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DIREITO CIVIL IV

ANA CAROLINA BARBOSA PEREIRA MATOS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autor do original  ana carolina barbosa pereira matos

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gisele lima, paula r. de a. machado e aline karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  rafael moraes

Revisão linguística  marlon magno

Revisão de conteúdo  andrei brettas grunwald

Imagem de capa  lukasz siekierski | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M433d Matos, Ana Carolina Barbosa Pereira


Direito civil IV / Ana Carolina Barbosa Pereira Matos.
Rio de Janeiro : SESES, 2017.
168 p.
ISBN: 978-85-5548-494-0.

1. Direitos reais. 2. Propriedade. 3. Posse


4. Aquisição. I. SESES. II. Estácio

CDD 346.04

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Introdução ao direito das coisas e posse 9


Do direito das coisas 10
Conceito 10
Características dos direitos reais 12
Diferenças entre direitos reais e direitos pessoais (ou obrigacionais): 16
Titularidade e obrigações propter rem 19
Classificação dos direitos reais 21

Da posse 22
Teorias acerca da posse: o conceito de posse 22
Posse: sujeitos, objeto e natureza jurídica 25
Distinção entre posse, detenção e atos de mera
permissão ou tolerância 26
Classificação da posse 28
Efeitos da posse 34
Da aquisição e perda da posse 41

2. Da propriedade em geral 45
Histórico e conceito da propriedade 46
Características do direito de propriedade 49
Extensão do direito de propriedade 49
Ação reivindicatória 50
Restrições legais de interesse particular e público 51

Aquisição da propriedade 51
Classificações 51
Modos de aquisição da propriedade imóvel 52
3. Da propriedade (aquisição de bens móveis e perda
da propriedade) e do direito de vizinhança 79
Modos de aquisição da propriedade móvel 80
Usucapião de bens móveis 81
Da ocupação 84
Achado de tesouro 85
Da tradição 86
Da especificação 88
Da confusão, da comistão e da adjunção: formas
de acessão de móvel para móvel 88

Da perda da propriedade 89

Do direito de vizinhança 92
Restrição ao direito de propriedade quanto à intensidade
de seu exercício: uso anormal da propriedade 93
Limitações legais ao domínio similares às servidões 94
Da passagem forçada 95
Restrições oriundas das relações de contiguidade entre dois imóveis 99

4. Condomínio e direitos reais sobre coisa alheia 105


Condomínio 106
Do condomínio geral 107
Do condomínio edilício 113

Dos direitos reais sobre coisa alheia 122


Direito real de superfície 123
Do direito real de usufruto 126
Do direito real de uso e de habitação 131
Do direito real de aquisição: direito real do promitente comprador 132

5. Direitos reais sobre coisa alheia


e direitos reais de garantia 137
Servidão 138
Requisitos de constituição do direito real de servidão 139
Características do direito real de servidão 140
Classificação 141
Modos de constituição e de extinção do direito real de servidão 142

Direito real de laje 144

Propriedade fiduciária 147

Direitos reais de garantia 150


Das disposições gerais 151
Do penhor 153
Da hipoteca 155
Da anticrese 158
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

A presente obra tem como tema principal o estudo dos direitos reais e dos
direitos correlatos ao direito de propriedade.
Os direitos reais são considerados direitos patrimoniais, estando diretamen-
te relacionados com o exercício de poderes sobre bens que integram o seu pa-
trimônio, e por isso trata-se de uma matéria de grande relevância para o seu
cotidiano, não só como operador do direito, mas também como cidadão.
Ademais, por ser a propriedade o principal e mais importante direito real,
dela decorrendo os demais direitos que serão estudados, é fácil se identificar e
se interessar pela temática que será abordada ao longo desta obra – formas de
aquisição da propriedade, direitos de vizinhança, condomínio, propriedade fi-
duciária etc. –, haja vista que você provavelmente já é titular da propriedade de
bens móveis e/ou imóveis e, ainda que não o seja, pretende se tornar.
Este livro está dividido em cinco capítulos. Na primeira parte do primeiro
capítulo você se familiarizará com os direitos reais, aprendendo sobre o seu con-
ceito, características, classificações e diferenças em relação aos direitos pessoais.
Na segunda parte, você estudará a posse que, apesar de não ser considerada um
direito real, tem grande relevância para o estudo e a compreensão de tais direitos.
No segundo capítulo, serão abordados o direito de propriedade – desde o
seu histórico, interpretação constitucional do seu conceito, aplicação do princí-
pio da função social da propriedade, características de tal direito, sua extensão
– bem como as formas de aquisição da propriedade imóvel previstas no Código
Civil, quando será estudada a aquisição de propriedade por usucapião – tema
que costuma gerar grande interesse dos alunos!
No terceiro capítulo, você continuará a aprender acerca das formas de aqui-
sição da propriedade, mas desta vez sobre como adquirir a propriedade de bens
móveis. Serão apresentadas também as formas de perda da propriedade. Aqui
também analisaremos os direitos de vizinhança e sua relação com a propriedade,
bem como comentaremos as suas diferentes espécies.
No quarto capítulo, serão abordadas as espécies de condomínio, inclusive a
mais conhecida delas, o condomínio edilício. Você aprenderá sobre os direitos
reais de fruição e de aquisição sobre coisa alheia – direito real de superfície, usu-
fruto, uso, habitação, direito real do promitente comprador.

7
Por fim, no quinto e último capítulo desta obra, concluiremos o estudo dos
direitos reais sobre coisa alheia, abordando os direitos reais de servidão e de laje
– este último uma inovação recente da legislação brasileira – e estudaremos os
direitos reais de garantia – hipoteca, penhor e anticrese.

Bons estudos!

8
1
Introdução ao
direito das coisas
e posse
Introdução ao direito das coisas e posse
No presente capítulo, você terá o seu primeiro contato com o direito das coi-
sas. Logo, será necessário iniciarmos os nossos estudos por noções básicas acerca
desses direitos, como seu conceito, o conceito de direitos reais, os sujeitos e objetos
envolvidos em uma relação jurídica de direito real, características dos direitos reais,
para que, ao final da primeira parte do capítulo, você consiga perceber e identificar
as principais diferenças entre os direitos pessoais e os direitos reais, ambos direitos
patrimoniais, mas de efeitos jurídicos bastante distintos.
Além disso, a fim de facilitar a sua compreensão acerca do direito de proprie-
dade, o principal direito real do nosso ordenamento jurídico, você estudará neste
capítulo a posse, de modo que tenha condições de aplicar as suas classificações e,
consequentemente, os seus efeitos.
Vamos começar?

OBJETIVOS
•  Introduzir o aluno no direito das coisas;
•  Diferenciar direitos reais de direito das coisas;
•  Fornecer conceitos estruturais e as características comuns a todos os direitos reais;
•  Entender a relação existente entre obrigações propter rem e ônus reais com os direitos reais;
•  Introduzir o aluno no estudo da posse;
•  Conceituar posse e situá-la no contexto da função social;
•  Classificar a posse conforme os critérios do Código Civil;
•  Estudar os efeitos da posse quanto aos frutos e as benfeitorias;
•  Compreender, material e processualmente, as ações possessórias.
•  Estudar as formas de perda e aquisição da posse.

Do direito das coisas

Conceito

Para sua melhor compreensão acerca do conceito de direito das coisas serão
apresentados dois conceitos de autores diferentes. Perceba as semelhanças e dife-
renças entre eles, com o intuito de identificar os sujeitos e o objeto destes direitos.

capítulo 1 • 10
Segundo Clóvis Beviláqua (2003, p. 9), o direito das coisas seria “o complexo
das normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de
apropriação pelo homem”.
Na visão de Flávio Tartuce (2017, p. 2), “O Direito das coisas é o ramo do
Direito Civil que tem como conteúdo relações jurídicas estabelecidas entre pessoas
e coisas (tudo aquilo que não é humano) determinadas, ou mesmo determináveis”.
Considerando que o Código Civil de 2002 manteve com a mesma nomen-
clatura do Código Civil de 1916 o livro que trata a respeito do direito das coisas,
vamos primeiro analisar a definição de Clóvis Beviláqua, tendo em vista a sua
importante contribuição na elaboração do nosso primeiro Código Civil.
Beviláqua considera o direito das coisas um complexo de normas reguladoras,
mas o que isso quer dizer? Ao lermos o conceito proposto por Flávio Tartuce, fica
mais fácil responder a pergunta. O direito das coisas é um ramo do direito civil.
Mas, dentre tantos ramos do direito civil, qual seria o seu conteúdo?
Segundo Tartuce, as relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas se-
riam o conteúdo do direito das coisas. Beviláqua tem entendimento semelhante: o
conteúdo de tais direitos seriam as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis
de apropriação humana.
Em outras palavras, o que os autores estão afirmando é que o direito das coisas
é o ramo do direito civil que tem como conteúdo principal os direitos reais. Como
mencionado, no Código Civil de 2002, o livro III recebeu o título de “Do Direito
das Coisas”, corroborando com o entendimento dos autores citados.
Importante destacar que tal distinção não é unânime, sendo os termos direito
das coisas e direitos reais entendidos como sinônimos por muitos autores1, haja
vista que a palavra reais vem do termo em latim res, que em português pode ser
traduzido como coisa.
A distinção entre os dois termos, no entanto, trata-se de um recurso didático
que nos auxilia a entender melhor o conceito de cada um desses termos.
Então, se o direito das coisas é o ramo do direito civil que tem como conteúdo
principal os direitos reais, o que são direitos reais?
Os direitos reais são as relações jurídicas entre pessoas e coisas de valor econô-
mico, mencionadas nas definições aqui apresentadas.
Flávio Tartuce (2017, p. 5) define os direitos reais como sendo “relações ju-
rídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis, tendo
como fundamento principal o conceito de propriedade”.
1  É o caso Farias e Rosenvald (2017, p. 32).

capítulo 1 • 11
Ainda analisando os conceitos aqui apresentados, quem podemos identificar
como sujeito dos direitos reais? E qual seria o seu objeto? Uma vez que se trata de
direitos que regulam o exercício de poderes da pessoa sobre uma coisa (ou bem),
o titular desses direitos são as pessoas, naturais e jurídicas.
Será que qualquer coisa servirá como objeto desses direitos? Segundo
Beviláqua, o objeto desses direitos são coisas suscetíveis de apropriação pelo ho-
mem, ou seja, que possuem um valor econômico, ainda que pequeno, mas a quem
eu posso atribuir um dono.
Isso porque os direitos reais, assim como os direitos obrigacionais, são consi-
derados direitos patrimoniais, ou seja, interessa a essa categoria de direitos aquelas
relações jurídicas que tenham algum tipo de repercussão econômica, ainda que de
pequeno valor.
Tendo em vista que tanto direitos reais como direitos pessoais integram a fa-
mília dos direitos patrimoniais, você deverá ter cuidado para não confundir essas
duas categorias de direitos, pois seus efeitos são bastante distintos.
Como já conhece de forma aprofundada os direitos obrigacionais, você es-
tudará no próximo tópico as principais características dos direitos reais, para que
a partir delas tenha condições de identificar diferenças importantes entre os dois
tipos de direitos.

Características dos direitos reais

Oponibilidade erga omnes

A oponibilidade erga omnes não é uma característica exclusiva dos direitos


reais, mas é comum apenas aos direitos da personalidade. Tal característica é o que
explica o fato de tais direitos serem exercidos contra todos, não importa se contra
pessoa natural, pessoa jurídica de direito privado ou de direito público.
A oponibilidade erga omnes impõe à coletividade um dever geral de abstenção.
Em decorrência dessa característica, devem as outras pessoas se abster de interferir
no exercício de poderes do titular de um direito real sobre a coisa objeto deste.
Logo, o proprietário de um determinado bem tem o direito de exercer o seu
direito de propriedade e defender a coisa objeto de tal direito contra a interferên-
cia externa e arbitrária de qualquer pessoa, até mesmo de um ente público, assim
como todos nós devemos nos abster de interferir no exercício dos poderes sobre
certo bem por parte do titular do direito de propriedade.

capítulo 1 • 12
Direito de sequela (jus persequendi)

Já o direito de sequela é característica exclusiva dos direitos reais. A sequela


decorre do princípio da aderência, tendo em vista que o direito real adere à coisa,
estabelecendo um vínculo que não se desliga dela. Mas o que isso significa?
Analise a situação a seguir: ao chegar em casa, você percebe que esqueceu o
seu smartphone na sala de aula da faculdade. Ao retornar ao local, no entanto, não
encontra o celular, e constata que o aparelho também não foi deixado no setor de
achados e perdidos. Isso significa que, por não estar mais em seu poder, o smart-
phone não é mais de sua propriedade?
Não! O aparelho continuará sendo seu, mesmo não estando fisicamente em
seu poder, uma vez que o seu direito real de propriedade aderiu à coisa e o seu
vínculo de titular continua presente.
Logo, se alguém encontrar o seu celular e, infelizmente, em vez de devolvê-lo,
se apropriar dele, e, somente algum tempo depois, você descobrir com quem o
aparelho está, seria possível reclamar a sua devolução?
Sim, em razão do seu direito de sequela.
O direito de sequela decorre da oponibilidade erga omnes, haja vista que o
titular do direito real pode exercer o seu direito contra qualquer pessoa, reivindi-
cando a coisa de quem quer que a detenha.
A sequela, portanto, é a prerrogativa concedida exclusivamente ao titular de
um direito real de perseguir a coisa objeto do seu direito, onde quer que ela esteja,
podendo reivindicá-la de quem quer que a detenha.

Publicidade

Diante das duas características anteriores, observa-se que os direitos reais são
direitos que geram efeitos perante terceiros, cabendo à sociedade um dever genéri-
co de abstenção. Por isso, a fim de garantir mais segurança jurídica à sociedade em
relação ao exercício desses direitos, a publicidade é um requisito essencial para a
aquisição de titularidade de um direito real.
A publicidade quanto à constituição de tais direitos se dá por meio da tra-
dição, quando o seu objeto é um bem móvel (art. 1.226 do Código Civil), e por
meio do registro do título no Cartório de Registro de Imóveis, quando o seu ob-
jeto é um bem imóvel (art. 1.227 do Código Civil).

capítulo 1 • 13
Exclusividade

A característica da exclusividade decorre do fato de não ser possível a inci-


dência de dois ou mais direitos reais de igual conteúdo, ao mesmo tempo, sobre
o mesmo bem, ou seja, não é possível incidir, ao mesmo tempo, sobre o mesmo
bem, dois direitos de propriedade distintos, ou dois direitos de usufruto distintos,
ou dois direitos de superfície distintos.
Reflita: João, proprietário de um determinado imóvel, ardilosamente, vende
o mesmo bem para duas pessoas diferentes, Ana e Karla, que não têm qualquer
relação entre si e não sabem da existência uma da outra. Karla vai até o cartório
de registro de imóveis no dia 1/2/2017 para solicitar o registro do título transla-
tivo de propriedade e Ana comparece ao cartório com o mesmo objetivo no dia
24/3/2017. A segunda conseguirá registrar a sua propriedade?
Não! Porque, em razão da característica da exclusividade, é vedada a incidên-
cia de dois direitos de propriedade ao mesmo tempo e sobre o mesmo bem. Para
que o registro fosse possível em favor de Ana, a transmissão de propriedade teria
que ser feita por Karla ou ela teria que ter apresentado o título aquisitivo antes de
Karla perante o cartório.
Mas e se eu adquiro um imóvel com o meu marido ou minha esposa? Estando o imó-
vel registrado em favor de ambos, isso representaria uma exceção à regra da exclusividade?
Não, pois nesse caso há um único direito de propriedade, não dois. Na hipó-
tese esboçada, nós temos vários titulares, mas apenas um direito de propriedade.
Tanto é assim que um só pode vender o bem com a anuência expressa do outro,
pois o direito é um só e, portanto, deve ser exercido em conjunto por seus titulares.
Note que a exclusividade impede que sobre o mesmo bem, ao mesmo tempo,
recaiam dois ou mais direitos reais de igual conteúdo. No entanto, nada impede
que recaiam dois ou mais direitos reais, ao mesmo tempo e sobre o mesmo bem,
de conteúdos diferentes.
É possível que sobre o mesmo bem e ao mesmo tempo o direito real de pro-
priedade incida em favor de Antônio Carlos e o direito real de usufruto em favor
de Maria das Dores, por exemplo.
Acrescente-se que há um direito real que excepciona a regra da exclusividade,
o direito real de hipoteca. Segundo o art. 1.476 do Código Civil, “O dono do
imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo título,
em favor do mesmo ou de outro credor”.

capítulo 1 • 14
Preferência

A preferência é característica predominante em relação aos direitos reais de


garantia, conferindo ao titular do direito real de garantia o privilégio de ter o seu
crédito satisfeito prioritariamente, em detrimento do titular de um crédito de na-
tureza real pessoal, conforme disposto no art. 961 do Código Civil.
A coisa objeto do direito real de garantia é subtraída da execução coletiva e
deverá servir prioritariamente para o pagamento do crédito real. Mas, se o valor
apurado na execução do referido bem não for suficiente, o credor real permanece
tendo preferência em relação à execução do saldo remanescente?
Não, pois a constituição de um direito real de garantia afeta diretamente um
bem determinado, que será objeto de tal direito. Uma vez que o referido bem já
foi executado, não há mais direito real; consequentemente, apesar da execução em
relação ao saldo remanescente subsistir, esse crédito não gozará mais de qualquer
preferência, passando a ter natureza obrigacional.
É o disposto no art. 1.430 do Código Civil: “Quando, excutido o penhor, ou
executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas
judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante”.
Reflita sobre a seguinte situação: Carlos é proprietário de um imóvel e de um
veículo. Em razão de problemas financeiros, ele constitui um direito real de hipo-
teca sobre o seu imóvel, como forma de garantir um empréstimo que conseguiu
junto ao banco X. Infelizmente, os problemas financeiros de Carlos se agravam e
ele não consegue pagar o empréstimo contratado, levando o banco a requerer ju-
dicialmente a execução da hipoteca. Além da dívida junto ao banco X, Carlos deve
ainda alguns prestadores de serviço que havia contratado para reformar a sua casa,
que também resolvem executá-lo judicialmente. Uma vez que o juiz determine a
penhora e, posteriormente, leve à hasta pública o imóvel, quem terá preferência
no recebimento de seus créditos?
Conforme já exposto, por força no disposto no art. 961, o banco X.
Mas e se o valor apurado pela execução do imóvel não for suficiente e o banco
ainda tiver um crédito remanescente para receber, requerendo, então, que a exe-
cução prossiga, a fim de atingir também o veículo de Carlos? O banco continuará
tendo preferência no recebimento do crédito?
Não, haja vista que o objeto do direito real de hipoteca, o imóvel, já foi exe-
cutado, não há mais direito real de garantia, não havendo também a preferência.

capítulo 1 • 15
Na hipótese do concurso de credores se estabelecer entre titulares de direitos
reais de garantia sobre o mesmo bem (ex.: várias hipotecas sobre o mesmo imóvel),
prevalece o direito ao crédito por parte daquele que registrou o direito real com
antecedência (art. 1.477 do CC).

Taxatividade dos direitos reais e princípio numerus clausus

Diante das características dos direitos reais aqui explicadas, você deve ter per-
cebido que tais direitos demandam uma maior segurança jurídica, a fim de res-
guardar os interesses de terceiros e de seus próprios titulares. Logo, não é possível
o reconhecimento jurídico dos direitos reais sem previsão normativa anterior.
Diferentemente do que ocorre com os direitos obrigacionais, o rol de direitos
reais é exaustivo, não devendo tal exaustividade ser interpretada como a impossibi-
lidade absoluta da inclusão de novos tipos2, mas no sentido de que novos direitos
reais só poderão ser criados por força de lei, sendo indiferente o acordo de vontade
entre as partes neste caso. (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 41-42)
Assim, por sua inserção no regime de ordem pública, os direitos reais são de
enumeração taxativa, numerus clausus, ou seja, em número determinado na legis-
lação, em rol pormenorizado constante no art. 1.225 do Código Civil.

Diferenças entre direitos reais e direitos pessoais (ou obrigacionais):

Considerando as principais características dos direitos reais apresentadas, você


já tem condições de identificar algumas diferenças entre estes e os direitos pessoais.
Então, a partir de agora, vamos realizar uma análise comparativa entre esses di-
reitos, de modo que, ao final do presente tópico, você tenha condições de identificar
a diferença entre os efeitos de cada uma dessas espécies de direitos patrimoniais.
Existem duas teorias, atualmente aceitas, que buscam explicar no que consiste
a principal diferença entre direitos reais e direitos pessoais, o que veremos a seguir.

