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Aspectos Sociais e Culturais

da Industrialização

WernerPlum

o Empresário,
Personagem
Marginalizado na
Sociedade Industrial

Friedrich-Ebert-Stiftung, Bonn

,,
I
J\.<.-v--. .JOCk(í r. l i
L. f . ___'::\..o.~
Título do original alemão:
Der Unternehmer,
AuIJenseiler in der InduslriegeselIschaft
Traduzido por Elisabeth Maria Corsetti

Copyright 1979
Fricdrich-Ebert-Stiftung
Godesberger Allee 149
D 5300 Bonn Z
República Federal da Alemanha por
Hildesheimer Druck- und Verlags-GmbH

Ê,ett ; r
Aspectos Sociais e Culturais
da Industrialização

[o homem é um ser demasiado irracional para que tudo


o que ele é e cria possa ser objeto do cálculo científico.
Isto torna o seu agir tão divertido para o poeta, o qual
pode com fantasia e intuição captar, às vezes, certas
particularidades do homem e da sociedade humana muito
antes e com muito maior profundidade que o homem
de ciência, cuja profissão e vocação consistem em ser
diaGnosticador e terapeuta dos homens na sua vida cm
cOJnunW
Pois, quer parecer que o progresso técnico haja neste
meio tempo chegado tão longe, que tudo tenha se tornado
calc1,Úávcl- quando não, até, que tudo tenha se tornado
manipulável. IÔ por isso que há cada vez menos poetas,
menos poetas de valor. Amplamente seccionadas e em
crescente desdobramento, as sociedades industriais em
toda a sua substância parecem dominadas pela ciência.
Os «bons, velhos tempos» nunca foram bons. Porém,
neles se podia dar margem à fantasia criadora, não
somente o poeta, como também os comerciantes, os
fazedores de todo tipo de projetos (e todo tipo de faze-
dores de projetos), o empresário. Assim parece ser, mas
não cremos que assim haja sido. A criatividade inteligente
sempre teve que enfrentar dificuldades. Sempre existiram
os entraves de um mundo de coetâneos indolentes a
superar. Para solitários criadores, e~preendedores ori-
ginais, jamais existiram órgãos adequados de represen-
tação dos seus interesses.
Na verdade, esta afirmação não pode ser admitida sem
contestação. Do século XVII até O século XIX, na Europa
Oe:!. e::!2.! e ?OS :e::O:::!:e::l!:e tz.=~ na América do
Norte, as ciências foram conduzidas do geral ao indivi-
dual, as ciências naturais em primeiro lugar, mais tarde,
finalmente as ciências soci.ais. No individualismo nas-
cente havia-se despertado a fé na soberania da per-
sonalidade. O Renascimento italiano havia criado o ideal

' - -- - _ ._-.~---_. _. __ .------ - _.~- -- -- - _.-_ ...


do uomo universale, que até os anos bem avançados do
século XI seguiu sendo a meta do individualismo moderno.
NC !il.1 atmor.rcrôl (lcf,cnvolvcram-ftc O~ tipos do empresá-
rio Inquieto ou vllno EstaJo, na ewnomia e na política:
o capitalista dinâmico, o imperialista explorador, ou
também, O compositor genial, figuras freqüentemente
incômodas, às vezes, pouco simpáticas. A reflexão histó-
rica, na Il\cuida CIl\ que era llplicaua prccis~lIncnlc ao
individualismo que .fez prosperar tais personalidades,
encontrou no desvelo ao culto das casas natai5 e das
tumbas a melhor maneira de levar isso a cabo. Nas
grandes cidades, começou-se a dar a ruas e praças O
nome de personagens famosos . Foram erigidos monu-
mentos de pedra e bronze a todo aquele que havia
realizado uma grande obra. Aqueles que eram de ascen-
dência «unicamente» fidalga, os príncipes e os nobres,
foram assim também submetidos pessoalmente à obriga-
ção de grandes realizações, se quisessem ser homenagea-
dos com monumentos pela comunidade.
Neste culto germinava a discórdia. Esta apresentava pelo
menos quatros aspectos:

/ - A soberba do indivíduo rompia a unidade na na-


tureza e na sociedade. O espírito humano e a
natureza enfrentavam-se em um dualismo que per-
maneceu inconcUiável mesmo quando o individua-
lismo da burguesia indus.trial se viu suplantado pelo
racionalismo das unidades econôrnicas transconti-
nentais, tendentes à formação de consórcios. Os
desconcertos provocados pelas desordens da econo-
mia mundial moderna, as destruições do «meio am-
biente» pelo homem, o qual em outros tempos so-
mente podia perturbar seu «mundo imediato» em
todas as direções; estes são os sinais atuais de um
dualismo entre o homem e a natureza, pelo que não
se pode evidentemente (ou não se pode mais) apenas
atribuir a responsabilidade ao individualismo.
- Com a industrialização da Europa Ocidental, certas
camadas da população que se sentiam diminuídas
por carecer de prestígio social, podiam pela primeira

6
vez expressar seu orgulho de uma maneira distinta
à da nobreza, que invocava a tradição, ou do clero,
que invocava a autoridade na revcla ç~o. O cr,prrl-
lo rebelde já não mais queria reconhecer ligações
nem autoridades, pois havia encontrado uma afir-
mação de seu próprio valor em sua dupla capacidade
de realização: não somente estava preparado para
administrar, como também havia descoberto o ra-
cionalismo em seu espírito econômico. Ele era não
somente capaz de inventar, mas também de criar de
maneira meramente ilimitada coisas novas, que desde
o sétimo dia da criação até aquele momento de
nenhum modo haviam existido.
- Tal dualismo pode ser definido, seguindo a Marx,
como sendo a luta de classes entre a burguesia e os
antigos estados. Porém, sucedeu àquela uma outra
luta de classes que a classe média burguesa teve que
enfrentar. Quando a criatividade dos novos ricos
não mais se enquadrou em nenhum esquema tradi-
cional, estes foram subclassificados nas categorias
suspeitas dos «capitalistaso, «exploradores», até
que se chegou à conclusão, pela contagem dos ho-
mens de ciência e busca dos políticos, de que já não
existe o «empresário autônomo» e menos ainda o
«empresário criador», que pelo menos já não existe
aqui ou ainda não existe. Existiu ele realmente al-
guma vez?
- (9 racionalismo, com o qual os individualistas bur-
gueses marcaram as primeiras fases da era indus-
trial, conduziu forçosamente .1\ uma racionalização
das organizações econômicas, que atoam como uni-
dades de concentração supraempresariais com uma
função regularizadora, aparentando um caráter pu-
ramente burocrático. Neste particular, resta pouco
lugar à courage civique da Europa Ocidental, ou à
non-conformity norte-americana. As novas gerações
mudaram de opinião de maneira radical. Em vez de
tomarem parte na Jivre concorrência, estas ascen-
dem - ou descem de posto - nas grandes organiza-
ções como os funcionários na escala hierárquica.

----.--.- - - _._- -_ .. ---- - - -- - ----- -~ -


... _- -------- --_ . ------
Só raramente se pode seguir de perto o declínio na
hierarquia da administração, ou seja, quando esta
tiver lugar à grande altura. De todos os modos,
devem seguir assim existindo tais personagens mar-
ginais, criadores de coisas novas que ainda não
foram concebidas desde o sétimo dia da criação.
Porém, em que categorias devem ser ordenados os
marginalizados deste tipo? E se não se enquadram
em nenhuma categoria, são eles suspeitos com maior
razâo.-J

A inquietude que esta pergunta encerra atormenta a


pesquisa industrial pelo menos desde 'os últimos trezen-
tos anos. A citação que segue abaixo poderia ser colo-
cada no iIÚcio da história do empresário, o qual desem-
penhou o papel de marginalizado criador na sociedade
industrial. Porém, este texto é novo, de redação recente,
extraído de um dos inumeráveis manuais que se colocam
atualmente à disposicão das direçõesde empresas:
«Segundo os resultados das pesquisas sobre a cria-
tividade, as pessoas cri:i.doras distinguem-se princi-
palmente pelas características seguintes:
- possuem amplo espectro de interesses;
- são confiantes em si mesmas e autônomasi
- sua conduta não é dogmática e conformista;
- adotam uma atitude aberta frente ao mundo
circundan te;
- seu pensamento é independente e orientam-se em
função de tarefas determinadas;
- são capazes de entusiasmar-se e são sensíveis,
freqüentemente também agressivas;
- não se acham atadas a tradições, nem tem fé na
autoridade;
- e possuem a capacidade de juízo independente.
As pessoas altamente criativas dificilmente se inte-
gram em estruturas preestabelecidas e são, com
freqüência, um tanto indisciplinadas.
A motivação à atividade criadora radica no desejo
de auto-realização. Em geral, pessoas criadoras tra-

-- - _..!
balham estritamente orientadas segundo tarefas
fixas e são perseverantes ao ser-lhes confiada uma
tarefa pela qual manifestam interesse e através da
que esperam uma afirmação de sua pessoa. Seres
criativos são freqüentemente qualificados de emo-
cionais, imprevisíveis c imaturos i nos assuntos prá-
ticos da vida são tidos como sendo dependentes.
As qualidades enumeradas somente podem ser
consideradas sintomáticas em função de tendências;
as formas de manifestação serão, em cada caso
particular, muito diferentes. Característica do com-
portamento de pessoas particularmente criadoras
parece ser a presença simultânea de capacidades in-
telectuais excepcionais e falta de disciplina social.»

(Instituto Batclle, Methoden und Organisation der


ldeenfindung, Gruppenuntcrsuchung [«Métodos e
organização da descoberta de idéias. Pesquisa de
grupo»], Frankfurt/Main, abril de 1973, pp. 188 s.)

/~nda existem, então, estes homens originais, sem os


quais provavelmente nenhuma economia seria suscetível
de desenvolvimento? E isto numa época em que se costu-
mam ouvir queixas sobre a situação relativa à «falta de
individualidade»*) na sociedade industrial! Numa época
em que fazer economia já não tem a reputação moral de
constituir urna virtude por si mesma; em que uma parte
importante e cada vez maior da população industrial
ativa experimenta a sensação de desempenhar na vida

*) Em alemão «IcJ.losigkeit», neologismo criado por Alfred


von Martin no seu artigo «Die Krisis dcs buergerlichcn
Menschen» [A crise do homem burguês»] em Koelner Zeit-
sehrift fuer Soziologie und Sozialpsyel.ologie [Revista de
sociologia e psicologia social de Colônia_], ano XIV, Colônia,
1962, p. 435, de acordo com as obras de Erich Fromm Die
FurcJ.I vor der Frei/lei! [.0 medo à liberdade»], Zurique,
1945, Man for himself. An inquiry inlo lhe psyehology of
ethies, Nova Iorque, 1947 e The sane society, Nova Iorque,
1955.

9
profissional a função de uma engrenagem minúscula no
mecanismo complicado das organizações burocráticas;
cn\ que inclusive () «tempo livre» tCJ11 um car;llcr c;lda
vez nlais passivo. Porénl, tão nov.as tanlpOUco são estas
e outras impressões similares. Em todos os períodos in-
dustriais foram escritos livros sobre a inércia, a depen-
dência e a monotonia da vida profissional - não só dos
operários, como também dos comerciantes - livros que
ocupam um lugar importante na história literária. Seja
dada agora a palavra ao filho de um comerciante,
Christian Buddenbrook, personagem de um romance
publicado em 1901:

<<<Ser comerciante é uma bela profissão, que de fato


faz feliz!> - dizia ele. <Uma profissão sólida, mo-
derada, constante, agradável ... Nasci verdadeira-
mente para isso! E assim, como membro da casa,
sabem? .. . em poucas palavras: sinto-me tão bem
como nunca. De manhã, chega-se ao escritório des-
cansado; dá-se uma olhada no jornal, fuma-se, pensa
nisto e naquilo e no próprio bem-estar, toma um
conhaque; e, então, trabalha um pouco. Vem a hora
do almoço, come-se com a família, a gente descansa
e depois retoma ao trabalho ... Escreve-se; tem-se
um bom papel timbrado, limpo, liso, uma boa
pena ... Régua, corta-papel, carimbo, tudo de pri-
meira qualidade e em perfeita ordem. .. E, assim,
despacha-se tudo assiduamente, de acordo com a
seqüência, uma coisa após a outra, até fechar-se o
expediente. Amanhã será outro dia.'»

(Thomas Mann, Buddenbrooks. VerfalI eiller Fa-


milie, quinta parte, cap. 3, I' ed., Berlim, 1901. Cf.
também a tradução portuguesa realizada por Herbert
Caro, Os Buddenbrooks, Lisboa, Círculo de Leitores,
1974, p. 216.)

Mas este foi sempre o outro lado da questão e continua


sendo até os nossos dias. Em perfeito contraste a Chris-
tian, Thomas Buddenbrook, personagem da novela de

10
Thomas Mann (1875-1955), deu forma à figura daquele
empresário com o qual devemos ocupar-nos agora:

"Um homem de negócios não deve ser um burocra-


ta! ... Deve ter personalidade para tal, esta é a
minha opinião. Não creio que um grande êxito possa
ser conquistado da cadeira do escritório . .. pelo
menos não me daria muita satisfação. O sucesso não
pode ser apenas calculado na escrivaninha . . . Sinto
uma constante necessidade de dirigir a marcha das
coisas estando presente com o olhar, a palavra e os
gestos ... de dominá-la com a influência imediata
de minha vontade, de meu talento, de minha felici-
dade, seja como você quiser defini-lo. Mas, infeliz-
mente, isto passa paulatinamente de moda, esta
intervenção pessoal do comerciante. O tempo avan-
ça mas deixa, como me parece, o melhor para
trás ... As comunicações se tornam cada dia mais
fáceis, os cursos são conhecidos cada vez mais
rapidamente ... O risco diminui e com ele também
o lucro ... »

(Thomas Mann, op. cit., mesmo cap.; na tradução


portuguesa p. 215.)

11
índice

1. O «empresário», um ser singular . 15


2. Transformações inauditas através de mudanças
imperceptíveis 19
3. A formação de lendas em torno ao «empresário
criador» 21
4. A versatilidade furta-cor da figura do empresá-
rio 27
5. «As noites de insônia do empresário não são
improdutivas» 32
6. Sobre o afã de fazer projetos 36
7. Do projeto da Arca 'de Noé ao projeto da bomba
atômica 43
8. «Robinson Crusoe», relato sobre a vida simples
na natureza livre ou manual para a exploração
dcsconsidcrada da natureza? 50
9. A poesia descolorida dos individualistas pe-
queno-burgueses 55
10. Prenúncio de uma nova era. 62
11. Isolamento e cooperação. 66
12. O tempo não tem importância. 73
13. «Tempo é ouro» 76
14. Pioneiros soviéticos da indústria e seus mo-
delos capitalistas 84
15. A combinação da administração industrial com
a educação de massas preconizada por Lenin 91
16. «Mudando o mundo, transformai-vos! Renun-
ciai a vós mesmos 1» 100
17. Do empresariado autônomo ao emprego de
quadros dirctivos contratados 108
18. O declínio do empresariado e o crescimento
de quadros diretivds qualificados - uma com-
paração ao nível internacional. 112

13
19. A difusão social dc profissões criadoras . 129
20. Adaptação dos administradores jovens a mu-
danças pcrmanenles 134
21. Sob a pressão do conformismo. 136
22. Advertências de pedagogos economistas comu-
nistas e capitalistas 140
23. lndicc bibliográfico 151
24. lndice geográfico 156
25. lndice de pessoas 158
26. lndice analítico de matérias 160

14

- - -- --- -_.- .
1. O «Empresário», um Ser Singular

19uando se fala em «outsiders», é o empresário - mais


exatamente o empresário do sistema econômico capita-
lista - quem pode ser considerado como a figura mais
singular dentre eles:]
Possue a estranha qualidade de se fazer lembrado quando
ausente e de passar quase completamente despercebido
numa época em que é a figura mais influente e impressio-
nante da vida econômica, por exemplo, durante a indus-
trialização da Europa no século XIX.
Um informe típico desta ausência forneceu o historiador
em ciências econômicas Fritz RedIich, germano-america-
no, com respeito ao Terceiro Mundo:
«Aproximadamente a partir de 1910, o caminho foi
livre para a pesquisa sobre os empresários. Mas
passaram ainda algumas décadas, até que esta se
tomou por assim dizer moda, como é o caso re-
centemente. Por um lado, desenvolveu-se um inter-
esse crescente pela história econômica e pelo surgi-
mento da história de firmas, particularmente na
Alemanha e nos Estados Unidos. Depois da Se-
gunda Guerra Mundial, os economistas americanos
reconheceram de súbito a importância do empre-
sário. Haviam acreditado que só era necessário a
exportação de máquinas, de outros bens de capital
e de técnicas para levar os pai ses subdesenvolvidos
ao florescimento econômico. E ali estavam as má-
quinas e os aparelhos custosos, aqui e acolá os téc-
nicos com remunerações elevadas e nada acontecia.
O que faltava era o empresário, na Asia ou na
América do Sul, por exemplo. Assim, por razões
práticas, começou-se a dar atenção a este aspecto.»
(Fritz Redlich, Unternehmerforschung und We/t-
anschauung ["PeSquisa sobre o empresário e con-
cepção do mundo» l, la ed. em KykIos, vol. VIII,

15
Basel, 1955. O texto original alemão aqui traduzido
figura em Fritz Redlich, Dcr Untcm clzmcr. Wirt-
schafts- und Sozialgeschic1ltliche Studien, [«O em-
presário. Estudos de história econômica e social»],
Goettingen, 1964, pp. 91 s.)
Enquanto o historiador Fritz Redlich observava a falta
do «empresário» no Terceiro Mundo, o economista
Erich Gutenberg apenas considerava a personalidade do
«empresário •• como representante de um período econô-
mico declinante e reconhecia nele meramente uma
categoria histórico-sociológico-política que não podia
ser analisada com os métodos da economia empresarial.
«Em sua dupla função como proprietário e gerente,
o empresário pertence ao sistema liberal, do qual
é representante. Surgiu com ele e com ele perecerá
quando este termina. Para a personalidade em-
preendedora (o segundo conceito possível de em-
presário) há lugar em todos os sistemas econômicos,
pois não existe nenhum sistema que possa renunciar
a personalidades deciJIidas, de ampla visão e in-
teligentes. Só falta a estas personalidades, então,
aquela marca que lhes dê forma e caracteriza, rece-
bida do meio capitalista particular no qual trabalham
e que faz deles empresários neste sentido.
O primciro conceito de empresário é entendido de
maneira tão ampla e formal, que é capaz de englobar
os tipos mais diferentes da existência empresarial
e da conduta dos empresários. Na verdade, da massa
dos «empresários» destaca-se aquele tipo de grande
envergadura, elemento constante de distúrbios, que
gera o impulso propulsor do desenvolvimento
capitalista. Ensombrece tanto a massa, quase diría-
mos anônima, dos muitos milhares de empresários,
que estes são esquecidos facilmente na análise do
processo capitalista (e nos esforços pela fixação do
conceito de empresário não são levados em conta).
Mas, para o protótipo da dinâmica capitalista que
abandona os caminhos habituais, que opera com
novas produtos, novas técnicas de elaboração, novos

16
procedimentos de política de venda, novas formas
de organização e financiamento que, com freqüên-
cia, cria novos setores de produção, O primeiro con-
ceito de empresário possue a mesma validez que
tem para os muitos «empresários médios». Como
eles, também este protótipo do mecanismo capita-
lista scm posse nem lucro (sem a união da proprie-
dade e direção numa pessoa, em «sua» pessoa) não
é imaginável, principalmente nas épocas iniciais e
culminantes do capitalismo. Mas, com toda a cer-
teza, estes motivos não constituem as únicas forças
propulsoras de suas ações e de sua existência furta-
cor. Muitas vezes pode tratar-se simplesmente de
uma expressão ou explosão de energia exuberante,
ou de uma fantasia comercial, organizatória, ou
técnica particularmente elevada, ou também de uma
necessidade pessoal ou social exagerada de prestígio,
ou ainda de ressentimentos, ou da satisfação moti-
vada pelo éxito e pelo trabalho responsável. Os
métodos da economia empresarial não são sufu-
cientes para analisar esse fenômeno. Por esta razão,
temos que contentar-nos cm captar conceptualmente
o fato empresarial global - isto é, tanto O que diz
respeito aos grandes expoentes do sistema quanto
aos seus representantes que se mantém mais à
sombra - a partir de ambas as coordenadas, pro-
priedade e direção. Estas duas coordenadas consti-
tuem os elementos da economia empresarial daquela
classe que foi gerada pelo sistema capitalista. Tal
sistema reflete-se nos empre~ários, que reúnem em
sua pessoa a propriedade e a direção, nas tarefas
que lhes são confiadas e no tipo que representam,
apesar de que o motivo de suas ações possam
arraigar-se nas esferas pessoais, sociais ou espiri-
tuais que já são de natureza metaeconômica.

(Erich Gutenberg, Grundlagen der Betriebswirt-


schaftslehre [«Fundamentos da teoria das ciências
econômicas»], voI. I «Die Produktion» [«A pro-
dução»], cap. 18, 2" parte: «Geschaeftsfuehrung

17
ais Zentrum betrieblicher WilIensbildung, insbeson-
ders die beiden Unternehmerbegriffe» [«A direção-
da empresa como centro de formação da vontade,
especialmente os dois conceitos de empresário»],
I" ed., Berlim-Heidelberg-Nova Iorque, 1951. Na
13" edição (1967), esta passagem figura às páginas
4825.)

Estas frases mostram as dificuldades perante as quais


ainda se encontram as ciências sociais c econômlcas, in-
clusive na época mais recente, quando se trata de anali-
sar, com métodos científicos, o empresário e a sua
«existência furta-cor»; e isto, apesar de -que eminentes
investigadores, na primeira metada do século XX, fizeram
do «emprcs.\rio» o ooJeto preferido de seus esludos. *)

.) Dentre ele5 encontro-5e Max Weber (1864-1920), especial-


mente cm seu artigo intitulado «Dic protcstant1schc Ethik
und der <Geísb des KapitalisUlus); (<<A ética protestante c o
espírito do capitalismo») em Archiv tuer Sozia/wissenschaf-
tell lmd Sozia/po/itik [.Arquivo das ciências e da política
sociais ••], vaIs. XX c XXI, t3crlim, 1904 c 1905, versão am ..
pliada em Max Weber, Cesammelte AuEsaetze zur Religions-
soziologie [_Ensaios sobre a sociologia da religião»], vaI. I,
Tuebingen, 1920, 6" ed., 1972; também Werner Sombart
(1863-1941), principalmente em Der Bourgeois. Zur Geistes-
gesc/lichte des modemell Wirtscllaftsmellscllell [«O burguês.
Contribuição à história moral e intelectual do homem da
economia moderna»], Leipzig, 1913. De maior alcance que os
estudos empíricos de Sombart foi a exposição teórica do
«empresário», realizada por Joseph A. Schumpeter (1883-
1950), primeiramente em Tlleorie der wirtscllaftlicllOn Ent-
wick/ung [.Teoria do desenvolvimento econômico»], 1" cd.,
Munique e Leipzig, 1912; uma 2" ed., totalmente reelaborada,
com o subtítulo Einc Untersudlung ueber Unterncluner-
gcwillIJ, Kapitnl, Zi"s Wld KOl'ljtmkturzyklus [«(Um estudo
sobre o lucro do empresá.rio, o capital, o crédito, a renda c o
ciclo conjuntural»], apareceu em Munique, em 1926; 53 cd.
não modificada, Berlim, 1952, CE. também a tradução por-
tuguesa realizada por Laura SchlaepEer, Rio de Janeiro.

18
2. Transformações Inauditas através
de Mudanças Imperceptíveis

r No século XIX, na época da emancipação tumultuosa da


'-burguesia industrial, a maior parte dos economistas iden-
tificavam o empresário, no melhor dos casos, por algumas
funções teóricas. Os historiadores burgueses, que em
realidade também tinham que tratar de distanciar-se da
graça divina feudal c dos «bens hereditários. da nobreza,
através do ênfase das forças criadoras de grandes per-
sonalidades, excluíram inteiramente o «empresário» do
campo de suas investigações, apesar de que seria precisa-
mente ele a confirmação mais efetiva da autocomprcen-
são e da concepção burguesas da história]
Na etapa inicial da industrialização, o empresário era
considerado um ser marginal suspeito da sociedade.
[ Quando os empresários industriais se apresentavam co-
mo inovadores, iniciava-se com freqüência uma cultura
de lendas formais sobre sombras llÚsteriosas no seu pas-
sado. Isso pode ser uma explicação do motivo pelo qual a
personalidade do empresário não encontrou inicialmente
lugar nas ciências burguesas, mas nos romances bur-
gueses.]
No retrato quase lírico dos expurgados e marginalizados
que Victor Hugo (1802-1885) tinha esboçado entre 1845
e 1862 no seu romance Les Misérables, há uma cena signi-
ficativa, na qual Jean Valjean, este proscrito «VoilàJean»,
adotou um pseudônimo para poder estabelecer-se em
1815 como empresário na cidade àe Montreuil-sur-Mer,
no Norte da FraJ;lÇa.
As inovações introduzidas por ele nos negócios da indús-
tria tradicional apareceram, na verdade, como muitas
outras da primeira fase da era industrial, apenas como
modificações insignificantes de procedimentos técnicos
de produção :

«Desde tempos ' imemoriais, Montreuil-sur-Mer


tinha por indústria principal a imitação do azeviche

19
inglês e dos avelórios negros da Alemanha. Esta in-
dústria havia vegetado sempre, sem poder desenvol-
ver-se a grande escala devido ao elevado cu.to das
matérias-primas. Na ocasião em que Fantina regres-
sara a Montreuil-sur-Mer havia-se operado uma
transformação inaudita nesta produção de <artigos-
negros>. Por fins de 1815, viera estabelecer-se na ci-
dade um homem, um desconhecido, a quem ocorreu
a idéia de substituir nesta fabricação a resina pela
goma-I~ca e, p~ra os braceletes em particular, as
chapas de metal simplesmente justapostas por cha-
pas soldadas. Esta transformação tão pequena fora
toda uma revolução.
Pois, esta minúscula mudança havia reduzido con-
sideravelmente O preço da matéria-prima permitin-
do, primeiramente, a elevação dos salários, o que
era uma vantagem para toda a localidade; em se-
gundo lugar, a melhoria da fabricação, o que vinha
em benefício do consumidor; cm terceiro lugar, a
venda mais barata, ao mesmo tempo que triplicava
o lucro em proveito do.Jabricante.
Assim, uma só idéia produziu três resultados. Em
menos de três anos, o autor deste procedimento
tinha-se tornado rico, 'o que é uma boa coisa, e havia
feito rica toda a redondeza, o que é melhor. Era um
estranho no departamento. De sua origem não se
sabia nada, o início de sua ascensão na empresa era
desconhecido. Contava-se que viera para a cidade
com muito pouco dinheiro, nó máximo com algumas
centenas de francos.
Mas, com este mesquinho capital, colocado ao ser-
viço de uma idéia engenhosa, fez fortuna e contri-
buiu para a prosperidade de toda a região.»

(Victor Hugo, Les Misérables, Paris, 1862, livro V,


«La descente», cap. 1: «Histoire d'un progrés dans
les verroteries noires»; coleção O Livro de Bolso,
Paris, 1972, vol. I, pp. 163 s. Consulte também Os
Miseráveis, trad. de Carlos dos Santos, Lisboa, Cír-
culo de Leitores, pp. 225 5.)

20
3. A Formação de Lendas em torno
ao «Empresário Criador»

Tal era a atmosfera que envolvia o empresário dos co-


meços da industrialização e que só muito mais tarde,
durante o século XX, foi submetida à apreciação cien-
tífica. A função do empresário como inovador inicial-
mente e, portanto, como personagem marginal que per-
turbava o suposto bem-estar da vida econômica tradicio-
nal, foi definida por Max Weber da seguinte maneira:

-Pois, num dado momento, este bem-estar foi per-


turbado de súbito e na verdade, com freqüência, sem
que se houvesse produzido alguma mudança funda-
mental na forma de organização, como a passagem
à indústria fechada, ao tear mecânico, etc. O que
aconteceu foi amiúde meramente isto : um jovem de
uma das famílias de empresários mudou-se da ci-
dade para O campo, escolheu cuidadosamente os
tecelões de que necessitava, acelerou progressiva-
mente sua dependência e seu controle, transformou-
-os, assim, de camponeses em trabalhadores. Por
outro lado, porém, alterou os métodos de venda
através do contato mais direto possível com os con-
sumidores : tomou inteiramente em suas próprias
mãos o comércio de detalhes, solicitava pessoal-
mente os clientes, visitava-os regularmente cada
ano e, sobretudo, adaptava a qualidade dos produtos
exclusivamente às suas neces~idades e aos seus de-
sejos, sabia <acomodá-los ao gosto> de cada um e
começou a pôr em prática o princípio <preço barato,
grande volume de vendas>. E, então, repetiu-se o que
foi sempre e em todo lugar o resultado de tal pro-
cesso de <racionalização>: aquele que não ascendia .
devia descer de posto. O idílio sucumbiu sob a con-
corrência violenta inicial, ganharam-se fortunas con-
sideráveis, que não foram colocadas a juro, mas
reinvestidas na empresa. O velho modo de vida,
pacífico e tranqüilo, retrocedeu à dura sobriedade

21
daqueles que tomavam parte no trabalho e ascen-
diam porque não queriam gastar, mas lucrar, entre
aqueles que permaneceram no velho estilo porque
fomlll ourigados II limitar-se. E nota-se aqui o mais
importante: em tais casos, não era a afluência do
novo di"hciro o que provocava esta resolução, mas o
novo cspírito, precisamente o <espírito do capitalis-
mo> que havia entrado em ação. Conheço alguns
casos em que o- processo revolucionário geral foi
realizado com alguns poucos milhares de capital,
tomados por empréstimo de parentes. O problema
acerca das forças propulsoras da expansão do capi-
talismo moderno não é, cm primeiro plano, uma
questão sobre a origem das reservas monetárias
úteis, mas fundamentalmente diz respeito ao desen-
volvimento do espírito capitalista. Ao despertar e
conseguir impor-se, ele mesmo cria estas reservas
como meio de ação, e não inversamente. Contudo,
sua entrada em cena não foi pacífica. Uma onda de
indignação opôs-se regularmente aos primeiros ino-
vadores. Freqüentemente - conheço muitos casos
deste gênero - surgiram lendas em torno a sombras
misteriosas em suas vidas anteriores. Não é tão
fácil encontrar quem reconheça com suficiente im-
parcialidade que s6 uma firmeza de caráter extra-
ordinária pode preservar essa empresa de <novo
estilo> da perda do autocontrole s6brio e do nau-
frágio, tanto moral quanto econômico; que ao lado
da clareza de visão e da energia, são principalmente
certas qualidades <éticas> muito especiais e marcan-
tes que possibilitam ao empresário ganhar, em tais
inovações, a confiança pura e simplesmente impres-
cindível dos clientes e dos trabalhadores e manter-
lhe a elasticidade à superação das inumeráveis resis-
tências, sobretudo no que diz respeito à produção
excessivamente intensa de trabalho que é exigida do
empresário, incompatível com O confortável prazer
da vida - precisamente s6 qualidades éticas especí-
ficas de outra natureza que aquelas adequadas ao
tradicionalismo do passado.

22

- - - - ------------
E assim também não foram, em regra, os especulan-
tes ousados e sem escrúpulos, naturezas aptas à
aventura econômica como são encontradas em todas
as épocas da história econômica, ou simplesmente
os <grandes homens de dinheiro> o·s que criaram esta
mudança aparentemente discreta e dicisiva ao al-
cance do êxito da vida econômica, imbuída deste
novo espírito, mas homens educados na dura escola
da vida, prudentes e arriscados ao mesmo tempo e,
princípalmente, s6brios e perseverantes, perspicazes
e entregues inteiramente às suas coisas, com con-
cepções e princípios rigidamente burgueses.»

(Max Weber, Die protestantische Ethik und der


Ceist des Kapitalismus [« A ética protestante e o
espírito do capitalismo»], 1" parte, cap. 2: «Der
<Geist> des Kapitalismus» [«O <espírito>do capitalis-
mo»], 1" publ. em ArcJlÍv fuer die Sozia/wisscn-
schaftcn [«Arquivo das ciências sociais»], vols. 20
e 21, Berlim, 1904-1905.)

