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DOI: http://dx.doi.org/10.13059/racef.v7i1.185
Diego César Terra de Andradea, Danielle Martins Duarte Costab, Vanessa Nunes de
Sousa Alencar Vasconcelosc e Heidy Rodriguez Ramosd
a
Diego César Terra de Andrade
Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais –
IFSULDEMINAS e doutorando em Administração na
Universidade Nove de Julho – UNINOVE
contato@diegoterra.com.br
b
Danielle Martins Duarte Costa
Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais –
IFSULDEMINAS e doutoranda em Engenharia de Produção na
Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI
danielle.costa@ifsuldeminas.edu.br
c
Vanessa Nunes de Sousa Alencar Vasconcelos
Professora na Universidade Estadual do Piauí – UEPI e no
Centro Universitário UNINOVAFAPI e doutoranda em Administração na
Universidade Nove de Julho – UNINOVE
vanessalencar@hotmail.com
d
Heidy Rodriguez Ramos
Professora na Universidade Nove de Julho - UNINOVE
heidyr@gmail.com
RACEF – Revista de Administração, Contabilidade e Economia da Fundace. v. 7, n. 1, Ed. Esp. Ecossistemas de Inovação
e Empreendedorismo, p. 175-186, 2016. 176
Keywords: Abstract Schommer and França Filho (2008) state that “the magic of
entrepreneurship” is unable to generate formal employment for all present and
Entrepreneurship,
show the solidarity economy as an alternative to this scenario. In this sense
social entrepreneurship, the question that guides this work is: is the solidarity economy different from
solidarity economy. entrepreneurship, or is it more of the same? Faced with this question, the objective
was to verify the convergences and divergences between entrepreneurship and
solidarity economy. A literature review on the main features of the social economy
and entrepreneurship is carried out, including the subject of social entrepreneurship.
Then the paper discusses the intersections and differences between the concepts.
It was observed that there is an overlap between the domains of traditional
entrepreneurship, social entrepreneurship and social economy. The purpose of
the solidarity economy and entrepreneurship is related to development, although
it is distinguished as the site of action and the form of dividends distribution.
produto agrícola) por um preço certo e as vendiam 4. Conquista de uma nova fonte de oferta de
a terceiros a preço incerto, depois de processá-las, matérias-primas ou de bens semimanufaturados;
pois identificava nesta ação uma oportunidade 5. Estabelecimento de uma nova organização de
de negócio e assumiam riscos diversos. (PAULA; qualquer indústria.
CERQUEIRA; ALBUQUERQUE, 2000). Já se entendia, De acordo com a visão Schumpeteriana, o
portanto, que se houvera lucro além do esperado, desenvolvimento econômico processa-se auxiliado
isto ocorrera porque o indivíduo (empreendedor) por três fatores fundamentais: as inovações
havia inovado, feito algo de maneira diferente. tecnológicas, o crédito bancário e o empresário
Um pouco mais tarde, o industrial, economista inovador.
e Professor do College de France, Jean-Baptiste O empresário inovador é o agente capaz de
Say (1767 - 1832), disse que o desenvolvimento realizar com eficiência as novas combinações,
econômico é resultado da criação de novos mobilizar crédito bancário e empreender um novo
empreendimentos, e elaborou uma teoria das negócio. Assim, Schumpeter (1982) caracterizou o
funções do empresário e lhe atribui um papel de empreendedor como elemento essencial, senão
especial importância na dinâmica de crescimento único, capaz de propor e introduzir inovações
da economia. Afirmou ainda que o bem-estar de um que venham a criar prosperidade e riqueza no
país dependia da sua população ativa, do progresso contexto econômico, principalmente pelo fato do
técnico, do dinamismo de seus empresários. O empreendedorismo se destacar como uma das bases
mesmo autor professou que o empresário é um fundamentais para que se compreenda o processo
agente econômico racional e dinâmico que age num da criação de riquezas e ciclos de crescimento
universo de incertezas, ou ainda, o empresário é econômico.
