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XVIII Semana Acadêmica

do PPG em Filosofia da PUCRS


XVIII Semana Acadêmica
do PPG em Filosofia da PUCRS

Volume 2

Organizadores:
Ítalo Alves
Gregory Gaboardi
Claiton Silva da Costa
Darlan Paulo Lorenzetti
Fernando Silva e Silva
Ricardo Luis Reiter
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
Arte de Capa: Drew @drewmadestuff - https://ello.co/drewmadestuff

O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são


prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de
inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor.

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estão sob os direitos da Creative Commons 4.0
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


ALVES, Ítalo, et al (Orgs.)

XVIII Semana Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS: volume 2 [recurso


eletrônico] / Ítalo Alves, et al (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2018.

412 p.

ISBN - 978-85-5696-485-4

Disponível em: http://www.editorafi.org

1. Filosofia. 2. Programa de Pós-Graduação. 3. Anais. 4. Revista. I. Título.

CDD: 100
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
22

Positivismo jurídico e discricionariedade


na obra de H.L.A. Hart

Wagner Arnold Fensterseifer1

1. Introdução

Nem todos os casos em um sistema judicial podem ser


resolvidos por meio de uma aplicação mecânica da regra prevista
pela legislação. Há situações em que a ignorância relativa quanto
aos fatos torna incerta a aplicação da regra, ao passo que em
outros momentos a relativa indeterminação dos objetivos do
direito conduzirá a dificuldades de aplicação de uma regra a
determinado caso em julgamento. Hart identificou que as regras
legais possuem um núcleo de sentido claro, em que os aplicadores
da lei conseguirão ver claramente os casos em que a lei deve ser
aplicada e aqueles em que não deve, a esses casos costuma-se
atribuir a alcunha de "casos fáceis". Entretanto, regras legais
também possuem zonas de penumbra, nas quais haverá ao menos
duas soluções igualmente possíveis para o mesmo caso concreto. O
caso apresentará algumas características em comum com o caso
padrão, e não apresentará outras; ou será acompanhado por outras
características não presentes no caso padrão, de modo que será
necessária a utilização de algo além da regra jurídica para

1
Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
wagnerarnold@gmail.com
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determinar qual a solução a ser adotada - tais casos são chamados


de "casos difíceis". Os juízes, ao decidirem casos na zona de
penumbra, deveriam legislar para criar uma regra e solucionar o
caso, utilizando-se de discricionariedade.
O objetivo do presente artigo é identificar de forma clara a
distinção entre casos fáceis e casos difíceis e após compreender o
que Hart entendia que deveria ser feito para que um juiz pudesse
resolver um caso difícil utilizando-se de discricionariedade sem
violar os ideais mínimos do Estado de Direito.

2. A distinção entre casos fáceis e casos difíceis

O famoso exemplo utilizado por Hart para introduzir a


noção de casos fáceis e casos difíceis no direito trata de uma regra
que determina ser proibida a entrada de veículos em um parque.
Hart afirma que

se temos que nos comunicar minimamente uns com os outros e se,


na forma mais elementar de direito, temos que expressar nossas
intenções de que um certo tipo de regulamento seja regulado por
regras, então as palavras gerais que utilizamos − como "veículo" no
caso que estou analisando − devem ter algum caso padrão no qual
não há dúvidas quanto à sua aplicação (Hart, 2010, pp. 68-69).

