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Betty Bernardo Fuks

Adeus a Jacques Derrida

O presente artigo é uma homenagem a Jacques Derrida, falecido no mês de outubro


de 2004 em Paris. A partir do comovente discurso – “Adieu” – pronunciado pelo
filósofo durante a cerimônia fúnebre de seu amigo e mentor intelectual, Emmanuel
Lévinas, em 1995 no cemitério de Pantin, procura-se perscrutar as afinidades entre
estes dois grandes expoentes da filosofia contemporânea, e refletir sobre a riqueza
e importância das contribuições de Derrida para o campo psicanalítico.
> Palavras-chave: A-deus, santo, retidão, mal de arquivo, pulsão de morte

This article is in homage to the philosopher Jacques Derrida, who died in October 2004,
based on the moving speech entitled “Adieu,” given by Derrida himself at the funeral
of his friend and intellectual mentor Emmanuel Lévinas, in 1995, at the Cemetery
of Pantin. The affinities between these two great exponents of contemporary
philosophy are examined here and the importance of Derrida’s contributions to the
field of psychoanalysis is discussed.
artigos > p. 32-39

> Key words


words: “A-dieu”, saint, dignity, archive disease, death drive
pulsional > revista de psicanálise >

Para Chaim Katz,


em cujo coração brilham muitos pensamentos
ano XVIII, n. 182, junho/2005

Chegara o momento do enterro de Emma- quem se tornara discípulo, admirador e ami-


nuel Lévinas. Jacques Derrida, com a voz go. Admiração e amizade profundas e silen-
embargada e olhar marejado de lágrimas, ciosas, como todos os grandes sentimentos
presta homenagem ao grande pensador de destinados a durar a vida inteira e a trans-
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cender a morte. A culpa de permanecer Para avançar no entendimento desta propo-
vivo, uma culpabilidade sem falta ou dívida, sição, é preciso lembrar a leitura levinasia-
situada para além da facticidade da morte, na do termo hebraico aplicado a Deus,
se transforma em “responsabilidade confia- Kadosh, que se traduz por santo. O filósofo
da”. Sim, uma responsabilidade herdada em demonstrou, ao longo de sua obra, a distin-
responder por; “de assumir por um outro, no ção necessária de se fazer entre a sacralida-
lugar, em nome de um outro ou em seu de e a santidade para pensar o Outro.
nome como outro, frente a um outro, e um Etmologicamente, a palavra kadosh signifi-
outro do outro, a saber, o inegável mesmo da ca separado, de maneira que Kadosh signi-
ética” (Derrida, 1995, p. 18). fica, indistintamente, o santo, o separado. O
O pensamento de Lévinas é o fio condutor santo designa algo infinitamente separado
do discurso enunciado como sendo uma res- de tudo o que é comum, de tal forma que a
posta à “questão-oração”, o adeus frente à inscrição do nome de Deus seria a inscrição
morte. Derrida iniciava seu doloroso traba- originária da diferença. Essa inscrição não é
lho de luto, impedindo-se de desviar sua o limite daquilo que se conhece, mas, ao
fala daquilo que para o filósofo da outrida- contrário, é o pressuposto para pensar o im-
de era lei – o apelo ao outro –, a única re- possível, o indizível, o impensável.
sistência possível à absorção do Outro pelo Mas a palavra kadosh é também atribuída
Mesmo. O dizer adeus ao amigo que fez res- ao homem, aos que foram feitos, segundo a
soar dentro da filosofia ocidental a especi- narrativa bíblica (Gênesis, 1: 26-27), à ima-
ficidade da ética – a relação com o outro –, gem e semelhança de um Deus que não ad-
deu origem ao livro Adieu à Emmanuel Lévi- mite imagem. Essa antinomia – identificação
nas. Ao longo do texto a ambigüidade da pa- à ausência de imagem – estabelece que o
lavra adeus – adieu – revela pelo menos homem, sendo santo e separado, é também
três sentidos: 1. saudação no encontro (Olá, irredutível a qualquer representação fixa e
Te vejo); 2. saudação de separação ou de imutável (Levítico, 19: 2). Há sempre algo
artigos