2  Prova disso é que o rol de direitos reais constante no art. 1.225 do CC já sofreu algumas vezes alteração para a
inclusão de direitos reais, como se deu em relação à inclusão da concessão de uso especial para fins de moradia, da
concessão do direito real de uso e, ainda, mais recentemente, do direito real de laje, incluído pela Medida Provisória
nº 759 de 2016.

capítulo 1 • 16
Teoria realista (clássica)

Para os realistas, o direito real deve ser entendido como o poder imediato da
pessoa sobre a coisa, sem a existência de qualquer intermediário. Em razão disso,
os adeptos de tal corrente defendem que a principal distinção entre os direitos
reais e os direitos pessoais seria o fato de que, em relação aos primeiros, não se
poderia admitir a existência de uma relação jurídica entre sujeitos, como se tem
no direito obrigacional, mas sim entre sujeito e objeto. (GOMES, 2012, p. 11)
Isso acontece porque, no caso dos direitos reais, existiria sujeito ativo – repre-
sentado pelo titular de tal direito – e objeto – coisa suscetível de apropriação pelo
homem –, mas não haveria um sujeito passivo.
Os realistas admitem que há um direito subjetivo oponível erga omnes, mas re-
jeitam a ideia de que haja, em abstrato, um sujeito passivo indeterminado. Mas como
admitir a existência de uma relação jurídica que não se estabelece entre sujeitos?

Teoria personalista

Para os personalistas, o direito real também é entendido como o exercício de


poderes de forma direta e sem intermediários da pessoa sobre a coisa. Contudo,
a teoria defende a existência de uma relação jurídica de direito real estabelecida,
ainda que indiretamente, entre sujeitos, não sendo essa a principal diferença entre
esses direitos e os direitos obrigacionais.
Para os personalistas, os três elementos de uma relação jurídica podem ser
identificados em relação aos direitos reais: o sujeito ativo, representado pelo titular
de tal direito; o objeto, coisa suscetível de apropriação pelo homem; e o sujeito
passivo, o qual, em decorrência da característica da oponibilidade erga omnes,
seria representado pela coletividade, que, apesar de não se ligar diretamente ao su-
jeito ativo (pois o vínculo do titular do direito se dá de forma direta com a coisa),
estaria indiretamente ligado a este, em decorrência do dever geral de se abster de
interferir no exercício de tal direito. Portanto, para os personalistas, existe, de fato,
um sujeito passivo indeterminado (GOMES, 2012, p. 12).
De acordo com essa teoria, a diferença entre direitos reais e direitos obrigacio-
nais residiria no fato de que em uma relação jurídica de direito obrigacional estabe-
lece-se um vínculo direto entre sujeito ativo (Credor) e sujeito passivo (Devedor),
para apenas indiretamente se alcançar o objeto (Prestação). Nos direitos reais,

capítulo 1 • 17
todavia, conforme já exposto, o vínculo se estabelece de forma direta do sujeito
ativo com a coisa e somente indiretamente com a coletividade.
Além disso, outra diferença apontada é que em uma relação jurídica de direi-
tos reais o sujeito passivo é indeterminado, pois abrange toda a sociedade. Já em
uma relação jurídica de direitos pessoais o sujeito passivo é determinado, conhe-
cendo-se e, geralmente, especificando-se em contrato a pessoa do devedor (é só
lembrar-se dos contratos que já assinou; tanto contratante como contratada estão
devidamente qualificados).
A teoria personalista, apesar das críticas, é a que tem mais receptividade na
doutrina pátria, sendo aplicada na obra de autores como Cristiano Chaves de
Farias e Nelson Rosenvald (2017, p. 45).

Quadro comparativo

Como forma de facilitar a sua assimilação acerca das diferenças de caracte-


rísticas e, consequentemente, de efeitos dos direitos reais em relação aos direitos
pessoais, a seguir você encontrará um quadro comparativo com tais informações.

DIREITOS PESSOAIS DIREITOS REAIS

Relativos (eficácia entre as partes) Absolutos (eficácia erga omnes)

Vincula a pessoa do credor à pessoa


Vincula o titular à coisa
do devedor

Possuem sujeito passivo


Possuem sujeito passivo indeterminado
determinado: devedor

Numerus apertus (em Numerus clausus (em


número indeterminado) número determinado)

A coisa é objeto mediato da relação A coisa é objeto imediato da relação

capítulo 1 • 18
O exercício se dá pelo intermédio de
O exercício se dá sem intermediários
outro sujeito

Atipicidade Tipicidade

As normas que regulam os direitos


As normas que regulam os direitos reais
pessoais são, em regra, dispositivas
são de natureza cogente, de ordem pública
ou facultativas

A usucapião não é forma de aquisição


de direitos pessoais, pois dependem, Somente os direitos reais podem ser
para existir, de um acordo de vontade adquiridos por usucapião
entre as partes

Titularidade e obrigações propter rem

Como o próprio nome já deixa claro, as obrigações propter rem não são
consideradas direitos reais, mas trata-se de obrigações, tendo para alguns autores
(GONÇALVES, 2016, p. 40-41) natureza jurídica híbrida ou mista, por se inse-
rirem entre os direitos reais e os direitos obrigacionais.
Apesar de conteúdo idêntico ao das demais obrigações – fazer, não fazer ou dar
– essas obrigações se distinguem daquelas, pois, para ser contraídas, não é neces-
sária a anuência do devedor, sendo tal obrigação, inclusive, irrelevante neste caso.
Esse tipo de obrigação é contraída em função da aquisição de um direito real.
A pessoa, ao adquirir a titularidade do direito real de propriedade de um deter-
minado bem, torna-se devedora de certas obrigações propter rem (GONÇALVES,
2016, p. 40), inerentes à coisa, que a acompanham – por isso qualificadas, tam-
bém, como obrigações ambulatórias.
Portanto, a pessoa do devedor (sujeito passivo da relação de direito obriga-
cional) será determinada apenas pela titularidade do direito real, impondo-se a
assunção da referida obrigação a todos os que sucedam ao titular do direito real na
posição transmitida.

capítulo 1 • 19
A obrigação propter rem nasce para o devedor com a aquisição da titularidade
de um direito real e se extingue quando da transmissão do referido direito, sendo,
consequentemente, adquirida pelo novo titular do direito real em questão.
Os exemplos mais encontrados na doutrina são de obrigações propter rem que
têm como conteúdo uma obrigação de dar em pagamento. É o caso da taxa de
condomínio, do IPTU, do ITR. No entanto, é importante destacar que há outros
exemplos além das hipóteses que contemplam obrigações de pagar, como as limi-
tações inerentes ao direito de vizinhança (arts. 1.277 a 1.313 do Código Civil),
que possuem natureza jurídica de obrigação propter rem, além das obrigações de
fazer ou de não fazer previstas no regimento interno do condomínio e das limita-
ções impostas ao proprietário em razão da necessidade de atendimento da função
social da propriedade (art. 1.228, §1º, do Código Civil).
É comum se observar em contratos de locação de imóveis, por exemplo, se
convencionar que obrigações propter rem, como a taxa de condomínio e o IPTU,
sejam solvidas pelo inquilino, possuidor da coisa. Essa prática é lícita? Isso implica
na transferência de tal obrigação?
A situação, de fato, é lícita. Contudo, deve-se destacar que só produzirá efei-
tos entre as partes porque a posse não tem força para gerar a transmissão de uma
obrigação propter rem. Isso só é possível em razão da transferência de titularidade
de um direito real, o que não é o caso. Assim, o sujeito passivo permanecerá inal-
terado, sendo ineficaz o referido acordo perante terceiros.
Importante, também, destacar que você deve ter cuidado para não confundir
obrigações propter rem com ônus reais.
Analisando o significado do termo ônus reais, ônus significa encargo, dívida,
e reais, conforme já explicado, vem do latim res, que significa coisa. Logo, os ônus
reais são encargos da coisa.
Os ônus reais podem consistir em um direito real ou, ainda, podem surgir em
razão da transferência do direito real de propriedade, quando esta é acompanhada
de uma dívida referente a uma obrigação propter rem que não foi adimplida.
Mas qual a diferença entre obrigações propter rem e ônus reais?
As obrigações propter rem afetam o titular da coisa ao tempo em que se cons-
titui a obrigação, sendo este considerado devedor pessoal de tais obrigações. Nos
ônus reais, o adquirente posterior se responsabilizará por débitos contraídos pelo
titular anterior; não há pessoalidade da dívida neste caso, uma vez que os encargos
são da própria coisa (GONÇALVES, 2016, p. 42).

capítulo 1 • 20
A diferença prática entre os dois institutos consiste no fato de que, em relação
às obrigações propter rem, o proprietário devedor responderá pessoalmente, com
todo o seu patrimônio. Já em relação aos ônus reais, o proprietário atual do bem
só será atingido no limite do valor do bem afetado.

Classificação dos direitos reais

Para finalizarmos esta parte introdutória em relação ao estudo do direito das


coisas, você estudará de que forma os direitos reais são classificados pela doutrina.
São dois os critérios de classificação: a titularidade do objeto e a amplitude dos
poderes (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 48-52).
Quanto à titularidade do objeto:
•  Direito real sobre coisa própria (jus in re propria)
Apenas o direito de propriedade
•  Direitos reais sobre coisa alheia (jus in re aliena)
Direitos de fruição - habilitam o seu titular a tirar proveito direto e imediato
do objeto (Exs.: superfície, usufruto etc.).
Direitos de garantia - visam a garantir o credor (Exs.: penhor, hipoteca, anticrese)
Direito real de aquisição - Direito do promitente comprador
A classificação trabalha com esta questão: quem é o dono da coisa?
Analisando os direitos reais, relacionados no art. 1.225 do Código Civil, ape-
nas no direito de propriedade o dono da coisa é o titular do direito real. Em rela-
ção a todos os outros direitos reais, o dono da coisa é pessoa diversa do titular da
propriedade. Por isso, todos os demais direitos reais são considerados direitos reais
sobre coisa alheia, pois recairão sobre bens de terceiros.
Quanto à amplitude dos poderes:
•  Direito real ilimitado
Apenas o direito de propriedade
•  Direitos reais limitados
Todos os demais direitos reais.
Esta última classificação analisa os direitos reais pela perspectiva da amplitude
de poderes – mas que poderes seriam esses?
No início deste capítulo, você aprendeu que os direitos reais são as relações
jurídicas de poder de uma pessoa sobre uma coisa. Existem quatro poderes ineren-
tes aos direitos reais, ou seja, que poderão ser exercidos pelo titular desses direitos
sobre a coisa: uso, gozo, disposição e reivindicação.

capítulo 1 • 21
Caso o titular de um direito real reúna os quatro poderes, esse direito, então, é
classificado como um direito real ilimitado. Na hipótese de o titular do direito real
não ter a faculdade de exercer os quatro poderes, ele estará, portanto, no exercício
de um direito real limitado.
Como a propriedade é o único direito real sobre coisa própria, ou seja, que o
seu titular é também o dono da coisa, também é o único direito real considerado
ilimitado, já que é o único que confere ao seu titular a faculdade de usar, gozar,
dispor e reivindicar.
Tendo em vista que todos os demais direitos reais são direitos sobre coisa
alheia, eles decorrem da transmissão de parte dos poderes do proprietário para sua
constituição, logo, não reunindo todos os poderes que o proprietário goza, sendo
classificados como limitados.
Diante de tudo que foi até aqui exposto, você já tem condições de aprofundar
os seus conhecimentos em relação ao direito das coisas. Assim, passaremos a tratar
acerca da posse no próximo tópico.

Da posse

Teorias acerca da posse: o conceito de posse

Ao longo dos séculos foram desenvolvidas várias teorias na tentativa de se


definir o que é posse. A seguir você estudará as teorias principais, a teoria subjetiva
da posse e a teoria objetiva da posse.

Teoria subjetiva da posse de Savigny

Friedrich Karl Von Savigny desenvolveu a mais importante entre as teorias


subjetivas da posse. Ele reconstruiu a dogmática da posse no direito romano, bem
como defendeu que existem direitos exclusivos e estritamente resultantes da posse
– ius possessionis. (GONÇALVES, 2016, p. 49)
Para Savigny, a posse consiste na reunião de dois elementos: o corpus¬ – ele-
mento objetivo – e o animus – elemento subjetivo. O corpus deve ser entendido
como o poder físico sobre a coisa e o animus como a vontade de ser dono, de
exercer poderes sobre a coisa como se fosse o titular do direito de propriedade.
(DINIZ, 2013, p. 48-49)

capítulo 1 • 22
De acordo com essa teoria, não há posse se houver apenas a apreensão física
da coisa, ou seja, a reunião de corpus e animus seria essencial para a caracterização
da posse. Daí por que a referida teoria foi chamada de subjetiva: a vontade de ser
dono, elemento subjetivo, é essencial para a definição de posse.
Antes de avançarmos para a apresentação da outra teoria, reflita sobre as se-
guintes situações: segundo a teoria de Savigny, o locatário teria posse do bem
objeto da locação? E o comodatário? E o caseiro de um sítio que reside no imóvel
do patrão em decorrência de tal atividade laboral?
A resposta para todas essas situações seria a mesma: Não! Em todos os exem-
plos citados, as pessoas tinham o corpus, mas não o animus.
Em razão dos questionamentos aqui levantados, a teoria de Savigny recebeu
críticas, pois não poderia o direito moderno negar proteção possessória ao locatá-
rio, ao comodatário, ao usufrutuário.
Diante das críticas, Savigny (apud GONÇALVES, 2016, p. 51), então, pro-
pôs uma nova interpretação dos elementos caracterizadores da posse:

Tanto o conceito do corpus como o do animus sofreram mutações na


própria teoria subjetiva. O primeiro, inicialmente considerado simples
contato físico com a coisa (é, por exemplo, a situação daquele que
mora na casa ou conduz o seu automóvel), posteriormente passou a
consistir na mera possibilidade de exercer esse contato, tendo sempre
a coisa à sua disposição. Assim, não o perde o dono do veículo que
entrou no cinema e o deixou no estacionamento. Também a noção de
animus evoluiu para abranger não apenas o domínio, senão também
os direitos reais, sustentando-se ainda a possibilidade de posse sobre
coisas incorpóreas.

Apesar da nova interpretação proposta pelo seu autor, a teoria subjetiva restou
fragilizada diante das relações jurídicas modernas que envolvem a posse.

Teoria objetiva da posse de Ihering

Rudolf Von Ihering desenvolveu aquela que foi chamada de teoria objetiva da pos-
se. Para ele, a caracterização da posse dispensaria a necessidade do elemento subjetivo,
a vontade de ser dono da coisa – o animus –, considerando possuidores mesmo aqueles

capítulo 1 • 23
que têm apenas a apreensão física da coisa, desacompanhada da vontade de ser dono,
como é o caso do locatário e do usufrutuário. (PEREIRA, 2012, p. 15)
A teoria de Ihering funda-se em uma constatação simples. Imagine que você
acabou de se mudar para um edifício e ainda não conhece nenhum dos seus vizi-
nhos. Apenas observando o comportamento e a rotina dos demais condôminos,
você teria como diferenciar e saber, dentre eles, quem é proprietário e quem é ape-
nas possuidor do imóvel? Não! Todos parecem ser proprietários ou possuidores?
Proprietários! Por quê?
A partir dessas inquietações, Ihering, então, percebeu que a posse é a apa-
rência de propriedade. A posse seria a exteriorização do direito de propriedade
(GONÇALVES, 2016, p. 54) e por isso não conseguimos distinguir entre os nos-
sos vizinhos quem é proprietário e quem é mero possuidor do imóvel. Mas como
se exterioriza o direito de propriedade?
Como você aprendeu ao estudar as classificações dos direitos reais, a proprie-
dade é a única que reúne todos os poderes inerentes aos direitos reais: uso, gozo,
disposição e reivindicação. Logo, o direito de propriedade é exteriorizado quando
se exerce algum desses poderes.
Assim, Ihering concluiu que a posse é o exercício de algum dos poderes ine-
rentes à propriedade.
E no direito civil brasileiro, qual dessas teorias foi adotada?

Teorias da posse e o código civil brasileiro: o conceito de posse

O Código Civil brasileiro não conceituou expressamente o que é posse. No


entanto, optou por definir quem é o possuidor. Segundo o art. 1.196 do Código
Civil, “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou
não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
A partir da definição supracitada, infere-se que a posse é o exercício, pleno ou
não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Tendo em vista as teorias anteriormente estudadas, qual delas foi adotada pelo
direito civil brasileiro para definir a posse? A teoria objetiva de Ihering!
Importante destacar que, apesar dessa ser a principal, a mais importante, a
teoria da posse adotada pelo nosso Código Civil não é a única. É possível observar,
por exemplo, a aplicação da teoria de Savigny para distinguir a posse exigida para
fins de usucapião. Observe o disposto no art. 1.238 do Código Civil:

capítulo 1 • 24
Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente
de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por
sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro
de Imóveis.

De acordo com o disposto no artigo mencionado, um dos requisitos exigidos


para fins de usucapião é a posse. Nesse caso, no entanto, não serve qualquer posse,
mas faz-se necessário ao possuidor possuir como se a coisa fosse sua, ou seja, ter
uma posse que além de contemplar a apreensão física da coisa é acompanhada da
vontade de ser dono.
Portanto, o Código Civil também adotou a teoria subjetiva de Savigny, mas
optou pela teoria objetiva para definir a pessoa do possuidor e, consequentemente,
o que é posse.

Posse: sujeitos, objeto e natureza jurídica

Quem são os sujeitos da posse? Ou seja, quem pode ser possuidor? Podem ser
possuidoras as pessoas, naturais e jurídicas, de direito público e de direito privado.
Em relação ao objeto da posse, trata-se de tema bastante controverso, pois
há quem defenda que a posse só poderia incidir sobre bens e não sobre direitos.
Orlando Gomes (2012, p. 41-44), no entanto, defende a possibilidade da posse
ter por objeto bens e direitos.
No que concerne ao estudo da posse como decorrente de um direito real,
destaque-se que a posse de bens, ainda que incorpóreos – ou seja, de direitos –, só
é admitida quando há repercussão patrimonial.
Temos como exemplo a situação do jogador de futebol que é “emprestado” a
outro clube. O referido empréstimo não foi da pessoa do jogador, mas, na verda-
de, de seu passe atlético, tendo o clube que toma o esportista emprestado a posse
de um direito.
Tema bastante controverso também é o que diz respeito à natureza jurídica
da posse. Inicialmente, discute-se se a posse seria fato ou direito. A corrente mais
aceita é a eclética, que considera a posse ao mesmo tempo fato e direito, conforme
sustentado por Savigny (apud GONÇALVES, 2016, p. 73).

capítulo 1 • 25
Rudolf von Ihering, no entanto, entendia a posse como um direito. Mas, se
se trata de direito, então que tipo de direito deve ser considerado? Por ter uma
evidente repercussão patrimonial, discute-se ainda se a posse seria direito real ou
direito obrigacional.
Analisando a posse, seu conteúdo e efeitos, observa-se que não se enquadra
perfeitamente em nenhuma das duas categorias de direitos patrimoniais existen-
tes, sendo, portanto, defendido na doutrina como um direito sui generis, ou seja,
de natureza especial. (GONÇALVES, 2016, p. 76)

Distinção entre posse, detenção e atos de mera permissão ou tolerância

Depois de compreendido o conceito de posse, é importante saber diferenciá-la


em relação a situações que podem parecer semelhantes, mas que não se confundem
com a mesma. É o caso da detenção e dos atos de mera permissão ou tolerância.

Detenção

O Código Civil, em seu art. 1.198, Caput, definiu a figura do detentor:


“Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para
com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou
instruções suas”.
A partir desse conceito, observa-se que, na posse, aquele que está com a coisa
em seu poder exerce em nome próprio os poderes sobre o bem. Já na detenção, o
detentor tem a coisa em seu poder e exerce poderes sobre ela, mas não em seu pró-
prio nome ou em seu proveito. O exercício se dá em nome alheio e de acordo com
as ordens e instruções do possuidor do bem. Portanto, o detentor não tem posse.
Um dos exemplos mais corriqueiros de detentor é o do caseiro. Também é
possível citar o do motorista particular, sendo, geralmente, exemplos de situações
que envolvem uma relação de subordinação entre patrão e empregado.
Essa distinção é importante e evita que, por exemplo, o caseiro, que traba-
lhou e morou no imóvel dos patrões por anos, ao ser demitido, tenha direito de
adquirir por usucapião a propriedade do imóvel que conservava em seu poder em
nome dos patrões e segundo as ordens destes. Se não há posse, não se pode falar
em usucapião.
Tal impedimento quanto a usucapião do bem não é absoluto. O art. 1.198,
parágrafo único, do Código Civil, consagrou que “Aquele que começou a

capítulo 1 • 26
comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra
pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”. Assim, aquele que ini-
cialmente era classificado como detentor pode vir a se transformar em possuidor,
desde que, quebrado o vínculo de subordinação com o possuidor, continue com a
coisa em seu poder, exercendo poderes sobre ela em nome próprio. É importante
frisar que, nesse caso, o ônus da prova é do detentor, entendimento confirmado
pelo Enunciado nº 301 das Jornadas de Direito Civil.
Esse dispositivo pode beneficiar, por exemplo, o caseiro que, uma vez demiti-
do, recusa-se a deixar o imóvel que ocupava, passando, a partir de então, a exercer
poderes em nome próprio sobre a coisa e, consequentemente – caso os outros re-
quisitos estejam presentes –, podendo, daqui a alguns anos, vir a usucapir o bem.
Em uma situação como essa, o antigo caseiro não poderá aproveitar o tempo
que passou na condição de detenção para fins de usucapião, mas o prazo para a
aquisição de propriedade deverá começar a ser contado a partir do momento em
que houve a modificação da condição de caseiro para possuidor.

