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O NOVO TESTAMENTO

JESU CHRISTO,
TRADUZIDO EM PORTUGUEZ
SEGUNDO
A VULCAT A,
COM VARIAS ANNOTAÇÕES
HISTÓRICAS ; DOGMÁTICAS , E MORAES ,
E APONTADAS
AS DIFFERENCAS MAIS NOTÁVEIS
DO ORIGINAL GREGO.

A N TONI Q° PEREIRA
DE FIGUEIREDO,
DEPUTADO ORDINÁRIO DA REAL MEZA CENSÓRIA,
TOM. I,
Que comprehende os Evangelhos de S. Mat-
theus , e S. Marcos.
Segunda Impressão mais correãa no Texto 3 e ac-
crescentada nas Notas.

LISBOA
Na Regia Offic. Typograf. m.dcc.lxxxi.
Com licença da Real Me%a Censória.
Vende fe na loja da Viuva Bertrand -e Filhos , Mercador»*
de Livros junto í Igreja dot Martyres ao Xiado cm Lisboa.
ao eminentíssimo,

reverendíssimo
SENHOR

D. J O Â O,
CARDEAL DA CUNHA ,
ARCEBISPO METROPOLITANO
D'EVORA,
DO CONSELHO D'ESTADO,
E DE GABINETE

S. MAGESTADE FIDELÍSSIMA,
&c &c. &c. .

EM.M0 e R.M0 SENHOR.

ËIS anhos ha que the a hon»


ra y de VOSSA EMINÊN
CIA me permittìr , que esta minha Ver
são do Novo Testamento sahijse authori-
za-
zada com o seu por tantos títulos gran
de , e respeitavel Nome. Não foi culpa
minha y soi infelicidade , demorar-fe por
tanto tempo a sua publicação. Agora
que ella finalmente sabe d luz , espero
que approvando-a FOSSA EMINÊN
CIA , se comprometido no mesmo voto
os mais Senhores Bispos de Portugal. E
então nenhuma inveja deverei ter ao cé
lebre Padre Amelote , de que a sua Ver
são fosse approvada por nove Bispos de
França.
São as Versões das Sagradas Le
tras huns como Transumptos da Palavra
de Deos efcritd. Para eiies Transumptos
merecerem o credito de fieis , he prin
cipalmente necessaria a Atteslação dos
Bispos ; os quaes assim como são Jui
zes da canonicidade dos Originaes , as
sim tambem o devem ser da fidelidade
das Copias. ,
Não lograra no Oriente tanta au-
thoridade a Versão Grega dos Setenta
Interpretes , se &s Sagrados Apollolos ,
de quem os Bispos são Succejsores ? não
(iveffem adoptado a mesma Versão , alle
gari-
gando conforme ella os Textos que ci-
tavao do Teïtamcnto Velho. Nao logrâ-
ra tambem no Gccidente tanta autho-
ridade a Versao chamada Itala , se o
uso que délia faziao os Padres , e Bis
pos Latinos , a vao tivejfe qualificado
de exafla.
Nos fins do quarto seculo , e prin-
cipios do qtûnto , appareceo outra nova
Versao Latina das Escrituras , que so
bre a fé do Original Hebreo trabalhdra
com fiimma applicaçao , e fadiga S. jfe-
ronymo. E para esta Versao fer legiti-
mamente ìntroduzida nas Igrejas de Afri-
ca, a primeira diligencia que fez S. Je-
ronymo ì soi rogar a Santo Agostinho que
a recebeffe nafua. Cafo na verdade para
admirar ! Recufoa Santo Agostinho ad-
mittir na sua Igreja a Versao de S\ Je-
ronymo : e vio-fe obrìgado o Doutor Ma
xima a fatisfazer ds dûvidas , que Ihe
oppozera o grande Bifpo de Hippónia. Tan-
ta he a authoridade dos Bijpos sobre as
Versoes das Sagradas Letras ! E tanto
dépende da approvaçao dos Bijpos o cré
dita , e fortuna das VersoesX
Fi-
Finalmente correndo os tempos , se
formou em parte da Versão ítala , em
parte da de S. Jeronymo , terceira Ver
são Latina das Escrituras ; a qual por
se ter feito commum no Occidente ao me
nos des do Pontificado de S. Gregorio Ma
gno , se chamou , e chama ainda hoje a
Vulgata. Para eHa Vulgata porém se de-
ver reputar Authentica , foi necessário o
Testemunho do Sagrado Concilio de Tren
to na primeira Abertura , a que presídio
for seus Legados o Siimmo Pontífice Pau
lo 111
Besta Vulgata Latina declarada
Authentica por aquella Augusta Afsem-
hléa de Bispos de todo o Orbe , he huma
fiel Versão a que agora offereço a VOS
SA EMINÊNCIA em Portuguez. VOS
SA EMINÊNCIA peloseu notório zelo ,
e boa escolha , está na pose de lhe dever
Portugal atrribuir , e agradecer a iniro-
ducção de Livros excellentes : quaes são
para a Doutrina da Fé o Catecismo de
Mr. Colbert Bispo de Mompilher ; pa
ra a Doutrina dos Costumes a Summa
Moral de Mr, Godeau Bispo de Vence.
Co-
Como de huma , e outra Doutrina he o
Novo Teílamento a Base fundamental:
se VOSSA EMINÊNCIA achar a minha
Versão digna de se ajuntar áquelle Ca
tecismo , e áquella Summa ; nova obri
gação será, em que FOSSA EMINÊN
CIA nos ponha , a mim , e ao Reino : a
mim por honrar ao meu trabalho com a
sua ponderofissima approvação ; ao Reino
por lhe dar na minha Versão o Funda
mento , e Promptuario de toda a Dou
trina Chrittã.
Eu não sou tão presumido , nem
tão vaidoso , que nos talentos para fa
zer huma Fersão completa dos Evan
gelhos , me ouse comparar com os que
na composição das duas Obras acima
referidas , moBrdrão seus illustrijsimos
Authores. Mas a cuidadosa applicação
que puz em formar , e reformar ésla
Versão ; as multiplicadas revisões , e
correcções que accumjilei humas sobre
outras , porque ella fahisfe exaEia ; e
mais que tudo as reStas intenções com
que a emprehendi , me dão huma bem
fundada esperança , de que o exito cor-
—r

i
respondérd ao trabalho , o sruSîo d cul
turel.
Só nie resta pois occorrer a huma
óbjecçao , que se po'de sazer contra o me~
recìmento desta minha Obra. E he , que
nao sendo eu nem ainda mediatamente in-
Jìruido nas Linguas Originaes Hebrai-
ca , e Grega , etn que forao respeSlìva-
mente ejeritos os Evangelhos j mal po-
deria sabir exaSîa , e perseita esta mi-
ftba Versao. Certo , grande óbjecçao he
eHa , e tal, que para Ihe responder , me
vejo obrigado a valer-me de Discurjò
alheo. Responderd por mim o Illustrìjst-
mo Bossuet Bìspo de Meaux , a cuja au-
thoridade creio , que ninguem deixard
de ceder.
No anno de mit setecentos e dous
publicou este grande Prelado huma lar-
ga Instrucçdo , sobre huma Versao Fran-
cessa do Novo Testamento , que no mef-
mo anno imprìmíra em Trevoux o fa-
vioso Ricardo Simon. Entre outras Re
stexoes admiravtis , e de mttito juizo ,
que por toda a Obra efpalhou Mr. Bos
suet y sao terminantijsnnas para minha
. ; de-
àesensao , duas que elle traz sobre o
estudo das Línguas Originaes , e sobre
o que se deve julgar da dependencia
que dellas tem as Versões da Escri
tura.
A primeira he na Prefação da
Obra., e diz assim : Peço ao sabio Lei
tor, que- se não deixe cegar do conheci
mento das Línguas , que o Author des
ta Versão de Trevoux, e seus amigos,
não cessão de nos ostentar com jactan
cia. Seria na verdade querer renovar a
barbarie dos seculos ignorantes , se al
guem negasse a hum tão bello , e tão
útil estudo o louvor , que elle merece.
Mas nisto mesmo póde haver hum ex
cesso muito para temer. E tal he , o
de fazer dependente do conhecimento
das Linguas a Religião, e a Tradição
da Igreja. Eu me tenho assás explica
do sobre esta importante materia nos
Reparos á Prefação do Author , tra
tando da setima Passagem della. Nin
guem ignora as Regras que deo San
to Agostinho , para hum se aproveitar
do Hebreo , e das outras Linguas Ori-
ginaes , sem para isso ser necessario sa-
bellas com tanta exactidão. Eire Padre
se servio tão felizmente destas Regras,
que sem nenhum Hebreo , e com mui
pouco do Grego , não deixou Santo A-
gostinho de sahir o maior Theologo do
Occidente , e de combater as heresias
pelo meio das demonstrações mais con
vincentes. Outro tanto disse de San
to Athanaíio na Igreja Oriental : e fe
ria facil produzir outros muitos exem
plos igualmente memoraveis. A Tradi
ção da Igreja , e dos Santos Padres fer
vem de tudo aos que a sabem , para es
tabelecer perfeitamente o fundo da Re
ligião. Os que reduzem todo o seu sa
ber a manejar , e folhear os Livros dos
Rabinos , quasi sempre vem a alonga r-
se muito da verdade. E a estes podemos
nós applicar estas palavras de S.Justino
no seu Dialogo com o Judeo Tryfon :
Se vós não desprezais as doutrinas dos
que a fi mesmo se elevão , e querem ser
chamados Rabbi , Rabbi : nunca por nun
ca tirareis proveito das Escrituras Pro
feticas. ...
A
A segunda vem no Corpo da mes
m Instrucçao , no lugar a que elle no
precedente se remette , que hesobre a se
tima Pajsagem de Simon. He certo (diz
segunda vez Mr. Bojsuet) que os prin-
cipaes Reparos , que se podem fazer a
huma Obra desta qualidade , quero di
zer, os Reparos fundados no Dogma ,
não dependem do conhecimento parti
cular das Linguas , e só estão addictos
ao conhecimento da Tradição univer
sal da Igreja , que qualquer póde sa
ber perfeitamente sem tanto de He-
breo , e tanto de Grego , pela lição
dos Padres , e pelos Principios de hu
ma sólida Theologia. Esta Reflexão he
de fnmma importancia : e deve cada
hum guardar-se muito de dar tantas
vanrajes aos Sabios no Hebreo , c na
Crítica ; pois que destes se achão mui
tos não só entre os Catholicos , mas
ainda entre os Hereges. Ha pouco que
nós vimos hum exemplo dos exceflívos
louvores que noslb Author lhes dá , e
de quão cegamente se prestou elle aos
seguir , até nesta mesma Versão. De
ve-
ve-se sem duvida estimar muito o co
nhecimento das Linguas , de que se ti
rão grandes luzes : mas não se deve
crer , que para refutar, por exemplo,
as licenciosas interpretações deGrccio,
de quem neste seculo se faz tanto ca
so , he necessario saber tanto do He-
breo , do Grego , e do Latim , e aííim
mesmo tanto da Historia , e da Críti
ca , quanto elle mostra nos seus Escri
tos. Em todos os tempos haverá na
Igreja Escritores, que possuão em grao
eminente todos estes talentos particu
lares : mas esta não he a sua maior
gloria. A sciencia da Tradição he a
verdadeira sciencia Ecclesiastica : o res
to fica para os curiosos , ainda de fo
ra , como por tantos seculos foi para
os Gentios a Filosofia.
Atéqui o Illustrijstmo Bojsuet : a
cujo discurso se eu accrescentdra algu
ma cousa , viria facilmente a incorrer
na juHa censura , de que promettendo
fazer huma Dedicatória , passei a com
por huma Apologia : principalmente quan
do o respeitavel Nome de FOSSA EMI-
. NEN-
NENCIA per fi só era capaz de ser-
vir de completa defensão ao Livro , e
de bonra cabal a seu Author.
Deos guarde a VOSSA EMINÊN
CIA por muitos , muito dilatados , e
muito selices atinos. Lisboa , 8. de Ja-
neiro de 1778.

Be VOSSA EMINÊNCIA

O mais reverente , e o mais


obrigado servidor

Antonio Pereira de Figueiredo.

PRE-

í
PREFAÇÃO
AOS LEITORES.

PARTE I.
Da utilidade , que todos podem tirar da lição das Di'
minas Escrituras , e especialmente das do Novo
Testamento. Como a Quarta Regra do Index Ro
mano , oueprobibia a lição da Biblia em vulgar ,
a ijuem não tiveste licença dos Bispos , ou Inquisi
dores y foi modernamente modificada pila Sagrada
Congregação nejks últimos Pontificados.
Esta utili Jade póde-se demonstrar primeiramente
pelo testemunho das meímas Escrituras. De
pois pelas Authoridades dos Santos Padres. E
ultimamente pela intelligencia , e persuasão ,
cm que neste particular esteve sempre a Igreja.
Primeira Prova
Tirada das mesmas Escrituras.

NO Evangelho de S. Lucas pro


põe Jesus Christo a parabola
do Rico Avarento, que íèpnl-
tado no inferno pedio a Abrahão, que
mandasse Lazaro a este Mundo a avi
sar dos tormentos que lá padecia, afin
co irmãos que deixara em casa de leu
pai, para que não succedesse virem elles
tambem a cahir na mesma infelicidade.
E
xvi PrefaçXo
M E Abrahão lhe respondeo: (a) Elles li
2j. - tem a Moysés , e aos Profetas : o«pz0 o
que elles lhes dizem. Que testemunho
mais claro , de que a lição das Escritu
ras he para todos?
Nos Actos dos Apostolos louva o
Espirito Santo osjudeos de Berea, que
depois de se haverem convertido á Fé
com a prégação dos mesmos Aposto-
(») los , (b) Lião quotidianamente com todo
*»• o cuidado as Escrituras , conferindo o
que lido com o que tinhao ouvido.
Da mesma sorte louva S. Paulo a
e w seu Discípulo S. Timotheo, (c) porque
»»• m-- desde a infância tinha sabido as Sagradas
Letras , debaixo da direcção de sua mai
Eunice, e de sua avóLoida, das quaes
o mesmo Apostolo fizera por isso hono
rifica menção no princípio da Carta. E
prosegue immediatamente o Apostolo,
dizendo: Toda a Escritura inspirada por-
Deos he util para ensinar , para arguir ,
para reprehender ,para instruir najustiça.
Todas as Cartas que S. Paulo , ei
os mais Apostolos escrevião, eráo escri
tas
aos Leitores. xvii
tâs na lingna vulgar dos Povos , a quem
elles as dirigião ; isto he , na Lingua
Grega , que era então a vulgar não só
entre osjudeos, que vivião na Grecia,
chamados por isso Hellenijias ; mas tam
bem em Roma , onde consta que até as
mulheres sabião , e fallavao Grego. E
com tudo estas Cartas , que a diversas
Igrejas , ou Províncias escrevião os A-
postolos, todas hião ordinariamente di
rigidas não a hum , ou a outro , mas
a todos os Fieis dellas , para que to
dos as lessem , ou ouvissem ler. O so
brescrito da de S. Paulo aos Romanos
diz affim : A todos os que se achao em
Roma, amados de Deos , chamados San
tos. O da segunda aos de Corintho,
aflim: A' Igreja de Deos , que esidemCo-
rintho , e a todos os Santos , que habitão
em toda a Província de Acaia.
Affim mesmo dirige S. Pedro a sua
primeira Carta: Aos Fieis estrangeiros ,
que vivem dispersos pelas Provindas da
Ponto , da Galacia , da Cappadocia , da
Afta , e da Bithynia. E Sant-Iago a sua
** Ca»
I

xvm Prefação { ■
Catholica : A's doze Tribus , que vivem
dispersas.
S. João sim dirige a sua segun
da : A" Senhora Eleãa , e a seus filhos.
Mas isto mesmo prova , que nem as mu
lheres são inhabeis , para selhescommu-
nicar por escrito a palavra de Deos.
Antes para que ninguém se jul-
gasle inhibido de ler , ou de ouvir ler
as Cartas , que os Apóstolos escrevião
a esta, ou áquella Igreja : requer S. Pau
lo da parte de Deos aos de Thessaloní-
ca , que façao ler a sua primeira Carta
a todos os Santos Irmãos. E escrevendo
aos Colossenses, conclue assim: Depois
que esta Carta for lida entre vós , fazei
que também a lêao os da Igreja de Lao-
âicéa.
Ora se os Sagrados Apóstolos , inspi
rados sem dúvida pelo Espirito Santo,
querião , e mandavão que todos lessem
as suas Cartas ; homens , e mulheres;
grandes, e pequenos; Ecclesiasticos , e
Seculares : quem pôde duvidar, que a
toda a classe de pessoas de hum , e ou
tro
aos Leitores. xix
tro sexo he de summa utilidade a lição
das Sagradas Escrituras ? Se quando a
fé dos Professores do Christianisino eG»
tava tenra, e como em leite, julgavão
estes primeiros Mestres de Religião,
que nenhum damno lhes podia causar,
mas que antes contribuiria muito esta
lição para os confirmar na mesma fé,
e para excitar em todos elles a pieda
de , e amor de Deos ; que perigo póde
haver hoje na lição dos Evangelhos , e
Cartas dos mesmos Apostolos ; quando
a fé se acha tão arraigada no coração
de todos os verdadeiros Catholicos Ro
manos ; e quando as Divinas Letras se
achao tão explanadas nos Escritos de
tantos Santos Padres, e nos Commen-
farios de tantos Expositores doutiffimos ?
Quasi toda a doutrina dos Evan
gelhos foi dirigida por Jesu Christo ao
Povo dos Judeos , de que elle sempre
andava acompanhado. Por isso quando
o Pontífice lhe fez os interrogatorios ,
sobre qual era a sua doutrina , respon- M
deo-lhe o Senhor : (a) O que eu tenho jgfc.
•#* ii eu- 2*- 314
xx PrefaçXo
ensinado no Mundo , tem sido em público.
Un sempre ensinei na Synagoga , e no Tem
plo , onde concorrem todos os Judeos.
Pergunta-o pois aos que me ouvirão , que
elles bem sabem o que eu lhes dijse.
Quem dirá porém , que a Plebe
Judaica era mais capaz , e estava mais
bem disposta para ouvir a palavra do
Filho de Deos , do que está hoje o Povo
GtW Christão ? Erao os Judeos , (a) como
Iv- "vallegoriza S. Paulo , os filhos de Agar
mulher escrava , que figurava o Testa
mento Velho : os Christãos porém são os
filhos de Sára mulher livre , que figura
va o Novo Testamento. Ora os escra-
joJXv V0Sj (ty Je^u ^-*'ír^° Por S.João,
» 5- ' não sabem o que faz seu Senhor ; ao mes
mo tempo que aos livres tudo se lhes
communica, enada se lhes reserva. Co
mo he logo crivei , que se haja de nega r
aos Christãos, o que se concedeo aos Ju
deos ? Ou que os filhos do Novo Testa
mento tenhão menos parte nos segredos ,
... e Mysterios do Pai Gelestial , do que ti-
verão os filhos do Testamento Velho?
• . -v Se-
aos Leitores. xxi

Segunda Prova
Tirada dos Santos Padres.

TOdos os antigos Padres igualmen


te conspirão , em aconselhar a li
ção das Sagradas Escrituras a toda a
qualidade de Pessoas , sem exceptuar as
do sexo feminino. Como não escreve
mos ex prosejso da materia , porque não
he esse o nosso assumpto principal: bas
tará escolher de entre os Latinos aS.Je-
ronymo , e de entre os Gregos a S. João
Chrysostomo ; para do que persuadem
estes dons , se poder facilmente conhe
cer, qual fosse neste particular o senti
mento de todos os mais. E os que qili»
zerem ler outras Authoridades , vejao a
Origenes na Homilia 9. sobre o Leviti-
co : a S. Basilio nas Regras Menores ,
Pergunta 2?. : a Santo Agostinho na Car
ta 137. a Volusiano, num. 18. e no Ser
mão £ 6. dos que se intitulão do Tempo :
e a S.Gregorio Magno na Epistola 31.
do Livro 4.
S. Jeronymo pois considerava de
, tan-
xxn Prefação
tanta importancia , e tão geralmente útil
a lição das Escrituras ; que , como se faz
manifesto das suas Cartas , até ás Don-
zellas , e Meninas de tenra idade a acon
selhava com empenho.
Na Carta 7. em que o Santo Dou
tor dá a Leta as instrncções de como
ha de educar a sua filhinha Paula , diz
astlm : Primeiro que tudo aprenda o Sal
terio : Sejao estes os Canticos , com que se
divirta o seu animo. Tire dos Proverbios
de Salomão os preceitos de bem viver.
Costume-se a desprezar o Mundo pela li
ção do Ecclesiastes. Sirva-lhe o Livro de
Job de exemplo de virtude , e de pacien
cia. Depois passe a ler os Evangelhos ,
os qttaes nunca lhe devem sahir das mãos.
E beba com toda a appetencia de seu es
pirito os Aílos , e Cartas dos Apostolos.
Na Carta 12. que he dirigida a
Gaudencio , sobre a educação que deve
dar a sua filhinha Pacatula, diz affim :
Quando a menina chegar aos sete annos ,
e começar a ter pejo , e a fazer reparo
no que falia } aprenda de çòr o Salterio :
a os Leitores. XXIII
e dahì até os annos da puberdade faça
thesouro do feu coraçao os Livros de Sa-
lomao , os Evangelhos , os Apostolos , e
os Profetas.
Desta Escola de S.Jeronymo, on
de todo o estudo consistia na lição , e
meditaçao dos Livros de hum , e ou-
tro Testamento ; forao discipulas as fau
tas, eillustriflímasmatronas Furia , Le-
ta, Salvinia, Marcella, Fabiola, Pau-
la, Blefílla; e as Sautas Virgens Princi-
pia, Asella, eEustoquio: todas Senho-
ras da primeira qualidade em Roma , e
quasi todas canbnizadas depois na Igreja
pela sua eminente virtude, e santidade.
Qiiaes fossem porém os progres-
sos que ellas sizerao no estudo , e intelli-
gencia das Divinas Letras ; declara mui-
to bem o mesmo S. Jeronymo na Car-
ta 1 6. onde o Santo Doutor , fallando de
Santa Marcella , escreve affim : Todas as
vezes que considera o feu ardor pelo ef
îudo , asua vivacidade , e a sua applica-
çao y nao pojfo deixar de conâemnar a mì-
nha perguiça : pois que vivendo eu no re»
ti~
ixiv PrefaçXo
tiro de hum Mosteiro , e vendo todos os
dias aquelle Presepio , em que os pastores
vierao com tanta diligencia , e fervor ado
rar o Divino Infante ; não posto ainda as
simfazer o quefazia huma Senhora illus
tre , nas horas que ella podia roubar aos
embaraços , e distracções , que comfigo
traz o governo de huma grande casa.
E mais adiante: Direisomente , que
não tendo Marcella ouvido senão de pas
sagem , tudo o que eu tinha podido adqui
rir de conhecimento da Santa Escritura
por meio de hum grandíssimo estudo:, ella
o reteve , e possuio de tal maneira , que
em algumas contestações , que depois da
minha retirada se excitarão sobre certos
lugares da Escritura ; o Juiz que se to
mou para as decidir , era Marcella.
Pelas Carras 24. 130. 136. 613 8.
que o mesmo S. Jeronymo escreveo a San
ta Marcella , consta que por satisfazer
os instantes rogos desta santiílìma , e
douti/ïïma viuva , explicara o Doutor
Maximo os dez nomes, que a Escritu
ra attribue a Deos ; e a significação das
pa-
aos Leitores. xxv
palavras Hebraicas Amen , Alleluia , Md-
ranatha, Ephod , Teraphim.
A Carta 141. toda se occupa em
explicar á mesma Santa Marcella vários
lugares do Psalmo 126. A Carta" 149Í
em lhe explicar, como ella também pe
dira, qual fosse o peccado contra o Es
pirito Santo , que o Evangelho chama
irremi/Iivel.
Que direi do fervor, eapplicaçáo
no estudo das Divinas Letras , de San
ta Paula , e de sua filha Santa Eustoquio?
Nas Cartas 26. e 27. affirma delias S.Je-
ronymo, que para cantarem os Salmos
na mesma lingua emqueforão escritos,
aprenderão ambas o Hebreo ; e que jun
tamente com elle liao o Velho , eNovo
Testamento , pedindo-lhe que lhes ex
plicasse as passagens diíficeis , e escuras.
E aíGm , como a duas Pessoas versadiffi-
mas neste importantissimo estudo , dedi
cou o Santo Doutor ámãi, e filha a sua
Traducçao Latina dos Livros dosJuizes *
e de Ruth , dos quatro dos Reis , do
de Esther , das Profecias de Isaias , de
- Da-
xxví Prefação
Daniel , e dos doze Profetas Menores ;
e os feus Commentarios sobre Miqueas ,
Sofonias , Nahum , e Aggêo ; e sobre
as Epistolas de S. Paulo aos Gálatas,
aos Efésios, a Tito, e a Tilémon.
Movido igualmente das difficulda-
des , que a outra Santa Fabiola lhe pro-
puzera , sobre certos lugares do Livro
dos Números , compoz o mesmo S. Je-
ronymo o seu Tratado Dos Acampamen
tos dos Israelitas. E em lhe explicar a
significação dos vestidos , e insignias Sa-
cerdotaes da Lei deMoyfés, empregou
o Santo Doutor toda a Carta 118.
E para se conhecer , que esta féria
applicaçao ao estudo da Sagrada Escri
tura , não reinava só entre as Senhoras
de Roma; temos a Carta 15" o. do mes
mo S. Jeronymo , cujo assumpto he re
sponder a doze questões, que de Fran
ça lhe mandara propor huma Senhora
por nome Hedibia ; quasi todas sobre
como se podião, e deviao .conciliar en
tre si os Evangelistas , no que escreverão
da Remrreiçao de Christo.
* Pas-
aos Leitores. xxvu
Passando já a ouvir a S. João Chry-
fostomo , he admiravel , e decretorio o
que elle escreve na Homilia 2. sobre
S. Mattheus , que diz aflim : Qual de
vós , que estais presentes , pode , se lho
pedirem , decorar hum Salmo , ou outra
qualquer parte das Sagradas Escrituras}
Eu não sou Monge , (dizeis vós) tenho
mulher , e filhos , e tenho casa de que cui
dar. Isto he o que como huma peste cor
rompe tudo ; cuidar que a lição das Di
vinas Escrituras he só para os Monges ,
quando ella he mais necessaria a vós , do
que a elles. Porque os que andão no meio
do Munda, e todos os dias recebem va
rias feridas , estes são os que mais ne-
cejfttão de remedio.
Não he menos terminante o ou
tro lugar da Homilia 9. sobre a Epistola
aos Colosscnses : Ouvi todos vós , os que
viveis no Mundo , e tendes a vosso cargo
mulheres, e filhos, como tambem a vós
manda o Apostolo ler as Escrituras \ e isto
não ligeiramente , ou com precipitação ,
mas com grande cuidado , e diligencia.
El-
xxvm Prefação
Elle não dijse : A palavra de Christo es
teja em vós fomente: pois que? A pa
lavra de Christo habite abundantemen
te em vós , fendo vós mesmos os que
vos enfineis , e instruais em toda a sabe
doria . . . Não esperes outro Doutor , ou
outro Mestre. Tens as palavras de Deos :
ninguem te ensina como ellas . . . Ouvi
todos vós , os que tendes á vojsa conta as
cousas desta vida ; e ponde promptos pa
ra o vojjo uso huns Livros , que são os
remedios da alma. Qttando não queirais
outros , tende se quer o Novo Testamento ,
os Evangelhos , os AStos dos Apóstolos ,
que são huns Mestres a toda a hora.
Com igual cfficacia , e generalida
de aconselha S. João Chrysostomo a li^
ção das Sagradas Letras na Homilia 3.
sobre Lazaro ; e no Proemio sobre a
Epistola aos Romanos , que a Igreja nos
manda ler todos- os annos no segundo
Nocturno da segunda Dominga depois
da Epifania. ;
\ - .- * fi - fi
♦ y- .■
Ter-
aos Leitores. xxix

Terceira Prova
Tirada da intelligencìa , e persuasão 9
que sempre houve na Igreja.

ESta intelligencìa , e persuasão de-


monstra-se : i.° Porque principal
mente des do Seculo xv. até o presente ,
sãoinnumeraveis as Versões , que se tem
feito da Sagrada Biblia em língua vul
gar , com licença , e approvação dos Su
periores legítimos; principalmente em
Italia , França , e Paiz Baixo. Dellas
trata longamente o Padre Le Long na
sua Bibliotbeca Sacra.
Eu apontarei aqui por especial
mente recommendaveis , e qualificadas
só as seguintes :
A de Nicoláo de Malermi Italia
na , estampada em Veneza com licença
da Santa Inquisição , 1567. A qual edi
ção, se me não engano, foi a terceira
das que se fizerão em Veneza. Porque
tenho por primeira a de 1471. epor se
gunda a de 1541.
A Franceza de Lovaina do mes
mo
xxx PrefaçSo
moSeculo xvi. approvada porJoãoMo-
lan , Doutor, e Escritor de conhecida
piedade , e erudiçao. Da quai attesta
Antonio Arnault na Nouvelle Defense de
la TraduSìion du Nouveau Testament im
primée d Mons , Livro r. cap. 13. que
em pouco mais de cem an n os se reim-
p ri mira mais de duzentas vezes.
A de Mr. Godeau Bispo de Ven»
ce, approvada pelos Bispos deNoyon,
Marsélha, Conserans, e pelo Bispo Co-
adjutor de Vence.
A do Padre Amelote mandada fà-
zcr pela Assembléa Gerai do Clero Gai-
licano , e approvada depois por nove
Bispos.
Na mesmaRoma traduzio, e im-
primio nos nossos tempos o Cardeal
Albani alguns Livros doVelho, e No
va Testamento , como o Salterio , e os
Actos dos Apostolos. E em Turim sa-
hio modernamente impreflb em vulgar
todo o Testamento Novo , dedicado ao
Rei Carlos Manoel , anno 1769.61771.
De Castella , e Portugal não sei
que
aos Leitores. xxxi
que haja versão alguma, que mereça en
trar neste catalogo. Porque todas as de
que tenho noticia ., ou são compostas
por Jadcos , ou por Calvinistas. Entre
as Judias he sobre todas famosa a Cas
telhana impressa em Ferrara no anno
15-5-3. que eu não pude ver; porque he
rariffima, ainda nas melhores Livrarias.
Entre as que forão feitas por Calvinistas ,
tenho da Livraria dolllustriffimo , eEx-
cellentiffimo Senhor Marquez de Angeja
a de Cafliodoro de la Reina , conheci
da na frase dos Livreiros pela Versão do
Urso , que he a sua Empreza , e estam
pada sem expressão do lugar em i$6y.
com este titulo : La Bíblia , que es , los
Sacros Libros dei Viejo y Nuevo Testamen
to y Trasladada en Hejpanbol : E a Portu-
gueza deJoão Ferreira de Almeida , que
tem este titulo: O Novo Testamento , isto
he : Todos os Sacrosantos Livros , e Escri
tos Evangelicos , e Apostólicos do Novo
Concerto de Noffò Fiel Senhor Salvador ,
e Redemptor Jefei Christo , &c. Em Am
sterdão , por João CrelliitS) ijiz.
Que
XXXII PRE FA qXO '
Que Cassiodoro de Ia Reina fosse
Calvinista, he sacio assentado entre to
dos os que tratarão dos Interpretes da
Escritura , como se pôde ver em Ricar
do Simon na Historia , Critica do Novo
Testamento , e em Le Long na Biblio-
theca Sacra. Que o fosse João Ferrei
ra de Almeida , mostra-o Filippe Bal-
deo na sua Descripçao de Ceilão , onde
affirma que este Author era natural de
Lisboa , e que vivia no meio do Século
passado com os Hollandezes em Tute-
corin na Costa de Coromandel.
Ambas estas Versões porém estão
cheias de palavras já antiquadas , e são
em extremo servis , ainda que eu em ne
nhuma delias achei resabio doCalvinis-
mo. Senão he que ao mesmo tempo que
o Concilio de Trento canonizava a Vul
gata Latina , e a declarava Authentica ;
Cassiodoro de la Reyna no Testamento
Velho lhe preferio a de Santes Pagnino.
Demonstra-se 2° Porque ainda que
pela Quarta Regra do Index Romano-
era prohibida a lição da Bíblia em vulgar,
aos Leitores. XXXIII
a qnem nao tivesse licença dos Bispos ,
ou Inquisidores : esta meíma Regra re-
conhecia , que precedendo a licença de
hum dos dous , podia esta liçao contri-
buir muito para angmentar a fé , e a
piedade nos animos bem dispostos : Quos
intellexerint ex hujusmodi lettione non
damnants sedfidei atquepietatis augmt?/-
tum capere poste,
Demonstra-se 3.0 Porque no no-
vifiìmo Decreto da Sagrada Congrega-
çao do Index , expedido a 13. de Ju-
lho de 1757. se modificou a sobredita
Regra Quarta de modo , que absoluta*
mente ficárão permittidas sem reserva-
çao alguma todas as Versòes da Biblia
cm vulgar , que ou forem approvadas
pela Sé Apostolica , ou andarem acom-
panhadas de Notas extrahidas dos San-
tos Padres , ou Doutores Catholicos,
queexpliquem os lugares escuros , edif-
fîceis. Quodsí (diz o D/jreto) hujusmodi
Bibliorum Versiones suerìnt ab Apostolica
Sede approbatœ , aut editœ cum annotatio-
nìbus defumptis ex Sanfîis Ecclesiœ Patri~
*** bus ,
xxxiv Prefação
lus , vel ex doãis Catholicisqtte viris
conceduntur. O qual Decreto se acha
impresso no principio do Index doSum-
mo Pontífice Benedicto XIV. do anno
17 $7. e reimpresso na segunda edição
do mesmo Index do anno 1764. que foi
o sexto do Santo Padre Clemente XIII.

PARTE II.
Do metbodo , e forma que guardei nesta Versão d»
Testamento Novo. Regras principaes da Inter
pretação. Versões de que me vali. Qual seja-
a autboridade da Vulgata Latina.

TOdos os Críticos profanos , e sa


grados concordão , que o bom Tra-
ductor não se deve ligar íervilmente ás
palavras do Original ; mas attender mais
ao sentido , do que ás palavras. Esta he
a regra que nos deixou Horacio , quan
do disse na sua Poetica :

Nec uerbum « irbo curabis reddere fidus


Interpres.

Ella a que citando a Horacio , nos dei


xou S.Jeronymo no Tratado Do melhor
mo-
aos Leitores, xxxv
moio de traduzir , que elle dirigio a
Pammaquio.
Segundo esta regra, ninguem du
vidará , que sem offensa da verdade , e
da fidelidade , póde hum bom Interpre
te omittir na sua Versão toda a pala
vra do Original , que não for de con
sequencia : como são varias particulas
das que osGrammaticos chamão expie- s
tivas , que em todas as linguas só ser
vem de ornato á oração , ou de fazerem
mais cheio , e harmonioso o periodo :
como são na Hebraica as particulas & ,
autem, quia. Que por isso se na Versão
das Sagradas Letras se houvesse de fa
zer sempre conta dellas , não have
ria lição mais desagradavel , e fastidio
sa. Porque o gcnio das linguas Euro-
péas não se accommoda em muitas cou
sas com o das Orientaes. O mesmo di
go daquelle pleonasmo dos Hebreos,
Elle disse dizendo, Elle respondendo dis
se , que a cada passo se está encontran
do nas Divinas Letras de hum , e ou
tro Testamento.
*** ii Pe-
xxxvi Prefaçáo
Pela mestna razão póde , e deve
militas vezes o Traductor sagrado, em
lugar da frase que vem no Original,
substituir outra , que seja propria dalin-
gua em que verte: sob pena de que se
affim onão fizer, ficará a Vcrsâo talvez
escura, talvez indecente; e ítcará apa-
lavra deDeos exposta nâo poucas vezes
ao riso, e ludibrio dos que a lem.
Affim aconteceria sem dúvida , se
alguem traduzisse ao pé da letra aquel
le , Et erexii cornu salutis nobis , de
S. Lucas, i. 69. e aquelle, Omne mafi
culinum adaperiens vulvam, do mesmo
S. Lucas, 2. 23. e aquelle , Inventa est
in utero habens , de S. Mattbeus, 1. 18.
e aquelle Filii sponsi , que nos mesmos
Evangelhos se attribue aos que affiítem ,
e cortejão o noivo, Matth. 9. 15. Luc.
5". 34. As leis da clareza, e da decen-
cia fazem que todos os bons Interpre
tes vertão o primeiro lugar affim : Et
erexit cornu sahitìs nobis , E nos deo
hum salvador poderoso. O segundo aí-
fïm : Omne masculìnum adaperiens vul-
: •- - ■- vam ,
aos Leitores. xxxvn
vam, Todo ofilho macho primogenito.
O terceiro aífim : Inventa est in utero
habens , Achou-se qne el!a estava pre-
nhe. O quarto affim : Filii Jpott/ì, Os
amigos do cspofo.
Nesta parte foi geralmente ccnsu-
rada entre os antigos aVersáo deAqui-
]&, por fer muito fervil , e toda adstri-
cta á letra do texto. S. Jeronymo , que he
bom voto na materia , affim o julgou ,
quando no referido Tratado a Pamma-
qnio escreveo affim : Aquìla , qui non
solutn verba , sed etymo/ogias verborum
transserre conatus est , jure rejicitur &
nobis. No mesmo defeito eahíráo entre
os Italianos Nicola'o de Malermi ; en
tre os Castelhanos Caffiodoro de la Rey-
na ; entre os Portuguezes Joao Ferrei-
ra de Almeida.
Tendo sido pois S. Jeronymo taci
excellente Traductor das Sagradas Ef-
crituras,, que este trabalho, e ferviçq
foi o que lheadquirio na Igreja Catholi-
ca a illustre antonomazia à^Doutor Ma
xima : vejamos ja' como elle se houve na
Ver-
xxxvm PrefaçXo
Versão que fez do Testamento Velho do
Hebreo em Latim.
Pelo que toca ao uso das particu
las do texto Hebreo, embaraçou-se tão
pouco com ellas S. Jeronymo ; que se
gundo examinou o Padre Amelote , ape
nas se encontra na sua Versão algum
Capitulo , em que clle não supprima
tres, ou quatro vezes aconjuncção
e cm que a não mude por diversos mo
dos. No Livro ï . dos Reis , cap. 1 7. tres
vezes a omitte , e oito vezes a muda.
No Livro do Genesis, cap. 23. nove ve
zes a supprime , e oiro vezes a muda.
E no cap. 37. do mesmo Gcnesis, trinta
e seis vezes a tira , e vinte e duas vezes
lhe substitue outras.
Da mesma sorte lendo-se a cada
passo no Hebreo , Elle dijse dizendo ,
Elle respondendo dijse ; S. Jeronymo se
contenta muitas vezes de verter , Elle
disse, Elle rejpondeo.
Quanto aomittir humas palavras,
e acerescentar outras; no Capitulo 23.
do Genesis , verso 3 . diz o Hebreo palavra
por
AOS Le I TORE S. XXXIX
por palavra : E Abrahâo se levantou de
cima das faces doseu defunto. S. Jerony-
mo porém não exprime nem aspalavras
de cima das faces , nem do seu defunto:
mas verte simplesmente : Surrexit ab
officio funeris : E Abrahâo se levantou do
officio das exequias. E com tudo no He-
breo não se acha nem officio , nem exe
quias. No verso n. onde Hefron rejei-
ta civilmente o offerecimento de Abra
hao, dizendo no Hebreo , Nâo, meu
Senbor , efeuta-me ; S. Jeronymo usa de
todo este circumloquio : Nequaquam ita
fiat , Domine mi , sed tu magis ausculta
quod loquor : Nao fefaçaijìoajsítn^ meu
Senbor ; mas antes efeuta o que te digo,
Nocap.s 37. do mesmo Livro verso 2. on
de o Hebreo tem , E Joséfez chegar aos
oitvidos de feu pai a má ivfamia de feus
irmâos : Verre S. Jeronymo : Accufavit-
quefratres suos apud patrem crimine pef-
fimo : E fosé aceufou aseus irmâos de hum
pejfimo crfme diante de feu pai. Onde
ninguem deixa de ver a grande differen-
ça que ha entre fazer eheg-ar aos ouvi-
dos y
xï PrefaçXò
dos , e accusar ; entre má infamia , e cri
me pejfimo. No verso 25. do mesmo cá^
pitulo tem o Hebreo estas palavras :
E elles levantárao os olhos , e vírao , e
eïs huma tropa de Ifmaelitas. S. Jcrony-
rao porém diz sòmente: Et viderimt If
maelitas viatores : E elles virâo os If
maelitas que vinhâo andàndo. De sorte
que supprime todas estas palavras do
Original , levantdrao os olhos , e eis
huma tropa ; e accrescenta do scu , que
vinhâo andando. No verso 27. diz o He
breo : E que a nojfa mao nao feja contra
elle. S. Jeronymo porém traduz affim :
Et manus nojìrœ non polluantur : E nao
se manchem as nojfas maos : mudando as-
sim o singnlar no plural , epondo man-
chadas emlugar de contrarias. NaVer-
sao de Job , do Salterio , e dos Profe-
tas, observa o mesmo Amelote com os
Traductores de Mons , que se houvera
o mesmo S. Jeronymo mais comoCom-
mentador , do que como Traductor:
porque a isso o obrigava a difficuldade,
e escuridade do Original Hebraico.
Nao
aos Léítores. Xlî
Não obstantes estas , e outras se-
raelhantcs mudanças , e addições, de
quecstao chcios todos osLivros doTes-
tamento Vellio vertidos por S. Jerony-
mo ; ncnhuma dúvida teve o mesmo
Doutor Maximo de affirmas noPrologo
aos Uvros dos Reis , que elle em sua
consciencia não achava cousa , em que
se tivesse apartado da verdade do Ori
ginal Hebraico : Mihì omnino conscius
non Jìtm , mutajfe me quippiam de He-
braica veritate. E no Prologo do Livro
de Esther , em cuja traducçao Latina
apenas ha Capitulo , onde S. Jeronymo
não invertesse os termos do Original
Hebraico , e onde não accrescentafle
frases, e orações inteiras, que nelle se
não achao: desafía o mesmo Santo Dou
tor a Paula, e Eustoquio, que vejao se
na sua Versao cncontrão algtima cousa,
que não venha no Hebreo: Ter fingula
•verba noflram translationem aspicite , ttt
pojjìtis agnofiere , me nìhìl etiam augmen-
tasse addenda ; sed fideli sermone Jimpli-
citer , sicut in Heùrœo habetur , Histo
riant
xlii Prefação
riam Hebraicam Latina língua tradidis-
se. E a Igreja Latina conhecendo isto
muito bem , tem adoptado ha mais de_-
mil annos por huma Versão legitima, e
£deliílima , a de S. Jeronymo. Porque
ninguém ignora , que des do tempo de
opstílet S« Gregorio Magno, (a) he esta Versão
xtahg"3 q110 fórma a nossa Vulgata do Testa-
f/qu"- mento Velho ; exceptuando o Saltério,
Tiiii- que he segundo a Versão Grega dos Se-
vwa Sê tenta ; a Profecia de Daniel , que he se-
gundo a Grega de Theodocion ; e os
m' i6' Livros da Sabedoria , do Eccleíìastico , e
dos Maccabeos , que se não sabe quem
os traduzio.
A liberdade que S. Jeronymo jul
gou que lhe era permittida na Versão
do Testamento Velho sobre o Hebreo;
, foi a mesma que tomou para fí o Inter
prete Latino Anonymo , que traduzio
do Grego o Novo Testamento , que hoje
temos na mesma Vulgata. A cada pas
so estão os Críticos sagrados observan
do as differenças, que se encontrão en
tre o Original Grego, e o Texto Lati-
no.
aos Leitores. xliu
no. ComO quando em S. Mattheus, 3.
6. tem a Vulgata, Oui regai populum
meum Israel , Que haja de commandas
o meu povo de Israel ; o que o Grego
tem, Quipascat) &c. Qnc haja de apas
centar , &c. E como quando em S. Lu
cas , 3.13. diz a Vulgata, Nihil amplius
faciatis, Nada mais façais ; o que no
Grego he , Nihil amplius exigatis , Nada
mais cobreis. Ecomo quando em todos
os tres Evangelhos de S. Mattheus , de
S. Marcos, e de S. Lucas, fallando do
Sangue de Christo , diz a Vulgata no
futuro, Qtii effundetur , Que será der
ramado; o que o Grego tem no presen
te, Qui effunditnr , Qie he derramado.
Movidos de tão graves exemplos ,
quaes são os que lhes havião dado os
Inrerpreres antigos; nenhum reparo fi-
zerão os que neste Seculo , e no passa
do tomáraó á sua conta verter nas lín
guas vulgares a Sagrada Escritura , de
formar de tal sorte as suas Traducçóes ,
que quem as conferisse com os Origi-
naes , visse que elles todo o seu cuidado
xliv PrefaçXo
tinhão posto em exprimir o sentido dos
Escritores Canonicos ; não segundo o
gcnio, e idiotismo daJingua primitiva;
mas segundo o pedia a natureza, e pro
priedade da lingua do Paiz , em que
compunhão. De sorte que a palavra de
Deos sim se lesse , ou ouvisse nas suas
Versões , pura , e fíncéra ; mas como
palavra de Deos, que já senão explica
va em Hebreo , ou em Grego , ou em
Latim ; mas nas outras línguas , que
hoje são vulgares na Europa.
Eílc foi o Plano , que nas suas Ver
sões Francezas do Novo Testamento se
guirão no Seculo passado o Padre A me-
lote da Congregação do Oratorio de Je-
su Christo , que fez a sua por ordem
da Assembléa Geral do Clero de Fran
ça de 1 65-5:. e que teve a gloria de a
ver depois authorizada com as subsen-
pções de nove Bispos. Os Theologos
de Porto Real , Authores da Versão im
pressa cm Mons no anno de 1666. e re
impressa na mesma Cidade em 1 673- <3ne
na sua composição , e revizao > e^ye
aos Leitores. xlv
Ricardo Simon, que gastárão trinta an-
nos. Mr. de Saci , de quem temos tra
duzida na mesma lingua , c excellente-
mertte explicada toda a Escritura , com
o applauso que mostrão tantas , c tão
bellas edições , quantas se tem feito no
espaço destes cem annos.
Este o mesmo Plano , que no pre
sente Seculo observarão Mr. Hnré , Dou
tor de Paris , bem conhecido por ou
tras Xraducções do mesmo gcnero , cuja
Versão do Novo Testamento foi im
pressa na referida Cidade no armo de
1720. com licença do Cardeal deNoail-
íes , seu Arcebispo, e approvada por
dous Theologos da mesma Universida
de. Mr. Le Gros, Conego de Reims,
que traduzio toda a Bíblia sobre os Tex
tos Originaes , Colonia 1753. Mr. de
Messengui, que na sua Versão do No
vo Testamento impressa em Paris em
1756. podemos dizer que se aprovei
tou de tudo o bom , e selecto , que até
alli tinha apparecido neste gcnero.
Estas são as Versoes, de que or
di-
XLVI PREFA qX O
dinariamente me ajudei nas dúvidas ,
que me occorrião; tendo sempre dian
te dos olhos para maior soccorro , e in-
strncção os vastos Commcntarios de A-
gostinho Galmet sobre os Evangelhos , e
os de Guilherme Estio sobre as Epistolas
de S. Paulo , e dos mais Apóstolos ; fóra
outras Versões , e Expositores que con
sultei , quando as occafiões o pedião.
Porque a difficuldade que comfigo traz
huma Versão das Sagradas Letras , só
a pôde bem conhecer , quem metter
mãos a semelhante empreza. Não sabe
rei com tudo assás explicar, quanto me
ajudarão neste arriscado trabalho as re
flexões , e noticias , que recebi do fa
moso Critico Antonio Amault : o qual
como foi hum dos principaes Reviso
res da Versão do Novo Testamento de
Mons ; tomou consequentemente á sua
conta o defendella por hum modo de*
cifívo, dos ataques que contra ella co-
meçà'râo logo a pôr em obra os seus
emulos : primeiramente induzindo ao
Padre Meinbourg , a que do Pui pi
to
aos Leitore s. xlvií
to abaixo procurasse deslustrar , e in
famar huma Versão , que havia sido o
esmero de toda a Escola de Porto Real :
depois induzindo a Mr. Mallet Cónego
de Rouen , a que por escrito accumu
lasse contra a mesma Versão as mais
acres, e ignominiosas censuras, que se
poderião avançar contra huma Versão de
Calvino, ou de Beza. Corre a primei
ra Apologia de Arnault com este titu
lo : Defense da Nouveau Testament im
primé dMons , &c. A segunda com este :
Nouvelle Defense de la Traduction du Nou
veau Testament imprimée d Mons , &c.
Todos os referidos Traductores
pois se propuzerão guardar nas suas Ver
sões a regra , que Mr. Godeau Bispo de
Vence tinha deixado escrita no Prolo
go da sua Versão do Novo Testamen-.
to. Je fait (diz Mr. Godeau) une Ver
sion pure & exaSìe , quand je ne trouve
rien de difficile , qui mérite d' être ex
pliqué. Mais aux lieux vú je rencontre
quelque chose obscur , ou qui a besoin
de liaison ; f ajoute quelques mots , qui
XLvm PrefaçXo
j ay sait renfermer des parenthesesr, &
imprimer de caraSîere Italique , qui i
mon avis ecclaircijsent la difficulté sans
rompre la fuite du texte.
Esta regra de ajunrar na Versão
do Texto escuro algumas palavras, que
o tornem claro, he substancialmente a
mesma , que dera Santo Agostinho no
Livro 2. da Doutrina Cbri/iãy cap. i^.
Onde tratando da infinidade de Versões
Latinas, quecorrião no seu tempo, hu
mas muito ligadas á letra , outras al
gum tanto mais livres por buscarem o
sentido: adverte o Santo Doutor, que
de humas , e outras se podiao , e de-
viáo ajudar os Interpretes desta forte ;
seguindo nos Textos claros as que erao
literaes , e seguindo nos Textos escuros
as que attendião mais ao sentido, que
ás palavras. Por onde conclue Santo A-
gostinho, que a melhor de todas aquel-
las Versões era a que chamavão ítala,
ou Italiana, que quanto ao Testamento
Velho era formada não do Hebraico,
mas do Grego dos Setenta ; quanto ao

N
aos Leitores. XLIX
ISTovo , quasi a mesma com a nossa Vul
gata. Porque os seus Amhores de tal
sorte se cingirão á letra , que ao mes
mo tempo cuidarão muito em deixar o
sentido claro. Est enim verborum tena*
cior cuni perspicuitate sententia.
Em quanto porém a distinguir com
caractères Itálicos (que são os que por
outro nome se chamão grifos) as pala
vras que para melhor intelligencia se
accrescentão á letra do Texto , que vai
em caractères Romanos , (chamados por
outro nome redondos : ) Eu estou com os
Padres Amelote , e Qúesnel , que ao
contrario de todos os maisTradiictores
que aífima alleguei , compozerão , e
mandárão imprimir as suas Versões ^ sem
usar de differença alguma de caracteres*
Porque considerei , que as addições que
podem encontrasse numa Versão da
Sagrada Escritura , podem ser de tres
géneros. Humas daquellas palavras ,
sem as quaes ficaria o sentido muito
imperfeito , e pouco ou nada intelli-
givel. E estas de nenhuma sorte se de-
^ ##*fí*£ VGÍTÎ
t PrefaçXo
vem reputar alheias , ou estranhas do
Texto. Como quando S. Marcos , no
cap. 3. depois de hum largo discurso
que attribue ao Senhor, continua aflìm
no vers. 30. Quoniam dicebant : spiri-
tum immundmn habet. O que se nao
póde atar bem com o discurso antece
dente, sem supprir antes daquella ora-
çao causal , quoniam dicebant , a seguin-
te : Dizia-lhes isto Jesus. De sorte que o
vers. 3 o. faça estesentido: Dizia-lhes isto
Jesus , parque elles 0 accusavao de que es
tava posséjso do espiriio ìmmundo : que he
como vertêrão Saci, e osdeMons. Ou
como quando fallando da figueira , que
oAmo mandavacortar, diz oLavradoc
ao Amo por S. Lucas, cap. 3. vers. 8.
que lha deixe ainda escavar, e estercar
por aquellc anno : e no vers. 9. prosegue ,
dizendo : Et siquidem fecerit sruSium-.
sm autem , insuturum succides eam. He
claro qneaquelle primeiro membro, à"
Jìquìdem fecerit fruSìum , fica defeituo-
so , e escuro , se senão supprir o que
nelle secalou no Texto , que heverten
aosLéitorês. u
do aísim : E se ella der srtiflo ì muito
embora. O que ninguém dirá que he al
terar o Texto: porque supprir nellc.hu-
ma ellipse , he absolutamente necessá
rio para elle se entender.
Pelo que não posso deixar de no
tar de incoherencia os Traductores de
Mons , e Mr. de Saci : os qnaes verten
do o referido periodo deste modo , Aprés
cela j' // porte du fruit , ala bonne heu
re', pozerao em redondo aquelle aprés
cela , que não he do Texto , e sem o qual
podéra muito bem estar a oração ; e
mandarão imprimir em grifo , d la bon
ne heure , que certamente se devia sob-
cntender , e que era de indispensável
necelBdade o exprimir- se.
Da mesma sorte , quando Christo
chorando sobre Jerusalém , disse por
S. Lucas, 19.42. Oiiia fi cognovijjes &
tu , & quidem in hac die tua , qua ad
pacemtibii &c. Traduzirão aílim os de
Mons, e com elles Saci, Huré, eMes--
fengui : Ah 1si tu reconnoijsois , au moins
en ce joujr qui í' est donê , ce qui tepeut
îj apor-
LH PrefaÇXo
aporter la paix. Onde ninguem deiïà
de ver , quantas palavras accrescentá-
rão , e quantas mudarão estes habeis In
terpretes ; sem que algum delles com
tudo mandasse imprimir em grifo algu
ma , mas deixando ir todas em redon
do , como Texto do Evangelista.
As segundas addiçóes podem ser
as de certas particulas , que não fervem
senão de atar o discurso , ou de distin
guir humas narrações das outras : co
mo v. g. Ora , emfim , entre tanto , de
pois , então , no mesmo tempo , de tal
sorte que , a saber , e outras semelhan
tes. Estas porém todos os referidos Tra-
ductores as costumão entretecer no Tex
to, sem as notarem com alguma diffe-
rença de caracteres , ainda quando ellas
se não achão no Original. E com ra
zão: porque ajuntar estas particulas na
da altera o sentido; e só serve de unir
o que se deve entender unido , ou de se
parar o que se deve entender separado.
As addições do terceiro gcnero são
aquellas , que mais fervem de parafra
se-
aos Leitores. Lin
sear , ou amplificar o Texto , do que pa
ra o explicar fìmplesmente. Como quan-
do dizendo o Texto de S. Mattheus , 1 6.
ì6. Ant quam dabìt homo commutatio-
nem pro anima sua ? Vertem os de Mons
com Saci : Ou par quel échange V hom
me pourra- t-ìl racheter son ame , âpres
qu' il r aura perdue ? E dizendo S. Mar-
cos , 8. 37. Aut quid dabit homo com-
mutationìs pro anima sua ? Vertem os
mesmos : Et s'etant perdu unefois , par
quel échange se pourrat - il r acheter•?
Todos os que entendem as duas lin-
guas , conhecem logo , que no primei-
ro lugar he de fora do Texto aquelle ul-
tirao periodo , típrés qrf il V aurâ per
due. E no segundo aquelle primeiro:
Et j' etant perdu une fois. E aíïïm ti-
veráo razáo aquclles Traductores , de
mandar imprimir emoutros caractères,
o que deste modo accrescentái áo aoTexto.
Porém como eu na minha Versao
me abstive com todo o cuidado de se-
melhantes addiçôes parafrasticas ; tam-
bem nesta parte me sao eseusadas estas
pre-
tw PrefaçXo
precauções , como da mesma sorte as
julgarão -escusadas os Padres Amelote,
e Quesnel ; se bem que as suas Versões
não são menos livres , do que as de
Mons , Saci , e dos outros. Pelo que
só me resta dar conta de alguns luga
res da minha Versão, em que seguindo
os mesmos Interpretes , preferi o Texto
Grego ao Latino da Vulgata.
He pois de notar, que ainda que
o Sagrado Concilio de Trento na Ses
são 4. declarou authentica a Vulgata La
tina ; todos os bons Theologos com tu
do, ainda mesmo os que por terem as
sistido no Concilio , podiao , e devião sa
ber muito melhor, qual fora nesta par
te a mente, e intenção dos Padres: to
dos aflentao, e ensinão, que o declarar
o Concilio authentica a Vulgata , não
foi tirar a fé , e authoridade pública ,
de que até a 1 li gozavão os Originaes
Hebraico, e Grego da Sagrada Biblia ;
nem prohibir o recurso a esies Textos
originaes , quando ás luzes da boa Crí
tica se offerecessem alguns graves fun
da-
áos Leitorës. lv
damentos para duvidar, se o Interprete
Latino verteo exactamente este , ou aquel-
le Jugar : Mas foi unicamente preferir a
Vulgata a todas as mais Versoes que en
tão corrião, ainda de Authorcs Catholi-
cos , como crao as de Desiderio Erasmo ,
de Santes Pagnino, de Francisco Vaia
ra Jo , de Isidoro Claro ; a fim de que sò ella
tivesse fé , e authoridade pública nas ma
térias de Religião, sem que para as de
cidir , e expôr fosse necessario consultar as
Fontes. Que-isso na frase dos JurisconsuU
tos he o que quer dizer authentico : Escri
to que tem , e deve ter fé , e authorida-»
de pública emjuizo, como declara Ju-^
liano no Livro De Fide Instrumentorum.
Que esta , e não outra fosse a men
te, e intenção do Sagrado Concilio de
Trento , (além de outros graviflimos
fundamentos que assim o persuadem) he
hum facto expressamente attestado por
todos os Theologos , que se acharão pre
sentes ao mesmo Concilio. Aflim An
dré da Veiga, Franciscano, que affistio
no Concilio, quando na primeira aber-
tu-

\
tví Prefação
tura do anno de 1545-. se publicou aeî»
Je o Decreto dos Livros Canonicos, e
da Vulgata. Veja-se o que elle escreve
na sua Obra Da Justificação , Livro 1$.
cap. 9. Aflìm Melchior Cano, da Or
dem de S. Domingos , que aflistio na se^-
gunda abertura do anrio de 1551. no
Livro 2. Dos Lugares Theologicos , cap.
15-. AíEm o noíso Diogo de Paiva de
Andrade, Doutor Secular, que aflistio
na terceira -abertura de 1562. no Livro
4. da Desensa da mesma Vulgata. Alíim
outras testemunhas do mesmo caracter,
que a Historia do Concilio produz a este
mesmo intento, no Livro 6. cap, 17.
He certo, que se quando se trata
de averiguar, e expor o sentido da pa
lavra de Deos escrita , não bastasse á
Igreja Catholica a Vulgata Latina , mas
fosse necessario recorrer sempre aos Ori-
ginaes ; estaríamos todos obrigados a
conceder, e confessar, que tudo o que
depois do Cisma dos Gregos se tem de*-
finido na Igreja , carece de provas, e
documentos authenticos $a Sagrada Es'
cri-
aos Leitores. lvii
crítura : porqHc todas essas definições
sobre o Dogma , e sobre a Mora] , fei
tas nos quatro primeiros Concílios La-
teranenses , no de Vienna , no de Con
stança , no de Florença , no de Trento ;
tiverão por bafe a mesma Vulgata , que
ao menos des do tempo do Cisma de
Focio , isto he, des do meio do Sécu
lo nono, he a de que sempre usarão os
Concilios , os Papas , os Bispos , e os
Doutores do Occidente. Mas quem se
persuadirá sem sacrilégio, que por mais
de oitocentos annos permittíra Jesu
Christo, que a sua Igreja venerasse , e
seguisse como Escrituras Canónicas as
que realmente o não erão, se a Vulga
ta Latina as não contém puras , e legiti
mas ? Quem senão hum ímpio crerá , que
não confiou Deos á sua Igreja o mes
mo Depósito , que confiou á Synagoga ?
Porém huma cousa he fer a Vulga
ta huma regra authentica da doutrina da
Fé, e dos Costumes; outra cousa henão
haver na Vulgata lugar algum , que não
efieja traduzido do Original com toda a
LVIII PREFAÇXO
clareza , força , e propriedade do mes
mo Original. A Primeira parte he inne-
gavel depois do Decreto , que emanou do
Sagrado Concilio de Trento. A segun
da he a que negão todos os bons Críti
cos, que tratarão esta questão, sem ex
ceptuar os mesmos que aífiftírão no Con
cilio. Para o que bastava advertir, que
depois que em Trento se declarou au-
tbentica a Vulgata , forão alguns doUs
mil os lugares, que nella se emendarão
por ordem dos Su m m os Pontifices Xisto
V. e Clemente VIII. como os Curiosos
podem ver em Humfredo Hody no fim
da sua Obra De Textibus Originalibus. E
quem tiver á mão as primeiras Impres
sões da Vulgata , como a de Moguncia
de 1462. a deRoma de 1471. adeNa-
polesdei47Ó. e as Venezianas de 1478.
1480. 1497. e outras deste tempo, e as
conferir com as Impressões modernas,
achará quanto varião humas das outras.
Esta he pois a razão , por que aquel-
les mesmos Traductores , que no fron-
tispicio das suas Versões promettem dar-
nos
aos Leitores. lix
nos as VersÒes da Sagrada Biblia segun
do a Vulgata ; (como promettem Amelo-
te, Saci, eHuré) confessãoque em al
guns lugares tiverão por melhor íeguir
no corpo o Texto Grego, do que o La
tino: humas vezes porque a ambiguida
de do Latino faz necessario o recurso ao
Grego , para se determinar o sentido ver
dadeiro : outras porque a Versão Latina
não exprime bem toda a força do Origi
nal : outras porque se aparta delle : outras
finalmente porque alguns lugares da Vul
gata tem contra si vehementes , e bem
fundadas suspeitas, de que não são obra
da primeira mão, mas sim descuido dos
Copiadores que depois vierão. A lição
das Notas Críticas , que frequentemen
te ajunto na margem inferior da minha
Versão, fará ver que lugares são estes,
e que fundamentos me obrigarão a apar»
tar-rae nelles da Vulgata Latina.
Mas ninguem por isso se persuada,
que tanto neste ponto , como em todos
os outros , segui ás cegas , e sem dele-
sto, tudo o que achei nos Traductores
as-
LX PRE FÁÇ£ O
affima nomeados. Porque a combinação
attenta da minha Versão com as delles ,
bastará para desenganar os Leitores, de
que aproveitando-me de todas , a ne
nhuma transcrevi servilmente. E ainda
que o amor proprio me faz crer , que
ella a nenhuma das outras cederá na cla
reza , e propriedade , e a todas excede
rá na fidelidade , e exactidão : Não dei
xo com tudo de conhecer , (porque a isso
me obriga a propria experiencia do tra
balho, e do perigo) que não faltará ain
da assim na presente Versão que notar, e
que emendar : porque as dificuldades que
neste gcnero se encontrão , são quasi in
superaveis ás limitadas forças do enten
dimento humano. Por isso rogo por ul
timo a todas as Pessoas intelligentes, e
bem intencionadas , que se alguma cou
sa lhes desagradar nesta minha Versão,
ma communiquem caritativamente ; pa
ra que achando-se racionavel , e bem fun
dado o seu reparo, se emende tudo nas
segundas Ediçoes.

