Sunteți pe pagina 1din 117

peP"--

Ap •;•=

I SF::£- -
_• 4

II lief"ji Rre
0~;t4

ex~

• 42‘,7444 _ufa-7~ rrz;;s Urirs I


A nÁtv.41(,,,
o, ,a/
ki(7TLis

.&ei-ry4arrtiit'ic
1-4.“ (1/"-‘
J: 7~ 071Cx:e,te 1J,02-u" /

PAULO AUDEBERT DELAGE

O Cristão
E OS DESAFIOS DA PÓS-MODERNIDADE

c1,2 tlik
f
iala/uCz4m4 ( -774,Pifrri4IS

C4h111.4)61-4,4Cia;

e_ot;i4t.ex,/

- 1 1,e1hrt armar.

J2)0.3421‘
Editora Nossa Missão
Rua Paes Leme, 8-22, Sala 03
Jardim Flores
CEP 17013-280
Bauru-SP

(14) 3227-4892
(14) 3227-1760

www.editoranossamissao.com.br
contato@editoranossamissao.com.br
PAULO AUDEBERT DELAGE

O Cristão
E OS DESAFIOS DA PÓS-MODERNIDADE

Editora
Nossa Missão

SÃO PAULO. 2014


Copyright © 2014 Paulo Audebert Delage
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Nossa Missão

Capa
Bruno Sales

Projeto gráfico e diagramação


Bruno Sales

Preparação de textos
Fernando Alves

Revisão
Cristina Lavrador Alves

Proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia


sem a autorização por escrito da editora.
Os infratores estão sujeitos às penas da lei.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacgua CRB-8/7057

Delage, Paulo Audebert


O cristão e os desafios da pós-modernidade / Paulo
Audebert Delage. -- São Paulo : Longarina, 2014.

ISBN: 978-85-66262-01-8
1. Vida cristã 2. Cultura 3. Cristianismo e cultura 4.
Pós-modernismo - História 5. Pós-modernismo - Aspectos
religiosos - Cristianismo. I. Titulo
CDD 248.4
14 0059
-

Índices para catálogo sistemático:

1. Vida cristã — pós-modernismo


Dedico este livro ao Deus Triuno Criador Sustentador
e Redentor; à minha esposa Alice Gota rdelo Delage,
companheira zelosa de 36 anos; aos meus filhos, Paulo
Sias e Filipe; às minhas filhas, Débora e Raquel, a meus
genros e noras; e aos filhos de meus filhos, que pela
graça de Deus venha a receber
Sumário

Introdução 9
1 O apóstolo Paulo, o cristão e a relação com a cultura 13
2 Esboço da tradicional divisão da história humana 17
2.1 Fase Pré-histórica 18
2.2 Idade Antiga 18
2.3 Idade Média 19
2.3.1 Alta Idade Média 19
2.3.2 Baixa Idade Média 20
2.4 Idade Moderna ou Modernidade 20
3 Noções gerais sobre o conceito de pós-modernidade. 23
3.1 Início 23
3.2 Designação e uso do termo 24
3.3 Propostas 25
4 Cultura do relativismo 27
5 Cultura do pluralismo 33
6 Cultura do sincretismo 39
7 Cultura do pragmatismo 45
8 Cultura do consumismo 51
9 Cultura do excesso 57
10 Cultura do desperdício 63
11 Cultura do hedonismo 69
12 Cultura do efêmero 77
13 Cultura do imediatismo 85
14 Cultura do naturalismo 93
15 Cultura do esteticismo 103

Considerações finais 113


Referências Bibliográficas 117

8
Introdução

Em abril de 2013, tive o privilégio de pregar na


Igreja Presbiteriana Central de São Carlos (SP) e, na-
quela ocasião, houve interesse dos jovens para que
eu pudesse lhes falar em seu retiro, no acampamento
Palavra da Vida (Atibaia-SP), a acontecer no mês de
setembro. Aceitei a solicitação e reservei a data suge-
rida. O tema me seria passado posteriormente e veio
a ser o assunto do livro agora publicado.
Confesso que, ao me comunicarem o tema do re-
tiro, fiquei um pouco temeroso por falar a, aproxi-
madamente, 100 jovens sobre algo que envolve forte
carga de filosofia e ideologia. Os jovens (a maioria
deles) eram universitários e alguns já em pós-gradu-

9
(1) Nesse caso, a palavra inundo (no ação, inclusive doutorado. Isso fez aumentar minha
grego Minn) tem o sentido de "era",
"tempo presente"; 'século presente" expectativa, inclusive quanto ao aspecto ligado à fin-
ou "sistema socian e não de planeta.
(2)O movimento da contracultura guaem
w. g.- e à comunicação. Terminado o encontro (ao
.
tem origem nos Estados Unidos qual sobrevivi), deparei-me com material estruturado
nos anos 1960, com a geração beat
(beatniks), sendo estes os filhos de forma didática e com possibilidades de auxiliar
do pós-guerra e herdeiros de uma
situação de conforto, consumo e muitos outros cristãos em seus embates no contexto
orgulho nacionalista. Opõem-se,
exatamente, aos valores descritos e das culturas presentes nesse início de século XXI, in-
sustentados pela sociedade ameri -
cana, defendendo a paz o amor, a tegrante do que tem sido chamado pós-modernidade.
igualdade, a liberdade, a simplicidade Assim, embora não pensasse em escrever um livro,
etc. É uma forma de oposição à
cultura vigente_ Tem sua difusão com acabei sendo conduzido, pelo resultado positivo do
o movimento izippie celebrizado no
Festival de Woodstock. John Stott encontro, a tal iniciativa, disponibilizando mais essa
usará tal conceito de confrontação
à cultura reinante, dando feição à ferramenta aos cristãos, ainda que haja razoável ma-
contracultura cristã (titulo de seu
livro de comentário sobre o Sermão terial disponível sobre o assunto.
do Monte), ou seja, a cultura cristã
que se torna confrontadora do status
quo estabelecido na sociedade secular A estrutura básica do livro tem no Capítulo 1 uma
e não cristã. "Penso que nenhuma breve análise da visão do apóstolo Paulo quanto à
outra expressão resume melhor a
intenção de Jesus, ou indica mais cia- relação do cristão com o "mundo", baseada no texto
ramente o seu desafio para o mundo
atual, do que a expressão Contracul- da epístola aos Romanos, 12:1-3. Segue-se, no Capí-
tura cristr(STOTT, 1981, p. I).
(3) Palavra usada para significar a
tulo 2, a apresentação sucinta da visão tradicional da
"visão de mundo", ou seja, a forma divisão da história humana em quatro grandes perí-
como se apreende a realidade
que nos cerca em termos de odos, da pré-escrita até a modernidade. O Capítulo 3
comportamento, ideias, padrões,
costumes etc. Nesse sentido, vê-se: traz algumas considerações sobre a pós-modernida-
"Ernanuel Kant [...I teria cunhado
o termo Weitanschauung, traduzido de quanto a seu início, conceito, designações e pro-
posteriormente como o correlato postas, visando situar o leitor em relação ao tema
inglês worldview, em português,
cosmovisão (... J. Kant utilizara o geral do livro. Dos Capítulos 4 a 15 são apresentadas
termo como a capacidade humana
de intuir o mundo exterior à medida 12 manifestações culturais presentes na pós-moder-
que este é apreendido pelos sentidos
[...I A fertilidade do conceito - ni- dade e, a seguir, são colocados os desafios ao cris-
weitanschauun g o fez tornar-se, em
apenas sete décadas, uso obrigatório tão em relação a tais padrões, sendo aqueles vistos
em todo o universo intelectual como uma expressão de "contracultura cristã" 2 a es-
da Europa e dos Estados Unidos,
passando a significar a concepção tes, com a devida argumentação para sedimentar as
ou visão de mundo e da vida,
compartilhada por um individuo •' colocações feitas e os textos bíblicos de referência.
ou grupo social" (LEITE, 2006.p. c
41-43). Seguem - se, então, as considerações finais.
(4) Palavra grega usada pelo apósto-
lo Paulo, podendo ser traduzida por Esta não é uma obra de apologética, que visa com-
estrutura, molde ou "fôrma':
(5) Refere-se a qualquer época, bater a "ferro e fogo" os "males deste mundo tenebro-
independentemente da cronologia so", ainda que haja elementos de argumentação apo-
que se apresente.
(6) Palavra cunhada para expressar logética presentes no texto. O que se busca com este
algo que esteja ligado a manifestação
de demônios, ou que seja dominado livro é, como dito anteriormente, oferecer uma ferra-
"u regido por eles' menta que possa despertar a percepção acerca de cir-

10
(7) Mateus 7:25.
cunstâncias de perigo e risco na cosmovisão 3 que nos
cerca, bem como apresentar elementos que auxiliem
o cristão a evitar que seja envolvido e absorvido no
- squema" 4
do "presente século"'. Não se objetiva "de-
rnonizar"6 as manifestações culturais ou os elementos
que estão presentes no modus vivendi atual. Aspectos
positivos e proveitosos existiram e existem em todas
as culturas de todas as épocas, não sendo diferente
desse tempo chamado de pós-modernidade.
Desejo e espero que esta venha ser uma leitura pro-
veitosa, edificante, instrutiva e renovadora das convic-
ções cristãs, para o enfrentamento das manifestações
culturais que, a exemplo do vento, da chuva e das
enchentes, 7 incidem contra nossa vida e colocam em
risco sua estrutura e estabilidade em relação ao pro-
jeto de Deus para nós como cristãos e súditos de Seu
Reino nesta sociedade.

São Paulo, 4 de janeiro de 2014


Paulo Audebert Delage

11
Capitulo1
O apóstolo Paulo, o cristão
e a relação com a cultura

O aspecto principal deste livro é a questão vinculada à relação


do cristão com a cultura que o cerca, chamada (no Novo Testa-
mento, por Paulo) de mundo ou presente século. Há princípios
gerais que devem ser norteadores da vida cristã no que diz res-
peito a tal circunstância, não importando em que época ou con-
texto da história esteja vivendo o cristão. Haverá sempre desafios
grandiosos a serem enfrentados e superados em sua caminhada,
visto ser o cristão chamado à esperança do céu, mas continuar ci-
dadão da terra e convivente nesse sistema social humano, tantas
vezes e sob tantas formas, perverso.

Tomaremos, por base de análise, o texto do apóstolo Paulo


em sua epístola endereçada aos Romanos, em seu capítulo 12,
versículos 1 e 2, no qual são apresentadas diretrizes norteadoras
de nossa conduta cristã no convívio com a sociedade na qual nos
vemos inseridos.

13
(1) Trata-se da palavra grega sómota
usada para referir-se à parte física O apóstolo Paulo, após fazer um apelo em nome de Deus aos
do ser humano, ou seja, o conjunto
de tecidos, órgãos e aparelhos que seus leitores, usa o expediente da apresentação do negativo e do
compõem o corpo humano.
(2) Palavra grega usada para ex-
positivo em sua argumentação. Inicia com a forma negativa de
pressar a racionalidade como fruto conduta (não fazer) e passa, depois, à maneira positiva (fazer).
da capacidade de discernir, pensar
e raciocinar. Distinto, embora não Ressalta que não se trata de algo apenas "espiritual", pois sua re-
oposto, do "emocionalismo':
(3) Tradução de João Ferreira de ferência não será à alma, ou ao espírito, mas vai se referir à apre-
Almeida, edição revista e atualizada
no Brasil, da Sociedade Bíblica do sentação do corpo', ligando-o ao culto a Deus e ao contato com
Brasil. Os textos bíblicos citados a realidade física circundante, concomitantemente. Em relação
são todos, salvo identificação em
contrário, dessa tradução. a Deus, vê-se o aspecto sacrificial, sendo este de caráter vivo e
agradável em culto racional (no grego logikon) 2.

Interessa-nos, mais de perto, o que é proposto quanto ao nos-


so relacionamento com o "século; ou seja, o que direcionará
nossas atitudes e comportamento no contato com ele e nossa
vivência nele. Na tradução (para o português) da passagem re-
ferida', são usadas duas palavras com radicais idênticos, a saber,
forma. Tal colocação não corresponde ao que se tem na língua
grega, na qual foi escrito o texto original. Entendo que seria mais
adequado se a tradução mantivesse a distinção paulina, onde o
primeiro termo traduz a ideia de algo parecido com "não sejais
modelados ou amoldados" e o segundo manteria o conceito de
"sede transformados". Dessa forma ficaria refletida, mais adequa-
damente, a ideia original, onde é possível perceber não apenas o
aspecto estilístico, ao não se desejar repetir palavras de igual ra-
dical, mas, sobretudo, a ênfase distintiva entre "molde" e forma,
ou "fôrma" e for
ma.

Ao fazer uso do termo squematízeste (com o radical squema),


o escritor tem em mente o aspecto ligado à estrutura modela-
dora, ou seja, o aspecto externo cuja forma pode ser alterável,
sendo uma espécie de "fôrma". É comum, ainda hoje, no Brasil,
usarmos a expressão entrar no esquema, tendo o sentido de ad-
mitirmos nossa inclusão em determinada estrutura. Claro que o
sentido pode ser positivo ou negativo, embora, quase sempre a
conotação seja de cunho negativo, como algo escuso e não cor-
reto. O cristão, portanto, não pode assumir tal forma, entrando
na "fôrma", ou no "esquema" estabelecido peia sociedade ("mun-

14 O Cristão e os desafios da ods-moderodade


do"), o qual é, com frequência, descompassado com o propósito
de Deus e contrário a Ele.

Paulo diz que o modo pelo qual o cristão não se deixa modelar
.conformar) pelo mundo, ou não se amolda a ele, é pela "trans-
formação" gerada pela renovação de sua mente. Essa transforma-
çao traz o radical morfê, apontando para algo
mais estável e, consequentemente, menos mutável, estando liga-
do mais à essência (interior) que à aparência (exterior). Assim,
mesmo que haja forte pressão para comprimir o cristão a ajus-
tar-se ao "esquema" (moda, onda, costume, ideologia e outras
manifestações culturais), não será ele "formatado", mas haverá
de ter uma forma ("morfê") que não se "conforma", mantendo-se
fora de padrões impositivos de "fôrma". Estará na "contramão"
ou na contracultura. No dizer de John Stott:

Os discípulos de Jesus têm de ser diferentes: tanto da igreja


nominal, como do mundo secular; tanto dos religiosos, corno
dos irreligiosos. O Sermão da Montanha é o esboço mais
completo, em todo Novo Testamento, da contracultura cris-
tã. Eis aí um sistema de valores cristãos, um padrão ético,
uma devoção religiosa, uma atitude para com o dinheiro,
uma ambição, um estilo de vida e uma teia de relaciona-
mentos: tudo completamente diferente do mundo que não é
cristão. E esta contracultura cristã é a vida do reino de Deus,
uma vida humana realmente plena, mas vivida sob o go-
verno divino (STOTT, 1981, p. 6).

Esta é a postura que se requer do cristão ao longo dos sécu-


;os de existência do cristianismo. Trata-se do enfrentamento do
-CAJUS quo ou da condição estabelecida (establishment), os quais

se opõem às diretrizes e normas dadas por Deus àqueles que O


seguem e entendem estarem tais normas expressas em Sua Pala-
vra escrita, a Bíblia. Seria ingenuidade de nossa parte pensar que
tai postura venha sem ônus ou confrontos desgastantes para o
cristão. A oposição (resistência) à proposta "esquemática" da so-
ciedade é recebida como afronta e gera conflito, suscitando a ira,
a intolerância e, até mesmo, a violência, vistas nas perseguições

Capitulo 1 - apostolo Paulo, o cristão e a 1~3 -Mr-1 a mex-: 15


de toda ordem. Esta foi a condição do cristão na antiguidade, na
idade média, na modernidade e não é diferente na pós-moder-
nidade, pois quanto a isso nos preveniu nosso Senhor e Salvador
Jesus, o Cristo: "Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do
que a vós outros, me odiou a mim"; "Eu lhes tenho dado a tua
palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo,
como eu também não sou" ( João 15:18 e 17:14). Devemos, no
entanto, ter bom ânimo, pois Ele venceu o mundo ( João 16:33).

16 O Cristão e os desafios da obs. modernidade


Esboço da tradicional
divisão da história humana

A estrutura de divisão da história humana, a seguir apresenta-


& é uma visão de cunho tradicional e alvo de possíveis críticas
Amido à sua formatação e "cortes", e isso por dar a ideia de que
dr um momento para outro houvesse mudança completa de di-
inttúzes, paradigmas e padrões. Ainda que tal crítica possa ter
*cedência, será mantida tal estrutura, devido ao aspecto di-
link° por ela oferecido, propiciando auxílio para melhor sinto-
:ar:10o em nossa escala de tempo linear e desenvolvimento das
ideias. além de ser um modelo que experimenta maior divulga-
i& oure a população em geral. Serão vistas, de forma sucinta e
lapida, quatro fases seccionadas da evolução histórica da huma-
nidade, chegando até o momento contemporâneo denominado
'pás-mode rn idade".

17
2.1 Fase Pré-histórica
Esse período é situado anteriormente ao ano 4000 a.C. Trata-
-se de um tempo em que as informações ou a comunicação não se
faziam de forma escrita, sendo conhecido como ágrafo; nele se
verifica apenas o processo oral de comunicação, a chamada ora-
lidade. Não há, portanto, registros escritos de nenhuma espécie
e as referências nos vêm de descobertas arqueológicas, por meio
de artefatos, desenhos e outros elementos. Não se deve pensar
que não houvesse riqueza de cultura e conhecimento, pois, com
o advento da escrita, muito da oralidade veio a ser preservado,
revelando aspectos de certa complexidade e reflexão, bem como
de desenvolvimento social de algumas civilizações.

2.2 Idade Antiga


Esta fase é bastante longa e alcança desde o ano 4000 a.0 até
476 d.C. Assim, tal período vai desde a invenção (ou surgimento)
da escrita (grafia), mesmo que rudimentar, até a queda do Império
Romano do Ocidente, em 476, com Odoacro, após se verificar
uma sucessão de invasões e saques de Roma por povos bárbaros, a
partir de 410, comandados por Alarico (rei dos visigodos).

Esse período é muito rico em ideias e nele é encontrada


excepcional evolução da cultura humana, que começa com
os povos nômades. Compreende também os povos orientais
(1) Palavra grega ligada à arte do (chineses, persas, mesopotâmios e hindus), com Confácio, Lao
parto. Sócrates (cuja mãe fora partei-
ra), por esse método de perguntas e Tsé, Sidartha Galtama (Buda), Zoroastro e com sua literatura
diálogo, levava o discípulo a dará luz
o conhecimento que já se encontrava,
religiosa existencial (Brâmanas, Upanichades, o Mahabharata
de modo não evidente, dentro do
próprio aluno. "O verdadeiro conhe-
e seus 250 mil versos, o / Ching, com seu Yin e Yang, entre
cimento nasce desse diálogo; não é outros). Chega-se à filosofia grega, com Tales, Pitágoras,
transmissível do mestre ao aluno,
mas arrancado do interior de urna Heráclito, entre outros, até seu esplendor, com Sócrates e seu
discussão — um verdadeiro trabalho
de parto" (História da filosofia. Cole- método "maieutico" , Platão e sua Academia e o mundo das
ção Os Pensadores, 1999 .p. 44).
(2) Palavra grer cujo sentido é "ca- ideias, e Aristóteles com seu Liceu e o método "peripatético",
minhante" ou ambulante': Trata-se com estudos das ciências naturais e a formulação das formas de
do método usado por Aristóteles, que
dava suas aulas ao ar livre enquanto governo: a monarquia (despotismo), a aristocracia (oligarquia) e
caminhava com os discípulos,
a democracia (do povo). Abrange, ainda, a civilização romana e

18 O Cristão e os desafios da püs-modanidade


seu desenvolvimento, com sua contribuição ao universo jurídico
por meio do Direito Romano, até hoje decantado.

É também o período do surgimento e desenvolvimento do


czisrianismo, com sua crescente influência no mundo ocidental,
no campo das crenças e, consequentemente, dos costumes. As
pandes edificações, as obras de arte, o cuidado com a oratória
a retórica, a matemática (seja a geometria ou a aritmética), a
trica, a política e outros segmentos da cultura humana, tão de-
ienvolvidos nessa fase, são testemunhos claros do avanço e do
progresso da humanidade e apontam para a riqueza de tal perí-
odo, ainda que o povo (como massa populacional) não tivesse
panácipação (benefício) direta em muitas dessas conquistas.

2.3 Idade Média


Essa fase é compreendida entre o ano de 477 d.0 até o final
tio século XV, quando se verifica o movimento renascentista ou
Rauscimento. Por causa de alguma forma de preconceito im
-osta por esta escola, rotulou-se a Idade Média por muito tem-
po como a Era das Trevas. Essa designação hoje é vista como
alo verdadeira, uma vez que foram verificados avanços nesse
renodo, seja na Europa, com os mosteiros e monastérios e uni-
cidades (mais
(mais tarde), seja no Oriente Médio, com a cultura
azabe; embora houvesse muita manifestação obscurantista e su-
-.-"ersticiosa. Faz-se distinção entre duas fases nesse período, ou
seu. Alta e Baixa Idade Média.

2.3.1 Alta Idade Média


O alcance desse período vai até o século X e há a predominân
cia da religião de caráter cristão em todos os segmentos na Euro-
pa e em parte do Oriente, sendo a religião elemento de interesse
pelo seu poder e domínio. Movimento marcante nesse período
é o dos monastérios, ou seja, a ênfase na vida monástica como
reação à vida "mundana". Haverá nos mosteiros vida intelectual
com incentivo à leitura, à cópia de manuscritos dos filósofos gre-
gos, à produção de literatura. O monge Alcuíno, por exemplo,

Capitulo 2 Esboço da tradicional divisão da história humana 19


(3) Do latim, literalmente, significa
o que se ensina de acordo com o fundará, a pedido de Carlos Magno, um sistema educacional
método das escolas. "Num primeiro
sentido, escolástica é o método de com base nas escolas, dando o substrato ao surgimento da "Es-
ensino dos teólogos e filósofos que colástica" 3 , que terá seu apogeu com Santo Tomás de Aquino.
se preocupavam em fundamentar
racionalmente os dogmas e de
estabelecer sistemas universais com-
patíveis com a ortodoxia católica. 2.3.2 Baixa Idade Média
Consistia o método escolástico em
descobrir em cada ponto deba-
tido as opiniões das autoridades, Compreendido entre o século XI e meados do XV, com o sur-
funciarnentando-as e conciliando-as
com a razão. Num segundo sentido, gimento
‘,1 mento do Renascimento, esse período estabelece o término da
que é translato, escolástica serve
para designar o desenvolvimento Idade Média. Nele se encontram grandes nomes, como Tomás
dos pensamentos filosóficos dentro
de urna escola ou de um campo de Aquino, Anselmo, Abelardo, Duns Scotus, entre outros, os
qualquer fechado" (CRETELLA
JÚNIOR, 1973, p. 71),
quais desenvolveram uma linha filosófica ligada fortemente à
teologia no propósito de "provar" a existência de Deus pela via
da razão. É, também, o tempo de estabelecimento, desenvolvi-
mento e declínio da "Escolástica". Grandes obras são produzi-
das, embora com forte ênfase teológica (considerada a rainha
das ciências), dentre as quais se destaca a Suma Teológica de To-
más de Again°, o "Doctor Angelicus". Surgem as universidades,
as quais se tornam centros de difusão de cultura e novas ideias,
fugindo à tutela da Igreja Oficial que se impunha sobre tudo e
todos. Ocorrerá o referido declínio da Escolástica, fazendo bro-
tar as sementes do movimento Renascentista, que determinará o
inicio do novo período, chamado Modernidade.

2.4 Idade Moderna ou Modernidade


Estende-se esse período do século XVI até o século XX, sendo
que a parte final deste último já se liga à fase da chamadapós-mo-
dernidade. Seu início coincide com o movimento Renascentista
e sua busca ou resgate pela cultura antiga ou clássica, sobretudo
a greco-romana, incluindo a língua grega e o hebraico; com o
surgimento dos estados absolutistas e o aumento considerável
do poder do rei, o declínio do poder papal; e, também, com o
capitalismo, que começa a se estabelecer e vai se firmando na
estrutura mercantilista e burguesa que começa a se estruturar.

Na esfera das ideias, surge a posição de Descartes com sua


"dúvida universal" e a lógica cartesiana, com a explicação racio-
nal para todas as coisas, entronizando a razão e colocando a fé

20 O Crista() e os desafios da pós-modemidade


orsa plano secundário. Rompe-se com a estrutura autoritarista e
dogmática medieval e a herança por ela deixada. O "escolasticis-
mo" é substituído pelo império da razão, ou seja, o dogmatismo
brieliógico pelo racionalismo e/ou empirismo, sendo que um ou
macro passará sempre pelo eixo central: o ser humano, e não mais
Deus. Sua sedimentação ocorrerá com a Revolução Industrial,
as descobertas de novos continentes, os avanços científicos, ge-
ando o que ficou conhecido como humanismo.

Há movimentos vários na Modernidade, mas sempre se vê a


a da certeza de caráter absoluto e universal, ou seja, a ver-
6r...4 demonstrada e definitiva. As ideias sofrem variações com
Lie, Leibniz, Hobbes, Hume, Rousseau, Newton, Voltaire 4, (4) Trata-se de pseudónimo de
François Mane Arouet.
Lanr._ Kierkegaard, Engels, Marx, Comte e outros filósofos de
cçe-essão, mas o homem continuará sendo a "medida de todas
as coisas" e a verdade permanecerá mantendo seu caráter abso-
:IMO e universal.

Aponta-se o final deste período com o término da Segunda


Guerra Mundial, que pulverizou o sonho alcandorado do hu-
manismo e seu "homem virtuoso" e o surgimento da "guerra
Seta', com sua sombra de destruição da humanidade pelo poder
e=minador das ogivas nucleares. A sociedade encaminhava-
-se. assim, para a fase que é chamada por muitos de pós moderni-
-

i e. a ser tratada no capítulo a seguir.

Capitulo 2 Esboço da tradicional divisão da nistona humana


-
21
Capitulo 3
Noções gerais sobre o
conceito de pós-modernidade

Será apresentado um breve exame dessa fase chamada de


pés-modernidade (na qual estamos inseridos), a fim de melhor
limar a estrutura de interesse proposta nesse livro, ou seja, as
manifestações culturais e os desafios que tal período, com suas
pecul ia ridades, nos impõem e as respostas a serem dadas por nós
tomo professantes da fé cristã.