Atos de mera permissão ou tolerância

Antes de estudarmos o que o Código Civil estabeleceu sobre os atos de mera


permissão ou tolerância, você precisa compreender o que cada um deles significa.
Atos de mera permissão são aqueles em que houve um pedido para o uso de
um determinado bem e o consentimento expresso do possuidor e/ou dono da coi-
sa (GONÇALVES, 2016, p. 64). Tais atos distinguem-se do comodato, pois em
relação aos mesmos não há estipulação de nenhum tipo de cláusula ou condição
acerca do uso do bem. É o caso do aluno que pede emprestado uma caneta, ou
mesmo o vade-mécum do colega para realizar uma prova.
A tolerância caracteriza-se pelo fato de não ter havido nem pedido nem acei-
tação expressa. O possuidor e/ou proprietário da coisa presencia o uso da mesma
por parte de terceiro e nada faz, aceitando tacitamente tal comportamento, ou
seja, ele o tolera. (GONÇALVES, 2016, p. 64)
De acordo com o art. 1.208, primeira parte, do Código Civil, “Não induzem
posse os atos de mera permissão ou tolerância...”. Portanto, aquele que tem a coisa
em seu poder em decorrência de mera permissão ou tolerância do possuidor e/
ou proprietário da mesma não é considerado pelo direito como possuidor. Isso
ocorre porque, em ambos os casos, o usuário tem a coisa em seu poder de forma
precária, ou seja, provisória, sem estar fundamentado em nenhum direito. Logo, o

capítulo 1 • 27
possuidor e/ou proprietário da coisa pode exigir a sua restituição a qualquer tem-
po, não tendo aquele que está com a coisa em seu poder nenhum direito a opor,
nem fazendo jus à proteção possessória.

Classificação da posse

O estudo acerca das classificações da posse não é um recurso meramente meto-


dológico para a compreensão da matéria, mas cada uma das classificações que você
estudará a seguir produz diferentes efeitos jurídicos. Portanto, fique atento, pois para
uma correta aplicação dos efeitos da posse é preciso saber classificá-la corretamente.

Classificação quanto ao surgimento da posse

De acordo com a forma como se adquire a posse, esta poderá ser classificada em:
Posse originária – quando a aquisição se dá sem que tenha se estabelecido
qualquer relação jurídica com o possuidor anterior, não tendo havido a celebração
de nenhum negócio jurídico entre o possuidor atual e o possuidor anterior que
tenha dado causa a transmissão da coisa. É designada por alguns autores como
posse natural (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 95). Exemplos: usucapião (art.
1.238 do CC) e ocupação (art. 1.263 do CC).
Posse derivada – é aquela que advém de outra pessoa, ou seja, ocorre quan-
do o possuidor anterior, em razão da celebração de negócio jurídico com o atual
possuidor, transmite a posse do bem. É denominada também como posse civil ou
jurídica (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 95). Exemplos: locação de um imóvel
ou compra e venda de bens.
Na posse derivada, o adquirente a recebe com os mesmos caracteres, o que signifi-
ca dizer que aquele que a transmite, além de transmitir a posse sobre o bem, também
transmite ao adquirente todos os ônus e vícios que porventura recaiam sobre a coisa.
Em razão disso, na hipótese de aquisição de propriedade de imóvel em con-
domínio, havendo taxas condominiais não adimplidas pelo antigo proprietário, o
adquirente da unidade responderá pelos débitos do alienante em relação ao con-
domínio (art. 1.345 do CC).
No caso de a posse ser considerada originária, como não há transmissão da
coisa, também não se transmitem os vícios e ônus que, porventura, recaiam sobre
o bem. Logo, é como se a referida aquisição inaugurasse uma nova posse, isenta
de vícios e de ônus.

capítulo 1 • 28
Assim, se sobre um imóvel objeto de um direito real de hipoteca for reco-
nhecida a aquisição de propriedade por usucapião em favor de seu possuidor, o
ônus da hipoteca se extingue, não servindo mais a coisa como garantia da dívida,
adquirindo o usucapiente a propriedade livre de qualquer ônus.

Classificação quanto à titularidade da posse (art. 1.197 do Código Civil)

Conforme disposto no art. 1.197 do Código Civil, “A posse direta, de pessoa


que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou
real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto
defender a sua posse contra o indireto”.
Extrai-se, portanto, que, observando-se a titularidade da posse, esta será
classificada em:
Posse direta – será de titularidade daquele que tem a coisa em seu poder. Exs.:
locatário, usufrutuário etc.
Posse indireta – consiste em uma espécie de senhorio sobre a coisa, que não
implica em poder físico. Exs.: locador, nu-proprietário etc.
Essa classificação surge em decorrência do fenômeno do desmembramento da
posse. Isso ocorre sempre que o proprietário do bem transfere o poder físico sobre
a coisa para terceiro e, consequentemente, parte de seus poderes sobre a coisa.
Surge, assim, uma posse direta para o terceiro e a posse indireta para o proprietá-
rio. Aquela não tendo o poder de anular esta, ambas coexistirão.
A transmissão de parte dos poderes do proprietário para o possuidor direto
pode ter como causa a constituição de um direito real – como ocorre no usufruto,
no direito real de superfície, no direito real de habitação etc. – ou de um direito
obrigacional – é o caso da locação, do comodato, do arrendamento etc.
Essa situação de desmembramento não deve ser perpétua, pois descaracteri-
zaria a propriedade em si. Em razão disso, a posse direta, que é temporária, ainda
que perdure por prazo indeterminado, mais cedo ou mais tarde irá se extinguir.
Quando isso acontecer, os poderes que estavam com o possuidor direto retornarão
para o proprietário.
Ressalte-se que, apesar do possuidor indireto ser o proprietário do bem, o
possuidor direto poderá defender a sua posse contra aquele – inclusive se valendo
de uma das ações possessórias para tanto. Isso ocorrerá sempre que o proprietário
ofender os direitos do possuidor direto estabelecidos no negócio jurídico firma-
do entre as partes. Por exemplo, no caso de o proprietário, sem autorização em

capítulo 1 • 29
contrato e sem anuência prévia do possuidor direto, entrar no imóvel alugado a
fim de inspecionar as instalações.
Por fim, alguns doutrinadores (RODRIGUES, 2014) falam em uma terceira
categoria classificatória – a posse plena. A posse plena refere-se àquelas situações
em que a posse não está desmembrada, estando todos os poderes concentrados com
o proprietário da coisa, este sendo ao mesmo tempo o proprietário e o possuidor.
Ressalte-se que é possível haver o desdobramento sucessivo da posse, por
exemplo, no caso da sublocação. Nessa hipótese, a posse direta, nos termos do
art. 1.197, será de quem tem a coisa em seu poder, sendo os demais possuidores
considerados possuidores indiretos, tanto o proprietário como o sublocador.

Classificação quanto aos vícios objetivos da posse (art. 1.200 do Código Civil)

O art. 1.200 do Código Civil estabelece que “É justa a posse que não for vio-
lenta, clandestina ou precária”. Infere-se, portanto, que no que tange à presença de
vícios objetivos, a posse pode ser classificada como:
Posse justa – está descrita no art. 1.200 do CC, sendo aquela que não foi
adquirida mediante a prática de um dos vícios objetivos da posse.
Posse injusta – consequentemente, será aquela adquirida em razão da prática
de um dos vícios objetivos da posse.
Os vícios objetivos, previstos no art. 1.200 do CC, são: violência, clandestini-
dade e precariedade. Por se tratar de rol taxativo, a posse somente poderá ser consi-
derada injusta se houver a presença de um desses três vícios. Não estando presentes
nenhum deles, a posse será necessariamente classificada como justa.

Posse violenta

A posse violenta é a posse injusta adquirida mediante o uso da força ou mes-


mo da ameaça de uso da força, quando esta for a causa da aquisição da posse.
Por se tratar de um vício objetivo, não importa contra quem a violência seja pra-
ticada, se contra o possuidor da coisa ou detentor, ou, ainda, contra aquele que
tem a coisa em seu poder em razão de mera permissão ou tolerância. (FARIAS;
ROSENVALD, 2010, p. 83)
Importante destacar que a posse injusta em razão do vício da violência só
surge depois de cessada a violência, nos termos do art. 1.208 do CC. Dessa forma,
caso uma pessoa seja abordada na rua por um assaltante e reaja com violência ao

capítulo 1 • 30
assalto, a posse injusta dos bens roubados só surgirá para o assaltante quando a
violência cessar, ou seja, quando ele conseguir se evadir do local.

Posse clandestina

A posse clandestina é a posse injusta adquirida às ocultas de quem exerce a


posse atual, de maneira discreta, sem ostensividade. Mesmo que a conduta clan-
destina seja constatada por outras pessoas, o possuidor do bem não percebe a
prática do ilícito imediatamente. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 84)
A caracterização da clandestinidade não exige apenas o desconhecimento da
vítima, mas requer a presença de elemento subjetivo: a intenção do esbulhador
– aquele que praticou a clandestinidade – de esconder da vítima o esbulho pra-
ticado – a perda da posse. A clandestinidade cessa quando o elemento subjetivo
desaparece, ou seja, o esbulhador passar a usar da coisa esbulhada de forma pública
de modo que a vítima possa, a qualquer momento, perceber a prática do ilícito.
(FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 84)
Assim como ocorre com a posse violenta, a posse injusta pelo vício da clandes-
tinidade só surge depois de cessada a clandestinidade, de acordo com o disposto
no art. 1.208 do CC.

Posse precária

A posse precária é a posse injusta que surge como resultado do abuso de con-
fiança do possuidor que decide unilateralmente reter indevidamente a coisa objeto
da posse por prazo superior ao avençado com o possuidor indireto para o término
da relação jurídica que originou a posse direta. (GONÇALVES, 2016, p. 87)
Nesse caso, a posse chegou de forma lícita às mãos do possuidor, que resolve,
no entanto, reter a coisa em seu poder, convertendo-se, assim, uma posse justa em
uma posse injusta.
Por exemplo, o aluno que toma emprestado um livro na biblioteca da fa-
culdade e que, ao final do prazo avençado para o referido comodato, decide não
devolver o livro e permanecer com a posse do mesmo.
Evidenciam-se na violência, clandestinidade e precariedade, respectivamente,
os delitos tipificados nos arts. 157, 155 e 168 do Código Penal (roubo, furto e
apropriação indébita).

capítulo 1 • 31
Finalmente, é necessário frisar que não existe posse injusta em caráter erga
omnes. Os três vícios objetivos da posse são considerados relativos. Em vista disso,
só podem ser arguidos pelo possuidor esbulhado, sendo a posse do esbulhador
perante terceiros considerada justa. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 86)

Classificação quanto aos vícios subjetivos da posse (art. 1.201 do Código Civil)

Em conformidade com o art. 1.201, Caput, do CC, “É de boa-fé a posse, se o possui-


dor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Consequentemente,
em relação aos vícios subjetivos da posse, a posse pode ser classificada em:
Posse de boa-fé – é aquela que não contém vício objetivo ou obstáculo na
aquisição ou, ainda, caso exista um vício ou obstáculo que impeça a aquisição, o
possuidor não tem ciência destes.
Posse de má-fé – para a caracterização da posse de má-fé, exige-se a reunião de
dois elementos: o elemento objetivo – a existência de vício ou obstáculo na aquisi-
ção – e o elemento subjetivo – o conhecimento a respeito da existência dos mesmos.
A posse só será considerada de boa-fé na hipótese do desconhecimento a res-
peito da existência dos elementos objetivos ser desculpável.
O fato de a posse ser classificada como de boa-fé não implica que seja necessa-
riamente justa, assim como a posse de má-fé não será sempre injusta.
Sendo assim, há posse de boa-fé e injusta, por exemplo, daquele que adquire
um determinado bem sem saber que o alienante o adquiriu em razão da prática do
vício da precariedade. E existe posse de má-fé e justa, podendo ser citado o caso
do tutor que, mesmo diante do impedimento legal previsto no art. 1.749 do CC,
adquire bens do menor tutelado.
Nos termos do art. 1.201, parágrafo único, “O possuidor com justo título
tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei ex-
pressamente não admite esta presunção”. No entendimento do enunciado 303 das
jornadas de direito deve-se considerar como justo título para presunção relativa da
boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse,
esteja ou não materializado em instrumento público ou particular.
Isso posto, deve o juiz fazer uma análise do caso concreto, a fim de investigar
se para aquele possuidor o documento apresentado, ainda que sem obedecer a
requisitos formais, seria suficiente para gerar a convicção de que a coisa possuída
de direito lhe pertence.

capítulo 1 • 32
Ressalte-se que é possível a conversão de uma posse de boa-fé em posse de
má-fé, desde que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que
possui indevidamente, segundo o disposto no art. 1.202 do Código Civil.

Posse exclusiva e composse

A posse exclusiva é aquela não partilhada, em que o titular exerce determinado tipo
de poder (posse direta/posse indireta/posse plena) sobre a coisa isoladamente, sozinho.
Fala-se em composse quando o exercício de poderes sobre a coisa se dá de
forma partilhada por dois ou mais titulares. Para a caracterização da composse são
necessários os seguintes requisitos: dois ou mais titulares, exercício dos mesmos
poderes, sobre o mesmo bem, recaindo o exercício de poderes sobre a coisa toda e
não sobre parte individualizada.
A composse é tratada pelo Código Civil no art. 1.199, que determina que “Se
duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela
atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”. Isso
se dá porque os compossuidores estão no exercício dos mesmos poderes.
Considere a seguinte situação e utilize as classificações até aqui estudadas para
classificar a posse de João e de Marta e Carlos: João adquiriu um apartamento
novo da Construtora MRT. Em julho deste ano, ele decidiu alugar o imóvel, ten-
do o bem sido locado pelo casal Marta e Carlos.
A posse de João será derivada, indireta, justa, de boa-fé e exclusiva. Já a posse
de Marta e Carlos será derivada, direta, justa, de boa-fé e em composse.
Você deve ter percebido que o conceito de posse exclusiva não se confunde
com o de posse plena, podendo sobre uma mesma coisa incidir mais de uma
posse exclusiva (posse direta exclusiva e posse indireta exclusiva) ou mesmo posse
exclusiva e composse (como no exemplo citado), mas cada qual recaindo sobre
poder diferente.

Princípio da permanência do caráter da posse

Salvo prova em contrário, a posse mantém o mesmo caráter com que foi ad-
quirida (art. 1.203 do CC). Portanto, o simples fato de a posse ter sido trans-
mitida para outra pessoa não acarreta a mudança de sua classificação e, conse-
quentemente, o desaparecimento de vícios objetivos ou subjetivos que a posse,
porventura, contenha.

capítulo 1 • 33
Para haver a mudança do caráter da posse, é preciso que haja a prática de condu-
ta viciada por parte do possuidor ou de ato capaz de convalidar um vício da posse.

Efeitos da posse

O Código Civil, ao tratar da posse, consignou os efeitos que esta poderá produ-
zir. Tais efeitos variam de acordo com a boa ou a má-fé do possuidor e estabelecem
uma série de direitos e obrigações aos possuidores, como você aprenderá a seguir.

Efeitos da posse quanto aos frutos

Os frutos são bens acessórios e se diferem dos chamados produtos, pois aque-
les são utilidades que a coisa principal periodicamente gera, enquanto estes, con-
forme são extraídos, vão acabando – diminuindo o valor, a utilidade – com a
coisa principal.
O art. 1.232 do CC estabelece que “Os frutos e mais produtos da coisa per-
tencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídi-
co especial, couberem a outrem”. Em decorrência do supracitado dispositivo e da
previsão expressa no código de efeitos da posse apenas em relação aos frutos, nos
arts. 1.214 a 1.1216 do CC, tais efeitos não abrangem os produtos.
Segundo o art. 1.214 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito,
enquanto ela durar, aos frutos percebidos – aqueles que foram separados da coisa
principal quando já estavam prontos, vencidos ou maduros. Os frutos pendentes
– aqueles que ainda estão ligados à coisa principal – devem ser restituídos quando
cessar a boa-fé, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser
também restituídos os frutos colhidos com antecipação – naquelas hipóteses em
que o possuidor separa os frutos da coisa principal antes de estarem aptos, na ten-
tativa de evitar que estes a acompanhassem.
Nos termos do art. 1.216 do Código Civil, o possuidor de má-fé responde
por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua,
deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito
às despesas da produção e custeio.
Note que mesmo se tratando de uma posse de má-fé, o legislador conferiu efi-
cácia jurídica a esta posse no que tange à aplicação do princípio da vedação ao enri-
quecimento sem causa do proprietário, garantindo o direito do possuidor de má-fé
de ser reembolsado das despesas que, porventura, teve para a produção dos frutos.

capítulo 1 • 34
O Código Civil estabeleceu uma regra para determinar o momento em que se
dá a percepção dos frutos. De acordo com o art. 1.215, os frutos naturais (frutas,
crias de animais, grãos etc.) e industriais (produção de fábricas) reputam-se co-
lhidos e percebidos, logo que são separados; os civis (aluguéis, juros) reputam-se
percebidos dia por dia.

Efeitos da posse quanto à responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa

Mais uma vez, o Código Civil estabeleceu consequências distintas para cada
tipo de possuidor. Em relação ao possuidor de boa-fé, o CC prevê uma responsa-
bilidade subjetiva na hipótese de perda ou deterioração do objeto da posse. Sendo
assim, de acordo com o previsto no art. 1.217, o possuidor de boa-fé só responde
pela perda ou deterioração da coisa a que der causa. Logo, a esse tipo de possuidor
é admitida a aplicação das excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força
maior e culpa exclusiva de terceiro).
O possuidor de má-fé, no entanto, responderá de forma objetiva, haja vista
que, segundo o art. 1.218 do CC, responderá pela perda ou deterioração da coisa,
ainda que acidentalmente. Acrescente-se que o artigo citado exime o possuidor
de má-fé de qualquer responsabilidade pelo dano causado, se comprovar que de
igual modo a perda ou a deterioração teria ocorrido estando a coisa na posse do
proprietário. Por exemplo, se um tsunami atinge uma casa localizada no litoral,
seria indiferente para o dano provocado se o bem estivesse com o possuidor de
má-fé ou com o proprietário.
Importante destacar que ao possuidor de má-fé não se aplicam as clássicas
excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior e culpa exclusiva de
terceiro), competindo a ele o ônus de comprovar a exceção prevista no art. 1.218,
do CC. Não bastando a prova de ausência de culpa nem de força maior.