IN-
INDICE
DOS
CAPÍTULOS,
que se contém neste Livro.

EVANGELHO DE S. MATTHEUS.

CAPITULO I. Genealogia de Jesif


Christo y sua Conceição , e Nasti-
mento. Pag. ï.
CAP. II. Chegada dos Magos , e suas
ofertas ao J)eos Menino. Morte dos In
nocentes por Herodes. Fugida de Jesus
para o Egypto , e a sua volta para Ju-
déa. S.
CAP. III. Vinda , e prégaçao do Baptis
ta no Deserto. Reprebensão que dá aos
Fariseos , e Sadduceos. Dijferença en
tre o feu Baptismo , e o de Jesu Chri
sto. Desce o Espirito Santo jobre Je
su Christo , depois de João o baptizar.
O Eterno Pai o acclama feu Filho mui
to amado. 14.
CAP. IV. Vai Jesus para o Deserto, on
de depois de jejuar quarenta dias , he
tentado pelo demónio. Chama os quatro
pescadores , Pedro , André , Tiago , e
-João. Annuncía o Evangelho na G&li-
léa.
Lxn Indice
léa. Cura muitos doentes. Anda acom
panhado de muito povo. 1 9.
CAP. V. Sermão das oito Bemaventuran-
fas , pregado no monte. Os Apóstolos ,
sal da terra , e luz do Mundo. Jesu
Christo vindo ao Mundo , não para des
truir a Lei t mas para a aperfeiçoar.
Que nos não devemos irar contra o pró
ximo , mas ir buscallo , quando elle es
td queixoso de nós. Que se não deve olhar
para a mulher com olhos impudicos. Que
devemos cortar por tudo o que nos pode
servir de occafião de ruina espiritual.
Que a troco de se não violar a carida
de fraterna , devemos estar feitos a tu
do deixar , e a tudo foffrer. Que de
vemos amar , e fazer bem a nossos ini
migos. 24.
CAP. VI. Como havemos de dar a esmola ,
e como havemos de orar. Do bom espi
rito do jejum. Que não devemos ajun-
tar thefouros , senão no Ceo. Que o nos
so olho deve ser fimples. Que não pode- \
mos servir a dous Senhores. Que não de- -
vemos inquietar-nos pelo que havemos -
de comer , ou vestir , ou pelo que ha de -
ser de nós. 37-
CAP. VII. Condemnao-se osjuízos temera- •
rios. Que se não devem dar as cousas
fan-
dos Capitulos. Lxni
santas aos caes. Que todo o que pede ,
e busca , e bate d porta , Deos o ouve.
Que devemos fazer aoproximo o que que-
rentes que elle nos faça. Que he eflrei-
ta a porta , por onde se entra no Ceo.
Como se hao de conhecer os Prosetas fal-
sos. Como se ha de ouvir a palavra de
Deos. 4f.
CAP. VIII. Sdra Jesit Christo hum le-
projò. Admira , e louva a sé do Centu-
riao. Cura asogra de Pedro. Expelle de-
monios. Manda a hum que ojìga , e que
se deìxe de ir enterrar seu pai. Faz se-
renar huma tempestade no mar. Per
mitte aos demonìos que Jàiao dehumpos
séfso , e que se vdo metter numa mana-
da de pórcos. 50.
CAP. IX. Sdra Jesit Christo hum para-
lytico. Declara opoder que tem de per-
doar peccados. Chanta a Mattheus. Mur
muraçao dos Fariseos ,"por verem corner
0 Senhor corn os peccadores. Cura huma
mulher , que padecia hum fluxo de san-
gue , e resuscita huma menina. Dd vis
ta a dous cegos , e falla a hum endemo-
ninhado mudo. 5- 8.
CAP. X. Envia Jesit Christo os doze Apis-
tolos aprégar, e insirue-os. Defirevem-
se osfeus nomes. Exhorta-os a padecer ,
c
jlxiv Indice
esoffrer. Diz-lhes que não viera ao Mûri*
do trazer paz , mas trazer guerra. Que
he necessario confejsalh diante dos ho
mens , e prezar mais do que tudo o seu
Nome. Que o que honra aos seus ser
vos , a elle honra , e delle terd a re
compensa. 6<si
CAP. XI. Manda o Baptista des da pri-
zão perguntar a Jejus , se elle he o Mes
fias promettido. Jesus o louva em pre
sença do povo. Compara os Judeos aos
meninos , que brincão no terreiro. Re-
prebende , e ameaça as Cidades , que se
não tinhão convertido com seus mila
gres. Convida que venhao a el-e os que
estão fatigados. Diz que o seu jugo he
suave. 74.
CAP. XII. Desende JesuChristo seus Dtff
cipulos , que havido colhido humas espi
gas em dia de sabbado. Cura o que ti
nha huma das mãos reficcada. Manda a
outros muitos que curou , que o não di~
gão por ora. Convence a calúmnia dos
Farijeos , que attribuiao a Beelzehú H
liberdade , que elle dera a hum pojséffb-
Declara ser irremijstvel opeecado contra
o Espirito Santo. Diz que se ha de das
conta de toda a palavra ociosa. Não
mostra aos Judeos outro prodígio , que
dos Cafitiílos.
6 do Proseta Jonas. Declara por sua.
mai , e por feus irmaos , toâos os que fa-
zem a vontade de feu Eterno Pai. 82.
CAP. XIII. Jesus sentado em huma bar-
ca , propSe ao povo varias parabolas , co-
mo a do femeador , e a do joio mistura*
do Ho trigo. Elle as explica particular-
mente a feus Dijcipulos. Enfìnando em
Nazareth , diz que hum Proseta fó na
sua Patria deixa de ter estimaçao. 94.
CAP. XIV. Dá-se a cabeça do Baptisa
H huma moça por preço 'de hum bailé.
Corn sinco pâes , e dous peixes Jatisfaz
Jefu Christo no Deferto stnco mil ho~
mens. Caminha sobre as ondas em occa-
fiao de tormenta. O mejhw faz Pedro t
em quanto Ihe nào faita afé. Cura 0 Se-
rihor diverjas enfermidades ao contaSìo
do seu vestido. 105-.
CAP. XV. Tradiçao dos Farifeùs , que os
obrigava a lavarem as maûs frequente-
mente. Elles tinhao corrompido 0 quar*
to preceita do Decalogo. A Cananea al-
cança remedia para huma sua filha en-
demoninhada. Jesus sustenta quatro mil
homens comsete paes , e poucos peixes. 11 r.
CAP. XVI. Para 0 experimentarem , pe-
dem os Fariseos , e Saàduceos a Jesu
Christo que Ihes faça ver algum prodi-
%%%%% tria
Lxvi . Indice
gio do Ceo. Elle os rcprehende. Pergun
ta do Senhor aos ApostolosJobre asua Pes-
Joa. Resposta de Pedro consessando a Di
vindade do Senhor. Louva Jesu Christo
a sua sé , e promette-ihe as chaves do
Reino dos Ceos. Depois o reprehende ,
cbamando-o Satanaz , por elle se oppôr
d sua Paixão, e Morte. Ensina- nos que
deve cada hum levar a sua cruz, e que
a cada hxm pagará Deos , segundo fo
rem as suas obras. 119.
GAP. XVII. A Transfiguração de Jefu
. Christo , com o mais que ne lia fuccedeo.
O Baptista comparado a Elias. Sara
Jesu Christo hum lunatica , que os A-
poflolos nao pudérao livrar. A fé , ain
da do tamanho de hum grão de mostar
da , he capaz de transportar montes.
Prediz Jesus a sua Paixão. Faz pa
gar por si , e por Pedro o tributo das
duas Dracmas. 125.
GAP. XVIII. O maior no Reino dos Ceos
ht o que se faz como hum menino. He
grande peccado escandalizar os peque
nos. Como je deve dar a correcção fra
terna. O que não obedece á Igreja , de- \
ve ser tratado como hum Gentio , ou
. publicam. Dá Jeju Christo aos Apos- 1
• tolos o poder de ligar , e desatar. De
quan-
dos Capitulos. Lxvn
qtìanta força Jeja a oraçao dos que se
unem. A ira de Deos contra os que dsua
imitaçâo nao perdoao ao proximo. 131.
CAP. XIX. O Matrimvnto indissoluvel. E
nao póde hum homem divorciar-se desua
rnulher senao em caso de adulterio. Lou-
• "vor dos que por antor de DeoS obfèrvao
o ceiibato. fesus impondo as maos aos
meninos. Aconfelha a pobreza a hum ri-
co , e este se entristece. Embaraço que
as riquezas fazem d fahaçao. Premia
dos que tudo deixao por Christo. 138.
CAP. XX. A parabola dos trabalhadores
mandados tràbalhar na vinha em diver-
sas horas. Os prhneiros serdo os ulti-
mos , e ultimos os primetros. Prediz Je
sus a sua Morte , e Rejurreiçao, Ambi-
çao dos filhos de Zebedeo. Os que sao
maiores , devem ser os mais pequenos.
A dominaçao he alheia do Apostola-
do. 147.
CAP. XXI. Dd Jefu Christo a Jua en-
trada em Jerusalem. Lançafora do Tem-
plo os negociantes. Tapa a boca aosFa*
rijeos que murmuravao delle. Efpantcío-
se os Apostolos de ver , que huma figuei-
ra que 0 Senhor amaldiçoára , seccou no
mesmo instante. Quant0 póde a fè. A
parabola dos dous filhos , e a dos mâos
txvm Indice
lavradores. O Reino dos Ceos pastard
dos Judeos aos Gentios. 154.
CAP. XXII. Celebra 0 Rei as vodas de
feu filho. O que nao trouxe veftido nu-*
sciai , he expulsa , e lançado em trêvas-.
Devefe pagar 0 tribut0 a Cesar. Os
Sadduceos confundìdos. O preceito ma-
ximo he 0 de amar a Deos de todo 0 co-
raçao. Davidfendo Pai doMeJfìas , cha-
ma a este feu Senhor. 163.
CAP. XXIII. Devem se crer , masnaoimi-
tar os máos Pastores. Faz Jefu Chri-
sto huma larga , e forte invefliva con-*
tra os vicios dos Farifeos. Em perfegui-
rem a Jefu Christo , imitao elles a per-
verfidade de feus maiores. O Templo vi
ra a ficar désert0. iyi.
CAP. XXIV. Prediz Jefu Christo a rui
na do Templo. Manda-nos refguardar dos
Prosetas falfos. Fenomenos efpantofos ,
que hao de preceder dsua vinda. 0 bom
Servo esta fempre vigilante ao que feu
Senhor quererd delle. Devemos eftar
promptos para 0 tempo que 0 Senhor
vier. 180.
CAP. XXV. A parabola das dez Vìrgens.
A outra dos talentos repartidos. Cada
. hum ferd recompenfado fegundo os feus
merecimentos. Jefu Chrîfto reconhece-
u * rá
dos Capitulos. lxtx.
râ como feito a elle , o que se fìzer aos
Jèus. 190.
CAP. XXVI. Fazem os Sacerdotes Cou
seIho para darem a morte a Jefu Chri-
Jlo. Huma mulher Ihe lança sobre a ca-
beça 0 precioso oleo , que trazia numa
redoma de alabastro. Negociaçao de ^ju
das no Confelho Supremo. Faila 'Jesus
dejìa traiçao estando ceando. Institue 0
Sacramento da Eucaristia. Prediz a
Pedro que elle 0 negará tres vezes.
A sua oraçao no Horto. A sua prizao.
Toma Pedro a espada para 0 defen-
der. Fogem os Difcipulos. He accusa-
do Jesus na presença de Caisaz por
testemunhas faljas. He julgado réo de
morte. Os Jervos Ihe fazem todo 0 ge-
nero de ultrajes. Pedro 0 nega tres ve
zes. 197.
CAP. XXVII. Judas toma a entregar aos
Sacerdotes 0 dinheiro , que elles Ihe ti-
nhao dado , e vai enforcar-se. Jesus ac
cufado na presença de Pilatos nao re-
Jponde palavra. Sonho da mulher de Pi
latos a respeito da innocencia de Jesus.
O povo Ihe prefere Barrabaz. Pilatos ,
depois de lavar asmaos , 0 manda açou-
tar , e 0 entrega aos Judeos para fer
trucificado. Os foldados 0 carregao de
op
ixx Indice
cpprobrios, Caminha para o Monte Cal-
vario , levando a Cru z a os hombros. Alli
Ihe dao abeber vinho mifturado comfel,
He crucificado entre dous ladroes. Di-
videm os [oldados entre fi os seus vejìi-
dos. He blasfemado. Trévas em toda a
terra. Clama Jesus enì aita voz , Eli.
Dao-lhe a beber vinagre. Tórna a âar
outro brado , e ejpira. Prodigios quesuc-'
cedêrao na sua morte. Jojé de Arima-
theapede ofeu Corpo , e o enterra. Poem-
Je guardas ao fepulcro. 21 Ç.
CAP. XXVIII. -Trime a fiterra. Espantdo
se os Guardas. Hum Anjo declara ás
santas mulheres aResurreiçao dejesus,
O Senhor meshio Ihes apparece , e man-
da-lbes que avijem os Apqstolos , que a
.verao em Galiléa. Os Guardas Jubor*
fiados dizem que estando elles dormin-
do , vierao os Dijcipulos , e levdrâo 0
Ccrpo. Os Dìscipulos 0 vem etn Galiléa.
Elle os envia a pre-gar } e baptizar por
fodo 0 Mundo, 227,

EVANGELHO DE S. MARCOS.
v
CAP, I. Préga Joao 0 Baptifmo de Pe-
nitencìa. Baptiza-se Jesus , e reti-
ra-se aoDeserto. Hetentado dodemonio.
Pré-
dos Cati'tulos. lxxi
Préga o Evangelho em Galiléa. Chaîna
a Pedro , André , Tìago , e Joâo. Vai a
Cafarnaum , onde cura de huma febre
a figra de Pedro. Cura tambem hum
posféjso , e hum leproso. De todas as par
tes o vent buscar o povo. 233.
CAP. II. Apresentao a Jesus hum paraly-
tico. Prova com a sua cura , que elle
tem foder de perdoar peccados. Chama
a Mattheus , e corne em sua casa. Os
que estâo bons , nao necestitao de Medi-
co. l)d a razao por que feus Difcipulos
tiao jejuao. Desculpa-os de haverem co-
Ihido humas espigas em dia de J-abba-
do. 240.
CAP. III. Cura Jefu Christ0 0 homem da
mao restccada. Foge de ter disputas com
os Fariseos. Concorrem os pòvos a elle.
Cura varias enjermidades. Ejcolhe os
dozc Apostolos. Poem-se os feus nomes.
Envia-os a prégar 0 Evangelho. Con-
funde os Doutores da Lei. O que obede-
cé a Deos , he mai , e irmdo de Jefu
Christo. 246.
CAP. IV. A parabola do femeador expli-
cada por Jefu Christo aos Apostolos. A
alampada deve-fe por sobre 0 candieiro.
O Reins dos Ceos comparado a hum grao
demojìarda. A tormenta acalmada. 252.
CAP,
Ixxu Indice
CAP. V. Livra Jejus hum endemonìnha-
do. Permitte a huma legiao de demonios
que Je mettao numa manada de po-rcos.
Nao quer que este homem o Jiga. Cura
huma mulher que padecia hum fluxo de
fangue. Refuscita huma menina. 259.
CAP. VI. Só na sua Patria nao recebe
houra hum Profeta. Envia Jesus os
Apofìoìos a prégar. Prohibe-lhes todo 0
•vìatico. Dá-lhes poder de expellir demo
nios , e curar ensermìdades. Herodes ou-
vindo afama de Jesus , diz que elle era
0 Baptisa resuscitado. Milagre dos paes
multiplicados. Caminha Jesus por Jima
das aguas. Faz acalmar huma tormen-
ta. Confeguem muitos enfermas asaude ,
só com Ihe tocar a orla do vestido. 266.
CAP. VII. Tradiçoes humanas contra os
Divinos Preceitos. Só 0 que sahe do co-
taçao , faz immundo 0 homem. Caso da
mulher Cauanéa. Cura Jesus hum ho
mem furdo , e mudo. 277.
CAP. VIII. Sustenta Jesus quatro mil ho-
mens com fete paes. O fermenta dos Fa-
rifeos. Cura hum cego. Pergunta aos A-
postolos que conceito fórmao delle. Re-
Jponde Pedro , confejfando ser elle 0 Mef-
fias. Mas como pouco depois 0 quer dif
fuadir de padecer , e de morrer ; 0 Se-
nhor
dos Capitvlos. Lxxrn
Khor o reprehende , chamando-ìhe Sata
fiaz. He necejsario levar a Cruz , e ir
em seguìmento de Jefu Chrijio. Nada.
devemos ejìimar tanto , como a noffa
aima. 284.
CAP. IX. ATransfiguraçao de Jefu Chri
jio. A vinda de Elias. Expelle Jésus
hum demonìo surdo , e mudo. Prediz a-
sua Paixao , e Morte. O maior entre
feus Discìpulos deve fer 0 mais pequeno.
Deve-fe arrancar 0 olho , que nos serve
de escandalò. 290.
GAP. X. Nao se póde 0 marido separar
de sua mulher para casar cóm outra.
Abraça , e abençoa Jésus os meninos.
Quanto cufla largar os bens do Mundo.
Récompensa dos que os largao por amor
de Deos. Reprime Jésus a ambìçao dos
dous Apojìolos , Tiago , e Joâ'o. Dá vif
ta a hum cego. 300.
CAP. XI. Entrada de Jefu Chrijio em
Jérusalem. Amaldiçoa huma figueira.
Lança fóra do Templo os négociantes.
Nada he impojjivel á sé , e d oraçao»
Perdao dor inimigos. Confunde os Dou-
tores da Lei. 309.
CAP. XII. A parahola dos Lavradores a-
quem se arrendou huma vinha. Tentao
osFariseos a Jefus Jobre a obrigaçao Je
pi-
lxxiv Indice
pagOr o tributo a César ; e tentao-no tís
Sadduceos sobre a resurreiçao. Quai he
o primeiro Mandamento. David chama
Jeu Senhor ao Mesfias. Caute/a contra
os Doutores da Lei. Louva Jejus a es
mola de huma pobre viuva. 3 1 6.
CAP. XIII. Desiruiçao do Templo. Guer-
ras , e perfiguìçoes. Falfos Chrijìos , e
falfos Profetas. Sinaes no Sol , e na
Lua. Vinda de Jejù Chrifio cm gran
de gloria. Incerto 0 dia da sua vin
da. 324.
CAP. XIV. Ajunta-se 0 Supremo Confe-
Iho contra Jésus. Huma mulher Ihe lan
ça fibre a cabeça huma redoma de chei-
ros. Traiçao de Judas , que Jésus des'
cobre. Instituiçao do Sacramento da Eu-
caristia. Córta Pedro huma orelha a
Malco. Fogem os Discipulos. Jésus ac-
cusado na presença de Caisaz , conde-
mnado d morte , e entregue aos ultra-
jes da familia. Pedro 0 nega tres ve-
zes. 331.
CAP. XV. Jésus aprefintado a Pìlatos.
Barrabaz preserido a Jésus. He conde-
mnado a morrer crucificado. Ultrajes
que Ihe sazem ossoldados. Caminka pa
ra 0 Calvario , onde he crucificado en
tre dous ladrÓes. Repartent os soldados
en-
nos Capitulos. lxxv
entre Ji osseus vestìdos. Blasfemao viui-
tos delle. Trévas em toda a terra. Dd
Je/as hum grande brddo , dizendo : Eloi.
Chegao-lhe á boca huma efponja de vi-
nagre. Dd outro grande brddo , e espi-
ra. José de Arimathéa o sepulta com
decencia. 343.
CAP. XVI. Vao as santas mulheres ao
sepulcro. Sabem por aviso de hum Anjo
ter Jesus resurgido. Apparece 0 Senhor
d Magdalena : depôts a dous Difcipu-
los : depôts a todos os Apostolos juntos.
Envia-os a prégar por todo 0 Mundo.
Prediz os milagres , que hao de fazer
os que crerem. Sobe ao Geo. 351.

O
O SANTO EVANGELHO

JESU CHRISTO,
S E G U N D O
S. MATTHEUS,

G A P I T U L O I.
Genealogia de Jeju Chrìsto , sua Côtt-
ceiçao , e Nascimento.
{a) Ippîll EneaLocia de Jesu Chrì-
.
sto , (b) fiìho de David , fi-
lho de Abrahão.
4 Abrahao gerou a lsaac. Isaac ge-
rou a Jacob. Jacob gerou a Judas, e a
feus irmãos»
Tom. I, A Ju-
(ji) Genealogia. Àiridaque o Evatigelista dìZ
liber generatinnis -t Livro da Genealogia ; muitos ,
e bons Traductores com tudo veriem simples-
roence Genealogia ; porque labem fer este hum
puro Hebraismo dos Judeos , que chamáo Livro
todo ogenero deescritos> comoCanas, Eseri*
turas de compra , e venda , Bilhetes de repudio.
Sa ci com Lucas de Bruges.
(b) Filbo ds David. O nomear o Evatigelista

/
a O Santo Evangelho de J. C.
3 Judas gerou a Farés , e a Za-
rao (s) de Thamar. Farés gerou a Es-
ron. Esron gerou a Arão.
4 Arão gerou a Aminadab. Ami-
nadab gerou a Naasson. Naasson gerou
a Salmon.
jr Salmon geron a Booz de Rahab.
Booz gerou a Obed de Ruth. Obed ge
rou1 a Jessé. Jessé gerou ao Rei David.
6 O Rei David gerou a Salamão (d)
da que fora mulher de Urias.
Sa-
sómente a David, eAbraháo, foi porque a es
tes especialmente promettêra Deos , que do seu
sangue nasceria o Messias. O nomear primeiro
a David, fendo mais moderno, foi attender à
Dignidade Real , e a que a sua memoria estava
inais fresca entre osjudeos, e o seu nome na
boca de todos. Calmet com S. "Jeronymo , e S. João
Chrysojlomo. ■ *
(e) De Thamar. Tendo Jefu Christo por suas
avós segundo a carne muitas mulheres santissi-
mas , e nobilíssimas , só quiz que se, nomeas
sem quatro na sua arvore : Thamar incestuosa ,
Bersabé adultera, Rahab, e Ruth estrangeiras
de humilde fortuna : para com isto dar aos Pcc-
cadores confiança; aos Gentios hum penhor da
sua vocação ao Evangelho ; a todos hum exem
plo de humildade. S. Jeronymo.
. (d) Da que fora mulher de Urias. Isto he , de
\
SEGUNDO S. MATT. CaP. T. J
7 Salamâo geron a Roboão. Ro»
boao gerou aAbias. Abias geron aAsa.
8 Ala gerou a Joíafat. Josafat ge
ron a Jorão. (e) Jorao geron a Ozias.
o Ozias gerou a Joathão. Joathão
gerou a Ácaz. Acaz gerou a Ezeqnias.
10 Ezequias gerou a Manafles. Ma-
nassés gerou a Amon. Amon gerou a
Josias.
A ii Jo-
Bersabé, de cujo adulterio com o Reí David
nasceo humfilhoj e mono este, recebeo David
por sua legitima mulher a Bersabé , cujo pri-
meiro marido fora morto na guerra ; e delia
teve David aSalamáo. 2. Reg. 12. 24. Calmet.
(e) Jorao gerou a Ozias. Joráo náo foi pai
immediaco de Ozias, mas fomente feu tercei-
ro avô. Porque Joráo gerou a Ocozias , Oco-
zias ajoás, que teve a Amazias , de quem nas
ceo Ozias. i. Paralip.cap. 22. 24. e 25. Duas ra-
zóes se allegáo da caula desta omissáo. Huma ,
que o Evangelista por hum certo mysterio , quiz
dividir toda a Genealogia de Christo em tres
classes iguaes, cada huma de quatorze geraçóes.
Outra, que como o Profera Elias tinha predi-
ro a Acab Rei de Israel , que toda a sua descen-
dencia seria exterminada ; parece que o Evan*
gelista quiz executar esta lentença por huma
especie de morte civil, ao menos até â quarta
geração na Genealogia de Christo ; porque Jo
ráo teve por mulherîiuma filha de Acab. Sacj,
4 O Santo Evangelho de J, C.
11 (s) Josiasgerou a Jeconias, e a
feus irmaos , ao tempo que os Judeos
foráo levados cativos a Babylonia.
12 E depois da transmigraçáo pa
ra Babylonia , Jeconias gerou a Sala-
thiel. Salathiel gerou a Zorobabel.
13 Zorobabel gerou a Abiud. Abiud
gerou a Eliacim. Eliacim gerou a Azor.
14 Azor gerou aSadoc. Sadoc ge
rou a Aquim. Aquim gerou a Eliud.
15- Eliud gerou a Eleazar. Eleazar ,
gerou a Mathan. Mathan gerou aJacob,
1 6 Jacob gerou a Jolé (g) Esposo
de
(/) Josias gerou a 'Jeconias. Tambem Josias
náo foi pai immediato de Jeconias , mas de Joa-
quim, de quem nasceo Jeconias. 4. Reg. 3j. E,
na verdade le encre Josias , e Jeconias le náo
contar Joaquim , faltará nasegunda, ou nater-
cei ra classe huma geraçáo ; náo pordeícuido do
Evangelista , masdos Copiadores. Se se contar ,
como querem muitos Santos Padres , e Expo-
sicores j tudo fica piano» Ca-lmht corn Santo Ej>i-
fanio y e S. Jeronymo.
(g) Esposo de Maria. Se José só erapaiexis-
timado, e náo verdadeiro deChriíto, como nos
dà o Evangelista a conhecer os alcendentes de
Christo pelos de José ? He parque por huma
parte a Genealogia entre os Judeos lempre se
tecia pelos Yaróes 3 e ná*> pelas Fcmeas : e poc

.-
SEGUNDO S. AÎATT. Cap. I. Ç
de Maria , da qnal nasceo Jesus , que
se chama (h) o Christo.
17 Desde Abrahão pois até David
ha quatorze geraçoes. Desde David até
o cativeiro de Babylonia , quatorze ge
rações. Desde o cativeiro de Babylonia
até Jesu Christo , quatorze geraçoes.
Ora
outra parte corno pela Lei do Livro dos Nú
meros cap. 1,6. -vers. 6. 7.8. sempre as femeas , que
eráo herdeiras, deviáo casar na mesma Tribu,
e Familiar O mesmo era declarar os ascenden
tes de José, que declarar os de Maria, da qual
era Christo verdadeiro Filho. Aflim responde
Saci com Eusebio de Cesarea , Santo Hilario,
S. João Chrysostomo , S. Cyrillo de Alexandria ,
e Santo Euquerio de Leão ; cuja authoridade
deve preponderar á dúvida negativa que póe
Calmer , de náo-constar que a Senhora foíTe her«
deira de seus pais. Pereira.
(4) OCbriílo. O que na Lingua Hebraica he
Meffias , ná Grega he Cbrijius , na Latina Unclus ,
na Portugueza o Ungido: nome que por excel-
lencia se attribue nas Escrituras ao Filho de
Deos feito Homem , para significar a Unção da
Graça , eda Divindade, segundo explica S. Pau
lo aos Hebreos, 1. p. E não se repare em eu
neste , e em outros lugares pôr articulo a este
fome ; porque aflim o fizeráo todos os bons
Traductores na consideração de ser este nome
adjectivo , e pedillo aflim mesmo o sentido.
Pereira.
6 O Santo Evangelho de J. C.
i 8 Ora eis-aqui como foi a Concei
ção de Jesu Christo. Tendo-se despo
sado Maria sua Mãi , com José, achon-
se (/') antes de cohabitarem , estar ella
pejada por obra do Elpirito Santo.
19 Então José, seu marido, como
era hum homem justo, e não a queria
infamar , rcsolveo deixalla secretamente.
20 Mas quando elle andava com
isto no pensamento , eis-que lhe appa-
receo em sonhos hum Anjo do Senhor ,
e lhe disse : José , filho de David , não
temas receber comtigo a Maria (k) tua
mu-
(i) Antes de cohabitarem. O Evangelho re
fere o que se passou na verdade , que foi con
ceber a Senhora , antes que José a conhecesse
maritalmente. Mas não se pôde dahi inferir ,
?ue elle a conhecesse depois. Porque a Igreja
empre teve por hereges , os que tal affirma-
váo. S. Jeronymo.
(fc) Tua mulber. Deste lugar infere Santo
Agostinho no Livro 1. das Núpcias , e daConcu-
fiscencia , cap. 1 1. e no Livro 22,. contra Fausto ,
cap. 7. que entre José , e a Senhora havia já
então verdadeiro matrimonio, enáo meros es-
ponsaes. Porque de outra forte parece que não
diria o Anjo tua mulber , mas sim tua esposa.
O mesmo affirma Santo Ambrósio no Livro 2.
sobre o Evangelho de S. Lucas , n. 5. Nem o
SEGUNDO S. MaTT. Cap. L- f
mulher ; porque o que nella se gerou ,
he obra do Espirito Santo.
21 Ella parirá hum Filho , e tu lhe
chamarás por Nome Jesus ; pois 'elle
será , o que livre o seu povo dos seus
peccados.
22 Todas estas cousas porém acon
tecerão , para se cumprir o que o Se
nhor tinha dito pelo Profeta :
23 Eis huma Virgem conceberá ,
e parirá hum Filho, e o seu Nome se
rá Emmanuel , que quer dizer Deos
comnosco.
24 José levantando- se de dormir,
fez como lhe havia mandado o Anjo
do Senhor, e recebeo a sua mulher.
Mas

crediro de Maria ficava seguro , se ao tempo


que lhe começou a avultar o ventre 5 não es
tivesse já recebida com José : que he huma das
razões , por que os SS. PP. ensináo , que quize-
raDeos nascer, náo de huma simples Virgem ,
mas de huma Virgem que tivesse marido. S. Je-
ronymo com tudo nos Commentarios a este
Evangelho , e com elle Santo Hilario , c San
to Epifanio , são de parecer , que até este tem
po estava a Senhora fomente desposada 3 c náo
casada. Pereira.
Z O Santo Evangelho de J. C.
25: Mas elle não a tinha conheci
do, quando ella pario seu Filho (/) Pri
mogenito : e o Nome que lhe poz, foi
0 de Jesus.

CAPITULO II.

Chegada dos Magos , e suas offertas ao Deos


Menino. Morte dos Innocentes por Hera*
des. Fugida de Jejus para o Egypte ,
e a sua volta para Judéa.

1 'TH Endo pois nascidoJesus (a) em


JL Belém de Judá , (b) em tempo
do Rei Herodes , vierão do Oriente
huns Magos, e perguntarão:
On-
(/) Primogenita. Primogenito, náo porque
S Senhora tivelTe depois outro filho , mas por-
ue antes deste náo teve outro 5 que na frase
3 Escritura isso he o que precisamente quer
dizer primogenito. S. Jeronymo.
(«) Em Belém dejuda. Para distinção de ou
tra Belém da Tribu de Zabulon. Josué iy. ï?.
Saci.
(0 Em tempo do Rei Herodes. Tres Herodes
ne preciso distinguir na Historia Evangelica.
Hum , que chamáo Herodes o Grande , de naçãa
Idumeo , que reinou em Judéa depois de Ãn-
tigono. , e que he o de quem neste Capitulo
SEGUNDO S. MATT. C.AP. II. O
2 Onde está o Rei dos Judeos , que
henascida? porque nós vimos no Orien
te a fua estrella , e viemos para o adorar.
3 O Rei Herodes ouvindo isto tur-
bou-fe , e com elle toda Jerusalem.
4 E depois de convocar (c) os Prin
cipes dos Sacerdotes , (d) e os Doutores
do
falia S. Matrheus , quando póe no seu tem
po o Nascimento de Chriíto , ea morte dos In
nocentes. E neste Herodes, que era Principe
estrangeiro, se verificou o célebre vaticínio de
Jacob , Genes. 40. 10. que se não tiraria o Sceptra
de- "Juda , em quanto não messe o Meffiás. Outro >
que chamáo Herodes Antipas , filho do mesmo
Herodes o Grande , e irmão, e successor deAr-
queláo : e este Herodes he p que mandou de-
gollar o Baptista , eoque concorreo com Pila
tos na morte de Christo. Outro , que chamáo
Herodes Agrippa , que foi o que mandou cor
tar a cabeça a Sant-Iago, e prender a S. Pe
dro , como lemos nos Actos dos Apostolos. Ve»
ja-se Berti na Dissertação De Epocbis Herodiadum.
Pereira.
(c) Os Principe! des Sacerdotes. Isto he , os
Chefes das vinte e quatro Famílias Sacerdotaes ,
que íerviáo no Templo por seu turno , como
lemos no 1. dos Paralipomenos, cap.24.CALMET.
(d) E os Doutores do Povo. O texto original
tem Scribas , que nós dizemos Escrivães. Po
rém como na Lingua Portugueza o nome de Es
tribas y ou Escrivães significa hum ministerio to»
io O Santo Evangelho de J. C
do Povo , pergnntou-llies , onde era que
devia nascer o Christo.
5" Elles lhe responderão , que em
Belém de Judá. Porque affim o tinha
escrito o Profeta :
Mqueu 5 E tn Belém , terra de Juda , não
es a de menos consideração entre as
principaes Cidades de Juda ; porque de
ti sahirá o Conductor , que ha de cotn-
mandar o meu povo de Israel.
7 Então Herodes chamando secre
tamente os Magos, inquirio délies com
rodo o cuidado, que tempo havia que
lhes apparecêra a estrella.
8 E enviando-os a Belém , di (Te
lhes ; Ide , e informai- vos bem que Me-
ni-
talmente diverso, do que era entre osjudeos:
pareceo-me mais próprio , e expressivo tradu
zir daqui em diante nos mais lugares do Tes-
ramentoNovo, Doutores datei, seguindo nisto
a exactiflima , e famosa Versão Franceza de
Mons , que todos sabem que foi o esmero da
Escola de Porto-Real. E o mesmo Padre A me-
lóte , que sempre traduz les Scribes , confessa , e
adverte, que os Escribas entre os Judeos eráo
como entre nós os Doutores em Direito Canoni
zo ; e os Fariieos , como os Doutores em Theo-
logia. Pereira.
SEGUNDO S. MATTH. CAP. II. 11
n'no he este : e depois que o houver
des achado, vinde-mo dizer para eu ir
também adorallo.
9 Elles tendo ouvido as palavras
do Rei , partirão : e logo a estrella , que
tinhão visto no Oriente , lhes appare-
ceo , indo adiante délies ; até que chegan
do, parou sobre onde estava o Menino.
10 Quando elles virão a estrella,
foi sobremaneira grande o jubilo , que
sentirão.
11 E entrando na casa , acharão o
Menino com Maria sua Mãi , e pro-
strando-se em terra , o adorarão : e abrin
do os seus cofres , lhe fizerão suas offer-
tas de ouro, incenso, e myrrha.
12 E tendo sido avisados em so
nhos , que não tornassem a Herodes ,
voltarão por outro, caminho para a sua
terra.
13 Partidos que elles forão , cis
que appareceo hum Anjo do Senhor era
sonhos a José , e lhe disse : Levanta-te ,
e toma o Menino , e sua Mãi , e foge
para o Egypto ,• e £ca-te la', até que
eu
li O Santo Evangelho de J.C.
eu te avise. Porque Herodes tem de bus
car o Menino para o matar.
14 José levantando- se , tomou de
noite o Menino , e sua Mai , e retirou-
se para o-Egypto:
Ealli esteve até á morte de He
rodes; para se cumprir o que o Senhor
Oseas dissera pelo Profeta : . Eu chamei do
XI. I. Egypto a meu Filho. *
16 Herodes então vendo-se illudi-
do dos Magos , muito irado por isso,
mandou matar todos os meninos, que
havia em Belém , e no seu Termo , que
tivessem dons annôs , e dahi para bai
xo; regulando-se nisto pelo tempo , que
elle tinha exactamente averiguado dos
Magos.
1 7 Então se cumprio o que dissera
o Profeta Jeremias :
18 Ouvírão-se em Rama os clamo
Jerem-
XXXI. res, de quem. a altos gritos se lamen
IS-
tava , e chorava : (e) Era Raquel , que
sem
CO Era Raquel. Sepultada nas vizinhanças
de Belém , como consta do Livro do Genesis
48. O que o Profeta porém dissera do tempo do
cativeiro deBabylonia, applicou o Evangelis
SEGUNDOS. MATT. CaP. II. ï 3
sem admittir consolação , chorava a fal
ta de seus filhos.
19 Porém morto Herodes , appa-
receo o Anjo do Senhor em sonhos a
José no Egypto, e disse-lhe:
ao Levanta-te, toma o Menino , e
sua Mai , e vai para a terra de Israel ;
porque são mortos os que buscavão o
Menino para o matar.
ai José levantando-se , tomou o
Menino, e sua Mãi, e veio para a ter
ra de Israel.
12 Mas tendo ouvido, queArque-
láo reinava em Judéa em lugar de seu
pai Herodes, temeo ir para lá: e avi
sado em sonhos , se retirou a Galiléa ;
23 E veio morar em huma Cida
de , que chamão Nazareth ; para se
cumprir o que fora dito pelos Profetas :
Elle se chamará (/) Nazareno.
GA-
ta por allusáo , ou semelhança ao tempo da
mortandade dos Innocentes. Calmet.
(/) Nazareno. Tanto pela habitação , co
mo pela profissão. Porque Nazareno significa o
que he consagrado aDeos3 evive retirado da
ieculo. Duhamel.
14 O Santo Evangelho de J»C.

CAPITULO III.
Vinda , e prégaçdo doBaptiJla no Deserto.
Reprehensâo que dá aos Fariseos , e Sad-
duceos. Diffère»fa entre ofeu Baptismo ,
e o de Jesu Chrifto. Desce o Efpirito
Santosobre jesu Cbrijìo , depôts de Joao
o baptizar. O Eterno Pai o acelama feu
Filho muito amado.
i TVT Aquelle tempo veio Joâo Ba-
-L^l ptista a prégar no Deserto de
Jndéa, dizendo:
2 Fazei pcnitencía ; porque esta- pro»
ximo o Reino dos Ceos.
3 Porque de João he que o Profe»
ta Isaias disse : Voz do que clama no
xu Deserto: Appareillai o caminho do Se-
nhor, endireitai as suas varédas.
4 Ora Joao andava vestido de pel
les de camello, e trazia sobre os feus
rins huma cinta de couro. E o feu íus-
tento (a) erao gafanhótos , e mel sil-
vestre.
En-

(a) Erâb gafanbótoí. Entre os Hebreos náo


se reputaváo os gafanhótos aliment o immun-
ào f corao se colhe do Levitico , 11.22. Efóra
SEGUNDO S. MATT. CAP. III. I f
y Então a Cidade de Jerusalem,
toda a Judéa y e toda a terra circum-
vizinha do Jordão , vinhão a elle :
6 E confessando os seus peccados ,
erao por elle baptizados no Jordão.
7 Mas vendo João que muitos (b)
dos Fariseos, e Sadduceos vinhão bus
car

da Palestina, escreve Plinio no livro 6. cap. 30.


c no livro 7. cap. 2. que a gente pobre os co
mia temperados com sal. Calmet. Ainda des
tes últimos seculos attesta o nosso Banos na
Década II. Livro III. cap. 4. ser esta conser
va dos gafanhotos hum pratinho delicioso en
tre os Mouros da índia. Pereira.
(£) Dos Fariseos , &c. Eráo duas feitas de
homens , que entre os judeos se tinhão levan
tado depois do tempo dos Maccabcos , e que
consequentemente não eráo muito antigas, quan
do Christo veio ao Mundo. Os Fariseos affe-
staváo huma grande regularidade devida, se
melhante á dos Filósofos Estóicos ; e por isso
gozaváo de grandes creditos , e respeitos entre
0 Povo , que os considerava como Mestre da
Piedade , e Religião ; ainda que na verdade
tudo nelles era soberba , e hypocrisia. Os Sad
duceos , que eráo ricos, e amigos do regalo,
negaváo a refurreição dos mortos , e a immor-
talidade da alma ; pelo que eráo como os Epi-
cureos da Judéa. Calmet naDissert. DePbari-
fcis , Sadducteis , <&ç. ■
i6 O Santo Evangelho de J.C.
car o seu Baptismo, diíTe-lhes : Gera
ção do vib oras , quem vos eníinou a fu
gir da ira, que vos está ameaçada?
8 Fazei pois dignos frutos de pe
nitencia.
o E não digais lã para vós : Nós te
mos por pai a Abrahlo. Porque eu vos
declaro, que destas mesmas pedras pôde
Deos fazer que nasção filhos a Abrahão.
10 Porque já o machado está pos
to á raiz das arvores. Toda a arvore
pois que não dá bom fruto , será cor
tada, e lançada no fogo.
11 Quanto a mim , he certo que
eu vos baptizo em agua , a fim de vos
trazer á penitencia. Porém o que ha de
vir depois de mim, he mais poderoso
do que eu ; e eu não sou digno de lhe
ministrar o calçado. Elle vos baptizará
no Espirito Santo, e em fogo.
12 (c) Elle com a sua pá na mão,
alim-
(0 EMe com a- sua P* na m^0' * O que a
n Vulgara Latina chama aqui 'vencilabrum , ver-
» tem todos os Traductores Francezes de que
»uso, joeira. O que náo obstante, eu verti pa,
» estribado nos seguintes fundamentos. Primei
"Segundo S. Matt. Cap. III. 17
alimpará muito bem a sua eira , e re*
colherá no eelleiro o seu trigo , e quei
mará as palhas num fogo, que nunca le
apaga.
m ip Então veio Jesus de Galiléa ao
Jordão , onde João se achava , para ser
baptizado por elle.
Tom. L B Po-
to: Porque o nòrne Latino veniilaírum he de
si indifférente para se tomar ou por joeira y
ou pór píí 5 visto ser este hum nome geral a
todo o instrumento, com que se mova o ar,
ou ie excite o vento , e que por isso se pô
de também applicar ao leque , ou ao abano.
Segundo : Porque na eira não he de menor
uso a fS -, do que a joeira. Terceird : Porque
em lugar de joeira verterão aqui pá outros
Traductores , como o nosso Portuguez Al
meida, e o moderno Italiano Martini. Quar
to : Porque com effeito em lugar de <venti-
labrum traziáo aqui fala as Biblias primiti
vas. Isto se faz patente , de que os Padres
Latinos dos primeiros séculos } quando citáo
este Texto de S. Mattheus , em lugar de cu-
jus njentilabrum in manu sua , allegão dos seus
Códices j cujus pala in manu sua. Aflim Ter-
rulliano no Livro Das Prescripções , e no ou
tro Da Fuga , que ambos examinei na Edi
ção de Pamelio. -Aslim S. Cypriano na Epis
tola 41. que examinei na Edição de Baluze.
Alsim o antigo Interprete de S. trinco , Li
vro IV.' Cap. 4. S. Jeronymo no Dialogo
i8 O Santo Evangelho de J.C.
14 Porém João o impedia, dizen
do : Eu sou o que devo ser baptizado
por ti, e tu es o que vens a mim?
15- E Jesus lhe respondeo : Deixa
por ora; porque aflim importa que nós
cumpramos toda a justiça. Elie então
o deixou.
16 Logo que foi baptizado, sahio
Jesus para fóra da agua : e ao mesmo
tempo abrindo-se-lhe os Ceos , vio que o
Espirito de Deos vinha descendo em for
ma de Pomba , e repousava sobre elle.
17 E eis huma voz dos Ceos, que
dizia : Este he aquelle meu Filho singu
lar-
contra os Lucíferianos , e Santo Agostinho
na Enarração do Salmo xcn. num. 5. que
todos tres examinei nas Edições dos PP. Be
nedictines de S. Mauro. A estes ajunta Sa-
batier a Arnóbio o Moço nas luas Annota-
çôcs sobre os Salmos , e ao Poeta Juvenco
do quarto seculo na lua Historia Evangelica.
Por ultimo Erasmo na Nota ao presente lu
gar de S. Mattheus , e Pamelio na Nota ao
primeiro de TertulHano , e Baluae na Nota
ao de S. Cypriano ; todos reconhecêráo a
promíscua accepção de mentilabrum por joeira ,
e por ípa , quando se trata de alimpar na ei-
fca o trigo. Pereira.
SEGUNDO S. MATT. CaP.IV. iq
larmente amado , no qual tenho posto
toda a minha complacencia.

CAPITULO IV.
Vai Jesus para o Deserto , onde depois de
jejuar quarenta dias , he tentado pelo de
mónio. Chama os quatro pescadores , Pe
dro, André, Tiago , e João. Annuncía
o Evangelho na Galiléa. Cura muitos
doentes. Anda acompanhado de muita
povo.

ï TT* Ntão foi levado Jesus pelo Efpi»


JQ/ rito ao Deserto , para ser tenta
do pelo diabo.
2 E depois de jejuar quarenta dias,
e quarenta noites, teve fome.
3 E chegando-se a clle o tentador,
disse : Se es Filho de Deos , faze com as
tuas palavras, que estas pedras se con»
vertão em pães.
4 Respondeo-lhe Jesus : Está escri- Deuterj
to , que o homem não vive só do pão , v'"- b
mas de toda a palavra , que sahe da bo
ca de Deos.
5 Então o passou o diabo á Cida»
B ii de
2o O Santo Evangelho deJ, C.
de Santa , e tendo-o posto sobre o pi
naculo do Templo, disse-lhe:
saim. 6 Se es Filho de Deos , lança-te
daqui abaixo : pois está escrito , que
Deos tem mandado aos seus Anjos que
cuidem de ti , e que elles te sustentaráo
nas suas mãos , para não magoares o
teu pé em alguma pedra.
Demer. 7 Respondeo-lheJesus : Tambem está
V1- IS- escrito : Não tentarás o Senhor teu Deos.
8 Ainda tornou o diabo a levallo
a hum monte summamente elevado, (d)
donde lhe mostrou todos os Reinos do
Mundo , e a sua gloria , e lhe disse :
o Tudo isto te darei , se lançando-
te por terra , me adorares.
Deuter. I O Jesus lhe respondeo: Vai-teSa-
TIIJ- tanaz. Pois está escrito: Adorarás ateu,
Deos, e só a elle servirás.
ii Então o deixou o diabo: e no
mes-
(«) Donde lhe mostrou todos os Reinos do Mundo.
Como lhos mostrou? Em figuras, que formou
no ar ; o que S. Lucas adverte , que fora em
hum momento. Affim refere S. Gregorio Magno ,
que mostrara Deos a S. Bento todo o Mundo, en»
hum globo. Amelqtb.
SEGUNDO S. MATT. Cap. IV. 21
mesmo ponto chegarão os Anjos , e o
ièrvião.
12 Depois ouvindo Jesus dizer , que
João fora prezo , retirou-sc (b) para Ga-
liléa :
13 E deixada a Cidade de Naza
reth, veio habitar em Cafarnaum, Ci
dade Marítima , nos confins de Zabu-
lon , e Nephthalim :
14 Para se cumprir , o que tinha
dito o Profeta :
1 y , A terra de Zabulon , e a terra ,x-
de Nephthalim, a estrada que vai dar no
mar alem do Jordão , a Galiléa dos
Gentios :
16 O povo , que estava de assento
nas trevas, viohuma grande luz: e 30s
que estavao dc assento na região da som
bra da morte, a estes appareceo a luz.
Des-
(£) Para Galiléa. Não para a Galiléa Bai
xa , onde estava Nazareth , e onde reinava
Herodes Antipas : mas para a Galiléa Alta ,
ou para a Galiléa dos Gentios , onde estava
Cafarnaum , e onde reinava Filippe , irmão
de Herodes ; do qual Filippe escreve Jo(é , que
era Principe pacifico 3 modesto, ç justo. Ams-
í-ots.

/
22 O Santo Evangelho deJ. C.
17 Desde entao começou Jesus a
prégar , dizendo : Fazei penitencia ,
porque esta* proximo u Rcino dos Ceos.
18 E caminhando Jesns ao longo
do mar de Galiléa , vio dous irmaos,
Simão, que se chama Pedro, e feu ir-
mao André , que lançavao a rede ao
mar, porque erao pescadores:
19 E disse-lhes : Vinde apôs mim,
e eu vos farei pescadores de homens.
20 E elles, sem mais detença, dei-
xadas^as redes, o seguírao.
21 Passando mais adiante* vio 011-
tros dous irmãos , Tiago , filho de Ze-
bedeo , e Joao feu irmão , que com
feu pai Zebedeo estavão na barca, con-
certando as suas redes : e chamou-os.
22 E elles nomesmo ponto deixan-
do as redes, e o pai, forão em feu se-
gnimento.
23 E Jesus rodeava toda a Galiléa,
enfinando nas suas Synagogas , e pré-
gando {ç) o Evangelho do Reino ; e cu»
ran-
(í) O Evangelho do Reino. Evangelho he hu«
ma palayra Grega , que íìgnifica bom annúncio }
SEGUNDO S. MATT. CaP. IV. 23
rando toda a casta de doenças , e de en
fermidades, que havia no povo.
24 De forte, que tendo-se estendi
do por toda a Syria a fama do seu No
me, lhe vierão apresentar todos os que
se achavao doentes , e padeciao diver
sos males ; os posséssos , (d) os lunáti
cos, os paralyticos: e elle os curou.
25 E huma grande multidão de po
vo o foi seguindo de Galiléa , de De^-
cápole , de Jerusalém , de Judéa , e da
lém do Jordão.

CA-
ou alegre nova. O Evangelho do Reino po
rém , heo que promettia o Reino dos Ceos aos
homens, que seguissem a Jesu Christo. Ame-
LOTE„, e Hure.
(d~) Os lunáticos. Isto he , os que eráo su
jeitos aos accessos do mal caduco , que nós cha
mamos accidentes epileticos , ou de gota coral,
que, segundo a opinião do vulgo, dependem
dos dia» y ou quartos da Lua. Saci.
a 4 O Santo Evangelho de J.C

CAPITULO V.
$ermao das oito Bemaventuranças , prégado
no mor:te. Os /postolos,fal da terra , e luz
do Mundo. feju Chrtsto vhdo ao Mun
do , não para destruir, alei , mas para
a aperfeiçoar. Que nos não devemos irar
centra o próximo , mas ir bufcallo , quan
do elle está queixoso de nós. Quese não de
ve olhar para a mulher com olhos impudi
cos. Que devemos cortar por tudo o que
nos pôde.servir de occasião de ruína espiri
tual. Que a troco dese não violar a carIr 1
dadefraterna , devemos estarfeitos a tu
do deixar , e a tudo foffrer. Que deve
mos amar , efazer bem a nossos inimigos\

ï "X T" Endo Jesus toda esta grande


V multidão de povo , subio a hum
monte, e depois de se sentar, chega-
rao-íe para o pé delle seus Discípu
los :
2 E ellc abrindo a sua boca os en-
finava , dizendo :
3 Bçmaventurados os pobres de es- ,
pirito , porque délies he q Reino dos
Ceos,
s Bem-
SECUNDO S. Matt. Cap.V. 2f
4 Bemaventnrados os mansos , por-
que elles possuiráÓ a tetra.
5- Bemavenrurados os que chorao,
porque elles serâo consolados.
6 Bemavenrurados os que tem fb-
me , e sede de justiça , porque elles se-
rao fartos.
7 Bemaventurados os mifericordio-
sos, porque elles akançaráô misericor-
dia.
8 Bemaventurados oslimpos deco-
ração , porque elles verao a Deos.
9 Bemaventurados os pacificos , por
que elles serão chamados filhos de Deos.
10 Bemaventurados os que pade-
eem persegniçao por amor da justiça ,
porque delles he o Reino dos Ceos.
11 Bemaventurados vós , qnando
por meu reí-peito vos carregarem de in
jurias , e vos perseguirem , e dissercm
contra vós falsamente todo o genero de
mal.
12 Folgai comiíìb, e saltai decon-
tentamento ; porque he grande a ré
compensa , que vos está guardada nos
Ceos.
26 O Santo Evangelho de J, C.
Ccos. Pois assim he que elles perse
guirão os Profetas , que forao antes de
vós.
13 Vós sois o sal da terra. Se o sal
porém perder a sua força , com que ou
tra cousa se ha de elle salgar? Para ne
nhuma cousa mais fica servindo , senão
para se lançar fóra , e para ser pizado
dos homens.
14 Vós sois a luz do Mundo. Não
pode esconder-íe huma Cidade , que ek
tá situada sobre hum monte.
15: Nem os que accendem huma
candea , a mettem debaixo do alquei
re ; mas póe-na sobre o candieiro ; a
fim de que ella dê luz a todos, os que
estão na casa.
16 Assim luza a vossa luz diante
<iqs homens, que ellcs vejao as vossas
boas obras, e glorifiquem a vosso Pai,
que está nos Ceos.
17 Não julgueis que vim destruir
a Lei , ou os Profetas. Não vim a des-
truillos , mas fim a dar-lhes cumpri
mento.
Por-
SEGUNDO S. MATT. CaP.V. 27
18 Porque em verdade vosaffirmo,
que antes passará oCeo, e a terra, do
que deixe de se cumprir tudo o que per
tence á Lei , sem faltar della (a) hum
só i, ou hum til.
19 Aquelle pois, que quebrar hum
destes mínimos mandamentos , e que en-
fi-
(a) Hnm só i. Náo sei que se possa tradu
zir mais exactamente no Porruguez aquelle
iota unum aut unut apex , da Vulgata Latina.
Em todas as Lrnguas He a letra i a mais pe
quena de todas ; de forte que Santo Irineo lhe
thama semilitera , istohe, meia letra. Por isso
Christo para significar , que tudo o que se acha
escrito na sua Lei , isto he , em toda a Sa
grada Escritura , se ha de cumprir pontual,
e exactamente ; disse que se havia de cum
prir da Lei até a mais pequena letra , que he
o i- A Versão de Mons , a de Saci , e a de
Huré dizem aqui , jusque a un seul iota , &.
t unseul point. Mas a gente vulgar náo enten
de que cousa he iota : e em tempo de Chri
sto, como demonstrou Morino, ainda os He-
breos náo usaváo de pontos. Por isso seguin
do a Versão do Padre Amelote , que diz as
sim : 11 ne se perdra ni un seul i , ni un petit
trait de la loi , traduzi o que puz no texro.
Porque S. Jeronymo sobre o cap. 12. deZaca*
rias , chama apice áquella pequena inflexão da
ferma , que no Alfabeto Hebraico distingue o D
à) R. Pereira.
1 8 O Santo Evangelho de J.C.
íinar os homens aquebrallosj será con
siderado no Reino des Ceos , como o
ultimo. Aquelle porém que os guardar,
eque ensinar aguardallos, esse será re
putado grande no Reino dos Ceos.
20 Porque eu vos digo , que (b) se
a vossa justiça não for maior , e mais
perfeita , do que a dos Doutores da Lei ,
e a dos Farifeos, não haveis de entrar
no Reino dos Ceos.
21 Vós tendes ouvido o que sedis-
se aos antigos: Não matarás : e o que
matar, será réo no Juízo.
2z Mas eu digo-vos : Que todo o
que se irar (c) contra seu jrmão 3 será
rço
(i) Se a mossa justiça. No decurso do Capi
tulo mostrará Jesu Christo , quanto a Lei Evan
gelica excede em perfeição } e em santidade á
Lei de Moysés. Pbrkira.
(c) Contra seu irmão. O texto Grego acerescen-
ta , sem causa. Aííim lem todos os PP. Gregos:
S. Justino, ou outro antigo Escritor da carra ad
Zenam <&Serenum ; Origenes , S. Basilio, S.Chry»
sostomo , Santo Isidoro de Damiéta , Euthy-
mio, Theofylacto , e outros , quevem citados
na Cadeia dos PP. Gregos sobre S. Mattheus 3
da ed ição de Cordiér , e Poífin. Entre os Lati--
nos Santo Irineo , S. Cypriano, Santo Hilario 3
segundo S. Matt. Cap. V. 2?
réo (d) no Juizo. E o que disser a seu
ir-
Sv Paulino. E ainda que S. Jeronymo neste mes
mo lugar escreva , que esta addição se deve
riscar , porque náo appatece nos exemplares que
sáo verdadeiros ; e que aslim devemos crer , que
neste passo nos he prohibido todo o genero de ira:
{In quibusdam Codicibus additur, fine causa : ceterum
in veris definita sententia est, <& ira fenitus tollitur.
Radendum est ergo fine causa) com tudo Santo
Agostinho no livro z. das Retrai}- cap. o. adverte ,
que ou se leia , ou se náo leia , sem causa , sem
pre o sentido he o mesmo. Sinal de que ainda náo
se lendo, julga Santo Agostinho que se deve sub
entender. E isto para que ninguem cuide , que a
mente de Christo he condemnar náo só a ira , que
todos tem por má, e viciosa, que he a que vai
acompanhada do desejo de se vingar , ou de fazer
mal ; mas também a ira , que S. Basilio , S. Chry-
sostomo , Santo Isidoro de Damiéta , e o mesmo
Santo Agostinho , dáo por santa, e louvavel ; que
he a que procede do zelo da honra de Deos , do
amor da justiça , ou do desejo da emenda do prp
ximo. Porque esta ensina Santo Thomaz na z. z.
qu. 158- art. 1. que nem S.Jeronymo a reprovou ,
nem a podia reprovar. Antes porque parecia lu-
perfluo exceptuar Christo expressamente esta se
gunda especie de ira; julgarão , ejulgão muitos ,
que náo he necessario metter no texto a clausu
la, de que se trata. Veja-se Arnault na Nouvel
le Defense de laTraduãion du Nouveau Testament
imprimée d Mons , Livro 12. cap. 7. Pereira.
(á) No Juizo. Entre os Judeos havia tres Tri-
bunaes. O primeiro de tres juizes para as causas
30 O Santo Evangelho de J.C.
irmão, (e) Raca , scrá réo no Cotise*
lho. E o que disser a feu irmao , {s)
Es hum tolo, ierá réo do fogo do in»
ferno.
Por
pecuniarias , coma as de furto , a que elles cha«
maváo Casa dos Tres. O segundo de vintee qua-
trojuizes, onde se sentenciaváo as causas mais
graves , como as de homicidio , a que elles cha-
maváo o Pequeno Synedrio , e a Vulgata aqui o
Juixo. O tcrceiro de setenta edousjuizes, que
conheciáo dos crimes desumma, e ukima gra»
vidade, como os de lésa Mageltade , Divina , e
Humana ; e a estes chamaváo elles o Grande Sy
riedrio , e a Vulgata o Conjelbo. Jesu Christo
para mostrar com oexemplo dos Tribunaes hu»
manos , o gráo de culpa, e de pena, que no
Tribunal Divino corresponde aos diverlos pec-
cados de ira; reduz á classe dos crimes, que
se julgaváo nos dous ultimos Tribunaes , a
simples ira, e a ira acompanhada de hum cer»
to tom de indignaçãò , ou deíprezo. E quando
sobre a ira accresce huma , a nofso parecer,
pequena injuria, diz que merece o inserno. Que
pouco coriiìderáo os homerts na rerribilidade do
Tribunal Divino ! Amelote , e Calmet.
(í) Raca. Expressâo de deiprezo, e de ví«
lipendio , sobre cuja etymologia veja quem
quizer a Calmet.
(/) Es hum tolo. Jesu Christo chamou mui-
tas vezes\ nefcios aos Fariseos; e S« Paulo in-
senfatos aos Gálatas. Sinal de que o que aqui
secondemna, he injurur apelloa doproximo,
SEGUNDO S. MATT. Cap. V. 31
23 Por tanto , íe quando tu estás
fazendo a tua offerta diante do altar,
te lembrar ahi , que teu irmão tem con
tra ti alguma cousa:
24 Deixa alli a tua offerta diante
do altar, e vai-te reconciliar primeiro
com teu irmao; e depois virás fazer a
tua offerta.
25 Concerta -te sem demora com o
teu adversario , em quanto caminhas
com elle ; (g) para que não succeda,
que
e não o mostrar-se agastado contra a sua culpa.
Santo Agostinho no Livro 21. d» Cidade de Dtos ,
cap. 27. Não chama, tolo aseu irmão aquclle , que
quando Ibe dá ejie nome , não be sara injuriar a
fraternidade , mas sim sara reprebender o seu pec-
tado. Pereira.
(g) sara que não succeda , <&c. Este homem ,
nosso adversario , he o proximo, a quem de
alguma sorte temos aggravado. O tempo da jor
nada he o tempo que dura a vida , que este
he o tempo de reconciliação. O Juiz he omeí-
mo Deos. A cadeia he o carcere do inferno ,
ou do Purgatorio , segundo for a qualidade da
divida. Do qual carcere não sahirá o culpado ,
em quanto não satisfizer àté o ultimo ceitil;
isto ne , todas as faltas , que aos olhos dos ho
mens parecem leviffimas , e diante de Deos são
tauico grandes. Saci.
32 O Santo Evangelho de J.C.
que elle te entregue ao Juiz , e que o
Juiz te entregue ao seu Ministro , e se^
jas mandado para a cadeia. •
26 Em verdade te digo , que não
sahirás de lá, até não pagares o ultimo
ceitil.
27 Vós tendes ouvido o que se dis*
se aos antigos: Não commetterás adul
terio.
28 Eu porém digo-vos : Que todo o
que olha para huma mulher cubiçando-a >
já no seu coração adulterou com ella.
29 E se o teu olho direito te ser
ve de escandalo, arranca-o, e lança-ò
fora de ti. Porque melhor te he que se
perca hum de teus membros , do que que
todo o teu corpo seja lançado no inferno.
30 E se a tua mão direita te ferve
de escândalo , (b) corta-a , e lança-a fó*
ra de ti. Porque melhor te he que se
perca hum de teus membros , do que
que
(4) Corta-a. Daqui se conhece a estreita obri
gação que rodos temos, de lançar de nós tod»
a occasiáo de peccado , ainda que leja com tan
ta dor, e iiTcommodo do noiTo amor proprio,
quanta sentiria bum homem , vendo-íe precU
segundo S. MaTt. Cap.V. 33
que todo o teu corpo seja lançado no
inferno.
3r Também foi dito : Todo o que Dente*
XX I V* 1 1
quer largar sua mulher , dê-lhe earta
de desquite.
32 Eu porém digo-vos : Que todo
o que larga sua mulher , não sendo por
causa de fornicação , faz que ella seja
adultera : e o que casa com a que foi
repudiada, commette adultério.
33 Mais ouvistes ainda que se dis-
se aos antigos: Não juraras falso, masjrjj^
pagarás ao Senhor , o que lhe houve*
res promettido com juramento.
34 Eu porém digo-vos : (*) Que
Tom. I. C de
fado a tirar hum olho , ou a cortar huma mão-
Porque debaixo destes nomes entende o Senhor:
tudo o que nos he mais preciso , e mais esti
mado. Que longe está pois do Evangelho de
Christo a Moral de certos Cafuistas , que cruel*
mente benignos , tudo permittem ás paixões
humanas ! Prreira.
(0 t°àf> não jureis. Segundo ensináo
os, SS. PP. o que aqui le nos prohibe , he, que
não sejamos fáceis em jurar, nem juremos lerri
urgente neceffidade. Santo Agostinho no Livro
sobre a Mentira , cap. 15. Santo Isidoro no Li
vro 2. das Sentenças, cap. 51. Perbira,
34 O Santo Evangelho deJ. C.
de todo não jureis , nem pelo Ceo,
porque he Throno de Deos ;
35- Nem pela terra , porque he o
aíTento de sens pés ; nem por Jerusa
lem , porque he a Cidade do grande Rei.
36 Nem jurarás pela tua cabeça,
pois não podes fazer que hum cabello
teu seja branco , ou negro.
37 Mas seja o vosso fallar : Sim ,
sim : Não , não. Porque tudo o que da
qui passa, (k) procede do mal. -
Exod. ,8 Vós tendes ouvido o que se dis-
XX ï . 24- -^
mÍtso^ • W Olho por olho , e dente por
dente.
39 Eu porém digo-vos : Que não
resistais ao que vos fizer mal ; mas 'se
al-

(fe) Procede domai. Náo domai do juramen


to , mas do mal que dá motivo a se precisar
do juramento. S. Agostinho sobre a Epistola
aos Gálatas, cap. 1. vers. 20.
(/) Olho por olho. Esta era a pena de Talião,
que estava em uío entre os Judeos ; e que , co
mo diz Santo Agostinho , foi permittida por
Deos , para cohibir com cila huns homens so
bre maneira vingativos , e propensos á ira : que
por iíTb o meímo Santo Doutor lhe chama a
Juftifa dos injustos. Pereira,
SEGUNDO S. MATT. CaP. V. 35*
alguém te ferir na face direita , (»;)oiFe-
rece-lhe também a esquerda.
40 Se alguém quer demandar-te em
Juízo , e tirar-te a tua túnica , larga-
lhe também a capa*
41 E se alguém te Constranger a ca
minhar huma milha , vai com elle ain*
da mais («) outras duas*
42 Dá aquém te pedir, enão vol*
tes a cara ao que pede que lhe em
prestes.

gostinho no Tratado 1 1 3. sobre S. João , n. 4. e


com elle Santo Thomaz na 2. 1. <]tt. 72. art.
advertem que este preceito } e os dous que le
seguem, se devem entender náo tanto do acto
externo, como da vontade , ou promptidáo in
terna, que sempre devemos ter, para antes sor*
frermos qualquer affronta, damno , ou inconi-
modo, do que- quebrarmos a paz j e caridade
com o próximo. Com a qual doutrina ie pôde
muito bem compadecer em certos casos a nofla
justa defensa. Pbreira.
(/») Outras duas. Assim o liâo nos seus Co*
dices Santo Hilário , Santo Agostinho , Chio-
macio de Aquiléa, o Interprete de Santo Iri-
neo , e oPresbytero Juvenco , citados por Sa-
batiér. O texto Grego com tudo diz fomente j
Vaie cumillo duo: rai com elle dum. Psreika.
36 O Santo Evangelho de J. C.
, 43 Vós tendes ouvido o que se dis
se: Amarás a teu próximo, e aborre
cerás a teu inimigo.
44 Eu porém digo-vos : Amai a vos
sos inimigos ; fazei bem aos que vos
tem odio; e orai pelos que vos perse
guem, e calumnião;
45" Para serdes filhos de vosso Pai,
que está nos Ceos ; o qual faz nascer
o seu Sol sobre bons , e máos , e chu
va sobre justos , e injustos.
46 Porque se vós não amais senão
os que vos a mão , que recompensa ha
veis de ter ? não fazem os publicanos
também o mesmo?
47 E se vós saudais fomente aos
que são vossos irmãos , que fazeis vós
nisso de especial ? não fazem também
alfim os Gentios?
48 Sede logo perfeitos , como vos
so Pai celestial he perfeito.

