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Mn Grata, Phe

Gomo
&prender
as atitudes
masculinas
de John Gray e Deborah Tannen.
s, e os Homens Falassem...

é a história dos homens contada


por eles mesmos. Polêmico, divertido
e brilhante, trata-se de uma janela
que desvenda os segredos
do equivalente ao -vestuário
masculino" emocional. O psicólogo
clinico Or Alon Gratch se vale
das historias contadas por seus
pacientes do sexo masculino
e de sua experiência como homem
para explicar e Interpretar

a forma de pensar e agir
dos homens. Original e ponderado,
cie nâo vende soluções fáceis
e ineficazes. O que ele faz é dividir
MIA
suas ideias como psicólogo
e ajudar o leitor ou leitora a aplicar
8011efiCadas ferramentas psicológicas
1) lia-a-dia.

"Nilo e que os homens não faiem,


o gli0 acontece é que eles falam
eH lingua diferente.", afirma
o Dr. Oratc11. Dividindo a psicologia
infteculino em Mo fatores —
Ifatgonha, Distância Emocional,
itotsgurivio Masculina,
00Centrhono. Agressividade,
AutOtiollokilo e Atuaçâo Sexual
O th, filatett nos da as ferramentas
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• '• outoluti lli, d o edição publicado por Utile, Brown and Company
Li IDO I fiy Alan Gratch

111 001, ketllora Compus Lida

Mos ti, dirollo% reservados e protegidos pela Lei 5.988 de 14/12/73.


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0ndera ser reproduzida ou transmitida selam quais forem os meios empregados
eletranIcos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Para Michele, Jordan e Ilana, com amor
Copidesgue
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E-mail: info@campus.com.br
ISBN 85-352-0802-X
(Edição original: ISBN 1-316-17861-6)

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

G81 s Gratch, Alon


Se os homens falassem.., corno compreender as atitudes
masculinas / Alon Gratch; tradução de Alexandre Feitosa Rosas.
— Rio de Janeiro: Compus, 2001.

Tradução de: II rnen could tafk... here's what they'd soy


ISBN: 85-352-0802-X

1. Homens — Psicologia. 2. Masculinidade. 1. Título.

CDD - 155.332
01-0526 CDU - 159-9:.055.1

01 02 03 04 5432
Sumário

OS HOMENS SÃO DIFÍCEIS


... permita-me dizer de que maneiras 13

VERGONHA
meninos não choram 41

DISTÂNCIA EMOCIONAL
... não sei mais o que sinto 73

INSEGURANÇA MASCULINA
... estou cansado de ficar por cima 111

EGOCENTIUSMO
... olhe para mim, ouça-me, toque-me, sinta-me 151

AGRESSIVIDADE
... eu lhe mostro quem manda 197

ITODESTRUIÇÃO
.., eu sou mesmo um fracassado 239
ATUAÇÃO SEXUAL
... eu quero sexo agora 275

Notas 329

Bibliografia 337
Nota do Autor
Índice 341

T odas as histórias descritas neste livro são fruto da combinação


de muitos casos. Foram deliberadamente misturadas e altera-
das para proteger o direito ao sigilo e à privacidade de meus pacien-
tes. Todos os nomes de pacientes foram trocados, assim como ou-
tros aspectos de sua identidade, inclusive profissão, estado civil, idade
e história familiar. Também modifiquei os detalhes de suas expe-
riências e sonhos. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou
mortas, ou com fatos reais, é puramente acidental.
Agradecimentos

A ntes de mais nada, gostaria de agradecer aos meus pacientes,


homens e mulheres. Sem sua confiança e entrega ao processo
terapêutico, este livro jamais poderia ter sido escrito. O esforço que
eles fizeram para desvelar suas verdades psicológicas e a coragem
que demonstraram nesse esforço foram fonte de inspiração tanto
no trabalho como em minhas próprias buscas pessoais. Aprendi mais
psicologia com eles do que com qualquer livro, teoria ou professor.
Duas pessoas que me ensinaram muito em meu próprio cresci-
mento como homem sem dúvida reconhecerão sua marca nas idéias
que permeiam toda esta obra. Ironicamente, porém em perfeita
sintonia com as idéias aqui defendidas, ambas são mulheres: minha
mulher (e colaboradora), Michele Sacks, e minha própria analista,
Dra. Betty Hellman. Não é possível exprimir em palavras a exten-
.. são da dívida emocional e intelectual para com minha mulher, me-
nos ainda num texto público. Guardadas as devidas proporções, e
por motivos diferentes, o mesmo pode ser dito de minha analista.
Minha editora na Little, Brown, Judy Clain, teve um papel pre-
ponderante em todo o direcionamento deste livro, desde o momento
em que leu o manuscrito inicial. Judy conferiu grande entusiasmo e
inteligência ao projeto, contribuindo com excelentes idéias e comen-
tários sempre oportunos, práticos e criativos. Ela me incentivou a ser
mais aberto, o que, se por um lado significou um desafio a mais, por
outro acabou tornando o trabalho ainda mais gratificante. Também
12 -4e- Se os Homens Falassem_

gostaria de agradecer aos demais membros da equipe da Little, Brown,


especialmente Beth Davey, Linda Biagi, Heather Rizzo, Matthew
Ballast, Claire Smith e Betty Power. Tenho uma dívida especial para
com minha agente, Judith Riven. Desde os primeiros passos de nosso
relacionamento, ela incentivou meu esforço em desenvolver minha
própria voz, em momento algum procurando diluí-la. Eu e meu tex- Os Homens São Difíceis
to merecemos dela mão firme, porém gentil, e ela não teve receio em
me questionar quando necessário, sempre demonstrando enorme in-
tegridade e respeito. Trabalhou comigo e em prol do meu trabalho ...permita-me dizer de que maneiras
com rara dedicação, humanidade e profissionalismo.
Sou profundamente grato a Mark Rosenman e a Jane Rosenman
por terem saído de suas áreas para oferecer-me seu parecer profis-
sional e sua assistência, o que permitiu que a obra assumisse sua
forma atual. Também, para vários colegas e amigos que leram o
manuscrito inicial e responderam com palavras de encorajamento
e/ou críticas e sugestões: Brenda Berger, Eric Friedberg, Morris Shin-
derman, Beth Dorogusker, Adam Price, Arthur e Evelyn Sacks, Geor-
O s homens são difíceis. Na superfície, eles muitas vezes pare-
cem distantes e arredios. Ou vulgares e repulsivos. E, quando
tentamos conhecê-los, muitas vezes é ainda pior — eles ficam na
ge Packer, Anne Berkowitch e Linda Kane. Considero-me fortemente defensiva e tornam-se inacessíveis. Aliás, à diferença das mulheres,
endividado com dois amigos escritores, Zia Jaffrey e Joseph Berger,
que são geralmente abertas quanto a seus sentimentos, a maioria
por auxiliar e facilitar o meu trabalho como escritor no começo de dos homens considera dificílimo abrir-se com os outros. Mas, quan-
minha carreira. do finalmente o fazem, eles sempre revelam um admirável, impetuoso
Outros amigos, colegas, professores e supervisores que têm in-
e extraordinariamente vulnerável eu interior. Esse eu oculto, e os
fluenciado meu desenvolvimento pessoal e profissional ao longo
desafios que ele apresenta diante do visitante ocasional, é o assunto
dos anos são Itamar Lurie, Ivan Bresgi, Richard Shuster, Ysrael Eliraz,
deste livro. À medida que nos aprofundarmos no universo interior
Harvey Hornstein, Joel Davitz, Marsha Levy-Warren, Sandra
masculino, conheceremos múltiplos cenários do principal parado-
Buechler, Karen Crystal, Mona Macksoud, Peter Cohen, Andy
Grunebaum e Laurie Grunebaum. Gostaria também de agradecer a xo da masculinidade: o elemento fundamental da identificação se-
Gordon Churchwell, Judy Siegel e Frank Schnneir por referir-se a xual masculina são seus desejos femininos, e não masculinos.
mim perante várias pessoas da comunidade editorial. Sou um psicólogo clinico que trabalha sobretudo com homens,
Por fim, mas não menos importante, o lar é de onde viemos. o que é raro, uma vez que a maioria dos pacientes psicoterápicos é
Gostaria de expressar minha profunda gratidão e amor aos meus mulher. Então, enquanto muitos terapeutas passam a maior parte
pais, Haya e Avraham Gratch e aos meus dois irmãos, Eli Gadot e do tempo escutando as mulheres se queixarem dos homens que não
Anel Gratch. Sem o amor, o encorajamento e a generosidade deles, t.11.1111, não escutam e não entendem, eu passo a maior parte do meu
nada que valorizo em minha vida estaria comigo hoje. i t'n 1 po escutando esses homens. E, com um pouco de ajuda, esses
homens falam, escutam e entendem.
Ao apresentar o universo interior dos homens, estou partindo
, lo pressuposto segundo O qual as mulheres sempre irão procurar
ALON GRATCH + 15
14 -te- Se os Homens Falassem...
vezes, são forçados a vir pelos mesmos motivos, mas não por um
decodificar o comportamento masculino. Para elas, é uma questão parceiro intimo, e sim por um colega de trabalho ou seu chefe. Um
prática para melhorar seu relacionamento com os homens — uma ultimato — uma ameaça de divórcio ou de demissão — não é raro.
alta prioridade para muitas mulheres. Ao escrever este livro, espero Enquanto alguns homens buscam tratamento por problemas ou
ajudar as mulheres a atingir seu objetivo, não dizendo a elas o que questões similares aos das mulheres — depressão, ansiedade, difi-
fazer, mas convidando-as a visitar o equivalente emocional e mental culdades de relacionamento—, muitos mais procuram a psicoterapia
ao secreto "vestiário masculino". Minha intenção é discutir minhas por problemas especificamente masculinos, com um estilo caracte-
experiências com pacientes do sexo masculino e partilhar minha risticamente masculino. Talvez não surpreenda saber: as pesquisas
postura como psicólogo diante de alguns dos aspectos problemáti- apontam que os homens são especialmente suscetíveis a problemas
cos da psicologia masculina. Em suma, vou contar a história dos como alcoolismo, uso de drogas e comportamentos anti-sociais. Mas,
homens por eles mesmos. no meu consultório, até homens que não se encaixam nesses crité-
Mas este livro não é apenas para as mulheres. Como escritor, eu rios de diagnóstico — e a maioria dos meus pacientes não se encai-
gostaria de repetir aqui o que acredito ter alcançado como psicólo- xa — têm problemas que não podem ser confundidos com os das
go — a compreensão dos homens e a comunicação com eles. Espero mulheres.
que, à medida que forem lendo sobre o esforço de outros homens Muitos dos homens que vêm se consultar comigo por iniciativa
para se libertar de seu isolamento emocional, os leitores do sexo própria encontram-se em plena crise relacionada ao trabalho. Ser
masculino se sintam compreendidos e tocados, e que essa leitura demitido ou mesmo "reestruturado" é uma experiência traumática
reflita e alimente seu processo de autoconhecimento — por mais para a maioria deles. Até mesmo a perspectiva de fracasso e, ainda
incipiente, secreto ou inconsciente que possa ser. mais, o não conquistar de fato o sucesso pode precipitar uma crise.
Aquilo que traz os homens para a terapia e aquilo sobre o que Há outras questões relacionadas ao trabalho que trazem os homens
eles acabam conversando durante o processo terápico são duas coi- ao meu consultório, por exemplo, dificuldade em tomar decisões
sas bem diferentes. E isso porque, no começo da terapia, muitos nos negócios, envolver-se em desvantajosos confrontos políticos,
homens nem mesmo chegam a falar — pelo menos sobre qualquer sentir-se oprimido pela empresa e sentir-se entediado ou apático
coisa significativa ou interessante. De certo modo, os homens a pro- diante do trabalho.
curam exatamente porque não falam. Uma vez que sua filosofia in- Alguns homens de muito sucesso vêm me ver para tratar da sen-
consciente determina que falar é algo menor e que atitudes valem sação de incerteza, do superdimensionado instinto de sobrevivên-
mais do que palavras, eles muitas vezes se comportam na terapia da cia e da carência emocional que lhes foi de tanta serventia na esca-
mesma maneira que ao dirigir: em vez de pedir ajuda para encon- lada rumo ao topo da profissão. Alguns desses homens vêm porque
trar o caminho, eles seguem adiante até entrarem num beco sem percebem que jamais se sentirão saciados. Outros vêm por causa do
saída, se perderem ou sofrerem um acidente. Até mesmo nesse caso, alto preço que pagaram por seu sucesso: distanciamento da esposa
eles podem evitar pedir ajuda: a pessoa que estiver no banco do e dos filhos ou ausência de realização pessoal.
carona pode fazer isso por eles. Por último, mas não menos importante, muitos homens buscam
Nesse sentido, muitos dos meus pacientes do sexo masculino só terapia por sintomas sexuais ou que eles julgam ser de natureza se-
vão parar no consultório para a primeira consulta depois de alguma xual. Impotência, ejaculação precoce, fantasias sexuais perturba-
atitude destrutiva e/ou a pedido de sua esposa ou namorada. No doras, dúvidas quanto à identidade sexual, infidelidade e impulsi-
I t uno caso, eles são muitas vezes "arrastados" para cá, porque re- vidade ou compulsão sexual são os mais comuns "problemas de
a se comunicar o.0 porque comunicam-se basicamente por apresentação". Nesse grupo estão aqueles que se envergonham a tal
iii , hos agressivos ou outros desabafos inconvenientes. Ik%
16 • Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4,* 17

ponto de suas dificuldades que chegam a levar meses para contar que um "bom terapeuta" aplica em suas relações de tratamento e,
por que vieram me procurar. E também existem aqueles que vivem mais importante, algo que qualquer pessoa atenciosa e cuidadosa é
tão mergulhados no sexo que não pensam duas vezes em ser o mais capaz de aplicar a qualquer relacionamento relevante. Ele combina
minuciosos e pornográficos possível. Também há um terceiro grupo uma certa postura mental com certas ferramentas pessoais que são
— aqueles que prudentemente fazem alusão a suas ansiedades se- movidas por elementos vitais como brincadeiras, bom humor e cu-
xuais por meio de piadas. riosidade.
Filosoficamente, não vejo o processo terapêutico como um pro-
cedimento médico especializado. Quando muito, eu o vejo como
Não se Trata de Sexo Afina/ de Contas uma extensão de processos interpessoais naturais, sobretudo do amor
A idéia de escrever um livro sobre os homens me ocorreu pela — amor definido como a tentativa de conhecer, sentir e valorizar o
primeira vez anos atrás, quando percebi que minha clientela era universo interior de outra pessoa. Em virtude dessa perspectiva na-
diferente da de muitos outros terapeutas. Naquela época, ao ensi- turalista, o leitor ou leitora deverá ser capaz de aplicar em sua pró-
nar, supervisionar ou comparar anotações com meus colegas, de- pria vida muitas das práticas terapêuticas incluídas no texto deste
senvolvi uma leve impressão de que meus pacientes compunham livro. Por exemplo, uma das coisas mais importantes que o terapeuta
um grupo bastante interessante e expressivo, e que seus problemas faz é formular perguntas a respeito do que o paciente pensa. E o
e seu universo interior eram mais dramáticos, talvez até audaciosos. bom terapeuta faz essas perguntas por pura curiosidade e interesse,
Uma diferença óbvia era que, cedo ou tarde, meus pacientes acaba- não porque deseje mudar ou influenciar o paciente. Portanto, aque-
vam fazendo relatos minuciosos de fantasias sexuais extremamente les que se queixam de que os homens não falam devem perguntar a
excitantes. Além disso, eles costumavam criticar meus sapatos, go- si mesmos quando foi a última vez que perguntaram a um homem o
zar de minha gravata, analisar os meus comentários e minhas pró- que ele estava pensando — não para arrancar algo de sua mente,
prias motivações, perguntar sobre a minha cor favorita, tentar me mas simplesmente por atribuir real valor a isso. É claro, há pergun-
pegar numa mentira e acusar-me jocosamente de manipulá-los ou tas melhores e perguntas piores, e modos e oportunidades de se
de fazer experiências com eles. Eram também muito amorosos e perguntar, e isso também está contemplado neste livro.
sabiam mostrar-se agradecidos. Porém, se é verdade que podemos perguntar a uma mulher o
No inicio, pensei que tudo isso tinha algo a ver comigo, e até que ela está pensando e obter uma resposta, a rota para o universo
certo ponto tinha. Mas acabou me ocorrendo que a maioria dos interior de um homem é muitas vezes mais sinuosa. E muitas vezes
outros pacientes com os quais eu estava comparando os meus era exige incursões em subestações mais cruas e vulgares. Um paciente,
mulher. Evidentemente, os homens são diferentes das mulheres. Mas, policial aposentado, começou sua primeira sessão após as férias di-
seria possível que, debaixo de seu exterior insensível e endurecido, zendo: "E eu ganhei cinqüenta e cinco mil dólares em Las Vegas na
houvesse um mundo de fascinantes e conflituosas emoções? Com o semana passada no black jack." Enquanto eu esperava que ele co-
passar do tempo, aprendi com meus pacientes do sexo masculino mentasse o fato de ter acabado de duplicar as economias de uma
que, dado um certo ambiente emocional, os homens falam, e que, vida inteira, ele sorriu triunfante e disse: "E minha mulher me pa-
mais que isso, o que eles têm a dizer é nada menos que inspirador. gou um boquete hoje de manhã." Eu senti, sinceramente, que essa
Isso, numa palavra, é a um só tempo a mensagem e o conteúdo segunda parte das novidades era muita mais importante para ele do
deste livro. que a primeira. Mas seria porque se tratava de sexo ou porque era
O ambiente emocional a que me refiro não é algo que se apren- uma conquista menos baseada na sorte e mais sinalizadora da forma
da num programa de graduação èm psicologia. Na verdade, é algo como ele via sua própria superioridade masculina?
ALON GRATCH •41.• 19
18 + Se os Homens Falassem...

Sim, os homens pensam em sexo, mas quando eles falam disso para dentro, da aparência para a substância, das inibições reprimi-
abertamente e sem restrições, fica claro que o interesse sexual mas- ,I,is para a livre exposição.
culino é muitas vezes um mero veículo para a expressão de coisas O primeiro elemento masculino é simples, apesar de profundo.
maiores e melhores. Para reformular o famoso dito de Freud, pode- Vergonha (meninos não choram) refere-se ao motivo mais comum
ríamos dizer que "às vezes, um pênis é apenas um charuto". Essa pelo qual os homens não se entregam a diálogos emotivos. Todos
idéia, segundo a qual os homens comunicam sentimentos podero- sabemos o que é sentir vergonha — é perturbadoramente doloroso.
sos e inconscientes através do sexo, cristalizou-se em mim há vários O que nem sempre percebemos é o quanto isso pode ser destrutivo.
anos quando apresentei um seminário sobre sexualidade masculina. Nos relacionamentos, por exemplo, os homens muitas vezes proje-
O seminário, que ostentava o titulo bastante técnico "Transferência tam a vergonha de seu próprio desempenho sobre sua parceira. Eles
e Contratransferência em Psicoterapia de Disfunções (e Funções) fazem isso criticando sua aparência, exigindo que ela vista determi-
Sexuais Masculinas", foi preparado para ensinar profissionais da nadas roupas ou fazendo questão que ela penteie os cabelos dessa
área da saúde da mente a ajudar seus pacientes do sexo masculino a ou daquela forma quando vão sair. Nesse tipo de interação, o ho-
falar de, e a entender seus problemas sexuais. Os participantes do mem está tentando se livrar do sentimento de vergonha relativo a
seminário, a maioria dos quais era de terapeutas mulheres, achou o sua própria sensação de inferioridade ao fazer questão que sua par-
material interessante e proveitoso. Mas o que chamou minha aten- ceira brilhe de tal forma que, refletindo-se nela, ele possa se sentir
ção foi a gradual percepção de que os seis ou sete conceitos em melhor a respeito de si mesmo. A mulher, nessa situação, sente-se
torno dos quais o seminário fora estruturado eram característicos controlada e avaliada. Pior de tudo, ela acaba sentindo-se envergo-
não apenas da sexualidade masculina, mas também da psicologia nhada de suas próprias imperfeições (físicas). Quando o círculo da
dos homens em geral. Então, comecei a refletir, pelo prisma desses projeção se completa (ela acaba sentindo o que ele sentia no início
conceitos, a respeito de tudo o que tinha aprendido de meus pacientes dessa interação), segue-se um terrível conflito. Ela o acusa de ser
ao longo dos anos (bem como de meus clientes nas empresas), e crítico e de controlá-la, e ele a acusa de ser sensível e defensiva.
sobre tudo o que eu havia observado em meu próprio desenvolvi- Evidentemente, esse tipo de briga pode ser evitada se, no início, em
vez de se concentrar no desempenho de sua parceira, o homem
mento como homem. Com o passar do tempo, e em conformidade
com as teorias e pesquisas existentes nessa área, reorganizei esses tenha o autocónhecimento e a facilidade de dizer algo que equiva-
conceitos em sete elementos psicológicos, ou sete atributos, cada lha a "estou me sentindo inferiorizado no trabalho hoje". Na ausên-
um dos quais explicando por que é tão difícil, apesar de tão irresis- cia de semelhante autoconhecimento, a briga pode ser evitada se a
tível, envolver-se com os homens. mulher, em seu próprio interesse, ajudar o homem. Como veremos
ao longo do livro, em alguns aspectos podemos todos ser o terapeuta
de nossos parceiros.
Os Sete Atributos Masculinos É verdade que quebrar a barreira da vergonha ajuda todos os
Os dois primeiros atributos masculinos que examino neste livro homens a se abrir,, mas a maioria deles possui uma resistência ainda
explicam por que é tão difícil para os homens falar de seus senti- mais profunda e perturbadora à linguagem dos sentimentos. Trata-
mentos. Tais atributos são abordados em primeiro lugar porque eles se do segundo atribikto masculino, Distância Emocional (não sei
são utilizados pelas defesas psicológicas masculinas para protegê- mais o que sinto). Aq1ii, estamos num terreno mais complicado,
los da dor emocional associada aos outros cinco elementos. Nossa onde as ferramentas psicológicas usuais não irão necessariamente
funcionar. Por exemplo, a pergunta altamente desestruturadora: "O
trajetória ua i portanto, simular o avanço de um relacionamento
ieraphlwo ou de qualquer relacionamento mais íntimo: de fora que é que você sente quando isso acontece?" a que muitos terapeutas
ZU -11.- Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH 21
(e, detesto admitir, eu inclusive) recorrem no desespero ou por falta
de imaginação, é especialmente inútil aqui. A reação típica do ho- Portanto, podemos notar que palavras como "pensamento es-
mem a essa pergunta é "Eu acho que...", ao que o terapeuta poderia tratégico" e "tática de negociação", que são praticamente afrodisíacas
dizer "Isso não é um sentimento". para alguns homens, podem ser um caminho até as palavras de maior
A propensão masculina a viver no racional e a se distanciar de intimidade. Isso pode soar como manipulação, mas não é. E não é
seus sentimentos é um risco evidente em seus relacionamentos ínti- porque eu realmente me interesso pela estratégia do paciente para
mos. Mas também pode ser um problema sutil, e devastador, nas a reunião. Não que eu esteja interessado no resultado financeiro da
situações de negócios. Por exemplo, um jovem banqueiro de inves- reunião ou mesmo no trabalho do paciente. O que me interessa é a
timentos foi "enviado" para a terapia por sua noiva, que estava preo- mente do paciente e como ela funciona. E não me importo de co-
cupada com sua propensão a viciar-se em trabalho. Quando ele me meçar com o aspecto intelectual: se não se pode vencer o inimigo,
procurou, já havia acumulado oito milhões de dólares. Porém, num junte-se a ele.
período de dois anos, perdeu tudo em arriscadas apostas de investi- O terceiro atributo masculino, Insegurança Masculina (estou
mentos. Como ele era incapaz de sentir qualquer sombra de medo cansado de ficar por cima), vai até a essência do que os homens
OU ansiedade ao tomar suas decisões de negócios, não era capaz ocultam debaixo de seu exterior forte e protegido. Um paciente,
também de dosar o grau de risco em questão. Por incrível que pare- um empresário impulsivo e pragmático, colocou isso da seguinte
ça, depois de perder tudo, inclusive o emprego, ele usou o telefone forma: "Tem horas que eu queria ser simplesmente nocauteado",
celular (de um banco no parque!) para levantar mais capital e reto- com o que ele queria dizer literalmente deitar-se e não agir mais, e,
mar os trabalhos — até sua derrocada seguinte, que foi também a figuradamente, depor as armas e retirar-se do campo de batalha
última, quando também perdeu a noiva. dos negócios. Mas isso não era pura e simplesmente um indicativo
No tocante aos relacionamentos, enquanto a barreira da vergo- de cansaço ou um desejo de fugir à fortíssima competitividade. Na
nha de comunicação pode ser quebrada com relativa rapidez, o pro- verdgle, representava um profundo desejo de abandonar a busca
blema da distância emocional não se presta a uma solução brusca. O ativa das bravatas e transformar-se num receptor passivo dos cui-
que fazer quando a pessoa não sente? Parte da solução é procurar dados alheios. Consciente ou inconscientemente, esse tipo de de-
pelos sentimentos onde eles estão, e não onde eles não estão; ou sejo — ser alvo de uma busca em vez de buscar, ser objeto em vez
seja, nutrir e cultivar quaisquer sentimentos, mesmo alguns desa- de sujeito (de atenção), ser "agido" em vez de agir — é partilhado
gradáveis, tais como raiva e depressão. por todos os homens. Ao mesmo tempo, esses sentimentos signifi-
Outra parte da solução é aprender a aceitar, e até mesmo a admi- cam uma ameaça fundamental ao senso de masculinidade dos ho-
rar, a aparência de força que acompanha a enervante calma masculi- mens. Portanto, eles precisam compensar tais sentimentos buscan-
na e participar da experiência emocional masculina em seu próprio do, e sempre ; procurando assumir, uma posição cada vez mais
terreno. Por exemplo, ao trabalhar com um executivo, em vez de masculina.
perguntar-lhe sobre o que ele sente a respeito da falta de intimidade Esse conflito exerce um papel central na psicologia da mais co-
em seu casamento, eu começo perguntando qual sua estratégia para a mum das aflições masculinas, a impotência sexual. Num nível cons-
próxima reunião com o CE0 da empresa. Dali partiremos para o que ciente, a impotência é quase sempre uma questão de ansiedade quan-
é tão relevante nessa reunião, por que sua carreira é tão importante to ao desempenho, motivo pelo qual quanto mais pressão a pessoa
para ele e qual é o grande objetivo de sua vida afinal. Isso levará a faz sobre si mesma para se curar, pior ela fica. Inconscientemente,
uma discussão a respeito do que está faltando em sua vida, o que porém, a relutância do homem em ser firme denuncia seu desejo de
invariavelmente irá expor as dores Ocultas do seu casamento. fugir às pressões da masculinidade buscando unia posição mais ie-
minina de flexibilidade.
22 4 Se os Homens Falassem— ALON G RATai -3). 23

Paradoxalmente, então, o tratamento da impotência exige que o fazem, exercer um importante papel nesse processo de integração.
terapeuta alie-se ao pênis que não quer cooperar e não ao rigoroso A boa notícia, portanto, é que os homens não têm de escolher entre
paciente. Ao fazer isso, o terapeuta convida o paciente a experi- masculinidade e feminilidade — eles podem ter as duas coisas. E as
mentar em sentimentos e pensamentos o que seu corpo está mos- mulheres não precisam escolher entre um parceiro fraco e um ma-
trando em ação (ou inação). O paciente, então, pode manifestar chão. A má notícia, porém, é que é preciso um bocado de trabalho
sentimentos como "Estou cansado de ser bem-sucedido e prover o para alcançar esse tipo de integração. Seja como for — trabalhemos
bem estar de todos vocês", "Eu gostaria de ter amizades íntimas", conscientemente por isso ou não, como veremos neste livro —, as
"Eu gostaria de ficar em casa com as crianças" ou "Que bom se eu tentativas, erros e acertos dos homens nessa integração, e a reação
tivesse um homem forte que me protegesse". das mulheres a isso, têm um poderoso efeito sobre ambos os sexos
Não obstante todas as mudanças positivas que o movimento fe- — no quarto de dormir como também na sala de reuniões.
minista criou, ele nos deixou profundamente confusos quanto à iden- Antes do movimento feminista, uma das formas mais comuns de
tidade do nosso gênero. Se o presidente apalpou um mulher, nós discórdia do casal era a polarização psicológica do casal tradicional.
perguntamos, seria isso assédio sexual ou um impulso tipicamente Esse casal funcionava com uma divisão insustentável do trabalho na
masculino? Ou então: seria uma boa idéia a mulher tomar a "ini- qual o marido era responsável por pensar, enquanto os sentimentos
ciativa" num encontro? Ou ainda: devo ser um protetor bem-suce- cabiam à esposa. Ele era calmo e frio, ela era emotiva e histérica; ele
dido ou um pai atencioso? gostava de esportes e de filmes de ação, ela gostava de fazer com-
Psicologicamente, essas perguntas representam uma tentativa de pras e de comédias românticas; ele saía para beber com os amigos e
integrar nossa antiga, rígida — apesar de segura — identidade sexual ela jogava canastra com as amigas. Essa divisão era insustentável
com nossas novas liberdades pós-feministas. Teoricamente, agora não apenas porque gerava conflitos no dia-a-dia, mas também por-
sabemos que não há respostas certas ou erradas para muitas dessas que os parceiros nesse tipo de casamento tinham pouca coisa em
perguntas. Dizemos a nós mesmos que tudo depende de que tipo de comu m.
homem ou de mulher queremos ser. Mas muitos de nós ainda estão Hoje, apesar de esse tipo de relacionamento ainda ser muito
confusos ou em conflito exatamente quanto a isso. comum, os terapeutas de casais vêem cada vez mais casais debaten-
Apesar de o movimento feminista inicialmente ter tentado negar do-se na dinâmica oposta. Estão polarizados na mesma dimensão
que havia diferenças psicológicas entre os sexos, ele acabou perce- masculino-feminina, só que ao contrário. A mulher é um tipo
bendo que reconhecer as diferenças não equivalia a aceitar a desi- impositivo, decidido, ativo, enquanto o homem é sensível, compre-
gualdade. Do mesmo modo, após a violenta reação inicial ao femi- ensivo, receptivo e emotivo. Quando essas diferenças ficam polari-
nismo, o movimento masculino agora parece disposto a admitir que zadas, essa nova versão do que se chama a divisão masculino-temi-
a feminilidade não é sua inimiga. Nos dias de hoje, eu acredito, as urna também se torna insustentável: a esposa se queixa de que o
pessoas mais razoáveis pensam que, apesar de as diferenças sexuais marido é passivo, um capacho submisso, e o marido acha a mulher
existirem, elas podem ser minoradas melhorando-se a comunica- uma controladora sem emoções.
ção. Mas, apesar de ser difícil questionar essa idéia, eu sugiro dar- Evidentemente, a guerra entre os sexos é travada nos extremos,
mos um passo a frente: as diferenças podem ser não apenas minora- sobre os quais, por incrível que pareça, ainda é fácil recair. À medi-
das, como também integradas. Ou seja, os homens podem aprender da que formos visitando e revisitando os conflitos da insegurança
a aceitar sua própria feminilidade a despeito da ameaça que ela re- veremos que as técnicas utilizadas para resolvê-los quase
presenta para sua masculinidade. E eles podem fazer isso sem se winpre envolvem a integração da divisão masculino-feminina den-
t ransformar em "fracos". E as mulheres podem, como muitas vezes tlil tle cada gênero. Por exemplo, no caso da esposa "agressiva" e do
24 -O- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 25

marido "submisso", quanto mais a esposa se queixa de que seu ma- gerado, é o motor psíquico da coragem e das conquistas. Em sua
rido é passivo, fraco ou indolente, mais ela continua a dominá-lo expansividade e ânsia de agradar, ele chega a criar generosidade.
com suas exigências e críticas. Não intencionalmente — e incons- Mas o narcisismo tem má fama por um motivo. Um conhecido,
cientemente — ela, na verdade, reforça a dinâmica que talvez deseja cirurgião de muito sucesso, contou-me casualmente diante de sua
mudar. O que ela poderia fazer em vez disso seria facilitar ou pro- esposa e de seus filhos adolescentes: "Nos últimos quinze anos não
mover sua própria passividade, receptividade e sensibilidade laten- me importei com nada a não ser com minha carreira, nem mesmo
te ou adormecida — suas próprias qualidades "femininas". Se ela é com minha esposa e meus filhos". É esse tipo brutal de honestidade
então menos incisiva ou agressiva e mais emocionalmente vulnerá- otite nos leva a supor que o maior problema do narcisista, aquele
vel, dará mais lugar para que o marido ganhe algum destaque. O que só pensa em si mesmo, é sua falta de consideração com os ou-
mesmo, é claro, vale para o marido: se, em vez de lamuriar-se de tros. Curiosamente, porém, esse tipo de homem sempre termina se
que ela é muito mandona e insensível — dessa forma humilhando- machucando. Todos conhecemos alguém assim: um homem na fai-
se ainda mais —, ele procurar expressar sua própria agressividade xa dos seus cinqüenta ou sessenta anos que se vê envolvido — ou
masculina reprimida, estará em verdade, convidando a mulher a tentando não se envolver — com a trágica sensação de que, após ter
moderar sua incisividade e a aumentar sua sensibilidade feminina. É devotado sua vida a ser o melhor arrimo para sua família, é agora
claro, o mesmo princípio se aplica ao casal tradicional, onde o ma- hostilizado por sua esposa e vive distanciado de seus filhos.
rido é hipermasculino e a esposa hiperfeminina. Ás vezes, a ironia da derrota narcisística impede que a pessoa
Agora, infelizmente, em ambos os tipos de casal a divisão mas- lenha qualquer sucesso. Certo paciente era um talentoso ator que,
culino-feminina é profundamente fragmentada e fortemente auto- um o passar dos anos, atuou em diversos espetáculos do circuito
alimentada, o que faz de minha solução integradora uma proposta ( )11 Broadway. Ele sempre recebia excelentes críticas e, portanto,
-

muito mais fácil de falar do que de realizar. Mas se ela pode ser conseguia entender por que nunca conseguia uma oportunida-
implementada na terapia, poderá sê-lo também na vida — e pela du no circuito principal. Para mim, era bastante óbvio. Em seu rela-
aplicação das mesmas estratégias básicas. lonamento com produtores, diretores e outros atores, ele sempre
O quarto atributo masculino, Egocentrismo (olhe para mim, punha o trabalho e a carreira na frente de toda e qualquer conside-
ouça-me, toque-me, sinta-me), é um derivado direto ou uma conse- ração de natureza social. A única coisa que interessava para ele era
qüência possível do conflito da insegurança masculina. O simples estar no centro do palco — literalmente. Assim, muito embora to-
fato de a pessoa saber que é um homem não constitui proteção dos reconhecessem o seu talento, ninguém queria trabalhar com ele
suficiente contra seus próprios desejos femininos — essa pessoa tam- 'luva mente.
bém tem de provar esse fato repetidamente para si mesma. Mas o grego ícarcNgnorom a advertência de seu pai quanto a voar
mesmo isso não parece suficiente: a pessoa também tem de exibi-lo perto demais do sor Sus asas montadas em cera derreteram e ele
em Technicolor para o mundo inteiro. precipitou-se no mar. Em sua busca para sentir-se bem consigo mes-
Evidentemente, as mulheres também precisam ser vistas, reco- mo, o homem aulclacioso, desatencioso, egoísta desafia a realidade.
nhecidas e admiradas. Mas, enquanto o narcisismo feminino muitas Sua inevitável queda, portanto, sinaliza o importante ponto de en-
deu
vezes reflete o interesse da nossa sociedade pela aparência física, contro psicológico entre.° narcisismo e o masoquismo. Para muitos
pela beleza e pela estética, o narcisismo masculino tem mais a ver I ■ uniens, a acumulação de riqueza e sua ostentação são mostras sufi-
com a nossa obsessão pela força, pelo poder e pelas conquistas. , [uni es de seu valor pessoal. Porém, outros buscam melhorar sua
O que a ambição é para o capitalismo, o narcisismo é para o o-estima testando Os limites de seu bem mais frágil — o próprio
crescimento) pessoal. Um aMor-próprio vigoroso, e até mesmo exa- oiro. Esses homens costumam entregar-se à atividade sexual com
26 -4É
- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4)* 27

grande exuberância juvenil, não em busca de intimidade, mas como tem de perder a si mesmo numa mulher, medo poderoso que é tam-
forma de vencer o medo da decadência do envelhecimento. Tanto bém um poderoso desejo. Como eu disse, esse conflito entre o dese-
quanto o sonho primordial de voar, a busca sexual masculina pode jo de estar (com) uma mulher e o medo de perder sua identidade
servir para negar nossas limitações e para reforçar nossa ilusão de masculina está no cerne do conflito da insegurança masculina.
imortalidade. Assim como acontece com a insegurança masculina, a forma de
Não obstante suas elevadas origens existenciais, essa dinâmica lidar com a agressividade masculina é o equilíbrio. Temos de respei-
apresenta muitos problemas práticos. Para os iniciantes, negar nos- tar a afirmação enfática, quando não insensível, do homem e reagir
sa mortalidade só faz com que ela se aproxime ainda mais de nós. de acordo, mas rejeitar a destrutividade sádica, ainda que cheia de
Isso é muito evidente na tendência que os jovens rapazes têm de se remorsos, do homem. Como distinguir entre os dois elementos é
sentir invencíveis e de adotar comportamentos arriscados como fu- um problema para muitas mulheres. Algumas estão de tal forma
mar, brigar e dirigir sob o efeito de entorpecentes. O "inafundável" acostumadas com a agressividade que colaboram com cada seqüên-
Titanic é outro exemplo da conseqüência possível desse tipo de ar-
cia de agressão-remorso-bom comportamento agressão-remorso-
rogância masculina. No universo sexual, quando um homem mais
bom comportamento como se não fosse acontecer mais do que duas
velho tem um caso com uma mulher mais jovem para tomar em-
vezes. Outras têm tanto medo de qualquer sinal de agressividade
prestado dela sua juventude, o mais provável é que ele acabe se
masculina que não conseguem ver a força e a proteção que ela po-
sentindo como um "velho desprezível".
derá um dia lhes proporcionar.
Resolver os conflitos que nascem do envolvimento dos homens
Um paciente me procurou por causa de suas explosões de ódio
consigo mesmos é crucial para se ter um relacionamento bem-suce-
dido com os homens — seja no local de trabalho ou na hora do contra sua mulher. Entre outras coisas, ele me contou que tinha
amor. Ao se tentar fazer isso, creio eu, pode-se aprender muito do acessos de fúria como uma criança e que sempre fora impaciente.
terapeuta que associa a uma empática aceitação do homem que está No final da segunda sessão, na saída, ele perguntou: "Isso vai aju-
envolvido consigo mesmo o enfrentamento de suas falsas defesas. dar?" Ao responder, eu primeiro disse, de forma algo defensiva:
Amar alguém pelo que ele é e admirar suas verdadeiras conquistas "Eu não sei, é você quem tem de me dizer." Mas então, sorrindo
exige que também rejeitemos e ataquemos sua exagerada opinião a amistosamente (porque gostei dele), eu acrescentei: "Deixa eu dizer
respeito de si mesmo. Evidentemente, a melhor forma de caminhar o que realmente penso. Penso que o que você está dizendo é: 'Isso
nessa linha é a porção meio arte, meio ciência que eu espero ofere- não vai ajudar', mas acho que isso é simplesmente você tendo um
cer a você, leitor ou leitora. acesso de fúria. Você está é impaciente." Dessa forma, eu alinhei a
O quinto elemento masculino, Agressividade (eu lhe mostro quem agressividade dele com a minha, o que evitou que ele me conside-
manda), é também uma conseqüência natural do conflito da insegu- rasse "fraco". Mas, ao mesmo tempo, a amizade e o carinho em
rança masculina. Como todo terapeuta de casais sabe, um dos pro- minhas palavras o desarmaram de sua necessidade de proteger a si
blemas mais comuns entre casais é a dinâmica do marido irritadiço, mesmo com um contra-ataque. Num relacionamento intimo, o
crítico ou explosivo ao lado da esposa magoada, chorosa e derrota- mesmo se aplica: o homem precisa se sentir livre para dar vazão à
da. Nessa dinâmica, a agressividade do homem serve para (1) inti- sua agressividade sem temer qtie sua parceira seja destruída. Sua
midar a "oponente" e pegá-la desprevenida, (2) violar seu espaço parceira, portanto, precisa reagir com sua própria agressividade de
psíquico, quando não o físico, para ocupá-lo e (3) criar um muro de tal forma a estabelecer os limites do que é aceitável. Mas, literal-
amargura que irá separá-lo psicologicamente dela. Em todas as três mente ao mesmo tempo, ela também precisa tentar desarmá-lo com
táticas podemos ver claramente Os traços do medo que o homem verdadeiro carinho e afeição.
28 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH -11■• 29

Quando os homens são completamente incapazes de expressar compulsão, o fracasso profissional, a tendência a acidentar-se e o
sua agressividade em relação aos outros, eles atacam a si mesmos. comportamento negligente e de alto risco. Mas também se encontra
É exatamente esse o sexto atributo masculino, Autodestruição (eu em problemas menos dramáticos, como tomar decisões financeiras
sou mesmo um fracassado). Um paciente, um jovem oftalmologis- canhestras, manter-se num emprego sem nenhum futuro, chegar
ta sensível e simpático, começou a terapia porque não conseguia atrasado para entrevistas de emprego, passar cheques sem fundo,
ter uma relação íntima duradoura capaz de levar ao casamento. falar sem pensar, mentir e ser pego na mentira, não prestar atenção,
Apesar de ser profissionalmente bem-sucedido, ele se sentia extre- deixar a torrada passar do ponto, queimar o pano de prato — e,
mamente infeliz com sua incapacidade de chegar ao compromisso conforme todos que já lidaram com os homens sabem, a lista pros-
com uma mulher. Após algumas semanas de terapia, ele estava se segue indefinidamente.
sentindo tão frustrado com a ausência de progresso que sua frus- Em seu zelo para ajudar homens autodestrutivos, muitos
tração e impotência começaram a "contaminar" nossa relação. terapeutas (como pais e cônjuges bem intencionados) aprendem da
Nesse momento, quando eu próprio estava começando a me sen- maneira mais árdua que de boas intenções o inferno está cheio.
tir frustrado e impotente, o paciente teve um sonho em que eu era Dependendo das circunstâncias, tentar salvar alguém da autodes-
um guia turístico inseguro e "fraco", com um problema nos olhos. truição costuma ser contraproducente e doloroso. Mesmo as pe-
E ele, o paciente, era um dos turistas do meu grupo e foi chamado quenas coisas em que os homens se transformam em fracassados
para me tratar. são frustrantes. Para quem assiste, o segredo é tratar isso como uma
Na minha cabeça, o fato de eu ter "pego" sua impotência e ter forma de agressão contra você mesmo, o que pode deixá-lo numa
me tornado "fraco" sugeria que era exatamente essa a intenção in- situação impraticável. Será que você deve segurar as pontas e ado-
consciente da frustração dele. Se isso não faz sentido, pense no po- tar uma política de compromisso construtivo, ou isso deve ser evita-
der que uma criança infeliz tem sobre a felicidade de seus pais — a do? Seja o que for, não assuma a responsabilidade pelo comporta-
autodestruição é uma forma de se vingar do outro, punindo a si mento dele. Isso vale para quem é terapeuta, namorada ou esposa:
mesmo. Se eu tenho um problema de vista, como poderei guiar meu quem for sempre o co-piloto não permitirá jamais que o homem
paciente? aprenda a dirigir com segurança.
Outra forma de analisar a questão é que o paciente não se sentia Por fim, se os homens fossem verdadeiramente mudos eles iriam
"visto" por mim, e que a frustração e a impotência dele eram uma se comunicar pelo sexo. De fato, para a maioria dos homens, tudo
tentativa de corrigir minha visão. Conforme acabou ficando claro, tem a ver com sexo, a não ser o próprio sexo, que tantas vezes tem
esse paciente sentia que estava vivendo a vida planejada para ele a ver com vergonha, distanciamento emocional, insegurança mas-
por seu pai, e que a única maneira de dizer não a isso (ou de ser culina, egoísmo, agressividade e autodestruição. Atuação Sexual (eu
visto como dono de si mesmo) era transformar-se num "fracassa- quero sexo agora), o sétimo atributo masculino, representa uma
do", pelo menos no sentido de não seguir os passos de seu pai na extraordinária condensação, um resumo de todos os elementos an-
área do casamento. Visto dessa forma, frustrar-me e destruir-me — teriores. Como você pode ver, eu finalizei com a sexualidade mas-
o suposto defensor terapêutico do projeto de casamento — não culina, exatamente o ponto onde comecei o seminário original. E o
passava de uma medida lógica, ainda que irracional. E essa é a es- motivo é simples. O campo sexual é onde os homens naturalmente
sência da autodestruição. É mais comum praguejarmos contra a es- encenam os conflitos sexuais que, em última instância, acabam não
curidão do que acendermos uma vela. Eles vão ver só. tendo nada a ver com sexo.
Essa poderosa dinâmica está muitas vezes no centro da psicolo- Um exemplo impressionante: um paciente que era emocional-
gia de problemas autodestrutivos como as síndromes do vício e da mente ausente, porém muito gentil com a namorada, só se excitava
30 -41. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH iS
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com fantasias de estupro — e a emoção da violência só existia em estará sempre presente. Com efeito, no livro Faces in a Cloud: Inter-
suas fantasias sexuais. Assim, apesar de o conteúdo da fantasia sexual subjectivity in Personality Theory, Stolorow e Atwood mostram como
dos homens sugerir uma grande variedade de fortes sentimentos, as teorias psicológicas de grandes pensadores como Freud, jung,
aquilo que eles vivenciam conscientemente quando excitados é em Rogers e Winnicott refletem suas próprias experiências de vida e
grande parte o desejo sexual. índole psicológica.
A boa notícia é que a língua sexual dos homens não é completa- Isso pode levar a uma postura intelectual bastante deprimente:
mente estrangeira. É mais como um dialeto, mas de uni tipo que se não podemos fazer observações objetivas sobre nosso universo
pode e deve ser decifrado tanto pelas mulheres como pelos homens. psicológico, de que adianta observar? Mas, antes que fiquemos de-
Um paciente procurou a terapia porque perdia a ereção quando titimados, consideremos uma posição alternativa baseada no para-
estava prestes a penetrar sua esposa. Não havia problema em ne- doxo, segundo o qual quanto mais admitimos nossa subjetividade,
nhuma outra situação ou fantasia sexual. Numa das primeiras ses- mais nos aproximamos da objetividade. Isso pode parecer demasia-
sões ele falou de um sonho em que eu, como seu terapeuta, prescre- damente filosófico, mas é, na verdade, uma questão eminentemente
via que ele introduzisse uma banana em seu reto. Quando ele cum- prática. Quando você sai com alguém, como saber se o homem sen-
priu a prescrição, a banana penetrou-o profundamente e saiu pelo tado a sua frente é x (onde x é uma coisa ruim na sua lista), a menos
outro lado, através de seu pênis, que então ficou duro e firme. O que você saiba que não é do tipo excessivamente exigente? Ou como
paciente, que não tinha nenhuma atração sexual consciente por saber se você deve ou não bater de frente com seu amigo por causa
homens, temia que o sonho pudesse representar um desejo homos- de um comentário deselegante, se você não sabe se é ou não uma
sexual. Essa era, de fato, uma possibilidade, mas eu interpretei que itessoa excessivamente sensível?
o que ele precisava para funcionar como homem era uma suave, Então, ao pensar nos dados que usaria neste livro, tive de per-
porém poderosa, dose de masculinidade. guntar a mim mesmo a respeito de minha própria insegurança mas-
No final das contas, apenas ele poderia injetar em si mesmo se- culina e até que ponto ela influenciaria minha observação. Para co-
melhante soro. Porém, terceiros, principalmente seu terapeuta, po- meçar, fui criado numa família de homens. Sendo o mais novo de
deriam certamente facilitar seu crescimento como homem. Nesse ès rapazes, vim de um mundo onde o que não faltava era a
caso, como em muitos outros, a esposa do paciente exerceu um agressividade masculina. Meus irmãos eram cinco e dez anos mais
importante papel terapêutico. Com sua maneira feminina muito (lhos, e eram bastante violentos, ou pelo menos era como pare-
própria, ela ajudou seu marido a expressar seus sentimentos — ou, , Lim ser do meu ponto de vista. Mas também havia alguns indícios
em outras palavras, a falar mais como uma mulher, porém a agir objetivos. Por exemplo, o compensado da porta de entrada, que
mais como um homem. E essa é a estrada certa para o coração de 1 , 11alinente tomou o lugar da vidraça depois desta ter sido quebrada
um homem. \ ries a fio. E, mais que isso, talvez um indício ainda mais óbvio:
meus dois irmãos acabaram se tornando advogados muito bem su-
, i.didos, um deles, criminalista, o outro, advogado de uma grande
Uma Família de Homens
c npresa.
Como eu disse antes, os conceitos apresentados neste livro estão Meu pai, um bem-sucedido homem de negócios, não era tão
em conformidade com as teorias mais recentes e as pesquisas no ostensivamente agressivo, mas também era bastante durão. Como
campo da psicologia clínica. Ao mesmo tempo, não creio que seja muitos homens, falava pouco de suas emoções. Alguns anos atrás,
possível ser completamente objetivo ao descrever e analisar o com- cle sofreu um gravíssimo enfarte em casa. Segundo minha mãe, tudo
portamento humano: a nossa própria subjetividade psicológica o que ele disse foi "não estou me sentindo bem", o que foi o sufi-
32 • lig• Se os Homens Falassem... ALON GRATCH "*" 33

ciente para que ela chamasse imediatamente uma ambulância. As- fosse uma menina? Eu quereria. E meus pais também, e tenho a
sim, a interpretação feita por minha mãe de seu minimalismo sal- impressão de que meus irmãos também — apesar de que, na época
vou-lhe a vida. em que nasci, esses últimos já eram provavelmente durões demais
Agora, adicione a essa mistura a cultura e a época em que minha para verbalizar ou sequer admitir semelhante idéia. Mas num desa-
família viveu enquanto eu me criava. Isso se deu no início da histó- fio físico a todos esses desejos e expectativas, eu cheguei da mater-
ria do estado judeu de Israel, onde a agressividade masculina era um nidade como mais um neném do sexo masculino, outro guerreiro
ingrediente necessário, na verdade idealizado, para a sobrevivência. em potencial.
Imaginem o seguinte: quando estourou a guerra entre árabes e israe- Potencial, mas não real. Como as crianças muitas vezes fazem,
lenses em 1967 e as sirenes de alerta encheram toda Jerusalém, meu eu correspondi às expectativas de minha família de forma reflexiva,
professor da quarta série me mandou para casa com outro garoto de pelo menos em alguns aspectos. Apesar de não ter sido uma criança
dez anos, sem a companhia de um adulto. Nosso trajeto para casa foi efeminada, tampouco abertamente feminina, eu sem dúvida não era
repentinamente interrompido pelo pipocar de metralhadoras e, an- tão agressivo quanto meus irmãos. Em vez disso, era sensível e
tes que conseguíssemos chegar, cápsulas de artilharia começaram a introspectivo. Era emocionalmente mais delicado, senão frágil, e,
cair ali por perto. O detalhe realmente estranho é que eu não me pelo menos na superfície, comportava-me como um bom garotinho
lembro de ter sentido medo. Acho que naquela idade eu já estava (garotinha?). Ainda me lembro da sensação física das lágrimas es-
condicionado a ignorar uma emoção tão inútil quanto o medo. correndo lentamente pelo meu rosto, para não falar do amargo sen-
Eu acredito que as marcas da nossa família não podem ser sepa- timento de vergonha dessas lágrimas, quando meus irmãos implica-
radas das influências culturais (nem da genética). Quando eu estava vam comigo. E ainda ouço a voz de minha mãe tentando ajudar-me,
ria faculdade, minha mãe me disse certa vez: "Agora que você vai se dando-me o mesmo bom conselho, porém inútil, que dou hoje a
formar psicólogo, seria bom analisar nossa família." Na verdade, meus próprios filhos quando implicam com eles no parque: "Não
foi isso que ela quis dizer, mas ela tropeçou nas próprias palavras e liga para eles!"
em vez de dizer mishpacha hebraico para "família" — ela disse
— E esse era um dos meus conflitos quando criança: por um lado,
mi/chama a palavra hebraica para "guerra". Eu não acho que
— eu queria preservar em mim e proporcionar à minha família um
esse lapso significava que ela pensava que havia uma guerra em nos- determinado grau de vulnerabilidade e expressividade emocional.
sa casa — nós éramos uma família muito unida com tantos conflitos Por outro lado, eu não ia abrir mão da força e do poder que eu via
quanto qualquer outra família —, mas que a cultura da nossa famí- que meus irmãos detinham. Isso soa familiar? Não seria isso um
lia, como a do país, era típica da guerra. Em suma, minha casa e exemplo, talvez a origem inconsciente, das minhas idéias "clínicas"
meu país eram, de certa forma, hipermasculinos. sobre os conflitos da insegurança masculina em que os homens se
Minha mãe, a única mulher da família, não tinha alternativa se- debatem tanto para expressar como para reprimir seus desejos fe-
não adequar-se a esse ambiente. Em determinados aspectos, para mininos?
manter-se bem entre os "rapazes", ela se adequava até bem demais. Como muitos outros homens, minha própria luta com esse con-
Ao mesmo tempo que continuava afetuosa e amorosa, acabou se flito, com o passar dos anos, nem sempre foi hábil ou bem-sucedi-
Rimando bastante durona, pelo menos superficialmente. Ela não da. Quando adolescente, por exemplo, eu busquei inconscientemente
deixava de defender seu ponto de vista em ruidosas discussões so- tornar-me emocionalmente vulnerável não apenas para preservar
bre política. m mundo de sentimentos, mas também como forma de "pedir
Mas, se você fosse a mãe,» pai ou inesinõ um dos dois primeiros dirego", fazendo, dessa forma, com que meus pais ou alguma outra
filhos de urna família assim, não iria querer que a terceira criança h ,rça pudesse me salvar. Assim, "humilhei - me para conquistar". Em
34 -4e• Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4.• 35

outros momentos, busquei expressar agressividade de forma ainda cava insuportável sentimento de vergonha. Assim, a intervenção do
mais ostensiva, valendo-me das armas da observação e da análise psicólogo tinha o poder de aumentar ainda mais os impulsos suici-
para "diagnosticar" o que eu com arrogância acreditava ser a infe- das do policial! Ao mesmo tempo, não podíamos permitir que um
rioridade dos outros. Terá sido esse o motivo inconsciente que me indivíduo com tendências suicidas tivesse acesso tão fácil a uma arma.
levou a ser um psicólogo em vez de, digamos, um advogado? Eu A pior parte desse dilema dizia respeito ao fato de muitos policiais
espero que isso tenha sido apenas uma pequena parte de um quadro possuírem outras armas legalizadas em casa, sobre as quais o depar-
mais amplo e mais agradável: tornar-me um psicólogo iria me pro- tamento não tinha nenhuma autoridade. Portanto, apesar de o psi-
porcionar um caminho, ou uma identidade, onde eu poderia inte- cólogo do departamento poder ter de mandar retirar a arma do
grar melhor minhas identificações masculinas e femininas. E, feliz- policial, o policial continuava tendo acesso facilitado à autodes-
mente, foi o que aconteceu. Ainda assim, como todos os homens, ti (lição.
eu continuo trabalhando na resolução desse conflito em muitos as- Esse dilema, que nascia do valor emocional e do simbolismo da
pectos da minha vida — com variados graus de êxito. arma de fogo, era, assim, uma conseqüência prática da hipermascu-
Não pretendo com tudo isso compor uma análise da minha in- linidade, nesse caso envolvendo risco de vida. Um exemplo menos
fância ou da dinâmica da minha família. Há, na verdade, outras prático, porém ainda mais impressionante, ficava por vezes eviden-
análises mais profundas e mais complexas a serem feitas. Mas esse i.. num dos testes psicológicos a que os candidatos a policial tinham
conflito foi fundamental, não obstante sua simplicidade. E ele se I e ser submetidos antes de serem considerados aptos a se tornarem
refletiu, assim, em todo o meu trabalho como psicólogo, muitas oficiais. Como parte do bastante abrangente processo de triagem,
vezes de forma completamente inconsciente. ().. candidatos em determinado momento tinham de desenhar uma
No início da minha carreira, quando estava terminando minha pessoa numa folha de papel em branco. Esse tipo de teste "pro-
tese de doutorado, trabalhei como psicólogo da polícia no Departa- letivo" parte do princípio de que, uma vez que não se apresentam
mento de Polícia da Cidade de Nova York (NYPD). Eu não podia nitras instruções ou regras, a pessoa que passa pelo teste projeta
dizer que gostava da idéia de trabalhar num ambiente paramilitar, ..eus próprios pensamentos, preocupações e problemas no dese-
mas foi o único emprego medianamente decente que consegui sem i) — muito parecido com o que um artista faz. E, apesar de
o diploma e a licença. Não obstante, fiquei completamente fascina- .ttiitificamente questionável, quando combinado com outros exa-
do pela natureza defensiva e o custo emocional da hipermas- I I ICS mais "objetivos" (o que era o caso no NYPD) esse tipo de teste

culinidade naquela organização — o maior empregador de psicólo- p, dia ser muito útil.
gos nos Estados Unidos (!). Muitos dos candidatos a policial, jovens com vinte e poucos anos,
Por exemplo, uma das situações mais terríveis para os psicólogos Gia. Acreditavam que nesse teste eles deveriam desenhar a figura de um
do NYPD era quando um policial buscava ajuda por estar tendo ,
niein forte, corpulento, talvez como forma de demonstrar sua
impulsos suicidas. Era difícil não tanto por se tratar de um suicida, opria força. Mas como a maioria deles não era de grandes anis-
mas porque o psicólogo tinha de tomai a decisão de mandar reco- ' Is, eles tinham de se esforçar para dar forma e destacar os múscu-
lher a arma de fogo daquele policial. Naquela época, e acredito que 1, ), do boneco, com resultados que eram por vezes tão cômicos quan-
ainda seja assim hoje, recolher a arma de um policial e encaminhá- i() reveladores. Em seu esforço para desenhar um tórax bem confor-
lo para um trabalho de gabinete aumentava a probabilidade de in- mado, alguns candidatos exageravam, desenhando a figura de um
duzi-lo a uma grave sensação de inferioridade. Além disso, como homem com um peito enorme, proeminente, todo dividido, uma
não havia jeito de esconder a ausência da arma dos demais policiais inturinha fina e, por isso, com um aspecto geral estranhamente
(1.1 delegacia, seu recolhimento equivalia à castração pública e evo- AI drógino.
36 •4*- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4›. 37

Isso ilustra uma idéia para a qual voltarei mais tarde nesse livro Iliedor", "voltado para interação", "consultivo", "democrático" e
ao discutir a divisão masculino-feminina, ou seja, que os opostos "aberto".
contêm um ao outro. Nesse caso, quando um homem está de tal Em minha própria pesquisa — sem qualquer pista naquela épo-
forma determinado a negar sua vulnerabilidade interna a ponto de , a da minha motivação inconsciente —, eu tentava determinar que
assumir uma posição extrema ou fora da realidade da força mascu- lipo de desenvolvimento da personalidade predisporia um líder a se
lina, ele acaba exatamente no lugar que desejava desesperadamente valer de ambos os estilos ou a alternar entre os dois dependendo da
evitar. Numa escala ampliada, essa dinâmica está muitas vezes pre- ,,ituação. Em outras palavras, apesar de estar seguindo, empiri-
sente no alcoolismo, no vício do jogo, na imprudência no trânsito e amente falando, uma trilha legítima de questionamento, inconsci-
em outros comportamentos masculinos; para provar que são du- e t umente eu estava procurando integrar... Bem, eu acho que vocês
rões, os homens vão para a guerra, onde morrem. As mulheres, In o final dessa frase.
enquanto isso, são as verdadeiras duronas, que sobrevivem. De cer- Depois de formado, enquanto montava minha clínica de atendi-
to modo, porém, os opostos não só contêm um ao outro, mas eles t iielito psicológico, também trabalhei como consultor de empresas,
também produzem um ao outro. Na minha família, por exemplo, ou consultor de executivos. Nessa função, dei consultoria e treina-
foi a hipermasculinidade dos meus irmãos que produziu minha fe- mento na área de negociação para muitos executivos. Na área de
minilidade. negociação, dependendo da natureza do relacionamento de negó-
No texto do meu projeto de pesquisa, tentei combinar minha , ios entre as duas partes, é possível aplicar maior ou menor número
enorme paixão pela psicologia clínica e a industrial. Seria uma de táticas cooperativas de negociação. Por exemplo, se você quer
supersimplificação (e politicamente incorreto) sugerir que a primei- vender o seu carro e nunca mais verá o comprador novamente, po-
ra, o interesse em trabalhar com as pessoas, é mais feminina, en- derá preferir não dizer a ele que está vendendo o carro porque ele
quanto a última, o desejo de trabalhar com organizações empresa- está lhe custando US$3000 por ano em manutenção. Mas, na maio-
riais, é mais masculina? Não tenho certeza, mas, seja como for, mes- 1.1 das negociações (por exemplo, quando sua empresa está nego-
mo quando eu fazia pesquisa científica empírica, continuava a ver , I. ido os honorários e termos de um contrato com uma agência de
os fantasmas das dimensões masculina e feminina em toda parte. 1 , 111)1 icidade ou com um fornecedor de computadores), há uma rela-
Por exemplo, como minha tese era sobre o desenvolvimento pes- oo de longo prazo a ser considerada. Quando é assim, as partes
soal em posições de liderança, tive de rever a pesquisa publicada têm de se valer de táticas de negociação mais cooperativas, do tipo
especificamente sobre o que configura a liderança efetiva — empre- em que ambos os lados saiam ganhando — omitir informações da
sarial, política, ou seja qual for. Descobri que psicólogos industriais it it ra parte, por exemplo, pode se voltar contra você mesmo. Mas
famosos tinham analisado muitos fatores diferentes e, valendo-se lente dizer isso para agressivos executivos que participam de uma
de ferramentas estatísticas e conceituais, eles os haviam dividido em wssão de treinamento de negociação! Muito embora eles possam
duas categorias, que então receberam os obscuros nomes acadêmi- ciincordar intelectualmente com a gente, quando chega a hora de
cos de "Estrutura Iniciadora" e "Consideração". Agora, adivinhe unia situação real de negocigão eles preferem surpreender, atacar,
que estilos de liderança foram correlacionados com esses "fatores discutir ou torcer o braço de seu "adversário" do que aplicar táticas
básicos" ao longo dos anos? Eis uma lista parcial: para Estrutura ih. negociação mais "suaves", que construam uma relação; ouso & -

Iniciadora: "voltado a tarefa", "voltado à produção", "enfatizador e, 1, táticas mais "femininas". Dar ouvidos às preocupações empre-
da meta", "alto desempenho", "auto-orientado", "decisório", "au- ,..ii ¡ais da outra parte? Dedicar-se a desenvolver um campo em co-
tocrático" e "fechado". E para Consideração: "voltado para rela- mum? Dar seu parecer de mão beijada? Ceder num ponto de menor
ções", "voltado para funcionários", "facilitador da interação", "aco- import:in,.1.1 para facilitar uni avanço? Para a maioria desses execu-
38 -0 - Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 9' 39

tivos — a grande maioria dos quais é composta de homens —, jovem escritora de sucesso, era uma hipnotizante contadora de his-
estamos falando de idéias tolas, até certo ponto desprezíveis. Quan- t•Srias. Mas, nas sessões, como na vida, ela usava seus dotes intelec-
to a mim, mais uma vez eu gostaria de acreditar que existe lugar no 1 iiiis para "viver na própria cabeça" e para evitar relacionamentos
mundo tanto para a concorrência como para a cooperação. mi imos. Portanto, ao falar isso para ela, eu disse: "Às vezes, nas
Mas estaria essa dimensão masculino-feminina apenas na minha •.essóes com você, eu me sinto como se estivesse perdido num ro-
cabeça, ou ela existiria na chamada realidade objetiva, e só o que mance da Virginia Woolf." Aqui, não só eu estava escolhendo in-
estou fazendo é observá-la? Acho que as duas coisas, e espero que, , inscientemente uma escritora do sexo feminino como referência,
ao reconhecer minha própria subjetividade, esse livro esteja se apro- •1 ano estava também expressando, sem querer, meu próprio medo
ximando da objetividade. Mas, à medida que você for lendo, terá imo homem — o medo de me perder na mente, senão no corpo,
de fazer seu próprio julgamento. •ir uma mulher.
Em termos da minha prática clínica, não é preciso dizer que mi- Mas apesar de o sexo masculino ou feminino ser algo que a vida
nha própria história e minhas tendências psicológicas influenciam a nos deu, a subjetividade do terapeuta não começa nem termina aí.
forma como percebo e interajo com meus pacientes. Em termos de , Enquanto a maioria das pessoas pensa que seus terapeutas não de-
gênero, o do terapeuta é sempre um fator no desenvolvimento da , vem ter reações emocionais em relação a seus pacientes, a verdade é
dinâmica paciente-terapeuta. Eu sou um terapeuta diferente quan- praticamente o contrário — bons terapeutas prestam atenção e se
do atendo um homem ou uma mulher? Diria que sim, até certo alem de suas próprias reações emocionais em relação ao paciente
ponto. Isso limita o aproveitamento dos conselhos que eu posso onio instrumento terapêutico. Se eu me irrito com um paciente que
oferecer às mulheres que me lêem a respeito de sua interação com ¡lu , (II/ que ele, na verdade, não "acredita" na terapia e que ele só a
os homens? De novo, até certo ponto limita. A não ser, é claro, que • Ni 1 1.1/endo por causa de sua esposa, então minha raiva não tem a
meu conselho seja que as mulheres aprendam de minha própria 5 , I 1•unto comigo. Em vez disso, ela é induzida pelo paciente e eu
masculinidade e ajam mais como se fossem um homem em seu rela- po ,,o me valer dela para aprender algo sobre a forma que ele tem
cionamento com os homens. O que, de certo modo, é o meu conse- ,le se relacionar com os outros. Mas, para poder fazer isso, preciso
lho, pelo menos para algumas mulheres. Lembram-se? Eu defendo '..ther (1) que estou irritado e (2) que não estou irritado por causa de
a... integração, e não apenas para os homens. •Idvidas minhas quanto à importância da terapia. Em outras pala-
Psicologicamente, para não dizer fisicamente, muito embora não k 1 as, apenas quando sabemos quem somos podemos estar recepti-

estejamos sempre cônscios de que somos um homem (ou uma mu- k os para conhecer outra pessoa.

lher), isso não é algo que possamos jamais deixar de ser. Pensando I' u disse que os homens são difíceis. Mas isso não significa dizer
nisso recentemente, notei que os quatro ou cinco livros que costu- que as mulheres não sejam difíceis a sua própria maneira. Também
mo recomendar para meus pacientes do sexo masculino — livros muni significa dizer que os homens são idiotas, imbecis ou perverti-
que vão de A 'Trilha Menos Percorrida, de Scott Peck, até A Morte de iliks corno algumas mulheres acreditam. O que eu sinto é que cada
Ivan Ilitch, de Tolstói — foram todos escritos por homens. Eu nun- uni dos sete desafios da insegurança masculina é um desafio que
ca tinha estado consciente disso antes, mas agora vejo que esses dic .1 pena compreender, atacar e... amar.
livros possuem uma índole "masculina": sua narrativa é penetrante, Veio isso muitas vezes em casais que me procuram para terapia
desafiadora e intelectualizada. Compare isso a um comentário que 1 til t..oniunto. No princípio, parece que o homem é o vilão: ele não

fiz certa vez a uma paciente do sexo feminino (sim, eu atendo uni mminica, ele é irritadiço e crítico, ele é distante, ele é infantil,
bom número de mulheres em meu consultório, de forma que não • i• e II responsável, ele tem um problema sexual, ele passa o tempo
estou tão alienado assim da Psicologia feminina). A paciente, uma ti 41 no escritório, ele bebe, ele está tendo um caso, ele cheira cocai-
40 •41- Se os Homens Falassem...

na e assim por diante. E, sim, ele muitas vezes duvida da terapia. A


mulher, por sua vez, parece ser aberta à crítica, disposta a assumir
responsabilidades, disposta a se comunicar e razoável em suas von-
tades e desejos.
Mas em pouco tempo apresenta-se um quadro diferente: a más-
cara masculina não é senão uma capa para uma alma sensível que Vergonha
busca algo, enquanto o comportamento sensível e cooperativo das
mulheres é um fino verniz sob o qual jaz um... mas isso é assunto de
um livro sobre as mulheres. ...meninos não choram

uando meu filho estava na primeira série, tomei a corajosa


Q decisão de apresentar-me como voluntário para ser o treina-
dor da Liga Mirim de T-ball.* Foi uma decisão corajosa porque,
tia() tendo crescido com o beisebol no sangue, eu mal possuía um
, onliecimento básico do jogo, que dirá o material necessário para
,ser treinador. Mas achei que era apenas a primeira série — eu daria
•onta do recado. E, com a exceção de alguns momentos embaraço-
sos — como quando o melhor amigo do meu filho me perguntou
durante um jogo: "Alon, por que eu deveria escutar você?", ao que
t (.1)Ondi: "Porque eu sou o treinador!" — até que me saí bem.
i1 verdade é que eu queria mesmo era ser treinador de futebol, o
rsporte com o qual cresci e que adorava. Mas na primeira série meu
t ilho não jogava futebol, de forma que não tive a "oportunidade"
•le projetar nele meus sonhos frustrados de ser um jogador profissio-
nal de futebol. Então, veio a segunda série. Meu filho mudou de
Hunião e ficou fanático por futebol. Naturalmente, eu fiquei exul-
tante e entusiasmado com widéia de ser o treinador do time. Mal
\abia eu que ser treinador de futebol representaria um desafio ainda
maior — exigindo de mim talvez um outro tipo de coragem — do
sitie ser treinador de T-ball.

1 im tipo de beisebol jogado por crianças pequenas no qual a bola não é arremessada da mão do
ioltador, mu colocada sobre um apoio no chão, de onde deverá ser batida pelo taco. (N.T.)
42 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH -4` 43

É realmente impressionante observar como os alunos da se- ,ivel ver-me livre da vergonha jogando-a sobre outra pessoa. Então,
gunda série são competitivos — como eles dão importância à vitó- e e I, ir pode ser feito? Conversar com meu filho a respeito? Isso não
ria e à derrota nos esportes. É ainda mais impressionante ver seus e...tentaria trauma à mágoa, sobrecarregando-o com minha aná-
pais na lateral do campo — estes sim, ficam malucos. E, é claro, o ile.e psicológica apenas para aliviar minha culpa? Conversar com
pai que é também treinador é potencialmente o mais maluco de 'limpei colegas treinadores sobre o assunto? Eles não achariam que
todos. Quanto a mim, que havia dito ao meu time que se divertir ii sou maluco? Afinal, eles fazem basicamente a mesma coisa com

e aprender era mais importante do que vencer, no íntimo queria ilhos e não parecem se sentir mal com isso. Ou, talvez, conver-
desesperadamente que o time do meu filho vencesse. Esse desejo ,.. ■ 1 ont minha mulher, esperando que ela fizesse eu me sentir ainda
praticamente tácito se apresentou diante de mim uma vez quando, , r por causa da minha insensibilidade para com nosso filho?
por causa de um problema médico de menor gravidade, meu filho Um tempo depois, pedi desculpas ao meu filho por meu com-
não pôde jogar. Naquele jogo, meu estilo de treinador foi muito portamento e confessei todo o episódio para um amigo, que é tam-
mais relaxado. Meu filho observou com propriedade do banco: bém um colega de profissão — e ele foi muito compreensivo. E
"Você não foi tão mandão." 11. q ue estou confessando isso aqui também. Mas, se por um lado
Não há nada de errado em envolver-se emocionalmente em es- .n1 isso liberta, não posso afirmar que converso regularmente
portes competitivos. Mas num dos jogos do meu filho, eu fiz algo os outros, mesmo com quem tenho intimidade, sobre meus
que realmente me incomodou. Naquele jogo especificamente meu Nenti mentos. A esse respeito, pelo menos, estou longe de ser um
time estava perdendo fragorosamente e, meu filho, que além de IId miem atípico.
tudo estava cansado e com fome, começou a chorar. E da minha claro, na psicoterapia espera-se que a pessoa converse sobre
boca partiu o automático "Pare de chorar", e o constrangedor e id'114 sentimentos. Porém, mesmo com essa expectativa ou permis-
cruel complemento: "Não está vendo que só você está chorando?" %Ao, muitos homens não se sentem à vontade. Entregues a si mes-
Eu estava tão irritado e decepcionado que, muito embora tivesse ■ ,„ os homens iriam preferir discutir, em graus descendentes de
imediatamente percebido que tinha agido muito mal com meu fi- e 'enlodo, sobre esportes, carros, sistemas de som, informática, polí-
lho, só fui capaz de compreender o que fiz bem mais tarde. tica, mercado financeiro, trabalho, filhos, namoradas, corpo das
Na minha cabeça, chorar não era uma reação apropriada nem whillicres e fofocas sobre amigos e vizinhos. E, sim, eles também
madura diante de uma derrota no futebol e, por isso, eu me senti onversarn sobre si mesmos, mas em grande medida no que tange
envergonhado das lágrimas do meu filho. E porque ele "me fez" Aeu desempenho ostensivo em alguma tarefa — desde emplacar uma
sentir vergonha, eu inconscientemente devolvi a gentileza e o en- grande venda até consertar a porta da garagem.
vergonhei. É claro, não foi ele que "me fez" sentir nada — ele só Porém, mesmo que um homem não fale sobre seu eu emocional,
estava chorando. E, independentemente disso, se chorar quando se e... litarmos com atenção, surpreenderemos indícios indiretos de
está perdendo não é bom, como eu poderia culpar o meu filho por ■ Ç.xistência em tudo o que ele diz — ou não diz. Veremos isso na
estar apenas refletindo minha própria competitividade e sensibili- vação ou na falta de reação ,de um marido quando chega em casa e
dade emocional? e recebido por uma mulher em prantos, uma pilha de nervos, que
Assim que percebi o que eu tinha feito, o sentimento original do Ii: - Não agüento mais isso, meu chefe foi tão ríspido comigo ou-
qual eu estava tentando me livrar, vergonha, emergiu no consciente Iii
— violentamente. Mas, dessa vez, senti-me envergonhado de meu "Você só está trabalhando lá há duas semanas, querida", pode
próprio comportamento e não era para menos. Mesmo podendo Ier a resposta dele, a qual pode vir complementada com um leve e
contar com a minha capacidade de compreensão, não era mais pos- quase imperceptível tom de aborrecimento: "Você precisa dar mais
44 Se os Homens Falassem... ALON GRATCH .• 45

tempo ao tempo." Bem, no exato momento que ele diz isso — mes- quer nada, "Eu vendi umas ações hoje", seu diálogo interno com-
mo antes que sua esposa se afaste magoada ou se cale subitamente 1 , 14 tt) diz o seguinte: "Eu gostaria de dizer, 'estou me sentindo pés-
ou retruque irritada "Por que você não é mais compreensivo?" —, iiio porque vendi na baixa e perdi dinheiro à beça', mas se eu
ele sabe que estragou tudo. Ela só quer ser ouvida, consolada. En- ditíser apenas 'vendi ações', talvez ela pergunte por que e eu poderia
tão, por que ele não faz simplesmente isso? Por que ele tem de re- II/ 4l que sinto, ou ainda melhor, talvez ela não pergunte e, nesse
trucar ao que ela diz em vez de simplesmente ser solidário com a 4$4p, ii.1() vou ter de dizer nada". Esse processo mental muitas vezes

situação e as lágrimas de sua esposa? tem lugar sem palavras e numa fração de segundo de consciência. E,
No livro Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus, John mo i iente, a não ser que a namorada seja especialmente atencio-
Gray explica que, quando as mulheres falam de sentimentos dolo- s..1 sensível, tudo que ela ouve é algo ligeiramente estranho ou
rosos ou de problemas, os homens levam para o lado pessoal e sen- ,1 It .mtexto, porém, ainda mais concretamente, desimportante
tem que têm de fazer alguma coisa para resolver o problema. E se lite/limite. "Por que ele está me dizendo isso?" ela pode pergun-
não podem resolver, diz Gray, eles ficam frustrados. Sem dúvida, , t mesma e perder uma oportunidade de aproveitar um mo-
isso vale para o nosso hipotético — apesar de bastante familiar — it mais profundo e mais íntimo.
exemplo anterior. Mas o que Gray não explica completamente é a 1 ta inesina maneira, se um homem diz, "Eu fui submetido a uma
natureza dessa frustração. Pela minha experiência, não é só que os iivaliaçáo de desempenho no trabalho hoje", em vez de "tive um
"marcianos" são "consertadores", que não conseguem suportar pro- grande desempenho na avaliação durante o trabalho hoje", sua es-
blemas sem solução. Em vez disso, sua pressa em dar uma solução, J HIl deve supor que não foi uma boa avaliação e que seu marido
em agir, dando um conselho é também uma manobra instantânea, 1 se sentindo assustado, vulnerável ou preocupado, e está se sen-

inconsciente, no sentido de proteger-se e de minimizar seu senti- 1., envergonhado, escondendo-se atrás de um silêncio parcial. E,
mento de vergonha. eus do que se pensa, uma declaração simples e levemente
Portanto, não é verdade que os homens são incapazes de se soli- a como "tenho um compromisso" não é sinal de um caso
darizar ou de dar atenção à dor de uma mulher. Entretanto, fazer t , ,, mas sim de alguma atividade que o faz sentir-se envergo-
isso exige que eles se permitam sentir o que a mulher sente — má- ', lo, o que pode ser, ou não, um segredo de fato.
goa, fragilidade e vulnerabilidade. "Bem, não, obrigado", eles di- Pouco tempo depois de começar a terapia comigo, um dos meus
zem para si mesmos. E dizem isso tão rapidamente, tão automatica- est começou a namorar uma mulher que ele considerava mais
mente, que sequer ouvem a si mesmos dizendo isso. Mas, em algum 1, ',lite e mais bem-sucedida do que ele. Ele também tinha vergo-
lugar no fundo de sua mente, eles sabem que estão evitando sentir 11 kti de dizer que estava fazendo terapia, o que durante algum tem-

alguma coisa — alguma coisa quase tão constrangedora quanto es- i i .o nilo significou nenhum problema. "Tive um compromisso", "Al-
tar nu em público. titooci com uma amiga" ou "Fui caminhar no Central Park" foram
Esse diálogo interno é o primeiro suspeito quando um homem iitiolgimente respostas bastante comuns para as perguntas sobre onde
fala (ou não fala) de um modo que não parece fazer sentido. É tiro silo tinha estado. Porém, à medida que o relacionamento foi ficando
certo: se os homens deixam de oferecer informações quando se es- e sua vidas sociais e seus horários foram ficando mais
pera que o façam, ou de terminar frases, ou quando eles dizem coi- si It. pendentes, meias verdades e mentiras simples tiveram de ser
sas sutil ou estranhamente fora de contexto, nesses casos eles estão • .1 11 ilidas por histórias cada vez mais mirabolantes.

lutando contra a vergonha. )urante todo o tempo, o paciente e eu conversávamos sobre


Portanto, quando um jovem gerente financeiro, durante um jan- lYs ■ 1 na terapia. Falávamos sobre sua vergonha e na probabilidade
tar com a namorada, comenta com naturalidade, como quem não tascada na personalidade dela e na reação da maioria das mulhe-
46 "R- S'e os Homens Falassem... ALON GRATCH 4. 47

res à idéia de "aconselhamento" — de que ela seria compreensiva e Mas esses outros sentimentos não incluem todas as emoções
aceitaria bem. Mesmo assim, semana após semana ele planejava, dolorosas. Por exemplo, os homens são capazes de se apaixonar
mas não conseguia dizer nada a ela. Finalmente, depois de um ano in nenhum problema, mesmo que seja um amor não corres-
e meio, ele não agüentava mais mentir. Então, muito embora sentis- pundido — ou de enfurecer-se também. Mas esses sentimentos,
se que a terapia era essencial para o sucesso de seu relacionamento, por sua própria natureza, têm o poder de motivar os homens a
ele interrompeu repentinamente o tratamento. Foi um dos "rompi- bimrem algo: a buscar alguém e, se tudo der certo, sair vitorioso,
mentos" mais surpreendentes e frustrantes por que eu já passei. om algum resultado concreto. Os sentimentos mais proble-
Por incrível que pareça, em todos esses exemplos, os homens são 111.1t it os para eles são aqueles que os deixam em situação passiva,
levados pelo sentimento de vergonha a evitar novas dores emocio- lel idos ou vulneráveis.
nais, seja mais vergonha, medo, rejeição ou inferioridade. Como se Então, se quisermos exercer uma troca íntima com os homens,
a vergonha não fosse tão dolorosa quanto esses outros sentimentos! temos antes de penetrar a densa camada de vergonha que faz com
Os homens aprendem essa estranha técnica, e aprendem bem, mui- pie eles se fechem. Isso é relativamente fácil quando o homem está
to cedo na vida. Eles aprendem isso nos relacionamentos de sua insciente de que se sente envergonhado e está intencionalmente
juventude não apenas com as pessoas, mas também com objetos e tentando se sentir melhor. E isso porque, nesse tipo de situação, os
conceitos. Sua relação com as bonecas Barbie, por exemplo. Aos homens tendem a confessar. Por exemplo, um paciente se sentia tão
quatro ou cinco anos, é muito provável que o garoto brinque com ii 'AI com o fato de sua primeira relação sexual (quando adolescente)
as Barbies de sua irmã, mas um ano ou dois mais tarde, mesmo que
11.1 sido com sua prima, que, quinze anos mais tarde, sentiu-se com-
ele ainda brinque com elas, deverá aproveitar todas as oportuni- 1 ,1 ido a "confessar" isso à sua noiva na véspera do casamento. Ou-
dades para anunciar aos quatro ventos: "Eu odeio a Barbie". Ou a
homem ficou felicíssimo quando, na segunda vez em que saí-
relação dos meninos com as roupas. Um dia, na escola, um garoto
1,1111, sua parceira muito atraente tomou a iniciativa e o beijou. Po-
de seis, sete anos pode ficar horrorizado ao descobrir que ele é o
único da sala que tem camisa com golas abotoadas — "Por que riu, motivado pelo desejo de se livrar de prematuros sentimentos
você me deu uma camisa bacana?" ele pode reclamar na hora em I, vergonha, ele parou no meio do beijo e disse: "Eu tenho de lhe
que a mãe for buscá-lo. Ou, talvez ainda mais significativo, a rela- lizer que já tive uma doença sexualmente transmissível: gonorréia."
ção deles com suas próprias lágrimas. Um aluno da primeira ou ) lato de essa doença ter sido tratada e curada anos antes não o
segunda série pode se sentir tão mal por estar chorando que será uuu ip cdi u de confessar assim mesmo.
capaz de pedir a alguém para mentir para ele — "Por favor, não A compulsão de confissão dos homens é uma das inúmeras for-
conte que eu chorei", poderá pedir a seu irmão mais velho depois 111,1, simples pelas quais eles tentam lidar com a vergonha. Outro
de uma briga. H III I( I() comum é o uso de um humor sarcástico e autodepreciativo,

Quando os homens sentem vergonha, eles tentam minimizá-la inlorme fica evidente no trabalho de muitos comediantes. "Acho
não a comunicando (silêncio), comunicando o contrário (mentin- pie eu não sou o rei da formosura" é uma declaração que, de uma
do) ou comunicando indiretamente (evasiva). Mas não apenas por- ind agradável, esconde o subtexto "Eu gostaria de não sentir
que a vergonha seja um sentimento doloroso demais para eles. A u,iiu ii vergonha de quem eu sou". Adiar ou evitar fazer coisas é

vergonha é também um sinal de que outros sentimentos pertur- ■ iii ro mecanismo. Um paciente, um homem trabalhador que sem-
badores ocultam-se abaixo da superfície. Portanto, ela serve como i ,' e proveu sua família, foi demitido sem ter feito nada de errado.
uma barreira e um lembrete para que ele sequer pense nesses outros Na() obstante, ele ficou tão envergonhado com a necessidade de
sentimentos. eber o auxílio-desemprego que vez após vez adiou a entrada do
48 -4(- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 49

pedido. Finalmente, ele se esqueceu completamente disso até que Munem e Relacionamentos: A Listinha
era tarde demais — o que custou a sua família uma quantia signifi-
Uma amiga coloca isso da seguinte maneira: "Todos os homens
cativa.
Em seu livro Shame (Vergonha), o psiquiatra Michael Lewis ex- if is.tin que são um Aclônis. Carecas, gordos, baixinhos ou magrice-
I . 4 eles sempre pensam que são sensuais — é por isso que estão sem-
plica por que esses tipos de comportamento ajudam a reduzir ou a
1 ,t e prontos para fazer sexo." Do ponto de vista das mulheres, essa
negar a vergonha. Ao esquecer, Lewis explica, mudamos o foco da
teuria faz sentido. Ela também parece fazer sentido para quem obser-
atenção da situação que produz a vergonha para alguma outra coi-
sa. Ao confessar ou rir de nós mesmos, ele diz, é como se estivésse- , t de fora muitas interações entre homens e mulheres. Mas observar
mos de fora olhando para nós mesmos. "Essa outra pessoa fez isso", lado masculino dessas interações da perspectiva reversa do ambien-
é o que parecemos estar dizendo, distanciando-nos da experiência 1, t erapêutico vira essa teoria ao avesso.
que leva à vergonha. como qualquer mulher solteira sensível que namore pode-
1 ia suspeitar, entre quatro paredes os homens pegam suas listinhas e
Mas quando a vergonha é sentida conscientemente, como em
muitos dos exemplos anteriores, se pudermos achar um meio de ilam dos méritos, ou, mais provavelmente, dos deméritos da
conversar a respeito, nosso trabalho estará praticamente completo. itididata. Pela minha experiência, a típica listinha mental dos ho-
O problema mais delicado é que muitas vezes os homens não estão ii lis consiste em pontos positivos tais como bonita, inteligente,
nem um pouco conscientes de sua vergonha. Apesar de as mulheres I tu feita de corpo, sofisticada, carinhosa, decidida, sensual, engra-
serem muitas vezes capazes de falar dos sentimentos de constrangi- ada e interessante, e em pontos negativos como simplória, burra,
mento, vergonha e baixa auto-estima, os homens mais freqüen- gorda, ingênua, fria, insegura, reprimida, paradona e chata.
temente costumam negar ou reprimir inteiramente esses sentimen- Normalmente, a maioria das mulheres consegue alguns pontos
1 ,, tivos, mas, pelo menos na terapia, os homens que as avaliam se
tos. Para alguns homens, a vergonha é tão dolorosa que eles nem
conseguem suportá-la. Bem, e o que há de errado nisso, o leitor oncentram e prendem-se obsessivamente nos atributos negativos:
pode se perguntar. Não seria esse um caso em que a ignorância é "Ela é bonita e é advogada, portanto, deve ser inteligente. Mas não
uma bênção? Aliás, as mulheres não deveriam aprender isso dos tliz nada inteligente. Não se interessa por política nem por direito
homens e adotar esse comportamento? onstitucional, que é o meu maior interesse. Pensando bem, ela não
Talvez, se bem que a ignorância sempre cobra o seu preço. Nesse deve ter nenhum interesse intelectual. E gosta de viajar pedindo
caso, o preço oculto é pago primeiro pelos outros — muitas vezes aronal Na verdade, ela deve ser burra. O que você acha?"
pelas mulheres —, sendo convertido para outra moeda para só en- Até certo ponto, esse torturante processo de avaliação é de se
tão voltar ao seu lugar de origem. Eu explico. esperar numa situação de namoro em que tanto o homem como a
Nas palavras dos psicólogos sociais, enquanto as mulheres ten- mulher tentam nervosamente saber "Essa é a pessoa certa para mim?"
dem a atribuir seu sucesso em determinada tarefa aos outros, mas Seja como for, com o uso do microscópio terapêutico poderá surgir
seus fracassos a si mesmas, os homens fazem o contrário: eles as- uma imagem mais completa e mais focada.
sumem o crédito por seu sucesso, mas culpam os outros por seus Um paciente, um estudante de medicina bonito, carinhoso e aten-
fracassos. Ou, em minhas próprias palavras: para se livrar do sen- cioso também fora contemplado com consideráveis dotes intelec-
timento de vergonha, os homens projetam suas próprias deficiên- tuais, musicais e culinários. Sua carreira era promissora, ele demons-
cias nos outros. E em situações de encontro com mulheres assim ii muita energia e adorava Nietzsche, Kafka e Mozart. Também
como nos relacionamentos íntimos, esses outros são mais prova- adorava as mulheres, ou pelo menos era o que ele dizia, mas não
velmente mulheres insuspeita. conseguia um relacionamento duradouro com elas. Por ser tão
50 le• Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH 40 51

prendado, não faltavam candidatas. Mas o que acontecia era que ausente a maior parte do tempo em viagens de negócios, sempre
ele namorava uma mulher durante duas a seis semanas, ao cabo do prometia a ele coisas ótimas, como viagens onde eles iriam esquiar
que perdia o interesse e terminava com ela.
ou andar a cavalo, mas nunca cumpria essas promessas. E a cada
Após algum tempo de terapia, esse paciente e eu conseguimos vez, com cada nova promessa, o paciente ficava entusiasmado e fe-
estabelecer seu padrão de namoro com absurdo grau de previ- liz, mas acabava sempre sendo decepcionado. E nunca ficava irrita-
sibilidade. Na fase um (semanas 1-2) ele reunia dados para sua listi- do. Em vez disso, procurava sempre agradar seu pai — e, por exten-
nha. Na fase dois (semanas 3-4) ele analisava os dados e na fase três são, qualquer figura investida de autoridade —, esperando, contra
(semanas 5 6) ele planejava, carregado de culpa, a forma de termi-
-

todas as expectativas, que ele finalmente cumprisse o que tinha pro-


nar o relacionamento sem magoá-la.
metido. Na segunda série, quando teve de escrever uma frase com a
Mas a parte mais interessante acontecia na fase 4 — o post-
rnortem. Nela, após cada rompimento, ele e eu analisávamos os palavra "você", escreveu: "Você é uma professora tão maravilhosa,
Sra. Dalton."
dados que ele tinha reunido. Ele terminou um determinado relacio- Mais tarde, esse desejo de agradar fez com que, ou permitiu que
namento, nós observamos, porque a mulher era muito "ingênua". garotos mais velhos de seu bairro tirassem vantagem dele. Faziam-no
"Ela se deixa influenciar muito facilmente pelas amigas e tinha uma levar recados e dançar sem roupa na neve para eles. E, quando ficou
relação de exagerada admiração pelo chefe dela." Outro relaciona- adulto, seu irmão, um jogador compulsivo, convenceu-o diversas ve-
mento ele terminou porque a mulher era "quase meiga demais". zes a salvá-lo com empréstimos que nunca chegou a honrar.
Adorava animais, amava a natureza e simplesmente não era sofisti- Em outras palavras, debaixo de seu requinte cosmopolita ele era
cada o bastante. Uma terceira mulher "gostava exageradarnente de idealista, simples e crédulo. Tinha um temperamento fundamental-
folk music e não gostava de rock'u rol!, que dirá de música clássica".
mente inocente, que sempre o ~ha em situação de vulnerabilidade,
E uma quarta era "entusiasmada demais pelos cartões da Hallmark humilhação e perda. Era compreensível, portanto, que sentisse ver-
e pelo 'espírito' dos dias santos".
gonha desse exato temperamento. E sentia-se envergonhado sobre-
Era evidente que essas mulheres, pelo menos na cabeça do meu tudo pelo fato de — por viver tão preocupado em agradar — jamais
paciente, tinham algo em comum, algo que sempre o incomodava. ter aprendido com suas experiências.
Muito embora eu não soubesse exatamente como definir essa coisa E era para evitar ou reprimir esse sentimento de vergonha que
— doçura, simplicidade, inocência ou ingenuidade —, não me pa- esse paciente tinha de se manter afastado de qualquer coisa que
recia algo capaz de incomodar muita gente. Então, por que incomo- fizesse lembrar sua própria suavidade, ingenuidade etc. Ou, para
dava o meu paciente? Ao pensar nisso, procurei ouvir minha pró- ser mais preciso, ele primeiro tinha de encontrar mulheres que ti-
pria experiência com ele.
vessem esse temperamento — jamais se apaixonava por tipos inte-
Em nossas sessões, ele muitas vezes se queixava da burocracia da lectuais e refinados —, de tal forma que pudesse observar e rejeitar
faculdade de medicina, da decadência do meio médico e do absolu-
isso nelas, em vez de em si mesmo.
to descaso das instituições e das pessoas em nossa sociedade. E, ape- E é esse o sentido da "listinha". Traços ou características de que
sar de dizer que, na qualidade de médico, não estava preocupado os homens inconscientemente sentem vergonha em si mesmos são
com sua capacidade de lidar com a doença ou mesmo com a morte,
projetados em sua parceira. Os homens que negam a vergonha que
muitas vezes revelou ter chorado facilmente com filmes estúpidos e sentem de sua própria inteligência apagada — que pode ou não ter
até com comerciais.
alguma coisa a ver com sua inteligência de fato — preocupam-se de
Com relação ao que ele me disse sobre sua infância, muitas coi- forma especial com a burrice. Os homens que se sentem inconscien-
sas se destacaram. Quando ele era bem pequeno, o pai, que ficava temente envergonhados de sua careca ou de sua flacidez pensam:
ALON GRATCH 4). 53
52 4. Se os Homens Falassem...