3.1 Inicio
Como nas fases anteriormente vistas, não existe uma
data determinativa ou especifica (ainda que seja possível para
fins didáticos) em que se possa firmar o início da pós-moder-
nidade. Já no final do século XIX, alguns indícios começam a
surgir e podem ser apontados como prenúncios de mudanças.
( Com a proposta da filosofia de Nietzsche, começa-se a verificar
a tendência da desconstrução ou quebra dos princípios regentes

Capítulo 3 - Noções gerais sabre o o:Aceito de pós-modernidade 23


(1)Denunciada por Nietzsche como da modernidade em sua certeza científica e verdade universal,
sendo a moral daqueles que se
parecem com animais (ovelhas) e se quais passam a sofrer alguns revezes.
submetem sem nenhuma resistência
às ordens dadas. Diz ele: "A moral é
hoje na Europa uma moral de animal No limiar do pensamento contemporâneo, a filosofia enfien-
de rebanho... Isso aparentemente em
oposição aos democratas e ideólogos ta um desafio crucial: o questionamento do valor absoluto
revolucionários pacificamente
trabalhadores, em maior oposição que se atribuía aos critérios que serviam como base á civili-
aos filósofos cretinos e patetas e
aos entusiastas da fraternidade que zação ocidental. Com Nietzsche, começa-se a expor afragili-
se intitulam socialistas e querem
a 'sociedade livre', mas que são na dade das certezas seculares (História da filosofia. Coleção
realidade profunda e instintivamente
contra toda forma de sociedade que não Os Pensadores, 1999, p. 411).
seja o do rebanho autónomo"
(2005 'P 116-117). O rompimento com o ideal absoluto da razão inicia a abe:
(2)Para Nietzsche a virtude não é a
humildade, mas a força. Para ele o tura de espaço para a elevação da vontade individual. A "mor
cristianismo e a democracia são nocivos
ao homem por buscar "domestica- de rebanho"', denunciada por Nietzsche, é rompida e superaè
lo" e torná-lo "animal de rebanho':
Deve o homem expressar sua virtude pela vontade de potência"' e o "homem virtuoso" do Hum
de força e romper contra o sistema, •
insurgir-se contra toda forma de Immo perde lugar para o "homem robusto", ou seja, o "supe
imposição ou dominação por meio da
sua "vontade de potência': "A vontade _homem", com sua vontade livre, independente e determinar
de poder é o bem supremo da vida, te. Essas linhas se firmarão e outros aspectos a elas se juntarã
devendo o homem superar-se e ao
mundo, tornado-se um super-homem" COMO, por exemplo, a psicanálise de Freud, o existencialismo c
(CRETELLA JÚNIOR, 1973, p. 186).
(3)Não se deve confundir a figura Sartre, entre tantos.
criada pelo pensador alemão com
a figura de revistas em quadrinhos.
Para ele o "super-homem" é o homem
livre de imposições que lhe tolhem a 3.2 Designação e uso do termo
liberdade, que o transformam em um
animal de rebanho, que matam sua A designação desse período como pós-modernidade enfren1
potência. É o homem independente e
autodeterminativo, posto que Deus está alguma resistência. Para muitos, a modernidade ainda permans
morto, como proclamou Zaratustra.
Nietzsche diz: "Vede; eu vos anuncio o ce em sua essência. Tal designação aparece pela primeira vez coi
Super-homem: é ele esse raio! E ele esse
delírio [...I. Também além apanhei no o espanhol Frederido de Onis em 1930, conforme informaçã
meu caminho a palavra Super-homem'
e esta doutrina: o homem é urna coisa de Perry Anderson em sua obra As origens da pós-modernid,
que deve ser superada; o homem há de
ser uma ponte, e não um fim; satisfeito de (1999). Coube, no entanto, a difusão do conceito, de moè
do seu meio-dia e da sua tarde como • i- •
cam inho para novas auroras [...I. sign:Encamo, ao francês Jean François Lyotard, por meio de st
Homens superiores! Só agora vai ciar obra A condição pós-moderna, (1979), na qual o conceito de m
à luz a montanha do futuro humano.
Deus morreu: agora nós queremos que tanarrativas 4 é combatido. Alguns autores oferecem uma espec
viva o Super-homem" (Assim falou
Zaratustra, 2007, p. 27, 171, 239), de alternativa à titulação desse período, apresentando outras d
(4)São consideradas "rnetanarrativas"
todos os tipos de discursos de nivel signações para ele.
ou caráter exclusivista, absoluto e/
ou supremo sobre alguma forma
de conhecimento, seja religioso, Gilles Lipovetsky (2004) chama esse período de hipermode
filosófico, político ou científico. "São
macroestruturas teóricas como, nidade, sugerindo que haja uma intensificação e exacerbação c
por exemplo, sistemas filosóficos e aspectos da modernidade, mas não sua substituição. Essa hipe
teológicos" (GOUVEA, 1996, p. 64).
modernidade contempla a permanência e a valorização do ava:

24 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


ço técnico e científico, o individualismo e a valorização da razão.
A diferença, porém, é a velocidade (hiper) em que isso tudo se
akera, muda ou adapta, não dando a ideia de domínio e seguran-
ça. do conhecimento.

Outros autores (Anthony Giddes, Ulrick Beck, Scoth Lash,


1991 cunham a expressão modernidade reflexiva, dando-se a
s da permanência da modernidade, mas com análises e postu-
láda
ras diferenciadas, em uma espécie de reinvenção. Trata-se de um
de verificação e "refazimento" das práticas sociais, as quais de
modo constante são examinadas, considerando-se as informações
wvas, levando a constante alteração e permanente reflexão.

Com o filósofo Zygmund Bauman (2001), os aspectos ante-


rores são
são acolhidos e sua visão social levará à designação dessa
ã.se como modernidade liquida, visto trazer a ideia da "liquidez"
ou não permanência das instituições, relacionamentos, concei-
P's etc. Trata-se do aspecto fluídico de tudo e, portanto, a mo-
dernidade deixa de ser fixa e permanente. A não permanência,
não durabilidade e não perenidade são suas características pre-
ponderantes.

O conceito de pós-modernidade é, portanto, de um movi-


mento de ideias e comportamentos que sucede à modernidade,
trazendo consigo e em si aspectos ligados a ela, mas dela distin-
tos, com ênfase na não perenidade, ou seja, na não universaliza-
ção e absolutização da ideia e ou do comportamento.

3.3 Propostas
Em linhas gerais a distinção entre modernidade e pós-moder- (5) Bill Fillebrown apresenta outros
comparativos: Modernidade -
nidade se vê nas propostas de mudanças em alguns segmentos, processo linear. verdades absolutas,
planejamento racional das ordens
dos quais apontamos, por exemplo': sociais, padronização do conheci-
mento e da produção. Pós-moder-
nidade - fragmentação. indeterrni-
• do individual pelo global (globalização); nação, intensa suspeita frente aos
discursos universais ou totalizantes,
pluralidade e diversidade de conhe-
• da ética pela estética; cimentos e produções (KOHL, 2011,
p. 43).
• do perene pelo descartável;

Capitulo 3 - Noções gerais sobre o conceito de pós-modernidade 25


• do objetivo pelo virtual;

• do único pelo pluralístico ;

• do duradouro pela obsolescência;

• do absoluto pelo relativo;

• do dogmático pelo vivencial;

• do completo pelo fragmentado;

• da moralidade pelo pragmático.

A pós-modernidade, como visto, não pode ser rotulada como


uma realidade que se possa estabelecer e determinar como forma
rígida e definida, tendo características exclusivas e próprias; isso
(6) O termo cultura tem caráter seria contrário ao sentido dela mesma. Há elementos da moder-
polissémico, ou seja, comporta nidade que ainda permanecem, mesmo usando uma roupagem
significados distintos. Assim temos,
por exemplo: cultura como plantio um pouco diferente. Se pensarmos, por exemplo, na questão do
(cultura da soja, da cana etc); como
cabedal ou acervo de conhecimentos consumo, fica clara sua presença na modernidade com o capita-
(João tem grande cultura jurídica);
como manifestação sócio-antro- lismo inicial ou primitivo, no entanto, a exacerbação do consu-
pológica abrangendo costumes,
língua, música (entre outras) de mo é evidente na fase contemporánea (capitalismo atual), com
determinado povo ou grupo étnico
ou sociaL Nossa concepção se liga a as leis de mercado e necessidade de produção, giro de mercado-
esta última e, nesse sentido, temos
o conceito dado por Fernando ria e capital e o consumo.
Bastos de Ávila: "Entretanto, quando
falamos em Sociologia da Cultura,
tomamos o termo no seu senti- Serão apresentadas, nos capítulos seguintes, 12 manifestações
do objetivo, como o conjunto de de caráter sócioeconômico e filosófico, às quais denominaremos
criações em que se vai objetivando
o espírito humano na satisfação das
tendéncias individuais e sociais. Este cultura6, significando com isso uma forma de ser ou agir da gran-
conjunto representa um patrimônio de maioria da sociedade (população) atual, dentro de nosso con-
riquíssimo da humanidade e é cons-
tituído dos mais variados elementos: texto ocidental, urbano e social-capitalista. Tais manifestações
idiomas, conhecimentos, crenças,
ideologias, sistemas filosóficos, len- serão tratadas com análise e significado de seus princípios regen-
das, tradições, simbolos, formas de
comportamento, normas de conduta tes, inclusive com seus reflexos no universo da fé cristã, seguin-
religiosa, normas morais, jurídicas,
higiénicos, forma de organização do-se a proposta de desafio de conduta e compromisso cristãos
social e política, sistemas jurídicos,
organização econômica, obras de em relação a cada traço cultural abordado. Há possibilidade de
arte, construções, instrumentos, que outras características da pós-modernidade sejam elencadas
utensílios, máquinas, modas, ceri-
mônias, ritos" (AVILA, 1987, p. 396, e não figurem entre as que serão tratadas a seguir. No entanto,
397). Outro conceito pode ser visto
em Thomas E ()dm "A cultura é a as selecionadas são aquelas julgadas como as mais diretamente
criação, pelo homem, de um mundo
de ajustamento e sentido, no con- desafiadoras ao modo cristão de crer e viver, conforme a tradição
texto do qual a vida humana pode
ser vivida de maneira significativa" evangélica e protestante.
(ODEA, 1969, p. 11).
Capitulo 4
Cultura do relativismo

Esta é apontada como a marca mais evidente e distintiva ca-


racterística da pós-modernidade, por meio da qual se verifica a
derrubada do que se chama metanarrativas. A proposta é a da
sustentação da inexistência de qualquer referencial de caráter
universal e absoluto no universo do conhecimento. As certezas
absolutas e finais, à moda moderna e antiga, são abolidas (ou
desbancadas), sendo instaladas em seus lugares a certeza relativa
e a verdade particular ou individual. D. A. Carson trata a ques-
tão e afirma:
De um lado temos aqueles que levam essa antítese muito a
sério e concluem que nós, seres humanos, não conseguimos
ter um conhecimento objetivo acerca de nada. Tudo que
podemos chamar com sensatez por 'verdade' é aquilo que é
'verdade' para um indivíduo ou grupo. Chamaremos essa
posição de pós-modernismo estrito ou inflexível. De outro
lado estão aqueles que admitem que, embora o conhecimen-
to humano seja necessariamente perspectivista (afinal, isso
em parte é o que faz deles pós-modernos), nós, seres huma-
nos, podemos em certa medida nos aproximar da verdade
em algum sentido objetivo 1:4 Chamaremos essa posição de
pós-modernismo brando ou flexível (CARSON, 2010, p.
130-131).
Desse modo, deixa de existir, ou de se ter, uma verdade única
e absoluta. Os dogmas, sejam religiosos ou científicos, perdem o
sentido, pois sua essência de "absolutividade" se torna insusten-
tável. O autor é categórico ao afirmar: "Portanto, o pós-moder-
nismo insiste que o conhecimento objetivo não é passível de ser
alcançado nem desejável. Nesse aspecto encontra-se em absoluta
oposição ao modernismo" (CARSON, 2010, p. 120).

A aplicação desse padrão ao conhecimento estabelecido tor-


na impossível a estabilidade permanente ou confiança plena. A
fragmentação da verdade em "verdades" tem como consequên-
cia a individualização e acomodação particular da compreensão
ou concepção do mundo e do universo. Assim, ninguém está er-
rado, pelo fato de que ninguém está, podemos dizer, certo. Há
de se concluir, portanto, que não se deve verificar tentativa de
colocação de seu padrão para o outro, já que todos estão certos
em suas verdades individuais, as quais devem servir exclusiva-
mente para si mesmos. Assim, nossos comportamentos confli-
tantes e antagônicos não podem ser titulados ou rotulados de
certos ou errados, apenas de comportamento, já que, na verdade,
ambos estão certos, mesmo que em franca oposição. A questão,
no entanto, pode ser: por que ambos não estão errados?

É possível detectar, nesse ponto, um problema sério em ter-


mos lógicos, pois ao se afirmar a não permanência das metanar-
rativas, acaba por se instituir uma delas, e se há uma, como se
pode garantir não haver outras? Nesse mesmo sentido, confron-
ta-se a afirmação de que não há verdade universal ou absoluta,
mas apenas verdades particulares. Essa afirmação é, em si, uma
afirmação de caráter universal, ou seja, verdade que encerra cer-
teza absoluta e aplicável a todos. No campo da ética, isso gera
uma dificuldade significativa, posto fazer com que os padrões
sejam flexíveis e não fixos, de tal sorte que certo comportamento
(seja qual for) não poderá ser rotulado como certo ou errado.
George W. Forell escreve o seguinte sobre isso:

A dificuldade de estabelecer um conceito inteligível de ética


que seja aceito por todos, deve agora estar evidente [...]. É por

28 O Cristão e os desafios da pds-moderndade


causa desta dculdade óbvia que os éticos relativistas afir-
mam que é inútil tentar descobrir uma norma significativa
para o comportamento ético. É impossível, dizem, encontrar
um método que nos habilite a descobrir se qualquer decisão
específica é certa ou errada (FORELL, 1973, p. 55).
A sustentação da inexistência de absolutos gera o esta-
belecimento de um absoluto e faz negar a afirmativa (de caráter
universal) de que não há absolutos. De modo simples pode-se
dizer: ao se afirmar que não há absolutos, ou seja, que tudo é
relativo, estabeleço um absoluto, a saber, tudo é relativo, ou seja,
não há absoluto. Mas, se assim afirmo, não posso fazê-lo sem
erro e contradição, pois um absoluto passa a ser sustentado, a sa-
ber, o de não haver absolutos, desfazendo minha alegação básica
de que tudo é relativo. Mais uma vez cito Carson nesse assunto:

Os pós-modernos inflexíveis, os construtivistas mais enér-


gicos, são profundamente inconsistentes. Eles continuam a
insistir que todo conhecimento científico (assim como toda
forma de conhecimento, nesse aspecto) é produto de uma
elaboração social; no entanto, eles aparentemente excluem
dessa acusação o seu próprio conhecimento acerca dessa aná-
lise. Trocando em miúdos, eles estão convencidos de que sua
análise sociológica é a verdade (CARSON, 2010, p. 135).

DESAFIO
Impõem-se ao cristão um imenso desafio nesse contexto, qual
seja ode sustentação dos absolutos da fé cristã. Argumentar com
ferramentas de certos ramos do saber é mais fácil nesse sentido.
Pensemos, por exemplo, na ciência química, ou na física, am-
bientes onde os absolutos (convencionais ou demonstráveis)
existem. A molécula de água é composta por dois átomos de hi-
drogênio e um de oxigênio, e isso em todo o tempo da história e
em todos os lugares da terra. A universalidade de tal afirmação
não me parece contestável.
Na esfera da religião, por sua distinção em relação às ciên-
cias chamadas exatas, é mais difícil a manutenção de absolutos

Capitulo 4 - Cultura do relativismo 29


ou verdades universais. O cristão, inserto em um ambiente de
crescente oposição à manutenção de absolutos, se vê desafiado
a sustentar as verdades como a existência de Deus, o universo
como fruto da ação criadora de Deus, a salvação exclusivamente
3
pela fé em Jesus Cristo como Deus encarnado e feito homem, a
manifestação final de juízo de Deus, entre outros.

Trata-se do desafio da manutenção da admissibilidade da ver-


dade objetiva. Heber Carlos de Campos, em artigo intitulado "O
pluralismo do pós-modernismo" faz a seguinte colocação:

Por verdade objetiva, estou querendo dizer um código de leis


sob o qual o ser humano tem que pautar sua vida. Todavia,
que não seja um código de leis nascido nos próprios interes-
ses ou na subjetividade do ser humano. Esse código tem que
ser o de Alguém que possui supremacia sobre o homem — o
Criador-Redentor-Rei (Fides Reformata, v. 2, n. 1, jan.-
-jun. 1997).

Como não há verdade absoluta, a superficialidade torna-se


um ponto de realce no ambiente do relativismo pós-moderno.
Vê-se tal assertiva no dizer de Ronaldo Cavalcante em seu artigo
"Cristianismo perante o reducionismo religioso da pós-moder-
nidade", onde afirma: "Aliás, a superficialidade é, paradoxalmen-
te, um dos poucos valores absolutizados, em um tempo de brutal
relativismo" (Ciências da Religião. História e sociedade, ano 1,
n. 1, 2003,p. 127).

Essa situação gera um descomprom isso de fidelidade aos prin-


cípios regentes da fé cristã. Robson Ramos afirma em seu livro
Evangelização no mercado pós-moderno:

A religiosidade pós-moderna não está preocupada com a


verdade absoluta. Para ela, o inundo espiritual não tem
fronteiras. Valores morais são relativos. Alas as religiões e
teologias que surgem a partir de uma cosmovisão pós-mo-
derna divergem bastante da ortodoxia bíblica [..] e da pró-
pria modernidade. Antes, tanto nas eras modernas quanto

30 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


nas pré-modernas, a religião tinha a ver com crenças sobre o
que é real. Ou há um Deus ou não há. Ou Jesus era o Filho
de Deus encarnado ou era um simples mortal. Ou os mi-
lagres aconteceram ou não. Ou Cristo ressuscitou dentre os
mortos ou permaneceu no sepulcro. Religião hoje não é mais
vista como um conjunto de crenças sobre o que é e o que não
é real. Ao contrário, é vista como algo que tem a ver com
preferências, com escolhas. Eu vou acreditar naquilo de que
gosto e que me faz bem agora. Vou crer no que eu quiser.
Neste momento (RAMOS, 2009, p. 91).

A tentativa de imposição do relativismo tem feito com que


essa falta de convicção e segurança passe a fazer parte da experi-
ência do cristianismo atual. O desafio é muito grande ao cristão
em retomar as convicções, em firmar suas "estacas" e não se dei-
xar seduzir ou levar por tais cantigas envolventes. Peter Berger
nota a força do princípio de mutabilidade e escreve: "Em outras
palavras, nesta situação torna-se cada vez mais difícil manter as
tradições religiosas como verdades imutáveis" (BERGER, 2004,
p. 156).

A inquietação sobre a verdade é antiga. Pilatos já indagara de


Jesus exatamente sobre isso: "Que é a verdade?" ( João 18: 38).
A resposta de Jesus, curiosamente, foi dada em outro texto ao
afirmar de modo absoluto e categórico: "Santifica-os na verda-
de; a tua palavra é a verdade" ( João 17: 17). Sem relativismo e
de modo absoluto ele afirma, em outro lugar: "e conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará" ( João 8: 32). Em uma ligação
dos textos pode-se perceber que a verdade é identificada com o
Filho, que é o próprio Jesus, quando afirma: "Se, pois, o Filho
vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (João 8: 36). Se outra
verdade universal não há, esta existe e se mantém firme e inaba-
lável: Só Jesus Cristo salva e é Senhor. Assumir tal convicção e
jamais se afastar dessa verdade perene, única e universal seja em
que época ou contexto for; eis o desafio.

Capítulo 4 Cultura da relativismo 31


Capítulo 5
Cultura do pluralismo

Torna-se quase impossível pensar em relativismo sem nos vir


à mente a ideia do pluralismo. Este é efeito inequívoco daquele.
A lógica se estabelece nos seguintes termos: uma vez que não
há absolutos, não há, por conseguinte, verdade única. As ver-
dades são múltiplas em relação a um mesmo assunto ou ponto,
dependendo apenas da condição ou situação em que o indivíduo
que considera o fato esteja. É possível que a mesma pessoa, em
relação ao mesmo fato, possa alcançar verdades distintas e igual-
mente válidas ao lidar com aquele fato em situações diferentes.
Forell situa muito bem este ponto ao afirmar:

Os éticos relativistas sugerem com Protágoras, um sofista


grego, que 'o homem é a medida de todas as coisas: Uma
opinião é tão boa como outra, e cada pessoa deve estabele-
cer seus próprios conceitos éticos, que então serão verdadeiros
para ela e mais ninguém. Em outras palavras: Certo é o que
eu considero certo, e errado o que eu considero errado. Exis-
tem tantas 'éticas' quantas pessoas, e não existe maneira de
julgar objetivamente qual de todos estes sistemas seja o mais
correto (FORELL, 1973, p. 55).

33
O pluralismo não surge ou nasce com a pós-modernidade.
Essa acepção pode ser encontrada até mesmo na antiguidade.
Mas é na pós-modernidade que tornará mais evidente e ga-
nhará status de relevância e sinal de desenvolvimento intelectu-
al. Nesse sentido, Heber de Campos escreve, tratando do plura-
lismo na esfera do cristianismo:

Contudo, embora o pluralismo não tenha nascido no pe-


ríodo pós-moderno, ele florescem e denvolveu-se de ma-
neira impressionante no período pós-moderno, porque este
é o período das contestações, do abandono e da rejeição dos
padrões e das crenças anteriores. O pluralismo teve as suas
portas destravadas no período moderno, e elas foram escan-
caradas no período pós-moderno. Com esses dados em men-
te, fica mais fácil entender porque o pluralismo cresceu assus-
tadoramente, mesmo em alguns círculos chamados 'cristãos'
(Fides Reformata, v. 2, n. 1, jan.-jun. 199 —).
Ricardo Q. Gouvêa, em seu artigo A Morte e a Morte da Mo-
dernidade: Quão Pós-moderno é o Pós-modernismo?", se ex-
pressa de forma parecida com relação a esse aspecto ao afirmar:

O pluralismo moderno (entenda-se ilurninista) visava a con-


- tes e opostas, relaciona-
vivência amigável entre visões diferen
da ao ideal iluminista da fraternidade universal e tolerância.
Já o pluralismo pós-moderno (entenda-se pós-kantiano) dá
um passo além, e propõe não apenas tolerância, mas indusi-
vismo" (Fides RefOrmata,v.1, ri. 2 jul. dez. 1996).
-

Não se pode negar a realidade quanto ao que se chama de


polissemia, ou seja, o fenômeno pelo qual a mesma palavra tem
significados diferentes, dependendo de como se vai usá-la. Já ve-
rificamos isso aqui, por exemplo, com relação à palavra cultura.
No entanto, ao se falar em cultura de soja, milho ou cana, o sen-
timento será sempre o mesmo e ligado à agricultura, ao cultivo.
Verifica-se na pós-modernidade forte ênfase em se negar a possi-
bilidade do sentido unívoco ou único de um texto, dando mar-
gem ao afloramento de muitas acepções igualmente aceitáveis,

34 O Cristão e os desafios da ots-rnodemidade


válidas e corretas. A defesa desse ponto se dá com a justificativa
de que se evita, então, o absolutismo e, em consequência, o tota-
litarismo impositivo de sua interpretação. Carson fala da visão
dos pós-modernistas com relação a isso:

No entanto, longe de pensar que essa perda na certeza episte-


mológica é trágica, o pós-modernismo se regozija com a diver-
sidade de resultados. E afirma que a certeza epistemológica
não é algo desejável pois, além de ser algo intrinsecamente
monofocal e, portanto, monótono, ela gera o absolutismo que
manipula e controla as pessoas, massacrando a esplêndida
diversidade de credos, culturas e raças que constituem a hu-
manidade. Que floresça a diversidade — mas que nenhuma
das vozes discrepantes alegue ser a 'verdade: Ou melhor, que
todas das aleguem ser verdade, mas nenhuma delas em senti-
do exclusivo ou objetivo (CARSON, 2010, p. 120).

Trata-se da defesa do "antiexclusivismo", sendo que este impe-


de a postura triunfalista e ufanista de alguém se ver como senhor
ou dono da verdade.

Não se trata de negar que a análise de um texto, ou a leitura de


um fenômeno, possa ter percepções ou interpretações variadas e
distintas e, até mesmo, opostas. Essa situação não indica, no en-
tanto, que todas as interpretações estejam certas, ainda que seus
partidários possam assim entender, com cada um defendendo sua
posição ou sendo tolerante e admitindo que o outro não esteja er-
rado, mesmo em antagonismo evidente. Porém, o texto ou o fato
terão um único sentido de verdade, embora muitas abordagens
possam ser permitidas, levando a conclusões distintas. O sentido
unívoco é aquele que o autor deu ao que escreveu, ou que o fato
tem em si mesmo. Se o que alcancei ou conclui é a verdade, pode
ser discutido, mas é inequívoco o fato de existir uma só verdade no
que se afirma, a exemplo do que agora estou registrando.

O propósito, em certo sentido nobre, nessa linha de pensa-


mento, é a tolerância e a convivência entre os diferentes. Se não
chega a harmonizar os pontos divergentes (as verdades particu-

Capa* 5 - altura cio pluralismo 35


lares), permite, pelo menos, que se respeite, se tolere e se possa
conviver. Caso a percepção de alguém sobre a relação capital e
trabalho seja a do capitalismo, ou comunismo, ou socialismo,
ou qualquer outra forma, não importa. Não se pode é querer
imaginar que a sua seja a única correta ou verdadeira e, por isso,
deva ser imposta e tenha que ser admitida pelos demais.

Não se trata de se posicionar contra as concepções variadas


como manifestação democrática legítima do direito à livre ex-
pressão e pensamento. Não se quer tolher ou impedir a beleza
da policromia, da polifonia ou da polissemia, mas se rejeita a
ideia da negação de que possa existir urna verdade que seja única
e universal, monocromática, monofônica e unívoca.

Na esfera da religião (ou da fé), a aplicação desse princípio cul-


tural pluralista acarreta, alegam seus defensores, uma situação de
pacificação, compreensão e tolerância, evitando ou eliminando
as agressões, perseguições e mortes. Os conflitos religiosos deixa-
riam de existir se as pessoas fossem compreensivas quanto à mani-
festação pluralística da verdade, uma vez que não seria necessário
combater ou conquistar aqueles que tivessem percepção diferente
(ou oposta) da que se sustenta com relação à fé ou não fé, pos-
to que esta última é, igualmente, manifestação da verdade. Peter
Berger capta, a meu ver, muito lucidamente, esse ponto sobre a
colocação da verdade, sendo o comum ao espírito de nossos dias:
"Repetindo, a característica social e sociopsicológica crucial da si-
tuação pluralista é que a religião não pode mais ser imposta, mas
tem que ser posta no mercado" (BERGER, 2004, p. 156).