CA-
SEGUNDO S. MATTHEUS. 37

CAPITULO VI.
Como havemos de dar a esmola , e como ha
vemos de orar. Do bom espirito do je
jum. Que não devemos ajuntar thesou-
ros , senão no Ceo. Que o nosso olho de
ve ser simples. Que não podemos servir
a dous Senhores. Que não devemos in-
quietar-nos pelo que havemos de comer ,
ou vestir , ou pelo que ha de ser de nós.

1 Uardai-vos não façais as vossas


VJT boas obras diante dos homens ,
com o fim de serdes vistos por elles:
de outra forte não vo-las recompensará
vosso Pai, que está nos Ceos.
2 Quando pois dás a esmola , não
o faças ao som de trombeta , que vai
adiante de ti, como praticão os hypo-
critas nas Synagogas, e nas ruas, pa
ra ferem honrados dos homens. Em ver
dade vos digo , que elles já recebêrão
a sua recompensa.
3 Mas quando dás a esmola , não
saiba a tua mão esquerda , o que faz a
tua mão direita ;
Pa.
38 O Santo Evangelho de J.C.
4 Para que affim fique a tua esmo
la escondida , e teu Pai , que vê o que
tu fazes em secreto , ta pagará, (a)
$ E quando fazeis oração, não se
jais como os hypocritas , que gostão de
orar em pé nas Synagogas, e nos can
tos das ruas, para ferem vistos dos ho
mens. Em verdade vos digo, que elles
já receberão a sua recompensa.
6 Mas quando houveres de fazer
oração , entra no teu aposento, e fe
chada a porta , ora a teu Pai em secre
to ; e teu Pai , que vê o que se passa em
secreto, te dará a paga.
7 E quando orais , não useis (b) de
muita repetição de palavras, como fa
zem os Gentios; porque imaginão, que
& força de palavras hão de ser ouvidos.
8 Não queirais por tanto parecer-
v vos
(V) Ta pagará. O Texto Grego acereícenta }
em público. Pereira.
(b) De muita repetição de palavras, A Vul-
gaia diz simplesmente : Nao falíeis muito. O
Texto Grego porem especifica mais , pondo o
yerbo battologein , que , como observa Amelo^
te , signirica repetir muitas vezes as mesmas
palavras. Pbreira.
Segundo S. Matt. Cap. VI. 3 9
vos com elles ; porque vosso Pai sabe
o que vos he necessário , primeiro que
vós lho peçais.
9 Eis-aqui pois como haveis de orar.
Padre nosso que estás nos Ceos, santi
ficado seja o teu nome:
10 Venha a nós o teu Reino: seja
feita a tua vontade , affim na terra , co
mo no Ceo: *
11 O pão nosso , (c) que he sobre
toda a substancia , nos dá hoje :
E
(í) Que be sobre toda a substancia. O Texto
Grego com a Versão Latina primitiva, tanro
aqui cm S. Mattheus , como em S. Lucas, n.
3. tem epiousion , que quer dizer de cada dia :
e allim trazem as Versões de Mons , e de Sa
ci. A Vulgata exprimindo em S. Lucas o Gre
go , seguio em S. Mattheus a Versão de S. Je-
ronymo , que diz : Supersubstantialem , isto he :
Pão, que be sobre toda asubjlancia ; e affim ver
terão Amelote , e Huré. Não he novo nas Es
crituras ter huma mesma palavra dous senti
dos literaes, como de Santo Agostinho, e de
Santo Thomaz prova Opstraet nos Lugares Theo-
logicos , Diff. 1. qu. 7. §.4. E affim adverte Sa
ci, que a mesma palavra Grega pôde admittir
aqui os dous sentidos; de íorte, que compre-
henda não só o pão material , que sustenta o
corpo , mas também o espiritual da alma } que
4© O Santo Evangelho de J. C.
12 E perdoa-nos as nossas dividas ,
aífim como nós perdoamos aos nossos
devedores :
13 (d) E não nos deixes cahir em ten
tação, mas livra-nos domai, (e) Amen.
Por^
sio as Virtudes, ou o Pão Eucaristico. Veja-
íe Calmec neste lugar , e Pouget nas Institui
ções Catholicas , farte 3. Secção z. cap. 4. §. %.
Pereira.
(d) E não nos deixes cahir. O Texto Latino
parecia pedir, que eu vertesse, e não nos met-
tas em tentação, como verteo Amelote. Mas at-
tendendo mais ao sentido do que ás palavras ,
julguei que era melhor traduzir, enão nosdei-
tces cahir em tentação , como traduzirão os de
Mons ; principalmente porque affim no-lo en»
íìnáo também a dizer desde a infância os nos
sos Catecismos todos. Pereira.
(í) Amen. Palavra Hebraica , que quer di
zer , Affim seja , ou Affim se faça. Porém como
ella aqui falta em muitos exemplares Gregos ,
e Latinos , que se podem ver apontados por
Milles nas suas Notas ; nem delia fazem men
ção Tertulliano , (no Tratado que escreveo
da mesma oração) S. Cypriano , ou Santo A-
gostinho : julgáo alguns não ser esta palavra
do Texto original , mas introduzida ivis cópias,
e extrahida para ellas dos Livros Litúrgicos,
pu dos Missaes. E o mesmo com maior fun-»
damento julgáo muitos modernos da addição,
que o Texto Grego traz antes da palavra Amjsu t
segundo S. Matt. Cap. VI. 41
14 (/) Porque se vós perdoardes
aos homens as offensas que elles vos fa
zem, também vosso Pai celestial vos ha
de perdoar as que vós lhe fazeis.
15" E se vós as não perdoardes aos
homens , também vosso Pai celestial vo-
las não ha de perdoar.
16 Quando jejuais , não andeis tris
tonhos , como os hypocritas , que affe-
ctão trazer desfigurados os seus rostos,
a fim de que os homens venhão no co
nhecimento , de que elles jejuão. Em
verdade vos digo , que elles já recebe
rão a sua recompensa.
Mas
que diz affim : Quoniam tuutn tjl regnum , for-
tiiudo , gloria in sœcula : Porque teu he o Rei-
no, a fortaleza y e a gloria para sempre sem fim.
A qual addição todavia se acha também , co
mo conclusão da oração Dominical , nas Con
stituições Apostólicas, em S. João Chrysosto-
mo , e na Versão Syriaca. Perïira.
(/) Porque se vás perdoardes , <ó'C. Como
huma cousa importantiflima , dá o Senhor a
razão da quarta petição , que elle nos manda
fazer : Affim como nós perdoamos , <&c. De sor
te, que o perdoar-nos Dcos as nossas culpas,
depende inteiramente de nós perdoarmos as dos
outros, como por hum contrato, ou ajuste.
41 O Santo Evangelho de J.C.
17 Mas quando jejuas , unge a tua
cabeça , e lava o teu rosto ;
18 Afim de que não pareças aos
homens que jejuas ; mas íiómente a teu
Pai , que está presente a tudo o que ha
demais secreto: e teu Pai que vê o que
se passa em secreto, te dará a paga.
1 9 Não ajunteis thesouros na terra ,
onde a ferrugem , e a traça os consoa
mem ; e onde os ladrões minão , e furtão.
io Mas ajuntai os vossos thesouros
no Ceo, onde não ha ferrugem, nem
traça , que os consuma ; e onde não ha
ladrões, que minem, e furtem.
21 Porque onde está o teu thesouro ,
ahi está também o teu coração.
22 (g) O teu olho he a luz do teu
corpo. Se o teu olho for simples , to
do o teu corpo será luminoso.
Mas

queDeos fezcomnoíco. S. Agostinho , e Sáo


Pedro Chrysologo.
(g) O teu olho , <&-c. Pelo olho entende San
to Agostinho , e com elle Santo Isidoro a in
tenção conique obramos ; pelo corpo as obras
que fazemos. E chama-se olho smples o que
he de todo puro, e limpo. Pereira.
SEGUNDO S. MATT. CAP. VI. 43
23 Mas se o teu olho for máo,
todo o teu corpo estará em trevas. Se
pois a luz que em ti ha são trevas , que
grandes serão essas mesmas trevas!
24 Ninguem póde servir a dous
Senhores ; porque ou ha de aborrecer
hum , e amar outro ; ou ha de accom-
modar-se a este , e desprezar aquelle,
Vos não podeis servir a Deos , e ás ri
quezas,
2j Por isso he que eu vos digo:
Não estejais com cuidado da vossa vi
da, que comereis ; nem do vosso cor
po , que vestireis. Por ventura não he
mais a vida , do que o sustento ; e mais
o corpo , do que o vestido ?
26 Olhai para as aves doCeo, que
não semeao , nem segão , nem fazem
provimentos nos celleiros: e com tudo
vostb Pai celestial as sustenta. Por ven
tura não sois vós milito mais do que
ellas ?
27 Quem ha de entre vós , . que
possa com todos os seus cuidados ac-
crescentar hum covado á sua estatura?
Quan-
44 O Santo Evangelho de J. C.
28 Quanto ao vestido, porque vos
inquietais vós também nesta parte ? Con
siderai como crescem os lidos do cam
po. Elles não trabalhão , nem fião :
29 E ainda allim eu vos certifico,
que nem o mesmo Salamão em toda a
sua gloria se cubrio nunca (h) como
hum d elles.
30 Se Deos pois veste affim as her-
vas do campo , que hoje existem , e á
manhã se queimão no forno : quanto
mais cuidará elle de vos vestir a vós ,
homens de pouca fé?
31 Não estejais logo em cuidados ,
dizendo: Que havemos de comer, ou
beber, ou com que nos havemos decu-
brir ?
32 Como fazem os Gentios , que
andão buscando todas estas cousas. Pois
vosso Pai sabe, que de todas ellas né
cessitais.
Bus-
(i) Como hum délies. Porque nenhum artifi
ce pôde fazer hum vestido , que saia táo pró
prio , e táo ajustado ao corpo , como as mem
branas de que o Author da natureza veste as
plantas, e as flores. Amelote.
SEGUNDO S. AÍATT. CaP. VII. 4?
33 Buscai logo primeiro o Reino
de Deos , e a sua justiça : e ainda em si-
ma se vos darão todas estas cousas.
34 Por isso não estejais inquietos
sobre o dia de á manha ; porque o dia
de á manha terá cuidado de si mes
mo. (/) Basta a cada dia o seu mal.

CAPITULO VII.
Condemnao-se osjuizos temerários. Que Jè
não devem dar as cousas santas aos cães.
Que todo o que pede , e busca , e bate á
porta , Deos o ouve. Que devemos fazer
ao próximo o que queremos que elle nos
faça. Que he estreita a porta , por onde
se entra no Cea. Como se hão de conhe
cer' os Profetas falsos. Como se ha de ou
vir a palavra de Deos.

1 TVT Ao julgueis , e não sereis jul-


X^l gados.
2 Porque do modo que vós julgar
des os outros, affim o sereis vós. E a
' méf
iât) Basta ao dia, é>°c. Basta a afflicçáo, c
moléstia que elle traz. Ou , como explica San
to Agostinho , basta ao dia o a que a necefli-
dade nos obriga nelle. Caliyibt.
4<í O Santo Evangelho deJ. G.
mesma medida de que vós usardes ai
respeito dos mais , será a de que se use
a vosso respeito.
3 Porque vês tu a aresta no olho
de teu irmão , e não vês a trave, que
tens no teu olho?
4 Ou como dizes tu a teu irmão:
Deixa-me tirar-te do olho huma aresta,
quando tu tens no teu olho huma trave ?
y Hypocrita , tira primeiro a tra
ve do teu olho , e então verás como has
dc tirar a aresta do olho de teu irmão.
6 Não deis aos cães o que he san
to : (a) nem lanceis aos porcos as vos
sas pérolas; para que não succeda que
elles lhes ponhão os pés em sima , e tor-
nando-se contra vós , vos despedacem.
7 Pedi , e dar-se-vos-ha : buscai , e
achareis: batei, e abrir-se-vos-ha.
Por-

(a) Nem lanceis aos páreos , <b-c. Affim co


mo não he permittido dar ás pessoas impuras,
e muito menos aos animaes , as vistimas que
se ofterecem a Deos ; da mesma sorte náo con
vem , que se annuncie a palavra de Dcos , otf
se communiquem as suas graças , aos que as
desprezáo. Amelotí.
segundo S. Matt. Cap. VIL 47
8 Porque todo o que pede , rece
be : e o que busca , acha : e a quem ba
te, abrir-se-ha.
9 Com effeito qual de vós he o ho
mem , que se seu filho lhe pedir pão,
elle lhe dê huma pedra ?
10 Ou que se lhe pedir hum pei
xe , elle lhe dê huma serpente ?
11 Logo se vós , sendo máos , sabeis
dar boas cousas a vossos filhos ; com
quanto maior razão vos dará vosso Pai ,
que está nos Ceos , os bens que vós lhe
pedirdes ?
iz Fazei pois aos outros homens,
tudo o que vós quereis que elles vos
fação. Porque affim o eníinão a Lei, e
os Profetas.
13 Entrai pela porta estreita ; por
que a porta da perdição he larga , e o
caminho que para ella conduz , he espa
çoso ; e são muitos os que vão por eile.
14 Que estreita he a porta, e que
apertado o caminho, que guia para a
vida ! e que poucos são os que acertão
com elle!
Guar-
48 O Santo Evangelho deJ. C.
15- Guardai-vos dos Profetas falsos,
que vem ter comvosco cubertos de pél-
les de ovelhas , quando elles interior-
mente sao huns lobos arrebatadores.
16 Pelos frutos he que os haveis
de conhecer. Por ventura colhe alguem
«vas dos espinheiros , ou figos dos abro-
lhos?
17 Affimtoda a boa arvore dábons
frutos : e a má arvore dá máos frutos*
18 Não póde a boa arvore dar fru
tos máos ; nem a má arvore dar fru
tos bons.
19 Toda a arvore que não dá boni
fruto, fera cortada, elançada nofogo.
20 Pelos feus frutos pois vireis a
conhecellos.
21 Nem todo o que me diz : Se-
nhor, Senhor, ha de entrar no Reino
dosCeos; mas aquelle, quefizeravon-
tade de meu Pai , que está nos Ceos,
esse he que ha de entrar no Reino dos
Ceos.
22 Muìtos me dirão naquelle dia:
Senhor, Senhor, não he aflìm que nós
pro-
seôundo S. Matt. Cap. VII. 49
profetizamos cm teu Nome; e que cm
teu Nome expellimos os demónios ; s e
que em teu Nome obrámos muitos pro
dígios ?
23 E eu então lhes direi em Voz
bem intelligivel : Eu nunca vos conheci ;
apartai-vos de mim, vós, os que obrais
a iniquidade*
24 Todo a quelle pois , que ouve
as minhas palavras, e as observa, será
comparado ao homem sábio , que edifi
cou a sua casa sobre rocha.
25* Veio a chuva, evierão as inun
dações , e assoprarão os ventos contra
aquella casa ; e ella não cahio , porque
estava fundada sobre rocha.
26 E todo o que ouve estas minhaã
palavras , e as não observa , será com
parado ao homem sem consideração , que
edificou a sua casa sobre arêa.
27 Veio a chuva, evierão as inurt*
dações , e assoprárão os ventos contra
aquella casa; e ella cahio, e foi gran
de a sua ruirta.
28 Depois que Jesus acabou estg
Tom.X D dtf"
1
5- o O Santo Evangelho peJ. G.
discurso , estava o povo admirado da sua
doutrina.
29 Porque elle osenfinava, (b) co
rn o quem tinha authoridade , e não co^-
mo os Doutores daLei, e os Fariseos.

CAPITULO VIII.
Sdra Jesu Chrijlo hum leprofo. Admira,
e louva afé doCenturiao. Cura a figra
de Pedro. Expelle demonios. Manda a
hum que 0 Jìga , e que se deixe de ir en
terrar seu pai. Faz serenar huma tem-
pejìade no mar. Perrtíitte aos demonios
que Jàiao de hum pojfejso , e que se vao
metter numa manada de pércos.

i I "\ Epois que Jesus desceo do mon-?


\J te , soi muita a gente do povo ,
que o segnio.
2 Eis-que vindo hum leprofo , o
adorava, dizendo : Se tu queres, Se-
nhor, bem me podes alimpar.
Je:
(6) Como quem tinha authoridade. Como LegiA
lador, e náo como Interprete: comoDeos3que náo
iò convencia os entendimentos, mas que rambem
tocava os coraçóes, e movia as vontades. Lu
cas deBrugbs, Estio, Amelote , e$ACi.
Segundo S. Matt. Cap. VIII. 5-1
3 Jesus estendendo a mão , tocon-o ,
dizendo : Pois eu quero ; fica limpo. E
logo ficou limpa toda a sua lepra.
4 Então lhe disse Jesus : Vê não o
digas a alguem ; mas vai , mostra-te ao
Sacerdote , c faze a oíFerta que orde
nou Moysés, para lhes servir de teste
munho. •
jr Tendo porém entrado em Çafar-
naum , chegou-se a elle hum Centuriao ,
e lhe fez esta súpplica :
6 Senhor, o meu criado jaz em ca
sa doente de huma paralysia, e padece
muito com ella.
7 Respondeo-.lhe Jesus : Eu irei,
e o curarei.
8 Mas o Centuriao proseguio, di
zendo : Senhor, eu não "sou- digno de
que tu entres em minhas casa ; mas di-
ze huma ló palavra , -e o meu criado
será salvo.
9 Porque eu ainda que não sou mais
do que hum OíKcial Subalterno , como
tenho com tudo Soldados debaixo do
meu commando , digo a hum : Vai aco
fz O Santo Evangelho de J. C.
lá , e elle vai ; e a outro : Vem cá , e .
elle vem ; e ao meu servo : Faze isto ,
e elle o faz.
10 Jesus ouvindo-o alïïm falia r, ad
mirou-se, e disse para osque oseguião:
Em verdade vos affirmo , que não achei
tamanha fé em Israel.
1 1 Digo-vos porém , quevéráó mui
tos <Jo Oriente , e do Occidente , (a) e
que se sentarão á meza com Abrahão,
Isaac, e Jacob no Reino dos Ceos:
12 Mas que os filhos do Reino
serão lançados nas trévas exteriores.
Al li haverá choro , e ranger de den
tes.
13 Então disseJesus ao Centurião:
Vai, e faça-se-te segundo tu creste. E
naquella mesma hora ficou são o criado.
1 4 Tendo chegado Jesus a casa de
Pe-
(a) E que se sentarão d meta. Significando o
verbo recumbo de si mesmo sentar-se áme%a; c
sendo esta significação também exprefliffima no
texto Grego, como advertio Amelore , e como
traduzirão Le Gros , e Meiïengui ; não sei por
que o mesmo Amelote , Saci , os de Mons ,
e Huré vertèrão simplesmente, terão lugar 3 o
que a Vulgata diz recumbent. Pereira.
SEGUNDO S. MATT. Cap. VIII. $ 3
Pedro, vio que a sogra delle estava de
cama, e com febre.
1 5- Tocou- lhe na mão , e a febre a )
deixou : e ella levantando-se , le poz a
servillos.
1 6 Sobre a tarde , forão muitos os
endemoninhados que se lhepozerão di
ante ; e elle com a sua palavra expellio
os espiritos , e curou todos os enfermos ;
17 Para se cumprir o que estava di
to pelo Profeta Isaias : Elie mesmo to- i&mmí
mou as noíTas enfermidades , e carregou
com as nossas doenças.
18 Ora como Jesus se vio rodeado
de muito povo , mandou-lhes que pas
sassem para a banda dalém do lago.
19 Então chegando- se a elle hum
Doutor da Lei, disse-lhe este: Mestre,
eu seguir-te-hei , para onde quer que
tu fores.
20 Ao que Jesus respondeo : As ra
posas tem suas covas , e as aves do Ceo
tem seus ninhos : porém o Filho do Ho
mem não tem onde reclinar a cabeça.
21 Outro de seus Discípulos lhe
dis-
£4 Û Santo Evangelho deJ.C.
disse: Senhor, d^me licença, que vá
sepultar meu pai.
22 Mas Jesus lhe respondeo : Segue-
me, edeixa que os mortos sepultem os
feus mortos.
23 Depois entrou na barca, aeom-
panhado de feus Discipulos.
24 Elogo felevantou nomarhuma
tempestade tão rija*, que a barca se cnbria
de ondas ; e Jeíus entretanto dormia.
2 y . Então se chegárâo a elle feus
Discipulos , e o acordárao , dizendo:
Senhor, salva-nos, que perecemos.
a.6 E Jesus lhes respondeo : Porquc
temeis , homens de pouca fé ? E levanran-
do-fe , poz preceito ao mar , e aos ventos ;
ç logo se seguio huma grande bonança.
27 Entao se admirárão os que se
aehavâo presentes, e diziáo : Que ho-
mem he este , que os ventos , e o mar
lhe obedecem ?
28 Depois comojefus passou á ou
tra banda, ao paiz dosGertzenos, vie-
rao-lhe ao encontro dous enderrioninha-
dos, que fahiao dos fbpulcros, e que
vi-
SEGUNDO S. MáTT. CaP. VIII.
vìnhão tao furiosos , que ninguem ou-
sava passar por aquelle caminho.
29 Gritárão logo ambos, dizendo:
Que temos nós comtigo, Jesus Filho de
Deos ? (b) Vieste aqui atormentar-nòs
antes de tempo?
r Ora
(i) Viefa àtormentar-nos antes de tempo ? Co-
îfio os servos fugitivos , (diz aqui S. Jerony-
mo) que depois de muito tempo vem feu Se-
nhor, tudo he pedir-ihe que os náo castigue;
arstïm agora os demonios vendo~ de repenté no
Mundo o Senhor , julgaváo que era chegado
o feu dia do Juizo : Veìut ft fugitivi servi post
Ihultum tempus dominum suum mideant , nibil aliud
nifi de wrberibus deprecantur ; fie ù- dxmonet cer- .
nintes Dominum in terris repente uerfari , adjudi-
candum se meniffe credebant. Deste lugar pois do v
Evangelho , combinado com outro da Epiftola
de S. Judas verso 6. colhêráo muitos, e gra
vi ílimos Padres , que a pena de fogo eterno ,
€ de carcere perpéruo nos abysmos , a que desde
o ponto da sua prevaticação foráo condemna-
dos os máos Anjos , ou os demonios , ainda se;
náo deo de todo, earefpeito de todos à execu-
çáo ; masque a refervára Deos para depois do
juizo final. Entre a descsperada sorte (escreve
Tertulliano no feu Apologecico, cap. 27.) em -
que os poz oconhecimento da sua condemnação,
íerve-lhes de algum allívio a dilação da pena S
e a fruiçáo interina da sua malignidade : Des-
ferata condìtio eorum ex predamnatione solatium
refutat fruenda interim malignitatis de pmie mo+.
y6 O Santo Evangelho deJ. C.
30 Ora (c) cm alguma distancia da-
quel-
ra. Esta sim dada a sentença contra elles (diz
S. Bernardo no Elogio Funebre de S. Mala-
quias) mas ainda náo esta promulgada. Já es->
rà apparelhado o fogo que os ha de atormen-
tar ; mas ainda náo foráo precipitados no fogo ,
em quanto neste Mundo lhes permitteDeos o
exercicio das suas terribilidades : Definita, qui-
à\em , sed nondum promulgata sententia est. Jqnt
diabolo ignis paratur , etfi nondum Me précipita-
tus in igiiem , viodico adbuc tcmpore smitur mali-
gnari. O Veneravel Beda porém pos Commen-
tarios aoCapitulo}. deSant-Iago, e com elle
a Sentença commum dosTheologos tem , que -
pu ps demonios anderp voando pelo ar , 011
vagueem pela terra, ou estejáo amarrados nas
profundezas ; sempre em todp o lugar os acom-
panha o tormento de fogo : Ubicumque <yel in
aere volitant , <vel in terris , aut sub terris vagan-
tur , stve detinentur , fuarttm Jecum ferunt semper.
tormentaflammarum. Que he no sentir deEstio,-
e de Calmee p mesmo que dizer : Que ou eUes
estejáo no inferno , ou náo estejáo ; ou real?
mente os çerque o fogo , ou náo os cerque ;
sempre a viva apprehensáo delie , e a certeza
em que vivem de que prernamente o háo de
vir a padecer , he para elles já hum tormen-?
to acerbiífimo. E aíum se pòde conciliar mui-
ro bem a doutrina dos Padres com a sentenn
ça dos Theologos. Vejáo-se Estio no Livro 2.
das Sentença.* , Dist.6. §. 14. e Calmer naDis-
serraçáo De bonis malisque Angelis. PereirA.
Çc) Em alguma distancia. Podia 3 manada an-
{SEGUNDO S. Matt. Cap.VIII. $ 7
quelle lugar , andava pastando huma
grande manada de pórcos.
31 E os demonios o rogavao , di
zendo : Se nos lanças daqui , manda-
nos para a manada dos pórcos.
3 2 Elle lhes respondeo : Ide. E sahin-
do elles , forão-se metter nos pórcos. E
no mesmo tempo toda a manada dos pór
cos correo impetuosamente a precipitar-
se no mar : e todos morrêrão affogados.
33 Então fugirão os porqueiros: e
vindo á Cidade , contarão tudo , e o que
havia succedido aos endemoninhados.
Lo

dar em alguma distancia , isto he , hum pouco


longe ; e ser verdade , que andava perto. Por
isso traduzi , em alguma distancia , imitando a
Versão de Mons , que traduzio , un feu plus loin ;
e a de Saci , que diz , en un lieu feu eloigné ,
porque afíim se concorda bem tanto a lição da
Vulgata, que diz, erat autem non longe ; co
mo a do Texto Grego , que diz , erat autem Ioni
se. E tanto o non longe do Texto Latino , co
mo o longe do Grego, podem muito bem es
tar com o erat ibi de S. Marcos no cap. 5. e
de S. Lucas no cap. o. Que he donde o Padre
Amelote queria provar, mas náo provou, es?
tar falsificado o Texto Grego de S. Matiheys.
Pereira,

58 O Santo Evangelho dê J.C.


34 Logo toda a Cidade sahio aen-
contrar-se com Jesus: e quando o virão,
pedírao-lhe que se retirasse do seu termo.

CAPITULO IX.
Sdra Jesu Christo hum paralytico. Decla
ra o poder que tem deperdoar peccados.
Chama a Mattheus. Murmuração dos
Farijèos , por verem comer o Senhor com
os peccadores. Cura huma mulher , que
padecia hum fluxo de sangue , e resusci-
ta huma menina. Dá vista a dous ce
gos , efalia a hum endemoninhado mudo.

ï Ç^TJbindo a huma barca , passou


OJesus á filtra banda , e veio (a)
para a sua Cidade.
2 Eis-que lhe apresentarão hum pa
ralytico deitado na cama. E Jesus ven
do (b) a fé dos homens , disse ao para
lytico : Filho, tem confiança, os teus
peccados te são perdoados.
3 Logo alguns dos Doutores da
Lei
(a) Para a sua Cidade. Para Cafarnaum , on-
áe costumava habirar. Pereira.
A fé dos homens. A do paralytico , c a
dos que o traziáo. Pereira.
segundo S. Matt. Cap. IX 5-9
Lei disserão lá comfigo : Este he blas
femo.
4 Mas Jesus vendo-lhes os pensa
mentos , disse : Porque fazeis vós máos
juizos nos vossos corações ?
$ Qual he mais facil ; ou dizer:
Os teus peccados te são perdoados ; ou
dizer : Levanta-te , e anda ?
6 Ora para que vós conheçais , que o
Filho do Homem tem na terra poder
de perdoar peccados : Levanta-te, dis
se elle então ao paralytico, toma o teu
leito , e vai para tna casa.
7 R elle se levantou, e foi para sua casa.
8 O que vendo o povo , ficou cheio
de medo, e glorificou a Deos, que tal
poder deo aos homens.
9 Passando adiante, vio Jesus hum
homem (c) sentado no telónio , por no
me Martheus , a quem disse : Segne-me.
E elle levantando-se , o foi seguindo.
10 E estando Jesus á meza (d) em
ca-
(c) Sentado no telónio. Telónio se chamava
8 meza , e lugar , onde se cobraváo as rendas
públicas. Pereira.
(d) Em casa dejle bomem. Não nomea S. Mat>
6o O Santo Evangelho deJ. C.
casa deste homem , vinhão muitos publi-
canos, e peccadores, que se mettião a
comer com elle , e com seus Discipulos.
11 O que vendo os Fariseos , di»
ziao a seus Discipulos : Porque come
vosso Mestre dom publicanos, e pecca
dores ?
1 2 Mas Jesus que os ouvia , disse-
lhes : Não são os que tem saúde , os que
neceffitao de Medico j mas sim cs do
entes.
13 Ide pois, e aprendei o que quer
oseaiví. dizer : Eu mais quero a misericórdia,
do que o sacrifício. Pois eu não vim cha
mar os justos , mas os peccadores. (e)
14 Então vierão ter com elle os
Discipulos de João , dizendo : Qual he
a razão , porque nós , e os Fariseos je
juamos com frequência ; e os teus Dis
cípulos não jejuão ?
Re-
theus o dono da casa , mas' nomeáo-no S. Mar
cos, e S. Lucas. Pereira.
(e) Mas os peccadores* O Texto Grego ac-
creícenta , dpenitencia , aqui em S. Mattheus , e
no cap. 2. vers. 17. de S. Marcos. O que aVul,-
1 gata ío exprimio em S. Lucas , 5.32. Pereira.
SEGUNDO S. MATT. CaP.IX. 6t
i $ Rcspondeo-lhes Jesus : Por ven-
tura podem chorar (/) os Amigos do
Esposo , em quanto o Esposo está com
elles ? Mas lá viráô os dias , em que
se Ihes tire o Esposo , e entao elles je-
juaráó.
16 (g) Ninguem coze hum remen-
do

(/) Os Amigos do Esposo. A Vulgata diz


aqui , e em S. Lucas , 5. 54. Filii sponfi , os Fi-
Ibos do Esposo. O Texto Grego , Filii thalami nu-
piialis , os Filbos do leito nuptial. Porém já ad-
vertioEstio, fer hum Hebraisino chamar Filbos
os Amigos. E estes eráo os que alhstiáo , e obse-
?|uiaváo onoivo, todo o tempo que durava a
esta das vodas , que eráo de ordinario fete
dias. Amigos do Esposo , traduzíráo tambem Saci,
Quesnél, Huré, Le Gros, os de Mons, e Mef-
fengui. O Padre Amelore emS. Mattheus ver-
teo les enfant de Vepoux ; em S. Lucas , les amis
de l- epoux. Pereira.
(g) Ninguem coze , <£rc. Quer dizer Jefu
Christo , que ainda os Apostolos estaváo che-
ios do efpirito da Lei velha , e por confe-
quencia muito carnaes, para poderem luppor-
tar a pureza , e fantidade do efpirito da Lei
nova. Por isso condescende ainda com elles
em muitas coufas , atc que o Efpirito San-
to os venha transformar , e fortalecer em dia
de Pentecostes. Ameloïe, Saci com S. Joua
Cbrysostomo.
6 2 O Santo Evangelho de J. C.
do de panno novo num vestido ve*
lho ; de outra sorte leva o novo huma
parte do velho , e fica maior a rotura.
1 7 Nem o vinho novo se lança em
odres velhos ; íob pena de arrebenta
rem os odres , e de se entornar o vi
nho, e de se perderem os odres. Mas
o vinho novo lança-se em odres no
vos ; e assim ambas as cousas se con-
servâo.
18 Estando elle aíïïm discorrendo,
chegou hum dos Principes da Synago-
ga, e adorando-o, disse : Senhor, mi
nha filha acaba de espirar; mas vem tu
impôr-lhe a mão, e ella vivira'.
19 Jesus Ievantando-se o foi seguin
do com seus Discípulos.
ao E eis-que huma mulher , que ha
via doze annos padecia hum fluxo de
sangue , chegando-se por detrás delle,
lhe tocou a orla do vestido.
21 Porque hia dizendo no seu co
ração: Se eu tocar ainda sómente o seu
vestido, serei curada.
22 Jesus então virando-se , e vea
do-a ,
SEGUNDO S. MATT. CAP. IX. 63
do-a , disse : Filha , tem confiança , a
tua fé te salvou. E desde aquella hora
ficou a mulher sã.
23 Depois que Jesus chegou a ca
sa do Principe , (h) vendo aos que toca-
vão as flautas , e o rebulliço que estava
fazendo o povo, disse:
24 Retirai-vos , porque a menina
não está morta , mas dorme. £ elles o
escarnecião.
2j Expellido que foi o povo , en
trou Jesus , e pegou-lhe pela mão , e a
menina se levantou.
26 Do qual prodigio se espalhou a
voz por toda aquella terra.
27 Sahindo Jesus deste lugar ? fo-
rao-no seguindo dous cegos , dizendo
em altas vozes : Filho de David , tem
compaixão de nós.
28 E quando chegou a casa , vie-
rao a elle os cegos. E Jesus lhes disse :
Vós credes que eu. tenho poder de vos
fa-
(i) Os qu( tocavão as flautas. Que costuma-
váo com estes instrumentos formar hum con
certo fúnebre , para excitarem com elle as la
grimas , e lamentações dos astiltentes. Saci.
64 O Santo Evangelho de J. C.
fazer o que pedis ? Sim , Senhor , re->
spondêrão-lhe elles, nós o cremos.
29 Então lhes tocou Jesus os olhos *
dizendo : Faça-se-vos segundo a vossa sé.
30 E no mesmo ponto se lhes abri
rão os olhos. EJesus os ameaçou , dizem
do: Vede lá, que o não saiba alguem*
31 Mas elles em sahindo , divulga
rão por toda aquella terra o seu Nome1.
3 2 Apenas sahírão os cegos , quan*
do lhe puzerão diante hum homem mu
do, que estava possesso do demonio.
33 E depois que foi expellido o
demonio, fallou o mudo; do que ficou
admirado o povo, e dizia : Nunca tal
se vio em Israel.
34 Porém os Fariseos dizião: Ellé
expelle os demonios em virtude do Prin
cipe dos demonios.
3J Entretanto hia Jesus dando vol
ta por todas as Cidades , e Aldeias , en
sinando nas Synagogas , e pregando o
Evangelho do Reino, e curando todas
as doenças , e todas as enfermidades.
3 6 Vendo porém tanto povo , com-
pa-
Segundo S. Matt. Cap. IX. 6$
padeceo-se delles ; porque se achavão
quebrantados , e dispersos , como ove
lhas que não tem pastor.
37 Então diste a seus Discípulos;
Por certo que he grande a seára , mas
poucos os trabalhadores.
38 Rogai pois o Senhor da seara,
que mande trabalhadores á sua seara.

CAPITULO X.
Envia Jesu Christo os doze Apostolos t
pregar , e instrue-os. Dejcrevem-Je osseus
nomes. Exhorta-os a padecer , e sqffrer»
. Diz-lhes que não viera ao Mundo tra
zer paz , mas trazer guerra. Que he
necessario confejfallo diante dos homens ,
e prezar mais do que tudo o seu Nome.
Que o que honra aos seus servos , a elle
honra , e delle terá a recompensa,

ï jj^ Ntao convocados os seus doze


JHj Discípulos , deo-lhes Jesus po
der sobre os espiritos immundos, para
ps expellirem, epara curarem todas as
doenças , e todas as enfermidades.
2 Ora eis-aqui os nomes dos doze
Tom. I. E ApoÊ-
66 O Santo Evangelho de J. C.
Apostolos. O primeiro Simão, que se
chama Pedro, e André seu irmão;
3 Tiago filho de Zebedeo , e seu ir
mão João ; Filippe , e Bartholomeu;
Thomé , e Mattheus o publicano ; Tia
go filho de Alfeo, e Thaddeo;
4 Simão Cananeo , e Judas (a) Is
cariotes , que foi o que o entregou.
y Estes doze euyiou Jesus , depois
de lhes haver dado as instrucções seguin
tes^ (b) Não ireis a terras de Gentios ,
nem entrareis nas Cidades dos Samari
tanos.
6 Mas ide antes ás ovelhas perdi
das da casa de Israel.
7 E nos lugares por onde fordes,
prégai , dizendo: Está proximo o Rei
no dos Geos.
Cu-
(a) Iscariotes. Assim chamado , talvez por
ser do Lugar de Caristb da Tribu de Judas, de
que se faz menção no Livro de Josué , cap. i5-
Duhamel.
(i) Não ireis , <&c. Esta prohibiçáo não du
rou , íenáo pelo tempo da vida de Christo. De
pois da sua Resurreição , o mesmo Senhor os
mandou prégar o iivangelho por todo o Mun
do. Saci.
SËGUNDO S. M ATT*. CAP. X. 6>
8 Curai os enfermos, resuscitai oê
mortos, alimpai osleprosos, expelli os
demonios. Dai de graça , o que de gra-
ça recebestes.
o Não possuais ouro , nem prata,
nem tragais dinheiro (c) nasvossas tin
tas.
io Não leveis alforge para ocami*
nho, nem habitos dobrados, (d) nem
E ii ça-
(c) Nas uojsas cintas. Segundo o costume
dos Judeos , de que falla Aggeo, i. 6. e dos
mesmos Romanos , como de Horacio , Sueto*
nio , e Gellio mostra Calmkt. Pbrkira.
(i) Nem çapatost Como por S. Marcos i 6. o.
permicte Chrilto aos Apostolos o uso Aesanda-
Ibas ; crêrào S. Jeronymo , Santo Agostinho , e
outros Interprètes , que o que por S. Mattheus
neste Iugar prohibe Christo , ne hum calçado
diverso das sandalbas , quai na verdade sáo os
çapatos. Outros com Eraímo , Caètano, Ga«
gneo , Guillaud , crendo que o mesmo he em
S. Mattheus calceos , que em S. Marcos fanda*
lia , e em outros Authores foleas ; querem que
o Senhor náo prohiba ao&. Apostolos o calça
do fimplesménte ; mas íìm o calçado dobra-
do , como prohibe as duas tunicas- E esta serw
tença prefere Calmer áprimeira. Tambem 80-
mo por S. Marcos no mesmo ltìgar permitte-
Christo aos Apostolos o uso de bordáo , dizenr
do , Nequid tolltrem , niji Hirgam tmtum ; qu«f
62 O Santo Evangelho de J. C.
çapatos , nem bordão ; (e) porque quem
trabalha, merece que o sustentem.
11 Em qualquer Cidade , ou Aldeia
em que entrardes , informai-vos de quem
hanella, (/) que seja digno de vos hos
pedar ; e ficai em sua casa até vos re
tirardes.
12 Ao entrardes na casa , saudai-a ,
dizendo : Paz seja nesta casa.
13 E se aquella casa o merecer , vi
rá sobre ella a vossa paz : e se o não
merecer, tornará para vós a vossa paz.
Suc-
o mesmo Calmet com outros Críticos , que
em S. Mattheus em lugar do singular negue
mirgam , se leia no plural neque uirgas , co
mo trazem alguns manuscritos Gregos , que
cita Milles ; de forte, que o que Christo pro
hiba , seja o uso de duas varas » ou de dous
bordões. Pereira.
(e) Forque quem tralalba. Daqui se colhe ,
estarem os Fieis obrigados por Direito Divino
a sustentar os Ministros do Evangelho , que
são os seus Pastores. Mas isto se entende quan
to á côngrua , náo quanto á quota. Pereira.
-n£/) 2.Bff feia digno. Importa muito para a
conversão das almas a boa reputação dos Mi
nistros Evangelicos. E esta boa reputação de
pende muito da qualidade da casa , em que el-
les se hospedão. Amjblote. >
segundo S. Matt. Cap.X. 6$
14 Succedendo não vos querer al
guém em casa , nem ouvir o que di
zeis ; sahi para fora da casa , ou da
Cidade , (g) e sacudi o pó de vossos pés.
15 Em verdade vos affirmo , que
menos rigor experimentará no dia do
Juizo a terra de Sodoma , e de Go-
morra, do que aquella Cidade.
16 Vede que eu vos mando como
ovelhas no meio de lobos. Sede logo
prudentes como as serpentes , e simples
como as pombas.
17 Mas guardai-vos dos homens.
Porque elles vos farão comparecer nos
feus juizos , e vos farão açoutar nas
suas Synagogas.
18 E vós sereis levados por meu
respeito á presença dos Governadores,
e dos Reis , para lhes servirdes a elles ,
e aos Gentios de testemunho.
19 Quando pois vos levarem pre-
zos , não cuideis de que modo , ou que
1 cou-
1
(g) E sacudi o pó de mojsos pêt. Por huma
espécie de maldição , que os declare indignos
da graça de oiwr o Evangelho. Saci,
yo O Santo Evangelho deJ. C.
cousa haveis de fallar ; porque naquel-
la mesma hora sç vos inspirará, o que
haveis de dizer.
»q Porque não sois vós os que fal-
lais; mas o Espirito de vosso Pai he o
que falia em vós.
21 Hum irmão entregará á morta
a outro irmão, e o pai ao filho : e os
£Ihos se levantaráó contra os pais , e
mais , e lhes darão a morte.
%i E vós por causa do meu Nome
sereis o odio de todos. Aquelle porém
qup perseverar até o fim , esse he o que
será salva
23 Qiiando vos perseguirem numa.
Cidade , (h) fugi para outra. Em ver*
dade vos affirmo , que não acabareis
de çorrer as Cidades de Israel , (/') sem
que venha o Filho do Homem.
Não
(6) Fugi para outra. S. Pedro Chrysologo
no Sermão 151. O que se acha pre%o pela Fé.
deve perseverar constante : o que não está prezo ,
dtve fugir do perseguidor. O que provoca o perse
guidor , esse he que o faz : o que se desvia delle f
twenda-o. Confira-se Santo Agostinho na Epis-,
tola i$, a Honorato. Pereira.
(f) §m <\m venha o Filbo 4o Homim- Segun*
SEGUNDO S. MATT. Cap. X. 71
24 Náo he o Diícipulo sobre o Mesr
tre , nem o Servo sobre o que he feu
Senhor.
25* Basta aoDifcipulo sercomo feu
Mestre; e ao Servo, como feu Senhor.
Se elles chamáráo Beelzebú ao Pai de
Familia , qnanto mais he para espe-
rar, que elles tratem aÚKii os íeus do-
mesticos ?
26 Náo tenhais logo medo délies.
Porque nada ha encuberto, que se náo
venha adeícubrir; enada occulto, que
se náo venha a saber.
27 O que eu vos digo ás escuras,
di-
do S. Joáo Chrysostomo com feus Discipulos
Euchymio , e •Theofylacto , quer dizer Chri-
sto , que náo háo de acabar os Discipulos a
sua milsáo , sem que elle os venha acompa-
hhar , para concluir na Judéa o que elles ti-
verem começado : entendendo affim o que diz
S. Lucas , 10. 1. Mistt illos binos ante faciem
fuam s in omnem civitatem <& ìocum , quo erat
ipse menturus. Segundo Santo Hilario quer di
zer Christo , que as reliquias do povo de Is
raël náo seráo chamadas no fim do Mundo á
Fé do Evangelho , senáo depois que toda a
multidáo dos Geutios tiver encrado na I&reja.
7i O Santo Evangelho de J.C.
dizeis) ás claras : e o que se vos diz
ao ouvido, publiçai-o dos telhados.
28 Não temais aquelles , que po
dem matar o corpo , mas que não po
dem matar a alma : mas temei antes
aquelle, que pode lançar no inferno a
alma , e o corpo.
29 Não he aflim que dous pardaes
se vendem por pouco mais de nada?
E com tudo hum delles não cahirá
sobre a terra , sem vosso Pai afllm o
querer.
30 Ora os vossos mesmos cabellos
todos estão contados.
31 Affim não temais : que muito
mais valeis vós , do que hum grande
bando de pardaes. .
32 Todo aque) le pois , que me con
fessar em presença dos homens , tam
bem eu o confessarei em presença de
meu Pai , que está nos Ceos.
33 E o que me negar diante dos
homens , tambem eu o negarei diante
de meu Pai , que está nos Ceos.
34 Não julgueis que vim trazer
paz
segundo S. Matt. Cap. X. 73
paz d terra : não vim trazer-lhe paz , (&)
mas espada.
35- Porque vim separar o filho de
seu pai , e a filha de sua mai, e a no
ra de sua sogra.
36 E terá o homem por inimigos ,
os seus mesmos domesticos.
37 O que ama o pai , ou a mâi
mais do que a mim, não he digno de
mim : e o que ama o filho , ou a filha
mais do que a mim , não he digno de
mim.
38 O que não toma a sua cruz ,
e não me segue , não he digno de
mim.
39 O que conserva a sua vida , per-
della-ha : e o que perder a sua vida por
amor de mim ,. achalla-ha.
40 O que a vós recebe , a mim re
cebe ; e o que a mim recebe , recebe
áquelle, que me enviou.
O
(k) Ma; espada. A espada da Fé , e do Evan
gelho : o qual apenas foi annunciado, quan
do logo se dividio todo o Mundo , sendo os
que habicaváò em huma mesma casa » huns
fieis , outros infieis. Saci.
74 O Santo Evangelho de J. C.
41 O que recebe hum Profeta na
qualidade de Profeta , receberá a recom
pensa de Profeta : e o que recebe hum
justo na qualidade de justo, receberá a
recompensa do justo.
42 De forte que todo aquelle, qne
der a hum destes pequeninos hum có-
po deagua fria , só pela razão de ser meu
Discipulo; eu em verdade vos affirmo,
que elle não ha de perder a sua recom
pensa.

C A P I T U L O XT.
Manda o Baptista des da priztío pergun
tar a Jesus , se elle he o Mejftas pro
mettido. Jesus o louva em presença do
povo. Compara os Judeos aos meninos ,
que brincão no terreiro. Reprehende , e
ameaça as Cidades , que se não tinhão
convertido com jeus milagres. Convida
que venhao a elle os que estão fatigados.
Diz que o seu jugo he suave.

1 1 "\ Epois queJesus acabou de dar


JL/ estas instrucções aos seus do
ze Discipulos , passou dalli a enfinar,
e
SEGUNDO S. MáTT. Cap. XI. 75-
C a prégar nas Cidades circumvizi-
nhas.
2 Ora João tendo ouvido naprizao
as obras de Jelu Christo, mandou por
dous Discipulos seus fazer-lhe esta per
gunta :
3 Es tu por ventura o que deve vir ,
ou he outro o que esperamos?
4 E Jesus lhes respondeo : Ide dizer
a João o que ouvistes, e o que vistes.
5- Os cegos vem , ,0$ coxos andão ,
os leprosos alimpao-se , os mortos re-
surgem , e aos pobres annuncia-se-lhes
o Evangelho,
6 E bemaventurado aquelle , que
se não escandalizar do que vir em mim.
7 Despedidos elles, começou Jesus
a dizer ao povo, fallando de João: Que
he o que vós sahistes a ver no Deserto ?
huma cana agitada do vento?
8 Mas que sahistes vós a ver ? hum
homem vestido com luxo , e delicadeza ?
Vós sabeis que os que vestem com lu
xo , e delicadeza , são os que afEstem
nos Palacios dos Reis,
j6 O Santo Evangelho de J. C.
o Que sahistes vós logo a ver ? Hum
Profeta ? Sim , vos digo eu , e ainda
mais do que Profeta.
io Porque deste heque foi escrito:
Eis-ahi envio eu o meu Anjo adiante
de ti, o qual te preparará o caminho,
por onde deves ir.
n Em verdade vos affirmo , que
entre os que nascerão de mulheres, ne
nhum houve maior , do que João Ba
ptista : porém o mais pequeno no Rei
no dos Geos, he maior do que elle.
1 2 Des do tempo porém de João
Baptista até agora , padece força o Rei
no dos Geos ; e os que fazem violência ,
são os que o arrebatão.
13 Porque até João, todos os Pro
fetas profetizarão , como também a Lei.
14 (d) E se vós o quereis bem com
pre
is) E se dós , <&c. Também se pode tradu
zir assim este lugar: E se mós o quereis receber:
ou , E se -vós tomais bem o que mos digo. A pri
meira incelligencia he a que Saci poz fóra do
icxto : a segunda he a que aponta Duhamel
nas suas Notas. A que eu puz no texto > he
de Amelote , Saci , Huré , e da Versão de
Mons. Pereira.
Segundo S. Matt. Cap. XI. 77
prehender, (b) elle mesmo he o Elias,
que deve vir.
O que tem ouvidos de ouvir,
ouça.
16 Mas a quem direi eu , que he
semelhante esta geração ? He semelhan
te aos meninos , que estão sentados no
terreiro , e que gritando , dizem aos
companheiros :
17 Nós cantámos-vos (c) ao som da
gaita , e vós não bailastes : Cantámos-
vos eui ar triste, e vós não chorastes.
18 Porque veio João , que não co
mia, nem bebia, e dizem : Elle tem
demonio.
Ve-
(t) Elie mesmo le o Elia?. Porque o mes
mo que Elias fará antes da segunda vinda do
MeíEas , fez João agora antes da primeira,
pregando ambos aos Judeos que se preparem
a recebello. Amelote.
(c) Ao som da gaita. O Latim diz aqui sim
plesmente , cecinimus vobis ; mas como o Gre
go accrescenta tibiis , e a mesma Vulgata oéx-
primio em S. Lucas , 7. 37. por isso no texto
fiz mençio do som da gaita, seguindo aos de
Mons. E o explicar antes por gaita , do que
por flauta , o que no Original se diz tibia;
ninguem deixará dever, que foi porque a gai-
78 O Santo Evangelho dë J. C.
i9 Veio o Filho do Homem , que
come, e bebe, e dizem : Vede o ho
mem glotão, amigo de vinho, e cama
rada de publicanos , e peccadores. (d)
Mas a sabedoria foi justificada por seus
filhos.
20 Então começou a lançar em ros
to ás Cidades , em que tinha obrado
tantos milagres , o não haverem feito
penitencia.
21 Ai de ti Coroazin , e ai de ti
Bcthsaida : que se em Tyro , e Sidónia
se tivessem obrado os prodígios , que
se

ta he mais própria dos meninos , do que » flauta.


O que Jelu Christo porém quer significar com
esta comparação , he , que a rebeldia 4 e infle
xibilidade dos Judeos era tanta , que ou Deos
lhes puzefle por exemplar huma vida austera ,
penitente , qual era a do Baptista; ou huma
vida commum , e popular, como a do meímo
Senhor ; a nenhuma os Judeos se accommodaváo.
Pereira com S, Jeronymo.
(4) Mas a sabedoria, <&c. A sabedoria, ou
conducta de Deos em mandar a João , fazendo
huma vida austera , e em mandar seu Unigé
nito Filho, fazendo huma vida commum ; ficou
justificada por seus filhos , isto he , pelos que
o amáo, e attendem. Aíullote.
secundo S. Matt. Cap. XL 79
se obrárão em vós ; (e) ha muito tempo
que ellas teriao feito penitencia , cubrin-
do-se de sacco , e- de cinza.
22 Eu vos digo com tudo : Que no
dia do Juizo não será tão grande o ri
gor contra Tyro , e Sidonia , como con
tra vós.
23 E tu , Cafarnaum , elevar-te-has
por ventura até oCeo? Has de ser aba
tida até o inferno. Porque fe em Sodo-
ma se tiveísem feito os milagres , que
sefizerao em ti ; (/) talvez que ella sub
sistisse até o dia de hoje.
Eu
(e~) Ha muito tempo que , &c. No seu Enqui-
ridio , ou Manual , obierva Santo Agostinho,
que neste texto nos dera o Senhor a conhecer
a profundeza do Mysterio da predestinação.
Perbira.
(/) Tafoez que ella. A Vulgata tem aqui
forte , talvez : porém o Grego tem huma par
tícula , que todos os Expositores intelligentes
advertem , ser adverbio de affirmar , e não de du
vidar. Assim o observáo aqui de la Haye , e Du
hamel. Em S. Joáo , 4. 10. onde a Vulgata ter»
forsttaa fetiijses , observa o mesmo Saci , e Cal
mer. E no mesmo S. Joáo , 5. 46. onde a Vul
gata diz , crederetisforsttan , observáo o mesmo
Jansenio deGand, e Estio. Porque he innega-
Velr que em muitos lugares se náo pode en-
So O Santo Evangelho dèJ. C.
24 Eu vos digo com tudo: Que no
dia dojuizo experimentará Sodoma me
nos rigor, do que tu.'
25: Então disseJesus estas palavras :
Graças te dou , Pai , Senhor do Ceo ,
e da terra ; porque occultaste estas cou
sas aos sábios, e prudentes, e as reve
laste aos pequeninos.
26 Sim , Pai ; porque aílim foi do
teu agrado que fosse.
To-
tender o forte, oU forsttan da Vulgata , quan
do corresponde à tal partícula Grega , em sen
tido de duvidar , mas sim de afhrmar : como
Genes. 31. 42. Exod. 14. 14. Salm. 123. 3. e4.
e Salm. 138-11. E outras vezes explicou a Vul
gata por utique , que quer dizer certamente , ou
sem dúvida , a mesma partícula Grega do pre
sente Texto de S. Mattheus : como em S. João 5
8. 4. Biligeretis utique. Esta he a razão , por
que a Versão de Mons primitiva nenhuma men
ção fez aqui em S. Matcheus da partícula for
te , mas traduzio absoluta , e afirmativamen
te affim : Si les miracles qui ont été faits au mi
lieu de vous , avoient été faits dans Sodome , elle
se seroit conservée jusqu'aujourd'hui. Como já
antes tinháo também traduzido em Hespanhol
Calsiodoro de la Reyna : Si en los de S9doma.
fueran becbas las maravillas que ban fido becbas
en ti y ouieran quedado basta el dio de oy. E em
Portuguez João Ferreira de Almeida: Se em u.
SEGUNDO S. MATT. CAP. XI. 8 1
27 Todas as cousas me forão entre-
gues por.meu Pai. Eninguem conhece
o Filho, senão o Pai; nem alguem co
nhece o Pai , senão o Filho , e a quein
o Filho o quizer revelar.
2 8 Vinde a mim todos vós , os que
andais em trabalho , e vos achais carrc-
gados j que eu vos aliviarei.
29 Tomai sobre vós o meu jugo,
e aprendei de mim , que fou manío , e
humilde de coraçao; eachareis descan-
ço para as vossas almas.
Tom.I. F Por-
de Sodoma foriïo feitas as maramìlhas que em ti se
fi%erao , até 0 dia de hoje howverâo permanecido.
E no primeiro lugar de S. Joáo praticou o mef-
mo Amelote. E no segundo piaticáráo o mes-
mo Amelote, Saci , Huré , e os de Mons. Ac-
crelce por ultimo , que o que a Vulgata diz,
em S. Lucas , 20. 24. Forsttan merebuntur Jilium
meum ; refere a mesma Vulgata em S. Mattheus ,
21. 37. e em S. Marcos, 12. 6. íem cxprimir
o forsttan, mas abíoluta, e alHrmativamcnte ,
mtrebuntur filium meum. Pelo que em todos es
tes lugares verrerei em sentido absoluto , e
alfirmativo o forsttan da Vulgata, seguindo as
Versées rereridas. Sobre o que podem ver os
que quizerem a Arnault* na Nouvelle Defense
de la Traduclion du Nouveau Testament imprimée
* Mons, Linjro <j. tas. b". IJ£R£1RA.
82 O Santo Evangelho deJ.C.
30 Porqne o meu jugo he luavc,
e o meu pezo ligeiro.

CAPITULO XII.
Defende Jesu Christ0 feus Discipulos , que
haviao colhido humas efpigas em dia de
sabbado. Cura 0 que tinha huma das maos
reficcada. Manda a outros muitos que
curou , que 0 nao digao por ora. Conven-
ce a calumnìa dos Fanjeos , que attri-
buìâo a Beelzebú a liberdade , que elle
dera a hum poffejjò. Declara fer irremij-
Jìvel 0 peccado contra 0 Espirito Santo.
Diz que se ha de âar conta de toda a
palavra ociosa. Nao mostra aos Judeos
cutro prodigio . que 0 do Profeta -^jonas.
Declara porsua mai , e porJeus irmaos ,
todos os que fazem a vontade de feu
Eterno Pai.

1 7VT Aquelle tempo , num dia


X^l de labbado, sahio Jesus cami-
nhando ao longo dos pâes: e feus Dis
cipulos , que tinhão tome, começárão
a çolher espigas ^ e a comer de!Jas.
O que vendo os^Fariíèos, dilserão pa
ra Jesus :
Eis-
SEGUNDO S. MATT. CAP. XII. 83
1 Eis-ahi estão fazendo teus Discí
pulos , o que não he permittido fazer
nos fabbados.
3 Mas elle lhes disse : Vós não ten
des lido o que fez David , quando elle ,
e os da sua comitiva tiverão fome?
4 Como entrou na Casa de Deos ,-r. Ree.
e comeo (a) os Pães da Proposição , os XXI' '

quaes não era licito comer nem a elle , Le»it.


nem aos que o acompanhavao , mas uni
camente aos Sacerdotes?
5- Ou não tendes lido na Lei , co- Num.
mo nos íabbados no Templo violão os xxvm'

Sacerdotes o fabbado , e ficão sem cul


pa ?
6 Pois eu vos declaro , que aqui es
tá, quem hc mais do que o Templo.
7 Se vós soubésseis o que quer di-oseasvi.
zer, Eu mais que-ro a misericórdia , do
F ii que

(a) Os Pães da Proposição. Pelo cap. 24. do


Levitico mandava Deos que sobre o Altar do
Templo se conservassem sempre doze páes ,
muito grandes , que todos os fabbados le re-
formaváo , e eráo só para os Sacerdotes. Cha-
maváo-le Pães da Proposição , porque sempre el-
tavão diante de Deos. Pjbrhira.

