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Resumo
Este artigo pretende discutir alguns questionamentos e reflexões referentes à temática tratada
no Fórum “A Epistemologia do Ensino Coletivo” realizado no VI Encontro Nacional de
Ensino Coletivo de Instrumento Musical, em Salvador (BA), partindo dos conceitos fundantes
das práticas pedagógicas e da sua história recente no Brasil. Defende-se a nomenclatura
Ensino Coletivo de Instrumento Musical no sentido de organização epistemológica e política
de área.
Introdução
A figura do músico ao longo da história é permeada por mitos e crenças que o retrata
como um ser “diferente”, com “dons especiais”, quase “fora” do mundo real. Comumente
expressões como: “o artista/músico vive no mundo da lua”; “o músico é um ser especial, de
outro mundo” são utilizadas para caracterizá-lo.
O poder mágico da Música é rememorado por Schafer (2001) quando nos traz o mito
do sacerdote Srosh que representa o gênio da audição na religião de Zoroastro e se postava
entre o homem e o panteão dos deuses, ouvindo as mensagens divinas para transmitir à
humanidade. O autor relembra ainda, dois mitos de criação da Música: o primeiro trazido por
Homero, que discorre sobre Hermes e a Lira utilizando a carapaça de uma tartaruga como
caixa de ressonância para produzir os sons; o segundo trazido por Píndaro, em outra versão do
surgimento da música, nas “Doze odes píticas” discorre que a arte de tocar o aulos foi
inventada por Palas-Atena que, após a decapitação de Medusa, criou o nomos para conter o
choro das irmãs.
Nota-se aí que a música é associada ao sobrenatural, ao mágico, à iluminação e os
músicos são retratados como portadores de qualidades (sobre)naturais que por muitas vezes
atuavam como um Demiurgo ou seja, como a criatura intermediária entre a natureza divina e a
humana.
Da sacralização da arte e do artista, do artista-mago - iniciado nos segredos das artes e
nos mistérios - ao virtuose, forjado por meio de uma formação tecnicista e conservatorial,
pode-se afirmar que a figura do músico está ligada ao domínio de um conhecimento que
poucos têm acesso ou “dom” para executá-lo.
Os Conservatórios de Música foram criados a partir do culto aos valores do passado,
ou seja, da necessidade de “conservar” os conhecimentos considerados relevantes, onde
disseminou-se o conceito clássico de cultura, ou seja, cultura como sinônimo de civilização: a
teóricos a partir do conceito de Teoria Aplicada 1 e tem como premissa a música como
conhecimento fundamental para o desenvolvimento integral do ser humano, ou seja, todos nós
somos seres musicais.
Apesar das metodologias de ECIM focarem o aspecto de formação
musical/instrumental com base da repetição, por vezes, destina-se pouco espaço para
improvisação e criação. Porém, constata-se que as práticas e concepções do Ensino Coletivo
trazem múltiplos processos, objetivos, possibilidades e resultados.
sistematizada pelo Professor José Coelho de Almeida foi responsável por sua difusão em São
Paulo, formando várias bandas, instrumentistas e professores que criaram novas práticas
pedagógicas que resultaram em novos métodos, como é o caso do “Da Capo” de Joel
Barbosa, que por sua vez influenciou e influencia o trabalho de outros nomes do ECIM, como
Marcelo Eterno Alves – Coleção Tocar Junto: Ensino Coletivo para Banda Marcial e Marco
Antônio Toledo Nascimento. Na área de Cordas, a sistematização apresentada por Alberto
Jaffé nos anos 70 é igualmente responsável pela formação de várias orquestras e
instrumentistas no nordeste do país, em decorrência da Experiência de Fortaleza-CE em 1975
e em São Paulo, a partir da experiência no SESC. Um de seus discípulos, João Maurício
Galindo, sistematizou um método de cordas baseado na experiência com Jaffé e foi um dos
responsáveis pela implementação da metodologia de Ensino Coletivo de Cordas no Projeto
Guri, em São Paulo no final dos anos 90.
Na década de 90, ocorreu o “boom” das ações ligadas ao terceiro setor. Vários
projetos sociais surgem no Brasil, ligadas às Ong’s – Organizações não governamentais e que
têm na música e no ensino coletivo sua principal vertente: Projetos Axé e Pracatum (BA),
Projeto Guri, Instituto Baccarelli e Meninos do Morumbi (SP), Projeto PIM, VillaLobinhos e
Afroreggae (RJ) são exemplos pioneiros, entre outros.
Um marco para a institucionalização das práticas de ensino coletivo e sua aceitação no
meio acadêmico também se deu nos anos 90, por meio das Oficinas de Música – Projeto de
Extensão ligado a Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, na cidade de Salvador
e oferecia oficinas como: “Iniciação Musical com Introdução ao Teclado” (IMIT) com Alda
de Oliveira; “Oficina de Piano” com Diana Santiago, “Oficina de Sopros” com Joel Barbosa e
“Oficina de Violão” com Cristina Tourinho e Robson Barreto, entre outros.
Outro marco importante para a organização da área, o compartilhar de experiências e
dos resultados de pesquisas foi com a criação do Encontro Nacional de Ensino Coletivo de
Instrumento Musical – ENECIM.
