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revista eletrônica

e-metropolis
ISSN 2177-2312

Publicação trimestral dos alunos de pós-graduação de programas


vinculados ao Observatório das Metrópoles.

A revista eletrônica e-metropolis é uma publicação trimestral que tem


como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de
trabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostas
teórico-metodológicas relacionados à dinâmica da vida urbana contem-
porânea e áreas afins.
É direcionada a alunos de pós-graduação de forma a priorizar trabalhos
que garantam o caráter multidisciplinar e que proporcionem um meio
democrático e ágil de acesso ao conhecimento, estimulando a discussão
sobre os múltiplos aspectos na vida nas grandes cidades.
A e-metropolis é editada por alunos de pós-graduação de programas vincu-
lados ao Observatório das Metrópoles e conta com a colaboração de pesqui-
sadores, estudiosos e interessados de diversas áreas que contribuam com a
discussão sobre o espaço urbano de forma cada vez mais vasta e inclusiva.
A revista é apresentada através de uma página na internet e também
disponibilizada em formato “pdf”, visando facilitar a impressão e leitura.
Uma outra possibilidade é folhear a revista.
As edições são estruturadas através de uma composição que abrange um
tema principal - tratado por um especialista convidado a abordar um tema
específico da atualidade -, artigos que podem ser de cunho científico ou
opinativo e que serão selecionados pelo nosso comitê editorial, entrevistas
com profissionais que tratem da governança urbana, bem como resenhas de
publicações que abordem os diversos aspectos do estudo das metrópoles e
Observatório das Metrópoles que possam representar material de interesse ao nosso público leitor.
Prédio da Reitoria, sala 522
Cidade Universitária – Ilha do Fundão A partir da segunda edição da revista incluímos a seção ensaio fotográfico,
21941-590 Rio de Janeiro RJ
uma tentativa de captar através de imagens a dinâmica da vida urbana.
Tel: (21) 2598-1932 Nessa mesma direção, a seção especial - incorporada na quarta edição - é
Fax: (21) 2598-1950 uma proposta de diálogo com o que acontece nas grandes cidades feita de
forma mais livre e de maneira a explorar o cotidiano nas metrópoles.
E-mail:
emetropolis@bservatoriodasmetropoles.net Os editores da revista e-metropolis acreditam que a produção acadêmica
deve circular de forma mais ampla possível e estar ao alcance do maior
Website: número de pessoas, transcendendo os muros da universidade.
www.emetropolis.net
editor-chefe
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

editores
Ana Carolina Christóvão
Carolina Zuccarelli
Eliana Kuster
Fernando Pinho
Juciano Martins Rodrigues
Marianna Olinger
Patrícia Ramos Novaes conselho editorial
Renata Brauner Ferreira Profª Drª. Ana Lúcia Rodrigues (DCS/UEM)
Samuel Thomas Jaenisch Prof Dr. Aristides Moysés (MDPT/PUC-Goiás)
Prof Dr. Carlos de Mattos (IEU/PUC-Chile)
Prof Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Claudia Ribeiro Pfeiffer (IPPUR/UFRJ)
assistente Prof Dr. Emilio Pradilla Cobos (UAM do México)
Daphne Besen Profª Drª. Fania Fridman (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Frederico Araujo (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Héléne Rivière d’Arc (IHEAL)
Prof Dr. Henri Acserald (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Hermes MagalhãesTavares (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Inaiá Maria Moreira Carvalho (UFB)
Prof Dr. João Seixas (ICS)
Prof Dr. Jorge Natal (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Jose Luis Coraggio (UNGS/Argentina)
Profª Drª. Lúcia Maria Machado Bógus (FAU/USP)
Profª Drª. Luciana Corrêa do Lago (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Luciana Teixeira Andrade (PUC-Minas)
Prof Dr. Luciano Fedozzi (IFCH/UFRGS)
Prof Dr. Luiz Antonio Machado (IUPERJ)
Prof Dr. Manuel Villaverde Cabral (ICS)
Prof Dr. Marcelo Baumann Burgos (PUC-Rio/CEDES)
Profª Drª. Márcia Leite (PPCIS/UERJ)
Profª Drª.Maria Julieta Nunes (IPPUR/UFRJ)
Profª Drª. Maria Ligia de Oliveira Barbosa (IFCS/UFRJ)
Prof Dr. Mauro Kleiman (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Robert Pechman (IPPUR/UFRJ)
Prof Dr. Robert H. Wilson (University of Texas)
Profª Drª. Rosa Moura (IPARDES)
Ms. Rosetta Mammarella (NERU/FEE)
Prof Dr. Sergio de Azevedo (LESCE/UENF)
Profª Drª. Simaia do Socorro Sales das Mercês (NAEA/UFPA)
Profª Drª Sol Garson (PPED/IE/UFRJ)
Profª Drª. Suzana Pasternak (FAU/USP)
Editorial nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 globalizado e novos padrões de lazer
e consumo, além das relações com a
reestruturação do território metropo-

E
litano da cidade de Santiago. Tudo
ncerramos o ano de 2013 imobiliários voltados para as classes permeado por um olhar crítico e aten-
com o lançamento da nossa médias e altas na região da Barra da to às implicações deste fenômeno em
15ª edição, e muito satisfei- Tijuca decorrentes das obras para os contextos urbanos marcados por uma
tos com a consolidação deste espaço Jogos Olímpicos de 2016. estrutura social desigual.
criado para aqueles que se dedicam No artigo seguinte, Paulo Roberto No último artigo deste número,
e se interessam pelo fenômeno urba- Soares problematiza a forma como intitulado A economia-mundo ca-
no, metropolitano e regional em suas vem se desenvolvendo a política de pitalista: conceitos e considerações
múltiplas possibilidades de aborda- institucionalização das regiões me- histórico-espaciais, Magda Holan
gem. Na última avaliação divulgada tropolitanas no Brasil após a Consti- Yu Chang desenvolve um exercício
pelo sistema CAPES/Qualis, a re- tuição de 1988 em seu artigo Região de reflexão teórica sobre as ruptu-
vista eletrônica e-metropolis obteve metropolitana ou aglomeração ur- ras ocorridas após a crise mundial
um bom conceito, sendo reconhecida bana? O debate no Rio Grande do deflagrada em 2008. A autora busca
em diversas áreas do conhecimento, Sul. O autor inicia sua reflexão com em Fernand Braudel, Immanuel Wal-
o que atesta a qualidade dos autores um debate conceitual sobre a metro- lerstein, Giovanni Arrighi e David
que, ao longo dos últimos anos, vêm polização enquanto processo com- Harvey possibilidades para compre-
contribuindo com a revista através de plexo (econômico, político, social, ender as lógicas de funcionamento e
seus artigos, resenhas e ensaios. Fica morfológico), destacando algumas as forças históricas que estruturam o
aqui o nosso sincero agradecimento definições acadêmicas e institucio- capitalismo mundial.
a todos os nossos colaboradores e nais desenvolvidas sobre o tema no Esta edição conta também com
leitores e o nosso desejo de que este Brasil. Em seguida, o autor os pro- o ensaio fotográfico Maravilhoso
espaço continue fomentando um rico cessos recentes de transformação de Caos, resultado do primeiro concurso
debate acerca das nossas metrópoles. duas aglomerações urbanas em novas de fotografia do Núcleo de Estudos e
Iniciamos esta edição com o ar- regiões metropolitanas no Estado do Pesquisas Audiovisuais em Geogra-
tigo de capa intitulado Forjando os Rio Grande do Sul, destacando os ris- fia do Colégio Pedro II – Campus
anéis: paisagem imobiliária pré- cos e os limites do uso político deste Realengo, tradicional instituição pú-
-Olímpica no Rio de Janeiro, em tipo de iniciativa. blica de ensino da cidade do Rio de
que Christopher Gaffney analisa cri- Em La ciudad del consumo: Janeiro fundada 1837 e reconhecida
ticamente o contexto atual da cidade reflexiones en torno a La mercan- nacionalmente pela sua qualidade. O
do Rio de Janeiro – marcado pela tilización urbana y al desarrollo ensaio teve como tema a mobilidade
consolidação do planejamento estra- de La infraestructura de retail urbana no Rio de Janeiro.
tégico enquanto matriz das políticas en Santiago de Chile - 1982-2013, Por fim, nossa sessão especial
de gestão urbana – partindo do deba- Rosa Liliana de Simone discute as conta com a colaboração dos pro-
te sobre gentrificação. As dinâmicas transformações urbanas ocorridas na fessores e pesquisadores do Obser-
imobiliárias e os grandes projetos de capital chilena ao longo das últimas vatório das Metrópoles Luiz Cesar
intervenção urbana em curso na cida- décadas, através das dinâmicas as- de Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFRJ) e
de são tomados como elementos para sociadas à implantação de Shopping Nelson Rojas de Carvalho (UFFRJ).
a caracterização de quatro diferentes Center e à evolução desta tipologia Em seu texto 2014: O que esperar
facetas deste fenômeno: a valorização comercial na cidade. São levantadas das ruas: silencio ou mobilização?,
fundiária em bairros de consolidados questões relacionadas aos processos ambos refletem sobre as manifesta-
de classe média, a implementação de de financeirização e desterritorializa- ções públicas ocorridas em diversas
grandes projetos de renovação urbana ção do capital imobiliário envolvidas cidades do país em 2013 e sobre as
na área portuária da cidade, as políti- neste tipo de empreendimento, aos suas possibilidades de desdobramen-
cas de ocupação policial em favelas, efeitos simbólicos relativos à disse- to ou continuidade.
além da expansão dos investimentos minação de um novo estilo de vida Boa leitura. ▪
editorial

Índice nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013


Capa
08 Forjando os anéis: A 32 La ciudad del consumo:
paisagem imobiliária pré- reflexiones en torno a la
Olímpica no Rio de Janeiro mercantilización urbana
Forging the Rings: Rio de y al desarrollo de la
Janeiro’s pre-Olympic real- infraestructura de retail en
estate landscape Santiago de Chile.
1982-2013.
Por Christopher Gaffney
City of consumption: Ensaio
reflections about the
commodification of urban 60 Maravilhoso Caos
Artigos space and the development Wonderful Chaos
of the retail infrastructure Por Núcleo de Estudos
25 Região Metropolitana ou in Santiago de Chile e Pesquisas Audiovisuais
Aglomeração Urbana? (1982-2003) em Geografia (NEPAG), sob
O debate no Rio
Por Rosa Liliana de Simone coordenação de Yan Navarro
Grande do Sul
Metropolitan Area or Urban
Agglomeration? The debate 38 A Economia-Mundo
in Rio Grande do Sul Capitalista: Conceitos e
Por Paulo Roberto Soares Considerações Histórico-
Espaciais
Capitalist world-economy:
concepts and historical-
spatial considerations
Por Magda Holan Yu Chang

agradecimentos Especial
57 2014: O que esperar
Agradecemos aos nossos pareceristas,
das ruas – silencio ou
abaixo mencionados, pela valiosa
mobilização?
contribuição que têm prestado à What to expect from the
seleção dos artigos publicados na streets - the silence or the
e-metropolis ao longo deste ano. mobilization? 60 ensaio
Eliana Kuster, Luciana Lago, Lúcia
Por Luiz Cesar de Queiroz
Shimbo, Felipe Addor, Paulo
Ribeiro e Nelson Rojas
Carneiro, Edson Miagusko, Thêmis
de Carvalho
Aragão, Claudete Vitte, Wendel
Henrique, Paulo Roberto Soares,
ficha técnica
Mônica de Carvalho, Ricardo Dantas,
Joisa Barroso, Luiz Cesar de Queiroz
Projeto gráfico e
Ribeiro, Robert Pechman, Juliano editoração eletrônica
Ximenes, Marcelo Ribeiro, Rosa Paula Sobrino paulasobrino@gmail.com A Ilustração de capa foi feita por
Mariana Olinger.
Moura, Olga Firkowski Revisão
e Gabriel Cid. Aline Castilho alinecastilho1@hotmail.com mariannaolinger@gmail.com
capa

Christopher Gaffney

Forjando os anéis
a paisagem imobiliária pré-Olímpica no Rio de Janeiro

Christopher Gaffney
possui mestrado em Geografia na
University of Massachusetts at
Amherst e doutorado em Geografia
na University of Texas at Austin. Tem
experiência nas área de Geografia e
Planejamento Urbano, com ênfase
em aspectos dos chamados mega-
eventos. Atualmente é professor
visitante na Escola de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal
Fluminense onde atua no programa
de Pos-Graduação.

ctgaffney@id.uff.br

Tradução: Marianna Olinger


INTRODUÇÃO como eram chamados, mantinham-se refugiados em
seus domínios socioespaciais em uma sociedade ra-
A literatura sobre gentrificação tradicionalmen- dicalmente desigual, com pouca necessidade de re-
te esteve focada em regiões centrais localizadas em vanchismo espacializado, que caracterizou algumas
grandes cidades da América do Norte e Europa com cidades nos Estados Unidos nas décadas de 1980
alguns estudos enfocando o hemisfério sul. Estes úl- e 1990 (Smith, 1996). Como Caldeira (Caldeira,
timos concentrados nas regiões do Sul e Leste da Ásia 2000)mostrou no caso de São Paulo e Ferraz (Ferraz,
(Shin, 2012) e, alguns estudosna língua inglesa, con- 2008) no caso do Rio de Janeiro, a emergência de
duzidos na América Latina (López-Morales, 2010). cidades “muradas” no Brasil reflete atitudes com rela-
Os estudos em inglês sobre dinâmicas de gentrifi- ção à mistura de classes no espaço urbano. A falta de
cação no Brasil têm focado em São Paulo (Mendes, vontade entre a classe média para entrar nas favelas2
2011), Salvador (Sampaio, 2007) e Rio de Janeiro e desenvolver a propriedade através de sweatequity3
(Mosciaro, 2010). A ausência de estudos sobre o limitou a dinamização da gentrificação.
mercado imobiliário e dinâmicas de gentrificação em Apesar das dificuldades com relação à terminolo-
cidades brasileiras impressiona, especialmente levan- gia, como forma de elucidar os processos de gentri-
do em consideração o aumento nos valores de venda ficações no Rio de Janeiro é útil compará-los a pro-
e aluguéis nas primeiras décadas do século XX em cessos similares identificados nas cidades europeias e
todo o País (Observatório das Metrópoles, 2012). norte-americanas. Na sequência, farei uma reflexão
Existe uma dificuldade em traduzir a palavra gen- sobre alguns processos gerais de gentrificação, de-
trification para além do idioma no qual o termo foi fendendo uma análise socioespacial mais profunda
criado. (Lees, 2012). A palavra em português, gentri- sobre gentrificações (Lees, 2012). Nos casos de es-
ficação, é geralmente entendida como o processo de tudo descritos a seguir, identifico os agentes e atores
mudança no estoque imobiliário, nos perfis residen- envolvidos, bem como localizo e explico as causas e
ciais e padrões culturais, de maneiras semelhantes consequências das gentrificações em distintas áreas
aquelas bem documentadas nas cidades daAmérica do Rio de Janeiro.
do Norte, Europa e América Latina (Mendes, 2011)
(Caldeira, 2000). Como nas cidades da América do
Norte e do Leste Europeu, processos de gentrificação PROCESSOS
estão inegavelmente presentes na cidade do Rio de DE GENTRIFICAÇÕES
Janeiro. O presente artigo investiga a possibilidade
de que estejam ocorrendo múltiplas formas de gen- Um consenso na literatura sobre gentrificação é que
trificação em diferentes níveis, em diferentes regiões esta envolve o deslocamento de um grupo social por
da Cidade, envolvendo diferentes atores e com dife- outro grupo em melhores condições econômicas,
rentes resultados. Tais dinâmicas imobiliárias, distin- com diferentes padrões culturais. Existe também
tas porém relacionadas, apontam para a inadequa- uma compreensão de que gentrificação compreende
ção de uma gentrificação singular. Assim, proponho uma série de processos inter-relacionados em forma-
aqui um uso do termo no plural: gentrificações. Essa ção contínua. Segundo Mendes (Mendes, 2011), a
abordagem permite análises mais complexas e sólidas gentrificação inclui:
dos processos observados em uma literatura extensa 1) Reorganização da geografia urbana com a
sobre gentrificação. substituição de um grupo por outro;
Até o anúncio de que a cidade do Rio de Janeiro 2) Reorganização espacial de indivíduos com de-
seria sede da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpi- terminados estilos de vida e características culturais;
cos, as características residenciais no nível dos bairros 3) Transformação do ambiente construído com a
eram determinadas por aluguéis relativamente está- criação de novos serviços e requalificação residencial
veis e no acesso a serviços, com diferenças significa- que pressupõe melhoramentos;
tivas baseadas na proximidade de mercados de tra- 4) Alteração de leis de zoneamento que permi-
balho, sistemas de transporte, acesso a amenidades ta um aumento no valor dos imóveis, aumento da
culturais, ambientais e talvez, mais importante, a di- densidade populacional e uma mudança no perfil
ferença entre mercados formal e informal (Cardoso
& Leal, 2010; Queiroz Ribeiro, 1996). Os gentry1, 2 Assentamentos informais que surgiram em resposta ao défi-
cit habitacional no Brasil (Osório, 2003).
3 O sweatequity é um termo usado para as reformas de casas
1 A palavra gentry significa uma classe favorecida tipicamente antigas ou degradadas que os próprios donos fazem. Em vez
associada com a aristocracia inglesa. Embora a palavra não de pegar um empréstimo do banco para contratar uma em-
seja explicitamente usada nesse sentido, o significado de um presa para reformar a casa, o dono investe com seu próprio
segmento social rico e com controle da terra continua. suor (sweat).
capa

socioeconômico. corporações nacionais, multinacionais e seus “parcei-


A substituição, reorganização, transformação ros” governamentais.5 O resultado é a homogeneiza-
e alteração são visíveis na paisagem urbana e social ção de paisagens comerciais e residenciais ao redor
através de atores diversificados, ainda que de maneira do mundo. As Docas de Edimburgo parecem com
conectada. Em alguns casos, como, por exemplo,no as Docas de Dublin, que parecem com as Docas de
desenvolvimento de Parcerias Público-Privadas, esses Puerto Madero em Buenos Aires, que parecem com
atores colaboram abertamente (ainda que não ne- a paisagem da orla residencial de Barcelona. Esse
cessariamente de maneira transparente). Em outros, processo cria familiaridades psicoespaciais6 (se não
estão incluídas respostas individuais a campanhas fantasias e moralidades) para um estreito grupo que
publicitárias de um novo condomínio, ou construto- compartilha estilos de vida e gostos (Antrop, 2004;
ras, buscando explorar um rent-gap4 (Smith, 1987). Sorkin, 1992). A gentrificação tem, de maneira geral,
Assim, um entendimento mais amplo dos padrões conotações negativas, que os que se beneficiam dela
culturais e de sociologia urbana é necessário para re- preferem ignorar. O uso de palavras mais acessíveis,
velar as conexões entre os diferentes atores envolvidos como requalificação, reinvestimento, recuperação,
(Bourdieu, 2007; Certeau, 1984; Groth & Bressi, renascimento etc., servem como mecanismos através
1997; Low & Smith, 2006). dos quais o poder é legitimado e reproduzido.
Os processos mencionados acima descrevem os A seguir examino quatro casos no Rio de Janeiro
resultados da gentrificação, mas não necessariamente que possuem algumas das características elencadas
indicam as técnicas e táticas empregadas por agentes pelos estudiosos de gentrificações citados acima. Ini-
específicos, ou as formas pelas quais esses processos cio com uma experiência pessoal em um bairro de
são enfrentados ou adaptados por aqueles que so- classe média antes de me debruçar sobre o projeto
frem os efeitos adversos da gentrificação. É impor- liderado pelo Estado na área portuária. Na sequência
tante lembrar que ao mesmo tempo que o espaço é lanço um olhar sobre a especulação imobiliária que
produto e meio da ação social (Lefebvre, 1991), é vem ocorrendo em algumas áreas de favela sob ocu-
também instrumental e um mecanismo de poder que pação militar. O estudo de caso final está focado na
simultaneamente produzuma hierarquia de lugares. região da Barra da Tijuca; esta é a região que recebe a
Portanto, o espaço é fundamental para o processo de maior fatia do investimento para o ciclo dos megae-
acumulação e de reacomodação de poder e deve ser ventos no Rio de Janeiro e demonstra características
colocado como prioridade nos estudos sobre gentrifi- de uma gentrificação new-built7 (Davidson & Lees,
cação (Mendes, 2011, 481). 2009). Na conclusão contextualizo os quatro estudos
Como um processo de recodificação do espaço, de caso na perspectiva de um panorama mais amplo
gentrificações são condicionadas por um mundo sim- do mercado imobiliário na cidade, identificando rela-
bólico altamente carregado. Além de estudos basea- ções entre processos aparentemente separados.
dos em dados do mercado imobiliário, conhecemos
gentrificação quando vemos tipologias de arquite-
tura, configurações do espaço público e mudanças FLAMENGO
no design residencial acompanhadas de novos cafés
e espaços voltados para o consumo. Padrões socio- A mais completa inserção da cidade do Rio de Janeiro
espaciais em mudança podem ser entendidos como
uma característica do neocolonialismo (Ong, 2006), 5 Um exemplo é o Departamento de Planejamento da Univer-
uma adequação espacial necessária para estimular os sidade de Columbia (de Nova Iorque) que abriu o Studio-X
fluxos globais do capital (Harvey, 1991, 2005), uma no centro do Rio de Janeiro em 2010. O Studio-X está traba-
lhando em conjunto com o governo da Cidade e o empresário
“limpeza” do espaço urbano realizada para colocar a
Eike Batista para desenvolver projetos urbanos “sustentáveis”.
cidade no mercado visando a alcançar uma audiência O Studio-X também realizou estudos na Zona Portuária com
global (Campanella, 2013; Freeman, 2012), ou um intenção de influenciar o desenvolvimento de políticas públi-
investimento capitaneado pelo governo necessário cas. Esses sistemas internacionais de transferência de conheci-
para regenerar o espaço urbano (Cravatts, 2007). Em mento têm impactos materiais nos moradores.
6 Uso o conceito psicoespacial para referia ao sentimento psi-
cidades “emergentes” do Sul Global as gentrificações cológico que o espaço gera. Quando entramos num espaço
são também sustentadas por mudanças físicas através familiar, nos sentimos mais cômodos. As formas espaciais de
de “boas práticas internacionais” em conjunto com gentrificação geram um sentimento de pertencimento que
homogeneízam a experiência do mundo. Quando existe uma
familiaridade espacial, por exemplo, em hotéis ou nas zonas
4 O rent-gap é definido pela diferença entre o valor de solo portuárias reformadas, há também associações psicológicas.
atual e seu valor potencial. Quando o rent-gap é muito alto 7 New-built gentrification significa a construção de residências
o desequilíbrio pode se manifestar em processos de gentrifi- de alto padrão em áreas centrais consideradas degradadas ou
cação. pós-industriais.

