulo, o tema da construção em análise, com o propósito
de oferecer uma nova leitura para o tema.
44

seu quarto aniversário, no qual haviam alguns lobos sentados sobre os galhos de

uma nogueira, diante da janela de seu quarto. Em linhas gerais, a interpretação do

sonho consistiu em mostrar que, em seus pensamentos oníricos, o paciente estaria

revivendo uma cena sucedida aos dezoito meses de idade, no qual testemunhara

uma relação sexual entre os pais. A cena em questão foi denominada de cena

primária.

Após uma série de impasses quanto à fornecer o estatuto de realidade ou

de fantasia à cena primária, pouco antes da publicação do caso, Freud (1918/1995)

acrescenta duas longas passagens ao relato original, nas quais se manifestam

algumas tentativas de recuperação do caráter fantasmático da cena primária. Num

primeiro momento, é levantada a hipótese da cena ter sido fruto de uma produção

fantasmática arquitetada a partir de impressões deixadas pela observação

ocasional de uma cena de cópula entre cães pastores. Todavia, não foi esta a

solução definitiva para o problema. Num segundo acréscimo, Freud (1918/1995)

retoma os impasses acerca da justificativa da neurose pela realidade material ou

pelo viés da fantasia, para lançar mão da proposta de considerar a cena primária

enquanto expressão de uma fantasia originária11.

Deste modo, a opção por considerar a cena primária como fantasmática

trouxe para o pensamento freudiano uma concepção diversa da que, até então, se

tinha a respeito da figura da fantasia. Conforme ressaltado acima, concebe-se,

neste momento, a fantasia como algo que não pode ser recordado e nem mesmo

transformado numa produção discursiva. Pelo contrário, ela permanece no

aparelho psíquico na forma de uma cena indizível, possuindo um estatuto

11
Voltaremos a este tema na próxima seção.
45

metapsicológico distinto daquele dos devaneios, lembranças encobridoras ou dos

fantasmas inconscientes analisados na última seção.

A mesma conclusão pode ser obtida se nos debruçarmos sobre o artigo

“Bate-se numa criança” (FREUD, 1919a/1995). No ensaio em questão, a

discussão acerca da origem e desenvolvimento das produções fantasmáticas se

apresenta a partir da análise dos três tempos da fantasia de espancamento:

1. “Meu pai bate numa criança que eu odeio”;

2. “Meu pai bate em mim”;

3. “Bate-se numa criança”.

Segundo Freud (1919a/1995), a formação destes três tempos da fantasia se

torna inteligível quando nos voltamos para uma investigação minuciosa das

diversas manifestações psíquicas de uma menina imersa em seus complexos

parentais. Nesta perspectiva, o instante no qual a criança que – acreditando ser o

objeto privilegiado do amor paterno – é surpreendida com o nascimento de um

irmão, fornece os subsídios necessários para a construção do primeiro momento

da fantasia de espancamento. Em outros termos, a cena na qual o pai bate na

criança odiada é estruturada pela menina numa tentativa de gratificação tanto de

seu ciúme quanto de seus interesses egoístas. Trata-se, portanto, de uma fantasia

visivelmente incestuosa, pois realiza os desejos edipianos da menina, exprimindo

que o pai, por estar batendo na outra criança, ama apenas a ela.

Com o recalcamento destes impulsos libidinais, dois fatores interagem

para a transformação do conteúdo da fantasia de espancamento: o surgimento do


46

sentimento de culpa e a regressão da libido à fase sádico-anal. O primeiro,

justificado pela persistência dos desejos incestuosos no inconsciente, não poderia

encontrar punição mais rigorosa à menina do que a reversão da formação

fantasística inicial para “o meu pai está me espancando”. Em contrapartida, o

desmantelamento da organização genital da libido, como efeito do processo de

recalque, também favorece a gênese da fantasia masoquista. Nesta medida, a

fantasia “sou espancada pelo meu pai” deve ser encarada como uma substituta

regressiva da fantasia genital “o meu pai me ama” (FREUD, 1919a/1995).

Cabe ressaltar que a segunda forma de presentificação da fantasia é

inconsciente, e assim permanece, em virtude da intensidade do processo de

recalque. O conteúdo que assoma à consciência é um derivado deste material

recalcado, no qual o adulto que espanca não é o pai, mas um professor ou

qualquer outra pessoa que exerça algum tipo de autoridade. Há, na cena, muitas

crianças sendo espancadas, e a menina é uma mera espectadora. Ou seja, por um

lado, a figura do professor toma o lugar do pai e, por outro, as várias crianças

funcionam como substitutas da própria menina. Neste sentido, o terceiro tempo da

fantasia de espancamento, apesar de aparentemente exprimir um sentido sádico,

também possui um conteúdo masoquista, em razão de suas ligações com o

fantasma inconsciente (FREUD, 1919a/1995).

Muitos são os comentadores que classificam como reducionista esta

interpretação de Freud para os fantasmas de espancamento à luz do complexo de

Édipo. Devemos, assim, destacar que, no artigo em questão, a análise freudiana é

bastante paradoxal, pois mesmo partindo da contextualização destas fantasias no

seio da dinâmica edipiana, constatamos um importante fator que favorece a


47

circunscrição dos fantasmas de espancamento como situados para além do jogo do

recalque e do retorno do recalcado. O fator a ser ressaltado remete, justamente, à

afirmação de que o segundo tempo da fantasia foi fruto de uma construção em

análise. Com efeito, não foi através de uma interpretação dos sintomas de seus

pacientes que Freud (1919a/1995) foi levado ao reconhecimento deste tempo da

fantasia. Conforme a passagem a seguir:

“Essa segunda fase é a mais importante e a mais significativa de todas. Pode-se


dizer, porém, que, num certo sentido, jamais teve existência real. Nunca é
lembrada, jamais conseguiu tornar-se consciente. É uma construção da análise, mas
nem por isso é menos uma necessidade” (FREUD, 1919a/1995, p. 201).

Deste modo, cabe perguntar: qual o fator responsável pela impossibilidade

do acesso a tal configuração fantasmática mediante a interpretação? Trata-se da

ação de uma resistência ao trabalho analítico?

Com base nestes questionamentos, Miller (1998), por exemplo, assinala

que o caráter inapreensível do segundo tempo das fantasias de espancamento

conduz para mais além desta situação, não dizendo respeito exatamente à força de

uma resistência do eu, que atuaria no sentido contrário ao da associação livre. De

fato, algumas passagens do texto freudiano justificam o ponto de vista de que este

momento da fantasia não consiste exatamente num núcleo patogênico recalcado.

Em outros termos, o que responde pela dificuldade de assimilação da fantasia em

questão parece não concernir às resistências do paciente, mas à articulação

assumida por tal configuração fantasmática com algo que é da ordem do indizível.

Assim, ao contrário do primeiro e do terceiro tempo da fantasia, o segundo


48

momento se constitui como um lócus fantasmático residual que, desta maneira,

não se oferece ao movimento de interpretação.

De acordo com tal ponto de vista, mais uma vez, a atividade fantasmática

se apresenta como algo inacessível à fala e que, portanto, não pode ser

interpretado, mas apenas construído em análise. Neste sentido, por se manifestar

na clínica não como um cenário narrativo, mas como uma cena indizível, o

segundo tempo da fantasia de espancamento possui um estatuto metapsicológico

em muito semelhante ao da cena primária do Homem dos Lobos. Isto serve,

enfim, para demonstrar o quão paradoxal é a concepção freudiana acerca do tema.

Se retomarmos o tema dos fantasmas originários, verificamos que tais

paradoxos não terminam neste ponto e que ainda há, no pensamento freudiano,

uma terceira forma de presentificação da atividade fantasmática.

1.4. A fantasia enquanto cena originária

Conforme foi acima mencionado, os fantasmas originários foram ganhando

espaço na metapsicologia freudiana a partir da análise do Homem dos lobos

(FREUD, 1918/1995). Vimos que, no caso clínico em questão, Freud se debatia

com a problemática da eficácia da realidade psíquica no processo de causação de

uma neurose oscilando, ora por considerar a cena primária como fruto de uma

fantasia de seu paciente, ora como algo realmente por ele vivido. O conflito

culminou, justamente, na postulação da cena primária enquanto expressão de uma

fantasia originária, resposta decisiva de Freud para a questão. Segundo Laplanche

e Pontalis (1988), a postulação de um esquema de fantasias originárias foi a forma

encontrada por Freud de conciliar realidade psíquica e realidade material num


49

mesmo postulado, pois tal esquema remeteria, ao mesmo tempo, a um grupo de

fantasmas inconscientes, porém reportados a situações realmente vivenciadas por

nossos ancestrais.

Cabe assinalar que, apesar da temática das fantasias originárias só ter

obtido uma maior importância no caso do Homem dos lobos, a primeira referência

ao tema data do artigo “Um caso de paranóia que contraria a teoria psicanalítica

da doença” (FREUD, 1915c/1995). Nele, é relatado o caso de uma senhora, ainda

solteira, que mantinha um romance proibido com um homem de seu ambiente de

trabalho. Certo dia, numa visita à casa do amante, ela é surpreendida por um

ruído, no instante em que se encontrava parcialmente despida. Ao ir embora,

encontra dois homens murmurando na escada e percebe que um deles carregava

uma pequena caixa. A partir daí, a mulher constrói o delírio de que a pequena

caixa continha uma máquina fotográfica e os dois homens haviam fotografado a

cena de amor. A interpretação para o caso narrado pela moça consistiu,

basicamente, em remeter o delírio de ser fotografada durante uma cena de amor à

fantasia originária de observação do coito parental. Desta forma, Freud depreende

que toda construção fantasmática atual se baseia num fantasma originário.

A temática volta a ser discutida por Freud (1917b/1995) na conferência “O

caminho da formação dos sintomas”, na qual é novamente repensada a

problemática concernente à consolidação da realidade psíquica na clínica

psicanalítica. Para tal, empreende-se uma longa discussão acerca do estatuto –

fantasmático ou realístico – de três cenas infantis constantemente trazidas à tona

pelo procedimento analítico: a cena de observação de um coito entre os pais, a

cena na qual uma ameaça de castração é proferida à criança e, por fim, a cena de
50

sedução por um adulto. A escolha por examinar estas três cenas específicas, ao

invés de outras, se justifica por suas freqüentes manifestações nas histórias de

vida da maioria dos sujeitos submetidos à análise.

O encaminhamento proposto para o exame destas três cenas é marcado por

inúmeros volteios. Com relação à observação da cena primária, por exemplo,

Freud (1917b/1995) julga bastante provável a existência de um número suficiente

de crianças que tenham realmente presenciado um ato sexual dos pais, quando

ainda não lhes era possível obter a exata compreensão da cena observada. Por

outro lado, considerando que, em vários casos, o ato é descrito como uma cena de

coito a tergo, Freud levanta a hipótese da cena em questão ser fruto da produção

fantasmática da criança, construída a partir de impressões deixadas pela visão de

uma cópula entre animais.

Quanto à cena de ameaça de castração, Freud (1917b/1995), de certa

maneira, considera muito comum que, durante um ato masturbatório, o menino

seja repreendido pelos pais com a possibilidade da mutilação de seu pênis. Em

contrapartida, também é suposto que a criança, por si só, possa estruturar

fantasmaticamente tal ameaça, por intermédio de alguns indícios de que a

satisfação auto-erótica lhe é proibida.

Finalmente, no que diz respeito à cena de sedução, quando não há pistas de

sua factualidade e mesmo assim ela é narrada na análise, contempla-se o seu

caráter fantasmático. Nesta perspectiva, a fantasia de sedução é utilizada como um

artifício erigido com o objetivo de dissimular a atividade auto-erótica da criança.

Ou seja, uma fantasia masturbatória é convertida em lembrança real, mascarando


51

uma atividade sexual espontânea, mediante uma cena de passividade frente a um

adulto (FREUD, 1917b/1995)12.

Quanto ao impasse relacionado à decisão de considerar tais fantasias como

um produto da atividade fantasmática da criança, ou então, de configurá-las como

resíduos mnêmicos de situações realmente vivenciadas, a seguinte solução é

encontrada: demonstrar que, na verdade, elas representam um misto de realidade e

ficção. Assim, caso estas cenas não encontrem apoio em dados factuais, elas são

erigidas a partir do agrupamento de alguns indícios provenientes da realidade

material e, posteriormente, suplementadas pela fantasia. Nesta perspectiva, Freud

(1917b/1995) recorre novamente à noção de fantasias originárias, configurando-as

como uma espécie de roteiro preestabelecido, encarregado de organizar toda

atividade fantasmática posterior. Portanto, as fantasias em questão possuem um

valor estruturante pois, no que concerne à história de vida do sujeito, elas

funcionam como uma invariante, remanejando imaginariamente todas as

experiências que não se adaptam ao esquema preexistente. A passagem a seguir é

bastante clara a este respeito:

“Acredito que essas fantasias primitivas (...) constituem um acervo filogenético.


Nelas, o indivíduo se contacta, além de sua própria experiência, com a experiência
primeva naqueles pontos nos quais sua própria experiência foi demasiado rudimentar.
Parece-me bem possível que todas as coisas que nos são relatadas hoje em dia, na
análise, como fantasia – sedução por um adulto, surgimento de excitação sexual por
observar o coito dos pais, ameaça de castração (ou então, a própria castração) – foram,
em determinada época, ocorrências reais dos tempos primitivos da família humana, e
que a criança, em suas fantasias, simplesmente preenche os claros da verdade
individual com a verdade pré-histórica” (FREUD, 1917b/1995, pp.372-373).

12
Conforme a discussão apresentada no início deste capítulo.
52

Trata-se, portanto, de uma terceira forma de acepção da atividade

fantasmática presente no pensamento freudiano. A fantasia é, aqui, vista enquanto

uma cena originária, ou seja, algo que possui, na dinâmica psíquica, o valor de um

roteiro ou esquema universal que governa a atividade psíquica de todos os

sujeitos.

Com efeito, a postulação de um esquema filogenético preexistente à

historia subjetiva gerou inúmeras controvérsias ao longo do desenvolvimento do

pensamento psicanalítico. De fato, foram suscitados vários questionamentos

acerca da possibilidade do recurso à filogenia conduzir à postulação de uma

influência exacerbada do biológico no processo de constituição subjetiva. Cabe

assinalar que, para responder a tais questionamentos, através de uma abordagem

estruturalista, a escola francesa reconheceu no recurso à filogenia não o

revestimento de uma indumentária biologizante no campo psicanalítico, mas a

necessidade da circunscrição de uma anterioridade da ordem simbólica em relação

dos sujeitos. Tratar-se-ia, em outros termos, de trazer à tona a preexistência de

uma organização significante da qual os sujeitos dependem de modo absoluto e se

constituem como seus efeitos.

No entanto, não cabe entrarmos aqui numa discussão sobre esta

problemática, já que o objetivo do capítulo é um estudo acerca do estatuto da

figura da fantasia na obra freudiana. Assim, podemos avançar um pouco mais em

nossa investigação e analisar uma última forma de apresentação da atividade

fantasística na metapsicologia freudiana. Nesta perspectiva, constataremos, a

partir de algumas indicações, que a fantasia não se presentifica na clínica

freudiana apenas na forma de um cenário narrativo, de uma cena indizível ou de


53

uma cena originária. Ao lado destas manifestações, deve-se destacar que a

atividade fantasmática também se apresenta enquanto um conjunto de cenas

anestesiadas. Podemos adiantar, desde já, que estas, em muitos aspectos, se

assemelham às denominadas fantasias vazias, objeto da presente tese.

1.5. A fantasia enquanto cena anestesiada

Com efeito, algumas indicações presentes no caso clínico do Pequeno Hans

(FREUD, 1910a/1995) conduzem-nos ao encontro de uma modalidade bastante

peculiar de fantasmatização. Trata-se da fantasia enquanto cena anestesiada,

simples descrição de uma imagem fixa, neutralizada e sem maiores contornos ou

predicados.

Apesar de conscientes e manifestas na fala do sujeito, estas cenas – ao

contrário dos devaneios e das lembranças encobridoras – não se apresentam na

forma de uma narrativa historicizada ou de um romance. Os elementos nelas

presentes parecem também não consistir enquanto substitutos simbólicos de algo

inconsciente. Conforme veremos a seguir, elas também funcionam como espécies

de limites aos esforços da interpretação. Temos, portanto, uma acepção diversa da

atividade fantasmática que, se devidamente analisada, em muito poderá contribuir

para nossos propósitos. Passemos a este exame.

No tocante à questão da fantasia, a “Análise de uma fobia em um menino

de cinco anos” (FREUD, 1910a/1995) é um dos textos mais ricos da obra

freudiana. De acordo com a interpretação de Freud, quadro era o de uma criança

imersa em seus complexos parentais, atormentado, principalmente, pelas

problemáticas concernentes à diferença sexual e à origem dos bebês; e, ao longo


54

de suas pesquisas sexuais, vislumbramos uma série infindável de produções

fantasísticas. Nesta perspectiva, os devaneios, lembranças encobridoras e mesmo

os fantasmas inconscientes da criança giravam em torno das temáticas da

universalidade do pênis, dos amores edipianos e da castração13. Os esforços de

Freud e do pai de Hans se dirigiram, ao longo do caso, para a interpretação destes

fantasmas, com o intuito de trazer à tona os conflitos edipianos inconscientes do

menino. A proposta era demonstrar que a fobia a cavalos estaria, de alguma

forma, relacionada com os sentimentos ambivalentes da criança para com a figura

paterna.

De certo modo, diversos fatores convergiam para a concepção de que o

medo do cavalo era um substituto consciente de um temor inconsciente do pai.

Todavia, o constante remetimento do cavalo à figura paterna vacilava sempre que

o Pequeno Hans falava sobre uma “coisa preta” que o cavalo tinha na boca. De

fato, os cavalos que o menino mais temia eram aqueles com o estranho objeto

preto ao redor dos lábios; mas, no entanto, ele não sabia dizer que enigmático

objeto era este e nem associá-lo a coisa alguma. Sempre que o discurso de Hans

esbarrava neste ponto, as associações, até então abundantes, tornavam-se nulas. E

por mais que seu pai ou o próprio Freud insistissem em relacionar o objeto preto

na boca do cavalo com o bigode do pai, os esforços eram em vão. Hans respondia

apenas com reticências. Assim, ao que tudo indica, a estranha coisa preta na boca

do cavalo não consistia em nenhuma formação simbólica. Parecia impossível

substituí-la por qualquer elemento inconsciente.

13
Uma nova releitura para o caso do Pequeno Hans (FREUD, 1910a/1995) e que passa à margem
desta interpretação eminentemente edipiana será empreendida no último capítulo.
55

Este objeto enigmático é mencionado pela primeira vez por Hans pouco

antes da única consulta que teve com Freud. Este mesmo confessa que as

observações da criança sobre este elemento não condiziam com o conhecimento

que, até então, se tinha da história de sua fobia. Segundo o relato de Freud:

“Determinados detalhes que acabo de saber – no tocante ao fato de que ele se


incomodava, em particular, (...) com o preto em torno de suas bocas – certamente
não se explicaria a partir daquilo que sabíamos. No entanto, (...) ao ouvir a
descrição que Hans fazia da angústia que lhe causavam os cavalos, vislumbrei um
novo elemento para a solução, e um elemento que eu podia compreender que
provavelmente escapasse a seu pai. Perguntei a Hans, à guisa de brincadeira, se os
cavalos que ele via usavam óculos, ao que ele, contra toda evidência, em contrário,
repetiu que não. Finalmente lhe perguntei se para ele ‘o preto em torno da boca’
significava um bigode; revelei-lhe então que ele tinha medo de seu pai, exatamente
porque gostava muito de sua mãe. Disse-lhe da possibilidade de ele achar que seu
pai estava aborrecido com ele por esse motivo; contudo, isso não era verdade, seu
pai gostava dele apesar de tudo, e ele podia falar abertamente com ele, sobre
qualquer coisa, sem sentir medo” (FREUD, 1910a/1995, pp. 44-45).

Verificamos, de acordo a citação, ser Freud – e não o Pequeno Hans –

quem associa o objeto preto com o bigode. A criança nada tinha a dizer sobre o

estranho objeto preto, não remetendo-o a nenhuma outra coisa.

O assunto retorna uma semana depois, desta vez, numa conversa entre pai e

filho. Vale a pena também transcrever a passagem na íntegra:

“À tarde saímos novamente para a frente da porta e, quando voltei, perguntei a


Hans: ‘De que cavalos você realmente tem mais medo?’.
Hans: ‘De todos’.
Eu [pai de Hans]: ‘Isso não é verdade’.
Hans: ‘Tenho mais medo dos cavalos que têm uma coisa na boca’.
56

Eu: ‘O que você quer dizer? O pedaço de ferro que eles têm na boca?’.
Hans: ‘Não. Eles têm uma coisa preta na boca’. (E cobriu a boca com a mão).
Eu: ‘O quê? Talvez um bigode?’.
Hans: (rindo): ‘Oh, não!’.
Eu: ‘Eles todos têm essa coisa?’.
Hans: ‘Não. Só alguns deles’.
Eu: ‘O que é que eles têm na boca?’
Hans: ‘Uma coisa preta’.
Eu: (Na realidade, acho que deve ser aquela parte grossa do arreio que os cavalos
de tração usam por sobre o nariz)” (FREUD, 1910a/1995, pp. 50-51).

De fato, Hans não consegue associar o objeto preto a nenhuma outra

representação. Sempre que o menino falava sobre esta enigmática coisa preta,

todo o discurso se congelava numa mesma cena anestesiada: a de um cavalo com

um preto na boca, cena esta da qual nada mais conseguia dizer. O preto na boca

do cavalo não era um bigode, um pedaço de ferro e, muito menos, a parte mais

grossa de um arreio.

Nesta medida, percebemos o contraste desta cena anestesiada e as demais

produções fantasísticas, extremamente numerosas e férteis, apresentadas pela

criança ao longo do relato clínico. Enquanto os devaneios ou lembranças

encobridoras de Hans remetiam a romances por ele inventados, visões sobre os

mais variados fenômenos presentes em seu mundo e anseios sobre o futuro, nada

disso pode ser observado na cena anestesiada do cavalo com o objeto preto na

boca. Igualmente instigante é o fato de, frente aos devaneios ou lembranças

encobridoras, o tratamento analítico avançar com maior ou menor dificuldade,

driblando as resistências e fazendo com que a criança se defronte com as

tendências inconscientes que justificam a formação da fobia; de modo contrário,


57

frente à cena anestesiada, as associações vacilam e, deste modo, a interpretação

não pode avançar. À nada o menino conseguia remeter o preto na boca do cavalo;

nenhum outro elemento lhe era relacionado.

Assim, por tais fatores, podemos traçar uma correlação entre esta cena

anestesiada e aquilo que denominamos de fantasias vazias. Tratar-se-ia, em ambos

os casos, de cenas extremamente claras, nas quais a ausência de símbolos ou

formações metafóricas salta aos olhos.

Poder-se-ia argumentar contra o fato de considerarmos como fantasística,

esta cena do cavalo com o preto ao redor da boca. Todavia, dois fatores conduzem

à circunscrição desta cena como fantasmática. O primeiro deles, remete ao fato do

pai de Hans afirmar nunca ter visto um cavalo com tal coisa preta ao redor dos

lábios e achar estranho que seu filho, algum dia, o tivesse visto – embora Hans

insistisse em dizer que tais cavalos realmente existiam. O outro fator remete à

questão referente à predominância da realidade psíquica no discurso subjetivo. Ou

seja, de acordo com o que foi estabelecido no início deste capítulo, pouco

importaria se o Pequeno Hans realmente viu algum cavalo com o objeto preto ao

redor da boca; relevante é a concepção de que, tendo visto ou não, a cena assume

um valor de verdade no seu aparelho psíquico, configurando-se enquanto uma

realidade efetiva e contraposta à realidade material. Em outros termos, trata-se de

destacar que, no domínio discursivo, a realidade psíquica – encenada numa cena

fantasística – vigora como realidade decisiva14.

Portanto, mediante a análise da fantasia anestesiada do Pequeno Hans

(FREUD, 1910a/1995), demos um importante exemplo daquilo que chamamos de

14
Na segunda seção do próximo capítulo, produziremos nova visada para este tema que
responderá, de forma definitiva, pela decisão em considerar esta cena como fantasística.
58

fantasia vazia, o que nos auxiliará no propósito da circunscrição de seu estatuto

metapsicológico. Mostramos assim, através desta correlação, suas principais

características e o modo peculiar através do qual elas se apresentam na clínica e

resistem à associação livre e à interpretação. Passemos, agora, ao estabelecimento

de um confronto entre os fantasmas vazios e as outras manifestações fantasísticas

analisadas no decorrer deste capítulo, a fim de lançarmos mais subsídios para a

discussão.

1.6. Sobre as fantasias vazias

Circunscritas as semelhanças das fantasias vazias com a cena anestesiada do

Pequeno Hans e apresentada também a forma equivalente pela qual ambas se

manifestam na clínica, vejamos agora em qual medida os fantasmas vazios

diferem das demais modalidades fantasísticas analisadas neste capítulo.

Comecemos pelo contraste entre as fantasias vazias e as fantasmatizações

configuradas enquanto cenários narrativos.

Vimos que as lembranças encobridoras e os devaneios são

fantasmatizações conscientes e, portanto, manifestas no discurso do sujeito em

análise. Ademais, por consistirem em estruturas através das quais o sujeito

exprime seus romances, concepções de vida, teorias inventadas sobre sua história

e seu porvir, etc, foi estabelecido que tais fantasias se configuram como cenários

narrativos manifestos ao longo do processo de associação livre15. Conforme foi

acima demonstrado, o discurso do sujeito em análise nada mais seria do que um

15
Cabe relembrar que esta também foi uma peculiaridade atribuída às fantasias inconscientes
quando trazidas à consciência pelo procedimento analítico.
59

conjunto destes enunciados fantasísticos, nos quais ele fala de si, dos seus

semelhantes e da realidade circundante.

Também explicitamos que tanto as lembranças encobridoras quanto os

devaneios são estruturas temporalizadas: neles, o passado, o presente e o futuro do

sujeito se articulam numa trama historicizada. Deste modo, num romance, relato

ou narrativa deste tipo, os elementos se articulam uns aos outros por intermédio de

elos causais, temporais ou de contigüidade. Igualmente importante é o fato de tais

produções fantasísticas consistirem em processos psíquicos passíveis de sofrerem

as mais diversas reelaborações ao longo da vida do sujeito. Assim, destaca-se que

elas podem ser alteradas ou enriquecidas a partir de novas impressões que o

sujeito recebe. De fato, é raro uma lembrança encobridora ou um devaneio se

repetir, por muitas vezes, no discurso do sujeito, sem que nenhum outro elemento

lhe seja adicionado, retirado, ou então, modificado.

Ressaltamos também que verifica-se, na estrutura de uma fantasmatização

deste tipo, uma série infindável de enganos e paradoxos. Ou seja, ao associar

livremente acerca de suas fantasias, o sujeito se equivoca, cai em contradição ou

percebe que seus devaneios ou lembranças encobridoras não condizem uns com

os outros. Trata-se, com isso, de demonstrar a existência de diversas lacunas no

cenário narrativo fantasmático, brechas estas que são privilegiadas na clínica, na

medida em que, através delas, o processo analítico trabalha para operar a

decomposição do discurso. Em outros termos, como tais fantasmatizações trazem

consigo algo da ordem do engano, da contradição ou do paradoxo, faz-se possível,

frente a elas, o trabalho de interpretação.


60

A interpretação promoveria a desmontagem destes cenários fantasísticos

com o propósito de trazer à tona o desejo inconsciente que lhes serve de base.

Para tal, conforme foi acima exposto, o trabalho analítico luta contra as

resistências oferecidas pelo eu. Pressupondo também que as fantasias em questão

são realizações de desejos, foi igualmente mencionado que elas possuem o

estatuto de uma formação de compromisso. De acordo com tal concepção, elas se

configuram como uma das maneiras do desejo inconsciente se manifestar na

consciência, porém de forma disfarçada e compatível com os preceitos morais.

Nesta perspectiva, a única semelhança observada entre tais

fantasmatizações e as fantasias vazias remete ao fato de ambas consistirem em

estruturas conscientes e passíveis de expressão por intermédio da fala. Todavia, é

importante salientar que o modo pelo qual elas se manifestam no discurso é

diferente. Não se trata, no domínio das fantasias vazias, de um romance, história,

teoria, concepção de mundo ou qualquer outra forma narrativa. Pelo contrário, a

partir da analogia traçada entre os fantasmas vazios e a cena anestesiada do

Pequeno Hans, verificamos que elas se configuram simplesmente como a mera

descrição de uma imagem fixa, não consistindo numa trama complexa de

pensamentos com maior riqueza de detalhes.

Também, ao contrário de uma lembrança encobridora ou de um devaneio,

que podem ser enriquecidos quando ressurgem na fala do sujeito, as fantasias

vazias se apresentam como estruturas inalteráveis, constantemente reimpressas no

discurso exatamente da mesma maneira como foram anteriormente relatadas.

Tomemos, assim, mais uma vez, o exemplo da cena anestesiada do Pequeno


61

Hans: é sempre a mesma cena que se repetia e nenhum colorido ou predicado à ela

se acrescentava.

Uma outra diferença: de modo distinto das lembranças encobridoras e dos

devaneios, as fantasias vazias são cenas extremamente claras e não ambíguas. Os

elementos nelas presentes estão completamente atados aos seus referentes, de

forma que as palavras usadas na descrição da cena não são ambíguas ou

polissêmicas, e qualquer construção metafórica é deixada de lado16. Nesta medida,

tais fantasias se apresentam como imunes à dúvida, sendo difícil para o analista

encontrar, em seus domínios, qualquer engano, equívoco ou contradição.

Ademais, o fato do sujeito não conseguir associar livremente sobre

fantasmatizações deste tipo dificulta bastante o trabalho de interpretação. Não

havendo associação livre, também não há brechas para o processo interpretativo.