I
84 O Santo Evangelho de J. C.
que o sacrifício ; nunca condem narieis os
innocentes.
8 Porque o Filho do Homem he Se
nhor até do sabbado mesmo.
9 Depois de partir dalli, veio pa
ra a Synagoga da Cidade.
10 Eis-que apparece hum homem ,
que tinha (b) resiccada huma das mãos.
È para terem de que o arguir , fizerão
a Jesus esta pergunta : He licito curar
nos sabbados?
11 Mas Jçíus lhes respondeo : Que
homem haverá de entre vós , que se
tiver huma ovelha , e esta em dia de
sabbado lhe cahir em huma cova, não
lhe lance a mão para dahi a tirar?
12 Ora quanto mais excellente he
hum homem, do que huma ovelha ? Logo
he licito fazer bem nos dias de sabbado.
13 Então disse para o homem: Es
tende a tua mão. Elle a estendeo , e fi
cou sa, como a outra.
Os

Restccada huma das mãos. Amelotc , e Cal


mer o entendem de huma mão paralytica , e
encolhida pela contracção dos nervos. pBRsn1*'
segundo S. Matt. Cap. XII. 8?
14 Os Fariseos depois de sahirem
para fóra, consultavão entre si, como
o havião de perder.
15- Jesns conhecendo-o , retirou-se
dalli : e sendo muitos os que o seguírão ,
elle os curou a todos :
16 E poz-lhes preceito , que nao
descubrissem , quem elle era.
17 Para secumprir o que differa o
Profeta Isaias:
18 Eis-aqui o meu Servo, que eui«.xui,
escolhi; o meu Amado, emquem a mi-
nha alma tem posto toda a sua compla-
cencia. Eu porei o meu espirito sobre
elle: e elle annunciará ás gentes a jus-
tiça.
19 Nao disputará, nem gritará, e
ninguem ouvirá a sua voz nas nias.
20 (c) Nao quebrará a cana que es
ta deprimida , nem apagará o pavio que
ain-
(c) Nao quebrará a cana , <&c. Açcommo-
dai-le-ha aos espìritos fracos , náo os irritan-
do , mas soffrendo-os corn paciencia , e attra-
hindo-os corn suavidade , c esperando pela saa
conversáo , atc elles Iho perraitcirem. Amelo-
tb , Saci, e Calmet.
86 O Santo Evangelho de J. C.
ainda fumega , até que saia victoriosa
a sua justiça.
21 E no sen nome porão as gen
tes a esperança.
22 Entao se lhe apresentou hum en
demoninhado , cego , e mudo : e elle
o curou , de sorte que fallava , e via.
23 Pelo que todo o povo ficou cheio
de espanto , e dizia : Não he este o fi
lho de David ?
. 24 Mas os Fariseos ouvindo isto,
dizião: Este não expelle os demonios,
senão em virtude de Beelzebú , Principe
dos demonios.
25: Então Jesus conhecendo os seus
pensamentos , lhes disse : Todo o Rei
no dividido contra si mesmo , será ar
ruinado : etoda a Cidade, ou casa, di
vidida contra si mesma , não poderá
subsistir.
26 Ora seSatanaz lança fòra a Sa
ta naz , estáclle dividido contra si mes
mo: como persistirá logo o seu reino?
27 E se eu lanço fora os demonios
em virtude de Beelzebú \ em virtude de
quem
SEGUNDO S. MâTT. Cap. XII. 87
quem os expellem (d) vossos silhos ? por
isso he que elles serao os vossos Juizes.
28 Se eu porém lanço fora os de-
monios pela virtude do Espirito de
Deos ; logo he chegado a vos o Rei-
no de Deos.
29 E como póde alguem entrar na
casa do valente , e saquear (e) os feus
móveis , se antes não prende o valen
te, para entao lhe saquear a casa?
30 O que não he comigo, he con
tra mim : e o que não ajimta comigo,
desperdiça.
Por
(£) Vossos filhos. Dos Actos dos Apostolos ,
cap. 19. e de S. Justino no Dialogo contra Trifáo,
c de Santo Irineo no Livro z. cap. 5. sabemos ,
quetambem entre os Judeos havia feus Exotcií-
tas , que lançaváo fóra os demonios , invocando
o Deós de Abraháo , Isaac , e Jacob. Perkira.
(e~) Os feus máveis. A Vulçata ponJo a ef-
pecie pelo genero , diz os feus vases. Porcm os
3ue attendem á propriedade do Original , to-
os vcrtem os feus mtrueis , como Saci , os de
Mons, Le Gros, e Messengui : que he o que
Srimeiro que rodos verteo Castiodoro de la
.cyna , fus albajas. Porque isso signifies o
Hebraico keli , a que corresponde o Grego
febeyn. Veja-se Calmet sobre S. Marcos 1 1. 16.
PfiREIRA.
88 O Santo Evangelho deJ. C.
31 Por isso eu vos declaro , que to
do o peccado , e toda a blasfemia serão
perdoados aos homens. (/) Porém a blas
femia contra o Espirito Santo não lhes
será perdoada.
32 E todo o que disser alguma pala
vra contra o Filho do Homem , perdoar-
se-lhe-ha : Porém o que a disser con
tra
(/) Porém a blasfemia contra o Espirito San
to , ó-c. Na primeira Edição dizia-se aslim:
Mas o espirito de blasfemia : o que eu puz en
ganado do Exemplar da Vulgata que tinha dian
te dos olhos, que era o de Duhamel de Vene
za .de 176;., onde corruptamente se lê Spiri
tus autem blasphemia non rtmittttur ; em lugar
de Spiritus autem blaspbemia 3 &c. Agora que
adverti na equivoeação , a emendo explicando-
me como Saci , Arnault, e outros: seguindo
aos quaes ajuntei tambem ao nome Espirito
o epitheto de Santo , que ainda que não he
aqui expresso no Texto , sobentende- se pelo
verso seguinte. Qual seja porém a blasfemia
contra o Espirito Santo , que Jesu Christo
aqui declara ser irremissível ; diz Santo Agos
tinho , no Sermão 71. que he talvez a maior
difficuldade que se encontra em toda a Escri
tura : Forte in omnibus Scripturis nulla maior
qvesiio , nulla difficilior imienitur. Elle se in
clina neste, e noutros lugares, a que este pec
cado contra o Espirito Santo se deve entent
secundo S. Matt. Cap. XII. 8o
tra o Espirito Santo , não se Jhe per
doará, (g) nem neste Mundo, nem no
outro.
33 Ou confessai que he boa a arvo
re,
der da impenirencia final , junta com a deses
peração da Misericórdia Divina. Porém Santo
Athanasio na Epistola 4. a Serapiáo , e S. Je-
ronymo na Epistola 140. a Marcella , enten
dem que he o peccado , com que as obras vi
sivelmente do Espirito Santo se artribuem ao
demónio, como os Judeos attribuiáo ao poder
de Beelzebú os milagres de Cbristo. Desta ma
téria he digna de se ler a Dissertação de Cal
mer De peccato in Spiritum Sanãum : e as No
ras' de Thomafi , e Vezzofi ao Livro 3. dos
Testemunhos de S. Cypriano, cap. 28. Nesta
segunda interpretação o dizer-se que a blasfé
mia contra o Espirito Santo não se ha de per
doar nem neste século , nem no futuro , não
he dizer que se não pôde perdoar ; mas sim
que he mui difhcultoso perdoar-se , porque
também he difficultosifhmo arrepender-se opec-
cador da sua obstinação. Pereira.
(g) Nem nefa Mundo, <à'C Daqui rira San
to Agostinho , no Livro 21. da Cidade de Deos ,
cap. 24. e S. Gregorio, no Livro 4- dos Diálo
gos, cap. 39. hum bom argumento da existên
cia do Purgatório. Porque não diria Christo ,
que o peccado contra o Espirito Santo não se
perdoava , nem neste Mundo , nem no outro ;
senão soppuzesse, que alguns peccados se per
doava© no outro Mundo. PjíReika.
yo O Santó Evangelho de J. G.
re , e bom o seu fructo ; ou dizei que
he má a arvore , e máo o seu fructo : pois
pelo fructo he que se conhece a arvore.
34 Geração de viboras, como po
deis vós fall ar bem, fendo, como sois,
máos? porque a boca falla, o de que
está cheio o coração.
35- O homem que he bom , tira
boas cousas do bom thesouro: e o ho
mem que he máo, tira más cousas do
thesouro máo.
36 Eu porém vos declaro, que no
dia do Juízo darão os homens conta Çh)
de toda a palavra ociosa , que houve
rem dito.
37 Porque pelas tuas palavras se
rás justificado : (i) e pelas tuas palavras
lerás condemnado.
En-
(1,) De toda a palavra ociosa. Se até de huma
palavra ociola liáo de os homens dar conta a
Deos no dia do Juizo : que será das palavras
de murmuração, de calumnia, de deshonesti-
dade , de blasfemia, e de heresia ! Pereira.
(0 E pelas tuas palavras feras condemnado.
Quer dizer , que quando falte outra prova ,
bastão as palavras para se conhecer, seesbom,
ou máo. Amelote.
SEGUNDO S. MATT. CAP. XII. $> I
38 Então lhe disserão alguns dos
Doutores da Lei, e dosFariieos: Met
tre, (k) nós quizeramos ver-te fazer al
gum prodígio. . -
39 Mas elle lhes respondeo : Esta
geração má, e adultera pede hum pro
dígio ; e não se lhe concederá outro,
que o do Profeta Jonas.
40 Porque affim como Jonas este
ve no ventre da balea tres dias , e tres
noites : affim estará o Filho do Homem
tres dias , e tres noites no coração da
terra.
41 Os habitantes de Ninive hão de
levantar-se no dia dojuizo com esta ge
ra-
(&) Nós quizeramos. Ainda que o Texto Ori
ginal tem aqui no presente, volumut , porque
na frase dos Hebreos este era o leu modo or
dinario de fallar ; com tudo a civilidade da
nossa Lingua pede, que usemos antes do pre
terito pluiquamperfeito , como tambem fizeráo
Àmelote, Saci, Huré, os de Mons., e todos
os mais, que todos dizem aqui: Nous voudrions
lien, <&c. e primeiro que todos o nosso Joio
Ferreira de Almeida , quizeramos. Vejáo-lènes-
teparticular as Observações de Arnault na Aroa-
tslle Defense de laTraduãion ds Mons } Livro II.
cts. 3. Perbira.
91 O Santo Evangelho de J. C.
ração, e a hão de condemnar; porque
fizcrão penitencia com a pregação de Jo
nas. E entre tanto sabei que aqui está,
quem he mais do que Jonas.
42 A Rainha do Meio Dia levan-
tar-se-ha no dia do Juizo com esta ge
ração , e condemnalla-ha ; porque veio
lá das extremidades da terra para ouvir
a sabedoria de Salamao. E entre tanto
sabei que aqui está , quem he mais do
que Salamão.
43 Depois que o espirito immun-
do sahio de hum homem , anda pelos
lugares seccos, busca descanço, e não
o acha.
44 Então diz : Tornarei para mi
nha casa , donde sahi : e vindo , acha-a
despejada , varrida , e composta.
4f Então vai, e toma outros sete
espíritos , que são peiores do que elle , e
entrando fazem alli domicilio : e fica
aquelle homem em peior estado no fim ,
do que no principio. Afiam acontecerá
a esta geração peífima.
46 Estando elle ainda fallando ao
po-
SEGUNDO S. MATT. CaP. XII. 93
povo , eis-que postos da parte de fóra ,
procuravão fallar-lhe sua mãi, (/) eseus
irmãos.
47 E hum lhe disse : Olha que tua
mai , e teus irmãos estão alli fóra , e te
querem fallar.
48 Porém elle disse ao que lhedeo
parte : (tn) Quem he minha mãi , e quem
são meus irmãos ?
49 E estendendo a mão para seus
Discípulos , disse : (rc) Eis-alli minhà
mãi , e meus irmãos.
Por-
(/) E seus irmãos. He de Fé , que Maria
Sanciifima náo teve outro Filho , senão a Je
sus. Logo por irmãos de Christo se devem aqui
entender , ou os que elle teria da parte de
S. José , como crêráo quasi todos os Santos Pa
dres dos primeiros seculos ; ou os primos da
parte da mãi , que na frase dos Hebreos se
chamaváo tambem irmãos. Veja-se Melchior
Cano , no Livro 1 i.cap.5. Tillemont , no tom. 1.
pag. 485. e 505. Calmer , na Diss. De S. "Josepho , .
ãrr. 3. Pereira.
(*Ó Q.uem be minha mãi. Isto náo foi des
prezar sua mái : foi mostrar quanto elle esta
va despegado da carne , e sangue, e quanto
rios o devemos estar no exercício do ministe
rio Apostólico , que todo he espiritual. S. Je-
ronymo , e S. Ambrosio.
sV) Eis-alli minha inãi. He mái de Jesu
©4 O Santo Evangelho de J. C.
50 Porque todo aquelle, que fizer
a vontade de meu Pai , que está nos
Ceos , esse he meu irmão , e irmã , e mãi.

CAPITULO XIII.
Jesus sentado em huma barca propõe ao
povo varias parabolas , como a do se
meador , e a do joio misturado no trigo.
Elle as explica particularmente a seus
Discípulos. Ensinando em Nazareth , diz
que hum Profeta só na sua Patria dei
xa de ter estimação.

1 TVT Aquelle mesmo dia sahindo


JL^I Jesus de casa, sentou-se á bor
da do mar.
2 E veio concorrendo para junto
delle tanto povo, que elle subio a hu
ma barca , onde se sentou , ficando to
do o povo em pé na ribeira.
3 E fallon-lhes muitas cousas em
parabolas, dizendo: Sabio aquelle , que
femea, a semear.
1 E
Christo todo o que o faz nascer na alma de
qualquer proximo , ou com a sua pregação,
»u com o seu bom exemplo. S. Ambrósio,
S. Gregorio , e S. Bernardo.
Segundo S. Matt. Cap. XIII. o?
4 E quando elle semeava , huma
parte da semente cahio junto da estra
da ; e vierão as aves do Ceo , e comê-
rão-na.
5- Outra cahio em pedregulho, on
de não tinha muita terra : e logo nas-
ceo, porque não tinha altura de terra.
6 Mas nascido o Sol , queimou-se :
e como rião tinha raizes, scccou.
7 Outra cahio entre espinhos : e
crescendo os espinhos , estes a affogá-
rão.
8 Outra em fim cahio em boa terra ,
cdava frutlo; havendo alguns grãos que
rendião a cento por hum , outros a ses
senta , outros a trinta.
9 O que tem ouvidos de ouvir,
onça.
10 Chegando-se a elle seus Discí
pulos, perguntárão-lhe : Porque razão
lhes fallas tu por parabolas ?
11 È elle lhes respondeo: He por
que a vós foi-vos concedido conhecer
os Mysterios do Reino dos Ceos ; mas
a elles não lhes foi concedido.
P 6 O Santo Evangelho de J.C.
12 Porque (a) ao que já tem , dar-
se-lhe-ha ainda , e dar-se-lhe-ha com
abundancia : áquelle porém que não tem ,
tirar-se-lhe-ha até o que tem.
13 Por isso he que eu lhesfallo em
parabolas : porque elles vendo , não
vem ; e ouvindo , não ouvem , nem en
tendem.
14 De sorte , que nelles se cumpre
is»-»- vt. a profecia de Isaias , que diz : Vós ou
vireis com os ouvidos , e não entende
reis : Vereis com os olhos , e não vereis.
1 5- Porque o coração deste povo se
fez pezado , e os seus ouvidos se fizerão
tardos , e elles fecharão os seus olhos ;
para não succeder que vejão com os
olhos, e oução com os ouvidos, e en-
tendão no coração , e se conversão, e
eu os sare.
16 Mas por vós , ditosos os vossos
olhos , pelo que vem ; e ditosos os vos
sos ouvidos, pelo que ouvem.
Por-
(«) Ao que já tem. Ao que ufa . bem da
graça, dar-íe-ha mais,c mais çraça; ao que
ufa mal da graça , tirar- íe-ha ate a que tem.
S. Hilário, e S. Jbronymo.
SEGUNDO S. MATT. CAP. XIII. 97
17 Porque em verdade vos affirmo ,
que muitos Profetas , e justos desejarão
ver as cousas que vós vedes , e não as
virão ; e ouvir as que vós ouvis , e não
as ouvirão.
18 Ouvi pois, vós-outros, a para
bola do semeador.
19 Todas as vezes que alguem ou
ve a palav-ra do Reino , e não lhe dá
attençao , vem o espirito maligno , e
arrebata o que fora semeado no seu co
ração. Este he (b) o que recebeo a se
mente na borda do caminho.
20 O que recebeo a semente no pe
dregulho , este he o que ouve a pala
vra, e logo a recebe com gosto.
21 Porém elle não tem em si raiz ,
e he só por algum tempo : e tanto que
sobrevem a adversidade , e a persegui
ção por amor da palavra , logo dahi
toma motivo de se escandalizar.
22 O que recebeo a semente entre
Tom. I. G es-
(4) Este ht o que recebeo , &c. Assim as Ver
sões de Mons , cie Saci , de Ámeloce , de Hurc ,
e as mais, com as antigas Syriaca , e Arabica.
PeR s ira.
98 O Santo Evangelho de J.C.
espinhos , este he o que ouve a palavra ;
mas depois o cuidado das cousas deste
Mundo , e a illusão das riquezas , a/fo
gão a palavra , e a tornao infructuosa.
23 Em fim , o que recebeo a semen
te em boa rerra , este he o que ouve a
palavra , que medita nella , e que dá
fruto : (c) e hum dá a cento , outro a
sessenta, outro a trinta por hum.
24 Propoz-lhe outra parábola , di
zendo : O Reino dos Ceos he seme
lhante a hum homem , que tinha semea
do bom grão no seu campo.
25* Mas estando dormindo os ho
mens , veio o inimigo , e semeou joio
no. meio do trigo, e foi-se.
26 Como pois cresceo a herva , e
teve espiga formada , então começou
também a apparecer o joio.
27 E chegando os Servos do Pai
de
(í) E bum dd cento , ó-c. Os que dáo cen
to por hum , sao no sentir de S. Jeronymo,
no Livro 1. contra Jovinianoj os que se con-
ierváo virgens ; sessenta os que se conserváo
viu vos ; trinta os que vivem no estado conju*
gal. DUHAMHL,
SEGUNDO S. MATT. CaP. XIII. 99
de Família , disserao-lhe : Senhor , não
semeaste tu bom grão no teu campo?
Donde lhe veio logo o joio ?
28 Respondeo Jhes elle: O homem
inimigo he quem fez isto. Tornárão os
Servos : Queres tu que nos vamos, e
que o arranquemos ?
29 Não, lhes respondeo elle: (d)
para que talvez não succeda , que ar
rancando o joio , arranqueis tambem o
trigo.
30 Deixai que cresça hum e ou
tro até á seifa , e no tempo da seifa eu
direi aos segadores : Golhei primeiro o
joio , e atai-o em molhos para o fo-
G ii go;
(i) Para que tafaez não succeda , &c. Da«
qui tira Santo Agostinho , deverem os Pasto
res Ecclesiasticos observar muito tento, e pro
ceder com muita circumspecção no uso dasex-
communhóes de forte , que náo separem logo
do corpo dos Fieis todos bs que forem mãos.
Porque he preciso dar tempo a que se corri
mão : he preciso medir a qualidade do crime ;
se he público, ou occulto ; se he ordinario,
ou atroz ; se haverá escandalo da parte dos
bons -, se se seguirá perturbação em todo o cor»
po ; se juntamente com os tnáos irão invelvi-
doe os innocentes- P£rbir£,
ioo O Santo Evangelho de J.C.
go; mas o trigo recolhei-o no meu cel-
Jeiro.
31 Propoz-lhes mais outra parabo
la , dizendo : O Reino dos Ceos (e) he
semelhante a hum grão de mostarda , que
hum homem toma , e semea no seu campo.
32 O qual grão he certamente o
mais pequeno de todas as sementes ;
mas depois que cresceo, elle he á ma
ior de todas as hortaliças, e se faz hu
ma arvore ; de sorte , que as aves do
Ceo vem pousar nos seus ramos.
33 Diisê-lhes ainda outra parabo
la. O Reino dos Ccos he semelhante ao
fermento, que huma mulher toma, eo
esconde em tres medidas de farinha, até
que toda a massa se levede.
• 34 Todas estas cousas diíTe Jesus ao
povo em parabolas :(/) e não Ihesfal-
lava sem parabolas.
A
. (f) He semelhante a bum grão de mojlaria. Es
ta parabola exprime bem o progresso, e efh-
cacia da Doutrina b.vangelica , e como de huns
humildes principies chegou a Igreja ao estado
da maior grandeza , dilatando-le maravilhosa
mente. por todo o Mundo. Amelotk.
(/) E não lhes faltava fim parabolas. Quer
SEGUNDO S. MATT. CaP. XIII. IOI
35- A fim de se cumprir o que dis-s«i«.
fera o Profeta: Abrirei em parabolas a1-
minha boca , e descubrirèi o que estava
escondido des de a creação do Mun-.
do.
36 Então despedido o povo , veio
Jesus para casa : e chegando-se a elle
seus Discípulos, disserao: Explica-nos
a parabola do joio semeado no campo.
37 Elle lhes respondeo: O que fe
mea a boa semente, he o Filho do Ho
mem.
38 O campo he o Mundo. A boa
semente são os filhos do Reino. O joio
são os mãos filhos.
39 O inimigo que o semeou, he o
diabo. O tempo .da seifa , he o sim do
Mundo. Os segadores são os Anjos.
40 Como pois se arranca o joio, e
se queima no fogo; affim succedera no
fim do Mundo.
41 O Filho do Homem mandará os
seus Anjos, que arrancarão do seu Rei
no
dizer , que este era o seu estilo ordinario.
Duhamel.
ioî O Santo Evangelho de J.C.
no todos os que dão escandalo , e os que .
obrao com iniquidade.
42 E lançallos-hão na fornalha de
fogo. Alli será o chorar , e o ranger
com os dentes.
43 Então resplandecerao os justos ,
como o Sol , no Reino de seu Pai. O
que tem ouvidos de ouvir, ouça.
44 O Reino dos Ceos he semelhan
te a hum thesouro escondido no campo,
que hum -homem acha , e esconde ; e
gostoso de o achar, vai vender tudo o
quê tem , e compra este campo.
45- Mais: o Reino dos Ceos he se
melhante a hum homem de negocio , que
busca boas pérolas:
46 E tendo achado huma de gran
de preço , vai vender tudo o que tem ,
e a compra.
47 Mais : o Reino dos Ceos he
semelhante a huma rede , que lança
da no mar , colhe toda a casta de pei
xes:
48 E depois de estar cheia, a tirão
os homens para fora , e sentados na °
pra-


SEGUNDO S. MATT. CaP. XIII. 103
praia escolhem os bons para os vasos,
e dei tão fora os máos.
49 Affim será no fim do Mundo :
sahiráõ os Anjos, e separarao os máos
de entre os justos ;
50 E lançalk>s-hão na fornalha de
fogo. Ahi será o chorar , e o ranger com
os dentes.
5: r Tendes vós comprehendido bem
tudo isto ? Sim , responderão elles.
y2 Proseguio Jesus : Esta he a ra
zão , por que todo o Doutos instruido no
que diz respeito ao Reino do Ceo , he
semelhante a hum pai de família, que
tira do seu thesouro as cousas novas , e
as velhas.
5- 3 Depois que acabou de dizer es
tas parabolas , partio Jesus dalli.
54 E vindo para a sua Patria , elle os
enfinava nas suas Synagogas ; de forte ,
que cheios de espanto, dizião: Donde
lhe vem a este a sabedoria, e os mila
gres ?
55 Não he este (g) o filho do Of-

(g) 0filho Ao Official: Náo decUra o Evange


io4 O Santo Evangelho de J.C.
ficial? e sua mai não se chama Maria?
e seus irmãos, Tiago, José, Simão, e
Judas ?
56 E não vivem entre nós suas ir-
mans ? Donde lhe vem logo todas es
tas cousas?
57 E affim delle tomavão occasião
para se escandalizarem. Porém Jesus
lhes disse : Só na sua Patria , e em sua
casa , he que hum Profeta deixa de ter
honra.
53 E não forão muitos os prodí
gios, que alli obrou, por causa da in
credulidade de seus naturaes.

CA-
lho, que officio era o de S. José. Muitos Padres
antigos, como S. Justino, Santo Ambrosio, e
Tiiepdoreto, dizem que era o de Carpinteiro i q
esta he a opinião comraum, em que está o povo
Catholico. Porém outros com Santo Hilario,
S.Pedro Chiylologo, e Santo Isidoro de Sevi
lha , cfoamáo-íhe Ferreiro. As Versões Orientaes
Dra lhedáo hum officio , ora outro. Tillem^nt
tom, i. «ota z, sobre S, José , pag.jo^ Psksiba,.
SEGUNDO S. MATTHEUS. 105s'

CAPITU L O XIV.
Dá-Jè a cabeça do Baptista a huma moça
por preço de hum baile. Comfinco pães ,
e ãous peixes satisfaz Jeju Chrifio no
Deserto finco mil homens. Caminha sobre
as ondas em occastão de tormenta. O mes
mo faz Pedro , em quanto lhe não falta
a fé. Cura o Senhor diversas enfermida
des ao contaílo do seu vestido.

1 7VT Aquelle tempo chegou aos


ouvidos (a) de Herodes Te
tra rca a fama de Jesus.
1 E disse Herodes aos da sua Cor
te : Este he João Baptista , que resur-
gio da morte ; e por isso lie que por elie
se obrão tantos milagres.
3 Porque Herodes tendo feito pren
der a João, o tinha em cadeias , mettido
no cárcere , por causa de Herodias (b)
mulher de seu irmão.
Por-
(a) Herodes Tctrarca. Era Herodes Antipas,
filho de Herodes o Grande , que se chama
Tetrarca , porque depois da morte do pai lhe
Coubera a quarta parte do Reino. Duhamel.
(4) Mulher de seu irmão. Filipp e, (comoex-
io6 O Santo Evangelho deJ. C.
4 Porque João lhe dizia : (c) Não
te he licito te-ia por mulher.
5- Desejava pois Herodes dar-lhe a
morte1; mas temia o povo, porque o
tinhao em conta de hum Profeta.
6 Porém no dia que Herodes fa
zia annos, bailou (d) a filha de Hero-
dias diante de todos os convidados ; e
agradou tanto a Herodes,
7 Que elle lhe prometteo com ju
ramento , que lhe daria tudo o que lhe
pedisse.
8 Ella instruida antes por sua mãi,
disse : Dá-me aqui mesmo , em hum pra
to , a cabeça de João Baptista.
9 Ficou o Rei contristado ; mas ten
do consideração ao juramento , e ás pes
soas
prime o texto Grego) filho do mesmo pai , mas
não da mesma mãi : e ella era neta de Hero*
des o Grande , e filha de Aristobolo, irmão
dos dous. Duhamel. ..
(í) Não te be licito. Porque semelhantes
núpcias estavão prohibidas por Deos no Levi-
tico cap. 18. Calmet.
(d) Afilha de Herodias. Chamada Salomé ,
como consta da Historia de José , no Livro
cap. 7. Duhamel.
SEGUNDO S. MATT. CaP. XIV. 107
soas que com elle estavão ámeza, man
dou que se lhe desse.
ío Ao mesmo tempo deo ordem,
que folTem cortar a cabeça a João no
carcere.
11 E foi trazida a sua cabeça em
hum prato , e dada á moça , que a le
vou a sua mãi.
12 Depois disto chegando os Dis
cípulos de João , levarão o seu corpo ,°
e o sepultárão , e forão dar a noticia
a Jesus.
13 O que ouvindo Jesus , retirou-
se dalli por mar para hum lugar soli
tario ; e tanto que o soube o povo , (e)
foi sahindo das Cidades a pé , em seu
seguimento.
14 Quando Jesus saltava em terra,
vio huma multidão de gente , de que
elle se compadeceo , e lhe curou os seus
enfermos.
Che-
(í) Foi a pé. Daqui se colhe , que o Se
nhor não atravessou o mar â outra banJa , mas
fim alguma enseada , donde desembarcou para
a mesma parte da terra , por onde foráo ter
- (otn elle as turbas. Duhamel.
io8 O Santo Evangelho deJ. C.
1 IS- Chegada que foi a tarde , vie-
rão a elle seus Discípulos , e difiTerão-í
Jhc : Este lugar he ermo, e a hora hc
já passada : deixa ir a gente , que
por essas Aldeas a comprar de comer.
16 Mas Jesus lhes disse : Não he
necessario que elles vão : dai-lhes vós
de comer.
1 7 Respondêrão-lhe elles : Nós não
" temos aqui , senão finco pães, e clous
peixes.
18 Trazei-mos cá, disse elle.
19 E depois demandar que se sen
tasse a gente sobre o feno , tomou os fin
co pães , e os dous peixes : e levantan
do os olhos ao Ceo , benzeoos : depois
partindo os pães, deo-os a seus Discí
pulos e os Discipulos ao povo.
20 E todos comerão, e ficarão far
tos. E levantárão, do que sobejou, do
ze cestos cheios.
21 E he de saber , que os que come
rão , erao finco mil homens , sem fallar
em mulheres, e meninos.
22 Logo obrigou Jesus seus Dísci-
pu-

SEGUNDO S. MATT. CAP. XIV. ICXO


pulos a que se embarcassem , e a que che
gassem primeiro que elJe á outra ban
da , em quanto elle despedia a gente.
23 Depois que a despedio , subio
só a hum monte para orar. E sendo já
o fim de tarde, achava-se alli só.
24 Entre tanto abarca nomeio do
mar era agitada das ondas ; porque era
o vento contrario.
25- Porém na quarta vigilia da noi
te veio Jesus ter com elles , andando
por cima do mar.
26 Elles vendo-o andar per cima
do mar, turbarão- se , e disserão : He
hum fantasma. E de temor puzerão-se
a gritar.
27 Immediatamente lhes fallou Je
sus , e disse : Tende confiança , sou eu ,
não temais.
28 Reipondeo-lhe Pedro: Senhor,
se tu es, manda-meque vá eu até onde
tu estás por cima das aguas.
29 Disse-lhe Jesus : Vem. E Pedro
descendo da barca , caminhava febre a
agua por chegar a Jesus.
Yen-
no O Santo Evangelho de J. C.
30 Vendo porém que o vento era
rijo j temeo : e quando se hia fundindo ,
gritou , dizendo : Senhor , salva-me.
31 No mesmo ponto Jesus estenden
do a mão, o tomou por ella , e lhe dis
se : Homem de pouca féj porque du
vidaste ?
32 E depois que subirão á barca ,
ceifou o vento.
33 Então vierao os que estavao na
barca, e o adorárão, dizendo: Verda
deiramente tu es Filho de Deos.
34 E tendo passado á outra banda,
vierão para a terra de Genezar :
35" O que tanto que souberão os
naturaes daquelle lugar, mandarão por
todo aquelle paiz circumvizinho , e apre-
sentárão-lhe todos os enfermos ;
36 Pedindo-lhe que os deixasse to
car se quer a orla do seu vestido. E
todos os que a tocarão, forao sarados.
Segundo S. Mattheus. iii

CAPITULO XV.
Tradição dos Fartfios , que os obrigava a
lavarem as mãos frequentemente. Elles
tinhão corrompido o quarto preceito do
Decalogo. A Cananea alcança remedio-
para humasua filha endemoninhada. Je
sus sustenta quatro mil homens com se
te pães , e poucos peixes.

ï Mj* Ntao chegarão a Jesus os Dou-


C/ tores da Lei , e os Fariseos , que
erao vindos de Jerusalem , e disserão-lhe :
2- Porque violão teus Discipulos a
tradição dos antigos? pois não la vão as
mãos, quando tomão a sua refeição.
3 Respondeo-lhes Jesus : E vós tam
bem porque violais o Mandamento de
Deos, por seguirdes a vossa tradição?
porque Deos disse :
4 Honra a teu pai ? e a tua mai. eíoí.
Item : O que descompuzer de palavras xxï. \u
o pai , ou a mãi , morra de morte.
5- Porém vós-outros dizeis , (a) que
pa-
(a) Que para fatisfa%er , &c. Com estas
poucas palavras supprem as Versões do Bispo
1 1 z O Santo Evangelho de J. C.
para satisfazer a Lei , basta que qual
quer diga a seu pai , ou a sua mai : To
da a oíscrta que eu faço a Deos, será
em teu proveito:
6 Ainda que elle depois (b) não as-
sif-

de Châlons, deMons, de Saci, de Amelote,


de Hure , de Lc Gros , o que parece faltar neste
discurso do Senhor , para ficar o sentido comple
to. E observa Amelote , que o que Christo
aqui reprehende nos Fariseos , e Doutores da
Lei, era huma maxima da sua hypocrisia , e
avareza. Porque para a titulo de religião te
rem muitas ofFertas , persuadiáo os filhos a que
fizeííem muitos Votos a Deos ; e a que quan
do os pais nas luas necessidades implorafiem
os devidos soccorros , se desculpassem , dizen--
do: Tudo o que eu dou a Deos, cederá em
proveito teu. Pereira.
(£) Não affijia a seu pai, <b-C. A Vulgata
tem aqui, <ù- non honorificabit , &c. Porém nes
te mesmo lugar adverte S. Jeronymo , que a
honra na frase das Escrituras , não se entende
tanto dos respeitos puramente exteriores , co
mo das esmolas , e da asliflenc ia. . E aflim se
toma o verbo honrar no Livro dos Números ,
22. 17. e 24. it. no de Tobias, 1. 16. e em
S. Paulo , 1. Timoth. :$. e 17. Pelo que qua
si todos os bons Traductores explicáo aqui o
verbo honrar pelo verbo affijlir : Saci , os de
Mons , Le Gros, Messengui1, e primeiro que
todos elles o Bispo de Châlons. Pereira.

)
SEGUNDO S. AÍATT. CaP. XV. I i ^
físta a seu pai , óu a sua mai. E assim
por fazerdes valer a vossa tradição, in
validastes o Mandamento de DeoS.
7 Hypocritas , com razão profeti
zou de vós Isaias, quando disse:
8 Este povo honra-me com os lâ-isei-
bios* mas o seu coração está longe de «»,
mim.
9 Em vão porém me adorão elles,
quando enfinao maximas , e precei
tos , fV) que vem dos homens.
ió Depois chamando para si o po
vo, disse-lhes : Ouvi, c comprehendei
bem.
11 Não he o que entra pela boca ,
0 que faz immundo o homem; mas o
Tom. I. H que

CO Qtte -ven* dos homens. Deste texto se cos-


tumáo valer os modernos Sestarios , para im
pugnarem a força , e neceflidade das Leis , e
Tradições da Igreja* Porém Christo não repto*
vava nos Judeos as maximas , e preceitos huma
nos, precisamente por serem humanos; (por
que de outra forte tanto atacava este lugar a
authoridade dos Superiores Seculares , como a
dos Ecclefiasticos) mas sim por ferem ou inúteis
ás almas , ou oppostos aos Mandamentos de
Deos. Duhamel.
ii4 O Santo Evangelho de J.C.
que sahe da boca , isto he o que faz im-
mundo o homem.
12 Então chegando-fe a elle seus
Discípulos, lhe disserão: Sabes que os
Fariseos, depois que ouvirão o que dis
seste , ficárão escandalizados ?
J3 Elle lhes respondeo : (d) Toda
a planta que meu Pai celestial não plan
tou, será arrancada.
14 Deixai-os : São cegos , e con-
ductores de cegos. E se hum cego guia
outro cego , ambos viráô a cahir no bar
ranco.
1$ Disse-lhe Pedro : Explica-nos
esta parabola.
1 6 „ E Jesus lhe respondeo : Que ?
tambem vós-outros estais ainda sem in-
telligencia ?
17 Não comprehendeis , que tudo
o que entra pela boca , desce ao ven
tre , e se lança depois num lugar
escuso ?
Mas
(<0 Toda a planta. Toda a Doutrina, que
se não conforma com o queJDeos manda , e
ensina. S. Hilário , Theofylacto , Euthï-
JHIO.
segùndo S. Matt. Cap. XV. us
1 8 Mas as cousas que sahem da bo-
ca , vem do coração ; e estas sao as que
fazem o hotnem iramundo.
19 Porque do coração he que sa
hem os máos pensamentos , os homici-
dios , osaduîterios , as fornicações, os
furtost os falsos testemwnhos, as blaf-
femias.
20 Estas cousas sao as que fazem
immundo o homem. O comer porém
corn as mãos por lavar , isso náo faz
immundo o homem.
21 Tendo sahido daquelle lugar,
retirou-se Jesus para as partes de Ty-
ro , e de Sidonia.
22 E eis-que huma mulher Cana-
nea, que tinha sahido daquellas partes ,
gritou , dizendo: Senhor, Filho de Da
vid , tem compaixao de mim : que es
ta minha filha miseravelmente atormen-
tada do demonio.
23 Mas elle não lhe rcspondeo pa-
lavra. E chegando-se feus Discipulos,
lhe pedião , dizendo : Despede-a , por
que vem grftando atrás de nós.
H ii E

\
ti6 O Santo Evangelho deJ.G.
24 E Jesus lhes respondeo : (e) Eu
hão fui enviado senão ás ovelhas , que
perecerão da casa de Israel.
25- Mas ella veio, e adorou-o, di
zendo: Senhor, ajuda-me.
26 Respondeo-lhe Jesus : Não he
bem tomar o pão dos filhos , (/) e lan-
çallo aos cães.
2 7 Replicou a miilher : Áffim he , Se
nhor : (g) mas tambem os caxorrinhos co
mem

(f) Eu não fui enviado , <b-o. Antes da sua


morte náo foi enviado Jesu Chriíto pelo Pai,
senáo aos Judeos. Por isso o Senhor prohibre»
tambem a seus Discípulos } que neste tempo
náo pvégassem aos Gentios , como affima ou
vimos , 10. 5. Amblote.
(/) E lanqallo aos cães. Na frase dos Ju
deos , de que Christo usava , charhaváo-se cães
os Gentios , por causa da impureza de seus
costumes, e da impudencia com que scprostí-
tuiáo à idolatria. E o pão que elle aqui en
tendia , eráo as graças , e favores , que estaváo
destinadas para Israel , no caso que este as náo
engeitasse. Saci.
(g) Mas tambem os caxorrinhos , &C. Nenhu
ma razáo move tanto a Deos para usar çomnosco
de misericórdia , como he tomarmos humilde
mente contra nós mesmos o leu partido. Ame-
hOTB.
sègundo S. Matt. Cap. XV. 1 1 7
mem dasmigalhas, que cahem da me-
za de feus Serihores.
28 Então lhe disse Jesus : O mu-
lher, grande he a tua fé. Faça-se-te co-
mo tu queres. E desde aquella hora fî-
cou curada sua filha.
29 Depois de partir dalli , veioJe
sus ao longo do mar de Galiléa, e su-
bindo a hum monte , se sentou.
30 Então vierao ter com elle ran-
chadas , e mais ranchadas de povo , que
tinhão comsigo miidos, cegos, coxos,
aleijados , e outros muitos , que lançã-
rao a feus pés , e elle os curou.
- 31 De forte que estas gentes esta-
vao admiradas , vendo fallar os mudos ,
andar os coxos , ver os cegos : e en-
grandecião o Deos de Israel.
32 E Jesus convocando feus Dif-
cipulos , disse-lhes : Tenho compaixão
deste povo , porque ha já tres dias que
persiste comigo, e nao tem que comer:
e não quero deípedillos emjejum, por
que nao desfaleçap no caminho.
33 Disserao-íhe feus Discipnlos :
Don
1 1 8 O Santo Evangelho deJ. C#
Donde nos háo de vir no Deserto tan-
tos paes , para fartarmos tanta gente ?
34 Perguntou-lhes Jésus : Quantos
paes tendes vós? Sete, respondêráo el-
Jes , e huns poticos de pexinhos.
3 Mandou elle entáo á gente y que
se Tentasse sobre a terra.
36 E tomando os sete paes , e os
peixes , depois de ter dado graças , par-
tio-os, e deo-os a feus Discipulos, e
os Discipulos os derao ao povo.
37 E todos comêráo, efícárao far-
tos. E dos bocados que sobejáráo, le*
vantárao (b) sete cefios cheios.
38 Erao porém os que comêráo,
quatro mil homens , fora meninos , e
mulhe ses.
3 9 Despedido o povo , entrou Je-
sus em huma barca , e veio para o ter-
mo de Magedan.
CA-
(f) Sete cejlos cleios. Da outra vez foráo
cîoze os cestos de páo que sobejáráo : agora
sáo lete ; para que a igualdade das medidas
náo sizesse confundir dous milagres distinctos ,
e náo riícaíTe da mertioria hum dos dpus. S. JoaO
Chrysostomo.
SEGUNDO S. MATTHEUS. II?

CAPITULO XVI.
Para o experimentarem , pedem os Fari-
seos , e Sadduceos a Jefu Cbrijio que
lhes faça ver algum prodígio do Ceo.
Elle os reprehende. Pergunta do Senhor
aos Apostolos sobre asua Pessoa. Respos
ta de Pedro consessando a Divindade do
Senhor. Louva Jeju Christo a sua fé
e promette- lhe as chaves do Reino dos
Ceos. Depois o reprehende , chamando-o
Satanaz , por elle se oppôr d sua Pai
xão , e Morte. Ensma-nos que deve ca
da hum levar a sua cruz , e que a ca
da hum pagará Deos , segundo forem
as suas obras.

ï Mj* Ntao se chegarão a Jesus os Fa-


m^j riscos , e Sadduceos (a) para
o tentarem ; e pedírão-lhe que lhes fi
zesse ver algum prodígio do Ceo.
2 Mas elle lhes respondeo: Vós quan
do he pela tarde , dizeis : Haverá tempo
sereno , porque está o Ceo rubicundo.
E

(«) Para o tentarem. A fazerem experien


cia <ía sua virtude , c do seu poder. Duha
mel.
m

120 O Santo Evangelho de J. C.


3 E quando he de manhã : Hoje
haverá tormenta, porque oCeo mostra
hum avermelhado triste. .
4 Sabeis logo conhecer , que coufa
prognostiquem os diversos semblantes
do Ceo; (b) e nao podeis conhecer os
sinaes dos tempos ? Esta geração per»
versa , e adultera pede hum prodigio ,
e não se lhe dará scnao o prodigio do
Profeta Jonas. E deixando-os , retirou-
se dalli.
y Ora feus Discipulos tendo pas-
fado á banda daîém do estreito, esque-
ceo-lhes trazer pao.
6 E Jesus lhes disse : Vede , e guar-
dai-vos do fermento dos Fariseos , e Sad-
duceos.
7 Discorrião elles lá entre si , di-
zendo : He que nao tronxemos pâo.
8 E entendendo-o Jesus, disse-lhes:
Ho-
(b-) Os ftnaes dos tempos. Isto he., os tempos
da minha vinda , que os ProtetasxJeixáráo fi-
nalados ; como o tempo designado no vaticinio
de Jacob , e o das setenta lemanas de Daniel.
For i(To a Versáo Arabica diz neste lugar, os
sinaes dests tempo. Amelote.
secundo S. Matt. Cap. XVI. 121
Homens de pouca fé , porque estais con-
siderando lá comvosco, que não tendes
páo ? « .
9 Ainda não comprehendeis , nem
vos lembrais dos sinco pães para finco
mil homens , e quantos forão os ces-
tos que tomastes?
10 Nem dos fete paes para quatro
mil homens, e quantos forão os cestos
que tomastes?
11 Porque não comprehendeis , que
nao he pelo pão que eu vos disse, que
vos guardasseis do fermenro dos Fari-
seos ?
12 Entao conhecêrão elles , quelhes
nao dissera Jesus , que se devião acau-
telar do fermento do pão, mas fim da
doutrina dos Fariseos, e Sadduceos.
13 Tendo vindo Jesus para as par
tes (<:) de Cesaréa de Filippe , pcrgun-
/ tou
(c) De Cesaréa de Filippe. Situada nas fal-
das do Monte Libano , chamada antes Paneada ,
por se adorar nella o Deos Pan ; e agora Ce
saréa de Filippe , porque Filippe Tetrarca a
reedifìcára , c lhe dera aquelle nome emhon-
ra,.e memoria de Tiberio Cesar. Amelotb.
i2î O Santo Evangelho de J.C.
tou a seus Discípulos : Quem dizem os
homens, que he o Filho do Homem ?
14 ^Respondei ão elles : Huns dizem
que João Baptista : outros que Elias :
outros que Jeremias , ou algum dos Pro
fetas.
1 5: Disse-lhesJesus : E vós quem di
zeis que eu sou?
16 Rcsportdeo Simão Pedro : Tu
es o Christo Filho de Deos vivo.
17 Então lhe disseJesus : Bemaven-
turado es , Simão , filho de João ; porque
não foi a carne, c sangue quem to re
velou , mas sim meu Pai , que está nos
Ceos.
18 E também eu te digo : Que tu
es Pedro, e que sobre esta pedra edi
ficarei eu a minha Igreja : e as portas do
inferno não prevalecerão contra ella.
19 E eu te darei as chaves do Rei
no dos Ceos. E tudo o que tu ligares so
bre a terra , será ligado também nos
Ceos : e tudo o que desatares sobre a
terra, será desatado também nosCeos.
20 No mesmo tempo mandou a
seus
SEGUNDO S. MATT. CAP. XVI. 12 3
seus Discipulos, que a ninguem disses
sem , que elle era Jesu Christo.
21 Desde então começou Jesus a
mostrar a seus Discipulos , que impor
tava que elle fosse a Jerusalém , e pa
decesse muito da mão dos Senadores , e
dos Doutores da Lei , e dos Principes
dos Sacerdotes , e que fosse morto, e
resurgisse ao terceiro dia.
22 Então Pedro tomando-o de par
te , começou a increpallo , dizendo:
Deos tal não permitta , Senhor r não te
succederá affim.
23 Elle voltando-se para Pedro , lhe
disse : Tir-te de diante de mim (d) Sara»
naz , que me serves de escandalo ; por
que não tens gosto das cousas que são
de Deos , mas das que são dos homens.
24 Então disse Jesus a seus Discipu
los :

(á) Satanaz. Satanaz quer dizer adversa


rio, ou inimigo. £ elte nome dá Jesus a Pe
dro , por se querer oppôr á sua Paixáo , e Mor
te : ensinando-nos com isto, que nem a hum
Apostolo devemos dar ouvidos , quando elle
nos aconselhasse alguma cousa contra a von-
% tade de Deos. 5. Hilário, e S. Bernardo.
1 24 O Santo Evangelho deJ. C.
los : Se alguem quer vir apôs mim , (e)
negue-se a si mesmo , e tome a sua cruz ,
e siga-me.
25- Porque o que quizer (f) salvar
a sua vida , perdella-ha : e o que perder
a sua vida por amor de mim , achalla-ha.
26 Porque de que serve ao homem
lucrar todo o Mundo , se vier a perder
a sua alma ? Ou que commutação po
derá fazer o homem para a recobrar?
27 Porque o Filho do Homem ha
de vir na gloria de seu Pai com os seus
Anjos: e então dará a cada hum apa
ga, segundo as suas obras.
2 8 Em verdade vos affirmo , que dos
que aqui estão , ha alguns , que não hão de
gos-

(0 Negue-se a si mesmo. Isto he , ás suas


inclinações corrompidas ; á sua propria vonta
de , no que ella he contraria a Deos: em hu
ma palavra , a tudo o que se oppóem à nossa
salvação. Porque quando se trata de servir, e
obedecer a Deos , nenhum caso se deve fazer
nem dos bens temporaes , nem da honra mun
dana , nem da meima vida. Saci.
(/) Salvar a soa vida. Isto he, viver se*
gundo as paixões do homem velho , que são
os appetites desordenados. Duhamel.
SEGUNDO S. MATT. CAP. XVI. 12?
gostar a morte , (g) antes que vejão vir o
Filho do Homeni na gloria do seu Reino.

CAPITULO XVII.
A Transfiguração de Jesu Christo , com o
mais que neliasuccedeo. O Baptista com
parado a Elias. Sara Jesu Christo hum
lunatico , que os Apostolos não pudérao
livrar. A fé, ainda do tamanho de hum
grão de mostarda , he capaz de trans
portar montes. Prediz Jesus a sua Pai
xão. Faz pagar por Jì, e por Pedro o
tributo das duas Dracmas.

i (a) Ç?Eis dias depois tomou Jesus


w3á parte a Pedro, Tiago, e
João seu irmão , e levou-os a hum al
to monte,
E
(g) Atites qae ,vejãow , &c. Alguns Padres
antigos , como Origenes , Santo Hilario , S. Je-
ronymo , entendem por esta gloria do Reino de
Christo he a gloria da sua Transfiguração , que
brevemente haviáo de presenciar alguns Diici-
pulos. Calmet com outros modernos enten-
dem-no da vinda do Senhor contra Jerusalem ,
a cuja destruição , feira pelos Romanos , sobre-
vivêráo alguns Discípulos , como S. Joáo Evan
gelista. Pereira.
(a) Seis dias depois. Quando S. Lucas , p. ip.
î2ó O Santo Evangelho de J.C.
a E transfigurou-se diante delles.
O seu rosto ficou brilhante como o Sol y
e os seus vestidos se fizerão alvos como
a neve.
3 Ao mesmo tempo lhes apparecê»
fao (b) Moysés , e Elias, que estavão
fallando com elle.
4 Então disse Pedro a Jesus í Se
nhor, nós estamos bem aqui. Façamos
aqui tres tendas; huma para ti, outra
para Moysés, outra para Elias.
5- Estando elle ainda fallando, cis
que huma nuvem refulgente 05 cubrio.
E ao mesmo tempo sahio da nuvem hu
ma voz , que dizia : Este he aquelle meu
querido Filho , em quem tenho posto
toda a minha complacencia : ouvio-o.^

diz , que isto succedêra quasi oito dias depois ,


he porque comprehende o dia em que o Se
nhor fallava , e o outro em que succedeo este
grande prodígio. E quando S. Mattheus escre
ve seis dias depois , he porque se contenta de
apontar os dias , que mediarão entre hum , e
outro. Saci, e Duhamel.
(V) Moysés , e Elias. Moysés em corpo es
tranho, ou no seu corpo resu (citado ; Elias no
seu próprio corpo, porque ainda vivia, e vive.
Ame lote,
segundo S.Matt. Cap. XVII. 127
6 O que ouvindo os Discípulos , ca-
hírão de bruços , e ficárão passados de
hum grande temor.
7 Porém Jesus chegando-se a elles ,
tocou-os , e disse-lhes : Levantai-vos , e
não temais.
8 Então levantando os olhos , não
virão mais (c) do que tão fomente aJesus.
q E quando elles descíão do mon
te , lhes poz Jesus preceito , dizendo :
Não digais a pessoa alguma o que vis
tes , em quanto o Filho do Homem
não resurgir dos mortos.
10 Então lhe perguntarão os Dis
cípulos : Que he logo o que dizem os
Doutores da Lei , que importa vir Elias
primeiro ?
11 Jesus lhe refpondeo: Elias cer
tamente ha de vir , e ha de restabele
cer todas as cousas.
1 z Porém eu vos declaro , que Elias
já veio, e elles não o conhecerão, mas
fi-
(c) Do que tão somente a Jesut. Porque se
Moysés , e Elias perseverassem ainda alli dom
o Senhor, poderia ficar em dúvida aquém se
dirigira a voz do Eterno Pai. S. Jerpnymo.
*
ìî8 0 Sanío Evangelho deJ.C
fízerão delle tudo o que quizerão. As-
ííoi he tambem que o Filho do Homem
ha de padecer ás suas mãos.
13 Ëntao conhecêrão os Discipu-
los , que de João Baptista he que ellê
Ihes fallára.
14 Depois que Veio para onde es-
tava opovo, chegou-se a elle hum ho
mem , que posta de joelhos , lhe dizia :
S^nhor , tem compaixão de meu fîlho,
que he hmatico, e padece muito, por-
que muitas ve2!es cahe no fogo , e mui-
tas na agua.
i? È tendo-o eu apresentado a feus
Difcipulos, elles o não podérão curar.
16 Jesus lhe fespondeo : Ó gera-
çao incrcdula, e perversa, até quando
hei deeílar comvosco? até quando vos
hei de aturar? Trazei-mo aqui.
17 E tendo Jesus ameaçado ao de*
monio , sahio o demonio , e desde aquel-
la hora ficou o moço curado/
1 8 Então se chegárão os Difcipulos
a Jesus , e disserao-ìhe erti particular:
Porque não podémos nós lançallo fóra ?
SEGÍJNDO S. MATT. Cap. XVII. 12?
19 Respondeo-lhes Jesus : For can-
fa da vossa incredulidade. Em verdade
Vos digó , que se vós tiverdes fé, co-
mohum grão demostarda, direis a este
monte, Passa daqui para acolá, e elle
ha depassar: enada vos fera impoffivel.
20 (d) Mas esta casta de demonios
nao se lança sóra, senão á força deora-
çao , e de jejum.
a1 Achando-se elles juntos em Ga-^
ìiléa , disse-lhes Jesus : O Filho do Ho*
mera fera entregue ás maos dos homens.
iz Estes llre darao a morte, e elle
resurgirá ao terceiro dia. Do que os Di£
cipulos se entristccêrão por extremo.
23 E tendo vindo para Cafarnaum ,
chegárão-se a Pedro os que cobravao o
tributo (e) das duas Dracmas , e disse*
Tom. I. I rao-
fi(á) Mas esta casta de demonios. Que se fi-
zeráo senhores do homem desde a infancia , e
cujas malignas impressóes passáráo a fer habi-
tos. Amelote,
Çe) Bas duas Dracmas. Duas Dracmas , se-
gundo aqui verte o Fadre Amelote , eráo meio
ììclo entre osHebreos; o quai meio siclo, se-
gundo a eonta deCalmet, importava dezescis
ioldos ; que na nofla moéda tazcm seslenta e
130 O Santo Evangelho de J.C.
rão-lhe: Voflb Mestre não paga as duas
Dracmas ?
24 Elle lhes respondeo: Paga. E
depois que entrou em casa , Jesus o pre-
venio , dizendo : Que te parece , Simão ?
De quem recebem os Reis da terra o
tributo, ou censo? de seus filhos, ou
dos estranhos ?
25- Dos estranhos , respondeo elle.
Dilse-lhe Jesus : (/) Logo são izentos
os filhos.
26 Mas para que os não escanda
lizemos, vai ao mar, e lança o anzol;
e o primeiro peixe que subir, toma-o;
e
quatro réis, dando quatro réis a cada soldo,
como explica Le Brun. Este tributo só o pa-
gaváo os Judeos , que tinháo vinte e sete an-
nos de idade. E não o pagaváo ao Principe ,
ou á Republica, mas fim ao Templo, para as
despezas do Tabernaculo. Aslim consta do Li
vro do Êxodo, 30. 12. e do 2. dos Parai ip. 24. 6*.
Depois de destruída Jerusalem , applicou Ves-
pasiano para as despezas do Capitolio este tri
buto , como attesta José na Hijloria da Guerra
Judaica , Livro 7. cap. 28. Pereira.
(/) Logo são i%entos os filhos. Logo sendo
eu Rei , Filho de Rei , e Filho de Deos , não
devo pagar o tributo. Saci.
SEGUNDO S. MATT. GaP. XVIII. 13I
e abrindo-lhe a boca , acharás dentro hu
ma moéda de quatro Dracmas : tira-a ,
c dá-llia por mim, e por ti.

CAPITULO XVIII,
O maior no Reino dos Ceos he o que se faz
como hum menino. He grande peccado es
candalizar os pequenos. Como se deve dar
a correcção fraterna. 0 que não obedece
d Igreja , deve ser tratado como hum
Gentio, ou Publicano. Dd Jesu i.hriji»
aos Apostolos o poder de ligar , e desatar.
De quanta força seja a oração dos que
se unem. A ira de Deos contra os quê
d sua imitação não perdoão ao próximot

1 TVT Aquelle mesmo tempo chcgá*-


-L^l rão-se ajesus os seus Discípu
los , e disserão-lhe : Qual he o maior
no Reino dos Ceos?
2 Jesus chamando a si hum meni*
no, o poz no meio delles,
3 E disse : Digo-vos em verdade,
que sevos vos não converterdes, e vos
não fizerdes como meninos , não haveis
de entrar no Reino dos Ceos.
I ii To-
132 O Santo Evangelho de J.C,
4 Todo aquelle pois, que se fizer
pequeno , como este menino , esse será
o maior no Reino dos Ceos.
y E o que receber em meu Nome
hum menino, tal como este, a mim he
que recebe.
6 O que escandalizar porém a hum
defìes pequeninos , que crem em mim ;
melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao
pescoço huma mó de atafona, e que o
lançassem no fundo do mar.
7 Ai do Mundo por causa dos escan
dalos! (a) Porque elle he necessario que
succedão escandalos. Porém ai daquel»
le homem , que he causa de escandalos.
8 Se a tua míoj ou o teu pé te es
candaliza , corta-o , e lança-o fora de
ti. Melhor te he entrar na vida manco y
ou aleijado, do que tendo duas mãos,
oudouspés, ser lançado no fogo eterno.
E
(a) Forque elle he necessario , &c. Náo por
que Deos queira os escandalos , mas porque
iupposta a malícia, e corrupção dos homens,
he moralmente impoflivel que os náo haja. E
dclles mesmos se aproveita Deos em beneficio
dos escolhidos. Pereira.
SEGUNDO S. M.VTT. CaP. XVIIL 133
9 E se o teu olho te escandaliza ,
tira-o, e lança-o fora de ti. Melhor te
he entrar na vida com hum só olho,
do que tendo dous , ser lançado no fo
go eterno.
10 Vede não desprezeis algum des
tes pequeninos ; porque eu vos decla
ro, (b) que os seus Anjos nos Ceos in
cessantemente estão vendo a face de meu
Pai , que está nos Ceos.
11 Porque o Filho do Homem veio
a salvar o que se havia perdido.
12 Se hum homem tem cem ove
lhas, e huma dellas se desgarra ; que
vos parece a vós que faz elle ? (c) por
ven-
(0 Qve os seus -Anjos. Logo todos os Fieis rem
seus Anjos , que lhes aflistem , e os guardáo.
E por ilso meimo nos persuade Christo , que
fujamos de dar escandalo a nossos prpximos ,
por humildes que elles sejáo : aflim porque náo
devemos ter em pouco humas creaturas , a
quemDeos deo por companheiros, e por guar
das os seus Anjos ; como porque a presença
dos Anjos pede , que náo obremos cousa in
digna de que elles a ve)áo. Pereira.
(c) - Por ventura não ásixa, &c. Porvir sal
var a natureza humana , que estava perdida,
deixou o Divino Pastor no Ceo innumeraveis
i34 O Santo Evangelho de J.C.
ventura não deixa as noventa e nove nos
montes , e vai buscar a que se desgarrou ?
13 E se acontece achalla , digo-vos
em verdade , que maior contentamen
to recebe elle por esta, do que pelas no
venta e nove, que se não perderão.
14 Aflim que, não quer vosso Pai,
que está nos Ceos , que se perca hum
só destes pequeninos.
15- E se teu irmão peccou contra
ti , vai , e reprehende-o particularmen
te entre ti , e elle. Se elle te ouve , te
rás ganhado a teu irmão.
16 Porém se elle te não ouve, le
va ainda comtigo huma , ou duas pes
soas, afim de que com o testemunho de
dous, ou tres fique tudo confirmado.
17 Porém se clle os não ouve, di-
ze-o á Igreja. E se elle não ouve a
Igreja , has-te com elle , como se fosse
hum Gentio, ou hum publicano.
18 Em verdade vos digo : Tudo o
que
exercitos de Anjos. E mais se alegra Deos da
salvação do homem , do que de perseverarem
no bem os Samos Anjos, Saci, e Amelotk
com çs Santos Padres.
segundo S. Matt. Cap. XVIII. 1 3 5-
que vós ligardes sobre a terra, será li
gado também no Geo : e tudo o que vós
desatardes sobre a terra, será desatado
também no Geo.
19 Ainda vos digo mais : Que se
dous de vós se unirem entre si sobre a
terra , seja qual for a cousa que elles
peção , meu Pai , que está nos Ceos,
lha fará.
20 Porque onde se achão dous , 011
tres juntos em meu Nome , ahi estou
eu entrelles.
21 Então chegando- se Pedro a elle ,
perguntou : Senhor , quantas vezes de
vo eu perdoar a meu irmão , que pec-
car contra mim ? será até sete vezes?
22 Respondeo-lhc Jesus : Não te
digo que até sete vezes , masque até (d)
sete vezes setenta.
23 Por isso o Reino dos Ceos he
. comparado a hum homem Rei , que /
quiz tomar contas aos seus servos.
E
(i) Sete ve%es setenta. Que fazem quatro
centas e noventa. E quem di% , até sete vezes
setenta, ài% todos os peccadus , observa S. Agos
tinho.
136 O Santo Evangelho de J.C.
24 E rendo começado a tomar as
contas, aprcsentou-se-lhe hum , que lhe
devia (e) dez mil talentos.
2? Ecomo não tiveste com que pa
gar, mandou o Senhor que o vendessem
a elle, a sua mulher, e a seus filhos, e
tudo o que tinha , para ficar pago da
divida.
2 6 Porém o tal Servo lançando-se-
Ihe aos pés , lhe fazia este súpplica :
Tem paciencia comigo , que eu te pa
garei tudo.
27 Eudo o Senhor compadecido
daquelle Servo, deixou-oir, eperdoou-
Ihe a divida.
28 Eis-que sahindo este Servo, en-
con-
(?) De% mil talentos. Que pelo cálculo de
Saci passaváo de quarenta e sçis milhões de li
bras de França : pelo de Calmet passaváo de
quarenta e oito milhões das mesmas libras,
que fazem dezoito milhões dos nossos cruza
dos. Somma exorbitante ainda para hum gran
de Senhor , quanto mais para hum moço de
servir. Mas com ella mostra Jesu Christo a
gravidade infinita de hum peccado mortal , e a
ill imitada grandeza da divida, em que este pec
cado nos constitue no Tribunal Divino. Perei-
ka.
segundo S. Matt. Cap. XVIII. 137
contra hum de seus companheiros, que
lhe devia (f) cem dinheiros, e lançan-
do-lhe a mão , o afogava , dizendo:
Paga-me o que me deves.
29 E o companheiro lançando-se-
lhe aos pés , o rogava , dizendo : Tem
paciencia comigo, que eu te satisfarei
tudo.
30 Porém elle não quiz; mas reti-
rando-se , fez que o mettessem na ca
deia , até pagar a divida.
31 Os outros Servos seus compa
nheiros, vendo o que se passava , sentí-
rão-no fortemente , e vierão dar parte ao
Senhor , de tudo o que tinha succedido.
32 Então o fez vir seu Senhor , e
lhe disse : Servo máo , não he aíïìm que
eu te perdoei o que me devias , movi
do dos teus rógos ?
Não
(/) Cem dinheiros. O dinheiro era huma
inoéda antiga de prata de táo pouco valor,
que , segundo as contas de Saci , e dos Tradu-
ctores de Mons , cem dinheiros importaváo
pouco mais de trinta e oito libras de França;
que fendo , como sáo , de oito vintens cada
huma, sommam ao todo seis mil réis da nossa
moéda, Pereira.
1 3 8 O Santo Evangelho deJ. C.
33 Não devias tu logo compade-
cer-te também de teu companheiro, a£-
sim como eu me compadeci de ti ?
34 (g) E cheio de cólera mandou
seu Senhor que o entregassem aos algo
zes, até pagar toda a divida.
3 5" Aífim vos ha de fazer vosso Pai
celestial , se cada hum de vós não perdoar
ao seu próximo do intimo de seu coração.