Efeitos da posse quanto às benfeitorias

No que diz respeito aos efeitos da posse quanto às benfeitorias, o Código Civil
dessa vez não só distinguiu os efeitos de acordo com a classificação do possuidor,
mas, também, em razão do tipo de benfeitorias.
As benfeitorias são classificadas como bens acessórios e são entendidas
como obras ou despesas realizadas sobre o bem principal, que se incorporam

capítulo 1 • 35
definitivamente à coisa principal, com o intuito de conservá-la, torná-la mais útil
ou apenas para embelezá-la. (NADER, 2012, p. 303).
De acordo com a finalidade, a benfeitoria pode ser classificada como: necessá-
ria (conservação da coisa – ex.: retirada de goteiras no telhado de um imóvel), útil
(aumentar a utilidade do bem – ex.: a construção de mais um cômodo em uma
casa) ou voluptuária (mero deleite ou prazer – ex.: construção de uma piscina em
imóvel residencial).
Antes de prosseguirmos para as regras que estabelecem o direito de o pos-
suidor ser ressarcido pela benfeitoria realizada, é importante esclarecer que, em
alguns casos, é dado ao possuidor não indenizado pelo proprietário o direito de
retenção da coisa.
O direito de retenção consiste em meio de defesa outorgado ao credor a quem é re-
conhecida a faculdade de continuar a deter a coisa alheia até ser indenizado pelo crédito,
que se origina, via de regra, das benfeitorias (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 107).
Esse direito fundamenta-se no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
No que concerne ao possuidor de boa-fé, o art. 1.219 do CC prevê que este
tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, podendo exercer o
direito de retenção da coisa, caso não seja indenizado pelo proprietário.
Quanto às benfeitorias voluptuárias, não há obrigação de o proprietário inde-
nizar o possuidor de boa-fé pelas mesmas. Se este não o fizer, poderá o possuidor
levantá-las quando puder sem detrimento da coisa.
Importante destacar que de acordo com o art. 35 da Lei nº 8.245/91, que dis-
ciplina a locação, o contrato de locação pode conter regras específicas sobre ben-
feitorias, inclusive contendo cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e
ao direito de retenção – o que já foi confirmado como válido pelo STJ, sendo hoje
reconhecido pela Súmula nº 335 do referido tribunal.
O tratamento conferido pelo Código Civil ao possuidor de má-fé é bem mais severo.
Segundo o art. 1.220, a esse tipo de possuidor serão ressarcidas somente as benfeitorias
necessárias, não lhe assistindo o direito de retenção na hipótese de não ser indenizado
pela importância destas, bem como não tendo o direito de levantar as voluptuárias.
Note que o possuidor de má-fé foi impedido de exercer o direito de retenção
pela importância devida pelo proprietário em razão das benfeitorias necessárias
realizadas, mas isso não lhe impede de buscar o Poder Judiciário para empreender
a cobrança do valor em questão.
O art. 1.221, considerando que tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé
podem vir a ser responsabilizados por algum dano causado ao bem – de acordo

capítulo 1 • 36
com as regras já comentadas nos arts. 1.217 e 1.218, respectivamente –, estabele-
ceu a possibilidade de compensação de tal dano com alguma benfeitoria indenizá-
vel que tenha sido realizada pelo possuidor.
Além disso, o art. 1.221 prevê, ainda, o momento em que, em regra, surge a obriga-
ção de o proprietário indenizar o possuidor pela benfeitoria realizada, qual seja, ao tempo
da evicção. Só devendo haver o ressarcimento das benfeitorias que ainda existirem.
Por fim, o proprietário está obrigado, por força do art. 1.222 do CC, a inde-
nizar as benfeitorias ao possuidor de boa-fé pelo valor atual das mesmas, enquanto
no que se refere ao possuidor de má-fé, aquele poderá optar entre o valor atual ou
o custo da benfeitoria.

Efeitos da posse e a possibilidade de defesa da posse

A defesa da posse, em regra, deve ocorrer pela via jurisdicional, devendo o


possuidor prejudicado manejar uma das ações possessórias previstas na legislação.
As ações possessórias fundam-se na posse e buscam proteger o poder sobre a coisa
(móvel ou imóvel), sem se debater a questão da propriedade (BUENO, 2016, p. 485).
O Código Civil e o Código de Processo Civil (CPC) vedam a discussão da
posse com base no direito de propriedade. Assim, o fato de a parte ré alegar que
tem o direito de ofender a posse do autor/possuidor por ser proprietário do bem
não obstará à manutenção ou reintegração na posse. Como já estudado, o pos-
suidor direto pode defender a sua posse contra o indireto (art. 1.210, §2º c/c art.
1.197, do CC, e, ainda, com o art. 557, parágrafo único, do CPC).
O legitimado ativo para a propositura da ação será o possuidor. O legitimado
passivo será aquele que realiza ato de moléstia à posse do autor. Destaque-se que
o detentor não goza de legitimidade para ser parte nessas ações, nem como autor
nem como réu.
Em conformidade com o disposto no art. 1.210, caput, do CC, a proteção
possessória é provocada em três hipóteses: por ameaça, turbação ou esbulho da
posse, cabendo, respectivamente, para repeli-las o interdito proibitório, a manu-
tenção e a reintegração da posse.
O artigo citado, diferentemente do previsto para os outros efeitos da posse,
não fez distinção entre o direito de defesa da posse do possuidor de boa-fé e do de
má-fé. Para se pleitear a proteção possessória, basta demonstrar o fato da posse,
não sendo necessária a demonstração de direito que a respalde, o que é confirmado
pelo art. 561, I, do CPC.

capítulo 1 • 37
Tendo em vista que as três ações possessórias compõem um único procedi-
mento especial do Código de Processo Civil e que exigem os mesmos requisitos,
o art. 554, caput, do CPC consagrou o princípio da fungibilidade dos interditos,
o que garante que a propositura de uma ação possessória em vez de outra não
obstará a que o juiz conheça o pedido e outorgue a proteção legal correspondente
àquela cujos pressupostos estejam provados.
Dessa forma, se o possuidor que está na iminência de sofrer um esbulho ajuíza
uma ação de interdito proibitório antes de o juiz deferir o pedido, no entanto, neste
ínterim o esbulho se consuma. O juiz não deverá rejeitar a ação proposta alegando per-
da superveniente do objeto, mas deverá, sim, aproveitá-la e, desde que presentes todos
os requisitos legais (art. 561, do CPC), conceder a medida de reintegração de posse.
A fungibilidade, no entanto, restringe-se apenas ao aproveitamento de uma
possessória por outra.
Outra característica importante das ações possessórias é a sua natureza dúpli-
ce. Conforme o art. 556 do CPC, “É lícito ao réu, na contestação, alegando que
foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização
pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”. Tal
prerrogativa poderá ser utilizada pelo réu ao alegar em sua defesa que, na verdade,
foi o ofendido em sua posse pelo autor da ação.
Poderá o réu, portanto, obter tutela jurisdicional ativa favorável. Sem necessidade
de reconvenção, o provimento poderá ser invertido, fazendo com que o réu, além de se
defender, apresente pedido de proteção possessória contra o autor. Tal pedido deverá
ser explícito e feito na própria contestação, como um pedido contraposto, recaindo
sobre o réu o ônus de pedir e também de provar.
Em situações como a aqui descrita, deverá ser mantido na posse provisoria-
mente a parte que tiver a coisa em seu poder, se não estiver manifesto que a obteve
de alguma das outras por modo vicioso (art. 1.211 do CC).

Ação de manutenção de posse

Tal ação tem como hipótese de cabimento a prática pelo réu de uma turbação.
A posse turbada é aquela que está tendo o seu exercício limitado por ato jurídico
ou fato material (BUENO, 2016, p. 485) (ex.: utilização de via particular).
Os pressupostos para a concessão desse interdito possessório estão elencados
no art. 561 do CPC. O autor deverá provar a sua posse (independentemente de
ser justa ou injusta, de boa-fé ou de má-fé); a turbação; a data da turbação; e a
continuação da posse, embora turbada.

capítulo 1 • 38
Ação de reintegração de posse

A reintegração busca devolver a posse ao titular, que foi vítima de esbulho. O


esbulho é a prática de apossamento por violência, ação clandestina ou abuso de
confiança (BUENO, 2016, p. 485).
Os requisitos para a propositura de ação reintegração de posse são semelhan-
tes àqueles para a manutenção, inclusive previstos no mesmo artigo (art. 561 do
CPC), diferindo apenas no que tange à necessidade de comprovação do esbulho,
a data do esbulho e a perda da posse em razão do esbulho.
Observe que, de acordo com o art. 1.212, a ação de reintegração de posse
deve ser intentada contra o possuidor de má-fé, não sendo o possuidor de boa-fé
considerado legitimado para figurar no polo passivo da ação.
Contra o possuidor de boa-fé o Enunciado nº 80 das Jornadas de Direito
Civil esclarece:

É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou


ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva
ilegítima diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra
o terceiro de boa-fé, cabe tão-somente a propositura de demanda de
natureza real.

Logo, contra esse tipo de possuidor, deverá ser proposta uma ação reivindica-
tória pelo proprietário do bem, a fim de reaver a coisa.

Ação de interdito proibitório

Trata-se de medida preventiva, que busca garantir a posse quando esta estiver
na iminência de sofrer uma turbação ou esbulho. O resultado esperado com tal
ação é a expedição de um mandado proibitório em que se comine ao réu determi-
nada pena pecuniária caso se transgrida o preceito (art. 567, CPC).
O rito a ser observado será o mesmo das ações de reintegração e de manuten-
ção de posse, conforme o estabelecido no art. 568 do CPC.

capítulo 1 • 39
Medida liminar nas ações possessórias e tutela de urgência

O art. 558 do CPC consagrou a regra de que, quando a ação for proposta
dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial (situa-
ção em que a doutrina classifica a pose como nova), o procedimento a ser adotado
na manutenção e na reintegração de posse será o especial, estabelecido entre os
arts. 560 a 566 do CPC. Por sua vez, se a ação for proposta após o referido prazo
(situação em que a doutrina classifica a posse como “velha”), será comum o proce-
dimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.
A diferença principal no que tange à aplicação do procedimento especial às
ações possessórias em relação ao procedimento comum será a de que no primeiro
é possível a concessão de medida liminar, enquanto no segundo a antecipação dos
efeitos da sentença só é possível por meio da concessão de tutela de urgência.
Em conformidade com o art. 562 do CPC, para a concessão de liminar, basta
que a parte autora comprove, na inicial ou em audiência de justificação prévia,
apenas os requisitos exigidos no art. 561 do CPC.
Para a concessão de tutela de urgência, no entanto, além da probabilidade do
direito do autor, o art. 300 do CPC exige a demonstração do perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo, caso os efeitos da sentença não sejam antecipa-
dos, o que é dispensado para concessão de liminar.

Autoexecutoriedade da posse (art. 1.210, §1º, do CC)

Além da possibilidade de o possuidor defender a sua posse por meio de uma


ação possessória, poderá também se utilizar da autotutela da posse.
A autoexecutoriedade ou autotutela da posse é considerada uma extensão do
direito de defesa do possuidor. No entanto, em regra, a autotutela é vedada no
Brasil, devendo, portanto, ser tratada como hipótese excepcional de defesa.
Por ser forma excepcional de defesa da posse, o seu exercício é expressamente
regulado pelo Código Civil e, segundo o disposto no art. 1.210, §1º, do CC, sendo
permitido caso a reação do possuidor seja imediata e proporcional à agressão sofrida.
Acrescente-se que o requisito da imediatidade foi interpretado pelo Enunciado
nº 495 das Jornadas de Direito Civil, devendo ser entendido como a necessidade
de reação imediata do possuidor ao fato do esbulho ou da turbação.
Mas e se o possuidor não estava no local no momento da prática do ilícito? Não
poderá defender a sua posse? Nesse caso, o possuidor continuará podendo defender

capítulo 1 • 40
a sua posse, mas não exercer a autotutela da mesma. A defesa deverá ocorrer pela via
jurisdicional, ou seja, por meio da interposição de uma ação possessória.
Por fim, ressalta-se que, para o exercício da autotutela, o detentor terá legiti-
midade para defender a coisa em nome e no interesse do possuidor, tendo sido tal
entendimento consagrado no Enunciado nº 493 das Jornadas de Direito Civil.

Da aquisição e perda da posse

Para a aquisição da posse, a legislação brasileira não exige o exercício efetivo


dos poderes por parte do titular, mas a mera possibilidade de tal exercício (art.
1.204). O Código Civil não consigna um rol, nem ao menos exemplificativo,
de formas de aquisição da posse porque o modo de aquisição não influencia a
caracterização da posse nem a proteção possessória, razão pela qual a legislação
preocupou-se em estabelecer apenas o momento em que tal direito surge.
Pode adquirir a posse o próprio possuidor ou o seu representante, bem como
o terceiro sem mandato, dependendo de ratificação (art. 1.205, do CC).
A posse poderá ser adquirida por transmissão, tanto por transmissão causa
mortis como por ato inter vivos.
No caso da transmissão causa mortis, os herdeiros e legatários do antigo pos-
suidor assumirão a posse com os mesmos caracteres existentes no momento do
óbito, conforme art. 1.206 do CC. O legatário, no entanto, por ser classificado
como sucessor a título singular, já que recebe em razão de testamento bens de-
terminados, assim como o adquirente por ato inter vivos tem a faculdade de dar
continuidade ou não à posse do antecessor. Tal faculdade não existe em relação ao
herdeiro, considerado sucessor universal, e que, por força do art. 1.207 do CC,
deverá sempre unir a sua posse com a do antecessor.
Unidas as posses, o adquirente poderá beneficiar-se do tempo da posse do
antecessor para fins de usucapião (art. 1.243 do CC).
Finalmente, perde-se a posse quando se torna impossível a continuação do
exercício do poder correspondente (art. 1.223 do CC). Pode haver a perda da
posse direta ou indireta, de forma voluntária ou involuntária. Perdida a posse em
razão de esbulho, nada impede que a vítima requeira a proteção possessória.
O art. 1.224 do CC consigna uma proteção em relação à posse do ausente,
só sendo considerada perdida quando o ausente, ao receber notícia do esbulho,
se abstém de retomar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido. 

capítulo 1 • 41
ATIVIDADE
1) Ary celebrou contrato de compra e venda de imóvel com Laurindo e, mesmo sem
a devida declaração negativa de débitos condominiais, conseguiu registrar o bem
em seu nome. Ocorre que, no mês seguinte à sua mudança, Ary foi surpreendido
com a cobrança de três meses de cotas condominiais em atraso. Inconformado com
a situação, Ary tentou, sem sucesso, entrar em contato com o vendedor, para que
este arcasse com os mencionados valores. Assinale a opção correta (FGV, 2014.
Exame de Ordem Unificado – XIII – Primeira fase):
a) Perante o condomínio, Ary deverá arcar com o pagamento das cotas em atraso, pois se
trata de obrigação propter rem, entendida como aquela que está a cargo daquele que possui
o direito real sobre a coisa e, comprovadamente, imitido na posse do imóvel adquirido.
b) Perante o condomínio, Laurindo deverá arcar com o pagamento das cotas em atraso, pois
cabe ao vendedor solver todos os débitos que gravem o imóvel até o momento da tradição,
entregando-o livre e desembargado.
c) Perante o condomínio, Ary deverá arcar com o pagamento das cotas em atraso, pois se
trata de obrigação subsidiária, já que o vendedor não foi encontrado, cabendo ação in rem
verso, quando este for localizado.
d) Perante o condomínio, Laurindo deverá arcar com o pagamento das cotas em atraso, pois se
trata de obrigação com eficácia real, uma vez que Ary ainda não possui direito real sobre a coisa.

2) Pedro, aluno do curso de Direito da Estácio de Sá, recebeu um tablet da institui-


ção de ensino em sistema de comodato, podendo permanecer com o equipamento
enquanto estiver com matrícula ativa junto à faculdade. No entanto, neste semestre
ele não realizou a renovação de matrícula e não devolveu o tablet para a instituição.
Em razão disso, como deverá ser classificada a posse de Pedro?
a) Posse originária, indireta, injusta e de má-fé.
b) Posse derivada, indireta, justa e de má-fé.
c) Posse derivada, direta, injusta e de má-fé.
d) Posse originária, direta, injusta e de boa-fé.

3) Mediante o emprego de violência, Mélvio esbulhou a posse da Fazenda Vila Feliz,


2015 (Primeiro) (XVI Exame Unificado da OAB). A vítima do esbulho, Cassandra,
ajuizou ação de reintegração de posse em face de Mélvio após um ano e meio,
o que impediu a concessão de medida liminar em seu favor. Passados dois anos
desde a invasão, Mélvio teve de trocar o telhado da casa situada na fazenda, pois

capítulo 1 • 42
estava danificado. Passados cinco anos desde a referida obra, a ação de reintegra-
ção de posse transitou em julgado e, na ocasião, o telhado colocado por Mélvio já se
encontrava severamente danificado. Diante de sua derrota, Mélvio argumentou que
faria jus ao direito de retenção pelas benfeitorias erigidas, exigindo que Cassandra
o reembolsasse. A respeito do pleito de Mélvio, assinale a afirmativa correta:
a) Mélvio é possuidor de boa-fé, fazendo jus ao direito de retenção por benfeitorias e deven-
do ser indenizado por Cassandra com base no valor delas.
b) Mélvio não faz jus ao direito de retenção por benfeitorias, pois sua posse é de má-fé e as
benfeitorias, ainda que necessárias, não devem ser indenizadas, porque não mais existiam
quando a ação de reintegração de posse transitou em julgado.
c) Mélvio é possuidor de má-fé, não fazendo jus ao direito de retenção por benfeitorias, mas
deve ser indenizado por Cassandra com base no valor delas.
d) Mélvio é possuidor de má-fé, fazendo jus ao direito de retenção por benfeitorias e devendo
ser indenizado pelo valor atual delas.

GABARITO
1) A
2) C
3) B

REFLEXÃO
O objetivo principal do presente capítulo era de apresentá-lo ao direito das coisas e,
especialmente, aos direitos reais. Você aprendeu as características dos direitos reais – opo-
nibilidade erga omnes, direito de sequela, publicidade, exclusividade, preferência e taxativi-
dade – e a partir delas pôde identificar as principais diferenças entre os direitos reais e os
direitos obrigacionais.
Além dessa parte mais introdutória da matéria, você aprendeu também sobre a posse,
seu conceito, classificações e efeitos, estando agora apto a estudar e compreender o direito
real de propriedade, o que faremos no próximo capítulo.

capítulo 1 • 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. v. 1.
BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: reais. 6. ed. Salvador: Rio
de Janeiro, 2010.
______. Curso de direito civil: reais. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. rev. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
NADER, Paulo. Curso de direito civil: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
RODRIGUES, Ricardo Wey. A posse: definição, características e efeitos. Conteúdo Jurídico, Brasília,
31 jan. 2014. Disponível em: <http://bit.ly/2rgAI48>. Acesso em: 10 fev. 2017.
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

capítulo 1 • 44
2
Da propriedade
em geral
Da propriedade em geral
O direito de propriedade é considerado pela nossa Constituição Federal como
um direito fundamental. Para o direito civil, trata-se do direito real mais impor-
tante, haja vista que é dele que decorrem os demais.
Neste capítulo, você aprofundará os seus conhecimentos a respeito do direito
de propriedade, estudando a sua formação histórica, suas características, as clas-
sificações aplicáveis e, especialmente, os seus modos de aquisição. O conteúdo
do presente capítulo é extremamente relevante não só para os profissionais que
pretendem atuar na área dos direitos reais, mas para qualquer pessoa que pretenda
vender ou comprar bens móveis ou imóveis.

OBJETIVOS
•  Estudar a formação histórica da propriedade e seus elementos estruturais;
•  Identificar as restrições ao direito de propriedade;
•  Analisar as formas de aquisição da propriedade imóvel.

Histórico e conceito da propriedade

É impossível tratar do conceito do direito de propriedade sem estudar o histó-


rico desse direito, isso porque tanto o conceito de propriedade como a relação do
homem com tal direito sofreram muitas transformações ao longo dos séculos. Tais
transformações decorreram diretamente das mudanças ocorridas na sociedade, na
religião e no próprio Estado (STAUT JR., 2005, p. 158-159).
Considerando as transformações mais recentes, o Iluminismo influenciou a
compreensão acerca do direito de propriedade. Com o surgimento do Estado libe-
ral, a propriedade foi alçada ao status de direito inato do homem, mesmo patamar
do direito à vida e à liberdade.
A propriedade começa a ser interpretada de maneira privatista e individua-
lista, passando a ser considerada como direito absoluto, devendo tanto o Estado
como a sociedade se abster de interferir na seara patrimonial do indivíduo.
Com a evolução do direito e com a transformação dos Estados europeus e de
muitos Estados do continente americano em Estados Sociais, essa interpretação
do direito de propriedade começa a mudar novamente. O mundo presencia a

capítulo 2 • 46
tentativa de superação desse direito de propriedade absoluto, a fim de adequá-lo
às necessidades sociais do século XX.
No Brasil, também ocorreram transformações históricas em relação à proprie-
dade, desde o período da colonização brasileira até os dias de hoje. A partir da
Constituição brasileira de 1934, passou-se a abordar, no texto constitucional, a
ideia de limitação do direito de propriedade em prol dos interesses sociais ou co-
letivos, previsão que se repetiu em outras constituições do país ao longo do século
XX. Em 1967, foi incluída no texto constitucional a expressão função social da
propriedade, que, apesar de sua pouca efetividade, abriu caminho para o que se
tem hoje em termos constitucionais e infraconstitucionais.
A Constituição Federal de 1988 consignou uma série de dispositivos que regu-
lam a chamada função social da propriedade, seja no que tange à dita propriedade
geral, seja no que diz respeito à propriedade rural e à propriedade urbana e, ainda,
no que concerne aos chamados bens de produção, sendo a função social da pro-
priedade um dos princípios informadores da ordem econômica nacional.
Com a Carta Magna de 1988, houve a superação do modelo de prevalência
dos códigos, tendo sido necessário harmonizar o direito civil com a Constituição,
a fim de garantir a efetividade das normas constitucionais que se relacionam com
o direito privado. Em 2002, foi aprovado o Novo Código Civil, que consagrou o
abandono da concepção privatista da propriedade, herdada das codificações fran-
cesas, prevendo, expressamente, a necessidade do exercício do direito de proprie-
dade se dar em observância à sua função social.
Atualmente, apesar de tratar-se de um direito fundamental, o exercício do
direito de propriedade no ordenamento jurídico do país está intrinsecamente atre-
lado à noção de função social, sendo esta compreendida como conteúdo essen-
cial da propriedade, estando até mesmo sua fundamentalidade condicionada ao
seu atendimento.
O princípio da função social da propriedade foi consagrado pela Constituição
Federal de 1988, em seu art. 5º, XXIII, possuindo estreita ligação com o princípio
da dignidade da pessoa humana, também previsto em nível constitucional na con-
dição de fundamento do Estado brasileiro, no art. 1º, III, da Carta Magna. Assim,
entende-se que o atendimento da função social da propriedade tem como objetivo
garantir a dignidade humana no convívio social.
A função social da propriedade não possui um conceito fechado, mas é en-
tendida como cláusula geral do direito, tendo a legislação estabelecido parâmetros
para a sua interpretação, como ocorre no caso do art. 1.228, §1º, do CC, bem

capítulo 2 • 47
como dos requisitos previstos para a sua concretização constantes nos arts. 182,
§2º, e 186 da Constituição Federal.
Para o direito brasileiro, o conceito de propriedade hoje é diretamente afetado
pelo princípio da função social. Observe os conceitos a seguir:

Para Maria Helena Diniz (2013, p. 132-133), a propriedade é o “direito que a pessoa
física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem
corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2016, p. 40-41), “o direito de propriedade pode
ser definido como o poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um
bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei,
bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”.