Afirmações de caráter absoluto ou de verdade exclusivista


ouvidas nas ruas, na mídia e no ambiente acadêmico, são tidas
como forma de intolerância. A crítica que se pode oferecer a tal
assertiva é a do sentido único que o autor dá a tal afirmação, ou
seja, a sustentação de que o pluralismo é verdade, exclui a pos-
sibilidade pluralística, fazendo do pluralismo a verdade única.
Nessa linha crítica, deve-se agregar o fato de que, ao afirmar que
um texto terá sempre sentido polissêmico, esse sentido que afir-
mo não o é, ou seja, ele é unívoco, embora afirme que seja polis-
sêmico. O pluralismo é, desse modo, insustentável.
36 O Cristão e os desafios da pós-modernidade
DESAFIO
O primeiro ponto a ser verificado como desafio ao cristão,
neste item, é a bondade. Essa faceta do caráter cristão deve ma-
nifestar-se mesmo em meio a esse ambiente pluralista. Com
isso afirmo que o cristão não deve agir agressivamente, ferindo,
magoando, destratando ou desprezando aqueles que pensem de
forma diferente de seu modo de crer. A tolerância e a compre-
ensão são apresentadas como virtudes cristãs, devendo direcio-
nar nosso modo de tratar com os que de nós divergem. O apego
e a consciência quanto à verdade única não podem justificar a
atitude de imposição "à espada" de minha crença ou convicção.
Jamais se poderá justificar, com base na verdade, qualquer ação
totalitária ou violenta como perseguição, tortura, fogueira, ex-
tradição, degredo ou outras formas brutais de manifestação de
intolerância. Não há como justificar as mortes de milhares de
seres humanos por causa da convicção acerca da fé, seja nas Cru-
zadas', na imposição do Islã pela espada, nas guerras religiosas
(1) Movimento religioso cristão
entre cristãos ou em atentados suicidas (ou não) entre facções de caráter militar desenvolvido
dos séculos XI ao XIII, saído da
muçulmanas, além de outras tantas lamentáveis ocorrências. Europa ocidental, visando retomar a
cidade de Jerusalém e outros lugares
Como cristãos devemos estar dispostos a morrer pela verdade sagrados da dominação dos mu-
çulmanos. "O objetivo era derrotar
da fé cristã, mas jamais matar por causa dela. os muçulmanos que ameaçavam
Constantinopla, salvar o império do
Oriente, unir de novo a cristandade,
Nosso desafio alcança, também, o aspecto da necessidade de reconquistar a Terra Santa, e em
mantermos firmes os ensinos do Senhor Jesus em sua Palavra. tudo ganhar o céu" (GONZALEZ,
1981, v. 4, p. 47).
Não há como abrir mão (mesmo taxados de ignorantes, intran- (2) Registros do Corão conforme
Surata de Maria ( 1 9'‘) N,ersiculos 29 a
sigentes, broncos, intolerantes, fanáticos) dos aspectos únicos de 31; Sumia da Familia de Imran (3'),
versiculo 49.
nossa fé cristã, os quais envolvem a salvação e a vida eterna. Jesus
não pode ser relativizado e pluralizado, integrando um panteão
de outros deuses como mais um entre outros, ou o maior de-
les; tampouco pode ser colocado na condição de mero profeta
ou líder religioso, ou mesmo um homem que ao nascer já falava
e realizou milagres e atos portentosos'. Ele é o Senhor, o Deus
salvador feito carne, o único Salvador, e somente por sua mor-
te e ressurreição poderemos alcançar a bênção do perdão e da
vida eterna: "Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve as
minhas palavras e crê naquele que me enviou, tem a vida eter-

Capitulo 5 Cultura do pluralismo 37


na, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida." ( João
5: 24) e, ainda: "Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida.
Quem crê em mim ainda que esteja morto viverá; e todo o que
vive e crê em mim, não morrerá, eternamente. Crês isto?" ( João
11: 25 e 26).
Nosso desafio é continuarmos, apesar da oposição e contes-
tação, sustentando a linha de exclusiva redenção e mediação
em Cristo, afastando toda e qualquer tentativa de admissão de
outro modo redentivo ou de mediação entre Deus e os seres
humanos. Devemos continuar afirmando e dando razão acerca
de nossa convicção quanto ao fato de que "não há salvação em
nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro
nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos sal-
vos." (Atos dos Apóstolos 4: 12); "porquanto há um só Deus e
um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem"
(I Timóteo 2: 5) e na certeza de que "também Deus o exaltou
sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome,
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na
terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo
é Senhor, para glória de Deus Pai" (Filipenses 2: 9 a 11). Assim,
cônscios e certos de que Jesus é o que disse ser, ao afirmar sobre
Si mesmo em resposta a um de seus discípulos: "Respondeu-lhe
Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao
Pai senão por mim" ( João 14: 6), é requerido de nós cristãos
sustentar essa verdade. Assim, eis o desafio.

38 O Cristã) e os desafios da pós-modernidade


Capitulo 6
Cultura do sincretismo

Em acepção genérica, e de forma simples, o sincretismo é a


fusão de doutrinas ou correntes filosóficas, políticas ou religio-
sas de caráter diverso umas das outras. É, portanto, uma mescla
ou amálgama de diferentes posicionamentos, gerando uma nova
composição, distinta das anteriores, mas mantendo e preservan-
do aspectos de muitas ou de todas as que se prestaram a tal fusão.

A presença do relativismo como fator gerador do pluralismo


e a assimilação deste último acabam por fazer surgir ou manifes-
tar-se o sincretismo. Uma vez que inexistem absolutos, tampou-
co verdades universais, serão formados ou gerados corpos ajus-
táveis ou modeláveis, frutos da anexação e inclusão dos vários
conceitos parciais e relativos existentes. O processo leva em con-
ta o fato de haver "algo positivo" e aproveitável em determinada
corrente de pensamento e, de igual modo, haver o mesmo em
outra, embora existam aspectos divergentes ou conflitantes en-
tre ambas. O que se deve buscar são os pontos convergentes, ou,
até mesmo, os divergentes, mas positivos, levando à mixagem de
tais correntes.

39
(1) Sobre a lógica dialética hegeliana Necessário se faz estar sempre atento ao fato de que tal produ-
lê-se: "A lógica tradicional, binária,
é a lógica da imobilidade, pois exige CO é, também, uma realidade provisória e não permanente, aber-
a opção ou pela afirmação ou pela ff

negação, excluindo uma terceira ta a ser novamente mesclada com a formação de novo "corpo ,
possibilidade, isto é, a de consi-
derá-las partes de um processo. A o qual se submeterá ao mesmo ciclo. Esse processo dinâmico e
lógica de Hegel, no entanto, contém
três termos: a afirmação (a tese), a
constante não deve ser confundido com a visão dialética hege-
negação (a antítese) e a síntese, que .
resulta da negação da negação. O liana de síntese', posto que esta é o fruto do antagonismo e cho-
último termo, uma dupla negação, que da antítese em relação à tese, que, por sua vez, se comporá
é também outra afirmação, mas
engendrada pelo confronto dos dois em tese a gerar nova antítese, produzindo nova síntese. Não há
termos anteriores. Hegel chama
essa estrutura lógica de dialética" mixagem ou fusão de correntes, mas "embate".
(História da Filosofia_ Coleção Os
Pensadores, p. 355).
(2) Em sentido etimológico, é um É possível verificar-se significativa proximidade entre o sin-
termo grego (oikoteméne) e se pode cretismo e o ecletismo, embora sejam distintos. Este se liga ao
traduzir por "todas as pessoas", "todo
o mundo habitado", "todas as gentes". aspecto da presença de muitas correntes de pensamento que,
Em sentido de aplicação religiosa,
trata-se do movimento de empenho embora apresentem divergências, convivem em um mesmo am-
para aproximação, convívio e
superação de diferenças das religiões biente''. Por exemplo: pode-se dizer que uma pessoa tem uma
de tradição cristã. Em sentido mais
amplo, englobam-se, também, as cultura eclética, significando, com isso, que tal indivíduo tem
outras manifestações religiosas não
cristãs, considerável conhecimento em várias áreas do saber, podendo
(3) Trata-se de um movimento de ter profunda especialização em determinada área, e menor do-
caráter religioso-filosófico, baseado
em princípios teosóficos, com ênfase mínio em muitas outras sem a mesma profundidade. Já o sincre-
na teologia naturalista (panteísmo),
propondo a harmonia e unificação tismo ocorre quando das várias correntes de pensamento, pela
das religiões sob o manto espiritua-
lista com crenças oriundas do cris- fusão de partes e aspectos de todas elas (ou algumas dentre to-
tianismo, de povos celtas (incluindo
duendes, fadas etc.), astrologia e das), vem à luz uma nova corrente.
elementos orientais do hinduísmo,
taoísmo, entre outros. Surgiu nos
anos 60 e 70, ligado à manifestação Podemos afirmar que o ecletismo se liga à noção de ecumenis-
da visão romántica de "paz e amor"
dos hippies. Tem corno importante MO2, ou seja, várias linhas de manifestação religiosa convivem pací-
divulgadora a atriz Shirley Madeine.
Não há uma definição muito clara fica e respeitosamente sem que sejam evocadas diferenças, ocorren-
do movimento, mas Dave FIunt e do participação comum em celebrações ou ações de caráter social e
T. A. McMahon dizem o seguinte:
"Nova Era é uma coalização ampla religioso, havendo, portanto, uma harmonia, mesmo mantendo-se
de grupos entrelaçados que traba-
lham unidos, visando a unidade definidas as convicções de cada participante. Já o sincretismo pode
mundial baseada em experiências
religiosas e crenças que têm suas ser expresso na proposta da Nova Era', onde ocorre a junção ou Eu-
raizes no misticismo oriental" (A
sedução do cristianismo. 1985, p. 7). são de várias manifestações de crenças, gerando uma nova forma de
expressão religiosa ou de culto. Há nova formulação de princípios,
ritos, conceitos e até dogmas, como fruto final, ou extrato final, da
inclusão e mescla dos vários matizes religiosos envolvidos. Não se
trata da expressão popular que diz: "Todos os caminhos levam a
Roma" (ecletismo-ecumenismo), mas, sim, que todos os caminhos
se fundem em um só, o qual levará a Deus (sincretismo).

40 O Cristão e os desafios da pás-modernidade


(4) Tais sábios são apontados no
Pode haver instituição que reúna em si ambos os aspectos, ou grau 32 Sublime Príncipe do Real
Segredo do Rito Escocês Antigo
seja, sendo sincrética e eclética a um só tempo. Exemplo de tal e Aceito (R.E.A.A.), sendo eles:
instituição é a Maçonaria. Ela é eclética no sentido de agasalhar Confúcio, Zaratrusta, Buda, Moisés,
Hermes Trimegista, Platão, Jesus
ou receber em seu seio várias manifestações religiosas, das quais de Nazaré, Maomé e finalmente a
Estrela. A cada uni desses "filósofos"
extrai ensinos e preceitos, como se vê nos Sábios da Cripta', e, ao segue uma espécie de resumo de
seus ensinos. Com relação à Estrela,
mesmo tempo, sincrética pelo fato de formular, a partir dos ensi- registra-se: "Eu sou o amanhã. Os
judeus esperam o Messias; os muçul-
nos presentes em vários credos religiosos e linhas filosóficas, uma manos o Nandi; os cristãos, a volta
de Cristo; os budistas. Maitreya, o
doutrina própria, sendo esta a que conduzirá o ser humano a uma próximo Buda; os hindus, o avatar
de Vichin, que se encarna de tempo
estrutura ideal, levando-o a seu desenvolvimento maior e pleno. em tempo, para o triunfo dos bons
e destruição dos maus. Tenho todos
esses nomes e ainda outros mais,
A assimilação (forma de manifestação do sincretismo) torna- porque a cadeia hermética nunca
-se cada vez mais comum no universo de tradição cristã, seja pro- foi quebrada. Notastes a perfeita
coordenação dos ensinamentos
testante ou não. As manifestações dos cultos afros, sobretudo na formulados pelos fundadores da ci-
vilização que a história vos mostrou.
Bahia, em relação ao catolicismo romano, tornam claro esse fe- Outros guias ainda surgirão, para
assinalarem, com fortes predicações,
nômeno (embora se busque hoje uma separação mais definida). a ascenção(sic) da humanidade.
Apesar, porém, da variedade de suas
Mesmo nos meios evangélicos, pode-se ver o uso de objetos que revelações, ficai certos: eles vos fa-
larão na mesma linguagem, porque
adquirem caráter "má.gico", confinando a divindade e seu poder ela corresponde às necessidades
universais e às aspirações da nature-
curativo e vitorioso no intuito de tutelá-la ou domesticá-la, no za. Sede tolerantes, porque ninguém
pode definir o Grande Arquiteto
propósito de uso a favor do que detiver tais objetos. Esta é uma do Universo" (SUPR.: CONS.: DO
forma clara de assimilação de costumes e expressões de cultos BRASIL PARA O RIT.: ESC.: ANT.:
e AC.: Instalado em 12 de novembro
não ligados à fé cristã de caráter evangélico e protestante. de 1832. Aprovado em 1968 e revisto
em 1992).
(5) Não se dá ao termo a conotação
O risco maior do sincretismo, deve-se notar, não se encontra de ilusionismo, nem número de
entretenimento circense. Trata-se
nas expressões públicas de culto, ou em programas de serviço do aspecto ligado à magia, ou seja, a
ideia de se poder conduzir ou con-
religioso, mas, sim, no que concerne às doutrinas de caráter fun- trolar a divindade, pelo uso de deter-
minadas fórmulas faladas (palavras
damental e essencial à fé cristã genuína. É no campo da formu- de poder) ou objetos que enfeixarão
lação teológica e do ensino bíblico que se verifica seu maior pe- o poder da divindade (talismãs,
amuletos etc.) e serão usados para
rigo, pois acaba por fazer desaparecer os postulados distintivos afastar o azar, mau agouro, maus
espíritos, e tornar vitorioso aquele
e identificadores dos ensinos da Igreja de Cristo com base nas que tem e manipula de forma corre-
ta tais objetos "ungidos", tais como
Escrituras Sagradas cristãs, a Bíblia. sabonetes, flores, pão, água, toalhas,
chaves e outros. "[...] enquanto ci
ritual religioso reivindica apenas
colocar os homens em relação com
DESAFIO tais forças e realidade, e exprimir
a resposta humana a elas, o ritual
mágico pretende oferecer maneiras
Com relação ao sincretismo entendo haver alguns, e não ape- de manipular tais forças a fim de
provocar mudanças e consequèn -
nas um único desafio posto ao cristão. O primeiro deles é não das no próprio mundo empírico"
nos tornarmos uma espécie de "gueto" ou tribo isolada e reclusa (6DEA, 1969, p. 17. Grifos meus).

em relação a qualquer forma de comunicação ou contato. A pre-


sença do sincretismo não pode acarretar a alienação do contato

Capítulo 6 - Cultura do sincretismo 41


com manifestações distintas da fé cristã, ou das manifestações
cristãs distintas da que você ou eu professamos. A diretriz pauli-
na para o cristão é clara e permanece: "Não desprezeis profecias;
julgai todas as coisas, retende o que é bom; abstende-vos de toda
forma de mal" (I Tessalonicenses 5: 20-22). O contato com ou-
tras formas de crenças é salutar, até mesmo para o reforço das
próprias convicções que se professa ou vivencia.

O segundo desafio é entender que não se pode sustentar a


tese de absoluta pureza em relação à doutrina e prática quan-
to à fé cristã. Assim como a "raça pura" é um mito, a "religião
pura", no sentido de manifestação credal, litúrgica e institucio-
nal, também o é. Nossas formulações estarão sempre vinculadas
a algum modo prévio ou anterior de entendimento. Nós rece-
bemos as doutrinas com as cargas peculiares a elas, envolvendo
concepções filosóficas e percepção da realidade, frutos da época,
circunstâncias e outros fatores. Muitas de nossas formulações,
em termos de manifestação comunitária de culto, estão vestidas
(mescladas) com a nossa cultura ou de outras origens. Não é ade-
quado imaginar-se que só o estilo clássico (Mozart, Schubert,
Bach e outros) e tradicional de música seja próprio para o lou-
vor a Deus. Muito do Evangelho de Cristo veio a nós (no Bra-
sil) com roupagem europeia-americana, levando muitos, e por
muito tempo, a confundir Evangelho e fé cristã com costumes
e cultura ocidental europeia. A assimilação de traços culturais
estrangeiros cristalizou-se como sendo a única forma agradável
de culto a Deus e por Ele aceitável.

Compreender que outras formas de culto (liturgia) são igual-


mente aceitáveis por Deus, tanto quanto as nossas, torna se um
-

grande desafio. Se há assimilação nas formas de ritmos ligadas


a nós (samba, baião, chorinho e mesmo o rock), há, também,
nas outras. Canta-se hino sacro no Brasil com melodia de Hino
Nacional de pais estrangeiro e letra adaptada para o português;
o mesmo se dá com músicas de folclore americano e europeu, as
quais são hoje, para nós, sacras. O desafio é distinguir o Evange-
lho de Cristo das roupagens que lhe têm sido dadas e que vêm
identificadas (sincretismo) com o próprio Evangelho, bem como
42 O Cristão e os desafios da pós-modernidade
evitar cometermos esse mesmo erro ao proclamar o Evangelho a
outras culturas distintas da nossa.
O terceiro desafio é o de sustentarmos o fato de que a fé cris-
tã (despojada da roupagem cultural) não pode ter ou sofrer ne-
nhuma forma de mistura em sua essência. Se não se pode evitar
a sua "contaminação" pela cultura em aspectos considerados
periféricos, deve-se buscar a pureza no que respeita à sua subs-
tância ou essência. Nesse sentido, devemos dar ouvidos à exor-
tação apostólica ao afirmar acerca da necessidade de empenho
e vigilância permanentes: "Amados, quando empregava toda a
diligência em escrever-vos acerca de nossa comum salvação, foi
que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-
-vos a batalhardes pela fé que uma vez por todas foi entregue aos
santos" (Judas 3). Paulo, de igual modo, sustenta: "Vivei, acima
de tudo, por modo digno do Evangelho de Cristo, para que, ou
indo ver-vos, ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros,
que estais firmes em um só espirito, como uma só alma, lutando
juntos pela fé evangélica" (Filipenses 1: 27).

O desafio é exercitarmos a fé pessoal e intima, crendo e rece-


bendo a Cristo como único Salvador e Senhor, e sustentar, sem
amálgama ou mescla, essa essencialidade do Evangelho de Cristo:
"De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Fi-
lho e nele crer tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último
dia" ( João 6:40). A palavra de Paulo soa forte e contundente, mas
límpida e inequívoca, sobre a não admissão de fusão ou mistura
à fé em Cristo, de qualquer manifestação que lhe seja oposta ou
contrária, ao escrever: "Não podeis beber o cálice do Senhor e o
cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Se-
nhor e da mesa dos demônios" (I Corintios 10: 21). Isso reflete o
ensino do próprio Senhor Jesus Cristo que afirmou: "Ninguém
pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um,
e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não
podeis servir a Deus e às riquezas". Eis aí o desafio.

43
Capitulo 7
Cultura do pragmatismo

"Espero que dê certo." Esta é uma expressão comuníssima


entre nós e expressa o desejo de que se alcance o propósito de
sucesso, ou haja o alcance do fim colimado, o qual, na maioria
das vezes, nada mais é que a obtenção do êxito. Ao se aplicar
a perspectiva pragmatista na esfera do comércio, por exemplo,
nota-se que veicular anúncio gerador de benefício para o cres-
cimento patrimonial da empresa e conquista de mercado é um
bom anúncio, mesmo que carregue risco e alguma forma de en-
gano, como o da bebida alcoólica ou do fumo.

Pode-se conceituar o pragmatismo da seguinte forma: "O


vocábulo (pragma' que significa, em grego, ação, tem como de-
rivados pragmático e pragmatismo [...1. É o sistema filosófico de
Pierce, James e Dewey (Estados Unidos), F. C. Schiller (Ingla-
terra), Jerusalém (Alemanha), Vailati e Calderoni (Itália), pelo
qual a verdade se define pelo êxito, nas diversas acepções deste
termos" (CRETELLA JÚNIOR, 1973, p. 199). A origem do
pragmatismo é americana, iniciando-se no século XIX e es-
tendendo sua influência a partir de então, com seu apogeu em

45
meados do século XX, tendo associado a si "lemas tais como 'a
verdade é aquilo que funciona', 'o verdadeiro é o que é oportuno'
e 'a fé num fato ajuda a criar o faro' (BROWN, 1983, p. 97).
A corrida pelo sucesso e pela fama não é novidade dos séculos
XX e XXI no escopo da história humana. Nossos dias apenas
mantêm, com maior grau de 'ênfase, tal dinâmica. O que ocorre,
e se torna nocivo nessa ideia de "realização", é o fato de não mais
se indagar se algo é certo, mas apenas; "se dá certo". O pragma-
tismo, nesse sentido, é a aplicação do princípio básico e exclu-
sivo do resultado, ou seja, se deu certo é bom. Resultado aqui
pode ser expresso em termos de ascensão na carreira, conquista
de mercado, agregação (aglutinação) de novos adeptos ao seu
11,
pensamento ou à sua fé, crescimento económico, aumento de
poder e prestigio etc.
O sentimento de valorização do cerro. correto ou justo vai
sendo deixado de lado em favor do benefício ou lucro, seja
em que sentido for. A noção de que os fins podem justificar os
meios é substituída pelo postulado de que "só os fins justificam
os meios". O que realmente importa é o alcance das metas ou dos
objetivos propostos e almejados. Desse modo, bom é o que faz o
resultado positivo aparecer ou ocorrer. As grandes corporações
têm a visão pragmática como torça motriz de seus executivos,
onde os resultados determinam sua existência e permanência no
mercado. Essa visão se projeta, de igual modo, em relação às pes-
soas, tornando-as cativas de tal modo de viver, qual seja: "dá cer-
to ?" Meios são relativizados e int , niptilados sem grandes dramas
ligados à consciência social. ambiental e espiritual.

A exploração de mão de obra barata (serniescravizada) para


alcançar competitividade e ganhar mercado torna-se aceitável e
justificável; o uso do corpo para promoção ou obtenção de vaga
de trabalho é compreensível e a obtenção de uma van-
tagem pessoal para implemento de património particular por
meio de influência (tráfico" do cargo que ocupa ou da função
que exerce é vista como forma de 'inte¥ncia" e argúcia (desde
que não seja apanhado). É evidente que cais situações, quando

46 O Cristão e os desafios da pos-modernidade


vêm à tona pela mídia, geram certa manifestação de desconten-
tamento e desaprovação, mas parece que tal indignação se dá
pelo fato de que o beneficiado não é a pessoa que ouve a infor-
mação. Esse ponto pode ser constatado no ambiente da escola
ou da universidade, locais onde as fraudes ("cola") usadas para
alcançar o êxito (resultado positivo) são motivo de gáudio ou
vanglória pelos seus praticantes e a sua ilicitude não é questiona-
da, e quando tal ocorre, sua funcionalidade ("pragmaticidade")
se sobrepõe ao seu aspecto ético. O certo e o justo (ainda que
postos como norma) são ignorados em nome do bom resultado.
Assim, o aspecto exitoso de qualquer ação está se sobrepondo ao
aspecto de sua moralidade.

No universo da religião, esse mesmo padrão vai se tornando


cada vez mais perceptível e aceito. A conduta de lideres (e or-
ganizações) se torna pragmática, tendo como objetivo maior o
êxito ou resultado econômico, quantitativo ou numérico. É o
que se viu em certo líder, em reportagem exibida na televisão,
ao falar a seus comandados sobre angariar (arrecadar) recursos
dos frequentadores dos cultos por eles dirigidos, empregando
expressão de baixo nível para indicar como deveria funcionar o
sistema, ou melhor, esquema.

A utilização de recursos e sua validade são medidas (e vali-


dadas) pelo retorno efetivo (pessoas, dinheiro) que tal projeto
gera, sem que haja preocupação se o método é próprio ou não.
O funcionamento da estrutura religiosa vai se tornando igual
ao das corporações financeiras, nas quais há metas a cumprir e
cotas a serem cobertas. Como alcançá-las? Não importa; alcan-
ce-as. Igrejas cristãs (locais e denominações) têm assumido essa
perigosa postura, na qual parece haver uma espécie de cota a ser
alcançada em termos de membresia.

Uma competição de mercado vai se impondo na luta por es-


paço, seja de instalação, manutenção ou expansão. Robson Ra-
mos escreve com propriedade:

Capitulo 7 Cultura do pragmatismo 47


Para atrair consumidores distraídos, bombardeados por in-
formação e inseguros, cada vez mais líderes cristãos estrutu-
ram suas igrejas como se fossem apresentar shows. Fornecem
espetáculos de distribuição de respostas pontuais, rápidas e
garantidas para os problemas da vida. Outras atendem a
demandas específicas de uma tribo, crescendo exponencial-
mente. Não apenas no mercado, mas também em nosso
meio, o critério de sucesso é a ampliação numérica — influên-
cia e poder comprovados por cikas. Vamos sucumbir ao nosso
tempo? Que tipo de movimento evangélico deve ser aspira-
do? (RAMOS, 2009, p. 94).
(I) A situação pluralista é, acima
de tudo, uma situação de mercado. As igrejas tradicionais estão sendo pressionadas nesse sentido
Nela as instituições religiosas tor- e ' às vezes, cedem a métodos e propostas de caráter questionável',
nam-se comodidades de consumo.
E, de qualquer forma, grande parte
da atividade religiosa nessa situação
mas que são "impostos" solD a bandeira ou slogan: "Mas dá certo!
vem a ser dominada pela lógica da O resultado vem!" Peter Berger alude a esse ponto ao dizer:
economia de mercado" (BERGER,
l985, p. [49).
Os conteúdos religiosos tornam-se sujeitos á 'moda: [..] A
dinâmica de preferência do consumidor não determina, em
si mesma, os conteúdos substantivos; ela postula simples-
mente que, em principio, eles são suscetíveis de mudanças
[...] Na medida em que o mundo dos consumidores em ques-
tão é secularizado, suas preferências refletirão isso. Isto é, eles
preferirão produtos religiosos que podem se coadunar com
a consciência secularizada aos que não podem (BERGER,
2004, p. 157).

Infelizmente, a essência do pragmatismo (o êxito-resultado)


tem se instalado e se tornado mais e mais evidente na esfera do
cristianismo com sua fé utilitarista.

DESAFIO
Antes de apresentar o desafio neste tópico, é importante di-
zer que não há erro ou equívoco em realizar planejamento ou
estabelecer metas ou alvos a serem alcançados. Isso é legítimo,
adequado e saudável. Não há, igualmente, erro em desejar e al-
mejar o crescimento quantitativo aliado ao qualitativo no âm-

48 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


bico da igreja, lançando mão de métodos para seu crescimento
e desenvolvimento. Não se trata de rejeição gratuita a propos-
ta de emprego de novas metodologias ou recursos para tornar
mais efetiva e eficiente a apresentação da mensagem cristã. No-
vas propostas ou modelos devem ser apresentados, analisados e
utilizados nas igrejas; mas não se pode justificar tais usos apenas
firmados no pragmatismo do resultado ou do êxito, com aumen-
to numérico. Impõe-se a questão de ser ou não ser certo, justo,
ético e, sobretudo, bíblico.

Ao cristão, em sua relação com a cultura em que está inserido


mundo), o desafio é, de certo modo, o mesmo de outros tempos,
ou seja, a justiça, a correção. Não se pode deixar envolver por tais
formas de conduta cuja base é, essencialmente, o pragmatismo,
com seu império impositivo do êxito. Claro que o mundo (socie-
dade-mercado) é extremamente competitivo. É uma selva na qual
se tem que sobreviver. A questão é: a qualquer custo? Para alcan-
çar minha meta vejo-me forçado a lançar mão de meios (métodos)
escusos ou suspeitos. Que fazer então? Meu concorrente é desleal
e tem prosperado; o que devo fazer? Este não é um desafio apenas
da pós-modernidade: foi, é e será do cristão em todo o tempo do
viver humano nessa estrutura de corrupção e competição. O sal-
mista, ao ver (Salmo 73) a prosperidade do ímpio em contraste
com a dificuldade do justo, confessa que quase resvalou na fé, mas
contemplou o fim e a compensação do ímpio e do justo, então
manteve sua fidelidade mesmo com o custo a ser pago.

O desafio imposto a nós nesse contexto com sua forma prag-


mática de viver é muito grande. Os riscos são bem evidentes e de
grande extensão. O ônus a ser assumido é extremamente pesado.
A postura firme em relação à justiça e integridade frente à acei-
tação de sujeição ao que dá certo (gera resultado), mesmo sendo
duvidoso ou incorreto, terá seu preço cobrado pelos partidários
da injustiça, mas terá sua premiação e recompensa pelo Senhor.

