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Resumo:
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Fenomenologia: “1 - no pensamento setecentista, descrição filosófica dos fenômenos, em sua natureza
aparente e ilusória, manifestados na experiência aos sentidos humanos e à consciência imediata. 2 - na
filosofia de William Hamilton (1788-1856), a descrição imediata, anterior a qualquer explicação teórica,
dos fatos e das ocorrências psíquicas. 3 - em E. Husserl (1859-1938), método filosófico que se propõe a
uma descrição da experiência vivida da consciência, cujas manifestações são expurgadas de suas
características reais ou empíricas e consideradas no plano da generalidade essencial.” Dicionário
Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 3.0. Rubrica: filosofia. Editora Objetiva, Junho, 2009.
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FOUCAULT, Michel. Microfísca do Poder. 28 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p. 45.
3
Episteme: “1- na filosofia grega, esp. no platonismo, o conhecimento verdadeiro, de natureza científica,
em oposição à opinião infundada ou irrefletida. 2 - no pensamento de Foucault (1926-1984), o paradigma
geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por
esta razão compartilham, a despeito de suas especificidades e diferentes objetos, determinadas formas ou
características gerais [O surgimento de uma nova episteme estabelece uma drástica ruptura
epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que implica
uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência.] Dicionário Eletrônico Houaiss da
Língua Portuguesa 3.0. Rubrica: filosofia. Editora Objetiva, Junho, 2009.
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BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Lisboa: Fim de Século, 2003. p. 119.
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SANTOS, Boaventura de Souza. ALICE CES. 2016_Master Class #1 - Epistemologias do Sul: Desafios
Teóricos e Metodológicos. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=q75xWUBI8aY>.
Acesso em 01/10/2016.
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PLATÃO. República, Ed.9, Fundação Calouste Gulbenkian, p.90 (379a)
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recurso político7, uma espécie de “medida das medidas”, recurso maior, sob o qual
todos devem se prostrar.
O sentido primeiro do termo teologia talvez pareça diferente do sentido atual.
Para Platão os teólogos eram formadores de cidades, aqueles que apresentam os moldes
sobre os quais as sociedades devem seguir. Não está diferente do que apresentou
Hinkelammert8 no seu livro, critica da razão utópica. Para este a razão não é construída
cientificamente, mas baseada em estatutos ideais, em utopias construídas por lógicas
dirigentes da visão de mundo, dentre as quais a religião é uma das principais. Assim,
Hinkelammert também identificou o discurso político como resultante do sentido
religioso presente na visão de mundo.
Para Arendt, “Esse novo deus teológico não um Deus vivo, nem o deus dos
filósofos, nem tampouco uma divindade pagã; ele é um recurso político, “a medida das
medidas”, isto é, o padrão pelo qual se podem fundar cidades e decretar regras de
comportamento para a multidão”9. Com isso, entende-se que a teologia surge ao lado do
discurso político, com objetivo de controle.
Interessa também que, em Platão a teologia não possui apenas papel político,
mas também de estatuto científico. Ao teólogo, como formador de cidades, é atribuído
poder e sentido organizacional da comunidade. A teologia era uma proposta cientifica
de organização da vida, da sociedade a partir de uma compreensão de Deus que fosse
coerente com os interesses dominantes. Assim, a teologia, como fenômeno político, tem
objetivo de controle pela supressão dos elementos subjetivos em razão das grandes
narrativas10.
Soma-se a essa leitura a proposta analítica do antropólogo J. Goody, que
identificou sentido político-religioso na história da escrita. Ou seja, os primeiros escritos
e escritores eram considerados sagrados, dádiva dos deuses. As leis eram dádivas dos
deuses para os reis governarem o povo, leis para controle “espiritual” da realidade.
Na história da escrita, Goody identifica o processo de solidificação das tradições
orais11, com isso perpetuação de estruturas de domínio, fixação e proposta de
hereditariedade de clãs no governo dos povos. Por esse olhar deve-se ter em mente que,
inclusive os processos de formação das escrituras não estão isentos da intenções de
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ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992, p.175.
