A RELIGIOSIDADE COMO VETOR DO TURISMO: CONGRUÊNCIA OU
CONTRADIÇÃO
A atividade humana busca e persiste em compor de sentidos ao mundo que o
rodeia. Além do exercício do trabalho como forma de transformar a natureza e a si, o ser humano possui necessidades psicológicas, sociais e culturais que são formuladas e ressignificadas cotidianamente. O ato de conhecer compreende-se no momento em que captamos as diversas experiências do cotidiano e construímos uma projeção inteligível da realidade. Sendo assim, a concepção de mundo, a realidade e sociedade se moldam por meio de um processo histórico-cultural e social.
O turismo visa satisfazer e proporcionar as experiências humanas em um conjunto
de atividades em subsistemas diversos. Para Almeida e Pinto (2017), a experiência turística deve buscar proporcionar uma experiência autêntica e emancipadora onde possa relacionar os aspectos patrimoniais e comunitários. Diante da “Era do Vazio” (LIPOVETSKY, 2005), onde o indivíduo se constitui enquanto sujeito indeterminado e fluído, o sentido histórico perde espaço para o imediatismo, isto é, a supremacia do presente, em função do passado e do futuro. Para os autores, o turismo deve oferecer uma perspectiva de espaço de vivência que proporcione a emergência da consciência do usuário. Para Moaes (2013), o turismo deve ser compreendido enquanto fenômeno social, econômico e cultural. As conexões que estabelecem estas intepretações constroem inúmeras perspectivas das possibilidades turísticas. Nos textos analisados, (ALMEIDA E PINTO, 2017; MOAES, 2013; RIBEIRO e EDIVGES, 2016; ALVES, 2013) o enfoque da análise procurar relacionar o turismo cultural com as manifestações religiosas, decifrando as possibilidades e distanciamentos. Para os autores, o incremento do religioso dentro do turismo possibilita reforçar os valores tradicionais da comunidade, de forma que estimule a preservação e renovação da identidade local.
A identidade, o sentimento de pertencimento e o acúmulo de tempos e histórias
individuais constituem e dão forma ao lugar. Este guarda o seu significado em si e realça as dimensões do movimento da história, captados pela memória, através dos sentidos. Existem uma variedade de relações e especificidades na produção espacial global. Lefebvre apud Carlos (1996, pág. 31) afirma que: Os lugares tanto se opõem como se completam ou se reúnem o que introduz uma classificação por topias (isotopias, heterotopias, utopias, quer dizer lugares contrastantes), mas também e, sobretudo, uma oposição altamente pertinente entre os espaços dominados e apropriados.
Para Le Goff (1994), a memória coletiva fundamenta a identidade de um grupo ou
comunidade, normalmente se associa a um acontecimento o retrato do seu passado. A partir dos relatos de suas memórias, mitos e noções de espaço, é possível estabelecer novas possibilidades de investigação. A identidade cultural está intrinsecamente relacionada à identidade com o lugar BUTTIMER (1982). Em Cananéia, no litoral paulista, o turismo representa uma das principais fontes do desenvolvimento social e econômico, como também como forma de consolidação de uma identidade cultural. Para Moaes (2013, pág. 15):
O incremento do turismo religioso, em determinado destino turístico, faz sentir
que valores agregados a tais tradições podem servir como estímulo não só ao desenvolvimento econômico, mas também à renovação do orgulho e da identidade local.
Mesmo com as mudanças ocorridas dentro da festa do Divino Espírito Santo de
Cananéia, a comunidade mantém fortes laços com a manifestação religiosa e cultural. As dimensões culturais, emocionais, políticas e biológicas permitem ao indivíduo construir inter-relações com o lugar. Mesmo diante das transformações realizadas, para o indivíduo e para a comunidade, as características que constituem a identidade com o lugar ressignificam a partir do resgate da memória. “Quanto mais profundamente se está dentro de um lugar mais forte a identidade com ele” (FERREIRA, 2002, pág. 48). Tais mudanças podem ocorrer por distintos fatores e pela intervenção de diversos atores. A própria reconfiguração das relações entre as políticas públicas para o turismo reorientou a práticas das manifestações religiosas. Por um lado, há um incentivo do Estado que busca consolidar politicamente sua presença na região, bem como estimular o desenvolvimento social e econômico. Por outro lado, encontra-se a posição das Igrejas ou/e grupos religiosos dos mais variados que vê o turismo religioso como instrumento de evangelização (ALVES, 2013).