8 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


capa

nos circuitos globais do capital tem sido alcançada mitiu que se iniciassem negociações entre o CRF e a
através da adoção de estratégias de marketing efe- EBX, um hotel e uma construtora residencial. Como
tivas associadas ao empreendedorismo urbano e ao parte do acordo, a EBX se comprometeu a pagar o
planejamento estratégico (Sanchez, 2010). A chega- valor de 14 milhões de reais equivalente ao débito do
da de eventos globais como o Mundial de Futebol e Clube com o município em IPTU em troca do direi-
as Olimpíadas de Verão aceleraram e justificaram a to de transformar a propriedade em um hotel cinco
implementação de táticas e estratégias de governança estrelas (globoesporte.com, 2012). No momento em
neoliberal que aceleraram fluxos de todos os tipos: que as negociações entre o CRF e a EBX começaram,
informação, turistas, bens, ideias e capital. A efetivi- rumores sobre o futuro do edifício no longo prazo
dade dessas políticas em atrair pessoas fez da abastada passaram a circular na mídia e entre os residentes
e densamente acomodada região da Zona Sul da Ci- (Rocha, 2012).
dade8 especialmente suscetível ao aumento de preços. O edifício do Morro da Viúvaé um dos mais anti-
Situado no coração da Zona Sul do Rio de Janei- gos e menos elegantes conjuntos residenciais do Fla-
ro, o Flamengo foi um dos primeiros bairros a pas- mengo e, como consequência, tinha um dos aluguéis
sar pela verticalização nos anos 1940 e se tornou um mais baratos da vizinhança imediata (aproximada-
reduto tradicional de residentes de classe média e de mente 25 reais por metro quadrado em relação à44
pequenos comerciantes (Abreu, 1987). Flamengo é reais para o bairro em geral) e, portanto, mantinha
um bairro bem servido pelo transporte público e pró- alguma diversidade socioeconômica em uma região
ximo a amenidades culturais e centros de emprego. de altos aluguéis. Quando o CRF anunciou suas in-
Apesar de seu estoque residencial antiquado, o bairro tenções com a EBX, as pressões psicológicas e legais
permanece uma área residencial atrativa. Em meados para que seus residentes deixassem seus lares aumen-
de 2011 me mudei para um edifício amplo, de ar- taram. Nos anos que antecederam à alteração do Pla-
quitetura brutalista e uso mesclado (Edifício Hilton no Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, a empresa
Santos, conhecido coloquialmente como Morro da que administrava os bens do CRF (que ironicamente
Viúva) o qual têm uma das melhores vistas da Baía chama-se Protest) se recusou a renovar os contratos
de Guanabara. O contrato de aluguel para um apar- de aluguel do imóvel, o que resultou no congelamen-
tamento compartilhado havia expirado, porém estava to dos aluguéis dos que residiam lá. No entanto, a
sendo renovado mensalmente, e estava em nome de empresa não investiu em nenhum tipo de manuten-
uma quarta parte que eu nunca conheci9. O Clube de ção ou adequações de segurança e não utilizou o valor
Regatas do Flamengo (CRF), um dos maiores e mais pago pelos residentes pelo IPTU em sua dívida com
tradicionais clubes desportivos do Rio de Janeiro, é o município. Em resposta à situação de incerteza, os
proprietário do imóvel e subcontratava sua adminis- residentes do edifício formaram uma associação e
tração a uma empresa administradora e corretora de reuniram-se semanalmente para buscar alternativas
imóveis. legais de permanecer no local. Em diversas ocasiões
Em 2011, enquanto o governo municipal do Rio a associação realizou protestos públicos que atraíram
de Janeiro iniciou um processo de revisão do seu pla- atenção significativa na mídia.
no diretor para adaptá-lo às demandas do ciclo de Durante o ano seguinte, a Protest (presumida-
megaeventos,o presidente do CRF, também membro mente atuando em nome do CRF) permitiu que as
da Câmara de Vereadores, pressionou para que fosse condições físicas do imóvel se deteriorassem ainda
inserida uma linha nos novos regulamentos de zonea- mais. Muitos dos residentes relatam ter tido suas por-
mento que permitisse que o edifício do Morro da Vi- tas arrombadas e seus apartamentos furtados. Relatos
úva fosse convertido em um hotel. Essa medida per- nos meios de comunicação chamavam atenção para
o alto índice de desocupação do imóvel e invasões
8 A Zona Sul inclui os bairros São Conrado, Leblon, Ipanema, passaram a se tornar uma ameaça. A situação precária
Gávea, Lagoa, Jardim Botânico, Horto, Humaitá, Botafogo, (legal e judicial) pressionou residentes a sair. A Protest
Flamengo, Catete, Laranjeiras, Cosme Velho e Glória. Exis- então passou a negociar diretamente com os residen-
tem inúmeras favelas na região, mas apenas uma é reconheci- tes desconsiderando as ações coletivas iniciadas pela
da como bairro e está localizada for a do imaginário coletivo
geográfico da Zona Sul.
associação. Muitos residentes antigos do Morro da
9 Esta é uma situação típica para estrangeiros vivendo no Rio Viúva, frustrados com os níveis de incerteza, começa-
de Janeiro, já que para poder assinar um contrato formal de ram a buscar apartamentos de tamanhos semelhantes
aluguel uma pessoa deve pagar o equivalente a três meses de no bairro. No entanto, como os dados demonstram,
aluguel como deósito ou possuir um fiador. Aqueles que não
os valores haviam praticamente dobrado na região,
possuem família ou amigos próximos na cidade que já estejam
no mercado formal estão em desvantagem significativaquando fazendo com que fosse impossível encontrar alguma
buscam lugares para alugar em um mercado que é crescente- coisa semelhante. Minha situação pessoal era literal-
mente competitivo (Barchfield, 2012). mente insustentável já que meu contrato de aluguel

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 9


capa

já havia expirado e eu não tinha nenhum poder de Gamboa, Santo Cristo e as comunidades dos morros
negociação. Após vários meses de incerteza deixei o da Conceição e Providência. O projeto, estruturado
edifício e fui pra outro apartamento no Flamengo, como uma Parceria Público-Privada, antecipa a trans-
pagando o dobro do que pagava anteriormente. A as- formação no espaço urbano através de mudanças nas
sociação dos moradores havia conquistado algumas leis de zoneamento e altura das edificações, prevê
vitórias importantes, conseguindo parar o processo projetos culturais financiados pelo Estado, como
de concessão e permanecer nos apartamentos, no museus, uma completa reorganização das redes de
entanto o edifício continuou sem investimentos de transporte, a recuperação dos espaços públicos e um
melhoria ou manutenção. No final de 2012, todos os aumento dramático das unidades de imóveis residen-
residentes do prédio foram mandados embora e com cial e comercial12.
a falência dos negócios de Eike Batista o projeto não A região portuária do Rio sofreu uma diminuição
avançou. O prédio está abandonado, mas o projeto de sua população e investimentos desde que a capital
do hotel ainda aparecia com destaque no website da do Brasil deslocou-se para Brasília em 1960. Os índi-
EBX10. ces de pobreza estão acima da média da Cidade e pos-
Minha experiência pessoal demonstra que o pro- sui recordes de edifícios abandonados, anteriormen-
cesso de gentrificação pode ser vivido de maneira te utilizados pelo Governo Federal. Esse abandono,
negativa pelos que estão para ser “gentrificadores”: combinado à sua localização central, à presença de
profissionais de classe média e alta. Muitos dos re- uma população de baixa renda, uma população am-
sidentes do Morro da Viúva foram forçados a buscar bulante (muitos residentes do subúrbio dormem nas
apartamentos em áreas menos centrais da Cidade. ruas no centro durante a semana, retornando às suas
Sua possibilidade de pagar aluguéis um pouco mais casas distantes somente no fim de semana) e a percep-
altos do que a média do bairro, ao longo do tempo ção de “vazio” da Zona Portuária, atraiu atenção dos
aumenta a pressão sobre os aluguéis nessas áreas, des- interesses imobiliários e das principais empresas de
locando outros residentes. Evidências empíricas su- construção civil do País (Gusmão de Oliveira, 2012).
gerem que as pressões nos bairros de classe média no Esse modelo de reocupação, financiado pelo Estado e
Rio de Janeiro estão forçando famílias a sair da Zona liderado por interesses privados foi, previsivelmente,
Sul em direção a áreas menos centrais como Tijuca, baseado nas “histórias globais de sucesso”, como adas
Grajaú, São Cristovão e Méier. Locadores, à exceção Docas de Londres, do Porto do Sul de Manhattan,
daqueles nas faixas de renda mais elevadas, estão em Puerto Madero em Buenos Aires e na renovação do
situação particularmente precária. No entanto, mes- Porto de Barcelona 1992 (Andreatta, 2010).
mo para os proprietários de apartamentos de classe Os objetivos do Porto Maravilha podem ser iden-
média, o aumento do IPTU agendado para entrar em tificados com tipos e processos clássicos de gentrifi-
vigor em 2013, irá aumentar a pressão sobre o orça- cação. A saber13: (Porto Maravilha Rio de Janeiro,
mento familiar. O aumento nos aluguéis de imóveis 2009)
residenciais tem sido acompanhado de aumento nos “O Porto Maravilha é uma oportunidade única
comerciais, aumentando o custo de vida na Cidade para construtoras e investimentos como:
como um todo, fazendo do Rio de Janeiro uma das
• Prédios Residenciais
cidades mais caras do mundo11. O exemplo do Mor- • Hotéis
ro da Viúva é representativo dos processos que estão • Edifícios de Alto Nível [sic]
acontecendo nas regiões de classe média da Zona Sul. • Investimentos em entretenimento e turismo
• Sedes de empresas, especialmente telefônicas, fi-
nanceiras e de petróleo
A ZONA PORTUÁRIA E O PORTO • Investimentos e construções Retrofit
MARAVILHA: A GENTRIFICAÇÃO • Investimento e construções voltadas para novas
tecnologias em serviços públicos
LIDERADA PELO ESTADO
O projeto do Porto Maravilha abrange cinco milhões
12 http://www.portomaravilha.com.br/ Infelizmente não
de metros quadrados no centro dos bairros Saúde, existem dados disponíveis sobre os valores dos imóveis na re-
gião utilizando as mesmas ferramentas de pesquisas utilizadas
para os outros bairros. O alto percentual de assentamentos
10 http://www.ebx.com.br/pt-br/Atualidades/Paginas/Noti- informais e a falta de investimento no setor imobiliário antes
ciaDetalhes.aspx?IdNoticia=35 (Acessado em 10 de maio de do início do projeto do Porto Maravilha criou uma brecha
2013). com relação a esse tipo de informação.
11 De acordo com Lourenço da Silva (2013) o Rio de Janeiro 13 Informação retirada do link http://portomaravilha.com.
é o terceiro mais caro mercado imobiliário do mundo. br/web/sup/OperUrbanaApresent.aspx

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Espera-se que após essas intervenções e investimen- (Gusmão de Oliveira, 2011).


tos, um novo ciclo, agora virtuoso, terá lugar nessa Além de iniciar o maior projeto de privatização
área, trazendo-a para o desenvolvimento dinâmico urbana das Américas, o projeto Porto Maravilha está
da cidade e resultando em:
gentrificando a região. Atualmente estão em proces-
• Incremento expressivo da população residencial so de construção dois grandes museus, dois teleféri-
(dos atuais 22.000 para até 100.000 nos próximos cos, estacionamentos, a nova sede da Polícia Federal,
10 anos)
um novo edifício do Banco do Brasil, um sistema de
• Melhoria nas condições socioeconomicas da
região transporte elétrico sobre trilhos que circulará ape-
• Criação de oportunidades de emprego nas no Porto Maravilha, e vários escritórios e pro-
e negócios jetos residenciais (incluindo o complexo das Torres
• Infraestrutura completamente nova Trump). O processo contínuo de reformulação da
• Meio ambiente urbano sustentável Zona Portuária, de enorme importância histórica e
Em resumo, o Porto Maravilha é uma nova expe- arquitetônica, segue a tendência global na direção
riência em gestão urbana que irá criar um centro de promover uma transfiguração de áreas de classe
vivo, dinâmico e sustentável. Esperamos que esse trabalhadora em espaços de consumo global (Bar-
processo influencie toda a região e a cidade a mo- bassa, 2012; Broudehoux, 2007). As dezenas de na-
ver-se na direção desse modelo melhor de ambiente vios de cruzeiro que visitam o Rio de Janeiro a cada
urbano14.”
ano desembarcam na Zona Portuária. Os discursos
Essa “nova experiência” irá afetar as 32.000 pes- arquitetônicos e espaciais por trás do projeto estão
soas que moram atualmente na área e fará uma con- direcionados aos turistas internacionais, interesses
cessão publica para a administração da infraestrutura coorporativos e estilos de vida da classe média alta. A
e provisão de serviços na região até 2035 (Instituto contratação de arquitetos europeus para projetar es-
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2011). No Porto ses espaços e lugares se encaixa em um contexto social
Maravilha, empresas privadas de construção irão rea- mais amplo, que olha para a Europa e para os Estados
lizar uma reconfiguração espacial de cinco milhões de Unidos como modelos de desenvolvimento social e
metros quadrados em parcelas de terra em localização urbano (Abreu, 1987; Rodrigues & Castro, 1993).
central. A área será administrada pela iniciativa pri- Observando a partir de outra perspectiva, o pro-
vada. Enquanto esses processos estão ainda em fase jeto do Porto Maravilha pode ser considerado uma
inicial, uma vez que o projeto do Porto Maravilha tentativa ambiciosa de “revitalizar” uma área da Ci-
tiver sido iniciado, o acesso a serviços irá ocorrer atra- dade que foi negligenciada durante muitos anos por
vés de mecanismos do mercado, enquanto as novas sucessivas administrações públicas. O governo da
torres residenciais e distritos de consumo irão criar Cidade reconhece que essa área necessita de investi-
territórios globalizados de consumo em bairros his- mento direto e está experimentando um modelo de
toricamente pobres, porém com ricas tradições cul- governança urbana que poderia, em teoria, ser esten-
turais. dido a outras partes da Cidade. O risco financeiro,
Um decreto do prefeito de 2010 gerou um pro- no entanto, é totalmente público e tem mostrado
cesso de licitação pelo Porto Maravilha, no entanto grandes impactos negativos à população existente na
o projeto tem suas origens em uma proposta apre- área, especialmente aqueles em regiões de favela (Fre-
sentada pelas empresas OAS e Odebrecht em 200915. eman, 2012). Os parâmetros de sucesso definidos
Os parâmetros adotados para a licitação foram exa- pela parceria público-privada se baseiam no grau de
tamente aqueles apresentados pelo consórcio criado gentrificação obtido (e o aumento expressivo em sua
por essas duas empresas (Consórcio Porto Novo). Os produção econômica), não no uso do dinheiro públi-
parâmetros geográficos do Porto Maravilha coinci- co para melhorar as condições de vida dos residentes
dem exatamente com outro decreto do prefeito que atuais com diálogo ou investimento.
estabelece uma Zona de Especial Interesse Social Como Marcuse (Marcuse, 1985) identificou em
(ZEIS), fato que abre espaço para aplicação de finan- relação às constantes mudanças dos bairros da cidade
ciamentos públicos especiais para a região. Previsivel- de Nova Iorque, processos de gentrificação em um
mente, o Consórcio Porto Novo ganhou a licitação bairro estão ligados com processos de declínio em
outros. Todos os estudos de gentrificação, mesmo
aqueles que identificam seus “aspectos positivos”,
14 http://www.portomaravilha.com.br/web/esq/summary. tem em seu centro questões de deslocamento resi-
aspx accessed 18/10/2011. A tradução precária do Português
para o Inglês é típica de websites oficiais no Brasil.
dencial e mudança de padrões culturais. O uso de
15 http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/legisla- termos como renovação, requalificação, recuperação,
cao/2010/06/leifederal01.pdf e outros, escondem a real-politick da economia polí-

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tica urbana na qual servidores públicos entram em no Haiti, liderada pelo Brasil16.O projeto é coorde-
acordo com firmas de construção civil e complexos nado pela Polícia Militar (PMERJ) e financiado pelo
imobiliários para transformar bens públicos em lucro Governo do Estado do Rio de Janeiro. Uma unidade
privado. Políticas de gentrificação viajaram o mun- de UPP é essencialmente um posto militar em uma
do “surfando” nas ondas neoliberais que “quebram” favela. A PMERJ anuncia a ocupação de uma favela
em contextos locais com a chegada de megaeventos nas semanas que antecedem a “pacificação”, gerando
especulativos e no aumento da mobilidade das elites grande atenção dos meios de comunicação e assim
políticas (Horne & Whannel, 2012; Lees, 2012). dando tempo para que os grupos do tráfico de drogas
Argumentos de que o “rezoneamento e a requali- saiam do local (Gaffney, 2012).
ficação” do espaço urbano irão alterar o caráter social A lógica espacial e social por trás do programa
da Zona Portuária sem atender às demandas dos re- das UPPs é razoavelmente clara: o Estado precisa
sidentes atuais (não existem escolas públicas no lo- intervir militarmente em áreas específicas da cidade
cal, por exemplo) são combatidos com discursos de para estabelecer o controle sobre o espaço urbano em
“transformação” no sentido de “redesenvolver a área preparação para os megaeventos do Rio. A diretiva
portuária aumentando a atratividade do centro da para “proteger o PIB do Rio de Janeiro” tem sido ex-
Cidade como um todo e aumentar a competitividade plícita tanto na localização como no funcionamento
do Rio em relação a sua posição na economia global” do projeto das UPPs (Associação de Correspondentes
(Porto Maravilha Rio de Janeiro, 2009). A localiza- Internacionais, 2010). Enquanto as UPPs têm tido
ção central, o acesso fácil às linhas de transporte exis- importante impacto na redução dos homicídios, elas
tentes, a quantidade de prédios públicos que caíram também abriram novos mercados para o comércio e
em desuso, a existência de uma população de baixa a especulação imobiliária. As UPPs consolidaram a
renda relativamente atomizada, e a economia simbó- racionalidade do mercado formal nas favelas através
lica da área portuária combinadas, fazem da região de programas de titulação provisória, da securitização
um espaço especialmente atrativo para esse tipo de do espaço urbano, e promoveram a biopolítica17 que
projeto de renovação urbana. O Porto Maravilha é conecta os Direitos Humanos à agência econômica
um excelente exemplo de um projeto de gentrificação (Freeman, 2012, p.14).
promovido pelo Estado que cria espaços de exceção Uma das consequências históricas da cessão do
onde “atividades de governo são apresentadas como controle das favelas a grupos armados do tráfico de
problemas não políticos e não-ideológicos que preci- drogas foi a de que os preços da propriedade no Rio
sam de soluções técnicas” (Ong 2006, 3). de Janeiro foram reprimidos com um potencial para
o aumento do valor imobiliário contido – não existia
uma disparidade de aluguéis efetiva. Nas favelas, que
FAVELAS OCUPADAS sofreram de uma falta de investimento quase total em
NO ANEL OLÍMPICO infraestrutura física e social, os aluguéis ficaram ainda
mais reprimidos. A implementação das UPPs liber-
Como muitas cidades do Sul Global, a paisagem re- tou múltiplas forças do mercado, gerando uma dis-
sidencial do Rio de Janeiro é caracterizada por uma paridade nos aluguéis da noite para o dia não somen-
dualidade entre mercados de habitação formal e in- te nas favelas, mas no “asfalto” no entorno delas18,
formal (Davis, 2006). A ineficiência dos sistemas de que já estava sofrendo uma inflação significativa por
transporte público e as múltiplas barreiras a entrada conta da bolha olímpica19. Essa “libertação de valor”
no mercado formal criaram uma cidade na qual mais amadureceu de forma díspar na Cidade afetando de
de um em cada cinco dos seis milhões de habitantes
vivem em favelas (Gaffney & Melo, 2010; Kassens-
16 http://coletivodar.org/2011/01/modelo-de-upp-do-rio-
-Noor & Gaffney, 2013; Menasce, 2012; Ortiz, -falha-em-medellin/
2012). Uma das características particulares do Rio é 17 Biopolítica: uma série de controles regulatórios com o ob-
que as favelas da Zona Sul ocupam o que normal- jetivo de extrair força vital, se apoia no conhecimento do mer-
mente seriam os territórios mais valorizados: os ver- cado e em cálculos para uma política de subjulgação e fazer
do sujeito um objeto que coloca em cheque continuamente a
dejantes morros com vista para o mar.
existência de seres humanos modernos (Ong 2006, 13).
Começando em 2008, o governo do Estado do 18 No Rio, existe uma distinção entre os regimes de residência
Rio de Janeiro iniciou um programa de ocupação formal e informal que é normalmente denominado asfalto e
estratégica das favelas com as Unidades de Polícia morro. Para compreender as origens históricas dessa dicotomia
Pacificadora (UPPs). As UPPs no Rio de Janeiro fo- ver (Fischer, 2011; Perlman, 1980).
19 Tipicamente as cidades olímpicas passam por uma onda
ram desenvolvidas de maneira similar a um progra- de especulação imobiliária. A atenção midiática junto a uma
ma instalado em Medellín, na Colômbia, em 2002 demanda estimulada pelo evento faz com que os valores dos
e também inspirado na ocupação das Nações Unidas imóveis sejam desligados do contexto local.

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maneira adversa aqueles que não estavam em condi- A presença do Estado via UPPs mexeu dramatica-
ções de explorar a “explosão”. mente com a vida nas favelas com resultados incertos
Junto com o aumento nos valores dos imóveis, no longo prazo. Pelo lado positivo está o rompimento
as UPPs abriram novos territórios para negócios. Por de uma indiferença histórica e impasse tático por par-
exemplo, a companhia de eletricidade Light (uma te do Estado (Fischer, 2011; Osório, 2003; Perlman,
companhia do Estado privatizada) ofereceu aos resi- 1980). No lado negativo, o espectro de especulação
dentes do Complexo do Alemão, após a ocupação, imobiliária, a remoção forçada pelos projetos de in-
geladeiras de graça caso eles regularizassem suas li- fraestrutura liderados pelo Estado, e outros processos
gações elétricas. A Sky TV acompanhou a ocupação de deslocamento residencial. Existem claros proces-
do Morro da Formiga no centro do Rio, estabelecen- sos de alteração, transformação e reorganização es-
do um “posto avançado” de vendas de TV a cabo no pacial em curso, mas ainda não vemos substituição
mesmo dia da ocupação militar20. residencial em larga escala. Independentemente,
Apesar de não subsidiado por dados econômicos, existe evidência suficiente para sugerir que as UPPs
evidencias obtidas através de observação empírica, iniciaram processos de gentrificação (“Valor do alu-
entrevistas e reportagens de jornais, sugerem que as guel imobiliário aumenta”, 2011). Esses processos
UPPs têm atraído uma nova onde de “ocupantes” nas são complexificados pela necessidade real de melho-
favelas da Zona Sul (Magalhães, Bastos, & Santos, ras materiais, sociais e simbólicos nas favelas. Se essas
2011; O Globo, 2010; Watts, 2013). Nas favelas do melhoras vêm sem a implementação de controles de
Vidigal, Rocinha e Cantagalo, o fluxo de estrangei- aluguéis, as pressões da gentrificação terão manifesta-
ros tem sido particularmente notado. Desde 2010, a ções mais imediatas.
Gráfico 1: Preços
abertura de hostels para mochileiros, tours de aven- para venda
tura e casas noturnas tem sido acompanhados de au- residencial por
mentos nos aluguéis de casa e apartamentos mirando BARRA DE TIJUCA: UMA metro quadrado
em bairros
estrangeiros. Parte do impulso para esse movimento é PAISAGEM GENTRIFICADA selecionados na
cidade do Rio de
que o aumento dos aluguéis no mercado formal tem Janeiro. Dados
colocado os aluguéis de curto prazo na Zona Sul fora Bairro localizado na Zona Oeste da cidade, a Barra do site www.zap.
do alcance para todos, a exceção dos viajantes mais da Tijuca vem sofrendo rápido crescimento devido à com.br/imoveis.
Na tabela acima,
abastados e residentes estrangeiros temporários. Para confluência de interesses políticos e econômicos do AP relaciona-
ambos, brasileiros e estrangeiros chegando no Rio, os mercado imobiliário, a projetos de infraestrutura re- se a uma área
administrativa
mercados informais das favelas são mais acessíveis e lacionados aos megaeventos (Mascarenhas, Bienens- da cidade: AP 1
menos burocráticos. As dificuldades logísticas e am- tein, & Sánchez, 2011) e à expansão em direção a (Centro); AP 2
bientais são compensadas pelas vistas, o sentido de essa área por conta das pressões geográficas e econô- (Zona Sul); AP
3 (Zona Norte);
“aventura” e, para alguns – pela inclusão provisória micas das Zonas Sul e Centro. As tabelas abaixo mos- AP 4 (Barra da
em uma comunidade. O poder de compra dos grin- tram que a região da Barra de Tijuca (AP 4) absor- Tijuca); AP 5
(Zona Oeste).
gos, apesar de suas intenções, per-
petua desigualdades estruturais da
economia global incentivando a
exploração localizada da dispari-
dade dos aluguéis e introduz di-
ferentes estilos de vida e normas
culturais onde elas não são neces-
sariamente bem vindas. Enquan-
to esses processos estão ainda em
suas fases iniciais e os dados sobre
aluguéis no setor formal são difí-
ceis de encontrar, existem dúvidas
em relação a aplicabilidade do ter-
mo gentrificação ao que está ocor-
rendo nas favelas.

20 Secretaria de Estado de Segurança


Pública do Rio de Janeiro (UPP). Upp
social e skytv lançam pacotes para co-
munidades pacificadas. http://www.
uppsocial.com.br/upp-social-sky-tv.

