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Supremo Tribunal Federal

Revista Trimestral de
Jurisprudência

Volume 195 – Número 1


Janeiro / Março de 2006
Páginas 1 a 370
Diretoria-Geral
Miguel Augusto Fonseca de Campos
Secretaria de Documentação
Altair Maria Damiani Costa
Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência
Nayse Hillesheim
Seção de Preparo de Publicações
Neiva Maria de Moura Ludwig
Seção de Padronização e Revisão
Kelly Patrícia Varjão de Moraes
Seção de Distribuição de Edições
Margarida Caetano de Miranda
Diagramação: Joyce Pereira
Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima
Edição: Supremo Tribunal Federal

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Federal,


Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. — ano 1,
n. 1 (abr./jun. 1957) -. – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-
Trimestral
A partir de 2002 até março de 2005, foi editada pela
Editora Brasília Jurídica.
ISSN 0035-0540
1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Supremo Tribunal
Federal (STF).
CDD 340.6

Solicita-se permuta. STF/CDJU Publicação e Distribuição:


Pídese canje. Anexo I, 2º andar Editora Brasília Jurídica Ltda.
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro NELSON Azevedo JOBIM (15-4-1997), Presidente


Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), Vice-Presidente
Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)
Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)
Ministro CARLOS Mário da Silva VELLOSO (13-6-1990)
Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)
Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002)
Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)
Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)
COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministra ELLEN GRACIE


Ministro GILMAR MENDES
Ministro EROS GRAU
Ministro CARLOS BRITTO – Suplente
COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE


Ministro CARLOS VELLOSO
Ministro JOAQUIM BARBOSA
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLO


Ministro MARCO AURÉLIO
Ministro CARLOS BRITTO
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro CARLOS VELLOSO


Ministra ELLEN GRACIE
Ministro CEZAR PELUSO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, Presidente


Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello
Ministro Antonio CEZAR PELUSO
Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO
Ministro EROS Roberto GRAU
SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, Presidente


Ministro CARLOS Mário da Silva VELLOSO
Ministro GILMAR Ferreira MENDES
Ministra ELLEN GRACIE Northfleet
Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes
SUMÁRIO

Pág.
ACÓRDÃOS.............................................................................................1
ÍNDICE ALFABÉTICO............................................................................I
ÍNDICE NUMÉRICO...........................................................................XXIII
ACÓRDÃOS
AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA 1.754 — BA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravantes: Mário Vidal de Santana e outro — Agravada: Caixa Econômica
Federal — CEF
FGTS. Correção de saldos. Ação rescisória. Negativa de seguimento.
Art. 21, § 1º, do RISTF. Agravo regimental.
O acórdão rescindendo está em consonância com o entendimento
firmado por esta egrégia Corte, sobre a questão de fundo, no julgamento
do leading case, RE 226.855, Relator Ministro Moreira Alves. Essa cir-
cunstância autoriza o Relator a negar seguimento ao pedido rescisório,
na forma regimental, conforme decidiu o Plenário do Supremo Tribunal
Federal no julgamento de caso semelhante, patrocinado pelo mesmo cau-
sídico (AR 1.756-AgR, Relator Ministro Marco Aurélio).
Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrá-
ficas, por unanimidade de votos, desprover o agravo regimental, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Ayres Britto,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra decisão
singular que, apoiada no art. 21, § 1º, do RISTF, negou seguimento a ação rescisória que
põe em debate índices de correção monetária atinentes ao Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço – FGTS.
4 R.T.J. — 195

2. A decisão agravada considerou que o acórdão rescindendo resolveu a controvér-


sia de acordo com o precedente contido no RE 226.855, Relator Ministro Moreira Alves,
que se constituiu no leading case sobre a matéria de fundo. Considerou, ainda, que outra
ação rescisória semelhante à presente, patrocinada pelo mesmo advogado, foi repelida
por esta egrégia Corte na Sessão Plenária de 19-8-2004, Relator Ministro Marco Aurélio,
no julgamento de agravo regimental.
3. Pois bem, a parte agravante, nas suas razões, não se conforma com o exercício da
faculdade, conferida ao Relator, de decidir monocraticamente a lide. No mais, repete os
fundamentos genéricos lançados na inicial, deblaterando ab hoc et ab hac contra a
súmula vinculante.
4. Mantida, porém, a decisão atacada, submeto o agravo à elevada apreciação dos
eminentes Pares.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Conforme expus na decisão impugnada,
a inicial da ação rescisória é feita numa moldura única, aplicada a várias ações da mesma
natureza, pelo mesmo causídico. Nesse modelo, a parte autora não se dá ao trabalho de
especificar os índices que pleiteia, nem identifica o recurso extraordinário em que foi
proferido o acórdão rescindendo. Transfere esse encargo para o Relator e a parte contrá-
ria, juntando apenas as cópias pertinentes ao caso.
7. De qualquer forma, o pedido teve curso nesta Suprema Corte, com defesa da
requerida e parecer da Procuradoria-Geral da República, redundando na decisão ora
agravada. Decisão que se louvou no precedente alusivo ao Agravo Regimental na
Ação Rescisória n. 1.756, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado na Sessão Plenária
de 19-8-2004.
8. Conforme já adiantei no relatório, a Corte examinou, no mencionado julga-
mento, caso semelhante ao presente, patrocinado pelo mesmo advogado, dele resul-
tando a seguinte ementa:
“Ação rescisória — Violência à literalidade de norma — Decisão rescin-
denda em harmonia com precedente do Plenário. Estando a decisão rescindenda
em harmonia com precedente do Plenário, mostra-se manifestamente infundada a
argüição de ofensa a texto constitucional.
Ação rescisória — Negativa de seguimento — Atuação do Relator. Conso-
ante dispõe o artigo 21, § 1º, do Regimento Interno, é atribuição do Relator negar
seguimento a pedido ‘improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência
predominante do Tribunal’.”
9. Por via de consequência, non nova sed nove. O presente agravo chove no
molhado, permito-me dizer. Embora não se possa desestimular a busca e o exercício da
jurisdição, em todos os níveis, fica a impressão, nesses casos, de que o demandante usa
e abusa do jus postulandi, certo de que o manto da Justiça Gratuita o isentará, em todos
esses lances, do pagamento de custas e honorários, bem como do depósito a que se refere
o art. 488, inciso II, do CPC.
10. Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
R.T.J. — 195 5

EXTRATO DA ATA
AR 1.754-AgR/BA — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravantes: Mário Vidal de
Santana e outro. (Advogado: Jairo Andrade de Miranda). Agravada: Caixa Econômica
Federal — CEF (Advogados: Augusto Bonfim Nery e outros).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental, nos termos
do voto do Relator. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Presidiu o julga-
mento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

QUESTÃO DE ORDEM NO INQUÉRITO 2.051 — TO

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Autor: Ministério Público Federal — Indiciados: Jader Fontenelle Barbalho, Jorge
Francisco Murad Júnior, Teodoro Hübner Filho, José Artur Guedes Tourinho, Maurício
Benedito Barreira Vasconcelos, Maria Auxiliadora Barra Martins, Antônio José Costa
de Freitas Guimarães, Valmor Felipetto, Amauri Cruz Santos, Magaly Hubner, Ulbi
Arlant, Roderjan Busato, Alexandre Rizzotto Falcão, Adaljor Dlugonski Lemos, Paulo
Ivan Alberti, Márcia Pastor da Silva Pinheiro, Antonio dos Santos Ferreira Neto,
Raimundo Rogério Dias Magalhães, Madson Antônio Brandão da Costa, Antônio Alves
de Oliveira Filho, Mário Jorge de Macêdo Bríngel, Honorato Luís Lima Cosenza Nogueira,
Admilson Fernando de Oliveira Monteiro e Maria José Corrêa Alves
Inquérito. 2. Questão de ordem. 3. Requerimento de decretação de
nulidade da denúncia recebida por juiz de primeiro grau. 4. Comprova-
ção de que, à época do recebimento da denúncia, um dos denunciados
exercia o cargo de Secretário de Estado. 5. Incompetência absoluta do
juízo. Nulidade da denúncia e do seu recebimento. Violação ao princípio
do juiz natural (CF, art. 5º, LIII). Precedentes. 6. Em conseqüência, é pre-
maturo decidir-se acerca do desmembramento do processo requerido
pela Procuradoria-Geral da República.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF, art. 37, I), na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
6 R.T.J. — 195

resolver a questão de ordem no sentido de decretar a nulidade da denúncia e de seu


recebimento, e prejudicado o pedido de desmembramento do inquérito, nos termos do
voto do Relator.
Brasília, 16 de junho de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A Procuradoria-Geral da República assim relata o
presente Inquérito:
“O Ministério Público Federal, em 02.08.2002, perante o MM. Juízo da 2ª
Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins, ofereceu denúncia em
desfavor de Jader Fontenelle Barbalho, Roseana Sarney Murad, Jorge Francisco
Murad Júnior, Teodoro Hubner Filho, José Artur Guedes Tourinho, Maurício
Benedito Barreira Vasconcelos, Maria Auxiliadora Barra Martins, Antonio José
Costa de Freitas Guimarães, Valmor Felipetto, Amauri Cruz Santos, Magaly
Hubner, Ulbi Arlant, Roderjan Busato, Arnaldo Lopes da Silveira, Alexandre
Rizzotto Falcão, Adaljor Dlugonski Lemos, Paulo Ivan Alberti, Márcia Pastor da
Silva Pinheiro, Antônio dos Santos Ferreira Neto, Raimundo Rogério Dias Magalhães,
Madson Antônio Brandão da Costa, Antônio Alves de Oliveira Filho, Mário Jorge de
Macedo Bringel, Honorato Luis Lima Cosenza Nogueira, Admilson Fernando de
Oliveira Monteiro e Maria José Correa Alves por vários ilícitos penais perpetra-
dos em desfavor da extinta Sudam. (fls. 03/78). Posteriormente, o parquet federal
aditou a peça acusatória (fls. 752/772).
2. Em decisão fundamentada de 09.08.2002, proferida a fls. 774/792 (vol. 4),
o ilustre magistrado processante rejeitou a denúncia em relação aos denunciados
Roseana Sarney Murad e Arnaldo Lopes da Silveira, por não vislumbrar a presen-
ça de justa causa, e recebeu a peça acusatória em relação aos demais denunciados.
3. O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito em face
da decisão que não recebeu a denúncia oferecida contra Roseana Sarney Murad e
Arnaldo Lopes da Silveira (fls. 813/842).
4. Foram citados e interrogados todos os réus: Jader Fontenelle Barbalho
(fls. 1280/1285), Jorge Francisco Murad Júnior (fls. 1041/1044), Teodoro
Hubner Filho (fls. 1787/1788), José Artur Guedes Tourinho (fls. 1287/1291),
Maurício Benedito Barreira Vasconcelos (fls. 1063/1068), Maria Auxiliadora
Barra Martins (fls. 1239/1241), Antônio José Costa de Freitas Guimarães (fls.
1242/1244), Valmor Felipetto (fls. 1789/1790), Amauri Cruz Santos (fls. 1791/
1792), Magaly Hubner (fls. 1793/1794), Ulbi Arlant (fls. 1796/1797), Roderjan
Busato (fls. 1798/1799), Alexandre Rizzotto Falcão (fls. 1036/1040), Adaljor
Dlugonski Lemos (fls. 1800/1801), Paulo Ivan Alberti (fls. 1802/1803), Márcia
Pastor da Silva Pinheiro (fls. 1245/1247), Antônio dos Santos Ferreira Neto (fls.
1248/1250), Raimundo Rogério Dias Magalhães (fls. 1306/1310), Madson Antonio
Brandão da Costa (fls. 1303/1305), Antônio Alves de Oliveira Filho (fls. 1297/
R.T.J. — 195 7

1301), Mário Jorge de Macedo Bringel (fls. 1294/1296), Honorato Luis Lima
Cosenza Nogueira (fls. 1267/1270), Admilson Fernando de Oliveira Monteiro (fls.
1274/1277) e Maria José Correa Alves (fls. 1271/1273).
5. Apresentaram defesa prévia os réus: Jader Fontenelle Barbalho (fls. 1412/
1515), Jorge Francisco Murad Júnior (fls. 1045/1047), Teodoro Hubner Filho e
Magaly Hubner (fls. 1929/1937), José Artur Guedes Tourinho (fls. 1535/1546),
Mauricio Benedito Barreira Vasconcelos (fls. 1069/1081), Antonio José Costa de
Freitas Guimarães (fls. 1313/1360), Valmor Felipetto (fls. 1918/1919), Amauri
Cruz Santos (fls. 1976/1985), Ulbi Arlant (fls. 1986/1996), Roderjan Busato (fls.
1972/1975), Alexandre Rizzotto Falcão (fls. 1048/1049), Adaljor Dlugonski Lemos
(fls. 1920/1921), Paulo Ivan Alberti (fls. 1938/1951), Márcia Pastor da Silva
Pinheiro e Antonio dos Santos Ferreira Neto (fls. 1401/1403), Raimundo Rogério
Dias Magalhães (fls. 1606/1608), Madson Antonio Brandão da Costa (fls. 1572/
1604), Antonio Alves de Oliveira Filho (fls. 1567/1570), Mario Jorge de Macedo
Bringel (fls. 1549/1557), Honorato Luis Lima Cosenza Nogueira, Admilson
Fernando de Oliveira Monteiro e Maria José Correa Alves (fls. 1407/1410). A ré
Maria Auxiliadora Barra Martins não apresentou defesa prévia (fls. 1312).
6. O réu Jader Barbalho requereu a declinação do feito a esse Excelso Supremo
Tribunal Federal em razão de sua diplomação como Deputado Federal (fls. 1998/
1999).
7. O MM. Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do
Tocantins determinou a remessa dos autos a essa Suprema Corte (fls. 2009).”
Remetidos os autos à Procuradoria-Geral da República requereu-se “a reautuação
do feito como ação penal e o regular prosseguimento desta, com a inquirição das teste-
munhas arroladas a fls. 77/78, excetuados os réus já ouvidos em juízo: Teodoro Hubner
Filho, Magaly Hubner, Amauri Cruz Santos, Roderjan Busato e Ulbi Arlant.” (Fl.
2022)
Jorge Franciso Murad Júnior apresentou petição, sustentando que:
“(...) a própria denúncia oferecida em Palmas afirma que todos os fatos se
deram em Belém e em São Luís do Maranhão. Nada aconteceu em Tocantins. A
escandalosa cautelar antecedente de busca e apreensão foi deferida em outro
inquérito em que apurava operações da empresa Nova Holanda, com sede em
Balsas, no Maranhão, mas foi utilizada para considerar-se ‘prevento o Juízo de
Palmas, em Tocantins, porque nela foi incluída a devassa na empresa Lunus, de
propriedade da então Governadora Roseana Sarney e do Requerente, seu marido e
Secretário de Estado.
E os fatos desta ação penal, segundo o libelo acusatório, dizem respeito ao
projeto Usimar, que nada tem que ver com a empresa Nova Holanda. De qualquer
forma, todos os fatos, de um e de outro inquérito, deram-se no Maranhão e em
Belém do Pará. Tanto que o Inquérito Civil sobre os mesmos fatos foi instaurado
pelo Ministério Público Federal no Maranhão e, em São Luís, foi proposta a decor-
rente ação civil pública (Doc. 2). O inquérito policial, sobre os mesmos fatos, não
podia tramitar em Palmas, onde nada aconteceu, e não podia tramitar sob jurisdi-
ção do Juízo daquele Estado porque dentre os indiciados ou investigados estava a
Governadora do Maranhão, tanto que foi denunciada.
8 R.T.J. — 195

Ainda que se diga que no momento da denúncia ela renunciara ao cargo, não
valida a ilegalidade do inquérito sem a supervisão do Superior Tribunal de Justiça
(art. 105, inciso I, alínea a, da Constituição). E mais, no momento da denúncia, o
Requerente era Secretário de Estado do Governo do Maranhão e a competência era
do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mesmo se os fatos tivessem ocorrido
em Tocantins (o que também não se deu), por força da Constituição do Estado que,
sob autorização constitucional federal (art. 125, § 1º), estabelece o Tribunal de
justiça como juiz natural do Secretário de Estado (art. 81, II), competência que se
desloca para o Tribunal Regional Federal quando se trata de delito contra a União
(Constituição Federal, art. 109, inciso IV).” (Fl. 2029)
Acrescenta:
“Quer sob a disposição legal que declara o local do delito como o foro com-
petente, quer sob o enfoque de que no inquérito já havia pessoas com prerrogativa
de foro em razão da função, ou pela conjugação dos dois comandos de força
cogente, o Juízo de Palmas era absolutamente incompetente para supervisionar o
inquérito e processar a superveniente ação penal.”
E ainda:
“Não há em toda a denúncia, de minuciosa narrativa, um único fato que se
tenha passado no Estado de Tocantins, ou um único réu que tenha domicílio
naquele Estado.
A palavra ‘Tocantins’ somente aparece no cabeçalho da petição inicial do
Ministério Público porque endereçada ao juiz federal daquele Estado.
Não aparece sequer no final da petição, posto que a peça acusatória não
registra o local e data em que foi firmada por vários procuradores, cada qual lotado
em Estado diferente.” (fls. 2037-2038)
Asseverou também que “a medida de busca e apreensão, que teria fixado a ‘preven-
ção’ do foro de Palmas, foi declarada nula pelo Tribunal Regional da 1ª Região” (fl.
2041), e que “nada restou, portanto, para a fixação da competência da Justiça Federal de
Tocantins, a não ser o lamentável opróbio que manchará a história judiciária de nosso
país por muito tempo.” (fl. 2040)
Remetidos os autos à Procuradoria-Geral da República, sustentou:
“várias pessoas, dentre elas o peticionário, foram denunciadas perante o
MM. Juízo da 2ª Vara Federal em Palmas – TO, ocasião em que nenhuma delas
detinha prerrogativa de função ao chamamento originário desta Corte ao proces-
samento da opinio delicti.
(...)
Dessa exposição resta induvidoso que:
a) ao receber a denúncia contra grande parte dos acusados e rejeitá-la em
relação a dois o magistrado federal de 1º grau tinha plena competência jurisdicio-
nal visto que, na ocasião não havia condição funcional de quem quer que seja a
convocar o exame originário do feito por esta Suprema Corte.
R.T.J. — 195 9

b) Esta Suprema Corte, com a ulterior diplomação de Jader Barbalho como


Deputado Federal, passou a ter competência originária, mas a partir da fase de
inquirição das testemunhas de acusação, porque todos os atos processuais ante-
riores foram realizados no Juízo, até então competente a exame do feito.”
Quanto à incompetência territorial do Juízo Federal de Palmas, assim se manifes-
tou o Parquet:
“Ora, como é curial, a regra de competência ratione loci é de conformação
relativa, vale dizer, não se traduz em desrespeito a princípios de ordem, mas inse-
rindo-se no plano dispositivo, sujeita-se a prazos na sua argüição, portanto.
(...)
Ora como já enfatizamos no item 9 deste pronunciamento, nestes autos o
peticionário já apresentou sua defesa prévia, e nela não suscitou o tema.
Ainda mais: agora, é de nenhuma valia suscitar a incompetência, que é rela-
tiva, reiteramos, porque como o próprio peticionário, ele mesmo, expressamente
reconheceu a fls. 2026/2027, tem o Supremo Tribunal Federal plena competência
para o processamento dos co-réus, que é o caso do peticionário, pelo fenômeno da
prorrogação processual.” (fls. 2099-2100)
Por último, afirmou o Procurador-Geral da República:
“É que, como estabelecido nas palavras iniciais da denúncia de fls. 03/78, a
pretensão punitiva, até por isso que extensa, narrou ilícitos na execução de projetos
desenvolvidos com recursos do Finan, gerenciados pela Sudam, e operacionalizados
pelo Basa que, por sua própria dimensão regional, abarcam os Estados de Tocan-
tins, Maranhão e Pará.” (fl. 2100)
Em nova Petição sustentou Jorge Franciso Murad Júnior:
“O ora requerente, conforme consta dos documentos que nesta oportunidade
requer-se a juntada, foi nomeado Secretário de Estado Extraordinário para assun-
tos na área de Ciência e Tecnologia do Estado do Maranhão no dia 05 de abril de
2002 e exonerado, a pedido, no dia 18 de setembro de 2002, com publicação no
Diário Oficial do estado no dia 19 de setembro do mesmo ano.
Constata-se com evidência que, à época do recebimento da denúncia, ou
seja, dia 9 de agosto de 2002, pelo juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do
Estado do Tocantins, era o suplicante Secretário de Estado.
Desta forma Exa., e como já exposto, é cristalina a incompetência do juiz que
recebeu a denúncia contra o requerente, reclamando urgente pronunciamento de
V. Exa. para que se decrete a nulidade de todos os atos praticados a começar pelo
recebimento da denúncia, como medida da mais lídima justiça.” (fls. 2127/2128)
Em face dos documentos trazidos por Jorge Francisco Murad Júnior, compro-
vando que, à época do recebimento da denúncia, exercia o cargo de Secretário de Estado,
requeri nova manifestação da Procuradoria-Geral da República (fl. 2134).
10 R.T.J. — 195

Preliminarmente, manifestou-se o Parquet pela impossibilidade de ser conhecido


o requerimento, sob pena de supressão de instância, pois a matéria já foi objeto de
habeas corpus indeferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Quanto ao mérito do pedido, adotando os fundamentos do Desembargador Federal
Mário César Ribeiro, Relator do habeas corpus no TRF, concluiu, verbis:
“(...) no âmbito da administração pública direta do Estado do Maranhão —
ao tempo do recebimento da denúncia, ou seja, bem antes do advento da Lei n.
8.153, de 8 de julho de 2004, juntada pelo requerente a fls. 2113 — gerente de
Estado era a denominação clássica dada ao conceito clássico de Secretário de
Estado, com as prerrogativas que lhe são próprias, inclusive a de foro. Já o cargo de
Secretário de Estado Extraordinário, em que pese sua natureza especial, não
corresponde ao conceito clássico de Secretário de Estado.” (Fl. 2143)
Por último, pelo fato de o processo envolver 25 réus e contar com 11 volumes e
mais de 19 apensos, requereu o desmembramento do feito, para que o Supremo Tribunal
Federal processe e julgue a ação penal somente em desfavor do Deputado Federal Jader
Barbalho.
Em face do requerimento de Jorge Francisco Murad Júnior, é que submeto a
presente questão de ordem ao Plenário.

VOTO
A presente questão de ordem cinge-se a examinar se a denúncia contra os acusados
recebida pelo Juiz da 2ª Vara Federal de Tocantins está ou não eivada de nulidade, a se
determinar a tramitação do presente Inquérito no Supremo Tribunal Federal.
Esse conhecimento, diferentemente do pretendido pela Procuradoria-Geral da
República, não implica supressão de instância.
A matéria agora está afeta a este Supremo Tribunal Federal em face da prerrogativa
de foro de um dos acusados, razão pela qual não conheço dessa preliminar.
Eugênio Pacelli, em capítulo sobre Jurisdição e Competência, após dissertar sobre
a especialização do Poder Judiciário a ditar a repartição constitucional de competências,
assevera relativamente à competência em razão da pessoa do acusado:
“Em outra via, atendendo a outro critério que não o da especialização e, por
isso, não mais em relação à matéria, mas já ao próprio agente do crime, é prevista
a jurisdição colegiada, ou competência originária dos Tribunais, estabelecidas em
razão das relevantes funções públicas exercidas pelo autor – ou acusado – da
infração penal, ou seja, foros privativos ratione personae.
Em todas estas situações impõe-se o relevante princípio do juiz natural, a ser
entendido como o órgão da jurisdição cuja competência, estabelecida anterior-
mente ao cometimento do fato, derive de fontes constitucionais, legitimando a
partir da vedação, imposta ao legislador infraconstitucional, da instituição do
juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Legitimado ainda pela exigência de
R.T.J. — 195 11

julgamento da causa pelo juiz ou tribunal ali indicados (órgão ou juiz especializado
em razão da matéria e órgão ou tribunal colegiado em razão da função do imputado).
Em uma e outra hipótese, estaremos diante de competências absolutas, cuja
determinação independe da vontade das partes processuais, acusação e defesa,
diante da rigidez e da estatura da fonte normativa de uma e outra espécie, qual seja,
a Constituição da República.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo
Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 196)
Sendo absoluta a incompetência do juízo, tem-se como conseqüência a nulidade
absoluta do processo, caracterizada que está a violação ao princípio do juiz natural
consagrado constitucionalmente (CF, art. 5º, LIII).
Cabe aqui trazer a lição de Tourinho Filho acerca da nulidade em face da incompe-
tência do juízo:
“A lei exige, para a validade do processo, a competência do Juiz. Em se
cuidando de incompetência relativa, cumpre à parte, na oportunidade da defesa
prévia, atacá-la por meio da exceção própria, sob pena de ter lugar a prorrogatio
jurisdiccionis. (...) Sendo absoluta, a qualquer tempo pode ser alegada. Havendo
incompetência do órgão jurisdicional, os atos por ele praticados são atípicos e, por
isso, mesmo sujeitam-se à sanção de ineficácia. É preciso, contudo, trate-se de
incompetência absoluta, que ocorre quando a Justiça Comum julga causa afeta à
Justiça Especial e vice-versa (...), quando órgãos da jurisdição inferior julgam
causas afetas aos órgãos superiores, quando o Juiz do cível decide causa criminal
(...). Enfim: se o Juiz não tiver competência ratione personae ou ratione materiae,
a incompetência é absoluta. Na incompetência absoluta tudo perderá o seu valor:
atos postulatórios, instrutórios e decisórios; a ineficácia atingirá toda a relação
processual”. (Tourinho Filho, Fernando da Costa. Código de Processo Penal
Comentado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 237-238).
Verifico dos documentos acostados aos autos que Jorge Franciso Murad Júnior
foi nomeado como Secretário de Estado Extraordinário para assuntos da área de Ciência
e Tecnologia, em 5 de abril de 2002.
A denúncia foi oferecida em 19 de julho de 2002. O seu recebimento data de 9 de
agosto de 2002 (fls. 774-792).
Ressalte-se o que afirmou Jorge Francisco Murad Júnior, relativamente à decisão
do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, verbis:
“2. Julgado em 18 de junho de 2002, a Turma denegou writ ao argumento de
que os Secretários de Estado, no Maranhão, apesar de deterem as mesmas prerroga-
tivas dos Gerentes de Estado, não têm os mesmos direitos no que pertine à fixação
da competência para o processo. Entendeu a Corte que não se pode aplicar o
princípio da simetria ao Secretário, uma vez que o cargo da esfera estadual que
corresponde ao de Ministro, na esfera federal, é apenas o de Gerente (cargo criado
na reforma administrativa promovida no Maranhão e que corresponde ao conceito
clássico de Secretário de Estado).
12 R.T.J. — 195

3. O requerente continua firme no entendimento que o cargo que ocupa, por deter
prerrogativas idênticas ao cargo de Gerente, também tem direito a foro especial. No
entanto, após o referido julgamento, a Assembléia Legislativa maranhense, visando
resguardar juridicamente o cargo de Secretário, revelado desguarnecido em compara-
ção aos Gerentes após o pronunciamento do TRF, aprovou a Lei n. 7.760, de 17 de
julho de 2002.
4. Esta lei veio dispor sobre a ‘alteração, criação e extinção de cargos em
comissão na Gerência de Estado de Justiça, Segurança Pública e Cidadania’ e
estabelece, em seu art. 8º, que:
‘Art. 8º. Os arts. 24 e 77 da Lei n. 7.356 de 29 de dezembro de 1998,
passam a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 24. O Poder Executivo é exercido pelo Governador Estado, auxi-
liado pelos Secretários de Estado, pelo Chefe do Gabinete do Governador,
Chefe do Gabinete Articulação Política do Governador, Procurador Geral do
Estado, Procurador-Geral da Defensona Pública do Estado, Auditor-Geral do
Estado, Presidente da Comissão Permanente de Licitação e Gerentes de Estado.’
‘Art. 77. Ficam criados seis cargos de Secretário de Estado, que inte-
gram a estrutura básica da Administração Estadual e terão as atribuições que
lhes forem conferidas pelo Governador do Estado.’
5. Com a mudança legislativa, dissipam-se as dúvidas sobre a total equipara-
ção do cargo de ‘Secretário ao cargo de Gerente - que era a intenção do legislador
atual desde o princípio, diga-se de passagem. A diferença que resta é uma questão
de simples nomenclatura. Daí que o raciocínio desenvolvido pelo TRF no julga-
mento do citado habeas corpus esvazia-se, pois mesmo o precedente do Supremo
Tribunal Federal invocado pelo ilustre Relator é aplicável à situação em apreço.
6. Afinal, se a diferença entre ambos os cargos é exclusivamente de nomen-
clatura e se, inquestionavelmente, como reconheceu o TRF, o cargo de Gerente
equivale, na esfera federal, ao de Ministro de Estado, resta patente que o cargo de
Secretário também corresponde ao de Ministro, sendo incorreto, portanto, falar de
extensão para além dos limites definidos na Constituição Federal.
7. Portanto, assim como acontece com os Gerentes, deve ser aplicado aos
Secretários o princípio da simetria que equipara cargos estaduais aos federais,
estabelecendo o foro competente para processo e julgamento de seus ocupantes
também no Tribunal Regional Federal.” (Fls.719/720)
Manifesta, portanto, a incompetência do Juízo de Primeiro Grau para o recebimento
da denúncia. Eventual dúvida acerca da prerrogativa de foro de Jorge Francisco Murad
Júnior restou sanada com a referida alteração legislativa.
Ressalte-se que essa incompetência alcança, inclusive, os signatários da denúncia,
porque não autorizados a instaurar a persecução criminal contra acusado detentor de
prerrogativa de foro.
Essa é a linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da qual destaco as
seguintes decisões:
R.T.J. — 195 13

a) “Inquérito. 2. Parlamentar federal. 3. Denúncia por crime eleitoral oferecida


em primeiro grau. 4. Recebimento da denúncia por magistrado eleitoral. 5. Incom-
petência do Ministério Público para apresentar a denúncia e do Juiz Eleitoral para
recebê-la. 6. Enquadram-se os crimes eleitorais entre os crimes comuns. 7. Compe-
tência originária do STF (CF, art. 102, I, letra b). 8. Incidência do art. 53, § 1º, da
Constituição. 9. Habeas Corpus, de ofício, concedido para anular a denúncia e seu
recebimento bem assim o processo, desde a denúncia inclusive. 10. Após, os autos
devem ser encaminhados à Procuradoria-Geral da República, conforme por ela
requerido.” (Inq (QO) 1.391, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 6-8-99)
b) “Denúncia contra Deputado Federal recebida por Tribunal Regional
Federal — Incompetência absoluta desse órgão Judiciário — Nulidade —
Inocorrência de interrupção da prescrição penal — Consumação do lapso
prescricional — Extinção da punibilidade. O respeito ao princípio do juiz
natural — que se impõe à observância dos órgãos do Poder Judiciário —
traduz indisponível garantia constitucional outorgada a qualquer acusado,
em sede penal. O Supremo Tribunal Federal qualifica-se como juiz natural dos
membros do Congresso Nacional (RTJ 137/570 — RTJ 151/402), quaisquer que
sejam as infrações penais a eles imputadas (RTJ 33/590), mesmo que se cuide de
simples ilícitos contravencionais (RTJ 91/423) ou se trate de crimes sujeitos à
competência dos ramos especializados da Justiça da União (RTJ 63/1 — RTJ 166/
785-786). Precedentes. Somente o Supremo Tribunal Federal, em sua condição
de juiz natural dos membros do congresso nacional, pode receber denúncias
contra estes formuladas. A decisão emanada de qualquer outro Tribunal judiciá-
rio, que implique recebimento de denúncia formulada contra membro do Con-
gresso Nacional, reveste-se de nulidade, pois, no sistema jurídico brasileiro, so-
mente o Supremo Tribunal Federal dispõe dessa especial competência, considera-
da a sua qualificação constitucional como juiz natural de Deputados Federais e
Senadores da República, nas hipóteses de ilícitos penais comuns. Precedentes. O
recebimento da denúncia, por órgão judiciário absolutamente incompetente,
não interrompe a prescrição penal. O recebimento da denúncia, quando efetua-
do por órgão judiciário absolutamente incompetente, não se reveste de eficácia
interruptiva da prescrição penal, eis que decisão nula não pode gerar a conseqüência
jurídica a que se refere o art. 117, I, do Código Penal. Precedentes. Doutrina.” (Inq
(QO) 1.544, Rel. Min. Celso de Melo, DJ de 14-12-01)
c) “Reclamação — Recebimento, por magistrado de primeira instância,
de denúncia oferecida contra trinta e dois indiciados, dentre os quais figura um
Deputado Federal, no pleno exercício de seu mandato — Usurpação da compe-
tência penal originária do Supremo Tribunal Federal — Nulidade — Reclama-
ção que se julga procedente. O respeito ao princípio do juiz natural — que se
impõe à observância dos órgãos do Poder Judiciário — traduz indisponível
garantia constitucional outorgada a qualquer acusado, em sede penal. O Su-
premo Tribunal Federal qualifica-se como juiz natural dos membros do Congresso
Nacional (RTJ 137/570 — RTJ 151/402), quaisquer que sejam as infrações pe-
nais a eles imputadas (RTJ 33/590), mesmo que se cuide de simples ilícitos
14 R.T.J. — 195

contravencionais (RTJ 91/423) ou se trate de crimes sujeitos à competência dos


ramos especializados da Justiça da União (RTJ 63/1 — RTJ 166/785-786). Prece-
dentes. Somente o Supremo Tribunal Federal, em sua condição de juiz natural
dos membros do Congresso Nacional, pode receber denúncias contra estes for-
muladas. — A decisão emanada de qualquer outro Tribunal judiciário, que impli-
que recebimento de denúncia formulada contra membro do Congresso Nacional,
configura hipótese caracterizadora de usurpação da competência penal originária
desta Suprema Corte, revestindo-se, em conseqüência, de nulidade, pois, no siste-
ma jurídico brasileiro, somente o Supremo Tribunal Federal dispõe dessa especial
competência, considerada a sua qualificação constitucional como juiz natural de
Deputados Federais e Senadores da República, nas hipóteses de ilícitos penais
comuns. Precedentes.” (Rcl 1.861, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 21-6-02)
d) “I. STF: competência penal originária por prerrogativa de função que,
cuidando-se de titular de mandato eletivo, firma-se na data de diplomação e faz
nulo o recebimento da denúncia posterior a ela. II - Processo penal de competência
originária dos tribunais: irrecusabilidade do pedido de arquivamento de inquérito
ou outra peça de informação quando formulada pelo Procurador-Geral competente
e fundada na falta de base de fato para a denúncia.” (AP (QO) 371, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 4-6-04)
Nesses termos, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o meu
voto é pela decretação da nulidade da denúncia e do seu recebimento.
Nulos o oferecimento e o recebimento da denúncia, entendo prematuro decidir-se
acerca do pedido de desmembramento do processo.
Ademais, destaco os seguintes excertos da denúncia, verbis:
Como se viu, as fraudes descritas estão revestidas de complexidade típica de
uma organização criminosa, com divisão de funções e de grupos de agentes, cada
qual agindo, em diferentes Estados-membros, para a consecução final do delito.”
(fl. 51)
“Por tudo que restou narrado, os denunciados Roseana Sarney, Jorge
Murad, Alexandre Falcão e Arnaldo Silveira, com unidade de desígnios e com a
divisão de tarefas, típico das organizações criminosas, atuaram decisivamente para
a aprovação do projeto Usimar.” (Fl. 63)
Com efeito, na própria denúncia, descreve o Ministério Público a suposta atuação
de uma “organização criminosa”, o que não autoriza, pelo menos neste momento, a
divisão do feito.
É como voto.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Senhora Presidente, o denunciado ocupa cargo de Secre-
tário de Estado Extraordinário. Há direito à prerrogativa de foro. A denúncia não poderia
ter sido oferecida à Justiça Federal de primeiro grau; é nula, tanto ela quanto o seu
recebimento.
R.T.J. — 195 15

Essa Corte teria, mesmo no curso do processo, a faculdade de expedir ofício de


ordem de habeas corpus em favor do requerente, nos termos do art. 193, inciso III, do
nosso Regimento.
Acompanho o voto do eminente Relator.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidente, vou insistir no ponto que enfo-
quei anteriormente. Esse tema foi submetido ao Tribunal Regional Federal, que afastou,
por isso ou por aquilo — e já temos como premissa a insubsistência da fundamentação —, a
prerrogativa de foro. A decisão precluiu na via recursal. Foi formalizada em habeas
corpus e, por isso, não gera, em primeiro lugar, preclusão material. Em segundo lugar,
sabemos que o habeas corpus não está sujeito às peias sequer da coisa julgada. Todavia,
podemos simplesmente reexaminar a matéria, constante de acórdão, por força de uma
petição da parte interessada? A meu ver, não. Podemos sim, constatando ato de constran-
gimento no processo, acionar o artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal e conce-
der, de ofício, a ordem, para fulminar o recebimento da denúncia; para fulminar, até
mesmo como ressaltado pelo Relator, a própria denúncia, porque subscrita por quem não
era o promotor natural da causa.
Preso a esse aspecto, para não transigir a respeito, adiro ao voto do Relator, mas
resolvendo a questão de ordem para conceder o habeas corpus de ofício e fulminar a
denúncia e, conseqüentemente, o recebimento da denúncia.

EXTRATO DA ATA
Inq 2.051-QO/TO — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Autor: Ministério Pú-
blico Federal. Indiciados: Jader Fontenelle Barbalho (Advogados: Edison Messias
de Almeida e outro e José Eduardo Rangel de Alckmin), Jorge Francisco Murad
Júnior (Advogados: Antônio Carlos de Almeida Castro e outro), Teodoro Hübner
Filho (Advogados: Eduardo Casillo Jardim e outro), José Artur Guedes Tourinho (Advo-
gados: Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho e outro), Maurício Benedito Barreira Vas-
concelos (Advogados: Alberto da Silva Campos e outro), Maria Auxiliadora Barra Martins
(Advogada: Maria do Socorro Miralha de Paiva Neves), Antônio José Costa de Freitas
Guimarães (Advogado: Edison Messias de Almeida), Valmor Felipetto (Advogados: Anto-
nio Acir Breda e outro), Amauri Cruz Santos (Advogados: Domingos Caporrino Neto e
outro), Magaly Hubner (Advogados: Emerson Luiz Laurenti e outro), Ulbi Arlant (Ad-
vogado: Fausto Pereira de Lacerda Filho e outro), Roderjan Busato (Advogado: Paulo
César Hertt Grande), Alexandre Rizzotto Falcão (Advogado: Eduardo José Leal Moreira),
Adaljor Dlugonski Lemos (Advogado: Marcos Gomes Salvador), Paulo Ivan Alberti
(Advogado: Gerson Massignan Mansani), Márcia Pastor da Silva Pinheiro (Advogado:
Angelo Demetrius de Albuquerque Carrascosa), Antonio dos Santos Ferreira Neto (Advo-
gado: Angelo Demetrius de Albuquerque Carrascosa), Raimundo Rogério Dias Maga-
lhães (Advogados: Angelo Demetrius de Albuquerque Carrascosa e outro), Madson
Antônio Brandão da Costa (Advogados: Sábato Giovani Megale Rossetti e outro),
Antônio Alves de Oliveira Filho (Advogada: Rita Conceição Lopes de Matos), Mário
Jorge de Macêdo Bríngel (Advogado: Sílvio da Costa Batista), Honorato Luís Lima
16 R.T.J. — 195

Cosenza Nogueira (Advogado: Angelo Demetrius de Albuquerque Carrascosa), Admil-


son Fernando de Oliveira Monteiro (Advogados: Angelo Demetrius de Albuquerque
Carrascosa e outro), Maria José Corrêa Alves (Advogados: Angelo Demetrius de Albu-
querque Carrascosa e outro).
Decisão: O Tribunal, por maioria, resolveu a questão de ordem no sentido de
decretar a nulidade da denúncia e de seu recebimento, e prejudicado o pedido de des-
membramento do inquérito, nos termos do voto do Relator, ressalvada a posição do
Ministro Marco Aurélio, que concedia habeas corpus de ofício para o mesmo efeito.
Votou a Presidente. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Nelson Jobim (Presidente) e
Carlos Velloso. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 16 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.257 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Governador do Estado de São Paulo — Requerida: Assembléia Legis-
lativa do Estado de São Paulo
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 26 da Lei Complementar
n. 851/98 do Estado de São Paulo. Matéria processual. Inconstitucionalidade
formal.
1. À União, nos termos do disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição
do Brasil, compete privativamente legislar sobre direito processual.
2. Lei estadual que dispõe sobre atos de Juiz, direcionando sua atua-
ção em face de situações específicas, tem natureza processual e não mera-
mente procedimental.
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionali-
dade do artigo 26 da Lei Complementar n. 851, de 9 de dezembro de 1998, do Estado de
São Paulo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.
R.T.J. — 195 17

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado de São Paulo ajuizou ação
direta, com pedido de medida cautelar, na qual pleiteia a declaração de inconstituciona-
lidade do artigo 26 da Lei Complementar n. 851/98, daquele Estado-Membro, que tem
o seguinte teor:
“Art. 26. Observar-se-á o procedimento previsto no art 28 do Código de
Processo Penal, nos seguintes casos:
I - se o Juiz deixar de acolher a proposta do Ministério Público prevista no art.
76, da Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995;
II - se o Juiz entender cabível a proposta mencionada no inciso anterior, não
oferecida pelo Ministério Público;
III - se o Juiz deixar de acolher a suspensão do processo proposta pelo Minis-
tério Público, nos termos do art. 89, da Lei federal n. 9.099, de 26 de setembro de
1995.”
2. O requerente, entendendo haver afronta ao artigo 2º da Constituição de 1988,
alega que “em qualquer dos casos previstos no dispositivo impugnado há ato judicial
que, se aplicável o procedimento previsto no art. 28, do Código de Processo Penal,
implicaria sua submissão ao Procurador-Geral de Justiça”.
3. A Assembléia Legislativa prestou informações nas quais sustenta haver compa-
tibilidade formal entre o ato atacado e o texto constitucional, pois aquele trata de proce-
dimento e não de processo. Acrescentou que o preceito impugnado está em “perfeita
sintonia com as funções do Ministério Público” [fls. 35/46 e 87/97].
4. A medida cautelar foi deferida, em 14 de fevereiro de 2001, sob o argumento de
que a matéria disciplinada pelo texto normativo em análise é processo — não procedi-
mento — nos termos do disposto no artigo 22, inciso I, da CB/88, compete privativa-
mente à União legislar sobre processo [fls. 68/81].
5. O Advogado-Geral da União manifestou-se pela procedência do pedido formu-
lado por entender que os preceitos atacados afrontam o artigo 22, inciso I, da Constitui-
ção do Brasil [fls. 99/101].
6. O Procurador-Geral da República opinou pela procedência do pedido de declaração
de inconstitucionalidade, confirmando-se a decisão cautelar, já que o Estado-Membro não
pode legislar sobre matéria pertinente a direito processual [fls. 102/105].
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
[RISTF, art. 172].

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como ressaltado por esta Corte quando do
deferimento da medida cautelar, a matéria tratada pelo preceito impugnado é de conteúdo
processual e não meramente procedimental.
18 R.T.J. — 195

2. O texto normativo atacado dispõe sobre atos do Juiz nos processos sujeitos ao
rito da Lei n. 9.099/95, direcionando sua atuação quando deixar de acolher ou entender
cabível a proposta de transação penal, ou quando discordar da proposta de suspensão do
processo formulada pelo membro do Ministério Público, além de criar hipóteses de
intervenção do Procurador-Geral de Justiça nos processos criminais subordinados aos
ditames daquela Lei. Trata-se de matéria eminentemente processual, a propósito da qual
legislação estadual não pode dispor, visto que aos Estados-Membros é facultado legis-
lar, concorrentemente, apenas sobre procedimentos. Nos dizeres de Carnelutti1, procedi-
mento “é uma sucessão de atos não só finalmente mas também causalmente vinculados,
porquanto cada um deles supõe o precedente e assim o último supõe o grupo todo”,
distinguindo-se de processo, que é “o conjunto de todos os atos necessários em cada
caso para a composição da lide”.
3. Assim, a competência legislativa concorrente dos Estados-Membros deve se
restringir à edição de leis que disponham sobre matéria procedimental, isto é, sobre a
sucessão coordenada dos atos processuais, no que se refere à forma, ao tempo e ao lugar
de sua realização, e com o cuidado de não usurpar a competência da União para legislar
sobre normas de caráter geral.
4. Destarte, patenteada a ofensa ao artigo 22, inciso I, da Constituição, é de ser
declarada a inconstitucionalidade do texto normativo [nesse sentido: ADI n. 1.916/MC,
Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 26-10-2001 e ADI 371, Relator o Ministro
Maurício Corrêa, DJ de 23-4-2004].
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e declaro a
inconstitucionalidade do artigo 26 da Lei Complementar n. 851/98 do Estado de São
Paulo.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, deixo consignado que, no caso,
há procedência da ação por vício de incompetência. Mas não há, a meu ver, nenhuma
lesão à interpretação que aqui se deu, conforme nossa jurisprudência, com relação à
proposta da suspensão condicional, ou à não-proposta da suspensão condicional do
processo pelo Promotor (HC 73.343, Red. Pertence).

EXTRATO DA ATA
ADI 2.257/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador do Estado
de São Paulo (Advogado: PGE/SP – Márcio Sotelo Felippe). Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo.

1 CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil, v. 1 Tradução: Adrián Sotero de Witt


Batista. Campinas : Servanda, 1999, pp. 472-473.
R.T.J. — 195 19

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação e declarou a


inconstitucionalidade do artigo 26 da Lei Complementar n. 851, de 9 de dezembro de
1998, do Estado de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente,
Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.750 — ES

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Governador do Estado do Espírito Santo — Requerida: Assembléia
Legislativa do Estado do Espírito Santo
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 239/02
do Estado do Espírito Santo. Disposições concernentes a órgãos públicos e
a abertura de crédito suplementar. Iniciativa parlamentar. Vício formal.
1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-Membros a
capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), im-
põe a observância compulsória de vários princípios, entre os quais o per-
tinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não
pode validamente dispor sobre matérias reservadas à iniciativa privati-
va do Chefe do Executivo.
2. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,
por unanimidade, julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade da Lei Com-
plementar n. 239, de 6 de maio de 2002, do Estado do Espírito Santo, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Governador do Estado do Espírito Santo, com funda-
mento no art. 103, inciso V, da Constituição do Brasil, propõe ação direta objetivando a
20 R.T.J. — 195

declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 239, de 7 de maio de 2002,


do Estado do Espírito Santo.
2. Eis o teor do texto normativo hostilizado:
“Lei Complementar n. 239
Altera a Lei Complementar n. 81 de 29-2-1996, que institui o Sistema
Estadual de Política Agrícola, Agrária e Pesqueira do Espírito Santo –
SEPAAP e a Lei Complementar n. 169, de 14-12-1999, e dá outras providên-
cias.
Art 1º Os dispositivos do art. 4º, da Lei Complementar n. 169, de 14-12-1999,
enumerados a seguir, passam a vigorar com a seguinte redação:
‘Art 4 (...)
I- Órgãos Centrais:
a) Secretaria de Estado da Agricultura – SEAG;
b) Entidades da Administração Indireta vinculadas à SEAG;
1. Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo – IDAF;
2. Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural –
INCAPER;
3. Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Espirito Santo – CDA-ES;
4. Centrais de Abastecimento S/A do Espírito Santo – CEASA-ES’.
Art 2º Os dispositivos da Lei Complementar n. 81, de 29-2-1996, enumera-
dos a seguir, passam a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 20. O Poder Executivo constituirá uma Sociedade Anônima de Econo-
mia Mista, sob denominação de Companhia de Desenvolvimento Agrícola do
Espírito Santo – CDA-ES, observados os termos da Legislação que dispõe sobre as
Sociedades Anônimas por ações, vinculada a Secretaria de Estado da Agricultura.
Art. 21. O Poder Executivo promoverá a liquidação da Companhia de Arma-
zéns e Silos do Espírito Santo – CASES, da Companhia Integrada de Desenvolvi-
mento Agrícola do Espírito Santo – CIDA-ES.
Art. 22. A Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Espírito Santo –
CDA-ES, reger-se-á pela Legislação vigente e pelas disposições do seu Estatuto
Social visando a execução das Políticas de Classificação de Produtos e Subprodutos
de Agropecuário, Mecanização Agrícola, Infra-estrutura Rural.
Art. 25. (...)
I - (...)
II - Diretoria Executiva composta por:
a) Diretor Presidente; e,
b) Diretoria Técnica.
III – A nível de Execução Programática três departamentos, sendo:
R.T.J. — 195 21

a) Departamento de Classificação;
b) Departamento Administrativo e Financeiro;
c) Departamento de Planejamento e Infra-estrutura.’
Art. 3º Fica suspensa a liquidação das Centrais de Abastecimento do Espírito
Santo S/A – CEASA/ES, que passa a incorporar o Sistema Estadual de Política
Agrícola, Agrária e Pesqueira do Espírito Santo – SEPAAP.
Art. 4º As Centrais de Abastecimento do Espírito Santo S/A – CEASA/ES,
reger-se-á, pela Legislação vigente e pelas disposições do seu Estatuto Social,
visando a execução das Políticas de Abastecimento e Comercialização, bem como,
apoiar programas especiais de programas popular, administrar espaços próprios de
comercialização, em articulação com Prefeituras e Organizações de Produtores,
tais como Centrais de Abastecimento no Norte e Sul do Estado.
Art. 5º Fica o Poder Executivo autorizado a abrir os créditos adicionais
necessários ao cumprimento desta Lei.
Art. 6º O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, no prazo de 180
(cento e oitenta) dias, ressalvado a folha de pagamento dos trabalhadores que
deverá ser paga a contar da data de sua publicação.
Art. 7º Revogam-se os arts. 6º, 7º, 18, 19, 23, 27 e 31 da Lei Complementar n.
81, de 29.02.1996.
Art. 8º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação”.
3. Afirma o requerente que o preceito impugnado viola os artigos 2º; 61, § 1º,
inciso II, alínea e; 84, inciso II e VI, alínea a; 63, inciso I; 166, §§ 3º e 4º; 167, inciso V;
e 173, § 1º e incisos, da Constituição do Brasil.
4. Primeiramente, sustenta que a Lei Complementar n. 239 desrespeitou o artigo
61, 1º, inciso II, alínea e, da Constituição, uma vez que seria de iniciativa privativa do
Chefe do Poder Executivo a deflagração do processo legislativo visando à extinção e
criação de entidades públicas. O requerente afirma que “a Assembléia Legislativa do
Estado do Espírito Santo, em desrespeito à determinação constitucional, iniciou o pro-
cesso legislativo de lei regulamentadora de órgãos do executivo” (fl. 09).
5. Alega ainda afronta ao artigo 84, incisos II e VI, alínea a, da Constituição, visto
que constitui função típica do Poder Executivo praticar atos de funcionamento da má-
quina estatal. Sendo assim, o Poder Legislativo somente poderia legislar sobre os servi-
ços administrativos em sua esfera de competência, sendo-lhe defeso “regulamentar, criar,
liquidar ou suspender a liquidação de órgãos públicos, além de modificar a estrutura
operacional da política agrícola, pecuária e pesqueira estadual, como se a ele fosse
possível definir quais são as metas e prioridades administrativas do Poder Executivo
para essas áreas” (fl. 13).
6. Ademais, segundo o requerente, o preceito atacado viola o artigo 173, § 1º, da
Constituição, já que não atende aos imperativos de segurança ou interesse público,
mencionados na parte final do artigo 173 da CB/88. Assevera que cabe ao Poder Executivo,
gerenciador do erário e administrador das políticas públicas, aferir se as circunstâncias
econômicas e sociais do momento permitiriam a criação ou extinção de uma sociedade
de economia mista.
22 R.T.J. — 195

7. No que se refere à alegada ofensa aos artigos 63, inciso I; 166, §§ 3º e 4º; e 167,
inciso V, da Constituição, o requerente sustenta que a criação de órgão público gera
despesa, não cabendo ao Poder Legislativo determinar a abertura de créditos orçamentá-
rios adicionais sem invadir, mais uma vez, a competência exclusiva do Governador de
Estado. Ressalta ainda que a abertura de créditos suplementares, consoante dispõe o
artigo 167, inciso V, da CB/88, deve vir necessariamente acompanhada da indicação
dos recursos correspondentes.
8. Por fim, o requerente aduz que a lei impugnada afronta os princípios da harmo-
nia e da independência dos Poderes, previstos no artigo 2º da CB/88, ao disciplinar
assunto concernente a “órgãos públicos e à esfera administrativa funcional do Poder
Executivo” (fl. 22).
9. Em face da relevância da matéria, o Ministro Nelson Jobim, Relator à época,
determinou, na forma do artigo 12 da Lei n. 9.868/99, a oitiva do Advogado-Geral da
União e do Procurador-Geral da República (fl. 70).
10. A Advocacia-Geral da União manifestou-se às fls. 72/77 e, no que se refere à
alegada afronta aos artigos 61, § 1º, inciso II, alínea e; 84, inciso II e VI, alínea a; e 173,
§ 1º, e incisos, destacou precedentes desta Corte que sugerem a inconstitucionalidade da
lei estadual. Quanto à suposta violação aos artigos 63, inciso I; 166, §§ 3º e 4º; e 167,
inciso V, discorda da tese apresentada pelo requerente, afirmando que apenas uma leitu-
ra transversa desses artigos levaria à conclusão de que o texto normativo impugnado os
teria ofendido.
11. O Procurador-Geral da República, em seu parecer de fls. 79/86, opinou pela
procedência do pedido. Afirma que o preceito em análise padece de inconstitucionali-
dade formal ao tratar da criação, estruturação e atribuições do Sistema Estadual de Polí-
tica Agrícola, Agrária e Pesqueira do Espírito Santo — matéria reservada ao Chefe do
Poder Executivo Estadual pela Constituição de 1988.
12. A Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo apresentou informa-
ções às fls. 88/93, sustentando que o Poder Legislativo estadual, ao editar a lei ataca-
da, agiu respeitando a esfera de competência dos demais poderes e que a criação das
entidades contidas no preceito normativo visava a atender necessidade urgente do
Estado-Membro. Apresenta documentos referentes ao processo de elaboração da Lei
Complementar n. 239.
É o relatório, do qual se extrairão cópias para remessa aos Senhores Ministros
(RISTF, art. 172).

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O ato legislativo atacado determina ao Poder
Executivo a criação de uma sociedade de economia mista em substituição a duas outras
sociedades, cuja liquidação é imposta pelo mesmo texto normativo, além de disciplinar a
estrutura administrativa do novo ente e prever a abertura dos créditos adicionais necessários.
R.T.J. — 195 23

2. O preceito em questão versa sobre matéria de estrita competência do Chefe do


Poder Executivo estadual, a quem incumbe dispor, com exclusividade, sobre a criação
de órgãos e entidades da administração pública (CB, artigo 61, § 1º, inciso II, alínea e1).
Sem embargo do veto aposto pelo Governador do Estado, a proposição legislativa foi
convertida em lei que, mercê da manifesta usurpação da competência exclusiva do
requerente, é afetada por vício formal insanável.
3. É que a Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-Membros a capacidade
de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observân-
cia de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que
o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa
privativa do Chefe do Executivo. Nesse sentido, transcrevo trecho do voto do Ministro
Celso de Mello, na ADI/MC n. 1.391-2/SP:
“A disciplina normativa pertinente ao processo de criação, estruturação e
definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da Administração
Pública estadual traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na
esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo local, em face da
cláusula de reserva inscrita no art. 61, § 1º, II, e, da Constituição da República, que
consagra princípio fundamental inteiramente aplicável aos Estados-Membros em
tema de processo legislativo. Precedentes do STF.
[...]
O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito,
gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico
de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitu-
cionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do
ato legislativo eventualmente editado. Precedentes do STF”.
(ADI-MC n. 1.391-2/SP, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 28-11-97)
4. Com efeito, o Pleno desta Corte pacificou jurisprudência no sentido de que os
Estados-Membros devem obediência às regras de iniciativa legislativa reservada, fixa-
das constitucionalmente, sob pena de violação ao clássico modelo de tripartição de
Poderes consagrado pelo constituinte originário (ADI n. 805, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 12-3-99; ADI n. 645, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 13-12-96; ADI

1 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da
Câmara dos Deputados do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cida-
dãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
[...]
II - disponham sobre:
[...]
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84,
VI.
24 R.T.J. — 195

n. 665, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 6-9-95; e ADI n. 227, Relator o


Ministro Maurício Corrêa, DJ de 18-5-2001).
Ante essas circunstâncias, julgo procedente a ação e declaro inconstitucional a Lei
Complementar n. 239, de 7 de maio de 2002, do Estado do Espírito Santo.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.750/ES — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Governador do Estado
do Espírito Santo (Advogados: PGE/ES – Flávio Augusto Cruz Nogueira e outro).
Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação e declarou a
inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 239, de 6 de maio de 2002, do Estado do
Espírito Santo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson
Jobim. Falou pelo requerente o Dr. André Luis Garini de Oliveira. Ausente, justificada-
mente, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles.
Brasília, 6 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECLAMAÇÃO 2.833 — RR

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Reclamante: Ministério Público Federal — Litisconsorte ativo: União — Reclamados:
Juiz Federal da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima e Tribunal Regional Federal da
1ª Região — Interessados: Silvino Lopes da Silva e outro, Francisco Mozarildo de Melo
Cavalcanti, Maria Suely Silva Campos e Augusto Affonso Botelho Neto — Assistente: Estado
de Roraima
Reclamação. Usurpação da competência. Processos judiciais que
impugnam a Portaria n. 820/98 do Ministério da Justiça. Ato normativo que
demarcou a reserva indígena denominada Raposa Serra do Sol, no Estado
de Roraima.
— Caso em que resta evidenciada a existência de litígio federativo
em gravidade suficiente para atrair a competência desta Corte de Justiça
(alínea f do inciso I do art. 102 da Lei Maior).
— Cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar ação
popular em que os respectivos autores, com pretensão de resguardar o
R.T.J. — 195 25

patrimônio público roraimense, postulam a declaração da invalidade da


Portaria n. 820/98 do Ministério da Justiça. Também incumbe a esta
Casa de Justiça apreciar todos os feitos processuais intimamente relacio-
nados com a demarcação da referida reserva indígena.
— Reclamação procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal


Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a reclamação para o efeito de
reconhecer a competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento dos seguintes
feitos: Ação Popular n. 9994200000014-7 (1ª Vara Federal de Roraima); Agravo de
Instrumento n. 2004.01.00.10111-0 (TRF da 1ª Região); Agravo de Instrumento n.
2004.01.00.11116-9 (TRF da 1ª Região); Agravo Regimental na Suspensão de Liminar
n. 94 (Superior Tribunal de Justiça); Ação Possessória n. 2004.42.00.001122-1 (1ª Vara
Federal de Roraima); Ação Possessória n. 2004.42.00.001123-5 (1ª Vara Federal de
Roraima); Ação Possessória n. 2004.42.00.001374-6 (1ª Vara Federal de Roraima);
Ação Possessória n. 2004.42.00.001760-6 (1ª Vara Federal de Roraima); Agravo de
Instrumento n. 2004.01.00.46273-8 (TRF da 1ª Região); Agravo de Instrumento n.
2004.01.00.01123-5 (TRF da 1ª Região); Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.47500-
4 (TRF da 1ª Região), vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Celso de
Mello, que a julgavam improcedente. Subseqüentemente, o Tribunal reconheceu a per-
da superveniente de objeto dos feitos relacionados, ante a edição da Portaria n. 534/05,
do Ministério da Justiça, como também declarou a prejudicialidade dos agravos regi-
mentais interpostos no bojo desta reclamatória, tudo nos termos do voto do Relator.
Votou a Presidente. Declarou impedimento o Ministro Nelson Jobim (Presidente).
Brasília, 14 de abril de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Carlos Ayres Britto,
Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de reclamação constitucional manejada


pelo Ministério Público Federal, com pedido de medida liminar, na qual se argúi usurpação
da competência deste Supremo Tribunal Federal.
2. Sustenta o reclamante que Silvino Lopes da Silva e outros propuseram, em face
da União Federal, a Ação Popular n. 9994200000014-7. Aduz que, por meio de tal ação
popular, buscam os autores discutir a validade jurídica da Portaria n. 820/98 do Minis-
tério da Justiça, que demarcou a área indígena “Raposa Serra do Sol”. Daí argumentar
que:
26 R.T.J. — 195

“(...)
a discussão central que se tem na presente lide diz com a preservação, por
parte dos autores da ação popular, da área física do Estado de Roraima que,
segundo eles, queda reduzida em 50% a vingar os limites traçados na Portaria
demarcatória (...), ao passo que a Funai e a União Federal sustentam que os limites,
como traçados na questionada Portaria, espelham terras indígenas, sobre as quais
o Estado-membro da Federação não tem qualquer ingerência, mas sim a União
Federal.
Assim posta a questão, não resta a menor dúvida que há conflito federativo,
como delineado na alínea f, do inciso I, do artigo 102, da Constituição Federal
(...)”
3. Prossigo na tarefa de delimitar o quadro fático da presente causa, para anotar
que, às fls. 38/40, deferi o provimento acautelador requestado na inicial. E o fiz para
determinar a suspensão, até o julgamento de mérito deste feito: a) da referida ação
popular, em trâmite perante a 1a Vara da Seção Judiciária de Roraima; e b) do Agravo de
Instrumento n. 2004.01.00.011002-0, em curso no Tribunal Regional Federal da 1a
Região; como também suspendi os efeitos das medidas liminares concedidas no bojo
desses feitos.
4. Nesse diapasão, importa ainda averbar que, tendo em vista as razões insertas nos
petitórios de fls. 63, 202 usque 205 e 518 usque 542, estendi os efeitos da cautelar concedida
às fls. 38/40, de sorte a também impedir o andamento dos seguintes processos:

Processo (Classe/Número) Juízo ou Tribunal

Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.10111-0 TRF da 1ª Região


Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.11116-9 TRF da 1ª Região
Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 94 Superior Tribunal de Justiça
Ação Possessória n. 2004.42.00.001122-1 1ª Vara Federal de Roraima
Ação Possessória n. 2004.42.00.001123-5 1ª Vara Federal de Roraima
Ação Possessória n. 2004.42.00.001374-6 1ª Vara Federal de Roraima
Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.46273-8 TRF da 1ª Região
Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.01123-5 TRF da 1ª Região
Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.47500-4 TRF da 1ª Região

5. Pois bem, contra o decisório que deferiu a cautela (fls. 38/40), interpôs o Estado
de Roraima agravo regimental (fls. 181/193). Mas não só ele. Também o fizeram Ivo
Barili (fls. 407/416), Ivalcir Centenaro (fls. 419/426) e Jaqueline Magalhães Lima (fls.
430/439). De outra parte, os Senadores Francisco Mozarildo de Melo Cavancanti e
Augusto Affonso de Botelho Neto, bem como a Deputada Federal Maria Suely Silva
Campos, foram por mim admitidos no presente feito, na qualidade de interessados.
6. A seu turno, os reclamados prestaram as respectivas informações.
R.T.J. — 195 27

7. Cabe anotar, por derradeiro, que, no dia 13-4-2005, o reclamante protocolizou a


Petição n. 39.504, na qual noticia edição, pelo Ministério da Justiça, da Portaria n. 534/
2005, ato normativo, esse, que teria alterado a Portaria n. 820/98. Daí por que pugna pela
procedência do pedido, bem como pelo reconhecimento da prejudicialidade de “todos
os feitos em todas as instâncias inferiores a envolver a Área Indígena Raposa Serra do
Sol”.
Este o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Antes de tudo, Senhor Presidente,
penso que o debate jurídico a ser travado neste caso deve limitar-se ao exame do acerto,
ou não, da tese de que a competência desta Suprema Corte vem sendo indevidamente
assenhoreada pelos reclamados. Para tanto, importa saber se há, na espécie, um conflito
capaz de fragilizar os laços que prendem entre si as pessoas políticas que se integram na
Federação brasileira.
10. Ora bem, relanceando os olhos para o caso em vitrine, cumpre observar que os
requerentes da Ação Popular n. 9994200000014-7 buscam proteger o patrimônio público
roraimense, atacando a validade jurídica da Portaria n. 820/98 do Ministério da Justiça.
E o fato é que esse instrumento normativo, que demarcou a reserva indígena “Raposa
Serra do Sol”, foi editado pela União no exercício da competência que lhe foi outorgada
pela Carta-cidadã. Confira-se:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicional-
mente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos
o seus bens.” (Original sem destaques)
11. Calha, nesta quadra, abrir um parêntese para dizer que não se deve entender
descaracterizado o conflito federativo, ante a circunstância de que a mencionada ação
foi proposta não pelo Estado de Roraima, mas por particulares. É que, segundo já deci-
dido por esta Casa Maior da Justiça brasileira, o litígio federativo entre um Estado-
Membro e a União resta configurado no caso de ação popular “em que os autores,
pretendendo agir no interesse de um Estado-Membro, postulam a anulação de decreto
do Presidente da República e, pois, de ato imputável à União” (Rcl 424, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence).
12. No fluxo dessa compreensão das coisas, é de se reconhecer que a impugnação
da validade jurídica da citada Portaria n. 820/98 do Ministério da Justiça acarreta:
a) uma peculiar situação de desconsideração da competência constitucional que
detém a União para efetuar os procedimentos de demarcação de áreas indígenas (CF, art.
231), e
28 R.T.J. — 195

b) uma lesão ao princípio da homogeneidade federativa, este a significar a costura


da conciliação possível de interesses entre pessoas que se dotam de autonomia política1.
13. Bem vistas as coisas, não há dúvida de que o objeto da citada Ação Popular n.
9994200000014-7, assim como dos feitos processuais dela originados, põe em posições
temerariamente antagônicas pessoas de estatura federativa. A esse respeito, cumpre tra-
zer à colação o preciso magistério do Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, elaborado
com o fito de identificar os traços caracterizadores do litígio entre os entes que compõem
a Federação pátria2. Veja-se:
“(...)
São, pois condições para um litígio desta natureza: 1. a ocorrência de um
conflito de interesses entre unidades autônomas em decorrência de atos que estão
na competência da unidade; 2. uma reação de desconfirmação daqueles atos por
parte de uma delas, o que importa um problema de descrédito (embora, não de
negação) de sua autonomia; e 3. quebra do princípio da homogeneidade”.
14. Esse o claro sentido da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, segun-
do o qual a competência estabelecida no art. 102, I, f, da Lei das Leis se restringe “às
hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores
que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o
pacto da Federação” (ACO 359, Rel. Min. Celso de Mello).
15. Evidenciada está, portanto, a existência de litígio federativo em gravidade
suficiente para atrair a competência desta nossa Corte de Justiça, a teor do artigo 102,
inciso I, letra f, da Constituição Federal de 1988.
16. Há mais o que dizer. É que o Ministério da Justiça editou, no dia 13 de abril de
2005, a Portaria n. 534/05, por meio da qual a União ratificou, porém com sensíveis
ressalvas, a precitada Portaria n. 820/98. Ao fazê-lo, buscou a União “harmonizar os
grandes interesses públicos nacionais envolvidos: os direitos constitucionais dos índios,
as condições indispensáveis para a defesa do território e da soberania nacionais, a
preservação do meio ambiente, a proteção da diversidade étnica e cultural e o princí-
pio federativo” (fl. 759).

1 Na tarefa de explicar os traços identificadores da nossa Federação, ensina o Professor Raul Machado
Horta que a sua diversidade organizatória recebe o contraste do princípio da homogeneidade, que
dissolve as antinomias dentro da federação. Para preservar a diversidade dentro da homogeneidade, a
autonomia do Estado-Membro passa a receber normas centrais crescentes no texto da Constituição
Federal. As normas dos direitos e garantias fundamentais, as normas de repartição de competências, as
normas dos direitos políticos, as normas de pré-ordenação dos poderes do Estado-Membro, entre
outras, constituem os centros de irradiação das normas centrais da Constituição, que, no federalismo
brasileiro de 1988, se projetaram na modelagem e conformação da autonomia do Estado-Membro,
com incidência na atividade constituinte, na atividade legislativa, na atividade administrativa e na
atividade jurisdicional do Estado Federado (in Normas Centrais da Constituição Federal, Revista do
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, edição n. 01, 1997, ano XV).
2 in Litígio Constitucional entre Estados-Membros e a Competência do STF. Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, 194: 6-11, outubro/dezembro 1993.
R.T.J. — 195 29

17. Com efeito, da novel Portaria 534/05 se extrai que, da área anteriormente
demarcada, foram excluídos os seguintes espaços físicos e bens materiais (art. 4º):
a) a área do 6º Pelotão Especial de Fronteira (6º PEF), no Município de Uiramutã,
Estado de Roraima;
b) os equipamentos e instalações públicos federais e estaduais atualmente existentes;
c) o núcleo urbano atualmente existente da sede do Município de Uiramutã, no
Estado de Roraima;
d) as linhas de transmissão de energia elétrica; e
e) os leitos das rodovias públicas federais e estaduais atualmente existentes.
18. Vê-se, portanto, que a precitada Portaria n. 534/05 alterou, de modo corpulento
ou substancial, a de número 820/98. Pelo que impende reconhecer a perda supervenien-
te do objeto das ações judiciais apontadas pelo reclamante, devido a que elas impugnam
um ato normativo cujo conteúdo restou substancialmente modificado.
19. Com esses fundamentos, Senhores Ministros, voto pela procedência desta re-
clamação para o fim de reconhecer a competência desta Corte Suprema quanto ao pro-
cesso e julgamento dos seguintes feitos:
Processo (Classe/Número) Juízo ou Tribunal

Ação Popular n. 9994200000014-7 1ª Vara Federal de Roraima


Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.10111-0 TRF da 1ª Região
Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.11116-9 TRF da 1ª Região
Agravo Regimental na Suspensão de Liminar n. 94 Superior Tribunal de Justiça
Ação Possessória n. 2004.42.00.001122-1 1ª Vara Federal de Roraima
Ação Possessória n. 2004.42.00.001123-5 1ª Vara Federal de Roraima
Ação Possessória n. 2004.42.00.001374-6 1ª Vara Federal de Roraima
Ação Possessória n. 2004.42.00.001760-6 1ª Vara Federal de Roraima
Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.46273-8 TRF da 1ª Região
Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.01123-5 TRF da 1ª Região
Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.47500-4 TRF da 1ª Região

20. Voto, ainda, pelo reconhecimento da perda superveniente do objeto desses


processos, ante a edição da Portaria n. 534/05 do Ministério da Justiça, como também
pela declaração de prejudicialidade dos agravos regimentais interpostos no bojo desta
reclamatória.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidenta, creio que precisamos, para ter como
aplicável a letra j do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal, perquirir as balizas
das ações propostas e que correm na primeira instância. Não creio que estejam, na rela-
ção processual, quer da ação popular, quer das três ações possessórias, o Estado e a
União. A ação popular, em si, é da competência — sempre e sempre, pouco importando
a origem do ato impugnado, até mesmo ato do dirigente maior do País — da primeira
instância, que, portanto, surge como juiz natural.
30 R.T.J. — 195

As possessórias — são três as ajuizadas — também estão no âmbito de atuação do


juízo. E creio que, aqui, trata-se de possessórias ajuizadas por quem se diz, cidadão ou
pessoa jurídica, titular da própria posse. Mais ainda, não creio que possamos transportar
para processos subjetivos algo inerente a processo objetivo. Explico melhor. A vinda à
balha de um diploma não é suficiente a prejudicar a ação em si. Pode interferir na
definição dessa mesma ação, no julgamento da causa em curso, mas jamais prejudicar as
ações ajuizadas. E, a meu ver, consideradas a segurança jurídica, a organicidade e a
dinâmica do próprio Direito, especialmente do Direito instrumental, devemos, tanto
quanto possível, adotar postura, no julgamento da reclamação, sem queima de etapas.
Não vejo com bons olhos, a um só tempo, julgar-se procedente o pedido formulado na
reclamação e, em vez de trazer para cá os processos em curso nos juízos que não seriam
competentes, extinguir essas mesmas ações, esses mesmos processos, sem o julgamento
de mérito.
Não sei a leitura que poderá ser feita de uma conclusão nesse sentido. Por isso, peço
vênia ao Relator para julgar improcedente o pedido formulado na reclamação.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Eminente Ministro, V. Exa. está entendendo que a
competência é do Supremo Tribunal Federal?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Conflito federativo.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Que conflito federativo há?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A União, no exercício de uma competência
constitucional expressa, demarcou uma área no Estado de Roraima. Autores populares
entraram com uma ação dizendo que o Estado de Roraima ficaria prejudicado com
sensível redução do seu território. Segundo eles, ocorreria cinqüenta por cento de redu-
ção do Estado.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Os autores populares afirmam isso?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sim.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Litigam, alegadamente, em defesa de interes-
ses ou direitos do Estado?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tal como está na Reclamação n. 424.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Substitutos processuais do Estado-Membro: é
a hipótese da ACO 473 (RTJ 168/17).
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Reclamação n. 424, da Relatoria de V. Exa.,
cuja ementa é a seguinte:
“Ação Popular: natureza da legitimação do cidadão em nome próprio, mas na
defesa do patrimônio público: caso singular de substituição processual.
R.T.J. — 195 31

II - STF: competência: conflito entre a União e o Estado: caracterização na


ação popular em que os autores, pretendendo agir no interesse de um Estado-
Membro, postulam a anulação de decreto do Presidente da República” — no caso
foi uma portaria — “e, pois, de ato imputável à União.”
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Eminente Sra. Presidente, peço licença para também
divergir, acompanhando o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio.
O autor popular age sempre em defesa de um bem público, do Poder Público, do
interesse público. No caso, o autor popular entende haver um bem público sendo lesado,
e ajuizou uma ação popular. Não me convenço que esteja ele agindo como Procurador
do Estado, substituto processual do Estado. Ele é, sempre, o autor popular, substituto
processual, agindo sempre em defesa do bem público.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O bem público tem titulares.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, todo bem público tem, de modo que a competên-
cia para o julgamento da ação popular é do juiz de primeiro grau, que é o juiz natural.
Assim, tenho como competente, no caso, o juiz junto ao qual foi requerida a ação popular.
Preliminarmente, portanto, não dou pela competência do Supremo Tribunal Federal,
que seria excepcional. Não a vejo configurada no caso.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, quanto ao objeto da reclama-
ção, peço vênia aos dissidentes para acompanhar o voto do eminente Relator.
Já o sustentei na Reclamação 424, citada por S. Exa., e também na Ação Cível
Originária 473, (RTJ 168/17). Ali não se tratava de ação popular, mas de ação civil
pública na qual o Ministério Público propunha contra o Estado, pretendendo agir na
defesa do patrimônio da União. Entendemos aí existente um conflito substancial entre a
União e o Estado.
Peço vênia apenas ao eminente Relator para dispensar a douta dissertação feita por
S. Exa. quanto à existência do chamado “conflito federativo”. Essa construção redutora
que o Supremo Tribunal fez, a meu ver, só se aplica quando é parte entidade da Adminis-
tração Indireta do Estado ou da União; situando-se o conflito entre a União e o Estado,
a competência é sempre do Supremo Tribunal, independentemente do objeto ou da
natureza da causa.
Assim se decidiu, entre outros casos, na Ação Cível Originária 447, Relator o
eminente Ministro Octavio Gallotti.
Por outro lado, entendo que, se no julgamento da reclamação, de logo se verifica
haver causa extintiva do processo, a economia processual aconselha que, de imediato, se
dê solução à causa.
Ainda muito recentemente, julgamos questão similar (Rcl 1.017, 7-4-05, Pertence,
Inf. STF 382). Tratava-se de uma ação popular — se não estou enganado — que entende-
mos ter objeto próprio e exclusivo de uma ação de inconstitucionalidade por omissão.
Ocorre que o autor popular não era dos legitimados para propor a ADI por omissão, e, por
32 R.T.J. — 195

isso, no próprio julgamento da reclamação, entendemos não por avocar inutilmente um


processo para aqui declarar a parte ilegítima, mas sim, de logo, por extinguir o processo.
Mutatis mutandis é a mesma equação do caso.
Acompanho o eminente Relator apenas com essa observação lateral.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidenta, creio que a competência da Corte é razão
para se chegar à improcedência, porque somos competentes para julgar a reclamação.
Então, não teríamos ficado vencidos quanto à competência. Ficamos vencidos na maté-
ria de fundo propriamente dita da reclamação, que é o pedido formulado para declarar-se
a competência do Supremo.

EXTRATO DA ATA
Rcl 2.833/RR — Relator: Ministro Carlos Britto. Reclamante: Ministério Público
Federal. Liticonsorte ativo: União (Advogado: Advogado-Geral da União). Reclamados:
Juiz Federal da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima e Tribunal Regional
Federal da 1ª Região. Interessados: Silvino Lopes da Silva e outro (Advogados: Luiz
Rittler Britto de Lucena e outro), Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti (Advogado:
Alexander Ladislau Menezes), Maria Suely Silva Campos (Advogados: Alexander
Ladislau Menezes) e Augusto Affonso Botelho Neto (Advogado: Cláudio Vinícius
Nunes Quadros). Assistente: Estado de Roraima (Advogado: PGE/RR – Regis Gurgel
do Amaral Jereissati).
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a reclamação para o efeito de
reconhecer a competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento dos seguintes
feitos: Ação Popular n. 9994200000014-7 (1ª Vara Federal de Roraima); Agravo de
Instrumento n. 2004.01.00.10111-0 (TRF da 1ª Região); Agravo de Instrumento n.
2004.01.00.11116-9 (TRF da 1ª Região); Agravo Regimental na Suspensão de Liminar
n. 94 (Superior Tribunal de Justiça); Ação Possessória n. 2004.42.00.001122-1 (1ª Vara
Federal de Roraima); Ação Possessória n. 2004.42.00.001123-5 (1ª Vara Federal de
Roraima); Ação Possessória n. 2004.42.00.001374-6 (1ª Vara Federal de Roraima);
Ação Possessória n. 2004.42.00.001760-6 (1ª Vara Federal de Roraima); Agravo de
Instrumento n. 2004.01.00.46273-8 (TRF da 1ª Região); Agravo de Instrumento n.
2004.01.00.01123-5 (TRF da 1ª Região); Agravo de Instrumento n. 2004.01.00.47500-
4 (TRF da 1ª Região), vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Celso de
Mello, que a julgavam improcedente. Subseqüentemente, o Tribunal reconheceu a per-
da superveniente de objeto dos feitos relacionados, ante a edição da Portaria n. 534/05
do Ministério da Justiça, como também declarou a prejudicialidade dos agravos regi-
mentais interpostos no bojo desta reclamatória, tudo nos termos do voto do Relator.
Votou a Presidente. Declarou impedimento o Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presi-
diu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da
República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 14 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 195 33

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.928 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.331/99 do Estado de
São Paulo. Possibilidade de estacionamento em locais proibidos. Compe-
tência exclusiva da União para legislar sobre trânsito. Vício formal.
1. Lei estadual que autoriza veículos particulares e de aluguel a
estacionarem em locais indevidos para a aquisição urgente de medica-
mentos ou atendimento grave não encontra respaldo no texto constitucional.
2. Esta Corte, em pronunciamentos reiterados, assentou que a Cons-
tituição de 1988 conferiu exclusivamente à União a competência para
legislar sobre trânsito.
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, julgar procedente a ação para declarar a inconstitu-
cionalidade da Lei n. 10.331, de 18 de junho de 1999, do Estado de São Paulo.
Brasília, 9 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República, com fundamento no
inciso VI do artigo 103 da Constituição do Brasil, propõe ação direta em que pleiteia a
declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 10.331, de 18 de junho de 1999, do
Estado de São Paulo:
“Artigo 1º Os veículos particulares ou de aluguel poderão estacionar com
pisca-alerta ligado, por 15 (quinze) minutos, em frente às farmácias, mesmo que
proibido pela sinalização (placa — Proibido Estacionar), desde que seja para aqui-
sição urgente de medicamentos ou atendimento grave.
Artigo 2º Os órgãos responsáveis por este setor empreenderão todas as medi-
das cabíveis, no sentido de que a presente lei seja rigorosamente obedecida em
todas as comunidades do Estado.
Artigo 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as
disposições em contrário.”
2. O requerente sustenta que o preceito hostilizado, ao tratar de estacionamento de
veículos defronte de farmácias, entraria em confronto direto com o inciso XI do artigo 22
da Constituição do Brasil, que dispõe sobre competência privativa federal (fls. 2/4).
3. Afirma que “é manifesta a inconstitucionalidade que está a assolar a lei estadual
impugnada”, tendo em vista que “a competência legislativa para dispor sobre trânsito e
34 R.T.J. — 195

transporte é privativa da União” e que “o referido assunto não foi objeto de delegação,
por meio de lei complementar federal, como permite o parágrafo único do art. 22 da
Constituição da República”.
4. A Assembléia Legislativa defende a constitucionalidade do texto normativo
atacado, sob o argumento de que “o assunto versado na lei em epígrafe é ínsito ao campo
da defesa da saúde e não se refere a trânsito ou transporte”. Daí porque aos Estados-
Membros caberia estabelecer normas a propósito do assunto, visto que elaborar leis
sobre defesa da saúde é matéria da competência concorrente da União e dos entes fede-
rativos (fls. 47/55).
5. A Advocacia-Geral da União é pela improcedência do pedido, por entender que
o órgão requerido “não legislou sobre trânsito, mas sobre defesa da saúde.” Portanto,
prossegue, dever-se-ia “invocar o princípio da proporcionalidade para resolver a contro-
vérsia desta demanda. No caso de conflitos entre dois bens jurídicos protegidos pela
Carta Constitucional, o que possui maior densidade social deve preponderar sobre o
valor de menor eficácia social. In casu, a proteção à saúde pública ganha destaque se
comparada com a aplicação irrestrita do Código de Trânsito” (fls. 66/69).
6. O Procurador-Geral da República sustenta que, “ao prever a possibilidade de
estacionamento de veículos em locais proibidos, a norma estadual vergastada legislou
sobre trânsito e avançou a competência estatuída pela Constituição Federal privativa-
mente à União [...} uma vez que não há Lei Complementar autorizando o Estado a
legislar sobre tais matérias, como exige o artigo 22, parágrafo único, da Lei Funda-
mental” (fls. 71/73).
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Senhores Ministros
(RISTF, artigo 172).

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Procurador-Geral da República sustenta que
a Lei n. 10.331, que dispõe sobre o estacionamento de veículos defronte de farmácias,
padece de inconstitucionalidade formal, vez que teria usurpado competência exclusiva
da União para legislar sobre a matéria.
2. Pretendendo sustentar a legitimidade do preceito atacado, a Assembléia Legis-
lativa do Estado de São Paulo esgrima o argumento de que o texto normativo dispõe
sobre “defesa da saúde”; por isso não consubstanciaria matéria concernente a trânsito. É
que, no caso de ser essa a hipótese, seria possível que os entes da federação legislassem
a propósito do tema, dado que a defesa da saúde compõe o rol de competências concor-
rentes da União e dos Estados-Membros.
3. A tese da requerida, contudo, não subsiste. Em que pese a finalidade à qual se
volta a lei hostilizada — permitir a aquisição urgente de medicamentos ou atendimento
grave —, a norma veiculada pelo preceito impugnado autoriza particulares e veículos de
aluguel a estacionarem em locais indevidos, “mesmo que proibido pela sinalização
(placa — Proibido Estacionar)”. Ainda que a lei estadual de fato dispusesse sobre defesa
da saúde, dela derivaria norma atinente à legislação de trânsito.
4. Esta Corte, em pronunciamentos reiterados, assentou que a Constituição de
1988 conferiu exclusivamente à União a competência para legislar sobre trânsito.
R.T.J. — 195 35

5. Além disso, é firme o entendimento de que, até o advento da lei complementar


prevista no parágrafo único do mencionado artigo 221, os Estados-Membros não podem
legislar a propósito das matérias relacionadas no preceito, entre as quais inclui-se o
trânsito (nesse sentido: ADI/MC n. 2328, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 15-
12-2000; ADI n. 2.101, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 5-10-2001; ADI n.
1.704, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 20-9-2000).
6. O legislador estadual está a disciplinar matéria indicada no inciso XI do artigo 22
da Constituição (trânsito e transporte). A lei estadual, sem qualquer sombra de dúvida,
põe-se em insuperável conflito com a competência constitucionalmente atribuída à
União.
7. É ampla a jurisprudência quanto à inviabilidade de leis estaduais cujo teor
conflite com o disposto no artigo 22 da Constituição de 1988 (entre outros: ADI n.
2.101, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 25-10-2001; ADI n. 1.592, Relator o
Ministro Moreira Alves, DJ de 9-5-2003).
8. Destaco trecho do voto do Ministro Celso de Mello, Relator da ADI n. 476:
“A questão posta na presente ação direta assume relevo jurídico evidente,
pois concerne à alegada usurpação da competência legislativa federal pelo
Estado-membro, na medida em que compete privativamente à União legislar
sobre trânsito e transporte (CF, art. 22, XI).
Essa matéria — que no regime anterior figurava no rol das competências
concorrentes (CF/69, art. 89, XVII, n, c/c o seu parágrafo único) — não mais cons-
titui objeto de condomínio legislativo, partilhado entre os Estados-membros e a
União Federal.
A única legislação estadual possível na matéria não prescinde, para a sua
plena validade jurídico-constitucional, da lei complementar prevista no parágrafo
único do art. 22 da Constituição, que não foi, até agora, editada.
[...]”.
(ADI n. 476, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 28-6-1991).
9. O Estado de São Paulo usurpou competência legislativa da União ao promulgar
lei a propósito da matéria trânsito. Não há nenhuma dúvida quanto à conveniência da
sua exclusão do ordenamento. A lei impugnada nesta ação, embora meritório o objetivo
que persegue — aquisição urgente de medicamentos ou atendimento grave —, não
encontra respaldo no texto constitucional.
Ante essas circunstâncias, julgo procedente a ação direta, para declarar a inconsti-
tucionalidade da Lei n. 10.331 do Estado de São Paulo, por afronta direta ao artigo 22,
inciso XI, da Constituição do Brasil.

1 Constituição do Brasil
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das
matérias relacionadas neste artigo".
36 R.T.J. — 195

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, ambíguo é até o diploma. Concluo pela
constitucionalidade.
Peço vênia para divergir.

EXTRATO DA ATA
ADI 2.928/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral da
República. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Advogado:
Jorge L. Galli).
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação para declarar a inconsti-
tucionalidade da Lei n. 10.331, de 18 de junho de 1999, do Estado de São Paulo, vencido
o Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justifica-
damente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 9 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 22.127 — RS

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie


Impetrante: Paulo Cesar Lima — Impetrado: Presidente da República
Administrativo. Servidor. Processo administrativo disciplinar. Publi-
cidade da portaria de instauração. Qualificação dos membros da comis-
são. Excesso de prazo. Inocorrência de decadência.
1. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público
é competente para promover a sua apuração na forma do art. 143 da Lei
8.112/90.
2. É válida a publicação da portaria que instaurou o procedimento
de apuração no boletim informativo interno. Precedentes.
3. Comissão constituída por servidor de nível hierarquicamente
igual ao do indiciado atende ao art. 149 da Lei 8.112/90.
4. O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo
administrativo disciplinar. Precedentes.
5. Segurança indeferida.
R.T.J. — 195 37

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a segurança, nos termos do voto da
Relatora.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de mandado de segurança impetrado por
Paulo César Lima contra Decreto do Presidente da República, de 27 de junho de 1994,
que o demitiu do cargo de patrulheiro rodoviário federal em razão de ter-se valido do
cargo para lograr proveito pessoal e por corrupção (artigos 117, IX; e 132, XI, da Lei
8.112/90).
O impetrante sustenta que o processo disciplinar de demissão contém vícios insa-
náveis, afronta a Constituição Federal, a Lei 8.112/90 e a Instrução Normativa 3/92.
Alega: a) a incompetência da autoridade que instaurou o processo administrativo disci-
plinar, já que a autoridade competente, no caso, é o Ministro de Estado; b) a falta de
publicação no Diário Oficial da portaria que instaurou o procedimento de apuração,
com descrição insuficiente dos fatos; c) a designação de pessoa em posição hierarquica-
mente inferior à do acusado para constituir a comissão; d) o excesso de prazo para
conclusão do processo e a conseqüente decadência do direito de punição.
Foi requerida a concessão de liminar para suspender os efeitos do ato impugnado
e, quando do julgamento final, a anulação do ato de demissão, da correspondente porta-
ria, bem como o reconhecimento de seu direito de não ser punido.
A liminar foi indeferida (fl. 134) e foram prestadas informações (fls. 141/265).
A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da segurança (fls.
271/274).
É o relatório.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Na forma da cópia da Portaria 46/93, que se
encontra nos autos à fl. 161, a autoridade que instaurou o processo administrativo disci-
plinar foi o Superintendente Substituto da 9a SPRF/MJ/RS, órgão da estrutura regimen-
tal do Ministério da Justiça. Sua competência decorre do que dispõe a Lei 8.112, de 11
de dezembro de 1990, verbis:
“Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público
é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo
administrativo disciplinar, assegurada ao acusado a ampla defesa.”
38 R.T.J. — 195

Não tem, pois, suporte legal a alegação do impetrante de que a autoridade compe-
tente, no caso, é o Ministro de Estado.
A publicação da portaria no boletim informativo interno, com afixação no quadro-
mural para ampla divulgação (fl. 161), foi considerada válida quando dos julgamentos,
pelo Plenário desta Corte, dos MS 22.888 e 22.055, Relatores, respectivamente, os Mi-
nistros Nelson Jobim e Carlos Velloso.
Com relação ao vício apontado no que diz respeito à designação de servidor de
nível hierarquicamente inferior ao do acusado para constituir a comissão, verifico que
foram indicados três servidores estáveis (fl. 162). O presidente, Jurandir Oliveira Abreu
da Silva, era inspetor, como o impetrante, e ocupante de cargo efetivo. Nos termos do art.
149 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, o presidente ‘deverá ser ocupante de cargo
efetivo superior ou do mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do
indiciado’. Não houve, assim, ofensa a referido dispositivo legal.
Por último, não ocorreu a alegada decadência por excesso de prazo para a conclu-
são do processo. O Plenário desta Corte, também quando do julgamento dos mandados
de segurança acima citados, decidiu que, na forma do art. 169, § 1º, da Lei 8.112/90, o
julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo.
Indefiro a segurança.

EXTRATO DA ATA
MS 22.127/RS — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Impetrante: Paulo Cesar Lima
(Advogado: Silverio Azeredo Mello). Impetrado: Presidente da República.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a segurança, nos termos do voto
da Relatora. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso e, neste julgamento,
o Ministro Sepúlveda Pertence. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 23.219 — RS

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Agravante: Sônia Castro D’Oliveira — Agravado: Presidente da República
Agravo regimental. Mandado de segurança. Administrativo. In-
fração disciplinar. Prescrição. Inocorrência. Art. 142, I e § 2º, da Lei n.
8.112/90. Instauração de processo administrativo após a inatividade.
R.T.J. — 195 39

Possibilidade. Competência disciplinar. Presidente da República. Cassa-


ção de aposentadoria. Aplicabilidade. Infrações praticadas de forma cul-
posa. Dilação probatória. Impossibilidade.
1. O direito, da Administração Pública Federal, de punir seus servi-
dores prescreve em cinco anos quanto às infrações passíveis de demissão,
cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em
comissão, contados a partir da data em que o fato tornou-se conhecido
[art. 142, I e § 2º, da Lei n. 8.112/90].
2. O fato de o servidor público ter atendido aos requisitos para a
concessão de aposentadoria não impede a instauração de processo admi-
nistrativo para apurar a existência de falta eventualmente praticada no
exercício do cargo. Precedente [MS n. 21.948, Relator o Ministro Néri da
Silveira, DJ de 7-12-95].
3. O Presidente da República prescinde do assentimento do Tribunal
de Contas da União para exercer sua competência disciplinar. Precedente
[MS n. 20.882, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 23-9-94].
4. Não obstante o caráter contributivo de que se reveste o benefício
previdenciário, o Tribunal tem confirmado a aplicabilidade da pena de
cassação de aposentadoria. Precedente [MS n. 23.299, Relator o Ministro
Sepulveda Pertence, DJ de 12-4-2002].
5. A alegação de que os atos administrativos teriam sido praticados
de forma culposa reclama dilação probatória incompatível com o man-
dado de segurança.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental em mandado de segurança
interposto por Sônia Castro D’Oliveira, em face de decisão monocrática que negou
seguimento ao writ.
2. A agravante alega que a decisão recorrida cerceou seu direito de defesa ao
manter o ato administrativo que determinou a cassação de sua aposentadoria, sem levar
à Turma o julgamento da matéria.
3. Acrescenta que houve desproporção entre as faltas cometidas pela impetrante,
quando ainda era servidora do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, e a penalidade
40 R.T.J. — 195

aplicada, eis que não teriam passado de atos culposos, que não causariam prejuízo para
a Administração. Alega a ocorrência de prescrição, pois, na data do ato que determinou
a aplicação da penalidade, já teriam passados mais de cinco anos desde a concessão de
sua aposentadoria.
4. Por fim, alega que, após a EC n. 3/93, a aposentadoria deixou de ser um prêmio,
consubstanciando um seguro para o qual a impetrante contribuiu a fim de que pudesse
gozar daquele benefício. Conforme dispõe o Enunciado n. 6 da Súmula desta Corte,
argumenta que a cassação de aposentadoria somente é possível após a revisão do ato
pelo Tribunal de Contas da União.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Preliminarmente, não procede a alegação de
que teria ocorrido a prescrição da ação disciplinar, eis que, conforme prevê o art. 142, I
e § 2º, da Lei n. 8.112/90, o direito da Administração Pública Federal de punir seus
servidores prescreve em cinco anos quanto às infrações passíveis da pena de demissão,
cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão, co-
meçando a correr o prazo a partir da data em que o fato se tornou conhecido.
2. Os dois fatos cuja prática é atribuída à impetrante — a concessão irregular de
uma aposentadoria por idade e de uma pensão por morte — remontam, respectivamente,
a 19-12-91 e 28-12-91, quando foram publicados no Diário Oficial da União. O proces-
so administrativo para apurar a ocorrência das citadas infrações foi instaurado por meio
de despacho exarado em 3-5-95 [fl. 111], o que ocasionou a interrupção do prazo prescri-
cional, conforme disposto no artigo 142, § 3º, da Lei n. 8.112/90. Em 14-5-98 foi publi-
cado no Diário Oficial da União o ato que determinou a cassação da sua aposentadoria.
Não há, pois, que se cogitar de prescrição.
3. No que se refere ao fato de a impetrante já se encontrar aposentada ao tempo em
que lhe foi aplicada a sanção administrativa, este Tribunal já decidiu que o fato do
servidor público ter atendido aos requisitos para a aposentadoria não obsta a instauração
de processo administrativo para apurar a existência de falta eventualmente praticada no
exercício do cargo. Ainda que aposentado o servidor, se houver notícia de infração, cuja
prática é a ele atribuída e que possa ensejar a sua demissão, deve ser instaurado o
processo administrativo, eis que a confirmação dos indícios levará à cassação da
aposentadoria anteriormente concedida [MS n. 21.948, Relator o Ministro Néri da
Silveira, DJ de 7-12-95].
4. Quanto à alegação de que a Súmula n. 6 subordina a eficácia do ato de cassação
de aposentadoria a aprovação por parte do Tribunal de Contas, a jurisprudência desta
Corte orienta-se no sentido de que o Presidente da República não necessita do prévio
assentimento do Tribunal de Contas da União para exercer a sua competência discipli-
nar, conforme destacou o Ministério Público em seu parecer de fls. 286/290:
“A conotação jurídico-disciplinar de que se acha impregnada a cassação de
aposentadoria — que constitui pena administrativa — torna inaplicável, quando
de sua imposição, a Súmula n. 6 do STF, que só tem pertinência nas hipóteses de
revogação ou anulação do ato concessivo da aposentadoria. O Presidente da
Republica, para exercer competência disciplinar que privativamente lhe compete,
R.T.J. — 195 41

não necessita de prévio assentimento do Tribunal de Contas da União para impor


ao servidor inativo a pena de cassação de aposentadoria, não obstante já aprovado
e registrado esse ato administrativo pela Corte de Contas” [MS n. 20.882, Relator
o Ministro Celso de Mello, DJ de 23-9-94].
5. Quanto à constitucionalidade da cassação de aposentadoria, este Tribunal con-
firma reiteradamente a aplicabilidade dessa forma de punição, não obstante o caráter
contributivo de que se reveste este benefício previdenciário:
“I. Cassação de aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar
punível com demissão (Lei 8.112/90, art. 134): constitucionalidade, sendo
irrelevante que não a preveja a Constituição e improcedente a alegação de ofensa
do ato jurídico perfeito. II. Presidente da República: competência para a demissão
de servidor de autarquia federal ou a cassação de sua aposentadoria. III. Punição
disciplinar: prescrição: a instauração do processo disciplinar interrompe o fluxo
da prescrição, que volta a correr por inteiro se não decidido no prazo legal de 140
dias, a partir do termo final desse último. IV. Processo administrativo-disciplinar:
congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifi-
ca a partir dos fatos imputados e não de sua capitulação legal” [MS n. 23.299,
Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 12-4-2002].
6. Por fim, não merece acolhida o argumento de que as infrações administrativas
atribuídas à impetrante — entre as quais a concessão de pensão por morte à filha maior
de sua colega de trabalho — teriam sido praticadas de forma culposa, sem que houvesse
má-fé ou dolo de lesar os cofres públicos. A confirmação dessas afirmações demandaria
dilação probatória absolutamente incompatível com a via estreita do mandado de segu-
rança.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
MS 23.219-AgR/RS — Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Sônia Castro
D’Oliveira (Advogados: Aloisio Jorge Holzmeier e outros). Agravado: Presidente da
República (Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso e,
neste julgamento, o Ministro Sepúlveda Pertence. Presidiu o julgamento o Ministro
Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 30 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
42 R.T.J. — 195

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 24.128 — DF

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Recorrente: Ozéas das Neves do Nascimento — Recorrida: União
1. Demissão: ocupante do cargo de Policial Rodoviário Federal:
processo administrativo disciplinar que se desenvolveu validamente, as-
segurados ao acusado o devido processo legal, o contraditório e a ampla
defesa.
2. Presidente da República: competência para prover cargos públicos
(CF, art. 84, XXV, primeira parte), que abrange a de desprovê-los, a qual,
portanto, é susceptível de delegação a Ministro de Estado (CF, art. 84,
parágrafo único): validade da Portaria do Ministro de Estado que — à luz
do Decreto 3.035/99, cuja constitucionalidade se declara — demitiu o
recorrente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, negar provimento ao recurso.
Brasília, 7 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO


O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Srs. Ministros, apenas
para retirar de pauta e remeter ao Pleno, porque há argüição de inconstitucionalidade de
um decreto federal.

EXTRATO DA ATA
RMS 24.128/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Ozéas das
Neves do Nascimento (Advogados: Ignacio de Aragão e outros). Recorrida: União (Ad-
vogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: A Turma decidiu remeter o presente recurso ordinário em mandado de
segurança a julgamento do Tribunal Pleno. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dra.
Delza Curvello Rocha.
Brasília, 15 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 195 43

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se, na origem, de mandado de segurança
contra ato do Ministro de Estado da Justiça, consubstanciado na Portaria 1.039/2000,
que demitiu o impetrante do cargo de Policial Rodoviário Federal, sob o fundamento de
utilização de pessoal e recursos materiais da repartição em serviços e atividades
particulares, improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos.
É esta a ementa do acórdão recorrido:
“Mandado de Segurança. Policial rodoviário federal. Processo administra-
tivo disciplinar. Demissão.
1. É legal a delegação de competência do Presidente da República para Ministro
de Estado, se a hipótese estiver em conformidade com o disposto na CF, art. 84.
2. Não há vício no processo administrativo quando não apontados os dispo-
sitivos legais tidos por violados, eis que o indiciado se defende não da capitulação
legal, mas dos fatos que lhe são imputados.
3. Não peca pela ausência de fundamentação o ato administrativo que deter-
mina a demissão do servidor investigado, delimitando, ainda que sucintamente, os
motivos objetivos da punição e sua fundamentação legal.
4. Mandado de Segurança denegado.”
Foram interpostos embargos de declaração, que foram rejeitados.
Daí o recurso ordinário, que alega:
“(...)
O impetrante sustenta que, como a primeira parte do inciso XXV do art. 84,
na primeira parte, refere-se a prover os cargos públicos, não se aplica a delegação
para desprover, isto é, para demitir.
(...)
Outra lei, também anterior a esse Decreto n. 3.035, a Lei n. 8.112, de
11.12.90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Civis da União, em
seu art. 141, I, estipula que quando a penalidade prevista for a demissão, o julga-
mento caberá ao Presidente da República.
(...)
Se o entendimento do Relator do MS-7351, de que o ato de demissão
correspondia a “dispor sobre a organização e o funcionamento da administração
federal”, cumpre dizer que deverá ser feito na “forma da lei”, e a lei, na espécie, são
as de n. 8.112/90 e 9.784/99.”
Alega, ainda, falta de fundamentação do ato de demissão (violação do art. 93, IX,
CF) e cerceamento de defesa.
Foram apresentadas contra-razões pela Advocacia-Geral da União.
O parecer do Ministério Público da lavra do em. Subprocurador-Geral Paulo de
Tarso Braz Lucas é pelo improvimento.
É o relatório.
44 R.T.J. — 195

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Sobre a alegação de cerceamento de
defesa, colho do parecer do Ministério Público:
“(...) Em segundo lugar, quanto ao alegado cerceamento de defesa, por
inobservância do disposto na Lei n. 9.784, de 29.01.99, cuida-se de causa de pedir
que não foi deduzida na petição inicial, o que, ao caracterizar inovação da lide,
impede o seu exame em sede recursal, nos exatos termos do art. 264 e parágrafo
único do CPC. De mais a mais, semelhante lei sequer se mostra aplicável na espé-
cie, onde se cuida de processo administrativo disciplinar contra servidor público,
e não de processo em que sejam interessadas algumas das pessoas físicas ou jurídi-
cas arroladas como legitimadas no art. 9º do mesmo diploma legal.
Ainda que assim não fosse, não houve cerceamento de defesa, uma vez que o
processo administrativo disciplinar respeitou o devido processo legal, o contraditório
e a ampla defesa, com 65 testemunhas ouvidas, apresentação de laudos periciais e
acareações.
A alegada ausência de fundamentação do ato decisório também não se verifica,
uma vez que a portaria reportou-se ao processo administrativo no qual estavam, minucio-
samente motivados, o relatório da Comissão e o parecer de Consultoria Jurídica do
Ministério de Justiça.

II
Resta analisar o ponto central do recurso, que é a inconstitucionalidade do Decreto
3.035/99, que dispôs:
Art. 1º Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-
Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administra-
ção Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou
vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a
manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar
os seguintes atos:
I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas
hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servi-
dores;
II - exonerar de ofício os servidores ocupantes de cargos de provimento efe-
tivo ou converter a exoneração em demissão;
(...)”
O parágrafo único do art. 84 da Constituição dispõe que o Presidente da República
poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV — primeira parte —
aos Ministros de Estado.
Alega-se que a competência de prover cargos públicos federais (primeira parte do
inciso XXV do art. 84 da CF) não abrangeria a de desprovê-los.
A argüição não procede.
R.T.J. — 195 45

A atribuição de desprover os cargos públicos da estrutura do Poder Executivo se


contém implicitamente na atribuição presidencial de provê-los: do contrário, a autoridade
de menor hierarquia a quem se outorgasse a primeira deteria o poder de desfazer, com o
ato de desprovimento, os efeitos do provimento reservado ao chefe da Administração
Federal.
O tema já foi enfrentado pela Primeira Turma no RMS 24.079, de 5-2-02, Relatora
a em. Ministra Ellen Gracie (DJ de 13-3-02), no qual se declarou válida a demissão de
servidor por meio de portaria de Ministro de Estado.
Naquele caso, acentuara o parecer do Ministério Público:
“Ora, a competência para prover cargo público, prevista na parte inicial do
art. 84, inciso XXV, da CF/88 deve ser entendida em seu sentido amplo, de modo
abranger também a demissão, sendo certo, por outro lado, que, a não ser assim, isto
é, não sendo da competência privativa do Presidente da República o ato de demis-
são, nem mesmo seria possível apontá-la como indelegável, tendo em vista o dis-
posto no Parágrafo Único do referido artigo da Carta Magna, o que, de qualquer
sorte, levaria à conclusão no sentido da legitimidade da delegação.”
É válida a Portaria do Ministro de Estado da Justiça (Portaria 1.039, de 23-11-
2000, DOU de 24-11-2000) que — à luz do Decreto 3.035/99 — demitiu o recorrente do
cargo de Policial Rodoviário Federal.
De tudo, nego provimento ao recurso e declaro a constitucionalidade do decreto
questionado: é o meu voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a Constituição de 1988 objeti-


vou colocar um ponto final nas múltiplas delegações. Tanto assim que, mediante precei-
to inserido no capítulo transitório, teve-se à época que:
Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da
Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais
que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada
pela Constituição ao Congresso Nacional (...).
Fez-se alusão especificamente ao Congresso.
No caso deste processo, houve uma demissão a bem do serviço público, implemen-
tada pelo chefe de certo Ministério, pelo Ministro de Estado da área. Aí se articula que
essa possibilidade de delegação, mediante decreto, efetuada pelo Presidente da Repú-
blica, não estaria compreendida na autorização do parágrafo único do artigo 84 da Lei
Fundamental.
E notamos que o inciso referido nesse parágrafo único, a contemplar matéria que
pode ser objeto de delegação, alude a provimento: prover e extinguir os cargos públicos
federais, na forma da lei.
Encaro, Presidente, a delegação contemplada como a revelar uma exceção, tendo
em conta a competência privativa do Presidente da República. Se se trata de um texto da
Carta a encerrar exceção, devo cingir-me às regras da hermenêutica, de aplicação do
Direito, e interpretar esse preceito de forma estrita. Para mim, uma coisa é prover, uma
coisa é preencher; outra coisa é chegar-se ao ato extremo, considerada a vida profissio-
nal de um servidor e sacramentar-se a demissão a bem do serviço público.
46 R.T.J. — 195

É a leitura que faço da Constituição Federal, Presidente, e, por isso, peço vênia a
Vossa Excelência para entender que, na alusão a provimento, não está contemplada a
demissão a bem do serviço público.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Ministro Marco Aurélio,
então não compete ao Presidente da República?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não sei, Excelência. O que não admito é a delegação
de início.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Mas, se se diz que ele
não pode delegar, quem pode delegar a atribuição do inciso XXV está expresso no
parágrafo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Imagino que a atribuição de início seja do Presidente
da República. Tanto que ele delegou.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Por isso é que digo que
na atribuição de prover e extinguir o cargo se compreende o de desprovê-lo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A lei é específica, não é nem a de n. 8.112/90 que
rege a matéria. Há norma especial.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, entendo que mais importante do que
saber que autoridade poderá demitir é assegurar ao servidor estável, sob processo admi-
nistrativo, a ampla defesa. O contraditório e a ampla defesa foram observados. É o que
está no art. 41, II, da Constituição. Por isso acompanhei o Relator.
Quanto ao fundamento do voto, retirar da competência para prover a competência
para desprover, acho lógico também.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Caso contrário, não há
como resolver o problema de atribuição. Se não é do Presidente da República, de quem
seria?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, não estou assentando que não caberia ao
Presidente da República. Ao contrário. Se gloso a atuação do Ministro de Estado é porque
uma autoridade superior deveria praticar esse ato. E aí é o Presidente da República, por
coerência.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Com base em que inciso
do art. 84 da Constituição? No XXV?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não, Ministro Sepúlveda Pertence.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): A autoridade competente
para prover é naturalmente — salvo outra disposição da Constituição — por exemplo, a
de Ministro do Supremo Tribunal Federal, que é do Senado — a autoridade competente
para desprover, sob pena de admitir-se que o provimento do Presidente da República
fosse desfeito pelo desprovimento imediato por uma autoridade inferior.
R.T.J. — 195 47

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mais um argumento para entendermos que, no


parágrafo único do artigo em comento, não temos a remessa à delegação do ato de
demitir, por justa causa, a bem do serviço público, já que a própria demissão não está
compreendida nos incisos. Se não está, não pode o parágrafo se referir a essa delegação.

EXTRATO DA ATA
RMS 24.128/DF — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Ozéas
das Neves do Nascimento (Advogados: Ignacio de Aragão e outros). Recorrida: União
(Advogado: Advogado-Geral da União).
Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso, vencido o Ministro
Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente), Ellen
Gracie (Vice-Presidente) e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Sepúlveda
Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Celso
de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa
e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva
de Souza.
Brasília, 7 de abril de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 24.442 — DF

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Impetrante: Octávio Junqueira Leite de Moraes — Impetrado: Presidente da República
Mandado de Segurança. 2. Desapropriação. Reforma Agrária. 3.
Decreto expropriatório que se baseou em vistoria administrativa realiza-
da pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Go-
mes da Silva” – ITESP, entidade conveniada ao Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, que classificou o imóvel rural
como grande propriedade improdutiva. 4. Alegação de ocorrência de
caso fortuito e força maior. Morte da esposa do proprietário e dificuldade
na realização da partilha entre os filhos. 5. Acontecimentos que não confi-
guram hipóteses de caso fortuito e força maior. Art. 6º, § 7º, da Lei n. 8.629,
de 25-2-93. 6. Discussão relativa à produtividade de imóvel rural. Questão
de natureza controvertida. Inviabilidade dessa discussão em mandado de
segurança. Precedentes. 7. Mandado de Segurança indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência da Ministra Ellen Gracie (RISTF, art. 37, I), na
48 R.T.J. — 195

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,


indeferir a segurança, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 25 de maio de 2005 — Ellen Gracie, Presidente — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRI O
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido
de liminar, impetrado por Octávio Junqueira Leite de Moraes contra ato do Exmo. Sr.
Presidente da República que, por meio do Decreto de 21-11-02 (DOU de 22-11-02),
declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, por ter sido classificado como
grande propriedade improdutiva, o imóvel rural denominado “Fazenda Ipê”, com área
de 978,7534 ha., registrado sob o n. R-1-11.292, fl. 01, do Livro 2, do Cartório de
Registro de Imóveis da Comarca de Andradina, Estado de São Paulo.
O impetrante alega a ocorrência de motivo fortuito ou de força maior, nos termos
do § 7º do art. 46 da Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, em conseqüência do
falecimento de sua esposa, em acidente automobilístico, no dia 22-3-01 e, também, em
face das dificuldades na elaboração e formalização da partilha entre os filhos Odete
Leite de Moraes, Octávio Leite de Moraes, Rodrigo Leite de Moraes e Elza Leite de
Moraes Andrade.
E que a vistoria administrativa feita pela Fundação Instituto de Terras do Estado de
São Paulo “José Gomes da Silva” – ITESP, nos termos do convênio firmado entre essa
instituição e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (fls. 29-
52) deu-se em 12-11-01 e “apurou o Grau de Eficiência e Produtividade GEE referente
ao período dos 12 (doze) meses que antecederam”, período em que o impetrante esteve
extremamente abalado emocional e financeiramente, devido ao óbito de sua esposa.
Ao final, pede que se declare a nulidade do decreto expropriatório.
Indeferi o pedido liminar e solicitei informações, as quais vieram assim sumariadas
(fl. 72):
“Mandado de Segurança perante o STF, em face do Exmo. Sr. Presidente da
República, por haver declarado imóvel rural como de interesse social para fins de
reforma agrária. Assertiva de que houve desrespeito às regras do art. 6º, § 7º da Lei
n. 8.629/93, ao argumento de existência de caso fortuito ou força maior, devido o
falecimento da esposa do impetrante em março de 2001, que impediu, devido a
instabilidade emocional e financeira ocasionada ao impetrante, a manutenção do
índice do grau de eficiência e produtividade do imóvel. Inaplicabilidade do § 7º,
art. 6º da Lei n. 8.629/93. Inexistência dos requisitos caracterizadores do caso
fortuito e da força maior. Evento ordinário natural. Liminar cujo indeferimento se
impõe, merecendo também a segurança ser denegada.”
A Procuradoria-Geral da República, em parecer de fls. 78-81, opinou pelo conheci-
mento e denegação da ordem.
É o relatório.
R.T.J. — 195 49

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Do parecer da Subprocuradora-Geral da
República, Dra Sandra Cureau, destaco (fls. 79-81):
“O writ não merece ser concedido. É que as hipóteses levantadas, de faleci-
mento da esposa e de dificuldades oriundas da partilha, que causaram instabilidade
emocional e financeira ao impetrante, não configuram caso fortuito ou força maior.
Isso porque os acontecimentos descritos são naturais ordinários e não extraordiná-
rios, reconhecendo-se, assim, a inaplicabilidade do art. 6º, § 7º, da Lei 8.629/93.
Ora, se uma pessoa não tem condições de dar a devida atenção à sua proprie-
dade, existem diversas alternativas para se evitar conseqüências não desejadas,
como a do presente caso. Exemplificando, o impetrante poderia ter nomeado admi-
nistradores para cuidarem da propriedade.”
Ainda, o Ministério Público Federal fundamentou suas razões nas informações
prestadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, de onde extraiu os seguintes
trechos:
“(...) as hipóteses de caso fortuito e força maior operam como garantias
realizadoras da integridade do direito de propriedade, constituindo-se em um
dos casos em que excepcionalmente, o interesse social pode ceder constitucional-
mente em relação ao interesse individual, haja vista que seu acontecimento aca-
ba por tornar impossível, apesar do esforço do proprietário, a consecução dos
índices legais da produtividade.
Como visto, para sua configuração deve existir uma relação direta entre o
acontecimento extraordinário cujos os efeitos sobre o imóvel não era possível
evitar ou impedir, e a conduta adotada pelo proprietário, de forma a não permitir
a desclassificação do imóvel rural de propriedade produtiva.
Ora, apesar de compreender todo o abalo de natureza emocional do proprie-
tário com a perda de sua esposa e as dificuldades porventura enfrentadas durante a
elaboração e formalização da partilha, querer imputar a este acontecimento a
natureza de caso fortuito ou força maior suficiente a justificar a improdutividade
aferida no seu imóvel rural, verificada por intermédio da vistoria realizada em
novembro de 2001, convenhamos, não encontra guarida em nenhum fundamento,
seja ele de natureza fática ou jurídica.
Não resta dúvida que os acontecimentos previstos na norma legal acima
transcrita dizem respeito a fatos extraordinários que atinjam o imóvel rural de tal
maneira que tornem impossível ao seu proprietário a aferição dos índices de
produtividade (GUT e GEE), de modo a tornar o imóvel insuscetível de desapro-
priação compulsória, no ano respectivo ao seu evento, v.g. períodos de secas,
enchentes ou ocupação no imóvel rural.
Longe, portanto, querer atribuir a morte de qualquer ente da família com
agente capaz de estabelecer um liame lógico e objetivo com o descumprimento da
função social por parte do proprietário (...)
(...)
50 R.T.J. — 195

Destaque-se que os fatos jurídicos classificam-se em duas grandes categorias,


quais sejam: dos acontecimentos naturais e das ações humanas, sendo que a pri-
meira se subdivide entre os acontecimentos naturais ordinários e os acontecimen-
tos naturais extraordinários. Onde o segundo a preciosa doutrina do eminente
civilista Orlando Gomes (in Introdução ao Direito Civil, Forense, 14a edição,
1999, pg. 239):
‘São acontecimentos naturais ordinários de considerável importância
para a vida jurídica: o nascimento, a morte, o decurso de tempo, assim como
a frutificação das plantas.
São acontecimentos naturais extraordinários: o caso fortuito, a força
maior, o factum principis, concretamente, um incêndio, um naufrágio.’ (su-
blinhei)
Percebe-se dessa forma que o evento morte, longe de se constituir fato
caracterizador de força maior ou caso fortuito, trata-se na verdade de um aconteci-
mento ordinário que advém de fenômeno natural, que produz efeitos na ordem
jurídica’ (Fls. 73/74 – os destaques não são do original).
Em face do exposto, opina o Ministério Público Federal pelo conhecimento
e denegação da segurança.”
Em hipótese semelhante, o Plenário indeferiu a segurança, por unanimidade de
votos. Este o teor da ementa no MS 24.441/DF, Nelson Jobim, DJ de 6-8-04:
“Mandado de segurança. Desapropriação. Reforma agrária. Índices de
produtividade. Falecimento de parentes. Caso fortuito e força maior. Não-
configuração.
O falecimento de entes da família não pode ser considerado caso fortuito ou
força maior a ponto de justificar o baixo nível de produtividade alcançado pelo
imóvel, especialmente quando a última morte tenha ocorrido mais de dois anos
antes da realização da vistoria.
Validade do decreto expropriatório.
A questão de se saber se determinado imóvel é produtivo demanda dilação
probatória que é inviável em mandado de segurança.
Segurança denegada.”
Ainda, no que se refere à produtividade de imóvel rural, esta Corte, reiteradas
vezes, assentou o entendimento no sentido de que a questão é controvertida e que o
mandado de segurança é via inapropriada para tal discussão.
A título de exemplo, transcrevo a ementa do MS 24.518/DF, Carlos Velloso, DJ de
30-4-04:
“Constitucional. Agrário. Reforma agrária. Desapropriação.
I - A questão relativa à produtividade, ou não, do imóvel rural objeto da
desapropriação apresenta-se controvertida, a exigir dilação probatória, o que não
se admite em sede de mandado de segurança, dado que o direito líquido e certo tem
como pressuposto fatos incontroversos apoiados em prova prévia constituída.
R.T.J. — 195 51

II - MS indeferido.”
No mesmo sentido: MS 24.503/DF, Marco Aurélio, DJ de 5-9-03, dentre outros.
Assim, em face desses amplos precedentes, indefiro a ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também acompanho o voto do Relator.
Entendo que não se trata de caso fortuito, força maior. Além do mais, para se comprovar
isso, a via estreita do mandado de segurança seria inadequada.

