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Ao se ter contato com o trabalho do autor decolonial Aníbal Quijano (2005), percebe-
se a centralidade da ideia de raça, principalmente no que tange à formação das estruturas de
poder, pois fica possível identificar, que ao longo do tempo, o conceito de raça foi engajado,
justamente, para dar forma a tais estruturas. Neste aspecto, o que é destacado por Quijano é de
extrema importância para elucidar a relação entre raça e o sistema liberal capitalista
contemporâneo. Tal sistema, só foi possível graças ao início da empreitada colonial nas
Américas, pois é partir do marco de Colombo, que foi possível constituir o capitalismo
moderno eurocentrado como o novo padrão de poder mundial. O engajamento do conceito de
raça se explicita, neste contexto, pois o eixo fundamental de tal padrão de poder é a
classificação social da população do mundo de acordo com a ideia de raça, fato que implica
em um elemento de colonialidade neste padrão de domínio hegemônico (QUIJANO, 2005).
Seguindo este pensamento, vê-se que outro elemento constitutivo das relações frente a
este padrão colonial, além da separação da população mundial frente ao parâmetro de raça,
segundo Quijano (2005), foi a articulação e controle do trabalho em torno do capital e do
mercado mundial. Deste modo, mesmo que a classificação racial e o estabelecimento do modo
de produção (com suas devidas relações de produção) sejam fatores sistemáticos, porém
distintos, é graças à instauração do padrão de poder colonial que tais elementos se relacionam,
havendo assim uma divisão racial do trabalho. Conforme novas identidades foram sendo
produzidas, a partir da conotação racial (negros, índios, europeus), estas foram sendo
associadas a um tipo de relação de produção. Desta forma, mais do que apenas expressar
raça, a identidade indígena, por exemplo, implicava em uma “mão de obra descartável”
(QUIJANO, 2005), não assalariada, abaixo na pirâmide da burocracia colonial.
A ideia de raça, neste aspecto, em seu conceito específico, foi engajada de modo a
“outorgar legitimidade” à imposição da conquista colonial, a partir da formação de um
discurso, na qual o binarismo inferior/superior, se relacionava, respectivamente, à dicotomia
colonizado/colonizador. A ideia de raça e sua diferenciação serviram para naturalizar o que
era propagado por este discurso colonial. Além disso, conforme a expansão colonial foi
ocorrendo, a perspectiva eurocêntrica do conhecimento foi se moldando, assim, mais do que
referente à produção do discurso de poder, a ideia de raça foi teorizada pelos europeus frente
aos povos conquistados.
Neste ponto, recorre-se à Sankaran Krishna (2003), quando o autor afirma que as
abstrações, referente aos termos utilizados pelas Relações Internacionais, não são inocentes
das concepções de poder. A tradição teórica dos estudos internacionalistas apenas demonstra a
fugacidade perante a necessidade de historização, de termos, como Estado, propriedade,
soberania e também raça. Tais conceitos não estão dispostos aleatoriamente no conjunto
metodológico e epistêmico das Relações Internacionais, mas foram construídos perante a
certo contextos que expressam a dimensão do poder e o caráter eurocêntrico da racionalidade
que envolve a disciplina.
Deste modo, ampliando a perspectiva eurocêntrica sobre a ideia de raça e se
elaborando com isto a dicotomia entre inferioridade e superioridade, a diferenciação racial se
mostrou o mais eficaz meio universal de dominação social (QUIJANO, 2005), e isto em todos
os campos: desde o controle do trabalho, até o controle das formas culturais de
intersubjetividade e noções de conhecimento. Houve uma colonização, segundo Quijano
(2005) das percepções subjetivas até mesmo de sentir as experiências materiais e a cultura.
Desta forma, ao olhar-se de forma cruzada para o que expressa Aníbal Quijano (2005), sobre
o controle exercido por este novo padrão de poder e o que aponta Sankaran Krishna (2003)
para a elaboração pontual de certos termos e o racismo nas Relações Internacionais,
recordamos do termo epistemicídio[1], trabalhado pelo autor Boaventura de Souza Santos e
relembrado por Ramon Grosfoguel (2016) in “A Estrutura do Conhecimento nas
Instituto de Relações Internacionais
(2013) irá, então, defender, uma nova hermenêutica da visão abolicionista, que coloca o negro
como protagonista da sua própria libertação, via redenção.