Ambas as definições apresentadas, assim como a maioria das que você encon-
trará na doutrina, reúnem os mesmos elementos: o sujeito, o objeto, os poderes e a
conformação da propriedade pelo princípio da função social. O sujeito e o objeto
desse direito são os mesmos dos direitos reais – o seu titular será pessoa física ou
jurídica e o objeto será o bem suscetível de apropriação. Por ser a propriedade um
direito real ilimitado, os poderes que lhe são inerentes são aqueles considerados
inerentes aos direitos reais – uso, gozo, disposição e reivindicação. E, finalmente,
os dois conceitos repetem a ideia de que o exercício dos poderes deverá ocorrer
dentro de limites legais, ou seja, orientado pelo atendimento de sua função social.
A fim de permitir uma compreensão completa do conceito de propriedade,
é essencial também que você entenda as faculdades que cada poder contempla. O
poder de uso garante ao dono da coisa a faculdade de servir-se dela da maneira que
lhe aprouver, podendo excluir terceiros de igual uso. De todos os poderes, este é o
que mais sofre limitações em seu exercício impostas pela observância do princípio
da função social.
O poder de gozo, também chamado de fruição, está relacionado com a possi-
bilidade de retirar da coisa vantagens econômicas, ou seja, tal poder garante ao seu
titular a faculdade de perceber os frutos que a coisa venha a produzir.
A faculdade de dispor da coisa confere ao titular do direito real de proprie-
dade o poder de alienar o objeto do seu direito e, ainda, de gravá-lo com ônus.
Finalmente, o poder de reivindicação decorre do direito de sequela e garante ao
titular da propriedade o poder de reaver a coisa das mãos de quem quer que injus-
tamente a possua ou a detenha.

capítulo 2 • 48
Características do direito de propriedade

Além das características dos direitos reais já estudadas e que também se apli-
cam ao direito de propriedade, este direito possui características peculiares. Dentre
suas característica é necessário destacar a sua elasticidade.
A propriedade tem elasticidade, o que explica a possibilidade de o proprietário
transferir parte de seus poderes temporariamente para um terceiro, que se tornará
possuidor direto da coisa, e, ao final do prazo avençado no negócio jurídico firma-
do entre as partes, a posse direta se extingue e os poderes transmitidos retornam
para o proprietário do bem. É a elasticidade que permite, portanto, o desmembra-
mento da posse (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 196).
Acrescente-se que quando ocorre tal desmembramento a propriedade passa a
ser considerada limitada. Contudo, como tal situação é provisória, a regra é que
o proprietário titularize todos os poderes inerentes aos direitos reais, sendo sua
propriedade considerada plena.
Outra característica importante é a irrevogabilidade ou perpetuidade da
propriedade. Em decorrência de sua irrevogabilidade, a propriedade subsiste in-
dependente de exercício, enquanto não sobrevier causa legal extintiva. A perpe-
tuidade é o que fundamenta a transmissão causa mortis do direito de propriedade.
Essa característica contempla duas exceções. A primeira é a hipótese de que o
direito de propriedade está subordinado a uma condição resolutiva que lhe retira
a eficácia (como é o caso da propriedade do credor da alienação fiduciária), cha-
mada de propriedade resolúvel e prevista no art. 1.359 do CC. A segunda é a da
propriedade revogável, resolvida por condição superveniente (situação da ingrati-
dão do donatário que pode acarretar a revogação da propriedade), nos termos do
art. 1.360 do CC.

Extensão do direito de propriedade

A extensão da propriedade varia de acordo com a natureza do bem, se este é móvel


ou imóvel. O Código Civil tratou apenas da extensão da propriedade de imóveis. No
entanto, a doutrina estabelece a extensão desse direito em relação aos bens móveis.
A extensão da propriedade refere-se às dimensões de tal direito, ou seja, até
onde se estende, o que contempla.
No que concerne aos bens móveis, a propriedade recai sobre a coisa por intei-
ro, sendo delimitada pelos próprios limites físicos da coisa.

capítulo 2 • 49
A respeito da extensão da propriedade sobre bens imóveis, o Código Civil
(arts. 1.229 e 1.230) estabeleceu que abrange solo e subsolo, e em altura e profun-
didade correspondentes úteis ao proprietário. Não se incluem, entretanto, as ja-
zidas, minas, recursos minerais, energia hidráulica e monumentos arqueológicos.

Ação reivindicatória

A ação de juízo petitório fundamentada no direito real de propriedade. Tal


ação é uma das formas de exercício do poder de reivindicação e, consequentemen-
te, do direito de sequela.
Assim, o legitimado ativo para a propositura desta ação será apenas o proprie-
tário, que busca reaver a coisa que se encontra em poder de terceiro. O legitimado
passivo, portanto, será o possuidor que detém a coisa sem estar amparado em um
título de domínio.
A doutrina se refere à reivindicatória como a ação do “proprietário não possui-
dor contra o possuidor não proprietário” (GONÇALVES, 2016, p. 226).
Importante destacar que como se trata de demanda fundamentada no direito de
propriedade, a boa-fé do possuidor não é óbice para a propositura da reivindicatória.
Uma vez que não é cabível contra o possuidor de boa-fé a ação de reintegração de
posse, a alternativa dada ao proprietário para reaver a coisa é justamente a proposi-
tura da reivindicatória, conforme Enunciado nº 80 das Jornadas de Direito Civil.
O detentor não goza de legitimidade para figurar em nenhum dos polos da lide.
Como o objetivo dessa ação é recuperar o poder físico sobre a coisa, a mesma
terá como objeto bens corpóreos. Os bens incorpóreos, objeto de direitos reais,
deverão ser tutelados por outros tipos de ação, de acordo com a peculiaridade dos
direitos envolvidos.
De acordo com a doutrina, a ação reivindicatória deve observar três pressu-
postos: a titularidade da propriedade, pelo autor, do bem reivindicado que deverá
estar devidamente provada – a fim de demonstrar a legitimidade ativa do autor; a
descrição pormenorizada e atualizada da coisa; a posse injusta do réu.
O art. 1.228, Caput, do CC, ao tratar do exercício do poder de reivindica-
ção, prevê que o proprietário pode reaver a coisa das mãos de quem quer que
injustamente a possua ou a detenha. Para fins de reivindicatória, a noção de in-
justiça da posse não se confunde com o conceito aprendido quando estudamos a
classificação da posse como injusta. A injustiça da posse aqui deve ser interpreta-
da como toda posse que não está fundamentada em um título que a justifique.
(GONÇALVES, 2016, p. 229)

capítulo 2 • 50
Por ser a ação reivindicatória baseada no poder de reivindicação da proprieda-
de, não deixa de ser uma forma de exercício do direito de propriedade. Tendo em
vista que o direito de propriedade é perpétuo, seu exercício pode se dar a qualquer
tempo, logo, a ação reivindicatória é considerada imprescritível.
O fato da referida ação não prescrever não significa que sempre será julgada
procedente, haja vista que o réu poderá produzir a sua defesa e alegar, por exem-
plo, que já reúne todos os requisitos para usucapir o bem, sendo a aquisição por
usucapião um fato extintivo do direito do autor.
A possibilidade aqui referida já foi reconhecida pelo STF, que sumulou tal enten-
dimento, de acordo com a Súmula nº 237: “O usucapião pode ser arguido em defesa”.

Restrições legais de interesse particular e público

Atualmente, o direito de propriedade não é mais interpretado como um direi-


to absoluto e ilimitado, que não admite restrições. A propriedade foi conformada
pela necessidade de cumprimento de sua função social.
Assim, várias restrições ao exercício do direito de propriedade são encontradas
na legislação brasileira, bem como na própria Constituição Federal.
A propriedade sofre limitações decorrentes do Código de Mineração, do
Código Florestal, da Lei de Proteção ao Meio Ambiente e até mesmo pelo próprio
Código Civil – como é o caso das obrigações que decorrem do direito de proprie-
dade e que são impostas ao proprietário previstas no direito de vizinhança.
Acrescente-se que o Código Civil, em seu art. 1.228, parágrafo único, estabe-
leceu uma série de restrições ao exercício de propriedade com vistas a garantir a
observância do princípio da função social.

Aquisição da propriedade

Classificações

A aquisição de propriedade pode ser classificada a partir de dois aspectos:


quanto a sua procedência ou causa de aquisição e quanto ao seu objeto.
No que diz respeito à classificação que considera a causa de aquisição da pro-
priedade, o direito de propriedade aqui será classificado da mesma forma que a
posse, como aquisição originária – aquela em que não houve negócio jurídico de
transmissão de um sujeito para outro – e derivada – aquela em que houve negócio

capítulo 2 • 51
jurídico que deu causa à transmissão do direito de propriedade, tendo também os
mesmos efeitos estudados em relação à posse.
Quanto ao objeto, a aquisição de propriedade poderá ser classificada como:

•  A título singular: quando tem por objeto bens determinados (ex.: a com-
pra de um imóvel);
•  A título universal: quando tem por objeto uma universalidade de direitos,
um patrimônio (ex.: sucessão hereditária).

Cada uma dessas classificações gera efeitos jurídicos distintos. Sendo a aquisição a
título singular, o adquirente sucederá o seu antecessor em todos os seus direitos sobre
a coisa, mas não sucederá em relação às obrigações pessoais assumidas pelo alienante.
Logo, aquele que compra uma casa sucederá o alienante na propriedade da coi-
sa, mas caso o alienante, antes de se mudar, tenha deixado de pagar o jardineiro que
cuidava das plantas do imóvel, o adquirente não deverá responder por tal dívida.
Caso a aquisição seja a título universal, o sucessor, neste caso, sucede o transmi-
tente em todos os seus direitos, ônus e em todas as obrigações, inclusive as de natu-
reza pessoal. É o caso da sucessão hereditária, em que a partilha dos bens em favor
dos herdeiros só ocorrerá depois de satisfeitas todas as dívidas deixadas pelo falecido.

Modos de aquisição da propriedade imóvel

O Código Civil estabeleceu formas distintas para a aquisição de direitos reais


(arts. 1.226 e 1.227 do CC) e, consequentemente, de propriedade sobre os bens.
Em razão disso, você estudará, neste primeiro momento, as formas de aquisição
da propriedade imóvel.
Adquire-se a propriedade imóvel por meio de:

•  Usucapião (art. 1.238 a 1.244);


•  Registro do título (art. 1.245 a 1.247);
•  Acessão (art. 1.238 a 1.259);
•  Direito hereditário (aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo,
aos herdeiros legítimos e testamentários – CC, art. 1.784).

Você estudará as três primeiras formas de aquisição da propriedade imóvel


aqui indicadas, não sendo estudado, no entanto, o direito hereditário, haja vista
que não é conteúdo objeto do direito das coisas.

capítulo 2 • 52
Da aquisição pelo registro do título translativo de propriedade

Trata-se de modo derivado de aquisição de propriedade e está prevista nos


arts. 1.245 a 1.247 do CC. Por força do art. 108 do CC, o título translativo de-
verá ser, em regra, uma escritura pública, não sendo essencial apenas se o negócio
jurídico de aquisição da propriedade do bem for de valor não superior a trinta
salários mínimos.
No sistema imobiliário brasileiro, o registro de propriedade tem natureza aqui-
sitiva da propriedade imóvel, o que pode ser inferido tanto da redação do art. 1.227
do CC, que estabelece o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis, como
regra geral para aquisição de direitos reais sobre bens imóveis no Brasil.
A natureza aquisitiva do registro é também confirmada pelo disposto no art.
1.245, Caput, que se refere especificamente ao registro como fonte de aquisição do
direito de propriedade sobre bens imóveis, segundo o qual “Transfere-se entre vivos
a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.
Desse modo, aquele que compra um imóvel e formaliza o negócio por meio
de promessa de compra e venda e/ou escritura pública, mas não apresenta o título
para registro, não adquiriu o direito de propriedade sobre o bem, tendo apenas a
posse da coisa e direito de natureza meramente obrigacional em relação a mesma.
Em razão disso, o parágrafo único do art. 1.245 do CC dispõe que “Enquanto não
se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do
imóvel”. A esse respeito já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL. VENDA DE IMÓVEL A DUAS PESSOAS DISTINTAS.


ANULAÇÃO DE ESCRITURA E DO REGISTRO. IMPROCEDÊNCIA. A
só e só circunstância de ter havido boa-fé do comprador não induz a
que se anule o registro de uma outra escritura de compra e venda em
que o mesmo imóvel foi vendido a uma terceira pessoa que o adquiriu
também de boa-fé. Se duas distintas pessoas, por escrituras diversas,
comprarem o mesmo imóvel, a que primeiro levar a sua escritura a
registro é que adquirirá o seu domínio. É o prêmio que a lei confere a
quem foi mais diligente. Recursos conhecidos e providos. (STJ - REsp:
104200 SP 1996/0051568-9, Relator: Ministro CESAR ASFOR
ROCHA, Data de Julgamento: 24/05/2000, T4 - QUARTA TURMA,
Data de Publicação: --> DJ 04/09/2000 p. 155 LEXSTJ vol. 136 p.
66 RSTJ vol. 137 p. 410).

capítulo 2 • 53
São característica do registro a:

•  publicidade;
•  presunção relativa de veracidade;
•  legalidade;
•  obrigatoriedade;
•  continuidade;
•  força probante;
•  prioridade;
•  especialidade.

A publicidade como característica do registro está diretamente relacionada


a sua finalidade. O registro busca conferir publicidade aos atributos físicos e ju-
rídicos dos imóveis para que o estado da coisa adquira eficácia perante terceiros,
ganhando a chamada eficácia erga omnes.
A presunção relativa de veracidade decorre do fato de ser o registro lavrado
por agente público, que goza de fé pública. Não significa que as informações re-
gistradas não possam ser contestadas, mas que tais informações serão consideradas
verdadeiras, pelo menos, até que se promova o cancelamento ou retificação do
registro. Essa característica é o que fundamenta as disposições do art. 1.245, §2º,1
e 1.247, Caput2, do CC.
Os atos de registro público estão previstos e disciplinados na Lei nº 6.015/73,
tendo, portanto, por característica, a legalidade.
Tendo em vista que a aquisição da propriedade imóvel só ocorre após o regis-
tro do título translativo no Cartório de Imóveis, este é considerado obrigatório.
Uma vez aberta a matrícula3 de um imóvel, os registros posteriores de trans-
missão e/ou constituição de direitos reais (inclusive de propriedade) devem ser
anotados na mesma matrícula, de forma contínua, a fim de que sirva como uma
espécie de histórico daquele bem, razão pela qual a continuidade é entendida
como uma das característica do registro.

1  Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo
cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
2  Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.
3  Disciplinada pela Lei nº 6.015/73 em seus arts. 227 a 235, a matrícula é o registro inaugural do imóvel,
consistindo na especificação do estado de um imóvel, tanto em seus aspectos físicos (localização, dimensões etc.)
quanto jurídicos (proprietário, forma de aquisição etc.).

capítulo 2 • 54
Quando alguém necessita provar que é proprietário de um determinado imó-
vel, deverá fazer prova de que o bem está registrado em seu nome, o que se faz
mediante a apresentação de uma matrícula atualizada do imóvel obtida junto ao
cartório, tendo o registro da propriedade força probante.
O registro gera a prioridade em relação à coisa. Ainda que o bem tenha sido
vendido, para mais de uma pessoa, adquire o bem aquele que registrar o título de
transmissão da propriedade.
O registro deve ser o mais específico e detalhado possível quanto aos atributos
físicos e jurídicos da coisa, razão pela qual fala-se em especialidade do registro.

Da aquisição por acessão

A acessão é modo originário de aquisição de propriedade imóvel, pois aqui o


proprietário do bem principal adquire a propriedade de tudo aquilo que a ele se
adere. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 330)
Na acessão, ocorre a junção de uma coisa acessória a uma coisa principal,
formando um todo único e inseparável. Para esse fenômeno gerar a aquisição de
propriedade, faz-se necessário que os bens sejam de proprietários diferentes, caso
contrário não há por que se falar em aquisição, já que os bens – acessório e princi-
pal – já pertenciam à mesma pessoa.
Além disso, a fusão dos bens não pode ser uma circunstância temporária ou
provisória, devendo se dar em caráter definitivo, por isso inseparável ou de difícil
separação, o que justifica a aquisição de propriedade por um dos proprietários da
propriedade da coisa acrescida.
Tal modalidade de aquisição de propriedade é centrada em dois problemas: a
quem atribuir a propriedade da coisa e se haverá alguma consequência patrimonial
decorrente da acessão.
Tais questões deverão ser solucionadas a partir da aplicação de dois princípios
bastante conhecidos do direito civil: o princípio da gravitação jurídica – o aces-
sório segue o principal – e o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
A acessão é classificada, de acordo com a sua causa, como:
Acessão natural – quando o evento causador não teve a participação humana,
mas foi ocasionado por forças da própria natureza;
Acessão artificial – quando a acessão é provocada pela ação humana, apenas
nas hipóteses de construção ou plantação.

capítulo 2 • 55
As hipóteses de aquisição de propriedade por acessão estão elencadas no art.
1.248 do CC: formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo e por plan-
tações ou construções.
A acessão natural ocorre a partir da junção de imóvel com imóvel e pode
ocorrer nas seguintes hipóteses: formação de ilhas, aluvião, avulsão e abandono
de álveo. Os fenômenos da natureza que dão ensejo à acessão natural ocorrem em
benefício dos proprietários de terrenos ribeirinhos.
Na hipótese de águas públicas – previstas no art. 2º do Decreto nº 24.643/34
–, deve ser observado o disposto no art. 14 do Decreto nº 24.643/34: “Os terre-
nos reservados são os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance
das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o
ponto médio das enchentes ordinárias”.
Por força do dispositivo transcrito, em relação aos imóveis às margens de cor-
rentes de águas pública – navegáveis –, a propriedade do ente público sobre tais
águas estende-se também até suas margens. Assim, a acessão ocorrerá em proveito
da pessoa de direito público, por tratar-se de águas públicas.
Logo, para a aquisição de propriedade particular em decorrência de uma acessão natu-
ral esta deverá ocorrer em rios não navegáveis, naqueles de águas comuns ou particulares.
Antes de analisarmos cada uma das hipóteses de acessão natural é importante
esclarecer que o termo “álveo” faz referência ao leito do rio e o termo “testada”
refere-se à extensão da margem dos imóveis.

Acessão por formação de ilhas

O art. 1.249 do CC estabelece que as ilhas que se formarem em correntes


comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros, obser-
vadas as regras que você estudará a seguir.

capítulo 2 • 56
I. Quando as ilhas se formarem no meio do rio, conforme figura abaixo:

Aqui a ilha pertencerá aos terrenos ribeirinhos fronteiriços de ambas as mar-


gens, de acordo com a extensão de cada imóvel, até a linha que dividir o leito do
rio em duas metades iguais – linha vertical imaginária, apenas para referência.
Assim, observe a figura e a regra mencionada e responda: quem adquirirá a
propriedade da ilha?
Felipe adquirirá a propriedade da ilha até a metade do leito do rio na margem
esquerda. Ana e João adquirirão a propriedade da ilha em relação à metade cons-
tante na margem direita.
II. Quando as ilhas se formarem entre a linha que divide o leito do rio ao meio
e uma das margens:

capítulo 2 • 57
Na hipótese em questão, a ilha será adquiria pelos proprietários dos terrenos
ribeirinhos fronteiriços desse mesmo lado.
Observe a figura e a regra ora em análise e responda: quem adquirirá a pro-
priedade da ilha?
Apenas Ana e João.
III. Quando as ilhas se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio:

A ilha continuará a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais
se constituíram.
Quem adquirirá a propriedade da ilha que surgiu?
Apenas Felipe, já que foi à custa do seu terreno que a ilha se constituiu.