Victor Hugo, um contemporâneo das primeiras ondas da


industrialização, não percebeu, como posteriormente
Max Weber, a tensão social provocada pelas inovações.
Porém, captou no mesmo sentido a significação daquela
nova ética, introduzida por um estranho na velha socie-
dade «pré-industrial»:

«Graças ao progresso rápido desta indústria, trans-


formada por ele tão admiravel,mente, Montreuil-sur-
Mer tinha-se convertido num centro considerável de
comércio. A Espanha, que consome muito azeviche,
demandava rilitodos os anos pedidos imensos. Neste
ramo, Montreuil-sur-Mer fazia quase concorrência à
Londres e à Berlim. Os lucros que o Pai Madalena
obteve deste negócio eram tais, que já no segundo
ano pode construir uma grande fábrica, na qual ha-
via duas vastas oficinas, uma para os homens e
outra para as mUlheres. Todo o que estava na mi-
séria podia apresentar-se aí, pois tinha certeza de

23
encontrar emprego e pão. O Pai Madalena pedia aos
homens boa vontade, às mulheres pureza de costu-
mes, e a todos probidade. Dividira as oficinas, a fim
de separar 05 sexos e manter as mulheres e as jovens
afastadas dos homens. Sobre este ponto era inflexí-
vel. Era este o único no qual se mostrava francamente
intolerante. Certamente era fundada esta severidade,
pois sendo Montreuil-sur-Mer uma cidade com
guanúção militar, não faltavam as ocasiões propí-
cias à corrupção. De resto, a sua vinda havia sido
um benefício e a sua presença era uma providência.
Antes da chegada do Pai Madalena, tudo naquela
região jazia num estado de desalentada languidez;
agora todos viviam aí a vida sadia do trabalho. Uma
forte circulação animava tudo e penetrava por todas
as partes. O desemprego e a miséria eram desconhe~
cidos. Não havia bolso, por mais humilde que fosse,
que não tivesse um pouco de dinheiro, nem uma
casa tão pobre em que não existisse um pouco de
alegria. O Pai Madalena empregava toda a gente,
fazendo uma única exigência: - Sede homens hones-
tos! Sede mulheres honradas!
(Victor Hugo, Les Misérnbles, livre V, cap. 2 : «Ma-
deleine», op. cit., p. 165; na tradução portuguesa,
p.227.)

Tais frases, escritas a mais de cem anos, soam hoje como


um panegírico das atitudes paternais do empresário do
começo da época capitalista. No entanto, aquele que qui-
ser agora criticá-las poderá ser lembrado a proceder com
cautela. Aquela época, na qual se estava recém cons-
truindo um novo sistema econômico, difere essencial-
mente da nossa por ressaltar, simultaneamente com as
realizações originais, também 05 impulsos morais dos em-
presários em particular.
Wcrner Sombart chamou atenção a isto:
C'A condição de natureza pessoal que deve Ser pre-'
enchida para que as forças morais sejam capazes de
exercer sua influência sobre a conduta econômica é

24
I
d-
a seguinte: essas forças devem ter poder sobre as
almas humanas. Sem dúvida, a melhor ética perma-
nece ineficaz enquanto não houver alguém que quei-
ra segui-la, pois nela acredita. Pudemos constatar
que esta condição foi preenchida durante toda a
época do capitalismo nascente ...
Mas a condição objetiva necessária à eficácia das
forças morais também foi cumprida durante a época
do capitalismo nascente; quero dizer, pelo nível re-
lativamente pouco c/evado do desenvolvimento ca-
pitalista ...
Enquanto um sistema econômico estiver em fase de
estruturação, enquanto a conduta conômica depen-
der das resoluções livres de pessoas isoladas, as
doutrinas éticas e suas máximas morais conseqüen-
tes terão naturalmente um campo livre muito mais
_vasto para a sua atividade do que quando as rami-
ficações isoladas do sistema econômico já estiverem
completamente formadas, todos os procedimentos
mecanizados e cada elemento da economia for for-
çosamente obrig-a do a adotar uma determinada linha
de conduta.
Pois, já que ambas as condições foram preenchidas
durante uma época determinada, precisamente du-
rante a época inicial do capitalismo, penso que so-
mos autorizados a chegar à conclusão de que as
forças morais - a filosofia e, sobretudo, a religião -
depois de se terem tornado eficazes, participaram
também da formação do espírito capitalista, qual-
quer que seja o modo de sua ori"gem. Ou seja, que
este paralelismo, que pudemos constatar em inúme-
ros casos entre as doutrinas morais e as manifesta-
ções do espírito capitalista, pode ser interpretado, na
verdade, no sentido por nós aqui empregado, con-
siderando-se o mandamento como a causa, a forma
do comportamento dos sujeitos econômicos como o
efeito.
Ao fazermos novamente um retrospecto sobre a
contribuição das forças morais no desdobramento
do espírito capitalista, pode-se observar o que me

2S
parece ser principalmente O seguinte:
1. a criação do que se poderia chamar de uma dis-
posição favorável, isto é, o surgimento de uma con-
cepção de vida racionalizada e metódica, na qual a
filosofia da Baixa AntiguiJaJe e as três relieiües
principais tiveram participação uniforme;
2. O cultivo das virtudes burguesas, que foi igual-
mente preconizado pelos três sistemas religiosos e
pelos sábios da Antiguidade com O mesmo zelo;
3. o refreamento da ambição pelo ganho e a limitação
à mentalidade econômica, conforme preconizavam
ambas as religiões cristãs e segundo sucedeu real-
mente durante a época inicial do capitalismo. ·Por
isso, pode-se dizer que o capitalismo permaneceu
até o fim deste período sob a influência atenuante
das doutrinas morais do cristianismo. Quem não
reconhece este fato, não compreendeu o caráter do
~apitalismo em seus começos. .J
(Werner Sombart, Der Bourgeois. Zur Geistesge-
sC/lic"te tlcs lIIotlcrnen Wirlsc"afls/llcnsclICIJ, ["O
burguês. Contribuição à história moral e intelectual
do homem da economia moderna»], cap. 22: "Der
Anteil der sittlichen Maechte am Aufbau des kapi-
tnlisli schc1\ Gcis lcs.) [«Ati for~' as morais c sua con-
tribuição ao florescimento do espírito capitalista»],
Munique e Leipzig, 1913, pp. 353 ss.)

26
4. A Versatilidade Furta-cor da Figura
do Empresário

Já aproximadamente na metade do século passado, Victor


Hugo reuniu no seu romance Les Misérables uma varie-
dade de traços «típicos •• do empresário moderno, o que
só foi possível às disciplinas científicas que se ocuparam
em estudar o empresariado muito mais tarde, às vezes,
cem anos depois.
Jean Valjean, quem aparece neste romance sob o pseudô-
nimo de Pai Madalena, numa pequena cidade do norte
da França, era um empresário que reunia em sua pessoa
as seguintes particularidades:

- como capitalista e proprietário dos meios de pro-


dução gozava perante a opinião pública do pres-
tígio proveniente de sua fortuna;
- como diretor de empresa e responsável pelos ris-
cos, com a capacidade de tomar decisões estraté-
gicas, adquiria prestígio pela sua posição profis-
sional;
- atuava como inventor e, ao mesmo tempo, como
inovador no terreno administrativo i
- C01110 patrão assuluia obrigações sociais frente aos
trabalhadores;
- como homem de negócios (mais tarde também
como prefeito) alcançava êxitos com repercussões
econômicas e políto-sociais ~as imediações da ci-
dade de Montreuil-sur-Mer.

Na verdade, uma figura empresarial multifacetada. E


quem, então, pensar nas numerosas biografias que na
primeira metade do século XX foram consagradas aos
«grandes •• - e bem sucedidos - empresários, que con-
tribuíram no século XIX para o bom êxito da industria-
lização da Europa Ocidental e da América do Norte,
poderia assim, ao lembrar-se delas, ser tentado a ver no
personagem do romance considerado - o «Pere Made-

27
leine» - o empresário clássico, típico da época inicial da
industrialização. Este é o tipo de empresário tal como o
esboçou Joseph 5chumpeter, em 1942, no seu trabalho
de investigação Capitalism, Socialism and Dcmocracy:

c:Vimos que a função do empresário consiste em re=(


formar ou revolucionar O padrão de produção pela
exploração de uma invenção ou, mais genericamente,
de uma possibilidade tecnológica não experimen-
tada, para a produção de uma nova mercadoria, ou
de uma mercadoria antiga através de um método
novo, pela abertura de uma nova fonte de provisão
de matérias-primas ou de uma nova· saída para os
produtos, pela reorganização de uma indústria, etc.
A construção das estradas-de-ferro um suas primei-
ras etapas, a produção de energia elétrica antes da
Primeira Guerra Mundial, o vapor e o aço, o auto-
móvel, as aventuras coloniais, todos eles oferecem
exemplos espetaculares de um amplo gênero de ne-
gócios, que compreende inumeráveis exemplos mais
modestos, alé chegar na parte inferior da escala a
coisas tais, como o sucesso alcançado através de
urna espécie particular de salsicha ou escova de
dente. Este gênero de atividade é o principal respon-
sável pelos <progressos> recorrentes, que revolucio-
nam o organiS1l10 cconôrnico c pelas (recessões) re-
correntes, que são devidas ao impacto desequilibra-
dor dos produtos e métodos novos. t difícil colocar
em prática tais inovações, constituindo uma função
econômica distinta. Em primeiro lugar, porque estas
estão fora das tarefas rotineiras que todos conhecem
e, em segundo lugar, porque o meio ambiente resiste
a elas de várias maneiras, que variam segundo as
condições sociais gerais, desde a simples recusa a
Financiar ou a comprar uma coisa nova, até a agres-
são física ao homem que tenta produzi-la. Para agir
com confiança fora dos limites das balizas familia-
res e para superar esta resistência requerem-se apti-
dões que estão presentes apenas numa pequena fra-
ção da população e que definem tanto o tipo quanto

28
a função do empresário. Esta função não consiste
essencialmente em inventar algo, nem em criar, por
outro lado, as condições que a empresa explora.
\.Sonsiste, pois, em colocar as coisas em marcha.» .J
(Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and
Dcmocracy, cap. 12, seção 1, Nova Iorque, 1942.
Consulte também Capitalismo, socialismo e demo-
cracia, trad. de Ruy Jungmann, Rio de Janeiro."')

A citação que se acaba de transcrever merece ser con-


tinuada sem interrupção, pois Joseph Schumpeter che-
gou a uma conclusão que parece ser característica das
condições atuais e, de modo especial, da influência da
burocracia tecnológica sobre o Terceiro Mundo:
(;,Esta função social do empresário já está perdendéil
a sua importância e está destinada a perdê-la no
futuro num ritmo acelerado, mesmo se o processo
econômico, do qual o empresariado foi a mola pro-
pulsora, continuasse a funcionar sem perturbações.
Pois, por uma parte, é muito mais fácil agora que no
passado realizar coisas que estão fora da rotina co-
nhecida: a própria invenção tornou-se uma coisa
rotineira. O progresso técnico converte-se, numa
medida cada vez maior, cm assunto de grupos de
especialistas capacitados, que produzem aquilo que
lhes é pedido e tratam de que tudo funcione de modo
previsto. O Romantismo da aventura comercial dos
primeiros tempos está decaindo rapidamente, por-
que muitas coisas, que nos tempos idos tinham que

.) Cabe assinalar que esta des'crição de empresário se tornou


famosa como sendo a definição «schumpetcriana)to típica.
Mas, na verdade, Schumpeter defendeu também ocasional-
mente uma tipologia completamente diferente de empresá-
rio, dificilmente: conciliável com a que se acaba de aqui citar.
Cf. o artigo de Schumpeter "Unternehmern em Halldwoerler-
buch der 5laalswissetlschàftell, vol. VIII, Jena, 1928, p. 476-
487.

29
ser captadas num momento de intuição genial, po-
dem agora ser calculadas com exatidão.
Por outra parte, a personalidade e a força de von-
tade pesnm menos num meio ambiente acostumndo
com muJani'as econômicas - especialmente simboli-
zadas pelo fluxo contínuo de novos bens de con-
sumo e de produção - e em vez de apresentar-lhes
resistência, aceita-as naturalmente. A resistência que
provém dos interesses ameaçados por uma inovação
no processo de produção provavelmente não se ex-
tinguirá enquanto subsistir a ordem capitalista. Tal
resistência é, por exemplo, o grande obstáculo que se
interpõe no caminho à produção em massa de habi-
tações baratas, a qual pressupõe uma mecanização
radical e a eliminação total dos métodos pouco eco-
nômicos de trabalho. Mas, todas as demais formas
de resistência, especialmente a dos consumidores e
produtores contra coisas novas, só por serem novas,
quase desapareceram por completo. Assim, o pro-
gresso econômico tende a despersonalizar-se e a
automatiznr-se. O trabalho de escritório e de comis-
L são tendem a substitui; a ação individual. » ...J
(Joseph A. Schumpeter, op. cit.)
E5tC tcxlo surpreende-nos por duas razões, ambas de
mesma natureza :[primeiro - nas primeiras fases da in-
dustrialização houve efetivamente inúmeros empresários
que fracassaram antes a curto do que a longo prazo. Es-
ses pobres "fazedores de projetos» merecem nosso in-
teresse porque:
segundo - em numerosos países do Terceiro Mundo sur-
giram personalidades empresariais do tipo do «Pere Ma-
deleine», freqüentemente desempenhando a função de
um Ministro da Economia ou de um Chefe de Exército,
que por períodos breves ou longos não somente procla-
maram cheios de confiança a «política desenvolvimen-
tista», como também na verdade a praticaram. A muitas
destas personalidades foi-lhes impossível alcançar um
êxito duradouro. Tal fracasso é freqüentemente interpre-
tado como «típico» do Terceiro Mundoj

30
Antes de aventurar a tese de que o fracasso dos "faze-
dores de projetos» constitui uma característica essencial
do processo de industrialização, despidamo-nos, do "Pere
Madeleine», o personagem do romance que Victor Hur,o
fez fraca5sar por motivos que não foram de índole polí-
tico-econômica,
Como empresário, o Pere Madeleine obteve sucesso
porque:

- somente teve que mobilizar numa medida insigni-


ficante um capital reduzido;
- somente teve que aperfeiçoar numa medida in-
significante um processo de produção tradicional;
- somente teve que exercer influência numa medida
insignificante sobre um mercado existente há
muito tempo, através de relações comerciais à
distância e
- somente teve que modificar numa medida insigni~
ficante a vida dos empregados em suas fábricas.

Mas nem tudo foi só insignificante nos processos de in-


dustrialização da cidade de Montreuil-sur-Mer e das
áreas econômicas da Europa, da América do Norte, do
Japão e da Austrália. E há coisas que não são insignifi-
ca.ntes nos processos de industrialização, aos quais o
Terceiro Mundo está submetido. Contudo, em todas as
partes, são extremamente escassas as personalidades em-
presariais que; como diz Schumpeter, simplesmente "po-
dem colocar algo em marcha» ... hoje no Terceiro Mun-
do, ainda ontem e provavelmente de novo amanhã nos
velhos países industriais. \

31
5 . «As Noites de Insônia do Empresário
não são Improdutivas»

Anteriormente, com o auxílio de uma obra literária da


primeira metade do século XIX e com o apoio de asser-
ções das ciências sodais da primeira metade do século
XX, foi feita a tentativa de descrever claramente a figura
de um personagem marginal importante das fases iniciais
da industrialização.[ O empresário criador, de que aqui
nos ocupamos, era ignorado pela ciência na época em que
exercia a influência mais forte e imediata sobre as trans-
formações tecnol6gico-econômicas na Europa Ocidental]
Desde 1776, época da publicação da primeira edição de
Wealth of Natiotls de Adam Smith (1723-1790), até pelo
menos o ano de 1894, em que apareceu a primeira edição
do terceiro livro de O Capital. Crítica da Ecol1omia Polí-
tica de Karl Marx (1818-1883), prevaleceu a concepção
de que o desenvolvimento econômico possuía uma mola
propulsora impessoal, condicionada pela tcndência ii cvo-
lução e representada por figuras puramente te6ricas,
tipos ideais e personagens de propaganda.
c-A discrepância entre a figura abstrata e a figura concreta
do «empresário», somente rara vez foi suprimida no sé-
culo XIX, na realidade, unicamente naqueles casos em
que o 'e conomista era simultaneamente empresário~
Johann I-Ieinrich von Thuenen (1783-1850), empresário
agrícola, proprietário de uma granja administrada de
modo exemplar, e te6rico economista, ofereceu-nos um
exemplo acerca disto. Na passagem do seu tratado sobre
o «Estado isolado» em que salientou, em 1850, a dife-
rença entre o empresário e o manager - sendo ele o pri-
meiro homem de ciência a fazê-lo - foi revelado um
conhecimento adquirido através da prática :

«Para a organização e direção dos neg6cios numa


indústria, assim como para a supervisão dos traba-
lhadores nela empregados, parece pertencer ao em-
presário, à primeira vista, apenas uma remuneração

32
igual ao salário que ele mesmo deve dar a um admi-
nistrador, contabilista ou capataz que lhe diminue
esse esforço e encargo.
Contudo, os resultados efetivos do trabalho do em-
presário, que trabalha por conta própria e os do
substituto assalariado são muito diferentes, mesmo
quando ambos possuem as mesmas capacidades e os
mesmos conhecimentos.
Em tais épocas, nas quais o negócio traz grandes
perdas devido à instabilidade da conjuntura e tanto
a fortuna como a honra do empresário estão em
jogo, seu espírito acha-se dominado por um só pen-
samento, o de como poder apartar de si a desgraça;
e, assim, o sono abandona-o.
Em tal situação não ocorre O mesmo com o substi-
tuto assalariado. Quando trabalha honestamente du-
rante o dia e chega à noite cansado em casa, dorme
ele tranqüilo com a consciência do dever cumprido.
Mas, as noites de insônia do empresário não são
improdutivas. Nelas concebe planos e ocorrem-lhe
idéias de como afastar o seu infortúnio, as quais não
vêm, porém, à mente do administrador assalariado,
por mais que possa também aspirar a cumprir seria-
mente o seu dever, pois elas só nascem de um es-
forço supremo de todas as forças espirituais, dirigi-
das a um ponto único.
A necessidade é a mãe das invenções e assim tam-
bém o empresário se torna inventor e descobridor
em sua esfera, devido à sua situação acossante.
Assim como o inventor de uma máquina nova e útil
percebe com direito um excedente resultante do em-
prego desta em comparação com a máquina mais
antiga e disfruta deste excedente como recompensa
do seu invento, assim também o rendimento suple-
mentar que o empresário produz através de seu
maior esforço mental, comparando-o ao do adminis-
trador assalariado, deve caber-lhe como recompensa
de sua indústria.
O empresário que trabalha por sua própria conta e
risco, apesar de dotado de idênticas qualidades, pos-

33
sue uma capacidade de rendimento maior que o
substituto assalariado, por grande que seja também
a fidelidade deste ao dever e essa é a razão pela qual
pertence ao empresário mais uma retribuição, a qual
chamamos de <recompensa industrial>. Uma relação
semelhante surge no trabalho manual simples. A
força do trabalhador que carrega terra, numa obra de
empreitada,') será fortalecida e acerada através da
sensação de que cada golpe de enxada O beneficia e
aumenta o seu lucro, enquanto que O trabalhador
assalariado, fiel ao seu dever, que sempre tem que
combater as dificuldades e esforços no trabalho
através da obrigação moral que ele mesmo se impõe,
fatiga-se muito mais cedo e realiza uma jornada in-
ferior a do empregado que trabalha por comissão,
apesar de possuírem a mesma força e habilidade.
Esta consideração pode, ao mesmo tempo, contribuir
também para moderar nosso jugalmento sobre O tra-
balhador, quando achamos que rende muito menos
ao ser contratado a salário fixo que cm regime de
salário por comissão, I}P sentido de que não pode-
mos imputar esta circunstância somente à sua indo-
lência e irresponsabilidatde (juízo este ao qual nos
sentimos inclinados com muita facilidade), mas que
deve ser atribuída também, em parte, às diferenças
na capacidade de rendimento, independentes do ar-
bítrio do trabalhador.

(Johann Heinrich von Thuenen, Der iso/ierte Staat


in Beziehung auf Lal1dwirtsclJaft und Nationaloeko-
IIomie [ .. O Estado isolado cm relação à agricultura
c à economia nacionais»], 2" parte: «Der natur-

") A concessão de trabalho era feita por licitação pública


aos que ofereciam seus serviços ao mais baixo preçol siste-
ma em uso nas construções das primeiras vias ferroviárias
na Alemanha.

34
gemaesse Arbeitslohn und dessen Verhaeltnis zum
ZinsfuB und zur Landrente» [«O salário naturel e
sua relação às taxas de juro e à renda da terra»],
§ 7, seção b, «Industriebelohnung» [«A recompensa
da indústria], Rostock, 1850, pp. 83 55., nova ed.
Jena, 1910, pp. 481 s.)

35
6. Sobre o Afã de Fazer Projetas

C«As noites de insônia do empresário não são improduti-


vas». Johann Heinrich von Thuenen pôde escrever esta
frase em 1850, pois ele mesmo era empresário e simul-
taneamente, como economista, uma personalidade mar-
ginalizada. Suas teorias não se ajustavam aos câno-
nes das ciências cconômicas en\ curso nas academias do
século XIX. Somente no século XX puderam suas re-
flexões ser aproveitadas pelas ciências econômicas e so-
ciaisl
Thuenen entrou em cena com uma antecipação de 60 ou
75 anos para poder «fazer escola» com suas teorias. Mas,
talvez tenha aparecido também com 150 anos de retardo
para poder continuar a desenvolver o conceito teórico sobre
o «empresário» que por volta de 1700 ainda era corrente,
mas que logo foi caindo cada vez mais no esquecimento.
Naquela época, o empresiÍrio' e singular co-fundador
das modernas, ciências econômicas e sociais Daniel Defoe
(1660-1731), dentre seus numerosos estudos empreen-
deu também a tarefa de estabelecer a diferença entre o
empresário honesto, criador, e o desonesto. O talento e
as inclinações de Defoe, na verdade, não se situavam
muito no terreno da análise científica e das generaliza-
ções. Com maior habilidade tentou achar uma resposta
às questões da prática relacionada à política e à econo-
mia, indicando meios e caminhos à solução de problemas
pendentes, apresentando-os na maioria em forma de pro-
jetas.
O fomento de projetos destinados à inovação da técnica
ou da infra-estrutura social, este afã de fazer projetos
dos promotores do desenvolvimento, os quais com fre-
qüência por necessidade e mais raramente com o bom-
-humor do abastado procuraram no século XVII e XVIII
a dentro promover a economia da Europa Ocidental, não
conferiu uma boa reputação aos empresários pequeno-
-burgueses, dos quais fazia parte Defoe. Por isso, se viu

36
obrigado a definir a sua situação profissional - o empre-
sário como fazedor de projetos - da seguinte maneira :

«Um simples fazedor de projetos é algo desprezível.


Acossado por sua situação desesperada de fortuna,
podendo ser salvo somente por um milagre, ou senão
perecendo, atormenta em vão seu cérebro em busca
de tal milagre e não encontra outro meio de salvação
a não ser - tal como um titereiro fazendo as mario-
netes pronunciarem palavras patéticas - apresentar
esta ou aquela ninharia como algo nunca visto e
divulgá-la como novo invento, patenteá-la, dividi-la
em ações e vendê-las. Não lhe faltam recursos e
vias para fazer que uma nova idéia adquira dimen-
sões prodigiosas; milhares e centenas de milhares
são o mínimo a que se refere; às vezes são inclusive
milhões, até que finalmente a ambição de um ho-
nesto imbecil O induz a entregar seu dinheiro para
este fim. E, então, nascit"r ridiclIllIs mI/sI O pobre
temerário fica encarregado de prosseguir o projeto,
enquanto que o fazedor de projetos ri às suas custas.
O escafandrista deverá ir ao fundo do Tâmisa, O
fabricante de salitre construir casas do charco de
Tom T ... d*), os engenheiros fazer modelos e levan-
tar moinhos de vento ·para extrair água, até que haja
fundos para levar adiante a obra por meio de ho-
mens que tenham mais dinheiro que juízo e, então -
boa noite, patente e invenção! O fazedor de projetos
fez seu negócio e sumiu-se.
Porém, um fazedor de projetos honroso é aquele que
põe em prática sua idéia numa forma adequada, se-
gundo os princípios claros e precisos do bom-senso
e da honestidade, expondo onde quer chegar, não
lançando mão de bolsos alheios, executando seu

') I. e. fazer casas de excrementos. _Tom Turd. era O


nome que vulgarmente se dava àqueles que se ocupavam de
esvaziar as c10acas das casas de Londres.

37
projeto por si mesmo e conformando-se com a pro-
dução efetiva como recompensa de sua invenção .• ')
(Daniel Defoe, An essay UpOIl projects [«Ensaio
sobre projetos»], obra escrita entre 1692 e 1697, I'
cd., Londres, 1697; reimpressão em fac-símile, Lon-
dres, 1969, pp. 33 55.)

t fácil imaginar de que mane;ra tais fazedores de pro-


jetos, não importando se foram homens honrados ou
não, faziam seus inventos no período de fins do século
XVII, ou seja, essencialmente com a ajuda de sua facul-
dade imaginativa de um modo não sistemático e sem
maior fundamento. Sua fantasia desordenada e prolífera
impulsionou-os em todas as direções, sem um sentido
certo nem plano próprio. Segundo as palavras de Wemer
Sombart:
tMuito freqüentemente o caminho tomado não con_'1
duzia à meta, porque de um momento para outro se
era impedido de continuá-lo. Assim, houve uma
série de inventos nacauela época · que estão a um
passo da solução definitiva, os quais hoje qualquer

') Esta citação, como também as passagens seguintes do


livro Essay UP01! projects, editado por Daniel Dcfoe, ·em
1697, foi reproduzida textualmente sem, porém, mencionar
o nome do verdadeiro autor, por Malachy Postlethwayt
(17077-1767) em Tlle Universal Dictionary of Trade and
Commerce with Large Additions and Improvements . . . ,
vol. II (sem numeração de páginas), la cd., Londres, 1751,
40. cd., Londres, 1774. Reimpressão cm fac-símilc da 4& ed.,
Nova Iorque, 1971. No prefácio da reimpressão em fac-slnúle
de 1971, Joseph Dorfman elogiou o trabalho do autor do
Universal Dictionary, Malachy Postlethwayt, quem, já numa
época anterior, ou seja, aproximadamente em 1750, havia
definido com clareza certos conceitos político-cconômicos co-
mo, por exemplo, stock jobbing (operação em bolsa).lÕ evidente
que hoje em dia dificilmente alguém pense que isto foi em
realidade um mérito muito anterior daquele escritor cujo
nome ficou vivamente na mem6ria como o criador de
Robinson Crusoe.

38
estudante de física ou de química estariam cm con-
dições de <terminar de inventar> sistematicamente
em poucas semanas e que permaneceram incomple-
tos porque sua terminação cabal dependia do acaso
de uma idéia feliz que não queria aflorar. Ou, as
experiências fracassavam porque se havia cometido
algum erro na construção da máquina, que o inven-
tor não percebia. Assim, Papin*) sofreu muito por
não ter sido um mccânico capacitado. Seus constan-
tcs fracassos eram devidos, provavelmente com fre-
qüência, só a um pequeno erro: um parafuso ou um
gancho demasiado fracos. Tem-se que considerar
que a um homem como Papin as teorias sobre a so-
lidez e a resistência dos materiais, etc. eram ainda
praticamente desconhecidas.
Mas, evidentemente, o que faltava àqueles homens
em matéria de formação e instrução científica sou-
beram-no substituir por uma fantasia florescente,
de cuja força criadora dificilmente poderíamos fazer
idéia hoje em dia. Os séculos que precederam a
época da Ilustração, com os quais o período do capi-
talismo nascente coincide foram, com efeito, em
todos os terrenos da cultura humana, de uma fecun-
didade sem precedentes na invenção e na organiza-
ção; seria estranho se esta força criadora não tives-
se sido também comprovada no terreo da técIÚca . .•
Como nasceu esta vontade inventiva? Quando
Dcfoc, o único que planteou, pelo que vejo, esta
pergunta antes do que eu, responde que O motivo
foram as perdas comerciais durante a época de Com-

") O francês Denis Papin (1647 até aproximadamente 1712)


construiu cm Paris, cm 1675, uma bomba pneumática, · in-
ventou cm 1680 na Inglaterra a panela de pressão com vcntil
de segurança, construiu em 1690 cm Marburg uma máquina
a vapor atmosférica simples de caráter experimental para
ser empregada posteriQrmente na indústria, trabalhou em
1695 em Kassel, num projeto de transmissão pneumática
de energia e num projeto relacionado a um navio a vapor.

39
mOr1wealth e da Restauração, que obrigaram a muita
gente a melhorar seus rendimentos e a refletir sobre
novas possibilidades de existência econômica, pa-
rece-me ser tal resposta demasiado restrita. Quero
acreditar, sobretudo, que contém no melhor dos ca-
sos urna explicação somente para uma época, na
qual já afluíam novas forças ao aperfeiçoamento da
técnica, forças estas que nasceram da tensão dos
interesses capitalistas e que, então, seguiram sendo
até os nossos dias as verdadeiras forças propulsoras
do progresso técnico, mas que, como já vimos an-
teriormente, não estavam presentes em absoluto, ou
somente existiam cm forma de germe nos séculos,
em que se desdobrava uma vontade inventida e que,
na minha opinião, mesmo ainda na época tardia do
barroco do qual Defoe fala, dificilmente chegaram
a ter a relevante importância que mais tarde rece-
~~. '
Vejo duas fontes das quais podia nascer e devia
evadir-se a vontade inventi,va antes de que o capita-
lismo a gerasse. Uma é -o ímpeto geral da época, pelo
menos de fins do século XV, do século XVI e XVII,
pelo <conhecimento do mundo>, o rasgo fáustico da
época ...
Mas, sem dúvida: foi necessário que interesses reais
viessem em auxílio daquela aspiração puramente
ideal, para dar-lhe a grande força de penetração que
de fato possuiu. Pois, através de uma análise mais
minuciosa, encontramo-nos aqui frente a dois cen-
tros de interesses dos que devia nascer com uma
necessidade imperiosa mesmo na época pré-capita-
lista, desde o final da Idade Média, um esforço ar-
dente, constantemente renovado e cada vez mais
poderoso, de subjugar a natureza, de dominar as
forças naturais e, com isso, uma busca incessante de
novas possibilidades técnicas; estou-me referindo
ao interesse na posse do ouro e no comando bem
sucedido de guerra.
Da sede de ouro nasceu a alquimia que, por sua vez,
foi a mãe de numerosas invenções e descobertas; da

40
..
L_ _ ___________ _. _
mesma ambição orlgmaram-se as reformas mais
significativas no campo da técnica mineira; a mes-
ma ânsia por ouro fez com que os homens se lan-
çassem ao oceano, forçando os progressos no âmbito
da náutica.
Assim também, o desenvolvimento das forças arma-
das impulsionou sistematicamente o progresso téc-
nico. Este foi um âmbito da atividade humana em
que o empenho básico de inovação e aperfeiçoa-
mento tornou-se igualmente uma necessidade, como
sucedeu ao aferramento básico ao tradicional em
todas as demais áreas de cultura.
Podemos seguir claramente de que maneira todo o
progresso técnico daquela época se situa em torno
destes dois núcleos; os escritos dos alquimistas, os
livros sobre fogos de artifício e outras obras sobre
a artilharia, os livros sobre minas, os manuais de
navegação, são os primeiros símbolos da aspiração
de adquirir uma visão clara no domínio técnico e,
sobretudo, do desejo de ampliação desses conheci-
C1entos, de aperfeiçoamento do saber técnico.» :::J
(Werner Sombart, «Die Technik im Zeitalter des
Fruehkapitalismus» [«A técnica na época do capita-
lismo nascente»] em Archiv fller Sozia/wissenschaf-
ten und Sozia/politik [«Arquivo das ciências e da
política sociais»], vol. XXXIV, Tuebingen, 1912,
pp. 731 ss.)