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Foto 1: Canal do
Anil. Ao fundo,à
esquerda, está
o complexo
condominial. Os
prédios baixos
são o que resta
da comunidade
do Canal do Anil
que continua
ao longo do
canal por muitas
centenas de
metros. À direita
a estrada que
passa ao redor da
Vila do Pan. Foto
do autor.

veu a maioria dos novos projetos de construção nos vendida no mercado após a realização do jogos. O
últimos anos em relação às construções em metros local onde foi construída a Vila do Pan estava próxi-
quadrados residenciais novas. Um dos efeitos dessa mo ao Canal da Favela do Anil. Nos meses que an-
expansão está refletido no Gráfico 1, que mostra a tecederam os jogos, os moradores do Canal do Anil
Barra da Tijuca com a maior taxa de crescimento sofreram intensa pressão do governo e a maior par-
dentre as áreas investigadas. te da comunidade foi destruída. De acordo com o
A Barra de Tijuca tem características distintas Subprocurador-Geral de Justiça do estado do Rio de
de outras regiões do Rio de Janeiro por ser ocupada Janeiro, “as ações do governo foram covardes... eles
predominantemente por complexos condominiais de disseram que não aconteceria uma remoção forçada
edifícios altos, shopping centers e alguns centros co- e mesmo assim foram lá e fizeram” (Salles, 2007).
merciais que são conectados por um amplo sistema O processo de remoção nunca foi totalmente reali-
rodoviário. Por conta de sua dependência de carros e zado, mas centenas de famílias foram forçosamente
de seus ambientes cercados de segurança próximos à removidas de suas casas.Após a realização dos Jogos
quilômetros de praias, a Barra de Tijuca é jocosamen- do Pan, os apartamentos da Vila foram colocados no
te referida como a Miami carioca.Previsivelmente, os mercado e vendidos rapidamente. No entanto, devi-
congestionamentos no trânsito e a degradação am- do à construção inadequada e ao relativo isolamento
biental de seus mangues são problemas importantes do assentamento, a ampla maioria dos apartamentos
e o limitado transporte público conecta pontos isola- foi revendida às custas de perdas ou nunca ocupadas
dos em uma paisagem vasta. As opções de mobilida- pelos seus proprietários.
de são um determinante importante da possibilidade Remoções forçadas na Barra da Tijuca voltaram
residencial e isso limita o espectro das classes econô- ao foco dois meses após o anúncio da realização dos
micas que podem ingressar no mercado imobiliário Jogos Olímpicos na Cidade em 2016 quando a Pre-
formal da Barra da Tijuca. Como um contrapeso aos feitura publicou uma lista de 119 favelas a serem re-
obstáculos econômicos e espaciais, a ocupação da movidas até o final de 2012 (Brito, 2010). Nenhum
Barra da Tijuca com condomínios e shopping centers plano de reassentamento havia sido discutido com os
incentivou o crescimento das favelas da região já que moradores dessas áreas e nenhum processo de nego-
os pobres buscavam moradia próxima a centros de ciação iniciado, no entanto o governo anunciava o
emprego. valor de R$1.04 por metro quadrado de terra e ne-
As paisagens social e física da Barra da Tijuca nhum tipo de compensação pela área construída das
foram fortemente influenciadas pela “gentrificação habitações. O valor médio de mercado em janeiro de
de novas construções” (new build gentrification) 2008 era de R$3.702 e havia subido para R$8.445
(Davidson & Lees, 2009) mas também por projetos em janeiro de 2013 (zap.com.br, 2013).
de desenvolvimento promovidos pelo Estado e pe- A luta dos moradores e dos movimentos sociais
las remoções forçadas de residentes de baixa renda. contra a Prefeitura e os agentes da especulação imo-
Um dos empreendimentos significativos liderados biliária no Rio de Janeiro chamou atenção interna-
pelo Estado foi realizado em 2007 para a realização cional com a chegada dos Jogos Olímpicos (Romero,
dos Jogos Pan Americanos. O município financiou a 2012). Uma das batalhas mais simbólicas em curso
construção da Vila dos Atletas (Vila do Pan) que foi é sobre o local onde será construído o futuro Parque

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Olímpico. Essa peça triangular de terra é onde está governo municipal em 201222. Esse projeto, desen-
localizada a Vila Autódromo, um assentamento fun- volvido em conjunto com arquitetos, planejadores
dado por pescadores na década de 1960 que desde urbanos, engenheiros, geógrafos, e outros profissio-
então cresceu tornando-se um assentamento ribeiri- nais, é um modelo inovador que buscou incluir to-
nho de aproximadamente quatro mil pessoas. A Vila dos os moradores no desenho e nas decisões durante
Autódromo está sob ameaça de remoção há bastante vários meses. O plano busca se antecipar aos proces-
tempo, mas como a maior parte dos moradores tem sos de gentrificação antes que eles aconteçam, mini-
a titulação legal de suas propriedades, a associação de mizandoas pressões econômicas do desenvolvimento
moradores construiu uma resistência legal e política regional enquanto mantém o centro tradicional da
que contiveram as tentativas da Prefeitura de limpar comunidade.
o local. Enquanto a batalha pela Vila Autódromo ganha
Como um exemplo de uma gentrificação de no- tensão e visibilidade, outras favelas na região já foram
vas construções (new-build gentrification) liderada extintas para dar espaço aos projetos de transporte
pelo Estado, o projeto do Parque Olímpico do Rio de associados às Olimpíadas. A instalação de uma série
Janeiro para 2016 merece mais atenção do que tem de linhas de BRTs (Bus Rapid Transit) para a Zona
recebido até o momento. A AECOM, uma multina- Olímpica da Barra forçou a remoção de centenas
cional baseada em Londres que foi também responsá- de famílias que estavam em seu trajeto. Muitas das
vel pela construção do Parque Olímpico de Londres edificações que eram lares hoje são lotes vazios que Foto 2: Vista da
2012, venceu a competição internacional para reali- servem para o armazenamento de material de cons- Barra da Tijuca,
zar o projeto no Rio. As figuras 3 e 4 revelam o plano trução. Enquanto novas linhas de ônibus trouxeram olhando para o
leste, em direção
diretor para a região em detalhe. Os parâmetros do ao local onde
projeto demandam que 60% do Parque Olímpico antes estava
22 Ainda que fora do escopo imediato desse artigo, a Vila Au- localizado o
seja destinado a especulação imobiliária e que 40% Canal do Anil, da
tódromo apresentou ao Governo Municipal um plano alter-
seja destinado ao “legado olímpico”21. Ainda que a janela de um dos
nativo de urbanização em 16 de agosto de 2012. O conteúdo apartamentos da
Vila Autódromo tecnicamente esteja fora dos limites está disponível em: http://comitepopulario.files.wordpress. Vila do Pan. Foto
geográficos do escopo do projeto, a proposta vence- com/2012/08/planopopularvilaautodromo.pdf do autor.
dora da AECOM a incluiu como parte de seu projeto
urbano. Atualmente mantém-se o conflito entre co-
munidade em relação a posição do Comitê Organiza-
dor da Rio 2016 de que a Vila Autódromo “deve ser
removida para abrir espaço para uma linha de trans-
porte que fará a conexão do Parque Olímpico à Vila
dos Atletas.” (Nuzman, 2011). A Vila dos Atletas de
2016 é um empreendimento imobiliário de enormes
proporções em si mesmo, constituído de 31 torres
residenciais de 17 andares que abrigará quinze mil
atletas durante os jogos, antes de serem vendida no
mercado como condomínios. A construção de uma
estradaentre esses dois empreendimentos irá contri-
buir para os já bastante estabelecidos assentamentos
residenciais e padrões de mobilidade da região.
Independentemente de que tipo de projeto de
urbanização avance nos futuros locais Olímpicos,
as pressões de gentrificação na Barra da Tijuca são
influenciadas por um número de vetores comuns.
Os residentes da Vila Autódromo têm tido sucesso
em resistir a essas pressões através do uso perspicaz
da mídia e de sua busca por modelos alternativos de
desenvolvimento urbano. A comunidade apresentou
um projeto de urbanização alternativo para a área ao

21 http://concursoparqueolimpicorio2016.iabrj.org.br/docu-
mentos/pqo-bases/02-pqo-ANNEXII-briefing.pdf

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 15


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Foto 3: O projeto do Parque Olímpico de 2016. Percebe-se a


permanência da Vila Autódromo na parte superior esquerda do
mapa do projeto vencedor.

Foto 4: “O modo Legado”. 60% da região será destinada a especulação do mercado imobiliário.
Percebe-se a integração progressiva da Vila Autódromo no plano de urbanização. Apesar dessa
proposta, o governo municipal e a Rio 2016 insistem que a comunidade seja removida.

16 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


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alguma melhora para a rede de mobilidade da re-


gião, a expansão e a ampliação do sistema rodo-
viário indica o processo futuro de gentrificação
da paisagem.

CONCLUSÕES
Gentrificação é uma expressão das relações de
poder localizada com repercussões globais, inter-
nacionais, nacionais e translocais. Algumas vezes
é fácil perceber as manifestações físicas das gen-
trificações quando elas ocorrem. Menos visíveis
são as dificuldades das pessoas para permanecer
onde elas estão ou o trauma psicológico da in-
segurança da propriedade residencial. Essa pes-
quisa mostrou como essas várias gentrificações
acontecem simultaneamente no Rio de Janeiro.
O primeiro estudo de caso mostrou como a Foto 5: Ex-Recreio II. Recreio II foi removido para dar passagem a
expansão da rodovia que liga a Barra da Tijuca a Santa Cruz. Após
gentrificação não somente afeta os “pobres” na 230 famílias terem saído da área após ameaças, pouco mais de uma
cidade mas também como a classe média vem sendo dúzia permaneceu, já que tinha direito legal. Como o governo já
pressionada a sair de seus bairros tradicionais à me- havia destruído a comunidade, essas famílias não permaneceram por
muito tempo. Ao fundo se vê um bloco de condomínios que aparece
dida que os custos básicos disparam. As dinâmicas ao final da rua. Foto da Nelma Gusmão de Oliveira. Para assistir a um
em todo o Brasil têm sido bastante consistentes, no vídeo sobre os moradores que resistiram por mais tempo ver: http://
youtu.be/FNWclXqyezc. Para exemplo de como conflitos ao redor de
entanto os aluguéis no Rio de Janeiro são muito mais habitação e Direitos Humanos podem ser tratados em um ambiente
elevados. Os proprietários também se encontram despolitizado ver: http://www.youtube.com/watch?v=718Vespn6Y0
em uma situação difícil: eles podem vender e se be-
neficiar dos valores altos praticados no mercado ou mal (asfalto) e informal (morro) no Brasil nos per-
permanecer e arcar com IPTUs mais altos. Se esco- mitem fazer uma distinção útil entre pressões de
lherem a primeira opção podem não conseguir com- gentrificação. Favelas não são geograficamente, so-
prar outro imóvel na mesma região já que os preços ciologicamente ou economicamente homogêneas.
aumentaram muito em toda Cidade. Distinções sociais e de classe moldam relações eco-
A área portuária está vivendo uma gentrificação nômicas e semiautônomas (Arias, 2006). À medida
promovida pelo Estado. A privatização da paisagem que as consequências do boom imobiliário do Rio de
portuária financiada com recursos públicos resultará Janeiro ficam mais claras, poderemos identificar com
em novas formas de governança urbana que irão, se maior precisão os vencedores e perdedores do que
o projeto for executado, gerir uma população dife- se tornou o Jogo Olímpico. Para compreender esse
rente, mais ampla e de maior poder aquisitivo. Isso contexto, seria importante ficar atento a questão co-
acontece em conjunto com a ocupação militar de locada por Slater (Slater, 2010)de que a desigualdade
algumas favelas. A UPP na região portuária abriu a de classe esteja na dianteira de qualquer consideração
possibilidade para o estado iniciar grandes projetos feita sobre gentrificação. Desenvolver uma aborda-
de transporte que também deslocaram residentes e gem mais sensível às relações de classe baseadas na
diminuíram a população tradicional. complexa geografia social e espacial do Rio de Janeiro
Na região da Barra da Tijuca, o desenvolvimento é essencial para futuras pesquisas.
relacionado às Olimpíadas capitaneado pelo Estado A maior parte das descrições de gentrificação li-
e a disponibilidade de terras para a especulação imo- mita seu escopo aos centros urbanos. No entanto, se
biliária subsidiaram a paisagem para a gentrificação. seguirmos as definições de Marcuse, podemos perce-
Esse subsídio inclui a expansão do sistema rodoviário ber que processos e formas de gentrificação também
e o financiamento de conjuntos residenciais de larga acontecem em áreas periféricas ou suburbanas. No
escala nos futuros locais Olímpicos. Nesse processo Rio de Janeiro, as remoções forçadas de comunida-
ocorrerá um conjunto de remoções brutais de resi- des para dar espaço ao “embelezamento urbano” ou
dentes de baixa renda para abrir espaço para esses a projetos de transporte “necessários” têm uma longa
projetos, ainda que algumas poucas comunidades te- e trágica história (Meade, 1997; Pacheco & Monica
nham conseguido resistir de maneira eficaz. Sampaio Machado, 2012). A Era Olímpica está ven-
As diferenças entre os mercados residenciais for- do o ressurgimento desse tipo de intervenção com

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 17


capa

vigor renovado (Gaffney, 2010). De fato, as gentri- Arias, E. D. (2006). Drugs and Democracy in Rio de
ficações do Rio incluem todos os elementos identi- Janeiro: Trafficking, Social Networks, and Public
ficados nos estudos tradicionais sobre gentrificação Security. The University of North Carolina Press.
e adicionam novas formas ainda não consolidadas Associação de Correspondentes Internacionais.
(Corr, 1999). (2010, junho 19). Beltrame Interview.
A gentrificação é apenas um dos elementos de Barbassa, J. (2012, março 26). Brazil’s leap forward
uma transformação mais ampla que acontece no Rio unearths a painful history. Associated Press. Re-
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mais desafiadora do que admitimos. Existem milha- feedarticle/10163182
res de histórias de remoções forçadas, intimidações, Barchfield, J. (2012, maio 30). Rio’s housing prices
ameaças, discórdias sociais, deslocamentos e “realoca- spell trouble in paradise. The Big Story. Recu-
ções” para serem contadas, deixando claro que o ciclo perado 6 de maio de 2013, de http://bigstory.
dos megaeventos está reestruturando o espaço e as ap.org/content/rios-housing-prices-spell-trouble-
relações sociais, criando paraísos de acumulação. Essa paradise
é a jogada final do neoliberalismo e a que está sendo Bourdieu, P. (2007). A distinção: crítica social do jul-
feita de forma acelerada no Rio de Janeiro. gamento [Distinction]. São Paulo: Zouk.
Assim como a natureza de soma zero do espor- Brito, Da. (2010). Prefeitura do Rio anuncia re-
te moderno, os megaeventos criam divisões severas moção de 119 favelas em área de proteção até fim
entre vencedores e perdedores. A aceleração e a am- de 2012 [Rio´s mayor announces the removal of
pliação de diversos vetores que já atuavam nos mer- 199 favelas in protected areas before the end of
cados residencial e comercial não somente reforça o 2012]. Folha de S. Paulo.
status quo, mas cria traumas profundos. No Rio de Broudehoux, A. M. (2007). Spectacular beijing: the
Janeiro, esses traumas são distribuídos de maneira de- conspicuous Construction of an olympic metrop-
sigual. Nos próximos anos, por exemplo, é provável olis. University of Quebec, Montreal.
que proprietários de imóveis de classe média baixa Caldeira, T. P. R. (2000). City of walls: crime, seg-
em favelas ocupadas pelas UPPs estarão em melhores regation, and citizenship in São Paulo. Berkeley:
condições econômicas do que locadores no mercado University of California Press.
formal na Zona Sul. No entanto, aqueles que estão Campanella, R. (2013). Gentrification and its
tentando acessar o mercado formal encontrarão inú- Discontents: notes from New Orleans. New
meras barreiras à sua entrada nesse mercado. Clara- Geography. http://www.newgeography.com/
mente, aqueles nas faixas de renda mais baixas sem- content/003526-gentrification-and-its-discon-
pre sofrerão os piores efeitos da gentrificação: táticas tents-notes-new-orleans
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20 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


artigos

Paulo Roberto Soares

Região Metropolitana ou Aglomeração Urbana?


o debate no Rio Grande do Sul
Resumo
No Brasil, após a Constituição de 1988, as regiões metropolitanas passaram a ser definidas
pelos estados da federação. Com isso perderam-se os referenciais nacionais e a categoria
foi utilizada sem base teórica ou técnica. Até 2013 o Rio Grande do Sul contava com uma
região metropolitana e três aglomerações urbanas. Essa situação foi considerada como
uma desvantagem do estado com relação às demais unidades da federação na disputa por
recursos federais. Assim, o legislativo estadual está convertendo as aglomerações urba-
nas em regiões metropolitanas. O objetivo do artigo é apresentar os principais contornos
desse debate e suas causas e consequências.Comparando as regiões metropolitanas do
Sul do país verificamos a semelhança desses espaços urbanos.Concluímos que a institucio-
nalização de regiões metropolitanas é uma estratégia de distinção dos espaços urbanos
na competição por recursos, mas que não garante a cooperação entre os atores políticos,
econômicos e sociais regionais.

Palavras-chave: Região metropolitana; Aglomeração urbana; Metropolização;


Regionalização.

Abstract
In Brazil, after the Constitution of 1988, the metropolitan regions began to be established
Paulo Roberto Soares
é mestre em geografia pela
by the federation States. With this we loss the national references and the concept had Universidade Estadual Paulista/
been implemented without theoretical or technical basis. Until 2013 Rio Grande do Sul Unesp e doutor em geografia humana
State had a single metropolitan region and three urban agglomerations. This situation pela Universidad de Barcelona,
Espanha. Atualmente é professor
was considered how a disadvantage of the State in relation of others in the competition do Departamento de Geografia e
for federal resources. Thus the legislative power of the State starts to convert urban do Programa de Pós-graduação em
agglomerations into metropolitan regions. This essay aims to presents the mains points Geografia da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
of view of this debate in its causes and consequences. Comparing the South Brazil metro-
colaborador no Programa de Programa
politan regions data we confirm the correspondence of these urban spaces. We conclude de Pós-graduação em Geografia da
that the institutionalization of metropolitan regions is a distinctive strategy of the urban Universidade Federal do Rio Grande
spaces in order to gainpublic resources, but this is not a guarantee of cooperation betwe- (FURG). Participa, como pesquisador,
do Núcleo Porto Alegre do Observatório
en political, economic and social regional actors.
das Metrópoles (INCT/CNPq).
Keywords: Metropolitan region; Urban agglomeration; Metropolization; Regionalization. paulo.soares@ufrgs.br

____________________
Artigo submetido em 31/10/2013
artigos

A
questão metropolitana brasileira é um tema Gonçalves e municípios do entorno) foi convertida
complexo e multidimensional. É um debate através de Lei Estadual em “Região Metropolitana da
nacional em aberto, secundário na agenda Serra Gaúcha”2. Posteriormente, deputados do sul do
política do país e para o qual faltam parâmetros de estado apresentaram projeto de lei transformando a
intervenção consistentes apesar de diversas tentativas “Aglomeração Urbana do Sul” em região metropoli-
de estabelecer um marco conceitual sobre o que é o tana. O projeto ainda tramita pelo legislativo gaúcho,
metropolitano no Brasil hoje1. A urbanização brasi- mas não são previstas dificuldades de aprovação3.
leira é um fenômeno complexo e multifacetado no Os contornos e desdobramentos do debate sobre
qual se destaca a diversidade das formas de concen- a criação de regiões metropolitanas no estado e suas
tração dos espaços urbanos no território: metrópoles, consequências para as políticas de ordenamento ter-
áreas metropolitanas, grandes cidades, cidades mé- ritorial e desenvolvimento regional discutiremos a se-
dias, aglomerações, com continuidade ou desconti- guir. Antes abordaremos um debate conceitual sobre
nuidade na urbanização e arranjos urbano-regionais o tema, bem como faremos uma breve referência à
são alguns exemplos (Moura, 2008). situação nacional.
Entretanto, no nível institucional, o que temos
é a banalização do conceito de região metropolitana
por parte de muitos estados da federação e a falta de A METROPOLIZAÇÃO:
reação na esfera federal com relação aos efeitos dessa PROCESSO E INSTRUMENTO
banalização na implementação de políticas de desen-
volvimento urbano, ordenamento territorial e de- A metropolização é um processo derivado da urba-
senvolvimento regional que contemplem os espaços nização, típico das sociedades do capitalismo tardio.
“realmente” metropolitanos. Trata-se de uma escala ampliada da urbanização com
As primeiras regiões metropolitanas do país fo- componentes qualitativos mais complexos. Durante
ram instituídas no início da década de 1970, no auge o período fordista (especialmente no pós-guerras) a
da ditadura militar. Essa institucionalização foi pos- concentração da economia nas metrópoles foi pro-
teriormente considerada uma “intervenção” no terri- duto e condição necessária para a alavancagem do
tório dos entes federativos (os estados). Por essa razão processo de desenvolvimento dos países industriali-
os Constituintes de 1988 “devolveram” aos estados zados. Com a reestruturação da economia capitalista
a prerrogativa de ordenar o seu território, estando, e a passagem para o regime de acumulação flexível, as
entre essas atribuições, a definição das regiões metro- grandes metrópoles continuaram a exercer seu papel
politanas. Contudo, essa abertura da Constituição de de liderança centralizando capitais e concentrando
1988 foi realizada de modo excessivo, sem a demar- as estruturas necessárias à gestão da economia agora
cação (pactuada) de critérios mínimos para a defini- mais dispersa pelo território e organizada na escala
ção e institucionalização de regiões metropolitanas o global.
que gerou diversas distorções. Ao todo o país já conta A metropolização é um processo de diferencia-
com quase sessenta regiões metropolitanas (a lista é ção espacial e pode ser um instrumento de política
alterada quase que mensalmente) e muitos estados territorial. Significa concentração de população, de
são praticamente “estados metropolitanos”, tamanha atividades econômicas, de atividades de gestão, equi-
a proporção de municípios incluídos em regiões me- pamentos culturais.
tropolitanas. Os processos contemporâneos da urbanização
O Rio Grande do Sul era um dos poucos estados permitem três caminhos de análise da metropoliza-
(assim como São Paulo) que resistia à tentação de ins- ção: (I) como difusão regional da dinâmica metro-
tituir desenfreadamente regiões metropolitanas. As- politana; (II) como mobilização de agentes políticos,
sim, conviviam no ordenamento territorial do estado econômicos e sociais regionais; (III) como conexão
a Região Metropolitana de Porto Alegre e três “aglo- dos espaços urbanos aos circuitos hegemônicos da
merações urbanas” no interior. No entanto, o ano de economia globalizada. O primeiro entende a metro-
2013 marca uma mudança de postura dos seus agen- polização como um processo de concentração das
tes políticos nessa questão. Primeiramente, a Aglo- condições para a acumulação de capital, ou a difu-
meração Urbana do Nordeste (Caxias do Sul, Bento

2 RIO GRANDE DO SUL. Lei Complementar nº 14.293,


1 O “Estatuto da Metrópole” (PL3460/04) tramita na Câ- de 29 de agosto de 2013. Cria a Região Metropolitana da Ser-
mara dos Deputados desde 2004. Entretanto não existe um ra Gaúcha.
consenso entre políticos, técnicos e acadêmicos sobre seu con- 3 RIO GRANDE DO SUL. Projeto de Lei Complementar nº
teúdo, especialmente quanto à definição de espaço metropoli- 249/2013. Cria a Região Metropolitana do Sul. Protocolado
tano. em setembro de 2013.

22 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


artigos

são da dinâmica metropolitana sobre um território contiguidade da malha urbana), bem como o critério
contíguo, a “área de metropolização” ou “em metro- demográfico, sendo que uma grande cidade só pode-
polização”. O segundo trata da constituição política ria ser considerada “metrópole” a partir do patamar
das regiões metropolitanas, o que algumas análises de um milhão de habitantes5.
chamam de “novo regionalismo”4. O terceiro, do O que caracteriza uma região metropolitana é a
ponto de vista econômico, relaciona modelos terri- complexidade das funções urbanas (indústria, comér-
torializados de desenvolvimento e o processo de me- cio, serviços, comando e gestão econômica — presen-
tropolização, analisando como os sistemas produti- ça de sedes de grandes empresas, educação e cultura,
vos regionalizados constituem aglomerações urbanas. entre outras funções) exercidas pelo espaço urbano
Dessas três linhas podemos delinear as características e, especialmente, pelo núcleo urbano que constitui
do espaço metropolizado: a contiguidade urbana das o centro metropolitano (a metrópole em si), assim
maiores densidades, a existência de diferentes polos como as fortes relações entre esse núcleo metropo-
de emprego e uma estruturação mais complexa do litano e os centros urbanos do seu entorno (deslo-
espaço (Paris, 2004). camentos para trabalho, negócios, estudo e serviços,
A regionalização, segundo Ana Clara Ribeiro relações entre empresas). Ou seja, a “difusão das ati-
(2004), é um fato e uma ferramenta. Nesse sentido, a vidades e funções no espaço e a interpenetração de
metropolização, pode ser um instrumento de desen- atividades segundo uma dinâmica independente da
volvimento territorial quando da definição de regiões contiguidade geográfica” (Castells, 1984:98).
metropolitanas para fins de planejamento das “fun- Atualmente devemos também considerar as rela-
ções públicas de uso comum”, normalmente trans- ções econômicas entre a região metropolitana e ou-
porte coletivo, destinação de resíduos sólidos, sane- tros espaços urbanos da rede urbana nacional (como
amento básico e, em alguns casos, política urbana e por exemplo, as relações com São Paulo, Rio de Ja-
habitacional. A metropolização como instrumento neiro e Brasília). Na atual fase da economia globali-
político é capaz inclusive de “forjar a região metro- zada também é importante considerar as conexões da
politana” uma vez que sua delimitação, anterior a um metrópole e da região metropolitana com a econo-
processo efetivo de metropolização, pode induzir aos mia internacional(presença de empresas multinacio-
atores políticos, econômicos e sociais regionais que nais, fluxos de exportações). Cabe ainda considerar
atuam de forma fragmentada a pensarem sua ação a as “condições gerais de produção” proporcionadas
partir de uma nova escala territorial. pelos espaços metropolitanos que se estendem “in-
Portanto, é importante distinguir a metropoliza- corporando novas áreas à lógica metropolitana”,
ção (o processo), a metrópole (a forma socioespacial configurando o fenômeno já bastante reconhecido
da concentração das funções, atividades e pessoas no e estudado como de “desconcentração metropolita-
espaço) e a região metropolitana, definida a partir de na”, ou seja, o processo socioespacial de expansão da
uma decisão institucional (federal ou estadual), em metrópole para além dos limites metropolitanos re-
teoria baseada em estudos e critérios técnico-cientí- conhecidos e oficiais (Lencioni, 1995, 2004, 2007).
ficos bem definidos. No caso brasileiro hoje nos re- Quando tratamos da metropolização que afeta as
ferimos muito mais a regiões metropolitanas do que aglomerações formadas no entorno de cidades médias
a metrópoles: podemos recorrer ao conceito de “sistema funcional
deve-se ter clareza da diferença conceitual existen- urbano” (Dematteis, 1998). Esse é considerado o
te entre a metrópole (...) e a região metropolitana, “âmbito de vida, de mobilidade pendular cotidiana e
definição institucional, relacionada aos interesses de mobilidade residencial daqueles que vivem em um
políticos e, por vezes, motivada pela necessidade de território urbanizado” que se estende por até “dezenas
ordenamento do território na escala regional e cuja de quilômetros” (p. 23). Esses âmbitos compartilham
cidade-polo não é necessariamente uma metrópole mercados de trabalho e de serviços geograficamente
(Firkowski, 2012:37)
distintos, mas que ao serem articulados por sistemas
As abordagens tradicionais consideravam relevan- de transporte e comunicações rápidos equivalem à
te para a definição de uma área ou região metropoli- escala local de períodos anteriores. Visão semelhante
tana o fenômeno de conurbação (continuidade e/ou apresenta David Batten (1995) para quem as redes
urbanas podem ser formadas por “cidades previa-
4 Para uma visão abrangente e crítica do “Novo Regionalis- mente independentes e potencialmente complemen-
mo” ver o artigo de Neil Brenner Decoding the Newest “Me-
tropolitan Regionalism” in the USA: A Critical Overview.Cities,
Vol. 19, No. 1, pp. 3–21, 2002. No Brasil destacam-se os estu- 5 BLUMENFELD, H. A metrópole moderna. In: Cidades:
dos de Jeroen Klink sobre a região do ABC paulista (KLINK, a urbanização da humanidade. Rio de Janeiro: Zahar Editor,
J. A Cidade-região. Regionalismo e reestruturação no Grande 1972, p. 53-70 [original The Modern Metropolis. Scientific
ABC Paulista. Rio de Janeiro: DP&A: 2001). American, 213, September, 1965].