Quando Sankaran Krishna (2003), por elucidação dos estudos de Edward Said, oferece
o instrumento da contrapontualidade, faz-se perceber que o autor também se coloca em um
esforço hermenêutico que repense os termos das Relações Internacionais. A universalidade
dos termos, algo que segundo Abdias do Nascimento (1980) fere a emancipação negra, frente
às categorias epistêmicas de RI, tal como o Estado Nação, faz com que não se veja a
construção dialética destes conceitos e das identidades que se formam ao redor deles. Aníbal
Quijano (2005) ao formular seu pensamento sobre a criação do Estado Nação da América
Latina, tenta elucidar estas questões ao perceber o paradoxo de Estados independentes, mas
enraizados politicamente nas estruturas coloniais.
O desafio hermenêutico posto por Shilliam (2013) de ver o esforço negro frente a sua
libertação choca com as concepções coloniais postas pelo novo padrão de poder citado por
Quijano (2005). Desta forma, assim como as questões levantadas por Krishna (2003), para se
repensar a epistemologia das Relações Internacionais, isto reflete o verdadeiro esforço de
colonial de resgate as raízes esquecidas e rompidas pelo conhecimento colonial e a
descolonização das mentes para o entendimento das estruturas de poder. O exemplo mais
prático desta ação pode ser revelado na práxis do Quilombismo, explorada por Abdias do
Nascimento (1980). No âmbito da luta social, anti-imperialista o quilombismo coloca-se
como uma ação libertadora através da reorganização da sociedade pelo regate da memória e
empoderamento dos atores, antes oprimidos.
Vê-se que a raça, estando na centralidade da estrutura de poder que compõe a ordem
capitalista mundial moderna, possibilita a formação do discurso colonial em binarismos, na
qual restringe a história e sua construção à uma Europa moderna, civilizada “universal”. Com
isso, se é colonizado não só as estruturas materiais da sociedade, mas também a concepção
dos saberes. Desta forma, por mais que seja possível pontuar o fim formal do colonialismo, os
elementos de colonialidade ainda se fazem enraizados na estrutura de poder, sobre as quais os
atores das Ralações Internacionais pautam suas ações e, não obstante, a raça continua ser um
elemento categorizador da sociedade. Isto pode ser vislumbrado na ação do Estado Brasileiro,
para com o continente africano, que mobiliza tal artefato discursivo a fim de traçar pontes
estratégicas.
com o racismo vigente em sua sociedade, mobilizou a ideia de democracia racial perante as
ações de política externa no continuem africano.
Em um movimento de se desvencilhar das críticas levantadas sobre as relações
transatlânticas e após os anos 80, devido às crises econômicas e o fechamento do Brasil para o
embalsamo neoliberal, as relações Brasil-África passaram por uma grande mudança. Sobre
grande influência do governo Lula, o Brasil trocou o discurso da mestiçagem, para a aceitação
de certos quadros de desigualdade, o que fez ser possível emergir ações afirmativas, tais como
as cotas universitárias e traçar novas relações com a África através de um ideal de ação
horizontalizada sobre orientação da cooperação Sul-sul. (CICALO, 2012).
Neste contexto, o país, como grande potência emergente, precisou do continente
africano para reproduzir seu prestígio internacional e sua liderança, ao passo que os alguns
países da África começaram a atender o Brasil como extensão de sua representatividade em
órgãos como a OIT e FMI.
Contudo, esta mudança de discurso e redefinição de postura a cerca da negritude não
conseguiu apagar por completo o arcabouço colonial, ainda existente no país. A ponte com o
continente africano ainda recai sobre a observância de um Brasil com espaços de poder
altamente racializados, vinculados à branquitude. No entanto, o discurso de que o Brasil é
“the main African nation ourside África”[3] acolhia a necessidade dos diplomatas, além dos
próprios políticos que favoreciam a criação de um cenário nacional, no qual o Brasil reforçava
sua “negritude”, através de políticas públicas, que por exemplo, conclamavam o estado da
Bahia como representante do berço africano no país.
Neste sentido, se nos anos sessenta a presença inexorável da mistura racial era
necessária a prevalência de um diálogo com a África, recentemente, os atores de política
externa brasileiros tentam maquiar a ambiguidade grave, entre o discurso de harmonia racial e
a presença obscura do Brasil no passado escravocrata. Com isso, a palavra da mistura racial é
transformada em pedido de desculpas, como evidenciado nos dizeres do presidente Lula: “o
Brasil tem um débito com África” [4].