\!,:s objeções que Sombart aqui formula a Daniel Defoe


são certamente instrutivas e, objetivamente, talvez não
careçam de fundamento. Porém, esta crítica não chega
a captar o espírito empresarial da época pré-capitalista
ou dos começos do capitalismo que animava a Defoe;
precisamente a personalidade que irradiava a esperança
mais viva quando as dificuldades pareciam insuperáveis
e que soube também apresentar explicitamente em seus
romances tanto a sede ideal de conhecimento, como os
interesses reais dos homens daquela época, como con-
dição do processo de industrialização que haveria de

41
iniciar-se mais tarde. A ambição de lucro dos europeus,
lançando-os ao mar e «os manuais de navegação como os
primeiros símbolos da aspiração de adquirir uma visão
clara no domínio técnico» - quem deixou um testemunho
mais vivo do seu tempo que Daniel Defoe7]

42

rt c-
7. Do Projeto da Arca de Noé ao Projeto
da Bomba Atômica

[ Daniel Defoe e o herói mais célebre dos seus romances,


'Robinson Crusoe, são por excelência a encarnação da-
queles personagens marginais que tão extraordinário
estímulQ deram ao espírito do movimento industrial nos
primórdios da época capitalist<O
Defoe referiu-se ao papel do personagem marginal na
evolução da humanidade, em 1697, na sua «História dos
Projetos» :
«A invenção das artes, com máquinas e instrumentos
destinados ao seu aperfeiçoamento, requer uma cro-
nologia que remonta ao filho mais velho de Adão,
tendo acrescentado a cada época, até o dia de hoje,
sempre alguma nova descoberta.
A construção da Arca de Noé, na medida em que se
queira reconhecê-la como obra humana, foi o pri-
meiro projeto de que temos notícia; e, sem dúvida,
pareceu tão ridículo aos espíritos mais conspícuos
daquda época sábia, apesar de ímpia, que o pobre
Noé foi muito caçoado por ele. E se não tivesse sido
impelido a realizar essa obra por uma ordem muito
peculiar do céu, certamente o bom velho teria sido
persuadido por zombarias a abandonar este projeto
tão absurdo e ridículo.»
(Daniel Dcfoe, An cssay u1'10n projccts, op. cit.,
p.19-20.)

Haveria de passar ainda mais de meio século até que o


conceito de <dndependência pessoal», em sua acepção
atual, pudesse ser incorporado ao vocabulário inglês e
francês; porém, as palavras de Defoe mostram como este
pensamento já começava a amadurecer no final do sé-
culo XVII.
Percorrendo a «Histótia dos Projetos» de Defoe, pode-
mos fazer uma outra observação: a forma na literatura

43
começava a transformar-se. O método insuportável e pe-
dante dos Ilrandes escritores já não satisfazia a avidez de
conhecimentos da pequena-burlluesia, que não queria
mais tolerar nos textos as obscuridades que anteriormen-
te passaram despercebidas. Por isso, em princípios do
século XVIlI, o velho costume lingüístico de formulação
vigorosa c pesada, de expressão por meio de frases lonllas
e intrincadas cessou quase repentinamente. A velha lin-
guagem perdia, então, urna' certa beleza, enqtianto apa-
recia um estilo mais leve e simples, em que se u;;avam
frases de rápida compreensão que melhor correspondi"am
às necessidades da época moderna. , """
10 grande êxito de Defoe, como escritor, não residiu ulti-
mamente no fato de que os textos nascidos de sua pena
foram escritos no estilo moderno burguês. Dentre as '
virtudes burguesas do período inicial do capitalismo fez
parte a capacidade à parcimônia cabal da vida econômica
através da poupança, dos lares com as matérias-primas,
do preenchimento adequado do tempo, da economia das
forças. Defoe foi o jornalista moderno que entendeu de
economia da expressão. Por isso, foi compreendido du-
rante os séculos que vão desde o período do pré-capita-
lismo, seu início, apogeu, final, ou do pós-capitalismo,
até os nossos dias.
O estilo da obra com que Defoe inaugurou a idade do
jornalismo moderno era conciso e rigoroso. Mesmo as
informações sobre a história tecnológica foram condimen-
tadas com pimenta política. Defoe já estava dominado
pelo capricho de muitos dos seus sucessores, que não
podiam resistir a tentação de encontrar uma data de
nascimento para a famosa «revolução industriaJ". Era
natural que tivesse que adiantar esta data à sua época:
ao ano de 1680.*) J
L..,

·)Malachy Postlethwayt, quem também incluiu cm seu


Universal Dictiollary de 1751 c 1774 a citação que se trans-
creve abaixo sem nomear o seu verdadeiro autor, continuou
a escrever o capítulo aqui mencionado sobre «A História
dos Projetos» alé o ano de 1720. Ao não modificar cm nada
o lexlo original de Dcfoe, Postlelhwayl desconcerlou os

44

_ _ __ _ • _ _ _ _ . . . . . . . . 0 .0 • __ _
«Não gostaria de traçar os precedentes da inclinação
de fazer projetos além do ano de 1680, data do nas-
cimento do monstro, apesar de ter dado sinais de
vida já no período da última guerra civil. Afirmo
que nenhuma época tem sido inteiramente despro-
vida de alguma coisa desta natureza e, como teste-
munho do seu sucesso, foram deixados alguns pro-
jetos muito felizes, como por exemplo, os reservat6-
rios para a provisão de água à cidade de Londres e
ap6s, o novo canal (New Riuer)**), ambas as empre-
sas muito consideráveis e projetos perfeitos, aven-
turados ao risco do sucesso. Durante o reinado de
Carlos I, inúmeros projetos vieram à luz por per-
ceberem dinheiro sem a intervenção do Parlamento:
opressões através de monop6lios e privilégios u *).
Porém, estes estão excluídos do nosso esquema, por
constituírem irregularidades; pois, em projetos deste
tipo, os franceses são tão fecundos como n6s e, mais
que projetos, estes são estratagemas. Depois do in-
cêndio de Londres [1666], o projeto de invenção de
um extintor de incêndio significou um grande êxito
para seu autor e achamos ser muito útil. Mas, aproxi-
madamente no ano de 1680, o mistério da arte de fa-
zer projetos começou a introduzir-se paulatinamente
no mundo. O príncipe Ruperto, tio do Rei Carlos II,
fomentava em alto grau aqueles projetos relacionados
às máquinas e à mecânica e o bispo Wilkins chegou a
escrever um livro, acrescentando a parte te6rica.

,
seus leitores com a indicação de duas datas que pareciam
marcar o começo da época moderna : 1680 e 1720. Esta pe-
quena incongruência é, por este motivo, instrutiva, pois pode
suscitar a proposição de que cada nova geraçã.o estaria in-
c1 inólda a considerar a sua época como o início da época
mouerna.
") Aqueduto construído em 1613 para suprir água potável
à cidade de Londres.
U*) Em forma de taxas lançadas arbitrariamente, impostas a
pessoas ricas, sendo a ' sua demanda autenticada pelo selo
secreto real.

45
o príncipe oeixou-nos um met~l, que leva ·0 seu
nome e o primeiro projeto neste âmbito foi, segundo
recordo, a fundição de canhões feitos deste metal e
sua perfuração, sendo ambas as operações realizadas
r.cy,undn urn método especial por ele inventado c que
morreu com ele, com granoe prejuízo para o em-
presário.»
(Daniel Defoe, op. cit., pp. 24 ss.)

o próprio Defoe figurava entre os mais ativos fazeoores


de projetos do seu tempo. Com suas propostas muito
minuciosas, tanto relacionadas à construção de estradas,
à instituição de seguros em benefício da comunidade
como ao pagamento do salário aos marinhéiros pelo
Estado, Defoe foi naquele tempo um dos muitos conse-
lheiros político-sociais que apareceram em grande nú-
mero na segunda metade do século XX, fora dos países
industrializados.
Na verdade, quem deles se colocaria a si mesmo numa
posição tão dúbia como o fez Defoe perante os seus cole-
gas de profissão, os conselheiros em política social e em
política do desenvolvimento de fins do século XVII?
«Há algum tempo atrás, várias pessoas sob o patro-
cínio de altas personalidades haviam-se empenhado
na fundação de colônias no ultra-mar ... na Pen-
silvânia, Carolina, Jersey Oriental e Ocidental e
outros lugares, ao que não chamarei de projetos,
porque apenas se deu prosseguimento ao que foi
começado anteriormente. Mas, com este fato, ini-
ciou-se a formação de sociedades anônimas que,
juntamente com as já existentes, a Companhia das
lndias Orientais, a Companhia Africana e a Hud-
son's Bay, criaram um novo tipo de negócio, ao qual
d~remos o novo nome de stock jobbing (operação
em bolsa) e que consiste inicialmente na trans-
ferência simples e ocasional de juros e ações de uma
pessoa a outra, à semelhança da alienação de qual-
quer outra propriedade. Mas, mercê à diligência dos
agentes de câmbio, que tomaram o negócio em suas

46
.
I
I
d'
nlãos, transformou-se cm un1 comércio, praticado
talvez com a mais alta intriga, maior artifício e as-
túcia, que somente ousou aparecer sob a máscara da
honestidade. Pois, enquanto os agentes tinham em
mãos as cartas, transformaram a bolsa de valores
loda em uma sala de jogo, fazendo subir ou baixar
os preços das ações à sua vontade, dispondo sempre
tanto de compradores como de vendedores, que en-
tregavam prontamente seu dinheiro a mercê de suas
palavras mercenárias. Este comércio de florescimen-
to repentino, tendo provado a doçura do sucesso
que costuma acompanhar a toda novidade, deu ori-
gem ao objeto ilegítimo e complexo de que falo,
como instrumento adequado para dar trabalho aos
agentes de câmbio. t assim que o fazedor de pro-
jetos, educado para O tráfico em bolsa, adotou ele
mesmo, por sua vez, com muita diligência, o papel
de negociador, seu pai adotivo, até que ambos che-
garam a ser calamidades públicas, na verdade,
quase escandalosas.»
(Daniel Defoe, op. cit., pp. 28 ss.)

'r[Tal inquietude moral na apreciação do valor e do efeito


de suas próprias obras pode ser iriterpretada de manei-
ras muito diversas. Nela manifesta-se um elemento trá-
gico, quando não, contrário à natureza humana, do sis-
tema político-econômico da industrialização, que resulta,
na verdade, mais facilmente compreensível quando for
apontado por, sem dúvida, um dos grandes fazedores de
projetos da época modernaJAlbert Einstein (1879-1955),
físico e filósofo, exteriorizou esta mesma inquietude mo-
ral, ao prosseguir seu projeto de «governo mundial»:
«Esta atitude, por assim dizer, religiosa do homem
de ciência perante a verdade, não deixa de influir
sobre o conjunto de sua personalidade. Pois, além
dos dados experimentais e das leis do pensamento,
não existe para O investigador, em princípio, nenhu-
ma autoridade cujas decisões ou opiniões possam
servir de pretexto à edificação de uma «verdade». Dis-

47
to resulta o paradoxo, que um homem que dedica os
seus melhores esforços a realizações objetivas torna-
-se, do ponto de vista social, de tal modo individua-
lista que, pelo menos em principio, não confia senão
em seu próprio juízo. t muito fácil demonstrar que
o individualismo intelectual e o poder científico
apareceram simultaneamente na história e, desde
então, nunca mais se separaram.
Que lugar ocupará o homem de ciência na sociedade
contemporânea? Ele parece orgulhoso do fato de
que, de um ou de outro modo, e quase sempre indi-
retamente, O trabalho de seus colegas tenha total-
mente transformado a vida econônúca dos homens,
através da eliminação considerável do trabalho fí-
sico. Mas deve estar igualmente angustiado, pelo
fato de que os resultados das suas pesquisas acaba-
ram por constituir uma ameaça grave para a humani-
dade, desde o momento em que os frutos de suas
investigações caíram nas mãos de detentores cruéis
do poder político. Ele é consciente do fato de que os
métodos técnicos b~eados em suas investigações
levaram à concentração do poder econômico e, com
isso, também do poder político, entregues em mãos
de uma pequena minoria, de cujas manipulações a
sorte da massa de indivíduos, que parece cada vez
mais amorfa, tornou-se totalmente dependente. E
mais : esta concentração da força econômica e polí-
tica nas mãos de uns poucos não só levou o homem
de ciência a uma dependência material exterior,
como também ameaça a sua existência interna, im-
pedindo o desenvolvimento de personalidades in-
dependentes, com a criação de meios refinados de
influências intelectuais e morais.
De modo que vemos hoje delinear-se para o homem
de ciência um destino verdadeiramente trágico. Am-
parado pelas suas aspirações por clareza e indepen-
dência exterior, ele forjou, por si próprio, com seus
esforços quase sobre-humanos, as armas de sua
sujeição exterior e do aniquilamento de sua perso-
nalidade.»

48

...---.....
(Albert Einstein, Ueber die moralisclze Pflicht des
Wissensc/wftlers, mensagem à Società Italiana per il
Progresso delle Scienze, na ocasião de seu 43° Con-
gresso realizado em outubro de 1950, em Lucca. O
texto original alemão apareceu em Physikalische
Blaettcr [«Páginas de física»], Mosbach-Baden,
1952, nO 5, assim como em Albert Einstein. Ueber
den Fricdcn. Weltordllul1g oder Weltuntergang?
[«Albert Einstein. Ordem mundial ou fim do mun-
do?»], editado por Otto Nathan e Heinz Norden,
Berna, 1975, pp. 533 s.; em caráter de prefácio figura
na obra de Charles-Noel Martin, L'heure H a-t-el/e
sonné pour le monde?, Paris, 1955. Cf. também
A Bomba H. Princípio ou fim?, com uma mensagem
de Albert Einstein, trad. do original francês de José
J. A. dos Santos, Lisboa, Edição Livros do Brasil,
Coleção Vida e Cultura.)

(Por diferentes que fossem os mundos de Daniel Defoe


em que viu, por volta do ano de 1700, a funesta fusão da
especulação comercial com a inovação tecnológica, e
aquele de Albert Einstein em que constatou, por volta de
1950, a dependência ameaçadora da investigação cien-
tífica à política, ambos tinham em comum a experiência
do paradoxo, no qual precisamente o individualísta cria-
dor tem que experimentar a submissão sob uma coerção,
cuj as condições foram criadas por ele mesmo)
Porém, a diferença radica no fato de que Defoe vivia
numa época em que, sem a alegria da esperança, a em-
presa poderosa das gerações fundadoras da indústria
moderna não poderia ter sido acio~ada em absoluto. Uma
das encarnações da esperança daquele período inicial da
industrialização foi o ridicularizado projeto da Arca de
Noé, sem o feliz emprego da qual a história da humani-
dade já teria chegado ao seu desenlace. Que diferentes
hão de parecer-nos as perspectivas dos sucessos previsí-
veis daqueles projetos da bomba atômica e da bomba de
hidrogênio sobre os quais teve que refletir Albert Ein-
stein!

49
8. «Robinson Crusoe»,Relato sobre a Vida
Simples na Natureza Livre ou Manual para
a Exploração Desconsiderada da Natureza?

Daniel Defoe foi um soci610go rico em idéias, cujas pro-


postas à realização de projetos, na verdade, freqüente-
mente muito se anteciparam ao seu tempo. Talvez tenha
sido este o motivo pelo qual seus trabalhos científicos
não encontraram o eco devido e foram, em grande parte,
relegados ao esquecimento. Muito mais forte foi sua
influência sobre os acontecimentos de seu tempo, como
jornalista e polemista, em questões políticas c econômi-
caso De 1704 a 1713, editou-se em Londres a revista
Reuiew, produto exclusivo de sua pena. Algumas cente-
nas de panfletos difundiram sl!as idéias em amplos cír-
culos.
Com isto demonstrou ser um mestre na educação política
de adultos. A leitura de livros, geralmente volumosos c
caros, de outrora, estava reduzida mesmo naquela época
a um círculo relativamente pequeno de sábios e literatos.
O mesmo não ocorria com os panflelos*) ue 50 a 60 pá-
ginas, que em tiragens elevadas podiam alcançar grandes
massas.

*) Uma parte destes panfletos foi recompilada cm livros


como, por exemplo, o seu Tour Tllrougll tlle WIlole Islatld of
Grcat Britaill, cm três volumes, Londres, 1724-1727; ~hc
Compleat Ellglish Tradesman, Londres, 1726; A PIa ti . of
Ellglislz Commerce, Londres, 1928; c, sobretudo, o seu Essay
upOtZ Projects, Londres, 1697, com numerosas propostas sobre
a organização do sistema bancário, da administração das
vias de trânsit"o, dos seguros sociais, das academias mili-
tares, das universidades para mulheres, etc.

50
Mas Ocfoe alcançou seu maior êxito corno autor de ro-
mances de aventuras"), através da leitura palpitante dos
quais introduziu o leitor, por assim dizer, às teorias soo
ciais e dou trinas morais e burguesas modernas.
Seu romance de aventuras mais célebre, Robinson Cru·
soe, seguiu caminhos singulares na literatura mundial.
No continente europeu, pessimistas da cultura, corno
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), viram muito cedo
na epopéia de Robinson a glorificação oportuna de um
estado livre da natureza e o elogio da «vida simples» de
artesãos modestos, capazes e livres, que queriam ser in·
dependentes dos homens e da fortuna. Aqui, na figura
deste «Robinson», vestido de peles, e do seu acompa-
nhante negro «Sexta-Feira», urna burguesia resignada
sofreu urna profunda amargura, fugindo com estas figu-
ras do romance do quotidiano, volvendo ao passado, à
utopia e à natureza .virgem».
Deste modo, o Robinson de Defoe se transformou, corno
dizia Jean-Jaques Rousseau, «num verdadeiro castelo no
ar» para as crianças daquela burguesia européia que, de
preferência, se teriam mantidas af"stadas de todas as
relações criadas, então, pelo processo de industri"lização
que rompia e, com ele, pelo capit"lismo moderno.
«A ilha do gênero humano é a terra; o objeto mais
surpreendente "OS nossos olhos é o sol. Logo que
con\CçaUl0S a afasta.r-nos de n65 nlcsnl0S, nossas
primeiras observações devem recair sobre um e

") TIJC Life alld S/rallge Surprising '(1dven/ures of Robillson


Crusoc of York, MaTiner, Londres, 1719. No mesmo ano
apareceram outras novelas que eram continuações de Ro-
binson Crusoc. The Life and Piracies of Cap/ain Sillgle/on
apareceu cm 1720, em Londres. Em 1722, Oefoe editou TI.e
Forhmes alld Misfor/ulles of /11O Famous Mail Flanders . Em
1724, apareceu em Londres a obra intitulada Roxana. Tlle
Fort,mate Mistress ar, a History of the Life and Vast Variety
of Fortlmes of Mademoiselle de Belean, afterwards cal/cd
the Countess de Wintselsheim iII Germany. Beillg the Per·
5011 kllowlI by the Name of the Lady Roxand iII the time of
Charles II.

SI
outro. Por isso, a filosofia de quase todos os povos
selvagens gira uIÚcamente sobre as divisões imagi-
nárias da terra e sobre a divindade do sol ...
Robinson Crusoe em sua ilha, sozinho, desprovido
da assitência de seus semelhantes e dos instrumen-
tos de toda a sorte, providen.ciando, contudo, a sua
subsistência e - conservação e procurando para si
mesmo uma espécie de bem-estar, eis um assunto
interessante para todas as idades e que conta com
mil meios de fazer-se agradável às crianças. Eis co-
mo transformamos em realidade a ilha deserta que,
no início, me servia de comparação. Este estado, eu
admito, não é o do homem social; provavelmente
não deve ser o de Emílio, mas é sobre este mesmo
estado que ele deve apreciar todos os outros. O meio
mais seguro de elevar-se acima de preconceitos e de
ordenar seus julgamentos sobre as verdadeiras' rela-
ções das coisas é o de colocar-se no lugar de um
homem isolado e de julgar tudo como este homem
deverá julgar por si me~mo, considerando a sua
própria utilidade.
Este romance, desembaraçado de toda a sua verbosi-
dade, começando com o naufrágio de Robinson pró-
ximo à sua ilha e terminando com a chegada do na-
vio que vem tirá-lo dela, será ao mesmo tempo o
divertimento e a instrução de Emílio durante a época
de que aqui tratamos. Quero que sua mente O trans-
forme, que ele se ocupe sem cessar de seu castelo,
de suas cabras, de suas plantações; que aprenda em
detalhe não nos livros, mas através das coisas, tudo
o que é necessário saber em caso semelhante; que
pense em ser O pr6prio Robinson; que se veja ves-
tido de peles, usando uma grande boina, um grande
sabre, toda a grotesca equipagem da figura, o guar-
da-sol ao lado, do que não terá necessidade. Quero
que se inquiete devido às medidas a tomar se isto ou
aquilo lhe viesse a faltar, que exarIÚne a conduta do
seu her6i, que investigue se omitiu algo, se não tinha
nada mais conveniente afazer; que assinale atenta-
mente as suas faltas e se aproveite delas para ele

52
próprio não cair cm caso similar, pois não é de du-
vidar que não projete realizar uma empresa seme-
lhante; é o verdadeiro castelo no ar desta ditosa era,
na qual não se conhece outra felicidade que o neces-
sário e a liberdade.»
(Jean-Jacques Rousseau, Emile ou de l'educatiorl
["Emílio ou sobre a educação»], obra escrita de 1757
a 1760, la ed., Paris e Amsterdam, 1762.)

Houve, em certo sentido, um Daniel Defoe que já perten-


cia à época "pré-industriai», na qual o classificara Wer-
ner Sombart:
"Percorrendo os livros dos comerciantes italianos
[do século XV] encontramos a expressão de nostal-
gia pela vida calma do campo. O Renascimento ale-
mão apresenta o mesmo traço, ou seja, o de feudali-
zar os homens de neg6cio, permanecendo nos cos-
tumes dos comerciantes ingleses do século XVIII.
O ideal de ser rentista surge, então, aqui, como uma
caracterlstica comum da mentalidade econômica das
primeiras fases do capitalismo ...
Este clemento dominava o mundo dos neg6cios in-
gleses na primeira metade do século XVIII, o que é
atestado por Defoe através de suas considerações a
respeito do costume geral dos comerciantes ingleses
de retirar-se dos neg6cios em boa hora. (cap. 41 da
5' ed. do Compleat Erlglish Tradesmarl).»

(Werner Sombart, Der Bourgeois. Zur Geistesge-


.\
sc/'icllle des modernen WlYtschaftsmcllsc/'en, op.
cit., cap. 12: "Der Bourgeois alten Stils» [«O bur-
guês de estilo antigo»], p. 200.)

Totalmente diferellte foi O efeito que Defoe exerceu com


o seu romance sobre os colonos europeus na América do
Norte, os quais levados sobriamente pelo otimismo em-
preendedor no terreno da cultura, viam na «natureza»
apenas um meio que ' podia ser aproveitado desmesura-
damente, com fins de lucro.

53
Estes colonos tinham que ser versáteis, pois a primeira
fase de exploração das terras virgens não conduziu à
idéia de divisão do trabalho. Eram individualistas, :tal
como «Robinson», dispostos a isolar-se da massa. Pr~­
feriam que a grande sociedade seguisse seu próprio ca-
minho, depois de haverem formado uma pequena socie-
dade para uso próprio. Para estes emigrantes já não
existia o passado. Todo o presente era apenas um estado
provisório.
Seu' modelo literário era' aquele Robinson, que trabalhava
tenazmente na construção' de sua própria casa, até haver
criado em torno dela a sua pequena república própria.
Para os -emigrantes europeus era ele o modelo daqueles
empresários e inventores hábeis que, providos de escasso
capital ou quase sem ele, irradiavam o espírito do capi-
talismo moderno.
Estas são perspectivas que permitem uma interpretação
totalmente diferente da epopéia robinsoniana de Defoe,
dificilmente apropriada à edificação de uma burguesia
fatigada da indústria à qual, na velha Europa, o cad ter
dinâmico do capitalismo moderno seguiu sendo incom-
y-reensível por muito tempo ainda. _
LQuem descobrir 110 Robinson de Defoe o prot6tipo do
empl'esário do período inicial do capitalismo poderá tam-
bém aprender a sentir o que há de singular na força colo-
nizadora da Europa: a força imponente que mais tarde
seri.i '~hamada imperialismo - a capacidade da Europa de
dominar o mundo, quase todo o mundo, simplesmente
através da fundação de pequenas empresas, inicialmente
insignificantes, em todas as partes e em qualquer parte
do mundo. Não foram grandes chefes militares os que
fundaram os impérios transnacionais da indústria capi-
talista moderna. O começo foi obra de meros pequenos
Robinsons. J

54

\.
9. A Poesia Descolorida dos Individualistas
Pequeno-Burgueses

Defoe preocupou-se pouco com a interpretação da ca-


pacidade produtiva do herói de seu romance. Robinson
não desempenha o «papel de personagem marginal»
dentro de uma sociedade. Sua profissão de fé - ele era
um puritano convicto - sugere-nos antes algo sobre a
motivação do homem resignado, de um Jó dos tempos
modernos, do que sobre as forças de propulsão da von-
tade empreendedora do inovador.
As explicações são mais simples e evidentes: trata-se do
desarraigamento total de Robinson às suas condições
anteriores de existência e ao seu meio ambiente tradicio-
. nal, do seu isolamento completo num ambiente extranho
que nada lhe sir,nifica, a não ser a possibilidade de retirar
dele os meios de subsistência e de utilizá-lo para fins de
aumentar as suas posses. Em realidade, não pensa ele
em conquistas nem descobertas. Somente deseja criar
para si uma esfera íntima e privada. Criar condições de
comodidade foi o primeiro desejo de Robinson quando,
perdido numa ilha desconhecida, no seu famoso balancea-
mento entre O bem e O mal, chegou às conclusões se-
guintes:

«Em suma, isto era um testemunho indubitável de


que dificilmente havia no mundo condição alguma
tão miserável que não tivessk, além do lado negati-
vo, algo também positivo pelo que se devia agra-
decer. Sirva isto de lição de que não há experiência
mais miserável dentre todas as situações humanas
em que não se possa encontrar algum consolo no
confronto do bem e do mal a ser colocado do lado
do crédito.
Tendo agora acostumado o meu espírito parcial-
mente à minha condição e desistindo de olhar o mar
para ver se descobria alguma embarcação, comecei

55
a consagrar o meu tempo a melhorar o meu modo
de vida e a fazer coisas tão fáceis quanto possível.»

(Daniel Defoe, Tlw Life and Surprisin!( Advenlllres


of Roúinson Crusoe, l ' cd., Londres, 1719.)

Em verdade, durante os primeiros dos vinte e oito anos


que passou numa ilha perdida frente à desembocadura
do Orinoco, Robinson não somente deixou de procurar
barcos que pudessem passar próximo à costa, como tam-
bém demonstrou muito pouco interesse pela paisagem
da ilha. Toda a sua atenção se concentrava no castelo
que edificara em longos anos de penoso trabalho, na sua
casa de campanha cultivada com esmero, nos campos
rodeados de sebe e nos pastos cercados por tapumes.
,Este pequeno mundo fundado sobre a concepção refIe-
tida e pacífica do individualismo pequeno-burguês é o
cenário verdadeiro do romance. Nas suas incursões pela
ilha, Robinsowtinha a impressão de. estar em viagem,
longe de casa. E, ao percorrer esta Ilha, seu olhar se
dirigia à possibilidade mais próxima - ou talvez futura
- de explorar a flora e a fauna.
Sobre o continente europeu, os leitores das aventuras
robinsonianas trataram, com freqüência, de passar por
alto este comportamento insípido de quem está unica-
mente ocupado com os seus negócios, dando à ilha, em
sua imaginação, um caráter exótico que não se encontra
no romance.*)
Negligeou-se muito facilmente o fa to de que Dcfoe não
queria transmitir propriamente tais curiosidades, mas se
propunha a apresentar um homem novo no qual, como
diz Alexis de Tocqueville (1805-1859), «cada cidadão é
um povo»:
«Na Europa, as pessoas se ocupam com os desertos
..da América, mas os americanos mesmos nem pen-

') Em traduções francesas ou alemãs, é freqüente atribuir a


Robinson frases como c<Oh, natureza I». O personagem de
Dcfoe, porém, não se expressava assim.

56
sam nisso, pois se mostram insensíveis às mara-
vilhas da natureza inanimada e não percebem, ·por
assim dizer, as admiráveis florestas que os rodeiam
a não ser no momento em que tombam sob seus
golpes. Seu olhar está ocupado com um outro
espetáculo. O povo americano vê-se marchar através
desses desertos, drenando os pântanos, saneando os
rios, povoando a solidão e subjugando a natureza.
Esta imagem magnífica que os americanos têm de
si próprios não se apresenta somente de tempos em
tempos à sua imaginação; pode-se dizer que ela
segue cada um deles tanto na mais minúscula de
suas ações como nas mais importantes e que per-
manece sempre diante do seu espírito.
Nada se pode conceber de tão pequeno, tão ex-
tenuado, tão cheio de miseráveis interesses, em uma
palavra, tão antipoético, que a vida de um homem
nos Estados Unidos; mas dentre os pensamentos
que a dirigem encontra-se sempre um, cheio de
poesia, como o nervo oculto que dá vigor a todo o
resto.
Nos séculos democráticos, a extrema mobilidade
dos homens e seus impacientes desejos fazem que
eles mudem sem cessar de lugar e que os habitantes
de diferentes países se mesclem, se vejam, se escu-
tem e se ilIÚtem; não são, por conseguinte, somente
os membros de uma nação que se tornam semelhan-
tes; as nações mesmas se assimilam e todas juntas
formam, à vista do espectador, mais que uma ampla
democracia, onde cada cidádão é um povo. Isto põe
de manifesto, pela primeira vez, a forma do gênero
humano.»

(Alexis de Tocqueville, De la démocratie en Amé-


riql/e, I " cd., Paris, 1840. Nova edição Paris, NRF-
Gallimard 1951, tomo I, vol. II, I" parte, cap. 17:
«De quelques sources depoésie chez les nations
démocratiques~ [«Algumas fontes de poesia nas
nações democráticas» l. Cf. também Democracia na
América, trad. Estúdios Cor, Lisboa.)

57
Sem maiores esforços poderia Defoe ter trasladado a
ação de sua novela a alguma região afastada de sua pátria
inglesa e ter descrito, na mesma ocasião, os rios e as
montanhas. Contudo, Defoe queria expressar algo di-
ferente. Seu Robinson não era nem um indivíduo primi-
tivo, nem um pobre proletário. Este herói era um capita-
lista em posse da riqueza oferecida pela natureza da ilha
e de toda aquela encontrada no navio naufragado. Estas
riquezas foram as bases necessárias para fazer de Ro-
binson - usando as palavras de Marx - «um entesoura-
dor racional>.:

<& como representante ou suporte consciente dcste


movimento que o detentor do dinheiro se torna capi-
talista. A sua pessoa, ou antes, a sua algibeira, é .0
ponto de partida e de chegada do dinheiro. O con-
teúdo objetivo da circulação D-M-D', isto é, a
mais-valia engendrada pelo valor, é o seu íntimo
alvo subjetivo. t só na apropriação sempre crescente ,-
da riqueza abstrata que está o único motivo deter- ...-
minante das suas operações, isto é, que ele funciona
como capitalista ou, se quiserem, como capital per-
sonificado, dotado· de.consciência e de vontade. Por-
tanto, o valor de uso· nunca deve ser considerado
como objetivo imediato do capitalista nem também
o ganho isolado, mas, pelo contrário, o movimento
incessante do ganho sempre renovado. Esta ten-
dência absoluta para o enriquecimento, esta caça
apaixonada ao valor de troca, são comuns ao ca-
pitalista e ao entesourador. Mas este é um capitalis-
ta maníaco, que só quer salvar o dinheiro dos peri-
gos da circulação, o capitalista é um entesourador
racional. Este capitalista é mais hábil porque a vida
eterna do valor que o entesourador crê assegurar
salvando O dinheiro dos perigos da circulação, é
ganha por aquele lançando sempre de' novo o
dinhciro na circulação .•

(Karl Marx, Das Kapital. Kritik der politischen


Oekonomie, livro 1, Der Produktionsprozess des

58
Kapitals [«O Processo de Produção do Capitah]
1" parte : «Die allgemeine Forme! ães Kapitals»
[«A fórmula geral do capital»], 1" cd., Hamburg,
1867. Cf. a tradução portuguesa de António D.
Gomes, O Capital, 5' ed., Lisboa, 1977. Marx-
Engels, Werke, [«Obras»], vol. XXlII, Berlim, 1962,
pp. 167 s.)