Ou seja, como pressuposto básico da linguagem é preciso


que as palavras possuam sentidos mínimos compartilhados por
uma comunidade de falantes e que possam exercer sua função
comunicativa, seja descrevendo objetos e ações, seja determinando
condutas e exercendo autoridade. Assim, um automóvel
convencional deverá sempre ser enquadrado na regra que proíbe
veículos no parque, uma vez que encontra-se no âmbito de sentido
claro do vocábulo "veículo".
Contudo, existirão casos que se afastarão desse núcleo de
sentido claro das palavras que constituem as regras. Nesse caso,
Hart afirma que “cada um desses casos apresentará algumas
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características em comum com o caso padrão; e não apresentará


outras, ou será acompanhado por outras características não
presentes no caso padrão” (Hart, 2010, p. 69).
Os casos situados na zona de penumbra apresentarão
desafios aos aplicadores das regras, uma vez que não poderão ser
irrefletidamente inseridos no comando previsto pela regra, por não
estarem claramente amoldados ao caso padrão. É o que ocorre, no
exemplo da proibição de veículos no parque, com um carro
motorizado de brinquedo para crianças. Ele possui diversas
características em comum com o caso padrão, mas também é
dotado de outras, que o distinguem daquele standard.
Hart alerta, diante dessa identificação dos casos fáceis e dos
casos difíceis, que a atitude do julgador ao se deparar com cada
uma das situações deve ser necessariamente diferente. Enquanto é
possível, nos casos fáceis, aplicar regras gerais a casos específicos
por meio de processos epistemológicos que em muito se
assemelham às deduções lógicas, nos casos difíceis é improvável
que a dedução lógica conduza a bons resultados − ou sequer a
algum resultado − de tal sorte que o aplicador da regra deverá
utilizar-se de argumentação jurídica para empregar racionalidade
ao processo epistemológico de tomada de decisão. Aqui entra em
cena o fundamental papel do exercício da discricionariedade, que
deverá ser, como bem apontado por Hart, necessariamente
diferente do exercício de mera escolha, uma vez que acompanhado
por justificações e fundamentos que buscam demonstrar que a
decisão tomada é a mais acertada, considerando-se os objetivos
almejados pelo sistema jurídico (Hart, 2013, p. 663).
Não basta, contudo, para bem compreender o que distingue
casos fáceis de casos difíceis apenas a sua identificação. É
necessário também investigar os fatores que levam à existência de
casos fáceis e casos difíceis no Direito, os quais podem ser
decorrentes da própria linguagem em que o direito é construído e
das limitações cognitivas humanas, que tornam complexa a tarefa
de criar regras gerais para regular casos específicos.
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Quanto à linguagem, há que se atentar para sua textura


aberta, que, segundo Noel Struchiner, pode ser entendida como a
característica da linguagem que faz com que os conceitos empíricos
não apresentem uma definição exaustiva, podendo surgir espaços
para dúvida sobre o seu significado (Struchiner, 2002, p. 02).
Citando Waismann, Struchiner afirma que a textura aberta da
maioria dos conceitos empíricos ocorre por causa da
“incompletude essencial” das descrições empíricas, que
impossibilita a descrição do conjunto total de situações em que
uma palavra se aplica ou não (Struchiner, 2002, p. 03).
Por isso, os aplicadores do Direito em sistemas jurídicos
complexos, que são constituídos por regras vertidas em linguagem,
frequentemente deparam-se com situações em que os termos e
expressões das regras dificilmente são aplicáveis aos casos em
julgamento de forma imediata e irrefletida, mediante processos de
dedução lógica.
Considere-se, por exemplo, a regra tributária que concede
isenção aos atos cooperativados realizados por sociedades
cooperativas. A legislação não apresenta sequer definição da
expressão “atos cooperativados”, de modo que o aplicador se
depara com dificuldades quando intenta aplicar a regra aos casos
concretos. Há casos claros de “atos cooperativados” como quando
uma cooperativa agrícola adquire a produção rural de um
cooperativado e a revende no mercado, está-se diante de um caso
claro, um caso fácil, em que a isenção tributária deverá certamente
ser aplicada. Mas também existem casos situados na zona de
penumbra, como quando uma cooperativa decide realizar
aplicações financeiras com os valores que possui em caixa, a fim de
preservar o patrimônio dos cooperados e evitar a perda
inflacionária. Pode-se entender que não é o caso de “ato
cooperativado” por não se enquadrar naquele grupo de atividades
típicas de uma cooperativa. Entretanto, pode-se entender que é o
caso de “ato cooperativado” uma vez que a aplicação financeira
realizada está agindo em total harmonia com a ideia de
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cooperativismo, ou seja, uma organização de pessoas que age em