representado como aquele que, aproveitando-se O empreendedor não é necessariamente o
dos conhecimentos postos à sua disposição pelos dono do capital (capitalista), mas um agente
cientistas, reúne e combina os diferentes meios de capaz de mobilizá-lo na inovação que venha a ser
produção para criar produtos úteis (FILION, 1999; implementada A origem deste investimento pode
PAULA; CERQUEIRA; ALBUQUERQUE, 2000; FILION, ser advinda de um investidor de risco na pessoa
2000). dos capitalistas, ou do governo como agente
A concepção que Say tinha do empreendedor, fomentador de desenvolvimento, que aposta no
como alguém que inova e é agente de mudanças, poder de inovação e superação de dificuldades,
permanece até hoje. Drucker (1987) retratou que são características do empreendedor. Na visão
de forma precisa este conceito, elaborado por de Schumpeter uma resposta criativa pode mudar
Say, ao atribuir-lhe o papel de transferir recursos situações econômicas e sociais para melhor, ou seja,
econômicos de um setor de produtividade mais como diz a cultura japonesa que vê na crise uma
baixa para um setor de produtividade mais elevada fonte inesgotável de oportunidades (LEITE, 2011).
e de maior rendimento, possibilitando, desse Souza e Carvalho Neto (2009), dizem que
modo, uma maior eficiência e eficácia à economia. a natureza e as atividades do empresário são
Mas, foi Schumpeter quem trouxe visibilidade ao condicionadas pelo ambiente sociocultural em que
tema, associando definitivamente o empreendedor vive e trabalha, para realizar sua função e impulsionar
ao conceito de inovação e apontando-o como o o desenvolvimento econômico local.
elemento que dispara e explica o desenvolvimento Percebe-se, portanto, que atualmente há um
econômico (GOMES, 2011). interesse em estudar o empreendedorismo não
Para Schumpeter (1982), o empreendedor é só do ponto de vista individual, mas, também, do
aquele que destrói a ordem econômica existente ponto de vista estrutural e de como as estruturas
pela introdução de novos produtos e serviços, pela macroeconômicas causam impacto sobre a
criação de novas formas de organização ou pela iniciativa e a capacidade empreendedora de
exploração de novos recursos materiais. Diz ainda segmentos específicos da população. Cruz et al.
que, esse conceito engloba cinco casos: (2009) propõem que a base para uma teoria geral
1. Introdução de um novo bem; do empreendedorismo seja estabelecida sobre
2. Introdução de um novo método de produção; fatores tanto psicológicos, quanto não psicológicos.
3. Abertura de um novo mercado; Portanto, torna-se necessário estudar a realidade
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social de pessoas envolvidas em diferentes áreas Dentre outros autores que, de alguma forma fazem
de atuação, de diferentes grupos e em diferentes colocações sobre o tema, destaca-se Nasser (2002),
culturas, a fim de identificar maneiras distintas de que utiliza a designação de “empreendedor cívico”
lidar com obstáculos específicos, preconceitos, para caracterizar um tipo de agente social envolvido
assim como oportunidades (SEELOS; MAIR, 2005). com o processo de desenvolvimento; o que Bornstein
Na última década do século XX, definiu-se, uma (2004) chama de “empreendedor social”.
nova modalidade de empreendedorismo, o social, Alvord et al. (2004) sustentam que o
que difere do empreendedorismo propriamente empreendedorismo tradicional é medido e testado
dito em dois aspectos: 1) não produz bens e serviços pela sua capacidade de criar organizações com fins
para vender, mas para solucionar problemas lucrativos, viáveis e sustentáveis ao longo do tempo.
sociais: e 2) não é direcionado para mercados, Já o empreendedorismo social deve ser testado
mas para segmentos populacionais em situação pela sua capacidade de provocar mudanças sociais
de risco social, como pobreza, miséria, risco de duradouras. É um processo que estimula o aumento
vida e exclusão social (MELO NETO; FROES, 2002). da participação em ações empreendedoras locais,
Segundo esta compreensão, empreendedorismo é o aumento do sentimento de conexão das pessoas
também o conjunto de iniciativas implementadas com sua cidade, terra e cultura, e o surgimento de
por segmentos sociais excluídos, organizações, novas ideias. Inclusive de alternativas sustentáveis
comunidades e instituições públicas em busca de para o desenvolvimento, inclusão social, maior auto
novas possibilidades para grupos sociais menos suficiência e melhoria da qualidade de vida das
favorecidos (NOVAES; GIL, 2009). pessoas e da comunidade.