Defoe foi ainda mais longe em seu romance e não apenas,


de maneira pedagogicamente adequada, fazendo o leitor
familiarizar-se somente pouco a pouco com o caráter da
«circulação» (no sentido empregado por Marx). O herói
desta história de aventuras podia apenas manifestar os
seus sentimentos quando a «multiplicação incessante do
valor das coisas» estava em jogo.
Na epopéia robinsoniana ocorreu mais uma revolução.
A velha ordem moral e das relações sociais havia nau-
fragado com o barco em que Robinson chegara à sua
ilha. Uma nova era de individualismo havia nascido.
Trata-se de uma espécie de «contemplação de si mesmo»,
de que fala Alexis de Tocqueville:

«Estou convencido de que a democracia desvia, com


o tempo, a imaginação de tudo o que é exterior ao
homem para fixá-la no própCio homem.
Os povos democráticos podem distrair-se um mo-
mento ao considerar a natureza; mas não se animan\
realmente senão pela contemplação de si mesmos.
10 s6 deste lado que se encontram nestes povos as
fontes naturais da poesia e é permitido crer que
todos os poetas que não quiserem recorrer a elas
perderão todo o seu império sobre a alma daqueles
que pretendem enfeitiçar e que acabarão por não
ter mais que frias testemunhas de seus enlevos.
Fiz ver como a idéia de progresso e da capacidade
de aperfeiçoamente indefinida do gênero humano
era pr6pria dos séculos democráticos.
Os povos democráticos dificilmente se preocupam
com o que passou mas, com prazer, sonham com o
que virá e, neste particular, a sua imaginação não

59
conhece limites: extende-se e aumenta sem medidas.
Isto oferece um vasto campo aos poetas e lhes per-
mite ver o quadro de longe. A democracia, que
oculta o passado à poesia, abre-lhe o porvenir.
Como todos os cidadãos que compõem uma socie-
dade democrática são semelhantes, a poesia não
pode fixar-se em nenhum deles em particular;
porém, a própria nação se oferece ao seu pincel. A
similitude de todos os indivíduos, que torna im-
próprio cada um deles separadamente de ser o ob-
jeto da poesia, permite aos poetas encerrar todos
numa mesma imagem e de considerar, enfim, o
povo mesmo. As nações democráticas reconhecem
mais claramente do que todas as demais a sua pró-
pria forma e esta grande forma se presta maravilho-
samente à pintura do ideal.»
(Alexis de Tocqueville, op. cit., pp. 78-79.)

Defoe esboçOlÍadiante uma imagem ideal da nova socie-


dade burguesa-democrática de sua época, ao «desviar a
imaginação de tudo o que é exterior ao homem, para
fixá-la no próprio homem». Tal imagem ideal não exigia
dos homens criar grandes coisas, mas que conferissem
a si mesmos uma grandeza que não pode ser medida
senão através da prática. Os heróis da incipiente era
industrial eram, como o protagonista do romance, na
sua grande maioria, de origem burguesa simples e
sentiam-se orgulhosos de haver chegado ao seu destino
cada um por si, como selfmademan, graças ao seu bom
senso e à sua grande energia:
«Pus-me, então, ao trabalho e aqui devo fazer uma
observação necessária: como a razão é a substância
e a origem da matemática, assim também todo
homem que demonstra e calcula as coisas por meio
• da razão, julgando-as da maneira mais racional
possível, poderá tornar-se com o tempo um mestre
de toda arte mecânica. Jamais havia manejado uma
ferramenta em minha vida, mas aos poucos, me-
diante trabalho, aplicação e dedicação descobri,

60
finalmente, que não existia coisa nenhuma desejada
que não pudesse ser feita, principalmente se tivesse
ferramentas. No entanto, fiz uma quantidade de
coisas sem elas e algumas com nada menos que um
machado e uma machadinha, coisas que talvez nunca
tivessem sido feitas deste modo anteriormente, o
que me custou um trabalho imensurável. Por
exemplo, se queria uma tábua não me restava outro
caminho que o de abater uma árvore, colocá-la de
lado diante de mim e aparar a sua superfície em
ambos os lados com o meu machado até tê-la feita
da espessura de uma prancha e, ap6s, tomando-a
lisa com minha machadinha. t verdade que através
deste método apenas pude fazer uma s6 prancha
de cada árvore; mas para isso não havia nenhum
outro remédio senão paciência.~

(Daniel Defoe, op. cit., p. 74.)

61
10. Prenúncio de uma Nova Era

Um motivo de orgulho para os inventores-empresários


dos começos da industrialização foi de ser capaz de me-
lhorar, por meio de sua própria iniciativa, os bens de
produção simples da vida quotidiana, de aperfeiçoar as
ferramentas através de regras simples da mecânica, até
convertê-las em máquinas produtoras de máquinas. A
grandeza do homem era medida sem pompa na sua ca-
pacidade de dominar pequenas coisas. Robinson anotou
no seu diário o que segue:
«22 de abril [de 1660]. Na manhã seguinte, comecei
a pensar sobre os meios de colocar este plano em
execução, mas faltava-me as ferramentas mais
necessárias. Possuia três grandes machados e uma
quantidade de machadinhas (pois carregávamos as "
machadinhas para fazer comércio com os Índios),·'-
as quais à força de talhar e cortar madeira dura e
nodosa estavam ,desdentadas e embotadas; e apesar
de possuir uma .pedra de afiar não podia fazê-la
girar para afiar as minhas ferramentas. Isto custou-
me tanta reflexão como a um homem de Estado uma
questão importante de política, ou a um juiz a vida
ou a morte de um homem. Enfim, imaginei uma
roda à qual atei um cordão para mantê-la em movi-
mento por meio do meu pé, conservando as minhas
mãos em liberdade.
Nota: Não havia visto nada semelhante na Ingla-
terra, ou pelo menos não percebi, apesar de que
observei depois que isto era muito comum lá; além
disso, a pedra era grande e pesada. Esta máquina
custou-me uma semana inteira de trabalho para
levá-la à perfeição.
28 e 29 de abril. Empreguei estes dois dias inteiros a
afiar as ferramentas; o mecanismo que fazia girar
a minha pedra funcionava muito bem.»
(Daniel Defoe, op. cit., pp. 90 s.)

62
Esta estima aos acontecimentos e realizações do homem
simples e de meio modesto em romances não era coisa
rara na época de Defoe. Os «romances picarescos»
europeus do século XVII constituem um testemunho
eloqüente a respeito. Muitos destes romances populares
têm em comum a despedida dos «bons» velhos tempos
dos cavaleiros e da nobreza. Deles se diferenciava a
epopéia de Robillson, redigida por Daniel Defoe nos
primeiros anos do século XVIII. Esta foi o prenúnCio de
uma nova época sobre a qual se colocou um olhar cheio
de otimismo na crença da supremacia da razão humana,
com firme esperança no progresso econômico e social.
Tal confiança não era ilusória. Ao construir seu novo
mundo - a era moderna - Robinson Crusoe demonstrou
ser uma pessoa diligente, mas não especi,,:Jmente hábil.
Seu autor não lhe facilitou a arte de invenção como
cinqüenta anos antes o escritor alemão Hans Jacob
Christoph von Grimmelshausen (por volta de 1620 a
1676) à figura picaresca de «Simplicíssimo, o Aven-
tureiro» quem, perdido numa ilha deserta do sul, gozava
de surpreendentes dotes de inventor:
«Finalmente descobri que, misturando o sumo de
pau-brasil*) - do que existem diversas variedades
nesta ilha - com o sumo de limão, era perfeita-
mente possível escrever sobre uma espécie de folha
o
grande de palmeira, que me causava muita satis-
fação, já que agora podia conceber e escrever ora-
ções do modó devido.»
(Hans Jacob Christoph von Grimmelshausen, Der
abenteuer/iche Simp/icissimus [«Simplicíssimo, '0
Aventureiro»], na versão de 1671 - «Edição D» -
Livro 6, cap. 23: «Der Monachus beschliesst seine
Histori und macht diesen sechs Buechern das Ende»
[«O monge termina as suas hist6rias e coloca um
ponto final nos seus seis livros» l.)

.) Lignum brasiliuffi, madeira donde se extrai um corante


vermelho.

63

,i
Apesar de que Roúinson, entrando em cena como herói
romanesco em 1719, vivia na sua ilha cercado igualmente
por uma natureza exuberante, não chegou ele a des-
cobrir a tinta, mesmo com toda a boa vontade possível.
Por esta razão, autor fê-lo escrever seu diário de
maneira menos extravagante. As invenções jil. não eram
para ele exclusivamente obra da inspiração divina nem
o resultado do afã de criar a partir da abundância~ Surgia
agora o problema da economia dos valores inventivos.
Um exemplo neste sentido nos oferece Robinson com
o seu primeiro intento de construir uma canoa:

«Enfim, isto levou-me a pensar se não seria possível


construir para mim uma canoa ou piroga, semelhante
às que os indígenas destas zonas faziam do tronco
de um árvore grande, mesmo scm ferramentas ou,
como se poderia dizer, sem o auxílio alheio. Não
só considerei este projeto possível, como também
fácil e.;ígradava-me extraordinariamente pensar em
sua construção e em que tinha muito mais recursos
para levá-lo a efeito do que qualquer um dos negros
ou dos índios; mas não levava em consideração de
modo nenhum as inconveniências que se me apresen-
tavam, as quais eram maiores que as deles; a falta
de ajuda para levar o bote até a água, uma vez ter-
minado, era para mim uma dificuldade muito maior
a superar que a falta de ferramentas aos indígenas.
De que me servia escolher uma grande árvore no
bosque, derrubá-la com enorme esforço, depois
talhil.-la na sua parte externa com minhas ferramentas
para dar-lhe forma de bote e queimar ou cortar sua
parte interna, tornando-a oca, se depois de tudo
isto tivesse que deixá-la no mesmo lugar sem poder
lançá-la à água?
Poder-se-ia pensar que se tivesse feito durante a
construção deste bote a mínima reflexão sobre as
circunstâncias em que me encontrava teria imediata-
mente pensado num meio de levá-lo ao mar; mas
obcecava-me tanto a idéia de navegar com ele, que
não considerei uma só vez a maneira de transportá-

64
lo; e, na verdade, era-me muito mais fácil guiá-lo
quarenta e cinco milhas no mar que quarenta e cinco
braças para colocá-lo em movimento na água.
Pus-me a trabalhar neste bote com a maior loucura
que haja cometido homem algum em são juízo.
Comprazia-me com o projeto sem determinar se me
era possível levá-lo a efeito. Não é que a dificuldade
de lançar o bote não me viesse freqüentemente a
mente; mas pus um ponto final às minhas próprias
perguntas a respeito, através desta resposta insen-
sata: .Vamos fazê-lo primeiro; estou certo de que
encontrarei de uma maneira ou de outra um meio
de transportá-lo quando estiver terminado> ...
Agora compreendia, apesar de ser demasiado tarde,
a tolice de iniciar um trabalho sem antes considerar
as suas dificuldades e sem julgar se nossas próprias
forças podem levá-lo a um bom termo.»

(Daniel Defoe, op. cit., pp. 139 ss.)

Assim teve Robinson que pagar caro por não ter feito
precederem seus projetas de um cálculo de custo e de
uma estimação de suas forças. Aquele bote, sobre o qual
girou o assunto anteriormente, deveria ser apresentado
primeiro à pequena burguesia industrial para fins peda-
gógicos como exemplo da desanimadora «ruína de um
projeto». Mas, em realidade, existiram na história dos
processos de industrialização ruínas de projetos muitís-
simo mais freqüentes e mais !lraves que desta canoa.
Contudo, só rara vez têm os fracassos tecnológicos o
mérito de irigressar na literatura mundial para servir de
advertência. Assim, pois, na época moderna, são obriga-
dos a serem expostos aos olhos dos homens sob a forma
de blocos de concreto armado fantasmagóricos ou -
pior ainda - na natureza livre, como advertência indes-
trutível.

6S
11. Isolamento e Cooperação

Para Defoe a planificação do objetivo era mais essencial


que a habilidade do inventor. À semelhança de muitas
gerações de inventores da época inicial da industrializa-
ção, considerava ele que tal objetivo não consistia no
excesso, nem no prazer da abundância desnecessária.
Este espírito racional de economia do empresário «mo-
derno» manifestou-se quando Robinson, certo dia, con-
siderou o sucesso de suas realizações:

«Não havia nada que invejasse, pois tinha tudo o


que pudesse desejar; era senhor de toda aquela man-
são e, se me agradasse, poderia chamar-me de rei
ou imperador de toda esta região que estava sob a
minha posse. Não havia rivais: não tinha nenhum"::'
competidor, ninguém que disputasse comigo a
soberania e o comando. Poderia ter produzido cereal
para carregar vários navios, mas não tinha aplica-
ção para tal; assim\ é-. que cultivei somente o que
achei necessário para as minhas necessidades.
Havia tartarugas em graride quantidade, mas so-
mente me era possível consumir uma de tempos em
tempos. Possuia madeira à vontade para construir
uma frota de navios e uvas suficientes, a serem
transformadas em vinho ou em passas, para carregá-
Ia quando estivesse construída.
Mas, para mim só eram de valor as coisas das quais
podia fazer uso. Tinha o suficiente para comer e
suprir as minhas necessidades, que me importava
todo o resto? Se matasse mais animais do que podia
comer era obrigado a dar a carne ao cão ou a atirá-
Ia aos vermes. Se semeasse mais cereal do que
podia consumir, este deveria ser eliminado. As ár-
vores que abatera apodreciam no solo; apenas podia
utilizá-Ias como lenha e não tinha necessidade de
fazer fogo a não ser para preparar a minha refeição.

66
Em uma palavra, a natureza das coisas e a experiên-
cia haviam-me ensinado, após sensatas reflexões,
que todas as coisas boas deste mundo não são boas
a não ser enquanto nos são úteis e que, por muito
que rcalnlcntc aculllulcnlos para Jar aos outros,
apenas sentimos prazer no tanto quanto podeinos
usufruir e nada mais.»
(DaIÚel Defoe, op. cit., pp. 142 s.)

Ele queria criar um certo bem-estar, primeiramente só


para si mesmo. Uma vez alcançada tal meta, não deveria
ser colocada em perigo de modo nenhum. Quando Ro-
binson já não era o único habitante da ilha e seu C OIl1-
lJIonwealth havia se extendido a quatro pessoas, sucedcu
ser necessário considerar a admissão de náufragos euro-
peus, provenientes da costa vizinha. Scm levar em conta
a situação crítica em que se encontrava essa gente, foram
inicialmente usados todos os meios para nãO culocar de
maneira nenhuma em jogo, através de tal ação de salva-
mento, a riqueza adquirida por Robinson:
«Mas quando tínhamos tudo preparado para a par-
tida, o próprio espanhol fez uma objeção que con-
tinha tanto prudência quanto sinceridade, com o que
não poderia deixar de estar senão muito satisfeito;
com seu conselho protelei pelo menos seis meses a
salvação de seus companheiros. O caso era o se-
guinte: fazia um mês que estava conosco e, durante
este tempo, havia-lhe mostrado de que maneira
prouvera as minhas . necessidades com a ajuda da
Providência; viu evidentemente a quantidade de
trigo e arroz armazenada, o que assim como era
mais que suficiente para mim, também não O era,
pelo menos sem uma boa economia, para a minha
família, composta agora de quatro membros ; e muito
menos se seus compatriotas, como ele d:sse, em
número de quatorze sobreviventes, chegassem; este
abastecimento teria sido mais que insuficiente para
prover nosso navio de mantimentos, se pudéssemos
construí-lo para uma viagem a algumas das colônias

67
cristãs da América. Ele disse-me, portanto, que
imaginava ser mais aconselhável permitir a ele e
aos outros dois lavrar e cultivar novas terras, semear
tanto quanto possível; e que deveríamos esperar
uma outra colheita, a fim de ter um suplemento de
trigo quando viessem os seus compatriotas, pois a
necessidade poderia ser para eles uma ocasião de
discórdia ou de crer que haviam sido salvos de uma
dificuldade para serem arrojados em outra. -Re-
cordai>, disse ele, -que os filhos de Israel, apesar de
se regozijarem no princípio por haverem sido
levados do Egito, rebelaram-se contra o mesmo
Deus que os havia salvo, quando lhes faltou O pão
no deserto.>
Sua prudência era tão razoável, e tão bom seu
conselho, que eu não poderia estar senão muito
agradecido por ele, assim como estava também
satisfeito com sua fidelidade. Deste modo, nos
pusemoW·os quatro a lavrar a terra da melhor ma-
neira permitida pelas nossas ferramentas de ma-
deira, com as quais estávamos providos.»

(Daniel Defoe, op. cit., pp. 274 s.)

A admissão de um círculo maior de pessoas nos domínios


de Robinson poderia ter-se realizado, evidentemente,
de modo mais rápido. Certamente não faltavam frutas
nem animais selvagens nesta ilha. No entanto, a civiliza-
ção de produção, projetada pelo empresário, poderia ter
sido afetada por este fato.
A defesa e a promoção de sua obra empresarial era uma
lei suprema. A ela subordinava Robinson também todas
as suas obrigações a realizações sociais. .
Defoe abordou, neste particular, um problema que de-
veria tornar-se nas épocas posteriores um dos mais
graves da civilização européia: a alienação do empresá-
rio, o qual conquistou uma posição importante por seus
próprios esforços, numa sociedade - segundo ele crê -
fundada graças à sua iniciativa, e a dissolução dos laços
solidários entre os membros desta sociedade. Alexis de

68
Tocqueville ocupou-se novamente deste fenômeno, em
. 1840, na sua análise sobre a democracia americana: .

• Nos povos democráticos, novas famílias surgem


SC111 cessar do naua, continuoUllcntc outras caem na
miséria e todas aquelas que permanecem mudam de
face; os laços do tempo se rompem a todo o mo-
mento e o vestígio das gerações desaparece. Facil-
mente são esquecidos aqueles que nos precederam
e não se tem nenhuma idéia dos que seguirão. So-
lll.cntc interessam os mais próximos.
Quando cada classe se acerca das outras e com elas
se confunde, seus membros tornam-se indiferentes
e como estranhos entre si. A aristocracia havia feito
de todos os cidadãos uma longa cadeia, que ia desde
o camponês até o rei; a democracia a rompe e isola
cada membro.
A medida que as condições sociais se igualam, en-
contra-se um maior número de indivíduos que, não
sendo suficientemente ricos nem poderosos para
exercer uma grande influência sobre o destino dos
seus semelhantes, adquiriram ou conservaram, con-
tudo, bastante formação e bens para poderem ser
suficientes a si próprios. Não devem nada a nin-
guém, não esperam, por assim dizer, nada de nin-
guém; habituam-se a considerar-se sempre isolada-
mente e crêem que seu destino esteja completa-
mente entre suas mãos.
Assim, a democracia não somente faz cada ser
humano esquecer seus an~estrais, mas oculta-lhe
seus descendentes e separa-o de seus contemporâ-
neos conduzindo-o, sem cessar, em direção de si
mesmo e ameaçando, finalmente, de encerrá-lo com-
pletamente na solidão do seu próprio coração.»

(Alexis de Tocqueville, De la démocratie en Amé-


'rique, livro 2, 2" parte, cap. 2: "De l'individualisme
dans les pays ~émocratiques». Cf. também Demo-
craCIa na América, tradução dos Estúdios Cor,
Lisboa.)

69
Convém não perder de vista estas reflexões de Tocque-
ville, colocando-as agora em relação a uma outra, mais
precisamente, à de Marx.
Na primeira metade do romance, Robinson Crus oe
revelou ser um entesourador, procurando salvaguardar
seu tesouro de toda a intervenção social. Um medo
terrível apoderou-se dele, ao descobrir, após muitos anos
de permanência na sua ilha, vestígios da existência de
outros homens. Resultava-lhe muito difícil aceitar outras
pessoas no seu domínio econômico. Guardava, neste
particular, uma viva desconfiança. Todavia, aconteceu
ao mesmo tempo aquilo que Marx preconizou na sua
.. fórmula geral do capital»: «Este capitalista é mais hábil
porque a vida eterna do valor que o entesourador crê
assegurar salvando o dinheiro dos perigos da circulação,
é ganha por aquele lançando sempre de novo o dinheiro
na circulação.»')
O círculo narrativo de Defoe termina com poucas -
mas muito ilustrativas - palavras sobre a visita em";:'
preendida, em 1694, por Robinson Crusoe à ilha, oito
anos após ter abandonado a sua colônia .

.. Estive ali cerca de vinte dias e os supri de todas as


coisas necessárias, particularmente de armas, pól-
vora, balas, vestimentas, ferramentas e dois trabalha-
dores, um carpinteiro e um ferreiro, que trouxe da
Inglaterra comigo. Além disso, reparti a ilha entre
eles, reservei-me' a propriedade de tudo, mas dei a
cada um, respectivamente, a parte desejada. Tendo
deixado todas as coisas com eles e convencendo-os
a não abandonar o lugar, deixei-os ali. Parti para
o Brasil, donde enviei uma embarcação que lá com-
prei com mais gente para a ilha e, além disso, outras
provisões, como também sete mulheres que achava
aptas para o serviço ou para o casamento, ~e alguém
o desejasse. Quanto aos ingleses, prometi enviar-
lhes algumas mulheres da Inglaterra, com um bom

*) Karl Marx, O Capital, livro 1, cap. 4, la parte.

70
carregamento de coisas úteis, se quisessem dedicar-
se a plantar, o que fiz posteriormente. Os homens
deram prova de muita honestidade e diligência de-
pois de terem sido orientados e de receberem suas
propriedades.»
(Daniel Defoe, op. cit., pp. 341 s. Dcfoe descreveu
esta visita mais detalhadamente no segundo volume
de RoúillSOIl Crusoc.)

O selfmademall e fundador de uma empresa, a qual


neste meio tempo havia-se tornado capitalista, encontrara
agora uma nova tarefa: a estruturação racional do
abastecimento de bens materiais a seus colonos. A ale-
gria e o orgulho por haver «dado trabalho» a numerosas
pessoas e por haver cooperado à prosperidade econômica
de sua comunidade, tal foi a alegria de viver específica
e, sem dúvida nenhuma, «idealista» do empresariado da
época inicial da industrialização.
Robinson, o personagem solitário, reunia numa mesma
pessoa, dois caracteres: era um dos muitos fundadores
da democracia moderna para a qual, nas últimas décadas,
se encontrou o conceito de democracia «ocidental» e, ao
mesmo tenipo, um dos muitos fundadores do capitalismo
moderno.
No seu romance Roúillsoll, já havia Dcfoe insinuado
numa época muito anterior a idéia de que a vida econô-
mica moderna produz um isolamelllo ao que Tocqueville
se refere antes, mas que ao mesmo tempo também pro-
voca uma cooperação, tal como foram vistas por Marx:
«A produção capitalista só começa a estabelecer-se
de fato quando um s6 patrão explora muitos assa-
lariados ao mesmo tempo, quando o processo de
trabalho, executado em grande escala, exige para o
escoamento dos seus produtos um mercado extenso.
Um certo número de operários, funcionando ao
mesmo tempo sob as ordens do mesmo capital, no
mesmo espaço (ou, se preferirem, no mesmo campo
de trabalho), com o fim de produzir o mesmo gê-
nero de mercadorias, eis o ponto histórico de par-

71
tida da produção capitalista. Foi assim que, no prin-
cípio, a manufatura propriamente dita mal se
distinguiu dos ofícios da Idade Média, excetuando
o maior número de operários explorados simul-
taneamente. A oficina do chefe de corporação
limitou-se a alargar as suas dimensões ...
Opera-se também uma combinação de trabalhos,
ainda que os operantes façam O mesmo trabalho ou
idênticos, quando atacam o objeto do seu trabalho
por diferentes lados ao mesmo tempo. Doze pe-
dreiros, cujo dia combinado conta 144 horas de
trabalho, simultaneamente ocupados nos diferentes
lados de uma construção, fazem avançar a obra
muito mais rapidamente do que o faria um único
pedreiro em doze dias ou 144 horas de trabalho.»

(Karl Marx, Das Kapital, livro 1, cap. 11: «Koopera-


tiOll» [«Cooperação»]. Cf. a tradução portuguesa
de António D. Gomes, O Capital, 5" ed., Lisboa,
1977. ~rx-Engels, Wcrke [«Obras»], vol. XXIII,
Berlim, 1962, p. 341 e 345.)

72
12. O Tempo não tem Importância

A evolução de Robinson Crusoe, tal como Daniel Defoe


a descreveu, em 1719, no primeiro volume do seu ciclo
romanesco, é em vários aspectos um exemplo do espírito
de uma categoria característica de inovadores da época
inicial do capitalismo nos domínios da indústria, da em-
presa e da política. Pela primeira vez foi desviada, assim,
a atenção do grande público da burguesia europeu-norte-
americana a uma idéia de Benjamin Franklin (1706-
1790), um dos futuros fundadores do capitalismo ameri-
cano, observada por Max Weber:
«Veremos que O característico é .. . sobretudo a
idéia de uma obrigação por parte do indivíduo frente
ao interesse - pressuposto como um fim em si mes-
mo - de aumentar seu capital. Com efeito, [Frank-
lin, como também já Defoe] não apregoavam, neste
ponto, simplesmente uma técnica vital, mas uma
<ética> peculiar, cuja infração é considerada não so-
mente uma estupidez, mas um esquecimento do de-
ver: nisto reside sobretudo a essência da coisa. O
que aqui se ensina não é simplesmente o <senso dos
negócios> - o que é proclamado com freqüência.
Trata-se de um c/llOs que se manifesta e é justa-
mente nesta qualidade que nos interessa.»
(Max Weber, «Die protestantische Ethik und der
Ceist des Kapitalismus» [«A ética protestante e o
espírito do capitalismo»], in Gesammelte Aufsaetze
zur Religionssoziologie [«Ensaios sobre a sociologia
da religião»], vol. 1, Tuebingen, 1920 e 1972, p. 33.)

Apesar de que houve outros, depois de Detoe, que ex-


pressaram de uma forma mais precisa o caráter específico
do novo capitalismo europeu-americano, o autor de Ro-
binson merece um i'ilteresse especial, pois se encontrava
no limite entre o período chamado «pré-capitalista» e o

73
da «etapa inicial» do capitalismo e soube - como peda-
gogo sócio-político e, ao mesmo tempo, também soció-
logo - ilustrar a transição da ética antiga à moderna do
homem dedicado às atividades econômicas.
Robinson é o personagem de ficção que nos faz participar
da transformação espiritual quase imperceptível da época
«pré-capitalista» para a do capitalis mo moderno.
Enquanto Robinson era o único habitante da ilha, vivia
na forma de sociedade mais fechada que pode ser con-
cebida e não apenas por ser o único membro de «sua~
sociedade. Praticava uma economia doméstica e rural
rigorosamente isolada; num estado de profundo ensimes-
ma menta entregava-se às suas ocupações. Vivia a sua
obra como um artista. Não tinha que entregar nenhum
de seus produtos ao mercado. Nisto se assemelhava aos
artesãos da Idade Média que, na verdade, tinham que
vender e participavam da economia de intercâ mbio, mas
que estavam empenhados, sobretudo, a produzir bens
que fossem dignos de seu criador. A profunda aversão . -
dos artesãos «pré-capitalistas» contra falsificações ou""
mesmo substituições, inclusive contra trabalhos de quali-
dade inferior, explica-se pclo «antigo» conceito de honra
do artista pela qual mesmo Robinson sentia orgulho.
Por outra parte, o inglês Defoe dotou o herói do seu ro-
mance de ·um dom que logo se converteu no tipo ideal
predominante do novo capitalismo americano: o illdit-
tereutiated mail. A semelhança de Robinson, na primeira
metade do século XVIII, dificilmente poderia ocorrer aos
colonos europeus da América do Norte a idéia de divisão
do trabalho. Concernente às realidades da fase de funda-
ção das colonias, evitava-se conscientemente um grau
elevado de especialização e convinha, ao contrário, des-
tacar-se através de um espírito dinâmico e versátil, adap-
tando-se às condições de vida caracterizadas pelas rápi-
das transformações. Como Robinson Crusoe, Benjamin
Franklin, o <<inventor dos pára-raios, dos boatos jornalís-
ticos e da república» foi um modelo para esta jovem bur-
guesia industrial.
No período «pré-capitalista» de sua vida, Robinson criou
para si uma atmosfera agradável de trabalho, na qual o

74
tempo não tinha importância. foi a fase na qual jamais
teve pressa, precisamente porque sempre fazia ·algo. So-
bre este conforto «pré-capitalista» dizia WernerSombart:
«Mesmo quando se trabalha não se procede com
pressa. Não há razão para se produzir uma grande
quantidade num prazo muito breve ou determinado.
A duração do período de I'rodu~ão é determinada
por dois fatores : pelo tempo necessário para produ-
zir um objeto tão bom e sólido quanto possível e pe-
las necessidades naturais do próprio trabalhador.
A produção de bens é a realização de temperamen-
tos exuberantes que <vivem com plenitude' as suas
obras.»
(Werncr SombarL, Der UOIl,..~('oh;. Zur Ct!j!i[c5~e­
sclJiclJle des modcmell WirlsclJaftsllwlIscliclI, [«O
burguês. Contribuis'50 à história moral e intelectual
do homem da economia moJerna»], Munique e
Leipzig, 1913, cap. 2: «Die vorkapitalistischc Wirt-
schaftsgesinnung» [«A mentalldade econômica pré-
-capitalista»], p. 20,)

75
13. «Tempo é Ouro»

Mesmo a transformação que teve lugar na chamada «re-


volução industrial .. foi inicialmente de uma lentidão e
insignificância que provocou assombro mais de 200 anos
depois. Benjamin Franklin oferece-nos um bom exemplo
deste fenômeno na sua autobiografia. Apesar de ser bas-
tante imprecisa no que se refere aos dados históricos,
esta obra traduz, porém, justamente a atmosfera e, sobre-
tudo, o ritmo das mudanças culturais e sociais daquela
época.
Não foi só nas grandiosas descobertas e invenções como
impressor, escritor, cientista, diretor geral de correios e
diplomata que Benjamin Franklin contribuiu com sua
versatilidade. Muito mais importantes foram as inumerá-
veis transfotmações imperceptíveis nas pequenas cir-
cunstâncias <la vida quotidiana como, por exemplo, a
reorganização da «guarda urbana», a qual Franklin se
refere de modo detalhado:

«Comecei, então, [por volta de 1737] a dirigir um


pouco meus pensamentos em direção aos assuntos
públicos, no começo, porém, a questões apenas de
lncnor importância. Uma das coisas que, na minha
opinião, requeria ser organizada era a guarda da
cidade. Estava a cargo dos policiais dos bairros res-
pectivos. Um guarda titular convocou certo número
de chefes de família a acompanhá-lo, para o ajuda-
rem durante a noite. Aquele que preferisse não reali-
zar tais serviços pagar-lhe-ia seis xelins ao ano pela
sua liberação; esta quantia - na verdade excessiva
para este fim - era pretensamente destinada à colo-
cação de substitutos, O que tornava este ofício muito
lucrativo. Com freqüência, o guarda titular reunia
ao seu redor, em troca de um pequeno serviço, esta
gentalha ou bando de guardas, entre os quais os
chefes de família respeitáveis não queriam misturar-

76
-se; negligeava-se seguidamente a realização da
ronda e a maior parte das noites eram passadas a
beber. Escrevi, por conseguinte, um artigo para ser
lido no Junto'), no qual expunha tais irregularida-
des,salientando, porém, mais particularmente a
desigualdade desta taxa de seis xelins dada aos guar-
das, cm relação às condições daqueles que eram
obrigados a pagá-la; pois, uma pobre viúva, dona de
uma casa, cuja fortuna total a ser vigiada pela guar-
da talvez não ultrapassasse a soma de cinqüenta
libras, contribuia tanto quanto o mais rico comer-
ciante que possuia milhares de libras em mercadoria
nos seus depósitos.
'Em suma, propus uma vigilância mais efetiva, na
qual deveriam ser contratados homens mais ade-
quados que se dedicassem constantemente a este
serviço; e, como um meio mais acessível das estabe-
lecer os custos, propus também a elevação de taxas
que deveriam estar relacionadas à propriedade. Co-
mo esta proposta foi aprovada pelo Junto, foi ela
transmitida aos outros clubes, mas de maneira que
parecesse ser proveniente deles, preparando, todavia,
apesar de o plano não ser colocado imediatamente
elll execução, a opinião pública à esta mudança e o
caminho à lei promulgada alguns anos mais tarde,
quando os membros do nosso clube chegaram a go-
zar de maior influência.»

(Benjamin Franklin, Autobiography,


\
relatório auto-
'

biográfico realizado até o ano de 1757, redigido no


período entre 1771 e 1788 e publicado após a sua

') Nome de uma sociedade de utilidade pública, da qual


Franklin foi um dos fundadores em 1727, com fins literários
c de debate, cm que se discutiam questões de moral. política
c ciências naturais. Não contava, inicialmente, com mais de
12 membros. A ]untõ foi precursora da American PIJilosophi-
cal Society, d. cuja fundação também participou Benjamin
Franklin.

77
morte. Vd. Benjamin Franklin, Tllc Autobiography
with Sayings of Poor Richard, Hoaxes, Bagatclles,
Essays and Lelters . Se/ected and arranged by Carl
van Dorel!, Nova Iorque, 1940, pp. 117 s. Cf. tam-
bém a Alllouios ra{ia de JJelljll/nin Frmlklin, tradu-
zido por Urenno Silveira, São Paulo, 1953.)