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 23


artigos

tares quanto às funções” as quais podem formar uma especialmente, as aglomerações se articulam sempre
aglomeração se auxiliadas por “corredores de trans- com algum grau de contiguidade, muitas vezes ao
porte e infraestruturas de comunicações rápidas e longo de eixos viários (IPEA, 1999, p. 295).
eficientes”. Nesses sistemas “bipolares” as relações • Metrópoles: são os doze principais centros ur-
tendem a ser mais horizontais e menos hierárquicas banos do país, que se caracterizam por seu grande
(Batten, 1995:314). porte e por fortes relacionamentos entre si, além de,
Os espaços urbanos que reúnem esses atributos e em geral, possuírem extensa área de influência dire-
características (complexidade urbana, conexões com ta. (Regiões de Influência das Cidades 2007. IBGE,
a economia internacional, condições gerais de produ- 2008)
ção, mobilidade cotidiana, mercado de trabalho re- • Aglomeração metropolitana (ou área metro-
gionalizado, complementaridade de funções) podem politana): corresponde à mancha de ocupação contí-
ser considerados como espaços metropolitanos, inde- nua ou descontínua diretamente polarizada por uma
pendente das denominações legais utilizadas para a metrópole, onde se realizam as maiores intensidades
sua definição. de fluxos e as maiores densidades de população e ati-
vidades, envolvendo municípios com alto grau de
integração ou englobando parcialmente ou inteira-
A QUESTÃO DA DEFINIÇÃO mente apenas a área do município central. A densi-
DAS REGIÕES METROPOLITANAS ficação de atividades e populações acontece nas áreas
NO BRASIL metropolitanas (KNOX e AGNEW, 1994, apud Ob-
servatório das Metrópoles, 2009).
Já nos referimos neste artigo que no Brasil não temos • Região metropolitana: corresponde a uma por-
referenciais nacionais para a definição e delimitação ção definida institucionalmente,como, no Brasil, as
das regiões metropolitanas. Assim, essa definição fica nove RMs institucionalizadas pela Lei 14 e 20/73 ou
a cargo dos legislativos estaduais. O debate intelectu- as atuais definidas pelas legislações dos estados brasi-
al e acadêmico sobre o tema tende a discordar de seus leiros, com finalidade, composição e limites determi-
desígnios políticos. Porém, em algumas situações, a nados. A absorção legal do termo “região metropoli-
regionalização (aqui sendo entendida como “metro- tana” e a materialização da faculdade constitucional
polização”), ao dar significado ao território, condi- de forma indiscriminada esvaziaram de conteúdo o
ciona a ação dos atores regionais e a concentração das conceito consagrado de região metropolitana na sua
infraestruturas econômicas e sociais no espaço. É o correspondência ao fato metropolitano. A Consti-
tempo da sociedade justapondo-se ao tempo e às ra- tuição de 1988 também incorpora a categoria “aglo-
zões da política. merações urbanas” sem tornar preciso o conceito.
No plano técnico e acadêmico destacamos três es- Apenas sugere que corresponde a uma figura regional
tudos realizados que reúnem esforços para dar conta diferente da região metropolitana, podendo-se infe-
da complexidade da rede urbana nacional para fins rir, portanto, que não tenha o polo na posição hierár-
de planejamento territorial, da definição de políticas quica de metrópole. (Observatório das Metrópoles,
urbanas e delimitação das regiões metropolitanas: 2009)
o estudo do IPEA, da Unicamp e do IBGE “Ca- O estudo da “Rede Urbana e Regionalização do
racterização e tendências da rede urbana do Brasil” Estado de São Paulo” (EMPLASA, 2011, p. 145-
(1999); o estudo “Regiões de Influência das Cida- 146) define:
des 2007”(REGIC2007) do IBGE e o trabalho do • Região Metropolitana: pressupõe a existência
Observatório das Metrópoles, “Hierarquização e di- de uma metrópole, com alto grau de diversidade eco-
ferenciação dos espaços urbanos”(2009). Nesses en- nômica e alta especialização em atividades urbanas,
contramos as seguintes definições: com posição nítida de liderança do polo sobre a área
• Metrópoles globais, nacionais e regionais: de influência e sobre outras áreas do próprio Estado
estes três estratos superiores da rede urbana são in- e do país. Pressupõe também a conurbação, dada por
tegrados por treze centros urbanos,que, à exceção de adensamento da ocupação urbana, alta concentração
Manaus, estão localizados em aglomerações urbanas, populacional, elevado grau de urbanização e de den-
sendo que a maioria deles se desenvolveu a partir de sidade demográfica, resultando em espaços contíguos
um núcleo, uma capital de estado, exceto Campinas. de interesse comum, exigindo planejamento integra-
Para estes estratos da rede urbana identificou-se, ain- do para funções de interesse comum e arranjos insti-
da, a ocorrência de complementaridade funcional tucionais para administração de questões de interesse
entre os centros e as periferias, sendo que tais centros comum.
exercem fortes funções polarizadoras, além de que, • Aglomeração Urbana: agrupamento de muni-

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artigos

cípios limítrofes com urbaniza-

Fonte: Estudos citados. Organização do autor.


REGIC/IBGE Observatório das
Região Metropolitana IPEA (1999)
ção contínua ou com tendências (2007) Metrópoles (2009)
nesse sentido, podendo existir São Paulo x x x
um ou mais centros urbanos (po- Rio de Janeiro x x x
los) que polarizam municípios Belo Horizonte x x x
do entorno. Apresenta comple-
Porto Alegre x x x
xidade média das atividades ur-
Recife x x x
banas, bem como existência de Fortaleza x x x
integração funcional de natureza
Salvador x x x
econômico-social. Verificam-se,
Curitiba x x x
ainda, concentração populacio-
Brasília x x x
nal média, densidade demográ-
fica média, taxa de crescimento Manaus x x x

anual positiva, formando espaços Goiânia x x x


contíguos de interesse comum, Belém x x x
passando a exigir planejamento Campinas x x
integrado para funções de inte- Vitória x
resse comum e arranjos institu- Florianópolis x
cionais para administração de
questões de interesse comum. Quadro 1:
Este estudo apresenta critérios, ou “conceitos e RIO GRANDE DO SUL: Espaços
Metropolitanos
indicadores”, para delimitação de regiões metropoli- REGIÃO METROPOLITANA E brasileiros
tanas e aglomerações urbanas, entre eles, a “elevada” AGLOMERAÇÕES URBANAS segundo
diferentes
densidade demográfica, a posição da cidade-polo na estudos
hierarquia urbana, a “significativa” conurbação ou Uma das exceções da regra até agora, o estado do Rio
urbanização contínua manifesta, a integração fun- Grande do Sul seguiu uma postura mais prudente
cional de natureza econômico-social e as funções ur- em sua Constituição Estadual (1989) ao definir a
banas com alto grau de diversidade, especialização e Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e as
integração socioeconômica (p. 146-147). Aglomerações Urbanas. Inicialmente foram institu-
Muitos estados instituíram regiões metropolita- ídas a Aglomeração Urbana do Sul-AUSul (Pelotas,
nas sem levar em consideração os critérios conceituais Rio Grande, Capão do Leão, São José do Norte e
ou técnico-científicos. Temos assim situações extre- Arroio do Padre), a Aglomeração Urbana do Nor-
mamente díspares, com regiões metropolitanas com deste - AUNE, hoje Região Metropolitana da Serra
mais de vinte ou dez milhões de habitantes (como é o Gaúcha (formada pelos municípios polarizados por
caso de São Paulo e Rio de Janeiro) e “regiões metro- Caxias do Sul) e posteriormente a Aglomeração Ur-
politanas” como menos de quinhentos mil habitantes bana do Litoral Norte (no eixo litorâneo Torres-Osó-
(e até menos de 300 mil habitantes), o que no míni- rio-Palmares do Sul). A despeito da crítica a alguma
mo pode ser considerado uma situação anômala. No dessas delimitações, essa foi uma postura mais atenta
momento o país já tem instituídas cerca de sessenta aos estudos teóricos e parâmetros técnicos, embora
regiões metropolitanas, em quase todos os estados da nos últimos anos diversos municípios tenham sido
federação, chegando ao extremo de estados como a incorporados à RMPA sem necessariamente apresen-
Paraíba (doze regiões “metropolitanas”) e Santa Cata- tarem características metropolitanas ou relações mais
rina, com dez regiões “metropolitanas”6. efetivas com a metrópole7.
Efetivamente podemos conferir os estudos apre- O quadro 2 apresenta dados gerais da RMPA,
sentados (quadro 1) e considerar que nosso país con- RMSG e aglomerações urbanas do estado demons-
tinental alberga em seu território entre doze(IBGE) trando a importância desses espaços em termos de
e quinze espaços metropolitanos (Observatório das concentração demográfica e populacional no âmbito
Metrópoles), além de uns vinte espaços caracteriza- do estado.
dos por aglomerações “pré-metropolitanas”, ou sim-
plesmente espaços urbanos de concentração de po-
pulação.
7 As diretrizes para essa delimitação estão no estudo “Aglome-
rações Urbanas no Rio Grande do Sul” (Porto Alegre: Secreta-
6 Dados de novembro de 2013. ria do Planejamento Territorial e Obras, dezembro de 1992).

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artigos

RM ou População Participação Participação PIB


Municípios PIB (total)
Aglomeração (total) (%) (%) Per Capita
RMPA 32 3.960 37,03 110.776 43,77 27.973

Quadro 2: Rio RMSG 12 744 6,96 23.654 9,37 31.793


Grande do
AUSUL 5 578 5,41 12.973 5,14 22.444
Sul:regiões
metropolitanas AULN 20 284 2,66 3.866 1,37 13.613
e aglomerações
RS 496 10.694 100 252.482 100 23.610
urbanas
População (1.000 habitantes), PIB (R$ milhões). PIB Per Capita (R$). Fonte dos Dados: IBGEe FEE/RS.

A Região Metropolitana da Serra Gaúcha foram definidas como “aglomerações formadas por
(RMSG) é a antiga “Aglomeração Urbana do Nor- cidades de municípios contíguos, cuja integração é
deste”. Polarizada por Caxias do Sul é o segundo feita por complementaridade de funções e não por
conjunto urbano do estado com mais de 700 mil coalescência espacial” (Davidovich e Lima, 1975:51).
habitantes e uma das mais dinâmicas aglomerações O estudo “Caracterização e Tendências” no capítulo
industriais do Brasil. Polo da indústria metal mecâ- da “Síntese da morfologia da rede urbana”, delimitou
nica, concentra quase 10% do PIB do estado e cerca essa aglomeração pela mesma “configurar uma aglo-
de 15%do PIB industrial. Caxias do Sul é o 34° PIB meração urbana que involucra, em uma mancha con-
municipal brasileiro (19º PIB Industrial) e o 5° PIB tínua de ocupação as cidades de Pelotas, Rio Grande
da Região Sul (IBGE, 2010). A cidade de Caxias do e Capão do Leão” (1999:174).
Sul, com 435 mil habitantes polariza a aglomeração Pelotas, polo comercial e de serviços da aglome-
concentrando indústrias e um importante setor de ração, possui mais de 328 mil habitantes e exerce
comércio e serviços, destacando-se na área de saúde uma forte centralidade em todo o sul do Estado. Rio
e no ensino universitário. Com relação à estrutura Grande é a cidade portuária do Estado e importante
urbana já se configura uma forte tendência à conur- polo industrial (polo naval, petroquímica, fertilizan-
bação entre Caxias do Sul e Farroupilha. Por outra tes). Nos últimos anos Rio Grande vem apresentando
parte, verifica-se a formação de uma mancha urba- os melhores indicadores em termos de crescimento
na única entre Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos econômico situando-se como o 4º maior PIB do Es-
Barbosa. A “espinha dorsal”, o eixo urbano-industrial tado e concentra 60% do PIB da aglomeração. Essa
estruturador desse espaço urbano, conecta Caxias do posição relaciona-se com a dinamização econômica
Sul, Farroupilha e Bento Gonçalves que concentram proporcionada pelos grandes estaleiros do polo naval,
mais de 80% do PIB da aglomeração. Essa aglomera- no qual se constroem plataformas de petróleo e navios
ção apresenta forte tendência à formação de um eixo petroleiros. O município encontra-se entre os maio-
urbano-industrial com a RMPA uma vez que Caxias res crescimentos econômicos do País e o dinamismo
do Sul situa-se a 90 km de Novo Hamburgo (polo econômico verificado extrapola o setor industrial en-
econômico do norte da RMPA) e a 130 Km da ca- globando o comércio, os serviços e a construção civil
pital8. na Cidade. Mantidas as atuais tendências, essa aglo-
A Aglomeração Urbana do Sul (AUSUL) é um meração tende a consolidar-se no eixo Pelotas-Rio
conjunto urbano de características especiais, devido à Grande, mantendo a sua bipolaridade característica.
presença de dois núcleos polarizadores, Pelotas (328 Com o passar dos anos o fato do RS ter toma-
mil habitantes) e Rio Grande (200 mil habitantes), do uma postura mais “adequada” ao diferenciar a
distantes 50 km, com fortes ligações históricas, mas região metropolitana das aglomerações urbanas foi
que não constituem uma conurbação. sendo considerado como uma “desvantagem” do
A discussão sobre essa aglomeração não é recente. Estado com relação a outras unidades da federação
Em 1975 já encontrávamos referências à “Aglome- que definiram diversas regiões metropolitanas. Entre
ração Pelotas-Rio Grande” como uma “aglomeração essas desvantagens estão na busca de recursos de pro-
sem espaço urbanizado contínuo”. Estas, por sua vez, gramas específicos do governo federal para as regi-
ões metropolitanas como, por exemplo, para obras
8 Sobre a formação desse “complexo metropolitano” ver os de infraestrutura, programas de mobilidade urbana,
trabalho de MOURA e KLEINE (Espacialidades de concen- saneamento básico e políticas habitacionais. Do pon-
tração na rede urbana da Região Sul. Revista Paranaense de to de vista dos atores políticos locais, a definição de
Desenvolvimento. Curitiba, n.95, p. 3-26, 1999) e de SOA-
RES e SCHNEIDER (Notas sobre a desconcentração metro-
uma região metropolitana torna os municípios mais
politana no Rio Grande do Sul. Boletim Gaúcho de Geogra- habilitados a concorrerem por esses recursos. Outro
fia, v. 39, p. 113-128, 2012). argumento, no caso de benefício às populações locais

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artigos

População População do PIB


RM/Aglomeração Estado Núcleo
(total) Núcleo (total)
Porto Alegre RS 3.960 Porto Alegre 1.410 110.776

Curitiba PR 3.174 Curitiba 1.752 94.017

N/NE Catarinense SC 1.094 Joinville 515 35.873

Florianópolis SC 877 Florianópolis 421 20.906

Londrina PR 764 Londrina 507 14.828

Serra Gaúcha RS 744 Caxias do Sul 435 23.654

Maringá PR 613 Maringá 357 12.221 Quadro 3:


Região Sul:
AUSUL RS 578 Pelotas 328 12.973
Regiões
Foz do Rio Itajaí SC 533 Itajaí 183 21.094 Metropolitanas
e Aglomerações
Vale do Itajaí SC 486 Blumenau 309 18.299 Urbanas
População (1.000 habitantes), PIB (R$ milhões). Fonte dos Dados: IBGE: Censo 2010 e PIB dos Municípios Brasileiros 2010.

está na redução de tarifas telefônicas e de transporte tropolitano, quase todas as cidades estão entre os
coletivo intermunicipal9. 100 maiores PIBs do Brasil (IBGE, 2010), com as
Ao compararmos as aglomerações urbanas do RS seguintes colocações: Curitiba (4º), Porto Alegre
com as instituídas em outros estados da região sul do (7º),Joinville (25º), Caxias do Sul (34º), Itajaí (35º),
Brasil verificamos que as mesmas apresentam dimen- Londrina (53º), Florianópolis (55º), Blumenau
sões demográficas e econômicas semelhantes. O qua- (62º), Maringá (68º). A exceção é Pelotas (RS), mas
dro 310 apresenta esses dados para fins de compara- no caso da Aglomeração Urbana do Sul, Rio Grande
ção. Pelo quadro verificamos que os espaços urbanos coloca-se como o 71º PIB municipal brasileiro, refor-
institucionalizados do Rio Grande do Sul apresentam çando a ideia da bipolaridade da aglomeração. Ainda
dimensões demográficas e econômicas semelhantes com relação ao PIB municipal, as cidades de Curiti-
às regiões metropolitanas do interior do Paraná e de ba, Porto Alegre, Joinville, Caxias do Sul, Blumenau
Santa Catarina. e Rio Grande situam-se entre os 100 maiores PIBs
Para analisarmos a importância econômica dessas industriais do País.
regiões metropolitanas também verificamos o núme- Assim, verificamos que as aglomerações urbanas
ro de grandes empresas que as mesmas concentram (e a agora RM da Serra Gaúcha) do Rio Grande do
a partir do ranking das 500 Maiores Empresas da Sul se encontram no mesmo nível da hierarquia ur-
Região Sul. Além da RMPA (111 empresas) e da Re- bana que as regiões metropolitanas de Paraná e Santa
gião Metropolitana de Curitiba (97 empresas) encon- Catarina. E embora discordemos teoricamente da de-
tramos os seguintes resultados: Serra Gaúcha – 38; nominação “metropolitana” para esses espaços urba-
Norte/NE Catarinense – 30; Florianópolis – 23; Vale no-industriais, compreendemos as razões dos atores
do Itajaí – 15; Maringá – 13; Londrina – 12; Aglo- políticos regionais para a mudança de denominação.
meração Urbana do Sul – 9 e Foz do Rio Itajaí – 5 Todavia, alguns questionamentos podem ser levanta-
empresas entre as 500 maiores do Sul (Revista Ama- dos e o faremos a seguir.
nhã, setembro de 2013).
Com relação ao tamanho do PIB do núcleo me-
AGLOMERAÇÕES OU REGIÕES
9 A ANATEL na sua Resolução 560 (Regulamento sobre Áre-
METROPOLITANAS: QUAL O
as Locais para o Serviço Telefônico Fixo Comutado–STFC) PAPEL DOS ATORES REGIONAIS?
de 21 de janeiro de 2011 determinou a cobrança de tarifa
local para as chamadas telefônicas no âmbito das regiões me- Entre as elites regionais existe um senso comum de
tropolitanas. As aglomerações urbanas do RS, embora com que, a partir da criação da região metropolitana,
maior população e integração funcional que muitas regiões
metropolitanas não foram contempladas na Resolução. A lista
como que de um passe de mágica os atores regionais
das regiões metropolitanas contempladas está disponível na integrarão seus projetos e os recursos federais chega-
página web da ANATEL em: http://legislacao.anatel.gov.br/ rão com maior celeridade nas regiões.
resolucoes/2011/23-resolucao-560. Entretanto, sabemos que a integração entre os
10 As dez principais em população. Não foram incluídas no municípios não se dá por força de legislação e sim
quadro as “regiões metropolitanas” Carbonífera (Criciúma/
SC), Chapecó (SC), Tubarão (SC), Lages (SC) e Umuarama pela articulação dos atores políticos, econômicos e
(PR), por apresentarem dimensões demográficas e econômicas sociais dos municípios envolvidos. Na grande maio-
bem inferiores aos espaços urbanos analisados. ria das nossas regiões metropolitanas não há tradição

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artigos

de cooperação entre os principais agentes (especial- tanto, para obter, quase sempre depois de uma luta
mente políticos), o que se constitui em um desafio ardorosa, um lugar na ordem social (Bourdieu,
para os atores hegemônicos. Existem sérios proble- 2007:445).
mas de planejamento urbano e territorial nos muni- Porém, no dia em que todo ou a maior parte do
cípios, dificultando ainda mais a definição de polí- território nacional for classificado como “metropoli-
ticas integradas entre estes. Trata-se de um processo tano”, essa categoria perderá a razão de ser e os gru-
de difícil construção e que necessita de uma ampla pos (ou regiões) de maior poder colocarão em campo
participação da sociedade civil para que não prevale- o seu capital econômico, político, intelectual e cultu-
çam interesses parciais sobre os interesses coletivos11. ral em favor de uma nova divisão, de uma nova forma
Do ponto de vista da integração de políticas pú- de distinção.
blicas, pouco foi feito desde que as aglomerações ur-
banas foram institucionalizadas (1990, 1994 e 2002).
Ou seja, as regiões – ou melhor, os atores regionais REFERÊNCIAS
– pouco aproveitaram a institucionalidade como
oportunidade para um planejamento integrado. Os BATTEN, D. Network cities: creative urban ag-
próprios conselhos das aglomerações, inseridos nas glomerations for the 21st century. Urban Studies.
leis de criação, pouco funcionaram. Além do mais, Vol. 32, no. 2, 1995, 313-327.
as aglomerações existem no papel, mas não foram in- BOURDIEU, P. O Poder Simbólico.Lisboa: DIFEL;
corporadas ao cotidiano da política regional, e muito Rio de Janeiro: Bertrand Brasil: 1989.
menos da sociedade civil e dos movimentos sociais. BOURDIEU, P. A Distinção: critica social do jul-
Por outro lado, é inegável que nos espaços urba- gamento.São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk,
nos em referência (Pelotas/Rio Grande, Serra Gaú- 2007.
cha) as realidades urbanas são cada vez mais inte- DAVIDOVICH, F. e LIMA, O. Contribuição ao es-
gradas. Há um intenso movimento entre as cidades, tudo de aglomerações urbanas no Brasil. Revista
deslocamentos para trabalho, estudo, negócios, ser- Brasileira de Geografia.Nº 37 (1), p. 50-84, 1975.
viços, empresas com matriz em uma cidade e filial CASTELLS, M. Problemas de investigação em So-
em outra, prestadoras de serviços entre as diferentes ciologia Urbana. Lisboa: Editorial Presença,
cidades12. 1984.
Enfim, um processo de integração que se dá por DEMATTEIS, G. De las regiones-área a las regio-
força da economia e do mercado, mas sem as cor- nes-red. Formas emergentes de governabilidad
respondentes políticas públicas que consigam dar regional. In Redes, territorios y gobiernos: nuevas
resposta aos problemas derivados dessa integração. propuestas locales a los retos de la globalización.
Seria interessante começar agora o planejamento Barcelona: Diputació de Barcelona, 2002, pp.
mais amplo desses conjuntos urbanos como forma de 163-175.
prevenir ou amenizar futuros problemas que a forte EMPLASA/FUNDAÇÃO SEADE. Rede urbana e
concentração urbana ocasiona e que são verificados regionalização do Estado de São Paulo. São Paulo:
em muitas regiões metropolitanas brasileiras. EMPLASA, 2011.
Finalizamos concluindo que a “febre” de criação FIRKOWSKI, O. L. C. F. Porque as regiões metro-
de regiões metropolitanas nos estados representa– tal politanas no Brasil são regiões, mas não são met-
como afirmaria Bourdieu – apenas mais um episódio ropolitanas. Revista Paranaense de Desenvolvim-
da “luta das classificações” (Bourdieu, 1989, 2007), ento. Vol. 122, p. 19-38, 2012.
na qual os atores regionais buscam reconhecimento e IBGE. Regiões de influência das cidades 2007.
diferenciação: (REGIC 2007). Rio de Janeiro: IBGE: 2008.
A presença ou ausência de um grupo na classifi- IPEA/UNICAMP/IE/NESUR/IBGE.
cação oficial depende de sua aptidão para se fazer Caracterizaçãoe tendências da rede urbana
reconhecer, para se fazer perceber e admitir, por- do Brasil. Campinas: Unicamp/IE, 1999.
(ColeçãoPesquisas).
11 Ver sobre esse tema o livro de Sol GARSON, Regiões Me- LENCIONI, S. Condições gerais de produção: um
tropolitanas: por que não cooperam? Rio de Janeiro: Letra- conceito a ser recuperado para a compreensão
Capital: Observatório das Metrópoles; Belo Horizonte, MG: das desigualdades de desenvolvimento regional.
PUC, 2009. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía
12 Ver OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES. Níveis de
integração dos municípios brasileiros em RMs, RIDEs e AUs
y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de
à dinâmica da metropolização. Relatório Preliminar. Novem- Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm.
bro, 2012. 245(07). Disponível em http://www.ub.edu/ge-

28 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


artigos

ocrit/sn/sn-24507.htm. Ano 27. Nº 298. Porto Alegre; setembro de


LENCIONI, S. O Processo de Metropolização do 2013.
Espaço. Uma nova maneira de falar da relação en- RIBEIRO, A. C. T. Regionalização: fato e ferramenta.
tre metropolização e regionalização. In: Schiffer, In LIMONAD, E. et all (Org.) Brasil século XXI –
S. (Org.). Globalização e Estrutura Urbana. São por uma nova regionalização? Agentes, processos
Paulo: HUCITEC, FAPESP, 2004, p. 153-165. e escalas. Rio de Janeiro: Marx Limonad, 2004,
LENCIONI, S. Reestruturação Industrial no Estado p. 194-212.
de São Paulo. A Região da Metrópole Desconcen- RIBEIRO, L. C. Q. (Org.) Hierarquização e diferen-
trada. Espaço & Debates, São Paulo, v. 38, p. 54- ciação dos espaços urbanos. Coleção Conjuntura
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MOURA, R. Arranjos urbano-regionais: uma cat- Observatório das Metrópoles, 2009.
egoria complexa na metropolização brasileira. Re- RIO GRANDE DO SUL. Secretaria do Planejamen-
vista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais to Territorial e Obras. Aglomerações Urbanas no
(ANPUR), v. 10, nº2, p. 29-50, 2008. Rio Grande do Sul. Porto Alegre: dezembro de
MOURA, R.eKLEINE, M. L. U. Espacialidades de 1992.
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n.95, p. 3-26, 1999. regional. Anais das Primeiras Jornadas de Econo-
MUMFORD, L. A cidade na história: suas origens, mia Regional Comparada. Primeiras Jornadas de
suas transformações, suas perspectivas.Rio de Ja- Economia Regional Comparada. Porto Alegre:
neiro, 1972. FEE/PUC-RS, 2005. Disponível em http://
PARIS, D. Gouvernance des territoires, métropoli- www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/jornadas-de-
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toires, politiques et processus. Paris: L’Harmattan, a desconcentração metropolitana no Rio Grande
2004, p. 21-38. do Sul. Boletim Gaúcho de Geografia, v. 39, p.
REVISTA AMANHÃ. 500 Maiores do Sul. 113-128, 2012. ▪

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 29


artigos

Rosa Liliana de Simone

La Ciudad del Consumo


reflexiones en torno a la mercantilización urbana y al desarrollo
de la infraestructura de retail en Santiago de Chile. 1982-2013.

Resumo
El advenimiento de un capitalismo urbano post-fordista y sus efectos en el mercado inmobiliario de las
ciudades ubicadas en países en vías de desarrollo son evidentes si nos detenemos a analizar la evoluci-
ón reciente del shopping mall, infraestructura comercial de origen estadounidense y que ha alcanzado
ya alto grados de globalización. Como ícono del capitalismo de escala, el shopping mall condensa los
mecanismos a través de los cuales la ciudad del mercado se reproduce y valoriza. Desde este punto ha
sido abordado como el paradigma del actual estado de la mercantilización urbano global, y diversos
autores han relevado su rol en la conformación ideológica de la sociedad de consumo (Soja, 1989;
Harvey, 1990; Sassen, 2004, Castells, 2010; Harvey 2012). Para el caso chileno, la reflexión en torno
a los efectos físicos y simbólicos del shopping mall en la conformación de una ciudad (pensada desde
la lógica de la producción y el consumo) permite proponer su análisis como artefacto geopolítico de
reforma ideológica de la estructura económica y social.