Vale (2000, p. 24; 2004), especificamente Cabe ressaltar que o empreendedorismo social
nesse campo de estudos, chama a atenção para não é responsabilidade social empresarial, pois
esse novo agente empreendedor, destacando esta supõe um conjunto organizado e devidamente
que ele deveria ser capaz de “perseguir interesses planejado de ações internas e externas, e uma
comunitários com a mesma capacidade de inovação, definição centrada na missão e atividade da empresa,
comprometimento e obstinação do empreendedor ante as necessidades da comunidade. Melo Neto e
privado, muito embora também dotado de uma visão Froes (2002) distinguem empreendedorismo social e
do tecido social e da habilidade de cooperação e responsabilidade social empresarial (Quadro 1).
articulação com os vários grupos sociais relevantes”.
Ser perceptivo e atento aos detalhes Saber usar forças latentes e Ser apaixonado pelo que faz
regenerar forças pouco usadas (campo social)
Ser ágil
Saber correr riscos calculados
Ser criativo
Saber integrar vários atores em
Ser crítico torno dos mesmos objetivos
Ser inteligente
Ser objetivo
Fonte: Oliveira (2004)
Vale, Amâncio e Lima (2006) afirmam que 2006); Gaiger (2003; 2004a; 2004b). Neste contexto,
diferentes espaços coletivos pressupõem a França Filho (2002) expõe a necessidade de se
presença de distintos perfis empreendedores. Neste aumentar o número de pesquisas empíricas sobre
sentido, as convergências e divergências entre esse assunto. Epistemologicamente a economia
empreendedorismo e empreendedorismo solidário solidária encontra-se no quadrante didático Marxista
devem ser analisadas num contexto social local. de Burrel e Morgan (1979), e busca provar que esse
tipo de organização econômica é uma alternativa ao
capitalismo. Ou seja, visualizam uma oportunidade,
3 ECONOMIA SOLIDÁRIA alternativa a um segmento a que o capitalismo não
visualiza ou aproveita.
De acordo com Singer (2002) a economia
A maioria dos estudos sobre economia solidária
solidária foi constituída por operários, nos
partem de trabalhos teóricos como Singer e Souza
primórdios do capitalismo industrial, como resposta
(2000); Singer (2002; 2008); Arruda (2003; 2004;
à pobreza e ao desemprego resultantes da difusão
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b) A principal motivação para a formação dos dos conhecimentos postos à sua disposição pelos
grupos era a busca de uma alternativa de cientistas, reúne e combina os diferentes meios de
trabalho face ao desemprego; produção para criar produtos e serviços úteis, na
c) O trabalho associativo era majoritariamente economia solidária essa é compartilhada, não há
decorrente do esforço e dos recursos exclusivos um dono. No entanto, é recorrente no mercado
dos próprios trabalhadores; empresas com múltiplos proprietários.
d) Predominavam os empreendimentos que atuam Quanto à questão da inovação (KANAN; ARRUDA,
exclusivamente na área rural; 2013), muitas vezes implícitas ao empreendedorismo
e) Os empreendimentos apresentavam uma escala tradicional, não se observa uma negação a esse
de produção reduzida e concentrada em poucas fato no ambiente da economia solidária. Contudo,
atividades: agropecuária, extrativismo e pesca essas devem ser de menor intensidade, uma
(mais de 40 %), alimentos e bebidas e produção vez que produtos muito inovadores demandam,
de artesanatos; normalmente, a utilização de grandes quantias
f) Apenas 6 % dos empreendimentos produziam de recursos financeiros destinados a pesquisa e
exclusivamente para o autoconsumo. Ou seja, desenvolvimento. Portanto, o que interfere nesse
os empreendimentos associativos estavam sentido é, conforme exposto por Singer (2008), a
inseridos em pleno mundo do mercado e do falta de recurso econômico/financeiro para financiar
cálculo econômico, por mais simples e modestos projetos maiores ligados a economia solidária.
que sejam estes cálculos; Segundo Filion (2000), Say já afirmava que o
g) Os produtos e serviços dos empreendimentos bem-estar de um país dependia da sua população
destinavam-se, predominantemente, aos ativa, do progresso técnico, do dinamismo de
espaços locais; seus empresários. Gaiger (2003) confirma essa
h) Em 64 % dos empreendimentos a matéria-prima possibilidade, uma vez que as iniciativas de economia
provinham de empresas privadas e, em 30 %, solidária representam uma opção efetiva para os
era adquirida dos próprios associados. Apenas segmentos sociais de baixa renda, que podem ser
6 % adquiriram a matéria-prima de outros atingidos pelo quadro de desocupação estrutural e
empreendimentos solidários; pelo empobrecimento. Portanto, o que se observa
i) Apenas 38 % dos empreendimentos conseguiam é que ambas as iniciativas são responsáveis por
pagar as despesas e ter alguma sobra. Embora a alteração no quadro sócio / econômico local, com
obtenção de uma fonte complementar de renda possível impacto nacional.