Ou seja, por se tratarem de formações discursivas claras e não ambíguas, o

analista não consegue exercer a função hermenêutica daquilo que lhe é relatado.

Vimos, a partir da cena anestesiada do Pequeno Hans, que não se conseguia

encontrar quaisquer lacunas para o trabalho de interpretação, ao contrário do que

facilmente acontecia com as outras formações devaneativas da criança.

Parece igualmente impossível vislumbrarmos uma formação desejante

inconsciente subjacente às fantasmatizações vazias. Com efeito, o processo

analítico do Pequeno Hans foi bastante abrangente e lograva em remeter às

produções devaneativas da criança aos seus desejos edipianos; mas, com respeito

à cena anestesiada, quaisquer tentativas deste tipo fracassavam.

16
Vale alertar que esta característica dos fantasmas vazios é de capital importância para a tese e
será o tema do próximo capítulo.
62

A dificuldade de intervir na clínica frente aos fantasmas vazios, em

conjunto com a observação de que eles representam um limite à interpretação

psicanalítica poderia, por sua vez, conduzir à uma analogia com a fantasia de cena

primária do Homem dos lobos e com o segundo tempo do fantasma de

espancamento. No entanto, devemos alertar para o fato de que, apesar de ambas as

modalidades de fantasmatização funcionarem como um obstáculo aos progressos

da interpretação, é por diferentes razões que tal dificuldade se efetiva. Ou seja,

frente aos fantasmas vazios, a interpretação vacila porque o paciente a nada

consegue associar os elementos presentes na cena anestesiada. Como os

componentes da cena não se constituem como metáforas de algo inconsciente, é

difícil ao trabalho analítico operar a substituição de um discurso manifesto por seu

correlato latente.

Com respeito às cenas indizíveis, a dificuldade clínica é de outra ordem,

bem como são diferentes os limites que elas impõem à interpretação. Ao contrário

dos fantasmas vazios, a cena primária e o segundo tempo da fantasia de

espancamento jamais estiveram manifestos no discurso do sujeito em análise:

tanto o Homem dos lobos quanto os pacientes mencionados em “Bate-se numa

criança” jamais relataram a Freud os fantasmas em questão. Pode-se, até mesmo,

contestar a afirmação freudiana de que se tratava de algo efetivamente fantasiado

durante a infância remota dos sujeitos. Conforme destacamos acima, elas foram

cenas construídas durante o procedimento analítico, possuindo, portanto, o

estatuto de uma ficção inventada para fornecer sentido às tendências psíquicas até

então não simbolizadas.


63

Com efeito, o artifício da construção em análise, pode ser relido como uma

tentativa de incluir na vida fantasística do sujeito algo que escapa à própria

possibilidade de fantasmatização. Não que os fantasmas de cena primária e de

espancamento já estivessem presentes no inconsciente dos pacientes de Freud à

espera de serem descobertos pela análise; foi só a partir do ato da construção que

eles foram criados e passaram a influenciar a dinâmica psíquica dos sujeitos

analisados. Neste contexto, devemos destacar que a entrada em cena da

construção na clínica freudiana foi corolária da constatação de tendências

psíquicas que não podem ser recordadas, posto que nem mesmo foram

representadas pelo sujeito, de modo a sofrer uma inscrição em seu discurso. De

acordo com Gondar (1999):

“Até então, Freud havia trabalhado com o par esquecimento/lembrança, um par


passível de representação e inscrição discursiva. Agora, porém, [com a construção],
Freud nos fala de algo que não pode ser lembrado e nem esquecido, na medida em
que permanece irrepresentável: não se trata de um saber que não se sabe, mas de
algo que é impossível saber. Nem tudo poderá se transformar em produção
discursiva” (GONDAR, 1999, p. 31).

Assim, conforme o exposto na citação, tanto a cena primária do Homem

dos lobos quanto o segundo tempo da fantasia de espancamento foram fantasias

produzidas pelo procedimento analítico. Não se tratava, portanto, de um discurso

fantasístico a ser desvelado, mas de uma fantasia a ser construída para preencher

as lacunas na fala dos sujeitos em questão. Nesta medida, embora tais

fantasmatizações digam respeito ao passado do sujeito, devemos destacar que este

passado não corresponde a um tempo histórico propriamente dito, sendo apenas a


64

posteriori, que ele é construído pela via da fantasmatização. Nesta perspectiva, se

retomarmos a analogia traçada entre os fantasmas vazios e a cena anestesiada do

Pequeno Hans, verificamos que ambas não precisam ser construídas em análise na

medida em que já se encontram manifestas no discurso consciente do sujeito. É

exatamente por isto que as fantasias vazias em nada parecem se assemelhar nem

ao fantasma de cena primária do Homem dos lobos e nem ao segundo tempo do

fantasma de espancamento.

Da mesma forma, as fantasias vazias parecem também não possuir o

mesmo estatuto metapsicológico que as cenas originárias. De fato, os fantasmas

vazios não possuem necessariamente como tema nem a problemática da castração

e nem a da sedução ou da cena primária. Ademais, elas também não parecem

remeter a tendências herdadas filogeneticamente e que, assim, se vinculam a toda

atividade fantasística do sujeito, influenciando-a e governando-a. Pelo contrário,

conforme demonstramos acima com respeito ao caso do Pequeno Hans, as

fantasias vazias permanecem à margem das demais produções fantasmáticas do

sujeito, não possuindo com elas quaisquer ligações. Com efeito, a cena do cavalo

com o objeto preto ao redor da boca não estava, de maneira alguma, relacionada

com os devaneios edipianos da criança e nem com suas lembranças encobridoras

ou fantasmas inconscientes. Tratava-se de uma cena fantasística independente das

outras e que, apesar das múltiplas tentativas de ligação e síntese – empreendidas

pelo pai de Hans ou pelo próprio Freud – jamais a elas se ligava: Hans hesitava

bastante em confirmar a hipótese do objeto preto se associar ao bigode do pai,

como se a cena anestesiada representasse um resíduo de sua fobia, imune aos

esforços de elaboração psíquica.


65

Outras diferenças marcantes entre os fantasmas vazios e as cenas

originárias são igualmente cruciais e incisivas. De acordo com o exposto acima, as

fantasias originárias devem seus aparecimentos na metapsicologia aos diversos

impasses de Freud para justificar a neurose seja pela realidade material, seja pela

realidade psíquica. E, na grande maioria das ocasiões, elas foram consideradas um

misto de realidade e ficção, como podemos observar no caso do fantasma

originário de cena primária: como, muitas vezes, ela era descrita na forma de um

coito a tergo, Freud considerou que a cena primária era, de fato, uma fantasia

inventada pela criança a partir da visão de uma cópula entre animais. Nesta

perspectiva, as impressões da realidade se convertiam numa fantasia a partir de

uma operação psíquica de deslocamento – dos animais para as figuras parentais –,

“como se [a criança] tivesse deduzido que seus pais faziam a coisa do mesmo

modo” (FREUD, 1918, p. 68).

Esta simples observação pode nos conduzir à conclusão de que o estatuto

metapsicológico dos fantasmas vazios não é o mesmo daquele do fantasma

originário de cena primária. Ou seja, neste último, devido à operação de

deslocamento, a cena de coito entre as figuras parentais passa a se constituir como

uma substituta da cena de cópula entre os animais. Quanto aos fantasmas vazios,

vimos que eles se apresentam como estruturas imunes ao mecanismo de formação

simbólica e que um trabalho de substituição deste tipo está ausente de suas

estruturas. Igualmente, a interpolação “como se [a criança] tivesse deduzido que

seus pais faziam a coisa do mesmo modo” demonstra que há um processo de

pensamento subjacente ao fantasma de cena primária, o que não parece ser

estabelecido com respeito aos fantasmas vazios. Caso existisse um processo deste
66

tipo, eles não seriam produções psíquicas imunes aos esforços da associação livre

e, conseqüentemente, da interpretação.

Quanto à cena originária de castração, o que mais salta aos olhos, remete

ao fato dela – ao contrário dos fantasmas vazios – consistir numa narrativa

fantasmática historicizada, romanceada e temporalizada. Nesta perspectiva, Freud

(1917b/1995) assinala que a cena de castração é construída pela criança da

seguinte maneira: num primeiro momento, o menino apresenta uma crença na

universalidade do órgão genital masculino; em seguida, ele se depara com a

ausência de pênis na mulher, visão esta que lhe causa angústia e abala as suas

convicções fantasmáticas anteriores; por fim, mediante indícios de que a atividade

masturbatória lhe é proibida, ele se põe a fantasiar uma determinada cena de

castração, na qual o agente pode ser o pai, o médico, a governanta, ou qualquer

outro adulto de seu meio. Trata-se, portanto, na fantasia originária de castração, da

criação de um romance propriamente dito, no qual uma cena é causa ou

conseqüência de uma outra, de modo que elas se articulam entre si na forma de

uma trama historicizada.

Com efeito, nada disso é observado no domínio das fantasias vazias: elas

não se desenrolam no tempo e não constituem uma trama de pensamentos. Da

mesma forma, aparentemente, não há nada por detrás delas que justifique suas

origens, ao contrário da fantasia originária de castração, motivada pela visão da

ausência de pênis nas mulheres.

Por fim, devemos destacar a diferença entre o estatuto metapsicológico dos

fantasmas vazios e da fantasia originária de sedução. Conforme o exposto acima,

Freud considera que a sedução pode, por vezes, dizer respeito a um fato real mas,
67

na maioria dos casos, tratava-se de uma cena inventada pela criança na tentativa

de encobrir seus amores edipianos. Ou seja, com a fantasia de sedução, a criança

se pouparia da vergonha de ter se masturbado imaginando uma cena de amor com

um adulto. Nesta medida, o mecanismo de formação da fantasia de sedução é

bastante conhecido: o trabalho de recalque transforma uma cena na qual a criança

seduz um adulto numa cena na qual ela é o objeto da sedução, de modo a

dissimular as manifestações da sexualidade infantil. Portanto, este importante

fator concorre para a circunscrição do fantasma de sedução como um substituto

consciente devidamente disfarçado de uma série de impulsos desejantes

recalcados. Assim, por se apresentar balizada pelo mecanismo de recalque e por

se constituir como efeito de uma formação desejante inconsciente, a fantasia

originária de sedução também parece não possuir o mesmo estatuto dos fantasmas

vazios.

Enfim, mediante estas analogias, demonstramos a dificuldade de conceber

o estatuto metapsicológico das fantasias vazias, se tivermos por base os ensaios

freudianos acerca da atividade fantasmática. Das múltiplas formas de

apresentação da figura da fantasia em sua obra – cenário narrativo, cena indizível,

cena originária e cena anestesiada – somente esta última parece assemelhar-se ao

objeto de estudo da presente tese. Nesta perspectiva, se pelo mesmo termo –

fantasia – Freud denomina atividades psíquicas tão diversas, a proposta deste

capítulo foi operar na decomposição deste terreno, para que possamos, em

seguida, circunscrever o estatuto dos fantasmas vazios, sem confundi-lo com um

devaneio, uma lembrança encobridora, uma produção inconsciente, uma fantasia

construída em análise ou uma estrutura originária. A analogia das fantasias vazias


68

com a cena anestesiada do Pequeno Hans será, de agora em diante, nosso

principal instrumento de análise.


69

Capítulo 2 – A questão do referencial discursivo

Mediante o estudo comparativo entre as múltiplas formas de presentificação da

atividade fantasmática na obra freudiana, demos um primeiro e importante passo

rumo ao objetivo de analisar o estatuto metapsicológico das fantasias vazias.

Agora, avançaremos um pouco mais em nosso propósito, encaminhando a

discussão para circunscrição dos fantasmas vazios enquanto uma escritura

balizada por uma série de referenciais discursivos. Por esta nomenclatura, nos

reportamos a determinados elementos discursivos, manifestos nos domínios dos

fantasmas vazios, que se comportam na fala do sujeito à maneira de um

referencial. No entanto, conforme nossa argumentação, este referencial não

remete a um dado concreto e presente na realidade. Pelo contrário, ele será

tomado como um elemento propriamente fantasístico que, no discurso do sujeito,

não cessa de reenviar a si próprio, possuindo uma significação clara, não ambígua

e já manifesta no instante da fala. O contraste entre as fantasias vazias e os

cenários fantasísticos do sujeito funcionará como pólo balizador do debate.

A base metapsicológica para a discussão é o modelo de aparelho psíquico

descrito por Freud (1896a/1995) na “Carta 52”. Trata-se de um texto central para

esta tese na medida em que ele traz consigo os germes de algumas temáticas que,

se devidamente desenvolvidas, serão fundamentais para a delimitação de nossa

hipótese de pesquisa. Num primeiro momento, são expostas as mais importantes

idéias presentes no texto freudiano, em especial, aquelas concernentes à proposta

de encarar o aparelho psíquico como formado por um processo de constante

estratificação do material mnêmico. Desta forma, analisaremos cada um dos

diferentes registros mnêmicos do aparato, ressaltando suas peculiaridades e


70

estabelecendo suas associações com alguns conceitos e figuras presentes tanto em

outros textos de Freud quanto em alguns dos escritos lacanianos. A partir deste

estudo, nossa atenção será voltada, na segunda parte do capítulo, para o contraste

existente entre as dinâmicas psíquicas presentes, de um lado, no registro dos

signos de percepção e, de outro, nos registros da inconsciência e da pré-

consciência. A proposta é traçar uma analogia entre as fantasias vazias e os signos

de percepção, contemplando-as enquanto um conjunto de marcas psíquicas ainda

não dispostas na trama fantasmática na forma de um encadeamento significante. A

este corresponderão, segundo nossa argumentação, as fantasias tidas enquanto

cenários narrativos. Veremos, assim, que é por seu embasamento significante que

se tornam possíveis as operações metafóricas e metonímicas características desta

última modalidade fantasmática e que, não obstante, faltam às fantasias vazias.

Por fim, são retomadas algumas considerações de Freud acerca do mecanismo de

formação simbólica para demonstrarmos os motivos que respondem pelo fato de

formações psíquicas deste tipo serem estranhas ao domínio dos fantasmas vazios.

Toda esta discussão será precedida por uma análise da noção de

elaboração psíquica, conceituada como o trabalho, de ligação das estimulações

que invadem o aparelho psíquico (LAPLANCHE, 1987). Nesta medida, tratemos

à tona a noção de ligação (Bindung), tida por Herzog (2003) como uma figura

fundamental para a compreensão da estrutura da metapsicologia freudiana.

2.1. A “Carta 52” e seus desdobramentos

Visando circunscrever o estatuto do trabalho de elaboração psíquica, bem como o

da noção de Bindung, remeto ao ensaio “Além do princípio de prazer”, no qual


71

Freud (1920/1995) investiga o modo como as excitações – provenientes tanto do

interior do corpo, quanto do mundo externo – atingem o aparelho psíquico e como

este é obrigado a efetuar um trabalho de ligação a fim de propiciar a emergência

do princípio de prazer.

No texto em questão, é estabelecida uma importante analogia entre o modo

de funcionamento do aparato e a constante luta de uma vesícula viva para manter-

se livre da estimulação. A analogia se inicia com a investigação das possíveis

conseqüências geradas na estrutura da vesícula pela estimulação proveniente do

mundo externo, profundamente carregado de excitações. Devido ao impacto

freqüente dos estímulos sobre a superfície, um escudo protetor é erigido em seu

envoltório, permitindo apenas a passagem de quantidades reduzidas de excitação

para as camadas subjacentes. O dispositivo em questão se constituiria a partir da

diferenciação permanente do tecido da membrana. Sua função é, portanto, a

preservação das outras camadas do impacto dos estímulos, a menos que a

excitação seja forte o bastante para atravessar o envoltório. Assim, com respeito à

estimulação exógena, o trauma é definido como a resultante de uma ruptura no

escudo protetor, provocando a propagação de uma quantidade exorbitante de

excitação no interior da vesícula (FREUD, 1920/1995).

Todavia, a vesícula também é atingida pela estimulação advinda do

interior do organismo e, frente à qual, não há escudo protetor algum para

apaziguar os efeitos de sua propagação. Ademais, ao contrário da excitação

exógena, apresentada como uma força de impacto momentâneo, o interior do

organismo constitui uma fonte constante de excitação. Devido a tais fatores, a

estimulação pulsional adquire, segundo Freud (1920/1995), uma maior eficácia a


72

nível econômico, sendo passível de provocar efeitos mais devastadores no aparato

psíquico do que os ocasionados pela excitação proveniente do mundo externo.

Conseqüentemente, quanto à estimulação endógena, o trauma é sistematizado

como o resultado de um transbordamento pulsional no aparelho psíquico.

Dada a incidência do trauma, Freud (1920/1995) pressupõe que o aparato

terá de empreender um certo tipo de trabalho de ligação psíquica a fim de fazer

advir o princípio de prazer. O trabalho em questão consiste em vincular a

excitação, possibilitando sua descarga de forma menos abrupta. De acordo com a

passagem abaixo:

“Seria tarefa dos estratos mais elevados do aparelho mental sujeitar a excitação
pulsional que atinge o processo primário. Um fracasso em efetuar essa sujeição
provocaria um distúrbio análogo a uma neurose traumática, e somente após haver sido
efetuada é que seria possível à dominância do princípio de prazer avançar sem
obstáculo. Até então, a outra tarefa do aparelho mental, a tarefa de dominar ou sujeitar
as excitações teria precedência, não, na verdade, em oposição ao princípio de prazer,
mas independentemente dele e, até certo ponto, desprezando-o” (FREUD, 1920/1995,
p. 46).

Com base no texto freudiano, depreendemos a existência de diferentes

níveis de ligação (Bindung) implicadas no trabalho de elaboração psíquica. O

estágio mais elementar deste procedimento consiste, basicamente, na simples

vinculação da excitação através de contra-investimentos energéticos. Trata-se de

um momento logicamente anterior ao da vigência do princípio de prazer, fazendo

com que este seja suprimido por alguns instantes, até que a estimulação seja, de

certa forma, contida mediante o estabelecimento de ligações. Estas primeiras

ligações, por sua vez, fornecem os pontos de apoio necessários a um trabalho mais
73

complexo de assimilação psíquica. Isto ocorre com o estabelecimento de uma rede

de ligações, decorrente de um segundo nível do trabalho de elaboração psíquica,

possibilitando a emergência e a conseqüente dominância do princípio de prazer

(FREUD, 1920/1995). A importância da noção de ligação (Bindung) para a

instauração e funcionamento do aparelho psíquico é exposta por Herzog (2003)

nos seguintes termos:

“Se há um ineditismo no pensamento de Freud, este diz respeito ao modo como


estrutura seu arcabouço teórico-clínico a partir da idéia de ligação. (...) Ou seja, o
termo ligação e seus correlatos – desligamento, laço, vínculo, energia ligada,
energia livre – não portando o estatuto de conceito permeia toda a construção da
psicanálise. (...) Desde o âmbito do funcionamento do aparato psíquico até sua
própria instauração, a ligação aparece como o que aciona um processo complexo
que nem sempre recebeu o devido relevo” (HERZOG, 2003, pp. 38-39).

Com efeito, a circunscrição dos dois níveis de ligações próprias ao trabalho

de elaboração psíquica – tal como apresentado em “Além do princípio de prazer”

(FREUD, 1920/1995) – impõe que nos voltemos para o modelo de aparelho

psíquico arquitetado na “Carta 52”. Nesta esquematização, Freud (1896a/1995)

demonstra interesse em circunscrever o psiquismo como um aparato de memória,

destacando sua função de armazenamento da estimulação que o atinge. A

principal idéia presente na carta é a da constituição do aparelho psíquico mediante

um processo de estratificação permanente do material mnêmico, sendo que a cada

uma destas retranscrições corresponde um diferente registro de memória. Ou seja,

a memória não seria armazenada no psiquismo de uma só vez; pelo contrário, ela
74

se desdobra em vários tempos, sendo registrada em diferentes espécies de

rearranjos.

Do ponto de vista topográfico, a partir da extremidade perceptiva do

aparelho se disporiam três diferentes registros psíquicos. Dinamicamente, o

funcionamento do aparato é concebido de forma que as retranscrições mnêmicas

ocorram na passagem da excitação de um registro para outro, e cada nova

tradução inibe a que vigorava anteriormente. Em contrapartida, quando o material

mnêmico não sofre a devida retranscrição, ele continua a ser manejado de acordo

com as leis em vigor no sistema precedente. A recusa de tradução da memória é

designada de recalcamento, processo defensivo que se impõe em virtude do

desprazer passível de ser despontado por uma nova retranscrição. O processo de

recalque promoveria, desta forma, um certo anacronismo17: em determinadas

regiões do aparelho psíquico persistiriam o que Freud (1896a/1995) associa aos

“fueros”, termo referente a antigas leis espanholas que, apesar de ultrapassadas,

ainda vigoram em determinadas províncias.

A primeira transcrição da memória, inacessível à consciência, é feita no

registro dos “signos de percepção” (Wz), cuja articulação dos traços se dá pelas

relações de simultaneidade. Por conseguinte, o material mnêmico está sujeito a

sofrer uma segunda retranscrição no registro denominado “inconsciência” (Ub),

de acordo com as leis da causalidade. Enfim, no registro da “pré-consciência”

(Vb), os traços são ligados às representações-palavra, o que viabiliza o ingresso na

consciência (Bews). É de suma importância salientar que, apesar de descrever

17
O termo “anacronismo” não está sendo por nós empregado para designar aquilo que se encontra
fora de moda ou ultrapassado, mas para explicar a perpetuação de determinadas formações
psíquicas no aparato que, de certo modo, contrastam com as outras.
75

apenas estes três registros da memória, Freud (1896a/1995) não descarta a

possibilidade da existência de outras retranscrições do material mnêmico.

Neste contexto, podemos traçar uma analogia entre o registro dos signos

de percepção e o primeiro nível do trabalho de elaboração psíquica proposto por

Freud (1920/1995) em “Além do princípio de prazer”, no qual a ligação se dá

simplesmente por intermédio de contra-investimentos energéticos. Em

contrapartida, os registros subseqüentes corresponderiam ao estabelecimento do

circuito ou rede de ligações psíquicas, onde predomina o reinado do princípio de

prazer. Vejamos estes níveis do trabalho de ligação a partir do esquema sugerido

na “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995, p. 282):

I II III

W Wz Ub Vb Bews

X X X X X X X X X X

______ ______ _______ ______


X
X
X X X X X

[percepção] [signos de percepção] [inconsciência] [pré-consciência] [consciência]

De acordo com tal encaminhamento, a excitação penetra no aparato por

sua extremidade perceptiva (W). Cabe ressaltar que, para o pensamento freudiano,

percepção e memória são funções psíquicas mutuamente excludentes e, portanto,

o sistema encarregado da percepção não pode reter traço de memória algum, a fim
76

de exercer sua função da melhor forma possível18. Conseqüentemente, os traços

mnêmicos só serão preservados nos registros seguintes (FREUD, 1896a/1995).

Os processos excitatórios que passam pela extremidade perceptiva deixam

alguns sinais, designados por Freud (1896a/1995) de “signos de percepção” (Wz),

constituindo, deste modo, o primeiro registro mnêmico. Com isto, marca-se que o

aparato não registra a totalidade daquilo que fora percebido, mas apenas alguns

signos, fragmentos associados pela contigüidade própria ao evento original

(LEJARRAGA, 1996).

Nesta perspectiva, Garcia-Roza (1996) recorre ao termo alemão

“Prägung”, visando salientar que os signos em questão possuem o estatuto de

marcas, ou seja, impressões que apenas afetam o aparato, ainda não inscritos

enquanto traços mnêmicos, articulados uns aos outros na forma de uma cadeia.

Trata-se, conforme já acima ressaltado, do nível mais elementar do trabalho de

elaboração psíquica, momento logicamente anterior ao do reinado do princípio de

prazer e, portanto, situado para mais aquém do processo de recalque19.

Como ilustração destes elementos que se inscrevem no aparelho psíquico

não como lembranças, mas como marcas ou simples impressões, podemos

mencionar a “cor amarela” presente na lembrança encobridora de Freud20: ou seja,

de todas as vivências que ele tivera com a prima, o tom amarelado do vestido da

18
O tema da exclusão mútua entre as funções de percepção e de memória já havia sido proposto
por Freud (1895/1995) no “Projeto para uma psicologia científica”. Contudo, ele receberá uma
maior atenção em alguns escritos posteriores, tais como “A interpretação de sonhos” (FREUD,
1900/1995), “Além do princípio de prazer” (FREUD, 1920/1995) e, principalmente, “Uma nota
sobre o ‘bloco mágico’” (FREUD, 1925/1995).
19
Pela expressão “mais aquém do processo de recalque” fazemos alusão ao mecanismo de
recalque propriamente dito, tal como concebido por Freud (1915a/1995 e 1915b/1995) nos escritos
metapsicológicos e que atuaria na fronteira entre os sistemas inconsciente e pré-
consciente/consciente. Um confronto teórico entre o conceito de recalque presente na “Carta 52” e
este referido à primeira tópica será objeto de análise da primeira seção do próximo capítulo.
20
Ver segunda seção do capítulo anterior.
77

amada permaneceu gravado em seu psiquismo dissociado do contexto original.

Um outro exemplo pode ser encontrado em “Inibição, sintoma e angústia”. Neste,

quando Freud (1926/1995) situa o nascimento como o protótipo dos demais

estados traumáticos, presume-se que não se trata da conservação psíquica

completa da experiência em questão. Registra-se apenas algumas expressões

corporais ligadas à vivência, tais como hiperatividade dos órgãos respiratórios e

aceleração do ritmo cardíaco. Por conseguinte, com a ameaça de surgimento de

uma nova situação de perigo no decorrer da vida do sujeito, estas sensações

corporais serão reinvestidas e repetidas, ainda que não associadas ao evento que as

originou. Isto também pressupõe as inscrições destas sensações no aparelho

psíquico na forma de signos de percepção e não enquanto lembranças

propriamente ditas (GARCIA-ROZA, 1996).

Num comentário acerca deste modelo de aparelho psíquico, Braunstein

(1990) salienta que os signos de percepção possuem um estatuto bastante peculiar:

eles são escrituras ainda desorganizadas, anteriores ao processo de simbolização,

configurando-se enquanto matrizes a serem recuperadas pelas inscrições

posteriores. Tratar-se-ia de uma escritura ainda não articulada na forma de uma

cadeia significante, consistindo, portanto, enquanto uma linguagem cifrada na

qual os elementos são estranhos à organização narrativa propriamente dita21.

Nesta perspectiva, a ausência de nexos causais ou temporais entre os

signos de percepção pode conduzir a sua comparação com o que, na segunda

tópica, Freud (1923/1995) denominou de isso. Ou seja, deixando de lado o

substrato biológico fornecido a tal conceito, bem como relativizando o seu aspecto

21
Estas considerações de Braunstein (1990) são de suma importância para a tese e serão retomadas
em outros momentos da nossa argumentação.
78

puramente intensivo, vemos o isso como um conjunto de elementos gráficos que

passam à margem da contradição lógica ou dialética, posto que não são

submetidos a nenhuma organização. Onde falta a contradição e as idéias de tempo

e de causa, reinaria o caos – outra característica atribuída por Freud ao isso –, caos

remetido não à configuração de um caldeirão pulsional, mas ao fato dos signos de

percepção serem desorganizados e absolutamente intercambiáveis entre si

(BRAUNSTEIN, 1990).

Retomando as considerações de Freud (1896a/1995) acerca do modelo da

“Carta 52”, verificamos que esta escritura desorganizada fornece o suporte

necessário para a constituição do segundo registro mnêmico denominado de

“inconsciência” (Ub), onde os elementos já se encontram articulados e

organizados pelas leis da causalidade. Nesta medida, uma referência ao “Projeto

para uma psicologia científica” auxilia na compreensão deste processo de

articulação entre as diversas impressões que afetam o aparato. No ensaio em

questão, Freud (1895/1995) elaborou um modelo de aparelho psíquico dividido

em três sistemas de neurônios, e com funções diferenciadas de acordo

com suas capacidades de armazenamento de energia. Em linhas gerais, o sistema

, por lidar com quantidades exorbitantes de excitação oriundas do mundo

externo, é apresentado como um agrupamento neuronal totalmente permeável, que

se diferenciou para assumir a função de percepção. Ao sistema cabe a

percepção-consciência, a atribuição de qualidade ao que é da ordem da pura

quantidade e a transmissão dos signos de realidade aos neurônios . Estes, por sua

vez, recebem indiretamente a excitação exógena e estão conectados à excitação

proveniente do interior do corpo. Trabalhando com quantidades reduzidas de


79

energia, tais neurônios são capazes de armazená-la, encarregando-se, portanto, da

memória neurônica conceituada como uma alteração permanente na estrutura

neuronal promovida pela retenção da excitação.

Nestes termos, a memória é circunscrita como um fenômeno possibilitado

pelo fato da resistência nas barreiras de contato entre os neurônios ser maior do

que a magnitude da estimulação que o atinge. No entanto, apesar de ser postulado

que a força das barreiras de contato impede o escoamento das estimulações,

também é considerado que elas se alteram constantemente, permitindo a difusão

da excitação pelos caminhos menos resistentes. Conseqüentemente, dá-se o

estabelecimento de alguns caminhos facilitados ao longo da trama neuronal, ou

seja, uma série de percursos preferenciais para os futuros escoamentos dos

estímulos (FREUD, 1895/1995).

Deste modo, podemos traçar uma analogia entre o processo de articulação

dos diversos signos de percepção e a constituição dos encadeamentos entre os

neurônios por intermédio das facilitações na trama neuronal. Nesta medida,

Garcia-Roza (1996) assinala que a formação das facilitações implica na

conservação permanente das impressões no aparato – a impressão torna-se um

traço de memória – bem como na organização dos diversos traços nos moldes de

um texto psíquico. Isto demonstra que, ao contrário do que ocorre no registro

precedente, no sistema inconsciente já existe uma coerência, organização e

articulação entre os traços.