morte; 3. o a-deus, a saudação do para Deus, que escapa a seu próprio espelho, a epifania
ou o diante de Deus para além do ser, an- do rosto, o que está para além do idêntico e
tes de tudo e em toda relação ao outro, em que não se transforma em conteúdo. O ros-
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todo outro adeus. Neste sentido, toda a re- to do outro resiste a qualquer dominação,
lação com o outro seria, antes e depois de impondo ao sujeito a responsabilidade de
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tudo, um a-Deus (Haddock Lobo, 2002, p. seguir a significação do rastro, la trace, que
118). Para-álem ou para-aquém da existên- aparece junto à própria epifania. Aqui não
cia de Deus, “... fora de sua provável impro- se trata de um desvelamento ontológico: a
babilidade, até no ateísmo mais vigilante tarefa de rastrear implica um desordena-
senão o mais desesperado” (Derrida, 2004, mento irreversível, no qual o para além do
p. 124), o dizer a-deus significa acolher o ou- eu, de onde o rosto do outro provém, apare-
tro em sua alteridade. ce no rastro do absolutamente ausente. A

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alteridade, o absolutamente outro, exige a levando ao outro e não um eterno retorno
vocação de acolher o inesperado, o de fora, a si” (Lévinas, 1968, p. 79). Para Lévinas,
o estrangeiro, aquele que traz estampado no esta passagem bíblica é signo de uma “iden-
rosto a desordem da temporalidade, a trans- tidade” situada mais além do idêntico, tra-
cendência. duz-se como movimento de retidão absoluta
Feito esse esclarecimento, voltemos à des- para o Outro, e delineia-se numa configura-
pedida de Derrida, ao momento em que se ção ética que implica, necessariamente, a
aproxima do morto, despido de defesas. Com relação com Outrem.
a simplicidade das palavras nuas, inermes Mas quem é Outrem? A resposta encontra-
mos em Blanchot, com quem Lévinas
como a sua dor, ele expressa o desejo de di-
manteve a cumplicidade exemplar de pen-
zer adeus ao amigo, chamá-lo por seu nome
samento. Ao reencontrar Esaú, Jacó diz ao
e sobrenome, falar diretamente ao outro
irmão gêmeo:
com retidão, antes mesmo de falar dele e de
lembrar, a todos os presentes, o que Lévinas Eu vi seu rosto como se vê o rosto de Deus.
havia ensinado sobre a palavra “à -Dieu”. “O que há de notável nesta frase”, diz Blanchot,
“é que Jacó não diz a Esaú ‘Eu acabo de ver
Retidão. Em Quatro lições talmúdicas, o filó-
Deus como te vejo’, mas ‘Eu te vejo como se
sofo traduz o sentido deste termo como aqui- vê Deus’. Isso confirma a maravilha da presen-
lo que “nomeia o que é mais forte do que a ça humana, esta Presença Outra que é Outrem,
morte” (Lévinas, 1968, p. 105). Trata-se de não menos inacessível, separado e distante
uma alusão ao único herói bíblico capaz de que o próprio Invisível, o que confirma igual-
suportar a violência do encontro com o In- mente o que há de terrível nesse encontro cujo
cognoscível. Jacó (Ya´aqov em hebraico, cuja resultado só pode ser o reconhecimento ou a
raiz – aqev – significa calcanhar, o que está morte. Quem vê Deus corre perigo de morrer.
Quem encontra Outrem apenas pode se dirigir
em contato com a terra), na noite anterior
a ele pela violência mortal ou pelo dom da pa-
ao encontro com Esaú, torna-se um outro. lavra em seu acolhimento. (Blanchot, 1986, p. 118)
Depois de lutar com o Estrangeiro que o atin-
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ge na coxa, recebe a bênção divina, por ter A arte que permitiu Jacó salvar sua vida, foi