"Ela é bonita o bastante?" E aqueles que negam a vergonha de seu I 1 pessoas." "Meus amigos não se sentem assim", ela interrom-
próprio desconforto social preocupam-se porque a mulher "não é , , om raiva. "Seus amigos não vão lhe dizer isso se se sentirem
desinibida o suficiente". vão?" ele contra-ataca. "Mas os seus amigos não importam."
É interessante notar que, para muitos homens, ter um compro- le se prepara para a investida final. "Eu acho que isso não é delica-
misso ou casar-se não elimina a listinha, pelo menos não completa- Ift e também acho que é chato quando você não fala — chega a me
mente. Na verdade, ela se reduz a um ou dois pontos principais que i,litbrar da sua mãe."
são então ampliados, assumindo proporções despropositadas. Por CP A essa altura, eu noto — quem não notaria? — que a mulher está
exemplo, um homem pode ficar aborrecido porque sua esposa pas- ' nada. Mas procura se conter, e ele prossegue: "Quanto às rou-
sa horas assistindo ao "Hospital Geral", ou porque ela não é uma - nesse ponto daria mesmo para aprender com a sua mãe. Ela
verdadeira gourmet na cozinha, ou porque ela não tem outros inte- ido veste tão bem, todo mundo sempre comenta isso. Qual o proble-
resses que não sejam seus filhos, ou porque ela não mantém a casa I!i eu quero que você fique bonita? Isso não é normal?" Ele olha
arrumada. E, muitas vezes, qualquer um desses pontos pode levar a p4r41 mim. "Além disso, eu não entendo por que ela é tão sensível e
constantes desentendimentos ou até mesmo a repetidos e sérios con- va." Ele se dirige a ela novamente. "Por que você acha que
flitos com prolongados sentimentos de raiva e desespero. ...tott fazendo uma crítica? Só estou fazendo uma sugestão. Ou
Com o passar dos anos, muitos casais me procuram por causa . .1i ao, pense da seguinte maneira, só estou pedindo para fazer algo
desse tipo de conflito. Durante sua primeira sessão, a esposa disse is... mim, qual é o problema?"
que estava cansada de ser criticada pelo marido, sobretudo porque a o nosso propósito, há dois pontos críticos nesse intercâm-
ela ficava calada quando estava com outras pessoas. "Quando a gente 1 sit. Quando o marido fala da sogra, sabemos que algo sério está
sai com os amigos, por exemplo", ela disse. "Eu sou o tipo de pes- ,), .1it ecendo. Ele está sendo deliberadamente cruel, tentando tocar
soa que gosta de escutar. Mas não é que eu não fale. Eu faço per- k pontos sensíveis e humilhar sua esposa. Mas por quê? Por que

guntas e também falo de mim mesma, quando me sinto mais à von- Is lu de deixar tão claro que ela é tão tímida e retraída quanto a
tade. Mas não entendo por que isso o incomoda. Ele pode falar ou iitts ,I..1,1? Por incrível que pareça, parece que parte da história de
deixar de falar e isso não me incomoda. Ele sempre me diz que eu i4ffili lia desse homem é que ele, quando criança, não falava. Aliás,

deveria falar mais e isso me deixa furiosa, porque me deixa acanha doi. quatro anos, seus pais o levaram a um psicólogo pediátrico exa-
da. Meus amigos não acham que eu sou calada demais. E o pior é tainclite porque ele falava muito pouco. Não havia nada de errado
que eu acabo acreditando nele e pensando que há algo de errado 0111 tit disse o psicólogo, ele era apenas calado. Essa timidez con-
,

comigo e que eu deveria falar mais". imitai durante a adolescência do paciente, e apenas na faculdade,
"A outra coisa", ela continuou, "é que ele sempre quer que eu itudildo percebeu que era bastante inteligente, ele começou a se impor
vista determinado tipo de roupa ou vestido quando nós saímos. I. in verbalmente. E foi tão exagerado na compensação que acabou
eu não me importo de fazer isso por ele de vez em quando, mas ele tornando extremamente articulado e extrovertido. Mas em sua
é muito exigente com isso. Eu me sinto tão mal. Faz aparecer todas posa ele via sua própria, timidez da juventude — e tinha de
as minhas inseguranças com o meu corpo e a minha aparência físi- lnhá-la.
ar 1.,it a generalizar, quando um homem é cruel numa discussão, há
ca. Por que ele simplesmente não me aceita do jeito que eu sou?"
A essa altura, ela faz uma pausa, e o marido, vermelho de raiva, •ild boa possibilidade de estar tentando negar seus próprios senti-
tenta sorrir. "Isso foi um belo de um exagero, não foi?", ele diz. E, bs de vergonha e de inferioridade. O segundo ponto crítico é a
tentando recorrer à sensatez, ele explica: "É verdade que eu a con- , 1 $.1 do marido para que ela se vista melhor para ele. Podemos
sidero calada demais com nossos amigos. Eu acho que isso incomo- ri" suspeitar que por trás desse pedido está o desejo de que ele, e não
54 4. Se os Homens Falassem.. ALON GRATcH 411s 55

ela, fique mais bonito. Baseado na minha análise até agora, o leitor ,literpessoais, os homens são mais propensos a sentir vergonha em
ou leitora poderá estar pensando que o marido de que estamos tra- 4 , Iak 'to ao desempenho, tanto no trabalho como no sexo. Essa dife-

tando era do tipo que vive sempre descabelado ou que anda sempre 1 ett, entre os sexos ou, mais precisamente, a forma como os casais

com uma mancha de café na camisa. Mas não, ele era na verdade Inlain com ela, é a responsável por muitas das brigas, mesmo nos
bem-apessoado e vestia-se bem. Então, por que sentia necessidade , itelhores relacionamentos. Na vida diária, os homens têm muito
de que sua esposa se destacasse esteticamente? litut$ "oportunidades" de se sentir envergonhados com seu desem-
Evidentemente, esse processo de negação e projeção da vergo- punho. Um homem pode estar num emprego sem possibilidade de
nha não é tão simples e simétrico quanto estou dando a entender. rescimento, outro pode ter um chefe que só faz criticá-lo, um ter-
No caso desse casal, o que o homem achava que não caia bem nele toiro pode estar ganhando menos do que seus amigos e um quarto
não era sua aparência física, mas seu currículo. Ele se criou num te estar sofrendo de uma crise de impotência. Até mesmo o sim-
bairro nobre, mas, à diferença da maioria de seus amigos do segun- "dia péssimo" no trabalho pode provocar uma sensação de fra-
do grau, freqüentou uma faculdade local — nada sofisticada ou tra- tificiente para suscitar a vergonha — bem como a reação au-
dicional. À diferença de muitos de seus amigos, ele também não era I iça de procurar evitar senti-la.
um profissional, apesar de ter se saído muito bem em sua carreira. ,)tiando ele chega em casa depois de um mau dia no trabalho, os
Como vocês podem imaginar, eu só percebi que ele sentia vergonha I , . 11 juedos espalhados pela casa, a mesa de jantar mal posta e o
disso através de seu silêncio e de suas evasivas — quando repassamos mau humor de sua esposa podem dar ao nosso personagem suscetí-
seu histórico pessoal numa sessão posterior, notei que sua narrativa k Cl à vergonha a oportunidade de criticar o desempenho de outra
pulara os anos de faculdade. Também, como se estivesse responden- jP4.%%. ).1, livrando-se assim de sua própria vergonha. Do mesmo modo,
do a uma pergunta que eu não fiz, ele mesmo começou defensiva- ai. ',IIr para jantar com sua namorada, o homem que tem um chefe
mente a explicar por que não tinha ido para a universidade. ..11 In.. crítico pode se livrar de seu sentimento de vergonha "dando
Portanto, esse homem tinha vergonha daquilo que, em seu cír- d ntender" que o penteado dela está diferente ou "perguntando"

culo social — que tanto valorizava o status , pareceria uma defi-



.ine ela não está usando "aqueles brincos bem mais bonitos que
ciência educacional. E, na tentativa de evitar esse sentimento, ele o ii omprei para você".

projetava na aparência física de sua esposa, esperando que ela lhe Infelizmente, a mulher nesse tipo de situação está quase sempre
desse uma carona de status. Infelizmente, esse tipo de dinâmica é pt..111.1 a aceitar e a internalizar a projeção do homem. Afinal, ela
comum não só entre casais que sobrevalorizam o status. Na verda- tont ndência a sentir vergonha de sua aparência e de fracassar no
de, é provavelmente ainda mais comum do que a projeção do tipo wittnpo do relacionamento, que é exatamente aquilo de que o ho-
"pagamento na mesma moeda" da listinha mencionada anterior- nwm intuitivamente se aproveita. Mas esse é apenas o começo da
mente. E é assim porque os homens são mais propensos a sentir kisa. Muito embora a mulher diga para si mesma, cheia de vergo-
vergonha devido a questões ligadas ao trabalho do que a sua apa- Mi: "Sim, não estou tão bonita", ela também sente raiva do ho-
rência física. rite ti t que a fez sentir-se assim. Então, só resta a ela contra-atacar ou
rei olher-se ao silêncio.
Isso deixa claro para o homem que ele não agiu bem. Mas, in-
Vergonha e Vulnerabilidade: O Ataque é a Melhor Defesa? I 1 , 11`4t lente de que estava motivado por seu próprio sentimento de

A experiência clínica bem como a pesquisa mostram que apesar ig..111L1 a respeito de outra coisa, ele só pode reagir insistindo que
de as mulheres tenderem a sentir vergonha em questões relaciona- na., teve a intenção de criticá-la. A mulher não acredita nisso e,
das à sua aparência física c . a ressentir-se do fracasso nas relações in iliindo-se ainda mais ofendida pela negativa dele, o chama de in-
ALON GRATCH ••• 57
56 • Se os Homens Falassem—

sensível ou de estúpido. Sentindo-se atacado, o homem agora revida emir levar alguns bilhões de anos, até uma época em que livros
e diz que ela é sensível demais e vive na defensiva. E é nessa hora ttitito este serão inseridos diretamente sob a forma de um feixe de
que a briga se transforma numa espiral de ataques e contra-ataques, imergia no cérebro do leitor.
quando frases como "Você sempre..." e "Você é igual a..." e "Eu Mas, voltando para a terra, vejamos essa diferença entre os se-
nunca deveria ter..." levam a briga ao terreno destrutivo dos confli- io, pela lente da vulnerabilidade dos homens. Dito de forma sim-
tos passados, que nada têm a ver com o atual. Mas, na raiz da briga, , !• os homens sentem vergonha quando passam por uma expe-
estão a incapacidade do homem em tolerar o sentimento de vergo- ta çitie os faz sentirem-se vulneráveis, fracos ou ineficazes. Como
nha e o "excesso" da mulher em senti-lo. 04, eles tentam evitar essa vulnerabilidade ao fazer outra pessoa

Mas, para que não vejamos as mulheres como as vítimas indefe- • em seu lugar. Mas essa técnica deles não se limita à arena
sas aqui, é justo notar que muitos desentendimentos nos relaciona- iessoal. Eles fazem algo muito semelhante no mundo dos ne-
mentos baseiam-se na dinâmica da imagem no espelho, na qual a - muitas vezes com conseqüências desastrosas.
mulher projeta seus próprios sentimentos de inferioridade no ho- ima pequena empresa de bebidas está perdendo mercado para
mem ao dar-lhe o recado de que ele não é um protetor tão bom ld 111,11( ,r concorrente e está ficando cada vez mais vulnerável. Numa
assim. Voltarei a isso quando falarmos sobre a divisão masculino- última tentativa de se manter, ela procura juntar forças com outra
feminina. pequena concorrente. Porém, depois de a princípio concordar com
Por que os homens e as mulheres sentem vergonha de coisas venda das ações, a outra empresa deseja mudar as condições
diferentes? Evidentemente, a maioria das culturas reforça essas di- 'k 0 querem mais dinheiro. Em resposta, o CE° da nossa empresa
ferenças entre os sexos ao aplicar sobre ambos diferentes expectati- waça com uma ação na justiça que ele sabe que irá afundar a
vas quanto ao desempenho, à atratividade fisica e às relações so- lirrente em despesas jurídicas com as quais ela não pode arcar.
ciais. Mas por que as culturas fazem isso? Apesar de uma discussão „ 1 ,,, 1 ,, ir sua vez, reage com uma carta dizendo que esse litígio os
a esse respeito fugir ao objetivo desse livro, eu gostaria de mencio- lovárá à falência e oferece um acordo de aquisição do tipo "é pegar
nar uma interessante teoria discutida pelo psiquiatra Michael Lewis #ut largar", desfavorável para a nossa empresa. Nosso CE0 agora
iii , 111.1% opções. Aceitar a oferta que não é muito boa, o que daria
em seu livro sobre a vergonha. Segundo essa teoria "sociobiológica",
tudo isso remonta ao imperativo evolutivo da procriação. Se a ver- i'mpresa a chance de permanecer viável, ou prosseguir com o
gonha leva os homens a agir com mais vigor e as mulheres a manter lii o que pode levar a outra parte à falência. Ao analisar essas
sua atratividade, será mais provável que eles copulem e procriem. i.,oes, nosso CEO precisa avaliar a veracidade das alegações da
Provavelmente procede dizer que muitas das minhas observa- II parte. Se a empresa for tão vulnerável à falência quanto diz
ções sobre os homens podem ser explicadas por essas teorias le deve aceitar a proposta. Mas se eles estiverem chorando de
sociobiológicas. Mas também é possível que esses fatores Itatriga cheia como uma artimanha de negociação, ele deve prosse-
sociobiológicos estejam mudando no momento mesmo em que fa- gui' iri :1 ação.
lamos deles. Por exemplo, não seria razoável supor que o desenvol- decisão tomar? Quando ele realmente precisava do acordo
vimento contínuo do córtex cerebral humano — a parte do cérebro • ,. ■ vii em posição vulnerável, assumira uma atitude litigiosa, agres-
responsável pelo nosso pensamento mais avançado —, associado ., Ntls agora, quando o outro GEO alega que está vulnerável, só
com as contínuas revoluções tecnológicas que ele gera, torne as di- , esta supor que a outra parte também está assumindo um atitu-
ferenças sexuais físicas tais como tamanho e força cada vez menos 1. agressiva. Quem em sã consciência, ele racionaliza, admitiria a
relevantes, e que esse processo acabe elidindo até mesmo as dife- própria vulnerabilidade no mercado? Então, ele resolve prosseguir
renças psicológicas entre os sexos? Eu acho que é possível, mas isso ...ia o litígio, e manda seus advogados agirem.
58 -41- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4- 59

O que acontece no final desse impasse antivulnerabilidade? Bem, desvios da norma do que as mulheres. Os homens são mais propen-
esse caso foi inspirado numa situação real em que eu, na qualidade sos a desvalorizar ou até mesmo a condenar a diversidade, a imagi-
de consultor, tentei infundir um comportamento mais conservador, nação criativa, a homossexualidade, a vida errante, a rebeldia na
de baixo risco. Infelizmente, não consegui isso e, dois anos mais empresa, a rebeldia em geral e todo tipo de comportamento excên-
tarde, ambas as empresas ainda estavam enredadas num dispendioso trico ou não convencional. Os psicólogos do sexo masculino inte-
litígio, com a perspectiva de falência iminente. É óbvio que esse ressam-se mais pelo diagnóstico e pela patologia, enquanto as psi-
tipo de "corte", na qual o pretendente fez de tudo para evitar a cólogas preocupam-se mais com a empatia e os sentimentos. E, poli-
aparência de vulnerabilidade, não conseguiu nada do que preten- ticamente, enquanto as mulheres tendem a apoiar causas mais liberais
dia. E ambas as partes ficaram solteiras. e tolerantes, os homens são atraídos pelas ideologias conservadoras,
Partir para a ofensiva para evitar a percepção (e/ou a real condi- referentes à lei e à ordem. Esse paradoxo da diferença entre os sexos
ção) de vulnerabilidade está também no cerne do processo que ca- é claramente visível quando analisamos figuras como Bill Clinton. Os
racteriza muitos conflitos internacionais. Sinto-me mais fraco do homens, dizem-nos as pesquisas, são os que menos perdoam os des-
que o meu vizinho, portanto, preciso buscar proteção armando-me. vios do presidente, mesmo quando se sabe que esses últimos são
O vizinho, por sua vez, sente-se ameaçado por meu fortalecimento estereotipicamente masculinos e mais ofensivos às mulheres.
e precisa buscar proteção fortalecendo-se em igual medida. Isso, é Como acontece com muitos paradoxos, a resposta a esse enigma
claro, prova que eu estava certo em ficar preocupado, então, para está na pergunta. O motivo pelo qual os homens preocupam-se mais
não ficar vulnerável em matéria de defesa, eu lanço mão da vanta- com as convenções está no fato de eles terem um maior potencial
gem do primeiro ataque — estamos em guerra. Isso é também a para o desvio. Em outras palavras, eles têm motivo para se preocu-
dinâmica exata do divórcio litigioso, em que os advogados — mui- par com isso. Só que, como era de se esperar, eles se preocupam
tas vezes com o desejo genuíno de proteger os interesses legais do com isso projetando suas preocupações nos outros. Eles procuram
cônjuge que estão representando — recomendam certas manobras manter sua própria casa em ordem usando de extremo rigor em
unilaterais, às quais a outra parte precisa responder na mesma mo- suas expectativas em relação aos outros e à sociedade em geral. Seja
eda. Aqui também a guerra é a conseqüência mais provável. como for, a verdade é que, intimamente, e muitas vezes inconscien-
Essa dinâmica não tem a ver diretamente com a vergonha. Mes- temente, os homens aplicam a mesma mentalidade rigorosa con-
mo assim, ela ressalta o aspecto defensivo desse sentimento nos vencional a si mesmos. Como eles se preocupam com sua tendência
homens. Apesar de ser um sentimento doloroso, a vergonha é tam- a burlar as normas, condenam a si mesmos com veemência por qual-
bém um escudo, uma defesa contra o sentimento de vulnerabilidade. quer pensamento ou sentimento que consideram anômalo.
Sendo assim, ela serve como um sinal e um lembrete de que não Até aqui vimos que os homens sentem vergonha das falhas de
devemos senti-la (a vulnerabilidade). Apesar de muitas vezes apre- desempenho. Mas a experiência clínica revela que eles também de-
sentar-se disfarçada de ataque, ela é, na verdade, a principal defesa monstram tendência a sentir vergonha de qualquer desvio — seja
dos homens. na própria cabeça ou no mundo exterior — da estreita linha con-
vencional sobre a qual acreditam que devem se manter. Como a
maioria de nós "peca" em pensamento — quando não em compor-
Homens Convencionais tamento —, essa fonte de vergonha é especialmente importante em
É um peculiar paradoxo que, apesar de a maioria dos "desvios" situações que exigem o abrir-se diante do outro. Obviamente, trata-
de comportamento em nossa sociedade serem perpetrados pelo gê- se de algo que deve ser tratado numa relação terapêutica. Mas tam-
nero masculino, os homens são muito menos tolerantes diante dos bém é um fator importante em outros tipos de relação íntima.
ALON GRATCH -30- 61
60 -4É- Se os Homens Falassem...

Para um terapeuta, uma namorada ou um cônjuge é a mesmíssima nio, porém, aceitar a si mesmo e aos outros não pode ser um estra-
coisa: se queremos que o outro abra seu universo interior, temos de t agema político ou tático — tem de ser algo verdadeiro. Ao mesmo
criar um ambiente em que as diferenças sejam aceitas. Um ambiente tempo, a vida não é um enorme grupo de apoio. Portanto, aceitação
aberto desse tipo, pelo que sinto, não pode ser uma criação artificial e tolerância não podem basear-se na idéia ingênua do amor incon-
nem o produto de ferramentas terapêuticas aprendidas. Ele tem de dicional. Em vez disso, essas qualidades devem repousar sobre cer-
ser a conseqüência de uma postura autêntica. Porém, dado o que as premissas filosóficas e psicológicas.
parece ser nossa inclinação natural para criticar e julgar, como va-
mos passar a aceitar mais os outros? Por exemplo:
Se considerarmos que, pelo menos em nossos pensamentos, sen- • Os seres humanos, basicamente, são mais parecidos do que di-
timentos, sonhos e fantasias, estamos todos sujeitos ao desvio, fica ferentes uns dos outros.
fácil perceber que condenar o comportamento dos outros como • É melhor, no final das contas, ser sócio de um clube que aceita
"bizarro", "pervertido" ou "esquisito" não é senão uma defesa con- pessoas como você.
tra o medo ou a vergonha de nosso próprio desvio. Ao dizer que os • Não pergunte o que as outras pessoas podem fazer por você,
outros são anormais, consolidamos nossa crença de que somos nor- mas o que você pode fazer por você; ou, em outras palavras, em
mais. E quanto mais rejeitamos nossa própria patologia, mais preci- vez de procurar a pessoa certa, comece sendo a pessoa certa.
samos ver os outros como patológicos. É por isso que aceitar e • A linha que separa a saúde da doença mental é tênue, senão
amar a si mesmo é pré-requisito para aceitar e amar os outros. E é invisível (se não acredita nisso, pense que mesmo os compor-
por isso também que se nos sentimos envergonhados de nossos tamentos ditos anormais são comuns e "normais" entre as
próprios segredos guardados a sete chaves, não podemos esperar crianças).
que nosso parceiro esqueça da vergonha que ele, por sua vez, tam- • Alcoólatras e pessoas que bebem socialmente o fazem por mo-
bém nutre. tivos semelhantes: sentir-se bem.
Esse tipo de reciprocidade tem uma importante implicação que • A principal diferença entre o indivíduo "normal" e o "neuróti-
eu muitas vezes repito para os pacientes mais céticos. Os homens co" é que o último tem a coragem de questionar sua infelicidade.
normalmente sentem que se revelarem aos outros seus pensamen- • Ser hipercrítico é hipócrita, ou seja, é ser pouco crítico a respei-
tos ou sentimentos vergonhosos serão humilhados e rejeitados. A to de si mesmo.
verdade — que eu considero o segredo mais bem guardado para o • Nosso medo ou ódio de grupos "estranhos" tais como imigran-
êxito interpessoal — é praticamente o oposto. Em vez de nos humi- tes, muçulmanos ou gays baseia-se em nossa necessidade de
lhar, a maioria das pessoas reagirá de forma compreensiva. E elas reprimir nossos próprios sentimentos "estranhos".
também se sentirão seguras o bastante para retribuir contando seus • Exatamente por refletir nossas próprias imperfeições, podemos
próprios pecados secretos e suas próprias dúvidas a respeito de si tanto ficar obcecados a respeito dos desvios na conduta pesso-
mesmas. É claro, existem aqueles que seriam os primeiros a apro- al de nosso presidente como podemos perdoá-lo.
veitar a oportunidade para afirmar sua própria força espezinhando
nossa fraqueza. Mas o que se espera é que cada um perceba isso e se Eu poderia continuar indefinidamente, mas não sei se seria mui-
afaste desse tipo de pessoa. t o útil, uma vez que, no final das contas, esses conceitos não podem
Políticos de sucesso sabem como usar esse segredo para ganhar ser aprendidos num livro. Infelizmente, mesmo parecendo que
popularidade — notem sua inclinação para as piadas autodepre- estamos a reinventar a roda, temos de desenvolvê-los em nós mes-
ciativas e para fazer da necessidade uma virtude. No ambiente flui- mos. Apenas mediante o corpo-a-corpo com esses conceitos bási-
64 Ke• Se os Homem Falassem... ALON G RATcH 4Is 65

meu interrogatório, dessa vez para iniciar uma discussão algo retó- e, nesse sentido, estava observando sua natureza problemática, "bi-
rica com o paciente sobre a diferença entre realidade e fantasia. zarra". Mas eu também estava rindo com a fantasia, dessa forma
Qual a diferença entre seduzir uma menina de quinze anos e ter a mostrando que reconhecia sua criatividade lúdica. Era, portanto, a
fantasia de seduzi-la? Faz algum sentido envergonhar-se de uma fan- uni só tempo crítico e compreensivo em relação à fantasia.
tasia ou de um pensamento (em contraposição feita a um ato)? En- A terceira técnica, pensar, é a que faz com que a gente, e a outra
tão, eu perguntei ao paciente se ele ficaria julgando suas próprias pessoa, veja que a fantasia dela não é tão bizarra assim. Meu pacien-
fantasias caso elas estivessem sendo expressas por seu melhor ami- te que gostava de seios grandes, por exemplo, era filho único e não
go, ao que ele respondeu enfaticamente: "É claro que não". Final- teve pai. Sua mãe, uma mulher forte, independente e idealista, do-
mente, ele se sentiu suficientemente à vontade para me contar sobre minou todo o cenário de sua infância. Ela fora uma profissional de
a camada mais profunda de suas fantasias com seios fartos. sucesso, mas também tinha sido hippie em Haight-Ashbury e tinha
"Eu gosto de seios grandes porque posso partilhar deles", expli- concepções muito próprias quanto à educação sexual. Isso incluía
cou. "Na minha fantasia, sou eu quem tem seios. O que me deixa andar nua em casa, tocar na genitália com naturalidade e comprar
excitado é a fantasia em que eu sou uma mulher sendo comida por revistas pornográficas para o filho adolescente.
outra mulher. Acho que é por isso que quando faço sexo só consigo Então, se pensarmos sobre essa história, seria muito difícil con-
gozar quando a mulher está por cima." cluir que a essência da fantasia do paciente era (1) identificar-se
Como podemos ver, o simples fato de reconhecer e conversar com sua mãe e desejar tornar-se como ela (ou seja, uma mulher) e
sobre o sentimento de vergonha ajuda a abrir o canal de comunica- (2) querer ser amado por sua mãe (ou seja, por uma grande mulher
ção. De certo modo, o próprio sentimento de vergonha é um portal que fica por cima dele)? E que essa relação profunda e exclusiva-
para uma maior abertura emocional — desde que não se tenha medo mente emocional fora sexualizada porque sua mãe, na verdade, ti-
de fazer perguntas a respeito. E não é preciso ser terapeuta para nha sido a orientadora de seu desenvolvimento sexual? E se pensar-
fazer perguntas idiotas. Só é preciso ter coragem. Ou, como o idiota mos um pouco mais, será que deixaremos de perceber que o vínculo
de Dostoievski — cuja lerdeza mental e ingenuidade abriram as portas de todo homem com sua mãe fundamenta-se em seu desejo juvenil de
da alta sociedade russa para ele —, precisamos desaprender o que tornar-se de algum modo como ela e, é claro, ser amado por ela?
acreditamos que sabemos a respeito das pessoas. Se não fizermos É esse tipo de processo mental que acaba por solucionar o senti-
suposições sobre o que pode estar envergonhando os homens, será mento de vergonha do homem. Mas, para funcionar, essa técnica
mais provável que façamos "perguntas idiotas" e descubramos o tem de ser mais do que uma ferramenta terapêutica feita para "fazer
que é que provoca a vergonha. o paciente se sentir melhor". Tem de ser uma extensão genuína e
A segunda técnica, rir, situa-se sobre a tênue linha entre o riso de natural da convicção filosófica que mostra as pessoas como funda-
e o riso com a outra pessoa. Numa sessão, ao se aprofundar em suas mentalmente mais parecidas do que diferentes umas das outras.
fantasias sexuais, o paciente disse: "Para você saber até que ponto Não obstante, temos de admitir que, na superfície, a fantasia
sou pervertido, outro dia eu me vesti de mulher e tirei uma fotogra- desse paciente era até certo ponto esdrúxula, apesar de não tão
fia de mim mesmo para usá-la como estimulante sexual." Então, incomum como o leitor ou leitora possa imaginar. Será que isso,
mal contendo seu sorriso, ele acrescentou: "Eu queria ter o rosto de pura e simplesmente, explica o sentimento de vergonha do pacien-
uma mulher para a foto, mas a única máscara que encontrei na loja te? Até certo ponto sim. Os homens com fantasias, pensamentos ou
foi a da Barbara Bush. E foi essa mesmo que eu usei." hábitos inusitados são especialmente propensos a sentir-se como
Mal pude conter meu próprio sorriso, e um segundo depois nós "um perturbado". Por outro lado, quando nos permitimos isso, so-
dois caímos na gargalhada: Eu estava rindo do absurdo da fantasia mos todos capazes de engendrar produtos mentais bastante
66 4- Se os Homens Falassem... 1 ALON GRATCH 4,
" 67

incomuns. Então, vamos nos valer de nossa curiosidade natural e estamos ingenuamente curiosos, como uma criança e não porque
não temer a imaginação humana. E vamos tirar essa exclusividade estamos interessados na "verdade", em ajudar ou em libertar o ho-
das mãos do terapeuta: qualquer um que queira saber o que se passa mem de seus segredos. Então, antes de mais nada, não devemos
na cabeça de um homem deve antes saber dar valor a forma como perguntar quando estivermos realmente querendo ou precisando
sua mente — fantasias e tudo mais — funciona. • saber, a não ser que a nossa intuição diga que ele está pronto para
Como eu disse antes, essas técnicas são, de certo modo, derivados confessar. Devemos perguntar quando estivermos com um interes-
naturais do amor. A questão é, será que o sentimento do amor pode se desapegado, vago ou meramente intelectual no assunto em geral
vencer, ou mesmo curar, o sentimento de vergonha? A resposta curta (por exemplo: "Sobre o que é que os homens fantasiam?"). Tam-
é sim: o amor do terapeuta, dos pais, do filho, do amigo, do amante bém, devemos perguntar demonstrando uma atitude de aceitação e
— todos são amores curativos. A resposta longa é que uma cura mais de disposição para ouvir qualquer resposta. E, desde que não fique
permanente necessita que esse amor seja internalizado, digerido e parecendo uma cobrança, devemos perguntar como forma de levar
então reorganizado numa nova estrutura de amor-próprio. o homem a superar seu constrangimento.
A segunda "técnica", rir, é ainda mais delicada. E se a pessoa não
tiver senso de humor? Eu acho que a maioria das pessoas foi natu-
O Tratamento Silencioso
ralmente brindada com essa qualidade. O problema é que as pes-
Nas situações do dia-a-dia, o homem com quem você namora 1 soas têm medo de rir em situações tensas. Em primeiro lugar, elas
ou tem um relacionamento pode ter ou não esse tipo de fantasia têm medo de dizer algo errado ou imaturo, o que, repito, não chega
sexual. É possível, aliás, que ele tenha algumas fantasias sexuais que a ser um problema no contexto da vergonha. Em segundo lugar,
não esteja lhe contando — por vergonha. Seja como for, as técnicas elas têm medo da situação do "rir de", a hostilidade ou a ofensa
que usei com o paciente da história dos seios fartos podem ser apli- implícita na brincadeira. Porém, se nos posicionarmos filosofica-
cadas em qualquer lugar, sempre. ,
mente como um pecador solidário, estaremos rindo da pessoa tanto
Em geral, fazer perguntas é uma ferramenta incrivelmente sim- quanto estaremos rindo de nós mesmos. E não é preciso estarmos
pies, fácil e eficiente — é também a melhor técnica de negociação e nos debatendo exatamente com o mesmo problema do outro para
venda porque ajuda a tomar conhecimento dos interesses e necessi- sentir a empatia do mútuo sentimento de ridículo.
dades de seu cliente. Fazer perguntas idiotas é um pouco mais difí- Rir com ou ao lado da pessoa envergonhada é ótimo porque
cil, já que nos expõe ao ridículo. A não ser pelo fato de que, no caso Admitimos que há, de fato, algo constrangedor ("Não acredito que
da vergonha — como vocês, sem dúvida, se lembram —, uma certa • você fez isso"), porém com um certo grau de distância emocional e
auto-exposição vulnerável é, na verdade, um fator positivo — e eu aceitação ("Podemos rir disso juntos"). Isso relativiza a sensação de
voltarei a falar disso em breve. vergonha e resgata a pessoa da rejeição e da autocomiseração.
Mas o que torna as perguntas sobre a vergonha especialmente Pensar, a terceira "técnica", é também uma forma de deslocar as
difíceis é o fato de fazer voltar toda a atenção diretamente para a perspectivas. Ao pensar sobre algo, ou analisá-lo, seja o que for, nós
experiência vergonhosa, podendo fazer a pessoa sentir-se ainda pior, pomos em dúvida se o que estamos vendo é o que temos de fato
"Não quero falar sobre isso, OK? Quantas vezes vou ter de dizer diante de nossos olhos. Dessa forma, pomos em jogo não apenas o
isso?" é o que se pode obter como resposta ao interrogar um parcei- objeto de nosso estudo, mas também nossa própria percepção desse
ro que se sente envergonhado. Então, o segredo para uma boa apli- objeto. Não só deixamos de avaliar algo pela sua aparência como
cação das perguntas com um homem é, paradoxalmente, não também aprimoramos nossa forma de apreciá-lo e, conseqüente-
importar com as respostas. Devemos fazer as perguntas porqu( mente, aprimoramos todo nosso sistema de apreender as coisas em
ALON GRATCH 4" 69
68 4- Se os Homens Falassem...

agora está consciente. Seu próximo passo seria ou procurar ga-


geral. Pensar é, dessa forma, uma atividade intrinsecamente subver-
nhar mais dinheiro — em vez de procurar se meter no programa
siva, motivo pelo qual os regimes totalitários a reprimem. Pensar
de exercícios de sua esposa —, ou aceitar a si mesmo e a sua espo-
também leva à compreensão — de um outro ponto de vista —,
motivo pelo qual as sociedades em guerra procuram coibir a sa como são.
Em suma, o princípio é devolver a bola para o campo dele e
introspecção intelectual: se você compreender o inimigo, poderá
deixá-lo cozinhar no próprio molho. Essa técnica, de maneiras mais
não estar mais disposto a matá-lo. sutis, também pode se aplicar a situações de namoro. Se após alguns
Para que isso não fique demasiadamente filosófico, vejamos como
encontros que parecem ter ido muito bem o homem a surpreender
pensar se entrelaça com a vergonha no dia-a-dia. Seu namorado lhe
com "Não sei se somos compatíveis", sua melhor resposta poderia
diz que o melhor amigo dele está traindo a namorada. Sua reação:
ser: "Não devemos ser mesmo compatíveis, pois eu estava pensan-
"Que imbecil, não acredito que você ande com alguém assim!" Não
do nesse exato momento se éramos." Para decodificar esse inter-
há nada de errado com essa reação, a não ser pelo fato de que o
câmbio: ele está dizendo "Você não é boa o suficiente para mim", e
recado que você deu para o seu namorado ser não apenas que você
você reage mantendo-se fiel a sua própria opinião, a qual, parado-
não admite desvios, mas também que você não aceita nenhum des-
vio por associação. Também não há nada de errado com isso, desde xalmente, leva a conclusão dele ao extremo lógico. Na verdade,
que você não espere que o seu namorado abra para você os desvios você está dizendo: "Parece que você está com um problema, não é
emocionais dele — os sentimentos dele. Se você tiver semelhante mesmo?", o que o deixa na situação de ter de ponderar quem não é
bom o suficiente para quem.
expectativa, a reação mais "intelectual": "Ele é um tremendo imbe-
cil, mas tenho certeza de que há dois lados nessa história" seria mais Até aqui., parece que lidar com a vergonha dos homens é um
bocado trabalhoso. Mas há uma outra técnica que eu gostaria de
positiva. apresentar. Ela não exige nenhum trabalho, mas é a mais difícil de
Essas três técnicas funcionam especialmente bem quando a ver-
se aprender. É o silêncio. Às vezes, quando um homem tem a cora-
gonha é sentida conscientemente. Mas elas não atacam a vergonha
gem de trazer à tona algo de que ele se envergonha, é melhor não
inconsciente, ou que é negada, a qual precisa tornar-se consciente
dizer absolutamente nada. Por exemplo, se o seu namorado lhe diz
antes de ser aliviada. Mas, apesar de ser o papel do terapeuta tornar
que não consegue ser mais firme nem ser mais impositivo com o
o inconsciente consciente, acredito que isso também possa ser, e
chefe dele, brindá-lo com o silêncio — e um silêncio que ignora,
esteja sendo feito por outras pessoas não especializadas todos os
dias. Como no caso da briga conjugal em que o marido projeta a não aquele que realça — equivale a dizer: "Não fiquei impressiona-
da com a sua vergonha até agora. Que mais?" Em outras palavras,
vergonha inconsciente de seu desempenho medíocre no trabalho
se você não reagir, o recado é: "Grande coisa", o que pode fazer
criticando sua esposa por não fazer tantos exercícios quanto deve-
com que seu parceiro pense melhor sobre o assunto.
ria. Se ela se magoa, ou fica irritada, aceita a projeção e a vergonha
dele permanece inconsciente. Mas se ela não se deixar tocar por Entretanto, se você é geralmente uma pessoa critica, ou se o
esse tipo de crítica — o que pode acontecer se ela reagir com uma homem com quem você vive é do tipo desconfiado, essa pode não
piada, ou com um dar de ombros, ou afirmando: "Volte a falar ser a melhor técnica para você — o silêncio será interpretado como
comigo quando tiver algo agradável a dizer" —, ele será deixado à desaprovação. E se você também estiver cheia de vergonha, o silên-
própria sorte com sua vergonha. Ele agora terá de lidar com a sua cio será corretamente interpretado como medo de um constrangi-
mento mútuo.
insatisfação a respeito do defeito de sua esposa. E o único modo de
A técnica do tratamento silencioso também funciona com a ver-
fazer isso é dizer a si mesmo, "Bem, eu também não sou perfeito —
não ganho tanto dinheiro quanto deveria". Bingo, sua vergonha gonha inconsciente. Certo paciente, um analista de sistemas soltei-
70 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4- 71

ro, contou um sonho em que ele estava vendo imagens pornográfi- ina advertência: não seja tão aberto e liberal a ponto de seu cérebro
cas no seu terminal de computador no trabalho. "De repente, a abar pulando fora. Assim como a culpa, a vergonha pode ter um
porta se abriu e alguém entrou. Eu tentei 'mudar o canal', mas o Objetivo benéfico — às vezes, devemos nos envergonhar de nós mes-
botão estava quebrado. Irritei-me, peguei o monitor e joguei contra mos. Se o terapeuta, ou qualquer ouvinte de caráter íntimo, adotar a
a parede". Quando pedi que fizesse associações com o sonho, ele atitude de "vale tudo" ou "eu sou pervertido, você é pervertido, am-
falou de sua relação com as pessoas no trabalho, o fato de não po- bos somos pessoas saudáveis", estará privando o outro da oportuni-
der fechar a porta de sua sala, que o incomodava, e sua insatisfação , Lide de reconhecer e assumir a responsabilidade pela hostilidade que
com os computadores. Ele, então, interpretou o sonho em termos 1 ,, de existir de fato em seu desvio. Não é coincidência, portanto, que
de sua necessidade de privacidade e seu deslocamento no ambiente .1% diversas técnicas que eu mencionei sejam mais neutras do que sim-

de trabalho. páticas. Por exemplo, fazer perguntas é um convite para que o outro
Então, quando estávamos prestes a mudar de assunto, ele disse: se abra e não uma aprovação antecipada da resposta.
"Acho que isso não tem muito a ver com o sonho, mas vou dizer Acontece que os momentos em que "deveríamos" nos sentir en-
assim mesmo. Na noite anterior ao sonho eu aluguei um vídeo vergonhados não são necessariamente os mesmos em que o senso
pornô." Com outro paciente eu poderia ter reagido com espanto comum pede que nos sintamos envergonhados. Por exemplo, um
ou descrença, "Você acha que isso não tem muito a ver com o so- paciente começou a falar, bastante constrangido, sobre sua fantasia
nho?!" Mas, com ele, não esboçei qualquer reação. Ele então reite- sexual "favorita". Depois de lutar com uma boa dose de vergonha,
rou sua opinião, dizendo: "Sabe, eu não acho que me incomode o ele finalmente revelou que a fantasia tinha a ver com uma experiên-
fato de assistir a fitas pornográficas", e nós passamos a outro assun- cia sexual dos tempos de faculdade. Ele convidara uma menina para
to. O motivo do silêncio: quando um homem inteligente faz ques- o seu quarto no alojamento e, no decorrer da noite, a menina "im-
tão de não ver o óbvio, é menos provável que ele esteja mentindo e plorou" que ele fizesse sexo com ela. E, quanto mais ele hesitava,
mais provável que ele esteja em processo de negação. Sua vergonha mais ela implorava, o que era extremamente excitante para ele.
de assistir à pornografia era inconsciente. Teria sido fácil para mim, e imagino que para qualquer um, iden-
A vantagem do tratamento silencioso nesse caso tinha dois aspec- tificar-se com esse tipo de fantasia e considerar desnecessária a ver-
tos. Primeiro, sua confissão inconsciente, espontânea sobre assistir a gonha nesse caso. Porém, à medida que fui ouvindo o desenrolar da
pornografia (ele nunca tinha dito isso antes) não impressionou a pes- história do paciente (eis aqui outra boa aplicação do silêncio), os
soa que ele podia ver como o árbitro, o zelador crítico responsável motivos para a vergonha começaram gradativamente a vir à super-
por sua saúde mental. Mas, também, o silêncio manteve a bola no fície. Acabou ficando claro que o paciente se sentia envergonhado
campo dele: ele estava agora condenado a pensar sobre o eclipse da porque, no fundo, ele sabia que nessa fantasia a mulher era rejeita-
lógica em sua mente à luz do sonho — tudo isso sozinho. Às vezes, da e dominada.
essa é a melhor maneira de "levar" o inconsciente para o consciente O que o paciente não sabia naquele momento é que essa fantasia
— que ele venha à tona por sua própria conta, oriundo da neblina representava uma tentativa — sexualizada — de inverter o equilí-
ilógica da negação. Claro, é perfeitamente possível que eu estivesse brio da balança do poder próprio de sua relação com sua mãe du-
totalmente errado e que esse paciente estivesse apenas gozando de rante a infância. Foi preciso ele se conscientizar de sua raiva em
um pouco de diversão "adulta" sem qualquer vergonha disso. Essa relação à rejeição e à dominação de sua mãe para que a vergonha
seria uma outra boa razão para permanecer em silêncio. fosse resolvida.
Se até esse ponto eu pareço estar prescrevendo a aceitação e a Esse caso mostra que, no mundo do inconsciente, o simples e o
abertura como panacéias para a vergonha, está na hora de fazer banal podem, na verdade, ser mais perversos e, portanto, mais legi-
72 4- Se os Homens Falacçem

timamente vergonhosos do que o "bizarro". Ele também mostra


por que, nas palavras do psiquiatra Harry Stack Sullivan, "consolar
não funciona". Uma mente aberta e uma postura tolerante podem
ajudar os homens a superar uma vergonha — uma dificuldade de
comunicação, por exemplo. Mas isso não significa poupá-los com-
pletamente de experimentá-la, o que pode não ser um objetivo opor-
tuno. Mas se quisermos ajudar os homens ainda mais a resolver sua
Distância Emocional
vergonha, temos de ir mais fundo em seu psiquismo.
..não sei mais o que sinto

“1 " alvez as coisas estejam mudando", eu pensava enquanto o


terceiro "cliente" consecutivo do sexo masculino entrava
na sala. Ao contrário do que o tema desse livro possa levar a crer, eu
não costumo dividir o mundo em homens e mulheres. Acontece
que, subconscientemente, eu esperava que as mulheres, e não os
homens, viessem me procurar no luxuoso, porém vazio, escritório
num arranha-céu de 'Wall Street que eu estava ocupando naquele
dia sombrio.
Dois dias antes, eu tinha recebido um telefonema de um dos
sócios dessa firma de investimentos. Ele estava querendo saber se eu
podia ir até lá e ficar algumas horas na empresa para atender às
pessoas que quisessem conversar com alguém. Eles tinham acabado
de receber uma péssima notícia: um dos funcionários mais queridos
da firma, um veterano secretário-executivo, tinha morrido num aci-
dente de carro.
Quando cheguei na firma, um dos donos me pôs a par de tudo e
em seguida me moscou a sala dele. "Acho que seria melhor você
ficar aqui", ele sugeriu. "Avisei a todo mundo que você está presen-
te, e também avisei que preparamos isso". Ele apontou para uma
enorme quantidade de biscoitos e café sobre a enorme mesa de
mogno. "Achei que isso poderia incentivar as pessoas a darem uma
passadinha aqui", ele explicou. Eu não disse nada — sobre os bis-
74 4? Se os Homens Falassem... ALON GRATCH "*" 75

coitos — mas tinha lá minhas dúvidas. (Isso é uma coisa que se pode ■ Impouco dos seus sentimentos. Em vez disso, falaram de suas pró-
fazer com crianças, eu pensei, mas com adultos?) prias perdas, sua própria mortalidade e o sentido da vida — apenas
Acabou ficando claro que esse banqueiro de investimentos era idéias, e não sentimentos. Mesmo assim, eu fiquei estranhamente
um psicólogo melhor do que eu, ou talvez ele apenas conhecesse comovido. Como já havia feito isso muitas vezes, eu esperava um
melhor seus colegas. Para meu espanto, a primeira pessoa a passar desabafo de emoções, que é o que normalmente acontece com a
pela sala — uma hora depois que eu me sentei e no exato momento mulher que chora a perda de alguém. O interessante, porém, é que
em que começava a pensar em ir embora — foi um homem alto, de a reação mais racional dos homens me deixou muito emocionado,
óculos, vestindo um elegante terno italiano, que perguntou-me so- como se eu tivesse perdido alguém próximo. Em comparação com
bre... biscoitos. Quando eu o convidei para se sentar e conversar, isso, as emoções a que as mulheres davam livre curso em circunstân-
ele disse, "Não, eu só vim por causa dos biscoitos, mas acho que cias semelhantes tendiam a provocar em mim mais pensamentos e
vou tomar um café também. Conversar? O que é que tem pra con- idéias — como se os sentimentos delas precisassem ser estruturados
versar? A gente sempre morre no final, não é mesmo?" Então, ele se e contidos.
sentou e ficamos os quinze minutos seguintes conversando sobre a
vida e a morte. Ele havia perdido o pai quando tinha vinte e três
Os Terríveis Mortos
anos e a mãe fazia apenas dois anos.
O segundo homem que apareceu tinha perdido um irmão quando A idéia de que os homens reagem racionalmente à perda não é
ainda era bem jovem. Não veio por causa dos biscoitos, mas também nova. Tampouco é uma idéia desinteressante. Um dos personagens
não achava que havia muita coisa para conversar. Mesmo assim, fi- mais comoventes de Tolstói, o príncipe Andrew, em Guerra e Paz,
cou meia hora. Ao se levantar, me olhou de alto a baixo e disse: "Essa reage à morte de sua esposa ao dar à luz com o que podemos consi-
é a primeira vez... Enfim, eu nunca falei com um psicólogo antes". derar uma depressão racionalizada. Em sua complexa articulação
"Deve ter sido uma experiência bastante traumática", eu brinquei. de urna psicologia bastante simples, Tolstói descreve não um pro-
"Até que você não mete tanto medo", ele disse, rindo, e foi embora. cesso de luto consciente, em que a pessoa sente perda, tristeza ou
O terceiro homem também foi lá apenas por causa dos biscoitos. raiva, mas uma mudança na personalidade do príncipe Andrew. De
Disse sem rodeios que era "um daqueles caras que internaliza as um homem heróico e idealista, transforma-se num cético egoísta.
coisas e lida com elas sozinho". Com esse, a conversa acabou se Ele expõe com lógica e ponderação a visão de que a educação e a
encaminhando para a batalha que ele e a esposa vinham travando medicina são más para os pobres. A medicina é geralmente má, ele
nos últimos cinco anos contra a infertilidade. Ele foi factual e racio- explica — ela na verdade não cura ninguém, apenas mata, ou, na
nal a respeito, mas a nossa conversa manteve-se estranhamente pró- melhor das hipóteses, prolonga o sofrimento de todo mundo.
xima do que havia me levado até aquele escritório — apesar da vista Quando fala dessas idéias com seu amigo Pierre, não há menção
panorâmica do porto de Nova York e dos biscoitos, que não combi- à óbvia conexão com a perda que sofreu. E, estranhamente, à medi-
navam com esse assunto: a perda da vida. da que defende sua posição, vai ficando mais exaltado e motivado.
Não conheço as estatísticas, mas, analisando informalmente, pa- "Seu olhar se torna ,mais animado à medida que suas conclusões
rece que cada vez mais homens estão dispostos a se abrir — essa é a evidenciam-se como um caso perdido", é o que lemos. Mesmo as-
novidade. O que não é novidade é que a forma como os homens sim, o leitor sente a pungência da perda implícita. O que também
falam não mudou muito. Esses três homens, os únicos funcionários acontece ao amigo do príncipe, Pierre, que reage da seguinte for-
da firma que pararam para falar a respeito do que estavam sentindo ma: "Oh, isso é terrível, terrível!... Não entendo como você suporta
com a perda repentina de um colega de trabalho, não falaram nem viver com semelhantes idéias".
76 .41. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH "*. 77

É exatamente por causa da ausência de emoções simples e dire- Abstração feita do Holocausto, de muitas maneiras esse filme
tas que acabamos nos preocupando com o homem racional e emo- fala do relacionamento pai-filho: os sentimentos permanecem táci-
cionalmente distante. Claro, não é verdade que o príncipe Andrew tos, senão negados, e são transformados em ações, fantasias, idéias.
realmente não sentia a perda — a verdade é praticamente o contrá- Mas o público, muito parecido com o leitor de Tolstói diante das
rio. Ele fica tão arrasado com ela que precisa montar uma poderosa obscuras racionalizações do príncipe Andrew, acaba inevitavelmen-
defesa contra seus sentimentos. Ele prefere mudar suas mais pro- te sentindo com grande pungência tudo o que esses homens se es-
fundas convicções sobre a vida do que permitir que sua dor emo- forçam tanto para não sentir. Talvez a forma oposta — "feminina"
cional tome conta dele. A esse respeito, uma vez que as mulheres — de arte nesse sentido seja a ópera ou o dramalhão de Hollywood
conseguem suportar maior carga de emoções dolorosas, elas são — que são tão emotivos que muitos homens reagem com franca
psicologicamente mais fortes do que os homens. Estes, temerosos irritação e distanciamento.
da dor psíquica, transformam seu sofrimento em filosofias e ativi- Mas, é claro, nem sempre sentimos emparia por homens "insen-
dades. Ou, às vezes, numa grande piada. síveis". Alguns homens esforçam-se de tal forma para expungir
No filme A Vida é Bela, o ator e diretor italiano Roberto Benigni emoções de seu acervo psicológico que nos levam ao aborrecimen-
fez isso ao tratar do emocionalmente intratável — o Holocausto — to e à irritação. Homens que sofreram graves perdas muito cedo na
com a psicologia e a arte do tragicômico. No filme, para proteger vida costumam ser especialmente suscetíveis a essa síndrome: suas
seu filho pequeno dos horrores do campo de concentração, o emoções morrem com (literal ou figuradamente) a morte de seu pai
chapliniano protagonista, um garçom ingênuo e engraçado, finge ou mãe, o que tem a dupla "vantagem" de permitir que eles não
que o campo, na verdade toda a guerra, é uma enorme brincadeira sintam a perda ao mesmo tempo que se mantêm fiéis a, ou próxi-
infantil de mocinho e bandido. Num dos momentos mais dramáti- mos do parente morto.
cos do filme, seu filho não agüenta mais. Ele prefere desistir do jogo Esses homens, de certo modo, passaram por um holocausto psi-
e voltar para casa. O pai, usando da "psicologia reversa", concorda. cológico. Emocionalmente falando, já passaram pelo pior. Portan-
Vai se encaminhando para a porta do alojamento, criticando o jogo to, não têm muito a perder e, segundo sua filosofia emocional, me-
e desdenhando do prêmio que receberiam se "ganhassem" (na ver- nos é mais. Eles questionam tudo e riem de tudo. Para eles, não há
dade, sobrevivessem). É uma aposta considerável: não só ele pode figura inatacável. Na psicoterapia, como no casamento, esses ho-
ser morto pelos guardas, mas, e se não der certo e a criança continu- mens costumam ser motivo de frustração porque seus sentimentos
ar querendo ir embora? Para nosso alívio, é claro, dá certo, e eles são inacessíveis — e não é possível tirar leite de pedra. Mas eles
ficam (vivos). também podem ser incrivelmente comoventes porque são tão de-
Pode ser que apenas um gênio consiga levar um filme desse senvolvidos intelectualmente que sabem que sofrem por sua incapa-
tipo a bom termo. Mas eu também acho que, para início de con- cidade de sentir.
versa, provavelmente apenas um homem pensaria num estratage- Ao falar desses homens, eu não quero dizer que se trata de uma
ma desses. Além disso, é difícil imaginar uma mulher agindo de reação uniforme à morte do pai ou da mãe em tenra idade — mui-
uma forma tão "desinteressada" — Benigni é também o ator dessa tas variáveis estão envolvidas na formação de qualquer reação hu-
cena. É interessante que o pai acabe salvando o filho, mas não a si mana. Tampouco penso que a morte de um pai ou de uma mãe seja
mesmo. A mãe, por sua vez — que age movida por pura emoção, a única forma de perda prematura ou trauma capaz de acionar se-
decidindo-se a ir com os dois no trem para o campo de concentra- melhante "defesa da personalidade". O paciente de que falarei a
ção — sobrevive. seguir mostra isso.
78 olie- Se os Homens Falassem... ALON GFtATCH 47P• 79

O Homem que se Recusava a Sentir-se Molestado ciência, eu pensei, investe o tempo, o dinheiro e o compromisso
Esse paciente se destaca para mim, entre outros motivos, pela emocional necessários para fazer psicoterapia meramente por curio-
forma como chegou à terapia. O motivo que o levou a procurar a sidade intelectual.
terapia pareceu a mim estranhamente saudável — mas, afinal, o que Também achei interessante o gosto do paciente pelo absurdo —
é que eu sei, sou apenas um psicólogo. Na primeira sessão, o pa- a entonação brincalhona traía um toque de ironia em relação a sua
ciente, um banqueiro de investimentos britânico com um confesso própria apresentação. E, finalmente, senti-me frustrado e irritado
interesse por filosofia, explicou que tinha me procurado pela curio- porque ele parecia estar rindo de toda aquela situação, eu incluído.
sidade a respeito da psicanálise. "Sabe", ele disse, "minha paixão, se Enfim, não é impressionante quantos sentimentos um homem "sem
é que tenho alguma, é a filosofia. Quando eu estava na universidade sentimentos" é capaz de provocar em seu interlocutor?
— ou faculdade, como dizem aqui —, abracei o marxismo, sobretu- De certo modo, essa sessão foi bastante representativa de toda a
do sua teoria do determinismo cultural. Agora, ao aproximar-me da terapia de John. Em sua tentativa de permanecer sem emoções, ele
meia idade, está na hora de explorar a psicanálise. Mas sou bastante empregava uma grande variedade de técnicas criativas: desde per-
crítico em relação a ela, devo dizer, exatamente pelas mesmas ra- guntar por que eu perguntava por que até perguntar por que eu não
zões que me aproximaram do marxismo quando era jovem — não engraxava meu sapato; desde dizer que estava entediado na sessão
acredito no livre-arbítrio". até dizer que se sentia tão relaxado que estava caindo de sono; des-
Quando então perguntei ao paciente — vamos chamá-lo de John de sugerir que eu servisse café e rosquinhas na sala de espera até
— se não havia nada de preocupante ou doloroso em sua vida que perguntar-se se eu não poderia ligar algum eletrodo na cabeça dele
pudesse levá-lo a buscar tratamento, ele sorriu e respondeu que não. para monitorar seus pensamentos e poupá-lo da necessidade de fa-
Mas então, acompanhado do que pareceu ser um considerável pra- lar, e assim por diante.
zer, ele acrescentou: "Naturalmente, você poderia dizer que incons- Quando dei a entender que essas idéias eram artifícios, concebi-
cientemente algo me incomoda. Minha refutação a isso é que não dos ora para divertir, ora para me pôr na berlinda — tudo com o
estou certo de admitir a existência do inconsciente. Mas talvez você propósito de evitar seus sentimentos —, ele alegou, com razão, que
possa me ensinar algo a esse respeito e nós possamos ter um interes- só estava fazendo o seu papel como paciente, dizendo o que estava
sante debate intelectual." pensando. E quando eu disse a ele que isso era uma forma muito
Quando, em resposta, perguntei ao paciente por que ele sim- inteligente de solapar a terapia ao mesmo tempo que parecia coo-
plesmente não lia alguns livros sobre psicanálise, ele inteligente- perar com ela, ele sorria vitorioso e dizia algo como: "Bem, lá vem
mente respondeu que estava "bem consciente de que a terapia psi- você novamente, Dr. Gratch. Essa é urna daquelas tautologias
canalítica não é meramente um processo racional e que as faculda- epistemológicas que vêm enfraquecendo a teoria psicanalítica des-
des emocionais exercem o seu papel, de tal forma que não é possí- de seu próprio advento. Tenho certeza de que você sabe mais sobre
vel apreciar a teoria sem experimentar por si mesmo o tratamento". isso do que eu e no entanto... "
Essa apresentação me deixou completamente confuso. No prin- Conforme eu disse ao paciente, nessas sessões eu não sabia se ria
cípio eu pensei, ah, ótimo, um paciente que está interessado na teo- ou se chorava. O problema era que John era tão bom em me pegar
ria e na prática da psicoterapia — temos muita coisa em comum. com suas iscas e quebra-cabeças intelectuais que, muito embora eu
Mas depois — apesar de ser terapeuta ainda não cheguei a ficar não fosse bobo, nem sempre era capaz de resistir. Então, de tempos
completamente desorientado, pelo menos não até agora — percebi em tempos, eu me permitia participar dessas batalhas filosóficas com
que havia algo de errado cm essa história. Ninguém em sã cons- ele. Mas, depois de um tempo, comecei a sentir que isso me enfra-
.
80 44e• Se os Homens Falassem... ALON GRATCH ••• 81

quecia emocionalmente e que estava traindo o verdadeiro progra- não choram). E, no caso de John, isso representava uma dupla difi-
ma terapêutico de John. culdade. Ele se sentia envergonhado de sua vergonha porque sabia,
Conforme acabou ficando claro, não havia nada de filosófico, e na verdade insistia, que não havia nada de que se envergonhar —
divertido ou mesmo complexo no programa terapêutico de John: o a despeito do fato de que todo mundo que passa por tal experiência
problema dele era ser incapaz de amar. Sim, ele era casado e, sim, vive atormentado pela vergonha. Estou falando aqui de abuso sexual
ele tinha dois filhos, e, sim, ele se preocupava com eles. Mas, no na infância.
íntimo, via sua esposa basicamente como um objeto sexual e seus Dos cinco aos onze anos, John foi periodicamente molestado
filhos como um dever. Jamais havia se apaixonado, tinha se casado pelo namorado de sua irmã mais velha (e futuro marido). Quando
cedo por causa de atração física e não sentia realmente saudades de finalmente me contou a respeito, mesmo após ter admitido um "sen-
sua esposa e filhos em suas freqüentes, muitas vezes longas, viagens timento irraci,onal de vergonha", John recusava-se a chamar isso de
de negócios. E, se acrescentássemos a isso tudo a formação cultural abuso. E quando eu cometia o erro de usar essa palavra, ele me
de John — o sujeito frio da classe média alta de um bairro burguês corrigia e repreendia. E isso não apenas porque John gostava de se
—, terminaríamos com o quadro de um homem emocionalmente considerar um pensador independente, mas também porque suas
distante — não obstante sua inteligência, sucesso e senso de humor. lembranças do "dito abuso" — finalmente concordamos em usar
Praticamente, todos somos capazes de imaginar a dor do amor essa expressão — não eram desagradáveis. Por um motivo: ele se
não correspondido: a falta, a rejeição e o ciúme, para citar alguns lembrava de "não menosprezar a atenção e talvez até de sentir-me
dos sentimentos que ele suscita. E é evidente que é muito mais dolo- especial ou poderoso — quase como se fosse eu quem tivesse algo
roso ser o rejeitado do que aquele que rejeita. Mas, em determina- que ele realmente quisesse e que eu era capaz de oferecer ou negar."
do sentido, o contrário é verdadeiro. Porque, de certa forma, rejei- Ao falar disso comigo, John não estava interessado nos aspectos
tar alguém que nos ama suscita a questão da nossa própria capaci- jurídicos ou morais do "dito abuso", mas no psicológico: "Se eu
dade de amar. Perder um ente amado é triste e, dependendo das não abominava isso, se posso até ter gostado, por que deveria con-
circunstâncias, pode ser devastador. Mas perder a capacidade de siderar abuso?", ele perguntava.
amar é estar destinado à desolação emocional bem como a perder a Por mais absurdo que isso possa parecer, a pergunta de John está
esperança de que alguém um dia nos ame. Desse ponto de vista muitas vezes no cerne daquilo que faz do abuso sexual algo tão
privilegiado, as mulheres que "amam demais" são mais tocantes, terrível, e tão terrivelmente perturbador para a criança. Apesar de
enquanto os homens que amam muito pouco são mais trágicos. às vezes, como no caso do estupro e de outros abusos violentos, a
Era assim que eu via John. Enquanto ele se via como um sujeito experiência da criança ser de puro terror, na maioria dos casos o
simpático, ainda que distante, eu sentia a silenciosa angústia que quadro emocional é mais complexo. A criança pode ser muito ape-
estava logo abaixo da superfície. Mas de onde vinha toda essa an- gada ao adulto autor do abuso e pode obter prazer — senão sexual,
gústia? Por que John precisava transformar a esperança do amor emocional — de algum aspecto dessa relação. Quando isso aconte-
numa neutralidade emocional estéril? Não havia morte ou qual- ce, a criança invariavelmente diz para si mesma: "Não é tão ruim
quer outra perda evidente em sua tenra infância. Havia, porém, assim", ou "Pelo menos estou tirando alguma coisa disso", ou "Tal-
uma perda de confiança, não apenas nas pessoas, mas também nas vez eu tenha imaginado tudo isso".
próprias regras do mundo concreto. Com essas idéias, a criança intuitivamente procura proteger o
A propósito, como eu espero que vocês tenham notado melhor adulto para preservar a possibilidade de amor e coerência em seu
a essa altura, antes que eu e John discutíssemos essa experiência da mundo. Mas, por mais que ela tente, não consegue elidir o fato de
infância, tivemos de atravessar o Rubicão da Vergonha (meninos que tudo isso está errado; que está sendo usada e manipulada, que
82 • Se as Homem Falassem... ALON GRA-rai -1.- 83

está sendo levada a sentir-se envergonhada e culpada, que o relacio- vações concernentes ao dito abuso com um de seus colegas ingle-
namento secreto a está afastando de sua família e amigos, que ele a ses", ele disse quando se despediu de mim na última sessão.
faz questionar sua masculinidade e sexualidade, e que ela, a criança,
está ficando medrosa ou perturbada. E, mesmo quando esse conhe-
O Cirurgião como uma Metáfora
cimento é reprimido ou expulso da consciência ("dissociado"), o
que tantas vezes acontece, a criança já não é mais capaz de confiar Todo o resto sendo igual, ao escolher um cirurgião você optaria
no amor ou nas regras do mundo concreto. Ela adota uma postura por uma pessoa solidária, gentil e empática ou por um técnico des-
cética e glacial, e rejeita quaisquer apegos emocionais. provido de emoções, parecido com uma máquina? Espero que nin-
Muito mais pode ser e tem sido dito sobre as conseqüências se- guém tenha de fazer essa escolha, mas, pessoalmente, embora eu
xuais do abuso sexual. Mas com relação à Distância Emocional (não provavelmente me sentisse atraído pelo primeiro, acho que acaba-
sei o que eu sinto), o caso de John demonstra não apenas a defesa ria escolhendo o último. O motivo, quer me parecer, é óbvio: eu
no não sentir, mas também o poder paradoxal das emoções sobre o prefiro entrar na faca com uma pessoa capaz de cuidar do meu cor-
intelecto. A tentativa de John de recorrer a seu intelecto para evitar po como um objeto de estudo científico do que com uma cujos
os sentimentos havia saído pela culatra, uma vez que os próprios sentimentos não estejam voltados para os problemas do sofrimento
sentimentos que ele estava tentando reprimir vinham à tona e assu- e da dor.
miam o controle de seu intelecto. Por exemplo, suas primeiras Apesar de não acreditar que algumas profissões e ocupações se-
interações comigo, à luz do que agora sabemos sobre seu passado. jam intrinsecamente mais masculinas ou femininas do que outras,
Ele me diz que está interessado em psicanálise — isso faria com que simbolicamente — pelo menos em termos de distância emocional
—, o estereotípico cirurgião do sexo masculino com sua famosa
eu gostasse dele e faria com que ele se sentisse especial. Ele me desa-
personalidade defensiva vale por um manual de autogerenciarnento
fia para um duelo intelectual na minha área de atuação — isso me
emocional masculino. O cirurgião — como uma metáfora — é al-
faria procurar dominá-lo. Mas ele também me informa que sabe
guém motivado pelo desejo de salvar, tratar e curar. Nesse sentido,
que a psicoterapia não se resume a um processo intelectual — o que
ele é corno qualquer médico metafórico. Mas sua arte específica
me lembraria, para início de conversa, que eu estou errado em en- exige o tipo de intervenção altamente especializada que funciona
volver-me intelectualmente com ele. bem melhor se as fortes emoções estiverem contidas. O problema é
O leitor ou leitora não percebe aqui que o que parece ser uma que não é realmente possível não sentir nada na hora de abrir caixas
seqüência intelectual autonônoma é na verdade ditada por uma di- torácicas, devassar cérebros ou ter a vida de alguém nas mãos. A
nâmica emocional de sedução, dominação e inversão de poder? Não não ser, é claro, que não se possua qualquer vestígio de sentimento,
que John, a criança, tivesse seduzido seu molestador (apesar disso o que constitui, com efeito, a solução prototípica do cirurgião para
não ser tão sem pé nem cabeça como parece). Mas ele realmente me esse dilema.
"seduziu", fazendo nossa relação seguir uma trajetória que recons- Nesse sentido, o afastamento que o cirurgião do sexo masculino
tituía sua experiência emocional com o molestador. E como era de consegue dos seus sentimentos não difere em nada desse mesmo
se esperar, à medida que nosso relacionamento progredia, John tipo de dissociação no caso de meu paciente, John. Talvez menos
revisitava grande parte do cenário emocional de sua antiga expe- dado a filosofices do que o John — afinal, é preciso tratar de conse-
riência. Infelizmente, antes que ele chegasse à importantíssima pro- guir uma cura—, o cirurgião absorve e digere secamente os fatos, as
fundidade da explosão de raiva, o banco apresentou-lhe urna informações, as estatísticas, as técnicas e os procedimentos. E a exis-
oportunidade irrecusável em Londres. "Talvez eu discuta suas obser- tência de emoções só pode ser inferida indiretamente, como quan-
84 -43- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 85

do analisamos seus modos bruscos conosco ou o humor negro com mas, misturando-se uniformemente numa monotonia de cor, ritmo
seus colegas. e discurso, pontuando aqui e ali mulheres e, num dia de sorte, al-
Mas essa atitude mecânica diante dos sentimentos e das informa- guns outros não-conformistas visuais.
ções é não só evidente nos homens, como também a principal causa O psicanalista britânico Cluistopher Bollas cunhou o termo "per-
de muitos mal-entendidos e brigas entre homens e mulheres. Em sonalidade normótica" (contraposição feita a neurótica) para se re-
Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus, John Gray mostra que, ferir à personalidade dos indivíduos que têm uma tendência anô-
em se tratando de emoções, homens e mulheres falam duas línguas mala a ser normais. Essas pessoas, diz Bollas, vivem para satisfazer
diferentes. Segundo ele, as mulheres usam palavras para expressar os padrões objetivos, materiais, definidos pela sociedade — por
sentimentos, enquanto os homens as usam para transmitir informa- exemplo, a acumulação de "coisas" tais como conhecimento, di-
ção. Apesar de nem Gray (segundo suponho) nem eu pensarmos que nheiro, amigos, esposa, filhos, carros —, sem na verdade experi-
essa diferença seja sempre verdadeira ou desprovida de gradações de mentar os sentimentos, pensamentos e conflitos subjetivos que dão
cinza, ela, não obstante, parece estar no cerne de muitos problemas sentido pessoal a essas conquistas e relações.
de comunicação nos relacionamentos. John Gray relaciona inúmeros Bollas não fala especificamente dos homens e, sem dúvida, as
exemplos de como os homens interpretam mal determinadas queixas mulheres também podem sofrer da "doença normótica". Mas, para
comuns que as mulheres fazem. Por exemplo, quando uma mulher os homens, o maior sintoma dessa doença é o achatamento das
diz, "Ninguém mais me escuta", o homem provavelmente responde- emoções. Segundo o estereótipo, quando a mulher pergunta: "Você
rá: "Mas eu a estou escutando nesse exato momento." Como Gray me ama?", o homem responde: "Estou aqui, não estou?" Um pa-
explica, nesse tipo de intercâmbio o homem traduz as palavras da ciente do sexo masculino — não achando graça nenhuma — me
mulher de maneira demasiado literal, como se elas pretendessem trans- contou que, exatamente quando seu melhor amigo dizia para ele
mitir informações e fatos, em vez de sentimentos. que sua esposa era muito carente emocionalmente, sua própria na-
Um dos meus exemplos favoritos é de ordem pessoal. Levei anos morada ligou para o celular para dizer oi e para perguntar se ele a
para compreender o que minha esposa queria realmente dizer quan- amava. "Ela me deixa sem saber o que fazer", ele explicou.
do falava: "Você quer levar o lixo para fora?" Eu entendia literal- Para alguns homens, esse tipo de dificuldade é apenas uma ques-
mente como se ela estivesse me perguntando se eu queria fazer isso, tão de Vergonha — meninos não dizem essas coisas, principalmente
ao que eu instintivamente respondia: "Não!" — por que eu iria quando pressionados. Mas para outros a questão está mais para o
querer isso? Com o tempo, compreendi que com formular seu pedi- estoicismo, a neutralidade ou o tédio. Para muitos, essa insen-
do (ou ordem) na forma de uma pergunta ela não estava fazendo sibilização do subjetivo é uma forma sutil de depressão caracteriza-
uma pergunta de fato, literalmente, mas estava expressando seu res- da pela convicção crônica, ainda que não articulada, de que a vida é
peito por minha autonomia emocional. um fardo. É o estado de espírito que leva a dormir diante da televi-
Até certo ponto, o literalismo dos homens os protege da como- são ou, de resto, diante do volante. Pode durar anos e é muitas
ção eMocional associada à crise e ao trauma. Ao mesmo tempo, vezes o caminho trilhado até a chamada crise da meia-idade. Desse
porém, ele lhe priva de parte de sua capacidade de sentir alegria. É ponto de vista, o fato de ,o homem de meia-idade apaixonar-se por
como se essa distância emocional achatasse sua psicologia até uma uma jovem (ou por um carro esporte) pode ser visto como uma
condição bidimensional. Diariamente sou lembrado dessa evidente malfadada tentativa de fazer o eu rejuvenescer depois de seu longo
superficialidade quando saio do meu consultório e vou para casa de e sonolento desengajamento.
trem em Nova York. Centenas de homens em ternos escuros ou Porém, mesmo quando não se pode falar de depressão, o
cinzas, maletas e jornais em punho, afluem lentamente às platafor- distanciamento emocional dos homens pode fazer com que eles,
86 -45. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 41). 87

assim como aqueles que o cercam, precisem de ajuda. As leis ele- atenção a sua dor. O marido emocionalmente distante que tenta se
mentares da física, tais como a da conservação da matéria, parecem sentir jovem novamente apaixonando-se fora do casamento conti-
aplicar-se aqui: as emoções não estão realmente ausentes — elas nua emocionalmente distante, mesmo em relação a seu novo objeto
não podem simplesmente dissipar-se ou desaparecer. Tampouco sua de amor — ele não consegue pressentir e sentir empatia pela dor
intensidade ou quantidade foi reduzida. O que acontece é que elas que ela deverá acabar sentindo. E o homem que não sente saudades
assumem uma outra forma — algumas vezes não intencionais, mui- de seus filhos ou de sua parceira quando está em viagem de negó-
tas vezes inesperadas. cios não irá sentir visceralmente o impacto que sua ausência provo-
Os homens são conhecidos por terem reações emocionais atra- ca neles.
sadas ou deslocadas. Por exemplo, depois que sua mulher deu à luz Essa falta de empatia — por si mesmo e pelos outros — pode ser
seu primeiro filho, um paciente começou a ter uma vontade per- um dos motivos pelos quais os homens parecem incapazes de dizer
turbadora de dar socos no estômago de mulheres grávidas. Tradu- as palavras "Me desculpe". E pode ser o motivo pelo qual quando
ção: o paciente tinha ficado irritado pelo afastamento e a preocupa- finalmente dizem essas palavras, fazem-no sem convicção, como a
ção de sua esposa durante a gravidez, mas, para poder cuidar dela mais nova gracinha que o velho cãozinho aprendeu. "Eu não quero
— coisa que fez diligentemente durante os nove meses —, ele in- que você peça desculpas", a esposa ou namorada poderia responder
conscientemente adiou sua raiva e deslocou-a para substitutos con- diante desse tipo de desculpa. "Eu quero que você compreenda."
venientes. Falta de empatia ou desprezo generalizado a dores emocionais
Desligar a emoção do medo e adotar a disposição de "luta" em também facilitam racionalizar e intelectualizar deslizes de conduta.
vez da reação de "fuga" de uma situação perigosa é o que caracteri- Se você cometer crimes do colarinho branco ou malversar verbas de
za os heróis do sexo masculino. Mas é também o caminho dos sol- campanha será possível construir a justificativa de que esses crimes
dados mortos, dos alpinistas mortos no Everest e, de forma menos não fazem vítimas e que você tem de fazer o que todo mundo faz
dramática, dos homens de negócio falidos. Estejamos voando num para sobreviver nesse mundo cão. Mas isso é mais uma racionaliza-
avião, montando um cavalo ou apostando na bolsa de valores, te- ção do que uma justificativa — uma forma de intelectualizar e se
mos de ter uma pequena, porém saudável dose de ansiedade que livrar do sentimento de culpa, o qual, tivesse você se permitido sen-
deverá ser utilizada como parâmetro para avaliar o nível de risco ti-lo, teria evitado todo o problema desde o início.
que estamos enfrentando. Se dirigimos a 130 km/h sem um pingo O mesmo se aplica aos delizes interpessoais de conduta. Muitos
de ansiedade — seja quanto à segurança ou quanto a levar uma homens racionalizam um caso extraconjugal convencendo a si mes-
multa —, por que então não dirigir ainda mais rápido? mos que não estão de fato traindo sua esposa. Não sentir a dor da
Interpessoalmente, a distância emocional deixa os homens em mulher facilita que eles falem para si mesmos frases tão diversificadas
situação difícil não apenas porque as pessoas que fazem parte da sua e criativas quanto "É apenas sexo — não é amor", "Nós só nos
vida vivem frustradas com sua ausência de sentimentos, mas tam- beijamos", "Nós não nos beijamos", "Não chegamos a transar", "Foi
bém porque se você adormecer seus próprios sentimentos não será só sexo oral", "Minha mulher não gosta de sexo" e "Foi o álcool
capaz de pressentir ou de sentir empatia pelos sentimentos das ou- que me levou a fazer isso".
tras pessoas. O homem que minimiza sua própria reação emocional De forma mais sutil, homens solteiros em busca de namoro mui-
a um resfriado ou uma gripe irá provavelmente ignorar a necessida- tas vezes gabam-se de estar sendo honestos ao dizer para uma possí-
de de amor e carinho de sua esposa ou filhos quando eles ficarem vel namorada que só estão interessados numa relação informal.
doentes. O pai que não se permite sentir medo ou tristeza é o mes- Apesar disso poder se constituir numa bela justificativa para livrá-
mo que grita com seu faio para ele parar de chorar, em vez de dar los das obrigações da moralidade consensual, também pode ser uma
88 ^(€ Se os Homens Falassem... ALON GRATCH .• 89

forma de racionalizar sua culpa por pretenderem usar sexualmente 11,1 aprender a ler ou não, ter amigos ou não, e ser independente ou
sua namorada. não (claro que ele se importava, mas não sentia muita coisa nesse
Quando adequadamente dosado, o distanciamento emocional sentido). Ele iria aproveitar a relação com sua filha, estaria sempre
dos homens é uma coisa positiva — motivo pelo qual ele existe, do lado dela e faria por ela tudo que fosse necessário sem se sentir
para início de conversa. Um dos exemplos mais notáveis que eu já vi íingustiado com isso. Ele era o pai perfeito para essa criança.
disso foi num paciente cuja filha mais nova, uma menina de quatro Como esse caso mostra, nossas fraquezas são também nossas
anos — a quem ele era incrivelmente devotado —, recebeu o diag- talezas — e vice-versa, coisa que é útil não esquecermos ao ava-
nóstico de uma séria disfunção de desenvolvimento. Esse homem, l' Imos a nós mesmos e aos outros. Numa avaliação de desempe-
que tinha sido adotado ainda bebê aos seis meses, era realmente um nho no emprego, por exemplo, uma pessoa pode ter alta pontuação
sujeito de poucas palavras — e emoções. Mesmo ao passar pelo eni "dedicação às tarefas" e baixa pontuação em "estabelecimento
altamente emotivo processo de localização de seus pais biológicos, de prioridades". O problema é que esses são dois aspectos da mes-
ele demonstrou poucas emoções. ma característica — a pessoa pode ser do tipo que se concentra nos
Essa procura, que foi tão dramática quanto qualquer história de pormenores em vez de no quadro geral. Talvez ela possa optar entre
ficção, revelou que sua mãe natural era da nobreza européia; que ver a floresta ou as árvores, mas será possível ser tão perfeita a pon-
seu pai natural era um príncipe asiático; que seu pai era casado com to de conseguir ver as duas coisas? Da mesma maneira, numa situa-
outra mulher e que tinha tido três filhos com sua mãe; que o pai ção de namoro podemos atribuir ao nosso parceiro pontuação ele-
pode ter estuprado sua mãe; que a mãe foi obrigada por sua família vada quanto à aparência e baixa quanto ao intelecto (ou vice-versa)
a abandonar a criança; que a mãe, por causa disso, ficou gravemen- — e, com isso, podemos não estar dispostos a aceitar o negativo que
te deprimida, em estado psicótico; que a mãe e o pai morreram acompanha o positivo. Mas podemos não ter escolha porque nosso
ainda jovens; e que o paciente tinha eminentes parentes consangüí- parceiro é provavelmente uma pessoa que tem se esforçado para
neos próximos. aprimorar a primeira qualidade em detrimento da última.
Ao longo dos altos e baixos de sua longa busca, esse paciente man- Do ponto de vista psicológico, esse "pacote de qualidades" é
teve uma curiosa, quase alegre, postura investigativa, procurando não sempre válido no que diz respeito às nossas defesas — elas são, a um
apenas suas origens, mas também suas emoções. Mas durante muito só tempo, nossas melhores aliadas e nossas piores inimigas. Ele é
tempo ele só foi capaz de experimentar seus sentimentos de modo válido até mesmo quando a defesa de alguém está desestruturada.
vicário, através de mim, de sua esposa e, talvez ainda mais intensa- Meu paciente, John, o homem que sofreu o "dito abuso", é um caso
mente, de outros adultos adotados num grupo de apoio. desse tipo, já que sua incapacidade de sentir era altamente desejável
Em algum momento durante esse processo, a filha do paciente em sua profissão. Como banqueiro de investimos internacional, ele
recebeu o diagnóstico de Transtorno Profundo do Desenvolvimen- tinha criado fama em Wall Street, como um avaliador espantosa-
to. Esse tipo de diagnóstico, que poderia significar grave deficiência mente agudo dos turbulentos mercados financeiros — graças, em
no desenvolvimento futuro da criança, faria muitos pais ficarem grande parte, à sua capacidade de pensar fria e claramente quando
extremamente preocupados e temerosos. E, por mais compreensí- sob estresse, e de geralmente manter-se acima do tumulto.
veis que possam ser, essas reações emocionais podem ser danosas ao
desenvolvimento da criança. Mas meu paciente não precisava se O Cordão Ambivalente
preocupar com isso. Seu temperamento era tão calmo que a má
notícia não interferiu em seu amor e dedicação à filha. De certo Com toda probabilidade, a distância emocional dos homens é
modo, ele não chegava realmente a se preocupar se a filha consegui- parte essencial de seu equipamento emocional — sua predisposição
90 "ilt• Se os Homens Falassem.. ALON GRATCH 9- 91

genética, evolucionária. Além disso, como explica a filósofa Myriam uma prévia, consideremos um ato falho desse mesmo paciente ao
Miedzian, os meninos foram tradicionalmente criados para torna- falar da época em que saiu de casa para ir para a faculdade: "Estava
rem-se soldados, ou seja, para matar, não para sentir empatia. Mes- na hora de cortar o cordão ambivalente — quer dizer, umbilical!"
mo assim, de uma perspectiva psicológica interna, a relutância dos Em algum momento durante meu primeiro ano na faculdade, tive
homens a sentir tem mais a ver com a capacidade para amar do que uma conversa com minha mãe sobre a teoria do desenvolvimento
para matar. Conforme discutido, entre outros, pela psicanalista Karen que fala de separação e individuação, que tem a ver com a forma pela
Horney, o que os homens mais temem é perder-se numa relação qual a criança abre um caminho de separação psíquica de sua mãe.
com uma mulher. Portanto, quanto mais sua parceira precisa dele, "Do ponto de vista da mãe", disse minha mãe, "a criança vem de
maior distância dela ele irá precisar.' dentro dela e será sempre uma parte dela." Nessa época, meu maior
Seguindo esse raciocínio, alguns homens não conseguem reagir desejo era negar essa afirmação caracterizando-a como uma recusa
emocionalmente a nenhuma mulher que os deseje. Quando procu- da mãe em aceitar a nova situação. Porém, agora que também tenho
rados, eles se tornam frios, endurecidos e ríspidos. Tolstói caracteri- filhos, compreendo o que ela quis dizer — e sequer sou a mãe. Não
zou o príncipe Andrew, um de seus mais queridos personagens do obstante, exatamente porque essa é a realidade emocional da mãe, a
sexo masculino, nesses termos, dizendo que ele tratava sua irmã criança precisa criar sua própria realidade emocional, à parte. Isso, é
com "extrema lógica, corno se estivesse castigando alguém pelas claro, vale para meninos e meninas, e, de certo modo, é mais fácil
secretas emoções absurdas que se debatiam dentro dele". É na ver- para o menino, uma vez que, pela natureza de seu gênero, ele já é
dade seu próprio sentimento de dependência em relação às mulhe- diferente de sua mãe de um modo bastante físico e elementar. Apesar
res que os homens lutam para negar não sentindo nada e procuran- disso, essa diferença também representa uma perda, uma espécie de
do afastar as mulheres. Um paciente tinha tanto medo de perder sua "inveja da vagina", e dá lugar ao desejo de retornar a um estado de
independência num relacionamento que, em sua cabeça, ele trans- fusão sem distinção. É aí que a distância emocional aparece, sendo
formava qualquer mulher interessada nele numa caricatura carente que sua missão é ejetar esse perigoso desejo da consciência para evitar
e patética. A certa altura, eu disse para ele: "Estou impressionado sua realização e preservar o processo de separação.
com as ginásticas mentais que você faz para evitar perder-se dentro Então, a esse respeito, os homens têm medo do amor dentro
de uma mulher." É interessante que a resposta dele ao meu comen- deles. Mas, para complicar ainda mais as coisas, eles também têm
tário — "Você não entendeu, eu estou na verdade tentando entrar medo de seu próprio ódio, que é outro importante elemento no
numa mulher" — aponta para um importante paradoxo que está no processo de desenvolvimento que leva à distância emocional. Inú-
cerne da distância emocional masculina: seu medo de perderem a si meros importantes psicanalistas britânicos foram capazes de remon-
mesmos numa mulher é, na verdade, um desejo. tar o desenvolvimento dessa defesa "esquizóide" — a separação entre
No caso desse paciente, em sua refutação à minha observação, emoções e intelecto — a uma época na infância em que, para não
ele conscientemente quis dizer que sabia que era exigente demais e sentir raiva ou ódio de uma mãe amada, mas também castradora —
que estava tentando encontrar uma maneira de amar uma dessas dualidade inerente a toda condição de maternidade —, o bebê divi-
mulheres. Entretanto, sua não tão consciente idéia de amor tradu- de sua imagem interça da mãe em "o seio bom" e "o seio ruim".
zia-se num impulsivo esquecimento dos desejos fundamentais de Existem algumas teorias bastante complicadas a respeito do que
distanciamento e egoísmo. Não admira que ele tivesse tanto medo acontece, mas o que interessa é que a criança em desenvolvimento
daquilo que queria. Como era de se esperar, as origens do desenvol- receia morder a mão que o alimenta.
vimento desse conflito estão nos primórdios do relacionamento dos E isso vale para homens e mulheres. Mas a distância emocional
meninos com suas mães. Falarei disso mais tarde no livro, mas, como dos homens lhes dá a ferramenta ou o meio para se distanciarem
92 .4e- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH ••• 93

dos sentimentos de raiva ou ódio. O preço por esse distanciamento, verdade é que os homens fazem esse tipo de coisa o tempo todo.
porém, é um recolhimento, um alheamento e um isolamento acom- Quando eles dizem para uma mulher: "Calma", ou "Você está exa-
panhados da sensação de ser uma pessoa fria, até mesmo ruim, uma gerando", ou "Vou pensar nisso", ou "Por que você está ficando tão
pessoa detestável demais para ser amada. Acontece inclusive de exaltada com isso?", eles estão na verdade tentando deixar de ser
muitos homens com dificuldade para assumir compromisso teme- participantes de um drama em andamento para transformar-se em
rem a intimidade por causa de sua própria raiva e destrutividade. historiadores distanciados.
Eles temem, e muitas vezes com razão, que, uma vez assumido o A tendência masculina a viver no mundo das idéias e a usar essas
compromisso com alguém, toda sua raiva — pelo fato de não se- idéias para racionalizar seus sentimentos pode ser ridicularizada por
rem, como de resto todas as pessoas, um doador emocional sufi- sua tola negação da realidade emocional. Mas também pode-se
ciente — destrua o amor que eles possam vir a sentir e provoque, comemorá-la por sua contribuição à atividade intelectual. Um paci-
além disso, retaliação. ente queria muito envolver-se num relacionamento, mas tinha tan-
É claro, esse recolhimento não é normalmente tão dramático e to medo de compromisso que, conforme colocou muito jocosamente,
completo. Ele muitas vezes se manifesta, por exemplo, numa postu- tinha medo de dizer oi para uma mulher no corredor porque, uma
ra mais observadora do que participativa em relação às outras pes- vez dito isso, teria de se casar com ela. Apesar de durante anos ter se
soas e a si mesmo. Nesse sentido, todo homem é um pouco observa- afastado das mulheres que estavam emocionalmente disponíveis para
dor, quem sabe um escritor — porém mais parecido com um jorna- um relacionamento, ele acabou conseguindo "envolver-se" matrei-
lista do que com um romancista. Permitam-me dar um exemplo. ramente num relacionamento. E fez isso dizendo a si mesmo e a sua
Um dos meus pacientes, que era de fato um jornalista, trouxe uma compreensiva parceira para "simplesmente não considerar o que
vez para a sessão a "documentação de uma crise" que ele tinha tes- fazemos juntos como um relacionamento". Isso se tornou uma brin-
temunhado na noite anterior. Tarde da noite, sua namorada havia cadeira duradoura entre os dois à medida que iam construindo um
voltado bêbada para o apartamento deles e, num acesso de raiva 'moroso "não-relacionamento" e caminhando rapidamente para o
sem motivo aparente, havia começado a espatifar pratos e copos no lioivado e o casamento.
chão da cozinha. Depois de tentar acalmá-la sem sucesso, o pacien- Essa forma de submeter a realidade emocional a idéias a respeito
te se distanciou e se sentou à escrivaninha para registrar tudo que da realidade emocional pode parecer tola ou imatura. Mas, às ve-
ela estava dizendo e fazendo, para poder "levar [para mim] para a zes, funciona. Eu usei essa técnica alguns anos atrás quando com-
análise no dia seguinte". Quando conversamos a respeito, ficou cla- prei um carro novo. Minha esposa queria comprar uma perua —
ro que o verdadeiro motivo que levou o paciente a se tornar um por todas as razões práticas que levam os casais que têm filhos a
documentarista — um observador em vez de um participante — era comprá-las. Mas, para mim, uma perua, que simbolizava a vitória
o fato de que isso lhe permitia controlar sua própria raiva em rela- burguesa sobre a liberdade criativa, era a última opção da face da
ção ao acesso da namorada alcoolizada. terra. Então, mobilizando todo meu poder de fogo intelectual, con-
O mesmo paciente costumava isolar-se também de suas próprias venci a mim mesmo que uma minivan era menos burguesa que uma
crises, não só das de sua namorada. Por exemplo, quando ele me perua — "está mais para um utilitário-esportivo". Então, compra-
ligou certa vez para solicitar uma sessão extra, em vez de dizer: mos uma minivan e estou até hoje muito satisfeito com ela — não
"Preciso vê-lo" ou "Estou passando por um momento difícil", ele importa que pouco depois ela tivesse se transformado no novo sím-
disse: "Eu gostaria de fazer uma sessão extra essa semana para você bolo universal da vida burguesa. (Não é difícil imaginar que, agora
ter um 'instantâneo' de um importante momento psicológico." As que as peruas estão sumindo, eu silenciosamente imagine como se-
atitudes desse paciente podem parecer bastante inusitadas, mas a ria ter uma.)
94 .44- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH *** 95