nome do interesse de todas.
Assim, percebe-se que a característica de textura aberta da
linguagem é um dos principais fatores para a existência da
distinção entre casos fáceis e casos difíceis. Enquanto os casos
fáceis situam-se nos núcleos de sentido claro das palavras e
expressões, os casos difíceis encontram-se nas zonas de penumbra,
onde a confluência entre as palavras e o objeto empiricamente
analisado é de difícil verificação.
Mas a existência de casos fáceis e casos difíceis no Direito
não se limita às características da linguagem. Há outros dois
fatores relevantes para a existência de casos difíceis que são
decorrentes das próprias limitações humanas e da forma como as
regras são constituídas na maior parte dos sistemas jurídicos
modernos. Segundo Hart, considerando-se que seres humanos não
são deuses (Hart, 2013, p. 661), frequentemente nos depararemos
com situações em que será preciso tomar decisões lidando com
limitações de nossa natureza.
Em determinados casos, nos depararemos com dificuldades
decorrentes de nossa relativa ignorância sobre fatos e de nossa
relativa ignorância sobre objetivos.
No primeiro caso, como o mundo em que vivemos e
estabelecemos regras não consiste em um número finito de
possibilidades e características, bem como o modo de combinar
tais possibilidades e características é igualmente infinito, não
temos como saber todas as características e possibilidades,
tampouco suas combinações, de modo que não podemos antever –
quando pensamos na criação de uma regra e sua aplicação no
mundo – todas as possíveis situações em que tal regra poderá ser
aplicada. É o que ocorre, por exemplo, com a previsão da
Constituição Federal do Brasil acerca da imunidade tributária de
livros. No ano de 1988, quando da promulgação da Constituição
Federal, não havia como prever que nos anos 2000 seriam criados
livros eletrônicos, de modo que o texto constitucional obviamente
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nada dispunha a respeito desse tipo de livros. Esse é um caso difícil


de interpretação constitucional, pois tanto a decisão pela inclusão
quanto a decisão pela exclusão do livro eletrônico do âmbito de
aplicação da regra possuem bons fundamentos.
Já no segundo caso, há indeterminação quanto aos objetivos
de determinada regra, uma vez que diferentes aplicadores podem
compreender de forma diferente o objetivo de determinada regra,
sobretudo em razão de suas diferentes vivências, experiências e
visões de mundo. Esse tipo de indeterminação frequentemente
surge apenas quando os aplicadores da regra se deparam com
casos concretos, sendo possível que duas pessoas concordem com o
objetivo da regra em abstrato, mas discordem dele em relação a
um caso concreto.
Para exemplificar, consideremos novamente o exemplo
clássico de Hart da proibição de veículos no parque. Pode-se
compreender que a regra foi criada para preservar a segurança e a
tranquilidade no parque, permitindo que as pessoas passeiem sem
a preocupação de serem perturbadas por um veículo. Com esse
objetivo em mente, devemos analisar se um carrinho de brinquedo
motorizado deve ser admitido ou não dentro do parque. Pode-se
afirmar que o carrinho não é veículo para fins da regra, haja vista
que serve como um brinquedo e sua função é a diversão das
crianças – que é exatamente o que se pretende alcançar quando se
constrói um parque. Por outro lado, pode-se considerar que,
mesmo sendo um brinquedo, o carrinho tem potencial de
machucar um idoso ou uma criança mais nova que estejam
passeando despreocupados dentro do parque e, portanto, deve ser
considerado um veículo para os fins da regra2.
O que se percebe, portanto, é que a distinção entre casos
fáceis e difíceis existe por conta de características da própria
linguagem em que o Direito é constituído e também em razão das