prevalecido sobre Deus e os homens, e ga- a da hospitalidade sem reservas às palavras,
a capacidade de falar, chamar e responder e,
nha um novo nome: Israel (cuja raiz, yachar-
igualmente, ouvir. Essa recepção, inserida
el, significa endereçar-se com retidão,
no coração do Gênesis, é, em geral, usada
diretamente à-Deus, para Deus) (Gênesis,
como metáfora da transmissão.
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32: 25-30). Um comentário talmúdico diz que A confiança no futuro de uma obra, o aco-
neste momento acontece uma passagem: lhimento de sua alteridade irredutível, a es-
Jacó/Israel, desenraizado, sem os pés na ter- critura, exigem do sujeito um movimento
ra, se endereça ao que está para além do paradoxal: fidelidade e traição. Obediência
ser: a inquietude do desconhecido. A “reti- diferida, obediência retrospectiva ao autor.
dão” de Jacó, ao receber o nome Israel no- Um re-começar a pensar, a re-descobrir os
meia a “urgência de uma destinação temas, por meio de leituras incessantes, re-
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serva ao leitor o destino de torna-se um trai- é, apesar de tudo, o que poderia parecer à
dor. A palavra escrita se propaga como o primeira vista um fato empírico cuja univer-
fogo, alastra significado indefinidamente, salidade apenas a indução poderia sugerir;
para além daquele que originalmente o pro- ela não se esgota nesse aparecer” (Lévinas,
feriu. Ler o texto pelo avesso, transgredir o in Derrida, 2004, p. 22). Isto realça a obriga-
dito para fazer emergir um não-dito, recusar ção de incorporar a herança derridiana,
qualquer verdade a priori, que possa impe- mantê-la viva, e convoca à responsabilida-
dir a produção de pensamentos até de de todos em responder por ela. Esta ta-
subvertê-lo, constituem a garantia da trans- refa me remete, de imediato, a dois textos
missão de uma obra: a presença do Outro – magistrais de Derrida, que testemunham a
heteronomia privilegiada – não fere a liber- relação forte e criativa que ele estabeleceu
dade, mas a investe, foi o que Derrida com a escritura freudiana.
apreendeu das lições talmúdicas de Lévinas. Em “Freud e a cena da escritura”, o filósofo
Sua teoria da desconstrução deve muito, (1971) serviu-se da psicanálise para pensar
neste aspecto, aos escritos de seu mestre. de que forma surge o simbólico, de que for-
Desconstruir um texto: ler sem repetir o que ma o não-simbólico desemboca no simbóli-
já foi dito significa introduzir algo que, sen- co. No modelo das máquinas e aparelhos
do inteiramente distinto, rompe com a pos- freudianos, o inconsciente é uma escritura
sibilidade de encontrar qualquer caminho de que se tece de diferenças, de trilhamentos,
volta à origem. Trata-se de um trabalho se- e envia, delega representantes e mandatá-
melhante ao que Freud atribui ao “trabalho rios compreendidos apenas a posteriori. A
do sonho”: processo de elaboração onde a escritura é a possibilidade de instituir, de
atividade de um pensamento sem qualida- inscrever. A palavra analítica, o ato do su-
des não é nem pensar, nem calcular, nem, jeito falar para um outro que o reenvia ao
de um modo geral, julgar, mas unicamente eco de sua própria voz, é um trabalho da es-
transformar, de modo a garantir a pluralida- critura psíquica. Por isso, segundo o filóso-
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de de sentidos ao indecifrável. fo, Freud teria representado o conteúdo