Aqui, a referência aos sonhos é fundamental, principalmente, se tomarmos

por base o pressuposto de Freud (1895/1995) de que os sonhos seguem antigas

facilitações. Em outros termos, por consistir na repetição de um caminho


80

facilitado, o sonho se apresenta propriamente como um texto psíquico. Ou seja,

apesar de concebido como caótico e sem sentido – de acordo com a lógica da

consciência – a metapsicologia freudiana destaca que eles obedecem a uma outra

lógica, lógica esta que rege o sistema inconsciente, aludindo às leis da

condensação e do deslocamento. Isto demonstraria já a existência de uma certa

organização no registro da inconsciência.

Tido como um texto psíquico, o sonho representa uma estrutura na qual

um traço vai sempre remeter a outro traço a ele encadeado, e assim por diante.

Segundo Garcia-Roza (1996), se sonharmos, por exemplo, com o sol e com um

jogo de dados, podemos perceber que a imagem onírica do sol não remete

necessariamente à estrela solar, bem como os dados aos jogos e brincadeiras; pelo

contrário, as duas imagens unidas – uma remetida a outra – pode fazer referência à

palavra “soldado”. Portanto, no texto psíquico inconsciente, é o encadeamento de

um traço mnêmico ao outro que produz a significação, sem que haja relação entre

os traços em questão e as coisas referidas.

Trata-se aqui, nos termos de Lacan (1957/1998), do estabelecimento de

uma cadeia significante. Ou seja, no registro da inconsciência, forma-se um

discurso no qual um significante nada significa, mas se articula a um outro; e,

somente a partir deste elo, é que advém a significação22. Para Braunstein (1990),

na “Carta 52”, o registro da inconsciência é um ponto intermediário de ligação

entre o sistema de cifras que o precede e o do diálogo impregnado de sentido que

o segue. Assim, o inconsciente já é um discurso, ainda que se apresente de forma

bastante peculiar: uma cadeia de significantes segue seu próprio destino,

22
Cabe destacar que o próprio Lacan (1959-1960/1997) já havia traçado uma analogia entre a
trama de facilitações neuronais e a cadeia significante.
81

produzindo determinadas significações que, por sua vez, não são compreendidas

ou mesmo apreciadas por uma testemunha em potencial. Em outros termos,

destaca-se que, no caso dos sonhos, cada sonhador produz o seu próprio código e,

caso o mesmo elemento estivesse presente nos sonhos de duas pessoas distintas,

seu sentido jamais seria o mesmo.

De acordo com a “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), a coerência

discursiva, o pensamento racional e todas as outras características atreladas aos

processos psíquicos secundários só encontram seu espaço no terceiro registro

mnêmico designado de “pré-consciência” (Vb). Neste sistema psíquico – que,

segundo a teorização freudiana corresponde ao registro do eu – os traços

mnêmicos são ligados às representações-palavra. Tal ligação torna os traços

mnêmicos potencialmente capazes de assomar à consciência. No entanto, é

assinalado que se trata aqui de uma “consciência secundária de pensamento”

(FREUD, 1896a/1995, p. 283) e que se efetiva de acordo com a lógica do a

posteriori (Nachträglich).

Assim, mediante uma analogia bastante curiosa, Lacan (1958/1998)

compara o modelo de aparelho psíquico da “Carta 52” à dinâmica de um jogo de

loteria. Nele, um conjunto de números é colocado dentro de um globo e sorteados

ao acaso. No instante do sorteio, os números – que até então se organizavam de

forma caótica – passam a ser dispostos numa determinada seqüência ainda

arbitrária. Por fim, os números são postos em relação com uma matriz simbólica –

no caso, os bilhetes de loteria – que, assim, servirá de molde para o fornecimento

de um sentido para os números, sentido este, por todos compartilhado e

compreendido.
82

Braunstein (1990), por sua vez, recorre a uma analogia técnica para

explicitar as múltiplas retranscrições do material mnêmico da “Carta 52”.

Segundo o autor, a tecnologia para a construção de um disco laser se inicia com o

simples registro de números, cifras e dígitos sobre uma superfície metálica,

completamente estranha à arte musical. Num segundo momento, estas inscrições

são decodificadas por um raio laser que as transforma em impulsos elétricos. Por

fim, as informações são enviadas a um sistema de transformação e de tradução em

movimentos que, ao atingirem os auto-falantes, ressoam, aos ouvintes, como uma

música.

Seguindo esta linha de raciocínio, podemos fornecer à “Carta 52” uma

importante ilustração clínica. Retomando a história do Homem dos lobos,

verificamos que, em alguns extratos do caso, Freud (1918/1995) considera

plausível o fato da criança ter presenciado uma cena de cópula entre cães pastores.

Nesta medida, podemos lançar a seguinte hipótese: de todo este complexo

perceptivo, permaneceu inscrita em seu psiquismo apenas a imagem da posição

dos animais no instante do coito. Outras imagens – referentes, por exemplo, ao

desenho do lobo no livro que sua irmã constantemente lhe mostrava; ao lobo

pulando pra dentro do quarto do alfaiate quando a janela se abre (como na história

que seu avô lhe contava); ou à visão de presentes de natal dispostos sobre os

galhos de uma nogueira – também foram inscritas, porém dissociadas umas das

outras. Na noite de seu quarto aniversário, tais imagens são articuladas dando

origem ao sonho dos lobos sentados nos galhos da nogueira, sonho este estranho

tanto ao Homem dos lobos quanto àquele que o possivelmente escutara. Enfim, o

trabalho de interpretação decompõe o sonho em fragmentos que são reunidos


83

numa construção discursiva coerente: quando criança, ele havia sido testemunha

de uma relação sexual entre os pais, e a posição destes no ato da cópula em muito

lembraria a postura dos lobos ilustrados nos desenhos que via constantemente.

Com efeito, a construção em análise promoveria a instauração de um

encadeamento discursivo coerente entre cada uma das imagens desconexas

inscritas no aparelho psíquico do Homem dos Lobos23. Assim, no ato da

construção em análise, os traços de memória são ligados a determinadas

representações-palavra. Esta articulação vai, a posteriori, dotar de significação as

impressões até então desconexas24.

Retomaremos, a seguir, alguns dos tópicos analisados em nossa releitura

da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), temas estes podem auxiliar na proposta de

circunscrição do estatuto metapsicológico das fantasias vazias.

2.2. Da cadeia significante ao referencial discursivo

O primeiro ponto a ser destacado do modelo de aparelho psíquico esboçado na

“Carta 52” (FREUD, 1896a/1995) remete ao contraste entre, de um lado, os

signos de percepção e, de outro, os registros da inconsciência e da pré-

consciência. Nesta medida, guardadas as devidas diferenças entre estes dois

últimos registros, pode-se destacar que ambos apresentam a característica de, em

seus domínios, os traços mnêmicos estarem articulados uns aos outros na forma

de uma trama narrativa. Já no nível dos signos de percepção, as diversas marcas

23
De fato, não cabe aqui uma análise minuciosa de como cada um destes fragmentos foi
entrelaçado aos outros na construção freudiana. Para tal, remeto o leitor ao quarto capítulo do texto
de Freud (1918/1995) intitulado “O sonho e a cena primária”.
24
Cabe ressaltar que estamos trabalhando com a hipótese do Homem dos lobos não ter realmente
presenciado a cena primária na infância. De acordo com a análise do capítulo anterior, preferimos
encará-la como algo que só teve existência a partir do ato de construção.
84

não se articulam como um todo; pelo contrário, estão desconectadas umas das

outras, situando-se para mais aquém do processo de constituição da cadeia

narrativa historicizada e romanceada. Com base nestes pressupostos,

trabalharemos a partir de agora na circunscrição de uma articulação entre, de um

lado, os signos de percepção e os fantasmas vazios e, de outro, os registros da

inconsciência e da pré-consciência e os fantasmas que se apresentam na clínica

enquanto cenários narrativos. O objetivo desta análise será o de correlacionar as

fantasias vazias com o registro dos signos de percepção delimitando, portanto,

uma analogia entre seus estatutos metapsicológicos. Em contrapartida,

relacionaremos os cenários fantasmáticos narrativos ao registro do significante.

Começaremos por esta última correlação.

Conforme o exposto acima a respeito da “Carta 52” (FREUD,

1896a/1995), os nexos causais que se formam no registro da inconsciência

fornecem o elo necessário entre os traços mnêmicos para a constituição de uma

trama historicizada. Assim, tal como demonstrado com relação aos devaneios e às

lembranças encobridoras, as cenas dispostas na estrutura fantasística se

sucederiam umas às outras, de modo a configurar uma relação de causa e efeito

entre elas. Dada a instituição dos nexos causais, também é possível à trama

fantasmática desenrolar-se no tempo, viabilizando o advento de um cenário

fantasístico romanceado. Por exemplo, no caso da lembrança encobridora

(FREUD, 1899/1995), a prima de Freud chora porque as flores foram tiradas de

suas mãos; para acalmá-la, lhe é oferecido um pedaço de pão; enfim, o próprio

Freud esconde suas flores para receber o pedaço de pão. Vale ressaltar que esta
85

mesma organização se faz presente em todas as manifestações fantasmáticas

configuradas enquanto cenários narrativos.

A articulação destas fantasias com os registros da inconsciência e da pré-

consciência também se legitima na medida em que, de acordo com Braunstein

(1990), reconhecemos, nas retranscrições mnêmicas em questão, o espaço

propício à instauração daquilo que Lacan denominou de cadeia significante. Com

efeito, constatamos ser o registro significante subjacente às fantasmatizações em

questão aquilo que possibilita que elas apresentem as suas principais

características. Com efeito, ao fazermos tal afirmação, estamos nos servindo do

conceito de significante tal como concebido por Lacan (1957/1998) no ensaio “A

instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”. Trata-se do

significante dissociado do significado e que, sobre este, possui uma primazia. Em

si, o significante não remeteria diretamente a nenhum significado a priori, mas se

articula com outros significantes, na forma de uma cadeia, para produzir a

significação:

“Se pode dizer que é na cadeia do significante que o sentido insiste, mas que
nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse
mesmo momento. Impõe-se, portanto, a noção de um deslizamento incessante do
significado sob o significante” (LACAN, 1957/1998, p. 506, grifo do autor).

De acordo com o que foi assinalado no capítulo anterior, a fantasia tida

enquanto um cenário narrativo manifesta-se como um conjunto de teorias

formuladas pelo sujeito para compreender sua história de vida, seus sintomas e

conflitos e, ainda, para a imaginação de situações futuras, bem como para o

entendimento do estranho comportamento dos outros. Trata-se, assim, de destacar


86

que o sujeito constrói uma série de fantasmatizações historicizadas e estruturadas

por intermédio de elos causais, temporais, etc, com a finalidade de oferecer uma

interpretação para os mais diversos fenômenos com os quais se defronta. Claro

está que tais fantasmatizações não possuem o estatuto de verdades; pelo contrário,

elas se manifestam como interpretações dadas pelo sujeito para os fatos em

questão. Tais interpretações, por sua vez, são subjetivas e, portanto, não devem

ser confundidas com tentativas de desvendar o sentido oculto por detrás destes

fenômenos.

Esta característica peculiar do cenário narrativo do sujeito conduz ao seu

atrelamento ao registro do significante, pois ao postular que o significante não é

signo e nem sinal da coisa, Lacan (1957/1998) retira deste registro qualquer

pretensão de dar uma significação absoluta a um determinado fenômeno. Ou seja,

o significado – tido como o sentido a todos comum de uma determinada

experiência – é posto de lado e, conseqüentemente, o significante passa a resistir

ao processo de significação. Assim, para o pensamento lacaniano, o significante

não possui, de modo algum, uma significação intrínseca, perdendo a sua função

de representação do significado. Nesta medida, ele apenas ocupa uma posição ou

um lugar numa cadeia, e o sentido resultaria da combinação entre os elementos

desta trama.

Disso resulta a lei da primazia do significante frente ao significado, núcleo

balizador de toda a teoria lacaniana. Com efeito, nunca devemos imaginar o

significante sozinho na medida em que ele só o é para outros significantes a ele

encadeados. Conseqüentemente, são as permutas próprias ao domínio significante


87

o que criam a significação, como se o significante preexistisse ao significado

(LACAN, 1957/1998).

Assim, pressupondo ser a ausência de significação aquilo que está na

origem da cadeia significante, motivando-a e impondo suas diversas permutas,

podemos concluir que o sentido a ser estabelecido pelo discurso subjetivo é

sempre um resultado, um efeito ou, mais especificamente, uma produção. Ou seja,

pensar a dinâmica psíquica enquanto um conjunto de redes significantes

entrelaçadas conduz à proposta de encarar o sentido como construído pelo sujeito,

e não como algo já dado de antemão, perdido e à espera de alguém para desvendá-

lo. Conseqüentemente, encarando a cadeia significante como algo que se

presentifica na fala do sujeito na forma de um cenário narrativo fantasmático,

podemos assinalar que o sentido a ser construído é dado, justamente, pelas

produções fantasísticas do próprio sujeito. Este é o primeiro ponto a ser destacado

na proposta de pensar as fantasias em questão enquanto vinculadas ao registro

significante.

Avancemos um pouco mais em nossa argumentação, retomando o modelo

da “Carta 52”. Conforme foi acima assinalado, Freud (1896a/1995) destaca que o

aparato se constitui mediante retranscrições permanentes do material mnêmico.

Assim, apesar de mencionar na carta apenas algumas poucas retranscrições, ele

diz ser possível que haja vários outros rearranjos do material psíquico. Trata-se de

uma afirmação fundamental para a presente análise e, nesta perspectiva, o paralelo

que estamos traçando entre a cadeia significante, o cenário fantasístico do sujeito

e os registros mnêmicos da inconsciência e da pré-consciência pode auxiliar na

sua compreensão.
88

Deste modo, devemos ter em mente que o cenário fantasístico se manifesta

como algo passível de sofrer constantes rearranjos, de modo que o sentido dado

pelo sujeito para um elemento num determinado momento pode não ser o mesmo

fornecido em outra ocasião. Ou seja, conforme Freud (1908a/1995) demonstra no

ensaio “Escritores criativos e devaneio”, a atividade fantasmática não se apresenta

enquanto uma estrutura inalterável; pelo contrario, ela sofre reformulações

contínuas ao longo da vida subjetiva25. Nesta perspectiva, é justamente o seu

atrelamento ao registro significante aquilo que fornece o substrato

metapsicológico necessário para o entendimento deste dinamismo, pois a cada

novo rearranjo na cadeia significante, uma nova fantasia é construída e,

conseqüentemente, uma nova retranscrição mnêmica é erigida.

Tomemos como exemplo algumas fantasias do Pequeno Hans. Segundo

Freud (1910a/1995), uma série de fantasmatizações da criança justificava o

quadro clínico de fobia a cavalos, sendo o objeto da fobia um substituto da figura

paterna. Nesta perspectiva, a visão de um cavalo morrendo faz surgir um desejo

de morte do pai, processo associativo este motivado por algumas semelhanças

entre o cavalo e a figura paterna: o pai, quando bravo, batia as pernas severamente

tal qual um cavalo. Ao longo da história clinica, verificamos também que o pai

não era substituído na fantasia de Hans apenas pelo cavalo pois, numa outra

fantasia, é a girafa o animal que aparece simbolizando o pai. Assim, numa

determinada produção fantasmática da criança, havia duas girafas em seu quarto –

uma grande e outra amarrotada – e quando Hans senta em cima da girafa

amarrotada, a outra se põe a gritar, pois havia sido levada para longe da

25
Conforme argumentação da segunda seção do capítulo anterior.
89

companheira. De acordo com Freud (1910a/1995), o conteúdo fantasmático que

assoma à consciência consistiria num substituto disfarçado de uma outra fantasia

inconsciente composta pelo desejo de tomar posse (sentar em cima) da mãe

(girafa amarrotada) para desespero do pai (girafa grande). Também, em suas

fantasias, a irmã Hanna era constantemente associada a um lumf (fezes) e,

segundo a leitura freudiana, tal justaposição representa uma associação

inconsciente entre um bebê e um lumf, de modo que os dois saíam do corpo da

mãe da mesma maneira.

Deste modo, devemos destacar que são, justamente, as permutas na cadeia

significante o que possibilita as substituições dos elementos uns pelos outros – de

um lado, os elementos pai, cavalo e girafa grande; de outro, mãe e girafa

amarrotada; e, ainda, Hanna e lumf – fazendo advir uma nova fantasia e

promovendo uma nova retranscrição do material mnêmico. Nesta perspectiva, de

acordo com Lacan (1957/1998), são as operações metafóricas e metonímicas as

responsáveis pelas substituições entre os elementos da cadeia, instaurando novas e

constantes retranscrições fantasísticas. Portanto, este é mais um motivo que temos

para articular o cenário fantasmático narrativo do sujeito ao registro significante.

Passemos ao exame desta questão.

Para explicitar suas concepções acerca dos processos metafóricos e

metonímicos, Lacan recorre a algumas diretrizes presentes nos trabalhos de

Jakobson26. Segundo este autor, o discurso é orientado por dois eixos: o eixo

paradigmático que abrange o tesouro da linguagem e do qual selecionamos um

termo entre outros para construir nossa fala; e o eixo sintagmático, referido à

26
Para maiores detalhes acerca de como os conceitos em questão são trabalhados pelo lingüista,
remeto à Jackobson (1963).
90

operação de combinação das unidades lingüísticas escolhidas. O eixo

paradigmático, associado à sincronia, viabiliza a substituição dos termos entre si,

de modo que um termo levaria ao outro pela similaridade entre eles existente; o

eixo sintagmático, por sua vez, está ligado às articulações dos elementos

escolhidos, estabelecendo entre eles uma relação de contigüidade. Assim, o

lingüista conclui que os processos metafóricos se associam ao eixo paradigmático

e as operações metonímicas se vinculam ao eixo sintagmático.

Apoiado nestes estudos, Lacan (1957/1998) define o processo metafórico

enquanto a substituição de um significante por outro que tenha com o primeiro

uma relação de similaridade; a operação metonímica, por sua vez, seria aquela

responsável pela própria conexão entre os significantes na cadeia. Deste modo, a

metáfora é o mecanismo que implanta um significante na cadeia, significante este

que assume o lugar de um outro, fazendo com que este último passe para um

estado latente. Ou seja, nas cadeias fantasísticas de Hans, o significante “pai” irá

servir de suporte para uma série de operações metafóricas, fazendo erigir, a cada

substituição significante, uma nova retranscrição do material psíquico e,

conseqüentemente, um novo remanejamento fantasmático. A primeira

substituição ocorre entre os significantes “pai” e “cavalo”, e quando o segundo

entra na cadeia no lugar do primeiro, este é jogado para o inconsciente; o mesmo

processo pode ser entrevisto na fantasia das girafas, quando os significantes

“girafa grande” e “girafa amarrotada” assumem, respectivamente, o lugar dos

significantes “pai” e “mãe”; o significante “Hanna” também é substituído por

“lumf” por intermédio de uma operação metafórica, na medida em que entre eles
91

existe uma relação de semelhança, pois os dois saem do corpo da mãe do mesmo

modo.

A metonímia, por sua vez, seria, ela própria, a responsável pelo

encadeamento de um significante a outro, combinando termos provenientes de

diferentes registros. Em si, o processo metonímico é aquele que se define,

segundo Lacan (1957/1998), por levar de um significante a outro mas,

diferentemente do que ocorre na metáfora, a substituição significante não faz com

que o primeiro fique em estado latente; pelo contrário, eles permanecem em

contigüidade um com o outro. Nesta medida, o procedimento metonímico

possibilita que o discurso fantasmático do sujeito se desdobre no tempo. Em

outros termos, trata-se de destacar que, pelas articulações metonímicas, uma

determinada fantasia vai estar sempre ligada à outra por contigüidade, numa

seqüência infinita de novos rearranjos narrativos e – de acordo com a linguagem

da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995) – de novas retranscrições mnêmicas.

Como no procedimento metonímico o significante substituído permanece

em associação de contigüidade com aquele que o substitui, concluímos que,

mediante o artifício da associação livre, é permitido ao sujeito passar de um a

outro, evocando-o durante o tratamento analítico. Este é o último ponto a ser

destacado nesta correlação entre o discurso fantasístico narrativo e seu

embasamento significante. Ou seja, pode-se ressaltar que a narrativa fantasmática

se apresenta como uma estrutura passível de interpretação, justamente, por estar

articulado pelas leis da metonímia. Nesta medida, cabe à interpretação

psicanalítica avançar por entre os meandros do encadeamento metonímico,


92

promovendo a desmontagem destes circuitos e, conseqüentemente, o advento de

um novo rearranjo do material psíquico.

Desta maneira, conclui-se que o discurso fantasístico do sujeito repousa

sobre o fenômeno da sobredeterminação, tal como Freud (1900/1995) postulou

em relação aos sonhos. Ou seja, pelo discurso do sujeito estar entrelaçado por uma

infinidade de deslocamentos metonímicos, será impossível ao procedimento

analítico substituir um significante por um único significado; pelo contrário, a

interpretação tem por função a desconstrução de um cenário fantasmático para que

ele se abra em direção a uma pluralidade de outros significantes que, por sua vez,

remeterão a outros significantes, e assim por diante.

É este dinamismo que se refere o famoso axioma de que “um significante é

aquilo que representa o sujeito para um outro significante” (LACAN, 1960/1998,

p. 833). Trata-se, com isto, de destacar que o sujeito é sempre pontual e

evanescente (LACAN, 1964/1998) na medida em que ele é representado por um

significante para outro significante, sem que nenhum deles consiga responder

absolutamente à pergunta “o que é o sujeito?”27. Assim, radicaliza-se, na clínica, a

impossibilidade de se exercer uma hermenêutica tal como concebida nos moldes

tradicionais, na medida em que não há um significante último a ser alcançado pela

interpretação. De modo contrário, conforme foi assinalado no capítulo anterior28,

a interpretação se dá de um significante para outro significante, sendo justamente

o fato de um sempre se ligar a outro em cadeia, aquilo que torna possível tanto à

interpretação, quanto o seu correlato, a associação livre.

27
Com efeito, a fórmula em questão traz implicações bastante incisivas para a interpretação
psicanalítica, posto que o sujeito ao qual o axioma se refere é o sujeito do inconsciente (LACAN,
1964/1998).
28
Ver segunda seção.
93

Ainda com base no modelo de aparelho psíquico da “Carta 52” (FREUD,

1896a/1995), passemos, agora, à analogia dos fantasmas vazios com o registro dos

signos de percepção.

De fato, os fantasmas vazios parecem possuir um estatuto metapsicológico

semelhante ao desta primeira inscrição mnêmica. Segundo este ponto de vista, o

registro em questão deve ser concebido não propriamente como um aglomerado

de resíduos do processo perceptivo mas, de acordo com a leitura de Braunstein

(1990), como um conjunto de escrituras psíquicas dissociadas uma das outras. Em

consonância com nossa hipótese, estas escrituras desagregadas se atualizariam, no

discurso do sujeito em análise, numa determinada cena ou imagem fantasística

anestesiada.

Tratar-se-ia, portanto, no domínio dos fantasmas vazios, de algo que se

perpetua no aparelho psíquico na forma de uma escritura elementar. Em outros

termos, devemos trazer à tona o anacronismo por Freud (1896a/1995) sustentado

entre os diferentes registros mnêmicos da “Carta 52”: ao lado de rearranjos

fantasísticos mais elaborados, alguns “fueros” ainda persistem no aparato. Como

se, de acordo com a proposta freudiana, o material em questão não sofresse

retranscrição alguma e, conseqüentemente, permanecesse situado para aquém do

registro da inconsciência. Deste modo, esta escritura elementar não seria tocada

pelo mecanismo de encadeamento mnêmico, resistindo ao processo metonímico e

a qualquer possibilidade de remanejamento significante.

O anacronismo em questão ajuda, portanto, a tornar compreensível o

estranho fenômeno referente ao fato dos fantasmas vazios se manifestarem na

clínica sempre ao lado de outras produções fantasísticas bastante férteis, sejam


94

elas visões de mundo, lembranças do passado ou projeções para o futuro. Como

vimos a respeito do caso do Pequeno Hans (FREUD, 1910a/1995), existia um

contraste entre a cena fantasmática anestesiada do cavalo com o preto ao redor da

boca e os demais romances fantasísticos por ele inventados: enquanto estes

últimos eram bastante ricos, servindo como cenários para a realização de desejos e

correções da realidade insatisfatória, a primeira se manifestava simplesmente

enquanto uma cena neutralizada, fixa e sem coloridos ou predicados. Nem se

conseguia, ao certo, dizer qual a sua função na dinâmica psíquica de Hans, ou

seja, se ela servia à realização de desejos ou à correção da realidade insatisfatória,

pois o tratamento sempre vacilava nas tentativas de descobrir qual o papel por ela

desempenhado na história da criança.

Com efeito, a ausência de nexos causais, temporais ou de qualquer outra

ordem impossibilita, no domínio das fantasias vazias, o estabelecimento de uma

trama fantasmática romanceada e historicizada. Nesta medida, teríamos aí o

substrato metapsicológico necessário para explicar a estranha característica dos

fantasmas vazios de sempre se manifestarem no discurso do sujeito na forma de

uma mesma cena anestesiada.

Com base nestes pressupostos, podemos arriscar a hipótese de trabalho de

que, no campo fantasmático do sujeito, nem tudo se reduz ao registro do

significante. Em outros termos, devemos destacar, mediante a analogia dos

fantasmas vazios com a inscrição psíquica elementar da “Carta 52” (FREUD,

1896a/1995), uma outra modalidade de expressão fantasística que em nada se

assemelha àquela característica do cenário fantasmático narrativo do sujeito.


95

De fato, no domínio das fantasias vazias, não há o remetimento

metonímico de um elemento ao outro e tampouco a configuração de uma

formação simbólica passível de ser instaurada por uma operação metafórica.

Entretanto, cabe assinalar, que nem por isso devemos classificá-las enquanto

expressões fantasísticas mais rudimentares ou menos elaboradas que as outras

com as quais nos deparamos a todo momento na clínica. Tratar-se-ia, apenas, de

uma modalidade de configuração fantasmática distinta, na medida em que

encontra seus alicerces numa outra forma de escritura que não a significante.

No entanto, também seria problemático delimitar que, já que as fantasias

vazias não remetem ao registro significante, elas consistiriam propriamente numa

escritura de signos. Com efeito, é necessário destacar que Lacan também faz

algumas referências ao registro do signo, circunscrevendo-o enquanto um regime

oposto ao que é observado no campo significante; mas, conforme veremos a

seguir, nem por isso, devemos apressadamente correlacionar os fantasmas vazios

à economia do signo.

As referências lacanianas ao registro do signo encontram seu ponto de

apoio na semiótica de Peirce, para quem o signo, de modo geral, remete a alguma

coisa que, aos olhos de alguém, está para outra coisa29. Assim, no “Seminário 7: A

ética da psicanálise”, Lacan (1959-1960/1997) nos apresenta o signo da seguinte

forma: “o signo, segundo a expressão de Peirce, é o que está no lugar de algo para

alguém” (p. 116). A mesma definição é encontrada no “Seminário 9: A

identificação” (LACAN, 1961-1962, inédito), na qual o registro do signo aparece

como contraposto ao domínio do significante: “o significante, ao contrário do

29
Para maiores detalhes acerca da concepção semiótica do signo, remeto a Peirce (1897/2003).
96

signo, não é o que representa algo para alguém, é o que representa, precisamente,

o sujeito para outros significantes” (aula de 6 de dezembro de 1961).

De acordo com estas definições, a economia do signo diverge da economia

significante, pois enquanto um significante sempre reenvia a um outro

significante, o signo reenviaria ao objeto autêntico30. Em outros termos, a palavra

que faz signo remete diretamente àquilo que é designado, enquanto que a palavra

entendida como significante remeteria infinitamente a outras palavras. Nesta

medida, é justamente pela presença deste rudimento de laço natural que liga a

palavra que faz signo ao objeto designado que, por muitas vezes, Lacan foi avesso

à concepção de signo. De fato, há um pressuposto realista subjacente à economia

do signo, de modo que este remeteria incessantemente às impressões que o sujeito

recebe do mundo onde vive e às relações ditas naturais que desenvolve com os

objetos (LACAN, 1955-1956/1998). Desta maneira, Lacan destaca que o registro

do signo se apresenta como uma barreira para a apreensão do domínio

significante, tal como por ele pensado em “A instância da letra no inconsciente ou

a razão desde Freud” (LACAN, 1957/1998). De acordo com a passagem de

“Radiofonia”:

“Nenhuma significação, doravante, será tida como evidente. (...) Eu chamarei de


semiótica toda disciplina que parte do signo tomado como objeto, mas para ilustrar
que é isso que cria obstáculo à captação como tal do significante. (...) O signo basta
para que (...) [se] faça da linguagem a apropriação de um simples instrumento. (...)
Eis aí a linguagem como suporte” (LACAN, 1970/2003, p. 401).

30
Com efeito, são muitas as acepções que o conceito de signo recebeu ao longo do pensamento e,
para maiores detalhes acerca do tema, remeto a Deleuze e Guattari (1995). No entanto, não cabe
nesta tese um exame pormenorizado desta questão e, por isso, estamos sempre nos reportando à
concepção peirciana de signo que, em última instância, é a que o pensamento lacaniano utiliza para
diferenciá-la da abordagem do conceito de significante.
97

Segundo a citação, Lacan considera que o signo se apresenta como um

obstáculo à apreensão do domínio significante porque o regime do signo

pressupõe que a operação de significação se dá a partir da assimilação, por parte

do sujeito, do conteúdo do objeto a ser por ele representado (LACAN,

1970/2003). Tratar-se-ia de uma significação já evidenciada no próprio conteúdo

do objeto referido, sendo a linguagem empregada, na dinâmica do signo, como

um mero suporte para a atividade de descrição. No entanto, para a concepção

lacaniana que valoriza a primazia do significante, o plano do conteúdo é colocado

à margem do processo de significantização, sendo este produzido pelas permutas

na cadeia significante (LACAN, 1957/1998). Ainda de acordo com esta

concepção, a linguagem não teria como propósito a designação dos objetos

presentes na realidade. Com efeito, quando se traz para o primeiro plano a

primazia do significante, desconsidera-se a realidade efetiva, e caminha-se rumo à

postulação de que a própria linguagem cria a realidade31. Trata-se aqui, em outros

termos, de reiterar a afirmação de que o mundo das palavras é anterior ao mundo

das coisas (LACAN, 1953/1998).