Benjamin Franklin interveio aqui corno perturbador do


velho conforto social da «guarda urbana», com O fim de
racionalizá-la, de modernizá-la.
Este espírito do capitalismo nascente apresentava dois
aspectos:
1. perturbava a velha ordem e
2. não queria, por sua vez, ser perturbado.
Esta última qualidade da etapa inicial do capitalismo foi
freqüentemente caracterizada por Benjamin Franklin:
«São muito poucos os que atuam nos assuntos pú-
blicos tendo corno finalidade única o bem do país..;;:'
seja qual for o seu propósito; e apesar de que seus
atos trazem um benefício real ao seu país, os ho-
mens, contudo, consideravam em primeiro lugar que
o seu próprio interesse .estava unido ao do seu país e
não agiam por um princípio fundado na benevolên-
cia.
Um número mais reduzido ainda intervem nos ne-
gúdo!i públicos CI1\ vista elo beln da hutnaniJaJc.))

(Benjamin Franklin, op. cit.; na edição inglesa pp.


106 s.)

Ou, cm outra passagem, de uma lnanclra airlJa lnais


clara :

«Meus negócios estavam agora aumentando conti-


nuamente e minha situação se tornava cada.. dia mais
Hcil; meu jornal, tendo sido por algum tempo pra-
ticamcntc o único nesta província e nas loçalidades
vizinhas, havia-se tornado muito lucrativo; Tive
também a ocasião de comprovar a veracidade desta
observação : 'que depois de haver ganho as primeiras

78
cem libras é muito mais fácil ganhar as segundas,
dada a natureza prolífica do dinheiro.»

(Benjamin Franklin, ap. cit.; na edição inelesa p.


121.)

Não é por casualidade que foi na América do Norte onde


O capitalismo moderno na sua forma mais aberta pôde
desenvolver-se melhor, já que ali não foi impedido por
nenhum sistema feudal antigo nenl por ordem social al-
guma, não tendo sido atacado, tampouco, por muito
tempo, por nenhum movimento socialista. Evidencia-se,
assim, mais nitidamente na América do Norte aquilo
que o capitalismo em sua fase inicial considerava ser o
verdadeiro obstáculo para o seu desenvolvimento: a in-
clinação do homem à comodidade, à qual de agora em
diante será dado o atributo de «antinatural>. cm todos os
sistemas industriais.
Tal doutrina moral do capitalismo nascente não era nova.
Alguns círculos fechados de homens de negócio da Eu-
ropa Ocidental, da Europa Meridional c dos países ára-
bes estavam familiarizados com ela há séculos. O novo
era, em realidade, somente a publicação e a difusão desta
doutrina ética que exigia economia, moderação e auto-
controle. E esta severa doutrina moral era, ao lado da arle
inventiva dos técnicos, um dos pressupostos essenciais à
inJu~lrialização Jo I11lmdu ucidental - !jc~ur'lInclllc U1l\
pressuposto mais imperioso que a posse de capital.
Quanto mais simples, quanto mais livre de teorias de
qualquer espécie se mostrava ri doutrina das virlllde~;
uur)jucsas, l~lnlo Jnais é.unplu podié.l dlcgal' a ser o cín.:ulu
de seus adeptos. Foi o talento de Benjamin Franklin, não
só como homem de ciência e estadista, senão também
como «apóstolo da época moderna)}, o de haver consegui-
do com palavras simples a adesão do povo humilde aos
propósitos do processo de industrializaç50.
Uma amostra neste sentido oferece-nos o seu almanaque
anual Paar Riclwrd' 5 Alma/WC, que foi editado entre
1732 e 1757 com uma tiragem anual de 10.000 exempla-
res, cifra elevada para a época. Um exemplo típico é a

79
'gem seguinte, pertencente ao artigo The Way to
.. «uth de 7 de julho de 1757:
«Quanto tempo mais do que é necessário gastamos
põlra ourmir7 [~j(.llICCCI1l0S que (rapO!iól que Junnc
não caça galinhas. c tjuc <tcrcIllOS bastante lClllpO
para dormir na tumba., como diz o Pobre Ricardo.
Se o tempo é a coisa mais preciosa, <disperdiçá-lo.,
como continua, <é a maior prodigalidade pois', como
diz em outra parte, <o tempo perdido não se encon-
tra jamais', e o que chamamos de «tempo sufi-
ciente» é sempre muito breve •. Devemos, pois, le-
vantar e agir sem cessar para atingir os nossos fins;
deste modo, usando de diligência, realizaremos mais
com menos dificuldades. A preguiça faz as coisas
mais custosas, mas o trabalho torna tudo mais fácil,
como diz o Pobre Ricardo: <Quem tarde se levanta
troteia todo o dia. e nem siquer consegue acabar 05
seus negócios à noite, <pois a preguiça marcha tão
lenta~nte que a pobreza logo a alcança., segundo
podemos ler no Almanaque do Pobre Ricardo. E
acrescenta : <Dirija seus negócios! Não permita que
eles o dirijam!' e
<Quem cedo deita e madruga
Torna-se sadio, rico e sábio"
Portanto, que significam os desejos e as esperanças
de tempos melhores? Torná-los-emos melhores se
soubermos agir.»
(Benjamin Franklin, T11e Way to Wealt11, na edição
inglesa p. 204. Cf. também Sciencia do bom homem
Ricardo ou o caminho da fortuna e misce/anea de
moral e economia, Barcelos, Tipographia da Aurora
do Cavado; 1894.)

Sem dúvida, Benjamin Franklin dificilmente poderá ser-


vir de exemplo modelar ao espírito sombrio, puritano e
tantas vezes evocado dos começos do capitalismo, pois
estava inteiramente ligado às alegrias da vida. Como des-
portista excepcional, encontrou muito prazer na natação
e se comprazia em demonstrações de força. Como o in-

80
glês Dcfoe, irradiava este americano com certo cinismo e
humor um. otimismo extraordinário.
A alegria de viver, aliada a uma moderação voluntária da
direç50 econômica, era o inaudito, o novo: alr,uém dispõe
dWi llH'io~; c, LUl1ludo, IldO Wi c.lissipa. Alguét1\ ensina a
Cl:OllOlUia não como uma segurança diante da necessi-
dade, mas como uma virtude dos ricos, a qual não deve
ser praticada só ocasionalmente, senão que deve marcar
Ioda a personalidade.
Este traço, com o qual estas personalidades americanas
provocaram assombro no continente europeu a mediados
do século XIX, havia-se convertido na sua característica
comum. Tocqueville escrevia em 1840 :

«A doutrina do interesse bem entendido não é nova,


mas tem sido universalmente admitida entre os ame-
ricanos de nossos dias e se tornou popular; é encon-
trada no fundo de todas as ações e brota em todos
os discursos, sendo ouvida tanto da boca do pobre
quanto da do rico.
Na Europa, esta doutrina é muito mais grotesca que
na América e, ao mesmo tempo, extendeu-se menos
e é principalmente menos divulgada. Propaga-se dia-
riamente um objetivo que niio é cumprido.
Os nortc-anlcricanos, ao contrário, se comprazem
em explicar quase todos os atos de sua vida basea-
dos no princípio do interesse bem entendido, mos-
trando como o amor aclarado de si próprios os con-
duz continuamente a ajudarem-se entre si e os dispõe
a sacrificar voluntariamente uma parte do seu tempo
e de suas riquezas para o bem do Estado.
Penso que neste particular não fazem, muitas vezes,
justiça consigo mesmos, pois vê-se de vez em quan-
do nos Estados Unidos, assim como em outras par-
tes, os cidadãos abandonarem-se a impulsos desinte-
ressados e espontâneos, naturais ao homem. Mas oS
norte-anlericanos estão pouco preparados para ad-
mitir que eles ,cedem a emoções desta espécie. Prefe-
rem dar crédito mais à sua filosofia do que a eles
mesmos .. .

81
o próprio interesse bem entendido não é uma dou-
trina sublime, mas é clara e definida. Não pretende
alcançar grandes finalidades, mas obtém sem muito
esforço todas as coisas a que se propõe. Como se
encontra ao alcance da compreensão de todos, cada
indivíduo a compreende facilmente e a retém na
mente sem dificuldade. Adaptando-se maravilhosa-
mente às debilidades dos homens, obtém facilmente
um grande império, cuja força não é difícil conser-
var, pois o interesse pessoal volve contra si mesmo
e utiliza, para dirigir as suas paixões, do mesmo
aguilhão que as estimula.»
(Alexis de Tocqueville, De la démocratie en Amé-
ril/ue, Paris, 1840. Em auvres completes, Paris,
NRF-Gallimard, 1951, livro 2, 2 n parle, cap. 8:
«Comment les Américains combattent l'individua-
lisme par la doctrine de l'interêt bien entendu», pp.
128-129).

Com isto, o estilo de vida dos capitalistas dos primeiros


tempos havia deixado de ser um assunto dos outsiders.
Por algum tempo e em alguns se tores, havia-se tornado o
modelo de algumas gerações da burguesia industrial.
Sobre o continente europeu, muitos políticos, comercian-
tes e homens de ciência tomaram consciência do sub-
desenvolvimento dos seus países ao reconhecer o signi-
ficado das personalidades empresariais na América do
Norte. Assim escrevia o jurista liberal Carl Theodor
Welcker (1790-1869) sobre Benjamin Franklin em 1837:
•• Guiado por essas virtudes e sabedoria burguesas
viris, Franklin realizou uma obra imensa em prol da
ilustração e da tolerância; mas, livre dos erros dos
filósofos franceses materialistas e ateus, fê-lo ao
mesmo tempo em prol da verdadeira religiosidade e
moralidade do seu povo. Como cosmopolita, abar-
cava a humanidade inteira, livre tanto das limitações
provincianas e egoístas da política francesa mais
recente, como do cosmopolitismo sem patriotismo
nem realismo dos eruditos alemãe~ . »

82
(Em Staats-Lcxikol1 odcr Ellzy/dopiidic dcr Staats-
wisscl1sclzaftCII, [«Léxico político ou . enciclopédia
das ciências políticas »], editado por Carl von Rot-
tek e Carl Th. Wclckcr, vol. VI, AlIona [1837], p.
19.)

83
14. Pioneiros Soviéticos da Indústria e seus
Modelos Capitalistas

Ilustrar com Benjamin Franklin ou com o Rouil1soll de


Daniel Defoe os primeiros impulsos da industrialização
daria levemente a impressão de somente levar-se em
consideração O processo de industrialização do «Novo-
Mundo», mais precisamente O da América do Norte.
Franklin, de fato, foi alvo de muito escárnio e, freqüente-
mente, foi desprezado no Ocidente do continente euro-
peu. Além disso, Robillsoll não foi para o Velho Mundo
um representante do período industrial moderno. .
Seria, contudo, incorreto ver em tais personagens apenas
a encarnação de um episódio curioso da <<idade do ouro»
da emigração e da colonização européia da América do
Norte. Seu ~odo de conduzir as coisas de uma maneira
tão prática que quase parecia ingênua, e de perseguir ao
mesmo tempo com rigor e astúcia os seus objetivos no
terreno da política econômica, não somente era uma
característica do período do capitalismo liberal dos
começos da industrialização. Ingenuidade, realizações
pioneiras e rigorosidade aparentemente semelhantes evi-
denciaram-se uma vez mais quando, nos .a nos. de sua
fundação, a União Soviética foi o cenário de um novo
processo de industrialização, tomando como modelo,
sem restrições, a industrialização capitalista «progres-
sista» da América do Norte:

«O capitalismo criou um tipo especial de trans-


migração dos povos. Os países que se desenvolvem
rapidamente no aspecto industrial, empregando mais
máquinas, e que suplantam no mercado mundial
os países mais atrasados, elevam o salário acima
do nível médio e atraem os trabalhadores assa-
lariados dos países atrasados.
Centenas de milhares de trabalhadores são trasla-
dados, deste modo, a centenas e a milhares de

84
verstas*). o capitalismo avançado absorve-os .pela
força no seu turbilhão, arranca-os de suas aldeias
perdidas, faz deles participantes do movimento
histórico mundial e coloca-os frente à classe inter-
nacional, poderosa e unida dos industriais.
Não há dúvida de que só a extrema miséria obriga
os homens a abandonar a sua pátria e de que os
capitalistas exploram com a maior falta de escrú-
pulos os trabalhadores imigrantes. Sem dúvida, só
os reacionários podem fechar os olhos diante da
significação progressista desta migração modema
dos povos. Não é nem pode ser possível redimir-se
da opressão do capital sem o sucessivo desenvolvi-
mento do capitalismo, sem a luta de classes que é
conseqüência sua. f precisamente a esta luta que O
capitalismo incorpora as massas trabalhadoras de
todo o mundo, quebrando o atraso e a rudeza da
vida local, rompendo as barreiras e os preconceitos
nacionais e agrupando os trabalhadores de todos os
países em grandes fábricas e minas da América du
Norte, Alemanha, etc.
A América do Norte encabeça a lista dos países que
importam trabalhadores. Vejam-se os dados sobre o
número de imigrantes na América do Norte:
No decênio 1821-1830 99.000 imigrantes
1831-1840 496.000
1841-1850 1.597.000
1851-1860 2.453.000
1861-1870 2.064.000 "
1871-1880 2.262.000
1881-1890 4.722.000
1891-1900 3.703.000 "
Nos 9 anos 1901-1909 7.210.000

o aumento da imigração é enorme e alJmenta cada


vez mais. Em alguns anos, de 1905 a 1909, emigra-
ram à América ,(só se trata dos Estados Unidos), em

*) 1 versta = 1,067 Km.

85
média, mais de um milhão de pessoas ao ano.
Ademais, é interessante a mudança na composição
dos emigrados (dos imigrantes, ou sera, dos que se
estabeleceram na América) . Até 1880, predominava
lá a chamada vellza imigração dos velhos países
cultos, como a Inglaterra, a Alemanha e, em parte,
a Suécia. Inclusive, até 1890, a Inglaterra e a Ale-
manha apresentavam juntas mais da metade de
todos os imigrantes.
A partir de 1880 inicia-se o aumento incrivelmente
rápido da chamada nova imigração da Europa
Oriental e Meridional, da Áustria, da Itália e da
Rússia. Estes três países forneceram o· seguinte
número de imigrantes aos Estados Unidos da
América do Norte:

No decêIÚo 1871-1880 201.000


18 81-1890 . 927.000
1891-1900 1.847.000
1901-1909 5.127.000

Portanto, os países mais atra sados do Velho Mundo,


nos que pcrduraran\ os Iuaiorcs vcstíljio s do feu-
dalismo em todas as esferas da vida foram sub-
metidos, por assim dizer, à aprendizagem violenta
da civilização. O capitalismo norte-americano ar-
ranca de sua situação semimedieval a milhões de
trabalhadores da atrasada Europa Oriental (inclu-
indo a Rússia, que contribuiu com 594.000 imigran-
tes de 1891 a 1900 e 1 .410 .000 de 1900 a 1909) e
coloca-os nas filas do avançado exército internacio-
nal do proletariado . . .
A Rússia regride cada vez mais, entregando ao
extrangeiro um parte de seus melhores trabalhado-
res; a América do Norte avança com uma rapidez
crescente, tirando do mundo inteiro a população
trabalhadora mais enérgica e capaz para o tra-
balho .. .
Quanto mais . atrasado for um país, tanto mais
oferece ele trabalhadores sem qualificação, serven-

86
tes, trabaihadores agrícolas. As na\'ües adiantadas
se apoderam, por assim dizer, das melhores formas
de salários, deixando as piores aos países menos
civilizados.»
(Wladimir Iljitch Lenin, «Capitalismo e Imigração
dos trabalhadores», em Za Pravdll, nO 22 de 29 de
outubro de 1913.)

Lenin (1870-1924) foi o representante de uma geração


mais jovem - apesar de não totalmente diferente - de
pioneiros da era industrial. Tinha evidentemente, muito
Clll COll1Unl CQlll o illncricilllo Bcnj.:unin Franklin ao scrvir-
se, como este, de velhos adágios populares à formulação
da nova moral do trabalho do período industrial. Não só
a sentença bíblica «Quem não trabalha, não come»
havia-se integrado através dele no vocabulário da União
Soviética, mas inclusive alguns textos de Lenin parecem
haver sidu extraídos do Almanaque de Fr,lIlklin. Dislin-
gucln-sc, poréru, flUIU ponto, na verdade essencial; i1
moral do trabalho não é mais motivada pelo interesse
econômico do indivíduo, mas pelo da sociedade.
A nova moral do trabalho da !;ralllle cmpresa industrial
poderia ter sido anunciada de maneira semelhante numa
assembéia geral (imaginária) de trab"lhadores da Ge-
/lcrlll Molors Corpomlioll*) ou do Consórcio Ullilcvcr**),
tal como o fez Lenin, em 1920, em relação ao seu projeto
de uma grande empresa chamada «União Soviética>>:
«Construamos a nova sociedade! Não nos assustam
as derrotas na grande guerra revolucionária contra
o czarismo, contra a burguesia, contra as poderosas
nações imperialistas do mundo.
Não nos assustarão as enormes dificuldades, nem
os erros, inevitáveis no começo de uma obra tão
difícil, pois a tarefa de reeducar todos os hábitos
e costumes do trabalho exigirá dezenas de anos. E

') Fundada cm 1908 em Detroit.


") Fundado cm 1927 cm Rotlcrdam.

87
prometemo-nos uns aos outros, solene e firmemente,
que estamos dispostos a qualquer sacrifício, que
agüentaremos e nos manteremos de pé nesta luta
tão diflcil - a luta contra a força dos costumes -,
que trabalharemos durante anos e decênios sem
descanso. Trabalharemos para desarraigar a maldita
regra : .cada um por si e Deus por todos>, para ex-
tirpar o costume de considerar o trabalho somente
como uma obrillação e de considerar lellÍtimo apenas
o trabalho remunerado de acordo com uma norma
determinada. Vamos trabalhar para infundir nàs
consciências, no hábito, na vida diária das massas,
a regra: .todos por um e um por todos>, e a outra:
·cada um segundo sua capacidade, a cada um segun-
do sua necessidade> e para implantar, paulatina mas
inflexivelmente, a disciplina comunista e o trabalho
comunista.
Colocamos em movimento um bloco de peso inau-
dito, u~á montanha de obscurantismo, de igno-
rância, de obstinação na defesa dos hábitos de
.livre comércio> e .livre jogo> da oferta e da procura
da força de trabalho humana, como de qualquer
outra mercadoria. Começamos a alterar e a destruir
os preconceitos mais arraigados, os costumes se-
culares mais. tenazes e atrasados.»

(w. I. Lenin, «Do primeiro .sábado comunista>


sobre a linha da estrada de ferro Moscou-Kazan ao
.sábado comunista> de 10 de Maio em toda a Rússia»,
em Pervonlfliski Soubotnik de 2 de maio de 1920.)

A divulgação e a promoção do int~resse econômico da


sociedade frente aos interesses do indivíduo não foi uma
particularidade do sistema comunista na União Sovié-
tica. Na mesma época em que nascia na Rússia a inicia-
tiv~ socialista em prol da industrialização, chegavam dos
Estados Unidos os sinais que anunciavam o fim da era
da burguesia industrial e que pareciam proclamar o
início de um novo coletivismo indflstrial. Lenin formulou
a seguinte sínt~se a este respeito: ,
I

88
«Em comparação com as nações adiantadas, o nisso
é um mau trabalhador. Nem podia ser de outro
modo sob o regime czarista em que eram tão vivas
as sobrevivências do feudalismo. Aprender a tra-
balhar, eis a tarefa que o poder soviético deve colo-
car em toda a sua amplitude perante o povo. A
última palavra do capitalismo neste terreno - o
sistema Taylor·) -, tal como todos os progressos
.lo capitalismo, reúne em si toda a refinada feroci-
dade da exploração burguesa e muitas conquistas
científicas valiosas respeitantes ao estudo dos movi-
mentos mecânicos durante o trabalho, a supressão
de movimentos supérfluos e inábeis, a elaboração
dos métodos de trabalho mais racionais, a im-
plantação dos melhores sistemas de contabilidade
e controle, etc. A República Soviética deve adoptar,
a todo o custo, as conquistas mais valiosas da ciên-

') Desde 1875, Frederick Winslow Taylor (1856-1915)


acumulou experiências, cm Filadélfia, como maquetista,
maquinista, engenheiro, descobridor de novos métodos para
o tratamento do aço e organIzador de várias flnnas, com o
ohjctivo de obter o máximo de resultado para a empresa,
através da maior concentração possível da jornada de tra-
balho c da incrementação máxima da intensidade do tra-
balho. Realizou as suas investigações sobre o trabalho, por
princípio, a partir do trabalhador mais forte, simples e d6-
cil - aquele que «não compreende o aspecto teórico do
trabalho» - compiladas na sua plI.blicação mais importante:
Tire principIes of scicutific marzagcmeltt, Nova Iorque, 1911
(vd. tradução portuguesa Princípios de Administração Cientí-
fica, realizada por Arlindo V. Ramos, 7" cd., São Paulo.)
Apesar de ser o taylorismo condenado severamente na União
Soviética como uma variante maligna do capitalismo, foram-
se desenvolvendo lá princIpios similares: em 1920, no Insti-
tuto Central do Trabalho, desde 1923 nas A.sociaçõcs da
«Liga do Tempo» c, finalmente, no stakhanovismo, sistema
assim denominado em homenagem ao mineiro Alexei G.
Stakhanov (1906-1977), quem no dia 31 de agosto de 1935
suplantou ,c m 15 vezes o rendimento diário prescrito pela
norma de trabalho em equipe.

89
cia e da técnica neste domínio. A possibilidade de
realizar o socialismo será precisamente determinada
pela medida em que conseguirmos combinar o po-
der soviético e a forma soviética de administração
com os últimos progressos do capitalismo.»
(W. r. Lenin, em Prauda, nO 83 de 28 de abril de
1918. Cf. a tradução portuguesa A s tarefas da re-
UOlllÇão, realizada por Antonio Pescada, 2" cd.,
Lisboa, 1978, pp. 117-118.)

«Aprender a trabalhar», como dizia Lenin, já não era


um assunto de seres isolados, de uma minoria e de per-
sonagens à margem, que nas primeiras fa ses da indus-
trialização da Inglaterra e da América do Norte haviam
dado a esta doutrina a sua nota individual, às vezes
extravagante. «Aprender a trabalhar» foi algo que
ocorreu, pois, num ritmo cada vez mais acelerado, se-
gundo as normas da burocracia que haviam assumido . "
o domínio do mundo industrial - no Oriente e no Oci Y
dente, tanto na URSS como nos EE.UU.
A industrialização da União Soviética na década de 20
do nosso século não constituiu uma transição na história
do management da indústria moderna. Somente mani-
festou-se aqui, no terreno poiítico e ideológico, o que se
havia comprovado na indústria do «Ocidente» já há muito
tempo na prática : a aparente ruptura da tensão, outrora
fecunda, entre a individualidade e a racionalidade.

90
15. A Combinação da Administração
Industrial com a Educação de Massas
preconizada por Lenin

Devemos seguir com especial atenção os esforços da


União Soviética nos prilllciros anos de sua existência
para recuperar seu enorme retraso técnico em relação aos
Estados industriais ocidentais, pois é precisamente lá, no
confronto COln o capitalismo, que o carátcr da iniciativa
criadora no processo da industrialização devia manifes-
tar-se claramente.
De fato, os primeiros esforços da União Soviética neste
sentido e, particularmente, as publicações de Wladimir
Ilitch Lenin dão a impressão de que as inovações técnicas
c organizatórias nos diferentes setores da grande indús-
tria, seja no mundo comunista, seja no capitalista, não
podem mais ser realizada, pela iniciativa criadora de per-
sonalidades isoladas. Lenin evocou uma outra força que
- em menor grau na Inglaterra e na América do Norte,
tllaS cOln maior intensidade na França c, especialmente,
na Prússia - deu impulso ao desenvolvimento industrial:
a burocracia. Lcnin se'n tiu falta desta burocracia «cria-
dora» inicialmente na Rússia:
~(Aql1i sofremos as conseqüências por ser a Rússia
um país com um desenvolvimento capitalista insufi-
ciente. Na Alemanha, provavelmente, esta fase será
mais fácil, porque seu aparato burocrático freqücn-
tau uma rude escola, o qual extrai até a última gota,
obrigando, porém, à realização de um trabalho sério,
em vez de desgastar-se os assentos das poltronas,
conlO sucede cm nossas a.dlnini5traçõcs.»
(W. I. Lenin, "Informe sobre o programa do Par-
tido», apresentado no dia 19 de março de 1919 du-
rante o VlIlo Congresso de PC(b}R, realizado de 18
a 23 de março de 1919.)

Partindo desta concepção de burocrac;a, Lenin desenvol-


veu UIllCl idéia - rcalIncnlc - nova. Propunha-se a fazer

91
os impulsos criadores partirem da direção central do
partido e que esta direção se servisse de funcionários e
técnicos desprovidos de todo poder político, para levar a
cabo os seus projetos:
uScrcmos nós m esmos, os opcr~írio!;, que o rga nizare-
mos a grande produção, partindo daquilo que já foi
criado pelo capitalismo, apoiando-nos na nossa ex-
periência operária, estabelecendo uma disciplina ri-
gorosa, lima disdplina. de ferro, JnanliJa pelo puJeI'
do Estado dos operários armados. Reduziremos os
funcionários públicos aO papel de simples agentes
executantes das nossas diretrizes, ao papel "de fiscais
e contabilistas », responsáveis, amovíveis, modesta-
mente retribuídos (conservando sempre, bem enten-
dido, os especialistas de qualquer gênero, de qual-
quer espécie e de qualquer categoria): eis a nossa
tarefa proletária, eis por onde podemos e devemos
começar,41 realizar a revolução proletária. Estas pri-
meiras lfiedidas, baseadas na grande produção, con-
duzem, por si mesmas, à extinção gradual de todo o
funcionalismo, ao estabelecimento gradual de uma
ordem - sem semelhança com a escravatura assala-
riada - na qual as funções de fiscalização e de con-
tabHidade, cada vez mais simplificadas, serão de-
sempenhadas por toda a gente, alternadamente, até
se tornarem um hábito e até desaparecerem, por
fim, como funções específicas de uma categoria es-
pecial de indivíduos. »
(W. I. Lenin, Estado e Revolução, cap. 3, § 3, " SU-
pressão do parlamentarismo», l ' edição em brochu-
ra, Moscou, 1918 ; Edições do Progresso, Moscou,
1967. Cf. a tradução de Armando de Azevedo, Cole-
ção Preto e Branco, Lisboa, 1975, p. 119.)

A '"disciplina rigorosa, de ferro» que após, durante o sta-


linismo atingiu O seu ponto mais terrível, com o desprezo
máximo do ser humano, era a convicção herdada da
época da dominação czarista, segundo a qual não seria
possível pressupor a nenhuma empresa a disponibilidade

92
e a boa vontade dos subordinados, pois assim sendo, tor-
nava-se necessário opor-se imediatamente a uma even-
tual estratégia independentista da parte deles. De todos
os Inodos, foi possível criar, assim, uma situação, na qual
os poderes do E~;l;lJO soviélko Jc~dooraram COn\ toda a
libenlade, se bem que de maneira ditatorial, uma inicia-
tiva em vista do desenvolvimento industrial que somente
poderia ser entravada por fenômenos de insuficiência.
Is to conduziu c1 1II11 ponto tal, cm que só as nlais .lltas
instâncias da direção do partido puderam dar provas de
uma iniciativa criadora, acompanhada tanto de erros
enormes quanto de sucessos gigantescos.
Lenin havia complementado sistematicamente o culto
dissolvido do ditador dirigente no seio do politbllrcau
pelo da «massa criadora» que consistia, na verdade, na
criação de diferenças no status entre ativistas e não-
-ativistas. O rendimento máximo para o benefício da
empresa tornou-se um princípio básico na União Sovié-
tica, baseado no interesse do Estado e da direção do par-
tido. Na sua essência, esta racionalização no aproveita-
mento da força de trabalho humana não se distinguia da
«administração científica», praticada nas empresas de
economia privada de tipo norte-americano. Foi somente
muito mais radical.
É necessário também admitir aqui certamente que, nos
primeiros anos de sua existência, a União Soviética pade-
ceu uma miséria tal, até então não conhecida por nenhum
outro Estado industrial em momentos de profundas
transformações técnicas. A importância econômica da
intervenção desinteressada, em 'situações de crise extra-
ordinárias, do homem simples e sem conhecimentos das
teorias do trabalho, conheceu, a partir dos acontecimen-
tos dos anos de 1918 e 1919 na União Soviética, seus
aspectos essenciais na edificação industrial.
Este fenômeno, no âmbito da industria moderna, foi pela
primeira vez apontado por Lenin no seu artigo sobre
A grallde iniciativa:

«Encontramo-nos, por conseguinte, diante de uma


espécie de círculo vicioso: para elevar a produtivi-

93
dade do trabalho é necessário salvar-se da fome e
para salvar-se da fome é necessário elevar a produ·
ti vidade do trabalho.
É sabido que, na prática, contradições semelhantes
são resolvidas pela ruptura do círculo vicioso, por
uma transformação profunda no espírito das mas-
sas, pela iniciativa heróica de alguns grupos que
desempenha com freqüência um papel decisivo ao
operar-se uma mudança. Os serventes e os ferroviá-
rios de Moscou (levando naturalmente" em conside-
ração a sua maioria e não"um punhado de especula-
dores, de burocratas e demais guardas brancos) são
trabalhadores que vivem em condições desesperada-
mente difíceis. Sofrem de desnutrição crônica e, ago-
ra, antes da nova colheita, devido ao agravamento
geral da crise alimentar, padecem verdadeira fome .
E estes trabalhadores esfomeados, cercados pela
odiosa propaganda contra-revolucionária da burgue-
sia . .. organizam os <sábados comunistas>, traba;;;.
lham em horas extras sem nen/JUma remuneração
e conseguem um aumento considerável da produtivi-
dade do trabl1l1lO, apesar de estarem cansados, ator-
mentados e extenuadps pela fome. Não é este um
heroísmo grandioso? Não é este o começo de uma
transformação histórica de importância universal?
A produtividade de trabalho é, em última análise, O
mais importante, o mais decisivo para o triunfo do
novo regime social. O capitalismo conseguiu uma
produtividade de trabalho desconhecida no feuda-
lismo. E ri capitalismo poderá ser e será definitiva-
mente derrotado, porque O socialismo cria uma
produtividade muito mais elevada. É uma tarefa
muito difícil c muito longa, mas o essencial é que já
começou. Se no verão de 1919, na esfomeada Mos-
cou, trabalhadores com fome, após quatro penosos
anos de guerra imperialista e depois de ·um ano e
meio de uma guerra civil ainda mais dura, puderam
iniciar esta obra grandiosa, que proporções não ad-
quirirá quando triunfarmos na guerra civil e con-
quistarmos a paz?

94
o comunismo representa um produtividade de tra-
balho mais elevada que o capitalismo, .u ma produti-
vidade obtida voluntariamente por trabalhadores
conscientes c unidos que JiSpÕCITI de meios técnicos
modernos.»
(w. I. Lenin, A grande iniciativa, Moscou, julho de
1919.)