CAPITULO XIX.
O Matrimonio indissolúvel. E não pode hum
homem divorciar-se de sua mulher senão
em caso de adultério. Louvor dos que por
amor de Deos observao o celibato. Jesus
impondo as mãos aos meninos. Aconse
lha a pobreza a hum rico , e este se entris
tece. Embaraço que as riquezas fazem
á salvação. Tremia dos que tudo deixão
for Christo.
ï f I ^ Endo Jesus acabado estes dis-
JL cursos , partio de Gahléa , e
veio para os confins de Judéa , além do
Jordão.
On-
(g) E cheio de cólera , <b-c. Nada provoca
mais a ira de Deos contra nós , do que a fal
ta de caridade com os próximos. Amhloth.
SEGUNDO S. M.4TT. CAP. XIX. 139
1 Onde foi muita a gente que ofe-
guio , e onde mesino curou elle os
doentes.
3 Vierão ter com elle tambem os
Fariseos, para o tentarem, e pergun-
tárão-lhe: He licito a hum homem lar-
gar sua mulher por qualquer causa?
4 Elle lhes respondeo : Vòs não les- Genes.i.
tes , que quem creou o homem no prin- v-
cipio , fez homem , e mulher , e disse :
5- Por esta razao deixará o homem
o paì , e a mai , e ajuntar-se-ha com
sua mulher , e scrao dous numa fó
carne ?
6 Pelo que elles já nao sao dous,
mas huma fó carne. Não separe logo o
homem, o que Deos ajuntou.
7 Porque razão logo , replicárao
elles, ordenou Moyfés , que désse hum
homem a sua mulher carta de defqui-
te, e a deixasse ir?
8 Respondeo-lhes elle : Por causa
da dureza de vosso coraçao , he que Moy
fés vos permittio largar vossas mulhe-
res : porém no principio não foi aíììm.
Pe-
140 O Santo Evangelho de J.C.
9 Pelo que eu vos declaro, que to
do aquelle, que larga sua mulher, (d)
senão he por causa de fornicação , e ca
ía com outra, he adultero: e o que ca
sa com a que o outro largou , he adul
tero.
10 Disserão-lhe seus Discípulos : Se
tal he a condição de hum homem a res
peito de íua mulher , não convem ca-
sar-se.
Ao
(d) Senão he por causa de fornicaçTè. Esta c\m*
fula náo deve comprehender toda a proposição
de Christo , de force , que no caso de haver for
nicação seja licito não só o divorcio, mas tam
bem o novo matrimonio. Mas deve entender-
fe, ou excepcivamente , e entre parenthesis ,
de forte que faça este sentido : Todo o que lar
ga sua mulher (o que não he licito, senão no caso
de fornicação) e casa com outra , he adultero. Ou
negativamente: Todo o que larga sua mulher , não
tendo havido fornicação , e tasa com outra , he adul
tero. Na qual sentença sim se affirma o adulte
rio daquelle , que fóra do caso de fornicação
larga huma mulher , e casa com outra : mas
como observa Santo Agostinho no Livro 1. Dos
casamentos adulterines , cap. e seguintes, não
se pôde daqui bem inferir : Logo se tiver ha
vido fornicação, e o marido por isso largar sua
mulher , e casar com cutr3 , não lie adultero
o marido- Porque ou a mulher esteja innocen»
segundo S. Matt. Cap. XIX* 141
11 Ao que elle respondeo : (b) Nem
todos sao capazes desta resolução; mas
fómente aquelles, aqucm isto foidado.
12 Porque ha huns caítrados, que
nascêrao aflìm do ventre de sua mai. E
ha outros castrados , a quem outros ho-
mens fizerao taes. E ha outros castra-
dos , que a fî mesmos se castrárao por
amor do Reino dos Ceos. (f) O que
he
te , ou culpada , sempre , segundo a Doutrina
de Christo , commette adulterio , o que casa
com outra ; como por advertencia do mesmo
Santo Agostinho he clariflimo de S. Marcos,
10. u. e de S. Lucas } 16. 18. e como por isso
depois do Concilio de Milevi , Can. 17. defi-
nio o de Trentp na Sefsáo 24. Can. 7. Veja-
se Arcudio na Concordia da Igreja Occidental , e
Oriental sobre os Sacramentos , Livro 7. cap. 4-
e Pouget nas Instituiqoes Catbolicas , P. 3. Sef
sáo t. cap. 8- §• <?• Pereira.
(&) Nem todos sa0capa7.es deJlaresoluçSo. As-
íìm expóem aquelle , non ovmes capiunt verbum
ijíud, as Versées dos dous Bispos de Vence ,
e de Chálons; as de Amelote , Mons, Saci ,
Qyesnel, Huré, Le Gros, e MefTengui , com
as antigas Syriaca , e Arabica. Pereira.
(í) O que be capaz de camprebender , <ùrc. Náo
o foi Origenes no terceiro íeculo , que enten»
dendo á lctra este texto s elle mesmo sc cas-
trou , cuidando que affim observava o Evan
142 O Santo Evangelho de J.C.
he capaz de comprehender isto , com*
prehenda-o.
13 Então lhe forão apresentados vá
rios meninos , para lhes impôr as mãos ,
e fazer oração por elles. E como os
Discípulos os repellião com palavras as
peras ,
14 Jesus lhes difíe : Deixai os me
ninos , e não embaraceis que elles ve-
nhão a mim ; porque destes taes he o
Reino dos Ceos.
15- E depois que lhes impoz as mãos ,
partio dalli.
Eis-
gelho , como refere Eusebio na sua Historia
Ecclestastica , Livro 6. cap. 8. Náo o foi antes
de Origenes oucro Christáo, de quem escreve
S. Justino Martyr na Apologia 2. que pedira li
cença ao Governador Felis para os Cirurgiões
o castrarem , náo obstante a prohibição das
Leis Romanas. Porém a Igreja Catholica sem
pre entendeo esta castração , náo no sentido ma
terial, mas sim no espiritual : que consiste em
vivermos em carne 3 como senáo fossemos de
carne. Por isto o Canon 21. dos que chamáo
Apostolicos , chama a esta mutilação hum ho
micídio. E o primeiro dos Nicenos manda de
por do Clericato , os que cahirem neste ab
surdo. Pbreira.
SEGUNDO S. MATT. CAP. XIX. 143
16 Eis-que se chega a elle hum ,
que lhe disse: Bom Mestre, que obras
boas devo eu fazer , para alcançar a
vida eterna ?
17 E Jesus lhe respondeo : Porque
me perguntas tu (d) o que he bom ? Bom
só Deos o he. Porém se tu queres entrar
na vida , guarda os Mandamentos.
Que
(i) O que he bom , &c. Amelote , Saci ,'
Huré, e os mais que costumo alie: vertem
aflím , segundo o texto Grego actual : Pour
quoi m' appelle-z. vous loti ì Porém Calmer mostra
com Erasmo, e outros, que a lição da Vul
gata he a verdadeira , e a que se conforma
com o contexto ; e que dos mesmos exempla
res Gregos cita Milles nas suas varias lições
muitos , que trazem o mesmo sentido. Aquel-
le mancebo tinha feito duas cousas : huma, dar
a Jesus o titulo de bom ; outra dizer, que boas
obras faria elle. A huma, e outra cousa respon
de o Senhor. Responde á primeira, não negan
do ser elle bom ; mas arguindo tacitamente o
mancebo , de que não o tendo elle em conta de
Deos , mas de hum puro homem , ainda aflim
o chame bom , quando só Deos he bom. E com
isto quiz o Senhor elevar a alma daquelle man
cebo ao conhecimento da sua Divindade , co
mo bem observão os Santos Padres Epifânio,
Ambrósio, Agostinho, &c. Responde a segun
da, advertindo-o que o bem que devia fazer ,
era observar os Mandamentos. Pereira.
i44 O Santo Evangelho deJ.Ca
i 8 Que Mandamentos ? lhe pergun
tou elle. £ Jesus lhe respondeo : Não
!■ matarás : Não fornicarás : Não furta
rás : Não dirás falso testemunho.
1 9 Honrarás a teu pai , e a tua mai :
E amarás a teu próximo como a ti mesmo.
2 0 Disse-lhe o homem : Tudo isto
tenho guardado desde a minha mocida*
' de : que he o que me falta ainda ?
21 Jesus lhe respondeo: Se queres
ser perfeito, vai, vende o que tens, é
dá-o aos pobres, e terás hum thesouro
rio Ceo; e depois vem, e segue-me.
'22 O mancebo como ouvioesta pa
lavra , retirou-se triste ; porque tinha
muitos bens.
23 E Jesus disse a seus Discípulos : Em
verdade vos digo , que hum rico difficul-
tosamente entrará no Reino dos Ceos.
24 Ainda vos digo mais: Que mais
fácil he entrar hum camelo pelo fundo
de huma agulha , (e) do que entrar hum
rico no Reino dos Ceos.
Os
(ff) Bo que entrar bum rico no Reino dos Ceos.
Isto se deve entender somente daquelles, que
nas riquezas tem toda a sua confiança, como
SEgundo S. Matt. Cap. XIX. 14?
15 Os Discípulos , ouvidas estas pa-i
lavras , conceberão grande espanto, .ô
dizião : Quem poderá logo salvar-se ?
v 26 Porém o Senhor olhando para
elles , disse : Aos homens he isto impos
sível; mas a Deos tudo he poflível.
.. 27 Então lhe disse Pedro: Eis-aqui
estamos nós (f) que deixámos tudo, e
te seguimos: que galardão pois será o
noslb ?
2 8 E Jesus lhes respondeo : Em ver
dade vos aiïïrmo , que quando ( g ) no
dia da regeneração estiver o Filho da
Tom. I. K Ho-
D Senhor diz mais claramente por S. Marcos,
20. 24. e corno o entendem Santo Ambrpsio t
S. João Chrysostomo , S. Gregorio Magno , e
outros Padres. Entre os quaes he digno de se
Jer o Tratado de S. Clemente Alexandrino ,
<]ue tem por titulo : Que rico he o que Jísaha\
Pereira.
(/} Que deixamos tudo. Náo tendo Pedro del
atado senão o seu barco, e as suas redes, dia
resolutamente a Christo , ejue deixara tudo j
porque, como adverte Santo Agostinho cíce*
vendo a Paulino, com efeito tudo des\>re%a aqu:l-
le , que de/pre-za apo je não só de tudo quanto pa*
dia ter , mas tambem de tudo o que queria tis4
Pl'HAJWKLi
Q-) No dia da regeneração. No da dojuizoj
146 O Santo Evangelho de J.C.
Homem sentado no Throno da sua Glo
ria ; vós , que me seguistes , também es
tareis sentados sobre doze Thronos , e
julgareis as doze Tribus de Israel.
29 E todo o que deixar por amor
do meu Nome a casa, ou os irmãos, ou
as irmans , ou o pai , ou a mãi , ou a
mulher, ou os filhos, ou as fazendas:
receberá cento por hum , e possuirá a
vida eterna. -
30 Porém muitos primeiros , (h) vi-
ráõ a ser os últimos; e muitos últimos,
virão a ser os primeiros.

CA-
(6) Viráõ a ser os uítimos'. Por últimos pri
meiros , emendem os Santos Padres os Judeos t
por primeiros últimos os Gentios $ chamados á
Igreja depois da reprovação dos Judeos. Sas
so Hilário, S.João Chrysojlomo , S. Gregorio Ma
gno. Outros entendem por últimos primeiros,
os Sábios , e Grandes do Mundo , a quem a
sua soberba condemna ; e por primeiros últimos
os Apóstolos , e todos os que neste Mundo vi
vem desprezados por Christo , que a sua hu
mildade, e paciência os salva. Hessel, Jan-
SKNIO DE GAND, AMELOTK.
Sègundõ S* MatthfAjs. 14?

CAPITULO XX.
A parábola dos trabalhadores mandadoi
trabalhar na vinha em diversas horas*
Os primeiros serão os últimos , e últi
mos os primeiros* Prediz Jesus a fuá
Morte , e Resurreiçao* Ambição dos fi
lhos de Zebêdeo. Os que são maiores *
devem ser os mais pequenos. A domina
ção he alheia do Apostoladô.

t éT\ Reino dos Ceos lie femelhànte


V-X a hum homem pai dc famí
lia , (ct)que ao romper da manhã sahio a
aísallariar trabalhadores para a fila vinha.
K ii E
(a) Ao rompes da manhã. Advertem aqui os
Interpretes , que tanto os Judeos , como os
Romanos , dividião as doze horas do dia em
quatro partes , cada huma de tres horas. Es
tas quatro partes chamaváo-se hora primeira ,
hora terceira, hora sexta, hora nona. A pri
meira ccrrrespondia ás nossas seis horas da ma
nhã no Equinoccio : a terceira ás nove: a sex
ta ao meio dia : a nona ás tres da tarde. E;
eomo ao principio de cada hora destas corres*
pondiáo entre os Judeos certas orações públi
cas ; daqui veio , dizem Saci , e Amelote*
que certas partes do Olficio Divino entre nós
tomarão o nome de Prima, Terça, Sexta, e
Nox Pereira.
O Santo Evangelho de J.C
a E feito com os trabalhadores o
ajuste (b) de hum dinheiro por dia , man-»
dou-os para a sua vinha.
3 Tendo sahido junto da terceira
hora , vio estarem outros na praça ocio
sos ,
4 E disie-lhes : Ide vós também pa
ra

(i) De hum dinheiro por dia. Èíìè pai de fa


mília lie Dcos : a vinha a sua Igreja : a pra
ça o MunJo : os trabalhadores ocioios sáo os
homens anres da sua vocação: as diversas ho
ras sáo os diversos tempos da vida , em qu©
Deos os chama : O- dinheiro he a gloria que
Deos dá em paga do trabalho. Temos pois des
ta parábola tres cousas. Primeira: que as boas
obras sáo meritórias da vi>la eterna. Segunda t
que ainda que todos os Santos gozáo lubstan-
cialmente da melma felicidade, vendo a Deos
fia sua mesma essência; huns com tudo ovem
mais claramente do que outros , segundo a igual
dade j ou desigualdade dos merecimentos. Ter
ceira : que para receber maior paga, e ver a
Deos mais claramente , não se attende tanto á.
extensão , ou intensão do trabalho , como ao
fervor da caridade que o acompanhou, E as
sim poderá bem fer , que huma Pelagia peni
tente de poucos annos goze de maior gloria ,
do que hum Anacoreta sepultado no Deserto
toda a vida. Amelote , e Duhamel com S. João
Chrysoflomo na Homilia 68. sobre S. Mattbeus.
Segundo S. Matt. Cap. XX. 149
ira a minha vinha, e dar-vos-hei o que
for justo.
5- E elles forão. Sahio outra vez
junto da hora sexta, e junto da nonaj
e fez o mesmo.
6 Junto da undécima tornou a sa-
hir , e achou lá outros , e disse-lhes:
Porque estais vós aqui todo o dia ocio
sos?
7 Responderão elles : Porque nin
guém nos alugou. Elie lhes disse : Ide
vós também para a minha vinha.
8 Lá no fim da tarde disse o Se-,
nhor da vinha ao seu mórdomo : Cha
ma os trabalhadores , e paga-lhes o jor
nal , começando pelos últimos , e aca
bando nos primeiros,
9 Tendo chegado pois os que fo
rão junto da hora undécima , recebeo
cada hum seu dinheiro.
10 Chegando também os que ti-
nhão ido primeiros , julgarão que ha-
vião de receber mais. Porém também
estes não receberão mais, do que hum
(dinheiro cada hum.
ï5so O Santo Evangelho de J.C
11 E ao recebello , murmuravão con*
tia o pai de família, djzendo:
1 2 Efes que vierão últimos , não
trabalharão senão huma hora : e tu os
igualaste comnosco , que aturámos ope»
zo do dia, e da calma?
13 Porém elle respondeo a hum del
ies : Amigo , eu não te faço aggravo : não
çonviestc tu comigo num dinheiro?
14 Toma o que te pertepce, evan
te : que eu de mim quero dar a este
ultimo tanto , como a ti.
ij Pois que? Não me será permit-
tido fazer o que quizer? Ou porque ei?
sou bom , hão de ser máos os teus olhos ?
16 AíEm serão últimos os primei-
fos, e primeiros os últimos, (c) Porque
são muitos os chamados , ç poucos os
escolhidos.

(í) Porque são muito! os chamados , c poucos


0; escolhidos. Terrível sentença para temermos 3
€ tremermos, ainda quando soubessemos, que
só hum dos homens se havia de perder : quan-
tp mais fendo tantos os que se perdem , que
cm comparação délies arfirma Jesu Christo»
serem poucos qs que se telvíjo, Niçolb.
feEGUNDO S. Matt. Cap. XX. 15-1
1 7 Depois indo Jesus para Jerusa
lem , tomou de parte os feus doze Dis-
cipulos, e disse-lhcs:
1 8 Eis-aqui vamos para Jerusalem ,
e o Filho do Homem será entregue aos
Principes dos Sacerdotes , eaosDouto-
res da Lei , que o condemnaráô á morte ,
19 E o entregaráô aosGentios pa
ra fer escarnecido , e açoutado , e crur-
cificado: eelle aoterceiro dia resurgira.
20 Então se chegou a elle (d) a mai
dos filhos de Zebedeo corn feus filhos,
adorando-o , e pedindo-lhe que lhe fízes-
se alguma mercê.
21 Disse-lhe Jesus : Que queres ? re-
spondeo ella : Que mandes que estes meus
dous filhos estejão sentados no teu Reino ,
hum á tua mão direita , outro áeíquerda.
22 Respondeo-lhes Jesus: Vós nao
sabeis o que pedís. Podcis vós beber o
calis que eu hei de beber ? Podemos ,
disserao elles.
Con-
(á) A mai dot silos de Zeledeo. Por nome
Salomé, que fiada no estreito parenteíco c)ue
tin ha com Maria , -e com Jesus, pedia para feus
filhos as primeiras dignidades. Calmet»

1
ijrt O Santo Evangelho de J.C.
23 Continuou Jesus : He verdade
que vós haveis de beber o meu calis.
M.as em quanto a terdes assento á mi*
nha mão direita , ou á esquerda , (e) não
me pertence a mim o dar-vo-lo ; mas
isso he para aquelles , para quem meu
Pai o tem preparado.
24 Os outros dez que isto ouvirão,
índignárão-se contra os dous irmãos.
25" E Jesus chamando-os a si, lhes
disse: Vós sabeis, que os Principes das
Nações dominao os seus súbditos ; e que
os que entre elles são Maiores , exerci?
tão sobre os outros o seu poder.
26 (/) Não deve ser affim entre vós :
mas todo o que entre vós quizer ser o
maior j esse seja o que vos firva :
27 E o que entre vós quizer fer Q
primeiro, esse seja vosso servo;
28 Bera como o Filho do Homem
não
f/) Nao me pertence a mim. A mim conside?'
fado só como homem. Duhamel com Santo Agosi
tinha.
(/) Nao tleve ser affim entremos. S. Bernafc
do a Eugénio: He claro: fràhibc-se ao.: Apojitç
tes a dùmiuaçâe. Píreir^.
segundo S. Matt. Cap. XX. 15^
nao vpio a ser servido, mas a servir, e
a dar a sua vida para redempção dç
muitos.
29 Sahindo elles de Jericó , foi mui
ta a genre que seguio a Jesus.
30 Eis-que dous cegos que estavão
sentados junto á estrada , ouvindo que
passava Jesus , gritarão, dizendo : Se
nhor filho de David , tem compaixão
de nós.
31 Reprehendia-os a gente que se
calassem. Porém elles cada vez grita
va© mais , dizendo : Senhor Filho de
David , tem compaixão de nós.
32 Então parou Jesus, e chaman*
do-os , disse : Que quereis que vos faça ?
33 Que se nos abrão os olhos , re->
spondêrão elles.
34 E Jesus movido de compaixão
que delles teve, tocou-lhes os olhos: e
.
no mesmo instante virão, e oforão se-

CA-
O Santo Evangelho deJ.G.

CAPITULO XXI.
Dá Je/ù Cbrifto a sua entrada em Jeru
salem. Lança fora do Templo os nego
ciantes. Tapa a boca aos Fariseos que
murmaravão delle. Efpantão-Je os Após
tolos de ver , que huma figueira que o
Senhor amaldiçoara , seecou no mesmo
instante. Quanto pôde a sé. A parábola-
dos dous filhos , e a dos mãos lavrado
res. O Reino dos Ceos passará dos Ju-
deos aos Gentios.

ï Orno elles se avizinháráo aJe-


V-i rusalem , e chegarão a Bethpha
gé , ao Monte das Oliveiras ; enviou
Jesus dous de seus Discípulos , dizen-
do-Ihes :
2 Ide a essa Aldeia , que está defron
te de vós , e logò achareis preza huma
jumenta , e hum juraentinho sua cria;
desprendei-a, e trazei-mos.
2 E se alguem fizer algum reparo,
dizei-lhe, que o Senhor nécessita delles j
e logo vo-los deixará vir.
4 Ora tudo isto succedeo , a fim de se
cumprir o que estava dito pelo Profeta :
Di-
SÉGUNDO S. Matt, Cap. XXI. 157
5 (a) Dizei á Filha de Siáo : Eis- «m.
ahi o teu Rei , que vem a ti cheio de '
doçura , {b) montado sobre huma ju-z»w.
menta , e sobre hum jumentinho , filho '
4a que está debaixo do jugo.
6 Forao os Discipulos , efkeraoco-
mo Jésus Ihes ordenára,
7 E trazendo a jumenta , e o ju
mentinho, çubrírao-nos corn os feus ve£
tidos, e fizeráo-no montar em cima.
: 8 Entao da gente do povo , que era
inuita , huns eítendiâo no camînho os
feus vestidos ; outros cortando ramos de
arvores , juncaVao com elles a passagem.
9 E todos jiintos , tanto os que hiao
adiante , como os que o seguiao atrás,
di-
(st) Di%ti 4 filha de Siao. A Jérusalem fun-
dada sobre o Monte Siáo. HeHebraismo cha-
rnarfilhas ás Cidades. Amelote , e Duhamel.
(Js) Montado sobre huma jumenta , <&c. Du
hamel discorre, que ao subir do Monte. hia q
Senhor montado na jumenta ; e que ao des-
cer , hia montado no jumentinho. Como os ou
tros Evangelistas porém sò fazem mençáo de
haver Christo montado. no jumentinho , lem fa-
?erern memoria da. jumenta ; julgáo Saci , e
Calmer, que só rio jumentinho, e náo naju-
Qienta, rnontou Çhristo. Perbira*
i$6 O Santo Evangelho deJ. C.
dizião em altas vozes : (c) Hosanna ao
Filho de David ; bemdito seja o que
vem em Nome do Senhor : Hosanna no
mais alto dos Ceõs.
10 Quando elle aflîm entrou em Je
rusalém , , alterou-se toda a Cidade , e
cada hum dizia : Quem he este ?
11 E o povo respondia : Este he Je
sus o Profeta, que he de Nazareth de
Galiléa.
12 Jesus entrando no Templo de
Deos , lançou delle todos os que esta-
vao vendendo , e comprando ; e deitou
abaixo as mezas dos cambiadores , e as
cadeiras dos que vendião pombas:
w. 13 E disse-lhes : Está escrito , A mi
nha casa chamar-se-ha casa de oração:
e vós-outros tendes feito delia hum co->
vil de ladroes.
1 4 Então se chegarão a elle no Tem
plo cegos , e coxos ; e elle os curou.
15- Mas os Principes dos Sacerdo
tes , e os Doutores da Lei, vendo as
ma-
(c) Hosanna. Palavra Hebraica , que quec
dizer , saúde, e gloria. Pereira.
Segundo S. Matt. Cap. XXI. 15- f
maravilhas que elle tinha feito ; e que
Cs meninos no Templo lhe daváo os vi
vas , dizendo a gritos : Hosanna ao Fi
lho de David : cheios de indignação,
perguntárão-lhe :
ï 6 Tu ouves o que dizem os me
ninos? Sim ouço, lhes respondeo Jesus.
Mas vós nunca lestes : Da boca dos me- pw».
ninos , e dos que ainda mamão , formas- '
te tu o louvor mais perfeito?
17 E deixados elles , retirou-se Je
sus para fóra da Cidade , e foi para Be-
thania , onde ficou.
i 8 De manhã , quando elle Volta
va para a Cidade, teve fome.
19 E vendo huma figueira, que es
tava junto do caminho , chegou-se ao
pé delia : e achando que só tinha fo
lhas , disse para a arvore : Nunca já mais
nasça de ti algum fructo. E no mesmo
instante se scccou a figueira.
20 O que vendo os Discípulos, fi
carão cheios de assombro , e diziao : Co
mo le feccou para logo!
ï1 Então lhes disse Jesus : Em ver-
da-
r$ 8 O Santo Evangelho dë J.C*
dade vos affirmo , que se vós tiverdes
fé, e não duvidardes; não só fareis o
que eu acabo de fazer á figueira; mas
tambem se disserdes a este monte , Tir-
te, c lança-te no mar, affim se fará.
22 E tudo o que pedirdes orando
eom fé, haveis de conseguir.
23 Depois de Jesus entrax no Tem
plo , e estar enfinando , chegarão-se a
.elle os Principes dos Sacerdotes , e os
Senadores do povo , e disserão-lhe : Com
que authoridade fazes tu estas cousas?
c quem te deo esta authoridade?
24 Jesus lhes respondeo : Tambem
cu tenho que vos fazer huma pergun
ta ; c se me responderdes a ella , então
eu vos direi com que authoridade faço
estas cousas.
15- Donde era o baptismo de Joio;
do Ceo , ou dos homens ? Mas elles fa-
zião entre íi este discurso :
2 6 Se Tios lhe dizemos que do
Ceo , dirá ellc : Porque não crestes lo
go ncllc ? E se dizemos que dos ho
mens , temos medo do povo ; porque
to-
SEGUNDO S. MATT. CAP. XXL 15^
todos tinhao a João na conta de hum
Profeta.
27 . Responderão pois a Jesus , di
zendo : Não o sabemos. Pois então ,
lhes disse Jesus , tambem eu vos não
digo com que authoridade faço estas
cousas.
28 Mas que vos parece? Hum ho
mem tinha dous filhos ; e chegando ao
primei ro,disse-lhe: Filho, vai hoje tra
balhar na minha vinha.
29 Respondeo elle : Não quero.
Porém depois tocado de arrependimen
to, foi.
30 Chegando ao segundo , disse-
Ihe o mesmo. E elle respondeo : Eu
vou, Senhor; e não foi.
31 Qual dos dous fez a vontade
ao pai ? Respondêrão-lhe elles : o pri
meiro. E Jesus proseguio : Em verda
de vos digo , que os publicanos , e as.
mulheres prostitutas vos levarão a dian
teira para o Reino de Deos.
32 Porque vindo a vós João no ca
minho da justiça, vós o não creste; mas
A
cre
i6o O Santo Evangélho deJ. G*
crêrão nelle os publicanos, e as mulhe-
res prostitutas. E vós vendo isto , não
os imitastcs depois no arrependimento ,
para o crerdes.
33 Ouvi oatra parabolai Efa hum
homem pai de familia , (d) que tendo
plantado huma vinha , a cercou com
huma fève, e cavando, fez nella hum
]agar , e edifìcou huma torre ; e depois
de a arrendar a huns Lavradores, au-
sentou-fe para longe.
34 Eítando proximo o tempo dos
fructos , enviou elle os feus Servos aos
Lavradores , para receberem os feus fru»
ctos.
3s Mas os Lavradores lançando a
mao
(á) Que tendo plantado huma Vinha. Esta FÍ-
viba lignitìca o Povojudaico. A Séve , a Piovi-
dencia de Deos que o protege por fneio de*
leus An|os , e Profetas. O Lat-ar he a Lei , que
pelo medo da pena eltava pedindo delie fru-
ctos de justiça. A Torre he o Templo , onde
eíhváó asjencinellas , isto he , os Saceidotes ,
e Dourores da Lei , para velarem sobre o po*
vo. Os Lavradores , os Rcis , os Pontifices, e
os Saceidotes. Os Servos, os Profetas que os
Júdeos rriaúráo. O Filbo , Jefu Christo. Am&'
LOTE.
* éëGtWDò S. Mai*t. Cap.XXÍ. i6ï
fato aos Servos, ferirão hum, matárão
outro, e correrão outro ás pedradas.
36 Enviou ainda outros Servos erti
maior número , do que os primeiros ;
c fízerão-lhes o mesmo.
- 3? Por ultimo enviou-lhes seu Fi*
lho , dizendo : Hão de ter respeito a
meu Filho.
, 38 Porém os Lavradores vendo o
Filho, disserão entre si: Este he o her
deiro; vinde, matemo-lo, e ficaremos
senhores da sua herança»
39 E lançando-lhe as mãos, puze»
lao-no fora da vinha, e matarão-noi-
40 Quando pois vier o Senhor da
vinha , que fará elle áquelles Lavradores ?
41 Respòndêrão elles: Acabará de
todo com aquelles máos , e arrendara-
a sua vinha a outros Lavradores , que
3he paguem o fructo nos tempos com
petentes.
4i ProseguioJesus : Vós nunca les
tes nas Escrituras í A pedra que fora- psi>i*i.
regeitada pelos que edificavão , Çe) essa
Tom. I. L ve-
(0 *f* « ser , &t. gstapeclra, <j*tí
tó 2 O Santo Evangelho df. J. CX .
,veio a ser a primeira fundamental da
esquina ? O Senhor foi o que fez esta
obra , e ella he admirável aos nossos
* olhos.
43 PoriíTo he que eu vos declaro,
que se vos ha de tirar o Reino de Deos ,
para se dar a hum povo , que lhe pro
duza frusto.
t 44 O que cahir sobre esta pedra,
far-se-ha em pedaços : e aquelle sobre
que ella cahir , ficará esmagado. ■
45- Os Principes dos Sacerdotes , e
os Fariseos , depois de ouvirem as sua»
parábolas , conhecerão que délies he
que fallava Jesus :
46 E quando procuravão prendei-
lo , tiverao medo do povo ; porque es
te o tinha na estimação de hum Profeta,

GA-
fechou o canto, lie Jesu Christo, que unindo
as duas paredes do edilicio espiritual, aSyna-
goga com a Igreja , os Judeos com os Gen
tios, se constituio principal fundamento da no
va Religião (juc fundava. S. Agostinhq,,
* SEGUNDO S. MaTÏHEUS. l6$

CAPITULO XXII.
Celebra o Rei as vodas de seu filho. O que
não trouxe veftido nupcial, he expulso,
e lançado em trévas. Deve-se pagar o
tributo a Cesar. Os Sadduceos confun
didos. O preceito maximo he o de amar
a Deos de todo o coração. David sendo
Pai do Messias , chama a esteseu Senhor.

[a A""^ Ontinuando Jesus em lhes fal»


V^ilar por parabolas, disse:
i a O Reino dos Ceos he semelhan
te a hum homem Rei , que fez as voa
das a seu filho ,
3 E mandou chamar pelos seus ser
vos os convidados para as vodas ; mas
elles recusárão vir.
4 Segunda vez enviou outros ser
vos, que lhes dissessem: Sabei que te
nho preparado o meu jantar: matáráo»
se as minhas vitellas, as minhas aves,
e tudo o mais que eu tinha a cevar, e
tudo está prompto : vinde pois ás vodas.
5- Mas elles nenhum casofizerão do
convite, e forão-se huns para a sua ca~
. L ii %
te 64 O Santo Evangelho deJ. C;
sa de campo , outros para á sua nego»
ciaçâo.
6 Os mais tomárao ásmãos osSer«í
vos , que elle enviára , e depois de mui-
tos ultrajes, matárao-nos.
7 O Rei tendo isto onvido , en-
cheo-se de cólera: (a) e fazendo mar
cha r os feus exercitos , desbaratou a-
quelles inimigos , e lhes queimou a
-Cidade.
8 Entao disse a feus Servos : O batt-
<juetc das vodas está prompto : porém
«s que estavão convidados , nao forão
dignos de se acharem nelle.
9 Ide pois por essas entradas das
ruas , e convidai para as vodas , todos
quantos achardes. . }
1 o Sahírão os Servos pelas ruas , e
convidárao todos os que achárao , (b)
bons , e máos : e ficou a sala do ban
que-
Ci) Efazendo marcbar , ò-c. Allude em pro»*
fecia ao sitio , e destruição de Jerusalem em
tempo de Vespasiano3 e de Tito, quarenta an-
nos depois. Duhamel.
(Ji) Bons , e máos. De huns , e outros const»
aTgreja Militante, Saci.
Sègundo S. Matt. Cap. XXII. 16s
cpete cheia das peflbas , que se poze-
»ão á meza.
ii Entrou depoìs o Rei a ver os
tjue estavão á meza ; e vendo entre el
les hum homem , (c) que não tinha vcs-
tido nupcial , disse-lhe :
ia Amigo , como entraste aqúi,
sem trazeres vestido nupcial ? E elle fi-
cou mudo.
13 Entao disse o Rei aos feus Mi»
nistros: Atai-d de pés , e mãos, e lan-
Çai-o (d) nas trévas exteriores. Ahi ha»
verá choro , e ranger dos dentes.
14 Porque sao muitos os chama»
dos , e pouco os escolhidos.
1y Entao retirando-se , forão os Fa-
riseos consultar entre II, de que modo
o haviâo de apanhar no que fallava.
16 Enviárão-lhe pois a feus Disci-
pu-
(c) Que náo tinha vcstido nupcial. Este ho-
jnem fìgnifica os máos Christáos, que náo ti-
veráo cuidado de se vestir das obras da justi»
-ça , e da caridade, que sáo os fructos da fé ,
e. por islo se perdêráo. Saci.
(á) Nas trémas exteriores. Que consi stem em
huma inteira privação da luz de Dcqs , como
a dos condemnados. Saci.
166 O Santo Evangelho de J.C. -
pulos juntamente (<?) com os Herodia-*
nos, que lhe disserão: Mestre, nós sa
bemos que es verdadeiro , e que ensi
nas o caminho de Deos pela verdade
e não se te dá de ninguém j porque não
fazes acccpçao de pessoas.
17 Dize-nos pois , qual he o teu
sentimento? (/) He licito dar o tribu-*
to a Cesar, ou não? ,
Po-
(0 Com es Heroàimos. Com os domestico*
de Herodes Antipas , como explica a Versío
Syriaca. Veja-se a Dissertação de Calmer , De
fharistis , Sadducteis , <& Herodianis. Pereira.
(/) He licito , <b-c. Desde o tempo de Pom
peo eráo obrigados os Judeos a pagar o tribu-»
to de duas Dracmas aos Imperadores Romanos ;
que por isso costumavío bater moéda ou do
valor do tributo, ou de huma ametade. E es
te tributo era muito diverso do outro, que os,
Judeos pagaváo para as obras do Templo, co
mo ouvimos no cap, 17. vers. 25. Porque o do
cap. 17. era instituído por Moysés a favor do
Templo ; e não o pagaváo senão os que tives
sem vinte e finco annos. Este porém do cap. 22.
era imposto pelos Romanos; e segundo escre
ve Ulpiano na Lei 5. De Censibus , pagaváo- no
todos os Varões de quatorze annos, e todas as
Jemeas dç doze para cima. Por iíTo as Versões
Syriaca , e Persiana o chamáo aqui , tributa
de capitação. Ora pelo cap, j, dos Actos do»
segundo S. Matt. Cap. XXII. 1 67
ï8 Porém Jesus conhecendo a sua
malícia, disse-Jhes: Porque me tentais ,
hypocritas ?
19" Mostrai-me cá a moéda do cen
so. Elles lhe apresentárão hum dinheiro..
» ao Perguntou-lhes Jesus : De quem
he esta imagem , e inscripção ?
^ 11 De Cesar, responderão elles.
Então lhes disse Jesus : (g) Pois dai a
Cesar o que he de Çesar, e a Deos o
que he de Deos.
El-
.Apostolos se sabe , que hum cerro Judas de
Galilca ensinava , que náo deviáo os Judeos
soffrer este imposto. Pelo contrario os domes
ticos de Herodes Antipas , diziáo que se devia
pagar : pois a isso os persuadia o mesmo He
rodes , que imitando a seu pai em lisonjear
©s Romanos , inspirava nos seus familiares as
rnesmas idéas. Era logo célebre entre os Ju
deos esta questão. Por isso osFariseos quizeráo
armar comella hum laço aChristo, afim de o
malquistarem, ou com os Ministros do Impera
dor , ou com o Povo. Veja-se Pedro de Marca
no Livro 2. Da Co?icordia , cap. 5. Pereira.
(g) Pois dai a Cesar, <ô<c. Com isto ratifi
cou a Verdade Eternas o Direito que tem os
Soberanos de impor , e de cobrar tributos ; e
mostrou que os interesses dos Reis náo le op-
põem aos de Deos. Saci,
i6 8 O Sânto EvangÏlho dkJ.C
22 Elles ouvindo a resposta , ficá-
rao admirados, e deixando-o, se reti-
xárao.
33 Na quelle mesmo dia vierão ter
comjesus os Sadduceos , quedizem que
mo ha resurreiçao , e propozerão-lhc
esta dúvida.
Píutíí. 24 Mestre , Moysés deixou dito ,
que íè morrer hum homem sem dcixar
£lho , case feu irmao com a mulher del
ie, para dar successão a feu irmão.
1$ Ora entre nos havia fete irmaos :
depojs de çasado faleceo o primeiro ; ç
porque nSo teve filho, deixou sua mu^
Jher a feu irmao.
2 6 O mesmo succçdeo ao segundo,
6 tprceiro, até o setimo.
27 J?or ultimo faleceo tambem a
mulher,
28 A quai dos fete logo pertencerá
a mulher na resurreição ? porque ella
foi casada com tpdqs.
29 Jesijs lhçs respondeo : Vós an-
dais errados , por nao comprehender-*
des as Escrituras , e q pqder de Deos,
Por.
€ë£úndo S. Matt. Cap. XXII. 1 6j
\ - 30 Porque depois da reíiirreiçao,
nem as mulheres terão maridos , nem
os maridos mulheres : mas serão como
/ os Anjos de Deos no Ceo.
ï 31 E sobre a resurreição dos mor-
: tos , vós não tendes lido o que Deos
disse, fallando comvosco:
2 2 Eu sou o Deos de Abrahão , e o exo*
III»
Deos de Isaac , e o Deos de Jacob ? (b)
Ora Deos não o he de mortos , mas
de vivos.
33 p a gente do povo ouvindo isto,
eslava admirada da sua doutrina.
34 Mas os Fariseos vendo que Je
sus
(h) Ora Deos não o he de mortos. Argumen
to dos que os Filósofos chamáo ad hominem ,
tirado do testemunho do Êxodo. Como íe Chri-
sto dissera : Sc elle não ha espirito , nem al
ma immortal , como vós dizeis , nem por con
sequencia resurreição : coma podia Deos, fal
lando com Moysés- muitos annos depois da mor
te de Abraháo , Isaac , e Jacob , chamar-se Deos
delies ? Logo como elle se chama seu Deos ,
he isto prova , de que ainda depois de mor
tos , viviáo aquelles Patriarcas. Porque Deos
não he Deos do que náo ha , ou do que náo
existe. Logo he falso, que as almas morrem
com os corpos. Am£^0T£ 3 e Saci.
170 O Santo Evangelho de J.C. «
sus tapára a boca aos Sadduceos , ajun-
tárao-se em Conselho: 7
3 5 E hum délies, que era Doutor
da Lei , fez-lhe para o experimentar j
a seguinte pergunta:
36 Mestre , qual he o grande Man
damento da Lei?
Dente.-. 37 Jesus lhe respondeo : Amarás a
' ' teu Senhor Deos de todo o teu cora
ção , e de toda a tua alma , e de todo o
teu entendimento.
3 8 Este he o máximo , e o primei
ro Mandamento. i
39 E eis-aqui o segundo que se pa-
ìu'ii rece com c^e : Amarás a teu próximo
como a ti mesmo.
40 Nestes dous Mandamentos se
encerra toda a Lei, e tudo o que dis
se rão os Profetas. -
41 E estando juntos os Fariscos,
perguntou-lhes Jesus , dizendo :
42 Que he o que vos parece do
Christo? de quem he elle Filho? Re
sponderão ellcs : De David.
43 Replicou Jesus : Como he logo
que ,
SEGUNDO S. Matt. Cap. XXII. 171
que David em espirito lhe chama seu
Senhor, quando diz:
- 44 Disse o Senhor ao meu Senhor:
Senta-te á minha mão direita, até que pw».
eu reduza os teus inimigos a servirem
de escabello de teus pés ?
45s Se pois David o chama seu Se
nhor , como he elle seu Filho ? . ; .
46 E não houve quem lhe podefle
responder huma só palavra. E daquelle
dia em diante ninguem mais ousou fa-
zer-lhe perguntas.

1 CAM T U L O XXIII.
Devem-se crer y mas nao imitar os mãos
Pastores. Vaz Jefu Chrifio huma lar
ga , eforte inveiliva contra os vicios dos
Farifeos. Em perseguirem a Jesu Chri-
. Jio , imitao elles a perversidade de seus
maiores. O Templo virá a ficar deserto.

1 TT^ Ntao sallou Jesus ao povo , e aos


Ei feus Discípulos, dizendo-lhes :
2 Os Doutores da Lei, e os Fari
feos estão sentados sobre a cadeira de
Moysés.
Ob-
%f% O Santo Evangelho de J.C.
3 (a) Observai pois , e fazei tudo ,
o que elles vos disserem ; mas não fa
çais o que elles fazem ; porque elles di
zem , e não fazem. '
4 Porque (b) átão cargas pezadas ,
e que se não podem levar , e póem-nas
ás costas aos homens ; mas para os ali
viar, nem hum só dedo applicáo.
<; Todas as obras que fazem , he
com o fim de ferem vistos dos ho
mens. Por isso trazem (c) grandes ti
ras
(«) Observai logo , e fa%ei , &c. Boa pro
va , de que a authoridade de ensinar , e defi
nir os dogmas da Religião, pôde muito bem
estar com a vida perversa cios Pastores , con
tra o que astirmava Wiclef. Pereira.
(i>) Atão cargas secadas. Quer dizer , que
os Fariseos usando com os outros de hum ri
gor exceflivo , obrigaváo os homens a obser
var huma infinidade de tradições onerosiffimas ;
ao mesmo tempo que elles praticando comsigo
mesmos huma delicadeza , que custava a enten
der , de tudo le eximiáo. Saci.
(c~) Grandes tiras ds pergaminho. IíTo signifi
ca o nome Grego yhylaãeria , que a Vulgata
conlervou. Porque mandando Deos no Deute-
jonomio 6.8. que trouxessem os Judeos a sua
Lei sempre diante dos olhos, e nasmáos, pa
ra si^nilicar com isto que se não dçyiáo nua*
segundo S. Matt. Cap. XXIII. 173
-ras depergaminho, (d) e grandes fran-
jas.
6 Gostão de ter nos banquetes os
primeiros lngares, e nas Synagogas as
-primeiras cadeìras :
7 E que os saudem na Praça , e que
os homens os chamem Mestrcs.
. Mas
ca esquecer delia } ante» fim cstimalla , como
hum preciosislimo ornamento : os Fariseos } que
eráo como os Theologos daquella Nação , e cu-
gaScita se tinha introduzido entre elles muito
depois da morte dosSantos Maccabeos; corne-
çàráo a interpretar á letra as palavras da Lei ,
e a perfuadir com o feu exemplo aos Nacio-
aiaes , que trouxeííem cingidas na cabeça , o
nos braços humas tiras de pergaminho , en*
que íe liáo eíciitos varios Lugares da mesma
Lei. E para se inculcarem a si mesmos por
tnais perfeiros observadores da Lei , traziáo
os Fariseos estas tiras muito largas ; eatc pro-
curaváo perfuadir opovo ignorante, feremese
tas tiras efcrfiiras hum grande amuletto , ou dc-
fensivo contra as doenças, e msleficios. Cal-
bviet.
(d) E grandes franjas. Eráo estas franj as hum
ornato ordinario dos vestidos entre osjudeos,
do quai nem o mefmo Christo se absteve de
usar , seguindo o que geralmente ordcnára Moy-
sés no Livro dos Numeros , 15.38. Eráo de li-
fiho , ou de lá azul , e punháo-fe nos quatro
cantos das capas,- Cximbt.
1 74 O Santo Evangelho de J. C.
8 Mas vós não queirais que vos cha
mem Mestres; porque não tendes senão
hum só Mestre, e todos sois irmãos.
; - 9 Nem tambem deis>a alguem sa
bre a terra o nome de pai vosso ; por
que vós não tendes outro Pai , senão o
que está nos Ceos. )
10 - Nem que vos chamem Douto
res : (e) porque o vosso Doutor he só o
Christo.
11 O que de entre vós he o maior,
será vosso servo.
12 Porque aquelle que se exaltar,
será humilhado : e o que se humilhar,
será exaltado.
13 Mas ai de vós , Doutores da
Lei , e Farileos hypocritas ; porque fe
chais o Reino dos Ceos aos homens ; c
nem
(f) Porque o mofo Doutor , &c. Náo repro
Ta jesu Christo os títulos de Pai , e Mestre,
que o mesmo S. Paulo náo duvidou attribuir-
íe a si ; mas quer que entendamos , quelóDeos
he propriamente noíïb Pai , porque só elle he
o que nos dá o ser : e que só Jesu Christo he
propriamente noíTo Mestre-; porque só elle nos
ensina- interiormente a verdade, que os outros
ló nos cníinão de iòra. Saci. - ■*
segundo S. Matt. Cap. XXIII. 175-
pem vós entrais , nem aos que vão a en
trar deixais entrar.
14 Ai de vós, Doutores da Lei, e
Fariseos hypocritas; porque com o pre
texto de largas orações, devorais as ca
ías das Viuvas : por isso recebereis ma
ior condemnação.
1 <y Ai de vós , Doutores da Lei , e
Fariseos hypocritas ; porque- rodeais o
mar , e a terra por associardes á vossa
Religião hum homem : e depois que
elle a abraçou , vós o fazeis (/*) em do
bro mais digno do inferno do que vós.
16 Ai de vós , conductores de ce
gos, que dizeis: Se hum homem jura
pelo Templo, isso não henada; porém
se elle jura pelo ouro do Templo, está
obrigado ao que jurou.
1 7 Como sois insensatos , e cegos !
porque qual he mais ; o ouro , ou o Tem
plo, que santifica o ouro?
B
(/) Em dobro mat! ài^iio do inferno. Porque
escandalizados da vida, e hypocrisia dos Fari
seos , ou volcaváo para a idolatria , ou fazendo-
se mais supersticiosos do que elles , resistiáo
prako mais á Doutrina Evangelica. Duhamel.
i7 6 O Santo Evangelho de J.C,
18 E se hum homem, dizeis vós,
jura pelo Altar, isso não he nada; po
rém todo o que jura pela Offerta, que está
sobre o Altar, está obrigado ao que jurou.
1 9 Como sois cegos ! Porque qual
he mais ; a Offerta , ou o Altar , que san
tifica a Offerta?
20 Logo aquelle que jura pelo Al
tar, jura pelo Altar, e por tudo aquil-
lo que está sobre o Altar.
21 E todo o que jura pelo Tem
plo, jura pelo Templo, e por aquelle,
que habita no Templo.
22 E o que jura pelo Ceo , jura
pelo Throno de Deos, e por aquelle,
que está sentado nelle. •
23 Ai de vós , Doutores da Ler,
eFariseos hypocritas; porque pagais o
dizimo da hortelã, e do endro, e do
cominho ; e deixais de fazer o qne he
de maior importancia na Lei ; a saber ,
a justiça , a misericordia , e a fidelida
de. Estas cousas erao , as que vós devieis
praticar , sem que entre tanto omittil-
ieis aquelloutras»
Con-
5ÉGÚND0 S. Matt. Cap. XXIII. 1 77
24 Conductores cegos , (g) que
coais hum mofquito , e engulis hum
Camelo;
25: Ai dû vós , Doutores da Lei,
e Fariscos hypocritas; porque alimpais
o que está por fora do cópo , e do pra^
to ; e vós por dentro estais cheios .de
rapinas, e de immundicias.
26 Fariseo cego , purifíca pri-
íïîeiro o interiof do cópo , e do pra*.
to ; para que tambem o exterior fîque
îimpo.
27 Ai de vòs , Doutores da Lei -,
c Fariseos hypocritas ; porque fois co*-
flio fepulcros branqueados , que de fo
ra se mostrão fermosos aos olhos dos
Jtomens, e por dentro estão cheios de
oíTos de defuntos , e de toda a alque1-
rosidade.
28 Aíïïm tambem vòs > por fóra
m verdade pareceis justos aos olhos
idos homens ; mas sto interior estais
Tom. L M chc-
CÙ 2«* coais hum mosquito. Pìoverbio con*
tra os que rias cousas minimas sâò muiro es-
crupulolos ; e aò mesmo tempo nas grandes
sao felaxadislìmos. AmtLOTB.
178 O Santo Evangelho de J. G.
chcios de hypocrisia , e de iniquida-
de.
29 Ai de vós, Doutores da Lei, e
Fariseos hypocritas ; porque edificais fe-
pulcros aos Profetas , e ornais os mo-
numentos dos jusios,
30 E que dizeis: Se nós houvera-
iîîos vivido em tempos de nossos pais,
nao teriamos confentido com elles , em
que se ìderramaíTe o sangue dos Pro
fetas.
31 Aíîìm que , de vòs mesmos dais
testemunho , de que fois filhos daquel-
les , que derao a morte aos Profetas.
32 Acabai pois de encher a medi-
da de vossos pais.
33 Serpentes, geração de viboras,
como escapareis vós de ferdes conde-
mnados ao fo£ïo do inferno ?
34 Por isso he que eu estou para
vos enviar Profetas , c Sabios , e Dou-
tores da Lei : e delies matareis , e cru-
cisicarcis a huns, e açoutareis a outros
nas voilas Synagogas , e os pcrfeguireis
de Gidadc em ddade;
Pa-
segundo S. Matt. Cap. XXIIÎ. 1751
3jr Para assim vir a cahir sobre vdí
todo o sangue dos justos , que se tem
derramado sobre a terra , des do sari
gue do justo Abel , até o sangue de
Zacarias filho de Baraquias , a quem
vós destes a morte entre o Templo > e
o Altar.
3 6 Em verdade vos digo , que to*
das estas cousas hão de vir a cahir so
bre este povo.
37 Jerusalem, Jerusalem, que ma
tas os Profetas, e apedrejas os que te
são enviados : quantas vezes quiz eu
ajuntar teus filhos, do modo que huma
gallinha recolhe de baixo das azas os
seus pintos, e tu o não quizeste?
38 Sabei que não tarda o tempo >
em que a vossa casa ficará deserta.
39 Porque eu vos declaro, que des
de aqui me não tornareis mais a ver,
até dizerdes Bemdito seja o que vem
em Nome do Senhor.

Mii >"CA-
180 O Santo Evangelho de J.C.

CAPITULO XXIV.
Prediz Jesu Chrìjìo a ruina do Templol
Manda-nos refguardar dos Profetasfal-
sos. Tenomems ejpantojos , que hao de
proceder d sua vinda. O bom Servo ejìd
Jempre vigilante ao que feu Senhor que-
rerd delle. Devemos ejìar promptos pS'
ra o tempo que o Senhor vier.

i f I ^ Endo sohido do Templo , re-


JL tirava-se Jésus : quando se che-
gárao a elle sens Discipulos , para o fa-
zerem contemplar a arquitet^ara , e
grandeza do edisicio.
z Porém Jesus lhes disse : Veçles vós
todas estas grandes ubras ? Pois em ver-
dade vos digo , que todas viráõ a fer
de tal forte destruidas , que nâo ficará
pedra sobre pedra.
3 E eítando sentado no Monte das
Qliveiras , chegárao-fe a elle á puri-
dade feus Discipulos , e perguntárãor
lhe : Dize-nos , quando succederá6
estas cousas , e que final haverá (a)
da
£«) ' Va tua <vinda. Náo concordáo os Padres ,
segundo S. Matt. Cap. XXI V. 181
da tua vinda , e da consummação dó
século?
4 E Jesus lhes respondeo : Vede que
Vos não engane alguém.
5" Porque viráõ muitos em meu No
me , dizendo : Eu sou o Christo : e en^
ganaráõ a muita gente.
6 Ouvireis também guerras, e es
trondos de guerras. Olhai não vos tur
beis :
e Interpretes, de que vinda de Christo , e dé
que consummação do século se deva entender
esta pergunta' dos Apóstolos , e a resposta que
o Senhor lhes deo. Santo Irineo , Santo Hilá
rio, Santo Ambrósio, S. Gregorio, entendem
huma , e outra coula da destruição do Mun
do , e do Juízo final. S. João Chrysostomo, c
com elle TheofyLcto , e Euthymio , enten
dem este Capitulo até o verso 23. da destrui
ção de Jerulalmi ; e o que se segue, da des
truição do Mundo. Santo Agostinho na Epis
tola a Heíyquio julga , que todo o Capitulo (al
ia de ambas as destruições > e que pelo con
texto he que se deve ver , de qual das duas
se trata neste , ou r.aquelle verso. Por isso Cal
mer , e o moderno Apologista da Religião Chri-
íià M. Ikrgier , nenhuma dúvida tem de ex
plicar todo este Capitulo, (sem exceptuar os
versos 29. 30 2,1.) dos sinaes que precederiáo ,
e se seguiriáo á ruina de Jerusalém , c da Na
ção Judaica. Pbriíiua.
j82 O Santo Evangelho de J.C.
beis : porque importa que aflim acon-.
teça ; mas não he este ainda o fim.
7 Porque levanta r-se-ha Nação con
tra Nação, e Reino contra Reino ; e
havera pestilencias , e fomes , e terre
motos em diversos lugares.
8 Todas estas cousas porém naa
serão mais , do que o principio das
dores.
9 Então vos entregarao a padecer,
ea morrer ; e sereis o odio de todas as
gentes por causa de meu Nome.
lô E neste tempo serão muitos os
que se escandalizem ; os que de parte
a parte se entreguem ; e os que seabor-
yeçao huns a outros,
11 Levantar- íe-hão muitos Profetas
falsos, que hão de enganar a muitos.
12 E porque se multiplicará a ini-*
quidade , virá a caridade de muitos a
resfriar-se.
13 Mas aqnelle que perseverar até
o fim , esse será salvo.
14 Em todo o Mundo será préga-
do este Evangelho do Reino, para ser
vir
segundo S. Matt. Cap. XXIV. 183
vir de testemunho a todas as Nações :.e
então chegará o fim.
1 j Quando vós pois virdes , (b) qnç a
abominação da desolação, que foi pre
dita pelo Profeta Daniel , efírá no lugar
santo: (o que lê, entenda:)
16 Então os que se achão em Ju-
déa , fujao para os montes :
17 E o que se acha no telhado , não
desça a levar cousa alguma de casa :
18 E o que se acha no campo, nao
volte pelos seus vestidos.
Mas
(J) A abominação da desolação. Segundo 9
opinião de graves Expositores , verisicou-se es
ta abominação , quando tres annos antes que
Tito destruísse a Cidade , veio Sestio, e a
bloqueou ; porque nesta occasiáo he que hu
ma quadrilha de salteadores recolhendo-se no.
Templo, executou nos paizanos rodo o gene
ro de crueldades , enchendo o Templo de san
gue , e commettendo nellc os mais abomina
veis sacrilegios. Veja-se a Historia de José no
Livro 4. cap. j- e no Livro 6. cap. r. E affim
o entendem Jansenio deGand, Baronio, Ame-
lote , eSaci. E que este lugar se deve enten
der do tempo que os Romanos filiarão, e pro- .
fanarão a Jerusalem., he expresso de Santo A-
gostinho naEpistola aHesyquio, acima citada.
Pereira.
V.
ï §4 O Santo Evangelhõ de J. C.
i9 (c) Mas ai das qne estiverem pe«
jadas , e das que criarem naquelle tempo.
ao Rogai pois , que não seja a vos
sa fuga (d) em tempo de Inverno, (e)
Ou em dia de sabbado.
21 Porque será então a asflicçao tão
grande , que desde que ha Mundo não
houve , nem haverá outra íemelhante.
22 E senão se abbreviassem aquel-
Jes dias, não se salvaria pessoa alguma ;
mas abbreviar-se-hão aquelles dias em
attençao aos escolhidos.
23 Então se alguem vos disser : Aqui
está o Christo , ou ei-lo acolá , não ihe
deis credito.
24 Porque se levantarao falsos Chri-
Hos, e falsos Profetas ; que farão pro^
digios , e maravilhas tacs , que se pos
sível fora, até 03 mesinos escolhidos sç'
engana rião,

(c) Ai das que estfaerem pejadas. Porque lheS


íierá muito custoío o fugir. Amelote.
(á) Em ttmpo de Inverno. Quando os mãos
caminhos retardão muito os palios. Amelote.
(O Ou em dia de sabbado. No qual segundo
a Lei , não era licito caminhar mais do que
huma légua. Amelote.
feEGUNDO S. M ATT. CâP. XXIV. ï 8*
25* Vede que cu vo-lo adverti antes.
26 Se pois vos disserem : Ei-lo la
está no Deserto ; não saiais : Ei-lo cá no
mais retirado da casa ; não lhes deis
credito.
27 Porque do modo que hum re
lâmpago sahe do Oriente, e se mostra
até o Occidente ; affim ha de ser tam
bém a vinda do Filho do Homem.
28 Em qualquer lugar em que es
tiver o corpo , ahi se hão de ajuntar
também as águias.
20 Logo depois da afflicçao daquel-
les dias , cícureccr-se-ha o Sol , ca Lua
não despedirá a sua claridade; (/) e as
Estrellas cahiráó do Çeo ; (g) e as Vir
tudes dos Geos se çornmoveráó.
Ea->
(/) E as Estrellas cahirdõ do Ceo. As inílam-
toaçóes formadas no ar , cjue o povo chama Es
trellas j diz Amelote, a quem favorece San
to Agostinho no Livro 20. da Cidade de Deos ,
cap. 24, Outros com. Duhamel entendem que
cahiráó as Estrellas, em quanto ellas retrahí-
ráo a sua claridade } como se tiveflem cahido.
Perhika.
(g) E as Virtudes do Ceo se commoveráo. San
to Ambrósio } e S. João Chrysostomo o enten-
iS6 O Santo Evangelho de J.C.
30 Então apparecerá (h) o final do
Filho do Homem no Ceo ; e então to
dos os povos da terra chorarão , e ve
rão ao Filho do Homem, que virá so
bre as nuvens do Ceo com grande po
der , e magestade.
31 E elle enviará os seus Anjos , (/)
que ao som forte, e retumbante (k) de
suas trombetas , ajuntarão os seus esco
lhi-
dem dos Anjos , a quem a magestade do Juízo
encherá de espanto , e de- temor. Santo Agos«
tinho na Carta já outras vezes citada a Hefy-
quio , o entende dos justos; dos quaes , a for
ça das perseguições , e tribulações fará cahir
a huns, c vacillar a outros. Pereira.
(6) O suiàl do Filbo do Homtm. Isto he , J
Cruz do Salvador, que nesta occasiáo apparece
rá resplandecente como hum astro. S. J0X0
Chrysostomo, e S. Jeronymo.
CO Que ao somforte 3 e retumbante. Assim ver
ti aquelle cumtuba -voeis magna , que aqui tem
o Grego, onde a Vulgata diz: Cumtuba &vo'
ce magna. Pereira.
(fc) De suas trombetas. Náo he necessario que
estas palavras se entendáo de alguma trombeta
verdadeira , e material. Hábeis Interpretes ad
vertem, que por trombeta lenáo denota aqui
outra coula mais, do que a Magestade Supre
ma do Juiz, e a irresistível força do seu im
perio. Calmet.

/
segundo S. Matt. Cap. XXIV. 187
Ihidos des dos quatro Ventos , de hum
ilia extremidade do Ceo ate á outra.
3i Aprendei o que vos digo, por
huma comparação tirada da figueira.
Quando os seus ramos estão já tenros ,
e nascidas as solhas , conheceis vós que
ç&i perto o Estio.
33 Affim tambem, quando vós vir
des todas estas cousas, sabei que o Fi
lho do Homem está á porta.
34 Em verdade vos digo , que não
passará esta geração , sem que se cum»
prão todas estas cousas.
. . Passará o Gco, e a terra; mas
não pasiaráo as minhas palavras.
36 No tocante porém áquelle dia ,
e momento, ninguem sabe quando elle
será, nem ainda os mesmos Anjos dos
Ceos: só meu Pai he que o sabe.
37 £ succedera na vinda do Filho
do Homem , o mesmo que succedeo em
tempo de Noé,
38 Porque do mesmo modo que
poucos dias antes do diluvio estavao os
homens comendo , e bebendo ; casan
do-
i88 O Santo Evangelho de J.C.
do-se huns , e fazendo casar outros ; até
o dia em que Noé entrou na arca :
'39 E não conhecerão que vinha o
diluvio , senão depois que elle veio ,
e os levou a todos : Assim succedera
tambem quando vier o Filho do Ho
mem.
40 Então dedous que estiverem no
campo, tomar-íè-ha hum, e deixar-le-
ha outro.
• 41 De duas que estiverem moendo
no mesmo moinho, tomar-sc-ha huma,
e deixar -se-ha outra.
42 Vigiai pois , porque não sabeis
em que hora virá vosso Senhor.
43 Porque sabei , que se o pai de
familia estivesse advertido da hora, em
que havia de vir o ladrão ; certamente
havia de vigiar, enao havia de consen
tir que lhe minassem a sua casa.
44 Por isso estai vós tambem aper
cebidos , porque não sabeis em que ho
ra virá o Filho do Homem.
4? Qual he o Servo fiel , e pruden
te, a quem seu Senhor deo o governo
da
SEGUNDO S. MATT. CaP.XXIV. 189
cia sua família , para a seu tempo lhe
distribuir o sustento?
46 Ditoso aquelle Servo , se quan
do chegar seu Senhor, o achar este em
tal occupação.
47 Em verdade vos digo, que clle
o constituirá administrador de todos os
íeus bens.
43 Mas se aqnelle Servo he máo,
c dizendo no seu coração , Meu Senhor
rião vem tão cedo,
49 Começa a espancar os outros
companheiros , e se põe a comer , e
beber com homens dados ao vinho :
50 Virá o Senhor daquelle Servo
no dia que elle o não espera , e na ho
ra que clle não sabe ;
51 (/) E removei Jo-ha , e o porá
com os hypocritas : alli haverá choro,
e ranger dos dentes.

CA-
, (/) E rimovcllo-ha. Ou do officio 3 ou de sua
casa. Duhamjel.
jpo O Santo Evangelho de J.C.

CAPITULO XXV.
A parabola das dez Virgens. A outra dos
t alentos repartidos. Cada hum será re
compensado segundo os seus merecimen
tos. Jesu Christo reconhecerá como fei
to a elle , o que se fizer aos seus.