EXTRATO DA ATA
MS 24.442/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: Octávio Junqueira
Leite de Moraes (Advogado: Ynácio Akira Hirata). Impetrado: Presidente da República.
Decisão: O Tribunal, à unanimidade, indeferiu a segurança, nos termos do voto do
Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim
(Presidente) e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os Minis-
tros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 25 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 24.527 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Impetrante: João Orlando Duarte da Cunha — Impetradas: Mesa da Câmara dos
Deputados e Mesa do Senado Federal
Mandado de segurança. 2. Ato Conjunto das Mesas do Senado Federal
e da Câmara dos Deputados. 3. Regulamentação do art. 1º do Decreto
Legislativo n. 444, de 19 de dezembro de 2002: “(...) a remuneração dos
membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração per-
cebida, a qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, in-
cluídas as relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais”. 4.
Deputado federal pensionista do extinto Instituto de Previdência dos Con-
gressistas – IPC. Legitimidade passiva apenas da Mesa da Câmara dos
Deputados. 5. Subsídio mensal de Ministro do STF. Exclusão de vantagens
pessoais: contagem de tempo de serviço e exercício temporário de cargo
no TSE. 6. Ordem denegada.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformi-
dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, denegar a
segurança.
Brasília, 25 de maio de 2005 — Ellen Gracie, Presidente (art. 37, I, RISTF) —
Gilmar Mendes, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Colho da inicial articulação em torno do direito do
impetrante à pensão a ser satisfeita, tendo em conta haver contribuído para tanto, consi-
derado o extinto Instituto de Previdência dos Congressistas – IPC. Na qualidade de ex-
Deputado, havendo cumprido quatro mandatos e ante o disposto nas Leis n. 7.087/82 e
9.506/97, vem percebendo o benefício à base de 65,60% dos subsídios dos Deputados
Federais. Conforme declaração transcrita na inicial, percebe o impetrante mensalmente
o valor bruto de R$ 8.344,32, representando um líquido de R$ 5.469,47. Ressalta-se a
inobservância ao Decreto Legislativo n. 444/2002, mediante o qual se dispôs que “a
remuneração dos membros do Congresso Nacional corresponderá à maior remuneração
percebida, a qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluídas as
relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais” (sic). Ter-se-ia na espécie
que, em vez de considerar-se o valor total de R$ 17.172,00, acrescido pelo que satisfeito
pelo Tribunal Superior Eleitoral — R$ 3.052,80 — alcançada a quantia de R$
20.224,80, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados baixaram ato conjunto
versando sobre a quantia de R$ 12.720,00, à margem, assim, do que previsto no Decreto
Legislativo. Nesse ato teria havido alusão, no artigo 6º, à maior remuneração recebida, a
qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, remetendo-se ao Decreto
Legislativo n. 444/2002, mas se fixando valor inferior. Pleiteou-se a concessão de limi-
nar para observar-se o total de R$ 20.244,80, satisfazendo-se diferença a partir de 1º de
fevereiro de 2003, vindo-se, alfim, a conceder em definitivo a segurança (folhas 3 a 18).
À inicial juntaram-se os documentos de folhas 19 a 42.
A impetração ocorreu na primeira instância da Justiça Federal e, ante o envolvi-
mento das Mesas da Câmara e do Senado, deu-se a declinação da competência (folha
35). Distribuído o processo ao Ministro Maurício Corrêa, a quem sucedi na relatoria,
determinou fossem solicitadas informações, diante das quais decidiria sobre o pedido de
concessão de liminar (folha 45).
Às folhas 51 a 57, consta a manifestação do Presidente da Câmara dos Deputados,
João Paulo Cunha. Em síntese, aponta-se o envolvimento de ato interno da Câmara dos
Deputados, não sujeito à correção judicial, mencionando-se a melhor doutrina — Helly
Lopes Meirelles. O ato baixado teria tratado do tema de forma abstrata, não se constitu-
indo, assim, em ato administrativo. No mérito, alude-se à competência do Congresso
Nacional para fixar o subsídio dos Deputados Federais e dos Senadores — inciso VII do
artigo 49 da Constituição Federal — e à circunstância de o Decreto Legislativo n. 444,
R.T.J. — 195 53

de 20 de dezembro de 2002, haver remetido aos “critérios de pagamento e a proporção


entre subsídios fixos, variáveis e adicionais previstos no Decreto Legislativo n. 7, de
1995”. Assevera-se que o subsídio vem sendo satisfeito, considerado o total de R$
12.720,00 utilizado para cálculo de pensões pagas aos segurados do extinto IPC, de
acordo com as normas de regência. Afirma-se que a pretensão do impetrante surge ilegí-
tima. Vieram aos autos os documentos de folhas 59 a 64. Às folhas 66 a 72, tem-se a
manifestação do Presidente do Senado Federal. Consta que o pleito do impetrante faz-se
dirigido unicamente à Câmara, razão pela qual não cabe o lançamento do Senado Federal
no pólo passivo. Ressalta-se que o valor de R$ 12.720,00 foi fixado a partir do Decreto
n. 444/2002, não se podendo falar em ilegalidade ou abuso de poder. Às folhas 74 e 75,
o Ministro Maurício Corrêa indeferiu a medida acauteladora. A Procuradoria-Geral da
República emitiu o parecer de folhas 79 a 82 no sentido do indeferimento da segurança,
consignando:
1. Não se presta o mandado de segurança a questionar ato conjunto das Casas
Parlamentares, dotado de generalidade: não conhecimento
2. O teto remuneratório constitucionalmente posto “no subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal” (CF/88 – art. 37, XI) não
enseja a consideração sobre buscadas parcelas de acréscimo, que se revestem de
natureza pessoal e temporária: considerações.
3. Indeferimento do pedido, se alcançado o mérito.
Registre-se que o parecer é pelo não-conhecimento da impetração e, ultrapassada
tal fase, pelo indeferimento da segurança.
Em 13 de outubro de 2003, lancei visto no processo, declarando-me habilitado ao
relato e a proferir voto (folha 84).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Realmente, o pleito formulado dirige-se à
satisfação pela Câmara dos Deputados. Somente é dado atribuir a inserção na inicial da
Mesa do Senado Federal como órgão coator ante o fato de o ato que estaria a respaldar o
procedimento adotado quanto à satisfação da pensão ser conjunto. Está-se diante de
processo subjetivo e não objetivo, razão pela qual tenho a Mesa do Senado Federal
como estranha às balizas deste mandado de segurança.
Da preliminar de não-cabimento do mandado de segurança

A inicial parte de relação jurídica mantida pelo impetrante com a Câmara dos
Deputados, no que, frente à extinção do Instituto de Previdência dos Congressistas –
IPC, assumiu o passivo existente. Considerado o Decreto Legislativo e o Ato Conjunto
das duas Casas, ou seja, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sustenta-se o
direito à observância de certo valor. Atente-se para o fato de a garantia constitucional de
acesso ao Judiciário — artigo 5º, inciso XXXV — não sofrer limitação, tendo em conta
54 R.T.J. — 195

lesão ou ameaça de lesão a direito. Em síntese, atos de natureza administrativa de qual-


quer das Casas referidas ficam sujeitos ao crivo do Supremo Tribunal Federal, valendo
notar a previsão da alínea d do inciso I do artigo 102 da Carta da República. Compete ao
Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente mandado de segurança
impetrado contra ato da Mesa da Câmara dos Deputados. Assim, improcede a preliminar
contida nas informações prestadas.
No mérito, observe-se o teor do Decreto Legislativo n. 444/2002, com o qual foi
fixada a remuneração dos membros do Congresso Nacional para a 52ª legislatura. Eis o
teor do artigo 1º:
Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art. 48,
XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacional
corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do
Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de outras atribuições
constitucionais, e se constituirá de subsídio fixo, variável e adicional.
Esse é o comando maior do Decreto Legislativo, assentando a equivalência remu-
neratória. Vale dizer que para a 52ª legislatura fixou-se, com eficácia financeira a partir
de 1º de fevereiro de 2003 — artigo 2º do Decreto Legislativo —, como subsídio a maior
remuneração percebida por Ministro do Supremo Tribunal Federal, sem exclusão de
qualquer parcela. A tanto equivale o emprego da expressão “a qualquer título”. Mais do
que isso, versou-se, ainda, sobre a percepção decorrente de atribuição constitucional, ou
seja, a integração no cálculo do que percebido pelo desempenho junto à Justiça Eleitoral.
Daí o impetrante asseverar, na inicial, com absoluto acerto e a partir de certidão expedida
pela Secretária de Recursos Humanos desta Corte, que o valor total percebido e que deve
ser considerado alcança R$ 20.224,80. É certo que o § 1º do artigo 1º do Decreto Legis-
lativo n. 444/2002 refere-se à observância dos critérios de pagamento e da proporção
entre subsídios fixos e variáveis e adicional fixados no Decreto Legislativo n. 7/95, cuja
vigência foi prorrogada pelo Decreto Legislativo n. 7/99. Dê-se a essa norma, alcance
consentâneo com aquela que se mostra principal e que está na cabeça do artigo. Em
síntese, a tomada de empréstimo do Decreto Legislativo n. 7/95 não esvazia o ditame
maior, ou seja, a correspondência fixada no Decreto Legislativo. Está ligada, conforme
consta do próprio texto do § 1º em comento, aos critérios de pagamento e à distribuição
do que percebido no total por Ministro do Supremo Tribunal Federal com exercício no
Tribunal Superior Eleitoral, considerado o que se aponta como subsídio fixo, variável e
adicional. Daí a plena procedência do que asseverado na impetração, a menos que se
coloque em plano secundário o Decreto Legislativo, potencializando-se o valor que
veio a ser inserido no Ato Conjunto — das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados — de 2003. Neste, não se considerou o que imposto pelo Decreto Legislativo,
muito embora o artigo 6º nele inserido, ou seja, do próprio Ato Conjunto, aluda à maior
remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal,
remetendo ao artigo 1º do Decreto no que fixou, como incumbia fazer, o subsídio de
Deputados e Senadores para a legislatura em curso. Concedo a ordem para que se observe,
na satisfação da pensão do impetrante, o valor de R$ 20.224,80, em vez da quantia de R$
12.720,00. É como voto na espécie.
R.T.J. — 195 55

EXTRATO DA ATA
MS 24.527/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante: João Orlando Duarte
da Cunha (Advogado: João Orlando Duarte da Cunha). Impetradas: Mesa da Câmara dos
Deputados e Mesa do Senado Federal.
Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator, que concedia a segurança,
pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, neste julga-
mento, o Ministro Maurício Corrêa, Presidente. Presidência do Ministro Nelson Jobim,
Vice-Presidente.
Presidência da Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie,
Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-
Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 1º de abril de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Cuida-se de mandado de segurança impetrado por
João Orlando Duarte da Cunha, contra a Mesa da Câmara dos Deputados e a Mesa do
Senado Federal, que regulamentaram, em Ato Conjunto de 2003, a aplicação dos dispo-
sitivos sobre a remuneração dos membros do Congresso Nacional, tendo em vista o
disposto no § 2º do art. 1º do Decreto Legislativo n. 444, de 2002.
O Impetrante diz que serviu à Nação por quatro mandatos como deputado federal
e, conforme o disposto no art. 31, I, b, e art. 35 da Lei n. 7.087, de dezembro de 1982, e
pela Lei n. 9.506, de 30-10-97, “contribuiu como ‘segurado obrigatório’, assim defini-
do pelo art. 21 da Lei n. 7.087/82 para o extinto Instituto de Previdência dos Congres-
sistas IPC (...)” e que recebe, a título de pensão por tempo de contribuição, o valor
mensal correspondente a 65,60% dos subsídios percebidos pelos deputados.
No entanto, agora vê o seu direito lesado pela não-observância do Decreto Legis-
lativo n. 444, de 2002, no ponto em que dispõe: “a remuneração dos membros do
Congresso nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título,
por Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de ou-
tras atribuições constitucionais”. Isso porque o Ato Conjunto de 2003 fixou valor
inferior àquele percebido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O Relator, Marco Aurélio, em seu voto, concede a ordem:
“Realmente, o pleito formulado dirige-se à satisfação pela Câmara dos Depu-
tados. Somente é dado atribuir a inserção na inicial da Mesa do Senado Federal
como órgão coator ante o fato de o ato que estaria a respaldar o procedimento
adotado quanto à satisfação da pensão ser conjunto. Está-se diante de processo
subjetivo e não objetivo, razão pela qual tenho a Mesa do Senado Federal como
estranha às balizas deste mandado de segurança.
56 R.T.J. — 195

Da preliminar de não-cabimento do mandado de segurança


A inicial parte de relação jurídica mantida pelo impetrante com a Câmara dos
Deputados, no que, frente à extinção do Instituto de Previdência dos Congressistas
– IPC, assumiu o passivo existente. Considerado o Decreto Legislativo e o Ato
Conjunto das duas Casas, ou seja, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
sustenta-se o direito à observância de certo valor. Atente-se para o fato de a garan-
tia constitucional de acesso ao Judiciário — artigo 5º, inciso XXXV — não sofrer
limitação, tendo em conta lesão ou ameaça de lesão a direito. Em síntese, atos de
natureza administrativa de qualquer das Casas referidas ficam sujeitos ao crivo do
Supremo Tribunal Federal, valendo notar a previsão da alínea d do inciso I do
artigo 102 da Carta da República. Compete ao Supremo Tribunal Federal proces-
sar e julgar originariamente mandado de segurança impetrado contra ato da Mesa
da Câmara dos Deputados. Assim, improcede a preliminar contida nas informações
prestadas.
No mérito, observe-se o teor do Decreto Legislativo n. 444/2002, com o qual
foi fixada a remuneração dos membros do Congresso Nacional para a 52ª
legislatura. Eis o teor do artigo 1º:
‘Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o
art. 48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos membros do Con-
gresso Nacional corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer
título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao
exercício de outras atribuições constitucionais, e se constituirá de subsídio
fixo, variável e adicional.’
Esse é o comando maior do Decreto Legislativo, assentando a equivalência
remuneratória. Vale dizer que para a 52ª legislatura fixou-se, com eficácia finan-
ceira a partir de 1º de fevereiro de 2003 — artigo 2º do Decreto Legislativo —,
como subsídio a maior remuneração percebida por Ministro do Supremo Tribunal
Federal, sem exclusão de qualquer parcela. A tanto equivale o emprego da expres-
são “a qualquer título”. Mais do que isso, versou-se, ainda, sobre a percepção
decorrente de atribuição constitucional, ou seja, a integração no cálculo do que
percebido pelo desempenho junto à Justiça Eleitoral. Daí o impetrante asseverar,
na inicial, com absoluto acerto e a partir de certidão expedida pela Secretária de
Recursos Humanos desta Corte, que o valor total percebido e que deve ser conside-
rado alcança R$ 20.224,80. É certo que o § 1º do artigo 1º do Decreto Legislativo n.
444/2002 refere-se à observância dos critérios de pagamento e da proporção entre
subsídios fixos e variáveis e adicional fixados no Decreto Legislativo n. 7/95, cuja
vigência foi prorrogada pelo Decreto Legislativo n. 7/99. Dê-se a essa norma,
alcance consentâneo com aquela que se mostra principal e que está na cabeça do
artigo. Em síntese, a tomada de empréstimo do Decreto Legislativo n. 7/95 não
esvazia o ditame maior, ou seja, a correspondência fixada no Decreto Legislativo.
Está ligada, conforme consta do próprio texto do § 1º em comento, aos critérios de
pagamento e à distribuição do que percebido no total por Ministro do Supremo
Tribunal Federal com exercício no Tribunal Superior Eleitoral, considerado o que
se aponta como subsídio fixo, variável e adicional. Daí a plena procedência do que
asseverado na impetração, a menos que se coloque em plano secundário o Decreto
Legislativo, potencializando-se o valor que veio a ser inserido no Ato Conjunto —
R.T.J. — 195 57

das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados — de 2003. Neste, não se
considerou o que imposto pelo Decreto Legislativo, muito embora o artigo 6º nele
inserido, ou seja, do próprio ato conjunto, aluda à maior remuneração percebida, a
qualquer título, por Ministro do Supremo Tribunal Federal, remetendo ao artigo 1º
do Decreto no que fixou, como incumbia fazer, o subsídio de Deputados e Senado-
res para a legislatura em curso. Concedo a ordem para que se observe, na satisfação
da pensão do impetrante, o valor de R$ 20.224,80, em vez da quantia de R$
12.720,00. É como voto na espécie.”
Pedi vista dos autos, para melhor examinar a espécie.
Da legitimidade passiva
Embora a impetração tenha sido dirigida também contra a Mesa do Senado Federal,
somente a Mesa da Câmara dos Deputados é parte legítima para integrar o pólo passivo
da relação jurídica processual, porque a demanda do impetrante, ex-deputado federal, na
condição de pensionista do extinto Instituto de Previdência dos Congressistas – IPC,
visa o pagamento de sua pensão por tempo de contribuição, com base de cálculo distinta
daquela adotada pelo Ato Conjunto das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, de 2003, que regula o § 2º do art. 1º do Decreto Legislativo n. 444, de 2002.
Da admissibilidade do Mandado de Segurança
Não subsiste a preliminar de que “o mandado de segurança volta-se contra ‘ato das
Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal’, mas ato genérico de fixação de
subsídios dos parlamentares”.
Trata-se, no caso, de ato concreto, qual seja, o Ato Conjunto das Mesas do Senado
Federal e da Câmara dos Deputados, de 2003, que dispõe sobre a “remuneração” mensal
dos membros do Congresso Nacional, nos termos do § 2º do art. 1º do Decreto Legislativo
n. 444, de 2002.
Esta “remuneração”, portanto, é a base para o cálculo da pensão que lhe é devida
no índice de 65,60% sobre os subsídios (partes fixa e variável) dos Congressistas.
Sistemática de remuneração dos parlamentares
O Decreto Legislativo n. 444, de 19 de dezembro de 2002, ao dispor sobre a
remuneração dos membros do Congresso Nacional para a 52ª Legislatura, estabeleceu
que os efeitos financeiros se dariam a partir de 1º de fevereiro de 2003, nos seguintes
termos:
“Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art.
48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso nacio-
nal corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, por Ministro
do Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de outras atribui-
ções constitucionais, e se constituirá de subsídio fixo, variável e adicional.”
Pois bem. O art. 1º do Ato Conjunto das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, de 2003, estabeleceu:
“Art. 1º A remuneração mensal dos membros do Congresso Nacional, deter-
minada pelo Decreto Legislativo n. 444 de 2002 constitui-se de subsídios fixo,
variável e adicional.
58 R.T.J. — 195

§ 1º O subsídio fixo, que corresponde à importância de R$ 4.770,00 (quatro


mil, setecentos e setenta reais), é devido mensalmente ao Deputado Federal e ao
Senador, a partir de sua posse.
§ 2º O subsídio variável, devido mensalmente ao Deputado Federal e ao
Senador, a partir de sua posse, corresponde à importância de R$ 4.770,00 (quatro
mil, setecentos e setenta reais).
§ 3º O subsídio adicional de atividade parlamentar devido mensalmente ao
Deputado Federal e ao Senador, corresponde à importância de R$ 3.180,00 (três
mil, cento e oitenta reais).(...)”
Os subsídios dos Ministros desta Corte, conforme certidão de fls. 22, da Secretária
de Recursos Humanos do Supremo Tribunal Federal, datada de 7-2-03, totalizavam
“(...) a importância mensal de R$ 12.720,00 (doze mil e setecentos e vinte
reais), assim discriminados:
Vencimento básico (Lei n. 10.474/02) R$ 3.950,31
Representação Mensal (DL n. 2.371/87) R$ 8.769,69
Total R$ 12.720,00”
Ainda, no mesmo documento, esclareceu-se que “sobre o valor total incide o
adicional por tempo de serviço, até o máximo de 35%, observando-se o limite de R$
17.172,00 (dezessete mil, cento e setenta e dois reais)” e “os Ministros que atuam junto
ao Tribunal Superior Eleitoral percebem, a título de jetom, o valor de R$ 3.052,80 (três
mil, cinqüenta e dois reais, oitenta centavos), correspondentes à participação em oito
sessões mensais”.
No entanto, como bem anotou o Procurador-Geral da República, Claudio Fonteles,
às fls. 81-82:
“(...) o impetrante interpreta, data vênia equivocadamente, a expressão-limi-
te do teto remuneratório — ‘maior remuneração, percebida a qualquer título, por
Ministro do Supremo Tribunal Federal, incluídas as relativas ao exercício de ou-
tras atribuições constitucionais’ (fls. 8/9) — como a compreender o adicional por
tempo de serviço no percentual de 35%, além do jeton pela atuação no Tribunal
Superior Eleitoral (fls. 12).
Ora, as buscadas parcelas do acréscimo não confortam o pleito porque se
revestem da natureza de vantagens pessoais, incorporadas pro labore facto —
adicional por tempo de serviço — obviamente variável de pessoa a pessoa e de
Ministro a Ministro da própria Suprema Corte; ou vantagens pessoais temporárias —
o jeton —, só perceptível enquanto não findar a representação periódica do Membro da
Corte Maior no Colegiado eleitoral.
Não se pode, pois, estabelecer teto remuneratório com base em parcelas não
só flutuantes de remuneração, como também diversas segundo o tempo de serviço
prestado por diferentes pessoas”.
Observo que o § 1º do art. 1º da Lei n. 10.474, de 27-6-02, que dispõe sobre a
remuneração da magistratura da União, faz a seguinte ressalva, também constante da
Resolução n. 236/STF, de 19-7-02:
R.T.J. — 195 59

“Art. 1º (...)
§ 1º Para os fins de quaisquer limites remuneratórios, não se incluem no
cômputo da remuneração as parcelas percebidas, em bases anuais, por Ministro do
Supremo Tribunal Federal em razão de tempo de serviço ou de exercício temporá-
rio de cargo no Tribunal Superior Eleitoral.”
Assim, meu voto é pela denegação da segurança.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Sra. Presidente, peço vênia ao Relator para acompanhar
a divergência do Ministro Gilmar Mendes.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, também peço vênia para
acompanhar a divergência.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro Marco Aurélio, esse decreto legislativo
de 2002 ainda é o vigente?
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Esse decreto se refere ao artigo 48, inciso
XV, da Constituição Federal, na redação da Emenda n. 19, quando havia iniciativa
conjunta, que jamais se realizou.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que se discute aí, depois, é a fixação de
subsídios parlamentares a partir de 2003.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Daí, talvez, a ilação de que tenhamos um
espaço de tempo limitado coberto por ele. A partir da impetração até a Emenda n. 41.
Apenas considerei, mesmo assim, talvez seja o caso de o Plenário repetir aquela
óptica quanto à redação primitiva do teto, o emprego da expressão “a qualquer título”.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quanto ao adicional por tempo de serviço, não
tenho dúvida de que, de acordo com a nossa jurisprudência, seria ele indevido aos
congressistas. A minha dúvida é essa alusão ao Decreto Legislativo n. 444/2002:
“Art. 1º Até que seja aprovada a lei de iniciativa conjunta de que trata o art.
48, XV, da Constituição Federal, a remuneração dos Membros do Congresso Nacio-
nal corresponderá à maior remuneração percebida pelo Ministro do STF, incluídas
as relativas ao exercício de outras atribuições constitucionais (...)”.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Aí seria para incluir-se o jeton, mas não a
gratificação?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não. Essa, a gratificação por tempo de serviço,
nós nunca consideramos extensível aos parlamentares. Ao contrário, o que se decidiu é
que, por se tratar de vantagem pessoal, não se considerava o adicional por tempo de
serviço dos magistrados no teto do primitivo art. 37, XI, da Constituição.
O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Se viesse a prevalecer essa óptica, ter-se-ia
concessão parcial do mandado de segurança.
60 R.T.J. — 195

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, concedo, em parte, nestes termos:
para incluir a remuneração do Ministro do Supremo, percebida em razão do exercício no
Tribunal Superior Eleitoral.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Também peço vênia ao Ministro Marco
Aurélio para alinhar com a divergência.

EXTRATO DA ATA
MS 24.527/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:
Ministro Gilmar Mendes. Impetrante: João Orlando Duarte da Cunha (Advogado: João
Orlando Duarte da Cunha). Impetradas: Mesa da Câmara dos Deputados e Mesa do
Senado Federal.
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, justificadamente,
nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução n. 278, de 15 de dezembro de 2003.
Presidência, em exercício, do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente. Plenário, 2-6-
2004.
Decisão: O Tribunal, por maioria, denegou a segurança, vencidos o Ministro Marco
Aurélio, que concedia integralmente a segurança, e o Ministro Sepúlveda Pertence, que
deferia, em parte, a segurança apenas para incluir os valores referentes ao pagamento da
gratificação eleitoral, excluído do cálculo o adicional de tempo de serviço. Votou a
Presidente. Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Nelson Jobim (Presidente) e Carlos Velloso. Presidiu o julgamento a Ministra
Ellen Gracie.
Presidência da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente. Presentes à sessão os Ministros
Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 25 de maio de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM


MANDADO DE SEGURANÇA 24.613 — DF
Relator: O Sr. Ministro Eros Grau
Agravantes: Ruben Kleebank e outro — Agravada: União
Agravo regimental. Recurso em mandado de segurança. Processual
Civil. Impedimento. Hipóteses taxativas. Presunção absoluta. Art. 134, I
R.T.J. — 195 61

a VI, do CPC. Inocorrência. Suspeição. Presunção relativa. Preclusão. Pos-


sibilidade. Art. 138, § 1º, do CPC. Administrativo. Títulos da Dívida Agrária
– TDA. Resgate. Parcela remanescente. Mandado de segurança. Inadequa-
ção da via. Súmula 269.
1. As causas de impedimento do magistrado estão enumeradas taxa-
tivamente nos incisos I a VI do art. 134 do CPC. Enquadrando-se o julga-
dor em qualquer dessas hipóteses, há presunção absoluta de parcialidade,
que pode ser argüida em qualquer grau de jurisdição.
2. Nas hipóteses de suspeição, há presunção relativa de parcialida-
de, sujeita à preclusão. Se o interessado deixa de argüi-la na primeira
oportunidade em que lhe couber falar nos autos [art. 138, § 1º, do CPC],
convalida-se o vício, tendo-se por imparcial o magistrado.
3. O mandado de segurança não constitui instrumento hábil a pleite-
ar parcelas remanescentes de Títulos da Dívida Agrária já resgatados,
vez que não substitui a ação de cobrança [Súmula 269].
4. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso em mandado de segurança, nos ter-
mos do voto do Relator.
Brasília, 22 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão
monocrática que negou seguimento a recurso ordinário em mandando de segurança.
2. O imóvel dos agravantes foi desapropriado por interesse social, sendo por eles
recebidos, como indenização, Títulos da Dívida Agrária emitidos em 3-2-1987, com
prazo de cinco anos para resgate e amortização na proporção de 25% [vinte e cinco por
cento] anuais a partir do segundo ano. Em 30-10-1995, impetraram mandado de segu-
rança perante o STJ, requerendo o cálculo da correção monetária dos TDAs, incluindo as
variações verificadas pelas diferenças do IPC relativamente aos expurgos dos Planos
Bresser e Collor II, mais juros legais de 6% [seis por cento] ao ano, devidos a partir do
vencimento dos títulos.
3. Em 11-9-1996, o STJ concedeu a ordem [fls. 37/43], sendo o acórdão assim
ementado:
“Desapropriação por interesse social. Títulos da Dívida Agrária. Atualiza-
ção. Plano Bresser e Plano Collor II. I - Aplica-se a títulos da dívida agrária
(TDA’s), emitidos em 3-2-87 e com vencimento posteriores aos denominados ‘Pla-
no Bresser’ e ‘Plano Collor II’, as perdas a eles relativas. II - Mandado de segurança
concedido”.
62 R.T.J. — 195

4. Os títulos foram resgatados em 3-9-1997. Alegando o não-pagamento dos juros


considerados devidos pelo STJ na decisão citada, foi impetrado o presente mandado de
segurança. Requerem, ainda, o pagamento de juros compensatórios ao fundamento de
ofensa à cláusula de preservação do valor real do título [artigo 184 da CB/88].
5. O STJ extinguiu o processo sem julgamento do mérito [fl. 196], considerando
que o mandado de segurança impetrado buscava substituir ação de cobrança:
“Processo Civil e Administrativo — Mandado de segurança — Juros com-
pensatórios. 1. Mandado de segurança para cobrança de juros compensatórios,
após ter sido impetrado mandado anterior pedindo juros de mora e expurgos infla-
cionários. 2. Ação mandamental com índole de ação de cobrança. 3. Via manda-
mental inadequada. 4. Extinção do processo, sem julgamento do mérito”.
6. Contra essa decisão sobreveio recurso ordinário visando ao afastamento da
preliminar de carência da ação para anular o acórdão prolatado pelo STJ e determinar a
realização de novo julgamento.
7. O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 237/240, opinou pelo não-
provimento do recurso, afirmando que inexiste, no caso, direito líquido e certo e que,
para o deslinde da causa, seria imprescindível a apuração do que teria sido efetivamente
pago aos recorrentes — dilação probatória incompatível com o procedimento do man-
dado de segurança.
8. O Ministro Nelson Jobim, Relator do feito à época, ratificou o entendimento de
que o presente writ teria índole de ação de cobrança e, monocraticamente, negou segui-
mento ao recurso, sendo interposto, assim, o presente agravo regimental.
9. Em seu arrazoado, os agravantes sustentam, ainda, “a suspeição ou impedimento”
[fl. 306] da Ministra Eliana Calmon, do STJ, para julgar o mandado de segurança ora
objeto do presente recurso. Afirmam que a referida Ministra teria confessado sua parcia-
lidade ao proferir voto preliminar no acórdão do MS n. 8.737/DF, DJ de 5-4-04. Eis o
trecho destacado pelos agravantes para sustentar suas alegações:
“Estamos muito impressionados porque os TDA’s substituem indenizações
de propriedades. Não nos esqueçamos de que essas propriedades eram latifúndios
e terras improdutivas. Se rememorarmos fatos, como Vossa Excelência fez em rela-
ção à propriedade garantida constitucionalmente, veremos que essa propriedade
não tinha nenhuma função social. Daí porque não há como se taxar de injusto ou
concedermos mais ou menos prazo no recebimento dos TDAs. Essa é apenas uma
argumentação, refutando o que Vossa Excelência afirmou.
Fiquei um pouco perplexa nos primeiros julgamentos. Estava absolutamente
sozinha nesse ponto de vista e acompanhei a jurisprudência do Tribunal sempre
com má-vontade. Assim, venho levantando muitas preliminares porque nunca me
senti à vontade com a tese, especialmente porque o número de mandados de segu-
rança foi crescendo assustadoramente. Em razão da jurisprudência desta Corte,
começou-se a fazer uma verdadeira captação de clientela em relação a TDAs de
títulos que vinham, e, rapidamente, determinávamos o pagamento com expurgos
inflacionários enquanto, até em execução de sentença, deixamos percorrer todo o
iter de um processo de cobrança, de execução.
R.T.J. — 195 63

Por meio de uma ordem dada ao Ministro da Fazenda, mandamos fazer o


pagamento de TDAs que começam a ser cooptados no mercado, e ficamos inunda-
dos de mandados de segurança, o que começou a causar até um certo constrangi-
mento pelo grande número que chegou a este Tribunal. Daí porque apurei mais o
sentido que tinha de olhar com muita má-vontade a questão e sempre levantar
uma preliminar.
Fui a primeira a acompanhar a tese da não pertinência do mandado de segu-
rança quando esta veio à Seção, abordada pelo Sr. Ministro Luiz Fux.
Aguardava que o Sr. Ministro Franciulli Netto o acompanhasse também, pois
já tínhamos conversado a respeito da inundação de mandados de segurança.
Porém ele ainda se mantém fiel à jurisprudência.
No momento em que a Seção mantém apenas dois Ministros com o pensa-
mento na jurisprudência do passado, há insegurança jurídica em haver mudança de
entendimento? Há um mal institucional em não mudarmos a jurisprudência em
nome dos dois mais antigos, quando cinco componentes da Seção não estão à
vontade com a tese? É a posição dois mais antigos — lembra o Sr. Ministro
Franciulli Netto —, dos dois vetustos contra os cinco que não estão à vontade com
a tese” [grifos no original].
10. Com base nessas alegações, requerem a reformulação da decisão do STJ em sua
integralidade.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Os agravantes argúem, simultaneamente, o
impedimento e a suspeição da Ministra Eliana Calmon, Relatora do mandado de segu-
rança impetrado junto ao Superior Tribunal de Justiça.
2. Afasto, de início, a alegação de impedimento, cujas hipóteses encontram-se
taxativamente enumeradas nos incisos I a VI do artigo 134 do Código de Processo Civil.
O julgador, enquadrando-se em qualquer dessas hipóteses, há presunção absoluta de
parcialidade, que pode ser argüida em qualquer grau de jurisdição. Os agravantes, entre-
tanto, não comprovaram nenhuma daquelas situações, devendo ser afastada a objeção.
3. No que se refere à suspeição, cumpre observar, independentemente dos motivos
trazidos pelos agravantes, que, sendo relativa a presunção de parcialidade, é sempre
possível a preclusão. Neste sentido a doutrina de Celso Agrícola Barbi1: “se o juiz não
se considerar suspeito, e a parte não alegar, no prazo e forma legais, a suspeição, o defeito
deixa de produzir qualquer conseqüência jurídica no processo; os atos e a sentença que
ele proferir serão válidos. É como se o defeito não tivesse existido ou ficasse sanado”.
Assim, se o interessado, por inércia, deixa de argüi-la “na primeira oportunidade em que
lhe couber falar nos autos” [art. 138, § 1º, do CPC], convalida-se o vício, considerando-
se imparcial o magistrado.

1 Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 413.
64 R.T.J. — 195

4. Ora, os agravantes sustentam a parcialidade da julgadora tendo por base afirma-


ções contidas em acórdão do Superior Tribunal de Justiça, publicado no DJ de 5-4-2004.
A argüição de suspeição, desse modo, que deveria ter sido formalizada até o dia 20-4-04
[art. 305 do CPC], somente o foi em 10-5-04, mediante a interposição do presente agravo
regimental. Ademais, segundo o art. 312 do CPC, cabe à parte indicar o motivo da
suspeição. Inviável, portanto, o recebimento da exceção.
5. No mérito, não merece reparo a decisão monocrática recorrida. Embora o paga-
mento de TDAs em parcelas anuais constitua, de fato, obrigação de trato sucessivo,
verifica-se nos autos que os mencionados títulos foram resgatados em 3-9-1997 [fl. 45].
Assim, se os valores pagos não correspondem ao que os agravantes consideram de direito,
o mandado de segurança não constitui instrumento hábil para pleitear eventuais parce-
las remanescentes, uma vez que não substitui a ação de cobrança [Enunciado n. 269 da
Súmula desta Corte].
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
RMS 24.613-AgR/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Agravantes: Ruben Klee-
bank e outro (Advogados: Ana Paula Silva Miranda e outro). Agravada: União (Advoga-
do: Advogado-Geral da União).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso em mandado
de segurança, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 22 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 24.699 — DF

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Recorrente: Bernardo Rosenberg — Recorrida: União
Recurso em mandado de segurança. Servidor público. Processo
administrativo. Demissão. Poder disciplinar. Limites de atuação do Poder
Judiciário. Princípio da ampla defesa. Ato de improbidade.
1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administra-
tiva e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em
detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e
inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90.
2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos dis-
cricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela
atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a
aplicação de “conceitos indeterminados” estão sujeitos ao exame e con-
R.T.J. — 195 65

trole do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir


sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da
Administração.
3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia —
art. 117, inciso XV, da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com funda-
mento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capi-
tulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibi-
litar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se
inválido em face das provas coligidas aos autos.
4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei
n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder
Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito ad-
ministrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuiza-
mento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão.
Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Marco Aurélio, na confor-
midade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar
provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para, reformando o acórdão
proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, cassar o ato mediante o qual foi imposta a
penalidade de demissão a Bernardo Rosenberg, determinando, em conseqüência, sua
imediata reintegração ao cargo que anteriormente ocupava, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 30 de novembro de 2004 — Marco Aurélio, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança,
interposto por Bernardo Rosenberg, contra acórdão proferido pela Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:
“Servidor Público.
- Nulidade do processo administrativo não caracterizada.
- Ordem denegada.” (Fl. 105).
2. O mandado de segurança foi impetrado contra o Advogado-Geral da União e o
Ministro de Estado dos Transportes, apontando como ato coator a Portaria n. 01, de 26
de fevereiro de 2002, via da qual o recorrente foi demitido do cargo de Engenheiro do
Quadro de Pessoal do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem – DNER, por
improbidade administrativa e valimento do cargo para lograr proveito pessoal de ou-
trem, em detrimento da dignidade da função pública, com fulcro no art. 117, IX, da Lei
8.112/90 e no art. 11, caput e inciso I, da Lei 8.429/92.
66 R.T.J. — 195

O recorrente narra que a Corregedoria-Geral da Advocacia da União procedeu ao


que se denominou “Correição Extraordinária”, objetivando verificar a lisura de acordo
extrajudicial celebrado entre o DNER e a Viriato Cardoso Construções e Projetos Ltda.
4. Conclui-se, no procedimento correcional, segundo o Relatório n. 021/2001 (fls.
30/53), que o mencionado acordo, uma vez cumprido, seria nocivo aos cofres públicos,
na medida em que importaria no pagamento de uma dívida equivalente a R$
8.387.936,00 (oito milhões, trezentos e oitenta e sete mil e novecentos e trinta e seis
reais), supostamente referente a serviços executados pela construtora e não pagos pelo
DNER.
5. Segundo as conclusões do relatório, a Viriato Cardoso Construções e Projetos
Ltda. teria auferido benefícios financeiros sem a correspondente contraprestação —
execução de obras de recuperação em rodovias no Estado da Bahia —, razão pela qual
seria totalmente indevida a quantia objeto do acordo celebrado.
6. Em seguida foi instituída, pelas autoridades apontadas como coatoras, Comis-
são de Processo Administrativo Disciplinar para apurar a responsabilidade funcional do
Procurador Federal Pedro Elói Soares, que teria exarado e aprovado parecer favorável à
pretensão da construtora, e posteriormente assinado o acordo extrajudicial, em detri-
mento do interesse público; e a responsabilidade do ora recorrente, por ter elaborado os
cálculos de atualização da dívida objeto do acordo, utilizando-se de índices e métodos
supostamente incorretos.
7. A Comissão Processante, em seu relatório final, propõe a demissão do Procura-
dor Federal e do ora impetrante, atribuindo a este a prática dos atos tipificados no art.
117, XV1, da Lei n. 8.112/90, e nos arts. 10, caput2, e 11, caput3, da Lei n. 8.429/92.
8. Levado a julgamento o processo administrativo disciplinar, a Consultoria-Geral
da União decidiu, como registrado na Nota AGU/WM-7/2002 (fls. 132/154), acatar a
sugestão de aplicação da penalidade de demissão; porém enquadrou a conduta do impe-
trante em preceito diverso, qual seja, o art. 117, IX4, da Lei n. 8.112/90 e no art. 11,
caput e inciso I5, da Lei 8.429/92.

1 Art. 117. Ao servidor é proibido:


(...)
XV - proceder de forma desidiosa;
2 Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou
omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
3 Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administra-
ção pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade,
e lealdade às instituições, e notadamente:
4 Art. 117. Ao servidor é proibido:
IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da
função pública;
5 Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administra-
ção pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade,
e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência;
R.T.J. — 195 67

9. O impetrante alega que teve cerceado, nos autos do processo administrativo, o


seu direito de defesa, seja em razão de nulidades formais, seja mercê da inexistência de
advogado ou defensor dativo constituído para defendê-lo.
10. Aduz, também, que não foi observado o rito previsto na Lei 8.429/92, que
condiciona a demissão à existência de sentença transitada em julgado.
11. Por outro lado, sustenta que a pena de demissão deve ser considerada ilegal
“ante a comprovação por prova pré-constituída, da não-ocorrência dos motivos apon-
tados pela Administração para a prática do aludido ato”, acrescentando ainda que “o
motivo do ato administrativo é um de seus pressupostos de validade — e, portanto, de
legalidade — sendo absolutamente possível o controle judicial na via do writ of
mandamus”; apresenta, neste sentido, precedente dessa Corte, que entende pertinente
ao caso.
12. Ressalta, ademais, que a única fundamentação apresentada pela Administração
para a aplicação da questionada penalidade teria sido a utilização, pelo recorrente, de
um índice de correção monetária inadequado, sendo que, na verdade, ao contrário do
que foi aferido, o índice utilizado era previsto na Instrução de Serviço DG 002/94, do
próprio DNER, circunstância que enseja, a seu juízo, a invalidade do ato demissionário
que lhe fora imposto.
13. Assevera, por fim, que não teve qualquer participação em acordos administra-
tivos considerados irregulares, sua conduta não tendo acarretado qualquer lesão ao
erário, uma vez que o contrato sob suspeita foi rescindido antes da realização de qual-
quer pagamento nele previsto.
14. Em contra-razões, a União sustenta que a pretensão do recorrente não encontra
respaldo no ordenamento jurídico, restando plenamente comprovadas as acusações a ele
imputadas; salienta que a Comissão efetuou análise minuciosa do Processo Administra-
tivo Disciplinar, concluindo pela indubitável desídia de sua conduta funcional, além da
prática de ato de improbidade administrativa, bem como valimento do cargo para lograr
proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, nos termos
em que dispõem os arts. 117, XV, da Lei n. 8.112/90, 10, caput (forma tentada) e 11,
caput, da Lei 8.429/92.
15. O Ministério Público opina pelo desprovimento do recurso (fls. 334/339).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Conforme anotado no relatório, instaurou-se
procedimento disciplinar contra o recorrente porquanto ele, na qualidade de engenheiro
do DNER, elaborou os cálculos de atualização de dívida objeto de acordo que seria
celebrado entre o DNER e a Viriato Cardoso Construções e Projetos Ltda. utilizando-se
de índices e métodos supostamente incorretos.
68 R.T.J. — 195

2. O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o caso, refutou a alegação de que os


motivos que ensejaram a demissão eram falsos e inidôneos, sob o fundamento de que
“são questões que não podem ser apreciadas na via do mandamus, porque demandaria
o reexame de todo o material fático colhido no bojo do processo disciplinar, bem como
ensejaria incursão indevida sobre o mérito do julgamento efetuado na esfera adminis-
trativa”.
3. Cumpre deitarmos atenção, neste passo, sobre o tema dos limites de atuação do
Judiciário nos casos que envolvem o exercício do poder disciplinar por parte da Admi-
nistração. Impõe-se para tanto apartarmos a pura discricionariedade, em cuja seara não
caberia ao Judiciário interferir, e o domínio da legalidade.
4. A doutrina moderna tem convergido no entendimento de que é necessária e
salutar a ampliação da área de atuação do Judiciário, tanto para coibir arbitrariedades —
em regra praticadas sob o escudo da assim chamada discricionariedade —, quanto para
conferir-se plena aplicação ao preceito constitucional segundo o qual “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CB/88).
5. O sistema que o direito é compreende princípios e regras. A vigente Constituição
do Brasil consagrou, em seu art. 37, princípios que conformam a interpretação/aplicação
das regras do sistema e, no campo das práticas encetadas pela Administração, garantem
venha a ser efetivamente exercido pelo Poder Judiciário o seu controle.
6. De mais a mais, como tenho observado6, a discricionariedade, bem ao contrário
do que sustenta a doutrina mais antiga, não é conseqüência da utilização, nos textos
normativos, de “conceitos indeterminados”. Só há efetivamente discricionariedade
quando expressamente atribuída, pela norma jurídica válida, à autoridade administra-
tiva, essa margem de decisão à margem da lei. Em outros termos: a autoridade adminis-
trativa está autorizada a atuar discricionariamente apenas, única e exclusivamente,
quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Insisto em
que a discricionariedade resulta de expressa atribuição normativa à autoridade admi-
nistrativa, e não da circunstância de serem ambíguos, equívocos ou suscetíveis de rece-
berem especificações diversas os vocábulos usados nos textos normativos, dos quais
resultam, por obra da interpretação, as normas jurídicas. Comete erro quem confunde
discricionariedade e interpretação do direito.
7. A Administração, ao praticar atos discricionários, formula juízos de oportunidade,
escolhe entre indiferentes jurídicos. Aí há decisão à margem da lei, porque à lei é indife-
rente a escolha que o agente da Administração vier então a fazer. Indiferentes à lei,
estranhas à legalidade, não há porque o Poder Judiciário controlar essas decisões. Ao
contrário, sempre que a Administração formule juízos de legalidade, interpreta/aplica o
direito e, pois, seus atos hão de ser objeto de controle judicial. Esse controle, por óbvio,
há de ser empreendido à luz dos princípios, em especial, embora não exclusivamente, os
afirmados pelo artigo 37 da Constituição.

6 Meu O direito posto e o direito pressuposto, 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, pp. 191 e ss.
R.T.J. — 195 69

8. Daí porque esta Corte tem assiduamente recolocado nos trilhos a Administração,
para que exerça o poder disciplinar de modo adequado aos preceitos constitucionais. Os
poderes de Comissão Disciplinar cessam quando o ato administrativo hostilizado se
distancia do quanto dispõe o art. 37 da Constituição do Brasil. Nesse sentido, excerto da
ementa constante do MS 20.999/DF, Celso de Mello, DJ de 25-5-90:
“O mandado de segurança desempenha, nesse contexto, uma função instru-
mental do maior relevo. A impugnação judicial de ato disciplinar legitima-se em
face de três situações possíveis, decorrentes (1) da incompetência da autoridade,
(2) da inobservância das formalidades essenciais e (3) da ilegalidade da sanção
disciplinar. A pertinência jurídica do mandado de segurança, em tais hipóteses,
justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre a legalidade dos atos
punitivos emanados da Administração Pública no concreto exercício do seu poder
disciplinar.”
9. É, sim, devida, além de possível, a revisão dos motivos do ato administrativo
pelo Poder Judiciário, especialmente nos casos concernentes a demissão de servidor
público.
10. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de “conceitos indeterminados”
estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. “Indeterminado” o termo do con-
ceito — e mesmo e especialmente porque ele é contingente, variando no tempo e no
espaço, eis que em verdade não é conceito, mas noção —, a sua interpretação [interpre-
tação = aplicação] reclama a escolha de uma entre várias interpretações possíveis, em
cada caso, de modo que essa escolha seja apresentada como adequada.
11. Como a atividade da Administração é infralegal — administrar é aplicar a lei
de ofício, dizia Seabra Fagundes —, a autoridade administrativa está vinculada pelo
dever de motivar os seus atos. Assim, a análise e ponderação da motivação do ato admi-
nistrativo informam o controle, pelo Poder Judiciário, da sua correção.
12. O Poder Judiciário verifica, então, se o ato é correto. Não, note-se bem — e
desejo deixar isso bem vincado —, qual o ato correto.
13. E isso porque, repito-o, sempre, em cada caso, na interpretação, sobretudo de
textos normativos que veiculem “conceitos indeterminados” [vale dizer, noções], ine-
xiste uma interpretação verdadeira [única correta]; a única interpretação correta —
que haveria, então, de ser exata — é objetivamente incognoscível (é, in concreto, incog-
noscível). Ademais, é óbvio, o Poder Judiciário não pode substituir-se à Administração,
enquanto personificada no Poder Executivo. Logo, o Poder Judiciário verifica se o ato é
correto; apenas isso.
14. Nesse sentido, o Poder Judiciário vai à análise do mérito do ato administrativo,
inclusive fazendo atuar as pautas da proporcionalidade e da razoabilidade, que não são
princípios, mas sim critérios de aplicação do direito, ponderados no momento das nor-
mas de decisão. Não voltarei ao tema, até para não maçar demasiadamente esta Corte. O
fato porém é que, nesse exame do mérito do ato, entre outros parâmetros de análise de
que para tanto se vale, o Judiciário não apenas examina a proporção que marca a relação
entre meios e fins do ato, mas também aquela que se manifesta na relação entre o ato e
seus motivos, tal e qual declarados na motivação.
70 R.T.J. — 195

15. O motivo, um dos elementos do ato administrativo, contém os pressupostos de


fato e de direito que fundamentam sua prática pela Administração. No caso do ato
disciplinar punitivo, a conduta reprovável do servidor é o pressuposto de fato, ao passo
que a lei que definiu o comportamento como infração funcional configura o pressuposto
de direito. Qualquer ato administrativo deve estar necessariamente assentado em moti-
vos capazes de justificar a sua emanação, de modo que a sua falta ou falsidade conduzem
à nulidade do ato.
16. Esse exame evidentemente não afronta o princípio da harmonia e interdepen-
dência dos Poderes entre si [CB, art. 2º]. Juízos de oportunidade não são sindicáveis pelo
Poder Judiciário; mas juízos de legalidade, sim. A conveniência e oportunidade da
Administração não podem ser substituídas pela conveniência e oportunidade do juiz.
Mas é certo que o controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato,
à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.
17. Daí porque o controle jurisdicional pode incidir sobre os motivos determinan-
tes do ato administrativo.
18. Sendo assim, concluo esta primeira parte de meu voto, deixando assente que o
Poder Judiciário pode e deve, mediante a análise dos motivos do ato administrativo —
e sem que isso implique em invasão da esfera privativa de atribuições reservadas à
Administração pela Constituição do Brasil —, pode e deve, dizia, rever a pena de demis-
são imposta ao servidor público.
19. Resta, então, saber se no caso foi demonstrada alguma ilegalidade na demissão
aplicada ao impetrante, mediante prova pré-constituída, como determina regra da Lei n.
1.533/51.
20. Como a pena de demissão foi fundamentada em dois textos normativos — Leis
n. 8.112/90 e n. 8.429/92 —, analisarei os preceitos separadamente.
21. Quanto ao primeiro (inciso IX do art. 117 da Lei n. 8.112/90), um fato chama a
atenção: o processo administrativo disciplinar encetado contra o impetrante desde o
início teve como ponto-chave a forma como este procedeu aos cálculos da dívida, tendo
ela sido considerada pela comissão processante como atuação desidiosa. Tanto assim é
que o relatório final conclui:
“Do exposto acima e considerando que o engenheiro Bernardo Rosenberg,
como ele próprio afirmou, quando elabora cálculo não lê o contrato respectivo,
utiliza correção e juros em qualquer hipótese, e, no processo administrativo que
resultou no acordo celebrado na Ação Ordinária n. 1998.34.00.025197-1, perante
a 17ª Vara Federal de Brasília-DF, utilizou índices da Justiça do Trabalho para
atualizar contrato de natureza civil, entende a Comissão que o indiciado atuou
de forma desidiosa, transgredindo o citado servidor Bernardo Rosenberg, a norma
estabelecida no art. 117, XV, da Lei 8.112/90 (...)” (grifei).
22. Ocorre que, encaminhado o relatório final à autoridade competente para apre-
ciação, esta, adotando parecer exarado na Nota AGU/WM-7/2002 (fls. 134/153), funda-
mentou o ato punitivo em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito —
inciso IX do art. 117 da Lei n. 8.112/90 —, sob o pretexto de que não haveria qualquer
dano para a defesa, uma vez que esse direito é exercido à vista dos fatos.
R.T.J. — 195 71

23. É extreme de dúvidas que a autoridade competente para aplicar a penalidade


não está jungida à conclusão exarada no relatório final pela comissão de processo admi-
nistrativo, visto que “poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abran-
dá-la ou isentar o servidor de responsabilidade”, segundo dispõe o parágrafo único do
artigo 168 da Lei n. 8.112/90.
24. Ocorre, todavia, que, no caso, a alteração procedida pela autoridade competente
acabou, sem sombra de dúvida, por afetar negativamente o direito de ampla defesa do
acusado.
25. É que, ao longo de todo o processo administrativo, o que se discutiu, unica-
mente, foi o método utilizado pelo ora recorrente para cálculo dos valores referentes a
acordo extrajudicial celebrado entre o DNER e a Viriato Cardoso Construções e Projetos
Ltda.:
• todas as perguntas direcionadas ao impetrante em seu interrogatório (fls.
56/58) diziam respeito aos cálculos por ele efetuados;
• a defesa administrativa do impetrante (fls. 158/171) sustenta, tão-somente, a
legalidade dos índices por ele aplicados.
26. Vale dizer: nos autos do processo administrativo, tanto a Comissão de Processo
Administrativo, quanto o impetrante discutiam se o mesmo teria agido com desídia ou
não. Jamais se tocou na questão de a empresa ter logrado proveito, motivo alegado para
sua demissão.
27. Nesse ponto, importa deixar consignado que, embora no campo administrativo
não seja necessária tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a
capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o
direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial,
quanto nos campos administrativos ou disciplinares, sem que ao acusado seja propiciada
ampla defesa [CB, art. 5º, LV].
28. Assim, mal ferido, no caso, o princípio, entendo, em face da evidente ocorrên-
cia de prejuízo à defesa do acusado, deva ser reconhecida a nulidade do procedimento
administrativo.
29. Além do mais, extrai-se dos autos que o supramencionado acordo extrajudicial
foi rescindido, não tendo sido pago qualquer quantia nele prescrita, razão pela qual
concluo que o motivo aventado no ato demissionário afigura-se inválido. Tornou-se
impossível à empresa contratante lograr proveito em tal situação — pas de nullité sans
grif, como afirmam os franceses.
30. Ressalto que aí se trata de fato incontroverso, reconhecido, inclusive, na Nota
AGU/WM-7/2002, na qual o Consultor da União Wilson Teles de Macedo assevera que
“a atuação funcional não implicou prejuízo para o Erário, em decorrência da impug-
nação efetivada por esta Instituição” (fl. 149).
31. A Primeira Turma desta Corte, ao apreciar caso similar a este, cassou penalidade
disciplinar por insuficiência de fundamentação, em acórdão que restou assim ementado:
“Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, Administrativo. Processo
Disciplinar, autonomia das instâncias Administrativa e Penal, suficiência e vali-
72 R.T.J. — 195

dade das provas, incursão no mérito Administrativo Disciplinar. Agravamento


de penalidade. Discrepância entre a penalidade aplicada por Ministro de Estado
e as conclusões da Comissão Disciplinar.
Ato de Ministro de Estado que aplica penalidade de suspensão por noventa
dias. Agravamento em relação à penalidade de advertência indicada no relatório
de Comissão Disciplinar. Fundamentação insuficiente. Leitura do art. 168 da Lei
8.112/1990. O art. 168 da Lei 8.112/1990 não obriga a autoridade competente
a aplicar a penalidade sugerida no relatório de Comissão Disciplinar, mas
exige, para o agravamento dessa pena, a devida fundamentação. Nesse sentido,
vencido o Ministro Relator, que dava parcial provimento ao recurso para restabe-
lecer pena de advertência. Por maioria, recurso ordinário conhecido em parte, afas-
tadas as demais alegações de nulidade, e, nessa parte, provido, para anular o ato
impugnado, sem prejuízo de que outro venha a ser praticado com a devida funda-
mentação.” (Grifei) (STF, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 24.561-
5/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa,
DJ de 18-6-2004).
32. Entendo que a penalidade aplicada ao servidor, em razão do inciso IX do art.
117 da Lei n. 8.112/90 — valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem,
em detrimento da dignidade da função pública —, deve ser afastada. A uma porque
houve afronta ao direito de ampla defesa do impetrante; a duas porque o motivo afigu-
rou-se inválido em face das provas coligidas aos autos.
33. Feitas essas considerações, resta analisar a aplicação da penalidade de demis-
são sob fundamento no caput e inciso I do artigo 11 da Lei n. 8.429/92.
34. No que concerne a este ponto, a questão a ser considerada diz com a possibili-
dade de se atribuir a um servidor conduta de improbidade administrativa com base em
processo administrativo disciplinar.
35. A Lei de Improbidade Administrativa define, numerus clausus, o que se enten-
de por atos de improbidade administrativa, dividindo-os em três categorias: a) os que
importem em enriquecimento ilícito [art. 9º]; b) os que causem lesão ao erário [art. 10];
e c) os que atentem contra os princípios da Administração Pública [art. 11].
36. Sucede que muitos desses atos tipificados na Lei 8.429/92 encontram corres-
pondentes em crimes definidos na legislação penal e nas infrações administrativas enun-
ciadas no Estatuto dos Servidores Públicos — Lei 8.112/90. É certo que, nessa hipótese,
nada impede a instauração de processos nas três instâncias, administrativa, civil e
criminal.
37. No entanto, impõe-se esclarecer o que se irá apurar em cada uma dessas
instâncias. Na primeira apura-se o ilícito administrativo em consonância com as
normas estabelecidas no estatuto funcional; na segunda, a improbidade administrativa,
com aplicação das sanções previstas na Lei n. 8.429/92; na terceira apura-se o ilícito
penal segundo as normas do Código de Processo Penal.
38. Caberia à autoridade administrativa, no caso, simplesmente verificar se há
equivalência entre o suposto ato de improbidade administrativa e o seu correspondente
na Lei n. 8.112/90, aplicando-lhe, em conseqüência, a penalidade cabível, com esteio
R.T.J. — 195 73

no Estatuto dos Servidores. Não lhe cabe punir com base na Lei de Improbidade Admi-
nistrativa, visto que o procedimento correcional administrativo não é a via apropriada
para se averiguar a sua ocorrência.
39. É que as hipóteses de improbidade administrativa diferem das faltas discipli-
nares, na medida em que a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92
não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Ainda que
assemelhados às infrações penais, que só podem ser julgadas pelo Poder Judiciário, os
ilícitos administrativos são julgados e punidos pela própria Administração.
40. Ora, a perda da função pública quando aplicada como sanção por improbidade
administrativa só se torna efetiva com o trânsito em julgado da sentença condenatória
(Lei n. 8.429, de 1992, art. 20). Enquanto pender qualquer recurso, essa pena, em home-
nagem ao princípio da presunção de inocência contemplado na Constituição do Brasil,
não terá eficácia.
41. Em caso semelhante, esta Corte fixou entendimento que se aplica ao caso sob
exame, verbis:
“Servidor — Responsabilidade administrativa cível e penal — Demissão.
Estando o decreto de demissão alicerçado em tipo penal, imprescindível é
que haja provimento condenatório trânsito em julgado. Se de um lado é certo que
a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal indica o caráter autô-
nomo da responsabilidade administrativa, a não depender dos procedimentos
cível e penal pertinentes, de outro não menos correto é que, alicerçada a demissão
na prática de crime contra a administração pública, este há que estar revelado
em pronunciamento judiciário coberto pelo manto da coisa julgada” (grifei)
(Pleno, MS 21.310/DF, Marco Aurélio, DJ de 11-3-94)
37. Concluo, portanto, no sentido de que, verificada a prática de atos de improbi-
dade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuiza-
mento da competente ação e não a aplicação de demissão.
Ante essas circunstâncias, provejo o recurso para, reformando o acórdão proferido
pelo Superior Tribunal de Justiça, cassar o ato mediante o qual foi imposta a penalidade
de demissão a Bernardo Rosenberg, determinando, em conseqüência, sua imediata rein-
tegração ao cargo que anteriormente ocupava.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, acompanho o voto do Relator,
entendendo, inclusive, que foi ilegal a sanção disciplinar aplicada porque não vejo
sequer conduta reprovável por parte do servidor demitido. Segundo entendi, ele foi
designado para fazer cálculos de atualização monetária de um débito do Estado, do
Poder Público, constante de um acordo administrativo, e foi indiciado por haver incor-
rido em duas supostas faltas: adotado índice de correção monetária inadequado para as
dívidas da União, porque se louvou em índice prevalecente para a Justiça do Trabalho,
e aplicado à divida juros de mora de 6% ao ano.
Não sei em que isso constitui ilícito administrativo, até porque esse acordo foi
celebrado pela Administração Pública seguramente em cima de parecer jurídico, de
análise jurídica. Esses cálculos poderiam passar pelo crivo, pela análise do Departamento
Jurídico. Foi o DER?
74 R.T.J. — 195

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O DNER. Na verdade, há também uma aplica-
ção, que não está nos autos, mas é relatada, da pena de demissão ao procurador que teria
dado o parecer e assinado o acordo; acordo que não foi cumprido porque foi tornado
nulo posteriormente.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Isso é importante, o acordo não foi levado
adiante e impediu a consumação de prejuízo ao erário. Acompanho o voto de V. Exa.,
entendendo que o estudo está muito bem feito.
Só queria fazer uma observação lateral. Esse lapidar conceito de Miguel de Seabra
Fagundes, segundo o qual administrar é aplicar a lei de ofício, talvez esteja a exigir uma
atualização.
O artigo 37 da Constituição, tão apropriadamente citado por V. Exa., Sr. Ministro
Eros Grau, na cabeça desse artigo, há uma novidade que não tem sido posta em ênfase
pelos estudiosos. Esse artigo tornou o Direito maior do que a lei ao fazer da legalidade
apenas um elo, o primeiro elo de uma corrente de juridicidade que ainda incorpora a
publicidade, a impessoalidade, a moralidade, a eficiência. Ou seja, já não basta ao admi-
nistrador aplicar a lei, é preciso que o faça publicamente, impessoalmente, eficientemente,
moralmente. Vale dizer: a lei é um dos conteúdos desse continente de que trata o artigo 37.
Então, se tivéssemos que atualizar o conceito de Seabra Fagundes, adaptando-o à nova
sistemática constitucional, diríamos o seguinte: administrar é aplicar o Direito de ofício,
não só a lei.
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não é bem assim, se me permite, porque, na
verdade, o Estado faz as leis, mas quem faz o Estado que faz as leis, antes, é o Direito. Isso
é uma bela discussão.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Mas para o Direito ser respeitado, não basta
aplicar a lei, é preciso que ela seja aplicada eficientemente. Ou seja, o Direito também se
manifesta na eficiência; publicamente, o Direito também se manifesta na publicidade;
moralmente, o Direito também está presente na moralidade. Então, o administrador deve
aplicar a lei e, ainda, observar todos esses princípios de que o Direito se constitui. Assim,
teríamos de dizer que administrar é aplicar o Direito de ofício, um direito que incorpore
lei, publicidade, moralidade, impessoalidade e eficiência.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, além de todos os muitos e doutos
argumentos do eminente Relator, ousaria acrescentar que talvez até bastasse reconhecer
que, com base em fato tido por incontroverso, a imputação de uma ação culposa, sem
dano, a funcionário com mais de vinte anos de serviço público, sem nenhuma punição,
é absolutamente ilegal, porque contraria a Lei n. 8.112, em sendo desproporcional à
gravidade e à natureza da falta a aplicação da pena de demissão. A Comissão teve por
culposo um comportamento meramente desidioso, que ela própria reconheceu não ha-
ver causado dano, até porque, depois, os fatos teriam confirmado que, pela desconstitui-
ção do acordo, não houve pagamento nenhum. Não era, pois, caso de aplicar ao
funcionário, sem nenhum antecedente disciplinar, a pena mais grave da Administra-
ção Pública.
Acompanho, inteira e tranqüilamente, o voto do Ministro Relator.
R.T.J. — 195 75

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Se V. Exa. me permite, uma curiosidade.


Efetivamente, a Lei n. 8.112, no seu artigo 117, XV, proíbe o procedimento de forma
desidiosa. Proceder dessa forma, portanto, é uma das proibições expressas impostas ao
funcionário público. Porém — aí está a curiosidade —, quando essa mesma Lei trata da
demissão, no artigo 132, diz quais os casos em que se aplicam a demissão, mas já não
inclui o proceder de forma desidiosa.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Foi exatamente por isso que eu disse ser contrário a
disposição expressa da Lei n. 8.112. Não podia aplicar ao fato desidioso pena não
prevista na Lei.

EXTRATO DA ATA
RMS 24.699/DF — Relator: Ministro Eros Grau. Recorrente: Bernardo Rosenberg
(Advogados: Rodrigo Alves Chaves e outro). Recorrida: União (Advogado: Advogado-
Geral da União).
Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança
para, reformando o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, cassar o ato
mediante o qual foi imposta a penalidade de demissão a Bernardo Rosenberg, deter-
minando, em conseqüência, sua imediata reintegração ao cargo que anteriormente
ocupava, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidiu o julgamento o Ministro
Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Sepúlveda Pertence. Falou pelo
recorrente o Dr. Rodrigo Alves Chaves.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Ministros Cezar
Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Ministro Sepúlveda
Pertence. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 30 de novembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA 24.999 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Embargantes: União e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária —
INCRA — Embargada: Celina Valente Frossard
Processual Civil. Mandado de segurança. Reforma agrária. Incra:
tentativa de ingresso como terceiro prejudicado: inadmissibilidade.
I - O Incra não tem legitimidade para intervir, seja como assistente,
seja como terceiro prejudicado, em processo de mandado de segurança
no qual se impugna a validade de decreto do Presidente da República de
desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária.
II - Embargos de declaração do Incra não conhecidos.
III - Embargos de declaração da União rejeitados, por não ocorre-
rem, no caso, os seus pressupostos.
76 R.T.J. — 195

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade, rejeitar os embargos interpostos pela União e não co-
nhecer dos embargos interpostos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro
Cezar Peluso.
Brasília, 9 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de embargos de declaração opostos, simulta-
neamente, pela União e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, ao acórdão que porta a seguinte ementa:
“Ementa: Constitucional. Agrário. Desapropriação: reforma agrária.
Vistoria prévia: notificação do proprietário rural. Lei 8.629/93, art. 2º, § 2º.
Devido processo legal: CF, art. 5º, LV. Imóvel rural: divisão: sucessão mortis
causa: princípio da saisina: Código Civil, 1916, art. 1.572; Código Civil, 2002,
art. 1.784. Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, art. 46, § 6º.
I - Vistoria prévia: notificação: a notificação para a vistoria prévia constitui
exigência do devido processo legal (CF, art. 5º, LV). Precedente do STF.
II - Princípio da saisina: aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo,
aos herdeiros legítimos e testamentários: Código Civil, 1916, art. 1.572; Código
Civil, 2002, art. 1.784.
III - No caso de imóvel rural em comum por força de herança, as partes ideais
para os fins da desapropriação serão consideradas como se divisão houvesse, de-
vendo ser cadastrada a área que, na partilha, tocaria a cada herdeiro e admitidos os
demais dados médios verificados na área total do imóvel. Lei 4.504/1964 (Estatuto
da Terra), art. 46, § 6º.
IV - No caso, não foram notificados os herdeiros para a vistoria prévia,
tampouco comprovou a entidade expropriante a prova do domínio para os fins do
art. 185, I, CF. O ônus dessa prova negativa é da entidade expropriante. Precedente
do STF: MS 23.006/PB, Ministro Celso de Mello, DJ de 29-8-03.
V - Aplicabilidade, à desapropriação para reforma agrária, do princípio da
saisina e da regra do § 6º do art. 46 do Estatuto da Terra. Precedentes do STF: MS
23.306, Ministro Octavio Gallotti, DJ de 10-8-2000; MS 22.045/ES, Ministro
Marco Aurélio, DJ de 30-6-95.
VI - Mandado de Segurança deferido.” (Fl. 643)
Nos embargos de declaração opostos pela União (fls. 650-659), sustenta-se, em
síntese, que foram “maliciosamente omitidos pela embargada” (fl. 651) fatos capazes
de modificar o julgado, fatos esses extraídos do Inventário 2001.01.1.100037-5, em
curso perante a Vara de Órfãos e Sucessões de Brasília, que tem por objeto a partilha do
espólio de Afrânio Frossard, quais sejam:
R.T.J. — 195 77

a) comprovação da existência de mais de uma propriedade em nome do espólio


(fls. 670-671), o que, por si só, demonstra “que o objeto do decreto expropriatório não
estava acobertado pela regra de imunidade trazida pelo artigo 185, I, da Constituição
Federal” (fl. 654);
b) existência de renúncia expressa dos herdeiros aos bens do espólio (fls. 683-
684), o que impediu a transmissão da herança, razão pela qual “não há que se falar em
constituição de propriedades distintas face à sucessão hereditária ocorrida” (fl. 655);
c) ciência da instauração de processo expropriatório da Fazenda Boa Esperança,
uma vez que, em 25-4-2003, a inventariante peticionou nos autos do inventário infor-
mando que “teve notícia da instauração de processo que visa a desapropriação, pelo
Incra, da Fazenda Boa Esperança” (fl. 691), “anexando cópias dos editais que cienti-
ficavam a data da vistoria”, e que “entrou em contato telefônico com a Delegacia
Regional do Incra e deu ciência da situação jurídica em que se encontra o referido
imóvel” (fl. 653);
d) requerimento formulado pela inventariante, em 27-8-2003, de juntada, aos
autos do inventário, do “relatório técnico de fiscalização e da declaração para cadas-
tro de imóvel rural – DP ex officio, emitido pela Superintendência Regional do Incra,
em Minas Gerais, o qual classificou a Fazenda Boa Esperança, objeto do inventário,
como sendo ‘Grande Propriedade Improdutiva’, para efeito de desapropriação pelo
Governo Federal” (fl. 653).
Por outro lado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA,
na qualidade de terceiro prejudicado, opõe embargos de declaração (fls. 705-711),
sustentando, em síntese, que “tem-se por não existente, factualmente, a premissa adota-
da pelo acórdão embargado, isto é: não ocorreu a divisão da Fazenda Boa Esperança
em razão do direito de saisina. E não ocorreu materialmente (pela divisão in loco da
fazenda) e tampouco formalmente (pela divisão do imóvel em processo judicial de
inventário e partilha ou no cartório de registro de imóveis)” (fl. 708).
Além disso, ressalta que, no tocante à legalidade da notificação editalícia promo-
vida pelo Incra, objeto de divergência no julgamento do presente writ, há de prevalecer
a tese da ausência de nulidade, uma vez que a impetrante teve conhecimento do edital,
veio aos autos do processo administrativo e exercitou seu direito ao contraditório e à
ampla defesa.
Nesse contexto, tanto a União quanto o Incra requerem o acolhimento dos presen-
tes embargos de forma a emprestar-lhes efeitos modificativos.
Em 10-3-2005, determinei fosse dada vista à embargada (fls. 726-728), que se
manifestou às fls. 774-796 e 798-811, respectivamente, quanto aos embargos de decla-
ração opostos pelo Incra e pela União.
Em relação aos embargos de declaração opostos pelo Incra (fls. 774-796), sus-
tenta a embargada preliminarmente:
a) ilegitimidade ad causam do Incra, dado que, conforme a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, não assiste à referida autarquia, seja na condição de assisten-
te, seja na de terceiro prejudicado, seja, ainda, como litisconsorte passivo, legitimidade
para intervir em mandado de segurança em que se impugna a validade jurídica de de-
78 R.T.J. — 195

claração expropriatória de imóvel rural, consubstanciada em decreto do Presidente da


República editado para fins de reforma agrária;
b) impossibilidade de inovação da matéria de defesa na via recursal, em respeito
ao princípio da eventualidade, previsto no art. 300 do Código de Processo Civil.
No mérito, aduz a insubsistência das alegações do embargante, uma vez que esse
“não trouxe aos autos nenhuma prova formal da concretização da renúncia, que, como
não ignora essa culta Corte, é ato solene” (fl. 777). Nesse contexto, ressalta que simples
petição juntada aos autos do inventário não é termo judicial, e acrescenta que “não
omitiu informação a esta Corte de Justiça, apenas houve, na via do inventário, ato não
solene que não se formalizou pelos instrumentos que a lei determina, ato, portanto,
inexistente” (fl. 778).
No tocante aos embargos de declaração opostos pela União (fls. 798-811), a
embargada, além de reiterar os argumentos de mérito anteriormente expostos, alega que
o ato impugnado no presente writ foi corretamente anulado, porquanto embasado em
procedimento administrativo viciado desde o início, quer por defeito de notificação
inicial, quer por ignorar o condomínio surgido quando da morte do proprietário origi-
nal, motivo pelo qual requer a manutenção do acórdão impugnado.
A impetrante, tendo em vista a não-concessão da reintegração de posse requerida
em razão da invasão do imóvel pelo MST e a autorização do Incra/MG para que a
Emater/MG prestasse a devida assistência técnica rural aos invasores, requer, às fls.
814-815, a extração de carta de sentença, com o intuito de comunicar ao Incra/MG a
decisão proferida, em 17-11-2004, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Examino os embargos da União.
Os embargos de declaração apresentam caráter de infringentes, desejando a embar-
gante, simplesmente, um novo julgamento, o que não é possível nos embargos de decla-
ração.
Com efeito.
Decidiu o Supremo Tribunal, quanto à vistoria prévia, que a sua notificação cons-
titui exigência do devido processo legal (CF, art. 5º, LV) e que, no caso, não foram
notificados os herdeiros para essa vistoria, tampouco a entidade expropriante trouxe
para os autos a prova do domínio para os fins do art. 185, I, CF, certo que o ônus dessa
prova é da entidade expropriante, conforme decidiu o Supremo Tribunal no MS 23.006/PB,
Ministro Celso de Mello.
Destarte, as questões trazidas, agora, pela embargante, União, são despiciendas, cum-
prindo salientar que, quanto às questões suscitadas — ciência da instauração de processo
expropriatório da Fazenda Boa Esperança e bem assim requerimento formulado pela inven-
tariante, em 27-8-2003, de juntada, aos autos do inventário, do relatório técnico —, ficaram
R.T.J. — 195 79

superadas. À leitura atenta do acórdão embargado remete-se a entidade-embargante. Não


ocorrem, na espécie, os pressupostos dos embargos de declaração — CPC, art. 535.
No que toca aos embargos de declaração do Incra, não podem ser conhecidos, por
isso que o Incra não é parte nos autos, conforme ficou esclarecido no despacho de fls.
726-728.
No MS 23.759-AgR/GO, Relator o Ministro Celso de Mello, decidiu o Supremo
Tribunal Federal:
“Ementa: Mandado de segurança — Reforma agrária — Concessão de
medida liminar — Recurso interposto pelo Incra — Inadmissibilidade — Agravo
não conhecido.
— Não assiste ao Incra, seja na condição de assistente, seja na de terceiro
prejudicado, seja, ainda, como litisconsorte passivo, legitimidade para intervir em
processo de mandado de segurança no qual se impugne a validade jurídica de
declaração expropriatória de imóvel rural, consubstanciada em decreto do Presi-
dente da República editado para fins de reforma agrária. Precedentes.
— Não cabe recurso de agravo contra decisão do Relator, que, motivada-
mente, defere ou indefere pedido de medida liminar formulado em sede de mandado
de segurança originariamente impetrado perante o Supremo Tribunal Federal. Pre-
cedentes.” (DJ de 2-3-2001)
Do exposto, rejeito os embargos de declaração da União e não conheço dos embargos
do Incra.

EXTRATO DA ATA
MS 24.999-ED/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Embargantes: União (Ad-
vogado: Advogado-Geral da União) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA (Advogados: Gleci Borges Flores e outros). Embargada: Celina Valente
Frossard (Advogados: Miguel Arcanjo César Guerrieri e outro).
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou os embargos interpostos pela
União e não conheceu dos embargos interpostos pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária – INCRA, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,
o Ministro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.
Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
Brasília, 9 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
80 R.T.J. — 195

RECURSO EM HABEAS CORPUS 81.740 — RS

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Recorrente: Delmar dos Santos — Recorrido: Ministério Público Federal
I - Habeas corpus: cabimento: direito probatório.
Não cabe o habeas corpus para solver controvérsia de fato depen-
dente da ponderação de provas desencontradas; cabe, entretanto, para
aferir a idoneidade jurídica ou não das provas nas quais se fundou a
decisão condenatória.
II - Chamada de co-réu: inidoneidade para lastrear condenação.
A chamada de co-réu, ainda que formalizada em Juízo, é inadmissí-
vel para lastrear a condenação: precedentes (v.g., HHCC 74.368, Pleno, j.
1º-7-97, Pertence, DJ de 28-11-97; 81.172, 1ª T., j. 11-6-02, Pertence, DJ de
7-3-03).
Ausência de elementos de prova válidos para fundamentar a conde-
nação.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
dar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 29 de março de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente e outros co-réus foram condenados,
em primeiro grau, à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, por infração do art. 12, § 1º, II;
e 18, III, da Lei 6.368/76.
Estes os fatos firmados na sentença (fls. 57/70):
“(...)
Quanto a participação dos demais acusados – Márcio, Reinaldo (Tato),
Samar e Delmar (Bugio), tenho, de igual forma que verte do acervo probatório.
Nesse sentido, a chamada do co-réu de Reli Schmidt (fl. 35), quando sinalou
quem plantou os pés de maconha foi o co-acusado Márcio, sendo que seguidamente
compareciam no local Bugio, Tato e Samar, asseverando inclusive: ‘(...) Que, avis-
tou certa feita os acima nominados retirando pequenos galhos dos pés mais desen-
volvidos, os quais carregavam consigo até Porto Xavier’. E tal chamada foi devida-
mente judicializada à fl. 325, quando o referido acusado asseverou: ‘...Informa que
provavelmente foi o acusado Márcio que efetuou a plantação de ditos pés de
maconha, tendo certeza que foi tal acusado quem plantou tais pés. Quem mais
cuidava era o Márcio, sendo que por vezes lá aparecia a pessoa conhecida por Tato,
R.T.J. — 195 81

o qual acompanhava na olhada na plantação. Que além desses também compare-


ceu Samar e Bugio, achando que essas eram as pessoas que lá compareciam, o que
faziam semanalmente (...)’.
No mesmo norte as declarações de Vanderlei Schmidt – fls. 37 – quando
sinalou que o co-acusado Márcio começou a plantar as sementes, sendo que lá
compareciam os amigos de Márcio de nome Bugio, Tato e Samar, os quais partici-
param do cultivo de maconha, o que de resto é comprovado pelo seu depoimento
judicial de fl. 380. É oportuno gizar que em juízo alterou o conteúdo de seu
depoimento, com o desiderato de inocentar alguns dos acusados, sinalando que o
depoimento policial foi obrado sobre pressão, o que ficou só nas suas palavras, já
que ficou positivado que suas declarações não foram eivadas do vício da coação
(veja-se, nesse diapasão, Avelino Paschoal Rigo – fls. 382 -, o qual sinalou ter
ouvido de Vanderlei que na plantação também estavam envolvidos Bugio, Tato e
Samar).
Desse mesmo sentir, ainda, a chamada de co-réu de Semilda – fls. 325v –,
quando aduziu que o proprietário dos pés de maconha era o acusado Márcio e seus
companheiros Samar, Paíca Bugio e Tato.
Nesse contexto probatório, resta isolada a tese negatória de tais acusados,
especialmente pelo fato de que negaram, inclusive, que freqüentavam a proprieda-
de dos acusados Reli e Semilda, quando a prova aponta noutro sentido, ou seja, de
que semanalmente iam até o referido lugar, e auxiliavam no cultivo e colheita da
maconha, o que é apontado de forma uníssona pela prova testemunhal coligada
aos autos.
(...)”.
Assim, a condenação do paciente, em primeiro grau, se amparou nas chamadas de
dois co-réus e nas declarações do filho deles.
Na mesma linha o acórdão da apelação, verbis (fls. 116/136):
“(...)
Malgrado as ponderações defensivas, tenho que a autoria do delito ora impu-
tado aos apelados restou amplamente demonstrada.
Reli e Semilda eram os proprietários da terra onde era cultivada a maconha e
confirmaram a tese acusatória quando de seus depoimentos na polícia na presença
de duas testemunhas.
Reli Schmidt informou:
‘Que a alguns meses atrás Márcio apareceu na propriedade do declarante
com as sementes de maconha, não dizendo de quem ou onde comprou; Que
Márcio não lhe pediu ‘direto’ para plantar as sementes; Que, Márcio primeiro
plantou e depois comunicou; Que, por ser coitado e pelo fato de ter receio de
Márcio, não se opôs ao cultivo de maconha; (...) Que seguidamente apareci-
am em sua propriedade os elementos ‘Bugio’, ‘Tato’, Samar... Que, na sua
terra apareciam os seguintes carros: uma Kombi branca, dirigida por Márcio
82 R.T.J. — 195

ou ‘Tato’, um Fiat vermelho, conduzido por ‘Bugio’, bem como uma moto de
propriedade de Márcio. Que avistou certa feita os acima nominados retirando
pequenos galhos de pés mais desenvolvidos os quais carregavam consigo até
Porto Xavier”.
Em juízo alterou suas afirmações buscando retirar a responsabilidade sua e
de sua esposa Semilda. Esclareceu que somente com a intervenção da polícia
federal é que tomou conhecimento dos pés de maconha. Imaginava serem pés de
picão do reino. Acrescentou ser o acusado Márcio o responsável pela plantação,
bem como seus companheiros Tato; Samar e Bugio que também ‘olhavam’ a plan-
tação, fazendo-o semanalmente. Márcio não havia lhe pedido autorização para
plantar. Finalizou informando que os pés de maconha foram plantados no início
do ano de 1996’.
(...)
Vanderlei Schmidt, filho do casal [co-réus Reli e Semilda], em seu depoi-
mento, em juízo, informou ser Márcio o responsável pela plantação dos pés de
maconha, sendo que Tato, Bugio e Samar auxiliavam-no. Esclareceu que presen-
ciou Márcio e Tato tirarem folhas e galhos da plantação e levaram embora da
propriedade bem como Reinaldo plantando as sementes de maconha, concluindo
que os dois iam na plantação às vezes de manha, às vezes de tarde (fl. 380v/381).
Andrei Schimdt, irmã de Vanderlei confirmou o depoimento acusando
Márcio e Tato (fl. 381/v).
Avelino Pascoal Rigo, convocado a presenciar a prisão dos acusados e o
flagrante na propriedade rural, confirmou as informações apresentadas pelas tes-
temunhas de acusação e finalizou acrescentando que não presenciara qualquer
pressão ou ameaça por parte dos policiais (fl. 382/383).
(...)
A materialidade restou comprovada pela apreensão de mais de 1600 pés de
maconha, conforme auto de apreensão de fl. 11; lado provisório de fl. 13 e auto
definitivo de fls. 139/142 e levantamento fotográfico de fls. 142/145.”
Opostos embargos de declaração, assim decidiu o TJRS (fls. 153/157):
“(...)
Sob a tese de flagrante erro material, a defesa visa reinterpretar as pro-
vas dos autos, transcrevendo depoimentos visando apontar equívocos e in-
terpretações tendenciosas por parte deste Relator.
Relativo a tais argumentos entendo que razão assiste a defesa em alegar
que o filho de um dos acusados, Vanderlei, negou ter imputado qualquer
conduta delituosa ao réu em juízo. Realmente a testemunha alterou sua versão
aos fatos informados quando de seu depoimento na polícia, na presença de
duas testemunhas, onde confirmava o envolvimento de Delmar. Todavia, per-
manece válido, aos olhos deste Relator, o depoimento acusatório frente aos
demais elementos de prova (fls. 37/38).
R.T.J. — 195 83

(...).
Contra esta decisão o paciente impetrou habeas corpus ao Superior Tribunal de
Justiça, que denegou a ordem nos termos da ementa transcrita (fl. 243):
“HC. Tráfico. Concenação em 1º e 2º graus. Erro material. Alegação de
ausência de provas a sustentar a condenação. Exame aprofundado de provas.
Inviável na via estreita do writ. Ordem denegada.
Alegação do paciente de que houve erro material na leitura de depoimentos
de testemunhas, não havendo suporte probatório a justificar a condenação. Tese
enfrentada pelo Tribunal a quo e que não foi capaz de elidir a condenação.
Inviável, na via do habeas corpus, exame aprofundado de provas de forma a
estabelecer a inocência do réu, que não se afigura flagrante nos autos. Ordem
denegada.”
Donde o presente recurso ordinário, no qual se repisam as alegações de que as
instâncias de mérito fizeram uma leitura equivocada dos depoimentos e que não há
suporte probatório válido para justificar a condenação.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do então Subprocurador
Cláudio Fonteles, opinou pelo indeferimento da ordem, na linha do decidido pelo
STJ (fls. 265/268).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I

Temos entendido que não cabe o habeas corpus para solver controvérsia de fato
dependente da ponderação de provas desencontradas; cabe, entretanto, para aferir a
idoneidade jurídica ou não das provas nas quais se fundou a decisão condenatória.
Este o caso dos autos, ao menos quanto à alegada ausência de elementos suficientes
para embasar a condenação.
Conheço do habeas corpus.
II

No mérito, estou convencido de que a ordem deve ser concedida.


A sentença e o acórdão da apelação ampararam a condenação do paciente na
delação de dois co-réus, bem como nas declarações do filho destes, Vanderlei Schmidt.
Certo, o Tribunal estadual, quando dos embargos de declaração opostos — após
reconhecer que as declarações de Vanderlei não foram confirmadas em Juízo —, firmou
a validade do depoimento deste “frente aos demais elementos de prova” (fls. 153/157).
84 R.T.J. — 195

Ocorre que, como visto, os elementos de prova restantes acertados nas instâncias
de mérito se restringem às chamadas dos co-réus, que não se prestam para lastrear a
condenação (v.g., HHCC 74.368, Pleno, 1º-7-97, Pertence, DJ de 28-11-97; 81.172, 1ª
T., Pertence, DJ de 7-3-03).
Conforme acentuei no primeiro dos precedentes mencionados, “mesmo em juízo, a
chamada de co-réu não pode ser prova suficiente para condenação nenhuma, pois
evidentemente lhe falta o requisito básico da aquisição sob a garantia do contraditó-
rio: é o que resulta da impossibilidade, em nosso direito, de o réu ser questionado pelas
partes, incluídos os co-réus que delatou”.
Na mesma linha o voto que proferi no HC 81.172, oportunidade em que recordei as
seguintes páginas de Manzini1:
“(...) não se trata somente de uma fonte de prova particularmente suspeitosa
(o que, dado o princípio da livre convicção do juiz seria insuficiente para justificar
a regra cogitada), mas de um ato que, provindo do acusado, não se pode, nem
mesmo para certos efeitos, fingir que provenha de uma testemunha. O acusado, não
apenas não jura, mas pode até mentir impunemente em sua defesa (...) e, portanto,
suas declarações, quaisquer que sejam, não se podem assimilar ao testemunho,
privadas como estão das garantias mais elementares desse meio de prova.”
E, adiante:
‘O conteúdo do interrogatório, que não é testemunho com respeito ao inter-
rogado, tampouco pode vir a sê-lo a respeito dos demais, porque seus caracteres
seguem sempre sendo os mesmos. O que se designa como chamada de co-réu não
é mais que uma confissão, que, além de o ser do fato próprio, o é do fato alheio, e
conserva os caracteres e a força probatória dos indícios e não do testemunho.’
Tudo, para concluir:
‘Dos co-denunciados do mesmo delito, por conseguinte, um não pode teste-
munhar nem a favor nem contra o outro, já que suas declarações mantém sempre o
caráter de “interrogatório”, de tal modo que seria nula a sentença que tomasse
tais declarações como testemunhos.’”
Este o quadro, provejo o recurso e defiro a ordem para cassar a condenação do
paciente: é o meu voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, toda e qualquer condenação pressupõe


prova, a meu ver, robusta de haver ocorrido desvio de conduta.
Vossa Excelência, evocando voto proferido no Habeas Corpus n. 81.172-8/RJ,
assentou que o único elemento de convicção, e que não conta com a robustez a que me
referi, fez-se presente considerada a fala, a delação dos co-réus.
Quanto à oitiva dos co-réus, não se tem o contraditório, já que o que há é o interro-
gatório deles, co-réus, e a tomada por termo do que veiculado.

1 MANZINI, Vincenzo. Tratado de Derecho Procesal Penal, trad, EJEA, Bs As, 1952, III/275 ss.
R.T.J. — 195 85

Por isso, acompanho-o, pouco importando, ao reverso do que consignado no parecer


da Procuradoria-Geral da República, a existência da materialidade, a existência dos
1.600 pés de maconha.

EXTRATO DA ATA
RHC 81.740/RS — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Delmar dos
Santos (Advogado: André Luis Rigo). Recorrido: Ministério Público Federal.
Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 29 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 83.346 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Antônio Izzo Filho — Impetrantes: Alberto Zacharias Toron e outro —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
I - Habeas corpus: cabimento.
É da jurisprudência do Tribunal que não impedem a impetração de
habeas corpus a admissibilidade de recurso ordinário ou extraordinário
da decisão impugnada, nem a efetiva interposição deles.
II - Inquérito policial: arquivamento com base na atipicidade do
fato: eficácia de coisa julgada material.
A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, quan-
do fundado o pedido do Ministério Público em que o fato nele apurado não
constitui crime, mais que preclusão, produz coisa julgada material, que —
ainda quando emanada a decisão de juiz absolutamente incompetente —
impede a instauração de processo que tenha por objeto o mesmo episódio.
Precedentes : HC 80.560, 1ª T., 20-2-01, Pertence, RTJ 179/755; Inq 1.538,
Pleno, 8-8-01, Pertence, RTJ 178/1090; Inq-QO 2.044, Pleno, 29-9-04, Per-
tence, DJ de 28-10-04; HC 75.907, 1ª T., 11-11-97, Pertence, DJ de 9-4-99;
HC 80.263, Pleno, 20-2-03, Galvão, RTJ 186/1040.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
86 R.T.J. — 195

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,


deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de habeas corpus substitutivo de
recurso ordinário, contra acórdão do STJ (HC 27.820, Gilson Dipp), do qual se extrai (fls.
147/163):
“Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, contra acórdão
do e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou ordem anteriormente
impetrada em favor de Antônio Izzo Filho, visando ao trancamento da ação penal n.
98.03.088873-41 e, em conseqüência, a revogação da prisão preventiva contra ele
decretada.
O r. julgado possui a seguinte ementa:
“Processual Penal. Habeas corpus. Coisa julgada material. Inexistência.
Bis in idem. Inocorrência. (...)
(...) IV – A Justiça Estadual, no âmbito de sua competência, investigou
a má administração e o desvio de recursos oriundos do Ministério da Ação
Social, em benefício de particulares e concluiu pela desnecessidade de pros-
seguimento das diligências. Na Justiça Federal, a controvérsia cifra-se à com-
provação de que estes recursos não foram desviados em detrimento da União,
fato que deveria ter sido comprovado em favor do paciente.
V – O arquivamento na Justiça Estadual do inquérito policial instaurado
para apuração de determinada conduta não tem o condão de fazer coisa
julgada, que se oporia contra todos os elementos supervenientes que indicas-
sem para uma nova persecução penal.
(...)
VII – Ordem denegada’.
(...)
Sustenta-se, em síntese, que o paciente estaria sendo processado e julgado
pela prática de atos que já teriam sido objeto de anterior inquérito policial, que
restou arquivado por determinação de Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, em decisão que não foi objeto de recurso.
Desta forma, alega-se que a ação penal que se pretende trancar está afrontan-
do a autoridade da coisa julgada e consubstanciando inadmissível bis in idem.
Não merece prosperar a irresignação.
O e. Tribunal a quo ressaltou, com propriedade, que a ausência de elementos
a motivar a ação penal perante a Justiça Estadual, o que determinou o arquivamen-
to do respectivo inquérito policial, foi suprida por fatos novos que justificaram o
recebimento da denúncia na Justiça Federal, pela possível prática do delito pre-
visto no art. 315 do Código Penal, em detrimento de bens da União Federal, bem
como do seu aditamento.
R.T.J. — 195 87

Restou ressalvado, ainda, que a hipótese não constitui bis in idem, a ensejar
o trancamento da ação penal em curso perante a Justiça Federal.
Na Justiça Estadual, teria sido investigada a má administração e o desvio de
recursos oriundos do Ministério da Ação Social, em benefício de particulares,
concluindo-se pela desnecessidade de prosseguimento das diligências.
Já na Justiça Federal, interessaria a comprovação de que os r. recursos não
foram desviados em detrimento da União Federal.
Acrescentou-se, de outro lado, que na Justiça Estadual ocorreu apenas o
arquivamento de inquérito policial, instaurado para a apuração de determinada
conduta, que não tem o condão de fazer coisa julgada.
Assim, não vislumbro qualquer ilegalidade nas conclusões do acórdão ora
impugnado.
A d. Subprocuradoria-Geral da República, por sua vez, ainda ressalta que o
bis in idem só ocorreria se a Justiça do Estado de São Paulo tivesse apreciado, no
mérito, alguma imputação contra o paciente e esta mesma apreciação, sendo
absolutória, tivesse transitado em julgado.
Disto, entretanto, não se trata in casu.
Ainda esclarece, o Ministério Público Federal:
‘Ademais, quando se fala em arquivamento de inquérito, não há trân-
sito em julgado. Isto porque, salvo em casos legais, art. 107 do CP, o inqué-
rito pode ser desarquivado, antes de prescritos os fatos, quando novo ele-
mento surgir para possibilitar a persecução penal, o que ocorreu na espé-
cie’ (fl. 358).
Desta forma, sobressaindo fato novo a justificar o desarquivamento de inquérito
policial, não há porque se trancar a ação penal por ocorrência de bis in idem.”
Repisa-se, nesta impetração, a alegação de que “os mesmos fatos imputados ao
paciente foram apurados em outra instância penal e, em razão da atipicidade da conduta,
este feito foi arquivado pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo”, verbis:
“Naquela oportunidade, a manifestação do ilustre Procurador de Justiça
lançada no Inquérito que apurava os mesmos fatos objeto da ação penal em discus-
são, o mesmo convênio firmado entre a Prefeitura de Bauru e o Ministério do Bem
Estar Social e o mesmo suposto desvio de verbas articulado sob idêntica angulação
jurídica, ou seja, o crime de responsabilidade de Prefeito descrito no Decreto-Lei n.
2.01/67, destacou:
“(...) Analisando-se o contingente probatório carreado aos autos (...) con-
clui-se pela desnecessidade de prosseguir-se produzindo provas, já que as exis-
tentes bastam para evidenciar que as irregularidades elencadas pela Comissão
Especial de Inquérito não constituem prática de crimes de responsabilidade
previstos no artigo 1º, incisos III, IV e XIV, do Decreto-lei n. 201/67.”
Ressalta o impetrante que o arquivamento, no caso, faz coisa julgada material,
posto que por “atipicidade de conduta, quando o mérito da acusação foi profundamente
analisado e conclui-se pela inexistência de crime”.
88 R.T.J. — 195

Invoca, no ponto, o Inq 1.538, Pleno, DJ de 14-9-01, e o HC 80.560, 1ª T., DJ de 30-


3-01, ambos por mim relatados.
Menciona, ainda, acórdão do TRF 3ª Região, no sentido de que a “apuração, em
sede federal, de responsabilidade penal sobre o mesmo fato investigado na Justiça
Estadual, configura bis in idem a ensejar o trancamento do inquérito policial (...)”
(RHC 96.03.48242-0/MS, 2ª T., Sylvia Steiner, DJ de 2-4-97).
Adita que o paciente “permaneceu preso por quase 4 anos por fatos que sob a
análise da Justiça Estadual não constituíam qualquer crime e foram objeto de arquiva-
mento”.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Subprocurador-Geral Edson
Almeida, opinou pelo indeferimento da ordem, verbis (fls. 167/172):
“Reporto-me ao voto proferido pelo Juiz Aricê Amaral no HC 13.542-SP, do
TRF da 3ª Região (fls. 20/22):
“Em primeiro lugar, merece relevo o fato de ter sido o habeas corpus
impetrado posteriormente à prolação da sentença de mérito, com recurso de
apelação em curso, de sorte que a prisão do paciente, não mais preventiva,
decorre da determinação daquela decisão, que o impediu de apelar em liber-
dade. Ademais, a questão do bis in idem foi enfrentada na fundamentação do
decisum e será apreciada no momento oportuno.
Por sua vez, a matéria aqui invocada exige exame aprofundado e
valorativo das provas dos autos, o que é incabível na via estreita do habeas
corpus.
Aliás, é consolidado o entendimento pretoriano de que não se concebe
a interposição dessa medida como substitutivo de apelação, para discutir
matéria devolvida à Corte naquele recurso.
(...)
De qualquer modo, ao que tudo indica, a ausência de elementos a mo-
tivar a ação penal, determinante do arquivamento do inquérito na Justiça
Estadual, foi suprida por fatos novos que justificaram o recebimento da de-
núncia na Justiça Federal, pelo crime do art. 315 do Código Penal (fls. 103),
em detrimento de bens da União Federal e o seu aditamento, em 19/05/2000
(fls. 108/117).
É incontroverso que a apuração em sede federal, de responsabilidade
penal sobre o mesmo fato investigado na Justiça Estadual, constitui bis in
idem, a ensejar o trancamento da ação penal, todavia, o que se vê nesta
hipótese é algo bastante diverso.
Em outras palavras, a Justiça Estadual, no âmbito de sua competência,
investigou a má administração e desvio de recursos oriundos do Ministério
da Ação Social, em benefício de particulares e concluiu pela desnecessidade
de prosseguimento das diligências. Na Justiça Federal, o que interessa é a
R.T.J. — 195 89

comprovação de que os ditos recursos não foram desviados em detrimento da


União Federal, e é isto que deveria ter sido comprovado em favor do paciente.
Acrescente-se, por oportuno, que o que ocorreu na Justiça Estadual foi
apenas o arquivamento de inquérito policial (fls. 86), instaurado para apura-
ção de determinada conduta, que não tem, nem poderia ter o condão de fazer
coisa julgada que se oporia a todos os elementos supervenientes que indi-
cassem para uma nova persecução penal.
(...)
Como se vê, o acórdão do TRF afirma ser inaplicável a Súmula 524, porquanto
a denúncia do Ministério Público Federal fundou-se em fatos novos. Trata-se de
questão de fato, que ademais demandaria o confronto entre os dois inquéritos – o
arquivado e aquele que deu ensejo à denúncia, ultrapassando os limites do habeas
corpus.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):

I
Afasto de logo o obstáculo ao cabimento do habeas corpus, vislumbrado no voto
condutor do acórdão do TRF/3 na superveniência de sentença condenatória, pendente
de apelação.
É da jurisprudência do Tribunal que não impedem a impetração de habeas corpus
a admissibilidade de recurso ordinário ou extraordinário da decisão impugnada1, nem a
efetiva interposição deles2.

II
Este, o teor da denúncia oferecida contra o paciente — então Prefeito de Bauru —
ao TRF da 3ª Região — fl. 89:
“1. Conforme consta das inclusas peças de informação oriundas do inquérito
policial e anexo, bem como das conclusões da Comissão Especial de Inquérito
instaurada pela Câmara Municipal de Bauru, foi celebrado, em data de 27.06.92, o
Convênio de n. 857/SNH/92 entre o Ministério da Ação Social e a Prefeitura de
Bauru, representada pelo ora denunciado, na condição de Prefeito.

1 V.g., HC 30.622, Laudo, 1948, RF 249/ (...); HC 31.086, Orozimbo, 1949; RHC 38.061, 1960, l.
Gallotti; HC 40.182, 1963, Victor Nunes; RHC 60.357, 15-10-82, Passarinho, RTJ 104/153; HC
83.983, 7-12-04 (não concluído).
2 V.g. HC 80.487, 6-3-01, Galvão, DJ de 14-5-2001; HC 82.561, 1ª T., 8-4-03, Galvão; HC 83.510,
1ª T., 7-10-03, Britto.
90 R.T.J. — 195

2. Constituiu objeto do convênio acostado às fls. 75, apenso I, conforme


Cláusula Primeira, “a execução de obras de infra-estrutura e Redes de Serviços
Públicos no Setor I, compreendendo os serviços de terraplanagem, galerias de
águas pluviais, redes de esgotos sanitário, execução de guias e sarjetas, pavimen-
tação primária com cascalho nas ruas e rede de água potável, no Município de
Bauru/SP, de acordo com o Plano de Trabalho anexo a este instrumento, que dele
passa a fazer parte integrante, independentemente de transcrição” (sic).
3. Para execução do objeto do convênio foi estipulado o valor de CR$
10.000.000.000,00 (dez bilhões de cruzeiros) sendo que CR$ 7.000.000.000,00
(Sete bilhões de cruzeiros) correram à conta de dotação consignada no orçamento
de 1992, através da Lei n. 8.409/92 e CR$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de cru-
zeiros) correram à conta do Município, como contrapartida dos recursos transferi-
dos pelo MAS.
4. Entretanto, como faz certo o incluso expediente administrativo (docs IV,
V, VI, VII e VIII) remetido pelo Ministério do Bem Estar Social (Extinto) – Secre-
taria de Controle Interno e diversos órgãos remanescentes do mesmo Ministério, os
sobreditos recursos da União foram aplicados em objeto diverso do pactuado –
implantação do Acesso I, o que se encontra fora do acordo; em palavras outras, o
objeto do Convênio não foi cumprido com os recursos transferidos pelo Ministério
da Ação Social.
5. Face ao exposto, o Ministério Público Federal vem denunciar Antonio
Izzo Filho, como incurso nas penas do artigo 315 do Código Penal.”
Findo o mandado eletivo do paciente, deslocou-se o processo ao Juízo Federal de
Bauru, perante o qual foi a denúncia aditada para ampliar a descrição dos fatos, incluir a
acusação de co-autoria ao ex-Secretário de Finanças do Município e, também, para
alterar a classificação jurídica da imputação, agora enquadrada no art. 1º, II, do Decreto-
Lei 201/67:
“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao
julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câ-
mara dos Vereadores:
(...)
II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas
ou serviços públicos.”
Extrato do aditamento — fls. 79, 80 ss.:
“03. Segundo consta, o Município de Bauru, no exercício do escopo a que se
destina, idealizou um projeto de criação de “Lotes Urbanizados”, o qual, uma vez
concretizado, forneceria à população de baixa renda da cidade, 2456 lotes popula-
res, a custa baixíssimo dotados de toda a infra estrutura urbanística básica (acesso
asfáltico, fornecimento de energia elétrica, abastecimento com água e esgoto, etc.).
Constava de referido projeto, feito pela empresa “HM – Engenharia e Constru-
ções”, a divisão dos lotes em três áreas (Setor I, II e III), mais duas obras de
R.T.J. — 195 91

integração viária (Acessos 1 e 2). A Administração Pública Municipal, à época,


justificava que o Acesso 1, distante mais de dois quilômetros dos lotes, facilitaria
a integração de áreas periféricas já existentes e o Acesso 2 interligaria menciona-
dos setores. O do Setor I, seria o primeiro a ser implementado.
04. Para a realização das obras, em 14/01/91, a municipalidade promoveu
concorrência pública – empreitada por preço único (cujas irregularidades são ob-
jeto de apuração pelo Ministério Público do Estado de São Paulo). Firmou-se
então, com a empreiteira vencedora, Coesa – Construções Ltda., o contrato 1513/
91, com prazo de doze meses e valor de CR$ 1.338.895.024,88, reajustável pela
Fipe. O curso do empreendimento em setembro de 1990 era de 2.081.633,13 VRF
(Valor de Referência de Financiamento), sendo que os recursos que o financiaria,
segundo autorização da lei Municipal 3.287 de 12/12/90, adviriam de contrato de
financiamento junto à Caixa Econômica Federal. Como podia se imaginar, a Caixa
Econômica Federal não iria, necessariamente, aprovar o contrato de financiamento,
nos valores propostos e ajustados entre a prefeitura e a empresa Coesa. De fato,
assinado quase um ano após o de empreitada, o contrato de financiamento previu
valores inferiores aos estimados para a realização da obra, uma vez que entendeu
estar o projeto original, superfaturado. Entretanto, mesmo assim, não se alterou o
contrato de empreitada.
05. Obviamente, a municipalidade não disporia de recursos para a execução
do projeto. Desta forma, procurou-se auxílio federal, através de convênio com o
Ministério da Ação Social – M.A.S., para obtenção de verbas suplementares. O
convênio (n. 857/SNH/92) foi celebrado em 27/08/92 e subscrito pelos então Pre-
feito Municipal e Ministro da Ação Social, Antônio Izzo Filho e Ricardo Ferreira
Fiúza, respectivamente. Ressalve-se, entretanto, que o primeiro sequer possuía a
autorização legislativa necessária à celebração do convênio – exigido pelo artigo
17, inciso VII, letra b da Lei Orgânica do Município de Bauru. De qualquer forma,
o objeto era a execução de obras de infra estrutura e redes de serviços públicos no
Setor I do projeto de lotes urbanizados, conforme cláusula primeira. O valor
pactuado era de sete bilhões de cruzeiros (CR$ 7.000.000.000,00 – cláusula
terceira), oriundos de recursos a “fundo perdido” (sem retorno).
06. Os denunciados desviaram a finalidade desta verba, pois, sua utilização
se deu para pagamento da construtora Coesa – Comércio E Engenharia Ltda.,
relativo a obras do Acesso 1 (serviços de infra-estrutura e prolongamento da Ave-
nida Nuno de Assis), o qual, não fazia parte do convênio. O correto deveria ser a
utilização das verbas no Setor I. Fala-se em uso, mas tratou-se, na realidade, de
pagamento de despesa já realizada anteriormente à celebração do Convênio com o
M.A.S., em benefício da construtora. Afinal, a obra do Acesso 1 já estava pronta; a
medição a ela referente (6ª), já estava realizada; bastava apenas, à construtora,
receber pelo serviço.
(...)
08. Foi instaurada uma CEI – Comissão Especial de Inquérito, pela Câmara
Municipal em Bauru, em 15/09/92, concluída em 08/03/93, que comprovou, den-
tre outros fatos o “repasse imediato de recursos recebidos do governo federal,
através de convênio, para a empresa Coesa Engenharia ltda., com perdas signifi-
cativas para o erário municipal”.”
92 R.T.J. — 195

(...)
11. Justamente no mês em que vieram os recursos federais, a medição foi feita
em data diversa da usual, além de terem sido feitas duas medições em menos de 10
dias. Outro ponto é o de que o pagamento da medição de 01/09/92, protocolada na
prefeitura em 04/09/92, foi feito no mesmo dia, em 04/09/92. Como o Município
não aguardou o prazo máximo para pagamento, estima-se que houve prejuízo de
cerca de um bilhão de cruzeiros, em valores da época. Por derradeiro, houve uma
“incrível coincidência” entre os valores da medição com correções e dos recursos,
pois ambos eram exatamente iguais, ou seja, totalizavam sete bilhões de cruzeiros.
12. Incontroverso o fato de que houve desvio de finalidade dos recursos
recebidos do convênio 857/SNH/92, restando evidente também que este desvio
foi realizado em proveito (benefício) da Construtora Coesa, o que implica em
elementar de outro tipo penal diferente daquele indicado na denúncia de fls.
201/203.”
Excluí, apenas da transcrição, trechos de relatórios elaborados no Ministério referido
(fl. 81) e da comissão de inquérito da Câmara Municipal (fl. 82) e de decisão do Tribunal
de Contas (fl. 84) — invocados para respaldar a imputação, mas que a ela não acrescen-
tam fatos novos.
A sentença afirmou a competência da Justiça Federal (fl. 28) e rejeitou a alegação
de bis in idem, aduzindo a este propósito — fl. 30:
“Suscita, ainda, o réu Antônio Izzo Filho, a ocorrência de bis in idem, pois os
fatos objeto da presente ação penal já foram apreciados pela autoridade judiciária
estadual, que concluiu pela improcedência das acusações.
Ora, em que pese o ilustre Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo ter pedido o arquivamento do processo movido contra o réu na Justiça
Estadual, não há impedimento da análise dos fatos na Justiça Federal, haja vista
que, como já observado, esta é a competente para julgá-lo. Além do que, não houve
a apreciação do mérito naquele processo pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.”(...)”
No mérito — ao cabo de minuciosa análise da prova —, conclui por acolher a
denúncia, nos termos do aditamento — fl. 47:
“As provas carreadas para os autos, documental testemunhal, demonstram
claramente que os fatos ocorreram da forma como descrito na denúncia.
Assim, incontroverso o fato que houve desvio da finalidade dos recursos
recebidos do convênio 857/SNH/92, resta evidente também que este desvio foi
realizado em proveito (benefício) da Construtora Coesa.”
Por isso, condenou o paciente a cinco anos (fl. 52) e o co-réu a três anos de reclusão
(fl. 53), impondo-lhes “a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício
de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prjuízo da reparação de
dano causado ao patrimônio público, nos termos do inciso 2º, do art. 1º, do Decreto-
Lei 201/67)”.
Não há dúvida de que são seríssimas as acusações formuladas pelo Ministério
Público Federal e acolhidas pela sentença.
R.T.J. — 195 93

Sucede que, ao cabo de inquérito policial, instaurado em seqüência aos trabalhos


da referida Comissão especial da Câmara dos Vereadores, o então Procurador-Geral da
Justiça do Estado de São Paulo, José Emmanuel Burle filho, para pedir o seu arquiva-
mento, concluiu — fl. 67:
“Analisando-se o contingente probatório já carreados aos autos, em conjunto
com os Processos TJ n. 138.022.3/3 e 184.157.3/0, também em poder desta Procu-
radoria-Geral de Justiça nesta oportunidade, que dizem respeito aos mesmos fatos
a serem aqui aclarados, conclui-se pela desnecessidade de prosseguir-se produzin-
do provas, já que as existentes bastam para evidenciar que as irregularidades
elencadas pela Comissão Especial de Inquérito não constituem prática de crimes
de responsabilidade previstos no artigo 1º, incisos III, IV e XIV, do Decreto-Lei n.
201/67.”
Para tanto, examinou, uma por uma, as irregularidades atribuídas à gestão do
paciente, à frente da Prefeitura de Bauru e, com relação especificamente às pertinentes
ao “Programa Municipal de Lotes Urbanizados”, aduziu — fl. 67 ss.:
“Inserem-se aqui as questões concernentes aos contratos firmados com a
empresa “Coesa – Comércio e Engenharia Ltda”, em decorrência de convênio
assinado com o Ministério da Ação Social, sem autorização legislativa, e o repasse
de recursos obtidos junto ao Ministério da Ação Social, também sem autorização
legislativa, para a firma “Cobel – Companhia de Obras de Engenharia Ltda”.
A Prefeitura Municipal de Bauru, pretendendo minorar problemas de mora-
dia de sua população carente, desenvolveu um projeto de implantação de lotes
urbanizados, providenciando a Lei n. 3.287, de 13.12.90 (fls. 1571/1574), que a
autorização a contrair empréstimo com a Caixa Econômica Federal para financi-
amento da empreitada.
Através da Concorrência Pública n. 001/90 (fls. 564/569), cujo edital encon-
tra-se a fls. 572/582, foi aberta, em 13.12.90, licitação para “a execução de obras de
infra-estrutura urbana para a implantação de 2456 lotes, dentro do Programa Muni-
cipal de Lotes Urbanizados, bem como a elaboração do projeto executivo” (fls.
569).
(...)
Finda a licitação, da qual participaram as empresas “Queiroz Galvão S/A” e
“Coesa – Comércio e Engenharia Ltda”, saiu-se vencedora esta última (fls. 856/
873), celebrando-se o contrato de empreitada de fls. 898/908, datado de 23.01.91.
Para financiamento das obras, firmou-se o contrato de fls. 935/946, com a
Caixa Econômica Federal.”
Depois da análise de fatos, estranhos àqueles de que ora se trata, volta o Procurador-
Geral ao programa habitacional incriminado — fls. 75 ss.:
“No relatório extraído do Processo TJ n. 184.157.3/0 originalmente numera-
do como fls. 1293 a 1300), aprovado pelo plenário da Câmara Municipal de Bauru,
em 28 de novembro de 1994, concluiu-se pela “inexistência de irregularidades nos
procedimentos de implantação dos Lotes Urbanizados (...)
94 R.T.J. — 195

O laudo de exame de contabilidade de fls. 1691/1724, que, atendendo requi-


sição feita por esta Procuradoria-Geral de Justiça a fls. 1679/1680, realizou perícia
na escrituração da Prefeitura Municipal de Bauru para constatar a regularidade dos
convênios celebrados com o Ministério da ação Social e dos contratos assinados
com as empresas “Coesa – Comércio e Engenharia Ltda. (...)
Os contratos objeto de análise nestes autos foram celebrados através de con-
vênios ou após certames licitatórios, cuja regularidade em momento algum foi
questionada.
A possível constatação de liberação de recursos em momento diverso daque-
le previsto contratualmente, sem que tal expediente viesse a ocasionar prejuízo
aos cofres públicos, ou ainda, sem que fosse evidenciada a intenção do prefeito
municipal em desviar recursos para benefício de particulares não bastaria para
caracterizar contrariedade à norma penal.
Os crimes de responsabilidade previstos no Decreto-lei n. 201/67 são
dolosos, exigindo-se a comprovação do propósito do alcaide de praticá-los. (...)
O descaso para com as formalidades impostas para a Administração Munici-
pal pela legislação em vigor, quando o elemento volitivo do agente não revela
intenção de praticar conduta que redunde em prejuízo para a Municipalidade,
deve ser devida e rigorosamente apurado na esfera cível, como se tem, a fls. 1298
do Processo TJ n. 184.157.3/0, que “o Município de Bauru, representado pelo
Senhor Prefeito Antonio Tidei de Lima encaminhou em novembro do ano passado,
Representação ao ilustre Promotor de Justiça de Bauru, mui digno representante
do Ministério Público, solicitando “providências investigatórias e processuais
para apuração dos fatos e definição processual das respectivas responsabilidades
do ex-prefeito Antonio Izzo Filho”, representação esta cuja cópia traz-se ao bojo
dos autos na oportunidade.”
À vista desse pronunciamento, decidiu, no Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator,
o il. Desemb. Renato Talli — fl. 64:
“Vistos (...)
Nos termos da manifestação de fls. 1.730/1.742 do eminente Procurador-
Geral de Justiça, arquivem-se os autos do presente inquérito policial (Proc. n.
145914.3/3-00) instaurado contra Antônio Izzo Filho, Ex-presidente do Municí-
pio de Bauru – Comarca de Bauru, procedendo-se “opportuno tempore aos regis-
tros, anotações e comunicações de praxe (...)”
Com escusas pelas cansativas transcrições — que pareceram indispensáveis —,
não vi como negar a identidade dos fatos — em particular, o desvio de recursos advindos
do convênio entre o Município e o então Ministério do Bem Estar Social para o paga-
mento de obra diversa da respectiva finalidade, com o fim de ensejar proveito à emprei-
teira que, de um lado, se afiguraram penalmente atípicos ao Procurador-Geral de Justiça
do Estado, com o endosso do Relator do caso no Tribunal local, mas, em contraposição,
pareceram configuradores do delito do art. 1º, II, do DL. 201/67, tanto ao Ministério
Público Federal quanto ao Juízo Federal.
R.T.J. — 195 95

Essa identidade substancial dos fatos — malgrado a avaliação jurídica diametral-


mente oposta que mereceram do MP e da Justiça do Estado, de um lado, e do MPF, de
outro —, é a premissa das considerações seguintes.

III
Tem-se no caso que, na Justiça estadual, o pedido de arquivamento de inquérito
não se fundou na inexistência ou insuficiência de elementos informativos sobre o fato
criminoso investigado ou a sua autoria.
Ao contrário — por entender suficientemente apurado o fato — o Procurador-Geral
rejeitou o alvitre de baixa do inquérito para prosseguimento das investigações, formulado
pela autoridade policial (fl. 67 e fl. 78).
E a partir dessa premissa — a de estarem os fatos esclarecidos — é que concluiu por
requerer o seu arquivamento, dado que neles não havia crime a perseguir.
A hipótese — no comum dos casos — tem solução sedimentada na jurisprudência
do Tribunal, conforme ementa que lavrei para o acórdão unânime desta Turma — HC
80.560, 20-2-01, de que fui Relator — RTJ 179/755:
“Inquérito policial: decisão que defere o arquivamento: quando faz coisa
julgada.
A eficácia preclusiva da decisão que defere o arquivamento do inquérito
policial, a pedido do Ministério Público, é similar à daquela que rejeita a denúncia
e, como a última, se determina em função dos seus motivos determinantes, impe-
dindo — se fundada na atipicidade do fato — a propositura ulterior da ação penal,
ainda quando a denúncia se pretenda alicerçada em novos elementos de prova.
Recebido o inquérito — ou, na espécie, o Termo Circunstanciado de Ocor-
rência — tem sempre o Promotor a alternativa de requisitar o prosseguimento das
investigações, se entende que delas possa resultar a apuração de elementos que
dêem configuração típica ao fato (Código de Processo Penal, art. 16; Lei 9.099/95,
art. 77, § 2º).
Mas, ainda que os entenda insuficientes para a denúncia e opte pelo pedido
de arquivamento, acolhido pelo Juiz, o desarquivamento será possível nos termos
do art. 18 da lei processual.
O contrário sucede se o Promotor e o Juiz acordam em que o fato está suficien-
temente apurado, mas não constitui crime.
Aí — a exemplo do que sucede com a rejeição da denúncia, na hipótese do
art. 43, I, Código de Processo Penal — a decisão de arquivamento do inquérito é
definitiva e inibe que sobre o mesmo episódio se venha a instaurar ação penal, não
importa que outros elementos de prova venham a surgir posteriormente ou que
erros de fato ou de direito hajam induzido ao juízo de atipicidade.”
No voto então proferido, minudenciei as razões do meu convencimento, nestes
termos:
96 R.T.J. — 195

“A afirmação corrente de que o arquivamento do inquérito ou de diferentes


modalidades de peças informativas do delito não faz coisa julgada há de ser sem-
pre recebida cum grano salis, para evitar generalizações indevidas.
A eficácia preclusiva da decisão que defere o arquivamento é similar à da-
quela que rejeita a denúncia e, como a última, se determina em função dos seus
motivos determinantes.
José Frederico Marques retomou e desenvolveu observações de Bento de
Faria (C. Proc. Penal, 1942, I/77), em página do clássico Elementos de Direito
Processual Penal (v. II/173, n. 353), que merece ser recordada:
“O arquivamento não impede a propositura ulterior da ação penal, e
tampouco que se reabram as investigações sobre o fato delituoso. É, aliás, o
que se infere claramente do disposto no art. 18.
Faz Bento de Faria, no entanto, seguras e interessantes observações
sobre o assunto, registrando, em primeiro lugar, que “cumpre não confundir
o arquivamento, não impediente da questionada reabertura, com a recusa
de promover a ação. Neste caso, não se justificaria a reabertura de um
procedimento policial, pelo mesmo fato contra o mesmo acusado, quando o
procedimento da Justiça foi recusado pelo juiz por não ter sido considerado
crime o fato argüido”. Ao depois, ensina o sentido da expressão novas pro-
vas — do art. 18, — para dizer que por elas “se entende as que não foram
apreciadas, mas não a nova conceituação das que foram produzidas”. E
reproduz o ensinamento de Marconi-Marongiu, nos termos seguintes:
Nuove prove, non diversa volutazione dei fatti già accertati. Esclarece, por
fim, que essas novas provas “podem ser constituídas pelos novos depoimen-
tos das testemunhas já ouvidas, ou novas declarações do praticante do
crime ou exames ou documentos ainda não submetidos ao conhecimento do
juiz”.
(...)
A jurisprudência do Tribunal tem seguido no ponto o ensinamento da me-
lhor doutrina.
Certo, da interpretação a contrario sensu do art. 18 Código de Processo
Penal, resultou a Súmula 524:
“Arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a requerimento do
Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.”
Tanto nos acórdãos que lastrearam o enunciado quanto nos que têm aplicado
a Súmula 524, o Tribunal, na linha dos doutores mencionados, não só tem adotado
o conceito substancial e não formal do que sejam novas provas para o fim previsto
no art. 18 Código Processo Penal (v.g., RE 70.721, Adaucto, 3-12-70, RTJ 57/881
e RT 431/420; HC 57.191, Décio, 28-8-79, RTJ 91/831 e RT 540/393; HC 67.325,
9-5-89, Borja, RTJ 129/249 e RT 674/356) — mas também que a nova classificação
legal do mesmo fato não autoriza a denúncia, depois de arquivado o inquérito
(RHC 59.764, Muñoz, 18-5-82, RTJ 103/590) e, finalmente, que “o arquivamento
requerido pelo Ministério Público e deferido pelo juízo, com fundamento na
atipicidade do fato, impede a instauração de uma ação penal (HC 66.625,
Gallotti, 23-9-88, RTJ 127/193 e RT 670/357).
R.T.J. — 195 97

Esse último — HC 66.625 cit, — o precedente de relevo decisivo no caso.