O que se passa quando um grande pensador psíquico por um texto de essência irreduti-
se cala para sempre? velmente gráfica: a estrutura do aparelho
Esta questão que animou Derrida a fazer psíquico é como uma máquina de escrever,
passar, com retidão, o pensamento de Lévi- o que se lê de uma arquiescritura, a inscri-
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nas, não poderia deixar de voltar nesse mo- ção marca-da-diferença. A arquiescritura si-
mento em que o mundo diz adeus ao naliza a condição da possibilidade da própria
estrategista da desconstrução e ao filósofo significação enquanto torna-se signo do tra-
da alteridade indecidível. É preciso dizer o a- ço. Em resumo, para Derrida, que se alinha
deus a Derrida, dirigirmo-nos diretamente ao ao Freud preocupado com o enraizamento
outro, escutá-lo, reler sua escritura, fazendo- do não-simbólico, a repetição está desde o
a falar de novo pois, “a morte de alguém não início, mas não é nunca repetição do mes-

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mo. Na origem, apenas ausência, vazio. Conjunto de traços, isto é, inscrições possí-
Em Mal de arquivo (2001), Derrida dedicou- veis a partir de um não-inscritível, o arqui-
se a pensar a relação da repetição diferen- vo exige o espaçamento instituído de um lu-
cial com o conceito de arquivo – aquilo que gar de impressão. Mas não poderia haver ar-
se distingue da noção de experiência da quivo sem mal de arquivo. Freud sofria de
memória, da idéia de retorno à origem e do mal de arquivo, e, ao se envolver na trama
sentido de arcaico. O conceito de arquivo arquivista, terminou desvelando o diabólico
fala de algo que está para além de ressusci- – a pulsão de morte. Derrida não hesitou em
tar o acontecimento: abriga na memória o afirmar que a psicanálise, enquanto discur-
nome grego de arkhê que designa, ao mes- so heterogêneo, tornou-se uma teoria do ar-
mo tempo, “começo” e “autoridade”. Arkhê quivo e não somente uma teoria da memó-
coordena dois princípios em um: o princípio ria. Tal concepção entra em harmonia com
da natureza ou da história, lá onde as coisas o fato de que a descoberta freudiana intro-
começam – princípio físico, histórico ou on- duz uma noção de verdade que passa a ter
tológico e o princípio nomológico, lugar de que ser refeita a cada momento.
onde emana o comando, de onde os arcon- Casa de fantasma, todo arquivo é um cemi-
tes, magistrados superiores, aqueles que tério por onde se anda entre os túmulos e o
exerciam a competência hermenêutica de céu aberto – o passado e o futuro –, movi-
interpretar os arquivos e detinham o poder mentando memórias. Mal d´archive. Em fran-
político de fazer e representar as leis. Na cês a expressão “mal de”, originalmente se
escrita derridiana a arkhê grega é o lugar de
referia a uma mulher que estava sofrendo as
consignação de uma técnica de repetição
dores do parto: “En mal d’enfant”. Por ana-
que exige a marca da exterioridade. Não há
logia, passou a ser utilizada para
arquivo sem exterior.
designar uma tendência irresistível para fa-
Deixemos Derrida falar:
zer algo: “En mal d’écrire”, estar submetido
... a perturbação de arquivo deriva do mal de a um desejo irresistível para escrever. Sofre-
artigos

arquivo. Estamos com mal de arquivo. Escu- dor deste mal, o escritor insiste em parir
tando o idioma francês e nele, o atributo “em
pensamentos e idéias, sem que ele próprio
mal de”, estar com mal de arquivo, pode sig-
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nificar outra coisa que não sofrer de um mal. saiba de onde vêm. A obra, para Lévinas,
É arder de paixão. É não ter sossego, é inces- lembra Derrida na hora do à-Dieu , nunca
santemente, interminavelmente, procurar o ar- retorna ao autor: pari-la é consentir que
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quivo onde ele se esconde. (Derrida, 2001, p. 118) nunca mais a terá, pois que “movimento do
Portanto, o mal de arquivo, o desejo de Mesmo em direção ao Outro que não retor-
lembrar a origem e decifrar o comando, é na jamais ao Mesmo” (Lévinas, apud Derri-
efeito da falta originária e estrutural da me- da, 2004, p. 18). O escritor faz com sua obra
mória e da impossibilidade de inscrever aqui- um trabalho de recalcamento, escrevendo e
lo que escapa da identidade, em si mesma, reescrevendo o texto corrigindo até recalcar
o que não corresponde a uma essência. “a inspiração, que viera no primeiro jato de
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tinta sobre o papel, no primeiro lance de es- O exemplo mais significativo de arquivo en-
crita” (Duhá Lose, 2004). Com isso, ele arma- quanto lugar de diferimento temporal, ao
zena, agrupa, organiza seu espólio, cria seu qual Derrida se referiu como um porvir “mes-
próprio arquivo, o palco sobre o qual o sujeito siânico”, encontra-se na segunda inscrição:
pesquisador, ardendo em febre, tomado pela a amorosa e delicada dedicatória de Jakob.
paixão, pulsão arquivista, e compulsão de Ela sugere, com sua escrita especial, que a
repetição, lhe diz o a-deus que não se reduz leitura do Texto fora decisiva na forma como
a um fim. o filho apreendia, afetiva e intelectualmen-
Mal de arquivo evoca, ainda que por vias te, as urgências de seu tempo; por isso de-
transversas, o a-deus de Derrida a Freud. veria retornar ao “Livro dos livros, do qual
Numa tentativa de escrutar a perturbação sábios escavaram e legisladores aprenderam
dos que sofrem de “mal de arquivo”, e carac- conhecimento e julgamento” (Freud, in
terizar, em linhas gerais, os arquivos da psi- Yerushalmi, 1991, p. 111). Mas não foi apenas
canálise, o filósofo se dirige à obra do o pai quem reconheceu os traços da Escritura
historiador de cultura judaica, Yosef H. no pensamento do escritor de A interpreta-
Yerushalmi, O Moisés de Freud, judaísmo ção dos sonhos. O próprio Freud (1925/1976)
terminável e interminável (1991). Duas ins- chega a confessar o quanto foi importante
crições, na Bíblia de Freud (a dedicatória de para sua formação ter sido introduzido na
Jakob Freud a seu filho e a data da circun- leitura da Bíblia, quase ao mesmo tempo em
cisão de Freud) destacadas pelo historiador, que aprendera a ler. Junto as teorias de
chamam sua atenção. A temporalidade psi- Darwin, os escritos de Goethe e o pensa-
canalítica – nachträglich – norteia a aten- mento de Ernst Brücke, a Bíblia constitui um
ção de Derrida: “O arquivo sempre foi dos arquivos da psicanálise.
penhor, e como todo o penhor, um penhor Em 1934, enquanto os nazistas queimavam
de futuro” (Derrida, 2002, p. 31). Em que se seus livros nas fogueiras de Berlim, Freud
transforma o arquivo quando ele se inscre- começava a escrever seu romance histórico.
artigos