8
HINKELAMMERT, Franz. Critica a La Razon Utopica. San Jose: Departamento ecuménico de
Investigaciones. 1984. p. 13-14.
9
ARENDT, 1992, p. 175.
10
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p. 3.
11
GOODY, Jack. Cultura Escrita em Sociedades Tradicionales. Barcelona: Gedisa, 2003. p. 103.
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solidificação das tradições, não estão isentos das formas ideológicas de controle e
organização social, as próprias escrituras surgem como histórias para formação das
cidades.
Conclui-se que a teologia surge com papel político, como organizadora da
realidade, doadora de sentido para a visão de mundo, produzindo adaptação e
readaptação do sentido12, promovendo uma explicação da realidade de que forneça um
sentido, uma direção, uma ordem que possa ser controlada. Uma grande narrativa
ordenadora e controladora do sentido e da vida. Assim, não é preciso ter controle das
pessoas, mas da produção e verdade13, das grandes narrativas.
Diante dessa conclusão some-se o impasse da possibilidade de uma teologia
bíblica. Mas como já foi dito, perspectivas de controle e solidificação das tradições
estão na base das escrituras, mas a questão é que também existem vários textos de anti-
teologia, de afronta aos padrões impostos e às grandes narrativas.
2. Bíblia e Teologia
Na busca por compreensão do sentido quanto à Bíblia, surge a pergunta sobre a
unidade das escrituras. Será que a junção dos livros não eliminou a diversidade e
promoveu uma espécie de busca centralizadora? Será que o resultado dessa perspectiva
não foi a formação de uma hermenêutica da descoberta dos fundamentos da verdade que
colocaria o poder nas mãos dos interpretes dessa verdade.
Ou ainda, será que a intenção dos autores realmente era unificar as escrituras em
um único livro sagrado? E essa unificação? Causou prejuízos na compreensão do
sentido? E quanto a produção de teologias? Será que essa utilização do texto não
promoveu exclusão do próprio texto e a formação de um Canon dentro do Canon?
As perspectivas teológicas que surgiram na história e principalmente nas
confissões, colaboraram para a formação de algo que, por falta de um nome melhor,
chamo de biblicidade. A utilização da Bíblia como um fim em si mesma. Como auto-
legitimadora. Como validadora da ordem social. Como código de conduta. A Bíblia
tornada em teologia, sob o prisma da metafísica e das formulações confessionais. Essa
perspectiva política promoveu um distanciamento do sentido, uma polarização em busca
da unidade que transformou a Bíblia em algo que ela não pretendia ser.
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GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 67.
13
MOTTA, Manoel Barros da(org.) Foucault. Estratégia, Poder-Saber. São Paulo: Forence Universitária,
2003. p. 229.
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Um dos trabalhos que trata dessa questão foi desenvolvido por James Dunn. No
estudo sobre as características do cristianismo primitivo, discorre sobre a possibilidade
e os impasses do tema “Unidade e diversidade”14. Para ele o cristianismo primitivo deve
ser estudado por esse prisma, entendendo a existência de unidade na diversidade e de
diversidade na unidade. Essa proposta pode ser usada como chave para, num olhar atrás,
poder seguir adiante.
Unidade na Diversidade
Em respeito à proposta de Dunn, entendo que a unidade e diversidade está
presente inclusive nos primeiros escritos da fé judaica. Deve-se afirmar a existência de
unidade na diversidade. Nos textos do Primeiro Testamento é perceptível a
compreensão da diversidade. O percurso e relacionamento cultural com a África, Ásia,
Oriente, Ocidente. O texto apresenta Jonas rumo à Társis e depois à Nínive, ou as
histórias de personagens no Egito, na Babilônia e na Pérsia. Mesmo nas diversas Canaãs
de períodos diferentes sob influências e dominações diferentes. Ou ainda nos diversos
judaísmos que se formaram pós-exílio e suas relações com o Israel da dispersão. A
compreensão de fé torna-se elástica e se aproxima das perspectivas teológicas desses
povos. Um olhar simples percebe grande diferença entre o Pentateuco e os Profetas, ou
ainda entre os Profetas e os escritos de Sabedoria. Com toda essa diversidade os textos
apresentam diversos traços de unidade, de presença e ausência, de testemunho e
omissão. Isso não significa que não houvesse uma teologia judaica, porque, embora
possa ser academicamente negada, havia vasto aparato religioso e ideológico ao lado
das monarquias.