Mobilizando seu passado colonial frente às relações raciais no cenário nacional, foi
possível perceber a criação de um discurso sobre o qual o Brasil, por ventura deste “débito
com a África”, teria a necessária função de intervir com a cooperação no continente. Dessa
forma, o país se apresentaria como aquele capaz de levar ajuda estrutural, para a promoção da
modernidade africana, além de sua própria cultura, pois Cicalo (2012) afirma que se antes a
herança africana era uma ferramenta para atuação no continente, atualmente segue-se a ideia
de que o Brasil, ao intervir, poderia ensinar para África algo sobre seu próprio passado.
Evidenciar este aspecto é fundamental para se perceber os elementos de colonialidade ainda
dispersos nas relações internacionais. Ao demarcar por esses termos suas atividades no
continente africano, o Brasil atua de forma igualmente imperialista com os pressupostos ação
da teoria da modernização.
Dessa forma, por mais que as relações raciais sejam uma pauta do dialogo
transatlântico brasileiro, vê-se que a postura brasileira da política externa não atua para o
questionamento de realidade nacional, mesmo pairando sobre da democracia racial e de Brasil
de regate a negritude.
A viagem transatlântica das relações Brasil e África, feita por André Cicalo (2012),
permite-nos extrair que a construção da identidade nacional por uma realidade racial
brasileira, tanto no cenário externo, quanto interno, emerge e modifica-se perante os
incentivos estratégicos advindos do continente próximo, além de encontrar obstáculos devido
a um racismo camuflado por uma história que passa da colonização até a escravatura, fazendo
a ideia de cooperação, que atravessa o Atlântico, necessitar de uma avaliação crítica uma vez
revela relações raciais desiguais e embriagadas por um discurso civilizatório. Logo a
Instituto de Relações Internacionais
“negritude” brasileira não se torna uma realidade vigente e sim apenas discursos proferidos
em prol dos benefícios estratégicos do Brasil para com a “Mãe África”.
Conclusão
A conclusão que se chegou ao se desenhar esta pesquisa foi que o aspecto racial, tido
como padrão organizador da ordem internacional vigente, ainda influencia muito das ações
dos atores neste ambiente. O Brasil ao redefinir suas ações com o continente africano a partir
da elucidação deste conceito, no seu discurso de política externa, acaba por se colocar como
agente perpetuador das instâncias coloniais de poder, nas quais se baseiam os padrões
políticos e sociais contemporâneos. A análise das relações Brasil/África, oferece uma boa
perspectiva sobre as quais se pode identificar como as ações de política moderna ainda
carregam em seu âmago, elementos de colonialidade, sendo possível dar continuidade a
hierarquias, tal como a divisão Norte e Sul global.
Referências
CICALO, André. Brazil and its African mirror: discussing ‘Black’ Approximations in the
South Atlantic. Working Paper Series, Berlim, 2012. Disponível em:
<http://www.desigualdades.net/Resources/Working_Paper/WP_24_Cicalo_ONLINE.pdf>.
Acesso em: 23 jun. 2017.
NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978.
[2] CICALO, André. Brazil and its African mirror: discussing ‘Black’ Approximations in the
South Atlantic. Working Paper Series, Berlim, 2012. Disponível em:
<http://www.desigualdades.net/Resources/Working_Paper/WP_24_Cicalo_ONLINE.pdf>.
Acesso em: 23 jun. 2017. p.2.
[3] CICALO, André. Brazil and its African mirror: discussing ‘Black’ Approximations in the
South Atlantic. Working Paper Series, Berlim, 2012. Disponível em:
<http://www.desigualdades.net/Resources/Working_Paper/WP_24_Cicalo_ONLINE.pdf>.
Acesso em: 23 jun. 2017. p.14.
[4] LULA apud CICALO, André. Brazil and its African mirror: discussing ‘Black’
Approximations in the South Atlantic. Working Paper Series, Berlim, 2012. Disponível em:
<http://www.desigualdades.net/Resources/Working_Paper/WP_24_Cicalo_ONLINE.pdf>.
Acesso em: 23 jun. 2017. p.20.