O autor da carta aos Hebreus mostra que a fé, em sua mani-


festação de zelo no e pelo Senhor, pode gerar dois resultados, ou
seja, um de benefício físico na terra e premiação no céu; outro

:yrnmatwno 49
de prejuízo terreal com dor física, sofrimento, espólio de bens,
privações várias e morte física (embora não seja isso alguma for-
ma de derrota), mas com grande premiação celestial. O texto é
de profundo significado e tocante beleza:

os quais por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a


justiça, obtiveram promessas, ficharam boca de leões, ex-
tinguiram a violência do ko, escaparam ao fio da espada,
da fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em guerra,
puseram em fuga exércitos de estrangeiros. Mulheres rece-
beram, pela ressurreição os seus mortos. Alguns foram tor-
turados, não aceitando seu resgate, para obterem superior
ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de
escárnios e açoites, sim, até algemas e prisões. Foram apedre-
jados, provados, serrados pelo meio, mortos ao fio da espada;
andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras,
necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o
mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes,
pelas covas, pelos antros da terra (Hebreus 11: 33 38).
-

O apóstolo Paulo, em texto que reflete semelhante visão, nos


adverte sobre como somos vistos pelo mundo e como devemos
nos ver pelo padrão do Senhor:

Pelo contrário, em tudo nos recomendamos a nós mesmos


como ministros de Deus [..] na muita paciência, nas afli-
ções, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões,
nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns, na pu-
reza, no saber, na longanimidade, na bondade, no Espirito
Santo, no amor não fingido [...] como enganadores, e sendo
verdadeiros; como desconhecidos e, entretanto, bem conheci-
dos; como se estivéssemos morrendo e contudo eis que vive-
mos; como castigados, porém não mortos; entristecidos, mas
sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada
tendo, mas possuindo tudo (2 Coríntios 6: 4-10).
Não o que dá certo, mas o que é certo. Eis o desafio.

50 O Cristão e as desafios da pós-modernidade


Capítulo 8
Cultura do consumismo

A modernidade e o capitalismo têm suas histórias interliga-


das. Na pós-modernidade, a presença do sistema capitalista é,
ainda, muito forte. A pós-modernidade é caracterizada como
capitalismo tardio', confirmando o entendimento sobre a pre-
sença dele em nossos dias.
(1) Termo usado em 1902 por Wer-
ner Sombart para caracterizar fase
Ao se observar a situação nas grandes e médias cidades no posterior do sistema capitalista.
(2) Podese conceituar consumo
mundo (e em algumas pequenas também), percebe-se que a pre- como: "A utilização de coisas e
serviços na satisfação direta de
sença de bens de consumo 2 vai crescendo aceleradamente. Há necessidades humanas" (GALVES,
1993, p. 337).
um incentivo muito grande ao consumo, como elemento gera-
(3) Trata-se da proposta de Sidarta
dor da expressão de conforto e este, por fim, de felicidade. Desse Gautama, o Buda, pela qual "pro-
punha o esforço de cada um para
modo, começa-se a estabelecer uma ligação indevida e espúria livrar-se dos desejos, ilusões e do
individualismo a fim de chegar
pela qual o acúmulo de bens, pelo consumo, é o agente capaz de ao Nirvana, cortando desse modo
a cadeia de reencarnações que
trazer ao ser humano a realização de seu ideal de felicidade, uma levaria de novo a enfrentar doenças,
sofrimento e morte" (História da
espécie de nirvana' capitalista e consumista. Filosofia. Coleção Os Pensadores,
1999, p. 13).

51
O ser humano tem suas carências e necessidades, as quais pre-
cisam ser supridas e satisfeitas. O esforço para satisfazê-las é legí-
timo e lícito, devendo estar presente na dinâmica de nosso viver.
Portanto, pode-se perceber uma situação em que há necessidade
de satisfazer ou suprir tais demandas ou carências (consumo), e
essa satisfação se dá por meio dos bens disponíveis (produção).
Para que isso seja feito há necessidade de investimento (capital),
valendo-se da força produtiva (trabalho). Esses elementos com-
põem a estrutura básica de nossa chamada sociedade de consumo.
Todas essas engrenagens citadas existem e devem estar em movi-
mento, sob pena de se verificar um colapso. Desse modo, insisto,
o consumo é algo legítimo e necessário a todos nós.

Passa a existir, no entanto, uma situação de exacerbado con-


sumo, transformando-se em consumismo. Os agentes ligados à
promoção dos produtos, profissionais da área de propaganda,
estão sempre inovando e buscando demonstrar que o consumo
de tal e qual produto não é apenas questão de desejo, mas de
necessidade. Claro que tal necessidade pode ser aliada ao status
social, como no caso do uso de um veículo para sua locomoção e
trabalho, em que o carro passa a ser símbolo de destaque e prestí-
gio na sociedade. Este é um fenômeno detectável com boa parte
dos produtos e bens de consumo. Trata-se da substituição do "eu
quero" pelo "eu necessito", transformando, portanto, o desejo
em necessidade. Essa grande "jogada" de propaganda é fantásti-
ca, pois o desejo pode ser adiado, postergado ou não satisfeito,
sem que haja dano ou prejuízo à pessoa. Mas, por outro lado, a
necessidade precisa ser satisfeita. Torna-se comum dizermos que
precisamos (convencimento de nós mesmo), quando, de fato,
apenas queremos ou desejamos (realidade). A pessoa já tem o su-
ficiente e, às vezes, mais do que o necessário, mas continua que-
rendo. Esse filão explorado pelo capitalismo é a cobiça humana.

A urbanização aliada à democracia da informação tem levado


as pessoas a serem expostas à oferta de toda sorte de bens. Isso
é, em certo sentido positivo, pois desperta o senso de progres-
so, crescimento e desenvolvimento individual e social. Porém, é

52 O Cristão e os desafios da pos.modernidacte


também um problema, pois leva muitos a se tornarem endivida-
dos e sem condições de saldar seus compromissos ou, em casos
mais graves, como a pessoa não consegue alcançar o que deseja
(e pensa que precisa), acaba por lançar mão de formas ilícitas
para obtenção do bem desejado e satisfação de seu desejo.

Ao se analisar a situação do consumismo atual, tem-se a im-


pressão de que vivemos para consumir. Grande parte da popula-
ção (talvez a maioria), quando recebe seu pagamento, ou obtém
seu lucro, já tem esses valores empatados ou comprometidos não
apenas em termos de investimento, mas de gastos com consumo
desnecessário. O final do século XX e o início do XXI são tes-
temunhas do fenômeno pelo qual as pessoas têm migrado para
as cidades, determinando a necessidade de geração de empregos
para absorver essa mão de obra; a indústria com toda essa mão
de obra produz e precisa, por sua vez, "transformar" seu produto
em dinheiro, a fim de continuar produzindo e gerando empre-
gos; tais produtos precisam circular no comércio (empregos),
gerando e fazendo circular capital mediante compra e venda;
então é preciso empregar, produzir, consumir imperiosamente.
No Brasil, é possível perceber certo aumento no poder aqui-
sitivo da população em geral. A constatação disso é a presença
intensa e crescente de pessoas nas áreas de comércio popular,
(4) Não se trata do deserto situado
como a 25 de março e o Brás em São Paulo, a SAARA' no no continente africano, mas o setor
de comércio no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, ou nos shopping centers, sejam os menores ou S.A.A.R.A: Sociedade dos Amigos
das Adjacências da Rua da Alfân-
os mais requintados, em suas condições de "catedrais" com os dega.
fiéis adeptos desse novo culto: o consumismo. Os gastos do
brasileiro no exterior estão em patamares excepcionais, apon-
tando o consumo de bens de serviço com viagens, hospedagens
etc. Internamente, isso também pode ser percebido, graças à
facilidade de deslocamento aliada à oferta de baixo custo de
passagens aéreas, fazendo com que os aeroportos estejam tão
cheios quanto os terminais rodoviários, evidenciando a mu-
dança do perfil dos usuários do avião, se pensarmos em 40 anos
atrás, quando uma faixa relativamente pequena da população
utilizava tal meio de transporte.

CaRtH - (. 1;; 1-::: risLim,;-no 53


A superfluidade e a ostentação são elementos nitidamente per-
cebidos em nosso contexto social urbano, sendo estes, em muito,
determinantes de tal compulsão em consumir e comprar. A com-
petição (emulação decorrente do status) é estimulada e muitos são
engolidos por ela, colocando-se em situação da qual têm dificul-
dade de se livrar ou nem mesmo consegue se safar. A insatisfação
pelo não ter, ou por ter apenas o que seja suficiente, ou mesmo por
ter o que não se queria ter tido, tem sido motivo de desespero para
muita gente e causa de danos contra si e contra terceiros. Tais situ-
ações ligam-se não apenas ao desejo, mas à própria cobiça. As faci-
lidades crediticias e financiamentos em prazos dilatadissimos são
estímulo à aquisição de bens de consumo, duráveis ou não, pela
camada menos favorecida economicamente. A utilização de tais
mecanismos de crédito gera uma falsa ideia de poder aquisitivo,
determinando o acúmulo de parcelas, as quais em sua composição
suplantam as possibilidades de pagamento.

Os cristãos não são imunes nem estão isentos de tal fluxo liga-
do ao consumo excessivo de nossos dias, e se veem enredados na
teia terrível e traiçoeira do endividamento, que conduz muitos
a uma situação de crise externa e interna por causa das dividas
resultantes de compras efetuadas além de suas possibilidades.
Vê-se que cada vez mais é justificado o título dado à sociedade
moderna e pós-moderna, a saber: sociedade de consumo.

DESAFIO
Nesse campo, é necessário que se entenda que o consumo é
necessário e natural ao ser humano. Nosso organismo necessi-
ta, por exemplo, consumir determinada quantidade de calorias
para sua sobrevivência. Há o sentido do consumo de caráter pes-
soal, como comida, vestuário, lazer, e o de caráter coletivo, como
saneamento, energia elétrica, segurança pública entre outros.
Assim, de uma forma ou de outra, consumir faz parte do pró-
prio viver ou existir. O problema é em transformar o consumo
(fato) em consumismo (sistema). É nesse sentido que o cristão
vê o desafio se lhe apresentar.

54 O Cristão e os desafios da pés-modemidade


Para fazer frente a esse impulso consumista presente em nossa
sociedade, o cristão tem que exercitar o contentamento. Este é,
basicamente, o desafio do cristão nesse segmento da vida. O con-
tentamento não pode ser confundido com acomodação à condi-
ção de miséria, pobreza, falta ou privação. Não se trata, também,
de imobilismo frente às exigências de progresso, desenvolvimento
e empenho pessoal em melhorar. O próprio termo traz, em sua
raiz, a ideia de se contentar com aquilo que se tem. É o rechaço
ou repúdio à insatisfação e à murmuração. Pode-se ilustrar isso da
seguinte maneira: se você tem uma bicicleta, fique contente (satis-
feito) com ela, mas caso seja possível adquirir uma moto, faça-o.
Mas, enquanto não adquirir a moto, não fique a se lamentar por
ter apenas uma bicicleta. Não admita existir em você sentimento
de tristeza por não possuir determinado bem, ou de revolta pelo
fato de seu vizinho ter certo bem e você não.

Seja contente com o que você tem, desfrute-o e coloque-o


diante do Senhor em ações de graças. Nesse sentido, o apóstolo
Paulo nos ensina e orienta:

Digo isso, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver


contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar hu-
milhado, como também ser honrado; de tudo e em todas as
circunstâncias já tenho experiência, tanto de fartura, como
de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso
naquele que me fortalece (Filipenses 4: 11-13).

Ao falar sobre avareza (retenção além do que se deve), o escri-


tor da Carta aos Hebreus ensina sobre o contentamento e diz:
"Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que
tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei,
nunca jamais te abandonarei" (Hebreus 13: 5). Quando solda-
dos foram ter com João, o Batista, e indagaram sobre qual deve-
ria ser a conduta deles, o profeta lhes respondeu: "A ninguém
maltrateis, não deis denúncia falsa, e contentai-vos com o vosso
soldo" (Lucas 3: 14).

A consciência de satisfação (estar satisfeito) é outro aspecto

Capítulo 8 - Cuttura do constimismo 55


Para fazer frente a esse impulso consumista presente em nossa
sociedade, o cristão tem que exercitar o contentamento. Este é,
basicamente, o desafio do cristão nesse segmento da vida. O con-
tentamento não pode ser confundido com acomodação à condi-
ção de miséria, pobreza, falta ou privação. Não se trata, também,
de imobilismo frente às exigências de progresso, desenvolvimento
e empenho pessoal em melhorar. O próprio termo traz, em sua
raiz, a ideia de se contentar com aquilo que se tem. É o rechaço
ou repúdio à insatisfação e à murmuração. Pode-se ilustrar isso da
seguinte maneira: se você tem uma bicicleta, fique contente (satis-
feito) com ela, mas caso seja possível adquirir uma moto, faça-o.
Mas, enquanto não adquirir a moto, não fique a se lamentar por
ter apenas uma bicicleta. Não admita existir em você sentimento
de tristeza por não possuir determinado bem, ou de revolta pelo
fato de seu vizinho ter certo bem e você não.

Seja contente com o que você tem, desfrute-o e coloque-o


diante do Senhor em ações de graças. Nesse sentido, o apóstolo
Paulo nos ensina e orienta:

Digo isso, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver


contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar hu-
milhado, como também ser honrado; de tudo e em todas as
circunstâncias já tenho experiência, tanto de fartura, como
de fome; assim de abundáncia como de escassez; tudo posso
naquele que me fortalece (Filipenses 4: 11 13).
-

Ao falar sobre avareza (retenção além do que se deve), o escri-


tor da Carta aos Hebreus ensina sobre o contentamento e diz:
"Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que
tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei,
nunca jamais te abandonarei" (Hebreus 13: 5). Quando solda-
dos foram ter com João, o Batista, e indagaram sobre qual deve-
ria ser a conduta deles, o profeta lhes respondeu: "A ninguém
maltrateis, não deis denúncia falsa, e contentai-vos com o vosso
soldo" (Lucas 3: 14).

A consciência de satisfação (estar satisfeito) é outro aspecto

Capitulo 8 - Cultura do consumsmo 55


que o cristão deve desenvolver como desafio a essa pressão de
consumismo na qual vivemos. A satisfação é a sensação de que
não há vazios a serem preenchidos, ou seja, não há inquietação
a ser satisfeita, trata-se da completude do necessário e básico, ou
seja, o sustento. Paulo orienta a Timóteo, e a nós, sobre isso ao
afirmar: "[...] tendo sustento e com o que nos vestir; estejamos
contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação e
oncupiscências insensatas e perniciosas, as
cilada, e em muitas c
quais afogam os homens na ruína e perdição" (I Timóteo 6:8-9).
O desafio do cristão frente ao consumismo passa, também,
pela manifestação de uma faceta do fruto do Espírito, que é o
(5) "Os valores que os mestres
egpkrriantreossuatcrliabrtoliapt naàa de domínio próprio (Gálatas 5: 23). A palavra usada por Paulo
ifica "o governo do eu". Isso implica que
ção, o autocontrole, a autodisciplina, é egkráteia, que sign
a pureza e castidade presentes na ,, esta no governo, mas, também, sob governo. O Espiri-
o ,, eu
I
palavra, são claros"
(BARCLAY, 1985, p. 116),
to Santo controla o "eu", que, por sua vez, controla meu ser em
seus impulsos, reações, virtudes e desejos. Desse modo, não sou
escravo do consumo, mas tenho controle sobre esse ponto. O
ímpeto de consumir estará posto sob rédeas e não mais se ex-
pressará sem parâmetros ou medidas.
O consumismo é, portanto, alimentado e fornido pela manifes-
tação da cobiça. Há um estimulo permanente em avivar ou excitar
em nós tal sentimento, a fim de que se possa adquirir, ter, possuir.
Nesse processo de retroalimentação , onde consumismo é estimu-
lado pela cobiça, a qual, por sua vez, é alimentada pela oferta de
consumir, o cristão se vê desafiado a quebrar tal ciclo, combatendo
a cobiça e despojando-se dela, sabendo que tal cobiça é manifesta-
ção de pecado. Paulo, na sequência do texto dirigido a Timóteo,
e citado acima, completa seu ensino e fala da cobiça: "Porque o
amor do dinheiro é a raiz de todos os males; e alguns nessa cobiça,
se desviaram da fé, e a si mesmos se atormentaram com muitas
Tiago alerta para esse ponto e deixa cla-
dores" (I Timóteo 6: 10).
ro que a cobiça é fonte de tentação e pecado: "Ao contrário, cada
um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz.
Então a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o
pecado, uma vez consumado, gera a morte" (Tiago 1: 14-15). Do-
mínio próprio, controle da cobiça e contentamento; eis o desafio.

O Cristão e os desafios da pós-modernidade


56
Capitulo 9
Cultura do excesso

Assistimos a reportagens e documentários que nos levam a


lugares de confrontação com situação de aguda e profunda es-
cassez. Certas regiões, ou mesmo países, são mostrados de modo
que sua condição de extrema pobreza nos escandalize e nos es-
bofeteie em nossa condição de abastança e fartura excessivas.
Regiões da África, Ásia e América Latina, principalmente, refle-
tem tal condição de ausência no que respeita a recursos básicos,
seja na esfera do pessoal (subsistência) ou social (estrutura de sa-
neamento básico). Em flagrante contraste com tal situação, são
exibidos documentários que apresentam a realidade dos efeitos
desastrosos do consumo excessivo, exagerado e impulsivo (con-
sumismo), isto é, o acúmulo excessivo.

57
Esse aspecto cultural da pós-modernidade se torna cada vez
mais evidente, pois se adquire, compra e ajunta muito mais do
que seja o necessário à própria satisfação e corno segurança para
algum momento de crise, dificuldade ou privação. Esse fato é
manifesto ao se verificar quantas coisas têm sido acumuladas
por nós sem ser usadas. Veja a grande quantidade de roupas e
calçados que abarrotam os guarda-roupas nas casas, bem como
os conjuntos de louças, talheres e utilidades domésticas que en-
chem os armários e as prateleiras dos lares, mas que não são usa-
dos e deixam de ser utilidades, tonando-se inutilidades, sendo
atestado da cultura do excesso presente em nossa vida.

É, muitas vezes, chocante quando se percebe quantas coisas ad-


quirimos e acumulamos, as quais não usamos e não são necessá-
rias, mas que estão conosco na possibilidade de virmos a precisar
delas um dia. A experiência das pessoas que mudam de residência
é muito semelhante nesse particular, quando fazem a afirmação
sobre a quantidade de coisas que estavam acumuladas em excesso
na casa e que, devido à mudança de residência, foram deixadas
para trás ou descartadas. Pensava-se que poderiam ser necessárias
e utilizáveis em futuro próximo (ou distante), mas foram colo-
cadas em algum canto de nossos armários (ou no quartinho de
despejo, que deveria chamar-se de ajuntamento) sem serem usa-
das. O excesso acarreta o acúmulo desses bens que não são usados
pela pessoa, pois ela acaba por adquiri-los em velocidade superior
àquela de sua capacidade para os consumir ou utilizar.

A situação de excesso com relação a adquirir e acumular é re-


forçada pelo incentivo devido às "promoções" de venda realiza-
das pelo comércio. A pessoa não necessita, mas ao ver o preço
tão convidativo (barato) e a oportunidade de aquisição devido à
facilidade de pagamento, acaba por adquirir tal bem (mercado-
ria) apenas pelo fato de estar "muito em conta". É o que se diz:
"Não poderia perder esta oportunidade, estava muito barato."
O resultado é, muitas vezes, um endividamento brutal, inadim-
plência, incômodo para encaixe de tudo isso dentro de casa, as-
sociado à frustração pela aquisição do que, de fato, não se ne-

58 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


cessitava. É a descrição do que se vê em Provérbios colocada de
forma sarcástica e provocativa: "A sanguessuga tem duas filhas, a
saber: Dá, Dá [...]" (Provérbios 30: 15).

DESAFIO
Torna-se dificil falar de um único desafio nesse contexto. O
cristão é também colocado nesse redemoinho envolvente de
acumular e nem sempre se dá conta do quanto de excesso existe
em seu modo de viver e existir.

É possível ao cristão vivenciar, pelo menos, três comporta-


mentos confrontadores da cultura do excesso que nos cerca e
assedia. O primeiro desses é a sobriedade. O conceito de sobrie-
dade aplica-se a urna medida básica de vinho chamada bria (do
grego). O indivíduo que consumia em excesso era aquele que se
colocava acima (além) da bria, ou que excedia a ela, dando-lhe
a designação de ébrio (ex bria), assinalando sua incontinência
e descontrole em relação a limites. Por outro lado, aquele que
evitava o consumo excessivo, ou seja, que se mantinha abaixo da
bria, era tido como sóbrio (sob bria), deixando ver seu controle
e moderação em relação ao consumo do vinho.

A sobriedade pode ser aplicada ao universo que vai além do vi-


nho. Em todo segmento da vida, o desafio da sobriedade é posto
ao cristão. Ela envolve o conceito de vigilância ou atenção cons-
tante. O apóstolo Pedro nos ensina: "Sede sóbrios e vigilantes
{...}" (I Pedro 5: 8). Paulo de igual modo nos adverte: "[...] pelo
contrário, vigiemos e sejamos sóbrios" (I Tessalonicenses 5: 4).
A sobriedade envolve o sentido de se estar em perfeito domínio
e controle de seus impulsos e consciente de suas atitudes, sem se
deixar levar pelo ímpeto ou qualquer outro elemento que em-
pane ou obscureça sua capacidade de raciocinar e decidir com
equilíbrio e moderação.

O segundo padrão de conduta que nos é apresentado como


desafio a ser assumido frente ao excesso é a simplicidade. Nes-
se tempo (mesmo no universo evangélico) de ufania, triun-

Capítulo 9 - Cultura do excesso 59


falismo e ensino de ostentação e riqueza, o desafio cristão da
simplicidade nunca foi tão necessário, mas tão desprezado, ao
mesmo tempo. Simplicidade tem aqui nesse contexto o senti-
do de não admissão de postura ostentatória e de vaidade em
relação ao acúmulo de bens.
O cristianismo, em seu nascedouro, foi uma religião de pes-
soas pobres (simples nesses termos), de poucos recursos e bens
(1) Anacoreta. Do grego anachoreó
(separo-me, retiro-me). Também escassos. Perdeu-se essa visão, ainda que, por vezes, a ela se de-
chamados de Cenobitas. São
eremitas (eremitae: morador do sejasse voltar. Exemplo disso foi o movimento anacoreta' em
deserto). Movimento cristão do
início do quarto século em que se seu início, as ordens mendicantes 2 em seu nascedouro, o ideal
saía da cidade e ia para o isolamento
no deserto, abstendo-se da prática
sexual, fazendo penitência, trabalho
de austeridade dos puritanos calvinistas, entre outros. O Senhor
manual. Não havia hierarquia (em Jesus Cristo nos lançou esse repto e requer de nós que o assuma-
seu inicio). Famoso anacoreta (ini-
ciador) foi Antão (António) do Egito mos: "Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza;
(CAIRNS, 1995, p. 122-123).
porque a vida de um homem não consiste na abundância de bens
(2) As principais são os dominica-
nos, tranciscanos, agostinianos e que ele possui" (Lucas 12: 15). Essa passagem antecipa a anun-
carinelitas. Mantinham-se graças aos
donativos conseguidos entre o povo.
Não viviam em mosteiros isolados,
,
i - da parábola do homem insensato, o qual angariou muitos
,açao
mas entre o povo (CAIRNS, 1995, bens, seus celeiros estavam cheios e ele imaginou que isso era
p. 183).
sua garantia. No entanto, na parábola, Deus diz a esse acumu-
lador que tinha bens em excesso: "Louco, esta noite te pedirão
a tua alma; e o que tens preparado para quem será?" (Lucas 12:
20). A simplicidade opõe-se à pompa, à ostentação e ao excesso.
Quando indagado pelas pessoas sobre o que deveriam elas fazer,
João, o Batista, diz de forma direta e objetiva: "Qu.em tiver duas
túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o
mesmo" (Lucas 3: 11).
O terceiro aspecto ou padrão ligado ao desafio relativo ao ex-
cesso é a doação. Trata-se do movimento inverso ao do acúmulo.
Enquanto a maneira contemporânea de viver é de incentivo ao
excesso, a adquirir e acumular além da satisfação das necessida-
des, o cristianismo vem na contracultura, desafiando a doar, a
despojar-se. O sentimento egoístico de posse e propriedade ma-
nifesto desde a tenra idade permanece no coração humano e o
leva a ajuntar, a ter além do necessário, a entulhar os seus celeiros,
a ter muitos bens em reserva. Mas tal sentimento é antagônico
ao espírito do cristianismo de doar, entregar, contribuir, ofertar.

60 o Cristo e os desafios da pós-modernidade


O livro dos Atos dos Apóstolos traz o registro da declaração de
Jesus, não registrada nos evangelhos, na qual Ele assenta essa pe-
dra de toque, a qual se torna agente esmiuçador do impulso de
ter e acumular em excesso: [...] Mais bem-aventurado é dar que
receber" (Atos dos Apóstolos 20: 35).

Frente a tanto luxo, ostentação, acúmulo e excesso em nossos


dias, viver a sobriedade, a simplicidade e a doação: eis o desafio.


61
Capitulo 10
Cultura do desperdício

Os números relativos à coleta urbana de lixo em São Paulo


são alarmantes. A prefeitura informa que são 18 mil toneladas
por dia, envolvendo lixo residencial, de saúde, restos de feiras,
podas, entulhos e outros. Os resíduos chamados orgânicos (em
sua maioria restos de feiras) somam 62 mil toneladas por ano.
Isso não é exclusividade desta que é a maior cidade da América
do Sul com seus 12 milhões de habitantes. Outras cidades de
grande e médio porte refletem a mesma inquietante realidade
nesse campo.

63
A pergunta que se faz é: como, ou por que, se produz tan-
to lixo? Há especialistas na matéria que apontam causas várias
para tal fenômeno; aumento populacional e elementos de cará-
ter descartável são apontados como geradores dessa avalanche
de detritos, além de reformas de imóveis ou construções novas,
entre outras. Não se pode, no entanto, evitar a colocação do bi-
nômio excesso-desperdício. O excesso (falta de moderação) de
consumo acaba por produzir quantidade excedente de resíduos
e coisas descartáveis colocadas na categoria de lixo.

O contraste entre países (populações) com relação à fartu-


ra e à escassez é muito grande e notório. Enquanto naqueles
que enfrentam a escassez ocorre a satisfação básica das ne-
cessidades de sobrevivência da população (às vezes, nem isso
se dá), nos países abastados e ricos vê-se a intemperança e
o excesso de consumo acarretando o desperdício. Até o iní-
cio dos anos de 1960, a aquisição de bens de consumo, no
Brasil, era relativamente pequena, havendo a satisfação das
necessidades básicas e imediatas, sem qualquer excedente. As
famílias, mesmo na esfera da alimentação, tinham cuidado
muito grande quanto a esse aspecto, de forma a evitar sobras
ou desperdícios. A instrução dada aos filhos era de "não dei-
xarem comida no prato". Receitas de culinária contemplavam
o aproveitamento das sobras de arroz, legumes ou hortali-
ças. O pão era aproveitado para se fazer torradas, rabanadas
ou farinha de rosca. Q .....lando se verificava alguma sobra não
utilizável para consumo humano, dava-se aos animais (por-
cos, cães, gatos, galinhas). Em relação ao vestuário, calçados e
brinquedos não era muito diferente, aproveitando-se de um
filho para outro. O desperdício era quase nenhum e de cará-
ter proibitivo. Punições disciplinares eram aplicadas àqueles
que desconsideravam esse princípio e se mostravam perdulá-
rios com relação ao que haviam recebido.