Como esse exemplo demonstra, às vezes os homens não só im- Por exemplo, se você está percorrendo salas de bate-papo atrás
põem idéias em detrimento de emoções, como também impõem Ir grupos de discussão ou de amigos virtuais, é possível permanecer
uma realidade idealizada em detrimento da realidade propriamente inteiramente anônimo. Dessa forma, ficamos na posição incomum
dita. Apesar de num dos extremos dessa tendência existir a psicose, Ir dosar a proporção exata entre nosso comportamento observativo
não é preciso ser louco para ocasionalmente ou momentaneamente participativo. Podemos nos exercitar como o voyeur invisível pro-
deixar de ver a realidade. Um paciente me disse na primeira sessão irgido em seu espaço privado ou como o oposto disso — o
que havia me procurado por pressão de sua noiva. Mais tarde, ele sibicionista que arrisca tudo ao permitir que um estranho penetre
me disse que por causa dessa pressão vinha mentindo para ela nos em seu refúgio íntimo. Ou como qualquer das possibilidades exis-
seis meses anteriores, dizendo que já estava fazendo análise. E, para entes entre essas duas posições. Para tomar uma metáfora empres-
embasar essa mentira, ele tinha "inventado um compromisso de se- tada ao psicanalista Henry Guntrip, esse espaço interpessoal é como
gunda-feira à noite com o analista", o que tinha a vantagem adicio- que existe entre dois porcos-espinhos que se aproximam em busca
nal de ser uma boa desculpa para passar uma noite longe dela. Quan- le aquecimento. Se ficarem próximos demais um do outro, eles se
do perguntei por que ele tinha feito tudo isso, ele se confundiu e . machucam, mas se ficarem afastados demais, sentem frio. Dessa for-
disse: "Achei que fazer análise ajudaria...", como se tivesse realmen- na, eles têm de ficar se aproximando e se afastando, em busca de um
te feito análise. Esse homem, sem saber de fato por que tinha inven- lugar intermediário que não seja nem tão doloroso nem tão frio. 2
tado essa mentira, por um momento convenceu a si mesmo de que Feita essa apresentação, deve ter ficado claro que nenhum ho-
não estava mentindo. Como não era psicótico, imediatamente per- mem emocionalmente distante que faça jus a essa qualificação po-
cebeu isso e se corrigiu. Mas é fácil ver por que ele fugiu à realidade deria resistir à tentação de "surfar na Internet". E eu suspeito que
essa característica esquizóide do habitat da Internet seja um dos
por um segundo — afinal, acabou procurando de fato um analista e
motivos pelos quais ela é povoada mais por homens do que por
provavelmente pensara em fazer isso o tempo todo.
mulheres. Bem, e o que a Internet pode nos ensinar a respeito da
distância emocional de seus habitantes? Falando anedotísticamente,
Intimidade Virtual ti% pacientes do sexo masculino que atendo parecem usar a Internet
da mesma maneira que alguém poderia usar a terapia de grupo ou
Se uma das formas de estudar o distanciamento emocional é in- tuna prostituta — como um laboratório natural, uma arena emo-
vestigar as teorias do desenvolvimento psicológico, outra forma é eig malmente protegida onde é possível fazer experiências com com-
olhar na Internet. A rede mundial é não apenas um novo meio, mas portamentos novos, emocionalmente arriscados.
também um novo espaço interpessoal com sua peculiar psicologia Então, por exemplo, se um homem não está certo de sua orien-
própria. Ao combinar a característica da comunicação em tempo tação sexual, mas teme experimentar o sexo homossexual de fato,
real do telefone com a postura unilateral, reflexiva, própria de quem i.le pode tentar o virtual primeiro. Ou, se ele está frustrado com a
escreve uma carta, a Internet se transforma num espaço onde men- Imita de sexo no casamento, mas tem medo das doenças sexualmen-
tes desprovidas de corpos podem se encontrar. Trata-se de um espa- te transmissíveis, pode ter uma amante pela Internet — com a "van-
ço que não exige exposição física ou psicológica, não demanda coe- tagem" extra de poder afastar sua culpa mais facilmente via racio-
rência ou compromisso, apesar de oferecer a esperança de infinitas nal. Outros homens podem simplesmente achar mais fácil abrir-se e
possibilidades, sendo que apenas uma delas é a que corresponde à "conversar" sobre seus segredos e fantasias estando online.
realidade. Ela é um enorme parque de diversões emocional onde é E há aqueles que chegam perigosamente perto de só viver online.
possível brincar sem o riso das conseqüências. Uni homem procurou a terapia aos trinta anos depois desfazer um
96 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4
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casamento de sete anos. Era um sujeito magricela e desajeitado, com ele. Sendo assim, nos primeiros anos de relacionamento os dois es-
um rosto chupado, aparência de criança, cabelo encaracolado e tavam bastante apaixonados, mas talvez mais como irmão e irmã do
despenteado, e grossos óculos de aro negro. Mal vestido e todo que como amantes. Não obstante, quando ela disse que queria se
amarfanhado, trabalhava com informática, como vocês podem ter xparar, o paciente ficou chocado.
imaginado. Bastante cerebral, extremamente gentil e de um senso Sua única explicação foi que ela tinha se casado cedo demais e
de humor bastante árido, também tinha pendor para a matemática que precisava descobrir primeiro quem ela era. O paciente era inte-
e a música. Quando adolescente, fora um verdadeira mago dos com- ligente demais para aceitar esse tipo de explicação, mas tinha medo
putadores, mas em vez de se transformar num "hacker", transfor- de ter uma conversa séria com ela. Ele não queria ouvir que não era
mou-se num fiscal da Internet — ele entrava ilegalmente no sistema raente, magro demais e sem jeito, ou que não era suficientemente
de grandes empresas e telefonava no dia seguinte para ensiná-la a ivo sexualmente. E tinha medo da humilhação que sentiria caso
melhorar a segurança. E era tão bom nisso que já nos anos de calou- perguntasse e descobrisse que ela estava tendo um caso. Portanto,
ro na faculdade grandes grupos de tecnologia brigavam para ter de forma bastante característica, Don aceitou a situação, pegou seu
seus serviços. Mas nessa época, e ainda anos depois, ele estava mais computador e foi embora. Depois disso, mergulhou em sua pesqui-
interessado na pesquisa acadêmica do que nas coisas materiais. Sd e procurou esquecer seus problemas. Mas também esqueceu-se
Nas primeiras sessões comigo, o paciente preferiu falar sobre de comer e estava mostrando outros sinais de depressão. Com o
assuntos profissionais. Porém, dado o recente fim do casamento e o tempo, quando sua mãe comentou que ele estava ficando ainda mais
fato de sempre evitar nervosamente o tema, eu o incentivei a mudar magro do que já era, decidiu procurar ajuda.
de assunto. Então, finalmente ele me contou a história de seu ca- À medida que discutíamos tudo isso na terapia, cerca de um ano
samento. Acontece que o paciente e sua esposa nunca tinham tido depois da separação, Don ia ficando cada vez mais interessado em
muitas relações sexuais, e o pouco sexo que praticaram foi aca- descobrir por que sua mulher o havia deixado. Mas ele ainda não
nhado e incompleto. De sua parte, o paciente sentia-se desconfor- queria perguntar. Ligar para ela era humilhante demais e ele ainda
tável com seu corpo, assim como com o mundo em geral. E, em- tinha medo da conversa que teria com ela. Por outro lado, ele não
bora desejasse fazer mais sexo, era gentil demais para importunar ■le incomodaria em usar a Internet. Nos anos em que viveram jun-
sua esposa a esse respeito. Quanto a ela, era geralmente inibida tos, Don apresentara a esposa à World Wide Web, e ela se interessa-
em relação à própria sexualidade. Vinha de uma família católica à ra bastante por algumas "salas de bate-papo" ou grupos de discus-
moda antiga, rigorosa, de ascendência italiana. Tinha se casado ,.10. Agora, ele tinha decidido tirar vantagem desse fato.
com o paciente aos dezenove anos, sem ter tido nenhuma expe- Conhecendo o funcionamento e os procedimentos de segurança
riência sexual até então e sequer uma conversa a respeito de sexo do servidor de Internet da sua esposa, ele abriu uma conta com um
com ninguém. pseudónimo e entrou em diversas salas de bate-papo que ela deve-
Quando ela conheceu "Don", o paciente, apaixonou-se imedia- ria freqüentar. Ao fazer isso, Don tomou bastante cuidado para
tamente por ele — ou, pelo menos, pela idéia que ele representava "desenvolver uma personalidade", conforme ele mesmo colocara.
e por sua mente. Ela o via como alguém que iria tirá-la de seu aca- Segundo me contou orgulhosamente, tomou a precaução de utilizar
nhado mundinho e abrir seus horizontes para as emoções da uma sintaxe e um vocabulário marcadamente diferentes do seu e de
tecnologia, da arte e da ciência. Talvez fosse a maneira de afastar-se orneter determinados erros de ortografia que ele jamais cometeria.
de sua sufocante família. Quanto a Don, seu interesse por ela era para completar, também mudou de sexo. Portanto, ao entrar numa
mais passivo. Mas ele se encantou com sua ingenuidade e simplici- sala de bate-papo, ele se apresentava como Pamela Hoggan, uma
dade juvenil, e se deixoti cativar pela admiração que ela tinha por professora de literatura comparada, interessada em arte renascentista,
98 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH ••• 99

no grupo de Bloomsbury, e em Gertrude Stein. Esta última era uma sexual e gostaria de explorá-la, principalmente com alguém como
armadilha para sua esposa: apesar de saber muito pouco a respeito você. E podemos começar conhecendo-nos melhor aqui." Para o
de Gertrude Stein, sabia que sua mulher havia lido sua obra um ou espanto de Don, a esposa concordou e eles então começaram um
dois anos antes. relacionamento virtual, que durante vários dias progrediu de carí-
E deu certo. Encontrou sua esposa, ela respondeu a uma de suas cias e afagos até apaixonados atos sexuais completos, com orgas-
mensagens e eles começaram a ter uma "conversa" sobre Gertrude mos mútuos (e reais). Mas, uma semana depois, Pamela desapare-
Stein, literatura e a vida em Nova York. Vez por outra, "Pamela" ceu da Internet sem deixar sinal ou explicação.
abandonava a conversa para que Don pudesse ler mais sobre Ger- Conforme Don e eu discutimos na terapia, ao entrar disfarçado
trude Stein. Então, retornava e puxava conversa com outras pessoas Internet ele conseguiu encontrar a informação que queria (ou
na sala de bate-papo. Isso durou alguns dias, até o momento em que 1, por que sua esposa o deixara), evitando ao mesmo tempo a dor
— para aumentar sua credibilidade e também para brincar com o que sentiria se a tivesse questionado diretamente. Nesse sentido, ele
sistema — Don entrou com sua verdadeira identidade e, simulta- se protegeu das conseqüências emocionais de amar sua esposa: re-
neamente, como Pamela na sala de bate-papo. Trocou algumas pa- jeição, traição e ciúmes. Mas também se protegeu das conseqüên-
lavras civilizadas com sua esposa na pele de Don, em seguida voltou , Lis de odiá-la: na sedução virtual de sua esposa, ele a enganou e
a ser Pamela, retomando sua "voz" e continuando a conversa com a eve acesso a ela, e a deixou sem saber o que tinha acontecido, exa-
esposa, que não desconfiava de nada. ~ente o que ela tinha feito com ele. E, apesar de seus sentimentos
Depois de ficar pulando de um papel para outro, Don saiu e as k ■ Ilscientes durante toda sua intimidade virtual terem variado do
outras duas continuaram o bate-papo sozinhas. Esperando pacien- unpeto sexual à diversão sem maiores conseqüências, sem dúvida
temente por um momento estratégico, Pamela finalmente conse- le se vingou dela com uma avalanche de hostilidade — sem ter
guiu uma abertura para perguntar à esposa sobre "outros interesses isciência disso e sem medo de retaliação.
pessoais". A esposa disse que tinha se separado recentemente de seu
marido. Pamela, com o coração batendo forte, aproveitou a opor-
O Manual Passo-a-Passo sobre Como Tirar Leite de Pedra
tunidade e perguntou por quê. A esposa sugeriu que fossem para
uma "sala privativa" e foi o que fizeram. Lá, na privacidade da inti- Não existe manual porque não é possível fazer ninguém — mui-
midade virtual, Don ficou sabendo que no último ano de seu casa- ' o menos os homens — sentir qualquer coisa que ele não se permita
mento sua esposa tinha se apaixonado e tido um relacionamento ,emir. Não obstante, existem algumas coisas que se pode fazer que
com outra mulher! Conforme a esposa explicou, ela não tinha mui- mais ou menos facilitam as emoções. O primeiro princípio impor-
ta certeza a respeito de sua identidade sexual, mas sentia que tinha tante é dar o golpe enquanto o ferro está em brasa. Certo analista
de experimentar mais a fundo. Pamela foi inteiramente compreen- recomenda que, com certos tipos de pessoas altamente emotivas, o
siva. "O que aconteceu no relacionamento com essa mulher?", ele terapeuta deve golpear enquanto o ferro está frio, o que faz sentido
perguntou. "Não deu certo — nós éramos diferentes", respondeu a quando se quer que alguém nos ouça até o fim. Mas quando quere-
esposa. mos que alguém sinta, fazer com que ele nos ouça é menos impor-
Conforme Don me disse mais tarde, naquele momento ele sen- tante do que dispormo-nos a ouvi-lo. Com os homens, o que você
tiu um ímpeto de desejo e paixão sexual por sua esposa. Então, tem de fazer é escutar, e escutar com atenção, sobretudo na rara
procurou ajuda retornando ao papel de Pamela. "Por que não ex- asião em que eles estão verdadeiramente sentindo alguma coisa.
plorar isso mais comigo?" Pamela disse sedutoramente para sua es- Isso muitas vezes significa que você precisa escutar, incentivar e
posa. "Eu própria não tenho certeza quanto à minha orientação tcomparthar primeiro as emoções superficiais, mesmo que você es-
100 ole• Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 410' 101

teja buscando os sentimentos mais profundos. Com meu paciente vertida, do ripo "Vamos lá, deixa a raiva fluir, não vou morrer por
Don, descrito anteriormente, a hostilidade inconsciente que ele de- t a usa disso". A questão é diferente, é claro, quando essa raiva se
monstrou em sua intimidade virtual com sua esposa também estava torna violenta.
evidente em relação a mim em nossa primeira sessão. "Eu fiz uma Para muitas mulheres, conviver com os sentimentos positivos
pesquisa sobre você", ele rne informou, e me falou dos meus inte- dos homens é tão difícil quanto lidar com os sentimentos negativos.
resses de pesquisa, das minhas publicações, do meu endereço e do Pode ser fácil para uma mulher expressar seu amor e exigir que seu
melhor caminho que eu podia fazer de carro do consultório até em , arceiro expresse mais o dele. "Você nunca diz que me ama", "Você
casa. "A Internet é uma coisa extraordinária", ele disse, e eu concor- nunca me dá flores" e "Parece que você não liga mais para mim" são
dei veementemente. Mas nao revelei — não naquele momento — o kitteixas comuns das mulheres. Mas o que acontece quando os ho-
que estava sentindo por ter sido investigado. Tampouco interpretei mens expressam mais o seu amor? Muitas mulheres agarram-se à
para ele sua óbvia hostilidade controladora. Por quê? Porque, de oportunidade exagerando na retribuição e na manifestação de seu
seu ponto de vista consciente, investigar-me era uma grande e ino- amor a tal ponto que acabam sufocando e calando o homem nesse
cente brincadeira, de caráter quase colegial — não significava se- 1 , rocesso. Outras mulheres vêem essa atitude do homem como um
quer um cliente reclamando seus direitos. Portanto, era cedo de- ,1 nal de fraqueza e um motivo para se afastar.
mais para mexer no que ele estava sentindo. Clinicamente, "desferir o golpe quando o ferro está quente" pode
O mesmo valia para a raiva e o ódio que ele manifestou na vio- ser interpretado da seguinte forma: uma crise emocional, ou qual-
lação virtual de sua mulher. Apesar de saber que enganar sua mu- quer outra crise, constitui sempre uma oportunidade. E, entre ou-
lher numa relação virtual fora errado, ele não sentia raiva ou ódio tras coisas, constitui uma oportunidade porque o clínico é capaz de
conscientes dela. Ao analisar o caso, eu me concentrei primeiro nos potencializar a crise para facilitar a mudança. "As coisas não estão
sentimentos mais óbvios de %ergonha, humilhação e rejeição. E esti- çíando certo do jeito que estão caminhando", é o que a crise nos diz,
mulei a manifestação desses sentimentos conscientes sempre que "e estou aqui para garantir que você implemente as mudanças ne-
possível, escutando-os, fazendo perguntas para prolongar o assunto I eessárias." Para os homens, a crise muitas vezes indica que a defesa
e compreendendo-os. E deixei que sua vontade de invasão perma- lo distanciamento emocional está falhando — seja pelo motivo que
necesse latente — pelo menos naquele momento. I or, eles já não conseguem evitar fortes sentimentos. Portanto, nesse
Nesse caso, foi relativaniente fácil ouvir e estabelecer laços de ontexto, o trabalho do terapeuta não é fazer uns curativos no su-
empatia com os sentimentos mais superficiais, mas muita vezes não scito e fazê-lo voltar a seu antigo estado de alheamento, mas ajudá-
é tão fácil. Não obstante, se quisermos que um homem sinta, temos lo a suportar um leque maior de emoções. E isso é válido para quem
de aceitar o que recebemos temos de aceitar todos os sentimen- não é terapeuta também. Afinal, a vida é cheia de crises. E, apesar
tos, os negativos e os positivos. E isso porque aos sentimentos de podermos ficar temerosos diante de uma crise de nosso parceiro,
negativos seguem-se muita i vezes sentimentos positivos. E, mais ou até nos sentir inclinados a julgá-lo, temos de ser fortes e aprovei-
importante, a capacidade de sentir é indivisível, portanto somos tar a ocasião para reagir apoiando o caos emocional do presente e
obrigados a lidar com o bon e o mau. Porém, mesmo quando não não o frágil curativo do passado.
conseguimos ver nada de bem, se quisermos um homem emotivo, é Mas o que fazer se o ferro nunca ficar quente, se o distanciamento
essencial aceitar e suportar os sentimentos negativos. Quando um /I emocional do homem conseguir minar a própria intimidade e se
homem tem um acesso de raiva, sua parceira naturalmente procura não houver sequer uma crise para dar nova vida às coisas? E o que
fazê-lo passar. Porém, do ponto de vista da facilitação de emoções, fazer se, depois de aceitar e explorar os sentimentos superficiais,
é melhor para a parceira adotar a postura desinteressada, quase di- quisermos ir mais fundo? Aqui estão algumas técnicas que desen-
102 • Se os Homens Falassem.. ALON GRATCH 103

volvi com meus pacientes, todas baseadas no mesmo princípio: se ções agindo sobre o mundo exterior, em vez de senti-las interna-
não dá para vencer o inimigo, junte-se a ele. mente. Então, por exemplo, quando um dos meus pacientes foi de-
mitido, ele procurou me demitir. Conscientemente, isso foi motiva-
do por questões de ordem prática, financeira. Mas quando ele
Vencer pela Lógica
retornou três meses mais tarde, ainda desempregado, nós descobri-
Um paciente procurou a terapia por insistência de sua esposa mos que ele tinha ficado tão irritado por ter sido demitido que ti-
devido a inúmeros comportamentos irresponsáveis. Ele reconhecia nha de fazer alguma coisa a respeito. E o que ele fez foi chutar
que era impaciente, mas argumentava que a impaciência era inata e cachorro morto — fugindo do papel de alguém sem poder e bus-
que, portanto, ele não podia fazer nada para mudá-la. Por isso, esta- cando o papel de alguém poderoso mediante uma atitude vingativa
va impaciente com a própria idéia da terapia. Adotando uma postu- e despropositada.
ra fria, presa à lógica, eu disse: "Quem sabe, talvez a impaciência Por sua própria natureza, a psicoterapia não trabalha com atitu-
seja inata — a essa altura a pesquisa ainda não é conclusiva. Mas, des. Aliás, o repertório legítimo de um terapeuta inclui muito pou-
permita-me perguntar isso. Se você fosse um psicólogo experimen- co em termos de atitudes — estourar o tempo da sessão, usar uma
tal, daqueles que trabalham com cobaias de laboratório naqueles gravata diferente e falar demais, não passa muito disso. Mas o que
labirintos, e quisesse induzir um rato a um estado de impaciência, o podemos fazer para tocar os homens é simular uma atitude, ou,
que você faria?" pelo menos, usar a linguagem, ou a linguagem corporal da atitude.
O paciente gostou da questão científica. Ele pensou um pouco e Por exemplo, um homem de quarenta anos casado com uma mu-
me deu a idéia de "pôr comida diante do rato atrás de uma divisória
lher da mesma idade não conseguia decidir se deveria ou não ter um
de vidro, para dar água na boca sem entregá-la". Eu concordei que
filho. "Eu estou indeciso e nós realmente temos de analisar isso
isso poderia provocar impaciência e propus outra técnica possível:
para que eu tome uma decisão", ele disse. "Escuta", eu respondi —
dar comida ao rato toda vez que ele pressionasse uma alavanca —
com um tom de impaciência — "eu sou psicólogo e adoraria
para acostumá-lo mal. O paciente concordou que isso também po-
deria provocar impaciência. Eu então generalizei que, seja pela pri- isso pelos próximos sete anos, que é o tempo que isso deve levar.
vação, seja pelo excesso, pode-se provocar impaciência. Nesse mo- Mas não há tempo para análises. Você não tem mais tempo para
mento, o paciente, que era filho único e não tinha pai, deu um pulo isso. Está na hora de agir, de um jeito ou de outro". Isso o ajudou a
de espanto. "Foi exatamente isso que minha mãe fez — as duas sentir, de fato, o pânico em que se encontrava.
coisas. Primeiro ela me mimou o quanto pôde quando eu era bem Outro paciente também não conseguia tomar uma decisão; no
pequeno, mas depois, quando começou a trabalhar, ela me obrigou caso dele, uma mudança na carreira profissional. Era um diplomata
a fazer todo o trabalho de casa — limpar, cozinhar, tudo, todo san- mieco de carreira, servindo permanentemente rio consulado da Sué-
to dia — eu não tive infância daí para frente!" , ia em Nova York. Inicialmente, a idéia do serviço internacional
"Acho que daí para frente ficou parecido com a comida atrás do parecera emocionante, mas, depois de vários anos, ele começou a
vidro", eu disse, sem conseguir resistir. detestar as viagens, as pressões políticas, as horas que não passavam
e, finalmente, o próprio trabalho. Mas não tinha nenhuma outra
rea de especialização, seu inglês era limitado, com um sotaque for-
Vencer pela Ação ti,simo, e sua esposa e filhos eram americanos. Então, apesar de
Exatamente porque a sociedade ensina que eles devem "lutar Nova York não oferecer nenhuma alternativa óbvia, voltar para a
pelo pão de cada dia", os homens tendem a manifestar suas emo- ',kiécia também estava fora de cogitação.
104 .46. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 105

Mas, quanto mais infeliz e impotente ele se sentia, mais se agar- Um paciente era um completo mistério emocional. Em geral sim-
rava a essas circunstâncias externas claramente restritivas — como '.tico e extrovertido, ele nunca estava pronto a dizer nada pessoal
se pudesse mudá-las. Mas, conforme eu lhe disse, a única coisa que obre ele mesmo. Isso era obviamente um problema na terapia e
ele poderia mudar era sua vida interior, seus sentimentos a respeito muitas de nossas sessões eram pontuadas por longos períodos de
da situação. O problema era que isso não envolvia uma atitude e, .alêncio e vagas recordações de nada em especial.
portanto, o paciente não sabia como mudar a situação, e sequer Um dia, um paciente contou que tinha feito uma desagradável
desejava isso de fato. Ele preferia ser um prisioneiro da realidade corrida de táxi a caminho da análise. O motorista tinha começado a
externa a dar livre vazão a seu mundo interior. Até que apresentei a fazer um longo discurso contra os latino-americanos, os judeus e
ele o paradigma de Nelson Mandela, um prisioneiro que se tornou (nitros que não aceitava como passageiros. O paciente ficou pen-
presidente. A questão aqui não era oferecer uma esperança, mas Indo por que não saltou do táxi, ou por que não discutiu com o
falar da liberdade interna que Nelson Mandela deve ter conquista- motorista, mesmo com todo o desconforto com que teve de ouvir.
do para ressurgir da prisão vinte e oito anos depois sem amargura Ligeiramente entediado, eu estava me esforçando para dizer algu-
ou ódio, de tal forma que conseguiu transformar-se em líder em vez ma coisa a respeito desse assunto. Procurando relacioná-lo com
de vítima ou algoz. A questão era demonstrar para o paciente que a qualquer outra coisa, eu finalmente soltei: "Não sei por que, mas
liberdade interna é, na verdade, uma condição necessária para a li- isso me lembra aquela história com seu chefe no ano passado."
berdade externa. Mas esse exemplo só teve apelo para o paciente Conscientemente, eu não sabia por que me lembrara daquela histó-
porque sua conseqüência final envolvia uma mudança fundamental ria e só vim a saber quando o paciente fez sua própria associação
no mundo das atitudes. Não obstante, ainda consegui chamar aten- emocional: quando tinha cinco ou seis anos, o paciente surpreende-
ção para o fato de que, durante a prisão, Mandela não tinha como ra o pai e a filha adolescente do vizinho fazendo sexo. O paciente
imaginar que seus vinte e oito anos de inação no mundo externo guardara aquele segredo, acabando por esquecê-lo completamente,
culminariam em tão extraordinária reviravolta. jamais tendo falado a respeito com ninguém. E, ali no consultório,
ele prorrompeu em soluços com a súbita emergência do fato à cons-
Detetive no Escuro , iência. Quando discutimos o assunto, a ligação com a corrida de
táxi, assim como com outras situações — tais como não falar sério
A distância emocional dos homens muitas vezes os deixa no es- com seu melhor amigo sobre o abuso de bebidas alcoólicas —, ficou
curo não apenas em relação ao que eles sentem, mas também à sua mais evidente. O paciente passara a sempre ocultar as faltas alheias.
memória emocional. Ao contar uma passagem especialmente Naturalmente, os segredos emocionais dos homens não se limi-
comovente de sua infância (ou da semana anterior), eles podem tam ao passado ou a terceiros. Na verdade, eles têm muitas vezes a
ficar subitamente indiferentes no clímax, como se se tratasse apenas ver com você, no aqui e agora. Quando for assim, será melhor você
de um pontinho perdido no passado. Para ajudá-los — ou para ajudá- recorrer ao viés mais intelectual da técnica de Sherlock Holmes.
lo a aproximar-se dele — é preciso que você se torne uma detetive Aqui, seria bom você procurar por uma manifestação "ausente",
da mente, buscando a emoção que ficou perdida. Nessa busca, você simbólica, dos sentimentos dele em relação a você.
pode avançar cuidadosamente com deduções lógicas ou, melhor ain- A esposa de um paciente, ela própria uma paciente com bastante
da, fingindo-se de bobo, como o detetive Colombo. Na verdade, experiência, tinha dito a ele que quando eu estava de férias ele pare-
para evitar ser manipulador, é melhor apenas ser bobo e um belo cia sentir a minha falta e ficar irritado porque eu não estava à dispo-
dia dar de cara com a solução. Isso é difícil, mas, de vez em quando, sição para atendê-lo. Ao me dizer isso, o paciente sorriu e disse —
eu consigo bons resultados. sem um pingo de defesa — que não tinha sentido nada disso. Eu
106 4* Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 9.. 107

tam4m sorri comigo mesmo, ou não tanto comigo mesmo, rindo siasmado com os negócios, entusiasmado com a BMW nova que
da minha própria profissão. A verdade é que, quanto mais expe- estava planejando comprar e entusiasmado com a idéia de voltar a
riência eu acumulo como terapeuta, menos apresento esse tipo de namorar. E, melhor que tudo, tinha acabado de fazer uma reserva
interpretação para meus pacientes. Não porque ela não seja verda- para esquiar no Natal nas montanhas rochosas, no Canadá. Eu sa-
deira, mas porque, em determinado nível, ela é quase sempre ver- bia que ele e a esposa adoravam esquiar, mas, normalmente, iam
dadeira, o que a torna irritantemente banal — e inútil. O que mui- para Vermont ou para o Colorado, então, perguntei a ele por que
tas vezes é mais importante do que o fato de ele se sentir abandona- clessa vez escolhera o Canadá. Ele falou, sem qualquer emoção apa-
do pelo terapeuta é a forma como processa esse fato e como age em rente, que antes de se casarem, ele e a esposa tinham tido umas
função dele. lérias excelentes esquiando na mais alta e distante cidade canaden-
Para esse paciente, como para a maioria dos homens, tais emo- se, Kirnberley, e que tinham jurado voltar lá um dia.
ções estavam escondidas atrás de montanhas de simbolismo intelec- Então, perguntei onde ele iria ficar. Ele me olhou algo perplexo
tual. "Para mudar de assunto", prosseguiu o paciente enquanto eu e disse: "Num hotel, é claro". "Como é esse hotel?", perguntei, sem
procurava pistas de que ele estava fazendo qualquer coisa, menos saber exatamente por quê. "Eu reservei uma suíte enorme e maravi-
mudar de assunto, "eu sentei do lado de um psicólogo numa viagem lhosa para o caso de conhecer uma garota que talvez queira ir comi-
de trem para Columbia e tive três horas para fazer-lhe todas as per- go". E sorriu. "Que garota faria com que você gastasse tanto as-
guntas sobre a sua profissão, perguntas que não ficaria bem pergun- sim?", perguntei, lembrando que o Natal estava quase chegando e
tar para você". "O que você perguntou a ele?" Redobrei a atenção que não havia muito tempo para conhecer urna garota.
novamente. "Bem, muitas perguntas, como você pode imaginar. Por "Sabe o que é engraçado", ele respondeu distraidamente, como
exemplo, as fantasias sexuais dele não eram influenciadas pelas fan- se estivesse falando casualmente de um outro assunto, "outro dia
tasias de seus pacientes? Ou, quando é que ele vê os filhos, se traba- eu falei com a Linda [sua esposa] pelo telefone e disse a ela sobre
lha desde de manhã cedo até tarde da noite?" o que estava querendo fazer nas férias — achei que ela poderia
Eu voltei a sorrir e disse ao paciente que era evidente que ele não ti crer vir comigo. Ela sempre quis voltar lá, entende?" Depois de
tinha de fato mudado de assunto e que parecia que sua esposa esta- dizer isso, o paciente deixou a imaginação correr, fantasiando es-
va certa, no final das contas. "Elementar, meu caro Watson", Sherlock tar com Linda numa banheira de água quente depois de um longo
Holmes teria dito quando seu ajudante lhe pedisse uma explicação. Ia de esqui. "Ela se abriria para mim, como sempre fazia, toda
Na minha ausência, o paciente recorreu a um substituto externo •ibertinha, como ninguém jamais se abriu para mim. E eu a foderia
com quem podia ser íntimo (minhas fantasias lhe influenciam?), além lemoradamente até me sentir completamente vazio dentro dela,
de agressivamente detrator (você é um pai ausente!). )m o corpo todo tremendo de amor animal..." Isso pode parecer
Quando apresentei essa interpretação ao paciente, ele ficou in- iornográfico, mas não pareceu na hora, porque à medida que o
trigado — intelectualmente. Continuava não sentindo nada daqui- paciente criava sua fantasia, seu desejo se transformava em ânsia
lo, mas eu sabia que os sentimentos apareceriam com o tempo — profunda, e seu jeito feliz e displicente terminou em soluços
quando quisessem. Talvez nas minhas próximas férias. convulsivos.
Portanto, de uma forma nada atípica, os sentimentos desse ho-
mem referentes ao passado estavam concentrados num pequeno
O Diabo Está nos Detalhes
detalhe de um plano para o futuro — nesse caso, uma reserva de
Um paciente pareceu excessivamente feliz apenas três semanas hotel durante as férias. E, mais uma vez, de uma forma nada atípica,
depois do doloroso fim de um casamento de dez anos. Estava entu- ,) diabo estava também no... sexo.
108 Se os Homens Fakssem... ALON G RA.1 I - I (1'

Penalizar Tirando o Direito de Bater o Pênalti 'migo e confirmou o que este sentia a respeito de sua amizade. Aquela
Pessoalmente, detesto metáforas esportivas, mas, ao tratar de o paciente teve um sonho em que escalava um enorme edifí-
homens, não é possível livrar-se inteiramente delas. Essa técnica es- , to comercial por fora, dando uma parada em cada andar para con-
pecificamente, por mais óbvia que pareça, é na verdade um resumo versar com um sujeito diferente. Quanto mais alto subia, mais po-
de todas as anteriores. Como ajudar os homens a pedir ajuda quan- deroso era o homem que encontrava, mas todos eles, cada um a seu
do eles não acham que precisam dela? Jogando no time deles. Exem- leito, o ignorava ou desprezava. Na cobertura, porém, uma mulher
la e sensual o levou para um enorme salão onde havia uma cama
plo: um paciente deixou mensagem solicitando urna sessão extra
I, 1.1, abrindo os braços e as pernas e convidando-o para deitar-se
porque "minha esposa acha que estou desnorteado e preciso vê-lo".
-In ela.
Durante a sessão, ele insistiu que esse, na verdade, era o único mo-
Quando o paciente contou o sonho para mim no dia seguinte,
tivo que o havia levado a pedir outra sessão. "Se isso é verdade", eu
• ava claro que o "peso" emocional da história estava no final — o
disse, "então você está desnorteado. Mas, como pela minha opinião
Alivio e a satisfação de ter "ganhado" uma mulher. Isso também
profissional você está bastante saudável, deve haver um motivo
-1 respondia à preocupação consciente do paciente em relação a
melhor. Você sabe qual é?" "Acho que sei", ele aquiesceu, e nós
der sua noiva. Mas, uma vez que esse paciente adorava o aspecto
discutimos o assunto.
tonal da análise dos sonhos e por causa do meu próprio
O motivo de eu ter conseguido fazer, de forma direta e eficiente, 1.1liciamento emocional, tentei ir mais fundo concentrando-me
com que esse homem encarasse seus sentimentos, se deve ao fato no significado menos óbvio do sonho, aquele que tinha a ver com o
de, antes, eu ter me unido a ele em seu jogo mental — com o único desprezo recebido dos homens, ou seja, o amigo do sexo masculino
intuito de me retirar de campo em seguida trazendo o paciente co- . 1 11e o traiu e, por extrapolação, seu pai, que era um homem pode-
migo. Mas, nisso, há o perigo de jogar com a distância emocional — i uso porém emocionalmente distante.
pode ser que não consigamos sair de nossa própria armadilha. Apesar dessa análise estar tecnicamente correta, o paciente dis-
, ordou dela, dizendo que não estava magoado com seu amigo e que
Uma Advertência Quanto a Juntar-se ao Inimigo iião via a ligação com seu pai. O que ele não disse, e o que somente
mais tarde eu próprio percebi, foi o óbvio. Naquele momento, ele
Ao aplicar essas técnicas, é preciso não ir longe demais no tefri- 'Ao estava nem um pouco interessado na minha análise, indepen-
tório da distância emocional. Sejamos um terapeuta, uma namora- dentemente de sua correção. Naquele momento, ele estava lutando,
da, uma esposa ou um colega de trabalho, temos sempre de manter embora internamente, com a sensação de abandono e traição refe-
íntegra nossa capacidade de oferecer um modelo de comportamen- rente a sua noiva, e nada mais.
to emotivo. Caso contrário, você e seu parceiro acabarão perdidos Então, ao tentar acompanhar o paciente em sua tendência a ra-
no território da alienação e do desespero. ir matizar as coisas, minha análise errou completamente o barco
Um mês antes de seu casamento, um paciente recebeu um telefo- emocional e caiu num deserto psicológico. É interessante, e de for-
nema de um de seus melhores amigos dizendo que estava tendo um ma alguma uma coincidência, que eu tenha me transformado num
caso com sua noiva. O amigo se desfez em desculpas e afirmou que dos homens do sonho. Senti-me um idiota e muito mal quanto a
sua amizade era mais importante para ele do que qualquer mulher. isso, mas só então consegui ver o lado positivo — ou talvez tenha
O paciente, que estava muito apaixonado por sua noiva, ficou arra- sido apenas minha própria defesa racional. Consegui mostrar Ao
sado. Mais do que qualquer outra coisa, ele temeu ter perdido sua paciente como sim leitura racional da vida havia St minha
noiva para sempre. 'Mas aceitou generosamente as desculpas do própria distância emocional. Portanto, ele hav 1.1 11.10 Ar CO ■ 11%
110 .411- Se os Homens Falassem...

tituído o sonho no meu consultório, mas também o pai dele na minha


pessoa, o que era mais lenha para a fogueira.
Qual é a conclusão do distanciamento emocional? Conforme
espero ter demonstrado, assim como acontece com a vergonha, ele
não é o verdadeiro inimigo. Na verdade, se não for levado ao exa-
gero, pode ser uma defesa muito útil. Tampouco estamos verdadei- Insegurança Masculina
ramente numa guerra. Portanto, ao lidar com essas defesas na tera-
pia ou na vida diária, nossa estratégia não deve buscar destruí-las.
Em vez disso, deve fazê-las relaxar, usando de sutileza. Se conse- ..,estou cansado de ficar por cima
guirmos isso, o muro de pedra cederá à nossa passagem e os ho-
mens não só falarão, mas tornar-se-ão poetas.

Uma Influência Perigosa


"O primeiro mandamento para quem quer ser homem é: não
%el.' uma mulher." Isso, nas palavras do psiquiatra e escritor Robert
si( )11er, resume toda a identidade do sexo masculino. Em nossa socie-
(1.1de, diz Stoller, os homens sempre mantêm as mulheres a uma
certa distância: evitam ter amizade íntima com elas; temem cair em
itrmadilhas ou ser envolvidos por elas; criticam seu emocionalismo;
e são grosseiros quando falam de suas partes anatômicas. Além dis-
1 mo, os homens têm horror a mostrar seu lado feminino. Afabilidade,
iusência de pêlos, curvas, voz aguda, preocupação com o outro,
I eto e a expansão das emoções, todas essas coisas são consideradas
II mnigas da masculinidade. E, é claro, há o supremo medo de ser
.,exualmente desejado por outro homem. Tudo isso, segundo Stoller
– e eu concordo —, se soma a uma observação inevitável: os ho-
mens sentem que as mulheres e a própria feminilidade são uma in-
f Iliència perigosa.
Ao tentar lançar alguma luz sobre esse fenômeno, Stoller, no
que se fez acompanhar pelo antropólogo Gilbert Herdt, descobriu
e descreveu uma tribo longínqua da Nova Guiné cuja estrutura so-
dal baseia-se na idéia, pura, simples e consciente, segundo a qual as
mulheres são perigosas. Segundo Stoller, os homens da tribo sâmbia
cditain que o fluxo menstrual e os líquidos vaginais das mulheres
112 4- Se os Homens ALON GRATCH 4" 113

são contagiosos. Eles acreditam que, pela relação sexual, as mulhe- recebê-lo. É interessante que, aos dezoito anos, época em que acon-
res esvaziam os homens de sua substância masculina, o sêmen, a tece o casamento (arranjado), cessa toda atividade homossexual.
essência da vitalidade e da masculinidade. Naturalmente, para se Esse processo de desenvolvimento é imposto com rigor e seguido
proteger desses perigos femininos, os homens do povo sâmbia im- por todos os rapazes.
põem uma estrita divisão entre os sexos. Mesmo na cabana da famí- A análise que Stoller faz do desenvolvimento masculino entre os
lia, onde homens casados vivem com suas esposas e filhos ainda sâmbias concentra-se naquilo que ele chama de "ansiedade sim-
pequenos, há espaços masculinos e femininos separados, bem como biótica" do jovem. Trocando em miúdos, uma vez que o rapaz apren-
lugares definidos por onde cada um deve passar. E todos os conta- de que faz parte de sua mãe, existe o receio de que ele se desenvolva
tos com as mulheres, e mais especificamente as relações sexuais, são como uma menina, não como um menino. Daí a completa separa-
fiscalizadas e controladas. (a ao da mãe e_a introdução da rigorosa, agressiva e cruel influência
Ao estudar os sâmbia, Stoller e Herdt concluíram que essa tribo masculina. A despeito do trauma da perda da mãe, o maior desejo
isolada nas montanhas precisava estimular a agressividade masculi- do menino é tornar-se um homem. E, aconteça o que acontecer,
na para defender-se dos terríveis inimigos que os cercavam. Obvia- uma vez que ele perdeu a mãe, não há escolha a não ser identificar-
mente, a vulnerabilidade e as posturas "femininas" enfraqueceriam ‘.t. com seu pai, que é representado pelos meninos mais velhos. Ele
essa agressividade. Mas, como era de se esperar, por essa exata ra- vntão cresce e se torna um deles, até transformar-se em alguém como
zão a feminilidade exerce um papel crucial no desenvolvimento da seu pai — agressivo, hostil, cruel e heterossexual.
agressividade masculina na cultura sâmbia. Agora podemos perceber que, sem o medo da feminilidade, não
Nos primeiros sete a dez anos de vida, o menino s'á'mbia não haveria necessidade da masculinidade. O princípio psicológico aqui
convive com seu pai. Aliás, ele não tem contato com nenhum ho- simples, porém poderoso: ao tentar superar um medo, a pessoa
mem. Durante a infância, ele é considerado uma extensão do corpo pode ser levada a extremos. Demóstenes, conforme é sabido, tor-
da mãe — de tal forma que não recebe sequer um nome até os nove nou-se um grande orador na Grécia antiga porque se esforçara para
meses de idade. E nos anos seguintes, de "formação", ele continua superar uma dificuldade de fala. Falando num tom mais contempo-
gozando de uma intensa e exclusiva intimidade com a mãe. aneo, uni sujeito centrado ao extremo é alguém que tem medo de
Mas então, em algum momento entre as idades de sete a dez perder o controle, e um sujeito todo "arrumadinho" e "organiza-
anos, tudo isso termina de forma abrupta e cruel. O menino tem de linho" é alguém que se sente incomodado com sua própria desor-
deixar a cabana de sua família e mudar-se para a casa dos homens, o ganização. E, é claro, essa dinâmica também explica por que os ato-
ponto de reunião dos guerreiros da aldeia, onde moram todos os res de sucesso são muitas vezes pessoas tímidas.
rapazes até completarem dezoito anos. Desse ponto em diante, o Em termos de desenvolvimento masculino, apesar de os meni-
menino não pode mais conversar, ter contato ou sequer ver sua nos na nossa cultura não passarem pela tortura dos sâmbias, seu
mãe. Então, começa sua iniciação à maioridade masculina: o meni- aminho até a maioridade exige uma manobra de desenvolvimen-
no é forçado a praticar sexo oral nos adolescentes mais velhos, "re- to semelhante. Deixando o politicamente correto um pouco de
cebendo sêmen" deles. Como os sâmbias acreditam que os homens Lido, e não obstante as mudanças trazidas pelo movimento femi-
não produzem sêmen internamente e precisam recebê-lo vindo de nista, os meninos na nossa sociedade continuam iniciando a vida
fora, essa atividade sexual tem o status da amamentação e é mantida com uma proximidade simbiótica com sua mãe e normalmente
de forma contínua e promíscua — quanto mais, melhor. acabam identificando-se com seu pai. Em algum ponto desse pro-
Quando o garoto atinge a puberdade, ele se junta ao grupo de cesso, geralmente após os seis ou sete anos, eles começam a se
meninos mais velhos. E Começa a "doar sêmen", já não podendo distanciar de sua mãe — e de todas as outras meninas. Com o
114 4- Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH 115

tempo, até mesmo na fase adulta, eles passam a manter todas as ou filho chora. Não importa se ele tenta resolver o problema, igno-
mulheres a certa distância. rar as lágrimas ou até mesmo consolar a pessoa pegando sua mão,
Para o menino de sete anos, essa é uma fase difícil. Por um lado, será sempre possível detectar um quê de desconforto ou ansiedade.
sua mãe lhe dá amor, afeto e apoio inigualáveis. E ele também a ama Normalmente, isso trai o desejo do homem de que essas lágrimas
afetuosamente, até apaixonadamente. Por outro lado, seu pai, seus 1; simplesmente desapareçam. Mas se isso por vezes significa simples-
amigos no parquinho, seus irmãos, a TV, os livros, os esportes com- mente que o homem deseja proteger a outra pessoa da dor emocio-
petitivos, tudo isso o sobrecarrega com mensagens do tipo: "Os nal, mais freqüentemente é uma questão de autodefesa. Quando
meninos são durões", "Controle suas emoções" e "Não brinque com um homem vê uma mulher chorando, é como se ele estivesse olhan-
as meninas". E espontaneamente, por sua vez, o menino admira e
deseja ter aquilo que ele enxerga como a força e o poder da mascu-
lMidade.
1 do num espelho do seu passado uma imagem de sua própria
vulnerabilidade potencial. Ele entra em pânico ao reconhecer-se ali
i assume o equilíbrio preventivo do autocontrole.
Para complicar ainda mais, apesar de o menino poder afastar Essa reação, é claro, é apenas um dos lados do conflito. O outro
educadamente sua mãe, ele não pode se ver livre da feminilidade lado, o desejo de ser vulnerável, jaz logo abaixo da superfície. Os
que ela já lhe conferiu. Tampouco ele deseja isso. Já é péssimo o fato homens muitas vezes falam de sua inveja da capacidade que as mu-
de ele ter de abrir mão de sua mãe; por que destruir aquilo que ela lheres têm de chorar e, com efeito, um dos problemas mais freqüen-
já lhe deu? Acontece que as pressões externas e internas da masculi- i e, dos pacientes do sexo masculino na psicoterapia é sua incapaci-
nidade continuam a fazer suas exigências. dade de sentir emoções como as mulheres, espontânea e ostensiva-
A solução? O que a maioria dos meninos acaba fazendo é relegar mente.
a influência de sua mãe nos primeiros tempos ao mundo privado, Uma dramática versão desse conflito aconteceu com um dos meus
silencioso e inarticulado do inconsciente. Lá, ela acaba camuflada pacientes. À medida que formos analisando sua história, será útil
na estrutura permanente da sua personalidade, onde se torna parte lembrarmos do seguinte "marcador" teórico: a psicologia freudiana
da "criança interior". Esse processo, que os psicólogos chamam de vê os homens como o sexo principal, até mesmo superior: eles são
"internalização", é importantíssimo porque torna inútil a fuga do poderosos, têm mais recursos psíquicos e emocionais e governam o
feminino empreendida pelo rapaz: ele pode manter as garotas "ex- imundo. As mulheres, segundo essa concepção, vivem a desejar ser
ternas" a distância, mas não a que está dentro dele. Ele deixou en- ç oino os homens (a "inveja do pênis"). Stoller, por sua vez, conside-
trar um cavalo de Tróia e terá de lidar com ele para o resto da vida. 1.1 o gênero feminino o principal: a masculinidade não irá se desen-
Assim, a forma como os homens lidam com sua feminilidade volver sozinha sem um distanciamento defensivo da feminilidade e
reprimida transforma-se no epicentro do desenvolvimento masculi- da influência masculina externa. É interessante que Stoller (e outros)
no. Expressar ou reprimir (meus sentimentos, minha feminilidade), lenha mostrado que a última visão lembra o desenvolvimento bioló-
eis a questão. O que eu chamo de insegurança masculina refere-se a gico do sexo no feto: sem a presença de hormônios masculinos, o
esse conflito e suas diversas manifestações, a mais óbvia das quais é leio não irá desenvolver órgãos masculinos e será uma fêmea.
a incessante necessidade que os homens têm de se sentir e de pare-
cer suficientemente másculos o tempo todo. Desse ponto de vista, a
distância emocional dos homens não é senão um antídoto que os Feminilidade Perdida e Encontrada
protege de seus próprios desejos femininos. " i" procurou a psicoterapia declaradamente por causa de uma
Na vida diária, assim como na terapia de casais, é possível notar anlia fobia que interferia em sua carreira. A carreira dele, con-
esse conflito na reação dos homens quando sua esposa, namorada toi me me confessou, era tudo que realmente importava e, com efei-
116 -Ite- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH .4. 117

to, ele vinha sendo muito bem-sucedido. Em poucos anos passara 1.1i tinha tido fantasias de ser penetrado por homens desde os vinte
de caixa de banco em sua cidadezinha natal no sul da Califórnia ai los. E, vez por outra, ele tinha usado garrafas de cerveja para esti-
para executivo do setor automobilístico de Detroit e, finalmente, mular o ânus durante a masturbação. Mas essas fantasias, ele dizia,
executivo de marketing de alto escalão em Nova York. Quando me LR) chegavam a incomodá-lo — ele poderia viver com elas sem
procurou, sua imensa capacidade de venda associada a seu estilo 'amais se sentir tentado a realizá-las.
exuberante, marcado pela autoconfiança, já havia lhe garantido re- O verdadeiro problema tinha começado havia dois anos, numa
conhecimento nacional no setor. lesta de Natal da empresa. Ao segurar uma garrafa de cerveja perto
A fobia sobre a qual me falou na primeira sessão, consistia na da boca, ele sentiu que o homem com quem estava conversando
aversão a garrafas de cerveja, o que o preocupava, ele explicou, tinha descoberto o que ele, Eli, vinha fazendo com garrafas de cer-
porque já começara a evitar sair com clientes para não sentir a enor- veja. "O estranho, Gratch, é que esse cara realmente descobriu. Era
me aflição que o acometia quando alguém perto dele estava com como se ele conseguisse ler minha mente, porque começou a fazer
uma garrafa de cerveja. Como também havia um histórico de exces- piadinhas comigo pelo que eu fazia com as garrafas de cerveja. Eu
sos no consumo de álcool, antes de mais nada investigamos se sua luro, Gratch, foi esquisito. E, desde então, não consigo ir a lugar
fobia não podia ter origem simplesmente no receio de uma recaída. nenhum onde haja garrafas de cerveja porque fico com medo de
Mas em poucas sessões ficou claro que o problema tinha mais a ver que as pessoas descubram e pensem que eu sou gay."
com a garrafa do que com a cerveja e que, para Eli, a garrafa não era Durante o tratamento de Eli, investigamos a questão de sua orien-
apenas uma garrafa. ( asr ao sexual. Mas ele estava bastante à vontade com sua vida hete-
Eli se transformara numa caricatura da masculinidade. Ele pas- t( ssexual. O que o aterrorizava não era a possibilidade de que ele
sava o tempo todo no trabalho porque adorava a lei da selva. Ado- tosse gay, mas a idéia de que as pessoas pensassem isso dele. Para
rava acumular riqueza e a consumia quase que exclusivamente em ele, isso significava ser visto como fraco e indigno do sexo masculi-
brinquedos masculinos — motos, lanchas e dois pequenos aviões. no. Da mesma maneira, o que o incomodava em sua fobia não eram
Era agressivo, bem-falante e impetuoso. Mas era também sedutor e 411115 fantasias sexuais, ou o que sua esposa ou amigos mais próxi-

tinha ainda um talento especial para dizer as coisas mais desagradá- mos pensariam delas, mas o fato de estarem interferindo na sua
veis da forma mais cativante. "Sabe, Gratch, minha mulher é topo relação com os clientes. Acima de tudo, ele apresentava essa fobia
de linha", ele dizia, o que não soava tão mal a não ser por parecer como um problema de negócios.
que ele a considerava um produto. "Minha esposa diz que eu sou Depois de alguns meses de psicoterapia, a fobia de Eli foi resol-
um robô, que eu não sinto nada por ela e ela pode até estar certa! v ida. Como qualquer "sintoma" psicológico, ela representava inú-
Quando me pergunto por que eu a amo, penso em coisas do tipo: i ros fatores inconscientes. Entretanto, o processo terapêutico que
ela cuida tão bem da casa, cuida de mim e é uma excelente mãe. .1 dissipou estava ligado com maior intensidade ao conceito da inse-

Uma vez, tivemos uma tremenda briga, ela ficou chorando e eu co- gurança masculina. Em especial, ele demonstrou como esse concei-
mecei a rir como se estivesse gostando daquilo — é o que estou to pode nos ajudar a entender melhor e talvez até a ter acesso ao
dizendo, eu sou feito uma máquina. Mas estou muito satisfeito com universo interior dos homens.
ela e estamos planejando ter outro filho no ano que vem. Quando analisamos sua história pessoal na terapia, ficou claro
"A única coisa que me incomoda é essa história da garrafa de api ie as fantasias sexuais de Eli estavam relacionadas a seu pai. Como

cerveja", ele disse, e, finalmente, começou a me contar como a fo- ssinos antes, os meninos têm de deixar a mãe para identificar-se
bia havia se desenvolvida. Resumidamente, apesar de sempre ter se um o pai. Mas o que acontece se o pai não está disponível para essa
sentido atraído por mulheres e nunca ter tido relações com homens, 1.1entificação? No caso de Eli, seu pai era um homem rigoroso, fisi-
118 4- Se os Homens Falassem_ ALON GRATCH 9. 119

camente agressivo, frio e desapegado, que exigia obediência, força !ilha sido roubado no consultório de seu analista. E era isso que o
e, acima de tudo, nenhuma manifestação emotiva. Sua mãe, por havia deixado em pânico: ele agora teria de dizer ao chefe que esta-
outro lado (e, em menor medida, as duas irmãs mais velhas de Eli), va freqüentando um analista. Quando perguntei por que ele não
era exagerada, irracional e histérica. Nem é preciso dizer que era podia dizer "num consultório médico", Eli respondeu que seu chefe
completamente dominada por seu pai. •.,1 beria que se tratava de um analista! Isso imediatamente me lem-
Isso deixou Eli, o filho, num terrível dilema. A única maneira de brou de como começara sua aversão a garrafas de cerveja: o sujeito,
preservar qualquer vida emocional era adotar em si mesmo o mo- sem mais nem menos, simplesmente sabia o que ele vinha fazendo
delo das mulheres de sua família. Mas isso, é claro, significava uma com aquelas garrafas!
ameaça inaceitável para o tipo de identificação masculina exigida Quando Eli e eu analisamos a correlação desses eventos, vimos
por seu pai. Então, o que mais restava a um jovem menino? A solu- uma clara analogia não sexual à fobia de garrafa de cerveja. O medo
ção de Eli (no sentido da forma pela qual sua personalidade tentou de Eli era que, se o seu chefe soubesse que ele estava fazendo psico-
resolver esse conflito ao longo dos anos) foi tornar-se como seu pai terapia, pudesse considerá-lo fraco e indigno de um comportamen-
por fora, ao mesmo tempo que, secretamente, preservava as fanta- to masculino. Afinal, em sua terapia, nós tínhamos discutido todas
sias femininas internamente. Por diversos motivos — um dos quais as suas fantasias e emoções femininas. Mas o que deveríamos pen-
tinha a ver com o fato de seu pai tantas vezes submetê-lo a um ter- sar da idéia de Eli segundo a qual, a exemplo do homem naquela
mômetro retal, "enfiando o termômetro em mim" —, essas fanta- fatídica festa, também seu chefe seria capaz de ler sua mente e des-
sias assumiram manifestação sexual. vendar seu frágil conteúdo feminino? Aquilo de que eu sempre sus-
Mas, conforme expliquei para Eli, tratava-se de conflitos essen- peitara se tornou evidente tanto para Eli como para mim: incons-
cialmente não sexuais. Apesar de eu ter martelado essa idéia vezes a cientemente, Eli queria que as pessoas soubessem de sua identifica-
fio, Eli não chegou a compreendê-la até que, como por alguma in- ção feminina. E queria especificamente que fossem os homens. E
tervenção divina, aconteceu uma coisa fora do comum na terapia. queria especificamente que fossem homens em posições de autori-
Naquele dia, Eli tinha vindo para uma sessão bem cedo de manhã, dade. No final das contas, aquilo que ele sempre quis era que seu
pouco antes de uma importante apresentação para um grupo de pai visse sua feminilidade — sua vulnerabilidade emocional — e o
executivos de sua empresa. No final dessa sessão, Eli ficou atônito aceitasse e o amasse por isso. Dessa forma, a dinâmica da fobia de
quando soube que seu notebook, que ele tinha deixado na sala de Eli era um exemplo de uma das mais extraordinárias formulações
espera, havia sumido. Tanto ele como eu ficamos estupefatos ao teóricas de Freud, ou seja, atrás de todo medo há um desejo.
tomar conhecimento de que o computador — que continha toda a Quando Eli e eu nos demos conta disso, rapidamente pensamos
apresentação de Eli — tinha sido roubado da minha sala de espera. na hipótese de que o homem que leu sua mente na festa provavel-
Então, ele entrou em pânico. Não tanto pelo computador, e nem mente conseguiu fazer isso porque Eli fizera um gesto com a garra-
mesmo por causa da apresentação — uma vez chegando no traba- fa, ou a teria segurado de uma maneira que o denunciou. E agora,
lho, ele explicou, seria possível copiar o material da apresentação Eli conseguia facilmente imaginar a si mesmo dizendo a seu chefe
com razoável rapidez. Ele entrou em pânico porque a apresentação que estava "no consultório médico" de uma maneira tão acanhada
perdida continha alguns dados que agora só poderiam ser obtidos ou defensiva que o chefe perceberia que não se tratava de um médi-
através de seu chefe e, portanto, ele teria de dizer ao chefe que tinha co qualquer.
perdido o computador. Primeiro, ele pensou em dizer que o havia Quando falamos sobre isso por alguns minutos, pairou uma sen-
deixado no trem, a caminho do trabalho. Mas isso pareceria sim- sação de crise no ar. Outro paciente estava esperando por mim e Eli
plesmente irresponsável. A alternativa, na cabeça dele, era dizer que tinha de sair para trabalhar. Porém, pouco antes de sair, ao perceber
120 - 4É. Se os Homens Falassem... ALON G RATCH 40 121

que, na verdade, queria revelar seus segredos para outro homem, de descer, porque quanto mais alto se sobe, mais fundo se poderá
ele também percebeu que não tinha de ser necessariamente com seu afundar. Portanto, debaixo desse fardo subsiste o desejo de passivi-
chefe. Aliás, ele conseguiu encontrar um jeito de dizer ao chefe que dade, vulnerabilidade, emocionalidade e irracionalidade — todas
tinha perdido o /aptop no consultório médico sem projetar seus as qualidades que, correta ou erroneamente, são associadas à femi-
sentimentos e pensamentos nessas palavras. Fez, então, uma exce- nilidade tradicional.
lente apresentação e, mais tarde, seu chefe lhe deu pessoalmente Essa feminilidade, podemos agora especular, representa a me-
um computador topo de linha, novinho em folha. mória inconsciente dos homens, não de sua mãe, mas deles mesmos
Mais importante, esse evento cristalizou tanto para Eli quanto quando ainda meninos pequenos com características femininas, re-
para mim o processo terapêutico que resolveu ("curou") a fobia de gozijando-se sob o amparo maternal da feminilidade. Aliás, pesqui-
Eli. Uma vez tendo percebido que suas fantasias sexuais representa- sadores ratificam essa visão, mostrando que os meninos em tenra
vam o desejo de "chorar no ombro de um homem", Eli não teve idade são tão emocionalmente vulneráveis, senão mais, do que as
mais de experimentá-la sexualmente. A garrafa se transformou numa meninas. Como qualquer professora de maternal poderá confirmar,
garrafa e ele já não tinha mais um segredo que tivesse de ser escon- os meninos dessa idade esforçam-se o tempo todo para conter as
dido pelo escapistno fóbico da revelação pública. lágrimas. As meninas, por sua vez, são calmas e tranqüilas.
Assim como com qualquer paciente, essa "cura" não foi tão sim- Inconscientemente, então, o desejo que os homens têm de se ver
ples quanto meu relato possa fazer crer. No caso de Eli, houve mui- livre de sua responsabilidade representa o desejo de retornar àquele
tos altos e baixos, compreensões e mal-entendidos, desvios e resis- lugar e época em que privavam da intimidade de sua mãe, onde as
tências. E a "cura" não foi uma cura, porque ela resolveu a fobia, lágrimas, inclusive as lágrimas de alegria, ainda eram permitidas.
mas não o complexo mundo emocional que a cercava. Mas, em Mas, como aconteceu com meu paciente Eli, a maioria dos homens
nossa busca do entendimento da insegurança masculina, os confli- sente esse desejo na forma de medo, um medo que normalmente
tos de Eli e a maneira como eles foram se revelando durante a tera- eles encobrem com uma grossa camada de indiferença masculina.
pia demonstram uma das mais universais batalhas masculinas.
Não obstante as mudanças na nossa sociedade em relação às
Escutando o Via gra
expectativas que cercam os papéis sexuais, os homens continuam
sendo educados para agir e manter suas experiências numa estreita Ao anunciar a megafusão de sua empresa com outra gigante das
faixa masculina. De maneiras que não são necessariamente cons- telecomunicações, um CE0 disse que a nova parceria era "o Viagra
cientes, tampouco mero reflexo de pressões sociais, os homens se das telecomunicações". Ele estava, assim, expressando com pala-
esforçam para ser durões, fortes, racionais e impassíveis. Talvez mais vras novas uma idéia antiga sobre a política da potência no meio
do que qualquer outra coisa, eles se sentem obrigados a se transfor- empresarial americano. Enquanto os homens da tribo sâmbia têm
mar em grandes protetores. Conforme vimos, essas aspirações "mas- de ser fisicamente agressivos, o homem ocidental desenvolveu uma
culinas" baseiam-se, em parte, na necessidade que o homem tem de forma mais sublimada de combate. Apesar de às vezes lutar no cam-
negar sua vulnerabilidade "feminina". Portanto, elas representam po de batalha, o mais comum é vê-lo lutando no campo de traba-
uma importante fonte de auto-realização e auto-estima para os ho- lho. E, apesar de sentir que aqui os riscos são tão elevados quanto
mens. Ao mesmo tempo, elas criam um pesado fardo de responsabi- — a preservação da masculinidade —, o homem civilizado não che-
lidade e colocam o ego masculino sob a ameaça constante de fracas- ga de fato a lutar. Ele atua. Ele manobra, dialoga, exige, questiona,
so. Digo ameaça constante porque, sendo humanos, os homens ine- trabalha horas a fio, está sempre um passo à frente, distorce as in-
vitavelmente fracassam (em alguma coisa), porque o que sobe tem formações, apunhala a concorrência pelas costas e sabe-se lá o que
122 .1le• Se os Homens Falassem_ ALON G RATCH 4- 123

mais — tudo para se manter de pé nos escorregadios degraus do d indo por seus corretores. Embora o novo sistema fosse impor-
sucesso. O "homem da empresa", em especial, vive e morre por ia aíssimo para as operações da empresa e não tivesse nenhum con-
causa de, e por sua avaliação de desempenho. (É claro, hoje em dia ■ orrente mais sério no mercado de software, a resistência a ele por
isso é válido para muitas mulheres também.) parte dos corretores foi tão violenta que levou perto de dez anos
Como podemos ver, a palavra-chave aqui é desempenho, o que para começar a ser implementada.
inclui tanto a simples, direta e quase indiscutível idéia da realização Ao estudar a situação, fiquei sabendo que, na ausência de uma
pessoal quanto a idéia mais complexa e defensiva da atuação, estar clara orientação do presidente da empresa, os homens responsáveis
sobre o palco. Líderes políticos como Ronald Reagan e Bill Clinton pela instalação do novo sistema tinham batido de frente com os
são exemplos desse último tipo. Trata-se de personalidades essen- orretores — a grande maioria dos quais também era de homens. A
cialmente performáticas. Eles são tão bons atuando num papel que erta altura, durante uma acalorada reunião sobre o projeto, um
sequer sabem que estão atuando. Por isso parecem tão autênticos e dos corretores mais antigos anunciou que não iria usar o novo siste-
são tão populares, apesar das contradições de sua vida pessoal. ma porque este exigiria que ele desligasse seu computador durante
Uma versão diferente dessa personalidade — o homem de negó- a noite (o que ele teria de fazer de qualquer modo para que a faxi-
cios ambicioso, orgulhoso e agressivo — foi batizada por alguns neira não realizasse nenhuma transação financeira em seu termi-
analistas nesse século de "personalidade fálico-narcisista". Nos anos nal!). "Não temos tempo para ficar ligando e desligando o compu-
1980, no pregão da Bolsa de Valores de Nova York, essa personali- tador todo dia", vociferou.
dade foi ressuscitada. Ou talvez jamais tenha morrido. E, apesar de Isso é de admirar até mesmo para Wall Street, um lugar onde o
os psicólogos clínicos e behavioristas a terem chamado de persona- ego masculino, em perfeita analogia com a anatomia masculina, sobe
lidade do "tipo R' e registrado que, a longo prazo, representava e desce segundo o desempenho, ou, mais precisamente, a sensação
risco de doenças relacionadas a seu "campo de batalha", as analistas do desempenho, ou seja, a ansiedade suscitada pelo desempenho.
feministas diagnosticaram esse comportamento como "aceno do Apesar de muitas mulheres se saírem extremamente bem na "Street",
pênis". .1 volatilidade de curto prazo da bolsa de valores é especialmente
Mas, independentemente de suas diversas transformações, a ca- adequada para os homens, cuja identidade masculina se baseia no
racterística essencial desse homem é a tendência a desempenhar atos precário equilíbrio entre a satisfação de estar no topo e o medo de
acrobáticos de masculinidade, de preferência em público. Como cair de lá, ou entre o medo de ficar no fundo do poço e a emoção da
veremos no próximo capítulo, esse desempenho é motivado em gran- escalada rumo ao topo. E, por falar em equilíbrio precário, vamos
de parte pela necessidade narcisística de reconhecimento. Mas é falar da anatomia masculina.
também o resultado do esforço do homem para rejeitar sua femini-
lidade. "Olha só para mim, eu sou homem", é o que diz o guerreiro
da empresa (ou de outro ambiente de trabalho). Essa relação funda- A Impotência como uma Metáfora
mental entre desempenho e masculinidade é um dos motivos por O desempenho e a ansiedade quanto ao desempenho são fatores
que a impotência e seu atual antídoto, o Viagra, são uma metáfora intrínsecos à insegurança masculina, motivo pelo qual a impotência
tão poderosa, ainda que desgastada, da insegurança masculina. é um problema tão comum. Dentre os muitos pacientes que me
Os conflitos do ambiente de trabalho que resultam da insegu- procuraram por causa da impotência, aquele que me vem à mente é
rança masculina costumam ser bastante irracionais, para não dizer o "Christopher", que, no auge de sua carreira como advogado do
custosos. Um das minhas empresas-cliente, uma firma de investi- ramo do entretenimento, decidiu tornar-se ele próprio produtor de
mentos de Wall Street, precisava substituir o sistema de software
124 -41
- Se os Homens Falassem_ ALON G ILkTCH 9" 125

filmes. De modo admirável, ele efetuou essa transformação aos qua- Na verdade, é fácil sentir-se incompetente na minha área de atua-
renta e cinco anos de idade, e com muito sucesso. ção. Os problemas são extremamente complicados. Os pacientes
Fui procurado alguns anos depois por conta do que ele chamava estão sofrendo e precisam desesperadamente de ajuda, mas sua re-
de seu "problema sexual". Já na primeira sessão, esse paciente me sistência é igualmente forte. O sofrimento "quer" existir porque ele
impressionou por seu caráter extremamente sedutor, caloroso e tem significado, sendo o maior deles o fato de as pessoas terem
gentil, um homem que era bom em tudo que fazia porque sabia medo de mudar e, portanto, agarrarem-se ao que é conhecido. O
fazer as pessoas atuar. Isso valia tanto para o seu casamento como processo terapêutico é lento e o resultado é incerto. E não se pode
para o seu trabalho. Ele não só ajudava a esposa em seu trabalho aplicar um golpe de mestre em seu adversário. Como terapeutas,
como atriz da Broadway como também em seu papel de mãe. Tinha não temos as respostas e temos de aprender acerca do paciente do
sido especialmente atencioso quando ela lutou contra a infertilidade mesmo modo como ele aprende acerca de si mesmo. E, como estamos
e com assuntos delicados relativos à adoção de seus três filhos. E, lidando com "as coisas da vida", nunca sabemos o suficiente.
mais tarde, foi igualmente atencioso com seu filho já crescido quan- Porém, quando comecei a duvidar de mim nesse caso, eu sabia
do este decidiu procurar seus pais biológicos — praticamente orga- que esse sentimento era induzido pelo paciente. Ao pressionar-me
nizou o encontro com eles. Não obstante, embora o segredo de seu para ter boa atuação, ele estava fazendo com que eu sentisse o que
sucesso fosse levar as pessoas sedutoramente a desempenhar cada ele estava sentindo. E era esse tipo de pressão que fazia o pênis dele
qual seu papel, era naturalmente seu próprio desempenho que mais "falhar". Nisto há um importante paradoxo da impotência e de seu
o interessava. tratamento: quanto mais nos preocupamos com ela, pior ela fica. E
Não era, portanto, de admirar que a impotência de Christopher por que isso? Por que quando nos sentimos pressionados (avaliados,
fosse provocada por aquilo que ele considerava um fracasso profis- corrigidos, julgados, censurados) nosso desempenho cai? Por que fi-
sional: problemas de orçamento e de cumprimento de prazos num de camos "nervosos" em vez de simplesmente apresentarmos o desem-
seus filmes. Naquela época, sua preocupação com o filme assumiu a penho que esperam de nós e, aliás, esperamos de nós mesmos?
forma de um sentimento de fracasso e inferioridade. Depois, esse Certa vez, fui com um executivo e seu motorista apanhar um
pensamento se tornou obsessivo e as dúvidas que passou a nutrir a importante cliente no aeroporto. Saímos tarde porque o executivo
respeito de si mesmo começaram a invadir sua vida sexual. No prin- estava atrasado em seu trabalho no escritório. Quando finalmente
cípio, foram apenas dificuldades intermitentes, mas sua preocupação nos pusemos a caminho, ficamos presos no trânsito em plena hora
com o desempenho sexual foi tanta que acabou ficando completa- do rush. O executivo pediu ao motorista que saísse da auto-estrada
mente incapaz de "conseguir" uma ereção. Foi quando me procurou. e tentasse uma via secundária. Ele obedeceu, mas, como não conhe-
Inicialmente, fui completamente conquistado pelo charme e a cia esse outro caminho tão bem, cometeu um erro e ficamos perdi-
generosidade de Christopher. Como todo mundo em sua vida, senti dos. O executivo perdeu o controle e começou a gritar, mandando
vontade de representar para ele — e me saí muito bem. Mas, por o motorista consertar o erro. Quanto mais ele gritava, mais erros o
trás de toda essa gentileza, ele era um homem rigorosíssimo, extre- motorista cometia. Acabamos chegando tão tarde que não encon-
mamente exigente. Então, após algumas sessões em que "fracassei" tramos o cliente em lugar nenhum — ele tinha pego um táxi. E o
no processo de cura de sua impotência, comecei a sentir a pressão executivo ficou furioso e desconsolado.
quanto ao meu desempenho. E, quando me dei conta, exatamente Por que o motorista agiu como o pênis do meu paciente? Obvia-
como o pênis do paciente, desmoronei sob essa pressão. Fui toma- mente, porque o executivo agiu como o meu paciente. Mas, qual é
do pela dúvida e por uma sensação de incompetência, e comecei a o sentido dessa dinâmica? A resposta está no fato de o próprio exe-
pensar se seria mesmo capaz de ajudá-lo. cutivo já ter saído atrasado. Sem ter perfeita consciência disso, ele
126 ••• Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH 9" 127

não estava inteiramente determinado a pegar esse "importante" clien-


preciso antes de mais nada dominar o desejo do qual temos medo.
te no aeroporto. Então, ele fez o motorista sentir o que ele estava
A esse respeito, a psicoterapia não procura mudar as pessoas, mas
sentindo: resistência e relutância. E o motorista correspondeu per-
ajudá-las a serem melhor do que elas já são. O trabalho do terapeuta,
feitamente, agindo inconscientemente segundo esses sentimentos.
desse ponto de vista, é promover o autoconhecimento — nada mais,
Foi o que fez o pênis do meu paciente. Ele não funcionou por-
nada menos.
que, inconscientemente, seu mestre não queria que ele funcionasse.
Quanto à impotência literal, será que a relativamente nova dro-
Sem chegar a formular isso na forma acabada de um pensamento,
ga, o Viagra, pode representar um atalho em sua psicologia e reno-
Christopher estava cansado de estar no topo. Cansado de ter de
var seu tratamento? Será que ela elimina completamente esse clássi-
agradar a sua esposa, e o estúdio, e o elenco. Cansado de ter de ser
co sintoma da insegurança masculina? Talvez. Mas já há sinais de
agressivo e ganhar muito dinheiro e tomar conta de todo mundo.
que, em muitos casos, a resistência inconsciente à potência é capaz
Estava cansado de ser firme e queria ser suave. E é isso que está por
de enganar o Viagra. Conforme disse o grande psicólogo Howard
trás da impotência psicológica. Pode ser o desagrado com a
Stern, ele irá criar novos tipos de problemas, uma vez que todos os
agressividade própria, um desejo de que cuidem de nós, um desejo
maridos que não querem fazer sexo com suas esposas terão de en-
homossexual inconsciente ou uma simples fuga das pressões sobre
contrar novas formas de evitá-lo.
o desempenho. Mas todas essas e outras dinâmicas possíveis repre-
sentam o desejo masculino oculto de baixar suas defesas masculinas
e encontrar um lugar feminino de repouso. Namoro: A Divisão Masculino-Feminina
O problema é que os homens ficam tão aflitos e ansiosos com o
No namoro, a abordagem adotada pela mulher diante da inse-
sintoma da impotência que exigem uma cura imediata — de si mes-
gurança masculina pode ser, para usarmos uma palavra de Wall Street,
mos, dos médicos, do terapeuta, do pênis. Porém, quanto mais eles
um impasse. A clientela da maioria dos terapeutas que trabalham
o querem, mais seu corpo resiste. O terapeuta que sabe o que faz,
com adultos inclui pelo menos diversas mulheres que se encaixam
portanto, alia-se com o pênis autônomo e não com o paciente cheio
nessa descrição. Inteligentes, independentes e bem-sucedidas,
de exigências. Ao fazer isso, ele estará virando a mesa sobre o pa-
introspectivas, atraentes e charmosas, solidárias e autênticas. E, sim,
ciente, exigindo dele que vivencie em sentimentos e pensamentos o
como vocês podem ter adivinhado, esse "tipo" de mulher procura a
que seu corpo está mostrando por sintomas. E a esposa frustrada,
terapia aparentemente porque não consegue encontrar o homem
nesse caso, provavelmente deveria fazer o mesmo. "Não me im-
certo e completar seu projeto de vida com amor, companheirismo
porto com o seu pênis, importo-me com seus sentimentos", esse é o
recado. efou filhos.
Bem, talvez como as demais pessoas em sua vida, o terapeuta
Conforme às vezes digo aos pacientes (numa vã tentativa de ex-
dessa mulher esteja muitas vezes no escuro — pelo menos inicial-
plicar como a psicoterapia funciona), o paradoxal tratamento da
mente — quanto a por que essa pessoa tão atraente não ter conse-
impotência é uma boa metáfora do processo psicoterapêutico como
guido encontrar o amor. Mas, se o terapeuta e a paciente consegui-
um todo: para fazer progressos é preciso antes renunciar a seus ob-
rem tolerar a escuridão um pouco mais, surgirá um padrão espanto-
jetivos. É preciso primeiro aceitar sua impotência (o que não é em si
samente coerente e recorrente. Essa mulher normalmente não tem
uma má idéia, se a alternativa é a depressão que advém da tentativa
dificuldade para conhecer homens com a intenção de namorar —
desesperada de êxito) e depois tirar proveito de todas as suas inten-
1.10 obstante a escassez de' candidatos adequados. Mas nunca dá
ções e significados. Então, e só então, a potência pode retornar,
certo. Normalmente, a mulher primeiro se envolve com um ho-
aparentemente por conta própria. Mas não se pode trapacear — é
mem "simpático", emocionalmente sensível e aberto. Mas, em pou-
128 • Se os Homens Falassem... ALON GRATCH ••• 129

co tempo, ela descobre — ou imagina (nem mesmo o terapeuta mãe, o pai torna-se mais digno de identificação. Não obstante, não
consegue às vezes saber qual dos dois) — que esse homem é carente (' realmente possível simplesmente dispensar a própria mãe. En-
demais, "fraco" ou desinteressante. Ele é gentil até a alma, ela pen- tão, na verdade, a despeito do enorme esforço para apagar a in-
sa, mas não tem um vigor especial. Ou não tem sucesso suficiente. fluência da genitora, debaixo disso tudo essa mulher sente-se como
Então ela termina com ele e, como um general que luta sempre a a mãe que ela não pôde evitar absorver. E seu medo de ser como sua
mesma guerra, ela agora tenta namorar um homem mais enérgico, mãe também denuncia essa camada mais profunda, menos cons-
independente ou ambicioso. Mas aqui ela descobre — ou imagina . lente de identificação. Em suma, uma grande parte da psicologia
— que esse homem não a está tratando tão bem. Ele é financeira- dessa mulher fundamenta-se em seu desejo de rejeitar sua mãe pelo
mente estável e responsável, ela pensa, mas é também insensível, lado de fora e de negar e se livrar de sua mãe pelo lado de dentro.
egoísta e exigente. Então ela termina com ele também. Ou, se ela E é essa dinâmica que dita seu padrão de namoro. Como ela
for mais masoquista, mantém-se firme até ele terminar com ela. gostaria de ser bem tratada, o homem gentil, sensível, rapidamente
Às vezes, esse padrão é disfarçado por variações no tema princi- se transforma numa ameaça para seu exterior endurecido, identifi-
pal. A ordem do tipo de homem escolhido pode ser contrária, ou cado com o masculino. Se ela permite que ele se aproxime, acabará
pode haver uma seqüência de um tipo só, seguida por outra do ficando tão mole quanto ele, o que equivale a dizer tão mole quanto
outro tipo. Mas, basicamente, da perspectiva dessa mulher solteira sua mãe. Então, esse tipo de experiência de namoro apenas reforça
arquetípica, o mundo dos homens parece estar dividido em fracotes o elemento defensivo de sua identificação sexual. O homem que ela
e valentões. está namorando pode não ser agressivo o suficiente — talvez ele
Então, o que é que acontece? Podemos nos perguntar. Os homens tenha se identificado demais com sua própria mãe —, mas será que
são produzidos nessas duas variedades, ou essa mulher inteligente ele é mesmo o fracassado que ela faz parecer? Talvez. Porém, mais
está inventando tudo isso? Assim como acontece com qualquer outra provavelmente, ele é a projeção da mãe inaceitável dentro dela, da
pergunta de opções mutuamente excludentes, a resposta está na per- qual ela precisa fugir. Em outras palavras, agora que ela encontrou
gunta — é um pouco das duas coisas. Existem, de fato, homens que e/ou recriou sua mãe em outro homem, é preciso fugir.
são mais ou menos agressivos e é um pouco verdadeiro o ditado que Estranhamente, porém, agora que ela quer estar na companhia
diz "quem é bonzinho chega por último". Mas existe também um de um homem "forte", o sujeito ambicioso, enérgico é também uma
meio-termo um pouco mais equilibrado, onde homens de sucesso e ineaça. Normalmente, esse tipo de homem não gosta de se manter
de sensibilidade vivem em relativa harmonia. Mas essa mulher não vê passivo enquanto é caçado. Ele quer ter pelo menos a ilusão de estar
o centro porque ela própria não está nele. Deixe-me explicar isso. no banco do motorista. E não quer namorar uma concorrente em
Quando examinamos a história pessoal dessa mulher, o que sal- termos de masculinidade. Então, para conviver com esse homem,
ta aos olhos é que, por algum motivo, ela não conseguiu identificar- (. la precisa permitir que ele tome a iniciativa e tem de receber sua
se com — admirar, respeitar — sua mãe. A mãe pode ter sido (ou eição agressiva com passiva receptividade. Mas isso a coloca dire-
pode ter sido vista por ela como) louca, ou incompetente, ou obesa, tamente no lugar em que ela jurou nunca estar — do lado de sua
ou apenas "fraca" — a tal ponto que, quando ainda pequena, essa mãe. Então, ou ela briga com esse homem para assumir o controle,
mulher tenha o tempo todo se decidido a jamais gostar dela. Ela o que não é aceitável para ele, ou ela cede e dá prosseguimento a
acabou, portanto, formando sua personalidade em torno do princí- sua vida. Mas a última opção não vai muito longe também, porque
pio segundo o qual aceitaria "qualquer coisa, menos minha mãe". ela acaba se sentindo maltratada e, quanto mais isso dura, mais ela
Na superfície, portanto, essa mulher identifica-se mais com seu sente que está sendo irracional, fraca ou masoquista. Portanto, uma
pai. Por falta de opção ou por causa do contraste deste com sua vez que seu pior pesadelo virou realidade, ela provoca uma reação
130 KE. Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH 41)" 131

do tipo "ou vai ou racha", qualquer uma das quais leva ao término extensão de sua defesa contra não fazer nada e simplesmente ser, o
da relação.' que ela considerava incompetência, fraqueza ou condescendência
A literatura de auto-ajuda oferece inúmeras sugestões e conse- emocional. Sua mãe, devemos observar, era uma artista medíocre,
lhos sobre o que essa mulher deve fazer para melhorar sua vida le "não fazia nada" da própria vida. Conforme a paciente dizia,
amorosa. O problema com grande parte desses conselhos, bem como ela era uma mãe daquelas que não saía de casa, que servia comida
com o aconselhamento oferecido por muitos terapeutas, é que nor- il queimada ou mal cozida acompanhada de falações prolixas e
malmente ele envolve táticas comportamentais específicas sem uma emotivas repletas de ansiedade e autodepreciação.
estratégia emocional integral. "Não ligue para o cara — deixe que Portanto, as táticas podem se virar contra quem as aplica, a me-
ele a procure", é um exemplo de um desses conselhos táticos. Mas i' nos, é claro, que elas sejam simplesmente uma expressão de uma
essa tática não irá funcionar porque o único cara que ligaria seria o voz interior coerente e autêntica. Esse é outro motivo por que, tidas
"fracote", que se sente atraído pelo valentão que existe nela. "Por isoladamente, as táticas de comportamento são de eficácia limitada
que esperar por um telefonema?" outro terapeuta poderia dizer. — e o motivo pelo qual não gosto delas. Elas têm um lado desones-
"Você deve ligar para ele!" Bem, isso também não vai funcionar to, como se se tratasse de um jogo ou de mera manipulação, como
porque o valentão não vai ficar em casa esperando sentado que ela II se estivéssemos tentando induzir terceiros a erro quanto a nossas
ligue — ele vai estar na rua na companhia de mulheres com quem verdadeiras intenções. A estratégia emocional, por sua vez, faz des-
possa exercer sua masculinidade. , , brir partes até então desconhecidas do eu, desenvolvendo uma
Essas táticas não vão funcionar a não ser que essa mulher se orma mais profunda e mais equilibrada de ser, e substituindo anti-
torne emocionalmente receptiva a uma masculinidade mais equili- gos padrões por novas liberdades. Isso é um discurso e tanto, eu sei,
brada. "Mas como se consegue isso?", essa mulher poderia pergun- por isso vou falar mais a respeito em breve. Mas, antes, permitam-
tar ao terapeuta. "Plim", o terapeuta deveria dizer, "pergunta erra- me voltar para... os homens.
da." Apesar de a necessidade de fazer alguma coisa para facilitar a Como eu disse, o "fracote" e o "valentão" não existem apenas
mudança ser perfeitamente compreensível — a maioria das vezes na imaginação da mulher "masculinizada". Eles existem na realida-
ela é motivada por um relógio biológico —, o desejo que essa mu- ,le como as duas polaridades no continuum entre a feminilidade e a
lher tem de resolver o problema faz parte exatamente da defensiva masculinidade, e como as duas faces do conflito da insegurança
identificação masculina que terminou por levá-la à terapia. Uma masculina. Antes, nós vimos que no cerne desse conflito está a iden-
das minhas pacientes do sexo feminino com esse padrão de compor- tificação ambivalente do menino com sua mãe. Mas, como no caso
tamento andou tentando fazer alguma coisa a respeito desse proble- do meu paciente Eli, a necessidade posterior do menino de identifi-
ma por algum tempo. Primeiro, ela namorou sem parar, a torto e car-se com seu pai complementa e complica essa ambivalência.
a direito, dos fracotes aos valentões. Então, quando finalmente Ao devotarem sua vida à busca do sucesso profissional, os ho-
reconhecemos esse padrão e o identificamos com o medo de se tor- mens nas sociedades ocidentais continuamente afiam suas aptidões
nar (uma mulher) como sua mãe, ela adotou medidas para se tornar agressivas relacionadas com as conquistas e, mais vezes do que se
mais feminina. Separou um tempo para "trabalhar" seus sentimen- pensa, em detrimento de elementos mais "suaves" como a sensibili-
tos, fez um curso que ensinava a "paquerar", desenhou figuras mas- dade, a tolerância e o lúdico. Além disso, longas jornadas de traba-
culinas e femininas com "medidas a serem tomadas" e programou lho ou viagens de negócios muitas vezes os distanciam de sua famí-
"sessões de feedback recíproco" com amigos para ajudá-la a manter lia. Para um menino, esse tipo de pai — poderíamos dizer um esbo-
seus avanços sob controle. O paradoxo, é claro, é que toda essa ço, senão uma caricatura de pai — representa um tipo específico de
atividade era bastante 'masculina". Mais precisamente, era uma dilema. Se procurar ser igual a ele, corno os meninos naturalmente
132 -40. Se os Homens FaLsrssem... ALON GRATCH 4. 133

fazem, deverá desconsiderar seu próprio sentimento de rejeição e , h ) conservadorismo e da religião. É como se as palavras "feminino"
tratar a si mesmo com a mesma indiferença ou rispidez com a qual e "masculino" fossem intrinsecamente discriminadoras dos sexos.
seu pai o vem tratando. Porém, se olharmos com um pouco mais de atenção, fica evidente
Essa identificação defensiva ("identificação com o agressor") está que esse assunto não tem nenhuma implicação política, religiosa ou
ligada à "síndrome de Estocolmo", na qual os passageiros de um moral.
avião seqüestrado saíram do cativeiro justificando ou simpatizando À medida que vai crescendo, o menino precisa ser capaz de iden-
com seus seqüestradores para não terem de sentir o terror e a impo- tificar-se com seu pai. Mas ele também precisa preservar a inter-
tência de seu suplício. Na fase adulta, esse caminho leva a uma repe- nalização anterior de sua mãe. E, quando se tornam homens, eles
tição dos passos do pai, o que normalmente envolve ter sucesso na lutam para manter e conciliar as duas influências. Geralmente, p0-
carreira mas falhar nos relacionamentos — com os amigos, a esposa 'In, a identificação feminina dos homens tende a existir, arqueo-
e os filhos. Isso, pelo jeito, é uma versão mais amena, ocidental, logicamente falando, num nível mais profundo de sua personalida-
daquilo pelo qual os homens do povo sãmbia, na Nova Guiné, têm de — está normalmente associada a um estágio inicial de desenvol-
de passar. vimento. Apesar de precisar expressar-se, essa identificação femini-
Ou então o menino pode "escolher" sentir a dor de ser ignorado 1 t é também uma ameaça à masculinidade dos homens, motivo pelo
ou maltratado por seu pai, e rejeitá-lo como modelo de comporta- qual é mais provável que ela se expresse abertamente com uma
mento. Mas se ele fizer isso, é provável que acabe identificando-se mulher (ou homem) que não esteja competindo na arena psicológi-
com sua mãe e retirando-se inteiramente do mundo dos homens. ca da masculinidade.
Esse é talvez o caminho trilhado pelos homens "fracotes", escolhi-
dos e depois descartados pelas mulheres "masculinizadas". Para esse
Relacionamentos: A Divisão Masculino Feminina
-

homem, ter um relacionamento sério com uma mulher é entrar nos


domínios de seu pai, que é o que ele tinha se recusado a fazer. Para- Mesmo nos relacionamentos e casamentos de longa duração, a
doxalmente, essa identificação defensiva com a mãe está em perfei- u.ma como o casal lida com a insegurança masculina do homem (e
ta conformidade com o desejo infantil reprimido de possuir (no o conflito correspondente na mulher) é muito importante. Grande
sentido de "ter" ou "ser como") o pai: esse homem não quer se irte das brigas diárias, assim como os maiores problemas matri-
casar com uma mulher, mas com um homem. Não estou falando moniais, são resultado direto da forma como as identificações mas-
aqui de homossexualidade, mas do homem que procura o tipo de II na e feminina são negociadas ou distribuídas entre os parceiros.
controle masculino e estrutura masculina oferecidos pela mulher Um paciente, completamente descrente da psicologia, procurou
descrita anteriormente. Mas não dá certo para ele pelo mesmo terapia apenas pela insistência de sua esposa. Ele disse francamen-
motivo que não dá certo para ela — nenhum dos dois fica realmen- te para mim: "Olha, isso não vai mudar quem eu sou e nem é isso
te satisfeito no papel de filha de suas respectivas mães. que eu quero. Falar de alguns assuntos do meu casamento? OK.
Pela minha experiência, esse tipo de identificação sexual Mas não me peça para começar a choramingar com você sobre a
ambivalente é uma das principais razões por que homens e mulhe- minha infância. Meus pais foram pessoas maravilhosas. Além disso,
res não encontram "a pessoa certa". Eles pedem ao sexo oposto que eu não funciono emotivamente. Por isso, não me importo de con-
complemente sua própria identificação sexual distorcida — uma versar com você se isso deixa minha mulher satisfeita, mas, hones-
situação intrinsecamente insustentável. Isso pode não ser muito dis- tamente, eu não tenho por que estar aqui. Ela faz a análise dela, o
cutido e talvez sequer mencionado pelos terapeutas quando deveria que é bom se ela se sente bem, mas a verdade é que eu não acredito
ser — acho que porque 'desagrada e confunde os interesses políticos em terapia."
134 4fr Se os Homens Falassem... ALON GFIATCH 4, 1"' 135