Acessão por aluvião

Aluvião é um fenômeno natural por meio do qual depósitos de areia, cascalho,


argila ou aterros naturais ocorrem nas margens das correntes ou pelo desvio das
águas, gerando um acréscimo de terra nas margens. Em relação aos depósitos e
aterros, trata-se de um processo lento e sucessivo, que não ocorre do “dia para a
noite” e que não é possível precisar de onde saíram os grãos que ali se depositaram.
O Código Civil, em seu art. 1.250, prevê que tais acréscimos pertencerão aos
donos dos terrenos marginais, sem indenização, haja vista que não se consegue
saber de onde se desprenderam os grãos e o cascalho responsáveis pelo aterro.

capítulo 2 • 58
O acréscimo que surgir diante de imóveis de proprietários diferentes dividir-se-á
entre eles na proporção da extensão da propriedade de cada um sobre a antiga margem.

A quem pertencerá o terreno acrescido?


Pertencerá a Fabio e a Maria.

Acessão por avulsão

Avulsão é um fenômeno natural por meio do qual por força natural violenta
uma porção de terra se destaca de um imóvel e se junta a outro.

capítulo 2 • 59
Nesse caso, o dono do imóvel ao qual a porção de terra se juntou adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do bem que foi atingido pela força
violenta da natureza e que acabou sendo diminuído. Não haverá a obrigação de
pagamento de indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado o prejuízo
(art. 1.251, Caput, do CC).
Mas e se o adquirente não tiver interesse no acréscimo em questão? Ainda as-
sim, é possível que seja obrigado a indenizar o prejudicado se este reclamar dentro
do prazo de um ano?
Segundo o constante no art. 1.251, parágrafo único, do CC, recusando-se ao
pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra
deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.
Cuidado para não confundir “aluvião” com “avulsão”. A diferença principal
consiste no fato de que aluvião ocorre de maneira lenta e imperceptível, sem gerar,
consequentemente, o dever de indenizar o adquirente. Em contrapartida, avul-
são decorre de força natural violenta, ocorrendo, portanto, de repente, de forma
abrupta. Para ser avulsão, o acréscimo deve ser notório, o que gerará a possibilida-
de do adquirente ter que indenizar o prejudicado.

Acessão por abandono de álveo

O termo “álveo”, como já exposto, significa leito do rio. Assim, o álveo aban-
donado é na verdade o leito do rio que secou. Importante lembrar que a acessão
deve ser caracterizada por uma situação em que a seca não é meramente momen-
tânea. O Código Civil faz referência à situação do álveo abandonado como decor-
rente de uma mudança do curso do rio, o que faria com que o antigo leito secasse.
Neste caso, o terreno correspondente ao álveo seco pertencerá aos proprie-
tários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos
terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os imóveis
marginais se estendem até o meio do álveo.

capítulo 2 • 60
A solução acima apresentada só deve ser aplicada na hipótese da mudança
do curso do rio ter ocorrido por forças naturais. É muito comum, no entanto, a
alteração do curso do rio decorrer de obras de utilidade pública. Nessa situação, o
Código Civil não deverá ser aplicado, mas sim o Decreto nº 24.643/34 que, em
seu art. 27, determina: “Se a mudança da corrente se fez por utilidade pública, o
prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado, e o álveo abandonado passa
a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita”.
Assim, os proprietários de imóveis às margens do terreno correspondente ao
álveo abandonado não poderão acrescer a área às suas propriedades, passando a
pertencer ao ente público responsável pela obra que terá de indenizar o proprietá-
rio do imóvel cujas terras foram inundadas em razão da mudança do curso do rio.

Acessão artificial

A acessão artificial é aquela que decorre da ação humana, ação esta no sentido
de construir ou plantar algo. O art. 1.253 do CC consagrou uma presunção: até
que se prove o contrário, toda construção ou plantação existente em um terreno
(presumivelmente) foi feita pelo proprietário e à sua custa. A acessão artificial, con-
tudo, excepciona essa regra e se origina a partir de situações em que a construção

capítulo 2 • 61
ou a plantação não foi realizada pelo proprietário ou, então, não foi feita à sua
custa, pois este utilizou material de construção ou plantas e sementes alheios.
As regras sobre a possibilidade de aquisição de propriedade e a necessidade de
indenização do prejudicado variam de acordo com a boa-fé ou a má-fé do cons-
trutor ou plantador. Todavia, ao lermos os artigos do Código Civil que tratam
sobre o tema (arts. 1.254 a 1.259), observa-se que o legislador aplicou às diversas
situações ali delineadas aqueles dois princípios mencionados no início da apresen-
tação deste tema: o princípio da gravitação jurídica e o princípio da vedação ao
enriquecimento sem causa.
Assim, sempre adquirirá a propriedade o proprietário da coisa principal, bem
como o proprietário dos bens e o construtor de boa-fé terão seus prejuízos reparados.
De acordo com o disposto no art. 1.254 do CC:

Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes,


plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica
obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos,
se agiu de má-fé.

Aplicando a regra transcrita, responda: João, proprietário de um terreno, utiliza o material


de construção ou as sementes e plantas de Pedro, sem sua autorização, para construir
ou plantar em seu imóvel. Quem será o proprietário de tudo? Se João estivesse de boa-
fé, ele teria de pagar algum valor a Pedro? Qual? E se estivesse de má-fé?
Quem adquirirá a propriedade será João, por ser o dono da coisa principal. Se João agiu
de boa-fé – ou seja, acreditava estar se utilizando de bens móveis de sua propriedade,
mas por um equívoco desculpável acabou empregando em seu terreno o material ou
plantas de Pedro –, deverá ressarcir Pedro pelo valor atual da acessão. Caso João
tenha agido de má-fé – este sabia que os bens empregados em seu imóvel não lhe
pertenciam, mas, mesmo assim, se utilizou dos mesmos –, indenizará Pedro pelo valor
atual da acessão e ainda pelas perdas e danos sofridos.

No art. 1.255, Caput, do CC, a situação se inverte e é o dono dos bens acessórios
quem planta ou constrói em imóvel alheio, estabelecendo o dispositivo que “Aquele
que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário,
as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito à indenização”.

capítulo 2 • 62
Considerando tal regra, responda: Pedro, proprietário de certo material de construção ou
de plantas e sementes, construiu ou plantou no terreno de João sem sua autorização.
Quem será o proprietário de tudo? Se Pedro estivesse de boa-fé, ele teria de receber
algum valor de João? Qual? E se estivesse de má-fé?
Como a coisa principal continua sendo o imóvel, quem adquirirá a propriedade será
novamente João. Se Pedro agiu de boa-fé – ou seja, acreditava estar construindo ou
plantando em seu imóvel, mas por um equívoco desculpável acabou construindo ou
plantando em terreno alheio –, deverá ser indenizado por João pelo valor atual da acessão, a
fim de evitar o enriquecimento sem causa do proprietário do imóvel. Caso Pedro tenha agido
de má-fé – este sabia que o imóvel não era seu, mas, ainda assim, empregou o seu material
de construção ou plantas e sementes ali –, não tem qualquer direito a ser indenizado, pois
assumiu o risco de investir em imóvel sobre o qual não tinha qualquer direito.

O art. 1.255, parágrafo único, estabelece, no entanto, uma acessão que é cha-
mada pela doutrina (GONÇALVES, 2016, p. 319) de acessão inversa. Na situa-
ção descrita no dispositivo, a coisa principal não é o imóvel, mas a construção ou
a plantação ali levantada. “Se a construção ou a plantação exceder consideravel-
mente o valor do terreno”, prevê o dispositivo, “aquele que, de boa-fé, plantou
ou edificou adquirirá a propriedade do solo mediante pagamento da indenização
fixada judicialmente, se não houver acordo”.

Diante dessa regra, responda: Pedro, proprietário de certo material de construção ou de


plantas e sementes, construiu ou plantou no terreno de João sem sua autorização. No
caso em questão, o valor da construção ou plantação é consideravelmente superior ao do
terreno. Quem será o proprietário de tudo? Se Pedro estivesse de boa-fé, teria de pagar
algum valor para João? Qual? E, se estivesse de má-fé, o que aconteceria?
Aqui a coisa principal não é mais o terreno, mas a construção ou a plantação realizada,
assim quem adquirirá a propriedade será Pedro, desde que tenha agido de boa-fé, devendo
indenizar João pelo valor do terreno. Se Pedro tiver construído ou plantado ali de forma
proposital, ou seja, de má-fé, perderá tudo em favor de João, sem direito à indenização.

Na situação descrita no art. 1.256, ambas as partes agem de má-fé – o cons-


trutor ou plantador que sabe que está empregando os seus materiais em terre-
no alheio sem a anuência do proprietário e o dono do imóvel que, conforme o

capítulo 2 • 63
parágrafo único do art. 1.256, age de má-fé pois o trabalho de construção, ou de
lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua. O Código Civil no Caput
do artigo determina: “Se de ambas as partes houve má-fé, adquirirá o proprietário
as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões”.
A legislação brasileira proíbe que uma pessoa se aproveite de sua própria torpe-
za. Assim, na hipótese descrita, aquele que age de má-fé não pode ainda querer se
aproveitar da má-fé da outra parte. A sanção encontrada pelo legislador, portanto,
foi forçar tanto o dono do terreno a ressarcir o construtor ou plantador, como se
este tivesse agido de boa-fé, e o construtor ou plantador só será ressarcido pelo valor
atual da acessão como se o proprietário do imóvel também tivesse agido de boa-fé.

Diante do exposto, analise e explique o caso a seguir: Pedro, proprietário de certo


material de construção ou de plantas e sementes, construiu ou plantou no terreno de
João, sem sua autorização, e sabendo que construía ou plantava em terreno que não era
seu. No caso em questão, João presenciou a construção ou plantação de Pedro e nada
fez para interrompê-la. Quem será o proprietário de tudo? Haverá necessidade de João
indenizar Pedro ou vice-versa?
Como ambos terão de tratar o outro como se este tivesse agido de boa-fé, João adquirirá
a propriedade – pois é dono da coisa principal –, mas deverá indenizar Pedro pelo valor
atual da acessão.

No art. 1.257 do CC, a hipótese descrita pelo Código Civil é ainda mais
complexa, pois aqui quem constrói ou planta não é nem o dono do terreno nem o
dono das sementes e materiais de construção, mas uma terceira pessoa. Determina
o artigo citado que, em relação à aquisição da propriedade e à necessidade de
indenizar, seja aplicada a mesma regra do art. 1.256, o que significa que o dono
do terreno adquirirá a propriedade e o dono dos materiais de construção ou das
plantas e sementes deverá ser indenizado pelo prejuízo.
A grande questão é quem deverá realizar tal ressarcimento. Essa dúvida é es-
clarecida pelo parágrafo único do art. 1.257 ao dispor que: “O proprietário das se-
mentes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização
devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor”. Isso estabelece,
assim, a responsabilidade principal pelo pagamento da indenização para o cons-
trutor ou plantador e, subsidiariamente, para o proprietário do solo – haja vista
que teve um ganho para o qual não contribuiu.

capítulo 2 • 64
José construiu ou plantou de boa-fé no terreno de João com o material de construção
ou plantas e sementes de Pedro. Sendo assim, quem será o proprietário de tudo? Como
ficará o pagamento de indenização para o prejudicado?
A propriedade será adquirida por João, por ser o dono da coisa principal, devendo ser
Pedro indenizado por José ou, na impossibilidade deste, pelo próprio João.

Há, ainda, duas outras hipóteses de acessão artificial previstas nos artigos
1.258 e 1.259 que se referem àquelas situações em que a construção não foi feita
integralmente em solo alheio, mas em que, apesar do proprietário do imóvel ter
se utilizado do seu próprio solo para construir, a construção invadiu parte do ter-
reno do vizinho. Essas modalidades de acessão são comparadas pela doutrina com
a desapropriação, sendo chamada por alguns autores de desapropriação privada
(GOMES, 2012, p. 177).
Ressalte-se que as regras constantes nos dois artigos que serão comentados a
partir deste ponto são aplicadas apenas para situações envolvendo construções.
No caso de plantações que são feitas utilizando-se parte do solo alheio, as mesmas
deverão ser desfeitas, não gerando aquisição de propriedade para o plantador.
Nos termos do art. 1.258 do CC, são requisitos cumulativos para a aquisição
de parte da propriedade do terreno do vizinho por acessão artificial:

•  a construção ter sido feita parte em solo próprio, parte em solo alheio;
•  a construção ter invadido o solo alheio em proporção não superior à sua
vigésima parte;
•  o construtor ter agido de boa-fé;
•  o valor da construção exceder o valor da parte invadida;
•  pagamento de indenização que represente, também, o valor da área perdida
e a desvalorização da área remanescente.

O construtor, nesse caso, age de boa-fé, quando por um erro desculpável acre-
dita estar construindo em área integralmente sua. Por sua vez, o construtor age de
má-fé quando sabe estar construindo em parte do terreno do vizinho, mas, mesmo
assim, realiza a construção.
Segundo o art. 1.258, parágrafo único, do CC, o construtor de má-fé também
poderá adquirir a propriedade da área invadida, desde que não se possa demolir a
porção invasora sem grave prejuízo para a construção. Os requisitos cumulativos
necessários para a aquisição da propriedade serão:

capítulo 2 • 65
•  a construção ter sido feita parte em solo próprio, parte em solo alheio;
•  a construção ter invadido o solo alheio em proporção não superior à vigé-
sima parte deste;
•  o construtor ter agido de má-fé;
•  o valor da construção exceder consideravelmente o valor da parte invadida;
•  pagamento de indenização que represente, também, o valor da área perdida
e a desvalorização da área remanescente multiplicado por dez.

O art. 1.259 também trata de construções realizadas parte em solo próprio, parte
em solo alheio. Porém, tal dispositivo disciplina aquelas situações em que a invasão do
terreno alheio se deu em fração superior à vigésima parte do terreno do vizinho. Para
a aquisição de propriedade nessas circunstâncias, a legislação exige cumulativamente:

•  a construção ter sido feita parte em solo próprio, parte em solo alheio;
•  a construção ter invadido o solo alheio em proporção superior à vigésima
parte deste;
•  o construtor ter agido de boa-fé;
•  pagamento de indenização que represente, também, o valor da área perdi-
da, a desvalorização da área remanescente acrescida ainda do valor que a invasão
acrescer à construção.

Se agir de má-fé, o dispositivo supramencionado prevê que o construtor é


obrigado a demolir o que construiu no terreno do vizinho, pagando as perdas
e danos apurados, que serão devidos em dobro. Tal demolição deverá acontecer
independentemente de causar ou não danos graves para a construção.
O posicionamento mais severo do Código em relação ao construtor de má-
-fé nos dois artigos analisados se dá com o objetivo de desincentivar esse tipo
de conduta.

Da aquisição por usucapião

Usucapião é uma palavra formada por dois termos em latim, usus, que quer
dizer uso, e capionem, que significa aquisição. O usucapião é forma originária de
aquisição de direito reais que decorre do uso contínuo da coisa. Assim, não só a
propriedade poderá ser adquirida por usucapião, mas também outros direitos reais
(por exemplo, o direito real de servidão).

capítulo 2 • 66
O objetivo de se requerer o reconhecimento do direito de usucapião pelo
possuidor é transformar o seu estado de fato (posse) em um estado de direito (pro-
priedade ou outros direitos reais).
No que tange à aquisição de propriedade, por ser o usucapião forma de aqui-
sição originária, não haverá a cobrança de ITBI (Imposto de Transmissão de Bens
Imóveis) ou ITCD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação), tendo
em vista que não haverá a incidência do fato gerador de tais tributos, qual seja, a
transmissão de propriedade. Ademais, pelo mesmo motivo, o usucapiente recebe-
rá a coisa livre de vícios e de ônus (não subsistindo, portanto, gravames como a
hipoteca, a servidão, perante o adquirente), haja vista que a aquisição originária
inaugura uma nova posse, isenta de vícios e de ônus.
Em relação à aquisição da propriedade imóvel, a legislação brasileira contem-
pla seis espécies de usucapião:

•  usucapião extraordinário;
•  usucapião ordinário;
•  usucapião rural;
•  usucapião urbano;
•  usucapião urbano coletivo;
•  usucapião urbano familiar ou matrimonial.

Cada uma das espécies de usucapião possui peculiaridades do que concerne


ao tempo mínimo exigido de posse, bem como no que se refere aos requisitos de
cada uma dessas modalidades. A doutrina (DINIZ, 2013, p. 185), no entanto,
identifica requisitos considerados essenciais, por serem comuns às várias espécies
de usucapião, o que discutiremos no item a seguir.

Requisitos essenciais

Os requisitos essenciais para se usucapir a propriedade de um bem imóvel são


os seguintes: idoneidade do bem a ser usucapido, tempo, posse mansa, pacífica e
contínua, e o animus domini.
A idoneidade do bem para fins de usucapião não se trata de requisito expres-
so nos artigos que versam sobre o tema, mas é um requisito implícito, haja vista
que só será admitida a aquisição de propriedade por usucapião daqueles bens em
relação aos quais não haja nenhuma vedação legal quanto a este tipo de aquisição.

capítulo 2 • 67
Portanto, é mais fácil citar os bens que não gozam dessa idoneidade, tais como:
bens públicos, conforme previsto no art. 102 do CC e nos arts. 183, §3º, e 191,
parágrafo único, da Constituição Federal; e bens achados fora do comércio, tendo
em vista que a sua alienação é vedada e, consequentemente, também não poderão
ser adquiridos por usucapião.
Destaque-se que o fato de o imóvel ser bem de família ou ter sido considerado
inalienável por força de decisão judicial ou pela vontade do proprietário não retira
a sua idoneidade para fins de usucapião. Pode servir, portanto, como objeto de tal
forma de aquisição, porque a proteção do bem de família é apenas em relação a
sua impenhorabilidade, assim como a inalienabilidade do bem impede somente
a sua alienação. Como usucapião é forma de aquisição originária da propriedade,
nenhuma das proteções é ofendida pelo usucapião.
O requisito do tempo varia de acordo com a forma de usucapião, tendo como
prazo mínimo previsto quinze anos (usucapião extraordinário) e prazo mínimo de
dois anos (usucapião familiar ou matrimonial). O lapso temporal exigido é o pra-
zo mínimo de posse mansa, pacífica e contínua que o possuidor deverá comprovar
e aguardar para poder requerer a aquisição de propriedade por usucapião.
A posse mansa, pacífica e contínua diz respeito ao exercício da posse pelo pos-
suidor de forma ininterrupta e sem oposição do proprietário. Será que para se inter-
romper essa pacificidade o proprietário poderá se utilizar de violência, por exemplo?
A pacificidade deverá ser interrompida por meio da reivindicação da coisa pela
via judicial por parte do proprietário. Na hipótese de o proprietário ajuizar ação
reivindicatória, ou mesmo possessória, para recuperar a posse do bem, interrom-
pe-se a contagem do prazo necessário para o possuidor usucapir o imóvel.
O animus domini é requisito diretamente relacionado com a teoria subjetiva
da posse aplicada no direito brasileiro para qualificar a posse necessária para fins
de usucapião. Assim, além de o possuidor ter a posse do bem de forma mansa,
pacífica e contínua por um lapso temporal mínimo exigido em lei, o usucapiente
deverá comprovar que tinha a posse da coisa como se fosse sua.
Na prática, isso afasta a possibilidade de aqueles possuidores – que estão com o
poder imediato sobre a coisa em decorrência de um negócio jurídico celebrado com
o proprietário do bem – virem a usucapi-lo. Exceto se comprovarem que, apesar do
contrato firmado com o dono do bem, exercem a posse sem estar adstrito ao mesmo,
ou seja, sem respeitar e/ou observar as obrigações consignadas em tal instrumento.
Apresentados os requisitos essenciais, vamos passar a estudar as espécies de usucapião.

capítulo 2 • 68
Usucapião extraordinário

O usucapião extraordinário está previsto no art. 1.238 do Código Civil. De


acordo com a doutrina (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 286-291), essa espécie
se subdividiria em dois tipos: o usucapião extraordinário de posse simples e o usu-
capião extraordinário de posse qualificada.
A aquisição pela modalidade de posse simples é aquela que pode ser reque-
rida apenas com a satisfação dos requisitos essenciais, exigindo a comprovação de
uma posse, mansa, pacífica, contínua com animus por um lapso temporal de no
mínimo 15 anos, fundamentada no disposto no art. 1.238, Caput. Ex.: aquele que
se apossa de um imóvel, mas não dá a ele nenhum tipo de utilidade, mantendo
apenas um vigia no local para garantir a sua posse.
A modalidade de usucapião extraordinário de posse qualificada é aquela que,
além de demonstrar a existência dos requisitos essenciais, qualifica-se a posse do
bem pelo atendimento de sua função social, por intermédio de efetiva moradia ou
pela realização de obras e serviços de caráter produtivo. Nesse caso, será concedida
redução para dez anos do tempo necessário para a parte usucapir o bem, conforme
o art. 1.238, parágrafo único, do CC.
Em ambas as hipóteses, o usucapião extraordinário dispensa a necessidade de
justo título e da boa-fé.