2
Esse exemplo, aqui adaptado, foi apresentado por Hart em Discretion. Harvard Law Review, vol.
127 nº 02, 2013.
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limitações humanas do ponto de vista cognitivo em relação a fatos


e em relação a objetivos. Para resumir, pode-se lançar mão do
seguinte esquema argumentativo para compreender a existência
de casos fáceis e difíceis no Direito (Brink, 1988, pp. 105-108):

(1) O Direito consiste em regras legais formuladas em termos


gerais;
(2) Todos os termos gerais possuem “textura aberta”:
possuem um núcleo de sentido claro e uma zona de
penumbra onde os significados não são determinados;
(3) Existirão, portanto, casos fáceis – dentro do núcleo claro de
sentido – e casos difíceis – na zona de penumbra. Sempre
poderão surgir novos casos que não estejam acobertados
pelo núcleo claro de sentido de alguma regra jurídica;
(4) Portanto, haverá casos legalmente indeterminados;
(5) Portanto, os julgadores não poderão decidir tais casos
com base na legislação;
(6) Portanto, tendo em vista que alguma decisão sempre
deve ser proferida, os julgadores terão que basear suas
decisões em fundamentos não legais (por exemplo: morai
e política). Significa dizer que os julgadores deverão
exercer discricionariedade judicial e criar, em vez de
aplicar, regras legais.

Assim, tendo compreendido o que são casos fáceis e difíceis,


bem como os principais fatores que os fazem surgir, passa-se a
analisar a forma como deve ser exercida a discricionariedade para
solução de casos difíceis.

3. O exercício da discricionariedade

Para começar a investigar o exercício da discricionariedade na


resolução de casos difíceis no Direito devemos iniciar tomando a
definição do que é discricionariedade dada por Hart. Para o autor,
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discricionariedade não deve ser confundida com a noção de escolha.


Discrição, ressalta Hart, é o nome de uma virtude intelectual que é
praticamente um sinônimo de sabedoria, sagacidade ou prudência9.
É o poder de discernir ou distinguir o que, em vários campos do
conhecimento, é apropriado fazer. Também é etimologicamente
conectado com a noção de discernimento. Uma pessoa discreta,
salienta Hart, não é apenas alguém que permanece em silêncio, mas
aquele que escolhe silenciar quando o momento demanda que se
quede silente (Hart, 2013, p. 656).
Portanto, deve-se ter claro que exercer a discricionariedade
não é decidir com base em simples escolhas arbitrárias. É o
exercício de uma faculdade intelectual que demanda o
fornecimento de razões que fundamentem determinada decisão,
em detrimento de outras, por ser aquela a decisão mais adequada
para a resolução de determinado caso. A discricionariedade ocupa
lugar intermediário entre escolhas tomadas puramente por gostos
ou opiniões pessoais e momentâneas e escolhas guiadas por
métodos claros ou regras cuja aplicação ao caso é óbvia (Hart,
2013, p. 658).
Hart destaca, ainda, que existem diferentes tipos de
discricionariedade, os quais são utilizados em diferentes situações
(Hart, 2013, p. 655). Há hipóteses de emprego da
discricionariedade de forma expressa, ou seja, o funcionamento do
sistema pressupõe o uso da discricionariedade para determinada
tomada de decisão. Isso ocorre, por exemplo, na indicação de
pessoas para determinados cargos nos poderes executivo,
legislativo e judiciário. Outro exemplo é a alocação de recursos à
disposição de determinado órgão da administração, que poderão
ser empregados para diversas finalidades distintas, desde que
legalmente permitidas.
Também existe exercício de discricionariedade de forma
tácita ou oculta, que é o que ocorre nos casos de interpretação
judicial e do uso de precedentes. Esse é o caso que interessa aos
fins do presente artigo, uma vez que é exatamente a forma como se
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emprega a discricionariedade para resolução de casos difíceis no