El siguiente texto reflexiona en torno a la evolución de los espacios de consumo en Santiago de Chile
durante los últimos cuarenta años. La investigación que se presenta se ha propuesto observar el
avance de las redes y mecanismos globales de poder económico ejercitadas en el territorio local a
través del retail.

Esta revisión retrospectiva de la mercantilización de la planificación local permite analizar el afianza-


miento de la sociedad urbana neoliberal en Chile. Dadas las similitudes del caso con otros en la región
latinoamericana, y que se ha observado un reciente proceso de exportación de tipologías comerciales
chilenas a capitales vecinas, el estudio aquí expuesto se propone ser un aporte a la comprensión de lo
que se refiera a la mercantilización urbana en Sudamérica.

Palavras-chave: Santiago; Mercantilización urbana; Shopping mall; Infraestrutura; Ciudad


neoliberal.

Abstract
The arrival of a post-Fordism urban capitalism and its effects on property market of cities in deve-
loping countries are evident if we discuss the recent evolution of the shopping mall, a commercial
infrastructure of U.S. origins that has already reached a global spread. As icon for the scale capita-
lism, the shopping mall condenses the mechanisms in witch the city market reproduces and values
itself through.

From this point the shopping mall has been addressed as the paradigm of the current state of the
global urban commodification, and several authors have relieved its role in the ideological formation
of the consumer society (Soja, 1989; Harvey, 1990; Sassen, 2004, Castells, 2010; Harvey 2012).

For the Chilean case, the considerations on the physical and symbolic roles of the retail infrastructure
in the process of shaping a city (designed from the logic of production and consumption), can lead
forward as an analysis of the shopping mall as a geopolitical artifact for ideological reform of the
economic and social structure.

The following text reflects on the evolution of consumption spaces in Santiago de Chile during the last
forty years. The research presented has been proposed to observe the progress of global networks and
mechanisms of economic power exercised in the local territory through retail.

The review of the commodification in local planning aims to analyze the consolidation of a neoliberal Rosa Liliana de Simone
urban society in Chile. Given the similarities of the case with others in the Latin American region, and é arquiteta e mestre em desenvolvimento
the a recent process of Chilean exportation of commercial typologies to neighboring capital cities, the urbano. É professora e pesquisadora da
study presented here is intended as a contribution to the understanding of what may concerns as an Pontifícia Universidade Católica do Chile
urban commodification of South America urbanism. e da Universidade Diego Portales.

Keywords: Santiago; Mercantilization of urban space; Shopping mall; Infrastructure; Neoliberal city. rldesimo@uc.cl
artigos

INTRODUCCIÓN1 Por su parte, estos procesos de re-significación de


los malls han desatado efectos culturales y sociales ob-
Para dar inicio a la caracterización del fenómeno del servables de manera física en Chile, y en este caso nos
shopping mall en Chile, es necesario convenir que referiremos a los cambios estructurales de la organiza-
la consolidación de los mecanismos globales de fi- ción sociodemográfica del comercio y del retail conl-
nanciarización inmobiliaria en distintas latitudes ha levados por la ciudad de Santiago. La multiplicación
portado similares consecuencias en la evolución de la de la infraestructura de consumo, variada en formato
estructura urbana de las ciudades a las que compete. y tamaño, ha logrado intervenir el funcionamiento
Estas consecuencias son comparables, y son eviden- del mercado de suelos, regulando la oferta de suelo
cia de un fenómeno de características globales tanto disponible en los sectores atractivos para el merca-
económicas como sociales. do crediticio de retail (es decir, no necesariamente en
Las ciudades de países en vías de desarrollo cuyas aquellas áreas donde habita la población con mayor
economías se basan en el libre mercado muestran capacidad de consumo, sino aquella población con
patrones de organización del capital que, a pesar del mayor demanda de financiamiento a través del en-
contexto, poco difieren en su articulación. Ciertos deudamiento), y requiriendo nuevos y vastos terrenos
prototipos de mercado, convertidos en tipologí- periurbanos para labores de logística y bodegaje, esto
as edilicias, son fácilmente replicables a la luz de la último en sectores populares y alejados de las lógicas
cada vez mayor absolución de fronteras de inversión territoriales de consumo de retail, y donde los mode-
internacional. Dichas inversiones se organizan en el los de abastecimiento siguen estando ligados a ferias
territorio en base a sistemas post-fordistas de acumu- libres y cadenas de supermercados económicos.
lación de capital, articulando redes de producción y ¿A que se debe esta organización dual en el terri-
financiamiento transnacionales, donde las tipologías torio? Los efectos que los shopping malls ejercen en
comerciales estandarizadas más replicadas son los el territorio urbano han sido ampliamente revisita-
shopping malls y strip centers. dos por autoras como Sarlo (2002, 2009), Crawford
Siguiendo los postulados de autores como Ci- (2004) y Zukin (2004). El fenómeno de su multipli-
colella para Argentina (2006), Abramo para Bra- cación en contextos carenciados, principalmente en
sil (2012), Naredo para España (2010), podemos ciudades con altos grados de segregación y pobreza
afirmar que, como parte de un fenómeno global, el urbana como Santiago, permite sostener a estas au-
mercado inmobiliario se encuentra en un reciente toras que su éxito se debería justamente a su efectiva
proceso de des-territorialización de sus capitales, lo inserción en el mercado simbólico del valor. En este
que ha multiplicado sus efectos urbanos a través de panorama, los malls serían los pocos espacios que lo-
la construcción de mega-infraestructuras de inversio- grarían suplir las demandas de seguridad, confort y
nes trasnacionales, como lo son las infraestructuras limpieza, y lo harían de mejor modo de lo que los go-
de retail. Dichos espacios se han conformado como biernos locales habrían hecho en las últimas décadas,
aglutinadores de diversos mercados paralelos, que in- al menos en el ámbito discursivo. En contextos na-
cluyen tanto la venta minorista, como también otros cionales alejados de los ideales de un Estado de Bie-
modelos de negocios. Desde hace unas décadas el co- nestar, el mall garantizaría, en las ciudades segregadas
mercio minorista se ha desplazado también hacia los y pobres, las condiciones mínimas de urbanidad que
negocios financieros, crediticios y bancarios, la espe- el Estado habría fallado en proveer en la arena pú-
culación del mercado de suelo, la venta de flujos de blica. En ausencia de un rol de actor social y cívico
arriendo en el mercado de valores, la securitización capaz de promover la interacción y asociatividad, los
de activos, y otros mecanismos menos evidentes de entes estatales habrían cedido de manera simbólica y
mercantilización inmobiliaria. De ese modo, malls y física la labor de ofrecer espacios y motivar los intere-
similares cumplen tanto la función de ser galpones de ses de estas masas de ciudadanos en busca de espacios
acumulación y abastecimiento de bienes de merca- de reunión. Por las mismas razones, dichos espacios
do (función fordista) como también aquella función comerciales cobraron protagonismo en los imagina-
de ser parte de una cartera de activos propensos a la rios populares de urbanidad y civilidad, pues proveen
especulación del mercado bursátil, a la vez que en sí de un marco de interacción válido ante la sociedad.
mismos son símbolos culturales de la expansión eco- Dicha validación es provista por el acceso, fáctico o
nómica de libre mercado (función post-fordista). simbólico, del sistema de acceso al crédito de con-
sumo. En otras palabras, entrar al mall validaría la
existencia individual de sujetos económicamente vá-
1 El presente texto es parte de una investigación en curso reali-
zada en el marco del Proyecto Fondecyt N° 1110387, durante lidos en un sistema social jerarquizado en base a la
los años 2012 y 2013 en el Instituto de Estudios Urbanos de objetualización de la vida cotidiana.
la Pontificia Universidad Católica de Chile. La reinterpretación simbólica de un escenario ur-

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artigos

bano, replicado con éxito al interior de un edificio 2010; Salcedo & De Simone, 2012, 2013), entre
controlado y protegido de la inseguridad de la calle, otros enfoques. Muchas de las interpretaciones más
propone al mall como el más exitoso artefacto alegó- negativas han sido menos articuladas en sus argu-
rico de los últimos tiempos. El simulacro ejecutado mentos, pero si en su periodicidad, siendo publicadas
en su interior, siguiendo el parafraseo de Baudrillard en diarios de circulación nacional, cartas al director
(1978), permite al mall proponerse ante sus usuarios y columnas virtuales. El análisis de los recursos dis-
como una verdad ubicua coproducida entre todos, cursivos del mall y sus evaluaciones desde la sociedad
en otras palabras, como el símbolo de una identidad civil sin duda requieren de pesquisas y espacios de
urbana mediada por el consumo. La edificación de discusión paralelos a este trabajo.
estos complejos alegóricos de la urbanidad es rápi- Análogo a esta evaluación dispar, las edificaciones
damente naturalizada por la población, a pesar de de consumo masivo perviven de manera exitosa a las
los traspiés en su implantación y mitigación urbana. crisis inmobiliarias de capital, y a pesar de dichos re-
Ubicados en zonas altamente pobladas, el mall en cesos, parecen configurar un horizonte exitoso para la
Chile ha cobrado un protagonismo urbano sin an- creciente exportación de productos no tradicionales,
tecedentes históricos, y lejos de proponerse como un donde los “malls a la chilena” parecen ser de especial
lugar de exclusión, el mercado de retail ha incorpora- valoración en la región sudamericana.
do formatos que paradojalmente integran a todos los ¿Cual podría ser el diagnóstico actual de la evo-
segmentos socio-económicos bajo la “cúpula lumino- lución de esta tipología comercial? Inaugurado en
sa del centro comercial” (Crawford, 2004). plena crisis económica de los Ochentas y de la mano
¿De qué modo la infraestructura comercial se de inversionistas brasileños, Parque Arauco Shopping
convirtió en el símbolo urbano de todo un modelo Center, el primer mall de Chile, replicó el modelo ya
socio-económico? La experiencia chilena contempo- probado en el Iguatemí Shopping de São Paulo de
ránea como telón de fondo permite reflexionar sobre 1966, pero con panoramas económicos y culturales
el rol de los centros comerciales en la constitución distintos. Bajo un extenso patronato de la Dictadura
del neoliberalismo urbano global y las posibilidades y Militar de Augusto Pinochet, el mall arribó como un
riesgos que de ello podrían derivar. artefacto simbólico del “ajuste estructural”, y no solo
como un singular proyecto urbano con expectativas
de éxito económico. Este hecho fertilizó el terreno
ROL SIMBÓLICO Y MATERIAL para la llegada de operadores a nuevas localizaciones
DEL MALL EN LA CIUDAD DE en el interior del Área Metropolitana de Santiago, y
SANTIAGO DE CHILE mantuvo las esperanzas durante los primeros años de
reticencias económicas que vivió el proyecto fruto del
Los efectos de los mecanismos de mercantilización Efecto Tequila de los primeros Ochentas.
urbana son concluyentes en la observación de la evo- A pesar de ser tributario de formatos comerciales
lución del shopping mall. Este “artefacto de la globa- anteriores – evidentes en el paisaje urbano a través de
lización” (De Mattos, 2002) creado hace sesenta años la dispersión de edificios comerciales experimentales,
en Norteamérica para su implantación indetermina- los caracoles comerciales, entre 1960 y 1980 (De Si-
da en contextos ordinarios, viene a condensar mu- mone, 2011, 2012c) – el shopping mall debuta en
chos de los mecanismos a través de los cuales la ciu- Chile en 1982 como una novedad inflacionada por
dad capitalista se reproduce, pues en el caso chileno los recursos mediáticos y propagandísticos.
ha logrado monopolizar diversas esferas de mercado Hoy, treinta años después, los más de sesenta es-
(entre ellas, la financiera, inmobiliaria, productiva, tablecimientos tipo mall repartidos en las comunas
urbana etc). de Santiago, suman casi tres millones de metros cua-
Con todo este gran impacto simbólico y físico, los drados arrendables. Diversas investigaciones apelan
espacios de consumo han suscitado interpretaciones al rol que estos espacios cumplen en la rutina de los
recientes ambivalentes en el ámbito local. Diversas chilenos, y las más de 600 millones de visitas que re-
planteamientos académicos han analizado su impac- ciben al año desplazan cualquier argumento que los
to en la ciudad como símbolo del aumento imperan- ignore como grandes protagonistas de la vida cotidia-
te de los ingresos familiares (Galetovic, Poduje y Sa- na en la ciudad.
nhueza, 2009); como parte del imaginario ciudadano La multiplicación del mall como subcentralidad
periférico (Farias, 2009); o desde el impacto que los urbana en dictadura y naturalización como espacio
artefactos de consumo han tenido en los espacios pú- pseudo-público en democracia revelan las inciden-
blicos y pseudo-públicos urbanos (Cáceres y Farías cias culturales que la implantación del neoliberalismo
2009; Stillerman & Salcedo, 2010; Pérez Ahumada produjo en la organización socio-demográfica chile-

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artigos

Figura 1: A
la izquierda,
na. Desde la planificación territorial, dichos proyec- va sociedad de consumidores, cuyas pautas de rela- PRIS de 1960
tos inmobiliarios han comprobado su eficiencia en la ción con el mundo material se habrían liquidificado y proyección
consolidación de aquellas áreas de desarrollo donde hasta alcanzar vínculos volubles y altamente desecha- de subcentros
metropolitanos
los planes de ordenamiento metropolitano habían bles. para Santiago.
previsto desarrollos estatales décadas antes (Plan Re- Como ícono de la instalación del neoliberalismo A la derecha,
plano
gulador Intercomunal de Santiago de 1960, Plan Re- cultural en la región, la instalación del mall es a su comparativo
gulador Metropolitano de Santiago, 1994) (Fig. 1). vez el proceso y el producto de la reestructuración de subcentros
Por otro lado, la dispersión socio-económica en planificados
socio-cultural chilena ejecutada a mediados de los Se- en el PRIS
el territorio santiaguino (Fig. 2) muestra otras par- tentas. Los factores culturales que asocian al mall con de 1960,
ticularidades del caso chileno. Lejos de ser una tipo- la aniquilación y refundación de una historia urbana, en PRMS de
1994, y actual
logía monopolizada por los sectores de altos ingresos ampliamente abordados por Sarlo para el caso argen- ubicación de
(como sucede más frecuentemente en otros lugares tino (2002, 2009), lo apuntan como la herramienta shopping malls
en Santiago
de Latinoamérica), los malls han conquistado áreas más efectiva en la reformulación de una hegemonía (elaboración
sub-servidas de infraestructura comercial, pero tam- cultural del capital y del consumo. propria).
bién sub-servidas de inversión estatal en espacios Malls, strip centers, power center y convenience
públicos, servicios y amenidades culturales, logran- stores fueron importados en Chile como modelos de
do una ubicuidad en su localización que, comparada negocio inmobiliario y comercial, y hoy están siendo
con las inversiones públicas estatales en estas áreas, re-exportados de manos de conglomerados familia-
algunos incluso podrían pensar en un discurso de de- res, luego de procesos de traducción y ajuste, a otros
mocratización de la oferta urbana. Articulando una países vecinos. Buscando adaptarse a las condicio-
amplia red de cobertura, el mall cobraría importancia nantes locales, han sufrido procesos de adecuación
radical en la comprensión de los imaginarios urba- y traducción que han generado efectos relevantes
nos citadinos actuales, basados en la escenificación en la organización urbana colindante e incluso en el
de la vida diaria, doméstica y cívica al interior del modo en como se piensa y planifica la ciudad (Goss,
mall ¿Cuales son los efectos sociales de dicha dicoto- 1993; Jayne 2006; Bermúdez 2003, 2008), en lo que
mía, que equipara espacios de consumo con espacios podríamos entender como una nueva “geografía del
pseudo-públicos? Las respuestas están a la luz de los consumo”, donde los anteriores paradigmas de or-
planteamientos de Bauman (2001), que postulan la ganización de las funciones en la ciudad han sido
transformación de nuestra esencia social en una nue- reemplazados por una lógica territorial que asimila

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Figura 2:
Dispersión
geográfica de espacios de consumo con todas las otras funciones feración del segmento de regional mall, es decir un
shopping malls
en Santiago
posibles fuera de las destinadas a empleo y residencia. complejo con más de dos tiendas anclas y un tamaño
de Chile hacia La evolución de la localización de formato shop- considerable, se observa hacia comunas pericentra-
2012. ping mall se puede resumir en base a 3 etapas, corre- les, en localizaciones que bordean la circunvalación
lacionadas con las décadas de interés (Figura 3). Américo Vespucio. Este periodo marca un hito en
En una primera etapa (1982-1990), la localiza- la multiplicación del formato, pues se construyen
ción del formato se ve altamente determinada por el shopping malls en comunas donde no se reconoce la
desarrollo lineal de la localización de los segmentos prevalencia exclusiva de segmentos socio-económicos
socio-económicos ABC1 en la ciudad. De ese modo, solventes.
posterior al primer mall, ubicado en un cono de alta En una tercera etapa de observación (2001-2010)
renta muy concentrado hacia el nor-oriente, tres de podemos notar que las tendencias de construir mall
los siguientes malls se ubicaron en torno a los ejes de en periferia, en paralelo a las localizaciones internas,
expansión hacia el área precordillerana. Sin embargo, confirman una complejización del mercado. En este
ya se pueden observar ciertas dislocaciones. En cuan- último periodo, las variaciones del formato, ya sean
to a las comunas de prevalencia de clases medias y por tamaño, estilo, relación con el entorno y público
medias-bajas, hacia fines de los años 1990 tanto Mai- objetivo, dan fruto a una serie de mutaciones criollas
pú como La Florida, comunas pericéntricas, reciben de lo que alguna vez fue un modelo importado. Este
su primer mall. híbrido, no solo ha conquistado las mayores capitales
En una segunda década (1990-2000) la proli- regionales del país, sino que además ha sido exitosa-

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artigos

Figura 3:
Evolución de
la localización
espacial de
shopping malls
en la AMS en
tres periodos.
Distribución
de shopping
malls de 1982
a 1991, y GSE
hacia 1992;
Distribución
de shopping
malls de 1991
a 2001, y GSE
hacia 1992;
Distribución
de shopping
malls de
2001 a 2010,
comparando
con GSE
hacia 2002.
(elaboración
propia)

mente exportado a ciudades de la región latinoame-


ricana.
No obstante esta caracterización parcelada, se
hace necesario considerar que la evolución del mer-
cado de retail en Santiago no se ha visto exclusiva-
mente representada por los shopping malls. Muy por
el contrario, nuevos formatos como los strip center,
convenience stores, power centers, y la imponente
dispersión geográfica de los supermercados, comple-
tan, junto a los malls, un panorama más realista de
los sistemas de consumo en Santiago (Figura 2).
A modo de clústers de actividad, las dinámicas
de los sistemas de consumo comercial en Santiago se
determinan por su posicionamiento geográfico. Al
ser determinados espacialmente, las relaciones que se
generan entre las entidades comerciales y la ciudad
construida difieren entre sí. Algunos de estos sistemas
comerciales que se observan preliminarmente son el
Paradero 14, la Estación Central, Barrio Franklin,
Eje Irarrázaval, Eje Apoquindo-Las Condes, entre
otros. Cada uno de esos sistemas determina el mer-
cado inmobiliario allí presente, y si bien algunos ex-
perimentaron dinamismo posterior a un desarrollo
urbano planificado, otros, por el contrario, han sido
los detonantes de dichos cambios en el mercado de EFECTOS DE LAS GEOGRAFÍAS
suelo. Uno de estos casos más paradigmáticos es el DE RETAIL EN LA SANTIAGO
“Paradero 14”, donde la densidad de malls, power DE CHILE
centers, strip centers y comercio minorista se empata
con las nuevas decisiones institucionales de localiza- ¿Cómo se consolidan los conglomerados de retail
ción de infraestructura metropolitana sanitaria y de y cuales han sido y son sus efectos en la metropoli-
transporte. zación expandida de las ciudades latinoamericanas?

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Figura 4:
Izquierda:
Sistemas
Comerciales en
Santiago de Chile.
El reconocimiento
de estos sistemas
se basa en la
complementaridad
de los formatos.
Derecha:
Distribución ferias
Libres y Grupo
Socioeconómico
predominante.

¿Existe una lógica regional de operaciones inmobilia- la ciudad han ido mutando a la vez que la valoración
rias que aúne los casos latinoamericanos? simbólica del espacio comercial ha pregnado la rutina
La relación entre la evolución metropolitana del de los ciudadanos. Los operadores, articulados en ca-
retail y la dinamización del mercado inmobiliario denas de amplio reconocimiento mediático, han lide-
residencial, o incluso sus efectos en la segregación rado diversas metamorfosis urbanas en subcentros de
socio-económica urbana, permiten sostener que los la capital y en grandes proyectos urbanos en ciudades
mecanismos de inversión privado son altamente de- medias. Presentes en todas las capitales regionales,
tonantes del aumento de nuevas inversiones, ya sean los holdings Mall Plaza, Parque Arauco, Cencosud,
públicas o privadas. Por lo mismo, se observa un au- SMU, entre otros, se disputan los centros urbanos y
mento del dinamismo en el mercado residencial de las periferias de las ciudades medias, a la vez que el
las zonas consideradas como “sistemas comerciales” mercado santiaguino llega a saturaciones.
(Figura 4). No es circunstancial hacer hincapié en la consoli-
Por otro lado, es posible notar que aquellos conos dación actual de los operadores de retail en el contex-
de pobreza, donde la inversión privada de retail no to chileno. La conformación de conglomerados fa-
ha llegado, son servidos por una densa red de forma- miliares de retail, entre los que se cuentan las familia
tos informales, como lo son las ferias libres (Figura Falabella/Solari (Mall Plaza), Paulmann (Cencosud),
4). Las ferias libres funcionan de modos espontáneos Said (SMU), Sahié y Cueto (Parque Arauco), entre
frente a la demanda. No discriminan por GSE, sin otras; reconoce la administración nuclear que este
embargo se concentran en localidades donde otros mercado ha tenido en su expansión. Estas empresas
sistemas de abastecimiento privado no están presen- familiares, han avanzado hacia una caracterización de
tes. su modus operandi en la ciudad, donde es posible ob-
¿Cuáles serían las posibles razones que explican de servar diversas estrategias y articulaciones de mercado
este contexto particular que convirtió al mall subur- inmobiliario y financiero sin limitantes normativas o
bano en un fenómeno masivo, popular y representa- legales que lo anticipen. Los resultados sin embargo
tivo de la identidad urbana en Chile? apuntan al éxito ineludible de dichos mecanismos
Sin duda, la reflexión hacia el proceso de insta- de expansión en Chile, llegando incluso a observarse
lación alegórica del mall como caracterización de la amplios horizontes de ampliación efectiva a merca-
nueva política económica liberal lo convierte en un dos latinoamericanos.
producto social y político sin antecedentes. Las ar- Se reconoce una vez más una peculiaridad del
ticulaciones espaciales que cada proyecto adoptó en modelo chileno: tanto la planificación urbana de las

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infraestructuras como su modelo de negocios, per- forma de bonos y flujos de arriendo que dinamizan el
mite a los holdings chilenos exportar una visión de mercado inmobiliario muchas veces oculto en el aná-
“ciudad de consumo” exitosa a nivel regional. La lisis académicos del mall, y que también caracteriza la
amplia presencia de malls y megatiendas chilenas en dependencia del actual sistema económico neoliberal
ciudades peruanas, colombianas, argentinas y brasi- de estos espacios terciarios de condensación de redes
leñas, corrobora la incidencia del modelo chileno en de capital. Visto de otro modo, el rol económico del
la nueva organización urbana del consumo en la re- mall y su protagonismo radical en la vida chilena ra-
gión suramericana. dica en su superposición en distintas esferas. Maneja
Esta pesquisa que aquí se presenta introduce el el abastecimiento, los servicios, los empleos, los espa-
advenimiento de un determinado “urbanismo co- cios, los consumos, los desplazamientos y los tiempos
mercial de retail” en las ciudades chilenas, y eventual- de sus visitantes, conformando una red similar a lo
mente latinoamericana, el cual ha tenido consecuen- que en otros momentos de la historia local se conoció
cias sociales aun por dilucidar. como la “economía cerrada de las pulperías”.
Nos referiremos a “urbanismo de retail” para alu- La interdependencia de los mercados controlados
dir al conjunto de normativas, programas y facilida- por el retail y sus operadores los convierte en prota-
des, ya sean de común conocimiento o de acuerdos gonistas principales de los procesos de construcción
tácitos entre las partes, que habrían promovido una urbana, donde las entidades locales y el resto de los
organización estratégica de las estructuras de retail y participantes carecen del poder para contrarrestar, o
comercio minorista en la ciudad de Santiago de Chile al menos influir, en las decisiones de estos conglome-
durante el último cuarto del siglo XX. Organizadas rados. La ausencia de recuperación de plusvalías, la
en base a “sistemas comerciales” (Salcedo, 2003, De participación en la construcción de espacios públi-
Simone, 2011, Salcedo y De Simone, 2012), las di- cos, o sin ir más lejos, los impactos de sus emplaza-
versas tipologías comerciales habrían fungido en ló- mientos en las lógicas de organización y movimiento
gicas de organización espacial y zonificación cercanas de personas y usos en la metrópolis, se ven tremenda-
a las premisas de la planificación urbana, aun cuando mente afectadas.
sus causas y perspectivas hayan sido más bien dispares Insertos en un proceso de liberalización del mer-
y de controvertidos efectos en el funcionamiento y cado inmobiliario, la construcción de mega estructu-
valoración de la ciudad. Es decir, los operadores de ras comerciales ha sido vista como un ejemplo más
retail operan con herramientas del diseño urbano, de la afirmación de mecanismos financieros basados
generando calles, cerrando avenidas, alargando esta- en la gobernanza empresarialista de los sistemas de
ciones de metro, reformulando trazados de trasporte construcción de vivienda e infraestructura urbana.
público, impactando la valorización de los terrenos Siguiendo los postulados de David Harvey, este no
colindantes, generando conflictos metropolitanos de ha sido un proceso exclusivamente economicista. El
movilidad etc. cambio en la organización económica-espacial habría
La importación de prototipos comerciales foráne- tenido sus inicios en la aplicación global del neoli-
os y su implantación en el territorio urbano chileno beralismo, tanto en los modos de producción como
– no suburbano, como en otras latitudes –requirió de también en los marcos ideológicos de la estructura-
ciertas estrategias de traducción (De Simone, 2011), ción social (Harvey, 1990), dejando atrás un sistema
tanto física como simbólicas, que convirtieron a los habitacional y de infraestructura basado en el Estado
espacios comerciales en exitosas estrategias de co-pro- de Bienestar. Este reciente enfoque, que pregonaría
ducción del espacio (Kozinets et al., 2004;). Enten- la libre rentabilidad del mercado de suelos, entre
deremos como “geografías del retail” a este resultado otros, habría generado un panorama global donde
territorial, de componentes sociales y culturales, fruto el mercado inmobiliario, sujeto a la especulación y
de la organización espacial que adoptaron los desar- a las curvas capitalistas de crisis y auge se ve caracte-
rolladores de retail y de las cualidades programáticas rizado por la alta mercantilización de los inmuebles
y simbólicas que los usuarios dieron a estos espacios. y la volatilización de dicho campo (Harvey, 2012),
Con respecto a este nuevo fenómeno que llama- usando herramientas que solían ser pensadas para
mos “urbanismo de retail”, es posible reconocer cier- otro tipo de inversiones (securitización de la deuda,
tos patrones globales en la estructuración del capital, titularización de inmuebles, generación de bonos y
que ha desviado las inversiones en ámbitos de pro- rentas por flujos, son algunas de estas herramientas).
ducción primarias y secundarias, para respaldarse en Fruto del acelerado dinamismo en la financiarización
el mercado inmueble de estructuras soportantes de las económica, que permitió la participación de fondos
economías terciarias globales. Grandes corporativas, de inversión y de seguros nacionales e internacionales
con capitales transnacionales, circulan capitales en en diversos canales de la construcción local, ha sido