Depois de recordar — na linha do parecer da Procuradoria-Geral da República,
de lavra do saudoso A.G. Valim Teixeira — o entendimento de Bento de Faria,
prestigiado por Frederico Marques, seguiu, com a elegante precisão do estilo, o
voto condutor do em. Ministro Octavio Gallotti:
“O arquivamento, por não impedir pesquisas supervenientes (art. 18 do
CPP), não produz coisa julgada material.
É “decisão tomada rebus sic stantibus”, no dizer de Hélio Tornaghi
(Processo Penal, ed. 1953, p. 293).
Por isso mesmo, não se lhe pode negar um efeito assemelhado à
preclusão ou à coisa julgada formal, porque o levantamento das suas conse-
qüências está necessariamente a depender de ocorrência da modificação de
um estado de fato, ou seja, do surgimento de novas provas.
Assim, a possibilidade da superação do efeito do despacho determi-
nante do arquivamento está subordinada à transitoriedade da motivação da
promoção do Ministério Público e da decisão judicial que a acolheu.
Na espécie dos autos — onde não se pôs em dúvida a prova do fato, mas
o seu relevo penal — esse fundamento não é passageiro, mas essencial e
permanente, bastando para pôr o paciente a salvo de responder a nova ação
penal pela mesma conduta anteriormente considerada.”
De sua vez, V. Exa., Ministro Moreira Alves, frisou:
“Estou de acordo com o eminente Min. Relator, tendo em vista a cir-
cunstância de que, em hipótese dessa natureza, há a impossibilidade de apre-
sentação de novas provas para que seja possível nova denúncia.”
Assentou-se, pois, como adiantei no início deste voto, a vinculação da eficá-
cia preclusiva da decisão de arquivamento do inquérito aos motivos em que se
tenha ela fundado, de modo a não admitir o desarquivamento e a pesquisa de
novos elementos de informação se afirmada a não-criminalidade do fato.
A autoridade inquestionável dos dois eminentes pares, somada à conhecida
parcimônia de ambos na concessão de habeas corpus, seria bastante a seguir-lhe a
orientação.
Não tendo, porém, participado do precedente, explicito minha plena adesão
à doutrina nele firmada.
Segue-se, no caso presente, a irrelevância da indagação da existência de
provas novas — rectius, de novos elementos de informação que acaso alterassem a
versão do fato a partir da qual o Ministério Público e o Juízo acordaram na
inexistência de crime.
Recebido o inquérito (...) tem sempre o Promotor a alternativa de requisitar o
prosseguimento das investigações, se entende que delas possa resultar a apuração
de elementos que dêem configuração típica ao fato (Código de Processo Penal,
art. 16; Lei 9.099/95, art. 77, § 2º).
Mas, ainda que os entenda insuficientes para a denúncia e opte pelo pedido
de arquivamento, acolhido pelo Juiz, o desarquivamento será possível nos termos
do art. 18 da lei processual.
98 R.T.J. — 195

O contrário sucede se o Promotor e o Juiz conspiram em que o fato está


suficientemente apurado, mas não constitui crime.
Aí — a exemplo do que sucede com a rejeição da denúncia, na hipótese do
art. 43, I, Código Processo Penal — a decisão de arquivamento do inquérito é
definitiva e inibe que sobre o mesmo episódio se venha a instaurar ação penal, não
importa que outros elementos de prova venham a servir posteriormente ou que
erros de fato ou de direito hajam induzido ao juízo de atipicidade.
(...)
Tollitur quaestio: nem as dúvidas que se possam suscitar a respeito da
apreciação das evidências já então acolhidas, nem as objeções à amplitude
conferida aos poderes ad judicia do advogado, nem, por fim, elementos de prova
nova, que infirmem a versão ali colhida podem servir à reversão do juízo definiti-
vamente acertado sobre a ausência de criminalidade do fato concreto objeto da
investigação arquivada (...).”
Por isso mesmo, decidiu o Plenário, sem divergência, no Inq 1.538, 8-8-01, que
relatei — RTJ 178/1090:
“Inquérito policial: arquivamento.
Diversamente do que sucede no arquivamento requerido com a anuência do
Procurador-Geral da República e fundamento na ausência de elementos informativos
para a denúncia — cujo atendimento é compulsório pelo Tribunal —, aquele que se
lastreia na atipicidade do fato ou na extinção da sua punibilidade — dados os seus
efeitos de coisa julgada material — há de ser objeto de decisão jurisdicional do
órgão judicial competente: precedentes do STF: prescrição consumada.”
Na mesma trilha, Inq 2.044-QO, 29-9-04, Pertence, DJ de 28-10-04:
“I - Arquivamento de inquérito policial requerido com base na atipicidade
do fato: exigência de decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia de coisa
julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento: precedentes.
II - Desobediência (Código Eleitoral, art. 347): exigência de ordem judicial
eleitoral direta e individualizada ao agente.”
A concisão da decisão do Relator — limitado, no caso, a ordenar o arquivamento,
nos “termos da manifestação” do Procurador-Geral —, dada a fundamentação do pedido
do Ministério Público, não lhe subtrai o caráter jurisdicional e, portanto, a definitividade.

IV
Vale assinalar, de seu turno — como referido na menção aos precedentes —, que
em nada se altera a equação jurídica do problema que, na denúncia, se haja capitulado os
fatos em hipótese diferente (inciso II) daqueles cogitados (incisos III e XIV) do mesmo
tipo misto alternativo do art. 1º do Decreto-Lei 201/67, se — repita-se — os dados
relevantes do mesmo episódio foram objeto de ambas as contrapostas apreciações do
Ministério Público.
R.T.J. — 195 99

Acentuou a respeito o saudoso Ministro Soares Muñoz, no voto condutor do RHC


59.734, 18-5-82 — RTJ 103/590:
“Cotejados o pedido de arquivamento e o aditamento à denúncia, verifica-se
que os fatos narrados nessas duas peças são os mesmos, como também são idênticas
as provas, alterando-se apenas a classificação legal atribuída às imputações, pois,
enquanto o pedido de arquivamento se refere ao crime previsto no art. 343 do
Código Penal, o aditamento enquadra o ora paciente como incurso no art. 333 do
Código Penal.
Entretanto, a simples alteração da classificação legal dos fatos não autoriza o
desarquivamento do inquérito, uma vez que não foram produzidas novas provas
(art. 18 do CPP e Súmula n. 524).”
Se assim é no caso de fundar-se o arquivamento na falta de elementos de prova para
a denúncia, do mesmo modo — quiçá, a fortiori — se há de concluir na hipótese em que,
como aqui sucede, o arquivamento se baseou na atipicidade do fato, que envolve o juízo
de não-incidência de qualquer outro tipo penal.

V
Resta enfrentar a questão talvez mais intrigante que o caso concreto suscita, a
partir da circunstância de o arquivamento do inquérito policial ter sido decidido na
Justiça Comum do Estado, ao passo que a denúncia provém do Ministério Público Federal
por crime que se afirma ofensivo de interesses da União e, por isso, do seu recebimento
decorreu a instauração do processo em curso na Justiça Federal ordinária.
Daí, como visto, partiu o il. Juiz Federal, na sentença, para rejeitar a preliminar
então suscitada pela defesa do paciente e que ora lastreia este habeas corpus — fl. 30:
“Suscita, ainda, o réu Antônio Izzo Filho, a ocorrência de bis in idem, pois os
fatos objeto da presente ação penal já foram apreciados pela autoridade judiciária
estadual, que concluiu pela improcedência das acusações.
Ora, em que pese o ilustre Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo ter pedido o arquivamento do processo movido contra o réu na Justiça
Estadual, não há impedimento da análise dos fatos na Justiça Federal, haja vista
que, como já observado, esta é a competente para julgá-lo. Além do que, não houve
a apreciação do mérito naquele processo pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.”
Enfrentei questão similar ao relatar habeas corpus no qual — a luz da vedação da
chamada reformatio in pejus indireta — se sustentava a prescrição da pretensão punitiva
à base da pena aplicada na sentença pela Justiça Comum, não obstante anulada, mediante
recurso da defesa, por ser o caso da competência da Justiça Militar.
A Turma acompanhou o meu voto e deferiu a ordem, por maioria, vencido o em.
Ministro Moreira Alves.
Na ementa, consignei — HC 75.907, 11-11-97, DJ de 9-4-99:
“Reformatio in pejus indireta: aplicação à hipótese de consumação da
prescrição segundo a pena concretizada na sentença anulada, em recurso
100 R.T.J. — 195

exclusivo da defesa, ainda que por incompetência absoluta da Justiça de que


promanou.
I - Anulada uma sentença mediante recurso exclusivo da defesa, da
renovação do ato não pode resultar para o réu situação mais desfavorável que
a que lhe resultaria do trânsito em julgado da decisão de que somente ele
recorreu: é o que resulta da vedação da reformatio in pejus indireta, de há
muito consolidada na jurisprudência do Tribunal.
II - Aceito o princípio, é ele de aplicar-se ainda quando a anulação da
primeira sentença decorra da incompetência constitucional da Justiça da
qual emanou.”
Meu voto começou por recordar o voto vista prevalente do saudoso Ministro
Thompson Flores, no RHC 48.998, 29-11-71 (RTJ 60/348) segundo o qual, do provimento
do recurso exclusivo do réu contra a sua condenação por homicídio culposo — que decla-
rou nulo o processo por suspeição do juiz —, não poderia resultar a instauração de novo
processo e a pronúncia do acusado por crime mais grave, qual o homicídio doloso.
Acolhido o precedente — prossegui, no referido HC 75.907 —, estou em que é
artificiosa, data venia, a subtração ao domínio da regra da hipótese em que a anulação
da sentença condenatória, em recurso da defesa, derive de incompetência absoluta do
seu prolator.
Em qualquer hipótese, a indagação a fazer é se a sentença era susceptível de fazer
coisa julgada material, não houvesse o recurso exclusivo da defesa, de que decorreu a
declaração de nulidade, ou melhor, quando se cuide de sentença, a sua anulação.
Se a resposta é positiva, os princípios repelem que, da renovação do processo ou
da sentença, por força do provimento de recurso exclusivo do acusado, possa resultar
situação mais desfavorável que a que lhe resultaria do trânsito em julgado da decisão
de que só ele recorreu: são irrespondíveis, no particular, os argumentos já referidos do
Ministro Thompson Flores.
É um truísmo que não há sentença nula de pleno direito. E, em matéria penal, que
não há sequer sentença passada em julgado que se possa anular, ou rescindir, em
detrimento do réu.
Deriva daí, logicamente, o ne reformatio in pejus: do recurso exclusivo da defesa —
que é meio processual de impugnação, apenas do que, na sentença recorrida, lhe seja
desfavorável — não lhe pode resultar direta ou indiretamente situação pior que aquela
que redundaria do seu trânsito em julgado.
Em raciocínio confluente e com a lucidez de sempre, Maria Lúcia Karam (Recursos
no Processo Penal, RT, 1996, p. 46), em passagem invocada na impetração, dilucida
como, ao contrário da sentença inexistente, a sentença declarada nula, em recurso de
defesa, “embora inidônea para produzir as conseqüências jurídicas diretamente pre-
tendidas com sua prolação, continue produzindo efeitos jurídicos, como este de esta-
belecer o limite máximo da pena a ser eventualmente imposta ao réu em nova sentença
adequadamente prolatada...”.
Por isso — concluí — compusesse então a Turma — da qual me afastara para
exercer a presidência do Tribunal — e por certo não teria desfeito a unanimidade
R.T.J. — 195 101

formada no deferimento do HC 71.849, de 23-5-95, Relator o em. Ministro Ilmar


Galvão, quando, em situação de todo assimilável à espécie, se considerou que a pena
concretamente aplicada na sentença da Justiça do Estado — anulada, em recurso de
defesa, por ser a competência da Justiça Federal — não obstante, serviria de base ao
reconhecimento da prescrição retroativa, “uma vez que uma eventual nova condena-
ção não poderá aumentar a pena do paciente, em respeito à proibição da reformatio
in pejus (RT 719/551).
Estou em que o precedente é adequado à solução do caso concreto, embora neste
não se ponha o tema da reformatio in pejus.
O essencial é a resposta afirmativa — então assentada como premissa — de que,
embora emanada de juiz absolutamente incompetente — e ainda que se trate da denomi-
nada “competência de jurisdição” —, a sentença é susceptível de trânsito em julgado.
Problema conexo foi solvido pelo Plenário, ao cabo de exaustiva discussão — e
coerentemente contra o único voto vencido do Ministro Moreira Alves — no HC
80.263, quando se deu aplicação à Súmula 1603 para declarar preclusa a questão da
nulidade da sentença por incompetência constitucional da Justiça do Estado.
Relator, o em. Ministro Ilmar Galvão ementou o acórdão — HC 80.263, 20-2-03,
RTJ 186/1040:
“Habeas corpus. Paciente absolvido em primeira instância. Preliminar de
incompetência, não suscitada na apelação do Ministério Público, acolhida de
ofício pelo tribunal, por tratar-se denulidade absoluta. Alegação de que a sen-
tença absolutária transitou em julgado, em tudo aquilo que não foi objeto do
recurso do Parquet. Pretensão de aplicação da Súmula 160/STF, com a manu-
tenção da absolvição diante da impossibilidade de haver nova decisão mais
gravosa ao réu.
O Tribunal, ao julgar apelação do Ministério Público contra sentença
absolutória, não pode acolher nulidade — ainda que absoluta —, não veiculada no
recurso da acusação. Interpretação da Súmula 160/STF que não faz distinção entre
nulidade absoluta e relativa.
Os atos praticados por órgão jurisdicional constitucionalmente incompetente
são atos nulos e não inexistentes, já que proferidos por juiz regularmente investido
de jurisdição, que, como se sabe, é una. Assim, a nulidade decorrente de sentença
prolatada com vício de incompetência de juízo precisa ser declarada e, embora não
possua o alcance das decisões válidas, pode produzir efeitos. Precedentes.
A incorporação do princípio do ne bis in idem ao ordenamento jurídico
pátrio, ainda que sem o caráter de preceito constitucional, vem, na realidade, com-
plementar o rol dos direitos e garantias individuais já previstos pela Constituição
Federal, cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que a Lei Maior impõe

3 Súmula 160: É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso
da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.
102 R.T.J. — 195

a prevalência do direito à liberdade em detrimento do dever de acusar. Nesse


contexto, princípios como o do devido processo legal e o do juízo natural somente
podem ser invocados em favor do réu e nunca em seu prejuízo.
Por isso, estando o Tribunal, quando do julgamento da apelação, adstrito ao
exame da matéria impugnada pelo recorrente, não pode invocar questão prejudicial
ao réu não veiculada no referido recurso, ainda que se trate de nulidade absoluta,
decorrente da incompetência do juízo.
Habeas corpus deferido em parte para que, afastada a incompetência, seja
julgada a apelação em seu mérito.”
Ora, em tópico anterior deste voto, deduzi as razões do meu convencimento — que
acredito conforme à jurisprudência da Casa — de que, tal como a sentença definitiva, a
decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, quando fundado o pedido
do Ministério Público em que o fato nele apurado não constitui crime, mais que preclusão,
produz coisa julgada material, de modo a impedir a ulterior instauração de processo que
tenha por objeto o mesmo episódio.

VI
De tudo — com a renovação de minhas escusas pela desmesurada extensão do
voto, só atenuada pela contingência em que me vejo de propor o sepultamento de
acusações de inegável gravidade —, defiro o habeas corpus para trancar o processo
condenatório objeto da impetração: é o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, acompanho Vossa Excelência, não sem
antes registrar a fecundidade do seu pensar, a excepcional qualidade do voto.
Então, adiro ao seu pensamento com inteiro agrado.
(...)
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, acompanho-o também. Vossa Excelência
deixou muito pouco para ser dito, a rigor, quase nada.
Gostaria apenas de acentuar alguns aspectos deste caso, de tamanha importância.
O primeiro, que Vossa Excelência demonstrou, e já me tinha, de certo modo, convencido
à bela sustentação oral, que o fato é o mesmo. Tratava-se da aplicação de verba proveniente
de convênio, com destinação a obras de infra-estrutura de programa de lotes urbanizados,
cujo numerário foi aplicado em outra obra já realizada de infra-estrutura, também de
acesso viário.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: E destinação não prevista sequer em lei. Estava em
convênio.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Fala-se que ele não tinha
autorização legislativa para convênio.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas não havia destinação específica prevista em lei.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Por mais que forcejassem o Procurador Regional da
R.T.J. — 195 103

República e o Ministério Público da Justiça Federal local por tentar mudá-lo, o fato era
o mesmo, e, daí, a dispensa de prova por parte do Procurador-Geral.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): O único ponto em que a
denúncia federal é de certo nova é na atribuição de tudo aquilo ao propósito de benefi-
ciar a empresa. Agora, esse não seria o crime federal.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Como beneficiar a empresa? Segundo consta, a obra
já tinha sido realizada! Era, portanto, débito legítimo, segundo se presume.
O Procurador-Geral do Estado dispensou novas diligências e novas provas, porque
lhe pareceu manifestamente atípico o fato. E sobre isso adveio acórdão do Tribunal de
Justiça de São Paulo, que considerou o fato atípico.
Nada tenho por acrescentar ao exame profundo, feito por Vossa Excelência, da
jurisprudência da Casa, quanto à circunstância de que tal decisão, isto é, o arquivamento
de inquérito baseado na afirmação e reconhecimento da atipicidade do comportamento,
faz coisa julgada material. E, aqui, é que gostaria de fazer duas observações, que, embora
nada acrescentem ao brilhantismo do voto de Vossa Excelência, servem para reafirmá-lo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Os votos de Vossa Exce-
lência me deixam orgulhoso, porque, antes deles, não sabia que tinha tanta razão. Claro,
quando concordam comigo.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: A primeira delas é que a circunstância, que poderia
parecer extremamente ponderável, de uma nova decisão originar-se de outra “Justiça”,
de outro ramo do Poder Judiciário, significa apenas que se trataria de decisão viciada por
eventual incompetência de caráter absoluto. Todos os vícios, exceto o de falta ou nuli-
dade de citação inicial, todos os vícios processuais são sanados pela coisa julgada. A
propósito, a doutrina vale-se de expressão extremamente imprópria para definir esse
fenômeno muito claro: “sanatória geral do processo”. A coisa julgada produziria sanató-
ria geral dos processos. Isso significa apenas que todos os vícios processuais, inclusive
o de incompetência absoluta, que fere de nulidade o processo, se tornam irrelevantes
depois do trânsito em julgado da sentença, exceto o de falta de citação inicial, porque
este é vício perpétuo.
Ora, a respeito da coisa julgada material, é preciso recuperar-lhe de certo modo o
significado próprio, e nisso me valho de expressão mais usada em Portugal, a qual me
parece traduzir com mais propriedade o fenômeno. Em Portugal, em vez de coisa julgada,
diz-se caso julgado. E a coisa julgada é exatamente isto: é um caso ou um fato que foi
julgado, mas definitivamente julgado. Por isso, como já recebeu do Estado a norma
singular e concreta que deu certeza sobre a relação jurídica, seja de caráter civil, seja de
caráter penal, envolvida no caso, este não pode, por força de garantia constitucional, ser
rejulgado, até porque é invulnerável a qualquer força normativa, como seria, por
exemplo, o de uma lei.
De modo que acompanho integralmente o voto de Vossa Excelência e subscrevo
todos os brilhantes fundamentos que Vossa Excelência deduziu, para também trancar o
processo.
104 R.T.J. — 195

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no caso, estão envolvidos, a meu
ver, dois valores: o valor justiça e o valor segurança jurídica, no que, com esta última,
busca-se o restabelecimento da paz social.
Vossa Excelência ressaltou que os fatos se mostraram idênticos. Tanto o Minis-
tério Público quanto o magistrado entenderam que não seriam típicos, passíveis de
levar à glosa penal.
Não se pode confundir também jurisdição com competência. A jurisdição, mono-
pólio do Estado, é una. E, aí, não cabe distinguir se o pronunciamento emanou da Justiça
Comum ou da Justiça Federal. A preclusão incide da mesma forma. A oferta subseqüente
de denúncia revelou como que uma quase revisão criminal. E sabemos que a revisão
criminal só pode ser intentada pela defesa, em benefício, portanto, do acusado.
A solução preconizada por Vossa Excelência é a mais consentânea com a ordem
jurídica, no que se evita que permaneça sobre a cabeça do cidadão uma verdadeira
espada de Dâmocles, passível de cair a qualquer momento.
Acompanho-o e defiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 83.346/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Antônio Izzo
Filho. Impetrantes: Alberto Zacharias Toron e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Falou pelo paciente o Dr. Alberto Zacharias Toron.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 83.915 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Joaquim Cícero Gomes — Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco
Honorato Junior (Assistência Judiciária) — Coator: Superior Tribunal de Justiça
1. Habeas corpus: recurso especial tempestivo, se considerada a
data de lançamento do “ciente” pelo Ministério Público, única comprova-
da nos autos: deficiência da instrução para se concluir pela existência de
intimação pessoal anterior.
2. Embargos de declaração: início do prazo a partir da primeira e
inequívoca intimação pessoal: data a partir da qual, no caso, os embargos
no STJ seriam intempestivos.
R.T.J. — 195 105

A aposição do “ciente” pelo Ministério Público, para efeitos de con-


tagem do prazo dos recursos, pressupõe a ausência de anterior intimação
pessoal que, per si, baste para consumar o ato.
É o caso “da entrega de processo em setor administrativo do Ministério
Público, formalizada a carga pelo servidor” (v.g., HC 83.255, Pleno, Marco
Aurélio, DJ de 12-3-04) que, por sua vez, também cede à sua anterior e
inequívoca intimação pessoal, tal como a certificada no processo principal
e a partir da qual os embargos no STJ seriam intempestivos.
3. Ordem deferida para cassar o julgamento dos embargos de decla-
ração, de modo a fazer subsistir a decisão embargada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 19 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente foi condenado, em primeiro grau, à
pena de 22 anos de reclusão e multa, em regime fechado, por infração, em concurso
material, dos arts. 157, caput; 213; e 214, todos do Código Penal.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, deu provimento em parte à apelação
do paciente e reconheceu a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e de atentado
violento ao pudor e, à unanimidade, reduzir a pena quanto ao crime de roubo, bem como
determinar seu cumprimento no regime inicial fechado (fl. 19).
Em conseqüência, foi a pena reduzida para 14 anos e 8 meses de reclusão e multa
(fl. 27).
Não há nos autos do processo principal — em apenso —, nem nos do presente
habeas corpus, comprovação da data em que foi dada entrada dos autos na Secretaria do
Ministério Público estadual para a ciência do acórdão: consta apenas a data — 27-4-00 —
da remessa deles ao MP (fls. 28; e 211, Apenso II) e a aposição do “ciente” pelo Procurador
de Justiça, no dia 19-5-00 (fls. 211-v, Apenso II).
No dia 24-5-00, o Ministério Público estadual interpôs recurso especial (CF, art.
105, III, c), sustentando que o caso era de concurso material de estupro e atentado
violento ao pudor (fl. 55).
O STJ não conheceu do recurso especial, dado que ausente a correta “apresentação
dos arestos divergentes” (RISTJ, art. 255, §§ 1º e 2º) — fl. 55.
No dia 13-8-01, a Coordenadoria da 6ª Turma do STJ certificou que o “Ministério
Público Federal foi devidamente intimado, na pessoa de seu representante legal, conforme
determina o artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil e o artigo 390, do Código de
Processo Penal” (fl. 376 — Apenso I).
106 R.T.J. — 195

Em 16-8-01, os autos foram retirados pelo MPF que, na mesma data, registrou a
entrada deles na Procuradoria, tendo o Il. Subprocurador-Geral responsável lançado seu
“ciente” em 17-8-01 (fls. 376-v, Apenso I).
Opostos embargos de declaração pelo MPF no dia 20-8-01, foram eles “acolhidos
para, conferindo-lhes excepcionais efeitos infringentes, atestar o juízo positivo de ad-
missibilidade do recurso especial e lhe dar provimento para condenar o réu, como
incurso nas penas dos artigos 157, caput, 213 e 214, todos do Código Penal, reconhe-
cido o concurso material, a 21 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias-multa, preservado
o regime de cumprimento da pena tal qual fixado pela Corte estadual” (fl. 81).
A essa decisão a Procuradoria-Geral do Estado opôs novos embargos de declaração,
rejeitados nos termos da ementa transcrita (fl. 100):
“Embargos de declaração. Recurso especial. Penal. Tempestividade. Inti-
mação pessoal do Ministério Público. Data da ciência. Omissão. Inocorrência.
A Egrégia 3ª Seção desta Corte Superior de Justiça pacificou entendimento
no sentido de que a intimação do Ministério Público deve ser pessoal e o prazo
para a interposição do recurso ministerial tem início na data da aposição do ciente
pelo representante do Parquet.
Adotando-se tal posicionamento, é de se ter por tempestivos os embargos de
declaração anteriormente opostos pelo Ministério Público Federal, bem como o
recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, não
havendo falar, assim, em omissão no decisum.”
Donde a presente impetração, na qual se alega que o recurso especial e os embargos
de declaração são intempestivos e, em conseqüência, deles não poderia conhecer o STJ.
O MPF, em parecer da lavra do Il. Subprocurador Geral Haroldo da Nóbrega,
assim opinou pelo indeferimento da ordem (fls. 137/145):
“(...)
O documento de fls. 28 prova que o Poder Judiciário fez remessa dos autos ao
Ministério Público do Estado de São Paulo. Mas não prova sequer a entrada dos
autos em dependências da Procuradoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo,
nem muito menos a intimação pessoal do Representante do Ministério Público
Estadual.
Também não cabe raciocinar em termos de prazo para o Ministério Público
Federal (para os embargos declaratórios) a partir da certidão de fls. 56, que é uma
certidão acoplada à publicação no Diário da Justiça.
Os autos do Resp 300.137 só ingressaram em dependências do Ministério
Público Federal, após a publicação do acórdão, em 16/08/2001, sendo cientificado
pessoalmente o Dr. Wagner Gonçalves, Subprocurador-Geral da República, em
17/08/2001 (ver fls. 56v).
R.T.J. — 195 107

Anote-se que o dia 16/08/2001 foi uma quinta-feira (...) sendo, conseqüente-
mente, tempestivos os embargos opostos na segunda-feira, 20/08/2003. Reitere-se
que o Dr. Wagner Gonçalves, Subprocurador-Geral da República, só tomou ciên-
cia do acórdão, pessoalmente, a 17-08-2001, uma sexta-feira, pelo que o prazo para
os embargos iniciar-se-ia a 20/08/2001 (ver final de fls. 56v, anotação, por cópia,
um pouco borrada, mas com a data de 17/08/2004 perfeitamente legível). Mesmo
computando-se o prazo dos embargos de declaração, a partir de 16/08/2001 (uma
quinta-feira) — hipótese que se admite só para argumentar — os embargos de
declaração protocolados a 20/08/2001 (fls. 58) são perfeitamente tempestivos.
(...)”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I

Do lançamento do “ciente” pelo Ministério Público estadual, em 19-5-00, única


data que comprova a ciência inequívoca do acórdão do Tribunal paulista, não se extrai
a intempestividade do recurso especial, interposto 5 dias depois.
Não instrui a impetração documento que comprovasse o dia em que os autos deram
entrada na secretaria do Ministério Público estadual no qual a jurisprudência atual do
Supremo considera efetivada a intimação do acórdão.
II

Com razão a impetrante, contudo, no tocante à intempestividade dos embargos de


declaração.
Com efeito, já no dia 13 de agosto de 2001, certificou a Coordenadoria da 6ª
Turma do STJ que o MPF havia sido intimado pessoalmente do acórdão do REsp, verbis
(fls. 56; e 376 do Apenso I):
“Certifico que o acórdão de folha retro foi publicado no Diário de Justiça de
13/08/2001.
Certifico, ainda, que o Ministério Público Federal foi intimado, na pessoa
de seu representante legal, conforme determina o artigo 236, § 2º, do Código de
Processo Civil e o artigo 390, do Código de Processo Penal.”
À falta de menção expressa, é de se presumir que a intimação ocorreu na data em
que lavrada a referida certidão, ou seja, no próprio dia 13-8, segunda-feira. Iniciado o
prazo no dia seguinte, expirou no dia 15-8, quarta-feira. Os embargos, contudo, somente
foram opostos no dia 20-8-01 (fl. 378, Apenso I).
108 R.T.J. — 195

Com efeito, firme a jurisprudência do STJ — mais favorável ao paciente, no ponto,


que a do STF — em que o prazo para a posição dos embargos de declaração contra
acórdão de recurso especial, em matéria criminal, é de 2 (dois) dias.
Tem-se, por exemplo, o precedente invocado pela Procuradoria-Geral do Estado
de São Paulo nos embargos que opôs, o REsp 210.484, 6ª T., Hamilton Carvalhido, DJ
de 4-2-02, assim ementado:
“Recurso especial — Embargos de declaração — Matéria penal — Intem-
pestividade — Não-conhecimento.
1. Nos termos dos artigos 263 do Regimento Interno deste Superior Tribunal
de Justiça e 619 do Código de Processo Penal, em se tratando de matéria criminal,
o prazo para oposição de embargos declaratórios é de 2 dias.
2. Recurso não conhecido.”
O entendimento, ademais, fora expressamente adotado pelo STJ, neste caso, con-
forme se extrai do acórdão dos embargos opostos pelo paciente (fls. 419/420):
“(...)
A Egrégia 3ª Seção desta Corte Superior de Justiça pacificou entendimento
no sentido de que a intimação do Ministério Público deve ser pessoal e o prazo
para a interposição do recurso ministerial tem início na data da aposição do ciente
pelo representante do Parquet.
Posto isso, é de se ter por tempestivo os embargos declaratórios opostos pelo
Ministério Público Federal, eis que, intimado pessoalmente em 17 de agosto de
2001 – sexta-feira (fl. 376v), foram os embargos declaratórios protocolizados no
dia 20 seguinte – segunda-feira, dentro, portanto, do prazo de dois dias preconiza-
dos pelo artigo 619 do Código de Processo Penal.
(...)”.
A Corte impetrada, portanto, somente não reconheceu a intempestividade dos
embargos porque adotara o entendimento de que o prazo para o recurso do Ministério
Público “tem início na data da aposição do ciente” pelo seu representante.
A eficácia desta espécie de intimação pessoal, contudo, pressupõe a ausência de
outra, anterior, que, per si, baste para consumar o ato.
É o caso “da entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público,
formalizada a carga pelo servidor” (v.g., HC 83.255, Pleno, j. 5-11-03, Marco Aurélio,
DJ de 12-3-04) que, por sua vez, também cede à sua anterior e inequívoca intimação
pessoal.
Donde a prevalência da certidão lavrada no dia 13-8-01 — cujo conteúdo não se
contesta — afirmando ter sido “devidamente intimado o Ministério Público Federal, na
pessoa de seu representante legal” (fls. 56; e 376, Apenso I).
De tudo, defiro a ordem para anular o julgamento dos embargos de declaração
opostos pelo MPF (fls. 387/400) e, em conseqüência, restabelecer o acórdão embargado,
que não conhecera do recurso especial: é o meu voto.
R.T.J. — 195 109

EXTRATO DA ATA
HC 83.915/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Joaquim Cícero
Gomes. Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciária).
Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Marco Aurélio. Ausente,
justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 19 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.202 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Paciente: Nivaldo Tavares de Mello — Impetrantes: Luiz Vicente Cernicchiaro e
outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Paciente denunciado pela prática, em continuidade
delitiva, dos crimes de estelionato e formação de quadrilha. Sócio de em-
presa de turismo, acusado de vender passagens aéreas inexistentes. Alegada
ausência de fundamentação do decreto de prisão preventiva. Afirmação de
que não houve fuga do acusado, mas simples mudança de endereço. Asser-
tiva não respaldada pelos elementos dos autos. Claro propósito de se furtar
à aplicação da lei penal.
Tem-se como foragido o réu que, mediante sucessivas alterações de
endereço, busca inviabilizar sua localização e assim impossibilitar o
cumprimento de decreto prisional expedido em momento posterior ao seu
ocultamento. Contexto em que é válida a decisão determinante da segre-
gação cautelar do acusado para assegurar a aplicação da lei penal (CPP,
art. 312).
Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus. Vencido o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 7 de dezembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos
Ayres Britto, Relator.
110 R.T.J. — 195

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus, impetrado contra
acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a prisão preventiva do paciente,
por entender que este pretendia, com seu comportamento, se furtar à aplicação da lei
penal. Eis a ementa do decisum impugnado (fl. 06):
“Processual Penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Réu foragido. Cita-
ção. Não-realização. Endereço fornecido. Terreno baldio. Intenção. Fuga. Ca-
racterização. Custódia cautelar. Manutenção.
I – A circunstância de ter o defensor fornecido endereço para realização da
citação por meio de carta precatória, no qual chegou o oficial de justiça e consta-
tou que havia apenas um terreno baldio, acaba por reforçar a possível idéia do
acusado de se subtrair à aplicação da lei penal.
II – A fuga do réu, por si só, constituiu motivo suficiente a embasar a custódia
cautelar. (Precedentes).
Ordem denegada.”
2. Com o objetivo de reformar a decisão acima transcrita, o impetrante sustenta que
não há que se falar em fuga do acusado, dado que este não revelara o “animus de não
retornar”. Ademais, afirma que mudança de residência ou de domicílio não significa,
necessariamente, hipótese de fuga.
3. O pedido de medida liminar foi por mim indeferido, ante a ausência de seus
requisitos autorizadores.
4. Com o objetivo de confrontar as alegações do impetrante (no sentido de que as
intimações a ele encaminhadas foram dirigidas a endereços equivocados) com aquelas
afirmações constantes do acórdão impugnado (que dão conta de que no endereço forne-
cido pelo próprio advogado do paciente existia um terreno baldio), solicitei fossem
remetidos, a esta Suprema Corte, os autos originais do habeas corpus que tramitou no
egrégio Superior Tribunal de Justiça.
5. A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do Subprocurador-Geral
Haroldo Ferraz da Nóbrega, primeiramente opinou pela denegação da ordem, manifes-
tando-se, após análise dos documentos que integravam o processo em trâmite no STJ,
pela concessão do writ. Para isso, afirmou que “não se pode dizer que seja patente esteja
o paciente a se subtrair à aplicação da lei penal”.
É o breve relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Feito o relatório, passo ao voto.
8. Consoante relatado, discute-se no presente habeas corpus a validade jurídica do
decreto de prisão cautelar expedido contra o paciente, que foi denunciado pela suposta
prática, em continuidade delitiva, dos crimes de estelionato e formação de quadrilha
(art. 171, caput, c/c o art. 71 e art. 288, caput, todos do CP). Tais crimes teriam ocorrido
entre agosto e setembro de 1999, quando a empresa da qual o acusado é sócio (“Meltur
R.T.J. — 195 111

Operadora de Viagens Ltda.”) vendeu passagens aéreas inexistentes. Este fato só era
descoberto pelas numerosas vítimas quando, ao tentarem “resgatar” os vouchers que
recebiam, constatavam que a estes não correspondia nenhuma operação realizada entre
a empresa de turismo e a companhia aérea.
9. Pois bem, recebida a denúncia e verificada a impossibilidade de citação do paciente,
foi requerida sua prisão preventiva, não acolhida nos termos seguintes (fl. 30 — apenso 1):
“(...)
Com efeito, assiste razão ao dr. Promotor de Justiça quando baseado nesses
fundamentos pede o decreto da prisão preventiva. No caso, avultam os requisitos
que estão relacionados com a garantia da ordem pública e aquele outro que diz
com o propósito de assegurar a aplicação da lei penal. Importante salientar que o
vultuoso prejuízo causado, bem como o expressivo número de vítimas que teriam
suportado, sem dúvida ofende frontalmente a ordem pública, que deve ser garanti-
da. Somados esses fatos à notícia certificada nos autos de que os acusados estão
em lugar incerto, o que impede a sua citação pessoal, além de dificultar a correta
instrução processual e a indispensável aplicação da lei penal, tem-se que a prisão
preventiva encontra amparo naqueles mencionados requisitos legais, todos pre-
sentes, para que o pedido seja acolhido. De outro lado, os indícios da materialida-
de do delito e da sua autoria, conforme decorre das declarações prestadas pelas
vítimas e da prova documental juntada aos autos, estão suficientemente compro-
vados para justificar a pretensão que busca a prisão processual”. (sem destaques no
original)
10. Daí as sucessivas impetrações de habeas corpus que, buscando cassar o decreto
de prisão do paciente, repisam a alegação de que este não fugira, mas apenas mudara de
endereço, sem nenhuma intenção de se furtar à aplicação da lei penal. Também se afirma
que houvera equívoco no endereço constante do mandado de citação do acusado, tendo
sido este dirigido para a cidade de São Paulo (mais especificamente à filial que a empresa
mantinha nesta cidade), enquanto que o réu teria localização bem definida na cidade de
Recife.
11. Em que pesem os fundamentos lançados pelo impetrante, não é de ser acolhida
a impetração, visto que os fundamentos dela constantes não encontram respaldo nos
documentos carreados aos autos. Na verdade, quanto mais pedidos de informações
complementares eu solicitava, mais me convencia da absoluta inviabilidade do pre-
sente writ.
12. Com efeito, não é de se sustentar a afirmação de que houvera erro na citação do
acusado, que, residente em Recife, fora procurado na filial de sua empresa de turismo, em
São Paulo.
13. Bem vistas as coisas, o primeiro mandado de citação ao paciente foi encami-
nhado para a sede da Meltur Operadora em São Paulo (fl. 131 — apenso 1). Ao contrário
do que faz crer o impetrante, este não foi, no entanto, o único endereço utilizado pela
Justiça. Na tentativa de encontrar o acusado, foi expedida carta precatória para a comar-
ca de Recife/PE, da qual constou o endereço da sede da empresa do acusado, que ficava
112 R.T.J. — 195

em Boa Viagem (fls. 140/141 — apenso 1). Também este novo esforço não foi bem
sucedido, uma vez que, neste peregrinar procedimental, a sede da empresa já estava
fechada, existindo nos dois endereços fornecidos um escritório de advocacia e um terre-
no baldio (fls. 150 v. — apenso 1).
14. E não é só. Posteriormente a todas essas diligências (que restaram infrutíferas),
o defensor do acusado ingressou nos autos do processo-crime, solicitando a revogação
da custódia deste último, indicando seu novo endereço e dando início às sucessivas
alegações de que estariam ocorrendo equívocos na busca da localização do réu (fls.
176/184 — apenso 1). Ledo engano. Expedida nova carta precatória, desta vez com
mandado de citação para o endereço fornecido pelo próprio advogado do paciente,
também este não pôde ser cumprido. No local indicado, apenas foi encontrada a mulher
do paciente, que informou que seu marido residia em São Paulo (fls. 225 v.).
15. Ora, o paciente parece querer envolver a Justiça num círculo vicioso de infor-
mações cruzadas, tudo isso com o propósito de se furtar à aplicação da lei penal. Senão
veja-se: de início, alega que foi erroneamente procurado em São Paulo, quando sua
firma teria sede em conhecido endereço na cidade de Recife. Procurado em Recife, são
encontrados nos lugares indicados um escritório de advocacia e um terreno baldio.
Posteriormente, afirma-se que o acusado apenas mudou de residência e estaria morando
em Jaboatão dos Guararapes. Efetuada nova diligência, apenas é encontrada a esposa
do acusado, que afirma que este reside em São Paulo, deixando de indicar, todavia,
endereço específico.
16. Cumpre enfatizar que, ao contrário do que vislumbrou a douta Procuradoria-
Geral da República, o decreto de prisão preventiva do paciente é posterior a sua fuga.
Tanto é assim que o principal fundamento da segregação cautelar do acusado é justa-
mente o fato de este encontrar-se em “lugar incerto e não sabido”, pretendendo, com tal
conduta, se furtar à aplicação da lei penal. Para ser mais preciso, consigno que a prisão do
réu foi decretada em 13-9-2002 (fls. 29 — apenso 1), enquanto que os mandados de
citação dirigidos a Recife e a São Paulo são ambos de 23-7-2002 (fls. 131 e 141).
17. Presente esta ampla moldura fática, parece-me que as alegações de “mudança
de domicílio” apenas pretendem camuflar o fato de que o réu se encontra efetivamente
foragido, com o claro propósito de se furtar à aplicabilidade da lei penal. Correto, pois,
o decreto de prisão preventiva, que, por encontrar respaldo em elementos concretos,
deve ser mantido. Nesse sentido, cito a ementa do julgamento, por esta Suprema corte,
do RHC 67.338:
“Prisão preventiva. Se o paciente se esquiva da Justiça, causando dificulda-
des à aplicação da lei penal, justifica-se a sua prisão preventiva.
Recurso improvido.”
18. Isso posto, meu voto indefere a ordem de habeas corpus.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, realmente é possível procurar um
acusado para citação e não o encontrar.
R.T.J. — 195 113

A indagação que surge é se, nesse caso, tem-se como obrigatória, como conseqüên-
cia natural, a prisão preventiva. Responde a essa pergunta a legislação em vigor, o artigo
366 do Código de Processo Penal. Se o acusado, citado por edital, está em lugar incerto
e não sabido, não comparece nem constitui advogado, ficarão suspensos o processo e o
curso do prazo prescricional, ou seja, ele não logra vantagem com o fato de se evadir,
podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes —
provas que o tempo possa solapar — e, se for o caso — há a previsão a revelar, portanto,
que a prisão preventiva não é uma conseqüência de o acusado não ser encontrado —,
decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 312 do Código de Processo
Penal.
Estabeleço a premissa de que é possível uma preventiva, mas não pelo fato de o
acusado, simplesmente, não ter sido encontrado.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Parece que, no caso, houve suces-
sivas manobras de elisão da peregrinação procedimental referida pelo eminente Relator.
O peregrino parecer ter, propositadamente, induzido à tontura procedimental.
A simples revelia, já assentamos repetidas vezes, é uma opção do réu e não leva,
necessariamente, à prisão preventiva.
Mas não parece ser este o caso.
Ele indicou três ou quatro endereços diversos.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ele, no caso, não chegou a ser citado por edital?
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Foram sucessivas cartas precatórias.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: E com advogado representado nos autos, que forne-
ceu um endereço falso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, continuo a vislumbrar a prisão
preventiva como ato de excepcionalidade maior, a partir até mesmo do princípio escul-
pido na Carta de 1988, que é o princípio da não-culpabilidade, e extraio do citado artigo
366 a maior eficácia possível, quer relativamente à suspensão do processo, quer no
tocante ao curso do prazo prescricional e à própria prisão preventiva.
Não vejo, no caso de não ser encontrado o acusado, base, apenas por isso — sem
mesmo ter-se a citação por edital —, para chegar-se à preventiva, que há de estar reservada
a situações excepcionalíssimas. Já tenho sustentado até mesmo, interpretando o artigo 312
do Código de Processo Penal à luz da Carta de 1988, que, a rigor, o texto, que vem do
Estado Novo, está direcionado àqueles casos em que o acusado apresenta periculosida-
de maior para a sociedade, ou interfere, pressionando testemunhas, peritos e outros, na
própria instrução penal.
Peço vênia ao ilustre Relator para fazer essa leitura do artigo 366 do Código de
Processo Penal e tomar a cláusula final desse artigo — “se for o caso, decretar prisão
preventiva” —, não considerada a ausência do distrito da culpa, mas frente ao artigo
312, como algo de excepcionalidade maior.
Concedo a ordem.
114 R.T.J. — 195

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Data venia do voto do eminente
Ministro Marco Aurélio, o artigo 366 nada tem a fazer neste caso, no qual o acusado
constituiu advogado.
Por outro lado, é certo, temos julgado mais de uma vez (por exemplo, no HC
81.151, relatado pelo eminente Ministro Ilmar Galvão), que a revelia, por si só, não
autoriza prisão preventiva. Até, aí, é óbvio.
O que há no caso, no entanto, é uma repetida e propositada atividade maliciosa do
acusado, pessoalmente ou por intermédio do seu advogado constituído na instância
ordinária — não o ilustre Advogado que hoje impetra o habeas corpus — para eludir e
enganar a Justiça, sendo ingênuo pensar que, se isso se fez no curso do processo, não se
fará na hipótese de condenação.
Acho plenamente justificada a terceira hipótese da prisão preventiva, que é garan-
tir a aplicação da lei penal, quando haja indícios mais que eloqüentes de uma propositada
intenção de fuga.
Acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

EXTRATO DA ATA
HC 84.202/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Nivaldo Tavares de
Mello. Impetrantes: Luiz Vicente Cernicchiaro e outro. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;
vencido o Ministro Marco Aurélio. Falou pelo paciente o Dr. Luiz Vicente Cernicchiaro.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Edson Oliveira de Almeida.
Brasília, 7 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.262 — DF

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Paciente: José Sanchez — Impetrante: José Saraiva — Coator: Superior Tribunal
de Justiça
Habeas corpus — Delito contra a ordem tributária — Sonegação
fiscal — Procedimento administrativo-tributário ainda em curso — Ajui-
zamento prematuro, pelo Ministério Público, da ação penal — Impossibi-
lidade — Ausência de justa causa para a válida instauração da persecutio
criminis — Invalidação do processo penal de conhecimento, desde o ofere-
cimento da denúncia, inclusive — Pedido deferido.
R.T.J. — 195 115

— Tratando-se dos delitos contra a ordem tributária, tipificados no


art. 1º da Lei n. 8.137/90, a instauração da concernente persecução penal
depende da existência de decisão definitiva, proferida em sede de procedi-
mento administrativo, na qual se haja reconhecido a exigibilidade do cré-
dito tributário (an debeatur), além de definido o respectivo valor (quantum
debeatur), sob pena de, em inocorrendo essa condição objetiva de punibili-
dade, não se legitimar, por ausência de tipicidade penal, a válida formula-
ção de denúncia pelo Ministério Público. Precedentes.
— Enquanto não se constituir, definitivamente, em sede administra-
tiva, o crédito tributário, não se terá por caracterizado, no plano da tipi-
cidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art.
1º da Lei n. 8.137/90. Em conseqüência, e por ainda não se achar configu-
rada a própria criminalidade da conduta do agente, sequer é lícito cogi-
tar-se da fluência da prescrição penal, que somente se iniciará com a
consumação do delito (CP, art. 111, I). Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de habeas corpus, para deter-
minar a imediata extinção do Processo-Crime n. 2002.19335-4 (12ª Vara Federal da
Seção Judiciária do Distrito Federal), com a conseqüente invalidação desse procedi-
mento penal, desde o oferecimento da denúncia, inclusive, observados os demais termos
do voto do Relator. Falou, pelo paciente, o Dr. José Saraiva e, pelo Ministério Público
Federal o Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 14 de setembro de 2004 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de habeas corpus impetrado contra
decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idêntico processo,
denegou o writ constitucional ao ora paciente, em acórdão assim ementado (fl. 260):
“Penal e Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário.
Crime contra a ordem tributária. Inépcia da denúncia. Condição de procedibili-
dade. Condição objetiva de punibilidade.
I - Não é, em princípio, indispensável a descrição pormenorizada de cada
conduta delitiva no caso de imputação de crime societário. A exigência legal é, aí,
mitigada.
II - O art. 83 da Lei n. 9.430/96 não criou, como regra geral, qualquer óbice
para a atuação do Ministério Público (art. 129, I e VIII da Carta Magna).
III - A existência de procedimento administrativo não tem o condão de, em
princípio, e por si só, obstar formalmente uma apuração criminal.
116 R.T.J. — 195

IV - O cerne da questão se limita ao juízo de admissibilidade da demanda, de


caso a caso, na forma exposta nos arts. 41 e 43 do CPP.
Habeas corpus denegado.”
Sustenta-se, na presente sede processual, a ocorrência do vício da inépcia da denúncia
(consistente na alegada falta de descrição pormenorizada da conduta imputada ao sócio-
proprietário da empresa contribuinte) e de ausência de condição objetiva de punibilidade,
eis que, no que concerne a esta última alegação, não teria ocorrido, ainda, a conclusão
do pertinente procedimento administrativo-fiscal (fls. 03/04, 06/07, 09/10, 12/13, 14/15
e 17):
“O Paciente é Sócio-proprietário da Empresa Microlog Informática e Tecno-
logia Ltda. (30/34), cujas atividades se iniciaram em 1989 e com forte atuação no
ramo de prestação de serviços e fornecimento de equipamentos de informática. Ao
longo dos anos, a referida Empresa obteve o reconhecimento expresso dos seus
clientes a respeito da lisura e da qualidade das suas atividades, sendo tais clientes,
na maioria, Órgãos Públicos (fls. 43/69).
(...)
Ocorre que em fevereiro do ano de 2002 a Receita Federal promoveu fiscali-
zação na Microlog, lavrando auto de infração em 28 de maio de mesmo ano, isto é,
três meses após (...).
Ainda no prazo para a defesa administrativa, inclusive para o pagamento do
tributo arbitrado, os fiscais da receita apresentaram perante o d. Parquet ‘represen-
tação fiscal para fins penais’.
Ou seja, no dia 18 de junho, a Microlog foi notificada do auto de infração
lavrado unilateralmente pela autoridade tributária, sendo-lhe facultado até o dia
18 de julho, para apresentar sua defesa (impugnação) à conclusão do fisco, ou,
então, promover o pagamento do valor atribuído como devido. Todavia, já em 7
de junho foi apresentada perante o d. Ministério Público representação, isto é,
antes da própria intimação da Empresa sobre o auto de infração, tendo sido
oferecida a denúncia no dia 26, baseada exclusivamente no procedimento fiscal
inacabado, seguinte e acatada no dia 27, quando ainda em curso o prazo para
defesa e pagamento (...).
(...)
Conforme asseverado, já em 7 de junho de 2002 foi apresentada perante o d.
Ministério Público representação, isto é, antes da própria intimação da Empresa
sobre o auto de infração, tendo sido oferecida a denúncia no dia 26 seguinte e
recebida no dia 27, quando ainda em curso o prazo para defesa e pagamento.
Ora, a denúncia somente poderia ter sido apresentada e recebida quando do
encerramento definitivo do processo administrativo-fiscal, não na sua pendência,
porquanto legítima é a possibilidade de impugnação ou mesmo pagamento do
crédito pelo contribuinte, sem ter o temor de sofrer ação penal.
(...)
R.T.J. — 195 117

(...) o açodamento no oferecimento e recebimento da denúncia traduz de


forma insofismável constrangimento ilegal, com a violação do devido processo
legal e da ampla defesa do contribuinte (art. 5º, LIV e LV, CF/88).
In casu, deve-se aplicar a orientação jurisprudencial firmada pelo Plenário
desse Colendo Tribunal, no julgamento do HC 81611/DF, no sentido de que, nos
crimes tributários, do art. 1º da Lei 8.137/90, a decisão definitiva do processo
administrativo é condição objetiva de punibilidade, não se podendo afirmar o
montante ou existência da obrigação tributária até que haja o efeito preclusivo
da decisão final em sede administrativa.
(...)
(...) o presente caso demonstra, com precisão, o acerto do atual entendimento
desse colendo Supremo Tribunal Federal, no tocante às conseqüências do
açodamento no oferecimento da denúncia pelo d. Ministério Público, devido à
falta da condição objetiva de punibilidade, consistente na certeza do ilícito tribu-
tário.
Com efeito, a Empresa contribuinte, da qual o Paciente é Diretor, impugnou
o crédito tributário, obtendo sucesso no seu intento; isto é, foi provida a impugna-
ção ao auto de infração ensejador da denúncia oferecida, reconhecendo-se a in-
subsistência da maior parte do suposto débito tributário, conforme comprova o
documento juntado ao writ impetrado perante a Corte a quo (f. 176/209).
Ora, na precipitada denúncia, foi imputada ao Paciente a falta de recolhimento
de crédito tributário no importe de R$ 1.547.381,16 (fl. 131 dos autos em anexo).
Com o provimento parcial da impugnação administrativa da Empresa da qual o
Paciente é Diretor, o débito fiscal já foi reduzido em R$ 793.410,05 (fl.193, STJ),
restando o suposto débito de R$ 753.971,11 (f. 193, STJ) ou seja, a Empresa já
logrou êxito na esfera administrativa-tributária grande parte do alegado ilícito e
ainda pode vencer o restante na fase recursal, porquanto o restante do alegado
débito tributário foi impugnado por meio de recurso próprio (f. 176, STJ), sendo
que a discussão remanescente versa a respeito da comercialização de notebooks.
(...)
Assim, a denúncia se baseou em realidade que não mais existe, porquanto,
insista-se, houve alteração do auto de infração na sede administrativa. Destarte,
patente é a coação ilegal decorrente da continuidade da ação penal.
(...)
(...) No caso, a denúncia sequer apresenta quando teriam ocorridos os fatos
tidos pelo d. parquet como criminosos. Mais do que isso, inexiste na denúncia
qualquer correlação direta entre as condutas atribuídas ao Paciente e os fatos
narrados na peça acusatória, salvo a ilação decorrente de ser ele o sócio-proprie-
tário da empresa, como se tal circunstância configurasse sua responsabilidade,
de forma objetiva, por todos os atos administrativos e tributários da Empresa
Microlog.
(...)
118 R.T.J. — 195

Na espécie, a denúncia é nula (art. 564, a, CPP), porquanto não atendidos os


imprescindíveis requisitos de validade (art. 41, CPP), não permitindo que o Paciente
conheça todos os contornos fáticos em que se baseia a pretensão punitória para
exercer sua defesa, afrontando, em conseqüência, o devido processo legal (art. 5º,
LIV, CF/88) e o amplo direito de defesa pelo Acusado (art. 5º, LV, CF/88).
(...)
Na espécie, inexiste justo motivo para o início da ação penal, pois ausente
qualquer elemento de convicção entre os fatos narrados genericamente na denún-
cia e a conduta Subjetiva (pessoal) do Paciente, salvo a circunstância Objetiva de
ser ele o Sócio-Proprietário Empresa autuada pelo fisco federal (art. 648, I, CPP).”
Os ora impetrantes, com apoio em tais alegações, postulam o trancamento da
Ação Penal n. 2002.19335-4, que, movida contra o ora paciente pelo Ministério Público
Federal, tramita na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (fl. 280).
Em atendimento ao pedido formulado pelos impetrantes (fl. 25), concedi medida
liminar em favor do ora paciente (fls. 284/286).
O Ministério Público Federal, em manifestação da lavra da ilustre Subprocuradora-
Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha (fls. 300/307), opinou pela concessão da
ordem de habeas corpus, em parecer assim ementado (fl. 300):
“Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária. Paciente denunciado como
incurso no art. 1º, I e IV, da Lei n. 8.137/90. Pedido de trancamento da ação penal,
por falta de justa causa. Questão pendente de encerramento de processo adminis-
trativo-fiscal, cujo montante não se pode afirmar até decisão final. Possibilidade
de pagamento do tributo, antes do oferecimento da denúncia. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal.
Parecer pelo deferimento da ordem para que seja trancada a ação penal
movida contra o ora paciente.” (Grifei)
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O Plenário do Supremo Tribunal Federal,
ao julgar o HC 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, apreciou controvérsia em
tudo idêntica à que se registra na presente impetração, assentando o entendimento
segundo o qual, “(...) nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de
resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condi-
ção objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilida-
de da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que
haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa” (Informativo/STF
333, de 2003 — grifei).
Essa mesma orientação vem de ser reiterada em julgamento efetuado pela Colenda
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o HC 83.414/RS, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:
R.T.J. — 195 119

“Habeas corpus. Penal. Tributário. Crime de supressão de tributo (art. 1º


da Lei 8.137/1990). Natureza jurídica. Esgotamento da via administrativa.
Prescrição. Ordem concedida.
1. Na linha do julgamento do HC 81.611 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
Plenário), os crimes definidos no art. 1º da Lei 8.137/1990 são materiais, somente
se consumando com o lançamento definitivo.
2. Se está pendente recurso administrativo que discute o débito tributário
perante as autoridades fazendárias, ainda não há crime, porquanto ‘tributo’ é
elemento normativo do tipo.
3. Em conseqüência, não há falar-se em início do lapso prescricional, que
somente se iniciará com a consumação do delito, nos termos do art. 111, I, do
Código Penal.” (Grifei)
O entendimento consagrado na decisão ora referida já havia sido observado por
essa mesma Colenda Primeira Turma, quando, ao julgar o AI 419.578/SP, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence — e tendo presente situação idêntica à ora versada nesta sede
processual —, “(...) deferiu habeas corpus de ofício para anular, desde a denúncia,
inclusive, o processo instaurado contra condenado pela prática de crime contra a
ordem tributária, cuja denúncia fora recebida antes de emitida a decisão final quanto
ao crédito tributário em sede administrativa. Aplicou-se a orientação firmada pelo
Plenário no julgamento do HC 81.611/DF (...) no sentido de que, nos crimes do art. 1º
da Lei 8.137/90, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma
condição objetiva de punibilidade, não se podendo afirmar o montante da obrigação
tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa”
(Informativo/STF 336, de 2004 — grifei).
Cabe registrar que essa diretriz jurisprudencial também encontra suporte em
decisão plenária, que, ao declarar improcedente ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada em face do art. 83 da Lei n. 9.430/96, restou consubstanciada em acórdão
assim ementado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei no 9.430, de 27-12-
1996. 3. Argüição de violação ao art. 129, I, da Constituição. Notitia criminis
condicionada ‘à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do
crédito tributário’. 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes
fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a
autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão
que não afeta orientação fixada no HC 81.611. Crime de resultado. Antes de
constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação
penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independente-
mente da comunicação, dita ‘representação tributária’, se, por outros meios, tem
conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação
à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela
prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação.”
(ADI 1.571/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 30-4-2004 — grifei)
120 R.T.J. — 195

Assentadas as premissas que se revelam necessárias à análise da presente impe-


tração, cabe esclarecer que, no caso ora em exame, o paciente foi denunciado por
suposta prática do crime tipificado no art. 1º, incisos I e IV, da Lei n. 8.137/90, sendo
certo que a formulação da acusação penal, pelo Ministério Público, antecipou-se à
conclusão do procedimento administrativo-fiscal, sem que se houvesse registrado, no
entanto, na esfera administrativa, a definitiva constituição do crédito tributário (certi-
dão do 2º Conselho de Contribuintes/Ministério da Fazenda — fl. 278), inexistindo,
portanto, para efeito de legitimar-se a instauração da concernente persecutio criminis, o
necessário “accertamento” em torno do an debeatur e/ou do quantum debeatur refe-
rentes ao tributo alegadamente devido.
A prematura instauração da persecução penal, portanto, no caso ora em exame,
traduz hipótese de ausência de justa causa, apta a ensejar — consideradas as premissas
em que se assentou, nesta Corte, o julgamento plenário do leading case — a imediata
extinção do processo penal condenatório instaurado contra José Sanchez, eis que, com
o não-encerramento do procedimento fiscal, na esfera da Administração Tributária
(certidão a fl. 278), ainda não se registrou a configuração típica da conduta imputada
ao ora paciente.
Cabe enfatizar, neste ponto, por relevante, que esse entendimento jurispruden-
cial, consagrado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, apóia-se, por sua vez,
em autorizado magistério doutrinário ( Fábio Delmanto. “O Término do Processo
Administrativo-Fiscal como Condição da Ação Penal nos Crimes contra a Ordem Tribu-
tária”, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 22, pp. 63/79; Suzane de Farias
Machado Moraes. “Prévio Esgotamento da Via Administrativa como Condição para a
Ação Penal nos Crimes contra a Ordem Tributária”, in Revista Dialética de Direito
Tributário, vol. 97/85-95; Marcus A. Manhães Bastos. “Crimes de Sonegação Fiscal e
os Reflexos da Discussão Administrativa do Débito Tributário sobre a Ação Penal”, in
Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 49/205-236; Gabriel de Moraes Gomes.
“Crimes Contra a Ordem Tributária e Necessidade de Conclusão do Processo Adminis-
trativo e Impugnação do Lançamento”, in Revista Síntese de Direito Penal e Processual
Penal, vol. 19/75-81, v.g.), valendo referir, ainda, no ponto, a precisa lição de Hugo de
Brito Machado. (“Julgamento Administrativo e Ação Penal nos Crimes contra a Ordem
Tributária”, in Repertório de Jurisprudência IOB, n. 2/2004, p. 69):
“Admitir-se a denúncia criminal antes da decisão definitiva da autoridade
da Administração é forma clara de negação do direito à certeza no que concerne
à relação jurídica tributária, e, assim, negação da supremacia constitucional.
É suprimir o direito que tem o contribuinte de impugnar a exigência do
tributo, demonstrando que o fato apontado pelo fisco não ocorreu, ou não é
adequado à hipótese de incidência tributária. Esse direito, de cunho patrimonial,
cuja defesa no âmbito do acertamento tributário é garantido pela Constituição,
resta amesquinhado pela ameaça da ação penal.
É suprimir o direito à ampla defesa, no concernente ao processo adminis-
trativo fiscal e à própria sanção penal, porque neste se inclui, induvidosamente, o
direito de demonstrar a inexistência da relação de tributação perante a Administra-
ção Tributária, sem ser coagido pela ameaça de ação penal.” (Grifei)
R.T.J. — 195 121

Vale ressaltar, ainda, por necessário, que essa mesma orientação vem de ser perfi-
lhada em recentíssimas decisões proferidas por ambas as Turmas desta Suprema Corte:
“Habeas corpus — Delito contra a ordem tributária — Sonegação fiscal —
Procedimento administrativo-tributário ainda em curso — Ajuizamento pre-
maturo, pelo Ministério Público, da ação penal — Impossibilidade — Ausência
de justa causa para a válida instauração da persecutio criminis — Invalidação
do processo penal de conhecimento desde o oferecimento da denúncia, inclusive —
Pedido deferido.
— Tratando-se dos delitos contra a ordem tributária, tipificados no art. 1º da
Lei n. 8.137/90, a instauração da concernente persecução penal depende da exis-
tência de decisão definitiva, proferida em sede de procedimento administrativo,
na qual se haja reconhecido a exigibilidade do crédito tributário (an debeatur),
além de definido o respectivo valor (quantum debeatur, sob pena de, em
inocorrendo essa condição objetiva de punibilidade, não se legitimar, por ausên-
cia de tipicidade penal, a válida formulação de denúncia pelo Ministério Público.
Precedentes.
— Enquanto não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, o
crédito tributário, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o
crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei n. 8.137/90. Em
conseqüência, e por ainda não se achar configurada a própria criminalidade da
conduta do agente, sequer é lícito cogitar-se da fluência da prescrição penal, que
somente se iniciará com a consumação do delito (CP, art. 111, I). Precedentes.”
(HC 84.092/CE, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma)
“Habeas corpus. Paciente denunciado por infração ao art. 1º, inciso II, da
Lei n. 8.137/90 e art. 288 do CP. Alegada necessidade de exaurimento da via
administrativa para instauração da ação penal, sem o que não estaria compro-
vada a redução ou supressão do tributo e, por conseguinte, também revelaria a
insubsistência do delito de quadrilha. Pedido de trancamento do processo.
A necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação
penal por infração ao art. 1º da Lei n. 8.137/90 já foi assentada pelo Supremo
Tribunal Federal (HC 81.611). Embora a Administração já tenha proclamado a
existência de créditos, em face da pendência do trânsito em julgado das decisões,
não é possível falar-se tecnicamente de lançamento definitivo. Assim, é de se
aplicar o entendimento do Plenário, trancando-se a ação penal no tocante ao delito
do art. 1º da Lei n. 8.137/90, por falta de justa causa, sem prejuízo do oferecimento
de nova denúncia (ou aditamento da já existente) após o exaurimento da via
administrativa. Ficando, naturalmente, suspenso o curso da prescrição. (...)”
(HC 84.423/RJ, Rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma — grifei)
Cabe assinalar, neste ponto, tendo em vista a plena liquidez dos fatos — formula-
ção prematura de acusação penal, por suposta prática de delitos contra a ordem tributária,
tipificados no art. 1º, n. I e IV, da Lei n. 8.137/90, deduzida antes de concluído o procedi-
mento administrativo-fiscal de lançamento tributário (consoante evidenciado pela certi-
122 R.T.J. — 195

dão de fl. 278) —, que se revela processualmente viável, ainda que em sede de habeas
corpus, reconhecer-se, para efeito de extinção anômala do processo penal condenatório,
a inocorrência de causa legitimadora da instauração da persecutio criminis, conforme
tem admitido o magistério jurisprudencial firmado por esta Suprema Corte.
Com efeito, impende reconhecer, nos termos em que formulado este voto e na
linha de reiterados pronunciamentos desta Suprema Corte (RT 594/458 — RT 747/597 —
RT 49/565 — RT 753/507), que, “Em sede de habeas corpus, só é possível trancar ação
penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negati-
va de autoria, quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese, e em situa-
ções similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal para a constatação de
tais fatos (...)” (RT 742/533, Rel. Min. Maurício Corrêa — grifei).
E é, precisamente, o que se registra na espécie ora em exame.
Cumpre registrar, finalmente, que essa orientação tem o prestigioso beneplácito
de Julio Fabbrini Mirabete (Código de Processo Penal Interpretado, pp. 1426/1427,
7. ed., 2000, Atlas), cuja autorizada lição, no tema, adverte:
“Também somente se justifica a concessão de habeas corpus, por falta de
justa causa para a ação penal, quando é ela evidente, ou seja, quando a ilegalidade
é evidenciada pela simples exposição dos fatos, com o reconhecimento de que há
imputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que
fundamente a acusação (...).” (Grifei)
Sendo assim, pelas razões expostas, tendo em consideração os precedentes acima
referidos e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro
o presente pedido de habeas corpus, para determinar, por ausência de tipicidade
penal, a imediata extinção do Processo-Crime n. 2002.19335-4, ora em tramitação
perante a 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (fl. 280), com a
conseqüente invalidação desse procedimento penal, desde o oferecimento da denúncia,
inclusive, sem prejuízo, no entanto, de nova instauração da persecutio criminis, se e
quando satisfeita a condição objetiva de punibilidade a que se refere a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, permanecendo suspensos os efeitos da prescrição penal
até o definitivo julgamento do processo administrativo-fiscal instaurado perante órgão
competente do Ministério da Fazenda (fls. 202/215 e 219/236).
É o meu voto.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, depois irá ao Ministro.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não. Ao Ministro irá, se a decisão for desfavorável
ao Fisco. Se a decisão for desfavorável ao contribuinte, o Ministro nada tem que acres-
centar.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: O contribuinte não tem direito de recurso ao Ministro?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não. Decidindo o Conselho de Contribuintes con-
trariamente ao contribuinte, segue-se a cobrança, na forma do decreto que consubstancia
o processo administrativo fiscal, Decreto 70.235/72, art, 43.
R.T.J. — 195 123

O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente e Relator): Há um parecer da Procurado-


ria-Geral da Fazenda Nacional...
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sustentando a tese de que caberia recurso do Con-
selho de Contribuintes que decidisse contra a Fazenda.
O Senhor Ministro Celso de Mello (Presidente e Relator): Exatamente. Há um
parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nesse sentido.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Então, é preferível que se elimine o Conselho de
Contribuintes, o Tribunal Administrativo.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Eu tenho como novidade esse impedimento de recurso
ao Ministro de Estado quando o contribuinte tenha decisão desfavorável no Conselho. Só
se houve uma alteração recente. Não?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Penso que sempre foi assim.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Daí para a Justiça.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Daí para a Justiça.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Também temos mais um outro iter a percorrer.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não. Aí está pronto o processo administrativo.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Para efeito da condição.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Salvo uma medida cautelar.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, assinalo apenas a minha divergência
em tese, porém, democraticamente, rendo-me à orientação firmada pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal e acompanho Vossa Excelência quanto à conclusão.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, duas palavras apenas para marcar a
minha posição.
No Plenário, concorri com meu voto, para que se tomasse a decisão no sentido de
que a ação penal somente poderia ser proposta depois de findo o devido processo legal
administrativo fiscal.
O processo administrativo fiscal é regulado pelo Decreto n. 70.235, de 1972, com
várias alterações advindas posteriormente, mediante decretos-leis e, mesmo, leis ordiná-
rias. No que interessa, a situação é esta: o auto de infração e a notificação de lançamento
constituem o lançamento. É dizer: no momento em que é lavrado o auto de infração, é
expedida a notificação de lançamento, lançamento já existe. Esses atos administrativos
estão previstos no Decreto n. 70.235/72, artigos 9º, 10 e 11.
Seguem-se, a partir daí, os recursos administrativos, que o Decreto n. 70.235 chama
de impugnação e de recurso. A impugnação é feita para a autoridade de primeiro grau, e o
recurso, da decisão da autoridade de primeira instância para o Conselho de Contribuintes.
A impugnação é feita no prazo de 30 dias — artigo 15, do Decreto n. 70.235. E essa
124 R.T.J. — 195

impugnação instaura a fase litigiosa do procedimento. Apresentada a impugnação, tem-


se, então, instaurada a fase litigiosa do procedimento. Da decisão da autoridade adminis-
trativa de primeiro grau, se ela for contrária ao contribuinte, caberá recurso — que o
Decreto chama de recurso voluntário — no prazo de 30 dias. E esse recurso tem efeito
suspensivo; se a decisão é favorável ao contribuinte, a autoridade recorre de ofício ao
Conselho de Contribuintes.
Essas impugnações ou reclamações e esses recursos administrativos suspendem a
exigibilidade do crédito tributário. É o que está posto no artigo 151, III, do Código
Tributário Nacional.
Caso não se aguarde o término do devido processo legal administrativo fiscal,
surgirão situações curiosas. É que a lei estabelece que a punibilidade será extinta se
houver o pagamento do débito antes do oferecimento da denúncia. Ora, antes da cons-
tituição definitiva do crédito fiscal, vale dizer, da decisão do Conselho de Contribuintes —
da qual caberá, ainda, pedido de reconsideração se ela for desfavorável —, prevista no artigo
43 do Decreto n. 70.235, não haverá crédito definitivo. O que ele pagaria para evitar a
apresentação da denúncia? Aquele crédito que ele está contestando e dizendo ser inde-
vido? A situação seria curiosa. Parece-me que, no caso, a partir do primeiro recurso, vale
dizer, da impugnação, o débito foi reduzido.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Ministro Velloso, Vossa Excelência me permite? Esse
argumento não me impressiona, porque, normalmente, nessas hipóteses, o contribuinte
não apresentou documentação alguma, e houve, provavelmente, um arbitramento,
alcançando-se esse valor enorme de um milhão e qualquer coisa.
Depois disso, na sua defesa, o contribuinte traz documentos que permitem abati-
mentos legais.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Perdão, mas a impugnação integra o devido processo
legal administrativo que a Constituição manda observar, e é nessa fase que o contribuinte
pode apresentar os documentos.
Imaginemos a seguinte hipótese: o fiscal entra na empresa, faz um levantamento e
vai embora; deixa ali a notificação de lançamento, o auto de infração lavrado; a partir
daquele momento é que o contribuinte vai ter oportunidade de se defender.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Nesse momento, na grande maioria das vezes — não
estou dizendo que seja este o caso do contribuinte cuja hipótese nos ocupa hoje —, o
que existe é ausência total de contabilidade ou uma contabilidade que deixa a desejar,
para dizer melhor.
Então, isso leva a que a autuação alcance valores, às vezes, estratosféricos. Depois
disso, o contribuinte encontra, nos seus guardados, documentos que comprovam despe-
sas passíveis de abatimento daquele crédito fiscal e, aí, então, fica o crédito diminuído pela
metade. Naquele caso que julgamos no Plenário — lembro-me perfeitamente bem —, a
redução levou a um terço apenas do valor inicial. Por isso não me sensibiliza o argumento,
pois conheço essa engrenagem fática que se dá na grande maioria dos casos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Além da questão, muitas vezes, situar-se no campo
fático, ainda existe a interpretação das normas tributárias e até da Constituição, porque
temos um direito constitucional tributário. Há inúmeros pareceres normativos pelos
quais a administração se orienta. Muitas vezes, estes pareceres representam uma inter-
pretação equivocada da lei, uma interpretação fiscalista da lei.
R.T.J. — 195 125

Dessa forma, penso que a decisão tomada pelo Plenário parece-me acertada e presta
obséquio ao disposto no artigo 5º, LV, da Constituição: nos processos administrativos
observar-se-á o devido processo legal; no caso, o devido processo legal administrativo
fiscal previsto em legislação própria, Decreto n. 70.235/72, alterado por diversas dispo-
sições legais posteriores.
Peço licença para divergir do douto entendimento da Ministra Ellen Gracie.
Acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, gostaria, apenas, de ressaltar que, na
discussão Plenária — a Ministra Ellen tinha enfatizado isto. Levava-se em conta, tam-
bém, a possibilidade de que, dada a demora eventual do procedimento administrativo,
se verificasse a prescrição. A solução, então, alvitrada pelo Ministro Sepúlveda Pertence
solveu essa dúvida.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Protraindo a prescrição para o momento final desse
processo administrativo.
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente e Relator): Foi o que fiz constar, expres-
samente, de meu voto proferido nesta sessão, na linha do precedente que o Plenário do
Supremo Tribunal Federal firmou no julgamento do leading case.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Invoquei, aliás, no meu voto, o princípio da actio
nata: a prescrição só começa a correr com o nascimento da ação. Se a ação não pode ser
proposta, não há falar em prescrição.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Sr. Presidente, também no precedente da minha
Relatoria, fiz consignar isso.

EXTRATO DA ATA
HC 84.262/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: José Sanchez. Impe-
trantes: José Saraiva e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, para
determinar a imediata extinção do Processo-Crime n. 2002.19335-4 (12ª Vara Federal da
Seção Judiciária do Distrito Federal), com a conseqüente invalidação desse procedi-
mento penal, desde o oferecimento da denúncia, inclusive, observados os demais termos
do voto do Relator. Falou pelo paciente o Dr. José Saraiva e, pelo Ministério Publico
Federal, o Dr. Geraldo Brindeiro.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 14 de setembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
126 R.T.J. — 195

HABEAS CORPUS 84.409 — SP

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa


Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Paciente: Ali Mazloum — Impetrante: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Denúncia. Estado de direito. Direitos fundamentais.
Princípio da dignidade da pessoa humana. Requisitos do art. 41 do CPP
não preenchidos.
1. A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem
merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada espe-
cialmente ao direito de defesa. Precedentes.
2. Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida
conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de
Direito.
3. Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é
difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe
ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder
de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu
curso.
4. Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por votação majoritária,
deferir o pedido de habeas corpus, por reconhecer a inépcia da denúncia oferecida
contra o ora paciente, determinado, em conseqüência, quanto a ele, a extinção do pro-
cesso penal em que oferecida, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Ali Mazloum em face do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julga-
mento do HC 33.610, cuja ementa tem o seguinte teor:
“Habeas corpus. Ação penal. Denúncia que descreve crime em tese com indí-
cios de autoria. Alegação de conduta atípica e ausência de justa causa. Tranca-
mento. Invialidade por exigir exame do conjunto fático probatório.
Denegação da ordem.” (Fl. 518)
R.T.J. — 195 127

Insurge-se o impetrante contra essa decisão, mantenedora de acórdão prolatado


pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (fl. 97) que recebera a
denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o paciente e diversos outros
co-réus pela prática do crime de quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal).
Buscando trancar a respectiva ação penal, o impetrante apresenta, em síntese, os
seguintes argumentos jurídicos: (i) ocorrência de violação das normas de processo; (ii)
ausência de justa causa para a propositura da ação penal, em virtude da inépcia da
denúncia, da inexistência de participação em quadrilha e da não-descrição da elementar
estabilidade; (iii) ocorrência de omissões na denúncia e (iv) constrangimento ilegal
ocasionado pelo acórdão que recebeu a denúncia.
Indeferi a liminar por não vislumbrar, em primeira análise, a alegada inépcia da
inicial (fl. 473).
A autoridade apontada como coatora prestou informações (fls. 517-542).
A Procuradoria-Geral da República opina pelo indeferimento do pedido (fls.
554-558).
O feito seria levado para julgamento na sessão de 26 de outubro deste ano, mas a
defesa apresentou pedido de adiamento (fl. 577), razão por que o estou trazendo nesta data.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Insurge-se o impetrante contra a denún-
cia recebida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Assinala que a inicial acusa-
tória está fundada em elementos precários, porquanto o Ministério Público não realizou
a oitiva do paciente, tendo oferecido a denúncia com base exclusivamente no resultado
das degravações telefônicas.
Afirma que a denúncia é inepta, na medida em que o seu conteúdo impossibilita o
direito de defesa do paciente. Alega ainda que inexiste justa causa para a propositura da
ação penal, inclusive por não ter a denúncia descrito a circunstância elementar da esta-
bilidade, contida no tipo de quadrilha ou bando. Por fim, discorre sobre o mérito da
imputação atribuída ao paciente.
O trancamento da ação penal, requerido pelo impetrante, só é admitido por esta
Corte em circunstâncias excepcionalíssimas, quando evidente a ausência de justa causa
para a propositura da ação penal.
Sendo assim, a questão central a ser resolvida no presente habeas corpus diz res-
peito a se saber se a denúncia está em consonância com o que dispõe o art. 41 do Código
de Processo Penal.
Antes de analisar a questão da alegada inépcia da denúncia, farei algumas conside-
rações acerca da afirmação de que o Ministério Público Federal não procedeu à oitiva do
paciente conforme determina o teor do art. 6º, V, do Código de Processo Penal, o que
implicaria, segundo o impetrante, violação das normas de processo.
128 R.T.J. — 195

Ressalto que a denúncia em análise não foi proposta com base em inquérito policial,
e sim em peças de informação constituídas pelo resultado do monitoramento telefônico
legalmente autorizado pelo Poder Judiciário, de modo que inaplicáveis à espécie os cita-
dos dispositivos legais.
A denúncia originou-se das investigações realizadas pelo Departamento de Polícia
Federal, em que se apurou inicialmente a ação delituosa levada a efeito por Jorge Luiz
Bezerra da Silva, relativamente a pessoas investigadas em inquéritos policiais instaurados
na Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Estado de Alagoas.
Posteriormente, quando surgiram indícios do envolvimento de magistrados federais
na suposta quadrilha, o feito passou a tramitar no TRF da 3ª Região.
A interceptação telefônica e o monitoramento das linhas fixas e dos celulares dos
envolvidos foram requeridos pela autoridade policial e deferidos pela autoridade judiciá-
ria competente. Tais interceptações foram acompanhadas pelo Ministério Público e pror-
rogadas pelo Juízo, obedecendo-se aos requisitos da Lei 9.296/1996.
Não há que se falar, portanto, em violação de normas de processo. Há diversos
precedentes desta Corte no sentido da prescindibilidade da instauração de inquérito
policial antes do oferecimento da denúncia, quando existirem outras peças de informa-
ção que forneçam indícios suficientes da autoria e materialidade do fato imputado (AI
266.214-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 63.213, Rel. Min. Néri da Silveira; HC
77.770, Rel Min. Néri da Silveira, e HC 80.405, Rel. Min. Celso de Mello).
Examino, agora, a alegação de ausência de justa causa por inépcia da denúncia.
Os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal estão, a meu ver, completa-
mente preenchidos.
Sobre esse aspecto, elucidativo é o teor do parecer exarado pelo membro do Ministério
Público Federal oficiante no Superior Tribunal de Justiça, do qual transcrevo o seguinte
trecho:
“26. A denúncia, que contém os requisitos exigidos pelo art. 41 do Código
de Processo Penal, acentua que toda a ação delituosa descrita ‘só se tornou possí-
vel graças à adesão, voluntária e consciente de agentes do Estado a um projeto
criminoso, apto a lesar, a partir do ajuste consensual quanto à prática de diversos
ilícitos penais, a própria paz pública, que constitui o bem jurídico protegido pelo
art. 288 do Código Penal’.
27. Narra que o paciente e os co-réus João Carlos da Rocha Mattos e Casem
Mazloum, todos juízes titulares de varas criminais da capital paulista, integravam
associação criminosa, estável e organizada, instituída ‘ com o fito de proteger os
intermediadores e/ou servidores que intervêm nos procedimentos administrativos,
além de fornecer cobertura aos negócios ilícitos geridos por pessoas que pagam
pelas atividades da quadrilha, consistentes na interrupção de investigações em
andamento, quando não pela conclusão das mesmas pela autoridade policial, ex-
cluindo a responsabilidade penal dos ´clientes´ da quadrilha, além da liberação de
mercadorias apreendidas’.
R.T.J. — 195 129

28. Nos termos da peça vestibular, ‘a estrutura montada conta com a destaca-
da atuação dos magistrados, para o caso das investigações saírem do controle e
ensejarem as ações penais que não possam, sem excessivo risco, ser rejeitadas de
plano, tendo, assim, garantida a interrupção daquelas e/ou a absolvição dos auto-
res de delitos penais, a despeito de toda a prova e evidência existentes nos
autos’(fls. 47).
29. Ao contrário do que quer fazer crer o impetrante, além de observadas as
exigências contidas no art. 41 do Código de Processo Penal, não se verifica nenhu-
ma das hipóteses previstas no art. 43 do mesmo diploma legal, tendo sido feita a
exposição do fato criminoso de forma a permitir o pleno exercício da defesa. A
conduta delitiva levada a efeito está descrita com os elementos necessários à com-
preensão do ilícito imputado ao paciente.”
Além dos trechos constantes dessas transcrições, o Ministério Público Federal é
claro na inicial ao individualizar o suposto papel do paciente na quadrilha. Assinala o
Parquet que o paciente teria praticado os delitos de ameaça e abuso de poder, apurados
em procedimento criminal específico1, contra policiais rodoviários federais, com o fim
de descobrir se números de telefone seus e de César Herman estavam sendo intercepta-
dos. É o que se infere da leitura do seguinte trecho da denúncia:
“O Ministério Público Federal denunciou Alexandre Crenitte, Wellengton
Carlos de Campos, Ari Natalino da Silva e Débora Aparecida Gonçalves da Silva
pela prática dos crimes descritos nos autos n. 2003.61.81.007078-8 (doc. n. ).
Referida denúncia decorre de fatos apurados com base em interceptações telefôni-
cas autorizadas judicialmente em inquérito policial em trâmite perante a 10ª Vara
Federal de Brasília e tramita perante a 7ª Vara Criminal Federal, titularizada pelo
Juiz Federal Ali Mazloum.
Embora a denúncia data de 16.09.03, até o presente momento não foi recebida
pelo magistrado. De fato o Juiz Federal Ali Mazloum condicionou o recebimento da
denúncia ao conhecimento, por ele, da integralidade das gravações realizadas nas
interceptações telefônicas pelo Juiz Federal da 10ª Vara de Brasília.
Demonstrando intenso interesse em conhecer totalmente as gravações acima
mencionadas, o magistrado Ali Mazloum telefonou para o Policial Rodoviário
Federal Wendel Benevides Matos em 22.09.03. Em 23.09.03, o Prf Wendel e seu
colega Marcos Prado (que tem atuação junto às investigações de Brasília) compa-
receram ao gabinete do Juiz Federal Ali Mazloum. O Juiz exigiu, então, ter acesso
a todo o material de Brasília, inclusive daquelas feitas sem a concorrência das
operadores de telefonia. Como justificativa, apontava eventuais falhas na investi-
gação, afirmando que não aceitaria intermediários no acesso às degravações das
investigações de Brasília.

1 A denúncia relativa a tais crimes foi oferecida concomitantemente à que é impugnada no presente
pedido, sob o registro 2003.03.00.065347-0 (v. fl. 138).
130 R.T.J. — 195

Em 24.9.03, o inspetor Wendel recebeu nova ligação de Ali Mazloum, que o


advertiu sobre o fato dos inspetores terem narrado a conversa do dia anterior a
membros do Ministério Público Federal, afirmando que as conversas entre ele e os
policiais rodoviários federais deveriam ser sigilosas, advertindo também que se
lembrasse que ‘a corda sempre arrebenta do lado mais fraco’.
Ali Mazloum perguntou, então, ao inspetor Wendel, entregando uma lista
contendo três números de telefones para saber se aqueles estavam interceptados
por ordem do Juiz de Brasília. O próprio Juiz informou ao Prf Wendel que um
telefone era seu e o outro de Cesar Herman. Wendel negou que qualquer um
daqueles números tivesse sido interceptado.
Em 1º de outubro de 2003, Ali Mazloum ligou novamente e marcou novo
encontro, alegando que precisaria de explicações sobre o conteúdo e manuseio
dos CD´s que lhe haviam sido enviados pelo Juiz da 10ª Vara Criminal de Brasília.
Em 03.10.03, os policiais rodoviários federais Wendel, Airton e Prado, encontra-
ram-se com o magistrado Ali Mazloum. Nesta reunião, agindo com evidente abuso
de poder ameaçou de prisão os policiais rodoviários federais caso os mesmos se
submetessem às suas ordens.
Ali Mazloum, nesse episódio, demonstrava especial interesse em ter acesso a
gravações de conversas realizadas com autorização judicial e para a investigação
de Brasília do dia 16.05.03. Mais uma vez afirmou aos PRF’s que ‘a corda sempre
arrebenta do lado mais fraco.’ (40 Tais fatos foram objeto de representação ao
Ministério Público Federal por parte dos PRF´s e ensejou o oferecimento de de-
núncia contra o magistrado Ali Mazloum nesta mesma data pela prática dos crimes
de ameaça e abuso de poder.)
Verifica-se a atuação do magistrado Ali Mazloum, valendo-se de sua condi-
ção de membro do Poder Judiciário, para obter informações de interesse próprio
não atinente a processos sob sua jurisdição e de outro integrante da quadrilha
(Cesar Herman).” (Fls. 62-64)
Portanto, estaria o paciente valendo-se da condição de magistrado para proteger a
si e a outro membro da suposta quadrilha.
Diante do quadro fático delineado na inicial acusatória, a desembargadora federal
Therezinha Cazerta, no relatório da decisão de recebimento da denúncia, asseverou:
“Cazem Mazloum e Ali Mazloum, no dizer do Ministério Público Federal,
‘ocupam funções peculiares na quadrilha, pois têm jurisdição em processos de
interesse dos mentores daquela, bem como utilizam-se de ‘serviços’ prestados pela
quadrilha para obter vantagens e/ou favores ilícitos. Aproveitam-se da função
jurisdicional para proteger os interesses ilícitos da quadrilha’.” (Fl. 99)
Já no bem fundamentado voto condutor do recebimento da denúncia, a eminente
desembargadora Relatora sintetiza a forma de configuração da suposta quadrilha, incluindo
a suposta atuação do paciente, no seguinte trecho:
R.T.J. — 195 131

“Percebe-se que a associação encerrava atuação em âmbitos diversos, valen-


do-se de sua estrutura para praticar crimes variados. Tráfico de influência, abuso de
poder, ameaça, corrupção ativa e passiva, prevaricação, falsificação de documen-
tos, advocacia administrativa, interceptação telefônica sem autorização judicial,
são alguns dos ilícitos vislumbrados na denúncia. Não se trata, portanto, de mero
concurso de agentes, aliança momentânea consistente em co-autoria ou participa-
ção (societas criminis ou societas in crimine), a exigir ocasional e transitório con-
certo de vontades objetivando a prática de delito determinado12. É verdadeira
organização criminosa (societas delinquendi), reveladora de especial fim de agir,
qual seja, empreender violação a bens jurídicos protegidos pela norma penal. Su-
ficiente o acordo de vontades, punido independentemente dos malefícios ocorri-
dos, não desnatura o crime de quadrilha ou bando a particularidade de alguns dos
delitos perpetrados terem sido cometidos somente por alguns elementos do grupo
marginal13, conforme se sucede na acusação. Ao contrário. Esses autores respon-
derão por tais crimes, em concurso material com o de quadrilha ou bando – e de
fato o estão, como se depreende das 3 (três) outras denúncias propostas pelo Minis-
tério Público Federal; os demais, continuam respondendo apenas pelo crime do
artigo 288 do Código Penal. A propósito: ‘O crime de quadrilha ou bando é sempre
independente daqueles que na societas delinquentium vierem a ser praticados. O
membro da associação será co-autor do crime para o qual concorrer, que poderá ser
isolado do conjunto dos demais crimes praticados pelo bando.’14 (12. José Silva
Júnior, Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, coordenação Alberto
Silva Franco e Rui Stoco, vol.2, 7ª edição, RT, p. 3.521; 13. Damásio E. de Jesus,
Código Penal Anotado, 13ª edição, Saraiva, p. 881.; 14. STF, Habeas Corpus
56.447-8, origem em São Paulo, 2ª Turma, Relator Ministro Décio Miranda, julga-
do em 22.09.78, votação unânime.)” (Fls. 150-151)
A clareza da imputação feita ao paciente é reforçada, ainda, pelo teor da alínea j da
parte conclusiva da denúncia:
“Nas diversas ações da quadrilha acima narradas, verifica-se que:
[...]
j) Ali Mazloum planeja e realiza para a sua proteção e de outro membro da
quadrilha o crime de ameaça e abuso de poder (V.1.j);” (Fl. 89)
Entendo, portanto, que a denúncia é absolutamente clara ao atribuir ao paciente o
concurso no delito de quadrilha ou bando, de sorte que lhe possibilita o pleno exercício
do direito de defesa, não se podendo falar em inépcia da denúncia ou ofensa ao princípio
da ampla defesa.
Afasto, pois, a alegação de inépcia da denúncia.
Da mesma forma, entendo que não estamos diante de flagrante atipicidade da
conduta ou de nenhum outro motivo suscetível de conduzir ao trancamento da ação
penal por ausência de justa causa. “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na
denúncia configura, em tese, crime” (cf. HC 83.184, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda
Turma, DJ de 3-10-2003).
132 R.T.J. — 195

Ressalto que o trancamento da ação penal via habeas corpus por ausência de justa
causa, apesar de perfeitamente possível, é tido como medida de caráter excepcional,
conforme entendimento pacífico desta Corte (cf. HC 82.393, Rel. Min. Celso de Mello,
Segunda Turma, DJ de 22-8-2003).
No que concerne à alegação de ausência da elementar estabilidade, também não
vislumbro a ocorrência da tal vício na inicial acusatória. Ao contrário, os indícios de que
o paciente ameaçou policiais rodoviários federais para saber se o seu telefone e o de
César Herman estavam sendo monitorados demonstram ser provável a existência de
vinculação estável entre o paciente e o co-réu César Herman, um dos principais integrantes
da suposta quadrilha. Assinalo ainda que, na decisão relativa ao recebimento da
denúncia, o nome do paciente é mencionado a fls. 139/143/144/149/155/166, além de
nos demais trechos acima transcritos, o que indica sua participação estável na suposta
associação criminosa.
Ademais, há outros indícios que apontam a necessidade de realização de instrução
criminal para a elucidação dos fatos apresentados na denúncia.
Valho-me novamente do escorreito voto condutor da decisão de recebimento da
denúncia, na parte em que a desembargadora Therezinha Cazerta demonstra que os
documentos apreendidos nas diligências de busca e apreensão judicialmente autori-
zadas indicam a existência da associação criminosa, verbis:
“[...] Além disso, foram apreendidos documentos, na residência de Rocha
Mattos, localizada na Rua Maranhão, que representam indícios de participação na
quadrilha. Para exemplificar:
[...]
- papéis contendo anotações lançadas com letra muito semelhante a de João
Carlos, relativas a números de telefones de pessoas ligadas, de algum modo, ao
grupo: Ali, Law, Wagner Rocha, Enrico;
- anotações constantes de agenda apreendida: Dr. JOÃO pegar U$ 10.000,00;
José Guilherme-Eliana quer falar a respeito do Ali; Wagner – U$ 20.000,00; AAC
(Antônio Augusto César) - U$30.000,00; Palgrp – R$ 85.000,00; BMW – R$
40.000,00; Lio – R$ 19.000,00; Liberdade – R$ 35.000,00; Morumbi – R$
100.000,00. Sub-total: U$ 50.000,00. Apto Adri - U$ 110.000,00.” (Fls. 153/155/166)
Ressalto que, consoante sinalizado no voto da desembargadora, na fase de recebi-
mento da denúncia “vige o princípio in dubio pro societatis” (fl. 139).
Quanto à alegação de constrangimento supostamente causado ao paciente pela
fundamentação sucinta do acórdão que recebeu a denúncia, considero-a improcedente,
pois os trechos da referida decisão acima transcritos evidenciam que foi ela suficiente-
mente fundamentada, inclusive no que concerne ao paciente.
Ademais, conforme já decidido, por unanimidade, pela Segunda Turma, por oca-
sião do julgamento do HC 72.286 (Rel. Min. Maurício Corrêa):
“3. O despacho que recebe a denúncia ou a queixa, embora tenha também
conteúdo decisório, não se encarta no conceito de ‘decisão’, como previsto no art.
93, IX, da Constituição, não sendo exigida a sua fundamentação (art. 394 do CPP);
R.T.J. — 195 133

a fundamentação é exigida, apenas, quando o juiz rejeita a denúncia ou a queixa


(art. 516 do CPP), aliás, único caso em que cabe recurso (art. 581, I, do CPP).
Precedentes.”
Somente com a instrução criminal será possível aferir a procedência das imputa-
ções contidas na denúncia. Seria prematuro trancar a ação penal diante da existência de
indícios da participação do paciente na suposta quadrilha.
Por essas razões, voto pela denegação da ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Como já foi referido pelo eminente Ministro Relator,
o art. 41 do Código de Processo Penal estabelece:
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com
todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pe-
los quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o
rol das testemunhas.”
Essa fórmula encontrou em texto clássico de João Mendes de Almeida Júnior uma
bela e pedagógica sistematização. Diz João Mendes de Almeida Júnior sobre a denúncia:
“É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar
o fato com tôdas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a
pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício
que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque
a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). (Segundo
enumeração de Aristóteles, na Ética a Nincomac, 1. III, as circunstâncias são resu-
midas pelas palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando, assim
referidas por Cícero (De Invent. I)). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo
de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e
informantes.” (Almeida Júnior, João Mendes de. O processo criminal brasileiro, v.
II. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1959, p. 183)
Essa questão — a técnica da denúncia —, como sabemos, tem merecido do Supremo
Tribunal Federal reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente
ao direito de defesa.
Destaco as reflexões desenvolvidas pelo Ministro Celso de Mello, no HC 73.271,
cuja ementa diz o seguinte:
“(...)
Persecução penal — Ministério Público — Aptidão da denúncia. O Minis-
tério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte
uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder
não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal. O ajuizamento da
ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se tem por inocor-
rente quando o comportamento atribuído ao réu ‘nem mesmo em tese constitui
crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de pura criação mental
134 R.T.J. — 195

da acusação’ (RF 150/393, Rel. Min. Orozimbo Nonato). A peça acusatória deve
conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas
circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exi-
gência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o pleno exercício
do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso
é denúncia inepta.”
Em outro habeas corpus, também da Relatoria do Ministro Celso de Mello, extrai-se
o seguinte excerto:
“O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da
plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas,
contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios consti-
tucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a
obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e
o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa. A imputação penal
omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe
ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta. A denúncia —
enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal — consti-
tui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, ao delimitar o âmbito
temático da imputação penal, define a própria res in judicio deducta. A peça
acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com
todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusa-
dor como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o
exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequa-
damente o fato criminoso é denúncia inepta.” (HC 70.763, DJ de 23-9-94)
O tema tem, portanto, sérias implicações no campo dos direitos fundamentais.
Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não
se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.
Mas há outras implicações!
Quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta,
está-se a violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem
base positiva no artigo 1º, III, da Constituição.
Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou trans-
formação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao
dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A
propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a
submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto
do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches
Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an
ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre
die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (Maunz-Dürig, Grundgesetz Kommentar,
Band I, München, Verlag C. H. Beck , 1990, 1I 18).
R.T.J. — 195 135

Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao
indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de
iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.
Leio do destacado ponto da denúncia, também referido pelo Ministro Joaquim
Barbosa, que o Sr. Ali Mazloum teria uma “participação peculiar na quadrilha”. E tal
participação peculiar decorreu do fato de ter jurisdição sobre processo de interesse dos
mentores daquela e estaria a utilizar de serviços prestados pela quadrilha para obter
vantagens ou favores.
Nada se esclarece sobre tais serviços, nem sobre o que seria a peculiar participação!
Parece que estamos no campo da vagueza absoluta, da indeterminação ilimitada,
da acusação pela acusação.
Não fosse a discussão que tramita em outro processo sobre eventual abuso de poder
ou ameaça, não haveria nenhuma linha em torno da participação do Sr. Ali Mazloum no
presente processo.
Nesses termos, pedindo vênia ao Ministro Relator, defiro a ordem para trancar a ação.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, acompanho o Ministro Relator quando
ele considera suficientemente explícita a denúncia, ao descrever fatos que vinculam o
paciente às atividades da quadrilha.
Peço vênia ao Ministro Gilmar Mendes para, pelo que ouvi do pronunciamento do
eminente Relator, entender detalhada a descrição das ocasiões em que esse paciente
teria convocado policiais, obtido detalhes relativos a fitas gravadas e, ainda, inquirido
esses policiais a respeito de um eventual grampeamento de telefone seu e também de
outro telefone pertencente a outro integrante do bando.
Entendo que está suficientemente descrita a atividade, possivelmente delituosa, e,
portanto, acompanho o Relator.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Eminente Ministro Relator, a denúncia é simples-
mente formação de quadrilha?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Há duas denúncias.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Neste caso, que denúncia estamos a examinar?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Neste caso, formação de quadrilha.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Somente isso? Quer dizer, o habeas corpus diz
respeito à denúncia de formação de quadrilha, apenas?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sim, formação de quadrilha. Mas, na
denúncia, o Ministério Público tenta estabelecer um vínculo entre o suposto crime de
ameaça e o fato de ele pertencer à quadrilha. Ou seja, o crime de ameaça estaria em um
outro processo.
136 R.T.J. — 195

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Por gentileza, eminente Ministro, em que consistiu
esse crime de ameaça? O eminente Advogado, em sua sustentação, esclareceu que o Juiz
Ali Mazloum teria exigido dos policiais que apresentassem as gravações das intercepta-
ções telefônicas porque o processo estava sob sua jurisdição. Essa é a questão? O juiz,
realmente, fez essa exigência?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O Ministério Público alega isso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Aqui, ele fez essa exigência?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Quanto a isso não há dúvida.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim. E agora eu pergunto: gravações que estavam
em um processo sujeito à jurisdição do juiz?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas realizadas aqui em Brasília. A
alegação é esta: em um processo em que estavam envolvidos policiais e outros contra-
bandistas, outros indiciados lá em São Paulo, teriam sido autorizadas gravações por um
juiz de Brasília, e o paciente, antes de receber a denúncia, chamou os policiais ao seu
gabinete e pediu informações detalhadas. Ele queria a totalidade, a integralidade dessas
gravações, ameaçando os policiais.
O Sr. Antônio Cláudio M. de Oliveira (Advogado): Posso esclarecer sobre matéria
de fato, Sr. Presidente?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Pois não.
O Sr. Antônio Cláudio M. de Oliveira (Advogado): Muito obrigado. Na verdade,
vieram gravações da Décima Vara, a competência era de São Paulo, foram essas grava-
ções para a Sétima Vara. O Ministério Público ofereceu denúncia com base nessas grava-
ções da Décima Vara, e o juiz entendeu que não poderia receber a denúncia ou rejeitá-la
enquanto não tivesse a complementação.
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Indago ao eminente Advogado, também, se, na
mesma ocasião em que teria sido apresentada essa relação de telefones, dentre os quais
uma do próprio magistrado, outra de outro integrante da quadrilha?
O Sr. Antônio cláudio M. de Oliveira (Advogado): Não posso afirmar isso a Vossa
Excelência porque meu cliente nega. Se é verdade ou não, isso não posso afirmar.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas consta essa informação?
O Sr. Antônio Cláudio M. de Oliveira (Advogado): Consta, sim.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ele deu o telefone próprio e de duas
outras pessoas e perguntou ao policial se aqueles telefones estavam sendo monitorados.
O Sr. Antônio Cláudio M. de oliveira (Advogado): Isso quem afirma é o policial,
porque o cliente nega.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Pois é. Essa informação consta dos
autos.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Quer dizer, o policial afirma que o telefone do juiz
estava grampeado?
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): O juiz pergunta ao policial, dá o número...
R.T.J. — 195 137

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Se o telefone dele estava?


O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Se o dele e mais dois outros estão sendo
grampeados. Diante de uma certa recusa do policial, ele o teria ameaçado.
O Sr. Antônio Claudio M. de Oliveira (Advogado): Ele ameaçou no momento
exato em que o policial se negou a trazer as outras fitas.
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Ministro Carlos Velloso, creio que essa
é matéria a ser dirimida na instrução, sobretudo porque estamos a uma semana do julga-
mento do caso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, peço licença ao eminente Relator
para pedir vista dos autos.

EXTRATO DA ATA
HC 84.409/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: Ali Mazloum.
Impetrante: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Depois dos votos do Ministro Relator e da Ministra Ellen Gracie, inde-
ferindo o pedido de habeas corpus, e do Ministro Gilmar Mendes deferindo-o, o
julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista do Ministro Carlos Velloso.
Falou, pelo paciente, o Dr. Antonio Cláudio Mariz de Oliveira.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Francisco. Alberto Nóbrega.
Brasília, 7 de dezembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Ali Mazloum, com a alegação de que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal
por parte do Eg. Superior Tribunal de Justiça, que manteve acórdão proferido pelo Órgão
Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que recebeu denúncia oferecida
pelo Ministério Público Federal imputando ao paciente e a outros co-réus a prática do
crime de quadrilha ou bando (Código Penal, art. 288).
Sustenta o impetrante: a) ocorrência de violação das normas do processo; b) falta
de justa causa para a propositura da ação penal, em razão da inépcia da denúncia e da
inexistência de participação em quadrilha e da descrição da elementar estabilidade; c)
existência de omissão na denúncia; d) constrangimento ilegal ocasionado pelo acórdão
que recebeu a denúncia.
Requer a concessão da ordem, a fim de que seja trancada a ação penal.
Na sessão em que teve início o julgamento, o Sr. Ministro Joaquim Barbosa, Relator,
votou no sentido da denegação da ordem, no que foi acompanhado pela Sra. Ministra
Ellen Gracie. O Sr. Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, votou no sentido da concessão da
ordem de habeas corpus.
138 R.T.J. — 195

Pedi vista dos autos e os trago, a fim de retomarmos o julgamento do writ.


Passo a votar.
O paciente está denunciado como incurso nas penas do art. 288 c/c o art. 61, II, g,
e art. 29, todos do Código Penal (crime de quadrilha), esclarecendo o Ministério Públi-
co, na denúncia, que a quadrilha é composta por mentores, auxiliares e informantes (fl.
39).
No que concerne ao paciente, Ali Mazloum, e ao seu irmão, Casem Mazloum,
ambos juízes federais, está na denúncia:
“Os magistrados Casem Mazloum e Ali Mazloum ocupam funções peculiares
na quadrilha, pois têm jurisdição em processos de interesse dos mentores daquela,
bem como utilizam-se de ‘serviços’ prestados pela quadrilha para obter vantagens
e/ou favores ilícitos. Aproveitam-se da função jurisdicional para proteger os inte-
resses ilícitos da quadrilha.” (Fl. 39)
A denúncia, após longas considerações a respeito da participação dos demais inte-
grantes da quadrilha, imputa ao paciente, Ali Mazloum, a prática de ameaça e de abuso de
poder. Segundo a denúncia — fl. 89 dos autos, fl. 54 da denúncia —, essa ameaça e abuso
de poder é que caracterizariam a participação de Ali na quadrilha. Está na denúncia:
“j) Ali Mazloum planeja e realiza para a sua proteção e de outro membro da
quadrilha o crime de ameaça e abuso de poder (V.l.j).” (Fl. 89 dos autos, fl. 54 da
denúncia)
No ponto — Da ameaça e do abuso de poder — consta da denúncia o seguinte:
“(...)
V.l.j) Da ameaça e do abuso de poder
O Ministério Público Federal denunciou Alexandre Morato Crenitte,
Wellengton Carlos de Campos, ARI Natalino da Silva e Débora Aparecida
Gonçalves da Silva pela prática dos crimes descritos nos autos n.
2003.61.81.007078-8 (doc. n. ). Referida denúncia decorre de fatos apurados com
base em interceptações telefônicas autorizadas judicialmente em inquérito policial
em trâmite perante a 10ª Vara Federal de Brasília e tramita perante a 7ª Vara Criminal
Federal, titularizada pelo Juiz Federal Ali Mazloum.
Embora a denúncia date de 16.09.03, até o presente momento não foi recebida
pelo magistrado. De fato o Juiz Federal Ali Mazloum condicionou o recebimento da
denúncia ao conhecimento, por ele, da integralidade das gravações realizadas nas
interceptações telefônicas pelo Juiz Federal da 10ª Vara de Brasília.
Demonstrando intenso interesse em conhecer totalmente as gravações acima
mencionadas, o magistrado Ali Mazloum telefonou para o Policial Rodoviário
Federal Wendel Benevides Matos em 22.09.03. Em 23.09.03, o Prf Wendel e seu
colega Marcos Prado (que tem atuação junto às investigações de Brasília) compa-
receram ao gabinete do Juiz Federal Ali Mazloum. O Juiz exigiu, então, ter acesso
a todo o material de Brasília, inclusive daquelas feitas sem a concorrência das
operadoras de telefonia. Como justificativa, apontava eventuais falhas na investi-
gação, afirmando que não aceitaria intermediários no acesso às degravações das
investigações de Brasília.
R.T.J. — 195 139

Em 24.9.03, o inspetor Wendel recebeu nova ligação de Ali Mazloum, que o


advertiu sobre o fato dos inspetores terem narrado a conversa do dia anterior a
membros do Ministério Público Federal, afirmando que as conversas entre ele e os
policiais rodoviários federais deveriam ser sigilosas, advertindo também que se
lembrasse que ‘a corda sempre arrebenta do lado mais fraco’.
Ali Mazloum perguntou, então, ao inspetor Wendel, entregando uma lista
contendo três números de telefones para saber se aqueles estavam interceptados
por ordem do Juiz de Brasília. O próprio Juiz informou ao Prf Wendel que um
telefone era seu e outro de César Herman. Wendel negou que qualquer um daque-
les números tivesse sido interceptado.
Em 1º de outubro de 2003, Ali Mazloum ligou novamente e marcou novo
encontro, alegando que precisaria de explicações sobre o conteúdo e manuseio
dos CD’s que lhe haviam sido enviados pelo Juiz da 10ª Vara Criminal de Brasília.
Em 03.10.03, os policiais rodoviários federais Wendel, Airton e Prado, encontra-
ram-se com o magistrado Ali Mazloum. Nesta reunião, agindo com evidente abuso
de poder ameaçou de prisão os policiais rodoviários federais caso os mesmos se
submetessem às suas ordens.
Ali Mazloum, nesse episódio, demonstrava especial interesse em ter acesso a
gravações de conversas realizadas com autorização judicial e para a investigação
de Brasília do dia 16.5.03. Mais uma vez afirmou aos PRF’s que a corda sempre
arrebenta do lado mais fraco.’
Verifica-se a atuação do magistrado Ali Mazloum, valendo-se de sua condição
de membro do Poder Judiciário, para obter informações de interesse próprio não
atinente a processos sob sua jurisdição e de outro integrante da quadrilha (César
Herman).
(...).” (Fls. 62-64)
É dizer, o Ministério Público apresentou denúncia contra as pessoas referidas,
decorrendo a denúncia de “fatos apurados com base em interceptações telefônicas
autorizadas judicialmente em inquérito policial em trâmite perante a 10ª Vara Federal
de Brasília e tramita perante a 7ª Vara Criminal Federal, titularizada pelo Juiz Federal
Ali Mazloum”.
O Juiz Federal Ali Mazloum, segundo a denúncia, “condicionou o recebimento da
denúncia ao conhecimento, por ele, da integralidade das gravações realizadas nas inter-
pretações telefônicas pelo Juiz Federal da 10ª Vara de Brasília”.
Exigiu o Juiz Ali Mazloum, está na denúncia, do Policial Rodoviário Federal
Wendel Benevides Matos e de seu colega Marcos Prado “ter acesso a todo o material
de Brasília”, apontando como justificativa “eventuais falhas na investigação, afir-
mando que não aceitaria intermediários no acesso às degravações das investigações
de Brasília”.
Tendo o inspetor Wendel dado ciência a membros do Ministério Público Federal
da conversa havida, acrescenta a denúncia, Ali teria dito que as conversas deveriam ser
sigilosas. Teria, então, ameaçado: “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”.
140 R.T.J. — 195

Em 1º-10-2003, informa a denúncia, Ali ligou para os policiais mencionados,


alegando que precisaria de explicações sobre o conteúdo e manuseio dos CDs que lhe
haviam sido enviados pelo Juiz da 10ª Vara de Brasília. Os policiais foram ao encontro
de Ali. Na reunião, Ali teria ameaçado de prisão os policiais caso não se submetessem às
suas ordens.
Ali manifestava interesse em ter acesso às gravações de conversas realizadas com
autorização judicial e para a investigação de Brasília do dia 16-5-03. E teria mais uma
vez afirmado que a corda arrebenta do lado mais fraco.
Segundo consta da denúncia, Ali Mazloum, por tais fatos, foi denunciado, pelo
Ministério Público Federal, pela prática dos crimes de ameaça e abuso de poder (fl. 29 da
denúncia, fl. 64 destes autos).
É dizer, existe ação penal promovida contra Ali Mazloum pelos crimes de ameaça
e abuso de poder. Noutras palavras, os fatos referentes à ameaça e abuso de poder estão
sendo apurados em sede própria.
No caso, a questão a saber é esta: a ameaça e o abuso de poder estariam a demons-
trar a participação de Ali na quadrilha referida pelo Ministério Público? Ou, como argu-
menta e indaga o eminente advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, impetrante da
ordem de habeas corpus, “em que medida esta eventual ameaça é indicativo de partici-
pação em quadrilha? Qual o liame, o nexo lógico, o elo causal entre o possível abuso
de autoridade e a participação em quadrilha?”
A denúncia, conforme já anotado, responde assim: “j) Ali Mazloum planeja e
realiza para a sua proteção e de outro membro da quadrilha o crime de ameaça e abuso
de poder (V.l.j)”. Consta, mais, da denúncia, no item V.l.j — fl. 27 da denúncia, fl. 62 dos
autos — que Ali teria perguntado “ao inspetor Wendel, entregando uma lista contendo
três números de telefones para saber se aqueles estavam interceptados por ordem do
Juiz de Brasília. O próprio Juiz informou ao Prf Wendel que um telefone era seu e outro
de César Herman. Wendel negou que qualquer um daqueles números tivesse sido inter-
ceptado”.
Ora, força é convir que isso é muito pouco para sustentar a acusação feita contra o
paciente de integrar quadrilha.
E convém registrar que a denúncia oferecida contra Alexandre Morato Crenite e
outros, embasada em fatos apurados em interceptações telefônicas autorizadas judicial-
mente, o foi perante o Juiz Ali, vale dizer, perante a Vara Federal “titularizada pelo Juiz
Federal Ali Mazloum” (fl. 27 da denúncia, fl. 62 dos autos).
Pergunta-se: ao juiz perante o qual foi oferecida a denúncia era lícito reclamar o
conhecimento de todos os fatos apurados em interceptações telefônicas, fatos em que se
embasava a denúncia, denúncia que ao referido juiz cumpria receber ou rejeitar? Penso
que qualquer operador do direito responderá afirmativamente. Era mesmo dever do juiz
reclamar essa prova.
A denúncia afirma que o paciente Ali ocupa posição peculiar na quadrilha.
Mas que posição é essa? A denúncia não esclarece.
R.T.J. — 195 141

Ali teria se utilizado de “serviços” prestados pela quadrilha, está na denúncia. Que
“serviços” são esses? A denúncia também não esclarece.
Os “serviços” prestados pela quadrilha seriam “para obter vantagens e/ou favores
ilícitos”. Que vantagens e/ou favores ilícitos foram obtidos? A denúncia também silencia
no ponto.
Ali aproveita-se “da função jurisdicional ‘para proteger os interesses ilícitos da
quadrilha”, está na denúncia. Que interesses ilícitos foram protegidos por Ali? De que
forma Ali aproveita-se ou aproveitou-se da função jurisdicional? A denúncia também
não esclarece. É certo que afirma que “planeja e realiza para a sua proteção e de outro
membro da quadrilha o crime de ameaça e abuso de poder.” Isso, entretanto, foi anali-
sado linhas atrás e vimos a inconsistência dessa afirmativa constante da denúncia.
Voltemos ao caso da ameaça e do abuso do poder.
O paciente, ficou esclarecido, exigiu que viessem para os autos da ação penal, que
corria sob sua direção, todos os fatos apurados em interceptações telefônicas, fatos em
que se embasava a denúncia, que deveria receber ou rejeitar.
Vale salientar, a propósito, o que, no memorial que nos foi apresentado pelo ilustre
advogado Mariz de Oliveira, está escrito:
“(...)
A acusação ensaiou uma explicação flagrantemente inconsistente, visivel-
mente fantasiosa, no sentido de que o objeto de Ali Mazloum seria o de saber se
César Herman, suposto membro da quadrilha, teria sido alvo de monitoramento
telefônico. Queria, assim, ‘proteger’ membros da quadrilha.
Já foi afirmado e reafirmado, está cabalmente provado que, antes de conver-
sar diretamente com os policiais rodoviários, o paciente já havia oficiado ao Juiz
de Brasília cobrando a totalidade das interceptações. Afinal, era um processo de
sua competência, em relação ao qual lhe fora solicitado o recebimento de uma
denúncia é até prisão cautelar. O raciocínio que a lógica impõe é o seguinte: se
quisesse proteger membros da quadrilha de possíveis gravações comprometedo-
ras, teria requisitado oficialmente as interceptações? Ele gostaria que esta prova,
até então distante e desconhecida, integrasse oficialmente o processo, para ciência
das partes e do Ministério Público?
Cabe reconhecer, além do mais, que a própria decisão de postergamento de
recebimento da denúncia até a vinda das gravações, postura esta, aliás, também
adotada por seu sucessor Caio Moyses de Lima — e em relação a ele ninguém
suspeitou de seu desiderato —, é mais uma demonstração clara de que Ali não
tinha qualquer temor quanto o teor das gravações.
(...).” (Fl. 02 do memorial)
Importante trazer ao debate, também, os fatos indicados na inicial, devidamente
documentados, e que vêm em socorro da defesa do paciente:
142 R.T.J. — 195

“(...)
Cumpre, nesta oportunidade, mostrar que dentro do ilegal critério seletivo de
provas, foram omitidos pela denúncia inúmeros fatos que contrariam e
desqualificam a imputação. Pedimos vênia para mencionar alguns desses aspectos
que militam a favor de Ali Mazloum:
- Em 19.02.03 ele decretou a prisão preventiva de Ari Natalino da Silva
nos autos do processo n. 2003.61.81.001098-9 (Doc. 12). Ari Natalino seria
um dos protegidos da quadrilha.
- Neste mesmo feito, Ari foi condenado em 29.08.03, em sentença da
lavra do requerente, à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 06
(seis) meses de reclusão, uma sanção próxima à pena máxima cominada para
o delito (Doc. 13).
- Nos autos do processo n. 2003.61.81.001439-9, onde figura como
acusada a esposa de Ari Natalino, Sra. Aparecida Maria Pessuto, Ali Mazloum
decretou sua prisão preventiva, estando a ação penal ainda em trâmite com a
ré presa (Doc. 14).
- No inquérito policial n. 2002.61.81.003540-4, investigação na qual
se apuram diversos delitos em tese cometidos por Ari Natalino da Silva e
pessoas a ele ligadas, o ora requerente decretou quebras de sigilo bancário e
fiscal de dezenas de pessoas físicas e jurídicas ligadas ao grupo de Ari. Além
disso, determinou a expedição de inúmeros mandados de busca e apreensão,
em diversos endereços de pessoas físicas e jurídicas, inclusive em outros
Estados. E, ainda autorizou a interceptação telefônica de várias pessoas,
procedimento este que inclusive possibilitou a localização e prisão da
ex-mulher de Ari Natalino, foragida até então (Doc. 15).
- No procedimento 2003.61.81.007078-0 o paciente decretou a prisão
temporária do Delegado Alexandre Morato Crenite em 08.09.03 (Doc. 6), a
renovou em 12.09.03 (Doc. 7), e, depois, quando vencido o prazo da tempo-
rária, determinou a sua soltura já que não lhe foram encaminhadas todas as
interceptações telefônicas (Doc. 8). Alexandre Crenite também teria ligações
com alguns dos co-denunciados.
- Outro suposto contato do bando seria Law Kin Chong (Doc. 1 - fls.
33). Consta ainda da inicial que tal pessoa teve suas atividades investigadas
por meio de Inquérito Policial que tramita pela 7ª Vara Federal, cujo titular é
o Juiz aqui acusado. Omitiu a inicial que Ali Mazloum determinou, por três
vezes, busca e apreensão em estabelecimentos ligados ao Sr. Law, deferindo
pleito ministerial que visava angariar provas que o incriminassem (Doc. 16).
(...).” (Fls. 25-26)
O art. 41 do Código de Processo Penal estabelece que “a denúncia ou queixa
conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualifica-
ção do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação
do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.
R.T.J. — 195 143

A denúncia conterá, pois, “a exposição do fato criminoso com todas as suas cir-
cunstâncias”, lecionando Mirabete que “é indispensável que na denúncia se descreva,
ainda que sucintamente, o fato atribuído ao acusado, não podendo ser recebida a
inicial que contenha descrição vaga, imprecisa, de tal forma lacônica que torne impos-
sível ou extremamente difícil ao denunciado entender de qual fato preciso está sendo
acusado” (MIRABETE. Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. Ed.
Atlas, 8. ed., 2001, p. 171). Registra Mirabete que as circunstâncias do fato criminoso
se resumem nas “seguintes indagações: quis (o sujeito ativo do crime); quibus auxiliis
(os autores e meios empregados); quid (o mal produzido); ubi (o lugar do crime); cur (os
motivos do crime); quomodo (a maneira pela qual foi praticado) e quando (o tempo do
fato). Assim havendo concurso de pessoas, é necessário que a denúncia especifique
qual o comportamento de cada um dos co-autores ou partícipes e como ele concorreu
para o resultado” (ob. cit., pp. 172-173).
No HC 73.271/SP, Relator o eminente Ministro Celso de Mello, mencionado pelo
Sr. Ministro Gilmar Mendes, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“(...)
Persecução penal — Ministério Público — Aptidão da denúncia.
O Ministério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter
por suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave
dever-poder não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal. O
ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se
tem por inocorrente quando o comportamento atribuído ao réu ‘nem mesmo em
tese constitui crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de pura
criação mental da acusação’ (RF 150/393, Rel. Min. Orozimbo Nonato).
A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua
essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta,
impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que
assegura ao réu o pleno exercício do direito de defesa. Denúncia que não descreve
adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta. Precedente.
(...).” (DJ de 4-10-96)
A denúncia, no caso sob exame, bem anotou o Ministro Gilmar Mendes, é inepta.
A ameaça e o abuso de poder estão sendo investigados em sede própria, por isso que
ficou esclarecido que contra o paciente foi instaurada ação penal. O que não é possível
é a inclusão do paciente numa denúncia por formação de quadrilha sem que sejam
apontados os fatos, como linhas atrás tentamos demonstrar, que indicariam a participa-
ção do paciente nessa quadrilha, ou, como bem sustenta o ilustre impetrante, o Dr. Mariz
de Oliveira, sem que se demonstre “em que medida esta eventual ameaça é indicativo de
participação em quadrilha”, ou “qual o liame, o nexo lógico, o elo causal entre o
possível abuso de autoridade e a participação em quadrilha”.
Do exposto, com a vênia do Sr. Ministro Joaquim Barbosa e da Sra. Ministra Ellen
Gracie, adiro ao voto do Sr. Ministro Gilmar Mendes e concedo a ordem de habeas
corpus.
144 R.T.J. — 195

VOTO (Aditamento)
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, quero dizer que a denúncia não é
somente inepta, ela é cruel. Ela foi formulada contra um magistrado que não tinha
contra ele qualquer acusação. E, formulada com essa vagueza que se viu, submeteu o
magistrado — como dito hoje nos jornais pelo seu ilustre advogado — a um calvário.
Essa denúncia não é só inepta; é, também, cruel.
Concedo a ordem.