Com base nestes pressupostos, cabe indagar: se o registro do signo reenvia

necessariamente a este fragmento de realidade a ser designada pelo sujeito, por

que não insistimos na proposta de relacionar as fantasias vazias ao domínio do

signo? Não se trata, no domínio dos fantasmas vazios, tal como ocorre no registro

do signo, da simples descrição ou designação de um determinado objeto, ainda

não tocado pelas operações metafóricas? Com efeito, se circunscrevêssemos uma

analogia entre as fantasias vazias e a escritura de signos, estaríamos indo


31
Conforme a discussão apresentada no primeiro capítulo, vimos que esta realidade a ser criada
pela linguagem é, em suma, uma realidade psíquica construída a partir das formações desejantes
do sujeito (FREUD, 1900/1995).
98

justamente contra os nossos propósitos de afirmar que estas cenas anestesiadas e

neutralizadas fazem referência a um campo fantasmático. Isto porque o campo do

signo se reporta a um fragmento de realidade a ser representado pelo sujeito.

Um retorno ao ensaio “Contribuição à concepção das afasias” (FREUD,

1891/1987) pode auxiliar em nossa argumentação. No texto em questão, Freud

analisa, pela primeira vez, a questão da representação em psicanálise. Nele, se

estabelece uma série de críticas às concepções até então dominantes acerca das

afasias, concepções estas que, salvo algumas diferenças, convergiam para o que

fora denominado de teoria das localizações cerebrais. De acordo com esta teoria,

as excitações sensoriais sempre deixam traços permanentes na anatomia do córtex,

de maneira que as impressões advindas do mundo externo são conservadas e

armazenadas sob a forma de imagens mnêmicas na própria estrutura cerebral.

Assim, existiria uma relação ponto a ponto entre os estímulos provenientes do

mundo externo e suas representações localizadas no córtex. A excitação é

conduzida, da periferia ao córtex, por algumas fibras nervosas; estas, por sua vez,

em nada interfeririam no procedimento em questão, permanecendo imutáveis a

cada passagem da estimulação.

Dentre todas as discordâncias de Freud (1891/1997) com estas concepções,

duas delas são de fundamental importância para nossa argumentação: a primeira

diz respeito à sua recusa em aceitar a representação como uma cópia ou mero

simulacro da impressão; já a segunda, remete ao fato dele afirmar que a

transmissão da excitação nunca se dá de maneira uniforme e linear. Assim, de

acordo com a visão freudiana, uma representação psíquica deixa de ser

contemplada como o simples efeito mecânico do dado sensorial; pelo contrário,


99

uma série de operações psíquicas interfere na condução de uma impressão,

operações estas que correspondem a determinados processos de associação. Deste

modo, passa a ser impossível separar as funções psíquicas de representação e de

associação, sendo a representação sempre pensada enquanto uma organização

complexa na medida em que ela se faz a partir da reunião e da combinação dos

diversos elementos presentes em sua estrutura.

Tal como foi demonstrado no conhecido esquema psicológico do texto em

questão, a palavra é definida como uma representação complexa (FREUD,

1891/1997). De acordo com Kristeva (2000), ao fornecer tal atributo à

representação, Freud estaria substituindo a idéia de uma projeção unívoca entre

impressão e representação, para caracterizar esta última enquanto um conjunto

folheado de elementos dispostos em série. Assim, a representação-palavra é

composta por elementos acústicos, visuais e cinestésicos, englobando uma

imagem sonora, uma imagem visual da letra, uma imagem motora da linguagem e

uma imagem motora da escrita. Nesta medida, uma série de processos

associativos intervém entre tais componentes, visando suas articulações e o

conseqüente advento da representação-palavra (FREUD, 1891/1987).

Dando prosseguimento à sua argumentação, Freud (1891/1987) destaca

que a significação da representação-palavra decorre da sua articulação com o que

ele designa de representação-objeto. No entanto, é assinalado também que a

representação-objeto não consiste num dado a priori; pelo contrário, ela só ganha

existência efetiva a partir da ligação com a representação-palavra. Trata-se, em

outros termos, de destacar que é somente a partir de suas relações com a

representação-palavra que o objeto ganha uma unidade e uma identidade.


100

Segundo a leitura de Garcia-Roza (1991), o esquema freudiano mostra que a

articulação entre as representações gera, sobretudo, um efeito de sentido, de modo

que o processo de significação não resultaria da ligação da representação-objeto

com o referente, que já no próprio esquema freudiano não diz respeito a um

objeto, mas ao que ele denomina de associações de objeto. De modo contrário, a

significação resultaria dos elos da representação-objeto com a representação-

palavra. Tendo em vista a importância deste comentário para os nossos objetivos,

vale a pena transcrever, na íntegra, a passagem na qual ele é feito:

“O termo representação-objeto não designa o referente ou a coisa (da qual ele


retiraria sua significação), mas, na sua relação com a representação-palavra,
designa o significado. A significação não está na coisa, também não está em cada
imagem (visual, tátil, acústica, etc.) como se cada uma delas representasse um
elemento da coisa, ela resultaria da associação destes vários registros pelos quais se
dá a representação. (...) Tudo se passa, portanto, no registro da representação e da
associação entre representações” (GARCIA-ROZA, 1991, pp. 48-49, grifo do
autor).

Ainda com respeito ao ensaio freudiano, devemos destacar que, além de

assinalar a presença de processos associativos intrínsecos aos domínios das

representações-palavra e das representações-objeto, o esquema psicológico

também menciona que, no aparelho de linguagem, uma representação-palavra

sempre se encontra articulada com outras representações-palavra. Tratar-se-ia do

fenômeno da superassociação, o que conduz à caracterização de uma estrutura

bastante semelhante à da rede de facilitações (FREUD, 1895/1995) e da cadeia

significante (LACAN, 1957/1998). Nesta medida, as representações-palavra,

atreladas ao domínio significante, teriam o poder de criar e de modificar o


101

fenômeno da significação, fazendo com que um sistema de coisas ou objetos seja

substituído por um sistema de representações (GARCIA-ROZA, 1991).

Com efeito, de acordo com o modelo freudiano em questão, dizer que o

objeto só adquire uma identidade e uma significação a partir do momento em que

se articula com uma representação-palavra conduz a uma concepção de que

nenhum ato de percepção se faz com uma independência da linguagem

(GARCIA-ROZA, 1991). Conforme discutimos acima, este é um postulado que

prevalece no pensamento psicanalítico: a linguagem teria uma função decisiva no

processo de produção de sentido, sendo crucial para a constituição de um objeto.

Assim, para a psicanálise, a representação-objeto não diria respeito ao objeto

autêntico presentificado na realidade, mas a algo que é propriamente produzido

pelas operações de linguagem.

Com base nestes pressupostos, consideramos que a relação do sujeito com

os objetos é mediada pelo universo da linguagem e, justamente por este fator, não

podemos associar os fantasmas vazios ao registro do signo. Nesta perspectiva,

seria mais plausível destacar que, na linguagem manifesta nas fantasias vazias, a

representação-objeto ligada à representação-palavra assume o peso de um

referencial. Em outros termos, não se trata, no domínio fantasmático em questão

da apreensão direta do objeto em si, mas de uma forma de discurso que se

manifesta como se a representação-objeto fizesse referência a um objeto autêntico.

Ou seja, aquilo que no regime do signo assume o lugar de objeto realístico, no

campo dos fantasmas vazios, adquire a função daquilo que denominaremos, a

partir de agora, de referencial discursivo.


102

Assim, nos serviremos desta nomenclatura para designar os elementos

discursivos que, manifestos nas fantasias vazias, possuem uma significação

unívoca, não cambiável e alheia ao processo de formação de símbolos. Nesta

perspectiva, o adjetivo “discursivo”, atrelado a estes referenciais, está sendo

empregado para, justamente, recuperar o caráter fantasístico destas formações

psíquicas, de modo a evitar um possível equívoco em remeter tais referenciais a

um dado concreto ou mesmo idealizado. Com efeito, conforme a discussão

empreendida no capítulo anterior32, o pensamento freudiano repousa sobre a

postulação de que a realidade objetiva está para sempre perdida, sendo a realidade

da fantasia a única que realmente interessa à clínica. De acordo com a passagem

abaixo:

“Freud vai poder dizer que a única realidade que interessa (...) é a realidade da
fantasia (...), a realidade psíquica por excelência. O que está implicado nesta
construção é que o objeto não está dado desde o início, mas deve ser produzido.
(...) A despeito da particularidade dos vários modos de se conceber o objeto, fica
patente uma diferença. Assim, no pensamento do século XIX, a questão da
objetividade se apresenta como possibilidade de um discurso totalizante e
universalizante que pretende enunciar um referente ou, no caso da impossibilidade
de tal pretensão (...) para preencher esta falta de referente, este vazio. Já Freud, em
sua fundamentação metapsicológica, descarta esta possibilidade para o sujeito. (...)
Após 1920, coloca-se (...) a proposta de uma ausência de referência (...), a idéia da
ausência de qualquer referência sobre a qual seria possível se apoiar” (HERZOG,
1999, p. 66-69).

32
Ver primeira seção.
103

De acordo com o ensaio “Contribuição à concepção das afasias” (FREUD,

1891/1987), este referencial discursivo remete, de fato, ao elo entre uma

representação-palavra e uma representação-objeto; no entanto, esta vinculação

entre as duas representações em questão escaparia ao fenômeno da

superassociação. Já conforme o modelo da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), o

referencial discursivo alude ao registro dos signos de percepção, perpetuado

enquanto um “fuero” e, deste modo, ainda não tocado pelo regime característico

dos registros da inconsciência e da pré-consciência.

É, portanto, em virtude de seu congelamento em torno deste referencial

discursivo que, no domínio das fantasias vazias, a linguagem torna-se exata e sem

equívocos. De acordo com esta perspectiva, tido enquanto um referencial

discursivo, o elemento presente na cena anestesiada reenviaria sempre a ele

mesmo e não a um substituto metafórico de algo a ele subjacente.

Retomemos a cena fantasística neutralizada do Pequeno Hans (FREUD,

1910a/1995). Destacamos, no capítulo anterior, a impossibilidade da criança de

remeter o estranho objeto preto ao redor da boca do cavalo a um elemento

inconsciente. Com efeito, na dinâmica psíquica de Hans, tudo concorre para a

acepção de que o objeto em questão não consiste num substituto metafórico e

consciente de nenhum outro elemento latente: ao contrário do que acontecia no

tocante as suas outras fantasmatizações, a nada a criança conseguia associar a

cena anestesiada. Frente a esta cena, seu discurso vacilava e, de acordo com a

história clínica, tudo leva a crer que isto ocorria não por causa de uma resistência

do eu – de fato, com respeito às outras fantasias de Hans, o tratamento analítico

conseguia identificar as resistências e, em seguida, contorná-las – mas, pelo


104

simples fato da cena neutralizada já ser clara e, deste modo, nada ter a esconder. O

objeto é tomado por Hans enquanto um referencial em seu discurso e,

conseqüentemente, ao longo da fala da criança, não cessava de constantemente

remeter a ele próprio, e não a um outro elemento, tal como ocorreria numa escrita

significante. Neste sentido, a literalidade característica da cena fantasmática

anestesiada de Hans contrastava com o simbolismo próprio às suas outras

produções fantasísticas.

De acordo com Deleuze e Guattari (1995), quando o pensamento

psicanalítico reduz o discurso do sujeito ao domínio significante, ele deixa de

atentar para outras formas de expressão que, em si mesmas, seriam bastante

diversas. Nesta perspectiva, é justamente esta a crítica que estamos traçando: nem

tudo no discurso do sujeito deve necessariamente remeter ao domínio significante,

pelo menos tal como pensado de acordo com a lógica apresentada em “A instância

da letra no inconsciente ou a razão desde Freud” (LACAN, 1957/1998). Segundo

a proposta da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), para que os signos de percepção

se transformem num cenário significante seria preciso fazê-los passar pela

retranscrição mnêmica que instaura o registro da inconsciência. No entanto, em

determinados processos psíquicos, este rearranjo não é feito, o que promove a

permanência dos “fueros” no aparato psíquico. Estes, por sua vez, se

manifestariam na fala do sujeito na forma de cenas neutralizadas, sem coloridos

ou predicados.

No domínio dos fantasmas vazios, a linguagem é exata, não se presta ao

processo de formação simbólica e se encontra às voltas com este referencial

discursivo. Assim, a linguagem passa a não produzir equívocos; pelo contrário, se


105

apresenta sempre de forma direta e crua. Com base nestes pressupostos, cabe

indagar: por que, no registro das fantasias vazias, o objeto fantasmático se

presentifica desta forma, como se não fosse tocado pelos processos metafóricos

que, assim, instaurariam a formação de símbolos?

Para examinar tal questionamento, remetemos à releitura empreendida por

Freud (1907/1995) do conto “Gradiva: uma fantasia pompeiana” (JENSEN,

1903/1987). Vale à pena nos determos neste ponto e analisar a interpretação

freudiana para o romance de Hanold e Gradiva, o que nos conduzirá à

circunscrição de outra importante hipótese de pesquisa acerca do estatuto

metapsicológico dos fantasmas vazios.

Em linhas gerais, o conto de Jensen (1903/1987), narra a história de um

jovem arqueólogo chamado Nobert Hanold que, certo dia, fora atraído por uma

escultura de gesso que representava a figura de uma jovem surpreendida enquanto

caminhava pelas ruas. A figura da moça lhe parecia bastante viva, sendo a

representação incomum e graciosa de seu modo de andar o que tanto seduzira o

cientista. Hanold batiza a escultura de “Gradiva”, que significa “a jovem que

avança” e, acreditando ver traços gregos em sua fisionomia, concede-lhe uma

origem. No entanto, na dificuldade de situar os traços serenos da jovem no

cotidiano agitado de uma capital deduz que, apesar de sua origem grega, ela

deveria ter habitado a cidade de Pompéia.

A partir deste instante, com a totalidade de seus pensamentos voltados à

figura de Gradiva, Hanold passa a observar o mundo, do qual havia retirado seus

investimentos já há bastante tempo, a fim de verificar, em vão, se alguma jovem

de sua época possuía um modo de andar semelhante. Pouco depois, por algum
106

motivo que lhe era desconhecido, o cientista viaja para a cidade de Pompéia e se

depara com Gradiva a andar pelas ruas destruídas, percebendo então que se tratava

de um ser realmente vivo. A história prossegue com a narrativa de várias

conversas entre Hanold e Gradiva, até que, num determinado momento, a moça

confessa conhecer o arqueólogo, revelando-lhe seu verdadeiro nome, Zoe

Bertgang. De fato, os dois haviam sido amigos de infância, e a amizade,

posteriormente transformada em romance, fora esquecida por Hanold quando ele

voltou seus interesses exclusivamente para a arqueologia (JENSEN, 1903/1987).

Assim, extraindo do conto a fantasia construída por Hanold de que

Gradiva era grega, porém residira em Pompéia, Freud (1907/1995) pontua:

“Surge-nos a descoberta de que as fantasias do jovem arqueólogo sobre


Gradiva talvez sejam um eco dessas lembranças infantis esquecidas. Assim sendo, não
se trata de produtos arbitrários de sua imaginação, tendo sido essas fantasias
determinadas (...) pelo acervo de impressões infantis esquecidas, mas ainda nele
atuantes. Seria possível para nós, ainda que só possamos conjeturar sobre elas, mostrar
em detalhe a origem dessas fantasias. Ele imaginou, por exemplo, que Gradiva devia
ser de origem grega. (...) Isso se ajusta com perfeição ao seu conhecimento do nome
grego da jovem, Zoe” (FREUD, 1907/1995, p. 37).

Mais adiante, prossegue:

“Por trás da impressão de que a escultura era ‘viva’ e da fantasia de que o modelo era
grego, estava sua lembrança do nome Zoe que significa ‘vida’ em grego. ‘Gradiva’
(...) é uma tradução do sobrenome ‘Bertgang’ que quer dizer mais ou menos ‘alguém
que brilha ou esplende ao avançar’. (...) Sua fantasia transportou-a para Pompéia, não
porque ‘sua natureza serena e tranqüila’ assim o exigisse, mas porque em sua ciência
ele não pôde encontrar analogia mais apropriada para seu singular estado, no qual
tomou conhecimento de suas lembranças de uma amizade da infância, embora através
107

de obscuros meios de informação. Após ter feito sua própria infância coincidir com o
passado clássico (...), houve uma perfeita analogia entre o soterramento de Pompéia –
que fez desaparecer, mas ao mesmo tempo preservou o passado – e o recalque”
(FREUD, 1907/1995, pp. 52-53).

Assim, devemos questionar em qual medida o conto de Jensen pode

auxiliar em nosso questionamento acima formulado. Com efeito, a interpretação

freudiana enfatiza a função desempenhada por uma formação desejante recalcada

no processo de construção da realidade fantasmática do sujeito. Nesta perspectiva,

devemos pressupor, de antemão, que o desejo do sujeito é o responsável pelo

processo de dissimulação fantasística dos objetos percebidos. Em outros termos,

trata-se de destacar que o cenário fantasmático do sujeito é fatalmente

contaminado pela atuação de um desejo inconsciente, que modificaria os dados

perceptivos mediante os processos de reelaboração e de reorganização dos traços

mnêmicos.

Este procedimento é, de fato, bem ilustrado pelo conto. Se tomarmos o

referencial discursivo propulsor de todos os devaneios de Hanold – no caso, a

estátua da Gradiva –, verificamos que ele se inscreve no cenário fantasmático do

arqueólogo profundamente afetado pela atuação de seus desejos recalcados. Ou

seja, foi em virtude destes que o nome “Gradiva” foi dado à estátua; do mesmo

modo, por causa destes mesmos desejos, traços gregos foram vistos em sua

fisionomia; ademais, a fantasia de que a jovem teria habitado a cidade de Pompéia

também foi motivada pela atuação de um desejo inconsciente. Desta forma,

devemos destacar que é o desejo recalcado aquilo que responde pela instauração

dos processos metafóricos e metonímicos na estrutura fantasmática. Mediante

estas operações, um conjunto de formações simbólicas vão, aos poucos,


108

encontrando o seu devido lugar na fantasia do sujeito e, conforme discutimos

acima33, este procedimento torna possível, na clínica, a atividade interpretativa

dos fantasmas em questão.

Com base nestes pressupostos, retomando nosso questionamento, podemos

arriscar a hipótese de que, no domínio dos fantasmas vazios, o objeto é manifesto

na forma de um referencial discursivo, justamente, por não ter sido tocado por

uma formação desejante recalcada. Ou seja, quando associamos as fantasias em

questão ao registro dos signos de percepção (FREUD, 1896a/1995), verificamos

que esta escritura elementar se situa num espaço topográfico situado logicamente

antes da constituição do registro da inconsciência. Com isto, as fantasias vazias

permaneceriam inscritas no aparato enquanto “fueros”, marcas psíquicas

possivelmente ainda não atingidas pela atuação de uma formação desejante

recalcada, visto que esta só encontra seu espaço de ação no registro subseqüente.

No registro dos signos de percepção, os processos metafóricos e metonímicos

ainda não se fariam sentir, de maneira a eliminar quaisquer possibilidades de

formações simbólicas. Portanto, situados para aquém do raio de ação de todos

estes processos, os fantasmas vazios se manifestariam no discurso subjetivo

enquanto verdadeiros obstáculos às atividades de interpretação e de livre

associação34.

33
Ver primeira seção do capítulo anterior.
34
Vale lembrar que Freud (1896a/1995) qualificou o registro dos “signos de percepção” de
inconsciente e, de fato, isto poderia ser um fator contrário à nossa argumentação, posto que
sustentamos a hipótese das fantasias vazias serem fantasmatizações conscientes. No entanto,
conforme nossa releitura da “Carta 52”, estamos considerando os signos de percepção não como
resíduos mnêmicos do processo perceptivo mas, de acordo com a proposta de Braunstein (1990),
como uma escritura psíquica cifrada e alheia ao encadeamento significante. Nesta perspectiva, não
vemos motivos suficientes para acompanhar a proposta freudiana de conceber os signos de
percepção como inconscientes. Este ponto de vista só faria sentido se eles fossem tomados em suas
relações com o sistema perceptivo, pois percepção e memória são tidas como funções psíquicas
excludentes e que, portanto, devem ser associadas a sistemas distintos.
109

2.3. A simbólica freudiana

De acordo com a análise empreendida até então, vimos que os fantasmas vazios se

configuram como uma modalidade fantasmática atrelada a determinados

referenciais discursivos e, portanto, alheia aos processos metafóricos e

metonímicos característicos do domínio significante. A proposta, agora, é

focalizar um pouco mais o dinamismo próprio à metáfora e à metonímia para, em

seguida, investigar as principais peculiaridades de uma formação fantasística

situada para mais aquém do campo de ação destas operações lingüísticas. A

discussão girará em torno da noção de símbolo, tal como circunscrita pelo

pensamento freudiano. Nesta perspectiva, serão destacados os fatores que

respondem pelo estranho fato das fantasias vazias retirarem de seus domínios a

possibilidade do advento de uma formação simbólica35.

Com efeito, apesar de Freud empregar por diversas vezes o termo

“símbolo” ao longo de seus escritos, não podemos apressadamente concluir que,

em seu pensamento, ele se apresente enquanto um conceito. Isto porque as mais

variadas menções ao termo são bastante ambíguas e, muitas vezes, contraditórias.

Existe, de fato, um paradoxo inerente as suas concepções acerca do processo de

constituição de uma formação simbólica: conforme veremos a seguir, em algumas

passagens, o símbolo encontraria seus alicerces numa relação fixa e convencional

entre a palavra e o referente a ser designado; de maneira contrária, alguns escritos

justificam uma concepção eminentemente arbitrária do símbolo, de modo a ir

35
Cabe alertar para o fato de o conceito de símbolo estar presente no pensamento de muitos
autores das mais diversas áreas científicas. No entanto, não estamos interessados nas múltiplas
acepções que este conceito recebeu ao longo da história do pensamento, limitando-nos apenas à
concepção propriamente freudiana do tema.
110

contra qualquer pretensão de estabelecimento de uma relação determinada e

permanente entre o símbolo e o objeto que ele representa.

A concepção do símbolo enquanto uma estrutura fixa e inalterável é

justificada por algumas passagens presentes em “A interpretação de sonhos”

(FREUD, 1900/1995), principalmente, quando são analisados os chamados

sonhos típicos. Trata-se de sonhos que se utilizam de símbolos já existentes e

universalmente compartilhados, fazendo com que certos elementos sejam

representados nos sonhos de forma análoga e independente do sujeito que sonha.

Deste modo, no trabalho do sonho, o sistema inconsciente poderia se apropriar de

algo já pronto, de um conjunto de formações simbólicas cujas significações

transcendem ao desejo do sonhador. Dentre as formações simbólicas

convencionais manifestas nos sonhos típicos, podemos mencionar as figuras do

rei e da rainha como símbolos das figuras parentais; igualmente, uma espada, uma

bengala ou uma chave aparecem como símbolos do pênis; já um buraco, um cofre

ou uma caixa se apresentariam como símbolos do órgão genital feminino

(FREUD, 1916/1995). Assim, é impressionante notar como, em muitos de seus

casos clínicos, Freud constantemente recorre a estas simbólicas, visando a

interpretação dos sonhos de seus pacientes, mesmo antes deles associarem

livremente acerca dos elementos oníricos. Como exemplo desta atitude, podemos

mencionar a interpretação do primeiro sonho de Dora, no qual Freud

(1905a/1995), apressadamente, conclui que os elementos oníricos “chave” e

“caixa” representariam uma relação sexual.

No entanto, uma outra concepção, bem mais complexa, se faz presente no

pensamento freudiano, implicando não apenas numa outra teorização a respeito do


111

símbolo, mas também num manejo clínico diferente. Nesta perspectiva, em outros

empregos do termo, é mencionado, por exemplo, que o sintoma histérico

funcionaria como símbolo de um traumatismo patogênico (FREUD, 1894/1995)

ou, então, de uma fantasia sexual recalcada (FREUD, 1905b/1995). De acordo

com esta concepção, podemos dizer, ainda com respeito ao caso Dora (FREUD,

1905a/1995), que os sintomas de tosse nervosa e de apendicite se apresentariam

enquanto símbolos das fantasias inconscientes de felação e de parto,

respectivamente. Nestes casos, o símbolo é arbitrário e não convencional, pois

nem todos aqueles que possuem tais sintomas os remeteriam necessariamente às

fantasias em questão. Segundo este ponto de vista, o símbolo é uma formação

singular e encontra seu campo de ação apenas na dinâmica psíquica de um sujeito

específico. Não existiria, portanto, um código universal de interpretação para o

símbolo; e, para alcançar sua significação inconsciente, o analista teria de levar

em conta as próprias associações livres do paciente.

Podemos afirmar que esta segunda concepção é a dominante nos escritos

freudianos: um determinado símbolo assume as mais variadas significações na

medida em que estas últimas remetem necessariamente ao contexto no qual a

formação simbólica foi erigida. Como nunca devemos esquecer que o contexto em

questão é singular a cada sujeito, a operação de interpretação do símbolo se torna

dependente das associações e das fantasmatizações do sujeito em análise.

Ademais, esta concepção valoriza a participação dos processos inconscientes no

mecanismo de formação simbólica. Ou seja, a significação do símbolo jamais

pode ser vista como um dado universal, posto ser o desejo do sujeito aquilo que a
112

instaura. Assim, o pensamento psicanalítico destaca a possibilidade do sujeito

poder criar seus próprios símbolos, para além daqueles disponíveis na cultura.

De acordo com esta concepção, o mecanismo de formação simbólica

encontra seus principais alicerces na ação dos processos metafóricos. Em outros

termos, trata-se de destacar o importante fato de uma operação metafórica

substituir um sentido por outro, fazendo com que o primeiro passe para um estado

latente (LACAN, 1957/1998), originando, portanto, uma formação simbólica. As

relações existentes entre o simbolismo e a metáfora são retomadas por Rosolato

(1988) que delimita algumas das principais características da operação lingüística

em questão para, em seguida, circunscrevê-la enquanto o suporte necessário ao

processo de formação de um símbolo. Segundo o autor, os mecanismos

metafóricos se definem, basicamente, por uma substituição entre significantes de

uma cadeia inconsciente e outra consciente. Não obstante, também é assinalado

que tal substituição sempre gera um efeito de não-sentido, ao qual sucederia a

emergência de novos sentidos, estes últimos por ele classificados como

polivalentes, inesgotáveis e poéticos. De acordo com este ponto de vista, é a

linguagem metafórica o que permite que o discurso do sujeito seja influenciado

pela cadeia fantasmática inconsciente, fazendo originar as formações do

inconsciente, nomenclatura forjada por Lacan (1957-1958/1999) para designar os

lapsos, chistes, sonhos e sintomas.

Nesta medida, Rosolato (1988) define o símbolo como “uma metáfora que

se mantém fora de seu contexto, isto é, num significante que pode funcionar como

metáfora qualquer que seja seu emprego, preenchido pelo imaginário individual”

(p.29). Assim, o autor destaca que o efeito de não-sentido ocasionado pela


113

operação de substituição significante aparece enquanto elemento fundamental

para a instauração do processo de formação simbólica e, conseqüentemente, para

o advento deste novo sentido ligado ao imaginário individual. Isto porque este

efeito de não-sentido evidencia a relação de desconhecimento característico dos

mecanismos metafóricos, trazendo à tona a atuação de processos inconscientes na

concepção do símbolo. A intervenção do inconsciente numa dada formação

simbólica promoveria, portanto, uma ruptura no sistema de coerência, retirando

do símbolo o seu caráter fixo, natural, ou mesmo, convencional.

Conforme foi exposto acima, a partir deste evento de não-sentido, uma

pluralidade infinita de novos sentidos poderá advir. Com efeito, seria demasiado

apressado supor que o sentido da formação simbólica se esgota na sua

significação inconsciente. De acordo com Garcia-Roza (1992), o que a simbólica

freudiana recusa, segundo esta concepção dominante, é justamente a própria

noção de um elemento primeiro na cadeia simbólica, ou seja, a idéia de que a

substituição de um elemento inconsciente por outro consciente guardaria no

primeiro termo um significado verdadeiro e último. Pelo contrário, o psicanalista

sempre deve ter em mente que a significação de um símbolo é um efeito gerado

pela articulação entre significantes.

Com base nestes pressupostos, devemos ressaltar a afirmação de que,

embora os processos metafóricos funcionem como uma espécie de suporte para a

formação de um símbolo, não existiria uma sinonímia entre os termos símbolo e

metáfora, pois também os processos metonímicos desempenham um papel crucial

na produção simbólica. Em outros termos, trata-se de destacar que subjacente a

uma formação simbólica não se encontra apenas um significante em estado


114

latente, mas um conjunto deles, articulados em cadeia por intermédio de laços

metonímicos. Assim, considerando também a atuação de processos metonímicos

na cadeia simbólica, concluímos que, para a psicanálise, algo jamais deve ser

tomado como símbolo de um dado específico inconsciente, na medida em que a

operação de simbolização remete à concepção de que o símbolo sempre abrange

algo a mais em relação ao simbolizado36.

Feito este levantamento sobre o estatuto do símbolo, retomemos o tema

das fantasias vazias para concebê-las como formações psíquicas alheias ao

processo simbólico. Esta afirmação seria justificada pelo fato delas escaparem às

operações metafóricas e metonímicas, bem como à atuação de um desejo

inconsciente.