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posible reconocer patrones urbanos que se repiten posición del uso intimo del espacio privado de acceso
en diversas urbes, y que cualifican un tipo de ciudad público (malls y otros similares), por sobre una recu-
manejada por el mercado y el consumo de los bienes peración del real espacio público urbano, habría con-
muebles e inmuebles; ciudad de la que la tipología fluido en una reinterpretación del significado de ‘ser
global de shopping mall hace uso y lugar. ciudadano’ en esta nueva ciudad del consumo, don-
de la interacción social es mediada por dispositivos
tecnológicos que suplen las distancias físicas y tem-
CIUDADANÍA, CONSUMO porales, y donde el ejercicio de lo público puede ser
E IDENTIDAD SIMBÓLICA re-interpretado de maneras mas cercanas a la libertad
ganada por los mecanismos crediticios de pago, que a
Los shopping malls, a diferencia de otros negocios cualquier otro significado que lo público pueda haber
inmobiliarios, lejos de retroceder con las numerosas tenido antes.
crisis cíclicas que embisten las economías globales, Diversos autores ya han abordado la reducción del
parecen haber cobrado mayor protagonismo en el rol de ciudadano al rol de consumidor en la ciudad
mercado de suelos y ejercen un rol gravitante en el neoliberal actual. El fin de la ciudadanía (Bauman,
proceso de construcción física y social. Como nego- 2000), asociado con el declive del ‘hombre público’
cio inmobiliario único, el mall permite compatibi- (Sennett, 1978) y el auge del ‘hombre íntimo’ (Bau-
lizar la valorización del suelo, la reinversión de ex- man, 2005), que privilegia la exposición virtual de la
cedentes en el mercado de bienes inmuebles, con la intimidad por sobre la relación pública en el espacio
seguridad de la entrada de flujos de arriendo por tem- físico, sería una de las principales consecuencias de
poradas largas, y la compatibilización con proyectos la creciente mercantilización de todas las esferas de
inmobiliarios anexos producto de la dinamización de la vida humana (García-Canclini, 1995). Bajo estas
la zona. Como lugar de la consolidación de la cul- premisas, el mall y sus usos extensivos en la ciudad
tura de consumo, el mall es ícono de la sociedad de requieren un enfoque multidisciplinario que lo posi-
mercado global, convirtiéndose en el escenario de los cione en el sitial simbólico donde la actual sociedad
procesos de construcción de identidad y mercantili- del consumo lo ubica (Fig. 5).
zación de la vida diaria, lo que ha incluso llevado a De este modo, cumpliendo un rol urbano y sim-
sus espacios a superar su ethos mercantil, viéndose bólico ampliado, los malls y otras tipologías de con-
invadido por inesperados usos y domesticaciones que sumo habrían reestructurado la circulación de capital
los clientes dan a sus dependencias. en el mercado de suelos, impactando no solo las áreas
De varios modos, el espacio privatizado y vigilado colindantes a las mega estructuras, sino que también
de los malls se habría convertido en un espacio do- generando gravitaciones -- de capital, de visitantes,
mesticado y re-significado por sus usuarios. La trans- de usos complementarios -- que afectarían la imple-

Figura 5:
Domesticación
del espacio
comunitario
del mall y
percepciones
del espacio
pseudo-público en
usuarios (Fuente:
Grahan 2010).

38 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


artigos

Figura 6: Acceso
peatonal a Mall
Plaza Vespucio,
primer mall para
clases medias en
Santiago (1990) y
actual subcentro
intermodal (De
Simone).

mentación de los planes de ordenamiento territorial de los procesos de urbanización y sus servidumbres
a escala municipal y metropolitana, la cual ya no po- territoriales a ritmos muy superiores a los del cre-
dría abstraerse de los efectos positivos y/p negativos cimiento de la población y de su renta disponible”
que este tipo de inversiones tiene a mediana y gran (2010: 14). Basado en una articulada conjunción del
escala. Esta dimensión del urbanismo de retail ope- urbanismo de retail con sistemas de financiamiento
rado desde la lógica del capital, habría influido en la crediticio para los clientes, la demanda de consumo
expansión y reestructuración socio-demográfica de la de la población puede así alcanzar ritmos acelerados
ciudad de Santiago de Chile en los últimos treinta de expansión, aun cuando en términos demográficos
años. dicha población se mantenga o aumente muy leve-
mente.
El producto urbano de estas geografías de retail,
SANTIAGO DE CHILE: según Naredo, es una ciudad que se construye por
MERCANTILIZACIÓN vías del mercado, y que se caracterizaría por tres ten-
INMOBILIARIA Y LA dencias globales: 1) un modelo territorial polarizado
INFRAESTRUCTURA FÍSICA en núcleos atractores de población, capital y recursos
DEL NEOLIBERALISMO que se organiza en torno a áreas de abastecimiento y
consumo; 2) un modelo urbano de la conurbación
¿Como analizar el impacto de las geografías de retail difusa (urban sprawl, cittá difusa), expandida por el
en la reciente evolución urbana de Santiago de Chile? territorio en base a densas infraestructuras de trans-
Siguiendo el diagnóstico de Naredo para el caso porte; y 3) un modelo constructivo universal de in-
español (2010), los volátiles sistemas de mercantiliza- fraestructura edilicia que abstrae las condicionantes
ción de la ciudad, cuando se empatan con un marco contextuales para unificar, en un único estilo, las edi-
ideológico y cultural promotor del capitalismo ur- ficaciones de distintos lugares del mundo.
bano, suscitarían modelos territoriales y urbanos Los fenómenos urbano-territoriales difusos, aglo-
genéricos. En primer lugar, se desarrollarían ciertas merados en nodos de consumo, que se están desar-
“patologías de crecimiento que fuerzan la expansión rollando en paralelo tanto en las áreas periurbanas

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 39


artigos

europeas como en las latinoamericanas (Indovina, dio de un cambio acelerado sin la seguridad de éxi-
1990), indican la consolidación de un modelo de to, pero con suficiente apoyo político como para ser
urbanización basado en redes de capital e informa- representativo de los cambios estructurales. No por
ción que ya no dependen de territorio en el que se nada fue sido usado como depositario de las veladas
generan (Sassen, 2001). El modelo de urbanización críticas provenientes de la izquierda, y como blanco
dispersa en torno a ciudades o a nuevos centros de de muchos otros juicios éticos y morales provenientes
abastecimiento, conocido también como metropo- del marxismo más duro y también de la aristocracia
lización expandida, ha dejado de ser indicativo de católica (Salcedo y De Simone, 2013).
las ciudades norteamericanas --símbolo de la subur- Como fundamento de la reestructuración de la
banización de postguerra --, para ser un fenómeno sociedad chilena, los patrones de consumo nortea-
también reconocible en los asentamientos de origen mericanos fueron el ingrediente básico de la fórmula
latino (Secchi, 2001). Si bien con características muy que los “Chicago Boys” usaron para activar la econo-
distintas entre sí, tanto regiones sudamericanas como mía chilena, y tuvieron la suficiente pregnancia como
mediterráneas dan señas de un nuevo modelo de con- para mantenerse vigentes en los años posteriores al
sumo de tierra por décadas asociado a los suburbios plebiscito que puso término a la dictadura (1989).
norteamericanos. Para esto se incorporaron arreglos institucionales y
En este marco, los shopping malls y la infraes- políticos que dieron un impulso expansivo y acele-
tructura de consumo en general, ejemplos icónicos rador, y que lograron inscribir a Chile al mercado
de los sistemas de acumulación post-fordistas de ca- trasnacional de exportaciones e inversión extranjera
pital y de los mecanismos de circulación y absorción (Meller, 1996, FfrenchDavis, Leiva y Madrid, 1993).
de mercancías, se convirtieron en productos socio- Estas reformas tenían por objetivo reemplazar el mo-
-culturales de un modelo territorial de expansión delo de industrialización por sustitución de importa-
mundial. Estos formatos, asociados a densas redes de ciones, principal paradigma de desarrollo desde los
infraestructura de transporte de bienes y de informa- años cuarenta y mantenido por gobiernos de muy
ción (Sassen, 2001), conectan los territorios locales diversas tendencias (Agosín, 1999).
a las redes globales de transferencia de capital y de
valor. “Cuanto más globalizada deviene la economía,
más alta es la aglomeración de funciones centrales en LA TRANSFORMACIÓN
un número relativamente reducido de sitios, esto es, ECONÓMICA DE LA CIUDAD
en las ciudades globales” (Sassen, 2001:31). La elecci- NEOLIBERAL A TRAVÉS DE
ón de la localización de los lugares estratégicos donde LA INFRAESTRUCTURA DE
estas funciones centrales de consumo y producción CONSUMO
convergen, pasa a ser parte elemental del proceso de
articulación geográfica del capital global en el terri- A mediados de los 1970 en Chile, se buscó incorporar
torio local. De estas decisiones y sus efectos urbanos, la economía nacional a los mercados supranacionales
que entenderemos como “urbanismo de retail”, parti- de capital global. Los cambios en el mercado de suelo
cipan un numero reducido de actores y factores que, no se hicieron esperar, y desde el gobierno central se
para el caso chileno, muestran la alta especificidad declaró el suelo como un bien no escaso (Decreto Ley
y concentración de los procesos de construcción de 420, que en 1979 declaró la liberalización del suelo
ciudad. urbano, mediante la creación de la denominada “Área
Siguiendo a Sassen, la revisión del “aterrizaje” de de Expansión Urbana”). Los resultados revelan que la
la infraestructura de consumo a los contextos locales expansión de la ciudad de Santiago ha alcanzado ni-
y sus efectos en la organización de la ciudad permi- veles considerablemente difusos (aun cuando existen
ten examinar la evolución del mercado inmobiliario nuevas normativas que restituyeron un límite a la in-
chileno, así como también desde la busca ahondar versión periurbana). Corredores de expansión, como
en la comprensión de la actual cultura global de libre la Autopista del Sol y Autopista Radial Nor-Oriente
mercado. entre otras, han impulsado la penetración de subur-
El modelo de consumo neoliberal, materializado bios cerrados y tipologías suburbanas, aprovechando
con la llegada del primer shopping mall, fue introdu- la nueva conectividad con la ciudad, principalmente
cido en la sociedad chilena los años de la Dictadura construida en base al sistema de concesiones priva-
de Augusto Pinochet (1973-1989). El paradigma del das y a la incorporación de capital extranjero en la
neoliberalismo aplicado a escala económica, social construcción de infraestructura vial chilena (Rufián,
y urbana, se puso en marcha hacia 1975 como una 2002).
transformación radical. El mall se implantó en me- La instalación de infraestructura de consumo en

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artigos

Santiago durante los últimos años muestra la com- do estrategias de exportación de los modelos urbanos
plejización del mercado inmobiliario nacional y sus de retail a países latinoamericanos: Brasil, Colombia,
correlaciones con fenómenos de metropolización y Perú, Uruguay, Argentina.
expansión urbana vistos en otras regiones. Su rol es La urgencia de un enfoque multidisciplinario en
extensivo, tanto en los ámbitos sociales, culturales y el abordaje de los efectos y causas de las geografías de
económicos, en vista de que sus funciones se comple- retail se hace manifiesta en el momento de pensar las
jizan a la par de las nuevas significancias simbólicas consecuencias sociales de estos mecanismos capitalis-
que sus usuarios dan de ellos. tas. Queda latente la pregunta que emana de esta pes-
Más alla, la implantación de la infraestructura de quisa: ¿cómo se controla el avance irrestricto del ur-
consumo en la ciudad permite sostener la existencia banismo de retail y la ciudad del consumo? Sin lugar
de estrategias urbanas articuladas por parte de los a dudas dicha pregunta no tiene aun una respuesta,
actores del sector, con claros indicios de compren- pero urge convocar esfuerzos académicos y políticos
sión del negocio inmobiliario y sus efectos en la or- que logren hacer hincapié en la actual reproducción
ganización socio-espacial de los habitantes. Dichas de la ciudad mercantil, y evalúe las consecuencias de
estrategias, forman parte de articulaciones urbanas la trasformación de las ciudades chilena a través de
público privadas, que podemos llamar de “urbanis- enfoques sociológicos, antropológicos, económicos y
mo de retail” donde el Estado (Municipios y Minis- urbanos.
terios) ha congeniado mecanismos de capitalización
del suelo urbano a través de la instalación de mega
infraestructuras. Las lógicas de urbanismo comercial BIBLIOGRAFÍA
han generado efectos expansivos en las dinámicas in-
mobiliarias de Santiago, a la vez que cumplen roles Abramo, P. (2012) La ciudad com-fusa: mercado y
de equipamiento en periferia, y regeneración en peri- producción de la estructura urbana en las grandes
centro. Por otro lado, los cambios en los sistemas de metrópolis latinoamericanas. EURE (Santiago)
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regulatorio urbano, muy lejos de alcanzar la sofistica- representaciones de identidad juvenil en Maraca-
ción de su homologo financiero, no ha logrado regu- ibo. Políticas de identidades y diferencias sociales
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correspondiente el manejo de los impactos viales y y pavitas, skaters, lesbianas y gays. El papel del
ambientales, y las mitigaciones que estos implican consumo cultural en la construcción de represen-
(en el menor de los casos). Esta característica se ha taciones de identidades juveniles Revista Latino-
visto inmutable desde la llegada del primer mall a americana de Ciencias Sociales, Niñez y Juven-
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nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 41


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nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 43


artigos

Magda Holan Yu Chang

A Economia-Mundo Capitalista
conceitos e considerações histórico-espaciais

Resumo
Frente ao processo de rupturas impulsionado pela crise internacional de 2008, este artigo
busca entender as forças históricas que estruturam a dinâmica do capitalismo mundial.
Com esses fins, recorre-se a ideias como a “economia-mundo” de Braudel e Wallerstein,
os “ciclos sistêmicos de acumulação” de Arrighi, e os “ajustes espaciais” de Harvey. De
certo modo, todos esses pensadores fazem releituras dos universos marxista e smithiano,
permitindo a identificação de instrumentos de análise do capitalismo mundial alternati-
vos à teoria convencional.

Palavras-chave: Ajustes espaciais; Ciclos sistêmicos de acumulação; Economia-mundo


capitalista.

Abstract
In view of the processes of disruption propelled by the international crisis of 2008, this
article seeks to understand the historic forces that engineer the dynamics of global capi-
talism. With these purposes, it resorts to ideas like Braudel and Wallerstein’s “capitalist
world-economy”, Arrighi’s “systemic cycles of accumulation” and Harvey’s “spatial ad-
justments”. In a sense, all of them make their own rereading of the marxist and smithian
universes, enabling the identification of instruments for the analysis of the global capita-
lism that make up an alternative to the conventional theory.
Magda Holan Yu Chang
é graduada em Ciências Econômicas (USP)
Keywords: Capitalist world-economy; Spatial adjustments; Systemic cycles of e Mestranda do Programa de Culturas
e Identidades Brasileiras da USP. É pes-
accumulation.
quisadora visitante na Universidade de
Princeton.
____________________
Artigo submetido em 17/09/2013 magdachang@yahoo.com
artigos

INTRODUÇÃO1 Assim, o objetivo deste artigo é apresentar as


principais ideias sobre o capitalismo como sistema
Não existem grandes divergências de que a gestação mundial, revisando algumas das principais aborda-
de uma nova ordem econômica mundial está em cur- gens teóricas relevantes ao assunto e tendo em vista
so. A sustentação de uma surpreendente expansão delinear algumas ferramentas de análise úteis à com-
econômica pela China nas últimas décadas já vinha preensão doseu funcionamento. Para isso, há que
evidenciando a emergência de uma nova potência primeiramente se atentar a certos cuidados metodo-
econômica. A criação e popularização do acrônimo lógicos visando a identificar e evitar anacronismos e
“BRICs” (Brasil, Rússia, Índia e China) no início ambiguidades, como o estudo diacrônico e contex-
deste século, destacando o rápido crescimento desses tualizado dos conceitos e ideias, a questão da defi-
quatro países em desenvolvimento, veio a enfatizar nição da unidade de análise adequada à investigação
essa ampliação do horizonte de novos centros de in- científica, e outras considerações essenciais de ordem
fluência mundial. E, por fim, os despojos da maior histórico-geográfica. Nesse sentido, as referências
crise econômico-financeira desde a Grande Depres- intelectuais consistem nos argumentos de Koselleck
são evidenciaram a perspectiva de uma lenta recu- (2006) e Skinner (1969), que delineam preocupações
peração para a maior parte do mundo desenvolvido, acerca do uso dos termos e conceitos necessários à
com expectativas de anos de baixo crescimento. Ao construção de uma análise científica sobre sistemas
que tudo indica, está ocorrendo o deslocamento do com duração e espaço, sem desligá-los dos seus agen-
centro de dinamismo econômico mundial dos países tes e ambientes histórico-geográficos. Também são
desenvolvidos para os países em desenvolvimento, ou abordadas as visões pautadas no “ponto de vista da
ao menos, uma significativa redistribuição de pesos. totalidade” e da “longa duração histórica” desenvolvi-
Na realidade, no mundo inteiro, além das impli- das por Braudel (1996) e Wallerstein (2000).
cações concretas desses movimentos de reestrutura- Tendo em vista tais cuidados, faz-se útil se apro-
ção sistêmica expressos por dados estatísticos como fundar nas ideias de Braudel (1996) sobre o capitalis-
os de atividade, comércio e finanças internacionais, mo e as economias-mundo, enfatizando sua definição
também as bases ideológicas da orientação político- do capitalismo como o “lugar” da alta acumulação
-econômica dominante foram profundamente abala- do capital, para relacioná-las à estrutura conceitual
das. Não faltou no passado críticos que apontaram as da economia-mundo capitalista desenvolvida por
deficiências latentes do modelo de condução econô- Wallerstein (2000). Complementarmente, as contri-
mica neoliberal amplamente predominante na ordem buições de Arrighi (1990, 1996 e 2008) trazem uma
mundial anterior. Essas falhas foram evidenciadas síntese do funcionamento do capitalismo como sis-
pelo bruto desenrolar da crise, que se alastrou pelo tema cíclico mundial de acumulação de capital que,
planeta graças à intricada rede mundial de interações juntamente com a teoria espacial do capitalismo de
entre países fomentada pelo processo de globalização, Harvey (2005), levantam destacadas conclusões de
atingindo até mesmo nações que não estavam direta- cunho geopolítico. Em suma, por meio da reunião
mente ligadas à crise em si. e confronto das ideias desses diferentes pensadores,
Frente à importância desse processo de questiona- buscou-se realizar uma síntese instrumental das cate-
mento da ordem econômica capitalista e de ruptura gorias por eles apresentadas para melhor apreender a
de paradigmas, cumpre buscar entender as origens estrutura e dinâmica do capitalismo mundial.
e forças históricas que estruturam a sua dinâmica e
evolução cíclica. Tal avaliação é de fundamental rele-
vância para realizar um juízo das possibilidades e im- CONCEITOS, SISTEMAS SOCIAIS
plicações para a estratégia de desenvolvimento nacio- E SEUS CONTEXTOS
nal, não só para o Brasil, mas para qualquer país que
sejaminimamente integrado à economia mundial. As palavras podem permanecer sempre as mesmas,
mas os seus sentidos se alteram conforme o contexto,
o agente, o lugar ou a época. Da mesma forma, os
1 Este artigo é derivado da versão preliminar, concluída em 29
de março de 2012, do primeiro capítulo da minha Dissertação conceitos podem possuir diversas nuances e mudar
de Mestrado “A Inserção Internacional da Economia Brasilei- de conteúdos – de tal sorte que sua compreensão e
ra entre 1945-1980: Uma Análise da Interação entre Políti- uso adequado requerem a apreensão dos ambientes
ca Econômica e Política Externa”, sob a orientação do Prof. histórico-sociais em que o conceito surgiu e evoluiu,
Dr. Alexandre de Freitas Barbosa (IEB-USP). Ele também foi
apresentado na IV Conferência Internacional de História Eco-
por quem foi usado, e com quais finalidades. Ou seja,
nômica &VI Encontro de Pós-Graduação em História Econô- os conceitos unem experiências – passadas, presen-
mica, no dia 10 de outubro de 2012, em São Paulo, SP. tes e possíveis –, revelando estruturas com referencial

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artigos

empírico e duração, que justificam assim anecessida- qualquer discurso é inescapavelmente a expres-
de de se atentar à suaaplicaçãopara compor a análise são de uma intenção particular, em uma ocasião
científica. particular, direcionada à solução de um problema
particular, e, portanto específico ao seu contexto
Segundo Koselleck (2006),os conceitos podem
[...] não existem problemas perenes na filosofia.
fundamentar-se em fatores já existentes e/ou ser usa- Existem apenas respostas individuais a questões
dos como indicadores de transformações em curso, individuais (SKINNER, 1969, p. 88)
por meio de processos de “resignificação” dos termos
e de criação de neologismos. Assim, os conceitos car- Braudel (1996a), em contraste, desenvolve uma
regam uma temporalidade de conjunturas que é de abordagem de certa forma oposta à de Skinner, pelo
grande valor à ciência investigativa, pois abre as pos- menos no que diz respeito às regularidades científi-
sibilidades de revelar cas. Apesar de também destacara importância de se
um ponto de vista polêmico orientado para o pre- situar as realidades humanas conforme seu espaço e
sente, assim como um componente de planeja- duração, o autor dá um peso especial à identificação
mento futuro, ao lado de determinados elementos dos padrões recorrentes no tempo e espaço, dos ciclos
de longa duração da constituição social originados que se repetem ao longo da História e das regularida-
no passado [...]. Na multiplicidade cronológica do des tendenciais que caracterizam os fenômenos.
aspecto semântico reside, portanto, a força expres- Na realidade, todos esses autores reconhecem os
siva da história. (Koselleck, 2006, p. 101)
equívocos e ambiguidades potenciais do uso inade-
Alternativamente, Skinner (1969) também reco- quado dos conceitos e enfatizam a importância do
nhece a riqueza denotativa dos conceitos e sublinha a estudo dos seus contextos de gestação e desenvolvi-
relevância da compreensão dos ambientes e fatos que mento. Como Koselleck e Skinner, Braudel (1996a)
os envolvem. Porém, sua qualificação vai mais além também destaca a necessidade da análise do surgi-
ao criticaras abordagens pautadas em “conceitos fun- mento e da evolução histórica dos conceitos a serem
damentais”, ideias cuja perenidade e universalidade a aplicados na pesquisa científica: “as palavras-chave do
elas atribuídas trazem implícitas uma suposta inde- vocabulário histórico só devem ser utilizadas depois
pendência dos seus contextos temporais, espaciais e de interrogadas... De onde vêm elas? Como chega-
sociais. Tal abrangência absoluta acaba gerando uma ram até nós?” (BRAUDEL, 1996a, p. 201).
tendência a imputar intenções e significados inexis- Porém, ele também acredita que deve haver laços
tentes a autores e obras, que não os tiveram, nem e continuidades entre passado longínquo e tempo
poderiam ter tido, em seus ambientes de origem. presente, persuadido do valor explicativo do longo
Muitas vezes, o resultado são narrações de pensamen- prazo e confiando no desenrolar cronológico da His-
tos inexistentes, chamadas pelo autor de “mitologias” tória, porque só esta poderia apresentar evidências
históricas2. Para ele, a impossibilidade de se abordar que constituam: “Uma explicação – uma das mais
fenômenos sem definir critérios conhecidos, sem convincentes – e uma verificação, na verdade a única
contaminá-los com preconceitos e expectativas, ou situada fora das nossas deduções abstratas, das nossas
sem identificar semelhanças com experiências ante- lógicas a priori, fora até das armadilhas que o bom
riores vem a exacerbar o problema: “Nós precisamos senso não para de montar para nós” (BRAUDEL,
classificar para entender, e só podemos classificar o 1996a, p. 7).
desconhecido em termos do que é familiar.” (Skinner, É também nessa direção que Wallerstein (2000)
1969, p. 58). defende a abordagem de “longo prazo”, apontando
Desse modo, Skinner (1969) aponta dois requisi- que a ciência social não deve perder contato com a
tos metodológicos mínimos: nenhum pensador pode perspectiva histórica, pois só esta permite apreender
ter dito ou querer ter dito algo que era impossível no as estruturas sociais e suas mudanças. Em sua críti-
seu tempo e lugar; e a pesquisa não pode ser reduzida ca aos modelos abstratos e quantitativos que visam a
a uma atividade padronizante, pois as generalizações explicar o todo social sem abordá-lo historicamente,
perigam em não corresponderem adequadamente aos o autor mostra que suas falhas são facilmente evi-
eventos individuais que pretendem representar: denciadas pela realidade empírica da História. Indo
mais além, o autor avalia que as partes de um todo
2 Skinner (1969) destaca três “Mitologias”: a “das doutrinas”, não devem ser isoladas, devendo-se manter sempre o
em que uma doutrina determina a investigação,sendo atribu- “ponto de vista da totalidade”, fundamento sobre o
ída a autor que não poderia tê-la concebido ou usado; a “da qual ele constrói todo um arcabouço teórico sobre as
coerência”, em que a inconsistência é vista como inconcebível,
levando à busca exaustiva por uma coerência inexistente; e a
“totalidades históricas”, um modelo alternativo para
“da prolepse”, em que um significado específico determina a a análise comparativa dos fenômenos sociais.
análise, levando a entender o sentido esperado e não o efetivo. Portanto, esses autores nos ensinam que a pre-