Usucapião ordinário

O usucapião ordinário foi disciplinado no art. 1.242 do CC e tem como re-


quisitos específicos o justo título e a boa-fé.
De acordo com a interpretação proposta pelo Enunciado nº 86 das Jornadas
de Direito Civil, o justo título deve ser entendido como sendo qualquer docu-
mento, sem se revestir das formalidades necessárias para gerar título aquisitivo,
mas que é suficiente para demonstrar a legalidade da posse. O importante é que
tenha aparência de legítimo e válido.
A boa-fé está presente naquelas circunstâncias em que o possuidor tem mais do
que simples animus de ser dono, pois acredita sinceramente ser o titular da propriedade.
Infere-se do conteúdo do Caput, do art. 1.242, do CC, que será necessário o pos-
suidor demonstrar, para requerer o usucapião ordinário, que, além dos requisitos es-
senciais, tem, também, justo título (que por algum motivo não foi registrado) e boa-fé.

capítulo 2 • 69
Essa hipótese pode ser utilizada por aquele que adquire um imóvel, mas por
desídia não registra o seu direito de propriedade, tendo apenas como prova do
negócio jurídico com o vendedor uma promessa de compra e venda – que poderá
ser considerada como justo título. Apesar da ausência do registro, o adquirente
toma posse do bem e passa a exercer de forma contínua poderes sobre a coisa.
Transcorridos dez anos nessa situação, o possuidor descobre que o vendedor do
imóvel morreu e o imóvel foi arrolado no inventário do falecido e os herdeiros
se recusam a transferir a propriedade em cartório para a pessoa. Uma opção para
manter o direito sobre a coisa é requerer o reconhecimento de propriedade com
base no usucapião ordinário.
O código prevê, ainda, no parágrafo único, do art. 1.242, que o imóvel adqui-
rido por título oneroso registrado em cartório, mas que tem o registro de aquisição
da propriedade posteriormente cancelado – em decorrência de algum vício na
constituição do título ou do próprio negócio jurídico, poderá defender a proprie-
dade do bem, se transcorridos cinco anos de posse e se os possuidores nele tiverem
estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e eco-
nômico. Importante ressaltar que, se o cancelamento do registro ocorrer antes do
prazo de cinco anos, interrompe-se o prazo de contagem do usucapião.
O Enunciado nº 569 das Jornadas de Direito Civil consagrou a seguinte regra:
“No caso do art. 1.242, parágrafo único, o usucapião, como matéria de defesa,
prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usu-
capiente já é o titular do imóvel no registro”. Tal previsão decorre do fato de que
essa forma de usucapião, na verdade, deve ser alegada como matéria de defesa no
curso da ação que pretende anular o registro do título de propriedade, dispensan-
do, assim, o ajuizamento de ação de usucapião.

Usucapião rural (ou pro labore)

Esta forma de usucapião foi inicialmente prevista pela Constituição de 1988.


Com a edição do Código Civil de 2002, foi incluída no texto cível. Em razão disso,
o texto do art. 1.239 do CC é idêntico ao texto do art. 191 da Constituição Federal.
O usucapião rural, além dos requisitos essenciais, tem como requisitos es-
pecíficos não ser o possuidor proprietário de imóvel rural ou urbano, ter a posse
mansa, pacífica, contínua e com animus por cinco anos ininterruptos, e reque-
rer a aquisição de propriedade sobre área de terra em zona rural não superior

capítulo 2 • 70
a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia.
O usucapião rural exige que o possuidor não só more no imóvel, mas também
o torne produtivo pelo trabalho individual ou familiar.
Acrescente-se que não exige como requisito o justo título e a boa-fé.
Segundo o Enunciado nº 313 das Jornadas de Direito Civil, caso a área total
do imóvel a ser usucapido ultrapasse o limite legal, não será possível a aquisição
pela via do usucapião especial rural, mesmo sendo restringida a dimensão do que
se quer usucapir. Em uma situação como essa, o possuidor não poderá usucapir
nessa modalidade, mas poderá usucapir, por exemplo, na modalidade extraordiná-
ria, que não contempla a limitação da área total do imóvel como requisito.

Usucapião urbano

Assim como o usucapião rural, o usucapião urbano foi primeiramente pre-


visto na Constituição Federal e depois introduzido no texto do Código Civil de
2002. Na Constituição, a sua previsão pode ser encontrada no art. 183; já no
Código Civil, foi consagrado no art. 1.240.
O usucapião urbano, cumulativamente aos requisitos essenciais, demanda a
comprovação de que o possuidor não é proprietário de outro imóvel urbano ou
rural, que teve a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus pelo prazo mí-
nimo de cinco anos de imóvel em área urbana de até 250 m2, utilizando o para
sua moradia ou de sua família.
A moradia é considerada requisito obrigatório nessa forma de aquisição de pro-
priedade. Em razão disso, a legislação afastou a possibilidade de usucapião, pelo menos
nessa espécie, sobre bens com fins comerciais, exceto, se tiverem finalidade mista, ou
seja, servindo como moradia e como local de atividade profissional do possuidor.
Essa forma de usucapião possui várias semelhanças com a modalidade rural,
dispensando também o justo título e a boa-fé como requisito essencial, bem como
devendo ser aplicada à mesma a regra, já comentada, constante no Enunciado nº
313 das Jornadas de Direito Civil, que veda a restrição da dimensão do que se quer
usucapir para se adequar o pedido do possuidor à limitação legal de área.

capítulo 2 • 71
Usucapião urbano coletivo

O usucapião urbano coletivo não está previsto no Código Civil, porém foi
instituído por força do art. 10 da Lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade.
Trata-se de modalidade de usucapião urbano que difere daquela espécie consti-
tucional estudada acima, em razão do pedido ser feito por um grupo de pessoas
que ocupam o mesmo imóvel sem que se possa identificar a área ocupada por cada
possuidor, como ocorre, por exemplo, em alguns cortiços, onde os espaços são por
todos compartilhados.
Além dos requisitos essenciais, o usucapião urbano ainda tem os seguintes requi-
sitos específicos: imóvel situado em área urbana com mais de 250 m2, ocupado por
população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos de forma ininterrupta e
sem oposição; não ser possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor,
não serem os possuidores proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Em razão do disposto no §1º, do artigo supramencionado, permite-se a ac-
cessio possessionis, ou seja, o possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido,
acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
Essa modalidade só deve ser manejada pelos possuidores quando de fato não
se puder identificar a área ocupada por cada possuidor, tendo em vista que é mui-
to menos vantajosa do que a espécie individual consagrada no Código Civil. Os
parágrafos 3º e 4º do art. 10 preveem que, na sentença, o juiz atribuirá a cada
possuidor fração ideal de terreno, constituindo-se um condomínio especial indi-
visível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no
mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização poste-
rior à constituição do condomínio.

Usucapião urbano matrimonial (ou familiar)

Esta modalidade de usucapião foi incluída na legislação brasileira em 2011,


por meio da Lei nº 12.424, que adicionou ao texto do Código Civil o art. 1.240-A.
De todas as espécies de usucapião, o matrimonial é o que tem requisitos mais especiais.
Trata-se de modalidade de usucapião que ocorre entre cônjuges ou compa-
nheiros em relação à imóvel de propriedade do casal.
Os requisitos dessa forma de usucapião são os seguintes: exercício de posse
direta mansa e pacífica por apenas um dos cônjuges ou companheiros pelo prazo
mínimo de dois anos, sobre imóvel urbano de até 250 m² cuja propriedade divida

capítulo 2 • 72
com cônjuge ou companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia
ou de sua família, desde que não seja o possuidor proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.
É cabível o usucapião familiar naquelas hipóteses em que houve o abandono
do lar por um dos cônjuges ou companheiros e não foi promovido o divórcio ou
a dissolução da união estável (Enunciado nº 501 das Jornadas de Direito Civil).
O abandono do lar deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião
familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tu-
tela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento
ou união estável (Enunciado nº 595 das Jornadas de Direito Civil).

Disposições gerais sobre usucapião no Código Civil

A accessio possessionis – possibilidade de aproveitamento da posse do anteces-


sor – de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil, não encontra
aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em
face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191,
respectivamente, em conformidade com o constante no Enunciado nº 317 das
Jornadas de Direito Civil. Aplica-se, no entanto, tal possibilidade no que concerne
às hipóteses de usucapião extraordinário e ordinário.
Além disso, ressalte-se que, estende-se ao possuidor o disposto quanto ao de-
vedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as
quais também se aplicam à usucapião (art. 1.244 do CC).

Usucapião administrativo

O art. 1.071 do Novo Código de Processo Civil determinou a inclusão do


art. 216 – A na Lei nº 6.015/73 – lei de registros públicos –, que instituiu o
usucapião administrativo.
Trata-se de alternativa que não exclui a via jurisdicional.
Tal procedimento surtirá resultado, especialmente para aquelas hipóteses em
que for apresentada planta do imóvel que contenha a assinatura de qualquer um
dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na ma-
trícula do bem usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, pois se dis-
pensará a notificação de tais pessoas, ou, ainda, produzirá efeitos na hipótese de
uma vez que os titulares dos direitos anteriormente citados sejam notificados estes
manifestem a sua anuência quanto à aquisição da propriedade pelo usucapiente.

capítulo 2 • 73
Na hipótese de os titulares de direito sobre a coisa não se manifestarem, o
silêncio será interpretado como discordância (art. 216-A, § 2º, Lei nº 6.015/73).
Na discordância tácita ou expressa, o processo será remetido para o juízo compe-
tente. A ausência de algum dos documentos exigidos pelo artigo importará na re-
jeição do pedido perante o cartório, mas não impedirá que o interessado apresente
novamente o pedido de usucapião, desta vez perante o Judiciário.
Ressalte-se que a referida lei não instituiu nova espécie de usucapião, porém
estabeleceu um novo procedimento, como via alternativa do Poder Judiciário.

Desapropriação judicial

A desapropriação judicial está prevista no art. 1.228, §§4º e 5º, do CC. Seus
requisitos lembram muito a aquisição de propriedade imóvel por usucapião cole-
tivo: o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de
boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas houver
nela realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo
juiz de interesse social e econômico relevante.
Apesar das semelhanças, nessa hipótese não se fala em usucapião e sim em
desapropriação, pois o §5º estabelece a necessidade de pagamento de indenização:
“[...] o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a
sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores”.
De acordo com o Enunciado nº 308 das Jornadas de Direito Civil, a referida
indenização deverá ser suportada pelos adquirentes do imóvel. Contudo, excepcio-
nalmente, poderá ser arcada pela Administração Pública, dentro do contexto das po-
líticas públicas de reforma urbana ou agrária, desde que os possuidores sejam de bai-
xa renda e que tenha havido a intervenção do ente público nos termos processuais.

Direito intertemporal

O Código Civil consagrou algumas regras de transição quanto aos prazos de


usucapião do Código Civil de 1916 para o Código Civil de 2002.
Assim, em conformidade com o disposto no art. 2.028 do CC, serão os da lei
anterior os prazos, no caso de usucapião extraordinário – pois sofreu uma redução
de prazo –, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da
metade do tempo estabelecido na lei revogada – no caso mais da metade do prazo
de vinte anos, anteriormente previsto.

capítulo 2 • 74
Destaque-se que o Enunciado nº 564 das Jornadas de Direito Civil consagrou, no
entanto, entendimento diverso, sugerindo que “As normas relativas à usucapião
extraordinária (art. 1.238, caput, CC) e à usucapião ordinária (art. 1.242, caput, CC), por
estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação imediata,
não incidindo o disposto no art. 2.028 do Código Civil”.

Segundo o art. 2.029, até dois anos após a entrada em vigor do Código de
2002, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo
único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo trans-
corrido na vigência do anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Portanto,
em relação ao usucapião extraordinário, o prazo passaria a ser de doze anos, e, no
que tange ao usucapião ordinário, seria exigido o prazo de sete anos.
Por fim, o art. 2.030 do CC previu o mesmo acréscimo de prazo constante
no artigo anterior, assim, até dois anos após a entrada em vigor do Código Civil
de 2002, para a hipótese de desapropriação judicial, exigindo o prazo mínimo de
posse também de sete anos.

ATIVIDADE
1) Acerca da aquisição da propriedade imóvel, assinale a alternativa correta:
a) Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se
adquirem com a tradição, salvo os casos expressos neste Código.
b) Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como
dono do imóvel.
c) O registro tem por característica a presunção de veracidade absoluta.
d) Mesmo sem o registro do título translativo, o adquirente a partir da tradição já passa a ser
havido como dono do imóvel.

2) (FCC, 2009. Juiz/TJ – AP) Considere as seguintes afirmações a respeito do direito


de propriedade:
I. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e o subsolo correspondentes, jazidas e
minas, mas excluídos os monumentos arqueológicos.
II. São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e
sejam animados pela intenção de prejudicar a outrem.
III. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.

capítulo 2 • 75
IV. Somente pode reivindicar a coisa o proprietário que, ao ser dela privado, estivesse na sua
posse direta.
Estão corretas as afirmações:
a) II, III
b) I, III e V
c) I, IV e V
d) II, III e IV
e) I, II e III

3) (FCC, 2016. PGE – MT) José, embora sem justo título nem boa-fé, exerceu, por
dez anos, sem interrupção, nem oposição, a posse de imóvel registrado em nome
de Caio, menor impúbere, nele estabelecendo sua moradia habitual. De acordo com
o Código Civil:
a) Ocorreu usucapião ordinária, porque o prazo desta, de quinze anos, é reduzido a dez quan-
do o possuidor estabelece no imóvel a sua moradia habitual.
b) Ocorreu usucapião extraordinária, porque o prazo desta, de quinze anos, é reduzido a dez
quando o possuidor estabelece no imóvel sua moradia habitual.
c) Não ocorreu usucapião, porque esta ocorre somente se o possuidor tiver justo título.
d) Não ocorreu usucapião, porque se aplicam à usucapião as causas que obstam, suspen-
dem ou interrompem a prescrição.
e) Não ocorreu usucapião, porque esta ocorre somente se o possuidor tiver boa-fé.

GABARITO
1) B
2) A
3) D

capítulo 2 • 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: reais. 6. ed. Salvador: Rio
de Janeiro, 2010. v. 5.
GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. rev. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
STAUT JR., Sérgio Said. Cuidados metodológicos no estudo da história do direito de propriedade. Revista
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n. 42, p. 155-170, 2005.

capítulo 2 • 77
capítulo 2 • 78
3
Da propriedade
(aquisição de bens
móveis e perda
da propriedade)
e do direito de
vizinhança
Da propriedade (aquisição de bens móveis e
perda da propriedade) e do direito de vizinhança

Conforme exposto no capítulo anterior, o direito de propriedade é conside-


rado o direito real por excelência, conferindo ao seu titular todos os poderes ine-
rentes aos direitos reais. Assim, é essencial a sua compreensão para o estudo dos
demais direitos reais.
Importante destacar que, além da propriedade ser o fundamento dos direitos
reais sobre coisa alheia, de tal direito também decorrem os direitos e as obrigações
estabelecidos nas normas que versam acerca do direito de vizinhança.
A seguir, você estudará as formas de aquisição da propriedade de bens móveis,
assim como as regras acerca da perda da propriedade. E, ainda, será abordado o
conceito e as espécies do chamado direito de vizinhança.

OBJETIVOS
•  Estudar as formas de aquisição da propriedade móvel;
•  Analisar a usucapião de bens móveis;
•  Estabelecer as diferenças entre descoberta e ocupação;
•  Estudar as espécies de tradição;
•  Compreender as formas de perda da propriedade;
•  Identificar os limites à propriedade decorrentes dos direitos de vizinhança;
•  Analisar as várias espécies do direito de vizinhança.

Modos de aquisição da propriedade móvel

Conforme já comentado no capítulo anterior, o Código Civil estabeleceu for-


mas distintas para a aquisição do direito de propriedade, variando segundo a na-
tureza do bem, se móvel ou imóvel. A seguir, você estudará as formas de aquisição
da propriedade móvel.
Adquire-se a propriedade móvel por meio de:

•  Usucapião (art. 1.260 a 1.262);


•  Ocupação (art. 1.263);

capítulo 3 • 80
•  Achado de tesouro (art. 1.264 a 1.266);
•  Tradição (art. 1.267 e 1.268);
•  Especificação (art. 1.269 a 1.271);
•  Confusão, comissão e adjunção (art. 1.272 a 1.274).

Nos subtópicos a seguir, você estudará as formas de aquisição da propriedade


móvel indicadas.

Usucapião de bens móveis

Em relação à aquisição da propriedade de bens móveis por usucapião, é impor-


tante destacar que os mesmos requisitos essenciais estudados em relação ao usuca-
pião de bens imóveis serão exigidos para o usucapião de coisas móveis, quais sejam:
idoneidade do bem a ser usucapido, tempo, posse mansa e pacífica e animus domini.1
Ademais, há também uma semelhança quanto às espécies de usucapião e os
seus respectivos requisitos. Para a aquisição de bens móveis, as espécies de usuca-
pião são as seguintes: usucapião extraordinária e usucapião ordinária.
Assim como ocorre em relação ao usucapião extraordinário de bens imóveis,
essa espécie exige apenas a comprovação dos requisitos essenciais, devendo o pos-
suidor comprovar uma posse mansa, pacífica e com animus por um prazo inin-
terrupto de no mínimo cinco anos, independentemente de justo título e boa-fé,
segundo o disposto no art. 1.261 do Código Civil.
A hipótese de usucapião ordinário, por sua vez, exigirá do possuidor que, além
dos requisitos essenciais, demonstre que tem justo título e boa-fé, caso em que a
posse deverá se prolongar por um prazo de pelo menos três anos, de acordo com
o art. 1.260 do CC.
O art. 1.262 prevê, ainda, que se aplicam ao usucapião das coisas móveis as
regras consagradas nos arts. 1.243 e 1.244 do CC, que determinam que o pos-
suidor poderá, para o fim de contar o tempo exigido nas hipóteses de usucapião,
acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, bem como que ao possuidor esten-
de-se o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou
interrompem a prescrição, as quais também se aplicam ao usucapião.
A doutrina adverte que há, no entanto, diferença entre os efeitos da sentença
do usucapião de bens móveis e imóveis. Na aquisição da propriedade de bens
imóveis, o registro do título judicial será essencial para a alteração de titularidade
1  Requisitos estes já explicados no capítulo anterior.

capítulo 3 • 81
do bem junto ao Cartório de Registros Imobiliários. Na aquisição da propriedade
mobiliária, dispensa-se o registro, sendo suficiente a tradição da coisa, ressalvada a
hipótese de aquisição de propriedade de veículos, em razão da previsão constante
na Súmula nº 4892 do STF. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 362)
Questão interessante a ser discutida é a possibilidade ou não de se usucapir
veículos furtados.
A jurisprudência pátria, em algumas hipóteses, já se manifestou acerca de tais
casos. No entanto, não há ainda um entendimento pacificado quanto ao tema,
como se pode inferir das decisões colacionadas a seguir.

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. CAMINHÃO FURTADO.


AQUISIÇÃO. A aquisição por usucapião extraordinário de bem móvel,
mesmo que inicialmente furtado, é possível desde que esteja presente
o lapso de 5 (cinco) anos. (TJ-RO - AC: 20032530820028220000
RO 2003253-08.2002.822.0000, Relator: Desembargador Sérgio
Lima, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em
03/10/2002).

CIVIL. USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL. FURTO. IRRELEVÂNCIA.


PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. Não impede o
reconhecimento do usucapião o fato de o bem ter sido furtado, desde
que preenchidos os requisitos dos arts. 618 ou 619 do Código Civil
de 1916, correspondentes aos arts. 1.260 e 1.261 do novo Código
Civil. (TJ-SC - AC: 200404 SC 2002.020040-4, Relator: Luiz
Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 22/05/2003, Segunda
Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n. , de
São Francisco do Sul.)

RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO ORDINÁRIO DE BEM MÓVEL.


AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. AUTOMÓVEL FURTADO. Não se adquire
por usucapião ordinário veículo furtado. Recurso Especial não
conhecido. (STJ - REsp: 247345 MG 2000/0010052-8, Relator:
Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 04/12/2001, T3
- TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.03.2002 p. 272
LEXSTJ vol. 154 p. 165 RDR vol. 23 p. 330).