ï T7^ Ntao será semelhante o Reino


XIâ dos Ccos (a) a dez Virgens,
que tomando as suas alampadas , sahí-
ráo a receber o Esposo, e a Esposa.
z Sinco de entre ellas erao loucas,
e finco prudentes.
3 As finco que erao loucas , toman»
do as suas alampadas , não levarão azei
te com sigo.
4 Mas as- prudentes levárao (b)
azeite nos seus vasos com as alampa
das.
Em
(a) A der. virgens. Este completo número
comprehende todos os Fieis Christáos , que se
comparáo ás Virgens , por causa da pureza da
sua Fé, e da profiísáo que {azem de se abster
de todos os deleites profanos, Amelote.
Cb) O azeite nos vasos. Ede azeite he a ca
ridade , que raz luzir, c que nutre a fé , par*
obrarmos bem. Amelqtk,
segundo S. Matt. Cap. XX V. 191
5 (c) Em quanto tardava o Espo
so, (d) deitárao-se todas a dormir, (e)
€ dormirão.
6 (f) Á meia noite (g) ouvio-fe
hum grande clamor , que dizia : Eis-
ahi vem o Esposo; sahi a recebello.
7 Então se levantarão todas aquel-
las Virgens, e prepararão as suas alam-
padas.
8 E as loucas disserao ás pruden
tes : Dai-nos do vosso azeite , porque
as nossas alampadas estão apagadas.
0 Responderão as prudentes: Para
que não succeda faltar-nos elle a nós , e a
vós ; ide vós antes aos que o vendem ,
e comprai o que haveis mister.
1 o Mas ao tempo que ellas o hião
com
ue) Em quanto tardava o Esftfo. A vir jul
gar o Mundo. Amelote.
(<i) Deitdr.So-se a dormir. Este deitar-se a dor
mir significa as doenças , que são as que tra
zem o íomno da morte. Amelote.
(e~) E dormirão. E morrêráo. Amelote.
(/) A- meia noite. Quando fe ignorava que
o Esposo havia de vir. Amelote.
(g) Bum grande clamor. A voz dos Anjos ,
<que viráó adiante do Filho de Deos. Amelote,

!
O Santo EvangêLfïû deJ.G.
comprar, eis-que veio o Esposo ; e as
que se achavão promptas , entrarão com
elle \h) a celebrar as vodas : e fechou-
se a porta.
1 1 Em fim chegarão tambem as outras
Virgens, e disserão: Senhor, abre-nos.
12 Mas elle lhes respondeo : Em
verdade vos digo, que eu vos não conheço.
13 Vigiai pois , visto que não ía~
beis o dia , nem a hora. ,
14 Porque elle fez como hum ho*
mem, que estando para se ausentar pa-r
ra longe , chamou os seus Servos , e dik
rribuio entre elles os seus bens.
1? E tendo dado a hum finco ta
lentos, a outro dous, a outro hum, se
gundo a capacidade de cada hum dej»
les ; partio logo.
16 O que recebera pois finco talen--
tos , foi-se , e entrou a negociar comi
elles, e ganhou outros finco.
Da
(i) A celebrar asDodas. Entrarão no banque
te , e gozo; do Ceo. O fim porém desta para
bola he mostrar a necessidade que. todos temos
de trabalhar , cada hum segundo o íeu talento }
e-iegundo o íeu emprego. Saci.
V .^
Segundo S. Matt. Cap. XXV. ipy
17 Da mesma sorte o que recebera
dous, ganhou com elles outros dous.
1 8 Mas o que só recebera hum , foi
cavar na terra, e escondeo nella o ca
bedal de seu Senhor.
19 Passado muito tempo , veio o
Senhor daquelles Servos , e chamou-os
a contas.
20 Aprefentou-fe o que havia rece
bido finco talentos , e entregou-lhe ou
tros íinco , dizendo : Senhor , tu me
entregaste. finco talentos ; eis-aqui tens
outros finco , que eu ganhei por cima.
21 Respondeo-lhe seu Senhor : Bem
está , Servo bom , e fiel ; já que foste fiel
nas cousas pequenas , dar-te-hei a in
tendencia das grandes ; entra no gozo
de teu Senhor.
22 Da mesma forte se apresentou
o que havia recebido dous talentos , e
disse : Senhor , tu me entregaste dous
talentos ; eis-aqui tens outros dous , que
ganhei por cimã.
23 Disse-lhe seu Senhor : Está bem ,
Servo bom , e fiel } já que foste fiel nas
Tom. I. N cou-
i94 O Santo Evangelho de J.C.
cousas pequenas , dar-te-hei a intenden
cia das grandes; entra no gozo de teu
Senhor.
24 Por fim chegou o que tinha re
cebido hum só talento, e disse: Senhor,
eu sei que tu es hum homem duro de
condição ; que segas onde não semeas
te; e.que recolhes onde nada espalhaste.
25- O medo que por isso tive de ti,
fez que fosse eu esconder na terra o teu
talento: eis-aqui tens o que he teu.
16 Porém seu Senhor lhe respon-
deo: Servo máo, c preguiçoso; tu sa
bias que eu sego onde não semeio , e
que recolho onde nada espalhei.
27 Devias logo pôr o meu dinheiro
ao banco , para que quando viesse ,
recebesse eu com o seu juro o que era
meu.
2 8 Tirai-lhe pois o talento , e dai- o
ao que tem dez talentos.
29 Porque a todo o que já tem,
dar-sc-lhe-ha , e dar-se-lhe-ha em abun
dancia : e ao que não tem , tirar-se-lhe-
ha até o que parece que tem,
E
SEGUNDO S. MATT. pAP. XXV. 19?
, 30 E este Servo inutil lançai-o nas
trévas exteriores : alli haverá choro, e
ranger dos dentes.
31 Mas quando vier o Filho do Ho
mem na sua magestade , acompanhado
de todos os seus Anjos ; então assentar-
sç-ha elle sobre o Throno da sua Gloria.
32 E estando juntas diante delle to
das as Nações , separará huns dos ou
tros , como hum pastor separa as ove
lhas de entre os cabritos:
33 E porá as ovelhas á sua mão di
reita , e os cabritos á esquerda.
34 Então dirá o Rei aos que esta-
ráÕ á sua mão direita : Vinde , bemditos
de meu Pai, a possuir o Reino, que vos
está apparelhado desde o principio do
Mundo.
3 5- Porque eu tive fome, e vós destes-
me de comer; tive fede, edestes-me de
beber ; era estranho , e recolhestes-me ;
3 6 Estava nú , e vestistes-me ; esta
va enfermo, e visitastes-me ; estava no
carcere, e viestes ver-me.
3 7 Então lhe responderão osjustos ;
N ii Se-


ipó O SANTO pVANGELHO DE J. C.
Senhor, quando tevimos nósterfomey
e te démos de comer ? quando ter scde ,
e te démos de bcber ? •
3 8 Quando fer cstranho , e te recolhe-
mos ? ou quando estar nú , e te vestimos ?
39 Ou quando te vimos nós enfer-
mo , e te visitámos ? ou estando no car-
oere , e viemos ver-te ?
40 E o Rei lhes responderá : Naverda-
de vos digo, que quantas vezes vós fìzestes
isto a hum destes meus irmãos mais pe-
queninos , a mim mesmo he que o fizestes.
41 En tão di rá ta m bem aos que esta rao
û sua mão csqnerda: Apartai-vos de mim ,
malditos , para o fogo eterno , que esta
apparelhado paraodiabo, e seusAnjos.
42 Porque eu tive fome , evósnao
me déstes de comer ; tive fede? e não
me déstes de beber;
43 Era estranho, e não me recolhestes ;
estava nú , e não me vestistes ; estava en-
fcrmo , eno carcere , e náo me viíìtastes.
44 Entao dirão elles tambem : Senhor,
quando re vimos nós ter fome, ou ter fe-
<de, ou fer estranho, ou estar enfermo,
ou
Segundo S.Matt. Cap. XXV. 197
ou no carcere ; e deixa'mos de te aíEstir ?
45- Entâo lhes relponderá elle: Na
verdade vos digo , que quantas vezes o
deixastes vós de fazer a hum destes mais
pequeninos , a mim o deixastes de fazer.
46 E iráo estes para ocastigo eter-
no : e os justos para a vida eternav

c a p 1 t u l o xxvr.
Fazem os Sacerdotes Confelho para darem
a morte a Jesu Chrifto. Huma mulher
-• Ihe lança sobre a cabeça oprecìoso o-eo ,
que trazia numa redoma de alabas-
tro, Negociaçao de Judas no Conselho Su
preme Falla Jesus dejìa traiçao estando
ceando. Institue 0 Sacramento da Euca-
ristia. Prediz a Pedro que elle 0 negará
tres vezes. Asua oraçao no Horto. Asua
prìzâo. Toma Pedro a espada para 0 de-
sender. Fogem os Difeipulos. He accusa-
do Jesus na presença de Caifaz por tes-
temunbas saisis. Hejulgado réo de mor
te. Os servos Ihe fazem todo 0 gener0
de ultrajes. Pedro 0 nega tres vezes,
1 f I ^ Endo Jesus acabado todos ef-
JL tes diicurfos , disse para feus
Difeipulos :
Vós
198 O Santo Evangelho deJ. C.
ï Vós sabeis que daqui a dons dias
se ha de celebrar a Pascoa; e o Filho do
Homem será entregue a ser crucificado.
3 Então se ajuntárão os Principes
dos Sacerdotes , e os Senadores do po
vo , na fala do Summo Pontifice, que
se chamava Caifaz :
4 Onde tiverão Conselho , sobre co
mo prenderião por traição, e matarião
a Jesus.
y Mas elles dizião : Não convem
que isto se faça no dia da festa , para
que não succeda excitar-se no povo al
gum motim.
6 Ora achando-se Jesus em Betha-
nia em casa de Simão o Leproíò ;
7 Chegou-se a elle huma mulher,
que trazia huma redoma de alabastro,
cheia de precioso balsamo ; eestandoje-
sns á meza , derramou-lho sobre a ca
beça.
8 O que vendo os Discípulos , (a)
dis-
(«) Differao com indignação. Pelo que pare
ce de S. João , 12. 4. só Judas se indignou. Mas
pela figura enallage pócm os Evangelistas algu-
Hias vezes o plural pelo singular. Como quan
segundo S. Matt. Cap. XXVI. 199
disseráo com indignação : Para que foi
este desperdício?
o Pois se podia vender este bálsamo
por muito bom preço, e dar- se este aos
pobres.
10 Mas Jesus sabendo isto, disse-lhes :
Porque molestais vós esta mulher , que
no que fez , me fez huma boa obra ?
iï Porque vòs-outros sempre ren
des comvosco os pobres j mas a mim (b)
nem sempre me tereis.
Por-

do mais abaixo , 27. 44. diz o mesmo S. Mar-


theus, que os dous ladrões , que foráo crucifi
cados com Jeíu Christo , blasfemaváo dellc:
e só hum era o que blasfemava. Amelote.
(f) Nem sempre me tereis. Em carne mortal ,
e vifivel, como agora. Ainda que a Vulgara,
e o Texto Grego temaqui o verbo no presen
te, me autem non semper habetis ; eu o traduzi
no futuro com as Versões Syriaca , e Ethiopi-
ca. Primo : porque este he na verdade o senti
do das palavras de Christo , que sáo respecti
vas ao tempo, em que elle se havia de ausen
tar depois da sua Resurreiçáo, como de mui*
tos Padres , e Expositores mostra largamente
Arnault, tanto na Defense de la Traduction du
Nouveau Testament imprimée dMons , contre les Ser
mons du Pers Msinbourg Jésuite , Parte 2. pag. 4$.
e seguintes } como na Nouvelle Defense da mesma
ícõ O Santo Evangelho de J. C.
ia Porque o derramar ella este bal
samo sobre o meu corpo (c) foi vingir»
me para ser enterrado.
Em
Versão contra Mr. Mallet, Livro 6. cap 5. Se~
cundo : porque afiim mesmo o vertêráo todos
os modernos Traductores , que costumo alie»
gar, excepto Amelote : a saber, Marólles , Sa
ci , Quesnel , Huré , Le Grós, Messengui, e
os de Mons. Tertio : porque tanto em S. Mat-
theus , como em S. Marcos , como em S. Joáo ,
todos os Mifiaes Romanos trazem bahebitis no
futuro; e alhm tambem os de outras- Igrejas ,
como os de Paris de 1602. e 1652. e tres que
tenho de Braga , de 1408. de 1512. de 15^8.
Quarto : porque assim mesmo o liáo nas suas Bí
blias Remigio de Auxerre, Ruperto Abbade,
Hugo Cardeal , S. Boaventura , Santo Tho-
roaz, Dionyfio Cartuxo, e Nicoláo de Lyra.
PíREIRA.
(í) Foi ungir-me para ser enterrado. Amelote,
Saci , e os de Mons vertem : Foi prevenir-mc a
sepultura. Porque com a opinião commum crem ,
3ue esta mulher, que ungio o Senhor em casa
e Simão o Leproso, he a Maria Magdalena,
de quem escreve S. Marcos , 16. 1- que vindo
com aromas ao sepulcro para embalsamar a Je
sus , não achou o corpo. E aflim entendem,
que nestas palavras quizera significar Christo,
que o ungillo agora aquella mulher , era fa-
zer-lhe anticipadamente antes da morte , o que
ella depois da morte desejaria, mas náo pode*
jrja executar. Porém como a opinião dos que
segundo S. Matt. Cap.XXVI. 901
13 Em verdade vos digo , que on
de quer que for prégado este Evange
lho, que será em todo o Mundo; íerá
tambem publicada para louvor feu , a
acção que esta mulher fez.
14 Enrao retirando-se hum dos do
ze , chamado Judas Iscariotes , foi ter
com os Principes dos Sacerdotes , a
quem disse:
ry Que me quereis vós dar, e eu
vo-lo entregarei ? E elles lhe affinárão (d)
trinta moëdas de prata.
otó Edes deaquella hora andava Ju
das buscando occasião opportuna de lho
entregar.
17 No primeiro dos dias , (e) em
que
distinguem tres Marias náo he menos prova
vel , como se verá quando chegarmos ao cap. 7.
de S. Lucas: Pareceo-me melhor expôr aquel-
las palavras da Vulgata ad sepeliendum me fecit
de tal forte, que o texto em lugar de se decla
rar por huma só intelligencia , ficasse indiffé
rente para ambas. Pereira.
(d) Trinta moédas de prata. Que segundo a
conta de Saci , e deCalmet, fazião todas jun
tas 46. ou 48. libras de França : isto he, quasi
Dito mil réis da nossa moeda. Pereira.
(e) Em que st eomifo os fã» asmos. Que erão
îoí^O Santo Evangelho de J.C.
que se comião os pães asmos , vierao
ter com Jesus seus Discípulos , e disserão-
Ihe l Onde queres tu que te prepare
mos , o que ie ha de comer na Pascoa ?
1 8 Ide á Cidade , respondeo elle , (/)
a casa de hum tal , e dizei-Ihe : O Mes
tre te manda dizer : O meu tempo está
proximo; em tua casa quero celebrar a
Pascoa com meus Discípulos. .
19 Fizerão òs Discípulos como Je
sus lhes havia ordenado , e prepararão
a Pascoa.
20 Chegada pois a tarde , poz-íè
Jesus á meza com os seus doze Disci*
pulos.
21 E estando elles comendo, disse-
lhes : Em Verdade vos affirmo , que hum
de vós me ha de entregar.
22 Como esta palavra lhes causou
sum-
scte dias, como lemos no Deuteronomio , 16.
3. e começaváo no dia quinze do mez da Pás
coa , como he expresso nas Antiguidades de
José, Livro 3. cap. io. O qual dia quinze se co
meçava a contar des da sua vespera. Pereira.
(/) A casa dt bum tal. He muito provavel ,
que Christo o nomeou ; mas o Evangelista ná©
julgou necessario exprimillo. AmbIíOTB.
sègundo S. Matt. Cap. XXVI. 203
summa tristeza, começou a dizer cada
hum : Sou eu , Senhor ?
23 Elie lhes respondeo : O que met
te comigo a mão no prato , esse he o
que me ha de entregar,
24 Em verdade o Filho do Homem
vai , segundo o que está escrito dellc :
mas ai daquelle homem , por meio do
qual será entregue o Filho do Homem:
melhor fora ao tal homem não haver
nascido.
25" Então Judas , (g) o que o en
tregou , disse : Sou eu , Mestre ? Re-
spondeo-lhe Jesus : Tu o disseste.
16 Estando elles porém ceando , to
mou Jesus o pão , e depois de o ben
zer, (h) partio-o, e deo-o a seus Dis-
cipulos , dizendo : Tomai , e comei :
Este he o meu Corpo.
E
(g) O que o entregou. Porque havia outro Ju
das , chamado Thaddeo. Pereira.
(b~) Partio-o , e deo-o. Seguindo as Versões
de Marólles j Saci , Quesnel, Huré, Le Grós ,
e Messengui , nenhum reparo fiz em exprimir
aqui o pronome, vertendo, partio-o, e deo-o.
Náo só porque o gemo das línguas Porrugue-
Za , e Franceza náo soffrcm a reticencia , de que
204 O Santo Evangelho de J. C.
27 E tomando o calis (/) deo graças J
e deo-lho, dizendo: Bebei delle todos fl
18 Porque este he o meu Sangue (£)
do
são capazes a Grega , e Latina ; mas tambem]
porque a expressão do pronome nada prejudi
ca ao dogma da Transubstanciação , como dou^
tamewe mostra Nicole no tomo 2. da incom«*
paravel Obra , Perpetuité de la Foy , Livro 2*
cap. 2. e Arnault m Nouvelle Defense , &-c. Li
vro 6. cap. 3. Pereira.
(í) Deo graças. Daqui vem chamar-se Euca
ristia o Sacramento do Corpo , e Sangue de
Christo. Duhamel.
(U) Do novo Testamento. Todas às Versões
Francezas que vi , traduzemfi le sang de la no-
melle alliance. Não o censuro. Suppozeráo estes
graviflimos Interpretes , que alludíra Christo
ao passo do Exodo , 24. 8. cm que Moysés de-
pois de borrifar o povo com o sangue dos no
vilhos recolhido em doze taças , disse : Hic est
sanguis foederis , quod pepigit Dominus vobiscum :
Este he o sangue da allianqa , que o Senhor cele
brou connosco-, a saber, na peïïoa de Abraháo
vosso pai, segundo lemos no Genesis , 15-. 18.
Porém eu na traducção de hum texto tio ca
pital, como este do Evangelho , não me atre
vi a apartar-me dos precitos termos da Vulga
ta Latina, que fendo, como são, os mesmos
do Original Grego , contém as palavras que am
bas as Igrejas reconhecem por voz do Espirito
Santo. Quanto mais que S. Paulo na Carta dos
Jíebreos , o. zo. fuppondOj tambem que alludt
segundo S. Matt. Cap. XXVI. ao$
do novo testamento, (/) que será derra
mado por muitos para remissão de peo
cados.
Mas
ra Christo ao texto do Êxodo , refere asllm as
palavras deMoysés : Hic sanguis testamenti , quod
manderait ad vos Dtjus : Este he o sangue do tes
tamento , que Deos vos entregou. O que nos dá
fundamento para crer , que tanto S. Paulo,
como o mesmo Christo , uiáráo neste passo da
Versão dos Setenta , que onde o Origihal He
braico trazia Beritb , que quer dizer alliança,
ou ajuste, traduzirão elles no Êxodo , e em
outros muitos lugares, diateffe , que quer di
zer testamento. Também se pôde dizer, que
o nome testamento de que usou Christo, signi
fica neste lugar a promessa ratificada pelo tes
tamento, como parece que o tomou S. Paulo
no referido texto aos Hebreos , o. 15. e como
o observou ínnocencio III. no câp. Cum Mar
the , De celebratione Missarum. E neste sentida
coincidem entre si testamento , e alliança : só
com a differença3 que testamento exprime mais
claramente a ultima vontade, de que se execu
te a alliança. E o chamar Christo o seu Sangue
sangue do novo testamento , ou da nona alliança ,
ou da nova fromeffa ; foi porque quando o san
gue dos novilhos na Lei velha , só promectia a
herança temporal da terra de Canaan , aos que
a observassem ; o Sangue de Christo na Euca
ristia promette a Vida Eterna aos que observa
rem a Lei Evangélica. Pereira.
CO 8»e M" derramada. O texto Grego tem
2o6 O Santo Evangelho deJ. G.
29 Mas digo-vos , que desta hora
em diante não beberei mais (m) deste
frusto da vide, até aquelle dia, em que
o beberei novo comvosco no Reino de
meu Pai.
30 E cantado o Hymno , sahírão
para o Monte das Oliveiras.
31 Então lhes disse Jesus : A todos
vós serei esta noite huma occasião de es-
can-
no presente , que be derramado ; e aslim tradu-
zio Amelote, canto aqui em S. Mattheus, co
mo em S. Marcos , e em S. Lucas. Pereira.
(w) Deste fruto da vide. Como estas . pala
vras parecem denotar o calis náo consagrado ;
são alguns Expositores de parecer, que as dis
sera Christo náo depois da consagração do seu
Corpo , e Sangue , mas antes da tal consagra
ção : o que os Theologos de Porto Real na sua
Concórdia doi quatro Evangelistas provão com o
texto de S. Lucas , 22. 17. Outros crendo com
S. Cypriano, Santo Agostinho, e Santo Epifâ
nio , que S. Mattheus referira estas palavras no
seu próprio lugar ; advertem que ainda que
Christo as dissera depois de consagrado o ca-
lis , foi referindo-se náo ao calís consagrado ,
mas ao calis náo consagrado que primeiro be-
bêra , como he claro do referido lugar de S. Lu
cas. Veja-se Arnau lt nu Defense dela Traduólion
inprimée a Mons contra o Jesuíta Meinbourg,
Parte 5. pag. 27. PírbirAí
segundo S.Matt. Cap.XXVI. 207
candalo; pois está escrito: Eu ferirei of*™
pastor, e as ovelhas do rebanho se po
rão em desarranjo. r
32 Porém depois que eu resurgir,
irei adiante de vós para Galiléa.
33 Pedro lhe respondeo : (ri) Ain
da quando todos se escandalizem a teu
respeito , eu nunca me escandalizarei.
34 Jesus lhe replicou : Em verda
de te digo, que nesta mesma noite, an
tes que o gallo cante , me has de tu
negar tres vezes.
35T Continuou Pedro : Ainda quan
do for preciso que eu morra comtigo,
eu te não hei de negar. E o mesmo
disserão tambem todos os mais Discí
pulos.
3 6 Então veio Jesus com elles pa
ra hum lugar chamado Gethsemani , e
disse a seus Discípulos: Assestai-vos aqui ,
em quanto eu vou acolá , e faço oração.
37 E tomando a Pedro , e aos dous
fi-
Ainda quando todos. S. Pedro cria poder J
o que sentia querer, diz Santo Agostinho na
Mvro da Graça , e do Liyre Afoidrio , cap. 7.
Saci.
2ò8 O Santo Evangelho dè J. C.
filhos de Zebedeo , começou a entriste-
cer-se, (o) e a angustiar-se por extremo.
38 Disse-lhes então : Minha alma
está numa tristeza mortal j deinorai-
vos aqui , e vigiai comigo.
39 E adiantando-se alguns paflbs, v
prostrou-se com oTosto em terra , fazen- '
do oração , e dizendo: Meu Pai, (p)
se he poílível , passe de mim este calis :
não se faça com tudo a minha vonta
de, mas faça-se a tua.
' 40 Depois veio ter com seus Dis
cípulos, e achando-os dormindo, disse
a Pedro: Que, não podestes vigiar mi
mo hora comigo?
Vi-
(0) E aangujliar-se por extremo. O texto Gre
go he aqui muito mais expreffivo , do que a
Vulgata: por isso me encostei a elle, seguindo
a Versão de Mons, e a de Saci. Pereira.
(p) Se he poflivel. Náo foráo estas palavras
effeito de inconsideração , ou de Jeíu Cnristo se
esquecer do que devia > como impiamente blas
femou Calvino ; mas sim effeito de hum mo
vimento da natureza, que innocentemente fo
ge da morre: e este mesmo movimento he digno
da nossa adoração ; porque sendo movimento-
de Christo , he hum movimento que lubsiste
no Verbo. Amelotb.
segundo S.Matt. Cap.XXVI- ao?
41 Vigiai , e orai , para que não
entreis em tentação. O espirito na ver
dade está prompto , mas a carne he fraca.
42 Segunda vez se retirou, eorou,
dizendo ; Meu Pai , se este calis não
pode passar de mim, sem que eu o be
ba, faça-se a tua vontade.
43 Veio segunda vez , e também
os achou dormindo ; porque estavao car
regados os seus olhos.
44 E deixando-oá , foi orar tercei
ra vez, dizendo as mesmas palavras.
4j Então veio buscar seusDiscipu-
los , e disse-lhes : (q) Dormi agora , e
dcscançai : eis-aqui está chegada a ho
ra , em que o Filho do Homem será
entregue em mãos de peccadores.
46 Levantai-vos , vamos : eis-ahi
Vem o que me ha de entregar.
,47 Ainda elle não tinha acabado
de dizer estas palavras , quando chega
Judas, hum dos doze, e com elle hu-
Tom. I. O ma

(9) Dormi agora. Ironia , c{úe invólve hu*


ma tácita reprehensáo dos Ditcipulos , como
entendem Eutbymio , e Tbsofylaíìfi. Sagl
2io O Santo Evangelho deJ.CT
ma grande quadrilha de gente, arma-
da deespadas, evarapáos ; que erão os
Miniftros mandados pelos Principes dos
Sacerdotes , e pelos Senadores do povo.
48 Ora o traidor tinha-lhes dado
este final : Aquellc a qucm eu der hum
oscnlo, esse hc que he; prendei-o.
49 Chegando-se pois logo a Jesus,
disse-lhe : Deos te salve , Meltre ; e deo-
Ihe hum osculo.
50 Disse-lhe Jesus: Amigo, a que
vieste r Ao meímo tempo se chegárao
os outros a elle , e lançando-lhe as rnlos ,
o prendêrão.
51 Eis-que hum dos que estavao
com Jesus , mettendo mao à espada , a
de sem bai n hou , e com hum golpe que
deo num servo do Summo Pontifice,
Ihe cortou huma orelha.
5 z (r) Emâo lhe disse Jesus : Mette
a
(r) EntSo lhe diffi Jesus. O golpe deMalco
(que aíhm le chaniava este criado) ferio o co-
laçáo a jesu Chrjsto. Todo o Christáo ficou
deiarmado 11a pessoa de Pedro, quando se tra-
ta de padecer , e íbffrer pela cauia de DeoS.
Amblotb.
sëgundo S. Matt. Cap. XXVI. 2 1 1
a tua espada no seu lugar; porque (s)
todos os que pegarem da espada , pe- œnet
receráõ aos fios da espada. ,x <-
5-3 Acaso cuidas tu , que eu não
posso rogar a meu Pai , e que elle me
não porá aqui logo promptas mais de
doze legiões de Anjos?
5-4. Gomo se poderão logo cumprir
as Escrituras , que declarão que aflim
deve succeder?
. 5- ■§ No mesmo tempo voltando-se
para aquclla tropa de genre, disse-lheí
Vós viestes armados de espadas , e de va-
rapáos, para me prender, como se eu
fosse hum ladrão. Todos os dias assentado
entre vós , estava en enfinando no Tem
plo, e não me prendestes.
. $6 Mas tudo isto assim succedeo,
para se ciimprir o que os Profetas es-TW
crcvèrão. Então todos os Discípulos olvao-

deixarão, e fugirão. . ;
5-7 Os quadrilheiros pois seguran
do a JesuSv, levárão-uo a casa do Smn-
O ii - mo
(ï) segarem da espada. De sua authorida4«
particular, expõe S. Agostinho.
aia O Santo Evangelho de J.C.
mo Pontifice, que era Caifaz, para on«
de havião concorrido os Doutores da
Lei, e os Senadores.
58 E Pedro ohia seguindo de lon
ge , até o pateo do Pontifice : e entrando
para dentro, assentou-se com os quadri
lheiros, para ver em que ocaso parava.
50 Entretanto os Principes dos Sa
cerdotes, e todo o Conselho, andavão
buscando quem jurasse algum falso tes
temunho contra Jesus , a fim de o en
tregarem á morte.
60 (/) Mas não o acharão : fendo aífim
que forao muitos os que se apresentarão
para jurar falso. Porfimvierao duas tes--
temunhas falsas , que depozerão aflim :
61 Este disse : Eu posso destruir o Tem
plo de Deos , e reedificallo em tres dias.
6z Então levantando-fe , disse pa
ra elle o Summo Pontifice : Tu nada
respondes ao que estes depõem contra ti ?
Po-
(<) Mas não o acldrSo. Porque ainda que fa
rão muitos os que vicráo com animo de jurar
falso , não eráo sufficientes os depoimentos ,
porque huns aos outros iedestruiáo, como dá
a entonder S. Marcos, 14.56. Saci.
segundo S. Matt. Cap.XXVT. il 3
63 Porém Jesus estava calado. E o
Summó Pontifice lhe disse: Eu te con-
juro por Deos vivo, que nos digas, se
tu es o Christo Filho de Deos ?
64 Respondeo-lhe Jesus : (u) Tu a
disseste: maseuvosdeclaro, quedaquia
feu tempo vereisvós o Filho doHomem.
assentado á mão direi ta do poder de Deos ,
que vira sobre as nuvens do Ceo.
6y Çx) Então rasgou o SummoPon- -
tifîce os feus vestidos,e disse : Blasfemou :
que mais testemunhas nos sao necessarias ? .
Eis-ahi ouvistes vós agora a blasfcmia.
66 Que julgais vós ? Respondêrao
elles : He réo de morte.
67 Entao huns (jy) lhe cuspírao no
rosto, e oferírão ás punhadas; e outros
o esbofeteárão , dizendo:
Adi-
(«) Tu 0 difijle. Modo de fallar dos He-
breos , quando querem consirmar o que ouví-
ráo. O que he claro de S. Mareps , 14. 62. que
exprime esta resposta de Jesu Christo , Tu a
Aifseste , por estoutras palavras, eu osou. Sacï.
(.v) EntSo rasgoit osseus mejìidos. Acção ordi»
naria entre os Judeos nas occafiôes de grande
dor. Pkreira. -
( y ) Lhe cuspírao no rosto. O que em todas
îi4 O Santo Evangelho de J.C.
68 Adi vinha, Christo, quem te deo?
6o Entre tanto estava Pedro assenta
do fora no pateo: e chegando- se a elle
huma escrava, disse-lhe: Tu também es
tavas com Jesus de Galiléa.
70 Mas elle o negou em presença
de todos-, dizendo: Não sei o que dizes.
71 E sahindo elle á porta ,vio-o outra
escrava, e disse para os que alli se achavão :
Este também estava com Jesus Nazareno,
72 Negou-o Pedro segunda vez , di
zendo : Juro que tal homem não conheço.
73 Dahi a pouco chegárao-se huns
que alli estavão, edisseráo a Pedro: Tu
certamente es também dos taes : (z) por
que a tua linguagem te dá a conhecer,
74 Então começou elle a praguejar-*
se, e a jurar que não conhecia tal ho
mem. E immediatamente cantou o gallo,
• 75 E Pedro se lembrou da palavra que
lhe
as Nações se reputa pela maior ignominia, Pfi»
FEIRA. .
(%) Porque a tua linguagem. O accento próprio
dos de Galiléa, quando fatláo, différente dos de
Jerusalém ; como entre nós o dos que são das
PrpyinçUs a respeiíp dosde Lisboa. Ambldtb,
segundo S. Matt. Cap. XXVI. Î 1 5s
lhe havia dito Jesus: Antes que o gallo
cante, mchas de tu negar tres vezes. E
sahindo para fora , chorou amargamente.
CAPITULO XXVII.
Judas torna a entregar aos Sacerdotes o
dinheiro , que clLes lhe tinhao dado , e vai
enforcar-je. Jesus aceusado na presença
de Pilatos não responde palavra. Sonho
da mulher de Pilatos a respeito da inno-
cencia de Jesus. O povo lhe prefere Bar-
rabdz. Pilatos depois de lavar as mãos ,
o manda açoutar , e o entrega aos Judeos
para ser crucificado. Os soldados o car-
regao de opprobrios. Caminha para o Mon
te Calvario , levando a Cruz aos hombros.
Alli lhe dão a beber vinho misturado com
fel. lie crucificado entre dous ladrões. Di
videm ossoldados entre fi osseus vestidos.
He blassemado. Trevas em toda a terra.
Clama Jesus em alta voz , Eli. Dão-lhe a
beber vinagre. Terna a dar outro brado ,
e espira. Prodígios quesucceâêrao nasua
morte. José deArimathea pede oseu Corpo,
e o enterra. Poem-se guardas ao sepulcro.
I /""^ Hcgada que foi a manhã , todos
V—j os Principes dos Sacerdotes, e Se
nadores do povo, se ajuntárão erii Con-
se-
2 1 6 O Santo Evangelho de J. C.
selho contra Jesus , para o entregarem
á morte.
2 E prezo o levárão, e entregarão
ao Governador Poncio Pilatos.
3 Então Judas , que havia sido o
traidor , vendo que fora condemnado
Jesus, tocado de arrependimento, tor
nou a levar as trinta moédas de prata
aos Principes dos Sacerdotes, e aos Se
nadores, dizendo:
4 Pequei , entregando o sangue in
nocente. Mas elles lhe responderão :
A nós que fenos dá? Visses tu lá o que
fazias.
5- E depois de lançar as moédas no
Templo, retirou-se, e foi-fe pendurar
de hum laço.
6 Mas os Principes dos Sacerdotes
tomando o dinheiro, disserao: Não he
licito deitallo na arca das esmolas , por
que he preço de sangue.
7 Tendo pois deliberado em Con
selho sobre a materia , comprarão com
elle o campo de hum oleiro, para ser
vir de cemeterio aos forasteiros.
Por
secundo S. Matt. Cap. XXVII. 2 1 7
3 Por esta razão se ficou chaman
do aquelle campo até o dia de hoje,
Haceldama , isto he , Campo de sangue.
9 Então secnmprio o que fora di
to (a) pelo Profeta Jeremias : E tomá- \
rão as trinta moedas de prata , preço
do que foi apreçado, a quem pozerao
em preço com os filhos de Israel ;
10. Ederao-nas pelo campo de hum
oleiro, affim como me ordenou o Senhor.
11 Foi apresentado pois Jesus ao
Governador ; c o Governador lhe fez
esta pergunta : Tu es o Rei dos Judeos ?
Respondeo-lhe Jefiïs : Tn o dizes.
iz E fendo accufado pelos Princi
pes dos Sacerdotes , e pelos Senadores ,
não respondeo cousa alguma.
13 Então lhe disse Pilatos: Tu não
ouves de quantos crimes te fazem cargo ?
Mas

(«) O Profeta Jeremias. Como esta profecia


se não acha enr Jeremias , mas em Zacarias ; que
rem alguns que por descuido dos primeiros Co
piadores , se pozesse aqui hum pelo outro. A
Versão Syriaca , e alguns outros Códices > tirão
toda a duvida , porque não nomeiáo Profeta al
gum determinado. Pereira.
2i 8 O Santo Evangelho de J. C.
14 Mas elle não respondeo pala
vra, de sorte que o Governador se ad
mirou.
15- Ora o Governador tinha por
costume no dia da festa soltar aquelle
prezo, que o povo lhe pediflè.
16 E naquelía occasião tinha elle
hum prezo afamado, por nome Bar-
rabáz.
17 Estando pois elles todos juntos,
difle-lhes Pilatos : Qual quereis vós que
eu vos solte ? Barrabáz , ou Jesus , que
se chama o Christo?
18 Porque sabia , que por inveja
he que lho havião entregado.
1 9 Entre tanto estando elle assentado
no seu Tribunal , mandou-lhe dizer (b)
sua mulher : Não te embaraces com a
cali
fa) Mandou-lhe di%er sua mulher. Esta mu
lher , que talvez conhecia já de antes o ver
dadeiro Deos entre os Judeos 3 ou que o co-
nheceo agora por este sonho , que Deos lhe
mandou; foi, como observáo os Santos Padres,
3 única pessoa, que defendeo a Jesu Christo.
Luzio-lhe a graça de noite , diz Santo Am
brosio. Jesus a quiz salvar , diz Thepfylacto.
Amelotb.
SEGUNDO S. M ATT. CAP. XXVII. 2 19
causa desse justo ; porque hoje em so
nhos foi muito o que padeci por sett -
respeito.
. 20 Mas os Principes dos Sacerdo
tes , e os Senadores , persuadirão o po
vo a que pedisse a soltura para Barra-
báz , e a morte para Jesus.
21 Tcndo-lhe pois feito o Gover
nador esta pergunta : Qual quereis vós
que eu vós solte ? Responderão elles:
À Barrabás,
22 Disse-lhes Pilatos: Que hei de
logo fazer de Jesus , que se chama o
Christo?
23 Responderão todos : Seja cru
cificado,
24 Pilatos vendo que nada apro
veitava , mas que cada vez era maior
o tumulto; mandou vir agua, e lavan
do as mãos 3 vista do povo, disse: Eu
fou innocente do sangue deste justo: vós
lá vos avinde.
25" E respondeo todo o povo : O
seu sangue caia sobre nós , e sobre os
nossos filhos.
En-
aio O Santo Evangelho de J.C.
Então lhes soltou aBarrabáz;e
depois de fazer açoutar a Jesus , eutre-
gou-lho para ser crucificado.
17 Logo os soldados do Governa
dos tomando a Jesus (c) para o Pretó
rio , ajuntárão á roda delle (d) toda a
Companhia.
28 E depois de lhe tirarem os seus
hábitos , vcstírão-lhe hum manto car
mesim.
29 E tecendo huma coroa de espi
nhos , pozerao-lha sobre a cabeça , e hu
ma cana na mão direita. E ajoelhando
diante delle , fazião delle zombaria , di
zendo: Deos te salve, Rei dosjudeos.
30 Cuspião-lhe no rosto; e pegan
do da cana, davão-lhe com ella na ca
beça.
31 Depois de o terem aflím escar
ne

is) Para o Pretório. Pretório era o Palacio


do Governador Romano. Pereira.
(<i) Toda a Companhia. Chamada em Latim
Cohorte , que era a decima parte de huma Legião ;
e consequentemente constava de quinhentos até
seiscentos homens ; porque a Legião tinha seis
mil e seiscentos. Pereira.
segundo S. Matt. Cap. XXVII. 221
necido , tirárao-lhe o manto ; e vesti
do de seus habitos , o levarão a crucificar.
3 2 Ao sahirem da Cidade , encon
trarão certo homem de Cyrene , por
nome Simão , a quem constrangerão a
levar a sua Cruz.
33 E tendo chegado ao lugar que
chamao Golgotha , que he o lugar do
Calvario,
34 Derão-lhe a beber vinho mistu
rado com fel y mas elle tendo-o prova
do, não o quiz beber.
35- Depois que o crucificárão, re
partirão os seus vestidos, lançando sor
tes, para que se cumprisse o que fora
dito pelo Profeta : Fizerão entre íi par
tilhas dos meus vestidos , elançárão sor
tes sobre a minha túnica.
36 E assentados os estavão guar
dando.
37 Pozerão-lhe tambem sobre a
cabeça esta Inscripção , que declarava a
causa da sua motte: Este he Jesus Na
zareno Rei dos Judeos.
38 Ao mesmo tempo forão crucifi
ca-
222 O Santo Evangelho deJ.C.
cados com elle dous ladroes : hum da
parrc direita, outro da esquerda.
39 E os que hião passando , blas-
semavão delle, movendo as suas cabe
ças, e dizendo:
40 Tu que destroes o Templo de
Deos, e que o reedificas em tres dias,
íalva-tc a ti mesmo : Se es Filho de
Deos , desce da Cruz.
41 Do mesmo modo p insultavão tam
bem os Principes dos Sacerdotes, os Dou
tores da Lei , e os Senadores , dizendo :
42 Elle salvou os outros, e não se
pode salvar a. fi : se he Rei de Israel,
desça agora da Cruz , e creremos nelle.
43 Elle confia em Deos : se Deos
he seu amigo, livre-o agora; pois elle
disse, Eu sou Filho de Deos.
44 Os mesmos improperios lhe di-
ziao tambem os ladrões, que havião fi
do crucificados com elle.
45- (é) Des da hora sexta porém
até
(f) Des da hora sexta. Contada do nascer
do Sol , segundo o estiso dos Judeos ; que vi
nha a fer des do meio dia até ás tres horas
da tarde. Pereira.
SEGUNDO S. MATT. CAP. XXVII. 223
até á hora nona , (/) toda a terra es-
teve cnberta de trévas.
46 Ejunto da hora nona deo Jesus
hum grande brado , dizendo : EJi , Ëli ,
Lamma Sabacthani : istohe , Deos meu ,
Deos meu , porque me desamparaste ?
47 O que ouvindo algiins dos que
alli estavão , disserão : (g) Este chama
por Elias.
48 E logo foi correndo hum del
ies ,
. C /) Toda a terra esteve culerta de trémas. Deste
espantoso succelso se conservava a memoria até
nos Archivos públicos de Roma, como attesta
Tertulliano no Apologetico. E delie entendê-
fáo muitos Padres antigos aquelle grande ecli
pse , que Flegonte Liberto de Adriano diz que
ìuccedêra no anno 18. de Tiberio, segundo o
descreve Eusebio na sua Chronica. Mas como
o éclipse do Sol só póde fer em Lua nova,
e entáo era Lua cheia ; julgáo os modernos
Criticos, que estas trévas tiveráo outra causa
que Deos sabe , e que só elle podia formar.
Vejáo-se Tillernont na Nota 35:. sobre Jesu
Christo: Huet na Demonstraçâo Emangelica , Pro
pos. 3. §. 8. e Calmet na Difl. De Tenebris in obi-
tu Jesu Cbristi. Pereira.
00 Este chama çor Elias. Ouvindo dizerf/»,
Eli y entendêráo os soldados Romanos , que náo
fabiáo a lingua Syriaca , que o Senhor chama-
va por Elias. Amelotb.
224 O Santo Evangelho deJ.C.
les , e tomando huma esponja , enchco-a
de vinagrc , e pondo-a sobre huma ca-
na, lha davão a beber.
49 Poiém os mais dizião : Deixa,
vejamos se vem Elias a livrallo.
50 E Jesus tornando a dar outro
grande brado, rendeo o espirito.
5r Eis-que se rasgtau 0 véo do Tem-
plo emduas partes de alto abaixo; tre-
meo a terra ; partirao-se as pedras;
52 Abrírão-se as sepulturas ; emui-
tos corpos de Santos , que erão mor-
tos, resurgírão;
53 E sabindo das sepulturas depois
da Resurrciçao dejesus, vierao áCida-
de Santa , e apparecêrão a muitos.
5-4 OCentiirião, e os que com elle
cstavao deguarda aJesus , vendo o ter-
remoto , e tudo o mais que tinha suc-
ccdido y cheios de hum grande temor ,
diflerao : Na verdade este Homem era
Filho de Deos.
55- Achavão-íê tambem aîlí vendo
de lcnge muitas mulheres, que tinhão
feguido a Jesus , e o vicrão íervindo :
. En-
SEtíûNDO S. Matt. Cap. XXVII. 225
5*6 Entre as quaes est a vão Maria
Magda leria, e Maria mai de Tiago, , e
dejosé, e a mãi dos filhos de Zebedeo.
57 De tarde veio hum homem ri
co de Arimatheá, por nome José, que
também era Discípulo dejdus.
5-8 E indo pedir a Pilatos o corpo
de Jesus, mandou Pilatos que lho des
sem.
79 Tomando pois o corpo, amor-
talhou-o José num asseado lançol :
60 Depositou-o no seu sepulchro , (h)
qne ainda não tinha servido, e que elle
tinha aberto numa rocha : e depois de
tapar a boca do sepulchro com huma
grande pedra, retirou-se.
61 Estaváb alli assentadas defronte
do sepulchro Maria Magdalena , e ou
tra Maria.
61 No dia seguinte , que era o
dia (/') depois da preparação , ajuntá-
Tom. I. P rão-
(à) Que ainda não tinha servido. Para não di
zerem os Judeos, que fora outro o que resur
gira, diz Santo Ambrósio. Duhamel.
(1) Depois da preparação. O dia depois da
preparação he huma pcrifrase , cora que o Evanr
22 6 O Santo Evangelho deJ.C.
ráo-se em casa de Pilatos os Principes
dos Sacerdotes , e os Fariseos , e dis-
serão-lhe :
63 Senhor , lembrou-nos que este
embusteiro vivendo ainda, dissera: Eu
hei de resurgir depois de tres dias:
64 Dá logo ordem , que se guar
de o sepulchro até o dia terceiro ; por
não succeder que venhão seus Discípu
los, e o furtem, e digão ao povo, que
elle resurgio dos mortos ; e que desta
forte venha o ultimo embuste a ser pe-
ior, do que o primeiro.
6$ Pilatos lhes respondeo: Vós ahi
tendes guardas ; ide , e guardai-o co
mo entendeis.
66 Forao pois elles ; e para ficar
seguro o sepulchro , sellárao a campa,
e mettêrão-lhe guardas.

CA-
gelista significou o dia de sabbado : alludindo a
que pela Lei do Êxodo, 16. 5. tudo o que era
necefíario para o sabbado , se devia preparar
antes , ainda que fosse accender lume , ou co
zinhar. Porque nada do que fosse servil > et»
licito fazer no sabbado. Amelotb.
SEGUNDO S. MATTHEUS. 227

C A P I T U L O XXVIII.
Treme a terra. E/pantdose os Guardas.
Hum Anjo déclara ds santas mulheres
■it Kefurreiçao de 'Jésus. O Senhor mes
mo Ihes apparece , e manda-lhes que avi-
Jem os Apoftolos , que 0 verao e n Gali-
léa. Os G sardas suborna dos dizem que
ejìando eiles dormindo , vierao es Dijci-
fulos , e levdrao 0 corpo. Os Discipulot
0 vem em Galiléa. Elle os envia a pré*
gar , e baptizar por todo 0 Mundo.

1 (a) ~\/f As paflada esta semana 9


XVJLquando apenas começava
a luzir o primeiró dia da ieguinte ; vie
rao ver o sepulcro Maria Magdalena ,
e outra Maria.
2 Eis-que de improvifo se fez, hnrst
grande terremoto ; porque hum Anjo
do Senhor baixou do Ceo , e chegan-
do ao sepulcro arrastou a campa , e es*
tava assentado sobre eHa.
P ii O
(«) Mas .f>a(sada esta semana. Affim os Je
Mons ctím Saci , Hure, e Le Gros , seguinJo
o Grego, quediz: Post btl/domadam , ou Elaps»
■ bebàomada. Perbira;
228 O Santo Evangelho deJ.C.
3 O feu aspecto brilhava como hum
relampago, e o feu vestido era branco
como a neve.
4 Com cuja vista foi tao grande o
medo , que assaltou os Guardas , que
ficárao como roortos.
5- Mas oAnjo disse para as mulhe-
res: Vós-outras nao temais; porque eu
fei que vindcs buscar a Jesus , que foi
crucificado.
6 Elle j a' aqui naoestá, porque re-
furgio, como tinha dito. Vinde ver o
lugar, onde o Senhor estava posto.
7 E ide depressa dizer a feus Dif-
cipulos, que elle refurgio, e vai adi-
ante de vós para Galiléa. Lá o vereis:
Olhai que eu vo-lo disse antes.
8 Sahírao ellas fem mais demora
do sepnlchro, tão cheias de temor, co
mo de jubilo ; e a correr forão dar a
nova a feus Discipulos.
9 Eis-que lhes fahioJesus ao cami-
nho , e lhes disse : (b) Deos vos salve.
Che-
Qi) Deo: dos salve. Aflìm traduzi o Awtc
texco Latino. Amelote, feguindo a Versáo
SEGUNDO S. . MATT. CAP.XXVIII. 2 2 ç/
Chegárao-se ellas , (r) e abraçando-o
pelos pés , o adorarão.
10 Então lhes disse Jesus: Não te
nhais medo : Ide dizer (d)- a meus ir
mãos , que vão para Galiléa , que lá me
verão.
11 Ao tempo que ellas hião , vie--
rão á Cidade alguns dos Guardas , e
noticiarão aos Principes dos Sacerdo
tes, tudo o que havia luccedido:
12 Os quaes tendo- se ajuntado com
os Senadores, e tomando conselho , de-
rão aos soldados huma grande somma
de dinheiro, com esta ordem:
13 Dizei que seus Discipulos, vin
do de noite, o Levarão furtado, a tem-
po que vós dormíeis.
14 E se o caso chegar aos ouvi
dos do Governador , nós o faremos
. . . crer
Syriaca , diz, a pa-u seja comvosco. Saci, e os
de Mons , a saúde mos seja .dada- Tudo coinci--
de no mesmo. Pereira.
(c) E abraçando-o pelos pés. Acção de res
peito, e de humildade Amklotk.
(á) A meus irmãos. Aos Apostolos, aquem
chama irmãos , para os coniolar , e animar.
Amelote. / <
130 O Santo Evangelho deJ. G.
crer que alîìm he , e vos poremos era
salvo.
15- Os Guardas, depois de recebe
rem o dinheiro, fizerao segundo as hl»
strucçÕes que tinhão. E esta voz que
elles espalhárão, ainda hoje dura entre
os Judeos.
16 Partfrao pois os onze Discípu
los para Galiléa , para cima de hum
monte, onde Jesus lhes havia ordena
do que se achassem.
17 E vendo-o , o adorarão , ainda
que alguns tiverão sua dúvida.
18 Porém Jesus chegando- se a el
les, lhes diíTe : (e) Todo o poder me
foi dado no Ceo, e na terra.
19 Ide pois , (/) instrui todas as
gentes , baptizando-as em Nome do
• Pa-

(e) Todo o poder me foi dado. Para esta-


fcelecer em todo o Mundo o Reino espiritual
de Deos ; não para o governar temporalmente,
Amelote.
(f) Instrui todas as gentes 3 laptizando-as. Nis
to se encenáo todas as funções Apostólicas i
em instruir os póvos , e miniítrar os Sacramen
tos , dos quaes o primeiro , e mais necessário
he oBapcUmo, P^ruijia,
1
SEGUNDO S. M ATT. Cap.XXVIII, 231
Padre , do Filho , e do Espirito San
to;
20 E eofinando-as a guardar todas
as cousas que eu vos mandei. E estai
seguros, que até o fim do Mundo esta
rei sempre comvosco.

Nota:, que esquecêrãò pôr-fi em certos lugares


da Traducqão do Evangelho de S. Mattheus , e que
nas Impressões futuras se devem resthuir aos mes
mos lugares.
No Cap. XVI. verso 18. sobre aquellas pa
lavras : E sobre esta pedra edificarei eu a minha
Igreja.
Santo Agostinho no Tratado cxxiv. sobre
£. João , entende por esta pedra náo a Pedro ,
mas aChristo, em quanto confessado Deos por
Pedro. Como se Christo dissera : Tu es Pedro,
denominado aílim da pedra , que confessaste ,
que sou eu, sobre a qual edificarei eu a mi
nha Igreja : Ecclesta fundata est super petram , »«-
de Petrus nomen accepit . . . Ideo quippe ait Domi-
nus : super hancpetram acdificabo Ecclesiam me-
am; quia dixerat Petrus: Tu es Christus Filius
Dei vivi. Super bane ergo , inquit , petram quam
confessas es, œdificabo Ecclesiam meam. Pelas mes
mas palavras de Santo Agostinho expoz o nos
so Santo Isidoro de Sevilha este lugar no Li
vro VII. das Origens, cap. IX. E he esta hu
ma interpretação communiílima dos outros Pa
dres , quer anteriores, quer posteriores a San
to Agostinho. Veja-se o' meu Appeniix daTen~
tativn Tbeologica pag. 240. e segg. Pereira,
23* Notas.
No Cap. XVIII verso 1$. sobre aspjlavras:
Se teu irmao pcccar contra- ti , <ôe.
Já depois de Gerson pbserváráo outros Mo-
derrios Catholicos , como Richçr naObra con
tra Duval, Mr. Caylus Bispo de Auxerre nu-
ma Carra ao Bispo de Soiílon?, e Mr. Vanef-
pen num dos feus Opusculos Posthumes: Que
este Evangelho da Correccáo f rate ma se pro-
jvunha ailìm cm todos, ou quasi todos os Mis-
ìaeS, e Breviarios antigos, no OlHcio Divino
da Terça Feira depois da Terceira Dominga
da Quarelma : In Mo tempore , respiciens Jesus
in piscipulos suas , dixìt Simonì Petro: Si pecca~
^erit in te frater tuus , <&c Eaffim com crìèiio
o trazem com outros muitos que coníultei de
d'versas Igrejas , trcs Missaes de Braga de 145-18.
de 1 512. e de 1558- hum Missel da Igreja de
Salamanca de 1553. 0 Breviarío d-Evorade 1548.
e .o de Toledo de 1551» Fereira.
No mesmo Cap. XVIII. verso 17. sobre
as paiavras : Dixe~o d Igreja.
Enéas Silvio, que depois foi Papa Pi o II.
ra Historia das Actas do Conçilio de Basiléa
efcreve , que os Padres do Concilio de Con s-
tança entendêráo neste lugar por Igreja o Cor-
po dos Paítoies , ou o Concilio Gerai , que o
reprelenta Constantiensts Synodus ptr Spiritum
Sanclum direcla , Tería Ma , Die Ecclesise , de Çoi>
cilîo Generali est inierpretata. O mesmo attesta
Gerson , que pelas suas letras , piedade , e au-
rboii.dadç .foi como. a aima do dito Sagrado
Çoncilio de Constança. Os feus lugares já- eu
os aponcei no Apptndix da Tematha Theologien
pag. 150- Perbira.
O SANTO EVANGELHO

JESU CHRISTO>
SEGUNDO
S. MARCOS.

CAPITULO I.
Préga João o Baptismo de Penitencia. Bapti
zasse Jesus, e retira-fe ao Deserto. He
tentado do demónio. Préga o Evangelho
em Galiléa. Chama a Pedro , André , Tia
go , e João. Vai a Cafarnaum , onde cu
ra de huma febre a sogra de Ped^o. Cu
ra tambem hum pofiejso , e hum içprofo.
Detodàs as partes o vem buscar o povo.

j TT> Rincipio do Evangelho


£ de Jefu Christo , Filho de
Deos ,
ï Conforme está escrito (a) noPro-M
' .11
seta Isaias : Eis-ahi envio eu o meu Anjo
an-
I (sl) No Profeta Isaias. A primeira parte da Pro
fecia he de Malaquias ; a segunda he de Isaias.
S34 O Santo Evangelho de J. C.
ante a tua face , o qual irá adiante de
ti prepafar-te o caminho.
3 Voz do que clama no Deserto:
Isai. Xh. Preparai o caminho do Senhor ; endi
reitai as suas varêdas.
4 Baptizava João no Deserto , e
prégava o Baptismo de Penitencia para
remissão de peccados.
5- Toda a Judéa , e todos os deJe
rusalem vinhão a elle ; e confessando
seus peccados , erao baptizados por elle
no rio Jordão.
6 João porém andava vestido de
pélles de camelo, e trazia sobre os seus
lombos huma cinta de couro. Comia
gafanrsotos , e mel silvestre : e prega
va , dizendo:
7 Depois de mim vem outro, que
he mais poderoso do que eu , e diante
do

Por isso alguns Códices Gregos , e Latinos,


omittindo o nome de Isaias , tem simplesmente,
nos Profetas. Porém o Evangelista pòde-se dizer
que nomeou mais Isaias, do que Malaquias;
porque na segunda parte da Profecia , que lie
certamente de Isaias , se contém muito mais
claros sinaes do Baptista. Duhamel.
secundo S. Marcos. Cap.I.
c!o qnal-náo sou eu digno de me prostrar ,
j^ará lhe dcíatar a correa dos çapatos.
■ 8 . Eu tenho-vos baptìzado cm agua ;
j>orém elle baptizar-vos-ha no Espírito
Santo.
9 Naquelle mesmo tempo yeio'Je-
Ais de Nazareth de Galiléa-, e foi ba
ptìzado porjoáo no Jordáo.
ìo Ë tanto que íahio da agua , vio
Jcfus os Ceos abertos, e que o Kfpiri-
to Santo defcia, e repoufava sobre eile
em figura de huma pomba.
11 E ouvio-fe dos Ceos esta voz :
Tu es aquelle m eu Filho (ìngularmenre
amado ; em ti tenho posto toda a mi-
n-ha complacencia.
1 2 Logo o Espirito (b) o lançon pa
ra o Deserto ;
13 Onde esteve quarenta dias , e
qua-
(s) O lauçou para 0 Deserto. Por hum tno-
vimento interior , que o inchou a tazer peni-
tencia, e oraçáo , depois que noBaptilmo ro-
mou íobre si os ru fius peccados , e antes de
começar o leu ministerio. SigniScou pois o
ÎLvangeliíb pe!o verbo lançar , náo aJguma vio-
lencta , mas sim a eiìcacia da Divina graça.
23 6 O Santo Evangelho deJ. C.
quarenta noites, e era tentado por Sa-
tanaz; e onde vivia com as féras, e os
Anjos o servião.
14 Mas depois que Joao foi entre-
gue á prizao, veio Jésus para Galiléa,
prégando o Evangelho do Reino de
Dcos , e dizendo :
Pois esta cumprido o tempo, c
proximo o Reino de Deos ; fazei peni-
tencia , c crede no Evangelho.
16 Hnm dia que caminhava aolon-
go do mar de Galiléa , vio Jesus a Si-
mâo, ea Ana^çé seuinnão, lançando as
redes ao mar , porque erao pescadores.
17 E disse-lhes Jesus : Vinde apôs
mim , e eu vos farei pescadores de ho-
mens.
1 8 No mesino ponto dcixadas as
redes o seguírão.
ly PaiTando hum pouco maisadian-
te", vio a Tiago filho de Zebedeo , e a
Joao feu irmao, que estaváo mima bar-
ca concertando as redes.
20 Chamou-os logo : e elles dei-
xando a feu pai Zebedeo na barca cora
os
segundo S. Marcos. Cap. I. 237
os homens que trazião assalariados, fo
ra o-no seguindo. x
21 Entrarão depois em Cafarnaum ;
e Jesus vindo logo no dia de sabbado
para a Synagoga, ensinava o povo.
22 E os que ouviáo a sua Doutri
na , estavão pasmados ; porque elle os
ensinava como quem tinha authoridade ,
e não como os Doutores da Lei.
23 Ora naquella Synagoga achava-
se hum homem possésso do espirito im-
mundo, que gritou, dizendo:
24 Que tens tu comnosco , Jesus
Nazareno ? Vieste a perd^r-nos ? Bem
sei quem es, que es o Santo de Deos.
1$ Mas Jesus ameaçando-o , lhe dis
se : Cal-te , e sahe deste homem.
26 Então o espirito immundo agi
ta ndo-o com violentas convulsões , e
dando hum grande grito , sahio delle.
27 Do que todos ficarão tão espan
tados, que huns a outros se pergunta-
vão: Que he isto? Que nova Doutrina
he esta ? Elie põe preceito até aos es
píritos im mundos , e obedecem-lhe.
E
238 O Santo Evangflho de J. C.
28 E por coda a Galiléa se diffun-
dio logo a fama do seu Nome.
29 Tanto que lahírão da Synago-
ga , vierão a casa de Simao , e de An
dré , juntamente com Tiago , c João.
30 Eitava de cama a sogra de Si
mão com huma febre : e logo lhe de«
xao parte disso.
3Í1 Chegou- se Jesus ao pé della , e
tomanJo-a pela mão, a fez levantar: e
immediatamente a deixou a febre , e
ella se poz a servillos.
3a De tarde fendo já Sol posto, trou-
xerao-lhe todos os enfermos , e possessos:
33 E toda a Cidade concorreo í.
porta.
34 Curou a muitos, quefeachavão
opprimidos de diversas doenças ; e ex-
pcllio muitos demonios, aos quaes não
permittia que dissessem , que o conhecião.
3 s- Pela manha muito cedo levan-
ton-lè , e fahio para hum lugar solita
rio , onde Ye poz em oração.
36 Forão em seu alcance Simão, ç
os que com ellc estavão.
E
segundo S. Marcos. Cap.I. 239
37 E depois de darem com elle , dis-
seráo-lhe : Todos andão em busca de ti.
38 Respondeo-lhes Jesus : Vamos
para as Aldeias , e Cidades circum vi
zinhas , porque também quero lá pre
gar, que a isso he que vim.
39 Prégava pois nas suas Synago-
gas , e em toda a Galiléa , e expellia
os demónios.
40 Por este tempo veio a elle hum
leproso, que lhe pedio, e disse com os
joelhos em terra : Se tu queres , bem
me podes alimpar.
41 Compadeceo-se delle Jesus , e
estendendo a sua mão , tocou com ella
a do leproso , dizendo : Quero , fica
limpo.
42 Apenas ellediflê estas palavras,
quando logo fugio a lepra , e o homem
se achou limpo.
43 Fello Jesus retirar logo , dizen-
do-lhe com ameaças:
44 Guarda-te , não o contes a al
guém : mas vai , mostra-te ao Principe ]
dos Sacerdotes , e offerece pela tua pu-
ri-
240 O Santo Evangelho deJ.C.
risicação , o que Moysés ordenou , (c)
para lhes servir de- testemunho.
45- Porém o homem tanto que sa-
hio , começou a contar , e a publicar
0 succedido ; de sorte que Jesus não
podia já entrar descuberta mente numa
Cidade; mas ficava fora nos lugares de
sertos ; e de todas as parteá vinhão ter
com elle.. x

CAPITU L O IL
Apresentao ajejus hum paralytico. Prova
com a sua cura , que elle tem poder de
perdoar peccados. Chama a Mattheus ,
e come em sua casa. Os que esião bons ,
mo necejsitao de Medico. DA a razão por
que seus Discípulos não jejuao. Descul
pa- os de haverem colhido humas espigas
em dia de sabbado.