O ceticismo desse paciente em relação à terapia era apenas uma lise naturalmente existe em diversos graus), há uma doentia
das muitas manifestações da sua relutância em ter sentimentos em insustentável — divisão de trabalho: o marido pensa e a mu-
geral. Conforme ele mesmo me contou, ele funcionava de um modo lher sente. A mulher é hiperfetninina, o marido, hipermasculino.
lógico, "racional" (é racional funcionar sempre logicamente?), em Purém, eis o que é interessante. Evidentemente, o marido teme a
todos os aspectos da vida. Mesmo durante o sono não havia brinca- ulnerabilidade emocional. Portanto, apesar de dizer que gostaria
deira, fantasia ou poesia: muitas noites ele ficava deitado, num esta- que sua esposa fosse uma parceira "racional", ele na verdade está
do de semivigilia, resolvendo problemas de negócios nos sonhos. 1 , . 1 ,, t.inte à vontade com a "histeria" dela — porque é isso que o
Sua incapacidade de experimentar emoções plenamente era um mantém lógico e impassível. Aquilo que ele realmente teme — vi-
problema grave em seu casamento porque ele era incapaz de com- ,s isso no capítulo anterior — é a histeria do lado de dentro, não
preender os sentimentos de sua esposa. Era detetive de polícia apo- 110 lado de fora.
sentado e tinha aberto seu próprio negócio, que vinha fazendo bas- Do mesmo modo, apesar de sua esposa dizer que gostaria de ter
tante sucesso. Mas, a curtos intervalos de alguns anos, sempre se 'lin parceiro "com sentimentos", convém-lhe que não seja assim
envolvia em alguma desastrosa situação comercial e terminava usan- ■ I que isso deixa a função de sentir as coisas exclusivamente para
do os bens da família, inclusive sua casa, como garantia. Apesar de — a despeito de toda a dor que isso provoca, ela obviamente
compreender por que sua esposa ficava "preocupada" com essas um) se sente mal diante das emoções. O que a faz sentir-se mal é
situações, ele era inteiramente incapaz de sentir ou compreender os pensar" ou tomar decisões de negócios, essas "coisas de homem".
sentimentos de insegurança, medo e irritação de sua mulher. ( I ,,so, aliás, é um bom exemplo da paradoxal semelhança entre opos-
Por conta de sua recusa em ser emocionalmente vulnerável, como « psicológicos. O marido que parece ser emocionalmente forte é
o passar dos anos sua mulher assumiu uma carga emocional cada , .istante fraco, no sentido de que morre de medo de seus sentimen-
vez maior no casamento. Se ela ficasse sabendo que havia algum enquanto a esposa que parece tão fraca é bastante forte em sua
negócio em andamento, ficava temerosa, agitada, ansiosa. O mari- 1, rância ao sofrimento.)
do, por sua vez, tentava "lidar" com sua "montanha-russa irracio- ['mão, nesse tipo de divisão masculino-feminina, cada cônjuge
nal", conforme ele dizia. Ele dizia para ela se acalmar, não havia incomodado com sua própria identificação com o sexo oposto.
nada com que se preocupar, não havia risco na transação, ele daria relacionamento está estruturado de tal modo que, inconscien-
um jeito, e assim por diante. E, naturalmente, em sua tentativa de s, mente, eles reforçam mutuamente o funcionamento do papel quase
lidar com as emoções dela ele falava o mínimo possível sobre os .11 ',aturai do sexo de cada um. Isso é um problema não apenas por
detalhes do negócio. ,itisa do conflito relacionado à expressão dos sentimentos, mas tam-
Do lado dela, apesar de acusá-lo de mentir e de esconder o teor he In porque esse tipo de polarização muitas vezes surge como um
dos negócios, a esposa não tinha real interesse nas finanças da famí- ri )fundo abismo de interesses e valores. No caso desse paciente,
lia. Ela sabia pouco, ou quase nada sobre a renda deles, as despesas, ele só se interessava por futebol, luta de boxe, fundos mútuos e em
as economias e os investimentos. Conseqüentemente, toda crise fi- ur para beber com os amigos. E sua esposa só se interessava em
nanceira era para ela um choque: "Você prometeu que isso nunca ia operas, compras, leituras e filmes — mas não filmes de ação, por
acontecer de novo!", queixava-se. favor. Portanto, fora os filhos, eles não tinham interesses em co-
E, no intervalo entre as crises, o diálogo do casal resumia-se a mum. Não podiam sequer ir para o cinema juntos.
investidas da parte dela no sentido de tentar fazê-lo sentir alguma Hoje em dia, muitos casamentos parecem estar ameaçados pela
coisa e investidas da parte dele no sentido de tentar convencê-la de , I visão masculino-feminina bposta, ou invertida. Por exemplo, um
que ela era exageradamenre emotiva. Nesse tipo de relacionamento ã beira do divórcio procurou-me para uma última tentativa
136 •4E- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 137

desesperada de manter seu casamento. Eles estavam desesperados vêm:ia. É como se tivesse ficado mais agressiva ou mandona, apesar
porque depois de oito anos juntos ainda estavam bastante apaixo- de sempre ter sido assim, até certo ponto. Eu gostava da firmeza e
nados e mesmo assim não tinham dúvida de que tinham se tornado da determinação dela, mas com o passar dos anos isso se transfor-
completamente incompatíveis. E, apesar de terem tentado mudar mou em insensibilidade, ou tirania, algo nessa linha. Ou talvez eu
isso nos últimos anos, o tempo apenas piorou tudo. esteja vendo de forma diferente agora."
Eis como a mulher descreveu o problema: "Acontece que somos Nesse relacionamento, as próprias qualidades que inicialmente
duas pessoas diferentes. Tipo, eu sempre quero fazer coisas ou ir itham atraído um para o outro tornavam-se agora o fator repelen-
para os lugares e ele não quer. Para ele, o único lugar para passar as te. O motivo é que cada parceiro sentia-se aprisionado no papel
férias é a praia. Para mim, isso é um saco. Eu queria ir para a Europa atribuído a ele pela divisão masculino-feminina. O marido, excessi-
ou para o Extremo Oriente, ou fazer coisas e ele só quer ficar na vamente identificado com o papel do género feminino, acabou sen-
dele. Mas é mais do que isso. Eu gosto de planejar e ele é completa- tindo que estava sendo controlado por sua esposa. Ele já não estava
mente passivo. Nunca toma a iniciativa. Tipo, ele nunca conserta mais disposto a aceitar isso, mas, por estar afastado de sua (reprimi-
nada em casa. Eu quero me mudar para a Inglaterra, mas ele quer da ou negada) identificação masculina, não sabia como mudar isso
ficar aqui, perto da família dele. Eu tenho ambições em relação à dentro do relacionamento. Com relutância, sem perceber que pre-
minha carreira e ele fica satisfeito em deixar tudo como está. Além cisava mudar a si mesmo, ele começou a pensar em mudar sua par-
disso, me incomoda um pouco que ele não saiba se impor o sufi- ceira, ou em arranjar outra.
ciente no trabalho. Ele deixa que o gerente abuse dele e não o en- A esposa, por sua vez, estava cansada de estar sempre no banco
frenta de jeito nenhum — é como se ele tivesse pouca auto-estima, do motorista. Ela agora queria que um homem forte "tomasse con-
sabe? A primeira vez que nós saímos, eu gostei de notar que ele era ta" dela. Ela queria que outra pessoa se preocupasse com ambição,
sensível, paciente e que não era agressivo, mas agora eu acho que dinheiro, planos. Mas como não tinha acesso à sua identificação
somos diferentes demais, que queremos coisas diferentes da vida. E, ti. mi nina, não sabia como satisfazer esse desejo nesse relacionamen-
no ano passado, comecei a sentir que estou me afastando dele — I o. Sem saber que o marido representava uma parte sua separada de
tipo, comecei a passar um bom tempo na Internet". mesma (sua feminilidade negada), pensava em trocá-lo por outro.
E o marido respondeu dessa maneira: "O que ela está dizendo é A situação desse casal era especialmente dolorosa e comovente
verdade. Nós queremos coisas diferentes. Eu sempre quis fazer al- de se acompanhar porque eles pareciam realmente gostar um do
guma coisa quanto a isso e ainda quero, mas não acredito mais que (miro. Mas estavam completamente imobilizados pela divisão mas-
seja possível. Meus sentimentos por ela são muito fortes, mas ela cit I ino-feminina. E, apesar disso não ser evidente para eles, imaginei
está sempre fazendo alguma coisa, sempre querendo fazer um mon- lite seria bastante provável que se vissem na mesma — ou oposta e,
te de coisas. E não me escuta. Outro dia eu disse que estava sentin- portanto, na mesma — situação em seus relacionamentos futuros.
do que ela estava distante havia bastante tempo. Ela fica sempre no Conforme vimos no padrão de namoro equivalente, as posições
computador. Talvez eu não possa oferecer o estilo de vida que ela opostas seriam o resultado mais provável, mas, infelizmente, seriam
quer. É verdade que eu não sou tão ambicioso quanto ela e talvez táo ruins quanto. Em seu próximo relacionamento, essa mulher
isso seja um problema, mas estou satisfeito com o meu emprego. E chegou a dizer, ela escolheria conscientemente um tipo diferente de
eu realmente não quero ir para todos esses lugares nas férias. E gosto homem: forte, ambicioso, agressivo. Mas, conforme eu lhe disse,
de ficar perto do lugar onde nasci. Sabe, a família dela está toda apesar de inicialmente ela poder se sentir protegida e segura com
espalhada; a minha está toda aqui e eu sou muito apegado a eles. rti4;e homem, com o tempo acabaria sentindo-se dominada, ignora-
Também sinto que ela mudou desde que pegou essa função de ge- , ia e oprimida. Portanto, nesse relacionamento, ela experimentaria
138 • Se os Homens Falassem— ALON GRATCH 'g, 139

sua identificação feminina, enquanto seu novo parceiro faria as ve- O Caso da Androginia
zes de, ou representaria, o lado masculino da divisão. "Um garoto no ginásio me disse que eu era uma menina
O homem do casal (a essa altura, seu ex-marido) poderia passar disfarçada", foi como meu filho me recebeu quase em prantos quando
pela experiência paralela de escolher um tipo diferente de mulher cheguei em casa do trabalho. Ele estava bastante aborrecido. Pego
— uma que fosse mais sensível e receptiva. Mas, com o tempo, ele
de surpresa, num raro momento de serenidade e sensatez para mim,
provavelmente sentiria que ela é fraca, submissa e passiva demais.
disse a ele: "Antes de mais nada não é verdade, e mesmo que fosse,
Suas qualidades femininas iriam desaparecer ou, mais precisamen-
eu o amaria do mesmo jeito." Apesar de ter me sentido bem com a
te, ser projetadas nela. E ela, por sua vez, receberia essas projeções
e agiria de acordo. resposta, era evidente que ela não tinha ajudado meu filho. O que
Se essa análise está correta, o problema da divisão masculino- ajudou foi a sugestão que fiz em seguida, para que ele chegasse para
feminina não pode ser resolvido pela busca do parceiro "correto". o menino e dissesse que ele, o menino, parecia uma Barbie disfarçada.
Em vez disso, é preciso que cada um torne a si mesmo o parceiro ou Isso sim deixou meu filho animado. Ele morreu de rir e, no dia
parceira correto(a). Ou seja, cada um tem de resolver ou conciliar a seguinte, veio me contar orgulhosamente que meu conselho tático
divisão dentro de si mesmo para ser capaz de reconhecer e juntar-se tinha sido implementado com sucesso. Mas quisera eu que minha
a outra "pessoa conciliada". Segue-se que um casal que sente ser reação inicial — o equivalente a uma estratégia emocional terapêu-
incompatível nas dimensões masculino-femininas deve tentar agir tica — tivesse penetrado de tal forma que meu filho aceitasse sua
sobre essa divisão antes de desistir do casamento. própria feminilidade.
Infelizmente, para muitos casais isso significa dizer para o par- Mas será que eu realmente o amaria do mesmo jeito se ele fosse
ceiro ou parceira que ele ou ela precisa mudar. Eu digo infelizmente uma menina disfarçada? Aqui, uma pergunta estranha pede uma
porque, na maioria das vezes, essa técnica só fará exacerbar a divi- resposta estranha. Então, vejamos a seguinte passagem de um dos
são. Imaginemos um casal como o anterior. Se a esposa continuar romances mais intensos de Virginia Woolf, Orlando. Quando a le-
dizendo para o marido que ele é passivo demais e que ele precisa se rem, porém, lembrem-se que a transformação de que ela fala não
impor mais e ser mais ambicioso, estará apenas dominando-o ainda envolve cirurgia de mudança de sexo — coisa que não era feita
mais com seus próprios interesses. Portanto, é provável que ele se naquela época.
sinta, e pareça aos olhos dela, ainda menor — ele sequer toma a
iniciativa quando se trata de sua própria necessidade de ser mais Ele se espreguiçou. E se levantou. Ficou de pé completamente nu
"homem". Do mesmo modo, se o marido continuar pedindo para a diante de nós e, enquanto as trombetas pediam A verdade! A verda-
esposa ser mais sensível, emotiva ou compreensiva, estará apenas de! A verdade! não nos restava alternativa senão confessar — ele era
reforçando a idéia de que ela é a poderosa fonte de sustento do urna mulher.
relacionamento. Aliás, ao lhe dar o poder de afetar seus sentimen- O som das trombetas cessara e Orlando permaneceu inteiramente
tos, ele reforça ainda mais o papel agressivo dela e seu próprio pa- nu. Nenhum ser humano, desde o início do mundo, tivera jamais tal
pel submisso no relacionamento. poder de sedução. Suas formas combinavam numa só a força do ho-
Então, como um casal deve procurar sanar ou conciliar a divisão mem e a graça da mulher. Enquanto ele permanecia ali, as trombetas
masculino-feminina? Essa é uma pergunta difícil porque as identifi- de prata sustentaram a nota, como se relutassem em abandonar a
cações de gênero responsáveis por essa divisão são formadas no encantadora visão que seu toque havia conclamado...
início da vida e ficam profundamente arraigadas em nossa mente, Orlando tinha se transformado em mulher — não há como negá-
tanto a consciente como a inconsciente. Precisamos de uma estraté- lo. Mas, quanto a todo o resto, Orlando continuava exatamente como
gia emocional abrangente e não de meros truques comportamentais. sempre fora. A mudança de sexo, apesar de ter mudado seu destino,
140 4,- Se os Homem Falassem...
ALON GRATCH -Dlo- 141

não alterara em nada sua identidade... A mudança parece ter sido ,ensível, andrógino, de menino, de astros de Hollywood como
realizada sem dor e inteiramente de uma forma tal que o próprio 1 eonardo DiCaprio.
Orlando não demonstrou qualquer surpresa. Muitas pessoas, levan- Mas os executivos dos estúdios de Hollywood serão os primei-
do isso em conta e acreditando que semelhante mudança de sexo é
contrária à natureza, tiveram dificuldade para provar que (1) Orlando ros a dizer que as principais proponentes e consumidoras desse ideal
sempre fora uma mulher, (2) Orlando é nesse momento uni homem. de beleza são as meninas adolescentes. Também é provavelmente
Que os biólogos e psicólogos decidam. A nós, basta constatar o fato (*levante que o criador/admirador de Orlando seja uma mulher.
incontroverso; Orlando foi um homem até os trinta anos; momento in outras palavras, e indo além do físico agora, é seguro dizer que
em que transformou-se em mulher, condição em que tem se mantido a% mulheres gostariam que os homens fossem emocionalmente
desde então. .indróginos — fortes e graciosos, firmes e sensíveis, seguros e vulne-
Aveis, e assim por diante. Mas a questão é a seguinte: os homens,
Ao falar da androginia, a narradora enfatiza a continuidade ,-1,retudo os heterossexuais, querem ser graciosos, sensíveis e vul-
psicológica da identidade de Orlando, independentemente de sua neráveis? Com certeza eles não agem assim. Mas eu digo que eles
mudança de sexo. A despeito da mudança externa, ela nos diz, por Tem sim. Seus sintomas, suas formas de representar seu papel e
dentro Orlando permanece o mesmo. Isso, de certo modo, é nos- sua auto-análise na psicoterapia, tudo isso diz que eles querem. 4
so sinal de que a forma exterior andrógina que ela admira é em Mas, e isso é delicado, eles só vão conseguir obter a androginia
grande parte uma metáfora de seu conteúdo interno. Com efeito, psicológica se a buscarem por iniciativa própria. Especificamente,
"a força do homem e a graça da mulher" não são traços estrita- não podem esperar consegui-la sob a influência direta de uma
mente físicos. Mas, antes que abandonemos o físico, vale notar lulher. Vimos isso na fobia à feminilidade do povo sâmbia, assim
que a exaltação da beleza externa da androginia tem uma tradição tomo na dinâmica da forma tradicional da divisão masculino-femi-
duradoura tanto na cultura clássica como na popular. O Davi de nina. Mas, vejamos mais um exemplo, uma história contada por um
Michelangelo e, com mais propriedade ainda, a escultura de paciente. "Outro dia", ele disse, "minha esposa encontrou um pombo
Donatello do mesmo herói mítico são vivos e belíssimos exemplos machucado. Ela o levou para casa para cuidar dele — e eu não con-
das formas masculina e feminina combinadas à perfeição. Mick segui acreditar, ela estava com lágrimas nos olhos! Lágrimas por
Jagger, David Bowie, Michael Jackson e Prince — com beleza tal- causa do maldito pombo! Aí eu disse a ela, pelo amor de Deus,
vez mais duvidosa — são exemplos de homens andróginos admi- querida, por que você está chorando? Ela ficou furiosa comigo e
rados na cultura pop adolescente. virou as costas". Essa foi a primeira parte da história.
Não deve ser coincidência que os defensores da androginia Na segunda parte, o filho adolescente do paciente, naquele mes-
como ideal físico tenham sido sempre pessoas que se preocupa- mo dia, pisou ou chutou acidentalmente o pombo, que estava se
ram menos com as recomendações da moral convencional — ar- arrastando no quintal. Quando o paciente ficou sabendo disso, fi-
tistas, escritores e... adolescentes. Ao desafiar as rígidas normas da cou louco da vida e gritou com o filho por sua falta de cuidado e
sociedade, essas pessoas — ou pelo menos as obras e as imagens insensibilidade — e, é claro, por "aborrecer sua mãe". O menino
que elas criam — ficaram relativamente isentas da homofobia e então queixou-se com a mãe: "O papai está atacado de novo" e ela,
não se preocuparam em ser alvo da crítica homofóbica de terceiros. por sua vez, foi atrás do paciente e o repreendeu por ser insensível
Porém, mesmo as idéias dominantes da atratividade física masculi- com seu filho.
na envolvem "atributos femininos" tais como uma pele macia e cor- Quando o paciente contou esse drama doméstico para mim,
pos dotados de sedutoras curvas. Aliás, hoje em dia parece que a parecia que iria ou rir ou chorar com essa história toda. Por incrível
atratividade masculina na nossa cultura é encarnada pelo visual que pareça, quando estava me contando essa história, um pombo
142 4- Se os Homens Falassem... ALO N G RATC H ••• 143

pousou no parapeito da janela pelo lado de fora e começou a bicar co de quem não quer ser o único a sofrer é que os outros homens
a vidraça! Bem, apesar de nós dois termos rido com isso — e eu ri também "percam metade de sua masculinidade".)
outra vez (comigo mesmo) quando o paciente seguinte contou o Então, a estratégia emocional dos homens — se eles quiserem
sonho com pombos que tinha tido aquela noite —, também sabía- alguma — tem de ser a androginia voluntária. Sua missão, se resol-
mos que em algum lugar dessa história havia uma questão séria a ser verem aceitá-la, é conciliar os dois lados do conflito da insegurança
tratada. masculina. Para a maioria dos homens, isso significa aceitar seus
Na primeira parte, só depois entendemos, o paciente estava ten- desejos femininos reprimidos, mas, para muitos — os que tem "iden-
tando distanciar-se da ameaça do emocionalismo — por isso criti- tificação com o feminino" —, significa desenvolver seus desejos
cou sua esposa. Mas ele também internalizou a sensibilidade dela, masculinos reprimidos. E as mulheres? O que elas devem fazer en-
de forma que, na segunda parte, quando seu filho descuidadamente quanto seus candidatos a parceiros ou parceiros propriamente tra-
machucou o pombo, ele teve uma reação emocional. É claro que a balham em sua estratégia de longo prazo? Antes de mais nada, as
masculinidade dele estava ameaçada — ele estava sentindo algo pelo mulheres devem reconhecer que a forma como elas lidam com sua
pombo! Então, como último recurso, em vez de ficar triste — ou, própria identificação sexual gera um efeito sobre a identificação
Deus o livre, choroso como sua esposa —, ficou irritado. Em suma, sexual de seus parceiros. Quando uma mulher é feminina demais, o
ele reafirmou sua masculinidade descarregando-a em cima de seu parceiro dela provavelmente será, ou se tornará, muito masculino.
filho. Isso, naturalmente, fez com que sua mulher voltasse e o cen- Quando ela é muito masculina, ele provavelmente será, ou se torna-
surasse por sua insensibilidade com o filho, o que levou ao irônico .', muito feminino. Uma vez percebendo isso, segue-se que a me-
desfecho dessa história, com a seguinte lição para o paciente: não é lhor opção para as mulheres lidarem com a insegurança masculina
possível fugir à influência de uma mulher reagindo a ela. Se as lágri- dos homens é procurarem realizar em si mesmas a conciliação dos
mas de sua esposa lhe incomodam de tal forma que é preciso afas- universos masculino e feminino.
tar-se, você não irá se sentir tão "másculo" no final das contas — Sob esse aspecto, a estratégia emocional das mulheres — igual-
porque no fundo você é tão emotivo quanto. Resumindo, é melhor mente uma questão de livre escolha — é melhor explicada pelo
agir como uma mulher — mantendo-se fiel a seus sentimentos — do princípio "ganhar o jogo do perdedor". Esse princípio, discutido
que reagir a uma mulher. num clássico do investimento que tinha esse título, foi inspirado
Mas há aqui uma lição para as mulheres também. O pedido de por outro livro, o qual falava de... tênis. Nesse livro, o autor, Simon
uma mulher, e que dirá a exigência, de androginia emocional deve- Ramo, explica que o tênis se divide, na verdade, em dois jogos dife-
rá acarretar apenas seu oposto. Se você pedir a um homem para rentes, um jogado pelos profissionais e outro por todos nós. Con-
expressar mais seus sentimentos, ele pode vir com uma conversa forme Stanley Angrist do Wall Street Journal coloca: "Enquanto um
mole para cima de você do tipo: "É claro que eu a amo, querida", profissional 'ganha' de fato o seu jogo, o vencedor das partidas
mas na verdade irá sentir menos e, com o tempo, até a conversa amadoras é determinado pela atuação do perdedor — que derrota a
mole será difícil demais para ele manter. Quanto mais você pedir a si mesmo". A conclusão é que, a não ser que se seja profissional,
ele que aja como uma mulher, mais ele fará questão de agir como você só poderá vencer se jogar para não perder, ou seja, se jogar
um homem. No mito grego, Hermafrodite luta desesperadamente contra você mesmo, não contra seu adversário.
para livrar-se da ninfa apaixonada que se funde no corpo dele. E Para as mulheres, lidar com a insegurança masculina é um jogo
quando os deuses finalmente decidem conceder-lhe — à ninfa — o de perdedor — eles só podem vencer jogando para não perder. E, é
desejo de fundir seus corpos para sempre, vou lhe contar — ele não claro, o pré-requisito para essa estratégia é a capacidade de ignorar
fica nada satisfeito! (Significativamente, seu desejo de vingança típi- — o que equivale a dizer a aceitar como naturais — as jogadas do
144 .410- Se os Homens Falassem... ALON G RATCH "*" 145

adversário. Portanto, o primeiro passo para as mulheres é parar de Esse rapaz havia sido criado numa família cujas representações
tentar enfiar alguma feminilidade em seu parceiro e aceitar a mas- de gênero, bidimensionais e esquemáticas, lembravam aqueles
culinidade dele como ela é. Então, e só então, eles poderão tratar de bonequinhos toscamente rabiscados numa folha de papel. Sua mãe
promover sua própria integração de graciosidade com força, senti- era uma mulher linda, uma dona-de-casa que o "amava até a mor-
mento e razão, passividade e atividade. te", sufocando-o com carinhos e fazendo de tudo para mimá-lo.
Acho que podemos dizer que as mulheres possuem seu próprio Seu pai, oficial de marinha, quando não estava em viagem do outro
conflito de "insegurança feminina" — algumas mulheres ficam fe- lado do mundo tratava-o com rigor militar, exigindo obediência,
mininas demais como uma defesa contra um desejo proibido de ser, precisão e lógica.
digamos, advogadas de uma grande empresa. Essas mulheres temem Logo no início da terapia comigo, o paciente teve um sonho em
perder sua feminilidade se admitirem o desejo de competir no "mun- que, depois de penar com o trânsito e com os elevadores, conseguiu
do dos homens". Outras mulheres vão para o extremo oposto. Acon- chegar à sessão em cima da hora. Mas quando eu o convidei para
tece que, como os homens, as mulheres certamente se identificam entrar no consultório, ele notou que eu era uma mulher. Horroriza-
com seu pai e sua mãe e, portanto, têm o mesmo potencial de de- do, ele se sentou no chão e começou a chorar, sentindo-se traído,
senvolver tanto o conflito como a conciliação de sua identificação em desespero.
sexual. 5 Mas apenas quando elas escolhem a estrada da integração Bem, por que meu paciente ficou tão arrasado quando eu me
— por mais longa e tortuosa que possa ser — acontece de, em al- transformei numa mulher? A explicação mais óbvia é que ele não
gum ponto ao longo do caminho, notarem que seu parceiro está queria que eu me tornasse excessivamente solícito e emotivo como
numa rota paralela. Não, elas não o inspiraram e sequer facilitaram sua mãe. Ele queria que eu fosse tranqüilo e objetivo. ótimo. Mas a
a escolha que ele fez. Mas agora, de repente, eles estão se dando outra maneira de entender o sonho, que é complementar, é que ele
muito melhor como casal. temia que, como seu pai, eu o traísse com minha ausência e frieza,
Paradoxalmente, então, reconhecer as diferenças de gênero e deixando-o apenas com as atenções femininas de sua mãe. Portan-
aceitar o sexo oposto como ele é, é a única forma que ambos os to, obviamente, o paciente também não queria que eu fosse um
sexos têm de partilhar a mesma estratégia emocional, a qual, como militar. O que ele queria — e merecia — não era nem uma figurinha
era de se esperar, está situada no centro andrógino a meio caminho esquemática e simplificada masculina ou feminina, mas uma pessoa
entre os dois. Mas, conforme acredito ter deixado claro, o caminho integral, de três dimensões, androginamente integrada.
para essa estratégia é uma rota paralela, não conjunta, e isso porque Apesar de o paciente sem dúvida merecer isso, não se trata de
essa integração psicológica de opostos não pode ser alcançada pela algo tão fácil de se conseguir, seja para um psicólogo ou para qual-
reação automática deflagrada pela necessidade. Ela precisa nascer quer pessoa. Isso porque, apesar do Orlando de Virginia Woolf pa-
de uma escolha livre, eminentemente consciente. recer transcender completamente as questões de gênero — do mes-
Para o terapeuta profissional, por outro lado, a estratégia emo- mo modo que ao atravessar os séculos ele transcende o tempo —,
cional da androginia não é opcional — é para isso que ele está sen- eu não acredito que a escritora ou o leitor será jamais capaz de
do pago. Pelo menos em meu livro, em se tratando de insegurança transcender seu próprio sexo. Eu jamais poderia ser outra coisa que
masculina, o bom terapeuta — homem ou mulher — precisa ele não fosse um homem para quaisquer de meus pacientes, indepen-
próprio, ou ela própria, estar no caminho da integração andrógina. dente de quanto eles precisem sanar sua divisão masculino-femini-
Essa ficha caiu para mim pela primeira vez alguns anos atrás por na. Tampouco eu conseguiria atingir uma integração plena e equili-
causa de um sonho extraordinariamente doloroso de um dos meus brada, como alguns outros conseguiriam. Mas posso trabalhar nisso
pacientes. e ficar trabalhando nisso, espero, pelo resto da minha vida.
146 Et. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 43" 147

É isso que torna o trabalho do terapeuta emocional e tecnica- porque sentir a própria dor é um pré-requisito para sentir empatia
mente tão difícil: é preciso burilar constantemente o seu único ins- pelo paciente — o que eu obviamente tinha de fazer. E ninguém
trumento — você mesmo. Por exemplo, alguns meses depois de ter consegue — pelo menos eu não consigo — fingir esse tipo de coisa.
começado a se tratar comigo, um dos meus pacientes falou que ti- Além disso, nossa própria reação emocional ao paciente — se
nha ido ver a terapeuta de seus filhos para falar a respeito de uma nos conhecemos bem o suficiente — pode nos dizer algo de impor-
coisa que o filho tinha feito na escola. "Acabei falando de mim mes- tante a respeito dele. Nesse caso, eu precisava entender por que eu
mo, sobre as mesmas coisas que nós falamos", ele disse, "mas eu me vinha sendo crítico e que motivo seria melhor que a dor? Mas, não
abri de verdade com ela e soltei bastante minhas emoções — de obstante tudo isso, o terapeuta não tem de fato tempo para a dor.
uma maneira que eu acho que não acontece aqui. E fiquei pensando I le tem de pôr sua própria dor de lado e ouvir a do paciente. Com
por quê. Talvez porque você seja homem, ou talvez tenha alguma esse paciente, .tive a sorte de perceber que eu tinha me sentido julga-
coisa a ver com a personalidade. Não sei. Depois eu pensei que do por ele desde nossa primeira sessão e que tinha, inconsciente-
talvez eu devesse me tratar com ela — não que eu esteja preparado mente tentado me proteger avaliando-o e criticando-o por minha
para fazer a troca nesse momento —, mas eu tive esse pensamento." vez. Então, apesar de o paciente estar compreensivelmente e "cor-
Quando perguntei a ele o que o havia feito abrir-se mais com a retamente" preocupado a respeito de meu trabalho com ele, toda
outra psicóloga, ele desconversou um pouco antes de dizer: "Talvez cssa transação psicológica foi deflagrada pela própria psicologia dele.
eu achasse que você estava me criticando ou me julgando." No final das contas, essa própria análise mudou todo o foco da
Como vocês podem ter percebido a essa altura, eu não sou de terapia do paciente nos seis meses seguintes, em que nós desvenda-
me melindrar com facilidade. Mas isso pôs o dedo diretamente so- mos uma história extraordinariamente relevante quanto à ansieda-
bre uma ferida minha. Eu não achava que o estivesse julgando, mas, le a respeito do desempenho e da avaliação na família dele. Quanto
assim que ele disse isso, eu senti que não vinha demonstrando tanta •1 min não limitei-me a sobreviver à dor — vali-me dela. Para o
sensibilidade e empatia quanto poderia. E percebi de repente que, terapeuta, esse tipo de trabalho emocionalmente intenso costuma
ao analisar os comportamentos dele, eu tinha, realmente, sido críti- a maior recompensa. Ele é não só uma testemunha ou um
co — não intencionalmente, não conscientemente, mas tinha sido. Licilitador da busca de seu paciente, como também aprende a res-
Isso já tinha sido feito e eu não podia fazer o tempo voltar. Perceber peito de si mesmo tanto quanto de seu paciente. E cresce junto com
isso foi doloroso porque foi uma falha tão elementar — que bem ele. Por isso, espera-se, no fim de um dia de trabalho o terapeuta
pode fazer um terapeuta que é crítico e insensível? Também foi tão 1:10 é um sujeito ressentido, esgotado pelo esforço abnegado, can-
doloroso porque eu provoquei nessa pessoa a dor que deveria aju- sado de tanto escutar as pessoas. Tampouco simplesmente um ho-
dar a curar. E foi doloroso porque magoei alguém de quem eu gos- mem de negócios contando dinheiro (não que essas sejam coisas tão
tava. E por último, mas não menos importante, foi doloroso por- terríveis que jamais façam parte do trabalho do terapeuta, ou de
que eu detestava ser criticado tanto quanto ele. qualquer outra pessoa).
Um momento como esse — o qual, nessa ou naquela forma, é Então, no cerne de qualquer estratégia emocional está a idéia da
comum no relacionamento paciente-terapeuta — é cheio de tensão %'ida como uma obra em andamento. E somente quando os pacien-
emocional e intelectual para o terapeuta. Antes de mais nada, quem tes aceitam essa idéia — a qual é especialmente difícil para os ho-
quer sentir esse tipo de dor? Mesmo agora, quando escrevo a res- mens —, sua experiência terapêutica começa a criar raízes. Nessa
peito, resisto em lembrar do ocorrido; sinto vontade de fugir disso. altura, eles não precisam mais de aconselhamento tático — o qual,
Só que o trabalho do terapeuta não permite essa rota de fuga — lesmo que seja oferecido, eles normalmente não irão implementar,
nosso trabalho é ouvir e aprender a partir desse tipo de dor. Isso t ambém não irá funcionar se o fizerem. Em vez disso, eles desen-
148 -4e- Se os Hornens Falassem... ALON GRATCH 4. 149

volvem suas próprias táticas em conformidade com a pessoa que estidinho em cima de jipes e tanques lutavam para libertar a Fran-
eles são e com o que eles agora sabem que realmente querem. A %. ■ dos nazistas.
seguir, temos um exemplo concreto de tática bem-sucedida utiliza- De preferência, eu gostaria de acreditar que esse tipo de brinca-
da por uma de minhas pacientes do sexo feminino que venceu essa deira era mais do que conciliatória, o significa dizer que minha filha
etapa da batalha para lidar com a divisão masculino-feminina. A HA verdade gostava das batalhas e que meu filho realmente gostava
tática específica está em itálico. 41,Is bonecas. Para ser bastante honesto, porém, por razões defensi-
A paciente que sempre namorava sujeitos bonzinhos que "che- N as que, a essa altura, já deveriam estar evidentes, sinto-me muito
gavam em último lugar" — eles normalmente não tinham dinhei- ;liais à vontade com a primeira parte desse acordo entre os dois do
ro ou profissão —, tomou uma atitude radical para implementar a (pie com a segunda.
estratégia de vencer o jogo do perdedor. Ela guardou algum di-
nheiro e se demitiu de sua posição executiva na firma sem ter ou-
tro emprego ou outro plano de sustento. Conscientemente, ela que-
ria fugir do que sentia como o "rígido, hierárquico, masculini-
zado" ambiente corporativo para entrar em contato com sua femi-
nilidade. Mas, num nível mais profundo, ela estava tentando se
livrar da identificação com a agressividade, a disciplina e a indife-
rença de seu pai, e procurar a imagem solta, impressionável e
infantilizada de sua mãe — que tinha morrido quando a paciente
era uma pré-adolescente.
Bem, no lugar dela, eu (se fosse mulher') jamais teria deixado
meu emprego sem pelo menos um plano para conseguir outro. Mas
deu certo para ela: em poucos meses, começou a ver aqueles "sujei-
tos bonzinhos" de forma bem diferente e conheceu e se casou com
um cara legal que, a bem da verdade, não chegou em último lugar.
E, com o tempo, ela conseguiu arranjar um emprego de consultoria
em meio expediente que, na cabeça dela, era mais coerente com sua
identificação sexual recentemente integrada. 7

Meus filhos, como toda criança, fazem e dizem coisas com sim-
plicidade e franqueza ainda sem as complicações das defesas psico-
lógicas da fase adulta. Quando minha filha estava com quatro anos
e meu filho com sete, eles finalmente puderam brincar juntos e nos
deixar dormir de manhã cedo. Como minha filha adorava a Barbie
e meu filho gostava de brincar de guerra, ao brincar juntos eles
obviamente tinham de formar uma ponte sobre as diferenças de
gênero. Por incrível que pareça, ou talvez por ridículo que pareça,
eles inventaram uma brincadeira conciliatória em que Barbies de
Egocentrismo

...olhe para mim, ouça-me,


toque-me, sinta-me

O escritor tcheco Milan Kundera escreveu: "Toda a vida do ho-


mem entre seus semelhantes não é nada senão uma batalha
para ganhar atenção." Querer ser ouvido não é certamente mais
masculino do que feminino, mas a idéia de que passamos a vicia nos
esforçando para conseguir uma platéia realmente evoca — pelo
menos para mim — a tendência masculina para encher os ouvidos
alheios com seus próprios interesses. Nesse sentido, dizer que os
homens não falam é não apenas distorcer a verdade — é invertê-la.
Enquanto alguns homens escondem-se atrás de um muro de silên-
cio, outros sentem-se perfeitamente à vontade expondo-se num
falatório interminável. Esses homens são como os Alan Dershowitzes
e Pat Buchanans dos noticiários de TV a cabo — dominados por
apresentadores do sexo masculino —, onde entrevistador e entre-
vistado travam um embate verbal cujo único objetivo parece ser
exibir seu ego masculino intelectualizado diante do adversário.
Então, não é que os homens não falem — é que eles não ouvem.
Eles fazem monólogos, não diálogos. E, apesar de ser verdade que
eles não conversam sobre suas fragilidades emocionais em público,
elas surgem diante de nós, por mais inconscientemente que isso se
dê. Infelizmente, por mais geniais que sejam suas idéias ou por mais
que queiram ser ouvidos, graças ao modo como se manifestam, nin-
guém se interessa em escutá-los por mais de dois minutos — no
máximo —, a não ser para responder-lhes à altura.
152 Se os Homens El/assem... ALON GRATCH 4" 153

Impor e Expor ;ocentrismo dos homens surge do conflito da insegurança mascu-


lina. Não é suficiente consolar-se sabendo que se é homem, é preci-
Em muitas famílias, a hora do jantar é o momento perfeito para
No também mostrar isso em público para todos que quiserem (e so-
que o homem na cabeceira da mesa fale sem parar. Ele fala sobre as
bretudo para aqueles que não quiserem) ver.
notícias do dia e sobre política. Ele avalia a comida e a aparência de Num famoso estudo de campo, ainda que datado, feito pela
sua esposa. Ele fala de tudo que fez no trabalho naquele dia. Ele Universidade da Califórnia, os pesquisadores convidaram um enor-
conversa com os filhos sobre suas notas na escola. Ele fala com a me grupo de meninos e meninas de dez a doze anos para brincar
mãe de seus filhos sobre como se comportaram em casa. Ele conta com uma seleção aleatória de brinquedos. Ao analisar esse estudo,
histórias com moral ou então uma piada cujo desfecho tem sempre o psicanalista Erik Erikson observou que enquanto as meninas ten-
um ensinamento a passar. kl Iam a brincar com estruturas interiores tais como o interior de
Em toda essa performance, na qual o homem é o roteirista, o uma casinha, os meninos tendiam a erigir estruturas, edifícios e
diretor e o protagonista, todos os presentes à mesa — com a possí- (urres. A conclusão de Erikson relativa a essa diferença entre os
vel exceção do filho rebelde ou da esposa desafiadora —, incomo- fiCX0S, vocês podem imaginar, foi que a ocupação do espaço por
dados, fingem escutar com atenção e procuram participar num ní- meninos e meninas durante a brincadeira corria em paralelo com
vel minimamente aceitável. o estrutura de seus órgãos sexuais. Considerando-se que isso é vá-
Felizmente, esse jantar de família é apenas um estereótipo. Po- lido ainda hoje, quase sessenta anos depois — os Donald Trump
rém, a exemplo de outros estereótipos, ele está dolorosamente do mundo ainda são predominantemente os homens —, é fácil ver
próximo da nossa realidade. O que ele significa? Uma resposta por que para muitos homens essa preocupação fálica se transfor-
pungente surgiu de uma história que um paciente contou a respei- ma num vício defensivo. Por associarem a vulnerabilidade emo-
to de seu enteado. A criança, que estudava na sexta série de uma cional à feminilidade, não deixa de fazer sentido que o mecanismo
prestigiada escola particular só para rapazes em Manhattan, ouviu compensatório de que lançam mão para tentar se sentir melhor
com todas as letras de um colega implicante que ele tinha "inveja consigo mesmos envolva a ostentação pública da incontestável
do pênis". Sem entender direito, o enteado do paciente foi procu- marca da masculinidade.
rar "inveja do pênis" na enciclopédia da biblioteca, ligada à Internet, Esse tipo de mecanismo compensatório, o qual, a exemplo de
onde, para seu grande horror, descobriu que se tratava de uma urna campanha publicitária, procura inverter a percepção de um
coisa que só as meninas deveriam ter. Irritado e magoado, ele vol- problema mostrando o seu oposto, está no centro do narcisismo —
tou para o pátio e enfrentou o engraçadinho. "Você acha que eu masculino ou feminino. Trata-se de um erro comum achar que o
tenho inveja do pênis? E que tal isso aqui?", gritou, abrindo as narcisismo é um excesso de amor-próprio; a verdade é que ele está
calças e se exibindo. mais próximo da auto-rejeição. Em sua preocupação consigo mes-
O infeliz resultado foi que todo o episódio deflagrou no enteado mo, o narcisista parece de fato amar muito a si mesmo — "Olha só
de meu paciente um padrão de comportamento exibicionista, que para mim, eu sou o máximo", é o que cada movimento dele parece
foi ainda mais traumático para ele do que para as crianças a sua dizer — mas tudo isso é uma defesa bastante frágil contra sentimen-
volta. Esse tipo de auto-exposição masculina não é fundamental- tos menos conscientes de auto-abominação. Lembre-se, Narciso
mente diferente da forma com que os homens, para citar Shakes- apaixonou-se por sua imagem refletida numa poça, não por seu ver-
peare, dão-se a pavonear e exibir sobre o palco para, em seguida, dadeiro eu.
cair no esquecimento. Em outras palavras, o exibicionismo dessa Além disso, conforme articulado pelo psicanalista Heinz Kohut,
criança era verdadeiramente urna crua demonstração de corno o o narciso também pode ser alguém que conscientemente nos conta
154 Se os Homens Falassem... ALON GRATCH ± 155

que odeia a si mesmo e que não tem nada de bom. No princípio, Dentes Nervosos
essa pessoa parece ser um antinarcisista, mas, se rasparmos a super- Agora que sabemos um pouco mais sobre narcisismo, vejamos
fície dessa autodepreciação, veremos que a pessoa está descontente algumas formas mais sutis de egocentrismo masculino. Uma interes-
consigo mesma porque ela não é tão fantástica quando deveria ser. sante característica do homem vaidoso, e até certo de todos os ho-
Um amigo, um homem de muito sucesso em sua área, uma vez me mens, é que ele não vê o próprio egocentrismo. Narciso, o vaidoso
perguntou, "Qual o problema comigo que eu não chego à presidên- original, não sabia que o lindo rapaz que correspondia a seu olhar
cia do Supremo Tribunal ou algum outro cargo assim?" Eu vejo a admirado na água era um mero reflexo. Da mesma maneira, uma
mesma lógica nas pacientes do sexo feminino que são bastante atra- vez que os homens muitas vezes não têm consciência da sua própria
entes, mas que se criticam pela própria aparência como se disses- índole psicológica, eles pensam que sua percepção das outras pes-
sem: "Qual o meu problema que eu não chego a top model?" soas constitui a realidade objetiva, em vez da sua própria psicologia
Então, a melhor forma de descrever o narcisismo é a seguinte: projetada nos outros.
tentativa de controlar sua auto-estima. Claro, posto dessa forma, Nesse sentido, jamais me esquecerei de um dos meus professo-
somos todos narcisistas e, de fato, nós o somos. O segundo elemen- res da faculdade. Homem brilhante e autoritário, exatamente como
to importante do narcisismo é o desempenho, tanto consciente como um pavão ele gostava de ostentar suas penas intelectuais para que
inconsciente. O ator pode atuar no palco com bastante consciência todos admirassem. Parecia que estava sempre precisando mostrar
procurando agradar sua platéia e merecer aplausos para sentir-se bem como era inteligente e nunca perdia uma chance de contestar as
consigo mesmo. Mas ele também pode esquecer sua platéia, mergu- observações e contribuições de seus alunos na aula. Por isso, todos
lhar no personagem que está representando e identificar-se com ele. seus alunos se sentiam intimidados por ele e muitos (inclusive eu)
Esse tipo de atuação em que o ator não sabe mais que está atuando, é sentiam-se reduzidos, na sua presença, a meros idiotas. Minha úni-
semelhante ao que os profissionais de teatro chamam de atuação do ■- a defesa naquela época era acreditar que esse homem, inteligente
Método. como era, devia ter uma visão distorcida da realidade. Ali estava um
Claro, mesmo esse tipo de ator pode continuar detestando a si professor de um dos melhores cursos de sua área no país, onde
mesmo por ter problemas com dinheiro, por ter problemas sexuais havia certamente pelo menos alguns alunos brilhantes, agindo como
ou por não conseguir enfrentar seu produtor. Até que ele aceite se todo o mundo ao seu redor fosse um imbecil — tudo isso sem
suas limitações, sua boa atuação e a admiração que ele provoca na perceber, eu especulava, que ele havia criado esse mar de burrice
platéia só irá proporcionar um alivio temporário, mera distração. para sentir-se melhor em relação ao próprio intelecto.
Acontece que, como o mundo inteiro é um palco, pelo menos Um exemplo mais sutil é oferecido pelo paciente cuja cegueira
em se tratando de narcisistas, a atuação não se limita ao teatro. E narcisística só veio à tona com dois anos de terapia. O paciente
também não se limita à saúde ou à doença mental de homens e asou-se, assim que terminou o curso de direito, com uma mulher
mulheres. Não obstante, há diferenças na forma como os narcisismos que considerava ideal: ela era linda, trabalhadora, equilibrada e
masculino e feminino se apresentam diante do mundo. Isso porque, dedicada. E, além disso, fazia a casa deles parecer uma perfeita casa
como vimos no segundo capítulo, enquanto as mulheres tendem a de revista. No início, ele gostou do ambiente tipo Martha Stewart
detestar a si mesmas por fracassos nas relações sociais e na manu- — as cortinas, os arranjos de mesa, as flores e os panos decorativos.
tenção da aparência física, os homens se sentem mais inferiorizados Mas, depois de um tempo, ele começou a perceber que não havia
quando fracassam no desempenho, seja no trabalho ou no desem- lugar para descansar os pés, para pendurar suas roupas ou para jo-
penho sexual. Em outras palavras, o egocentrismo dos homens é gar o jornal. E também sentiu-se sexualmente oprimido e entediado
decididamente fálico. — tudo era excessivamente agradável e adequado.
156 - 4e• Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 410 157

Então, depois de três anos de casamento, o paciente começou a comprou outro. E depois outro. Em pouco tempo ele esqueceu to-
ter um emocionante caso extraconjugal. Mas, como era basicamen- dos os seus problemas com as mulheres e ficou sendo o orgulhoso,
te um cara do tipo certinho, sentiu-se tão culpado com isso que em senão obcecado, proprietário de seis carros esporte. Ele amava es-
pouco tempo confessou tudo para sua esposa, disposto a terminar o ses carros e ficava extremamente feliz ao me mostrar as fotografias
caso. A esposa, porém, não aceitou e pediu que ele fosse embora como se fossem de seus filhos ou, mais precisamente, de suas namo-
imediatamente. Ele, então, foi morar com a amante, que tinha um radas.
estilo diferente da esposa e com quem ele tinha o que parecia ser Bem, assim que ele e eu percebemos que ele estava substituindo
um relacionamento completamente diferente. Ela era pintora e le- as mulheres que tinha amado pelos carros, esquecendo-se delas,
vava uma vida de arte e romance. Seu loft no East Village tinha sido compreendemos por que ele não tinha percebido o narcisismo de-
arrumado de maneira bastante despojada, com enormes telas de is antes. Apesar de sentir que tinha amado as mulheres, seu interes-
nus quase abstratos encostados uns nos outros ou pendurados pelas se por elas era pouco diferente do seu interesse por carros. A esposa
paredes. Em seu relacionamento com o paciente ela era volátil, exi- representava o ideal de um lar e a amante o ideal do sexo. Os car-
gente e possessiva. E mostrou para ele novos tipos de intenso prazer ros, eu suponho, eram um pouco das duas coisas. Então, o paciente
sexual que ele jamais imaginou ser possíveis. estava tão envolvido com a imagem das coisas quanto as mulheres
Mas, com o tempo, depois que o paciente rompeu com a amante e, do mesmo modo que elas, negava as imperfeições da realidade —
por não ser mais capaz de suportar a montanha-russa emocional a tudo para controlar sua auto-estima, para sentir-se melhor consigo
que ela o submetia e depois de se divorciar de sua esposa, ele e eu mesmo. Em suma, ele não tinha visto o narcisismo das mulheres por
chegamos à conclusão que, em certo importante aspecto, as duas causa do seu próprio.
mulheres que ele amou eram bastante parecidas. A esposa tinha a Analisando agora, o egocentrismo desse homem devia ter ficado
imagem de um casamento centrado em torno de sua visão de um lar evidente desde o princípio, a não ser que ele tenha sido tão encan-
perfeito — uma idéia estética e não uma realidade complexa e im- Ador e simpático que eu só fui capaz de perceber bem mais tarde.
perfeita. A amante tinha uma visão peculiar do relacionamento, ni muitos homens, porém, o egocentrismo não fica nem um pouco
baseada na estética da sensualidade e da paixão, e na crença na su- evidente, mesmo quando eles têm poucos encantos atrás dos quais
premacia da arte. Portanto, as duas mulheres viviam no mundo das possam se esconder. O exemplo que me vem à mente é o de um
imagens e das idéias, não na realidade e as duas não viam o paciente paciente que era sócio pleno de uma firma de contabilidade e que
como ele realmente era. Ambas eram igualmente indiferentes a suas tinha, inclusive, uma aparência bastante inexpressiva. Abaixo da
necessidades emocionais, sobretudo quando elas não se encaixa- superfície, porém, ele vivia atormentado por violentas emoções.
vam ou contrariavam seus mundos idealizados. Em resumo, as duas ( asado havia mais de vinte anos e pai de três adolescentes, o pa-
eram mulheres bastante egocêntricas, incapazes de sentir empatia lente' procurou a terapia porque tinha "se apaixonado" por uma
pelo paciente. jovem do escritório.
Mas por que o paciente não conseguiu ver isso quando começou Na verdade, "apaixonado" não exprime exatamente a situação.
a se envolver com essas mulheres? Ele e eu pensamos nisso por um Ele ficou tão obcecado por essa mulher que não conseguia falar de
momento, mas a resposta finalmente surgiu quando, depois de ter mais nada nas sessões. "Não aconteceu nada entre nós, perceba",
se separado das duas, o paciente decidiu não namorar mais nin- ele disse, e passou a falar de sua preocupação com ela. "Nós nos
guém por um tempo. Mas ele não se sentiu bem estando sem al- olhamos com tanto carinho e tão significativamente, e eu sou capaz
guém e, procurando por uma distração, comprou um belo carro de senti-la entrando na sala sem nem mesmo olhar. E eu penso nela
esporte. E se sentiu tão bem ao dirigir pela cidade nesse carro que e tenho fantasias com ela o tempo todo. Simplesmente não consigo
158 • Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4' 159

parar de pensar nela. Minha mulher me pergunta qual é o problema )gica para o ambiente doméstico, levantando a hipótese de que ele
— é claro que eu não digo a ela. E no trabalho também, sento dian- mbém havia tomado o "fracasso" acadêmico de seus filhos como
te do meu terminal, sonhando acordado com ela por horas — lite- um demérito para si mesmo. Então, talvez ele estivesse sentindo
ralmente. Eu acho que as pessoas estão começando a perceber que que não era bom, que era um fracasso. Mas a tal ponto que fosse
eu não estou rendendo. Mas quando ela está por perto, eu ganho apaz de se envolver numa obsessão que ameaçasse seu casamento e
vida — me sinto tão vivo com ela, como se tivesse ficado morto seu trabalho? Isso parecia improvável. Até que ele me contou mais a
durante anos. É claro, ela é muito, muito bonita." respeito da mulher por quem estava obcecado e a respeito de si
No início, não consegui ajudar em nada esse homem, porque ele mesmo.
não estava interessado em nada mais além da sua obsessão — como Seu "relacionamento" tinha começado quando ela foi encami-
ele se deleitava com ela e como ele precisava que ela cessasse imedia- 11 hada para ser treinada por ele. Na qualidade de mentor, ele ensi-
tamente. Inicialmente eu permiti isso porque queria compreender o n()u coisas bastante complicadas para ela. Em determinada altura
que ele estava passando. Mas depois de algumas sessões, percebi ele a incentivou a fazer uma apresentação para os sócios. Ela não se
que, como ele, eu fora seqüestrado por sua obsessão. Se eu não sentiu preparada para isso, mas seguiu adiante e saiu-se extrema-
sabia nada sobre outros detalhes da sua vida — quem ele era e quais mente bem. Foi depois da apresentação que ela começou a olhar
eram seus recursos psicológicos —, como poderia ajudá-lo a com- para ele com espanto e admiração. "Era como se ela sentisse que eu
bater esse "amor"? havia concedido meus poderes a ela", ele explicou. "Eu fiz com que
Então, eu gradualmente comecei a levá-lo para outras direções. ria parecesse competente e com que eu me sentisse o maior." Isso
Ele me contou que tinha sentido algum estresse havia pouco tempo difirmava minha hipótese de que a obsessão do paciente era um
— nada de mais. Em casa, seu filho mais velho tinha acabado de mecanismo do tipo "sentir-se bem", solicitado por seu precário sen-
receber a resposta dos pedidos de inscrição enviados às universida- i iinento de auto-estima. Mas por que ele era tão vulnerável a amea-
des. Suas principais escolhas tinham sido negadas e ele só foi aceito ças relativamente pequenas à sua visão a respeito de si mesmo? Isso
para a "escola de segurança", um curso bom, mas sem nenhum atra- ficou dolorosamente claro quando ele me contou a história de sua
tivo. Seu filho mais novo, aluno do segundo ano do ensino médio, l a inília.
só estava tirando Bs e Cs, e já estava falando em simplesmente nem Seus pais eram imigrantes e, sob alguns aspectos, típicos. Traba-
ir para a faculdade. No trabalho, seu departamento estava sendo lhavam muito e eram rigorosos, e esperavam muito de seus filhos,
examinado por consultores para ver se era possível obter-se um au- sobretudo em se tratando de desempenho acadêmico. Quando o
mento de produtividade. Apesar de não haver motivo para pensar paciente tinha onze anos, seu irmão de dezesseis anos criou um
que havia algum problema em seu departamento e seu emprego software que poderia (e de fato conseguiu) ter um papel preponde-
estar de qualquer modo assegurado, ele estava preocupado que o rante no desenvolvimento da TV a cabo. Desse dia em diante, tudo
estudo pudesse descobrir algo de negativo. mudou na vida da família. Os pais primeiro procuraram um investi-
Esse tipo de estresse parecia relativamente menor, certamente dor, expondo o irmão e a família como um todo na mídia. Então,
insuficiente para deflagrar sua obsessão. Mas, contra todas as ex- eles se dedicaram inteiramente a viabilizar o futuro universitário de
pectativas, eu aventei a hipótese de que poderia ser bastante sério, wu filho mais velho. Finalmente, enquanto o irmão do paciente
pelo menos quanto a uma coisa — sua auto-estima estava na berlinda. estava na faculdade — em Stanford —, eles decidiram abrir uma
Em termos de trabalho, era razoável supor que se fosse achado al- firma com ele na Califórnia. Certos de que esse seria seu ingresso
guma falha no desempenho do departamento, ele a tomaria como para o sonho americano, eles sacaram seu fundo de garantia, muda-
um fato desabonador para ele próprio. Então, eu levei essa mesma ram-se para a Califórnia e investiram tudo que tinham na firma. E
160 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 161

como se não fosse o suficiente para fazer meu paciente se tória do meu paciente — ou com a de seu irmão. Ou de ambos, uma
esquecido e deixá-lo com inveja, na faculdade seu irmão conht vez que cada história é o exato oposto da outra. E, é claro, pode-se
se casou com uma estrela adolescente do cinema. dizer que as aspirações dos imigrantes só fazem ressaltar os valores
Essa história explicava (1) por que o paciente tinha baixa da sociedade na qual eles procuram se integrar. De fato, a busca
estima — ele se sentia desprezado por seus pais em compara pelo sonho americano costuma ser uma busca narcisística para todo
seu irmão; (2) por que o desempenho acadêmico e profissional mundo — uma preocupação com a aquisição de sinais externos de
assuntos tão sensíveis para ele — idem; (3) por que o fato d sucesso como meio de obter o sentimento interno do próprio valor.
filho não ter conseguido ir para uma faculdade melhor teve 1.11 Muito tem sido dito sobre os efeitos perniciosos do narcisismo
pacto tão grande sobre ele — esse "fracasso" o lembrava de ui da nossa sociedade sobre as mulheres — por exemplo, as definições
ríodo doloroso em sua vida, quando ele se sentia abandonado de beleza física baseadas nas modelos, a despeito da mulher ser
pais que tinham parado de agir como seus pais para fomer reificada e da tendência da mulher para disfunções da alimentação.
genialidade de seu irmão; e (4) por que desejar uma moça E Menos tem sido dito a respeito de suas conseqüências sobre os ho-
era a melhor maneira de remediar sua própria baixa auto-estii mens. Obviamente, as pressões culturais sobre os homens recaem
era uma tentativa inconsciente de competir com, ou ser com( menos sobre a aparência física e mais sobre a aparência de sucesso.
incensado irmão. mbora o estilo ou o modo da pressão aplicada sobre os homens
Essa história também demonstra como o narcisismo produ2 arie segundo cada subcultura ou mesmo segundo cada região, a
narcisismo. Os pais, sentindo que seu filho é a melhor oportu mensagem é sempre a mesma e, na maioria das vezes, o mensageiro
de de remediar seu próprio baixo auto-respeito, exigem e esr é o pai. Por exemplo, em Nova York, é o estilo "salve-se quem pu-
o máximo desempenho. A criança, sentindo que não é acei der" dos banqueiros de investimento, em que o pai é a lei, quando
jeito que é, reprime esses sentimentos e procura correspon diz: "É melhor você só tirar A se quiser chegar em algum lugar na
seus pais. Porém, sentimentos inconscientes de baixo auto-re vida" (Se você quiser ter o meu respeito, seu vagabundo, é o que a
persistem e, quando adulto, ele tenta remediá-los iniciando um criança ouve). Em Hollywood, a mensagem é calorosa e vaga, como
ciclo narcisístico com seu próprio filho. Esse ciclo também der em: "Você é maravilhoso, não vai ser difícil tirar A" (Pelo jeito, não
tra outra marca do narcisismo — a natureza vicária de suas al• serei tão maravilhoso se não tirar, é o que a criança ouve aqui).
e sofrimentos. No caso do meu paciente, seus pais viv Nas duas últimas décadas, a segunda técnica ganhou enorme
vicariamente através de seus filhos. Seguindo seus passos, o ix popularidade em vários lugares, de seminários de treinamento de
te viveu vicariamente através de seus filhos, assim como atraN gerenciamento até livros sobre puericultura. Pela minha experiên-
seu departamento e até mesmo através da jovem mulher por , t.i, o "fgedback positivo", ou elogiar a criança e, em menor medi-
estava obcecado. Era porque ela era linda e jovem que ele se da, os adultos, costuma ser tão prejudicial quanto o feedback nega-
vivo. Era porque ela o admirava que ele se sentia bem consigo tivo, se não for mais. Para uma criança, ambos são igualmente
mo. Tão bem, na verdade, que não queria perdê-la — fisicame avaliatórios, passando a mensagem de que ela está sendo observada
ainda mais importante, como uma presença na sua mente. e avaliada, que seu desempenho é importante para o pai (e não para
obsessão. si mesma) e que seu valor depende de sua capacidade de mostrar
Obviamente, o narcisismo apresenta um aspecto cultura luan desempenho.
caso desse paciente, provavelmente terá a ver com a obstinad Mas enquanto a técnica de Wall Street é tão direta que pelo menos
do imigrante para realizar o sonho americano. Eu suspeito q riança sabe o que se espera dela, a técnica de Hollywood é mais
lhos de muitos imigrantes serão capazes de se identificar com il ■ anipuladora — a criança ouve palavras amorosas, mas sente UM
162 4- Se os Homens Falassem... ALON GILATCH 4» 163

coisa muito mais presa a outros interesses. E ela sequer pode sentir fica quando nós a ultrapassamos — ou, mais provavelmente, quan-
raiva ou medo — apenas sente-se obrigada a mostrar bom desempe- do outras pessoas o fazem. Como princípio geral, se as expectativas
nho. Por exemplo, Barbara Walters se preocupa com os sentimentos que nutrimos a respeito de nós mesmos ou de terceiros — inclusive
de seus entrevistados quando lhes pede com sensibilidade e doçura de nossos filhos — estiverem apenas ligeiramente acima do nosso
para desnudar suas almas em cadeia nacional, ou ela se preocupa potencial ou do deles, nosso narcisismo nos manterá em boa forma.
com a capacidade que eles têm de produzir uma performance extre- Mas se nossas expectativas estiverem muito acima do potencial, é
mamente comovente para seu público? Provavelmente as duas coi- provável que inflijamos sobre os outros, assim como sobre nós mes-
sas, mas qual das delas é a fundamental?' mos, dor contraproducente. Finalmente, se nossas expectativas esti-
Está ficando claro que, com as mudanças trazidas pelos novos verem no potencial ou abaixo dele, tampouco estaremos fazendo um
tempos, a pressão para se ter sucesso — um infeliz componente de hem para quem quer que seja. O outro princípio, é claro, reza que,
muitas dinâmicas pai-filho —, começa a ser um elemento mais co- Até o grau em que for possível, nossa capacidade de amar deve ser
mum também nas relações pai-filha e mãe-filha. Não obstante, a vompletamente independente dessas expectativas de desempenho.
antiga dinâmica de Abraão e Isaque — o pai disposto a sacrificar seu
filho no altar por alguma idéia, expectativa ou teste — continua
Orelhas Pontudas (A Síndrome do Chefe Tirânico)
sendo fundamentalmente masculina. Seja como for, as meninas ain-
da pagam um preço mais baixo (e colhem menos vantagens) pela Uma maneira de analisar o egocentrismo dos homens se refere
obsessão de seus pais com um grande plano — sua concepção racio- ) fato de ele ser um ativo no trabalho, porém um passivo em casa
nalizada, idealizada, do que o poder e as conquistas podem fazer nas relações íntimas. O raciocínio por trás dessa hipótese é que
por eles e, se não por eles, mediante projeção por seus filhos. Em i i( i trabalho parecer bom é uma boa política e que a aparência de

outra passagem bíblica, essa dinâmica pai-filho foi captada pelo pro- • litoconfiança inspira confiança nos outros. E, de fato, muitas pes-
feta Jeremias, que disse: "Os pais comeram uvas verdes e os dentes u.is bem-sucedidas profissionalmente exibem orgulhosamente esse
dos filhos se embotaram."' po de personalidade exuberante, extrovertida, segura de si e com-
Na psicologia, como na vida, o narcisismo tende a ter má fama. pletamente egocêntrica. No terreno das relações interpessoais, por
Porém, muitos analistas influentes têm ressaltado suas contribui- nitro lado, não só precisamos nos importar emocionalmente com
ções positivas — tais como empregos que envolvem situações de os outros, como também temos de baixar a guarda e revelar nossos
alta visibilidade e de alto desempenho, nos quais essa qualidade possa i mentos, tais como dúvidas íntimas, insegurança e medo de re-
ser necessária. O psicanalista Heinz Kohut, por exemplo, apresen- Ie R,,ão. O homem egocêntrico, porém, pode estar tão interessado
tou uma teoria sobre como o narcisismo se desenvolve em todo In retirar esses sentimentos da consciência numa tentativa de pare-
mundo desde a mais tenra infância em diante. A idéia, com a qual Ler bom, que não está mais disposto a se abrir dessa maneira. E ele
eu concordo, é que o egocentrismo só é patológico quando levado pode estar igualmente tão interessado que seus entes queridos exi-
ao extremo. Uma saudável dose de amor-próprio — mesmo como bam essa mesma aparência de valor — uma vez que ele se reflete
uma defesa contra uma auto-rejeição inconsciente — é uma coisa neles — que tampouco permitirá que eles exponham suas fraquezas.
positiva no sentido de que nos motiva a cuidar de nós mesmos e nos Embora essa hipótese tenha sua parcela de verdade, no final das
inspira a melhorar nosso desempenho em tudo que fazemos. mi as não há maneira de dividir e compartimentar a psique de um
Claro, a pergunta de um milhão de dólares é a seguinte, onde homem como se fosse uma máquina de trabalhar e de amar. Um
fica a tênue linha que separa o narcisismo saudável do excessivo? II, miem que se sente frustrado com sua esposa ou namorada irá
Embora seja difícil apontar com precisão, eu acho que sabemos onde ilescontar no trabalho — e vice-versa. Então, também no trabalho,
164 Kt- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 165

o egocentrismo de um homem pode se tornar um problema. Mais lha." "Sua orelha?", perguntei, subitamente começando a lutar con-
comumente, isso é um problema primeiro para todos os que convi- tra uma irresistível vontade de desviar dos seus olhos e olhar suas
vem com ele — a menos e até que sua parceira exija que ele procure orelhas. "Minha orelha direita", ele disse, virando a cabeça de lado
aconselhamento ou terapia, o que felizmente não é incomum nos por um ou dois segundos, mostrando-a rapidamente para mim. Foi
dias de hoje. rápido demais para que eu conseguisse ver alguma coisa e de uma
Um desses pacientes, um homem em seus trinta e poucos anos, maneira que só fez aumentar minha curiosidade, assim como inten-
era gerente de sistemas numa indústria farmacêutica. Eu fui indica- sificou seu esforço para controlar meu olhar com seu próprio olhar
do para ele por seu diretor de recursos humanos por causa de três de águia. Não obstante, consegui ver que havia algum defeito na
queixas de seus subordinados, segundo as quais ele fora verbalmen- orelha — era pontuda e torcida.
te grosseiro em relação a eles. Quando pedi a "Mark", o paciente, "Pois é, eu nasci com uma deformidade na orelha — tem a ver
que descrevesse os incidentes em questão, fiquei sabendo que todos com alguma anomalia genética rara. Toda minha infância, minha
os três envolviam mulheres. E também fiquei sabendo que todos os mãe sempre me levou ao médico. Desde os seis até os onze ou doze
três envolviam mulheres que ele achava que "não o ouviam", "não anos de idade eu passei por uma série de cirurgias plásticas que,
entendiam" ou "não faziam o que deviam fazer". Ao conversar a aliás, só conseguiram piorá-la. E a cada vez eu tive de usar ataduras
respeito, o paciente admitiu que seu comportamento era autoritário de gaze e curativos na orelha e na cabeça durante semanas, sempre
e inadequado, mas ele insistia que sentia-se "incrivelmente indignado sentindo que todo mundo estava olhando pra mim! Então, acho
pela extrema incompetência dessas mulheres". E negava que seu com- que com o tempo desenvolvi um jeito de evitar que as pessoas olhas-
portamento tivesse qualquer coisa a ver com o sexo delas; porém, sem para mim — para a minha orelha. É basicamente uma forma de
mais tarde, ele explicou que, na época, tinha tido medo "de algum me esconder.
tipo de conseqüência legal referente a assédio sexual". "Enfim, não sei como entramos nesse assunto, a não ser que
Na primeira sessão, notei que Mark olhava para mim de uma você perguntou. Mas não sei se isso tem qualquer coisa a ver com o
maneira especialmente fixa. Parecia que ele estava procurando man- que está acontecendo no trabalho."
ter o contato visual o tempo inteiro como a supervisionar ou con- "Talvez tenha, talvez não", respondi. "Seus pais foram atencio-
trolar o movimento dos meus olhos. Isso fez com que eu me sentisse sos no trato dessa questão quando você era criança?"
tenso e desconfortável, até que, finalmente, perguntei a ele. "Sabe", "Meus pais se separaram quando eu tinha por volta de cinco
eu disse, "não consigo dizer exatamente o que é, mas tem alguma inos e meu pai vivia lá no mundo dele — eu não o vi muito depois
coisa no jeito como você olha para mim que parece um pouco tenso disso. Minha mãe sempre me disse que eu era lindo e que minha
ou aflito. Sabe do que estou falando?" Por uma fração de segundo, orelha era perfeitamente normal, e que ia ficar ainda melhor com as
Mark pareceu desnorteado por minha pergunta, como se tivesse Ir- urgias. Mas ela era muito emotiva. Estava sempre olhando para
sido pego de surpresa. Mas em seguida, assisti a uma impressionan- nume chorando, e eu ficava pensando: "Mas que droga, pára com
te transformação: ele se recostou na poltrona, relaxando não ape- esse drama". Claro que eu não dizia isso a ela. E acho que eu nunca
nas o olhar, mas o corpo inteiro. Então, retomando sua postura disse para ela que as outras crianças olhavam para mim, nem nada
corporal e seu olhar, ele respondeu: "Eu sou sempre assim — prati- – puxa vida, ela olhava sempre para mim, como se ela sentisse a
camente o tempo todo. E sei exatamente do que é que você está dor. E tivemos brigas horríveis em que ela sempre terminava cho-
falando!" rando. Então, para responder sua pergunta, não, meu pai era bonzi-
Aqui ele fez uma pausa, e fixando o olhar em mim com mais nho, mas imprestável — nunca esteve presente — e minha mãe, ela
firmeza ainda, acrescentou: "Acho que tem a ver com a minha ore- não ajudou muito, ela própria era uma pobre coitada. Era uma per-
166 .4i• Se os Homens Falassem... ALON G RATCH 4. 1 67

feita incompetente! E era uma tremenda controladora — estava sem ma incompetência do paciente — que está sempre no centro do
pre certa e tinha de ser sempre o que ela queria, do jeito que elt egocentrismo masculino — consistia em não avaliar essas mulheres
queria". pelo que elas eram, seres humanos com limitações e defeitos. Assim
A essa altura Mark estava ficando realmente enfurecido e pare nmo sua mãe não conseguia suportar a dor provocada pela visão
cia pronto a estourar. Mas, de repente, ele parou e suspirou. "Ache (Ia má-formação de sua orelha, ele não conseguia suportar os senti-
que tinha deixado essa raiva da minha mãe no passado anos atrás mentos provocados pelos erros de suas subordinadas. E, assim como
mas acho que não é bem assim. Ela ainda me deixa profundamente sua mãe fez com que ele se sentisse ainda pior ao projetar sua pró-
irritado, a nobre senhora — mas eu achei que tinha me resolvi& pria má-formação psíquica na orelha dele, ele fez com que elas se
com ela. Estou vendo que não." sentissem ainda pior projetando seu próprio eu ofendido nas im-
Nesse ponto contei ao paciente a piada dos dois psicanalista perfeições delas.
que se encontraram para almoçar. "Fui jantar com minha mãe ou A orelha desse paciente, onde grande parte dessa dinâmica teve
tro dia", um analista disse para o outro, "e cometi um tremendo atc início, permanecerá sempre na minha cabeça como um agudo lem-
falho. Eu queria pedir para ela me passar o sal e, em vez disso, saiu brete da natureza autodestruidora do amor-próprio narcisístico. Se
Sua maldita puta velha, você arruinou minha vida'." Como es& o paciente não tivesse tentado controlar sua imagem procurando
piada demonstra, as mães sofrem um bocado na teoria psicanalítica vontrole sobre o meu olhar, eu duvido que jamais iria ter prestado
Não obstante, a relação mãe-filho é tão poderosa quanto qualque unis do que uma atenção passageira a sua forma defeituosa. Acredi-
outra. E para esse paciente, como o pai estava obviamente ausente to que todos nós já tivemos variações dessa mesma experiência com
ela foi especialmente poderosa. O triste é que essa mãe não era nitras pessoas; por exemplo, com homens que chamam a atenção
evidentemente, má pessoa. Na verdade, ao tentar operar sua orelht para sua estatura (se eles não tocassem envergonhadamente nesse
e ao dizer que ela era maravilhosa, estava obviamente bem-inten issunto, não prestaríamos atenção ao fato de ele ser baixinho) ou
cionada. Acontece que ela levou ao extremo o que todos os pai! seu cabelo (se eles não fizessem uma piada gozando do próprio ca-
fazem e acabou involuntariamente prejudicando seu filho — procu belo, não prestaríamos atenção ao fato de estar ficando careca).
rou protegê-lo da dor. A mãe desse paciente, você poderia dizer, tinha empatia demais
Porém, no final das contas, ela fez isso — como todos os pai! por ele — ela se identificava completamente com a dor de se ter um
fazem em certa medida — não para protegê-lo, mas para proteger orgão defeituoso. Também podemos facilmente imaginar o tipo
si mesma. Obviamente, ela não conseguia suportar sua própria doi oposto de reação materna, ou seja, ter muito pouca empatia e ser
pelo defeito físico de seu filho. A esse respeito, seu fracasso foi que completamente insensível aos sentimentos do filho quanto à orelha
ela não via seu filho — via apenas sua orelha deformada. Em conse ("Não tem nada de errado com a sua orelha e não quero mais ouvir
qüência, ele não sentiu que sua orelha era ligeira e irrelevantemente falar disso"). A verdade é que ambas as reações são igualmente não
estranha, o que poderia ter sido sua verdade psíquica, mas que ele empáticas — obviamente, a mãe do paciente não conseguiu estabe-
próprio era deformado, o que infelizmente tornou-se sua verdade lecer empatia com a necessidade que ele tinha de sentir que ele era
psíquica. normal mesmo que sua orelha não fosse. Quando extremos e conti-
Bem, depois de ter analisado isso com Mark, ficou instantanea nuados, ambos os tipos de falta empática — ignorar os sentimentos
mente evidente por que a "extrema incompetência" da parte de de um filho ou dedicar-lhes demasiada atenção — podem facilitar
suas subordinadas do sexo feminino o irritava. Conforme ele colo n In desenvolvimento narcisístico. Quando uma criança sente que
cou: "Foi esse tipo de modus operandi feminino que fez com que et ias emoções não são vistas, ela sente que não é importante. Como
me sentisse o próprio 'homem elefante". É claro, a própria extre %%0 é doloroso demais para suportar, ela se recolhe em fantasias nas
168 4- Se os Homens Falassem... ALON GRA-1'CH 4!)• 169

quais é alguém especial e que são muitas vezes grandiloqüentes e garantiriam um emprego de mesmo nível praticamente em um dia.
vingativas. Na outra ponta do mesmo barco, quando uma crianç2 Mas ele não era do tipo que "desiste fácil" e estava determinado a
sente que suas emoções sempre são vistas e cuidadas, não há muitc tentar entender e assumir o controle de sua situação com seu chefe.
motivo para abandonar sua concepção naturalmente egocêntrica d( Então, juntos, ele e eu desenvolvemos uma série de questões e op-
que o mundo gira em torno dela. ções de diagnóstico sobre as quais ele acabou conseguindo agir para
Para ser justo, meu paciente de orelhas pontudas não era tãc resolver o problema.
narcisista assim — ele era, na verdade, uma pessoa sensível e mode- Primeiro, é preciso definir outros tipos de chefe tirânico. Apesar
rada. Tampouco havia um padrão consistente de abuso de podei de nenhum ser mutuamente excludente, além do egocentrismo,
com seus subordinados. Aliás, ele era geralmente considerado uni outros fatores psicológicos ou comportamentais tais como disfunções
supervisor com quem todos gostavam de trabalhar. E reagia extre- do controle de impulsos, "temperamento", depressão, alcoolismo e
mamente bem a nosso breve relacionamento terapêutico. Ele assu- , litodestruição podem estar agindo. Mas, na ausência desses sinais,
miu a responsabilidade por seus atos e, até onde sei, não provocou e se o chefe for um homem firme, preocupado com o desempenho,
outros incidentes desse tipo. Não obstante, sua história demonstra que exija perfeição dos outros tanto quanto de si mesmo, e se pare-
a dinâmica central característica do que eu acredito ser um fenôme- ce ser seguro de si até o ponto da arrogância, e se admira o poder, a
no generalizado no meio empresarial americano, o qual acabei bati- inteligência ou a beleza, é possível que estejamos lidando com um
zando de "a síndrome do chefe tirânico". homem egocêntrico que esteja à espera de um sinal de fraqueza de
Com o passar dos anos, atendi diversos desses "chefes tirâni- um subordinado para então projetar seu eu passivo, inseguro e rela-
cos". Mas também atendi suas "vítimas", que sempre acharam útil xado quanto ao desempenho sobre outrem, de forma a não ter de
procurar entender a psicologia de seu chefe. Um desses paciente5 senti-lo em si mesmo.
era um jovem que tinha acabado de sair da faculdade de administra- Se for esse o caso, as questões diagnósticas que restam serão
ção e estava trabalhando para uma das mais badaladas empresas de mais sobre você mesmo do que sobre o chefe. Você é capaz de admi-
multimídia da Internet no Silicon Valley da cidade de Nova York. rar alguém sem ser subserviente, como em: "O senhor é ótimo e eu
Inicialmente, o paciente se saiu bem porque sabia instintivamente sou ótimo também"? Se não, provavelmente será melhor procurar
que tinha de fazer seu chefe se sentir um gênio. Porém, depois de outro emprego. Lidar com esse tipo de chefe não é diferente de
um tempo, essa estratégia saiu pela culatra porque ele acabou nãc lidar com o valentão da quadra que chega de repente e pega no pé
conseguindo cuidar da própria imagem, de forma que sua admira- do garoto de quem deve conseguir uma reação. Se você disser algo
ção pelo chefe foi interpretada por este como reconhecimento de do que está sentindo para seu chefe (por exemplo, "Não me sinto à
fraqueza. E, de fato, a tiranização começou quando o paciente certc vontade quando..."), ele saberá que você está sofrendo, o que não é
dia admitiu nervosamente não saber algo — o que ele provavelmen- bom, porque saberá que pode usá-lo para sentir-se melhor consigo
te poderia saber, mas não tinha absolutamente nenhuma conse- mesmo. Se ficarmos intimidados demais para dizer alguma coisa —
qüência importante. O chefe fez uma piada maldosa, desdenhando, final, ele é o chefe —, isso também não é bom, porque ele percebe-
a primeira de uma série num ciclo sadomasoquista que o paciente i facilmente sua vulnerabilidade e, de novo, terá você nas mãos.
não sabia como parar e que, aos poucos, foi fazendo com que ele se Mesmo que você finja ignorá-lo, não adianta — ele saberá que você
sentisse desprezível na vida em geral. está fingindo.
O interessante era que esse paciente gozava de tal situação que Mas se você perceber que a insegurança que você está sentindo
poderia pedir demissão. Tinha algumas economias e tinha uma sé- em relação a seu chefe é um depósito que ele fez, ou seja, que o
rie de talentos altamente procurados no meio tecnológico que lhe propósito do abuso dele é fazê-lo sentir o que ele sente dentro dele,
170 4- Se os Homens Falassorz... ALON GRATCH 4- 171

você poderá simplesmente devolver o depósito para o dono. Issc lembrá-lo que ele o está deixando confuso com suas investidas, que
obviamente, envolve algum tipo de confronto, o que exigirá mai você não é tolo e que não irá aceitar isso dele. Se fizer isso, ele irá
duas questões diagnósticas antes de prosseguirmos. Você pode s -,eguir adiante e pegar no pé de outra pessoa. Aliás, se você fizer
dar ao luxo de perder seu emprego? Se não, o confronto pode se .sØ, será muito provável que você ganhe o respeito dele e, portan-
um risco alto demais — apesar de o risco de sentir-se angustiado ni to, seja incluído em sua órbita narcisística, ou seja, em seu mundo
trabalho durante muito tempo poder ser pior e poder, mais cedo oi de grandiosidade ilusória onde ninguém, inclusive você, está sujeito
mais tarde, levar a uma reação formal de sua parte que se voltar. a fazer qualquer coisa de errado.
contra você do mesmo jeito. Essa órbita narcisística, é bom que você saiba, pode ser estável
Mas e se você puder se dar ao luxo de perder o emprego, mas nãt no sentido de que você pode ser um planeta membro por muito
quiser? Digamos que ele seja muito bom para sua carreira. Nesse caso tempo. Mas ela será sempre ilusória — mesmo que sejamos maravi-
você precisa averiguar se o seu chefe é ou não igualmente tirânict lhosos, cedo ou tarde percebemos que existe alguém melhor do que
com todos os subordinados. Se for, provavelmente é uma batallu nós. Portanto, essa é uma órbita fundamentalmente precária, que
perdida — o comportamento dele é imutável independentemente .1 lioç leva à última pergunta que você deveria fazer a si mesmo, se
personalidade ou estilo da outra parte. Se não for, eis sua prova clt Imo antes, depois do confronto: eu realmente quero fazer parte desse
que ele consegue se comportar direitinho quando convém. Na maio. I ube?
ria dos casos, o chefe egocêntrico é seletivamente tirânico, o que sig. Com relação às palavras que devem ser usadas na hora de en-
nifica que há alguma coisa que você possa fazer a respeito. i rentar um chefe tirânico, a ironia é que quando temos essa valentia
Então, agora você está pronto para enfrentar seu chefe. Que pia- interior, elas saem com relativa facilidade. Podem consistir numa
da — quantos iríamos nos aventurar a fazer isso!? É dificílimo ter rase tão simples quanto "Não estou gostando do modo como você
coragem de chegar para um brutamontes e dizer: "Se você se apro- está falando comigo" ou "Ninguém nunca lhe diz que você é meti-
ximar de mim novamente eu quebro suas pernas", mas é ainda mais do a valentão?" ou podem ser complexas como: "Não entendo o
difícil encontrar as palavras equivalentes para usar num ambiente que o faz pensar que pode falar comigo dessa maneira. Eu cometi
profissional. Então, a próxima pergunta é, você é durão o suficiente um erro, grande coisa, vou corrigi-lo. Mas espero cometer outros
por dentro para fazer isso? O problema é, não é possível fingir. erros, exatamente como você e todo mundo. Não sou criança e
Toda a estrutura da personalidade do chefe protege a superde- você, com certeza, também não é criança. Eu adoro o meu trabalho
senvolvida capacidade que ele tem de detectar a vulnerabilidade e adoraria continuar trabalhando para você, mas não sob essas con-
alheia — de tal forma que ele possa (a essa altura você já pode dições."
completar a frase sozinho) sentir-se melhor consigo mesmo. Então, Ou, se você for um psicólogo, pode preferir dizer: "Pare de ten-
pura e simplesmente dizer as palavras certas para ele não vai fun- Lir me intimidar. Não pretendo ser o recipiente das suas projeções
cionar — é preciso dizer com convicção, o que significa que você I eini ninas. Já pensou em aceitar a mocinha dentro de você em vez
precisa saber internamente que não irá aceitar mais nenhum abuso le jogá-la sobre os outros para poder dar uma surra nela?" Mas aí,
da parte dele. Se você não souber isso, será preciso conseguir ajuda .1 não ser que ele esteja na terapia — e mesmo que esteja —, seu
— de um amigo, de um colega de trabalho ou de um terapeuta — , lie le poderá simplesmente despedi-lo como um verme.
antes de enfrentá-lo. Ajuda que o fará sentir seu valor e poder como Bem, tudo isso não é um chamado para a guerra. Por mais atra-
funcionário da empresa e, melhor que isso, como ser humano. ente que o bordão "Não vou aceitar nenhum abuso" possa ser, en-
Portanto, presumindo que você agora está pronto para enfren- (Kir no campo de batalha com seu chefe é geralmente uma causa
tar seu chefe, o que é que se deve dizer, afinal? Bem, seu papel é perdida. Essa, aliás, foi a conclusão a que meu paciente chegou. Ele
172 4- Se os Homens Falassem... MON GRATCH 4,* 173

acabou apresentando a seu chefe uma carta de demissão explicando xam nesse estereótipo — alguns são mais sutis em seu narcisismo e
que gostaria de trabalhar num ambiente um pouco mais humano. alguns o escondem inteiramente. Esse último, é claro, é o mais peri-
Talvez previsivelmente, o chefe pediu que ele ficasse e prometeu goso porque sua apresentação antinarcisística nos tranqüiliza — e a
tratá-lo de forma diferente. Mas o paciente declinou. A lição é que eles —, levando à complacência. Eu explico.
a maioria das pessoas tem mais poder sobre seu patrão (e emprega- Certa vez, fiquei preso num tremendo engarrafamento a cami-
dor) do que imagina. Há exceções, é claro — alguns de nós "enfren- nho do trabalho. Para minha grande consternação, não consegui
taríamos" um chefe durão não para acabar com um abuso, mas como chegar a tempo para meu primeiro paciente e perdi a sessão inteira.
forma de evitar assumir a responsabilidade por seu próprio desem- Por incrível que possa parecer, isso nunca tinha acontecido antes,
penho medíocre. Na minha cabeça, não respeitar a legítima dife- mas o que tornava a coisa especialmente desagradável era o fato de
rença de poder entre você e seu chefe é tão egocêntrico e destrutivo se tratar apenas da segunda sessão com um novo paciente. Então,
quanto o assédio do chefe tirânico. enquanto eu digitava o número do telefone do paciente mais tarde,
Podemos afirmar que os chefes tirânicos estão por toda parte. todos os tipos de situações cruzavam a minha mente. Será que ele
Mas apesar de poder ser uma completa coincidência que os dois tinha ficado esperando no saguão do prédio durante quarenta e
gerentes descritos anteriormente fossem da área de alta-tecnologia, cinco minutos? O que ele fez lá todo esse tempo? O que ele estava
pela minha experiência, essa área traz à tona o narciso em todos pensando? Teria ficado furioso? Revoltado? Será que voltaria? Que
nós. Como? Bem, ela promete rapidez, eficiência e facilidade de maneira horrível de começar uma relação terapêutica (ou de qual-
uso — nada menos que um desempenho revolucionário. E à medi- quer outro tipo)!
da que ela proporciona esse tipo de poderoso e milagroso resulta- Bem, as fantasias são ótimas porque a realidade às vezes é ainda
do, nos tornamos dependentes dela nutrindo expectativas de per- mais estranha. Quando atendeu o telefone, o paciente foi incrivel-
feição. Porém, cedo ou tarde — e muitas vezes no momento mais mente gentil. "Eu fiquei bem", ele disse, "na verdade aproveitei o
inoportuno —, sobrevém uma pequena falha e o "sistema cai". É tempo para rever uns memorandos que eu tinha de analisar para o
quando reagimos com violento ataque de fúria narcisística, como se t rabalho hoje". E em resposta a minhas expressas desculpas e expli-
o tapete tivesse sido puxado debaixo de nossos nobres pés. cações, ele acrescentou: "Parece que foi mais estressante para você
E não importa o quão avançada seja a alta tecnologia, sempre do que para mim". "É verdade", eu disse. "Podemos marcar para o
haverá uma pequena falha. Conforme um prestador de serviço que mesmo horário na semana que vem". Desliguei sentindo-me feliz,
eu conheço disse — explicando como pessoas que gastam US$ Aliviado, satisfeito. Apenas meses depois, quando estava começan-
100.000 na reforma da cozinha acabam insatisfeitas — "a madeira do a conhecer esse paciente, percebi que naquela breve conversa
se curva". Portanto, nenhum computador e nenhum programador telefônica ele tinha tentado (e quase tinha conseguido) me destruir
de computadores jamais poderá transcender a natureza física da como seu terapeuta. Vejamos como.
realidade, com todas suas imperfeições e limitações. Primeiro, ao não estar nem um pouco aborrecido com minha
ausência, ele deu a entender que não tinha absolutamente nenhuma
expectativa emocional em relação a mim — nem mesmo aquela que
Dedo Mindinho, Dedão do Pé (O Antinarcisista)
diz respeito à responsabilidade elementar. (Adivinhem só — acabou
Até aqui, falei de casos em que o egocentrismo nos homens é se revelando que seus pais eram completamente irresponsáveis quan-
basicamente o que parece ser (a não ser pelo fato de que, no univer- do ele era criança.) Então, enquanto na superfície ele estava "se
so interior do homem, o egocentrismo é o oposto do que ele gosta- importando" comigo procurando me consolar, por outro lado ele
ria que você pensasse que é). Mas nem todos os homens se encai- estava dizendo que eu não tinha a menor importância para ele — na
174 '4 Se os Homens Felhissem... ALON GRATCH 41" 175

verdade, tinha sido até bom para ele que eu não tivesse aparecido. seu tratamento: eles são extraordinariamente afetuosos, sedutores,
(Adivinhem só — quando aos onze anos sua mãe, "do nada", man- solícitos e talentosos. São incrivelmente dedicados a uma parceira
dou ele e o irmão morarem com a mãe dela, ele se sentiu aliviado.) que, de uma forma ou de outra, é glamourosa — na aparência, no
Segundo, mostrando-se tão sintonizado com meu estado emo- sucesso, nas aptidões, no que for. E a dinâmica de seu relaciona-
cional, o paciente pôs minha psicologia em primeiro plano, en- mento é tal que o homem fica plenamente confortável no papel de
quanto a dele recolhia-se ao segundo plano. Essa tática, na verda- elenco de apoio — uma boa metáfora, se é que posso tomá-la em-
de, assumiu muitas formas em suas interações comigo: ele fazia prestada, porque, conforme eles mesmos dizem durante a terapia,
comentários sobre a mobília e os quadros do meu consultório, há sempre uma sensação de performance bem-coordenada em suas
sugeria que eu engraxasse meus sapatos com mais freqüência, pe- aparições públicas. Eles parecem bons e também que são bons um
dia que eu escolhesse um tema de discussão para aquela sessão e para o outro — e, de certa forma, são. Mas talvez bons demais para
oferecia-se para pagar pelas sessões a que faltava (embora, confor- ,,er verdade, ou para ser toda a verdade.
me eu havia dito anteriormente, essa já fosse minha política de Em todos esses casos, em algum momento do relacionamento
cancelamento). Essa "transferência" para o terapeuta, como tan- ilguma coisa com a mulher ou a namorada dava errado — um caso,
tas vezes acontece, estava em conformidade com a forma de o xcesso de consumo de álcool, depressão, uso de maconha ou ou-
paciente se relacionar com as outras pessoas em sua vida. Finan- ras dificuldades que inevitavelmente minavam o relacionamento e
ceiramente, ele cuidava de sua mãe. Emocionalmente, ele cuidava destruíam o paciente. Mas o paciente continuava leal, fosse negan-
de suas namoradas. E dessas duas maneiras ele cuidava dos ami- do emocionalmente o problema ou aceitando-o e assumindo uma
gos, dos sócios e até dos estranhos. atitude de ajuda. E esse estado de coisas durava anos, fazendo com
Essa é a vida interpessoal do antinarcisista, que não deve ser que muitos dos amigos do casal imaginassem por que, ou como o
confundida com o conceito mais feminino de "co-dependência". tara está "se submetendo a tudo isso".
Apesar de haver uma coincidência parcial entre esses dois concei- Para não ser tão pessimista pelo menos uma vez, o amor e a
tos, também há diferenças. A maior semelhança é que os homens e inabalável crença na idéia de compromisso eram nesses cuias o prin-
as mulheres que se recolhem a uma posição "propiciadora" ao in- , Tal motivo. Mas havia também um componente menos conscien-
cluir todas as demais pessoas de sua vida no elenco de estrelas estão, te que sustentava não o relacionamento, mas a dinâmica do que
os dois, matando com delicadeza. Ou seja, ao devotar sua vida a parecia ser a dedicação abnegada do homem. Num desses casos, o
cuidar dos outros, eles desenvolvem a "superioridade moral do paciente veio me procurar em profunda depressão, com idéias sui-
masoquista", ou a crença de que todas as outras pessoas são idiotas. N idas, depois que sua esposa, de um casamento de dezenove anos,
Em resumo, eles são mártires profissionais cuja alegria secreta é fa- 1 evekm que vinha tendo um caso com outro homem nos últimos
zer com que os outros se sintam endividados, culpados e pouco à lixo anos e que, antes, havia tido um outro caso, sério e prolonga-
vontade. Então, por trás de seus inacreditáveis atos de bondade há do. Ao discutir isso comigo, o paciente reconheceu que, no fundo,
inacreditáveis sentimentos de raiva. vle sempre suspeitara de que "alguma coisa estava errada" — a certa
Mas a versão masculina disso, que eu chamo de antinarcisista, ,111 MA, um amigo praticamente lhe disse que tinha visto sua esposa
possui seus próprios interesses ocultos, muitas vezes inconscientes In and situação comprometedora com o chefe dela. E agora, o que
e, no final das contas, egocêntricos. No caso de muitos dos meus uhus preocupava o paciente era o fato de ele não ter questionado
pacientes do sexo masculino, esses interesses envolvem uma vida esposa anos antes, para que eles pudessem ou ter procurado
sexual secreta — literalmente ou figuradamente. Esses pacientes ainda, ou terminado o casamento naquela época, quando ele era
muitas vezes ficam na minha cabeça muito tempo depois do fim de .v em o suficiente para começar de novo".
176 4- Se os Homens Falassem... ALON G.RATCH 43s 177

Conforme eu disse para o paciente, isso, em parte, era a depres- fim da segunda sessão ficou claro que (1) cuidar da depressão de sua
são falando. Na realidade, ele não era velho demais para começar mulher era um alívio que o paciente experimentava da preocupa-
de novo, coisa que, aliás, ele fez uns dois anos depois. Porém, era ção a respeito de sua própria sexualidade — de vez em quando ele
obviamente importante investigar por que ele não havia questiona- tinha fantasias sexuais com homens e (2) havia um acordo tácito
do sua esposa esses anos todos. Quando fizemos isso, o paciente entre marido e mulher — você não me chateia quanto à bebida e eu
revelou que ele próprio tinha tido alguns "namoricos" nesse perío- não me meto nas suas fantasias sexuais.
do. Ao mesmo tempo que afirmava estar errado por ter feito isso, E, num terceiro caso, o homem era impressionantemente solíci-
ele insistia que seus casos eram diferentes daqueles de sua esposa — to e compreensivo com as dificuldades sexuais de sua esposa. Quan-
eram "puramente sexuais" e "episódicos", e nunca ameaçaram seu do criança, ela tinha sido sexualmente violentada pelo pai e, por-
compromisso com o casamento. Quando falamos sobre isso, po- tanto, tinha medo de ser penetrada. Por isso, o paciente e sua espo-
rém, ficou claro por que o paciente nunca havia questionado sua sa tinham pouca chance de manter um relacionamento sexual —
esposa: ele sentiu que não seria possível fazer isso sem revelar sua i.iziam isso cerca de uma vez por ano. Também aqui, a solicitude do
própria infidelidade, coisa que ele não se sentia preparado para fa- paciente era em parte uma forma de esconder seus próprios segre-
zer. Então, mais ou menos conscientemente, esse paciente preferiu dos sexuais, que não se revelaram antes do terceiro ano de terapia
fechar os olhos para o fato de sua esposa estar praticamente levan-
— ele era incapaz de ficar excitado sem alimentar fantasias em que
do uma vida dupla.
dominava prostitutas ou outras mulheres "promíscuas". O paciente
Nesse caso, a dificuldade narcisistica do paciente em sentir
se sentia muito mal por ter essas fantasias enquanto fazia amor com
empatia pelos outros ficava evidente na sua incapacidade de ver
sua esposa, então, apesar de querer muito fazer amor com ela, num
que, do ponto de vista de sua esposa, seus casos seriam considerados
nível menos consciente ele se sentia aliviado de não ter de lidar com
tão destrutivos quanto os dela. Mas o elemento antinarcisista me-
nos óbvio do seu egocentrismo revelava-se na dinâmica através da a culpa que sentia por causa das fantasias.
qual seus segredos "desimportantes" estimulavam e relevavam o O denominador comum dos segredos sexuais desses três anti-
comportamento de sua mulher. E, dessa forma, o paciente era um narcisistas é que eles distanciavam ou separavam emocionalmente o
participante ativo do processo que estava destruindo seu casamento homem de sua mulher. Em outras palavras, eles eram o oposto da
e, talvez até, sua vida. dedicação, a própria razão de ser exterior ou consciente do antinar-
Outro homem me procurou para obter aconselhamento sobre o cisista. Bem, conforme veremos no último capítulo, é comum que
1S homens experimentem esses sentimentos não-sexuais sexualmen-
caso de sua mulher que bebia. "Eu acho que ela tem um problema",
ele disse. "Ela bebe todo dia e fica toda sensível. Eu não a fico cha- i e. Mas, independentemente de como ele se mostre (ou na verdade
teando sobre isso, mas sei que ela não vai conseguir ajuda sozinha. se esconda), o egocentrismo do antinarcisista está sempre ali, ope-
Não me entenda mal, doutor, ela é uma mulher maravilhosa e eu rando secretamente no sentido de contrapor-se à clara disposição
faria qualquer coisa por ela. Talvez ela não tenha de fato um proble- do antinarcisista de ser extremamente solícito e solidário.
ma. Talvez ela só esteja se sentindo triste e eu só precise apoiá-la e Não é nenhuma coincidência que nesse capítulo eu tenha feito
ficar ao seu lado". untas comparações com o mundo do teatro — afinal, o egocentrismo
Nesse caso, no final da primeira consulta, eu suspeitei fortemen- dos homens resume-se numa performance. Continuando com a
te que a esposa do paciente vinha sofrendo tanto com o alcoolismo metáfora, se o narcisista é um ator, o antinarcisista é a platéia. Mas,
como com a depressão havia anos. Também ficou claro que o pa- onforme dito por Aristóteles, a experiência do espectador diante
ciente era extremamente. dedicado à idéia de cuidar dela. Mas no da tragédia, sua catarse, consistia em identificar-se com as emoções
178 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4* 179

representadas pelo ator. Em outras palavras, o antinarcisista é um nhum terapeuta está livre do risco de cometer pelo menos algumas
narcisista latente, que, dadas as circunstâncias propícias, irá se ma- dessas violações, mesmo que de menor importância — exceto no
nifestar e ser quem ele realmente deseja ser. caso daquele que nunca fala ou que não tem personalidade.
E quais são as circunstâncias propícias? Normalmente, ser leva- Em meu próprio trabalho, esse tipo de violação ocorre com pa-
do para diante dos holofotes por um antinarcisista ainda mais forte cientes que são tão hábeis em seu antinarcisismo que conseguem me
e mais hábil do que ele. Espera-se que o terapeuta seja o antinarcisista pegar desprevenido. Um paciente desse tipo era um diplomata eu-
prototípico. Eu, por exemplo, certamente me identifico com meus ropeu que, por causa de seu preparo e de sua personalidade suave,
pacientes. Sinto-me comovido, inspirado, impressionado, entriste- cativante, era extremamente hábil em fazer as pessoas falarem. Ra-
cido e horrorizado com suas experiências. Meu trabalho, sem dúvi- pidamente ele adivinhou que eu tinha filhos e, de vez em quando,
da, exige viver por intermédio deles. Conforme um de meus pa- me perguntava como eles estavam, ao que eu respondia "bem" e
cientes colocou certa vez: "Você tem o melhor trabalho do mundo seguia adiante. (Como terapeuta, não sou tão rígido com minhas
— é como se estivesse assistindo a uma novela e soubesse o que vai fronteiras a ponto de não revelar certas informações quando pedi-
acontecer na semana seguinte". Por esse comentário, pode-se ima- das; mas, conforme digo aos pacientes, normalmente não respondo
ginar que o egocentrismo desse paciente não estava nem um pouco perguntas antes de discutirmos o que se esconde por trás delas —
escondido — ele devia se considerar um George Clooney ou algum portanto, eles têm de ser bastante persistentes para realmente saber
outro ator. Não obstante, estava certo, no sentido de que o drama alguma coisa a meu respeito.)
da vida dele, assim como o de muitos de meus outros pacientes, era Um dia, quando esse paciente perguntou sobre meus filhos, eu
emocionalmente catártico para mim. Mas estava errado num im- sorri. Era uma sessão de manhã bem cedo e pouco antes de sair de
portante aspecto: ao assistir à Sala de Emergência, não é possível casa minha filha tinha dito uma coisa muito engraçada — aquelas
entrar na tela da TV e fazer parte da ação, enquanto trabalhar com coisas impressionantes que todas as crianças dizem de vez em quando
pacientes sobre assuntos emocionais bastante íntimos muitas vezes e confirma a suspeita de seus pais ("projeções narcisísticas") de que
põe à prova nossa capacidade de respeitar as fronteiras. Esse é um elas são geniais. Então, contei a genial tirada da minha filha e o pa-
dos motivos por que alguns terapeutas jamais dirão nada de si mes- , tente pareceu ter se divertido honesta e espontaneamente. Mas, logo
mos para seus pacientes. Trata-se da forma mais fácil — apesar de (In seguida, comecei a me sentir incomodado. Além do fato de haver
nem sempre a melhor — de evitar a tentação de violar as fronteiras uma vaidade narcisista naquilo, senti que, ao contá-lo, eu basicamen-
terapêuticas. Essa tentação seria complicada para qualquer um, mas, te esqueci que era seu terapeuta. Isso pode não parecer uma coisa tão
se estou certo em dizer que muitos terapeutas são essencialmente ruim — e de certo modo não é, porque, afinal, quem quer um terapeuta
antinarcisistas, seu desejo inconsciente mais íntimo seria exatamen- que está sempre de tal modo consciente de seu papel que deixa de ser
te violar essas fronteiras de forma a inverter os papéis terapeuta- humano e, portanto, paradoxalmente, de ser um bom terapeuta?
paciente e receber atenção do paciente. Mas foi uma coisa ruim, parecida com um pai ou mãe que men-
Infelizmente, quando o terapeuta não está consciente desse de- talmente se esquece de que tem um filho. Não que eu considere
sejo, ele (ou ela) poderá realizá-lo com considerável prejuízo para meus pacientes como crianças, mas a analogia é que, a não ser que
seus pacientes. Terapeutas que se fazem passar por gurus, terapeutas eles estejam envolvidos em graves questões narcisísticas, pelo me-
que se envolvem com seus pacientes fora do consultório, terapeutas nos em suas cabeças a maioria dos pais jamais deixa de ser o respon-
que apresentam sua vida como modelo para seus pacientes e s.ivel. Portanto, em relação ao meu paciente, no fundo eu estava
terapeutas que mantém relações de negócios com seus pacientes, pensando se ouviria algum eco da minha negligente violação com
todos esses são exemplos comuns. Porém, fundamentalmente, ne- ele na sessão seguinte.
180 -4> Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 181

