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Michael Huemer
Tradução de Hélio S. C. Carneiro e Lucas Grecco
1. Introdução
Em 1799, o primeiro presidente dos EUA, George Washington, adoeceu
do que hoje se pensa ter sido uma infecção na epiglote de sua garganta,
que se trata de uma infecção rara, porém séria, que pode levar ao
bloqueio da passagem de ar e eventualmente à asfixia.1 Seu amigo e
médico pessoal o atendeu, juntamente com dois médicos de consulta.
Experimentaram remédios e cataplasmas, juntamente com cinco
episódios separados de sangria que, somados, removeram mais de
metade do sangue de Washington. Segundo uma fonte contemporânea,
“os remédios adequados foram administrados, mas não produziram os
efeitos de cura”.2 O ex-presidente morreu pouco depois. Desnecessário
dizer, o tratamento ou não teve efeito ou na verdade acelerou a sua
morte.
Assim, a explicação preferida da razão pela qual o seu próprio país seria
atacado é que o inimigo ou não tem valores ou tem valores
fundamentalmente maus. A natureza conveniente dessas explicações é
tão evidente quanto são infelizes as implicações dessa atitude em relação
às expectativas de resolver pacificamente os conflitos internacionais.
Os casos do protecionismo e do terrorismo são apenas duas ilustrações
de um problema geral. Até mesmo quando os especialistas sabem a
resposta para uma questão política, esse conhecimento não ajudará a
sociedade se — como tantas vezes ocorre — as pessoas leigas e os líderes
políticos teimam em ignorar o que os especialistas sabem.
Essa é uma razão básica pela qual não somos confiáveis. Outro fator é
o fenômeno generalizado do tendenciosismo da confirmação: quando
pensamos sobre uma hipótese, a nossa tendência natural é procurar
provas que a corroboram, e não procurar maneiras de falsificá-la.25 Uma
teoria que comece parecendo ligeiramente plausível pode vir a parecer
cada vez mais incontestável conforme coletamos provas que a apoiam e
negligenciamos as que a contrariam. Quando acrescentamos o fato de na
maioria das questões teóricas as pessoas terem mais motivações para
descobrir uma crença à qual se agarrar do que para descobrir a verdade,
as probabilidades de se alcançar crenças errôneas são muito elevadas.
Por que não podemos aplicar os métodos que têm sido tão bem-
sucedidos na ciência natural às questões políticas? Algumas das
questões para as quais precisamos de respostas parecem não ser
empíricas em princípio. Por exemplo, por meio de qual experimento
podemos testar se a justiça exige que a sociedade redistribua a riqueza
dos ricos pelos pobres? Outras questões são difíceis de serem
investigadas devido à inexistência de experimentos controlados. Se
queremos testar se o estímulo fiscal soluciona a recessão, não podemos
preparar duas sociedades idênticas com recessões idênticas e então
promover um estímulo fiscal em uma enquanto a outra não recebe
estímulo algum. E nem podemos pegar uma grande coleção de
sociedades em recessão e aleatoriamente determinar que metade receba
estímulo fiscal e a outra metade não. Os cientistas sociais não têm o
poder de fazer experimentos com as sociedades como os cientistas
naturais fazem com objetos inanimados em seus laboratórios. Por fim,
os fenômenos sociais são muitíssimo mais complexos do que os
estudados pelos físicos e químicos. As sociedades contêm milhares ou
milhões de indivíduos humanos interagindo uns com os outros em uma
diversidade de maneiras complexas. E cada um desses seres humanos é
ele próprio uma entidade extremamente complexa, muito mais
complexa do que um objeto inanimado típico.
4. Lições práticas
Se, como sugeri, o conhecimento político é muito limitado e os agentes
políticos raramente são sobretudo motivados por ideais políticos, o que
devemos fazer? Pode parecer que nenhuma recomendação política pode
ser derivada, pois, para cada política que possamos recomendar como
resposta à ignorância política, seremos nós próprios ignorantes quanto
ao seu valor. Isso seria verdadeiro se a minha tese consistisse de um
ceticismo “filosófico” radical, segundo o qual ninguém possui qualquer
conhecimento político relevante que seja. Felizmente, não
somos completamenteignorantes, de modo que podemos derivar
algumas recomendações plausíveis para os agentes políticos.
Essas campanhas são uma ideia terrível. A maioria dos eleitores não
faz ideia do que está acontecendo — podem nem sequer saber quem são
os seus líderes e certamente não sabem quem são os melhores
candidatos. Imagine que alguém lhe pergunta onde fica um restaurante.
Se você não faz ideia onde fica, não deve inventar uma localização. Não
deve dar à pessoa um palpite que lhe pareça um pouco plausível. Deve
dizer-lhes que não sabe e deixar que ela procure se informar sobre a
localização com outra pessoa melhor informada.
Há pelo menos quatro razões pelas quais isso está errado. Primeiro,
qualquer política governamental que imponha obrigações ou proibições
aos cidadãos tem automaticamente certos custos. Um deles é a redução
da liberdade dos cidadãos. Outro é o sofrimento por parte de quem viola
as leis e é subsequentemente punido judicialmente. Um terceiro custo é
financeiro, que está envolvido na execução da política. Assim, no caso de
leis contra o uso recreativo de drogas, os indivíduos vêem negada a sua
liberdade de fazer o que desejam com os seus próprios corpos; quem é
apanhado a violar a lei é aprisionado e sofrem durante meses ou anos; e
todos os contribuintes sofrem os custos da aplicação da lei de combate
às drogas.
Como é isto possível? Mesmo que não saibamos muito, não deveríamos
ao menos criar algum benefício líquido a maior parte do tempo?
5. Conclusão
A sabedoria popular frequentemente aplaude quem se envolve em
política, que vota nas eleições, que luta por causas em que acredita e que
tenta fazer um mundo melhor. Tendemos a presumir que as motivações
desses indivíduos são ideais nobres e que, quando conseguem mudar o
mundo, a mudança é normalmente para melhor.
Michael Huemer
Studia Humana, Volume 1, número 2 (2012). Revisão da tradução de Aluízio Couto e Desidério
Murcho.
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Notas