1 \ Lguns dias depois tornou Je-


jTjl fus a entrar em Cafarnaum.
2 E tanto que soou que elle estava
alli em casa, foi tão grande o concur
so
(c) Para lhes servir de testemunho. Tanto do
respeito que eu guardo á Lei, como da minha
Omnipotencia. Amelote.
Segundo S. Marcos. Cap. II. 241
sô de gente que sobreveio , que já não
cabiao da porra para dentro ; e elle lhe
prégava a palavra.
3 Então vierão a elle os que tra-
zião hum paralytico, que erão quatro:
4 E como lho não pûdeíTem apre
sentar, por causa do grande concurso;
descubrírão o telhado da casa em que
elle estava , e por esta abertura fizcrão
descer o leito , em que jazia o paralytico.
5: Jesus (a) vendo a fé délies, disse
ao paralytico : Filho , os teus peccados
te são perdoados.
6 He de saber que se achaváo alli
assentados alguns dos Doutores da Lei ,
que lá nos seus corações estavão dizendo :
7 Que he o que este diz ? Elie diz
huma blasfémia. Quem senão sóDeos,
pode perdoar peccados? #
8 Jesus conhecendo logo no seu es
pirito , o que elles estavão dizendo lá
para fi, diffe-lhes: Porque estais vós lá
Tom. I. Q_ re-
(«) Vendo a fé délies. Logo pôde aproveitar
a hum a ré dos outros , para consegùir a saú
de do corpo, ou da alma. Duhamel com S. Am
brósio.
241 O Santo Evangelho de J.C.
revolvendo nos vossos corações esses pen
samentos?
9 (*) Qiial he o mais fácil ; dizer
ao paralytico, Os teus peccadcs te são
perdoados; ou dizer, Levanta-te, to
ma o teu leito , e anda ?
10 Ora para que saibais, que o Fi
lho do Homem tem na terra poder de
perdoar peccados ;
11 Eu te mando , disse elle ao pa
ralytico, levanta-te, toma o teu leito,
e vai para tua caía.
12 E elle no mesmo ponto se le
vantou ; e tomando o leito , foi-se re
tirando á villa de todos ; de forte , que
não houve quem se não maravilhasse , e
não délse gloria aDeoá, dizendo: Nun
ca tal vimos.
13 Sa h indo Jesus outra vez para a
parte do mar , todo o povo vinha ter
com elle, e elle os ensinava.
E
(b) Qual he maisfácil. O curar hum enfermo
era mais fácil do que perdoar peccados: mas os
Judeos tinliáo por mais diificultbío o primeiro,
do que o segundo. E neste íentido he que o
Senhor lhes fez a pergunta. Saci, e Duhamíl.
segundo S. Marcos. Cap. II 243
14 E indo passando , vio (c) a Levi
filho de Alfeo, assentado no telonio, a
quem disse: Segue-me. Eelle levantan-
do-se o foi seguindo.
iy Succedeo que jantando Jesus em
casa de Levi , pozerão-se á meza com
elle, e com seus Discípulos , muitos pu
blicanos, e peccadores : porque destes
mesmos o seguião muitos.
1 6 Os Doutores da Lei , e os Fa-
riscos , vendo que Jesus comia com os
publicanos , e peccadores , disserão a
seus Discípulos : Porque come , e bebe
vosso Mestre com os publicanos , e pec
cadores?
17 Jesus que isto ouvio , disse-lhes:
Não são os que tem saúde , os que ne-
ceffitao de Medico ; mas sim os que a
não tem : porque eu não vim a chamar
os justos , mas os peccadores.
1 8 Ora os Discipulos de João , e
osFariseos (d) jejuaváo ; e vindo buscar
QJi a
(c) A Le-vi filho de Alfeo. Por outro nome
Mattheus. Perbira.
(i) Jejuarão. Náo se falia aqui dos jejuns de
preceito, mas dos jejuns de suprerogação. Saci,'
2 44 O Santo Evangelho dèJ.C.
a Jesus , perguntáraolhc : Qual he a
razao, porque os Discipulos de Joao, e
os dos Fariseos jejuao , e não jejuão os
teus Discipulos?
19 Respondeo»lhes Jesus : Podem
por ventura jejuar os Amigos do Espo-
ib, emquanto oEsposo está com elles?
Nao, elles não podem jejuar, emquan
to tivercm comsigo o Esposo.
20 Mas lá viráõ os dias , em que
Ihes seja tirado o Esposo ; e então na-
quelles dias elles jejuaráõ.
21 (e) Ninguem coze hum remen-
do de panno novo num yestido velho;
de outra forte o mesmo remendo no
vo leva parte do velho, e fica maior a
rotura.
22 E ninguem lança o vinho novo
em odres velhos; de outra forte fará 0
vinho arrebentar os odres, e entornar-
se-ha o vinho, e perdcr-íe-hao os odres:
mas o vinho novo deve-se lançar em
odres novos.
Suc-
(?) ìTinguem co-ze , &c. Veja-se o que dis-
semos em ii. Mactheus, p. 15. Pbrbira.
segundo S. Marcos. Cap. TI. 245
23 Succedeo outra vez, que cami
nhando o Senhor por entre os pães
num dia de sabbado ; começarão seus Dis
cípulos a ir-se adiantando, e a apanhar
espigas.
24 Sobre o que dizião os Fariseos
a Jesus : Vês , como elles fazem em dia
de sabbado ; o que lhes não he licito
fazer nelle?
25" Respondeo-lhes elle : Vós nun
ca lestes o que fez David , achando-se
em neceffidade , quando elle , e os da
sua comitiva tiverão fome ?
26 Como entrou na Casa de Deos j^Je»
em tempo doPontifice (f) Abiathar, e
çomeo os Pães da Proposição, os qnaes
não era licito comer, senão aos Sacer-
do-
(/) Abiatbar. O Pontífice a quem David
nesta occasiáo se encaminhou , diz o primeiro
Livro dos Reis, cap. 21. que era Aquimelec.
For onde crêráo alguns , que o Pontífice Aqui
melec se chamava também Abiathar. Outros dis
correm , queChristo nomeara aqui a Abiathar,
ém lugar de Aquimelec; ou por ser Abiathar
muito mais conhecido em tempo de David; ou
porque fazendo as vezes de Abiathar, he que
Aquimelec deo os Pães a David. Cauwet.
246 O Santo Evangelho de J.C.
dotes; e como os deo aos que comfígo
trazia?
27 Diífe-lhe mais: O sabbado fez-
Je (g) em contemplação do homem , e
não o homem em contemplação do sab
bado.
28 Sabei pois, que o Filho do Ho
mem hc Senhor até do mesmo sabbado.

CAPITULO III.
Cura jfesu Chrijio o homem da mão rejlc-
cada. Foge de ter disputas com os Fari-
Jeo.r. Concorrem os póvos a elle. Cura va
rias enfermidades. EJcolhe os doze Após
tolos. PÕem-se os seus nomes. Envia-os a
prégar o Evangelho. Confunde os Douto
res da Lei. O que obedece a Deos , he
mai y e irmão de Jefu Christo.

1 XTVNtron Jesus outra occasião na


JHj Synagoga , onde se achava hum
homem , que tinha rcficcada huma das
nãos.
Es-
(g) Em contemplação do homem. Porque foi
instituido náo para seu mal , mas para seu bem ;
para descançar , e para em descanço se appli-
car ao culto de Deos. Amelotb.
segundo S. Marcos. Cap. III. 247
2 Estavão os Judeos observando, se
elle curava em dia de sabbado , para
dahi tomarem motivo de o accufarem.
3 Então disse Jesus ao homem da
mão reficcada : Levanta-te , e põe-te
no meio. -
4 Depois lhes perguntou : He lici
to em dia de sabbado fazer bem , ou
mal ? salvar a vida , ou tiralla ? e elles
ficarão em silencio.
f E lançando os olhos em roda com
semblante de ira , lastimado da ceguei
ra do coração em que os via , disse ao
homem : Estende a tua mão. Estendeo-a
elle; e foi-lhe restituída a mão.
6 Logo sahindo os Fariseos junta
mente com os Herodianos, fizerão sua
conferencia , a ver como o havião de
arruinar.
7 Porém Jesus se retirou com seus
Discipulos para junto domar, onde era
muita a gente do povo , que o seguia
de Galiléa, e de Judéa ,
8 De Jerusalem , de Iduméa , e da
banda dalém do Jordão. E os que ha
bi-
248 O Santo Evangelho deJ. C.
bitavão em torno de Tyro , e de Si
donia , ouvindo as cousas que fazia ,
vierão em grande multidão ter com
elle.
9 Então disse Jesus a seus Discípu
los , que lhe apromptassem huma bar
ça, porque fendo muita a gente o não
comprimissem.
10 Porque como erao muitos os
que sarava , todos os que padecião qual
quer mal , se lançavao sobre elle para
o tocarem.
-11 E os espíritos immundos, tan
to que ovião, prostravão-fe diante del
ie, e dizião a gritos :
12 Tu es o Filho de Deos. Mas
elle (a) fazia-lhes grandes ameaças , que
o não dessem a conhecer.
13 Depois tendo subido a hum mon
te, chamou Jesus para si os que quiz:
e elles lhe obedecerão.
_ Con-
(st) Va-íia-lbcs grandes ameaças. Não quer Deos
que a verdade seja publicada pelo pai da men
tira : e isto para nos tirar toda a occasiáo,ou
pretexto de escutarmos o demónio , ou aquel-
Jes por quem o demónio falia. Amelote.
SEGUNDO S. MâRCOS. CAPi III. 249
14 Constituio doze para andarem
coin elle, e para os enviar a prégar:
i£ Aos qnaes deo virtude de curar
enfermidades , e expellir demonios :
16 A saber, Simâo a quem poz o
nome de Pedro :
17 Tiago filho deZebedeo, ejoáo
feu irmáo , aos qnaes appellidon Bonaner-
ges, que quer dizer, Filhos dorrovao;
18 André, Filjppe , Barrholomeu:
Mattheus , Thomé , Tiago filho de Al-
feo, Thaddeo, Simao Cananeo ,
19 E Judas Iscariotes , aquelle que
o entregou.
20 Tendo chegado a casa, concorreo
alli de novo tanta gente , queJésus , e os
Discipulos nem lugar tinháo para comer.
21 O que ouvindo (U) os feus, vie*
rao a querer prendello , porque di-
ziao : (f) Elle esta furiofo.

(h) Os feus. Os feus parentes , muiros dos


quaes náo criáo nelle. Pereira.
(r) Elle esta furiofo. Assim a Vulgata : Quo-
niam in furorem versus est. Outros traduzem :
Elle esta fóra de ft. Outros : Elle perdeo. 0 juizo*
Tudo porém diz o mesmo. Pereira.
2 5- o O Santo Evangelho de J.C.
22 E os Doutores da Lei , que ti-
nhão vindo de Jerusalem, dizjão: Elie
está possesso de Beelsebub , e em virtude
do Principe dos demonios, he que a-
pelle os demonios.
23 Porém Jesus chamando-os para
junto de si, explicava-se com elles por
parabolas, dizendo: Como póde Sata-
naz lançar fora a Satanaz?
24 Se hum Reino está dividido con
tra si mesmo, he impoísivel que aquel-
le Reino subsista.
25- E se huma casa está dividida con
tra si mesma , he impoffivel que subsis
ta aquella casa.
2 6 Logo se Satanaz se levantou con
tra si mesmo , segue-se que elle está di
vidido , e que não póde subsistir , mas
acaba.
27 Ninguem póde entrar na casa
do homem valente , esaquear-lhe osseus
móveis, senão maniatando-o primeiro,
para então poder saquear-lhe a casa.
28 Em verdade vos digo, que to
dos os peccados que houverem commet
segundo S. Marcos. Cap. IIÏ. 25-1
tido os filhos dos homens , e todas as
blasfémias que houverem proferido , lhes
serão perdoados.
29 Mas se algum blasfemar con
tra o Espirito Santo, (d) nunca por to
da a eternidade receberá perdão j mas
ficará fendo réo de hum crime , que
nunca já mais lhe será perdoado.
30 Isto dizia Jesus , sobre o accu
sa rem-no de que estava poíféífo do es
pirito immundo. .
3 1 Neste tempo sobrevierão sua mãi,
e seus irmãos , que deixando-fe ficar da
parte de sota , o mandárão chamar.
32 Estava o pcvo aíTentado deredor
delle , quando lhe disserao : Olha que
tua mai , e teus irmãos estão alli fóra
em busca de ti.
33 Mas Jesus lhes refpondco : Quem
he minha mãi , e quem são meus irmãos ? «
34 E lançando os olhos pelos que
estavão assentados de roda : Eis-aqui , dis
se elle , minha mãi , e meus irmãos.
Por-
(£) Nunca for toda a eternidade. Veja-se a
explicação deite iogar em S. Mattheus, 12. 32.
Pereira.
35-2 O Santo Evangelho de J.C.
35- Porque quem fizer a vontade de
Deos , esse he meu irmão , e minha ir
mã, e minha mãi.

CAPITULO IV.
A parabola do semeador explicada por Je-
su Chrijìo aos Apostolos. A alampada
deve-se pôr sobre o candieiro. O Reino
dos Ceos comparado a hum grão de mos
tarda. A tormenta acalmada.

ï Utra vez se poz Jesus a ensinar


V-^ a- borda domar: efoi tão gran
de a multidão de gente que concorreo
a ouvillò , que elle subindo a huma bar
ca se assentou no mar, ficando todo o
povo na ribeira.
2 Enfinava-lhes muitas cousas, expli-
cando-se por parabolas ; e dizia-lhes (a)
segundo o seu modo de prégar.
3 Ouvi : Sahro o semeador a semear.
4 E ao tempo de semear , huma
parte da semente cahio junto do cami
nho ,

(a) Segundo o seu modo de prégar. Simples ,


c familiar, accommodado ao espirito, e capa
cidade do vulgo. Amelotb.
segundo S. Marcos. Cap. IV. 25-3
nfao , e sobrevindo as aves do Ceo , co-
mêrao-na.
. $ Outra cahio sobre pedregulho ,
onde não rinha muita terra ; e como
não tinha altura de terra, nasceo logo;
6 E quando nasceo o Sol , queimou-
lè ; e como não tinha raizes , seccon.
7 Outra cahio entre espinhos : e
crescendo os espinhos, affogárao-na , e
não deo frusto.
m 8 Outra em sim cahio em boa terra ,
edeo fructo, que subio, e cresceo: ha
vendo grãos que produzirão a trinta por
hum , outros a sessenta , outros a cem.
9 E dizia-lhes : O que tem ouvi
dos de ouvir, ouça.
10 Depois que ficou só, perguntá-
rão-lhe os doze que oseguiao, que que
ria dizer a parabola.
11 E clle lhes respondeo : A vós foi-
vos concedido conhecer o Mysterio do
Reino de Deos : porém aos que são de
fora, tudo se lhes propõem em parabolas :
12 Para que elles vendo (b) vejão,
e
CO Vejao , e nao vejão. Vejáo os milagres que
2 5- 4 O Santo Evangelho de J.C.
e não vejão ; e ouvindo oução , e não
entendão ; e nao se convertão , e não
lhes sejão perdoados os peccados. s
13 E que 1 ajuntou elle , vós não
entendeis esta parabola ? Como com-
prehendereis logo todas as outras?
14 O que femea, femea a palavra.
15- Os que são junto do caminho,
onde se semeou a palavra; são aquelles,
que ainda bem a não ouvirão, quando
vem logo Satanaz , e leva-lhes a pala
vra, que se havia semeado nos seus co
raçoes.
16 Da mesma sorte os que são re
presentados no pedregulho, onde se se
meou \ são aquelles , que depois de ou
virem a palavra, a recebem logo com
gosto.
17 Mas como não tem raiz em si
mesmos, não perseverão senão até cer
to tempo; e em lhes sobrevindo qual
quer adversidade , e perseguição por
amor

eu faço , e náo vejáo o fim porque os faço ,


que he convencellos , e capacitallos da minha
Missão , e Divindade. Amelote. '
segundo S. Marcos. Cap. IV. 25-5-
amor da palavra , logo dahi tomao oc-
casião para se escandalizarem.
18 Os outros, que são representa
dos nos espinhos, entre os quaes se se
meou ; são os que fim ouvem a palavra :
19 Mas os cuidados do século , a
illusão das riquezas , e as outras pai
xões que déliés se apoderão ; affogao a
palavra , e fazem queella não dê frusto.
20 Em fim os que são como a boa
terra , onde se semeou ; são os que ou
vem a palavra; que a recebem ; e que
dão fructo ; hum a trinta por hum , ou
tro a sessenta , outro a cem.
21 Dizia-lhes mais : Por ventura
quando a candea vem , he para ametre-
rem debaixo do alqueire, ou do leito?
Não he aílìm , que a fazem vir para a
pôrem sobre o candieiro? >
22 Porque nada ha escondido, que
nao°venha a ser descuberto ; e nada oc-
cuito, que não venha a ser manifesto.
23 Se alguém tem ouvidos de ou
vir, ouçj.
24 'sambem lhes dizia : Tomai sen
ti-
i$6 O Santo Evangelho de J.C.
tido no que ouvis. Qual for a medida
de que vós usardes com os outros, tal
será a de que usem comvosco ; (r) e
ainda -se vos dará mais alguma cousa.
25" Porque ao que já tem, dar-se-
lhe-ha: e ao que não tem, tirar-se-lhe-
ha até o mesmo que tem.
26 Dizia mais: O Reino de Deos
he como o homem , que lança a semen
te á terra.
2 7 Q"e ou c^e durma , ou elle se
levante de dia , e de noite ; a semente
lança o germe , e vai crescendo sempre
sem elle saber como.
28 Porque a terra per si mesma pro
duz j primeiro a herva , depois a espi
ga , por ultimo o pão grado na espiga.
29 E depois que o frusto amadu-
receo, logo íe lhe mette a fouce, por
que he chegado o tempo da seifa.
30 Acere scentava ainda : A cqne
cousa compararemos nós o Reino de
Deos ?

(c) E ainda se mos dard mais , <&-c. Porque o


bom uso das graças já recebidas , he o meio
de receber outras de novo. Saci.
sÈGtiNDO S. Marcos. Cap. IV. 157
Deos ? Ou em que parábola o represen
taremos ?
31 He como hum grão de mostar
da , que quando se semea na terra , he
a semente mais pequena de todas as que
ha na terra.
3Z Mas depois de semeado , cresce *
e faz-se mais alto que todas as hortali
ças ; e lança tão grandes ramos , que
podem vir as aves« do Geo pousar de
baixo da sua sombra.
33 Estas , e outras como estas , erãd
as parábolas de que usava quando pré-
gava , segundo o permittia a capacida
de dos ouvintes.
34 E não lhes falia va sem usar de
parábolas : mas todas explicava depois
em particular a seus Difcipulos.
35" Naquelle mesmo dia sobre a tar
de , disse-lhes Jesus : Passemos á bandâ
dalém.
36 E deixando o povo , levarão com-
figo a Jesus na mesma barca em que esta
va ; e outras embarcações , que estavão
eom elle , o seguirão.
Tora.I. R. En-
158 O Santo Evangelho deJ. C.
37 Entáo se levanrou huma grande
tormenta de vento , que mettia as on-
das na barca, de forte que eila sc en-
cheo d' agua.
38 Entre tanto efiava Jésus dormin-
do na popa sobre hum travefleiro. Acor-
dáráo-no, e disseráo-lhe : Mestre, a ti
nao se te dá, que pereçamos?
39 Elle levantando-se ameaçou o
vento, e disse para o mar: (d) Cal-te,
emudece. E cessou o vento , e seguio-
se huma grande bonança.
40 Entáo Ihcs disse Jésus : Porque
fois vós aíîìm timidos ? ainda náo ten
des fé? Ficáráo elles sobre maneira pe-
netrados de temor , e huns para os 011-
tros diziáo : Que homem he este , que
o vento , e o mar lhe obedecem ?

CA-
(á) Cal-te , emudece. Em todas as Linguas
tem summa valentia a metafora , que às crea-
turas inanimadas attribue os (entinientos das ani-
madas. Como quando Christo disse por S. Lu
cas : Si tacuerint , lapides clamabunt. E Virgilio nas
Georgicas: Pontemindignaius Araxes. Pbrkira.
secundo S. Marco s. aj?

CAPITULO V.
Livra Jejus hum endemoninhado. Permit'
te a huma legiao de demonios que Je met-
tao numa manada de pórcos. Nao quer
que este homem o siga. Cura huma mu-
Iher que padecia hum fluxo de sangue,
Rejujcita huma menina.
i f I ^ Endo passado o mar , vierão pa-
JL ra a terra dos Gcrazénos.
2 Ë ainda bem Jesus nao tinha des-
embarcado , quando logo se lhe poz di-
ante hum homem posséíso do espirito
immundo, que vinha dos sepulcros ,
3 Onde de ordinario habitava ; e
nem coin çadeias opodia já alguem íbs-
ter prezo.
4 Porque militas vezes estando em
grilhoes, ecadcias, tinha rornpido as
cadeias , e feito em pedaços os gri
lhoes ; e ningiiem o podia domar.
5- E sempre de dia , e de noite an-
dava pelos sepulchros , e pelos montes
gritando , e ferindo-se com pedras.
6 Vendo pois a Jesus de longe, veio
correndo, e adorou-o.
R ii E


l6o O SANTO EVANGELHÔ DE J. C
7 Edando hum grande grito , dis
se : Que tens tu comigo , Jésus Fiiho
de Deos Altiílimo? Eu te esconjuro por
Deos , que me náo atormentes.
8 Porque Jésus lhe dizia : Espirito
immundo, sahe desse homem.
9 E perguntou-lhe : Que nome he
o teu? Aoque elle respondeo: Legiáo,
porque somos muitos.
10 E pedia-lhe instantemente , que
o náo lançasse fóra do paiz.
n Andava alli pastando no monte
huma grande manada de pórcos.
12 E osimmundos espiritos suppli-
eavao a Jésus , dizendo : (a) Manda-
nos para os pórcos , para nos metter-
mos nelles.
13 Deo-lhes Jésus logo esta permis-
sao. E sahindo os espiritos immundos,
entráráo ncs pórcos ; e a manada que
era de alguns dous mil , correo com
grande viclencia , e foi-se preeipitar no
ma r, onde se affogárâo.
Os
(st) Manda-nos para os pórcos. Sinal de que
náo podiáo « sem sua permissào. Amelotju
Segundo S. Marcos. Cap.V. 261
14 Os que os andavão apascentan
do , fugirão , e forao dar a noticia i
Cidade , e pelos campos : donde sahí-
rao muitos a ver , o que tinha succc-
dido.
15- E chegando onde Jesus estava ,
virão assentado , e vestido , e em seu jui-
£o, o que fora vexado do demonio; o
que os encheo de medo.
16 E depois que os que se tinhão
achado presentes , lhes contárão o que
succedera ao possdsso, e aos pórcos:
17 Começarão a pedir a Jesus, que
íè fosse da lua terra.
18 A tempo que elle hia para en
trar na barca , começou o que fera ve
xado do demonio , a pedir-lhe que o
deixasse ir com elle.
19 Porém Jesus o não admittio , e
disse-lhe : Vai para tua casa para os teus ,
e annuncia-lhes as grandes cousas que
o Senhor te fez , e a misericordia que
«sou comtigo.
20 Foi-se elle, e começou a public
car em Decápole os grandes favores
que
i6z O Santo Evangelho de J.C.
que recebera de Jesus ; de que todos fi-
cavão admirados.
21 Tendo passado Jesus segunda
vez á banda dalém numa barca , con-
correo a elle muita gente do povo, que
se ajuntou na ribeira.
23 E chegou (b) hum dos Princi
pes da Synagoga , por nome Jairo ; e
vendo a Jesus, lançou- se a seus pés;
23 E pedia-lhe com instancia , di
zendo : Eu tenho huma filha , que está
nas ultimas : vem impôr-lhe a mão par
ra a curares, e para lhe dares vida.
24 Foi Jesus com elle ; e era tan
to o povo que o seguia , que o apertavão.
25 Então huma mulher, que havia
do-
(&) Hum dos Principes da Synagoga. A Syna^
goga era o lugar , onde os Judeos de cada po
voação seajuntavão a orar, e a ouvir a lição ,
e explicação da Lei , e dos Profetas. Os que
preíldiáo aos Doutores da Lei , eráo os que se
chamaváo Principes da Synagoga , que sempre cos-
tumaváo ser homens de grande virtude, e li
teratura. E alEm estes , como refere Filo He-
breo , eráo os que deviáo aplainar as difficul-
dades que occorriáo na lição, e explicação da
Lei ; e os que deviáo cantar o Hymno. Amb-
tOTJÏ,
segundo S. Marcos. Cap. V. 263
doze annós que padecia hum fluxo de
sangue ;
a6 E que tinha soffrido muito ás
mãos de vários Médicos; e que depois
de haver gastado tudo quanto tinha ,
naô havia recebido beneficio algum, an
tes cada vez se achava pcior :
27 Tendo ouvido fallar de Jesus,
veio por detrás entre a chusma , e to-
cou-lhe o vestido.
28 Porque dizia: Se eu tocar o seu
vestido, ficarei sl
29 E no mesmo instante se lhe sec-
cou a fonte do seu sangue ; e ella sen-
tio no seu corpo estar curada do mal.
50 Jesus conhecendo logo em si
mesmo a virtude, que sahia delle, vol-
tou-se para a gente , e disse : Quem foi
que tocou nos meus vestidos ?
31 Respondêrão-lhe seus Discípu
los : Tu vês que a chusma te vai com
primindo de todas as partes , e então
perguntas , Quem foi que me tocou ?
32 E Jesus olhava em roda para to
dos y por ver a que isto fizera.
A

/
O Fanto Evangelho- deJ.C.
33 A mulher porém que sabia o
que se tinha passado neila , cheia de
medo , e toda tremendo, veio lanças
se a seus pés , e declarou-lhe toda 3
verdade.
34 E Jesus lhe disse: Filha, a tua
fé te salvou : vai-te em paz , e fica cu
rada do teu mal.
35- Ainda elle não tinha acabado
de fallar , quando chegão alguns , e
dizem ao Principe da Synagoga : He
morta tua filha : porque queres tu dar
ao Mestre o trabalho de ir mais longe?
36 Mas Jesus tendo ouvido esta pa
lavra , disse ao Principe da Synagoga,
Não tenhas medo: crê fomente.
37 E não permittio que oacompa"
nhassem, senão Pedro, Tiago, e João
irmão de Tiago.
38 Depois que chegarão a casa do
Principe da Synagoga , vio Jesus o re^
buliço , e os que estavão chorando , e
fazendo grandes prantos ;
39 Aos quacs disse quando entrou:
Porque he tanta turbação, ç tanto cho
ro?
segundo S. Marcos. Cap. V. 265-
ro ? A menina não está morta , mas
dorme.
40 Zombaváo elles. Mas Jesus fa
zendo sahir todos para fora , tomou o
pai , e a mãi da menina , e os que com
igo trazia , e entrou onde a menina es
tava deitada :
41 E pegando-lhe na mão , disse-
Ihe : Talitha cumi , que quer dizer :
Menina , eu te mando , levanta-te.
42 E no mesmo ponto se levantou
a menina , e começou a andar : porque
esa já de doze annos : e elles ficarão
em extremo assombrados.
43 Mas Jesus lhes mandou com
preceito expresso , que ninguém o sou
besse: e disse (c) que dessem de comer
4 menina.

CA-

(ç) Que àfffem de comer d menina. Para ve


rem , que e/lla náo ïó estava viva , mas tam
bém curada, pois podia comer. Amelote,
2Ó6 O Santo Ev.angelho de J.C.

CAPITULO VI.
Só fia sua Patria nao recebe honra hm
Profeta. Envia Jesus os Apóstolos abri
gar. Prohibe-lhes todo o viatico. Dá-
lhes poder de expellir demónios , e cu
rar enfermidades. Herodes ouvindo afa
ma de Jesus , diz que elle era o Baptis
ta refufcitado. Milagre dos pães multi
plicados. Caminha Jesus por cima das
aguas. Faz acalmar huma tormenta.
Conseguem muitos enfermos a saúde , só
com lhe tocar a orla do vestido.

ï "T Esus depois de sahir daquelle lu-


J gar, veio (à) para a sua patria,
seguido de seus Discipulos.
2 E chegando o dia de sabbado,
começou a enfinar na Synagoga : e mui
tos dos que o ouviao , admirados da
sua Doutrina, dizião: Donde vem a es
te todas estas cousas ? E que sabedoria
he esta , que lhe foi dada ? E donde tan

tas
(<t) Para a sua Patria. Para Nazareth , on
de costumava habitar com seus pais ; e donde
havia quasi onzemezes que se tinha ausentado.
segundo S. Marcos. Cap. VI. l6f
tas maravilhas , como as que se fazem
por suas rnáos?
4 Náo he este o official , fîlho de
Maria , irmáo de Tiago , e de José,
e de Judas , e de Simao ? Náo vi-
vem aqui entre nos suas irmans ? E
daqui tomaváo motivo para íe escan-
dalizarem.
4 Mas Jésus lhes dizia : Hum Pro-
seta só deixa de fer honrado na sua pa-
tria , e na sua casa , e entre os feus pa
rentes.
5" (b) E nao podia fazer alli milagre
aJgtim , senao foi que curon algunspou-
cos enfermos , impondo-lhes as máos.
De
(i) Enao podia fazer alli milagre algurn. Ter-
riveis consequencias as da increaulidade , e da
obstinaçáo ! Secarem de hum cèrto modo a
fonte das Divinas graças , e tornarem como
impotente o que tudo póde. Que por impo-
rencia de Christo explica o Evangeliila o ob-
staculo , que á sua prcgaçáo punháo os feus
naturaes. Náo porque poifa a creatura tírar as
forças ao Creador ; mas porque a incredulida-
de, eingratidáo do* homens frustra muitas ve-
zes osdesignios de Deos ; ou faz que para náo
ver frustrados os feus deíìgnios, suspenda Deos
as suas obras. Amelqte.
1 62 O Santo Evangelho de J.C.
6 De forre que (c) Jesus se admi
rava da sua incredulidade; e foi rnissio-
nar pelas Aldeias circumvizinhas.
7 Neste tempo chamou os doze , e
começou a enviallos de dous em dous,
e lhesdeo poder contra osespiritos im-
mundos.
8 E ordenou-lhes , que nas jorna
das não levassem senão somente o seu
bordão: que não levassem nem alforge,
nem pão , nem dinheiro na cmta.
9 Mas que fossem calçados de íàn-
dalhas , e que não se provessem de duas
túnicas.
10 E disse-lhes: Em qualquer casa
onde entrardes, ficai nella , até sahir-
des do lugar.
n E quando succéda que vos não
queirão receber, nem ouvir; sahi, e sa
cudi o pó de vossos pés , em testemu
nho contra elles. 1
Ten-
CO Jesus fe admirava. Admirava-se , para
que nós nos admirássemos ; e para que admi-
rando-nos , concebêssemos hum extremo hor
ror desta disposição , que de si he capaz de
alongar de nós as divina s misericórdias. Saci.
Sëgundo S. Marcos. Cap.VT. 169
ií Tendo pais fahido , prégavao
aos póvos, que fízessem penitencia.
13 Eexpelliáo muitos demonios, c
ungiáo com oleo muitos enfermos , e
os curavâo.
14 Ora o Rei Hérodes ouvindo fal-
lar de Jésus , (porque o feu Nome se ti-
nha feito célèbre) disse : He que Joáo
Baptista reíurgio dos morros ; e por
isso elle obra tantos milagres.
15* Outros diziao, He Elias. Ou
tras , He hum Profcta , como os ou
tros Profetas.
16 Hérodes que Olivia estes rumo-
res , disse : Este he Joâo , a quem eu
mandei degollar , e que reíurgio dos
mortos.
17 Porque he defaber, que omes-
moHerodes, como setinha casado com
Herodias, sendo esta mulher de feu ir-
máo Filippe; mandou prender , e mét
ier em ferros no carcere a Joáo , por
causa desta mulher.
18 Porque Joáo Ihe dizia : Náo te
he licito ter a mulher de teu irmao.
Is-
270 O Santo Evangelho de J.C.
19 Isto fazia que Herodias (d) an
dasse espreitando occasiao de o perder;
mas não a podia achar.
20 Porque Herodes , que sabia que
João era hum homem justo , e santo,
temia-o , e respeitava-o ; e fazia por
conselho seu muitas cousas , e ouvia-o
com gosto.
21 Mas em fim chegou hum dia
favoravel para Herodias : e foi , que no
dia que Herodes fazia annos , deo elle -
hum banquete aos Grandes da Corte,
aos Officiaes de Guerra , e aos princi-
paes da Galiléa.
22 E como entrasse no festim a fi
lha da mesma Herodias ; bailou , e agra
dou ella tanto a Herodes , e aos que
estavao com elle ámeza, que o Rei lhe
disse : Pede-me o que quizeres , que tu
do te darei.
23 Ainda acereseentou mais com
ju-
(i) AndaJJc espreitando. Aífim traduzem Ame-
lote , Saci , e os de Mons , aquelle instdiabatur
ei da Vulgata, que o Grego diz, imminebat ei;
como se disseramos em Portuguez, andava sa
bre elle de -vigia. Pereira.
segundo S. Marcos. Cap. VI. 271
juramento : Tudo o que pedires , te
darei , (e) ainda que seja ametade do
meu Reino.
24 O que ouvindo a moça, sahio
a dizello a sua mãi , e perguntou-lhe :
Qiie hei de eu pedir? E a mãi lhe re-
spondeo ? A cabeça de João Baptista.
25 Foi elia logo (/) a grão pres
sa , e entrando onde o Rei estava : Pe
ço , lhe disse , que sem mais demora
me dê num prato a cabeça de João
Baptista.
26 Ficou o Rei triste : (g) mas por
cau-
(f) Ainda que seja ametade do meu Reino. San
to Ambrósio he de parecer, que este juramen
to foi affectado, e feito por Herodes de con
certo comHerodias, para ter hum pretexto de
dar a morce ao Baptista. Amelotb.
(/) -A grão pressa. Antes que o Rei es
friasse do gosto , e satisfação , em que estava
por ella. Saci.
(g) Ma! por causa do juramento. O juramen
to cahindo sobre huma matéria táo iniqua , co
mo era dar a morte a hum homem como o Ba
ptista , per si mesmo era nullo , e de nenhum
vigor. Só o capricho, ou a vaidade, opodiáo
fazer cumprir. Este assumpto provarão os nos
sos Padres do Concilio VI. de Toledo no Ca
non 2. com as authoridades de Santo Ambro
272 O SANTO EVANGELHO DEj.C*
causa do juramento , e dos que com el
le estavao á meza , nao a quiz defgos-
tar.
27 E aíîìm mandou a hum dosseus
gnardas , que lhe trouxesse a cabcça
n u m prato. E elle indo ao carcere 0
degollou :
28 E trazendo-a num prato , deo-a
á moça , e a moça a deo a sua mai.
29 O que ouvindo feus Diícipulos,
vierão, e levárao o feu corpo , e o po-
zerao no sepulchro.
30 Ora os Apostolos ajuntando-se
onde Jesus cstava , contárao-lhe tudo 0
que havião feito , e ensinado.
31 E elle lhes disse : Vinde, retirai-
vos a algum lugar deserto, e descançai
hum pouco. Porque com» erão muitos
os que entravão, e sahião, não tinhão
tempo para comer.
32 Entrando pois numa barca, de-
rão comsigo num lugar deserto , por
esta rem iós.
Po-
íìo, Santo Agoflinho, S. Gregorio Magn», e
Santo Hìdoro de Sevilha. Pereira.
SÈGUNDO S, MARCOS. Cap. VI.
3 3 Porém aîguns que os vírao partir ,
deráo a noticia a ontros : e aíïïm foráo
muitos os que sahindo de todas aquellas
Cidades , concorrêráo a pé para aquelle
lugar, echegárâo lá primeiro que elles*
34 Jésus saltando em terra, vio hu
ma grande multidao de povo, que lhe
fez compaixáo, porque eráo como ove-
llias sem pastor ; e começou a ensinar-
Ihes muitas cousas.
35* M is como se hia fazendo tar
de, chegárao-se a elle feus Discipulos,
e disseráo-lhe : Nós estâmes num de-
serto , e elle lie já tarde.
36 Despede-os , que váo por esses
Casaes, eAldeias vizinhas, a comprar
viveres que comâo.
37 Respondeo-lhes Jésus: Dai.-lhes
vós de corner. Continua ráo elles : (h) Se*
Tom. I. S rá

(5) Serd logo preciso , <&c. Aflìm Araelote,


e Huré , seguindo a pontuaçáo que vem na Vul-
gatá, que he desentido absoluco , ecompleto.
Os mais falláo em teruido interrogativo. Mas
todos concordáo , que os Apostolos uiâráo aqui
de ironía , para significarem. fer a cousa impof*
sivel. PERgiRA.i
a74 O Santo Evangelho deJ. C.
ri logo preciso que vamos (/) com du-
zentos dinheiros comprar pao , para lhes
darmos de corner.
38 D isse- lhes Jesus : Quantos paes
tendes vós ? Ide ver. Forao elles ver,
c disserão: Temos lìnco, edous peixes.
39 Então mandou que fizessem aíTen-
tar a todos , divididos era ranchos , so
bre a relva verde.
40 Assentáráo-seellesaranchos, huns
áe cem , outros de iìncoenta.
41 E Jesus tomando os finco paes,
e dous peixes , coin os olhos no Geo
benzeo , e partio os paes , e deo-os a
ícus Discipulos , para que lhos pozes-
íem diante : e repartio por todos os
dous peixes.
41 E todos comêrao, e ficárao far-
tos.
43 E levantárão doze cestos cheios
de pedaços , que sobejárao dos paes , e
dos peixes:
Sen-
(»-) Com du%sntes âinheiros. Que segundo a
•conta dosdeMons, Ímportaváo perto deseten-
w .e sete libtas de França, e da nofla moéda
pouco menos de doze mil reis. Pjsreira. -
segando S. Marcos. Cap. .VI. 175»
44 Sendo affim que o número dog
que comerão, era de sinco mil homens.
45- Immediatamente obrigou Jesus
a seus Discípulos a se embarcarem, pa
ra chegarem primeiro que elle á ban
da dalém a Bethsaida, em quanto elle
despedia a gente.
46 Depois que a despcdio , retirou-
se a hum monte a fazer oração.
, 47 Chegada a tarde , achava-se a
barca no meio do mar , e elle só cm
terra.
( 48 E vendo o trabalho que elles
tinhão em remar, (porque o vento lhes
era contrario) lá junto da quarta vigí
lia da noite foi ter com elles por cima
das aguas ; (&) e queria passar-lhes adi
ante.
49 Quando cllcs o virão caminhar
sobre as aguas, cuidarão que era algum
fantasma , e pozerão-se a gritar.
jo Porque todos o virão, e se tnr-
Sii bá-

(fc) E queria çajsar-lhts ailantt. Isto he , co/


ido explica Saci , e verte Atielote, raostrara
que os queria passar. Perema.
n?6 O Santo Evangelho de J.C.
barão. Mas elle logo lhes fallou , dizen
do : Tende animo , son en , não temais.
5-1 E tanto que se metteo na bar
ca para ir ter com elles, ceifou o ven
to : o que ainda mais lhes augmentou
o espanto, cm que estavão.
5- 2 Porque ainda nãotinhão conhe
cido o milagre dos pães, por estar ob
cecado o seu coração.
53 Tendo passado á outra banda,
yicrão ao paiz de Genesareth, e tomá-
ião alli porto.
54 E como sahírao da barca, logo
o conhecerão:
. 5 5- E correndo por todo aquelle
paiz , começarão onde quer que sabião
queJesus estava, a trazerem-lhe de to
das as partes nos leitos, os que pade-
ciao algum mal.
56 E em quaesquer Aldeias , Casaes ,
ou Cidades, em que elle entrasse; pu-
nhão os enfermos no meio das praças,
e pedião-lhe que os deixasse tocar ao me
nos a orla do feu vefìido : c todos os
que o tocavao, ficavão sãos.
CA»
segundo S. Marcos. 277

CAPITULO VII.
Tradições humanas contra os Divinos Pre
ceitos. Só o que fahe do coração , faz,
immundo o homem. Caso da mulher
Cananéa. Cura Jesus hum ho
mem surdo , e mudo.

1 "T7~ lerão des de Jerusalem avistar-


V se com Jesus os Fariseos, e com
elles alguns Doutores da Lei.
2 E vendo que alguns de seus Dis
cípulos tómavão a sua refeição (a) com
as mãos immundas , isto he , com as
mãos por lavar , vituperárão-nos por isib.
3 Porque os Fa riscos , e todos os
Judeos , em observancia da tradição dos
an-
(4) Com as mSos immundas. O Latim diz,
communibus manibus , que tomado à letra quer
dizer , com as mãos commuas. Porque as máos
que andaváo expostas aos toques de toda a sor
te de gente, de Judeos , e Gentios } de bons,
e màos ; tinháo os Fariíeos por máos immun
das , em quanto se^ não purificaváo daquelles
toques. Porque geralmente chamavão commum ,
e reputaváo immundo , tudo o que servia ao
uso commum , como se prova dos Actos dos
Apostolos , 10. 14. e da Epistola aos Roma-»
pos, 14. 14. Calmet,
•î7? O Santo Evangelho deJ..C.

antigos , nao cornem , sem lavarcm as


maos militas vezes.
4 E quando vem domercado, nao
comem , sem sepurificar. Eaffim obser-
vão outrosmuitos costumes, que lhesfi-
cárao por tradiçao ; como lavar os cópos ,
osjarros, osvasos de metal, e os leitos.
5 Por iíTo perguntárão a Jesus os
Fariseos, e Doutores da Lei : Porque
se nao conformão os teus Discipulos com
a tradiçao dos antigos , mas comem cora
as maos por lavar?
6 E elle Jhes respondeo : Com
va milita razâo p rose ton devós hypocritas
*>. - Isaias, o que se lê na Escritura : Este
povo honra-me com a boca, mas o feu
coração esta longe de mini.
7 E em vão meadorao elles, quan
do eiìíùlão maximas , e preceitos dos
homens.
8 Porque deixando o Mandamento
de Deos , observais cuidadoíamente a
tradição dos homens ; lavando os jar-
ros, e os cópos, e fazendo militas ou
tras cousas semelhantes.
Sois
segundo S. Marcos. Cap. VII. 279
9 Sois bem religiosos , lhes dizia
elle, quando invalidais o Mandamento
de Deos , por guardardes a vossa tra
dição.
10 Porque Moyfés disse : Honra
teu pai, e a tua raãi. Item : Todo oxx lí
que tratar mal de palavra a leu pai, eai"",',
sna mãi, morra de morte. ■
11 Mas vós-outros dizeis , que pa
ra cumprir com a Lei, basta que hum
homem diga a seu pai , ou a sua m ai :
Toda a offerta que eu faço a Deos , se
rá em teu proveito.
12 E não lhe deixais fazer mais cou
sa alguma a favor de seu pai , ou de sua
mãi.
13 E assim vindes a rescindir a pa
lavra de Deos por huma tradição, de
que vós mesmos fois osAuthores : e fa
zeis ainda muitas mais cousas , que se
parecem com esta.
14 Então chamou de novo o povo ,
e disse-lhe : Ouvi-me todos , e compre*
hendei bem.
1y Nada do que ha fóra do homem ,
î8o O Santo Evangelho de J.C.
e que defórà entra nelle , pode fazello
immnndo : mas as cousas que sahem do
homem , essas são as que fazem immun-
do o homem.
16 Se alguém ha que tenha ouvi
dos de ouvir, ouça.
17 Depois que deixada a plebe en
trou em casa , perguntárao-Ihe seus Dis
cípulos , qual era o sentido desta pará
bola.
18 E elle lhes disse : Que ? tam
bém vós sois ignorantes ? Não com-
prehendeis , que tudo o que de fóra
entra no homem , nada o pdde conta'
minar ?
19 Porque isso não lhe entra no
coração , mas vai ter ao ventre ; e de
pois lança- se num lugar escuso , le
vando comsigo todas as fézes do ali
mento.
ao Mas o que contamina o ho
mem , dizia elle , he o que sahe do
homem.
21 Porque do interior do coração
he que sahem osmáos pensamentos, os
aduU
Secundo S. Marcos. Cap. VII. 281
adulterios , as fornicaçóes , os homici-
dios,
: 22 Osfnrtos, as avarezas, as ma-
licias , as fraudes , as deshonestidades ,
a inveja , a blasfemia , a lbberba, (b)
a loucura.
23 Todos estes maies vem de den-
tro , e estes sáo os que contamináo o
homem.
24 Levantando-fe dalli , foi Jefos
para os confins de Tyro, e'Sydonia: e
tendo entrado mima casa , quiz que
ninguem o foubcsse j (c) mas nao po-
rde occultar-se.
2$ Porque huma mulher , cuja fl-
Jha estava posséssa do espirito immim-
do,
(b~) A loucura. Aflim vertem Cassiodoro de
la Reyna , e Joáo Ferreira de Almeida , o que
• na Vulgata Latina se dizJìultitia. Amelote poz ,
V inconstderation. Saci , e os de Mons , la folie
et lé dérèglement de V esprit. Pereira.
' (es) Mas nao pode occultar-se. Se elle quiz
que ninguem o íoubesse 3 como se náo pode
Jogo occultar ? He que o náo quiz corn hu
ma vontade efficaz , e absoluta ; mas desejára
que aflim sucçedesse; que he a vontade que os,
:Theologos chartráo vontade de final. Amelq-
9"b , e Duhamel,
I

tlz O Santo Evangelho de J.C.


do, tanto queouvio que elle lá estava,
entrou , e lançou-se-lhe aos pés.
26 Era huma mulher Gentia , de
nação Syrofenicia : e rogava-lhe que ex-
pellisse de sua filha o demonio.
27 Diíse-lhe Jesus : Deixa que pri
meiro sejão fartos os filhos: porque não
he bem tomar o pão dos filhos , e lan-
çallo aos cães.
28 Mas ella lhe replicou : Affim
he, Senhor: mas tambem os cachorri
nhos comem debaixo da meza as miga
lhas, que cahem aos meninos.
29 Então lhe disse Jesus : Por ella
palavra que disseste , vai , que já o de
monio sahio de tua filha.
30 E vindo para sua casa achou que
a menina estava deitada sobre a cama,
e que o demonio a deixara.
31 Ejesus tornando a fahir do ter
mo de Tyro, veio por Sidonia ao mar
de Galiléa , passando pelo meio do ter
ritorio de Decápole.
3 2 Levárão-lhe lá hum homem sur
do, emudo, e pedira o-lhe que lhe im-
pozesse as mãos. En-
segundo S. Marcos. Cap. VII. 283
33 Então Jesus tirandoo de entre
> povq , e tomando-o de parte , rnet-
:eo-lhe os seus dedos nos ouvidos , e
nispindo , poz-lhe da sua saliva sobre
1 lingua.
34 E levantando os olhos aoCeo,
ieo hum suspiro, e disse-lhe : Ephphe-
tha , que quer dizer, abre-te.
35- E no mesmo instante se lhe abri
rão os ouvidos , e se lhe soltou a pri-
7Á0 da lingua , de sorte que entrou a
sallar expeditamente.
36 Mandou-lhes que a ninguem o
dissessem. Porém quanto mais Jesus lho
defendia , tanto mais elles o publica--
vão ,
37 E tanto mais seadmiravao, di
zendo : Elle tudo tem feito bem : fez
que ouvissem os surdos , e que failas»
sem os mudos.
22 4 O Santo Evangelho deJ. G.

C A P I T U L O VIII.
Sustenta Jesus quatro mil homens com fe
te paes. O fermento dos Farifeos. Cura
hum cego. Tergunta aos Apqftolos que
conceito férmao delle. Responde Pedro,
confeffando ser elle o Mefjias. Mas co-
mo pouco depôts o quer diffuadìr de pa-
decer , e de morrer ; o Senbor o repre-
hende , chamando-lhe Satanaz. HeneceJ-
fario levar a Cruz , e ir em feguimen-
to de Jefu Chrìfto. Nada devemos es-
timar tanto, como a nojsa aima.

i TVTAquelle tempo aconreceo on-


-L^l tra vez, que seguindo ajesus
huma grande multidão de povo , e não
tendo que comer , cliamou Jesus sens
Diseipulos , e disse-lhes :
i Tenho compaixao deste povo : por-
que ha já tresdias, que andão aturada-
mente comigo, e não tem que comer:
3 E se os despeço em jejum pan
suas casas, viráô a desfalecer no camt-
nho: porque alguns vierão de longe.
4 Respondêrão-lhe feus Diseipulos:
Onde se poderá achar aqui no deserto
segundo S. Marcos. Cap.VIIL 28?
> pão, que he necessario para os satis
fazer ?
5- Pergiintou-lhes Jesus : Quantos
Daes tendes vós ? Sete , responderão
;lles.
6 Então mandou á gente que se assen
tassem sobre a terra. Tomou os sete pães,
é dando graças , partio-os , e deo-os a
seus Discípulos-, que os pozessem dian
te ao povo ; e elles os pozerao.
7 Tinhão mais huns poucos depe-
xinhos , que elle tambem benzeo , e
mandou que se lhes apresentassem.
8 Comerão pois , e ficarão fartos ,
e dos pedaços que tinhão sobejado , le-
yantirão sete cestos.
9 Et ão porém os que comerão per
to de quatro mil : e Jesus os despedio.
10 E logo indo embarcar-se com
seus Discípulos , veio para as partes de
Dalmanutha.
11 Aqui o vierão achar os Fariseos,
que começãrão a disputar com elle, e a
pedir-lhe para o tentarem, que lhes fi
zesse ver algum prodígio do Ceo.
Po-
286 O Santo Evangelho deJ.C.
12 Porém Jesus arrancando doínti*
mo do coraçãohum suspiro, disse: Por-
que pede esta geração hum prodigio?
Em verdade vos digo, que a esta gera
ção se não conccderá prodigio.
13 E deixando-os , tornou outra vez
a embarcar, e passou á outra banda.
14 Ora os Discipulos efquecêrão-sc
detomarpão: cnão tinhão nabarca se-
nao hum unico.
i) Poz-lhes Jesus o preceito , env
que dizia : Vede bem , e acautelai-vos
do fermento dosFariseos, (a) e do fer-
mento de Herodes.
16 Sobre o que estavão elles consi-
derando, edizião huns para os outros:
He que não temos pão.
17 O que conhecendo Jesus , disse*
lhes : Que estais vós considerando , que
não tendes pão? He poíEvel que ainda
não
(a) E do fermento de Herodes. O que S. Mat-
theus, 16.6. diz fermento dosFariseos, c dos
Sadduceos, diz S. Marcos fermento dos Fari-
seos, e de Herodes : porque na Cône de He
rodes dominava a seita dos Sadduceos. Amk--
ìtQXB.
SEGUNDO S. MARCOS. CaP. VIII. 287
rtao o conheçais , nem comprehendais ?
e que ainda o vosso coraçáo esteja na
mesma cegueira ?
18 Quetenhais olhos, enáovejais?
que tenhais ouvidos, enaoouçais? Te-
íeis vós perdido tambem a memoria?
19 Quando eu parti finco páes pa
ra sinco mil homens, quantos cestos le-
vantastes vós cheios de sobejos? Doze,
rcspondêráo elles.
20 E quando eu parti fête páes pa
ra <juatro mil, quantos cestos desobras
recolhestes vós ? Sete , respondêrao elles»
21 Continuou Jésus : Como logo
náo comprehendeis ainda ?
22 Tendo abordado a Bethsaida,
trouxerâo-lhe hum cego , pedindo-lhe
que o tocasse.
23 Tomandojesus pela máo o ce
go f levou-o para fóra do povoado : poz-
lhe da sua saliva nos olhos , e tendo-lhe
imposto as máos , perguntou-lhe se via
aigu ma cousa.
24 Elle olhando , diíTe : Vejo andar os
homens , que me parecem como arvores.
Tor-
288 O Santo Evangelho deJ,C.
2? Tornou-lhc Jesus apor as mãos
sobre os olhos , e começou elle a ver,
e ficou de todo curado, de forte que ria
distinctamente todos os objectos.
26 EJesus o despedio para sua ca
sa , dizendo-lhe : Vai para tua casa ; e
se entrares na Aldeia , não o digas a
pessoa alguma.
27 Depois de sahir dalli , foi Jesus
com seus Discípulos para as Aldeias do
termo de Cesarea de Filippe: e no ca
minho sez-lhes esta pergunta : Quem di
zem os homens que eu sou ?
28 Responderão elles : Huns dizem
que João Baptista ; outros que Elias;
outros que algum dos Profetas.
29 Mas vós, proseguio elle, quem
dizeis que eu sou ? Respondeo Pedro:
Tu es o Christo.
30 E elle lhes prohibio com amea
ças , que a ninguem dissessem quem era.
3r Ao mesmo tempo começou a de-
clarar-lhes, que importava que o Filho
do Homem padecesse muito, eque fos
se rejeitado dos Senadores , e Pontífi
ces,
segundo S. Marcos. Cap. VIII. 28?
ces , e Doutores da Lei ; e que fosse mor
to; eque (b) tres dias depois resurgisse.
3* E tudo isto lhes declarava elle
abertamente. Sobre o que Pedro toman-
do-o de parte , começou a reprehendello.
33 MasJesus , virando-se , e olhan
do para seus Discipulos , ameaçou a Pe
dro , dizendo : Tir-te de diante de mim ,
Satanaz , que não tens gosto das cousas
de Deos , mas sim das dos homens.
34 E chamando a si o povo com
seus Discipulos, disse-lhes : Se alguém
me quer seguir , negue-se a si mesmo ,
e tome a sua Cruz, e siga-me.
35 Porque o que quizer salvar-se a
si mesmo, perder- se-ha : eoque se per
der por amor de mim , e do Evange
lho, salvar- se-ha.
36 Pois de que servirá a hflm ho
mem ganhar o Mundo inteiro, se per
der a sua alma?
37 Ou que poderá elle dar em tro
co para a recuperar?
Tom. I. T Por-
(V) Tres dias àtfois. Frase Hebraica, pari
significar ao terceiro dia. Duhajvuuj..
apo O Santo Evangelho de J. C
38 Porque sc nesta geração adulte
ra, epeccadora se envergonhar alguem
de mim, e das minhas palavras; lam
bem o Filho do Homem se envergonha
rá delle, quando vier na gloria de seu
Pai acompanhado dos Santos Anjos.
39 E accreseentou mais : Em ver
dade vos affirmo, que dos que aqui se
achão , alguns ha , que não hão de gos
tar a morte, (c) em quanto não virem
chegar o Reino de Deos no seu poder.

CAPITULO IX.
A Transfiguração de Jesu Christo. A vhi'
da de Elias. Expelle Jesus hum demónio
fardo , e mudo. Prediz a sua Paixão ,
e Morte. O maior entre seus Discípulos
deve ser o mais pequeno. Deve-se arran
dar o olho , que nos ferve de escândalo.

1 Ç"* Eis dias depois, tomou Jesus de


i3 parte a Pedro , Tiago , eJoão : e
íeyou-os sós a hum alto monte , e trans-
£gurou-se ante elles.
Os
> (c) Em quanto não virem. Veia-se o que dis
semos em S. Matcheus, 16. z)&.
segundo S. Marcos. Cap. IX. 29 1
2 Os seus vestidos 6zerão se em ex
tremo brilhantes, e alvos, eomo a ne
ve , ë como os não poderia fazer lavan-
dciro algum sobre a terra.
3 E appareceo-lhes Elias com Moy-
sés,qne ambos estavão fallando com Jesus.
4 Então disse Pedro a Jesus: Mes
tre , nós estamos aqui bem : Façamos
aqui tres tendas ; huma para ti , outra
para Moysés, outra para Elias.
y Porque não sabia Pedro o que
dizia : que tão perturbados estavão el-
les de temor !
6 No mesmo tempo se formou hu
ma nuvem , que os cnbrio , e donde sà-
hio huma voz , que dizia : Este he meu
Filho dilectiffimo: Ouvi-o.
7 Logo olhando para huma , e ou
tra parte, não virão outra alguma pes
soa mais , (a) do que aJesus , que esta
va só com elles.
T ií Ao
(«) Do que a Jesus. Fez o Eterno Pai re
tirar a Moysés , e Elias , que na Lei antiga
haviáo sido os Doutores do Mundo ; porque na
Lei da Graça ió quer que escutemos a seu Fi
lho. Ameìotb.
3^2 O Santo Evangelho deJ.C.
8 Ao descer do monte , mandou-
Ihes que a ninguem contassem o que ti-
nhão visto, até que o Filho do Homem
resurgisse dos mortos.
9 E ellcs tiverão a cousa em segre
do , disputando entre si , sobre que que
ria dizer aquella palavra ; até que re
surgisse dos mortos,
10 Então lhe perguntárão : Porque
dizem logo os Fariseos , e Doutores da
Lei , (b) que deve Elias vir primeiro?
11 He certo, lhes respondeo elle,
que Elias ha de vir primeiro, e ha de
restabelecer todas as cousas , e soffrer
muito , e ser rejeitado com o mesmo
desprezo , com que está escrito que o
ha de ser o Filho do Homem.
12 Mas eu declaro-vos , (c) que
Elias já veio , e que fizerão delle quan
to
(7>) Que deve Elias tijV primeiro. Náo.com-
prehendiáo os Apostolos , que náo era na re-
iurreição universal , que Jesu Christo havia
de resurgir, mas que havia de ser dahi apou
co tempo. Amelote.
(0 2«f El'as já veia. Isto he, João Baptis
ta no espirito de Elias, como Precursor da pri
meira vinda de Christo. Ame lotb.
secundo S. Marcos. Cap.IX. 293
to quizerão, segundo o que delle esta-
va escrito.
13 Quando chegou onde estavao os
outros feus Discipulos , vio Jesus que os
rodeava hum enxame de gente , e que
os Doutores da Lei efiavâo disputando
com elles.
14 Todo aquelle povo, tanto que
vio a Jesus , sicou espantado , e cheio
de pavor, e corrêrão todos a saudallo.
Perguntou-lhes elle : Sobre que
estais vós disputando juntos ?
1 6 Respondeo hum da plebe : Mes-
tre , eu trouxe-vos meu filho , que es-
tá possésso de hum espirito mudo,
17 O quai onde quer que o apa-
nha , o lança por terra , e o moço deita
escuma pela boca , e range com os den
tes , e vai-se mirrando. Roguei a teus
Discipulos que o expellissem , e elles
não podéiao.
1 8 Respondeo-lhe Jesus : Ó gera-
çao incredula , até quando hei de eu estar
comvosco ? até quando vos hei de sof-
frer? Trazei-mo cá.
Trou-
-3?4 O Santo Evangelho de J. C.
19 Trouxerao-lho. E ainda bem elle
não tinha visto á Jesus, quando logo o
espirito immundo o começou a agitar
com violencia , até que cahio por terra ,
onde se revolvia babando-se todo.
20 Perguntou Jesus a seu pai: Que
tempo ha que isto lhe acontcceo? Des
de a infancia , respondeo o pai.
21 E o demonio o tem lançado mui
tas vezes no fogo , e muitas na agua,
para o matar. Porém se tu podes algu
ma cousa , tem compaixão de nós , e
ajuda-nos.
22 Disse-lhe Jesus : Se tu podes
crer, tudo he postivel ao que crê.
25 E immediatamente o pai do mo
ço gritando, dizia com lagrimas : Sim,
Senhor, eu creio ; ajuda tu a minha in
credulidade.
24 E Jesus vendo que o povo con
corria , ameaçou o espirito immundo,
dizendo-lhe : Espirito surdo, e mudo,
eu te mando, sahe desse moço, e não
tornes a enrrar nelle.
2$ Então 0 demonio dando hum
grau-
ÌSEGUNDO S. MâRCOS. Cap. IX. î^f
grande grito , e agitando com muita
violencia o posséflb , sahio delle: e fî-
cou o moço como morto, de sorte que
muitos dizião: morreo.
26 Porém tomando-o Jesus pela
mao, e levantando-o , elle se ergueo.
27 Quando Jesus entrou emeasa,
perguntárão-lhe sens Discipulos parti-
cularmente: Porque onãopodémos nós
expellir ?
28 Respondeo-1 hes Jesus : Esta caf
ta de demonios não sepóde fazer sahir,
íênao á força de oraçao, e de jejum.
29 Daqui atraveffarão para Galiléa;
e Jesus queria que ninguem o soubesse.
30 Entre tanto ensinava a feus Dis
cipulos, e dizia-lhes: O Filho do Ho-
mem fera entregue ás mãos dos homens ,
que lhe tiraráõ a vida , e elle resurgi
ra ao terceiro dia depois da sua morte.
31 Mas elles nãp entendiao o dif-
curso , e tinhão medo de lho pergun-
car.
32 Vierao depois a Cafarnaum. E
quando elles estavão já em casa , lhes
per-
i<)6 O Santo Evangelho deJ.C.
perguntou Jesus : De que vinheis vós
tratando pelo caminho?
33 Calárão-fe elles : porque no ca
minho havião disputado , qual delles
era o maior.
34 Assentou-se então Jesus, e cha
mando os doze , disse-lhes : Se algum
quer ser o primeiro, esse será o ultimo,
e o que servirá a todos.
3j E tomando a fí hum menino,
pollo no meio delles; e depois de o abra
çar , disse-lhes :
3 6 Todo o que receber hum destes
meninos em meu Nome , a mim me re
cebe: e todo o que me recebe a mim,
não me recebe a mim , mas recebe
áqnelle que me enviou.
37 Então lhe disse João : Mestre,
nós vimos estar expellindo demonios
em teu Nome , a hum que não acom
panha comnosco ; e nós lho prohibimos.
38 Jesus lhe respondeo : Não lho
prohibais : porque ninguem ha , que ten
do feito hum milagre em meu Nome,
possa fallar logo mal de mim.
Por-
segundo S. Marcos. Cap. IX. 297
39 Porque quem não he contra vós ,
he por vós.
40 E todo o que vos der hum có-
po de agua em meu Nome, em atten-
çao a que sois cousa do Christo j digo-
vos em verdade , que elle não ha de
perder a sua recompensa.
41 Etodo o que escandalizar hum
destes pequeninos, quecrem em mim;
melhor lhe fora , que lhe atassem á ro
da do pescoço huma mó de atafona , e
que o lançaísem no mar.
42 E se a tua mão te escandaliza ,
:órta-a : melhor te he entrar na vida
sterna sem huma dasmaos, do que ten
do duas ir para o inferno, para o fogo
que nunca já mais se apaga :
43 Onde o bicho que os róe nun
ca morre , e onde Q fogo nunca se
apaga.
44 E se o teu pé te escandaliza , 1
còrta-o : melhor te he entrar na vida
eterna sem hum pé, do que tendo dous
fer lançado no fogo do inferno , que
lunca já mais se apaga ;
On-
25» 8 O Santo Evangelho de J.C.
45s Onde o bicho que os róe nun
ca morre , e onde o fogo nunca se
apaga.
46 E se o teu olho te escandaliza,
lança-o fora : melhor te he entrar no
Reino de Dcos sem hum olho, do que
tendo dous ser lançado no fogo do in
ferno :
47 (tt) Onde o bicho que os róe
nunca morre , e onde o fogo nnnca se
apaga.
Por-
(i) Onde o bicho que os róe , <b*c. Santo A-
gostinho no Livro 21. da Cidade de Deot , cap. (j.
observa justislimamente o temor santo , que
nos deve causar esta sentença de Christo , re
petida no mesmo lugar tres vezes. Non eum pi-
£uit uno loco eadem verba ter dicere. Quem noa
terreat ista repeniio , &■ illius fccne conminatk
tam vebemens ore dfaino ? Neste mesmo lugar ie
inclina o Santo Doutor, a que tanto o bicho,
como o fogo dos condemnados , he material ,
e corpóreo. Porém no antecedente Livro 20.
cap. 22. tinha Santo Agostinho affirmado , que
lhe parecia mais provavel , que o fogo le de
via referir para o corpo em sentido próprio,
isto he , de fogo verdadeiro, e material; mas
Îue o bicho le devia referir para a alma em
entidò figurado, isto he , do remorso da con
sciencia , e de huma penitencia esteril. Aliipw
Segundo S. Marcos. Cap. IX. 20?
48 Porque todos elles devem ser
salgados no fogo, (e) como toda a vii
ctima deve salgar-se com sal.
49 O sal he bom : Porém se elle
se
prie ad corpus ignem , tropice ad animum mermem ,
quoi credibilius esse videtur. Santo Thomaz no
Opúsculo 10. art. 41. depois de referir ambas
as opiniões de Santo Agostinho, diz com elle
que a segunda lhe parece mais provavel. Qpod
etiam mibi probabilius midetur. E esta he a len-
tença maiscommum, e mais bem recebida en
tre os Theologos. Com tudo fendo , como he ,
de íé , que as penas dos condemnados háo de
ser eternas, e acerbifsimas : (que huma, e ou
tra cousa significa Christo bem claramente, quan
do diz que o bicho dos condemnados nunca morre ,
e que o fogo do inferno nunca se apaga) náo he
de fé que este fogo seja corppreo , e material ,
como o que ha neste Mundo. Porque nem a
Escritura o declara, nem a Igreja até agora o
definio. Antes alguns Padres , como S. }oáo Da
masceno , foráo de parecer , que o fogo do infer
no era incorpóreo: e Santo Agostinho sempre
que tocou esta questão, tallou em dúvida , co
mo de materia incerta. Veja-se Estio sobre o 4.
das Sentenças, dist. 44. §.12. ei$. Pereira.
(f) Como toda a miclima. Por allusáo ás vi-
ctimas, que se sacrificaváo salgadas , como con
sta do Levitico, 2. 13. affirma Jesu Christo,
que seráo salgados no fogo do inferno todos os
réprobos, como humas vi&imas da gloria, e
justiça de Deos. Saci.
3oo O Santo Evangelho de J.C.
fc fizer insípido , com que outra cousa
o haveis vós de temperar ? Tende sal
em vós, e guardai paz entre vós.