Como era de se esperar, na sessão seguinte o paciente contou e o sadismo, está na verdade associado com a masculinidade. E que,
um breve devaneio que ele teve no fim de semana quando estava no aliás, Freud falou sobre como os instintos ativos ou "masculinos"
parque com seu filho. Nesse devaneio, ele se encontrava por acaso podem sofrer uma inversão e se tornar passivos ou "femininos", de
comigo e com meu filho nesse parque e nossos filhos se afastavam forma que o sadismo pode se transformar em masoquismo e, mais
de nós, brincando juntos. Passados alguns minutos, meu filho volta- pertinente que isso, que o antinarcisista é um voyeur que é, portan-
va chorando, dizendo que o filho dele o havia empurrado e ele to, capaz de se transformar num exibicionista.
havia caído no chão. O paciente passava um sermão no filho e pedia Atendo-me à minha própria experiência como terapeuta, é difí-
para ele pedir desculpas, mas também se sentia bem por seu filho cil negar que existe um forte componente voyeurístico em meu in-
ser mais forte e saber se impor mais que o meu. teresse pelo material apresentado pelos pacientes. Portanto, eu vejo
Conforme o paciente colocou: "Eu não preciso de um terapeuta que falar de minha filha com meu paciente foi uma inversão na
para saber que esse devaneio significa que eu não acho que tenha o direção do exibicionismo. É claro, quanto mais dada ao voyeurismo
mesmo poder que você e que no meu devaneio eu me atribuo maior é uma pessoa, mais ela acabará se sentindo compelida a exibir-se —
poder através do meu filho". Porém, não obstante suas considerá- pelo menos para confirmar a si mesma que ela existe. No terreno
veis sacações intelectuais e emocionais, o paciente precisava, sim, teórico, entretanto, a distinção freudiana entre os instintos ativos e
de um terapeuta para fazer a óbvia associação com a sessão ante- passivos, e a associação do primeiro com a masculinidade e o segun-
rior. Ele estava evidentemente aborrecido com meu egocentrismo e do com a feminilidade é problemática. Com efeito, ela tem sofrido
queria me mostrar o meu lugar. muitas críticas, sobretudo das mulheres analistas. Falando de nossa
Nesse caso, estar ciente de meu próprio egocentrismo permitiu discussão, por exemplo, embora Freud considerasse o exibicionismo
não apenas que eu compreendesse por que o paciente estava com passivo e feminino, a verdadeira exibição sexual é praticamente
raiva, confirmando dessa forma o sentimento dele, como também exclusivamente masculina. Apesar de não me interessar no momen-
que eu estudasse o mecanismo pelo qual ele sempre punha as ou- to em resolver essa questão, e provavelmente sequer ser capaz dis-
tras pessoas no centro do palco. "Você me transformou na sua espo- so, eu a estou mencionando como uma advertência contra a
sa", eu disse a ele — e ele imediatamente entendeu. Sua esposa era supersimplificação no estudo das diferenças entre os sexos.
uma decoradora de interiores que se tornou, de certo modo, uma Acredito que a maioria dos pacientes ficaria naturalmente retra-
personalidade de televisão. Inicialmente, o paciente a incentivou a ída diante de um terapeuta francamente egocêntrico, exibicionista
correr atrás de seus interesses glamourosos, mas, com o tempo, ele e dado a ultrapassar os limites. Mas, é claro, eles também deveriam
foi ficando cada vez mais irritado porque os compromissos públi- tomar cuidado com o observador desinteressado e criador de limi-
cos dela o haviam jogado para escanteio. Então, ironicamente, meu tes que, em sua eterna frustração, possa transformar-se no seu exato
egocentrismo (modulado e monitorado) ajudou o paciente a ver oposto. Da mesma forma, os terapeutas — a maioria dos quais peca
que ele exercia um papel ativo na criação da dinâmica que queria pelo lado da abnegação — deve tomar cuidado para não se trans-
mudar. formar numa mera caricatura do analista objetivo, impessoal e sem
Há uma outra forma, mais freudiana, de compreender o ego- desejos. Um de meus pacientes, na época candidato a Ph.D. em psi-
centrismo antinarcisístico. No caso anterior, está quase implícito cologia clínica, expressou dúvidas quanto a sua capacidade como
que o antinarcisista é feminino no sentido de que, a exemplo da psicólogo durante o treinamento. "Diferente de você, eu posso não
esposa tradicional, ele é o solícito facilitador do desempenho de ter sido feito para isso", ele disse. "Acho que não me interesso o
outrem. Mas os freudianos residuais diriam que estou confundindo suficiente por meus pacientes; talvez eu seja egoísta demais para
solicitude com voyeuristrio, e que esse último, como a agressividade ficar escutando as outras pessoas o dia inteiro". "Bem", respondi,
184 .41,- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 185

sente amada por eles e, portanto, não pode amá-los. Portanto, eles tão atraído por ela como por algumas das mulheres que via na rua
estão condenados a viver em constante estado de castigo — provan- ou no consultório.
do de seu próprio remédio. Eles vivem e morrem pela beleza. "Um príncipe", eu disse para mim mesmo quando ouvi isso, pre-
Claro, esses homens são perfeitamente capazes de se metamor- parando-me para procurar os sinais da fera. Mas não tive de me
fosear novamente em príncipes. Eles fazem isso durante o namoro esforçar muito — estava por toda parte na história anterior a seu
quando tentam namorar uma mulher boa e digna a quem acabam trabalho e sua vida amorosa. Antes de comprar a clínica, o paciente
julgando e dispensando como se fora o diabo encarnado. Como tinha trabalhado como periodontista assalariado no Rockfeller
vimos no segundo capítulo, essa metamorfose envolve a projeção Center, num grupo tecnologicamente sofisticado com uma clientela
do sentimento de vergonha na parceira. Há, inclusive, uma íntima rica e consultórios belíssimos. Mas o paciente sentia-se extrema-
relação entre narcisismo e vergonha: a grandiosidade está essencial- mente infeliz lá. Não só seu chefe deixou claro que ele jamais se
mente a um passo da experiência da vergonha. A outra coisa que tornaria um sócio, como também era um sujeito arrogante e hostil
vimos naquele capitulo bem como nesse é que, para os homens, que gostava de dominar e manipular os pacientes com seu humor
parecer bom não é necessariamente o mesmo que ter boa aparência. sarcástico e esnobadas infantis. Não obstante, o paciente ficou mais
Mais provavelmente, é ter uma mulher que seja bonita e um empre- de dez anos nesse emprego.
go vistoso. Vamos nos lembrar disso à medida que formos analisan- Finalmente, não conseguiu mais agüentar, pediu demissão sem
do as diversas formas de feras. ter outro emprego e começou a procurar uma clinica que estivesse à
Um paciente, um homem casado perto dos quarenta anos e pai venda — o que acabou levando para onde ele estava naquele mo-
de dois filhos pequenos, procurou a terapia porque estava insatis- mento. Deixar o emprego também coincidiu com um importante
feito no trabalho bem como no casamento. Era um periodontista acontecimento em sua vida pessoal — o fim de seu primeiro casa-
sócio de uma clínica que ele havia comprado vários anos atrás. Esta- mento. Pela sua descrição, parece que sua primeira esposa era tudo
va ganhando um bom dinheiro, mas sentia-se torturado pelo cons- que a segunda não era — tinha um ótimo senso de humor, era uma
tante sentimento de que não era tão bem-sucedido quanto poderia advogada de sucesso e ele se sentia apaixonadamente atraído por
ter sido. Seu sócio, ele disse, não era ambicioso e relutava em com- ela sem reservas ou dúvidas. A não ser por três coisas — detalhes,
prar equipamentos mais avançados e a acompanhar as novas técni- detalhes —, seu senso de humor era hostil em relação a ele (ele não
cas de tratamento. Além disso, o consultório ficava num edifício ligava), ela o traia (ele suspeitava, mas arranjava um jeito de dizer
velho e desagradável num bairro de classe média baixa, e a maioria que não) e ela acabou trocando-o por outro homem (ele ficou arra-
dos pacientes não podia pagar os tratamentos mais sofisticados e sado com isso).
lucrativos que ele estava tentando implementar. Então, em sua tentativa de controlar a auto-estima, esse paciente
Em casa, surgiu um quadro semelhante. Ele e sua esposa tinham deixou de ser tratado como uma fera mal-amada e passou a ser um
um relacionamento bastante íntimo, com diálogos bem abertos. Ela príncipe mimado. Com o primeiro emprego e a primeira esposa ele
era higienista bucal e aspirante a cantora de ópera. Não ganhava tentou se sentir bem consigo mesmo escolhendo um ambiente boni-
muito dinheiro, mas adorava trabalhar com pessoas e gostava de to e de sucesso — mas isso apenas destacou seu sentimento de infe-
seu trabalho. Os filhos, como toda criança, significavam tanto ale- rioridade. Com o segundo emprego e a segunda esposa ele tentou
gria como estresse para ele. Mas o que realmente o incomodava era se sentir bem escolhendo um ambiente mais simples para sentir-se
uma irritante sensação de que sua esposa simplesmente não era a melhor consigo mesmo por comparação — tiro que também saiu
pessoa certa para ele. Ela não tinha exatamente o mesmo senso de pela culatra. Então, na verdade, nas duas partes da história da sua
humor e não gostava de viajar como ele. Ele também não se sentia vida o paciente fez a mesma coisa — projetou uma parte de si mes-
186 -40- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4- 187

mo no ambiente no vão esforço de encontrar uma solução externa associou o sonho a uma experiência traumática da infância em que
para um problema interno. Se você conclui disso que o ambiente outro menino várias vezes o induziu a fazer sexo oral nele. Então, o
ideal para o paciente teria sido algo entre os dois extremos, pode sonho mostrava como a personalidade do paciente procurava lidar
estar certo ou errado, mas ainda não entendeu direito. A questão com a terrível vergonha que ele sentia dessa humilhante experiên-
é que, para o paciente — como é para todo mundo em certa medi- cia da infância. Para fugir à feminilização, o paciente tinha de ser
da —, a atTatividade do ambiente estava toda nos olhos do observa- capaz de voar, ou seja, ele tinha de desenvolver um senso de mascu-
dor egocêntrico. linidade fantástico, grandioso. E essa masculinidade defensiva era o
Esse paciente precisava rebaixar e elevar o padrão dele mesmo, mesmo lugar de onde ele rejeitava sua própria vulnerabilidade fe-
não do seu ambiente. Ele precisava harmonizar o príncipe e a fera minina projetando-a em sua esposa.
dentro de si para formar uma idéia realista e auto-suficiente de seu No segundo capítulo eu falei da "listinha", a tendência que os
próprio valor antes de ser capaz de ver quem, de fato, era sua espo- homens têm de projetar a vergonha nas mulheres nas situações so-
sa e o que, de fato, era o seu trabalho — livre de suas projeções nar- ciais. Obviamente, a discussão poderia ser repetida aqui, ao exami-
cisísticas. Então, e somente então, seria capaz de perceber se eram narmos a transformação das partes indesejadas e internas do eu em
os ambientes adequados para ele. Nesse caso, após um longo pro- ambientes externos. Irei poupá-los dessa repetição, mas gostaria de
cesso terapêutico, o paciente conseguiu perceber. Quando começou mencionar uma síndrome transformacional afim que eu, pessoal-
a aceitar suas limitações e a gozar de suas alegrias, as fichas foram mente, considero especialmente dolorosa de ser trabalhada. Nessa
caindo na seguinte ordem: o emprego foi elevado de nível externa- síndrome, o homem procura honestamente apaixonar-se e compro-
mente e a esposa foi elevada de nível internamente. meter-se com uma parceria duradoura. Mas repetidas vezes, depois
Como vimos no segundo capítulo, muitas mulheres conhecem que ele se apaixona por uma mulher que parece ser a escolha abso-
muito bem a forma como os homens projetam nelas, sob a forma de lutamente perfeita, ele começa a ter dúvidas. Algo na mulher o in-
crítica, sua própria sensação de inferioridade. Como no caso desse comoda — pode ser algo desimportante como coxas grossas demais
paciente, essas tentativas que os homens fazem de se sentir melhor ou algo assim... desimportante como falta de interesse por música.
consigo mesmos ao "rebaixar" suas esposas ou namoradas acabam Mas, seja o que for, apesar de não tê-lo incomodado no início, ago-
sempre se voltando contra eles, porque eles acabam se sentindo re- ra faz com que ele se concentre nisso e essa coisa cresça cada vez
baixados por reflexo. Uma coisa que eu descobri no atendimento mais em sua cabeça, até, nas palavras do paciente, "isso corroer
clínico ao longo dos anos e acho interessante, é que esses homens tudo o que houver de positivo no relacionamento".
rebaixados compensam sua baixa auto-estima à noite, com sonhos Eu acho isso doloroso de se ver porque, normalmente, o pacien-
heróicos. Um desses maridos que gostavam de fazer crítica desceu de te passa por essa experiência pelo menos duas vezes, cada uma delas
um helicóptero numa corda para salvar sua esposa de um incêndio no acreditando honestamente — e muitas vezes até convencendo seu
prédio onde ela trabalhava, enquanto outro fazia um incrível cirurgia inseguro terapeuta — que ele encontrou a verdadeira felicidade.
de emergência para impedir que seu filho morresse sufocado. Sua decepção com a própria capacidade de amar, quando sua bela
É claro, esses sonhos também têm significados individualizados. mais uma vez se transforma numa fera, chega a ser pungente. É
Por exemplo, um homem que foi duramente critico da vulnera- claro, há sempre um elemento ilusório no ato de se apaixonar, sen-
bilidade emocional de sua esposa teve um sonho em que era capaz do a ilusão a sensação de que ser amado pela outra pessoa — a qual
de voar. Mas ele voava, percebam, para fugir de um porco asquero- está temporariamente envolta numa aura especial incomparável por
so que o perseguia e enfiava seu nariz rosado e fálico (na descrição causa do amor idealizado que nutrimos por ela — fará com que nos
do próprio paciente, não na minha) em seu traseiro. O paciente sintamos bem com nós mesmos para sempre.
188 4- Se os Homens Falassem... ALON G RATCH 4" 189

Mas quando todo o eu da pessoa está embotado pela ilusão, esperam, sim, esse tipo de coisa. Não obstante, muitos deles conti-,
independente de quão honesta ou inteligente ela seja, quando ela se nuam capazes de estabelecer laços de empatia com o egocêntrico. O
desfaz não há mais nada ali e o amor sumiu tão rápido quanto apa- segredo não está em seu treinamento profissional, mas em sua dis-
receu. Mas a experiência mais dolorosa dessa síndrome acontece — posição consciente de pôr de lado suas próprias necessidades emo-
como muitas vezes é o caso na psicoterapia e na vida — pouco antes cionais e colocar-se no lugar emocional do paciente.
da fase de cicatrização, quando o paciente percebe que não havia Uma namorada ou esposa pode fazer isso também — pelo me-
nada de errado com nenhuma das mulheres que ele (achou que) nos temporariamente. "Mas você está sendo pago para isso", é o
amava — ele provavelmente poderia ter sido feliz com todas elas. que você me diz. Bem, você também receberá sua recompensa —
Isso é doloroso não apenas por causa da perda do amor e das opor- apenas um pouco mais tarde. Para facilitar as coisas nesse meio tem-
tunidades, mas também por causa da sensação concreta de ferida po, pense nisso da seguinte forma — seu homem egocêntrico sofreu
interna que a pessoa passa a ter — ele é que tem um problema, não com o narcisismo dos pais ainda mais do que você está sofrendo com
elas. O lado positivo, porém, é que é exatamente essa dolorosa con- o dele. Portanto, você está, na verdade, numa posição extremamente
clusão que será capaz de levar esse homem a uma trajetória terapêu- favorável para estabelecer laços de empatia com o sentimento de ca-
tica ao cabo da qual ele perceberá que as belas e as feras são lendas rência emocional que ele manifesta. Olhe para ele, ouça-o, toque-o,
— ou contos de fada. sinta-o e console-se sabendo que você está servindo de modelo para
ele saber como se deve amar.
E quando você se sentir ressentida ou com raiva por causa da
Faça de Conta que é até Ser cegueira dele à sua existência emocional, tente a seguinte experiên-
Como vimos, o problema do narcisismo se desenvolve cedo na cia hipotética que desenvolvi para meu uso como forma de lidar
vida e está intimamente ligado a nossa própria consciência do eu. com a raiva que sentia pela minha própria insignificância nas
Portanto, não deve surpreender que lidar com o egocentrismo dos narcisísticas ruas da cidade de Nova York. Como muitas pessoas, eu
homens seja uma enorme desafio, que pode levar anos — dentro ou ficava irritadíssimo quando um motorista de táxi me interrompia e
fora da terapia. Aliás, há livros e mais livros de psicologia sobre esse não deixava eu falar, quando algum sujeito no metrô bloqueava
assunto, a maioria dos quais não oferece esperança para uma cura meu caminho até um lugar vago ou quando algum sujeito no cine-
de curto prazo. Portanto, se você estiver procurando respostas rápi- ma entrava na fila antes de mim. Mas então, comecei a perceber —
das neste capítulo, irá se decepcionar. não sem ficar descontente comigo mesmo — que em praticamente
Não obstante, agora que diminuí suas expectativas — sempre se toda situação desse tipo eu próprio seria perfeitamente capaz de
aprende alguma coisa de politicos medíocres —, permitam-me ofe- fazer e algumas vezes provavelmente tinha feito, a mesma coisa.
recer um mapa, ou uma prescrição, para lidar com o egocentrismo. Aliás, eu provavelmente estava irritado, pelo menos até certo pon-
O primeiro passo é estabelecer laços de empatia com o filho da to, porque esse sujeito de Nova York tinha se adiantado a mim com
mãe. Estou sendo sarcástico porque não é fácil conseguir isso — a arrogância dele. Quando percebi isso, retirei-me dessa competi-
sinceramente. É um pouco difícil ter empatia por alguém que pensa ção narcisística e, depois disso, senti-me menos irritado e aprovei-
que não existimos, não é verdade? Se bem que é bem mais fácil para tando mais as ruas insensíveis da The City.
uma terapeuta do que para um cônjuge ou um amigo. Afinal, como Por fundamentar-se no fato de sermos todos, de um modo ou de
terapeuta, não se deve esperar reconhecimento ou atenção de seus outro, egocêntricos, esse método pode ser facilmente aplicado ao
pacientes — pelo menos não conscientemente. Entretanto, confor- problemático comportamento do homem egocêntrico. Uma versão
me esclarecemos antes, Os terapeutas são seres humanos e sempre disso é uma de minhas técnicas favoritas na terapia de casais —
190 .4e- Se os I-lomens Falassem... ALON G RATCH "." 19 1

ressaltar para a esposa ou namorada (ou talvez para o homem) que, lembrava disso porque na hora ela não existia para mim a não ser
ao criticar o homem por criticá-la, ela está fazendo exatamente aquilo como platéia — poderia ter sido qualquer outra pessoa.
de que o acusa. "Mas o que eu estou dizendo é verdade", ela repli- Se você acha que isso foi deselegante da minha parte, saiba que
ca. "E ele pensa a mesma coisa", eu treplico. Trata-se de uma técni- levei anos para conseguir ver meu próprio narcisismo e para admiti-
ca vencedora que nunca deixa de aproximar mais o casal, à medida Io para mim mesmo e para minha esposa tão rapidamente. Mas foi
que eles percebem que não são de planetas tão diferentes no final minha mulher quem me ajudou a chegar a esse ponto ao mostrar
das contas, e que não há vítimas e algozes em seu relacionamento. diante de mim um espelho que me definia e me disciplinava. Caso
Agora, voltando à primeira fase, estabelecer laços de empatia estejam se perguntando, minha mulher também é psicóloga, o que
com o homem egocêntrico — ainda estamos nela. Há vida após essa pode ser considerado um privilégio nessa área. A não ser pelo fato
fase — na verdade, há mais duas fases — mas se você já está frustra- que não é preciso ter formação para dizer a alguém que — ou
da, talvez esse relacionamento (ou esse capítulo) não seja para você. ',lesmo para mostrar a esse alguém de que forma — ele é egocêntrico.
Na vida real, a duração dessa fase é proporcional ao tamanho do I verdade que eu e minha esposa usamos a linguagem da psicologia
egocentrismo do homem. Pela minha experiência, quando uma es- — inclusive quando brigamos. Mas nossas brigas não são diferentes
posa não está disposta a entregar-se ao comportamento antinar- de toda briga e sua tradução, acredito, é bastante fácil. Ela disse
cisístico necessário para essa fase, o casal acaba se separando. Isso, é "narcisismo", mas uma enorme quantidade de outros termos te-
claro, não é "culpa" da mulher — obviamente, se a mulher é , iam surtido o mesmo efeito — não deve ser tão difícil explicar por
egocêntrica, o homem deve entregar-se à mesma fase antinarcisística. que repetir-se indefinidamente é tão desagradavelmente egocêntrico.
Na verdade, não é culpa de ninguém. Mas é, acredito, uma causa Mas antes que eu cometa o mesmo pecado aqui e agora, vamos
comum do divórcio, bem como de muitos outros conflitos passar à fase três. Uma vez estando o homem egocêntrico mais cien-
interpessoais. Eu não considero isso a guerra dos sexos, mas o con- te de seu narcisismo, está na hora de enfrentar a hostilidade dele e
flito do narcisismo — duas pessoas que em outra situação podem colher mais algumas recompensas — ainda na forma de manifesta-
ser carinhosas ou amáveis recusam-se terminantemente a revezar-se >es de raiva—, assim como de pagar o preço pelas batalhas que se
na satisfação de suas necessidades. seguirão. Já discuti no segundo capítulo como é preciso que você
A fase dois é o começo da sua recompensa por toda a paciência resista às críticas projetadas em você por uma fera que está tentan-
que você demonstrou — não que essa fase não vá exigir mais paci- do transformar-se num príncipe — às suas custas. O que estou suge-
ência. Nela, temos de definir, questionar e disciplinar o homem a rindo aqui é que você dê um passo a frente — o homem egocêntrico
respeito de seu egocentrismo. A recompensa é que, ao fazer isso, precisa saber que o que se dá é o que se recebe. Então, nessa fase,
ser-lhe-á possível expressar um pouco de sua raiva, mas apenas um você não vai propriamente sentir e sim administrar a dor. Lembre-
pouco, porque o seu paciente — digo, seu parceiro — ainda precisa se, o narcisista só compreende a linguagem de sua própria dor. En-
lhe dar ouvidos. Lembro-me de um exemplo pessoal. tão, ele precisa sentir a mesma dor que você está sentindo para co-
Uma vez, quando estávamos saindo de carro para viajar, minha meçar a estabelecer os laços de empatia com você. Portanto, ao
esposa me interrompeu no meio de uma frase e disse com certa riticá-lo, assegure-se de atingi-lo onde dói. (Mas não se esqueça de
irritação: "Você acha que essa é a primeira vez que está me dizendo que você o ama.)
isso?" "Você nunca se repete?", respondi indignado. "Estou falando Eu faço a mesma coisa com os pacientes — e não digo isso de
do seu narcisismo", ela explicou, eu entendi e pedi desculpas. O brincadeira, mas depois de cuidadosa reflexão. No filme Máfia no
que eu entendi, ainda que com relutância, foi que eu havia falado a 1)/vã, há uma cena em que o terapeuta, frustrado e cansado de uma
mesma coisa para ela peto menos duas vezes antes, mas que não me paciente, pensa em dizer a ele algo do tipo: "Olha só para você.
192 • Se os Homens Falassem_ ALON GRATCH 193

Que coisa patética. Pára de ficar choramingando e vai tratar da sua com a funcionária do portão de embarque, desafiou-a com: "E se
vida!" Como a maioria dos meus pacientes sabe, a diferença entre eu simplesmente passar e entrar no avião?" "O senhor será detido,
mim e esse terapeuta é que eu não penso em dizer essas coisas — eu senhor", ela respondeu. "Aí é que você se engana, eu tenho a passa-
digo. É claro, não com essas palavras — porque eu nunca sinto as gem", ele retrucou, e passou por ela, entrando no avião.
coisas dessa forma — e nunca de forma desrespeitosa. Mas eu sou Bem, ele acabou passando a noite num xadrez de Paris. Mas
duro com os meus pacientes e muitas vezes digo coisas dolorosas sobreviveu para me contar tudo alguns dias depois. Ao contrário do
(apesar de, acredito, fazê-lo de forma amorosa), sobretudo para os que a história sugere, em circunstâncias normais esse homem não
homens egocêntricos. Certa vez eu cheguei a dizer para um pacien- pareceria à maioria das pessoas arrogante ou presunçoso. Na verda-
te: "Não agüento mais ficar ouvindo sobre os seus problemas psico- de, ele era uma pessoa gentil e simpática, e não me contou o ocorri-
lógicos!" — embora não tenha sido tão abominável quanto parece do sem se recriminar por sua "estúpida arrogância". (Por ser médi-
quando dito fora de contexto. O paciente estava manifestando seu co, ele teve acesso a um manual de diagnóstico psiquiátrico e conse-
sentimento de vergonha por ser "uma pessoa que tem problemas guiu enquadrar a si mesmo no diagnóstico de Disfunção de Perso-
psicológicos", portanto, meu comentário foi, na verdade, empático nalidade Narcisística.)
porque procurava fazê-lo perceber que ele não tinha de se envergo- "O que é ridículo nessa história toda", eu disse, "é que se você
nhar de seus problemas. Mas também significava que seus proble- realmente quisesse pegar esse avião, poderia ter dito que é médico e
mas não eram mais especiais do que os de qualquer outra pessoa, e precisava voltar para o hospital — o que, inclusive, era verdade.
que estava na hora de crescer — coisa que eu já disse a outros paci- Mas você não queria um tratamento especial a que provavelmente
entes quando chegou a hora. teria direito por suas credenciais. Queria tratamento especial ape-
Com muitos pacientes egocêntricos eu discuti aberta e categori- nas por respirar ou manifestar uma vontade. Muitas pessoas diriam
camente sobre seus interesses superficiais pela aparência, a fama e o que o que você faz para viver é bastante importante — mas você
status. E disse aos pacientes coisas duras como "Eu acho que você não. Você quer ser importante por coisa nenhuma!"
não se preocupa com o sentimento dos outros", "Ninguém é bom o Em resposta, o paciente teve uma impressionante justificativa
suficiente para você" e "Por que você acha que é tão bom?!" A para explicar por que não tinha usado a carteira de médico: "Eu
verdade é que essa é uma estratégia de alto rico, porque desafia a sempre disse a mim mesmo que jamais iria usar o fato de ser médico
defesa mais íntima da pessoa — a fantasia de ser especial. O risco é dessa forma — é uma questão de princípio." Não discuti com ele
que o homem egocêntrico reaja a esses questionamentos com uma sobre esse ponto, mas ele também não discutiu comigo quando eu
onda de raiva ou simplesmente corte o relacionamento. Mas é exa- disse: "Isso parece mais uma racionalização do que uma justificativa
tamente por isso que esse tipo de questionamento acontece na fase — você só queria se sentir especial."
três — depois de um longo período sentindo empatia pela pessoa e • Se você próprio não for exageradamente narcisista, é possível
analisando sua necessidade de se sentir especial. que seja capaz de enfrentar a hostilidade própria de um homem
E há outras coisas que se pode fazer para amaciar o golpe. Por egocêntrico com um grau de empatia e interesse que será capaz de
exemplo, você deve sempre reconhecer de que modos específicos a reduzir sua própria raiva e de minimizar o círculo de criticas recí-
pessoa é especial. Por exemplo, um dos meus pacientes, um médico procas que normalmente leva à explosão narcisística. É importan-
e antigo pesquisador de sua área, esteve na Europa para uma confe- t e, porém, ser firme e direto com o homem egocêntrico, porque,
rência. No dia do regresso, quando chegou no aeroporto, foi infor- paradoxalmente, isso falará à visão de herói que ele tem de si mes-
mado de que seu vôo estava lotado e que não seria possível embar- mo — fará com que ele se sinta bem por mostrar que ele "agüenta
car. Ele ficou tão 'indignado que, depois de uma breve discussão o rojão".
194 Se os Homens Falassem... ALON GRATCH db. 195

Certa vez, quando eu era uma adolescente frustrado no amor, o consideração, mas está, na verdade, fazendo uma observação mais
pai de um amigo meu, que era psiquiatra, me consolou com um ou menos objetiva.
comentário mais instigante do que empático. Ao discutir minha per- Infelizmente, muitos terapeutas simplesmente não fazem esse tipo
da, ele disse que eu deveria chorar do mesmo jeito que se chora a de observação crítica e o resultado é o conhecido caso do narcisista
morte de uma esposa, ao que eu respondi dizendo que chorar a que, com a ajuda da terapia, fica ainda mais narcisista, falando ob-
perda de um falecido é mais fácil porque, pelo menos, a pessoa não sessivamente da análise de seu próprio narcisismo para qualquer
se sente rejeitada. "E por que deveria ser fácil para você?", ele me um disposto a ouvir. Talvez seja óbvio que todo mundo procura a
disse, e eu me consolei mais com isso do que com a sugestão para terapia esperando conseguir alguma coisa com ela. Mas o que o
chorar a perda. homem egocêntrico deveria conseguir com ela — assim como com
Geralmente, se o homem egocêntrico reagir favoravelmente aos qualquer relacionamento — é saber que há maior satisfação em dar
confrontos das fases dois e três — mesmo que seja uma reação tar- do que em receber. Como já foi dito, o homem precisa aprender
dia e concedida a contragosto —, há esperança. No final das contas, com as formas tradicionais de feminilidade.
é claro, depende dele desprogramar e reprogramar a si mesmo, e a
maioria dos homens fará isso — afinal, como vimos, o homem
egocêntrico quer que gostem dele e tem sincera disposição de agra-
dar. Infelizmente, alguns narcisistas, mesmo quando sentem o efei-
to bumerangue da dor que provocam em terceiros, não encontram
dentro de si mesmos a capacidade de se importar com os demais.
Porém, mesmos esses podem acabar reagindo, ainda que por um
motivo diferente. Como eles possuem tendência para o sentimento
de vergonha, irão pouco a pouco perceber, pelo menos, que o nar-
cisismo não faz uma figura legal. Portanto, irão sentir-se, narcisisti-
camente, motivados a mudá-lo — para salvar as aparências. Ou,
pelo menos, irão se dedicar a mudar a aparência do narcisismo — o
que às vezes não chega a ser um mau começo. Conforme se diz, faça
de conta que é até ser.
Na realidade, devo dizer, essas três fases não existem de fato
isoladas uma da outra. Mas sua coincidência parcial é tal que, ao
lidar com o homem egocêntrico, é melhor ter feito mais da primei-
ra fase antes e mais da segunda e terceira fases depois. Também
devo reconhecer aqui que o terapeuta tem uma importante vanta-
gem sobre todas as outras pessoas na implementação dessas fases.
Por definição, o paciente está na psicoterapia por razões pura-
mente narcisisticas — por si mesmo. Portanto, quando o terapeuta
o questiona a respeito de sua falta de consideração por ele — o
terapeuta —, o paciente normalmente entende que o terapeuta
não está falando por unia necessidade pessoal de conquistar essa
Agressividade

...eu lhe mostro quem manda

Lembranças de Coisas Passadas


Numa manhã de outono, durante o final de semana, quando estáva-
mos dando comida para os patos no riozinho que passa perto de
casa, perguntei a minha filha, então com quatro anos: "Qual é o
menininho e qual é a menininha?" Como já tínhamos falado sobre
isso, eu esperava que ela dissesse, pelo menos, que o pato de cabeça
verde era o menino e o de cabeça cinza era a menina. Mas, em vez
disso, ela disse: "O que está correndo atrás é o menino." E, de fato,
o pato de cabeça verde, o macho, estava correndo atrás de uma pata
de cabeça cinza. "Como você sabe que o que está correndo atrás é o
menino?" perguntei, mais uma vez esperando que ela dissesse: "Por-
que ele tem a cabeça verde." Mas o que ela disse foi: "Porque os
menin.os são os metidos a valente."
Onde ela aprendeu isso? Certamente não lá em casa, eu pensei,
antes de me dar conta de que seu irmão mais velho gostava bastante
de mandar nela. Mas ela poderia muito bem ter aprendido isso no
parquinho ou nos filmes da Disney. Ou, talvez, fosse o "conheci-
mento biológico" surgindo com sua própria personalidade, mar-
chando segundo as batidas do tambor de seu DNA feminino. Esse
tipo de questão sobre a realidade e a percepção da agressividade
nos meninos e homens tem levado a uma enorme quantidade de
pesquisas e a muita controvérsia ao longo dos anos. Minha própria
198 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH -3
). 199

experiência clinica confirma a observação de minha filha de que, gham e Peterson é, na verdade, único no reino animal. Aliás, con-
pelo menos superficialmente, os homens são mais freqüentemente forme as feministas podem ficar extasiadas em saber, em muitas
valentões do que as mulheres. É claro, é muito provável que a ob- espécies é a fêmea, não o macho, que luta. Porém, como ressaltado
servação dela simplesmente refletisse o pensamento do pai (e espe- por Wrangham e Peterson, nos sistemas em que as fêmeas dos ani-
ro que não tanto por seu comportamento). mais são os soldados, a ação é eminentemente defensiva e o objeti-
Quanto à pesquisa, minha própria leitura dela mostra que há vo é defender seu território da invasão. No sistema chimpanzé-ser
muitos indícios de que, como um grupo, os homens têm biologica- humano, por outro lado, os guerreiros do sexo masculino vão além
mente maior predisposição à agressividade do que as mulheres. , I,i defesa e muitas vezes chegam à agressão sem provocação. Na ver-
Muitas pessoas, inclusive muitos psicólogos, preferem negar que a dade, no mundo dos primatas, os chimpanzés e os seres humanos são
biologia exerça qualquer papel na agressividade masculina, temen- únicos no sentido de que só eles matam regularmente e deliberada-
do que, se exercer, a conseqüência seja que não se poderá fazer mente adultos de sua própria espécie.
nada para controlar a violência — grande parte da qual é cometida Claro, é difícil nos imaginar como macacos. Diferente deles, te-
pelos homens. Porém, quando definida como uma tendência mais mos língua, arte, cultura, espiritualidade — e, é claro, verdadeira
do que como um comportamento, até mesmo estudiosos como inteligência. Mas se considerarmos que nossos antepassados foram
Terrence Real e Myriam Miedzian, que enfatizam os fatores sociais macacos durante um período que pode variar de três a vinte mi-
nas diferenças entre os gêneros, admitem que a biologia exerce um I 'iões de anos antes de se tornarem humanos há cerca de dois milhões
papel na agressividade masculina."' de anos e que a manifestação artística — na forma de pinturas nas
As teorias biológicas mais interessantes são aquelas que compa- vernas e esculturas em ossos — só entraram em nossa história há
ram os seres humanos aos nossos parentes mais próximos, os oran- erca de trinta e cinco mil anos, é, na verdade, surpreendente que
gotangos, chimpanzés e gorilas. Conforme observado pelos estudio- lião sejamos mais parecidos com o macacos do que já somos. Desse
sos Richard Wrangham e Dale Peterson, os machos dessas espécies ponto de vista, o desejo de negar nosso passado, embora compreen-
se valem de agressões tais como estupro, espancamento e infanticídio sível — quem gostaria de pensar que é um macaco? —, é não apenas
para dominar as fêmeas e aumentar seu sucesso reprodutivo. A com- tolo, mas perigoso. Conforme eu freqüentemente digo aos pacien-
paração desse tipo de violência animal à agressividade humana é, tes que preferem acreditar que sua infância não tem nada a ver com
obviamente, inquietante. Mas é inquietante porque nós somos dife- o que eles são hoje, nosso lar é o lugar de onde viemos. Esses pa-
rentes ou porque somos semelhantes a esses outros macacos? (Em cientes, por serem oriundos de famílias "disfuncionais", querem tanto
1984, os cientistas descobriram que nós fazemos parte da família , parar-se dela que rejeitam o preceito lógico segundo o qual a cau-
dos macacos!) Talvez as duas coisas. Nem é preciso dizer que a mai- de qualquer coisa começa em seu passado. Infelizmente, como
or parte da violência humana é cometida pelo homem, e também é 1 eqüentemente se vê na vida interpessoal dessas pessoas, os que

inegável que o estupro e o espancamento, se não o infanticídio, são nao se dispõem a lembrar de seu passado vivem condenados a repe-
comportamentos violentos que os homens dividem com seus paren- ti -lo. É a mulher que não quer se lembrar da falta que lhe fazia a
tes macacos. Porém, mesmo quando consideramos a agressividade •iiisência do pai e não a que se lembra, que acaba se interessando por
psicológica em vez da física — como farei nesse capítulo —, é difícil iotnens indisponíveis.
negar que ela tenha algumas raízes na história de nossa evoluçâo Então, são esses que, por não tolerarem qualquer traço que lhes
biológica. desagrade no homem, negam as teorias científicas da evolução, mas
É difícil negar exatamente porque o sistema que produz a ■ minam queimando livros ou repetindo outros comportamentos
agressividade masculina — "patriotismo", na linguagem de Wran . , ,mescos ameaçadores. Os dentistas que pesquisam as teorias
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evolutivas, por sua vez, são criaturas provavelmente mai


Ias, sensíveis e, nesse sentido, mais humanas. Para mim, ap exigem considerações especiais e a colocam fora do tema deste li-
homens terem predisposição sociobiológica para a agress vro. É claro, as mulheres também podem perfeitamente usar e abu-
própria consciência disso — em contraposição à sua nega( sar dos homens, mas seu modo de agressão é normalmente bem
que permite contê-la, sublimá-la e lidar com ela. Trata-se diferente daquele perpetrado pelos homens.
doxo de qualquer movimento na direção do futuro que Um dos meus pacientes, "Len", me procurou por insistência de
consegue separar do passado sem ter um diálogo constant sua esposa depois de uma briga em que ele tinha perdido a paciên-
— temos de dizer até logo antes de dizer olá." cia e atirado um livro nela. Na primeira sessão, ele declarou com
Mas, tendo dito isso, vamos dizer adeus por ora a tol relutância que sabia que tinha um problema. Também explicou que
tória de macaco — com certeza ela irá voltar naturalmente havia acontecido um incidente pior no dia de ação de graças, quan-
consciente em breve. Apesar de nossa raízes serem essas, do ele e a família ficaram hospedados na casa dos pais dele em Nova
final das contas, a agressividade física que é exclusivament( jersey. Ele teve uma discussão aos berros com sua mãe e acabou
e sim as formas mais complexas de violência psicológic batendo na cabeça dela com um cabide. Depois disso, seus pais acha-
pessoal. Na verdade, seja qual for sua origem evolutiva, a ram que ele não deveria mais ficar para passar a noite. A reação do
dade masculina, a exemplo do que acontece com o egocen paciente foi de alívio — ele não queria ter ido passar o feriado com
uma conseqüência direta do conflito da insegurança masa eles desde o princípio e só fez isso por obrigação. Depois de me
jeitar a influência feminina da mãe não basta — a maiorà contar isso, o paciente e eu concordamos que a conseqüência da
mens também procura inverter o equilíbrio da balança c explosão revelou algo do que o levou a fazer isso: o desejo de afas-
com ela. À medida que cresce, o menino procura gradati tar-se de seus pais sem ter de dizer isso em palavras.
abandonar sua relação dependente e vulnerável com sua Durante dois ou três anos, a terapia de Len continuou de forma
pôr seu oposto no lugar — o desejo de ser o manda-chuva.. previsível e sem maiores novidades. Nós conversamos várias vezes
na adolescência, o rapaz começa, de fato, a desafiar sua ir sobre sua dificuldade em se separar de seus pais, mas isso muitas
outras vezes, ele transfere e desloca isso para um desejo de vezes parecia um exercício intelectual vazio. Certo dia, do nada, o
todas as mulheres ou, mais freqüentemente, mulheres de paciente reagiu a uma de minhas observações sabidamente pouco
se torna emocionalmente dependente. Ou qualquer outr sensíveis com uma explosão tão violenta como eu jamais havia pre-
que aceite essa transferência materna. senciado antes. Ele se levantou, aproximou-se de mim com um ges-
t o ameaçador e começou a berrar a plenos pulmões. Depois, com a
voz e o corpo bramindo de fúria, ele abriu a porta da minha sala e
O Terapeuta Espancado lançou.uma torrente de acusações sobre a minha incompetência para
Todos provavelmente conhecemos algum casal em que o todo mundo ouvir. Finalmente, saiu furibundo, me deixando sem
acaba sempre maltratando a mulher. E, de fato, os homens fala e atônito. Simplesmente, eu nunca tinha visto, e acredito que
dos e as mulheres agredidas enchem os divãs e as poltrc jamais verei, alguém berrar tão alto.
terapias. Essa dinâmica, aliás, precisa ser diferenciada do p Na sessão seguinte, como era de se esperar, Len veio se descul-
afim, porém qualitativamente diferente da violência doi pando. Eu, por minha vez, informei a ele que me sentia muito teme-
Apesar de ambos dividirem algumas semelhanças psicológic roso de trabalhar efetivamente com esse tipo de manifestação pes-
derem de fato ter coincidência parcial, essa última envolve ur soal. O paciente, inteligentemente, rebateu que ele finalmente esta-
cupação com a integridade física e com outras conseqüên ■ va se permitindo me mostrar seu problema e que minha função era
aceitá-lo para que pudéssemos atacá-lo "aqui e agora". Concordei
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com ele e admiti que o ideal era eu ser capaz de aceitar seus proble- meu poder de observação havia falhado: desde a primeira explo-
mas em nossa interação pessoal e que, na verdade, é dessa forma são, em algum lugar bem no fundo eu sempre esperei pelo segundo
que a terapia tem seus melhores resultados. Mas disse a ele que não ataque e, como uma esposa agredida, senti-me intimidado pela fú-
era possível ignorar meu medo e que, portanto, se isso acontecesse ria do paciente e estava pisando em ovos com ele. E esse, é claro, é
outra vez, eu terminaria o tratamento. o principal objetivo desse tipo de dominação masculina: pegar a
Isso pareceu funcionar e durante um tempo voltamos ao traba- "adversária" desprevenida e intimidá-la até a submissão.
lho. Porém, surgiu um outro problema. O paciente começou a che- Outro objetivo universal da agressividade masculina, demons-
gar atrasado para as sessões. Primeiro cinco, depois dez e depois trada dramaticamente e de forma algo simplificada pelo caso desse
vinte minutos atrasado. Nós discutimos o que isso poderia signifi- paciente, é o da separação psicológica. Se o paciente tivesse sido
car, inclusive a possibilidade de ele não querer mais vir para a tera- capaz de dizer: "Eu não quero mais continuar a terapia", ou "Não
pia. Mas isso, mais uma vez, teve o efeito de uma análise racionalista quero mais depender de você, mãe", não teria havido necessidade
inócua típica de um livro didático de introdução à psicologia. Além de ele se estourar. Mas quando a pessoa se prende mais às perdas do
disso, Len insistia em dizer que ele sempre se atrasava para tudo na que às vantagens da separação, ser mandado embora é menos dolo-
vida e que ficaria, como eu seria capaz de imaginar, frustrado em roso do que tomar a iniciativa da partida.
desperdiçar o pouco tempo de que dispunha para a terapia discu- Enquanto isso, como vocês podem ter imaginado, continuo aten-
tindo seu atraso. Então, depois de um tempo, desisti dessa linha de dendo esse paciente. Mas literalmente nenhuma sessão passa sem
discussão e deixei o assunto morrer. Seus atrasos, porém, não aca- uma conversa sobre seu desejo de se livrar de mim e seu medo que
baram. Em vez disso, eles foram aumentando aos poucos até o pon- ele não vá conseguir vencer sem minha ajuda. E ambos nos consola-
to em que ele passou a chegar faltando cinco minutos para terminar mos com o fato terapêutico de que, emocionalmente falando, eu
a sessão, e às vezes sequer aparecia. E nas raras vezes em que chega- me tornei a mãe dele e de que ele está finalmente se preparando
va na hora, sentava-se silenciosamente, às vezes sem falar nada por para separar-se dela. Entre outras coisas, isso mostra que não é pre-
longos minutos. ciso ser mulher para se transformar no alvo do desejo que os ho-
Então, veio a segunda explosão. Não me lembro o que a provo- mens têm de dominar as mulheres. Na verdade, ao exercer sua
cou, mas, novamente, o paciente berrou e foi embora intempes- agressividade, muitos homens sentem que precisam matar dois coe-
tivamente. A diferença foi que, dessa vez, ele voltou alguns minutos lhos com uma cajadada só — então eles transformam um homem
depois. E enquanto eu pensava seriamente se e como deveria termi- numa mulher e passam a tratá-lo dessa forma.
nar o tratamento, ele se sentou e começou a falar.
"Eu estava dando voltas no quarteirão e pensando sobre o que fiz.
Pagando na" Mesma Moeda
Ai, me dei conta de por que fiz isso. Eu lhe isse no começo desse
maldito — abre aspas, fecha aspas — processo que foi idéia da minha Às vezes, lidar bem com os homens exige contrapor agressividade
mulher que eu fizesse terapia. E eu lhe disse mais tarde, chegando à agressividade. Num confronto, porém, temos de escolher nossas
atrasado, faltando e não falando, que eu continuava não querendo armas com cuidado. Se possível, elas devem ser (1) claramente su-
estar aqui. Mas você não fez nada. Então, do mesmo jeito que fiz com periores, mas (2) preferencialmente convencionais em vez de nuclea-
meus pais, eu tive de estourar para que você finalmente se livrasse de res. Com meu paciente estourado, berrar de volta teria sido uma
mim. Tudo porque eu estava com medo de tomar a iniciativa de sair." técnica fadada ao fracasso — minha voz não era páreo para seus
Quando ele disse isso, não consegui acreditar que eu próprio tlecibéis. Terminar o tratamento poderia ter sido unia estratégia efi-
não tivesse visto isso — era tão óbvio. Mas então percebi por que , 'cure, a não ser pelo fato de que isso é mais uma arma nuclear do
204 .4r, Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 205

que convencional, motivo pelo qual não lancei mão dela. Mas, por claro, que você queira terminar a terapia e, nesse caso, vamos dei-
não tê-la usado, terei agido como um fracote? Não estaria dando xar a gritaria de lado."
azo a mais agressividade por parte do paciente? O tempo dirá. Portanto, ao lidar com a agressividade masculina, a pessoa tem
Uma coisa que eu aprendi com esse e outros pacientes semelhan- de reconhecer que o comportamento deles é parecido com o dos
tes vai contra a corrente do que se aprende na faculdade. Os profis- chimpanzés e responder à altura. Ao reagir com lágrimas ou coisa
sionais da área de saúde mental (assim como policiais, professores e que o valha às críticas agressivas de seu marido ou namorado em
especialistas em política externa) normalmente aprendem que quan- relação a, digamos, a aparência dela, a mulher só estará abrindo as
do se está lidando com pessoas que testam os limites, é preciso espe- portas para mais abusos. Inicialmente, as lágrimas parecem ter o
cífica e inequivocamente informá-la dos limites do comportamento efeito de amolecer o coração do homem — ele normalmente reage
aceitável e das conseqüências de se passar dos limites. Mas, como amorosamente e com arrependimento à mulher chorosa —, uma
qualquer pai ou professor que já disse as palavras "A próxima vez vez que elas são uma prova tangível de seu poder. Porém, exata-
que você fizer isso, eu vou..." sabe, os desafiadores dos limites são mente por isso, elas acabam recompensando e reforçando o com-
tão talentosos em sua arte que irão se manter perto do limite, atra- portamento do homem, envolvendo o casal num perturbador cír-
indo-o para um diálogo obsessivo sobre a definição e redefinição culo vicioso de sadomasoquismo emocional. Portanto, em vez de
dos limites, tudo para gradualmente minar sua autoridade até redu- submeter-se, a melhor estratégia para a mulher nessa situação é en-
zi-la a zero. contrar um meio de dizer a seu marido, ou "vê se te enxerga" ou
Por exemplo, com meu paciente estourado, como eu poderia "vá se catar" — preferencialmente, porém, não sem antes fortalecer
estabelecer limites sobre a intensidade ou a duração de suas explo- sua própria convicção interna quanto ao que é um comportamento
sões? O que eu faria se ele simplesmente elevasse o tom de voz e inaceitável.
parasse deixando uma ameaça no ar? Infelizmente, essas perguntas Ao mesmo tempo, também é importante perceber que, diferente
são bastante comuns para muitas mulheres que têm parceiros de da violência pura e simples, a agressividade masculina é também
"mau gênio". uma defesa psicológica com o fim de afastar sua própria fragilidade
A resposta, eu então sugiro, é quase o oposto do que é ensinado feminina. Segundo essa hipótese, quanto mais frágil o homem se
na faculdade — não diga à pessoa qual é o seu limite. Em vez disso, sente, mais agressivamente irá agir. 12 Então, se você quiser dimi-
procure fortalecer sua própria convicção interna sobre o que é ver- nuir sua agressividade, é preciso aumentar sua sensação de poder,
dadeiramente inaceitável para você. Então, informe o agressor do coisa que muitas mulheres fazem extremamente bem. Mesmo que
princípio que norteia seus limites, mas deixe que ele pense sozinho de brincadeira, admirar e amar o homem por sua inteligência, seu
sobre as especificidades. E esteja preparado para agir quando seu trabalho, seu talento no basquete, seu porte de cavalheiro — ou
princípio for violado. Claro, será fácil agir porque então você não qualquer outra coisa que ele considere máscula em si mesmo que
terá dúvidas quanto ao que é inaceitável. não seja o desejo que ele tem de dominá-la — é muito diferente de
Obviamente, é mais fácil falar do que fazer. Quando eu disse ao fazê-lo sentir-se no poder. Admito, isso é difícil quando você se
meu paciente estourado que não iria terminar o tratamento, ele sus- sente dominada por seu parceiro, mas é nesse caso que é ainda
pirou e disse: "Você está começando a perder a credibilidade, igual mais necessário. E fica mais fácil quando acompanhado pela res-
à minha mulher. Ela vem dizendo que vai me abandonar da próxi- posta agressiva: "Vai te catar", à agressividade dele — enfrentar
ma vez que acontecer há quinze anos!" "Deve ser verdade", eu dis- uma pessoa é sinal de que você o ama e não o contrário. Afinal, o
se, "mas eu acho que não tenho o mesmo nível de tolerância que amor nasce da libertação e da eqüidade, não da síndrome de
ela. Então, vamos ver se você ião me testa novamente. A menos, é a utocomiseração.
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Apoio e Dafne (Micróbio de Menino) que estão sendo visadas e reificadas. Conscientemente, Apoio não
Uma das minhas esculturas favoritas na Villa Borghese, em Roma. está buscando uma conquista, mas aceitação. Eu não sou pastor, ele
Criada pelo artista barroco Gianlorenzo Bernini, ela capta e imor- diz a Dafne, e procura se fazer aceitar por ela mencionando suas
inúmeras qualidades divinas: ele cura, ele profetiza e assim por diante.
taliza um momento do mito da guerra — e do amor — entre os
Também nisso esse deus é bastante humano — e masculino. Seu afã
sexos. A maravilhosa pedra alva mostra um jovem casal num mo-
de impressionar Dafne é uma reminiscência da súplica desesperada
mento de glória, desespero e transformação. Ao tentar tocar sua
do narcisista no sentido de ser aceito e aprovado, e sentir-se melhor
amada, a pele dela se transforma em madeira e seus braços e cabelos
consigo mesmo. É interessante notar que exatamente nesse contex-
em galhos e folhas. Petrificado nesse momento vemos a figura de
to a agressividade de Apoio fica evidente pela primeira vez — "Jo-
Apoio, o deus grego da música, da poesia, da medicina e da profe-
vem tola, / Tu não sabes de quem estás fugindo", grita para a mulher
cia, perseguindo e tocando a linda ninfa Dafne, que não correspondia
que não se mostra impressionada.
a seu amor. Apesar de Cupido, o deus do amor, ter atingido Apoio
Temos aqui, portanto, a ligação lógica, ainda que estranha, entre
com uma seta que o fez apaixonar-se, sobre Dafne ele lançou uma
o egocentrismo e a agressividade dos homens: Para "amarem" a si
seta que a fazia fugir do amor. Portanto, após uma longa persegui- mesmos, os homens precisam "odiar" as mulheres. Ou seja, para se
ção, quando Apoio finalmente a alcança, a ninfa pede a outro deus, sentirem aceitos eles precisam provar sua masculinidade para as
seu pai, que destrua o corpo que Apolo tanto desejava. Sua prece é mulheres negando sua própria vulnerabilidade e projetando-a na
atendida e ela se transforma num loureiro.
mulher de quem esperam aceitação. Apesar de desesperados pela
Em Metamorfoses, o antigo poeta romano Ovídio nos conta mais
aceitação, eles não a aceitam caso oferecida de mão beijada porque,
sobre a dualidade emocional implícita nessa perseguição amorosa. de seu ponto de vista defensivo, só vale a pena se for conquistada.
Por um lado, Apoio expressa claramente ternos sentimentos de ad- Quando Apoio finalmente alcança Dafne, ele a perde. Mesmo
miração e carinho. Temeroso de que Dafne se machuque na perse- assim, Ovídio não fala de lamentações. Em vez disso, ele nos conta
guição, ele grita, procurando protegê-la: "O solo é áspero aqui. I que, mesmo depois que Dafne foi transformada numa árvore,
Corra um pouco mais devagar e eu correrei, prometo, um pouco
mais devagar". Por outro lado, ele não deixa de persegui-la, embora Apoio ainda a amava. Pôs sua mão
sabendo que não conseguiu convencê-la de que não é o inimigo. Onde gostaria e sentiu seu coração ainda batendo
Com efeito, podemos perceber sua reificação de Dafne na própria
admiração que nutria por ela: "Ele observa seus lábios e sabe que Por trás da madeira; e abraçou os ramos
observar não basta. I Maravilha-se diante de seus dedos, suas mãos, Como se ainda fossem seus braços, e beijou a mad4ira
seus pulsos, seus braços desnudos até os ombros I E o que ele não vê E a madeira se recolheu ante seus beijos, e o Deus
supõe ser ainda melhor". Mesmo sua vontade de protegê-la concen- Exclamou: "Já que não poderás jamais ser minha noiva,
tra-se em não ferir "suas encantadoras pernas" e outras partes do Minha árvore ao menos serás!"
corpo, em vez de na pessoa de Dafne.
Por que Apoio persegue Dafne? Ele realmente acredita que isso Então, se é verdade que a motivação inconsciente pode ser
fará com que ela o ame? Bem, pode ser que os homens simplesmen- inferida da conseqüência da ação que ela inspirou, o objetivo da
te não estejam pensando numa hora dessas. Porém, mesmo quando busca não era amar e ser amado, mas agarrar a mulher — viva ou
estão, muitas vezes não estão conscientes da hostilidade própria de morta. Não é que a perseguição seja melhor do que pegar o alvo,
seu objetivo, ao passo que as mulheres percebem imediatamente mas é que não é tão ruim assim se o alvo não prestar — pelo menos
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você não irá precisar da cooperação da madeira para beijá-la. Ou dobramento do conflito da insegurança masculina, onde o homem,
para fazer outras coisas com ela. Apoio, aliás, declarou que o louro por razões defensivas internas, precisa sentir que está ostensivamente
seria a coroa que cingiria seus cabelos e a dos vitoriosos de Roma. em situação superior.
Em outras palavras, apesar de ter perdido no amor, ainda era um Apesar de meu filho de oito anos às vezes expressar seu amor
vencedor, um conquistador no mundo físico, se preferirem — fato por sua mãe abraçando-a tão forte que a deixa literalmente sem
que será confirmado para sempre pela ostentação das partes do cor- conseguir respirar, minha filha de cinco anos muitas vezes brinca
po do vencido. comigo se esquivando e fugindo de mim, rindo e gritando: "Micró-
Então, apesar de tantas vezes nos sentirmos comovidos com a bio de menino! Micróbio de menino!" Apesar de também expressa-
dor romântica do sofredor no amor, não há como negar que existe rem seu amor de outras formas mais versáteis, especificamente com
agressividade em se amar alguém que não deseja ser amada, em esses modos de expressão é difícil imaginá-los trocando de lugar.
perseguir outra pessoa — física ou psicologicamente — na tentativa
de fazer com que ela nos ame. E apesar de o amor não correspondido
ou mesmo a agressividade implícita nele não ser exclusividade dos Um Retrato do Artista como Don Juan
homens, no caso deles esta última assume, com maior freqüência, a Esse paciente não era realmente um artista. Um gerente-segura-
forma de franca e hostil reificação. dor jovem e de grande potencial numa enorme companhia de segu-
A idéia de que esse tipo de amor masculino busca a conquista e a ros, "Keith" tinha, na verdade, pouco ou nenhum pendor artístico.
posse ganha uma expressão tragicômica na conclusão da história tal Mas, para mim, pelo menos em seus relacionamentos com as mu-
como contada por Ovídio, quando "Dafne", a árvore, aceita seu lheres, ele era um artista. Como um escultor, ele conseguia esculpir,
destino de se tornar a árvore de Apoio: "E mais ele não disse. O moldar, construir e reconstruir imagens de mulheres que se encai-
loureiro, / balouçando, parecia consentir, dizendo Sim." xassem em suas exigências psíquicas. Era também sensível e intros-
Bem, essa agressividade masculina, importa lembrar, é apenas pectivo, portanto, também poderíamos dizer que ele era um artista
um dos lados da moeda, muitas vezes o lado inconsciente. Temos de temperamental.
conhecer também o início da história e dar ao amor masculino e à Em seus pensamentos, Keith transformava as mulheres que na-
generosidade seu verdadeiro valor. Ao lermos Ovídio, imagino, so- morava em arrebatadoras figuras estatuárias de diversos tipos —
mente a feminista radical — e a minha porção feminina — deixa- enormes e maternais, cheias de curvas e sensuais, ou frágeis e virgi-
riam de identificar-se com a busca e o sofrimento de Apoio. Aliás, nais —, moldando-as do alvo mármore que, de modo não intencio-
toda a história de Apoio e Dafne foi pensada por Ovídio como um nal, ele projetava do seu próprio coração insensibilizado sobre sua
castigo ministrado por Cupido contra Apoio e não contra Dafne. 1 ' própria visão de feminilidade. E se apaixonava por essas imagens,
Não obstante, por mais vulnerável que um homem apaixonado descobrindo invariavelmente que o coração por que ele "ansiara" e
(ou sexualmente obcecado) possa se sentir, é ele que persegue, com que ele "sentira" não existia de fato.
isso possivelmente assustando e afastando a mulher. Sim, o amor Como o paciente era muito egocêntrico, estava procurando uma
não correspondido não discrimina e as mulheres que perseguem os mulher ideal que refletisse adequadamente seu próprio eu idealiza-
homens revelam seu próprio gênero de hostilidade. Não obstante, a do. Mas também demonstrava bastante agressividade, uma vez que
maioria das pessoas provavelmente ainda diria que quando uma costumava pôr uma "coisa" no lugar da pessoa de carne e osso com
mulher corre atrás de um homem ela está, masoquistamente, pro- quem namorava. A primeira dessas "coisas" de que ele falou na te-
curando sofrer, enquanto quando é o homem que corre atrás, ele rapia era uma coisa grande e impessoal — era uma mãe. Em nossa
também está fazendo a mulher sofrer. Repito, isso pode ser um des- primeira sessão, o paciente explicou que precisava de terapia por-
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que sua namorada havia seis anos estava pronta para se casar e ele menos respeitáveis. Essa divisão sexual é uma forma importante
não estava — e não sabia por quê. Nessa sessão, ele jurou de todas pela qual os homens conseguem dar vazão à sua agressividade ou,
as maneiras que amava a namorada e que ela era extraordinaria- mais precisamente, conseguem escondê-la — dos outros, bem como
mente sensível e carinhosa. E, como se para provar isso, na segunda deles mesmos.
sessão ele a trouxe consigo. Mas, se por um lado ela parecia uma Então, a "coisa" seguinte de meu paciente foi uma prostituta.
boa pessoa, não consegui ver o que havia de tão especial nela. Essa Não literalmente, nesse caso, mas em termos da dinâmica do relacio-
deveria ter sido minha primeira pista de que o paciente era um "es- namento. Dessa vez, sua criação (ou descoberta, dependendo do
cultor". grau em que acreditamos que sua imagem da mulher correspondia à
Na terceira sessão, Keith tinha rompido com a namorada — ela realidade) era física e psicologicamente bem diferente: jovem, cheia
lhe deu um ultimato de casamento e ele respondeu que não. Mas só de curvas e sexualmente ousada. Conforme o próprio Keith dizia,
um tempo depois na terapia ele conseguiu dizer por que não estava ela era um animal sexual que fazia de tudo — implorar, seduzir,
pronto naquela época. Não tinha nada a ver com preocupações prá- expor-se — para jogá-lo na cama. Porém, estranhamente, apesar de
ticas como idade, segurança profissional ou dinheiro, e nada a ver tão fogosa, essa mulher deixava o paciente emocionalmente apáti-
com preocupações românticas como ambivalência emocional ou falta co. Portanto, após um ano de longas noites cheias de prazer e fanta-
de atração. Em vez disso, fora porque a relação com essa mulher sia, o paciente terminou com ela.
fazia com que ele se sentisse como uma criança. A mulher era, de "Eu nunca tinha ficado tão excitado antes", ele explicou, "mas
fato, uma pessoa carinhosa e atenciosa, mas o paciente não conse- eu jamais me casaria com uma mulher igual a ela". É interessante
guia evitar transformá-la numa "coisa" — nesse caso, numa mãe—, o notar que, por ser um homem honesto e direto, o paciente nunca
que fazia com que ele se sentisse um garotinho. Bem, foi assim que escondera isso da mulher — o que o ajudava a racionalizar a culpa
terminou essa sua rubenesca criação. que sentia. Mas a culpa não desaparecia completamente porque ela
O irônico foi que, depois desse rompimento, durante muitos não se referia ao fato de enganar sua parceira. Referia-se à sua
anos, a idealização que o paciente fizera dessa mulher só fez inten- agressividade escondida — escondida brilhantemente em sua ho-
sificar-se. Apesar de perceber que não teria sido capaz de se casar nestidade quanto à ausência de compromisso. Essa agressividade, é
com uma mulher que ele considerava tão materanl, ficou cada vez claro, consistia em seu desejo não por uma exploração sexual com
mais convencido de que jamais encontraria alguém tão especial quan- uma mulher, mas por uma reificação sexual de uma mulher, trans-
to ela. Então, ela passou de meramente uma mortal "muito espe- formando-a mais uma vez numa "coisa". No final das contas, era
cial" para uma deusa, ou uma imagem melancólica e marmorizada essa culpa que levava o paciente a terminar o relacionamento — ele
de uma deusa. acabava concluindo que, mesmo que uma mulher aceitasse ser
Claro, partilhei essas observações com meu paciente e, pelo menos reificada, era ele que não aceitava reificar.
intelectualmente, ele concordou. Mas, quando iniciou um novo re- Depois desse relacionamento, Keith decidiu que já tinha feito
lacionamento, continuou esculpindo, dessa vez usando o molde sexo gratuito o suficiente. Imaginou que agora estava pronto para o
oposto. Qual é o oposto de uma coisa chamada mãe? Você pode casamento e começou a procurar a pessoa certa para se apaixonar.
estranhar. Freud achou que era uma coisa chamada prostituta. Não Por incrível que pareça, encontrou rapidamente essa pessoa na for-
obstante a revolução sexual, esse ainda é um problema que aflige ma de uma paroquiana que freqüentava a mesma igreja, a qual foi
muitos homens. Nessa situação, o homem trata sua esposa ou na- empolgadamente descrita por ele como "linda, criativa e muito re-
morada com tanto respeito que reluta a reificá-la sexualmente. Ele ceptiva — realmente especial". Essa mulher ele transformou não
só se entrega a certos atos o- u fantasias sexuais com outras mulheres, numa escultura, mas num poema. Ou talvez eu pense assim porque,
212 -* Se os Homens Falassem— ALON GRATCFI 4" 213

após seu segundo ou terceiro encontro, ela mostrou a ele um p( mestre cortejou, uma lista que eu próprio fiz: veja, leia-a comigo.
ma que havia escrito — sobre ele. Talvez ele a tivesse transforma Na Itália, seiscentas e quarenta, na Alemanha, duzentas e trinta e
num espelho — como o espelho da história da Branca de Neve uma, cem na França, noventa e uma na Turquia; mas, na Espanha,
para o qual pudesse perguntar: "Espelho, espelho meu, existe já mil e três." E, diz Leporello, Don Giovarmi corteja algumas des-
guém mais bela do que eu?" sas mulheres apenas pelo prazer de acrescentá-las à lista.
Se estou sendo sarcástico agora sobre a nova criação do m Então, como Don Juan, meu paciente estava começando a for-
paciente, não fui na época. Como o próprio paciente, eu pensei q mar uma lista e, embora essa não fosse sua vontade consciente, dei-
ele estava finalmente desenvolvendo um verdadeiro relacioname xou escapar um sorriso matreiro quando contei a ele sobre a lista de
to amoroso. Mas, em poucas semanas, o paciente começou a 1 Don Juan. Seja como for, diferente de Don Juan, ele jamais havia
dúvidas e a mostrar-se ambivalente. Seu interesse sexual começot forçado, insistido ou enganado uma mulher para levá-la para a cama.
diminuir e suas fantasias sexuais foram repentinamente tomadas p6 Na verdade, sua intenção consciente não era senão nobre. O pro-
imagens da última namorada, a que era a "coisa" sexual. blema era que ele era nobre demais e não conseguia incluir sua
Então, mais urna vez, Keith terminou o relacionamento. Des agressividade em seus relacionamentos. Portanto, essa agressividade
vez, porém, começou a ficar preocupado, e com razão, com a s' surgia no ritual inconsciente da conquista, o qual consistia em (I)
capacidade de amar. E essa preocupação foi bastante agravada d ganhar aceitação e (2) dispensar. Também surgia como uma divisão
pois por uma série de relacionamentos similares, todos com mulh sexual na qual apenas uma mulher "proibida" ou uma fantasia "proi-
res jovens, puras e admiráveis. Em todos esses relacionamentos e bida" com essa mulher era capaz de excitá-lo. Paradoxalmente, ape-
tinha se apaixonado e se desinteressado muito rapidamente, emb nas quando o paciente se permitia ver e aceitar sua própria hostili-
ra sua boa intenção fosse real e os diálogos sempre abertos. Mas e dade em relação às mulheres ele conseguia amá-las seriamente. Aque-
deixava de estar apaixonado porque, mais uma vez, havia se aw la com quem acabou se casando, aliás, era de fato especial. Não
xonado não pela pessoa, mas pela coisa — nesse caso, uma idéia; "especial de verdade", mas o suficiente para se libertar do molde
idéia de que essas mulheres eram "material para casamento" e qt que o paciente criara e rebelar-se contra seu criador.
estava na hora de se casar. Também, mais uma vez, suas fantasi,
sexuais foram invadidas por imagens de sua antiga namorada "ap
nas sexo". O Segundo Encontro corno Entrevista Clinica
Depois de alguns anos vivendo assim, Keith teve de admitir qu Lidar com esse tipo de Don Juan inconsciente e sem intenção é
embora não tivesse tido a intenção consciente, via-se repentinameni realmente muito desafiador. Isso porque as mulheres que o meu
com um impressionante número de experiências românticas no cu paciente namorava, como o próprio paciente, não tinham a menor
rículo. "Mas eu só quero ficar com alguém que eu ame", ele diss, idéia que ele estava formando uma lista. Quando estava namoran-
com grande sinceridade. Então, ele estava em busca do amor o do, esse homem não falava de sexo, mas de amor. Ele encantava as
apaixonado pela idéia da conquista? Ele desejava uma mulher o mulheres não com seu corpo, mas com sua cabeça. Aliás, seu corpo
estava à cata de louros para cingir sua fronte? A clássica defesa d não tinha o tradicional apelo masculino. Apesar de não ser feio, sua
Don Juan é que ele ama as mulheres e, portanto, não pode abster- compleição franzina e sua baixa estatura já haviam lhe causado gran-
de nenhuma! Tampouco ele registra quantas já conquistou — quer de desgosto na adolescência — ele se sentia inferior aos outros me-
faz isso é seu criado. Na versão que Mozart compôs para essa hisU ninos e ignorado pelas meninas. Mesmo no início da faculdade ne-
ria, o criado de Dou Giovanni, Leporello, canta para urna das vít nhuma menina queria sair com ele. Mas então — obviamente por
mas de seu empregador: "Senhora, eis a lista das beldades que me necessidade ele adquiriu destreza na arte da sedução intelectual.
214 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 1/0 215

Essa síndrome é muito comum. Alguns dos Don Juans mais "E A mulher com quem Keith acabou ficando não demorou para
sucedidos" que já vi são homens com algum senão de natureza f perceber sua agressividade ("pegou o número dele"). Em ações e
ou que acreditam possuir algum. Eles podem ser, ou se sentir, até em palavras ela basicamente disse a ele: "Eu sei onde isso vai dar
gros demais, baixos demais, tolos demais, efeminados ou infa e eu não sou do tipo que se deixa magoar, portanto, não faça isso."
ou qualquer variação desse tema. São muitas vezes levados a qu E ela também era uma pessoa que se sentia à vontade diante da
conquistar as mulheres por terem tido uma infância em que os dinbivalência. Quando ele começou a ter dúvida quanto a ela, ela
tros meninos caçoavam deles e as meninas de sua adolescênci começou a ter dúvida quanto a ele. Quando o interesse sexual dele
rejeitavam.' 4 começou a diminuir, ela percebeu (e disse a ele!) que às vezes, du-
Quando começa a namorar, mudando as regras do jogo rante o sexo, ela se sentia como se estivesse com uma criança. E
então, esse tipo de homem não tarda em se mostrar aberto t quando ele precisou de espaço, ela se sentiu aliviada, não rejeitada.
ceptivo. Ele é instrospectivo e gentil, e parece estar à vontade Portanto, ao pagar na mesma moeda, essa mulher abriu as portas
suas vulnerabilidades. Pode ser capaz inclusive de falar de sua para que o paciente fizesse sua agressividade entrar no relaciona-
sibilidade e dificuldades emocionais. Conscientemente ou não mento — ela não iria esmorecer por causa de suas mostras de
conscientemente, ele aprendeu que o que o arrasou quando cr ambivalência. Evidentemente, como acontecia com o próprio pa-
ça ou adolescente pode agora ser usado em seu próprio benefi ciente, isso não era uma manipulação consciente nem um jogo —
Que ser infantil, poético e frágil tem grande poder na hon ela simplesmente tinha e sabia expressar sua própria agressividade e
desarmar e encantar as mulheres, sobretudo aquelas que receiz ambivalência. Em resumo, ela era a pessoa certa para esse paciente.
desabrida agressividade masculina. Bem, como no caso do pac Mas ela também surgiu na hora certa — quando a própria busca do
te de que estou falando, na maioria das vezes esse estilo de na paciente o havia levado ao ponto em que ele estava preparado para
ro não é mera ostentação ou manipulação consciente. Tampc enfrentar sua hostilidade em relação às mulheres. E — para com-
se deve imaginar que esse tipo de homem irá sempre acabar fe pletar o clichê — junto com o paciente ela se esforçou bastante para
do a mulher que ele deseja. O que no final das contas ajudou criar o ambiente certo, aquele onde a agressividade franca e aberta
paciente a firmar um compromisso foi que eu — assim con era preferível à capciosidade inconsciente.
mulher que ele estava namorando nessa época — lhe mostra Esse ambiente, é claro, lembra o ambiente terapêutico no qual o
um espelho com uma imagem negativa e não positiva. Um esp( terapeuta trabalha com o paciente para que este tenha menos receio
que não só lhe mostrou o curso sistemático de sua agressivid, de sua agressividade e a inclua em seus relacionamentos. Nem é
mas que também se recusou a ser feito de vítima por ele. Essa preciso dizer que isso nem sempre funciona tão bem. O "trabalho"
é uma tarefa fácil para o terapeuta, menos ainda para a mu nesse tipo de relacionamento não é procurar ser gentil, solícito e
envolvida. Primeiro, é preciso ter os indícios todos prepara atencioso, mas, ao contrário, permitir-se a rispidez, a irritação e o
para que o cara não pense que você é louca — na cabeça dele. desagradável. Posto de outra forma, os parceiros nesse relaciona-
é um sujeito muito legal e sensível. E ele é mesmo isso, o que mento precisam aprender a lutar sem destruir sua fé um no outro e
leva à segunda dificuldade, o fato de que apresentar as prova! no amor. Como muitas vezes digo aos pacientes, todo mundo acha
ante dele pode magoá-lo. E, terceiro, ao refletir a agressivic que "o diálogo aberto" é uma coisa fantástica, associando-o ao amor,
dele, você não pode ficar irritada demais ou deixar-se atingir ao afeto, à compreensão. Mas nós não nos comunicamos, na maio-
mais por ela. Se a sua exposição for por demais afetada por e ria dos casos, não porque seja algo tão maravilhoso, mas porque
sentimentos, você terá sido vencida e o homem perderá o inte costuma ser muito desagradável. Quem, em sã consciência, gostaria
se, seguindo adiante. de expressar sentimentos e pensamentos negativos — irritação,
216 •*- Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH + 217

agressividade, ou depressão, para citar alguns — diante da pessoa


e, portanto, tem de reprimir ou repudiar. Se isso é verdade, quanto
mais ela continua a preferir a "não agressão" e quanto mais procura
amada? Porém, gostemos ou não, nós fazemos isso e a única per-
gunta é a forma como podemos fazê-lo. fugir da irritação que está dentro dela, mais fácil será acabar levan-
do na cabeça por causa disso. O princípio psicológico aqui é que os
Para aqueles que sentem que isso é por demais negativo ou por
opostos contêm uns aos outros e isso porque quanto mais tentamos
demais trabalhoso, o único jeito de lidar com o "Dou Juan sensível"
evitar algo em nós mesmos transformando-nos no seu oposto, mais
é cair fora assim que vir sinal de fogo. O problema com essa estraté-
essa coisa necessitará manifestar-se. É por isso que no noticiário das
gia é que toda a sedução desse tipo de homem se baseia no fato de
11 h o assassino que morava na casa ao lado é muitas vezes descrito
você não perceber que ela está acontecendo — você normalmente
pelos amigos e vizinhos como "um sujeito muito bom e pacato".
está entretida demais falando de poesia ou de espiritualidade. Por
Numa observação mais poética, é também uma forma de compre-
isso, não saberá a hora de cair fora. Quando um homem perde a
ender a fala de Macbeth: "A honradez é vil e a vileza é honrada."
paciência logo no segundo encontro, você sabe que não deve voltar
Então, temos de esperar e aceitar alguma agressividade dos ho-
a vê-lo — a não ser, é claro, que esteja tão acostumada a ser maltra-
mens. Ao mesmo tempo, podemos fazer mais para avaliar o homem
tada que nem perceba nada, o que, infeliz/mente, acontece com muitas
mulheres. Mas se o homem for gentil, afetuoso e compreensivo, não agressivo, sobretudo aquele que parece inacreditavelmente
meigo, ingênuo e aberto. Se você sabe o que procurar, pode aplicar
não há motivo para esperar qualquer agressividade — a não ser
as técnicas da entrevista clínica — fazer perguntas sobre o passado
pelo fato de que todo homem é agressivo. Então, a principal defesa
da pessoa ao mesmo tempo que procurar confirmar, ou não confir-
ao lidar com sujeitos simpáticos é procurar e aceitar alguma forma
mar, certas hipóteses sobre sua personalidade. Especificamente nes-
de agressividade masculina. Claro, o nível do aceitável irá variar de
mulher para mulher. se caso, devemos procurar por um padrão que consista em (a) um
Algumas mulheres que estiveram sujeitas a homens violentos e sujeito gentil, simpático ou racional, mais (b) muitos relacionamen-
que têm noção disso sentem-se tão temerosas diante de qualquer tos de curta duração, mais (c) nenhuma explicação ou idéia que
sinal de agressividade ou de qualquer comportamento masculino explique por que os relacionamentos não deram certo. A terceira
parte da equação é mais difícil de averiguar, já que nosso Don Juan
"negativo" que batem com a porta na cara de qualquer manifesta-
ção desse tipo por parte do homem. Porém, inconscientemente, elas involuntário é muito bom no emprego de clichês, meias verdades e
pseudo auto-análises psicológicas, tais como: "Eu não estava pron-
acabam deixando que entrem pela porta dos fundos. Isso tem algo a
to para um relacionamento", "Eu estava numa fase diferente da
ver com a dinâmica dos opostos que discuti no capítulo quatro. Se
você se sente atraída por homens carinhosos, passivos e sensíveis, minha vida" ou "Agora eu sei o que é assumir responsabilidade".
pode ser assim porque você teme o oposto. O problema é que esses Então, se depois de confirmar (a) e (b) você ainda estiver interessa-
homens podem ser exatamente aqueles que estão com medo da pró- da no cara, lembre-se que o segredo para se obter um verdadeiro
pria agressividade e muitas vezes com razão. Portanto, o acordo táci- insight é reconhecer que o sujeito tem um problema que ele não
to da "não agressão" nesse tipo de relacionamento está baseado no compreende completamente, mas está interessado em sanar.
medo de uma agressividade que existe, mas é negada ou reprimida. As mulheres solteiras podem fazer uma objeção aqui: não se pode
É possível que uma mulher nessa situação esteja com medo não começar a entrevistar as pessoas sobre seus antigos relacionamentos
só da agressividade que enfrentou num relacionamento anterior, no primeiro encontro! OK, eu digo, eu compreendo. E no segun-
mas também de sua própria agressividade ou irritação retaliativa, do? Na verdade, não estou sugerindo uma entrevista de fato. Acho
qual, por algum motivo talvez ela fosse uma criança, talvez esti- que se confiamos em nós mesmos e permitimos a nós mesmos ver e
vesse impotente nesse relacionamento —, não consegue controlar sentir o que se passa, a informação irá se apresentar. Fazer um ver-
218 - 4e• Se os Homens Falassern... ALON GMTCH 4). 219

dadeiro escrutínio da outra pessoa não funciona mesmo — sempre guns encontros que não estava lidando muito bem com o fato de ele
haverá defeitos a descobrir. Porém, tampouco funciona lamentar-se se mostrar tão efusivo quando em verdade não sabia nada sobre ela.
depois do leite derramado e ficar racionalizando acerca do compor- O homem, reagindo com ainda maior concessão e afeto, disse: "Eu
tamento da outra pessoa. Num segundo encontro, como em qual- compreendo perfeitamente porque você se sente assim — isso não
quer outra situação, poderíamos acabar vitimados por uma falsa vai se repetir. Eu jamais iria ferir seus sentimentos porque você é
manifestação de bondade. Portanto, se não nos sentimos à vontade sem dúvida uma pessoa muito especial." Isso confirmou (emocio-
— seja por que motivo for —, temos de escutar e investigar nossos nalmente, mas não de forma plenamente articulada) a hipótese dela
sentimentos em vez de ficar procurando explicação para eles. Como de que a disposição demasiadamente positiva desse homem não
um dos meus supervisores na faculdade disse certa vez: "Se você se merecia confiança — e ela acabou terminando com ele.
sentir atacado, é porque você está sendo atacado." ' 5 Isso não significa que um relacionamento com essa dinâmica ini-
Escutar seus sentimentos dessa maneira não exige um sexto sen-, cial tem de seguir esse curso. Se o homem tivesse reagido com a
tido nem intuição mística. Tampouco trata-se de uma postura passi- irritação adequada em vez de mais concessões e se tivesse modera-
va, meramente avaliatória. É, na verdade, um estado de espírito que do um pouco de seu desmedido entusiasmo, minha paciente, com
nos inspira a testar a legitimidade e oportunidade de nossa reações toda probabilidade, teria reagido positivamente. Isso teria permiti-
emocionais — o que, em última análise, é o que nos permite conhe- do aos dois construir um relacionamento dotado tanto de amor
cer a outra pessoa. Por exemplo, uma paciente do sexo feminino como de agressividade.
namorava um homem que era confiável, sincero e sensível. Ele sem-
pre ligava quando dizia que ia ligar, não parava de dizer o quanto
Conflito Homem-a-Homem
achava a paciente maravilhosa e sempre disse que estava pronto
para firmar o compromisso. E, mesmo assim, a paciente se sentia Pela minha experiência, mais cedo ou mais tarde a maioria das
irritada com ele. Não obstante, os amigos dela lhe diziam que ela mulheres encontra o equilíbrio correto de guerra e amor em sua
era exigente demais e, por isso, ela fez um esforço e procurou retri- luta para neutralizar a agressividade masculina. Os homens, por sua
buir os sentimentos dele — afinal, era um sujeito tão bacana. Po- vez, acham especialmente difícil não atacar a agressividade dos ou-
rém, quanto mais ela tentava, mais difícil era e mais se sentia ataca- tros homens quando esta se choca com a deles. Como ponto de
da pelo afeto e pela admiração que ele demonstrava. A verdade é partida, poderíamos pensar sobre como os homens dirigem perto
que as rosas dele não eram desprovidas de espinhos — ele a estava uns dos outros na estrada. O homem ao volante parece definir uma
vitimando com falsas manifestações de bondade. Um homem ver- boa direção como aptidão técnica para atingir máxima velocidade e
dadeiramente sensível teria percebido que suas investidas não eram agilidade. A mulher ao volante, em comparação, normalmente in-
inteiramente correspondidas e teria recuado. Esse sujeito, porém, clui em sua definição fatores como segurança e cortesia.
manteve-se firme em sua gentileza estratégica e continuou a atacar Mas além desse potencial de ataque que os homens partilham
minha paciente com sua avalanche de amorosidade que só induzia a entre si, algo mais contribui para isso quando o adversário é outro
parceira a sentir-se culpada. homem — eles se tornam ainda mais agressivos. Por um lado, po-
Nem é preciso dizer que esse relacionamento não sobreviveu. deríamos dizer que eles brigam com maior violência nesse caso
Mas se a paciente tivesse dado ouvidos a seus sentimentos antes, porque sentem que um homem é um concorrente mais interessan-
teria poupado a si mesma e a esse homem tempo e sofrimento. Que te do que urna mulher. Por outro lado, acontece muitas vezes de
foi exatamente o que fez uma outra paciente minha, num namoro estarem brigando, figurada ou literalmente, pela atenção de uma
parecido com esse. Essa mulher disse a seu parceiro depois de al- mulher.
ALON GRATCH + 221
220 4 - Se os Homens Falassem...

Se você for freudiano, diria que isso é um resíduo do confl] ao vício dessa mulher. Ele reconheceu que era um problema, mas
edipiano, no qual o garoto compete com seu pai para conquista disse que sentia que "era capaz de lidar com isso". Mas então, lem-
brando-me que ele sempre exigia informações concretas e sentindo
afeição da mãe. E se você for um antropólogo biólogo, diria q
que eu poderia alinhar minha própria agressividade com a dele,
isso é apenas mais uma demonstração de que somos macacos
contei-lhe algumas coisas sobre usuários de drogas. Apesar de ter
sabe-se que os chimpanzés machos são especialmente violento:
dito a verdade — ou seja, que os usuários de drogas são manipu-
competitivos quando brigam com outros machos. É interessar
!adores e traiçoeiros —, não havia nada de gentil na minha atitu-
notar que eles lutam pela liderança, o que, conforme observam
de. Eu senti que ele estava negando o risco sistematicamente e senti
antes, se traduz na conquista do poder de reproduzir-se. Em alg
mas sociedades humanas, isso é bastante concreto — por exemp que precisava sacudi-lo, por isso fui duro com minha "experiência e
na remota tribo venezuelano-brasileira dos ianomâmi, quantos m conhecimento".
Ele não reagiu imediatamente, porém, mais tarde, no mesmo
inimigos homens você matar, mais esposas terá como recompen
dia, deixou uma mensagem furiosa na secretária eletrônica, dizen-
Em outras culturas, como a nossa, isso é mais simbólico. Portanto
do que tinha ficado arrasado com a sessão e pedindo que nos en-
perfeitamente possível que a tendência apresentada por muitos E
contrássemos de novo assim que possível. Quando fizemos isso, ele
mens na nossa sociedade para competir com maior vigor quando
explicou que eu tinha acabado com suas esperanças e sonhos em
mulheres assistindo tenha metaforicamente o mesmo sentido.
relação a essa mulher, e que depois da sessão ele tinha ficado depri-
Mas, independentemente de suas origens, resta pouca dúvida
mido e paranóico. Ele começara a imaginar se ela estava com ele
que o conflito homem-a-homem tem suas próprias característic
por causa do dinheiro e, quando conversou com ela sobre suas dú-
muitas vezes maior competitividade e combatividade. Um dos me
pacientes, um homem de negócios bem-sucedido e francamer vidas e suspeitas, quase destruiu o relacionamento.
O paciente então passou a me dar uma aula a respeito de minha
agressivo, sempre exigiu que eu lhe dissesse o que fazer em difere
técnica terapêutica: "Como psicólogo, e alguém que a essa altura já
tes situações — por mais que eu explicasse a ele que não era ass
me conhece, você deveria saber como eu poderia ficar deprimido. E
que eu via meu papel. "OK, então esse é um processo e eu tenho
chegar às minhas próprias conclusões", ele dizia impacientemen deveria saber ir mais devagar comigo. Você não pode dar uma surra
dessas num cara como eu, enfim, que sou tão sensível! Eu sei que
se não desdenhosamente, "mas para que eu estou lhe pagando? Vc
estava tentando ajudar, mas o que você fez está errado. Você tem de
tem a experiência e o conhecimento — pelo menos suponho q
ser muito mais cuidadoso comigo." Nem é preciso dizer que ele
tenha, mas, quem sabe? Portanto, devia ser capaz de me dar algt
estava certo. Mas na minha própria teimosia masculina, levei um
conselho". E ficava frustrado e irritado, criticando-me quando
tempo para admitir isso. Primeiro, tive de mostrar-lhe que ele ha-
não fazia isso.
via provocado meu ataque e que era isso o que ele fazia em seus
Mas, certa vez — quando ele se envolveu com a irmã de s
relacionamentos. Depois, tive de explicar como sua negação siste-
melhor amigo, que também era viciada em drogas —, eu chegi
mática chamava para um confronto. Então, e somente então, esta-
muito perto de lhe dizer o que fazer. A intenção dele, naquela ér
va pronto para pedir desculpas. Bem, apesar de ainda achar que
ca, era construir uma vida com essa mulher e salvá-la de seu víc
eu tinha razão aqui e ali, o que eu também tinha, conforme o
Sendo assim, poucas semanas depois que eles começaram a sair, aci
paciente ficou muito satisfeito em ressaltar, era dificuldade de ad-
ditando que se tratava de uma mulher carinhosa e responsável,
mitir que estava errado. Era minha forma de reação agressiva a
paciente lhe confiou as chaves de sua casa. E também dividiu cc
minha própria insegurança masculina. E ela tinha batido de frente
ela um importante segredo do trabalho. Eu, inicialmente, anali
com ele com bastante tato'e objetividade o que ele sentia em relaç com a do meu paciente.
AL ON GRATCH 4)" 223
222 4- Se os Homens Falassem...