As primeiras comunidades cristãs não eram diferentes, na verdade, eram
judaicas. Possuem diversas aproximações com narrativas do Primeiro Testamento. Não
apenas porções históricas, mas também utopias e tradições. Isso indica a presença de
elementos unificadores, de uma visão de mundo, uma teologia. Não podemos esquecer
que toda estrutura de poder necessita de aparelhos ideológicos que a sustentem e
legitimem. Assim, as lideranças operavam com teologias que validavam suas
aspirações.
14
DUNN, James D. G. Unidade e Diversidade no Novo Testamento: Um Estudo das características dos
primórdios do cristianismo. Santo André: Academia Cristã, 2009.
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Diversidade na Unidade
Penso que muito mais que unidade a interpretação deve estar atenta para a
diversidade. Principalmente o Segundo Testamento. São diversos povos, culturas,
épocas, tradições, filosofias, visões de mundo, ideologias de poder e controle. Não é
possível omitir a diversidade na Bíblia.
O espaço percorrido parece muito maior que no Primeiro Testamento, seja por
causa dos grandes impérios ou simplesmente pelas experiências dos personagens. O
lastro cultural passa pela Grécia, Roma, Ásia, Síria, Egito, África, Babilônia, etc. O
contato teológico e cultural é muito mais influente, isso devido às dominações e
invasões recorrentes. Toda essa influência possibilitou a formação de diversos
judaísmos que já percebiam uma forma de unidade e diversidade.
Inclua-se nessa diversidade uma predominância da anti-teologia que já era
esboçada no Primeiro Testamento. A proposta de afronta à visão de mundo e aos
padrões de controle ideológicos que manipulavam o sagrado. Essa proposta era comum
principalmente nos profetas e retorna nos escritos do Segundo Testamento.
A anti-teologia surge na pregação da diversidade, como afronta aos movimentos
totalitários15. Na diversidade que está o chamado Sul Global a proposta de uma
epistemologia plural, cujo centro não está nas construções de poder, ou nas grandes
narrativas, mas na experiência diversa, na margem. A verdade não está na proposta de
cinco países, que na realidade são a minoria, mas na diversidade que representa a
maioria. Uma teologia da margem e não do centro.
Mas essa anti-teologia, embora figure como proposta de deposição dos campo de
poder, inicia como revolucionária e liberal, mas com a elevação do sua posição de
poder, passa a postura conservadora. Ou seja, não se resolve a interpretação
centralizando as escrituras na margem, pois também ignora-se parte da realidade. A
diversidade é sim o elemento subjetivo, instancia de vida, o não ideológico ou utópico.
O travamento do império da narrativa. Uma espécie de contra-texto, contra-narrativa,
uma anti-teologia.
Essa construção da diversidade embora pareça diluir-se em relativismo, não deve
ser negada. A própria escritura estabelece esse padrão. Por diversas vezes o local
teológico é representado totalmente ausente das grandes narrativas, como no caso da
15
ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Schwarcz Ed., 1998. p. 367.
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Teologia e Anti-Teologia
Diante do apresentado, percebe-se que a unidade e diversidade do texto deve-se
à junção dos vários escritos em um único livro. Esse movimento possibilitou que
perspectivas individual e plural, unidade e diversidade, teologia e anti-teologia fossem
colocados lado a lado e, com isso, uma leitura do texto que identificou um Canon dentro
do Canon.