VOTO (Retificação)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, ouvi o voto do Ministro Carlos Velloso
e convenci-me das razões por ele alinhadas, bem como pelo Ministro Gilmar Mendes.
Portanto, com vênia do eminente Relator, também concedo a ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Presidente): Consta que o ora paciente, Ali Mazloum,
teria tido “uma participação peculiar na quadrilha”, consistente em possuir “jurisdi-
ção em processo de interesse dos mentores” da organização criminosa, além de utilizar-se
“de serviços prestados pela quadrilha para obter vantagens ou favores”.
Esse caráter extremamente genérico da imputação penal deduzida pelo Ministério
Público levou o eminente Ministro Gilmar Mendes — depois de acentuar que, na peça
acusatória, “não se diz mais nada” — a observar:
“(...) parece que estamos no campo da vagueza absoluta, da indeterminação,
e, não fosse a discussão que tramita em outro processo sobre eventual abuso ou
ameaça, não haveria aqui nenhuma discussão em torno da participação do Sr. Ali
Mazloum neste processo.”
Trata-se de indagar, no caso presente, da correção formal da peça acusatória,
que, segundo alega o impetrante, revelar-se-ia inidônea e imprestável à válida instau-
ração da persecução penal.
Entendo que as alegações feitas pelo ilustre impetrante impõem algumas refle-
xões em torno da indeclinável obrigação jurídica que condiciona o exercício, pelo
Ministério Público, de seu gravíssimo poder de denunciar.
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a análise de qualquer peça
acusatória apresentada pelo Ministério Público impõe que nela se identifique, desde
logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que deve ser especifi-
cado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão
estatal da acusação penal.
É preciso proclamar que a imputação penal não pode ser o resultado da vontade
pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de Mello). Este, para
que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária
base empírica, a fim de que a acusação não se transforme, como advertia o saudoso
Ministro Orosimbo Nonato, em pura criação mental do acusador (RF 150/393).
R.T.J. — 195 145

Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público, no processo


penal de condenação, consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modo
claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe
são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo
da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no
art. 41 do CPP, a possibilidade de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da
cláusula constitucional da plenitude de defesa.
Não se pode desconhecer que, no processo penal condenatório — que constitui
estrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade persecutó-
ria —, antagonizam-se exigências contrastantes que exprimem uma situação de tensão
dialética configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo Estado e o
desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu.
A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato
criminoso, não se projeta, nem se exterioriza como uma manifestação de absolutismo
estatal. A persecutio criminis sofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento
jurídico. A tutela da liberdade representa, desse modo, uma insuperável limitação
constitucional ao poder persecutório do Estado.
As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dis-
pensadas pela ordem jurídica à preservação, pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo
acusado, do seu natural estado de liberdade.
Tenho salientado, nesta Corte, que a submissão de uma pessoa à jurisdição penal
do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece
entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidade
do jus libertatis titularizado pelo réu, de outro.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada,
por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis da República,
traduzem limitações significativas ao poder do Estado (RTJ 161/264-266, Rel. Min.
Celso de Mello). Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido — e assim
deve ser visto — como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu ( João Mendes
de Almeida Júnior. O Processo Criminal Brasileiro, vol. I/8, 1911).
A primeira garantia jurídica assegurada ao suposto autor de infrações penais
traduz-se na exigência — que é constitucional — de instauração de um procedimento
formal de persecução in judicio.
Insinua-se, neste ponto, bem por isso, a questão pertinente ao controle prévio da
denúncia penal, referente à análise dos seus requisitos formais e ao exame dos elemen-
tos em que se fundamenta a pretensão punitiva do Estado deduzida pelo Ministério
Público.
A denúncia — enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação
penal — constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais
nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judicio
deducta.
146 R.T.J. — 195

A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, em
toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta,
impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que asse-
gura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve
adequadamente o fato criminoso — já advertiu esta Corte — é denúncia inepta (RTJ
57/389 — RTJ 168/896-897).
Lapidar, sob esse aspecto, a advertência do eminente Desembargador paulista
Alberto Silva Franco, cujo magistério vale relembrar (RT 525/372-375):
“Num processo de tipo acusatório, não se compreende que o objeto da acusa-
ção fique ambíguo, indefinido, incerto ou logicamente contraditório, pois é ele
que estabelece os limites das atividades, cognitiva e decisória, do Juiz. A este
efeito do objeto da acusação é que Eberhard Schmidt denominou de vinculação
temática do Juiz. Este só pode ter ‘como objeto de suas comprovações objetivas e
de sua valoração jurídica aquele sucesso histórico cuja identidade, com respeito
ao fato e com respeito ao autor, resulta da ação (...)”. (Grifei)
Não se pode deixar de ter presente, neste ponto, que foi em proveito da liberdade
individual que se impôs, ao órgão da acusação, o dever de incluir, na denúncia, todos os
elementos essenciais à exata compreensão da imputação penal por ele deduzida contra
o suposto autor do comportamento delituoso.
Essa obrigação processual do Ministério Público guarda íntima conexão com
uma garantia fundamental outorgada pela Constituição da República em favor daqueles
que sofrem, em juízo, a persecução penal movida pelo Estado: a garantia da plenitude
de defesa (RTJ 33/430).
É por essa razão que Vicente Greco Filho (Manual de Processo Penal, p. 64,
1991, Saraiva), ao versar o tema referente aos princípios constitucionais que regem o
processo penal, estabelece o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obriga-
ção estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito
individual de que dispõe o acusado à ampla defesa:
“Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e completa
da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a seus
termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas as suas cir-
cunstâncias. Uma descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico
penal gera a inépcia da denúncia e nulidade do processo, com a possibilidade de
trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo a inicial.
Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramen-
te descrito o fato de que deve defender-se.” (Grifei)
É que, se assim não for, inverter-se-á, de modo ilegítimo, no processo penal de
condenação, o ônus da prova, com evidente ofensa ao postulado constitucional da não-
culpabilidade.
Não custa enfatizar, por isso mesmo, na linha do magistério jurisprudencial con-
sagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que “nenhuma acusação penal se
presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério
Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais
R.T.J. — 195 147

prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico
do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor
que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua pró-
pria inocência (Decreto-Lei n. 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5)” (RTJ 161/264-266, 265,
Rel. Min. Celso de Mello).
Tendo em vista, portanto, a natureza dialógica do processo penal acusatório,
hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático
(José Frederico Marques. “O Processo Penal na Atualidade”, in: Processo Penal e
Constituição Federal, Apamagis/Ed. Acadêmica), 1993. pp. 13/20, não se pode descon-
siderar, na análise do conteúdo da peça acusatória — conteúdo esse que delimita e que
condiciona o próprio âmbito temático da decisão judicial —, que o sistema jurídico
vigente no Brasil impõe ao Ministério Público, quando este deduzir determinada impu-
tação penal contra alguém, a obrigação de expor, de maneira individualizada e precisa,
a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que
o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos postulados
essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do due process of law,
e sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade de persecução estatal,
apreciar a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em
face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação.
Cumpre ter presente, desse modo, que se impõe ao Estado, no plano da persecução
penal, o dever de definir, com precisão, na peça acusatória, a participação individual dos
autores de quaisquer delitos, sob pena de inépcia da denúncia (RTJ 168/896-897, Rel.
Min. Celso de Mello).
Bem por isso é que o Poder Público, tendo presente a norma inscrita no art. 41 do
Código de Processo Penal, não pode deixar de observar as exigências que emanam
desse preceito legal, sob pena de incidir em grave desvio jurídico-constitucional no
momento em que exerce o seu dever-poder de fazer instaurar a persecutio criminis
contra aqueles que, alegadamente, transgrediram o ordenamento penal do Estado.
Impõe-se relembrar, neste ponto, a advertência de Heleno Cláudio Fragoso,
que, ao versar o tema da “Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão Preven-
tiva”, observou (Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, n. 13/63):
“(...) elemento essencial de garantia para o acusado, a narração minuciosa do
fato fundamenta o pedido, demonstra a convicção da acusação pública, justifica a
ação penal, afasta o arbítrio e o abuso de poder.”
Não custa enfatizar, ainda, por necessário, que, no sistema jurídico brasileiro, não
existe qualquer possibilidade de o Poder Judiciário, por simples presunção ou com
fundamento em meras suspeitas, reconhecer, em sede penal, a culpa de alguém.
Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional
consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer ato estatal que transgrida o
dogma de que não haverá culpa penal por presunção, nem responsabilidade criminal
por mera suspeita.
148 R.T.J. — 195

Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação


estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em
sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal,
quer para fins de prolação de juízo condenatório.
Torna-se essencial insistir, portanto, na asserção de que, “por exclusão, suspeita
ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal”, consoante
proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT
165/596, Rel. Des. Vicente de Azevedo).
Desse modo, a análise de qualquer peça acusatória impõe que nela se identifique,
desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que, além de
estar concretamente vinculado ao comportamento de cada agente, deve ser especificado
e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatal da
acusação penal.
Daí a advertência presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da
plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, va-
gas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios
constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação
entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridica-
mente apta e o direito individual de que dispõe o acusado à ampla defesa.
A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do
dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade pro-
cessual absoluta.”
(RTJ 165/877-878, Rel. Min. Celso de Mello)
Assentadas tais premissas, entendo — na linha do voto proferido pelo eminente
Ministro Gilmar Mendes — que a denúncia em causa é formalmente inepta, eis que o
exame da imputação penal consubstanciada na denúncia evidencia que o Ministério
Público deixou de cumprir as exigências impostas pelo art. 41 do CPP, incidindo, por
isso mesmo, na censura feita tanto pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (RF
150/393, Rel. Min. Orosimbo Nonato — RTJ 57/389, Rel. Min. Aliomar Baleeiro —
RTJ 165/877-878, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de
Mello, v.g.) quanto pelo magistério da doutrina (Heleno Cláudio Fragoso. “Ilegalida-
de e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão Preventiva”, in: Revista Brasileira de
Criminologia e Direito Penal n. 13/63 e 72; Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance
Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho. As Nulidades no Processo Penal, pp.
78/80, 1992, Malheiros, v.g.).
Verifico, finalmente, na linha do douto voto proferido pelo eminente Ministro
Gilmar Mendes, que a inépcia da denúncia se revela de modo evidente, em ordem a
inviabilizar, no caso ora em exame, o prosseguimento do processo penal condenatório
em que oferecida.
R.T.J. — 195 149

Tenho por consistente, portanto, a alegação feita pelo ilustre impetrante de que a
denúncia oferecida pelo Ministério Público, na espécie ora em análise, está viciada pelo
gravíssimo defeito da inépcia, como bem o reconheceu, em seu douto voto, o eminente
Ministro Gilmar Mendes.
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para deferir
o pedido de habeas corpus, nos precisos termos constantes do douto voto que proferiu
o eminente Ministro Gilmar Mendes, por reconhecer que “a denúncia não preenche
os requisitos para o desenrolar de uma ação penal garantidora do legítimo direito de
defesa” (grifei).
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 84.409/SP — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Relator para o acórdão:
Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Ali Mazloum. Impetrante: Antônio Cláudio Mariz de
Oliveira. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação majoritária, deferiu o pedido de habeas corpus, por
reconhecer a inépcia da denúncia oferecida contra o ora paciente, determinando, em
conseqüência, quanto a ele, a extinção do processo penal em que oferecida, nos termos
do voto do Ministro Gilmar Mendes, vencido o Ministro Relator que o indeferia. Retifi-
cou seu voto a Ministra Ellen Gracie. Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da Re-
pública, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 84.409 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Agravante: Casem Mazloum — Agravado: Superior Tribunal de Justiça
Agravo regimental. 2. Indeferimento de pedido de extensão de con-
cessão de habeas corpus. 3. A extensão da decisão em habeas corpus para
co-réu somente pode abranger aquele que esteja em situação objetiva-
mente idêntica à do beneficiado. Art. 580 do Código de Processo Penal.
Precedente. 4. Não é comum a descrição da conduta atribuída ao benefi-
ciado pelo habeas corpus e do ora agravante. 5. Requerimento alterna-
tivo de concessão da ordem de ofício, a fim de se trancar a ação penal
contra o agravante. 6. Não-conhecimento do pedido, pois traz matéria
nova cujo conhecimento pela Turma implicaria supressão de instância.
Precedentes. 7. Não-provimento do agravo.
150 R.T.J. — 195

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso
(RISTF, art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,
por unanimidade de votos, negar provimento.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Velloso, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de agravo regimental contra decisão de
indeferimento de extensão de concessão de habeas corpus por mim proferida. Deneguei
o pedido do recorrente, afirmando, no ponto, o seguinte:
“Todavia, a extensão da decisão em habeas corpus para co-réu somente pode
abranger aquele que esteja em situação objetivamente idêntica à do beneficiado.
Esta é a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente
à exegese do art. 580 do Código de Processo Penal:
[...]
Na espécie, observo que não é comum a descrição da conduta atribuída a Ali
Mazloum (beneficiado pelo habeas corpus) e dos ora requerentes. Outras passa-
gens da denúncia descrevem condutas atribuídas a Casem. Quanto a Carlos
Alberto, embora a denúncia seja sucinta, não se trata da mesma situação descrita
em relação a Ali.
Para a extensão do habeas corpus, as situações haveriam de ser idênticas, o
que não me parece estar demonstrado pelos requerentes.” (fls. 832-833)
Alega-se que:
“no que concerne à qualidade, essência ou substância, a descrição da forma
de participação de Casem no suposto crime de quadrilha é idêntica à imputada a
Ali, na medida em que,
“(...) Casem Mazloum e Ali Mazloum ocupam funções peculiares na
quadrilha, pois têm jurisdição em processos de interesse dos mentores daque-
la, bem com utilizam-se de ‘serviços’ prestados pela quadrilha para obter
vantagens e/ou favores ilícitos. Aproveitam-se da função jurisdicional para
proteger os interesses ilícitos da quadrilha (...).” (Fl. 842)
Afirma-se que “tal como no caso de Ali, a denúncia não mencionou, em uma única
linha sequer, qual processo de interesse da quadrilha tem sob sua jurisdição e que ato
Casem praticou para proteger os interesses ilícitos da quadrilha” (fl. 843). E ainda
“retirados os fatos banais e que em nada se relacionam com o crime de quadrilha, os
fundamentos de fato e de direito que determinaram a concessão do habeas corpus a Ali
se ajustam perfeitamente à conduta de Casem descrita na denúncia, ou seja, falta de
menção aos processos sob sua jurisdição de interesse da quadrilha e ao ato de proteção,
o que viola o art. 41 do CPP e os princípios do contraditório e da dignidade da pessoa
humana.” (Fl. 848)
R.T.J. — 195 151

Alternativamente requer-se a concessão de habeas corpus de ofício, para trancar-


se a ação penal contra o agravante.
Peticionou o agravante noticiando a condenação do recorrente e juntando os votos
vencidos na respectiva decisão (fls. 964-1000).
Solicitei o envio do inteiro teor do acórdão, que restou anexado às fls. 1028-2213.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Indeferi o pedido de extensão, afirmando,
no ponto, o seguinte:
“Na espécie, observo que não é comum a descrição da conduta atribuída a Ali
Mazloum (beneficiado pelo habeas corpus) e dos ora requerentes. Outras passa-
gens da denúncia descrevem condutas atribuídas a Casem. Quanto a Carlos
Alberto, embora a denúncia seja sucinta, não se trata da mesma situação descrita
em relação a Ali.
Para a extensão do habeas corpus, as situações haveriam de ser idênticas, o que
não me parece estar demonstrado pelos requerentes.”
A Segunda Turma entendeu estar caracterizada a inépcia da denúncia em relação a
Ali Mazloum, por não preencher os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
Em meu voto, que iniciou a divergência e restou vencedor, defendi que os requisitos
da denúncia referidos no art. 41 do Código de Processo Penal revelam concretização do
direito de defesa. Apontei dois acórdãos da relatoria do Ministro Celso de Mello que
corroboram esse entendimento (HC 73.271, DJ de 4-10-94 e HC 70.763, DJ de 23-9-94) e
teci algumas considerações sobre as implicações de denúncias vagas no campo do Direito
Constitucional.
Ao final, afirmei:
“Leio do destacado ponto da denúncia, também referido pelo Ministro Joaquim
Barbosa, que o Sr. Ali Mazloum teria uma ‘participação peculiar na quadrilha’. E tal
participação peculiar decorreu do fato de ter jurisdição sobre processo de interesse dos
mentores daquela e estaria a utilizar de serviços prestados pela quadrilha para
obter vantagens ou favores.
Nada se esclarece sobre tais serviços, nem sobre o que seria a peculiar parti-
cipação!
Parece que estamos no campo da vagueza absoluta, da indeterminação ilimi-
tada, da acusação pela acusação.
Não fosse a discussão que tramita em outro processo sobre eventual abuso de
poder ou ameaça, não haveria nenhuma linha em torno da participação do Sr. Ali
Mazloum no presente processo.”
Acrescentou o Ministro Velloso em seu voto, verbis:
152 R.T.J. — 195

“É dizer, o Ministério Público apresentou denúncia contra as pessoas referi-


das, decorrendo a denúncia de ‘fatos apurados com base em interceptações telefô-
nicas autorizadas judicialmente em inquérito policial em trâmite perante a 10ª
Vara Federal de Brasília e tramita perante a 7ª Vara Criminal Federal, titularizada
pelo Juiz Federal Ali Mazloum’.
O Juiz Federal Ali Mazloum, segundo a denúncia, ‘condicionou o rece-
bimento da denúncia ao conhecimento, por ele, da integralidade das grava-
ções realizadas nas interceptações telefônicas pelo Juiz Federal da 10ª Vara
de Brasília’.
Exigiu o Juiz Ali Mazloum, está na denúncia, do Policial Rodoviário
Federal Wendel Benevides Matos e de seu colega Marcos Prado ‘ter acesso a
todo o material de Brasília’, apontando como justificativa ‘eventuais falhas
na investigação, afirmando que não aceitaria intermediários no acesso às
degravações das investigações de Brasília’.
Tendo o inspetor Wendel dado ciência a membros do Ministério Pú-
blico Federal da conversa havida, acrescenta a denúncia, Ali teria dito que
as conversas deveriam ser sigilosas. Teria, então, ameaçado: ‘a corda sem-
pre arrebenta do lado mais fraco’.
Em 1º-10-2003, informa a denúncia, Ali ligou para os policiais mencio-
nados, alegando que precisaria de explicações sobre o conteúdo e manuseio
dos CDs que lhe haviam sido enviados pelo Juiz da 10ª Vara de Brasília. Os
policiais foram ao encontro de Ali. Na reunião, Ali teria ameaçado de prisão
os policiais caso não se submetessem às suas ordens.
Ali manifestava interesse em ter acesso às gravações de conversas
realizadas com autorização judicial e para a investigação de Brasília do dia
16-5-03. E teria mais uma vez afirmado que a corda arrebenta do lado mais fraco.
Segundo consta da denúncia, Ali Mazloum, por tais fatos, foi denunciado,
pelo Ministério Público Federal, pela prática dos crimes de ameaça e abuso de
poder (fl. 29 da denúncia, fl. 64 destes autos).”
Portanto, analisando esses fatos e corroborados os fundamentos acima, com as
considerações do Ministro Celso de Mello, a Segunda Turma analisou denúncia contra
Ali Mazloum e concluiu pela sua flagrante desconformidade com os postulados proces-
suais-constitucionais.
A extensão da decisão em habeas corpus para co-réu somente pode abranger aquele
que esteja em situação objetivamente idêntica à do beneficiado.
Esta é a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente à
exegese do art. 580 do Código de Processo Penal:
“Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Custódia cautelar. Extensão ao
paciente de decisão que concedeu liberdade provisória a co-réus. I - Ausência de
isonomia que imponha a extensão da liberdade provisória ao paciente, dado que,
com relação a ele, o decreto de prisão preventiva encontra-se suficientemente
fundamentado. II - HC indeferido.” (HC 83.558, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de
20-2-04)
R.T.J. — 195 153

Tal como apontei quando do indeferimento do pedido de extensão, observo que


não é comum a descrição da conduta atribuída a Ali Mazloum (beneficiado pelo habeas
corpus) e do ora agravante.
Da leitura do agravo regimental já se vislumbra que pretende o agravante obter
extensão da ordem de habeas corpus relativamente a fatos diversos. Destaco as seguintes
passagens do recurso:
“Nesse ponto, o único caso em que a denúncia, de forma vaga e nada objeti-
va, parece sugerir ou insinuar (pois não diz expressamente) que o suposto ato de
proteção aos interesses ilícitos da quadrilha seria a rejeição da denúncia contra o
agente Augusto Mafnussom Júnior.”
“Vê-se desta forma, que a decisão sobre a sonegação fiscal referida é menos
‘sugestiva’ que a alegada ameaça praticada por Ali, para efeito de matizá-la como
ato de proteção aos interesses ilícitos da quadrilha.” (Fl. 845)
“De outro lado, a única e suposta vantagem referida na denúncia, que teria sido
recebida por Casem, seriam as passagens aéreas para o Líbano na classe executiva, ao
preço de US$ 2.000,00 cada.” (Fl. 845)
“Relativamente ao uso de placas reservadas, fornecidas pelo próprio Detran,
trata-se de processo sem qualquer conexão com crime de quadrilha, tanto que já
tramitava, antes do processo aqui discutido, perante a Relatoria de outro membro
de Tribunal Regional Federal.” (Fl. 846)
“Outro fato trivial erigido artificialmente na denúncia o ato supostamente
próprio de quadrilha: a requisição de agentes pelo agravante para prestarem segu-
rança no fórum.” (Fl. 847)
“Por fim, a denúncia, para coroar o amontoado de fatos triviais catalisados
para tentar vincular Casem com o crime de quadrilha, cita que ele prestou orienta-
ção jurídica a Bellini.” (Fl. 848)
Embora os advogados do agravante se esforcem em demonstrar que a conduta
atribuída a Casem é objetivamente idêntica à de Ali, o que se observa das passagens
mencionadas é que não está presente situação do art. 580 do CPP a justificar a extensão
da ordem concedida em favor de Ali.
Talvez por isso, os causídicos requereram ao final, de maneira alternativa, “a con-
cessão da ordem de ofício, a fim de ser trancada a ação penal contra o agravante, por
violação ao art. 41 do Código de Processo Penal, bem como aos princípios constitucio-
nais do contraditório, da tipicidade e da dignidade da pessoa humana.” Quer dizer: faz o
requerente um pedido de habeas corpus em agravo contra decisão que denegou pedido
de extensão em habeas corpus impetrado em favor de outro paciente.
Não conheço desse pedido, pois traz matéria nova cujo conhecimento por esta
Turma implicaria supressão de instância (HC 84.349, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
de 24-9-04; HC 83.922, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 2-4-04; HC 83.489, Rel. Min.
Ellen Gracie, DJ de 19-12-03; HC 81.617, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28-6-02).
154 R.T.J. — 195

Com efeito, alertou o Ministro Moreira Alves, Relator do acórdão da Questão de


ordem no RC 1.468, assim ementado:
“Questão de ordem, levantada pelo Relator para o acórdão que julgou o mérito
do recurso ordinário criminal, sobre pedido, apresentado após esse julgamento, de
concessão de ofício de habeas corpus. Preliminar de competência. Incompetência
do Supremo Tribunal Federal para o exame desse pedido a fim de que não ocorra
supressão de instâncias em prejuízo do requerente. Questão de ordem que se resolve
pelo reconhecimento da incompetência desta Corte.” (DJ de 16-12-02)
Quanto a esse aspecto, destaque-se ainda o seguinte excerto de acórdão:
“II - Habeas corpus: poder de concessão de ofício e supressão de instância.
Somado à inexigibilidade do prequestionamento, o poder-dever da concessão do
habeas corpus de ofício permite — quando manifesta a ilegalidade que o Tribunal
coator se haja indevidamente recusado a examinar — que se sobreponha a decisão
imediata e favorável do caso à ortodoxia da não supressão da instância.” (RHC
80.110, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 23-6-00)
Assim é que decidiu a Segunda Turma:
“Habeas corpus de ofício — Iniciativa. O habeas corpus de ofício pressu-
põe conclusão do órgão julgador sobre a pertinência da ordem, cabendo à parte
tão-somente alertá-lo para a adequação da medida.” [AI (AgR-ED-AgR) 415.428,
Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 10-8-04].
Nesses termos, o meu voto é pelo não-provimento do recurso.

EXTRATO DA ATA

HC 84.409-AgR/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravante: Casem


Mazloum (Advogado: Adriano Salles Vanni). Agravado: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausentes, justificadamente,
neste julgamento, os Ministros Celso de Mello e Ellen Gracie. Presidiu este julgamento
o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e
Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 195 155

HABEAS CORPUS 84.680 — PA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Paciente: Alexandre Manoel Trevisan — Impetrante: Jorge Luiz Anjos Tangerino —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. Paciente denunciado por homicídio qualificado.
Alegada nulidade da prisão preventiva que faz referência à repercussão
nacional do crime, ao clamor público e à garantia da ordem pública na
localidade em que o crime foi cometido.
No julgamento do HC n. 80.717, o Plenário deste Supremo Tribunal
Federal reafirmou a ilegalidade da segregação, quando embasada unica-
mente na gravidade do fato, na hediondez do delito ou no clamor público.
No julgamento do HC n. 80.717, o Plenário deste Supremo Tribunal
Federal reafirmou a ilegalidade da segregação quando embasada unica-
mente na gravidade do fato, na hediondez do delito ou no clamor público.
Nesse julgado, a corrente que prevaleceu registrou que o modo e a execu-
ção do crime, bem como a conduta do acusado antes e depois do delito,
poderiam servir de respaldo para legitimar a prisão preventiva com base
na ordem pública. Para tanto, é preciso que se evidencie a intranqüilidade
no meio social que o réu, em liberdade, poderia causar.
Ainda sobre “a garantia da ordem pública”, os precedentes de am-
bas as Turmas desta colenda Corte, e mais recentemente o Plenário, con-
signam a possibilidade de enquadrar-se nesse fundamento a prisão pre-
ventiva decretada com vistas a evitar que o acusado pratique novos deli-
tos, incluindo, aí, a incolumidade física das pessoas, sobretudo daquelas
que querem colaborar com a Justiça.
Aplicando os precedentes jurisprudenciais a este caso, é de se afastar
prontamente as referências à “repercussão de âmbito nacional” e “ao
clamor público” como fundamentos válidos à decretação da custódia do
paciente. Resta, porém, um motivo que, pela excepcionalidade do caso, é
suficiente para manter a custódia do paciente. É que o decreto prisional
deixa claro o temor das testemunhas e a insegurança na localidade em
que o crime foi cometido. Na espécie, a necessidade da custódia fica ainda
mais evidente quando o referido decreto menciona outro elemento
agravador da situação, consistente no isolamento da localidade em que
o delito foi cometido e na pequena presença do Estado na região, conheci-
da pelos violentos conflitos fundiários.
Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
156 R.T.J. — 195

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,


indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos
Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor
de Alexandre Manoel Trevisan, no qual se argúi a nulidade do decreto de prisão preven-
tiva do paciente, por ausência de fundamentação idônea.
2. A custódia ora impugnada foi decretada ainda na fase inquisitiva, mantida após
a instauração da ação penal em que o paciente, conjuntamente com outros réus, foi
denunciado pelo homicídio qualificado do líder ruralista Bartolomeu Morais da Silva,
vulgo “Brasília”, ocorrido no distrito de Castelo dos Sonhos, comarca de Altamira/PA.
Para a denúncia, “Maneco”, fazendeiro da região, teria contratado os pistoleiros “Márcio
Cascavel” e “Parazinho” para assassinarem o sindicalista.
3. O fatídico episódio teve repercussão nacional, haja vista a condição da vítima
de representante dos trabalhadores rurais da região, conhecida pelos graves conflitos
fundiários. Daí que, em 11-11-2003, por efeito do agravamento dos conflitos, foi realizada
audiência pública na cidade, com a participação do Exmo. Ministro da Justiça, Márcio
Thomas Bastos, e do Procurador-Geral da República, Cláudio Lemos Fonteles. E foi
nesse contexto que se deu a propositura da ação penal, atentando-se, ainda, para a
ocorrência de vários contratempos curiosos, como, por exemplo, os sucessivos pedidos
de afastamento, subscritos por dois promotores, ambos indicados pelo Procurador-Geral
de Justiça do Estado para acompanharem o caso.
4. Pois bem, prossigo no relato do caso para dizer que a presente impetração renova
o pedido já formulado nas instâncias ordinárias, no sentido da falta de motivação do
decreto prisional. Daí consignar o impetrante que a custódia cautelar teria sido decretada
exclusivamente com base na gravidade do delito. Da mesma forma, conteria afirmações
hipotéticas de que o paciente, em liberdade, poderia praticar novos crimes, bem assim
que a ordem pública e a aplicação da lei penal estariam ameaçadas, o que, segundo a
inicial, não se traduz em fundamento válido, porquanto divorciado dos dados objetiva-
mente verificados. Donde pedir a revogação da prisão preventiva.
5. A douta Procuradoria-Geral da República, em parecer da ilustrada Subprocura-
dora-Geral, Dra. Delza Curvello Rocha, reportou-se ao acórdão impugnado e às informa-
ções prestadas pelo Juízo perante o qual tramita o feito, para concluir pelo indeferimento
da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.
8. Consoante registrei em linhas passadas, a custódia do ora paciente foi decretada
R.T.J. — 195 157

ainda na fase inquisitiva, após representação formulada pelo delegado de polícia, na


qual se faz menção ao depoimento de testemunhas ameaçadas e à repercussão do
crime. Daí a determinação da prisão, de cuja decisão se extrai, in verbis (Apenso 2 —
fls. 256/258):
“(...)
Aliado à materialidade do delito e aos indícios de autoria, indubitavelmente
está configurado um dos fundamentos legais exigidos para a medida cautelar soli-
citada, pois a liberdade do indiciado pode prejudicar a ordem pública, uma vez
que o delito causou enorme repercussão nacional e clamor público, estando a
comunidade de Castelo de Sonhos revoltada com a violência que impera no local.
Sobre este tema discorre Júlio Fabrini Mirabete, in Código de Processo Penal
Interpretado, 5ª edição, Ed. Atlas, 1998, pág. 414, nos seguintes termos:
“Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a
garantia da ordem pública, evitando-se com a medida que o delinqüente
pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer por-
que seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em
liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados à infração cometida
(...) Embora seja certo que a gravidade do delito, por si, não basta para a
decretação da custódia, a forma e execução do crime, a conduta do acusado,
antes e depois do ilícito, e outras circunstâncias podem provocar imensa
repercussão e clamor público, abalando a própria garantia da ordem
pública, impondo-se a medida como garantia do próprio prestígio e segu-
rança da atividade jurisdicional. (grifou-se)
Diante de todo o exposto, acato a representação formulada pela autoridade
policial e, com fulcro nos arts. 311 e 312, do Código de Processo Penal decreto a
prisão preventiva do nacional Alexandre Manoel Trevisan.
(...)”
9. Posteriormente ao recebimento da denúncia, houve novo pedido de prisão pre-
ventiva, formulado, desta feita, pelo Ministério Público. É que, diante da notícia de
intimidação de várias testemunhas, estando uma delas, inclusive, incluída no programa
de proteção às testemunhas — Provita, o requerimento afirmava que em liberdade o
paciente tentaria “eliminar testemunhas, apagar provas e prejudicar a aplicação da
Justiça” (fl. 49). Tal pedido somente foi analisado recentemente, concluindo o douto
magistrado, in verbis (fls. 58/59):
“Após o pedido referido acima a prisão cautelar decretada ainda na fase
inquisitiva foi mantida, haja vista que o STJ denegou, no dia 20.04.04, o mérito do
habeas corpus impetrado perante aquela Corte Superior, revogando a liminar an-
teriormente deferida, sendo que o réu Alexandre se encontra detido, à disposição
deste Juízo, desde o dia 26.08.04.
Ressalto, por oportuno, que a prisão preventiva já decretada nos autos visou
especificamente a garantia de ordem pública em Castelo dos Sonhos, local da
prática delitiva, que é distrito desta comarca de Altamira, da qual dista aproxima-
damente 1.000Km, com acessos somente por via aérea ou terrestre, esta em estradas
158 R.T.J. — 195

de chão em precário estado de conservação, sendo que naquele local quase não há
a presença do Estado no pertinente à segurança pública, contando tão somente
com uma guarnição da Polícia Militar.
Além disso, o Ministério Público não fundamentou o seu pedido de prisão
preventiva no pertinente à conveniência da instrução processual, alegando gene-
ricamente que o réu iria “tentar eliminar testemunhas, apagar provas e prejudicar a
aplicação da justiça”, não havendo nenhum fato concreto nos autos que retrate
alguma ação do acusado Alexandre em tal sentido.
Ressalto que o referido réu compareceu espontaneamente perante este Juízo
a fim de ser interrogado, no dia 31.10.2003, quando ainda encontrava-se amparado
pelo salvo conduto acima mencionado.
Por fim, em que pese o réu ter se evadido do distrito da culpa logo após a
decretação de sua prisão preventiva na fase inquisitiva, a meu ver, tal fato não pode
ser acolhido como argumento válido, visando a garantia da lei penal, para o aten-
dimento ao pedido formulado pelo representante do Parquet, haja vista que à
época do requerimento o réu encontrava-se amparado pela liminar concedida pelo
STJ.
Ante o exposto, denego o pedido de prisão preventiva do acusado Alexandre
formulado pelo representante ministerial ás fls. 251/253, por não vislumbrar nenhum
fato novo que a ampare, mantendo a prisão cautelar do réu decretada ainda na fase
inquisitiva.
Reafirmo que o delito imputado aos réus nomeados acima causou grande
comoção social e grave repercussão de âmbito nacional, posto que envolveria
questões fundiárias no distrito da culpa, sendo a vítima um representante sindical
dos trabalhadores rurais da região de Castelo dos sonhos.
Assim, apesar da lenta tramitação da ação penal, devida a vários obstáculos
já reiteradamente retratados nos autos, a prisão cautelar dos acusados, decretada
ainda na fase inquisitiva, apresenta-se a este magistrado como extremamente ne-
cessária para garantir a ordem pública no local da prática delitiva, haja vista
que há nos autos notícias de ameaças às testemunhas de acusação, sem vincula-
ção a nenhum réu especificamente, todas residentes no distrito de Castelo dos
Sonhos-PA, onde ficam à mercê da própria sorte, ante o isolamento daquela
localidade e a pequena presença do Estado, que como dito acima é representado
tão somente por poucos Policiais Militares.
(...)”
10. Essa decisão, embora posterior à presente impetração, não a prejudica. É que,
bem vistas as coisas, o novo decreto nada mais fez do que afastar a prisão preventiva
pelos novos motivos declinados pelo Parquet, reiterando, contudo, as razões do primeiro
decisum, cujos fundamentos já foram apreciados pelas demais instâncias.
11. Prossigo neste voto, analisando o constrangimento ilegal tal como veiculado
quando da impetração.
R.T.J. — 195 159

12. Como se depreende das decisões transcritas, atualmente a prisão do paciente


tem como fundamento exclusivo a garantia da ordem pública. É bem verdade, diga-se,
que o Ministério Público procurou adensar esse fundamento agregando outro, relativo à
conveniência da instrução processual, que, no entender dele, Ministério Público, estaria
comprometida pela tentativa de eliminar testemunhas e apagar provas.
13. Essa notícia de ameaça à instrução criminal em realidade muito me impressio-
nou. Entretanto, como se viu, tal fato não embasou a decretação da prisão na fase inqui-
sitiva. Assim, embora preocupante o quadro noticiado, o certo é que não é possível
analisar a custódia preventiva do paciente sob esse novo ângulo, por não constituir
fundamento específico da constrição ora atacada.
14. Desse modo, resta, somente, a propalada ordem pública a respaldar a prisão.
15. Muito já se escreveu sobre esse fundamento específico da prisão preventiva,
previsto no art. 312 do CPP. Para alguns estudiosos, serviria ele de instrumento a evitar
que o delinqüente, em liberdade, praticasse novos crimes ou colocasse em risco a vida
das pessoas que desejassem colaborar com a Justiça, causando insegurança no meio
social. Outros, associam a “ordem pública” à credibilidade do Poder Judiciário e às
instituições públicas. Por fim, há também aqueles que encaixam no conceito de “ordem
pública” a gravidade do crime ou a reprovabilidade da conduta, sem falar no famoso
clamor público, muitas vezes confundido com a repercussão na mídia causada pelo
delito.
16. O tema, sem dúvida, é fascinante e merece um estudo mais aprofundado, a ser
feito no momento propício. Por enquanto, prefiro reportar-me aos julgados desta colenda
Corte, que tenho como suficientes para a solução do writ. Assim é que, no âmbito da
jurisprudência desta Casa Maior da Justiça brasileira, vale reproduzir a manifestação do
eminente Min. Sepúlveda Pertence quando da apreciação da medida liminar requerida
no HC 80.717 — caso Nicolau dos Santos Neto. Na ocasião, o consagrado mestre anali-
sou a motivação da custódia com base na “ordem pública”, consignando in verbis:
“Diversas vezes, tenho afirmado que apelos similares à garantia da ordem
pública desvelam freqüentemente a tendência de antecipar a punição do réu — em
contrariedade manifesta às garantias constitucionais do devido processo e da pre-
sunção de não-culpabilidade (v.g., HC 71.594, Pertence, JSTF, Lex, 201/345; HC
79.204, Pertence, 1º-6-99) e, de outro lado, mal dissimulam a nostalgia da tão
execrada prisão preventiva obrigatória (v.g. HC 79200, Pertence, 22-6-99).
E, na generalidade dos casos — não obstante, episódicas vacilações pendu-
lares —, o Tribunal tem dado prevalência a tais preocupações constitucionais e
repelido a prisão preventiva fundada em motivos alheios aos imperativos cautela-
res que a podem legitimar: é ver, por exemplo, a recusa, como fundamento da
preventiva, do apelo exclusivo à gravidade do fato, definido ou não como crime
hediondo (v.g., HC 69.950, Rezek, RTJ 128/147; HC 68.631, Pertence, RTJ
137/287; HC 76.730, Gallotti, 1º-3-98; HC 79.204, Pertence, 1º-6-99; HC
79.392, Pertence, 31-8-99), assim como da invocação do clamor público, com
freqüência confundido com o estrépito dos veículos de comunicação de massa
(e.g., HC 71.289, 9-8-94, Galvão, DJ de 6-9-96; HC 78.425, Néri, 19-11-99; HC
79.781, Pertence, 18-4-99, Informativo STF 188).”
160 R.T.J. — 195

17. Pois bem, no julgamento de mérito daquela impetração, o Plenário deste


Supremo Tribunal Federal reafirmou a ilegalidade da segregação quando embasada
unicamente na gravidade do fato, na hediondez do delito ou no clamor público. Toda-
via, a corrente que prevaleceu também registrou que o modo e a execução do crime, bem
como a conduta do acusado antes e depois do delito, poderiam servir de respaldo para
legitimar a prisão preventiva com base na multirreferida ordem pública. Para tanto, é
preciso que se evidencie a intranqüilidade no meio social que o réu, em liberdade,
poderia causar (conferir, entre outros, os votos da Relatora, Min. Ellen Gracie, e do Min.
Sydney Sanches).
18. Divergências pontuais à parte, é possível extrair da questão uma unanimidade,
qual seja, a possibilidade de enquadrar-se como instrumento de garantia da ordem
pública a prisão preventiva decretada com vistas a evitar que o acusado pratique novos
delitos, incluindo, aí, a incolumidade física das pessoas, sobretudo daquelas que querem
colaborar com a Justiça. Nesse caso, as vozes da Corte se afinam pelo mesmo diapasão.
Cito, a propósito, o HC 82.149, da Primeira Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, de cuja
ementa se extrai:
“(...)
Além de a prisão preventiva ter como objetivo, no caso, a prevenção quanto
à reprodução de outros fatos criminosos — e a ocorrência de quatro incêndios ante-
riores recomenda essa cautela —, objetiva ela, também, garantir a incolumidade
física das pessoas, que traduz uma das dimensões do conceito de ordem pública,
tendo em vista que o crime em questão é daqueles que podem causar tumulto e
pânico.”
19. Da Segunda Turma, o HC 82.684, Rel. Min. Maurício Corrêa, com a ementa
seguinte:
“Prisão preventiva. Decreto que se encontra suficientemente fundamentado
na garantia da ordem pública, por ser o acusado dono de outros ‘desmanches’,
havendo, inclusive, receio de que, se permanecesse solto, continuaria a delinqüir.”
20. E, por fim, o HC 83.157, julgado recentemente pelo Plenário, já com a atual
composição, assim ementado pelo Relator, eminente Min. Marco Aurélio:
“Prisão preventiva — Excepcionalidade. Ante o princípio constitucional
da não-culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser tomada como exceção,
cumprindo interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a
situações em que a liberdade do acusado coloque em risco os cidadãos, especial-
mente aqueles prontos a colaborarem com o Estado na elucidação de crime.”
21. Ora bem, aplicando os precedentes jurisprudenciais a este caso, é de se afastar
prontamente as referências à “repercussão de âmbito nacional” e “ao clamor público”
como fundamentos válidos à decretação da custódia do paciente. Porém, restaria um
forte motivo para respaldar a prisão com base na ordem pública. Motivo que, pela
excepcionalidade do caso, entendo suficiente para manter a custódia do paciente. E ele
se extrai da afirmação do decreto prisional de que “há notícia de ameaça às testemunhas
de acusação, sem vinculação a nenhum réu especificamente, todas residentes no distrito
de Castelo dos Sonhos/PA, onde ficam à mercê da própria sorte, ante o isolamento
R.T.J. — 195 161

daquela localidade e a pequena presença do Estado, (...) representado tão-somente por


poucos policiais” (fl. 78). Em palavras outras, o magistrado, embora consignando não
ser possível vincular as ameaças a um dos réus em particular, deixa claro o temor das
testemunhas e a insegurança na localidade em que o crime foi cometido. Tal conclusão
tem respaldo nos autos, como é de se verificar dos seguintes depoimentos:
Valdenor Martins (fl. 211):
“(...)
A testemunha passou a ser seguida por motocicletas por todos os cantos da
cidade, por pessoas que não conhece, e também por Márcio Cascavel, que sempre
ficava visando-o. (...) foi alertado por vários amigos que estava correndo risco de
vida, em Castelo dos Sonhos. Percebendo que alguém o espreitava no sanitário do
fundo de seu quintal. A testemunha não mais sai de casa, nem de dia nem de noite,
temendo algum atentado contra sua vida e de seus familiares. Devido ao medo,
pretende vender seu imóvel a preço baixo e sair o mais rápido possível da localida-
de de Castelo dos Sonhos.
(...) ”
Arlindo de Sousa (fl. 252):
“(...)
Que na data de hoje, ao chegar em Castelo de Sonhos, foi informado que a
irmã de “Brasília”, a Sra. Maria de Fátima Romualdo da Silva Nunes, conhecida
por Dona Santa, estava querendo conversar com o declarante e, este ao conversar
com a mesma, foi lhe assegurado que várias autoridades estariam aqui presentes e
lhe dariam a devida segurança, garantindo a integridade do mesmo, o que levou o
declarante a superar o medo e contar tudo que sabia e anteriormente não havia
falado para a equipe de Policiais que lhe foi apresentada, haja vista que ninguém
sabia da história; (...) Respondeu que não confia na polícia local e tem bastante
medo de que possa acontecer-lhe alguma coisa:
(...)”
Edizom de Souza Lima (fl. 249)
“(...)
Que o declarante, na época, não testemunhou o crime por medo, pois Marcio
Antonio Sartor, vulgo Marcio Cascavel é conhecido como “Pistoleiro” e traficante
de drogas nesta localidade de Castelo de Sonhos.
(...)”
Maurício Rodrigues dos Santos (fls. 246/247):
“(...)
Que no mesmo dia a polícia civil, vinda de Belém, esteve na localidade
apurando o crime e, após a equipe de policiais civis se retirarem da cidade, o
declarante passou a receber ameaças de morte por telefone, e os ameaçadores (não
se identificavam) sabiam que havia pessoas dormindo na sua residência para
protegê-los, mas iriam morrer também.
162 R.T.J. — 195

(...)”
Cleonice Moraes (fl. 248):
“(...)
encontrava-se em seu ambiente de trabalho (rádio Curuá FM), quando recebeu
um telefonema anônimo, onde a pessoa que falava disse – (...) “não adianta revelar as
fotos, nem mandar para o jornal, senão você vai se machucar, você pense duas vezes
antes de revelar”, que a declarante ainda perguntou quem era a pessoa que falava,
porém não se identificou, apenas disse que estava avisada; que no dia 28.08.2002,
por volta das 20:32 horas, quando estava no estúdio da rádio, recebeu novamente
um telefonema anônimo, o qual passou a dizer – textuais “não adianta você e o
Fernando dormirem na casa do Douglas, porque no dia que eu entrar lá pra matar
ele e a mulher dele, se vocês estiverem lá dentro eu vou matar vocês também”,
repetindo por duas vezes a ameaça, tendo desligado em seguida: que na mesma
noite, logo após o telefonema, um homem desconhecido passou em frente ao pré-
dio da rádio, tirou uma arma de fogo da cintura, da parte da frente da calça, e
colocou na parte de traz, colocando a camisa por cima, não sendo possível identi-
ficar o tal elemento; que logo após o tal elemento passar em frente a rádio, chegou
a viatura da Polícia Militar, que tinha sido acionada. Que a declarante acrescenta
que uns vinte dias atrás, a declarante quando saia do seu ambiente de trabalho por
volta das 00:15, quando foi abordada por um homem desconhecido, de cor morena,
(... ) 1,75 m, o qual passou a seguir a declarante e em dado momento tentou agredi-la
fisicamente, porém a declarante conseguiu escapar do elemento, correndo; que
depois de uma semana deste fato, foi novamente seguida por um homem desconhe-
cido, porém desta feita não foi agredida; que a declarante acredita que tais ameaças
ocorreram, pois fez parte da equipe da rádio que fez a cobertura da morte de
Bartolomeu Moraes da Silva.
(...)”
Moisés Silva Gomes (testemunha do Juízo):

“(...) que resolveu contar o que sabe porque foi informado por terceiros que
alguns fazendeiros envolvidos em conflitos agrários na localidade de Castelo dos
Sonhos haviam dito que iriam matá-lo.”
22. Na realidade, o quadro em bosquejo muito se assemelha àquele apreciado por
esta Primeira Turma no HC 81.613. Na ocasião, manteve-se, por unanimidade, o decreto
fundado na garantia da ordem pública em acórdão bem resumido na ementa seguinte:
“(...)
No tocante à ordem pública e à coação das testemunhas, a decretação da
prisão preventiva é possível quando se verifique, por meio de fatos concretos que
respaldem a conclusão do magistrado, que a liberdade do acusado implica a fundada
suspeita de que poderá tornar a delinqüir, comprometendo a ordem social, bem
como que as testemunhas teriam justo receio de depor contra o acusado. No caso,
o decreto impugnado não se afastou desses parâmetros, afirmando a necessidade
da segregação pelo último fundamento, estando a assertiva corroborada por ele-
mentos dos autos que informam o temor das testemunhas em relação ao acusado,
R.T.J. — 195 163

cuja liberdade repercutiu de forma concreta no cotidiano dos moradores da locali-


dade, que se viram obrigados a mudar de endereço com receio do réu.”
23. Na espécie, a necessidade da custódia fica ainda mais evidente quando o
decreto menciona outro elemento agravador da situação, consistente na dificuldade de
acesso à localidade e à falta de apoio do Estado. Colhe-se dos autos que a localidade de
Castelo dos Sonhos/PA dista mais de 1000km da sede da comarca, “sendo o acesso
dificílimo por via terrestre” (em estrada de chão), conforme noticiou o Tribunal de
Justiça do Pará à fl. 314. Some-se a isso, o reduzido contingente policial na comunidade,
onde, segundo afirmações do próprio Destacamento da Polícia Militar, “nunca foi feito
nenhum flagrante ou procedimento policial na localidade” (fl. 134).
24. Em sã realidade, o magistrado que preside o feito dá a exata dimensão da
excepcionalidade do caso quando afirma que as testemunhas “estão a mercê da própria
sorte, ante o isolamento daquela localidade e a pequena presença do Estado”.
25. Convém, também, registrar que, até a presente data, não foram ouvidas todas as
testemunhas de acusação, restando, ainda, uma das principais, Arlindo de Sousa, teste-
munha ocular do crime. Ademais, no caso de pronúncia do paciente, subsistiria a ne-
cessidade da custódia, dada à possível necessidade de reinquirição das testemunhas
quando do julgamento pelo Tribunal do Júri, cujos depoimentos certamente estariam
comprometidos com a liberdade do réu. Tudo isso, num contexto, repita-se, de uma
comunidade isolada, praticamente desprovida de assistência do Estado.
26. Por todo o exposto, quero crer justificar-se a prisão preventiva do paciente
como garantia da ordem pública, razão pela qual voto pelo indeferimento do habeas
corpus.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, tenho votado, aqui, na Turma,
pelo indeferimento da ordem quando se determina prisão de acusado, simples acusado,
a partir de tentativa de interferência na formação da culpa. Mas a premissa de meus votos
tem sido única, ou seja, um dado concreto que revele o procedimento.
Imaginei, quando da metade da leitura do voto do Relator, que Sua Excelência
estaria caminhando para a concessão da ordem, mas eis que, ao término do voto, acaba
por realçar que se teria a necessidade de preservação da ordem pública e da instrução do
processo. E leu parte de um depoimento colhido, em que se alude à ameaça de fazendei-
ros, à ameaça que seria de terceiros. Na área penal, cada qual responde pelos respectivos
atos. A circunstância de se manter o paciente sob a custódia do Estado certamente não
afasta a possibilidade de testemunha ser pressionada para depor desta ou daquela forma,
segundo o depoimento colhido.
Não ouvi notícia concreta quanto a prática que pudesse ser atribuída ao paciente,
já que o próprio juiz mencionou a ameaça. Não entendi bem a posição que ele assumiu,
mantendo e, ao mesmo tempo, refutando o que seria requerimento de prisão preventiva,
consideradas as premissas diversas, que não seriam tão diversas assim, porque voltou
Sua Excelência à ameaça às testemunhas.
Penso que o ato — para mim, de excepcionalidade maior, que é a prisão antes da
culpa formada — não encontra fundamento, presente o disposto no artigo 312 do Código
de Processo Penal.
164 R.T.J. — 195

Votaria pelo indeferimento da ordem, caso houvesse uma notícia concreta quanto
a ato do próprio paciente visando a intimidar testemunhas. Mas a única referência está
direcionada no sentido de que as ameaças partiriam — como disse — de terceiros, dos
fazendeiros.
Peço vênia ao Relator para conceder a ordem.

VOTO (Confirmação)
O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Sr. Presidente, vou ler rapidamente trechos
do voto. Disse uma das testemunhas:
“Arlindo de Sousa (fls. 251/252)
‘(...)
Que na data de hoje, ao chegar em Castelo de Sonhos, foi informado que a
irmã de “Brasilia”, a Sra. Maria de Fátima Romualdo da Silva Nunes, conhecida
por Dona Santa, estava querendo conversar com o declarante e, este ao conversar
com a mesma, foi lhe assegurado que várias autoridades estariam aqui presentes e
lhe dariam a devida segurança, garantindo a integridade do mesmo, o que levou o
declarante a superar o medo e contar tudo que sabia e anteriormente não havia
falado para a equipe de Policiais que lhe foi apresentada, haja visto que ninguém
sabia da história; (...) Respondeu que não confia na polícia local e tem bastante
medo de que possa acontecer-lhe alguma coisa:
(...)’
Edizom de Souza Lima (fls. 249)
‘(...)
Que o declarante, na época, não testemunhou o crime por medo,”(...)
A testemunha foi ouvida nas duas fases, mas, segundo me consta, está convocada
para ser ouvida novamente.
Há testemunha, recente, que pediu para ser incluída no Provita, ou seja, uma das
quatro que ainda não foram ouvidas. Insisto que faltam quatro testemunhas para serem
ouvidas, e os depoimentos que estão aqui me convencem de que realmente elas estão
ameaçadas.
Há uma testemunha que diz:
“Edizom de Souza Lima (fls. 249)
(...) é conhecido como “Pistoleiro” e traficante de drogas nesta localidade de
Castelo de Sonhos.
(...)’
Maurício Rodrigues dos Santos (fls.246/247):
‘(...)
Que no mesmo dia a polícia civil de Belém esteve na localidade apurando o
crime e, após a equipe de policiais civis se retirarem da cidade, o declarante passou
R.T.J. — 195 165

a receber ameaças de morte por telefone, e os ameaçadores (não se identificavam)


sabiam que havia pessoas dormindo na sua residência para protegê-los, mas iriam
morrer também.
(...)’
Cleonice Moraes (fls.248):
‘(...)
(...) recebeu um telefonema anônimo, onde a pessoa que falava disse – (...)
“não adianta revelar as fotos, nem mandar para o jornal, senão você vai se machu-
car, você pense duas vezes antes de revelar”, que a declarante ainda perguntou
quem era a pessoa que falava, porém não se identificou”(...)
É um longo depoimento em que a testemunha revela claramente que está sendo
ameaçada.
Por isso, mantenho meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Peço vênia ao eminente Ministro
Marco Aurélio para acompanhar o voto do Ministro Relator.
Tenho constantemente recusado, nesta Casa, em matéria de prisão preventiva, os
apelos retóricos à ordem pública, que estaria comprometida pela repercussão social do
fato, sobretudo, pelo noticiário acerca do fato. Mas é claro que não podemos aplicar
esses mesmos critérios a uma região notória e internacionalmente conhecida como de
difundida violência, onde os indícios de intranqüilidade do meio social, com o crime
atribuído a pistoleiros, é, sim, uma hipótese verdadeira em que se pode invocar a ordem
pública para fundar prisão preventiva.
Indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 84.680/PA — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Alexandre Manoel
Trevisan. Impetrante: Jorge Luiz Anjos Tangerino. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus,
vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia. Falou pelo paciente o Dr. Jorge Luiz
Anjos Tangerino.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
166 R.T.J. — 195

HABEAS CORPUS 84.721 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Pacientes: Anderson da Silva Fonseca, Leandro Sebastião dos Santos e Milton
Luiz Neto — Impetrante: Defensoria Pública da União – DPU — Coatora: Primeira
Turma Recursal Criminal do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Crimi-
nais da Comarca do Rio de Janeiro
Habeas corpus. Lei 6.368/76, art. 16. Pena de multa do artigo 60, § 2º,
do Código Penal. Crimes tipificados em lei especial. Substituição. Impossi-
bilidade.
1. Posse de maconha para uso próprio. Pretensão de substituir a
pena restritiva de direitos, resultado da conversão de pena privativa de
liberdade, por pena de multa: a jurisprudência desta Corte firmou-se no
sentido da impossibilidade de aplicar-se a pena de multa substitutiva do § 2º
do artigo 60 do Código Penal aos crimes tipificados em lei especial, quando
há cumulação de pena privativa de liberdade com pena pecuniária.
2. A pena de multa substitutiva do § 2º do artigo 60 do Código Penal
é mais benéfica que a de natureza pecuniária prevista na lei especial (Lei
de Tóxicos). A primeira, ao contrário desta, acaso descumprida, não enseja
a conversão na pena privativa de liberdade, por expressa vedação contida
na Lei n. 9.268/96. Se o legislador pretendeu dar tratamento mais rigoroso
aos condenados por determinados crimes tipificados em lei especial, não
cabe aplicar a regra geral mais benéfica do Código Penal.
Ordem denegada.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
julgar prejudicado o pedido de habeas corpus quanto ao paciente Milton Luiz Neto e,
por maioria de votos, indeferir quanto aos demais, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 9 de novembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Presidnete — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: A Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro Dilara
Estephá Henriques Pereira impetra habeas corpus contra ato da Primeira Turma Recursal
Criminal dos Juizados Especiais daquele Estado, que implicou constrangimento ilegal
aos pacientes, ao confirmar a decisão do 6º Juizado Especial Criminal.
R.T.J. — 195 167

2. Os pacientes foram denunciados pela prática do crime tipificado no artigo 16 da


Lei 6.368/76 (posse de maconha para uso próprio). Aceitaram a proposta de transação
penal de que trata o artigo 76 da Lei 9.099/95, consistente em assistir a sessões de um
grupo de narcóticos anônimos, além de se comprometerem a doar gêneros alimentícios
a uma instituição de caridade.
3. Somente o paciente Milton Luiz Neto cumpriu a transação penal. Como os
demais não adimpliram, sucedeu-se audiência de instrução e julgamento em que todos
foram condenados à pena de 6 (seis) meses de detenção, convertida em restritiva de
direito (limitação de fim de semana), mais 20 (vinte) dias-multa.
4. Segundo a impetrante, Milton Luiz Neto está sofrendo constrangimento ilegal
por ter sido condenado quando já tivera extinta a punibilidade, eis que cumprira anteci-
padamente a transação penal. Quanto aos demais, a coação ilegal reside em que o juiz
converteu a pena de 6 (seis) meses de detenção em restritiva de direitos, sem qualquer
fundamento, em vez de aplicar a pena de multa substitutiva prevista no artigo 60, § 2º,
do Código Penal.
5. Requer a impetrante, inicialmente, que se declare a nulidade da sentença e do
acórdão com relação ao paciente Milton Luiz Neto. No que tange aos outros pacientes,
postula a concessão da ordem para anular a pena de limitação de fim de semana e fixar a
de multa substitutiva.
6. Nas informações de fls. 36/40, a autoridade coatora defende o ato impugnado
argumentando ser correta a pena imposta, ao fundamento de que os pacientes descum-
priram a transação penal, dando a entender que fariam o mesmo com a pena de multa.
7. O Ministério Público Federal opina pelo deferimento do writ (fls. 44/46).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como observa o Subprocurador-Geral da Repú-
blica Edson Oliveira de Almeida, o writ está prejudicado em relação ao paciente Milton
Luiz Neto. A Turma Recursal fez cessar o constrangimento ilegal a que estava submetido,
ao conceder-lhe habeas corpus de ofício no ato ora impugnado. Assim, a reparação por
eventual dano pela condenação indevida deve ser perseguida na esfera cível.
2. A pena de multa substitutiva está prevista no artigo 60, § 2º, do Código Penal e
tem aplicação nos casos em que a reprimenda corporal seja fixada em patamar igual ou
inferior a 6 (seis) meses, em concurso com os requisitos arrolados nos incisos II e III do
artigo 44 do mesmo Estatuto. Logo, não sendo mera faculdade do juiz, deve ele, ao
conceder ou negar a substituição, fazê-lo de forma fundamentada, o que não ocorreu na
espécie.
3. Todavia, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da impossibilidade
de aplicar-se a pena de multa substitutiva do § 2º do artigo 60 do Código Penal aos
crimes tipificados em lei especial, quando há cumulação de pena privativa de liberdade
com pena pecuniária (HC 70.445, 1ª Turma, Moreira Alves, DJ de 25-2-94, e RHC
84.040, 2ª Turma, Ellen Gracie, DJ de 30-4-04). O voto proferido no segundo precedente
revela a síntese precisa dos fundamentos que orientaram o entendimento deste Tribunal
a respeito do tema, verbis:
168 R.T.J. — 195

“A pena cominada ao delito de porte ilegal de armas, definida e fixada em lei


especial (Lei 9.437/97, art. 10), é cumulativa: detenção de um a dois anos e multa.
Cuidando-se de lei especial que impõe pena cumulativa, a substituição da pena
privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, como a prestação pecuniária
(CP, art. 43, I), é inadmissível, nos termos da Súmula 171 do Superior Tribunal de
Justiça. Não prospera, portanto, a tese sustentada no recurso ordinário que invoca
o disposto no art. 44, § 2º, do Código Penal. É que, nos termos do art. 12 do mesmo
Código, ‘as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei
especial, se esta não dispuser de modo diverso.' Se a lei especial impõe pena
cumulativa, privação da liberdade e multa, o juiz não pode transformar a cumula-
ção (cumulação de espécies) em identidade de espécies (ainda que cumulada),
como bem salientou o Ministro Vicente Cernicchiaro no precedente invocado no
voto do Relator do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, aqui impugnado.”
4. A pena de multa substitutiva do § 2º do artigo 60 do CP é mais benéfica que a de
natureza pecuniária prevista na lei especial (Lei de Tóxicos). A primeira, ao contrário
desta, acaso descumprida, não enseja a conversão na pena privativa de liberdade aplicada,
por expressa vedação contida na Lei 9.268/96. Assim, se o legislador pretendeu dar
tratamento mais rigoroso aos condenados por determinados crimes tipificados em lei
especial, não cabe aplicar a regra geral mais benéfica do Código Penal.
5. Os precedentes invocados no parecer do Ministério Público Federal (HHCC
65.142 e 83.092) não guardam pertinência com a hipótese sob exame, visto que se
referem a fatos tipificados no Código Penal, para os quais não há cominação cumulativa
de pena privativa de liberdade com pena de multa.
Ante o exposto, julgo prejudicado o writ em relação ao paciente Milton Luiz Neto,
em virtude do reconhecimento da extinção da punibilidade, e denego a ordem quanto
aos demais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, acompanho o Relator no primeiro


ponto, mas peço vênia a Sua Excelência para divergir no segundo. Faço-o levando em
conta, em primeiro lugar, o parecer da Procuradoria-Geral, da lavra do Subprocurador-
Geral Edson Oliveira de Almeida.
Não teria ocorrido o enfrentamento da matéria, ou o Juízo deixara de fundamentar
a decisão mediante a qual indeferiu, ou não implementou, a substituição da pena priva-
tiva de liberdade pela pena de multa, já que teria base para simplesmente conceder o
habeas nos termos do voto do Relator. Há um outro aspecto, contudo: entendo mais
consentânea com uma boa política judiciária e também penitenciária a interpretação
segundo a qual é possível haver a cumulação objetiva, ou seja, ter-se, mesmo diante da
previsão, para o tipo, da pena de multa, a substituição da pena privativa de liberdade, se
atendido o que previsto na legislação penal. No caso, houve a imposição ao paciente de
uma pena que não é tão gravosa, a de seis meses de detenção, cabendo apenas perquirir
se os requisitos para a substituição dessa pena de detenção pela de multa se fazem
presentes.
R.T.J. — 195 169

Ante as duas premissas, concedo a ordem e ficaria na primeira: ausência de enfren-


tamento da matéria ou de lançamento de fundamentos quanto à não-substituição da
pena privativa de liberdade. Nada mais adiantaria, para não sinalizar, inclusive, relativa-
mente ao que pode vir a ser decidido pelo juiz a respeito.
Concedo a ordem nos termos do parecer do Subprocurador-Geral da República,
para que o juiz se manifeste sobre a substituição da pena privativa de liberdade como
entender de direito. Pode ser que ele até adote essa corrente, entre as várias existentes. Há
uma realmente conclusiva quanto à impossibilidade quando, para o tipo, já se prevê a
pena privativa de liberdade e a de multa. Ele que decida como juiz natural; mas que
decida.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, vou reconsiderar. Peço vênia ao
Ministro Relator para acompanhar a dissidência do Ministro Marco Aurélio.

EXTRATO DA ATA
HC 84.721/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Pacientes: Anderson da Silva Fonseca,
Leandro Sebastião dos Santos e Milton Luiz Neto. Impetrante: Defensoria Pública da
União – DPU. Coatora: Primeira Turma Recursal Criminal do Conselho Recursal dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca do Rio de Janeiro.
Decisão: Após os votos dos Ministros Eros Grau, Relator, e Cezar Peluso julgando
prejudicado o pedido de habeas corpus quanto ao paciente Milton Luiz Neto e o inde-
ferindo quanto aos demais, e dos Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto deferindo-o,
em parte, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Delza Curvelho Rocha.
Brasília, 26 de outubro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os pacientes foram condenados por infração
do art. 16 da Lei de Tóxicos a seis meses de detenção — substituídos por limitação de
fim de semana — e multa.
O Relator, em. Ministro Eros Grau, denega a ordem: alinha-se a precedentes do
Tribunal (HC 70.445, 1ª Turma, Moreira Alves; RHC 84.040, 2ª Turma, Ellen Gracie),
“no sentido da impossibilidade de aplicar-se a pena de multa substitutiva do § 2º do
art. 60 do Código Penal aos crimes tipificados em lei especial, quando há cumulação
de pena privativa de liberdade com pena pecuniária”.
Por isso, indefere a ordem.
170 R.T.J. — 195

Acompanhou o Relator o em. Ministro Cezar Peluzo; dele dissentiram os em.


Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, este mediante retificação do voto anterior.
O voto do Ministro Marco Aurélio devolve a questão ao juízo de primeiro grau
para que decida motivadamente sobre a substituição.
Pedi vista.
O meu voto, data venia, segue o do Relator.
Tenho como incensurável o primeiro dos precedentes invocados, o HC 70.445, da
lavra do em. Ministro Moreira Alves, de cujo voto extrato:
"Como salienta o parecer da Procuradoria-Geral da República, esta Corte se
tem orientado no sentido de que o benefício da substituição da pena privativa de
liberdade pela pena de multa (artigo 60, § 2º, do Código Penal) é um direito
subjetivo do réu, devendo, portanto, o juiz decidir se, no caso concreto, é ele
cabível ou não.
Sucede, porém, que, na espécie, não se me afigura cabível essa substituição.
Com efeito, o ora paciente foi condenado, com base no artigo 16 da Lei
6.368/78, a seis meses de detenção e a vinte dias-multa, tendo-lhe sido concedido
o sursis.
Ora, a meu ver, não cabe essa substituição quando — como sucede no caso
presente — há cominação cumulativa da pena privativa de liberdade com a pena
de multa. Com efeito, o § 2º do artigo 60 do Código Penal manda observar, para
essa substituição, os critérios dos incisos II e III do art. 44; e do inciso III do art. 44
decorre que tal substituição só é possível quando a culpabilidade, os antecedentes,
a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que ela é suficiente. Isso implica dizer que a substituição
em causa apenas é possível quando os elementos subjetivos referentes ao criminoso
e os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a pena de multa
substitutiva é suficiente para apenar o delinqüente. Ora, essa suficiência é objeti-
vamente afastada pela própria lei penal quando impõe ela, em razão do crime que
define, a cominação cumulativa de pena privativa de liberdade e de pena de multa,
a significar, evidentemente, que aquela não é suficiente, por si mesma, para punir
o transgressor da norma, e, conseqüentemente, a sua substituição por pena de
multa também não o será, tanto assim que a essa substituição ter-se-ia de acrescer a
outra pena, que é a da multa originária, até porque a substituição admitida pelo §
2º do artigo 60 diz respeito somente à pena privativa de liberdade e não a pena de
outra natureza, ainda que também de multa.
Mais.
Se, na parte especial do Código Penal, se estabelece, com relação a determi-
nados crimes, a cumulação da pena privativa de liberdade com a pena de multa,
isso se dá porque a lei penal entende que, para a reprimenda do crime, são necessá-
rias as duas penas de natureza diversa, e não somente uma — a de multa, ainda que
de montante maior pela cumulação da multa substitutiva com a multa imposta
diretamente. Caso contrário, no próprio artigo 60 da Parte Geral se estabeleceria
R.T.J. — 195 171

princípio semelhante ao do n. 43º do Código Penal Português, que evidentemente


não é supérfluo: "Se o crime for punido com pena de prisão não superior a 6 meses
e multa, será aplicada uma só multa, equivalente à soma da multa diretamente
imposta e da que resultar da substituição da prisão”.
Não bastassem esses óbices à substituição da pena privativa de liberdade
pela pena de multa quando há a referida cumulação, e, no caso, ainda haveria outro
obstáculo: o de que a Lei 6.368/76 é lei especial, com sistema próprio para a
fixação do valor da pena de multa diverso do que foi posteriormente adotado pela
nova Parte Geral do Código Penal. Assim sendo, ainda que para argumentar se
admitisse a cumulação das duas penas de multa (a substitutiva e a imposta direta-
mente), essa regra geral do Código Penal não se aplicaria à referida lei especial,
porque esta dispõe diferentemente quanto à fixação do valor da pena de multa por
ela imposta, não permitindo, portanto, que as duas multas se cumulassem pelo
mesmo critério de fixação de valor do Código Penal. O hibridismo dessa fixação
que resultaria da aplicação do princípio geral do § 2º do artigo 60 do Código Penal
às penas cumulativas da Lei 6.368/76 faz incidir a vedação que decorre da parte
final do artigo 12 do mesmo Código Penal:“As regras gerais deste Código aplicam-
se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”.”
No mesmo sentido, o acórdão do STJ no RHC 36.797, da lavra do em. Ministro
Luiz Vicente Cernicchiaro — endossado no HC 84.040, pela Ministra Ellen Gracie —
no qual se colhe:
“No tocante às penas, pode ocorrer cominação a) isolada; b) cumulativa; c)
alternativa.
A referida integração (porque lógica) não induzirá a que a cominação isolada
se torne cumulativa, ou alternativa; a cumulativa, isolada, ou alternativa; a alter-
nativa, isolada ou cumulativa.
Teleologicamente, cominação cumulativa não se confunde com cominação
isolada ou alternativa. Evidencia-se, antes de tudo, maior rigor. Tem, como antece-
dente, situação normativa diferente. Axiologicamente (tomando-se o desvalor
como referência), dir-se-á a cominação cumulativa responde a conduta mais grave,
colocando-se em posição oposta à cominação isolada, pondo-se no meio-termo, a
cominação alternativa. Há, pois, projeção de "degradé" normativo.
Além disso (também logicamente) a pena privativa do exercício do direito de
liberdade é mais grave que a pena pecuniária.
Em sendo assim, se a cominação é pena privativa do exercício do direito da
liberdade cumulada com multa, como a aplicação projeta in concreto a comina-
ção, o Juiz não pode transformar a cumulação (cumulação de espécies) em identi-
dade de espécies (ainda que cumuladas).
O magistrado, se assim o fizesse, teria transformado a pluralidade de espécies
em unidade de espécies, malgrado soma aritmética do valor da(s) multa(s).
Em breve, o Juiz não estaria aplicando a pena dentro da cominação legal, em
frontal oposição ao princípio constitucional da “prévia definição legal”.
172 R.T.J. — 195

É certo. O Código Penal enseja a substituição da pena privativa do exercício


do direito de liberdade por multa (art. 60, § 2º).
Diferente, no entanto, se a cominação da pena for cumulativa. Neste caso, a
lei impôs pluralidade de sanções (espécies diferentes), entendendo que a infração
penal impunha maior rigor.
Em se fazendo unificação (de espécie) alterar-se-á própria cominação. Em
outras palavras aplicar-se-á ao delito mais grave, pena menos severa. Evidente
contradição lógica.”
Certo, silenciaram a respeito as instâncias ordinárias.
Daí, contudo, não advém nulidade por vício de fundamentação.
A exigência de motivação da recusa de aplicação substitutiva de multa — que a
nossa jurisprudência tem assentado, como acentua o parecer da PGR (HC 65.142,
Moreira, RTJ 125/548; HC 69.365, Pertence, RTJ 143/199; HC 81.875, Pertence, DJ de
29-8-03; HC 83.092, Ellen, DJ de 29-8-03) — só incide, entretanto, se a substituição é
inadmissível em tese.
Indefiro a ordem: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 84.721/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Pacientes: Anderson da Silva
Fonseca, Leandro Sebastião dos Santos e Milton Luiz Neto. Impetrante: Defensoria
Pública da União – DPU. Coatora: Primeira Turma Recursal Criminal do Conselho Recur-
sal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca do Rio de Janeiro.
Decisão: Prosseguindo o julgamento, a Turma julgou prejudicado o pedido de
habeas corpus quanto ao paciente Milton Luiz Neto e o indeferiu quanto aos demais,
vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que o deferiam em parte.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 9 de novembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.747 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Paciente: Marcos Wellington Krisostomo ou Marcos Wellington Khrisostomo —
Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciária) —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
1. Habeas corpus. 2. Não-intimação de Procurador do Estado de São
Paulo de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. 3. Cons-
trangimento ilegal configurado. 4. A prerrogativa de intimação pessoal
R.T.J. — 195 173

prevista no art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950 é típica dos defensores públicos.
5. Precedentes: HC n. 70.521/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1º-10-1993
(2ª Turma, unânime); HC n. 76.934/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13-
11-1998 (2ª Turma, unânime); HC n. 74.260/RS, Rel. Min. Marco Aurélio,
DJ de 14-11-1996 (2ª Turma, unânime). 6. Ordem deferida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 28 de junho de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Eis o teor da decisão que proferi ao indeferir o
pedido de medida liminar (fl. 110):
“Decisão: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Marcos Wellington
Krisostomo contra decisão do Superior Tribunal de Justiça assim ementada:
‘Execução penal. Recurso especial. Falta grave. Remição. Art. 127 da LEP.
A perda dos dias remidos tem como pressuposto a declaração da
remição. E esta não é absoluta, sendo incabível cogitar-se de ofensa a direito
adquirido ou a coisa julgada na eventual decretação da perda dos dias remi-
dos em decorrência de falta grave. A quaestio se soluciona com a aplicação
direta do disposto no art. 127 da LEP (Precedentes do STJ e do STF).
Recurso provido.’ (Fl. 100)
Alega-se cerceamento de defesa por ausência de intimação pessoal do Defen-
sor Público, o que inviabilizou a interposição de Agravo Regimental.” (Fl. 110)
Neste ponto, anota o parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Delza Curvello Rocha, assim resume a controvérsia (Fls. 112-115):
“4. Expressando o impetrante que o constrangimento ilegal decorre do fato
de que o agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público não estava em
condições de ser conhecido, e que a intimação pessoal em se tratando de ‘Defensor
Público’, é obrigatória, alega que ‘...a intimação da decisão que deu provimento
ao agravo de instrumento foi feita por publicação no Diário da Justiça do dia
08.08.2003, não havendo notícia sobre a indispensável intimação pessoal da
Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo.’ (fls. 04)
5. Requer, assim, liminarmente, a sustação da execução do acórdão proferido
pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso
Especial n. 621.945/SP, e, a final, a concessão da ordem para determinar a
intimação pessoal da Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São
174 R.T.J. — 195

Paulo, reabrindo-se o prazo para recurso contra a decisão que deu provimento ao
agravo de instrumento e, por conseqüência, seja decretada a nulidade do julga-
mento do recurso especial suso referido.” (Fl. 113)
O parecer da Procuradoria-Geral da República é pela denegação da ordem.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O parecer da Procuradoria-Geral da Repú-
blica sustenta:
“8. Sem razão o impetrante, pois, no que concerne à Lei 7.871/89, que acres-
centou o parágrafo quinto ao artigo quinto da Lei n. 1.060/1950, essa Colenda
Corte de Justiça já se pronunciou que não se estendem aos defensores dativos as
prerrogativas processuais da intimação pessoal e do prazo em dobro asseguradas
aos defensores públicos em geral, conforme entendimento publicado no Informa-
tivo 219, do resultado do julgamento proferido na CR-7870-EUA, consoante arti-
go assim fundamentado:
‘Não se estendem aos defensores dativos as prerrogativas da intimação
pessoal e do prazo em dobro asseguradas aos defensores públicos em geral e
aos profissionais que atuam nas causas patrocinadas pelos serviços estaduais
de assistência judiciária (Lei 7.871/89 e LC 80/94). Com base nesse entendi-
mento, o Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso interposto con-
tra decisão que não conhecera de agravo regimental – interposto contra deci-
são que concedera exequatur a carta rogatória -, porque intempestivo
(RISTF, art. 227, parágrafo único). Vencidos os Ministros Marco Aurélio,
Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira, que davam provimento ao agravo
regimental. Precedentes citados: Pet 932-SP (DJU de 14.9.94) e AG
166.716-RS (DJU de 25.5.95). CR (AgRg-AgRg) 7.879-Estados Unidos da
América, rel. Min. Carlos Velloso, 7.3.2001.(CR-7870)’” (fl. 114)
Apesar de reconhecer que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que
a prerrogativa da intimação pessoal, nos termos do art. 5º, § 5º, da Lei n.1.060/1950, não
se estende aos defensores dativos, no presente caso, o constrangimento alegado decorre
da não-observância de intimação de Procurador do Estado de São Paulo.
Nesse particular, assevero que esta Corte já se pronunciou sobre o tema ao afirmar
que “é incontroverso que, no Estado de São Paulo, a Defensoria Pública tem atuação
mediante Órgão da Procuradoria Geral do Estado” (HC n. 70.521/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio, DJ de 1º-10-1993). Por essa razão, uma vez que é patente o prejuízo para o ora
paciente, torna-se imperiosa a referida intimação, sob pena de nulidade.
Também com base nesse mesmo entendimento, arrolo os seguintes casos: HC n.
76.934/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13-11-1998 (2ª Turma, unânime); HC n.
74.260/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 14-11-1996 (2ª Turma, unânime).
Nestes termos, voto pelo deferimento da ordem, para os efeitos de que: i) seja
sustada a execução do acórdão proferido pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
R.T.J. — 195 175

no REsp n. 621.945/SP; ii) realize-se a intimação pessoal da Procuradoria de Assistência


Judiciária do Estado de São Paulo; iii) reabra-se o prazo para recurso contra a decisão
que deu provimento ao agravo de instrumento e iv) seja decretada a nulidade do julga-
mento do REsp n. 621.954/SP.

EXTRATO DA ATA
HC 84.747/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Marcos Wellington
Krisostomo ou Marcos Wellington Khrisostomo. Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco
Honorato Junior (Assistência Judiciária). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator.
Presidência do Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos Velloso,
Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 28 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.761 — SC

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Celso Roberto Berri — Impetrante: Luiz Carlos Cercato Padilha —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Prisão preventiva.
Garantia da ordem pública. Necessidade. Recurso de apelação. Julgamento
superveniente. Prejudicialidade.
1. O fato de ter o paciente abordado a vítima, em ocasião posterior
ao da prática do crime de atentado violento ao pudor, justifica a manuten-
ção da prisão preventiva para garantia da ordem pública, dada a necessi-
dade de prevenir o meio social de novos delitos.
2. O não-provimento superveniente do recurso de apelação implica
a prejudicialidade do writ, porquanto a custódia deixa de ser cautelar,
ficando a sentença apta à execução.
Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
176 R.T.J. — 195

conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, não
conhecer do pedido de habeas corpus.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordi-
nário, com pedido de liminar, contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanci-
ado na denegação de outro writ, cuja ementa está assim redigida:
“Processual Penal. Habeas corpus. Arts. 214, c/c 224, alínea a, ambos do
Código Penal. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública.
A decisão que motiva a medida constritiva para garantia da ordem pública e
conveniência da instrução criminal, considerando a real possibilidade da prática
de novos delitos, mostra-se devidamente fundamentada. (Precedentes).
Writ denegado.”
2. O paciente foi indiciado em inquérito policial instaurado com o objetivo de
apurar a prática do delito de atentado violento ao pudor. Segundo o impetrante, apesar
de o paciente colaborar nas investigações, a autoridade policial representou pela prisão
preventiva e o Juiz da Vara Criminal da Comarca de Balneário de Camboriú/SC a decre-
tou com fundamento na garantia da ordem pública, justificada pela necessidade de
acautelar o meio social de novos delitos.
3. O impetrante alega que a simples presunção de que o paciente continuaria
delinqüindo não constitui base idônea à decretação da medida extrema de cerceamento
da liberdade, sendo imprescindível a demonstração de elementos concretos que levem a
uma conclusão segura da assertiva.
4. Argumenta, ademais, que o TJ/SC e o STJ acrescentaram outro fundamento, que
é o da necessidade de assegurar a aplicação da lei.
5. A liminar foi indeferida.
6. O Ministério Público Federal opina pelo não-conhecimento; se conhecido, pelo
indeferimento.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Colho o seguinte trecho do parecer do Subpro-
curador-Geral da República Haroldo Ferraz da Nóbrega:
“(...)
Preliminarmente – O presente habeas corpus parece-me prejudicado, e por
dois motivos, cada um de per si, suficiente.
R.T.J. — 195 177

Em primeiro lugar, observe-se que a impetração junto ao STJ insurgiu-se


contra a suficiência da fundamentação do decreto de prisão preventiva.
Sobreveio, no caso, a sentença condenatória, na qual, expressamente, deter-
minou o Magistrado que o acusado aguardasse preso eventual recurso de apelação
‘(...) pois persistem os motivos da prisão preventiva, principalmente
para assegurar a ordem pública, pois segundo o Supremo Tribunal Federal:
‘no conceito de ordem pública, não visa apenas prevenir a reprodução dos
fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da
Justiça, em face da gravidade do crime e da sua repercussão. A conveniên-
cia da medida deve ser revelada pela sensibilidade do Juiz à reação do meio
ambiente à ação criminosa’ (RTJ 124/1093). Além de ser crime hediondo
que por si só impede a liberdade provisória (...)’
Ora, a nova ordem de prisão, que decorre de determinação constante de
sentença condenatória, por si só suficiente para manter o paciente preso, não foi
objeto de análise pelo acórdão impugnado do STJ (fls. 65/74, HC n. 34.649-SC).
Não pode pois analisar o STF esta segunda ordem de prisão, pena de supres-
são de instância (a primeira ordem de prisão foi a decorrente da preventiva e a
segunda a que emanou da sentença condenatória).
Por isso, parece-me prejudicado o presente HC pois a primeira ordem de prisão
(preventiva) está superada pela nova ordem de prisão (sentença condenatória).
Ainda em preliminar
Há um segundo motivo, que torna prejudicado o presente HC.
Em pesquisa ao site do TJ-SC, a minha Assessoria constatou que o Tribunal
de Justiça de Santa Catarina já julgou a apelação do ora paciente, dela conhecendo
mas lhe negando provimento (ver documento em anexo).
O mesmo documento registra que houve a interposição, pela defesa, de Re-
cursos Especial e Extraordinário, os quais, por não terem efeito suspensivo não
impedem a execução da ordem de prisão (Súmula 267 do STJ) e precedente do
STF, isto é, RHC 81.745/SC, publicado na RTJ volume 181, páginas 730/3).
[...]
No mérito, acaso conhecido e brevitatis causa peço vênia, para me reportar
aos próprios fundamentos da decisão do STJ, inseridos às fls. 65/74 dos autos, para
opinar pelo indeferimento do writ.” (Fls. 931/932).
2. A primeira preliminar, ao contrário da segunda, não pode ser acatada. Com
efeito, o fundamento original da prisão preventiva — garantia da ordem pública — foi
reproduzido na sentença e serviu para negar o apelo em liberdade. Desse modo, acaso
insuficiente para manter a segregação, o vício haveria de ser sanado mesmo nessa fase,
pois não alterado em sua essência. Contudo, e antes de acolher a segunda preliminar,
entendo idônea a motivação baseada na garantia da ordem pública para evitar a reitera-
ção de práticas criminosas. É que o paciente praticou atos diversos de conjunção carnal
com um menino de 12 anos de idade. A vítima prestou dois depoimentos: um por oca-
sião do fato e outro dois meses após. O primeiro foi fundamental para aferir a materialidade
178 R.T.J. — 195

e autoria do crime, com base no relato da vítima de que “(...) Beto [o paciente] pediu para
o depoente deitar de bruços e praticou sexo anal com o mesmo (...)” (fls. 139/140). No
segundo depoimento a vítima confirmou os fatos constantes do primeiro e revelou que
o paciente o abordou mais uma vez oferecendo trinta reais para fazer um programa. Ora,
sem embargo do acréscimo do fundamento concernente à aplicação da lei penal, o qual
afasto desde já, a prisão cautelar tem plena justificativa para evitar a reiteração de crimes,
pois, como visto, a vítima foi abordada para fazer outro programa quando o paciente
ainda estava sendo investigado. Portanto, o fundamento de sua prisão cautelar tem
respaldo legal.
3. No entanto, é de ser acolhida a segunda preliminar levantada pelo Ministério
Público para declarar prejudicado o presente writ. É que, não provida a apelação da
defesa, a manutenção da custódia passou a ter outro fundamento: o efeito da condena-
ção, cujo título está apto à execução, pelo menos até que esta Corte se pronuncie defini-
tivamente sobre o tema, que, de qualquer sorte, por não ter sido examinado pelo STJ, não
pode agora ser apreciado.
Ante o exposto, não conheço do writ.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, peço vênia ao Relator para adentrar o
tema de fundo do habeas corpus.
A verdade formal revela parâmetros da impetração ligados à preventiva e submete
à apreciação deste Colegiado o que decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Não há
como potencializar o que consignado no parecer sobre pesquisa que teria sido feita pela
assessoria do procurador, no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e
o dado relativo ao desprovimento da apelação.
Não sei mesmo — isso não é dito no parecer — se, quando desse desprovimento,
implementou-se, por fundamentos diversos daqueles atacados no habeas corpus, a pró-
pria custódia preventiva do paciente.
Admito a impetração.

EXTRATO DA ATA
HC 84.761/SC — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Celso Roberto Berri.
Impetrante: Luiz Carlos Cercato Padilha (Advogados: Alexandre Magno da Cruz e
outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma não conheceu do pedido de habeas
corpus; vencido o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 195 179

RECURSO EM HABEAS CORPUS 84.845 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Recorrente: Marcelo Araújo de Souza — Recorrido: Ministério Público Federal
1. Habeas corpus: descabimento para rever a questão relativa à
identificação do paciente, dada a necessidade, no ponto, de profundo ree-
xame de provas.
2. Tráfico de entorpecentes: condenação fundada unicamente em cha-
mada de co-réu, o que a jurisprudência do STF não admite: precedentes.
Ademais, ao fato de o paciente ser a pessoa indicada pelos co-réus —
conforme acertado nas instâncias de mérito —, per si, não permite extrair
tenha ele praticado conduta descrita na denúncia.
Manifesto constrangimento ilegal: concessão de habeas corpus de
ofício.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
julgar prejudicado o recurso ordinário e conceder, porém, de ofício, habeas corpus, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 12 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente foi condenado, em primeiro grau,
à pena de 12 anos de reclusão e multa, por infração do art. 12; e 18, III, ambos da Lei
6.368/76, com a agravante do art. 61, I, do Código Penal.
Esta a versão de fato acertada na sentença (fls. 97/101):
“(...)
“A materialidade delitiva está perfeitamente caracterizada a partir do auto de
apresentação e apreensão da substância entorpecente, bem como pelos laudos
periciais de exame daquele material (entorpecente), prévio e definitivo, ambos
positivos, às fls. 04 e 184, respectivamente, roborados pela prova testemunhal
produzida em ambas as fases procedimentais.
A autoria, embora negada em sonora comunhão em sede judicial por ambos
os réus, foi confessada pelo réu Paulo Rogério Gomes de Castro em sede
inquisitorial e sua retratação em Juízo é despida de qualquer seriedade e de um
mínimo de lastro comprobatório e indica Marcelo Araújo de Souza, o “Cobra”
como o proprietário da substância entorpecente encontrada em seu poder, já que o
material apreendido no interior da “pochete” presa à sua cintura era o que restou da
noite de “trabalho” por ele empreendida, enquanto vendedor da malsinada subs-
tância, para o 2º réu.
180 R.T.J. — 195

Passo ao exame da tipicidade da conduta em tela. A questão fática pode ser


resumida ao seguinte: no 17 de novembro do ano (...), policiais militares adentra-
ram determinada casa na Barreira do Vasco, em São Cristóvão onde anteriormente
haviam feito várias prisões de pessoas ligadas à mercancia ilícita de substâncias
entorpecentes naquela localidade, casa esta dada como local usado pelos vende-
dores de drogas da Barreira do Vasco. A porta estava entreaberta e os policiais
adentraram a casa, deparando com o réu Paulo Rogério e o menor Mauro Fernan-
do, os quais dormiam, sendo que o primeiro tinha uma bolsa tipo “pochete” presa
na cintura. Acordados pelos milicianos, foram submetidos a revista pessoal e den-
tro da bolsa “pochete” que estava presa à cintura de Paulo Rogério, foram encon-
trados – e apreendidos – os 54 “sacolés” de cocaína (35g), a importância em di-
nheiro em espécie de R$70,00 e ainda alguns pedaços de papéis com anotações.
Em sede inquisitorial, o menor Mauro Fernando afirmou que a droga encontrada
dentro da “pochete” que estava na cintura de Paulo Rogério estava sob a sua
responsabilidade (dele, menor) que era vendedor daquele material para “Cobra” o
traficante de drogas da barreira do Vasco.
Observo que o menor Mauro Fernando, quando ouvido ao abrigo do contra-
ditório às fls. 120, informa ao Juízo que a bolsa contendo a substância entorpecen-
te encontrada na cintura de Paulo Rogério continha o que havia sobrado de subs-
tância entorpecente da noite de trabalho de ambos, já que afirma que “...Paulo
Rodrigo tinha passado a noite vendendo tóxico e estava com o que sobrou na
cintura, numa bolsa pochete: que o depoente, entretanto, chegou mais cedo naque-
la casa: que a casa onde foram presos ‘é usada pelo pessoal do movimento’...”
quanto ao preço da malsinada substância informa ainda o menor que “...cada
papelote era vendido a R$5,00 e um real era do depoente...” e que vendia subs-
tâncias entorpecentes para qualquer um no Morro, inclusive para “Cobra”. Esse
depoimento robora a confissão extrajudicial de Paulo Rogério, sendo ainda de se
priorizar aqui as declarações prestadas pelo CBPMERJ Bernardino Paulo da Silva
Neto, às fls. 124, quem, igualmente ao abrigo do contraditório, confirma terem sido
presos Paulo Rogério e o menor Mauro Fernando exatamente conforme narra a
denúncia, aduzindo que ambos admitiram trabalhar como vendedores de entorpe-
centes para “Cobra” e ainda que ele conhecia anteriormente Paulo Rogério já que,
enquanto menor, fora por ele preso pelo mesmo motivo – tráfico de substância
entorpecente.
Chegou-se a Marcelo Araújo de Souza como o traficante “Cobra”, porque o
escrivão do delegado Krenkel, quem presidiu o APF, lembrou-se que havia um
procedimento policial onde constava a qualificação de “Cobra”, enquanto trafi-
cante da Barreira do Vasco, razão pela qual vieram aos autos as peças que se acham
às fls. 29/34 – APF lavrado contra o traficante Luiz Fernando da Silva Santos,
também vendedor de substâncias entorpecentes para “Cobra”, tendo funcionado
como seu advogado, inclusive quando da lavratura do APF, curiosamente, o mes-
mo advogado de Paulo Rogério, vale dizer, o Dr. Paulo César de Oliveira, confor-
me se vê de fls. 30 e 31. Às fls. 161/162 o Escrivão Jorge esclareceu que a identifi-
cação de “cobra” se deu a partir de sua oitiva na 17ª Depol, no inquérito que
apurava o assassinato de seu irmão, Marco Antônio, também conhecido pelo
R.T.J. — 195 181

codinome de “Rã”, conforme se vê dos documentos acostados às fls. 130/132.


Observe-se que às fls. 132, Marcelo Zanzoni afirma que Marcelo, o irmão de Rã, é
conhecido como “Cobra”, sendo ele o traficante da Barreira do Vasco. E o irmão
de “Rã” é exatamente o 2º réu, ou seja, Marcelo Araújo de Souza.
Em sendo assim – como é – tenho para mim que está confirmada a identifica-
ção de Marcelo Araújo de Souza como o traficante “Cobra e bem ainda a adequa-
ção das condutas dos réus em julgamento no tocante à associação entre eles para o
desenvolvimento da mercancia ilícita de substância entorpecente, sendo que esta
associação não se comprovou, como pretendia o M.P. na oportunidade do ofereci-
mento da denúncia, de forma permanente, com animus associativo de criar uma
sociedade com fins delitivos exsurgindo, contudo, o concurso dos dois réus, para
a prática desta mercancia, ou, em outras palavras, uma associação eventual, com o
que aqui se afasta a imputação prevista no art. 14 da Lei específica, permanente e
estável, com prévio ajuste para tal prática, sendo certo que enquanto o 1º réu era o
vendedor, o 2º réu era o fornecedor da droga para que o primeiro a vendesse, ambos
auferindo dessa atividade o lucro.
(...)
Em síntese, tem-se a adequação típica das condutas dos réus aos tipos descritos
nos art. 12 n/f do art. 18, inciso III, primeira figura, da Lei 6.368/76 (...).
Contra esta decisão o paciente interpôs apelação alegando ser “precária a prova
acusatória” e que não possui “o apelido de ‘Cobra’” (fl. 103).
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento à apelação, concluindo
que o paciente era a pessoa conhecida como “Cobra” e, a partir daí, restaria “clara a sua
real participação no tráfico de drogas na localidade da Barreira do Vasco, incluindo a
contratação de jovens e menores inimputáveis para o comércio criminoso” (fls. 107/109).
Considerou, pois, a sentença, que o paciente era a pessoa conhecida como “Cobra”,
bem como que, pela delação dos co-réus, a estes fornecera a droga apreendida.
O acórdão da apelação, contudo, não firma expressamente o fornecimento da dro-
ga aos co-réus pelo paciente: considera provado que o paciente é a pessoa conhecida
como “Cobra” e, a partir daí, já conclui fato diverso, qual seja, sua participação “no
tráfico de drogas na localidade da Barreira do Vasco, incluindo a contratação de
jovens e menores inimputáveis para o comércio criminoso” (fl. 107).
A questão de saber se o paciente era ou não a pessoa conhecida como “Cobra” já
foi submetida à 1ª Turma desta Corte (v.g., RHC 80.253, j. 8-8-00, Octávio Gallotti, DJ
de 24-11-00 — fl. 301).
A ordem foi indeferida, dado que, para se chegar a conclusão diversa daquela a que
chegaram as instâncias de mérito, seria necessário o revolvimento das provas, ao que não
se presta o habeas corpus (fls. 301/314).
Posteriormente, contudo, o paciente ajuizou revisão criminal, repisando as alega-
ções da apelação e acrescendo outra, qual seja, a falta de análise das teses defensivas
ventiladas em sede de memoriais e no próprio recurso de apelação.
182 R.T.J. — 195

O Relator indeferiu liminarmente a revisão (Código de Processo Penal, art. 625, § 3º),
decisão confirmada quando do julgamento do agravo regimental interposto, sob o fun-
damento de que ela não teria sido “instruída de qualquer prova nova, e as que foram
apresentadas já foram devidamente apreciadas quando da sentença e apelação inter-
posta” (fl. 159).
Donde o presente recurso ordinário, no qual se requer a renovação do julgamento
da revisão criminal e, de ofício, das demais instâncias, a fim de que sejam analisadas
todas as teses da defesa.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Il. Subprocuradora-Geral
Delza Rocha, opinou pelo indeferimento da ordem, na linha do decidido pelo acórdão
impugnado, ressaltando que “a questão relativa ao não-enfrentamento das teses da defe-
sa deveria ser objeto de embargos declaratórios, não cabendo invocá-las em habeas
corpus, ou no presente recurso”, conforme precedente desta Corte que entende aplicável
ao caso (HC 83.160, 2ª T., j. 9-9-03, Jobim, DJ de 13-2-04).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I

Conforme acentuei, a questão relativa à identificação do paciente como sendo a


pessoa conhecida como “Cobra” já fora apreciada por esta Turma quando do julgamento
do RHC 80.253, j. 8-8-00, Octávio Gallotti, DJ de 24-11-00, que foi indeferido, dada a
necessidade, no ponto, de profundo reexame de provas (fl. 301).
Tendo em vista o indeferimento liminar da revisão criminal, nada se alterou
quanto àquela versão de fato extraída da sentença e do acórdão da apelação.
Donde se aplicar aqui, mutatis mutandis, a mesma solução.
II

Estou convencido, entretanto, que do fato de o paciente ser a pessoa conhecida


como “Cobra” — tal como acertado nas instâncias de mérito — não se pode extrair
outros, quais sejam: a) ser ele quem efetivamente forneceu a droga aos co-réus, como diz
a sentença; b) ou que ele participava “no tráfico de drogas na localidade da Barreira do
Vasco”, tal como concluiu o acórdão da apelação.
Com efeito, considerou a sentença que o paciente era a pessoa conhecida como
“Cobra”, bem como que, segundo a delação dos co-réus, a estes fornecera a droga.
Mas temos entendido que a chamada de co-réu não se presta para fundamentar por
si só a condenação (v.g., HHCC 74.368, Pleno, 1º-7-97, Pertence, DJ de 28-11-97;
85.457, 1ª T., j. 22-3-05, Pertence).
R.T.J. — 195 183

De outro lado, o que se contém no acórdão da apelação — além da afirmação de


que não procedem as razões do paciente — é que ele era a pessoa conhecida como
“Cobra”, concluindo-se, a partir daí, pela sua participação “no tráfico de drogas na
localidade da Barreira do Vasco, incluindo a contratação de jovens e menores inimpu-
táveis para o comércio criminoso” (fls. 106/110).
Tal ilação, entretanto, nem coincide com a sentença, nem poderia ser extraída,
como foi, apenas do fato de ser o paciente o “Cobra”.
Certo, tais considerações, tal como expostas, não foram deduzidas nas impetrações
anteriores; mas, sendo manifesto constrangimento ilegal à liberdade de locomoção,
concedo de ofício o habeas corpus para cassar a condenação do paciente, prejudicado o
recurso ordinário: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RHC 84.845/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Marcelo
Araújo de Souza (Advogados: Karine Faria Braga de Carvalho). Recorrido: Ministério
Público Federal.
Decisão: A Turma julgou prejudicado o recurso ordinário. Concedeu, porém, de
ofício, habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Delza Curvello Rocha.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.869 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Antonia Gonzaga — Impetrantes: Celso Sanchez Vilardi e outro —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
I - Habeas corpus: cabimento.
1. Assente a jurisprudência do STF no sentido da idoneidade do
habeas corpus para impugnar autorização judicial de quebra de sigilos,
se destinada a fazer prova em procedimento penal.
2. De outro lado, cabe o habeas corpus (HC 82.354, 10-8-04, Pertence,
DJ de 24-9-04) — quando em jogo eventual constrangimento à liberdade
física — contra decisão denegatória de mandado de segurança.
II - Quebra de sigilos bancário e fiscal, bem como requisição de regis-
tros telefônicos: decisão de primeiro grau suficientemente fundamentada,
184 R.T.J. — 195

a cuja motivação se integraram per relationem a representação da autori-


dade policial e a manifestação do Ministério Público.
III - Excesso de diligências: alegação improcedente: não cabe invocar
proteção constitucional da privacidade em relação a registros públicos.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A representação do Delegado de Polícia Federal,
Chefe do Setor de Operações da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado e Inquéritos
Especiais em São Paulo, pela quebra de sigilos bancário e fiscal da paciente e de outros
seis indiciados, tem o teor seguinte (fls. 215/218):
“Os presentes autos foram instaurados objetivando apurar os crimes de Lava-
gem de dinheiro previsto na norma do artigo 1º, inciso II, da Lei 9.613/98, e
Sonegação fiscal capitulado no art. 2º, inciso I, da Lei 8.137/90, decorrentes da
“operação diamante” desencadeada pelo Setor de Repressão a Entorpecente da
Polícia Federal e que culminou na prisão em flagrante delito por tráfico de entorpe-
cente de Orlando Marques dos Santos, Valdemar Ferreira de Santana, Deise
Rodrigues dos Santos, Wanderlei Aparecido Vidal, Ricardo Mendes dos Santos e
Antonia Gonzaga.
No procedimento criminal que apurou o tráfico de entorpecente, descorti-
nou-se um outro fato importantíssimo, qual seja, uma considerável movimentação
financeira e patrimonial pertencentes aos integrantes da quadrilha, não deixando
dúvidas que os bens e valores auferidos pelos membros da organização tiveram
origem no lucro das operações referente a venda de substância entorpecente.
O crime de Lavagem de dinheiro como crime subseqüente, prende-se ao fato
que os valores e patrimônio movimentado pelos autuados, e constatado na inves-
tigação criminal, distoa das atividades desempenhadas pelos seus membros, le-
vando a crer que o dinheiro e bens amealhados são provenientes de suas atividades
criminosas.
Como exemplo, citamos o caso de Orlando Marques dos Santos, pessoa a
quem se reputa ser o líder da quadrilha, e que teria adquirido uma fazenda recente-
mente no município de Palmeirópolis no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil)
reais.
R.T.J. — 195 185

Segundo informações extra-oficiais, em poder de Antonia Gonzaga, foram


apreendidos, somente em jóias, aproximadamente R$ 200.000,00 (duzentos mil)
reais, e neste caso, importante registrar que a mesma é proprietária de uma Imobiliária
em Alphaville, empresa esta que poderia estar sendo utilizada para a “limpeza” do
dinheiro, merecendo especial atenção desta investigação.
O depoimento de Orlando Marques dos Santos (fls. 127/142) também merece
destaque pelo volume financeiro movimentado pelo líder da quadrilha, o qual, há
anos se encontrava recluso e com uma lista de antecedentes criminais e condena-
ções que faz inveja aos maiores delinqüentes do país.
Quando do desencadeamento da operação que resultou na prisão de todos os
membros da quadrilha, foram apreendidos inúmeros veículos, dinheiro em espé-
cie, grande volume de jóias e até uma aeronave. Aliás, quanto ao avião apreendido,
de propriedade de Orlando Marques, vale a pena tecermos alguns comentários
neste particular, pois, até o momento, não consegui compreender o porque este tal
Orlando Gomes mantém um avião angariado no aeroporto Santa Genoveva, em
Goiânia, se o mesmo já está preso a vários anos. Aliás, existem provas nos autos
que demonstram que a aeronave era constantemente utilizada pelo líder da quadri-
lha para manter seus contatos e a continuidade de sua atividade criminosa.
Somente uma investigação ampla e irrestrita demonstrará a participação por-
menorizada de cada uma das pessoas objeto deste pedido, além de que, o supedâ-
neo deste pleito está consubstanciado no auto de prisão em flagrante e as demais
provas carreadas aos autos, tornando-se contundente a participação de cada uma
das pessoas abaixo mencionadas na empreitada criminosa, fazendo-se desnecessá-
rias as individualizações pormenorizadas de suas condutas, pois, somente uma
investigação ampla e irrestrita poderá demonstrar a participação e o efetivo envol-
vimento de todos no crime de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.
Desta forma, para a efetiva atribuição das responsabilidades criminais, faz-se
necessária a busca de provas complementares que evidencie que os bens, valores e
imóveis foram auferidos com o proveito do crime de tráfico de entorpecente, razão
pela qual, esta autoridade Policial representa pela quebra de sigilo bancário e
fiscal das pessoas físicas e jurídicas abaixo nominadas, salientando, que a decreta-
ção da quebra do sigilo bancário seja extensivo ao cadastro do cliente, bem como,
a identificação dos depositantes e favorecidos nas movimentações financeiras,
devendo o Banco Central do Brasil proceder levantamento das contas correntes de
titularidades das citadas pessoas e proceder a entrega dos documentos bancários a
Justiça visando a instrução deste feito. (...)”
À vista dessa representação da autoridade policial, o Promotor de Justiça, em exer-
cício no Grupo de Atuação Especial no Crime Organizado, requereu (fls. 270/273):
“(...)”
“Em decorrência do inquérito policial sob n. 3-0135/2001 (original), bem
como o devido processo que tramitou perante a comarca de São Caetano do Sul, foi
prolatada sentença, a qual, neste momento requer a juntada, dando conta da conde-
nação de Orlando Marques dos Santos, Wanderley Aparecido Vidal, Ricardo Men-
des dos Santos, Valdemar Ferreira de Santana e Deise Rodrigues dos Santos, a uma
186 R.T.J. — 195

pena de 15 (quinze) anos de reclusão e 360 (trezentos e sessenta) dias multa, em


razão do crime previsto no artigo 12 da Lei 6.368/76 e 10 (dez) anos de reclusão
pela prática do crime previsto no artigo 14 do mesmo diploma legal, não conce-
dendo direito de recorrer em liberdade.
Quanto aos bens e objetos apreendidos (veículos, embarcações, aeronaves e
quaisquer outros meios de transporte, assim como os maquinismos, utensílio, ins-
trumentos e objetos, bem como jóias e dinheiro), o ilustre Magistrado decretou o
perdimento em favor da União, ficando indeferido qualquer pedido de liberação
de bens.
Cabe consignar, portanto, que o crime precedente de tráfico ilícito de entor-
pecentes está devidamente demonstrado, preenchendo o requisito do art. 1º da Lei
9.613/98.
Para aprofundar a investigação de modo a viabilizar o oferecimento de
denúncia, nos termos da representação policial de fls. 185/188, o Ministério
Público requer, com relação às pessoas de Orlando Marques dos Santos,
Wanderley Aparecido Vidal, Ricardo Mendes dos Santos Valdemar Ferreira de
Santana, Deise Rodrigues dos Santos e, Antonia Gonzaga, todos qualificados
nos autos:
a) Quebra do sigilo fiscal de todos os investigados, requisitando-se a declara-
ção de imposto de Renda completa referente ao exercício dos últimos 4(quatro)
anos, excluído o ano de 2002, contado retroativamente;
b) Quebra do sigilo bancário de todos os investigados, requisitando a todas
as instituições bancárias onde tiverem contas ou mesmo investimentos, que enca-
minhem o extrato bancário, bem como a remessa de cópia de microfilmes de che-
ques ou documentos de transferência de créditos em valores superiores a R$
3.000,00 (três mil reais), no período de 3 (três) anos, levando-se em conta o dia da
ocorrência do crime, contado retroativamente;
c) Ofício a todos os cartórios de imóveis da cidade de São Paulo, de São
Caetano do sul e de Santana do Parnaíba (Barueri), para que encaminhem cópias de
todas as matrículas, procurações, públicas ou particulares, ou, qualquer outro do-
cumento relacionado a imóveis ou não, em nome dos investigados, levando-se em
conta o período de 3 (três) anos, do dia da ocorrência do crime, contado retroativa-
mente;
d) Quebra do sigilo telefônico, encaminhando-se ofício às empresas Telefô-
nica, Telesp Celular, Vésper e BCP para que forneçam a relação de chamadas
recebidas e discadas nos aparelhos registrados em nome dos investigados, levan-
do-se em conta o período de 3 (três) anos, do dia da ocorrência do crime, contado
retroativamente;
e) Ofício ao Departamento de Trânsito de São Paulo (DETRAN) para que
forneça os veículos existentes em nome dos investigados nos últimos 4 (quatro)
anos, levando-se em conta o dia do crime, contado retroativamente.
f) Ofício à Junta Comercial para que sejam encaminhados os nomes de even-
tuais empresas em nome dos investigados, nos últimos 4 (quatro) anos, levando-se
em conta o dia do crime, contado retroativamente, inclusive na região abrangida
pelo município de Santana do Parnaíba (Barueri).
Tais diligências servirão, em conjunto com outros elementos de convicção,
para subsidiar a possível configuração do crime de lavagem de capitais.”
R.T.J. — 195 187

O Juiz de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais da Capital – DIPO


acolheu o requerimento, verbis (fls. 274/274v.):
“Como observado, apurou-se com o presente procedimento investigatório a
prática de eventual crime de lavagem de capitais por parte de Orlando Marques
dos Santos, Wanderley Aparecido Vidal, Ricardo Mendes dos Santos, Waldemar
Ferreira de Santana, Deise Rodrigues dos Santos e Antonia Gonzaga. Houve con-
denação por tráfico de entorpecentes o que abre caminho para o reconhecimento de
justa causa para as investigações e sua continuidade. Sob estes prisma, defiro inte-
gralmente a manifestação de fls. 235/238 por reconhecer convergentes o fumus boni
juris e o periculum in mora, decretando as quebras dos sigilos fiscal, financeiro e
telefônico nos moldes propugnados. Oficie-se. Ciência ao MP.”
Contra essa decisão a ora paciente impetrou mandado de segurança, indeferido no
Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual alegou: inadequação e desproporcionalidade
da medida; falta de justa causa; ausência de fundamentação, violação do art. 93 da
Constituição Federal; que a sentença prolatada não lhe é aplicável; desobediência ao
devido processo legal (CF, art. 5º, X e XII), que resguarda o direito à intimidade, à sua
vida privada, à sua imagem e que não são aplicáveis a LC 105/2001 e Lei 9.613/1998.
Extrato dos fundamentos do acórdão:
“(...) o inquérito prosseguiu porque, embora encarceradas as figuras centrais
da atividade criminosa, outras pessoas gravitavam em torno delas, notadamente
Antonia, cujo inquérito enfocado neste mandamus procura esclarecer a prática por
ela desenvolvida, descansada na lavagem de dinheiro ou sonegação fiscal e, nós
acrescentamos, talvez outras, conforme se chegue à conclusão, como associada ao
crime principal.
De fato, a impetrante demonstra sinais externos de riqueza, espelhados em
morar em Alphaville, condomínio destinado às classes nobres da região metropo-
litana de São Paulo, e lá também manter uma corretora de imóveis, negócio geral-
mente usado para acobertar dinheiro escuso. Também seus filhos estudavam em
colégio particular de primeira linha e uma das filhas, segundo a impetrante decla-
rou, estava pronta para ir estudar na Austrália. Foram apreendidos em sua residên-
cia US$ 20.000 (vinte mil dólares), carros de luxo, alguns dos quais não pôde ela
indicar o proprietário, e grande quantidade de jóias, avaliada em R$ 200.000,00.
Se tal não bastasse, mesmo que se leve em conta a versão defensiva por ela
alinhavada, atrelada em gastos provenientes da pensão que recebia (R$
15.000,00), esta, sem dúvida, maculada pela origem ilícita, e, mais, do fruto de seu
trabalho, derivado da corretora, é certo que ela também enviava dinheiro ao ex-
marido, Orlando, e viajava para Goiânia, onde o mesmo se encontrava.
Ora a medida eleita está longe de desrespeitar o devido processo legal, por-
que adveio de autoridade competente, isto é, judicial, requerida e subscrita pelo
Ministério Público. Também, embora sintética, preencheu os requisitos legais,
notadamente indicando o fumus boni juris e o periculum in mora (fl. 203 e v).
No agravo de instrumento n. 294.263.5/9 (Guarujá), desta Corte, o Desem-
bargador Demóstenes Braga realçou as palavras do Ministro Humberto Gomes de
Barros, onde consignou que “é lícita a quebra de sigilo bancário, judicialmente
188 R.T.J. — 195

autorizada, para possibilitar, em procedimento administrativo, a apuração de


eventuais ilícitos” e o citante fez adjuntar que “se tolerada a prática em processo
administrativo, com maior razão, igualmente, é legítimo o procedimento no bojo
de inquérito civil público, pois o sigilo bancário jamais poderá ser invocado como
garantia de impunidade”.
E, se é possível no administrativo, quanto mais no criminal objetivando
delito de entorpecentes, cuja Lei Complementar n. 105, de 10.01.2001, expressa-
mente ampara em seu inciso II do § 4º do n. 1. O mesmo se diga ao demais,
construído na quebra dos demais, abraçados no financeiro, fiscal e telefônico.”
O Superior Tribunal de Justiça, de sua vez, desproveu o recurso ordinário — RMS
16.613, Dipp, conforme a seguinte ementa (fl. 281):
“I. Hipótese em que, procedendo-se à apuração de crime de tráfico de entor-
pecentes, surgiram indícios da prática de lavagem de dinheiro, consistentes na
intensa movimentação financeira e patrimonial de pessoas ligadas aos criminosos,
notadamente da ex-esposa da pessoa apontada como chefe da quadrilha.
II. A proteção aos sigilos bancário, telefônico e fiscal não é direito absoluto,
podendo os mesmos serem quebrados quando houver a prevalência do direito
público sobre o privado, na apuração de fatos delituosos ou na instrução dos
processos criminais, desde que a decisão esteja adequadamente fundamentada na
necessidade da medida. Precedentes.
III. Decisão denegatória do mandado de segurança que se encontra suficien-
temente fundamentada, tendo apontado, de forma precisa, as razões pelas quais se
considerou necessária a quebra dos sigilos da paciente.
IV. Inviável o acolhimento da tese recursal ao se pretender que o fato de a
paciente não ter sido condenada pelo tráfico de drogas seria indício de não ter, a
mesma, cometido crime de lavagem de dinheiro.
V. A participação no crime antecedente não é indispensável à adequação da
conduta de quem oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crime, a tipo do art. 1º, da Lei 9.613/98.
VI. Não se conhece do pedido quanto à eventual insuficiência de delimita-
ção temporal e fática, na quebra dos sigilos se o acórdão recorrido eximiu-se de
analisar a questão, quanto a este enfoque, sob pena de supressão de instância.
VII. Recurso parcialmente conhecido e desprovido.”
Daí a presente impetração de habeas corpus, que insiste na violação do art. 93 da
Constituição, tendo em vista a inidoneidade da fundamentação da decisão que decretou
a quebra dos sigilos da paciente.
Alega o impetrante que a decisão questionada fundou-se unicamente na existência
de sentença condenatória de crime anterior — tráfico ilícito de entorpecentes —, que
não se aplica à paciente, pois esta, diferentemente dos demais investigados, não foi presa
em flagrante, não foi denunciada pelo tráfico e nem condenada.
Aduz-se que a quebra dos sigilos é pedida para “aprofundar a investigação”,
quando o procedimento legal seria “aprofundar a investigação para pedir a quebra”.
R.T.J. — 195 189

Além disso, afirma-se que os acórdãos que denegaram sucessivamente a segurança


levaram em consideração justificativas apresentadas pelo Relator no Tribunal de Justiça,
que não faziam parte da motivação do magistrado de primeiro grau e que não servem
para suprir a falta de fundamentação do decreto da quebra dos sigilos.
Argumenta-se que “para justificar as quebras na investigação de lavagem, deveria
ter se dado uma justificativa relativa a um dos verbos consagrados pela Lei 9.613/98 e
não ao pré-requisito do crime de lavagem, qual seja, a existência de crime anterior.”
De qualquer modo, diz o impetrante, ainda que desconsiderado o vício apontado,
a decisão, nos termos em que proferida, é excessiva, abusiva e desproporcional.
No ponto, colho da impetração (fls. 27/29):
“(...) a medida foi deferida de modo a abranger absolutamente todos os
aspectos da intimidade da Paciente. Não é apenas seu sigilo bancário, fiscal e
telefônico que se encontra desprotegido. Foram expedidos, também, ofícios ao
Detran, aos Cartórios de Imóveis da região e, ainda, à Jucesp, determinando a
remessa de qualquer dado referente à Paciente.”
Pede-se a concessão da ordem para que seja cassada a decisão impugnada e deter-
minado o desentranhamento dos autos de toda documentação referente à quebra do
sigilo da Paciente.
Dada a instrução do pedido, dispensei informações (fl. 299).
O Ministério Público Federal — parecer do il. Subprocurador-Geral Haroldo da
Nóbrega, opinou pelo indeferimento do pedido verbis (fls. 301/304):
“A paciente, reitera-se, é ex-companheira de Orlando Marques, já condenado
a 15 anos de reclusão, por infração à lei de tóxicos, que foi desbaratada pela Polícia
Federal, através da conhecida “Operação Diamante”.
A determinação da quebra de sigilo da paciente e outros visa à apuração de
lavagem de dinheiro e sonegação fiscal e está suficientemente fundamentada, em
atendimento a representação da autoridade policial (ver fls. 213/218).
A quebra de sigilo que alcança não só a paciente mas também outras pessoas
condenadas por tráfico de tóxicos (ver fls. 217 e 263), visa justamente a evitar que
o dinheiro produto do crime continue circulando e “branqueando”.
O parecer é no sentido do indeferimento do writ.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Consolidou-se a jurisprudência do
Tribunal no sentido do cabimento do habeas corpus para impugnar autorização judicial
de quebra de sigilos, destinada a fazer prova em procedimento penal1.

1 V.g., HC 79.191, 1ª T., 4-5-99, Pertence, RTJ 171/258; HC 80.100, Pl., 24-5-00, Gallotti, Inf.STF
190; HC 81.294, 1ª T., 20-11-01, Ellen, RTJ 180/656.
190 R.T.J. — 195

02. De sua vez, recentemente decidiu a Turma caber o habeas corpus — quando
em jogo eventual constrangimento à liberdade física — contra decisão denegatória de
mandado de segurança2.
03. Nessa linha, conheço do pedido.

