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Em um ano, os alunos do 8º
ano se tornaram escritores
Ao preparar uma homenagem a professores marcantes,
alunos com sérias dificuldades para ler e escrever mudaram
sua história
Elisa Meirelles
Memória
todo mundo tem O professor Antonio Oziêlton de Brito Sousa reuniu os alunos
para produzir um livro em homenagem aos educadores que marcaram a vida de
cada um. Foi uma estratégia eficaz para recuperar o tempo perdido e ajudar a
turma a ler e escrever com proficiência.
Para
começar, muita conversa O primeiro passo do trabalho foi uma roda de conversa.
Antonio dispôs imagens de jornais e revistas no chão e propôs que os estudantes
aproveitassem-nas para relembrar e falar sobre fatos e professores inesquecíveis.
A atividade foi a porta de entrada para a produção escrita.
Trabalho
em dupla, escrita e reescrita Ao longo de todo o projeto, os alunos foram
convidados a ter contato com a palavra escrita. Divididos em duplas, listaram os
professores mais marcantes que conheceram e descreveram as características
que fizeram deles especiais.
Ouvir
memórias e conversar sobre elas Além de falar sobre suas próprias memórias, a
turma pode conhecer as de outras pessoas. Uma dessas referências foi a
bibliotecária da escola, que visitou a classe para conversar sobre sua trajetória, a
importância dos livros em sua vida e seus professores inesquecíveis.
Produções
coletivas e individuais A cada nova etapa, a classe era convidada a mais um
momento de escrita. Na hora da produção coletiva, um era o escriba e os outros
contribuíam para aprimorar o texto. Em outros momentos, cada aluno tinha de
escrever, revisar e reescrever individualmente, com a ajuda do professor.
O mundo
dos livros Aos poucos, Antonio conseguiu aproximar os alunos do universo da
escrita. A classe começou a frequentar a biblioteca e a tomar gosto pela leitura.
Uma das meninas leu para os colegas e, em seguida, eles escolheram livros para
levar para casa.
Quem lê o texto reproduzido no final desta página nem imagina que, há um ano,
a maioria dos alunos do 8º ano da EEF Odilon de Souza Brilhante, em Ocara, a 104
quilômetros de Fortaleza, tinha graves problemas de leitura e escrita, com
dificuldades para realizar produções coerentes e usar corretamente a letra
maiúscula, os diferentes tempos verbais e os sinais de pontuação.
Moradores da zona rural e filhos de pais com baixa escolaridade, esses meninos e
meninas faziam parte de uma realidade que, infelizmente, se perpetua no país:
alunos que chegam ao fim do Ensino Fundamental sem conhecimentos
adequados em leitura e escrita. Um estudo do pesquisador José Francisco Soares,
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com base na Prova Brasil 2011,
mostra que 552 mil estudantes do 9º ano (22% do total) têm aprendizado
insuficiente em Língua Portuguesa.
Era preciso criar uma sequência que fizesse sentido para os jovens. Sousa optou
pelo gênero memórias literárias, tendo como foco lembranças que marcaram a
vida escolar de cada um. "Ele formulou uma proposta em um contexto com
poucos recursos (pequeno acesso a livros, falta de referências de leitura em casa
etc.) atento ao que era representativo na comunidade (a escola) e a algo comum a
todos (a memória)", comenta Rita Jover-Faleiros, docente da Universidade de
Brasília (UnB).
Como a turma tinha resistência com a escrita, Sousa começou usando apenas a
linguagem oral. "Sentamos em roda, todos foram convidados a observar imagens
de jornais e revistas e utilizá-las para falar sobre sua trajetória escolar. "Alguns
não queriam participar, mas, com a apresentação espontânea dos colegas,
acabaram aceitando", comenta. "Nesse ponto, percebi a necessidade de
continuar trabalhando a produção oral integrada à escrita."