No Brasil, no início dos anos 2000 identificamos a terminologia “Piano em grupo” nos
trabalhos de Maria de Lurdes Junqueira Gonçalves, Maria Inês Diniz, Diana Santiago, Maria
Isabel Montandon; “Violão em Grupo” no trabalho de Ana Cristina Tourinho; “Violoncelo
em grupo” no trabalho de Abel Moraes. Na mesma época, as metodologias que utilizavam
variados instrumentos usavam a nomenclatura “Ensino Coletivo”: “Ensino Coletivo de
Cordas”, Alberto Jaffé, José Leonel Gonçalves Dias, Enaldo Oliveira, João Maurício Galindo;
“Ensino Coletivo de Sopros”, José Coelho de Almeida, Joel Barbosa, dentre outros. Ainda, o
termo “Ensino Coletivo” já era difundindo em importantes projetos: Guri (1995, São Paulo),
Projeto de Extensão Oficinas de Música da UFBA; Projeto de Extensão Oficinas de Música
da UFG.
Na dissertação de mestrado (Cruvinel 2003 e 2005) cunhamos o termo “Ensino
Coletivo de Instrumento Musical” – ECIM por entender que o termo funcionaria (e funciona!)
como “guarda-chuva”, unificando as práticas de ensino-aprendizagem em grupo,
contemplando todos os instrumentos musicais, metodologias e técnicas de ensino.
Outra questão relevante para a classificação refere-se que grande parte dos processos
pedagógicos que envolvem uma classe ou grupo no Ensino Coletivo é realizada por mais de
um professor, sendo assim, tanto o ensino quanto a aprendizagem se dão no coletivo. Mesmo
quando apenas um professor atua diretamente com os grupos, mais comumente quando se
trata de Ensino Coletivo Homogêneo 2 , acredita-se que por meio do Ensino Coletivo o
professor atua como um mediador da prática pedagógica, onde os alunos passam da postura
passiva para ativa (Galindo, 2000; Cruvinel, 2003), não raro, ajudam e ensinam conteúdos e
técnicas para seus colegas.
Em 2004, com a realização do I ENECIM – Encontro Nacional de Ensino Coletivo de
Instrumento Musical, o termo ECIM - Ensino Coletivo de Instrumento Musical foi
popularizado, bem como seus desdobramentos.
Pensa-se que o termo ECIM, como termo guarda-chuva, fortaleceu e fortalece
politicamente os educadores musicais que atuam por meio destas metodologias, fomentando
uma identidade. Nota-se que a partir desta organização e da realização de seis ENECIM em
2
O ECIM pode acontecer a partir do mesmo instrumento - Ensino Coletivo Homogêneo, ou com instrumentos
diferentes – Ensino Coletivo Heterogêneo. Vide Cruvinel (2003/2005).
uma década, a temática vem sendo discutida e pesquisada, fortalecendo as práticas no sentido
de organização política e construção de conhecimento.
Reflexões
A partir da experiência pedagógica, leciono desde 1994 por meio do ensino coletivo e
de pesquisas na área, penso que o objetivo primordial do ECIM é a iniciação musical por
meio da prática instrumental em grupo, visando à formação ampla do indivíduo: ética,
estética, social e política. Acredito que este deve ser o foco das metodologias de ensino para
uma educação musical voltada para a formação do ser humano-cidadão do século XXI.
O ECIM constitui-se em uma tentativa de democratização do acesso à educação musical
e é praticado em variados espaços: Ensino Formal (Educação Básica e especializada) e Ensino
Não Formal (Espaços Alternativos).
Nota-se que o ECIM está ligado à mudança de concepções, conceitos, práticas e por que
não, a paradigmática no que se refere ao ensino tradicional de instrumento musical, se
fazendo necessário o compartilhamento de experiências e de conhecimento como base para
seu desenvolvimento. Sendo assim, é parte fundamental no processo de consolidação das
metodologias de ECIM e consequente difusão, a formação de professores atentos ao contexto
atual, que a partir de uma gama de conhecimentos gerais e específicos, saiba “ler o mundo”,
lembrando Paulo Freire e formular propostas pedagógicas para cada espaço e grupo
específico.
O investimento em pesquisas para mapear as práticas pedagógicas e os espaços de
atuação, quem são os educadores musicais atuantes e como se dão as formações destes, são
algumas questões que constituem no desafio para a adequação dos currículos dos cursos de
licenciatura em música. Pensa-se que a partir da disseminação de metodologias de ECIM nas
suas variadas vertentes poder-se-á contribuir para a democratização do acesso do cidadão
comum à educação musical.
Referências
CRUVINEL, Flavia Maria. Educação Musical e Transformação Social: uma experiência com
o ensino coletivo de cordas. 1. ed. Goiânia: Instituto Centro-Brasileiro de Cultura, 2005.
256p.
FONTERRADA, Marisa. De Tramas e Fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo:
Editora da Unesp, 2005, 346p.
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. São Paulo: Editora UNESP, 2001, 381p.
a discussão: Quem pode fazer Música?