II
04. No mérito, estou em que, no caso, a quebra dos sigilos bancário e fiscal da
paciente — assim como a requisição de seus registros telefônicos — estão suficiente-
mente fundamentados pela decisão de primeiro grau, a cuja motivação se integraram
per relationem a representação da autoridade policial e a manifestação do Ministério
Público3.
05. Como anotou com precisão a decisão do Superior Tribunal de Justiça, a parti-
cipação no crime antecedente — no caso, o tráfico de entorpecentes, pelo qual foi
condenado, entre outros, o seu ex-marido, mas não a paciente — não é pressuposto de
validade da investigação da sua possível cooperação na lavagem de dinheiro dele resul-
tante, suspeita lastreada em elementos de informação relativas às suas atividades e ao
seu padrão de vida.
06. De outro lado, não procede a alegação do suposto excesso das diligências
deferidas, no que, além do atinente à movimentação bancária, à documentação fiscal e
aos dados telefônicos da paciente —, se determinou a requisição de informações ao
Detran, aos cartórios de imóveis e à Junta Comercial: é que se trata de registros públicos,
em relação aos quais não cabe invocar proteção constitucional da privacidade.
07. Indefiro a ordem: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 84.869/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Antonia
Gonzaga. Impetrante: Celso Sanchez Vilardi. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participou
deste julgamento o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Wagner de Castro Mathias Netto.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

2 HC 82354, 1ª T., 10-8-04, Pertence, DJ de 24-9-04.


3 V.g., MS 23.553, 29-11-00, Néri, Inf. STF 212.
R.T.J. — 195 191

HABEAS CORPUS 85.052 — MG

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Ricardo Abdulmassih — Impetrante: Wanderley de Medeiros — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
Júri: desaforamento: contraditório: representação do Juízo pro-
cessada e julgada sem a audiência do defensor do acusado: nulidade.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente e outro foram denunciados por
homicídio doloso no Município de Tapaciguara/MG.
Provendo recurso especial do paciente, o STJ desaforou o Júri para Uberlândia.
Posteriormente, o Juízo da 3ª Vara Criminal de Uberlândia/MG, ao qual fora distri-
buído o processo, ofereceu representação ao Tribunal local no sentido de que fosse o
julgamento transferido para Belo Horizonte.
Embora notificado pessoalmente (fl. 63), o paciente não respondeu à representa-
ção, sobrevindo o acórdão do Tribunal local que deferiu o pedido de desaforamento, nos
termos da ementa transcrita (fls. 80/83):
“Desaforamento – Dúvida sobre a imparcialidade do júri – Existência de
fatos objetivos – Pedido formulado pelo próprio juiz – Deferimento.
Havendo fatos objetivos que autorizam fundada dúvida sobre a imparciali-
dade dos jurados, é de se deferir o pedido de desaforamento, mormente se formula-
do pelo próprio juiz.”
Contra essa decisão impetrou-se habeas corpus ao STJ, no qual se alegou que,
embora o paciente tenha sido notificado para responder à representação, seu defensor
não foi comunicado de nenhum ato, pois não informado do envio da representação ao
Tribunal local, da abertura de prazo para a resposta ou mesmo da data do julgamento.
O Superior Tribunal de Justiça denegou ordem nos termos do acórdão do qual se
extrai:
“Consoante asseverou a d. Subprocuradoria-Geral da República, o pedido de
desaforamento partiu do Juiz, que desfruta da presunção de imparcialidade. Tinha,
portanto, de ser acolhido. E não era obrigatória a intimação do acusado e do seu
defensor, pois a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem proclamando
192 R.T.J. — 195

que a inobservância daquela formalidade não ofende as garantias (art. 5º, LVI e LV,
da CF) nem invalida a decisão do Tribunal de Justiça.
A propósito, confiram-se os seguintes precedentes.
[HC 71.345, Francisco Rezek, DJ de 10/05/96]
“Habeas corpus. Júri. Desaforamento pedido pelo juiz. Contraditório.
Comarca distante. Fundamentação idônea. Ausência de ilegalidade.
I. O desaforamento, por constituir derrogação da regra do julgamento
no distrito da culpa, é de aplicação restrita. Partindo do magistrado o pedido,
ele deve ser acolhido. A regra de que no desaforamento deve-se ouvir a parte
contrária à vista do contraditório não prevalece quando o alvitre é do magis-
trado. A presunção é de imparcialidade.
II. A indicação da comarca mais distante do distrito da culpa teve fun-
damentação idônea. Ausência de ilegalidade.
Habeas corpus indeferido.’
[HC 67.749, Celso de Mello, DJ 20.3.90]
‘Habeas corpus – Processo penal – Desaforamento – Garantia consti-
tucional do contraditório — Alegação de nulidade do julgamento por au-
sência de publicação da pauta respectiva – Inocorrência – Irrelevância das
informações do juiz – Repercussão do fato criminoso na Imprensa – Causa
insuficiente para justificar o desaforamento.
Donde a presente impetração — substitutiva de recurso ordinário —, na qual o
impetrante repisa os mesmos fundamentos, asseverando ainda que:
“(...) O fundamento e a finalidade da impetração é de que o processamento da
representação da Meritíssima Juízo ocorreu sem a participação da defesa. O acusa-
do foi intimado, mas se manteve inerte. Cabia intimar seu defensor. Se também
permanecesse sem ação, era o caso de nomear defensor dativo, para o incidente de
desaforamento. Mas nem o defensor de livre escolha foi intimado nem se nomeou,
mesmo que pro forma, um defensor dativo.
É nulo, sem dúvida, o desaforamento processado e julgado (...) à revelia da
defesa do acusado, o paciente. Outro acusado, José dos Santos Coutinho, sequer
foi lembrado, não foi intimado e não teve seus interesses defendidos e observados.
(...)
O douto entendimento que dispensa a participação da defesa afronta o
auditur et altera pars, a essência do processo penal democrático, do contraditório
e da ampla defesa. Não por acaso, Súmula 742, do Pretório Excelso, dita:
‘É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da com-
petência do júri sem audiência da defesa’.
a) Ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio: as razões da jurisprudência domi-
nante que levaram à Súmula 742 – que não faz exceção, para excluir a participação
da defesa no exame dos desaforamentos provocados pelos senhores Juízes – não
podem ser ignoradas nem afastadas nesses casos;
R.T.J. — 195 193

b) A dispensa se desculpa com a alegação de urgência, que no caso não


existia (...)
(...)
Nada foi considerado, bastando-se o venerando acórdão com a seca afirmação
de que ‘não é obrigatória a intimação do acusado e do seu defensor, quando o pedido
de desaforamento partir do juiz. A presunção é de imparcialidade’. Imparcialidade
presumida júris et de jure, sobrepondo-se aos comandos constitucionais?”
Alega ainda que, se o Juiz “goza de presunção de imparcialidade e o acusado e o
seu defensor não precisam ser intimados, seu pedido já é a decisão e o papel da Instân-
cia Superior é praticamente de mera homologação”.
O parecer do Ministério Público Federal, da lavra do Il. Subprocurador-Geral
Edson de Almeida, que expôs o caso e opinou nestes termos:
“1. Resume a ementa do HC 25.155-MG, denegado pela colenda Quinta
Turma do STJ (fl. 113):
‘Habeas corpus. Desaforamento pedido pelo Magistrado. Contraditório.
Não é obrigatória a intimação do acusado e do seu defensor, quando
o pedido de desaforamento partir do Juiz. A presunção é de imparcialidade.
Ordem denegada.’
2. A impetração, alegando cerceamento de defesa, insiste na tese da nulidade
do acórdão que determinou o desaforamento.
3. Em primeiro lugar, conforme afirmado pelo acórdão, e comprovado pelo
documento de fl. 63, a defesa foi regularmente notificada. Donde a verificação da
obediência ao contraditório.
4. Resta a questão da não inclusão do processo em pauta. Neste ponto, o
Supremo Tribunal Federal tem entendido que, salvo previsão regimental, o julga-
mento do pedido de desaforamento pode, validamente, independer de sua prévia
inclusão em pauta, sem que disso decorra ofensa à garantia constitucional do
contraditório: “razões de urgência, subjacentes ao perfil jurídico-processual do
instituto do desaforamento, justificam, à semelhança do que ocorre com a ação
penal de habeas corpus, a nenhuma obrigatoriedade da prévia intimação para
efeito de seu julgamento” (HC 67.749-MG, rel. Min. Celso de Mello, DJU
20.03.1990). No caso, não é demais salientar que o art. 393 do Regimento Interno
do TJ-MG adota para o julgamento do desaforamento o rito do habeas corpus.
5. Isso posto, opino pelo indeferimento da ordem.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Certo, conforme ressaltou o Ministério
Público Federal, o Regimento Interno do TJMG adota para o julgamento da representação
de desaforamento o rito do habeas corpus, que dispensa a sua inclusão em pauta.
194 R.T.J. — 195

Daí, contudo, não se extrai que, como ocorreu no caso, apenas o paciente — e não
seu defensor — devesse ter sido notificado para “contrariar a representação” (fl. 63), de
cujo envio ao Tribunal, ademais, sequer fora cientificado o advogado.
Esse o quadro, defiro a ordem, para cassar o acórdão do Tribunal de Justiça, a fim
de que, após a prévia notificação do advogado do paciente para responder à representa-
ção, outro seja proferido conforme entender de direito: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 85.052/MG — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Ricardo
Abdulmassih. Impetrante: Wanderley de Medeiros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Falou pelo paciente o Dr. Wanderley de Medeiros.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros
Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.059 — MS

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Pacientes: José Elias Fernandes do Amaral ou José Elias Fernandes Amaral e
Eliandro Fernandes do Amaral — Impetrantes: Vicente Greco Filho e outro — Coator:
Superior Tribunal de Justiça
I - Competência para o processo de crime de tráfico internacional de
entorpecente apreendido no interior de aeronave que pousou em Municí-
pio que não é sede de Vara da Justiça Federal: Alegada competência da
Justiça estadual (art. 27 da Lei 6.368/76): nulidade relativa: preclusão:
precedente.
Conforme o decidido no HC 70.627, 1ª T., Sydney Sanches, DJ de 18-
11-94, é federal a jurisdição exercida por Juiz estadual na hipótese do art.
27 da Lei 6.368/76.
Corrobora a tese o disposto no art. 108, II, da Constituição, segundo
o qual cabe aos Tribunais Regionais Federais “julgar, em grau de recurso,
as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício
da competência federal da área de sua jurisdição”.
É territorial, portanto, o critério para saber se ao Juiz federal ou
estadual, na hipótese do art. 27 da Lei 6.368/76, cabe o “exercício de
R.T.J. — 195 195

competência federal”; e, por isso, se nulidade houvesse seria ela relativa,


sanada à falta de argüição oportuna.
II - Competência da Justiça Federal: Crime praticado a bordo de navios
ou aeronaves (art. 109, IX, da Constituição): precedente (HC 80.730, Jobim,
DJ de 22-3-02).
É da jurisprudência do STF que, para o fim de determinação de
competência, a incidência do art. 109, IX, da Constituição, independe da
espécie do crime cometido “a bordo de navios ou aeronaves”, cuja perse-
cução, só por isso, incumbe por força da norma constitucional à Justiça
Federal.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de habeas corpus — substitutivo de
recurso ordinário —, no qual se imputa coação ao STJ, que firmou a competência do
Juízo Federal de Dourados/MS para julgar os pacientes por tráfico internacional de
entorpecentes.
O entorpecente fora apreendido no interior de aeronave em pouso no Município de
Naviraí/MS, que não é sede de Vara da Justiça Federal.
A aeronave partiu da Bolívia e somente teria pousado naquele Município por
causa de “uma pane mecânica”.
Colhe-se no voto-condutor do acórdão impugnado, da lavra do il. Ministro Gilson
Dipp (STJ, HC 85.039):
“Extrai-se dos autos que os pacientes foram denunciados como incursos nos
termos dos arts. 12, caput c/c o art. 18, incisos I e III, da Lei n. 6.368/76, perante a
Justiça Federal.
Segundo narra a peça exordial (fls. 86 a 89, apenso 1):
“Consta do procedimento administrativo criminal em epígrafe, origi-
nado a partir de diversas diligências determinadas de ofício por esse Juízo
Federal, nos autos da Ação Penal n. 2000.60.02.2154-8 (fl. 01 do procedi-
mento administrativo), que os denunciados associaram-se para o tráfico in-
ternacional de entorpecentes e, em conluio com os já condenados Waltécio
de Matos Barbosa e Adão Félix Vissuela, após terem adquirido, promoveram
o transporte de 337,8Kg (trezentos e trinta e sete quilos e oitocentos
gramas) de cocaína (...) proveniente da Bolívia, utilizando-se do avião
Cesna, prefixo PT-OLO.
196 R.T.J. — 195

Waltécio e Adão, piloto e co-piloto, respectivamente (...) foram regu-


larmente processados e condenados nas penas dos arts. 12, caput, c/c art 18,
incisos I e III, da Lei n. 6.368/76, porque, na data de 29/06/2000, por volta
das 23h, foram presos em flagrante por Policiais Civis, após realizarem um
pouso forçado na propriedade rural denominada ‘Petiry’, situada entre os
municípios de Iguatemi-MS e Naviraí-MS, com a mencionada droga que
estava acondicionada em fardos embarcados na referida aeronave.
Logo após o avião ter forçosamente aterrissado, Waltécio, utilizando-
se do aparelho telefônico da fazenda, efetuou várias ligações com a finalidade
de fazer com que o acontecido chegasse ao conhecimento de ‘Bagual’, o
denunciado José Elias Fernandes do Amaral, para que este, na condição de
proprietário da cocaína, viesse resgatar a droga (...).
Mais tarde, quando os policiais civis Sebastião e Monge já estavam na
fazenda, o denunciado José Elias Fernandes do Amaral, acompanhado de
capangas seus, agindo com a ousadia típica dos narcotraficantes da região,
chegou ao local com a finalidade de resgatar a cocaína, utilizando-se de
duas camionetas (...).
Tão logo o bando de ‘Bagual’ (José Elias) e os policiais se avistaram,
iniciou-se uma troca de tiros (fls. 38/44 e 30/34 do anexo III) que culminou
com a fuga dos traficantes, sendo que estes acabaram por ser obrigados a
abandonar nas proximidades a camioneta F250, haja vista que a mesma foi
duramente atingida (fls. 54/68 do anexo III) pelos disparos efetuados pelos
policiais.
(...)
Eliandro (‘Cateto’), na data de 15/03/ 01, acompanhado de seu advo-
gado, prestou declarações e afirmou que foi dono da camioneta Mitsubishi
L200, de cor azul, placas RRF 9747, a mesma que foi utilizada na tentativa
de resgate da cocaína (fls. 36-37 do anexo III).
(...)
O aparelho GPS da aeronave, onde são inseridas coordenadas de posi-
cionamento e informações de navegação, foi objeto do laudo pericial (fls.
48/53 do procedimento administrativo), donde se extrai que as coordenadas
S2246898 e W05511030, encontradas no aparelho, são da Fazenda Bom
Fim, cuja proprietária é Maria Izanete Fernandes Antunes, tia de ‘Bagual’ e
‘Cateto’, localizada em Bocajá, no Município de Laguna Caarapã-MS.
(...)
Dessa forma, após quase oito meses de investigações, restou nitida-
mente demonstrado que a cocaína apreendida, cuja propriedade foi inicial-
mente atribuída a João Morel, na verdade, pertencia José Elias (‘Bagual’),
que contou com a colaboração de seu irmão Eliandro (‘Cateto’) para realizar
o tráfico.
(...).”
R.T.J. — 195 197

Pelos fatos narrados na denúncia, os pacientes foram condenados a uma pena


de 10 (dez) anos de reclusão, em regime fechado, além do pagamento de 10 (dez)
dias-multa.
Inconformada, a defesa impetrou ordem de habeas corpus perante o Tribunal
a quo, na qual alegou, em suma: ofensa à coisa julgada, vez que a questão acerca da
propriedade da droga já teria sido resolvida em outra ação penal; incompetência
absoluta da Justiça Federal para o julgamento do feito; falta de fundamentação da
sentença condenatória e, por fim, julgamento extra petita.
A ordem foi denegada, motivo pelo qual foi interposto o presente writ substitu-
tivo, na qual “alega-se, tão-somente, a questão da incompetência absoluta.” (fl. 04).
Segundo sustenta a impetração, o delito consumou-se na Comarca de
Naviraí/MS, provocando a incidência da regra do art. 27 da Lei n. 6.368/76, segun-
do o qual:
“O processo e o julgamento do crime de tráfico com exterior caberão
à justiça estadual com interveniência do Ministério Público respectivo, se o
lugar em que tiver sido praticado, for município que não seja sede de vara
da Justiça Federal, com recurso para o Tribunal Federal de Recursos.”
Afirma ser equivocada a decisão a quo, ao adotar orientação do Supremo
Tribunal Federal, entendendo pela competência da Justiça Federal com base no
fato de a droga ter sido transportada em interior de aeronave originária da Bolívia.
Segundo argumenta, a apreensão se deu no solo, e este deve ser considerado
o momento final da consumação do delito, referindo a impossibilidade de o tráfico
internacional de entorpecentes ser cometido a bordo de aeronave.
Requer, por fim, a declaração da competência da Justiça Estadual, com a
anulação do processo, ab initio.
Não assite razão ao impetrante.
(...)
Pelo que se depreende das alegações da impetração, não se questiona, pro-
priamente, a questão da internacionalidade do delito, mas, sim, a incidência da
regra prevista no art. 27 da Lei n. 6.368/76, segundo a qual a competência para o
julgamento de crime de tráfico internacional recai sobre a Justiça Estadual, quando
a consumação do delito se der em local desprovido de Vara da Justiça Federal.
Inicialmente, cumpre considerar que o crime de tráfico ilícito de entorpecen-
tes tem caráter permanente, daqueles que se protrai no tempo. Sendo assim, pode-
se considerar consumado o delito quando evidenciada o estado de flagrância em
quaisquer de seus núcleos, ou seja, no momento da importação ou exportação, do
depósito ou do transporte, de trazer consigo ou da guarda do entorpecente.
A circunstância de ter existido a importação da substância entorpecente – in
casu, aproximadamente 337 (trezentos e trinta e sete) quilos de cocaína – transpor-
tada via aeronave, com origem na Bolívia, restou demonstrada. Ocorre que, em
razão de pane mecânica, a referida aeronave se viu obrigada a efetuar pouso forçado
198 R.T.J. — 195

em fazenda do interior do Estado de Mato Grosso do Sul. Alertada, a polícia para lá


se dirigiu, quando realizou a apreensão da droga, no interior da aeronave aciden-
tada (fls. 86, 106 e 138, do apenso 1).
Aqui está o cerne da controvérsia.
Segundo alega o impetrante, o entendimento do Tribunal a quo resta equivo-
cado, pois, ao entender que o fato de a droga ter sido apreendida ainda no interior
da aeronave firmaria a competência Federal, estaria criando exceção à regra, não
prevista em Lei. Salienta a existência de precedente da 3ª Seção desta Corte, no
sentido de que a apreensão de “droga dentro de aeronave” não é da competência
da Justiça Federal (CC n. 24.447/SP.
Afirma, ainda, ser o entendimento do Supremo Tribunal Federal – no qual
está lastreado o acórdão recorrido – igualmente equivocado, ao considerar o mo-
mento de consumação do delito o ingresso da aeronave no espaço aéreo nacional,
e, não, aquele da apreensão do entorpecente.
Em relação à decisão proferida no CC n. 24.447/SP, invocado pelo impetran-
te em favor de sua tese, cumpre salientar cuidar-se de hipótese diversa daquela que
ora é tratada. Naquela oportunidade, tratou-se de caso em que não restou compro-
vada a internacionalidade do tráfico, diferentemente do caso em análise.
Por outro lado, como já salientado, a apreensão se deu quando o entorpecente
ainda se encontrava no interior da aeronave.
Desta forma, não prospera o argumento de que o Tribunal a quo estaria criando
algum tipo de “exceção à regra”, considerando-se que a mesma já existe e está
expressa no art. 109, inc. IX, da Constituição Federal.
Nesse sentido, o voto vista do Ministro Néri da Silveira, proferido no HC n.
80.730-54/MS, com muita propriedade abordou controvérsia análoga à dos pre-
sentes autos. Permito-me a transcrição do seguinte excerto:
“(omissis)
Sobreveio, posteriormente, a Lei n. 6.368, de 1976, que efetivamente
previu, em seu art. 27, a possibilidade da competência da Justiça Estadual,
mesmo em se tratando de hipótese de tráfico para o exterior, desde que o local
da ocorrência do crime não fosse sede de Vara da Justiça Federal.
Pudesse a matéria chegar até aí, e tão-só nesses limites, penso que a
posição adotada pelo eminente Ministro Marco Aurélio seria aceitável e eu
acompanharia S. Exa. Também já votei nesse sentido, entendendo que a
competência, ut art. 27, foi recebida pela nova ordem constitucional, em
face, precisamente, da norma do art. 109, § 3.º, in fine: à lei caberá permitir
que outras causas, e aí compreendem-se cíveis ou criminais, possam ser atri-
buídas à competência da Justiça Estadual, exatamente para viabilizar maior
rapidez e mesmo a exeqüibilidade de determinados procedimentos crimi-
nais. Esse é um caso típico: o Município de Rio Verde fica a 200 km de
Campo Grande.
R.T.J. — 195 199

Mas aqui, no caso concreto, há um elemento novo a ser considerado –


se tivesse sido em transporte por via terrestre, se na fazenda tivesse havido
uma denúncia e a polícia, efetivamente, na sede da fazenda, houvesse encon-
trado esse depósito de cocaína, etc., penso que, aí, não há dúvida de que a
competência seria do Juiz da localidade -, para o qual a Constituição prevê,
em regra expressa, uma competência absoluta da Justiça, quer dizer, uma
competência impartilhável da Justiça Federal com a Justiça local, pois so-
mente a Constituição autoriza excluir da competência da Justiça Federal as
hipóteses de competência da Justiça Militar, isto é, quando se tratar de aero-
nave militar. O ingrediente novo é este: o crime ter sido cometido a bordo de
aeronave, a substância entorpecente foi apreendida inclusive ainda no inte-
rior da aeronave na qual foi transportada. Então não há dúvida de que se trata
de crime que foi cometido a bordo de aeronave. E, em tendo sido cometido a
bordo de aeronave, a competência é sempre da Justiça Federal, qualquer
que seja o local onde o fato tenha ocorrido. Se a denúncia é de que um
determinado avião está fazendo transporte e a polícia apreende esse aparelho
com uma carga de substância entorpecente, o crime é sempre da competência
da Justiça Federal, qualquer que tenha sido a localidade, seja ou não seja
sede de Vara da Justiça federal. Por isso que, no caso concreto, penso que esse
fundamento é decisivo para assentar-se a competência da Justiça Federal.
O processo em julgamento tramitou na capital, em Vara da Justiça Fe-
deral em Campo Grande-MS e, assim, o juiz era competente. Por isso o funda-
mento do habeas corpus não parece acolhivel, quando sustenta a competên-
cia do Juiz local.”
O julgado do Supremo Tribunal Federal, acima citado, recebeu a seguinte
ementa:
“Habeas corpus. Penal. Processo penal. Constitucional. Tráfico inter-
nacional de entorpecentes. Crime cometido a bordo de aeronave. Consuma-
ção e competência.
O tráfico internacional de entorpecentes, praticado a bordo de aeronave,
é da competência da Justiça Federal (CF, art. 109, IX). Quando a aeronave
ingressa no espaço aéreo brasileiro, incide a referida competência. Ela não se
desloca para a Justiça Estadual porque a apreensão foi feita no interior de
aeronave. A Justiça Estadual tem competência, se no lugar onde o delito for
praticado, não houver Vara da Justiça Federal (L. 6.368/76, art. 27). Não se
confunde o momento de consumação com o da apreensão da droga. A consu-
mação ocorre quando tem início o transporte, por ser delito de natureza per-
manente. Precedente. Habeas indeferido.” (DJ n. 03/04/2001).
Esta Corte, da mesma forma, já decidiu em caso semelhante:
“Processual Penal. Tráfico Internacional de Entorpecentes. Compe-
tência. Inexistência de Vara Federal no local do crime. Lei 6.368/76, art. 23.
Delito cometido a bordo de aeronave. CF, art. 109, IX.
200 R.T.J. — 195

1. Ante a ausência de previsão legal, não é possível o exercício da


jurisdição federal pelo juiz estadual, por delegação, em caso de crime come-
tido a bordo de aeronave.
2. Habeas Corpus conhecido, pedido indeferido.” (HC n. 14.108/MS;
Rel. Ministro Edson Vidigal; DJ 27/11/2000).
Cabe, ainda, ressaltar, que nem mesmo a circunstância de se encontrar a
aeronave em solo é capaz de desnaturar a competência da Justiça Federal. A
respeito:
“Processual Penal. Crime cometido a bordo de aeronave pousada.
Competencia.
- Habeas corpus. Concessão que se recomenda em face da incompeten-
cia da Justiça estadual, dado que, para efeito da competencia absoluta da
Justiça Federal (CF/1988, art. 109, IX), o estado de pouso da aeronave não
afeta a circunstancia do delito ter-se dado “a bordo”.” (CC n. 6.083/SP; Rel.
Ministro José Dantas; DJ 18/05/1998)”.
Sustenta-se que a competência seria, no caso, da Justiça Estadual de Naviraí/MS,
por força do art. 27 da Lei 6.368/76; a violação dos princípios contidos nos arts. 70, 90,
383 e 384 do Código de Processo Penal; e dos arts. 5º, LIII e LV, e 109, § 3º, da Consti-
tuição, pois o “meio de transporte não pode ser causa suficiente para mudar ou alterar
regra de competência constitucional”.
Extraem os impetrantes as seguintes conclusões do art. 109, V, IX e §§ 3º e 4º, da
Constituição (fl. 9):
“primeira, o delito de tráfico com o exterior – previsto em ‘tratado ou con-
venção internacional’ – é bem distinto ou diferente do ‘delito cometido a bordo
de aeronave’, sendo, inclusive, especificados ou definidos em incisos diferentes;
segunda, o art. 27 da Lei Antitóxicos foi expressamente recepcionado pela
Constituição, que estabeleceu: ‘a lei poderá permitir que outras causas sejam tam-
bém processadas e julgadas pela justiça estadual’.
Assim, inviável seria o entendimento contido na ementa do acórdão impugnado1,
de que “a espécie de delito ‘tráfico internacional’ também pode ser qualificada ou
definida como sendo ‘delito cometido a bordo de aeronave’”, sobretudo porque a
“denúncia consignou que o núcleo do tipo é tráfico internacional”, e, conseqüente-
mente, “a nova definição legal do delito (crime cometido a bordo de aeronave) — em
julgamento de habeas corpus — constitui julgamento extra petita”.

1 Este o trecho da ementa destacado na impetração:


“IV - Demonstrada a internacionalidade do tráfico, a circunstância de se apreender o
entorpecente ainda no interior da aeronave utilizada para o seu transporte determina a
competência da Justiça Federal para o julgamento do feito, nos termos do art. 109, inc. IX,
da Constituição Federal. Precedentes do STF e do STJ.”
R.T.J. — 195 201

E ressaltam:
“(...) o delito cometido a bordo de aeronave não pode transmudar-se em
delito de tráfico internacional, até porque esta última espécie de delito consuma-
se antes do entorpecente ser colocado na aeronave, em razão da sua natureza
permanente.
A Lei Processual Penal define delito cometido a bordo de aeronave, quando
a aeronave se encontra ‘dentro do espaço aéreo correspondente ao território brasi-
leiro, ou ao alto-mar, ou a bordo de aeronave estrangeira, dentro do espaço aéreo
correspondente ao território nacional’ (art. 90, CPP).
Há de se considerar, ainda, que se o delito é tipificado e qualificado como
sendo delito cometido a bordo de aeronave, ele não pode ser tráfico internacional,
porque este envolve a consumação em países diferentes, sendo que aeronave não é
país. Isto é elementar.
(...)
Demais a mais, seria possível aplicar-se o aumento de pena previsto no art.
18, I, da Lei Antitóxicos, ao delito cometido a bordo de aeronave?
(...)
A espécie ‘tráfico internacional’ é característica essencial do delito que en-
volve mais de um país. Por isso, não se pode admitir a prevalência da espécie de
‘delito cometido a bordo de aeronave’, pois isto gera uma incoerência lógico-
jurídica ou contradição insuperável.
Se esta hipótese absurda de delito cometido a bordo de aeronave justificas-
se o delito de tráfico internacional, todo delito cometido a bordo seria também
delito de tráfico internacional, pelo que inúmeros processos inerentes ao tráfico
interno (transporte de entorpecentes) – praticado o emprego de aeronave, e que
foram processados perante a Justiça Estadual – seriam processos nulos, ensejan-
do a propositura de revisões criminais.”
Após afirmarem que os precedentes mencionados pelo STJ “estão eivados de equí-
vocos” e que alguns deles sequer são aplicáveis à espécie, tece considerações no sentido
de que houve, no caso, “malabarismo inédito para deslocar a competência da Justiça
Estadual”.
Registra-se, por fim, que os pacientes são primários e não possuem antecedentes
criminais, sendo que a ação penal já se encontra “em grau de apelação”.
Pugna-se pelo reconhecimento da incompetência do Juízo Federal de Dourados/MS,
para declarar a nulidade do processo desde o início e remeter os autos ao Juízo Estadual de
Naviraí/MS.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Subprocurador Edson de
Almeida, após transcrever a íntegra do acórdão impugnado, opinou pelo indeferimento
da ordem, verbis (fls. 35/42):
202 R.T.J. — 195

“(...) O Acórdão do Superior Tribunal de Justiça sedimentou bem a questão,


inclusive com base na jurisprudência do STF.
Destaco, em primeiro lugar, a decisão proferida pelo Juiz Federal Roberto
Lemos dos Santos Filho, às fls. 341-6 (apenso 3), rejeitando a exceção de incompe-
tência.
Tendo em vista a espécie relacionar-se com hipótese de competência
relativa, entendo de todo impossibilitado o acolhimento da presente exce-
ção de incompetência, porquanto apresentada a destempo, vale dizer, muito
após o decurso de prazo para a apresentação de defesa prévia. De acordo com
o art. 108 do Código de Processo Penal, a exceção de incompetência deveria
ser oposta no prazo da defesa, que no caso, na forma preconizada pelo art. 38
e § 1º, da Lei n. 10.049/2002, teve curso antes do recebimento da denúncia.
Com efeito, cuidando-se de competência apenas relativa (HC 70.627-PA, rel.
Min. Sydney Sanches, DJU 18.11.94), tem-se que a questão não foi argüida oportu-
namente pela defesa, donde a preclusão.
Por outro lado, trata-se de crime permanente, iniciado com o transporte da
substância entorpecente. Portanto, quando a aeronave pousou na cidade de
Naviraí o crime já estava consumado. O art. 27 da Lei n. 6.368/76 é taxativo ao
dispor que ‘O processo e julgamento do crime de tráfico com o exterior caberão à
justiça estadual com a interveniência do Ministério Público respectivo, se o lugar
em que tiver sido praticado for município que não seja sede da vara da Justiça
Federal (...)”. Ademais, conforme sobejamente analisado, a droga foi apreendida
no interior do Cesna. Aplica-se, como destacado pelo acórdão do STJ, o entendi-
mento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no HC 80.730-MS, rel. Min. Nelson
Jobim, DJU 22.3.2002.”.
Após colhido o parecer do Mistério Público, peticionaram os impetrantes susci-
tando “incidente de uniformização de jurisprudência”.
Alega-se divergência preexistente e atual entre o decidido pela 2ª Turma desta
Corte no já mencionado HC 80.730 e o decidido pela 1ª Turma no julgamento do HC
67.735, Celso de Mello, DJ de 27-4-90, assim ementado:
“Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Competência penal da justiça
federal. Comarca que não é sede de vara da justiça federal. Atuação do magis-
trado local. Competência recursal do tribunal regional federal. Incompetência
funcional do tribunal de justiça do estado. Pedido deferido.
O processo e julgamento de crime de tráfico de substâncias entorpecentes ou
que determinem dependência física ou psíquica, com o exterior, incluem-se na
competência penal da Justiça Federal comum. Se o fórum delicti comissi for co-
marca que não sedie vara da Justiça Federal, a competência jurisdicional per-
tencerá ao juiz local, com recurso cabível para o Tribunal Regional Federal na
área de jurisdição do magistrado de primeiro grau. A competência excepcional,
deferida em tal circunstância aos órgãos judiciários locais de primeiro grau, não se
estende, ex vi do artigo 27 da Lei n. 6.368, de 1976, c/c o art. 109, §§3º, in fine e 4º,
R.T.J. — 195 203

da Constituição, à instância recursal da Justiça estadual. Decisões que emanem dos


Tribunais locais, com inobservância as normas de competência referidas, constitu-
em atos destituídos de qualquer validade jurídico-processual (CPP, art. 567) e
traduzem, quando gravosas ao status libertatis das pessoas, situações configura-
doras de injusto constrangimento”.
Colhe, ainda, a seguinte passagem do voto do Relator:
“(...) a acusação é de tráfico externo de matéria-prima destinada ao refino de
cocaína, sendo certo que a competência em 1º grau é do Juiz Federal, pois o
local do crime não é sede de Vara Federal, (...)
(...)
A denúncia oferecida pelo Ministério Público foi extremamente objetiva na
imputatio facti, havendo registrado o caráter transacional da conduta criminosa
dos agentes, que foram presos em flagrante quando acabavam de colocar três (3)
tambores de acetona no interior de uma aeronave, cujo proprietário foram contra-
tado para transportá-la ‘(...) ao território boliviano’(...)”.
Daí afirmarem que, embora se refiram a “situações idênticas”, ou seja, “tráfico com
o exterior, cujo entorpecente foi apreendido em comarca que não é sede de Vara da
Justiça Federal”, as “decisões são frontalmente opostas”.
Afirmam, ainda, como em confronto ao HC 80.730 — no qual teria se apoiado o
acórdão impugnado —, o HC 70.627, 1ª T., Sydney Sanches, 18-11-94.
Por fim, sustentam a relevância da questão, dado que “inúmeros casos de tráfico
com o exterior — inerentes a entorpecentes transportados por aeronaves e que foram
julgados por juízes estaduais — poderão ser anulados, por meio de habeas corpus, ou
de revisões criminais”.
Requerem, ao final, o sobrestamento do feito, até pronunciamento prévio acerca
do incidente de uniformização e, uma vez reconhecida a divergência, seja o habeas
corpus submetido ao Pleno desta Corte.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Entendo desnecessário, no caso, sub-
meter a questão ao Pleno, sobretudo porque a solução da controvérsia repousa em enten-
dimento que se firmou em ambas as Turmas desta Corte: ser o caso de competência
relativa.
Com efeito, nos termos do parecer do Ministério Público Federal, restou preclusa,
no caso, a questão da competência, posto que, apesar de relativa, fora suscitada pela
primeira vez apenas nas alegações finais (fl. 17, apenso II).
Conforme o decidido no HC 70.627, 1ª T., Sydney Sanches, DJ de 18-11-94, é
federal a jurisdição exercida por Juiz estadual na hipótese do art. 27 da Lei 6.368/76.
204 R.T.J. — 195

Corrobora a tese o disposto no art. 108, II, da Constituição, segundo o qual cabe
aos Tribunais Regionais Federais “julgar, em grau de recurso, as causas decididas
pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da
área de sua jurisdição”.
É territorial, portanto, o critério para saber se ao Juiz federal ou estadual cabe o
“exercício da competência federal”; e, por isso, se nulidade houvesse seria ela relativa.
Colhe-se, no ponto, a seguinte passagem do voto-condutor do em. Ministro Sydney
Sanches no referido HC 70.627:
“(...)
Na verdade, a jurisdição prestada pelos Juízes estaduais, em comarca onde
não haja Vara da Justiça Federal, é, também, jurisdição federal, embora excepcio-
nal. De sorte que a competência do Juiz estadual do local em que se deu a prisão em
flagrante (no município de Monte Alegre-Pará...) é competência relativa. E não
absoluta. Assim, tendo sido o feito processado e julgado por Juiz Federal de Belém
do Pará, não se caracterizou hipótese de nulidade absoluta, por incompetência
absoluta, mas de nulidade relativa, por incompetência relativa.
Nulidade relativa, que ficou sanada, à falta de oportuna argüição, mediante
exceção de incompetência, como previsto no art. 95, inciso II, do Código de Pro-
cesso Penal (exceção da incompetência de juízo).”
Assim, faz-se de todo ociosa a questão de saber se a competência seria do Juízo
Federal de Dourados/MS ou do Juízo estadual do Município onde apreendida a droga,
dado que, conforme ressaltou o Ministério Público Federal, não foi a incompetência
suscitada oportunamente.
De qualquer sorte, na questão de fundo, não teria dúvidas em subscrever o acórdão
recorrido e o precedente do STF (HC 80.730, Jobim), nele invocado.
Não procede o argumento de que, na hipótese, prevaleceria, para o fim da determi-
nação da competência, sobre a circunstância de o delito se ter consumado a bordo de
aeronave, o fato de cuidar-se de tráfico internacional de drogas: ao contrário, a incidên-
cia do art. 109, IX, da Constituição2 — este não alcançado pela regra do art. 27 da Lei
6.368/76 — independe da espécie do crime cometido “a bordo de navios ou aerona-
ves”, cuja persecução, só por isso, incumbe por força de norma constitucional à Justiça
Federal.
De toda maneira, a preclusão — que se me afigura inquestionável — basta a tornar
ociosa a discussão.
Indefiro a ordem: é o meu voto.

2 Art. 109. “Aos juízes federais compete processar e julgar:


(...)
“IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça
Militar.”
R.T.J. — 195 205

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, o caso é de competência de juízo, não
de competência de “Justiças”.
Acompanho Vossa Excelência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, peço vênia a Vossa Excelência
para assentar que, no caso, está em discussão competência não territorial, mas em razão da
matéria. Invoco, em amparo a essa óptica, o próprio Verbete n. 522 da Súmula da Casa:
“Salvo ocorrência de tráfico com o exterior,” — matéria pano de fundo da
persecução criminal — “quando, então, a competência será da Justiça Federal,
compete à Justiça dos Estados o processo e o julgamento dos crimes relativos a
entorpecentes.”
Até aqui prevaleceu o entendimento de que, no caso, incidiria o artigo 109, inciso
IX, da Constituição Federal, cuja regência diz respeito, em si, ao crime, à prática delituosa,
portanto, a algo ligado à matéria a ser objeto de exame. De acordo com tal inciso,
compete aos juízes federais, portanto, a apreciação dessa matéria:
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a com-
petência da Justiça Militar.
Afasto o trecho do parecer da Procuradoria Geral da República, calcado na regra do
artigo 27 da Lei n. 6.368/76, segundo a qual:
“O processo e o julgamento do crime de tráfico” — volta-se à matéria —
“com exterior caberão à justiça estadual com interveniência do Ministério Público
respectivo, se o lugar em que tiver sido praticado for município que não seja sede
de vara da Justiça Federal, com recurso para o Tribunal Federal de Recursos.”
Em última análise, até aqui o que prevalece é o enquadramento do crime como
praticado a bordo de aeronave; é o enquadramento do tema concernente à competência
a partir da matéria, das balizas da acusação, da imputação constante da denúncia.
No mais, reporto-me ao voto que proferi, escudado em lição de Ada Pellegrini
Grinover, no Habeas Corpus n. 80.730-5/MS de Mato Grosso do Sul, e, agora, na mani-
festação de Vicente Greco Filho, reconhecendo que há uma dualidade a ser considerada.
Não posso confundir a situação concreta, tendo em conta o núcleo do tráfico ligado ao
processo, que é a importação, com o fato de a droga haver sido encontrada em veículo de
transporte — um avião —, no solo brasileiro, e entender que, aí, trata-se de caso incluído
na competência da Justiça Federal a partir da regra linear, concernente ao crime praticado
a bordo de aeronave e a bordo, em si, de navio.
No artigo 12 da Lei n. 6.368/76, tem-se a abertura do texto com referência a “im-
portar ou exportar”, fatos ligados ao tráfico internacional, vindo, após, alusão ao trans-
porte que se faz de forma secundária, sem que haja o esvaziamento do núcleo “importar”,
do núcleo “exportar”, mesmo porque, consideradas essas duas figuras, abre-se margem à
incidência da causa de aumento — como ressaltado da tribuna pelo ilustre defensor do
206 R.T.J. — 195

paciente — do inciso I do artigo 18 da Lei n. 6.368/76. De duas, uma: houve tão-somente


o transporte e não há oportunidade para observância da causa de aumento do inciso I do
artigo 18, ou se teve, realmente, porque a imputação é nesse sentido, a incidência da
primeira parte do artigo 12, a configurar, no caso, o tráfico internacional de drogas, já
que o material é proveniente da Bolívia.
Para mim, a situação concreta é solucionada com a parte final do § 3º do artigo 109
referido, isso sob o ângulo da competência: “Serão processadas e julgadas na justiça
estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem
parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede
de vara do juízo federal” — situação concreta contemplada no texto da Carta. Abre-se
margem a que outros casos, verificada a inexistência de vara federal na comarca, sejam
previstos pelo legislador ordinário. A lei poderá permitir que outras causas sejam proces-
sadas e julgadas pela Justiça estadual.
Ora, se assento — como assento — que, no caso, não se tem — diria até mesmo e
utilizarei essa adjetivação — simples crime cometido a bordo de avião, mas tráfico
internacional de drogas, pouco importando que estas hajam sido apreendidas no interior
da aeronave já no solo, encontro campo propício à observação do disposto no artigo 27
da Lei n. 6.368/76:
“O processo e o julgamento do crime de tráfico com exterior caberão à
justiça estadual com interveniência do Ministério Público respectivo,” — diga-
se estadual — “se o lugar em que tiver sido praticado, for município que não seja
sede de vara da Justiça Federal, com recurso para o Tribunal Federal de Recur-
sos.” — hoje, com recurso para o Tribunal Regional Federal.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Essa competência é
absoluta, Excelência?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Entendo que em razão da matéria, porque se discute
tratar-se de crime praticado a bordo, ou não, do avião e, quando o inciso IX define a
competência da Justiça Federal para essa espécie de crime, o faz em razão da matéria.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Como essa competência
pode variar conforme haja ou não vara federal no local, isso será questão de competência
material, Excelência?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para mim é, Presidente, porque o que está em jogo é
a definição, configuração não do crime de tráfico de drogas, simplesmente, mas do crime
de tráfico internacional de drogas. Considerada a imputação, tenho algo ligado à própria
matéria e não simplesmente a uma definição territorial.
Não se define, aqui, a competência pela abrangência da atuação deste ou daquele
juízo. O que se toma de empréstimo, sem desfigurar a espécie de competência, a natureza
da competência, é a inexistência no local, mas presente, sempre e sempre, a matéria de
fundo; presente, sempre e sempre, portanto, o ângulo material do próprio delito.
Peço vênia — e lastimo não poder sufragar entendimento diverso, mas estou com-
pelido a observar, acima de tudo, a minha consciência — para divergir e dizer, com
desassombro, que tenho a espécie de competência como absoluta, presente o crime em si
praticado, e não a abrangência territorial da atuação deste ou daquele juízo, como ponto
R.T.J. — 195 207

primordial para se definir a questão. Quanto ao fundo, concluo que, não havendo no
local vara federal, muito embora considerado — e aí o ângulo material salta aos olhos —
o tráfico internacional de drogas, o processo respectivo deve ser apreciado pela Justiça
comum, com recurso, como me referi, em face da regra do artigo 27 da Lei n. 6.368/76,
para o Tribunal Regional Federal com jurisdição na região.

EXPLICAÇÃO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, Vossa Excelência me permite nova
intervenção, até para remediar um lapso?
Na anterior, aludi a caso de competência de juízo, quando não o é; na verdade, o
caso é de competência de foro.
Quero recordar que o problema da perquirição da competência interna obedece a
um processo metodológico bem definido, que começa pela indagação acerca do “ramo
de Justiça”, entendida como a grande divisão da estrutura do Poder Judiciário nacional,
à qual é atribuída a competência. Tal competência, sem dúvida nenhuma, é de caráter
absoluto. Ninguém tem dúvida, pois, de que o caso é de competência absoluta da Justiça
Federal. Encontrada a competência de Justiça, o passo seguinte, no processo metodoló-
gico, está em indagar qual a competência de foro, ou seja, qual é a circunscrição territo-
rial a que a lei restringe a competência. E, só num terceiro passo — e aqui foi meu
equívoco —, busca-se, dentro daquele território, qual o juízo ou o órgão competente.
Portanto, a competência de juízo é o produto do terceiro passo.
Daí ver-se que a hipótese é tipicamente de competência de foro e, pois, relativa,
porque o critério da matéria já predeterminou a competência absoluta da Justiça Federal.
O passo seguinte é o recurso ao critério territorial para definir a competência de foro, na
alternativa: ou o local do crime é sede da Justiça Federal, ou, não o sendo, a competência
é delegada e limita-se ao Município que corresponda a comarca de juízo estadual. É o
que, com o devido respeito, reforça meu convencimento de que se trata aqui de compe-
tência tipicamente relativa, por ser territorial ou de foro, e, portanto, prorrogável à falta
de alegação oportuna da incompetência.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Sr. Presidente, acho a matéria, data venia do
ponto de vista do Ministro Marco Aurélio, clara no sentido de que o art. 109, inciso IX,
superou a questão da competência judicante, em razão do local, ao dizer simplesmente:
“os crimes” — seja qual for o crime — “cometidos a bordo de navios ou aeronaves”. Essa
circunstância de o crime ter sido praticado a bordo de aeronave ou de navio já é defini-
dora da competência judicante para processo e julgamento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Se assim não o fora, o
crime doloso contra a vida praticado a bordo de aeronave seria da competência do Júri
estadual, porque assim dispõe a Constituição.
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Agora, a própria Constituição abriu uma exce-
ção quando se trata de competência da Justiça Militar. Se quisermos ir atrás da razão de
ser lógica desse dispositivo constitucional, inciso IX do art. 109, talvez esteja no art. 22,
inciso X, da Constituição, que reserva para a União, privativamente, a competência para
208 R.T.J. — 195

legislar sobre regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespa-
cial. Não estou fazendo uma afirmativa categórica, mas, talvez, uma matéria esteja imbri-
cada com a outra.
Acompanho o voto do eminente Relator, com a vênia do Ministro Marco Aurélio.

EXTRATO DA ATA
HC 85.059/MS — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Pacientes: José Elias
Fernandes do Amaral ou José Elias Fernandes Amaral e Eliandro Fernandes do Amaral.
Impetrantes: Vicente Greco Filho e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus;
vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferia. Falou pelos pacientes o Dr. Manoel
Cunha Lacerda.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.177 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: Maria Regina Mascarenhas Barbosa Florido — Impetrantes: Márcia Dinis
e outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Crime contra a propriedade
intelectual, art. 184, § 2º, do Código Penal. Busca e apreensão. Ação penal
pública incondicionada. Código Penal, art. 186 (redação dada pela Lei
6.895/89). Aplicação do art. 240 do Código de Processo Penal.
I - Os crimes contra a propriedade imaterial previstos nos §§ 1º e 2º
do art. 184 do Código Penal processam-se mediante ação penal pública
incondicionada, sendo, portanto, aplicável a regra geral do art. 240, § 1º,
do Código de Processo Penal, e não o rito processual próprio do art. 524
e seguintes do mesmo diploma.
II - HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello,
R.T.J. — 195 209

na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de


votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Maria Regina Mascarenhas Barbosa Florido, do acórdão da 5ª Turma do Eg. Superior
Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro (REsp 543.037/RJ), em acórdão assim ementado:
“Criminal. Resp. Crime contra a propriedade intelectual. Busca e apreen-
são. Regra geral. Aplicabilidade. Crimes puníveis mediante ação penal pública.
Afastamento da regra específica. Recurso provido.
I - Nos crimes contra a propriedade intelectual, de ação penal pública, a
autoridade policial pode instaurar o inquérito e proceder à busca e apreensão de
acordo com a regra geral descrita no art. 240, § 1º, do CPP, afastando-se a aplicação
do artigo 527 do Código de Processo Penal.
II - Recurso especial provido, nos termos do voto do Relator.” (Fl. 71)
Dizem os impetrantes que, em favor da paciente, foi impetrado habeas corpus
perante o TJ/RJ, sustentando a nulidade da ação penal a que responde como incursa no
art. 184, § 2º (por duas vezes), c/c o art. 69, ambos do Código Penal. O Tribunal deferiu o
writ para declarar a nulidade do feito desde a realização da perícia, ante a inobservância do
disposto no art. 527 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a diligência de
busca e apreensão a ser realizada nos crimes contra a propriedade imaterial.
Contra essa decisão, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro interpôs
recurso especial, sustentando a aplicabilidade da regra geral do art. 240 aos crimes
punidos mediante ação penal pública. O recurso especial foi provido para cassar o acór-
dão do TJ/RJ.
Daí o presente writ, em que se sustenta a ilegalidade do procedimento de busca e
apreensão, ao argumento de que, nos crimes contra a propriedade industrial, a busca e
apreensão regula-se pelo disposto no art. 527 do Código de Processo Penal e não pelo
procedimento genérico previsto no art. 240 do mesmo Código.
Sustentam, mais, em síntese, o seguinte:
a) ausência de previsão legal, na época dos fatos, que possibilitasse a criação de
exceção no procedimento de busca e apreensão nos crimes contra a propriedade imate-
rial de ação penal pública;
b) falta de correspondência entre as circunstâncias fáticas que originaram o prece-
dente do STJ e as características do caso concreto.
210 R.T.J. — 195

Requerem a concessão da ordem, para que sejam anulados todos os atos praticados
desde a busca e apreensão realizada.
Requisitadas informações (fl. 62), foram elas prestadas pelo eminente ministro
presidente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que encaminhou cópia do acórdão
proferido no Resp 543.037/RJ (fls. 71-77).
O Ministério Público Federal oficiou à fl. 87, parecer do ilustre Subprocurador-
Geral Edson Oliveira de Almeida, opinando pelo indeferimento do pedido.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim o voto proferido pelo eminente
Min. Gilson Dipp, Relator do Resp 543.037/RJ, ora impugnado:
“(...)
A discussão gira em torno da diligência de busca e apreensão nos crimes
contra a propriedade imaterial e se a mesma deve respeitar a regra geral disposta no
art. 240 do Código de Processo Penal ou o disposto no art. 527 da mesma norma
penal.
O artigo 240 do Código de Processo Penal traz norma geral de realização de
busca e apreensão.
Já o art. 527 prevê a diligência de busca e apreensão a ser realizada nos crimes
contra a propriedade imaterial.
Nos delitos contra a propriedade imaterial, de ação penal privada, a realiza-
ção da busca e apreensão obedece o disposto nos artigos 524 e segs. do CPP.
O presente caso, no entanto, trata de infração ao art. 184, § 2º, do Código
Penal, para o qual aplica-se a regra geral prevista no art. 240 do CPP, por se tratar de
delito persequível mediante ação penal pública, conforme o disposto no art. 186
do Código Penal, deste teor:
‘Art. 186. Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede me-
diante queixa, salvo quando praticados em prejuízo da entidade de direito
público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou funda-
ção instituída pelo poder público, e nos casos previstos nos §§ 1º e 2º do art.
184, desta Lei.’
Esta Corte já se posicionou a respeito, no julgamento do REsp. 13.531/SP,
DJ de 13/09/1993, de relatoria do Min. José Cândido de Carvalho Filho, cujo
Relator para Acórdão foi o Min. Pedro Acioli. O v. acórdão, a propósito, restou
assim ementado:
‘Penal e Processual Penal. Crime contra a propriedade intelectual.
Inquerito policial. Trancamento. Inadmissibilidade. Apreensão de fitas de
video cassete pela autoridade policial. Apontada negativa de vigencia ao
art. 527, do CPP. Procedencia.
R.T.J. — 195 211

I - Nos crimes contra a propriedade intelectual, de ação penal publica,


não mais se harmoniza a exigencia do art. 527, do CPP, de cunho privativo.
II - Assim, aplicavel aos crimes desta natureza o art. 240, do CPP, que
permite a autoridade policial a busca domiciliar ou pessoal para descobrir
objetos necessarios a prova de infração ou a defesa do reu.
III - Recurso especial provido.’
Extraio, ainda, o seguinte texto da doutrina de Júlio Fabrini Mirabete, em sua
interpretação ao Código de Processo Penal, verbis:
‘A diligência de busca e apreensão relacionadas com os crimes contra a
propriedade imaterial não se confunde com as previstas pelos artigos 240 e ss
do CPP, que, de modo geral, podem ser efetuadas pela autoridade policial ou
por oficiais de justiça. Entretanto, tratando-se de crime que se apura median-
te ação penal pública, como na hipótese de crime de violação de direito
autoral pela comercialização de fitas de videocassete sem autorização do
órgão competente (art. 184, §§ 1º e 2º, do CP), pode a autoridade policial
instaurar o inquérito policial e proceder a busca e apreensão na forma do art.
240, § 1º, do CPP, não se aplicando o artigo 527.’
Nestas condições, deve ser cassado o acórdão recorrido na parte em que
anulou o feito desde a perícia realizada, devendo retornar os autos àquela Corte
para que se pronuncie a respeito das demais questões suscitadas no habeas corpus,
cuja análise restou prejudicada.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, nos termos da fundamentação
acima.
É como voto.” (Fls. 73-75)
Correto o entendimento.
Os crimes contra a propriedade imaterial previstos nos §§ 1º e 2º do art. 184 do
Código Penal processam-se mediante ação penal pública incondicionada (Código Penal,
art. 186, redação dada pela Lei 6.895/89). Por isso, conforme leciona Mirabette, embora
a ação penal tenha rito processual próprio (CPP, arts. 524 a 530), “não se aplica o art.
527, que se refere à busca e apreensão a pedido judicial do interessado, já que tal
exigência é de cunho privatístico, mas o art. 240 do mesmo Estatuto. A instauração do
inquérito policial e a diligência de busca e apreensão devem ficar a cargo da autoridade
policial” (Código Penal Interpretado, 2a ed., 2001, pp. 1388/1389).
Do exposto, indefiro o writ.

EXTRATO DA ATA
HC 85.177/RJ — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Maria Regina Mas-
carenhas Barbosa Florido. Impetrantes: Márcia Dinis e outro (Advogados: João Eduardo
de Drumond Verano e outro). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Falou, pela paciente, a Dra. Márcia Dinis. Ausente, justifica-
damente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.
212 R.T.J. — 195

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos


Velloso, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar
Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.237 — DF

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Paciente: Ricardo Peixoto de Castro — Impetrante: Ataíde Jorge de Oliveira —
Coator: Presidente do Superior Tribunal de Justiça
Processo penal — Prisão cautelar — Excesso de prazo — Inadmissi-
bilidade — Ofensa ao postulado constitucional da dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, III) — Transgressão à garantia do devido processo
legal (CF, art. 5º, LIV) — Habeas corpus conhecido em parte e, nessa parte,
deferido.
O excesso de prazo, mesmo tratando-se de delito hediondo (ou a este
equiparado), não pode ser tolerado, impondo-se, ao Poder Judiciário, em
obséquio aos princípios consagrados na Constituição da República, o ime-
diato relaxamento da prisão cautelar do indiciado ou do réu.
— Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem
culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua
segregação cautelar (RTJ 137/287 — RTJ 157/633 — RTJ 180/262-264
— RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em
nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do
réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado.
— O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao apare-
lho judiciário — não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinató-
rio causalmente atribuível ao réu — traduz situação anômala que com-
promete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo
estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a
qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas
(CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordena-
mento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção esta-
tal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoá-
vel ou superior àquele estabelecido em lei.
— A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de
alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana,
que representa — considerada a centralidade desse princípio essencial (CF,
art. 1º, III) — significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que
conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso
R.T.J. — 195 213

País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assen-


ta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema
de direito constitucional positivo. Constituição Federal (art. 5º, incisos LIV
e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(art. 7º, n. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.
— O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na
duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal
situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas
da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o
instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante
subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional)
meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer, em parte, do habeas corpus e, na
parte conhecida, deferi-lo, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso e Carlos Britto.
Falou pelo paciente o Dr. Ataíde Jorge de Oliveira.
Brasília, 17 de março de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Celso de Mello,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de habeas corpus originariamente impe-
trado, perante o Supremo Tribunal Federal, contra decisão denegatória de igual writ,
que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão
assim ementado (fl. 11):
“Processo penal — Homicídio qualificado — Formação de quadrilha — excesso
de prazo — Réu pronunciado.
– Pronunciado o réu, fica superada a alegação de constrangimento ilegal da pri-
são por excesso de prazo na instrução (Súmula 21, desta Corte).
– Ordem denegada.”
(HC 21.345/DF, Rel. Min. Jorge Scartezzini)
Sustenta-se, na presente impetração, que a manutenção da prisão cautelar do ora
paciente — que já ultrapassa o período de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de duração —
configuraria situação de ilegal constrangimento, seja em face do alegado excesso de
prazo que se revelaria configurado, seja em virtude da suposta ausência, no caso, dos
requisitos legais autorizadores da adoção dessa excepcional medida de privação da liber-
dade de locomoção física do réu (fls. 02/10).
214 R.T.J. — 195

Consta da impetração que o ora paciente, que ainda se acha preso, está submetido
à custódia cautelar do Estado desde 9-9-2000, data em que sofreu a imposição de prisão
temporária, quando se realizavam as investigações policiais (fl. 02).
O ora paciente, juntamente com outras 17 (dezessete) pessoas, veio a ser denunciado,
pelo Ministério Público, perante a Vara do Júri da Circunscrição Judiciária de Planalti-
na/DF, pela suposta prática dos crimes de homicídio duplamente qualificado (CP, art.
121, § 2º, incisos IV e V) e de quadrilha armada (CP, art. 288, parágrafo único), em
concurso material (CP, art. 69) (Processos n. 2000.05.1.002835-0 e 2001.05.1.000093-
7).
Em 6-11-2000, data em que recebida a denúncia penal em questão, a prisão tem-
porária do ora paciente convolou-se, mediante decisão judicial, em prisão preventiva (fl.
16).
Posteriormente, em 6-8-2001, sobreveio a sentença de pronúncia do ora paciente,
pelos mesmos delitos capitulados na denúncia, sendo certo que o magistrado pronunci-
ante, por entender subsistentes as razões justificadoras da prisão preventiva, manteve a
privação cautelar da liberdade individual de Ricardo Peixoto de Castro (fl. 77).
Os autos registram que o ora paciente vem sofrendo a privação cautelar de sua
liberdade de locomoção física, sem qualquer solução de continuidade, desde 9-9-2000,
muito embora não tenha sido levado, até a presente data, a julgamento perante o
Tribunal do Júri, o que significa que essa prisão processual perdura por quase 4 (quatro)
anos e 6 (seis) meses.
Daí as razões que dão suporte à presente impetração, na qual o ilustre autor deste
writ constitucional, além de censurar a duração excessiva da prisão cautelar do ora
paciente (decretação inicial de sua prisão temporária, posteriormente convolada em
prisão preventiva e agora transformada em prisão processual decorrente da sentença de
pronúncia), sustenta a ilegalidade das decisões judiciais que ordenaram tal extraordiná-
ria medida, considerado o fato de que se achariam desprovidas de fundamentação idô-
nea (fls. 04/09):
“(...)
Ricardo Peixoto de Castro está preso há quase 5º anos por causa de fato
praticado por outra pessoa. Tal conclusão é inevitável, eis que, a par do abuso em
atribuir fato de um co-réu a outro, o atual título da prisão cautelar está na ‘Sentença
de Pronúncia’ (DOC. 02), e a fundamentação deste título se resume em palavras
vazias da Lei: ‘a custódia objetiva assegurar a aplicação da lei penal e garantia
da ordem pública’
(...)
A custódia preventiva, ainda que temporária, por se tratar de restrição máxi-
ma da liberdade individual, valor maior que de per si define a dignidade da pessoa
humana, só pode ser decretada se presentes os requisitos da Lei (CPP, 311 e 312),
‘in genere’ o fumus boni iuris e o periculum in mora. (...).
(...)
A demora em julgar, devida exclusivamente aos promotores de justiça e aos
juízes de direito, é ato de indignidade contra a justiça (...). Afinal, são três tentati-
vas vãs, e nenhuma esperança de pôr fim ao processo. (...).
R.T.J. — 195 215

Ora, veja-se, então, se os 5 anos já gastos nos preparativos para julgar o


paciente forem insuficientes e a justiça da Capital da República exigir mais 10
anos, o paciente continuará preso?
(...)
As hesitações de todos os juízes que atuaram até aqui evidenciam total e
absoluto desacerto. Marca-se o júri, por mais de uma vez, para em seguida
desmarcar, sem explicação condizente para decisão de tamanha gravidade.
(...).” (Grifei)
Neguei o pedido de medida liminar, por reputar inocorrentes, em juízo de
estrita delibação, os pressupostos necessários ao acolhimento da postulação cautelar
(fls. 109/111).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral
da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida (fls. 113/116), ao opinar pela denegação
da ordem de habeas corpus, assim concluiu o seu pronunciamento (fls. 115/116):
“A impetração insiste no pedido de revogação da prisão.
Não lhe assiste razão. Tal como bem explicitado no acórdão impugnado, o
excesso de prazo ficou superado com a superveniência da sentença de pronúncia
que, também, manteve a prisão preventiva, fundamentadamente decretada, com
satisfatório exame das circunstâncias concretas do caso, verbis:
‘Os réus Oséas Inácio de Aquino, Ricardo Peixoto de Castro, Ricardo
Cardoso e José Adeguimar Rodrigues, ao que consta de suas folhas penais,
não possuem bons antecedentes, (...). À hipótese, a liberdade provisória é
vedada, nos termos do § 2º do art. 408 do CPP, além do que os três primeiros
réus são acusados de homicídio duplamente qualificado, considerado hedi-
ondo, insuscetível a concessão do benefício. Soma-se, ainda, a gravidade do
delito e sua repercussão negativa, mormente em relação ao fato de terem
ocorrido sérias ameaças às testemunhas, e é certo que a custódia objetiva
assegurar a aplicação da lei penal e garantia da ordem pública.’
Isso posto, opino pela denegação da ordem.” (Grifei)
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A presente impetração, como precedente-
mente referido, apóia-se nos seguintes fundamentos: (a) suposta ilegalidade da decisão
que decretou a prisão cautelar do ora paciente, eis que desprovida — segundo sustenta-
do neste writ — de fundamentação jurídica idônea; e (b) alegada ocorrência de excesso
de prazo na manutenção da custódia cautelar do paciente, que já se prolonga por quase
quatro (4) anos e meio, sem que, nesse ínterim, tenha ocorrido qualquer julgamento do
réu pelo Tribunal do Júri.
Cabe analisar, preliminarmente, a cognoscibilidade, ou não, da presente impetra-
ção, no ponto em que se pretende o reconhecimento da ilegalidade da decretação da
216 R.T.J. — 195

prisão cautelar, sob a alegação de que a sentença de pronúncia — que lhe dá suporte —
apresentar-se-ia destituída de fundamentação jurídica idônea.
Impende acentuar, desde logo, que o exame desse específico ponto da impetra-
ção não se revela possível, considerado o estrito âmbito temático delineado no acór-
dão em questão, emanado do Tribunal ora apontado como coator, eis que não cabe, a
esta Suprema Corte — em face de sua própria jurisprudência (RTJ 136/230 — RTJ
141/570 — RTJ 148/732 — RTJ 164/213 — RTJ 182/243-244 — HC 73.390/RS, Rel.
Min. Carlos Velloso — HC 81.115/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão) —, apreciar, em
sede originária, fundamentos diversos daqueles que deram suporte à decisão denega-
tória de habeas corpus impugnada perante o Supremo Tribunal Federal.
Isso significa, portanto, que se impõe o não-conhecimento, em parte, deste pedido
de habeas corpus, no ponto em que a impetração se apóia em fundamento não aprecia-
do na decisão ora impugnada, vale dizer, na parte em que o impetrante sustenta a
ilegalidade do ato de privação cautelar da liberdade do paciente, sob a alegação (não
examinada pelo Superior Tribunal de Justiça) de que a decisão não se mostraria ade-
quadamente motivada.
É que, se assim não fosse, registrar-se-ia indevida supressão de instância, consoante
tem advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 182/243-244, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence — HC 73.390/RS, Rel. Min. Carlos Velloso — HC 81.115/SP,
Rel. Min. Ilmar Galvão, v.g.):
“Impetração de habeas corpus com apoio em fundamento não examinado
pelo tribunal apontado como coator: hipótese de incognoscibilidade do writ
constitucional.
— Revela-se insuscetível de conhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal,
o remédio constitucional do habeas corpus, quando impetrado com suporte em
fundamento que não foi apreciado pelo Tribunal apontado como coator.
Se se revelasse lícito ao impetrante agir per saltum, registrar-se-ia indevida
supressão de instância, com evidente subversão de princípios básicos de ordem
processual. Precedentes.”
(HC 83.842/SP, Rel. Min. Celso de Mello)
“Em habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, a inconformidade
deve ser com o acórdão proferido pelo STJ e não contra o julgado do Tribunal
de Justiça.
O STF só é competente para julgar habeas corpus contra decisões pro-
venientes de Tribunais Superiores.
Os temas objeto do habeas corpus devem ter sido examinados pelo
STJ.
(...)
Caso contrário, caracterizaria supressão de instância.
Habeas Corpus não conhecido.”
(HC 79.551/SP, Rel. Min. Nelson Jobim — grifei)
R.T.J. — 195 217

Por isso mesmo, e considerando — como já assinalado — que esse específico


fundamento da impetração não constituiu objeto de expressa análise por parte do E.
Superior Tribunal de Justiça, resta inviabilizado, quanto a tal aspecto, o conhecimento
do presente writ constitucional.
Desse modo, não conheço desta impetração no ponto em que se sustenta a ilega-
lidade da decretação da prisão processual decretada contra o ora paciente.
Conheço, no entanto, da presente ação de habeas corpus, no ponto em que o
ilustre impetrante sustenta a ocorrência de excesso de prazo na manutenção da prisão
cautelar do ora paciente.
Cumpre acentuar, por oportuno, que o paciente — pronunciado por suposta
prática dos crimes de homicídio duplamente qualificado (CP, art. 121, § 2º, incisos IV e
V) e de quadrilha armada (CP, art. 288, parágrafo único), em concurso material (CP, art.
69) — veio a ser preso, em 9-9-2000, por efeito de decisão judicial que lhe decretou a
prisão temporária, assim permanecendo até o presente momento, eis que a privação
cautelar de sua liberdade foi renovada, em 6-11-2000, com a convolação daquela
prisão temporária em prisão preventiva, a qual, por sua vez, transmudou-se em prisão
processual decorrente da sentença de pronúncia, proferida em 6-8-2004.
Impende enfatizar, de outro lado, que, até a presente data, o julgamento, perante
o Tribunal do Júri, não obstante decorrido tão longo período de tempo, ainda não se
realizou, em virtude de obstáculo processual causado pelo próprio Estado, eis que o
desaforamento do julgamento da causa penal foi provocado, não pelo paciente, mas,
sim, por exclusiva iniciativa do Ministério Público (fls. 152/155).
É que o ilustre representante do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios,
em atuação perante a Vara do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de Planal-
tina/DF, valendo-se da possibilidade ensejada pelo art. 424 do CPP, formulou pedido
de desaforamento do feito, dirigido ao E. Tribunal de Justiça local, propondo — e
conseguindo — o desaforamento do julgamento da causa penal em referência (Processo
n. 2004.01.1.110381-6, Tribunal do Júri da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília).
Embora o pedido de desaforamento — deduzido pelo Ministério Público em 4-
12-2003 (DES n. 2003.00.2.010692-0, Rel. Desembargadora Aparecida Fernandes) —
houvesse sido julgado, pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em
14-4-2004, cabe ressaltar que os autos do procedimento penal em questão, instaurado
contra o ora paciente, somente foram encaminhados ao Juízo de primeira instância
(Circunscrição Especial Judiciária de Brasília) em 25-11-2004.
Vê-se, desse modo, considerado o retardamento causado pelo próprio Estado,
que o ora paciente — precisamente em decorrência desse fato — ainda não foi julgado,
até o presente momento, pelo Tribunal do Júri.
O que me parece grave, no caso ora em análise, considerados todos os aspectos
que venho de referir, é que o exame destes autos evidencia que o paciente — que possui
domicílio certo no distrito da culpa — permanece preso, cautelarmente, até agora, não
obstante decorridos quase (4) anos e seis (6) meses, sem que sequer tenha sido julgado
por seu juiz natural.
218 R.T.J. — 195

Se se computar tal prazo apenas a partir da sentença de pronúncia, ainda assim


ter-se-á que o período de duração da prisão cautelar do ora paciente continua sendo
excessivo, pois, mesmo em tal hipótese, a sua prisão cautelar perdura por (longos) três
(3) anos e seis (6) meses, sem qualquer julgamento.
Não desconheço que o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, já
assentou que a superveniência da sentença de pronúncia, por importar em superação
de eventual excesso de prazo, afasta a configuração, quando ocorrente, da situação de
injusto constrangimento (HC 80.325/RJ, Rel. Min. Moreira Alves — RHC 80.741/PA,
Rel. Min. Maurício Corrêa — HC 84.372/ES, Rel. Min. Carlos Velloso, v.g.).
Impende registrar, por relevante, que esta Suprema Corte — embora assinalan-
do que a prisão cautelar fundada em sentença de pronúncia não tem prazo legalmente
predeterminado — adverte, no entanto, que a duração dessa prisão meramente proces-
sual está sujeita a um necessário critério de razoabilidade, no que concerne ao tempo
de sua subsistência, como o evidenciam decisões proferidas por este Tribunal:
“O encerramento da instrução criminal supera o excesso de prazo para a
prisão processual que antes dele se tenha verificado, mas não elide o que acaso se
caracterize pelo posterior e injustificado retardamento do término do processo.”
(RHC 71.954/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — grifei)
“Prisão por pronúncia: duração que, embora não delimitada em lei,
sujeita-se ao limite da razoabilidade (...).”
(HC 83.977/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence — grifei)
É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 80.379/SP,
Rel. Min. Celso de Mello, em que o paciente se encontrava cautelarmente preso há 2
(dois) anos e 3 (três) meses (bem menos, portanto, que o ora paciente, que se acha
recolhido ao sistema prisional há quase quatro anos e meio), proferiu decisão consubs-
tanciada em acórdão assim ementado:
“O julgamento sem dilações indevidas constitui projeção do princípio do
devido processo legal.
— O direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerro-
gativa fundamental que decorre da garantia constitucional do due process of law.
O réu — especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de
privação da sua liberdade — tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo
Poder Público, dentro de prazo razoável, sem demora excessiva e nem dilações
indevidas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7º, n. 5 e 6).
Doutrina. Jurisprudência.
— O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judi-
ciário — não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente
atribuível ao réu — traduz situação anômala que compromete a efetividade do
processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cida-
dão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução
do litígio, sem dilações indevidas e com todas as garantias reconhecidas pelo
ordenamento constitucional.
R.T.J. — 195 219

O excesso de prazo, nos crimes hediondos, impõe o relaxamento da prisão


cautelar.
— Impõe-se o relaxamento da prisão cautelar, mesmo que se trate de proce-
dimento instaurado pela suposta prática de crime hediondo, desde que se registre
situação configuradora de excesso de prazo não imputável ao indiciado/acusado.
A natureza da infração penal não pode restringir a aplicabilidade e a força
normativa da regra inscrita no art. 5º, LXV, da Constituição da República, que
dispõe, em caráter imperativo, que a prisão ilegal ‘será imediatamente relaxada’
pela autoridade judiciária. Precedentes.”
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. Celso de Mello)
Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada,
quando configurado excesso irrazoável no tempo de segregação cautelar do acusado,
considerada a excepcionalidade da prisão processual, mesmo que se trate de crime
hediondo (RTJ 137/287 — RTJ 157/633 — RTJ 180/262-264, v.g.).
É que a prisão de qualquer pessoa, especialmente quando se tratar de medida de
índole meramente processual, por revestir-se de caráter excepcional, não pode nem
deve perdurar, sem justa razão, por período excessivo, sob pena de consagrar-se inacei-
tável prática abusiva de arbítrio estatal, em tudo incompatível com o modelo constitu-
cional do Estado Democrático de Direito.
É preciso reconhecer, neste ponto, que a duração prolongada, abusiva e irrazoá-
vel da prisão cautelar de alguém, como sucede na espécie, ofende, de modo frontal, o
postulado da dignidade da pessoa humana, que representa — considerada a centralida-
de desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) — significativo vetor interpretativo, verda-
deiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente
em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se
assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de
direito constitucional positivo.
Ou, em outras palavras, cumpre enfatizar que o excesso de prazo na duração
irrazoável da prisão meramente processual do réu, de qualquer réu, notadamente
quando não submetido a julgamento por efeito de obstáculo criado pelo próprio
Estado, revela-se conflitante com esse paradigma ético-jurídico conformador da pró-
pria organização institucional do Estado brasileiro.
Cabe referir, ainda, por relevante, que a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos — tendo presente o estado de tensão dialética que existe entre a pretensão
punitiva do Poder Público, de um lado, e a aspiração de liberdade inerente às pessoas, de
outro — prescreve, em seu art. 7º, n. 5, que “Toda pessoa detida ou retida deve ser
conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei
a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou
a ser posta em liberdade (...)” (grifei).
Na realidade, o Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo
destinado a desempenhar um papel de extremo relevo no âmbito do sistema interame-
ricano de proteção aos direitos básicos da pessoa humana, qualificando-se, sob tal
perspectiva, como peça complementar e decisiva no processo de tutela das liberdades
públicas fundamentais.
220 R.T.J. — 195

O réu — especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de priva-


ção de sua liberdade — tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo Poder
Público, dentro de um prazo razoável, sob pena de caracterizar-se situação de injusto
constrangimento ao seu status libertatis, como já o reconheceu esta Suprema Corte ao
deferir o HC 84.254/PI, Rel. Min. Celso de Mello, em julgamento no qual a Colenda
Segunda Turma, por votação unânime, concedeu liberdade ao paciente que se encon-
trava submetido à prisão cautelar há 4 (quatro) anos, 1 (um) mês e 4 (quatro) dias, sem
julgamento perante órgão judiciário competente, entendimento esse reiterado, também
pela Egrégia Segunda Turma do Tribunal, quando da concessão do HC 83.773/SP, Rel.
Min. Celso De Mello, em face de excesso de prazo da prisão cautelar do paciente, que
se prolongava, abusivamente, naquele caso, por 4 (quatro) anos e 28 (vinte e oito) dias.
Como bem acentua José Rogério Cruz e Tucci (Tempo e Processo — Uma aná-
lise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual — civil e penal,
pp. 87/88, item n. 3.5, 1998, RT), o direito ao processo sem dilações indevidas — além
de qualificar-se como prerrogativa reconhecida por importantes Declarações de Direitos
(Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º, n. 5 e 6; Convenção Européia
para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, art. 5, n. 3,
v.g.) — representa expressiva conseqüência de ordem jurídica que decorre da cláusula
constitucional que a todos assegura a garantia do devido processo legal.
Isso significa, portanto, que o excesso de prazo, analisado na perspectiva dos
efeitos lesivos que dele emanam — notadamente daqueles que afetam, de maneira
grave, a posição jurídica de quem se acha cautelarmente privado de sua liberdade —
traduz, na concreção de seu alcance, situação configuradora de injusta restrição à
garantia constitucional do due process of law, pois evidencia, de um lado, a incapa-
cidade de o Poder Público cumprir o seu dever de conferir celeridade aos procedi-
mentos judiciais e representa, de outro, ofensa inequívoca ao status libertatis de quem
sofre a persecução penal movida pelo Estado.
A respeito desse específico aspecto da controvérsia, revela-se valiosa a observa-
ção de Luiz Flávio Gomes (O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Huma-
nos e o Direito Brasileiro, pp. 242/245, 2000, RT), cujo magistério — expendido a
propósito da garantia que assiste, a qualquer acusado, de ser julgado em prazo razoável,
sem demora excessiva ou sem dilações indevidas — expõe as seguintes considerações:
“Nossa Constituição Federal expressamente não prevê a garantia do encer-
ramento do processo em prazo razoável, mas, como sabemos, contemplou não
somente a previsão genérica do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), senão
também a regra de que os direitos e garantias nela expressamente contemplados
não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais (art. 5º, § 2º).
(...)
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por seu turno, enfatiza
que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um
prazo razoável (...)’ (art. 8.1). No que diz respeito ao preso: ‘Toda pessoa detida ou
retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade
autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de
um prazo razoável ou a ser posta em liberdade (...)’ (art. 7.5); ‘Toda pessoa privada
da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que
este decida, sem demora (...)’ (art. 7.6).
R.T.J. — 195 221

Em harmonia com esses textos internacionais, é bem verdade que o nosso


Código de Processo Penal contém um conjunto de dispositivos (CPP, art. 799 a
801) que cuida da necessidade do cumprimento dos prazos, estabelecendo inclusi-
ve sanções em caso de violação. Porém o que mais sobressai em conformidade
com a valoração doutrinária é sua total e absoluta ‘inocuidade’: os prazos não são,
em geral, cumpridos e muito raramente aplica-se qualquer sanção.
(...)
De um aspecto da garantia de ser julgado em prazo razoável, a jurisprudência
brasileira, em geral, vem cuidando com certa atenção: trata-se do excesso de prazo
no julgamento do réu preso. Há constrangimento ilegal (CPP, art. 648) quando
alguém está preso por mais tempo do que determina a lei. Com base nesse preceito,
o direito jurisprudencial criou a regra de que o julgamento do réu preso, em primeiro
grau, tem que acontecer no prazo de 81 dias (que é a soma de todos os prazos
processuais no procedimento ordinário; são outros os prazos nos procedimentos
especiais). Havendo excesso, sem justificação, coloca-se o acusado em liberdade,
sem prejuízo do prosseguimento do processo.” (Grifei)
Extremamente oportuno referir, ainda, neste ponto, o douto magistério do emi-
nente Professor Rogério Lauria Tucci (Direitos e Garantias Individuais no Processo
Penal Brasileiro, pp. 249/254, 2004, RT), que oferece importante reflexão sobre o tema,
que traduz uma das múltiplas projeções que emanam da garantia constitucional do
devido processo legal:
“Outra ‘garantia’ que se encarta no ‘devido processo penal’ é a referente ao
desenrolamento da persecutio criminis em ‘prazo razoável’.
(...)
Ora, nosso País é um dos signatários da ‘Convenção americana sobre direi-
tos humanos’, assinada em San José, Costa Rica, no dia 22.11.1969, e cujo art. 8.º,
1, tem a seguinte (também ora repetida) redação: “Toda pessoa tem direito de ser
ouvida’ com as devidas garantias e ‘dentro de um prazo razoável’ por um juiz ou
tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior, ‘na
defesa de qualquer acusação penal contra ela formulada’ (...).
Por via de conseqüência, dúvida não pode haver acerca da determinação (...)
na Carta Magna brasileira em vigor, do término de qualquer procedimento, espe-
cialmente o relativo à persecução penal, em ‘prazo razóavel’.
Essa, aliás, é concepção que se universalizou, sobretudo a partir da ‘Con-
venção Européia para salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fun-
damentais’, como anota José Rogério Cruz e Tucci, asserindo que, desde a edição,
em 04.11.1950, desse diploma legal supranacional, “o direito ao processo sem
dilações indevidas’ passou a ser concebido como um direito subjetivo constituci-
onal, de caráter autônomo, de todos os membros da coletividade (incluídas as
pessoas jurídicas) à ‘tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável’, decorrente
da proibição do non liquet, vale dizer, do dever que têm os agentes do Poder
Judiciário de julgar as causas com estrita observância das normas de direito positivo’.
222 R.T.J. — 195

(...)
Afigura-se, com efeito, de todo inaceitável a delonga na finalização do pro-
cesso de conhecimento (especialmente o de caráter condenatório), com a ultrapas-
sagem do tempo necessário à consecução de sua finalidade, qual seja a de defini-
ção da relação jurídica estabelecida entre o ser humano, membro da comunidade,
enredado na persecutio criminis, e o Estado: o imputado tem, realmente, direito ao
pronto solucionamento do conflito de interesses de alta relevância social que os
respectivos autos retratam, pelo órgão jurisdicional competente.
(...)
Realmente, tendo-se na devida conta as graves conseqüências psicológicas
(no plano subjetivo), sociais (no objetivo), processuais, e até mesmo pecuniárias,
resultantes da persecução penal para o indivíduo nela envolvido, imperiosa tor-
na-se a agilização do respectivo procedimento, a fim de que elas, tanto quanto
possível, se minimizem, pela sua conclusão num ‘prazo razoável’.” (Grifei)
Esse entendimento encontra pleno apoio na jurisprudência que o Supremo Tribu-
nal Federal firmou na matéria ora em exame, tanto que se registrou, nesta Corte, em
diversas decisões, a concessão de ordens de habeas corpus, em situações nas quais o
excesso de prazo — reconhecido em tais julgamentos — foi reputado abusivo por este
Tribunal (RTJ 181/1064, Rel. Min. Ilmar Galvão).
Refiro-me, particularmente, aos casos nos quais a duração da privação cautelar
da liberdade do acusado era claramente inferior ao período de encarceramento proces-
sual a que ainda está submetido, na espécie, o ora paciente: 3 (três) anos, 7 (sete) meses
e 5 (cinco) dias (HC 82.761/PI, Rel. Min. Nelson Jobim); 3 (três) anos, 1 (um) mês e 24
(vinte e quatro) dias (HC 78.978/PI, Rel. Min. Nelson Jobim, v.g.).
Tal entendimento também foi reiterado pelo Supremo Tribunal Federal — e a
ordem de habeas corpus igualmente deferida —, em hipóteses nas quais o excesso de
prazo pertinente à prisão cautelar revelava-se substancialmente inferior ao que se
registra na presente impetração: 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 8 (oito) dias (HC
84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau); 1 (um) ano, 5 (cinco) meses, e 15 (quinze) dias (HC
79.789/AM, Rel. Min. Ilmar Galvão); 1 (um) ano e 3 (três) meses (HC 84.907/SP, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence); 1 (um) ano e 5 (cinco) dias (HC 84.181/RJ, Rel. Min. Marco
Aurélio); 10 (dez) meses e 21 (vinte e um) dias (HC 83.867/PB, Rel. Min. Marco
Aurélio); 4 (quatro) meses e 10 (dias) (RTJ 118/484, Rel. Min. Carlos Madeira).
Cabe também assinalar que o Supremo Tribunal Federal, revelando extrema
sensibilidade a propósito de situações anômalas derivadas da superação abusiva
e irrazoável do prazo de duração de prisões meramente cautelares, tem conhecido
do pedido de habeas corpus, até mesmo quando não examinada essa específica
questão pelo Tribunal de jurisdição inferior, como resulta claro das decisões a
seguir mencionadas:
“Recurso em habeas corpus. Liberdade provisória. Excesso de prazo.
Conhecimento de ofício da matéria. Constrangimento ilegal. Extensão de
liberdade provisória.
R.T.J. — 195 223

O Tribunal tem admitido conhecer da questão do excesso de prazo quando


esta se mostra gritante, mesmo que o tribunal recorrido não a tenha examinado.
(...)
Recurso provido em parte. Habeas corpus concedido de ofício.”
(RHC 83.177/PI, Rel. Min. Nelson Jobim — grifei)
“— Habeas corpus. Excesso de prazo para o encerramento da instrução
criminal.
— Habeas corpus que não se conhece por não ser caso de pedido originário
a esta Corte, mas que se concede, ex officio, por gritante excesso de prazo.”
(HC 59.629/PA, Rel. Min. Moreira Alves — grifei)
Todos os aspectos ora ressaltados põem em evidência um fato que assume extre-
mo relevo jurídico, consistente na circunstância de que se registra, na espécie, evidente
excesso de prazo, eis que a prisão cautelar do ora paciente, sem causa legítima, excedeu
período que chega a quase quatro (4) anos e meio de duração, sem que, até o presente
momento, e por razões exclusivamente imputáveis ao Estado, esse mesmo paciente
tenha sido julgado por seu juiz natural: o Tribunal do Júri.
Bem por isso é que a EC n. 45/2004 — que instituiu a “Reforma do Judiciário” —
introduziu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição da República, consagrando, de
modo formal, uma expressiva garantia enunciada nos seguintes termos:
“LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.” (Grifei)
Nem se diga, finalmente, que a circunstância de a acusação penal envolver a
suposta prática de crime hediondo (como o delito de homicídio qualificado, p. ex.)
impediria o réu de invocar, em seu favor, a prerrogativa da liberdade, especialmente
naquelas situações em que o tempo de prisão cautelar excede, de maneira abusiva, como
no caso, os limites razoáveis de duração.
É preciso enfatizar, uma vez configurado excesso irrazoável na duração da pri-
são cautelar do acusado, que este não pode permanecer exposto a tal situação de
evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoa acusada da suposta prática de crime
hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar
penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e
inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal:
“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’
(Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza
cautelar, no interesse dos interesses do desenvolvimento e do resultado do proces-
so, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve à prisão preven-
tiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem
processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘nin-
guém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”
(RTJ 137/287, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — grifei)
224 R.T.J. — 195

“Caracterizado o excesso de prazo na custódia cautelar do paciente, mes-


mo em face da duplicação, instituída pelo art. 10 da Lei n. 8.072/90, dos prazos
processuais previstos no art. 35 da Lei n. 6.368/76, é de deferir-se o habeas corpus
para que seja relaxada a prisão, já que a vedação de liberdade provisória para os
crimes hediondos não pode restringir o alcance do art. 5º, LXV, da Carta da Repú-
blica, que garante o relaxamento da prisão eivada de ilegalidade.”
(RTJ 157/633, Rel. Min. Ilmar Galvão — grifei)
“Prisão preventiva: à falta da demonstração em concreto do periculum
libertatis do acusado, nem a gravidade abstrata do crime imputado, ainda que
qualificado de hediondo, nem a reprovabilidade do fato, nem o conseqüente
clamor público constituem motivos idôneos à prisão preventiva: traduzem, sim,
mal disfarçada nostalgia da extinta prisão preventiva obrigatória.”
(RTJ 172/184, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — grifei)
“A acusação penal por crime hediondo não justifica a privação arbitrária
da liberdade do réu.
— A prerrogativa jurídica da liberdade — que possui extração constitucio-
nal (CF, art. 5º, LXI e LXV) — não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder
Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hedi-
ondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º,
LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja
a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”
(RTJ 187/933-934, 933, Rel. Min. Celso de Mello)
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, conheço, em parte, do
presente pedido de habeas corpus, e, na parte de que conheço, defiro-o, para conceder,
ao ora paciente, se por al não estiver preso, a sua imediata soltura, relativamente à
prisão cautelar que sofre em decorrência da sentença de pronúncia proferida nos autos
do Processo-crime n. 2004.01.1.110381-6 (Tribunal do Júri da Circunscrição Especial
Judiciária de Brasília).
É o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau: Sr. Presidente, reportando-me aos Habeas Corpus n.
84.662, 84.921 e 85.400, pelas razões lá expostas vou acompanhar o eminente Relator
concedendo a ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, gostaria de fazer uma ressalva quanto
à preliminar de não-conhecimento, pois não quero comprometer-me com a tese do emi-
nente Min. Relator.
R.T.J. — 195 225

Impressionou-me o fato de este Tribunal não raro invocar a eventual supressão da


instância, para não conhecer de habeas corpus ou de seu fundamento, quando temos
obrigação legal de conceder ordem de ofício à vista de ilegalidade manifesta. Para meu
conforto, existe até precedente, no RHC n. 80.110, da Relatoria do Ministro Sepúlveda
Pertence, que observou, com muita propriedade:
“(...) a inexigibilidade do prequestionamento somada ao poder-dever da con-
cessão do habeas corpus de ofício permitem — quando manifesta a ilegalidade
que o Tribunal coator se haja indevidamente recusado a examinar — que se sobre-
ponha a decisão imediata e favorável do caso à ortodoxia da não supressão da
instância”.
Acompanho integralmente, no mais, o eminente Relator.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, apenas para firmar posição sobre
a matéria e revelar o meu convencimento quanto à sentença de pronúncia, quanto à
possibilidade de se implementar ordem de ofício. O fato de se estar diante de quadro
revelador de ilicitude no processo em que retratado o habeas corpus não é obstáculo
para acionar-se o Código de Processo Penal. Reservo, entretanto, essa concessão a situa-
ções em que realmente salte aos olhos a ilicitude.
A sentença de pronúncia para mim não é um fenômeno, um marco para a interrup-
ção de prazo alusivo à preventiva. Ela apenas resulta na submissão do acusado — até
então um simples acusado — ao juízo natural, retratado pelo Tribunal do Júri.
No caso do processo, como ressaltou o Ministro Relator, nota-se uma situação
extravagante em que se compele aquele preso, inicialmente, de modo temporário e,
depois, preventivamente a adiantamento do cumprimento de uma pena que ainda não
foi formalizada, que ainda não existe no mundo jurídico. O Estado precisa aparelhar-se
para encerrar os processos nos prazos previstos na legislação instrumental de regência,
sob pena de — considerado o aspecto para mim simplesmente objetivo, que é o relativo
ao excesso de prazo — ter-se a concessão da ordem.
Acompanho o Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Senhor Presidente, eu queria estar de acordo
com a ressalva do Ministro Cezar Peluso quanto ao não-conhecimento, mas, no caso, a
questão está prejudicada pela concessão da ordem.
Entendo que, afora hipóteses de evidente constrangimento ilegal a impor a con-
cessão de ofício, a sucessão de impetrações de habeas corpus não exige o prequestiona-
mento. Exige-se que a questão tenha sido posta perante o tribunal coator, porque, se
omitir sobre um fundamento posto é, em si mesmo, uma coação, e o tribunal superior,
considerando evidenciada a coação ilegal, pode fazer cessar de imediato a coação e não
devolver o tema ao tribunal omisso.
226 R.T.J. — 195

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, quero registrar primeiro a minha
adesão integral ao voto magnífico proferido pelo Ministro Celso de Mello.
Registro também a apreensão com esse quadro quase que patológico que se revela
e mostra a necessidade, realmente, de uma urgente reforma e quase uma revolução no
âmbito do Poder Judiciário como um todo. Ontem, apreciamos aquele mandado de
segurança (MS 22.151/PR, Rel. Min. Ellen Gracie); hoje, este habeas corpus, o que é
revelador indiciariamente de mazelas muito sérias no funcionamento do Judiciário.
Por último, saliento a belíssima sustentação feita da tribuna.
Acompanho o Relator.

VOTO
O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Efetivamente, aqui, temos um caso em
que a delonga se deve à má gestão do sistema judiciário. É uma questão de gestão. Há
casos em que a demora se dá por habilidade da defesa, e temos negado habeas corpus
quando o tempo decorre exatamente de ações desenvolvidas pela defesa.
No caso específico, mostrou o Relator que o problema é de mera gestão, ou seja, a
administração do fluxo dos processos, da perspectiva da sua urgência. Temos muito
trabalho, e por isso, precisamos da capacidade de estabelecer uma ordenação de natureza
político-judiciária para efeito de darmos tramitação a esses feitos.
Na verdade, todos nós, ou grande parte do sistema judiciário nacional, têm sempre
uma visão da perspectiva do processo como um dado individual. Ou seja, satisfaz-se o
julgamento do processo individual, mas não se gere o conjunto de fatos que possam
conduzir a decisões que tenham eficácia social.
Acompanho o Relator.

EXTRATO DA ATA
HC 85.237/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente: Ricardo Peixoto de
Castro. Impetrante: Ataíde Jorge de Oliveira. Coator: Presidente do Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu, em parte, do habeas corpus e, na
parte conhecida, deferiu-o, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso e Carlos Britto.
Falou pelo paciente o Dr. Ataíde Jorge de Oliveira.
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,
Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando
Barros e Silva de Souza.
Brasília, 17 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.
R.T.J. — 195 227

QUESTÃO DE ORDEM NO RECURSO EM


HABEAS CORPUS 85.243 — MG
Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes
Recorrente: Lúcio Carlos Finholdt Pereira — Recorrido: Relator do HC n. 85.086
do Supremo Tribunal Federal
Questão de ordem. Recurso em habeas corpus contra Ministro do
Supremo Tribunal Federal. Análise e julgamento como habeas corpus.
Incompetência da Turma. Anulação de julgamento anterior. Remessa do
processo para apreciação do Plenário.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
resolvendo questão de ordem, invalidar o julgamento da presente causa, a que procedeu
na sessão de 3 de maio de 2005, em ordem a determinar a submissão do pleito ao exame
do egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus
impetrado em favor de Lúcio Carlos Finholdt Pereira contra a decisão proferida pelo
Min. Carlos Britto no HC 85.086.
Autuado como recurso ordinário em habeas corpus, a Segunda Turma, por unani-
midade, negou-lhe provimento, em sessão de 3 de maio próximo passado.
Em face dessa decisão, é que trago a presente questão de ordem.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Em decisão de 2 de dezembro de 2004, o
Ministro Carlos Britto proferiu decisão negando seguimento ao HC 85.086, publicada
no Diário da Justiça do dia 10 de dezembro do mesmo ano.
Em 9 de dezembro de 2004, portanto, extemporaneamente, o paciente impetrou
recurso de habeas corpus, autuado como RHC 85.243, distribuído à minha relatoria.
Remetidos os autos à Procuradoria-Geral da República, afirmou-se, em parecer da
lavra do Subprocurador-Geral da República Edson de Oliveira Almeida:
“No caso, embora admissível o habeas corpus contra ato singular do Relator
(HC 69.138-MG, rel. Min. Moreira Alves, DJU 29.05.92; HC 80.170-RS, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJU 24.08.01; HC 82.867, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU
228 R.T.J. — 195

27.06.2003), tem-se que o peticionário não conseguiu superar os fundamentos do


despacho impugnado, notadamente quanto à circunstância plenamente demons-
trada, de se tratar, no referente a suposta inconstitucionalidade do art. 235 do
COM, de simples reiteração do HC 82.760-MG.” (Fls. 39-40)
Tal como a Procuradoria-Geral da República, também eu analisei e julguei o pre-
sente recurso como habeas corpus. Assim, a Segunda Turma carecia de competência
para apreciar e julgar o habeas corpus contra o Ministro Carlos Britto.
Nesse sentido, inclusive, a Corte assentou o “cabimento do pedido de habeas
corpus ao Plenário contra decisão individual do Relator, não submetida à Turma medi-
ante agravo.” (HC 80.170, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24-8-01)
Nesses termos, apresento a presente questão de ordem para que seja anulado o
julgamento proferido por esta Segunda Turma, e remetido o habeas corpus ao Plenário
para apreciação.

EXTRATO DA ATA
RHC 85.243-QO/MG — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: Lúcio
Carlos Finholdt Pereira (Advogado: Manoel de Jesus Filho). Recorrido: Relator do HC
n. 85.086 do Supremo Tribunal Federal.
Decisão: A Turma, por unanimidade, resolvendo questão de ordem, invalidou o
julgamento da presente causa, a que procedeu na sessão de 3 de maio de 2005, em ordem
a determinar a submissão do pleito ao exame do egrégio Plenário do Supremo Tribunal
Federal, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a
Ministra Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.262 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: Marcus Vinícius dos Santos Gomes ou Marcos Vinicius dos Santos —
Impetrante: Edir Gonçalves Ramos — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Crime de roubo: consuma-
ção. Expedição de mandado de prisão: ilegalidade.
I - O writ não é de ser conhecido na parte em que se insurge contra a
expedição de mandado de prisão contra o paciente, dado que tal questão
não foi posta à apreciação do Eg. Superior Tribunal de Justiça.
R.T.J. — 195 229

II - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que


o crime de roubo se consuma quando o agente, mediante violência ou grave
ameaça, consegue tirar a coisa da esfera de vigilância da vítima, sendo
irrelevante a ocorrência de posse tranqüila sobre a res. Precedentes.
III - HC conhecido em parte e, nessa parte, indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer, em parte, do pedido de habeas corpus e, na parte conhecida, o indeferir, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Marcus Vinícius dos Santos Gomes (ou Marcos Vinicius dos Santos), do acórdão da 5ª
Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu pedido de habeas corpus (HC
38.134/RJ), em acórdão assim ementado:
“Habeas corpus. Roubo. Consumação. Posse tranqüila do bem. Desnecessi-
dade. Dosimetria da pena. Decisão devidamente fundamentada.
I - O roubo se consuma no instante em que a coisa é retirada da esfera de
disponibilidade da vítima, mediante violência ou grave ameaça, sendo irrelevante
a ocorrência de posse tranqüila sobre a res furtiva.
II - Afasta-se a redução de 2/3 da pena pela tentativa quando o delito restou
consumado, mantendo-se a redução de metade aplicada em primeiro grau apenas
em virtude da ausência de recurso do Ministério Público.
Ordem denegada.” (Fl. 54)
Diz a impetração que o paciente foi condenado em primeiro grau à pena de 2 (dois)
anos e 8 (oito) meses de reclusão, mais multa, como incurso no art. 157, § 2º, II, c/c o art.
14, II, do Código Penal, com redução da pena pela metade, por tratar-se de crime tentado.
Esclarece que contra essa decisão interpôs apelação para postular a redução de 2/3 da
pena, a que a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou
provimento, por entender que a redução da metade da pena pela sentença condenatória
foi extremamente benéfica ao paciente, já que fora condenado por tentativa de roubo,
quando se tratava de crime consumado. Entretanto, em face da ausência de recurso do
Ministério Público, o Tribunal não reconheceu o crime como consumado.
Inconformado, impetrou habeas corpus perante o Eg. Superior Tribunal de Justiça,
também indeferido pela 5a Turma do Tribunal.
230 R.T.J. — 195

Daí o presente writ, no qual se sustenta que a pena deve ser diminuída na propor-
ção inversa do iter criminis percorrido, ou seja, no máximo permitido. Insurge-se, ainda,
contra a expedição do mandado de prisão expedido contra o paciente, na medida em
que, além de cumprir suas obrigações eleitorais, possuir trabalho fixo e freqüentar curso
de ensino superior, fora condenado ao cumprimento da pena em regime aberto.
Por isso, pede a concessão do writ, “fixando-se para efeito de diminuição o grau
máximo permitido para o crime tentado, com aplicação da suspensão condicional da
penal” (fl. 09).
Requisitadas informações, foram elas prestadas pelo Sr. Presidente do Superior
Tribunal de Justiça, que encaminhou cópia do acórdão proferido pela 5ª Turma daquele
Tribunal (fls. 54-58).
O Ministério Público Federal, pelo parecer da ilustre Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Delza Curvello Rocha, oficiando às fls. 68-72, opina pelo indeferimento
do writ.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Insurge a impetração contra acórdão da 5a
Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu pedido de habeas corpus em
que se postulava a redução de 2/3 da pena imposta ao paciente pela tentativa de roubo.
De início, não conheço do writ na parte em que se insurge contra a expedição de
mandado de prisão contra o paciente. É que tal questão não foi posta à apreciação do Eg.
Superior Tribunal de Justiça. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal, não
se conhece de questões não apreciadas pelo Tribunal de origem, sob pena de supressão
de instância.
Prossigo.
O acórdão do Eg. Superior Tribunal de Justiça, aqui impugnado, porta a seguinte
ementa:
“Habeas corpus. Roubo. Consumação. Posse tranqüila do bem. Desnecessi-
dade. Dosimetria da pena. Decisão devidamente fundamentada.
I - O roubo se consuma no instante em que a coisa é retirada da esfera de
disponibilidade da vítima, mediante violência ou grave ameaça, sendo irrelevante
a ocorrência de posse tranqüila sobre a res furtiva.
II - Afasta-se a redução de 2/3 da pena pela tentativa quando o delito restou
consumado, mantendo-se a redução de metade aplicada em primeiro grau apenas
em virtude da ausência de recurso do Ministério Público.
Ordem denegada.” (Fl. 54)
Assim o voto proferido pelo eminente Min. José Arnaldo da Fonseca, relator do
habeas corpus, aqui impugnado:
“(...)
R.T.J. — 195 231

Não obstante reconhecer que a questão acerca da tentativa tem pouca visibi-
lidade em sede de habeas corpus, pois demandaria o confronto probatório, no
caso, visualiza-se a ineficiência dos fundamentos da defesa, porquanto o iter
criminis, com o exaurimento de toda a execução, afigura-se incontestável. Aliás,
foi o que bem ponderou a opinião ministerial, às fls. 62/4:
‘6. Não merece prosperar a pretensão do impetrante. Não há que se
confundir a consumação do delito com o proveito auferido a partir da prática
delituosa. O roubo se consuma no instante em que a coisa é retirada da esfera
de disponibilidade da vítima, mediante violência ou grave ameaça, sendo
irrelevante a ocorrência de posse tranqüila sobre a res furtiva.
7. No caso sob apreciação, o fato do paciente permanecer no vagão do
metrô após a prática delitiva não descaracteriza, inclusive, a consumação do
delito, uma vez que, submetida a grave ameaça e com violência física e,
sobretudo, quando se tem presente que a res furtiva (camisa) passou para o
poder dos assaltantes, havendo a alteração na esfera de disponibilidade do
bem.
8. De outro lado, não há que se confundir a consumação do delito com
a obtenção de proveito da empreitada criminosa. Diz-se consumado o crime
quando nele estão reunidos todos os elementos de sua definição legal (art.
14, I, CPB). No caso do roubo, a subtração da coisa alheia móvel mediante
grave ameaça é suficiente para a consumação, independentemente da posse
mansa e pacífica da coisa ou de seu desfruto, sendo que este se situa na fase de
exaurimento.
9. Nesse sentido é o entendimento da nossa Corte Constitucional, que
reiteradas vezes assim já se pronunciou acerca do tema: ‘o roubo está consu-
mado se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após
a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranqüi-
la desta’ (RTJ 135/161). Em caso assemelhado ao dos autos, já decidiu o
Supremo Tribunal Federal:
‘Roubo consumado - Carro. Configura-o a abordagem do con-
dutor, mediante o uso de arma de fogo, procedendo-se à tomada do
veículo, embora a passagem por radiopatrulha, já informada da ocor-
rência, haja implicado a interceptação, com a conseqüente recupera-
ção do veículo e prisão dos agentes’.
10. Também o Superior Tribunal de Justiça segue a mesma linha de
raciocínio, já havendo deixado assentado: ‘O crime de roubo se consuma no
momento, ainda que breve, em que o agente se torna possuidor da res furtiva,
subtraída mediante grave violência ou ameaça, não se mostrando necessário
que haja posse tranqüila, fora da vigilância da vítima’.
11. Com efeito, mostra-se inviável a redução de pena pleiteada pelo
impetrante, eis que, em verdade, o crime restou consumado e, como consig-
nado na própria decisão atacada, se houvesse recurso do Ministério Público,
deveria ser reconhecida a consumação do delito.
232 R.T.J. — 195

12. Por derradeiro, oportuno consignar que o episódio narrado nos


autos, em que três jovens cometem ato de grave violência -subtração de
camisa de torcedor de time de futebol adversário, com efetiva violência -
revela lamentável demonstração do hodierno desnorteamento e da impru-
dência na conduta de alguns jovens de nossa sociedade.’
Ante o exposto, denego a ordem.
É o voto.” (Fls. 56-57)
Correto o entendimento.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o crime de
roubo se consuma quando o agente, mediante violência ou grave ameaça, consegue tirar
a coisa da esfera de vigilância da vítima, sendo irrelevante a ocorrência de posse tranqüi-
la sobre a res.
Assim decidiu a Primeira Turma, no HC 74481/SP, Rel. Min. Sydney Sanches,
ficando o acórdão assim ementado:
“Direito Penal e Processual Penal. Auto de prisão em flagrante: nulidade.
Roubo qualificado: tentativa e consumação. Policiais como testemunhas. Habeas
corpus.
1. A nulidade do auto de prisão em flagrante, como peça do inquérito polici-
al, não repercute na validade do processo penal, do qual resulta a condenação.
2. Firmou-se em Plenário a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no
sentido de que ‘o roubo está consumado se o ladrão é preso em decorrência de
perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que
tenha, ou não, posse tranqüila desta’ (RTJ 135/161).
3. Ademais, no caso, nem permaneceram os bens subtraídos na esfera de
vigilância da vítima.
4. Os policiais, que participaram da diligência, que resultou na prisão da
quadrilha integrada pelo paciente, não estavam impedidos de depor como teste-
munhas.
5. Seus depoimentos, portanto, não podiam ser desconsiderados, até porque
em harmonia com as declarações das vítimas.
6. Habeas Corpus indeferido.” (DJ de 4-4-97)
Não foi outro o decidido por esta Turma, no HC 74.594/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio:
“Competência — Habeas corpus — Ato de Tribunal de Justiça. Na dicção da
ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação à qual guardo
reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas
corpus impetrado contra ato de tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior.
Roubo consumado — Carro. Configura-o a abordagem do condutor, medi-
ante o uso de arma de fogo, procedendo-se à tomada do veículo, embora a passa-
gem por radiopatrulha, já informada da ocorrência, haja implicado a interceptação,
com a conseqüente recuperação do veículo e prisão dos agentes.
R.T.J. — 195 233

Seqüestro — Cárcere privado — Elemento subjetivo do tipo — Inexistência.


A retenção do condutor do veículo roubado, com deslocamento a lugar ermo e poste-
rior liberação, longe fica de configurar o crime de seqüestro e cárcere privado.
Exsurge, ao primeiro exame, fim único, ou seja, evitar a comunicação, pela vítima,
do crime de roubo à polícia, e a perseguição imediata. O tipo do artigo 148 do
Código Penal pressupõe a vontade livre e consciente de privar o ofendido da
liberdade de locomoção.” (DJ de 8-9-2003)
No caso, conforme consta da sentença condenatória (fls. 22-26), o paciente e dois
outros co-réus, mediante grave ameaça e violência — agarraram o pescoço e desferiram
chutes na vítima —, subtraíram uma camisa oficial de time de futebol adversário de um
passageiro do metrô da cidade do Rio de Janeiro. Os três foram presos em flagrante ao
saírem do trem, sem terem usufruído da coisa roubada.
Não há falar, pois, em crime tentado, como bem assinalou o parecer do Ministério
Público, “uma vez que o bem em questão havia sido retirado, efetivamente, da esfera de
disponibilidade do seu proprietário, ainda dentro do metrô, sendo a prisão do paciente
na estação onde desembarcou apenas um flagrante delito, da mesma forma que ocorre
nas perseguições policiais imediatamente seguintes aos crimes dessa natureza” (fl. 70).
Sendo assim, tratando-se a espécie de crime consumado — cujo reconhecimento
restou inviável ante a ausência de recurso do Ministério Público —, tem-se que a
redução operada pelo Juízo de primeiro grau foi extremamente benéfica ao paciente,
sendo inviável a redução no grau máximo permitido, tal como pretendido pela impetração.
Do exposto, conheço, em parte, do writ e, nessa parte, o indefiro.

EXTRATO DA ATA
HC 85.262/RJ — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Marcus Vinícius dos
Santos Gomes ou Marcos Vinicius dos Santos. Impetrante: Edir Gonçalves Ramos. Coator:
Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu, em parte, do pedido de habeas
corpus e, na parte de que conheceu, indeferiu-o, também por unanimidade, nos termos
do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o
Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,
assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo
único, RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
234 R.T.J. — 195

HABEAS CORPUS 85.279 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: André Luiz de Jesus Peres — Impetrante: Antonio de Padua Nunes Pereira.
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Execução penal. Indulto.
Tráfico ilícito de entorpecentes. Decreto Presidencial 3.226/99.
I - Impossibilidade de comutação da pena, dado que o paciente foi
condenado pela prática de crime hediondo, sendo irrelevante que a veda-
ção tenha sido omitida no Decreto Presidencial 3.226/99. Precedentes.
II - HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello,
na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
André Luiz de Jesus Peres, da decisão da 5a Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça
que indeferiu pedido de habeas corpus (HC 14.876/RJ), em acórdão assim ementado:
“Ementa: Execução penal. Indulto. Tráfico ilícito de entorpecentes. Decreto
3.226/99. Impossibilidade.
I. - Não é possível conceder indulto apenas quanto à causa de aumento defi-
nida no inciso III do art. 18 da Lei n. 6.368/76.
II. - Conforme jurisprudência firmada pelo Plenário do colendo Supremo
Tribunal Federal, é constitucional o art. 2º, I da Lei 8.072/90, pelo qual se veda a
concessão de indulto aos condenados por crimes hediondos, tráfico ilícito de en-
torpecentes e drogas afins e terrorismo. (Precedentes).
Writ indeferido.” (Fl. 38)
O paciente, condenado à pena de 15 (quinze) anos de reclusão, em regime integral-
mente fechado, pela prática do crime previsto no art. 12 c/c 18, III, da Lei 6368/76,
postula o reconhecimento do direito ao indulto da pena, tão somente na parte relativa ao
aumento da pena. Sustenta a impetração que o DL 3.226/99, em seu art. 2º, permite a
comutação mesmo em se tratando de crimes hediondos.
R.T.J. — 195 235

Requisitadas informações (fl. 22), foram elas prestadas pelo eminente Ministro
Edson Vidigal, Presidente do Eg. Superior Tribunal de Justiça, que encaminhou cópia
do acórdão proferido no HC 14.876/RJ, aqui impugnado (fls. 38-46).
O Ministério Público Federal, pelo parecer do ilustre Subprocurador-Geral da Re-
pública, Dr. Edson Oliveira de Almeida, opina pelo indeferimento da ordem (fls. 63-64).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim o voto proferido pelo eminente
Ministro Felix Fischer, Relator do HC 14.876/RJ, aqui impugnado:
“(...)
O habeas corpus busca o reconhecimento do direito do paciente, condenado
pela prática do crime previsto no art. 12, c/c o art. 18, inciso III, ambos da Lei
6.368/76 – tráfico ilícito de entorpecentes e associação – ao indulto da pena com
relação ao art. 18, inciso III, com base no Decreto 3.226/99, que dispõe o seguinte:
‘Art. 2º O condenado que, até 25 de dezembro de 1999, tenha cumprido
um quarto da pena, se não reincidente, ou um terço, se reincidente, e não
preencha os requisitos deste Decreto para receber indulto, terá comutada sua
pena com redução de um quarto, se não reincidente, e de um quinto, se
reincidente.’
(...)
‘Art.7º O indulto previsto neste Decreto não alcança os:
I - condenados por crimes hediondos e pelos crimes de tortura,
terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;
II - condenados pelos crimes definidos no Código Penal Militar
que correspondam às hipóteses previstas nos incisos I e III deste artigo;
III - condenados que, embora solventes, tenham deixado de repa-
rar o dano;
IV - condenados por roubo com emprego de arma de fogo;
V - condenados por roubo que tenham mantido a vítima em seu
poder ou de outra forma restringido sua liberdade.’
O condenado faz uma análise comparativa entre o art. 14 e o art. 18, inciso III,
ambos da Lei n. 6.368/76. Argumenta que o primeiro diz respeito à associação
permanente e não é considerado crime hediondo pelos Tribunais Superiores (STJ e
STF). Ao passo que o segundo refere-se à associação eventual, ou seja, de menor
potencial ofensivo à sociedade, e por isso não deveria também ser aplicada a Lei de
Crimes Hediondos. Conclui pela possibilidade de aplicação do indulto com rela-
ção à associação eventual uma vez que satisfaz as exigências contidas no art. 2º
acima transcrito - cumprimento de ao menos um quarto da pena, se não reincidente,
ou um terço, se reincidente.
236 R.T.J. — 195

Ocorre que a associação permanente constitui delito autônomo e a contrario


sensu a associação eventual é mera causa de aumento do tráfico ilícito de entorpe-
centes. Assim, não é possível conceder o referido beneficio apenas quanto à causa
de aumento definida no inciso III do art. 18 da Lei n. 6.368/76. Com propriedade
dispôs a culta Subprocuradora-Geral da República, Dra. Julieta E. Fajardo
Cavalcanti de Albuquerque, em seu d. parecer, in verbis: ‘Não obstante o art. 5º,
inciso XLIII, da Carta Magna referir-se tão somente à graça, cumpre ponderar sem-
pre o sentido teleológico. O Decreto Presidencial que concede o indulto visa bene-
ficiar, especificamente, os condenados pela prática de delitos de menor repercus-
são, tanto que o texto legal é específico ao afastar sua aplicação aos condenados
pela prática de delitos cometidos com violência contra a pessoa (excepcionando
alguns casos no § 1º do artigo 1º); condenados por delitos cometidos mediante
emprego de arma de fogo; condenados por crimes hediondos e pelos crimes de
tortura, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (art. 7º, incisos I,
IV e V do mencionado decreto). O inciso I do artigo 2º da Lei n. 8.072/90, estabe-
lece que a anistia, a graça e o indulto não podem ser reconhecidos como causas
extintivas de punibilidade, em relação aos crimes hediondos e assemelhados, repe-
tindo, em linhas gerais, o artigo 5º inciso XLIII, da Constituição Federal vigente.
Inaceitável, como postula o impetrante, considerar, para fins de concessão do
beneficio, apenas a causa de aumento definida no inciso III do art. 18 da lei n.
6.368/76, desprezando a conduta tipificada no art. 12 do mesmo diploma legal.’
(Fl. 37)
Por outro lado, o art. 2º da Lei 8.072/90 dispõe o seguinte:
‘Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança e liberdade provisória.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inte-
gralmente em regime fechado.
§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamen-
tadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei n. 7.960, de 21
de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de
trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e compro-
vada necessidade.’
Segundo a conceituação de Júlio Fabbrini Mirabete (Execução Penal, Atlas,
9ª edição, 2000, pp. 655 e ss.), o indulto é ‘um ato de clemência do Poder Público
em favor de um réu condenado ou de natureza coletiva quando abrange vários
condenados que preenchem os requisitos exigidos. As disposições da Lei de Exe-
cução Penal ajustam-se ‘à orientação segundo a qual o instituto da graça fui absor-
vido pelo indulto, que pode ser individual ou coletivo’. Na doutrina, entretanto,
aponta-se como diferença entre o indulto e a graça (em sentido estrito) ser esta
solicitada, enquanto aquele é concedido de ofício e de caráter coletivo.
(...)
R.T.J. — 195 237

O indulto pode ser concedido ao autor de qualquer espécie de crime, inclusive


os que se apuram mediante ação penal privada. Mas a Lei n. 8.072, de 25.7.90, em
seu art. 2º I, diz que são insuscetíveis de indulto os crimes hediondos, a prática de
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo. Já se tem
afirmado que a lei é inconstitucional e não poderia vedar tal beneficio, pois a
Constituição Federal não se refere, no art. 5º XLIII, ao indulto, mas apenas à anistia
e à graça. Mas, como já observado, a palavra graça, no dispositivo citado, tem que
ser entendida como indulto, pois somente este e a anistia são formas constitucio-
nais de indulgentia principis pelo Executivo e pelo Legislativo, e a Lei n. 8.072
somente se refere a indulto e graça para coincidir com o art. 5º XLIII, e, ao mesmo
tempo, não dar margens a dúvidas quanto à sua abrangência. Ademais, não haveria
sentido em proibir-se a anistia, que só pode ser concedida por lei, e permitir o
indulto individual ou coletivo, dependente de decreto. De qualquer forma, a con-
cessão de indulto é ato discricionário do Presidente da República, que pode ex-
cluir do decreto crimes considerados de gravidade mais dilatada, condenados a
penas mais severas, criminosos reincidentes etc., sem que se possa cogitar de
inconstitucionalidade por essa limitação.’
Em que pesem respeitáveis opiniões doutrinárias em contrário à que se trans-
creveu acima (por exemplo, Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos, 3º edição,
RT, 1994, pp. 71 e ss.), a melhor orientação parece ser a de que o art. 2º, I da Lei
8.072/90 é constitucional, e portanto é vedado pelo ordenamento jurídico brasi-
leiro a concessão de indulto aos condenados pela prática, dentre outros, de crime
de tráfico ilícito de entorpecentes, como in casu.
Outro não tem sido o entendimento do colendo Supremo Tribunal Federal
sobre o tema:
‘Direito Constitucional, Penal e Processual Penal.
Indulto, anistia, graça e comutação de penas. Exclusão dos benefícios,
em relação aos autores de crimes hediondos (art. 2º, inc. I, da Lei n. 8.072, de
26.07.1990, modificada pela Lei n. 8.930, de 06.09.1994). Constitucionali-
dade. Decreto n. 2.365, de 05.11.1997, art. 8º, inciso II: legalidade.
Habeas Corpus.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firma entendimento no
sentido da constitucionalidade do inciso I do art. 2º da Lei n. 8.072, de
26.07.1990 (modificada pela Lei n. 8.930, de 06.09.1994), na parte em que
considera insuscetíveis de indulto (tanto quanto de anistia e graça), os crimes
hediondos por ela definidos, entre os quais o de latrocínio, pelo qual foi
condenado o paciente.
2. E também no sentido da legalidade do inciso II do Decreto n. 2.365, de
05.11.1997, que exclui dos benefícios, por ele instituídos (indulto e comuta-
ção de pena), ‘os condenados por crimes hediondos definidos’ na mesma legis-
lação.
3. É firme, igualmente, por outro lado, a jurisprudência da Corte, no
Plenário e nas Turmas, considerando válidos Decretos de indulto coletivo,
238 R.T.J. — 195

que beneficiam indeterminadamente os condenados por certos delitos e não


os condenados por outros, conforme critérios razoáveis de política criminal
do Presidente da República (Plenário: HC n. 74.132).
4. Habeas Corpus indeferido, por maioria, nos termos do voto do
Relator. (HC 77.528/SP, Plenário, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ 171/220)
‘Direito penal e processual penal. Indulto e comutação de pena. Bene-
fícios coletivos: Decreto n. 1.645, de 26.9.1995. Exclusão: crimes hediondos
(Lei n. 8.072, de 25.7.1990) (art. 6º), modificada pela Lei n. 8.930, de
6.9.1994. Latrocínio. Habeas corpus. competência originária do STF.
1. Não compete originariamente, ao S.T.F., mas, sim, ao Juízo de Exe-
cução Criminal, examinar pedidos de comutação de pena, como, aliás, decor-
re do disposto no art. 66, III, f, da Lei n. 7.210, de 11.07.1984, e previsto está,
ademais, no próprio Decreto presidencial (1.645/95), ou seja, no § 6º de seu
artigo 10.
2. Assim, a impetração só pode ser conhecida pelo S.T.F., no ponto em
que objetiva o afastamento dos efeitos concretos, para o paciente, do dispos-
to no inc. III do art. 7º do Decreto n. 1.645, de 1995, que exclui dos benefícios
coletivos de indulto e da comutação de pena ‘os condenados pelos crimes
referidos na Lei n. 8.072, de 6.9.1994, ainda que cometidos anteriormente a
sua vigência’.
3. Mas, no ponto, em que conhecido, o pedido é de ser indeferido.
4. Com efeito, precedentes do Plenário e das Turmas têm proclamado
que os Decretos com benefícios coletivos de indulto e comutação podem
favorecer os condenados por certos delitos e excluir os condenados por ou-
tros.
5. Essa exclusão pode fazer-se com a simples referência aos crimes que
a lei classifica como hediondos (Lei n. 8.072, de 1990).
6. A alusão, no Decreto presidencial de indulto e comutação de penas,
aos crimes hediondos, assim considerados na Lei n. 8.072, de 25.07.1990,
modificada pela Lei n. 8.930, de 6.9.1994, foi uma forma simplificada de
referir-se a cada um deles (inclusive o de latrocínio), para excluí-los todos do
benefício, o que, nem por isso, significou aplicação retroativa desse diploma
legal.
7. Precedentes.
8. HC conhecido, em parte, mas, nessa parte, indeferido.
(HC 74.132/SP, Plenário, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ 166/242).
‘Habeas corpus. Indulto presidencial. Exclusão dos condenados por
crimes hediondos: possibilidade. Requisito não ofensivo à Constituição
Federal. Ordem denegada.
R.T.J. — 195 239

A concessão de indulto é medida de natureza extraordinária, de compe-


tência privativa do Presidente da República (art. 84-XII e parágrafo único da
CF/88), que não está impedido de impor restrições ao benefício, ainda que se
valendo de conceitos de lei nova (Lei 8.072/90). Não há falar em aplicação
retroativa da lei. Cuida-se da fixação de requisito — não ofensivo à Carta da
República — para concessão do benefício.
Habeas corpus indeferido.’ (HC 71.262/SP, Plenário, Rel. p/acórdão
Min. Francisco Rezek, DJU de 20.6.97).
Por fim, registre-se que esta Turma, recentemente, julgou casos semelhantes,
o HC 13.717/SC, Relator Min. Gilson Dipp, julgado em 21.9.00 e o HC 14.118/SP,
de minha relatoria, julgado em 10.10.00, cujas ementas, respectivamente, são as
seguintes:
‘Criminal. HC execução. Tráfico de entorpecentes. Decreto n. 3.226/
99. Comutação. Impossibilidade. Vedação legal ao crime hediondo. Ordem
denegada.
I. A comutação, espécie do gênero indulto, não pode ser concedida ao
condenado por tráfico de entorpecentes, delito considerado hediondo pela
Lei 8.072/90, ante a expressa verdade do art. 7º, inc. I, do Decreto 3.226/99.
II. Tratando-se de indulto parcial, devem ser observadas as restrições
impostas ao Instituto mais abrangente.
III. Ordem denegada.’
‘Execução penal. Comutação da pena. Tráfico ilícito de entorpecen-
tes. Decreto 3.226/99. Impossibilidade.
I. – Conforme jurisprudência firmada pelo Plenário do colendo STF, é
constitucional o art. 2º, I, da Lei 8.072/90, pelo qual se veda a concessão de
indulto aos condenados por crimes hediondos, tráfico ilícito de entorpecen-
tes e drogas afins e terrorismo. Precedentes.
II. – Em vista disso, não é possível conceder comutação da pena – que
é espécie de indulto – aos condenados por tráfico ilícito de entorpecentes.
Precedente.
Writ denegado.’
Pelo exposto, voto pelo conhecimento e indeferimento do presente writ.
É o voto.” (Fls. 40-45)
Correto o entendimento.
Conforme salientou o parecer do Ministério Público, da lavra do ilustre Subprocura-
dor-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, a tese sustentada pela impetração já
foi refutada pelo Supremo Tribunal Federal:
“Ementa: Crime hediondo: vedação de graça: inteligência.
240 R.T.J. — 195

I - Não pode, em tese, a lei ordinária restringir o poder constitucional do


Presidente da República de ‘conceder indulto e comutar penas, com audiência, se
necessário, dos órgãos instituídos em lei’ (CF, art. 84, XII), opondo-lhe vedações
materiais não decorrentes da Constituição.
II - Não obstante, é constitucional o art. 2º, I, da Lei 8.072/90, porque, nele, a
menção ao indulto é meramente expletiva da proibição de graça aos condenados
por crimes hediondos ditada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição.
III - Na Constituição, a graça individual e o indulto coletivo — que ambos,
tanto podem ser totais ou parciais, substantivando, nessa última hipótese, a co-
mutação de pena — são modalidades do poder de graça do Presidente da Repú-
blica (art. 84, XII) — que, no entanto, sofre a restrição do art. 5º, XLIII, para
excluir a possibilidade de sua concessão, quando se trata de condenação por
crime hediondo.
IV - Proibida a comutação de pena, na hipótese do crime hediondo, pela
Constituição, é irrelevante que a vedação tenha sido omitida no DL 3.226/99.”
(HC 81.565/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22-3-2002)
“Ementa: habeas corpus. Execução penal. Tráfico de entorpecentes. Causa
especial de aumento de pena (Lei 6.368/76, art. 18, III). Indulto. Impossibilidade.
A Constituição Federal determinou que a Lei Ordinária considerasse o crime
de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins como insuscetível de graça ou
anistia (art. 5º, XLIII).
A Lei 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, atendeu ao comando
constitucional.
Considerou o tráfico ilícito de entorpecentes como insuscetível dos benefí-
cios da anistia, graça e indulto (art. 2º, I).
E, ainda, não possibilitou a concessão de fiança ou liberdade provisória (art. 2º, II).
A jurisprudência do Tribunal reconhece a constitucionalidade desse artigo.
Por seu turno, o Decreto Presidencial, que concede o indulto, veda a concessão do
benefício aos condenados por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (DL
3.226/86, art. 7º, I).
Falta respaldo legal à pretensão do paciente.
Habeas indeferido.” (HC 80.886/SC, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 14-6-
2001)
Do exposto, indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA
HC 85.279/RJ — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: André Luiz de Jesus
Peres. Impetrante: Antonio de Padua Nunes Pereira. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra
Ellen Gracie.
R.T.J. — 195 241

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos


Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.289 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente e Impetrante: Dirceu Silvestre Zaloti — Coatora: Juíza Presidenta do
Colégio Recursal da 24ª Circunscrição Judiciária da Comarca de Avaré
Pena restritiva de direitos: vedação de execução provisória: LEP,
art. 147.
De acordo com o artigo 147 da Lei de Execuções Penais, o termo
inicial da execução da pena restritiva de direitos é o trânsito em julgado
da sentença condenatória. Precedentes (HC 84.677, 1ª T., 23-11-2004,
Cezar Peluso, Inf. STF/371; HC 84.741, Pertence, 1ª T., 7-12-04, DJ de 18-
2-2005).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Este o teor da decisão liminar que proferi à
fl. 33:
“Alega o paciente-impetrante que foi condenado, “por decisão do Colégio
Recursal da Comarca de Avaré”, à pena de 1 ano e 6 meses e 20 dias de detenção,
substituída por uma restritiva de direito, “na modalidade de prestação pecuniária
às vítimas, mediante depósito judicial no valor equivalente a 18 (dezoito) salários
mínimos”.
Aduz que foi inadmitido o recurso extraordinário interposto contra esta deci-
são, motivo pelo qual interpôs agravo de instrumento, ainda em processamento na
origem (fl. 12).
242 R.T.J. — 195

Afirma, ainda, que a Presidência do Colégio Recursal da Comarca de Avaré


determinou remessa dos autos à Comarca de Cerqueira César, “a fim de ter lugar a
execução da sentença”.
Dada a inexistência de trânsito em julgado da condenação, requereu àquela
Presidência que fosse reconsiderada “a decisão que determinou a expedição do
mandado de intimação para a execução provisória da sentença”, sustando-se, em
conseqüência, a execução, até o trânsito em julgado da condenação.
O pedido foi indeferido nestes termos (fl. 28):
“1. Ante a notícia de interposição de recurso de agravo, compete ao
suplicante requerer à Superior Instância a concessão de efeito suspensivo a
seu recurso, posto que este órgão jurisdicional já exauriu sua jurisdição.
2. No mais, encaminhe-se o presente à Vara de origem.”
Donde o presente habeas corpus — com pedido de liminar —, no qual se
alega constrangimento ilegal, dada a impossibilidade de execução provisória de
pena restritiva de direitos.
É densa a plausibilidade jurídica da tese, sobretudo porque amparada em
decisões recentes da Primeira Turma desta Corte que, ao apreciar casos assimilá-
veis (v.g., HC 84.677, Rel. Min. Eros Grau, Redator para o acórdão Min. Cezar
Peluso, Inf. 371; HC 84.741, Pertence, j. 7-12-04), firmou entendimento no senti-
do de que há fundamento bastante para vedar a execução provisória, no caso, qual
seja, o disposto no art. 147 da Lei de Execuções Penais, segundo o qual o termo
inicial da execução penal da pena restritiva de direitos é o trânsito em julgado da
sentença condenatória.
Ademais, sedimentou-se a jurisprudência do STF em que a sua jurisdição
cautelar só se instaura com a admissão do RE na origem ou o provimento do agravo
interposto do seu indeferimento: até então, só o Presidente do Tribunal a quo
detém a competência para conferir efeito suspensivo ao recurso (v.g., Pet 1.872, 1ª
T., 7-12-99, Moreira, DJ de 14-4-00; Pet 1.881, 1ª T., 14-12-99, Moreira, RTJ
172/846; AgRPet 1.903, Pl., 1º-3-00, Néri, Inf STF 180).
Ocorre que, além de insuficiente a instrução do pedido, foi este formulado
apenas por fax, hipótese em que a jurisprudência da Corte tem permitido o conhe-
cimento da impetração, desde que o impetrante, dentro do prazo que lhe fora
assinado, venha a ratificá-la.
(...)
Este o quadro, protocolize o impetrante, no prazo de 5 dias, o original da
impetração enviada por fax (fls. 2/11), com as cópias do acórdão objeto do recurso
extraordinário e da decisão que determinou a execução provisória da pena.”
Depois de cumprido o despacho (fls. 36/45), sobreveio decisão da em. Ministra
Ellen Gracie que, no recesso forense (RISTF, art. 37, I), após reconhecer a inexistência
de trânsito em julgado, indeferiu o pedido de liminar, sob o fundamento de que há
precedente da Segunda Turma desta Corte no sentido de que a “interposição de recurso
sem efeito suspensivo não impede a execução provisória de pena restritiva de direitos”
(HC 83.978, Carlos Velloso, por maioria, DJ de 28-5-2004) — fls. 348-9.
R.T.J. — 195 243

O Ministério Público Federal — em parecer da lavra do Il. Subprocurador Edson


Almeida — opinou pelo deferimento do writ, na linha do decidido pela Primeira Turma
no mencionado HC 84.677 (fls. 355-6).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Conforme mencionado no relatório,
a Primeira Turma desta Corte, ao apreciar casos assimiláveis (v.g., HC 84.677, Rel. Min.
Eros Grau, Redator para o acórdão Min. Cezar Peluso, Inf. 371; HC 84.741, Pertence,
j. 7-12-04), firmou entendimento no sentido de que há fundamento bastante para vedar,
no caso, a execução provisória, qual seja, o disposto no art. 147 da Lei de Execuções
Penais, segundo o qual o termo inicial da execução penal da pena restritiva de direitos é
o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Este o quadro, defiro a ordem, para suspender a execução das penas restritivas de
direitos, até o eventual trânsito em julgado da sentença condenatória: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 85.289/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente e Impetrante: Dirceu
Silvestre Zaloti (Advogado: Nilson Ribeiro Negrão). Coatora: Juíza Presidenta do Colégio
Recursal da 24ª Circunscrição Judiciária da Comarca de Avaré.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.350 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Cesar Adriane Oliveira ou César Adriano Oliveira — Impetrantes: Négis
M. Rodarte e outro — Coatora: Primeira Turma Recursal da Comarca de Lavras
Habeas corpus. Crimes tipificados nos artigos 303, 306 e 308 do
Código de Trânsito Brasileiro. Competência da Justiça Comum. Julgamento
pelo Juizado Criminal Especial. Nulidade relativa.
244 R.T.J. — 195

Os Juizados Especiais não são competentes para julgar processos


relativos aos crimes tipificados nos artigos 303, 306 e 308 do Código de
Trânsito Brasileiro, por não se enquadrarem no conceito de “menor po-
tencial ofensivo”.
O entendimento firmado nesta Corte é de que a argüição de nulida-
de, fundada na incompetência do Juizado Especial, reclama demonstra-
ção de prejuízo. A anulação do acórdão proferido no recurso respectivo
pela Turma Recursal, a fim de que o julgamento seja feito pelo Tribunal
de Justiça, minimiza a relevância da alegação de incompetência do Jui-
zado Especial (HC 81.510, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence).
Ordem parcialmente concedida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
deferir em parte o pedido de habeas corpus, cassando a liminar, nos termos do voto do
Relator.
Brasília, 28 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus em que se aponta como auto-
ridade coatora a Primeira Turma Recursal da Comarca de Lavras/MG, por ter afirmado a
competência do Juizado Especial para julgar a ação penal referente ao delito de condu-
ção de veículo automotor, em via pública, sob a influência de álcool ou substância de
efeitos análogos (CTB, artigo 306), cuja pena máxima em abstrato é de 3 (três) anos de
detenção, ultrapassando o teto de 2 (dois) anos, previsto na Lei n. 10.259/01.
2. Os impetrantes alegam, por outro lado, que o juiz não observou o princípio da
consumpção, ao aplicar o concurso material quanto aos crimes de ameaça, de resistência,
de desobediência e de desacato, tipificados respectivamente nos artigos 147, 329, 330 e
331 do Código Penal, de modo que o desacato absorve a ameaça, assim como a resistên-
cia absorve o desacato.
3. Requerem a concessão de liminar para suspender os efeitos da condenação,
liberando a carteira de habilitação apreendida. No mérito, postulam a declaração de
nulidade da ação penal, desde o recebimento da denúncia.
4. A Ministra Ellen Gracie deferiu a liminar para suspender os efeitos da condenação
(fl. 155).
5. O Ministério Público Federal manifesta-se pela concessão parcial da ordem.
É o relatório.
R.T.J. — 195 245

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Esta Primeira Turma, ao julgar o HC n. 81.510,
Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 12-4-2002, reconheceu ser o juizado
especial incompetente para o processo referente aos crimes descritos nos artigos 303,
306 e 308 do Código de Trânsito Brasileiro. Naquela oportunidade, porém, condicio-
nou a anulação do julgamento realizado pelo juizado especial à demonstração de
prejuízo. A Segunda Turma desta Corte decidiu do mesmo modo no julgamento do HC
n. 85.019, Relatora a Ministra Ellen Gracie. Peço vênia para transcrever a ementa do HC
n. 81.510, por refletir, com clareza, os fundamentos do acórdão:
“Ementa: I - Juizado Especial Criminal: incompetência para o processo
dos crimes descritos nos arts. 303, 306 e 308 do Código de Trânsito: inteligên-
cia do art. 291 e parágrafo, do CTB, c/c o art. 61 da Lei 9.099/95.
1. Embora o pudesse ter feito, o CTB não converteu em infrações penais de
“menor potencial ofensivo”, para o fim de tipificá-los na competência dos
Juizados Especiais, os crimes tipificados nos seus arts. 303 (lesão corporal no
trânsito), 306 (embriaguez ao volante) e 308 (participação em competição não
autorizada): no art. 291, caput, a aplicação da Lei dos Juizados Especiais foi limi-
tada pela cláusula “no que couber”, bastante a excluí-la em relação aos delitos de
trânsito cuja pena cominada seja superior a um ano (Lei 9.099/95, art. 61); no
parágrafo único do mesmo artigo, cingiu-se o CTB a prescrever aos três crimes
referidos — todos sujeitos a pena máxima superior a um ano — os arts. 74 (compo-
sição de danos civis no processo penal), 76 (transação penal) e 88 (exigência de
representação para a persecução de lesões corporais).
II - Nulidade por incompetência do Juizado Especial: declaração sujeita à
existência de prejuízo.
2. O âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades —
pas de nullité sans grief — compreende as nulidades absolutas — qual, no caso, a
incompetência do Juizado Especial — se a falta de inquérito policial — que não é
garantia de defesa —, e a seqüência do procedimento da Lei 9.099/95, perante
Juíza que, na comarca, era a titular exclusiva da jurisdição penal, nenhum prejuízo
concreto acarretou à defesa do paciente.
3. Declaração de nulidade restrita, em conseqüência, ao acórdão confirmató-
rio da sentença condenatória exarado por Turma Recursal dos Juizados Especiais.”
2. É certo que — diversamente do que ocorre no caso sob exame — Sua Excelên-
cia, o Ministro Sepúlveda Pertence, ressalvou a circunstância de ser a magistrada do
Juizado Especial titular exclusiva da jurisdição penal na comarca. Entendo, contudo,
que essa distinção não infirma a conclusão contrária à anulação ex radice da ação penal,
até porque no precedente citado entendeu-se que o apotegma pas de nullité sans grief
pode ser aplicado nos casos de nulidade absoluta.
3. No caso concreto, os impetrantes não lograram demonstrar prejuízo decorrente
do procedimento dos juizados especiais.
246 R.T.J. — 195

4. A questão atinente à não-aplicação do princípio da consumpção será devolvida


ao exame do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a quem competirá o julgamento da
apelação.
Ante o exposto, defiro parcialmente a ordem para anular o acórdão proferido pela
1ª Turma Recursal de Lavras/MG no recurso de apelação e determinar que o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais o julgue como entender de direito, cassando a liminar deferida
à fl. 155.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, vou bancar o processualista


chato, já que comentamos, na entrada, sobre a atuação do processualista.
Não consigo conceber a mesclagem — o julgamento da ação penal em primeira
instância pelo juizado especial e o crivo revisional pelo Tribunal de Justiça. Ou bem
temos causa submetida à jurisdição do juizado especial — aí o recurso é inominado, pela
Lei n. 9.099/95, para a turma recursal — ou causa que deve ser processada, não segundo
o rito de tal diploma, mas do Código de Processo Penal, e submetida à jurisdição do
juízo de direito propriamente dito ou stricto sensu.
No caso, não há a menor dúvida, o prejuízo é latente quanto ao que julgado e ao
pronunciamento judicial.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Será que mudando o papel timbra-
do que o juiz usou, se alteraria a sentença?
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Como?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ao que me lembro do precedente,
era isso: afora denominar-se “juizado especial”, não havia nenhuma diferença no rito
que se imprimiu ao processo.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí não sei. Presumo que se tenha observado o rito na
primeira instância e, depois, na turma recursal — se bem que o Relator fulmina o pronun-
ciamento da turma recursal —, as normas da Lei n. 9.099/95, presumindo o que normal-
mente ocorre. Não há a menor dúvida de que se imputaram ao paciente crimes cuja pena
máxima extravasa o limite, que não é nem o da Lei n. 9.099/95, mas o tomado de
empréstimo da lei — como faço, também, admito — relativa aos juizados federais.
Peço vênia para concluir que não havia a competência do juizado especial e que a
sentença não subsiste, para ter-se apenas o julgamento do recurso interposto, já agora,
pelo Tribunal de Justiça, anulando o processo ab initio.