CAPITULO X.
Não se pôde o marido separar de sua mu
lher para casar com outra. Abraça , e
abençoa Jejus os meninos. Quanto cus
ta largar os bens do Mundo. Recompen
sa dos que os largão por amor de Deos-
Reprime Jesus a ambição dos dou s Após
tolos , Tiago , e João. Dá vista a hum
1 cego.

ï Ç Ahindodalli, veio Jesus para os


w3 confins de Judéa , na banda da
lém doJordão : e como o povo continua
va a vir ter com elle , tambem Jesus
continuava a enfinallos , como costumava.
2 Chegando os Fariseos , fizerão-
lhe esta pergunta, para o tentarem: He
licito ao marido largar sua mulher?
3 Mas Jesus lhes respondeo : Que
he o que vos mandou Moyfés ?
Deater. 4 Moysés , responderão elles , per-
mittio que podeffe o marido largar sua
mu-
Segundo S. Marcos. Cap.X. 301
mulher, dando-lhe hum escrito em que
declarasse que a repudiava.
5" Disse-lhes Jesus : A dureza de vos
so coração foi a causa , porque elle as-
Cm vo-lo ordenou.
6 Porém lá no principio , quando
fe creou o Mundo, fez Deos hum ho
mem , e huma mulher.
7 Por isso he que o homem deixa
rá a seu pai , e mãi , e ajuntar-se-ha com
lua mulher;
8 E serão dous numa só carne.
Aflim que , elles já não são dous , mas
são huma só carne.
9 O queDeos pois ajuntou, não o
separe o homem.
10 Estando em casa, tornárão seus
Discípulos a fazer-lhes perguntas sobre
a mesma matéria.
11 Aos quaes elle respondeo : To
do o que largar sua mulher , e casar
com outra , commette adultério a res
peito de sua primeira mulher.
11 E se huma mulher largar seu ma
rido, e casar com outro, he adultera.
En-
3oî O Santo Evangelho de J.C.
13 Então lhe apresentarão alguns
meninos, para os tocar. E os Discipu-
Jos repellião com palavras ásperas os
offerentes.
14 O que vendo Jesus , levou-o mui
to a mal, edisse-lhes: Deixai vir a mim
os pequeninos , e não os embaraceis;
porque dos taes he o Reino de Deos.
1 j Em verdade vos digo : Que todo
o que não receber (a) o Reino de Deos
como pequenino, não entrará nelle.
16 E depois de os abraçar, aben-
çoou-os, impondo-lhes as mãos.
17 SahindoJesus para se pôr a ca
minho, veio correndo hum homem , e
com o joelho em terra lhe fez esta súp-
plica: Bom Mestre, que devo eu fazer,
para alcançar a vida eterna?
1 8 Disse-lhe Jesus : Porque me cha
mas tu bom ? Ninguém he bom , senão
só Deos.
Tu
(ct) O Reino de Deos. Isto he , a fé , e a pro
fissão Christá. Porque para crer as verdades Ca-
tholicas, e observar o que ellas mandáo, he
necessária em nós a simplicidade de hum meni
no. Amelotb.
áËGUNDO S. Marcos. Cap. X. 303
. 19 Tu sabes os Mandamentos. Não
commettera's adultério : Não matarás : E*0,î-
XX. X fi
Não furtarás : Não dirás falso testemu
nho : Não commetterás fraudes : Hon
rarás a teu pai, e a tua mãi.
20 Respondeo clle: Mestre, todos
estes Mandamentos tenho eu observado
des da minha mocidade.
- 21 E Jesus olhando para elle , (b)
amou-o, edisse-lhe: Falta-te ainda hu
ma cousa. Vai , vende tudo quanto tens,
e dá-o aos pobres , e terás hum thesou-
ro no Ceo: depois vem, e segue-me.
22 O homem desgostoso das pala
vras que ouvira, foi-se todo triste: por
que era muito afazendado.
23 Então Jesus lançando os olhos
pelos que estavao á roda delle , disse a
ieus Discípulos: Que dificultosa cousa
he entrarem no Reino de Deos os que
são ricos !
24 E como os Discípulos estavão
to-

(i) Amou-o. Em quanto amou nelle a sim


plicidade com que fatiou } e o cuidado de oh-:
lcrvat a Lei Divina. Saci, e Duhamel.
304 O Santo Evangelho deJ.C.
todos assombrados de ouvirem estas pa
lavras ; proseguio Jesus , e disse-lhes :
Filhinhos , que dificultosa cousa he en
trarem no Reino de Deos , os que tem
a sua confiança nas riquezas !
Mais facil he passar hum came
lo pelo fundo de huma agulha , do que
entrar no Reino de Deos hum rico.
26 Elles ainda ficárão muito mais
cheios de espanto , e diziao hum para
o outro: Quem póde logo salvar- se?
27 Mas Jesus olhando para elles,
disse : Aos homens he isto impoffivel,
mas não a Deos : porque a Deos tudo
he poffivel.
28 Então começou Pedro a dizer-
Ihe : Eis-aqui estamos nós, que largá
mos tudo, e te seguimos.
29 Respondeo-lhes Jesus : Em ver
dade vos digo , que ninguem largará por
amor de mim, e do Evangelho , a casa,
ou os irmãos, ou asirmans, ou o pai,
ou a mai, ou os filhos , ou as terras:
30 Que não venha a receber (c) já
de
(O 7* fresente neste mesmo seculo. Ainda
Segundo S. Marcos. Cap. X. 30s
de presente neste mesmo seculo, ocen-
to por hum das casas , dos irmãos , das
irmans , das mais , dos filhos , e das ter-
fas , (d) com as perseguições ; e no se
culo su euro a vida eterna.
31 Porém haverá muitos, que sen-
do os primeiros , serao os ultimos ; e
muitos, que sendo osultimos, serao os
primeiros.
32 Quando elles se achavão no ca-
minho para Jerusalem , hiajesus adian-
te delles ; do que elles se espantavao,
e cheios de medo o hião seguindo. E£
tornando atomar de parte os dose, co-
meçou a declarar-lhes as cousas , que
estavao para lhe succeder.
Tom.I. V Nós,
neste Mundo se verifica esta promesse de Christo;
emquanto aconsolação, ealcgiia dequeDeos
enche os coracóes de feus servos , que poramoC
delie desprezaráo os bens terrenos , he cetn ve*
zes maior, do que a que elles mesmos teriáo ,
se gozassem desses bens. Ameloth ,cDuhambl.
(i) Com as ftersiguígoes. Aflïm a Vulgsta,
reduzindo as perseguiçóes á classe do premio.
Outras explicáo aíîim : No meio das perseguiçoes ;
o que denota que Deos as ha desuavizar com
os feus auxilios , e confolacóes. Veja-ss Gai^-
MBT,
3©6 O Santo Evangelho de J. C.
33 Nos, como vcdes, vamos para
Jerusalem ; onde o Filho do Home m
sera entregue aos Principes dos Sacer-
dores , e aos Doutores da Lei, e aos
Senadores; que o condemnaráõ á mor
te, e o entregaráo aos Gentios;
34 E ofarão objecto dos feus ludi-
brios , eultrages; e lhecuspiráô na ca-
ra, e o açoutaráõ, e lhe darao a mor
te; e elle ao terceiro dia resurgira.
3j Chegárao-se entao a elle (e) Tia-
go , e Joao , filhos de Zebedeo , e dis-
serão : Mestre, nós quizeramos que tu
nos fizesses tudo o que te pedirmos.
36 Disse-lhes Jesus : Que quereis
vós que eu vos faça?
.37 Concede-nos , respondêrao el
les , que na tua gloria estejamos nós af-
fentados, hum átua maodireita, outro
á esq^erda.
Je-
(e) Tiago , e Joqo. S. Matthcus , 20. 20. attri
bue á mái a petição, que S. Marcos attribue
aos filhos. Noquenáo ha contradicçáo alguma.
Porque o que a mái pedio , pedÍTáo tarnbem
os filhos, era quanto a induzíráo a pedir por
elles. Amblotjî.
segundo S. Marcos. Cap. X. 307
33 Jesus lhes respondeo : Não sa
beis o que pedis. Podeis vós beber o
calis , que eu estou para beber ? ou ser
baptizados no baptismo, em que eu es
tou para ser baptizado?
3 9 Disserão elles : Podemos. E Jesus
continuou : Vós com effeito haveis de
beber o calis, que eu estou para beber j
e haveis de ser baptizados no baptismo,
em que eu estou para ser baptizado.
40 Mas pelo que toca a terdes as
sento á minha mão direita , ou á esquer
da ; não me pertence a mim o conce-
der-vo-lo : mas essa honra he para aquel-
les , para quem ella está preparada.
41 E os outros dez ouvindo isto ,
indignárão-se contra Tiago, e João.
4z Mas Jesus os chamou , e lhes dis
se : Vós sabeis que os que tem autho-
ridade entre os póvos , exercitão sobre
elles dominação ; e que os feus Princi
pes os tratão com imperio.
43 Porém entre vós não deve ser
affim : mas todo o que quizer ser o ma
ior, esse deve ser o que vos ministre.
V ii E
jo8 O Santo Evangelho de J. C.
44 E todo o que entre vós qnizer
ser o primeiro, eíTe deve fazer-se servo
de todos.
45- Porque o mesrníTFilho do Ho
mem não veio a ser servido , mas a ser
vir , e a dar a sua vida para redempção
de muitos.
46 Depois disto vierao a Jericó: e
quando Jesus sahia de Jericó acompa
nhado de seus Discípulos , e de muito
povo; estava assentado aborda do cami
nho hum cego chamado Bartimeu , fi
lho de Timeu , pedindo esmola.
47 O qual como ouvio que passava
Jesus Nazareno , começou a gritar, di
zendo : Jesus Filho de David , tem mi
sericordia de mim.
48 Ameaçavão-no muitos , para que
se calasse. Mas elle cada vez gritava
mais: Filho de David, tem misericor
dia de mim.
49 Parou então Jesus , e mandou
que lho chamassem. Chamarão o cego ,
e disscrão-lhe : Tem boas esperanças :
Levanta-te , que elle te chama.
Dei-
segundo S. Marcos. Cap.X. 309
50 Deitou elle logo fora defi a ca
pa , e levantando-se , veio a Jesus.
$1 E Jesus lhe disse : Que queres
tu que eu te faça ? Mestre , respondeo
0 cego, que eu tenha vista.
5 2 Vai , lhe disse Jesus, a tua fé
te salvou. E no mesmo ponto vio, e o
foi seguindo pelo caminho.

CAPITULO XI.
Entrada de Jeju Chrijio em Jerusalem.
Amaldiçoa huma figueira. Lança fóra
do Templo
pojjivel os enegociantes.
dféfi, Nada dos
d oração. Verdão he ini
im-

migos. Confunde os Doutores da Lei.

1 /~\ Uando elles se hião aproximan-


do ajerusalem , e a Bethania no
Monte das Oliveiras ; enviou Je
sus dous Discípulos feus , e disse-lhes :
2 Ide a essa Aldeia , que está de
fronte de vós ; e tanto que entrardes
nella, (a) achareis prezo hum aminho,
em
(a) Achareis prezo bum asninbo. Figura do
povo Gentílico , prezo até aquelle tempo à
idolatria , e solto peia prégacáo dos Apoísolos.
Amelots.
gip O Santo Evangelho deJ. C.
em que ainda náo montou homem aU
gnm : solrai^o , e trazei-o.
3 E sealguem vos perguntar : Que
he o que vós fazeis ? dizei-lhe que oSe-
nhortem necellldade délie j e logo odei-
xará vir aqui.
4 Sahíráo elles , eachárao ojumen-
tinho, que estava prezo de fora ao pé
de huma porta entre dous caminhos, e
desprend ê ráo-no.
^ Alguns dos que alli se achavao ,
disserâo-lhes : Que he o que vós fazeis?
porquc desprendeis vós ojumentinho?
6 Refpondêráo elles , íegundo lhes
ordenára Jésus : e os homens lho dei-
xárao leva r.
7 Tendo pois trazido o jumenti
nho a Jésus y cubríráo-no com os feus
veftidos, e Jésus montou emcimadelle.
8 Muitos da mesma sorte alcarifa-
vâo com os feus vestidos o caminho: ç
outros Ihojuncavao deramos, que cor-
taváo das arvores.
9 E tanto os que marchavao adian-
te? como os <jue hiâo atrás, daváo os
segundo S. Marcos. Cap. XI. 311
vivas a Jesus, dizendo em altas vozes:
Hosanna :
10 Bemdito seja o que vem em No
me do Senhor : Bemdito seja o Reino
que vemos chegar , de nosso pai Da
vid : Hosanna no mais alto dos Ceos.
1 1 Tendo aflim entrado em Jeru
salem , foi Jesus buscar o Templo : e-
depois de ter observado tudo quanto
nelle havia , como era já tarde , sahio
dalli para Bethania com os doze.
iz Ao outro dia pela manhã , ao
íãhir de Bethania y teve fome.
13 E vendo ao longe huma figuei
ra com folhas , foi ver se achava nella
algum fructo ; e não achando depois
que chegou , senão folhas ; (porque não
era tempo de figos)
14 Disse para a figueira: (b) Nunca
ja- mais produzas tu fructo , que alguem
coma : o que seus Discípulos Ouvirão.
Che-
(i) Nunca já mais , <&c. Senão era terripo
<íe figos, porque amaldiçoou Jesus a figueira?
He porque na Palestina fiaviá figueiras , que it-
váo fructo fora de tempo , em Fevereiro , Mar
ço, c Abril. EJesiis querendo symbolizar nef-
gis O Santo Evangelho de J.C.
iy Chegados que forão a Jerusa
lem , entrou Jesus no Templo , don
de começou a lançar para fora os que
estavâo vendendo , e comprando ; e a
derribar (c) as mezas dos Banquei
ros , e as cadeiras dos que vendião
pombas.
16 E não consentia que se trans
portasse (d) móvel algum pelo Tem
plo.
isei.Lvi. 17 Dizia-lhes outroílm para os in
ibem- jtruir : Por ventura não está escrito: A
- minha Casa será chamada Casa dc
Ora-

ta figueira a Synagoga ; amaldiçoou a figuei


ra , que sò achou com folhas, para significar
*que tambem amaldiçoava a Synagoga, por não
achar nella senão a folhagem dos seus Ritos,
C Tradições. Caljvlht.
(í) As me%as dos Banqueiros. Que daváo a
cambio o dinheiro miúdo , que lhesvinháo pe
dir de toda a parte , os que neceffitaváo delle ,
ou para as contribuições, e offertas do Tem
plo , ou para pagarem os impostos ao Cesar.
Amklote , e Calmbt.
(/) Móvel algum. A Vulgata tem } algum
•vaso , pondo a especie pelo genero. Porem veja-
se o que em semelhante caso observamos em
Mattheus, u, ?p. Ij^rjeira./
segundo S. Marc os. Cap. XI. % 1 3
Oraçáo entre todas as genres ? E vós
rendes feito délia hum covil de la-
ci rocs. >
18 Oqueouvindo os Principes dos
Sacerdotes , e os Doutores da Lei , (e)
andaváo excogitando de que modo o
haviao deperder: porque como todo o
povo admirava a sua doutrina , tinháo
medo délie.
19 Qiiando já era pela tarde , sa-
hio da Cidade.
20 Enooutro dia pela manha , ao
paísar pela fìgueira , víráo que ella es-
tava secca até as raizes.
m Entao lembrado Pedro , disse pa
ra Jésus : Olha , Mestre, corao se sec-
cou a figueira , que tu amaldiçoaste !
22 RespondeoJésus , dizendo-lhes :
Tende a fé de Deos.
a3 Em verdade vos affirmo , que to
do o que disser a este monte : Tir- te , e
lan-
. (e) Atidatiao excogitando , <&c. Estimulados
èe verem , que Jeíu Chiisto se attribuia no
Temple- huma authoridade s que elles julgaváo
que só a elles eompetia ; eque reprovava hum
cooimerçio, que elles daviío por lipico. Sacu
3 1 4 O Santo Evangelho de J. C.
]ança-te no mar ; e isto sem hesitar no
feu coração, mas tendo fé de que tudo
o que difler , succedera : elle o vcrá
cumprir aíïìm. 1
2 4 Por ifib vos digo : Todas as cou
sas que vós pedirdes orando, crede que
as haveis de haver , e que astìm vos suo
cederáo.
25- Mas quando vos pozerdes cm
oração, se tendes alguma çousa contra
alguem , perdo3Ì-îha ; para que tambera
voiso Pai, que esta nos Ceos, vos per-
doe voíTos peccados.
26 Porque se vós não perdoardes,
tambem voíïb Pai, que está nos Ceos,
vos não ha de perdoar voíìbs peccados-
27 Tornárão de novo a Jerusalem.
E quando Jesus andava no Templo , che-
gárão-se a elle os Principes dos Sacer-
dotes , e os Doutores da Lei , e os Se-
nadoros, e pergunta-rao-lhe :
28 (tf) Cooi que authoridade fazes
tu

(/) Con que autlmìdade , &c. Esta queftío


fundava-se neíte principio : que ríinguem de-
vc dar-se a si mefmo a authoridade do Minis
segundo S. Marcos. Çap. XI. 315-
n estas cousas? e quem he que te deo
sta authoridade para as fazeres ?
29 Disse-lhes Jesus : Tambem eu
os quero fazer huma pergunta, a que
uero que me respondais : e depois eu
os direi com que authoridade faço ef-
as cousas.
30 O Baptismo deJoão era do Ceo ,
m dos homens? respondei-me.
31 Mas elles fazião M comsigo c£
t discurso : Se nós dissermos que era
ioCeo, dir-nos-ha elle: Porque razão
3go não crestes ne!!e ?
32 Se dissermos que dos homens,
emos medo do povo; porque todos ti-
ihão a João em conta de hum Profeta.
33 Responderão pois a Jesus: Não
abemos. E Jesus lhes disse : Pois nem
u tambem vos direi, com que autho-
idade faço estas cousas.

CA-

erio sagrado ; mas que a deve receber ou im-


nediatamente deDeos, ou de Deos por meio
os Superiores ordinarios, e legítimos. Saci.
O Santo Evangelho deJ. C.

CAPITULO XII.
A parabola dos Lavradores a quem se ar-
rendou huma vinha. Tentao as Fariseos
a Jesus jobre a obrigaçao depagarotri-
buto a Cejar ; e tentao-no os Sadducetts
Jobre a rejurreiçao. Quai he o primeìn
Mandamento. David chama leu Senfor
• ao MeJJlas. Cautela conira os Douions
da Lei. Louva Jesus a esmola de hum
pobre viuva.

i áT~^ Omeçeu depois Jesus a fallar-


V^i lhes por parabolas. (a) Hum
homem plantou huma vinha, ecercou-a
com huma fève , e cavando, fez hum
lagar , eedificou huma torre: etendo-a
arrendado a huns Lavradores , ausen-
tou-fe para longe.
% Ghegado o tempo , enviou aos
Lavradores hum fervo, que fosse rece-
ber delles o que lhe devião do fructo
da sua vinha.
3 Mas os Lavradores apanhando-o
ás
Ça) Hum homem , <ò-c. Já em S. Mattheus,
il. jj. explicàmos o sentido desta parabola.
secundo S. Marcos. Cap. XII. 317
ás mãos , ferírao-no , e remettêrão-no
sem cousa alguma.
4 Enviou de novo outro servo : e
também a este o ferirão na cabeça, e o
carregarão de affrontas.
^ Mandou ainda terceiro fervo, que
elles matárão: e de outros mais que ain
da lhes enviou, ferirão a huns , e ma
tarão a outros.
6 Restava-lhe hum único filho, que
elle muito amava , e que por ultimo
enviou , dizendo : Terão respeito a meu
filho.
7 Porém os Lavradores disserão
huns para os outros: Este he o herdei
ro : vinde , matemo-lo , e será nossa a
herança.
8 E pegando nelle, matárão-no, e
lançárão-no fora da vinha.
9 Que fará pois o Senhor da vi
nha? virá, e acabará de todo com es
tes Lavradores , e dará a sua vinha a
outros.
10 Vós nunca lestes este lugar da
Escritura ; A pedra , que fora rejeitada
pe
3 1 8 O Santo Evangêlho de J. C.
pelos que edificavao , essa veio a ser a
primeira fundamental da esquina.
rï O Senhor he que fez isto , e os
nossos olhos o vem com admiração ?
12 Procuravão elles achar meio de
o prenderem , porque conhecerão que
deites era que Jesus fallava nesta pará
bola : mas temerão o povo ; e por isso
deixando-o, se retirarão.
13 Depois querendo ver se o apa-
nhavão no que fallasse , enviárão-lhe al
guns de entre os Fariseos , e Herodianos ,
14 Que lhe vierão fazer esta per
gunta: Mestre, nós sabemos que es ver
dadeiro, eque não guardas respeitos a
pessoa alguma ; porque não attendes
para a qualidade dos homens, mas en
sinas o caminho de Deos em verdade.
He-nos permittido dar o tributo a Ce
sar, ou não lho devemos dar?
15- Mas Jesus conhecendo a sua hy-
pocrisia , respondeo-lhes : Porque me
tentais ? dai-me cá hum dinheiro para
o ver.
1 6 Derão-lho. E elle lhes pergun
tou ;
segundo S. Marcos. Cap. XII. 319
ton : De quem hc esta imagem , e in—
scripção ? De Cesar , responderão elles.
17 Cencluio então Jesus : Pois dai
a Cesar o que he de Cesar, e a Dcos
o que he de Deos. Resposta que os dei
xou admirados.
18 Chegarão depois disto os Sad-
d 11 ecos, que negão aresurreiçao, eper-
guntárão-lhe:
19 xMestre, Moysés nos deixou por
escrito , que se hum homem morrer dei-
xando sua mulher sem filhos, case com
ella o irmão do defunto, para dar suc-
cessão a seu irmão.
20 Ora havia sete irmãos , o pri
meiro dos quaes casando, morreo sem
deixar iìlhos. \
21 Tomou o segundo por mulher
a viuva , e também morreo sem deixar
filhos : e da mesma sorte o terceiro.
21 Aílimque, tendo casado sete ir
mãos com a mesma mulher, todos mor
rerão sem successâo, e por fim morreo
também a mulher.
23 Quando elles pois «surgirem f
de
3zo O Santo Evangelho de J.C.
de qual será ella mulher ? porque ella
o foi de sete.
24 E Jesus lhes respondeo : Não ve
des que por isso errais , porque não com-
prchendeis as Escrituras, nem o poder
de Deos?
25" Porque quando os mortos re-
surgirem , não hão de os homens ter
mulheres , nem as mulheres homens;
mas todos serão como os Anjos doCeo.
26 E quanto áresurreição dos mor
tos , vós-outros nunca leites no Livro
^oá de Moysés ,0 que Deos lhe disse de ci-
»>• <■ ma do espinheiro : Eu sou o Deos de
Abrahão , e o Deos de Isaac , e o Deos
de Jacob ?
27 Ora Deos não o he de mortos >
mas de vivos. Logo estais vós num
grande erro.
28 Então hum dos Doutores da
Lei, que tinha ouvido esta disputa, eo
bem que Jesus respondera; perguntou-
lhe qual era de todos o primeiro Man*
damento.
2q E Jesus lhe respondeo , que o
pri-
sëgúndo S. Marcos. Cap. XII. 321'
primeiro Mandamento era este : OuveDeuter<
Israel: O Senhor teu Deos he só o que'1"4*
he Deos.
30 Amarás o Senhor teu Deos de
todo o teu coração , de toda a tua al
ma , de todo o teu entendimento, e dc
, todas as tuas forças. Este he o primei
ro Mandamento.
31 O segundo he este , semelhante
ao primeiro: Amarás ao teu próximo , Levif.
como a ti mesmo. Nenhum outro Man-*1*' 4 S'
damento ha , que seja maior do que estes.
3 2 Disse o Doutor da Lei : Mestre ,
o que tu disseste, he a mesma verdade;
que Deos he hum só , e que não ha ou
tro a fóra elle.
33 E que o amallo de todo o seu
coração , e de todo o seu entendimen
to , e de toda a sua alma , e de todas
as suas forças ; e ao próximo como a
fí mesmo : He huma cousa , que excede
todos os holocaustos , e sacrifícios.
34 Jesus vendo que o Doutor re-
spondêra como sábio, disse-lhe: (b)Nao
Tom. I. X es-
(s) Não ejiís longe, &c. Porque cgnhecet^
3 ai O Santo Evangelho de J.C.
estás longe do Reino de Deos. E des
de então ninguém mais ousou fazer- lhe
perguntas.
35/ Mas depois enfín ando Jesus no
Templo, disse: Como dizem os Dou
tores da Lei , que o Christo he Filho
de David ?
36 Porque David mesmo fallando
pelo Espirito Santo, disse : O Senhor
disse ao meu Senhor: Assenta-te á minha
mão direita , até eu reduzir os teus inimi
gos a servirem de escabello de teus pés.
37 Se pois David o chama seu Se
nhor , como hc elle seu Filho ? E mui
ta gente do povo que alli se achava , o
ouvio com gosto.
38 E elle os instruía segundo o seu
modo de ensinar, dizendo : Acautelai-
VOS dos Doutores da Lei , que folgão de
andar de vestidos compridos, e de que
ios cumprimentem na praça:
De
do consistirem na observância dos dons precei
tos do amor de Dcos , e do próximo, os de
veres mais eslenciaes do homem ; só lhe fal
tava para se salvar , crer em Jesu Christo.
Saci, e Calmet.
SEGUNDO S. MARCOS. Cap. XII. 323
39 De occupar nas Synagogas as
primeiras cadeiras , e nos banquetes os
primeiros lugares:
40 Que devorão as casas das viu-
vas, debaixo do pretexto delongasora-
ções : pelo que ferá a sua condemnaçâo
mais rigorosa.-
41 Estandojesus assentado defronte
donde cra (c) o Gazofylacio , obfervava
elle de que modo dcitava o povo alli o
dinheiro: emuitos que erao ricos, dci-
tavão com máo larga.
41 Chegou huma pobre viuva , e
la"nçou duas pequenas moedas , que im-
portavao hum feal.
43 Então convocando feus Disci-
pulos , lhes disse Jesus : Digo-vos 11a
verdade , que mais deitou esta viuva no
Gazofylacio, do que deitárão todos os
niais.
44 Porque todos os outras deitá
rão do que tinhao- na sua abundancia ;
X ii po--

(f) O Gazofylacio. Aílìm chamaváo o mea-


lheiro , ou arca , em que se deúaváo as offer-
ias no Templo. Gavwex.
324 O Santo Evangelho deJ.G.
porém esta deitou da sua mesma indi
gência tudo o que tinha , e tudo o que
lhe restava para seu sustento.

CAPITULO XIII.
Destruição do Templo. Guerras , e perse
guições. Falsos Cbristos j e falsos Frase
ias. Sinaes no Sol , e na Lua. Vinda de
Jefu Christo cm grande gloria. Incerto
o dia da sua vinda.

1 AO sahir Jesus do Templo, dif-


JTjL se-lhe hum de seus Diícipulos :
Olha , Mestre, (a) que pedras, e que
fábricas !
3 1 E Jesus lhe respondeo : Vês tu to
das estas grandes obras ? pois todas el-
las viráõ a ser destrnidas de modo, que
não fique pedra sobre pedra.
3 E estando assentado no Monte das
Oliveiras , defronte do Templo, per
gun
ta) Que feiras. José nas suas Antiguidades
nos informa , de que estas pedras eráo alvilli-
mas , e duriflimas , como alabastros; eque ti-
pháo de comprido vinte e finco covados , de
largura doze , de grossura oito. Saci , e Cal
Secundo S. Marcos. Cap. XIII. 325s
gunrárao-lhe em particular Pedro, Tia-
go, Joao , e André :
4 Dize-nos, quando hao de succe
der estas cousas ? e que final haverá , de
que se começão todas a cumprir ? /
5- Entao começou Jesus a dizer-
Ihes : Guardai-vos não vos engane al-*
guem.
6 Porque seráo muitos os que hão -
de vir debaixo do meu Nome , dizen-
do : En fou : e hão de enganar a muitos.
7 Quando vós porém ouvirdes fallar
de guerras, e de estrondos deguerras,
nao temais : porque importa que estas
cousas succedao: mas este não fera ain-
da o. fim.
8 Porque se levantará Naçao con
tra Nação, e Reino contra Reino: ha
verá terremotos por diversas partes, e
haverá fomes. E estas cotisas não serão
mais do que o principio das dores.
9 Tende pois fentido comvosco.
Porque vos hão deentregar nosjuizos,
e vos hao de açoutar nas Synagogas,
e fazer cornparecer por meu respeito
di- .
316* O Santo Evangelho de J.C.
diante dos Governadores, e dos Reis,
afim de que perante elles deis testemu
nho de mim.
10 Mas primeiro importa que oE-
vangelho seja prégado a todas as Nações.
11 Quando pois. vos levarem a ser
prezos , não premediteis no que haveis
de dizer : mas dizei o que vos for inspi-
. rado naquella mesma hora : porque não
sereis vós os que falíeis , mas sim o Es
pirito Santo.
12 Então hum irmão entregará á
morte outro irmão , e o pai a seu filho :
e os filhos se levantarão contra ospais ,
e lhes darão a morte.
13 E vós sereis aborrecidos de to
do o Mundo por amor do meu Nome.
Mas o que perseverar até o fim , esse
será salvo.
14 Quando vós virdes estar (b) a
abominação da desolação, onde não de
ve estar : (o que lê , entenda) então
os
(t) A.alomnaqKo da desolação. O texto Grego
accrescenta , que foi predifla pelo Profeta Daniel 9
como Iêmos em S. Mattheus 5 onde se pôde Ver
a explicação de todo este Capitulo. Pereira,
segundo S. Marcos. Cap. XIII. 327
os que se achão em Judéa , fujáo para
os montes : ,
; 1$ E os que sobre o telhado , não
desção a casa , nem entrem para levar
delia cousa alguma :
16 Eoque se achar no campo, não
volte atrás a buscar o seu vestido.
17 Ai das que naquelle tempo e£»
tiverem pejadas, ou crearem.
18 Rogai pois , que não succedão
estas cousas em tempo de Inverno.
19 Porque aafflicção daquellc tem
po será tão grande , que des do pri
meiro momento emqueDeos creou to
das as cousas, até opreíente, não hou
ve , nem haverá outra semelhante.
20 De sorte , que se o Senhor nãq
abbreviasse aquelles dias, nenhuma pes
soa se salvaria : mas elle os abbreviou
em attenção aos escolhidos , de que fez
escolha.
21 Sc então vos disser alguém : Aqui
está o Christo , ou , Elie acolá está ; não
lhe deis credito.
22 Porque se levantaráó falsos ChriT
stos,
\

328 O Santo Evangelho de J. C.


stos , e falsos Profetas, que farao pro-
digios, e portentos, para enganarem ,
se poifivel fora , até os mesmos efco-
Ihidos.
23 Tende pois cuidado em vós.
Olhai que eu vos preveni de tudo.
24 Mas depois daquelles dias de
tribulaçao , o Sol se escurecerá , e a Lua
jiao dará o feu resplandor.
25- Cahiráô do Ceo as estrellas:, e
as virtudes dos Ceos se commoveráô.
16 E então verão o Filho do Ho-
mem , que vira sobre as nuvens, com
grande poder, e magestade.
27 E elle manda rá os feus Anjos ,
e ajuntará os feus escolhidos de todos
osquatro ventos, des de a extremidade
da terra até á extremidade do Ceo.
28 Aprendei o que vos digo , de
huma comparação tirada da figueira.
Quando os feus ramos estao já tenros,
e nafeidas as folhas, conheceis vós ef-
tar perto o Estio.
29 Aíïìm taitibem quando vós vir-
des que fuccedem estas coufas , fabei
que
segundo S. Marcos. Cap. XIII. 329
que o Filho do Homem está próximo
a vir , e que esta já á porta.
30 Em verdade vos aíErmo , que
não passará esta geração, até senão cum
prirem todas estas cousas.
31 Passará o Ceo, e a terra 5 mas
não passarão as minhas palavras.
32 A respeito porém deste dia , ou
desta hora, ninguém sabe quando ha de
ser : nem os Anjos no Ceo , (c) nem o
Filho, mas só o Pai.
Ten-
(c) Nem o Filho. Considerado meramente co
mo Filho do Homem. Do mesmo modo que em
outra parte disse o Senhor aos filhos de Zebe-
deo : (guante a terdes assento á minha mão direita ,
ou d esquerda , não he a mim que pertence o con
cedermo-lo. Porque em ambos os lugares falia
Jesu Christo segundo © conceito , que delle
formaváo aceáquelle tempo os Apóstolos. Esta
intelligencia tem por si a Santo Athanasio , e
S. Gregorio Nazianzeno, e a Theodoreto. Ou
tras mais íubtís , ainda que náo menos sólidas ,
que propõem Santo Epifânio no seu Ancorato ,
cap. il. e Santo Agostinho no Livro I. da Trin
dade , cap. 12. náo são para a gente vulgar, e
por isso as omitto. Em todas cilas porém tem
estes Santos Padres , e com elles os modernos
Expositores por certo, que Christo ainda que
pilo que tinha de homem lhe não era devido
33© O Santo Evangelho deJ. C.
33 Tende sentido em vòs, vigiai,
e orai : porque não sabeis quando che
gará este tempo.
3 4 Será como hum homem , que au-
sentando-se para longe , deixou a sua
casa , e designou a cada hum de seus ser
vos a obra , que cada hum devia fazer , e
mandou ao^orteiro que estivesse de vigia.
35- Vigiai pois, (visto que não sa
beis quando virá o Senhor da casa ; se
de tarde , se á meia noite, se ao can
tar do gallo, se pela manhã:)
36 Para que não succeda que vin
do elle de repente , vos ache dormindo.
O
o conhecimento do dia , e hora do Juizo ; coro
tudo como tal Homem , isto he , como Homem
Deos, não podia deixar de o saber, ena reali
dade o sabia. E sentir, ou dizer o contrario,
foi ponto que os Padres de Africa, tendo ates
ta a Santo Aurelio de Carthago, e a Santo A-
gostinlio de Hipponia , fizeráo retratar , e abju
rar como erro a hum certo Leporio Monge de
França, pelos annos de 427. como bem obser
vou Tillemont no tom. 15. que contém a Vida
do mesmo Santo Agostinho , no fim do Arti
go $32. Veja-se tambem Vezzosí na extensa No
ta ao lugar de Santo Epifanio aílima indicado da
«dição de Thomasi. Pereira.
secundo S. Marcos. Cap. XIV. 331
37 O que eu porém vos digo a vós ,
iflb digo a todos : vigiai.

G A P I T U L O XIV.
Ajunta-fe 0 Supremo Conselho contra Je
sus. Huma mulher ïhe lança sobre a ca-
beça huma redoma de cheiros. Traiçao
de Judas , que Jesus descobre. Infiitui-
çae do Sacramento da Eucarìstia. Cór-
ta Pedro huma orelha a Maïco. Fogem
os Discipulos. Jesus accufado naprefen-
ça de Caifaz , condemnado d morte , e
entrevue aos ultrajes da familia. Pedro
â nega tres vezes.

1 Altavão dous dias para chegar


JD a Pafcoa , em que se começavão
a comer os Pães asmos : e os Princi
pes dos Sacerdotes com os Dou tores
da Lei andavão buscando modo , como
prenderião por traiçao a Jesus para o
matarem.
2 Mas elles dizião : Nao convem
que iilo se faça no dia dafesta, por nao
succeder que no povo se excite algum
motim.
.. Achan-
33^0 Santo Evangelho de J.C.
3 Achandose Jesus em Bcthania á
roeza em casa de Simão o Leproso ; en
trou huma mulher, que trazia huma re
doma de alabastro cheia de precioso bal
samo , feito das espigas de nardo ; e
quebrando a redoma, lho lançou sobre
a cabeça.
4 Alguns dos que estavão presen
tes indignárão-fe lá entre fi doquevião,
e disserão : Para que foi este desperdi-
cio de balsamo?
$ Pois podia ellc vender-se (a) por
mais de trezentos dinheiros , e dar-se
este prodncto aos pobres. E murmura-
vão fortemente contra ella.
6 Mas Jesus lhes disse : Deixai-a :
porque a molestais ? Ella fez-me huma
boa obra.
7 Porque vós sempre tendes com-
vosco os pobres , para que quando lhes
queirais fazer bem , o possais fazer: po
rém a mim não me tereis sempre.
El-
(a) Por mais de trezentos dinheiros. Que se-
•gundo o cálculo de Saci , importaváo perto de
conto e dezeseis libras de França ; isto he,
dezoito mil réis da nossa moeda. Pereira.
segundo S. Marcos. Cap. XIV. 33 3
8 Ella fez o que cabia nas suas for
ças : foi isto embalsamar-me antecipa
damente o corpo para a sepultura.
o Em verdade vos digo : Onde quer
que for pregado este Evangelho , que
será em todo o Mundo ; será tambem
contado , para louvor seu , o que esta
obrou.
10 Então se retirou Judas Iscario
tes , que era hum dos doze , a buscar
os Principes dos Sacerdotes, para lhes
entregar a Jesus.
1 1 Folgarão elles de o ouvir , e
promettêrão dar-lhe certa somma de
dinheiro. E des de então andava Judas
buscando occasião opportuna de o en
tregar.
1 2 No primeiro dia , em que se co-
mião os Pães asmos , quando se immo-
lava o Cordeiro Pascoal., disserão-lhe
seus Discipulos : Onde queres tu que
nós vamos preparar- te o que he necessario
para comeres a Pascoa ?
13 Enviou elle pois a dous de seus
Discipulos , dizendo-lhes : Ide^á Cida
de,
334 O Santo Evangelho deJ. C.
de , e lá vos sahirá ao encontro hum
homem , que levará huma bilha de agna :
ide trás elle :
14 E onde quer que elle entra r,
dizci ao dono da casa : O Mestre te
manda dizer : Onde he o lugar , era
que eu poderei corner a Pascoa com
meus Discipulos ?
1 5s E elle vos mostrará (b) hum quar
to alto, todo moveládo : preparai-nos
lá o que he necessario.
16 Partírao feus Discipulos , e
chegando á Cidade , acha'rao o que
elle lhes havia dito : e preparáráo a
Pascoa.
17 Chegada a tarde foi Jésus com
os doze.
18 Equando elles estavao á meza,
e ceaváo , disse-lhes Jésus : Em verda-
de vos digor que hum de vós que co-
migo corne , me ha de entregar.
19 Entao fecomeçáráoellesaentriste-
cer,
(t) Hum quarto alto. Segui o texroGrego,
3ue diz, cubiculum sursum posttum. E asti m tra-
uzíráo cambem Amelote , Saci, os de Mons,
e Huré. Pereira.
segundo S. Marcos. Cap. XIV. 335:
ccr , e cada hum de per fi lhe pergun
tava : Sou eu ?
20 Respondco-lhes Jesus : He hum
dos doze, que mette comigo a mão no
prato.
21 E quanto ao Filho do Homem ,
elle vai , segundo o que delle está escri
to: mas ai daquelle homem , por meio
do qual será entregue o Filho do Ho
mem. Melhor lhe fora a esse homem
não haver nascido.
22 Quando clles estavao comendo ,
tomou Jesus o pão , e depois de o ben
zer , partio-o , e deo-lho , dizendo : To
mai , este he o meu Corpo.
23 E tendo tomado o calis , de
pois que deo graças, lho deo: e todos
beberão delle.
24 E Jesus lhes disse : Este he o
meu Sangue do Novo Testamento, que
será derramado por muitos.
25 Em verdade vos digo, que eu não
beberei já mais deste fructo da vide,
até chegar aquelle dia, em que o beba
novo no Reino de Deos.
E
O Santo Evangelho de J.C.
16 E depois de (c) cantado o Hymno,
sahírão para o Monte das Oliveiras.
27 Então lhes disseJesus : A todos
vós serei eu esta noite huma occasiáo de es-
zaear. candaio : pois está escrito : Eu ferirei
o pastor , e as ovelhas se porão era
desarranjo.
28 Mas depois que eu resurgir, ir-
vos-hei esperar a Galiléa.
20 Disse-lhc então Pedro : Aind3
quando todos se escandalizem a teu res
peito , eu me não hei de escandalizar.
30 EJesus lhe respondeo : Em ver
dade te digo , que hoje nesta mesma
noite, antes que ogallo cante a segun
da vez, me has de tu negar três vezes.
31 Mas Pedro infistindo no mesmo,
acerescentava : Ainda no caso de eu me
ver precisado a morrer comtigo , não
te hei eu denegar. E o mesmo disserao
também todos os mais.
Vie-
(c) Cantado o Hymno. Affim os de Mons,
Saci, e Huré, seguindo o texto Grego. Por
que a Vulgata diz simplesmente 3 dito o Hymno ,
tanto em S. Marcos , como em S. Mattheus.
Pereira.
Segundo S. Marcos. Cap. XIV. 337
3 z Vierão depois para huma her
dade chamada Gethsémani , onde Jesus
disse a seus Discípulos: Assentai-vos aqui ,
em quanto eu oro.
33 E tendo levado comfîgo a Pe
dro, Tiago, ejoão, começou a ter pa
vor, e a angustiar-se em extremo.
34 Então lhes disse : A minha al
ma se acha numa tristeza mortal : de-
tende-vos aqui , e vigiai.
35s E tendo-se adiantado alguns pas
sos , prostrou-se em terra , orando que se
era poílivel , passasse delle àquella hora.
36 Meu Pai, meu Pai, dizia elle,
todas as cousas tesão poffiveisí traspas-
sa de mim este calis : porém não se fa
ça o que eu quero , mas o que tu queres.
37 Depois veio, eachando-os dor
mindo, dilíe a Pedro: Tu dormes, Si
mão ? não podeste vigiar huma hora ?
38 Vigiai , e orai , para que não
entreis em tentação. O espirito na ver
dade está prompto, mas a carne fraca.
39 Foi segunda vez a orar, e dis
se as mesmas palavras.
Tom.I. Y E
338 O Santo Evangelho deJ. C.
40 E tornando a vir , achou-os ou
tra vez dormindo; (porque tinhão car
regados os olhos) e não sabião que lhe
respondessem.
41 Veio terceira vez, e disse-lhes:
Dormi agora , e descançai. Basta : he
chegada a hora: eis-aqui vai o Filho do
Homem a ser entregue em mãos de
peccadores.
42 Levantai-vos , vamos : eis-ahi
vem chegando , quem me ha de en
tregar.
43 Ainda bem Jesus não tinha aca
bado de fallar , quando chega Judas
Iscariotes, hum dos doze, e com elle
huma tropa de gente , armada de es
padas, e de varapáos, que havião sido
enviados pelos Principes dos Sacerdo
tes , pelos Doutores da Lei , e pelos Se
nadores.
44 Ora o traidor tinha-lhes dado
esta senha : Aquelle a quem eu der hum
osculo , esse he que he ; pegai nelle, e
trazei-o com segurança.
45 AíEm que , tanto que chegou ,
foi
segundo S. Marcos. Cap. XIV. 339
foi logo ter com Jesus , e disse-lhe : Deos
te salve, Mestre: edeo-lhe hum osculo.
46 Então lhe lançárão as mãos , e o
segurarão.
47 Hum dos circumstantes tirando
da espada , deo hum golpe num ser
vo do Summo Pontífice : e cortou-lhe
huma orelha.
48 E Jesus lhes disse : Como se eu
fora algum ladrão, viestes armados de
espadas , e de varapáos a prender-me.
49 Todos os dias estava eu entre
vós, quando vos enfinava no Templo,
enáo me prendestes. Mas as Escrituras
devem-se cumprir.
50 Então deixando-o , se pozerao
em fugida todos os seus Discípulos.
5-1 Hia-o porém seguindo (d) hum
certo moço, cuberto com hum lençol:
Y ii e
(á) Hum certojnoço. O Grego tem adolescen-
talus , que denota hum moço ainda muito ra
paz. Com o que se desvanece aopiniáo de al
guns , que cuidarão que este moço fora hum
dos dous irmãos, Tiago, ou João. O mais ve*
rofimil he, que era algum dos que alli mora-
váo perto; eque ouvindo o rebulliço de tan
ta gente armada, se levantou da cama cuber
34o O Santo Evangelho de J.C.
e como lhe lançassem as mãos para o
prenderem ,
5- 2 Elle largando-lhes o lençol , fu-
gio nú em pélle.
53 Conduzirão Jesus a casa do Sum-
mo Ponrisice , onde (e ajuntárão todos
os Sacerdotes , e Doutores da Lei , e
Senadores.
5- 4 Seguio-o Pedro de longe até o
pateo doSummo Pontifice : e assentado
com os officiaes , estava aquentando-se
ao lume. *
55- Entretanto os Principes dos Sa
cerdotes, e todo o Conselho, buscavão
contra Jesus algum testemunho , com que
lhe dessem a morte : mas não o achavão.
56 Porque affim era que muitos de-
punhão falsamente contra elle: mas não
concordavão os depoimentos.
5-7 Então se levantarão huns , que
disscrão este falso testemunho contra
Jesus :
Nós
to fomente de hum lençol : e como tambem o
quizeráo prender , (o que mostra bem qual era
o furor com que vinháo os Judeos) largou o
lençol para fugir. Amulote, e Saci.
«egundo S. Marcos. Cap.XIV. 341
58 Nós ouvimos dizer a este: Eu
destruirei esteTemplo, que he obra de
mãos , e denrro de tres dias edificarei
outro , que não será obra de mãos.
59 Mas esta mesma depofição nao
era coherente. . .
60 Entao levantando-se o Summo
Pontisice no meio do Conselho , pergun-
ton a Jesus , dizendo : Tu nada respondes
ás accusaçòes , de que estes tecarregão?
61 Porém Jesus estava em silencio,
e áiada respondeo, Fez-lhe o Summo ,
Pontisice segunda pergunta , e disse-lhe :
Es tu oChristoFilho de Deos bemdito?
6z Respondeo-lhc Jesus : Eu o sou:
e vós vereis o Filho do Homem assenta-
do á mãodireita da Magestade de Deos ,
que vira sobre as nuvens do Geo.
63 No mesino ponto rafgando os
feus vestidos, disse o Summo Pontisice:
Para que desejamas nósainda mais te£
temunhas ?
64 Vós bem ouvistes ablasfemia:
que julgais vós ? Todos o condemná»
rao coma réo de. morte. . .
- -! En-

)
34» O Santo Evangelho de J.C.
65- Então começãrão alguns a cus
pir nelle, a tapar-lhe o rosto, e adar-
Jhe punhadas, dizendo : Adivinha. E
os officiaes lhe davão bofetadas.
66 Neste meio tempo estando Pedro
em baixo no pateo , veio huma das es
cravas do Summo Pontifice :
67 E vendo a Pedro , que estava
aquentando-se , encarou nelle, e disse-
lhe: Tu tambem estavas com Jesus Na
zareno. • : .{ •.,. :•> t :
68 Mas elle o negou, dizendo: Eu
não sei , nem entendo o que tu me di
zes. E como sahisse fora onde era a en
trada do pateo , cantou o gallô.
69 E outra escrava , que tambem
ovio, disse para os que estavão presen
tes : Este he lá daquelles.
70 Negou-o Pedro segunda vez. E
dahi a pouco disserão-lhe os que alli es
tavão : Seguramente tu es daquelles,
porque es Galileo.
* --71 E Pedro começou a praguejar,
e a jurar , .dizendo : Eu não conheço
esse homem, de que vós me fallais.
E
segundo S. Marcos". Cap. XIV. 343
72 E im mediatamente cantou o gal
io a segunda vez. E então se lembrou
Pedro da palavra queJesus lhe dissera:
Antes que o gatlo cante duas vezes ,
me has de tu negar tres vezes. E co
meçou a chorar. ... ■- T

CAPITULO XV.
Jesus apresentado a Pilatos. Barrabaz pre
ferido a Jesus. He condemnado a morrer
.crucificado. Ultrajes que lhe fazem os
soldados. Caminha para o Calvario , onde
he crucificado entre dous ladroes. Repar
tem os soldados entre st osseus vestidos.
Blasfemão muitos delle. Trevas em to
da a terra. Dd Jesus hum grande brd»
do , dizendo : Eloi. Chegão-lhe d boca
huma esponja de vinagre. Dd outro gran
de brádo , e espira. José de Arimathéa
0 sepulta com decencia.

1 T Ogo em amanhecendo seajun-


JLitárão os Principes dosSacerdo-
tes com os Senadores , e Doutores da
Lei, è com todo o Conselho: e amar
rando a Tesus , o levarão , e entregarão
344 O Santo Evangelho deJ.C.
2 Pcrguntou-lhe Pilatos : Tu es o
Rei dos Jndeos ? Elle Ihe respondeo:
Tu o dizes.
3 Como os Principes dos Sacerdo-
tes davao contra elle varios capitulos;
4 Tornou Pilatos a perguntar-lhe :
Tu nao respondes cousa alguma ? Yê
de quantos crimes te accusáo.
• ? Mas Jésus (a) nao respondeo mais
palavra ; de forte que Pilatos se admirou.
6 Ora Pilatos costumava no dia da
festa soltar-lhes aquelle prezo , que el
les pediíTem.
7 Havia hum chamado Barrabaz,
prezo corn outras sediciosos , porque
erh certo motim tinha feíto huma morte.
8 Tendo pois vindo a gente dopo-
vo, começou a pedir a Pilatos, que lhe
fizelse o que sempre coítumava.
p Respondeo*! hes Pilatos , dizen»
éoi Quereis que vos solte o Rei dos
Judeos?. v \ .. . .-•.-•!•.■.."•.":
: <:;i;v-- ' i ■<■'). (Por-
, (4) Nao respondeo mais falamra. Tocante ás
accufaçôes , que lhe faziáo osrrincipes dos Sa-
cerdotes : porque sobre outras piaterias he cer
to que elle fallou militas mais vezes. Saci.
segundo S. Marcos. Cap. XV. 345-
10 (Porque elle sabia que os Prin
cipes dos Sacerdotes lho havião entre
gado por inveja. )
11 Mas os Principes dos Sacerdo
tes concita-rao o povo, a que pedisse que
lhes soltasse antes a Barrabaz.
11 Accrescenton Pilatos : Que he
logo o que quereis que faça ao Rei dos
Judeos ?
- 13 Mas elles tornarão a gritar, di
zendo: Crucifica-o. . s
14 . Replicou Pilatos : Pois que mal
fez elle ? E elles dobrando os gritos,
diziao: Crucifica-o.
15- Enj fim Pilatos por satisfazer o
povo , soltou- lhes Barrabaz ; e depois
de fazer açoutar a Jeíus, entregou-o a
ser crucificado." ... . Xi
16 Então o levarão os soldados pa
ra o pateo do Pretorio, e ajuntárão to
da a companhia.
-17 E depois de o vestírehí de pur
pura , pozerão-lhe sobre a cabeça hu
ma coroa tecida de espinhos,
iS E começarão . a saudallo , di
34<5 O Santo Evangelho de J. C.
zendo : Deos te salve , Rei dos Ju-
deos.
19 Davão-lhe com huma cana na
cabeça ; cuspião-lhe no rosto ; e dobran
do os joelhos , o adoravão.
20 Como tiverão affim mofado del
ie , despírao-lhe a purpura ; e tcndo-lhe
vestido os seus habitos , tirárão-no pa
ra fora a ser crucificado.
.21 E encontrando a hum certo ho
mem de Cyrene , por nome Simão , (b)
pai de Alexandre, e de Rufo, que hia
passando por alli vindo do campo , obri-
gárão-no a levar-lhe a Cruz.
22 Depois tendo-o conduzido até
o lugar chamado Golgotha , que quer
dizer , lugar do Calvario;
23 Derão-lhe a beber vinho (V)mis-
-v.fi.- fi.) <:ï.. tu-

(t) Pai de Alexandre , e de Rufo. Esta adver


tência do Evangelista dà lugar a crer, que Ale
xandre , eRufo eráo dous homens conhecidos
entáo em Roma, onde S. Marcos escrevia , e
talvez Christáos , que podião actestar a ver
dade do caso" Saci.
(í) Misturado com myrrba. O que S. Mat-
theus , 27. 34. disse que era vinho misturada
seôundo S. Marcos. Cap. XV. 347
tu rado com myrrha : mas elle não o
tomou.
24 E pregado que foi naCruz, di
vidirão os feus vestidos , lançando sor
tes , sobre que parte havia de levar ca
da hum. • i
25 Era quando o crucificarão {d) a
hora de Terça.
■ : 26 A causa da sua condemnação
• * » * cí^
com fel ; diz aqui S. Marcos que era vinho
com mistura de myrrha. O modo de conciliar
os dous Evangelistas, he dizer, que S. Mat-
theus no seu original não pozera senão o ge
nero , usando da palavra Roscb , que significa
geralmente amargor: e que S. Marcos exprU
mira a especie, declarando que era de myrrha,
o que o Interprete deS. Mattheus explicou por
fel. Dava-se porém esta bebida aos padecentes
para os confortar , e para lhes conciliar somno.
Calmet.
(d~) A hora de Terça. Segundo o modo de con
tar do Templo, que já explicámos no cap. 20.
de S. Mattheus. Este he o modo ordinario de
conciliar S. Marcos. com S. João, pe forte que
o fim da hora , que S. Marcos chama terceira ,
era quasi o principio da que S. Joáo chama
quafi sexta :e hum, e outro denota o espaço
de tempo , que corresponde ao nosso meio di3.
Vejáo-se Calmet neste lugar , e Tillemont ,
tom. t. pag. 470. Pereira.
348 O Santo Evangelho deJ. C,
estava escrita neste titulo : O Rei dos
Judeos.
27 Cmcisicárão tambem com elle
a dons ladrões , hum á sua direita , ou
tro á esquerda.
28 Com o que se cumprio a Escri
tura , que dizia : E elle foi mettido na
classe dos facinorosos.
29 Os que hião passando blasfèma-
vao delle , movendo as suas cabeças , e
dizendo : O lá , tu que destroes o Tem
plo de Deos , e que o reedificas em
tres dias:
30 Livra-te a ti mesmo, descendo
da Cruz.
31 Da mesma sorte mofavão os Prín
cipes dos Sacerdotes com os Doutores
da Lei , que huns para os outros di-
zião: Elle salvou a outros, enao se po
de salvar a fi.
32 Esse Chrifto Rei de Israel desça
agora da Cruz, para vermos, e crer
mos. Tambem os que havião sido cru
cificados com elle, o affrontavão de pa
lavras»
.. s .• Che-
Segundo S. Marcos. Cap. XV. 349
33 Chegada a hora de Sexta , toda
a terra ficou cuberta de trévas até a ho
ra de Noa.
34 E áhora de Noa deo Jesus hum
grande brado , dizendo : Eloi , Eloi ,
lamma sabacthani ? Que quer dizer :
Deos meu , Ueos meu , porque me des
amparaste ?
35- O que ouvindo alguns dos cir-
cumstantes , dizião : Vede que elle cha
ma por Elias.
36 E hum foi correndo a ensopar
em vinagre huma esponja; e atando-a
numa cana , dava-lha a beber , dizen
do : Deixai , vejamos se Elias vem ti
ra 11o.
37 Então Jesus dando hum grande
brado , espirou.
38 E o véo do Templo se rasgou
em duas partes de alto a baixo.
39 O Centnrião , que estava bem de
fronte, vendo queJesus espirara , dando
este brado , disse : Verdadeiramente este
homem era Filho de Deos.
40 Achavão-se tambem alli algu
mas
3p O Santo Evangelho de J. C.
mas mulheres vendo de longe , entre
ellas Maria Magdalena , e Maria mãi
de Tiago Menor , e de José , (e) e Sa
lomé;
41 As quaes estando Jesus em Ga-
liléa , o seguião , e lhe affistião com o
preciso : e aíEm muitas outras, que o
tinhão acompanhado até Jerusalem.
42 Chegada a tarde , (porque era
o dia da preparação, que vem a ser a
vigília do sabbado)
43 Veio José de Arimathéa , que
era hum homem de qualidade , (f) e Se
nador, que tambem esperava o Reino
de Deos; e foi com toda a resolução a
casa de Pilatos a pedir-lhe o corpo de
Jesus.
44 Pilatos admirado de que Jesus
mor-
(e) E Salomé. Mulher de Zebedeo , mãi de
Tiago Maior , e de João Evangelista. Os que
com o Martyrologio Romano a 12. de Outu
bro lhe chamáo Maria Salomé , são hoje im
pugnados geralmente pelos modernos Críticos.
Pereira.
(/) E Senador. O que a Vulgata diz De-
euriâo , tem o Grego Conselheiro do Synedrio.
Duhamel.
segundo S. Marcos. Cap. XV. 33:1
morresse tão depressa , chamou o Ccn*
turião, e perguntou-lhe se era já morto.
45 E sabendo do Centurião que sim ,
deo o corpo a José.
46 José que havia comprado hum
lençol, tirou-o da Cruz, e amortalhan-
do-o no lençol , depositou-o num se
pulcro aberto em rócha , e tapou com
huma pedra a boca do sepulcro.
47 Entre tanto Maria Magdalena ,
e Maria mai de José , estavão observan
do, onde elle se depositava.

CAPITULO XVI.
Vão assantas mulheres aosepulcro. Sabem
for aviso de hum Anjo ter Jesus resur-
gido. Apparece o Senhor á Magdalena :
depois a dous Dijcipulos : depois a to
dos os Apostolos juntos. Envia-os apré-
gar por todo o Mundo. Prediz os mila
gres , que hão de fazer os que crerem.
Sobe ao Ceo.

1 T) Assado o dia de sabbado ,


ST Maria Magdalena , e Ma
ria mãi de Tiago , e Salomé , com
pra-
3 f 2 O Santo Evangelho de J.C.
prárão aromas , para irem embalsamar
a Jesus.
2 E no primeiro dia da semana par
tindo muito cedo , chegarão ao sepul
cro , quando já era Sol nado.
3 Dizião ellas entre fi: Quem nos
ha de revolver a pedra da boca do se
pulcro ?
4 Mas olhando virão revolvida a
pedra , que era muito grande.
y E entrando no sepulcro , virão
assentado da parte direita hum mancebo ,
vestido de roupas brancas : do que ellas
ficarão muito atemorizadas.
6 Mas elle lhes disse : Não tenhais
pavor. Vós buscais a Jesus Nazareno,
que foi crucificado ? Elie resurgio; já
não está aqui : eis o lugar onde o de-
positárão.
7 Ide dizer a seus Discípulos , ea
Pedro, que elle vai adiante de vós es-
perar-vos em Galiléa : lá o vereis, co
mo elle vos disse.
8 Sahírao ellas logo fugindo do se
pulcro : porque as tinha assaltado o
me
segundo S. Marcos. Cap. XVI. 35-3
medo , e o pavor : e a ninguem disse-
rao cousa alguma : que tão atemoriza
das estavao !
9 Jesus tendo resiirgido de ma
nha no primeiro dia da semana , appa-
receo primeiramente a Maria Magda-
lena , da qual elle tinha expulsado sete
demonios.
10 Foi ella notjciallo aos que ha-
vião andado com elle , e que estavao
afflictos , e chorosos.
11 Mas elles ouvindo dizer , que
Jesus estava vivo , e que fora visto por
ella , não o crêrão.
12 Depois disto appareceo em ou
tra figura a dous , que hião para o
campo.
13 Forao estes dar a nova aos ou
tros: e tambem lhes não derão credito.
14 Finalmente appareceo Jesus aos
onze , a tempo que elles estavao á me-
za , e lançou-lhes em rosto a sua in
credulidade, e dureza decoração; pois
não havião dado credito aos que o vi
rão resuscitado.
Tom. I. Z E
3^4 O Santo Evangelho de J.C.
15- E disse-lhes : Ide por todo o
Mundo , prégai o Evangelho a toda a
creatura.
16 O que crer , e for baptizado,
será salvo : o que porém não crer, se"
lá ccndemnado.
17 A fé dos que crerem , será se
guida destes milagres : Lançaráó fóra
em meu Nome os demonios : fallaráõ
novas línguas :
18 Tomaráõ nas mãos as serpen
tes : e se beberem qualquer potágem
mortifera, não lhes fará mal. Porão as
mãos sobre os doentes , e ficarao cu-
xados.
19 O Senhor Jesus (a) depois de as-
fim lhes haver faltado, foi assumpto ao
Ceo, onde está assentado ámão direita
de Deos.
20 E elles tendo partido , prega
rão em toda a parte, cooperando com
elles o Senhor , e confirmando a sua
pré-
Depois de affim lhes hamer faltado. Náo
só esta vez , mas outras muitas , no espaço
de quarenta dias ? pomo declara S. Lucas nos
,Actos dos Apostolos. AjyiEVOTE, .
segundo S. Marcos. Cap. XVI. 35-5:
prégação com os milagres , que a acom-
panhavãb. (b)

S. Jeronymo na Carta a Hedibia , e


S. Gregorio de NylTa na Oração 2. daReíur-
reição, attestáo , que o que neste ultimo Ca-
Í>itulo se contém des de o Verso p. até o fim ,
áltava no seu tempo na maior parte dos Có
dices Gregos. Porem como os Padres Latinos
o tiveráo sempre todo por Canónico ; entre
elles Santo Ireneo , no Livro 3. cap. 10. San
to Ambrpsio, no Livro 2. do Espirito Santo,
cap. 1 3. e no Livro 10. sobre S, Lucas , n. 147.
Santo Agostinho , S. Prospero , S. Gregorio
JWagno, Santo Isidoro, e o Veneravel Beda:
jcom muita razão o mandou admittir como tal
O Sagrado Concilio de Trento. Pereira,

Fim do Tomo Primeiro.

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