Não vai aqui nenhuma referência ao fato de serem aqueles


tempos melhores do que os de agora. Trata-se da constatação do
fato de haver consciência, àquela época, de não se desperdiçar,

64 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


devido ao custo ali representado, da dificuldade de se conseguir
tais produtos e da realidade de muitos outros não terem o que se
estava consumindo.

O desperdício tem se incorporado à nossa forma de viver, mas


praticamente não nos damos conta disto. É imensa a quantidade
de comida que é lançada fora pelas redes de lanchonetes (Mc-
Donald's, Bob's, Habib's e outras); de mercadorias cujas datas de
validade expiram levando-as ao descarte; de muitos utensílios
e máquinas que são colocados no lixo ao apresentarem algum
defeito; das quantias imensas de dinheiro público aplicadas em
obras sem projeto e que ficam sem conclusão, fazendo com que
cifras astronômicas escoem pelo ralo da irresponsabilidade e da
impunidade; do tempo gasto com distrações que não fazem ou-
tra coisa a não ser "bestificar" os indivíduos; de água; de ener-
gia elétrica, e muitos outros elementos integrantes de vasta lista.
Tem-se a impressão de que nada irá acabar, uma vez que a fonte
renovável da vida se encarregará da reposição do que tem sido
destruído, consumido e desperdiçado.

Nota-se, a bem da verdade, uma tentativa de recuperar essa


perda em relação à atual geração e à vindoura. No entanto, em-
bora aspectos positivos (mesmo pequenos) possam ser vistos em
relação à conscientização ecológica com economia de água, ener-
gia elétrica e preservação do meio ambiente, o resultado quanto
ao desperdício (alimentos, vestuário etc.) é muito pequeno.

A ênfase no sentido de se promover a reciclagem é alternativa


positiva e de grande importância no ambiente da sustentabilida-
de. Parece ficar claro, no entanto, que esse incentivo em reciclar
aponta para o fato da falta de consciência em relação ao desper-
dício, ao "jogar fora". A ideia do reaproveitamento (o Brasil está
em posição de destaque) tem como interesse básico levar as pes-
soas a "redestinar" determinado objeto para função de utilidade,
seja na mesma área ou em outra. Porém, tal medida (positiva)
não atinge, de modo específico, a origem do problema, ou seja, a
visão perdulária e inconsequente de desperdiçar o que nos chega
às mãos, ocasionando e produzindo essas montanhas de lixo.

Capitulo 10 Cultura do desperdici0 65


A vergonha e o absurdo do desperdício gigantesco pre-
senciado e patrocinado por nossa geração dão mostras de perma-
necer como marca distintiva e melancólica da pós-modernidade.

DESAFIO
Penso que seja importante colocar, de início, a diferença entre
(1) Há conceitos vários sobre inves-
desperdício' e investimento'. Este Ultimo significa o emprego de
timento, dependendo da área a que algo (dinheiro, força, tempo, talento etc.) com resultado positi-
se refira. Por exemplo: "O investi-
mento é o segundo ato na formação vo de benefício individual ou coletivo. Assim, quando emprego
do capital: consiste na aplicação da
poupança na criação de bens de tempo em estudo, não se trata de desperdício, mas de investi-
produção" (GALVES, 1993, Ir). .

Em nosso caso, trata-se do uso ou mento;


mento; o mesmo se dá quando contribuo com a expansão do
aplicação de algum valor monetário
o
(onuvnotailin,geenrtaonpdes
dese Reino de Deus (evangelização, missões) por meio de ofertas e
pessoal oui familiar.
e
(2) Desperdício, em nosso contexto, dizimo, ao utilizar tais recursos de modo a promover o bem-es-
está ligado ao gasto sem proveito, tar das pessoas e seu crescimento graças ao conhecimento do
ao excesso sem destinação útil e
descartado. Evangelho de Cristo. A visão de alguns discípulos de Jesus era a
de que investir nele era desperdício, mesmo tentando proteger-
-se sob o manto da piedade e socorro aos pobres: "Vendo isto,
indignaram-se os discípulos e disseram: Para que este desperdí-
cio? Pois este perfume podia ser vendido por muito dinheiro, e
dar-se aos pobres" (Mateus 26: 8 e 9). No entanto, para o cristão
afinado com Deus e Seu Reino, não há desperdício, mas investi-
mento. O tempo que utilizo para oração, estudo das Escrituras
Sagradas, adoração individual ou comunitária é investimento
para promoção da glória dc Deus e desenvolvimento de minha
comunhão com Ele.

Desperdício traz consigo a ideia de 'gastar", ou seja, o uso fei-


to de algum bem (material ou não) sem gerar nenhum efeito po-
sitivo e permanente em minha vida, não contribuindo para meu
aperfeiçoamento nem àzrs demais à minha volta. Exemplo de
desperdício é visto na parábola narrada por Jesus, na qual apre-
senta a figura de um filho (o mais jovem de dois) que solicita a
antecipação de sua herança- Ao obter o valor devido, deixa a casa
paterna e vai para longe dos seus. Lá esbanja seus bens, consome
sua riqueza, desr--2.-c"..ica seus haveres, conforme se registra: "[...1
dissipou todos os seus bec.s.-. vivendo dissolutamente. Depois de

66 O Cristão e os desafios da pbs-modeinioacy:


ter consumido tudo [...] ele começou a padecer necessidade"
(Lucas 15: 13 e 14).

Nesse ponto, o desafio para o cristão se vê, primeiro, no uso


do quanto lhe seja suficiente ou bastante. Se pensarmos no as-
pecto simples da alimentação, isto fica bem ilustrado e claro. Se
determinada quantidade de comida é o suficiente (ou me bas-
ta), devo-me limitar a ela, pois caso ingira além do que me seja
bastante, cometerei a gula por consumir além do necessário, ou
deixarei sobejar no prato, ocasionando o desperdício. Ao man-
ter-me dentro do suficiente ou bastante, a saciedade ocorrerá
sem haver circunstância de perda ou desperdício de conformi-
dade com o preceito de Provérbios: "Achaste mel? Come apenas
o que te basta; para que não te fartes dele, e venhas a vomitá-lo"
(Provérbios 25: 16).

Um segundo aspecto de desafio ao cristão nessa área é o de


aproveitar aquilo que se tem. Com isso afirma-se o princípio im-
perioso de o cristão utilizar os recursos, meios, dons, talentos
e bens que lhe foram concedidos pela graça do Senhor. A afir-
mação bíblica, por meio do apóstolo Paulo, dispõe: "[...] e que
tens tu que não tendes recebido? E, se o recebeste, por que te
vanglorias, como se não o tivesses recebido?" (I Corintios 4: 7).
Dessa forma, o que temos recebido não é nosso, no sentido de
propriedade, mas somos como mordomos ou administradores e,
portanto, é esperado de nós, nessa condição, que sejamos acha-
dos fiéis, ou seja, utilizarmos adequada, correta e zelosamente os
bens a nós confiados por nosso Senhor. Paulo afirma com rela-
ção a isso: "Ora, além disso o que se requer dos despenseiros é
que cada um deles seja encontrado fiel" (I Coríntios 4: 2).

Em relação àquilo que Deus tem posto em nossas mãos, há,


(3) Talento: medida antiga de peso.
por parte Dele, expectativa de uso e emprego adequados, geran- Estima-se entre 29,76 e 30,27 Kg, ou
seja, bem próximo de 30 Kg (O novo
do frutos a serem colhidos, graças ao aproveitamento diligente dicionário da Bíblia. v. 2, p. 1278).
dos recursos disponibilizados. Tal ensino nos foi legado pelo (4) Mina: trata-se, também, de
medida de peso. 'A mina era, na
próprio Senhor Jesus na parábola dos talentos' (Mateus 25: 14 a realidade, uma medida de peso, com
cerca de trezentos e cinquenta e cin-
30) e das minas 4 (Lucas 19: 11-27), onde o senhor busca o fru- co gramas, cujo valor era de cerca de
cem dias de salário (cem denários)"
to relativo ao aproveitamento (investimento) do que havia sido (CHAMPL1M, s.d., v, 2, p. 186).

Capítulo 10 - Cultura do desperdido 67


entregue aos servos. Deixar de fazer uso devido e proveitoso do
que Deus coloca em nossas mãos é, também, desperdício.

A aversão e o repúdio do Senhor Jesus com relação ao desper-


dício são vistos por ocasião da primeira multiplicação de pães
e peixes, quando depois de todos haverem comido e se fartado
(além do suficiente), Jesus dá uma ordem aos seus discípulos que
soa estranha, qual seja, a de recolher todos os pedaços e sobras.
Por que fazer isto? Qual o propósito ou motivo de haver Ele
dado tal ordem? Ele mesmo responde e nos apresenta o motivo,
oferecendo-nos direção, até hoje, sobre tal assunto: "E quando
estavam já fartos, disse Jesus aos seus discípulos: Recolhei os pe-
daços que sobraram, para que nada se perca" (João 6: 12). Nesse
tempo de desperdício, permanece o ensino de nosso Senhor e
Mestre: "PARA QUE NADA SE PERCA". Eis o desafio.
C a pítu lo 11
Cultura do hedonismo

O hedonismo não é um fenômeno relativo apenas à pós-mo- (1) Enfatizada pelo filósofo grego
Epicuro em sua doutrina, sendo ela
dernidade. Desde tempos antigos da civilização, a ideia do prazer "a isenção de perturbação e dor"
(CRETELLA JÚNIOR, 1973, p. 49).
corno propósito de vida se encontra presente. A ataraxia' faz parte
da formulação da filosofia moral de Epicuro (ainda que preceda
a este), pela qual "a felicidade é prazer, basicamente satisfação de
desejos físicos" (História da Filosofia. Coleção Os Pensadores,
1999, p. 71-72). O anseio do ser humano pelo prazer (ou ausência
da dor) é, portanto, seu companheiro constante e seus esforços
por alcançar tal estágio são gigantescos. Admite-se, por exemplo,
que entre as grandes invenções da humanidade (roda, eletricidade
etc.) esteja a anestesia (e afins), pelo fato de controlar a dor física,
propiciando alívio e sensação de prazer e descanso.

69
(2) "As pessoas estão substituindo É percebido como algo natural e inquestionável que o ser hu-
urna postura de crença por uma ati-
tude de busca - corno se estivessem mano deseje eliminar a dor, o incômodo e o desconforto, não
navegando na internet. O compro-
misso com uma doutrina está sendo permitindo haver nenhuma forma de manifestação que venha
substituído por uma valorização
exacerbada de preferências muta- quebrar tal sensação de satisfação e prazer. A ideia básica é a de
veis. Quanto à busca, ela se traduz que a felicidade se resume em não sofrer ou fazer eliminar todo
numa predisposição a experimentar
qualquer alternativa que forneça o sofrimento. A satisfação dos desejos e a busca pelo estar bem
segurança e atenda imediatamente
às demandas da clientela"
(RAMOS, 2009, p. 90).
ou "sentir-se bem" 2 é o mais importante e o valor mais alto a
ser conquistado. A elevação de tal filosofia de caráter hedonista
estabelece o seguinte princípio: o importante é estar bem, não
estar certo. A alegação de que o certo é relativo, a fim de poder
justificar o hedonismo, esbarra no aspecto já tratado em capítu-
lo anterior deste livro. O prazer é o bem maior, é o alvo supremo
e colimado, mesmo implicando excluir o certo, o correto, o justo
e o ético. Nossa sociedade tem se guiado por esse direcionamen-
to e a busca desenfreada pelo prazer tem sido catastrófica na ex-
periência de milhões de pessoas.
As manifestações de hedonismo, seja na esfera do corpo físico
e seus prazeres, seja no sentido da alienação "psicodélica" produ-
zida pelas drogas, têm cobrado altíssimo preço de seus seguido-
res e partidários. São exemplos da ruína gerada por tal opção, em
primeiro lugar, a tragédia do consumo de drogas alucinógenas
e ilegais. O custo do "barato" e da "curtição" é terrível, seja no
âmbito pessoal, familiar ou social. Vidas arruinadas e destruídas
pelo impulso da satisfação e do prazer podem ser vistas aos mi-
lhares em nossas cidades. Não se imaginava poder existir tanto
sofrimento e dor ao final (ou no meio) da estrada, já que a porta
de entrada foi prazer tão fácil e tão intenso, pelo qual valia tudo.
Em segundo lugar, vemos a revoltante situação de exploração se-
xual ou abusos cometidos nessa área. Quem pode negar o fato
de que indivíduos exploram meninas (e meninos) sexualmente
pelo fato de ser prazeroso, inclusive alguns dizendo que se trata
de manifestação de amor? A pedofilia e o turismo sexual, entre
outros, nada mais são que o hedonismo levado ao extremo, des-
prezando conceitos ligados ao certo e ao errado, tendo apenas a
satisfação do desejo e o prazer como justificativas.

70 O Cittão e os desafios da pás-modernidade


A centralização do prazer pode ser algo ligado à calma e à tran-
quilidade, sem nenhuma conotação de desvio de conduta, per-
versão ou algo assim. Veja como exemplo o deleitar-se em uma
leitura de um bom livro, escutando a música clássica dos grandes
mestres, na sala de sua casa, em um ambiente confortável. A cen-
tralização do prazer pode ainda estar vinculada à prática de um
esporte radical, como esquiar nas altas montanhas, descendo em
alta velocidade e realizando manobras excepcionais e de grande
risco. Com isso é possível perceber que a fonte estimuladora de
prazer pode ser distinta para cada pessoa ou grupo, de tal modo
a ser impossível estabelecer o fator universal produtor do prazer,
ficando isso sujeito à subjetividade e à individualidade. Logo, o
que é prazer para um, não é, necessariamente, para outro. Nota-
-se, entretanto, que de uma ou outra maneira, as pessoas, mesmo
com fontes distintas de prazer, têm-no como centro motivacio-
nal de sua experiência e, até mesmo, de existência.

O prazer ("sentir-se bem"), como foi dito, tem sido alvo ou


centro de interesse de muita gente, constituindo-se uma das
marcas de nossos dias pós-modernos. O que interessa é o pra-
zer, não importando o preço a ser pago ou as condições de sua
efetivação. A moralidade e a ética são suplantadas pelo prin-
cípio de minha satisfação plena e de meu gozo ou felicidade.
Esse modo de viver pode ser manifestado de forma muito sutil
e com ares de filantropia quando auxilio alguém, não por causa
da consciência e de o outro ser uma pessoa, e como tal mere-
cedor de meu respeito, mas para fazer-me sentir bem, ou seja,
estar bem comigo mesmo", em uma forma egoísta de agir onde
o bem maior é meu prazer e não, necessariamente, o bem do
outro. É possível, por outro lado, manifestar-se de forma de-
gradante no extravazamento de impulsos baixos de satisfação
de instintos como a tortura, o castigo, a punição. Nesse caso,
podem estar escondidos traços de sadismo (quando das puni-
ções), gerando prazer intenso ao algoz, tudo sob o pálio da se-
gurança pública, da instrução ética, da orientação educacional
ou religiosa e outras tantas variantes.

Capado 11 - Cultura do tedommo 71


Torna-se cada vez mais evidente que a proposta de eliminação
de tudo aquilo capaz de gerar em mim desconforto ou produ-
zir desgosto não só pode como deve ser efetivada. Remover do
meu ser ou de minha experiência de vida todas as coisas gera-
doras de mal estar é aceitável e justificável, sempre com base no
"sentir-me bem". Essa filosofia de caráter hedonista vem sendo
assimilada no contexto da Igreja, onde a diminuição do interes-
se pelo verdadeiro ensino, adequada conduta e exercício fiel da
disciplina vão diminuindo, trocando-se tudo então pelo mote
do "sentir-se bem". Torna-se cada vez mais comum (e até incen-
tivada) essa declaração: "vou mudar de igreja porque lá eu me
sinto muito melhor".
A felicidade individual com satisfação de seus prazeres e eli-
minação de suas dores (ou incômodos) é o objetivo maior a ser
alcançado, em detrimento da verificação da integridade do ensi-
no e da genuína adoração. Se existe crítica (com certa justifica-
tiva) a pregadores que ensinam abraçar a fé cristã (crer em Cris-
to) por causa dos benefícios advindos do céu (prazer supremo e
absoluto) e evitar as agruras do inferno, não se pode poupar de
repreensão aqueles que promovem e incentivam o prazer aqui
(tanto quanto lá) como o motivo para entregar a Cristo sua vida.
Promessas de felicidade absoluta, isenção de toda dor e elimina-
ção completa de qualquer modalidade de problema é a bandeira
de muitos religiosos e grupos crescentes chamados evangélicos,
promovedores e divulgadores da teologia da Prosperidade, com
hedonismo evidente e inconteste.

É a supremacia do prazer. Se for necessário pagar (na balada,


no cassino ou na igreja) para alcançar o prazer, a satisfação, a
felicidade ou a "bênção", pagarei o exigido, pois a vida não é vida
se houver sofrimento ou dor.

DESAFIO
É possível alguém perguntar: para ser cristão não se pode ter
prazer ou se sentir bem? Infelizmente, em certa época da história
do cristianismo, houve exaltação do sofrimento em escala impró-

72 O Crisfaa e os desafios cia tos-modernidade


pria e não bíblica. Qualquer forma ou manifestação de prazer era
vista, no mínimo, como suspeita e com riscos de ligações com o
Diabo. Prazer e pecado formavam um binômio muito conheci-
do e difundido no âmbito do cristianismo, devido à interpretação
equivocada e inadequada de alguns textos bíblicos, gerando a co-
locação de um ideal baseado no sofrimento como virtude maior.
O sacrificio fisico, a privação e o martírio tomaram ares de ideal
de santidade. A sujeição ao sofrimento e à dor com resignação era
expressão de beatitude e alvo a ser buscado por todos os cristãos,
com o prazer sendo o contraponto a tudo isto, ou seja, impiedade.
Esse modo interpretativo é tão falacioso quanto a colocação do
prazer como o supremo bem e manifestação da bondade eletiva (e
seletiva) de Deus, ensinando que o sofredor é alguém desprezado
ou amaldiçoado por Deus e privado de suas bênçãos.

Nas Escrituras Sagradas, o prazer é apresentado como bom,


agradável, delicioso e abençoado, não sendo ligado ao pecado,
estando presente na experiência do homem antes de ocorrer o
pecado. O ambiente no qual Deus inseriu o ser humano criado
por Ele era sem pecado, mas lá estava o prazer, o gozo e a felicida-
de, desfrutados pelo homem e pela mulher como propósito de
Deus para eles. Portanto, não se deve associar o prazer ao peca-
do, como se este fosse o ensino bíblico autêntico. No entanto, o
prazer não pode, para o cristão, ser o alvo de sua vida, tampouco,
a força motriz de sua existência.

O prazer (inclusive o sexual) é bênção de Deus e manifes-


tação de sua graça comum aos homens, concedendo a todos o
privilégio de desfrutá-lo legitimamente. Não há motivo para se
suspeitar do prazer como algo engendrado e gerado por Satanás
com o propósito de destruir o ser humano. Prazer é projeto, pro-
pósito e bênção de Deus para nós.

Penso haver, pelo menos, dois desafios postos ao cristão nessa


área em nossos dias pós-modernos e com sua cultura hedonista.
O primeiro é não fazer do prazer um ídolo em sua vida. O outro
é resistir ao prazer fora do padrão estabelecido por Deus para o
desfrute dele.

Capitulo 11 - Cultura do hedonismo 73


A centralização do prazer em sua vida é uma forma de ido-
latria. É o primeiro desafio. De modo distinto do que se pensa
comumente, o ídolo não é apenas uma imagem de deuses à qual
se presta culto, mas também, o dinheiro, as pessoas, os bens, as
ideologias, a religião, podem se tornar ídolos, inclusive o prazer.
Tal centralização em nossa experiência de vida é a entronização
de nosso próprio interesse e, consequentemente, de nós mesmos,
caracterizando o principio da idolatria. Forell alerta sobre isso:

A principal característica de todo hedonismo religioso é que


ele destrona Deus e faz da felicidade eterna do indivíduo o
verdadeiro objetivo de sua vida. Deus, então, se torna um
meio para fins humanos. Utilizamos Deus e a Igreja para
obter nossa própria felicidade (FORELL, 1973, p. 43).
A corrida desenfreada pelo prazer, como vemos em nossa so-
ciedade, não pode ser partilhada pelo cristão no sentido de ser
ele o motor e o propósito de seu viver. O prazer deve estar pre-
sente, deve acompanhá-lo, fazer parte de sua vida, mas jamais
ser o centro. Vê-se em Eclesiastes a orientação de Deus sobre a
legitimidade de desfrutar o prazer:
Alegra-te, jovem, na tua juventude, e recreie-se o teu coração
nos dias da tua mocidade; anda pelos caminhos que satisfa-
zem ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém,
que de todas estas cousas Deus te pedirá contas. Afasta, pois,
do teu coração o desgosto e remove da tua carne a dor, por-
que a juventude e a primavera da vida são vaidade (Ecle-
siastes 11:9 - 10).

0::?. .lando se faz do prazer o centro de seu viver e ele não ocor-
re, e haverá momentos em que ele não existirá, experimenta-
-se frustração, decepção, murmuração e revolta. Nosso deleite
e maior prazer não são as coisas, situações ou bênçãos, mas o
próprio Senhor Jesus, pois Ele não se extinguirá, não se desva-
necerá, mas permanecerá para sempre. Ouçamos o Pregador:
"Lembra-te do teu criador nos dias da tua mocidade, antes que
venham os maus dias e cheguem os anos dos quais dirás: Não
tenho neles prazer" (Eclesiastes 12: 1).

74 O Cristão e os desafios da pés-modernidade


O segundo desafio a ser enfrentado pelo cristão é resistir à
sedução do prazer expresso e experimentado fora do padrão
de Deus. Como foi dito, prazer é projeto de Deus para o ser
humano. Ocorre que o Diabo atua para corromper tal projeto,
fazendo com que o alcance do prazer seja algo contrário ao que
o Senhor tem estabelecido. Assim, o prazer legitimo se torna
"deslegitimado" e, portanto, pecado. Mesmo aqui, não é o pra-
zer que é pecado, mas o meio pelo qual é alcançado. É como
confundir e dizer que a gravidez fora do casamento é pecado.
Gravidez não é pecado; o pecado foi o ato sexual realizado fora
do padrão estabelecido por Deus.

Não é admissivel obter prazer a qualquer custo ou preço.


O autor de provérbios ensina de forma muito prática: "Suave
é ao homem o pão ganho por fraude, mas, depois sua boca se
encherá de pedrinhas de areia" (Provérbios 20: 17). Ainda em
Provérbios, na área da expressão da sexualidade, o principio é
confirmado:

Bebe a água de tua própria cisterna e das correntes do teu


poço. Derramar-se-iam por fora as tuas fontes, e pelas praças
os ribeiros de águas? Sejam para ti somente e não para os
estranhos contigo. Seja bendito o teu manancial e alegra-te
com a mulher da tua mocidade (Provérbios 5: 15 18).
-

O prazer legitimo da alimentação pode ser turvado pelo


desvio da gula: "As obras da carne são conhecidas e são [...] in-
vejas, bebedices, glutonarias [...]" (Gl. 5:21). O gozo da bebida
com moderação que alegra o coração pode ser corrompido pela
incontinência da embriaguez: "E não vos embriagueis com o
vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espirito San-
to (Ef. 5:18). O prazer e a satisfação do descanso e repouso
sofrem a corrupção no pecado da preguiça: "Um pouco para
dormir, um pouco para toscanejar, um pouco para encruzar os
braços em repouso, assim sobrevirá a tua pobreza como um la-
drão e a tua necessidade com um homem armado" (Provérbios
6: 10 11; duplamente registrado 24: 33 34).
- -

Capitulo 11 - Cultua do hedonismo 75


Fomos criados por Deus para desfrutar da alegria e do prazer.
Deus não é "desmancha prazeres" ou contrário ao gozo, mas tem
interesse em nossa felicidade pelo regozijo abundante em nosso
ser. Não fazer de tal prazer o centro de nossa vida e experimentá-
-lo dentro do padrão de Deus, contrariamente ao vivenciado na
sociedade pós-moderna: eis o desafio.

76 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


do i' ( '1'
ILJ -1

Cultu ra efêmero

O termo efêmero' envolve a ideia de algo passageiro, não es- (1) Do grego ephemé rios. Que dura
um só dia, de um dia (PEREIRA,
tável, volátil, sem permanência. É possível perceber uma forte 1976, p.250).
(2) "Heráclito, nascido em Eles°, len-
corrente de influência de suspeita aos valores e conceitos que ta mostrar o dinamismo do Universo
expressam alguma ideia de permanência, estabilidade e raizes e do homem. Tudo corre (palita rei),
tudo se transforma, 'nós nunca nos
profundas. Isso pode ser visto na esfera dos bens de consumo, banhamos na água do mesmo rio,
porque, ou mudamos nós, ou muda
dos relacionamentos e das instituições. Arrisco dizer que isso o rio. Tudo muda e se metamorfoseia
incessantemente. Nada existe rígido,
pode ser um reflexo da proposta evolucionista da humanidade, uno, imutável, mas em perpétua
mudança, em perene devenir, um
visto não haver permanência, fixidez ou rigidez, mas a evolução. vtr-a-ser eterno, um movimento
contínuo" (CRETELLA TONIOR,
É fato que a ideia do "eterno vir a ser" 2 ou "devenir" é antiga e re- 1973, p. 27).
monta aos filósofos pré-socráticos'. No entanto, pode-se notar, (3) Filósofos gregos que viveram e
ensinaram antes de Sócrates (469
nos dias atuais, uma mudança muito rápida, a velocidade com a.C. — 399 a.C.). Entre eles figuram:
Tales de Micto, Anaximandro,
que as coisas se desfazem e se alteram é vertiginosa. Anaximenes, Pitágoras, Heráclito,
Parménides, Empédocles, Leucipo,
Demócrito entre outros.

77
Essa não estabilidade é vista e vivida por nós na cultura do
(4) "Obsolescência programada (ou
descartável. Nada de trabalho em lavar, enxugar, guardar. Des-
planejada) significa reduzir a vida cartável é a solução prática. Usar, recolher e jogar fora. Rápido,
útil de um produto para aumentar
o consumo de versOes mais recen- ' gil,s
a eficiente. Copos descartáveis (mai talheres
higiênicos?),
tes. Planejar o envelhecimento de
um produto é uma ação praticada descartáveis, toalhas descartáveis, relacionamentos descaráveis,
deliheradamente por diversos
setores da indústria" (littp://www vidas descartáveis (aborto) e tantos outros itens para uso uma
sigcados.com .brIN=obsol%-
C39imiAncia+programada). ún ica vez e cujo destino é a eliminação, o lixo.

Nesse mesmo sentido, quando não se verifica o descartável,


encontra-se a "obsolescência programada". É, possível percebê-
-la no fato de que as coisas já não são feitas para durar, mas para
serem substituídas com rapidez e brevidade. Você adquire certo
produto e ele ostenta a data de validade. Se pensarmos em 60
anos passados, isso seria um absurdo. As coisas eram fabricadas e
produzidas para durar e não acabar, para permanecer e não para
passar. Há um sentido econômico nesse aspecto, envolvendo
a necessidade de baratear custos (materiais mais frágeis) para
competir no mercado e, ao mesmo tempo, ser acessível ao maior
número de consumidores com renda não tão alta.