EXTRATO DA ATA
HC 85.350/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Cesar Adriane Oliveira
ou César Adriano Oliveira. Impetrantes: Négis M. Rodarte e outro. Coator: Primeira
Turma Recursal da Comarca de Lavras.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas
corpus, cassando a liminar, nos termos do voto do Relator; vencido, parcialmente, o
Ministro Marco Aurélio, que o deferia integralmente.
R.T.J. — 195 247

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco


Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Delza Curvello Rocha.
Brasília, 28 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.351 — RO

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Paciente: Lourival Claudino ou Lorival Claudino — Impetrante: Carla Falcão
Rodrigues — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. 2. Condenação por homicídio qualificado. 3. Alega-
ção de falta de fundamentação do mandado de prisão. 4. Interposição de
Recurso Especial. 5. A sua eventual interposição não impede a imediata
prisão do condenado. Precedentes. 6. Ressalva do entendimento contrário
do Relator, tal como sustentado na Rcl 2.391. 7. Ordem indeferida.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A Min. Ellen Gracie, ao indeferir o pedido de
liminar, assim resumiu a controvérsia (fl. 50):
“Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado con-
tra ato da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu writ em favor
do ora paciente.
Afirma a impetrante que o ora paciente foi condenado à pena de 8 anos e 8
meses de reclusão, pela prática de homicídio. Informa que sua apelação foi negada
pelo Tribunal de Justiça e que, contra essa decisão, interpôs recurso extraordinário
e especial, além de ter impetrado habeas corpus junto ao STJ.
Alega que a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia que
ordenou a expedição de mandado de prisão contra o paciente carece da necessária
fundamentação exigida pelo art. 93 da Constituição.”
248 R.T.J. — 195

As informações foram prestadas às fls. 62-67.


O parecer do Parquet é pelo indeferimento do writ (fls. 69-78).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Foram estas as razões do Superior Tribu-
nal de Justiça para manutenção da prisão do paciente:
“A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, na voz da sua Terceira
Seção, firmou a compreensão de que, ressalvada a demonstrada necessidade de
decretação da prisão cautelar, deve ser preservada a liberdade do réu condenado,
até o exaurimento da instância recursal ordinária, se respondeu solto a todo o
processo da ação penal.
In casu, ao que se tem, o paciente permaneceu solto durante a instrução
criminal e foram opostos embargos de declaração da decisão impugnada.
Contudo, segundo informações complementares obtidas perante a Corte de
Justiça estadual, a instância ordinária já se encontra exaurida, por já julgado os
embargos de declaração opostos, cujo acórdão foi publicado no dia 5 de novembro
do corrente ano.
Nesse passo, firmou-se já o entendimento no sentido de que, não tendo o
recurso especial efeito suspensivo, a sua interposição não inibe a expedição de
mandado de prisão decorrente da preservação ou estabelecimento de condenação
em grau de apelação, não havendo falar, em casos tais, em violação qualquer do
princípio constitucional da presunção de inocência.” (Fl. 65)
Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a
interposição do recurso especial e/ou recurso extraordinário, porque desprovidos de
efeito suspensivo, não impede a prisão do condenado. Nesse rumo são expressivos os
precedentes: HC 80.939, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 13-9-02; HC 81.685, Rel. Min.
Néri da Silveira, DJ de 17-5-02; HC 77.128, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 18-5-01.
Note-se que a Corte está reexaminando a constitucionalidade de exigência de
prisão para que o condenado possa apelar na Reclamação n. 2.391, que se encontra com
vista à Ministra Ellen Gracie.
Em meu voto, sustentei que a exigência de recolhimento à prisão para recorrer
viola os princípios constitucionais da não-culpabilidade, da dignidade da pessoa huma-
na, da proporcionalidade. Defendi que a necessidade da prisão, antes do trânsito em
julgado de sentença condenatória, há que embasar-se em decisão judicial devidamente
fundamentada em quaisquer das hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo
Penal.
Desse modo, na linha ainda assente do Supremo Tribunal Federal, não merece
prosperar o presente pleito, razão pela qual o meu voto é pelo indeferimento do writ.
R.T.J. — 195 249

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, acompanho o voto do emi-
nente Ministro Relator, embora faça uma ressalva do meu ponto de vista pessoal com
relação a essa hipótese específica, aquela em que o réu acompanha toda a instrução em
liberdade e só na fase do recurso especial ou extraordinário, no qual não há efeito
suspensivo, é expedido o mandado de prisão.
Tenho sérias ressalvas quanto a esse entendimento. No entanto, mantenho-me fiel
à jurisprudência ainda prevalecente na Corte.

EXTRATO DA ATA
HC 85.351/RO — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Lourival Claudino
ou Lorival Claudino. Impetrante: Carla Falcão Rodrigues (Advogados: Eder de Barros
Tavares e outros). Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos
termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o Mi-
nistro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,
assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo
único, RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.452 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau


Paciente: Gonzalo Gallardo Diaz — Impetrante: Helios Nogués Moyano —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Apropriação indé-
bita de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados. Parce-
lamento e quitação após o recebimento da denúncia. Extinção da punibili-
dade, por força da retroação de lei benéfica.
As regras referentes ao parcelamento são dirigidas à autoridade
tributária. Se esta defere a faculdade de parcelar e quitar as contribuições
descontadas dos empregados e não repassadas ao INSS, e o paciente cum-
pre a respectiva obrigação, deve ser beneficiado pelo que dispõe o artigo
9º, § 2º, da citada Lei n. 10.684/03. Este preceito, que não faz distinção
entre as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e as
patronais, limita-se a autorizar a extinção da punibilidade referente aos
crimes ali relacionados. Nada importa se o parcelamento foi deferido
antes ou depois da vigência das leis que o proíbe: se de qualquer forma
ocorreu, deve incidir o mencionado artigo 9º.
250 R.T.J. — 195

O paciente obteve o parcelamento e cumpriu a obrigação. Podia


fazê-lo, à época, antes do recebimento da denúncia, mas assim não proce-
deu. A lei nova permite que o faça depois, sendo, portanto, lex mitior, cuja
retroação deve operar-se por força do artigo 5º, XL, da Constituição do
Brasil.
Ordem deferida. Extensão a paciente que se encontra em situação
idêntica.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Eros Grau,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Eros Grau: O paciente e outros foram denunciados como incursos
nas sanções do artigo 95, d, da Lei n. 8.212/91, c/c os artigos 29 e 71 do Código Penal —
apropriação indébita de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados da
empresa Ibéria Indústria de Embalagens Ltda., da qual é sócio-gerente.
2. A denúncia foi recebida em 15-12-99. No curso da instrução criminal, parcela-
ram e pagaram espontaneamente os débitos.
3. Foram absolvidos em primeira instância, não por terem pago o débito apurado,
mas com esteio na ausência de dolo.
4. O TRF da 3ª Região deu provimento ao apelo do Ministério Público Federal,
condenando o paciente e outro a 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, mais 11
dias-multa, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito:
prestação de serviços à comunidade e pecuniária, equivalente a 1 (um) salário mínimo
mensal destinado a entidade pública, a ser definida pelo Juiz da Execução Penal.
5. Impetrou, sem sucesso, habeas corpus no STJ, argumentando que o pagamento
da totalidade das contribuições implica a extinção da punibilidade, com base no artigo
9º, § 2º, da Lei n. 10.684/031, de aplicação retroativa, por se tratar de norma penal
benéfica.

1 Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da
Lei 8.137/90, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei 2.848, de 7 de
dezembro de 1990 — Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o
agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
(...)
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada
com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais,
inclusive acessórios.
R.T.J. — 195 251

6. Daí este writ, em que são reproduzidos os fundamentos refutados no Tribunal a


quo. Ademais, o impetrante invoca o precedente firmado no HC n. 81.929, 1ª Turma,
sendo Relator p/ o acórdão o Ministro Cezar Peluso, j. em 16-12-03, DJ de 27-2-04, o
qual reputa perfeitamente aplicável à espécie.
7. O Ministério Público Federal é pelo sobrestamento, até que o Pleno julgue a ADI
n. 3.002, cujo objeto é a declaração de inconstitucionalidade do citado artigo 9º da Lei
n. 10.684/03.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Discordo da proposta do Ministério Público
Federal no sentido de sobrestar o feito até o julgamento da ADI n. 3.002, cujo objeto é a
inconstitucionalidade do artigo 9º da Lei n. 10.684/03. A ADI foi distribuída em 24-4-03
e não há sequer previsão para o seu julgamento. As leis nascem com presunção de
constitucionalidade. Não é razoável nem compreensível sobrestar HHCC que busquem
sanar constrangimento ilegal consubstanciado no ajuizamento de processo penal ou em
eventual condenação, após ser deferido o parcelamento e até mesmo a quitação do
débito previdenciário.
2. Leio a ementa do HC 35.331, do STJ:
“Penal e Processual Penal. Recurso especial (sic). Apropriação indébita de
contribuições previdenciárias. Aplicação do art. 9º, da Lei 10.684/2003. Impossi-
bilidade.
Não há que se cogitar na aplicação do benefício da suspensão da pretensão
punitiva do Estado, prevista no art. 9º, da Lei n. 10.684/2003, porquanto não
existe previsão legal para o parcelamento das contribuições descontadas dos em-
pregados (contribuição previdenciária), pelo contrário, há expressa vedação,
contida no art. 7º, da Lei n. 10.666/03, intenção essa corroborada quando do veto ao
§ 2º, do art. 5º, da Lei n. 10.684/2003. (Precedentes).
Habeas corpus denegado.”
3. Cumpre observar, de início, que o precedente invocado como embasamento
deste writ (HC n. 81.929), cuidou de caso diferente: o paciente daquela impetração foi
condenado pela prática do crime descrito no artigo 1º, I, da Lei n. 8.137/90, ao passo que
o crime imputado ao ora paciente é o tipificado no artigo 168A do Código Penal. Mas
há, no campo monocrático, precedente desta Corte, firmado no HC 85.273, em que o
Ministro Cezar Peluso acolheu alegações idênticas às desenvolvidos pelo impetrante do
presente habeas corpus.
4. A Lei n. 10.684/03, ao contrário das anteriores, inovou ao permitir o parcela-
mento e a quitação do débito após o recebimento da denúncia. No primeiro caso, dá-se
a suspensão da ação penal; no segundo, a extinção da punibilidade.
252 R.T.J. — 195

5. O § 2º do artigo 5º da referida lei, que autorizava, expressamente, o parcelamento


dos débitos oriundos de contribuições descontadas dos segurados, foi vetado pelo Pre-
sidente da República. As razões do veto, elaboradas pelo Ministério da Previdência
Social, estão assim resumidas, no que interessa para o caso concreto:
“(...)
Preliminarmente, no que diz respeito às contribuições previdenciárias, este
Ministério entende que não há necessidade de concessão de parcelamento especial
de débitos, porque a legislação já dispõe de normas regulares de parcelamentos
(art. 38 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991).
Porém, consideramos razoável a autorização para o parcelamento das contri-
buições previdenciárias patronais inserta no caput do art. 5º do Projeto de Lei de
Conversão n. 11. Todavia, caso diverso é o do § 2º desse mesmo artigo, que permite
incluir no parcelamento os débitos provenientes de contribuições descontadas
dos empregados e as decorrentes de sub-rogação. Se a empresa reteve as contribui-
ções dos trabalhadores, não faz sentido deixar de repassá-las ao INSS. (Grifei).
(...)
Por fim, acrescente-se que as duas Casas do Congresso Nacional acabaram de
aprovar Projeto de Lei de Conversão da MP 83/02, que resultou na Lei n. 10.666,
de 10 de maio de 2003, determinando no seu art. 7º que:
‘Não poderão ser objeto de parcelamento as contribuições descontadas
dos empregados, inclusive dos domésticos, dos trabalhadores avulsos, dos
contribuintes individuais, as decorrentes de sub-rogação e as demais impor-
tâncias descontadas na forma da legislação previdenciária’.”
6. Colho, a propósito, excerto do artigo “Pagamento e parcelamento nos crimes
tributários: a nova disciplina da Lei n. 10.684/2003”, da autoria de Heloísa Estellita,
publicado no Boletim 130, de setembro/2003, do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais:
“Uma observação importante relativa a um dos crimes de maior incidência
prática que é o previsto no art. 168A, § 1º, inc. I, do CP: a Lei n. 10.684 não
autorizou o parcelamento dos débitos junto ao INSS oriundos de contribuições
sociais devidas pelo empregado, descontadas e recolhidas pelo empregador. Ou
seja, nestes casos, a aplicação da nova disciplina jurídica do parcelamento está
afastada, mas, note-se que não por óbice oriundo da disciplina penal, mas, sim, da
própria disciplina tributária que vedou o parcelamento desses débitos.”
7. A exposição até este ponto desenvolvida levaria à conclusão de que o caso não
é de extinção da punibilidade.
Não é bem assim, porém. É certo que foi vetado o preceito que previa o parcela-
mento da quantia descontada dos empregados e não repassada ao INSS, restando, destarte,
previsão legal somente para o parcelamento dos valores atinentes às contribuições pa-
tronais.
No entanto, no caso concreto, o parcelamento e a quitação do débito com a Previ-
dência deram-se antes da vigência das Leis n. 10.666/03 e 10.684/03. De resto, ainda
que o fossem após a vigência desses textos normativos, isso não alteraria a conclusão a
que pretendo chegar neste writ.
R.T.J. — 195 253

As regras referentes ao parcelamento são dirigidas à autoridade tributária, de modo


que, se esta defere a faculdade de parcelar e quitar o débito tributário e o paciente cumpre
a respectiva obrigação, deve ser beneficiado pelo que dispõe o artigo 9º, § 2º, da citada
Lei n. 10.684/03. Esse preceito, que não faz distinção entre as contribuições previdenciárias
descontadas dos empregados e as patronais, limita-se a autorizar a extinção da punibili-
dade dos crimes ali relacionados. Nada importa se o parcelamento foi deferido antes ou
depois da vigência das leis que o proíbe: se de qualquer forma ocorreu, deve incidir o
mencionado artigo 9º.
O paciente, repito, obteve o parcelamento e cumpriu a obrigação. Podia fazê-lo, à
época, antes do recebimento da denúncia, mas assim não procedeu. A lei nova permite
que o faça depois, sendo, portanto, lex mitior, cuja retroação deve operar-se por força do
artigo 5º, XL, da Constituição do Brasil.
Ante o exposto, defiro o writ para decretar a extinção da punibilidade do paciente
e, com base no artigo 580 do CPP, estendo a decisão ao co-réu Juan José Campos Alonso,
dada a identidade de situações. Esclareço que o terceiro acusado foi absolvido.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, acompanho Vossa Excelência, até
porque a minha liminar no Habeas Corpus n. 85.273 foi exatamente nesse sentido.

EXTRATO DA ATA
HC 85.452/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Gonzalo Gallardo Diaz.
Impetrante: Helios Nogués Moyano. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.457 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Marcelo de Sousa da Silva ou Marcelo Souza e Silva ou Marcelo de
Souza da Silva ou Marcelo Souza Silva — Impetrante: Marcelo de Sousa da Silva —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
I - Habeas corpus: cabimento: direito probatório.
Não cabe o habeas corpus para solver controvérsia de fato depen-
dente da ponderação de provas desencontradas; cabe, entretanto, para
254 R.T.J. — 195

aferir a idoneidade jurídica ou não das provas onde se fundou a decisão


condenatória.
II - Roubo: chamada de co-réus: inidoneidade para restabelecer vali-
dade de confissão extrajudicial retratada em Juízo: precedente (v.g., HC
84.517, 1ª T., j. 19-10-04, Pertence, DJ de 19-11-04).
Não se pode restabelecer a validade da confissão extrajudicial, ne-
gando-se valor à retratação, com fundamento na delação dos co-réus e
porque o paciente deixou de “dar versão hábil para o seu envolvimento nos
fatos”.
Insuficiência dos elementos restantes para fundamentar a condenação.
III - Quadrilha (Código Penal, art. 288): ausência de dados de fato a
comprovarem, no caso, a associação de “mais de três pessoas”, exigida
para a configuração do delito de quadrilha (v.g., HC 81.260, Pleno, j. 14-
11-01, Pertence, DJ de 19-4-02).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 22 de março de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente foi condenado, em primeiro grau, à
pena de 16 anos de reclusão, e multa, por infração, em concurso material, dos arts. 157,
§ 2º, I, e 288, ambos do Código Penal.
Estes os fatos acertados na sentença (fls. 13/20):
“(...)
Na fase extrajudicial, o réu confessou a prática de diversos delitos patrimoniais.
Confirmou todos os fatos descritos na denúncia, detalhando a formação de quadrilha
e o roubo, praticado com os outros três agentes. Em Juízo alegou ter sido torturado
na Delegacia para confessar o crime, e que Beline e Osmar o acusam por divergên-
cias pessoais. Divergências tais, corridas em 1990.
As vítimas ouvidas em Juízo, em relatos precisos e uníssonos, descreveram o
roubo, praticado por quatro agentes, que entraram armados na residência e subtra-
íram praticamente todos os objetos que lá se encontravam.
O réu não foi reconhecido com absoluta certeza por nenhuma das vítimas.
Há que se ponderar, entretanto, que essas permaneceram trancadas em um cômodo
da casa, deitadas no chão, o que certamente fez por dificultar a visualização dos
roubadores. Marcelo dos Santos Beline foi reconhecido por três vítimas. Na fase
R.T.J. — 195 255

policial o réu disse que só entrou na residência quando as vítimas já estavam


dominadas pelos comparsas.
O investigador de polícia Ricardo Marques dos Santos asseverou que o réu e
os outros dois agentes eram criminosos conhecidos na região, e que todos os finais
de semana assaltavam residências, sempre com ameaças às vítimas. São muitos os
inquéritos, pelo que não se recordou especificamente do caso descrito na denúncia.
Fatos confirmados pela folha de antecedentes do réu, que aponta diversos roubos
praticados em curto prazo.
Sobre o valor da confissão extrajudicial, o entendimento jurisprudencial há
muito se firmou pela sua validade (...)
Ressalte-se que a aludida confissão não vem isolada, muito pelo contrário, as
demais provas são fortes e convincentes. Eis as palavras das vítimas, a testemunha
acusatória, que já conhecia os criminosos, e o mais contundente, os antecedentes
do réu, ligados a delitos patrimoniais.
Quanto ao emprego de arma de fogo. Pelo mesmo valor probatório da confissão
extrajudicial, fortalecida pela palavra das vítimas, a qualificadora está provada.
A qualificadora do concurso de pessoas deve ser afastada. As vítimas são
unânimes em apontar quatro agentes; ademais este o teor da confissão extrajudi-
cial e do depoimento da testemunha policial. Entretanto, certa a formação de
quadrilha, não há que incidir a pena duas vezes pelo mesmo fato, bis in idem,
decorrente do reconhecimento da qualificadora. Abaixo explicitado.
Por derradeiro, igualmente consumado o delito do art. 288 do Código Penal.
Provada a associação em caráter permanente e estável, porquanto os agentes há
muito vinham praticando roubos no litoral paulista. Este o teor da confissão, cor-
roborado pelos antecedentes certificados nos autos. (...) A consumação deste delito
antecedeu a prática do roubo descrito na denúncia, e independe dos delitos subse-
qüentes.
(...)”.
Contra esta decisão o paciente interpôs apelação, à qual o TJSP deu provimento
em parte, para reduzir a pena aplicada, verbis:
“(...)
A participação do Apelante nos delitos denunciados é clara e restou demons-
trada nas provas dos autos.
Na fase policial, na presença de curador, o Apelante admitiu a sua participa-
ção nos sucessos denunciados, atestando que ingressou na residência quando as
vítimas estavam rendidas, bem como estava ele na companhia de três outros
agentes, todos devidamente ajustados de forma prolongada e armados.
Em Juízo, retratou-se e afirmou que a confissão policial foi obtida mediante
tortura, mas deixou de dar versão hábil para o seu envolvimento nos fatos.
256 R.T.J. — 195

Os reconhecimentos das vítimas contra o Apelante são vacilantes, mas de-


vem ser admitidos, pois, segundo pelo próprio Recorrente narrado, ele ingressou
na casa somente quando os ofendidos já estavam rendidos, emergindo dos esclare-
cimentos destes que ficaram eles trancados num quarto e deitados no chão, difi-
cultando a visualização dos roubadores.
Assim, a confissão policial do Apelante, manifestada na presença de curador,
que nada aventou de irregular no ato que presenciou, deve ser crida como verda-
deira, em especial ante a delação que suportou de outros companheiros de emprei-
tada que, lançando-o na mesma não procuraram esquivar-se das suas próprias res-
ponsabilidades.
Aliás, a confissão “vale não pelo local em que é prestada, mas pela força de
convencimento que nela se contém, pelo que não pode ser desprezada a extrajudi-
cial, quando se harmoniza com a prova colhida na instrução.” (in RJTJSP. 90/497).
No mesmo sentido, “o termo de confissão permanece nos autos e, proceden-
do à livre apreciação da prova, no seu conjunto, o juiz, para formar a sua íntima
convicção, aferirá, cuidadosa e conscientemente, o valor que tem as declarações
do réu, ao aceitar a realidade da acusação e, depois, ao repeli-la, retratando-se. O
réu pode retratar-se; mas se a confissão contém todos os elementos que lhe dão
valor a retratação deve ser apoiada por provas cabais.” (in Código de Processo
Penal, Espínola Filho, 3º vol., pág. 52).
Por tais motivos, hábil a confissão do Apelante para indicar a sua responsabi-
lidade penal pelos dois delitos capitulados da Denúncia e admitidos na r. sentença
recorrida.
Com relação a quadrilha, na demonstração da sua permanência e habituali-
dade, há a narrativa do policial civil Ricardo, que identificou, claramente, que o
Apelante e outros dois agentes, nos finais de semana, praticavam roubos na região
e, como conseqüência, respondiam a inúmeros inquéritos policiais sobre tais fatos.
Os demais elementos aderiam à quadrilha na medida dos seus desejos, sem
desnaturá-la.
No tocante a qualificadora restante do roubo, deve a mesma ser afastada da
condenação, valendo-se dos mesmos argumentos lançados para o afastamento da
pluralidade de agentes e admitido na r. sentença recorrida, somando-se, ainda,
entendimento jurisprudencial dominante neste sentido (RT 594/411 e RTJ. 120/
1056). (...).”
Alegando falta de elementos para amparar a condenação, impetrou-se habeas corpus
ao STJ, que denegou a ordem nos termos da ementa transcrita (fl. 28):
“Processo penal. Habeas corpus. Roubo e quadrilha. Condenação. Amparo
fático.
A via do writ não é a adequada para desconstituir condenação, quando, para
tanto, for necessário, como in casu, o cotejo analítico do material cognitivo. A
pretensão, carecendo de indiscutível suporte fático, não pode ser acolhida.
Writ denegado.”
R.T.J. — 195 257

Donde o presente habeas corpus, no qual se repisa a mesma alegação.


Invoca-se o decidido no HC 84.517, 1ª T., de que fui Relator, DJ de 19-11-04, no
qual foi a ordem deferida para anular condenação do paciente em outro processo.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Il. Subprocuradora Delza
Rocha, opinou pelo indeferimento da ordem, na linha do decidido pelo acórdão impug-
nado (fls. 38/41).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Esta a ementa do HC 84.517, 1ª T., de
que fui Relator, DJ de19-11-04, deferido em favor do paciente para anular a condenação
que lhe fora imposta em outro processo:
“Ementa: I - Habeas corpus: cabimento: direito probatório.
Não cabe o habeas corpus para solver controvérsia de fato dependente da
ponderação de provas desencontradas; cabe, entretanto, para aferir a idoneidade
jurídica ou não das provas onde se fundou a decisão condenatória.
II - Chamada dos co-réus na fase policial e o reconhecimento de um deles:
inidoneidade para restabelecer a validade da confissão extrajudicial, retratada
em Juízo.
Não se pode restabelecer a validade da confissão extrajudicial, negando-se
valor à retratação, sob o fundamento de que esta é incompatível e discordante das
“demais provas colhidas” (Código de Processo Penal, art. 197), especialmente as
chamadas dos co-réus na fase policial e o reconhecimento de um deles, que de nada
servem para embasar a condenação do Paciente.
A chamada de co-réu, ainda que formalizada em Juízo, é inadmissível para
lastrear a condenação (Precedentes: HHCC 74.368, Pleno, Pertence, DJ de 28-11-
97; 81.172, 1ª T, Pertence, DJ de 7-3-03).
Insuficiência dos elementos restantes para fundamentar a condenação.
III - Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio.
Além de não ser obrigado a prestar esclarecimentos, o paciente possui o
direito de não ver interpretado contra ele o seu silêncio.
IV - Ordem concedida, para cassar a condenação.”
As conclusões, mutatis mutandis, se aplicam ao caso quanto ao delito de roubo: a)
o paciente retratou-se em Juízo; b) não foi reconhecido por nenhuma das vítimas; c)
restabeleceu-se a validade da confissão extrajudicial com fundamento na delação dos
co-réus e porque o paciente deixou de “dar versão hábil para o seu envolvimento nos
fatos”.
Resta observar os fundamentos lançados para embasar a condenação pelo delito
previsto no art. 288 do Código Penal.
No ponto, colhe-se da sentença:
258 R.T.J. — 195

“(...)
O investigador de polícia Ricardo Marques dos Santos asseverou que o
réu e os outros dois agentes eram criminosos conhecidos na região, e que
todos os finais de semana assaltavam residências, sempre com ameaças às
vítimas. São muitos os inquéritos, pelo que não se recordou especificamente
do caso descrito na denúncia. Fatos confirmados pela folha de antecedentes
do réu, que aponta diversos roubos praticados em curto prazo.
(...)
Por derradeiro, igualmente consumado o delito do art. 288 do Código
Penal. Provada a associação em caráter permanente e estável, porquanto os
agentes há muito vinham praticando roubos no litoral paulista. Este o teor da
confissão, corroborado pelos antecedentes certificados nos autos. (...) A con-
sumação deste delito antecedeu a prática do roubo descrito na denúncia, e
independe dos delitos subseqüentes.”
No mesmo sentido o acórdão da apelação, verbis:
“(...)
Com relação à quadrilha, na demonstração da sua permanência e habituali-
dade, há a narrativa do policial civil Ricardo, que identificou, claramente, que o
Apelante e outros dois agentes, nos finais de semana, praticavam roubos na região
e, como conseqüência, respondiam a inúmeros inquéritos policiais sobre tais fatos.
Os demais elementos aderiam à quadrilha na medida dos seus desejos, sem
desnaturá-la.
(...)”.
A conclusão de que houve o delito de quadrilha revela-se, pois, a partir de dois
elementos considerados convergentes: (a) o depoimento do policial Ricardo Marques
dos Santos; (b) a confissão extrajudicial do paciente, malgrado retratada em Juízo; e (c)
seus antecedentes.
Ainda que se entendesse possível restabelecer a validade da confissão pelo depoi-
mento do policial, a versão de fato deste extraída é que a associação para a prática de
crimes seria entre o paciente e “outros dois agentes”, nada mais.
A dicção do art. 288 do Código Penal, todavia, é expressa em que, para a configu-
ração do delito de quadrilha, se exige a associação de “mais de três pessoas” (v.g., HC
81.260, Pleno, Pertence, DJ de 19-4-02).
Certo, em tese, para a formação de uma quadrilha, seria possível que houvesse
adesão do 4º participante do roubo à vontade do paciente e dos “outros dois agentes”.
Este parece ser o entendimento das instâncias de mérito, conforme se colhe do
acórdão da apelação ao afirmar que “os demais elementos aderiam à quadrilha na
medida dos seus desejos, sem desnaturá-la”, entendendo-se por “demais elementos”
os três participantes do roubo.
Ocorre que nenhum dado de fato ampara referida ilação.
R.T.J. — 195 259

É que a adesão, no caso, não poderia se circunscrever à prática de delito específico,


nem se pode concluir que a 4ª pessoa mencionada na cena do roubo — porque partici-
pante deste — aderiu à associação do paciente e “outros dois agentes”, para, a partir daí,
afirmar a quadrilha.
De tudo, conclui-se que não há sinergia entre os elementos declinados: nem o
depoimento do policial aponta para a associação de quatro pessoas.
Esse o quadro, defiro a ordem, para cassar a condenação do paciente (fls. 13/20 e
21/27): é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 85.457/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Marcelo de Sousa
da Silva ou Marcelo Souza e Silva ou Marcelo de Souza da Silva ou Marcelo Souza Silva.
Impetrante: Marcelo de Sousa da Silva. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.
Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha.
Brasília, 22 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.503 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: Natanael Cavalcante de Souza — Impetrante: PGE/SP – Patrícia Helena
Massa Arzabe (Assistência Judiciária) — Coator: Superior Tribunal de Justiça
Penal. Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Regime
de semiliberdade. Prática de novo ato infracional: furto. Medida de inter-
nação. Inaplicabilidade. Lei 8.069/90, arts. 101, 112, VII, 113 e 122.
I - Compete ao juízo de mérito da ação socioeducativa, após o proce-
dimento de apuração do ato infracional no qual sejam asseguradas as
garantias do contraditório e da ampla defesa, a aplicação das medidas de
internação previstas nos incisos I e II do art. 122 do ECA.
II - Não há falar em “internação-substituição” com fundamento no
art. 113 do ECA, dado que a substituição somente é aplicável quanto às
medidas específicas de proteção. Precedentes.
III - HC deferido.
260 R.T.J. — 195

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, deferir a ordem. Ausentes, justificadamente,
neste julgamento, os Ministros Celso de Mello, Presidente, e Ellen Gracie.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de
Natanael Cavalcante de Souza, do acórdão da 6ª Turma do Eg. Superior Tribunal de
Justiça que indeferiu pedido de habeas corpus (HC 25.274/SP), em acórdão assim
ementado:
“Habeas corpus. ECA. Roubo. Liberdade assistida. Substituição por inter-
nação sem prazo determinado. Possibilidade.
1. A disposição inserta no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente
não exclui, por óbvio, a substituição da medida de semiliberdade pela de
internação, quando esta for a medida compatível com a situação do adolescente e
aquela, demonstradamente, insuficiente, como é da letra do artigo 99, combinado
com o artigo 113, do mesmo diploma legal.
2. A única exigência legal em casos tais é a de que o ato infracional, em
natureza, admita a medida de internação ou haja reiteração no cometimento de
outras infrações graves (ECA, artigo 122, incisos I e II).
3. Em se aplicando medida sócio-educativa diversa da internação, em razão
da prática de ato infracional que a comporta, nada impede, antes se faz imperativo,
que o magistrado, exigindo a situação do menor, substitua a medida menos
gravosa por aqueloutra permitida na lei.
4. Ordem denegada.” (Fl. 72)
Diz a impetração que o paciente, adolescente, em razão da prática de roubo com
uso de arma imprópria, foi inserido em medida de liberdade assistida e que, posterior-
mente, por ter sido apreendido por furto, recebeu, no juízo de conhecimento, a medida
de internação-sanção, com fundamento no art. 122, III, do ECA.
O Juiz do Departamento de Execuções, ao tomar conhecimento do incidente, de-
terminou a substituição da internação-sanção por internação por prazo indeterminado.
Afirma a impetração que o paciente não praticou novo ato infracional mediante
violência ou grave ameaça, nem reiterou, por isso alega que o paciente está sofrendo
constrangimento ilegal, porquanto a referida decisão, confirmada pelo Eg. Superior
Tribunal de Justiça, “violou o princípio da legalidade, uma vez que desconsiderou o
parágrafo primeiro do art. 122 do ECA, que estabelece que ‘o prazo de internação na
hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses’ (fl. 06).
R.T.J. — 195 261

Acrescenta que a previsão legal permissiva da substituição da medida socioedu-


cativa é restrita às medidas protetivas e que a regressão da medida por tempo indeterminado
não só viola o referido princípio, mas também o art. 227, § 3º, V, da CF, e o art. 121 do
ECA. Cita precedente desta Corte, o HC 84.603/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
Requer a concessão da ordem, a fim de que seja cassado o acórdão que manteve o
paciente em medida socioeducativa de internação por tempo indeterminado.
Indeferida a medida liminar e requisitadas informações (fls. 58-59), foram elas
prestadas pelo Sr. Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que encaminhou cópia do
acórdão proferido pela 6ª Turma daquele Tribunal (fls. 72-81).
O Ministério Público Federal, pelo parecer da ilustre Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Delza Curvello Rocha, oficiando às fls. 94-99, opina pelo indeferimento
do writ.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Em razão da prática de ato infracional
equiparado a roubo qualificado (CP, art. 157, § 2º, I e II), o Juízo da 3a Vara Especial da
Infância e Juventude de São Paulo proferiu sentença impondo ao paciente a medida
socioeducativa de liberdade assistida. Constou da decisão que “o descumprimento da
medida ora imposta implicará em internação-sanção do representado, independente-
mente de sua intimação pessoal” (fls. 31-33).
Durante o cumprimento da medida imposta, o paciente se envolveu em novo ato
infracional — furto, — apurado em outro processo perante o Juízo da 4a VEIJ (Processo
3655-2), do qual resultou medida de internação, por prazo determinado, até o dia 15 de
junho de 2002, quando então deveria retornar à medida anteriormente imposta, ou seja,
liberdade assistida (fl. 35).
Considerando esses fatos, no processo relativo ao primeiro ato infracional, o Juiz
de Direito do Departamento de Execução da Infância e Juventude de São Paulo, em 13-
6-2002, após ouvir o paciente, bem como o Ministério Público (fls. 36-37), substituiu a
internação-sanção por medida de internação por prazo indeterminado, em decisão assim
fundamentada (fls. 38-39):
“O ECA contempla as seguintes espécies de internação:
I – Internação-provisória do Processo de Conhecimento (artigo 183) com
prazo máximo de duração de 45 dias;
II – Internação por prazo indeterminado como medida sócio-educativa, aplica-
da pelo Juiz do Processo de Conhecimento e acompanhada pelo Juiz do Processo de
Execução;
III – Internação por prazo determinado (conhecida como internação-sanção)
com tempo de duração máxima de 3 meses, aplicada como medida precipuamente
punitiva pelo Juiz de Execução nas hipóteses previstas no artigo 122, III e § 1º;
262 R.T.J. — 195

IV – Internação para tratamento (medida precipuamente protetiva artigo


101, V);
Portanto, como se pode ver, não há previsão legal de internação por prazo
determinado como medida sócio-educativa.
No entendimento deste julgador, cumpre ao Juízo de conhecimento a apura-
ção da ocorrência do ato infracional (materialidade), de sua autoria e a verificação
jurídica da sujeição do infrator às medidas sócio-educativas e protetivas previstas
no ECA, segundo critérios nele fixados.
A partir do início do cumprimento dessas medidas, o Juízo de Execução
passa a ter total jurisdição sobre o processo ressocializador, podendo, a qualquer
tempo, substituir ou modificar, de maneira fundamentada, qualquer medida apli-
cada pelo Juízo de conhecimento (artigos 99, 100 e 113 do ECA).
De outro lado, a prática tem revelado que a internação por prazo determinado
constitui um desestímulo para o jovem, que não se empenha em demonstrar ser
merecedor da colocação em medida mais branda porque sabe que na data fixada
para o término da internação ele será obrigatoriamente liberado, sendo que a
Febem, por sua vez, também não se esmera no processo ressocializador porque
sabe que naquela data o jovem terá que ser liberado independentemente de qual-
quer processo em sua ressocilização.
No caso em tela o jovem não estava cumprindo medida de Liberdade Assis-
tida, recebida em razão da prática de roubo, quando então veio a praticar outro ato
infracional, consistente em furtos.
O adolescente é dependente químico, afirma que tem dificuldades em deixar
de utilizar drogas (cola) a genitora ao que parece não se preocupa com o filho. O
que leva a inevitável conclusão da necessidade de reforço do respaldo familiar e
implantação de processo ressocializador mais eficiente que a mera segregação em
uma Unidade de Internação Provisória e por prazo determinado, sob pena de torná-
lo mais dessocializado ou até irrecuperável.
Diante da reincidência na prática de atos infracionais e dos demais fatores
acima elencados, entendo que existem dúvidas sobre a efetiva presença de condi-
ções mínimas para colocação do jovem em medida de meio aberto, razão pela qual
substituo a internação por tempo determinado pela medida sócio-educativa de
internação por prazo indeterminado e ordeno a realização de avaliação pela Equi-
pe Técnica do Juízo, com vistas a definir a medida sócio-educativa mais adequada.
Fixo prazo de 30 (trinta) dias para apresentação de relatório.” (Fls. 38-39)
Contra essa decisão foi impetrado habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, em que se alegava constrangimento ilegal decorrente da regressão
da medida para internação sem prazo. O writ foi denegado.
Em razão disso, novo habeas corpus foi impetrado perante o Superior Tribunal de
Justiça, também indeferido.
Ao examinar a questão, o eminente Min. Hamilton Carvalhido, Relator do writ ora
impugnado, salientou em seu voto:
R.T.J. — 195 263

“(...)
E esta, por sua vez, a letra dos artigos 99, 113 e 122 do Estatuto da Criança e
do Adolescente:
‘Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas
isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.’
‘Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.’
‘Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameça ou vio-
lência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações grave;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anterior-
mente imposta.’
Tem-se assim, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao disciplinar as
medidas sócio-educativas aplicáveis em função da prática de ato infracional, pre-
viu a sua substituição, em se mostrando inadequada à situação do adolescente a
que lhe foi inicialmente infligida.
A única exigência legal em casos tais, como tenho seguidamente decidido, é
a de que o ato infracional, em natureza, admita a medida de internação ou haja
reiteração no cometimento de outras infrações graves (ECA, artigo 122, incisos I e
II).
Em se aplicando, pois, medida sócio-educativa diversa da internação, em
razão da prática de ato infracional que a comporte, nada impede, antes se faz
imperativo, que o magistrado, assim o exigindo a situação do adolescente, substi-
tua a medida menos gravosa, que se mostra inadequada, por aqueloutra permitida
na lei.
In casu, a internação substitutiva do adolescente deu-se em razão da insuficiência
da medida sócio-educativa anteriormente imposta e por ajustada à natureza do ato
infracional - roubo.
Não têm incidência, na espécie, pois, o inciso III e o parágrafo 1º, do ECA, de
modo que a medida de internação, por ajustada à hipótese descrita no inciso I do
seu artigo 122, deve ser preservada.
A propósito, colha-se precedente desta Sexta Turma:
‘Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional.
Medida sócio-educativa de semiliberdade. Insuficiência. Substituição.
Internação. Oitiva do menor. Ausência de violação do devido processo le-
gal e da ampla defesa. Ordem denegada.
1. A disposição inserta no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente não exclui, por óbvio, a substituição da medida de semiliberdade
pela de internação, quando esta for a medida compatível com a situação do
adolescente e aquela, demonstradamente, insuficiente, como é da letra do
artigo 99, combinado com o artigo 113, do mesmo diploma legal.
264 R.T.J. — 195

2. A única exigência legal em casos tais é a de que o ato infracional, em


natureza, admita a medida de internação, como é o caso do roubo, porque se
cuida de infração que se insere nas cometidas mediante grave ameaça ou
violência a pessoa (ECA, artigo 122, inciso I).
3. Existindo prova segura da oitiva do menor, logo após a sua apreen-
são, não há falar em constrangimento ilegal, pela sua falta, porque não reno-
vada antes da substituição pela medida sócio-educativa de semiliberdade,
atendido que já resta, por sem dúvida, o mandamento inserto no artigo 111,
inciso V, da Lei 8.069/90.
4. Ordem denegada.’ (HC 24.146/SP, da minha Relatoria, in DJ de 4-8-
2003).
Pelo exposto, denego a ordem.
(...).” (Fls. 78-80)
Penso, entretanto, que o pedido é de ser deferido.
É que, conforme decidiu a Primeira Turma, no julgamento do HC 84.682/SP, Rel.
Min. Cezar Peluzo, compete ao juízo de mérito da ação socioeducativa, após o procedi-
mento de apuração do ato infracional no qual sejam asseguradas as garantias do contra-
ditório e da ampla defesa, a aplicação das medidas de internação previstas nos incisos I
e II do art. 122 do ECA.
Tenho que o juiz, ao substituir, no processo executivo, a internação-sanção por
medida de internação com prazo indeterminado, extrapolou os limites do título executivo,
em verdadeira afronta ao princípio do devido processo legal, certo que a internação
objeto da impetração decorreu da consideração da prática do segundo ato infracional —
não sujeito à medida de internação — como descumprimento da medida de semiliberdade.
Ademais, esta Corte tem entendido que o art. 113 do ECA não autoriza a substituição
de uma medida de proteção ou socioeducativa por outra de internação. Veja-se, a propósito,
o decidido por esta Turma no julgamento do HC 74.715/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa:
“Ementa: Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.
8.069/90). Regime de semiliberdade: descumprimento: fuga do adolescente:
ausência do requisito da reiteração. Inaplicabilidade da medida de internação.
Decisão ultra petita.
1. Na hipótese do art. 122, inciso III, da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente), faltando reiteração injustificada no des-
cumprimento da medida socioeducativa de inserção em regime de semiliberdade
(art. 112, V), a internação não pode ser aplicada.
2. As medidas específicas de proteção, referidas nos artigos 99 e 100 do ECA,
são as alinhadas nos incisos I a VIII do art. 101 do mesmo Estatuto, as quais
poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente (mais de uma dentre as oito),
bem como substituídas (uma por outra ou mais de uma por outras, mas sempre
dentre as oito).
R.T.J. — 195 265

3. É certo que o art. 101 admite outras medidas além das oito específicas, mas
da mesma natureza e mesmos objetivos, isto é, pedagógicas e que ‘visem ao for-
talecimento dos vínculos familiares e comunitários’, o que torna incabível a
determinação de internação, por constituir medida socioeducativa privativa da
liberdade e não medida específica de proteção.
4. Considera-se decisão ultra petita o acórdão que diante do requerimento
do representante do Ministério Público, objetivando a internação-sanção pelo
prazo de três meses (§ 1º do art. 122), entendeu de afastar a aplicação do art. 122, III,
e determinar, como incidente da execução, a regressão do adolescente ao regime
de internação que pode durar até três anos (§ 3º do art. 121).
5. Habeas corpus deferido.” (DJ de 16-5-97)
No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma no julgamento do HC 84.603/SP, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, portando o acórdão a seguinte ementa:
“Ementa: 1. Descumprimento da medida socioeducativa aplicada pela prática
de ato infracional, em tese, não sujeito à medida de internação e cometimento de
novo ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa, apurado em
processo diverso: substituição da medida aplicada por outra de internação, com
fundamento no art. 113 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90):
impossibilidade.
A prática de ato infracional ‘mediante grave ameaça ou violência a pessoa’
ou a reiteração ‘no cometimento de outras infrações graves’ (art. 122, I e II, respec-
tivamente), embora justifiquem, per si — após o procedimento de apuração do ato
infracional, com as garantias previstas —, a aplicação da medida de internação de
que trata o art. 121, não servem para fundamentar a substituição da medida já
aplicada pela de internação.
De outro lado, descumprida a medida de semiliberdade por uma única vez,
sequer caberia invocar a regressão prevista no art. 122, III, aplicável apenas às
hipóteses de ‘descumprimento reiterado e injustificado’.
Também não há falar em ‘internação-substituição’ com fundamento no art.
113 da 8.069/90, tendo em vista que a substituição — na linha da tese adotada no
HC 74.715, 2ª T., Maurício Corrêa, DJ de16-5-97 — somente é aplicável quanto
às medidas específicas de proteção (arts. 101 e 112, VII).
2. Ordem deferida.” (DJ de 3-12-2004)
Conforme salientou o eminente Min. Cezar Peluzo, no julgamento do HC
84.682/SP, a internação é medida excepcional e, como tal, deve ser aplicada nos casos
específicos do art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Do exposto, defiro a ordem, para restabelecer a medida de semiliberdade.

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, acompanho o voto de Vossa
Excelência. Acho, também, que o caso não se ajusta ao art. 122.
266 R.T.J. — 195

EXTRATO DA ATA
HC 85.503/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Natanael Cavalcante
de Souza. Impetrante: PGE/SP — Patrícia Helena Massa Arzabe (Assistência Judiciária).
Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Decisão: Deferiu-se a ordem, decisão unânime. Falou, pelo paciente, a Dra. Patrícia
Helena Massa Arzabe. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso
de Mello e Ellen Gracie. Presidiu, este julgamento, o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello
e Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.556 — RS

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie


Pacientes: Lucas Bellarmino da Silva ou Lucas Belarmino da Silva e Vanderlei dos
Santos — Impetrantes: Lucas Bellarmino da Silva e outro — Coator: Superior Tribunal
de Justiça
Habeas corpus. Estupro e atentado violento ao pudor. Atipicidade e
condenação desmotivada. Ilegitimidade do Ministério Público. Ordem de
prisão condicionada ao trânsito em julgado.
Sob a invocação de atipicidade e condenação desmotivada, o que na
verdade pretende o impetrante é o reexame inadmissível do conjunto proba-
tório. O comparecimento da vítima, auxiliar de cozinha, perante a reparti-
ção policial, no dia seguinte ao cometimento dos crimes, manifestando o
desejo de providências policiais, dispensa a representação formal e o ates-
tado de pobreza. Condenação que já transitou em julgado. Habeas corpus
indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso, na con-
formidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir a ordem.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Velloso, Presidente — Ellen Gracie, Relatora.
R.T.J. — 195 267

RELATÓRIO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Os pacientes, condenados por crimes de estupro e
atentado violento ao pudor, em concurso material, reiteram, neste habeas corpus substi-
tutivo de recurso ordinário não interposto, os mesmos temas veiculados no writ indefe-
rido no Superior Tribunal de Justiça (fls. 240/251): falta de motivação das decisões
condenatórias e atipicidade de conduta; ilegitimidade do Ministério Público para inten-
tar a ação penal, em face da ausência de representação da vítima e do atestado de pobreza;
impossibilidade da expedição de mandados de prisão, dado que a sentença condicionara
a ordem de prisão ao trânsito em julgado. A liminar foi indeferida (fls. 228/229), tendo o
ilustre Subprocurador-Geral da República, Edson Oliveira de Almeida, opinado pela
denegação da ordem (fls. 264/268).
É o relatório.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): A primeira questão suscitada no habeas
corpus — falta de motivação das decisões condenatórias e atipicidade de conduta — foi
acertadamente repelida pelo Superior Tribunal de Justiça, porque, na verdade, identifica
pretensão de reexame inadmissível de prova no âmbito de habeas corpus. A conclusão
soberana das instâncias ordinárias na apreciação do conjunto probatório impossibilita
que esse juízo de valor seja revisto pelas instâncias especial ou extraordinária. Os fatos
criminosos, como costuma acontecer nos delitos sexuais, não tiveram testemunhas pre-
senciais. As instâncias ordinárias, portanto, apreciaram o conjunto probatório, avalian-
do e ponderando a versão dos réus — um deles não nega ter praticado com a ofendida
conjunção carnal e coito anal, como relatado na inicial deste habeas corpus (fl. 05) — e
a palavra da vítima, bem como as circunstâncias anteriores e posteriores à agressão. Não
se pode, portanto, cogitar de condenação desmotivada ou de conduta atípica. No tocante
à suposta ilegitimidade do Ministério Público, reporto-me à manifestação do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no julgamento da apelação: “A ofendida,
Verá Lúcia, de 21 anos de idade, vai até à autoridade policial no dia 30-1-92 (o crime
ocorreu no dia 29-1-92 — fl. 4l), quando narra o acontecido, fl. 10. Tal narrar e pedido
de providências valem por representação. De banda outra, a ofendida é auxiliar de
cozinha, presumindo-se sua pobreza, que não foi desmentida no decorrer do processo”
(fl. 82). Nesse particular, o parecer do Ministério Público Federal lembra precedente
desta Corte:
“I - Miserabilidade da vítima. A pobreza pode ser demonstrada pelos meios
de prova em geral. Miserabilidade aceita, no curso da ação penal, como fato notó-
rio diante das circunstâncias.
II - Caracterizada nos autos, a manifestação de vontade do ofendido, no
sentido de ser o ofensor processado, o que se deduz de suas declarações prestadas
na polícia e em juízo, está satisfeita a exigência da representação.” (HC 68.794,
Carlos Velloso — fl. 268)
268 R.T.J. — 195

Quanto ao fato de ter a sentença condicionado a ordem de prisão ao trânsito em


julgado, não se justificando, portanto, a expedição de mandado de prisão, a questão está
prejudicada. É que a condenação transitou em julgado em relação a Lucas Bellarmino.
Seu recurso especial foi admitido (fls. 127/128) e improvido (fl. 168) por acórdão que
transitou em julgado (fl. 170). Já o seu recurso extraordinário foi indeferido (fl. 127),
ensejando a interposição de agravo de instrumento, a que neguei seguimento (fl. 211)
por despacho que transitou em julgado (fl. 2l3). No que concerne a Vanderley dos
Santos, seu recurso extraordinário foi indeferido (fls. l58/160) por despacho irrecorrido,
conforme certidão de fl. 161. Não consta dos autos tenha esse condenado interposto
recurso especial. E, como salientou o Ministério Público Federal, no parecer de fl. 267,
a condenação também transitou em julgado em relação a ele, já que o sítio eletrônico do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul noticia o ajuizamento de revisão
criminal por parte dos pacientes, o que pressupõe o trânsito em julgado da condenação.
Ademais, da leitura dos autos, não há notícia de que o Tribunal de Justiça tenha determi-
nado a expedição de mandados de prisão.
Diante do exposto, indefiro o habeas corpus.

EXTRATO DA ATA
HC 85.556/RS — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Pacientes: Lucas Bellarmino da
Silva ou Lucas Belarmino da Silva e Vanderlei dos Santos. Impetrantes: Lucas Bellarmi-
no da Silva e outro (Advogado: Francisco de Assis Maia). Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Ausentes, justificadamente, neste
julgamento, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu este julgamento o
Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Ellen Gracie
e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar
Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr.Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.585 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Paciente: Sergio Thomas da Silva — Impetrante: Defensoria Pública da União —
Coator: Superior Tribunal de Justiça
Constitucional. Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Crime
hediondo. Regime fechado. Omissão do advérbio “integralmente”. Lei
8.072/90, art. 2º, § 1º. Constitucionalidade.
R.T.J. — 195 269

I - A omissão do advérbio “integralmente” na sentença condenató-


ria não significa que se tenha assegurado ao condenado o direito à pro-
gressão do regime prisional. No caso, o d. magistrado fez expressa men-
ção à Lei 8.072/90.
II - A pena por crime previsto no art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90
(crime hediondo), deverá ser cumprida em regime fechado. Inocorrência
de inconstitucionalidade. CF, art. 5º, XLIII. Precedentes do STF: HC
69.657/SP, Rezek, RTJ 147/598; HC 69.603/SP, Brossard, RTJ 146/611;
HC 69.377/MG, Velloso, DJ de 16-4-93; HC 76.991/MG, Velloso, DJ de
14-8-98; HC 81.421/SP, Néri, DJ de 15-3-02; HC 84.422/RS, julgado em
14-12-2004.
III - HC indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a ordem, nos termos do voto do
Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Gilmar Mendes e
Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de habeas corpus, impetrado em favor de
Sérgio Thomas da Silva, da decisão da 5ª Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça
que indeferiu pedido de habeas corpus, em acórdão assim ementado (HC 35.202/RJ):
“Ementa: habeas corpus. Crime hediondo. Regime prisional. Progressão.
Descabimento. Lei 8.072/90, art. 2º, § 1º.
Nos chamados crimes hediondos, o regime previsto é o fechado, descabendo
progressão (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90).
Fixando a sentença condenatória que o cumprimento da pena dar-se-á em
regime fechado, não é concebível que seja apenas inicialmente, mas, sim, atendo-
se ao preceito de lei, integralmente.
Quisesse o magistrado prolator da sentença condenatória admitir a progres-
são de regime, teria fixado o regime inicial fechado, o que não ocorreu.
Ordem denegada.” (Fl. 54)
Alega a impetração que o paciente, condenado à pena de 28 (vinte e oito) anos e 8
(oito) meses de reclusão, em regime fechado, como incurso no art. 157, § 2º, I e II, c/c o
art. 29 e o art. 157, § 3º, in fine, c/c os arts. 29 e 71, todos do Código Penal, está sofrendo
constrangimento ilegal, porque a omissão do advérbio “integralmente” na sentença
condenatória, transitada em julgado, possibilitaria a progressão do regime.
270 R.T.J. — 195

Sustenta, ademais, inexistir óbice à progressão do regime, dada a inconstituciona-


lidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, como já exposto no voto do eminente Ministro
Gilmar Mendes, no julgamento do HC 82.959.
Por isso, pede a concessão do writ, para o fim de ser assegurado ao paciente a
progressão para o regime semi-aberto.
Indeferida a medida liminar e requisitadas informações (fl. 43), foram elas presta-
das pelo Eminente Min. Edson Vidigal, Presidente do Eg. Superior Tribunal de Justiça,
que encaminhou cópia do acórdão impugnado (fls. 54-58).
O Ministério Público Federal, pelo parecer do ilustre Subprocurador-Geral, Dr.
Haroldo Ferraz da Nóbrega, opina pela denegação da ordem (fls. 67-70).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Postula o impetrante a concessão da or-
dem para que seja assegurado ao paciente, condenado por crime hediondo, o direito à
progressão de regime prisional. Alega que a omissão do advérbio “integralmente” na
sentença condenatória, transitada em julgado, possibilitaria a progressão do regime.
O writ é de ser indeferido. É que a jurisprudência do Supremo Tribunal firmou-se
no sentido de considerar irrelevante a omissão do advérbio “integralmente”, quando do
contexto da sentença se extrai que a progressão não foi deferida. Veja-se, a propósito, o
acórdão proferido pela Primeira Turma quando do julgamento do HC 78.976/RJ, Rel.
Min. Ilmar Galvão:
“Ementa: habeas corpus. Crime hediondo. Lei n. 8.072/90. Progressão de
regime da pena.
Em relação aos crimes hediondos, por força de disposição legal, a pena deve
ser cumprida necessariamente em regime fechado. O fato de a sentença não se
haver referido à expressão ‘integralmente’ não significa que tenha assegurado a
progressividade do regime da pena.
Habeas corpus indeferido.” (DJ de 18-6-99)
No caso, verifica-se da sentença de fls. 8-15, que o d. magistrado, embora não tenha
se referido à expressão “integralmente”, fez expressa menção à Lei 8.072/90. Assim, não
há dúvida de que a progressão do regime não foi assegurada ao paciente.
Acrescente-se, ademais, que, até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal jul-
gue, definitivamente, o HC 82.959/SP, prevalece a jurisprudência da Casa no sentido de
que a pena por crime previsto no art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, deverá ser cumprida em
regime fechado. No HC 76.991/MG, de que fui Relator, decidiu esta Turma:
“Ementa: Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Estupro. Crime hediondo.
Regime fechado. Lei n. 8.072/90, art. 2º, § 1º.
I - A pena por crime previsto no art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 (crime hedion-
do) deverá ser cumprida em regime fechado. Precedentes do STF.
II - HC indeferido.” (DJ de 14-8-98)
Não foi outro o decidido pelo Supremo Tribunal, pelo seu Plenário, no HC
69.657/SP, Rel. Min. Francisco Rezek, ficando assim ementado o acórdão:
R.T.J. — 195 271

“Habeas corpus. Lei dos crimes hediondos. Pena cumprida necessaria-


mente em regime fechado. Constitucionalidade do artigo 2º — § 1º da Lei 8.072.
Tráfico ilícito de entorpecentes. Condenação, onde o artigo 2º — § 1º da Lei
8.072, dos crimes hediondos, impõe cumprimento da pena necessariamente em
regime fechado. Não há inconstitucionalidade em semelhante rigor legal, visto
que o princípio da individualização da pena não se ofende na impossibilidade de
ser progressivo o regime de cumprimento da pena: retirada a perspectiva da pro-
gressão frente à caracterização legal da hediondez, de todo modo tem o juiz como
dar trato individual à fixação da pena, sobretudo no que se refere à intensidade da
mesma.
Habeas corpus indeferido por maioria.” (DJ de 18-6-93)
Esta Segunda Turma, no julgamento do HC 81.421/SP, relatado pelo eminente
Min. Néri da Silveira, decidiu:
“Ementa: habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Crime hediondo. 3.
Regime integralmente fechado para o cumprimento da pena. Lei n. 8.072/90, art.
2º, § 1º. Constitucionalidade. 4. Habeas corpus indeferido.” (DJ de 15-3-2002)
Recentemente, na sessão de 14-12-2004, esta Turma proferiu idêntica decisão ao
julgar o HC 84.422/RS, Relator para acórdão o eminente Ministro Joaquim Barbosa.
Do exposto, indefiro o writ.

EXTRATO DA ATA
HC 85.585/RJ — Relator: Ministro Carlos Velloso. Paciente: Sergio Thomas da
Silva. Impetrante: Defensoria Pública da União – DPU. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Ausentes, justificadamente, neste
julgamento, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu este julgamento o
Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Ellen
Gracie e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e
Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 7 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.670 — SP

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Paciente: Rogério Dias dos Santos — Impetrantes: Régis Galino e outro — Coatores:
Relatora do HC n. 36.672 do Superior Tribunal de Justiça
Habeas corpus. 2. Quadrilha ou bando. Receptação qualificada.
Armas de fogo. 3. Graves condutas imputadas ao paciente. 4. Alegada
demora no julgamento de habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça.
272 R.T.J. — 195

5. Não há que se falar em excesso de prazo, pois as providências cabíveis


para elucidar os fatos estão sendo adotadas pelo Poder Judiciário. 6.
Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso (RISTF,
art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimi-
dade de votos, indeferir a ordem.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Velloso, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: O Parecer elaborado pela eminente Dra. Delza
Curvello Rocha, Subprocuradora-Geral da República, assim relata o caso (fls. 31-32):
Cuida-se de habeas corpus substitutivo, com pedido liminar, impetrado em
favor de Rogério Dias dos Santos, contra ato da Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz,
do C. Superior Tribunal de Justiça, Relatora do Habeas Corpus n. 36.672/SP, por
não submeter o feito a julgamento.
Aduz o impetrante, que o aludido writ foi protocolado em 02.07.2004, inicial-
mente distribuído ao ilustre Ministro Edson Vidigal e, posteriormente, à Ministra
Laurita Vaz, teve seu pedido liminar indeferido em 05.07.2004, pelo Ministro
Edson Vidigal.
Esclarece, ainda, que:
“(...)
‘Transcorridos mais de 8 (oito) meses da negativa da liminar, sendo que
há quase 4 (quatro) meses, ainda, encontra-se aguardando despacho da Min.
Rel. Laurita Vaz, portanto, evidente o descaso com o cárcere alheio.
(...)
‘Para reforçar a tese da defesa e a imagem da Justiça, menciona-se a
Reforma do Judiciário, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, inse-
rindo o Constituinte, nos Direitos e Garantias Fundamentais, o ignorado e
rechaçado Princípio da Celeridade Processual, no inciso LXXVIII artigo 5º
da Constituição Federal...
‘(...) o Paciente é primário, tem residência fixa, é trabalhador e de famí-
lia tradicional na cidade de Rincão, e está preso desde 05 de agosto de 2003,
após efetivamente colaborar, como testemunha, em todas as diligências poli-
ciais. E a fase de alegações finais no Juízo a quo, objeto de discussão no STJ,
R.T.J. — 195 273

está aberta desde 14 de dezembro de 2004 – mais de 90 dias -, e nada de se


concluir tal fase...
(...)” (fls. 02/06)
Ao final, requer, liminarmente, seja expedido o competente Alvará de Soltura,
“(...) tendo em vista que nenhum prejuízo arcará o Estado em aguardar o seu julga-
mento em liberdade.”; alternativamente, seja determinado o imediato julgamento
do writ pela Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz, e, no mérito, seja deferido o pedido
liminar, quanto ao direito à prestação jurisdicional.
Quanto ao mérito, a Procuradoria-Geral da República posiciona-se pelo não-conhe-
cimento do presente writ, e caso conhecido, pela sua denegação.
Liminar não apreciada.
Informações solicitadas às fls. 25-28.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): O Ministério Público Federal manifesta-se
nos seguintes termos (fls. 33/34):
“Sem razão o impetrante.
Consta dos autos, que a denúncia contra o ora paciente e 06 (seis) co-réus foi
recebida em 06.08.2003, narrando fato ocorrido em 18.07.2003, que configura, em
tese, infringência ao disposto nos termos dos arts. 288; 180, § 1º; 29 (quatro vezes)
c/c o art. 69, todos do Código Penal e art. 10, caput, da Lei n. 9.437/97. Em
13.08.03 foi dado integral cumprimento à mandado de prisão expedido em
desfavor do paciente, razão pela qual encontra-se preso preventivamente, estando
o processo em fase de alegações finais. (Fl. 13)
Considerando que as infrações imputadas ao paciente — possuir, deter, por-
tar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em
depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empre-
gar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização
e em desacordo com determinação legal ou regulamentar; receptação qualificada;
quadrilha ou bando; em concurso material — ensejaram a expedição do competente
mandado de prisão, devidamente cumprido, sem que o impetrante se insurgisse
contra os fundamentos deste, não há que se falar em excesso de prazo, sendo que as
providências cabíveis estão sendo adotadas pelo Poder Judiciário, para que se
apure a veracidade das gravíssimas condutas acima tipificadas, e possa ser efetiva-
da a legítima prestação jurisdicional.
Demais disso, no caso sub examine, não se pode adiantar esta Suprema Corte
à apreciação de Habeas Corpus, cuja liminar restou indeferida pelo C. Superior
Tribunal de Justiça, a um por configurar supressão de instância, e a dois pelo óbice
contido na Súmula 691/STF, qual seja:
274 R.T.J. — 195

‘Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas


corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requeri-
do a Tribunal Superior, indefere a liminar.’
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pelo não conhecimento
do presente writ, e caso conhecido, pela sua denegação”.
Como bem aponta o parecer da Procuradoria-Geral da República, a demora no
julgamento do habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça — aproximadamente 10
(dez) meses desde o indeferimento da liminar — não configura ilegalidade quanto à
liberdade de locomoção do paciente.
Observo que o Presidente do STJ, ao analisar o HC 36.672, indeferiu a liminar,
solicitou informações e determinou a remessa dos autos ao Ministério Público Federal,
em 5-7-04.
Nestes autos, à fl. 25, em informações prestadas pela autoridade coatora, noticiou-se
que os autos se encontravam na Coordenadoria aguardando a chegada das informações.
Segundo consta no site oficial daquele Tribunal os autos foram com vista ao
Ministério Público Federal, em 23-5-2005.
Nesses termos, indefiro a ordem, julgando prejudicada a apreciação da liminar.

EXTRATO DA ATA
HC 85.670/SP — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Paciente: Rogério Dias dos
Santos. Impetrantes: Régis Galino e outro. Coatora: Relatora do HC n. 36.672 do Superior
Tribunal de Justiça.
Decisão: Indeferiu-se a ordem, decisão unânime. Ausentes, justificadamente, neste
julgamento, os Ministros Celso de Mello e Ellen Gracie. Presidiu este julgamento o
Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello
e Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

HABEAS CORPUS 85.673 — PA

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Paciente: Olimpio Ludovico Bastos Neto — Impetrante: Ney Gonçalves de
Mendonça Júnior — Coator: Superior Tribunal de Justiça
I - Habeas corpus: conhecimento.
1. Não impede a impetração do habeas corpus a admissibilidade de
R.T.J. — 195 275

recurso ordinário ou extraordinário da decisão impugnada, nem a efetiva


interposição deles.
2. Não se sujeita o recurso ordinário de habeas corpus nem a petição
substitutiva dele ao requisito do prequestionamento na decisão impugnada:
para o conhecimento deste, basta que a coação seja imputável ao órgão de
gradação jurisdicional inferior, o que tanto ocorre quando esse haja exa-
minado e repelido a ilegalidade aventada, quanto se se omite de decidir
sobre a alegação do impetrante ou sobre matéria sobre a qual, no âmbito
de conhecimento da causa a ele devolvida, se devesse pronunciar de ofí-
cio.
II - Individualização da pena: causa especial de aumento ou diminuição.
Ao contrário das atenuantes ou agravantes genéricas, que diminuem
ou elevam a pena-base, nos limites da escala penal editalícia —, as causas
especiais de diminuição podem reduzi-la aquém do mínimo, assim como
as causas especiais de aumento podem alçá-la acima do máximo comina-
do ao crime.
III - Liberdade provisória: não é de ser deferida ao acusado que
respondeu ao processo sob prisão preventiva — e não há elementos para
aferir de sua ilegalidade.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
indeferir o pedido de habeas corpus.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O paciente foi condenado à pena de 6 anos e
oito meses de reclusão, pela prática do delito de associação para o tráfico internacional
de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 14, na forma do art. 18, I).
Para fixar a pena do paciente, aduziu o Juiz (fl. 31):
“Os réus Olimpio Ludovico Bastos Neto, Eduardo Solano Fernandez,
Benedicto Torres Hernandez agiram com considerável grau de culpabilidade e em
proporção. Eram os cabeças da operação aqui no Brasil, responsáveis por todo o
suporte indispensável por todo o transporte da carga ilícita; não foram juntados
aos autos antecedentes criminais em nome dos acusados; não se dispõe também de
elementos suficientes à aferição de suas condutas sociais e personalidades, salvo
no que diz respeito a Eduardo Solano, que se mostrou mais audacioso, tendo
276 R.T.J. — 195

inclusive feito ameaças de uma greve de fome para impressionar o Juízo acerca de
sua suposta inocência: os motivos estão relacionados à perspectiva de ganho fácil
e rápido, sabendo-se que o tráfico ilícito de entorpecentes é um negócio altamente
lucrativo, as circunstâncias não destoam da conduta normal ao tipo, uma vez que
os traficantes se valem de todos os expedientes possíveis par alcançarem o seu
intento; as consequências, visto que a operação foi abortada antes que a droga
fosse embargada, não foram graves.
Em face da edição da Lei que define os crimes hediondos (Lei n. 8.082/90) e
na esteira de jurisprudência do STF (HC 72.862-6 – Rel. Néri da Silveira, DOU
25.10.1996, HC 73.119-8 – Rel. Carlos Velloso, RT 733/498), tomo por base a
pena prevista no seu art. 8º, para considerar como suficiente e necessária à repres-
são e prevenção do delito a pena-base de 4 (quatro) anos de reclusão para Olimpio
Ludovico, Eduardo Solano e Benedicto Hernandez, que, à míngua de atenuantes e
majorantes, elevo de 2/3 (dois terços), em face da causa de aumento do art. 18, I, da
lei de entorpecentes, tornando definitiva a pena em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de
reclusão.”
(...)
“Estabeleço o regime integralmente fechado para cumprimento das penas”.
(...)
“Conservem-se os réus recolhidos ao cárcere (art. 393, I, do CPP).”
O paciente interpôs apelação, ainda pendente de julgamento no Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (Apelação Criminal 2003.39.00.007342-6), conforme se extrai do
sítio do TRF1 na Internet (www.trf1.gov.br).
Impetrou habeas corpus àquele mesmo Tribunal. Alegou falta de fundamentação
da sentença quanto ao paciente poder apelar em liberdade (CF, art. 93, IX); violação à
garantia da individualização da pena e ao princípio da reserva legal, por ter sido a pena
definitiva do paciente (6 anos e 8 meses) fixada acima das margens legais escolhidas
pelo legislador (3 a 6 anos — Lei 8.072/90, art. 8º); e, em conseqüência, incorreção do
regime de cumprimento fixado. A ordem foi denegada, verbis (fl. 45):
“1. Tendo o paciente sido mantido preso preventivamente durante toda a
instrução processual, a manutenção da prisão para apelar é efeito da sentença
condenatória. Precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça.
2. O habeas corpus não é substitutivo do recurso de apelação, uma vez que a
apelação é que devolve ao tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria dos
autos, permitindo a reapreciação de fatos e provas, além da possibilidade de
eventualmente se divergir dos fundamentos da sentença condenatória. Precedentes
desta Corte Regional Federal.
3. Somente se apresenta possível a anulação de processo penal, em sede de
habeas corpus, no caso de manifesta ilegalidade, verificável de plano, de forma
clara e incontroversa, o que não é o caso dos presentes autos, uma vez que a
R.T.J. — 195 277

comprovação das alegações do impetrante depende do exame de provas, incabível


nesta sede processual.
4. Ordem denegada.”
Ajuizou-se petição substitutiva de recurso ordinário ao STJ (HC 38.612), que dela
não conheceu, mas concedeu habeas corpus de ofício, “tão-somente para fixar o regime
inicialmente fechado para o cumprimento da pena imposta ao paciente”.
Esta a ementa do julgado (fl. 59):
“I. As alegações trazidas pela impetração não foram objeto de debate no
acórdão recorrido, o qual foi restrito à apreciação do direito de apelar em liberdade.
II. Os argumentos relativos à possibilidade de progressão de regime e à redu-
ção da pena privativa de liberdade não foram apreciados na instância a quo, por
impropriedade da via eleita.
III. A análise do pleito por esta Corte ocasionaria indevida supressão de
instância.
IV. Concessão de habeas corpus de ofício, pela verificação de ilegalidade no
julgamento proferido pelo Tribunal a quo.
V. O crime de associação para o tráfico de entorpecentes, previsto no art. 14
da Lei de Tóxicos, não é considerado hediondo, não incidindo quanto ao mesmo
a obrigatoriedade de cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Pre-
cedentes.
VI. A possibilidade de pleitear o benefício encontra-se obstada, eis que a
sentença condenatória fixou o regime integralmente fechado, sendo mantida a
coação ilegal pelo Tribunal a quo, que denegou o writ originário por entender que
a matéria seria própria do recurso de apelação.
VII. A vedação à progressão constitui flagrante a coação ilegal a que está
sendo submetido o paciente passível de ser sanada na via do writ.
VIII. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, nos termos
do voto do Relator.”
Daí a presente impetração, que insiste na existência de constrangimento ilegal
decorrente da fixação da pena definitiva pela sentença acima dos limites legais (Lei
8.072/90, art. 8º).
Aduz o impetrante que o artigo 8º da Lei 8.072/90, “com relação à associação
criminosa, prevista no art. 14 da Lei de Tóxicos (novatio legis in mellius), reduziu o
máximo da pena in abstrato (...)”; que “o legislador pátrio criou um tipo penal híbrido,
partindo da conjugação da definição penal contida no art. 14 da Lei Antitóxicos com
as penas estabelecidas pelo art. 8º da Lei de Crimes Hediondos.”
Sustenta que “não é crível (...) que o Tribunal ad quo não tivesse condições de
visualizar de plano o constrangimento ilegal perpetrado pelo juízo monocrático (...)”.
278 R.T.J. — 195

Ademais, invoca precedente do STF (RHC 53.468 — RTJ 74/369), no sentido de


que “a possibilidade de apelação, ou a sua interposição, não obstam, em princípio, o
uso do habeas corpus, desde que, neste, se alegue coação ou ameaça de coação na
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
O impetrante requer a anulação da pena imposta na sentença e o refazimento do
respectivo cálculo.
Além disso, pede o deferimento do pedido para que o paciente aguarde em liberdade
o julgamento da apelação.
O Ministério Público Federal — parecer do il. Subprocurador-Geral Edson de
Almeida — opinou pelo não-conhecimento do pedido, nestes termos (fl. 68):
“A impetração questiona o quantum da pena imposta pela sentença que con-
denou o paciente pelo crime de associação para fins de tráfico.
Ocorre que, nesse ponto, o Superior Tribunal de Justiça não conheceu do
habeas corpus, para evitar a supressão de instância, uma vez que o habeas corpus
que fora impetrado no Tribunal de Justiça postulava apenas o direito à apelação
em liberdade. Portanto, cumpre aguardar o pronunciamento que o órgão de segun-
do grau proferirá no julgamento da apelação. De qualquer forma, uma primeira
análise indica que a exasperação da pena encontra suporte nas circunstâncias judi-
ciais desfavoráveis, incidindo ainda a qualificadora do art. 18-I da lei 6.368/76,
donde a fixação da pena em 6 anos e 8 meses.
Isto posto, opino pelo não conhecimento.”
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):
I

Conheço do habeas corpus.


Alega o impetrante violação à garantia constitucional da individualização da
pena e ao princípio da reserva legal, por ter sido a pena definitiva imposta ao paciente
fixada acima do patamar previsto no art. 8º da Lei 8.072/90.
O STJ deixou de apreciar a questão objeto da presente impetração, sob a alegação
de que não havia sido debatida pelo TRF1 — não porque não fora suscitada pelo impe-
trante perante aquela Corte, como afirmou o parecer da PGR.
O tema foi efetivamente aventado na petição ao TRF, que dele não conheceu, sob
o fundamento de não ser o habeas corpus substitutivo da apelação interposta.
Cuida-se, no entanto, de pura questão de direito — correta interpretação da lei —,
não dependendo, pelo menos para determinar qual a lei aplicável, do reexame de fatos e
de provas.
R.T.J. — 195 279

Ademais, é da jurisprudência do STF que não impede a impetração de habeas


corpus a admissibilidade de recurso ordinário ou extraordinário da decisão impugnada,
nem a efetiva interposição deles.
Nem o conhecimento do habeas corpus nos diversos graus de jurisdição depende
de prequestionamento na decisão impugnada.
É o que se lê na ementa do RHC 82.045, 1ª Turma, 25-6-2002, Pertence, DJ de 25-
10-2002):
“1. O conhecimento do habeas corpus nos diversos graus de jurisdição
independe de prequestionamento na decisão impugnada: basta que a coação seja
imputável ao órgão de gradação jurisdicional inferior, o que tanto ocorre quando
esse haja examinado e repelido a ilegalidade aventada, quanto quando se omite de
decidir sobre a alegação da impetrante ou sobre matéria sobre a qual, no âmbito de
conhecimento da causa a ele devolvida, se devesse pronunciar de ofício.
(...)
5. É princípio sedimentado no direito brasileiro de que a recorribilidade da
decisão ou a efetiva pendência de recurso contra eles não inibe a admissibilidade
paralela do habeas corpus; claro, no entanto, que a permissão desse uso simultâ-
neo de dois remédios processuais — o recurso e o habeas corpus — contra uma só
decisão judicial não é irrestrita, que a permissão da duplicidade de vias de
impugnação do mesmo julgado tem por fim viabilizar a cessação da eventual
coação ilegal à liberdade tão rapidamente quanto possível, não, porém, a de outor-
gar direito a dois julgamentos sucessivos sobre uma única questão; por isso, se são
idênticas as pretensões veiculadas, as respectivas causas de pedir e a extensão
admissível do exame delas em ambas as vias percorridas simultaneamente — o
julgamento anterior do recurso ou mesmo o seu início inviabilizam a interposição
ou prejudicam o curso do habeas corpus perante o mesmo Tribunal ou em juízo ou
tribunal de gradação inferior. (...)”
No caso, a apelação ainda pende de julgamento no TRF1.
II

Quanto ao mérito, já decidiram ambas as Turmas do Tribunal que, no caso de


associação para a prática de tráfico de entorpecentes, prevalece a tipificação do art. 14 da
Lei 6.368/76, mas a pena a ser aplicada é a do art. 8º da Lei 8.072/90 (cf. HC 68.793, 1ª
T., Moreira, DJ de 6-6-97; HC 72.862, 2ª T., Néri, DJ de 17-11-95; HC 73.119, Velloso,
DJ de 19-4-96; HC 83.017, 1ª T., 2-9-03, Britto, DJ de 23-4-2004).
Dessa jurisprudência, contudo, não dissentiu a sentença, que, nos limites do art. 8º,
da Lei 8.072/90 de três a seis anos de reclusão — fixou a pena-base em quatro anos.
A partir dessa pena-base — à falta de atenuantes e agravantes —, aplicou, em
seguida, a causa especial de aumento do art. 18, I, da Lei 6.368/76, à razão de dois terços,
o que elevou a pena definitiva a seis anos e oito meses de reclusão.
280 R.T.J. — 195

O equívoco do impetrante está em supor que — malgrado a incidência da causa


especial — estivesse a individualização submetida ao máximo de seis anos de reclusão,
conforme a cominação legal correspondente ao tipo.
É curial, entretanto, que — ao contrário das atenuantes ou agravantes genéricas,
que diminuem ou elevam a pena-base, nos limites da escala penal editalícia — as causas
especiais de diminuição podem reduzi-la aquém do mínimo, assim como as causas espe-
ciais de aumento podem alçá-la acima do máximo cominado ao crime.
Era de clareza exemplar a respeito da antiga parte geral do Código Penal:
“Art. 50. A pena que tenha de ser aumentada ou diminuída, de quantidade
fixa ou dentro de determinados limites, é a que o juiz aplicaria se não existisse
causa de aumento ou de diminuição”.
Não havia a propósito divergências na doutrina.
O art. 68 da vigente parte geral é menos explícito.
Não obstante, dados o conceito e a função das causas especiais de aumento ou
diminuição da pena, não se alterou a communis opinio da jurisprudência e dos doutores1.
No tocante à pretensão de o paciente aguardar solto o julgamento da apelação, o
caso não é de exigência da prisão para apelar — cuja legitimidade está em xeque no
Plenário —, mas, sim, da não-concessão de liberdade provisória — pois o acusado res-
pondeu ao processo sob prisão preventiva —, e não há elementos para aferir da sua
ilegalidade.
Denego a ordem: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
HC 85.673/PA — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Olimpio Ludovico
Bastos Neto. Impetrante: Ney Gonçalves de Mendonça Júnior. Coator: Superior Tribunal de
Justiça.
Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Eitel Santiago de Brito Pereira.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

1 V.g., SILVA FRANCO. C.Pen. e sua Interpr. Jurisprudencial, ed. RT, 7. ed, I/1246; DELMANTO,
C.Pen. Comentado, 6. ed, Renovar, p. 136; NUCCI, Guilherme. C.Pen. Comentado, 5. ed, RT, p. 362;
PRADO, Luiz Régis. Comentários ao C. Pen., RT, 2. ed, p. 332; fica a exceção por conta de
BITTENCOURT, César. Tratado de Dir. Penal, Saraiva, I/559.
STJ, RHC 2.816, Cernichiaro, DJ de 22-11-93;
R.T.J. — 195 281

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 179.560 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Agravantes: Realco Comércio de Alimentos S.A. e outros — Agravado: Estado do
Rio de Janeiro
Agravo de instrumento — Traslado incompleto — Ausência de certi-
dão comprobatória da tempestividade do recurso extraordinário — Fun-
ção jurídico-processual do agravo de instrumento deduzido contra decisão
que nega trânsito ao recurso extraordinário — Súmula 288/STF — Apli-
cabilidade — A Súmula como resultado paradigmático para futuras deci-
sões — Agravo improvido.
Traslado incompleto — Prova da tempestividade do recurso extraor-
dinário — Súmula 288.
— A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sen-
tido de considerar incompleto o traslado a que falte, dentre outras peças
essenciais à compreensão global da controvérsia, a necessária certidão
comprobatória da tempestividade do recurso extraordinário. Aplicabili-
dade da Súmula 288/STF. Precedentes de ambas as Turmas do STF.
Princípio da legalidade e Súmula 288/STF.
— Não ofende o princípio da legalidade a decisão que, ao interpretar
o ordenamento positivo em ato adequadamente motivado, limita-se, sem
qualquer desvio hermenêutico, e dentro dos critérios consagrados pela
Súmula 288/STF, a considerar como “essencial à compreensão da contro-
vérsia” a peça referente à comprovação da tempestividade do recurso
extraordinário.
A Súmula da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal.
— A Súmula — enquanto instrumento de formal enunciação da ju-
risprudência consolidada e predominante de uma Corte judiciária —
constitui mera proposição jurídica, destituída de caráter prescritivo, que
não vincula, por ausência de eficácia subordinante, a atuação jurisdicio-
nal dos magistrados e Tribunais inferiores. A Súmula, em conseqüência,
não se identifica com atos estatais revestidos de densidade normativa, não
se revelando apta, por isso mesmo, a gerar o denominado “binding
effect”, ao contrário do que se registra, no sistema da “Common Law”, por
efeito do princípio do “stare decisis et non quieta movere”, que confere
força vinculante ao precedente judicial.
— A Súmula, embora refletindo a consagração jurisprudencial de
uma dada interpretação normativa, não constitui, ela própria, norma de
decisão, mas, isso sim, decisão sobre normas, na medida em que exprime —
no conteúdo de sua formulação — o resultado de pronunciamentos juris-
dicionais reiterados sobre o sentido, o significado e a aplicabilidade das
regras jurídicas editadas pelo Estado.
282 R.T.J. — 195

— A formulação sumular, que não se qualifica como “pauta vinculante


de julgamento”, há de ser entendida, consideradas as múltiplas funções que
lhe são inerentes — função de estabilidade do sistema, função de segurança
jurídica, função de orientação jurisprudencial, função de simplificação
da atividade processual e função de previsibilidade decisória, v.g. (RDA
78/453-459 — RDA 145/1-20) —, como resultado paradigmático a ser
autonomamente observado, sem caráter impositivo, pelos magistrados e
demais Tribunais judiciários, nas decisões que venham a proferir.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo.
Brasília, 23 de abril de 1996 — Moreira Alves, Presidente — Celso de Mello,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente
interposto, contra decisão que desacolheu agravo de instrumento deduzido pela parte
ora recorrente.
A decisão agravada, invocando o conteúdo da Súmula 288 desta Corte, reconhe-
ceu imprescindível a existência, no traslado, da certidão comprobatória da plena tem-
pestividade do recurso extraordinário que, interposto pela parte agravante, deixou de ser
admitido pela Presidência do Tribunal a quo.
Inconformada com esse ato decisório, interpõe a parte ora agravante a presente
manifestação recursal, sob a alegação de ofensa ao princípio constitucional da lega-
lidade.
Sustenta, ainda, quanto à aplicação da exigência, como peça de traslado obrigató-
rio, da certidão comprobatória da tempestividade do recurso extraordinário (Súmula
288/STF), que “com a edição de tal Resolução, ou mesmo Súmula contendo semelhante
exigência, parece ter-se degradado para instância juridicamente inadequada o poder
de regulação concernente a categoria temática — a criação de exigência tipicamente
processual quanto aos elementos essenciais à instrução do recurso — que se acha
submetida, em razão de sua própria matéria, ao postulado constitucional da reserva
absoluta de lei em sentido formal” (fl. 64).
Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda
Turma, o presente recurso de agravo.
É o relatório.
R.T.J. — 195 283

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora recorrente,
eis que esta, descumprindo obrigação processual que lhe incumbia, não providen-
ciou a inclusão, no traslado, da prova necessária concernente à demonstração da
tempestiva interposição do recurso extraordinário que por ela foi manifestado perante
o Tribunal a quo.
A jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, tal como
enfatizei na decisão ora agravada, tem acentuado que se revela incompleto o traslado
a que falte peça comprobatória da oportuna interposição do apelo extremo deduzido
pelos agravantes, eis que esse elemento documental — por referir-se à própria tempes-
tividade da impugnação recursal — reveste-se de essencialidade na definição desse
significativo pressuposto, de índole objetiva, inerente a qualquer recurso, especial-
mente ao recurso extraordinário (RTJ 131/1403, Rel. Min. Celso de Mello):
“A prova da oportuna interposição do recurso extraordinário, cujo proces-
samento deixou de ser admitido na instância a quo, deve ser necessariamente
produzida pelo agravante quando da formação do traslado. Trata-se de peça es-
sencial à definição de um dos pressupostos recursais objetivos de maior significa-
ção: a própria tempestividade do apelo extremo.”
(RTJ 132/1345, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma)
“Agravo regimental em agravo de instrumento. Extempestividade do
recurso extraordinário. Deficiência do traslado, Súmula 288.
(...)
O traslado da certidão de publicação do acórdão recorrido é peça impres-
cindível à compreensão da controvérsia acerca da tempestividade do recurso ex-
traordinário, Súmula 288.
Agravo regimental não provido.”
(AI 146.704-AgR/RS, Rel. Min. Paulo Brossard, Segunda Turma — grifei)
Impõe-se ressaltar que o agravo de instrumento interposto contra ato veiculador
do juízo negativo de admissibilidade do apelo extremo tem por finalidade, por única
finalidade, viabilizar a aferição, por esta Suprema Corte, das condições de admissibili-
dade do recurso extraordinário, exaurindo-se, em conseqüência, no exame exclusivo
desses requisitos mínimos, a específica função jurídico-processual para a qual foi aquele
recurso concebido. Daí a precisa observação feita pelo eminente Ministro Sepúlveda
Pertence que, na condição de Relator, fez consignar, em decisão monocrática, que “(...)
o agravo de instrumento contra a denegação de recurso extraordinário só devolve ao
STF a questão de admissibilidade deste” (Pet 944/SP).
Na realidade, o thema decidendum que se projeta na apreciação do agravo de
instrumento concerne, especificamente, à análise dos fundamentos — efetivamente
deduzidos ou potencialmente invocáveis — em que se apóia o juízo negativo de admis-
sibilidade que incidiu sobre o recurso extraordinário manifestado pela parte agravante,
284 R.T.J. — 195

tanto que a tal recorrente se impõe o dever de questionar, em sede de agravo, não o
conteúdo do acórdão impugnado pela via do apelo extremo, mas, exclusivamente, as
razões impeditivas do trânsito e do processamento dessa modalidade de impugnação
excepcional (RTJ 126/864, Rel. Min. Francisco Rezek — RTJ 133/485, Rel. Min. Célio
Borja).
Note-se, pois, que o agravo de instrumento, na hipótese de recusa de processamento
do recurso extraordinário, possui conteúdo temático próprio e específico, de tal modo
que nele se justifica o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, do seu incontrastável
poder de verificação dos pressupostos — de todos os pressupostos — inerentes ao apelo
extremo, dentre os quais avulta, por sua extrema relevância, aquele concernente ao
requisito da tempestividade, ainda que não invocado por qualquer dos sujeitos da
relação processual.
O controle da tempestividade do apelo extremo — precisamente por constituir
pressuposto recursal de ordem pública — revela-se matéria suscetível, até mesmo, de
conhecimento ex officio por este Tribunal, independendo, em conseqüência, de qual-
quer formal provocação dos sujeitos que intervêm no procedimento recursal (Nelson
Nery Júnior, “Princípios Fundamentais — Teoria Geral dos Recursos”, p. 52, 1990,
RT; José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
V/235, item n. 146, 6ª ed., 1993, Forense).
Essa é a razão pela qual o traslado deve também consubstanciar a demonstração
inequívoca da plena tempestividade do recurso extraordinário, eis que é ao processa-
mento do apelo extremo — devidamente satisfeitos todos os pressupostos inerentes à
sua admissibilidade — que se destina, em última análise, a utilização do agravo de
instrumento.
Não se pode desconsiderar, na perspectiva da finalidade para a qual se acha voca-
cionado o agravo de instrumento — interponível contra decisão que nega trânsito ao
recurso extraordinário —, que o juízo de admissibilidade manifestado pela Presidência
do Tribunal a quo, qualquer que seja o seu conteúdo, reveste-se de caráter preliminar,
qualificando-se, em conseqüência, como ato jurisdicional meramente provisório e ins-
tável, posto que sujeito, sempre, à confirmação ulterior do Supremo Tribunal Federal,
que poderá, por isso mesmo, reconhecer inexistentes determinados requisitos conside-
rados satisfeitos, ainda que implicitamente, pelo órgão judiciário que efetuou, num
primeiro momento, o controle de admissibilidade do apelo extremo.
Torna-se necessário proclamar, desse modo, que o juízo de admissibilidade —
seja ele positivo ou negativo — jamais importará em preclusão da faculdade processual,
que assiste ao Tribunal ad quem (ao Supremo Tribunal Federal, no caso), de reapreciar, em
toda a sua extensão, a ocorrência, ou não, dos pressupostos legitimadores da interpo-
sição do recurso extraordinário.
Daí a necessidade de a parte agravante instruir, sempre, o traslado com cópia da
certidão de publicação do acórdão recorrido, a fim de, com essa peça essencial à análise
de um dos requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, viabilizar o controle,
pelo Supremo Tribunal Federal, do pressuposto legal da tempestividade inerente ao
apelo extremo.
R.T.J. — 195 285

O entendimento exposto no ato decisório ora impugnado reflete a orientação hoje


prevalecente na jurisprudência de ambas as Turmas desta Suprema Corte (AI 149.722-
AgR/DF, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, j. em 20-6-95 — AI 151.485-
AgR/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, j. em 20-6-95).
Sustenta, a parte ora agravante, que o ato decisório em causa, por haver indevida-
mente interceptado o recurso de agravo de instrumento, teria ofendido, em última aná-
lise, o princípio da legalidade.
Não assiste qualquer razão à recorrente, eis que a prerrogativa de verificação de
todos os requisitos inerentes a qualquer recurso, inclusive ao recurso extraordinário,
além de se incluir na competência dos órgãos do Tribunal ad quem (o STF, no caso),
importa, necessariamente, no reconhecimento do poder de exigir os elementos essenciais
à constatação dos pressupostos de recorribilidade.
É preciso enfatizar, neste ponto, que a decisão em causa, ao interpretar o ordena-
mento legal, em ato extensamente fundamentado, limitou-se, dentro dos critérios inter-
pretativos consagrados pela formulação constante da Súmula 288/STF, e sem qual-
quer desvio hermenêutico, a reputar a peça processual faltante como “essencial à
compreensão da controvérsia”, cabendo assinalar que o sentido conceitual da expres-
são “controvérsia” reveste-se de caráter abrangente, envolvendo não só o próprio fundo
material do litígio, mas compreendendo, também, todas as questões e incidentes, ainda
que de ordem formal, que guardem relação de pertinência com os aspectos emergentes
da causa.
Não custa enfatizar, ainda, que a jurisprudência do STF tem acentuado que a
resolução do litígio (ou de qualquer incidente processual), fundada na interpretação do
acervo normativo infraconstitucional existente em nosso sistema jurídico, quando devi-
da e adequadamente motivada, reveste-se de plena validade jurídica, eis que traduz
procedimento hermenêutico legítimo utilizado pelos órgãos do Poder Judiciário na defini-
ção do sentido, da finalidade e da inteligência das normas legais. Essa circunstância, por si
só, basta para afastar a alegada — e inocorrente — transgressão ao princípio constitucional
da legalidade (AI 142.287-AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso — AI 145.099/SP, Rel. Min.
Ilmar Galvão — AI 145.680-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).
Impõe-se asseverar, de outro lado, consideradas as razões recursais deduzidas
pelos ora agravantes, que a Súmula — enquanto instrumento de formal enunciação da
jurisprudência consolidada e predominante de uma Corte judiciária — constitui mera
proposição jurídica destituída de caráter prescritivo no que se refere à atuação dos
magistrados e Tribunais inferiores. A Súmula, por isso mesmo, não se reduz à condição
jurídica de ato estatal provido de suficiente estrutura de normatividade.
Daí a advertência do Supremo Tribunal Federal, nesse mesmo sentido, refletida
no julgamento do RE 116.116/MG, Rel. Min. Moreira Alves, cujo acórdão consigna,
em sua ementa, que “(...) Súmula é cristalização de jurisprudência”, razão pela qual a
“(...) má aplicação da súmula não dá margem a recurso extraordinário, porque não é
ela norma jurídica (...)” (grifei).
286 R.T.J. — 195

Nesse contexto, é inquestionável que a Súmula não realiza as funções específicas


da norma. A formulação sumular, embora refletindo precedente jurisprudencial, não
se reveste de caráter impositivo, prescritivo, permissivo, autorizativo ou derrogatório de
condutas individuais ou sociais.
A Súmula de jurisprudência, portanto, encerra mero conteúdo descritivo. Ao
ostentar essa condição, torna-se lícito acentuar que lhe falece a nota da multidimensio-
nalidade funcional que tipifica, sob os atributos da imposição, da permissão, da autoriza-
ção e da derrogação, as funções específicas da norma jurídica.
Daí a advertência da doutrina, segundo a qual o direito proclamado pelas formu-
lações jurisprudenciais tem valor meramente persuasivo, “(...) maior ou menor, na
medida do prestígio jurídico de que desfrutem os juízes ou Tribunais de onde ele
procede” (Rubem Nogueira, Desempenho normativo da jurisprudência do STF, in RT
448/24).
A interpretação jurisprudencial consubstanciada no enunciado sumular consti-
tui, em nosso sistema jurídico — que se ajusta, em sua linhagem histórica, ao sistema de
direito estatutário — precedente de valor meramente relativo, despojado, não obstan-
te a estatalidade de que se reveste, da força vinculante e da autoridade subordinante
da lei, tal como acentua o magistério doutrinário (José Carlos Barbosa Moreira, O
Novo Processo Civil Brasileiro, p. 245; Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil
Brasileiro, vol. 2/322; Humberto Theodoro Júnior, Processo de Conhecimento, vol.
II/751; Ernane Fidelis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil, vol. 2/280; e
Roberto Rosas e Paulo Cezar Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
V/70, v.g.).
Cumpre enfatizar, neste ponto, a autorizada advertência de José Frederico
Marques (Manual de Direito Processual Civil, vol. 3/206) — que recebeu a prestigiosa
adesão de José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. V/38-39) — no sentido de que os precedentes e as súmulas, porque desprovidos do
conteúdo eficacial pertinente ao ato legislativo, “(...) não passam de indicações úteis
para uniformizar-se a jurisprudência, a que, entretanto, juízes e Tribunais não se en-
contram presos”, eis que — consoante acentua o Mestre paulista — “vinculação dessa
ordem, só a Constituição poderia criar”.
Sabemos que a Súmula — idealizada e concebida, entre nós, pelo saudoso Minis-
tro Victor Nunes Leal (Passado e Futuro da Súmula do STF, in RDA 145/1-20) —
desempenha, na lição desse eminente Magistrado, enquanto método de trabalho e ato
provido de eficácia interna corporis, várias e significativas funções, pois (a) confere
maior estabilidade à jurisprudência predominante nos Tribunais; (b) atua como instru-
mento de referência oficial aos precedentes jurisprudenciais nela compendiados; (c)
acelera o julgamento das causas e (d) evita julgados contraditórios.
A Súmula, contudo, ao contrário das notas que tipificam o ato normativo, não se
reveste de compulsoriedade na sua observância externa e de cogência na sua aplicação
por terceiros. A Súmula, na realidade, configura mero instrumento formal de exteriori-
zação interpretativa de uma orientação jurisprudencial.
A Súmula, portanto, tendo em vista a tese jurisprudencial não vinculante que nela se
acha consagrada, encerra, apenas, um resultado paradigmático para decisões futuras.
R.T.J. — 195 287

A jurisprudência compendiada na formulação sumular, desse modo, não se re-


veste de expressão normativa, muito embora traduza, a partir da experiência jurídica
motivada pela atuação jurisdicional do Estado, o significado da norma de direito posi-
tivo, tal como ela é compreendida e constatada pela atividade cognitiva e interpretati-
va dos Tribunais.
A Súmula, não obstante reflita a consagração jurisprudencial de uma dada inter-
pretação normativa, não constitui, ela própria, norma de decisão, mas, isso sim, decisão
sobre normas, na medida em que exprime — no conteúdo de sua formulação — o
resultado de pronunciamentos jurisdicionais reiterados sobre o sentido, o significado e
a aplicabilidade das regras jurídicas editadas pelo Estado.
Em uma palavra: a Súmula não é, em nosso sistema de direito positivo — e para
utilizar uma significativa expressão de Karl Larenz — uma pauta vinculante de jul-
gamento.
Sendo assim — e diversamente do que ocorria com os Arrêts de Reglement dos
órgãos judiciários franceses, de que emanavam as Lois Provisionelles no sistema anterior
ao da Revolução de 1789, e com os “Assentos” da Casa de Suplicação, que dispunham
de força de lei e de conseqüente eficácia vinculante —, a Súmula configura modelo
de conteúdo descritivo, qualificável como fonte de conhecimento — e não de pro-
dução — do Direito, a partir da interpretação jurisprudencial das normas jurídicas nela
consubstanciada.
Cumpre relembrar, por isso mesmo, a lição de Karl Larenz (Metodologia da
Ciência do Direito, p. 499, item n. 4, 2ª ed., 1978, Fundação Calouste Gulbenkian) sobre
o valor e o significado do direito revelado pela interpretação dos Tribunais:
“Quem quiser conhecer o Direito tal como é realmente aplicado e ‘vive’,
não pode contentar-se com as normas, tem de inquirir do entendimento que lhes é
dado pela jurisprudência. Os precedentes são, pois, uma fonte de conhecimento
do Direito. Não, porém, uma fonte de normas jurídicas imediatamente vincula-
tivas (...).”
(Grifei)
Concluindo: a formulação sumular, que não se qualifica como “pauta vinculante
de julgamento”, há de ser entendida, consideradas as múltiplas funções que lhe são
inerentes — função de estabilidade do sistema, função de segurança jurídica, função de
orientação jurisprudencial, função de simplificação da atividade processual e função de
previsibilidade decisória, v.g. (RDA 78/453-459 — RDA 145/1-20) —, como resultado
paradigmático a ser autonomamente observado, sem caráter impositivo, pelos magis-
trados e demais Tribunais judiciários, nas decisões que venham a proferir.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, e considerando, sobretudo, a
orientação jurisprudencial firmada por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal,
reiterada em inúmeras e recentes decisões colegiadas proferidas a propósito do mesmo
tema versado nesta sede recursal (AI 149.722-AgR/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. em
10-8-95 — AI 151.485/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, j. em 30-6-95 — AI 158.617-
AgR/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 5-9-95 — AI 164.921-AgR/RS, Rel. Min.
Octavio Gallotti, j. em 12-9-95 — AI 173.701-AgR/PE, Rel. Min. Celso de Mello, j. em
5-9-95, v.g.), nego provimento ao recurso interposto, mantendo, em conseqüência, por
seus próprios fundamentos, a decisão ora recorrida.
É o meu voto.
288 R.T.J. — 195

EXTRATO DA ATA
AI 179.560-AgR/RJ — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravantes: Realco
Comércio de Alimentos S.A. e outros (Advogados: Pio Perez Pereira e outros). Agravado:
Estado do Rio de Janeiro (Advogado: Marcelo Mello Martins).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo. Unânime.
Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros Sydney
Sanches, Octavio Gallotti, Celso de Mello e Ilmar Galvão. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Flavio Giron.
Brasília, 23 de abril de 1996 — Ricardo Dias Duarte, Secretário.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 208.156 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence


Recorrente: Estado de São Paulo — Recorridos: Deogenir de Oliveira e outro
Servidores aposentados do Estado de São Paulo: adicional de
magistério instituído pela LC estadual 444/85, e forma de cálculo alte-
rada pela Lei estadual 645/89: ausência de violação do art. 5º, XXXVI,
da Constituição Federal.
1. A incidência da nova forma de cálculo do adicional de magistério
aos servidores já aposentados — expressamente determinada pelo art. 5º
da LC estadual 645/89 — não ofende o princípio da irretroatividade das
leis (CF, art. 5º, XXXVI): seus efeitos não reatroagem a período anterior à
sua vigência.
2. Os novos critérios foram expressamente criados em substituição
aos anteriores (art. 53 da LC 444/85), donde não haver dupla avaliação
para fins de promoção na carreira.
II - Recurso extraordinário: descabimento: no tocante ao art. 40, § 4º,
da Constituição Federal, o acórdão recorrido , para estender o benefício
aos inativos, não se fundou apenas no preceito constitucional, mas se ba-
seou principalmente em fundamento de direito local, a cujo reexame o
recurso extraordinário não se presta (Súmula 280).

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
não conhecer do recurso extraordinário.
Brasília, 16 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente e Relator.
R.T.J. — 195 289

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: RE, a, que alega violação dos arts. 40,§§ 4º e
5º, XXXVI, da Constituição, contra acórdão que concluiu ser possível a extensão, a
servidores aposentados do Estado de São Paulo, do adicional de magistério previsto no
art. 54 da LC estadual 444/85, na redação dada pelo art. 3º da LC 645, de 27-12-89, bem
como do adicional de 5%, nos termos do art. 4º das Disposições Transitórias desta.
Sustenta o Estado recorrente, em suma, que, em se tratando de vantagem condi-
cionada ao exercício das atividades de magistério, não incidiria, na espécie, a regra do
art. 40, § 4º, da Constituição. Alega, por outro lado, que, ao aplicar a lei aos servidores
aposentados — os quais, anteriormente à edição de referidas leis, já haviam sido avalia-
dos pelos critérios legais então vigentes e beneficiados com as promoções daí decorren-
tes, inclusive para efeito de enquadramento na LC 645/89 —, deu-lhe o acórdão eficácia
retroativa, ofendendo o art. 5º, XXXVI, da Constituição.
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se, com parecer do Subprocurador-
Geral Roberto Gurgel, pelo provimento do recurso (fls. 338/339), reportando-se às deci-
sões proferidas nos RREE 134.578, 174.529, 194.456 (Ilmar Galvão) e no Ag 180.722
(Maurício Corrêa).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Embora venha sendo acolhida na
Corte a tese sustentada pelo Estado no tocante ao art. 40, § 4º, CF (v.g., RE 195.159,
Gallotti, DJ de 23-5-97; RE 191.562, Galvão, DJ de 2-5-97; RE 199.573, Velloso, DJ de
11-4-97; RE 194.181, M. Aurélio, DJ de 16-5-97), não se viabiliza, na espécie, o conhe-
cimento do RE sob esse fundamento. É que, para deferir a extensão da vantagem aos
aposentados, o acórdão recorrido não se fundou apenas no preceito constitucional:
baseou-se, principalmente, na LC paulista 645/89, cujo art. 3º alterou a redação do art.
54, da LC 444/85, bem como do art. 5º da mesma LC 645/89 e do art. 4º de suas Dispo-
sições Transitórias.
Assim, ainda que se reconhecesse a existência de contrariedade ao mencionado art.
40, § 4º, da Constituição, a decisão recorrida subsistiria — na parte em que estendeu o
benefício aos inativos — pelo fundamento de direito local, a cujo reexame o recurso
extraordinário não se presta (Súmula 280).
No ponto, portanto, o RE não comporta conhecimento.
Resta o exame da matéria concernente ao art. 5º, XXXVI, da Constituição, cuja
ofensa decorreria do fato de o acórdão ter permitido a retroação dos efeitos da Lei 645/89
em favor de servidores inativos.
Tenho que, nesta parte, assiste razão ao Estado.
Com efeito. Mesmo que o art. 5º da LC 645/89 houvesse determinado a aplicação
da lei aos inativos, como decidido pelo Tribunal de origem, essa aplicação só poderia
ocorrer nos termos da própria lei, isto é, tomando por base o tempo de exercício em
290 R.T.J. — 195

atividades de magistério a partir de 1º de janeiro de 1990. O acórdão recorrido, no


entanto, ao julgar procedente, no ponto, a ação, acolheu sem reservas a pretensão dos
autores de que o tempo de serviço por eles prestado em atividade de magistério — o que
inclui tanto o período posterior a 1º de janeiro de 1990, para os que se aposentaram a
partir de então, como o anterior a essa data — fosse considerado para fins do discutido
adicional.
Partiu o acórdão do pressuposto de que não é necessário “que o servidor esteja em
atividade para ser beneficiado pelo adicional pretendido, sendo suficiente que já te-
nha exercido função ligada ao Magistério — passou a fazer jus à vantagem pelo exer-
cício daquela função quando em atividade”.
Ora, para tornar possível a aplicação da lei aos servidores que não exerceram ativi-
dades de magistério após 1º de janeiro de 1990, o acórdão fez retroagir os seus efeitos,
para que ela pudesse alcançar fatos ocorridos antes do início de sua eficácia. Ofendeu,
desse modo, o art. 5º, XXXVI, da Constituição.
De resto, o acórdão recorrido, ao reconhecer o direito dos recorrentes — servidores
inativos — ao adicional de magistério, instituído pelo arts. 54 da LC paulista n. 444/85,
alterado pelo art. 3º da LC 645/89, divergiu da orientação adotada pelo Supremo Tribu-
nal Federal em diversos precedentes (v.g. RE 190.977, 30-9-97, Pertence; RE 199.521-1,
31-10-97, Pertence; RE 134.578, Ilmar Galvão, RTJ 140-1/291; RE 199.573, 13-12-96,
Velloso; RE 191.562, 4-3-97, Ilmar Galvão; RE 195.159, 8-4-97; RE 199.516, 4-3-97,
M. Aurélio).
No primeiro deles, consignei na ementa — RE 190.977:
“Adicional de magistério: LC 645/89, do Estado de São Paulo.
Tratando-se de vantagem pecuniária condicionada ao exercício de atividade
de magistério a partir de determinada data, ofende o princípio da irretroatividade
das leis (CF, art. 5º, XXXVI) decisão que determina seja computado, para efeito de
aquisição do direito a tal vantagem, o tempo de serviço prestado antes dessa data.”
Conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para reformar o aresto
recorrido na parte em que admitiu o pagamento do adicional de magistério, com base no
tempo de serviço prestado antes de 1º de janeiro de 1990, invertidos os ônus da sucum-
bência: é o meu voto.

VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, aposentados ingressaram em
juízo para terem tratamento análogo em relação a certa gratificação adicional de magis-
tério e o fizeram a partir do disposto na Lei Complementar n. 645, do Estado de São
Paulo, de 27 de dezembro de 1989.
Pleitearam, na inicial, as diferenças a partir da vigência dessa lei, 1º de janeiro
imediato. A Corte de origem, o Tribunal de Justiça, reconheceu o direito com base na
letra expressa da Lei Complementar n. 645/89, no que estendida a vantagem aos inati-
vos, evocando o § 4º do artigo 126 da Constituição estadual — o acórdão é do desembar-
R.T.J. — 195 291

gador Sydney Benetti — no que igualizou os proventos ao que percebido e às vanta-


gens, também, deferidas ao pessoal em atividade. Não cuidou, o acórdão proferido, de
sobreposição, considerada idêntica vantagem, nem adentrou — ao contrário do que está
nas razões do Estado — o campo da retroatividade da lei, mesmo porque o pedido dos
autores — a ação é plúrima, tem-se, aqui, assistência prestada pelo Centro do Professorado
Paulista — é explícito, apenas visou ao reconhecimento do direito a partir de 1º de
janeiro de 1990.
Por isso, concluo, com a devida vênia, que o recurso extraordinário não está a
merecer conhecimento. Em primeiro lugar, porque ocorreu interpretação de lei local e,
em segundo, porque a decisão proferida, fazendo referência a um texto da Carta do
Estado, que repete o federal, está em harmonia com esse mesmo texto federal no que
consagra a paridade de benefícios a ativos e inativos.
Não conheço do extraordinário.