ve diretamente no corpo, através de uma cir- A tese de Yerushalmi, em base a um termo


cuncisão em sua letra ou em suas figuras? A técnico da própria psicanálise, sustenta que
cada ato de circuncisão, não há nada que a escrita do “Moisés” é e se constitui num
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faça um retorno à origem, mas a inaugura- exemplo de obediência diferida ao pai. Freud
ção de um novo judeu. Ela introduz o indi- havia retornado à Escritura, conforme o de-
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víduo na ordem coletiva, mas preserva sua sejo do pai explícito na dedicatória, mas gra-
relação com o real, com o que não é identi- ças a um trabalho de leitura singular, ele
ficável e, como tal, se faz traço. A circunci- pôde fazer valer sobre um dito, a verdade
são enquanto arquivo é a espera do futuro, material, não-dito, o conceito de verdade
a experiência de uma identidade que só po- histórica. A história do conceito de
derá ser declarada e anunciada a partir do nachträgliche Gehorsam, “obediência à pos-
que vem do futuro. teriori”, remonta ao texto de Totem e tabu,

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onde Freud fez observar que o pai morto tor- seus silêncios. Entre os rastros dos apa-
na-se mais forte, devido a uma situação psí- gamentos freudianos e os ecos de seus pró-
quica que nos é familiar em psicanálise, a prios fantasmas, Yerushalmi constrói uma
obediência retrospectiva. Para Derrida, este ficção – “Monólogo com Freud” –, escrita
conceito é uma das chaves que faz do livro numa linguagem que produz efeitos de sen-
de Yerushalmi um livro de arquivo sobre o tido que não podem ser circunscritos e con-
valor nomológico do arquivo, a lei do pai trolados. Com isso, institui novos registros,
morto. traços de outras memórias, deixando ao lei-
A colocação em prática da arckê, enquanto tor a tarefa de refletir sobre o dado e o sig-
operador textual e do conceito freudiano de nificado, o dito e o desdito, e assim acolher
obediência diferida, atinge seu clímax na o outro.
análise do monólogo que Yerushalmi estabe- O mal de arquivo, já foi dito acima, é a pai-
leceu com Freud, ou melhor, na fala direta xão da procura do arquivo onde ele se escon-
do historiador a um fantasma que não res- de. Convoquemos outra das Quatro lições
ponde, mas que fala nele, diante dele. O talmúdicas, para prestar socorro à tarefa de
monólogo, um gesto acolhedor de receber o dar a-deus à Derrida, no ponto em que Lé-
traço do outro, é o lugar por onde se corre “o vinas evoca o brilho das letras do Cântico
risco, sempre inquietante, estranhamente dos cânticos. Diz o filósofo que o Cântico
inquietante, inquietante como o estrangei- comporta uma interpretação mística – o que
ro (umheimlich), da hospitalidade oferecida não quer dizer uma mistificação –, embora
ao hóspede como ghost ou Geist ou Gast” se trate, aos olhos de qualquer um, de um
(Derrida, 2004, p. 131). A hospitalidade tem texto erótico. Como pode o erótico habitar a
essa implicação de espectralidade que exce- Escritura? A voz interpretativa que permitiu
de ao nada e desconstrói as oposições on- a legitimação do texto, designou-o como um
tológicas entre ser e nada, a vida e a morte. hino de amor entre o Deus da intolerável
Neste sentido, o monólogo, afirma Derrida, ausência e seu povo. Esta leitura carregada
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absorve todo o resto do livro de Yerushalmi: de implicação ética, se baseia na própria es-
para além do sentido filial com que se diri- trutura do poema onde a tensão absoluta do
ge à obra do patriarca da psicanálise, o his- amor do sujeito pelo Outro tem sua vazão no
toriador preserva sua independência. paradoxo de um encontro que é, já em si
Subjetivamente engajado num processo de mesmo, separação. “Abro ao meu amado
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criação original, cuja força rompe com o sa- mas/meu amado se foi/ Procuro-o e não me
ber preestabelecido, sofrendo de forma ex- responde./ Filhas de Jerusalém, eu vos con-
trema do mal de arquivo, o historiador juro,/ Se encontrardes o meu amado, que
ultrapassa a si mesmo e interrompe seu tra- lhes direis?.../ Dizei que estou doente de
balho de arquivista – a pesquisa da vida e amor!” (Cântico dos cânticos, 5: 5, 6, 8). Esse
da obra de Freud – para atravessar o lugar mal representado no Cântico como antído-
onde o pai da psicanálise colocou alguns de to poderoso contra a morte – “... o amor é