O texto do Segundo Testamento, no geral, foi escrito com perspectiva teológica,
entendendo o sentido grego do termo. As cartas paulinas embora não demonstrem
pretensão de texto sagrado, tem a proposta de organizar e regular práticas nas
comunidades. Já os evangelhos, por outro lado, demonstram pretensão de livro sagrado,
de substituição da Toráh judaica. Diferente da cartas paulinas, os evangelhos são mais
gerais, não têm um público objetivo, mas são escritas como testemunho comunitário e
ao mesmo tempo legitimador da fé cristã, pois, um dos objetivos é provar que Jesus era
o messias.
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proposta de James Dunn, não é kerygma, mas, kerygmata, ou seja, não apenas uma
mensagem, ou uma verdade, mas várias mensagens e verdades. Olhar a comunidade é
estar disposto a olhar para unidade a partir da diversidade.
Dessa perspectiva “teológica” a própria escritura recupera a característica plural
foi diluída pelas teologias que desfiguraram o texto em poucas idéias centrais. Assim, o
texto é retomado como algo que nasce na comunidade e dirige-se a uma comunidade.
Cultura local, história e contexto assumem grande sentido na interpretação. Essa
proposta se alinha ao lado das epistemologias do sul e entende que a diversidade é
maior e deve ser dominante em relação à unidade. A percepção do fenômeno humano
não acontece pela unidade, mas principalmente pela diversidade, sendo que a unidade
acontece em poucos elementos centrais. A principal característica da humanidade é a
diversidade. Uma construção teológica que desconsidere a realidade diversa das
comunidades assume papel colonizador e dominador.
Não há apenas um olhar, mas vários. Não se trata de apenas uma mensagem,
mas diversas. Não se trata de diluir as escrituras em relativismo, mas de descentralizar o
sentido colonizado. Como seria nossa teologia se percorrêssemos os locais que Paulo
peregrinou? A diversidade com que teve de lidar? A multiplicidade e testemunhos? A
dinâmica das andanças de Paulo que muito influenciou na diversidade de seus escritos é
chave fundamental para compreensão da teologia bíblica.
A realidade não é romântica, redonda, equalizada, mas diversa, trágica, volátil.
Não como algo pronto e acabado, mas como possibilidade a ser harmonizada com as
comunidades. Entretanto, essa harmonia corre o risco de tornar-se dominação pela
exclusão do diferente, pela centralização colonizadora, pela utilização da teologia como
ferramenta política de controle e organização. Interessante como Paulo não se ocupa
com isso. Não fala sobre o Canon, ou propõe uma centralização doutrinária, mas adapta
a mensagem à realidade comunitária. Valoriza a diversidade sem perder de vista a
unidade.
Assim, o desafio fenomenológico é de ser uma teologia sem ser política,
centralizadora e dominadora. De ler a Bíblia sem transformar a diversidade em unidade,
considerando que não é um livro único, mas que representa uma diversidade de
experiências sobre o sagrado. E de perceber que mesmo em meio a tamanha diversidade
há uma unidade que se realiza principalmente pelo cuidado do outro, pela inclusão e
valorização dos excluídos e que essa unidade na diversidade é traço fundamental da
teologia bíblica.
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REFERÊNCIAS:
DUNN, James D. G. Unidade e Diversidade no Novo Testamento: Um Estudo das características dos
primórdios do cristianismo. Santo André: Academia Cristã, 2009.
FOUCAULT, Michel. Microfísca do Poder. 28 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
HOUAISS, Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 3.0. Rubrica: filosofia. Editora Objetiva, Junho,
2009.
MOTTA, Manoel Barros da(org.) Foucault. Estratégia, Poder-Saber. São Paulo: Forence Universitária,
2003.
SANTOS, Boaventura de Souza. ALICE CES. 2016_Master Class #1 - Epistemologias do Sul: Desafios
Teóricos e Metodológicos. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=q75xWUBI8aY>.
Acesso em 01/10/2016.