EXTRATO DA ATA
RE 208.156/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Estado de
São Paulo (Advogada: PGE/SP – Renata Vasconcellos Simões). Recorrido: Deogenir de
Oliveira e outro (Advogado: Franz Artur Wifer dias e outro).
Decisão: Após os votos do Ministro Sepúlveda Pertence, Relator, conhecendo e
dando provimento ao recurso extraordinário, e do Ministro Marco Aurélio, dele não
conhecendo, o julgamento foi adiado por proposta do Relator.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa Compareceu a Ministra Ellen
Gracie a fim de julgar processo a ela vinculado. Subprocuradora-Geral da República,
Dra. Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 6 de abril de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Após o voto do em. Ministro Marco
Aurélio, que não conhece do recurso extraordinário por entender que no caso não haveria
questão de direito intertemporal, pedi o adiamento do julgamento para melhor refletir
sobre o caso.
O pedido inicial da ação ordinária se baseia em dispositivo expresso da Lei Com-
plementar 645/89 (art. 5º) que determina a sua incidência “nas mesmas bases e condi-
ções aos inativos”.
O direito pleiteado pelos autores tem fundamento no art. 54 da LC 444/85, com a
alteração conferida pela LC 645/89.
292 R.T.J. — 195

De fato, não se trata de aplicar a regra institutiva do benefício a período anterior à


sua criação, o que geraria efeitos financeiros retroativos; trata-se, sim, de conceder o
benefício, observados os critérios legais, a partir da data prevista para a sua incidência.
O adicional de magistério foi instituído pela LC 444/85 e sua forma de cálculo foi
alterada pela LC 645/89. A incidência dessa nova forma de cálculo aos servidores já
aposentados — expressamente determinada pelo art. 5º da LC 645/89 — não ofende o
princípio da irretroatividade das leis; seus efeitos não retroagem a período anterior à sua
vigência.
Os aposentados receberão o benefício a partir de 1º de janeiro de 1990 (art. 54 da
LC 444/85 com a redação da LC 645/89) considerado o tempo de serviço em magistério,
prestado na atividade.
Assim, o acórdão recorrido não gerou para os recorridos nenhum direito relativo a
período anterior à LC 645/89, daí por que não há falar em ofensa ao art. 5º, XXXVI, da
Constituição Federal.
Da mesma forma deve ser afastado o argumento de que se estaria deferindo dupla
avaliação para fins de promoção na carreira (ou seja, um bis in idem); os novos critérios
foram expressamente criados em substituição aos anteriores (art. 53 da LC 444/85).
Por fim, mantenho a incidência da Súmula 280 quanto à violação do art. 40, § 4º
(redação original), da Constituição Federal.
Retificando o voto por mim proferido na primeira assentada, também não conheço
do recurso extraordinário: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 208.156/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Recorrente: Estado de
São Paulo (Advogada: PGE/SP – Renata Vasconcellos Simões). Recorridos: Deogenir
de Oliveira e outro (Advogados: Selma Aparecida Ferreira de Souza e outro e Vera Lúcia
Pinheiro Cardoso Dias).
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo
com o art. 1º, § 1º, da Resolução n. 278. Primeira Turma, 6-4-2004.
Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto do Ministro
Sepúlveda Pertence, Relator, acompanhando o voto do Ministro Marco Aurélio, a
Turma não conheceu do recurso extraordinário. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.
Paulo de Tarso Braz Lucas.
Brasília, 16 de agosto de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
R.T.J. — 195 293

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 289.764 — DF

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello


Agravante: Dorival Rodrigues Alves — Agravada: União
Recurso extraordinário — Acórdão que confirma indeferimento de me-
dida cautelar — Ato decisório que não se reveste de definitividade — Mera
análise dos pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora —
Inviabilidade do apelo extremo — Recurso improvido.
— Não cabe recurso extraordinário contra decisões que concedem
ou que denegam medidas cautelares ou provimentos liminares, pelo fato
de que tais atos decisórios — precisamente porque fundados em mera
verificação não conclusiva da ocorrência do “periculum in mora” e da
relevância jurídica da pretensão deduzida pela parte interessada — não
veiculam qualquer juízo definitivo de constitucionalidade, deixando de
ajustar-se, em conseqüência, às hipóteses consubstanciadas no art. 102,
III, da Constituição da República. Precedentes.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos
termos do voto do Relator.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamente
interposto, contra decisão que não conheceu do recurso extraordinário deduzido pela
parte ora agravante (fls. 246/247).
Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presente
recurso, postulando o conhecimento e o provimento do apelo extremo que deduziu (fls.
252/254).
Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta Colenda
Turma, o presente recurso de agravo.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora recorrente, eis
que em situações assemelhadas à destes autos, a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal tem enfatizado não caber recurso extraordinário contra decisões que concedem
ou denegam medidas cautelares ou provimentos liminares, pelo fato de que tais atos
294 R.T.J. — 195

decisórios — precisamente porque apenas fundados na verossimilhança das alegações


ou na mera plausibilidade jurídica da pretensão deduzida — não veiculam qualquer
juízo conclusivo de constitucionalidade, deixando de ajustar-se, em conseqüência, à
hipótese consubstanciada no art. 102, III, a, da Constituição, que, uma vez caracterizada,
legitimaria a interposição de recurso extraordinário.
Com efeito, ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal já firmaram enten-
dimento no sentido de que o ato decisório — que apenas verifica a ocorrência do
periculum in mora e a relevância jurídica da pretensão deduzida pelo autor — não
traduz manifestação jurisdicional conclusiva em torno da procedência, ou não, dos
fundamentos jurídicos alegados pela parte interessada, inviabilizando, desse modo, a
utilização do recurso extraordinário, ante a ausência de contrariedade a qualquer dispo-
sitivo constitucional (AI 269.395/SP, Rel. Min. Celso de Mello — RE 226.471/RO,
Rel. Min. Ilmar Galvão — RE 234.153/PE, Rel. Min. Moreira Alves — RE 272.194/
AL, Rel. Min. Sydney Sanches — RE 239.874-AgR/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa,
v.g.):
“RE — Demanda cautelar — Liminar. A liminar concedida em demanda
cautelar, objeto de confirmação no julgamento de agravo de instrumento, não é
impugnável mediante recurso extraordinário.”
(AI 245.703-AgR/SP, Rel. Min. Marco Aurélio — grifei)
“Agravo regimental. Não-cabimento de recurso extraordinário contra acór-
dão que defere liminar por entender que ocorrem os requisitos do fumus boni iuris e
do periculum in mora.
— Em se tratando de acórdão que deu provimento a agravo para deferir a
liminar pleiteada por entender que havia o fumus boni iuris e o periculum in mora,
o que o aresto afirmou, com referência ao primeiro desses requisitos, foi que os
fundamentos jurídicos (no caso, constitucionais) do mandado de segurança eram
relevantes, o que, evidentemente, não é manifestação conclusiva da procedência
deles para ocorrer a hipótese de cabimento do recurso extraordinário pela letra
a do inciso III do artigo 102 da Constituição (que é a dos autos) que exige, neces-
sariamente, decisão que haja desrespeitado dispositivo constitucional, por negar-
lhe vigência ou por tê-lo interpretado erroneamente ao aplicá-lo ou ao deixar de
aplicá-lo.
Agravo a que se nega provimento.”
(AI 252.382-AgR/PE, Rel. Min. Moreira Alves — grifei)
“RE: cabimento: decisão cautelar, desde que definitiva: conseqüente
inadmissibilidade contra acórdão que, em agravo, confirma liminar, a qual,
podendo ser revogada a qualquer tempo pela instância a quo, é insuscetível de
ensejar o cabimento do recurso extraordinário, não por ser interlocutória, mas sim
por não ser definitiva.”
(RE 263.038/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — grifei)
Impende ressaltar, neste ponto, que o entendimento jurisprudencial ora referido
sempre prevaleceu no Supremo Tribunal Federal, cuja orientação, na matéria, ao admitir
a possibilidade de interposição de recurso extraordinário contra decisão interlocutória,
R.T.J. — 195 295

tem enfatizado a necessidade de tal ato decisório revelar-se definitivo (RTJ 17-18/114,
Rel. Min. Victor Nunes — RTJ 31/322, Rel. Min. Evandro Lins):
“(...) O recurso extraordinário é admissível de decisão de caráter interlocutório,
quando ela configura uma questão federal, encerrada definitivamente nas instâncias
locais.”
(RTJ 41/153, Rel. Min. Hermes Lima — grifei)
Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao pre-
sente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios fundamentos, a
decisão ora agravada.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 289.764-AgR/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Dorival
Rodrigues Alves (Advogados: Paula Evaristo Carlos Regal e outro). Agravada: União
(Advogada: PFN – Maria Vanda Diniz Barreira).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 22 de fevereiro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 351.142 — RN

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie


Recorrente: Estado do Rio Grande do Norte — Recorrida: Adeilze Silva dos Santos
Constitucional. Administrativo. Isonomia. Concurso público. Prova
de aptidão física. Lesão temporária. Nova data para o teste. Inadmissibili-
dade.
1. Mandado de segurança impetrado para que candidata acometida
de lesão muscular durante o teste de corrida pudesse realizar as demais
provas físicas em outra data. Pretensão deferida com fundamento no
princípio da isonomia.
2. Decisão que, na prática, conferiu a uma candidata que falhou
durante a realização de sua prova física uma segunda oportunidade para
cumpri-la. Benefício não estendido aos demais candidatos. Criação de
situação anti-isonômica.
3. Recurso extraordinário conhecido e provido.
296 R.T.J. — 195

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de recurso extraordinário interposto contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, que deferiu o presente
mandado de segurança, nos termos da seguinte ementa:
“Mandado de segurança – Concurso público para escrivão de polícia civil –
Preliminar de ausência de direito líquido e certo rejeitada – Distensão muscular
durante o exame de capacidade física – Realização da prova em outra data –
Concessão do writ.
I – O fato em comento não necessita de instrução probatória própria do pro-
cedimento comum ordinário, podendo ser analisado na via do Mandado de Segu-
rança;
II – Há de se fazer uma distinção entre o conceito da ‘igualdade integral’ e a
‘igual relativa’, devendo esta última prevalecer quando presente justificativa
plausível.
III – Considerar o princípio da vinculação ao edital como de caráter absoluto
seria negar o princípio da isonomia constitucionalmente consagrado, que determina
a desigualdade para os desiguais.”
Sustenta o Estado do Rio Grande do Norte que permitir que a recorrida realize uma
nova prova física, depois de sofrer uma distensão muscular durante a prova de corrida,
ofenderia o princípio da isonomia, com a criação de um benefício não estendido aos
demais candidatos.
O recurso foi admitido na origem mediante o despacho de fls. 76/77, tendo o
Ministério Público Federal opinado pelo seu não-conhecimento.
É o relatório.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Colho dos autos que a recorrida submeteu-se
ao exame de aptidão física para o cargo de Escrivão de Polícia Civil, composto de quatro
etapas: corrida, salto em distância, salto em altura e flexão abdominal. Durante a realiza-
ção do primeiro teste, sofreu uma distensão muscular que a impossibilitou de continuar
na prova. Impetrou, por isso, o presente mandado de segurança para que pudesse realizar
essa etapa do certame em outra data.
R.T.J. — 195 297

O Tribunal a quo, com fundamento no princípio da isonomia, afastou norma do


edital do certame na qual consta que “os casos de alteração psicológica ou fisiológica
temporária que impossibilitem a realização das provas ou diminuam a capacidade
física de candidatos, não serão levados em consideração, não sendo dispensado ne-
nhum tratamento privilegiado”.
Justificou sua posição nos seguintes termos in verbis:
“Fechar a porta aos candidatos portadores de ‘alterações fisiológicas tempo-
rárias’, sem uma avaliação específica de cada caso, implica em negligenciar o
princípio da igualdade, que manda, conforme destacado acima, dispensar trata-
mento desigual para os desiguais. Uma alteração fisiológica, ainda que temporária,
pode ser suficiente para configurar uma situação especial que, se desconsiderada,
compromete o princípio da igualdade.”
Na realidade, ao acolher a pretensão da recorrida, a Corte de origem conferiu a uma
candidata que falhou durante a realização de sua prova física uma segunda oportunida-
de para cumpri-la. Por isso, longe de dar efetividade ao princípio ora em discussão,
ofendeu o princípio da impessoalidade, com a criação de um benefício não estendido
aos demais candidatos.
É certo que o princípio da isonomia pressupõe a criação de distinções entre pessoas
que estejam em situações diversas, contudo esta discriminação precisa basear-se em
pressupostos genéricos e impessoais. O afastamento da disposição editalícia ora em
debate premiou a impetrante em detrimento dos demais candidatos que não lograram
aprovação no mesmo exame.
Diante do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento, para cassar a segu-
rança concedida. Custas ex lege.

EXTRATO DA ATA
RE 351.142/RN — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Recorrido: Estado do Rio
Grande do Norte (Advogado: PGE/RN – Ricardo George Furtado de M. e Menezes).
Recorrida: Adeilze Silva dos Santos (Advogados: Paulo Barra Neto e outros).
Decisão: Após o voto da Ministra Ellen Gracie, conhecendo do recurso e lhe dando
provimento, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos
Velloso.
Brasília, 19 de abril de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Cuida-se de recurso para se cassar segu-
rança concedida a candidata a cargo de Escrivão de Polícia que, acometida de distensão
muscular durante o exame de aptidão física, obteve a permissão para realização de nova
prova.
298 R.T.J. — 195

O recorrente alega que o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande


do Norte ofendeu o princípio da isonomia.
Após o voto da Ministra Relatora, no sentido de se dar provimento ao recurso, pedi
vista dos autos.
Verifico que o precedente referido não se ajusta à espécie. Com efeito, assim restou
ementado o RE 179.500:
“Concurso público — Prova de esforço físico — Força maior — Refazi-
mento — Princípio isonômico. Longe fica de implicar ofensa ao princípio isonô-
mico decisão em que se reconhece, na via do mandado de segurança, o direito de o
candidato refazer a prova de esforço, em face de motivo de força maior que lhe
alcançou a higidez física no dia designado, dela participando sem as condições
normais de saúde.” (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 15-10-99)
Na espécie, tratava-se de candidata acometida de hemorragia, sendo dispensada do
exame físico. Após, discutiu-se o caráter eliminatório do concurso, que afastaria a candi-
data do certame.
No presente caso, tal como entendeu a eminente Relatora, a realização de nova
prova física premiaria a recorrida em detrimento dos demais candidatos que igualmente
foram inabilitados no concurso, no dia da realização do exame físico.
Acresça-se que o edital do concurso dispunha expressamente, quanto à realização
de prova física, que “os casos de alteração psicológica ou fisiológica temporários que
impossibilitem a realização das provas ou diminuam a capacidade física dos candida-
tos não serão levados em consideração, não sendo dispensado nenhum tratamento
privilegiado.” (Fl. 22)
O Tribunal de origem, ao possibilitar uma nova oportunidade à candidata, afastou
a disposição editalícia, ofendendo o princípio da impessoalidade e da isonomia.
Diante das características que marcam o evento concursivo entre nós, não se afigura
plausível a abertura de exceções que comportassem a realização de provas em épocas
diversas, tendo em vista as diversas situações de vida afetas a cada candidato.
Dessa forma, acompanho a Relatora no sentido do conhecimento e provimento do
presente recurso extraordinário.

EXTRATO DA ATA
RE 351.142/RN — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Recorrido: Estado do Rio
Grande do Norte (Advogado: PGE/RN – Ricardo George Furtado de M. e Menezes).
Recorrida: Adeilze Silva dos Santos (Advogados: Paulo Barra Neto e outros).
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu e deu provimento ao recurso
extraorinário, nos termos do voto da Relatora.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma o
R.T.J. — 195 299

Ministro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,
assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafo
único, RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 361.829 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravantes: Ação S.A. Corretora de Valores e Câmbio e outro — Agravado: Município
do Rio de Janeiro
Constitucional. Tributário. ISS. Isenção concedida pela União. CF/67,
com a EC 1/69, art. 19, § 2º. Proibição de concessão, por parte da União, de
isenções de tributos estaduais e municipais. CF, 1988, art. 151, III.
I - O art. 41, ADCT/1988, compreende todos os incentivos fiscais,
inclusive isenções de tributos, dado que a isenção é espécie do gênero
incentivo fiscal.
II - Isenções de tributos municipais concedidas pela União na siste-
mática da CF/67, art. 19, § 2º; DL 406/68, art. 11, redação da Lei Comple-
mentar 22/71. Revogação, com observância das regras de transição ins-
critas no art. 41, §§ 1º, 2º e 3º, ADCT/1988.
III - Agravo não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de vo-
tos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental interposto por Ação
S.A. Corretora de Valores e Câmbio e outros, da decisão (fls. 723-733) que negou
seguimento ao recurso extraordinário ao entendimento de que as isenções de tributos
municipais concedidas pela União na sistemática da CF/67, art. 19, § 2º, e do DL 406/68,
art. 11, redação da Lei Complementar 22/71, não mais prevalecem na sistemática da
CF/88, na forma do disposto no art. 151, III, CF/88, com observância das regras de
transição inscritas no art. 41, §§ 1º, 2º e 3º, do ADCT/1988.
300 R.T.J. — 195

Sustentam as agravantes, em síntese:


a) inconstitucionalidade da Lei carioca 2.277/94, por afrontar os arts. 146, III, a;
150, § 6º; 153, V; 155, § 2º, XII, g; e 156, III, da Constituição Federal, ao instituir a
cobrança de ISS sobre serviços de administração de fundos; agenciamento, corretagem
ou intermediação de títulos; bem como sobre agenciamento, corretagem ou intermedia-
ção de franquias e de faturação, quando executados por instituições financeiras, ante a
inexistência de previsão da incidência de ISS, nessas hipóteses, em lei complementar,
certo que os itens 44, 46 e 48 do DL 406/68 ressalvaram, expressamente, essas hipóteses
de incidência do ISS quando prestados os serviços por instituições financeiras;
b) violação aos arts. 146, III, a, e 156, III, da CF, porquanto presente um “processo
de criação legislativa, realizado por via transversa através da declaração parcial da
inconstitucionalidade (...). O que não era listado, como decorrência direta da afirmação
de dissonância parcial da lei com a Constituição, passaria a ser listado como hipótese de
incidência de tributo” (fl. 739);
c) não-aplicação dos precedentes utilizados: RE 280.294/MG e RE 161.354/SP,
dado que se tratava de expressa previsão de isenção instituída pelo art. 11 do DL 406/68,
sem qualquer ressalva, como no caso dos autos; e RE 218.160/SP, RE 191.748/SP e RE
169.880/SP, por se tratar de isenção do ICMS estabelecida na forma do art. 1º, V, da Lei
Complementar 4/69 (fls. 740-741);
d) competência exclusiva da União para tributar operações relativas a títulos e
valores mobiliários, nos termos do art. 153, V, da Constituição Federal, certo que os
serviços listados nos itens 44, 46 e 48, quando prestados por instituições financeiras, são
operações relativas a títulos e valores mobiliários;
e) nos termos dos arts. 146, III, a; 150, § 6º; e 155, § 2º, da CF, a revogação de uma
isenção equivale à criação de um tributo, que deve se dar por lei complementar e não
por lei ordinária municipal. Tanto é assim, que, em janeiro de 2004, passou a ter vigência
a Lei Complementar 116, “que passou a prever como hipótese de incidência tributária
os serviços em questão” (fl. 744);
f) o próprio Prefeito do Município do Rio de Janeiro, ao vetar, inicialmente, a Lei
carioca 2.277/94, reconheceu tratar-se de uma exação inconstitucional, tendo em vista o
que dispõe o art. 148, III, a, da Constituição Federal (fl. 745).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob exame:
“(...)
Foi requerido o efeito suspensivo ao RE pelas ora recorrentes, o que ocorreu
na AC 130/RJ. Indeferi o requerido e submeti a minha decisão ao referendo da
Turma, em questão de ordem, que decidiu:
‘Ementa: Tributário. Processual Civil. Recurso extraordinário.
Medida cautelar. Pressupostos. ISS. Isenção prevista em lei complementar.
Restrição ao poder de tributar do Município.
R.T.J. — 195 301

I - Medida cautelar indeferida.


II - Fumus boni juris e periculum in mora inocorrentes.
III - Decisão não concessiva da cautelar referendada pela Turma.’ (DJ
de 12-3-2004)
Disse eu no meu voto:
‘A decisão indeferitória da cautelar, por mim proferida e que ora trago
ao referendo desta Eg. Turma, é esta:
‘(...)
Não tenho como ocorrente, no caso, o fumus boni juris, tendo
em vista o decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos RREE
280.294/MG, 191.748/SP e 169.880/SP, por mim relatados, e nos
RREE 218.160/SP, Ministro Moreira Alves, e 161.354/SP, Ministro
Ilmar Galvão, publicados, respectivamente, nos DJs de 21-6-02, 30-5-
97, 19-12-96, 6-3-98 e 1º-12-95.
De outro lado, também não há falar, no caso, em periculum in
mora, por isso que, se vencedoras no pleito, terão em seu favor a ação
de repetição do indébito. O que precisa ser dito é que o efeito
suspensivo a recurso que não o tem, por força de lei, somente é conce-
dido em casos excepcionais, quando ictu oculi o fumus boni juris e
ocorrente a possibilidade de perecer o direito.
Do exposto, indefiro o pedido, ad referendum da Turma.
(...)’ (fls. 256-258).
A decisão é sintética. Ao propor seja ela referendada, desejo explicitá-la.
É o que passo a fazer.
Primeiro que tudo, lembro que não estamos julgando o recurso extraor-
dinário, senão verificando se ocorre, no caso, o requisito do fumus boni juris
que autorizaria o deferimento do pedido de efeito suspensivo.
O acórdão do tribunal a quo decidiu:
‘Tributário. ISS. Insenção prevista em lei complementar, editada
pela união, beneficiando apenas as instituições financeiras autoriza-
das a funcionar pelo banco central. Restrição ao poder de tributar do
município, que não prevalece na vigência da atual constituição da
república. Aplicabilidade da legislação municipal que deixou de con-
templar esse privilégio fiscal. Confirmação do julgado.’ (Fl. 89).
É dizer, reconheceu o acórdão recorrido que isenções de imposto muni-
cipal concedidas pela União, no sistema da Constituição pretérita, não pre-
valecem no sistema da CF/88, na forma do disposto no art. 151, III, CF/88.
302 R.T.J. — 195

A decisão, tal como posta, está na linha da jurisprudência do Supremo


Tribunal Federal. No RE 280.294/MG, por mim relatado, decidiu esta 2ª
Turma:
‘Ementa: Constitucional. Tributário. ISS. Incentivos fiscais:
isenções concedidas pela União. CF, 1967, com a EC 1/69, art. 19, § 2º.
Proibição de concessão, por parte da União, de isenções de tributos
estaduais e municipais. CF, art. 151, III.
I - O art. 41 do ADCT/1988 compreende todos os incentivos fis-
cais, inclusive isenções de tributos, dado que a isenção é espécie do
gênero incentivo fiscal.
II - Isenções de tributos municipais concedidas pela União na
sistemática da Constituição de 1967 — art. 19, § 2º: DL 406/68, art. 11,
redação da Lei Complementar 22, de 1971. Incentivos fiscais, nestes
incluídas isenções. Sua revogação, com observância das regras de tran-
sição inscritas no art. 41, §§ 1º, 2º e 3º, ADCT/1988.
III - RE conhecido e provido.’ (DJ de 21-6-2002)
No mesmo sentido, RE 191.748/SP, também de minha Relatoria:
‘Ementa: Constitucional. Tributário. ICMS. Isenção concedi-
da pela União. CF, 1967, com a EC 1/69, art. 19, § 2º. Proibição de
concessão, pela União, de isenções de tributos estaduais e munici-
pais. CF, art. 151, III.
I - A revogação da isenção do ICMS, no caso, deu-se no prazo
inscrito no § 1º do art. 41, ADCT. Inocorrência de direitos adquiridos,
dado que a isenção não foi concedida por prazo certo e em função de
condições onerosas.
II - RE não conhecido.’ (DJ de 30-5-97)
Também no RE 169.880/SP, por mim relatado, decidiu esta Turma:
‘Ementa: Constitucional. Tributário. ICMS. Befiex. Isenção
concedida pela União: CF, 1967, com a EC 1/69, art. 19, § 2º. Proibi-
ção de concessão, por parte da União, de isenções de tributos estaduais
e municipais. CF, art. 151, III. Sistemática de revogação: ADCT, art.
41, §§ 1º, 2º e 3º. Isenção concedida por prazo certo e em função de
determinadas condições: direito adquirido. CTN, art. 178. CF, art.
5º, XXXVI. Súmula 544/STF.
I - Isenção de tributos estaduais e municipais concedidas pela
União sob o pálio da Constituição pretérita, art. 19, § 2º. Isenção do
ICM, hoje ICMS, em razão do Programa de Exportação – BEFIEX, com
prazo certo de dez anos e mediante condições. A sua revogação, em
face da proibição de concessão, por parte da União, de isenção de tribu-
tos estaduais e municipais — CF, art. 151, III — há de observar a siste-
mática do art. 41, §§ 1º e 2º, do ADCT. Em princípio, ela somente
ocorreria dois anos após a promulgação da CF/88, dado que não con-
firmada pelo Estado-Membro. Todavia, porque concedida por prazo
R.T.J. — 195 303

certo e mediante condições, corre em favor do contribuinte o instituto do


direito adquirido (CTN, art. 178; CF, art. 5º, XXXVI; ADCT, art. 41, § 2º;
Súmula 544/STF). Quer dizer, a revogação ocorrerá após o transcurso do
prazo da isenção.
II - RE não conhecido.’ (DJ de 19-12-96)
No RE 161.354/SP, Relator o Ministro Ilmar Galvão, reconheceu a 1ª
Turma que a legislação municipal poderia revogar o benefício fiscal conce-
dido no DL 406/68. Assim a ementa do acórdão:
‘Ementa: Tributário. Isenção de ISS prevista no art. 11 do
Decreto-Lei n. 406/68.
Benefício fiscal que, no caso, por não haver sido confirmado ou
revogado por lei municipal, encontrava-se, em face da norma do art. 41,
§ 1º, do ADCT, em plena vigência quando do lançamento fiscal impug-
nado pela recorrida, o qual, assim, é de ser tido por indevido.
Recurso extraordinário não conhecido.’ (DJ de 1º-12-2003)
No que concerne à alegação de que estaria o Fisco municipal a tributar
operações financeiras objeto do Fisco federal, o acórdão deu-lhe boa resposta.
É ler:
‘(...)
Cumpre observar, ademais, que é inteiramente sofístico o argu-
mento segundo o qual as novas disposições legais oriundas do Municí-
pio do Rio de Janeiro implicariam em consagrar a imposição fiscal
sobre operações financeiras, as quais já seriam objeto de exação pelo
Fisco da União, única competente para cobrar esse tributo, de acordo
com o disposto no inciso V do art. 153 da CF, posto que, na verdade,
não se podem confundir os fatos geradores de cada um de tais impostos,
pois não está o Município a tributar a operação financeira que algum
dos recorrentes Impetrantes, como agente ou intermediador dos inves-
tidores, venha a efetivar em proveito de quem represente ou faça inver-
sões no mercado respectivo, mas simplesmente o proveito ou resultado
econômico que o prestador desse serviço aufere em razão de sua ativi-
dade profissional, e, pois, remunerada, o que constitui precisamente a
hipótese imponível do imposto incidente sobre essa atividade negocial,
aliás como previsto na Lei Complementar invocada pelos Impetrantes,
ora recorrentes (art. 8º do Decreto-Lei n. 406/68).
Também inconsistente é o argumento de que ilegítima seria a Lei
municipal autorizativa da incidência fiscal em análise porque estaria a
criar um novo tributo, sob o pretexto de desconsiderar uma hipótese de
exclusão de incidência do imposto em apreço, porquanto improsperá-
vel se apresenta a afirmação de que apenas por meio de Lei Complemen-
tar poderia ser exigido, mesmo diante da verificação do fato gerador
determinante da obrigação tributária correspondente, posto que ela
304 R.T.J. — 195

preexiste, como já destacado, limitando-se o legislador municipal a


atuar dentro do seu lídimo poder legiferante, nos termos do que dis-
põem os arts. 30, III, e 156, III, ambos igualmente da CF.
(...)’ (fls. 90-91).
É claro que, por não estarmos julgando o RE, julgamento que ocorrerá
oportunamente, não estamos validando as afirmativas do acórdão. Simples-
mente estamos, neste primeiro exame, delibando os fundamentos do acór-
dão, a fim de verificarmos a ocorrência do fumus boni juris que autorizaria a
concessão do efeito suspensivo ao RE.
De outro lado, convém esclarecer, como obiter dictum, que a Constitui-
ção, ao estabelecer, no art. 156, III, que compete aos municípios instituir
imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155,
II, definidos em lei complementar, não autoriza nem a União nem aos Estados
tributar, mediante imposto federal e ICMS, qualquer serviço da competência
municipal. Comanda a questão a regra matriz do ISS, art. 156, III, da qual
ressai que o ISS incide sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos
no art. 155, II: serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicações. O fato de os serviços serem definidos em lei complementar
não quer dizer que esta poderia excluir da competência tributária do municí-
pio serviços que a Constituição Federal não excluiu. Noutras palavras,
estabelecida a competência tributária na Constituição, a lei complementar
não pode alterar essa competência. O que a lei complementar pode fazer,
relativamente ao ISS, é fixar as suas alíquotas máximas e mínimas, excluir da
sua incidência exportações de serviços para o exterior e regular a forma e as
condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e
revogados (CF, 156, § 3º, I, II e III).
Repito: não estamos julgando o RE. Apenas estamos delibando os
fundamentos do acórdão e do recurso, certo que, a lição é de Amílcar de
Castro, ‘delibação, que vem do latim (delibatio-onis), é tirar, colher um pouco
de alguma coisa; tocar de leve, saborear, provar, no sentido de experimentar,
examinar, verificar; e, portanto, o que pretende significar em direito proces-
sual é que o tribunal, tomando conhecimento da sentença estrangeira, para
mandar executá-la, toca de leve apenas em seus requisitos externos, exami-
nando sua legitimidade, sem entrar no fundo, ou mérito, do julgado.’
(Amilcar de Castro, Direito Internacional Privado, Forense, 1956, II/274).
O RE, ao qual se pretende o efeito suspensivo, foi interposto com base
na alínea a, com alegação de ofensa ao art. 5º, XXXV e LV, da CF, por isso
que o Tribunal não teria, nos embargos de declaração, examinado as ques-
tões constitucionais.
Ora, é suficiente a interposição dos embargos, se a questão constitucional
vinha sendo debatida e o Tribunal se omitiu. É o que deflui da Súmula 356/STF.
Depois, o RE é fundamentado na alínea b. Acontece que o acórdão do
Tribunal a quo não declarou a inconstitucionalidade de lei ou tratado (RE,
por cópia, fls. 114-115).
R.T.J. — 195 305

Segue-se o RE, ainda pela alínea a, sustentando contrariedade ao art.


156, IV, CF, art. 153, V, arts. 146, III, a, 150, § 6º, e 155, § 2º, XI, g.
Finalmente, o RE tem fundamento na alínea c (fls. 117 e segs.).
O RE merecerá, no momento oportuno, detido exame.
Do que foi exposto, não entendi possível a concessão do efeito
suspensivo a recurso ao qual a lei não concede tal efeito.
E não vi possibilidade na concessão de tal efeito, porque não ocorrente
o pressuposto do periculum in mora, conforme na decisão está explicitado.
Assim posta a questão, proponho seja a decisão referendada pela Turma.
(...)’
Permanece de pé o entendimento acima sustentado.
É que o acórdão recorrido está, na verdade, na linha da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal: RREE n. 280.294/MG, 191.748/SP, 169.880/SP,
Ministro Carlos Velloso, DJ de 21-6-2002, 30-5-97 e 19-12-96; RE 218.160/SP,
Ministro Moreira Alves, DJ de 6-3-98; RE 161.354/SP, Ministro Ilmar Galvão,
DJ de 1º-12-95.
É dizer, no caso, a isenção foi revogada com observância do disposto no art.
41, § 1º, § 2º e § 3º, ADCT.
(...).” (Fls. 725-733)
A decisão deve ser mantida por seus próprios fundamentos, mesmo porque apoiada
na jurisprudência do Supremo Tribunal.
Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA
RE 361.829-AgR/RJ — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravantes: Ação S.A.
Corretora de Valores e Câmbio e outro (Advogados: Eduardo Ferrão e outro). Agravado:
Município do Rio de Janeiro (Advogado: Jaqueline Ripper Nogueira do Vale Cuntin
Perez).
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra
Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.
Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
306 R.T.J. — 195

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 388.838 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Município de Belo Horizonte — Agravado: Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS
— Constitucional. Tributário. Imunidade tributária recíproca. Au-
tarquia. IPTU. CF, art. 150, VI, a, § 2º.
I - A imunidade tributária recíproca dos entes políticos — art. 150,
VI, a — é extensiva às autarquias no que se refere ao patrimônio, à renda
e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decor-
rentes. CF, art. 150, VI, a, § 2º. Precedentes.
II - Agravo não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de vo-
tos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.
Brasília, 5 de abril de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto pelo
Município de Belo Horizonte, da decisão (fls. 93-98) que negou seguimento ao recur-
so extraordinário, ao fundamento de que se aplica a imunidade tributária às autar-
quias, pessoas jurídicas de direito público, excluindo-se a incidência do IPTU sobre o
imóvel de sua propriedade locado a terceiros, conforme o entendimento desta Corte
relativo aos imóveis das entidades de assistência social.
Sustenta o agravante, em síntese, o seguinte:
a) não-aplicação do entendimento desta Corte no julgamento do RE 237.718/SP,
uma vez que o INSS não comprovou qual a efetiva utilização dada ao imóvel, se própria
ou locação, bem como porque inexiste destinação dos recursos oriundos da locação (fl.
104);
b) para os fins da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição,
o patrimônio, a renda e os serviços das entidades devem estar diretamente relacionados
com suas finalidades essenciais, assim, a imunidade tributária somente afastará a tribu-
tação dos imóveis efetivamente utilizados pelas autarquias e fundações públicas na
consecução dos seus fins sociais;
R.T.J. — 195 307

c) aplicação da regra geral de incidência do IPTU, porque se “não houve qual-


quer comprovação quanto à utilização do imóvel, que pode ser, inclusive, um terreno
baldio ou vago, não há que se falar em reconhecimento de imunidade tributária, sendo
inadmissível a inversão do ônus tributário, quando a própria Constituição Federal
condiciona este benefício fiscal à demonstração da vinculação do patrimônio às fina-
lidades essenciais da entidade” (fl. 110).
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Tem este teor a decisão agravada, ora sob
exame:
“(...)
Finalmente, porque, em caso semelhante, no julgamento do RE 302.585-
AgR/MG, DJ de 28-10-2004, decidi:
‘(...)
Ementa: Constitucional. Tributário. IPTU. Imunidade tributária:
autarquia estadual. CF, art. 150, VI, a.
I - Aplicabilidade da imunidade tributária recíproca — CF, art. 150, VI,
a — mesmo tratando-se de imóvel locado a terceiros, de modo a excluir a
incidência do IPTU sobre o imóvel de propriedade da entidade imune.
II - Precedentes do STF no que concerne a entidades de assistência
social.
III - RE conhecido e provido.
(...)
Decido.
No julgamento do AI 438.889-AgR/MG, de que fui Relator, decidiu o
Supremo Tribunal Federal (2ª Turma):
‘Ementa: Constitucional. Tributário. IPTU. Imunidade. Insti-
tuição de assistência social. CF, art. 150, VI, c. Imóvel locado.
I - Aplicabilidade da imunidade tributária — CF, art. 150, VI, c —,
mesmo tratando-se de imóvel locado a terceiros, de modo a excluir a
incidência do IPTU sobre o imóvel de propriedade da entidade imune.
II - Precedentes do STF.
III - Agravo não provido.’ (DJ de 27-2-2004)
No RE 362.856-AgR/MG, também por mim relatado, não foi outro o
entendimento da Corte (DJ de 12-9-2003).
308 R.T.J. — 195

Neste último julgamento — RE 362.856-AgR/MG — proferi o seguinte


voto:
‘Assim a decisão agravada, ora sob exame:
‘(...)
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE
237.718/SP, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu:
‘(...)
Ementa: Imunidade tributária do patrimônio das institui-
ções de assistência social (CF, art. 150, VI, c): sua aplicabilidade
de modo a preexcluir a incidência do IPTU sobre imóvel de pro-
priedade da entidade imune, ainda quando alugado a terceiro,
sempre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas finalida-
des institucionais.
(...)’.
Nesse julgamento, fui voto vencido, aduzindo:
‘(...)
A imunidade do inciso VI, alínea c, do art. 150 da Constitui-
ção Federal, diz respeito ao patrimônio, à renda ou aos serviços
das entidades ali indicadas, observado o disposto no § 4º do mes-
mo artigo 150:
‘As vedações expressas do inciso VI, alíneas b e c, compreen-
dem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com
as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.’
Pergunta-se: o imóvel dessa entidade de assistência social,
estando alugado a terceiro, estaria relacionado com as finalida-
des essenciais da mencionada entidade de assistência social?
Penso que não, está ele numa atividade comercial. A renda
auferida estaria imune do imposto de renda, é certo, dado que a
mesma, presume-se, será destinada à atividade essencial da enti-
dade.
Com essas breves considerações e reconhecendo que o emi-
nente Ministro Relator produziu voto com argumentos podero-
sos, não obstante isso, peço licença a S. Exa e aos eminentes
Ministros que o acompanharam para conhecer do recurso e dar-
lhe provimento.
(...)’.
Todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fir-
mou-se na linha do decidido no citado RE 237.718/SP, como se
pode verificar dos RREE 235.737/SP, Ministro Moreira Alves,
DJ de 17-5-2002; 210.742/MG, Ministro Moreira Alves, DJ de
14-12-2001; 231.928/MG, Ministro Moreira Alves, DJ de 14-12-
2001; 217.233/RJ, Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 14-9-
2001; 247.809/RJ, Ministro Ilmar Galvão, DJ de 29-6-2001;
R.T.J. — 195 309

221.395/SP, Ministro Marco Aurélio, DJ de 12-5-2000; RE


272.651-AgR/MG, Ministro Gilmar Mendes, DJ de 6-9-2002;
RE 203.248-AgR/MG, Ministro Gilmar Mendes, DJ de 25-10-
2002.
Não devo insistir, portanto, no meu entendimento pessoal a
respeito da matéria.
Do exposto, com a ressalva do meu entendimento pessoal a
respeito do tema, conheço do recurso e dou-lhe provimento, in-
vertidos os ônus da sucumbência.
(...)’ (fls. 157/159).
A decisão, está-se a ver, assenta-se na jurisprudência da Casa.
Deve ser, portanto, mantida.
Nego provimento ao agravo.’
As decisões mencionadas foram proferidas em ações do interesse de
entidades de assistência social (CF, art. 150, VI, c). Aqui, o interesse é uma
autarquia estadual, o que não altera ou modifica o entendimento. Ao contrário,
tratando-se de autarquia, pessoa jurídica de direito público, melhor se adequar
o entendimento tomado pela Corte Suprema nos precedentes indicados.
Do exposto, com a ressalva do meu entendimento pessoal a respeito do
tema, reconsidero a decisão agravada — fls. 301-303 —, conheço do recurso
e dou-lhe provimento, condenado o vencido ao pagamento da verba honorá-
ria de 10% (dez por cento) do valor da causa.
(...).’
Do exposto, forte nos precedentes acima mencionados, nego seguimento ao
recurso.
(...).” (Fls. 93-98)
A decisão, no ponto, é de ser mantida, por seus próprios fundamentos, mormente
porque apoiada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme nela demons-
trado. Há mais: RE 220.201/MG, Min. Moreira Alves, DJ de 31-3-2000; RE 261.335-
AgR/MG, Min. Gilmar Mendes, DJ de 13-9-2002; RE 203.839/SP, por mim relatado, DJ
de 2-5-1997; AI 459.017/MG, Min. Gilmar Mendes, DJ de 4-6-2004; AI 469.768/MG,
Min. Carlos Britto, DJ de 21-6-2004, e RE 204.453-AgR/MG, por mim relatado, DJ de
18-3-2005. Frise-se, ainda, que o fundamento da irresignação posta no presente agravo
regimental — saber se “houve qualquer comprovação quanto à utilização do imóvel,
que pode ser, inclusive, um terreno baldio ou vago” — demandaria o reexame da maté-
ria fático-probatória, o que é vedado na instância extraordinária (Súmula 279/STF).
Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA
RE 388.838-AgR/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Município
de Belo Horizonte (Advogados: Maria de Fátima Mesquita de Araújo e outro). Agravado:
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (Advogada: Regina Celia S. Alves).
310 R.T.J. — 195

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,


nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra
Ellen Gracie.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen
Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos.
Brasília, 5 de abril de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 394.065 — CE

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Embargante: Luiz Rufino — Embargado: Ministério Público do Estado do Ceará —
Assistentes: Laisete Gadelha Oliveira e outro
Penal. Embargos de declaração nos embargos de declaração em
agravo regimental. Rediscussão de matéria já decidida no aresto embar-
gado. Alegada omissão quanto à prescrição do crime de homicídio. Ino-
corrência. Embargos rejeitados.
Contando o réu, no dia da sentença condenatória, com sessenta e sete
anos de idade, não subsiste a alegação de redução do prazo prescricional
referente ao delito de homicídio, nos termos do art. 115 do Código Penal.
No presente caso, a sentença condenatória recorrível é o derradeiro
marco interruptivo da prescrição, conforme preceitua o art. 117, inciso
IV, do Código Penal.
Conforme noticiado pelo Juiz da Vara de Execuções Criminais da
Comarca de Fortaleza/CE, o embargante não iniciou o cumprimento da
reprimenda que lhe foi imposta pela 3ª Vara do Júri daquela cidade (fl.
768).
Embargos rejeitados.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
rejeitar os embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no
agravo de instrumento.
Brasília, 26 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.
R.T.J. — 195 311

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de novos embargos declaratórios con-
tra acórdão assim ementado:
“Penal. Embargos de declaração em agravo regimental. Alegada omis-
são do acórdão embargado. Preliminar de prescrição dos crimes conexos: ho-
micídio qualificado e lesão corporal.
Contando o réu, no dia da sentença condenatória, com sessenta e sete anos de
idade, não há falar na redução do prazo de prescrição do delito de homicídio,
previsto no art. 115 do CP.
Quanto ao crime de lesão corporal, tendo sido anulado, no ponto, o decreto
condenatório por falha na formulação de quesitos, uma eventual futura condena-
ção por esse delito dará ensejo à incidência do referido art. 115 do CP, com a
conseqüente redução do prazo prescricional, já que, atualmente, conta o embar-
gante com mais de setenta e quatro anos de idade. Nesse contexto, considerando a
data do último marco interruptivo da prescrição — condenação pelo crime conexo
de homicídio (art. 117, § 1º, 2ª parte, do CP) —, o referido prazo prescricional já
transcorreu antes mesmo da autuação do agravo de instrumento nesta Corte.
Embargos rejeitados, com a concessão de habeas corpus de ofício para
declarar-se a extinção da punibilidade tão-somente quanto ao crime de lesão
corporal, em decorrência da prescrição já consumada.”
2. A embargante sustenta que “o fato ocorreu no dia 26-9-1991. A denúncia foi
oferecida no dia 8-10-1991 e recebida no mesmo dia. O réu foi condenado a pena defini-
tiva de 12 anos de reclusão e contando-se o prazo de prescrição desde o cometimento do
crime este já prescreveu, trazendo-se a colação os artigos 110, 115 e 117 do Código
Penal” (sic, fl. 742). Aduz que o réu estaria preso desde 1º-10-1991, tendo, dessa forma,
cumprido integralmente a pena aplicada.
3. Em resposta aos ofícios de fls. 759 e 763, o Juiz de Direito da Vara de Execuções
Criminais da Comarca de Fortaleza/CE informa o andamento da execução provisória da
pena imposta ao recorrente.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Os embargos devem ser rejeitados,
tendo em vista que inexistem omissão, obscuridade ou contradição capazes de justificar
a reparação do aresto atacado. Na verdade, pretende o embargante rediscutir matéria já
debatida no aresto impugnado, qual seja, a possível ocorrência da prescrição da preten-
são punitiva.
6. Pois bem, conforme relatado pelo eminente Ministro Ilmar Galvão, o embargante
“foi condenado, em primeira instância, a uma pena de quatorze anos de reclusão, pelo
crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, inciso IV), e de três anos de reclusão pelo
crime de lesão corporal, sendo, finalmente, unificadas em quinze anos de reclusão,
tendo em vista o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, inc. III, d, do Código
312 R.T.J. — 195

Penal. Em recurso de apelação exclusivo da defesa, a pena relativa ao homicídio


qualificado foi reduzida ao mínimo legal (doze anos de reclusão), tendo sido, ao final,
designada a realização de novo julgamento perante o Tribunal do Júri, quanto ao
crime de lesão corporal, em virtude da existência de nulidade da decisão a quo por
falha na formulação dos quesitos”.
7. Assim, uma vez que o embargante fora condenado à pena de doze anos pela
prática do crime de homicídio qualificado, a prescrição da pretensão punitiva, diversa-
mente do consignado, ainda não se consumou, nos termos do artigo 109, inciso II, c/c o
§ 1º do art. 110 do Código Penal.
8. Entretanto, se o réu tivesse, na data da sentença condenatória, setenta anos de
idade, o prazo prescricional seria reduzido à metade. Dispõe o art. 115 do Código Penal,
in verbis:
“Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o crimi-
noso era, ao tempo do crime, menor de vinte e um anos, ou, na data da sentença,
maior de setenta anos.”
9. Compulsando os autos, verifica-se que o embargante, na data da sentença con-
denatória (fl. 439) — 6-12-1995 —, tinha, aproximadamente, sessenta e sete anos (fl.
30), não possuindo, dessa forma, a idade exigida pela norma supracitada.
10. De mais a mais, ao contrário do afirmado pelo recorrente, há nos autos outros
marcos interruptivos da prescrição.
11. Com efeito, nos termos do art. 117, inciso IV, do Código Penal, a sentença
condenatória recorrível, no caso, é o último marco interruptivo da prescrição — conde-
nação pelo homicídio em 6-12-1995 —, restando, assim, insubsistente a alegação de
prescrição da pretensão punitiva, pois ainda não transcorreu o prazo previsto nos artigos
109, inciso II, c/c o § 1º do art. 110 do Código Penal.
12. Por outro lado, a alegação de que o embargante teria cumprido integralmente a
pena ou parte dela não merece acolhida. É que, em reposta aos ofícios de fls. 759 e 763,
o Juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Fortaleza/CE, Dr. Luiz
Bessa Neto, informou não haver naquela “vara de execuções criminais processo executó-
rio penal regularmente instaurado em desfavor do apenado-apelante Luis Rufino ou
Luis Alberto Linhares Rufino, filho de Raimundo Rufino e Maria Almeida Rufino.”
Salientou, por fim, que, analisando o sistema penitenciário e prisional sob sua jurisdi-
ção, o ora embargante não iniciou o cumprimento da pena que lhe foi imposta pela 3ª
Vara do Júri daquela cidade (fl. 768).
13. Ante o exposto, meu voto rejeita os embargos de declaração.

EXTRATO DA ATA
AI 394.065-AgR-ED-ED/CE — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargante: Luiz
Rufino (Advogados: José Lineu de Freitas e outros). Embargado: Ministério Público do
Estado do Ceará. Assistentes: Laisete Gadelha Oliveira e outro (Advogados: Maria Odele
de Paula Pessoa e outros).
R.T.J. — 195 313

Decisão: A Turma rejeitou os embargos de declaração nos embargos de declaração


no agravo regimental no agravo de instrumento. Unânime. Não participou deste julga-
mento o Ministro Marco Aurélio.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 26 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 409.919 — PE

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto


Agravante: Souza Cruz S.A. — Agravado: Vanildo Barbosa Bayer
Agravo regimental. Recurso extraordinário. Trabalhador. Acidente do
trabalho. Estabilidade provisória. Art. 118 da Lei n. 8.213/91. Decisão ple-
nária do STF.
O Plenário deste excelso Tribunal julgou improcedente pedido for-
mulado na ADI 639, Relator o Min. Joaquim Barbosa, em que se pretendia
a declaração de inconstitucionalidade do art. 118 da Lei n. 8.213/91.
Na ocasião, agreguei o fundamento de que o inciso I do art. 7º da
Carta Magna não cuida da estabilidade pro tempore, mas, sim, da estabi-
lidade em caráter contínuo, o que exigiria a disciplina da matéria por
meio de Lei Complementar. No caso, a norma federal ordinária de prote-
ção ao trabalhador rima com outra de índole constitucional, qual seja, o
inciso XXII do art. 7º da Carta de Outubro, que impõe ao empregador a
“redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança”.
Tenho, assim, que o dispositivo ordinário federal veio num contexto que levou
muito mais em linha de conta a saúde debilitada do trabalhador, após o acidente, do que
propriamente dispôs, em caráter permanente, sobre a estabilidade no respectivo emprego.
Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,
negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto
do Relator.
Brasília, 22 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Presidente — Carlos Ayres
Britto, Relator.
314 R.T.J. — 195

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de agravo regimental, manejado pela
Souza Cruz S.A. contra decisão singular do teor seguinte:
“Recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal Superior do Traba-
lho, que negou provimento a agravo regimental interposto contra despacho
denegatório de recurso de embargos, tendo em vista o Enunciado n. 333 do mesmo
tribunal. É do seguinte teor a decisão recorrida (fls. 173):
“Agravo Regimental. Nega-se provimento a agravo regimental cujas ra-
zões não conseguem desconstituir os fundamentos do despacho agravado”.
O apelo extremo não merece acolhida. É que o acórdão recorrido se
limitou a discutir os pressupostos de admissibilidade do recurso, restringin-
do, assim, o debate ao plano infraconstitucional.
Cite-se, a propósito, trecho do voto: “o art. 896, § 5º, da CLT autoriza
o Relator a negar seguimento ao recurso de embargos quando a decisão
recorrida está em consonância com interativa notória e atual jurisprudência
do TST, o que ocorreu no presente caso, afastando-se a possibilidade de
dissenso pretoriano”.
Outro não é o entendimento deste colendo Supremo Tribunal Federal. A
propósito, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, ao julgar o AI 400.469, assim
consignou, na parte que interessa, in verbis:
(...)
“Verifica-se que a discussão restringe-se ao plano processual ordinário
infraconstitucional — referente ao cabimento da revista trabalhista — insus-
ceptível de reexame via recurso extraordinário. Com efeito, se houve ofensa
aos dispositivos constitucionais que se alega terem sido violados, deu-se de
forma reflexa e indireta, que não enseja RE, conforme copiosa jurisprudência
desta Corte”.
Por isso, frente ao art. 557, caput, do CPC e ao art. 21, § 1º , do RISTF, nego
seguimento ao recurso.”
2. Alega-se, no presente agravo, ofensa ao inciso I do art. 7º da Magna Carta e ao
art. 10 do ADCT/88. A agravante, ao reproduzir as razões recursais, busca demonstrar
que o direito constitucional à proteção do emprego contra despedida arbitrária ou sem
justa causa é matéria reservada à edição de lei complementar, sendo de rigor a declaração
de inconstitucionalidade do art. 118 da Lei n. 8.213/91.
3. Não obstante, mantenho a decisão agravada e submeto o feito à apreciação desta
Turma.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): O agravo regimental não merece
acolhida.
R.T.J. — 195 315

6. Com efeito, ainda que se pudesse considerar atendidos os requisitos exigidos no


permissivo constitucional pertinente, no tocante ao conhecimento do recurso, o fato é
que, no mérito, a pretensão também não encontraria acolhida.
7. É que o acórdão recorrido dirimiu a controvérsia com base no Enunciado n. 303
do TST, cujo teor é o seguinte:
“Estabilidade provisória. Acidente de trabalho. É constitucional o art. 118
da Lei 8.213/91 (...)”
8. Ora bem, o Plenário deste excelso Tribunal julgou improcedente pedido formu-
lado na ADI 639, Relator o Min. Joaquim Barbosa, em que se pretendia a declaração de
inconstitucionalidade do art. 118 da Lei n. 8.213/91.
9. Na oportunidade, acompanhei comodamente o voto do eminente Min. Joaquim
Barbosa (Relator), por ser do meu entendimento que o inciso I do art. 7º da Carta Magna
não trata da estabilidade pro tempore, mas, sim, da estabilidade em caráter contínuo, o
que exigiria a disciplina da matéria por meio de Lei Complementar. No caso, a norma
federal ordinária de proteção ao trabalhador rima com outra de índole constitucional,
qual seja, o inciso XXII do art. 7º da Carta de Outubro, que impõe ao empregador, in
verbis:
“Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança.”
10. Daí a conclusão de que o dispositivo ordinário federal veio num contexto que
levou muito mais em linha de conta a saúde debilitada do trabalhador, após o acidente,
do que propriamente dispôs, em caráter permanente, sobre a estabilidade no respectivo
emprego.
11. Ante o exposto, aplico o sobredito entendimento Plenário e desprovejo o
agravo regimental.

EXTRATO DA ATA
RE 409.919-AgR/PE — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: Souza Cruz
S.A. (Advogados: Hélio Carvalho Santana e outro). Agravado: Vanildo Barbosa Bayer
(Advogados: Geraldo Azoubel e outro).
Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,
nos termos do voto do Relator. Unânime.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros Marco
Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra.
Maria Caetana Cintra Santos.
Brasília, 22 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.
316 R.T.J. — 195

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL
NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 418.402 — MT

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes


Embargantes: Algemir Tonello e Rosângela Tonello — Embargado: Sebastião
Pereira do Lago e outro
Embargos de declaração em embargos de declaração em embargos
de declaração em agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Efei-
tos infringentes. Possibilidade. 3. Erro cometido pelo Tribunal de origem.
Correção. Inobservância pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. Negativa
de prestação jurisdicional. 5. Embargos de declaração acolhidos.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso (RISTF,
art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimi-
dade de votos, acolher os embargos, com provimento do agravo, para o fim de o Superior
Tribunal de Justiça apreciar o agravo de instrumento.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Velloso, Presidente — Gilmar Mendes,
Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao julgar o AI 418.402, o Rel. Nelson Jobim,
proferiu a seguinte decisão (fl. 934):
“Decisão:
Adoto o relatório da decisão agravada.
Com efeito, o recurso não merece trânsito.
É que a matéria constitucional suscitada, além de não prequestionada
(Súmula 282), depende da verificação de provas (Súmula 279), e, ainda, do pré-
vio exame de normas infraconstitucionais cujo exame é vedado em RE, confor-
me orientação do STF.
Nego seguimento ao agravo.”
Contra essa decisão, Algemir Tonello e outra interpuseram o agravo regimental de
fls. 937/957, ao qual foi negado provimento por esta Turma, em acórdão assim ementado
(fls. 960/967):
“Ementa: Processual. Agravo de instrumento. Pressupostos de seu cabimento.
Controvérsia infraconstitucional. Regimental não provido.”
Em face deste acórdão, foram opostos embargos de declaração de fls. 970/992, os
quais foram rejeitados por esta Turma, em acórdão assim ementado (fls. 995/1001):
R.T.J. — 195 317

“Ementa: Ausência dos pressupostos de cabimento dos embargos declarató-


rios. Sua rejeição.”
Foram opostos novos embargos de declaração (fls. 1004/1016), os quais foram no-
vamente rejeitados, desta feita com interposição de multa por intenção protelatória dos
embargos, em acórdão assim ementado (fls. 1020/1027):
“Ementa: Segundos embargos declaratórios. Ausência dos pressupostos de
cabimento. Pretensão de reexame da controvérsia. Inadmissibilidade. Caráter
protelatório. Multa de 1% (um por cento) do valor atualizado da causa. Embargos
declaratórios rejeitados.”
Os embargantes, Algemir Tonello e outra, interpuseram, novamente, os embargos
de declaração de fls. 1030/1039, nos quais sustentam:
“A matéria objeto dos embargos de declaração é estritamente de ordem cons-
titucional – Negativa de Prestação Jurisdicional – inexistindo qualquer preten-
são de análise de matéria fática, porquanto o Colendo STF mais uma vez rejeitou o
recurso de embargos de declaração interpostos contra a decisão que negou provi-
mento ao recurso de agravo regimental para desobstruir o recurso especial, sob a
fundamentação equivocada de que pretendem os Embargantes provar o traslado
das peças necessárias à formação do agravo, condenando ainda os Embargantes ao
pagamento de multa de 1% do valor atualizado da causa.
A decisão proferida pelo Colegiado através do v. acórdão de fls., e que agora
é objeto dos presentes embargos de declaração, não pode prevalecer como oferta
final de prestação jurisdicional invocada no presente, tendo em vista que deu
interpretação errônea aos dispositivos e princípios constitucionais que servem de
fundamento ao presente recurso de embargos de declaração, porquanto em ne-
nhum momento pretenderam os Embargantes o reexame de fatos ou provas, não
havendo que se falar, então, em descumprimento de regras processuais por parte
dos Embargantes, mas sim o respeito ao direito ao devido processo legal constitu-
cionalmente assegurado, razão pela qual deverão ser conhecidos e providos os
presentes embargos de declaração, para que seja dado provimento ao agravo regi-
mental e ao agravo de instrumento, para que seja determinada a imediata subida do
recurso extraordinário em evidência.
A verdade é uma só, os embargantes, em nenhum momento pretenderam a
análise de matéria fática, mas tão-somente fazer valer o seu direito ao devido
processo legal, porquanto caso seja mantida a decisão embargada, restará ofendi-
do o contido no artigo 5º caput, e incisos II, XXII, XXXV e LIV e LV; inciso IX, do
artigo 93, todos da Constituição da República.
[...]
A lógica é muito simples, os Embargantes interpuseram o recurso de agravo
de instrumento para desobstruir o Recurso Especial, tendo protocolizado tempes-
tivamente o referido recurso de agravo no TJMT, bem como instruíram o recurso de
forma correta, conforme resta comprovado documentalmente nos autos do agravo
no STJ.
318 R.T.J. — 195

Sendo assim, o não-conhecimento do recurso de agravo de instrumento no


STJ pela justificativa de que o recurso não foi adequadamente instruído pelos
Embargantes não pode sobreviver, por afrontar os dispositivos constitucionais do
devido processo legal e da negativa de prestação jurisdicional, razão pela qual o
recurso extraordinário deve ser conhecido e provido, para que seja determinado ao
STJ que profira o julgamento de acordo com o conteúdo dos documentos residen-
tes nos autos do recurso de agravo.
[...]
Os recorrentes, ora Embargantes, estão tendo cerceado seu direito constitu-
cional ao devido processo legal e lhes está sendo negada a prestação jurisdicio-
nal, com amparo em uma decisão (STJ) que ofenda os preceitos constitucionais
retro referidos, ao não-conhecer o recurso de agravo de instrumento sob o argu-
mento de que o mesmo estaria mal formado, tal fundamentação é insubsistente ao
conteúdo dos autos do recurso de agravo de instrumento ante a reconhecida exis-
tência do ofício de fls. Devidamente acompanhado dos documentos que mencio-
na, reconhecendo e admitindo o equívoco levado a efeito no TJMT 1053/1058)”
Em face da posse na Presidência desta Corte do Rel. Nelson Jobim, os autos me
foram redistribuídos em 17-9-04.
Em face do pedido de efeito modificativo nos embargos de declaração, abri vista
aos embargados, que assim se manifestaram (fls.1053/1058):
“1 – Em vista de reiteração pelos agravantes e embargantes supra nomeados,
de novos embargos de declaração contra decisões já proferidas por votação unâ-
nime, em embargos de declaração anteriores, com o mesmo fundamento, todos de
cunho protelatório tanto é que lhes valeu, no último condenando-os ao pagamento
da multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa, contra o qual, também, ora
se insurgem os agravantes e embargantes, requerem aos iminentes Ministros negar
provimento a estes embargos de declaração com pedido de concessão de efeito
modificativo, por lhe faltar razão, não havendo motivo para provimento dos seus
embargos, como já ressaltou o Excelentíssimo Ministro Relator nos embargos an-
teriores, Min. Nelson Jobim, cujos votos foram acatados pela 2ª Turma desse E.
Tribunal, em votação unânime, e evidenciada a má-fé dos litigantes, requerem que
lhes seja aplicada a multa de 10% (dez por cento) na forma do art. 538, parágrafo
único (2ª parte) do CPC, por terem os embargos fim evidentemente protelatórios.
[...]
- A utilização dos embargos declaratórios com a finalidade ilícita e mani-
festa de adiar a efetividade de decisão proferida pelo Tribunal, em aberta tenta-
tiva de fraude processual, enseja o não conhecimento desses embargos e a
concessão excepcional de eficácia imediata. Àquela decisão, independente-
mente de seu trânsito. Essa orientação foi adotada no julgamento de terceiros
embargos declaratórios opostos por vereador cuja diplomação fora anulada em
sede de recurso extraordinário, e que, encontrando-se no exercício do mandato,
procurava, através desse expediente processual, manter-se no cargo por mais
tempo. (Edcl.Edcl.Edcl.-RE. 169.502-DF. Rel. Min. Moreira Alves, 7.12.95
(apud informativo Supremo Tribunal Federal n. 16).”
É o relatório.
R.T.J. — 195 319

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Os embargos declaratórios estão previstos
no Título X — Dos Recursos — do Código de Processo Civil (art. 496, IV). O art. 535 do
CPC relaciona as hipóteses de seu cabimento:
“Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:
I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou o tribunal.”
Da mesma forma, o art. 337 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
dispõe que são cabíveis os embargos de declaração “quando houver no acórdão
obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que devam ser sanadas”. Hoje, já não é
passível de impugnação por meio de embargos a dúvida, nos termos do referido art. 535
do CPC, na redação da Lei n. 8.950, de 13 de dezembro de 1994.
O objetivo desse recurso é o aperfeiçoamento do pronunciamento judicial, seja
para esclarecê-lo ou para complementá-lo, com a eliminação de contradição, obscurida-
de ou omissão. No entanto, por vezes, visa reformar ou invalidar a decisão, pela ocorrên-
cia de manifesto equívoco. Nessa hipótese é que se tem admitido o efeito infringente ou
modificativo do julgado, por não haver, no sistema legal, previsão de outro recurso para
a correção de eventual erro cometido. A única ressalva que fazem a doutrina e a jurispru-
dência, em tais casos, é quanto à observância do contraditório.
Admito o caráter infringente dos presentes embargos e passo à análise de suas
razões.
Observe-se que não se trata de simples exame de admissibilidade de agravo de
instrumento contra decisão que negou processamento a recurso especial.
Verifica-se que ocorreu um erro no processamento do citado agravo, provocado
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que, embora tenha autuado o pro-
cesso com quatro volumes, encaminhou somente dois ao Superior Tribunal de Justiça.
Este equívoco foi constatado após o julgamento do agravo, que não foi conhecido
em face de ausência de peças obrigatórias.
O Tribunal de origem encaminhou ofício ao Superior Tribunal de Justiça, infor-
mando o ocorrido, o qual foi recebido em 28-2-01 (fl. 709) — antes, portanto, do julga-
mento do agravo regimental, que manteve a decisão monocrática.
Dessa decisão o agravante embargou de declaração.
Os embargos de declaração foram rejeitados, tendo o Rel. Carlos Alberto Menezes
Direito consignado em seu voto que:
“Por fim, com relação ao Ofício n. 22/2001 (fls. 585), assinado pela Diretora
do Terceiro Departamento Judiciário Cível do Tribunal de Justiça do Estado de
Mato Grosso, está datado de 13/02/2001, protocolado nesta Corte em 28/02/2001.
Vê-se que o referido ofício tem data bem posterior à da interposição do agravo de
320 R.T.J. — 195

instrumento, que ocorreu em 25/10/99. Os autos do agravo foram remetidos a esta


Corte em 19/10/2000, distribuídos a minha Relatoria em 28/11/2000 e conclusos
ao meu gabinete em 06/12/2000. O despacho agravado foi proferido em 13/12/
2000, publicado em 02/02/2001.
O agravo regimental foi protocolado em 08/02/2001 (fls. 564 a 583) e enca-
minhados a julgamento em 22/02/2001 (fls. 584). O julgamento do agravo regi-
mental ocorreu em 01/03/2001 (fls. 796).
O Ofício de fls. 585 só foi por mim recebido em 12/03/2001, após o julga-
mento do agravo regimental, sendo certo, ainda, que foi protocolado nesta Corte
em 28/02/2001, dia imediatamente anterior ao julgamento do agravo regimental,
não sendo juntado aos autos a tempo de haver manifestação no Acórdão acerca do
mesmo. Não há, portanto, qualquer omissão na decisão. Deveria a parte comprovar
as suas alegações em tempo hábil e, não, após o julgamento do seu recurso, quando
foi juntada a peça aos autos”.
Ressalte-se que um erro provocado pelo Tribunal de origem, devidamente reco-
nhecido e comunicado ao Superior Tribunal de Justiça antes do julgamento do agravo
regimental, impediu a devida prestação jurisdicional.
Assim, acolho os embargos para dar provimento ao recurso extraordinário, deter-
minando que o agravo de instrumento seja novamente apreciado pelo Superior Tribunal
de Justiça.

EXTRATO DA ATA
AI 418.402-AgR-ED-ED-ED/MT — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Embar-
gantes: Algemir Tonello e Rosângela Tonello (Advogados: Lycurgo Leite Neto e
outro). Embargados: Sebastião Pereira do Lago e outro (Advogado: Agildo Oliveira
Amorim).
Decisão: A Turma, por unanimidade, acolheu os embargos, com provimento do
agravo, para o fim de o Superior Tribunal de Justiça apreciar o agravo de instrumento.
Decisão unânime. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso de
Mello e Ellen Gracie. Presidiu este julgamento o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Gilmar
Mendes e Joaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello
e Ellen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 21 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
R.T.J. — 195 321

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 418.918 — RJ

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie


Recorrente: Caixa Econômica Federal – CEF — Recorrido: Jorge Peres Alves da
Silva — Assistente: União
Recurso extraordinário. Constitucional. Correção das contas vincula-
das do FGTS. Desconsideração do acordo firmado pelo trabalhador. Vício
de procedimento. Acesso ao colegiado.
1. Superação da preliminar de vício procedimental ante a peculiari-
dade do caso: matéria de fundo que se reproduz em incontáveis feitos
idênticos e que na origem (Turmas Recursais dos Juizados Especiais da
Seção Judiciária do Rio de Janeiro) já se encontra sumulada.
2. Inconstitucionalidade do Enunciado n. 21 das Turmas Recursais
da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que preconiza a desconsideração
de acordo firmado pelo trabalhador e previsto na Lei Complementar n.
110/2001. Caracterização de afastamento, de ofício, de ato jurídico per-
feito e acabado. Ofensa ao princípio inscrito no art. 5º, XXXVI, do Texto
Constitucional.
3. Recurso extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por maioria de votos, preliminarmente, nos termos do voto da Relatora,
conhecer do recurso para efeitos diversos, sem anular, porém, a decisão. No mérito, por
maioria, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da
Relatora.
Brasília, 30 de março de 2005 — Ellen Gracie, Presidente (art. 37, I, do RISTF) e
Relatora.

RELATÓRIO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de recurso extraordinário interposto contra
decisão de Juiz da 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que confirmou
o desprovimento do recurso inominado apresentado pela Caixa Econômica Federal, profe-
rido nos seguintes termos:
“Trata-se de Recurso de sentença proferida em Juizado Especial Federal do
Estado do Rio de Janeiro que condenou a parte recorrente a pagar à parte recorrida
os valores referentes às diferenças decorrentes da aplicação dos índices expurga-
dos das contas vinculadas de FGTS (42,72% em janeiro de 1989 e 44,80% em abril
de 1990), além dos acréscimos apurados até a data do efetivo pagamento.
322 R.T.J. — 195

A Recorrente sustenta que a parte Recorrida firmou acordo com a CEF, aper-
feiçoado através da assinatura do Termo de Adesão. Na medida em que a expressão
‘acordo’ reflete a idéia de concessões recíprocas, em que há vantagens para todas
as partes envolvidas, é de se concluir que o trabalhador acreditava que o ‘Termo de
Adesão’ descrito na Lei Complementar 110 lhe seria benéfico, sobretudo levando-
se em conta a propaganda veiculada nos meios de comunicação sobre o assunto.
Portanto, é fácil perceber que a intenção do trabalhador ao manifestar a von-
tade através da celebração da transação não correspondia às reais conseqüências
advindas do ato. Na verdade, provavelmente a renúncia a direitos ocorrida com a
assinatura do mencionado acordo tinha como único objetivo evitar a longa espera
pela solução do processo judicial, pela via ordinária.
Todavia, os resultados atingidos pelos Juizados Especiais Federais represen-
tam fato novo e imprevisível ao cidadão comum, o que influenciou no equilíbrio
do ajuste, tornando injustificada a onerosidade imposta a uma das partes.
Por outro lado, a natureza jurídica da conta de FGTS é de depósito bancário
de natureza especial. O trabalhador é correntista e a CEF, banco depositário do
referido fundo.
Tendo em vista que os estabelecimentos bancários, na qualidade de presta-
dores de serviços, vinculam-se à disciplina do Código de Defesa do Consumidor,
é de concluir-se que as cláusulas expressas no Termo de Adesão, em prejuízo do
trabalhador, são nulas, uma vez que traduzem renúncia a direitos sem que haja
compensação que valide a onerosidade suportada.
Some-se a isto o fato de as restrições decorrentes, tais como o deságio, a
renúncia e a supressão dos juros remuneratórios não estarem ressalvadas de forma
compreensível ao trabalhador comum, ensejando também a nulidade do instru-
mento.
Concluindo, entendo que a assinatura do Termo de Adesão não impede o
percebimento de valores não pagos na esfera administrativa. Portanto, a parte re-
corrida faz jus às diferenças requeridas, conforme conclusão na r. sentença, nos
moldes contidos na Súmula n. 252, do STJ, verbis: ‘os saldos das contas do FGTS,
pela legislação infraconstitucional, são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às
perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC) quanto às de abril de 1990, acolhidos
pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto às perdas de junho de 1987, de 5,38%
(BTN) para maio de 1990, e 7,00% (TR), para fevereiro de 1991, de acordo com o
entendimento do STF (RE 226.855-7-RS)’
Nesse sentido dispõe o Enunciado n. 21 das Turmas Recursais dos Juizados
Especiais Federais:
‘O trabalhador faz jus ao crédito integral, sem parcelamento, e ao le-
vantamento, nos casos previstos em lei, das verbas relativas aos expurgos de
índices inflacionários de janeiro de 1989 (42,72%) e abril de 1990 (44,80%)
sobre os saldos das contas de FGTS, ainda que tenha aderido ao acordo
previsto na Lei Complementar n. 110/2001, deduzidas as parcelas porventura
já recebidas.’
R.T.J. — 195 323

Assim sendo, correta a r. sentença que condenou a CEF ao pagamento refe-


rente às diferenças decorrentes da aplicação dos índices expurgados das contas
vinculadas de FGTS (42,72% em janeiro de 1989 e 44,80% em abril de 1990).
Em atendimento ao Enunciado n. 1, das Turmas Recursais da Seção Judiciá-
ria do Rio de Janeiro, aplico à recorrente a multa prevista no art. 17, VII, do CPC,
por interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório, que fixo em
1% sobre o valor da causa (R$ 22,69), mais os honorários advocatícios de 10%,
também incidente sobre o valor da causa (R$ 226,98).
Em face do exposto, nego seguimento ao recurso, nos termos do art. 557,
caput, do CPC, do art. 3º, inciso VIII, do Provimento n. 8/2002, da Coordenadoria
dos Juizados Especiais Federais, com fulcro no Enunciado n. 21 das Turmas
Recursais, para manter integralmente a r. sentença, condenando o recorrente ao
pagamento de multa no valor de R$ 249,67 (duzentos e quarenta e nove reais e
sessenta e sete centavos) com base no Enunciado n. 1 das Turmas Recursais.”
Contra essa decisão a empresa pública ora recorrente apresentou agravo, no qual
reiterou a insurgência contra a desconsideração judicial do acordo previsto na Lei Com-
plementar n. 110/2001, firmado com o autor, e questionou a constitucionalidade de
procedimento que, sob o seu ponto de vista, importa a negativa de acesso ao colegiado
das Turmas Recursais (art. 98, I).
O agravo foi conhecido como embargos declaratórios, mas desprovido, por aplica-
ção do Enunciado n. 26 das Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Seção Judiciá-
ria do Rio de Janeiro, que reza:
“Decisão monocrática proferida pelo Relator não desafia recurso à Turma
Recursal.”
Daí a interposição do presente recurso extraordinário, alicerçado na alínea a do art.
102 da Constituição, por meio do qual a Caixa Econômica Federal sustenta a ocorrência
de violação aos princípios constitucionais do ato jurídico perfeito — decorrente da
desconsideração do acordo judicial ao qual aderiu o recorrido —, do devido processo
legal, bem como da regra constitucional que disciplina a competência das Turmas Re-
cursais.
Sustenta a recorrente, fundamentalmente, que o afastamento do ajuste entre as
partes, levado a efeito pelo acórdão recorrido, contraria a cláusula constitucional de
proteção ao ato jurídico perfeito. Assevera que o autor jamais questionou a legalidade
do acordo, ou suscitou a sua nulidade, razão pela qual não poderia o órgão julgador
fazê-lo de ofício. No que concerne ao alegado vício procedimental, apóia seu recurso
extraordinário na impossibilidade de subtrair-se a questão controvertida da apreciação
do colegiado, promovendo-se uma sucessão de decisões monocráticas.
O recurso foi admitido na origem.
Em parecer da lavra do Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, o Ministério Público
Federal opinou pelo desprovimento do recurso.
Posteriormente, ajuizou a Caixa Econômica Federal a Ação Cautelar n. 272, em
que pretendia o sobrestamento, na origem, de todos os processos versando a mesma
matéria. Concedi a liminar pleiteada, em decisão posteriormente referendada por este
Colegiado.
É o relatório.
324 R.T.J. — 195

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. Senhor Presidente, já na oportunidade
da apreciação do feito cautelar de que resultou o sobrestamento dos demais processos na
origem1, aludi à conveniência de superarmos a questão referente ao alegado vício de
procedimento (correspondente à aplicação do Enunciado n. 26 das Turmas Recursais
Federais2), tendo em vista não apenas a relevância jurídica da questão de fundo —
também controvertida — mas ainda a informação prestada pela Presidente das Turmas
Recusais dos Juizados Especiais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a qual atestou
que, desde janeiro de 2004, os julgamentos dos Relatores em questões sumuladas vêm
sendo submetidos ao referendo do colegiado (fl. 200 do feito cautelar).
Com essa providência, estaria sanado, a partir de janeiro/2004, defeito processual
já reconhecido por este Supremo Tribunal, porque consistente na sucessão de decisões
monocráticas sem oportunidade de acesso à Turma Recursal (aponto precedentes mono-
cráticos específicos: RE 427.076, Min. Carlos Britto, DJ de 29-9-2004; RE 427.528,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-6-2004). Não, porém, no presente feito, que
encerra uma seqüência de julgamentos monocráticos efetivamente excluídos à aprecia-
ção da Turma Recursal (negativa de seguimento ao recurso inominado, fl. 100; agravo
regimental recebido como embargos declaratórios rejeitados, fl. 120).
Anoto, nesse ponto, que a persistência da Caixa Econômica Federal na insurgência
contra o procedimento adotado e contra a desconsideração do acordo foi repelida pelo
Julgador recorrido mediante a aplicação de multa por litigância procrastinatória (fl.
100), o que não se coaduna com a garantia do exercício regular do direito de defesa —
que neste caso nem sequer é próprio, já que a CEF é apenas gestora dos recursos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
2. Além da problemática procedimental, persiste a invocação ao Enunciado n. 213,
que preconiza a desconsideração do acordo da Lei Complementar n. 110/2001, o que,
por si só, já dá ensejo à irresignação extraordinária.
Constato também que muitas são as demandas idênticas à presente a merecerem o
crivo desta Corte, tendo em vista a existência — devidamente comprovada pela recor-
rente — de uma deliberada instigação ao trabalhador que aderiu ao acordo, para que
ingresse em juízo e busque a sua desconstituição.
A empresa pública recorrente faz juntar formulário de petição inicial constante, até
o presente momento, da página na internet dos Juizados Especiais Federais da Seção
Judiciária do Rio de Janeiro4. Ali são elencadas as razões que levariam ao afastamento
do acordo firmado, com a conseqüente procedência da ação (fl. 202).

1 AC 272, liminar referendada pelo Plenário em 6-10-2004, por maioria.


2 Enunciado n. 26: “Decisão monocrática proferida pelo Relator não desafia recurso à Turma
Recursal.”
3 Enunciado n. 21: “O trabalhador faz jus ao crédito integral, sem parcelamento, e ao levantamento,
nos casos previstos em lei, das verbas relativas aos expurgos de índices inflacionários de janeiro de
1989 (42,72%) e abril de 1990 (44,80%) sobre os saldos das contas de FGTS, ainda que tenha aderido
ao acordo previsto na Lei Complementar n. 110/2001, deduzidas as parcelas porventura já recebidas.”
4 Disponível no endereço eletrônico: http://www.jfrj.gov.br/jefs/modelos/fgts_acordo.htm
R.T.J. — 195 325

Por isso, conquanto entenda presente a inconstitucionalidade articulada na peti-


ção de recurso extraordinário quanto ao processamento dos recursos na origem, o que já
seria suficiente, analiso também a matéria de mérito discutida nestes autos.
3. Verifico do exame do caso concreto que o trabalhador ingressou em juízo plei-
teando a integralidade dos índices expurgados das contas vinculadas do Fundo de Ga-
rantia do Tempo de Serviço, tal como reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal. A
inicial não aludiu à formalização de acordo nem questionou a legitimidade da avença,
tendo-se limitado, quando muito, a comparar os índices da lei com aqueles proclamados
pela jurisprudência. Transcrevo, a título de ilustração, o único ponto da inicial no qual
se faz alguma alusão ao acordo instituído pela Lei Complementar n. 110/2001. Confira-se:
“É importante frisar que a Lei Complementar n. 110, de 19 de junho de
2001, em seu parágrafo 4º, autoriza em caso de adesão (adesão esta facultativa a
cada trabalhador), creditar nas contas vinculadas do FGTS dos mesmos, somente
o percentual de 16,64% equivalente ao período, como diz a lei, de 01/12/88 a
28/02/89 e o percentual de 44,80% equivalente ao mês de abril/90. Sendo que o
primeiro percentual é divergente de vários julgados, como vejamos (...)”
Não obstante haja silenciado quanto à adesão ao acordo do FGTS, o trabalhador
trouxe ao processo documento comprobatório do pacto (fl. 48), o que ensejou provoca-
ção da Caixa Econômica Federal ao Juízo de primeiro grau, no sentido da necessidade
de observância do ajuste, com a conseqüente improcedência do pleito. O Julgador, no
entanto, afastou expressamente o acordo firmado pelo trabalhador, por considerar que o
desconhecimento do montante a ser recebido importava em vício na formação da vontade,
impedindo ao pactuante avaliar devidamente as cláusulas do ajuste.
Essa decisão foi corroborada pelo Juiz da 1ª Turma Recursal, que negou segui-
mento ao recurso inominado da CEF e manteve o afastamento do acordo firmado pelo
trabalhador, com fundamento no Enunciado n. 21 das Turmas Recursais dos Juizados
Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Foram alinhados os seguintes
argumentos:
1º) o trabalhador, influenciado pelos meios de comunicação, imaginou que
seria beneficiado com o ajuste previsto na Lei Complementar n. 110/2001, e por essa
razão aderiu ao pacto, na intenção de evitar um longo trâmite judicial. Não detinha
conhecimento, todavia, acerca dos resultados da atuação dos Juizados Especiais
Federais. A rapidez dessa nova via representou fato novo e imprevisto pelo cidadão
pactuante, e que impôs desequilíbrio ao ajuste firmado entre as partes;
2º) as cláusulas constantes do Termo de Adesão são nulas, por traduzirem
renúncia a direitos sem uma razoável compensação, sendo certo que os termos do
acordo são amplamente desfavoráveis ao correntista. Além disso, o trabalhador
comum não foi devidamente esclarecido quanto ao sentido de expressões como
deságio, renúncia e supressão dos juros remuneratórios.
Por ocasião das informações prestadas na medida cautelar incidente a este recurso
extraordinário, tais considerações foram reiteradas e reafirmadas pela Juíza Presidente
da 1ª Turma Recursal como razões de decidir conducentes à edição do Enunciado. Nessa
326 R.T.J. — 195

oportunidade, a Julgadora recusou natureza constitucional à controvérsia posta no RE,


e sustentou que não houve afastamento de ato jurídico perfeito, mas tão-somente a
desqualificação do acordo como tal.
Tal jogo de palavras não convence. De fato, como já anunciei no julgamento do
referendo à medida liminar concedida à Caixa Econômica Federal, parece-me clara e
direta a violação à cláusula constitucional de proteção ao ato jurídico perfeito.
O teor da decisão recorrida representa o afastamento, de ofício, de um ato jurídico
acabado, formalizado e cuja legitimidade não foi questionada sequer pelo pactuante,
mediante a aplicação da teoria da imprevisão e ao argumento da ocorrência de vício de
consentimento.
4. No que concerne à existência de vício de consentimento, consistente no desco-
nhecimento do trabalhador comum quanto às cláusulas do ajuste, reputo incabível a sua
proclamação em abstrato, como se fez com a adoção do Enunciado n. 21, uma vez que a
perquirição acerca de vício em algum dos elementos formadores da vontade do agente
haverá de ser demonstrada caso a caso, acordo a acordo, por demandar avaliação do
elemento subjetivo do pactuante no momento da avença, consideradas as circunstâncias
específicas e indissociáveis da personalidade de cada um. Se, por outro lado, não ocorre
essa aferição no caso concreto, e o que se examina são os termos do acordo — termos
esses previstos em legislação complementar federal —, o que está em causa, verdadeira-
mente, não é a vontade eventualmente viciada do agente, mas a constitucionalidade da
regra instituidora do ajuste. O que o Juizado Especial Federal fez, ao meu vez, foi afastar
do mundo jurídico as normas constantes da LC 110/2001, ainda que sem expressamente
declarar-lhe a inconstitucionalidade.
Além disso, recordo que nos termos do Código Civil atual, como naquele em vigor
por ocasião do ajuste, o reconhecimento de vício de consentimento conduz à anulação
do ato jurídico — não à sua nulidade — e não pode ser pronunciado de ofício (art. 177).
5. Tampouco vislumbro cabimento na desconstituição do acordo por um eventual
desrespeito a normas constantes do Código de Defesa do Consumidor. Esta Corte já
deixou assentado o entendimento de que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço não
tem natureza contratual, mas estatutária (RE 226.855, Rel. Min. Moreira Alves, Plenário,
por maioria, DJ de 13-10-2000). Assim, decorre de lei, e pela lei é disciplinado, não
havendo falar-se em relação de consumo a ser regulada, mesmo que sob o enfoque da
garantia inscrita no art. 5º, XXXII, ou dos princípios regedores da atividade econômica
(art. 170, IV, da Constituição Federal).
6. Observo que, na esteira do acórdão desta Corte que determinou a correção das
contas vinculadas (RE 226.855, Rel. Min. Moreira Alves, Plenário, maioria, DJ de 30-
10-2000), sobreveio a Lei Complementar 110/2001, que veiculou fórmula destinada a
carrear os recursos necessários a custear o pagamento, a todos os correntistas, dos índices
expurgados reconhecidos por este Supremo Tribunal Federal.
Não é demais recordar que à época do encaminhamento do Projeto de Lei Comple-
mentar, o passivo referente a tais correções montava a R$ 42 bilhões ou quase 4% do PIB
nacional. Para que o repasse de tal montante ao FGTS fosse assumido exclusivamente
pelo Tesouro Nacional, fazia-se necessária a adoção de uma de duas soluções: (a) ou o
R.T.J. — 195 327

aumento da dívida pública no valor correspondente, o que acarretaria os efeitos colate-


rais de aumento da taxa de juros e conseqüente prejuízo à retomada do crescimento
econômico, com menor geração de empregos e aumento da taxa de desemprego; (b) ou
o aumento da emissão da moeda, com inevitáveis reflexos sobre a taxa de inflação.
A adoção de qualquer uma dessas duas soluções resultaria, necessariamente, por
sua incidência sobre o total da população, em perversa transferência de renda dos traba-
lhadores informais (e, portanto, sem FGTS) para os trabalhadores com carteira assinada
(que, além de terem assegurados os direitos do contrato de trabalho e garantias previden-
ciárias, inclusive FGTS, também, na média, são melhor remunerados que os primeiros).
Por isso mesmo, promoveu o governo processo de negociação de que participaram
as centrais sindicais e as confederações patronais participantes do Conselho Curador do
FGTS. Desses entendimentos, surgiu a fórmula que agregou diversas medidas tendentes
a garantir o aporte de recursos, sem comprometer os fundamentos da economia. Consis-
tiram elas (1) na criação de uma contribuição social devida nos casos de despedida sem
justa causa, correspondente a 10% dos depósitos referentes ao Fundo; (2) na criação de
contribuição social de 0,5% sobre a folha de salários das empresas não participantes do
Simples; (3) no aporte de R$ 6 bilhões pelo Tesouro Nacional; e (4) no deságio de 10%
a 15% a ser concedido pelos trabalhadores cujos complementos de atualização monetária
superassem o valor de R$ 1.000,00 , para efeito de seu creditamento imediato, mediante a
assinatura de um termo de adesão.
7. É necessário frisar que em nenhum momento a Lei Complementar autorizou o
levantamento imediato dos valores devidos, que se incorporam ao saldo das contas
individuais, as quais, como se sabe, só podem ser movimentadas em hipóteses restritas
(aposentadoria, aquisição de casa própria...).
Dividiram-se os trabalhadores, então, em duas categorias: os que não aderiram ao
acordo e buscaram a via judicial, e os que formalizaram a adesão — com os ônus próprios
a um acordo. A nenhum deles foi assegurada a imediata correção dos saldos das contas
vinculadas.
Pois é exatamente isso o que vem sendo autorizado pelos Juizados Especiais
Federais da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. De fato, a desconsideração do
acordo firmado entre o correntista e a CEF resulta na aplicação imediata dos índices
corrigidos (42,72% para janeiro/89 e 44,08% para abril/90), sem o deságio promovido
para os aderentes e sem a observância do cronograma de pagamento fixado na Lei
Complementar.
Ao assim deliberar, o Julgador recorrido anulou adesões anteriormente firmadas e
desconstituiu transação instituída por Lei Complementar que objetivava ensejar uma
composição que pusesse fim a pendência judicial que já perdurava por mais de dez anos,
e que sobrecarregava demasiadamente o Poder Judiciário. Transcrevo, neste ponto, per-
tinente observação da recorrente (fl. 114):
“Curiosamente, o próprio Poder Judiciário, a quem a Lei Complementar pre-
tendeu desafogar, inviabiliza a solução pacífica dos litígios, ao anular os termos de
adesão firmados exatamente com o intuito de aliviar a carga de demandas em
litígio nos Tribunais e, com isso, estimula a propositura de mais e mais ações, a
cada dia que passa, o que só atrasa ainda mais a entrega da prestação jurisdicional.”
328 R.T.J. — 195

Em conclusão, considero evidenciada a natureza constitucional da presente dis-


cussão, não obstante a tentativa de enquadramento da solução como decorrente de vício
na vontade do trabalhador aderente.
O afastamento geral dos acordos firmados com base na Lei Complementar n. 110/
2001 traria como conseqüência o total esvaziamento dos preceitos encerrados nos arts.
4º, 5º e 6º desse diploma, que disciplinam os termos e condições do ajuste. Assim, sob
esse prisma, a atuação do Julgador recorrido importou o afastamento de regra legal, o
que equivale a uma declaração de inconstitucionalidade, a teor do que consagram diver-
sos precedentes deste Tribunal (RE 179.170, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unâni-
me, DJ de 30-10-98; e RE 240.096, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime,
DJ de 21-5-99).
8. Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe integral provi-
mento.
É como voto.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, gostaria que se destacasse a
questão inicial, o primeiro fundamento do recurso, a preliminar de nulidade da decisão
que negou seguimento ao agravo contra a decisão singular. Parece-me que a preliminar
leva à impossibilidade de conhecer-se do recurso quanto ao mérito, com base na Súmula
n. 281. Assim decidimos, a respeito de decisões de Turmas Recursais dos Juizados, por
exemplo, no RE 311.382, de que fui Relator, na Primeira Turma, em 4-9-2001.
Lembra-me de que, quando Procurador-Geral, propus representação por inconsti-
tucionalidade de dispositivo do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Goiás que
tornava irrecorrível a decisão do Relator que indeferisse liminarmente o mandado de
segurança. E o Tribunal o julgou inconstitucional, entendendo que podem, sim, os
Tribunais outorgar competência decisória aos relatores; mas, sendo o Tribunal, sempre,
um órgão colegiado, é necessário que haja um meio recursal para levar ao colegiado a
questão, se a parte não se conforma com a decisão singular (Rp 1.299, Célio Borja,
21-8-86, RTJ 119/980).
O Sr. Ministro Marco Aurélio: O relator atua como verdadeiro porta-voz do Cole-
giado, em substituição, justamente tendo em conta a grande carga de processos suporta-
da pelo Colegiado.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não se trata de um tribunal, mas, a Turma
Recursal, pelo artigo 98 da Constituição, é órgão colegiado, ainda mais quando, no
mérito, haja uma questão de constitucionalidade a decidir.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência apontou bem, porque temos uma
dificuldade para conhecer do recurso extraordinário quanto ao fundo. Não houve o
esgotamento da jurisdição na origem.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É a Súmula n. 281.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente e Relatora): O que me leva a superar a
preliminar para adentrar o mérito é exatamente a peculiaridade da questão.
R.T.J. — 195 329

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Vossa Excelência antecipa, de certo modo, o


mecanismo da súmula vinculante, aí, sim, contra qualquer decisão judicial haverá o
remédio per saltum da reclamação.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E com uma razão adicional, que este RE da Lei n.
10.259, dos Juizados Especiais, tem toda a feição de um processo, se não objetivo, um
processo fortemente objetivado. Daí, inclusive, a decisão que tomamos quando da sus-
pensão, porque há todo aquele mecanismo de retenção de determinadas matérias nas
instâncias recursais ordinária e a ascensão de alguns processos apenas que tramitam com
prioridade no âmbito desta Corte. Salvo melhor juízo, só o habeas corpus e o mandado
de segurança têm precedência sobre esse processo. Aí, neste caso específico, já sabemos
também o resultado, porque essa já é a posição do órgão colegiado, dos juizados recur-
sais. De modo que eu proporia um distinguishing nessa Súmula n. 281 para, na linha do
voto da Ministra Relatora, entender que se conhece do recurso extraordinário.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quando for da jurisprudência do colegiado?
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Corresponde mais ou menos ao que vimos construindo
em relação às exceções do artigo 97.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas há dispositivo legal explícito. No
primeiro caso que estamos a julgar o mérito, estamos antecipando os efeitos de uma
súmula vinculante.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Antes mesmo da súmula vinculante, esse processo
da Lei n. 10.259 e a regulação que emprestamos na resolução regimental conferem esse
caráter objetivo ao processo. Proporia ao Tribunal que fizéssemos uma leitura distintiva
da Súmula n. 281, na linha da proposta do voto da eminente Relatora.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente e Relatora): Até porque, Ministro Sepúlveda
Pertence, creio que dificilmente encontraríamos outra matéria em que, realmente, os casos
sejam todos tão padronizados.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Salvo engano, Vossa Excelência disse que
estão agora sendo submetidos ao referendo da Turma Recursal.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente e Relatora): Sim.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Referendo não precisa de agravo.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente e Relatora): A partir de janeiro de 2004, a
turma recursal adotou o sistema de referendo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Compreendo perfeitamente as preocupações
de política judiciária do voto de Vossa Excelência, mas tenho receio de começarmos a
distinguir. E outros casos surgirão.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Aqui, ficaríamos apenas na hipótese de esse processo
ter forte feição objetiva.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Também nesse processo, e é exatamente essa a razão,
pois o colegiado tomou uma posição de caráter normativo: dispôs que todos os casos
que lhe forem submetidos terão tal julgamento, a despeito de suas particularidades.
330 R.T.J. — 195

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Há uma súmula das Turmas Recursais dos
Juizados Especiais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, segundo a qual decisão
monocrática proferida pelo Relator não desafia recurso à Turma Recursal. Então, teremos
de abrir essa exceção, sempre que, na questão de fundo, se aplicar súmula da Turma
Recursal.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A vantagem é que estamos a falar de processos de
massa, que têm causado tanta preocupação, e já foram objeto de consideração de Vossa
Excelência, e, nesse caso, pelo menos o Tribunal se pronuncia de maneira seletiva, quer
dizer, decide um caso, é essa a proposta, e, em princípio, fixará uma orientação normativa
num ou noutro sentido. Podemos até, daqui a pouco, estar a extrair súmulas vinculantes
desse pronunciamento.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, é o destino natural para os processos de
massa. Mas eu fico com a liturgia.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: E eu proponho a heterodoxia neste caso.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Penso que esse é o caso realmente típico em que o
Tribunal deveria adotar uma posição menos ortodoxa, heterodoxa mesmo, porque, nos
juizados especiais, de regra, não há recurso. Tenho sustentado que o recurso extraordiná-
rio constitui um atentado contra a natureza do juizado especial.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seriam superórgãos, acima do Supremo Tribunal
Federal, como guardas da Carta.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não é bem isso. É que esses juizados especiais foram
concebidos para julgar causas de pequeno valor, comumente de carentes, de necessita-
dos, que devem ter uma resposta pronta da Justiça, e não ficarem por conta de recursos e
filigranas processuais, como sói acontecer com a Justiça brasileira. Então, eminentes
Colegas, penso que este é um caso em que o Supremo Tribunal Federal deve dar resposta
imediata. Ele tem caráter objetivo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas, Ministro, o recurso cabível é o extraordinário.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Em muitos casos, nesses processos, a Turma homo-
loga a decisão do juiz. De maneira que, não obstante reconhecer as preocupações do
eminente Ministro Sepúlveda Pertence, penso que a importância e as preocupações de
milhares sobrepõem a essas preocupações puramente processuais.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os milhares não estão nada preocupados.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não sei porque essas questões estão paradas. Outro dia
um juiz me dizia, em Minas Gerais, da responsabilidade do Supremo Tribunal Federal com
milhares de processos paralisados. É hora, portanto, de resolvermos a situação.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não apenas nesse tema, e em decorrência de nos
defrontarmos, por ano, com cento e vinte mil processos. O que é uma anomalia.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas é exatamente nesse caso que se tenta um
mínimo de racionalização, permitindo que a Corte se pronuncie sobre essa questão, in
concreto, mas também com essa perspectiva ampla, com essa perspectiva objetiva.
Acho que o Ministro Sepúlveda Pertence foi, talvez, um dos autores do voto que
flexibilizou a leitura do artigo 97, antes do advento da alteração introduzida pela Lei
n. 9.868, que, na verdade, destaca e valoriza a decisão tomada.
R.T.J. — 195 331

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Embora o INSS ou a Caixa Econômica — não


sei, porque são irmãos fraternos em matéria de recorribilidade temerária — esteja apli-
cando agora o artigo 481, quando realmente já há decisão do Supremo. Mas o Tribunal
decide contra o Supremo sem mandar ao Plenário. Porque se já há decisão do Supremo,
então, pode-se decidir contra ela. E depois reclamam da multa.

VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Eros Grau: Sra. Presidente, acompanharei a heterodoxia.

VOTO (S/ Preliminar)


O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, também fico com a heterodoxia.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sra. Presidente, permanecerei fiel à Sumula n. 281.
Acredito que não há decisão final no caso a desafiar o manejo do RE.
Acompanho o pensamento do Ministro Sepúlveda Pertence, data venia de todos
os outros.

VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sra. Presidente, também peço vênia, mas é um caso
singular, do qual não extrairei nenhum princípio para aplicar em outro. Aqui as Turmas
já prefixaram um entendimento com caráter normativo, como se editasse uma norma de
lei, de modo que a pressuposição é que todas as causas serão julgadas dessa forma.
Trata-se de precedente que é multiplicador de causas, e isso provoca inquietação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Só para compreender a decisão que se insinua.
Vossa Excelência se refere à súmula da questão de fundo ou à súmula de que não cabe
agravo da decisão do Relator?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: À súmula da questão de fundo.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Então, sempre que houver súmula no Tribunal
a quo ou na Turma Recursal, o recurso pode ser decidido até pelo chefe do protocolo?
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, necessariamente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, não podemos decidir um caso espe-
cial. Estamos estabelecendo uma orientação.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, para este caso.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por exemplo, há uma Turma de um Tribunal muito
augusto que não concede habeas corpus. Então, por quê não vamos julgar origiariamente a
impetração?
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Eles devem ter suas razões.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Ainda não foi sumulada.
Com o devido respeito, neste caso ficarei com a heterodoxia.
332 R.T.J. — 195

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, continuo compreendendo o


processo como a encerrar a certeza, como a encerrar a liberdade em seu sentido maior. As
normas são, de regra, imperativas, e não dispositivas; atuam independentemente da
vontade de autor e réu. Não há a possibilidade de consenso para afastar-se a incidência
de um teor cogente, imperativo.
Preocupa-me muito a fase que atravessamos no Tribunal, que vislumbro, até mes-
mo, como uma fase de afastamento de parâmetros, adotando-se regras especiais para o
caso concreto, e passando o Colegiado a atuar como se legislador fosse.
Temos, na espécie, que a Lei n. 9.099, de 1995, e a Lei n. 10.259, de 2001, não
disciplinam a atuação isolada do Relator nas turmas recursais. Ao contrário, o segundo
diploma, no que versados os juizados especiais federais, contém mesmo dispositivo a
revelar que, na hipótese de se assentar, no incidente de uniformização, certo entendi-
mento, incumbirá à turma, e não ao Relator, implementar nos processos esse entendi-
mento.
Está havendo — e vejo isso até com bons olhos — a aplicação subsidiária do
Código de Processo Civil quanto a ter-se — como eu disse, utilizando, aqui, uma expres-
são de José Carlos Barbosa Moreira — o relator como um verdadeiro porta-voz do
colegiado. Mas, aí, verifica-se que as turmas recursais acabam por criar um sistema que é
um terceiro gênero, tendo em conta o texto do Código de Processo Civil: o Relator pode
acionar o artigo 557 e chegar, até mesmo, ao julgamento de fundo, reformando a decisão
do juízo especial, mas, fazendo-o, contrariando uma sistemática que é da tradição do
Direito brasileiro, a parte prejudicada não tem acesso ao colegiado; fazendo-o, deixa o
artigo 557 capenga, no que a turma recursal afasta o agravo previsto no § 2º do artigo
557. Foi justamente isso o que ocorreu no caso, neste processo. Houve a interposição de
recurso, que foi julgado, confirmando o relator a sentença do juízo; a Caixa Econômica,
zelosa quanto aos respectivos interesses, interpôs agravo, e esse foi convertido em em-
bargos declaratórios. A meu ver, incumbia, inclusive, à Caixa, diante da decisão proferi-
da e da tomada do princípio da fungibilidade — como eu já disse, na Turma, na contra-
mão, porque foi interposto o agravo, e não embargos declaratórios —, até mesmo, proto-
colar o agravo para o Colegiado.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Foi protocolizado.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Foi protocolado o primeiro agravo, que o Relator
recebeu como embargos declaratórios.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, mas depois da decisão.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: Dos embargos declaratórios?
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim. Houve agravo. Diz a eminente Relatora:
“O agravo foi conhecido como embargos declaratórios, mas desprovido, por apli-
cação do Enunciado n. 26 das Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Seção Judi-
ciária do Rio de Janeiro, que reza:
‘Decisão monocrática proferida pelo relator não desafia recurso à Turma
Recursal.’”
Quer dizer, decisão deste agravo também pelo Relator que proferira a decisão
agravada.
R.T.J. — 195 333

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Pois é. E há um detalhe: só se pode cogitar do


exercício do juízo primeiro de admissibilidade, seja pelo presidente da corte de origem,
seja pelo presidente da turma recursal, seja pelo próprio juízo, se, contra possível deci-
são negativa de seqüência do recurso, houver previsão de interposição de um outro
recurso.
O que temos quanto aos embargos declaratórios? O que temos quanto ao agravo do
artigo 557, § 2º? Que esses recursos serão apresentados em Mesa. Não pode, de início, o
Relator a eles negar seguimento, porque entraríamos num círculo vicioso com uma
interposição contínua de agravos, e ele, evidentemente, sempre negando-lhes segui-
mento.
Não há um terceiro sistema, um sistema específico para a observância, pelas turmas
recursais, a partir do teor das duas leis por mim referidas. O sistema é único e viabiliza o
agravo contra a decisão, quando o relator atua substituindo-se à turma recursal.
Senhora Presidenta, não creio que possamos estabelecer critérios conforme o pro-
cesso. O Direito, tanto o material quanto o instrumental, é único; há de ser observado —
e aí atua o Supremo Tribunal Federal no campo pedagógico, porque o que fizermos aqui
tende a vir a ser observado por outros tribunais. O Direito é único. Não cabe distinguir:
bem, neste processo, aplico; mas, noutro processo, não aplico. Creio que a insegurança
jurídica grassará; paga-se um preço — a meu ver até baixo, módico — por se viver em um
Estado Democrático de Direito, que é a observância do Direito posto. Este nos revela que
cabível era o agravo contra a decisão do relator. O Direito posto — e, aí, já posto pela
Constituição Federal — revela-nos, segundo o Verbete n. 281, que somente se chega ao
Supremo Tribunal Federal, na via do extraordinário stricto sensu, quando esgotada a
jurisdição na origem. Alfim, não há um sistema especial, consideradas as duas leis que
versam sobre os juizados especiais.
Não devo presumir que, em se concluindo pelo vício de procedimento, no que não
se levou o agravo a julgamento pelo Colegiado, virá esse mesmo Colegiado a decidir
desta ou daquela forma. Não há decisão segundo a capacidade intuitiva do órgão que
esteja julgando o recurso, por presunção, já que ela tem de ser formalizada pelo órgão
competente, e deve ser fundamentada.
Peço vênia para entender que o quadro decisório do processo, considerada a atua-
ção do relator na origem, não desafia o recurso extraordinário e, se nesse recurso extraor-
dinário articula-se com a transgressão do devido processo legal, no que não levou o
relator ao Colegiado o agravo que deveria ter levado, ainda que intempestivo, ainda que
deserto, e não há deserção no caso, caminho para assentar que há de ser conhecido e
provido o recurso extraordinário para que o citado recurso seja julgado pela Turma
Recursal.
É como voto nesta primeira parte.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sra. Presidente, a intervenção do eminente Ministro


Marco Aurélio, como sempre muito lúcida, suscitou-me outro fundamento. A menos que a
solução da preliminar, com base no princípio inscrito na Súmula n. 281, fosse não conhe-
cer do recurso extraordinário, teríamos, no caso dos votos dissidentes, a seguinte solução:
o Tribunal conhece do recurso, reconhece a infração de norma constitucional — seja a do
devido processo legal, seja o artigo 98, inc. I —, declara a existência de nulidade proces-
sual, anula a decisão e devolve os autos ao juízo.
334 R.T.J. — 195

Sucede que há também outro princípio legal — que está no artigo 249, § 2º, do
Código de Processo Civil — que reza, com reverência ao princípio da brevidade, da
economia e da efetividade, que, se puder, no juízo de mérito, quando a causa esteja
madura para tanto, prover em favor da parte a quem aproveitaria a declaração de nulidade,
o tribunal não deve declará-la, mas prover o mérito imediatamente.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O caso é de admissibilidade do recurso extraor-
dinário.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essa é a posição de Vossa Excelência, mas não é a do
Ministro Marco Aurélio nem a do Ministro Carlos Britto. Por isso é que estou fazendo a
observação, após a manifestação do Ministro Marco Aurélio.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A minha posição é a mesma do Ministro Sepúlveda
Pertence, porque só podemos ir ao mérito da causa — julgar o conflito de interesses — se,
em sede extraordinária, ultrapassarmos a barreira do conhecimento.
Ora, qual é a premissa do meu voto? Não foi esgotado o ofício jurisdicional na
origem. E, atrelado a esse aspecto, vem outro dado: o vício de procedimento, no que se
ataca a decisão do relator de não ter levado o agravo ao Colegiado.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Tenho a impressão de que muito mais ousada do
que esta construção que agora está se esboçando foi a construção feita em torno da não-
aplicação ou da redução teleológica do artigo 97, porque é uma cláusula tradicional —
vem da Constituição de 1934 e reproduzida praticamente em todos os textos constitucio-
nais —, e o Tribunal passou a entender que, naqueles casos em que ele já tivesse declarado
a inconstitucionalidade, por exemplo, não precisava de submeter a matéria a discussão
do Plenário. Nós poderíamos até discutir isso.
O Sr. Ministro Marco Aurélio: A premissa é o Órgão de Cúpula, o Guardião Maior
da Carta, já haver se pronunciado.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Essa construção foi aceita porque parte de uma
posição de todos os Tribunais de segundo grau do País, segundo a qual, quando haja
decisão do plenário deles sobre a inconstitucionalidade de lei, não é preciso, a cada
processo idêntico, levar a questão, de novo, ao plenário. Então, dissemos: com mais
razão, se já há decisão do Supremo Tribunal Federal. Em ADIn nem há falar, dada a
eficácia erga onmes e vinculante. Mas, mesmo, no controle difuso, em que a decisão é
susceptível de suspensão de vigência pelo Senado.
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Não discordo de Vossa Excelência, mas diria que,
aqui, o Tribunal, na verdade, atravessou o Rubicão do efeito vinculante da decisão no
controle incidental, porque, ao fazê-lo, admitiu. Por isso diria que essa heterodoxia é
construção de Vossa Excelência, não minha nem da Ministra Ellen Gracie neste caso. De
fato, o grande passo se deu a partir do modelo do artigo 97.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nós vamos chegar, daqui a pouco, ao que eu
disse: para que a Turma Recursal, se a Turma já tem súmula e é contra a nossa jurispru-
dência?! Que venha direto!
R.T.J. — 195 335

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nesse caso, poderá haver todos os recursos possí-
veis que, tanto quanto à admissibilidade quanto ao mérito, a decisão da Turma Recursal
já está tomada e celebrada em súmulas. Portanto, tenho a impressão de que aqui há uma
singularidade.

VOTO (Vista)
O Sr. Ministro Eros Grau: Todas as condições da avença de “adesão” ou transação
judicial estão definidas na lei complementar.
2. É inteiramente descabida, na hipótese, a qualificação do “termo de adesão”
como “contrato de adesão”.
Este, tal qual definido pelo artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor, é
“aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabele-
cidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor
possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. A inserção de cláusula no
formulário — diz o seu § 1º — “não desfigura a natureza de adesão do contrato”.
3. No caso do “termo de adesão” a que refere o art. 4º da Lei Complementar não há
contrato, menos ainda “contrato de adesão”, tal como definido pelo Código de Defesa
do Consumidor. É a lei — LC 110/01 — que estipula as condições da adesão. Seu
conteúdo não se presta a ser discutido ou modificado substancialmente. Não há que
falar, no caso, em excessos cometidos por empresários em suas relações com os adquirentes
finais de seus produtos ou serviços. Nem se trata, no caso, de “estandartização” de
cláusulas contratuais, de ausência de diálogo negocial em favor da redução de custos e
riscos da empresa. Aqui, diretamente, comanda a lei, não o poder empresarial.
4. Nem há que falar, no caso, em “contrato coativo”, nos quais o particular é
alcançado pelo dever de contratar, isto é, de assumir obrigação perante terceiro. Aqui o
titular da conta vinculada do FGTS pode, ou não, fazer a adesão referida no art. 6º da Lei
Complementar. Se o fizer, estará sujeito ao quanto estipulado pela lei.
5. Aqui há situação de sujeição, que, como ensina Carnelutti1, é a expressão
subjetiva do comando jurídico, considerado no seu lado passivo, isto é, da parte de
quem é comandado; significa necessidade de obedecer. Distinguindo a sujeição do
dever, Carnelutti2 esclarece que este é um vínculo imposto à vontade, ao passo que
aquela significa impossibilidade de querer com eficácia.
6. Dizendo-o de modo mais completo: o titular da conta vinculada sujeita-se ao
creditamento, nela, de determinado complemento de atualização monetária definido
pela lei; a adesão do titular da conta ao disposto no seu artigo 4º — adesão a que
corresponde um benefício [= o creditamento] e sujeição à própria lei — não pode ser
anulada por ato de vontade seu, isto é, ato de vontade do titular da conta. Atuaria, aí,
ademais, a vedação do venire contra factum proprium.

1 Sistema di Diritto Processuale Civile, v. I/51, Pádua, CEDAM, 1936.


2 Ob. e loc. cits.
336 R.T.J. — 195

7. O recorrido não impugnou a Lei Complementar 110/01, de modo que a decisão


recorrida anulou de ofício o termo de adesão ao disposto no seu artigo 4º. Anulou, e —
mais grave — de ofício, o que não poderia ter sido anulado.
Dou provimento ao recurso extraordinário.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Britto: Sra. Presidente, fiz umas anotações, que passo a ler:
“Parece-me que a solução da controvérsia passa pela análise de norma infraconsti-
tucional e de provas. Salvo engano, foi uma sugestão dos Ministros Marco Aurélio e
Carlos Velloso no julgamento da Ação Cautelar n. 272, medida cautelar.
Explico: os correntistas do FGTS aderiram ao acordo criado pela Lei Complementar
n. 110/2001, a qual disciplinou, de forma pormenorizada, os parâmetros a serem obser-
vados na adesão aos acordos.
Minha conclusão: para se chegar ao entendimento de que não houve qualquer
vício de vontade na assinatura do acordo ou mesmo se a Lei Complementar previa
taxativamente os parâmetros desse acordo, seria necessário examinar a matéria infra-
constitucional e reexaminar provas.
Por isso, voto, agora, pelo desprovimento do RE.

VOTO
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sra. Presidente, vou pedir vênia ao eminente Ministro
Carlos Britto, para acompanhar Vossa Excelência. Vou fazê-lo brevemente, porque pre-
ciso explicar umas afirmações que adiantei no julgamento da medida cautelar.
Na verdade, trata-se de decisão baseada em enunciado normativo, o qual dispõe na
cláusula final:
(...) “ainda que tenha – quem quer que seja – aderido ao acordo previsto na
Lei Complementar n. 110/01” (...)
Ou seja, esse enunciado normativo, fundamento central da decisão, deu por ine-
ficazes a Lei Complementar n. 110/01 e o acordo, independentemente das particularidades
deste e do caso concreto. Em outras palavras, editou norma de caráter geral e abstrato,
tornando ineficazes a Lei e todos os acordos celebrados com base nela.
Ora, não se declarou a inconstitucionalidade da Lei nem se examinou, em concreto,
nenhuma particularidade do acordo da qual pudesse resultar, como vício inerente ao
acordo, no caso concreto, uma causa de nulidade, uma causa de anulabilidade, ou uma
causa de ineficácia, enfim, uma causa qualquer que permitisse ao julgador retirar os
efeitos jurídicos de um ato jurídico perfeito.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência me permite um aparte?
Vou ler um trecho da sentença, assim expresso:
(...) “a parte Autora não tinha ciência de elemento essencial, qual seja, o valor
que teria a receber.
R.T.J. — 195 337

É verdade que as condições nas quais haveria a aplicação de deságio e


parcelamento estavam previstas em lei, contudo, se a parte Autora não sabia qual
era o montante que teria a receber, não poderia identificar, ao aderir ao acordo, se
sofreria algum deságio, de quanto, se receberia integralmente, de forma parcelada,
e em quantas parcelas.”
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Perdão, mas isso não consta do Relatório da eminente
Relatora. Não consta o ato impugnado do Relator. Ao contrário, vou ler o que ele diz:
(...) “Portanto, é fácil perceber que a intenção do trabalhador”(...)
Nem é trabalhadora.
O Sr. Ministro Carlos Britto: Vossa Excelência está examinando decisão recorrida.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, é o que estou examinando: a decisão
recorrida. O que foi substituído está fora de cogitação.
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Está sendo substituída agora.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não!
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, essa é a decisão que a maioria trans-
formou em acórdão. Oitenta por cento do Relatório da eminente Relatora é transcrição
dessa decisão.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Diz o Relatório:
“Trata-se de recurso extraordinário interposto contra decisão de Juiz da 1ª
Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que confirmou o desprovi-
mento do recurso inominado apresentado pela Caixa Econômica Federal, proferidos
nos seguintes termos:”
No terceiro parágrafo, na primeira página do Relatório, a eminente Ministra Relatora
diz assim:
‘Portanto, é fácil perceber que a intenção do trabalhador’ — trabalhador que
é gênero, não no gênero feminino —, ‘ao manifestar a vontade através da celebra-
ção da transação, não correspondia às reais conseqüências advindas do ato. Na
verdade, provavelmente’ — isto é, está fazendo uma afirmação — ‘a renúncia a
direitos ocorrida com a assinatura do mencionado acordo’(...)
Noutras palavras, não se está examinando nada, mas dizendo “provavelmente”, em
tese; em tese quer dizer sem nenhum fato concreto, nenhuma alegação concreta de que,
neste caso, houve vício que justificasse a existência de renúncia inconcebível, nula ou
ineficaz. Provavelmente, aconteceu isso. Em que casos? Em todos.
E, aí, concluiu: é o enunciado da Súmula.
Em outras palavras, a decisão recorrida, esta que é o objeto do recurso, abstrai
qualquer consideração de fato concreto versado na causa, razão por que a mim não me
comove em nada a objeção de que se teria de examinar previamente fatos e provas. Estou
examinando o teor de uma decisão que tem caráter genérico, que está tratando, em tese,
de todos os casos em que haja acordo celebrado nos termos da Lei n. 110/2001. É
exatamente esta a razão por que entendo que, no caso, a decisão é de caráter geral,
contém norma de caráter geral, que não poderia conter.
338 R.T.J. — 195

Dessa forma, reconheço, nos termos do voto da eminente Relatora, a violação à


cláusula que protege o ato jurídico perfeito, pelo que esta foi afirmado na decisão, em
caráter geral, ou seja, que um ato jurídico, ainda que perfeito, não prevalece em face
desse enunciado.
O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência me permite?
Uma afirmação dessa ganha sentido quando o julgador diz: diante deste caso
concreto, perante as circunstâncias tais, diante da prova tal, testemunhal ou documental,
verifica-se que houve erro. Mas aqui não se examina prova alguma. Fixa-se uma tese.
Essa que é a verdade. Por isso, fala-se em trabalhador e não se faz referência a nenhum
elemento do caso concreto, porque é para ser aplicada em todos os casos, independente-
mente das características singulares de cada um. Enfim, está-se dando tratamento de
caráter geral, que, como tal, ofende cláusula da Constituição.
A segunda observação que faço — até me havia esquecido de dizer — é que, no
julgamento anterior, quando fiz referência a alguns casos nos quais decidi monocratica-
mente e verifiquei haver alegação de erro, sem que se reconhecesse, na decisão recorrida,
a nulidade da avença, era para afirmar que o reconhecimento de nulidade da avença era
irrelevante perante a tese. Não interessava para o julgador, no caso concreto, se houve,
ou não, erro, nem se esse erro deu, ou não, causa a nulidade relativa. Simplesmente disse:
não interessa; o que interessa é a tese.
Exatamente porque a decisão se prende à tese, não às características do caso — que
me abstraio de examinar por ser desnecessário —, é que confirmo o meu voto, com o
devido respeito.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sra. Presidente, também eu gostaria de felicitar
Vossa Excelência pela coragem e iniciativa de ter trazido este tema ao Plenário, dada a
importância da questão.
É a primeira vez que estamos a aplicar os elementos da Lei n. 10.259 nesta exten-
são, já no julgamento da cautelar e, agora, no de mérito.
Sabemos todos que, aqui, não estamos a falar de um caso singular. Isso já foi objeto
de muitas considerações. Lembro-me, inclusive, de depoimento proferido no Congresso
Nacional — creio que na Câmara dos Deputados, pelo próprio Ministro Sepúlveda
Pertence — sobre as razões das chamadas “causas multitudinárias”.
Aqui, temos a possibilidade de, se seguirmos a toada do chamado “processo subje-
tivo individual, singular”, alcançarmos, em pouco tempo, 60 milhões de processos em
discussão no âmbito do Juizado, porque só o acordo — como foi dito da tribuna —
abrangeu algo em torno de 32 milhões de pessoas. Vejam, portanto, a dimensão.
Já foi demonstrado, e estamos aqui a discutir a tese — disse-o bem o Ministro Cezar
Peluso — de que, a rigor, nenhuma consideração faz o Juizado Especial no Rio de
Janeiro sobre um dado caso singular, mas presume que todos os acordos foram assinados
contra esse valor — fundamental, claro — da autonomia pessoal, da autonomia de
decidir.
R.T.J. — 195 339

Quem acompanha bem esse processo sabe que não houve sequer essa assinatura às
cegas. As pessoas sabiam, sim, com alguma aproximação, qual era o quantum devido,
porque elas tinham acesso as suas contas na própria Caixa Econômica. Tanto é que
faziam a opção. Tanto quanto já se demonstrou também, não é possível, de plano, dizer
que há um critério de não-razoabilidade. Para aqueles que ganhariam até cerca de dois
mil ou coisa do tipo, deu-se a indenização integral. Depois, então, trabalhou-se no
sentido de um deságio, porque havia a possibilidade de pagamento imediato, exclusão
de verbas honorárias e tudo mais. Portanto, era um tipo de aproximação que se podia
fazer.
Imagino que este é um caso de escola, um caso modelo para tantos outros que
virão, na senda — espero — da súmula vinculante. Certamente temos de construir não
um modelo judicial, mas um modelo administrativo, um processo administrativo —
admito — para solucionar casos como esses.
Imaginem os Senhores que amanhã tenhamos de fazer uma revisão de um critério
de pensão do INSS, e fixemos, lá, uma orientação qualquer. Isso pode atingir facilmente
30 ou 40 milhões de pessoas. Não é possível imaginar que a solução desse caso se dê
sequer na forma do Juizado Especial — como já foi demonstrado pelo Ministro Carlos
Velloso. Não podemos esperar isso. Teremos de encontrar uma solução administrativa.
Sra. Presidente, felicitando-a pelo brilhante voto e pela iniciativa, acompanho o
voto de Vossa Excelência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhora Presidenta, o pano de fundo é único: a


reposição do poder aquisitivo dos saldos das contas do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço.
Os anais da Corte registram que, no tocante aos diversos e milagrosos planos
econômicos que foram capitaneados por tecnocratas, com desprezo da participação do
profissional da advocacia, os trabalhadores vinham ganhando de ponta a ponta: nos
cinco Regionais Federais, no Superior Tribunal de Justiça e, também, no Supremo Tribu-
nal Federal.
O que houve? Como salientado da tribuna pelo advogado da Caixa Econômica, a
matéria — depois de termos decidido inúmeros casos, inclusive no campo individual —
veio ao Plenário, que, contra o meu voto e, se não me engano, os dos Ministros Carlos
Velloso e Sepúlveda Pertence, acabou estabelecendo distinções entre os planos econô-
micos em jogo.
Pois bem, para espanto geral, em cima de uma jurisprudência pacificada, foi edita-
da a Lei Complementar n. 101/2000, em que reconhecido o direito dos trabalhadores a
partir do nosso pronunciamento, em termos: dando-se com uma das mãos e tirando-se
com a outra, no que se cogitou de um parcelamento por anos e, mesmo assim, conside-
rando o valor da conta e o saldo do trabalhador com um certo deságio. É a tal normativi-
dade para contornar pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, coisa que, para mim,
não é ortodoxa; não se coaduna com uma Democracia; não se coaduna com uma Repú-
blica. No entanto, o Supremo Tribunal Federal já declarou constitucional a Lei Comple-
mentar n. 101/2000. Fiquei vencido, inclusive no que houve uma distorção relativa-
mente a um tributo — a contribuição que se fez ao mundo jurídico não para se ter uma
contrapartida, mas para se fazer caixa, visando a satisfazer a jurisprudência pacificada,
visando a satisfazer, em termos — como já ressaltei —, o direito posto, o direito subordi-
nante dos trabalhadores.
340 R.T.J. — 195

Essa é uma parte, mas não estou aqui a rejulgar o que já foi objeto de exame pelo
Colegiado. Estou a me defrontar com um recurso extraordinário em processo subjetivo,
considerando uma decisão que, talvez, tenha implicado a potencialização, a mais não
poder, do ato de vontade, a interpretação, vislumbrando-se os trabalhadores como tute-
lados e passando o Judiciário — não se defrontando com o conflito de interesse a envol-
ver empregado e empregador — a atuar como órgão protetor dos trabalhadores, olvidan-
do o que já submetido ao crivo do Supremo Tribunal Federal.
Em vista da decisão proferida no campo monocrático, no campo individual, pelo
Relator, temos que, diante dos parâmetros da lei, não diante dos parâmetros fáticos —
isso foi muito bem salientado pelo Ministro Cezar Peluso –, concluiu-se pela inconstitu-
cionalidade — e posso dizer, mesmo não havendo sido utilizadas essas palavras — da
Lei Complementar n. 110/2001.
Lembro-me de que, quando da edição dessa Lei, o Dirigente Maior do País fez um
pronunciamento em horário nobre, visando a ressaltar os aspectos positivos da adesão, do
acordo que era proposto aos titulares das contas do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço e, em um ato falho, chegou mesmo — podemos pegar a fita do Jornal Nacional —
a dizer que quem não aceitasse a proposta fixada na Lei deveria recorrer ao Judiciário. Aí,
evidentemente, iria aguardar o desfecho da causa projetado para as calendas gregas,
passados muitos anos.
Então, o Relator partiu da presunção de vício de consentimento, quando o vício
de consentimento a contaminar o ato jurídico precisa estar aprovado. Não se presume
o erro, o dolo, a coação, a simulação, a fraude. Presume-se não o extravagante — o
extraordinário —, mas o que normalmente ocorre. Consignou o Relator que o trabalhador
não teria idéia do que viria a receber. O trabalhador que aderiu — talvez por não ter mais
gás para enfrentar a vida econômica, precisando do numerário — teve presente que
haveria um deságio, porque estampado na própria lei alusiva ao termo de adesão.
Não ficou aí o Relator, entretanto. Acabou por lançar o que aponto como verdadeira
pérola: os resultados atingidos pelos Juizados Especiais Federais representariam um fato
novo, em termos de celeridade e economia processuais, de rapidez no desfecho dos
processos. Soubessem os trabalhadores — é o que está inserido na decisão — dessa
rapidez, não teriam aderido. Presumiu-se, portanto, que aderiram por erro, por não confia-
rem na entrega da prestação jurisdicional dentro de um lapso razoável. E prossegue
assentando que representaria um fato novo e imprevisível para o cidadão comum a
rapidez dos Juizados, o que influenciou no equilíbrio do ajuste, tornando injustificada
a onerosidade imposta a uma das partes. Evocou-se o Código de Defesa do Consumidor,
mas, a meu ver, sob uma óptica que não a agasalhada por esse mesmo Código. Evocou-se,
partindo — repito — da presunção do vício de consentimento: soubessem os trabalha-
dores da agilidade dos juizados especiais, não teriam firmado os termos de adesão. A
premissa e o resultado mostraram-se um passo, para mim, demasiadamente largo.
Presidenta, não estou, aqui, modificando o entendimento inicial, referente à as-
sentada em que foi referendada a liminar concedida por Vossa Excelência. Na oportu-
nidade, atuei no campo precário e efêmero, ou seja, sem um mergulho mais profundo,
consideradas as balizas da decisão, e mesmo assim aludi à impossibilidade jurídica da
suspensão operada — dos processos em curso na origem.
R.T.J. — 195 341

Estou a perceber que, a persistir a óptica revelada na decisão impugnada mediante


o extraordinário, não se terá mais, quanto à formalização de atos jurídicos, a menor
segurança. Poderão esses atos jurídicos vir a ser atacados a qualquer momento, presu-
mindo-se — repito — o vício de consentimento.
Mencionou-se a inexistência de transação, mas houve transação segundo os parâ-
metros da lei. Não se cuida, aqui, de uma lei a reger uma relação jurídica de subordina-
ção, como é a empregatícia, regrada pela Consolidação das Leis do Trabalho, quando
qualquer posição do trabalhador, em se tratando de renúncia a direito, é tida como
viciada. Não é o caso. Os preceitos são dispositivos. A transação, quanto à vantagem do
trabalhador, mostrou-se no recebimento imediato dos valores.
Acompanho o voto de Vossa Excelência, conhecendo do recurso e o provendo
para, no caso, julgar improcedente o pedido formulado na inicial da ação.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sra. Presidente, a questão posta na decisão recorrida
tem caráter geral, porque incluída em súmulas dos Juizados Especiais.
Bem demonstrou o Sr. Ministro Cezar Peluso que, no caso, para se reconhecer a
existência do ato jurídico perfeito e acabado, não há necessidade do exame deste sob o
ponto de vista infraconstitucional e fático, já que a questão foi posta sob o ponto de vista
geral, em abstrato.
Faço essas considerações porque, quando a questão veio ao Tribunal, trazida por
Vossa Excelência, oportunidade em que se conferiu efeito suspensivo ao recurso, votei,
entendendo de outra forma: que, no caso, teríamos que enfrentar matéria infraconstitucio-
nal e de fato. Porém, as considerações feitas pelo Ministro Cezar Peluso, nesta assentada,
me convenceram.
Por isso, eminente Ministra, reconsidero-me das observações feitas por mim e, com
essas brevíssimas considerações, acompanho o douto voto de Vossa Excelência.