Assim, visando uma melhor compreensão das afirmações em questão,

encaminhemos a discussão rumo à distinção estabelecida por Rosolato (1988)

entre uma discursividade fundamentada num sistema lingüístico digital e uma

outra sustentada por um sistema lingüístico eminentemente analógico. Segundo o

autor, o discurso pertencente ao sistema digital é aquele no qual há uma

preponderância do domínio significante, onde se fazem sentir os processos

metafóricos e metonímicos. De acordo com a presente tese, a este sistema

associamos as fantasmatizações que se apresentam na clínica enquanto devaneios,

lembranças encobridoras, visões de mundo, etc. Já a forma discursiva na qual

predomina o sistema analógico é aquela em que a palavra desempenha

36
Vale ressaltar que este aspecto do símbolo foi bastante enfatizado por Abraham (1961/1995). No
entanto, tendo em vista os limites da presente tese, não cabe aqui analisar a totalidade de suas
concepções acerca do símbolo, o que nos desviaria da discussão.
115

simplesmente a função de signo do objeto a ser descrito37. Tratar-se-ia de uma

discursividade imune à metáfora, à metonímia, às manifestações inconscientes e,

portanto, ao processo de constituição de símbolos. Nela, a palavra é unívoca,

neutralizada e sem hiatos ou lacunas. A este sistema, por sua vez, podemos fazer

corresponder os fantasmas vazios.

Rosolato (1988) inicia sua investigação acerca desta modalidade peculiar

de linguagem, assinalando que uma determinada corrente da psicanálise –

fascinada pela importância da dinâmica significante para a compreensão da

estrutura e do funcionamento dos processos inconscientes – acabou por reduzir e,

até mesmo, descartar a importância de representações e imagens psíquicas que

visam, em última instância, à objetivação. Tratar-se-ia, de acordo com esta

concepção, de imagens ou representações que, segundo o autor, se atrelam a um

outro tipo de significante que se distingue do significante propriamente

lingüístico, e que ele nomeia de significante de demarcação.

Este significante de demarcação teria, ele mesmo, um efeito de

significado. Assim, a linguagem analógica, povoada de significantes de

demarcação se restringe, simplesmente, à atividade descritiva. Trata-se de uma

discursividade direta e que, portanto, obtura quaisquer possibilidades de

configurações metafóricas. Ainda de acordo com Rosolato (1988), seu objetivo é

a obtenção de uma certa coerência na progressão da cadeia significante articulada,

sendo o enunciado regido por um sentido preciso. Neste sistema, estariam

37
De acordo com a discussão empreendida na seção precedente, podemos atrelar esta expressão
“signo do objeto a ser descrito” ao campo dos referenciais discursivos.
116

descartados, de seus domínios, as formações do inconsciente, o desejo do sujeito e

a dinâmica própria ao processo simbólico38.

Com base nestes pressupostos, devemos agora trazer para o primeiro plano

da discussão a constatação de que os atributos desta modalidade lingüística são os

mesmos daqueles apresentados pelo discurso científico, pelo menos se este último

for destacado em sua vertente meramente técnica39. Desta maneira, as

considerações propostas até então, somadas às apreciações de alguns autores

acerca das peculiaridades do discurso técnico-científico, conduzem à

circunscrição de uma certa semelhança entre a linguagem analógica – tal como

definida por Rosolato (1988) –, o discurso científico e os fantasmas vazios. Trata-

se, nestes três domínios, de linguagens claras e que trazem consigo a pretensão de

serem imunes ao engano e à dúvida. Ademais, por tentarem responder às

exigências da clareza, elas procuram manter uma relação de exclusão com as

manifestações do inconsciente.

De acordo com Lyotard (2004), uma primeira particularidade do discurso

técnico-científico remeteria ao primado, em sua estrutura, de enunciados

meramente denotativos, com a conseqüente redução de valor dos outros jogos de

38
Devemos assinalar que a argumentação de Rosolato (1988) considera que apenas os processos
metafóricos são retirados do discurso analógico. Segundo o autor, a modalidade discursiva em
questão ainda se articula com o registro metonímico na medida em que este seria o responsável
pela coerência intrínseca à linguagem. No entanto, não convém entrarmos nesta questão, visto que
o conceito de metonímia por ele utilizado diverge daquele empregado por autores que estamos
valorizando na tese, tais como Jakobson (1963) e Lacan (1957/1998). Assim, entrar numa
discussão acerca da divergência entre estes autores sobre o conceito de metonímia conduziria a
uma análise eminentemente lingüística, o que não caberia nos limites desta tese. Também devemos
destacar que a concepção de Rosolato sobre o significante de demarcação é igualmente mais
complexa do que estamos mostrando, pois abrange uma investigação sobre a sua função para o
desenvolvimento da linguagem na criança. Do mesmo modo, se nos debruçarmos mais sobre este
aspecto, estaríamos nos desviando da nossa proposta.
39
Cabe ressaltar que o discurso científico está sendo analisado aqui apenas em sua dimensão
eminentemente técnica. De fato, são vários os pensadores que já investigaram a temática do
discurso científico e, muitas vezes, suas análises são bastante contraditórias. Na presente tese,
estamos valorizando apenas as concepções de ciência que podem nos auxiliar na circunscrição do
estatuto metapsicológico dos fantasmas vazios.
117

linguagem, sejam eles prescritivos, interrogativos, etc. Isto porque no domínio das

ciências, o critério para a aceitação de um enunciado é o seu valor de verdade.

Também é considerado que a supervalorização dos enunciados denotativos no

discurso científico, aliada à “tecnização” do saber que lhe é correlata, propicia o

fenômeno da exteriorização do saber em relação àqueles que sabem. Promove-se,

assim, uma alienação dos usuários do saber, fazendo entrar em desuso o princípio

segundo o qual a aquisição do saber é indissociável da formação do espírito, e

mesmo do sujeito.

Nesta mesma linha de raciocínio, Lebrun (2004) destaca que na

discursividade técnico-científica, o saber torna-se anônimo, acéfalo e dissociado

da figura do mestre. Trata-se, aqui, do fenômeno referente à exteriorização do

saber em relação àquele que sabe. De acordo com a passagem abaixo:

“O desenvolvimento da ciência (...) produz um novo laço social, cujo motor (...)
não é mais a enunciação do mestre, seu dizer, mas um saber de enunciados, um
conjunto acéfalo de ditos. (...) O que é assim promovido é uma modalidade de laço
social que substitui a relação mestre-sujeito, uma relação saber (acéfalo)-sujeito”
(LEBRUN, 2004, p. 53).

Com base nesta citação, depreendemos, em termos psicanalíticos, que o

progresso da ciência institui o que comumente chamamos de elisão do sujeito da

enunciação, fazendo com que estas formações discursivas sejam apartadas de

quaisquer variáveis subjetivas. De fato, o sujeito que se demite da enunciação é

aquele que não se autoriza a pensar e a sustentar o seu desejo em seu discurso

(LEBRUN, 2004). De acordo com Melman (1995), a partir desta foraclusão do

sujeito da enunciação, os enunciados técnico-científicos passam a ser validados


118

apenas por suas consistências lógicas, pouco importando a figura de quem os

enuncia. A este restaria o papel de parasita em potencial do discurso, que pode

introduzir o erro e o estranhamento nos enunciados eminentemente lógicos.

No âmbito da transmissão destes enunciados, destaca-se a pretensão de

que o saber seja tecnicamente assimilado pelo destinatário, visando à otimização

de sua performance. Bastaria, portanto, informar os sujeitos, transmitir-lhes

enunciados e fornecer-lhes noções claras. Cumprido este objetivo, o destinatário

ficaria apto a produzir uma fala tecnicamente coerente, mas sem se engajar,

enquanto sujeito, em sua enunciação: como se lhe fosse possível ler o texto que

produz, sem reconhecer-se enquanto verdadeiro autor (MELMAN, 1995). Produz-

se, assim, um saber perfeitamente claro e imune ao engano ou à dúvida,

impedindo o destinatário de questionar-se acerca da mensagem transmitida pelo

remetente. De acordo com Lebrun (1995), como, no seio do discurso técnico-

científico, cada vez um lugar menor é concedido à experiência espontânea do

sujeito, mas este abre mão da formação de um saber que lhe é próprio, perdendo,

pouco a pouco, suas faculdades de inventar e criar.

Com efeito, o discurso da ciência, por ser eminentemente técnico, também

dispensaria o uso de metáforas e das demais formações simbólicas. Segundo

Lebrun (2004), “a técnica não pertence à ordem do símbolo, ela é, antes, seu

‘outro’” (p. 101) e, nesta perspectiva, a linguagem técnico-científica tende a

excluir, de seus domínios, tudo o que poderia dificultar a transmissão de seus

enunciados. Em outros termos, buscando a perfeição do processo de assimilação

da mensagem por parte do destinatário, as palavras devem ser dispensadas da


119

ambigüidade e da contradição, sendo a eterna repetição do mesmo o objetivo final

de todo o processo de aprendizagem.

Desta forma, depreende-se que o discurso técnico-científico toma a própria

linguagem como seu objeto, subvertendo-a em dois níveis opostos: em primeiro

lugar, enriquecendo-a, na medida em que introduz novas palavras de dimensões

denotativas e informativas; em segundo lugar, empobrecendo-a, pois retira de seu

campo as dimensões significante e simbólica próprias a toda palavra (LEBRUN,

2004).

Com base nestas considerações, esbocemos algumas possíveis articulações

entre as fantasias vazias e o discurso técnico-científico. Conforme já ressaltado,

tal qual os fantasmas vazios, o discurso científico é situado como algo imune ao

engano e à dúvida. Ou seja, em sua estrutura, o poder enganador da fala é

silenciado, em prol da valorização da eficácia e da clareza.

Trata-se de uma modalidade discursiva que, como as fantasias vazias,

elimina quaisquer tipos de lacunas, não deixando espaço para a manifestação de

componentes inconscientes que poderiam vir a prejudicar sua transmissão. Nesta

perspectiva, a mensagem não chega ao destinatário como um enigma, mas como

algo perfeitamente claro e, portanto, resistente à dúvida. Deste modo, tudo

concorre para que o destinatário obtenha a compreensão exata do enunciado

transmitido pelo remetente. Assim, não seria possível exercer uma interpretação

do discurso técnico-científico. De fato, sua significação é compreendida no

próprio ato da transmissão e a ambigüidade e a polissemia das palavras são

abandonadas. Em outros termos, a dimensão simbólica do discurso é empobrecida


120

e, visando a precisão, seus elementos passam a assumir o peso daquilo que

denominamos de referenciais discursivos.

Desta maneira, concluímos que a dinâmica presente no discurso técnico-

científico é a mesma manifesta no domínio da linguagem analógica e dos

fantasmas vazios. Ou seja, não seriam estes fantasmas um mero conjunto de

enunciados denotativos, de antemão inteligíveis e que dispensam quaisquer

predicados? Não se trata, também, nas fantasias vazias, da simples descrição de

um determinado elemento que passa à margem da subjetividade de seu locutor?

Enfim, os fatores que respondem pela dificuldade de se exercer uma hermenêutica

do discurso técnico-científico também parecem ser os mesmo que delimitam os

obstáculos que os fantasmas vazios impõem à interpretação psicanalítica: tal qual

o discurso científico, as fantasias vazias se apresentam como um conjunto de ditos

acéfalos e possivelmente imunes a uma formação desejante.


121

Capítulo 3 – Sobre a clivagem psíquica

No capítulo precedente, a análise do estatuto metapsicológico dos fantasmas

vazios conduziu a uma importante acepção acerca de sua localização topográfica:

conforme o modelo da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), circunscrevemos que

eles possuem uma estrutura análoga ao dos signos de percepção. Ainda de acordo

com a discussão empreendida, assinalamos também que os elementos em jogo

nesta modalidade fantasística se comportam tais como referenciais discursivos

que, assim, sempre reenviariam a eles próprios, tornando o discurso fantasmático

alheio ao processo de formação de símbolos.

Dando prosseguimento a nossa argumentação, a proposta deste capítulo é

explicitar as origens do anacronismo fantasístico entre, de um lado, os fantasmas

vazios e, de outro, os cenários eminentemente narrativos do sujeito. Nesta

perspectiva, teremos a oportunidade de investigar os fatores que respondem pela

emergência dos primeiros e, ao mesmo tempo, de demonstrar os motivos pelos

quais eles não são assimilados pelo restante das produções fantasmáticas

subjetivas.

Assim, a noção de clivagem virá em nosso socorro na medida em que,

conforme veremos a seguir, ela instaura uma barreira na dinâmica psíquica entre

dois modos de funcionamento distintos, impedindo o estabelecimento de relações

entre eles. Consideraremos um aparelho psíquico clivado como sendo, em última

instância, um aparato cindido e dissociado, que mantém lado a lado dois

dinamismos opostos e heterogêneos e que jamais se intercambiam.

Num primeiro momento, analisaremos como a idéia de recalque, tal como

concebida na “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), pode se assemelhar à noção de


122

clivagem. Neste contexto, após uma passagem pela teoria de Ferenczi

(1933/1988) acerca da “Confusão de línguas entre os adultos e a criança”,

examinaremos a noção de cripta, presente na obra de Nicolas Abraham e Maria

Torok, para também associá-la à noção de clivagem. Por fim, será traçada uma

investigação sobre a dimensão mítica da atividade fantasmática, com o propósito

de explicitar que é justamente desta vertente que as fantasias vazias carecem. Por

isto, elas se perpetuariam na dinâmica psíquica enquanto “fueros” (FREUD,

1896a/1995) apartados dos cenários fantasísticos narrativos e sem ser por eles

assimilados.

3.1. Do recalque à clivagem psíquica

Voltemos novamente ao modelo da “Carta 52”, com o propósito de analisar uma

afirmação um tanto enigmática de Freud (1896a/1995) a respeito do processo de

recalque. Conforme assinalamos no capítulo anterior, diz ele que o aparato

psíquico se constitui a partir de um trabalho constante de estratificação do

material mnêmico, fazendo erigir diferentes registros psíquicos. De acordo com

sua proposta, cada nova tradução inibe o registro anterior mas, no entanto, quando

não se instaura a devida retranscrição, o material continua a ser manejado

conforme às leis do sistema precedente. A esta recusa de tradução foi dado o

nome de recalcamento, concebido enquanto um mecanismo eminentemente

defensivo e instituído para evitar o desprazer passível de ser sentido pela nova

retranscrição. Assim, se constituem os denominados “fueros” que se perpetuariam

na dinâmica psíquica às custas do recalcamento.


123

O recalque seria, portanto, o responsável pelo anacronismo no aparelho

psíquico. Nesta perspectiva, segundo nossa proposta de associar os diferentes

registros mnêmicos ao domínio fantasmático, é ele o mecanismo que responde

pelo fato dos fantasmas vazios permanecerem no campo discursivo do sujeito sem

serem assimilados pelos cenários fantasísticos narrativos40. Deste modo, devemos

nos debruçar sobre esta concepção de recalque presente na “Carta 52” (FREUD,

1896a/1995) a fim de melhor analisar o processo que institui, no aparato psíquico,

aquilo que chamamos de fantasias vazias.

Com efeito, a definição de recalque da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995)

se diferencia daquela proposta nos artigos metapsicológicos. É certo que nestes

últimos, Freud (1915a/1995 e 1915b/1995) também o concebe como um processo

defensivo; entretanto, a circunscrição metapsicológica por ele apresentada é

bastante divergente. A principal distinção entre as abordagens é a seguinte:

enquanto nestes escritos posteriores, o recalque funda um conjunto de relações

dinâmicas e conflitantes entre os diferentes sistemas psíquicos, na “Carta 52”, de

modo contrário, ele impede o estabelecimento de conexões entre as retranscrições.

Ou seja, os “fueros” permanecem no aparato como alheios aos possíveis conflitos

ocasionados entre os registros da inconsciência e da pré-consciência.

Assim, nos ensaios metapsicológicos (FREUD, 1915a/1995 e

1915b/1995), o recalque se define como o trabalho empreendido pelo aparelho

psíquico, buscando afastar um determinado elemento da consciência. Todavia, é

mencionado que o trabalho em questão não impede que o representante-

40
Na “Carta 52”, Freud (1896/1995) também considera que o recalcamento pode se dar entre os
registros da inconsciência e da pré-consciência. Todavia, este fator não será abordado em nossa
argumentação, visto que estamos interessados apenas nos limites dos signos de percepção com as
outras retranscrições mnêmicas.
124

representação continue a existir no inconsciente, de modo que ele prolifere no

escuro, estabeleça ligações com outros elementos e dê origem a derivados.

Quando estes derivados se tornam suficientemente disfarçados pelos processos

primários, o acesso à consciência é permitido. Abre-se, com isto, o espaço para o

retorno do recalcado, sendo a passagem à consciência liberada em virtude do

derivado ter conseguido driblar a força da resistência existente entre os sistemas.

Nesta medida, Freud (1915a/1995) também destaca que o dinamismo

inerente ao mecanismo de recalque é precondição para o estabelecimento do

trabalho de associação livre. De acordo com a concepção em questão, é

mencionado que na livre associação o analista pede que o sujeito produza,

justamente, derivados do material recalcado. Estes, por ocasião da distorção ou da

distância no tempo, conseguem vencer a força da resistência. Deste modo,

assinalamos a mobilidade manifesta no procedimento de recalque: ele não deve

ser entendido como algo que aconteça uma só vez, produzindo um resultado

permanente; pelo contrário, o recalque impõe ao aparelho psíquico um enorme

dispêndio de energia, como se o material recalcado, por exercer uma pressão

constante em direção à consciência, exigisse desta uma contrapressão igualmente

constante.

Segundo este ponto de vista, o recalque instaura no aparato um dinamismo

e um conflito incessante, o que, de fato, se contrapõe à ausência de progressão

mnêmica estabelecida pelo recalque tal como circunscrito na “Carta 52” (FREUD,

1896a/1995). Com efeito, são várias as divergências existentes entre as duas

concepções de recalque: com a concepção dos ensaios metapsicológicos (FREUD,

1915a/1995 e 1915b/1995), o recalque se faz na fronteira entre os sistemas pré-


125

consciente/consciente e inconsciente; já na “Carta 52”, é certo que este também

possa ocorrer entre os dois registros em questão, mas também é destacado que o

recalque pode abranger a fronteira entre os “signos de percepção” e o registro da

inconsciência. Uma outra distinção: na metapsicologia, o recalque funda uma

relação de comunicação41 entre os dois sistemas em jogo no processo dinâmico;

de modo contrário, na “Carta 52”, o recalque anula quaisquer possibilidades de

conflito, instaurando o anacronismo fantasmático. Ademais, nos artigos sobre

metapsicologia, o recalque é tido como o alicerce sobre o qual repousa o trabalho

de formação de derivados; na “Carta 52”, ele é justamente o que invalida este

trabalho, de modo a fazer com que os fantasmas vazios se manifestem no discurso

do sujeito sempre da mesma maneira e sem que nenhum elemento lhes seja

acrescido, modificado ou retirado.

Ainda seguindo esta linha de raciocínio, na metapsicologia, o recalque

impõe ao material psíquico uma dissimulação para que se obtenha o devido acesso

à consciência, dissimulação constituída a partir dos trabalhos da metáfora e da

metonímia. Já no domínio das fantasias vazias, estes trabalhos não se fazem

sentir. Enfim, na concepção propriamente metapsicológica, o recalque é tido como

precondição para o empreendimento da associação livre. Todavia, com respeito

aos fantasmas vazios, afirmamos ser justamente de associação livre que eles

carecem, pois o sujeito em análise não consegue remeter seu enunciado a nenhum

outro elemento.

Desta maneira, vemos que Freud emprega o mesmo termo – recalque – a

dois processos psíquicos divergentes. Nossa proposta é, portanto, diferenciá-los e,

41
Cabe destacar que o termo em questão é empregado pelo próprio Freud (1915b/1995), no título
do capítulo 6.
126

assim, demonstrar que o recalque tal como pensado nos artigos sobre

metapsicologia em nada se relaciona com o campo das fantasias vazias. Com

efeito, trata-se aí do mecanismo psíquico subjacente aos fantasmas que se

apresentam na clínica enquanto cenários narrativos. A associação, neste caso, se

justifica pelo fato desta modalidade de recalque se apresentar como pressuposto

teórico para a formação destes fantasmas: fantasias que transitam entre os

sistemas inconsciente e pré-consciente/consciente, que se manifestam como

dissimuladas pela ação da metáfora e da metonímia e que são acessíveis ao

trabalho de associação livre, na medida em que existe o constante remetimento

dos elementos do domínio fantasístico uns aos outros.

Cabe salientar que o recalque, tal como circunscrito na “Carta 52”

(FREUD, 1896a/1995), também não se confunde com o que foi denominado nos

ensaios metapsicológicos de recalque originário, este sendo definido nos seguintes

termos:

“Um recalque primevo, uma primeira fase do recalque, (...) consiste em negar
entrada no consciente ao representante psíquico (ideacional) da pulsão. Com isso,
estabelece-se uma fixação; a partir de então, o representante em questão continua
inalterado e a pulsão permanece ligada a ele” (FREUD, 1915/1995, p. 153, grifos
do autor).

Segundo Freud (1915a/1995 e 1915b/1995), o recalque originário consiste

igualmente em impedir o acesso do representante-representação à consciência,

mas de modo que isso não implique necessariamente na fixação deste elemento no

sistema inconsciente propriamente dito. Pelo contrário, segundo Garcia-Roza

(1995), o recalcamento originário faz referência a um momento anterior ao da


127

constituição do sistema inconsciente, apenas estabelecendo uma demarcação

psíquica que funciona como uma espécie de matéria prima para sua constituição.

Ainda de acordo com o comentador, o termo inconsciente empregado por Freud

no contexto do recalque originário tem um cunho meramente adjetivo, se

reportando a processos psíquicos que não chegam a se tornar conscientes mas que,

nem por isso, pertencem ao sistema inconsciente. Neste, os representantes-

representação estabeleceriam entre si uma trama de pensamentos estruturada pelas

operações de condensação e de deslocamento, o que, de forma alguma, se

manifesta no campo do recalque originário42.

Estas considerações são importantes no sentido de marcar que o recalque

originário não remete à questão da emergência dos fantasmas vazios. Isto porque

ele faz referência a um núcleo indizível no aparelho psíquico a ser, a posteriori,

significado pelo trabalho de construção em análise. Nesta perspectiva, o recalque

originário estaria atrelado às fantasmatizações tidas enquanto cenas indizíveis43,

jamais presentificadas no discurso do sujeito e que, portanto, só ganham

existência efetiva a partir do ato da construção. Assim, é necessário relembrar que,

ao contrário destas últimas fantasmatizações, as fantasias vazias se manifestam no

discurso consciente do sujeito e, embora sejam inacessíveis ao trabalho de

interpretação, não precisam ser necessariamente construídas em análise44.

Tendo em vista a discussão empreendida com relação ao conceito de

recalque tal como concebido nos ensaios metapsicológicos e também com respeito
42
Também devemos reiterar que o recalque originário é, em última instância, um postulado
teórico, sendo jamais observado na clínica. Trata-se de uma delimitação conceitual da qual Freud
(1915a/1995 e 1915b/1995) se serviu para explicar como os primeiros elementos se inscrevem
num inconsciente adjetivado e, assim, funcionarem como pólos de atração para outros elementos a
serem posteriormente recalcados.
43
Ver discussão da última seção do primeiro capítulo.
44
Vale lembrar que alguns autores – tais como Laplanche e Pontalis (1988) – também
circunscrevem o recalque originário como o mecanismo fundante dos fantasmas originários.
128

ao recalcamento originário, podemos assinalar ambos não parecem ser o

mecanismo psíquico que institui os fantasmas vazios na estrutura psíquica.

Todavia, o recalque, se pensado em conformidade com o esquema da “Carta 52”

(FREUD, 1896a/1995), parece explicar bem o anacronismo fantasístico em jogo

na tese. Desta forma, visando evitar confusões de cunho terminológico, propomos

o termo “clivagem” para designar o recalque tal como descrito na “Carta 52”.

Passemos, portanto, ao exame desta temática, visando a justificativa desta

analogia.

A noção de clivagem45 é mencionada por Freud (1917a/1995), pela

primeira vez, no ensaio “Luto e melancolia” para explicitar a gênese da

consciência moral. No entanto, esta noção só vai ganhar força, obtendo uma

melhor circunscrição metapsicológica em alguns escritos bastante tardios, dentre

os quais podemos citar o texto sobre o “Fetichismo” (FREUD, 1927b/1995) e

sobre “A divisão do ego no processo de defesa” (FREUD, 1940/1995). Nestes, a

clivagem é definida, em linhas gerais, como a resultante de uma cisão (Splitting)

no aparelho psíquico em duas correntes contrárias: uma que aceita a realidade

traumatizante e outra que a nega veementemente. O processo psíquico que origina

a clivagem é definido como um ato de rejeição (Verleugnung).

Objetivando fornecer um melhor embasamento à questão, Freud

(1927b/1995) recorre a um caso clínico de fetichismo para enunciar que,

geralmente, o objeto do fetichista é um substituto do pênis da mulher. Trata-se,

então, da retenção no fetiche da crença infantil acerca da universalidade do pênis.

Com efeito, mesmo tomando conhecimento de que as mulheres são castradas, o


45
A clivagem não será pensada nesta tese como referida unicamente à estrutura perversa, tal como
pretende o pensamento lacaniano; pelo contrário, ela será analisada enquanto um mecanismo
psíquico bastante amplo e que, assim, pode se reportar aos diversos processos de estruturação.
129

fetichista se recusa a aceitar o fato. Nestes casos, o sujeito, ao mesmo tempo,

aceita e rejeita a castração, o que promove uma clivagem psíquica entre um lado

que não a reconhece e outro que se ajusta à realidade. De acordo com a passagem

a seguir:

“Suponhamos, portanto, que (...) uma criança se encontra sob a influência de uma
poderosa exigência pulsional que está acostumado a satisfazer, e que é subitamente
assustado por uma experiência que lhe ensina que a continuação dessa satisfação
resultará num perigo real quase intolerável. O ego deve então decidir reconhecer o
perigo real, ceder-lhe passagem e renunciar à satisfação pulsional, ou rejeitar a
realidade e convencer-se de que não há razão para medo. (...) A criança não toma
nenhum desses cursos, ou melhor, toma ambos simultaneamente. (...) Ela responde
ao conflito por duas reações contrárias, ambas válidas e eficazes. Por um lado, (...)
rejeita a realidade e recusa-se a aceitar qualquer proibição; por outro, no mesmo
alento, reconhece o perigo da realidade. (...) Esse sucesso é alcançado ao preço de
uma fenda no ego. (...) As suas reações contrárias persistem como ponto central de
uma divisão (splitting) do ego” (FREUD, 1940/1995, p. 293).

Entretanto, cabe assinalar que embora Freud (1940/1995) forneça um certo

embasamento metapsicológico para a noção de clivagem, o processo em questão

não se apresenta, em seu pensamento, como algo totalmente diferenciado do

recalque. Isto porque ele menciona, por vezes, que o próprio fetiche é tido

enquanto uma formação de compromisso entre os dois núcleos clivados do

aparelho psíquico. Neste caso, pressupõe-se a existência de um conflito entre as

duas atitudes contrárias do fetichista, de modo que os núcleos clivados ainda se

influenciem e mantenham relações conflitantes.

Desta maneira, a acepção freudiana para o tema caminha em sentido

contrário ao dos nossos objetivos de circunscrever duas correntes fantasísticas que


130

jamais convergem, tomem conhecimento uma da outra e, assim, possam entrar em

conflito. Nesta medida, devemos assinalar que encontramos nos escritos de

Ferenczi uma teorização diversa para o fenômeno da clivagem, sendo esta mais

condizente com nossos propósitos. Todavia, visando um melhor entendimento de

como a figura da clivagem se faz presente no pensamento deste autor, devemos

antes nos debruçar sobre sua teorização acerca do trauma, exposta

minuciosamente no ensaio “Confusão de línguas entre os adultos e a criança”

(FERENCZI, 1933/1988).

Num contexto específico, Ferenczi (1933) expôs as principais premissas

do embate da criança com o universo simbólico: uma confusão de línguas começa

a ser gerada quando há uma cena de sedução entre uma criança e um adulto, a

primeira provida de uma linguagem eminentemente terna, e o segundo que reage à

situação com uma linguagem de paixão. Sendo, neste caso, a diferença entre as

línguas bastante evidente, a culpa sentida pelo adulto após o ato de violência, se

manifesta como algo incompreensível para a criança. Em outros termos, o

domínio da paixão remete a uma linguagem bastante complexa, da qual o infante

não possui o menor entendimento e, ante este inacessível, a criança reage com um

efeito de surpresa, sendo tomada por um afeto de profunda estranheza.

A história prossegue com mais uma confusão de línguas. Assim, é

indicado que, em função da não compreensão da culpa sentida pelo adulto, a

criança vai ao encontro de um terceiro que possa lhe explicar o ocorrido. No

entanto, este último, não suportando o relato, desmente a criança, dizendo que

tudo aquilo não passaria de fantasmatização sua. De acordo com Ferenczi

(1933/1988), o fator traumático está ligado a este momento do desmentido. Ou


131

seja, não é o ato da violência em si aquilo que responde pela emergência do

trauma, mas a negação de sua existência. Como conseqüência do desmentido,

instaura-se o processo de identificação com o agressor, de modo que a criança

passe a incorporar a culpa por ele sentida na cena de abuso.

Nesta medida, a partir da identificação com o agressor, abre-se espaço, no,

para uma neoformação psíquica composta por fragmentos discursivos referentes

ao momento anterior ao trauma (FERENCZI, 1990). Deste momento em diante,

uma clivagem é instaurada: de um lado, teríamos uma linguagem de ternura

sufocada e, de outro, a culpa atrelada à linguagem da paixão incorporada, sendo

os dois domínios lingüísticos estranhos um ao outro46. Segundo o autor, com a

clivagem, se “torna difícil (...) manter o contato com os fragmentos, que se

comportam todos como personalidades distintas que não se conhecem umas às

outras” (FERENCZI, 1933/1988, p. 354). Assim, a noção de clivagem seria da

mesma natureza do conceito de autotomia (FERENCZI, 1921/1988), oriundo da

biologia e desenvolvido a partir de observações de animais que se livram de um

pedaço de si em vistas de se protegerem de um perigo. Desta forma, aliando a

clivagem à autotomia, o autor vê na primeira uma estratégia propriamente

defensiva da qual o sujeito se serve para sobreviver, mesmo que para isso lhe seja

necessário fragmentar-se.