Aqui não há lugar para uma ·c ontrovérsia sobre a maior


produtividade de trabalho, se esta ocorre no capitalísmo
ou no comunismo. Um outro aspecto merece a nossa
atenção. A Rússia czarista, tal como a União Soviética,
foi um país no qual a industrialização foi levada a cabo
sob a proteção tenaz do governo. A elite política tinha
sempre uma palavra decisiva a dizer, enquanto que a
«classe média», seja qual fosse sua natureza, restava sem
importância para o desenvolvimento industrial.
A elite política, não estando exercitada na prática polí-
tico-econômica, corria O risco de perecer na sua própria
burocracia. Lenin reconheceu este perigo e, para comba-
tera burocracia na direção comunista, tentou utilizar
quadros dirigentes apolíticos com experiências capitalis-
tas, especializados no domínio da gestão econômica ra-
cionalizada. Propunha-se a empregar estes quadros na
administração econômica, sob o controle rigoroso da
direção política do Estado. Quanto à direção política, ao
contrário, Lenin queria que fosse controlada, para evitar
os excessos burocráticos. Desta maneira, criou a base
sobre a qual, posteriormente o regime stalinista pôde
fundar uma autocracia verdadeira. Porém, ao mesmo
tempo, preparara ele a crescente dependência da direção
stalinista a uma camada dirigente arti fidalmentc criada:
«Devemos estruturar de ral forma toda nossa orga-
nização de modo que não haja, à frente das empresas
conlcrciais, pessoas inexperientes. Entre nós, é conlum
colocar-se um comunista à cabeça de um organismo,
um homem de uma honestidade notória, provado na
luta, que conheceu O cárcere, lllas que não sabe ne-
gociar; e, precisaÜlente ele é colocado na direção de

95
um teust do Estado. Os méritos que possue como
comunista são indiscutíveis; sem dúvida, qualquer
comerciante o enganará e fará muito bem. Não há
razão para ocupar este posto o comunista mais digno
e admirável, de cuja fidelidade ninguém duvidaria
exceto um louco, em lugar de uma pessoa com ex-
periência, hábil e conscienciosa no seu trabalho, que
o faria muito melhor que o comunista mais abne-
gado... .
Confiamos a comunistas, cheios de excelentes qua-
lidades, o cumprimento de um trabalho prático para
o qual 'são totalmente incapazes. Quantos comunis-
tas possuímos nas instituições estatais ? Temos uma
enorme quantidade de materiais, obras sólidas que
cntusiasmariatn ao mais minucioso dos cientistas
alemães, montanhas de papel, e são necessários cin-
qüenta anos de trabalho da Comissão para a Reco-
pilação e o Estudo dos Documentos relativos à His-
tória dq;;Partido, multiplicados por cinqüenta para
poder orientar-se mas, num trust de Estado, não se
pode praticamente obter nada, nem saber quem é o
responsável e por que ...
Nosso pior inimigo interno é o burocrata, o comu-
nista que ocupa um cargo de responsabilidade nas
instituições soviéticas (e também um posto sem res-
ponsabilidade), que goza da estima geral pela sua
honestidade. Um tanto severo, mas virtuoso. Não
aprendeu a combater a burocracia, não é capaz de
lutar contra ela e a encobre. Devemos livrar-nos
deste inimigo e o conseguiremos com a ajuda de to-
dos os trabalhadores e camponeses ...
Por esse motivo, modificam-se os objetivos princi-
pais de nossa política interna, em especial da eco-
nomia. O que nos falta não são decretos, instituições
ou métodos novos de luta. Devemos verificar as
aptidões dos homens, verificar a execução real.
A próxima depuração será dos comunistas que se
sente", administradores. Todos os que se dedicam a
organizar comissões, conferências c conversações c
não realizam um simples trabalho, será melhor que

96
empreguem as suas forças em tarefas de propagan-
da, agitação ou qualquer coisa útil. Querem justificar
as suas complicadas e especiais invenções dizendo
que a nova política econômica requer formas origi-
nais. Mas não realiZam o trabalho que se lhes pede.
Não se preocupam de economizar o kopek, nem pro-
curam convertê-lo em dois, mas imaginam planos de
bilhões e até de trilhões de rublos soviéticos. Com-
bateremos contra esta praga. Verificar os homens e
verificar a execução real do trabalho: tal é, uma vez
mais e só ela, agora, a chave de toda atividade, de
toda política.»
(W. I. lenin, .. A Situação Internacional e Interior da
República Soviética», final de um discurso pronun-
ciado diante da fração comunista do Vo Congresso
dos trabalhadores metalúrgicos de toda a Rússia, no
dia 6 de março de 1922.)

A União Soviética foi o primeiro país industrial no qual


foi simultaneamente desenvolvida a disciplina do traba-
lho nas massas e introduzida a direção científica na ad-
ministração (estatal) das empresas, ambas sob o controle
de um partido político que já pouco tempo depois da
morte de lenin se viu submetido a uma autocracia incon-
trolável. Ncstc particular, a direção cconômica soviética
distinguecse essencialmente da ocidental, como Reinhard
I3endix expõe:
.. Uma nova comparação com o desenvolvimento in-
dustrial do Ocidcntc resulta 'instrutiva: <contar com
o tcmpo>, usar o lazer <a fim de trabalhar melhor dc-
pois>, ser ordenado e trabalhar de acordo com um
plano, ter perseverança frente aos reveses da vida -
todas essas foram as admonições habituais dos sa-
cerdotes puritanos da Inglaterra das últimas décadas
do século XVII. Foram necessários dois séculos antes
quc homens como Frederick W. Taylor, em fins do
século XIX, volt-assem à sua atenção aos problemas
da organização industrial e da direção do trabalho.
Outra maneira de fazcr a mcsma obscrvação é afir-

97
mar que, no Ocidente, duzentos anos de educação
moral e religiosa precederam o nascimento da gran-
de indústria moderna, na qual a organização técnica
e administrativa da empresa exigiu de cada traba-
lhador em particular uma disciplina sem preceden-
tes. Na Rússia, ao contrário, ambos desenvolvimen-
tos coincidiram, já que a educação massiva dos
trabalhadores e a organização técnica e administra-
tiva da indústria em grande escala ocorreram ao
mesmo tempo. Deste modo, no Ocidente, a educa-
ção massiva do povo foi o resultado de um cresci-
mento não planificado que o chamado <management
científico> pôde aceitar sem contestação. Porém, na
Rússia, procurou-se tanto desenvolver a disciplina
do trabalho quanto introduzir o <management cien-
tífico> sob a direção e a supervisão do partido dita-
torial ...
Foi de acordo com os preceitos de Lenin que, no
início da década de 20, o governo soviético patroc~
nou uma <direção científica de empresa> e um movi-
mento amplo de inassas para a obtenção de uma
maior disciplina no trabalho, ilustrando, assim, a
dupla exigência de uma direção autoritária dentro
da empresa e de um melhoramento e uma melhor
execução destas diretivas pela organização da ini-
ciativa de massa. O relacionamento entre managers
e trabalhadores, entretanto, estava imbuído de um
significado político, não somente devido a esta du-
pla intervenção do governo, mas porque era legiti-
mada pelo atraso da Rússia e por estar ela cercada
de vizinhos capitalistas inimigos.
Este retraso devia ser superado; o país devia tornar-
-se independente do auxílio extrangeiro; devia che-
gar a possuir a indústria mais avançada do mundo
para preservar a sua independência e ;J.:;segurar a
vitória final do socialismo. Tanto o exercício da
autoridade dentro das empresas eCOllômicas, como
a agitação entre o povo para conseguir a disciplina
no trabalho e na produtividade, foram meios para
chegar a estes fins políticos. Difundiu-se nas massas

98
uma ética, segundo a qual cada tarefa devia sc!" u rr:~
prova de fidelidade à causa nacional e à missão
mundial ...
t evidente que o contraste entre as ideologias na
Inglaterra e na Rússia foi acentuado pela discrepân-
cia do intervalo de tempo entre a educação de mas-
sas e a organização de grandes empresas econômicas.
Entretanto, tanto a crença no esforço individual e no
sucesso, quanto no trabalho como um ato de con-
fiança política, devia necessariamente entrar em
conflito com os mesmos problemas criados pela
burocratização interna da indústria.»

(Reinhard Bendix, Work and AutllOrity iII Indllstry;


Ideologies of Managcmcllt in the Course of Indus-
trialization, Nova Iorque, 1956, 2" parte, cap. 4, se-
ção b «Ideologia e ética do rendimento», pp. 209 ss.)

99
16. «Mudando o Mundo, transformai-vos!
Renunciai a Vós mesmos!»

1\ burr,uesia inJuslrial Jas primciras fa ses da cvolu\'Jo


tecnológico-capitalista do OciJente até a Primeira Guerra
Mundial aproximadamente, não foi banida pela revolu-
ção proletária como preconizara Marx. Num processo
poderoso c c x trCll'lamcntc sis lclná lit:o, esla burg ues ia
industrial havia empreendido a obra fascinante da auto-
dissolução.
Outrora, a burguesia liberal havia reinvindicado o direito
de poder viver e agir de modo autônomo segundo suas
próprias leis. Somente o cidadão independente, que se
havia libertado de toda a autoridade tradicional, podia
provocar O processo de industrialização, ao reconhecer
finalmente '}penas a racionalidade da organização em-
presarial, a'"'1"acionalidade dos motivos, a racionalidade
na mobilização de todos os recursos intelectuais e ma-
teriais. Uma racionalidade semelhante nao permitia o de-
sejo de «dizer ao momento fugaz: fs tão belo, demora-
te I" A racionalidade da indústria moderna exige uma '
incrementação constante de si mesma. Um empresário
que não souber observar esta lei da indústria moderna,
fracassará mais cedo ou mais tarde. Johann Wolfgang
von Goethe (1749-1832) esboçou a imagem do em-
presário fracassado, daquele Fausto que já não queria
incentivar o avanço incessante da indústria, que não
mais queria participar da transformação ininterrupta-
mente mais rápida da técnica c da sociedade por ela for-
mada.
Um empresário, desejoso como Fausto de deter-se no
decurso do progresso da racionalização, não podia
afirmar-se. Suas contribuições empresariais, realizadas
no fim de sua vida como engenheiro de construção de
diques tinham um caráter eminentemente pré-industrioll:

«Fausto: Junto do monte


Empesta um brejo o conquistado espaço;

100
Derradeiro, supremo dos triunfos
Será esgotar o corrompido charco.
Ganho terreno onde milhões habitem,
Seguros não, mas livres, mas ativos I
t verdejante o campo, fértil! Homens
E rebanhos no novo !joio .'~5cnt .,nl
Aprilzívclmorada, ao pé do outeiro,
Que gente audaz, enérgica erguer soube!
Aqui no interior é um paraíso;
Li fora rUGe (l lll 'lr c i.l borda chega;
Mas, se abre brecha para entrar violento,
Comum esforço a repará-Ia acode.
Oh, sim! A id~ia tal todo me voto,
t: da sapiência a derradeira máxima:
Que só da liberdade e vida é digno
Quem cada dia conquistá-Ias deve!
Assim robusta vida, entre perigos,
Crianças, homens, velhos, aqui passam.
Pudesse eu ver .o movimento infindo!
Livre solo pisar com povo livre!
Ao momento fugaz então dissera:
"ts tão belo, demora-te! Por séculos
E séculos de meus terrenos dias
Não se apaga O vestígio». - Agora mesmo,
Somente em pressentir tanta delícia,
Gozo ditoso o mais celeste instante .•

(Johann Wolfgang Goethe, Faust. Der Tragoedie


zweiter Teil, ato quinto : no «Grande vestíbulo do
palácio». Cf. a tradução portuguesa Fausto, reali-
zada por Agostinho D'Orne!!as, Coimbra, 1958, pp.
521-522.)

A ruptura da síntese, cheia de tensões, entre a individuali-


dade e a racionalidade foi, em certa medida, «pré-progra-
mada » desde o início do processo de industrialização.
Não foi somente a acumulação forçosa do capital o que
ia minando a individualidade do empresário e do tra-
balhador independente. Foi também a evolução forçosa
que, de máquinas produtoras de máquinas, chegou a

101
produção de máquinas capazes de armazenar um número
cada vez maior de pensamentos e lembranças humanos
até que, finalmente, a racionalidade da máquina no do-
mínio industrial, que se tornou incontrolável, funcione
melhor que a pobre racionalidade de que o homem pode
dispor.

«Mudando o mundo, transformai-vos!


Renunciai a vós mesmos!»

Com estas palavras finalizou Bertholt Brecht (1898-1956)


a sua Blldcncr LelJrstueck vom Einvcrstacndnis, escrita
por volta de 1929. Nesta peça didática, apresenta técnicos
que haviam superado há muito tempo o estado das pri-
meiras fases da industrialização. Para eles, toda a ten-
dência à introversão já era anormal:

«Na época em que a humanidade


Começou a reconhecer-se a si mesma
Construímos aviões
De madeira, ferro e vidro
E voamos pelos ares
Com uma velocidade que superava
A do furacão em duas vezes.
E era nosso motor
Mais forte que cem cavalos, mas
Menor que um único.
Durante mil anos caiu tudo de cima para baixo
Exceto O pássaro.
Nem nas mais antigas pedras
Encontramos desenhos
De homem algum que
Haja voado pelos ares.
Mas nos levantamos
Por fins do segundo milênio da nossa era;
Levantou-se nossa
Ingenuidade de aço
Mostrandoo possível
Sem deixar-nos esquecer o
Ainda não atingido.»

102
(Bertholt Brecht, Das Badcllcr Lcllrstlleck vom Ei,,-
verstaendnis [«Peça didática de Baden-Baden sobre
o consentimento»], 1" parte; também no final da
11" parte em: Gesammelte Werke [«Obras Com-
pletas»], vol. II, Frankfurt/Mai/l, 1967, pp. 589 ss.
e 612.)

«Mudando o mundo, transformai-vos! Renunciai a vós


mesmos! » Este parece ter-se tornado o leitmotiv do
processo de industrialização nas suas fases finais. Quan-
to mais Se impunha o princípio da f;rande organização
/lO Estado, na economia e na investigação científica nos
países industriais do Ocidente e do Oriente, tanto mais
profundamente retrocederam - na aparência - as reali-
zações individuais dos homens de Estado, dos dirigentes
econômicos e dos pesquisadores. Precisamente os espíri-
tos mais lúcidos da burguesia indutrial foram atingidos
por uma onda estranha de crise. Um grande. número de
teses, justamente dos economistas mais eminentes, soam
como um eco do apelo que acabamos de ouvir, nas quais
foi realizado o intento de analisar a significação sócio-
politica dos desenvolvimentos técnicos presentes e fu-
turos.
Como exemplo da atmosfera política na qual surgiram
muitas teses sobre a burocratização da indústria (c, com
ela, do capitalismo), citemos aqui uma afirmação de
Joseph A. Schumpeter, publicada em 1942 na sua obra
Capitalism, SocialiSln ulfd Dcmocracy, no capítulo com
o nome sugestivo de «(05 lnuros se desmoronam», 1 ao
parte «O crepúsculo da função de empresário»:

«Se a evolução capitalista - <I) progresso> - deixa


de existir ou se automatiza por completo, a base
econômica da burguesia industrial reduzir-se-á,
finalmente, a salários análogos aos que são pagos
pelo trabalho de administração corrente, com a
exceção dos resíduos de quase-rendas e benefícios
monopólicos que, como é de presumir, vegetarão
ainda durante algum tempo. Como a iniciativa

103
capitalista tende a automatizar o progresso pelas
suas próprias realizações, podemos inferir que ela
tende a fazer-se a si mesma supérflua - a fraca ssar
sob a pressão de seus próprios êxitos. A unidade
indwllrial gig'lll1p, 11C·r("ilailH'I1!t· hllrtHT.IIi Z.HI., 11:10
elimina !julIIclllc ':IS finllas Jc pequellu ou JII éJiu
porte, <expropriando> os seus donos, mas elimina,
finalmente, também o empresário e expropria a
burguC6ia como classe que, ncr.tc proccs~o , corre o
risco de perder não SOlncntc a s ua renda, como
também o que é infinitamente mais importante, a
sua função. Os verdadeiros pioneiros do socialismo
não foram os intelectuais ou os agitatores que o
apregoavam, mas os Vanderbilts, os Carnegies e os
Rockefellers.»")
(J oseph Schumpeter, Capitalism, Socialism and De-
mocracy, Nova Iorque, 1942; na edição inglesa
p. 134.)..,.0-'

Schumpeter prosseguiu esta idéia noutra passagem:


«Salientamos acima que precisamente o sucesso da
iniciativa capitalista tende paradoxalmente a com-

") Cornelius Vanderbilt (1794-1877) ocupava-se inicial-


mente, na América do Norte, com a construção c a explora-
ção de navios a vapor, dedicando-se posteriormente ao
neg6cio das vias ferroviárias. As especulações de bolsa
fizeram dele o mais rico homem de finanças americano de
sua época. Andrew Carnegie (1835-1919) iniciou-se na
indústria algodoeira americana e adquiriu uma grande for-
tuna na indústria do aço do EE.UU .. John Davison Rocke-
fcHer (1839-1937) fundou cm 1859 cm Cleveland, nos
Estados Unidos, uma casa de comércio de produtos agrícolas,
à qual anexou cm seguida uma refinaria de petróleo. Em
1862,. seu cons6rcio controlava 9S 9ó deste setor de refinaria
nos Estados Unidos. Os lucros que obteve de suas empresas
multifacetadas fizeram dele o homem mais rico do mundo.

104
prometer o prestígio ou o peso social da classe
diretamente . ligada a ela, e que a unidade gigante
tende a deslocar a burguesia da função à qual deve
a sua importância social. A mudança correspon-
dC'lIlt· IIU !:igllirit'.ulu d.I!; ill!dillli\·oe!i do Il1U1Hlo
ullrg,lIê~ c sua. atitude lipit:a, assinl contO a perda
simultânea de vitalidade, são fáceis de comprovar.
Por um lado, O processo capitalista ataca inevitavc\-
Illr:ntc a base cconômica da s pequenas empresas
inJus triais c comerciais. O que fez com as camadas
pré-capitalistas, faz ele também - e, em realidade,
através do rnCSnlQ mecanismo de concorrência -
com as camadas inferiores da indústria capitalista.
Marx ganha aqui, naturalmente, muitos pontos. Na
verdade, os fatos relativos à concentração industrial
não correspondem inteiramente às idéias que são
difundidas ao público. Este processo é menos avan-
çado e mais entravado pelas reações e tendências
compensatórias do que se deduz de muita s ülter-
pretações populares. Em particular, a empresa em
grande escala não só aniquila como também cria,
em certa medida, um campo de atividade às pe-
quenas empresas industriais e, especialmente, co-
Inerciais. TaJnbén\ no caso dos camponeses e dos
fazendeiros, o mundo capitalista provou que queria
e era capaz de seguir uma política protecionista
custosa, porém, bem sucedida no seu conjunto. A
longo termo, contudo, poderão existir poucas dú-
vida s a respeito do fenômeno da concentração pro-
grcs~ iva ou suas conseqüências ...
Ágora é importante descobrir exatamente em que
consistem estas conseqüências. Um tipo muito di-
fundido de crítica social ... lamenta a .decadência
da concorrência. e a equipara com o declínio do
capitalismo, devido às virtudes, que atribue à con-
corrência, e dos vícios, que imputa aos <monopólios)
indu striais modernos. Conforme este esquema de
interpretação, a monopolização desempenha o papel
da arteriosclerose e reage diante das chances da
ordem capitalista com um rendimento econômico

105
cada vez mais insatisfatório. Vimos as razões pelas
quaís esta teoria deve ser rejeitada. No plano econô-
mico, nem a defesa da concorrência, nem a acusação
contra a concentração do controle econômico estão tão
consolidados como implica esle arllullicnlo. [ ilbs-
traindo totalmente de sua solidez deixa passar des-
percebido o ponto central da questão. Mesmo se os
consórcios gigantescas fossem dirigidos com uma
perfeição divina, as conseqüências políticas da con-
centração não deixariam de ser as que são. A estru-
tura política de uma nação é grandemente afetada
pela eliminação de uma quantidade de pequenas e
médias empresas, onde 'os proprietários dirigentes,
juntamente com os seus parentes, clientes e conheci-
dos pesam quantitativamente nas urnas eleitoris
e exercem sobre o que podemos chamar de classe
dos quadros diretivos uma influência tal, que a
direção das grandes empresas jamais poderá obter.
O verdadeiro fundamento da propriedade privada..;. '
e do direito de contratação desmorona numa nação
onde as manifestações mais vivas, mais concretas
e significativas destes direitos desaparecem do hori-
zonte moral do povo.~ .

(Joseph Schumpeter, op. cit., pp. 139 ss.)

Schumpeter concluiu este capítulo sobre <cA destruição


do quadro institucional da sociedade capitalista», enfim,
com as seguintes frases impregnantes:

<cE a evaporação do que podemos denominar de


substância material da propriedade - sua realidade
visível e tangível - afeta não só a atitude do pro-
prietário de ações, como também a dos trabalhadores
e do público em geraL Uma propriedade desperso-
nalizada, desmaterializada, desfuncionalizada não
impressiona e não produz nenhuma obrigação de
fidelidade moral como ocorreu outrora com a forma
vital da propriedade. Finalmente, não restará nillgué/JI
mais que quererá realmente defendê-la - ninguém

106
dentro e ninguém fora dos limites uos grandc c
consórcios.»

(Joseph Schumpcter, 01'. cit. p. 142.)

Estas são, de fato, visões que também fizeram de Schum-


pctcr o representante de uma gcração céptica e resignada
pelo impacto de guerras c crises econômicas mundiais.
O lncsmo fatalisnlo cínico, nlcnos diferenciado, nlani-
festou-sc nos prognósticos feitos por James Burnham
cm T/IC IIltillagerial revolulioll. Whal is /wppenillg irl lhe
world?,Nova Iorque, 1941. Esta tendência já se havia
insinuado no romance social utópico Brave IICW world')
de Aldous Huxley (1894-1963) e determinou, alguns
anos mais tarde, a atmosfera fataIística da utopia de
George OrweU"), intitulada N ille!eell EiglIty-Four.

') Publicado cm 1932. Cf. a tradução portuguesa realizada


por Mário H. Leiria, Livros do Brasil, Lisboa, sem data.
") Pseudônimo de Eric Blair (1903-1950). Seu romance
1984 foi publicado pela primeira vez cm 1949. Cf. a tradução
portuguesa realizada por Paulo Santa-Rita, Coleção Livros
Unibolso, Lisboa, sem data.

107
17. Do Empresariado Autônomo ao Emprego
de Quadros Diretivos Contratados

Deplora-se na sociedade industrial moderna a perda


da independência empresarial depois que economistas
e sociólogos redescobriram o «empresário», a figura mais
rica em cores na história da economia capitalista. Quem
se vê motivado a fazer esta queixa dispõe de sólidos
indícios, a saber, as estatísticas, graças às quais é possí-
vel demonstrar que a percentagem de empresários autô-
nomos e de trabalhadores independentes no quadro da
população ativa diminue continuamente, de maneira
rápida e «perigosa» ou «conseqüente», Informações
espetaculares da vida econômica quotidiana sobre a fusão
das grandes empresas industriais podem sempre dar
lugar a novas discussões sobre as funções da direção de
empresa. .:;'
Agora, sem dúvida, a direção da empresa é uma parte
do fator de produção, que poderia ser chamado de
«organização». Este complexo de muitas facetas e signi-
ficados não pode ser defi nido tão facilmente como 05
fatores de produção «terra», «trabalho», ou «Gl.pitah>.
Tal fato traz consigo a tentação de analisar o retrocesso
proporcional da empresa independente, quando não, in-
clu sive cln alguns lugares, o seu dC5aparcd lll~nlu COIll-
pleto da população aliva, com uma parcialidade missio-
nária com a qual, às vezes, os zoólogos dão o sina l de
alarma diante do extermínio de certas espécies de ani-
mais, importantes para a conservação do sistema ecoló-
gico. Sempre que os órgãos de publicidade se ocupam
deste tema nos países industriais do Ocidente, é de re-
conhecer, no declínio do empresário da classe média, um
sinal da «crise do homem burguês» .
T~is manifestações de medo são indícios da problemá tica
do fator de produção «organização». Entretanto, no âm-
bito da econonúa privada, há grandes organizações que
podem ir bem além do que uma estatização total é capaz
de absorver. Este estado de coisas é obra do espírito

108
burguês de empresa - pelo menos nos países industriais
«ocidentais» - e é próprio do bom senso burguês con-
siderar com desassossego os resultados de tal trabalho,
simplesmente porque essas realizações, em suas dimen-
sões, não permitem mais uma visão de conjunto e que
sejam submetidas a uma análise.
Aquele que formular, por exemplo, a ousada tese de que
90 % dos homens de ciência que atuaram na longa
história da humanidade ainda vivem na atualidade,
comete talvez o erro de subestimar o fato. t difícil
imaginar o fenômeno que aqui se afirma, inclusive sem
a devida estima. E poder-se-ia compor uma longa cadeia
de fatos e afirmações da mesma espécie, ou semelhantes
que, enfim, não são mais facilmente imagináveis. t
mesmo possível que nossa cadeia pudesse ser de um
tamanho inimaginável.
Existe uma superprodução de produtos, de decretos, de
saber, de informações. Porém, apesar disto, não há nada
que substitua a intuição, a improvisação, a aceitação de
riscos e a ação espontânea. Mesmo se fosse possível
criar empresas ainda maiores das já existentes, nada
seria oferecido aos homens que devem trabalhar na
indli s Lria, ou que inclusive procuranl pronlovcr a indus-
trialização, que possa substituir atarefa seinpre difícil
de pensar e refletir. Para tal, para a meditação, reflexão,
invenção e predisposição de uma ação responsável segue
sendo ncccssárfa aquela. aulotlomia de que, cm outros
tempos, souberam dar prova os empresários com muito
menos capital, menos meios de .transformar os processos
de produção, menos possibilidaaes de agir sobre o mer-
cado e de exercer influência sobre O modo de vida dos
seus contemporâneos.
Quem não levar este. aspectos em consideração não terá
captado o que é, talvez, a função mais importante da
empresa no decurso do longo e penoso pr0cesso de in-
dustrialização: a luta do empresário contra as forças
anônimas da administração e os funcionários do Estado,
sua capacidade de coordenar os conheCImentos especia-
lizados e a habilidade comercial numa empresa, apesar
da dispersão da ciência.

109
Uma força sócio-política tem, sem dúvida, suplantado
no decorrer de aIgulas décadas, de maneira cada vez
mais intensa, aquele empresário que, ao mesmo tempo,
é proprietário do capital: referimo-nos aos empresários
contratados e aos que tem caráter de funcionário. Estes
compõem os quadros dirigentes da economia e, como
homens de ciência, diretores ou também como chefes
de divisão na administração do Estado, nos centros de
produção e nos serviços de pesquisa, são os responsá-
veis de manter as coisas em andamento. Não é fácil
determinar quem lhes confere tal responsabilidade. O
produtor? Os trabalhadores? Os consumidores? Os
eleitores? O povo? O governo? Como a sua responsabili-
dade não é tão palpá"el quanto o interesse pessoal que
se pode atribuir facilmente ao empresário autônomo, os
novos quadros diretivos suscitam, nas burocracias pri-
vadas ou estatais, temores e dúvidas acerca de sua ca-
pacidade. Logo após a Segunda Guerra Mundial, leitores
e autores ainda sentiam facilmente arrepios quando ~':
em inglês - se fazia referência à burocracia") na empresa

*) Herbert Emmerich, conselheiro da ONU, fez a seguinte


observação curiosa na ElJcyclopacdia Britannica - originada
talvez de malentendidos causados pelas idéias de Max
Weber - sobre o conceito que se faz da burocracia na
Alemanha: ccBurocracia é uma palavra de muitos significa-
dos. Certos sábios, particularmente na Alemanha, cmprcgam-
-no num sentido completamente respeitável c mesmo lauda-
tório para designar a instituição constituída pelo corpo
profissional permanente de funcionários da administração
hicrarquicarncnJc organizada ... De acordo com o uso no
mundo da fala inglesa, a palavra burocracia possui, cm geral,
uma conotação de aversão e uma carga emocional.» (Ency-
c10paedia Britannica, vol. IV, 1962, p. 398.) .
Evidentemente, a palavra matlager no uso Iingüístlco alemão
cria pr~blemas semelhantes: «A palavra <manager> em
alemão tem, de Dlodo curioso, um sentido um tanto depre-
ciativo que não existe absolutamente no uso lingüistico
inglês. Fala-se aqui dO
e FJJatlager por ironia, como sendo uma
pessoa excessivamente diligente ... Generalizou-se, ao con-

110
industrial e, com ela, à influência do White Collar") na
indústria, ou quando - no âmbito lingüístico alemão -
se falava de Manager, quando não, de <funcionário do
Estado> ou, ainda, quando - nos países de línGua fran-
cesa - se invocava à previsão freqüentemente citada de
Saint-Simon (1760-1825): «Le gouvernement des per-
sonnes va être remplacé pa.r I' administration des choses.»

A evolução da direção econômica havia superado há


muito tempo os problemas que enfrentava a burguesia
da época final da industrialização e havia chegado, ao
mesmo tempo, às áreas nas quais se faziam necessários
métodos científicos na organização da direção econômica
de tal modo, que a percentar,em de quadros diretivos no
conjunto da população ativa havia forlemente aumentado
em todos os países industriais do Ocidente e do Oriente,
como também nas regiões industrializadas do Terceiro
Mundo. O estado aparentemente contraditório na econo-
mia moderna, especialmente nos setores que correspon-
dem às indústrias de transformação, consiste em que a
importância dos empresários autônomos diminuiu de
forma pronunciada, enquanto que os quadros dirigentes
contratados representam uma proporção cada vez maior
dentro da estrutura da população ativa.

trá~jo, cm alemão, n. expressão um [;mlo pomposa wirl-


·sc],a{tlic],e Flldlnmgskracfte [<quadros dirctivos tia econo-
mia)], a qual comprccn~e, na verdade, também os (empresá-
rios independentes>,» (Marr,arctc von Eyncrn cm Woerlcr-
buch der Soziologie [«Dicionário de Sociologia.,], 2" cd.,
Stuttgart, 1969, p. 661.). No Brasil, popularizou-se nos
últimos anos o termo execu.tivo, neologismo introduzido pro-
vavcI'mentc peja influência da palavra inglesa executivc,
com a acepção de <empregado dirigente,.

") Título de um trabalho de investigação realizado pelo


sociólogo C. Wright Mills (1916-1962), autor de inúmeros
estudos sobre a burocratização e a elite dirigente da econo-
mia americana.