VOTO
O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, também já tenho afirmado que,
regra geral, não cabe, em recurso extraordinário por afronta à garantia do ato jurídico
perfeito, examinar in concreto a validade deste ato jurídico, conforme a legislação infra-
constitucional.
Mas vejo que, afora expressões retóricas, como evidenciado nos votos que me
precederam, em particular no voto do Ministro Cezar Peluso, afora considerações retóri-
cas, o fundamento da decisão recorrida — não falo acórdão, porque não há acórdão de
um só — é o Enunciado 21 das Súmulas das Turmas Recursais dos Juizados Especiais
Federais onde se lê (fls. 150/151):
‘O trabalhador faz jus ao crédito integral, sem parcelamento, e ao levanta-
mento, nos casos previstos em lei, das verbas relativas aos expurgos de índices
inflacionários de janeiro de 1989 (42,72%) e abril de 1990 (44,80%) sobre os
saldos das contas de FGTS, ainda que tenha aderido ao acordo previsto na Lei
Complementar n. 110/01, deduzidas as parcelas porventura já recebidas.’
342 R.T.J. — 195

Portanto, não se pressupõe que o acordo haja contrariado a lei, mas, ao contrário, se
afirma que, independentemente do acordo firmado nos termos da lei, ele não vale, não é
eficaz. Concede-se, por isso, o pagamento integral quando o acordo era de pagamento
parcelado.
Neste caso, porque não necessário examinar a eventual nulidade ou anulabilidade
do ato jurídico, dado que a sua validade faz parte da própria hipótese normativa da
súmula, creio que é correto o entendimento de Vossa Excelência de que a decisão recor-
rida efetivamente afrontou a garantia do ato jurídico perfeito.
Conheço do recurso e lhe dou provimento.

EXTRATO DA ATA
RE 418.918/RJ — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Recorrente: Caixa Econômica
Federal – CEF (Advogados: Antônio Carlos Ferreira e outro). Recorrido: Jorge Peres Alves
da Silva (Advogada: Maria Tereza Costa Ferraz Borges). Assistente: União (Advogado:
Advogado-Geral da União).
Decisão: O Tribunal, preliminarmente, nos termos do voto da Relatora, conheceu
do recurso para efeitos diversos, sem anular, porém, a decisão, vencidos, no ponto, os
Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Britto e Marco Aurélio, que entendiam que o
agravo deveria ser processado e julgado na origem. No mérito, o Tribunal, por maioria,
conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Relatora,
vencido o Ministro Carlos Britto. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro
Nelson Jobim (Presidente). Falaram, pela recorrente, o Dr. Davi Duarte e, pela Advocacia-
Geral da União, o Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União. Presidiu
o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).
Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda
Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,
Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República,
Dr. Cláudio Lemos Fonteles.
Brasília, 30 de março de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 446.999 — PE

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie


Recorrente: Francisco Rubensmário Chaves Siqueira — Recorridos: José Tavares
de Lira, Coligação Democrática Ipubiense (PP/PMDB/PFL/PSDB) e Antônio Rogério
Andrade de Carvalho
Recurso extraordinário. Eleitoral. Registro de candidatura ao cargo
de prefeito. Eleições de 2004. Art. 14, § 7º, da CF. Candidato separado de
fato da filha do então prefeito. Sentença de divórcio proferida no curso do
mandato do ex-sogro. Reconhecimento judicial da separação de fato antes
do período vedado. Interpretação teleológica da regra de inelegibilidade.
R.T.J. — 195 343

1. A regra estabelecida no art. 14, § 7º, da CF, iluminada pelos mais


basilares princípios republicanos, visa obstar o monopólio do poder polí-
tico por grupos hegemônicos ligados por laços familiares. Precedente.
2. Havendo a sentença reconhecido a ocorrência da separação de
fato em momento anterior ao início do mandato do ex-sogro do recorren-
te, não há falar em perenização no poder da mesma família (Consulta n.
964/DF — Res./TSE n. 21.775, de minha relatoria).
3. Recurso extraordinário provido para restabelecer o registro de
candidatura.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-
nal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Relatora.
Brasília, 28 de junho de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Ellen Gracie,
Relatora.

RELATÓRIO (Antecipação)
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, previamente ao relatório do feito,
eu desejo trazer ao conhecimento da Turma que, pouco antes da sessão, recebi petição
firmada pelo ilustre Advogado, Dr. José Eduardo Rangel de Alckmin, solicitando o
afetamento deste processo ao exame do Plenário. Sua Excelência traça, na sua petição,
uma série de considerações porque entende que o feito deva merecer a atenção do Plená-
rio, nas quais, todavia, não encontro a necessária consistência que nos fizesse sustar o
julgamento na Turma.
Embora, de fato, Sua Excelência tenha razão num ponto. É a primeira vez que o
Supremo enfrenta esta matéria especificamente, mas esse fato, por si só, não justifica que
a competência da Turma não seja exercida na sua plenitude.
Por outro lado, a repercussão que uma eventual decisão, num sentido ou no outro,
terá é a repercussão normal e natural decorrente de qualquer processo em que uma das
partes ganhe e a outra perca.
De modo que, com a devida vênia, não vejo elementos bastantes para deslocar a
nossa competência para exame do feito ao Plenário.
Por isso, submeto-me à decisão dos Colegas, mas, desde logo, aponto que entendo
perfeitamente viável o exame nesta sentada.

RELATÓRIO
A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de recurso extraordinário interposto contra
acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, que, em sede de agravo regimental, confirmou
decisão monocrática que deu provimento a recurso especial eleitoral, reconhecendo a
344 R.T.J. — 195

inelegibilidade do ora recorrente para cassar-lhe o registro de candidatura ao cargo de


prefeito do Município de Ipubi/PE nas eleições de outubro de 2004 (REspE 22602 AgR,
Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 20-9-2004). Eis a ementa do julgado:
“Agravo regimental. Recurso especial. Registro de candidato. Inelegibili-
dade. Ex-genro. Prefeito. Candidato. Reeleição.
É inelegível ex-genro do atual prefeito candidato à reeleição, na jurisdição
do titular do mandato executivo, em razão de parentesco por afinidade na linha
reta.
- Agravo regimental não provido.” (Fl. 1047).
A Coligação Democrática Ipubiense (PP/PMDB/PFL/PSDB) (fl. 22), o Sr. Antonio
Rogério Andrade de Carvalho (fl. 43) e o Sr. José Tavares de Lira (fl. 82) impugnaram o
registro de candidatura de Francisco Rubensmário Chaves Siqueira ao cargo de prefeito
do mencionado município.
Sustentam, em síntese, a inelegibilidade do candidato, genro do então Prefeito de
Ipubi/PE (art. 14, § 7º, da CF1, art. 1º, § 3º, da Lei Complementar 64/902 e art. 13, § 4º, da
Res/TSE 21.6083). Consta dos autos que o casamento entre o candidato e a filha do
prefeito ocorreu em 27-2-1991, tendo a sentença de divórcio direto consensual sido
prolatada em 18-12-2003 (certidão de fl. 28).
O Juízo da 129ª Zona Eleitoral de Ipubi/PE deferiu o registro de candidatura,
desacolhendo as impugnações, por entender que “o lapso temporal para que a sentença
que desconstituiu o casamento, este causador da inelegibilidade reflexa, transite em
julgado, na hipótese do titular com possibilidade de concorrer à reeleição, é o período
de seis meses antes do pleito eleitoral” (fl. 481).
A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, em acór-
dão assim ementado:

1 Art. 14. (...)


§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou
afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou
Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses
anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
2 Art. 1º São inelegíveis:
(...)
§ 3º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou
afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou
Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos 6 (seis) meses
anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
3 Art. 13. (...)
§ 4º A dissolução da sociedade conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade de que cuida
o § 7º do art. 14 da Constituição da República (Res.TSE n. 21.495, de 9-9-2003).
R.T.J. — 195 345

“Eleições municipais. Registro de candidatura. Inelegibilidade. Parentesco.


- Preliminar de incidenter tantum, argüição de inconstitucionalidade do artigo
13, § 4º da Resolução n. 21.608/TSE, afastada.
- Não configura inelegibilidade de ex-genro por não ter o ex-sogro se afastado
do primeiro mandato. Únicos concorrentes políticos.
- Separação de fato, do genro e filha do prefeito, comprovadamente ocorrida
há quatro (4) anos, antes do início do mandato do ex-sogro, consagrada a extinção
do vínculo matrimonial no exercício do primeiro mandato.” (fl. 682).
Com o provimento do recurso especial pelo Tribunal Superior Eleitoral, interpôs o
candidato recurso extraordinário, o qual não foi admitido na origem. Houve agravo de
instrumento (AI 526942). Dei-lhe provimento para determinar a subida dos autos para
melhor exame do recurso extraordinário.
Alega, no recurso extraordinário, que “não se enquadra na hipótese de inelegibi-
lidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal a hipótese dos autos, que se
refere a ex-genro, do atual prefeito [mandato 2001-2004], que teve divórcio transitado
em julgado no curso do mandato, aliás o primeiro do ex-sogro, que também é candidato
a reeleição” (fl. 1056). Argumenta que, com a extinção do vínculo, não há se falar em
cônjuge, apontando, nesse sentido, o Acórdão n. 14.385 do TSE (Rel. Min. Eduardo
Ribeiro). Tal entendimento teria sido, alterado na Consulta TSE n. 888, Rel. Min. Carlos
Velloso, para quem “se em algum momento do mandato existiu a relação de parentesco,
a situação do cônjuge ou de companheiro ou companheira tem lugar a restrição previs-
ta na regra constitucional” (fl. 1057).
Sustenta que a nova interpretação do art. 14, § 7º, da CF, ampliativa, deixa de
considerar os efeitos da extinção da sociedade conjugal, pelo menos até o término do
mandato do titular do cargo do poder executivo, vez que permanecem os efeitos eleito-
rais de um vínculo já desfeito.
Aduz contradição na jurisprudência do TSE, a qual não considera a separação de
fato para afastar a inelegibilidade, ao mesmo tempo em que entende ser a regra do art. 14,
§ 7º, aplicável aos concubinos e aos que vivem em união estável.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da eminente Subprocuradora-
Geral da República Dra. Sandra Cureau, é pelo provimento do recurso, por entender que
“se a situação de fato é considerada para se decretar a inelegibilidade, também deve-
ria sê-lo para o reconhecimento da elegibilidade, a fim de que haja coerência no
sistema” (fl. 1098).
É o relatório.

VOTO
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Registro, inicialmente, que, em consulta ao
site do TSE na internet, verifiquei que o ora recorrente foi eleito prefeito do Município de
Ipubi/PE nas eleições de 2004, com 7.486 votos (61,280% dos votos válidos).
346 R.T.J. — 195

Leio o art. 14, § 7º, da CF:


“Art. 14. (...)
§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os
parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente
da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Pre-
feito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito,
salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
Colho dos autos que, embora a sentença de divórcio direto consensual tenha sido
proferida em 2003 (com trânsito em julgado em 27-2-2004), o casal já estaria separado
de fato desde 1999, antes, portanto, do início do mandato do ex-sogro do ora recorrente,
seu parente por afinidade em primeiro grau, o qual foi prefeito no período de 2001 a
2004.
Tenho por correta a jurisprudência do TSE no sentido de que “a mera separação
de fato não afasta a inelegibilidade preconizada no art. 14, § 7º, CF, que requer, para
tal mister, decisão judicial com trânsito em julgado” (REspE 16.583, Rel. Min. Walde-
mar Zveiter, unânime, julgado em 27-9-2000).
Há, no entanto, uma peculiaridade no presente caso.
A separação de fato ocorrida antes do início do mandato do ex-sogro do recorrente
foi reconhecida na sentença que decretou o divórcio. Leio na sentença de fls. 170-175,
proferida em 18-12-2003, nos autos do Processo n. 909/2003-C, pelo Juiz de Direito da
Comarca de Ipubi/PE:
“As testemunhas ouvidas neste Juízo foram unânimes em informar que o
casal já estava separado de fato há mais de 4 (quatro) anos.
A pretensão exsurge juridicamente possível, em face dos permissivos
insertos nos art. 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal e art. 1.580, § 2º, do
Novo Código Civil, eis que o pedido se funda em separação fática superior ao
interregno legal de 2 (dois) anos, o que restou sobejamente provado pelos testemu-
nhos trazidos aos autos” (fl. 173).
Quando integrava o Tribunal Superior Eleitoral, examinei a Consulta n. 964, na
qual a questão formulada assemelha-se ao presente caso. Leio trecho do voto que proferi
naquela oportunidade (Res./TSE n. 21.775, de minha relatoria, unânime, julgada em 27-
5-2004, DJ de 21-6-2004):
“Trata-se de hipótese em que a ex-esposa de prefeito reeleito, separados judi-
cialmente durante o segundo mandato deste, quer concorrer à Prefeitura da mesma
localidade. Ressalte-se que, na sentença da separação judicial, o juiz reconheceu a
separação de fato ocorrida há mais de dez anos e que, nesse período todo, o
prefeito se encontrava em união estável com outra pessoa.
É preciso ir à legislação civil para definir as regras de parentesco, já que a
existência de parentesco é a premissa básica da proibição constante do texto cons-
titucional (art. 14, § 7º, da Constituição Federal).
R.T.J. — 195 347

Ora, vejamos, o parentesco, como se sabe, pode ser (1) natural ou consangüí-
neo, ou ainda, (2) civil. Este último resulta do vínculo matrimonial ou da adoção.
O vínculo decorrente do casamento encerra-se com a morte de um dos cônjuges
(Código Civil, art. 1.571, I). A relação de afinidade, dele decorrente, com os paren-
tes do morto permanece – por obséquio ao tabu de incesto e, conseqüentemente,
apenas, para efeito de casamento – quanto aos ascendentes e descendentes do
falecido, vale dizer sogros e enteados (Código Civil, art. 1.595, §2º), bem como aos
adotantes relativamente ao ex-cônjuge do adotado e ao adotado, relativamente ao
ex-cônjuge do adotante (Código Civil, art. 1.521, III), bem como ao adotado em
relação ao filho do adotante (Código Civil, art. 1.521, V).
Na hipótese de separação judicial ou divórcio, ocorre a dissolução ou a rup-
tura do vínculo conjugal. Porém, eventualmente, podem eles constituir fórmulas
fraudatórias da intenção do legislador, para efeito de perpetuação de uma mesma
família no poder.
É justamente para evitar que tal conduta ocorra que a jurisprudência desta
Corte tem adotado entendimento rigoroso nos casos de separação judicial. Cito
alguns precedentes:
‘Consulta. Deputada Federal. Candidatura ao cargo de vice-prefeito
em município no qual ex-cônjuge é prefeito, no exercício do segundo man-
dato consecutivo. Impossibilidade. Separação ou divórcio ocorrido duran-
te o exercício do mandato. Precedente.
- No caso, não se admite que deputada federal concorra ao cargo de
vice-prefeito em município no qual seu ex-cônjuge exerce, pela segunda vez
consecutiva, o cargo de prefeito, se a separação ou o divórcio tiver ocorrido
no curso do mandato. Precedente desta Corte.
Consulta a que se responde negativamente.’ (Res.-TSE n. 21.475, de
26-8-2003, Relator Ministro Barros Monteiro);
‘Consulta. Elegibilidade. Deputada Federal. Cargo prefeito. Município.
Ex-cônjuge. Atual prefeito reeleito.
1. Impossibilidade de candidatura no mesmo município, na eleição
imediatamente subseqüente, se a separação ou divórcio ocorreu durante o
exercício do mandato.
2. Respondida negativamente.’ (Res.-TSE n. 21.472, de 21-8-2003,
Relator Ministro Carlos Madeira);
‘Eleitoral. Consulta. Elegibilidade. Ex-cônjuge do titular do poder
executivo reeleito. Separação judicial ou divórcio durante o exercício do
mandato. Impossibilidade. CF, art. 14, § 7º.
1. É inelegível, no território de jurisdição do titular, o ex-cônjuge do
chefe do Executivo reeleito, visto que em algum momento do mandato exis-
tiu o parentesco, podendo comprometer a lisura do processo eleitoral.
2. Consulta respondida negativamente.’ (Res.-TSE n. 21.441, de
12-8-2003, Relator Ministro Carlos Velloso).
348 R.T.J. — 195

No presente caso hipotético, porém, havendo a sentença reconhecido


a separação de fato há mais de dez anos, não há falar em perenização no
poder da mesma família, uma vez que o vínculo conjugal já não existia antes
mesmo do primeiro mandato, tendo ocorrido sua ruptura, inclusive, antes de
o titular ter dado início ao exercício do cargo”
Tal entendimento é perfeitamente aplicável ao presente caso. Tendo a sentença de
divórcio reconhecido que a separação de fato ocorrera há mais de 4 anos, antes, portanto,
do início do mandato do ex-sogro do ora recorrente, tenho por afastada a cláusula de
inelegibilidade.
A regra estabelecida no art. 14, § 7º, da CF, iluminada pelos mais basilares princí-
pios republicanos, visa obstar o monopólio do poder político por grupos hegemônicos
ligados por laços familiares. Colho precedente desta Corte em que tal interpretação se
faz presente:
“(...)
— O regime jurídico das inelegibilidades comporta interpretação construti-
va dos preceitos que lhe compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena vali-
dade da exegese que, norteada por parâmetros axiológicos consagrados pela pró-
pria Constituição, visa a impedir que se formem grupos hegemônicos nas instânci-
as políticas locais.
O primado da idéia republicana — cujo fundamento ético-político repousa
no exercício do regime democrático e no postulado da igualdade — rejeita qual-
quer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e
patrimonializar o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimi-
dade do processo eleitoral.” (RE 158.314, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma,
unânime, DJ de 12-2-1993)
No caso, reconhecida, na sentença de divórcio, a separação de fato ocorrida antes
mesmo do início do mandato do ex-sogro do recorrente, o que já seria suficiente para
afastar a pecha de inelegibilidade, observo que concorreram ao pleito de 2004 somente
o recorrente e o seu ex-sogro, então candidato à reeleição. Seria até possível imaginar
hipotética fraude, vez que se poderia alegar que em qualquer caso um dos integrantes do
clã seria o vencedor (considerando-se a premissa de desfazimento fraudulento do vínculo
conjugal). No entanto, a hipótese é ilógica e distancia-se dos fatos que emergem dos
autos. Isso porque um dos impugnantes à candidatura do ora recorrente é a Coligação
Democrática Ipubiense (PP/PMDB/PFL/PSDB), coligação pela qual disputou a eleição
o ex-sogro do recorrente, Valdemar Vicente de Souza, derrotado nas urnas pelo ora
recorrente. Fosse a hipótese de fraude, muito mais plausível seria a ausência de impugna-
ção pela referida coligação.
Adotando a interpretação teleológica do art. 14, § 7º, da CF, afastada a possibilida-
de de perpetuação de grupo oligárquico no poder local, quer pela extinção dos laços de
parentesco antes do período vedado, quer pela ilogicidade de hipotética fraude, entendo
deva ser reformada a decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento para
restabelecer o registro de candidatura do ora recorrente.
R.T.J. — 195 349

VOTO
O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, vou acompanhar a eminente
Relatora, não a seguindo, entretanto, integralmente nos seus fundamentos. Mas me pare-
ceu crucial a informação comprovada nos autos de que a batalha eleitoral se travou
exclusivamente entre os dois, o ex-sogro e o recorrente.
Esse dado me basta para dar provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA
RE 446.999/PE — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Recorrente: Francisco Rubensmário
Chaves Siqueira (Advogados: Elvis Del Barco Camargo e outro e José Eduardo Rangel de
Alckmin e outro). Recorridos: José Tavares de Lira (Advogados: Graciano de Lira Rocha e
outro), Coligação Democrática Ipubiense (PP/PMDB/PFL/PSDB) (Advogados: Maurício de
Fontes Oliveira e outro) e Antônio Rogério Andrade de Carvalho (Advogados: Gabriel
Portella Fagundes Neto e outro).
Decisão: Depois dos votos da Ministra Relatora e do Ministro Joaquim Barbosa,
que conhecem e dão provimento ao recurso extraordinário, o julgamento foi suspenso
em virtude de pedido de vista formulado pelo Eminente Ministro Carlos Velloso. Falou,
pelo recorrente, o Dr. José Eduardo Rangel de Alckmin. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 14 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)
Ementa: constitucional. Eleitoral. Inelegibilidade: CF, art. 14, § 7º. Paren-
tesco por afinidade: ex-genro.
I - A separação de fato não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14
da CF.
II - Se a sentença de dissolução do casamento transitar em julgado durante o
mandato, persiste, para fins de inelegibilidade, até o fim o mandato, o vínculo de
parentesco com o ex-cônjuge, pois em algum momento do mandato existiu o
vínculo conjugal.
III - Inaplicabilidade, para fins de inelegibilidade, da norma do § 2º do art.
1.595 do Código Civil, a estabelecer que “na linha reta, a afinidade não se extin-
gue com a dissolução do casamento ou da união estável”.
IV - RE conhecido, mas não provido.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Eg. Tribunal Superior Eleitoral decidiu pela
inelegibilidade de ex-genro de atual prefeito, candidato à reeleição, na jurisdição do
titular do mandato executivo, em razão do parentesco por afinidade em linha reta (fls.
1047-1051).
350 R.T.J. — 195

Daí o recurso extraordinário interposto por Francisco Rubensmário Chaves


Siqueira, às fls. 1053-1059, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com
alegação de ofensa ao art. 14, § 7º, da mesma Carta.
Diz o recorrente que foi casado com a filha do atual prefeito do Município de
Ipubi/PE, candidato à reeleição, e dela se separou de fato em 1999, tendo a sentença
de divórcio transitado em julgado em 27-2-2004.
Inadmitido o recurso (fls. 1075-1079), subiram os autos em virtude do provimento
do agravo de instrumento em apenso.
A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pela ilustre Subprocura-
dora-Geral da República Dra. Sandra Cureau, opinou pelo provimento do recurso (fls.
1094-1099).
Na Sessão de 14-6-2005, a eminente Relatora, Ministra Ellen Gracie, conheceu
do recurso e deu-lhe provimento, no que foi acompanhada pelo eminente Ministro
Joaquim Barbosa (certidão de fl. 1102).
Pedi vista dos autos, que me foram encaminhados em 21-6-2005. Em 27-6-2005,
mandei-os à Mesa, a fim de retomarmos o julgamento do recurso.
Passo a votar.
A eminente Ministra Relatora, não obstante ter reconhecido que a sentença de
divórcio foi proferida em 2003, com trânsito em julgado em 27-2-2004, expõe que “o
casal já estaria separado de fato desde 1999, antes, portanto, do início do mandato do
ex-sogro do ora recorrente, seu parente por afinidade em primeiro grau, o qual foi
prefeito no período de 2001 a 2004”.
Acontece que comprovado está, o que foi reconhecido pelo acórdão recorrido, que
o divórcio ocorreu no decurso do mandato eletivo. Subsiste, então, a inelegibilidade,
pois em algum momento do mandato existiu a sociedade conjugal.
É o que dispõe, expressamente, a Constituição Federal, art. 14, § 7º:
“Art. 14. (...)
§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os
parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente
da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Pre-
feito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito,
salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
Como bem salientou o eminente Ministro Sepúlveda Pertence na decisão que
inadmitiu o RE, “a questão de equiparar-se ou não a separação de fato à dissolução da
sociedade conjugal é de evidente impertinência ao domínio normativo da disposição
constitucional invocada” (§ 7º do art. 14, CF), “que não cuida da primeira, mas sim do
parentesco por afinidade, bastante a induzir à inelegibilidade do recorrente” (fl.
1079).
A interpretação que se quer dar à separação de fato, capaz de afastar o parentesco
que implica inelegibilidade, extrapola do disposto no § 7º do art. 14 da Constituição
Federal.
R.T.J. — 195 351

Convém esclarecer que o § 2º do art. 1.595 do Código Civil estabelece que “na
linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união
estável”. Não obstante os termos rígidos dessa disposição da lei civil, o acórdão recorri-
do restringiu, bem registrou o Ministro Pertence no mencionado despacho que inadmi-
tiu o RE, “quanto possível, a inelegibilidade” do § 7º do art. 14 da CF, “ao excluir, para
efeitos eleitorais, a incidência do art. 1.595, § 2º, do Código Civil” (fl. 1079).
Realmente, está no voto em que se embasa o acórdão que, para fins de inelegibili-
dade, o vínculo de parentesco por afinidade na linha reta se extingue com a dissolução
do casamento, não se aplicando o disposto no § 2º do art. 1.595 do Código Civil/2002
à questão de inelegibilidade. Todavia, acrescentou o voto, indicando jurisprudência do
TSE, “há de observar-se que, se a sentença de dissolução do casamento transitar em
julgado durante o mandato, persiste até o fim do mandato o vínculo de parentesco por
afinidade”.
Interpretar de outra forma significa flexibilizar, com prejuízo para a lisura dos
pleitos, a norma inscrita no § 7º do art. 14 da Constituição Federal.
Assim posta a questão, peço vênia à eminente Ministra Ellen Gracie, Relatora, para
conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

EXPLICAÇÃO (Apartes)
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Presidente, permita-me só uma palavra.
Apenas a título de esclarecimento, devo dizer que o fundamento do meu voto, em
hipótese alguma, rejeita esses precedentes do TSE, muito bem calcados nessa experiên-
cia que se teve, ao longo do tempo, relativa à possibilidade de que, efetivamente, algu-
mas separações se fizessem fraudulentamente para a finalidade de garantir a permanên-
cia de um mesmo grupo familiar no poder. Não é o caso dos autos. Estamos diante de um
caso individual e é exatamente por isso, em homenagem ao meu caríssimo Colega, e
modelo de juiz que faço este esclarecimento.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não estaria Vossa Excelência examinando a prova
para decidir o recurso extraordinário?
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Mas esses fatos que estão postos nos autos
nunca foram questionados. Não devo fechar os olhos para eles.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: O que está posto nos autos é isto: há uma sentença
que diz que a separação de fato ocorreu em 1999. Exato?
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Então, Presidente, eu só digo que, até o
exemplo que trouxe o Ministro Velloso, dessa questão da convivência homossexual,
gerando perante o TSE a inelegibilidade, mais demonstra que esse vínculo é analisado
sob o ponto de vista fático, não formal; e é, inclusive, o exemplo do TSE.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministra, o TSE retira — isso é que precisa ficar bem
claro — a possibilidade de a separação de fato implicar o afastamento da inelegibilidade
do § 7º do art. 14. E a tese básica de Vossa Excelência é esta: há uma separação de fato,
portanto, está afastada a inelegibilidade. Repito: a jurisprudência do TSE, em outras
palavras, é que somente a sentença de dissolução anterior ao mandato é que afasta o
parentesco que geraria inelegibilidade. Separação de fato o TSE não admite, reconheci-
da ou não por sentença. Essa é a tese.
352 R.T.J. — 195

A Turma estaria, segundo o entendimento de Vossa Excelência, admitindo a sepa-


ração de fato como capaz de afastar a inelegibilidade do § 7º do art. 14.
A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Ministro Velloso, eu não rejeito, de forma
alguma, a jurisprudência do TSE, mas eu faço a distinção nesse caso concreto, dadas as
circunstâncias de que foram apenas dois concorrentes no pleito, sendo que o outro
concorrente, exatamente, é o ex-sogro do recorrente, e a impugnação foi feita por essa
mesma pessoa. Portanto, está atendido o espírito da lei: não se perpetuou no poder o
mesmo grupo familiar.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Foi justamente no mandato do sogro que ocorreu a
dissolução, via divórcio.

VOTO
O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, até já votei nessa questão lá no TSE,
acompanhando a jurisprudência com base em experiência anterior, já colhida; e, tam-
bém, destituindo o Relator desse outro caso referido pelo Ministro Carlos Velloso. To-
davia, nas minhas manifestações, creio que, salvo engano, o Ministro Caputo Bastos
suscitou tentando rever o entendimento; e eu dizia que gostaria até de seguir aquela
orientação se pudesse traçar linhas inteiras, linhas divisórias entre as hipóteses de mani-
festa fraude ou de suposta fraude naquelas situações em que a separação ocorreu.
Tenho a impressão de que, neste caso, temos essa possibilidade como bem de-
monstrada no voto da Ministra Ellen Gracie, porque a própria configuração do conflito
já nos enuncia essa impossibilidade de fraude, arreglo de acerto.
De modo que, pedindo vênia ao nosso mestre, em todos os assuntos e também em
Direito Eleitoral, Professor Ministro Carlos Velloso, e ao nosso eminente Presidente,
mas também fiel à essa manifestação que eu tinha já externado no Tribunal Superior
Eleitoral, acompanho o voto da Ministra Ellen Gracie.

VOTO
O Sr. Ministro Celso de Mello: Já tive o ensejo de enfatizar, nesta Suprema Corte,
em voto proferido no julgamento do RE 344.882/BA, que, desde a promulgação do
estatuto republicano de 1891, o sistema de direito constitucional positivo vigente em
nosso País tem-se revelado claramente hostil a práticas ilegítimas, que, estimuladas
pela existência do vínculo conjugal e/ou de parentesco, culminam por afetar a normali-
dade e a legitimidade das eleições, em inaceitável deformação do modelo institucio-
nal, subvertido em seus objetivos básicos que consistem em atribuir, à autenticidade, à
transparência e à impessoalidade do processo eleitoral, a condição de valores essenciais
à consolidação do regime democrático e à preservação da forma republicana de governo.
Com o objetivo de proteger tais valores fundamentais, definiram-se, em sede
constitucional, situações de inelegibilidade destinadas a obstar a formação de grupos
hegemônicos, cuja atuação — ao monopolizar o acesso aos mandatos eletivos — acaba,
virtualmente, por patrimonializar o poder governamental, convertendo-o, em função
de uma inadmissível inversão dos postulados republicanos, em verdadeira res domestica,
R.T.J. — 195 353

degradando-o, assim, à condição subalterna de instrumento de mera dominação polí-


tica, vocacionado, não a servir ao interesse público e ao bem comum, mas, antes, a
atuar como incompreensível meio de satisfazer conveniências pessoais e de realizar
aspirações particulares.
A teleologia da norma constitucional inscrita no § 7º do art. 14 da Constituição da
República justifica-se em função da necessidade mesma de construir-se a ordem demo-
crática, erigindo-a com fundamento na essencial distinção — que se impõe — entre o
espaço público, de um lado, no qual se concentram o processo de conquista do poder e
o exercício das prerrogativas que lhe são inerentes, e o espaço privado, de outro, em
ordem a obstar que os indivíduos, mediante ilegítima apropriação, culminem por
incorporar, ao âmbito de seus interesses particulares, a esfera de domínio institucional
do Estado, marginalizando, como conseqüência desse gesto de indevida patrimoniali-
zação, o concurso dos demais cidadãos na edificação da res publica.
Daí a reflexão doutrinária, impregnada de acentuado componente filosófico,
que examina o pensamento democrático à luz das grandes dicotomias, como, por exem-
plo, aquela pertinente à dualidade público/privado, subjacente à idéia mesma de que o
respeito, pelos indivíduos, aos limites que definem o domínio público de atuação do
Estado, separando-o, de modo nítido, do espaço meramente privado, qualifica-se como
pressuposto necessário ao exercício da cidadania e do pluralismo político, que represen-
tam, enquanto categorias essenciais que são (pois dão ênfase à prática da igualdade, do
diálogo, da tolerância e da liberdade), alguns dos fundamentos em que se estrutura, em
nosso sistema institucional, o Estado republicano e democrático (CF, art. 1º, incisos II e V).
Cabe preservar, desse modo, as relações que os conceitos de espaço público e
espaço privado guardam entre si, para que tais noções não se deformem nem provo-
quem a subversão dos fins ético-jurídicos visados pelo legislador constituinte.
O fato é que essa dualidade — que põe em evidência a dicotomia espaço público/
espaço privado, analisada na perspectiva do processo histórico — repousa na própria
gênese da norma constitucional em referência, que visa, em última análise, a impedir a
apropriação privada do poder estatal, para que o grupo familiar, considerado o que
dispõe o art. 14, § 7º, da Constituição, não o monopolize nem se comporte ou aja, em
relação a ele, pro domo sua.
Daí a jurisprudência constitucional que se firmou no Supremo Tribunal Federal a
propósito do tema em questão, tal como relembrado no douto voto proferido pela
eminente Relatora:
“O regime jurídico das inelegibilidades comporta interpretação construti-
va dos preceitos que lhe compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena
validade da exegese, que, norteada por parâmetros axiológicos consagrados pela
própria Constituição, visa a impedir que se formem grupos hegemônicos nas
instâncias políticas locais.
O primado da idéia republicana — cujo fundamento ético-político repou-
sa no exercício do regime democrático e no postulado da igualdade — rejeita
qualquer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e
patrimonializar o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legiti-
midade do processo eleitoral.”
354 R.T.J. — 195

(RTJ 144/970, Rel. Min. Celso de Mello)


Como referido, tem-se registrado, desde a primeira Constituição republicana,
promulgada em 1891 (art. 47, § 4º), a legítima preocupação com a formação de oligar-
quias políticas, fundadas em núcleos familiares. Daí a cláusula de vedação, inscrita no
art. 47, § 4º, da Constituição Federal de 1891, que erigia a relação de parentesco, até o 2º
grau, à condição de situação configuradora de inelegibilidade para o desempenho do
mandato presidencial.
Essa norma consubstanciada em nossa primeira Constituição republicana pro-
clamava serem “inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente os parentes
consangüíneos e afins, nos 1º e 2º graus, do Presidente ou Vice-Presidente, que se achar
em exercício no momento da eleição, ou que o tenha deixado até seis meses antes”.
Essa hipótese constitucional de inelegibilidade — reafirmada pela Constituição
de 1934 e sucessivamente reiterada em outros estatutos fundamentais que nos regeram
a vida política (1946, 1967 e 1969), até a vigente Constituição promulgada em 1988 —
mereceu, de Carlos Maximiliano, quando comentou o texto da Carta Política de 1891
(Comentários à Constituição Brasileira, p. 538, 3ª ed., 1929, Globo), a seguinte obser-
vação:
“Para evitar o estabelecimento de oligarquias, o código supremo proíbe
que se elejam, para os lugares de Chefe de Estado ou de sucessor eventual do
mesmo, os parentes consangüíneos ou afins, no primeiro e segundo graus, do
Presidente ou Vice-Presidente que se achar em exercício no dia de se recolherem os
sufrágios, ou que o tenha deixado até seis meses antes.” (Grifei)
Cumpre reconhecer que as formações oligárquicas constituem grave deforma-
ção do processo democrático. A busca do poder não pode limitar-se, nem restringir-se à
esfera reservada de grupos privados, sob pena de frustrar-se o princípio do acesso
universal às instâncias governamentais.
O que se me afigura inaceitável, nesse contexto, é a legitimação, de todo inad-
missível, do controle monopolístico do poder, por núcleos de pessoas unidas por
vínculos, quer de ordem familiar, quer de natureza conjugal. É que isso, caso se
revelasse lícito, equivaleria, em última análise, a ensejar o indesejável domínio do
próprio aparelho de Estado por grupos privados. Não se pode perder de perspectiva,
neste ponto, que a questão do Estado, por essência, é a própria questão do poder.
É preciso não desconsiderar, portanto, a circunstância de que a patrimonializa-
ção do poder, vale dizer, a ilegítima apropriação da “res publica” por núcleos esta-
mentais ou por grupos familiares, alternando-se em verdadeiras sucessões dinásticas,
constitui situação de inquestionável anomalia, a que esta Suprema Corte não pode
permanecer indiferente. A consagração de práticas hegemônicas, na esfera institucional
do poder político, se tolerada (e não pode sê-lo), conduzirá o processo de governo a
verdadeiro retrocesso histórico, o que constituirá, na perspectiva da atualização e mo-
dernização do aparelho de Estado, situação de todo inaceitável.
R.T.J. — 195 355

Foi por tal motivo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do RE 98.935/PI (RTJ 103/1321, Rel. Min. Cordeiro Guerra), tendo pre-
sente esse contexto normativo, fez consignar a seguinte advertência, que guarda irre-
cusável atualidade em face do texto constitucional em vigor:
“(...) quem analisa detidamente os princípios que norteiam a Constituição
na parte atinente às inelegibilidades, há de convir que sua intenção, no particular,
é evitar, entre outras coisas, a perpetuidade de grupos familiares, ou oligarquias,
à frente dos executivos.” (Grifei)
Vê-se, portanto, que a razão subjacente à cláusula de inelegibilidade tem por
objetivo evitar “o continuísmo no poder” (Pedro Henrique Távora Niess, Direitos
Políticos - Condições de Elegibilidade e Inelegibilidades, p. 57, item n. 4, 1994, Sarai-
va) e frustrar qualquer ensaio de nepotismo ou de “perpetuação no poder através de
interposta pessoa” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição
Brasileira de 1988, vol. 1/130, 1990, Saraiva).
As razões que venho de expor, associadas aos fatos expostos nesta causa, conven-
cem-me de que a eminente Relatora, em seu douto voto, revelou absoluta fidelidade aos
parâmetros axiológicos que devem condicionar o intérprete no processo de indagação
da teleologia da cláusula constitucional que define a inelegibilidade fundada em vín-
culo de parentesco ou, considerado o contexto em análise, a inelegibilidade — de todo
inocorrente na espécie — derivada de vínculo de ordem conjugal.
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para conhecer
e dar provimento ao presente recurso extraordinário.
É o meu voto.

EXTRATO DA ATA
RE 446.999/PE — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Recorrente: Francisco Rubensmário
Chaves Siqueira (Advogados: Elvis Del Barco Camargo e outro e José Eduardo Rangel de
Alckmin e outro). Recorridos: José Tavares de Lira (Advogados: Graciano de Lira Rocha e
outro), Coligação Democrática Ipubiense (PP/PMDB/PFL/PSDB) (Advogados: Maurício de
Fontes Oliveira e outro) e Antônio Rogério Andrade de Carvalho (Advogados: Gabriel
Portella Fagundes Neto e outro).
Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e deu provimento ao recurso
extraordinário, nos termos do voto da Ministra Relatora, vencido o eminente Ministro
Carlos Velloso, que lhe negava provimento.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral da
República, Dra. Sandra Verônica Cureau.
Brasília, 28 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
356 R.T.J. — 195

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 481.886 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Companhia Brasileira de Distribuição — Agravado: Município de
Ribeirão Preto
Constitucional. Administrativo. Município: horário de funciona-
mento: estabelecimento comercial: competência municipal. Súmula
645/STF.
I - A fixação de horário de funcionamento de estabelecimento co-
mercial é matéria de competência municipal, considerando improceden-
tes as alegações de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da
livre iniciativa, da livre concorrência, da liberdade de trabalho, da busca
do pleno emprego e da proteção ao consumidor. Precedentes.
II - Incidência da Súmula 645/STF.
III - Em relação à alínea c do art. 102, III, da Constituição Federal,
também não merece acolhida o prosseguimento do recurso extraordiná-
rio. É que não houve demonstração de que o acórdão impugnado teria
violado o texto constitucional julgando válida lei ou ato de governo local
contestado em face da Constituição.
IV - Agravo não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo regimental.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental da decisão (fls.
88-90) que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto da decisão denega-
tória do processamento do recurso extraordinário. O acórdão recorrido, em mandado de
segurança, deu provimento ao recurso para reformar a sentença que concedera o writ
impetrado pela agravante com o objetivo de não ser autuada por funcionar em dias de
repouso, domingos e feriados.
No recurso extraordinário, fundado no art. 102, III, a e c, da Constituição Federal,
sustenta-se ofensa aos arts. 5º, caput, e 170, caput, da mesma Carta.
A decisão agravada negou seguimento ao recurso com base em precedentes da
Corte.
Sustenta a agravante, em síntese, a insubsistência da decisão impugnada, mormente
porque seu funcionamento encontra legitimidade em diversos diplomas legais, mais
precisamente nas Leis 605/49, 6.011/91, 7.701/97, 8.105/98 e 10.101/2000, na CLT e
no Decreto 27.048/49.
R.T.J. — 195 357

Ao final, requer a agravante a reconsideração da decisão agravada ou, caso assim


não se entenda, o provimento do presente agravo regimental.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Destaco da decisão agravada:
“(...)
A decisão é de ser mantida. É que a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal é no sentido de que compete ao Município estabelecer o horário de funci-
onamento de estabelecimentos comerciais. No RE 182.976/SP, por mim relatado,
decidiu a 2ª Turma:
‘Ementa: Constitucional. Administrativo. Município: horário de
funcionamento de estabelecimentos comerciais: competência municipal.
CF, art. 30, I. CF, artigos 5º, caput, XIII e XXXII; art. 170, IV, V e VIII.
I - Competência do Município para estabelecer horário de funciona-
mento de estabelecimentos comerciais: CF, art. 30, I.
II - Inocorrência de ofensa aos artigos 5º, caput, XIII e XXXII, art. 170,
IV, V e VIII, da CF.
III - RE não conhecido.’
No voto que proferi por ocasião do citado julgamento, disse eu:
‘(...)
Ora, a fixação do horário de funcionamento de estabelecimentos co-
merciais situados no território do Município é da competência deste, dado
que se constitui em matéria ou assunto de interesse local (CF, art. 30, I).
Destarte, a legislação local que assim disponha, desde que o faça de forma
razoável, tem legitimidade constitucional. Assim procedendo, a legislação
municipal não causa ofensa aos dispositivos inscritos no art. 170, IV (livre
concorrência), V (defesa do consumidor) e VIII (busca do pleno emprego),
dado que esses princípios devem ser visualizados no sistema da Carta.
Haveria ofensa ao princípio da livre concorrência se a legislação proibisse
para uns o funcionamento num certo horário e facultasse para outros. Isso,
evidentemente, não ocorre no caso. É dizer, o horário de funcionamento é
para todos os estabelecimentos comerciais. Os princípios de defesa do consu-
midor e busca do pleno emprego (CF, art. 170, V, art. 5º, XXXII) (CF, art. 170,
VIII), por sua vez, devem conviver com o poder de polícia exercido pelo
Município, que tem por finalidade o interesse coletivo. No caso, interfere o
interesse de parcela da comunidade, que são os empregados dos estabeleci-
mentos, com direito ao descanso. De outro lado, a busca do pleno emprego
não se faz desordenadamente.
A alegação no sentido de que a legislação municipal, no ponto, é
atentatória ao princípio da isonomia — CF, art. 5º, caput — não é razoável,
dado que o horário estabelecido atinge a todos e não apenas a alguns
358 R.T.J. — 195

comerciantes. Não há invocar, no ponto, o horário de funcionamento de lojas


situadas em ‘shopping-centers’, dado que essas lojas não se igualam, em
termos de localização, às lojas situadas nas vias públicas. Ora, o princípio da
igualdade se realiza na medida em que desiguais são tratados com desigual-
dade e iguais com igualdade.
Invoca a recorrente, certamente por equívoco, o inciso XIII do art. 5º da
CF, dado que citado dispositivo constitucional tem destinatário diverso.
No RE 203.358/SP, o eminente Ministro Maurício Corrêa negou segui-
mento ao RE da Drogaria São Paulo, afirmando a competência municipal em
caso igual a este (DJ de 14-3-97).
(...)’.
No RE 174.645/SP, Relator o Ministro Maurício Corrêa, não foi outro o
decidido pela 2ª Turma (DJ de 27-2-98). No RE 274.542/SP, Relator o Ministro
Moreira Alves, a 1ª Turma decidiu no mesmo sentido (DJ de 10-8-2001).
O Plenário não destoou desse entendimento no julgamento do RE
189.170/SP, Relator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa (Plenário, 1º-2-
2001).
Ainda que superado tal óbice, para que o RE pudesse ser admitido pela alínea
c, a agravante teria que demonstrar de que forma o acórdão recorrido teria violado
o texto constitucional, julgando válida lei ou ato de governo local contestado em
face da Constituição, o que não ocorreu.
Assim posta a questão, forte nos precedentes, nego seguimento ao agravo.
(...).” (Fls. 88-90)
A decisão é de ser mantida, porque está apoiada na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.
Conforme se vê, a questão de fundo, vale dizer, a tese jurídica em que se embasa o
recurso extraordinário, foi repelida pelo Supremo Tribunal Federal num rol de preceden-
tes, todos eles indicados na decisão agravada ora sob exame.
Frise-se, ainda, que o referido entendimento está consubstanciado na Súmula
645/STF, segundo a qual é competente o Município para fixar o horário de funciona-
mento de estabelecimento comercial.
Por fim, em relação à alínea c do art. 102, III, da Constituição Federal também não
merece acolhida o prosseguimento do recurso extraordinário. É que não houve demons-
tração de que o acórdão impugnado teria violado o texto constitucional julgando válida
lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.
Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA
AI 481.886-AgR/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Companhia
Brasileira de Distribuição (Advogados: Cláudia de Almeida São Bernardo e outro).
Agravado: Município de Ribeirão Preto (Advogados: Regina Lucia Cocicov Lombardi).
R.T.J. — 195 359

Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente,


neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro
Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Ellen
Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso
de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 489.254 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Teresinha Silva dos Santos Moura e outro — Agravado: Estado do Rio
Grande do Sul
Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade Civil das
Pessoas Públicas. Ato omissivo do poder público: latrocínio praticado
por apenado fugitivo. Responsabilidade subjetiva: culpa publicizada:
falta do serviço. CF, art. 37, § 6º.
I - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade
civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de
suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não
sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída
ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.
II - A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispen-
sa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a
ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.
III - Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um
apenado que fugira da prisão tempos antes: nesse caso, não há falar em
nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes
do STF: RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, DJ de 19-12-96; RE
130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270.
IV - Agravo não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas
taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento no agravo regimental.
Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello, Presidente.
Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.
360 R.T.J. — 195

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental da decisão (fls. 404-
405) que, reconhecendo a ausência de nexo de causalidade entre a omissão estatal e o
evento danoso, deu provimento ao agravo e, desde logo, conheceu do recurso extraordi-
nário e deu-lhe provimento.
Sustentam os agravantes, em síntese, que o recurso não poderia ter sido provido.
A uma, porque o agravo regimental interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul
encontrava-se intempestivo. A duas, porque “o nexo causal entre o evento danoso e a
negligência do Poder Público foi declarada existente pelo acórdão da instância
ordinária” (fl. 412).
Ao final, requerem os agravantes a reconsideração da decisão agravada ou, caso
assim não se entenda, o provimento do presente agravo regimental.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Inicialmente, ressalte-se que, ao contrário
do afirmado pelos agravantes, o agravo regimental interposto pelo Estado do Rio Gran-
de do Sul (fls. 371-385) mostra-se tempestivo, pois interposto dentro do decêndio legal.
No mais, o agravo não merece prosperar. No julgamento do RE 369.820/RS, por
mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal, por sua 2ª Turma:
“Ementa: Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade civil
das pessoas públicas. Ato omissivo do poder público: latrocínio praticado por
apenado fugitivo. Responsabilidade subjetiva: culpa publicizada: falta do ser-
viço. CF, art. 37, § 6º.
I - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil
por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três verten-
tes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário
individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica,
a falta do serviço.
II – A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispensa o
requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva
atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.
III – Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que
fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre
a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes do STF: RE 172.025/RJ, Ministro
Ilmar Galvão, DJ de 19-12-96; RE 130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves,
RTJ 143/270.
IV – RE conhecido e provido.” (DJ de 27-2-2004)
No meu voto, disse eu:
“(...)
R.T.J. — 195 361

III
No caso, o acórdão decidiu pela ocorrência da falta do serviço.
A falta do serviço decorre do não-funcionamento ou do funcionamento insu-
ficiente, inadequado, tardio ou lento do serviço que o poder público deve prestar.
No RE 179.147/SP, por mim relatado, decidiu esta 2ª Turma que, ‘tratando-se
de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva,
pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia
ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que
pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute du service dos
franceses.’ (RTJ 179/791).

IV
Todavia, a faute du service não dispensa o requisito da causalidade, vale
dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o
dano causado a terceiro. O Ministro Moreira Alves, no voto que proferiu no RE
130.764/PR, lecionou que ‘a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a
teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do
nexo causal’, que ‘sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os in-
convenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e
a da causalidade adequada’ (cf. Wilson Mello da Silva, Responsabilidade sem
culpa, n. 78 e 79, pp. 128 e seguintes, Ed. Saraiva, São Paulo, 1974). Essa teoria,
como bem demonstra Agostinho Alvim (Da Inexecução das Obrigações, 5ª ed.,
n. 226, p. 370, Ed. Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade
quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e
imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção
deste, não haja concausa sucessiva. Daí dizer Agostinho Alvim (1. c): ‘os danos
indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis,
porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto
não existam estas, aqueles danos são indenizáveis.’ (RE 130.764/PR, RTJ 143/
270, 283).

V
A questão a ser posta, agora, é esta: a fuga de um apenado da prisão, vindo
este, tempos depois, integrando quadrilha de malfeitores, assassinar alguém, im-
plica obrigação de indenizar por parte do poder público, sob color de falta do
serviço?
No citado RE 130.764/PR, da Relatoria do Ministro Moreira Alves, cuidou-se
de tema semelhante ao aqui tratado. Ali, a espécie versada foi a seguinte: bando de
marginais, integrado por dois evadidos de prisões estaduais, invadiu residência e,
dominando a família, apossou-se de bens desta, levando o terror às pessoas, agre-
dindo o dono da casa e causando elevado prejuízo à família. Proposta a ação de
indenização, reconheceram as instâncias ordinárias a responsabilidade civil do
362 R.T.J. — 195

Estado, condenando-o a compor os danos materiais, mediante a aplicação da res-


ponsabilidade objetiva e invocando a falta do serviço. Decidiu, então, o Supremo
Tribunal Federal no mencionado RE 130.764/PR:
‘Ementa: — Responsabilidade Civil do Estado. Dano decorrente de
assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes.
— A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto
no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no § 6º do
artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também
objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus
agentes e o dano causado a terceiros.
— Em nosso sistema jurídico, como resulta do dispositivo no artigo
1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a
teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção
do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga
respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se
ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por
ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os
inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das con-
dições e a da causalidade adequada.
— No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido,
e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável
para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, é ine-
quívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a
incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitu-
cional n. 1/69, a que corresponde o § 6º do artigo 37 da atual Constituição.
Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava
um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autorida-
de pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas
resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido
cerca de vinte e um meses após a evasão.
— Recurso extraordinário conhecido e provido.’ (DJ de 7-8-92)
No RE 172.025/RJ, Relator o Ministro Ilmar Galvão, decidiu o Supremo
Tribunal Federal:
‘Ementa: responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6º, da Consti-
tuição Federal. Latrocínio praticado por preso foragido, meses depois da
fuga.
Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao Poder
Público uma responsabilidade ressarcitória sob o argumento de falha no sis-
tema de segurança dos presos.
Precedente da Primeira turma: RE 130.764, Relator Ministro Moreira
Alves.
Recurso extraordinário não conhecido.’ (DJ de 19-12-96).
R.T.J. — 195 363

Nesse RE 172.025/RJ, cuidou-se de ação de reparação de dano proposta


contra o Estado do Rio de Janeiro, com base no art. 107 da CF/67, por ter sido o
marido da autora vítima de latrocínio praticado por presidiário foragido.
Caso igual, portanto, ao que examinamos aqui.
É dizer, em casos como este, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga
do apenado e o latrocínio praticado tempos depois, pela quadrilha da qual partici-
pava o apenado, observada a teoria, quanto ao nexo de causalidade, do dano direto
e imediato.
Sem possibilidade, pois, da adoção, no caso, da falta de serviço.

VI
Assim posta a questão, conheço do recurso e dou-lhe provimento.”
A decisão agravada, assentada na jurisprudência e na melhor doutrina, é de ser
mantida, por seus próprios fundamentos.
Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA
AI 489.254-AgR/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravantes: Teresinha
Silva dos Santos Moura e outro (Advogado: João Carlos de Oliveira Antonelli). Agravado:
Estado do Rio Grande do Sul (Advogados: PGE/RS – Karina da Silva Brum e outro).
Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o Ministro
Carlos Velloso.
Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros Ellen
Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso
de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.
Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 503.617 — PR

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso


Agravante: Ronaldo Echstein de Andrade — Agravado: Ministério Público do
Estado do Paraná
Constitucional. Penal. Gravação de conversa feita por um dos inter-
locutores: licitude. Prequestionamento. Súmula 282/STF. Prova: reexame
em recurso extraordinário: impossibilidade. Súmula 279/STF.
364 R.T.J. — 195

I - A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um


deles sem o conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la,
futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quan-
do constitui exercício de defesa.
II - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante
gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário.
III - A questão relativa às provas ilícitas por derivação — the fruits
of the poisonous tree — não foi objeto de debate e decisão, assim não
prequestionada. Incidência da Súmula 282/STF.
IV - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do
conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário.
Súmula 279/STF.
V - Agravo não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-
bunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, na
conformidade da ata do julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Celso de Mello, Presidente — Carlos Velloso,
Relator,

RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental interposto da deci-
são (fls. 2237-2242) que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto da
decisão denegatória do processamento do recurso extraordinário. O acórdão recorrido
condenou o agravante à pena de 3 (três) anos de reclusão, a ser cumprida em regime
aberto e com recolhimento domiciliar mais multa, e declarou, como efeito da condena-
ção, a perda do cargo de magistrado.
No recurso extraordinário criminal, fundado no art. 102, III, a, da Constituição
Federal, sustenta-se ofensa ao art. 5º, X e XII, da mesma Carta.
A decisão agravada negou seguimento ao recurso com base na Súmula 279/STF.
Sustenta o agravante, em síntese, a insubsistência da decisão impugnada, pelos
seguintes argumentos:
a) desnecessidade da análise do conjunto fático-probatório;
b) ausência de indicação, no acórdão recorrido, de que esse estaria baseado em
outras provas suficiente para a condenação;
c) inexistência de “prova autônoma, não decorrente de prova ilícita, que dê
ensejo à manutenção da condenação do Agravante” (fl. 2267);
R.T.J. — 195 365

d) ilicitude da prova relacionada ao sigilo bancário e aos dados telefônicos e, por


derivação, de todas as provas do processo, dado que decorrentes de prova ilícita —
teoria dos frutos da árvore envenenada.
Ao final, requer o agravante o provimento do presente agravo regimental.
É o relatório.

VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob apreciação:
“(...)
O acórdão recorrido, proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná, condenou o agravante à pena de 3 (três) anos de reclusão, a ser
cumprida em regime aberto e com recolhimento domiciliar, mais multa, declaran-
do-se, ainda, como efeito da condenação, a perda do cargo de magistrado, em
acórdão assim ementado:
‘Crime funcional – Corrupção passiva atribuída a magistrado – Co-
autoria – prova satisfatória – Condenação – Continuidade delitiva –
Apenamento – Perda do cargo.
1.- A circunstância de co-réu não ser funcionário público não é
obstativa a que o mesmo figure como sujeito ativo do crime de corrupção
passiva.
2.- É de rigor a condenação dos acusados, quando a materialidade e a
autoria restarem induvidosamente demonstradas nos autos, extraídas da aná-
lise do conjunto probatório (declarações de sujeitos passivos secundários, de
testemunhas, da prova documental, da indiciária e das contradições e impos-
turas dos réus).
3.- Apenamento que tem como norte a natureza retributiva e preventiva
do crime, extremamente lesivo aos interesses da sociedade, sem deixar de
levar em conta o sistema trifásico (art. 68 do CP).
4.- Substituição da pena carcerária não autorizada, em face do exame
das circunstâncias judiciais totalmente desfavoráveis aos agentes.
5.- Perda do cargo de juiz de direito, como efeito extra penal específi-
co da condenação, com apoio no disposto pelo art. 95, inciso I, da Consti-
tuição Federal e 26, inciso I da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.’
(Fls. 1760-1761)
Daí o recurso extraordinário interposto por Ronaldo Echstein de Andrade,
fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art.
5º, X e XII, da mesma Carta.
Sustenta, em síntese, a nulidade do acórdão proferido pelo Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por estar baseado em escutas telefônicas
realizadas antes da vigência da Lei 9.296/96 e em gravações de conversas não
autorizadas pelo agravante.
366 R.T.J. — 195

Alega, ainda, que tais provas não poderiam servir de base à condenação, pois
foram produzidas sem a intimação do acusado para que exercesse seu direito ao
contraditório e à ampla defesa.
O recurso foi inadmitido na origem.
Autos conclusos em 22-4-2004.
Decido.
O RE e inviável.
Destaco do acórdão recorrido:
‘(...)
A análise do painel probatório é de ser feita com minúcia. Mas, em tema
de prova e sua repercussão, a douta Procuradoria Geral de Justiça, através das
judiciosas alegações finais de fls. 1.541 usque 1.605, produziu peça impecá-
vel, que como tal merece transcrição:
‘(...)
Sem embargo, os fatos deixaram vestígios materiais – Corpus
delicti – cuja referência merece destaque. Quanto ao primeiro crime, a
solicitação de vantagem econômica efetuada junto a Roberto Wypych
Júnior, feita pessoalmente, não deixou vestígios. Porém, o desdobra-
mento da atuação de Koite Dodo, insistindo na vantagem ilícita atra-
vés de telefonemas, encontra-se materializado nos autos, a partir das
contas telefônicas de fls. 612/614, bem assim do levantamento nelas
baseado, fls. 647, no qual a d. Corregedoria Geral de Justiça constatou
sete telefonemas de Koite a Roberto Wypych Júnior, todos ocorridos
no mês de maio de 1995.
(...)
Portanto, os poucos vestígios deixados pelos fatos criminosos
foram colhidos, conforme dispõe a regra do art. 158 do C.P.P., sendo de
reiterar-se que os crimes tratados não exigem resultado naturalístico
para aperfeiçoarem-se.’
(...)
II. 3. a – Declarações de Ofendidos
Quanto às declarações dos ofendidos, in casu, os extranei, cons-
tituem fonte de extrema importância na fixação da autoria. De logo, é
importante salientar a condição de sujeitos passivos secundários de
indesejável conflito com o magistrado titular de uma das Varas Cíveis
da Comarca, avultando em relação a Roberto Wypych a partir das reta-
liações que relata ter sofrido em relação ao processo em que litigou
contra o ‘Lembrasul Supermercados’, que teria sido favorecido propo-
sitalmente pelo acusado Ronaldo, além do constrangimento próprio de
quem mantém a decência como norte do existir, evidenciam explícitos
prejuízos de cunho moral), não necessariamente patrimoniais (cf.
Damásio, op. cit., vol. I, 13º ed., São Paulo, Saraiva, 1988, p. 158).
R.T.J. — 195 367

(...)
Destacada a condição de ofendidos de Roberto Wypych Júnior e
Maurício Monteiro Barros Vieira, impende analisar seus depoimentos.
(...)
II. 3. b – Declarações de testemunhas
Das testemunhas ouvidas, Leonor da Silveira, secretária do advo-
gado Maurício, é de extrema importância para o Ministério Público, já
que: a) confirma in totum o relato de Maurício no sentido de ter recebi-
do Koite Dodo em seu escritório na manhã de sábado, 22 de julho de
1995; b) ratifica a ocorrência da gravação da conversa de Maurício
com seu interlocutor Koite; c) confirma os telefonemas que foram
efetuados no entorno do dia da visita.
(...)
II. 3. c – Provas documentais
Aqui entram em linha de consideração as evidências materiais
das condutas de Koite e Ronaldo, sendo: a) o rol de telefonemas man-
tido entre ambos; b) os telefonemas de Koite a Roberto Wypych Júnior
e Maurício Monteiro Barros Vieira; c) os recortes de jornais estampan-
do às largas os fatos escandalosos objetos da percutio criminis; d) a
degravação constante do volume IV, fls. 648 e ss., dando conta da
veracidade do relato de Maurício Monteiro Barros Vieira, confirmando
a conversa que manteve com Koite Dodo, em 22 de julho de 1995.
(...).’ (Fls. 1728-1736)
A apreciação do extraordinário, está-se a ver, não prescindiria do exame de
prova, o que não é possível. Súmula 279/STF.
Acrescente-se, ademais, que a matéria relativa à licitude das gravação de
conversas feita ou autorizada por um dos interlocutores já foi apreciada pela 2ª
Turma quando do julgamento do HC 75.338/RJ, Rel. Ministro Nelson Jobim, que
restou assim ementado:
‘Ementa: Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema
por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um
dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando
há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum
falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava
diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chanta-
gista.
Ordem indeferida.’ (DJ de 25-6-98)
Outro não foi o entendimento da 1ª Turma no julgamento do RE 212.081/RO,
Rel. Ministro Octavio Gallotti:
‘Ementa: Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre pre-
sentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos
interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais.
368 R.T.J. — 195

Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima


defesa de quem a produziu.
Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8-97 e HC
75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma.’ (DJ de 27-3-98)
Por fim, a jurisprudência da Corte é pacífica ao afirmar que não se anula
condenação se a sentença condenatória não se apóia apenas na prova considerada
ilícita. Nesse sentido o decidido no HC 75.611/SP e no HC 82.139/BA, ambos por
mim relatados, que portam as seguintes ementas, respectivamente:
‘Ementa: Constitucional. Processual Penal. Penal. Gravação de
conversa por um dos interlocutores. Condenação, ademais, com base em
outras provas.
I - Gravação de conversas autorizada por um dos interlocutores, vítima
de extorsão, certo, entretanto, que a condenação não se assentou nas grava-
ções, apenas.
II - HC indeferido.’ (DJ de 17-4-98)
‘Ementa: Constitucional. Processual Penal. Habeas corpus. Prova
ilícita. ‘escutas telefônicas’. CF, art. 5º, XII. Prova.
I - A condenação não se apóia apenas na ‘escuta telefônica’. É dizer, há,
nos autos da ação penal, outras provas.
II - Exame aprofundado da prova: impossibilidade em sede de recurso
especial.
III - HC indeferido.’ (DJ de 1º-8-2003)
Nego seguimento ao agravo.
(...).” (Fls. 2237-2242)
A decisão é de ser mantida.
A alegação de ilicitude da utilização da gravação de conversa, entre dois interlo-
cutores, não tem procedência. É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
orienta-se no sentido da licitude da gravação de conversa entre dois interlocutores,
gravação realizada por um deles.
Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, no julgamento do
Inq 657/DF, por mim relatado. Registrei, na ocasião do citado julgamento, inexistir
ilicitude em alguém gravar uma conversa que mantém com outrem, com a finalidade de
documentá-la, futuramente, em caso de negativa. No RE 402.035-AgR/SP, Relatora a
Ministra Ellen Gracie, decidiu a 2ª Turma:
“Gravação de conversa. Iniciativa de um dos interlocutores. Licitude. Prova
corroborada por outras produzidas em juízo sob o crivo do contraditório.
Gravação de conversa. A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhe-
cimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a
documentá-la em caso de negativa. Precedente: Inq 657, Carlos Velloso. Conteúdo
da gravação confirmada em juízo. AgR-RE improvido.” (DJ de 6-2-2004)
R.T.J. — 195 369

No mesmo sentido: RE 212.081/RO, Ministro Octavio Gallotti, DJ de 27-3-98, HC


75.338/RJ, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ de 25-9-98; HC 74.678/SP, Rel. Ministro
Moreira Alves, DJ de 15-8-97; HC 75.261/MG, Rel. Ministro Octavio Gallotti.
Ademais, o acórdão recorrido não é amparado apenas na prova dita ilícita pelo
agravante — gravação de conversas e quebras de sigilo bancário —, havendo nos autos
outros elementos suficientes à manutenção da condenação. Assim se pronunciou a 2ª
Turma no RHC 72.463/SP, DJ de 29-9-95, por mim relatado:
“Ementa: Penal. Processo penal. Habeas corpus. Escuta telefônica. Exis-
tência de outras provas. Prova: exame.
I - Existência nos autos de outras provas não obtidas mediante escuta telefô-
nica.
II - O reexame de provas é inviável nos estreitos limites do processo de
habeas corpus.
III - Recurso improvido.”
Nesse sentido, também o decidido no RE 212.171-AgR/RJ, Rel. Ministro Maurício
Corrêa, DJ de 27-2-98.
Ressalte-se que a questão referente à ilicitude por derivação — teoria dos frutos da
árvore envenenada — não foi objeto de debate e decisão no acórdão recorrido. A ques-
tão constitucional que autoriza a admissão do recurso extraordinário é aquela que foi
expressamente decidida no acórdão atacado. Quer dizer, a questão constitucional há de
ter sido posta à decisão da Corte e por essa decidida. Se isso não tiver ocorrido, se a
questão constitucional não foi ventilada no acórdão recorrido, é incabível o recurso
extraordinário. Esclareça-se que os embargos de declaração servem para obter o preques-
tionamento quando, posta a questão constitucional à apreciação do Tribunal, esse se
omite. É dizer, se a questão constitucional não vinha sendo discutida e somente foi
suscitada nos embargos de declaração, não há falar em prequestionamento. Incide, na
espécie, a Súmula 282 desta Corte.
Por fim, verifica-se que o acórdão recorrido, ao decidir pela condenação do agra-
vante, baseou-se, sobretudo, na matéria fática trazida aos autos. Assim, o exame da
controvérsia, em recurso extraordinário, demandaria o reexame de todo o contexto fáti-
co-probatório, o que esbarra no óbice da Súmula 279/STF. Assim decidiu esta 2ª Turma
no RE 222.204/SP, DJ de 28-4-2000, cujo acórdão porta a seguinte ementa:
“Ementa: Recurso extraordinário. 2. Penal. Crime de tráfico de entorpecentes.
3. Escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei n. 9.296,
de 24-7-1996. Prova ilícita. 4. Decisão condenatória que encontra apoio suficiente
em fatos e provas autônomos e distintos da prova ilícita. Art. 5º, LVI, da Constitui-
ção Federal. 5. Não cabe, em recurso extraordinário, reapreciar o conjunto
probatório, para afastar o que assentou o acórdão recorrido. Súmula 279. 6. Recur-
so extraordinário não conhecido.”
370 R.T.J. — 195

Assim, se o acórdão expressamente faz indicação de “declarações de sujeitos pas-


sivos secundários, de testemunhas, da prova documental, da indiciária e das contradi-
ções e imposturas dos réus” (fl. 1760) como elementos caracterizadores da materialidade
e autoria do delito, não cabe à Suprema Corte, em recurso extraordinário, analisar o
conjunto fático-probatório, para afastar a condenação.
Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA
AI 503.617-AgR/PR — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Ronaldo
Echstein de Andrade (Advogados: João Roberto Santos Régnier e outro). Agravado:
Ministério Público do Estado do Paraná.
Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,
nos termos do voto do Relator.
Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros Carlos
Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geral da
República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.
Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.
ÍNDICE ALFABÉTICO
A
PrPn Ação penal. Crime material contra a ordem tributária. Processo administrativo
pendente. Condição objetiva de punibilidade: inocorrência. Justa causa:
ausência. Prescrição: suspensão. Lei n. 8.137/90, art. 1º. HC 84.262 RTJ
195/114
PrPn Ação penal privada. (...) Busca e apreensão. HC 85.177 RTJ 195/208
PrPn Ação penal pública condicionada. Legitimidade ativa. Ministério Público.
Estupro e atentado violento ao pudor. Miserabilidade: presunção. Represen-
tação: comparecimento à autoridade policial. HC 85.556 RTJ 195/266
PrPn Ação penal pública incondicionada. (...) Busca e apreensão. HC 85.177
RTJ 195/208
Ct Ação popular. (...) Competência originária. Rcl 2.833 RTJ 195/24
PrSTF Ação rescisória. Decisão rescindenda conforme jurisprudência do STF.
Decisão de Relator. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal –
RISTF, art. 21, § 1º. AR 1.754-AgR RTJ 195/3
TrGr Acidente de trabalho. Estabilidade provisória. Lei n. 8.213/91, art. 118. RE
409.919-AgR RTJ 195/313
Trbt ADCT/88, art. 41, §§ 1º, 2º e 3º. (...) Imposto sobre Serviços – ISS. RE
361.829-AgR RTJ 195/299
Adm Adicional de magistério: incidência. (...) Servidor público estadual. RE
208.156 RTJ 195/288
Adm Adicional por tempo de serviço. (...) Remuneração. MS 24.527 RTJ 195/51
PrCv Agravo de instrumento. Traslado deficiente. Certidão de publicação do acórdão
recorrido: ausência. Princípio da legalidade: ofensa inocorrente. Súmula 288. AI
179.560-AgR RTJ 195/281
IV Ame-Bus — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Ameaça a testemunha. (...) Prisão preventiva. HC 84.680 RTJ 195/155


PrPn Apelação. (...) Competência recursal. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Apelação: desprovimento. (...) Habeas corpus. HC 84.761 RTJ 195/175
PrPn Aplicação da lei penal. (...) Prisão preventiva. HC 84.202 RTJ 195/109
Pn Apropriação indébita previdenciária. (...) Extinção da punibilidade. HC
85.452 RTJ 195/249
Adm Aprovação pelo TCU: desnecessidade. (...) Competência. MS 23.219-AgR
RTJ 195/38
Ct Área indígena “Raposa Serra do Sol”. (...) Competência originária. Rcl
2.833 RTJ 195/24
PrPn Arquivamento. (...) Inquérito policial. HC 83.346 RTJ 195/85
PrCv Assistência e intervenção de terceiro. (...) Mandado de segurança. MS
24.999-ED RTJ 195/75
Pn Associação de mais de três pessoas: necessidade. (...) Quadrilha ou bando.
HC 85.457 RTJ 195/253
PrPn Atipicidade do fato. (...) Inquérito policial. HC 83.346 RTJ 195/85
Adm Ato administrativo. Demissão de servidor público. Conceito indeterminado.
Controle jurisdicional. RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Ato administrativo discricionário. Conceito indeterminado: distinção. RMS
24.699 RTJ 195/64
PrCv Ato concreto. (...) Mandado de segurança. MS 24.527 RTJ 195/51
Ct Ato de juiz. (...) Competência legislativa. ADI 2.257 RTJ 195/16
Adm Ato omissivo. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI 489.254-AgR RTJ
195/359
Adm Atribuição do Poder Judiciário. (...) Servidor público. RMS 24.699 RTJ
195/64
Trbt Autarquia. (...) Imunidade tributária recíproca. RE 388.838-AgR RTJ
195/306
Adm Autoridade competente. (...) Processo administrativo. MS 22.127 RTJ 195/36
B
PrPn Busca e apreensão. Crime contra a propriedade intelectual. Rito processual
específico. Ação penal privada. CP/40, art. 184, “caput”. CPP/41, art. 527.
HC 85.177 RTJ 195/208
PrPn Busca e apreensão. Crime contra a propriedade intelectual. Rito processual
específico: inaplicabilidade. Ação penal pública incondicionada. CP/40,
art. 184, §§ 1º e 2º. CPP/41, art. 240, § 1º. HC 85.177 RTJ 195/208
ÍNDICE ALFABÉTICO — Cab-Coi V

C
PrPn Cabimento. (...) Habeas corpus. RHC 81.740 RTJ 195/80 – HC 83.346 RTJ
195/85 – HC 84.869 RTJ 195/183 – HC 85.457 RTJ 195/253 – HC 85.673
RTJ 195/274
El Candidato: ex-genro do prefeito. (...) Mandato eletivo. RE 446.999 RTJ
195/342
PrCv Caráter descritivo. (...) Súmula. AI 179.560-AgR RTJ 195/281
Adm Cargo público. Provimento e exoneração. Presidente da República: compe-
tência. Ministro de Estado: delegação. CF/88, art. 84, parágrafo único. De-
creto n. 3.035/99. RMS 24.128 RTJ 195/42
Adm Caso fortuito: não-configuração. (...) Desapropriação. MS 24.442 RTJ
195/47
Adm Cassação de aposentadoria. (...) Competência. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
Adm Cassação de aposentadoria. (...) Processo administrativo. MS 23.219-AgR
RTJ 195/38
Pn Causa especial de aumento. (...) Pena. HC 85.673 RTJ 195/274
PrCv Certidão de publicação do acórdão recorrido: ausência. (...) Agravo de instru-
mento. AI 179.560-AgR RTJ 195/281
El CF/88, art. 14, § 7º: interpretação teleológica. (...) Mandato eletivo. RE
446.999 RTJ 195/342
Ct CF/88, art. 22, I. (...) Competência legislativa. ADI 2.257 RTJ 195/16
Ct CF/88, art. 61, § 1º, II, “e”. (...) Processo legislativo. ADI 2.750 RTJ 195/19
Adm CF/88, art. 84, parágrafo único. (...) Cargo público. RMS 24.128 RTJ 195/42
Ct CF/88, art. 102, I, “f”. (...) Competência originária. Rcl 2.833 RTJ 195/24
Trbt CF/88, art. 150, VI, “a”, e § 2º. (...) Imunidade tributária recíproca. RE
388.838-AgR RTJ 195/306
Trbt CF/88, art. 151, III. (...) Imposto sobre Serviços – ISS. RE 361.829-AgR RTJ
195/299
Pn Chamada de co-réu. (...) Roubo. HC 85.457 RTJ 195/253
PrPn Chamada de co-réu. (...) Sentença condenatória. RHC 81.740 RTJ 195/80
PrPn Chamada de co-réu: fundamento único. (...) Sentença criminal. RHC 84.845
RTJ 195/179
PrPn Código de Trânsito Brasileiro – CTB, arts. 303, 306 e 308. (...) Competência
criminal. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Coisa julgada material. (...) Inquérito policial. HC 83.346 RTJ 195/85
VI Com-Con — ÍNDICE ALFABÉTICO

Adm Comissão: mesma hierarquia. (...) Processo administrativo. MS 22.127 RTJ


195/36
Adm Competência. Presidente da República. Cassação de aposentadoria. Aprova-
ção pelo TCU: desnecessidade. Súmula 6: inaplicabilidade. MS 23.219-
AgR RTJ 195/38
PrPn Competência criminal. Justiça comum. Crime de trânsito. Infração penal de
menor potencial ofensivo: não-caracterização. Código de Trânsito Brasileiro –
CTB, arts. 303, 306 e 308. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Competência criminal. Justiça Federal. Tráfico internacional de entorpecente.
Crime praticado a bordo de aeronave. HC 85.059 RTJ 195/194
PrPn Competência jurisdicional. Juiz da Vara da Infância e Juventude. Medida
socioeducativa. Internação-sanção. Lei n. 8.069/90, art. 122, I e II. HC
85.503 RTJ 195/259
Ct Competência legislativa. Município. Estabelecimento comercial: horário de
funcionamento. Súmula 645. AI 481.886-AgR RTJ 195/356
Ct Competência legislativa. União Federal. Direito processual. Ato de juiz.
CF/88, art. 22, I. Lei Complementar estadual n. 851/98/SP, art. 26:
inconstitucionalidade. ADI 2.257 RTJ 195/16
Ct Competência legislativa. União Federal. Trânsito. Estacionamento em
local proibido: aquisição de medicamento. Lei estadual n. 10.331/99/SP:
inconstitucionalidade. ADI 2.928 RTJ 195/33
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Ação popular.
Conflito federativo. Área indígena “Raposa Serra do Sol”. CF/88, art. 102, I,
“f”. Rcl 2.833 RTJ 195/24
Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Secretário de
Estado. Prerrogativa de função. Inq 2.051-QO RTJ 195/5
PrSTF Competência recursal. Plenário do STF. Recurso em “habeas corpus”.
Decisão monocrática de ministro do STF em HC. RHC 85.243-QO RTJ
195/227
PrPn Competência recursal. Tribunal de Justiça. Apelação. Infração penal de
menor potencial ofensivo: não-caracterização. Sentença proferida pelo
Juizado Especial. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Comutação da pena: impossibilidade. (...) Execução penal. HC 85.279 RTJ
195/234
Adm Conceito indeterminado. (...) Ato administrativo. RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Conceito indeterminado: distinção. (...) Ato administrativo discricionário.
RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Concurso público. Prova física. Lesão temporária. Nova data para o exame.
Princípio da impessoalidade: ofensa. RE 351.142 RTJ 195/295
ÍNDICE ALFABÉTICO — Con-Cri VII

PrPn Condenação: nulidade. (...) Sentença criminal. RHC 84.845 RTJ 195/179
PrPn Condição objetiva de punibilidade: inocorrência. (...) Ação penal. HC
84.262 RTJ 195/114
Pn Confissão extrajudicial. (...) Roubo. HC 85.457 RTJ 195/253
Ct Conflito federativo. (...) Competência originária. Rcl 2.833 RTJ 195/24
Adm Cônjuge: falecimento. (...) Desapropriação. MS 24.442 RTJ 195/47
Pn Consumação: momento. (...) Roubo. HC 85.262 RTJ 195/228
Adm Controle jurisdicional. (...) Ato administrativo. RMS 24.699 RTJ 195/64
PrPn Conversa telefônica. (...) Prova criminal. AI 503.617-AgR RTJ 195/363
TrGr Correção monetária de conta vinculada. (...) Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço – FGTS. RE 418.918 RTJ 195/321
Pn CP/40, art. 60, § 2º: inaplicabilidade. (...) Pena. HC 84.721 RTJ 195/166
Pn CP/40, arts. 115 e 117, IV. (...) Prescrição. AI 394.065-AgR-ED-ED RTJ
195/310
Pn CP/40, art. 157, § 2º, II. (...) Roubo. HC 85.262 RTJ 195/228
PrPn CP/40, art. 184, “caput”. (...) Busca e apreensão. HC 85.177 RTJ 195/208
PrPn CP/40, art. 184, §§ 1º e 2º. (...) Busca e apreensão. HC 85.177 RTJ 195/208
PrCv CPC/73, art. 134, I a VI. (...) Magistrado. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
PrCv CPC/73, art. 138, § 1º. (...) Magistrado. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
PrPn CPP/41, art. 240, § 1º. (...) Busca e apreensão. HC 85.177 RTJ 195/208
PrPn CPP/41, art. 312. (...) Prisão preventiva. HC 84.680 RTJ 195/155
PrPn CPP/41, art. 527. (...) Busca e apreensão. HC 85.177 RTJ 195/208
PrPn CPP/41, art. 580. (...) Habeas corpus. HC 84.409-AgR RTJ 195/149
PrPn Crime contra a propriedade intelectual. (...) Busca e apreensão. HC 85.177
RTJ 195/208
PrPn Crime de trânsito. (...) Competência criminal. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Crime hediondo. (...) Execução penal. HC 85.279 RTJ 195/234
Pn Crime hediondo. (...) Pena. HC 85.585 RTJ 195/268
PrPn Crime hediondo. (...) Prisão preventiva. HC 85.237 RTJ 195/212
PrPn Crime material contra a ordem tributária. (...) Ação penal. HC 84.262 RTJ
195/114
PrPn Crime praticado a bordo de aeronave. (...) Competência criminal. HC 85.059
RTJ 195/194
Pn Crime previsto em lei especial. (...) Pena. HC 84.721 RTJ 195/166
VIII Deb-Des — ÍNDICE ALFABÉTICO

D
Pn Débito: pagamento após o recebimento da denúncia. (...) Extinção da
punibilidade. HC 85.452 RTJ 195/249
Adm Decadência: inocorrência. (...) Processo administrativo. MS 22.127 RTJ
195/36
PrSTF Decisão de Relator. (...) Ação rescisória. AR 1.754-AgR RTJ 195/3
PrPn Decisão denegatória de mandado de segurança. (...) Habeas corpus. HC
84.869 RTJ 195/183
PrSTF Decisão monocrática de ministro do STF em HC. (...) Competência recursal.
RHC 85.243-QO RTJ 195/227
PrSTF Decisão que concede ou denega medida liminar. (...) Recurso extraordinário.
RE 289.764-AgR RTJ 195/293
PrSTF Decisão rescindenda conforme jurisprudência do STF. (...) Ação rescisória.
AR 1.754-AgR RTJ 195/3
Adm Decreto Legislativo n. 444/02. (...) Remuneração. MS 24.527 RTJ 195/51
Adm Decreto n. 3.035/99. (...) Cargo público. RMS 24.128 RTJ 195/42
PrPn Decreto n. 3.226/99. (...) Execução penal. HC 85.279 RTJ 195/234
PrPn Defensor do acusado: não-notificação. (...) Júri. HC 85.052 RTJ 195/191
Adm Demissão. (...) Processo administrativo. RMS 24.128 RTJ 195/42
Adm Demissão de servidor público. (...) Ato administrativo. RMS 24.699 RTJ
195/64
Adm Demissão: ilegalidade. (...) Processo administrativo. RMS 24.699 RTJ
195/64
PrPn Denúncia. Inépcia. Narração genérica. Quadrilha ou bando. Princípio da
dignidade da pessoa humana: ofensa. HC 84.409 RTJ 195/126
PrPn Denúncia. Nulidade. Incompetência de juízo. Princípio do juiz natural:
ofensa. Inq 2.051-QO RTJ 195/5
PrCv Deputado federal pensionista. (...) Mandado de segurança. MS 24.527 RTJ
195/51
Adm Deputado federal pensionista. (...) Remuneração. MS 24.527 RTJ 195/51
PrPn Desaforamento. (...) Júri. HC 85.052 RTJ 195/191
PrCv Desapropriação. (...) Mandado de segurança. MS 24.999-ED RTJ 195/75
Adm Desapropriação. Reforma agrária. Produtividade do imóvel. Cônjuge: fa-
lecimento. Caso fortuito: não-configuração. MS 24.442 RTJ 195/47
ÍNDICE ALFABÉTICO — Des-Est IX

PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. RHC 81.740 RTJ 195/80


PrPn Descabimento. (...) Liberdade provisória. HC 85.673 RTJ 195/274
PrCv Descabimento. (...) Mandado de segurança. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. RE 289.764-AgR RTJ 195/293
Pn Descumprimento reiterado: inocorrência. (...) Medida socioeducativa. HC
85.503 RTJ 195/259
Ct Direito processual. (...) Competência legislativa. ADI 2.257 RTJ 195/16
El Divórcio no curso do mandato do ex-sogro. (...) Mandato eletivo. RE
446.999 RTJ 195/342

E
PrCv Efeito modificativo. (...) Embargos de declaração. AI 418.402-AgR-ED-ED-
ED RTJ 195/316
El Elegibilidade. (...) Mandato eletivo. RE 446.999 RTJ 195/342
PrCv Embargos de declaração. Efeito modificativo. Tribunal de origem: erro de
processamento. AI 418.402-AgR-ED-ED-ED RTJ 195/316
PrCv Embargos de declaração. Ministério Público: intimação pessoal. Entrada
dos autos em setor administrativo do MP: termo inicial. HC 83.915 RTJ
195/104
PrPn Endereço: alteração sucessiva. (...) Prisão preventiva. HC 84.202 RTJ 195/109
PrCv Entrada dos autos em setor administrativo do MP: não-comprovação. (...)
Recurso. HC 83.915 RTJ 195/104
PrCv Entrada dos autos em setor administrativo do MP: termo inicial. (...) Embargos
de declaração. HC 83.915 RTJ 195/104
TrGr Enunciado n. 21 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro:
inconstitucionalidade. (...) Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS. RE 418.918 RTJ 195/321
Ct Estabelecimento comercial: horário de funcionamento. (...) Competência
legislativa. AI 481.886-AgR RTJ 195/356
TrGr Estabilidade provisória. (...) Acidente de trabalho. RE 409.919-AgR RTJ
195/313
Ct Estacionamento em local proibido: aquisição de medicamento. (...) Compe-
tência legislativa. ADI 2.928 RTJ 195/33
PrPn Estupro e atentado violento ao pudor. (...) Ação penal pública condicionada.
HC 85.556 RTJ 195/266
X Exc-Fun — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Excesso de diligência: não-configuração. (...) Prova criminal. HC 84.869


RTJ 195/183
PrPn Excesso de prazo. (...) Prisão preventiva. HC 85.237 RTJ 195/212
PrPn Excesso de prazo: inocorrência. (...) Habeas corpus. HC 85.670 RTJ 195/271
PrPn Execução penal. Crime hediondo. Indulto coletivo: não-extensão. Comuta-
ção da pena: impossibilidade. Decreto n. 3.226/99. Lei n. 8.072/90, art. 2º, I.
HC 85.279 RTJ 195/234
Pn Execução provisória: vedação. (...) Pena. HC 85.289 RTJ 195/241
Adm Exercício temporário de cargo no TSE. (...) Remuneração. MS 24.527 RTJ
195/51
PrPn Extensão a co-réu: descabimento. (...) Habeas corpus. HC 84.409-AgR RTJ
195/149
PrPn Extensão a co-réu: indeferimento. (...) Habeas corpus. HC 84.409-AgR RTJ
195/149
Pn Extinção da punibilidade. Apropriação indébita previdenciária. Débito:
pagamento após o recebimento da denúncia. Retroatividade de lei benéfica.
Lei n. 10.684/03, art. 9º, § 2º. HC 85.452 RTJ 195/249

F
Adm “Faute de service” (falta do serviço): não-configuração. (...) Responsabilidade
civil do Estado. AI 489.254-AgR RTJ 195/359
Pn Fixação acima do máximo legal. (...) Pena. HC 85.673 RTJ 195/274
PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Sentença condenatória. RHC 81.740 RTJ
195/80
PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 84.202 RTJ 195/109 –
HC 84.680 RTJ 195/155 – HC 84.761 RTJ 195/175
PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prova criminal. HC 84.869 RTJ 195/183
Trbt Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. Natureza jurídica. RE
418.918 RTJ 195/321
TrGr Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. Termo de adesão:
desconsideração. Correção monetária de conta vinculada. Lei Comple-
mentar n. 110/01. Enunciado n. 21 das Turmas Recursais da Seção Judiciária
do Rio de Janeiro: inconstitucionalidade. RE 418.918 RTJ 195/321
PrSTF Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS: correção de saldo. (...)
Recurso extraordinário. AR 1.754-AgR RTJ 195/3
ÍNDICE ALFABÉTICO — Gar-Ile XI

G
PrPn Garantia da ordem pública. (...) Prisão preventiva. HC 84.680 RTJ 195/155 –
HC 84.761 RTJ 195/175
PrPn Gravação por interlocutor. (...) Prova criminal. AI 503.617-AgR RTJ 195/363
H
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Decisão denegatória de mandado de segurança.
HC 84.869 RTJ 195/183
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Idoneidade jurídica da prova: aferição. RHC
81.740 RTJ 195/80 – HC 85.457 RTJ 195/253
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Prequestionamento: inexigibilidade. Recurso
ordinário ou extraordinário: independência. HC 85.673 RTJ 195/274
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Recurso ordinário ou extraordinário: indepen-
dência. HC 83.346 RTJ 195/85
PrPn Habeas corpus. Cabimento. Sigilo bancário e fiscal: quebra. Prova em proce-
dimento penal. HC 84.869 RTJ 195/183
PrPn Habeas corpus. Descabimento. Matéria de prova. RHC 81.740 RTJ 195/80
PrPn Habeas corpus. Extensão a co-réu: descabimento. Situação objetivamente
idêntica: inocorrência. CPP/41, art. 580. HC 84.409-AgR RTJ 195/149
PrPn Habeas corpus. Extensão a co-réu: indeferimento. Matéria nova: inclusão.
Supressão de instância. HC 84.409-AgR RTJ 195/149
PrPn Habeas corpus. Julgamento pelo STJ: demora. Excesso de prazo: inocorrência.
Liberdade de locomoção: ofensa inocorrente. HC 85.670 RTJ 195/271
PrPn Habeas corpus. Prejudicialidade. Apelação: desprovimento. Prisão: manu-
tenção como efeito da condenação. HC 84.761 RTJ 195/175
PrPn Habeas corpus. Questão não apreciada pelo STJ. Supressão de instância.
HC 85.262 RTJ 195/228
I
Pn Idade inferior a setenta anos. (...) Prescrição. AI 394.065-AgR-ED-ED RTJ
195/310
PrPn Idoneidade jurídica da prova: aferição. (...) Habeas corpus. RHC 81.740
RTJ 195/80 – HC 85.457 RTJ 195/253
PrCv Ilegitimidade. (...) Mandado de segurança. MS 24.999-ED RTJ 195/75
PrCv Ilegitimidade da Mesa do Senado Federal. (...) Mandado de segurança. MS
24.527 RTJ 195/51
XII Imp-Ise — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrCv Impedimento: inocorrência. (...) Magistrado. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60


Trbt Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU. (...) Imunidade tributária
recíproca. RE 388.838-AgR RTJ 195/306
Trbt Imposto sobre Serviços – ISS. Isenção concedida pela União: revogação.
CF/88, art. 151, III. ADCT/88, art. 41, §§ 1º, 2º e 3º. RE 361.829-AgR RTJ
195/299
Adm Improbidade administrativa. (...) Servidor público. RMS 24.699 RTJ 195/64
Trbt Imunidade tributária recíproca. Imposto Predial e Territorial Urbano –
IPTU. Autarquia. Locação de imóvel a terceiro. CF/88, art. 150, VI, “a”, e § 2º.
RE 388.838-AgR RTJ 195/306
Adm Inativo. (...) Servidor público estadual. RE 208.156 RTJ 195/288
PrPn Incompetência de juízo. (...) Denúncia. Inq 2.051-QO RTJ 195/5
PrCv Incra. (...) Mandado de segurança. MS 24.999-ED RTJ 195/75
PrPn Indulto coletivo: não-extensão. (...) Execução penal. HC 85.279 RTJ
195/234
PrPn Inépcia. (...) Denúncia. HC 84.409 RTJ 195/126
Adm Infração disciplinar na atividade. (...) Processo administrativo. MS 23.219-
AgR RTJ 195/38
PrPn Infração penal de menor potencial ofensivo: não-caracterização. (...) Compe-
tência criminal. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Infração penal de menor potencial ofensivo: não-caracterização. (...) Compe-
tência recursal. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Inquérito policial. Arquivamento. Atipicidade do fato. Coisa julgada
material. HC 83.346 RTJ 195/85
Adm Instauração. (...) Processo administrativo. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
PrPn Internação-sanção. (...) Competência jurisdicional. HC 85.503 RTJ 195/259
Adm Interrupção. (...) Prescrição. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
Pn Interrupção: sentença condenatória recorrível. (...) Prescrição. AI 394.065-
AgR-ED-ED RTJ 195/310
PrPn Intimação criminal. Procurador do Estado de São Paulo: assistência judiciá-
ria. Intimação pessoal. Lei n. 1.060/50, art. 5º, § 5º. HC 84.747 RTJ 195/172
PrPn Intimação pessoal. (...) Intimação criminal. HC 84.747 RTJ 195/172
PrCv Intimação pessoal do Ministério Público: termo inicial. (...) Recurso. HC
83.915 RTJ 195/104
Trbt Isenção concedida pela União: revogação. (...) Imposto sobre Serviços – ISS.
RE 361.829-AgR RTJ 195/299
ÍNDICE ALFABÉTICO — Jui-Lei XIII

J
PrPn Juiz da Vara da Infância e Juventude. (...) Competência jurisdicional. HC
85.503 RTJ 195/259
Adm Julgamento fora do prazo. (...) Processo administrativo. MS 22.127 RTJ
195/36
PrPn Julgamento pelo STJ: demora. (...) Habeas corpus. HC 85.670 RTJ 195/271
PrPn Júri. Desaforamento. Defensor do acusado: não-notificação. Princípio do
contraditório: ofensa. HC 85.052 RTJ 195/191
PrPn Justa causa: ausência. (...) Ação penal. HC 84.262 RTJ 195/114
PrPn Justiça comum. (...) Competência criminal. HC 85.350 RTJ 195/243
PrPn Justiça Federal. (...) Competência criminal. HC 85.059 RTJ 195/194
L
Adm Latrocínio praticado por presidiário foragido. (...) Responsabilidade civil do
Estado. AI 489.254-AgR RTJ 195/359
PrPn Lavagem de dinheiro: suspeita razoável. (...) Prova criminal. HC 84.869
RTJ 195/183
PrPn Legitimidade ativa. (...) Ação penal pública condicionada. HC 85.556 RTJ
195/266
PrCv Legitimidade passiva da Mesa da Câmara dos Deputados. (...) Mandado de
segurança. MS 24.527 RTJ 195/51
Ct Lei Complementar estadual n. 239/02/ES: inconstitucionalidade. (...) Pro-
cesso legislativo. ADI 2.750 RTJ 195/19
Adm Lei Complementar estadual n. 645/89/SP. (...) Servidor público estadual.
RE 208.156 RTJ 195/288
Ct Lei Complementar estadual n. 851/98/SP, art. 26: inconstitucionalidade. (...)
Competência legislativa. ADI 2.257 RTJ 195/16
TrGr Lei Complementar n. 110/01. (...) Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS. RE 418.918 RTJ 195/321
Pn Lei de Execução Penal – LEP, art. 147. (...) Pena. HC 85.289 RTJ 195/241
Ct Lei estadual n. 10.331/99/SP: inconstitucionalidade. (...) Competência
legislativa. ADI 2.928 RTJ 195/33
PrPn Lei n. 1.060/50, art. 5º, § 5º. (...) Intimação criminal. HC 84.747 RTJ 195/172
Pn Lei n. 6.368/76, arts. 14 e 18, I. (...) Pena. HC 85.673 RTJ 195/274
Pn Lei n. 8.069/90, arts. 112, IV, e 122, III. (...) Medida socioeducativa. HC
85.503 RTJ 195/259
XIV Lei-Man — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Lei n. 8.069/90, art. 122, I e II. (...) Competência jurisdicional. HC 85.503
RTJ 195/259
PrPn Lei n. 8.072/90, art. 2º, I. (...) Execução penal. HC 85.279 RTJ 195/234
Pn Lei n. 8.072/90, art. 2º, § 1º. (...) Pena. HC 85.585 RTJ 195/268
Pn Lei n. 8.072/90, art. 8º. (...) Pena. HC 85.673 RTJ 195/274
Adm Lei n. 8.112/90, art. 142, I e § 3º. (...) Prescrição. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
Adm Lei n. 8.112/90, arts. 143 e 149. (...) Processo administrativo. MS 22.127
RTJ 195/36
PrPn Lei n. 8.137/90, art. 1º. (...) Ação penal. HC 84.262 RTJ 195/114
TrGr Lei n. 8.213/91, art. 118. (...) Acidente de trabalho. RE 409.919-AgR RTJ
195/313
Adm Lei n. 8.429/92. (...) Servidor público. RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Lei n. 8.429/92, art. 20. (...) Servidor público. RMS 24.699 RTJ 195/64
Pn Lei n. 10.684/03, art. 9º, § 2º. (...) Extinção da punibilidade. HC 85.452 RTJ
195/249
Adm Lesão temporária. (...) Concurso público. RE 351.142 RTJ 195/295
Pn Liberdade assistida. (...) Medida socioeducativa. HC 85.503 RTJ 195/259
PrPn Liberdade de locomoção: ofensa inocorrente. (...) Habeas corpus. HC
85.670 RTJ 195/271
PrPn Liberdade provisória. Descabimento. Prisão preventiva: legalidade. HC
85.673 RTJ 195/274
PrPn Licitude. (...) Prova criminal. AI 503.617-AgR RTJ 195/363
Trbt Locação de imóvel a terceiro. (...) Imunidade tributária recíproca. RE
388.838-AgR RTJ 195/306
PrPn Local do crime: insegurança, isolamento e falta de apoio estatal. (...) Prisão
preventiva. HC 84.680 RTJ 195/155

M
PrCv Magistrado. Impedimento: inocorrência. CPC/73, art. 134, I a VI. RMS
24.613-AgR RTJ 195/60
PrCv Magistrado. Suspeição. Presunção relativa. Preclusão. CPC/73, art. 138, § 1º.
RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
PrCv Mandado de segurança. Assistência e intervenção de terceiro. Ilegitimidade.
Incra. Desapropriação. MS 24.999-ED RTJ 195/75
ÍNDICE ALFABÉTICO — Man-Nat XV

PrCv Mandado de segurança. Descabimento. Título da Dívida Agrária – TDA.


Parcela remanescente: resgate. Súmula 269. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
PrCv Mandado de segurança. Legitimidade passiva da Mesa da Câmara dos
Deputados. Ilegitimidade da Mesa do Senado Federal. Deputado federal
pensionista. Ato concreto. MS 24.527 RTJ 195/51
El Mandato eletivo. Elegibilidade. Candidato: ex-genro do prefeito. Divórcio
no curso do mandato do ex-sogro. Separação de fato anterior ao mandato.
CF/88, art. 14, § 7º: interpretação teleológica. RE 446.999 RTJ 195/342
Ct Matéria de iniciativa do Executivo. (...) Processo legislativo. ADI 2.750
RTJ 195/19
PrPn Matéria de prova. (...) Habeas corpus. RHC 81.740 RTJ 195/80
PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. AR 1.754-AgR
RTJ 195/3
PrPn Matéria nova: inclusão. (...) Habeas corpus. HC 84.409-AgR RTJ 195/149
PrPn Medida socioeducativa. (...) Competência jurisdicional. HC 85.503 RTJ
195/259
Pn Medida socioeducativa. Liberdade assistida. Substituição por outra de
internação: impossibilidade. Descumprimento reiterado: inocorrência. Lei
n. 8.069/90, arts. 112, IV, e 122, III. HC 85.503 RTJ 195/259
PrPn Ministério Público. (...) Ação penal pública condicionada. HC 85.556 RTJ
195/266
PrCv Ministério Público: intimação pessoal. (...) Embargos de declaração. HC
83.915 RTJ 195/104
Adm Ministro de Estado: delegação. (...) Cargo público. RMS 24.128 RTJ 195/42
PrPn Miserabilidade: presunção. (...) Ação penal pública condicionada. HC
85.556 RTJ 195/266
Adm Motivação inválida. (...) Processo administrativo. RMS 24.699 RTJ 195/64
Pn Multa substitutiva: impossibilidade. (...) Pena. HC 84.721 RTJ 195/166
Ct Município. (...) Competência legislativa. AI 481.886-AgR RTJ 195/356

N
PrPn Narração genérica. (...) Denúncia. HC 84.409 RTJ 195/126
Trbt Natureza jurídica. (...) Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. RE
418.918 RTJ 195/321
PrCv Natureza: proposição jurídica. (...) Súmula. AI 179.560-AgR RTJ 195/281
XVI Nex-Pre — ÍNDICE ALFABÉTICO

Adm Nexo de causalidade: ausência. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI


489.254-AgR RTJ 195/359
Adm Nova data para o exame. (...) Concurso público. RE 351.142 RTJ 195/295
PrPn Nulidade. (...) Denúncia. Inq 2.051-QO RTJ 195/5

P
PrCv Parcela remanescente: resgate. (...) Mandado de segurança. RMS 24.613-
AgR RTJ 195/60
Pn Pena. Crime hediondo. Regime fechado: omissão do advérbio integralmente.
Progressão: impossibilidade. Lei n. 8.072/90, art. 2º, § 1º. HC 85.585 RTJ
195/268
Pn Pena. Fixação acima do máximo legal. Causa especial de aumento. Princí-
pio da individualização: ofensa inocorrente. Lei n. 6.368/76, arts. 14 e 18, I.
Lei n. 8.072/90, art. 8º. HC 85.673 RTJ 195/274
Pn Pena. Privativa de liberdade e pecuniária: cumulação. Substituída por
restritiva de direitos. Multa substitutiva: impossibilidade. Crime previsto em
lei especial. CP/40, art. 60, § 2º: inaplicabilidade. HC 84.721 RTJ 195/166
Pn Pena. Restritiva de direitos. Execução provisória: vedação. Trânsito em
julgado: termo inicial. Lei de Execução Penal – LEP, art. 147. HC 85.289
RTJ 195/241
Adm Penalidade: aplicação. (...) Servidor público. RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Perda de função. (...) Servidor público. RMS 24.699 RTJ 195/64
PrSTF Plenário do STF. (...) Competência recursal. RHC 85.243-QO RTJ 195/227
Adm Policial rodoviário federal. (...) Processo administrativo. RMS 24.128 RTJ
195/42
Pn Posse tranqüila sobre a “res”: irrelevância. (...) Roubo. HC 85.262 RTJ
195/228
Adm Prazo: termo inicial. (...) Prescrição. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
PrCv Preclusão. (...) Magistrado. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
PrPn Prejudicialidade. (...) Habeas corpus. HC 84.761 RTJ 195/175
PrSTF Prequestionamento: ausência. (...) Recurso extraordinário. AI 503.617-
AgR RTJ 195/363
PrPn Prequestionamento: inexigibilidade. (...) Habeas corpus. HC 85.673 RTJ
195/274
Ct Prerrogativa de função. (...) Competência originária. Inq 2.051-QO RTJ
195/5
ÍNDICE ALFABÉTICO — Pre-Pri XVII

Adm Prescrição. Interrupção. Processo administrativo. Prazo: termo inicial. Lei n.


8.112/90, art. 142, I e § 3º. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
Pn Prescrição. Redução do prazo: inocorrência. Idade inferior a setenta anos.
Interrupção: sentença condenatória recorrível. CP/40, arts. 115 e 117, IV. AI
394.065-AgR-ED-ED RTJ 195/310
PrPn Prescrição: suspensão. (...) Ação penal. HC 84.262 RTJ 195/114
Adm Presidente da República. (...) Competência. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
Adm Presidente da República: competência. (...) Cargo público. RMS 24.128
RTJ 195/42
PrCv Presunção relativa. (...) Magistrado. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
Adm Princípio da ampla defesa: ofensa. (...) Processo administrativo. RMS
24.699 RTJ 195/64
PrPn Princípio da dignidade da pessoa humana. (...) Prisão preventiva. HC 85.237
RTJ 195/212
PrPn Princípio da dignidade da pessoa humana: ofensa. (...) Denúncia. HC 84.409
RTJ 195/126
Adm Princípio da impessoalidade: ofensa. (...) Concurso público. RE 351.142
RTJ 195/295
Pn Princípio da individualização: ofensa inocorrente. (...) Pena. HC 85.673 RTJ
195/274
Adm Princípio da irretroatividade: ofensa inocorrente. (...) Servidor público esta-
dual. RE 208.156 RTJ 195/288
PrCv Princípio da legalidade: ofensa inocorrente. (...) Agravo de instrumento. AI
179.560-AgR RTJ 195/281
PrPn Princípio da privacidade: ofensa inocorrente. (...) Prova criminal. HC 84.869
RTJ 195/183
Adm Princípio do contraditório e da ampla defesa: ofensa inocorrente. (...) Processo
administrativo. RMS 24.128 RTJ 195/42
PrPn Princípio do contraditório: ofensa. (...) Júri. HC 85.052 RTJ 195/191
PrPn Princípio do juiz natural: ofensa. (...) Denúncia. Inq 2.051-QO RTJ 195/5
PrPn Prisão. Sentença condenatória recorrível. Recurso sem efeito suspensivo.
HC 85.351 RTJ 195/247
PrPn Prisão: manutenção como efeito da condenação. (...) Habeas corpus. HC
84.761 RTJ 195/175
PrPn Prisão preventiva. Excesso de prazo. Responsabilidade da defesa: ausência.
Crime hediondo. Princípio da dignidade da pessoa humana. HC 85.237 RTJ
195/212
XVIII Pri-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Aplicação da lei penal. Ende-


reço: alteração sucessiva. HC 84.202 RTJ 195/109
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem pública.
Ameaça a testemunha. Local do crime: insegurança, isolamento e falta de
apoio estatal. CPP/41, art. 312. HC 84.680 RTJ 195/155
PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem pública.
Reiteração de prática criminosa. HC 84.761 RTJ 195/175
PrPn Prisão preventiva: legalidade. (...) Liberdade provisória. HC 85.673 RTJ
195/274
Pn Privativa de liberdade e pecuniária: cumulação. (...) Pena. HC 84.721 RTJ
195/166
Adm Processo administrativo. Autoridade competente. Comissão: mesma hierar-
quia. Lei n. 8.112/90, arts. 143 e 149. MS 22.127 RTJ 195/36
Adm Processo administrativo. Instauração. Infração disciplinar na atividade.
Servidor público inativo: irrelevância. Cassação de aposentadoria. MS
23.219-AgR RTJ 195/38
Adm Processo administrativo. Julgamento fora do prazo. Decadência:
inocorrência. MS 22.127 RTJ 195/36
Adm Processo administrativo. Policial rodoviário federal. Demissão. Princípio
do contraditório e da ampla defesa: ofensa inocorrente. RMS 24.128 RTJ
195/42
Adm Processo administrativo. (...) Prescrição. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
Adm Processo administrativo. Publicação: boletim informativo interno. Regula-
ridade. MS 22.127 RTJ 195/36
Adm Processo administrativo. Servidor público. Demissão: ilegalidade. Motiva-
ção inválida. Princípio da ampla defesa: ofensa. RMS 24.699 RTJ 195/64
PrPn Processo administrativo pendente. (...) Ação penal. HC 84.262 RTJ 195/114
Ct Processo legislativo. Matéria de iniciativa do Executivo. Sociedade de
economia mista: criação. CF/88, art. 61, § 1º, II, “e”. Lei Complementar
estadual n. 239/02/ES: inconstitucionalidade. ADI 2.750 RTJ 195/19
PrPn Procurador do estado de São Paulo: assistência judiciária. (...) Intimação
criminal. HC 84.747 RTJ 195/172
Adm Produtividade do imóvel. (...) Desapropriação. MS 24.442 RTJ 195/47
Pn Progressão: impossibilidade. (...) Pena. HC 85.585 RTJ 195/268
PrPn Prova criminal. Licitude. Conversa telefônica. Gravação por interlocutor.
AI 503.617-AgR RTJ 195/363
ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Reg XIX

PrPn Prova criminal. Registro público: informação. Excesso de diligência: não-


configuração. Princípio da privacidade: ofensa inocorrente. HC 84.869 RTJ
195/183
PrPn Prova criminal. Sigilo bancário e fiscal: quebra. Fundamentação suficiente.
Lavagem de dinheiro: suspeita razoável. HC 84.869 RTJ 195/183
PrPn Prova em procedimento penal. (...) Habeas corpus. HC 84.869 RTJ 195/183
Adm Prova física. (...) Concurso público. RE 351.142 RTJ 195/295
Adm Provimento e exoneração. (...) Cargo público. RMS 24.128 RTJ 195/42
Adm Publicação: boletim informativo interno. (...) Processo administrativo. MS
22.127 RTJ 195/36
Q
Pn Quadrilha ou bando. Associação de mais de três pessoas: necessidade. HC
85.457 RTJ 195/253
PrPn Quadrilha ou bando. (...) Denúncia. HC 84.409 RTJ 195/126
PrPn Questão não apreciada pelo STJ. (...) Habeas corpus. HC 85.262 RTJ 195/228
R
PrCv Recurso. Tempestividade. Intimação pessoal do Ministério Público: termo
inicial. Entrada dos autos em setor administrativo do MP: não-comprovação.
HC 83.915 RTJ 195/104
PrSTF Recurso em “habeas corpus”. (...) Competência recursal. RHC 85.243-QO
RTJ 195/227
PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Decisão que concede ou denega
medida liminar. RE 289.764-AgR RTJ 195/293
PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço – FGTS: correção de saldo. AR 1.754-AgR RTJ 195/3
PrSTF Recurso extraordinário. Prequestionamento: ausência. Teoria dos frutos da
árvore envenenada. Súmula 282. AI 503.617-AgR RTJ 195/363
PrPn Recurso ordinário ou extraordinário: independência. (...) Habeas corpus. HC
83.346 RTJ 195/85 – HC 85.673 RTJ 195/274
PrPn Recurso sem efeito suspensivo. (...) Prisão. HC 85.351 RTJ 195/247
Pn Redução do prazo: inocorrência. (...) Prescrição. AI 394.065-AgR-ED-ED
RTJ 195/310
Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 24.442 RTJ 195/47
Pn Regime fechado: omissão do advérbio integralmente. (...) Pena. HC 85.585
RTJ 195/268
XX Reg-Sen — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. (...)
Ação rescisória. AR 1.754-AgR RTJ 195/3
PrPn Registro público: informação. (...) Prova criminal. HC 84.869 RTJ 195/183
Adm Regularidade. (...) Processo administrativo. MS 22.127 RTJ 195/36
PrPn Reiteração de prática criminosa. (...) Prisão preventiva. HC 84.761 RTJ
195/175
Adm Remuneração. Deputado federal pensionista. Teto constitucional. Vanta-
gem pessoal: exclusão. Adicional por tempo de serviço. Exercício temporá-
rio de cargo no TSE. Decreto Legislativo n. 444/02. MS 24.527 RTJ 195/51
PrPn Representação: comparecimento à autoridade policial. (...) Ação penal
pública condicionada. HC 85.556 RTJ 195/266
Adm Responsabilidade civil do Estado. Ato omissivo. Latrocínio praticado por
presidiário foragido. Nexo de causalidade: ausência. “Faute de service”
(falta do serviço): não-configuração. AI 489.254-AgR RTJ 195/359
Adm Responsabilidade civil do Estado. Ato omissivo. Responsabilidade sub-
jetiva. AI 489.254-AgR RTJ 195/359
PrPn Responsabilidade da defesa: ausência. (...) Prisão preventiva. HC 85.237
RTJ 195/212
Adm Responsabilidade subjetiva. (...) Responsabilidade civil do Estado. AI
489.254-AgR RTJ 195/359
Pn Restabelecimento da confissão: inidoneidade. (...) Roubo. HC 85.457 RTJ
195/253
Pn Restritiva de direitos. (...) Pena. HC 85.289 RTJ 195/241
Pn Retratação em juízo. (...) Roubo. HC 85.457 RTJ 195/253
Pn Retroatividade de lei benéfica. (...) Extinção da punibilidade. HC 85.452
RTJ 195/249
PrPn Rito processual específico. (...) Busca e apreensão. HC 85.177 RTJ 195/208
PrPn Rito processual específico: inaplicabilidade. (...) Busca e apreensão. HC
85.177 RTJ 195/208
Pn Roubo. Confissão extrajudicial. Retratação em juízo. Chamada de co-réu.
Restabelecimento da confissão: inidoneidade. HC 85.457 RTJ 195/253
Pn Roubo. Consumação: momento. Posse tranqüila sobre a “res”: irrelevância.
CP/40, art. 157, § 2º, II. HC 85.262 RTJ 195/228
S
Ct Secretário de Estado. (...) Competência originária. Inq 2.051-QO RTJ 195/5
PrPn Sentença condenatória. Fundamentação insuficiente. Chamada de co-réu.
RHC 81.740 RTJ 195/80
ÍNDICE ALFABÉTICO — Sen-Sup XXI

PrPn Sentença condenatória recorrível. (...) Prisão. HC 85.351 RTJ 195/247


PrPn Sentença criminal. Condenação: nulidade. Chamada de co-réu: fundamento
único. Tráfico de entorpecente. RHC 84.845 RTJ 195/179
PrPn Sentença proferida pelo Juizado Especial. (...) Competência recursal. HC
85.350 RTJ 195/243
El Separação de fato anterior ao mandato. (...) Mandato eletivo. RE 446.999
RTJ 195/342
Adm Servidor público. Improbidade administrativa. Penalidade: aplicação. Atri-
buição do Poder Judiciário. Lei n. 8.429/92. RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Servidor público. Improbidade administrativa. Perda de função. Trânsito em
julgado: necessidade. Lei n. 8.429/92, art. 20. RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Servidor público. (...) Processo administrativo. RMS 24.699 RTJ 195/64
Adm Servidor público estadual. Inativo. Adicional de magistério: incidência.
Princípio da irretroatividade: ofensa inocorrente. Lei Complementar estadual
n. 645/89/SP. RE 208.156 RTJ 195/288
Adm Servidor público inativo: irrelevância. (...) Processo administrativo. MS
23.219-AgR RTJ 195/38
PrPn Sigilo bancário e fiscal: quebra. (...) Habeas corpus. HC 84.869 RTJ 195/183
PrPn Sigilo bancário e fiscal: quebra. (...) Prova criminal. HC 84.869 RTJ 195/183
PrPn Situação objetivamente idêntica: inocorrência. (...) Habeas corpus. HC
84.409-AgR RTJ 195/149
Ct Sociedade de economia mista: criação. (...) Processo legislativo. ADI 2.750
RTJ 195/19
Pn Substituição por outra de internação: impossibilidade. (...) Medida
socioeducativa. HC 85.503 RTJ 195/259
Pn Substituída por restritiva de direitos. (...) Pena. HC 84.721 RTJ 195/166
PrCv Súmula. Natureza: proposição jurídica. Caráter descritivo. AI 179.560-AgR
RTJ 195/281
Adm Súmula 6: inaplicabilidade. (...) Competência. MS 23.219-AgR RTJ 195/38
PrCv Súmula 269. (...) Mandado de segurança. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60
PrSTF Súmula 282. (...) Recurso extraordinário. AI 503.617-AgR RTJ 195/363
PrCv Súmula 288. (...) Agravo de instrumento. AI 179.560-AgR RTJ 195/281
Ct Súmula 645. (...) Competência legislativa. AI 481.886-AgR RTJ 195/356
Ct Supremo Tribunal Federal – STF. (...) Competência originária. Inq 2.051-
QO RTJ 195/5 – Rcl 2.833 RTJ 195/24
XXII Sup-Van — ÍNDICE ALFABÉTICO

PrPn Supressão de instância. (...) Habeas corpus. HC 84.409-AgR RTJ 195/149 –


HC 85.262 RTJ 195/228
PrCv Suspeição. (...) Magistrado. RMS 24.613-AgR RTJ 195/60

T
PrCv Tempestividade. (...) Recurso. HC 83.915 RTJ 195/104
PrSTF Teoria dos frutos da árvore envenenada. (...) Recurso extraordinário. AI
503.617-AgR RTJ 195/363
TrGr Termo de adesão: desconsideração. (...) Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço – FGTS. RE 418.918 RTJ 195/321
Adm Teto constitucional. (...) Remuneração. MS 24.527 RTJ 195/51
PrCv Título da Dívida Agrária – TDA. (...) Mandado de segurança. RMS 24.613-
AgR RTJ 195/60
PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Sentença criminal. RHC 84.845 RTJ 195/179
PrPn Tráfico internacional de entorpecente. (...) Competência criminal. HC
85.059 RTJ 195/194
Ct Trânsito. (...) Competência legislativa. ADI 2.928 RTJ 195/33
Adm Trânsito em julgado: necessidade. (...) Servidor público. RMS 24.699 RTJ
195/64
Pn Trânsito em julgado: termo inicial. (...) Pena. HC 85.289 RTJ 195/241
PrCv Traslado deficiente. (...) Agravo de instrumento. AI 179.560-AgR RTJ
195/281
PrPn Tribunal de Justiça. (...) Competência recursal. HC 85.350 RTJ 195/243
PrCv Tribunal de origem: erro de processamento. (...) Embargos de declaração.
AI 418.402-AgR-ED-ED-ED RTJ 195/316

U
Ct União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 2.257 RTJ 195/16 – ADI
2.928 RTJ 195/33

V
Adm Vantagem pessoal: exclusão. (...) Remuneração. MS 24.527 RTJ 195/51
ÍNDICE NUMÉRICO
ACÓRDÃOS

1.754 (AR-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto....................................195/3


2.051 (Inq-QO) Rel.: Min. Gilmar Mendes................................195/5
2.257 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau.......................................195/16
2.750 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau.......................................195/19
2.833 (Rcl) Rel.: Min. Carlos Britto..................................195/24
2.928 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau.......................................195/33
22.127 (MS) Rel.: Min. Ellen Gracie...................................195/36
23.219 (MS-AgR) Rel.: Min. Eros Grau.......................................195/38
24.128 (RMS) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence......................195/42
24.442 (MS) Rel.: Min. Gilmar Mendes.............................195/47
24.527 (MS) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes...............195/51
24.613 (RMS-AgR) Rel.: Min. Eros Grau.......................................195/60
24.699 (RMS) Rel.: Min. Eros Grau.......................................195/64
24.999 (MS-ED) Rel.: Min. Carlos Velloso..............................195/75
81.740 (RHC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence......................195/80
83.346 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence......................195/85
83.915 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence...................195/104
84.202 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto...............................195/109
84.262 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello...........................195/114
84.409 (HC) Rel. p/ o ac.: Min. Gilmar Mendes.............195/126
84.409 (HC-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes...........................195/149
84.680 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto...............................195/155
84.721 (HC) Rel.: Min. Eros Grau.....................................195/166
84.747 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes...........................195/172
84.761 (HC) Rel.: Min. Eros Grau.....................................195/175
84.845 (RHC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence...................195/179
XXVI

84.869 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................195/183


85.052 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................195/191
85.059 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................195/194
85.177 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/208
85.237 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello..........................195/212
85.243 (RHC-QO) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................195/227
85.262 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/228
85.279 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/234
85.289 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................195/241
85.350 (HC) Rel.: Min. Eros Grau....................................195/243
85.351 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................195/247
85.452 (HC) Rel.: Min. Eros Grau....................................195/249
85.457 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................195/253
85.503 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/259
85.556 (HC) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................195/266
85.585 (HC) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/268
85.670 (HC) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................195/271
85.673 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................195/274
179.560 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................195/281
208.156 (RE) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence..................195/288
289.764 (RE-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello..........................195/293
351.142 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................195/295
361.829 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/299
388.838 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/306
394.065 (AI-AgR-ED-ED) Rel.: Min. Carlos Britto..............................195/310
409.919 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto..............................195/313
418.402 (AI-AgR-ED-ED-ED) Rel.: Min. Gilmar Mendes..........................195/316
418.918 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................195/321
446.999 (RE) Rel.: Min. Ellen Gracie...............................195/342
481.886 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/356
489.254 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/359
503.617 (AI-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso...........................195/363

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