Com efeito, na teoria ferencziana, o trauma se associa ao desmentido,

sendo, portanto, efeito de um ato de linguagem: a criança recorre a um adulto com

o objetivo de que ele forneça um sentido para aquilo que ainda não o tinha; e,

contudo, este nega veementemente o acontecimento. Temos aí o impacto

46
Para maiores detalhes acerca deste ponto, remeto a Verztman (2002).
132

traumatizante que se responsabiliza por toda a desestruturação psíquica decorrente

da clivagem. Mas, desta maneira, cabe indagar: por que a palavra do adulto é tão

traumática para a criança de modo a ser incorporada de forma tão violenta e

incisiva?

Pinheiro (1995) propõe que o discurso do desmentido provoca o

traumatismo por se tratar de um enunciado eminentemente unívoco e que,

portanto, não dá margens à polissemia. Em outros termos, trata-se de destacar que

este discurso consiste em fazer referência à uma verdade absoluta e não-ambígua.

Assim, restaria à criança incorporar, de modo violento, a palavra cristalizada e

inequívoca.

Desta forma, uma linguagem rígida não poderia, de forma alguma, ser

assimilada pela criança: o sujeito que ouve uma formação discursiva deste tipo

não consegue integrá-la, de maneira a fazê-la circular e se associar a outros

enunciados. Ou seja, o discurso do desmentido interdita a própria possibilidade do

sujeito de fornecer diferentes sentidos a ele; a palavra permanece enclausurada e

desprovida de uma significação erigida a partir das fantasmatizações da criança.

Neste contexto, o discurso perde sua elasticidade, comprometendo o processo de

simbolização e de metaforização. De acordo com a passagem a seguir:

“As palavras, mesmo quando têm por objetivo descrever a realidade, só podem ser
investidas pelo sujeito quando guardam o caráter de multiplicidade dos sentidos.
Quando este caráter fica interditado, as palavras (...) são encerradas numa rigidez
que não permite ao psiquismo integrá-las. (...) A representação do traumatismo não
pode ser associada a outras representações. Nem pode, evidentemente, circular por
entre as idéias conscientes. (...) O que se passa no trauma é que o adulto interdita à
criança não apenas as palavras, como também a possibilidade de ambigüidade, de
múltiplos sentidos. (...) É devido à ambigüidade fornecida pelo adulto à criança que
133

esta pode produzir sentidos, construir registros psíquicos. (...) Se, ao invés disso, o
que recebe e o que fala é reduzido ao unívoco, então, a inscrição psíquica se torna
impossível” (PINHEIRO, 1995, pp. 76-78).

Assim, devemos destacar que a transmissão de um discurso que se

pretenda absoluto – tal qual o discurso do desmentido – inviabiliza a emergência

de quaisquer formações simbólicas. Visando um melhor entendimento desta

argumentação, cabe remeter a discussão à noção de cripta, figura central na teoria

de Nicolas Abraham e Maria Torok, discípulos de Ferenczi, para

circunscrevermos uma analogia entre esta noção e a figura da clivagem.

No entanto, antes de examinar a noção de cripta, é imprescindível nos

determos na distinção fundamental traçada por estes autores entre a figura da

incorporação – tal como por eles pensada – e o conceito ferencziano de introjeção.

De fato, Abraham e Torok alertam que o pensamento pós-freudiano havia criado

uma falsa sinonímia entre os termos “introjeção” e “incorporação”; e, para

desfazer este mal-entendido, lhes foi necessário efetuar um resgate da proposta

inicial de Ferenczi (1909/1988 e 1912/1988), com a finalidade de destacar que o

conceito de introjeção nada tinha a ver com o mecanismo da instalação

propriamente dita do objeto na esfera egóica. A este mecanismo, os autores

reservam o nome de incorporação. Na introjeção, pelo contrário, tratar-se-ia do

trabalho de assimilação, por parte da criança, dos desejos, valores e sentidos

associados ao objeto investido.

Com efeito, a introjeção é definida por Ferenczi (1912/1998) como o

mecanismo de absorção psíquica, por parte do sujeito, de algumas propriedades

concernentes a um determinado objeto, em vistas de proporcionar o


134

enriquecimento egóico. Nesta medida, a introjeção funciona como uma espécie de

substrato necessário aos processos identificatórios e de construção do ego,

implicando também nos alicerces sobre os quais se dá a constituição subjetiva.

Ou seja, a introjeção não se apresenta, de forma alguma, como um mecanismo

eminentemente compensatório que, após a perda do objeto, se encarrega de

promover sua inclusão no aparelho psíquico. Pelo contrário, a introjeção não

ocorre apenas numa situação de luto objetal, mas se manifesta como um processo

constante, através do qual o sujeito se vincula ao outro.

De acordo com Ferenczi (1912/1988), a introjeção trabalha no sentido de

trazer a maior parcela do mundo externo para dentro do eu. Assim, trata-se, na

introjeção, do procedimento de lançar o eu para fora de si, capacitando a expansão

da criança para o mundo dos objetos. Este mecanismo, por sua vez, viabiliza a

ordenação psíquica do sujeito a partir da promoção de laços identificatórios com o

objeto. Por este viés, pode-se definir a introjeção, de acordo com Torok

(1968/1995) como o processo de “inclusão do inconsciente no ego” (p.222). Por

esta expressão, a autora designa o trabalho de apropriação, por parte de um ego

ainda incipiente, do conjunto de pulsões47 pertencentes ao objeto, de modo que o

aparelho psíquico da criança comece a ser povoado por representações

perpassadas pelas figuras parentais. Destacando-se que a introjeção é

eminentemente uma operação de linguagem, constatamos que ela favorece a

inserção do infante no mundo simbólico (PINHEIRO, 1995), implicando assim

nos alicerces sobre os quais se dá o processo de subjetivação.

47
Pela expressão “conjunto de pulsões”, entende-se as representações e o mundo simbólico dos quais
o objeto é portador. Para maiores detalhes, ver Pinheiro (1995).
135

Conferindo um papel fundamental à linguagem com respeito aos

mecanismos introjetivos, Abraham e Torok (1972/1995) fazem uma releitura do

modelo freudiano da vivência de satisfação48, salientando que a introjeção se

efetiva quando o vazio da boca da criança vai, aos poucos, sendo preenchido por

palavras. Em si, a passagem de uma boca farta de seio para uma boca repleta de

palavras só pode ser concebida a partir da constante e necessária atuação de uma

figura adulta que, incluída na ordem da linguagem, torna possível à criança a

apropriação do sentido das palavras. Efetivada a introjeção, as palavras poderão

substituir a presença outrora imprescindível do seio, segundo a passagem abaixo:

“Aprender a preencher com palavras o vazio da boca é um primeiro paradigma da


introjeção. Primeiramente, a boca vazia, depois, a ausência dos objetos torna-se
palavras, finalmente, as experiências das próprias palavras se convertem em outras
palavras. Assim, o vazio oral original terá encontrado remédio para todas as suas
faltas por sua conversão em relação de linguagem com a comunidade falante. [...]
A linguagem que supre essa ausência, figurando a presença, só pode ser
compreendida no seio de ‘uma comunidade de bocas vazias’” (ABRAHAM &
TOROK, 1972/1995, p. 246, grifo dos autores).

Conforme está sendo ressaltado, a dinâmica da introjeção tem como pano

de fundo o processo de aquisição da linguagem articulada por parte da criança. De

acordo com Abraham (1974/1995), a princípio, num período mítico no qual mãe e

filho viveriam de modo simbiótico, a criança não teria “outra consciência ou outro

inconsciente que não fosse os da mãe” (p.379). Nesta medida, o ato de separação

se consome pela introjeção desta relação inicial, sendo possível à criança, a partir

daí, diferenciar-se da mãe e assumir uma postura singular frente ao mundo.

48
Este modelo foi descrito minuciosamente no primeiro capítulo desta tese.
136

Em outros termos, com a introjeção instaura-se o trabalho designado pelo

autor de “recalcamento do inconsciente materno” (ABRAHAM, 1974/1995, p.

380), permitindo à criança apropriar-se do inconsciente materno e, ao mesmo

tempo, desligar-se gradualmente deste. O infante é, pois, orientado no sentido de

sua relativa autonomização: pela palavra, ele poderá fornecer sua própria

significação para as coisas do mundo, significação agora singular, embora apoiada

nos sentidos que, outrora, foram fornecidos pela mãe. Trata-se, aí, de uma

operação fundamentalmente metafórica e que conduz ao processo de formação de

símbolos49. De fato, Abraham (1974/1995) considera toda criação simbólica um

efeito deste ato primordial de metaforização, fruto do corte da relação simbiótica

com a mãe. Ou seja, os sonhos, os sintomas ou quaisquer outras manifestações

psíquicas remeteriam necessariamente a esta metáfora primordial.

Já a incorporação é definida como um mecanismo psíquico erigido para

compensar uma insuficiência ou, até mesmo, ausência da introjeção. Em outros

termos, quando o objeto mostra-se impossibilitado, por alguma razão, de servir de

mediador para a metabolização do sentido e das representações que lhes são

concernentes, instaura-se a apropriação e interiorização do próprio objeto na

esfera psíquica da criança. Em si, a incorporação funciona como uma resistência

ao trabalho de elaboração psíquica pois, por manter o objeto ainda vivo dentro de

si, dispensa o sujeito da árdua tarefa de recomposição do luto objetal (TOROK,

1968/1995).

Como conseqüência do mecanismo de recuperação mágica e instantânea

do objeto idealizado, uma série de processos psíquicos eminentemente regressivos

49
A relação entre os processos metafóricos e de formação simbólica foi abordada no capítulo
precedente, conforme a discussão da última seção.
137

– e bastante próximos das dinâmicas concernentes à realização alucinatória e

imediata do desejo e ao funcionamento do princípio de prazer – encontram seu

espaço. Com efeito, o princípio de prazer passa a reinar soberano, posto que a

realidade é cegamente rejeitada pela não aceitação, por parte do sujeito, da perda

objetal (TOROK, 1968/1995).

Contudo, a principal conseqüência desta regressão a um modo elementar

de funcionamento psíquico remete ao uso peculiar que o sujeito fará da linguagem

articulada: por não ter alcançado êxito em apropriar-se do sentido concernente ao

objeto idealizado, metaforizando sua falta, o sujeito passa a empregar a linguagem

de modo a anular completamente o caráter figurativo das palavras. Desta maneira,

entra em cena um processo designado por Abraham e Torok (1972/1995) de

desmetaforização, ou seja, a tomada ao pé da letra daquilo que se poderia entender

no sentido figurado. Segundo os autores:

“Se estamos decididos a ver uma linguagem nos procedimentos que governam tal
fantasística, convém inventar uma nova figura da destruição ativa da figuração,
para a qual propomos o nome de antimetáfora. Precisemos que não se trata
simplesmente de voltar ao sentido literal das palavras, mas de fazer uso delas (...)
de modo que sua ‘figurabilidade’ seja como que destruída. (...) Ela [a
incorporação] implica a destruição fantasística, do ato mesmo pelo qual a
metáfora é possível: o ato de pôr em palavras o vazio oral original, o ato de
introjetar” (ABRAHAM & TOROK, 1972/1995, pp.250-251, grifo dos autores).

Desta forma, depreendemos que a introjeção e a incorporação operam em

sentidos contrários. Trata-se de contrapor um mecanismo a outro e ressaltar que “a

incorporação denuncia uma lacuna no psiquismo, uma falta no lugar preciso em

que uma introjeção deveria ter ocorrido” (ABRAHAM & TOROK, 1972/1995, p.
138

245). Por isso, compreendemos que o mecanismo de desmetaforização surge

sempre que não for possível expor o objeto idealizado a uma certa tematização, a

um tratamento reflexivo. Neste contexto, duas importantes analogias foram

traçadas pelos autores: a primeira consistiu em associar a introjeção a uma

imagem metafórica e a incorporação a uma imagem fotográfica; a segunda foi

relacionar a introjeção à aprendizagem de uma língua e a incorporação à compra

de um dicionário (ABRAHAM & TOROK, 1972/1995).

Com efeito, Torok (2002) ressalta que as figuras parentais são verdadeiras

“máquinas de influência” para o futuro sujeito e, nestes termos, pressupõe que a

interação entre mãe e criança pode conduzir a duas vicissitudes distintas e opostas

uma da outra. Por um lado, pela efetivação da introjeção, a influência parental

guia a criança rumo à aquisição da linguagem articulada e à quebra da relação

dual. Por outro, no caso da incorporação, há o risco de tal situação culminar na

instalação de uma cripta no seio do psiquismo da criança, impedindo a

singularização do infante e denunciando o fracasso do trabalho de metaforização.

É, pois, sobre este segundo aspecto que agora nos debruçaremos para tentar

explicitar o mecanismo que responde pela emergência das fantasias vazias no

aparelho psíquico.

Segundo os autores, a instalação da cripta no ego ocorre quando as

palavras ditas pelos pais comportam um segredo inconfessável, de modo que,

nestas condições, eles transmitirão aos filhos uma lacuna já existente em suas

próprias dinâmicas psíquicas. Ou seja, subjacente à formação de uma cripta, há

sempre um tormento, uma experiência vergonhosa vivenciada pelas figuras

parentais, experiência de natureza indizível e frente à qual foi necessário guardar


139

sigilo. Por ser vergonhosa, foi impossível comunicá-la a terceiros e, assim,

qualquer possibilidade de simbolização foi excluída de seus domínios. Disto

resulta a constituição de uma cripta, agora transmitida à criança por identificação.

Com base nestes pressupostos, a cripta pode ser definida, em linhas gerais, como

o enterro, no aparelho psíquico, de uma situação vivida como traumática pelos

ancestrais do sujeito (ABRAHAM & TOROK, 1975/1995). De acordo com os

autores:

“É esse elemento de Realidade tão dolorosamente vivido, mas que escapa em nome
de sua natureza indizível, a todo trabalho de luto, que imprimiu a todo o psiquismo
uma modificação oculta. Oculta sim, porque será preciso mascarar, denegar a
realização do idílio. (...) De tal conjuntura, resulta a instalação no seio do Ego de
um lugar fechado, de uma verdadeira cripta, e isso como conseqüência de um
mecanismo autônomo, espécie de anti-introjeção, comparável à formação de um
casulo em torno da crisálida” (ABRAHAM & TOROK, 1975/1995, p. 279, grifo
dos autores).

Portanto, apresentada como um mecanismo anti-introjetivo, a instalação da

cripta no aparelho psíquico deve associar-se necessariamente ao processo de

incorporação do objeto. Ou seja, na impossibilidade dos pais – em virtude do

segredo e da vergonha – mediarem o sentido, as representações e as palavras que

lhes são próprios para que a criança os assimile, dar-se-á uma identificação oculta

e eminentemente imaginária com o objeto em questão, promovendo seu

alojamento no psiquismo do infante. O objeto torna-se um verdadeiro posseiro do

eu, usando-o como máscara para a realização de algo vergonhoso que não poderia,

em hipótese alguma, ser mostrado às claras. Em outros termos, é o próprio objeto

e suas palavras impronunciáveis que são encriptadas pelo sujeito e, assim, o


140

objeto fará com que o sujeito abra mão de sua própria identidade em prol de uma

identificação imaginária à qual Abraham e Torok (1975/1995) denominaram

identificação endocríptica.

Segundo Abraham e Torok (1971/1995), a cripta se instala no aparelho

psíquico numa região à qual eles denominam de inconsciente artificial. Em si, o

inconsciente artificial se diferencia do inconsciente tal como fora conceituado por

Freud – e que eles designam de inconsciente dinâmico – por configurar-se

enquanto um núcleo clivado no aparato e que, portanto, não estabelece relação

alguma com os demais sistemas psíquicos. Ou seja, se a introjeção resulta,

conforme mencionado acima, na inclusão do inconsciente da mãe no ego da

criança, a incorporação, pelo contrário, promove um isolamento topográfico

fundamental, criando no seio de um sistema uma estrutura análoga à tópica inteira

(ABRAHAM & TOROK, 1972/1995).

Trata-se, portanto, neste inconsciente artificial de uma estrutura análoga ao

núcleo clivado do aparelho psíquico que analisamos na seção precedente. Ou seja,

o inconsciente artificial é tido como algo isolado do restante da tópica e no qual os

conteúdos não se relacionam com os demais elementos psíquicos. O inconsciente

artificial não estabelece relações ou conflitos com os outros sistemas, o que nos

permite depreender que um aparelho psíquico encriptado possui uma topografia

cindida e um dinamismo anacrônico entre dois modos de funcionamento que,

apesar de coexistirem lado a lado, se desconhecem completamente.

Nesta perspectiva, devemos correlacionar o processo de recalque, tal como

concebido por Freud (1896a/1995) na “Carta 52”, o mecanismo de clivagem, tal

como pensado por Ferenczi (1933/1988) e a noção de cripta presente no


141

pensamento de Abraham e Torok. Com efeito, as três figuras remetem a uma

divisão no aparato, implicando no isolamento topográfico de um núcleo psíquico

que se perpetuará de modo anacrônico, se confrontado com o restante dos

elementos presentes no psiquismo. Na “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), este

núcleo recebe o nome de “signos de percepção” ou, então, de “fueros”; segundo a

proposta ferencziana, ele remete à linguagem de paixão incorporada; já na obra de

Abraham e Torok, o núcleo em questão se reporta à formação da cripta e do

inconsciente artificial, sendo estas duas estruturas psíquicas instauradas a partir do

mecanismo de incorporação.

Resta, portanto, examinar os processos que se fazem sentir neste núcleo

clivado e isolado do restante da tópica psíquica para, em seguida, relacioná-los às

fantasias vazias.

3.2. Da clivagem psíquica às fantasias vazias

Prossigamos no exame da obra de Abraham e Torok. Segundo os autores, com a

instalação da cripta, abre-se o devido espaço para uma série de manifestações

clínicas, a princípio enigmáticas, mas que o efeito de desmetaforização da palavra

advinda do outro ajuda a esclarecer. Tais manifestações se referem a fenômenos

que governam parte da atividade fantasmática do sujeito.

Com efeito, é mencionado que a instalação da cripta no aparelho psíquico

promove a entrada em cena de uma formação fantasística que se apresenta de

modo bastante peculiar. Nesta perspectiva, Torok (1975/1995) define a fantasia

como “uma formação que não foi, enquanto tal, o produto da autocriação do

sujeito pelo jogo dos recalcamentos e introjeções” (p.403). Ou seja, ela não
142

merece ser circunscrita enquanto um retorno do recalcado; pelo contrário, trata-se,

neste domínio fantasmático, de algo que retorna enquanto corolário do processo

de incorporação e, portanto, como uma formação psíquica situada para além dos

jogos metafóricos e metonímicos.

Deste modo, o processo psíquico que responde pela emergência destes

fantasmas não é o recalcamento tal como pensado por Freud (1915a/1995 e

1915b/1995) nos escritos metapsicológicos. Neste aspecto, podemos depreender

que tais fantasias se distanciam daquelas referentes ao cenário narrativo do

sujeito, no qual se fazem sentir os mecanismos de formação simbólica erigidos a

partir de uma série de conflitos psíquicos.

Assim, Abraham e Torok (1972/1995) declaram que suas concepções

acerca da fantasia em muito se distanciam do denominado “panfantasismo” (p.

243), restringindo a figura da fantasia a um sentido preciso: “ela não é nunca a

simples tradução do processo psíquico, muito pelo contrário, é a prova (...) de que

nenhum processo ocorreu nem deve ocorrer” (ABRAHAM & TOROK,

1975/1995, p.280). Deste modo, se entendermos por processos psíquicos os

trabalhos de condensação e deslocamento efetuados pelo inconsciente,

depreendemos que a fantasia configura-se como aquilo que se faz presente,

justamente, quando os referidos mecanismos falham, ou então, não encontram seu

espaço de ação. Assim, suposta o que escapa à produção simbólica, a fantasia

consiste numa estrutura psíquica distinta das produções do recalcamento

dinâmico, escapando à formação de sintomas e funcionando como algo estranho à

tópica própria ao sujeito (ABRAHAM, 1975/1995).


143

Com base nestes pressupostos, podemos destacar que a fantasia se

apresenta na obra de Abraham e Torok com um estatuto metapsicológico análogo

dos signos de percepção (FREUD, 1896a/1995). Ou seja, a fantasia consistiria em

algo alheio ao processo de tradução psíquica e, desta forma, podemos associá-la

ao que permanece incrustado no aparelho psíquico enquanto um “fuero”. Segundo

a proposta da “Carta 52”, a persistência dos signos de percepção na dinâmica

psíquica também denunciaria a não ocorrência de uma tradução e de uma

conseqüente elaboração em virtude do mecanismo de recalque, tal como

concebido no texto freudiano em questão.

Ainda de acordo com a abordagem de Abraham e Torok (1976) acerca

deste modo peculiar de fantasmatização, é assinalado que, frente a produções

fantasmáticas deste tipo, a metáfora fracassa e o símbolo se mostra ausente. Este

é, com efeito, mais um aspecto a ser destacado em nossa analogia entre os

fantasmas vazios e a fantasia tal como pensada por estes autores. Ou seja, a

ausência de metáforas e de formações simbólicas neste domínio fantasístico, faz

com que, no tocante a elas, o dispositivo analítico da interpretação se mostre

pouco eficaz. Isto porque os discursos fantasmáticos em questão parecem não

reenviar a nenhum enigma ou brecha através da qual a interpretação poderia se

exercer. Neste sentido, suas heterogeneidades radicais em relação às demais

construções psíquicas do sujeito devem ser necessariamente reconhecidas.

Ao destacar a heterogeneidade destas fantasias frente às outras produções

psíquicas do sujeito, os autores também trazem para o primeiro plano da discussão

o anacronismo em jogo nesta tese. Nesta perspectiva, devemos retomar a

constatação de que as fantasias vazias se configuram como estruturas apartadas do


144

restante das formações discursivas do sujeito; e, para a presente articulação, o fato

marcante referente à instalação da cripta numa zona clivada do aparelho psíquico

também merece ser levado em consideração. Desta maneira, pertencendo a um

domínio clivado do aparato, elas escapariam ao encadeamento metonímico, não

estabelecendo ligação alguma com quaisquer outras elaborações discursivas mais

complexas. Todas as considerações acerca destas produções fantasmáticas nos

levam a uma aproximação, do ponto de vista metapsicológico, com as fantasias

vazias50.

Com base nestes pressupostos, também destacamos que as fantasias vazias

possuem a estranha característica de seus elementos estarem, de tal maneira,

atados a determinados referenciais discursivos de modo a escaparem do trabalho

de produção de símbolos. Para esclarecer tal peculiaridade, mais uma vez, as

concepções de Abraham e Torok vêm em nosso socorro, na medida em que eles

situam a fantasia como um efeito do mecanismo de incorporação. Neste aspecto,

conforme foi ressaltado, com a incorporação, o caráter figurado das palavras é

anulado, de modo que o sujeito passa a tomar ao pé da letra aquilo que se pode

entender no sentido metafórico. Ou seja, na incorporação, o sujeito não se

apropria do sentido das palavras, estando impossibilitado de fornecer sua própria

significação àquilo que vem do outro. Passemos ao exame desta questão.

50
Vale marcar que o ponto de vista de Abraham e Torok acerca da fantasia é bem mais complexo
do que referimos. Estamos apenas nos servindo das características que conduzem à sua analogia
com os fantasmas vazios, mas temos em mente que não se trata de duas formações psíquicas que
se recobrem completamente.
145

3.3. A dimensão mítica da atividade fantasmática

Assim, visando analisar o modo pelo qual o mecanismo de incorporação promove

o advento dos fantasmas vazios na dinâmica psíquica, retomemos os principais

pressupostos da discussão empreendida até então. Esta retomada conduzirá a duas

importantes hipóteses de pesquisa: a primeira remete ao estabelecimento da

introjeção como o trabalho que responde pela emergência, no aparelho psíquico,

dos fantasmas tidos enquanto cenários narrativos; já a segunda se reporta à

suposição de que as fantasias vazias encontram seus alicerces no mecanismo da

incorporação.

No entanto, antes de entrarmos propriamente na discussão, devemos

estabelecer uma ressalva. Delimitamos que tanto o recalque, tal como pensado na

“Carta 52”, quanto a figura da clivagem presente na obra ferencziana e a noção de

cripta apresentada por Abraham e Torok possuem um caráter eminentemente

defensivo. Assim, de acordo com a concepção de Freud (1896a/1995), o recalque

entra em cena para evitar o desprazer decorrente de uma nova retranscrição

mnêmica; segundo Ferenczi (1921/1988), a noção de clivagem, aliada ao conceito

de autotomia, diz respeito a uma fragmentação psíquica que visa, em última

instância, a proteção frente a um perigo; enfim, conforme Abraham e Torok

(1975/1995) a cripta se instala no aparelho psíquico em virtude de uma

experiência vergonhosa e sigilosa. Nesta perspectiva, consideramos estes três

mecanismos como paradigmáticos para pensar o advento dos fantasmas vazios

mas, no entanto, não acompanhamos a proposta dos autores quanto ao caráter

defensivo que estes mecanismos comportam. Tendo em vista que os fantasmas


146

vazios não são aqui postulados como organizações defensivas, a presente análise

passará à margem deste aspecto.

Feita esta ressalva, retomemos, primeiramente, as concepções de Ferenczi

(1933/1988) acerca do desmentido. Conforme assinala Verztman (2002), a visada

ferencziana sobre o trauma é bem mais abrangente do que parece se reportada

apenas ao contexto da sedução. Em outros termos, esta teoria diz respeito a um

domínio muito mais amplo e não precisa necessariamente partir de uma cena de

abuso sexual. De acordo com esta perspectiva, as considerações acerca da

“confusão de línguas” podem abranger todo o dinamismo que remete aos embates

do sujeito com o universo simbólico. Seguindo esta linha de raciocínio, o

desmentido sai do contexto da sedução e passa a se reportar, no confronto do

sujeito com o universo simbólico, a tudo o que impede a instauração do processo

de introjeção (PINHEIRO, 1995).

Com efeito, o pensamento lacaniano concedeu o devido relevo à

formulação de que o sujeito se constitui a partir da ordem simbólica, sendo este

domínio referido ao campo da linguagem, dentro do qual o sujeito é aos poucos

inserido, submetendo-se a determinados padrões éticos e culturais (LACAN,

1956/1998). Tratar-se-ia, no universo simbólico, de um mundo de linguagem

atravessado por formações discursivas que precedem o nascimento do sujeito e

antecipam o seu porvir. No processo de subjetivação, o conjunto destes discursos

concernentes à ordem simbólica é transmitido à criança pelas figuras parentais.

De fato, muito antes do nascimento de um sujeito, um lugar já lhe é

designado no universo simbólico dos pais, na medida em que estes depositam em

seus filhos determinadas aspirações, anseios ou valores, abrindo o devido espaço


147

para o empreendimento de uma série de processos identificatórios. Tais formações

desejantes, que permeiam os discursos dos adultos, funcionam como verdadeiros

subsídios através dos quais se empreende o trabalho de estruturação subjetiva; daí,

a proposição lacaniana de que o sujeito advém pelo desejo do Outro51 (LACAN,

1964/1998). De acordo com tal concepção, a subjetividade seria fruto dos

discursos parentais que, perpassados por uma série de construções fantasmáticas,

vêm representar o sujeito, marcando-o profundamente e fornecendo-lhe

determinadas características singulares.

Vale ressaltar que esta argumentação não é de modo algum estranha ao

pensamento freudiano, sendo possível encontrar, ao longo de sua obra, uma série

de indicações que conduzem a tal conclusão. Talvez a mais conhecida destas

exposições é apresentada no ensaio “Sobre o narcisismo: uma introdução”, no

qual Freud (1914b/1995) se volta para a análise de algumas observações e

inferências acerca da atitude emocional dos pais para com seus filhos. Sua

investigação culmina na postulação de que o comportamento bastante amistoso

das figuras parentais conduz à constituição de uma imagem idealizada da criança,

situando-a enquanto “Sua majestade, o bebê”52. Com isto, fica marcado que,

mediante uma atitude geralmente terna, os pais se encontram absortos na

compulsão de atribuir às crianças toda a gama de perfeições e, ao mesmo tempo,

ocultar suas deficiências e fraquezas. Ademais, eles também reivindicariam para

seus filhos o direito a determinados privilégios, facilitando todos os caminhos

para que a criança não encontre o menor obstáculo para a realização de seus

anseios.
51
Convém destacar que tal formulação lacaniana é bastante complexa. Tendo em vista os limites
da presente tese, não cabe aqui uma exposição minuciosa desta proposição.
52
Ver a discussão empreendida na segunda seção do primeiro capítulo.
148

O conjunto destas imagens idealizadas seria sobreposto ao corpo até então

fragmentado do infante, tornando possível a unificação das pulsões auto-eróticas

no plano egóico. Daí, o mecanismo de fundação do narcisismo primário, formação

psíquica estritamente vinculada à instância denominada de eu ideal. De fato, é

assinalado que a criança se evidencia, nas fantasias parentais, como um refúgio

favorável para que eles revivam suas tendências narcisistas há muito abandonadas,

sendo os atributos e regalias conferidas à criança, verdadeiros privilégios dos

quais os próprios pais se privaram ao longo de suas vidas. Nesta medida, Freud

(1914b/1995) ressalta as dificuldades que o sujeito encontra para renunciar a um

prazer outrora desfrutado: quando com o advento do processo de recalque, ele se

vê na obrigação de abrir mão da satisfação de suas aspirações narcísicas, entra em

cena um mecanismo psíquico eminentemente fantasmático que visa à recuperação

destas tendências recalcadas. Deste modo, a perfeição narcisista dos pais estaria

intimamente preservada na esfera fantasmática e deslocada em direção à

instauração do ideal do eu.