Outro sentido está vinculado ao fato da necessidade de produzir


sempre e em quantidade crescente, graças à demanda verificada pela
substituição e reposição dos que se "estragam". Caso se produza, por
exemplo, um chuveiro que deverá durar 30 anos, quando se venderá
outro? Mas, se produzo um cuja vida útil é de três anos, terá que ser
substituído, sendo a circulação maior e a produção garantida. Pro-
grama-se para ficar "disfuncional" (obsoleto).

A ideia de reparos ou consertos (ao ocorrer quebra) deixa


de ser interessante e nem vale a pena, pois o valor cobrado para
consertar o bem danificado é quase o preço de um novo e de
modelo já atual. Sejam os bens duráveis com maior expectativa
de permanência (carro) ou os de menor durabilidade (telefone
celular), todos sofrem modificações de modelo, trazendo inova-
ções de forma e, às vezes, de conteúdo. À medida que o fabrican-
te coloca sua "nova linha" de produtos no mercado, a antiga (do
ano passado) é substituída; é preciso reposição. Por que mudar
em tão pouco tempo? Mercado e sobrevivência.

78 O Cristão e os desafios cie Os- modernidade


Esse modo de pensar (ideologia) contagia a esfera dos rela-
cionamentos humanos. Uma expressão ouvida com muita fre-
quência é: "A fila tem que andar." Trata-se da substituição de
pessoas no processo de relacionamentos afetivos, e não de uma
fila de caixa em banco ou supermercado. Não é mais possível
estacionar"; o fluxo tem que seguir em constante mudança e
renovação. Cunhou-se outra expressão para manifestar essa efe-
meridade:ficar. A ideia é de não compromisso, não estabilidade
ou não permanência. Não há fixidez, há movimento. Fico, mas
não permaneço, ou seja, você hoje (ou em parte do hoje), ele (ou
ela) amanhã, outro (outra) depois de amanhã. Assim, seremos
como os beija-flores a visitar rápida e brevemente as flores, mas
sem compromisso, sem permanência.

O sociólogo polonês Zygmund Baumann captou essa faceta


de nossa sociedade contemporânea e a intitulou de Modernida-
de Liquida. Para esse cientista a sociedade é líquida, ou volátil,
não havendo fixidez, mas fluidez. Esse aspecto "líquido" ou flu-
ídico de nossos dias pode ser constatado em todos os setores e
segmentos sociais, onde a não durabilidade atinge as relações,
coisas, pessoas, instituições e valores. Não se trata de serem bons
ou ruins, certos ou errados; trata-se de serem líquidos, não está-
veis em sua forma e estrutura. Assemelha-se à expressão da po-
esia de Vinícius de Moraes, ao dizer no "Soneto de Felicidade"
sobre o amor: " [...] dizer do amor (que tive); Que não seja imor-
tal, posto que é chama, Mas que seja infinito enquanto dure".

Em meio a essa fluidez e em ambiente no qual o único perma-


nente é o efêmero, não há como falar em valores perenes, está-
veis e, muito menos, eternos. Tais valores antigos e tradicionais
se dissolvem, se desvanecem, se diluem, se liquefazem. O que
resta? A fluidez e a efemeridade acabam por colocar em dúvida
a possibilidade da confiança e da segurança. Torna-se dificil (se-
não impossível) viver equilibradamente em cima do que se move
constantemente ou, pior, não permanece. É porta aberta com
convite à angústia e ao desespero.

Capitulo 12 - Cultura do efêmero 79


DESAFIO
Torna-se claro que o desafio ao cristão nesse contexto é o de
afirmar e sustentar a ideia de solidez e estabilidade sobre certos
pontos. Faremos a colocação desse desafio em três sentidos ou
áreas: (a) relacionamentos; (b) instituições; e (c) valores da tra-
dição e fé cristãs.
A primeira esfera em que se deve batalhar para manutenção
da firmeza e estabilidade é a dos relacionamentos. A amplitu-
de de nossa rede relacional é muito grande, até porque somos
animais gregários (por natureza ou conveniência), sociais e re-
lacionais. Nossa referência será aos relacionamentos no âmbito
familiar e conjugal. Distingo o conjugal (marido e mulher) do
familiar (parentesco de ascendência e descendência).

O desfazimento dos laços conjugais está cada vez mais comum


em nossa sociedade e vem alcançando os ambientes cristãos e
evangélicos. As estatísticas sociais e forenses estão apontando tal
crescimento espantoso. A frequência e a rapidez com que as pes-
soas se separam e se casam novamente tornam-se algo a ser de-
nunciado pelos cristãos e rejeitado de modo veemente. Não é uma
questão apenas de "não se separar; mas de se ter o relacionamento
(laço) mantido e fortalecido, com significado e sentido plenos.

É lamentável que os cristãos estejam sendo vencidos neste


campo de batalha. O índice de rupturas de casamento, ou de
condições não relacionais mesmo no casamento (não convivên-
cia, embora na mesma casa), é preocupante. Pode-se perceber
essa batalha sendo perdida entre os ministros religiosos (pasto-
res) de igrejas evangélicas ou protestantes. Pastores em segundo
casamento, às vezes em terceiro, e não por viuvez, mas por di-
vórcio. Desse modo, se torna desafiador resgatar a estabilidade
de tal relacionamento, ouvindo e obedecendo ao Senhor Jesus
Cristo quando diz: "Eu, porém, vos digo: Qualquer que repu-
diar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a ex-
põe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada,
comete adultério" (Mateus 5: 32). E, também:

80 O Cristão e OS desafios da pós-modernidade


Então respondeu ele: Não tendes lido que a Criador desde o
princípio os fez homem e mulher, e que disse: Por esta causa
deixará o homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, tor-
nando-se os dois uma só carne? De modo que já não são dois,
porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o
separe o homem (Mateus 9: 4-6).

O apóstolo Paulo também trata do assunto e ensina:

Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mu-
lher não se separe do marido (se, porém, ela vier a separar-
-se, que não se case, ou que se reconcilie com seu marido); e
que o marido não se aparte de sua mulher. Aos mais digo eu,
não o Senhor: Se algum irmão tem mulher incrédula, e esta
consente em morar com ele, não a abandone; e a mulher que
tem marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não
deixe o marido (I Corintios 7: 10-13).

Os relacionamentos familiares (parentais) também estão nes-


se fluxo de liquidez. O núcleo familiar está se tornando rapi-
damente solúvel e os laços se desfazem. Há motivos apontados
como busca de justificativa para tal situação: drogas, exigên-
cia de mais tempo no trabalho por parte do pai e da mãe para
sustento da casa; falta ou excesso de disciplina por parte deles
em relação aos filhos; distanciamento "dialogar; dicotomia de
comportamento dos pais fora e dentro de casa. A lista conte-
ria outros, mas esses são suficientes como balizadores da triste
constatação quanto à diluição dos laços familiares. As notícias
de crimes cometidos contra parentes diretos pelos próprios fa-
miliares têm ocupado cada vez mais espaço nos noticiários poli-
ciais, e isso devido às suas incidências. A casa onde é abrigado o
lar (família) é zona de conflito entre seus moradores, levando a
atitudes insanas e violentas, ou de abandono daquele ambiente
para preservação da integridade física e da vida.

Ao cristão é posto o desafio de resgatar o sentido bíblico de


família onde haja harmonia, paz, suporte, respeito, amor e cari-
nho. Aos pais a recomendação bíblica é necessária em sua aplica-

Capitulo 12 - Cuba do efêmero 81


ção: "E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os
na disciplina e na admoestação do Senhor" (Efésios 6: 4); em
outro texto, Paulo reafirma: "Pais, não irriteis vossos filhos, para
que não fiquem desanimados (Colossenses 3: 21). Aos filhos,
por sua vez, se diz: "Honra a teu pai e a tua mãe, como o Senhor,
teu Deus, te ordenou, para que se prolonguem os teus dias e para
que te vá bem na terra que o Senhor, teu Deus, te dá" (Deute-
ronômio 5: 16). Paulo faz coro a tal ensino e escreve: "Filhos,
obedecei a vossos pais no Senhor, pois isso é justo. Honra a teu
pai e tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa)"
(Efésios 6: 1-2); e reitera: "Filhos, em tudo obedecei a vossos
pais; pois fazê-lo é grato diante do Senhor" (Colossenses 3: 20).
Outros textos poderiam ser acrescidos em relação à sustentação
dos relacionamentos como parte do desafio ao cristão, ante a
solvência e fluidez dos relacionamentos em nossos dias pós-mo-
dernos, mas estes são suficientes.

Outra área em que somos desafiados a sustentar a estabilidade


e a solidez frente à cultura pós-moderna da liquidez é a das ins-
tituições. Podem ser elencadas algumas delas, a saber: Igreja, Es-
tado, Escola, Família. Dentro destas, há subgrupos formadores,
por exemplo: na Igreja, o clero, os escalões de mando e poder; no
Estado, as câmaras legislativas, as forças de segurança nacional e
pública; na Escola, as estratificações de suporte, corpo docente;
na família, tios, avós, agregados. Certamente, todas essas insti-
tuições são merecedoras de atenção, mas não é possível dar-lhes
tratamento individualizado, pois fugiria do escopo deste livro,
tornando-o excessivamente longo neste ponto. O descredencia-
mento e descrédito dessas instituições são motivados por fatores
ligados às ações desastrosas, lesivas e injustificáveis, aliadas à cor-
rupção e a exemplos deploráveis de indivíduos que representam
e integram tais organismos.

Pode-se tentar objetar no sentido de que o Estado, a Igreja, a Fa-


mília e a Escola não desapareceram, permaneçam "de pé", estáveis
e sólidos. A credibilidade delas está, cada vez mais, em declínio
acentuado. Enquetes feitas por órgãos de informação apontam

82 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


para o fato de as pessoas não mais "acreditarem" em tais organiza-
ções. Os escândalos, desmandos, impunidade, desvio de recursos
para uso particular, violência "gratuita'', falta de estrutura e outras
mazelas têm feito com que as bases de tais estruturas sejam abala-
das e sua solidez, no mínimo, questionada e ameaçada.

O cristão tem o desafio de buscar resgatar a credibilidade


das instituições com postura honrada, honesta, justa e íntegra.
Tais segmentos da sociedade, entre outros, são postos por Deus
como referência à nossa possibilidade de convivência e relacio-
namento social; caso sejam "diluídos", não restará referencial de
ordem, mas apenas o caos, a anarquia. Por isso esses pilares (fun-
damentos) precisam ser purificados e restaurados, ou a resposta
à pergunta bíblica: "Ora, destruídos os fundamentos que pode-
rá fazer o justo?" (Salmo 11: 3) será lúgubre.

Tais instituições repousam no princípio basilar da autoridade,


outorgada às autoridades como expresso por Paulo ao ensinar:

Todo homem esteja sujeito ás autoridades superiores; porque


não há autoridade que não proceda de Deus; as autoridades
que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele
que se opõe 4 autoridade, resiste à ordenação de Deus; e os
que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os (5) Paulo distingue entre autoridade
(principio) e autoridades (pessoas).
magistrados não são para temor quando se faz o bem, e, sim, Tanto aquela corno estas são esta-
belecidas por Deus. Mas as últimas
quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze tem que estar sujeitas à primeira.
Não sendo assim, a obediéncia é
o bem, e terás louvor dela (Romanos 13: 1 - 3)5 . devida a Deus (autoridade maior),
ficando justificada a chamada deso-
bediência civil.
Por fim, temos a pressão para liquefazer os valores da tradição
e fé cristãs. Isso é visto e nitidamente percebido em nossa socie-
dade contemporânea. Valores não são mais permanentes ou es-
táveis. A volatilidade e a efemeridade os têm tragado. Esses con-
ceitos (verdade, justiça, honestidade, lealdade, fidelidade, por
exemplo) são de caráter abstrato, embora sua manifestação seja
no universo fisico. Valores cristãos como misericórdia, bondade,
pureza, honra, gratidão, paciência, mansidão, entre outros, e tra-
dições como frequência ao templo, prática de leitura da Bíblia,
ensino bíblico no lar, contribuição financeira na Igreja, envolvi-

•=4^Jitulo 12 - Cultura do efémero 83


mento com propagação do Evangelho, são desprezados e aban-
donados mais e mais. Vão sendo esquecidos ou vistos como não
relevantes à vida e, mesmo, prejudiciais à conquista de posição e
"lugar ao sol" (ou à sombra) na sociedade competitiva, que é essa
selva urbana na qual vivemos.
Assim, é desafiador a nós cristãos ouvir, viver e ensinar o que
Paulo nos diz: "[...] retende as tradições assim como vo-las en-
treguei" (I Coríntios 11: 2); ainda: "permanecei firmes e guardai
as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavras, seja por
epístola nossa" (I Tessalonicenses 2: 15). Sustentar os valores do
reino de Deus continua sendo o desafio feito por Paulo a nós
e a seu discípulo no passado: "Tu, pois, ó homem de Deus [...]
segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.
Combate o bom combate da fé" (I Timóteo 6: 11-12).

Nessa sociedade onde o fugaz, o efêmero, o volátil e o líquido


(6) Na teologia reformada, distin-
gue-se entre graça especial, ou seja. têm se imposto, suportar a estabilidade dos relacionamentos nos
aquela destinada por Deus para a
salvação exclusivamente dos que por padrões bíblicos, proclamar a importância das instituições esta-
Ele foram eleitos, e a graça comum
estendida a todos os seres humanos belecidas por Deus em sua graça comum' para o nosso bem e sus-
como manifestação da bondade de
Deus, concedendo bênçãos materiais
tentar a perenidade das tradições e valores cristãos: eis o desafio.
como a chuva, o sol. a ordem civil,
entre outras.

84 O Cr istão e os desafios da pós-modernidade


Capitulo 13
Cultura do imediatisrno

Inicio esse capítulo com a declaração de uma adolescente em (1) Expressão da lingua inglesa cujo
sentido literal é: "agora, já; há pouco"
que uma das características da pós-modernidade é exposta: "A mi- (Dicionário escolar inglês-português;
português-inglês. FENANIE, 1980,
nha idade é uma idade que quer, tipo, tudo na hora'' (Reportagem p. 383).
no Gl; Portal de notícias da Globo em 25/11/2013). Trata-se da (2) Expressão da língua inglesa com
significado de "tela de toque" ou
cultura do Just nowi , ou seja, do agora. É o ambiente do "já", o "toque na tela" (tradução livre).
contexto do rápido, o império da velocidade. Torna-se torturante
aguardar 60 segundos para que o computador "inicialize", sendo
inadmissível e inaceitável essa gigantesca lentidão. É o tempo do
touá screen2 , onde já não há mais necessidade de digitar, teclar ou
escrever para alcançar a operação desejada, basta apenas tocar a
tela e impulsionar o dedo em determinada direção.

85
Essa forma veloz e imediata ligada aos meios tecnológicos, de
transporte e de informação acaba por levar as pessoas a transpor-
tarem tal conceito para o ambiente de relacionamentos e convi-
vência social. Tal cultura imprime no indivíduo (conscientemente
ou não) uma tendência a exigir respostas das pessoas nesse mesmo
nível de velocidade, prontidão e agilidade. As ações e atitudes têm
que ser já e agora, não é possível esperar.

Uma das consequências óbvias oriundas desse modo de ser e


agir é a impaciência. Desde o momento que o tempo passou a ser
"medido", percebeu-se que perder tempo é perder dinheiro. Pelo
fato de tempo ser dinheiro o frenesi e o corre-corre se impuseram
ao ser humano, fazendo com que sua paciência fosse diminuída. O
semáforo (farol luminoso de trânsito) ficar no vermelho por 1'30"
é um absurdo, e se o motorista, por algum motivo (justificável ou
não), deixa de arrancar de imediato com seu carro, ouve-se o som
estridente da buzina de quem está atrás, indicando o alto nível
de impaciência reinante, pois o tempo é precioso e não se pode
desprezá-lo. A impaciência deságua, comumente, na intolerância,
levando tantas vezes a discussões, conflitos, agressões e morte. Ra-
pidez, velocidade, presteza, agilidade: isto é o que importa.

Essa conduta acaba por contaminar os quadrantes todos da


existência humana. Na esfera profissional, a carreira deve ser de
caráter meteórico (embora o meteoro esteja caindo), ou seja, rá-
pida, velocíssima. Os promovidos por "antiguidade" são vistos
desconfiadamente como pouco competentes e são um problema,
pois dificultam a "fila andar". Nos relacionamentos, é possível per-
ceber a fugacidade e o imediatismo igualmente. A intimidade e a
sexualidade na expressão da relação sexual tendem a receber essa
influência, levando ao que se tem chamado de sexo casual, ou seja,
sem relacionamento e convívio. As relações sexuais são fruto do já.
Conhece-se e logo se está envolvido na cama. Tornou-se "normal"
os casais se entregarem sem esperar o tempo determinado na cons-
tância do casamento, conforme diretriz e ensino bíblico.

Recordo-me de uma música de Marcos Valle ("Com mais


de 30"), na qual se colocava sob suspeita e desconfiança quem

86 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


tivesse "mais de 30", não importando se mais de 30 anos, mais
de 30 cruzeiros, mais de 30 minutos. Dentre os detentores dos
famosos "mais de 30" estava o professor, e a música dizia: "O
professor tem mais de 30 conselhos, tem mais de 30 [...] o dire-
tor tem mais de 30 minutos [...]". Era tempo demais, impensável,
inadmissível. Era o preparo para os tempos da pós-modernidade
que chegavam. Quando pensamos nessa linha, agravada desde
aquela época (anos 1970), o pastor (o culto) tem mais de 30 mi-
nutos. Então, é suspeito, não é confiável, é muito demorado e
fica fora de nosso cardápio sel f service.

Outro desdobramento danoso dessa cultura imediatista vê-


se em relação aos idosos. O mundo (o Brasil inclusive) está
envelhecendo, a população está cada vez mais idosa. Embora
os jovens continuem chegando, não estão na proporção do
envelhecimento populacional. O idoso tende a ser menos ágil,
menos lépido, portanto, não se enquadra bem nesse universo do (3) Figura das histórias em
flash man'. Essa falta de agilidade acarreta um ônus muito grande, quadrinhos. Refere-se ao "homem
relâmpago': detentor de velocidade
posto não haver, como foi dito, paciência com eles no trato e nos comparada à do raio ou relâmpago.
(4) Expressão oriunda do latim cujo
relacionamentos. As criticas são duras, as palavras agressivas e sentido é "Deus máquina : Remonta
ao teatro da antiga Grécia, para o
desrespeitosas pelo fato de não conseguirem acompanhar o ritmo ator que entrava corno que de modo
inopinado e sem muito sentido na
acelerado desses dias de velocidade e irnediatismo. peça, irrompendo repentinamente.
Aplica-se dentro da sociologia
da religião ao conceito de um
Não haveria como evitar que a própria concepção acerca do Ser "deus" que está à disposição (como
urna máquina) para atender aos
de Deus fosse atingida por tal padrão de comportamento mani- comandos e satisfações do usuário.
(5) Expressão inglesa cuja tradução
festo em nossa sociedade pós-moderna. As pessoas passam a ver literal é "comida rápida': O sentido
Deus corno uma máquina cujo acionamento determina resposta é de alimentação que já está pré-
pronta, ou de rapidíssimo preparo
imediata. Essa concepção ficou conhecida como o Deus ex machi- para consumo imediato, sem
dispêndio de muito tempo.
na4, ou seja, à disposição para suprir imediatamente as necessida-
des do cliente pelo mero apertar de um botão, ou em obediência a
determinado comando de voz. Hoje podemos chamá-lo de Deus
fast food', associando-o à ideia de algo cujo preparo é rápido e de
consumo igualmente imediato. Embora já se tenha alguma demo-
ra nessas redes de alimentação (o que impacienta a clientela) com
relação ao atendimento, a ideia prevalecente é a do aspecto ligado
ao rápido: chegar, comer e sair no menor tempo possível. A visão
sobre Deus e a comunhão com Ele ficam maculadas por essa cul-

Capitulo 13 - Cuituta do imeclialismo 87


tura, pois não há "desaceleração" para a meditação, contemplação
e devocional. Deus passa a ser algo (uma pessoa?) que deve estar
com todas as coisas prontas e preparadas para atender minhas
demandas e pedidos no menor tempo possível, não podendo ser
demorado, sob pena de ser considerado inoperante e inadequado.

DESAFIO
Esse traço cultural pós-moderno tem sido assimilado no con-
texto de nossas igrejas. Refiro-me não propriamente ao aspecto
do tempo de duração dos serviços religiosos (cultos), mas ao do
entendimento quanto ao relacionamento com Deus. É possível
perceber a existência de concepção equivocada, fruto da utiliza-
ção de ferramentas hermenêuticas indevidas, levando ao concei-
to, por conseguinte, do próprio Ser de Deus, passando a ser visto
como alguém (?) à nossa disposição para atendimento de nossas
demandas, exigências e determinações. A postura de súplica e es-
pera torna-se completamente sem lugar, com substituição pela im-
posição (determinar) e resultado imediato, resposta incontinenti.
O desafio se coloca com relação à necessidade de se redescobrir
os princípios bíblicos e teológicos (retornar a eles) sobre Quem é
Deus e nossa comunhão com Ele.

É imperativo e fundamental ao cristão resgatar o ensino e a


compreensão sobre a Pessoa de Deus e seus atributos. A sobera-
nia de Deus precisa ser resgatada e reconduzida a seu devido lu-
gar, evidenciando que o Senhor atende como e quando Ele quer,
e não sob nossa determinação, estabelecendo hora, local e modo
de Ele o fazer. Não fazer de Deus um "escravo celestial'', pronto e
preparado para atender minhas ordens e deliberações (e caprichos
muitas vezes), é algo desafiador, sobretudo nesse meio em que se
promove, cada vez mais, a centralização do homem em sua capa-
cidade de exigir e em seus direitos de determinar, vendo-se como
aquele a quem Deus tem a obrigação de atender no momento que
lhe for determinado.

A postura de caráter impositivo é desafiadora e acintosa ao


próprio Deus, tornando-O refém de nossas demandas e até capri-

88 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


chos. Tal atitude é assemelhada à do filho mais novo da parábola
narrada por Jesus, à qual se tem dado o título de "Parábola do Fi-
lho Pródigo". A semelhança se verifica pelo fato de o referido filho
exigir do pai ao dizer: "Dá-me a parte dos bens que me cabe" (Lu-
cas 15: 12). Tal pedido de antecipação da herança era uma ofensa
grave, pois era como dizer que desejava a morte do pai, e ele vivo
era uma estorvo às suas pretensões. No livro de Provérbios, lemos:
"A posse antecipada de uma herança, no fim não será abençoada"
(Provérbios 20: 21). O filho não queria esperar a hora própria e
adequada para receber sua parte nos bens. Essa atitude á desonro-
sa ao pai e ofensiva à dignidade dele.

O livro dos salmos em seu caráter existencialista e de forte vo-


cação devocional nos fornece muito subsídio em relação a tal de-
safio. Encontramos várias exortações e orientações sobre aguardar
e esperar. A beleza e a poesia dos textos são manifestas; reproduzo
aqui alguns por sua importância nesse ponto: "De manhã, Se-
nhor, ouves a minha voz; de manhã te apresento a minha oração
e fico esperando" (Salmo 5: 3); o silêncio e a contemplação fazem
parte deste exercício: "Somente em Deus, ó minha alma, espera
silenciosa; dele vem a minha salvação" (Salmo 62: 1); o salmis-
ta enfatiza tal verdade: "Somente em Deus, ó minha alma espera
silenciosa, porque dele vem a minha esperança" (Salmo 62: 5);
esperar, mesmo em abatimento, para louvar ao Senhor: "Por que
estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a Ele, meu auxílio e Deus
meu" (Salmo 42: 5). Não exigência, nem de longe imposição qual-
quer, não determinação a Deus, mas espera nEle e por Ele.

Outro aspecto desafiador nessa área é a desaceleração e a con-


templação, ou meditação. A vida devocional (uma das disciplinas
da alma) se torna prejudicada sensivelmente por esse ambiente de
altíssima velocidade e da rapidez exagerada. Particularmente luto
com esse ponto desafiador, devido ao meu modo de ser agitado
e "elétrico" no dizer de alguns. Parar, ler a Bíblia e meditar é algo
a ser constantemente exercitado, pois é muito fácil ser engolido
por esse furacão e não devotarmos tempo à meditação na Pala-

Capitue 13 - Cultura do imediatigno 89


vra do Senhor. Mais uma vez valho-me da poesia dos salmos para
fundamentar o que digo sobre a necessidade da meditação: "Uma
coisa peço ao Senhor, e a buscarei: que eu possa morar na casa do
Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do
Senhor, e meditar no seu santo templo" (Salmo 27: 4).

O tempo e a calma são difíceis de serem encontrados em nosso


ambiente diário, com o propósito de adorar e venerar a Face de
Deus. Nossa mente está muito acelerada pelos compromissos ur-
gentes a serem atendidos, tratados e resolvidos. Nossa devocional
torna-se algo fugaz, efêmero, sem profundidade ou duração. Va-
lemo-nos de devocionários (não sou, em princípio, contrário ao
uso deles) com pequenos textos para nosso tempo de adoração ao
Senhor, mas não meditamos na Palavra. Fazemos orações curtas
e "formais" às refeições, mas não investimos tempo na adoração
do Senhor Jesus. Seria possível alegar que isso é melhor que nada.
De fato, mas não se morre apenas por não se comer coisa alguma,
morre-se, também, por falta de nutrientes e calorias suficientes; a
morte é mais lenta, mas é, igualmente, morte.

Nossas orações são muito mais rápidas que nossos telefonemas,


muitíssimo menores que nossos "bate-papos" no "Facebook".
Querem justificar essa postura afirmando: "Os tempos são ou-
tros"; já não é possível ficar muito tempo orando (parado), pois os
outros estão passando na minha frente. Então a solução é correr
e correr, ou fico para trás. Nesse sentido um homem rico, famo-
so, bem-sucedido e bonito disse: "Disse comigo: Eis que me en-
grandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de mim
existiram em Jerusalém; com efeito o meu coração tem tido larga
experiência da sabedoria e do conhecimento. Apliquei o coração a
conhecer a sabedoria e a saber o que é loucura e o que é estultícia;
e vim a saber que também isto é correr atrás do vento" (Eclesiastes
1: 16-17). Palavras sábias do grandioso rei Salomão.

Lemos nas Escrituras do Velho Testamento: "Tudo tem o seu


tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do
céu" (Eclesiastes 3: 1). Essa visão do Pregador (atribuída ao rei
Salomão) nos deve levar a pensar sobre nossa condição pós-mo-

90 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


derna da velocidade, do imediatismo, do já e do agora. Talvez essa
aceleração procure esconder alguns problemas íntimos e existen-
ciais, buscando um modo de evitar pensar neles ou enfrentá-los.
Como diz a música "Mundo Maluco'', de Moacir Franco: "Não,
não posso parar, se eu paro eu penso, se eu penso eu choro, eu
choro. [...] mundo maluco." Conseguir diminuir a velocidade e
desenvolver a capacidade de esperar e meditar, redescobrindo ou
reencontrando a contemplação; eis o desafio.