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mais forte, é como a morte” (Cântico dos Referências
cânticos, 8: 6) – toma o sentido da lei da se- BLANCHOT, M. L‘ntretien infini. Paris: Gallimard,
paração – Kadosh – da não fusão entre o 1968.
amado e a amada, a impossibilidade de se DERRIDA, J. Espectros de Marx. Rio de Janeiro:
fundir dois em um, e assim esgotar a alteri- Relume-Dumará, 1994.
dade do outro. O erótico é erigido em lei _____ Paixões. Campinas: Papirus, 1995.
amorosa que regula a infinita distância que _____ Mal de arquivo: uma impressão freu-
separa o eu do outro. Mas na morte, faz no- diana. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.
tar Derrida, essa distância vem a nós como _____ Adeus a Emmanuel Lévinas. São Pau-
herança, como uma responsabilidade de di- lo: Perspectiva, 2004.
zer o para-Deus, seguir o rastro (trace) dei- DUHÁ LOSE, A. (2004). Arquivo: a morada da cen-
xado pelo morto. sura.. www.inventario.ufba.br/02..
É preciso dizer o a-deus a Derrida, saudá-lo FREUD, S. (1925). Presentacion autobiografica. In:
para-além do ser. E se esta saudação me Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu,
conduz ao outro, por meio da responsabili- 1976. v. XX.
dade que tenho por obrigação assumir, en- FUKS, B. B. Freud e a judeidade, a vocação do
tão, devo também me inclinar, como ele o exílio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
fez, sobre a escritura freudiana; buscar os HADDOCK LOBO, R. O adeus da desconstrução: al-
traços e os rastros da pulsão que arruína o teridade, rastro e acolhimento. In: DUQUE ESTRA-
próprio princípio do arquivo, a pulsão que DA , Paulo César (org.). As margens, a propósito
Freud batizou com três nomes: pulsão de de Derrida. Rio de Janeiro: PUC-RJ, 2002.
morte, pulsão de destruição e pulsão agres- LÉVINAS, E. Quatre lectures talmudiques. Paris:
siva. Não se trata aqui de tentar avaliar o Minuit, 1968.
peso deste conceito na obra de Freud, nem YERUSHALMI, Y.H. O Moisés de Freud, judaísmo
tampouco de discorrer sobre seus múltiplos terminável e interminável. Rio de Janeiro: Ima-
rostos. Apenas pontuar que a pulsão de mor- go, 1991.
artigos

te, tal qual Derrida a lê em Mal de arquivo,


indica que, em sua vocação silenciosa, tra-
ta-se de uma pulsão que tende a arruinar
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qualquer capitalização de memória, precon-


ceitos e pressupostos de um texto, para pa-
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radoxalmente apreender através de suas


categorias uma outra leitura, submetida ao
princípio criador de criação contínua da vida.
E assim resta dizer a Jacques Derrida, o ami- Artigo recebido em novembro de 2004
go da psicanálise, adeus. Aprovado para publicação em janeiro de 2005

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