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INTRODUÇÃO
A espiritualidade é uma dimensão humana que se desdobra em fenôme-
nos ainda pouco familiares à enfermeira. A ambigüidade presente no conceito
associada a preconceitos étnicos têm resultado no desconhecimento sobre o
diagnóstico e tratamento desses fenômenos na população brasileira, em geral,
e na população afro-brasileira, em particular.
Neste estudo, consideramos que o diagnóstico de enfermagem é um
julgamento clínico sobre a resposta do indivíduo a um processo vital ou
problema de saúde, sendo que esta resposta fornece a base para a seleção das
prescrições e para o estabelecimento de resultados pelos quais a enfermeira
é responsável ( N O R T H A M E R I C A N N U R S I N G DIAGNOSIS ASSOCIA-
TION, 1990).
Para nomear esta resposta do indivíduo, ou seja, este diagnóstico de
enfermagem, utilizamos a Taxonomia I da NANDA - North American Nursing
Diagnosis Association (NÓBREGA; GARCIA, 1992) na qual estão descritos
os fenômenos que podem, e devem, ser diagnosticados e tratados pela enfer-
meira. Entre estes fenômenos, há um, referente à transcendência do ser,
classificado dentro do padrão de resposta humana Valorizar.
* E n f e r m e i r a . D o u t o r a e m E n f e r m a g e m d a E s c o l a d e E n f e r m a g e m da U S P P r o f e s s o r a T i t u l a r d o
Dept" de E n f e r m a g e m M é d i c o - C i r ú r g i c a da Escola de E n f e r m a g e m da U n i v e r s i d a d e F e d e r a l
F l u m i n e n s e . Coordenadora do N E S E N • N ú c l e o de E s t u d o s sobre S a ú d e e E t n i a N e g r a .
Segundo CRUZ; C R U Z (1991) Valorizar é um padrão de resposta huma-
na que envolve o julgamento sobre o significado ou a importância das coisas,
ou seja, daquilo que existe ou pode existir. Nesta área de estudo pouco tem
sido desenvolvido e, até o momento, existe apenas um diagnóstico de enfer-
magem identificado: a angústia espiritual.
Enquanto um diagnóstico de enfermagem, a angustia espiritual é con-
ceituada como um estado no qual o individuo experimenta urna ruptura no
princípio de vida, o qual permeia todo o seu ser, integra e transcende sua
natureza biológica e psicossocial (NÓBREGA; GARCIA, 1992). A angustia
espiritual compreende não só uma preocupação expressa com o sistema de
crenças, mas também o questionamento sobre o significado da vida, do
sofrimento, dos temas morais, éticos ou das condutas terapêuticas, entre
outros.
Os fatores relacionados a este diagnóstico, isto é, os fatores que podem
causá-la s ã a o s seguintes: separação de laços religiosos o u culturais e desafio
ao sistema de crenças e valores em razão das implicações morais ou éticas da
terapia ou de intenso sofrimento (NÓBREGA; GARCIA, 1992).
Estas considerações iniciais sobre o diagnóstico de angústia espiritual
nos remete de certa forma à religiosidade dos indivíduos, por essa razão,
destacamos a contribuição trazida pela pesquisa de HENSE (1989) sobre o
cliente cirúrgico e sua espiritualidade. A motivação para o nosso trabalho
surgiu quando HENSE, por ter entrevistado católicos e protestantes, afirmou
que o perfil dos seus depoentes era semelhante ao perfil religioso da maioria
do povo brasileiro.
Não temos por propósito neste estudo contestar numericamente a afir-
mação de HENSE (1989). Interessa-nos sobretudo discutir a composição
plural desta nação e a necessidade de trazer esta pluralidade para dentro das
nossas pesquisas de modo que os resultados revelem esta multiplicidade de
culturas. Acreditamos que só desta forma podemos neutralizar o discurso
ideológico discriminador que ainda permanece em nossa sociedade, objetiva-
do pelos indicadores sociais que confirmam o segregacionismo (FRY, 1988).
Fazemos nossas as palavras de FERREIRA (1988) quando afirma que
historicamente perdemos contato com o mundo de onde viemos, a África, e
conseqüentemente perdemos contato com a cultura popular, com a religião e
com a ancestralidade. Entendemos que já é tempo de retomar este contato,
de conhecer um pouco mais sobre nós mesmos e sobre as nossas origens
não-européias.