Capitulo 13 - Cultura do imediatismo 91


Capitulo 14
Cultura do naturalismo

A redescoberta da natureza é um aspecto altamente positivo


desses nossos dias. A chamada consciência ecológica tem sido
trabalhada de forma muito positiva na esfera da educação secu-
lar das novas gerações. É, de fato, muito salutar ver que pássaros
(sabiás, canários, bem-te-vis e outros), aves (pombas juritis, rolas
entre outras) e certos animais estão retornando e reaparecendo
em nossas cidades praças e quintais. Ver crianças, adolescentes
e jovens com posição de cuidado e preservação da natureza, lu-
tando pela manutenção de nascentes e contra o desmatamento
e empolgante e gratificante, pois nos dá esperança com relação
à sustentação e sobrevivência de nosso ecossistema e de nosso
planeta, ainda que em muitos lugares (e países) tal consciência
ainda não seja tão evidente, nem tão notória..

Ao falarmos, portanto, do naturalismo como traço marcante


da pós-modernidade, não nos reportamos a esse importante e
positivo sentido, ou seja, o valor, o cuidado e o zelo para com a
ecologia em suas várias manifestações, sejam elas com relação à
flora, fauna ou aspectos geoclimáticos.

93
( I ) Estilo de vida ligado ao retorno A referência (em aspecto negativo) liga-se à ênfase no sentido
e vínculo com a natureza. Envolve
vida ao ar livre, prática de nudismo, místico-mágico-divinizado da natureza. Não se deve confundir,
uso de alimentos naturais e sem
modificação genética ou quirnica também com naturismo', ou estilo de vida que propõe e segue
e emprego da medicina alternativa
(ioga, fitoterapia etc.). diretrizes ligadas à vida sem cisão com a natureza.
(2) Conjunto de povos organizados
em muitas tribos de língua indo-eu- É possível perceber a tendência da valorização da ecologia,
ropeia. Entre eles figuravam bretões,
gauleses, escotos (escoceses), belgas, com uma conotação de aspecto venerável da natureza, em mui-
batavos (holandeses). Seus sacer-
dotes são conhecidos como druidas tos pronunciamentos e projetos. Isso deixa ver que a natureza vai
e legaram a tradição dos "bruxos"
modernos devido aos aspectos da readquirindo seu caráter de objeto de adoração, ou de identifi-
religião ligados aos elementos da
natureza e animais, sendo conside- cação da natureza com a ideia de divindade, como no ambiente
rados divindades, além do uso das ,
várias "poções:' aos povos antigos. É como se voltássemos aos dias dos povos
(3) Ideia religiosa pela qual todos
os seres no cosmo (planetas, sóis,
Celtas2 e seus rituais ligados à natureza adorada como a "deu-
luas, estrelas) e na terra (rochas, sa mãe". Esta, por sua vez, é vista como "mãe natureza", sendo a
árvores, rios, chuva, neve etc.)
possuem anima, palavra latina cujo responsável pela geração da vida e sua manutenção. Vê-se, nesse
significado pode ser alma ou vida, . - ,,
(4) Palavra de origem grega e com- sentido, a ideia de ser a terra a própria mae da humanidade, o
posta: pan = "tudo"; theás = "Deus". “grande útero" de onde todos nós viemos e para onde todos nós
Nesse sentido, estabelece a identi-
ficação absoluta entre o universo iremos. Não é raro ouvir expressões como "nossa mãe terra" ou
(criação) e Deus (Criador), sendo
ambos uma só realidade. Identifica "a mãe natureza chora" e outras do gênero. Tais expressões ou
a Deus com o mundo e se nega a
reconhecer Deus corno Ser divino, ideias têm seu vínculo com a deificação ou divinização da natu-
distinto de sua criasão e infinita-
mente superior a ela (BERKHOF, reza e manifestam, velada ou expressamente, a inclinação a duas
1974, p. 25).
(5) Leonardo Boff, em seu artigo
situações: animismo' ou panteísmo'.
"Panteísmo versus panenteísmo:
escreve o seguinte sobre o assunto: O aspecto referido no parágrafo anterior diz respeito ao fato
'A Teologia Moderna cunhou outra
expressão, o `panenteismo' (em de admitir que elementos da natureza, tais como árvores, rios,
grego: pan = tudo; em = em; theos
= Deus). Quer dizer: Deus está plantas, pedras e outros têm neles urna morada de espíritos (ani-
em tudo e tudo está em Deus. Esta
palavra foi proposta pelo evangélico IlliSMO), ou seja, de haver uma identificação plena e total da di-
Frederick Krause (1781-1832), fasci-
nado pelo fulgor divino do universo" vindade com a natureza, de tal sorte que tudo vem a ser deus e
(BOFE Jornal do Brasil Digital,
atualizado em 17104/2012 e acessado deus a ser tudo (panteísmo). Assim, a árvore não apenas é "mo-
em 02/12/2013). rada de espírito-deus", mas é deus. Então as pessoas se prostram
diante dela, abraçam-na, falam com ela. O efeito dessa visão é a
veneração, culto e mesmo adoração da natureza e seus elemen-
tos. Não se deve confundir as posturas descritas anteriormente
• )3 ,

com o panentesmo ).

A ênfase naturalista em nossa sociedade pós-moderna é vista,


também, em seu foco na "pessoalização" dos animais. Por pesso-
alização não se entende a necessidade de tratá-los na condição
de seres vivos e, portanto, animados e com dignidade, sem maus

94 O Cnstão e os desafios da pás-modernidade


tratos ou desprezo; mas, de seres com espirito e não meramente (6) Palavra de origem inglesa cujo
com anima (fôlego de vida). Não é incomum vermos as pessoas sentido é "mimado, acariciado': Por
extensão aplica-se aos animais de
fazerem referência a seus pets6 como "meu bebê'', "meu neném", estimação.
(7) A tradução é "Fundação rara
vem com a mamãe", "vem com a vovó" ; perguntar se "é menino Vida Selvagem" e "Paz Verde:
respectivamente. São entidades que
ou menina?" ao se referirem ao cãozinho, e não mais: "É macho lutam a favor dos animais e do meio
ou fêmea ambiente.
(8) A tradução é "Visão Mundial"
e "Compaixão': respectivamente.
A valorização e o respeito aos animais devem existir e ser São organizações humanitárias
que trabalham no socorro e auxilio
incentivados, no entanto, essa "humanização" não é razoável. a crianças carentes em várias
partes do mundo, pelo sistema do
Isso acaba por fazer com que haja mais consideração aos bichos apadrinhamento".
(9) Palavra de origem grega cujo
do que às pessoas; humanização dos animais e animalização do significado é "casa, habitação':
ser humano. O montante de recursos financeiros investidos para (PEREIRA, 1976, p. 398).

salvar as baleias, golfinhos, elefantes e outros bichos (há quem


pense ser inadequado referir-se a eles com palavra tão grosseira)
é muito maior que o empregado em salvar crianças na África,
América Latina e Ásia. As organizações como a WWF e o
Greenpeace 7, voltadas para a proteção dos animais e do planeta,
recebem mais recursos e suporte para seus projetos e programas
que que a World Vision e a Compassion 8 , organizações cujo
foco de ação é o socorro, amparo e auxílio às crianças pobres
em áreas de miséria ao redor do mundo, oferecendo educação,
alimentação e cuidados básicos de saúde.

A tendência da identificação de tudo como sendo "deus" está


em alta, inclusive o ser humano, superando a ideia do "deus que
vive em cada um de nós", pelo fato de todos sermos deuses. O
conceito de "deus" aqui não é o de um ser pessoal, mas, sim, de
universo, ao qual somos fundidos, tornando-nos um só com ele
e ele um conosco. O propósito então é compreender e experi-
mentar essa "incorporação" ou fusão.

A natureza é a figura central de interesse nesse contexto cultu-


ral em que estamos, não por ser a "nossa casa" (oikos) 9, mas por
ser compreendida como entidade e ser divino. Atingir (ferir) a
natureza não é apenas um ato ecológico, é uma blasfêmia, um
sacrilégio. Desmatar é como profanar um altar; poluir o rio asse-
melha-se a destruir um templo; extinguir uma nascente compa-
ra-se a queimar Escrituras Sagradas. A natureza, reafirmo, é vista

Capitulo 14 - Cultura do naturalismo 95


como digna de reverência de todos, com suas leis a serem obede-
cidas e acatadas por nós, sob pena de recebermos a penalização
devida pela profanação sacrílega de seus sacrossantos ditames e
santíssimas leis. A natureza não tem por inocente aqueles que
quebram ou transgridem suas ordenanças e os pune com rigor e
imparcialidade, como se fosse ela uma pessoa capaz de entender
a ofensa sofrida, avaliar o dano e calcular a ação punitiva em res-
posta à violação de suas leis.

A aplicação da filosofia do naturalismo à esfera ética gera


problemas de profunda gravidade. Se a lei básica da natureza
estabelece a sobrevivência dos mais aptos, entendendo-se por
aptidão aspectos ligados à força, inteligência e capacidade de
adaptação, a implicação e consequência são de sobrevivência ou
morte. Pode-se, com isso, justificar a posição de Nietzsche e sua
" vontade de potência" (poder) e o uso da força para impor meu

desejo e controle. Nessa linha, vemos o inglês Thomas Hobbes


(1588-1679) falar sobre o "homem no estado de natureza" e
usar a expressão de Plauto (254 a.C.): homo homini lupus, ou
seja, "o homem é o lobo do homem". Na esfera do "mercado", o
capitalismo encontra sua expressão natural no conceito de
(10) Expressão nascida com a pitalismo selvagem" 0 ; nas relações interpessoais e étnicas, justi-
Revolução Industrial para indicar a
aplicação da lei da natureza ("mais fica-se a superioridade de indivíduos e raças; na conduta (ética),
apto - forte - sobrevive") às leis de
mercado, gerando o sentido do não há lugar para amparo ao mais fraco, devendo ser eliminado,
laissez.faire, laissez puser, ou seja,
"deixem fazer, deixem passar". isso ou deixado para que a natureza cumpra seu curso com suas leis.
significa que cada um deve buscar
sua so brevivência nesse a mbiente de Estas são algumas consequências da cultura naturalista já que:
"selva': 'o ri o más forte devorando "Como
O mais fraco. é propósito da Natureza que o apto sobreviva, tudo o
que contribui para a sobrevivência do mais apto é bom, e tudo
que dificulta sua sobrevivência e auxilia o inabilitado a sobrevi-
ver é mau" (FORELL, 1973, p. 49).

Outro aspecto a ser visto quanto à aplicação da cultura natura-


lista à vida está na área da sexualidade; área em que, no ambiente
da natureza, não há restrições quanto à procriação ou relação
sexual. Na natureza, havendo a presença do cio (na fêmea), isso
deve ser resolvido com a cobertura feita pelo macho (o "alfa")
dominante. Não há restrições, barreiras ou controle, sendo que

96 O Cristão e os desafios da pôs-modernidade


as cópulas são, na maioria das vezes, dependentes da submissão
da fêmea à imposição dos machos. É a justificativa natural da
formação dos haréns para a satisfação do "macho dominante"
(o Sultão, rei, príncipe ou "coronel"). A fêmea volta a ser aquela
responsável por receber o macho, parir e cuidar dos filhotes. A
cultura do naturalismo, portanto, traz desdobramentos destru-
tivos nas distintas esferas da vida humana se aplicada em suas
consequências últimas.

DESAFIO
É importante ressaltar novamente a importância da consci-
ência ecológica e o cuidado com o meio ambiente. Essa ênfase,
insisto, é altamente positiva e deve continuar sendo incentivada
entre a população em geral e no meio cristão particularmente,
pois a preservação de nosso ecossistema é a conservação de nossa
própria existência e de nosso planeta, a "nossa casa".

A cultura do naturalismo oferece, no entanto, alguns desafios


sérios ao cristão, dos quais não se pode fugir ou evitar. A abor-
dagem será feita em três aspectos, ou apontando três desafios.

O primeiro desafio diz respeito à questão ligada à valorização


da vida, porém fazendo o devido escalonamento em relação a
ela. A pergunta é, nesse sentido, a seguinte: todas as vidas têm
o mesmo valor? A tendência de se responder afirmativamen-
te é imediata. De fato, intrinsecamente, a vida humana tem o
mesmo valor. Ocorrem, no entanto, circunstâncias geradoras
de compreensão a admitir "peso" diverso entre vidas humanas.
Elementos como afeição, laços sanguíneos, identificação religio-
sa, entre outros, podem conduzir ao entendimento (e opção)
de esta ser mais valiosa que aquela. Mães se viram em dilema
horrível ao perceber que não poderiam salvar todos os filhos e
optaram por um entre outros. A alimentação não era suficien-
te para todos. Então, a qual dar o alimento: ao mais fraco para
fortalecê-lo, com a morte de ambos, ou ao mais forte para vê-lo
sobreviver? Médicos em situação de emergência devem decidir
se atendem ao policial baleado ao proteger inocentes e agora em

Capítulo 14 Cultura do naturaksmo


-
97
risco de morte, ou assistir o bandido causador da morte de vá-
rios inocentes e, também, baleado e com risco de morrer. Não é
possível atender a ambos e salvá-los. Que fazer? Qual a escolha?
A vida tem o mesmo valor?
Todo ser vivo é merecedor de cuidado (seja animal ou vegetal).
Os animais (chamados irracionais) devem ser alvo de nosso cui-
dado e atenção especiais se colocados em relação às plantas, por
exemplo. Porém, não é possível que a vida desses animais seja mais
valorizada que a vida humana. Encontramos pessoas gastando
somas vultosas de dinheiro no cuidado com seus "animaizinhos",
mas não se movem para subsidiar ou auxiliar instituições que
prestam socorro e amparo a crianças carentes, por exemplo. Não
falo nem de "casas de apoio" a adolescente infrator, vistos como
marginais imerecedores de nosso amparo, pois são como "co-
bras" que estão sendo cuidadas para nos atacarem amanhã. Mas
de hospitais, fundações, organizações que oferecem assistência a
crianças carentes e doentes acometidas de câncer, escleroses e ou-
tras doenças de caráter degenerativo; creches em que as crianças
podem receber apoio educacional, nutrição e cuidados vários, di-
minuindo seu risco de morte e marginalidade.

O cristão não pode se deixar levar por tal inversão e valorizar


mais os "bichos" que os seres humanos. Primeiro, investir em pes-
soas, em gente, em ser humano; depois em animais. Mobilizar-se
para evitar massacres étnicos e tribais, antes de deixar-se prender
por causa da morte de golfinhos no Japão ou de baleias na No-
ruega e na Dinamarca. Investir na diminuição da miséria e des-
nutrição de crianças em certas regiões do mundo (até do Brasil)
antes que nos trajes e adereços de nossos "bichinhos". Adotar uma
criança (apadrinhar) em vez de manter um cão e um gato. Investir
no trabalho de "Médicos sem Fronteiras", mais do que no pet shop
para cuidado de seu animal de estimação.
Não se trata de fazer uma coisa em lugar de outra. Elas não são,
necessariamente, excludentes. Deve-se priorizar a vida humana
bem mais que os bichos. O uso de animais para desenvolvimen-
to de medicamentos para combate ao câncer e outras doenças

98 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


não pode ser condenado sob a alegação de que tais cobaias são
seres vivos e sofrem. É possível harmonizar tais situações, tratan-
do bem e cuidando de nossos animais, porém tendo em vista o
valor infinitamente superior da vida humana.

Jesus nos ensinou isso ao usar os pássaros, apontando o cui-


dado de Deus para com eles, mas deixando evidente a escala de
valores: "Observai os corvos, os quais não semeiam nem cei-
fam, não têm despensa nem celeiros; todavia Deus os sustenta.
Quanto mais valeis que as aves!" (Lucas 12: 25). O episódio da
libertação do gadareno endemoninhado é chocante quanto à
verificação do que seja mais valioso. Jesus, ao libertar o gadare-
no, ordenou que os demônios entrassem nos porcos e estes (dois
mil) se lançaram ao mar e se afogaram. O que fora possesso es-
tava curado, em perfeito juízo e plenamente restaurado. Os por-
queiros da região expulsaram Jesus dali, pois na relação entre ser
humano endemoninhado e porcos, estes valem muito mais que
aquele e o custo para salvá-lo não compensa. Nem cura, nem
Cristo; porcos é o que queremos (Lucas 8: 26 a 39).

O segundo desafio se encontra na esfera ética. O cristão impe-


riosamente deve pautar sua conduta pela ética cristã e não pela
proposta naturalista. O conflito é flagrante em boa parte do vi-
ver cristão. Começamos pelo cuidado demonstrado na Bíblia
por duas categorias de pessoas: os órfãos e as viúvas. Sobretudo
no Velho Testamento, esses dois segmentos são alvo de zelo e
cuidado especiais do Senhor. As recomendações são constantes
por proteção e amparo a eles, sendo alvo da justiça e ira de Deus
aqueles que os maltratassem, desprezassem ou explorassem: "A
nenhuma viúva ou órfão afligireis. Se de algum modo os afligir-
des e eles clamarem a mim, eu lhes ouvirei o clamor; e a minha
ira se acenderá, e vos matarei à espada[...]" (Êxodo 22: 22-24). O
cuidado de Deus com o principio em evitar "rebuscar" os galhos
das oliveiras e videiras com beneficio dos pobres: -Não rebus-
carás a tua vinha, nem colherás os bagos caídos da rua vinha:
deixa-los-ás ao pobre e ao estrangeiro: Eu sou o Senhor vosso
Deus" (Levítico 19: 10). Sustenta o direito de se pegar espigas

...cretul0 14 - Cultura do naturalismo 99


com a mão para matar a fome: :Q ando entrares na seara do teu
próximo, com a mão arrancarás as espigas, porém na seara não
lhe meterás a foice" (Deuteronômio 23: 25).

No Novo Testamento, Tiago nos ensina quanto ao cuidado


para com o órfão e a viúva como marca da verdadeira religião,
apontando para o compromisso cristão do socorro, amparo e
ajuda: "A religião pura e sem mácula, para com o nosso deus e
Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a
si mesmo guardar-se incontaminado do mundo" (Tiago 1: 27).
Todas são manifestações de proteção ao carente, ao pobre, ao
desfavorecido. Tais atitudes encerram caráter de conflito com a
ética naturalista, pois sendo tais pessoas menos aptas não devem
receber atenção ou cuidado com intuito de verem-se preserva-
das, uma vez que seria interferência com o processo natural.

Ainda nessa área, a ética cristã, as Escrituras Sagradas ensi-


nam sobre o valor e a importância da mulher, livrando-as da
sina de serem apenas "fêmeas" usadas para a satisfação do "ma-
cho" e procriação. O ensino é claro quanto ao imperativo de o
marido amar a esposa: "Maridos, amai vossas mulheres, como
também Cristo amou a Igreja, e a si mesmo se entregou por ela"
(Efésios 5: 25); de terem a obrigação com relação à vida fami-
liar: "Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com
discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher
como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, por isso que sois
juntamente herdeiros da mesma graça de vida, para que não se
interrompam as vossas orações" (I Pedro 3: 7).

Deve a mulher ser tratada com cuidado e carinho, como se


fosse o próprio corpo do homem: "Assim também os maridos
devem amar suas mulheres como a seus próprios corpos. Quem
ama a sua esposa, a si mesmo se ama" (Efésios 5: 28). Não há,
nem de longe, indicação alguma de exploração da mulher, ou
do uso dela (de seu corpo) como objeto de satisfação dos an-
seios e impulsos sexuais do homem. Amor, carinho, suprimento
e amparo devem nortear, pela ética cristã, a postura do homem
em relação à mulher, considerando sua estrutura feminina mais

100 O Cristão e os desafios da pós-modemidade


delicada, sensível e dócil, não em sentido de fraqueza ou inferio-
ridade, mas de candura e suavidade.

O terceiro desafio a ser enfrentado é a rejeição do ideal di-


vinizador da natureza, pelo qual se estabelece identificação da
criação com o Criador. Essa forte ênfase é parte do ensino da
doutrina da Nova Era, pelo qual a religião natural tem na natu-
reza um deus. Isso não é algo novo, mas remonta a épocas bem
antigas. No Velho Testamento, essas manifestações podem ser
vistas na experiência até de Israel, ao fazer uma estátua de um
bezerro de ouro e adorá-lo como o deus responsável pelo resgate
de todos do Egito (Êxodo 32. 1-10). O apóstolo Paulo escreve
aos Romanos e fala da forma grosseira como os homens haviam
se corrompido e se envolvido em idolatria: "Inculcando-se por
sábios, tornaram-se loucos, e mudaram a glória do Deus incor-
ruptível em semelhança da imagem de homem, bem como de
aves, quadrúpedes e répteis" (Romanos 1: 22-23).

Entender e aceitar o fato de Deus estar em todas as coisas


(onipresença) e lugares é diferente de ensinar e sustentar ser Ele
tudo, e todas as coisas serem Deus. A consequência é idolatria
óbvia, crassa, grotesca e, até, repulsiva, como Paulo prevê e ex-
põe ao dizer: "Pois os homens mudaram a verdade de Deus em
mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador,
o qual é bendito eternamente. Amém" (Romanos 1:25). É re-
gressar ao primitivismo de se adorar o sol, a lua, as estrelas, o
relâmpago, vendo-os e tendo-os como deuses. Deus se revela na
natureza: "Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento
anuncia as obras de suas mãos" (Salmo 19: 1), mas não pode ser
confundido com ela, já que ela mesma proclama a glória, o po-
der e a majestade do Criador Supremo, único e eterno, a quem se
deve tributar toda glória, honra, louvor e adoração.

Nesse ambiente de ênfase naturalista, valorizar o ser humano


muito acima dos animais, investir nos programas de auxilio e
amparo aos necessitados, doentes, idosos e crianças abandona-
dos, em vez de deixá-los à própria sorte, sob a alegação de ser esta
a lei da vida, e permanecer firme, distinguindo o Deus criador

CapitUi0 14 Cultura do naturalismo


- 101
de sua criação, tributando somente a Ele culto e adoração, rejei-
tando toda forma de idolatria promovedora do ser humano e da
criatura como divindade: sim, eis o desafio.

102 O Cristão e os desafios da pós modernidade


Capítulo 15
Cultura do esteticismo

Na Grécia antiga, Sócrates, com seu método maiêutico, bus-


cava extrair o conhecimento por meio de perguntas. "O que é
a coragem ?"; "O que é o amor ?"; e entre outras estava: "O que
é o belo?" Bem distante de Sócrates (no tempo e no espaço),
nos rincões das Minas Gerais, em minha infância e adolescência,
ouvi de minha mãe esse adágio, ou dito popular: "Quem ama
o feio, bonito lhe parece." É possível, portanto, perceber a pre-
sença da questão ligada ao "belo" na vida do ser humano, não
importando onde ou quando. Beleza tem sido causa de histórias
( I) Guerra entre gregos e troianos
trágicas, como a da Guerra de Troia'; tema de romances e contos por volta de 1200 a.C, narrada por
Homem. A causa foi o rapto de He-
na literatura mundial; enfim, tem ocupado (ora promovida, ora lena de Troia, esposa do rei Menelau,
suspeitada) nosso interesse como humanidade. efetuado por Páris, havendo ocorrido
quando da missão diplomática em
Esparta, momento e lugar em que
Não se tem dúvida de que os padrões de beleza sofreram (e conheceu e se apaixonou pela bela
mulher. O comandante grego foi
sofrem) alterações ao longo dos tempos. Isso aponta para o fato Agamenon. Há dúvidas quanto à
veracidade dos relatos feitos e da
de ser um conceito de caráter subjetivo, ou seja, o padrão de be- ocorrência de tal batalha.
(2) República Islâmica da Mauritá-
leza em urna época pode não o ser em outra, ou o considerado nia, situada no noroeste da África, na
região saariana,
belo em uma região (ou cultura) pode ser rejeitado e repudia-
do em outra'. A discussão na esfera filosófica é acirrada e longa

103
nesse sentido, ou seja: o belo existe como tal? É propriedade do
ser (objeto) ou depende de sua apreensão como tal pelo sujeito?
Santo Tomás de Aquino diz, por exemplo: "id quod visem placet
— o que agrada ver ( JOLIVET, 1990, p. 338), indicando a sub-
jetividade, posto que o agradável a um poderá não o ser a outro.
Não é nosso propósito estacionar em tal discussão, ainda que
interessante e instigante, mas considerar a ênfase de nossos dias
pós-modernos nesse aspecto da estética (beleza).

A estética em Aristóteles, para quem o "belo é a grandeza e


a ordem (CRETELLA JÚNIOR, 1973, p. 45), está ligada ao
sentido de aístesis, isto é, à sensação (PEREIRA. 1976, p. 18),
portanto, algo que atinge nossos órgãos dos sentidos. A palavra
estética, do grego aisteti cós, ou seja, "que possui a faculdade de
sentir [...]" (PEREIRA, 1976, p. 18) será empregada na Alema-
nha por Alexander Gottlieb Baumgarten, sendo definida como
"ciência do conhecimento sensível" (História da Filosofia. Co-
leção Os Pensadores, 1999, p. 299), ligada à discussão filosófica
com relação ao belo e à arte. O conceito de estética, no contexto
deste livro, será no sentido do ideal de beleza ligado ao corpo,
dentro do padrão dominante em nossa cultura ocidental e em
parte do Oriente, com seus contornos "esculturais".

Tendo por base o exposto acima, necessário se faz estabele-


cer alguns aspectos quanto ao nosso interesse. A ênfase dada ao
corpo da qual falamos não está ligada, em princípio, à saúde fí-
sica, mas ao culto ao corpo, sendo este visto e apresentado como
objeto de desejo. Com o propósito de obtenção e alcance de tal
ideal, vários meios são acionados em nossos dias sem se impor-
tar com consequências. As pessoas despendem ou gastam várias
horas por dia em academias de ginástica com o fito de alcança-
rem um "corpo saradão" com barriga de "tanquinho" (homens)
e nádegas levantadas ("bumbum" arrebitado) para as mulheres.

(3) Apolinco é termo derivado de A propaganda é massiva sobre tal ideal e os (as) modelos re-
Apoio, deus da mitologia grega
ligado á beleza, perfeição e harmo- fletem tal figura estética apolínea? e "curvilínea", levando muitos
nia, Sua figura é sempre a de um à corrida em busca da felicidade gerada ou existente nesse cor-
homem jovem, atlético e de grande
beleza plástica. po malhado". Há quem se prive de uma alimentação saudável

104 O Cristão e os desafios da pôs-modernidade


para mergulhar em dietas exóticas e extravagantes no intuito de
perder uns quilinhos", buscando atingir e alcançar o ideal de
"magreza". Procedimentos mais radicais são usados na esfera das
cirurgias plásticas e estéticas. Há implantes, lipoaspiração, lipo-
escultura, aplicação de substâncias nocivas à saúde, tudo para
produzir ou gerar algo que aproxime a pessoa do almejado e co-
biçado corpo perfeito.