Quando eu finalmente disse: "Você está certo, eu fui insensível e as deixa com a impressão de que foram violentadas fisicamente.
não pesei bem seus sentimentos, me desculpe", o paciente gentil- Alguns homens de fala macia que têm medo de sua própria irritação
mente aceitou minhas desculpas. Mas ele também estava certo que; muitas vezes sublimam esse aspecto da agressividade masculina, trans-
como psicólogo, eu não deveria ter feito isso. Ao dar ouvidos à formando-a na transgressão mais erudita da penetração intelectual.
minha insegurança masculina, eu tomei a atitude errada; às vezes, Os profissionais ou os homens que simplesmente se interessam pelo
quando os homens são agressivos, eles precisam de aceitação e con- mundo interior dos outros — psicólogos, por exemplo — correm
forto, e não de um chamado para o duelo. Esse fator, aliás, exerce de forma especial o risco desse tipo de agressividade.
papel crucial na hora de ajudar homens agressivos a conversar em Lembro-me de um candidato a Ph.D. em psicologia clínica que
vez de tomar atitudes durante a psicoterapia. Quando conseguem eu orientei. Era um homem meigo, de fala mansa e muito simpáti-
falar sobre coisas "de mulher" tais como relacionamentos e auto- co, com uma índole andrógina e que dava a impressão de não ter
estima sem se sentir fracos, os homens se tornam capazes de um pingo de agressividade. A paciente de quem ele estava tratando
internalizar uma atitude de aceitação e curiosidade em relação a sua lhe parecia de difícil trato — ela freqüentemente contestava suas
própria feminilidade. Isso, por sua vez, reduz sua necessidade de observações e nunca "entendia" nada. Depois de tentar diferentes
manifestar sua masculinidade na forma de agressividade. abordagens, ele decidiu que era preciso enfrentar aquilo que ele
Nem mesmo os homens francamente agressivos são meros va- acreditava ser uma defesa da parte dela — sua falta de entrega ao
lentões. Duros por fora, são muitas vezes frágeis por dentro. Por processo. Sem perceber quão frustrado e irritado ele estava, e como
admirarem a força, mas ansiarem pela fraqueza, eles só irão que- se fosse a coisa mais banal do mundo — e ainda estou sendo brando
rer a aceitação de alguém que ocupe uma posição de poder. Por- —, ele disse a ela o que acreditava ser sua compreensão objetiva da
tanto, mais uma vez, não existem atalhos para lidar eficientemen- defesa que ela apresentava: "Eu acho que você não quer compreen-
te com homens difíceis. Desenvolver nosso próprio senso de po- der de fato seu próprio comportamento porque não deseja ver sua
der e agressividade (amorosa) é muitas vezes uma tarefa de longo própria deformação, para poder continuar deformada."
prazo. A paciente ficou compreensivelmente chocada e abandonou o
tratamento. Fosse qual fosse o mérito dessa atitude — e acredito
que teve algum —, o comentário desse terapeuta teve origem em
O Penetrador sua própria irritação inconsciente diante da falta de receptividade
A penetração física é um fato biológico (ou possibilidade) nas da paciente em relação a ele, sentindo-se, então, compelido a vencê-
relações sexuais. É também um fato em outras atividades humanas, Li sua mente. Ao discutir isso com ele e procurando
tais como o boxe ou a invasão de residências por parte de um la- equilibrar-me no fio da navalha entre criticar seu trabalho e fazer
drão. Claro que essas penetrações podem ser agressivas e bem-vin- com ele o que ele tinha feito com ela, eu disse: "Acho que sua obser-
das, agressivas e repudiadas ou agressivas e violentas. Na guerra dos vação teve seu grau de verdade, mas a forma de dizer isso à paciente
sexos entre os seres humanos, o estupro e outras formas de penetra- me faz imaginar se você não estava irritado com ela e, nesse caso, o
ção violenta são a exceção, não a regra. Não obstante, os homens que foi dito a ela vale também para você — você não queria ver sua
são penetradores — se não fisicamente, psicologicamente. própria deformação para continuar exercendo-a." Se é verdade que
Quando Len, o paciente estourado de que falei no início desse eu também ultrapassei esse limite e penetrei a mente dele, podemos
capítulo, berrou com toda a força, eu me senti como se tivesse sido imaginar que fiz isso porque não queria ver minha própria irritação
fisicamente agredido. Porém, mesmo quando não há tamanha vee- com ele por ter feito um comentário tão estúpido, exercendo assim,
mência, os homens costumam atacar as pessoas de tal maneira que para com ele, minha própria deformação,
224 4 - Se os Homens Falassem... ALON GRATCH gim 225

Se começa a ficar confuso, vago ou obscuro, é porque a Ao longo dos anos, eu vi isso muito claramente na reação in-
intelectualizada é assim — como seu agente, não chegamos consciente dos homens à gravidez de suas mulheres ou ao nasci-
ber com clareza o que estamos fazendo e, como seu alvo nã mento de seu primeiro filho. Enquanto grande parte dos psicanalis-
guimos definir o que nos atingiu, ou por que nos atingiu tas, sobretudo os freudianos, concentram-se na concorrência edipiana
vezes acontece quando estamos falando com uma pessoa do filho com o genitor de mesmo sexo, muito pouco tem sido dito
inteligente e, de repente, nos sentimos burros, nus e viol a respeito da concorrência dos pais com o filho. É evidente, porém,
Sem saber, fomos submetidos a uma guerra intelectual e pei que três é um número cheio de conflitos, já que toda afinidade en-
por germes produtores de estupidez. tre dois elementos faz o terceiro sentir-se excluído. Quando uma
Portanto, os homens que temem sua agressividade cc mulher se envolve emocionahnente com seu bebê — dentro ou fora
sublimá-la — com maior ou menor sucesso — em formas do útero —, o homem muitas vezes se sente abandonado. Por mais
cas de penetração. Quando comecei a namorar minha esp que ele tente, não dá para ganhar essa: o bebê sequer teve de pene-
uma série de sonhos em que eu invadia seu apartamento. trar a mulher — ele foi criado dentro dela. E o bebê sequer tem de
meus pacientes, que estava ficando irritado por não esta pedir atenção — esta lhe é dada integralmente, sem expectativa de
guindo de mim a ajuda que esperava, teve um sonho em retribuição. E, é claro, o marido também sente a perda qualitativa
entrava furtivamente em minha casa durante a noite. E out da atenção concedida a ele — há tantas coisas para ser cuidadas.
ente, irritado por aquilo que ele considerava a incapacidad Claro, muitos homens têm grande dificuldade em ser pais por
namorada para sentir o que ele sentia, sonhou que, ao ene causa do grau de compromisso que isso representa. E, para muitos,
crânio de uma mulher em sua gaveta, penetrava-o com uni ela se agrava ainda mais com o nascimento de um segundo filho,
mexia em seu cérebro. que parece desferir um golpe final sobre a fantasia da vida isenta de
Esse último paciente era crítico de cinema, um homem I responsabilidade. Mas, para muitos, a chegada do primeiro filho é
rado por seus colegas como possuidor de "um intelecto po acompanhada pela perda dos bens emocionais de sua esposa, dei-
te". Seu sonho foi uma metáfora poderosa e perturbadora xando-os famintos e irritados emocionalmente.
desejo de entrar na cabeça de sua namorada e fazer as m Porém, não percebendo que estão irritados — afinal, ter um filho
necessárias para que ela ficasse mais receptiva às necessidac é motivo de grande alegria, satisfação narcisística e orgulho para a
Como em todos os sonhos, os pormenores são da maior irr maioria dos homens —, eles manifestam essa irritação inconsciente-
eia — nesse caso, o instrumento da penetração foi um garf mente, muitas vezes tentando conseguir de outra mulher, seja numa
velando a fome associada à irritação do paciente. Essa fon fantasia ou no mundo real, o que não estão conseguindo de sua espo-
cional, apesar de não ser exclusividade dos homens, é muit sa. Alguns homens chegam a descontar no bebê, sobretudo quando
o motivo que se oculta por trás de seus acessos de irritaçã este chora, conforme ele pensa, fazendo manha. Um paciente teve
rente das mulheres — que se sentem mais à vontade para mg um sonho no qual ele mordia seu filho de um ano e meio, sonho que
seus sentimentos de dependência ou de carência —, muitos mais uma vez demonstra a ligação entre fome, irritação e penetração.
manifestam primeiro a irritação que resulta desses senti Quando meu primeiro filho nasceu, eu passei por um período
Normalmente eles não sabem disso, mas penetram no seu de irritabilidade e raiva. Primeiro, atribuí grande parte disso à falta
para obter alimento — não lhes ocorre pedir, simplesmer de sono, mas acabei percebendo que também tinha a ver com meu
não só pensam que você não irá concordar em conceder-li sentimento pela perda da relação exclusiva com minha mulher. Po-
pedem, como também se ressentem do fato de que depende rém, apenas anos mais tarde, quando vi quanto tempo meu filho
alimento. ‘lemorou para se acostumar com a chegada de sua irmã — e me
226 4 - Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 40- 227

reconheci nele—, percebi integralmente o que eu tinha sentido con quando encontramos um exemplar dessa espécie, dá vontade de
a chegada dele. Uma vez, quando ele estava se sentindo furioso ( perguntar: "Como você agüenta o estresse — os altos e baixos do
derrotado por ciúmes de sua irmã, tentei consolá-lo dizendo que an mercado, o risco de perder montanhas de dinheiro, a pressão para
eu tinha sentido isso quando ele nasceu. Mas a única resposta dele fo ganhar montanhas de dinheiro?" Mas não pergunte — o peixe é a
a seguinte: "Ótimo, então você queria se livrar de mim quando eu erá última criatura que sabe alguma coisa sobre a água. Mas ele sabe
bebê!" Outra brilhante intervenção do pai psicólogo! nadar, isso sim. Em outras palavras, para esses homens (e mulheres
que nos últimos anos se juntaram a eles), viver no fio da navalha é
sua segunda casa. E eles adoram.
O Sobrevivente Independentemente de terem sido ignorados, maltratados, exi-
George Soros, um dos investidores financeiros de maior sucess( lados ou simplesmente criados por guerreiros, esses homens apren-
do mundo, considera-se um analista de "insegurança", em vez d( deram as regras da sobrevivência da forma mais difícil, e ainda jo-
analista de segurança. E atribui grande parte de seu sucesso e filoso vens. Para eles, não existe a saciação e assumir riscos é natural. Até
fia de vida ao que aprendeu com a forma que o pai tinha de lidai certo ponto, isso é válido para todos os homens, porque, quando
com a ocupação nazista da Hungria, quando ele, Soros, ainda erá meninos, receberam menos proteção das agruras emocionais e físi-
um pré-adolescente. Seu pai — que foi prisioneiro durante a Pri cas. Mas o fato de terem se adaptado tão bem à incerteza não signi-
meira Guerra Mundial, fugiu de uma prisão na Sibéria e tambérr fica que não estejam pagando um alto preço por isso. Evidentemen-
dos perigos da revolução russa — sabia, segundo Soros, que no: te, se pusermos uma rã na água quente e aumentarmos lentamente a
tempos de guerra as regras normais não são válidas. Conforme So temperatura, a râ se adapta tão bem que em vez de pular para fora
ros conta: "Obedecer a lei se tornou um vício perigoso; [desprezá ela acaba morrendo fervida. Esse, trocando em miúdos, é o risco de
la] era a maneira de sobreviver." Saber disso permitiu que o pa longo prazo que paira sobre o sobrevivente. A curto prazo, ele sem-
salvasse sua família (e outras) do extermínio ao obter identidade: pre está sujeito ao efeito bumerangue de sua agressividade inter-
falsas e adotar outras táticas semelhantes do tipo de alto risco/alt pessoal. Eu freqüentemente digo a meus pacientes: "Quem com fer-
recompensa. "Isso teve um efeito formador na minha vida", escrev( ro fere, com ferro será ferido."
Soros, "porque aprendi a arte da sobrevivência de um grande mes Um conhecido meu certa vez se queixou dos motoristas de Nova
tre". Ainda mais interessante, de um ponto de vista psicológico, fo York. "Já é ruim quando a gente é cortado ou quando andam colado
a franca confissão de Soros de que "1944 foi o ano mais feliz dá na nossa traseira, mas já notou que são sempre os sujeitos que diri-
minha vida". "Isso é uma coisa estranha de se dizer, quase uma afron gem os carros mais caros, tipo Mercedes e BMW?" Na hora, eu ri
ta", ele explica, "porque 1944 foi o ano do Holocausto, mas é ver do tom de inveja dele, mas quando se pára para pensar nisso, ele até
dade. Eu tinha quatorze anos. Tinha um pai que eu adorava, que sx que pode ter razão. Ninguém fica rico sendo gentil e ninguém fica
mantinha senhor da situação, que sabia o que fazer e que ajudava a' repentinamente gentil quando fica rico.
outras pessoas. Nós estávamos correndo risco de vida, mas eu esta Porém, no final das contas, a agressividade do sobrevivente tem
va certo de que não corria esse risco". muito pouca coisa a ver com Wall Street, carrões e dinheiro. Um
O "sobrevivente" é uma pessoa que não se limita a ficar famintá dos meus pacientes poderia sem dúvida ter sido um rico sobrevi-
e irritada, mas que também ganha seu maior impulso na inseguran vente, mas dinheiro não era a dele. Ele se interessava mesmo pela
ça, na instabilidade e no risco. Já falei de Wall Street corno um exem vida e pela morte. Conheci "Larry" quando ele ainda freqüentava a
pio disso antes. Na superfície, muitas das barracudas que lá habitan ola em Nova York e estava decidindo se devia ou não contar para
,11.1 família — ele era homossexual e tinha bons motivos para acre-
dão a impressão de força, confiança e exuberância. Com efeito
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ditar que sua família não iria aceitar isso muito bem. Eu o aten ca, não admitia qualquer desvio dos seus valores por parte de seus
durante alguns meses durante seu ano de formatura e depois dis três filhos — ou de sua esposa. E embora jamais tenha castigado
ele foi para uma faculdade de medicina da Califórnia. Depois, f fisicamente seus filhos, seus ataques de fúria eram explosivos e de
residência em Boston e voltou para a Califórnia, onde em pouc meter medo.
anos transformou-se num especialista de muito sucesso no cami Quando Larry tinha por volta de seis anos, pediu aos pais para
da AIDS, tanto como clínico quanto como pesquisador. Ele voltot ter aulas de piano. "Isso é para meninas!" o pai estourou e obrigou
se consultar comigo algum tempo depois quando teve de passar ti a criança a sair e jogar bola com ele na rua. Outra explosão aconte-
longo período em Nova York a trabalho. ceu alguns meses depois quando o paciente anunciou que não iria
O passado desse paciente era de certa forma inusitado. Cresce mais praticar nenhum esporte coletivo. "Então porque você não
no Brooklyn, Nova York, o terceiro filho de uma família altamer veste logo um vestidinho?", o pai zombou, e saiu furibundo. E ape-
patriarcal, conservadora e rigorosa. Sua mãe, que era judia egípc nas dois anos depois o pai manifestou sua preocupação de forma
morreu em casa quando ele tinha dezesseis anos. O paciente c mais direta— e violenta. "Prefiro vê-lo morto do que gay", disse ao
muito ligado a ela e, ao vê-la cuspir sangue e literalmente morrer menino num churrasco com a família quando alguém falou de um
sua frente foi obviamente muito traumático. Mas se a perda foi t parente distante, que era gay, e de seu namorado.
choque, o modo como ela morreu apenas fortaleceu sua decisão Esses conflitos, que aconteceram antes da existência da AIDS
que já estava cimentada naquela idade — de ser médico. Ele tin nos Estados Unidos, fixaram na mente do paciente a relação entre
tomado essa decisão alguns anos antes depois de ver o cachorro ser homossexual e a morte — uma relação terrível em que a última
família morrer, estranhamente, de maneira semelhante. era o castigo para o primeiro. Ao mesmo tempo, foi essa terrível
Porém, mesmo antes disso tudo, o paciente crescera com a tril relação que anos mais tarde motivou-o a direcionar seu talento aca-
te na cabeça. Acontece que ele tinha um sonho recorrente quan dêmico para atacar a AIDS. Na adolescência, o paciente, de forma
criança em que era picado por uma cascavel e ficava esperan bastante consciente, escapou da fúria de seu pai dedicando-se ao
morrer. Por incrível que possa parecer, uma versão desse sonho interesse científico pelos livros de medicina. Mas apesar de consci-
apareceu na fase adulta na forma de imagens hipnogógicas — in entemente pensar que iria ser médico para salvar as outras pessoas
gens oníricas que cruzam a mente quando estamos prestes a cair dos tipos de morte a que estava exposto — a de sua mãe e a de seu
sono. Nessas imagens, enquanto ele estava deitado na cama, "a cachorro —, num nível menos consciente buscava lidar com sua
mão ou alguma outra presença" abria a porta ou a janela do própria mortalidade, no sentido de fugir do medo que ele sentia da
quarto e então lenta e silenciosamente avançava em direção a pena de morte e salvar a si mesmo.
cama com a intenção de matá-lo. Levado por esse complexo de inquietações, Larry acabou espe-
"Não há mistério quanto àquilo que me dava — e acho que a cializando-se em doenças contagiosas, uma área em que o trata-
da me dá — medo", Larry disse quando perguntei sobre seu me mento pode muitas vezes decidir entre a vida e a morte. E quando a
da morte. "Quando eu estava na segunda ou na terceira série, t AIDS, a "doença gay" explodiu no cenário médico — quando o
de escrever uma frase usando a letra "p", e nunca vou me esque paciente estava terminando sua formação médica —, era natural
do que saiu — escrevi: 'Penar a pavorosa prova do pai'!" O pai para ele juntar-se a essa luta. Às vezes durante meses, ele passou a
paciente — que crescera numa pequena aldeia de montanha no trabalhar praticamente sem parar, promovendo ousadas experiên-
da Espanha onde "os homens eram homens [se não verdadei cias com seus pacientes, testando todas as possibilidades médicas.
toureiros] e as mulheres eram mulheres", era, de fato, assustac Mas também teve de enfrentar a administração dos liospit,11.„
Apesar de ser tão dedicado à sua família quanto era à Igreja Cati rocracia das verbas governamentais, os órgãos fiscal 1/.1,1.1 is
230 4, Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4- 231

diretores de pesquisa farmacêutica. Às vezes, lutava por motivos' ,..emplo, a certa altura, depois de receber e aceitar uma oferta de
nobres, tais como tentar acelerar processos burocráticos, mas ou- conceituadíssimo hospital universitário, Larry conversou comi-
tras vezes lutava sem motivo — era, simplesmente, um lutador. go a respeito de sua sensação de que o novo emprego não iria dar
É interessante observar que sua motivação nessa época não erk certo e que ele "poderia acabar na rua".
exatamente salvar vidas — afinal, naquela época a maioria dos pa- Isso parece absurdo a não ser que reconheçamos que (1) o suces-
cientes de AIDS não reagia a nenhum tratamento e morria em relati- so é muitas vezes motivado por esse tipo de medo e (2) quanto mais
vamente pouco tempo após o diagnóstico. Em vez disso, sua maior sucesso se faz mais há para se perder. Portanto, paradoxalmente, o
motivação era o interesse científico na virologia. Isso, associado à sucesso do sobrevivente não lhe garante uma sensação de segurança
dedicação integral ao trabalho e a seu frenético ritmo de atividade, — quanto mais ele tem, mais ele tem a perder. E apesar de nunca
fez dele um médico muito querido pelos pacientes e por seus cole- temer o risco, ele está sempre com medo do medo, por isso não
gas. Portanto, ele sempre tinha uma enorme clientela de pacientes, pára de lutar. Algumas pessoas assim, quando atingem um nível de
o que, diga-se de passagem, não se traduzia em dinheiro porque, sucesso, precisam atirar no próprio pé para lembrar a si mesmas de
não querendo abandonar a pesquisa e o ensino, negou-se a abrir onde vieram e como forma de se manter motivadas. Bill Clinton, "o
uma clínica particular. que deu a volta por cima", pode ser um bom exemplo disso —
Dado o fato de ter sido testemunha da agonia e morte de sua como os mestres da política poderão confirmar, sempre que ele es-
mãe quando ainda jovem, sempre me surpreendeu que Larry jamais tava se saindo bem como presidente ou mesmo como candidato,
tivesse se deixado intimidar pela morte. Não só ele convivia com relaxava e arranjava alguma confusão, apenas para lutar até chegar
ela diariamente, mas também tinha de conversar sobre ela com os no topo novamente com vigor ainda mais impressionante e sucesso
pacientes e com a família daqueles que faleciam. E, pelo jeito, ele ainda maior.
nunca deixou de enfrentá-la cara a cara com perfeito equilíbrio en- Meu paciente — para retornarmos ao preço que ele pagava pelo
tre compostura médica e espírito combativo. Como um verdadeiro sucesso — também passou por algo parecido com isso, apesar de ter
sobrevivente, ele vivia melhor em meio à crise. sido, felizmente, apenas uma vez. Logo depois que começou a tra-
Porém, embora ninguém que convivesse com ele profissional- balhar no novo emprego, ele fez uma coisa tremendamente estúpi-
mente pudesse jamais notar, em sua cabeça o paciente pagava um da que poderia ter lhe custado nada menos que sua própria vida.
alto preço por sua agressividade de sobrevivente. Como qualquer Ele tinha se acostumado a beber um ou dois copos de bebida alcoó-
viciado em trabalho, tinha pouco tempo para as coisas mais leves na lica toda noite em casa como forma de relaxar depois do trabalho.
vida— seja um relacionamento emocional ou a poesia. E havia aque- Mas uma noite ele bebeu mais do que dois copos e depois saiu para
las imagens hipnogógicas na hora de dormir — imprecisas e passa- se encontrar com um velho conhecido para beber mais. Então uma
geiras mas, não obstante, inquietantes. E havia, finalmente, o lado coisa levou a outra e eles acabaram passando a noite juntos.
oposto da fundamental falta de segurança que o impulsionara no Isso não era do feitio do meu paciente. Ele era conservador em
início de tudo. Embora ele não tivesse qualquer dificuldade para questões de sexo e não tinha tido muitas experiências. Porém, mui-
lidar com a fragilidade física de outras pessoas, ficava arrasado pela to mais incomum foram seus lapsos provocados pelo abuso do álco-
aflição que sentia com seus próprios sintomas. Até certo ponto isso ol: ele ignorou o fato de que o outro homem era soro positivo e
são os ossos do ofício a que todo médico exposto a doenças graves esqueceu que ele próprio era um especialista em AIDS que sabia
está sujeito. Mas no caso de Larry isso era especialmente forte, apon- alguma coisa a respeito das formas de contágio pelo HIV e suas
tando mais uma vez para seu antigo medo da morte. E essa insegu- conseqüências. E fez sexo de alto risco, sem proteção, com um co-
rança se manifestava também em outras formas não clínicas. Por nhecido portador do HIV!
232 -01E- Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH 233

De uma maneira muito direta, esse incidente poderia e


ter sido atribuído ao consumo abusivo de álcool. E foi. M a marcação da mulher como um objeto de sua propriedade, os ritos
era um intelectual e não se contentou com isso. Ele imagi de passagem dos meninos tem por objetivo demonstrar a capacida-
deveria haver algum tipo de desejo mórbido funcionando de masculina de tolerar a dor. O guerreiro tem de ser valente. Bem,
mente para que fizesse algo assim. Dolorosamente, não tiv apesar de a sociedade moderna geralmente poupar seus meninos (e
procurar muito — estava na voz internali7ada de seu pai, c meninas) desse tipo de maus tratos físicos, os conceitos básicos im-
denava sua sexualidade e desejava que ele morresse caso fc plícitos nesses ritos de passagem continuam existindo. E não obstante
Obviamente, desse ponto de vista, o paciente precisava se as mudanças nos papéis tradicionais de cada sexo, afirma Real — e
para rejeitar a sentença de morte de seu pai e aceitar a própri eu concordo —, a imagem do homem como um guerreiro forte,
lidade, em vez de fazer o oposto. audacioso e heróico (e a imagem correspondente da mulher frágil
Mas expor-se ao risco de contrair AIDS não se resumiu a que espera ser salva por ele) ainda é onipresente em nossa cultura.
de autodestruição. Foi também um recuo até o medo que ha Consta que, ao completar dezoito anos, o homem médio ameri-
eido com ele, o medo que sempre o motivara a sobreviver – cano já assistiu a cerca de vinte e sei mil assassinatos pela televisão,
sucesso. Quando ele me contou sobre a relação sexual, esse quase todos cometidos por homens. E, conforme Real coloca: "Na
estava mais evidente do que qualquer tipo de desejo mórbid educação infantil contemporânea — as histórias que lhes contamos,
estava com tanto medo que nem queria fazer o teste. Mas fe os livros que elas lêem, os programas de televisão e os filmes a que
negativo. Não obstante, o medo foi o suficiente para acordá-k Assistem —, o menino é quase sempre mostrado como o persona-
de beber, iniciou uma relação monogâmica e redobrou suas gem central. Os homens são maiores, mais fortes, mais audaciosos e
sabilidades no trabalho. Todas, é claro, medidas que nos d( mais interessantes... Os meninos e os homens são os heróis que sa-
ambos preocupados, porque poderia muito bem ser a sem crificam a si mesmos... Os meninos são Peter Pan resgatando Wendy
outro ciclo de autodestruição. do Capitão Gancho; são o quebra-nozes que se transforma num
belo príncipe e salva Clara do assustador rei dos ratos..."
Algumas críticas feministas dizem que, se nos livrássemos desses
Pais e Filhos: O Dilema de Kafka estereótipos e preconceitos culturais, seríamos capazes de apagar as
Para bem e para mal, a maioria dos meninos aprende a se diferenças da agressividade de meninos e meninas. Resta pouca dú-
sivo com seu pai — ou com substitutos do pai como um irm vida de que essas influências culturais exercem um enorme impacto
velho, a mãe, um amigo ou homens na televisão. Eles alai sobre as crianças. Mas também resta pouca dúvida, pelo menos para
não apenas olhando e imitando o estilo da agressividack mim, que jamais poderemos suprimir essas diferenças culturais de
pessoal de seu pai, mas também identificando-se com o moch nosso meio ambiente — a censura cultural é coisa do passado. E,
sivo com que seu pai os trata. Como vimos no caso dos sâr além disso, mesmo que conseguíssemos suprimi-las, não podería-
Nova Guiné, e conforme o relato mais detalhado de Terren mos suprimir a verdade fundamental em que elas se baseiam. Não é
em I Don't Want to Talk About ft (Não Quero Falar Sobre Is apenas na TV que a maioria dos assassinatos é cometida por ho-
muitas culturas os meninos devem transformar-se em home mens. E, como grupo, os homens são maiores, mais fortes e, sim,
via dolorosa do sofrimento, algumas vezes impingido — c ainda mais audaciosos.
menos incentivado ou permitido — por seu próprio pai. Claro, esses dados eminentemente biológicos não se traduzem
Terrence Real ressalta que enquanto os ritos de passagi diretamente em atributos psicológicos. Por exemplo, os homens não
meninas, tais como mutilação genital, têm normalmente a v s.-to psicologicamente mais fortes que as mulheres. Porém, no diálo-
go interno da fase do desenvolvimento através do qual descobrimos
234 -01t- Se as Homens Falassem... ALON GRATCH 4` 235

quem somos, os meninos precisam escutar e atender a sua biolog Mas a compulsão pela repetição, como a própria agressividade,
tanto quanto as meninas precisam manter um diálogo com a sua. nem sempre tem a ver com abuso. Por exemplo, muitas crianças
isso acontece com ou sem influências culturais. querem ser professores quando crescer — em parte, para poderem
Além disso, as crianças aprendem sobre a agressividade não ap ■ assumir o controle e fazer com os outros o que fizeram com elas. E,
nas por absorção passiva ou imitação de modelos, mas tambéi é claro, muitos adultos têm a mesma fantasia em relação ao chefe,
mediante o processamento e a transformação da agressividade an com cujo poder eles podem se identificar. Para dar outro exemplo
biente de tal modo que se ajuste à sua psicologia — e os meninc benigno, quando eu estava na faculdade, havia uma feroz concor-
fazem isso de forma diferente das meninas. Como vimos no quart rência entre os estudantes do terceiro ano para integrar a comissão
capítulo, a típica rispidez masculina do pai com seu filho deixa de admissão de corpo discente. Inconscientemente, acredito, todo
menino dividido entre duas opções não palatáveis: sentir passiv mundo queria entrevistar os candidatos para fazê-los passar (talvez
mente a dor infligida por seu pai ou minimizá-la ativamente tornar numa versão melhorada) por aquilo que eles tinham passado pou-
do-se como o pai e infligindo-a a terceiros. Bem, como os meninc cos anos antes, quando foram submetidos a um ambiente seletivo
são biologicamente mais ativos do que as meninas (essa, aliás, é um de altíssima competitividade.
das descobertas mais sólidas e significativas do estudo das diferer Embora os meninos tendam, como um grupo, a ser mais ativos
ças entre os sexos), eles tenderão a optar pela segunda. E tambér do que as meninas, isso é, em última análise, um dado estatístico —
tenderão a percorrer esse caminho porque vêem-se ameaçados pel do tipo que nos permite afirmar que é possível afogar-se numa pis-
passividade, embora — ou, como vimos no conflito da inseguranç cina cuja profundidade média é de meio metro. Em outras palavras,
masculina, exatamente porque — eles a desejem inconscientement( assim como algumas meninas são mais ativas do que determinados
Aqui, é claro, estamos inteiramente em território freudiano; pc meninos, nem todos os meninos optam por repetir os traumas no
mais que tentemos, não podemos esquecê-lo de fato. Uma das idéia papel ativo. Também deve ficar claro que a repetição no papel ativo
centrais de Freud foi que, às vezes, em resposta ao trauma, tento não é preferível à repetição no papel passivo. Como com qualquer
mos nos assenhorear da experiência repetindo-a ao contrário, ol outra coisa, há vantagens e desvantagens em ambos os comporta-
seja, fazendo aos outros o que foi feito conosco, para, assim, no mentos. E, tanto filosófica como pragmaticamente, os dois estilos
sentirmos vitoriosos. Apesar de tanto os homens como as mulhere na verdade, os lados opostos da mesma moeda. Abusar de ou-
poderem ter sérios problemas com essa "compulsão pela repetição' trem corrompe o eu e normalmente provoca retaliação, assim como
devido à sua predisposição biológica para a atividade e o medo psi permitir que os outros abusem de você é corrompê-los e, normal-
cológico de seu desejo de passividade, repetir um trauma no pape mente, envolvê-los em sérios problemas. Ou, para levarmos a ques-
ativo é especialmente atraente para os homens. 16 tão a seu extremo lógico, o homem que mata os outros acaba ma-
Esse é um dos motivos por que os homens que sofreram mau tando ou, para todos os efeitos, destruindo a si mesmo, e o homem
tratos físicos ou abuso sexual na infância apresentam, na fase adul que mata a si mesmo termina "matando" ou, para todos os efeitos,
ta, maior probabilidade de se tornar autores de abusos do que a destruindo a vida dos outros — sua família, amigos ou aqueles que
mulheres vítimas desses mesmos abusos. As mulheres, pelo meno "não o trataram bem".
em termos de seu comportamento exterior, são mais propensas Portanto; quando um menino "pena a pavorosa prova do pai",
repetir o abuso sem a inversão, no papel passivo. Ou, talvez dito dl ele está em sérias dificuldades, de um jeito ou de outro. Para mim,
forma mais precisa, elas parecem procurar ativamente — senão in uma das traduções mais impressionantes desse tipo de dificuldade
conscientemente — oportunidades para fazer vitimas mediante un pode ser encontrada na obra de Franz Kaflca. Em suas notas autobio-
comportamento passivo. gráficas, Kafka não só estava consciente de sua relutância em repe-
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236 -4 Se os Homens Falassem_

tir o legado de seu pai no papel ativo, como também explicava por te aí que reside o elemento questionável. É demais; tanto assim não é
quê. Em "Carta a Seu Pai", efetivamente uma carta de cinqüenta exeqüível. É como se a pessoa fosse um prisioneiro, e tivesse não
apenas a intenção de fugir, o que talvez fosse possível, mas também e,
páginas que escreveu a seu pai, Kafka dedicou-se à tarefa de fazer
de fato, simultaneamente, a intenção de reconstruir a prisão como
com ele uma análise de seu relacionamento.
uma câmara de prazer para si mesmo. Mas se ele fugir, não poderá
reconstruir e, se reconstruir, não conseguirá fugir. Se eu, no relacio-
Meu caríssimo pai, namento especialmente infeliz que tenho com o senhor, quero me
Perguntaste-me recentemente por que sustento que tenho medo tornar independente, preciso fazer algo que não tenha, se possível,
do senhor. Como sempre, não consegui atinar com qualquer resposta nenhuma ligação com o senhor; apesar de o casamento ser a melhor
a sua pergunta, parte exatamente porque tenho medo do senhor, par- de todas as coisas e oferecer a independência mais digna, ele também
te porque uma explicação do porquê desse medo significaria
é, ao mesmo tempo, a relação mais próxima do senhor.
aprofundar-me em muito mais pormenores do que eu seria, mesmo
aproximadamente, capaz de rememorar ao falar. Há muito mais na carta de Kafka. Mas, em nosso contexto, é
suficiente dizer que, embora sua carta tenha sido mais equilibrada
Com essas simples palavras, Kafka convida o pai para um diálol
do que se poderia concluir pelo trecho acima — Kafka também
go e divide com ele a um só tempo tanto a pungência de seus senti.
assumiu responsabilidade por seu próprio infortúnio —, no final
mentos como sua capacidade analítica — ou poder-se-ia dizer psi-
das contas, seu acanhamento e o medo que sentia de seu pai o impe-
canalítica. Nas cinqüenta páginas seguintes, Kafka relembra a expe-
diram de enviar a carta. Ele a mostrou para sua mãe, porém nunca
riência de ter sido criado por seu pai, que era — para usar alguns
para seu pai, e ela só foi publicada após sua morte.
dos termos utilizados pelo próprio Kafka — um homem enorme,
Por incrível que pareça, o dilema de Kaflca perseguiu não apenas
vulgar, presunçoso, altivo, irritadiço, sanguíneo. Além dessa perso-
sua vida, mas também toda sua criação literária. Em sua carta, o
nalidade, Kafka diz, seu pai abraçou "métodos de puericultura" que
próprio Kafka diz que, ao escrevê-la, ele finalmente conseguiu al-
consistiam em ameaças, ironias, risos de escárnio, berros e humilha-
gum distanciamento de seu pai, um sentimento que só foi reforçado
ção. Isso, Kafka escreve, poderia ter produzido diferentes resulta- pela aversão de seu pai ao documento. Porém, ao dizer isso, Kafka
dos numa criança que fosse a um só tempo forte e indiferente. Mas, acrescenta com uma nota de tristeza: "É claro, isso foi uma desilu-
no caso dele, sua sensibilidade e timidez inevitavelmente o levaram são; eu não estava, ou, para colocar de forma mais otimista, ainda
a tentar evitar qualquer coisa relacionada a seu pai, inclusive coisas não estava, livre. Meu texto era sobre o senhor; tudo que fiz, afinal,
das quais ele poderia gostar ou poderia desejar, tais como trabalhar
foi lamentar-me do que não pude lamentar em seu peito."
na área de seu pai ou até mesmo casar-se. Não nos cabe julgar se em seus últimos escritos, Kaflca, o ho-
É na explicação que Kafka dá sobre por que não conseguiu se mem, conseguiu se separar da figura de seu pai e fugir de sua tira-
casar — ele desmanchou dois ou três noivados — que vemos mais nia. Como escritor, em seus romances cerebrais, ele certamente trans-
claramente sua relutância em repetir o comportamento de seu pai cendeu o nível pessoal. Por outro lado, quando se considera o tema
no papel ativo, ou a identificar-se com ele. de seus romances — por exemplo, a tirania dos poderes metafísicos
O casamento é certamente a garantia da forma mais aguda de de O Processo e O Castelo , não se pode evitar ver em sua origem

os métodos kafkinianos de criação adotados pelo pai de Kafka.


autolibertação e independência. Eu teria uma família, em minha opi-
nião, da mais elevada que se pode ter, e também a mais elevada tu a
Muitos críticos literários, sobretudo os da escola desconstrucionista,
tiveste; eu seria seu igual; toda antiga e toda nova vergonha e tirania hem como alguns artistas e escritores, não apreciam esse tipo de
residiria no passado. Seria como um conto de fadas, mas é exatamen- análise. Compreensivelmente, eles preferem pensar que a arte é ca-
238 41- Se os Homens Falassem...

paz de se manter por si mesma, independente dos demônios que


assombram o artista. Mas é como nossa relação com os macacos —
exatamente quando insistimos em fugir de nosso passado, acaba-
mos aprisionados por ele.
Numa das histórias de Kafka, O Processo, que alguns afirmam
ter dado origem ao Kafka escritor — o próprio Kafka escreveu que Autodestruição
a história brotou dele como um nascimento —, um pai já idoso não
aceita que seu filho se case e termina por "sentenciá-lo" à morte por
afogamento. O filho, fiel, sai como uma flecha do apartamento, corre ... eu sou mesmo um fracassado
até o rio e executa sua própria pena. Uma história estranha, imprová-
vel, quase bíblica — como grande parte da obra de Kafka —, e, mes-
mo assim, com a crua precisão lógica do inconsciente.
Se não se pode equiparar a agressividade paterna com a própria
— e a maioria dos filhos maltratados e assustados não podem — e
se nossa sensibilidade não é compatível com a defesa que nos torna-
O Idiota
ria igual a ele, agredindo a todos, que outro caminho psíquico resta
seguir? Infelizmente, e quase tragicamente, O Julgamento teve um Um ou dois invernos atrás, numa viagem que fizemos com toda
estranho paralelo na vida de Kafka. Antes de sua morte, ele pediu a a família, minha mulher e eu saímos para esquiar sem nossos filhos.
um amigo que destruísse toda sua obra não publicada. Felizmente Apesar de sermos ambos esquiadores de nível intermediário, nessa
para nós, ainda que não para o pai de Kafka, esse amigo não satisfez ocasião fomos convencidos por um amigo — sujeito temerário e
sua vontade, entregando ao mundo algumas de suas maiores obras- esquiador experiente — a acompanhá-lo na descida de uma das tri-
primas literárias. lhas mais difíceis daquela montanha. Foi duro. Tratava-se de uma
Diferente de O Processo, a carta de Kafka a seu pai tem muito das maiores elevações das Rochosas e a trilha tinha diversos trechos
pouco de bizarro. Como Kafka admite para seu pai, jamais houve de terreno irregular e outras dificuldades. Nunca tínhamos esquia-
qualquer maltrato de natureza física em seu relacionamento, e grande do num terreno assim antes. Era fisicamente difícil, emocionalmen-
parte dos problemas foi mero efeito colateral da "forte" personali- te desgastante e, de uma forma geral, nada divertido. E levamos
dade do pai. Em última análise, para Kafka, a carta enquadrava-se uma hora e meia para chegar até o hotel, o que foi péssimo porque,
no gênero "tudo que você sempre quis dizer a seu pai, mas tinha assim que percebemos aquilo em que tínhamos nos metido, chegar
medo de falar". E até hoje pode ser lida dessa forma, de tal forma lá era tudo que queríamos. Quando finalmente conseguimos e está-
que é difícil não nos identificarmos com ela mesmo que não tenha- vamos tirando os esquis, minha esposa — que inclusive é melhor
mos tido um pai emocionalmente tirânico. Por todos esses motivos, esquiadora do que eu — resmungou: "Que perda de tempo." "Você
o dilema de Kafka reflete o conflito interior de muitos homens que,
achou?" retruquei, discordando: "Pois achei ótimo termos feito isso."
em sua lealdadde a um pai destrutivo, terminam destruindo a si
E, sem nenhuma convicção, acrescentei: "Me senti como um verda-
mesmos.
deiro homem". Ao que minha mulher respondeu: "É mesmo? Pois
eu me senti como uma verdadeira idiota." "É a mesma coisa!" re-
truquei, e ambos caímos na gargalhada.
240 4 - Se os Homens Falassem... ALON GRATO-1 4" 241

Mas é claro que se essa piada tivesse saído da boca da minha dos dois é pior." Mas não estava brincando de todo. Esse paciente
mulher, minha reação teria sido imprevisível — provavelmente eu era filho único, e seu pai — a quem era muito apegado — tinha
teria ficado irritado e a teria acusado de gostar de espezinhar dos saído de casa e mudado para outro estado quando ele era muito
outros, de ser uma mulher castradora e fálica, que guarda rancores jovem. Dessa época em diante, o paciente passou a ver seu pai vá-
dos homens. O que não significa que eu estaria errado — eu acredi- rias vezes por ano e sempre se divertia com ele. Mas a maior parte
to mesmo que as mulheres que pensam que os homens são idiotas, do tempo ele estava "preso" à sua mãe, que era, a propósito, uma
burros ou imbecis guardam esse tipo de rancor. Porém, sendo ho- psicóloga deprimida e que — cheia de boas intenções — sempre
mem, obviamente não havia problema que eu dissesse. Bem, não fazia comentários impertinentes, invasivos, sobre os pensamentos e
exatamente. Não havia problema que eu dissesse porque na verda- sentimentos mais profundos de seu filho. Portanto, para esse pa-
de eu não acreditava nisso. A lendária autodestrutividade masculi- ciente, receber uma cantada de uma mulher mais velha era, de certo
na, que fica mais evidente em nosso gosto pela bebida, pelas drogas, modo, um ataque maior à sua masculinidade do que ser assaltado. A
pelo modo como dirigimos e por outras formas de comportamento não ser, é claro, pelo fato de que ser assaltado é muito grave.
destrutivo, não é meramente uma questão de idiotia. Depois da sessão da última semana, o paciente tinha deixado
Antes de mais nada, dependendo de suas conseqüências tantas meu consultório pensando na raiva que sentia de sua mãe e no fato
vezes imprevisíveis, uma atitude "masculina" questionável pode re- de sempre ter evitado manifestá-la na sua frente. Quanto mais ele
sultar tanto em coisa de idiota como em coisa de herói. Se resisti- pensava nisso, mais irritado e fora de si ia ficando. E sua raiva foi
mos a um assalto e levamos um tiro, somos um idiota, mas se resis- tão profunda que ele não percebeu o homem suspeito que veio atra-
timos e conseguimos prendê-lo, somos não apenas um herói, mas vessando a rua na sua direção, até que essa pessoa, de arma em
também um gênio intuitivo que percebeu que esse ladrão não era de punho, aproximou-se e pediu dinheiro. Reagindo com raiva ime-
nada. Depois, há explicações melhores, simples, para a autodes- diata, o paciente acertou sua maleta cheia de pesados instrumen-
trutividade masculina que não a idiotia. Por exemplo, talvez os ho- tos científicos na cabeça dele. O assaltante reagiu batendo com a
mens sejam mais autodestrutivos do que as mulheres porque seu arma na cabeça do paciente, e os dois continuaram brigando du-
maior grau de atividade e sua constituição física mais robusta é ca- rante dois longos minutos, até que começou a juntar gente, quan-
paz de provocar maiores danos — tanto a outrem como a si mes- do então o assaltante saiu correndo e desapareceu numa esquina.
mos. Essa hipótese, por exemplo, poderia talvez explicar por que, O paciente se manteve agarrado à sua maleta e ao seu dinheiro —
apesar de mais mulheres tentarem o suicídio, o número de homens bem como à agressividade defensiva de sua insegurança masculina
que consegue se matar é, na verdade, superior. Porém, apesar de a — até a emergência do hospital. Passou a noite lá, recebendo tra-
explicação simples ser preferível, o simples nem sempre basta. E o tamento para o corte superficial na cabeça. Sua lesão craniana mais
que parece uma atitude infeliz tomada numa fração de segundo, no profunda provavelmente foi de ordem mental (posso dizer isso
calor do momento, é muitas vezes o ponto paroxístico de uma lenta apenas porque, de certo modo, admiro a força evidenciada em sua
tendência que vinha se desenvolvendo de forma sub-reptícia. atitude e também porque ela é culturalmente valorizada): por não
Um paciente, um jovem cientista que estava anos-luz distante da desejar preocupar sua namorada e sua mãe, ou talvez porque não
idiotia, entrou na minha sala certa vez sorrindo. "Outra semana quisesse permanecer fragilizado ao lado de uma mulher, o pacien-
igual a essa e pode ser que você nunca mais me veja", ele disse. te não ligou para elas e acabou passando a noite na emergência
"Como assim?", devolvi o sorriso. "Semana passada, depois da ses- sozinho.
são, fui assaltado, e hoje, agora há pouco, uma mulher mais velha Quando ele me disse como tinha batido no assaltante quando
tentou me passar um cantada!" Eu ri, é claro, e disse: "Não sei qual estava no auge de sua irritação com sua mãe, fiquei incrédulo e
242 .4.0. Se os Homens Falassem... ALON GRATO-1 243

brinquei que isso me lembrava de um filme de Woody Allen. O com a continuidade da alta do mercado, ele trocou os fundos por
paciente sorriu, mas, em seguida, começou a me contar o que é que ações de diversas grandes empresas. Esses títulos tiveram excelente
aquilo lhe lembrava. Quando ainda era pré-adolescente, seu pai — desempenho, mas não tão excelente quanto algumas ações de em-
um alto funcionário do Departamento de Estado — o levou para a presas da Internet. O paciente acabou comprando vários papéis da
Grécia, para conhecerem as praias e visitarem o berço da democra- Internet "em margem", tomando empréstimo garantido pelas suas
cia. Certa tarde, quando estavam caminhando por uma pequena ações para dobrar o valor do investimento. Foi nesse ponto, é claro,
cidade de uma das ilhas, o pai teve a carteira furtivamente roubada que o mercado desabou e o paciente ficou com alguns poucos mi-
por um grupo de rapazes que os cercaram na rua. Assim que se deu lhares de dólares na conta.
conta do ocorrido, o pai agarrou o filho pelo braço e foi atrás da Aconteceu que o mercado se recuperou completamente e che-
gangue pelas ruelas estreitas da cidadezinha — uma atitude perfei- gou a atingir novo recorde apenas um ou dois meses depois. Mas,
tamente idiota, sobretudo quando se está com seu filho de doze para meu paciente, isso não foi rápido o bastante — quando ele
anos de idade! Mas o paciente adorou e admirou a coragem e a contou à mulher sobre a situação de seus investimentos, ela ficou
força de seu pai. muito irritada e o pressionou a desistir completamente da bolsa de
Nem é preciso dizer que eles não encontraram os trombadinhas. valores. Ele cedeu e vendeu suas ações uma semana antes do merca-
Porém, muitos anos depois, o paciente foi à forra batendo no seu do começar a se reaquecer. Foi enquanto assistia ao crescimento do
próprio assaltante. Mais que isso, a reação violenta do paciente ao mercado que o paciente caiu em depressão, dizendo que não tinha
assaltante surgiu não só da crescente raiva de sua mãe, mas também sido tanto a perda de dinheiro que o incomodara, mas o fato de ter
de uma heróica identificação com um pai idealizado que tanta falta ouvido sua esposa. Ele estava aborrecido com ela por "tê-lo feito"
lhe fazia. Em suma, foi um momento em que ele pôde ser um ho- vender tudo, mas, ao mesmo tempo, sabia que a responsabilidade era
mem. Ao mesmo tempo, com um pouco de má sorte poderia ter dele e que, para início de conversa, sequer deveria ter investido o
sido, obviamente, um momento de autodestrutividade, demonstran- dinheiro na bolsa. Então, como não podia jogar a culpa nela, voltou
do como ela é, às vezes, uma extensão lógica da agressividade, a sua irritação contra si mesmo, castigando-se com a depressão.
qual é uma defesa contra a insegurança masculina, a respeito da Fazendo abstração de sua depressão, o que esse paciente real-
qual os homens sabem muito pouco por causa de sua distância emo- mente precisava, você pode estar pensando, era de um consultor
cional e de sua vergonha. financeiro, não de um terapeuta. Talvez. A não ser pelo fato de que,
Outro momento de autodestruição — de um tipo bastante co- ao raspar a superfície, descobrimos que mesmo uma perda financei-
mum nesses dias de febre das bolsas de valores — me foi revelado ra desse vulto — um exemplo do que acontece regularmente a mi-
com um grande sentimento de vergonha e humilhação por um pa- lhares de pequenos e grandes investidores — reflete não apenas
ciente que me procurou por causa da depressão. Esse jovem extre- ignorância pura e simples ou ingênuo entusiasmo, mas também um
mamente trabalhador estava numa depressão profunda porque ti- processo mais profundo de autodestruição. Segundo uma das for-
nha acabado de perder US$50.000 — praticamente todas as suas mas de analisar esse processo, ao escutar sua esposa e vender as
economias — na bolsa de valores. Junto com sua esposa, o paciente ações, o paciente cometeu o erro de sucumbir à influência feminina
vinha poupando esse dinheiro para dar entrada numa casa. Inicial- — se ele tivesse continuado firme, estaria bem. Mas esse foi apenas
mente, ele investiu suas economias em obrigações, um título con- o fim da história, enquanto o início sugere a explicação oposta,
servador, mas depois, quando a bolsa vez por outra atingia picos segundo a qual pelo constante aumento da aposta nos investimen-
recorde, ele comprou fundos mútuos. Esses papéis tiveram bom tos O paciente cometeu o erro de permitir que seu ego masculino
desempenho, mas não tão bom quanto determinadas ações. Então, idiota guiasse sua estratégia de investimento. Então, a culpa c' de
ALON GRATCH ± 245
244 .4e.. Se os Homens Faiassem...

uma mãe fisicamente próxima e um pai fisicamente distante. Po-


quem? De sua masculinidade agressiva ou de sua feminilidade de-
rém, o processo autodestrutivo que estou analisando aqui não tem a
fensiva? Acredito que das duas coisas. ver com divórcio e mudança. Tampouco exige um estresse ou trau-
O paciente nasceu em Hong Kong e passou a maior parte de sua
ma físico. Mais do que qualquer outra coisa, é uma questão da per-
infância lá. Seu pai, americano, era oficial da reserva da marinha e
sonalidade dos pais. E, mais especificamente, é uma questão de como
um empresário de pouco sucesso, que batalhava para se manter.
os pais conciliam suas próprias identidades masculina e feminina.
Tratava seu filho com autoritarismo, insensibilidade, rispidez. Sua
Vamos exemplificar.
mãe, uma sino-coreana, era independente, determinada e trabalha-
John era um advogado empresarial estranhamente sensível e
dora. Tratava seu filho — seu primogênito — com mimos,
agradável. Ele cresceu numa família sólida e seus pais, segundo ele
superproteção e controle. Quando o paciente estava com doze anos,
pelo menos, eram benquistos por todos. Eles eram atualizados, sim-
os pais se divorciaram. O pai ficou em Hong Kong, onde continuot
ples, simpáticos e jovens. E estavam sempre presentes quando John
batalhando e perdendo dinheiro em diversos negócios, mas a mã(
e sua irmã precisavam, com sincera preocupação, além de assistên-
imigrou com seus filhos para os Estados Unidos. Aqui, no Nov
cia financeira. Não obstante, desde o começo da faculdade até o dia
Mundo, por ter de ajudar a mãe a sustentar a família, o paciente fo
em que me procurou — uma semana depois de completar trinta e
obrigado a entrar precocemente na maioridade. A diferença é qui
oito anos —, John vinha passando por um sério problema com be-
ele ainda estava debaixo da saia de sua mãe — seu emprego de meil
bidas e cocaína. Não vou falar aqui da questão do consumo de en-
período nos finais de semana, praticamente até o dia em que fc
torpecentes, a não ser o óbvio, que é uma das formas de autodes-
para a faculdade, serviu para ajudar sua mãe a manter sua mercea
truição mais comuns adotadas pelos homens. E também não vou
ria. Apesar de se ressentir de ter de fazer isso, era um bom meninc
falar de tratamento, a não ser que, com a ajuda do A.A., que ele
Por isso, respeitava sua mãe e nunca se revoltou contra ela. procurou dois meses depois de ter iniciado as sessões comigo, John
Mas se revoltou contra sua esposa, ou, pelo menos, foi assit
tem conseguido se manter sóbrio durante bastante tempo.
que interpretei seu estilo impulsivo, de alto risco nos investimento
O que foi clinicamente sem precedentes no caso dele foi o fato
ele buscava afirmar uma masculinidade independente e liberad,
de que, além do consumo de drogas, John sofria de uma "disfunção"
Claro, não ajudou o fato de, quando criança, não ter tido o model
normalmente diagnosticada nas crianças — ansiedade de separa-
de uma masculinidade mais conservadora e disciplinada na forn
ção. Quando ainda era pequeno, ele tinha grande dificuldade de se
de um pai emocionalmente mais acolhedor. E, naturalmente, st
separar de sua mãe para ir para a creche, e, no ensino fundamental,
masculinidade irresponsável não era senão uma forma de pedir qi
desenvolveu uma "fobia à escola" com tudo a que tinha direito,
uma feminilidade controladora se apresentasse e o arrancasse I
inclusive fugir da escola várias vezes para voltar a ficar com sua
bolsa de valores. mãe. Quando ficou adolescente, tinha medo de ir para a escola por
Generalizando, muitos homens autodestrutivos são hiperrm
causa de um bando de valentões que implicavam com ele, e na fa-
culinos. Paradoxalmente, porém logicamente, esses homens prei
culdade não queria fazer nada sem a presença da namorada. Ele
sam rejeitar sua própria feminilidade porque sempre houve um e
freqüentou a faculdade de San Francisco, longe de sua família em
cesso dela a seu redor, e agora há um excesso dela dentro deles. E
Nova York, e foi lá que ele começou a beber, em suas próprias pala-
muitos casos, então, esse tipo de autodestruição é uma tentativa
vras, para aliviar a aflição de estar sozinho.
dar adeus à mãe onipresente e controladora e dar as boas vindas
anterior de a Mas apesar de ter medo de ficar sozinho, também o incomodava
pai ausente e irresponsável. Nesse caso, como no essa dependência. Portanto, em seu segundo ano na faculdade, ele
falamos, sempre houve urna separação conjugal entre os pais asso(
comprou um carro usado e começou a fazer viagens sozinho nos
da a uma mudança geográfica que deixou o menino vivendo o
246 -4e. Se os Homens Falassem... ALON GRATCEI ." 247

finais de semana. Ele pegava o carro com um engradado de cerveja dade noturna. Nos últimos anos, com o advento do telefone celu-
e ia para as montanhas, bebendo o tempo todo, conseguindo trans- lar, ele fazia um supremo esforço para não ligar para sua esposa das
formar o pavor em excitação. Lá, em Sierra Nevada, dedicou-se a paradas na estrada, da sua barraca e do alto das montanhas que
escalada na rocha, quando chegava bem ao pico ou ao fim de uma escalava. E apesar de seus comportamentos mais fortemente
trilha e montava a barraca para passar a noite, era o inferno para autodestrutivos, tais como beber ao volante, terem diminuído, ele
ele. Ficar sozinho no topo de uma enorme rocha do parque Yosemite começou a pôr em seu lugar outras atividades arriscadas. Por exem-
o fazia ficar desesperado de pavor e ansiedade. Extremamente an- plo, apesar de ser um ótimo esquiador, praticamente todas as vezes
gustiado para voltar para casa e ver sua namorada, ele bebia até que ia esquiar acabava se machucando. E no trabalho, também, toda
apagar. vez que estava prestes a fechar um acordo, acabava dizendo algo
Em algumas dessas viagens, John parava num desses bares de impulsivo ou estúpido para o cliente, quase comprometendo o acor-
beira de estrada onde continuava a beber, às vezes ficando com uma do no último minuto.
garota e sentindo vontade de fazer sexo com ela nos fundos do bar. Quando me procurou, John já sabia que estava usando o álcool
Mas sempre que esse pensamento lhe ocorria, ele ficava tomado para tratar de sua ansiedade. E chamou-a de ansiedade de separa-
por um torturante sentimento de culpa, o qual, é claro, só era pos- ção antes que eu usasse o termo. "Escuta", ele disse, "está muito
sível aliviar com mais álcool. A certa altura, John percebeu que de- claro para mim. Tudo começou na creche, quando eu tinha medo
veria romper com sua namorada mas não conseguia fazer isso por de me separar da minha mãe. Desde então tem sido uma luta para
causa de sua ansiedade de separação. Nessa época, porém, a irmã de mim estar no mundo". O que não estava claro para ele era por que
seu colega de quarto, vinda de Nova York, estava de visita. O paci- ele tinha ficado tão aflito com a separação. Mas, na terapia, pouco
ente se apaixonou e eles começaram um relacionamento. Enquanto a pouco começou a perceber que, quando sozinho, ele não tinha
ela estava lá, ele finalmente terminou com sua namorada, e depois tanto medo por si mesmo, mas pela namorada, esposa ou mãe que
que a irmã desse seu colega partiu, ele manteve contato com ela à havia deixado para trás. Ele começou a se lembrar de que, quando
distância, pelo telefone. fugia da escola, ia para casa não para que sua mãe pudesse cuidar
Já veterano na faculdade, John também estava apaixonado pela dele, mas para cuidar dela. O mesmo valia para as outras mulheres
vida saudável ao ar livre do norte da Califórnia. Ele jamais voltaria de sua vida — quando distante, ele tinha medo de que algo terrível
para o concreto, a sujeira, os táxis e os elevadores de Nova York, acontecesse com elas, não com ele.
decidiu. Mas sua namorada de Nova York queria seguir carreira em Então, percebeu que tudo tinha começado na creche não por-
Wall Street e disse para ele que jamais iria se mudar de lá. Então, que ele tinha de se separar de sua mãe, mas porque ela tinha de se
temendo perdê-la, ele se mudou para Nova York e pouco tempo separar dele. E sua mãe, conforme fiquei sabendo, tinha acabado de
depois eles se casaram. Com o passar dos anos em seu casamento, o se mudar com seu marido e dois filhos pequenos para Nova York,
paciente fez várias tentativas de controlar a bebida. E algumas vezes separando-se, com relutância, pela primeira vez, de sua família e da
ele conseguiu parar de beber meses seguidos. Mas sua ansiedade de pequena cidadezinha em que havia crescido. Geralmente é verdade
separação nunca diminuía. Durante anos, ele acordou às 4 h da que muitas crianças que sofrem de ansiedade de separação têm medo
manhã, toda segunda-feira, sentindo-se apavorado com o início da de deixar sua mãe porque recebem dela o recado inconsciente de
semana de trabalho. E apesar de sempre esperar voltar para o norte que o mundo é um lugar perigoso. Seja como for, uma mãe
da Califórnia, aonde quer que fosse — sua esposa, a essa altura uma superprotetora, ou uma que esteja se debatendo com sua própria
ocupada analista de Wall Street, jamais fizera objeção a suas longas perda, dificilmente consegue compreender a gravidade da ansieda-
escapadas duas vezes por ano —, sentia-se tomado por forte ansie- de desse pa,_ ic lite Iliultos anos depois. Com efeito, quando atendi o
246 4' Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4' 247

finais de semana. Ele pegava o carro com um engradado de cerveja Jade noturna. Nos últimos anos, com o advento do telefone celu-
e ia para as montanhas, bebendo o tempo todo, conseguindo trans- lar, ele fazia um supremo esforço para não ligar para sua esposa das
formar o pavor em excitação. Lá, em Sierra Nevada, dedicou-se a paradas na estrada, da sua barraca e do alto das montanhas que
escalada na rocha, quando chegava bem ao pico ou ao fim de uma escalava. E apesar de seus comportamentos mais fortemente
trilha e montava a barraca para passar a noite, era o inferno para autodestrutivos, tais como beber ao volante, terem diminuído, ele
ele. Ficar sozinho no topo de uma enorme rocha do parque Yosemite começou a pôr em seu lugar outras atividades arriscadas. Por exem-
o fazia ficar desesperado de pavor e ansiedade. Extremamente an- plo, apesar de ser um ótimo esquiador, praticamente todas as vezes
gustiado para voltar para casa e ver sua namorada, ele bebia até que ia esquiar acabava se machucando. E no trabalho, também, toda
apagar. vez que estava prestes a fechar um acordo, acabava dizendo algo
Em algumas dessas viagens, John parava num desses bares de impulsivo ou estúpido para o cliente, quase comprometendo o acor-
beira de estrada onde continuava a beber, às vezes ficando com uma do no último minuto.
garota e sentindo vontade de fazer sexo com ela nos fundos do bar. Quando me procurou, John já sabia que estava usando o álcool
Mas sempre que esse pensamento lhe ocorria, ele ficava tomado para tratar de sua ansiedade. E chamou-a de ansiedade de separa-
por um torturante sentimento de culpa, o qual, é claro, só era pos- ção antes que eu usasse o termo. "Escuta", ele disse, "está muito
sível aliviar com mais álcool. A certa altura, John percebeu que de- claro para mim. Tudo começou na creche, quando eu tinha medo
veria romper com sua namorada mas não conseguia fazer isso por de me separar da minha mãe. Desde então tem sido uma luta para
causa de sua ansiedade de separação. Nessa época, porém, a irmã de mim estar no mundo". O que não estava claro para ele era por que
seu colega de quarto, vinda de Nova York, estava de visita. O paci- ele tinha ficado tão aflito com a separação. Mas, na terapia, pouco
ente se apaixonou e eles começaram um relacionamento. Enquanto a pouco começou a perceber que, quando sozinho, ele não tinha
ela estava lá, ele finalmente terminou com sua namorada, e depois tanto medo por si mesmo, mas pela namorada, esposa ou mãe que
que a irmã desse seu colega partiu, ele manteve contato com ela à havia deixado para trás. Ele começou a se lembrar de que, quando
distância, pelo telefone. fugia da escola, ia para casa não para que sua mãe pudesse cuidar
Já veterano na faculdade, John também estava apaixonado pela dele, mas para cuidar dela. O mesmo valia para as outras mulheres
vida saudável ao ar livre do norte da Califórnia. Ele jamais voltaria de sua vida — quando distante, ele tinha medo de que algo terrível
para o concreto, a sujeira, os táxis e os elevadores de Nova York, acontecesse com elas, não com ele.
decidiu. Mas sua namorada de Nova York queria seguir carreira em Então, percebeu que tudo tinha começado na creche não por-
Wall Street e disse para ele que jamais iria se mudar de lá. Então, que ele tinha de se separar de sua mãe, mas porque ela tinha de se
temendo perdê-la, ele se mudou para Nova York e pouco tempo separar dele. E sua mãe, conforme fiquei sabendo, tinha acabado de
depois eles se casaram. Com o passar dos anos em seu casamento, o se mudar com seu marido e dois filhos pequenos para Nova York,
paciente fez várias tentativas de controlar a bebida. E algumas vezes separando-se, com relutância, pela primeira vez, de sua família e da
ele conseguiu parar de beber meses seguidos. Mas sua ansiedade de pequena cidadezinha em que havia crescido. Geralmente é verdade
separação nunca diminuía. Durante anos, ele acordou às 4 h da que muitas crianças que sofrem de ansiedade de separação têm medo
manhã, toda segunda-feira, sentindo-se apavorado com o início da de deixar sua mãe porque recebem dela o recado inconsciente de
semana de trabalho. E apesar de sempre esperar voltar para o norte que o mundo é um lugar perigoso. Seja como for, uma mãe
da Califórnia, aonde quer que fosse — sua esposa, a essa altura uma superprotetora, ou urna que esteja se debatendo com sua própria
ocupada analista de Wall Street, jamais fizera objeção a suas longas perda, dificilmente consegue compreender a gravidade da ansieda-
escapadas duas vezes por ano —, sentia-se tomado por forte ansie- de desse paciente muitos anos depois. Com efeito, quando atendi o
ALON GRATCH 4" 249
248 4 - Se os Homens Falassem...

riam não em medo do mundo, mas em irritação com sua mãe. De


paciente pela primeira vez, fiquei tão impressionado com sua ansie-
forma provavelmente previsível, John, o adulto, de fato desenvol-
dade que pensei que tivesse origem biológica e que o tratamento
veu esse sentimento na terapia. Quando começou a se sentir menos
provavelmente exigiria medicação associada à terapia. Mas, surpre-
ansioso, estava se sentindo muito irritado — com sua mãe, com sua
endentemente, depois de três anos de terapia (e abstinência), John
esposa ou com qualquer outra pessoa que ele achasse que pudesse
estava quase completamente livre da ansiedade.
estar tentando controlar sua vida. Infelizmente, ainda que isso fosse
Para mim, um dos principais motivos de sua recuperação foi que
previsível, sua irritação foi tão forte quanto sua ansiedade e, agora,
John finalmente conheceu as personalidades de seus pais — e, até
ele adquirira a tendência para ter acessos de raiva, os quais eram,
certo ponto, se libertou delas. Não era pelo fato de sua mãe sofrer,
talvez, menos autodestrutivos, mas, sem dúvida, destrutivos em re-
ela mesma, de ansiedade de separação e a projetar no filho, causan-
lação às outras pessoas de sua vida.
do o problema. Era que ela projetara todo seu eu nele. Na terapia,
Mas antes que eu seja acusado de ser um detrator das mães,
lentamente começou a se revelar que a mãe de John fora abençoada
permitam-me dizer que não há mãe-problema sem um pai-proble-
com uma superabundância de sentimentos, impulsos e imagens. Mas
ma. O pai de John, apesar de não ter sido fisicamente ausente nem
tinha desenvolvido pouco no campo do pensamento, dos conceitos
agressivo, na verdade corporificava, não de forma muito clara, vá-
e das idéias. Experimentara de tudo na vida, do bom e do mau, com
rios dos atributos masculinos negativos discutidos neste livro. Ele
grande intensidade, e nunca com desapego e serenidade. Em suma,
nunca falava de seus próprios sentimentos ou dos de seu filho e, na
ela era toda cor e textura, e nenhuma forma ou estrutura. Portanto,
verdade, a única coisa de cunho emocional que disse a seu filho foi
havia passado pela vida num estado de ininterrupta fusão com as
para que controlasse suas emoções. Quando abria a boca para falar,
coisas, o que incluía, é claro, as pessoas que habitavam seu espaço
contava das verdadeiras guerras travadas no trabalho, soltava pia-
interpessoal.
das sujas, troçava da mãe de John e se lembrava de suas aventuras
Portanto, enquanto se desenvolvia, John, a criança, sempre este-
com bebidas na adolescência. Em resumo, apesar de socialmente
ve ciente dos sentimentos de sua mãe mais do que dos seus pró-
agradável, era emocionalmente tão cru que não oferecia a John ne-
prios. Ou, mais precisamente, seus sentimentos eram dia após dia
nhum refúgio de sua mãe.
afastados para um canto para dar lugar aos dela. Se ela estivesse
Portanto, com um pouco mais de terapia, John também ficou
gripada, ele se agasalhava. Se ela tivesse medo do escuro, ele tinha
conhecendo a personalidade de seu pai, assim como o quanto se
de dormir com a luz acesa. Se ela temesse que um sinal na pele fosse
sentia decepcionado com ele — por não ser uma pessoa real, de três
canceroso, ele ficava com medo que ela morresse. Se ela sentisse
dimensões. Para caracterizarmos a ansiedade de separação de John,
saudades da mãe dela, ele sentia saudades da mãe dele. Se ela qui-
então, ela consistia na tentativa de se tornar menos mulher que sua
sesse carinho na cama, ele queria carinho na cama. E se ela se quei-
mãe e mais homem que seu pai. Se ele procurava escalar montanhas
xasse dizendo que o pai dele era um grosso sem educação, ele sentia
para se afastar de sua mãe, a ansiedade surgia porque não havia um
que seu pai era um grosso sem educação.
pai que o protegesse lá no alto.
Portanto, baseado na personalidade de sua mãe — que poderia
Quanto à terapia de John, não foi mero acidente que sua ansie-
ser estereotipada como uma caricatura da feminilidade tradicional
dade tivesse sido "curada" pela raiva, muito embora ele e eu sentís-
—, já deve ser mais fácil entender por que John sofria de um caso
semos que sua terapia não estaria completa — se é que existe seme-
tão grave de ansiedade de separação. Ele foi deflagrado não por
lhante coisa — até que também estivesse curado da raiva. Estou
uma separação traumática, mas por uma personalidade trauma-
falando aqui de outra importante relação entre agressividade e
tizante. Também deve ser fácil ver que caso John, a criança, tivesse
autodestrutividade. Se até agora neste capítulo vimos homens que,
sido capaz de desenvolver seus próprios sentimentos, eles consisti-
250 -4t- Se os Homens Falassem... ALON GFLATCH 41). 251

de forma "idiótica", levaram sua hiperrnasculinidade agressiva para atribuição de responsabilidade — desde que eles não usem essa ver-
a autodestrutividade, veremos agora homens que chegam à auto- dade para mentir a si mesmos sobre suas próprias escolhas.
destrutividade pelo sentido oposto, ou seja, a falta de agressividade
— passei brevemente por esse tipo anteriormente quando falei de
Vencer pela Perda: Doente, Irritadiço e Feio
Kafka. Mas, antes, uma importante observação sobre irritar-se com
seus pais. Alguns anos atrás tive um sonho sobre minha própria
Um dos estereótipos menos lisonjeiros da psicoterapia afirma autodestruição. Ironicamente, mas, conforme veremos, não por
que ela é um processo que nos ensina a culpar nossos pais por de coincidência, foi num período da minha vida em que eu estava co-
tudo que há de errado em nossa vida. Infelizmente, muitas pessoas meçando a fazer sucesso profissionalmente. Também é relevante
— pacientes e até alguns terapeutas — têm dificuldade para dife- observar que o sonho foi provocado — acredito — por uma con-
renciar raiva de culpa. Na teoria, a diferença é bem clara — raiva é versa que tive naquele dia com um amigo mais velho e de muito
uma emoção, enquanto culpa é uma atribuição cognitiva de respon- sucesso, que estava se debatendo em meio a uma dificuldade profis-
sabilidade, duas coisas de fato muito diferentes. Mas a verdade é sional. No sonho, eu estava dirigindo com minha família quando,
que muitas vezes confundimos as duas coisas. Por exemplo, se John subitamente, perdi o controle do veículo. Bati e acabei com o carro.
finalmente sente raiva de seus pais pela forma como foi tratado Minha esposa, filhos e eu ficamos bem, mas havia sangue, metal
quando criança e, sobretudo, se manifesta essa raiva deles, isso não retorcido e roupas rasgadas por todos os lados. A essa altura, tudo
significa que ele culpa seus pais por sua ansiedade de separação? ficou escuro e na cena seguinte eu estava fazendo sexo furiosamente
Bem, a resposta breve é não, e isso porque não importa quais são com minha esposa.
as cartas na mesa — e nunca elas são todas ruins —, a forma como Ao pensar sobre esse sonho, imediatamente me ocorreu que, na
nos valemos delas é sempre nossa escolha. Portanto, mesmo quan- minha família, eu fui o único homem que não acabou com o carro
do criança, que dirá depois de adulto, John fez escolhas sobre como do meu pai. Meus dois irmãos mais velhos fizeram isso quando pe-
lidar com as limitações de seus pais. A boa terapia, a meu ver, concen- diram o carro emprestado no final da adolescência, aos vinte e pou-
tra-se nessas escolhas e na forma como elas podem ser mudadas, e cos anos, e meu pai também. Ninguém na minha família minimizou
não na forma como fomos vitimados pelas escolhas de terceiros, a a gravidade desses acidentes, e meus irmãos não receberam prêmios
respeito das quais nada podemos fazer. Claro, também não se trata por ter acabado com os carros. Ao mesmo tempo, isso não impediu
de culpar o paciente. Trata-se de assumir responsabilidades em vez que meu pai proclamasse um dos meus irmãos, anos mais tarde,
de culpar seus pais ou a si mesmo. como o melhor motorista da família. A verdade é que, durante muitos
O problema com a raiva é que ela é uma emoção muito doloro- anos, eu me senti menos confortável com minha agressividade —
sa, sobretudo quando direcionada para alguém que amamos e de fato que não se refletiu apenas no meu modo de dirigir — do que
quem dependemos. Portanto, muitos pacientes apegam-se à confu- meus irmãos. Não é que eu me sentisse menos competitivo ou agres-
são entre raiva e culpa para evitar sentir raiva de seus pais — "Não sivo do que eles, e sim que eu tinha mais conflitos a respeito desses
vou culpá-los pelos meus problemas agora, trinta anos depois", eles sentimentos. Por isso, minha autodestrutividade consistia não na
dizem, com razão, apesar de estarem se valendo erroneamente do imbecilidade de acabar com carros, mas na insensatez de arrasar
direito de negar sua raiva. Talvez eles misturem a raiva com essa com o eu.
negação sistemática porque estão de tal forma irritados que, na ver- Por exemplo, no meu primeiro ano no ginásio, esforcei-me bas-
dade, gostariam de culpá-los. Claro, existem aqueles que culpam tante para ser eleito presidente do grêmio. Mas assim que consegui
seus pais e, em casos de extreino abuso, é difícil discutir com essa o cargo, preparei um programa que pôs o órgão estudantil em rota
252 -41. Se os Homens Falassem... MAN GRATCH 4)- 253

de colisão com o diretor da escola. Sob a minha "liderança", o grê- nho que vai além da minha família, composta por israelenses. De
mio exigia que a escola revogasse sua política de uniforme obrigató- um modo geral, eles são motoristas verdadeiramente malucos —
rio e criasse um fumódromo para os estudantes. Quando a escola em Israel, morrem mais pessoas em acidentes de trânsito do que na
recusou-se a cumprir as duas exigências, nós renunciamos em sinal guerra e nos atos de terrorismo juntos. Mas, pensando bem, a
de protesto, apenas dois meses depois da eleição, demolindo a pró- autodestrutividade hipermasculina é parte integrante do psiquismo
pria idéia de grêmio estudantil na escola durante uns dois anos. É israelense como um todo.
óbvio que eu estava interessado no poder e na autoridade, mas quan- Com o passar dos anos, enfrentei minhas dificuldades e dores
do consegui chegar lá, em vez de usá-lo em meu benefício e de meus pessoais. Mas minha família e eu fomos poupados do sofrimento e
colegas, eu o joguei fora pensando "eles vão ver só". Bem, só quem da autodestruição mais séria que aflige tantas famílias de todas as
viu alguma coisa fui eu, visto que perdi uma oportunidade de apren- ,lasses sociais. Não obstante, a dinâmica de minha própria auto-
der algo sobre liderança. destrutividade masculina descrita anteriormente não difere, funda-
Um exemplo talvez mais sutil, além de mais responsável, foi mi- mentalmente, em nada daquelas descritas nos casos a seguir. Como
nha escolha de curso superior. Enquanto meus irmãos escolheram eu disse, em minha juventude não me senti nem um pouco à vonta-
carreiras agressivas no campo do direito, eu fui estudar cinema. de com minha agressividade e ainda tenho algum trabalho pela frente
Obviamente, não há nada de errado nisso, a não ser, é claro, que nessa área, embora, ao dizer isso para tuna amiga, ela ter rido e
não se possua nenhum talento cinematográfico, o que era exata- dito: "Tremo só em pensar como você vai ser quando estiver mais à
mente o meu caso. De algum modo, em algum lugar de minha cabe- vontade com a sua agressividade!"
ça, eu sabia que cinema não era para mim, mas não dei ouvidos a Por que algumas pessoas sentem-se desconfortáveis com sua
mim mesmo nem a meus pais. Somente mais tarde, quando me vi agressividade de uma maneira autodestrutiva? A melhor resposta
enredado nas próprias conseqüências da minha escolha — inclusive para essa pergunta veio de um paciente que, durante anos, lutou
ter percebido que e eu era uma pessoa altamente pragmática que bravamente para se recuperar de inúmeros traumas infantis, sendo
jamais conseguiria viver com a falta de estrutura e estabilidade pró- que o suicídio de seu pai foi o pior deles. Durante toda sua infância,
pria do ramo do entretenimento —, mudei o rumo das coisas. o pai do paciente fora fisicamente agressivo tanto com o paciente
Felizmente, tudo deu certo para mim, e por isso não posso dizer como com sua mãe e, assim, diversas vezes a mãe pegou o paciente
que me arrependo de minha digressão inicial. Quando há pouco e seu irmão mais novo e saiu de casa. Porém, a cada vez, quando o
tempo disse a um amigo que conseguia me imaginar em outros cam- pai enviava alguém em seu nome para implorar que ela voltasse, ela
pos de atividade, ele não acreditou, dizendo que eu parecia estar voltava. Uma noite, quando o paciente tinha por volta de doze anos,
tão bem adaptado ao meu trabalho que não conseguia me imaginar depois de um dia em que ele passou especialmente dos limites, a
fazendo nenhuma outra coisa. Pode ser que ele tenha razão, o que mãe pegou os filhos e saiu, "dessa vez para sempre". Na saída, o
me faz voltar para o sonho. Sentindo que iria encontrar meu pró- paciente — que tinha visto o pai bater violentamente em sua mãe
prio sucesso, eu queria mudar da minha própria insensatez para a naquele mesmo dia — gritou para o pai: "Eu odeio você." Alguns
imbecilidade dos outros homens na minha família. Vocês poderiam dias depois, embora não tivesse aparecido ninguém dessa vez, a mãe
dizer, portanto, que o sonho tinha a ver com um rito de passagem. e os filhos voltaram para casa. Quando ninguém atendeu à campa-
Para tornar-me um homem — lembrem-se, eu fiquei com a mulher inha, a mãe pediu que o paciente entrasse pela janela — eles mora-
na segunda parte do sonho — foi preciso antes acabar com o carro. vam no térreo — e abrisse a porta para eles. Quando o menino se
Ou, mais coloquialmente, é . preciso ter colhões para fazer sexo. É espremeu pelo estreito espaço da janela entreaberta, ele viu o que
interessante notar que há também um contexto cultural nesse so- desde então nunca mais conseguiu esquecer, nem mesmo um único
254 4. Se os Homem Falassem... "SION GRATCH 4- 255

dia ou noite de sua vida — o corpo de seu grande, poderoso pai esquecia realmente do compromisso de tal forma que não precisava
pendurado do teto com um filete de sangue ainda escorrendo do mais dizer que me odiava. Ou, quando sua esposa o criticava por
canto da boca. gastar dinheiro demais em CDs, ele dizia que ela estava certa, mas
Apesar de o paciente ter idade suficiente para discernir as coisas, no dia seguinte comprava mais, dessa vez sem contar a ela. Mais
em sua cabeça ele havia matado o pai. Ele tinha finalmente tido a significativo ainda, quando ele ficava desapontado por não ter sido
coragem de manifestar sua raiva por seu pai e viu o que acontecem promovido tão rápido quanto esperava no trabalho, desenvolvia o
A dolorosa verdade era que ele não odiava realmente o pai — ele ai hábito de tirar dias de folga por motivo de "saúde" sem avisar. E
amava. E continuou o amando na fase adulta, conforme ficou evi- piando seu chefe telefonava para ele por causa disso, ele admitia
dente pelos sonhos nostálgicos de tantas noites em que o pai o vi- ti lie estava errado, mas continuava a fazer a mesma coisa. E então, a
sitava. (Sim, também houve sonhos violentos, assustadores, com o cada medida disciplinante que se seguia, ele aumentava suas faltas,
pai.) O fato é que, na linguagem das crianças, "Eu odeio você", Aumentando as apostas enquanto sua situação no emprego ficava
"Você não é mais meu amigo" e "Queria que você morresse" sãc mais e mais precária. Até ser despedido.
manifestações de raiva muito comuns. Mas quando a raiva da crian- Outro paciente com uma dinâmica semelhante veio de um lar
ça tem determinada intensidade e profundidade, e quando à sua menos agressivo. Portanto, sua autodestrutividade estava mais na
manifestação se segue um suicídio, não é de se admirar que a crian- faixa depressiva dessa dinâmica. Esse paciente vinha de um país
ça sinta que o pai se matou porque ela, a criança, fez com que ele se politicamente instável da América do Sul, e pouco antes de ter vin-
sentisse muito mal. do para os Estados Unidos para estudar administração, seu pai fora
Tampouco admira que a criança fique para sempre temerosa de preso por uma atividade "antigovernista". Por insistência de sua
sua raiva. E que, portanto, prefira culpar a si mesma entrando em família — e, é claro, para sua própria proteção —, o paciente não
depressão em vez de adotar uma postura irritadiça. Esse paciente, atrasou seus estudos e veio para Nova York.
não resta dúvida, culpava a si mesmo. Assim como a clássica teoria Pouco depois de começar a faculdade, o paciente ficou saben-
da depressão seria capaz de prever, ele tinha voltado a raiva para do que o governo de seu país tinha se oferecido para soltar seu pai
dentro de si mesmo e se punia pelo assassinato mental de seu pai caso este concordasse em abandonar suas atividades políticas. O
entrando em depressão. Mas apesar de a autodestruição masculina pai se recusara e fora, em seguida, condenado a dois anos de pri-
apresentar outros aspectos além da depressão — a qual geralmentqi são. O paciente ficou furioso — com seu país, é claro, mas tam-
tende a afligir mais mulheres do que homens —, há um parentescol bém com seu pai. Apesar de por um lado admirar o pai por seus
conceituai entre as duas coisas: a autodestruição é prima próxima princípios e sua integridade moral, também sentia que ele estava
da depressão. Em ambas, a pessoa luta com inaceitáveis sentimento fora da realidade e que não assumia a responsabilidade pelo bem-
negativos referentes a uma pessoa importante em sua vida e acaba estar da família.
guardando todos para si. A grande diferença, porém, é que na Durante meses, o paciente ponderou sobre o que fazer com sua
autodestruição esses sentimentos negativos consistem mais em fúria raiva, mas sempre terminava decidindo proteger seu pai de qual-
do que em irritação e, portanto, a pessoa — que pode ter sido arra- quer agravo emocional enquanto ele estivesse preso. Mas, finalmente,
sada por alguma forma de maus tratos prolongados quando criança decidiu escrever unia carta a seu pai, dizendo que se ele não aban-
— é "fraca" demais para mantê-los dentro de si. Então, sente-se donasse suas atividades políticas e começasse a trabalhar em prol de
compelida a manifestá-los no mundo físico, exterior. sua família (o paciente tinha dois jovens irmãos) quando saísse da
Por exemplo, quando esse paciente ficava irritado comigo, não prisão, podia deixar de considerar-se seu pai. O paciente escreveu,
só ficava deprimido comõ também não aparecia para a sessão — ele mas acabou não enviai alo a arta, porém, ao pensar nisso, sentiu-se
256 4. Se os Homens Falassem.. ALON GRATCH 4- 257

tão decepcionado e irritado que chegou a pensar que todos em sul princípios em detrimento do interesse próprio na mesma época em
família estariam melhor se o pai morresse na prisão. que seu filho opta por fazer administração —, a mensagem para a
Uma semana depois, o paciente recebeu um telefonema infor- criança também não é propriamente positiva. Nos dois exemplos, a
mando que seu pai tinha morrido, de ataque cardíaco, na prisão, mensagem é análoga àquela apresentada por Kafka, na qual o pai
sete meses antes de terminar sua pena. Portanto, também aqui, um "sentenciou" seu filho à morte por afogamento. E, nos dois exem-
desejo de morte se materializou. E apesar de a mente racional de plos, muito parecido com o filho — na história de Kafka — que
um adulto estar melhor preparada para isso, a conclusão incons- acaba se jogando no rio, a autodestruição do paciente está em con-
ciente de que a raiva mata obriga-nos a convertê-la numa depressão formidade com a mensagem inconsciente de seu pai.
punitiva. Nesse caso, foi especialmente difícil para o paciente conti- Mas que pai, vocês podem protestar, iria querer ver seu filho se
nuar irritado com seu pai — afinal, ele era um homem de princípios autodestruir? Certamente nenhum, sob qualquer forma consciente.
que fora perseguido e, basicamente, morto por uma autoridade Ao contrário, mesmo os "piores" pais verdadeiramente fazem o
opressora que o próprio paciente temia e odiava. E era relativamen-à melhor que podem, e não há nada mais gratificante para um pai ou
te fácil para o paciente odiar — e, portanto, atacar a si mesmo para uma mãe do que ver seu filho ou filha desenvolver-se de forma
não fosse por seus próprios sentimentos, pelo menos pelo fato de o saudável. Mas nisso há o aspecto paradoxal e extremamente pro-
supremo sacrifício de seu pai em prol de outrem ter malbaratado blemático da autodestrutividade: ao mesmo tempo que a agressi-
sua própria busca pessoal. vidade se volta contra o eu, sua intenção hostil em relação ao pai ou
Esse paciente inicialmente resistiu à idéia de que sua depressão mãe permanece intacta e, na verdade, ainda mais efetiva do que a
era, na verdade, um remanescente da raiva contra seu pai — quan- agressividade direta. Ao se tornar um "fracassado", um homem não
do ele me procurou, já havia idealizado seu pai, passando a sentir está punindo apenas a si mesmo, mas também, antes de mais nada,
tristeza em vez de raiva. Mas, à medida que fomos reconstituindo a seus pais, ou àqueles pais substitutos que "não querem nada senão
sua história, rapidamente ele conseguiu ver o que eu estava vendo. vê-lo feliz". Como qualquer pai ou mãe sabe, não há melhor forma
E no que ele sentiu havia um marco terapêutico: ele sonhou que se de uma criança fazê-los sofrer do que ela própria sofrer. Quando
reunia com seu pai e este lhe dizia: "Não me culpe", e o paciente um pai ou mãe dá um castigo, digamos, nada de Nintendo por uma
respondia: "Não culpo", quando então os dois se abraçavam e se semana, a criança claramente perdeu uma coisa. Mas se ela estiver
reconciliavam. Conforme eu disse ao paciente, eu não tinha certeza disposta a suportar mais alguma perda, poderá ganhar uma outra
se esse sonho típico dos filmes de Hollywood representava uma coisa, algo ainda mais gratificante do que o Nintendo — a chance
solução para sua raiva ou mera negação de sua profundidade. Fosse de se vingar e castigar seus pais, duramente. "Toma aqui o seu
como fosse, ele confirmava a hipótese de que o paciente estava, e Nintendo e todos os brinquedos que você me deu — Não preciso
não queria estar, com raiva de seu pai. de nada disso!", ela pode dizer. Ela pode abrir mão de tudo isso e
Uma das semelhanças mais sutis entre esses dois casos "pater- agüentar firme, sabendo que não vai demorar para que seus pais
nos" foi o fato de que, apesar de presumivelmente não de forma praticamente implorem para que ela jogue o Nintendo.
consciente, a ação do pai tinha enviado uma poderosa mensagem Costuma ser mais difícil identificar esse tipo de coisa nos adul-
para a criança de que havia algo de errado com ele. No caso do tos, mas se você está envolvida emocionalmente com um homem
suicídio — certamente nas circunstâncias desse caso em especial e autodestrutivo, que continua abusando da sorte mesmo quando está
talvez da maioria dos casos —, a mensagem era: "Você não é motivo tudo claramente contra ele, talvez consiga perceber que ele está pro-
suficiente para que eu me mantenha vivo." E, no caso de escolher a curando vencer perdendo, porque a derrota dele é também a sua.
prisão em vez de cuidar de sua família — ou mesmo de escolher OS Para mim, nenhum psicólogo, psiquiatra ou entusiasta dos A.A. ja-
258 -41. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 259

mais conseguirá pôr em palavras tão bem quanto o escritor russo Bem, não durmam, então; vocês têm de sentir minha dor de dente o
Fiodor Dostoievski, a peculiar e patética mistura de heroísmo e vin- tempo inteiro. Não sou mais um herói para vocês, como eu procura-
gança que caracteriza a mentalidade autodestrutiva. Certa vez, re- va parecer, mas apenas um imprestável zero à esquerda".
comendei o livro de Dostoievslci Notas do Subterrâneo para um
paciente que não era completamente autodestrutivo, mas que ten- Como a criança irritada, esse tipo de homem sabe que a me-
dia a sabotar a si mesmo mais ou menos nessa linha. O paciente, um lhor forma de derrotar as pessoas que gostam dele é transformar-
homem gentil e charmoso, reagiu com um mal disfarçado riso. se num farrapo humano. Por ser incapaz de manifestar ou expres-
"Dostoievski, rá!", como a dizer que ele era burro demais para ler sar sua agressividade diretamente, ele então se esforça para fracas-
uma coisa dessas e que eu estava sendo intelectualmente esnobe ao sar para que os outros se sintam culpados por, e infelizes com, o
fazer semelhante sugestão — o contrário daquela que era sua verda- sucesso que têm.
deira intenção, pois ele estava me rebaixando ao se rebaixar! Foi
exatamente essa atitude inconsciente de sua parte que me fez pen-
sar nesse livro, o qual, francamente, é mais pé-no-chão do que inte- O Homem Invisível
lectual. Eis como ele começa: Um paciente, doutorando em relações internacionais, contou um
sonho que teve durante a guerra da OTAN contra a Iugoslávia. Em
Eu sou um homem doente... Eu sou um homem irritadiço. Eu sou um seu sonho, ele estava voando num jato sobre a Iugoslávia, circun-
homem feio. Acho que tenho algum problema de fígado. Mas não sei dando alvos militares e atingindo-os sem ser atingido. Ao procurar
nada sobre minha doença e não sei ao certo que parte de mim foi por "resíduos do dia" — eventos de um ou dois dias antes que po-
afetada. Não estou fazendo nenhum tratamento quanto a isso, e nun- deriam ter provocado o sonho —, o paciente se lembrou de ter
ca fiz, apesar de ter um grande respeito pela medicina e pelos médi- assistido às imagens de um avião enfrentando baterias antiaéreas e
cos... Não, eu recuso tratamento por despeito. Está aí uma coisa que
ter pensado: "Esses pilotos têm muita coragem para continuar a
você talvez não vá compreender. Bem, eu compreendo. Não posso, é
claro, explicar contra quem dirijo meu despeito nesse caso... Sei me- cumprir sua missão mesmo quando o risco é real". O paciente asso-
lhor do que ninguém que não estou fazendo mal a ninguém a não ser ciou esse pensamento diretamente a seu conflito referente ao que
a mim mesmo. Seja como for, se não me trato, é por despeito. Meu fazer com sua vida depois de formar-se Ph.D. Sua fantasia era mu-
fígado está ruim? — pois que fique pior! dar-se para Washington, capital, e trabalhar com assuntos interna-
cionais nos mais altos escalões do governo. Mas ele achava que era
Prossegue assim indefinidamente, e eu vou resistir à minha pró- po r demais avesso ao risco para aprofundar-se na politicagem e no
pria tentação autodestrutiva de continuar a transcrição. Mas isso é jogo de poder de Washington. Portanto, concluiu que acabaria na
o que importa: quando o homem doente explica como podemos ter academia, provavelmente dando aula na faculdade.
prazer com a dor, ele dá com o martelo no cravo. Quando uma Obviamente, no sonho o paciente conseguiu reunir a coragem
pessoa com dor de dente não pára de gemer mesmo quando sabe Para assumir o risco e fazer o que queria fazer. "Por que você conse-
que todos na casa já estão cansados de escutá-lo, esse personagem guiu fazer isso no sonho?", perguntei a ele, sugerindo que não era
de Dostoievski explica que é porque ele gosta do recado que dá à simplesmente pelo mesmo motivo que nos permite voar nos sonhos
sua "platéia": até sem avião. Então ficamos analisando o assunto juntos até que
perguntei a ele que tipo de avião ele tinha usado no sonho. "Era um
"Estou lhe perturbando", é o que parece dizer, "estou torturando seu 117", ele disse, com um maldisfarçado sorriso, como se preten-
sentimento e impedindo -que qualquer pessoa na casa consiga dormir, desse esconder algo que nós dois já sabíamos. "O Stealth!" quase
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pulei da cadeira, impressionando inclusive a mim mesmo com mi- como poderíamos chamar esse tipo de homem ao qual me refiro
nha perspicácia tanto psicológica como militar. Como dois viciados aqui, não consegue revelar suficientemente essa característica. Sen-
em jornalismo, o paciente e eu conhecíamos o furtivo e invisível tindo-se incapaz de ter o destaque que gostaria e "agir como um
Stealth. O chamado bombardeiro invisível era o único avião do ' homem", ele expressa sua agressividade de maneiras furtivas, invisí-
mundo construído para sumir no radar inimigo! veis. Para usar uma analogia do mundo da adolescência masculina,
Portanto, apesar de o paciente desejar ir para Washington, onde ele é como o rapaz que se sente tão ansioso pelo fato de estar se
as coisas aconteciam, ele acreditava que não conseguiria fazer isso tornando um homem que tenta esconder ou suprimir suas caracte-
sem alguma medida de proteção evasiva. Não que ele não gostasse rísticas sexuais secundárias, por exemplo, raspando o novo e amea-
de Washington ou do que a cidade representasse, apenas ele não çador pêlo pubiano. Isso, ou variações sobre o mesmo tema, são
queria se dar mal por lá. Isso era lamentável, porque a academia de reações bastante comuns às pressões que aguardam os homens na
hoje em dia está longe de ser uma torre de marfim protegida da fase adulta em nossa sociedade. Um paciente lembrava-se de que
politicagem e do jogo de poder. Mas a verdadeira pergunta do so- quando começou a ter ereções na puberdade, ficou tão preocupado
nho era por que o paciente vivenciou seu conflito profissional em que tivesse algo de errado com seu pênis que o enrolou com fita
termos de guerra. Sim, Washington é provavelmente um lugar bas- crepe para "diminuir o inchaço". Obviamente, esse tipo de reação é
tante agressivo. Mas a verdade é que todos precisam de agressividade mais provável de acontecer na falta de conversas familiares sobre o
para ter sucesso no trabalho, não importa o cargo que ocupe ou o desenvolvimento sexual. Mas é interessante que essa própria falta
que você faça para viver. Você precisa ser capaz de fazer o que a pode ser uma indicação de que a família é ambivalente ou se sente
sobrevivência exige, às vezes até às custas dos outros. Mas, é claro, ansiosa com o fato de o menino estar virando um homem.
como agressividade gera agressividade, é preciso ter casca grossa. É verdade, nas culturas tradicionais havia menos conversas so-
Então, a autodestrutividade desse paciente consistia não em voltar' bre sexo na família, sugerindo que o problema pode ser mais de
sua agressividade contra si mesmo, mas em sua relutância em voltá- geração do que de psicologia. Diferente do que acontece com meu
la contra os outros, por medo de retribuição. Claro, perseguir um filho de oito anos, não me lembro de jamais ter perguntado a meus
Ph.D. em relações internacionais não é nem de longe um empreen- pais: "Vamos ter de falar de sexo outra vezn" Por outro lado, é
dimento fácil. Mas, na cabeça do paciente, parecia um refúgio isen- exatamente porque o sexo (diferente de outros aspectos da sexuali-
to de riscos. dade) é fundamentalmente um ato praticado na fase adulta que as
E por falar em refúgio, apesar de o senso comum dizer que to- sociedades ortodoxas se sentem tão ameaçadas por ele. Obviamen-
dos os homens gostariam de ter o maior órgão sexual possível, tam- te, a ortodoxia — seja religiosa, intelectual ou política — tem um
bém é verdade que muitos homens desejam "encurtar", ou simples- interesse capcioso em manter seus seguidores numa fase semelhante
mente esconder de vez, seu pênis. Alguns homens têm tanto medo N infantil. Na medida em que eles são emocional e intelectualmente
das exigências inerentes ao desempenho agressivo — tal como defi- dependentes de verdades rígidas patrocinadas por uma autoridade
nidas pelo conflito da insegurança masculina — que procuram maior, é menos provável que os seguidores questionem a legitimi-
expressá-lo disfarçadamente ou agindo como um alvo móvel. Cer- dade de todo o sistema.
tos tipos de comportamento no ambiente de trabalho, por exem- Mas se expandirmos a definição de ortodoxia incluindo nela
plo, desvio de fundos, roubo ou depreciações, apesar de não serem qualquer tipo de ambiente extremo, rígido ou inflexível, veremos
exclusivamente masculinos, recaem nessa categoria. que, psicologicamente falando, a ortodoxia é um viveiro de homens
Se o chefe tirânico é uma pessoa que revela excessiva agressividade invisíveis. Para começarmos com um exemplo religioso, um pacien-
masculina em seu estilo de administração, o "funcionário tirânico", te judeu com seus quarenta anos, um profissional com família, fala
262 -He. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 263

como é sair para jantar com seus pais rigorosamente ortodox( tiva, o avô autor de abuso sexual ou o irmão violento. Uma forma
Conforme o paciente dá conta, embora seus pais saibam que ele á menos óbvia, porém tão fatal quanto, é aquela dos pais "normóficos"
é adepto dessa linha, há um acordo tácito entre eles no sentido que, conforme descritos pelo psicanalista Christopher Banas, são
não discutir o assunto. Então, quando eles saem para comer junt( pessoas que valorizam uma estrita adoção da normalidade, da
o paciente pede apenas alimentos kosher, aprovados pela lei jucli razoabilidade e da objetividade acima de tudo. Esse tipo de ortodo-
ca, mesmo que não esteja com vontade de comê-la. O paciente e xia é especialmente difícil de "diagnosticar" porque, por natureza,
plica, e é difícil discordar, que ele faz isso por respeito a seus pais - ela se dedica inteiramente a comportamentos não extremos.
é claro que não há por que ofendê-los. O problema é que ele á Apesar desses ambientes serem de fato bastante diferentes um
sente que os pais o respeitem — eles parecem esperar que ele fin do outro, do ponto de vista da criança em desenvolvimento todos
ser uma pessoa diferente de quem de fato é. Então, como ele poi tem um mesmo componente central, sempre presente psicologica-
respeitá-los se eles não o respeitam? A verdade é que ele não mente: a criança é submetida a tanta pressão externa que não con-
respeita de fato — apenas finge que respeita. Não os respeita pc segue emergir, apenas submergir. Por ser bombardeada por tantos
que, por definição, a menos que se seja ortodoxo, não se pode re estímulos opressores, só consegue reagir, nunca agir.' 7
peitar a ortodoxia. Não é o que você faz, mas apenas o que você Outra forma de conceituar o desenvolvimento do homem invi-
na cabeça do ortodoxo se, por acaso, não for ortodoxo também. sivelmente autodestrutivo é como produto de um ambiente narci-
aí está o problema de se crescer com a ortodoxia — se você á sistico. Quanto mais pretensioso, glamouroso ou imponente o am-
seguir os planos deles, não terá direito a plano nenhum. A não ser, biente, menos espaço haverá para a criança brilhar. Então, de
claro, que crie um plano secreto, subterrâneo, invisível. forma paradoxal, ela irá procurar ser "vista" ou notada desapare-
No caso dos homens, a opressão da ortodoxia realça intens 1/4 endo completamente. Um paciente que teve uma infância bastante
mente a questão da agressividade. O que resta a um menino qi caótica lembrava-se de sempre se afastar de casa e se perder — ob-
não consegue desafiar a autoridade estabelecida? Um homem, d viamente para ser encontrado. Outro paciente sempre se perdia
pois de receber o resultado de uma avaliação que não o classifica' depois de adulto — profissionalmente falando. Um homem de mui-
como perfeito no desempenho de sua função, deixou sobre a me tos talentos, ficou trocando de emprego e até de profissão não por-
de seu chefe a cópia de um texto sobre um funcionário insatisfei que encontrava algo mais interessante ou melhor, mas porque dese-
que "ficou maluco". Claro que o chefe desconfiava dele, mas á java desesperadamente ser visto e reconhecido, mas nunca conse-
podia provar nada. Outro homem, um jovem banqueiro cujo tes guia "estourar" em nenhum desses empregos. Claro, ele nunca fica-
aleatório de uso de cocaína deu positivo, passou a enganar o sist va em nenhum deles tempo suficiente para chegar a tanto sucesso.
ma usando a urina de um amigo em vários testes subseqüentes. A Essa forma de desaparição sempre me lembra de um personagem
tes de cada teste, ele aquecia a urina do amigo num forno de micr do romance de Thomas Bernhard, O Fracassado. Esse personagem,
ondas para enganar o termômetro usado para verificar se a uni um escritor, tinha feito tantas correções e apagado tantas coisas em
tinha sido recolhida naquele momento! scu manuscrito que, no final, a única coisa que sobrara era o título,
Esses homens — como muitos outros que transgridem via fra que era — adivinhões — O Fracassado.
de em vez de via agressividade — receberam muito cedo na vida, (
uma ou outra autoridade ortodoxa, longo — ainda que involuntár
A Barata Acomodada
— treinamento na arte da guerrilha subversiva. Em nossa cultura,
ortodoxia que os treinou deve ter sido menos religiosa e mais psic É impossível falar de sumiço diante da tirania sem uma menção
lógica, assumindo formas tais como o pai militarista, a mãe h iperem honrosa a esse famoso inseto masculino. Na história mais conheci-
264 4- Se os Homens Falassem... ALON G RATC H .• 265

da de Kafka, A Metamorfose, Gregor Samsa acorda um dia e desco- casse isso. Eu próprio já impaciente, falei da impulsão de morte.
bre que transformou-se, naquela noite, numa enorme barata. Antes Contei ao paciente que grande parte da psicanálise contemporâ-
dessa transformação, Gregor era o filho perfeito. Morava em casa e nea não gosta dessa idéia e que pelo menos um livro importante
trabalhava num emprego que odiava para pagar as dividas de seus de psicanálise avisa os clínicos que falar desse conceito inútil para
pais. Sua vida era basicamente um sacrifício para sustentar seus pais os pacientes leva apenas a racionalizações contraproducentes.
e sua irmã, todos dependentes. Porém, mesmo agora, na forma de "Bem, •eu gostei muito", ele começou a racionalizar, mas acabou
uma barata — não obstante o desgosto egoísta de sua família e a admitindo, de modo bastante emocional, que gostava porque es-
despreocupação com seu novo sofrimento —, Gregor continua se tava em conformidade com sua sensação de que os padrões
esforçando para agradá-los, por exemplo, escondendo-se embaixo autodestrutivos não estavam sob seu controle. Bem, como qual-
da cama para poupá-los de sua repulsiva imagem quando eles en- quer dos milhões dos membros dos A.A. e de outros programas de
tram para limpar o quarto! Porém, nada do que ele faz para desapa- doze etapas poderão lhe dizer, admitir esse tipo de impotência é o
recer é suficiente para agradar sua família, a não ser por seu último primeiro e provavelmente o mais importante passo para a recupe-
ato de desaparecimento, sua morte, depois da qual ele é literalmen- ração de um vício. Para mim, esse é um importante passo não só
te jogado fora de casa pela faxineira. no combate ao vício, mas também no enfrentamento de qualquer
Entre outras coisas, essa história também mostra o lado positivo desejo autodestrutivo. É assim porque o homem autodestrutivo
da autodestruição. A seu modo bem peculiar, o homem autodes- insiste em tentar controlar o que ele não pode controlar — por
trutivo é muitas vezes uma pessoa carinhosa, apaixonada e idealista. exemplo, sua raiva ou seus impulsos de agressividade — e em não
Livre das preocupações com a convenção, ele pode ser corajoso, tentar controlar o que ele pode controlar — ou seja, seu compor-
criativo e tolerante com as diferenças entre as pessoas. E quando tamento.
não escolhe o desaparecimento como sua defesa, é provável que Apesar de não poder me aprofundar aqui sobre o tratamento da
esteja no fronte lutando contra a tirania. autodestruição, gostaria de falar brevemente sobre alguns princí-
Mas A Metamorfose, de Kafka, é também um fantástico exem- pios que me ajudaram a lidar com ela não só clinicamente, mas
plo de uma das idéias mais polêmicas de Freud, a chamada impulsão também na vida diária. Ao fazer isso, irei primeiro examinar e deco-
de morte. Impressionado pela intensidade e a perseverança do com- dificar algumas das mensagens interpessoais mais comuns embuti-
portamento autodestrutivo, Freud especulou que todos temos um das nas atitudes dos homens autodestrutivos.
impulso inato para inverter nosso crescimento e voltar ao estado
inanimado no qual fomos concebidos. No princípio, parece um prin-
cípio bastante estranho, fruto da frustração pela incapacidade da Atitudes Falam mais Alto do que Palavras
psicanálise de explicar, que dirá curar, determinados problemas de • Seu namorado lhe dá o bolo novamente. Ttadução: (1) Eu sou
autodestruição. Mas se pensarmos nisso como um impulso de re- tão patético, (2) Você não tem nada de importante para ocu-
gressão — um desejo de retornar para a familiaridade, a segurança par seu tempo mesmo.
e a dependência da infância —, ele será muito útil para explicar por • Seu marido lhe comprou brincos no Dia dos Namorados, mas
que as pessoas resistem a crescer e por que se encolhem na auto- você encontrou uma cautela de penhor na mesinha de cabe-
destruição. ceira dele. Tradução: (1) Eu sou tão patético, (2) Não era mes-
Em sua luta para compreender por que seu comportamento mo para lhe dar, ora essa.
autodestrutivo vinha resistindo tanto à terapia, um dos meus pa- • Seu marido ultrapassa um sinal vermelho, Tradução: Eu sou
cientes, um cientista com forte veia filosófica, pediu que lhe expli- tão patético, (2) E dai? É apenas a sua vida.
ALON GRATCH + 267
266 Se os Homens Falassem...