111
18. O Declínio do Empresariado e o
Crescimento de Quadros Diretivos
Qualificados - uma Comparação ao
Nível Internacional
Os quadros estatísticos comparativos do Instituto Inter-
nacional do Trabalho oferecem-nos a oporlunidade de
seguir, em alguns países da América do Norte e do Sul,
da Europa Ocidental e Oriental, da Africa e da Asia,
o retrocesso contínuo da participação de empresários
autônomos e de trabalhadores independentes no con-
junto da população ativa, a partir da década de 30 do
nosso século. Além disso, a partir do início da década de
60 com O auxílio dos quadros estatísticos resultantes da
comparação ao nível internacional, pode-se observar com
maior facilidade o aumento percentual paulatino dos
quadros diretivos no conjunto da população ativa.
""
Os anuários estatísticos do Instituto Internacional do
Trabalho, em Genebra, são editados desde 1936 em fran-
cês, espanhol e inglês. Utilizamos aqui os dados forne-
cidos pelo Anuário de Estatísticas do Travalllo, da ter-
ceira à trigésima sexta edição (respectivamente 1938 e
1976).
Nas edições mais recentes, o material relativo à população
ativa acha-se reunido no capítulo 2 (<<Estrutura da popu-
lação economicamente ativa»). No capítulo 2 A (<<Distri-
buição segundo a posição profissional e o ramo de ativi-
dade econômica») encontram-se os dados sobre os <dnde-
pendentes», isto é, empregadores autônomos e trabalha-
dores independentes. Do capítulo 2 A forem extraídos,
igualmente, as informações relativas aos independentes
no sdor secundário de produção (minas, economia ener-
g<:.tica, indústrias de tranformação, empresas de constru-
ção).
No capítu lo 2 13 (<<Distribuição segundo a posição e o
grupo profissional>,) encontra-se o material de informa-
ção sobre os «quadros diretivos». Relativo a estes, o
material estatístico nos quadros sinópticos seguintes é

112
avaliado cm todos os se tores econômicos. Até o momento
. presente ainda não foi possível abarcar estatisticamente,
numa comparação ao nível internacional, os quadros
diretivos correspondentes a setores cconômicos particu-
lares. Para estabelecer as cifras relacionadas aos quadros
diretivos rccorreu-se à ISCO (International Standard
Classification of Occupations, CITP cm francês e cruo
cm cspanhol), que foi objcto de revisão cm 1968.
Nossos diagramas englobam sob a denominação de
«quadros diretivos» os grupos profissionais 0/1 e 2 da
ISCO. As denominações destes grupos profissionais não
concordam, na verdade, obrigatoriamente entre si nas
três línguas oficiais dos anuários de estatísticas do
Instituto Internacional do Trabalho. O grupo profissional
0/1 é assim denominado respectivamente: "Professional,
technical and related workers = Personnel des pro-
fessions scicntifiques, libérales et assimilées = Pro-
fcsionalcs, técnicos y trabajadorcs asimilados~. O grupo 2
é definido da seguinte maneira: "Administra tive and
managerial workers = Directeurs et cadres administra-
tifs supérieurs = Directores y funcionarios públicos
superiores».
No intcnto de uma classificação internacional da situa-
ção profissional, só é possível eliminar parcialmente as
incongruências das definições que se manifestam na
língua corrcntc. Dcstc ponto de vista, por exemplo, 05
clirigeants, ultimamente também chamados com freqüên-
cia respo71sables em francês, correspondem aos managers
em inglês, Fuehnmgskraefte em .alemão e ejecutivos em
espanhol. \

113
Canadá

1931 1961

94793

Estados Unidos

1930 1960 1975

114
Pessoas em atividldc:: em todos .os lCtorcs econô-
mlcos

Jndcpenclenh~' (em"rcR:ldor~ e tnhlllhndorn por


conta lJr6,aia) cm lu(loI oe &Ctorcs «on()micus

Qwdros dirClivos cm lodos os xlores exon6micos

Número de ~roais em ativid:ute no selor secundá·


rio e particípac;ã'o IlCrcenlual dos indcpc:ndenta no
setor secundirio
Incluindo ex mcmbros da (IlmUi. que ttabalham
sem rCDluncN.çio
o Não se dispõe atualmente de cifras

Cifras em milhares

Chile

1930 1960 1970

Peru

1940 1961 1972

115
Austrália

1933

1961 1971

Japão

1930 1960 1975

116
Egito
8334

Filipinas

151G1

85~G

1948 1960 1975

117
Suécia

1930 1960 1975

2502 1
24856
Grã-Bretanha

2t075

1931 1966 1971

118
Hungria

.1 930 1960

1970 1975

Polônia

17501

15006

1931 1960

1970 1974

119
Bélgica

1930 1961

1970 1975

França

1931 1968 1975

120
Países Baixos

1930 1960 1971

República Federal da Alemanha

22074

1950

1961 1975

121
o Instituto Internacional do Trabalho só dispõe de da-
dos mais anti'g os no que diz respeito a alguns poucos
países em via de desenvolvimento, proporcionando al-
guma informação acerca da participação anterior de em-
prcs.írios aulônulllos no conjunto tia popula\:ilu óltiva c
permitindo estabelecer comparações com a situação
atual. Por este motivo, somente podem ser aqui levados
em consideração O Peru e o Chile, dentre os países sul-
-amcril:olllos , o Egito dentre 05 ti" Africa c, dentre os
países asiáticos em via de desenvolvimento, as l'ilipinas.
Nestes países, a percentagem de empresários autônomos
e de trabalhadores independentes manteve-se muito
elevada nas últimas décadas, em relação ao total geral
das pessoas em atividade. Na verdade, o volume da
população ativa aumentou, mas o conjunto de sua
estrutura modificou-se, inicialmente, muito pouco.
Comparando os quatro países em via de desenvolvi-
mento com os países industriais aqui relacionados con-
vém destacar que, por volta de 1930, a percentagem de .,'.
empresários pertencentes à população ativa de muitos
países industriais não era totalmente diferente daquela
notada recentemente nos países em via de desenvolvi-
mento. Esta semelhança, 'eiTI grande parte, pode ser ex-
plicada pelo fato de que nos países altamente industriali-
zados, por volta de 1930, uma parte considerável d~
população também se ocupava em setores econômicos
que até então ainda não haviam sido abrangidos pelos
processos de racionalização industrial. Somente nas
áreas à margem da economia e em estado de estagnação
c..::ontinua manlcnuo-sc UI11 sctor proporcionahncntc re-
presentante de empresários da classe média. Um número
relativamente elevado de empresários autônomos numa
parte da população ativa pode ser interpretado direta-
mente como um sintoma da estagnação industrial.
f curioso lamentarem alguns assessores industriais em
países em via de desenvolvimento a falta de úm «setor
privado dinâmico». Isto poderia ser mencionado retros-
pectivamente com respeito à industrialização, por exem-
plo, da América do Norte e da Aus trália. Porém, aqúele
que fizer tal afirmação frente às condições atuais na

122
Suécia, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, no Cana-
dá e na República Federal da Alemanha, torna-se sus-
peito de querer fomentar nos países em via de desen-
volvimenlu estruturas hierárquicas dentro da população

países industriais nu séculu XIX. °


aliva, correspundenles .\!; (ondi\'ücs kl:llol'·'eiG1!.ô JO!i
infurme Par/llcrs iII
dcve/oplllelll. Rcport of lhe COllllllissioll 011 IlItcmatio/1aI
Deve/opment, apresentado em 1969 por encargo do
13nllco l"fcrllaôOIwl de FUlHellto c Drf;('llvollJ;w('1I10,
furnece-nus o seguinte exemplu:

"Há muitos obstáculos à cria"ção de um setor pri-


vado dinâmico. Uns são de ordem institucional,
outros refl~tem opiniões arraigadas. Com muita
freqüência, a atitude de vários países pouco desen-
volvidos em relação ao seu setor privado permanece
negativa, apesar de estar melhorando em muitos
casos. t-Ihes incomum considerar a empresa pri-
vada como um instrumento adequado ao cresci-
mento econômico ou criar condições que favoreçam
ativamente o surgimento de novas firmas, em parti-
cular, o estabelecimento de instituições financeiras
que assegurem um crédito adequado para O setor
privado. Isto é lamentável, pois a experiência
m05tra que UI1\ setor privado, forte e vigoroso é
um elemento importante para atingir um cresci-
mento rápido. Um setor privado sólido serve, igual-
mente, para atrair investimentos diretos do estran-
geiro, que podem estimular consideravelmente o
prOCC!i~O de Jc sc nvolvjn\cnto.~)
(Lester B. Person, Partl/crs ill dcvcloPlllCll1. Report
of thc Commissioll 0/1 Intcrnational Deve/opmellt
["Países em desenvolvimento». Informe da Comis-
sãu de Desenvolvimento InternacionaL,]. Nova
Iorque, 1969, cap. 3 : "The problems ahead» ["OS
problemas do futuro »], p. 64.)*)

') O historiauor Lester Bowles Pearsoll (1897-1972) foi,


desde 1928, diplomata canadense c, de 1963 a 1968, Primeiro

123
Esta citação pertence à parte intitulada «O setor privado»,
que termina com a frase seguinte :
« ... fazer desaparecer o que é denominado, .falta
oe c.lin.1mir.mo. cm muito5 paí!; c~ cm via de o c!;c n-
volvitncnlo.n

O problema da «falta de dinamismo» nos países indus-


triais fora outrora resolvido pelo empresário privado,
enquanto uma tecnologia relativamente modesta não
somente o permitia como ainda O exigia. Agora vem
sendo necessário tomar outros caminhos para chegar ao
desdobramento do dinamismo econômico nestes países -
como também nos países em via de desenvolvimento.
Quanto a estes, a tendência da indústria moderna torna-
-se mais evidente quando não se leva em consideração o
conjunto da população ativa, mas somente a estrutura de
emprego no setor secundário de produção, a saber, nas
minas, na economia energética, nas indústrias de trans-
formação e n":ís empresas de construção. No . Egito, no
Chile e no Peru (países dos quais só se dispõe de material
de infornlação relativamente recente) estão-se delineando
tendências que indicam, de maneira inequívoca, a dimi-
nuição proporcional da classe empresarial, como em todos
os países industriais. Isto significa que no âmbito mais
restrito da indústria persiste a tcndência à ampliação
das unidades empresariais. A longo prazo, mcsmo nos
países em via de desenvolvimento, não se deveria esperar
senão pouco sucesso de uma política empresarial das
classes médias.
Por outra parte, todos os exemplos do Terceiro Mundo
aqui selecionados demonstram claramente que, pelo
menos desde o início da década de 60, a percentagem dos
«quadros diretivos» no conjunto da população ativa tem
aumentado consideravelmente. A formação e o fomento

Ministro do Canadá. A Comissão de Oesenvolvimcnio Inter-


nacional, instituída pelo Banco Mundial, atuou desde agosto
de 1968 até setembro de 1969 sob a sua direção.

124
destes quadros diretivos - gerentes, cientistas, funcio-
. nários públicos - pode resultar frutífera para o desen-
volvimento futuro, apesar de que tais quadros diretivos
p() !Õ ~am ter perdido tõHub{'I1\ sua .111loll0mia cmrrc~.,rial
UII uJo a hajóllll aJquiriJo nunca. O luaior pais indus-
trial, os Estados Unidos da América conheceu urna
evolução em direção à burocratização interna das em-
presas, típica da sociedade industrial. Em princípios do
século XIX, os empresários autônomos ou os trabalha-
dores independentes ainda representavam quatro quintos
de todos os americanos cm atividade. Esta proporção
decresceu tanto quanto aos dados relativos (de 20,3 0/0
no ano de 1930 a 7,9 0/0 no ano de 1975) corno quanto
às cifras absolutas enquanto, paralelamente, o conjunto
da população ativa americana quase dobrou neste perío-
do. A mesma tendência manifesta-se no setor secundário
de produção, ou seja, no setor industrial propriamente
dito, de maneira, porém, não tão vertiginosa. Neste setor,
a percentagem de empresários atingiu, já há algumas
décadas, um nível muito baixo. A ética original do
cidadão americano, a non-collformity, já estava há muito
tempo divorciada da realidade.
Os Estados Unidos, O Canadá e a Suécia são países in-
dustriais que experimentaram uma queda muito rápida
da participação dos empresários no conjunto da popula-
ção ativa. Nesses três países, a percentagem baixou de
mais de 20 °/0 nos anos de 1930/ 31 a 7 a 8 010 nos anos
de 1975/ 76. Além disto, a percentagem de empresários
entre as péssoas ocupadas no setor secundário de pro-
dução é muito baixa (entre 3,6 °70 e 4,2 % nos anos de
1975/ 76). Este retrocesso vertiginoso era acompanhado
de um aumento ainda mais acentuado da percentagem de
quadros diretivos no conjunto da população ativa. Em
1975/76, um quinto - na Suécia inclusive um quarto -
do total geral da população ativa destes paíse< altamente
industrializados era representado por quadros diretivos.
Tais observações não podem, contudo, ser generalizadas.
Nos demais países industriais «ocidentais» (com os quais
se estabeleceu aqui comparações), registra-se sempre,
sem dúvida, a tendência ao aumento dos quadros dire-

125
ti vos, paralelamente à diminuição da percentagem de
empresários. Contudo, tanto o retrocesso desta quanto
o aumento da percentagem de quadros diretivos se veri-
fica, em muitos países industriais, em forma relativa-
mente lenta.
Nessa ocasião, comparou-se igualmente a República Fe-
deraI da Alemanha com outros países industriais «ociden-
tais», apesar de que só se pode dispor de dados referen-
tes a este país a partir de 1950. Todavia, quando se tem
em conta que já em 1933, no Reich alemão, a percentagem
de independentes repnisentava somente 16,4 % em re-
lação ao conjunto da população ativa e que, no mesmo
ano, a percentagem de independentes nas atividades
econômicas correspondentes ao setor secundário de pro-
dução era de 11,6 % , a baixa contínua da participação
de empresários parece haver seguido um ritmo mais
moderado. Neste estudo comparativo merecem especial
alcn~:ão os dui~ paí~jcs da Europa Oriental, a Po!ürfia c a
Hungria. Em 1930/31, apresentavam estes países índices';'
de participação de empresários tão elevados corno os que
foram dados a conhecer nestes anos, em dimensões com-
paráveis, na França no Japão e no Chile. A França e o
Japão seguiram sendo países industriais, nos quais a
diminuição da percentagem de empresários e o aumento
da participação dos managers não cessou de se fazer de
maneira hesitante. A Polônia e a Hungria, ao contrário,
foram atingidas por grandes transformações políticas
depois da Segunda Guerra Mundial, devido à ocupação
soviética.
Desde 1950, a participação de empresários no setor se-
cundário de produção*) dos países da Europa Oriental

") A percentagem de independentes no conjunto da popu-


lação ativa na Polônia não pode ser comparada cbm a dos
outros países, por quanto nas ~statísticas polonesas corres-
pondentes (como também nas francesas e canadenses, apesar
de bem mais acentuado) os membros de uma famllia que
colaboram na pr6pria empresa sem perceber remuneração
são incluídos entre os «independentes».

126
50b o regime comunista diminuiu tanto que, na atuali-
dade, só a Suécia e os Estados Unidos apresentam índices
similares. Quanto à industrialização e a racionalização,
no entanto, não podem eles ser comparados de maneira
nenhuma com os Estados Unidos e a Suécia.
Os exemplos dos países da Europa Oriental sob o regime
comunista mostram claramente que a supressão forçada
da categoria social de empresários não conduz necessaria-
mente à formação de percentagens fortes de quadros
dentro da população ativa. Não obstante, a tendência
nos países industriais comunistas é similar àquela que
ocorre nos países industriais capitalitas: a «cientifica-
ção» crescente da direção de empresas econômicas não
somente traz consigo umá consolidação do domínio
burocrático; esta camada dirigente amplia-se cada vez
mais dentro da população ativa.
Isto não constitue, inicialmente, tlnl indício de crcsci-
lllcnlo d.l democracia ccotll..l mka ~r'II..:as ao .lUJlH~1l1l) do
número de quaJros diretivos, mas no momento tampouco
representa um índice contra as tendências à democrati-
zação na economia industrializada. Menos ainda pode
dizer-nos o aumento do número de cientistas, de dire-
tores com status de empre!;aJos e de funcionários acerca
do fortalecimento ou debilitamento do «capitalismo».
Com a diminuição quantitativa do número de empresá-
rios como classe capitalista, o capitalismo perde somente
a sua personalidade. Tornou-se mais anônimo, como o
foi outrora em suas manifestações imperialistas múlti-
plas, mais impessoal, inclusive em grau crescente,
«transnacionaJ". Do mesmo modo, perfila-se a des-
personalização do poder nos países comunistas, na ver-
dade, na medida em que progride a racionalização da
indústria.
Na substituição de empresários autônomos por quadros
diretivos contratados ou por funcionários do Estado não
só se manifesta uma transformação nas estruturas do
poder. Uma importância bem maior possue a socializa-
ção das capacidades de rendimento nos países indus-
triais, tanto capitalistas como também comunistas. Não
só a direção da empresa e a direção comercial tiveram

127
que escolher, nas sociedades industriais, o caminho da
«cientificação». Também dos trabalhadores e dos e';"-
pregados se exige, de ano a ano, uma maior preparação
científica no posto de trabalho. E não é apenas isto. As
transformações tecnológicas incessantes têm lugar se-
gundo um processo racional que se subtrai cada vez mais
ao manejo humano.
Isto obriga à população ativa, na medida em que se
ocupa nos setores altamente racionalizados da economia
moderna, a desenvolver capacidades múltiplas de adap-
tação permanente ao instrumental técnico do seu meio.
Do que precede pode-se inferir também O seguinte: o
empresário, com suas faculdades dinâmicas e criadoras
está em via de desaparecer das sociedades industriais.
É a própria população ativa que tem que desenvolver
agora, numa medida crescente, estas capacidades dinâ-
micas e criadoras.

128
19. A Difusão Social de Profissões Criadoras

As nóvas condições existentes na administração de em-


presas não se refletem somente na «cientificação» de suas
direções. Quando se fala em «cientificação.dos métodos
de direção, faz-se menção inicialmente à introdução de
procedimentos sistemáticos. O termo racionalização
tornou-se moda. Muitos assessores de empresa pronun-
ciam esta palavra com tal facilidade e negligência, que
dão a impressão de que a racionalidade, ou ainda a racio-
nalização, tenha sido desconhecida nas etapas anteriores
da industrialização. Ocorre exatamente o contrário. O
afã de racionalizar os p~occssos cconômicos havia sido o
verdàdeiro motor do desenvolvimento industrial há dois
séculos.
Não é verdade que a direção de uma empresa se baseava,
outrora, csscncialmcllte na visão, experiência c sensibili-
dade de pessoas individuais. Igualmente errônea seria a
afirmação de que na a tualidade, com os métodos moder-
nos de direção, se poderia prescindir das qualidades destas
pessoas. O progresso industrial foi sempre caracterizado
pelo fato de que, na direção das empresas, a intuição e a
fantasia foram sempre complementadas pela faculdade de
encontrar decisões precisas, apoiadas em sólidos funda-
mentos obtidos por meio do cálculo.
Os instrumentos de cálculo pertencem, desde o primeiro
moinento, à história da técnica e'.do comércio. As vezes,
as máquinas de calcular, as réguas e outros instrumentos
de cálculo haviam-se tornadó símbolos profissionais, à
semelhança dos instrumentos de trabalho com os que
al~umas corporações artesanais e certos trabalhadores da
, indústria davam a conhecer as suas especialidades pro-
fissionais.
Esta situação altera-Se depois que as máquinas e os instru-
mentos de calcular p~rderam de maneira crescente o SeU
caráter corporativo. Graças ao desenvolvimento da micro-
eletrônica, complicados dispositivos de cálculo podem

129
agora lanlo ser levados ao mercado nUllla prudu.;ão CIlI
maSSa barata, como também ser adaptados cm grande
medida às necessidades individuais. Da mesma maneira
como h,í v.lrias Jécadas nas oficinas c fábricas se em-
prega Villll [J\áquillil S <':01110 (camplifkaJurcs de (ore,.:,})),
assim também na atualidade estão-se usando, cm escala
cada vez maior, máquinas computadoras de dados como
«amplificadores do pensamento». A grande vantagem de
tais máquinas radica no fato de que elas podem encarre-
gar-se de muitas tarefas mentais de rotina de menor en-
vergadura. Aqui se manifesta inequivocamente uma das
superioridades da máquina sobre o homem. Os nervos e
o cérebro humanos apresentam um tempo de operação
que pode ser superado cm rapidez em milhares de vezes
pelo dos computadores modernos. Nos casos cm que os
processos de trabalho são suscetíveis de serem reduzidos
a uma simples decisão alternativa (<<sim •• ou «não»), é a
máquina moderna de calcular mais segura que o homem.
Uma vez que o homem criativo haja disposto correta-
mente a estruturação organizatória e a programação, os ""'"
processos de trabalho subordinados desenrolam-se sempre
em conformidade a estas diretrizes.
As decisões da direção da empresa são consideravelmente
facilitadas pela técnica eletiônica avançada do processa-
mento de dados, sempre que se trate do controle do cum-
primento de tarefas ou de planejamentos táticos. As de-
cisões complexas, ao contrário, que surgem para as plani-
ficações estratégicas, dificilmente podem ficar a cargo do
proccssamenlo eletrônico de dados. Aqui não interéssam
muito as vantagens dos computadores, as elevadas velo-
cidades do pensamento. A precisão dos dados tampouco
constitui uma ajuda tão decisiva. Mais importantes são,
neste particular, os órgãos destinados ao registro dos estí-
mulos externos. E, para isso, o homem possui milhões de
vezes mais receptores do que um computador.
Tal circunstância exige agora dos novos quadros uiretivos
da economia moderna uma criatividade como a que, nas
fa ses iniciais da industrialização, somente foi exigida dos
empresários pioneiros. A liberação da rotina através da
transferência de trabalhos rudes a computadores, a apa-

130
rclhos Jc transpurte c a 1l1{lljuinas 1l1eL-:lnk~lS l! .11lLom:\licas
nos escritórios, na agricultura, no con1(~ .!"Cio .:"!. -",'are:jV, nas
minas, enfim, em todos os setores industrializados da
economia, niio é interpretada sem contcstõl~~ão como 11m
ucnefíciu pelu inJivíJuo. CuntillU ~lIll cxistinJu, certa-
mente, muitos trabalhos de rotina. As aparelhagens
modernas de calcular dão estímulo à pressa na vida quo-
tidiana do meio industrial, exigindo do homem uma capa-
cidade elevada de reação até o limite do tolerável. Con-
tudo, produz-se na indústria uma transferência em dire-
ção às tarefas que exigem capacidades inldecluais, pro-
cesso este que abrange se tores cada vez mais amplos da
população industrial em atividade.
Esta transferência revela muito mais claramente as capa-
cidades das quais depende o êxito IlO âmbito industrial.
Iniciativa, originalidade e força criadora são qualidades
exigidas, mais do que nunca em qualquer época anterior e
de círculos muito mais amplos que no passado, do mundo
laborioso da indústria. Apesar disto, evidentemente, há
ainda enormes reservas de capacidades criativas não
aproveitadas que se manifestam fora do trabalho através
de uma variedade de hobbies. Depois da Segunda Guerra
Munolial, surgiram numerosas profissões, nos domínios
da televisão, da Informação e da organização do lazer, nas
quais as novas geraçõcs encontraram saídas para a capa-
cidade criativa que seus pais não tiveram a oportunidade
de aproveitar. Por outro lado, precisamente o desenvolvi-
mento técnico da microeletrônica conduziu também ao
fato de que muitas profissões, que olltrora exigiam habili-
dades criativas, eslcjaIn perdendo illlporlância. Fala-sc,
na imprensa, do fim da idade do chumbo.
Contrário às mudanças provocadas anteriormente na so-
ciedade humana pelo progresso industrial, as técnicas
modernas de informação têm feito que a ameaça social,
inerente a toda transformação tecnolór.ica, já não seja
apenas conhecida por alguns iniciados. Todo membro da
sociedade industrial afetado por tal mudança poderia
agora ser informado de maneira imediata e exaustiva
sobre os perigos que ameaçam sua profissão ou influem
sobre seu meio ambiente.

131
Isto conduz a que aquelas decisÕes que anteriormente
«só.) eram de nature'za empresarial, sobretudo a que o
reconhecimento dos riscos e também a escolha do essen-
cial, possam agora ser transferidos a uma camada mais
ampla da população em atividade nas sociedades indus-
triais. Com o processamento moderno de dados, chegou-
se na sociedade industrial a uma superprodução de saber
e informação que permite conhecer tudo sobre todos
numa fração de segundo. Trata-se de um estado de super-
informação que corresponde a um estado de não-saber.
Em tal estado, resulta determinante decidir e fazer aquilo
que é essencial, e realmente s6 o essencial. Ao cumprir-se
tal exigência, abrir-se-á o caminho a uma nova geração
de empresários.
Neste particular, é bom lançar um olhar retrospectivo à
história das velhas gerações de empresários. Das pri-
meiras fases da industrialização participaram homens do-
tados de ,enso para o merc·ado, para a produção e a ela-
boração de p,y>jetos. Reconhece-se isto nitidamente nas
personalidades novas e bem sucedidas de outrora. Não
eram eles professores, mas homens de fortuna com ânsias
de progredir. Como fabricantes sem tradição social, tam-
pouco gozavam de prestígio na coletividade. Eram per-
sonagens marginalizados, . com freqüência também pro-
testantes e homens que não pertenciam à comunidade re-
ligiosa predominante. Inúmeras vezes não foram admiti-
dos, por este motivo, nas universidades e nos estabeleci-
mentos de ensino tradicionais. Não estudavam as ma-
térias clássicas. Destacavam-se por seu pensamento in-
dependente e sua busca incansável das relações entre a
técnica e a economia. Eram solitários que sabiam organi-
zar tecnicamente a revolução no âmbito das ciências na-
turais. As empresas por eles fundadas não estavam
isentas de crises e, freqüentemente, não se mantinham
por muito tempo. Estes industriais consideravam suas
empresas como algo riscante, talvez apenas efêmero, em
todo caso, como algo muito modesto. .
Homens com tais qualidades devem haver existido certa-
mente também em outras épocas e áreas culturais. Atual-
mente, são raros nas grandes empresas industriais mo-

132
der'nas. Apesar disto, pessoas deste tipo encontram hoje
novamente a possibilidade de desdobrar as suas perso-
nalidades como outsiders, sem dúvidà. t pouco provável
que encontrem um lugar nos palses ,industriais que se
tornaram velhos. Dificilmente poderá ser proclamada por
cátedras institucionalizadas a maneira de poderem abar-
car e realizar - do acúmulo do saber que escapa a toda a
'visão de conjunto e da super-informação que esmaga os
membros da sociedade industrial - O que é essencial à
sociedade humana.
Isto não significa que a formação de novas personalidades
empresariais criadoras e dispostas a assumir riscos deva
ficar somente entregue ao acaso. t perfeitamente posslvcl
organizá-la. t posslvel que aqueles palses, cujos sistemas
industriais ainda não se arraigaram, tenham as melhores
chances de formar de maneira organizada, aquelas per-
sonalidades CJue não se apresentam aos exames unica-
mente em vista de obter um emprego mais seguro ou
confortável.

133
20. Adaptação dos Administradores Jovens
a Mudanças Permanentes

Face à participação cada vez maior dos quadros diretivos


no conjunto da população em atividade e da crescente
f(,,;p()ns~bilidade que pesa sobre os se tores cada vez mais
amplos da sociedade industrial, é natural o emprego de
métodos não convencionais na formação de novas gera-
ções de dirigentes. Apresentando talento e disposição
adequados, a nova geração de empresários poderá ser
preparada já na juventude ao domínio de algumas tarefas
que se apresentam às camadas dirigentes nas sociedades
industriais. Um aspecto didático é, por exemplo, a mu-
dança permanente. A época em que uma fábrica produzia
durante gerações os mesmos modelos de automóveis, em
que uma editora publicava durante gerações livros com. _.
uma apresentação idêntica, em que um fornecedor provij"
durante gerações os seus fregueses com os mesmos sacos
incômodos de farinha ou açúcar, esta época já passou.
Costumes consagrados devem ser abandonados. As trans-
formações converteram-se- no problema principal dos
quadros diretivos. Muitas coisas impelem à nludança con-
tínua: a escassez de determinadas matérias-primas, o
descobrimento de outras; as modificações das taxas de
natalidade (que, a propósito, podem alterar-se para mui-
tos com uma rapidez surpreendente); as transformações
da tecnologia, das estruturas do mercado mundial, dos
gostos, a distribuição das rendas ou das riquezas.
Nesta enumeração de fatores desiguais, já se esboçam
diferentes traços característicos de mudança. Existem
transformações que podem ser provocadas pelo indivíduo
mesmo, há outras às quais desejamos ou não - por boas
razões - adaptar-nos. Aquele que provoca uma mudança
voluntariamente, que num momento oportuno funda com
sucesso um cartel de fornecedores de matéria-prima,
desenvolve com a sua equipe de colaboradores uma ati vi-
dade criadora no sentido restrito; mais precisamente,
desenvolveu esta atividade, pois uma criatividade de tal

134
índole dificilmente poderá repetir-se com freqüência e,
com toda certeza, não de uma maneira constante.
Com a criatividade no sentido lato acontece outr.1 coisa.
(~ lIlIIa al.;Zio illleir.lll1t'uh' t:rialivól opor- !;(' .1 ('('rl .I! .. dlel'.l-
\'ÕeS do gosto, da moda, da rapidez da decolagem de
aviões, ou da produção de energia. Porém, aquele que se
recusa sempre e em todos os lugares a aceitar as inova-
ções oferecidas pela indústria n50 é uma personalidade
criativa. Tampouco o é qUClll iInila GHla inovação que
surge.
Uma criatividade refletida faz parte da atividade quoti-
diana dos quadros dirigentes modernos, a saber, a obser-
vação da maneira como outros empresários, outros· países
e outras cidades souberam· resolver as mudanças, a fim de
admiti-las com as retificaçêíes julgadas necessárias.
A mudança não é um fenômeno secundário com o qual
os quadros dirigentes são também obrigados a participar
à margem de sua esfera de trabalho. Para o diretor de
unia empresa, para O prefeito de uma comunidade ou um
funcionário dirigente, encarregado de supervisionar uma
ordem de trânsito ou I1ma regulamentação aduaneira, a
mudança é o problema central da direção. A mudança
pode ser imitativa ou criativa. t possível reformar uma
empresa ou uma comunidade da mesma maneira como
já sucedeu a outras empresas e comunidades; ou pode-se
fazê-lo de uma maneira nova.

135
21. Sob a Pressão do Conformismo

Os consumidores podem certamente estabelecer compara-


ções entre os artigos por eles usados e julgá-los, mas não
podem falar de uma maneira criativa sobre coisas a res-
peito das quais não existem idéias claras. t neste aspecto
onde talvez radique a faculdade mais valiosa do produtor
criador, capaz de descobrir as necessidades ocultas ou
latentes, de imaginar algo que os homens não têm, mas
que adquiririam se fosse fabricado e oferecido por preços
razoáveis. O estudo do mercado é, neste particular, de
pouca valia. O cálculo frio sobre um eventual sucesso ou
fracasso que se apoia na pesquisa e análise do mercado e
não esteja baseado nos sentimentos pessoais, poderá em
algumas ocasi<les garantir a segurança, mas só rara vez
poderá dar um novo impulso à economia. Quando foram
fabricados os primeiros aviões e aeronaves, quando foram
transmitidos os primeiros programas de televisão, quando
os primeiros transistores foram montados, nenhun1a pes-
quisa de mercado teria podido determinar as necessidades
que a humanidade sentia destes produtos.
Dentre os produtos que acabamos de citar, há um que
evidentemente não pode satisfazer a nenhuma necessi-
dade em particular : a aeronave. Se quiséssemos em-
preender agora O extravagante intento de enumerar numa
lista todos os produtos que, não obstante seu grande valor
técnico, não encontraram finalmente nenhum eco no mer-
cado, ela seria certamente muito mais extensa que a dos
produtos que nele encontraram ressonância. Em outras
palavras, os fracassos, os projetos falidos, foram muito
mais freqüentes que os sucessos que se distinguiram no
mercado do mundo industrial.
Os países industriais têm que enfrentar muitos fracassos
semelhantes, pois, no berço da inovações técnicas, não há
nenhuma fada que possa determinar o sucesso. Nos
países industriais, quer sejam eles capitalistas, quer co-

136
munis tas, não se faz muito ruído em torno aos fracassos.
Outra coisa sucede nos países cm via de desenvolvimen-
to, sobre os quais a opinião pública mundial coloca um
olhar severo. O eventual sucesso ou insucesso dos pro-
jetos iliJustriais são lá submetidos aos cálculos mais rigo-
rosos possíveis, enquanto o setor público ou os s6cios
estrangeiros deles participam. Em tais ciscunstâncias, é
difícil promover os elementos criativos.
Um dos principais obstáculos à criatividade é a pressão
do conformismo, exercida pelas mais diversas institui-
ções. Nos países em via de desenvolvimento, as forças
criativas podem ser facilmente entravadas tanto por auto-
ridades internacionais modernas, quanto por costumes
obsoletos e ordens sociais tradicionais.
Nos países industriais, os obstáculos principais são a satis-
fação pessoal e a letargia nacional. Os grandes Estados e
empresas têm a tendência de querer manter o status quo.
Mostram-se mutuamente solícitos ou respeiiam pelo me-
nos certas linhas de demarcação, destinadas a restringir
num maior grau possível os domínios em que a concorrên-
cia conduz a situações imprevisíveis. Este estado de coisas
pode induzir à inércia e à estagnação. Em alguns países
industriais, a incapacidade de toda a disposição às inova-
ções refletidas teria provavelmente alcançado ainda mai-
ores proporções se, a mediados da década de 70 do nosso
século, não tivessem surgido no âmbito da empresa do
Terceiro Mundo certos quadros dirigentes ricos em idéias,
pequenos em realidade, mas de importância crescente,
levados por um desejo de progredir, os quais violaram
indiferentemente certos gelltlemitn agreemcllts e algumas
linhas de demarcação entre as grandes potências indus-
triais.
A fundação de associações para a proteção do meio am-
biente pela iniciativa da comunidade constitui um ato
cOllscrvaJor C n:io criador. Contudo, são necessários pre-
cisamente tais impulsos para incitar as potê.lcias indus-
triais tão grandes e tornadas por isso mesmo tão inertes
à realização de idéias não convencionais.
O efeito da pressão' do conformismo em todas as partes
depende, tanto nos países industriais quanto nos países

137
em via de desenvolvimento, da medida em que este se
solidifica em clichês ou preconceitos sociJ.is. Esta pressão
pode manifestar-se da seguinte maneira:
Todo aquele que se desvia das normas, crê no
novo e coloca em questão as estruturas vigentes,
é considerado anormal.
A educação tem por objetivo a adaptação a deter-
minados sistemas de valores e expectativas.
Frente aos não-conformistas adotam-se atitudes
céticas e ridicularizantes, queafetam a sua digni-
dade e bloqueiam os seus esforços criativos.
Círculos hierarquicamente estruturados incenti-
vam princípios autoritários que recompensam a
adaptação a convenções. Os valores baseados na
experiência são mais válidos que novas proposi-
ções.
A busca de segurança não permite correr o risco
de colocar em questão soluções antigas. As res-
postas se limitam às soluções desejadas pelas . .
autoridades. Quem quiser obter sucesso deve'"
evitar toda confrontação com o seu meio e, sobre-
tudo, as tensões com os seus superiores.
A formação de espe~ialistas é uma boa coisa en~
quanto o especialista somente tenha que resolver
determinados problemas. Porém, esta faz também
surgir o bloqueio da informação, que torna mais
difícil o reconhecimento da problemática de uma
solução.
A eliminação da pressão do conformismo, dos bloqueios
da informação e do temor à au toridade, é a condição
prévia para despertar as forças criativas. Em certas épocas
como, por exemplo, a dos pioneiros norte-americanos, o
meio ambiente preenchia esta função numa ampla me-
dida. Mas, onde não é esse o caso, convénl criar unl meio
favorável ao processo criativo. Quanto maiores forem os
obstáculos, opostos pelo meio ambiente às personalidades
criativas, tanto mais urgente se faz O desdobramento sis-
temático de métodos pedagógicos destinados a incentivar
a criatividade.