O aumento do número de cirurgias plásticas (muitas gerando


danos irreparáveis às pessoas), a proliferação das academias de
ginástica e seus planos de "malhação" e o lançamento de dietas
pelas revistas ligadas à moda e informações sobre TV e cinema,
entre outros procedimentos menos ortodoxos, são indicação
(4) Anorexia é o comportamento
clara dessa alucinada corrida em busca da perfeição do corpo fí- para manter o peso corporal muito
abaixo do admitido e esperado
sico, conduzindo muitos ao desequilíbrio emocional e metabó- para a altura, aliado à permanente
visão de que o corpo está "gordo'',
lico, desencadeando a anorexia4 e a bulimias, entre outros males. mesmo já extremamente magro. Tal
comportamento pode levar a conse-
Ainda com relação ao ponto anterior, é possível argumentar quências graves à saúde ou mesmo à
morte por inanição.
apresentando o crescimento da obesidade na população de nos- (5) Bulimia liga-se ao fenómeno
"sanfona", ocorrendo a compulsão
sas cidades, em contraposição à ideia de se estar buscando o cor- por ingerir alimentos e engordar,
seguindo se de meios para perda
po ideal com formas esculturais. Realmente é inegável o fato de -

rápida de peso, incluindo a indução


ao vômito, uso de diuréticos etc.
as pessoas estarem mais gordas e em número cada vez maior. Isso,
no entanto, não anula o ponto de vista colocado anteriormente,
pois mesmo esses obesos (gordos) sofrem com a pressão para se
enquadrar no padrão apresentado como ideal. As pessoas com
peso acima (e muito acima) do recomendado (dentro do padrão
de saúde) sentem-se pressionadas e travam lutas interiores tre-
mendas devido à sua condição física; são complexos seriíssimos
que atingem muita gente, gerados como fruto da tirania da be-
leza escultural, quer seja em mulheres ou em homens, embora
esses últimos desfrutem de maior "tolerância". Formam-se falsos
conceitos em relação ao obeso, tais como: ser menos produtivo,
ser mais tendente a adoecer, ser menos ágil, mais sonolento e ou-
tros, acarretando sua preterição em muitas vagas de emprego. O
ciclo formado é implacável e mau: engordo, fico ansioso, então
como; como, engordo, aumenta minha ansiedade. Isso gera um
dano tremendo à pessoa.

Capitulo 15 - Cultura do esteheismo 105


A tirania da estética não se apresenta apenas na esfera do peso;
está, também, em relação ao tempo. Refiro-me ao medo dos si-
nais deixados pelo passar do tempo em nossa pele, ocasionando
as indesejadas e repulsivas rugas. A indústria de cosméticos tem
apresentado crescimento extraordinário com sua linha de produ-
tos para o "retardamento do envelhecimento", usando suas fór-
mulas e substâncias para afastar esse "fantasma" horripilante das
rugas como marcas do passar do tempo impregnadas em minha
face, mãos, braços, pescoço. Outro aspecto ligado ao corpo ideal,
o qual se mostra terrificante às mulheres, são as celulites. Há quase
uma obsessão contra essas "covinhas" que se formam e riram o sos-
sego e a paz de milhares de mulheres, as quais travam verdadeira
batalha contra elas, lançando mão de um variado arsenal de armas
para destruir essas inimigas figadais.

Sejam, portanto, as rugas, as celulites, os quilos extras, a calví-


cie ou algum outro aspecto estético que retire o corpo do ideal
imposto, todos se somam como tormento às pessoas em nossos
dias nessa ditadura da estética em sua busca pelo ideal do belo.

Na esfera do trabalho, alimenta-se a ideia (embora velada) de


que o bonito (belo) tenha mais chance de obter a vaga de em-
prego que o feio. Não se trata de algo ligado à roupa (elegância),
a qual também tem peso forte e considerável na escolha (esté-
tica), mas o aspecto da aparência física. Isso pode ser, por mui-
tos, considerado como mito, mas não é, haja vista que até pouco
tempo atrás um dos itens na nota de emprego era "ter boa apa-
rência". Isso já não existe, tornou-se "politicamente incorreto"
por indicar alguma forma de discriminação. Mas será que não
permanece no universo do subconsciente (subliminarmente) a
valorização do belo em relação ao feio? É patente a necessidade
dos vilões (os "caras maus") e então vemos que precisamos dos
"feios", pois os galãs têm que ser os "belos".

Se nos voltamos para o mundo encantado dos contos infantis


e das animações cinematográficas (desenhos animados), a ideia
de preferência do belo é posta de forma declarada e incontes-
te. A vinculação do feio ao mal e do belo ao bem é nítida, im-

106 O Cristão e os desafios da pOs-modemidade


pingindo e forçando a criança a assimilar essas correlações, for-
mando um senso de juizo para o futuro. Caso eu cresça vendo e
ouvindo que os maus são feios e os bons são bonitos, como será
meu julgamento amanhã no mundo real? A carga é muito acen-
tuada nesse ponto. Note-se, por exemplo, a figura das bruxas.
Elas eram preponderantemente feias, além de velhas e más. A
associação é simples e inevitável: deve-se ter cuidado com uma
velha feia, pois deve ser bruxa e má. Já a jovem e bela (Branca
de Neve, Cinderela, Rapunzel e outras) é sempre boa, gentil e
é, ou se torna, princesa. Os ogros são feios por serem maus, ou
serão maus por serem feios? Em filmes como O Senhor dos Anéis
e O Hobbit, os maus, os habitantes do submundo e os monstros
são todos feios. Assim, feiura e maldade seguem juntas, enquan-
to beleza e bondade estão ligadas. Deve-se perceber que elimi-
nar esses "maus-feios" não é errado e deve ser assim feito pelos
"bons-belos", pois, na verdade, os "feios-maus" só querem nossa
destruição. A tirania da estética é evidente.

A tendência a esse culto ao corpo nos templos chamados aca-


demias e nas catedrais chamadas clinicas de estética não parece
apresentar curva descendente; ao contrário, pode-se perceber
aumento de interesse nesse segmento de negócio, uma vez que
a busca pela beleza e o corpo perfeito são próprios desse tempo
de culto ao ser humano, e de autoveneração, não com resgate
da autoestima, mas da divinização do próprio "ego". Você é um
deus, e deus não pode ser feio.

DESAFIO
Inicio esse ponto acerca dos desafios tecendo alguns comen-
tários no intuito de evitar mal-entendidos com relação à estética
e à beleza.

O primeiro aspecto é deixar claro não se tratar de apologia à


feiura. Nesse sentido, afirmo não estar propondo que todos nós
queiramos ou devamos ser feios, ou veneremos a feiura, tampou-
co a vejamos como superior à beleza. Não é desprezo à beleza
como se fosse ela um pecado, ou mesmo tentação, nem apego

Capitulo 15 - Cultura do estelicismo 107


à feiura como se fosse virtude ou bem-aventurança. O cristão
não deve, pelo fato de ser cristão, desprezar o conceito de belo
e atraente. Quando decidi casar com minha esposa (com quem
permaneço casado há 36 anos), não levei em conta apenas seu
caráter, sua vida religiosa e sua inteligência; o aspecto físico e
estético também esteve presente e a beleza foi fator considera-
do e de relevância naquele momento. Assim o cristão não deve
apegar-se ao feio para aparentar, com isso, piedade. Isso seria, na
verdade, penitência.

O segundo ponto é enfatizar não haver nenhuma crítica à prá-


tica saudável de exercícios físicos em academias especializadas,
ao ar livre ou em casa. Não há, de modo nenhum, censura a tal
modo de agir; enfatizo a necessidade de tais práticas a bem da
saúde física e mental. O texto de Paulo a seu discípulo Timóteo
tem sido alvo de má interpretação com entendimento equivoca-
do de seu teor, conduzindo muitos à repulsa ao exercício físico,
cometendo sério erro exegético, hermenêutico e terapêutico. Ao
dizer: "Pois o exercício físico para pouco é proveitoso, mas a pie-
dade para tudo é proveitosa, pois tem a promessa da vida que
agora é e da que há de ser" (I Timóteo 4: 8), Paulo não repudia a
prática de exercícios físicos, apenas aponta o fato de ser a pieda-
de superior, comparativamente, àqueles, e isso pela premiação da
piedade nessa vida e na vindoura, enquanto as atividades físicas
geram beneficio apenas para a vida presente. Assim como nossa
alimentação deve ser saudável, nosso viver deve sê-lo igualmen-
te, pela prática regular de tais exercícios, como caminhada, cor-
rida, ginástica, esporte e outros.

O terceiro item diz respeito à importância de nossa aparência,


ou o não descuido para com ela. Assim como o asseio é espera-
do do cristão em relação ao seu corpo com banho, cuidado com
unhas e cabelos, deve-se ter com sua aparência, incluindo as rou-
pas. Portanto, o descuido e o desleixo com sua pessoa é impró-
prio ao cristão. Não se trata de luxo, mas de limpeza, sobriedade,
discrição e beleza. Para ser bonito e belo não precisa ser afetado,
luxuoso ou ostentatório. As religiosas (freiras, irmãs de caridade

108 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


e outras) apresentam-se com trajes que as identificam como tais,
distinguindo-as das demais. Isso não é determinação bíblica.

Algumas mulheres (de certas denominações) evangélicas pa-


recem colocar-se dessa maneira, vestindo-se de modo a distin-
guir-se e serem identificadas, no entanto, costumeiramente, são
vestimentas de pouca atratividade estética e de gosto duvidoso.
É, mais uma vez, interpretação equivocada de texto bíblico, por
inadequação hermenêutica, gerando prejuízo às mulheres parti-
cularmente. O texto é o seguinte:

Não seja o adorno das esposas o que é exterior, como frisado


de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, po-
rém, o homem interior do coração, unido ao incorruptivd de
um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante
de Deus (I Pedro 3: 3 e 4).

Novamente, não se trata de absoluto, mas de elemento com-


parativo entre o ser interior (essência) e o exterior (aparência).
Além disso, enfatiza-se a sobriedade, evitando a ostentação or-
gulhosa e a vaidade pessoal, expondo as mais simples a situação
constrangedora. Desmazelo, descuido, "cafonice" e "breguice"
não são apropriados à vida do cristão e devem ser por ele (ou ela)
evitados. O zelo e o cuidado com a aparência, não o luxo ou a
riqueza, também podem expressar nossa consciência cristã.

O primeiro aspecto do desafio diz respeito ao cuidado com o


corpo sem obsessão pela estética. Não confundir esses dois seg-
mentos, ou seja, cuidar do corpo e da aparência, sem se deixar le-
var por essa estrutura massificadora e impositiva quanto ao mito
do corpo perfeito. O cuidado com o corpo não deve sacrificar a
vida emocional, ou seja, trazer um peso ou carga insuportáveis,
de tal sorte que os exercícios e a alimentação equilibrada se tor-
nem tortura e não prazer e satisfação. Não se deve, também, des-
prezar a comunhão cristã, a vivência da fé comunitária por causa
do tempo desperdiçado nas academias. Dosar adequadamente
esse tempo de exercícios com o período de comunhão cristã é
necessário, ou seja, não deixar de adorar a Deus coletivamente

Capitulo 15 - Cultura do esteticismo 109


para frequentar os locais de práticas de exercícios físicos. Além
disso, não se deve desviar o privilégio de contribuir com a Obra
de Deus por meio do dízimo e ofertas, empregando tais valores
em cosméticos, mensalidades de academia, ou elementos de os-
tentação na área do vestuário e calçado, por exemplo. Como dis-
se e ensinou o Senhor Jesus: "[...] devíeis, pois, fazer estas coisas,
sem omitir aquelas" (Mateus 23: 23). Mas, quando há necessida-
de de decidir entre um e outro, o investimento vai para a estética
e o corpo, na maioria das vezes, infelizmente.

Outro aspecto de nosso desafio é a rejeição em assimilar a tira-


nia da estética existente em nossa sociedade, não permitindo sua
difusão no seio da Igreja. Essa inclinação tem se mostrado cada vez
mais marcante no segmento evangélico, onde a ênfase é em você
ser "príncipe ou princesa". Não se trata de valorização do indiví-
duo, mas de ênfase (fantasia?) na beleza: "Você é uma princesa de
Deus, por isso você é linda." Não é algo relativo à valorização do
ser interior, mas enfoque na beleza, na estética, na aparência.
(6) "Sacerdotisa de \festa, deusa do
fogo dos antigos romanos; cada ama
das seis virgens que se consagravam Outro elemento de tal valoriza ç ão excessiva da plástica em
ao serviço e culto dessa deusa"
(Dicionário moderno da língua nossos cultos são as coreografias. Jovens e adolescentes com suas
portuguesa, v.2).
(7) Figura bíblica, filha de Herodias, vestes esvoaçantes dão rodopios, piruetas e fazem movimentos
mullier de Herodes Filipe, tendo se
corporais de dança. O fato é que são todas "bonitinhas", qua-
casado depois com o tio dele, Hero-
des Antipas. Salome era sobrinha do
Herodes, para quem dançou na festa
se vestais6 , e a pergunta é: Onde estão as gordas, as negras, as
de aniversário (Mateus 14: 112). "feias'', as não models ou os rapazes? É o que podemos chamar
de "Síndrome de Salome" 7 com referência à jovem que dançou
sua coreografia e inebriou Herodes, acabando por levar à mor-
te João, o Batista. Trata-se de referência e não comparação ou
afirmação de que o praticado por tais adolescentes seja o mesmo
feito por Salomé. Não existe problema em usar a dança como
expressão de louvor a Deus, mas tal uso (na tradição judaica) as-
socia-se às festas de louvor e gratidão ligadas à história de Israel,
ou quando de vitórias nas batalhas contra os inimigos (Purim,
Tabernáculos e outras).
A estética e a plástica estão cada vez mais enfatizadas no âm-
bito da Igreja, tornando-se um risco sério de se perder o verda-
deiro sentido da adoração, a saber: "em espirito e em verdade"

110 O Cristão e os desafios da pós-modernidade


( João 4: 23); não em estética e em imagem. Termino esse ponto
com a advertência de Forell:

Compare isso com sua imagem favorita de Jesus, e pergunte


a você mesmo: Desejo uma alternativa diferente de 'Cristo
crucificado' ou 'ausência de significação?' Na maioria dos ca-
sos nós queremos uma alternativa diferente. A cristandade
tem sempre estado em perigo de escapar do disapulado do
Cristo vivo para a adoração de algum salvador bonito(FO-
RELL, 1973, p. 64).

O terceiro elemento ligado ao desafio nessa área é evitar o


sacrifício da ética pela estética. Tal fato alcança uma dimensão
muito ampla. Envolve, por exemplo, a necessidade de superar
o pendor e desejo pela mulher mais jovem ou mais atraente, no
que muitos homens (em maior número que as mulheres) têm
naufragado, inclusive ministros religiosos. Dentro dessa dimen-
são, a moral e a conduta sofrem duras lesões e o resultado é o di-
vórcio e suas consequências. É importante ouvir o que nos diz o
Senhor por meio de Salomão: "Para te guardares [...] das lisonjas
da mulher alheia. Não cobices no teu coração a sua formosura,
nem te deixes prender com as suas olhadelas [...] O que adultera
com uma mulher está fora de Si ; só mesmo quem quer arruinar-
-se é que pratica tal coisa" (Provérbios 6: 24-25, 32).

Envolve, também, o sentido ligado ao uso de roupas adequadas,


sem haver exposição do corpo e estímulo à lascívia e à cobiça. Isso
é aplicável ao homem e à mulher, ainda que mais comumente a
elas. Assim, as blusas, saias, calças, bermudas ou shorts devem ser
usados com discrição e adequação, a fim de não gerar constran-
(8) Quanto a isto há discussão sobre
gimento, embaraços ou cobiça'. Podemos aplicar, nesse ponto, o aspecto relativo à '`cultura branca"
vinculada ao Evangelho e a exigência
o que Paulo nos ensina: "Portanto, quer comais, quer bebais, ou da cobertura dos índios ou silvícolas
façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus" (I com roupas iguais às usadas pelos
missionários. Trata-se de discussão
Coríntios, 10; 31); pensar em nos vestir para a glória de Deus. da esfera da antropologia e extrapola
o foco e atenção do presente escrito.

O luxo excessivo é, também, contestável e se torna repreensí-


vel no contexto da ética, como ensina Paulo e faz eco ao dito de
Pedro:

CaPitulo 15 Cultura do esteticisma 111


-
Da mesma sorte, que as mulheres em trajes decentes se ata-
viem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e
com ouro, com pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com
boas obras, como é próprio ás mulheres que professam ser
piedosas (1 Timóteo 2: 9 10).
-

Outro ponto é entender que a idade não é algo mau, apenas


traz suas marcas peculiares (Eclesiastes 12: 1-8). Portanto, ima-
ginar-se (vestir e agir) como adolescente não é adequado ou ra-
zoável a quem já está na maturidade. Se ela chegou (50, 60, 70
anos ou mais), é hora de entender e assumir tal fato, portando-se
como tal; pois qual é seu propósito, tendo 60 anos de idade, ao
querer parecer que tem apenas 18 (se é que isso é possível)?

Por fim, o quarto aspecto envolvendo nosso desafio diz respeito


a reconhecer a superioridade da beleza interior (piedade e caráter)
sobre a exterior (aparência fisica). O sábio proverbialista bíblico,
ao tratar do assunto, adverte: "Enganosa é a graça e vã a formosura,
mas a mulher que teme ao Senhor essa será honrada" (Provérbios
31: 30). Como afirmei, anteriormente a questão aqui não é de ca-
ráter absoluto, mas comparativo. Não se descarta a beleza física (a
qual acabará) quando se pensa, por exemplo, no casamento; mas
não pode ser este o critério determinante de escolha ou decisão
quanto ao cônjuge. Tal forma de agir e tal critério de valoração (es-
tritamente estético) são comuns na moral secular, como, também,
o dinheiro, mas não pode estar presente no meio cristão. Assim,
casar com alguém por ser bonito, é como casar por que se é rico.
Seria uma postura licita, adequada, ética? Só foi feita a mudança
da estética pela riqueza, da beleza pelo dinheiro. A cultura cris-
tã, como contracultura à do presente tempo, coloca sua valoração
maior na essência e não na aparência.

Cuidar do corpo sem se deixar escravizar pela estética; rejei-


tar a tirania da beleza plástica no seio da Igreja de Cristo; evitar
que a ética seja sacrificada por causa da estética; reconhecer a
superioridade da beleza interior (essência) sobre a exterior (apa-
rência): eis, nessa área, o desafio.

112 O Cristão e os desafios da dós-modemidade


Considerações Finais

Os desafios a serem enfrentados pelos cristãos não são exclusi-


vos daqueles que vivem no século XXI, no ambiente da pós-mo-
dernidade. Em todos os tempos, os discípulos de Jesus, o Cristo,
são postos à prova e enfrentam embates grandiosos contra seus
opositores e adversários. Já no início da fé cristã, Jesus indaga
de Saulo, perseguidor ferrenho da Igreja Cristã: "Saulo, Saulo
por que me persegues?" (Atos dos Apóstolos 9: 4). Essa história
repetiu-se e se mantém ao longo dos últimos 20 séculos: a Igreja
de Jesus enfrentando desafios para manter e sustentar sua fideli-
dade a seu Senhor, Salvador e Mestre.

113
Devo ressaltar, mais uma vez, que não se trata de consi-
derar tudo existente em nossa sociedade como mau, demoníaco
e anticristão. Infelizmente, muitos há que entendem de forma
equivocada a colocação quanto à sua relação com o "mundo".
Vários aspectos positivos e bons são verificáveis e percebidos em
nossos dias pós-modernos e não se deve, portanto, abominar e
repudiar todos os avanços, desenvolvimento e progresso sob a
alegação de nada prestar, uma vez "que o mundo inteiro jaz no
maligno" (I João 5: 19). Necessário se faz aplicar o princípio en-
sinado por Paulo: "Julgai todas as coisas, retende o que é bom"
(I Tessalonicenses 5: 17).

Após a leitura deste livro, algumas pessoas poderão indagar


acerca de temas não abordados explicitamente, os quais são de-
safios a serem por nós, cristãos, enfrentados. Como exemplos,
encontram-se o problema da injustiça e desigualdade social; a
homossexualidade e o casamento de pessoas do mesmo sexo; os
(1) Xenofobia é palavra de origem novos modelos de família; a xenofobia' crescente; entre outros te-
grega composta de xénos, cujo signi-
ficado é "estrangeiro" mas. Todos os itens citados são subtemas dos assuntos (culturas)
(PEREIRA. 1976, p. 394), e fóbos,
cujo sentido é "aversão, repulsa" tratados nos Capítulos 4 a 15, onde a questão da homossexuali-
(PEREIRA, I976. 616). Portanto,
trata-se da aversão ou repulsa pelo dade se vê inserida na cultura hedonista e relativista; a injustiça
indivíduo estrangeiro, ou seja, es-
tranho ao meu ambiente ou cultura
e a desigualdade social podem ser justificadas no naturalismo ao
(PEREIRA, 1976, 2" parte, p. 310). se aplicar a lei da natureza pela qual as desigualdades são mani-
festas e aceitas; os novos modelos de família podem ser ligados
à cultura do efémero, ou seja, a não fixidez de qualquer modelo;
a xenofobia encontra sua razão de ser no naturalismo, posto não
haver "simpatia pelas rãs no meio das cobras". Assim, nem todos os
pontos puderam (nem poderiam) ser abordados nesta obra, pois
seria um volume demasiadamente grande.

O intento deste livro tem caráter duplo. O primeiro é ofere-


cer a percepção dos fatos que nos cercam e nos comprimem, os
quais se opõem à nossa cosmovisão cristã. O segundo é desper-
tar os cristãos para o enfrentamento de tais circunstâncias e pa-
drões de comportamento cada vez mais divulgados, justificados,
consentidos e assimilados em nossa sociedade e, infelizmente,
em segmentos da Igreja Cristã.

114 O Cristão e os desafios da pás-modernidade


Esperando haver alcançado tais objetivos, encerro afirman-
do que "viver no presente século sensata, justa e piedosamente
(Tito 2: 12) foi, é e sempre será o desafio para nós cristãos. Com
Cristo e em Cristo haveremos de enfrentar e vencer cada um
desses desafios, pois: "Quem nos separará do amor de Cristo?
Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez,
ou perigo, ou espada? [...] Em todas estas coisas, porém, somos
mais que vencedores, por meio daquele que nos amou" (Roma-
nos 8: 35 e 37).

Coniderações Finas 115


Referências Bibliográficas

ALCORÃO Sagrado. Versão portuguesa diretamente do ára-


be por Samir El Hayek, apresentação de S.E. Dr. Abdalla Abdel
Charur Kamel. São Paulo: Tangará, 1979.

ÁVILA, Fernando Bastos de. Introdução à sociologia. 7a ed.


Rio de Janeiro: Agir, 1987.

BARCLAY, William. As obras da carne e o fruto do Espírito.


São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1985.

BAS SARA, Czestaw. Postmodernism's: influence on


thinking. Pszczyna, Polônia: s.d.

BAUMAN, Zygmund. Modernidade Líquida. Rio de janei-


ro: Zahar, 2001.

BERGER, Peter Ludwig. O Dossel Sagrado: elementos para


uma teoria sociológica da religião. 5a ed. São Paulo: Paulus,
2004.

BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. México: La Antor-


cha de Mexico, 1974.
BÍBLIA Sagrada. 2a Edição Revista e Atualizada no Brasil.
Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Barueri:

117
Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã: um esboço histórico da


Idade Média até o presente. São Paulo: Sociedade Religiosa Edi-
ções Vida Nova, 1983.

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos: uma


história da Igreja Cristã. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições
Vida Nova, 1995.

CARSON, D. A. Igreja emergente: o movimento e suas impli-


cações. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2010.

CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento interpre-


tado versículo por versículo. V.2. São Paulo: Sociedade Religiosa
a Voz Bíblica Brasileira, s.d.

CRESPI, Franco. A experiência religiosa na pós modernidade.


-

Bauru: EDUSC, 1999.

CRETELLA JÚNIOR. Novíssima história da filosofia. 2a


ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

DICIONÁRIO escolar inglês-português e português-inglês.


Rio de Janeiro: FENAME, 1980.

DICIONÁRIO latim-português: etimológico, prosódico e


ortográfico. 9a ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, s.d.

DICIONÁRIO moderno da língua portuguesa. 2 v. São


Paulo: EDIGRAF, s.d.

FORELL, George W. Ética da decisão: introdução ao estudo


da ética cristã. São Leopoldo: Sinodal, 1973.

GALVEZ, Carlos. Manual de economia política atual. 13a


ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 1993.

GIDDES, Anthony, BECK, Ulrick, LASH, Scoth. Moderni-


zação reflexiva: política, tradição e estética na ordem social mo-
derna. São Paulo: UNESP, 1997.

118 O Cristão é os desafios da pás-modernidade


GONZALEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianis-
mo. V. 4: A era dos altos ideais. São Paulo: Sociedade Religiosa
Edições Vida Nova, 1981.

GOUVÊA, Ricardo Q. A Morte e a Morte da Modernidade:


Quão Pós-moderno é o Pós-modernismo? Fides Refirmata,v. 1,
n. 2 jul.-dez. 1996

HISTORIA da filosofia. (Coleção Os Pensadores) São Pau-


lo: Nova Cultural, 1999.

HUNT, Dave ; McMAHON, T. A. A sedução do Cristianismo:


discernimento espiritual dos últimos dias. Porto Alegre: Obra
missionária chamada da meia-noite, 1985.

JOLIVET. R. Curso de filosofia. 18. ed. Rio de Janeiro: Agir,


1990.
KOHL, Manfred W., BARROS, Antônio Carlos (Orgs.). A
igreja do futuro. Londrina: Descoberta, 2011.
LEITE, Cláudio Antônio Cardoso e Orgs. Cosmovisão cristã
e transformação: espiritualidade, razão e ordem social. Viçosa:
Ultimato, 2006.

LIDÓRIO, Ronaldo. Antropologia cultural: a antropologia


aplicada ao estudo das culturas; diversidade, significado e ações
missionárias. Texto de curso de Linguistica, Antropologia e
Educação em contextos interculturais ministrado na Universi-
dade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.

LIPOVETSKY, Guies. Os tempos hipermodernos. São Paulo:


Barcarolla, 2004.

MULLINS, Edgard Young. La religion cristiana em su expres-


sion doctrinal. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones,
1968.

NIETZSCHE, Friederich. Para além do bem e do mal. São


Paulo: Martin Claret, 2005.

Referências Bibliográficas 111


11 1 1 262018
9 788566 1 01 >
Ofício ric 001/2016/0ABPREV-MG

Belo Horizonte, 15 de abril de 2016

Aos Excelentíssimos Senhores Conselheiros


Conselho Fiscal
OABPREV- BH -MG

Assunto: Exibição de documentos

Senhores Conselheiros.

Servimo-nos da presente para notificar que os documentos solicitados


pelo Conselho Fiscal em Ata na 1° Reunião Extraordinária, realizada em 23/03/2016,
estão disponíveis para consulta a partir do dia 15/04/2016, na sede da Entidade
durante o horário de funcionamento, de Segunda-feira à Sexta-feira de 08:00 às 18:00.
Os mesmos não poderão ser consultados fora do local supramencionado, tão pouco
copiados.

O objetivo é a garantia de que os arquivos estejam acessíveis somente às . •

pessoas autorizadas, visando à proteção das informações confidencia is •

disponibilizadas.

Sendo assim, solicitamos a todos a assinatura do competente termo de


confidencialidade disponível no ato da consulta

Ao ensejo, manifestamos protestos de elevada consideração e apreço. . . .

Atenciosamente,

Antônio Nohmi •

Presidente do Conselho a o

Prev
. .

OABPREV-M
48PREV.COM.BR .

Getic . •3Y.Conj. 1701 . Funcionários . BH/MG . 30112-021 .31 2125 6400 AC-AP-ES-MA-MT-MS-MG-DF-PA-RO-RR

S-ar putea să vă placă și