São, portanto, os ideais parentais que fornecem os alicerces necessários

para o processo de subjetivação e, sob este prisma, não cabe considerá-lo como o

efeito de um discurso meramente entusiasta e que despreza quaisquer formas de

consciência crítica. Pelo contrário, devemos reconhecer que o universo

fantasístico dos pais encontra-se também subordinado à dimensão simbólica,

abrangendo, em seus domínios, os mais variados aspectos que remetem às

exigências da lei e da linguagem53.

53
Para maiores detalhes, remeto a Lacan (1953-1954/1979).
149

Dando prosseguimento a esta temática, podemos igualmente reconhecer

um esboço metapsicológico do processo de subjetivação no modelo da vivência

de satisfação apresentado no “Projeto para uma psicologia científica” (FREUD,

1895/1995)54. Com efeito, está implícito no texto freudiano o dinamismo

concernente à assunção da linguagem por parte da criança, através de sua

constante interação com as figuras parentais. Segundo este ponto de vista, os pais

introduzem a criança no universo simbólico por intermédio das sucessivas

atribuições de sentido para o estado de desamparo no qual o bebê se encontra

submerso. Em outros termos, ao responder ao choro do bebê com o fornecimento

de algum alimento, por exemplo, a mãe, retroativamente, nomeia de fome o

desconforto do filho, ficando descartada a existência de um significado primitivo

e oculto por trás do choro e gestos da criança. Pelo contrário, o sentido é erigido

pela nomeação e interpretação, por parte dos pais, do desprazer experimentado

pelo bebê. Em suma, estas interpretações propostas pelas figuras parentais

possuem, no processo de subjetivação, a mesma função das fantasias atribuídas à

criança, acima mencionadas na análise do modelo “Sua majestade, o bebê”: elas

também fornecem os pontos de apoio necessários para o advento de uma

subjetividade.

Com base nestes pressupostos, depreendemos que o processo de

subjetivação é estritamente dependente de uma possibilidade de fantasmatização

por parte da criança. Nos termos do “Projeto para uma psicologia científica”

(FREUD, 1895/1995), a constituição da rede fantasmática no aparelho psíquico

corresponderia à montagem do circuito neuronal de facilitações, permanentemente

54
Uma descrição minuciosa acerca deste modelo foi empreendida na primeira seção do primeiro
capítulo.
150

reinvestido pelas operações de pensamento. Por este viés, a cadeia fantasística

consistiria na reunião de antigas facilitações, outrora inscritas no psiquismo do

sujeito a partir dos mais variados encontros com o mundo adulto, sendo estas

imbricadas tramas de facilitações algo que se forma à medida que se obtém êxito

em significar as mensagens emitidas pelos adultos. Assim, através desta operação

de significantização, o sentido destas mensagens, num primeiro momento atrelado

ao discurso fantasístico do outro é, em parte, corrompido e, em seu lugar advém

uma nova significação, agora, vinculada às fantasmatizações do próprio sujeito.

Temos, neste caso, a consecução de uma operação eminentemente

metafórica posto que, segundo as palavras de Lacan (1957-1958/1999), o sujeito

vai “tomar um elemento no lugar onde ele se encontra e substitui-lo por outro” (p.

103). Com efeito, os processos metafóricos são estritamente vinculados à

possibilidade do sujeito, por intermédio de suas fantasmatizações, mediatizar as

formações discursivas do outro e empreender um trabalho de simbolização das

mensagens que lhes são perpetradas. Assim, depreendemos que a atividade

fantasmática assume uma importante função na dinâmica psíquica do sujeito: é

através da construção de uma fantasia que o sujeito tem a possibilidade de se

singularizar, mediante o fornecimento de um sentido próprio àquilo que vem do

outro. Trata-se, portanto, de trazer para o primeiro plano da discussão a dimensão

eminentemente mítica da atividade fantasística.

Ao destacar a dimensão mítica da atividade fantasmática, Lacan (1956-

1957/1995) enfatiza que a função assumida pela fantasia na dinâmica psíquica é a

mesma daquela desempenhada pelo mito no contexto de uma determinada cultura.

Assim, constantemente, o sujeito se serviria de um conjunto de fantasmatizações –


151

tidas como construções narrativas – para tentar fornecer alguma representação

para aquilo que a ele se manifesta como enigmático. Esta seria, de fato, uma das

funções primordiais da atividade fantasística, se pensada enquanto um cenário

narrativo.

A fim de ilustrar o papel eminentemente mítico da atividade fantasmática

narrativa na dinâmica psíquica, voltemos nosso interesse para o ensaio “O futuro

de uma ilusão”. Neste texto, Freud (1927a/1995) investiga qual o propósito da

religião no mundo civilizado e, também, os fatores que impelem o sujeito a uma

aceitação incrédula dos preceitos perpetrados pela figura divina. A idéia central do

trabalho é de que o sentimento religioso é mantido e preservado pela condição

fundamental de desamparo que, embora possua um protótipo infantil,

freqüentemente acomete o ser humano ao longo de sua existência.

A discussão se inicia com a enumeração do montante de sacrifícios que os

sujeitos são obrigados a fazer em prol do bem-estar da civilização. Ora, a

civilização traz consigo uma série de regulamentos que regem a vida em

comunidade, impondo aos sujeitos a renúncia às suas satisfações pulsionais

imediatas, sejam elas sexuais ou agressivas. Deste modo, a cultura é apresentada

como o conjunto de relações simbolicamente estruturadas entre os seres humanos

– e por eles produzidas –, permitindo-lhes a superação das condições da vida

animal. Se, porventura, estas leis fossem suspensas, os impulsos hostis à

civilização não encontrariam obstáculos para as suas realizações e a vida em

comunidade estaria seriamente ameaçada (FREUD, 1927a/1995).

Ainda sob o pano de fundo do antagonismo entre natureza e civilização, é

assinalado que esta última abrange todo o saber adquirido pelo homem, ao longo
152

dos tempos, possibilitando o conhecimento objetivo das leis da natureza e o

usufruto dos bens por ela fornecido. Nesta medida, o conhecimento cientifico teria

por função a manipulação da natureza e a predição de possíveis desastres que

ponham em risco o bem-estar da humanidade. Entretanto, apesar de circunscrita

esta função de coibição, também é exposto que a ciência possui uma série de

limitações em seu campo de atuação, levando-nos a constatar que a pretendida

coerção das leis naturais é algo impossível de ser efetivado. Assim, sempre que o

homem julga ter desenvolvido um domínio pleno sobre a natureza, os perigos

desta retornam, seja sob a forma de terremotos, inundações, doenças e, até

mesmo, da morte. Desta forma, Freud (1927a/1995) questiona: ante à

impossibilidade de dominar as forças da natureza, de modo a compreender as leis

que regem seus fenômenos, de quais outros artifícios dispõe o sujeito para

salvaguardar-se de seus perigos? A resposta fornecida é a seguinte:

“Das forças e destinos impessoais ninguém pode aproximar-se, permanecem


eternamente distantes. Contudo, se nos elementos se enfurecem paixões da mesma
forma que em nossas almas, se a própria morte não for algo espontâneo, mas o ato
violento de uma Vontade maligna, se tudo na natureza forem Seres à nossa volta,
do mesmo tipo que conhecemos em nossa própria sociedade, então poderemos
respirar aliviados, sentir-nos em casa no sobrenatural e lidar com nossa insensata
angústia através de meios psíquicos. Talvez ainda nos achemos indefesos, mas não
mais desamparadamente paralisados; pelo menos, podemos reagir” (FREUD,
1927a/1995, p. 25).

Esta passagem é exemplar para que possamos verificar a dimensão mítica

da atividade fantasística. Com efeito, diante da condição de terror à qual os

sujeitos são entregues quando confrontados com o poder superior da natureza,


153

nada mais lhes resta senão produzir algumas teorizações fantasmáticas a respeito

do extrato incognoscível do universo. Através destas, o sujeito obtém algum

consolo e proteção. Em outros termos, mediante o processo de humanização

imaginária da morte e da natureza, o sujeito encontra as devidas condições para

pensar sobre estes inacessíveis e assumir uma posição ativa frente a tal estado de

coisas (FREUD, 1927a/1995).

Desta maneira, tais fantasias consistem em tentativas do sujeito de elaborar

alguns dados da experiência que, até então, se manifestavam como

irrepresentáveis. Por conseguinte, Freud (1927a/1995) ressalta que até mesmo o

mecanismo psíquico que culminou na formulação do conceito abstrato de Deus

merece ser vislumbrado como uma construção fantasmática deste tipo: a figura

divina interviria como aquela que, constituída à maneira de um ser humano,

governa os fenômenos naturais, exorcizando seus terrores e protegendo-nos das

suas crueldades. Neste sentido, as idéias referentes à benevolência de uma

entidade superior – encarregada da justiça, dos regulamentos sociais e da

assistência ao sofrimento que aflige o ser humano – são circunscritas enquanto

criações fantasísticas da humanidade erigidas, justamente, para fazer frente ao

estado de desamparo inerente às subjetividades.

Este ensaio nos permite depreender que o irrepresentado, em conjunto com

as variáveis enigmáticas que comporta, opera como condição necessária ao

advento da atividade fantasística. Esta, por sua vez, é circunscrita como o artifício

através do qual o sujeito dispõe para tentar dar conta deste inacessível. Ou seja,

ela se presentifica enquanto um verdadeiro testemunho da atividade psíquica

adquirindo, na dinâmica de funcionamento do aparato, uma função bastante


154

evidente: é através da produção de uma narrativa fantasmática que o sujeito

encontra os devidos meios para tentar significar aquilo que é da ordem do

enigmático.

Esta função da atividade fantasística pode ser vislumbrada também em

outros ensaios da obra freudiana, tais como “Romances familiares” (FREUD,

1909/1995) e “Sobre as teorias sexuais das crianças” (FREUD, 1908d/1995). No

primeiro caso, a ênfase recai no desmoronamento das idealizações, por parte do

sujeito, das figuras parentais. Desamparado, ao sentir-se negligenciado e

desprovido do amor dos pais, a criança se põe a elaborar os mais variados

devaneios acerca de sua condição familiar. Tais fantasmas girariam em torno da

temática da adoção, sendo possível a ela, por este viés, fornecer algum sentido

para a diminuição da estima de seus pais: como ele foi adotado quando criança,

pertence na verdade a outra família e, por isso, não é digno de carinho algum

(FREUD, 1909/1995). Ou seja, temos, neste caso, uma mensagem advinda dos

pais, mensagem esta que envolve alguns indícios concernentes à perda de afeição

para com o filho. Este, por sua vez, sente o comportamento dos pais como algo

enigmático (“por que eles não são mais tão afetuosos comigo tal como antes se

comportavam?”) e, assim, se vê na obrigação de lançar mão de uma série de

circuitos fantasísticos, em vistas de oferecer uma interpretação para o fato

estranho. Como resultante deste procedimento, vislumbra-se a construção de uma

fantasia que, de certo modo, justifica ou explica o mistério referente às

enigmáticas atitudes dos pais.

Já no contexto das teorizações sexuais infantis, Freud (1908d/1995)

menciona o caso de crianças que suspeitam que o provável nascimento de um


155

irmão poderá trazer conseqüências irreversíveis para seus narcisismos. Para fazer

frente a tal estado, a atividade imaginativa da criança é acionada, e ela se põe a

empreender algumas tentativas de solucionar os grandes enigmas concernentes à

esfera da sexualidade, objetivando responder à questão da origem dos bebês.

Assim, abre-se espaço para a entrada em cena de uma série de fantasmatizações

referentes à universalidade do pênis, à concepção sádica do coito e ao fato das

crianças saírem do corpo da mãe através do orifício anal. Tal como ocorre no caso

das fantasias dos romances familiares, estas produções fantasísticas possibilitam à

criança atingir alguns progressos em seus esforços para o entendimento dos

enigmas referentes à origem do sujeito. Em outros termos, embora estas teorias

“cometam equívocos grosseiros, (...) se assemelham às tentativas dos adultos (...)

para decifrar os problemas do universo que são tão complexos para compreensão

humana” (FREUD, 1908d/1995, p. 195).

Também, de acordo com Laplanche e Pontalis (1988), a dimensão mítica da

atividade fantasística é observada no contexto dos fantasmas originários de

castração, sedução e cena primária. Assim, com a fantasia de castração, por

exemplo, o sujeito procuraria resolver o enigma referente à origem da diferença

sexual; já mediante a construção do fantasma de sedução, ele visa esclarecer a

problemática da origem da sexualidade; e, por fim, com a montagem da fantasia

de cena primária, busca-se elucidar o enigma concernente à questão de sua própria

origem55.

Assim, partindo destes pressupostos, devemos retomar os processos de

introjeção e de incorporação para indicar como eles se inserem no confronto do

55
Vale lembrar que, de acordo com a discussão empreendida no primeiro capítulo, os fantasmas
originários podem, de certo modo, se incluir nestes cenários fantasísticos narrativos.
156

sujeito com a ordem simbólica56. Conforme foi acima circunscrito, o trabalho de

introjeção permite ao sujeito assimilar o discurso do outro de modo não alienante,

de forma a abrir espaço para sua singularização. Isto porque o sujeito introjeta não

as próprias palavras transmitidas, mas o sentido a elas subjacente. Nesta

perspectiva, mediante a introjeção, ele assimila o discurso perpetrado e, ao mesmo

tempo, desliga-se gradualmente deste, pela possibilidade de fornecer um sentido

singular a tais formações discursivas. Este novo sentido é construído a partir do

processo de formação simbólica no qual se reconhecem necessariamente as

atuações da metáfora e da metonímia. Através destas inúmeras e constantes

operações metafóricas, vai sendo empreendido o trabalho de introjeção.

No entanto, conforme a discussão apresentada, vemos que só é possível ao

sujeito construir uma fantasia a partir do discurso do outro, se este último chegar a

ele como algo enigmático. Ou seja, é pelo fato do discurso transmitido comportar

uma série de variáveis enigmáticas que o sujeito tem a necessidade de devanear a

respeito deste discurso, fornecendo, mediante suas fantasmatizações historicizadas

e romanceadas, um sentido para aquilo que vem do outro. Neste contexto, a

atividade fantasmática narrativa teria por função servir de mola mestra para o

trabalho de elaboração psíquica, orientando o processo de articulação e de

assimilação das variáveis enigmáticas. Trata-se, portanto, de novamente assinalar

a dimensão mítica da vertente narrativa da fantasia, destacando sua função no

advento de uma singularidade. Deste modo, a ordem do enigma é tida como

56
Numa abordagem que privilegia a idéia da subjetivação como um processo, fica claro que a
atividade fantasmática – seja no registro dos cenários narrativos, seja no registro dos fantasmas
vazios – é concebida como produzindo a todo momento. Assim, utilizamos o termo “criança” em
conformidade com a obra dos autores que viemos trabalhando até então. Entretanto, no contexto
da tese, não nos referimos exclusivamente ao confronto do infante com o universo simbólico; pelo
contrário, consideramos que este processo se dá de forma permanente ao longo da vida do sujeito
e, por conseguinte, o processo de construção de fantasias também é visto como algo constante.
157

condição de possibilidade para a instauração do trabalho de introjeção na medida

em que ela estimula a função interpretativa e a capacidade devaneativa do sujeito.

Todavia, conforme o exposto acima, ante a impossibilidade da introjeção,

dá-se, na dinâmica psíquica, a instauração do mecanismo de incorporação. Este,

de modo inverso, inibe a singularização do sujeito frente ao discurso perpetrado,

justamente por impedir o trabalho de assimilação do sentido das palavras. Assim,

o sujeito não consegue elaborar o discurso do outro e passa a fazer uso da

linguagem de modo que a figurabilidade das palavras seja, de certa forma,

destruída57. Com a incorporação do discurso, anula-se, portanto, a produção

formações simbólicas, bem como de construções metafóricas e metonímicas.

Com base na análise apreendida, cabe questionar: qual o fator que

responderia pela impossibilidade de introjeção de um determinado discurso? Por

que, frente a determinadas formações discursivas, o sujeito não consegue êxito em

delas se apropriar para, assim, reinterpretá-las?

Visando responder a tais questionamentos, retomemos as afirmações de

Pinheiro (1995) acerca dos fatores que respondem pela dificuldade do sujeito de

introjetar o discurso do desmentido. Assim, conforme foi acima mencionado,

quando um discurso é propriamente unívoco e não dá margens à polissemia,

restaria ao destinatário incorporar a palavra cristalizada. Nesta medida, a

incorporação entra em cena, promovendo a não integração do discurso em questão

com outros enunciados. De fato, a palavra que guarda consigo um caráter de

rigidez, eliminando a ambigüidade, fica incrustada no aparelho psíquico do

57
Ver a citação de Abraham e Torok (1972/1995) na página 125.
158

destinatário, de modo que seu sentido original não possa ser por outros

substituídos por intermédio de algumas operações simbólicas.

Assim, é possível depreender que diante da inviabilidade do sujeito

fornecer um sentido singular à palavra advinda do outro, esta possa permanecer

encriptada no aparelho psíquico e dar origem às denominadas fantasias vazias.

Neste contexto, a incorporação ocorre ou pelo fato do sujeito não sentir a

mensagem do outro como enigmática, ou pelo próprio remetente, em seu discurso,

não dar margens à ambigüidade das palavras, fazendo com que o destinatário não

seja confrontado com o poder enganador da fala. Caso contrário, a atividade

devaneativa do sujeito seria estimulada, abrindo o devido espaço, de acordo com o

modelo da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), para as retranscrições fantasmáticas

que instauram o registro da inconsciência e da pré-consciência. Na ausência de um

enigma, restaria à palavra do outro o destino de ser encriptada no aparelho

psíquico sob a forma de “fueros” que se perpetuam na dinâmica psíquica, sem

serem assimilados pelas fantasmatizações eminentemente narrativas.

Nesta perspectiva, não devemos esquecer que, de acordo com a proposta

freudiana, o modelo de aparato psíquico em jogo se constrói e se complexifica por

intermédio de infinitos processos de retranscrições mnêmicas. Assim, quando as

retranscrições da inconsciência e da pré-consciência não são erigidas, os “fueros”

permanecem no psiquismo, ainda intocados pela atividade devaneativa do sujeito

e sem ser por ela assimilados. Instaura-se, portanto, uma clivagem na dinâmica

psíquica de modo que o aparato fica cindido entre dois dinamismos discursivos

excludentes que não estabelecem relações de intercâmbio ou de conflito.


159

Com base nestes pressupostos, devemos destacar que frente à ausência de

enigmas, não é possível ao sujeito exercer uma interpretação do discurso

incorporado, metaforizando-o e fornecendo-lhe um sentido próprio e de acordo

com suas formações desejantes. Em outros termos, trata-se de ressaltar que, na

incorporação, a dimensão mítica de sua atividade fantasística é silenciada, de

modo a empobrecer a vertente simbólica do discurso fantasmático. Assim, a

atividade fantasística do sujeito passa a se apresentar enquanto um emaranhado de

cenas nas quais os elementos assumem o papel de referenciais discursivos,

desmetaforizados e alheios ao processo de formação simbólica. O discurso

fantasístico do sujeito permanecerá congelado ao redor deste referencial que, por

sua vez, não cessará de reenviar sempre a ele mesmo, tornando a linguagem

fantasmática perfeitamente clara e sem equívocos.


160

Capítulo 4 – Da desconstrução de fantasias à produção de

enigmas

No capítulo anterior, demos prosseguimento à proposta de circunscrição do

estatuto metapsicológico dos fantasmas vazios, analisando sua forma de

manifestação na dinâmica psíquica. Nesta perspectiva, trouxemos para o primeiro

plano da discussão a figura da incorporação, examinando-a como o mecanismo

que responde pelo fato destas fantasias permanecerem clivadas do restante das

produções narrativas do sujeito. Deste modo, foi levantada a hipótese do aparelho

psíquico consistir em algo eminentemente cindido entre dois dinamismos

independentes: de um lado, um certo êxito do trabalho de introjeção propicia o

advento de um cenário fantasístico propriamente narrativo; de outro, uma falha

ou, até mesmo, ausência dos processos introjetivos foi tida como a causa da

instauração dos fantasmas vazios na topografia psíquica.

Neste capítulo, sairemos do terreno da metapsicologia para adentrar no

domínio da clínica. Nosso propósito, agora, é analisar a questão da direção do

tratamento face à singularidade destas produções fantasmáticas. Assim, num

primeiro momento, serão expostos os fatores que respondem pela irredutibilidade

das fantasias vazias ao trabalho de interpretação. Com isto, veremos que a

interpretação fracassa, justamente, por tais fantasmatizações consistirem em cenas

petrificadas nas quais se faz sentir o peso daquilo que denominamos de

referenciais discursivos58. Estes funcionariam no discurso do sujeito como uma

espécie de limite aos esforços interpretativos por sempre remeterem a um

58
Ver segunda seção do capítulo 2.
161

significado já fixo deixando, portanto, de reenviar a outros elementos da cadeia

significante.

Num segundo momento do capítulo, serão delimitadas as principais

características do artifício clinico proposto por Kristeva (2002) referente à

nomeação de fantasias pela via da transferência. Veremos, neste campo, tratar-se

do trabalho efetuado pelo analista de transmissão de suas próprias

fantasmatizações ao analisando, de modo a abrir, em seguida, uma oportunidade

para que este aceite, retifique ou mesmo rejeite o processo de nomeação. Por fim,

mediante uma releitura do caso do Pequeno Hans (FREUD, 1910a/1995),

retomaremos a discussão acerca da dimensão mítica da atividade fantasmática

para destacarmos a função desempenhada pela produção de enigmas na prática

clínica. Deste modo, será levantada a hipótese de ser, justamente, a produção de

um enigma aquilo que viabiliza o processo de assimilação dos fantasmas vazios

pelo cenário fantasístico narrativo, desfazendo o anacronismo fantasmático.

4.1. O fracasso da interpretação

Com o propósito de oferecer uma visada clínica acerca do tema das fantasias

vazias, devemos partir da questão de sua irredutibilidade à interpretação.

Conforme vimos ao longo da tese, os fantasmas vazios se manifestam na clínica

de modo diferente das demais produções fantasísticas, sejam elas tomadas

enquanto cenários narrativos, cenas indizíveis ou cenas originárias. Assim,

delimitamos a freqüência com a qual tais fantasias se repetem no discurso do

sujeito, mas sempre da mesma maneira caricatural e ritualizada. De fato, os

fantasmas vazios se fixam a determinados temas, vivências e formações psíquicas,


162

numa discursividade perfeitamente coerente e sem abrir margens a dúvidas. Por

este fator, levantamos acima59 a hipótese deles remeterem não ao domínio

significante, mas de estarem convertidos numa modalidade de discurso onde se

manifesta aquilo que denominamos de referenciais discursivos. Nesta medida, tida

enquanto uma escrita de referenciais discursivos, as fantasias vazias comportam

uma linguagem clara e sem equívocos ou ambigüidades. Ademais, seus elementos

passam a estar atados a uma significação fixa, direta e já dada de antemão. Com

base nestes pressupostos, podemos circunscrever o fato do referencial discursivo

sempre reenviar a ele próprio – e não a outros elementos da cadeia fantasística –

como o responsável pela irredutibilidade dos fantasmas em questão à associação

livre e à interpretação psicanalítica. Debrucemo-nos sobre este aspecto.

Com efeito, como o referencial discursivo sempre reenvia a si mesmo, ele

impõe um sério obstáculo à atividade interpretativa, na medida em que esta se

desenvolve a partir do constante remetimento de um significante a outro. Assim,

de acordo com o acima destacado, a localização topográfica das fantasias vazias

remete a um registro situado para mais aquém daquele no qual se faz sentir o

encadeamento significante. Nestes termos, os elementos fantasísticos não

estabeleceriam elos metonímicos com o restante das produções fantasmáticas do

sujeito, estando delas apartados pelo processo de clivagem.

Igualmente, devemos assinalar que como a interpretação psicanalítica se

exerce mediante o trabalho de desconstrução de um discurso, ela não encontraria

sua razão de ser neste domínio fantasístico, visto que não se trata, nas fantasias

vazias, de um discurso muito maleável. Ou seja, os elementos da fala do sujeito se

59
Ver segunda seção do segundo capítulo.
163

encontram articulados a alguns significados fixos, de modo a silenciar a dimensão

eminentemente arbitrária de uma formação simbólica. Em outros termos, trata-se

de ressaltar que o elemento discursivo não se abre para outros significantes; pelo

contrário, ele se fecha numa significação bastante rígida, fixa e pronta no próprio

instante do relato. Este fenômeno, por sua vez, encerra com quaisquer

possibilidades de construções metafóricas pelo trabalho de interpretação, o que

instauraria um novo rearranjo do material fantasmático e, de acordo com o modelo

da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), uma nova retranscrição mnêmica.

Deste modo, o discurso do sujeito, quando atrelado a estes referenciais

discursivos adquire, em sua totalidade, uma função de resistência à interpretação

psicanalítica. Entretanto, esta resistência merece ser melhor circunscrita na

medida em que ela não parece remeter à uma força emanada do eu para impedir o

reconhecimento, por parte do sujeito, de uma formação desejante recalcada. Ou

seja, o conflito metapsicológico estabelecido por Freud (1905c/1995) entre o

desejo inconsciente e a resistência egóica, embora se aplique ao domínio

fantasístico narrativo, não pode ser reportado às dificuldades de intervenção frente

às fantasias vazias. Conforme vimos, estas não se vinculam a nenhuma formação

desejante recalcada, sendo imunes à sua atuação pelo mecanismo de clivagem.

Ademais, elas se localizam num espaço topográfico no qual os dois sistemas

psíquicos em jogo no conflito psíquico – a saber, o sistema inconsciente e o

sistema pré-consciente-consciente – sequer se constituíram. Assim, por trás dos

fantasmas vazios não é possível vislumbrar tendências edipianas, elementos

imorais, vergonhosos e ligados à sexualidade infantil, bem como outras formações

psíquicas que justificariam uma resistência egóica aos esforços analíticos.


164

Ainda assim, no caso das fantasias vazias, proponho que o conjunto de

forças com as quais a interpretação se defronta mereça ser designado de

resistência. Contudo, devemos assinalar que esta modalidade peculiar de

resistência não consiste em impulsos de origem egóica, sendo provável que esteja

vinculada ao que Freud (1926/1995) em “Inibição, sintoma e angústia” designou

por resistência do isso. Tratar-se-ia de uma resistência que se manifesta,

fundamentalmente, na forma de uma oposição ao trabalho de elaboração psíquica.

Vejamos, assim, como foi construída a abordagem freudiana para o tema.

No texto em questão, Freud (1926/1995) inicia sua teorização, retomando

os principais pressupostos do mecanismo de recalque: conforme salientado, por

diversas vezes em alguns escritos anteriores, o recalque não consistiria num

processo que ocorre uma só vez; pelo contrário, ele exige um dispêndio constante

de energia por parte do aparelho psíquico que, caso cessasse, o recalque falharia.

Neste contexto, para manter o material recalcado afastado da consciência, o eu

emprega a força da resistência que, em si, pressupõe um contra-investimento de

ordem energética. A resistência egóica se estabelece no aparato pela dificuldade

do eu em reconhecer impulsos contrários ao dos padrões morais que ele criou para

si.

Dando prosseguimento à sua explanação, Freud (1926/1995) destaca que a

resistência pode ser consciente ou, até mesmo, inconsciente. Esta última abrange

os casos nos quais, mesmo após o eu ter se livrado de suas resistências

conscientes, o material recalcado continua a exercer uma resistência ao trabalho

de elaboração psíquica por intermédio de uma compulsão à repetição. Assim, ao

final da argumentação, o conceito de resistência é redimensionado e ampliado,


165

passando a abranger cinco modalidades distintas que, por sua vez, emanam de três

direções diferentes. Teríamos então três resistências que emanam do eu, a saber, a

resistência do recalque, a resistência da transferência e a resistência referente ao

benefício secundário da doença. A estas, se somariam uma resistência advinda do

isso e uma outra proveniente do supereu. Dada a complexidade da questão em

torno da noção de resistência do isso, vamos transcrever, na íntegra, a passagem

na qual Freud (1926/1995) a postula:

“Verificamos que mesmo após o eu haver resolvido abandonar suas resistências ele
ainda tem dificuldades em desfazer os recalques; e denominamos o período de
ardoroso esforço que se segue, depois de sua louvável decisão, de fase de
‘elaboração’ (...) Pode ser que depois de a resistência do eu ter sido removida, o
poder da compulsão à repetição – a atração exercida pelos protótipos inconscientes
sobre o processo pulsional recalcado – ainda tenha de ser superado. Nada há a dizer
contra descrever esse fator como a resistência do inconsciente. Não há qualquer
necessidade de se ficar desestimulado por causa dessas correções. Devem ser bem
acolhidas se acrescentarem algo ao nosso conhecimento. (...) A investigação (...) do
assunto revela que o analista tem de combater nada menos que cinco espécies de
resistência, que emanam de três direções – o ego, o id e o superego. O ego é fonte
de três, cada uma diferindo em sua natureza dinâmica. A primeira dessas (...) é a
resistência do recalque (...) sobre a qual há o mínimo a ser acrescentado. A seguir
vem a resistência da transferência, que é da mesma natureza mas que tem efeitos
diferentes (...) visto que consegue estabelecer uma relação com a situação analítica
ou com o próprio analista, reanimando assim um recalque que deve ser somente
lembrado. A terceira resistência (...) advém do ganho proveniente da doença e se
baseia numa assimilação do sintoma no ego. Representa uma não disposição de
renunciar a qualquer satisfação ou alívio que tenha sido obtido. A quarta variedade,
que decorre do id, é a resistência que, como acabamos de ver, necessita de
‘elaboração’. A quinta, proveniente do superego (...) é também a mais obscura,
embora nem sempre a menos poderosa. Parece originar-se do sentimento de culpa
ou da necessidade de punição, opondo-se a todo movimento no sentido do êxito,
166

inclusive, portanto, à recuperação do próprio paciente pela análise” (FREUD,


1926/1995, pp. 155-156, grifo do autor).