138
Seria um erro pretender limitar a promoção da criativi-
dade aos mais bem dotados. Quase todos os homens são
equipados da capacidade de conceber idéias criativas e de
realizar uma atividade original, por débeis Ou raras que
possam ser. O motor do desenvolvimento industrial não
foi somente o gênio extraordinário de personalidades
criativas altamente dotadas, mas também, e sobretudo, os
numerosos «pequenos» inventores c organizadores que,
através de melhoramentos imperceptíveis, asseguraram
a continuidade do desenvolvimento tecnológico.
t certo, todavia, que até pouco tempo atrás o processo de
aquisição de novas informações esteve a cargo de círculos
restritos. Tal aspecto teve pouca relação com a genialidade
das pessoas que 05 compunham. A casualidade desem-
penhou neste caso um grande papel - a casualidade que
proporcionou as novas infornluçõcs.
Não ter que deixar nada entregue ao acaso é uma meta
que a chamada direção «científica» da empresa se havia
colocado. Till intento não é menos desacertado que a con-
cepção contrária, ou seja, a de querer deixar tudo nas
mãos do acaso. No decurso da evolução tecnológica pro-
duzir-se-ão sempre novas rupturas de tendências através,
por exemplo, de inovações imperceptíveis com repercus-
sões imponderáveis que não são possíveis de serem pre-
vistas dentro do sistema em vigor - isto é, sobre a base
da tendência existente e da analogia conhecida. E sempre
haverá pessoas a contribuir de maneira notória em tais
mudanças de tendências. Por outra parte, nunca haverá a
necessidade de se esperar pelo acaso, ao desejar-se uma
mudança das situações críticas. Trata-se, pois, de provo-
car rupturas de tendências, formando pessoas capazes de
criar novas situações através de idéias criativas.

139
22. Adver tência s de Pedag ogos Econo mistas
Comu nistas e Capita listas

Outrora , a aprendi zagem do pensam ento criativo, a edu-


cação à coragem , a prática da arte de direção eram, pelo
menos no âmbito econômico, privilégios da burgues ia
industri al empree ndedora . Foi relativa mente tarde que se
sentiu a necessidade de que os trabalha dores industri ais
soubess em ler, calcular e escrever, a fim de poderem en-
frentar as exigências cada vez maiores nos postos de traba-
lho. Nos amplos setores da sociedade industri al, tal
exigência de instruçã o básica dos trabalha dores foi so-
mente preench ida a partir da metade do século passado .
Uma maior instruçã o de bases do operari ado foi uma
reivindicação que respond ia inclusive, inteiram ente ao
interess e dos empresá rios, que aspirav am um aument o da
produti vidade do trabalho .
Os trabalhadó~es que quisess em receber, além disso, um
treinam ento para fortifica r seu pensam ento criativo , O
autodom ínio e seu talento de direção, encontr aram opor-
tunidad e para tal quando muito nas associações de tra-
balhado res de ordem política ou, ainda no melhor dos
casos, em comuni dades religiosas abertas. Nos postos de
trabalho , nas empres as industri ais, não foi levado a cabo
um ens ino dcs linaJo a pronlov cr a s ua criativid ade c s ua
capacid ade de direção.
Tudo isto se foi transfo rmando no decurso do século xx.
A necessidade de trabalha dores não qualific ados dimi-
nuiu na maioria dos se tares da indús tria. A inslru çilo
bá sica geral não é mais suficien te para o exercício de
muitas profissõ es industri ais. Procura -se fomenta r, em
grau crescente, a formaçã o do pensam ento crítico, a edu-
cação para a ação indepen dente. Isto também começa a
ser- agora uma exigência no posto de trabalho . Aqui já
não se trata «somen te» de reivindicações políticas dos
trabalha dores. Velhas aspiraçõ es pedagógicas, que já a
começos do século XIX eram destina das ao cultivo dos
impulso s da atividad e criadora de criança s de pouca

140
idade, encontram também agora eco na pedagogia eco-
nômica.
Daremos aqui a palavra a duas personalidades. Ambos
preconizavam uma direção moderna da economia, mas
achavam-se ao mesmo tempo em posições diametralmente
opostas, ou seja, um cra de orientação comunista, o
outro Jc orientação capitalista.
Em fevereiro de 1939, o pedagogo soviético Anton Se-
mionovitch Makarenko (1888-1939) escrevera o artigo
"Vontade, coragem e tenacidade», publicado pela pri-
meira vez em 1946, no qual dizia :

"Dentre 05 problemas de primordial importância


figura o da educação da vontade, da corage!1l e da
tenacidade. Apesar de que em toda a história univer-
sal dificilmente se possa encontrar uma época em
que todo um povo haja demonstrado precisamente
estas qualidades de ação em grau tão elevado, apesar
de que todas as nossas vitórias tenham sido o resul-
tado de nossa vontade decidida, de nossa coragem
ilimitada e nossa aspiração consciente e tenaz para
alcançar o objetivo - apesar de tudo isto ou talvez
justamente por causa disto, as questões concernentes
à educação da vontade tornaram-se as mais impor-
tantes e palpitantes da nossa existência. Tanto maior
relevo adquirem no momento presente, em que nosso
país c~tá vivendo uma nova fase de asccnção, mar-
chando por caminhos claramente delineados em di-
reção ao conlunislll0.
Naturalmente, a educação da vontade e da coragem
pratica-se também atualnicnte por todas as partes
no nosso país e, neste aspecto, acresce cada dia
inúmeras vitórias novas. Porém, há também outra
coisa que é inteiramente clara : é inteiramente claro
que devemos dizer, com franqueza e sinceridade ge-
nuinamente bolchevique, que a educ~.ção da von-
tade, da coragem e da tenacidade tem lugar, às vezes,
de uma forma espontânea; neste âmbito, iniciativas
conscientes, organizadas e precisas só existem numa
medida insuficiente . ..

141
f: necessano ter, sobretudo, a coragem de adnútir
com franqueza: <Não sabemos ... para que quere-
mos educar. Não sabemos se devemos educar para a
coragem. E se isto se tornar de um momento para
outro <antipedagógico>? E se de um momento para
outro se tornar prejuJicial à saúde? E se, de repente,
<1 5 Jllamãcs não estiverem de acordo?)
Quem é ô culpado de tal confusão? Permitam-me a
pergunta: Onde estão, na verdade, os cientistas pe-
dagogos, onde estão as centenas de engenheiros de
pedagogia que já há muito tempo tinham a obriga-
ção de analisar e solucionar as questões da educação
comunista? Em nenhuma parte foram estas palavras
citadas com tanta freqüência como nos artigos sobre
pedagogia. Mas, que foi dito nestes artigos sobre as
questões da educação da vontade, da coragem e da
tenacidade?
Como muitas outras questões concernentes à edu-
cação, estas foram praticamente riscadas da ordem ..,.
do dia. Acham-se dissimuladas através da afirmação
obsoleta e que nos é totalmente estranha, de que
nem siquer existem problemas específicos da edu-
cação, de que a educação está inseparavelmente li-
gada ao processo de ensino. Palavra de honra, é
inclusive difícil de crer, mas há quem se dedica a
tais habilidades simplórias e ingênuas. Em vez de
estudar com franqueza e seriedade os problemas da
educação comunista, toma-se um ar inteligente para
explicar:
<Educação? Mas, para que? Pois o professor ensina
e educa ao mesmo tempo. História I Você não pode
ilnaginar C01110 a história poJe educar por si só! ... )
A história educa, naturalmente. Mas a literatura
também educa, como a matemática. Mas reduzir,
por tal motivo, o processo educativo ao trabalho que
se faz em classe, eis o que ninguém tinha evidente-
mente o direito de fazer, do mesmo modo que um
construtor não tem o direito de afirmar que na
construção de uma casa seria suficiente ocupar-se

142
com as questões da calcfação central e da construção
do teto ...
Por que os orga'nizadores da educação escolar pro-
cedeni com uma simplicidade tão informal? Mera-
lllcntc porque eles lnC~lnos não sabem u que significJ.
a tenacidade. Não têm interesse especial por meta
nenhuma; portõlllto, ttll11pOLJCO pclwi oujctivos d .•
cduca~:~o COIllunis ta. Alénl disso, pcnsanl Uc.l se-
guinte maneira: Sair-se-á bem de uma ou de outra
maneira sem isto. A construção de uma ponte é algo
bem diferente que pode desmoronar após um mês.
Quando outorgamos um diploma a um estudante,
quem pode saber que espécie de pessoa ele é? De
algum modo devemos evitar isto.
Algumas escolas se assemelham a uma mamãe afe-
tuosa, cujo método educativo é determinado pelas
sentenças: <A criança deve estar bem alimentada!
A criança não deve resfriar-se!. Ela superalimenta a
criança simuladamente com sucessos escolares <de
100 %. e tem o cuidado de que não pegue um res-
friado devido à sua coragem ou, digamos, à sua te-
nacidade. E, exatamente como esta mamãe, tam-
pouco a escola encontra tempo para refletir uma só
vez acerca do quanto perdemos, tanto nos êxitos
escolares, quanto também na saúde das crianças, por
este zelo cego.
Em vez disso, vive-se mais tranqüilamente. Em vez
disso, pode-se expressar o trabalho realizado em per-
centagens esquecendo que, em todos os outros se-
tores da vida soviética, os homens procuram, ousam,
encontram, arriscam, às vezes, n1.1S criam sempre
algo novo.
Cor.lgcln! Tente seriamente, s inceramente c com
zelo consagrar-se à tarefa de formar um indivíduo
corajoso. Neste caso, não será possível limitar-se a
diálogos consagrados. Não será possível fechar as
básculas e envolver a criança em algodão. Isto não é
possível porque para a vossa consciência sensívei, o
resultado neste caso seria claro: você educaria um
obse'r vador cínico, para quem os atos de heroísmo

143
de outrem não seria senão um espetáculo c algo
divertido.
Não é possível formar homens corajoso·s sem colocá-
-los em situações nas quais podem mostrar coragem,
sejam lá quais forem os meios, seja através do auto-
domínio, de uma palavra direta, franca, de certas
privações, de paciência ou de audácia. Não seremos
capazes de entregar-nos à educação da vontade, se
não se elucidou previamente a pergunta sobre o que
consiste a diferença entre a vontade soviética e a
vontade da sociedade burguesa. Nesta último, o
homem necessita a vontode para oprimir outro ho-
mem, a tenacidade está dirigida no sentido de obter
o melhor pedaço do bolo social. Não corremos o
perigo de colocar estas categorias burguesas no lu gar
das nossas, se limitarmos toda a pedagogia ao cha-
mado tratamento <individual> 7
A educação da vontade comunista, à coragem comu-
nista e à .tenacidade comunista não pode ser alcan-
çada s·e li( os exercícios especiais na vida coletíva.
Não é nenhum método de ação a dois e de caso a
caso, nenhum método de não-resistência dlmoda, de
moderação e de tranqüilidade, mas urna questão de
organização do coletivo, a organização das exigências
existentes nos homens e - simultaneamente com o
coletivo - a organização do esforço humano real,
vivo e conseqüente : este deve ser o conteúdo do
nosso trabalho educativo ... »

(Anton 5emionovitch Makarenko, «Willc, Mut und


Zielstrebigkeit» [«Vontade, coragem e tenacidade »),
em Werkc [«Obras»). vol. V, Berlim, 1964, pp. 439-
444. Também em A. 5. Makarenko, Einc AI/swal.1
[«Obras escolhidas»), Berlim, 1974, pp. 78-82. Tra-
duzido da edição alemã.)

Dificilmente pode-se conceber um contraste maior no


desenvolvimento das reivindicações do comunista Maka-
rcnko que o que se desprende das palavras abaixo trans-
critas de um escritor e assessor industrial capitalista.

144
Antony Jay, nascido cm 1939, em Londres, escreveu 'em
1967 no seu livro Mallagelllent and Machiavclli:

«Se os trabalhos de rotina estão decrescendo con-


tinuamente e os que requerem criatividade estão
aumentando, é então incumbida claramente aos edu-
cadores uma missão: a de enviar as crianças a ga-
nhar a vida, equipadas de meios intelectuais ade-
quados : originalidade, criatividade e curiosidade,
adicionadas a um nível elevado de conhecimentos
que, sobretudo nos domínios das ciências, será um
requisito prévio. É nesta área que o sistema educa-
cional britânico (com somente muito poucas e hon-
rosas exceções) me parece estar falhando mais espe-
tacularmente que em qualquer outro setor. Não nas
primeiras etapas: as influências de Froebel, Montes-
sori e Pestalozzi*) asseguram que esta criatividade e
originalidade sejam incrementadas e liberadas , nos
primeiros anos de educação primária. Mas, as dificul-
dades iniciam quando as sombras da sala de exames
começam a envolver os adolescentes, rapazes e mo-
ças. Apercebi-me disto com profunda decepção
quando tive que entrevistar durante vários meses
um grande número de candidatos a postos de pro-
dução na televisão. A maioria deles havia estudado
na escola e na universidade, muitos com certo êxito.
Eram bastante educados e, segundo presumo, pre-

') O pedagogo alemão Friedrich Froebel (1782-1652) dedi-


COuwsc a fundar junto aos jardins de infância pré-escolares
cccstabdccimentos destinados ao cultivo do impulso à ativi..
dade criativa e da autonomia de ação •. A médica e pedagoga
italiana Maria Montes.ori (1870-1953) preconizou uma
(c Educação independente na primeira infância» (título da pri-
meira de suas obras principais, surgida em 1909). O pedagogo
suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) consagrou a
sua vida à educação <la (egente pobre». Considerava o homem
como obra da natureza, da sociedade e de si próprio, sempre
que fosse capaz de liberar-se por s uas próprias forças dos
laços c ,-la coerção sociais.

145
parados em suas especialidades. Mas o que faltava a
quase todos eles era alguma centelha de originali-
dade, idéias criativas, espírito crítico, a necessidade
de fazer algo novo ou diferente . . .
Estes, repito, eram estudantes formados, a maior
parte com bons certificados e provenientes de uni-
versidades conceituadas. Era bastante simples o que
havia acontecido : a partir do momento em que se
lhes havia selecionado como elite acadêmica, a sua
originalidade e criatividade foram ignoradas ou re-
primidas. Com respeito à história ou ao inglês, nin-
guém queria ouvir as suas opiniões, interpretações e
comentários imaturos e, provavelmente, infundados.
Queria-se descobrir como poderiam assimilar e re-
produzir os julgamentos correntes de mentes mais
maduras. Ninguém desejava saber o que pensavam
de Hamlet, mas se conheciam o que haviam dito
Johnson, Hazlitt, Bradley e Caroline Spurgeon. A .·,
originalidade e a criatividade não são chamas con:"
tímias, exceto em algumas pessoas altamente cria-
tivas. Em muitos casos, apagam-se com muita facili-
dade e, se a sabedoria acumulada do passado for
derramada sobre eles' durante dez anos, não é de
surpreender que esta chama se extinga. A isto é ne-
cessário acrescentar o terrível estado de espírito
criado pelo sistema de exames, a atitude de esperar
para que se lhes digam o que fazer após, que se lhes
dê um programa preciso, um plano de estudos, a
data de um exame e que alguém assegure estarem
realizando o primeiro deles, depois o segundo, até
chegarem à prova final. Por dez anos são obrigados
a levar uma vida de corredor: uma série de barreiras
e um jóquei, num treinamento contínuo. Não é de
estranhar que saiam sem idéias próprias sobre o que
desejam fazer, simplesmente esperando 'Por outro
jóquei que os conduza a saltar a próxima barreira.
Quando os estudantes se dão conta de qu~ não há
mais jóqueis, mas que cabe a eles mesmos construir
o tipo de obstáculo desejado, ficam perplexos e se
sentem vagamente traídos ...

146
o irônico é que se perguntássemos ao~ universitá-
rios por que desejavam obter um título, a maioria
deles responderia: 'Para obter um bom emprego>.
Seria interessante se um dos novos estados da cor-
poração superasse o sistema. A educação é, acima de
tudo, urna Junção de grupos sociais avançados e a
forte pressão à educação universal na década de
1860 foi proveniente dos empregadores que neces-
sitavam um pessoal instruído e numeroso. Suponha-
mos uma corporação gigante que garanta a educação
universitária e urna grande variedade de empregos,
concedidos aos 21 anos à base de sal,írios iniciais
elevados, a um grupo de jovens inteligentes de qua-
torze anos. Eles poderiam, então, 'partir do zero. e
conceber um programa de estudos que certamente
lhes desse instrução sobre as disciplinas necessárias
e os conhecimentos básicos requeridos, mas que
também os obrigaria a realizar trabalhos originais,
a ter idéias pessoais, a conceber projetos de pes-
quisa, a planificar e a coordenar o trabalho de outros,
assumir a liderança de projetos e, corno urna espécie
de exercício intelectual, a começar o tipo de traba-
lho que seriam chamados a fazer ao saírem da uni-
versidade e ao entrarem na corporação. Natural-
mente, seria acadêmico e supervisionado por um
pessoal acadêmico. Mas, seria dado ênfase à criati-
vidade, assiIn como à memória, à inteligência c à
técnica do discernimento. Deve haver muita gente
na indústria e educação que se comprazeria em aca-
bar com o sistema de exames e em organizar . urna
reforma escolar para os jovens entre quatorze e
vinte e um anos. Talvez eles terão algum dia a opor-
tunidade para tal. Talvez algum dia deixemos de
educar para o conformismo e comecemos a educar
para a criatividade.»

(Antony Jay, Managcmcnt and Mac/'iavelli, Lon-


dres, 1967, cap. 12: «Educating for creativeness n ,
pp. 99-103.)

147
Numa passagem posterior, Antony Jay desenvolve esta
idéia, agora totalmente identificada com os pontos de
vista capitalistas:

«O único trcinalncnto verdadeiro para a liderança é


a própria liderança: você não a aprenderá sendo um
assistente ou representante, mas sendo um patrão . ..
Assim também, a melhor maneira de aprender a di-
rigir Ullla grande organização é de iniciar COln as
lncnorcs, e esta. é a única coisa que ulna grande Clll-
presa não pode proporcionar.
Não creio que isto deva ser assim. Estou convencido
de que, além de todos os bons postos que oferece aos
formandos em busca de uma vida segura aos vinte e
um anos, a empresa também poderia oferecer empre-
gos a outros. Poder-se-ia dizer a um jovem: <Estamos
instalando nova maquinaria em quatro de nossas
fábricas, ijzemos uma oferta global das antigas com
uma redUção de 20 % do preço que pagamos por elas
há quatro anos. Cremos que poderíamos obter mais
- digamos 33 ou 40 0/. -se as oferecermos direta-
mente aos interessados. Eis o seu trabalho. Orga-
nize-o como quiser e guarde um tanto por cento de
todas as vendas para o seu departamento. Quando
isto for possível, ponha a trabalhar com você alguns
amigos seus. Se não obtiver nada em seis meses, de-
verá deixá-lo. Não há garantias, pensão, nem salá-
rios fixos, tampouco patrão, mas simplesmente um
contabilista. Se tudo for bem, você ganhará seis mil
libras anuais durante um par de anos c teria em
seguida que se ocupar em renovar a frota de cami-
nhões e camionetes velhos. Se você fracassar, bem,
você só tem vinte e um anos e lhe será fácil encon-
trar outro trabalho. Já pode começar.> Penso que há
• um número de meios mais simples para ganhar di-
nheiro que não são econômicos à empresa, mas que
a um jovem inteligente e de visão, e aos demais, po-
dem ser muito proveitosos.
Ao contrário, se a empresa apenas oferece um futuro
seguro dissimulado sob a aparência de um desafio

148
atraente, esta corre o perigo de ser sobrecarregada
por novos quadros, cuja principal preocupação 'é o
esquema de pensões c, assim, a lei de Gresham·)
começará a entrar em ação. O mau elimina o bom,
tanto em matéria de direção de empresa, como de
dinheiro ; se um indivíduo olha ao seu redor e vê
pessoas menos capazes do que ele fazendo mais ou
menos o mesmo trabalho por um salário semelhante,
cOllle~'ará a pensar que não está no lugar adequado.»

(Antony Jay, op. cit., cap. 22 ; «Gresham's law of


managelllent», pp. 168 s.)

Sempre haverá também a necessidade de outsiders que


confiram impulsos à economia moderna; naturalmente,
porém, não somente deles. Além destes - e contra eles -
atuam sempre os membros iniciados da comunidade eco-
nômica, os insidcrs, com a sua serenidade impcrturbávct
os 13t<ddcIIUJ'ooks, através dos quais Thomas Mann per-
sonificou em seu grande romance, escrito na juventude,
os moralistas da obra empresarial ; «Meu filho, dedica-te
com gosto a teus negócios durante o dia ; mas, realiza
somente os que nos permitam dormir em paz à noite.»
Tais \3uddenbrooks não correspondem ao tipo do empre-
sário apresentado por Heinrich von Thuenen nos seus
projetas sobre uma teoria econômica; «As noites de in-
sônia do empresá'rio não são improdutivas». Não, os
Buddenbrooks encarnam os que estão consolidados den-
tro de uma ordem capitalista. E declinam quando tal or-
dem decair, o que não significa CJ.ue O capitalismo também
decaia eOll1 esta - ou aquela - ordcnl.

lI-) A lei de Grcsham é uma observação erroneamente atri-


buída no passado ao negociante c banqueiro inglês Sir Tho-
mas Gresham (1519-1579). segundo a qual de duas espécies
de dinheiro circulando paralelamente e com a mesma solu-
bilidade legal, desaparece de circulação a que for considera-
da, de acordo com a sua matéria, como a mais valiosa para
ser entesourada.

149
Dentre Os empresá rios, os persona gens margin alizados ,
ao contrário, não se cnquaJr anl Cln ncnhun1a ordcn1. No
melhor dos casos, crianl uma nova ordem. Mas muitos, a
maioria deles, que deram de maneira imprevi sta inpulso s
õlO~; diferen l e!. pc ríodw; indU:;lr i,Ib, fr,1L'S~;,H·,HII
como
cconolll istas político s, ou, pelo Incnos, não estavam to-
mados pela vaidade e necessid ade de seguran ça de man-
ter o seu sucesso eternam ente.
Tholllas Mann expõe isto em seu rOlnance sobre um.:l
família de negocia ntes Os 13//(/dcllúrooks, através da dia-
lética de figuras épicas: frente à geração decaden te dos
l3uddenbrooks estavam os homens de fortuna vitoriosos
da família Hagens troems e os audaciosos agentes de
bolsa como Sigismu nd Gosch :
"Certa vez, perdeu na Bolsa, de um golpe, seis tá-
leres e meio, em duas ou três apólices que compra ra
com intençõ es especul ativas. Dessa vez, a sua voca-
ção dramáti ca arrastou -o de tal maneira que dava·,a
impress ão de estar a represe ntar. Deixou -se êâir
num banco, na atitude de quem tivesse perdido a
batalha de Waterlo o. Apertan do contra a testa o
punho cerrado , repetiu várias vezes, com olhar blas-
femo : <Ah, com todos os diabos I. Como, no fundo,
o aborrec iam os pequen os lucros certos que fazia na
venda deste ou daquele prédio, essa perda, esse
golpe tróBico, com que o Céu ferira a sua pessoa de
intrigan te, causou- lhe um prazer que durante sema-
nas o fez feliz. Quando alguém lhe dirigia a palavra :
<Ouvi dizer, sr. Gosch, que teve um prejuízo . Que
pena! .. .' costum ava respond er: <Oh, meu prezado
amigo! Uomo nOIl educllto daI dolore riman sempre
bambillo!, Claro que ninguém o entendi a.»
(Thoma s Mann, Buddenbrooks. Verfall einer Fa-
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155
24. lndice geográfico

Africa, 46, 112, 122 França, 27, 43, 45,56,82,91,


Alemanha, IS , 20, 34, 53, 56, 120, 126
82,85 S. , 91, 96, 111, 126,
145 Genebra, 112
Alemanha, República Federal Grã-Bretanha (vrl. Inglaterra)
da,121,123, 126
América do Norte (vd. Hudson, 46
Canadá, USA), 5, 7, 27, 31, Hungria, 119, 126
~3, 56 s., 68 s., 73 S., 81-
91,93, 111 s., 123, 138 India,46
América do Sul (vd. Brasil, Inglaterra (Grã-Bretanha),
Chile, Peru) , IS, 67 S ., 20, 39,43, 50, 53,58, 62,
112,122 70, 60 S., 86, 90 S., 97,99,
Asia, 15, 112, lP. 118, 123, 145 s., 149
Austrália, 31, n6, 122 Itália, 5, 53, 86, 145
Áustria, 86
Jap50, 31, 116,126
Bélgica, 120 Jersey, 46
Berlim, 23
Brasil, 70 Kassel,39

Canadá (vd. América do Londres, 23, 45, 50,145


Norte), 114, 124 s., 126 Lucca,49
Carolina, 46
Chile, 115 Marburg,39
Cleveland, 104 Montrcuil-sur-Mer, 19 s.,
23 s., 27, 31
Detroit, 67 Moscou, 94
Mundo Árabe, 79
Egito, 68, 117, 122, 124
Espanha, 23, 67 Orinoco, 56
Europa, 5 55 ., 15, 27, 31 s.,
36,42,51,54,56,63,67 S., Países Baixos, 121
73 s ., 79, 81 s., 86, 1121 Paris, 39
126 S. Pensilvânia, 46
Pe ru, 115,122,124
Filadélfia, 89 Polônia, 119, 126
Filipinas, 117, 122 Prússia, 91

156
Rottcrdam, 87 União Soviética (Rússia), 84,
Rússia (vd. União Soviética) 86-91,93,95,97 sS., 126;
141,143 s.
Suíça, 145
Suil.,'a, 145 USA (vd. América do Norte),
15,568.,79,85 s., "88,90,
Tâmisa,37 104,114,123,125,127

157
25. índice de pessoas

I3cnuix, Rcinhard, 97, 99, Jay, Antony, 145-149, 153


ISL
Urccht, UcrlholJt, 103, 151 Lcnin, Wlauimir lIilch,
l3urnham, James, 107, 151 87-97,153

Carlos I, Rei da Inglaterra, Machiavclli, Niccoló, 145, 147


45 Makarcnko', Anton Scmiono-
Carlos II, Rei da Inglaterra, viteh, 141, 144, 153
45,51 Martin, Alfrcd von, 9, 153
Carnegie, Andrcw, 104 Martin, Charles-Nocl, 49, 153
Marx, Karl, 7, 32,58 Soo
Defue, Daniel, 36, 38-44, 70 55 ., 100, 105, 153 s.
46 s., 49 sS., 53-56, 58-68, Mills, Charles Wright, 111,
70 s., 73 s., 81, 84, 151 154
Dorfman, Joseph, 38 lvlonlcssorl, tvlaria, 145, 15'1

Nathan, Oito, 49, 154


Eins tein, Albert, 49, 152, 154
Norden, Heinz, 49, 154
Emmcrich, Herbert, 152
Engels, Friedrich, 59, 72
Eyncrn, Margaretc von, 111 , . Ol"wcll, George (Erie OIair),
152 107, 154

Franklin, Be njamin, 73 S., Papin, Dcnis, 39


76-81,67, 152 Pcarson , Lcs tcr Bowlcs, 123,
rcocbel, Fricurich, 145 154
Fromm, Erich, 9, 152
Rédlieh, Fritz, 15 s., 154
Cod hc, Johalln Wolfr;õ1ng Rockefeller; Jo hn Davisoll,
vun, J.OO S" J52 101
Gresham, Sir Thomas, 149 RotLeek, Carl VOlt, 83, 151
GrimmcIshauscn, Hans Jacob Rou ssea u, Jea.n-Jacques, 51,
Chris toph von, 63, 152 53, 154
Gutenberg, Erich, 16, 152 Ruperto, Príncipe d~ Pala-
tinado,45
Hugo, Victor, 19 s., 24, 27,
31,152 Saint-Simon, Claude Henry
Huxlcy, Aldous, 107, 152 de Rouvroy, 111

158
Schumpclcr, Joseph A ., 18, Tuequcvillc, Alcxis Clércl de,
28-31,103-107,154 s. 56 s., 59 S., 68-71, 81 s.,
Smith, Adam, 32, 155 155
Sombart, Wcrncr, 18, 24, 26,
38,41,53,75,155 Vandcruilt, Curnclius , lO·1
Stakhanov, Alexei C., 89
Webe r, Max, 1 B, 21, 23, 73,
Taylor, rn~dcril:k WillSlow, IIO,I.ri:>
U9,97,155 Wekkcr, Carl Thcudur, 82 S .,
Thucncn, Johallll Hcillrich 154
von, 32, 34, 149, 155 Wilkens, John (bispo), 45

159
26. lndice analítico de matérias

Agricultura, 34, 87, 104, 131


Alquimia, 41
AmcricarJ PIJilosopl.ical Society, 77
Artesãos, 51, 71 s ., 74, 129
Aviões, 135

Banco Internacional de Reconstrução e -F omento (Banco


Mundial),l23
Bolsa (especulação), 23,37 s., 49, 104, 150
Burocracia, 10 s ., 29, 91, 94 55., 99, 103 S., 110 S., 125, 127

Ciências naturais, S, 77, 132


Colônias, colonialismo, 28, 46, 53 S., 67.,71 , 73 S., 84, 87
Commonwcalth, 39 S., 67
Compradores,..ebnsumidores, 20, 22, 30, 136
Comunismo, 88, 91, 94-97, 127, 136, 141-144
Criatividade, 5, 7 55 . , 16, 19, 22 s ., 27 55., 32 s ., 39 55 . , 49,
91 ss., 128-141, 145 S., 147
Cristianismo, 26, 68

Democracia, 57-61, 69, 71, 82, 127

Economia energética, 29, 112, 124


Emigração, imigração, 54, 57, 70 s., 84 55.
Estudos sobre o tempo dos processos de trabalho, 89
J:.tica, 9, 18, 23, 25, 47, 59, 73 s., 79, 87, 98 s., 106, 125. 149

Ferrovias, 28,34, 94,104

General Motors Corportltiol1, 87


Guerra c implementos bélicos, 41, 46, 46 s.
Gu~rras mundiais, 15, 28, 100, 110, 126,131

História de empresas, 15, 19 s.


Hudson's Bay Company (companhia comercial fundada em
1670, que chegou ao apogeu de suas atividades por volta do
ano de 1870), 46

160
Idade Média, 40, 74
Imperialismo, 6, 54, 87, 127
Inlprcnsa, 50, 76, 131
Individualismo, 6 s., 48 s ., 54, 56-62, 82, 90, 99, 101 ss.
Indústria do aço, 104
InJúslria algodoeira, 104
Instituto Internacional do Trabalho, 112 s" 122
Instrumentos de cálculo, 129 55.
Invenções, 5, 20, 27-30, 33, 37, 39 55., 43, 4S s., 54, 62 55., 66,
74,76,79,109,139

Jornalismo, 44,50,78
Junto, 77

Lei de Gresham, 149


Liberalismo cconômico, 8, 16 S., 64, 100

Madeira, 61, 63 s., 66, 68, lO],


Máquina a vapor, ],8, 39, 104
Mercado (Estudos dos), 136
Microclctrônica, 129, 131
Minas, 41, 112., 124, 131
Monopólios, 45, 105

Navegação, 41 s., 46, 56, 64 s., 67, 70


Nobreza,6 s., 63, 69, 79
Nova Política Econômica (NEP, denominação da orientação
político-econômica da União Soviética da 192.1 a 1936), 97

Poupança, economia, 44, 64, 66 55., 80 S., 97


Protestantismo, 18, 23, 73, 132
Puritanos, 80, 97

Racionalidade, 6 s., ],1, ],6, 44, 58, ~3, 66, 71, 78, 89 s., 93, 95,
100 sS., 12.2, 12.9 s.
Religiosidade, 26, 47, 63 s., 82,97,140
Renascimento, 5, 53
Revolução, 92, 100, 132
Revolução industria C44
Romances, 9 s., 19, 27, 31, 43, 51 S., 55 S., 58 55., 63, 70 s.,
73 s., 149

Sábados comunistas, '"94


Seguros, 46, 50
Sclfmádt!t11all, 60, 71

161
Servidão , 86, 89
Sistema educativ o, 21,39,5 0-53,59 ,74,97 sS., 132, 134, 138
s.,
110-149
Socialis mo, 79, 88, 94,98,1 015.
Socicuau c anônima , 46
Socictà Italiana per ii Progress o delle Scienze, 49

Tayloris mo, 89
Televisã o, 131, 136
Tempo livre, 10, 131
Terceiro Mundo, 15 5., 29, 30 5., 111, 122 55., 137 5.
89,
Trabalh adores, 10, 21 5., 23 5., 27, 31, 34, 70 55., 84 55.,
92,94,1 06,110, 128,140
Trabalh o feminin o, 23 s .

Uuilevc r,87

162

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