Direito. Como visto na seção anterior, quando o aplicador de uma
regra se depara com um caso concreto em que não há solução
possível por meio do emprego de métodos lógico-dedutivos, é
necessário o uso da discricionariedade para criar uma regra para o
caso, escolhendo entre as soluções possíveis e oferecendo razões
para fundamentar essa escolha.
O bom exercício da discricionariedade, nesse sentido,
demanda que sejam apresentados os fundamentos e as razões para
que uma escolha tenha sido feita em detrimento de outras.
Considere-se o seguinte exemplo de uso da
discricionariedade tácita: a Suprema Corte de Judicatura britânica
teve de decidir um caso que tratava da tributação pela Receita do
país sobre mercadoria produzida pela Procter & Gamble, fabricante
do alimento Pringles. Enquanto para a Receita britânica a
mercadoria produzida e vendida sob o nome de “Pringles” deveria
ser classificada como chips de batata e, portanto, submetida à
cobrança de tributos (imposto sobre o valor agregado VAT na sigla
em inglês), para o fabricante da mercadoria o produto deveria ser
isento de tributação, pois não se enquadraria como chips de batata,
uma vez que sua composição contava com apenas 42% de batata, e
portanto estaria dentro da hipótese da maior parte dos alimentos
em geral, que são isentos do VAT3
Trata-se de caso difícil, uma vez que não há forma de
aplicação lógico-dedutiva da regra contida no sistema jurídico
britânico para tributar ou deixar de tributar a mercadoria. É
preciso, portanto, empregar discricionariedade e criar uma regra
(ou exceção) para resolver o caso concreto que foi colocado diante
da Suprema Corte.
Havia ao menos duas formas diferentes de resolver o caso. A
primeira consideraria o argumento apresentado pela Procter &
3
Esse exemplo foi apresentado por Noel Struchiner em Indeterminação e objetividade. Quando o
direito diz o que não queremos ouvir. In: Ronaldo Porto Macedo Jr.; Catarina Barbieri. (Org.). Direito
e Interpretação. Racionalidades e Instituições. 1ed.São Paulo: Saraiva, 2011. p. 139.
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Gamble de que a mercadoria era composta por apenas 42% de


batata, de modo que seria objetivamente verificável que o referido
produto não poderia ser considerado como chips de batata. Nesse
caso, os julgadores decidiriam por não tributar a mercadoria,
afirmando não se tratar de produto derivado da batata.
A segunda consideraria um escopo maior de informações,
tais como a aparência do produto, seu gosto, os ingredientes
contidos em sua fórmula, o processo de fabricação da mercadoria e
a forma como a empresa realiza o marketing do produto. Nesse
caso, os julgadores verificariam que a própria fabricante da
mercadoria trata seu produto como sendo chips de batata, para
todas as finalidades, exceto para fins de tributação. Desse modo,
concluiriam que a mercadoria possuiria características suficientes
para ser enquadrada na previsão legal de tributação de chips de
batata, por mais que fosse composta por apenas 42% de batata.
O caso real foi decidido da segunda maneira, determinando a
incidência do VAT sobre a mercadoria Pringles. O exercício da
discricionariedade foi realizado pela Suprema Corte britânica de
forma bastante satisfatória, uma vez que foram consideradas todas as
informações disponíveis e houve apresentação de razões que
fundamentaram a decisão por uma solução em detrimento de outras.
O exemplo evidencia uma característica importante dos casos
difíceis, que é a ausência de respostas certas e unívocas. Ora, a
decisão tomada pela Suprema Corte no caso pode ser considerada
uma decisão acertada, razoável, bem fundamentada, contudo, não se
poderia dizer que se a Suprema Corte houvesse decidido pelo não
enquadramento da mercadoria na hipótese legal de tributação ela
teria tomado uma decisão errada. Existiriam razões e fundamentos
suficientes para sustentar o acerto daquela decisão. O desafio que se
apresenta, portanto, é o seguinte: como se podem resolver casos
difíceis de forma racional e compatível com os elementos essenciais
do Estado de Direito se não possuímos critérios para afirmar qual das
soluções possíveis é a única resposta correta?
Wagner Arnold Fensterseifer | 39