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venção de anacronismos na pesquisa científica re- cialismo. A partir de então, Braudel (1996a) aponta
quer alguns cuidados metodológicos essenciais. A que o termo vai ficando cada vez mais carregado de
compreensão mais completa dos termos e conceitos sentidos, ambiguidades e contradições.
só é possível com informação externa a eles, pois seu De todos, os historiadores foram os mais seduzi-
significado e uso podem mudar conforme o espaço e dos pela palavra nova [...]. Sem se preocuparem
o tempo. É necessário ultrapassar a análise do signifi- com anacronismos, abriram-lhe todo o campo da
cado do que está escrito e buscar a intenção por trás: prospecção histórica, a antiga Babilônia e a Grécia
por que, quando, para quem e por quem foi escri- helenística, a China antiga, Roma [...]. Os maiores
to? Ou seja, os termos e as ideias não devem perder nomes da historiografia recente... estão implicados
nesse jogo que viria a desencadear uma autêntica
contato com seus autores, contextos e públicos, nem
caça às bruxas. (Braudel, 1996a, p. 206)
com as questões que procuravam responder quando
foram concebidas, reforçando-se assim a relevância Não há dúvidas, portanto, que se trata de um
do estudo da evolução das circunstâncias históricas termo que foi incorporando conotações econômicas,
dos conceitos. sociais e políticas ao longo da história. Para Braudel
(1996a), é certo se tratar de um regime centrado no
capital–conceito que ele considera ser tudo aquilo
O CAPITALISMO COMO LUGAR: que circula para regressar trazendo mais de si mesmo,
AVISÃO DE BRAUDEL independente de estar relacionado ou não às esferas
produtivas. Ou seja, todo bem usado para estimular
Tendo em vista a importância de atentar aos usos e trocas comerciais, pagar aluguéis, insumos e salários
significados dos termos e conceitos, e iniciando pelo utilizados no processo produtivo, e quaisquer outros
termo central aos propósitos deste artigo, capitalis- usos, desde que visasse a multiplicar o capital inicial
mo, Braudel (1996a) realiza uma detida investigação aplicado.
acerca dos vocábulos-chave que no geral permeiam as Com essa visão de capital, o autor situa o capita-
análises sobre o assunto, concluindo que ser uma pa- lismo como o “lugar” da alta reprodução de capital
lavra tão “ambígua, pouco científica e usada a torto e e do investimento. Por essa definição, o capitalismo
a direito” (p. 199), que seu uso só não seria eliminado teria existido desde tempos muito remotos – mesmo
pela falta de substituta melhor. na época pré-industrial, apesar de ocupar então uma
Assim, sua controvérsia justifica o estudo da evo- modesta e pequena parte da vida econômica.
lução histórica de duas palavras anteriores e intima- Apesar de reconhecer a visão de Marx e Dobb
mente relacionadas: capital e capitalista. A primeira, do “capitalismo como o sistema em que ocorre a
capital, parece ter adquirido o sentido de “fundos de mercantilização do trabalho”, relacionada ao capital
bens ou dinheiro que rendem juros” na Itália entre integrado à esfera da produção sobre relações de tra-
os séculos XII e XIII, enquanto capitalista teria sur- balho assalariado, Braudel (1996a) considera ser essa
gido no século XVII relacionado a indivíduos com apenas uma das várias manifestações do capitalismo.
recursos, e aos poucos foi ganhando a conotação de Para o autor, a comum identificação do capitalismo
“fornecedores de dinheiro”, pessoas providas de re- com o modo de produção industrial decorre da am-
cursos e prontas a usá-los para obterem mais. Porém, pla difusão de análises reduzidas a uma “ortodoxia
nota Braudel (1996a), mesmo logo após a Revolu- pós-Marx”, segundo a qual não teria havido capita-
ção Francesa o vocábulo ainda não era usado para lismo antes da Revolução Industrial. Em sua concep-
designar o empresário, o agente que detém capital e o ção, o “modo de produção industrial” e o trabalho
investe na produção. assalariado não são particularidades essenciais e in-
Por fim, capitalismo é o mais recente dos três ter- dispensáveis do capitalismo, mas sim a sua concen-
mos. Mesmo no século XIX seu emprego era raro, tração no “lugar” do investimento e da alta taxa de
sendo ignorada por Marx em 1867. Teria sido no iní- reprodução de capital. Se o capitalismo permaneceu
cio do século XX que o vocábulo adquiriu sua nuance restrito a determinadas atividades antes de sua fase
política3, sendo invocado como antônimo para so- industrial, não estendendo sua influência para o resto
da economia, era porque faltavam oportunidades de
lucro mais atrativas para tal se suceder.
3 Tal conotação foi lançada nos meios científicos pelo livro O problema-chave – por que um setor da socie-
de Werner Sombart (1902) Der moderneKapitalismus. Brau- dade de ontem, que era capitalista, viveu em sistema
del nota que, mesmo assim, a palavra foi depois incorporada
de tal modo ao modelo marxista, que muitos consideraram
fechado e não pôde expandir-se? – seria solucionado
“escravismo, feudalismo, capitalismo” como etapas definidas pela constatação de que talvez essa fosse a condição
por Marx. para sua sobrevivência, pois poucos setores permi-

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tiam uma relevante formação de capital, os demais divisão do trabalho. O problema dessa concepção é
sendo não rentáveis4. Assim se explica, segundo que o mercado nem é um fenômeno imune a influ-
Braudel (1996a), porque o capitalismo do passado ências externas, nem corresponde ao conjunto de to-
foi essencialmente “mercantil” e “não industrial”, e das as atividades econômicas em sua tendência a criar
porque alguns setores capitalistas do passado viveram uma unidade mundial.
em sistemas fechados, porém“sempre atentos”a opor- Para Braudel (1996b), a economia de mercado
tunidades de outros lugares mais rentáveis. foi se formando aos poucos ao longo do tempo, sem
Em sua tentativa de compreender as lógicas e abarcar toda a economia ecoexistindo com outras for-
estruturas capitalistas, Braudel (1996b) propõe um mas econômicas, entre elas o capitalismo, em relações
vocabulário teórico visando a situá-las conforme seu dinâmicas e variáveis ao longo da História. Porém, a
espaço e duração. Enquanto a duração refere-se à sua tendência era que economias locais fossem se organi-
escolha pela longuedureé, o espaço explica-se por co- zando em cadeias de mercados regionais, constituin-
locar “em causa ao mesmo tempo todas as realida- do economias de mercado inclinadas a se voltar para
des da história, todas as partes envolvidas” (Braudel, um mesmo centro de atração e dinamismo. Este por
1996b, p. 12). Destarte, o autor propõe o conceito de sua vez se empenhava em tomar essas redes de mer-
economia-mundo, definida como uma parte econo- cados, remodelando-as conforme suas necessidades e
micamente autônoma do planeta, capaz “de bastar-se integrando-as à sua dinâmica: “é como se a centrali-
a si própria [...] a mais vasta zona de coerência, em zação e a concentração de recursos... se processassem
determinada época, em uma região determinada do necessariamente a favor de certos lugares de eleição
globo”5 (Braudel, 1996b, pp. 12-13). da acumulação.” (Braudel, 1996b, p. 26).
Porém, essa unidade econômica não é homogênea Destarte, em sua concepção, o capitalismo esco-
em seu interior, podendo coexistir formas muito dife- lhe “locais” de intenso dinamismo econômico e vai
rentes como o capitalismo e a economia de mercado. interligando as demais formas e regiões econômicas
Aliás, uma ambiguidade recorrente é a identificação em torno das suas atividades “de eleição”. Nessa es-
entre as duas, que na verdade não se confundem. En- trutura da economia-mundo, além da “economia de
quanto, na definição de Braudel o capitalismo é o mercado” e do “capitalismo” haveria ainda um ter-
local da rápida reprodução de capital, a economia de ceiro setor enorme, “a não economia”, no geral de
mercado é o sistema de trocas em que há flutuação atividades não monetárias. Esses três setores foram se
e consonância de preços entre mercados de uma de- ordenando no espaço em uma hierarquia de poder
terminada zona. Segundo o autor, a palavra merca- econômico, tendo o capitalismo como o topo, a eco-
do também é muito usada equivocadamente, por ser nomia de mercado como o miolo, e a não economia
aplicada em um sentido bastante amplo a todas as como a grande base.
formas de troca. De certo modo, tal se deve à visão Na realidade, o autor destaca que, neste processo
clássica do mercado autorregulador e promotor do de “centralização e concentração”, houve sempre uma
crescimento, que por meio de suas trocas racionais aliança fundamental entre os detentores do capital e
iria interligando as diferentes regiões, assegurando o o poder político para garantir o funcionamento do
equilíbrio das atividades econômicas e regulando a sistema em prol de seus interesses, de tal modo que
essa hierarquia econômica se expressou também
4 Diante da difusão dessa visão “pós-Marx”, Braudel (1996a) como uma hierarquia política e regional. Tendo em
pondera se de fato ocorreu uma mutação no conteúdo da pa- vista que as economias-mundo existem desde tempos
lavra capitalismo relacionada à Revolução Industrial. Com remotos, Braudel (1996b) realiza comparações entre
esses fins, ele resgata a pesquisa de Simon Kuznets, segundo o
elas visando a esclarecer o seu funcionamento, identi-
qual não houve mudança brusca da taxa de poupança na era
moderna (suposta incentivadora da expansão industrial). Se ficando duas regras tendenciais: primeiro, há sempre
a explicação não estava no lado da poupança, talvez estivesse uma hierarquia entre zonas desiguais pobres e ricas,
no do investimento: de fato, boa parte da formação de capital com um centro mais próspero polarizando as demais.
bruto antes da Revolução Industrial não era durável (constru- Segundo, o núcleo capitalista está sempre em compe-
ções e ferramentas frágeis), decorrendo em uma formação de
tição com outros aspirantes à liderança, de modo que
capital líquido muito menor do que nas sociedades modernas.
Ou seja, a Revolução Industrial permitiu tornar o capital fixo os centros são substituídos ao longo do tempo. Tam-
muito mais duradouro e aperfeiçoado, alterando radicalmente bém não foram sempre do mesmo tipo e estrutura, se
as taxas de produtividade. diferenciando entre si nos seus arsenais de dominação
5 Essa coesão relaciona-se especificadamente à vida econômi- econômica e política.
ca, podendo as economias-mundo abarcar sociedades, cultu-
ras e soberanias políticas diferentes, transcendendo as frontei-
Portanto, apesar de suas grandes desigualdades
ras entre civilizações e criando uma unidade de integração no internas, a economia-mundo conserva uma unida-
seu espaço. de de coesão em torno do dinamismo do seu centro,

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em uma coexistência tensa entre zonas econômicas titui uma proposta alternativa a dois métodos opostos
que determinam um equilíbrio instável do conjunto. de análise – o nomotético e o idiográfico. Enquanto
Cabe destacar que, para Braudel (1996b), essas de- o primeiro tende à generalização ao defender que de-
sigualdades econômicas não são fruto de “vocações vem existir leis que expliquem os fenômenos como
naturais”, mas expressam a consolidação de situações regularidades e não produtos do acaso; o segundo
lentamente estabelecidas, em uma história de subor- parte do pressuposto de que tudo está sempre mu-
dinações e relações de força desiguais6– uma visão dando, impossibilitando repetições e generalizações.
que, de certo modo, difere da posição de Wallerstein A metodologia proposta por Wallerstein (2000) seria
(2000), para quem as desigualdades são raiz e causa uma “via intermediária” entre esses dois métodos, por
do desenvolvimento capitalista, e da própria econo- investigar “quadros sistêmicos, bastante longos no es-
mia-mundo capitalista. paço e no tempo para conter as ‘lógicas’ que deter-
minam a maior parte das suas trajetórias, enquanto
simultaneamente reconhece-se que esses sistemas têm
A ECONOMIA-MUNDO início e fim, não sendo, portanto, fenômenos ‘eter-
CAPITALISTA: A CONTRIBUIÇÃO nos’”. (p. 136)
DE WALLERSTEIN Destarte, o autor construiu um modelo teórico
alternativo para realizar a análise comparativa, pro-
A mesma ênfase no longo prazo de Braudel justifica a pondo como unidades de análise estruturas sistêmi-
definição de Wallerstein (2000) das “totalidades his- cas localizadas no tempo – os sistemas sociais. Ele
tóricas” como as unidades de análise adequadas aos identifica dois tipos de sistemas sociais na História,
interesses da pesquisa social. Para ele, apesar de nas diferenciados pela sua estrutura (“ciclos” ou “ritmos”)
análises de longos períodos ser necessário dividir o e padrões de transformação interna (“tendências se-
horizonte temporal para observar as mudanças de um culares”): os minissistemas e os sistemas-mundo.
segmento a outro, não se pode jamais perder o “pon- Enquanto os minissistemas foram caracterizados
to de vista da totalidade”. Isso porque as fases não por um sistema cultural único, os sistemas-mundo
são discretas, mas contínuas, constituindo etapas de podiam apresentar múltiplos sistemas culturais, divi-
um processo cuja evolução não pode ser determinada dindo-se em dois subtipos: os impérios-mundo e as
a priori, mas só pode ser percebida a posteriori. Ou economias-mundo, cuja principal diferença é a pre-
seja, elas não fazem sentido abstraídas de suas irmãs e sença de um sistema político comum no primeiro, e
do seu todo, só sendo compreensíveis se vistas dentro a sua ausência no segundo.
do conjunto do qual fazem parte, como segmentos Para Walllerstein (2000), o capitalismo sempre foi,
interligados de uma unidade total. desde suas origens, um sistema social de economia-
O mesmo raciocínio é aplicado pelo autor ao es- -mundo, não limitado a nações ou regiões. Sua prin-
tudo das partes integrantes de um sistema internacio- cipal característica seria uma divisão internacional do
nal, como países ou regiões específicas, defendendo trabalho em expansão, impulsionada pelo objetivo de
que esses não podem ser adequadamente entendi- lucros comerciais nos mercados mundiais. À medida
dos isolados da dinâmica regional ou internacional que as diferentes regiões fossem sendo incorporadas,
em que estão inseridos. Destarte, devem ser sempre produções especializadas seriam nelas desenvolvidas
abordados como partes de totalidades, que Wallers- conforme as dotações de recursos locais, originando
tein (2000) define como “sistemas sociais”, entendi- uma hierarquia de regiões desiguais sustentada por
dos como a menor “rede” de atividades econômicas “trocas desiguais” entre os Estados fortes (“núcleo”)
que atende às necessidades dos seus agentes, indepen- e as áreas fracas (“periferia”), com a apropriação do
dente de elementos externos – ou seja, uma divisão excedente da economia-mundo inteira pelo seu “nú-
de trabalho própria, uma lógica que pode existir sem cleo” e a perpetuação de um processo de acumulação
uma unidade política comum, e até mesmo sem uma no núcleo e um ciclo de atraso na periferia.
cultura comum7. Destarte, para Wallerstein (2000) foi se consoli-
Wallerstein (2000) ressalta que esse modelo cons- dando uma hierarquia tripartite na economia-mun-
do, à semelhança de Braudel (1996b), em que sob
6 Ele critica a explicação de David Ricardo sobre as trocas o primado do núcleo ficavam dois estratos, o das
desiguais entre Inglaterra e Portugal: o tratado de Methuenfoi regiões secundárias relativamente desenvolvidas e o
ditado por relações de força, não de “interesses comuns”. da enorme periferia atrasada e explorada. Tendo em
7 De certa forma, Braudel (1996b) aproveitou essa visão para
conceber a sua “zona de coesão econômica”, que também não
vista essa distribuição desigual dos rendimentos, com
necessariamente implica em uma homogeneidade sociopoli- a transferência da maior parte do excedente gerado
tica-cultural. pela maioria para a minoria, porque as insurreições

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generalizadas foram raras na História, apesar do per- de Braudel de que, quando uma atividade não mais
sistente descontentamento dos primeiros contra os atende ao objetivo capitalista de lucro, ocorrem as
últimos? Segundo Wallerstein (2000), a explicação expansões financeiras, sinalizando a exaustão de um
está no papel da semiperiferia, uma camada inter- ciclo de expansão produtiva. Ou seja, o predomínio
mediária que “significa que o estrato superior não do “capital financeiro” é visto como uma tendência
enfrenta a oposição unificada de todo o resto, pois sistêmica do capitalismo, indicando a crise de um ci-
o estrato médio é simultaneamente explorado e ex- clo material e sua reestruturação8. Destarte, o autor
plorador” (p. 91). Nessa concepção, a semiperiferia identifica um padrão histórico do capitalismo mun-
torna-se uma condição à sobrevivência da economia- dial, em que épocas de expansão produtiva (“mudan-
-mundo, de essencialidade mais política que econô- ças contínuas”) se alternam com épocas de crise e
mica, garantindo uma relativa estabilidade política ao relações puramente financeiras (“mudanças descontí-
evitar a polarização extremada. nuas”). Tomando essa ideia das expansões financeiras
Assim, as tensões entre grupos sociais, nações e como fases finais dos grandes ciclos capitalistas, ele
regiões só podem ser entendidas, afirma Wallerstein decompõe a história do capitalismo mundial em qua-
(2000), tendo em vista essa estrutura da economia- tro unidades de análise chamadas “ciclos sistêmicos
-mundo capitalista, em que certos grupos buscam de acumulação”.
seus interesses tentando distorcer o mercado e se A fim de identificar os padrões evolutivos, seus
organizando para pressionar o poder político, resul- “desvios” e as condições sistêmicas que determinam
tando em alguns mais poderosos do que outros, mas a continuidade ou rompimento das tendências an-
nenhum conseguindo controlar a economia-mundo teriores, Arrighi (1996) se propõe a fazer uma aná-
por completo. Destarte, sua economia-mundo ca- lise comparativa desses quatro ciclos que, seguindo
pitalista comporta contradições intrínsecas, que de- a preocupação de Wallerstein com “as totalidades
terminam uma evolução conturbada e descontínua, históricas” como unidades de análise adequadas, não
sujeita a crises periódicas e renovações sistêmicas. são concebidos como partes subordinadas de um
todo pré-concebido ou casos independentes, mas
como partes interligadas de um processo histórico de
DOIS ESFORÇOS DE SÍNTESE: expansão mundial do capitalismo. Sequencialmen-
ARRIGHI E HARVEY te, eles se sobrepõem, e apesar de durarem cada vez
menos, todos duram mais de um século (os “longos
Assim como Wallerstein e Braudel, Arrighi (1996) séculos”).
também insiste na definição da longuedurée como o Sem presumir os ciclos, mas construindo-os fac-
horizonte temporal adequado para empreender o es- tual e teoricamente em uma análise por “compara-
tudo do capitalismo como sistema mundial, tendo ção incorporada”, o autor confirma a “mudança com
em vista que suas tendências e conjunturas no sécu- continuidade” como padrão histórico do capitalismo
lo XX – os motivos originais de sua análise – talvez mundial, alternando momentos de expansão produ-
refletissem estruturas e processos em curso desde o tiva com períodos de crise e reestruturação. E iden-
século XVI. Destarte, sua pesquisa visa a identificar tifica ainda que a história cíclica do capitalismo como
os padrões evolutivos que acredita terem permeado a sistema mundial está intimamente relacionada à cria-
história do capitalismo mundial como meio de me- ção do sistema de Estados nacionais moderno, cons-
lhor compreender as suas lógicas e funcionamento. tituindo ambos dois processos interdependentes. Isso
Fundamentando-sena noção braudeliana de que porque a expansão mundial do capitalismo ocorreu
a característica essencial do capitalismo sempre foi a sob a liderança de certos agentes governamentais e
“flexibilidade” para transitar por diversas atividades empresariais, de tal modo que os seus ciclos sistêmi-
econômicas conforme as oportunidades de lucro – e cos de acumulação refletiram as estratégias e estrutu-
não as formas específicas e concretas assumidas em ras desses agentes.
diferentes lugares e momentos, como a industriali-
zação no século XIX –, Arrighi (1996) aponta que
8 Arrighi (1996) também expressa esse raciocínio pela clássica
a eleição pelo capitalismo, a cada momento, de um fórmula de Marx, DMD’: na lógica capitalista, o capital-di-
“local” da mais alta reprodução do capital, sempre foi nheiro D (liquidez) pode ser investido em qualquer atividade
um movimento de “mudança com continuidade”, na produtiva M (rigidez), mas sempre visando à ampliação do
medida em quetais “locais” foram sendo trocados ao capital-dinheiro inicial D’ (liquidez acrescida), e não à produ-
longo da história por outros de maior rentabilidade, ção propriamente dita. Ou seja, a produção é apenas um meio
em que a liquidez é empregada para gerar mais liquidez, de
em uma relação instrumental do capitalismo com os modo que quando seu potencial de lucro se esgotasse haveria
modos de troca e produção. um retorno à liquidez até que outro meio mais rentável fosse
Além disso, Arrighi (1996) ainda retoma a noção encontrado.

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Na realidade, assim como Braudel, Arrighi (1996) pela contradição, com os dois tendo se desenvolvido
considera que os agentes de iniciativa capitalista já juntos de forma complementar e dependentes um do
existiam “em toda parte, do Egito ao Japão” (p. 11), outro, mas também antagônicos e conflitantes entre
mas só na Europa depois de 1500 eles começaram a si. Se por um lado a competição interestatal pelo ca-
se concentrar por meio de processos históricos que pital criou oportunidades de expansão ao capitalis-
impeliram as nascentes nações europeias à conquista mo, por outro lado os conflitos entre Estados às vezes
territorial do mundo, iniciando a formação de um oneraram o capitalismo ao degenerarem em comba-
capitalismo mundial. Ou seja, a transição relevante tes bélicos e na destruição de recursos.
não seria a do feudalismo ao capitalismo, mas a da Portanto, as relações entre capitalismo e Estado
iniciativa capitalista dispersa à concentrada, possibili- podem assumir diversas formas e ligações, de modo
tada pela aliança entre o Estado e o capital: “O capi- dinâmico e variável, tendo implicações diferentes
talismo só triunfa quando se identifica com o Estado, para o funcionamento e evolução do sistema mun-
quando é o Estado” (Braudel, 1984 apud Arrighi, dial de governo e acumulação de capital. Para Arri-
1996, p. 11). ghi (1996), o limite de muitas análises e razão do seu
Destarte, a emergência e expansão do capitalismo baixo poder explicativo está na não abordagem desses
são vistos como dependentes do poder estatal, cons- aspectos da “tecnologia de poder” do capitalismo,
tituindo-o assim na antítese da economia de mercado sendo considerações restritas à avaliação convencio-
– em contraste à comum identificação entre eles, e nal do “territorialismo”10.
com o Estado em oposição a ambos. Apoiado pelo De certo modo, Harvey (2005) se debruça sobre
poder político, o capitalismo foi se afirmando como essas mesmas questões, mas com um olhar diferente,
a camada superior da economia-mundo, provendo a destacando o papel do espaço e da geografia na estru-
“força” político-economica para estruturar a distri- tura e dinâmica do capitalismo, e as implicações deste
buição de custos e benefícios entre a economia de sobre as paisagens geográficas. Em sua interpretação,
mercado e as “não economias”. No entanto, o autor o capitalismo é um “sistema de circulação de capi-
aponta que essa hierarquia e as relações entre as par- tal que tem o lucro como objetivo direto” (p. 129),
tesda economia-mundo alteram-se continuamente envolvendo em seu funcionamento infraestruturas
no tempo e no espaço, movidas pela luta perene por físicas e sociais que compõem espaços de produção
maiores rendas na divisão internacional do trabalho. e consumo, com profundas implicações geopolíticas.
Em especial, Arrighi (1996) destaca que as alian- Assim, com o objetivo de analisar as consequências
ças com as forças capitalistas eram intensamente dis- geopolíticas do sistema capitalista mundial, o autor
putadas pelos Estados, em uma competição interes- propõe a criação de uma teoria da geografia histó-
tatal pelo capital circulante que foi crucial para criar rica do capitalismo11: “uma teoria geral das relações
oportunidades ao capitalismo e fortalecer os grupos espaciais e do desenvolvimento geográfico sobre o
que lideraram os regimes de acumulação capitalista. capitalismo, que possa [...] explicar a importância e
Foi a concentração do poder capitalista nesses gru- evolução das funções do Estado, do desenvolvimento
pos que proveu capacidade suficiente para controlar geográfico desigual, das desigualdades inter-regio-
a competição interestatal e garantir um mínimo de nais” (Harvey, 2005, p. 144).
cooperação entre os Estados em prol da expansão ca- Para esse autor, a principal contradição do capi-
pitalista. Portanto, as duas condições fundamentais à talismo surge do seu dinamismo tecnológico e orga-
expansão do capitalismo mundial foram a competi- nizacional, decorrente da competição intercapitalista
ção interestatal pelo capital circulante e a formação e da sua permanente busca pela redução do tempo
de grupos com capacidade para promover e controlar necessário para obtenção do lucro, que implica na
a acumulação de capital9.
Na realidade, Wallerstein (2000) mostra queo 10 Segundo o autor, “capitalismo” e “territorialismo” são mo-
vínculo histórico entre capitalismo e sistema moder- dos opostos de lógica de governo e poder: no primeiro, poder
no estatal foi marcado tanto pela unidade quanto é medido pelo controle sobre o capital circulante, tendo as
expansões territoriais como meios de potencializar a acumula-
ção de capital (DTD’). Já no segundo, poder se mensura pelas
9 Apesar de se referirem ao sistema como um todo, cada ciclo dimensões relativas, autossuficiência e força militar, sendo a
de Arrighi (1996) é identificado a partir desua unidade central acumulação de capital um meio para auferir esses elementos
de acumulação de capital: o genovês (séculos XV-XVI); o ho- (TDT’).
landês (XVI-XVIII); o britânico (XVIII-XX) e o norte-ameri- 11 Segundo o autor, a Geografia foi “desprezada” em “toda a
cano (XIX em diante). Todos eles tiveram seus quatro Estados teoria social”, que tendeu a priorizar a História por considerar
capitalistas dominantes, tendo intercalado fases de expansão o espaço como um contexto dado e estável, não problemáti-
material com fases de expansão financeira e reestruturação. co. Assim, as estruturas e relações espaciais sempre foram, no
Sequencialmente, cada ciclo abarcou dimensões, recursos, po- geral, ajustadas ad hoc às análises, como redefinições externa-
derio e alcance maior que seu predecessor. mente impostas.