Pôr Atitudes em Palavras


• Você recebe uma conta de telefone com inúmeras ligações par
um certo número, 0-900-6969-SEXO. Tradução: (1) Eu so A primeira função do terapeuta ou de qualquer pessoa que deci-
tão patético, (2) E daí? É apenas o seu corpo. da lidar com os homens autodestrutivos — ou com qualquer ho-
• Seu marido lhe telefona da rua — ele perdeu a carteira e pr( mem — é ser um tradutor. Já que a autodestrutividade masculina é
cisa que você vá buscá-lo. Tradução: (1) Eu sou tão desorgan uma língua substituta, você precisa desenvolver sua capacidade de
zado, (2) Seu tempo é meu. interpretação e tradução. Por sorte, não é uma língua complicada.
• Seu namorado fala sussurrando ao telefone no quarto ao lad( Conforme vimos na lista anterior, a comunicação, apesar de não-
Tradução: (1) Eu sou um verdadeiro imbecil, (2) Você é tã verbal, é, na verdade, bastante direta. A tarefa mais difícil é passar
idiota. sua tradução de volta ao estrangeiro, o qual, como você sabe, não
• Depois de prometer um milhão de vezes nunca mais fazer iss( deseja de fato ouvi-la. Não obstante, se você conseguir mostrar a ele
seu marido sai com os amigos depois do trabalho. Ele cheE com algum grau de distanciamento e objetividade que ele está agin-
em casa às duas da manhã tresandando a álcool. 71-adução: (: do sem dar satisfação, ele pode acabar entendendo. Caso esteja se
Eu sou um tremendo babaca, (2) E você também. perguntando, "distanciamento e objetividade" não significam que
• Seu marido esquece outra vez de levar o lixo para fora. Ti'ach quando ele lhe passar o carro com o mostrador da gasolina acen-
ção: (1) Eu sou um nenezinho, (2) Leva você! dendo você deva lhe passar um pito por não se importar com nin-
guém em casa além dele mesmo. Uma observação mais leve, do tipo
Essa lista, infelizmente, é interminável, o que não é sequer st "Pelo jeito você acha que é minha função encher o tanque do car-
pior característica. O que é verdadeiramente ruim nela são as per ro", seria melhor. Admito, não é nada fácil não irritar-se com esse
pectivas para se lidar com — para não dizer ajudar — o home tipo de comportamento. Mas tente lembrar-se da criança que casti-
autodestrutivo. Primeiro, uma vez que ele se vale de ações, e não ( ga seus pais fazendo-os sofrer. Se você está irritada, ele conseguiu
palavras, para expressar o que sente, esse homem não chega lhe atingir, o que significa que ele conseguiu o que queria — o sofri-
interagir com a comunicação verbal. Segundo, como suas ações s'2 mento adora companhia. Portanto, ao lidar com a autodestruição, é
autodestrutivas por natureza, mas também destrutivas em relação importantíssimo desenvolver a capacidade da indiferença.
terceiros, por que ficar com ele, para início de conversa? De fat Em casos moderados de comportamento autodestrutivo, pôr as
em nossa cultura normalmente é considerado normal afastar-se ( atitudes de seu parceiro em palavras pode fazer uma enorme dife-
um homem autodestrutivo e é o que muitas mulheres fazem. M rença. Por exemplo, um jovem disse à namorada que estava tendo
nem sempre é tão simples, não é verdade? O terapeuta, por exer estranhos problemas no trabalho. Seu gerente disse a ele que, ape-
pio, não pode abandonar seu paciente porque ele se recusa a m sar de estar fazendo um bom trabalho, parecia que ele estava tendo
lhorar. E um pai ou mãe pode pura e simplesmente expulsar de ca dificuldades de relacionamento com seus colegas. "Meu chefe disse
o filho viciado em drogas ou alcoólatra? E seria direito e possív que eu não falo nas reuniões, estou sempre alguns minutos atrasa-
para uma esposa amorosa terminar uma relação de vinte anos pc do, sempre almoço sozinho e que eu nunca sorrio", explicou. "Não
que o marido passou a jogar compulsivamente? E uma mulher s( entendo", ele continuou, "é assim que eu sou, estou lá para fazer
teira com seus trinta anos, deveria desistir de uma relação com tu( um trabalho, não para passar o tempo". "Você não é assim", disse a
para dar certo ao perceber que seu namorado bebe demais? E Hilla namorada. "Você é bastante aberto e animado comigo e com seus
deve abandonar Bill? E o lixo — é melhor levar para fora ou deix amigos. Talvez você simplesmente não queira trabalhar lá". "Talvez
lo empestar a casa? • não", ele disse. "Acho que eu nunca gostei muito do ambiente das
268 -41- Se os Homens Falassem... ALON G RATCH "2')" 269

empresas". E naquela noite ele começou a procurar no jornal O Inferno


um emprego diferente. O psicanalista Phillip Bromberg fala de um paciente que o pro-
Um homem estava fazendo terapia de casal com sua esposa. curou contando um sonho onde a casa dele estava pegando fogo e
vogado empresarial, ele tinha finalmente encontrado o empregc ele, o paciente, estava no telhado jogando pedras nos bombeiros
seus sonhos no departamento de fusões e aquisições de u que estavam tentando apagar o incêndio. De certo modo, como a
prestigiada firma nova-iorquina. No início, ele estava animad
criança que castiga a si mesma para atingir seus pais, o objetivo
satisfeito, mas alguns meses depois ele cometeu um erro de ava
principal do homem autodestrutivo é destruir qualquer um que tente
ção na transação acionária de um cliente e acabou assinando
ajudá-lo. Portanto, a segunda tarefa ao lidar com a tendência auto-
documento juridicamente questionável. Felizmente, o docume
destrutiva do homem é ser indestrutível, o que, por incrível que
não foi despachado, nenhuma lei foi violada e o erro do paciente
pareça, tanto para o terapeuta como para a esposa, os amigos ou os
foi percebido. Não obstante, ele ficou num estado de extrema
pais, significa deixar de ser tão solícito assim.
siedade, com medo de que a Comissão de Valores Mobiliáric
Câmbio — conhecida entre os profissionais de investimento co Em seu empenho para ajudar os homens autodestrutivos, mui-
um órgão fiscalizador rigoroso e inexorável — viesse atrás d tos terapeutas, como pais e esposas bem-intencionados, aprendem
Durante várias semanas o paciente se torturou com isso, obcec, da pior maneira possível que de boas intenções o inferno está cheio.
com a idéia de que seria demitido, afastado e processado. E, dui Foi o que aconteceu comigo, recentemente, com um paciente que
te meses, sua esposa e eu tentamos compreender seu med era pesado usuário de maconha e que havia anteriormente recusado
convencê-lo de que estava fazendo tempestade num copo d'4 minha recomendação para entrar num programa de recuperação.
Mas não adiantou. Finalmente, a esposa teve a idéia salvadora. Um dia, quando senti que o paciente tinha progredido bastante em
vez a questão seja por que você cometeu aquele primeiro ert suas sessões comigo, tomei a iniciativa — contra meu melhor julga-
talvez a resposta seja que você não queira realmente fazer esse mento — de ajudá-lo ativamente a parar de fumar maconha. O pa-
de trabalho, mas não consegue admitir isso para você mesmo ciente ficou muito agradecido e comovido com a minha preocupa-
que foi uma coisa que buscou durante muito tempo." "Teoria ii o. animadamente com meu plano. Mas, na sessão se-
ressante", o marido respondeu, quase desdenhosamente. Mas guinte, contou que uma grande parte de sua motivação para largar
quela noite ele dormiu como um bebê e no dia seguinte sua ansic era ter a minha aprovação e que, pouco antes de "desmoronar",
de tinha desaparecido. Na sessão seguinte, já estava falando eni pensou consigo mesmo: "Dane-se o Dr. Gratch, se eu quiser, posso
zer mudanças em sua carreira. ft' mar."
Cometer um erro à beira do sucesso, como aconteceu com Mas deixar de oferecer ajuda a pessoas autodestrutivas não é tão
paciente, é um exemplo relativamente comum da lógica simple fácil. Mesmo com esse paciente, vez por outra, não consigo evitar
autodestruição — inconscientemente, a pessoa não quer ter lILIC minha atitude solícita ou preocupada penetre sorrateiramente

desempenho. E, para muitos homens, como no caso desse pacie na sessão. Por exemplo, quando o paciente certa vez manifestou o
há algo de fundamentalmente errado para eles em suas escolha: que parecia ser um verdadeiro sofrimento pela falta de direção em
vida — a carreira errada, o casamento errado ou a orientação se) sua vida, eu intervim — em vez de morder minha língua — dizendo
errada (falso estilo de vida hetero ou homossexual) —, que que ele não conseguiria imprimir nenhuma direção a sua vida en-
querem destruir. O problema é que, nesse processo, o hon quanto não parasse de fumar. O paciente concordou e, nem é preci-
autodestrutivo quer levar quem quer que se interponha em seu ) dizer, continuou a não fazer nada quanto ao consumo de maco-
miram com de, incluindo, especialmente, as solícitas tradutora nha. Interessante que, de vez em quando, ele vem para a sessão
270 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 43s 271

imaginando que esse vai ser o dia em que eu o "dispensarei" da tera- desconsiderado. E apesar de o paciente ter feito progresso com a
pia, uma idéia, é claro, que faz parte de seu desejo autodestrutivo. E questão profissional, à medida que ia acumulando anos de terapia,
como pode ser que ele precise chegar ao fundo do poço antes de sua completa passividade levou-me a fazer uma série de sugestões
começar a melhorar, pode ser que eu lhe satisfaça esse desejo um dia. cada vez mais avançadas — desde ligar para convidar namoradas
Outro paciente não parecia ser autodestrutivo quando comecei em potencial para sair até responder a anúncios, e de terapia de
a trabalhar com ele pouco depois de sua formatura da faculdade. grupo a tentar outro analista.
Bonito e articulado, ele não parecia ter muitos problemas. Mas che- O paciente, como vocês podem ter imaginado, recusou-se a ado-
gou à terapia por recomendação de um conselheiro da faculdade a tar qualquer uma dessas idéias, o que acabou nos forçando a ver sua
quem havia procurado para falar de escolhas profissionais e falta de autodestrutividade: ele precisava recuperar em sua vida não apenas
experiência sexual. Apesar de nenhum conselheiro poder dizer a ele uma mãe que cuidasse dele, mas também uma que ele pudesse casti-
que carreira escolher, ou mesmo como escolher, não ocorria o mes- gar — por tê-lo abandonado — rejeitando seus carinhos e torturan-
mo no caso do namoro. Conforme o paciente relatou, o conselhei- do-a com seus defeitos. Ao transformar-me nessa mãe, o "sintoma"
ro da faculdade sugeriu que da próxima vez que ele levasse uma do paciente — a espera pela mãe — tinha derrotado a terapia que
menina para o cinema, deveria pôr a mão sobre a perna dela. O deveria curá-lo. Quando me dei conta disso, falei com o paciente e
paciente achou uma boa idéia, mas não a pôs em prática. ele concordou. Mas, dessa vez, não pedi que ele fizesse nada a res-
Minha abordagem com ele foi diferente. Juntos, começamos a peito — pedi a mim mesmo. Parei de fazer sugestões de uma vez por
investigar por que ele ainda não tinha tido nenhuma experiência todas e comecei a me alienar do caso de todas as formas possíveis,
sexual e por que ele não sabia "o que fazer" com uma garota. À até reduzir-me à caricatura do analista calado e entediado. E apesar
medida que cobríamos o território de praxe, sobre o passado do de o paciente ter se queixado amargamente da minha falta de inte-
paciente, inclusive a incomum e traumática perda de sua mãe em resse — mais uma vez sua mãe o abandonava —, foi essa alienação
tenra idade, nossa suposição básica era de que o paciente evitava a que acabou permitindo que ele tomasse as rédeas de sua vida ro-
intimidade por causa de algum medo, por exemplo, o medo de ser mântica e começasse a namorar. É interessante notar que outro pa-
agressivo demais com as mulheres. Mas isso não levou a nada de ciente meu que passara por um processo terapêutico semelhante
sólido, então começamos a investigar a hipótese oposta, ou seja, tivesse concluído que ele não estava de fato querendo namorar nin-
que seu afastamento era motivado por um desejo. guém e que, em vez de ceder às pressões sociais externas para se
Aqui parecia que íamos chegar a algum lugar, pois rapidamente casar, estava perfeitamente satisfeito por estar sozinho. Então, esse
ficou claro que o paciente simplesmente não queria ter intimidades paciente parou de querer o que não queria, o que, do meu ponto de
com uma mulher. Suas fantasias sexuais eram sempre com uma vista, também foi um resultado terapêutico positivo.
mulher que o seduzia, e muitas vezes com mulheres mais velhas, Mas será que sempre temos de passar anos "alimentando" o ho-
indisponíveis. Numa palavra, ele estava esperando que sua mãe vol- mem autodestrutivo antes de abrir-lhe os olhos? Infelizmente, às ve-
tasse e, portanto, não queria mais ninguém. Porém, mesmo essa zes temos — porque as lições difíceis só podem ser plenamente apren-
hipótese, que parecia correta para o paciente, não levou a lugar didas por nossos próprios erros. Não obstante, há pelo menos duas
praticamente nenhum. O motivo: o paciente também estava espe- coisas que podemos fazer para evitar fazermo-nos de desentendidos
rando que eu, o terapeuta-transformado-em-mãe, fizesse isso por diante da autodestrutividade das pessoas importantes de nossa vida.
ele. Infelizmente, apesar de talvez inevitavelmente, de início não vi A primeria coisa é extremamente difícil porque exige que não faça-
isso. Então, com o tempo e com a minha frustração, vi-me cada vez mos nada. Isso é especialmente difícil em tempos de crise, que aco-
mais próximo do conselheiro da faculdade, que antes eu havia mete o homem autodestrutivo com grande regularidade. Foi por isso
272 -4. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH *** 273

que, ao pensar sobre meu conselho ao leitor ou leitora para ajudá-los so é perguntar a si mesma não por que você quer mudar o status
a lidar com a autodestrutividade masculina, pesei a idéia de encher quo, mas por que não quer. Em outras palavras, em que interessa a
uma página inteira com essa frase: NÃO HÁ NADA QUE VOCÊ POSSA você permitir que um homem autodestrutivo a destrua.
FAZER PARA AJUDAR UM HOMEM AUTODESTRUTIVO; NÃO HÁ NADA QUE Um casal me procurou para terapia de casais depois de uma série
VOCÊ POSSA FAZER PARA AJUDAR UM HOMEM AUTODESTRUT1VO; NÃO de crises em que o marido não conseguiu honrar obrigações finan-
HÁ NADA QUE VOCÊ POSSA FAZER PARA AJUDAR UM HOMEM AUTODES- ceiras e mentiu para a mulher a respeito. Numa sessão, a mulher —
TRUTIVO; NÃO HÁ NADA QUE VOCÊ POSSA FAZER... Pensei em fazer isso uma profissional extremamente destacada e bem-sucedida — se vi-
como um lembrete, para mim mesmo e para todo mundo. Mas, em rou para mim e disse: "Me avise se não for conveniente que eu diga
vez disso, deixe-me explicar nas palavras de um escritor um pouco isso, porque eu não sou analista profissional, mas a minha teoria é
melhor. Mais uma vez, Dostoievslci: que o David [seu marido] na verdade quer meter os pés pelas mãos".
"De onde todos os sábios tiraram a idéia de que os desejos de "Bem", respondi, "não é inconveniente que você diga isso — qual-
uma homem têm de ser normais e virtuosos? Porque eles imaginam quer um pode ser analista, e inclusive eu concordo com a sua teoria.
que ele precisa inevitavelmente querer o que é razoável e proveito- Mas o que é inconveniente é que você não tenha uma teoria sobre
so? O homem precisa simples e unicamente de vontade indepen- você mesma, uma teoria sobre por que você quer ficar com alguém
dente, custe o que custar e leve aonde levar essa independência." que quer meter os pés pelas mãos". Quando investigamos por esse
Em outras palavras, ao agir de forma autodestrutiva, os homens lado, bastante rapidamente desenvolvemos uma teoria, e muito boa,
tentam preservar sua independência intelectual ou, pelo menos, sua sobre ela. Seu pai era bastante tirânico em seu perfeccionismo, e
capacidade de decisão. Portanto, quanto mais você acredita que a durante toda a vida da paciente sempre a menosprezou. Portanto,
vida é a única escolha, mais eles precisam escolher a morte. E na ao estar com alguém que faz tudo errado, ela poderia fazer com ele
medida em que sua ajuda procura influenciar suas escolhas — coisa o que seu pai tinha feito com ela, evitando, dessa forma, seu pró-
que ela faz —, eles precisam rejeitá-la. Mas se você retirar sua ajuda prio sentimento de inferioridade, bem como a dolorosa mágoa em
— acreditando, por assim dizer, na realidade tanto da vida como da relação a seu pai. É como se ela estivesse dizendo: "Meu pai estava
morte irá deixá-los com a opção de ajudar a si mesmos ou não, certo quando dizia que o sucesso é muito importante — olha só
que é o que eles realmente precisam. com que idiota eu me casei!"
A segunda medida que podemos tomar para suprimir nossa ten- Para essa mulher, o desenvolvimento dessa teoria foi auspicioso,
dência natural para ajudar o homem (ou mulher) que recusa ajuda fosse em termos de prognóstico para seu atual relacionamento, ou,
é, felizmente, um pouco mais ativa. Em vez de tentar ajudar a ele, caso ele terminasse, para um futuro. Em muitos casos de separação
devemos tentar ajudar a nós mesmos. Para o terapeuta eu digo, cura- ou divórcio, a esposa se afasta compreensivelmente farta da seqüên-
te a ti mesmo. E para todas as demais pessoas cujo projeto de vida cia de atitudes autodestrutivas do marido. Mas na medida em que ela
seja cuidar de um homem autodestrutivo eu digo, cuide da sua vida. se considera uma vítima passiva do comportamento abusivo dele, é
Isso não significa necessariamente separação ou divórcio. Tampouco provável que, no futuro, ela acabe se envolvendo novamente na mes-
uma egoística falta de interesse pelos outros. Significa apenas en- ma situação, ou não se envolvendo mais em relacionamento nenhum.
contrar um propósito emocional, espiritual, intelectual, ou seja de
que tipo for, para viver, que não seja esse projeto. Trata-se de um O Cacto
objetivo difícil para muitas pessoas e sobretudo para as mulheres, a
maioria das quais ainda é criada para cuidar dos outros e não de si Depois de ser demitido de um- cargo executivo — do qual de
mesmas. Mas se você quiser fazer essa experiência, o primeiro pas- não. gostava de fato e, portanto, sabotara inconscientemente —, um
274 Se os Homens Falassem...

paciente meu teve um sonho com um cacto no deserto. "O cacto


sou eu", o paciente analisou seu sonho, "transplantado de um solo
fértil para um ambiente desértico, onde agora tenho de sobreviver
com tão pouco alimento". Concordei plenamente com sua inter-
pretação, mas, diferente do próprio paciente, não lamentava por
ele. Apesar de ter motivos para estar preocupado — tinha família Atuação Sexual
para sustentar e não era provável que encontrasse um cargo de tão
alto nível em outra empresa —, eu via o cacto como um símbolo um
pouco mais complexo. A autocomiseração do paciente também pu- ...eu quero sexo agora
nia os outros — "Você, um carvalho, sequer seria capaz de compre-
ender como é ser um cacto", é o que parecia estar dizendo. A verda-
de é que o cacto é um sobrevivente bastante incômodo.
Caso estejam se perguntando, eu disse isso ao paciente, embora
sua depressão e ansiedade após perder o emprego fosse autênticas.
Minha experiência é que a melhor hora de desferir o golpe sobre os
Concluindo com Sexo
homens autodestrutivos é quando eles já estão caídos — caso con-
trário, eles simplesmente não nos ouvem. Também, dizer isso a eles "Meu chefe abriu a porta de sua sala, me indicou uma cadeira,
com todas as letras toca direto em sua idéia de heroísmo masculino. olhou com firmeza dentro dos meus olhos e perguntou quantas ve-
Por estranho que pareça, criticá-los em seu momento de maior fra- zes eu tinha feito sexo na semana passada..." O paciente, um vende-
queza é uma forma de apoio — "Eu sei que você é forte o suficiente dor que, normalmente, teria de prestar conta do número de clientes
para agüentar", é o recado que fica implícito. E quando eles estão visitados numa semana, estava relatando um sonho. Pode-se
sem nada e já não restam mais ilusões, isso paradoxalmente os forta- depreender daí que o paciente tinha mais sexo do que trabalho na
lece para ouvir que eles não são vítimas mas, isso sim, irresponsáveis: cabeça? Acho que não precisamos de sonhos para confirmar que os
se sua destruição foi obra sua, sua ressurreição também poderá ser. homens pensam em sexo durante o trabalho. E, é claro, eles pensam
Quando o homem autodestrutivo atinge o fundo do poço, esse é sobre sexo durante o sexo. Referindo-se ao livro de Eric Fromm, A
o melhor momento para finalmente exercer seu irresistível desejo Arte de Amar, que eu havia recomendado, outro paciente me infor-
de ajudar os outros. Mas não vá além de um nível básico de inter- mou orgulhosamente: "Finalmente li A Arte de Fazer Amor!"
venção. Oferecer a alguém o nome de um terapeuta pode ser útil, Então, antes de fechar minha argumentação — que consiste em
ligar para o terapeuta no lugar dele não. Dar a ele um lugar para Afirmar que os homens, no final das contas, não são outra coisa
ficar pode ser bom, dar a ele dinheiro não. Dizer que dali a pouco senão homens —, permitam-me trocar tudo em miúdos com sexo.
ele vai perder a saída da auto-estrada é útil, mas apenas na primeira Deixar o sexo para o final, devo dizer, não foi um ato acidental de
ou, talvez, na segunda vez. E lembrá-lo de trocar uma lâmpada de omissão. Tampouco foi uma tentativa de adiar a necessidade de li-
vez em quando pode ser bom, mas fazer isso por ele e depois recla- dar com o inevitável clichê segundo o qual os homens têm sexo na
mar não. is cabeça o tempo todo. Na verdade, fiz isso porque, por sua própria
natureza, a atuação sexual masculina resume e condensa os seis atri-
butos masculinos que analisei até agora. O mesmo se aplica também
às mulheres, uma vez que a sexualidade é o terreno onde as diferen-
276 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 'Ib.' 277

ças de gênero são mais evidentes, o lugar onde biologia e psicologia, Temos um exemplo simples com um paciente que cresceu numa
realidade e fantasia, se encontram. Porém, devido a uma combina- casa com pais fisicamente agressivos, emocionalmente instáveis e,
ção de fatores biológicos, culturais e psicológicos que os deixa emo- periodicamente, inteiramente ausentes. Esse paciente se lembra de
cionalmente mudos, os homens tendem a sexualizar sua psicologia ter tido "constantes ereções com a típica solitária sensação de ex-
num grau muito maior. pectativa" desde os seis anos de idade. E ele se lembra de seus tem-
Portanto, ao trocar tudo em miúdos, transitarei por algumas das pos de adolescência como uma época "em que estava sempre nu,
disfunções (ou funções) sexuais de meus pacientes, bem como pelos tendo uma ereção, em casa ou na piscina, querendo desesperada-
velhos pensamentos, sonhos e fantasias de sempre, e procurarei analisá- mente que alguém o tocasse e, certa vez, até tendo permitido que
los ou dessexualizá-los de forma a fazê-los retornar a sua origem um homem mais velho, gay, o masturbasse no vestiário". Essa
emocional. A esse respeito, se você pulou todos os capítulos anterio- sexualização de sua ânsia de amor tinha levado o paciente a trilhar
res para ler sobre sexo, pode ficar desapontado — tudo tem a ver um caminho percorrido por muitos homens com tendências
com sexo, a não ser o próprio sexo, que tem a ver com... Vejamos. depressivas. Confundindo sexo com Prozac, depois de adulto ele
Antes de prosseguir, pode ser útil refletirmos sobre alguns dos passou a se entregar aos corpos sensuais de mulheres bonitas, fazen-
possíveis motivos pelos quais os homens vivenciam a sexualidade
do uso delas da mesma forma que se toma um antidepressivo.
de forma diferente daquela vivenciada pelas mulheres. Sem a pre-
tensão de fazermos uma discussão científica — e eu acredito que a
ciência pode nos ajudar enormemente aqui —, permitam-me ape- Vergonha: Times Sguare Revisitada
nas mencionar algumas variáveis. De um ponto de vista evolutivo, é
fato que os machos, muito mais do que as fêmeas, podem satisfazer "Quando minha firma decidiu avaliar a mudança para a região
seus interesses reprodutivos simplesmente praticando mais sexo. Não da Times Square, alguns meses atrás, eu me ofereci como voluntário
importa o que elas façam, as fêmeas não podem ter mais de uma para fazer parte da comissão de avaliação — achei que seria bom
gravidez de cada vez. De uma perspectiva cultural, conforme discu- para mim trabalhar mais próximo de nossos sócios. E, há duas se-
tido pelo psiquiatra Robert Stoller, já se espera dos meninos na nos- manas, quando decidimos a favor da mudança, ofereci-me como
sa sociedade um comportamento sexual malicioso. Isso é evidente, voluntário para redigir o relatório. Estou falando disso porque de-
por exemplo, pelo fato de se ensinar as meninas a se proteger dos veria ter escrito o relatório este final de semana, mas fiquei comple-
meninos desde muito cedo. Biologicamente, há de modo geral dife- tamente bloqueado — o que nunca havia acontecido comigo. Sim-
renças hormonais bem conhecidas, assim como importantes dife- plesmente não consegui fazer aquela desgraça, e passei um fim de
renças genitais. Por exemplo, os homens normalmente precisam de semana angustiante por causa disso".
menos tempo e menos estímulos diretos para ficar sexualmente ex- George era um profissional jovem, determinado e dedicado numa
citados. Isso, aliás, é especialmente válido durante a juventude, quan- grande empresa de Nova York. Esperto e perspicaz, agia sempre
do a experiência é menor, que é quando e como os homens, ou, como o co-terapeuta, especulando comigo sobre suas motivações
melhor dizendo, os rapazes desenvolvem a "capacidade" de inconscientes e analisando-as. Mas, nesse assunto em especial, fora
sexualizar conteúdos mentais. Em outras palavras, a simplicidade vago e reticente. Não tinha idéia de por que não conseguia escrever
das reações sexuais dos rapazes — além das pressões evolutivas, o relatório e, de fato, não demonstrou interesse em descobrir por
culturais e hormonais — torna mais provável que eles anseiem pela quê. Ele mudou de assunto e minha suposição naquele momento foi
poderosa recompensa da excitação e do orgasmo para fugir dos que, por não ser uma questão de negócio, mas "extracurricular",
conflitos emocionais ou para lidar com eles. não a considerara tão importante assim.
278 4- Se os Homens Falassem... ALON G RATCH 279

Duas sessões depois, George contou um sonho. Ele estava assis- cobri-lo. Sim, os homens sentem vergonha de sua vergonha do sexo.
tindo ao Canal J — o canal pornô local —, quando sua namorada Finalmente, havia também a projeção de seu sentimento de vergo-
entrou no quarto. Tentou mudar correndo de canal, mas o controle nha em outra pessoa — ao negar que se sentia desconfortável com
remoto não estava funcionando. Acordou apertando desesperada- suas "visitas", mas, ao mesmo tempo, temendo que eu o julgasse
mente o colchão com o dedo. O sonho levou a duas lembranças por causa delas.
relativamente triviais, uma de uma escola católica e outra de ter A essa altura deve ser fácil perceber por que George não foi
assistido a um filme com uma cena de sexo vários anos antes com capaz de escrever um relatório concluindo que a Times Square era
seus pais. Então, quando a sessão começou a esfriar, aparentemente um bom lugar para sua firma — ele não achava que era um bom
buscando mais associações, e mais mirabolantes, George assumiu lugar para si mesmo. E foi a vergonha sobre todo o assunto que o
um tom distante, especulativo: "Não acho que isso tenha alguma impediu de discuti-lo comigo antes de sua repentina confissão. Como
coisa a ver com o sonho, mas quem sabe? Anteontem, depois do "confessar" seus assuntos sexuais sem sentir vergonha é uma das
trabalho, fui para uma casa comercial da Times Square — sabe, um maiores preocupações dos homens dentro e fora da terapia. De fato,
show de dançarinas." Fez uma pausa e, como não viu nenhuma George não era o primeiro nem seria o último dos pacientes a re-
reação de minha parte, acrescentou: "Mas não acho que isso seja correr a uma linguagem indireta ou codificada numa fracassada ten-
grande coisa." tativa de contornar a vergonha do sexo. Eis alguns exemplos.
"Como se sentiu a respeito?" perguntei. "Senti-me bem", ele
disse. "Como se sente falando disso comigo?" perguntei. "Sinto-me • Eu tenho alguns problemas sexuais.
ótimo", ele respondeu. Após um breve silêncio, eu disse: "O que Tradução: Ele não levanta.
está havendo? Essa nossa conversa cheia de pausas e silêncios não é • Eu tenho alguns problemas sexuais.
muito do seu estilo". "Bem", ele disse, "acho que estou um pouco Tradução: Tenho ejaculação precoce.
sem jeito, acho que porque talvez você possa me julgar — talvez • Estou começando a achar que bebo demais.
você pense que foi errado moralmente". E contou que, naquela noite, Tradução: Ele não levanta.
ele terminou numa cabine privada com uma moça do show, "pe- • Tive um sonho horrível, nem consigo falar dele.
gando seus seios, abraçando-a e gozando nas calças". Constrange- Tradução: Tenho fantasias sexuais com homens.
doramente, com essas palavras a sessão também terminou. "Detesto • Adoro mulher. Ti-adução: Sou viciado em sexo.
fazer isso num momento tão importante", eu disse, rindo, "mas • Posso estar tendo um problema com a minha idade.
temos de parar agora". "Tudo bem". O paciente riu também e se Tradução: Só me sinto atraído por meninas de dezesseis anos.
levantou para sair. • Não sei como unir sexo e amor.
Na sessão seguinte, George revelou que, na verdade, já havia ido Ti-adução: Adoro sexo selvagem.
a esse e a "outros estabelecimentos do mesmo tipo" algumas vezes. • Minha mulher não gosta de fazer experiências.
O fato de ele sentir vergonha disso ficava evidente em seu relato, li-adução: Só consigo gozar se ela estiver amarrada.
que não destoava da forma como muitos homens falam de sexo:
reticências, súbita falta de clareza, discurso engasgado, alusões indi- Conforme fica evidente nesses exemplos e conforme vimos no
retas, negação de sentimentos e confusão verbal. Um indicador mais segundo capítulo, os homens geralmente sentem vergonha de se
sutil da vergonha de George foi a natureza indireta, quase acidental sentir vulneráveis, mostrando fraco desempenho e desviando-se do
da "confissão" a respeito da Times Square — que tinha o propósito que consideram normal. No quarto de dormir, isso se traduz em
de não apenas aliviar seu séntimento de culpa, mas também de en- vergonha por não ter controle sobre seu corpo, por não se sair muito
280 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 4" 281

bem corno amante, e em fantasias com qualquer coisa que não seja cada um de seus caprichos sem ligar para o que ela gosta e criticá-la
a posição papai e mamãe. Meu paciente George, fiquei sabendo por qualquer relutância, esses homens projetam sua vergonha na
após algumas conversas, se envergonhava do fato de ter de pagar parceira, fazendo com que ela se sinta sexualmente reprimida ou
para fazer suas experiências sexuais — na sua cabeça, mais do que desviada por não querer fazer nada daquilo. Esses homens deviam
qualquer coisa, isso era prova de sua falta de controle sobre a própria sentir alguma vergonha, o que é uma outra forma de dizer que a
sexualidade. Ele também se envergonhava do aspecto ridículo da ex- vergonha sexual não é de todo má. Na verdade, ela é parte do que
periência — sua vulnerabilidade — e do aspecto pornográfico — o nos faz seres civilizados.
suposto desvio do que seria uma sexualidade madura e saudável.
Mas, é claro, pode-se argumentar que todos os homens pagam
alguma coisa por sua satisfação sexual, que sua inquietude sexual é Distância Emocional: 2001, Uma Odisséia no Espaço
ridícula por natureza e que seu interesse sexual é fundamentalmen- Se a vergonha nos faz esconder algo de outra pessoa, a distância
te pornográfico. Com efeito, a maioria dos homens dá alguma mos- emocional nos faz esconder algo de nós mesmos. Sexualmente fa-
tra de vergonha sexual na maioria do contatos sexuais. Usando as lando, essa última forma é muitas vezes evidente na infame busca
mãos em vez de palavras; dizendo "nada" quando você pergunta masculina do objetivo e em sua relação mecânica com o ato sexual.
qual é o problema; desesperadamente tentando gostar de alguma Como muitas mulheres na terapia de casais diz a seus maridos ou
coisa; soltando piadas nervosas ou autodepreciativas; e criticando o namorados: "Quando fazemos amor, você parece distante." No ter-
corpo ou a técnica sexual da outra pessoa, todos são exemplos co- ceiro capítulo, vimos que a relutância dos homens em sentir — seu
muns de manobras evasivas destinadas a contornar a vergonha. distanciamento emocional — baseia-se, precipuamente, em seu medo
No segundo capítulo, analisei diversas "técnicas" terapêuticas de se perderem numa mulher. Também vimos que esse medo é tam-
que poderiam ser usadas para romper a muralha da vergonha mas- bém um desejo, e que essa dualidade está no cerne do que chamo de
culina. Todas se aplicam muito bem à vergonha sexual. A única coi- conflito da insegurança masculina. Sexualmente, o desejo de se per-
sa mais importante que você pode fazer se quiser que seu parceiro der numa mulher é bastante evidente no ímpeto com que os ho-
converse com você abertamente sobre sexo é estar à vontade com sua mens penetram numa mulher. O outro lado do conflito, o medo, é
própria sexualidade, ou, pelo menos, à vontade o suficiente para con- menos evidente porque é muitas vezes mais inconsciente.
versar sobre ela. Um dos meus pacientes certa vez contou que eu Não obstante, desde a "rapidinha" até a situação mais rara da
parecia bastante à vontade ao falar de sexo. É claro que eu estava à "vagina dentada" — a crença de que dentes no interior da vagina
vontade para falar sobre isso com ele — não estávamos falando da irão fechar-se sobre o pênis durante a relação —, há uma enorme
minha vida sexual! Na verdade, essas próprias fronteiras da terapia, variedade de comportamentos e atitudes mais ou menos socialmen-
ao mesmo tempo que protegem o terapeuta da exposição de seus te sancionados que refletem esse medo. Um paciente sentiu-se ex-
próprios constrangimentos sexuais, muitas vezes o põem em desvan- tremamente excitado por sua namorada nos primeiros dois meses
tagem ao ajudar os pacientes a se abrir. É muito bom conversar sobre de relacionamento. Mas então, quando a namorada começou a fa-
nossa própria sexualidade para ajudar outra pessoa a falar sobre isso. lar que gostaria de vê-lo mais vezes, sua atração começou a enfra-
Ter a mente aberta diante de estilos de vida alternativos, fazer per- quecer. E não ajudou em nada quando ela logo em seguida come-
guntas detalhadas, escutar sem julgar e usar de humor para desfazer o çou a dar a entender que queria ficar noiva. Mas o destino desse
silêncio também são técnicas naturais que todo mundo pode usar. casal foi selado quando — numa tentativa de ressuscitar sua vaci-
Alguns homens não têm vergonha. Ao esperar satisfação como lante vida sexual — eles fizeram sexo sem camisinha. A idéia de que
se fosse seu direito constitucional, exigir que sua parceira aceite ela poderia estar grávida — simplesmente, uma mãe — foi bastante
ALON GRATCH 4),' 283
282 - * Se os Homens Falassem—

para desinteressar inteiramente o paciente. Infelizmente, esse tipo paciente não teve oportunidade de perceber que seu pai não iria
de perda do desejo — por uma mulher atraente, inclusive amada — puni-lo, mas era, na verdade, seu amigo. E sua mãe — para início de
é um problema comum dos homens que procuram a psicoterapia. conversa, superprotetora — reagiu à morte do marido agarrando-
Outras formas de distanciamento sexual podem ser vistas na for- se a seu único filho como a uma tábua de salvação — deixando o
ma como os homens limitam — quando não perdem — seu desejo. paciente numa permanente luta para conseguir distanciar-se dela e
Alguns homens se sentem atraídos apenas por mulheres pequenas de todas as mulheres que vieram depois.
ou jovens — inconscientemente procurando evitar sentir-se oprimi- Uma das técnicas prediletas de que os homens se valem para se
dos fisicamente. Outros só se sentem atraídos por "louras burras", libertar ou se distanciar da sensação de intimidade é reificar as mu-
ou mulheres intelectualmente inferiores, que permitem que eles usem lheres. Por exemplo, os homens muitas vezes tratam as mulheres de
seu intelecto como um escudo ou biombo atrás do qual podem pre- carne e osso como objetos de pornografia, pedindo que elas usem
servar suficiente espaço emocional. E ainda outros se sentem atraí- esse ou aquele acessório para que eles se excitem mais. Talvez isso
dos por apenas uma parte do corpo feminino, também protegendo- seja apenas mais uma forma de desejar que alguém fique sexy, mas,
se do excesso de intimidade. Finalmente, há aqueles que se sentem para mim, tem a ver também com a tendência que os homens têm
excitados apenas pelas atividades sexuais que limitam o potencial de se protegerem da realidade da sexualidade feminina valendo-se
para que um se perca no outro. No sexo oral, por exemplo, só há de imagens mentais que possam controlar. Esse é um dos motivos
envolvimento com uma pequena parte do corpo da parceira. Do por que os reforços visuais da vida sexual concreta de uma pessoa
mesmo modo, na posição de quatro não se pode abraçar a parceira. muitas vezes só funcionam temporariamente — quando a realidade
Há também outras variações singularmente pessoais sobre esse se aproxima da imagem mental, o homem muitas vezes sente que
tema. Por exemplo, um paciente, estudante universitário, teve algu- precisa de uma outra imagem ainda melhor.
mas experiências sexuais, mas decidiu, por motivos religiosos, não Infelizmente, para alguns homens, mesmo a imagem mental não
ter mais relações antes do casamento. Porém, mesmo em seus so- é suficiente. Um paciente perdera os pais tragicamente em tenra
nhos — e ele tinha muitos sonhos eróticos —, ele não conseguia idade num acidente. Ele ficou tão arrasado com isso que mesmo na
completar o ato porque sempre havia alguma interferência ou dis- fase adulta teve dificuldade para sentir o que quer que fosse. Sexu-
tração antes da penetração. A certa altura, surgiu até a imagem in- almente, apesar de evitar envolver-se com uma mulher, procurava
vasora, e certamente nada excitante, de seu analista — eu — senta- saborear a oportunidade de ver uma mulher atraente na rua para
do numa poltrona. Acabou se revelando que isso era não só uma que pudesse gravar uma imagem mental dela, para usar mais tarde,
questão religiosa, mas também de temor da intimidade. Uma boa em casa, durante a masturbação. Esse homem sinceramente não
interpretação freudiana desses sonhos — apoiada pela intromissão parecia precisar de nada mais a título de vida sexual, a não ser pelo
de um sujeito mais velho representando a figura paterna — seria fato de que, às vezes, a imagem que ele trazia para casa "sumia" e
que o medo sexual do paciente era edipiano: o desejo inconsciente ele não conseguia se excitar. Isso o incomodava enormemente por-
de dormir com a mãe leva ao medo do castigo, pela castração, apli- que ele sabia que significava que não estava sequer se relacionando
cado pelo pai. Segundo esse tipo de interpretação, o paciente evita- com uma pessoa ao viver sua fantasia. Esse, aliás, é um exemplo de
va a relação porque estava com medo de perder seu pênis. Uma distância emocional que nasce precipuamente não de uma defesa
interpretação mais profunda, porém, diria que ele a evitava porque contra perder-se a si mesmo numa mulher, mas de uma paralisação
estava com medo de se perder. É interessante notar que o passado emocional geral que se segue a uma perda catastrófica.
do paciente adequava-se às duas interpretações. Seu pai morrera no É interessante saber que alguns homens fazem- o oposto da
auge do período edipiano, o que significa que, quando criança, o reificação das mulheres. Ao tratar objetos de pornografia como se
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fossem pessoas de verdade, esses homens subjetivam ou personali- bém uma estrela em ascensão em sua área de pesquisa acadêmica.
zam a pornografia. Um exemplo comum é quando se tem fantasias Porém, quando fazia amor com ela, ele precisava do estímulo extra
sexuais pormenorizadas, ou quando se deixa estimular por um ma- de fantasiar com outras mulheres. Não é de surpreender que essas
terial pornográfico no qual os elementos excitantes ou até mesmo o outras mulheres fossem normalmente "menos difíceis", variando
fator desencadeador do orgasmo é não o sexo barra-pesada, mas desde suas alunas de música até as moças que faziam a limpeza da
um valor emocional. Esses valores emocionais, ou símbolos, podem casa de seus pais. Parecia, portanto, que o objetivo dessas fantasias
envolver cenários repletos de desejo com mulheres inatingíveis ou era equilibrar um pouco mais o relacionamento: sentindo-se incons-
que resistem, com imagens de partes do corpo acompanhadas por cientemente ofuscado pela namorada, o paciente procurava inver-
incômodos anseios e frases do tipo: "Deixa eu mostrar meu pau", ter o equilíbrio do poder. Claro, sexualizar esse sentimento signifi-
ou "Diz que você me quer, neném". Muitas vezes, a mulher na fan- cava mantê-lo inconsciente, de tal forma que ele não sentiria nada
tasia fala expressando entrega sexual e submissão. disso. De fato, num nível consciente, ele usava suas fantasias mera-
E, é claro, quando os homens procuram prostitutas, eles às vezes mente como afrodisíacos sexuais que melhoravam seu desempenho
procuram se valer do poder do dinheiro para transformar essa tro- com a namorada.
ca sexual num relacionamento não-pornográfico. Um paciente des- Mas se pensarmos na relação desse paciente com as mulheres
se tipo falou que tentou argumentar para a prostituta que ele tinha imaginárias, pornográficas, veremos que ao utilizá-las durante o ato
acabado de praticar sexo com "a política do sexo, incluindo a natu- sexual com sua namorada ele estava tentando torná-las reais. E se
reza da transação financeira entre nós". Quando eu sorri, o pacien- pensarmos em sua relação com a namorada, veremos que ao fanta-
te disse: "Está sorrindo por que, doutor? A moça achou que foi siar com mulheres imaginárias estando com ela, ele estava tentando
muito gentil da minha parte!" Outro paciente manteve um relacio- torná-la pornográfica. Então, nas duas "relações" ele mantinha um
namento prolongado com uma prostituta. Apesar de sujeito às limi- grau defensivo de distância emocional da experiência sexual: as
tações de sua condição financeira e aos outros compromissos pro- mulheres pornográficas jamais seriam reais e a mulher real jamais
fissionais dela, o apego desse paciente a essa mulher foi tão român- seria pornográfica.
tico quanto qualquer outro, com presentes como flores e jóias. Che- Como vimos no terceiro capítulo, a distância emocional dos
gou inclusive a lhe escrever um poema. E um terceiro paciente usou homens origina-se de seu oposto, a vulnerabilidade emocional dos
prostitutas para "se sentir sensual e vivo", valorizando mais as carí- rapazes em tenra idade e seu conflituoso desejo de se separar da
cias e os abraços do que a satisfação sexual. primeira mulher de suas vidas. Um paciente, um homem com ten-
Na verdade, personalizar objetos pornográficos e reificar mu- dências obsessivo-compulsivas, descreveu sua vida sexual com a es-
lheres reais não são opostos, mas uma única e mesma coisa. Psicolo- posa como sendo especialmente intensa. Ele falava que o sexo com
gicamente falando, as duas coisas são formas pelas quais os homens ela era uma experiência de completa fusão, com fantasias em que
compram a importantíssima mercadoria da distância — das mulhe- mergulhava dentro dela e se esvaziava completamente de seu sê-
res — sem ter de abrir mão delas por completo. Em nenhuma outra men. E tudo isso durante horas de infatigável, invejável êxtase. Mas
circunstância isso é mais evidente do que na tendência demonstrada ele sempre acrescentava algum pormenor que lançava uma sombra
por muitos homens de reforçar sua excitação sexual, fantasiando sobre a história toda. Por exemplo, certa vez, depois de falar que
sobre mulheres imaginárias enquanto fazem sexo com sua parceira tinha praticado sexo oral com sua esposa durante "pelo menos"
de carne e osso. Um paciente, um músico por volta dos trinta anos, duas a três horas, ele disse: "Você quer saber no que é que eu pensei
estava bastante apaixonado por sua namorada, que era não apenas esse tempo todo? — isso com certeza irá lhe dizer alguma coisa
extremamente bonita — ele Me mostrou fotografias — como mi- sobre como a minha cabeça funciona. O que eu pensei enquanto a
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chupava toda era contar!" Em seguida, como se ele próprio não na reitoria. Apesar de não ter sido tomada nenhuma providência
acreditasse, explicou: "Eu fiquei contando quantas lambidas dava judicial, o rapaz foi "condenado" pelas autoridades acadêmicas e
nela — e foram na verdade duas mil e uma. Eu juro, duas mil e sofreu determinadas sanções disciplinares. (Mais tarde, na apela-
uma!" Bem, nada como um pouco de aritmética para manter a mente ção, ele foi absolvido e as medidas foram retiradas.)
ocupada, e nada como uma mente ocupada para demarcar uma fron- Esse rapaz — que crescera numa tolerante família judia em Nova
teira em torno de seu próprio território psíquico. Jersey, que tinha uma índole suave e gentil e muitas amigas — ficou
Há outro aspecto sexual relacionado à defesa do distanciamento tão abalado com toda essa história que decidiu procurar ajuda. De-
emocional, um que pode muito bem estar baseado no ascendente pois de vários meses de terapia comigo, ele e eu descobrimos que,
evolutivo. Ao não sentir muita coisa, os homens conseguem evitar o por trás de seu exterior de fala macia e sua amizade com as mulhe-
estabelecimento de laços de empatia com sua parceira, o que é uma res havia na verdade, uma boa dose de agressividade inconsciente
vantagem, se a imposição unilateral dos seus interesses sobre ela lhe em relação a elas. Então percebemos o que aconteceu com ele na-
garantir o que você deseja. Se você perguntar a sua parceira se ela quela fatídica noite no alojamento feminino: sua distância emocio-
está a fim, a resposta pode ser não. Mas se se deitar na cama partin- nal na cama com sua amiga permitiu que ele manifestasse essa
do do pressuposto de que vai fazer sexo — é assim que a mente agressividade sem perceber. Claro, se isso foi ou não uma violência
masculina pensa —, vencerá as objeções dela e conseguirá o que sexual é outra questão — o fato é que ele não tinha se mantido
deseja. Na realidade, como somos mais do que meros chimpanzés, sintonizado no estado de sua amiga — que tinha dormido. A mu-
esse tipo de tiro muitas vezes sai pela culatra. Mas a esperança é a lher, por outro lado, foi talvez demasiadamente sutil na comunica-
última que morre. Para as mulheres, as conseqüências desse aspecto ção de sua objeção, embora cair no sono no meio das preliminares
da distância emocional é que elas precisam ser perfeitamente claras seja um recado bastante considerável. Mas, pensando bem, do pon-
e inequívocas a respeito de seu desejo ou ausência de desejo. Por- to de vista dele, ela em nenhum momento deu a entender que não
que, em se tratando de suas necessidades sexuais, os homens são queria ser tocada, e em nenhum momento disse que iria dormir. E,
tudo, menos sutis. quando dormiu, seu corpo continuou a reagir de modo receptivo. 19
Isso me lembra o caso de um estudante universitário que foi Portanto, uma conseqüência da distância emocional sexual para
acusado de violência sexual depois de passar a noite com uma ami- as mulheres é que elas precisam deixar claro seus próprios interes-
ga no alojamento feminino. Tudo começou inocentemente quando, ses sexuais em alto e bom som. Conforme vimos no terceiro capítu-
depois de ficar a noite inteira conversando, os dois foram para a lo, a distância emocional é uma defesa mais poderosa do que a ver-
cama vestidos apenas com a roupa de baixo, com o pretexto de gonha, pois opera instantânea e inconscientemente, o que significa
dormir. Porém, uma vez deitados, começaram a brincar. Em deter- que é muito mais resistente à intervenção externa. Então, a primei-
minado momento, o rapaz pôs a mão dentro da calcinha e começou ra coisa que você tem de fazer é desferir o golpe quando o ferro está
a acariciá-la, enquanto ela reagia com a respiração ofegante e com quente, o que significa que se o seu parceiro está disposto a falar
crescente excitação. Ele continuou até que, de repente, a moça deu sobre sexo — faça isso. Faça isso mesmo que ele queira manifestar
um pulo, sentou na cama e começou a gritar. Aconteceu que, sem raiva ou frustração sobre sua vida sexual — desde que ele não culpe
que ele percebesse, ela tinha adormecido quando eles começaram a (apenas) você. Faça isso e escute, e, depois, aproveite o momento
brincar! Portanto, quando acordou e sentiu a mão dele dentro de para discutir o assunto na língua dele e não na sua. Lembre-se, ele
sua calcinha, sentiu-se agredida. A essa altura, o rapaz não sabia o precisa de espaço emocional. Então, em vez de falar sobre o que
que pensar. Ele tentou se explicar, mas ela exigiu que ele saísse ime- você sente a respeito — poderá fazer isso mais tarde —, fale sobre o
diatamente, o que ele fez. No dia seguinte ela registrou urna queixa que você e ele podem fazer para minorar o problema. Mais tempo
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sozinhos, mais preliminares, comprar um livro, procurar acon- direção dessa transição. Isso não é tão difícil quanto parece. Você só
selhamento profissional — seja o que for, use a lógica da situação precisa — partindo do pressuposto de que não é um problema mais
para atacar o problema. E seja objetiva, senão imparcial: "Eu sim- profundo — escutá-lo quando ele fala a respeito do trabalho. Em
plesmente não funciono dessa maneira; talvez, se passássemos mais algum momento, ele vai expressar em palavras e, portanto, não mais
tempo juntos na intimidade, eu aceitasse melhor isso." em inação sexual, a decepção com ele mesmo. Claro, se você conse-
Essa técnica, desde que você a interiorize, falará à filosofia prag- guir realmente dar seu apoio e até admirar o esforço que ele está
mática e determinada de seu parceiro. Ela será mais eficiente para fazendo, é provável que ele se abra ainda mais, seguindo-se atitudes
relaxar suas defesas racionais do que perguntar a ele o que ele sente sexuais às palavras não-sexuais.
quando vocês estão juntos na cama. Se você lhe perguntar como ele Essa idéia, segundo a qual a solução para os problemas sexuais
se sente quando vocês fazem amor, ele pensará que você quer devorá- está fora do leito e exige uma intervenção de natureza não-sexual
lo — e começará a contar! Portanto, paradoxalmente, ser menos ficará ainda mais evidente à medida que formos avançando em nos-
emotiva é uma forma de permitir que ele seja mais emotivo. sa análise sexual, afastando-nos das defesas da vergonha e da dis-
Finalmente, e talvez o mais importante de tudo, apesar de um tância emocional e aproximando-nos de seus conflitos subjacentes.
terapeuta sexual ou um livro poder ajudá-la com algumas técnicas Quando fizermos isso, lembre-se de que a atuação sexual, apesar de
sexuais, para lidar com qualquer tipo de flagelo ocasionado pelo baseada num impulso biológico, é também uma quase-defesa. Defe-
distanciamento emocional na intimidade você precisa pensar em sa porque ela evita que os homens sintam determinados conflitos. E
equivalências não sexuais. Um dos problemas do sexo é que ele é quase porque ela não funciona muito bem nesse papel — eles aca-
extremamente suscetível à pressão psicológica: estresse generaliza- bam manifestando esses conflitos de uma forma ou de outra. Outra
do, conflitos emocionais específicos e falta de comunicação, tudo forma de dizer isso é que o sexo tem significado — significado
isso exerce um papel fundamental na intimidade. A boa notícia, interpessoal. Portanto, à medida que eu for analisando e decodi-
porém, é que, se você cuidar dessas coisas, o sexo irá melhorar por ficando as mensagens implícitas nas diversas atividades e fantasias
si mesmo. Além de procurar terapia por causa desses problemas, sexuais — desde o sexo oral até o anal, desde "pintar com o pênis"
isso tem uma conseqüência prática, melhor descrita como pôr as (uma técnica de enriquecimento recomendada por alguns livros de
atitudes sexuais em palavras. Em termos de distância emocional, consciência sexual) até a dominação sexual do parceiro —, é impor-
suponhamos que seu parceiro comece a demonstrar falta de interes- tante lembrar que essa análise do significado, mesmo quando revela
se sexual por você. Antes que você comece a pensar que há algo de elementos agressivos ou egoísticos, não torna essas manifestações
errado com você, considere que pode haver algo de errado com ele. sexuais ilegítimas ou patológicas. Claro, você pode argumentar que
Por exemplo, um homem pode perder o interesse sexual por sua quando a vida sexual de alguém consiste inteiramente em, digamos,
parceira quando sofre algum revés em sua carreira ou quando, seja sexo oral, ou até mesmo da posição chamada papai-e-mamãe, essa
pelo motivo que for, ele estiver lutando com a sensação de fracasso pessoa estará limitando a si mesma e poderá também deixar sua
no trabalho. Em vez de achar que ele não serve para nada, ele "opta" parceira infeliz. Mas isso não é propriamente urna patologia. 20
— não muito conscientemente — por achar que você não serve
para nada. A transição do "eu não sou um arrimo de família muito
bom" para "minha esposa não é atraente" é narcisisticamente natu- Insegurança Masculina: O Homem Lésbico
ral para muitos homens. Um de meus pacientes contou um sonho no qual ele fazia sexo
Então, nesse caso, ao tentar ajudar seu marido ou namorado — com uma colega de trabalho que era, na verdade, lésbica. Talvez
e, mais importante, você mesma —, seu papel é deter ou inverter a prevendo um questionatnento de minha parte quanto a 81111 heite.
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rossexualidade, o paciente comentou que, apesar de acreditar que do fizemos isso pela primeira vez, o paciente começou a sentir uma
todos tinham potencial bissexual, ele não achava que esse sonho enorme aflição, ficando agitado e acabando por verbalizar o medo
tinha a ver com isso. "Concordo com você nas duas coisas", eu de que eu o atacasse e o estuprasse. Como vimos antes, um medo é
disse. "Então, o que você acha que esse sonho quer dizer?" ele per- muitas vezes um desejo, o que vale para esse paciente também. Acon-
guntou. "Bem, se essa mulher é lésbica", respondi, "ela dorme com tece que, no caso dele, não era um desejo de natureza sexual. Na
outras mulheres que são lésbicas, o que faz de você.., uma lésbica". verdade, refletia a interpretação emocional das.experiências da ten-
Mas eu não estava brincando, e o paciente sabia disso. "Que óti- ra infância do paciente. Filho único de mãe solteira, ele crescera
mo", ele disse, "espera só até eu dizer para minha esposa que meu sentindo-se "preso" por sua branda solicitude, sempre esperando
analista disse que eu sou lésbica!" por uma poderosa presença masculina. Para esse paciente, nem o
Eu não estava brincando, nesse caso, porque, como expliquei problema nem a solução — que seria ter amizades mais intensas
para o paciente, era um sonho não-sexual ou, mais precisamente, com outros homens — era de natureza sexual.
pré-sexual, originário de sua identificação em tenra idade com sua Porém, mesmo quando o problema parece ser sexual, muitas
mãe. Como vimos no quarto capítulo, antes de ser catapultados por vezes não é. Hoje em dia, não chega a ser novidade que o estímulo
seu próprio desejo e pelas pressões sociais para "tornar-se homem" ou a relação sexual anal não é domínio exclusivo dos homens gays.
— em algum momento no início do curso primário —, os meninos O que talvez seja menos divulgado é o desejo que muitos homens
são muito parecidos com as meninas, sobretudo em relação a suas heterossexuais têm de ser penetrados — por uma mulher. Alguns
mães. Como vimos ao longo de todo esse livro, essa identificação homens, na verdade, procuram fazer isso com sua parceira, fazen-
em tenra idade com sua mãe e a necessidade que os homens têm do-a utilizar um pênis artificial, enquanto outros deixam isso para a
tanto de preservá-la como de repudiá-la está no centro do conflito fantasia ou para os sonhos. E outros ainda experimentam isso indi-
da insegurança masculina. Portanto, apesar de a maioria dos ho- retamente, por exemplo, achando mais excitante ficar embaixo du-
mens ter potencial homossexual, todos os homens têm potencial rante a relação sexual. Realidade ou fantasia, essas situações costu-
lesbiano, o que equivale a dizer que eles têm a capacidade de se mam ter alta dose de sexualidade, já que o ânus é uma zona erógena.
sentir como uma mulher amando uma mulher ou, falando em ter- Não obstante, elas também representam uma lembrança ou desejo
mos de seu passado, como uma menina amando sua mãe. não-sexual. Uma lembrança de um tempo em que não se era dife-
Apesar de essencialmente não-sexual, esse potencial nem sem- rente de uma menina, e um desejo de repetir a experiência de ser
pre é isento de conflito sexual. Para se sexualizar, o menino precisa conhecido — no sentido bíblico, sexualizado, da palavra — por sua
se separar de sua mãe, o que exige, entre outras coisas, aceitar que mãe.
ele possui órgãos sexuais diferentes dos dela. Racionalmente, é cla- Embora sexualmente isso possa não ser problemático, conforme
ro, os meninos sabem disso desde tenra idade, mas, emocionalmen- discutido por Stoller e outros, para muitos homens esse tipo de iden-
te, nem sempre eles estão preparados para aceitar esse fato, uma vez tificação é conflituosa. Com ela vem a raiva e o medo. Raiva por ter
que ele desfaz sua mais antiga sensação de bem-estar e segurança de abrir mão da ilusão de que "a mamãe e eu somos um só" e por
por ser um só com sua mãe. ela os ter posto nessa difícil situação. E medo de não conseguir esca-
Um paciente mencionou que certa vez, quando passava no par- par da sua influência. É fácil ver como esse conflito inconsciente em
que por dois policiais, teve de repente, uma assustadora visão em relação a nossa mãe se manifesta na vivência sexual masculina. Por
que era currado por eles. Esse medo se repetiu também na terapia, exemplo, muitos homens ficam irritados quando sua namorada ou
quando, a certa altura, decidimos usar uma técnica mais analítica, esposa não querem fazer na cama a mesma coisa que eles gostariam
em que o paciente se deitou no sofá sem me ver diretamente. Quan- de fazer, ou se elas não sabem como estimulá-los — elas deveriam
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ser um só com eles. Eles também se irritam por ter de "abrir mão" Um paciente, um profissional por volta dos trinta anos, cresceu
de outras mulheres quando assumem o compromisso de um relacio- com uma mãe cuja necessidade pessoal de ser querida fazia com que
namento, inconscientemente culpando sua parceira por isso, como ela fosse extremamente solícita e compreensiva — tanto que ela
se a culpa fosse dela. E, é claro, eles têm medo de perder todas as acabou desenvolvendo uma certa dependência emocional dele. Ape-
possibilidade de sexo com outras mulheres ao firmarem compro- sar de, quando jovem, esse paciente ter sido capaz de conquistar
misso com uma. auto-suficiência, remanescentes dessa dependência ainda coloriam
Essa dinâmica é um motivo importante que explica por que os sua sexualidade. Isso ficou claro na terapia quando ele contou um
homens têm casos extraconjugais. Ao ter um caso, eles afirmam agres- sonho em que um amigo de infância chamado Samuel cortou os pés
sivamente seu direito a uma mulher sexualmente mais compreensi- do paciente para castigá-lo de um mau comportamento. Apesar de
va assim como à liberdade sexual. E também aliviam seu medo de o paciente ter ficado perplexo com o sonho, as associações que ele
estar condenados a fazer sexo com a mesma mulher para o resto da fez dissolveram facilmente o mistério. Um dia antes do sonho, o
vida. Não lhes ocorre que não é possível libertar-se em segredo, ou paciente, que não era judeu, tinha tido uma conversa com um cole-
ao substituir um patrão — imagino que patroa — por outro. Apesar ga de trabalho que era um judeu ortodoxo chamado Shmuel — o
de condenarmos com muita facilidade os homens (ou mulheres) equivalente hebraico de Samuel —, na qual esse último falara de um
que traem seus parceiros e pensarmos que eles promovem parasitismo novo livro sobre "sexo aprovado pela lei judaica".
emocional, a experiência clínica mostra que esses homens estão so- Fazendo uma tentativa prematura de interpretação do sonho, eu
frendo enormemente, na maioria das vezes porque são prisioneiros disse: "Não pode ser que você tenha feito sexo desaprovado pela lei
de sua própria formação. Mais cedo ou mais tarde, a maioria dos judaica e que seu 'órgão' — o que Freud teria chamado de desloca-
homens descobre que a defesa hipermasculina é apenas uma prova mento — tenha sido cortado como castigo?" O paciente riu, mas,
do seu contrário, ou, em termos sexualizados, que as múltiplas exi- para meu espanto, disse que, de fato, tinha feito. Duas semanas an-
bições de seu pênis não multiplicam seu tamanho e sim a sensação tes ele tinha feito sexo com sua ex-namorada, mas achou que não
— inclusive deles mesmos — de que ele é pequeno o suficiente para devia porque eles haviam terminado quando ele percebeu que não
precisar de multiplicação. Por outro lado, é fácil notar que é exata- estava disposto a ter um compromisso sério. Mas havia mais do que
mente pelo uso do órgão sexual que um menino pode provar a sua isso. Na noite que antecedeu a do sonho, o paciente contou, a ex-
mãe, e a si mesmo, que é diferente e está separado dela. namorada havia ligado para dizer a ele, não sem uma nota de sar-
A idéia de buscar distância de uma mulher fazendo amor com casmo: "Caso tenha ficado preocupado, eu não estou grávida".
outra é tão paradoxal quanto o próprio conflito da insegurança mas- Descobri, assim, que eles não tinham usado nenhum contraceptivo
culina: os homens querem as duas coisas — ser um homem e ser — o que, nas próprias palavras do paciente, era "extremamente
(estar com) uma mulher. A relação estereotípica em que o homem irresponsável" e, nas minhas, outro aspecto contrário à lei judaica
reluta em aceitar compromisso e a mulher o pressiona para assumir na relação que mantiveram. O fato de não terem usado nenhum
compromisso só é verdadeira quando vista de um ponto de vista cons- contraceptivo era especialmente notável porque nunca tinha acon-
ciente. Inconscientemente — e isso é fácil de comprovar em terapia tecido nos dois anos em que estiveram juntos — apenas agora, quan-
de casais —, esses homens armam a coisa para que as mulheres do estavam separados.
pressionem porque eles querem repetir sua relação com sua Primeira Então, eu disse o seguinte ao paciente: "Deixa ver se eu entendi.
Mulher, a Mamãe — uma relação em que a mulher assumiu compro. Você terminou com sua namorada porque ela o sufocava e você
mi,sso com ele, o protegeu e o envolveu, enquanto o menino, relutan. precisa de espaço, mas depois você não só a reencontra, não só faz
te, procurava fugir. Permitam-me exemplificar — com sexo. sexo com ela, com() também tema engravidá-la para, ainda por cima,
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ter um filho com ela?" O paciente protestou um pouco, mas acabou que sua namorada fosse "menor" do que ele, ou submissa, para que
percebendo que, inconscientemente, ele tinha feito o que sempre fi- ele se sentisse "grande" e por cima. Mas, é claro, quanto mais ele
zera com todas as mulheres, a começar por sua mãe — fazer com que exigia que ela se contivesse, mais frustrada, carente e irritada ela
dependam e precisem dele para não ter de abrir mão delas ou, mais ficava, acabando por explodir no meio da relação num barulhento
precisamente, para poder exigir, raivosamente, que elas o deixem ir, acesso de exigências emocionais — quando então ele perdia a ere-
sem saber que era sua própria dependência delas que o segurava. ção completa e irreversivelmente. Portanto, ao falar para ela ficar
Essa dimensão raivosa na luta por separação empreendida pelo quieta, ele fazia com que ela se agitasse; ao esperar que ela fosse
paciente ficou ainda mais nítida quando ele me contou as circuns- uma menina quieta e boazinha, ele a transformava numa mulher
tâncias do ato contrário à lei judaica que praticou com sua ex-na- histérica e difícil.
morada. A ex-namorada ainda tinha as chaves do apartamento dele Para esse casal, também, a "cura" não estava numa técnica sexu-
e, naquela noite, bem depois da hora do paciente se recolher, ela al, mas em encontrar e definir os equivalentes não-sexuais do pro-
entrou, sem que ele soubesse — dizendo que precisava pegar uma blema sexual, o que, nesse caso, não era difícil. Como estavam se
coisa que ela tinha esquecido. O paciente ainda estava acordado, preparando para noivar, o casal começou a discutir assuntos tais
mas andando só de cuecas... e uma coisa levou à outra. como quando poderiam ter um filho e onde poderiam morar. Po-
"Acho que teve um pouco de raiva na transa com ela", o pacien- rém, nessas conversas, assim como na cama, o paciente deixava sua
te se recorda. "Como se eu estivesse dizendo a ela: 'Se você pensa namorada num estado emocional, exigente, quase uma mãe. Ao fa-
que pode entrar no meu espaço assim e ser tão íntima comigo, en- lar sobre ter um filho, ele dizia: "Por que não esperamos uns dois
tão toma isso — isso aqui é que é intimidade' ". Como eu disse ao anos, para nos estabelecermos melhor, e coisa e tal", o que sua na-
paciente, isso me lembrou a imagem de uma criança de cuecas, rai- morada — que havia acabado de completar trinta e dois anos —
vosamente tentando imaginar como vai mostrar à mãe, que acaba interpretava como: "Talvez ele não esteja muito seguro quanto a
de invadir acintosamente seu quarto, que ele não é mais um garoti- mim e queira ganhar tempo". Então, naturalmente, ela reagia di-
nho. Isso também conferiu outro significado ao telefonema da na- zendo: "Não! Eu não vou esperar e arriscar ter problemas de ferti-
morada — ou, pelo menos, à interpretação que o paciente fez dele lidade; se você não está pronto para assumir o compromisso, talvez
no sonho. Se ao transar com ela sem camisinha ele estava dizendo: então devêssemos esquecer essa história toda." Do mesmo modo,
"Eu posso mostrar que sou homem fazendo um bebê", ao prestar- ao discutir onde morar, ele dizia: "Por que não ficamos aqui o maior
lhe satisfações dizendo que não estava grávida ela estava dizendo: tempo possível — é tão mais fácil; além disso, aqueles bairros afas-
"Não pode, não — seu pau foi cortado fora!" tados são o fim da picada para mim!", o que ela interpretava como:
Um exemplo diferente é o do ator perto dos quarenta anos que "Talvez ele não esteja pronto para se estabelecer com uma mu-
me procurou por causa de um problema sexual. Esse homem estava lher", e reagia dizendo: "Bem, se você não quer mesmo uma vida
sinceramente apaixonado por sua namorada. Ele a descrevia como de família, é melhor dizer agora, porque eu quero ter filhos e uma
inteligente, espirituosa e atraente, e estava, de fato, pronto para casa e um cachorro — foi assim que eu fui criada e é isso que eu
pedi-la em casamento. O problema é que, durante o sexo, ele se quero!"
sentia compelido a praticamente proibir sua namorada de falar, fa- Foi trabalhando com ele em sua ambivalência não-sexual — seu
zer ruídos ou fazer movimentos mais bruscos. Sua explicação era desejo de estar com e sem uma mulher à imagem de sua mãe — que
que se ela ficasse muito excitada ou dominadora ele perdia a con- eu consegui fazer com que esse paciente visse que, em sua comuni-
centração e a ereção. .Quando analisamos isso na terapia, ficou cla- cação com a namorada, ele a estava, inconscientemente, treinando
ro que, para ter um bom desempenho sexual, o paciente precisava para se tornar mãe dele e que era o sucesso desse programa de trei-
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namento que provocava sua impotência. Quando percebeu isso, o pios possíveis. E, com relação à ambivalência, como vimos nos ca-
paciente conseguiu parar de ver sua mãe em tudo e começou a ver sos anterior, o homem muitas vezes se sente dependente ou engoli-
sua namorada como ela era — inclusive a jovem sensual e ardente do pela mulher e luta para se apartar dela — tudo coisas que podem
que ela era na cama quando eles se conheceram. ser reais ou estar na cabeça dele, como um deslocamento de um
No quarto capítulo, eu falei que a impotência era a metáfora importante relacionamento anterior.
mais poderosa do conflito da insegurança masculina. "Tenho de A segunda coisa interessante acontece com razoável freqüência
cumprir meu dever — mas estou cansado de estar por cima" é o que no fim de uma bem-sucedida série de exercícios, quando o homem
o homem aflito inconscientemente comunica através de seu sinto- está com ereção suficiente para a penetração: a mulher fica com a
ma. Mas, para ter certeza, para muitos homens a impotência é não famosa dor-de-cabeça. Inexplicavelmente, a mulher perde o inte-
apenas uma metáfora, mas também um problema dolorosamente resse pelo sexo. Ou ela pode estar, por sua vez, preocupada ou pode,
concreto. O que fazer a respeito, fora fazer terapia? Mais uma vez, inconscientemente, solapar a perspectiva de penetração. Quando
encontrar o equivalente não-sexual. Uma técnica, que foi populari- isso acontece, apenas se confirma que, mesmo nesse domínio mas-
zada em diversas variações por terapeutas especializados em sexo e culino tão próprio, a mão invisível de uma mulher está em ação —
que eu apliquei com meus pacientes, na verdade se inicia com o conforme um provérbio árabe, não se pode bater palmas com ape-
sexual, ou o físico, apesar de normalmente não se manter aí. Sem nas uma mão.
entrar na técnica propriamente dita — ela pode ser encontrada em Apesar de parte disso só poder ser resolvido na terapia, essas
muitos livros sobre consciência sexual —, a idéia básica é começar duas questões essencialmente não-sexuais — ansiedade quanto ao
com exercícios de toques físicos que são especificamente não-sexu- desempenho e ambivalência — têm importantes conseqüências prá-
ais, proibindo completamente, ao mesmo tempo, a penetração, e, ticas para um casal que lida com dificuldade de ereção. Por exem-
muito gradualmente, passar para exercícios que envolvam toques plo, conversar e confortar sinceramente um homem quanto a seu
de natureza mais sexual. Com o tempo, isso leva à penetração, pri- desempenho no trabalho, ou quanto a seu valor como homem inde-
meiro com a mulher por cima, guiando o pênis em sua vagina. pendentemente de seu desempenho no trabalho, pode fazer mais
Muitas vezes, quando os casais fazem esses exercícios, algumas por ele no leito do que falar sobre seu problema sexual. Segundo —
coisas inesperadas acontecem. Primeiro, já na fase inicial dos exer- e isso é especialmente válido quando o problema é mais do que
cícios, o homem quase imediatamente recupera a ereção. Há duas transitório —, a própria mulher deve investigar a hipótese de ela
razões para isso, ambas de natureza não-sexual: (1) não há pressão também ser ambivalente quanto ao sexo. Pode ser que ela tenha um
para ter qualquer desempenho e (2) uma vez que o lado negativo da conflito de "insegurança feminina" que se manifeste recusando sexo
ambivalência masculina, ou seja, seu medo de se perder numa mu- quando o homem está pronto. Por exemplo, ela pode querer se
lher, está controlado pela proibição da penetração, ele pode se per- casar com um forte e bem-sucedido protetor para se sentir segura,
mitir experimentar o lado positivo desse conflito — seu desejo de se mas, ao mesmo tempo, pode desejar que ele submeta a ela todos os
perder numa mulher. Se, ao conversar sobre esses exercícios, o problemas familiares e domésticos. Isso pode funcionar em sua vida
terapeuta extrapolar o estreito roteiro físico, ele quase sempre en- diária se o marido estiver interessado no mesmo arranjo de coisas.
contrará os equivalentes não-sexuais. Em termos de desempenho, a Porém, na verdade nua da cama, eles podem não conseguir definir
impotência é muitas vezes deflagrada por uma crescente pressão ou dividir essas áreas de influência — fisicamente falando, o corpo
sobre o desempenho no trabalho. O ator que recebe uma crítica masculino costuma ser maior, mais forte, mais duro. Portanto, na
negativa, o advogado que perde um caso importante, o médico que medida em que a esposa quer que o homem seja tanto forte como
perde pacientes e o vendedor que perde unia conta sã() ótimos exem- fraco, a impotência pode ser o resultado, já que lhe permite sentir
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os dois lados do conflito — seu desejo pela força masculina e seu como vivemos numa cultura da ejaculação precoce — na pior das
desejo de estar por cima da fraqueza masculina. hipóteses, uma cultura de satisfação instantânea e, na melhor das
Em outras palavras, quando um homem tem dificuldade de ere- hipóteses, uma cultura onde, em busca de algum supremo resultado
ção, a melhor coisa que você pode fazer por ele é investigar se, de futuro, sacrificamos os prazeres do presente —, é fácil ver quais são
algum modo, a impotência dele está bem para você. Paradoxalmen- esses equivalentes. Talvez a melhor analogia com a ejaculação pre-
te, chegar a essa conclusão pode tirar a pressão posta sobre ele e coce seja o empresário fracassado que sonha com idéias mirabolan-
facilitar ainda mais uma espontânea recuperação da ereção. No fi- tes que nunca dão certo — sempre exatamente quando estão pres-
nal das contas, porém, sobretudo com uma disfunção erétil que vem tes a se concretizar. Ou, talvez, seja o MBA ou advogado recém-
se manifestando há muito tempo, vocês dois terão de procurar con- saído da faculdade com salário inicial de US$150.000 — afinal, como
ciliar os aspectos não-sexuais da divisão masculino-feminina. o ejaculador precoce, eles conseguem alguma coisa. Ou, talvez, seja
O outro problema sexual masculino comum que poderia ser o nerd de computador, adolescente, repentinamente rico e famoso
analisado pelo prisma da insegurança masculina é o da ejaculação pela velocidade combinada da revolução da informática e das bol-
precoce. Muitos homens aprendem a ter ejaculação precoce muito sas de valores. Apesar de, na verdade, esses exemplos serem exce-
cedo em seu desenvolvimento sexual. "Entre meninos adolescentes, ções estatísticas em nossa sociedade, eles ainda acendem o desejo de
por exemplo", escreve o terapeuta especializado em sexo Barry todos os homens de contornar ou pegar um atalho que os livre do
McCarthy, "a masturbação é uma atividade sigilosa, escondida, per- processo de desenvolvimento que leva do menino ao homem. Com
seguida pela culpa e pelo medo da descoberta". Por isso, a maioria efeito, a linguagem do dia-a-dia dos homens está cheia de expres-
dos rapazes tenta chegar ao orgasmo o mais rápido possível. Num sões que associam a rápida obtenção de um resultado com a mascu-
círculo de masturbação, em que um grupo de adolescentes se mas- linidade: "marcar", "chegar lá", "marcar um gol de placa", "o re-
turba ao mesmo tempo, o vencedor, considerado o mais másculo, é sultado final", "a linha de chegada", "o auge", "o maior"... e assim
aquele que ejacula mais rápido e mais longe". Conforme McCarthy indefinidamente.
ressalta mais a frente, esse "esforço no sentido de um desempenho Sabendo disso, não surpreende que muitos homens se esforcem
rápido" muitas vezes persiste até a primeira experiência sexual, que para prolongar a relação com penetração e que façam isso de uma
normalmente é corrida, não planejada e sofre as pressões do tempo forma tipicamente masculina, buscando o "resultado final". Seja
e da privacidade. Mesmo assim, em vez de ser meramente circuns- porque está fora de cogitação para sua parceira ou porque vêem a
tancial, esse esforço é fortalecido pelo desejo que o jovem tem de se própria penetração como o auge do prazer sexual, eles procuram
testar sexualmente, um desejo que muitas vezes ofusca a necessida- minimizar sua excitação concentrando o pensamento em assuntos
de de ter uma experiência sexual prazerosa, que dirá emocional- desagradáveis, como impostos, parentes da mulher ou seu chefe.
mente significativa. Um paciente, um médico, disse que tentava diminuir a intensidade
Como fazer sexo na verdade não prova nada, a maioria dos ho- do estímulo antes do orgasmo fantasiando sobre um de seus pacien-
mens sente que precisa continuar a se testar, indefinidamente. E, tes — um homem obeso que, durante os exames, botava o dedo no
por ironia, quanto maior o esforço para obter desempenho, mais nariz e depois levava o dedo à boca. Essas técnicas, como morder a
rápida a ejaculação e mais amarga a sensação de fracasso. Psicologi- língua ou beliscar a si mesmo, pode conseguir seu intento, mas a um
camente, é como se o ejaculador precoce visse o orgasmo como um custo óbvio. Felizmente, como terapeutas especializados em sexo
atalho para masculinidade — "Por que perder tempo sendo uni ga- poderão lhe dizer, há uma técnica melhor que, em certo sentido, é o
roto", ele diz inconscientemente quando fica excitado. Que é onde contrário, porque pede para o homem concentrar-se no prazer em
está o equivalente não-sexual da ejaculação precoce. Na verdade, vez de na dor. Essa técnica é baseada no fato de que só podemos
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manter nossa mente completamente ocupada com uma coisa de cada cansados de estar por cima." Como vimos no quarto capítulo, a
vez. Em vez de ocupar sua mente com algo desagradável ou mesmo idéia de que os homens lutam para aceitar seus desejos femininos
sem qualquer conexão para prolongar a penetração, o homem só suscita a questão da relação entre a insegurança masculina e o
precisa concentrar-se nas sensações da penetração. Quanto mais ele homossexualismo. Por exemplo, muitos homens têm sonhos eróti-
fizer isso, menos imediata será a necessidade de orgasmo. Confor- cos em que eles se chocam ao descobrir, quando os dois se despem,
me McCarthy explica: "A diferença entre as técnicas é,grosso modo, que a mulher que está com eles tem um pênis. Esse tipo de sonho
como a que existe entre um sprinter que se mata para cruzar a linha indica um desejo homossexual inconsciente ou uma identificação
de chegada e uma pessoa que caminha em ritmo sereno por uma feminina, um desejo de que cuidem dele, passiva ou receptivamen-
linda e encantadora paisagem, valendo-se de todos os seus sentidos te? Bem, dependendo da pessoa, pode significar uma coisa ou ou-
para aproveitar ao máximo a experiência". tra, ou as duas coisas. Certamente, alguns homens na terapia —
Conforme evidenciado por essa analogia, a técnica sexual para o meus próprios pacientes incluídos — revelam sua própria homosse-
tratamento da ejaculação precoce — cujos pormenores irei mais xualidade reprimida e assumem uma vida gay ativa. Mas outros
uma vez omitir — pode ser facilmente aplicada a técnicas não-sexu- empregam fantasias homossexuais como uma forma de escapar do
ais da vida. Diminuir o ritmo de vida, aproveitar o processo, o mo- que eles sentem como as pressões da masculinidade. Apesar de pare-
mento, a experiência, a vista, os filhos, a ducha, o sol, tudo isso em cer que há alguma relação entre identidade sexual e homossexualida-
contraposição a submeter todas as experiências do presente ao pro- de, para todos os efeitos ninguém sabe muita coisa sobre a natureza
pósito de chegar a algum lugar, é uma forma não-sexual de prolon- dessa relação. O que acontece é que tanto homens gays como hete-
gar a relação e também de aproveitá-la melhor. E, uma vez que as rossexuais podem ser mais ou menos identificados com o feminino.
mulheres têm menos tendência de ver a vida como uma corrida, ela Não obstante, o psicanalista gay Richard Isay faz uma importante
podem exercer um importante papel ao demonstrar para seus par- distinção entre a homossexualidade autêntica e a "defensiva". 2 '
ceiros que a única linha de chegada na vida é a morte. Ou, confor- Minha própria compreensão dessa diferença pode ser melhor
me dito pela famosa "mulher" Peter Lynch — o célebre administra- exemplificada pelo caso de um paciente que era heterossexual, mas
dor de portfólio da Magellan — ao explicar sua aposentadoria pre- que teve um sonho em que estava praticando sexo anal com um ho-
coce numa entrevista: "Nunca ouvi falar de ninguém em seu leito mem mais jovem. O paciente procurou a terapia por conta de dúvi-
de morte dizendo que gostaria de ter passado mais tempo no escri- das quanto a sua relação com a noiva, bem como por causa do inten-
tório". Mas, ao procurar influenciar seu parceiro para aproveitar so consumo de álcool. À medida que a data do casamento se aproxi-
mais o momento, as mulheres não podem jamais ser exigentes. Por- mava, ele disse, ele começava a perder a atração sexual pela noiva.
tanto, em vez de solicitar mais tempo na companhia de seu marido, Sendo assim, o sonho — que ele teve logo no início da terapia —
seria melhor mostrar para ele — com atitudes, não com palavras — poderia ter sido interpretado como um sinal de que o problema era
o "valor" do tempo livre ou passado na intimidade, gozando dele que ele estava com o parceiro sexual errado. Pela minha experiência,
você mesma, com ou sem seu marido. essa interpretação poderia ter sido facilmente reforçada pelo fato de
Se considerarmos que não há, na verdade, nenhum atalho para o paciente estar bebendo — antes de assumir, os homens gays tentam
se chegar à masculinidade, veremos que, a exemplo do homem im- reprimir sua orientação sexual consumindo álcool e/ou maconha.
potente, o ejaculador precoce é uma pessoa que está relutando em Porém, as especificidades desse caso apontavam para uma inter-
atuar como homem. Então, em nome de todos os seus irmãos, quei- pretação diferente. Primeiro, o sonho era urna óbvia reação a uma
ram permanecer como meninos ou mesmo ser meninas, os homens situação específica. Naquele dia, o paciente tinha contado à sua noiva
com disfunções sexuais estão dizendoinconscientemente: "Estamos que planejava sair no sãbado à noite com um amigo que ele não via
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havia um tempo. A noiva não gostou, dizendo que ele não estava a masturbação masculina versus a feminina, mas, informalmente,
passando tempo suficiente com ela. O paciente se sentiu sufocado e mesmo que eles não se masturbem mais, os homens com certeza
irritado, e eles brigaram. Vendo sob esse prisma, pode-se interpretar falam mais a respeito — pelo menos na terapia. E é difícil pensar
o sonho como uma mensagem raivosa de libertação do paciente em numa demonstração melhor do egocentrismo dos homens do que
relação à sua noiva, algo do tipo: "Não só vou sair com meu amigo, sua obsessão com essa prática de auto-erotismo. Apesar de a maio-
mas, se eu quiser, vou até praticar sexo com ele." Alternativamente, o ria dos homens não falar a respeito com outras pessoas depois da
sonho poderia ser interpretado da seguinte forma: sob a pressão da adolescência, na terapia, onde eles têm menos medo de ser julga-
exigência de mais intimidade com uma mulher, o paciente sentiu ne- dos, ela é muitas vezes o assunto do dia.
cessidade de ficar mais próximo de um homem — basicamente, para Embora isso não os impeça de a praticar, muitos homens sentem
reafirmar sua masculinidade. É interessante que, quando se considera culpa e vergonha pela prática da masturbação. Eles podem se sentir
toda a família do paciente, as duas interpretações são relevantes. Pri- assim por acreditar que, a não ser que se "faça um gol de placa", a
meiro, o paciente estava sempre irritado com sua mãe por ser su- pessoa é imatura, e por causa do conteúdo "proibido" de suas fan-
perprotetora e por sufocá-lo. Mas, segundo, ele tinha uma ânsia crô- tasias sexuais. Mas, eles também sentem culpa e vergonha por ela
nica por uma associação masculina com seu pai, que era um cientista ser o que é — uma atividade sexual egocêntrica, sem qualquer rela-
avoado, introspectivo, assim como com seu irmão mais novo (o ho- ção com mais nada. Mas antes que vocês pensem que eu estou di-
mem mais novo do sonho?), que era um ambicioso estudante de di- zendo que os homens deveriam se sentir mal por se masturbarem,
reito completamente absorto em sua própria carreira. vamos nos lembrar o que eu disse no quinto capítulo, ou seja, que
Além disso tudo, outras circunstâncias, talvez mais óbvias, até certo ponto o egocentrismo é não apenas uma coisa boa, mas
minimizavam uma verdadeira interpretação gay do sonho. Não só o também necessária. Certamente, sozinho ou fazendo amor, é bom
paciente negava sentir-se atraído por homens em qualquer época, tentar satisfazer suas necessidades sexuais. E as mulheres, pelo jeito,
como também ele não se lembrava de ter tido prazer sexual no so- ainda podem aprender a respeito disso com os homens.
nho. E, de forma significativa, ele não tinha especial resistência a Ao longo dos anos, inúmeras mulheres no meu consultório têm
investigar sua possível homossexualidade — ao falar sobre o sonho discutido seu desejo de "explorar", "experimentar" ou "praticar" a
ele não se mostrou nem assustado nem defensivo. Na verdade, um de masturbação. Isso, depois que a revolução sexual nos ensinou a to-
seus amigos mais próximos era gay, e eles tinham conversado aberta- dos que as mulheres são tão sexuais quanto os homens — o que elas
mente sobre o fato de o paciente não ter se sentido nem tentado nem são, ainda que sintam sua sexualidade de forma diferente. A ques-
ameaçado por seu relacionamento. Então, para esse paciente, contro- tão é que eu nunca conheci um homem que precisasse aprender a se
lar um homem não era algo homossexual. De uma estranha maneira, masturbar, o que, suponho, poderia se atribuir à simples — alguns
era a suprema forma de manifestação heterossexual: prova de que ele dizem primitiva — natureza da anatomia masculina, assim como às
podia controlar uma mulher — sua noiva. Se você consegue lutar culturas mais antigas que promovem e fortalecem o egocentrismo
com homens e terminar no controle da situação, muitos homens con- masculino. A história das mulheres, por sua vez, pelo menos até
cordariam, certamente não precisa ter medo de uma mulher» muito recentemente, não tem focalizado o autoconhecimento nesse
campo e sim o exercício de um papel coadjuvante, compreensivo,
facilitador ou manipulador, sempre em relação ao papel mais fron-
Egocentrismo: Do "Peanuts" (Amendoim) ao Pênis tal, mais destacado no centro do palco, ocupado pelos homens.
Fala-se que 90% dos homens se masturbam e que os 10% que Enquanto a au o satisfação, sexual ou de outra espécie, está no
se masturbam mentem. Eu não sei quais são as estatísticas para centro do narcisismo, o impacto interpessoal do narcisismo se ori-
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gina de sua natureza defensiva — o desejo supercompensador de sexual para levar a parceira a orgasmos múltiplos ou a outros ápices
satisfazer a si mesmo impressionando os outros. Quando convidei dos terrenos sexuais pouco explorados. Ao mesmo tempo que a
minha mulher para sair pela primeira vez — tinha vinte e oito anos parceira desse homem sente prazer sexual, ela pode acabar sentindo
na época —, naturalmente fiquei nervoso e, como muitos homens, que o ato está esvaziado emocionalmente, porque a doação sexual
achei que seria bom impressioná-la. Então, assim que perguntei o dele é motivada pelo propósito egocêntrico de levar seu próprio
que ela gostaria de fazer, e antes que ela conseguisse me responder, desempenho à perfeição, com o que ele se sente mais homem. Cla-
eis que me pego falando o seguinte: "Dizem que café da manhã é ro, não há nada de errado em sentir-se mais homem e, desde que
para a amizade, almoço é para os negócios e jantar é para o sexo — isso não seja o único nem o principal objetivo da troca sexual, a
qual você prefere?" Sem se fazer de rogada, minha possível futura mulher pode sentir-se inclinada a fortalecer esse sentimento.
namorada respondeu: "Que tal um lanchinho da tarde?" O problema é que, inconscientemente, os homens não necessa-
Bem, além da necessidade mais ou menos consciente de enco- riamente esperam que as mulheres fortaleçam esse sentimento. Na
brir minha insegurança impressionando-a com a minha ousadia, ain- verdade, conforme expliquei antes, seu relacionamento em tenra
da que de gosto duvidoso, recordando-me agora do ocorrido me idade com a extremamente importante primeira mulher de suas vi-
parece que outra dinâmica, menos consciente, estava em jogo. Dan- das reforça não os sentimentos de masculinidade, mas os sentimen-
do a entender a possibilidade de romance como uma das opções, eu tos opostos, em que ele se sente mais como uma menina. Por causa
estava sinalizando minha intenção de conseguir conquistá-la sexu- disso, os homens às vezes sentem que precisam, de forma preventi-
almente e sondando a reação dela. A reação, aliás, foi perfeita por- va, impor e expor sua masculinidade diante das mulheres. No mi-
que indicava uni potencial sem qualquer garantia — uma combina- nha prática diária, fica patente que muitos homens egocêntricos se
ção perfeita quando se trata de sair com um sujeito egocêntrico. Em exibiam fisicamente quando crianças. Ao reconstituir sua história,
geral, quanto mais narcisista for seu parceiro de encontros ou de parece que na mais tenra infância — digamos, dos quatro aos oito
um relacionamento mais sério, mais a mulher deverá ser conforme anos — esse pacientes procuraram controlar sua auto-estima exi-
diz aquela camiseta: "Não estou bancando a difícil". bindo o pênis para outras crianças. Muitas vezes, esses pacientes
Então, mesmo quando eles se afastam do auto-erotismo e inclu- eram inseguros quanto a sua identidade sexual porque sua mãe nar-
em a presença de outros no exercício de sua sexualidade, os homens cisista os tratava como meninas, ou, mais precisamente, como uma
ainda se aferram a seu egocentrismo. Ao namorar, eles fazem isso extensão idealizada, bonitinha e agradável de si mesmas.
valorizando o desafio de uma mulher independente — do tipo que Na maioria dos casos, esse tipo de exibicionismo na infância
não os assuste com manifestações puramente emocionais e que re- simplesmente desaparece depois dessa fase. Porém, muitas vezes ele
presente um desafio vencível. Vencível para que não se sintam um deixa uma série de vestígios não-sexuais: a necessidade de ser admi-
fracasso e ainda assim um desafio para que eles não menosprezem rado, obsessão pela musculação, vontade de nadar nu, desejo de
os louros de sua vitória. ostentar riqueza ou desejo de se expor criativamente como na reda-
Infelizmente, mesmo depois de emplacar uma vitória, muitos ção de suas memórias ou na pintura de auto-retratos. Um de meus
homens não abandonam seu egocentrismo sexual. Isso era bastante pacientes era um estudante de cinema afro-americano extremamente
claro antigamente — o que em muitos grupos sociais equivale a talentoso. Bem vestido, moderno e simpático, ele filmou um curta
dizer ontem —, quando as mulheres não deviam ter prazer com o autobiográfico sobre sua infância ao lado de um irmão violento no
sexo e os homens só tinham de se preocupar com seu próprio pra- Harlem. Conforme às vezes faço com meus pacientes artistas, suge-
zer. Mas é também muito comum nos dias de hoje, na forma do ri que ele me trouxesse o roteiro. Disse a ele que o veria como um
antinarcisista que se esforça imensamente para refinar sua técnica sonho— eu o analisaria como sua criação I, ii.111.11, )1.énl, em vez de
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me trazer o roteiro, o paciente me trouxe uma cópia em vídeo do nesse caso é irrelevante. Do mesmo modo, tanto a personalidade da
curta, a que eu então assisti em casa. Era um filme extremamente mulher que é seduzida pelo homem egocêntrico como até mesmo
forte — tanto visual como emocionalmente —, o que imediatamen- seus atributos físicos são irrelevantes. Mesmo assim, uma mulher
te me deixou entusiasmado, não só pelo paciente, mas também por pode não se dar conta disso até que o jogo já tenha avançado bas-
mim. Fiquei impressionado e orgulhoso que ele fosse meu paciente, tante porque ela pode estar bastante entusiasmada exaltando o ex-
e quis exaltar seu talento, tanto que, ao discutir o conteúdo do fil- traordinário intelecto, talento, corpo, criatividade, seja o que for,
me com ele, foi difícil distinguir entre análise objetiva e elogio sub- do homem. Ela também pode confundir a receptividade dele com
jetivo. generosidade, interpretando sua vibrante presença sexual como uma
Primeiro, racionalizei o fato conjecturando que era bom reco- doação de si mesmo, em vez de ver o que ele realmente representa
nhecer e exaltar o talento de um paciente — o que continuo achan- — uma ostentação de si mesmo para ser admirado.
do que é verdade. Mas depois, quando o paciente continuou que- Essa generosidade narcisística física é provavelmente mais femi-
rendo me mostrar diversas facetas de sua obra, comecei a me sentir nina do que masculina — uma vez que as mulheres em nossa socie-
desconfortável com isso. Parecia que eu não estava mais com um dade são mais estimuladas a pensar em seu corpo e exibi-lo. Mas,
paciente cujo papel era ajudar-me a conhecê-lo, e sim com uma hoje em dia, é cada vez maior o número de homens que divide com
celebridade cujo papel era ser vista e admirada. E isso acabava se- as mulheres essa forma de egocentrismo. Mas independentemente
guindo em paralelo com suas fantasias sexuais, a maior parte das do gênero, a triste verdade é que as pessoas narcisistas — a não ser
quais consistia em figuras semelhantes a enfermeiras que o encon- que sejam extremamente feias, e talvez mesmo assim — são muitas
travam nu na cama delas e "descobriam" e admiravam seu corpo. vezes extraordinariamente cativantes. Sexualmente, isso pode acon-
Mas eu não compreendi perfeitamente o que estava acontecen- tecer porque (1) elas passam mais tempo esculpindo ou embelezando
do até que o paciente, que também desenhava e fotografava, se ofe- seu corpo, (2) elas transpiram autoconfiança, o que as faz parecer
receu para trazer alguns de seus desenhos, "uma série de auto-retra- mais desejáveis e/ou (3) elas foram crianças bonitas que, portanto,
tos eróticos". Evidentemente, o paciente estava me seduzindo, es- receberam atenção especial, o que as ensinou a usar sua aparência
sencialmente para que eu servisse de espelho laudatório de sua mas- para conseguir mais atenção. Por esses motivos, quando fiquei se-
culinidade. Apesar de me sentir tentado a ver os tais desenhos ele xualmente excitado numa sessão — mais uma vez, é preciso admitir
era muito talentoso —, resisti porque senti que haveria algo de por- que sou um ser humano —, não é incomum concluir que estou na
nográfico nessa troca. E foi na sessão seguinte que o paciente — o presença de um narcisista. Portanto, talvez devêssemos todos ques-
qual, aliás, não era nem gay nem bissexual — me contou que, du- tionar a atração que sentimos, sobretudo se nos vemos no meio de
rante a adolescência, ele costumava se masturbar na janela à plena uma intensa sedução física. Quando a sexualidade e a sensualidade
vista da vizinha da frente, um mulher mais velha, com "jeito de são idealizadas, podemos estar na presença de uma pessoa que pre-
mãe", que, diferente de mim, não se recusou a olhar. cisa ser admirada — por seu sexo — em vez de ser amada pelo que
Pode não ser muito proveitoso generalizar a partir dessa sedu- ela é.
ção narcisística simbólica do terapeuta — onde não houve nenhum Estatisticamente falando, eu suspeito que a maioria dos homens
tipo de excitação de natureza sexual —, estendendo-a aos relacio- jamais se expõe literalmente. Mas, como vimos no quinto capítulo,
namentos de natureza física. Não obstante, a dinâmica é parecida. eles fazem isso numa enorme variedade de modos de natureza não-
Ao desejar uma mulher, o homem narcisista não está interessado em sexual. Urna vez eu sonhei que meus filhos tinham ligado para meu
quem é a outra pessoa, mas se ela é capaz de louvá-lo devidamente. consultório quando eu estava no meio de uma sessão para pergun-
Por ironia, então, o gênero ou a preferência sexual do terapeuta tar se eles podiam comer amendoim no almoço. A primeira associa-
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308 • Se os Homens Falassem...