apareça como um dos principais motivos para a Quanto ao fato de ser uma alternativa aos
organização dos empreendimentos é plausível atingidos pelo quadro de desocupação (desemprego),
supor que esta renda seja a complementação de encontram-se dentre as correntes empreendedoras
outra igualmente precária. o chamado “empreendedorismo por oportunidade”
Esse contexto traz informações relativas ao setor e “empreendedorismo por necessidade”. No
de atividade, processos e recursos subjacentes a primeiro, observa-se uma lacuna no mercado, com
economia solidária naquele momento. No entanto, possibilidade de exploração comercial. Enquanto no
pode se concluir que, conforme Singer (2008) segundo, essa oportunidade não é observada, mas
observa, é reflexo, sobretudo, de uma falta de um novo empreendimento é iniciado, normalmente
recurso econômico / financeiro. uma cópia de algum outro já existente, sendo uma
alternativa fonte de renda ao (s) seu (s) proprietário
(s).
4 CONVERGÊNCIAS E Schumpeter (1982) afirmou que, dentre as cincos
características do empreendedorismo, a abertura
DIVERGÊNCIAS de um novo mercado está implícita a essa forma de
geração de renda. No mesmo sentido, encontra-se a
A partir da revisão bibliográfica exposta, pode economia solidária, que conforme Kraychete (2008),
se buscar intersecções entre o empreendedorismo está concentrada em espaços locais. Esses espaços,
tradicional e a economia solidaria. Do ponto de onde se verifica baixo poder aquisitivo, muitas vezes
vista da propriedade, enquanto o empresário é não são economicamente viáveis a sua exploração
representado como aquele que, aproveitando-se comercial. É nessa lacuna que a economia solidária
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Tipo de
Convencional Social Economia Solidária
Empreendedorismo
Base Epistemológica
(BURREL; MORGAN, Funcionalista Interpretacionista Humanista Radical
1979)
Um agente que permite ou
Conjunto de atividades
aprova uma visão baseada Um ator que aplica princípios
econômicas organizadas e
em novas ideias para a de negócios para resolver
Definição realizadas sob a forma coletiva
criação de inovações de problemas sociais (DACIN et
e autogestionárias (SENAES,
sucesso (SCHUMPETER, al., 2012).
2007).
1950)
Acionistas ou partes Associação, grupos informais
Distribuição da Riqueza Proprietário ou acionistas
interessadas ou cooperativas.
Forma Organizacional Com fins lucrativos ou sem Com fins lucrativos ou sem fins
Com fins lucrativos
Predominante fins lucrativos lucrativos
Objetivos primários
Econômico Mudança social / bem-estar Mudança social / bem-estar
(Motivações)
Criar e / ou distribuir o
Promover a ideologia / Criar e / ou distribuir o produto
Produto produto ou serviço ao
mudança social ou serviço à comunidade local
consumidor
Crescimento versus Sustentabilidade econômica
Tensões Expansão a outros territórios.
sobrevivência versus missão social
Provedores de serviços,
Gerando Falcões, Instituto Banco de Palmas, Anteag,
desenvolvimento de
Exemplos Chapada, Graacc, Asid, Unisol, Conforja, Abapan,
software e companhias de
Adaptsurf. Ecobloco, Coonarte, Astemarp.
turismo.
Fonte: Elaborado pelos autores.
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Concluindo essa discussão, pode-se perceber pesquisas nesse contexto. A mais significativa reside
que as três modalidades de desenvolvimento em uma melhor compreensão da natureza distinta
(Empreendedorismo Convencional, em relação à missão, processos e recursos em um
Empreendedorismo Social e Economia Solidária) contexto que se observa a dita economia solidária.
possuem similaridades. Quando não se observam Ainda, as lições do empreendedorismo tradicional,
convergências entre as três, constata-se que isso está tais como o fracasso empresarial e a compreensão
mais associado ao posicionamento epistemológico dos processos de mobilização de recursos poderão
de seus teóricos do que no “como”, “onde” e ser estudados e mais bem aplicados no ambiente
“porque” se desenvolveram. das tais economias solidárias. Isso poderá resultar
em um aprofundamento de um campo emergente,
criando novas oportunidades de pesquisa e como
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS reflexo mais desenvolvimento empírico.