Depois da conversa, ele pediu que a turma produzisse um texto e, com base nos
resultados, preparou um plano anual de trabalho. As aulas foram divididas em
seis módulos, que contemplavam expressão oral, leitura, escrita, revisão e
reescrita e culminavam na produção de um livro em homenagem aos professores
que marcaram a vida de cada um. As atividades começaram com a retomada de
questões simples. O professor pediu que a classe falasse sobre as características
dos bons educadores, listando-as no quadro. Em seguida, todos assistiram ao
filme Adorável Professor (Stephen Herek, 440 min, Buena Vista Filmes do Brasil,
tel. 11/5503-9900) e realizaram uma análise crítica. Para finalizar, Sousa pediu
que, em duplas, os alunos produzissem uma lista de professores marcantes,
discutindo o uso de maiúsculas e minúsculas.
Ensinava perfeitamente bem e nós sempre queríamos aprender mais. Antes eu não
sabia muito sobre Matemática, hoje posso ser considerado um bom aluno nessa
matéria, pois ela me ajudou bastante.
Ela sempre dizia "Nunca desista, você é capaz" e assim eu aprendi. Sou muito
esforçado e me dedico bastante. Sei que um dia vou conseguir ser um bom
profissional na área que eu escolher.
Todas as noites, na casa dos meus pais, eu estudo e sempre me lembro dos
ensinamentos da minha querida professora Analine. Agora eu sei que quem estuda
tem um futuro melhor e posso ser alguém na vida.
Muito obrigado por acreditar em nós. Eu nunca irei me esquecer da minha professora
inesquecível.
Entre livros A biblioteca, que antes era um espaço desconhecido, passou a fazer parte do cotidiano destes
meninos e meninas
O módulo seguinte foi voltado à análise de textos do gênero memórias. O
professor apresentou aos jovens a coletânea Meu Professor Inesquecível (org.
Fanny Abramovich, 160 págs., Ed. Gente, tel. 11/3670-2500, 31,90 reais) e sugeriu
uma tempestade de ideias sobre o título. Em seguida, leu em voz alta o texto de
Marcos Rey (1925-1999), presente na obra, e pediu que confirmassem as
suposições a respeito do tema. Os estudantes fizeram, então, uma segunda
leitura, atentando para as características desse gênero textual. No fim, cada um
escolheu seu professor inesquecível.
Como não poderia faltar, o quarto módulo foi dedicado à escolha de livros. As
atividades começaram na biblioteca. Uma aluna leu para a turma o texto Chuva
de Estrelas, de Ilka Brunhilde Laurito (1925-2012), publicado no livro didático, e
cada um pôde eleger uma obra e levá-la para casa. Os estudantes foram ao
laboratório de informática e pesquisaram sobre os autores que haviam
selecionado. "O trabalho articulado de leitura e escrita, dentro de um processo
contínuo, permite ao aluno buscar soluções para seus textos em obra
consagradas", diz Rita.
Foi realizada, então, uma grande festa para apresentar o livro aos professores
homenageados e a toda a comunidade. Os dois volumes foram catalogados e
hoje fazem parte do acervo da biblioteca escolar. Os meninos e as meninas que
chegaram ao 8º ano sem ler com fluência nem conseguir colocar suas ideias por
escrito agora vivem entre livros e sonham com a faculdade, um bom emprego e
um futuro melhor. Depois de um ano de muito trabalho, cada um está apto a
reescrever sua própria história.
No ano de 2009, quando tinha 10 anos, eu era muito bagunceira e teimosa, não
prestava atenção nas aulas. Só melhorei quando conheci alguém muito especial, era
a minha professora inesquecível, o nome dela é Fernanda. Ela me ajudou na
organização e até no comportamento.
Curti
"Antes desse projeto, eu não conseguia escrever. Não sabia e nem tinha paciência.
Hoje eu amo os livros. Tenho até um diário, em que registro as minhas memórias."
Eu gostava muito quando a Analine vinha dar aula. A cada dia, eu aprendia coisas
incríveis e interessantes, ela explicava muito bem.
Endereço da página:
https://novaescola.org.br/conteudo/3502/em-um-ano-os-alunos-do-8-ano-se-tornaram-
escritores
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 259, 01 de Março de 2013