No que se refere à enfermagem, em especial, há o desafio de realizar
pesquisas que sejam congruentes com as realidades vividas por populações
étnicamente diversas. Isto exige o re-exame das bases teóricas, da repre-
sentação da amostra, dos instrumentos de coleta de dados e do referencial de
análise. Requer, principalmente, avaliação sobre a relevância dos achados
dentro do contexto de forças e limitações. PORTER; VILLARRUEL (1993)
também questionam a ausência dos conceitos de cultura (etnia) ou raça (cor)
nas pesquisas de enfermagem, uma vez que estes conceitos conotam diferen-
ças para os referenciais teóricos. Consideram ainda que a perspectiva unicul-
tural diminui a capacidade do pesquisador em elaborar interpretações alterna-
tivas. As autoras são taxativas em relação às pesquisadoras da área de diagnós-
tico de enfermagem, entre as quais nos incluímos: Se as enfermeiras pesquisa-
doras pretendem nomear as respostas humanas à saúde e à doença, elas têm
a obrigação de lidar com as diferenças da forma mais acurada possível.
Assim, partindo dos possíveis fatores relacionados ao diagnóstico de
angústia espiritual, consideramos que a dissolução sistemática dos valores
culturais da etnia negra pode ser determinante para este diagnóstico, sendo
além disso agravada pela forma atávica com que se considera as religiões de
origem judaico-cristãs hegemônicas na sociedade brasileira.
Diante do que foi anteriormente discutido, o nosso propósito, neste
estudo, é, contrapondo a afirmação de HENSE (1989), apresentar a vertente
afro-brasileira da religiosidade responsável, neste quase meio milênio de
história, por uma significativa influência na cultura de 63 milhões de brasi-
leiros descendentes de escravos (SANTOS, 1988).
O viés ideológico, caracterizado pela ausência do item cor/raça nos
documentos sobre a população brasileira, tem por base a tese assimilacionista
na qual os não-brancos ocupam uma posição subalterna devido à classe, não
a raça. Este viés é responsável pela escassez de pesquisas sobre o processo
bem-estar/saúde/doença/mal-estar em pessoas da etnia negra (CRUZ, 1994).
A consciência de que o mito da democracia racial é u m a forma sutil e
perversa de alijar a parcela afro-brasileira desta sociedade, somada ao com-
promisso político com este segmento de onde viemos, para onde voltamos e
do qual nunca saímos, motivou-nos a realizar este estudo. Nele tangenciamos
o candomblé, a umbanda, a quimbanda, o islã e o vodum.
Da literatura consultada, procuramos extrair elementos religiosos rela-
cionados ao processo saúde-doença. Sempre que possível, estes elementos
foram organizados conforme as categorias identificadas por HENSE (1989)
para a espiritualidade, tais como: reconhecimento de um ser superior, busca
de significado para a doença, apoio espiritual, confiança e afiliação religiosa.
Porém, antes de iniciar a abordagem sobre as religiões afro-brasileiras,
mesmo podendo incorrer no risco da obviedade, gostaríamos de enfatizar que
há diferença entre espiritualidade e religiosidade. A religião (do latim religare
significa manter junto) fornece ao indivíduo valores, códigos e rituais que
influenciam tanto a vida do fiel quanto daquele que não é adepto. A religião
enquanto influência cultural tem recebido pouca atenção da enfermagem,
segundo MANSEN (1993).
A ênfase que se dá apenas às práticas religiosas faz com que pensemos
que as necessidades espirituais da clientela podem ser preenchidas com ritos,
rituais e presença de sacerdotes. Aprendemos a reconhecer como indicadores
espirituais a leitura de bíblias e a visita de clérigos apenas das religiões
judaico-cristãs, negligenciando outras manifestações religiosas e^inais rela-
cionados a processos espirituais internos, caracterizados pela meditação e
preocupação com a transcendência, por exemplo. Assim, ainda que neste
estudo abordemos a angústia espiritual pela sua vertente religiosa, entende-
mos que este diagnóstico se insere numa categoria muito mais ampla.
FUNDAMENTOS DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS
O Candomblé
A Umbanda
A Quimbanda
O Islã
O Vodum
C O N S I D E R A Ç Õ E S FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
B R A G A , J. C a n d o m b l é da Bahia: repressão e resistência. R e v . U S P . n.18, p. 52-9. 1993.
FERREIRA, G.A. Identidade negra; descaminhos. São Paulo P e r s p e c . v.2, n.2, p. 35-7, 1988.
H E N S E , D . S . S . A e s p i r i t u a l i d a d e no c o n t e x t o da e x p e r i ê n c i a d o p a c i e n t e c i r ú r g i c o .
R e v . E s c . E n f . U S P , v.23, n.3, p.329-36, 1989.