ção que fiz foi óbvia: no dia anterior, minha mulher tinha me dito oferecer um ingresso para ela você não queria realmente dar a ela
que nossa babá havia passado um bip para ela no meio de uma ses- alguma coisa — você queria que ela ficasse impressionada com o
são para perguntar se as crianças podiam comer sanduíche de pasta tamanho do seu pênis!" O paciente concordou e explicou que todo
de amendoim com geléia no almoço. Ao comentar isso comigo, seu sucesso no trabalho era uma tentativa de compensar seu órgão
minha esposa explicou que tratou do assunto ao telefone com a sexual pequeno. "Sei, sei", respondi, "já ouvi o suficiente sobre o
babá procurando abafar o assunto para não dar ao paciente uma tamaninho do seu pênis — quem dera que o meu me fizesse ganhar
informação acerca de sua terapeuta que o próprio paciente poderia tanto dinheiro!" A verdade era que nem eu conseguia concordar
preferir não saber. Diante dessa associação, o interessante com o com sua visão simplista, estereotipada e masculina de sucesso. Mi-
meu sonho foi que, nele, diferente da minha esposa, eu não ocultei nha própria visão simplista do sucesso, pelo menos para esse paci-
minha vida do meu paciente. "Amendoim? Para o almoço? Sim", foi ente, era que ele sempre — e sempre em vão — se esforçara para
o que eu disse para os meus filhos ao telefone, bem na frente do impressionar uma mãe critica e exigente. Aliás, na semana que ante-
meu paciente, que estava espantado, mas também irritado por eu cedeu o sonho, sua mãe tinha visitado pela primeira vez seu novo
ter atendido o telefone. O sonho foi só isso, porém, mais tarde, fiz apartamento em Manhattan — e a única coisa que ela comentou
uma segunda associação que confirmou minha interpretação. Dois foi: "A cozinha é tão pequenininha!"
dias antes, eu tinha ido até o vizinho para pegar um pouco de pasta Outro paciente, um homossexual com quase trinta anos, evitava
de amendoim emprestado para fazer um sanduíche para meus fi- o sexo quase que completamente porque não conseguia encontrar
lhos e, enquanto eu esperava na sala de visitas, meus olhos bateram um homem que atendesse a seu padrão de beleza física. Por incrível
num livro sobre sexo que estava sobre a mesinha de centro. Quan- que pareça, numa de nossas sessões, ele contou o seguinte sonho:
do me lembrei disso, não resisti ao batido trocadilho segundo o "Eu fiz sexo com Danny DeVito, o que, como você pode imaginar,
qual "peanuts" (amendoim, em inglês) soava extremamente pareci- não foi a experiência mais agradável do mundo. Ele tinha pêlo nas
do com "pênis". Em suma, nesse sonho eu estava dando prova de costas e uma espinha no peito. Eu não queria tramar com ele. Ele
minha masculinidade ao paciente — meus filhos e, é claro, meu ficava tentando puxar meu cabelo, como se quisesse arrancá-lo. Aí
"peanutslpênis”. eu disse a ele que conhecia o Marlon Brando — acho que eu estava
Isso me lembra um de meus pacientes, um homem obcecado tentando impressioná-lo". Como vocês podem ter imaginado, esse
com o que ele considerava um pênis do tamanho de um amendoim. paciente tinha reservas em relação a seu próprio corpo. Especifica-
O paciente — um executivo jovem e agressivo — recebeu ingressos mente, ele não gostava do fato de ter o corpo peludo, apesar de,
de cortesia de um cliente para um jogo da World Series e convidou como ele mesmo admitia, não ter muito cabelo. E como vocês tam-
sua relativamente recente namorada para ir com ele. Mas a namo- bém podem ter imaginado, ele não se sentia sexualmente atraído
rada não quis, dizendo que não gostava de beisebol. O paciente não por homens com pêlos no corpo ou quaisquer outras imperfeições
disse nada para ela, mas disse para mim que tinha ficado desaponta- na pele. Quando experimentou sair com homens assim — porque
do e irritado com ela. E naquela noite ele teve um sonho em que seu gostava da personalidade deles —, ficou dolorosa e profundamente
pênis estava pendurado para fora da calça e uma mulher o estava consciente da feiúra deles e, portanto, da sua própria feiúra, tal como
tocando. "Ela não estava achando nada demais". Ele fazia caretas imaginada por ele. Na verdade, ele era bastante atraente e muitos
enquanto contava o sonho para mim. Esse curto sonho mostra (1) homens gays o achavam atraente. Porém, como o corpo da maioria
que o que parece generosidade pode, na verdade, ser uma tentativa das pessoas, o corpo dele não era perfeito. Mas em vez de aceitar esse
de controlar a auto-estima e (2) que essa tentativa pode ser facil- fato, ele pretendia lidar com isso procurando um amante que lhe
mente sexualizada. Ou, conforme expliquei para meu paciente: "Ao oferecessse uma versão melhorada e idealizada de si mesmo.
310 4- Se os Homens Falassem_ ALON GRATCH 4)- 311

Nos termos do sonho, esse paciente estava tentando transfor- derar isso um ato premeditado de hostilidade. Talvez você tenha
mar Danny DeVito, a imagem desprezada de si mesmo, em Marlon querido dizer uma desconsideração, um descuido, ou alguma
Brando, o amante idealizado. Mas, conforme eu disse a ele, muito desatenção desse tipo, mas certamente sem hostilidade intencional".
parecido com tentar impressionar dizendo que conhece gente fa- Não, não, eu quis dizer hostilidade intencional mesmo — mesmo
mosa, fazer sexo com homens lindos — ou não fazer sexo até co- que inconsciente. Intencional porque, pelo menos na mente mascu-
nhecer Marlon Brando — não iria dar certo. Quando muito, iria lina, essa hostilidade faz parte de uma estratégia de defesa contra
apenas fazer com que ele se sentisse pior a respeito de seu próprio essas perigosas alienígenas coletoras de sêmem.
corpo, porque quanto mais nos comparamos a Marlon Brando, mais Um exemplo dessa dinâmica sexual vem de uma paciente cujo
acabamos nos parecendo com o Danny DeVito. Mas se você acha marido foi demitido pouco depois de seu casamento. Algumas se-
que a dinâmica desse paciente é exclusivamente homossexual — por- manas depois de perder o emprego, os dois foram jantar com outro
que só seria possível procurar por uma versão melhorada de seu pró- casal. Durante o jantar, a esposa falou distraidamente que seu mari-
prio corpo num parceiro do mesmo sexo —, está enganado. Como do tinha sido demitido, e quando eles receberam a conta, ela fez
vimos anteriormente, para o homem egocêntrico, a realidade da ou- alguma referência à necessidade de fazer economia. Quando chega-
tra pessoa é fundamentalmente irrelevante. Como num passe de má- ram em casa depois disso, o marido — que a paciente descrevia
gica, os lindos seios de uma mulher podem instantaneamente aumen- como um homem amoroso e gentil — manifestou toda sua vergo-
tar o pênis de um homem — e não estamos falando de ereção. nha com sua situação profissional. "Sinto-me péssimo por termos
de ficar contando cada centavo desse jeito, e por eu não poder ofe-
recer mais do que isso", ele disse. A paciente consolou-o dizendo
Agressividade: A Guerra contra a Coleta de Sêmen
que ele daria a volta por cima logo, e que tudo ficaria bem.
Conforme exemplificado pela expectativa de chocar as mulhe- Mas o que o marido não disse —porque ele não sabia realmente
res que anima o exibicionista, mostrar o pênis é um ato não apenas disso — foi que ele estava furioso com ela porque, para ele, ela o
narcisístico, mas também agressivo. Eu já falei no sexto capítulo por havia emasculado e humilhado na frente de seus amigos. Isso só
que os homens sexualizam sua agressividade. Mas eis aqui um pe- ocorreu a ele numa conversa posterior — na verdade, uma briga
queno lembrete na forma de um sonho de um paciente, conforme feia — que os dois tiveram ao tentar entender o que aconteceu com
ele o contou para sua esposa numa sessão de terapia de casais: "Eu eles na cama na manhã seguinte. Naquela manhã eles começaram a
fui abduzido por uma nave espacial e foi uma situação clássica de fazer amor como muitas vezes faziam nas manhãs de domingo. Mas
seqüestro por extra-terrestres, a diferença foi que, como parte da então, no meio das preliminares, o marido deu um pulo e sentou-se
lavagem cerebral, o alienígena coletou meu sêmen. A única outra em cima da paciente. "Nossa vida sexual tem sido meio entediante
coisa estranha foi que, no final do sonho, o alienígena era você!" ultimamente, vamos fazer uma experiência?" ele propôs. A paciente
Paradoxalmente, muitos homens "instruídos" e refinados não sorriu, o que o paciente interpretou como um sim. Ele então agarrou
conseguem ver que seu interesse sexual pelas mulheres tem um com- sua cabeça, enfiou o pênis em sua boca e ordenou "engula!" Como
ponente agressivo, até mesmo hostil. Como forma de negar isso, ela não gostava desse ripo de coisa, ficou muito revoltada.
eles preferem falar em "fazer amor" em vez de "comer" ou "pe- Como vimos no sexto capítulo, quando não estamos sintoniza-
gar". Um paciente, um advogado, teve uma série de namoradas que dos com nossa agressividade, ela sintoniza conosco. E pode nos to-
ele considerava "as típicas louras-burras, apagadas, mas atraentes". car em lugares bastante inesperados. Um casal, ambos funcionários
,)tiando tentei fazê-lo ver sua hostilidade em relação às mulheres, o de um hospital e com vinte e poucos anos, me procurou depois do
link leme etim. mi "Bem, Dr. Gratch, não podemos consi- noivado, mas antes do casamento. Como muitas vezes acontece, a
Se os Homens Falassem...
~NI Quero-1 im 313
312 4-

iniciativa de procurar aconselhamento profissional foi da mulher. ao imaginar-se estuprando ou lutando com a mulher. Ele se sentia
Mas seu motivo para fazer isso foi menos comum. Olhando como péssimo com essa fantasia, disse de forma comovedora e, apesar de
que a pedir desculpas a seu noivo, ela disse o seguinte: "Espero que achar de certa forma aceitável masturbar-se pensando nisso, não
não se importe que eu seja direta, doutor. Mike e eu temos uma seria capaz de "aplicá-la" para se excitar ao fazer sexo com uma
relação muito boa, e nós realmente nos amamos. E eu sei que ele vai mulher que ele amava. Era por isso que estava evitando o sexo com
ser um marido maravilhoso. Até minhas amigas dizem isso. Não sua noiva.
existe ninguém mais atencioso, sensível e carinhoso. E ele se dá muito Esse sintoma era o único problema que Mike já tinha enfrenta-
bem com crianças, sabe brincar com minhas sobrinhas e sobrinhos. do com sua noiva ou com qualquer outra mulher. Ele era sempre o
Vai ser um excelente pai. E nós conversamos sobre tudo. Só tem um modelo de namorado, não manifestando nada da raiva, dos exces-
problema — Mike não gosta muito de sexo — e não consegue me sos de crítica, das provocações ou da insensibilidade impostos, até
dizer por quê. Fizemos sexo algumas vezes, e não tem nada de erra- certo ponto, pela maioria dos homens às suas parceiras. O objetivo
do com ele, se é que o senhor me entende. Mas depois parece que terapêutico de Mike era conciliar sua raiva reprimida ou "cindida"
perdeu a força. Ele sempre tem algum motivo — está estressado, pelas mulheres num diálogo emocional com elas para que, com o
está cansado, está preocupado, mas eu acho que ele perdeu o inte- tempo, ela pudesse se dessexualizar.
resse. E eu nem acho que ele tem outra pessoa nem nada disso, eu Esse caso de hostilidade sexual pode parecer um caso extremo e,
sei que ele me ama. E não que sexo seja a coisa mais importante. de fato, ele se originou de uma infância de sérias agressões emocio-
Mas estou preocupada com isso — ainda nem casamos. E não acredi- nais e físicas. Mas não vamos nos esquecer de que esse paciente
to que o Mike lhe contaria uma história diferente, não é, querido?" sabia a diferença entre fantasia e realidade e que, por diversos mo-
Não só Mike não contou uma história diferente como também tivos, ele não corria riscos ao manifestar suas fantasias. E, além dis-
sua maneira gentil, suave de falar e sua serena inteligência confir- so, vamos nos lembrar que o significado interpessoal de suas fanta-
maram que ele era um sujeito extraordinariamente gentil, sério e sias — a idéia da dominação sexual — é dos mais universais. Quan-
atencioso. Ele assegurou que amava sua noiva e insistiu que se sen- do comecei minha própria análise, tive um sonho em que minha
tia muito atraído por ela. E confirmou que estava resistindo a fazer analista, uma mulher, orientava a sessão deitada no sofá junto comi-
sexo. "Mas não sei exatamente por quê", ele disse, olhando para go. De forma bastante arguta, a interpretação da minha analista foi
mim com tristeza e perplexidade. Apesar de não ter conseguido que eu não queria fazer amor com ela, e sim comê-la, ou seja, nos
expressar seus sentimentos sobre a questão, não demonstrou nada igualar ou fazê-la descer até o meu nível — eu era um principiante
da agressividade represada que muitos homens liberam em sua pri- naquela época. Nesse sentido, certa vez cometi um ato falho cons-
meira sessão da terapia. trangedor com um paciente que havia dito anteriormente que seu
Embora nós três concordássemos em investigar o problema na pênis era um caminhão — eu me lembrei disso e me referi a ele na
terapia de casais, depois de algumas sessões desse tipo chegamos sessão seguinte como sendo um tanque! Em minha defesa, confor-
num beco sem saída — assim como sua noiva, eu não conseguia me exemplificado pelo sonho e pelo ato falho, no meu caso esse
fazer a menor idéia quanto à origem do problema do Mike. Então, tipo de coisa é quase sempre inconsciente. Afinal, vocês devem se
sugeri pararmos a terapia de casais e me ofereci para atender Mike lembrar, eu era a criança sensível na família, que tinha dois agressi-
em separado. Foi uma decisão acertada, porque, conforme se reve- vos irmãos mais velhos!
lou, Mike, na verdade, possuía uma história diferente para contar. Muitos dos meus pacientes dizem que, apesar de poderem ser
Resumidamente, quando ficamos sozinhos ele explicou que tinha diretamente agressivos com outros homens, têm medo de ser assim
com as mulheres, seja porque consideram as mulheres mais frágeis
um problema kexual, o qual consistia em só conseguir ficar excitado
314 '410` Se os Homens Falassem... ALON GRAIVH 9' 315

ou porque as consideram muito poderosas. No primeiro caso, eles O paciente não tinha tanta certeza se suas outras fantasias favoritas
não querem magoar a mulher e, no último caso, eles temem que, — como ejacular no rosto de sua parceira — também eram básicas.
diferente da reação agressiva imediata de um homem, a mulher atin- Ele se sentia culpado em relação a essa fantasia, disse, principal-
gida se vingue insidiosamente mediante algum tipo de manipulação mente porque, quando estava com uma mulher, ele muitas vezes "a
oculta. Seja qual for o caso, os homens que têm dificuldade de ser enganava" e tentava gozar no seu rosto. "Quando estou prestes a
diretamente agressivos com sua parceira provavelmente irão deslo- gozar, seguro meu pau literalmente como uma pistola e aponto para
car sua agressividade para a arena disfarçada do sexo!- Um exem- o rosto dela", explicou. "Então, eu sou um porra louca, ou não
plo simples: um paciente estava irritado com sua namorada porque sou?" ele me perguntou.
ela estava preocupada preparando-se, havia meses, para um exame Fosse o que fosse, a fantasia de dominação que consiste em apon-
profissional. Mas, como em sua infância ele havia crescido em meio tar o pênis para o rosto da parceira está longe de ser rara. No caso
a constantes brigas com uma mãe emocionalmente supersensível e desse paciente, porém, tinha uma origem interessante. Quando ele
dominadora, o paciente não queria manifestar sua irritação para a era pequeno, sua mãe costumava andar nua em casa. Ela também
namorada. Portanto, ele foi compreensivo e atencioso durante todo teve um caso extra-conjugal, ou, pelo menos, o paciente achava que
aquele período. Mas, depois do exame, quando eles saíram para tinha tido. Finalmente, ainda na infância, o paciente descobriu no
jantar e comemorar, ele se viu constantemente olhando para outras armário de sua mãe fitas de vídeo pornográficas e vibradores escon-
mulheres no restaurante e achando-as mais atraentes do que a sua didos. Em resumo, a sexualidade dela estava na cara dele — coisa
namorada. que, evidentemente, ele procurava inverter em suas relações sexuais
Como podemos ver nesse exemplo, gostem ou não, os homens com outras mulheres. Esse tipo de inversão ilustra o que o psiquia-
acabam comunicando sua agressividade para as mulheres. Mas quan- tra Robert Stoller chama de elemento perverso da sexualidade mas-
do o fazem através do sexo, geralmente é de forma oculta — oculta culina — a transformação do trauma em triunfo. Nas perversões
de sua parceira e de si mesmos. Ou, pelo menos, é no que eles gos- propriamente ditas, bem como na hostilidade sexual não-perverti-
tariam de acreditar. Em nenhum outro lugar essa estranha forma de da, Stoller explica, o trauma tem a ver com a dificuldade que o
comunicação é mais evidente do que na fantasia sexual dos homens. menino tem de formar uma identidade sexual diferente da de sua
A fantasia sexual é privada no sentido de que ela existe dentro da mãe. O triunfo, ele diz, está em encontrar prazer orgástico e vin-
nossa cabeça, mas é pública porque envolve outras pessoas. Tam- gança nessa exata diferença.
bém é pública porque, como já vimos, ela sempre tem equivalentes Esse paciente especificamente, um homem de boa aparência perto
externos, não-sexuais, no mundo concreto. de seus quarenta anos, namorava bastante sempre com o suposto
Uma fantasia masculina que não é incomum: "Eu estou numa objetivo de conhecer a mulher certa para se casar. Ele era alto, lou-
espécie de palácio com um piso belíssimo e mulheres maravilhosas. ro e extrovertido, e a maioria das mulheres correspondiam a seu
Tem uma piscina com um bar dentro, hidromassagem, comida — interesse. Mas, por estranho que pareça, depois de umas duas saí-
tudo que se quiser. E eu estou com duas mulheres estonteantes. das, ele perdia todo o interesse. Ao tentar entender por que, primei-
Uma está me chupando, a outra eu estou comendo por trás. Barra ro especulei com ele que, à medida que ele ia conhecendo essas
pesada." Entre outras coisas, esse tipo de fantasia demonstra a evo- mulheres, a perspectiva de ser dominado por alguém semelhante a
lução do egocentrismo para a agressividade, passando de um auto- sua mãe o fazia perder o entusiasmo. Isso parecia fazer bastante
engrandecimento defensivo para a dominação das mulheres. Ao sentido, mas não ajudou em nada. Então, depois de cerca de um
contar uma fantasia desse tipo, .um dos meus pacientes, um típico ano e meio de conjecturas nessa linha, o paciente me revelou que,
MM conservador, chamou-a de "a fantasia heterossexual básica". na verdade, ele tinha urna namorada, ou, pelo menos, "tipo urna
316 Ke Se os Homens Falassem... ALON GRATCH • 317

namorada". "Tem mesmo?" perguntei, descrente. "Sim", ele res- masoquismo interpessoal, ou fosse lá o que fosse que a atraísse para
pondeu, e explicou: "Já estou saindo com essa menina há mais de esse tipo de relacionamento.
um ano. Ela é ótima e nós nos divertimos muito juntos. Mas no Como vimos, grande parte da agressividade sexual dos homens
fundo eu sei que não vou me casar com ela, por isso fico achando é uma tentativa de inverter o equilíbrio do poder entre ele em tenra
que deveria terminar com ela. Mas acontece que não termino, o idade e sua mãe. Mas nem tudo tem a ver com a mãe — os homens
que eu sei que não é justo porque, no que diz respeito a ela, enfim, são perfeitamente capazes de se tornar sexualmente agressivos quan-
eu sei que ela adoraria casar comigo." do ameaçados por uma sensação de impotência sem qualquer asso-
"Por que você não me contou sobre ela?" fiquei perplexo. "Não ciação com suas mães. Um exemplo vem de um paciente que é mé-
contei a ninguém sobre ela", ele sorriu. "Acho que tenho vergonha dico. "Ontem, quando cheguei em casa depois de fazer hora extra
da nossa relação. Não sei muito bem por que, mas o fato é que na emergência, pensei numa fantasia sexual em que às vezes penso
ninguém sabe dela. Ela não conhece nenhum dos meus amigos e eu quando me masturbo — é com um mulher jovem, linda, que implo-
nem atendo ao telefone quando ela está lá em casa." ra para fazer sexo comigo. Mas uma coisa estranha e inquietante
"Parece que, como a sua mãe", eu disse, "você está tendo um aconteceu. Quando eu estava prestes a gozar, a cabeça de uma mu-
caso secreto". "Pelo jeito, sim", ele disse. "Mas essa mulher não é lher mais velha — uma paciente minha que tinha morrido na emer-
nem um pouco parecida com a minha mãe", ele observou. "Isso faz gência aquela noite — surgiu na minha cabeça e tomou o lugar da
sentido", falei, "porque nessa relação você é parecido com a sua cabeça da mulher da fantasia. Claro, eu estava um pouco cansado
mãe — é você que está por cima". Então, como se para confirmar depois de ter trabalhado a noite toda, mas, mesmo assim, isso me
isso no terreno sexual, o paciente revelou que o motivo para ele fez entrar em parafuso."
sentir vergonha da relação tinha algo a ver com o fato de essa na- Quando perguntei ao paciente sobre a mulher mais velha, ele
morada ser, fisicamente falando, o oposto de sua mãe. Enquanto disse que se tratava de uma paciente de oitenta anos que sofria do
sua mãe era uma mulher enorme, matronal, com "seios enormes e mal de Alzheimer, de quem ele havia se aproximado para examiná-
protuberantes", a namorada tinha cabelo curto, era pequena e tinha la minutos antes dela falecer. "Vá embora", ela o dispensou rude-
seios pequenos. "Às vezes, eu acho que ela parece um menino", ele mente. "Preciso examiná-la, por favor", ele quase implorou. "Vá
disse, "o que me faz pensar se eu tenho algum problema, alguma embora!", ela repetiu em seu delírio. E foi embora e, mais tarde,
coisa". descobriu que ela tinha morrido. Como era médico, o paciente sa-
Portanto, além de ilustrar a conversão do trauma em triunfo, bia que a morte dela era inevitável e, inclusive, nada tinha a ver com
esse caso mostra que mesmo que uma mulher não se sinta incomo- o fato dele não tê-la examinado. Mas, como homem, ele se sentiu
dada pela agressividade sexual de um homem — a amante secreta impotente diante da morte. Também como homem, ele se sentiu
desse paciente não se recusava a receber o jorro de esperma dele —, emasculado por uma mulher que não permitira que ele cumprisse
ela não poderá evitar ser atingida por seus equivalentes não-sexuais. sua obrigação mesmo quando ele implorou. Portanto, em sua fanta-
Nesse caso, a namorada tinha tentado inúmeras vezes terminar o sia, ele inverteu isso tudo assumindo os extraordinários poderes de
relacionamento, mas sempre voltava a procurar o paciente e a se (1) trazê-la de volta à vida e (2) fazendo com que ela implorasse
submeter às condições impostas por ele. Então, se essa mulher fosse para fazer algo com ele. Dessa forma, ele transformou a angústia da
minha paciente, apesar de poder não ficar impressionado caso ela derrota no prazer do orgasmo.
me contasse que o namorado gostava de ejacular nela com sua pis- No extremo da agressividade sexual masculina está o sadismo
tola, eu começaria a procurar por outras formas, não-sexuais, pelas sexual. Apesar de tecnicamente fora do escopo desse livro, o sadis-
quais ela permitiria que ele atirasse nela. E, é claro, eu analisaria seu mo coincide parcialmente com a agressividade e está igualmente
318 -(e- Se os Homens Falassem,.. ALON G RATCII "." 319

presentena vida diária. A alta freqüência de fantasias e/ou a prática Andaluzia, Espanha — onde, segundo uma piada, quando a cabeça
de fato da subjugação é um exemplo óbvio, como é a mais inofensi- de baixo está dura, perde-se a de cima — quanto no iídiche dos
va carícia sexual durante as preliminares. Subentendidos nisso tudo judeus do leste europeu, com seu ditado que diz: "Quando o pênis
estão, logicamente, os prazeres do controle, da força e da domina- sobe, o cérebro fica enterrado no chão."
ção, cada um dos quais, conforme vimos, exerce um papel na guer- Mas, como vimos no capítulo anterior, a autodestruição dos
ra entre os sexos, dentro e fora do leito. Palavra talvez assustadora, homens não é mera questão de idiotia. Assim como o egocentrismo
o sadismo é, não obstante, útil no caso presente, sobretudo ao ligar- e a agressividade, é um resultado direto do conflito da insegurança
se a seu oposto — o masoquismo. Para as mulheres, isso é impor- masculina. Sexualmente, isso pode ser visto num paciente cuja fan-
tante porque é essa ligação que resulta em síndromes tais como tasia sexual favorita era penetrar numa mulher com sua cabeça — a
"mulheres que amam demais" e "homens que odeiam mulheres e as de cima — e nadar dentro dela. No caso desse paciente, apesar de o
mulheres que os adoram". Mas, como tentei mostrar o tempo todo, desejo de se perder numa mulher estar evidente nessa fantasia sexual,
nenhum dos sexos detém o monopólio dos atributos psicológicos o medo de que isso acontecesse estava evidente em sua realidade
associados a essa questão, sadismo e masoquismo incluídos. Em se sexual: para provar sua masculinidade, ele gostava de fazer sexo
tratando de homens, como discutimos antes, Freud teorizou que o especialmente em lugares perigosos — na mesa do seu chefe, num
sadismo é um daqueles conceitos relacionados aos homens que po- elevador do Empire State Building e, urna vez, a menos de um metro
dem se transformar em seu oposto "feminino", o masoquismo. Po- do precipício do Grand Canyon.
rém, aceitemos essa teoria ou não, é difícil sustentar que quando os O mesmo conflito pode ser visto da direção oposta quando um
homens voltam sua agressividade para si mesmos o resultado tenha homem recua diante do que ele percebe como uma realidade peri-
algo de invejável. gosa para a segurança da fantasia sexual. Por exemplo, um paciente,
um advogado perto dos quarenta anos, sempre aspirara trabalhar
no campo empresarial de fusões e aquisições, apesar de, sob certos
Autodestruição: Gozar do Lado de Fora
aspectos, ser muito sensível para seguir um caminho tão agressivo.
Há uma antiga piada sobre um ministro do exterior israelense. Não obstante, quando finalmente deu esse passo, conseguiu um
Depois de vê-lo fazendo amor com a esposa em plena varanda, ao emprego bastante quente — de sócio numa grande empresa. Po-
ar livre, diz a piada, o vizinho do ministro do exterior pergunta por rém, já em seu primeiro dia no emprego, ele começou a ter fantasias
que ele fez aquilo. Bem, o ministro do exterior responde, ouvi dizer em que estragava tudo e era demitido. Naquela noite, ele sonhou
que era bom para o controle de natalidade gozar do lado de fora. que tinha voltado para a casa onde havia passado a infância, onde
Essa piada, que provavelmente tem um racismo velado — o minis- foi ao banheiro, mas fez xixi no chão, com "um jato forte, grosso,
tro do exterior é um judeu marroquino —, faz alusão à falta de que saía como de uma mangueira, fazendo uma sujeira medonha,
instrução formal do político e à sua antiga profissão como trabalha- mas sem limpá-la, enquanto sua mãe olhava tudo". Evidentemente,
dor da construção civil. Mas a verdade é que, em se tratando de parecia mais seguro ser ousado e fazer uma sujeira em casa, onde
sexo, a inépcia dos homens não conhece barreiras raciais ou educa- sua mãe limparia tudo para ele, do que fazer isso no meio dos
cionais. Com efeito, sexualmente falando, todos os homens correm exibicionistas que mostravam seu pênis na firma de fusões e aquisi-
o risco de gozar no lugar errado, ou na hora errada, ou na pessoa ções de Manhattan.
errada, ou simplesmente não gozar — quando deveriam. Tampouco Para nos aprofundarmos nessa dinâmica, vejamos o caso de um
a estupidez sexual dos homens conhece barreiras de nacionalidade paciente de trinta e quatro anos que, durante vários ,t los, enganou-
ou de idioma. Ela é tão evidente no espanhol de um Don Juan da se quanto ao grau de ambição que queria ter e ijI.uuo ao grau de
320 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH ••• 321

risco que estava disposto a assumir em sua carreira. Finalmente, mo dançar com uma mulher nua fosse lá grande coisa. Afinal, ele
quando estava prestes a se casar, o paciente decidiu "dar o grande estava completamente vestido. Mas, enquanto a moça estava dan-
salto". Ele efetuou a difícil mudança, deixando de ser um consultor çando sentada no seu colo, ele teve um orgasmo, e isso o fez entrar
financeiro para tornar-se administrador de portfólios num banco em parafuso — ele achou que tinha passado do limite. Agora, sua
de investimentos. Este último era um emprego de alto risco e alta escapada tinha saído pela culatra, porque ele estava mais angustia-
recompensa, onde a pessoa vive ou morre por seu próprio desem- do do que antes — imaginando não só que iria perder o emprego,
penho — em resumo, um lugar perigoso. Porém, ao combinar sua como também que estava infectado com o vírus da AIDS e que sua
grande capacidade analítica com a de lidar com pessoas, e com a esposa fria abandoná-lo.
ajuda de uma bolsa de valores em alta, o desempenho do paciente No final das contas, o chefe, a esposa e o corpo do paciente
no primeiro ano ultrapassou suas melhores expectativas. "Bem-vin- foram mais compreensivos do que ele imaginara, e não perdeu ne-
do a Wall Street", seu chefe lhe disse ao entregar seu primeiro bô- nhum deles. Mas acredito ser bem fácil perceber que esse paciente
nus, que chegava perto de US$500.000. No ano anterior, toda a estava inconscientemente tentando sabotar a si mesmo, provavel-
renda do paciente tinha ficado em US$75.000. Porém, paradoxal- mente porque, para ele, suas conquistas masculinas — no trabalho e
mente, esse sucesso não fez o paciente se sentir mais seguro. Pelo em casa — eram esforços perigosos. Sob esse prisma, então, a
contrário, dar-se conta do tamanho do risco só fez agravar seu ner- autodestruição sexual pode ser vista como uma fuga da responsabi-
vosismo. Então, ele continuou se esforçando, deixando de tirar fé- lidade e a busca de um lugar de momentânea segurança. É claro,
rias e de aproveitar as bonificações que ganhava. E foi ainda melhor quando se passa dos limites — seja qual for esse limite —, a fantasia
no segundo ano. pode se tornar realidade, ponto em que o processo já não é mais tão
Foi nessa época que ele viajou para Montreal para participar de seguro. Um paciente — sujeito especialmente gentil, honesto e res-
uma conferência profissional sobre seleção de ações. Como ele ado- ponsável, que estava casado havia apenas um ano — mencionou
rava esquiar e não tinha tirado férias nos últimos dois anos, decidiu numa sessão que estava "avaliando as mulheres na rua". Isso o inco-
sair de Nova York um dia antes para esquiar antes do início da con- modava porque ele estava casado havia muito pouco tempo e a re-
ferência. Mas, por causa de sua insegurança, não informou ao chefe lação dele com a esposa era maravilhosa. "Por que eu estaria olhan-
que estava tirando um dia de folga, achando que o chefe não iria do para outras mulheres, se finalmente encontrei a mulher dos meus
notar nada de diferente. Então, já nas montanhas, ligou para o es- sonhos?" ele me perguntou. "Bem", respondi com o que pensei que
critório pelo telefone celular para saber do chefe como estavam fosse uma pergunta retórica, "por que você está tão preocupado
indo as coisas, achando que o chefe presumiria que ele estava ligan- com isso? Você acha que pode acabar traindo a sua mulher?" "Eu
do da conferência. Mas o chefe disse: "Que bom que você ligou, não começaria nada que levasse a isso", ele me surpreendeu com
David. Não aconteceu nada por aqui. Ligue novamente amanhã sua resposta, "mas se uma dessas mulheres chegasse para mim e
quando tiver descido da montanha." dissesse 'Não quer me pagar uma bebida?', provavelmente eu
Naquela noite, sozinho no quarto de hotel, o paciente ficou bas- transaria com ela — ou, pelo menos, não tenho certeza de que não
tante aflito, até mesmo deprimido. Com medo de ser despedido, transaria". "Acho que só o tempo dirá", resumi, "se você é um Jimmy
não conseguia parar de pensar no ocorrido. Então, para fugir desse Carter ou um Bill Clinton".
sofrimento, ele saiu para dar uma volta na cidade, acabando num No filme de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados, o perso-
cabaré em que as mulheres dançavam nuas, permitindo que uma nagem feito por Tom Cruise caminha sobre a tênue linha sexual
delas dançasse no seu colo. O paciente — que era casado e cuja entre a fantasia e a realidade. Por causa de uma briga conjugal em
esposa estava grávida — não achava que entrar num cabaré ou mes- que a esposa revela urna fantasia sexual que teve com outro lio,
322 -4e. Se os Homens Falassem._ ALON GRATO-1 ••• 323

mem, o personagem de Tom Cruise empreende uma noite de ex- respeitável edifício comercial na não tão miserável rua 57, em
plorações no submundo sexual de Nova York. Mas toda vez que ele Manhattan, recebi a proposta de atender um paciente que me foi
chega perto de concretizar algo, surge uma circunstância perigosa. descrito como um executivo da televisão com um problema conju-
Uma mulher nua que ele ajuda a reanimar numa festa acaba mor- gal. Acabei vendo que, apesar de se tratar de fato de um executivo
rendo. Uma prostituta com quem ele quase se deita revela-se soro- da TV de muito sucesso e muito estimado, seu problema não era
positiva. E quando ele consegue entrar — como observador pene- estritamente "conjugal". Sim, ele era casado, mas seu verdadeiro
tra — num secreto baile de máscaras orgiástico numa mansão em problema era que ele era viciado em cocaína, álcool e sexo. Essa,
Long Island, sua vida é ameaçada. Porém, ao assistir a esse filme, o infelizmente, não é uma combinação muito incomum e, conforme
espectador não tem a sensação de que se trata de uma história com eu faço com outros pacientes desse tipo, encaminhei esse homem
moral sobre os perigos da infidelidade. Em vez disso, somos surpre- para um programa prolongado de recuperação antes de tentar a
endidos por uma obra sobre a relação entre sexualidade e perigo, o psicoterapia. Mas apesar de só termos feito uma única sessão, ja-
que não chega a surpreender quando se considera que o filme foi mais esquecerei desse paciente — por dois motivos. Primeiro, com
baseado num romance de Arthur Schnitzler, escrito e ambientado dois minutos de sessão, depois de me contar abertamente seus pro-
na Viena dos tempos de Freud. blemas, ele me informou que funcionava um "serviço confidencial
A visão básica que Freud tinha da natureza humana era a de uma de sadomasoquismo" na cobertura do meu edifício. Segundo, pou-
batalha entre forças do bem e do mal, o primeiro sendo associado co depois de sair do programa de recuperação, ele foi encontrado
com Eros, a força da vida sexual que busca se perpetuar e renovar a morto tendo sofrido ataque cardíaco provocado pelo consumo de
vida, e o último envolvendo Tanatos, o "impulso de morte", o qual, drogas.
como vimos, pode ser interpretado como o desejo de evitar a res- Eu considero os dois pontos dignos de lembrança porque eles
ponsabilidade e retornar para um estágio recuado, mais seguro, de tornaram a ligação entre sexo e perigo mais presente no meu ambi-
existência. Portanto, não é que o sexo em si seja perigoso, e sim que ente de trabalho. Mas a "dica" do meu paciente sobre o serviço que
sua natureza doadora de vida é constantemente desafiada pelas for- funcionava no prédio também me instigou, porque foi uma tentati-
ças obscuras, contrárias à vida, que existem dentro de nós. Mas, va de me chocar e de abalar meu suposto papel de profissional res-
sejamos mais claros: conforme ressaltado por muitos, não existe ponsável e maduro. Não se trata tanto de sadomasoquismo ou ob-
absolutamente nenhuma prova da existência da pulsão de morte. sessão sexual quanto de sexo propriamente dito. Todos crescemos
Por outro lado, existem em abundância provas históricas e filosófi- com a sensação de que o sexo é um prazer misterioso e proibido, a
cas. Com todo o progresso religioso, científico e tecnológico feito respeito do qual nem mesmo os adultos se sentem à vontade —
pelo homem civilizado, parece que nunca houve uma sociedade ou afinal, eles não conversam sobre isso abertamente diante das crian-
uma época livre de alguma forma de autodestruição. Nós, e talvez ças e só fazem alusão a esse assunto em tom envergonhado ou em
os homens mais do que as mulheres, nos matamos de um modo ou piadas carregadas de culpa. Ele na verdade nos é apresentado como
de outro — pela guerra, pelos carros, pelo álcool, pelas drogas, pelo algo restrito, perigoso, ou, mais precisamente, como um prazer pe-
suicídio, por acidentes de trabalho. rigoso, ou, talvez, um perigo aprazível.
Mas não temos de ser freudianos nem metafísicos para compre- Acho que vale generalizar aqui que quando os homens atuam
ender a relação entre sexo e perigo, motivo pelo qual o filme de sexualmente, eles na verdade procuram vencer o perigo com o pra-
Kubrick funciona tão bem na atual cidade de Nova York quanto zer — o prazer do orgasmo. Mas eles fazem isso não apenas para
funcionou na história original passada na Viena dos tempos de Freud. provar sua masculinidade ou para fugir dela buscando a segurança
Algum tempo depois de eu ter mudado meu consultório para um ilusória do corpo de uma mulher. Eles tanibán fazem isso num c le
324 -4E- Se os Homens Falassem...
ALON GRATCH -o,' 325

safio narcisístico de sua limitação mais profunda. Sem dúvida, a perdendo, tudo que lhe é mais caro. Também não se coaduna com o
suprema limitação do homem é seu corpo. Obediente às leis da ci- tormento que ele experimenta ao sentir-se escravizado pelos dese-
ência, ele jamais será perfeito e, à medida que envelhecemos, ele jos sexuais e com o forte sentimento de culpa, auto-rejeição e vazio
inevitavelmente se degenera e morre. Ele é, portanto, o melhor — e que nunca deixam de se apossar de sua mente depois do alívio
o pior — lugar para procurarmos desafiar nossos limites. E que orgástico.
outro recurso corporal seria melhor no cumprimento dessa tarefa Apesar de o masoquismo próprio dos casos graves de compulsão
do que a fuga anestesiante do êxtase sexual? sexual ser estranho à maioria dos homens — como vimos repetida-
Essa, para mim, é a mais importante dinâmica implícita no vício mente ao longo deste livro —, o mesmo não pode ser dito sobre a
sexual. Esteja lutando para inverter e "desfazer" um trauma infantil dinâmica nele implícita, desde a sexualização do perigo até o desa-
de abuso sexual, esteja procurando fugir da sensação de vazio e fio dos limites físicos. Do mesmo modo, o masoquismo sexual ou o
ausência de sentido, o viciado em sexo é, em última análise, urna gozo erótico da dor, exatamente como o sadismo sexual, é, até cer-
pessoa que se dedica a negar e a dominar a vulnerabilidade física — ta medida, parte integrante da fisiologia e da psicologia básicas do
por intermédio do prêmio do orgasmo. É claro, a triste ironia dessa sexo. Por exemplo, a excitação sexual, a estimulação e as sensações
forma de autodestruição é que, se a pessoa viver tão apegada ao físicas que se experimenta ao aproximar-se o momento da
corpo, jamais estará muito distante da verdade última da própria inevitabilidade da ejaculação, tudo isso envolve uma perda de con-
escravização ao físico que ela desesperadamente procura negar. trole físico, a mistura de prazer e dor, e a prazerosa subjugação da
Exatamente porque o viciado — o usuário compulsivo de álco- mente pelo corpo.
ol, drogas, alimentos ou sexo — procura controlar o incontrolável,
transpor limites físicos intransponíveis, o primeiro passo de qual-
quer bom programa de doze etapas é abrir mão do controle. Como Atuação Sexual: O Paradoxo do Celibato
vimos no último capítulo, isso coloca o terapeuta, assim como os Como acredito ter demonstrado neste capítulo, a sexualidade
familiares ou amigos do homem sexualmente autodestrutivo, numa masculina tem um certo teor paradoxal. Por um lado, todas as de-
situação incontornável, porque parte da destrutividade desse ho- sordens (e ordens) sexuais refletem e contêm problemas emocio-
mem é dirigida a eles, com o objetivo de destruir a prestimosidade nais não-sexuais que têm a ver com importantes relações do passa-
deles. Portanto, se você estiver envolvida com um viciado em sexo, do e do presente. Para lidar com isso, precisamos dessexualizar o
também deverá aceitar que não tem poder sobre as compulsões dele. sexo e buscar — pelo menos parte do tempo — por soluções não-
E que a melhor coisa que você pode fazer para ajudá-lo é examinar sexuais para os problemas sexuais enfrentados. Por outro lado, os
suas próprias razões para ter se envolvido com ele, suas próprias conflitos emocionais não-sexuais sempre parecem ter uma origem
razões para ter se envolvido com uma pessoa que faz questão de sexual e, para lidar com isso, temos de encontrar e investigar as
preservar as próprias ilusões de invulnerabilidade física destruindo pistas sexuais escondidas nas emoções. Esse paradoxo é talvez me-
o próprio corpo e o seu corpo — você, a parceira. lhor exemplificado por homens que — consciente ou inconsciente-
Algumas pessoas acham que o homem viciado em sexo está sim- mente — escolhem uma vida celibatária. Assexuados por fora, eles
plesmente se divertindo às custas de outrem e que, diferente de um costumam ser fortemente sexuados por dentro, talvez até excessi-
viciado em drogas, ele não é genuinamente autodestrutivo. Apesar vamente para equilibrar a fantasia interna e a realidade externa.
de haver, de fato, importantes diferenças entre abuso de entorpe- Conforme já falei repetidamente, dentro desse paradoxo, como
centes e compulsão sexual, essa idéia não se coaduna com o fato de na bonequinha russa, há outro paradoxo, o do conflito da insegu-
que o viciado em sexo muitas vezes acaba arriscando, quando não rança masculina. Um paciente, um ator da Broadway de vinte e oito
326 4- Se os Homens Falassem... ALON GRATCH * 327

anos, procurou a terapia porque percebeu que tinha pensado tanto que todos os homens precisam. E de sexo, também.., mas talvez
em sua carreira e ficado tão intensamente envolvido por seu sucesso nessa exata ordem.
precoce que tinha negligenciado completamente sua vida pessoal. Resta pouca dúvida de que meus pacientes acham mais fácil con-
"Eu nunca tive um relacionamento romântico e, fico constrangido versar comigo sobre sexo do que com uma mulher. Mas a verdade é
em dizer, mas eu nunca fiz sexo", ele disse em sua primeira sessão. que, quando falamos disso, não temos uma conversa de "vestiário
"Não está na hora de perder a virgindade? E também, depois que eu masculino". Temos uma conversa de mulher. Uma conversa sobre
me masturbo, fico tão exausto que acabo ficando praticamente in- relacionamentos. Uma conversa sobre sentimentos. A questão é que
capacitado durante quarenta e oito horas. Não ria, mas, por causa só conseguimos isso porque, como sabemos que somos dois caras,
disso, eu sigo uma regra de nunca me masturbar no dia de uma não há dúvida quanto ao nosso sexo. Mas quando um homem está
apresentação — o que é um problema quando tenho um espetáculo com unia mulher, sua masculinidade está na berlinda. Devemos en-
prolongado." tão acreditar que não há esperança para uma comunicação aberta
De início, fiquei um pouco descrente a respeito da suposta entre uni homem e uma mulher? Ao contrário. A lógica do conflito
incapacitação do paciente, mas ele tinha uma prova. "Recentemen- da insegurança masculina reza que os homens na verdade precisam
te me masturbei na noite anterior à entrevista no Today Show." Ele ter uma conversa de mulher com as mulheres. Mas eles só podem
sorriu. "E guardei a fita — estou dizendo, fiquei balbuciando feito fazer isso se a mulher conseguir, pelo menos um pouco, ter um
um perfeito idiota!" conversa de vestiário masculino com eles. O que não deve ser um
"OK", eu disse, "então vamos analisar o que é que lhe deixa tão problema muito grande porque, psicologicamente falando, os ho-
exausto assim". Bem, acabamos descobrindo que o que esgotava o mens e as mulheres são fundamentalmente mais parecidos do que
paciente não era o ato da masturbação em si, e sim as fantasias que diferentes — não obstante os sete atributos masculinos. Apesar des-
acompanhavam o ato. Nessas fantasias, ele lutava a guerra dos se- te livro ter destacado, devido ao seu tema central, as diferenças en-
xos — alternando entre um comportamento autoritário em que di- tre os sexos, acredito que aquilo que une os homens e as mulheres,
zia às mulheres "Tira a roupa", "Chupa meu pau" e "Diz que eu sou no final das contas, supera aquilo que os separa. E mesmo aquilo
o maior", e um comportamento delicado, em que era um rapaz que os separa não precisa levar a uma polarização. Com um pouco
sensível e pubescente, seduzido por uma mulher mais velha, enor- de amor e muito esforço, até mesmo nosso exato oposto pode se
me, com um pênis artificial amarrado. transformar em nosso melhor complemento.
Como era uma pessoa simpática e saudável, esse rapaz não con-
seguia imaginar a realização dessas fantasias de dominação e sub-
missão na vida real. Mas também não conseguia ficar excitado com
nada mais — motivo pelo qual ainda era virgem. Acredito que uma
forma de atacar esse problema teria sido incentivá-lo a testar a
concretização dessas fantasias no mundo real — atuando num pa-
pel, com uma prostituta, de algum modo. Minha técnica, porém,
foi diferente. Eu achei que ele precisava não de sexo, e sim de uma
implementação não-sexual de suas fantasias: um relacionamento
amoroso com uma pessoa que fosse feminina o suficiente para ra-
ti i i.ir sua maltratada masculinidade, mas também masculina o sufi-
iciite para reavivar sua feminilidade reprimida. Na verdade, é disso
Notas

I. Faço uma alusão aqui, num único e curto parágrafo, a uma série de relações comple-
xas entre diversas variáveis importantes. Primeiro, há o nosso equipamento emocio-
nal, ou seja, nossa biologia, a qual, como vimos, oferece uma explicação sociobiológica
das diferenças entre os sexos. Segundo, há o software humano, que consiste em (I) a
influência sociocultural externa, (2) o desenvolvimento psicológico interno e (3) a
interação entre esses dois. E, é claro, esses três também interagem com o equipamen-
to sociobiológico. Apesar de, na realidade, nenhum deles, equipamento e software,
poder estar separado um do outro, para fins de discussão não remos escolha senão
deixar de acreditar nesse fato. Comopsicólogo, na minha análise do desenvolvimen-
to masculino — por necessidade de concisão e de informalidade neste livro — só
poderei tratar dos itens (2) e (3) anteriores. Esses aspectos do desenvolvimento serão
melhor discutidos no Capítulo 4.
2. Para mim, o espaço interpessoal da Internet também faz lembrar o conceito de D. W.
Winnicott dos fenômenos transicionais.
3. Essa análise é sabidamente incompleta, talvez até mesmo simplória. Uma das observa-
ções teóricas menos conhecidas porém mais importantes de Freud foi que o compor-
tamento humano era "sobredeterminado". Isso significa que, muitas vezes, ele tem
mais causas do que é minimamente exigido para deflagrar qualquer comportamento
dado. Infelizmente, para conseguirmos escrever sobre a contribuição de um fator
para determinado padrão comportamental, somos obrigados a ferir esse princípio e a
examinar uma causa de cada vez.
4. Não se deve ignorar que muitos dos criadores de imagens masculinas andróginas são
gays ou bissexuais, o que levanta uma questão sobre a ligação entre insegurança mas-
culina e homossexualidade em geral. Por exemplo, com relação ao esforço dos ho-
mens em aceitar sua feminilidade, poder-se-ia dizer que (I) homens gays ou bissexuais
representam uma integração mais equilibrada, talvez até ideal, das identidades mas-
culina e feminina, ou que (2) sua orientação sexual indica sua incapacidade de conci-
liar sua identidade feminina de uma maneira mais "saudável", tim Nexual — que a
visão da psicanálise clássica.
330 • Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 411' 331

Acredito que ambas as proposições são falsas. Apesar da relação entre a identidade desigualdade e, portanto, tem de ser negada. Esse medo do "outro" está no cerne do
sexual e a orientação sexual estar fora do escopo desse livro, gostaria de frisar dois racismo e de outras formas de escolha de bodes expiatórios dentre os que são diferen-
pontos relevantes sobre a homossexualidade masculina. Primeiro, pela minha experi- tes. O segundo processo psicológico repousa sobre a suposição oposta, segundo a
ência, os sete desafios masculinos nesse livro são tão relevantes para homens gays qual as semelhanças entre as pessoas significam a perda de uma identidade à parte,
quanto para os heterossexuais. Segundo, uma revisão histórica da atitude das socieda- uma perspectiva que deve ser evitada por meia de uma separação violenta.
des em relação à homossexualidade está em conformidade com minha visão do con- Num sistema político democrático como o nosso, esses processos psicológicos aca-
flito da insegurança masculina. Conforme ressaltado pelo psiquiatra Robert Liebert, bam politizando-se, e os interesses políticos resultantes reforçam ainda mais esses
da Grécia antiga à Idade Média, e da Renascença até os dias de hoje, os sistemas mesmos processos psicológicos. Então, por razões tanto psicológicas como políticas,
sociais têm demonstrado uma ambivalência fundamental no que diz respeito à ho- o tema da diferença entre os sexos dificilmente pode ser neutro. Obviamente, eu sinto
mossexualidade masculina. Ou seja, alternando entre condenação e perseguição e que os conceitos de masculinidade e de feminilidade psicológica baseiam-se em carac-
tolerância e aceitação (normalmente limitada), eles sempre encontraram um meio de terísticas concretas relacionadas ao sexo, unia idéia que encontra apoio no bom sen-
proibir e de permitir o estilo de vida homossexual. so, na experiência clínica e em grande número de pesquisas empíricas. Ao mesmo
Uma interpretação dessa dualidade é que, apesar da homofobia masculina — que tempo, acredito que as diferenças não implicam em desigualdade. Ao contrário, como
está em conformidade com o medo que os homens têm de sua própria feminilidade em toda situação de grupo, quando tratados com cuidado, o reconhecimento, a acei-
— ser a força psicológica que está por trás da condenação da homossexualidade, a tação e o aprofundamento das diferenças entre membros de um grupo só pode levar
necessidade de expressão da feminilidade masculina apresentada pelos homens é a ao respeito mútuo e, paradoxalmente, a maior mistura e "polinização" cruzada. Na
razão psicológica para sancioná-la. Nem é preciso dizer, essas duas motivações psico- verdade, como tentei mostrar neste capítulo, a própria premissa deste livro se baseia
lógicas são, na maioria dos homens, inconscientes. nesse paradoxo.
5. Diferente dos rapazes, porém, ao desenvolver sua identidade sexual, as meninas não Como espero que esse caso tenha demonstrado, o conceito da divisão masculino-
precisam passar pela transição entre identificar-se com sua mãe e identificar-se com feminina não implica intrinsecamente que mulheres ambiciosas, preocupadas com a
seu pai. Essa diferença no desenvolvimento, que foi discutida pela primeira vez por carreira profissional, estão destinadas a acabar com homens "fracotes", feminilizados
Freud, tem importantes implicações para ambos os sexos. Já falei delas em relação aos -- ou sem homem nenhum. Na realidade, porém, algumas mulheres masculinizadas
homens mas, infelizmente, as implicações referentes às mulheres (que, por sua vez, correm o risco de terminar num relacionamento com um homem feminilizado. Cha-
têm importantes conseqüências para os homens) estão fora do escopo deste livro. mo isso de risco porque é bastante provável que, com o passar do tempo, um ou mais
6. Espero que isso não pareça presunçoso. Apenas desejo sugerir que estou procurando parceiros nesse tipo de relacionamento podem precisar expressar sua outra identida-
olhar a questão do ponto de vista da mulher, não que eu de fato saiba, ou possa saber, de sexual, reprimida ou negada e, nesse momento, a não ser que o arranjo psicológico
o que uma mulher sentiria na situação desse paciente. Isso me lembra uma conversa entre as duas partes seja bastante flexível, o relacionamento não irá sobreviver.
durante um jantar a que compareci nos anos 1980. Naquele evento algo formal, a Isso, aliás, é válido para muitos-relacionamentos que se baseiam na comple-
conversa descambou para o tema do feminismo. A certa altura eu disse que, de um mentaridade em vez de na similaridade entre parceiros. Na terapia de casais, vemos
ponto de vista estratégico, não era inteligente que o movimento feminista alegasse muitas vezes casais que se sentiram inicialmente atraídos um pelo outro (pelo menos
que não havia diferenças psicológicas entre os sexos. Assim que terminei de falar, uma em parte) porque o outro era diferente dele/dela nalgum importante fator, mas agora
mulher do outro lado da mesa se levantou e gritou: "Quem é você para falar pelo se ressentem um do outro exatamente por causa dessa diferença.
feminismo? Quais são suas credenciais feministas? Me mostre a sua vagina!" Os con- Por exemplo, se eu tendo a ser um sujeito controlado, organizado e atencioso, que
vidados à mesa ficaram tão chocados com o comentário que, como que por um acor- planeja tudo na vida, posso me sentir atraído por uma parceira espontânea, exube-
do tácito, todos simplesmente o ignoraram, e a conversa rapidamente entrou num rante e impulsiva, para que eu possa experimentar essas qualidades através dela. O
assunto mais neutro. problema é que se eu não for capaz de experimentar essas qualidades por mim mesmo
Talvez esse incidente não tenha sido senão um percalço passageiro na história da (com ou sem a ajuda de outra pessoa, mas por mim mesmo), isso significa que estou
guerra entre os sexos, nesse caso, entre um homem sabichão e uma mulher ressentida. resistindo a elas dentro de mim -- todo mundo que já foi criança têm essas qualidades
Mas, para mim, teve a ver também com os perigos do politicamente correto na era do dentro de si. Isso significa que essas qualidades são ameaçadoras para a organização
feminismo. E, apesar de podermos estar hoje numa era pós-feminismo, o politica- da minha personalidade e que, portanto, o que hoje é encantador a respeito da espon-
mente correto continua entre nós. Em termos de feminismo, ele parece tomar um de taneidade da minha esposa em breve se tornará inacreditavelmente irritante e, na pior
dois pontos de vista diametralmente opostos: ou não há diferenças psicológicas entre das hipóteses, intolerável.
homens e mulheres c, portanto, eles precisam ser tratados exatamente da mesma Em outras palavras, apesar de inicialmente complementares, os opostos — quando
forma sob todos os aspectos, ou as mulheres são tão diferentes dos homens que pre- não conciliados internamente — acabam se polarizando. Então, para uma mulher
k. 'sant, de urna forma ou de outra, apartar-se deles. masculinizada, a questão mais importante não é se ela é "agressiva demais", mas se ela
A meu ver # esses pontos de vista extremos são basicamente o resultado de proces- está ou não sintonizada com sua própria vulnerabilidade, receptividade, sensibilidade
m,s lis', olNicom que mino mutuem a forma de ideologias políticas. O primeiro pro- etc. Desde que esteja, agora podemos perceber, ela não estará fadada a dividir sua vida
0440 PSiR.4 OiNit 41 envolve a suposição de que a diferença entre as pessoas significa com um homem fraco. Tampouco correrá qualquer risco de terminar ficando sozinha.
332 -4e. Se os Homens Falassem... ALON GRATCH 41^ 333

Numa nota feita a essa nota, devo acrescentar que, a essa altura, usei o termo calmamente sem nenhum outro sinal de que ela esteja sendo coagida. No caso de
"mulher masculinizada" de uma maneira que começa a soar não só como um rótulo infanticídio entre os chimpanzés, parece que o próprio ato torna o matador atraente
superficial, mas também como algum tipo de maldição. Quanto ao primeiro, não para a mãe do filhote morto — presumivelmente porque ele pode oferecer a ela
nego que o conceito da divisão masculino-feminina simplifica demais a complexida- proteção contra outros machos matadores de filhotes.
de dos relacionamentos íntimos. Quanto ao último, sinto que se você adotar a estra- Ao fazer comparações com os seres humanos, Wrangham e Peterson oferecem
tégia emocional da integração andrógina, ser a tal mulher masculinizada é uma bên- um argumento importantíssimo, ainda que assustador. Eles explicam que a violência
ção disfarçada. Nessa situação, sua identificação masculina é um aliado consciente e entre os macacos não é mera questão de impulso inato fora de controle. Em vez
não um sabotador inconsciente. disso, ela vem sendo reforçada ao longo da evolução porque funciona, e funciona
8. Quanto ao feedback oferecido às crianças, será que os pais devem simplesmente não só por causa da vulnerabilidade das fêmeas, mas porque os macacos são, na
deixar de elogiar seus filhos? Bem, dizer "Você é uma menina muito esperta" é algo verdade, inteligentes. Ou seja, diferente de outras espécies, seu uso da violência é
bastante inocente e, de certo modo, dá à criança urna mensagem de força que ela guiado por urna compreensão cognitiva de como ela irá garantir o que eles desejam
pode internalizar. Por outro lado, também pode dar a entender que ser esperta é em seus relacionamentos. O assustador, é claro, é que somos ainda mais inteligentes
uma condição para obter aprovação e amor e, portanto, pode ter o efeito contrário. e, portanto, podemos fazer uso ainda maior de nossa agressividade natural — o que
Em última análise, tudo depende de como é dito e de onde parte, emocionalmente temos obviamente feito ao produzir tecnologias cada vez mais destrutivas e assassi-
falando, vindo do pai ou mãe. Mas, seja qual for o caso, é bom lembrar que um bom nas.
desempenho é em si mesmo gratificante e, portanto, auto-suficiente, muitas vezes 12. Por incrível que pareça, até mesmo essa hipótese puramente psicológica parece ter
tornando desnecessários elogios adicionais. um equivalente no mundo dos macacos, do qual procurei me separar. Segundo consta,
9. Há um paralelo importante e comum a essa dinâmica pai-filho nos relacionamentos o orangotango que estupra pertence a uma classe especial de machos que são fisica-
entre mães e filhas, o que equivale a dizer que, para um pai ou mãe, um filho de mente menores e que, portanto, não são voluntariamente procurados pelas fêmeas.
mesmo sexo oferece mais uma "oportunidade" para identificação e projeção de É assustador e provavelmente cientificamente errôneo relacionar isso diretamente
vulnerabilidades narcisísticas do que um filho do sexo oposto. com o estupro humano. Mesmo assim, não se pode evitar especular que, se eles
10. Cientificamente falando, parece haver diversos tipos de agressividade e, do ponto de falassem, esses pequenos machos orangotangos contariam uma história parecida com
vista da pesquisa, é importante definir o que se quer dizer exatamente com o termo. a que os homens agressivos contam para seus terapeutas. Claro, o fato de não terem
Por falta de espaço, não farei isso aqui. Acredito que a forma como uso a palavra uma língua — muito menos terapeutas — não é acidental. Com efeito, a capacidade
ficará evidente quando eu falar de meu trabalho com os pacientes neste capítulo. de pensar e conversar sobre a própria história articulando-as em palavras muda a
Não obstante, uma distinção que eu gostaria de fazer é entre violência masculina e própria história, não apenas na hora em que se a conta, mas até mesmo antes, à
agressividade masculina. Apesar de as duas estarem relacionadas, a agressividade a medida que seus eventos e elementos são concebidos e desenvolvidos na vida da
que me refiro neste livro é de natureza psicológica ou interpessoal, não física. pessoa. Voltarei a falar desses orangotangos comparados aos homens um pouco mais
11. Nesse espírito, é importante examinarmos com mais atenção a teoria de Wrangham a frente, mas, para uma discussão mais abrangente sobre as semelhanças e diferenças
e Peterson. Ao reverem a pesquisa com macacos, esses pesquisadores apresentam do estupro entre os orangotangos e os seres humanos, veja Wrangham e Peterson.
um quadro de violência masculina com um padrão extraordinariamente significati- 13. O motivo para o castigo de Apoio, aliás, sugere um motivo psicológico em peculiar
vo, que é a um só tempo chocante e familiar. Em todos os três casos, a premissa conformidade com nossa teoria da insegurança masculina: o Cupido lançou suas
básica é a de que os machos usam a força para aumentar suas chances de reprodu- setas porque Apoio tinha desafiado sua hombridade — "'Ó, tolo jovem', disse Apoio
ção. O orangotango macho faz isso pelo estupro — a maioria dos orangotangos para Cupido, 'O que estás fazendo com essas armas? Elas são para adultos!'" É
fêmeas é estuprada regularmente — e o chimpanzé faz isso pela agressão — todas as oportuno, portanto, que o castigo de Apoio fosse a rejeição de sua própria masculi-
fêmeas chimpanzés são espancadas. Quanto ao gorila, esse macaco normalmente nidade — e por uma mulher!
dócil e pacato pratica o infanticídio. O detalhe realmente estranho no caso do gorila 14. Por estranho que pareça, essa síndrome eminentemente humana pode nos levar de
é que, depois que o macho mata o filhote da fêmea (pertencente a outro macho), a volta ao nosso passado simiesco. Conforme falei antes, no mundo dos orangotangos
fêmea pode voluntariamente se juntar ao matador e ter seu próximo filhote com ele. praticamente todas as fêmeas são estupradas. Mas nem todos os machos estupram.
Ela pode até passar o resto da vida com ele. Isso a despeito do laço fortemente Conforme dito anteriormente, os que estupram são os orangotangos adultos com
afetivo com o filhote morto. corpo de adolescente, que não fazem muito sucesso com as fêmeas, presumivelmente
A lógica do infanticídio entre os gorilas, segundo Wrangham e Peterson, é a mes- porque eles são menos aptos a oferecer proteção. Poderíamos dizer que esses maca-
ma do estupro e da agressão adotados por seus primos orangotangos e chimpanzés. cos têm uma motivação psicológica para a conquista por causa dessa rejeição gerada
O tema em comum é a vulnerabilidade da fêmea e o desejo do macho de controlá-la por essa inferioridade? Bem, podemos dizer o que quisermos, mas o fato é que
para ficar com ela, para todos os efeitos, sem resistência. No caso da agressão entre ninguém sabe.
os chimpanzés, por exemplo, o macho ataca a fêmea inicialmente com o propósito Ainda mais intrigante é o fato de que esses pequenos orangotangos têm uma
de fazer a corte. Pelo ¡eito, após diversos ataques desse tipo, a fêmea acaba seguin-
do-o até o limite do território da comunidade, onde os dois podem andar ¡untos
In 1 vantagem sobre os machos de tamanho normal — eles são bem mais rápidos, tanto
que, diferente dos machos de tamanho normal, conseguem alcançar uma fêmea em
334 4- Se os Homens Falícssem... ALON GRATCH 4• 335

22. Esse caso mostra alguns dos perigos e limitações de se aplicar a teoria psicanalítica ao
fuga. Portanto, em termos de sua busca pela capacidade reprodutiva, eles compen-
sam uma inferioridade, transformando uma desvantagem em vantagem — o que trabalho com indivíduos. Não só não podemos compreender um sonho sem um
não é tão diferente do que faz um tipo Doo Juan a respeito do qual falo aqui. A grande conhecimento a respeito de quem sonha, como também não podemos gene-
diferença é que sua técnica é decididamente humana, dependendo mais do cérebro ralizar a experiência de um paciente aplicando-a a outro. Além disso, precisamos ser
e da emoção do que de músculo e força. cuidadosos ao generalizar de um grupo de pacientes para as pessoas em geral. Esse
15. É tentador dizer que isso não é verdade se você for paranóico. Porém, a verdade é último ponto tem se constituído numa importante e legítima crítica feita à psicaná-
que não só, como se costuma dizer, os paranóicos podem ter inimigos de verdade, lise desde seus primeiros dias e, em considerável medida, também pode ser aplicado
a esse livro.
como também os paranóicos sempre têm inimigos de verdade. É assim porque o
23. Essa formulação, conforme exemplificada talvez em meu próprio sonho, indica a
indivíduo paranóico têm tanto medo de um ataque que ele ataca primeiro, dessa
forma criando um inimigo, o que, curiosamente, justifica e fortalece sua paranóia. vocês algo sobre a dinâmica sexual entre o paciente homem e a terapeuta mulher.
16. Em termos gerais, o conceito da compulsão de repetição é responsável por uma das Obviamente, essas dinâmicas são diferentes da dinâmica homem-a-homem descrita
ferramentas mais importantes do terapeuta psicanalítico. Muitos pacientes sentem- na minha experiência com meus pacientes. Não obstante, conforme vimos antes ao
se compreensivelmente frustrados quando o terapeuta se concentra na interação falar no Egocentrismo: entre o amendoim (peanuts) e o pênis também há importan-
tes semelhanças,
paciente-terapeuta em vez de se concentrar naquilo que eles consideram os relacio-
namentos ou problemas mais importantes que os fez procurar a terapia. Porém,
como, de algum modo, repetimos nossos padrões, inclusive nossos padrões
destrutivos, em todos os relacionamentos, e porque eles se tornam especialmente
evidentes quando a outra pessoa é relativamente neutra, a forma como o paciente se
liga ao terapeuta pode ser uma fonte inestimável de dados diretos para o terapeuta
e o paciente trabalharem juntos.
17. Essa descrição se baseia nos conceitos dos Selves (Eu) Verdadeiros e Falsos, desenvol-
vidos por um dos meus gigantes psicanaliticos favoritos, D. W. Winnicott.
18. Em algumas situações, essa sensação — de não estar no banco do carona na vida de
outra pessoa — simplesmente não é útil e, portanto, precisa ser mudada. Por exem-
plo, se alguém está prestes a causar um dano irreversível a si mesmo ou a terceiros
— suicídio e homicídio são os dois exemplos mais extremos —, é preciso intervir e
assumir completo controle da situação, mesmo que, no final das contas, isso apenas
reforce tendências autodestrutivas. Poderemos trabalhá-las mais tarde. Também, dadas
determinadas condições, procedimentos terapêuticos específicos — tais como "in-
tervenção" sobre usuários de drogas — podem romper o círculo autodestrutivo
muito antes que o indivíduo atinja o fundo do poço.
19. Esse caso pode suscitar questões relevantes para a psicologia do estupro no namoro.
Minha intenção aqui é apenas investigar o papel da distância emocional na expres-
são sexual masculina. Eu não possuo conhecimentos específicos sobre o tema do
estupro no namoro mas, instintivamente, não consigo cogitar de justificá-lo valen-
do-me do conceito de distância emocional. Apesar de a psicologia masculina obvia-
mente exercer um papel no estupro no namoro, é igualmente óbvio que a maioria
dos homens não pratica estupro, no namoro ou em qualquer outra situação.
20. Há importantes distinções a serem feitas aqui, por exemplo, entre algo que realmente
nos excita e um fetiche, ou entre um desejo de dominação sexual e o estupro, ou entre
transar na mata e exibir-se na rua. Esse tipo de discussão está fora do escopo desse
livro, mas, pessoalmente, minha opinião provisória é que a definição de patologia
nessas áreas é, em última análise, uma questão mais sociocultural do que científica.
21. Essa diferença, acredito, é algo teórica. Na realidade, acredito, a maioria das pessoas
tem potencial hissexual e fica em algum ponto entre a pura heterossexualidade e o
puro homossexualismo. Em outras palavras, não estou certo sobre a partir de que
ponto uma pessoa passa a ser verdadeiramente gay e quais sNo os diversos fatores
gnvolvidos,
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Índice

Abuso ansiedade de separação, 203, 245-250


de crianças, 81, 232-233, 234, 238, 253- ansiedade quanto ao desempenho, 122-127,
254, 276 154, 158-163, 296-303
de entorpecentes, 245 (Veja também vício) ansiedade simbiótica, 113-114
resultado da, 235 Ar istóteles, 177
sexual, 81-82, 176-177, 234 Arte de Amar, A (Fromm), 275
violência doméstica, 27, 200-203 atributos masculinos, sete, 18-30
agressividade feminina. Veja mulheres desafios dos, 39-40
agressividade masculina (eu lhe mostro quem atuação sexual. Veja sexualidade masculina
é que manda), 26-28, 180-181, 199-238 Atwood, G., 31
autodestrutividade e, 29, 2532540, 260 autodestrutividade (eu sou mesmo um
biologia e, 198-199 fracassado), 28-29, 239-274
como necessidade, 31-32, 131 consumo de drogas como forma de, 245
e fantasias sexuais, 211-213, 312-316 e agressividade, 29, 251, 260
e ortodoxia, 262 e suicídios, 35, 240
e violência doméstica, 200-203 e terapia (resistência a), 265, 271
manifestação inconsciente da, 33-34 hipermasculinidade e, 244, 250, 253
na cultura sâmbia, 112 insegurança masculina e, 242, 318-319
oculta pela divisão sexual, 211-212, 213 narcisismo e, 263
secreta, 261 sexual, 321
sexualização da, 310-318 técnicas para lidar com, 265-274
sobrevivência, 231 auto-rejeição, 153-154
sublimação da, 223-224 mulheres e, Veja mulheres
técnicas para lidar com, 203-205, 213-222 auto-satisfação, 280, 303. Veja também
AIDS, 228, 229, 231 narcisismo
ambivalência, 89-94, 126
na identificação sexual, 131-133 Barbara Bush, o homem que queria ser, 62-65
sobre o sexo, 297, 298 Benigni, Roberto, 76
amor, curativo, 66 Bernhard, Thomas, 263
amor-próprio, 65-66, 206-207 Bernini, Gianlorenzo, 206
narcisismo e, 24-25, 153, 163 Bollas, Christopher, 85, 263
analogia da bela e da fera, 183-188 Bolsa de Valores de Nova York, 122
androginia, 139 - 146 bonecas Barbie, 46, 139, 148
Angrist, Stanley, 14.3 Bowit, David, 140
oo<743)
ri 42 4- Se os Homens Falassem... ALON G RATC 1-1 4" 343

Bromberg, Philip, 269 DiCaprio, Leonardo, 141 e vergonha, 63-67, 71, 279 impotência. Veja sexualidade masculina
Buchanan, Par, 151 diferenças de gênero medo de garrafa de cerveja, 116-121 impulsão de morte (Tanatos), 264-265, 322
e "desvio" de comportamento, 58-59 pornografia e, 284-285 influência cultural, 233-234, 252, 261-262,
casos extraconjugais, 87,156, 292 solução das crianças para, 148-149 fatores sociobiológicos, 56. Veja também 263
Castelo, O (Kafka), 237 dinâmica da imagem no espelho, 56 predisposições biológicas e narcisismo, 160-162
celibato, 325-326 Disfunção de Personalidade Narcisística, 193 fazer perguntas (como técnica terapêutica), tribo sâmbia, 111-114
choro, 33, 42, 46, 121 disfunção do desenvolvimento, 88 17, 64, 66 Insegurança feminina, 297
mulheres, reação dos homens ao das, 115, distância emocional (não sei o que eu sinto), feedback positivo, 161 Insegurança masculina (estou cansado de ficar
204 20, 73-110, 134 feminilidade por cima), 21, 31, 111-149
Veja também vergonha (meninos não abuso sexual e, 81-82 aceitação masculina da, 22-23, 139, 222 conflitos no trabalho devido a, 123
choram) como vantagem, 87-88 medo masculino da, 33, 111-115, 120-121, e autodestrutividade, 242, 318-319
cirurgião como metáfora, 83-84 dependência e, 90-91 122, 133, 141, 153 e egocentrismo, 25
Clinton, Bill, 59, 122, 231, 267 e memória emocional, 104-105, 107 na cultura sâmbia, 112 e homossexualidade, 301
codependência, 154. Veja também e sexualidade, 281-289 Veja também mulheres e sexualidade, 289-303, 326-327
dependência no namoro c relacionamentos, 87, 93 feminismo, 22-23 idéias "clínicas" sobre, 33
competitividade, 41-42, 219-220 perda e, 75-77 Fracassado, O (Bernhard), 263 medo da feminilidade, 33, 111-115, 121,
complexo de Madonna-Whore, 211 perigos da racionalização na, 109-110 fracasso. Veja sucesso ou fracasso 133
compromisso, 175, 214 reações atrasadas ou deslocadas, 86-87 Freud, Sigmund, e teoria freudiana, 18, 119, reação agressiva à, 221-222
homem "compromissofóbico", 62, 92-93 técnicas para lidar com, 99-106, 108-110 210, 234, 293, 318 técnicas para lidar com, 142-149
medo de, 91, 292 divisão masculino-feminina conflito edipiano, 219, 225, 282 Internet, a, 94-95, 98, 100, 168
compulsão pela repetição, 235 divisão masculino-feminina, 23, 36-38, 56, exibicionismo, 181 intimidade virtual, 94-99
comunicação 141 impulsão de morte, 264, 322 intimidade virtual, 94-99
"aberta", 215 aspectos não-sexuais da, 298 Fromm, Eric, 175 "inveja da vagina", 91
não-verbal (na autodestruição), 267 no namoro, 127-133 inveja do pênis, 115, 153
pelo sexo, 29 nos relacionamentos, 133-138 Gray, John, 44, 84 Isay, Richard, 301
problemas de (nos relacionamentos), 39-40, divórcio litigioso, 58 guerra árabe-israelense, 32
84 Donatello, 140 Guerra e Paz (Tolstoi), 75 Jackson, Michael, 140
vergonha e, 20, 46, 64, 71, 85 Dostoievski, Fiodor, 64, 258, 272 Guntrip, Henry, 95 Jagger, Mick, 140
confissão, 43, 47, 278 Jeremias (profeta), 162
conflito edipiano, 219-220, 225, 282 ego masculino intelectualizado, 151 Herda, Gilbert, 111-112 Julgamento, O (Kafka), 238
crianças egocentrismo (olhe para mim, ouça-me, Hermafrodita, 142 Julgamento, O (Kafka), 238
abuso infantil, 81, 232-233, 234, 238, 253- toque-me, sinta-me), 24-26, 151-195 hiperferninilidade, 24, 135 Jung, Cari, 31
254, 276 como bem no trabalho, 162-163 hipermasculinidade, 24, 32, 35, 135, 292
e diferenças de género, 148-149 do chefe tirânico, 168-172 e autodestrutividade, 244, 250, 253 Kafka, Franz, 235-238, 250, 257, 264
poder das, 28, 257 e masturbação, 302-304 Holocausto, o, 76-77, 226 • Kohut, Heinz, 153, 162
uso do espaço pelas, 153. Veja também e namoro e relacionamentos, 164-172 Homens São de Marte, Mulheres São de Vênus Kubrick, Stanley, 321, 322
relacionamentos pai-criança; e narcisismo/antinarcisismo, 153-163, 171, (Gray), 44, 84 Kundera, Milan, 151
relacionamentos mãe-criança 172-183, 188-195, 307 homossexualidade, 126, 227-229, 231, 290,
crises relacionadas ao trabalho, 15, 103-104 técnicas para lidar com, 189-195 301-302, 309-310 lágrimas. Veja choro
ejaculação precoce, 298-300 medo da, 30-111 lenda de ícaro, 25
Dafne, Apoio e (mito), 206-208 emparia, falta de, 87, 90, 168, 183, 286 na cultura sâmbia, 112 Lewis, Michael, 48, 56
Davi (1Vlichelangelo), 140 Erikson, Erik, 153 virtual, 95 listinha. Veja namoro e relacionamentos
De Olhos Bem Fechados (filme), 321 escutar, importância de (e deixar de ouvir), Horney, Karen, 90 Lynch, Peter, 300
defesa "esquizóide", 91, 95 151, 287
Dernóstenes, 113 estudo de campo da Universidade da identificação sexual, 22, 111-115, 135-138, Máfia no Divã (filme), 191
Departamento de Polícia da Cidade de Nova California, 153 305 Mandela, Nelson, 104
York (NYPD), 34-35 exibicionismo, 152, 181, 305-306, 310 ambivalente, 131-133 masoquismo, 25, 174, 181, 318
Dependência expectativas da família, 32-33, 163 das mulheres, 142-143, 148 sexual, 315
e codependência, 174 defensiva (e "síndrome de Estocolmo"), masturbação, 277, 298, 302-303, 306, 313,
negação da, 90-91, 245 (Veja também Faces in a Cloud: Intersubjectivity in 132 317,326
ansiedade de separação) Personality Theory (Stolorow e Atwood), 31 e androginia, 139-146 McCarthy, Barry, 298, 300
depressão, 85, 175, 243, 245, 256, 277 fantasias sexuais, 16, 270, 283, 306, 319, 321 c homossexualidade, 301 mecanismo compensatório, 153
racionalizada, 75-77 agressividade e, 211-213, 312-317 e perversão, 315 meio empresarial americano, 121
Dershowitz, Alan, 151 autodestrutividade e. 270 Veja também predisposições biológicas; metáforas esportivas, 108
"desvios" de comportamento, 58-60, 279-280 distância emocional e, 29-30, 176-1 7 7 impaciência, 27, 102 Metamorfose (Kidlia), 264
ALON GRATCH *** 345
344 -4e. Se os Homens Falassem...

sexualidade masculina
Ramo, Simon, 143
Metamorfoses (Ovídio), 206 mulheres e, 128-131
reação de luta ou fuga, 86, 130
abuso sexual, 81-83, 176-177, 234-235
Michelangelo Buonarroti, 140 penetração na, 222-225 atuação (eu quero sexo agora), 29-30, 275-
Reagan, Ronald, 122
Miedzian, Myriam, 90, 198 problemas de comunicação, 84 327
Real, Terrence, 198, 232-233
mito de Apoio, 206-208 relação paciente-terapeuta, Veja terapia como defesa, 289-290
reificação sexual. Veja mulheres
mortalidade, negação da, 26. Veja também virtual, 98-99 distância emocional e, 281-289
rejeição, 80
morte, reação à Não Quero Falar Sobre Isso (Real), 232 relação pai-criança. Veja relacionamentos pai-
divisão sexual (e agressividade), 211, 213
Morte de Ivan Iliicb, A (rolstoi), 38 narcisismo, 25, 122, 153-163, 324 e agressividade, 310-318
criança
morte, reação à, 74-77 autodestrutividade e, 263 relacionamento paciente-terapeuta. Veja e celibato, 325-326
mortalidade, negação da, 26 auto-rejeição e, 153-154 e narcisismo, 324
terapia
motoristas israelenses, 253 auto-satisfação como forma de, 303-304 relacionamentos mãe-criança, 91, 102, 145- ejaculação precoce, 298-301
movimento feminista, mudanças criadas por, 22 de mulheres, 24, 156-1,57, 160-161, 183, 307 impotência, 21, 122, 123-127, 296-299
146, 165-168, 200
Mozart, Wolfgang Amadeus, 212 do chefe tirânico, 171-172 insegurança masculina e, 289-302, 326
ansiedade de separação, 203, 248, 249
Mulheres e antinarcisismo, 153, 172-183, 305 masturbação, 277-278, 298, 302-303, 306,
ansiedade simbiótica, 113-114
agressividade das, 24, 28, 200, 215, 217, necessidade de reconhecimento, 122 313, 317, 326
e divisão sexual, 211
(agressividade masculina em relação a) 27-28 projeção do, 179 sadismo sexual, 317-318, 325
e fantasia sexual, 64-65, 270-271
como sobreviventes, 36 que produz mais narcisismo, 160 seminário sobre, 18, 29
e insegurança masculina, 289-296
decodificando o comportamento masculino, técnicas para lidar com, 188-195 sintomas, 15
identificação ambivalente com a mãe, 121,
13-14 tecnologia e, 172 técnicas para lidar com,V7-289
131, 315-316
difíceis, 39-40 vergonha ligada a, 184 pressão para ter sucesso, 161-162, 309 vergonha de, 63-67, 71, 81-83, 279-281
e androginia emocional, 142445 Veja também egocentrismo vício sexual, 324
raiva, 71-72, 240-244, 250, 314
e depressão, 254 Notas do Subterrâneo (Dostoievski), 258 relacionamentos paciente-terapeuta. Veja Veja também fantasias sexuais
e identidade sexual, 128-131, 142-143, 148 silêncio (como técnica terapêutica), 69-71
terapia
e insegurança feminina (ambivalência sobre objetividade, 31, 38 síndrome de Don Juan, 209-219
relacionamentos pai-criança, 51, 208-209,
o sexo), 298 obsessivo-compulsivas, tendências, 285 síndrome de Estocolmo, 132
248-249, 266, 277, 282, 302
e insegurança masculina, 142-144 opostos psicológicos, 135 síndrome do chefe tirânico, 168-172, 185
dilema de Kafka, o 232-238
e masturbação, 302-304 Orlando (Woolf), 139-140, 145 necessidade de identificar-se com o pai, e "funcionário tirânico," 260
e vergonha/auto-rejeição, 19, 48, 52-56, ortodoxia, 261-263 "sobrevivente", 226-232
117-118, 131, 242
153-154 Ovídio, 206, 207, 208 Soros, George, 226
pressão para ter sucesso, 162
hostilidade em relação aos homens, 239- Stern, Howard, 127
raiva, 255-2.57
240 Peck, Scott, 38 Stoller, Robert, 111-112 113, 11.5, 276, 291,
relacionamentos pais-criança
idealização da, 210 penetração, 222-225, 291 315
ambivakncia nos, 131
interação com homens, 38 pensamento estratégico, 21 Stolorow, R., 31
edipiano, 220, 225, 282
"masculinizadas" 128, 132 pensar (como técnica terapêutica), 64-65, 68 subjetividade do terapeuta, 30-31, 39
expectativas da família, 33, 162
na terapia, 127-131, 148 perda, sentimento de, 75-77, 194 mulheres nos, 129, 131, 162 submissão, masculina, 23. Veja também
narcisismo das, 24-25, 156, 160, 183, 307 personalidade "normórica", 85, 263 divisão masculino-feminina
na cultura sâmbia, 112-114
nos relacionamentos de namoro, 49, 128- personalidade "Tipo A", 122 sucesso ou fracasso, 231
ortodoxo, 262
131 personalidade fálico-narcisística, 122. Veja poder da criança, 28, 256-257 homens versas mulheres, 48
nos relacionamentos pai-criança, 129, 131, também narcisismo pressão para ter sucesso, 159-162 pressão para ter sucesso, 163, 309
L61-162 perversão, 71, 315. Veja também "desvio" de sensação de fracasso, 15
raiva versu.s culpa, 250
reação das, ao sentimento dos homens, 24, comportamento; exibicionismo; suicídio, 34-35, 240, 254
relacionamentos
101-102 masoquismo; pornografia; sadismo suicídios na polícia, 34-35
divisão masculino-feminina no, 133-139
reificação sexual da, 208, 211, 282-284 Peterson, Date, 198 Sullivan, Harry Stack, 72
namoro e, Veja namoro e relacionamentos
tolerância da, 58 polarização de casais, 23, 135 suposições psicológicas, 61
terapêtico, Veja terapia
vulnerabilidade das (reação masculina a), pornografia, 70, 278, 280 suposições, filosóficas e psicológicas, 61
Veja também relacionamentos pai-criança;
veja vulnerabilidade mulheres tratadas como objetos de, 283-285 relacionamentos mãe-criança
Veja também feminilidade; divisão predisposições biológicas, 197-199, 233-234, riso (como técnica terapêutica), 64, 67
tática de negociação, 21, 37
masculino-feminina 248, 276 técnicas terapêuticas, 64-71
ritos de passagagem, 232
fatores sociobiológicos, 56 (Peck), 38 tecnologia, 56
Road Less Traveled, The
namoro c relacionamentos, 184, 216-219 Veja também identificação sexual e narcisismo, 172
Rogers, Cari, 31
a listinha, 49-54, 187 preocupação fálica, 153, 154 televisão, 233
dinâmica pai-criança, Veja relacionamentos Prince (estrela do rock), 140 terapia de casais, Veja terapia
sadismo, 181
pai-criança; relacionamentos mãe-criança prostitutas, 177, 284 terapia
sexual, 318, 324
diatância emocional e, 88, 93 e antinarcisismo do estuprariam ., 177.182
Schnitzler, Arthur, 322
e divisão masculino-feminina, 127-138 racionalização, 151 homens que procuram. I
sete atributos masculinos, 18-30
egocentrismo e, 163-172 perigos da, 109-110
346 -41e - Se os Homens Falassem...

relacionamento paciente-terapeuta, 16-17, relacionamentos de namoro, 51-52


146-148, 177-182, 188-189, 221-222, 266, sobre questões sexuais, 62-67, 71, 80-83,
269-272, (gênero como fator) 37-38 278-280
resistência (do autodestrutivo) a, 264-265, técnicas para lidar com, 62-72, 280
271 Viagra, 121, 122, 127
subjetividade na, 30-31, 39 vício, 265, 267
mulheres na, 127-131, 148 em drogas, 220-221
de casais, 23, 27, 40, 52-53, 114, 190, 273, sexual, 323-325
311-312 Vida é Bela, A (filme), 76
restes projetivos, 35 violência doméstica, 27, 200-203
'Tolstoi, Lev, 38, 75, 76, 90 Veja também abuso
transferência, 174, 200 vulnerabilidade
tribo ianomâmi (America do sul), 220 "feminina," reação masculina a, 44-45, 112,
tribo sâmbia, 111-114, 122, 132, 141, 233 114-115, 135
vagina dentata, 281 negação masculina da, 120, 153, 187, 207
Vergonha (Lewis), 48 vergonha e, 54-58, 279-280
vergonha (meninos não choram), 19, 41-72, 192
e comunicação, 46-47, 64, 71-72, 85 Wall Street Journal, 143
e vulnerabilidade, 54-58, 280 Wall Street, 122-123, 226-227
narcisismo ligado com, 184 Walters, Barbara, 162
negação do sentimento de, 53-54, 68 Winnicott, D. W., 31
projeção dos sentimentos de, 54, 55-56, 69, Woolf, Vtrginia, 39, 139, 145
278 Wrangham, Richard, 199
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