Deste modo, segundo a análise de Freud (1926/1995), a resistência do isso

se deve ao fato de o material recalcado dar prosseguimento às suas ações

sintomáticas por intermédio da compulsão à repetição, opondo-se ao trabalho de

elaboração psíquica. Nesta acepção, a resistência do isso não poderia se reportar à

questão dos fantasmas vazios, justamente, por dizer respeito a uma força oriunda

do próprio material recalcado. Todavia, vale lembrar que no modelo de aparelho

psíquico da segunda tópica (FREUD, 1923/1995), o isso não se justapõe ao

recalcado e, por este fator, a resistência do isso não se vincula necessariamente à

força de um material inconsciente rebelde ao processo de elaboração.

De fato, o isso é um dos conceitos freudianos mais controvertidos, ora se

justapondo ao recalcado e ao inconsciente – tal como na passagem acima –, ora se

reportando a um substrato biológico do aparelho psíquico (FREUD, 1923/1995),

ora se referindo a um caldeirão de pulsões (FREUD, 1923/1995). No entanto, de

acordo com nossa proposta60, o isso está sendo tomado como uma escritura

psíquica ainda não submetida ao encadeamento discursivo inconsciente

(BRAUNSTEIN, 1990) e, muito menos, à organização da fala pré-

consciente/consciente. Nesta medida, estamos relacionando o isso ao registro dos

“signos de percepção” da “Carta 52” (FREUD, 1896a/1995), ou seja, como se ele

dissesse respeito a algo situado topograficamente para mais aquém do registro da

inconsciência e que, portanto, escapa à lógica inconsciente e aos processos de

ligação (Bindung) significante.

60
Ver segunda seção do capítulo 2.
167

De acordo com esta acepção, a noção de resistência do isso pode remeter à

questão dos fantasmas vazios, e, então, ser circunscrita como a responsável por

suas irredutibilidades à associação livre e à interpretação. Com efeito, os “signos

de percepção” se apresentam como escrituras ainda pouco tocadas pelo trabalho

de elaboração psíquica. Assim, com respeito às fantasias vazias, o conflito que se

manifesta na clínica merece ser vislumbrado como uma tensão entre, de um lado,

os esforços analíticos do dispositivo analítico que visam a elaboração psíquica e,

de outro, alguns fantasmas ainda rebeldes ao processo de ligação (Bindung).

Desta maneira, verificamos que, frente às fantasias vazias, o trabalho

analítico deve tomar um rumo distinto do que é geralmente adotado no caso do

cenário fantasístico narrativo. Ou seja, ao invés de operar na desconstrução de um

discurso fantasmático, desatando suas ligações por intermédio do artifício da

interpretação, faz-se necessário, pelo contrário, abrir espaço para que estas

ligações psíquicas sejam erigidas. Conseqüentemente, o processo psicanalítico

promoveria, a partir das diversas fantasmatizações isoladas e petrificadas

peculiares, o advento de uma formação discursiva historicizada e organizada.

Trata-se, em outros termos, de indicar que a questão crucial gira em torno da

produção, pela via da transferência, de determinados artifícios que viabilizem a

articulação dos fantasmas vazios numa trama complexa de significações.

No entanto, cabe assinalar que o artifício clínico que estamos tentando

circunscrever também em nada remete ao trabalho de construção. Ou seja,

conforme assinalamos acima61, a construção se reporta às fantasias tidas enquanto

cenas indizíveis. Tratar-se-ia, na construção, de incluir na esfera fantasística

61
Ver a terceira e a última seção do capítulo 1.
168

algumas tendências psíquicas que escapam ao discurso do sujeito. Quanto às

fantasias vazias, vimos que elas não necessitam ser construídas em análise, posto

que já se apresentam no discurso do sujeito.

4.2. A nomeação de fantasias

Assim, pressupondo a irredutibilidade dos fantasmas vazios aos artifícios da

interpretação e da construção, devemos partir para a circunscrição de outra

modalidade de intervenção que se justifique no tocante a este tipo de

fantasmatização. Este artifício que iremos delimitar assumiria, no tratamento, a

função de revitalizar a linguagem das fantasias vazias, resgatando, em seus

domínios, o potencial de significação da palavra. Em outros termos, tratar-se-ia de

um procedimento que, por promover a elaboração psíquica dos fantasmas

elementares, viabiliza à palavra se constituir como um elemento de uma rede de

significações permeadas por formações desejantes, deixando, portanto, de ficar

encerrada num sentido único.

Ao longo desta exposição, vimos que, pelo mecanismo da clivagem, os

fantasmas vazios se manifestam como inassimiláveis pelas demais produções

fantasísticas do sujeito, sem se deixarem por elas afetar. Deste modo, teríamos, na

dinâmica psíquica, de um lado, uma performática discursiva abundante permeada

por elementos imaginários e simbólicos que não faria síntese com uma outra

modalidade discursiva perfeitamente coerente e atada a determinados referenciais

discursivos. Nesta perspectiva, o artifício clínico que vamos circunscrever deve

possibilitar a absorção dos fantasmas vazios pelos cenários fantasísticos narrativos

do sujeito instaurando, neste domínio fantasístico, uma produção desejante.


169

Assim, as fantasias vazias seriam progressivamente integradas ao restante das

construções discursivas do sujeito.

Com base nestes pressupostos, devemos analisar o artifício clínico

proposto por Kristeva (2002) referente à nomeação de fantasias pela via da

transferência. No entanto, antes de entrarmos nesta discussão, devemos ressaltar

que não veremos, mediante este exemplo, uma modalidade de intervenção que

fora aplicada ao que designamos de fantasias vazias. Trata-se, apenas, de um

artifício que, segundo a autora, incitou capacidade devaneativa de alguns sujeitos

que possuíam um discurso monocórdio, desafetado e que, igualmente,

funcionavam como limites aos esforços analíticos. Mesmo assim, julgamos

importante nos determos no exame deste artifício, na medida em que isto poderá

contribuir para uma reflexão acerca de como deve se constituir uma modalidade

clínica de intervenção frente aos fantasmas vazios.

Como exemplo de um caso clínico no qual o artifício referente à nomeação

de fantasias foi utilizado, podemos mencionar o caso de Didier (KRISTEVA,

2002), paciente cujo discurso fantasmático muito intrigava a analista. Tratava-se,

segundo o relato, de um caso de inibição fantasística, como se o imaginário do

paciente estivesse em pane (p. 17). Com efeito, Didier empregava um discurso

operatório e indiferente para discorrer sobre todas as suas vivências e atividades,

inclusive, a pintura.

Kristeva (2002) descreve que, ao longo do tratamento, ela se sentia como

simples testemunha de um discurso erudito e polido, proferido sempre em tom

monocórdio. Neste aspecto, a fala desafetada do paciente dava à analista a

sensação de que ele parecia ignorá-la. Feita uma intervenção, Didier sempre
170

respondia: “Claro, é o que eu ia dizer, exato, foi o que pensei” (p.17) para, em

seguida, prosseguir em sua fala sem se deixar afetar pela analista. O discurso do

paciente, sempre bem elaborado, informado e tecnicamente cuidado era, ao

mesmo tempo, artificial, apático e sem naturalidade.

Deste modo, Kristeva (2002) destaca que era preciso encontrar, a partir da

transferência, um acesso aos devaneios, desejos, paixões e formações afetivas do

paciente. Assim, ela percebe que, através de suas pinturas, ele poderia exprimir

seus fantasmas de maneira distinta. No entanto, como mesmo o discurso do

paciente sobre suas pinturas era muito técnico e especializado, de forma que a

analista não conseguia visualizá-los, a analista sugere que Didier traga fotos de

suas obras ao consultório e comente-as uma a uma.

As obras de arte de Didier eram misturas de colagens e pinturas.

Geralmente, representavam mulheres fraturadas e despedaçadas, mas sem que

estes pedaços fossem integrados numa figura única. Ao perceber o fato, a analista

interpela o relato do paciente, apontando que as pinturas vinham a simbolizar

algumas fantasias eminentemente sádicas. Nesta perspectiva, quando ela se põe a

expor todos os afetos e sentimentos que as pinturas evocavam nela própria, o

discurso do paciente passa a assumir uma outra faceta (KRISTEVA, 2002). De

acordo com a passagem a seguir:

“Comecei a nomear as fantasias amortalhadas. (...) Estranha interpretação, se é que


o foi, cuja parte contratransferencial se percebe sem dificuldade. Eu transmitia a
Didier minhas fantasias, que seus quadros me evocavam. Contudo, por este
caminho, estabeleceu-se entre nós um contato imaginário e simbólico. Embora
achasse meu discurso ‘redutor’ e ‘simplista’, Didier começou a aceitar ou a
ratificar, a especificar, a rejeitar minhas interpretações de suas colagens.
171

Doravante, chegava a nomear por si próprio sua fantasmática, subjacente à sua


técnica gelada” (KRISTEVA, 2002, pp.27/28, grifo da autora).

Fica claro com isto que a analista se põe a transmitir suas próprias

fantasmatizações ao analisando para, em seguida, conceder-lhe a oportunidade de

aceitá-las, completá-las ou, até mesmo, refutá-las. Fornecendo um nome aos

fantasmas de Didier, para depois abrir espaço para que ele coloque em dúvida

suas teorizações, Kristeva (2002) vai estabelecendo as bases de apoio necessárias

para o advento de um contato imaginário e simbólico com o paciente. Por

conseguinte, a partir desta reviravolta, o tratamento progride pouco a pouco. Em

decorrência da intervenção, algumas seções depois, o discurso pudico do paciente

é rompido e ele passa a relatar em detalhes suas fantasias sexuais masturbatórias.

O discurso de Didier vai se tornando, aos poucos, menos congelado e mais

afetado e, com isto, ele tem a oportunidade de elaborar fantasmaticamente

algumas de suas vivências, bem como alguns aspectos relacionados à sua família

e à figura da analista.

A partir deste extrato clínico, constatamos que o artifício de nomeação,

pela via da transferência, dos fantasmas de Didier, permitiu ao paciente o

empreendimento do trabalho de elaboração psíquica de seu discurso elementar.

Segundo Kristeva (2002), o recurso à “teorização flutuante” (p. 24) por parte do

analista, produz uma brecha num determinado discurso apático, permitindo que o

sujeito reencontre a palavra, onde se faz ressoar sua polifonia, sua dimensão

comutativa e sua afetação pelo desejo. Nesta medida, o discurso do sujeito vai,

aos poucos, se constituindo enquanto uma organização narrativa complexa,

expressiva e dinâmica, deixando de ser desvitalizado, desinvestido e monótono.


172

Em termos metapsicológicos, opera-se aí o processo de tradução de suas fantasias

outrora estratificadas numa trama complexa de significações tornando possível o

deslocamento de ordem metonímica por entre os meandros da trama discursiva.

Com base nesta discussão, devemos agora questionar acerca do fator que

responde pelo artifício da nomeação de fantasias ter surtido tais efeitos na

dinâmica psíquica de Didier. Assim, teremos a oportunidade de analisar a função

desempenhada pelo enigma na prática clínica e circunscrever um importante

questionamento acerca da intervenção frente às fantasias vazias, dada sua

irredutibilidade aos esforços da interpretação e da construção.

4.3. Sobre a produção de enigmas

Retomemos o caso clínico do Pequeno Hans. Mediante a releitura do extrato

clínico, verificamos que, de início, o interesse do menino se dirigia para o enigma

concernente à diferença entre os sexos. Profundamente empenhado em suas

pesquisas sexuais infantis, Hans era constantemente atraído pelo tema dos pipis

(pênis), acreditando na sua universalidade e manifestando o desejo constante de

ver o pênis da mãe, da babá ou de suas amigas. O quadro clínico da criança – que,

até então não apresentava nenhuma patologia – começa a se agravar a partir da

visão de sua irmã Hanna tomando banho. Assim, durante à noite ele é despertado

por um sonho de angústia no qual a mãe ia embora, não podendo mais dormir

junto a ele. No dia seguinte, durante um passeio no parque com a babá, Hans

chora dizendo querer voltar para casa, a fim de ficar junto da mãe. Esta resolve,

então, levá-lo para passear e, quando retornam, ao lhe perguntar sobre o ocorrido
173

no parque, Hans retruca: “Eu estava com medo de que um cavalo me mordesse”.

Trata-se aí do surgimento de sua fobia a cavalos (FREUD, 1910a/1995).

Com base no relato do caso, Freud (1910a/1995) levanta a hipótese de, por

esta época, a afeição de Hans pela mãe ter se tornado bastante intensa. Assim, ele

combina com o pai para que este lhe explicasse que sua fobia não passava de uma

bobagem; Hans realmente desejava que sua mãe o levasse para a cama, pois

gostava muito dela. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, também é

assinalada a suspeita de que a fobia a cavalos estaria, de alguma forma,

relacionada com o desejo do menino de ver o pênis da mãe. Deste modo, o pai

também é aconselhado a esclarecer-lhe sobre a diferença sexual. Hans reage a tais

observações construindo duas fantasias: a da mãe lhe mostrando o pênis e a de

que seu membro estava preso e jamais iria se soltar.

Alguns dias depois, observa-se que o esclarecimento do enigma a respeito

da diferença sexual promove o surgimento da fantasia da girafa grande e da girafa

amarrotada62. Quanto a esta fantasmatização, o pai de Hans declara que ela

consistia na reprodução de uma cena ocorrida todas as manhãs: a criança entrava

no quarto dos pais e a mãe – apesar das admoestações do pai – não resistia e

deixava o menino dormir com eles. Deste modo, o pai conclui que

“Essa, portanto, é a solução dessa cena matrimonial, transportada para a vida da


girafa: à noite, ele fora arrebatado por uma ânsia de ter sua mãe, suas carícias, seu
órgão genital, e por essa razão veio para nosso quarto. Tudo isso é continuação de
seu medo a cavalos” (FREUD, 1910a/1995, p. 43).

62
Vale lembrar que esta fantasia já foi minuciosamente abordada na segunda seção do capítulo 2.
Ver páginas 76-77.
174

Assim, com base na releitura do caso, verificamos o quão apressadas são

as conclusões tiradas por Freud ou pelo pai da criança. Com efeito, o fato da

criança sempre querer dormir com os pais não implica necessariamente que ele

almeje se deitar com a mãe e afastar o pai dela, como pretendiam as interpretações

edipianas. Neste contexto, a própria fantasia das girafas pode ser relida como a

simples reprodução da cena de briga familiar ocorrida pelas manhãs, mas sem que

aí se acrescente o colorido sexual proposto por Freud (1910a/1995): o pai, de fato,

brigava com a mãe quando esta cedia aos apelos de Hans e, nesta medida, a cena

das girafas pode ser considerada como uma transposição, para a esfera

fantasmática, da satisfação pelo triunfo por ele obtido sobre as resistências do pai.

Alguns dias depois, Hans vai se encontrar com Freud e, a caminho da

consulta, a cena do cavalo com o preto ao redor da boca é mencionada pela

primeira vez. Freud, a guisa de brincadeira, relaciona o estranho objeto preto com

o bigode do pai63 e, em seguida, comunica ao menino que “bem antes dele nascer

(...), já sabia que ia chegar um Pequeno Hans que iria gostar tanto de sua mãe que,

por causa disso, não deixaria de sentir medo de seu pai” (FREUD, 1910a/1995, p.

45). Portanto, devemos destacar que a fobia de Hans assumiu uma expressão

eminentemente edipiana somente a partir das constantes interpretações de seu pai

ou do próprio Freud64. Igualmente, supomos ter sido o constante remetimento do

objeto preto na boca do cavalo ao bigode do pai, o que possibilitou a integração

do fantasma vazio de Hans aos seus cenários fantasísticos narrativos. Assim,

63
A transcrição da consulta de Hans com Freud já foi exposta no primeiro capítulo. Ver página 45.
64
A partir de uma releitura atenta do caso, constatamos que não havia nenhuma indicação que
possa vir a justificar a interpretação edipiana para a fobia de Hans. Ou sejam o colorido edipiano
para as formações discursivas da criança era sempre fornecido por Freud ou por seu pai, mas
nunca pelo menino.
175

vejamos, em linhas gerais, como se deu o desfecho do caso a partir do encontro

com Freud e de sua leitura edipiana para a fobia do menino.

No encontro com Freud, ele afirmou que o medo de cavalos consistia

numa formação de compromisso entre três tendências: de um lado, a expressão de

seus impulsos hostis dirigidos ao pai; de outro, a manifestação da necessidade de

ser punido por causa do desejo de infligir-lhe mal; ao mesmo tempo, encontrava-

se também na fobia a cavalos os ecos de uma afeição exagerada orientada para a

mesma figura paterna. Com efeito, alguns extratos clínicos vêm a confirmar a

hipótese de que a criança aceitara as interpretações freudianas e, a partir disto,

empreendera um longo trabalho de elaboração psíquica de seus fantasmas fóbicos.

Por exemplo, dois dias depois da consulta, quando o pai se levanta da mesa para ir

trabalhar, Hans lhe implora: “Papai, não se afaste de mim nesse trote!” (FREUD,

1910a/1995, p. 47). Do mesmo modo, após a cena na qual o pai lhe assegura não

estar aborrecido por causa de sua afeição à mãe, o menino retruca: “Nem todos os

cavalos brancos mordem” (p. 48).

A cena anestesiada aparece pela segunda vez no dia seguinte, e o pai

novamente afirma que o objeto preto simbolizava um bigode, ao que Hans

responde negativamente65. A história clínica prossegue com a observação de que,

por vários dias, ao brincar de ser ele próprio um cavalo, Hans vinha correndo até o

pai, mordendo-o. Desta maneira, Freud (1910a/1995) ressalta que este fato

implicava na aceitação de suas interpretações por parte do menino.

65
A descrição desta conversa também já foi exposta no primeiro capítulo. Ver páginas 45-46.
176

Alguns dias depois, o pai de Hans tenta, novamente sem sucesso,

convencer a criança de que o objeto preto ao redor da boca dos cavalos

simbolizava seu bigode:

“Fui com Hans até a frente da casa, à tarde. Ao passar algum cavalo eu lhe
perguntava se ele via ‘o preto na boca do animal’; ele sempre dizia que ‘não’.
Perguntei-lhe com que se parecia de fato esse preto e ele respondeu que parecia
com um ferro preto. Portanto, não se confirmou a minha primeira idéia de que de
fato era a correia de couro que faz parte dos arreios nos cavalos de tração.
Indaguei-lhe se ‘a coisa preta’ lhe lembrava um bigode, e ele disse: ‘Só pela cor’.
De modo que ainda não sei o que realmente vem a ser” (FREUD, 1910a/1995, p.
54).

No dia seguinte, é empreendida uma nova tentativa de saber a que se

reportava o estranho objeto preto e Hans afirma que ele se parece com um

focinho. Mais uma vez, sem sucesso, o pai faz aludir o objeto em questão a um

bigode e, dois dias depois, o menino reage a tais observações da seguinte forma:

“Nesta manhã, Hans veio ver-me, enquanto eu me lavava e estava nu até a cintura.
Hans: ‘Papai, você é lindo! Você é tão branco’.
Eu: ‘Sim. Como um cavalo branco’.
Hans: ‘A única coisa preta é o seu bigode’. (continuando:) ‘Ou talvez seja um
focinho preto?’” (FREUD, 1910a/1995, pp. 54-55, grifo do autor).

Assim, de acordo com a passagem acima, destacamos que, finalmente, as

intervenções do pai surtiram efeito na dinâmica psíquica da criança.

Surpreendentemente, após o ocorrido, o estranho objeto preto não reapareceu em

suas fantasmatizações.
177

Trata-se, portanto, de afirmar que as constantes leituras edipianas

possibilitaram a integração do fantasma neutralizado de Hans numa trama

fantasística narrativa. Em outros termos, mediante tais intervenções, os devaneios

da criança passaram a incluir, em seus domínios, a cena anestesiada do cavalo

com o preto ao redor da boca, fazendo com que, a partir deste momento, o objeto

em questão passasse a se reportar ao bigode do pai.

Neste caso, constatamos que, não apenas as produções fantasísticas

edipianas da criança foram inseparáveis das intervenções diretas ou indiretas de

Freud; mas também, após estas fantasias edipianas terem sido instauradas na

dinâmica psíquica de Hans, elas próprias passaram a envolver o fantasma

neutralizado da criança. Deste modo, o processo de assimilação da fantasia

anestesiada no campo devaneativo da criança desfez a clivagem psíquica e o

anacronismo fantasmático presente, até então, em seu discurso. Com base nestes

pressupostos, consideramos que, para além das controvérsias que giram em torno

das intervenções de Freud, estas assumiram um papel crucial no tratamento de

Hans, pois funcionaram como uma fonte de estimulação constante para o trabalho

de elaboração psíquica da criança. Segundo Lacan (1956-1957):

“a criação imaginativa de Hans vai sempre se desenvolvendo à medida das


intervenções do pai, as quais, mesmo sendo mais ou menos hábeis ou canhestras,
são orientadas suficientemente bem para não fazer calar, mas, ao contrário,
estimular até o fim a série de suas produções” (LACAN, 1956-1957/1995, p. 291).

Retomemos portanto, a guisa de conclusão, nossos questionamentos acerca

do fator que responde pelo êxito destas intervenções no trabalho de assimilação e

elaboração psíquica dos fantasmas vazios. Para tal, devemos trazer para o domínio
178

clínico a análise metapsicológica acima empreendida66 acerca da vertente mítica

da atividade fantasmática.

Assim, consideramos que a produção de um determinado enigma ou

questionamento no tratamento pode funcionar como um importante estímulo que

incite a produção fantasística de cunho narrativo. Neste sentido, com base no

procedimento clínico em questão, devemos perguntar: o que fizeram Freud e o pai

do Pequeno Hans, ao constantemente remeterem a cena anestesiada aos desejos

edipianos, senão produzirem um enigma no tratamento?

Com efeito, é lícito conjeturar que mediante o empreendimento desta

leitura edipiana para a fantasia do cavalo com o objeto preto ao redor da boca,

Hans pôde experimentar um certo sentimento de estranheza. Do mesmo modo,

Didier não deve ter deixado de vivenciar o mesmo afeto face à fantasmatização

que lhe fora comunicada67. Assim, com a emergência do enigma e,

conseqüentemente, frente aos afetos de estranheza despontados em tais situações,

o sujeito em análise tem de lançar mão da produção de certos circuitos

fantasmáticos na tentativa de simbolizar o que se vincula ao campo do

enigmático. Deste modo, ao abrir espaço para que o paciente se defronte com algo

da ordem da surpresa, fornecendo, em seguida, os subsídios necessários para que

ele possa ascender a uma compreensão de tal experiência, o psicanalista pode ter

em mãos um importante recurso que auxilie no tratamento das fantasias vazias.

66
Ver terceira seção do capítulo precedente.
67
Convém lembrar novamente que, no extrato clínico de Didier, não vislumbramos exatamente
aquilo que designamos de fantasias vazias, mas um discurso no qual se ausentavam as produções
devaneativas. No entanto, este caso clínico está nos servindo como exemplo na medida em que
demonstra, tal como o caso do Pequeno Hans, a função desempenhada pelo enigma para a
produção de um cenário fantasístico narrativo.
179

No entanto, seria bastante reducionista circunscrever a questão apenas sob

este prisma. Trata-se também de assinalar que o trabalho de produção de enigmas

deve necessariamente ser perpassado pela ordem do engano ou da dúvida, de

modo que o sujeito em análise possa se engajar numa problematização do que lhe

foi comunicado, seja pela via da aceitação, da reação ou mesmo da resistência. No

caso de Didier (KRISTEVA, 2002), este teve realmente a possibilidade de

retificar as fantasias transmitidas pela analista. Também no caso do Pequeno Hans

(FREUD, 1910a/1995), tal possibilidade pode ser evidenciada em sua fala irônica,

durante a conversa com o pai, na saída do consultório de Freud: “O Professor

conversa com Deus? Parece que já sabe de tudo, de antemão!” (p. 45).

Consideramos, portanto, que o artifício de produzir enigmas pode vir a

aguçar a capacidade criativa do sujeito, promovendo o acionamento da trama

complexa de significações. Se relacionarmos este artifício com a discussão

metapsicológica a respeito do trabalho de introjeção68, destacamos que, com isto,

o sujeito introjetaria o sentido da palavra que lhe é transmitida, sendo este

trabalho viável pelo fato da fala do outro comportar algumas variáveis

enigmáticas. Caso contrário, se a nomeação do outro fosse perfeitamente clara, a

introjeção encontraria um sério obstáculo a sua frente69.

Assim, mediante a manifestação do enigma no discurso do outro e,

conseqüentemente, a partir do advento do trabalho de introjeção do sentido deste

discurso, promove-se o trabalho de captura e assimilação dos fantasmas vazios

pelos cenários desejantes do sujeito. Desta forma, conforme o assinalado nos

casos clínicos acima discutidos, o sujeito em análise encontra a oportunidade de

68
Conforme a discussão do capítulo anterior.
69
Ver citação de Pinheiro (1995) nas páginas 120-121.
180

criar uma realidade fantasmática própria, onde se faz ressoar suas formações

desejantes. De acordo com a passagem a seguir:

“A produção da fantasia, cerne do que institui a realidade psíquica, tem sua origem
no impulso desejante, ou seja, o desejo deve ser entendido como fonte da fantasia,
e é somente a partir da construção da fantasia que se institui o desejo como busca.
(...) Nessa configuração, a importância dada ao caráter impulsivo [do desejo]
confere relevo ao próprio ato de criação da fantasia, passando a ser valorizado
como possibilidade de produzir uma multiplicidade de modos de investimento, em
permanente devir” (HERZOG, 2003, p. 38).

Nesta medida, ao possibilitar o advento do desejo onde ele, até então, não se

fazia sentir, uma nova realidade fantasística é construída pelo sujeito em análise.

Desta maneira, o processo analítico se livraria da busca interminável de tentar

alcançar uma verdade própria ao sujeito, para produzi-la a partir de seu discurso

anestesiado. Claro está que esta nova cena fantasmática pode assumir um colorido

edipiano, tal como foi demonstrado a respeito do caso de Hans; mas também, em

conformidade com a citação acima, devem ser considerados os múltiplos e

infinitos sentidos que podem adquirir estes cenários narrativos. Com base nestes

pressupostos, o espaço analítico passa a ser visto como um lugar de criação, onde

se produziria o novo, retirando o paciente de uma recorrente estagnação

discursiva.

Por fim, vale assinalar que, com esta discussão, não pretendemos atribuir

aos artifícios clínicos apresentados no caso Didier (KRISTEVA, 2002) e no caso

do Pequeno Hans (FREUD, 1910a/1995) o estatuto de técnicas privilegiadas ou

modelares para o tratamento dos fantasmas vazios. Pelo contrário, consideramos

que muitas outras artimanhas analíticas possam ser eficazes, desde que cumpram
181

seu papel de trazer, para a cena clínica, uma variável enigmática que, assim, seja

confrontada com uma discursividade fantasística perfeitamente clara e unívoca.

Deste modo, estes outros artifícios também proporcionariam a delimitação deste

ponto de ancoragem necessário ao empreendimento do trabalho de criação

fantasmática.
182

Considerações finais

A discussão empreendida acerca da irredutibilidade dos fantasmas vazios à

interpretação serviu para demonstrar que a psicanálise não deve se constituir como

um saber acabado. Com efeito, as fantasias vazias são por nós vistas como um dos

múltiplos exemplos que podem vir a colocar em cheque o dispositivo clínico da

psicanálise, se pensado unicamente em seus moldes tradicionais. Nesta

perspectiva, devemos destacar ser imprescindível ao psicanalista escutar a

singularidade do discurso de cada um de seus pacientes para que, assim, se

descubra outros modos de manifestação dos processos psíquicos, para além dos

muitos que já foram estudados pelo pensamento freudiano. Ao agir desta maneira,

estaremos seguindo as já conhecidas recomendações de Freud, para quem a

psicanálise se configura como um saber em permanente transformação, sendo

estas indissociáveis dos impasses com os quais nos defrontamos em nossa prática.

Neste contexto, através do estudo sobre as fantasias vazias, revelamos o

quanto devem ser necessariamente repensadas algumas tendências bastante

operantes no pensamento psicanalítico. Em primeiro lugar, conforme a discussão

empreendida no segundo capítulo, os fantasmas vazios nos mostram que nem

tudo, no campo discursivo, deve ser reduzido ao domínio significante. De fato,

vimos que os elementos presentes nas fantasias vazias se comportam, na fala do

sujeito, como o que denominamos de referenciais discursivos. Estes seriam

situados num plano diverso daquele do significante na medida em que reenviam a

um significado já dado e passam à margem da atuação dos trabalhos da metáfora e

da metonímia. Do mesmo modo, de acordo com a análise feita no terceiro

capítulo, a questão da emergência dos fantasmas vazios vem indicar que o


183

recalque não responderia pela totalidade dos fenômenos psíquicos manifestos nas

neuroses. Nesta medida, vimos ser o mecanismo da clivagem o responsável pelo

anacronismo fantasístico em jogo na tese. Ou seja, apesar de o recalque servir

como base para o dinamismo próprio ao cenário fantasístico narrativo do sujeito,

depreendemos, a partir de um redimensionamento das elaborações teóricas de

Ferenczi, Abraham e Torok, que as fantasias vazias encontram seus alicerces

metapsicológicos num processo psíquico de outra ordem. Por fim, mediante a

discussão do último capítulo, demonstramos a necessidade de se repensar o fato

de que a interpretação e a construção são os únicos artifícios que o analista pode

utilizar. De fato, conforme assinalamos, os fantasmas vazios vêm denunciar os

limites destes modelos clínicos tradicionais. Ao mesmo tempo, destacamos ser

imprescindível a criação de outras modalidades de intervenção para as tendências

psíquicas frente às quais a interpretação e a construção, de certo modo, vacilam.

São, portanto, estes os fatores que respondem pela importância da presente

pesquisa. Vale apenas ressaltar que não pretendemos, com este estudo, esgotar o

tema das fantasias vazias, de forma que todas as conclusões por nós circunscritas

não possuem um caráter definitivo, funcionando como pontos de ancoragem para

futuras discussões.
184

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