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substituição do trabalho e infraestruturas produtivas lismo busca criar e moldar a paisagem física e social
existentes. Assim, a crise se expressa com a não ab- às suas necessidades em um instante, para destruí-la
sorção dos excedentes de trabalho e capital, gerando no posterior, sempre reformulando as estruturas ge-
desemprego e capacidade ociosa (“estado de supera- ográficas.
cumulação”). Por fim, a tendência é de desvalorização Uma importante consequência dessa dinâmica
e destruição da infraestrutura social e física que ficou é o surgimento de “alianças regionais de classes”, à
inativa, propiciando tensões e o surgimento de novas semelhança das alianças entre Estado e capital de Ar-
formas políticas e ideologicas. righi, Braudel e Wallerstein, formadas em resposta à
Porém, aponta o autor, esses problemas podem necessidade de defender as comunidades e valores de
ser temporariamente contornados por meio de re- coerências já estruturados em um espaço. Elas dife-
organizações geográficas ou tecnológicas, chamadas rem conforme os grupos de interesses, as condições
por ele de “deslocamentos espacial” ou “temporal”. locais e objetivos, podendo ter múltiplas relações
O deslocamento temporal pode se dar, por exemplo, com o Estado e suas instituições – de tal modo que
por meio de investimentos de longo prazo usados os processos de lutas de classes ganham um novo sig-
para absorver os excedentes disponíveis no sistema. nificado, e as crises capitalistas podem degenerar em
No entanto, essa absorção é comprometida pela exis- conflitos bélicos com importantes implicações geo-
tência de fricções no uso intersetorial de recursos políticas.
(capital e trabalho são heterogêneos, diferenciando- Nesse contexto de alianças regionais, as tentativas
-se por liquidez e proficiência técnica) e pelo risco de de contornar temporariamente as crises por meio de
não maturação desses investimentos. Ou seja, a crise deslocamentos temporais e espaciais ganham novos
pode ser adiada, mas não se torna inevitável. significados – como os “ajustes espaciais”, que im-
Já o deslocamento espacial diz respeito à expansão plicam em mudanças na configuração dos territórios
ou reestruturação dos espaços geográficos, podendo soberanos. Um exemplo destacado pelo autor é a
ocorrer por meio da exportação ou importação de ex- exportação dos excedentes de capital e trabalho para
cedentes, da eliminação de “limites espaciais” ou da construir novas capacidades produtivas em outras
transformação das relações geográficas. Para Harvey áreas (as colônias), uma empreitada que permite uma
(2005), o conhecimento desses fenômenos é funda- expressiva absorção de excedentes ociosos. Porém,
mental à construção da sua teoria da geografia his- Harvey (2005) pondera que eventualmente a “nova”
tórica do capitalismo e à compreensão da dinâmica economia poderá tender à sua própria coerência es-
capitalista, pois: trutural e aliança de classes regional, sendo vítima das
Suspeita-se... que, no século XX, a sobrevivência contradições da sua própria circulação de capital. Ou
do capitalismo foi assegurada apenas pela trans- seja, ela se tornará instável e terá que fazer seus pró-
formação das relações espaciais e pela ascensão prios ajustes, podendo até entrar em competição com
de estruturas geográficas específicas (como centro a nação “mãe” (como foi o caso dos EUA em relação
e periferia, primeiro e terceiro mundos). As ‘on- ao Reino Unido).
das inovadoras’, que outros autores... consideram Novamente, a desvalorização é inevitável, a não
fundamentais para a absorção dos excedentes de
ser que novas regiões sejam abertas. Porém as con-
capital e trabalho... tinham, muitas vezes, tudo a
ver com a transformação do espaço: as ferrovias, as tradições permanecem, e em algum momento irrom-
telecomunicações... (Harvey, 2005, pp. 142-143) perão em crise: “A consequência... é difundir as con-
tradições do capitalismo em esferas sempre maiores”
Em outras palavras, a circulação do capital vai (Harvey, 2005, p. 156). Ou seja, os “ajustes espaciais”
construindo uma “coerência estruturada” de pro- permitem adiar as crises, porém estas não podem ser
dução e consumo em um espaço. Apesar de funda- evitadas eperigam em tornar o processo de crise con-
mentadas em estruturas fixas, elas não são imutáveis, vencional (superacumulação, desvalorização e des-
sendo sensíveis às tensões inerentes à circulação do truição de excedentes, tensões sociais) um processo
capital12, tendendo a reestruturações recorrentes, em de crise mais global pautado por embates e conflitos
uma instabilidade crônica. De certo modo, o capita- econômicos, políticos e militares entre nações.

12 Por exemplo, a superacumulação de excedentes e a luta de CONCLUSÃO


classes podem pressionar o deslocamento do capital e/ou tra-
balho; a dinâmica tecnológica e organizacional pode alterar os Boa parte das dificuldades para compreender o ca-
limites territoriais, tornando-os instáveis e porosos; e as novas
formas capitalistas de organização (como as multinacionais) pitalismo e suas múltiplas implicações reside na
podem aumentar a liberdade de ação dos agentes privados e inadequação das ferramentas conceituais utilizadas
abalar os espaços soberanos nacionais. para avaliar o seu universo sem preconceitos ou am-

52 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


artigos

biguidades. Destarte, buscou-se apoio nos estudos Europa moderna, graças às alianças firmadas com o
de alguns importantes pensadores do assunto, que poder político, o capitalismo logrou alçar-se ao topo
apesar de assumirem posturas ora discordantes, ora da divisão social do trabalho que se estendeu pelo
complementares, em seu conjunto de ideias revelam mundo, porém de modo cíclico e instável, e acima
uma grande riqueza elucidativa. de tudo, notadamente flexível ao promover sucessiva-
Não se pretendeu realizar uma síntese completa mente novos ciclos sistêmicos de acumulação de ca-
de todos os autores citados, um empreendimento de pital, com seus respectivos novos centros de sempre
certo útil, mas que foge ao escopo deste artigo. Inten- crescente dinamismo econômico.
tou-se apenas uma síntese das categorias abordadas
que dialogam entre si, mantendo em mente que se
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tratam todos de escritores “de sua época”, cujos textos
possuem local e data de concepção, e que carregam ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim: ori-
consigo fortes contextos ideológicos. Assim, a con- gens e fundamentos do século XXI. São Paulo:
traposição de suas visões não pode prescindir de um Boitempo Editorial, 2008.
esforço de descategorização e revisão de pressupostos. ______. O Longo Século XX: dinheiro, poder e as
Na realidade, de certa forma cada um desses pes- origens do nosso tempo.São Paulo: EditoraU-
quisadores já realiza um esforço de reler, resignificar nesp, 1996.
e dar novas aplicações aos conceitos e ideias desen- ______. The Developmentalist Illu-
volvidas por seus antecessores ou contemporâneos: sion: A Reconceptualization of the
é inegável, por exemplo, o diálogo entre Braudel e Semiperiphery. In: Martin, W. G. (ed.). Semipe-
Wallerstein; a interlocução de Arrighi com os dois e ripheral States in the World Economy. Westport
Smith; e a releitura que todos eles fazem de Marx. (CT): Greenwood Press, 1990.
Assim, fica claro que o capitalismo, tema central a BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Econo-
todos eles, é carregado de diferentes interpretações mia e Capitalismo – Séculos XV-XVIII. Volume
– políticas, econômicas e sociais –, a depender das 2: Os Jogos das Trocas. São Paulo: Martins Fon-
hipóteses, períodos históricos e espaços geográficos tes, 1996.
de referência. ______. Civilização Material, Economia e Capital-
Em suma, parece ficar claro que o capitalismo ismo – Séculos XV-XVIII. Volume 3: O Tempo
constitui uma forma econômica entre várias, como do Mundo. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
a economia de mercado e a “nãoeconomia”, que não HARVEY, David. A produção capitalista do espaço.
se confundem e que conviveram ao longo da his- São Paulo: Annablume Editora, 2005.
tória por meio de relações dinâmicas e variáveis, a KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: Contri-
depender de diferentes fatores como os interesses e buição à semântica dos tempos históricos. Rio de
capacidades das alianças de classe regionais historica- Janeiro: Editora PUC Rio, 2006.
mente desenvolvidas. Ou seja, são muitos os padrões SKINNER, Quentin. Visions ofpolitics: Volume I:
de desenvolvimento possibilitados pelo convívio en- Regarding method. Cambridge: Cambridge Uni-
tre as várias formas econômicas em constante mu- versity Press, 2002.
tação, com diferentes implicações sobre o espaço e WALLERSTEIN, Immanuel. The Essential Waller-
importantes consequências geopolíticas. No caso da stein. New York: The New Press, 2000. ▪

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 53


especial

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro


Nelson Rojas de Carvalho

2014: O que esperar das ruas?


Silêncio ou mobilização?

O
primeiro semestre de 2013 ra brasileira” se notabilizou por sua
deve, sem dúvida, ser consi- amplitude e caráter inesperado, cabe
derado como ponto inédito assinalar que a primeira fase do movi-
de inflexão na história recente do País: mento refluiu no horizonte de meses,
tendo por elemento deflagrador o pro- dando lugar a uma rua mais radicali-
testo contra elevação das tarifas de ôni- zada e violenta, tanto no que se refere
bus em São Paulo, milhões de jovens à orientação dos manifestantes, como
saíram às ruas em escalada crescente à resposta dos agentes policiais. A rua
tanto em número de ativistas quanto radicalizada e policiada – onde black
na extensão da pauta de suas deman- blocs assumiram lugar de protagonismo
das. Enquanto o movimento de ocupa- – teria deslocado e neutralizado – para
ção das ruas se disseminou em processo muitos, com o estímulo ou anuência
viral por centenas de cidades brasilei- velada dos poderes estabelecidos – uma
ras, a agenda de reivindicações e críti- rua politizada, sem direção, e poten-
cas se ampliou em forma espiral: ao cialmente perigosa. A ocupação recen-
tema localizado das tarifas de ônibus te dos shoppings centers por jovens da
veio se somar amplo leque de críticas, periferia paulista representaria uma
que se voltaram tanto à qualidade dos linha de continuidade, em escala redu-
serviços públicos – notadamente a pre- zida e dotada de outro conjunto de sig-
cariedade da educação e da saúde pú- nificados, de uma rua que se radicaliza,
blicas – como a uma pauta de natureza para muitos, com o fim precípuo de
ética, centrada nas manifestações mais neutralização do retorno da primeira
ostensivas da natureza patrimonialis- onda das manifestações de 2013.
ta de nosso estado. A rua insurgente Nesse momento, em ano chave, em Luiz Cesar
de 2013, rua inesperada tanto em sua que o Brasil sedia o seu primeiro mega- de Queiroz Ribeiro
eclosão como em sua dimensão, se evento e em que se disputam eleições é coordenador nacional do INCT
mostrou ademais infensa a qualquer desde já polarizadas tanto no plano Observatório das Metrópoles e
direcionamento por parte dos atores nacional como nos estados, certamente professor do Instituto de Pesquisa
e Planejamento Urbano e Regional
políticos. A resposta dos governos es- uma pergunta se impõe tanto para os (IPPUR/UFRJ).
taduais e federal, embora necessária, atores políticos como para os analistas
lcqribeiro@gmail.com
esteve longe de estancar o movimento: – o que esperar das ruas deste ano: si-
o congelamento das tarifas de ônibus lêncio, mobilização ou radicalização? A
e o pacote de leis enviado pelo Execu- resposta a essa questão requer mais do Nelson Rojas
tivo ao Congresso, com propostas de que nunca a compreensão, ao menos de Carvalho
considerável relevância, como a con- uma tentativa, das forças subjacentes é professor da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro e pesquisador
sulta popular sobre a reforma política, às ruas de 2013. Esse é o esforço deste do Observatório das Metrópoles
pouco repercutiram sobre o ânimo dos ensaio na Linha sobre Governança
manifestantes. Se ainda hoje o número de indaga- Metropolitana.
Se a primeira onda da “primave- ções ultrapassa de longe as tentativas de nelsonrc@domain.com.br

54 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


especial

resposta sobre a natureza e o sentido dos movimentos focando a análise apenas nos sinais do aparente suces-
reivindicatórios que mobilizaram os jovens nas praças so do nosso presidencialismo de coalizão. Para esses
e avenidas das principais cidades do País em 2013, se analistas, o presidencialismo de coalizão bem azeita-
a cautela analítica prevalece no campo da reflexão e a do seria condição suficiente para garantir ao País as
prudência no terreno da ação das lideranças políticas, condições de governabilidade. Ora, esquecemos, com
algumas hipóteses podem e devem ser levantadas em raras exceções, de olhar para o primeiro andar de nos-
relação a duas dimensões que figuraram como novas so sistema político, a saber, para os mecanismos de
e inesperadas expressões desse movimento de natu- representação, para a capacidade de o sistema repre-
reza e extensão também inéditas: (i) a forma de ação sentativo absorver e processar as demandas sociais.
– avessa a todas as organizações associativas tradicio- Vale ainda assinalar um aspecto não menos impor-
nais, notadamente os partidos políticos, mas também tante da dinâmica política dos movimentos de 2013.
sindicatos, associações profissionais e comunitárias Tudo leva a crer que nossos indignados apresentas-
etc.  – e (ii) o objeto da ação – uma agenda difusa sem por base social jovens oriundos da classe média
de temas de orientação ética e moral, deflagrada por clássica, ou seja, os detentores de parcelas expressivas
um problema central da vida das grandes cidades – a do capital cultural da sociedade. A classe média que
precariedade do transporte público e crescente limi- desde 2004 se viu desalojada da atual coalizão de for-
tação da mobilidade urbana. Problema, por seu tur- ças no poder, a saber, coalizão que comporta as elites
no, que se alastrou para outros aspectos do cotidiano conservadoras e as pretensamente progressistas e os
das cidades brasileiras – na crítica à precariedade dos segmentos populares tradicionalmente desorganiza-
seus serviços básicos – que estão na raiz de nosso mal- dos e transformados pelos think tanks do establish-
-estar urbano. Da análise dos movimentos das ruas, ment na “nova classe média”. Em “As bases sociais
devemos destacar, antes de mais nada, que os jovens do lulismo”, André Singer mostrou com clareza a
promoveram uma associação inédita entre a crítica transformação ocorrida na base da coalizão no po-
ao nosso modelo de cidade, de um lado,  e a defesa der ao longo dos últimos anos: a classe média urbana
de valores éticos que denunciam aspectos patrimo- que constituiu a base da eleição de Lula em 2002 foi
nialistas do nosso Estado e a dinâmica excludente e substituída pelos segmentos mais pobres a partir de
segregacionista da vida de nossas cidades, de outro. 2004, com a expressiva ampliação de programas de
O descolamento e mesmo visão crítica dos jovens inclusão como o Bolsa Família e sob os impactos po-
em relação aos partidos políticos em todas as passea- líticos da sua inserção no mercado de consumo dos
tas – exclusão que não poupou novas legendas como bens duráveis. Não seria equivocado afirmar que, fora
o PSOL ou PSTU – traduz fenômeno que nem é pe- da coalizão de poder, órfã de representação política e
culiar à situação brasileira, nem representa novidade eventualmente ameaçada em suas fronteiras de dis-
para aqueles que acompanham a cena política aqui e tinção social, as ruas vocalizam em grande medida o
alhures: a crise dos pilares centrais das democracias deslocamento desse segmento social para as margens
representativas – em especial, a perda crescente de le- do esquema de poder, além da incapacidade de qual-
gitimidade do sistema dos partidos políticos, como quer força política capaz em representá-la.
instrumentos de vocalização das clivagens sociais Cabe, por fim, avaliarmos o que para muitos
e das demandas cidadãs – trata-se de fenômeno de analistas representou o aspecto mais enigmático das
anos. A deserção da militância dos partidos tradicio- ações: a forma em que jovens multiplicaram-se pelas
nais, o crescimento dos eleitores independentes, a vo- ruas, sem qualquer sinalização de lideranças caris-
latilidade partidária, o surgimento de legendas novas máticas, a partir de redes sociais, numa escalada em
e candidatos independentes trata-se de eventos que que a progressão dos números se acompanhou pela
salpicam nas principais democracias consolidadas eu- diluição e mesmo alteração da agenda inicial e pela
ropeias há pelo menos vinte anos. absoluta falta de condução. A primeira pergunta que
Cabe aqui assinalar, no entanto, que se o afasta- se faz é: trata-se de um movimento social? Cremos
mento entre o sistema político e a cidadania é ten- que não. Estamos diante de um fenômeno de ação
dência do conjunto das democracias, entre nós o coletiva, mas não de um movimento social. Este pres-
distanciamento entre a pólis e a demos parece ter as- supõe ao menos estratégia e, em alguns casos, táticas.
sumido uma dimensão inaudita. Vale aqui uma auto- As mobilizações acompanharam-se pela própria de-
crítica por parte daqueles que avaliaram a governabi- finição do significado ou dos significados últimos da
lidade de nosso sistema político tão somente a partir ação.
do segundo andar desse sistema, a saber, do exame da A forma de ação de nossos indignados não seria
articulação entre os poderes, notadamente, a partir novidade para um conjunto de analistas que tem su-
das relações entre o e Executivo e Legislativo, ou seja, gerido e verificado que concomitante à crise das ins-

nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 55


especial

tituições ganha terreno das democracias uma Nova expressão mais genuína desse espírito.
Cultura Política, que traz como traços centrais a au- Cabe, por fim, lembrarmos que o mal-estar ur-
tomobilização, em detrimento das formas clássicas bano constituiu o estopim das manifestações subse-
de ação coletiva no campo da política, a orientação quentes, mal-estar focalizado em tópico de relevância
em torno de valores pós-materialistas e a ideologia que atravessa a dinâmica das nossas cidades: a preca-
da horizontalidade (isto é, a recusa a toda e qualquer riedade do sistema de transporte e mobilidade urba-
relação vertical). A busca de reconhecimento e a au- na cada vez mais exígua. Mas, esses dois problemas
toexpressão são ingredientes adicionais presentes no são apenas a ponta de um grande iceberg mergulha-
que chamaríamos de nova cultura cívica. Se são os jo- do no sentimento de indignação dos habitantes das
vens e mulheres os principais atores portadores dessa grandes metrópoles diante dos evidentes efeitos da
nova cultura política, aqui vale uma nota sobre a pe- privatização da política. A cidade vem sendo trans-
culiaridade brasileira: vivemos momento singular de formada em máquina de produção de emprego, ren-
sua história demográfica. Os jovens de 14 a 24 anos da, consumo e votos que reproduz em nova escala
passam a compor a coorte de maior peso no conjunto e novos formatos os velhos e os novos interesses da
da população brasileira, especialmente nas metrópo- acumulação privada de riqueza e de poder político.
les, o que traz impacto e alterações substantivas na A experiência quotidiana dos moradores das grandes
dimensão do trabalho, da educação e da família. cidades produz um forte sentimento de dissociação
Sem sombra de dúvida, os atos que ocorreram aguda entre o sistema político e sociedade.  Onde é
nas ruas seguiram de maneira quase que coreografada decidia a realização das grandes obras apresentadas
o roteiro dos elementos centrais dessa nova cultura como padrão FIFA ou padrão Comitê Olímpico?
cívica: jovens movidos por uma agenda difusa de na- Quem decide? A quem recorrer quando os sucessivos
tureza pós-materialista – com a ênfase na cobrança desastres urbanos acontecem? Cabe aqui especular-
de comportamento ético das lideranças políticas –, a mos em que medida as ruas estão introduzindo uma
automobilização e a recusa de atribuição de legitimi- temática nova: a politização da questão urbana pela
dade tanto às organizações políticas tradicionais (par- enunciação das múltiplas dimensões dos conflitos se
tidos, sindicatos e movimentos organizados) como a arma em torno da produção e uso da cidade. Entre a
líderes carismáticos, com o espaço público ocupado cidade-mercadoria e a cidade-riqueza social promo-
por jovens ciosos de reconhecimento e de autoexpres- tora do bem-estar da coletividade.
são. Se essa análise tem pertinência, podemos desde Com toda certeza, esse conjunto de elementos e
já projetar uma consequência dos atos em curso: difi- de insatisfações permanece na pior das hipóteses em
cilmente pode-se esperar das ruas o renascimento da estado de latência. Não seria equivocada, ao contrá-
vida associativa como no passado conhecemos. Trata- rio, a suposição segundo a qual o mal-estar urbano –
-se de novo civismo. caldo de cultura das manifestações de 2013 – vem se
Civismo e modalidade de participação em con- agravando com o ritmo acelerado da mercantilização
gruência com o que se designa por efeito metrópole de nossas cidades, com a privatização e elitização dos
sobre a constituição do sujeito: os movimentos nas- espaços públicos, com o aprofundamento da dinâ-
cem do caldo cultural própria da metrópole. Cabe mica da segregação urbana. Ora, desde 2013, e de
aqui lembrar que, se as primeiras reflexões dos clás- forma crescente, percebe-se que as intervenções que
sicos sobre a vida nas cidades, com a de Simmel, su- prepararam os megaeventos obedecem sobretudo a
punham o aniquilamento das individualidades pela uma lógica mercantil na qual se comprime o direi-
urbis, a visualização dos movimentos expressa algo to à cidade. Dinâmica que se expressa e se condensa
novo, um próprio metropolitano, com dinâmica nos subterrâneos da vida nas cidades brasileiras e que,
avessa àquela antevista pelos estudos inaugurais sobre com toda certeza, se configura como forças propícias
o efeito da vida urbana. Em vez de expressar uma a irromper à superfície mais uma vez. Nesse ambien-
opressão dos indivíduos, a vida espiritual da metró- te, e com a proximidade dos megaeventos, a rua po-
pole abre espaço para sua mais plena manifestação: tencialmente em irrupção vem sendo adiada e neu-
cada um é convidado a criar a sua reivindicação, insa- tralizada pela rua policiada onde os segmentos mais
tisfação e rebeldia. Longe de produzir o nivelamento radicalizados, sem o saberem, operam como aliados
homogeneizador e anulador das diferenças, a cultura da coalizão de interesses que reconfigura as cidades
metropolitana traz o seu contrário: o coletivo sem brasileiras na direção do mercado e da exclusão. Aqui
vida, ganha espírito pelas manifestações de todas as vale um alerta: o silenciamento das ruas em 2014 cer-
individualidades possíveis. A incongruência, diversi- tamente implicará um afastamento ainda maior entre
dade e mesmo antagonismo das palavras de ordem, os cidadãos e o sistema político, afastamento pouco
insígnias e cartazes vistos nas ruas de 2013 foram a recomendável na vida das democracias. ▪

56 nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis


ensaio artigos

Núcleo de Estudos e
Pesquisas Audiovisuais em Geografia

Maravilhoso Caos

Hora do Rush,
de Pedro Monteiro
57
ensaio

Banco de trás, de Mariana Saguias

Irresponsabilidade carioca, de Rodolfo Mattos


ensaio

E
m meados de 2012 os alunos que compõe
o Núcleo de Estudos e Pesquisas Audiovi-
suais em Geografia (NEPAG) do Colégio Pe-
dro II Campus Realengo II escolheram o foco das
nossas pesquisas em 2013 a partir da seguinte
pergunta: Quais são os maiores problemas do
Rio de Janeiro atualmente? A mobilidade urbana
foi prontamente indicada por quase todos os
alunos do Ensino Médio e Fundamental. O ano
de 2013 mostrou que a escolha foi acertada,
pois existe um interesse crescente da sociedade
sobre o tema.
Em vez de produzirmos um filme como no
projeto anterior sobre o Quilombo São José,
decidimos dar uma abordagem pedagógica
transmídia ao tema. Além da produção do do-
cumentário Maravilhoso Caos, trabalhamos com
a criação de jogos, podcast, artigos científicos,
contos, quadrinhos e fotos. No decorrer do
projeto, o “I Concurso de Fotografia do NEPAG”
buscou aproximar o projeto e a comunidade es-
colar e premiou as quatro melhores fotografias
que retratassem situações comuns ao trânsito
do Rio.
A partir das fotos vencedoras, mas não só
delas, o ensaio que se segue foi composto.
Alunos, ex-alunos, funcionários e professores
refletiram sobre o tema de dentro dos carros,
ônibus, estações, nas calçadas e através das ja-
nelas. São imagens que despertam uma reflexão
sobre a mobilidade de nossa cidade. O ensaio
transita entre o que se move e não se move, e
abre caminhos para a reflexão sobre o constan-
te fluxo pelo espaço geográfico.
As fotos vencedoras do“I Concurso de Foto-
grafia do NEPAG” foram respectivamente: Hora
do rush de Pedro Monteiro; Banco de trás de
Mariana Saguias; Irresponsabilidade carioca de
Rodolfo Mattos e Pés x Rodas de Yuri Schaider.

Yan Navarro
Coordenador do Núcleo de Estudos
e Pesquisas Audiovisuais em Geografia (NEPAG)
yannavarro@gmail.com

8. Water Line

Pés x Rodas, de Yuri Schaider


nº 15 ▪ ano 4 | dezembro de 2013 ▪ e-metropolis 59
REALIZAÇÃO

APOIOS

REALIZAÇÃO

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