A resposta de Hart a esse desafio é que podemos aprender


muito olhando para as decisões discricionárias tomadas no passado e
que são tipicamente reconhecidas como boas decisões tomadas de
forma satisfatória entre diferentes valores aceitos por uma
comunidade jurídica (Hart, 2013, p. 665). Assim, o julgamento da
pluralidade de espectadores neutros poderá nos indicar de que forma
a discricionariedade poderá ser exercida com excelência. Por mais
que exista um ponto no qual não haverá forma de chegar a
conclusões unívocas por meio da razão, o exercício da
discricionariedade, somado ao recurso das decisões historicamente
tomadas no âmbito daquela comunidade jurídica, quando realizado
comprometidamente e com acesso a todas as informações
disponíveis sobre o caso e sobre as possíveis regras a serem aplicadas
ao caso, permite que se tomem decisões em casos difíceis de forma
racional e compatível com as exigências do Estado de Direito.

Conclusão

No presente artigo, pretendeu-se apresentar a noção de casos


fáceis e difíceis no Direito, com base na doutrina de Herbert Hart,
bem como compreender os principais fatores que fazem surgir casos
difíceis no Direito. Após ter apresentado a distinção entre casos fáceis
e casos difíceis, passou-se a analisar o papel da discricionariedade na
resolução de casos difíceis, sobretudo com a preocupação de verificar
o modo como é possível exercer a discricionariedade sem violar os
ideais mínimos do Estado de Direito.
Como visto, os casos fáceis são aqueles em que a aplicação de
determinada regra pode ser realizada por meio de processos
lógico-dedutivos, uma vez que se encontram dentro do âmbito do
núcleo claro de sentido das palavras e expressões que compõem a
regra. Os casos difíceis, por outro lado, são aqueles que recaem
sobre a zona de penumbra de significado das palavras e expressões
que compõem a regra jurídica, sendo impossível encontrar a
solução para o caso utilizando-se somente de processos lógico-
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dedutivos. Para resolução de casos difíceis, portanto, há


necessidade de lançar mão de outra forma de tomada de decisão,
qual seja, a discricionariedade do julgador.
O exercício da discricionariedade, contudo, não deve ser
confundido com o uso de arbitrariedade, tampouco com
voluntarismo do julgador. Ao revés, a discricionariedade é uma
faculdade da razão que opera de modo diverso da lógica dedutiva,
uma vez que não conduz a um resultado correto e unívoco.
Raciocinar por meio de discricionariedade é considerar as razões
envolvidas, os fundamentos que sustentam a tomada de uma ou de
outra decisão, verificar os objetivos pretendidos quando da criação
da regra, para então decidir o caso apresentando de forma racional
o processo epistemológico que sustenta aquela decisão.

Referências

BRINK, David. Legal Theory, Legal Interpretation, and Judicial Review.


Philosophy & Public Affairs, Vol. 17, No. 2, 1988.

H. L. A. Hart. Discretion. Harvard Law Review, vol. 127, nº 02, 2013.

H. L. A. Hart. O positivismo e a separação entre o direito e a moral. In: Hart,


Herbert L. A. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. Trad. José Garcez
Ghirardi e Lenita Maria Rimoli Esteves. Rev. tec. Ronaldo Porto Macedo
Junior e Leonardo Gomes Penteado Rosa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

STRUCHINER, Noel. Indeterminação e objetividade. Quando o direito diz o que


não queremos ouvir. In: Ronaldo Porto Macedo Jr.; Catarina Barbieri.
(Org.). Direito e Interpretação. Racionalidades e Instituições. 1ed., São
Paulo: Saraiva, 2011.

STRUCHINER, Noel. Uma análise da textura aberta da linguagem e sua aplicação ao


Direito. In Revista CEJ, Brasília, v.6, n. 17, p. 120-124, 2002. Disponível em:
< http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/896>.
Acesso em: 06 de setembro de 2018.

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