2  A compra e venda de automóvel não prevalece contra terceiros, de boa-fé, se o contrato não foi transcrito no
registro de títulos e documentos

capítulo 3 • 82
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM E DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
REJEITADAS. USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL. PRESSUPOSTOS
DE DIREITO MATERIAL. VEÍCULO FURTADO. AQUISIÇÃO DA
PROPRIEDADE POR TERCEIRO DE BOA-FÉ. POSSIBILIDADE. 1.
Compreendido que o instituto da legitimidade para a causa relaciona-
se à identificação daquele que pode pretender ser o titular do bem da
vida discutido em juízo, seja como autor, seja como réu, afigura-se clara
a legitimidade passiva ad causam da parte demandada que, tanto em
contestação quanto em sede de apelação, faz requerimento para que
o autor da ação de usucapião entregue-lhe o bem litigioso. Ademais,
no caso concreto, a ré é proprietária originária do veículo objeto da
presente ação, de modo que, acaso julgado procedente o pedido, ela é
que suportará os efeitos do decisum. 2. A pretensão autoral a que seja
declarada a sua titularidade do veículo, em razão de usucapião, encontra
guarida no ordenamento jurídico pátrio, notadamente nos arts. 618 e 619
do Código Civil de 1916, não havendo que se falar, por isso mesmo, em
impossibilidade jurídica do pedido. 3. O art. 618, Caput, e parágrafo único,
do Código Civil de 1916 – correspondente ao art. 1.260 do Código Civil de
2002 – disciplina a cognominada usucapião ordinária, cujos pressupostos
de direito material que viabilizam a aquisição da titularidade da coisa
correspondem aos seguintes: posse mansa e pacífica, ininterruptamente
e sem oposição, durante 03 (três) anos, exercida com animus domini, justo
título e boa-fé. 4. A partir da análise da cadeia dominial do veículo objeto
destes autos, infere-se que, ainda que se pudesse cogitar de eventual
má-fé porventura existente na transação realizada entre a sociedade
empresária Sarita Autos Ltda. e o sr. Romualdo Paes de Barros – dada a
inexistência de informação no crv deste último acerca de emplacamento
anterior –, a mesma compreensão não se aplica àqueles que adquiriram
o automóvel posteriormente. Estes, ao que tudo indica, compraram o
veículo desconhecendo a restrição de furto que pendia sobre o bem; os
negócios jurídicos de compra e venda do automóvel foram celebrados de
boa-fé; ademais, o próprio poder público, por meio do competente órgão
de trânsito, confirmou as transferências relativas ao bem, emitindo o
apropriado certificado de registro de veículo.

capítulo 3 • 83
5. As posses exercidas pelo autor e seus antecessores – até,
ao menos, o sr. Cirilindo Vieira de Sá –, unidas por força da
accessio possessionis, nos termos do art. 619, parágrafo
único, c/c o art. 552, ambos do Código Civil de 1916, preenchem
os pressupostos de direito material viabilizadores da usucapião
ordinária. 6. Nada obsta que o terceiro de boa-fé que adquire
automóvel proveniente de furto adquira a titularidade deste
por meio da usucapião. 7. Recurso de apelação a que se nega
provimento. (TJDF, 1ª Turma Cível. Processo nº 2008 01 1 033256-0
? APC. Rel. Des. Flavio Rostirola. Publicação no DJe em 31/08/2009).

Acerca do usucapião extraordinário, não há tanta discordância acerca da sua


possibilidade. A grande discussão que se estabelece recai sobre a possibilidade ou
não de usucapião ordinário, haja vista a exigência de justo título.

Da ocupação

De acordo com o art. 1.263 do CC, é o caso daquele que se assenhorear de coisa
sem dono para logo lhe adquirir a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
Assim como o usucapião, a ocupação é forma de aquisição originária da pro-
priedade de bens móveis. A ocupação, no entanto, difere do usucapião, pois neste
último os bens adquiridos possuem um dono, razão pela qual se faz necessário
aguardar certo lapso temporal, como visto no tópico anterior, para que haja a
possibilidade de consolidação da propriedade, a fim de resguardar os direitos do
proprietário do bem.
Já a hipótese de ocupação deve ser aplicada apenas para a aquisição de coisas
móveis sem dono, sendo estas entendidas como aquelas que nunca foram apro-
priadas (seres vivos como animais de caça e pesca, vegetais etc.) ou que foram
abandonadas. Por ser o objeto da aquisição coisa sem dono, não há por que o
adquirente ser obrigado a aguardar qualquer prazo para a aquisição da proprieda-
de do bem, sendo a aquisição da propriedade aperfeiçoada no momento em que
ocorre o assenhoreamento da coisa.
O artigo que disciplina a aquisição por ocupação prevê que isso só ocorrerá se
tal ocupação não for proibida por lei (ex.: não é possível a ocupação da lagosta ou
do caranguejo durante o seu período de defeso).

capítulo 3 • 84
Importante destacar que a aquisição de propriedade por ocupação se restringe
à aquisição de propriedade de coisas móveis sem dono, incluindo-se em tal con-
ceito as coisas abandonadas, mas não as coisas perdidas. Isso ocorre porque quem
perde um bem, na verdade, perde, momentaneamente, apenas a sua posse, man-
tendo a propriedade sobre a coisa. Em relação às coisas perdidas, o proprietário
mantém a intenção de tê-la em seu patrimônio.
Já o abandono é forma de perda da propriedade, conforme previsto no art.
1.275, III, do CC, devendo resultar claramente da vontade do proprietário de
se desfazer do que lhe pertence. Logo, o abandono não deve ser presumido.
(GONÇALVES, 2016, p. 324)
Em relação às coisas perdidas, em regra, não pode haver ocupação, tendo em vis-
ta que, segundo disposto no art. 1.233 do CC, quem encontrar coisa alheia perdida
há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Não o conhecendo, deverá fazer por
encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.
Diferentemente da ocupação, a descoberta, em regra, não é forma de aquisi-
ção da propriedade móvel, só sendo possível a aquisição da propriedade da coisa
perdida na hipótese de o proprietário preferir abandonar a coisa para se eximir da
obrigação, prevista no art. 1.234, de pagar uma recompensa para o descobridor
ou, ainda, quando a coisa encontrada for de valor exíguo, situação em que o muni-
cípio poderá abandoná-la em favor do descobridor (art. 1.237, parágrafo único).
Quando a coisa, por ser abandonada, passa à categoria de res nullius (coisa sem
dono), pode ser adquirida por ocupação.

Achado de tesouro

A doutrina, em geral, inclui o achado de tesouro na categoria da ocupação.


(GONÇALVES, 2016, p. 325) Nos termos do art. 1.264, o tesouro é entendido
como coisa preciosa oculta em depósito antigo, de cujo dono não haja memória.
No entanto, deixa de ser considerado tesouro caso alguém demonstre a proprie-
dade sobre o mesmo.
Uma vez encontrado, o tesouro será dividido por igual entre o proprietário do
prédio e o que achar o tesouro casualmente (art. 1.264). Se for achado pelo pro-
prietário do imóvel, ou em busca ordenada pelo mesmo, ou, ainda, por terceiro
não autorizado, o tesouro será por inteiro do dono do prédio (art. 1.265).

capítulo 3 • 85
Por fim, se o tesouro for encontrado em imóvel sobre o qual ainda recaia enfi-
teuse,3 o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será
deste por inteiro quando ele mesmo for o descobridor (art. 1.266 do CC).

Da tradição

Modo derivado de aquisição da propriedade mobiliária, a tradição é consa-


grada como regra para a aquisição de direitos reais sobre coisas móveis, quando
constituídos ou transmitidos por atos entre vivos, de acordo com o disposto no
art. 1.226 do CC.
Para a aquisição da propriedade de bens móveis por tradição, esta deverá con-
sistir na entrega da coisa pelo transmitente ao adquirente com ânimo de transmi-
tir-lhe a propriedade.
O art. 1.267, Caput, do CC consagrou a regra de que a propriedade das coisas
móveis não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição. Uma dúvida
muito comum é: será que tal regra teria aplicabilidade também para a aquisição de
veículos automotores que devem ser registrados junto ao DETRAN?
A resposta é sim, haja vista que o registro de veículo no DETRAN não foi
previsto como requisito para a aquisição de propriedade. Ademais, tal entendi-
mento já foi confirmado pela Súmula de nº 132 do STJ, que dispôs, em razão de
já ter sido aperfeiçoada a aquisição da propriedade pelo adquirente no momento
da tradição, que “A ausência de registro de transferência não implica a respon-
sabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o
veículo alienado”.
Para a doutrina, existem três tipos de tradição: a real, a simbólica e a ficta
(PEREIRA, 2012, p. 146-148).
A tradição real é aquela em que há a entrega material da coisa ao adquirente,
como quando se vai a uma loja comprar um aparelho de celular novo e, após o
pagamento pelo produto, é entregue o equipamento ao cliente pelo vendedor.
Na tradição simbólica, realiza-se um ato representativo de transferência, ape-
nas para simbolizar a entrega do bem que se está adquirindo. É o que acontece
em alguns programas de televisão, por exemplo, em que são entregues cheques em
tamanho aumentado para simbolizar a tradição do prêmio.

3  Em consonância com o art. 2.038 do CC, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 restou proibida a
constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses, mas as já existentes foram mantidas e ficaram subordinadas,
até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores.

capítulo 3 • 86
O parágrafo único do art. 1.267 do Código Civil previu, ainda, outra espécie
de tradição, chamada pela doutrina de tradição ficta. A palavra ficta deriva da
palavra ficção, ou seja, algo que não existe na realidade, uma criação imaginária.
Assim, a tradição ficta é aquela que, no mundo fático, não ocorreu, tendo havido a
transferência da propriedade apenas no mundo jurídico. Todavia, a posse direta do
bem permanece nas mãos de quem já estava antes do ato jurídico de transferência.
Há duas espécies de tradição ficta: o constituto-possessório e a traditio brevi manu.
O constituto-possessório pode ocorrer em duas hipóteses: quando o pro-
prietário aliena a coisa a terceiro, mas continua a ter a sua posse direta; ou, ainda,
quando o alienante cede ao adquirente o direito à restituição da coisa que se en-
contra em poder de terceiro.

A primeira hipótese pode ser exemplificada pela situação em que uma mãe decide
transferir em vida a propriedade de seu único bem, um imóvel, para os seus três filhos,
seus únicos herdeiros. Mas, para se resguardar, a escritura pública de doação prevê em
uma de suas cláusulas expressamente que os donatários manterão a transmitente na
posse direta do imóvel, em caráter vitalício, na condição de usufrutuária.
O segundo caso em que se verifica a tradição por constituto-possessório pode
ser ilustrado pela compra de imóvel ocupado pelo antigo devedor de financiamento
imobiliário em leilão promovido pela Caixa Econômica Federal. Hoje, como os
financiamentos habitacionais têm sido feitos com garantia de alienação fiduciária, a
propriedade é a garantia da instituição credora. Assim, após todos os trâmites legais,
se a dívida não for paga, alguns bancos têm adotado a prática de leiloar os imóveis
com dívidas de financiamento ainda ocupados. O valor pedido será bem mais baixo do
que o praticado no mercado imobiliário; em contrapartida, quem comprar receberá a
propriedade do mesmo, mas não a posse num primeiro momento, tendo de ajuizar uma
ação de imissão na posse contra o possuidor de má-fé para ter a posse que se encontra
em poder de terceiro.

A tradição ficta por traditio brevi manu ocorre quando o adquirente já está
na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico, adquirindo a posse indireta e
com isso consolidando a posse plena. Tal situação é observada na hipótese do in-
quilino de um imóvel vir a adquirir a sua propriedade: ele já tinha a posse direta,
a mantém e, ainda, adquire a posse indireta.

capítulo 3 • 87
Infere-se do texto do art. 1.268 do CC que as aquisições de propriedade por
tradição submetem-se ao princípio nemo plus iuris, o que significa que ninguém
pode transferir para outra pessoa mais poderes do que possua. Essa regra é excep-
cionada, apenas, se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento co-
mercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como
a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono. Essa é a hipótese em que cabe ao
proprietário ingressar com ação indenizatória em face do alienante.

Da especificação

Tal forma de aquisição de propriedade, tratada pelo Código Civil nos arts.
1.269 a 1.271, é caracterizada pelo trabalho do especificador, que, ao trabalhar
com certa matéria-prima, consegue transformá-la em uma espécie nova. São
exemplos de especificador: o artesão, o ourives, o pintor, o escritor etc.
Em todos os casos, o legislador só admitiu a aquisição da propriedade mobiliá-
ria por especificação quando impossível retorná-la a sua forma anterior.
Logo, aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia, obtiver es-
pécie nova, desta será proprietário (art. 1.269). Se toda a matéria for alheia e o
especificador tiver agido de boa-fé, ou seja, não sabia que estava utilizando ma-
téria-prima de outrem, será do especificador a espécie nova (art. 1.270, Caput).
Se, no entanto, o especificador tiver agido de má-fé, sabendo que trabalhava com
matéria-prima integralmente alheia, esta pertencerá ao dono da matéria-prima
(art. 1.270, §1º). Em qualquer caso (boa-fé ou má-fé do especificador), a espécie
nova será do especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-
-prima – por exemplo, uma obra de Romero Britto feita com tela e tintas alheias
– (art. 1.270, §2º).
O art. 1.271 garantiu aos prejudicados, nas hipóteses aqui apresentadas, o
ressarcimento pelo dano que sofrerem, com exceção do especificador de má-fé, no
caso do §1º do artigo 1.270, quando irredutível a especificação.

Da confusão, da comistão e da adjunção: formas de acessão de móvel para móvel

A confusão, a comistão e a adjunção são formas de aquisição da propriedade


móvel, tratadas por alguns autores como formas de acessão de móvel para móvel
(GOMES, 2012, p. 196). Apesar de cada uma das espécies designar uma forma
distinta de mistura entre bens móveis, elas recebem o mesmo tratamento pelo
Código Civil, em seus artigos 1.272 a 1.274.

capítulo 3 • 88
De acordo com Carlos Robertp Gonçalves (2016, p. 328-329):
A comistão (ou Comissão – como acabou sendo designada erroneamente
pelo Código Civil de 2002) é a mistura de coisas secas ou sólidas de diferentes
donos, sem que possam ser separadas e sem que se produzam coisas novas, man-
tendo-se a natureza originária das mesmas. Ex.: café de duas qualidades.
A confusão, por sua vez, é a mistura de coisas líquidas de diferentes pessoas,
nas mesmas condições. Ex.: vinho de duas espécies.
Já a adjunção é a justaposição de uma coisa sólida à outra, não podendo mais
ser separadas sem deterioração do bem formado.
Assim como na acessão de bens imóveis, aqui também haverá a junção de dois
bens de donos diferentes, só havendo a aquisição da propriedade na hipótese de
não ser mais possível separá-los ou se for excessivamente dispendioso fazê-lo.
Quando não for possível considerar uma das coisas como principal, subsistirá
indiviso o todo (decorrente da comistão, confusão ou adjunção), cabendo a cada
um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mis-
tura ou agregado (art. 1.272, §1º).
Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á do todo, in-
denizando os outros (art. 1.272, §2º). É o caso, por exemplo, de uma confusão
entre um litro de sidra com um litro de champanhe francês – o champanhe, neste
caso, será considerado principal, dando ao seu proprietário o direito de adquirir a
propriedade sobre toda a mistura, indenizando o dono da sidra.
Se a confusão, comissão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte caberá
escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida
a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que
será indenizado (art. 1.273).
Importante destacar que, nessas hipóteses de aquisição de propriedade móvel,
ainda que da união de matérias se forme espécie nova, como não há o trabalho
criativo e habilidades do especificador, aplicar-se-ão as regras acerca da comistão,
confusão e adjunção, em conformidade com o disposto no art. 1.274 do CC. 

Da perda da propriedade

A perda da propriedade é tratada pelo Código Civil, em seus arts. 1.275 e


1.276. Diferentemente do que o Código dispôs em relação à perda da posse, o
legislador optou por elencar, ainda que de forma meramente exemplificativa, os
principais modos de perda da propriedade.

capítulo 3 • 89
Assim, segundo o art. 1.275, além das causas consideradas no Código Civil,
perde-se a propriedade por alienação, por renúncia, por abandono, por pereci-
mento da coisa, e por desapropriação. A alienação, a renúncia e o abandono são
formas de perda voluntária da propriedade. Por sua vez, o perecimento da coisa e
a desapropriação são formas de perda involuntária da propriedade.
A alienação é modo derivado de perda da propriedade. Alienar significa
tornar a coisa alheia, sendo, neste caso, a perda da propriedade face da mesma
moeda da aquisição.
Em relação ao efeito da alienação quanto à perda da propriedade, é irrelevante
se a alienação se deu a título gratuito (doação) ou a título oneroso (venda, dação
em pagamento, permuta).
Em relação à perda da propriedade de bens imóveis em razão da alienação,
tal efeito só se aperfeiçoará com o registro do título translativo de propriedade no
cartório de registro de imóveis. Já no que tange à perda da propriedade de coisas
móveis, esta fica subordinada à necessária tradição da coisa.
A renúncia é negócio jurídico unilateral pelo qual o proprietário formal e ex-
pressamente declara o seu desejo de se desfazer do direito de propriedade. (FARIAS;
ROSENVALD, 2010, p. 346) Saliente-se que, no entanto, da renúncia não decorre
a transmissão de direitos a terceiro, portanto, não se confundindo com a doação.
Nessa hipótese de perda da propriedade, o titular apenas abdica do seu direito.
De acordo com o parágrafo único do art. 1.275 do CC, assim como a alie-
nação de bens imóveis, os efeitos quanto à perda de propriedade de bens imó-
veis provocados pela renúncia subordinam-se ao registro do ato renunciativo no
registro de imóveis.
Nelson Rosenwald e Cristiano Chaves de Farias (2010, p. 347) advertem que,
em razão da formalidade inerente ao ato de renúncia, esta não seria aplicada como
modalidade de perda da propriedade mobiliária, exceto quanto ao patrimônio
mobiliário decorrente que se encerra no direito hereditário.
O abandono consiste em um ato pelo qual o proprietário desfaz-se da coisa
por não ter mais interesse em manter a sua propriedade, não sendo, contudo, ato
formal, haja vista que não se trata de ato expresso, resultando de ações exteriores
do proprietário que manifestem a sua intenção de abandonar a coisa.
Em comum com a renúncia, o abandono também é um negócio jurídico
unilateral, prescindindo da manifestação de vontade de outra pessoa para que
seja produzido o resultado esperado, qual seja, a perda da propriedade. (FARIAS;
ROSENVALD, 2010, p. 347)

capítulo 3 • 90
Por ser a propriedade um direito perpétuo, não se pode falar em prescrição
quanto ao direito de exercício dos poderes que a ela são inerentes. Assim, o mero
desuso da coisa não importa o seu abandono, devendo ser conjugado ao desuso
outro fator – a intenção de não mais ter a coisa em seu patrimônio.
Em relação ao abandono de bens imóveis, o Código Civil tratou expressamen-
te acerca das circunstâncias relacionadas a esta forma de perda da propriedade.
Infere-se da redação do art. 1.276 do Código Civil que o imóvel abandonado, em
relação ao qual o proprietário não tenha mais a intenção de o conservar em seu
patrimônio, e que se não encontrar na posse outrem, poderá ser arrecadado como
bem vago e passar três anos depois à propriedade do município ou do distrito
federal se se achar nas respectivas circunscrições, se se tratar de imóvel urbano,
ou, ainda, para a propriedade da União, em caso de imóvel situado em zona rural.
O CC, no § 2º deste mesmo artigo, estabeleceu uma presunção absoluta de
abandono do imóvel que, para ser aplicável, exige a presença de dois requisitos
cumulativos, quais sejam: a cessação de atos de posse sobre a coisa, com a intenção
do proprietário de não manter mais o imóvel em seu patrimônio; assim como,
deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais do bem (IPTU e ITR).
Essa presunção absoluta é bastante criticada por parte da doutrina, havendo quem
defenda a sua inconstitucionalidade, pois ofenderia aos princípios do devido processo
legal (art. 5º, LIV, CF) e do contraditório (art. 5º, LV, CF), bem como afrontaria o art.
150, IV, da CF, que veda a adoção de tributo com efeito confiscatório.
Em razão da polêmica referida, foi editado o Enunciado nº 242 das Jornadas
de Direito Civil, que: “A aplicação do art. 1.276 depende do devido processo legal,
em que seja assegurado ao interessado demonstrar a não cessação da posse”.
O perecimento da coisa é forma de perda da propriedade contra a vontade
do seu titular e decorre do fato de que, perecendo o objeto, perece o direito. A
propriedade é um direito real e como tal trata-se de uma relação que se estabelece
da pessoa para a coisa. Ora, se a coisa deixa de existir, sobre o que recairá o direito?
Sendo assim, perde-se também o direito real de propriedade.
A desapropriação também é forma de perda da propriedade, sendo carac-
terizada como um modo originário de aquisição de propriedade pelo Estado.
Qualquer bem pode ser objeto de desapropriação, inclusive os bens públicos, com
exceção dos bens de propriedade da União, pois, para que ocorra a desapropriação
de um bem público, esta deve ser ordenada por ente de hierarquia superior dentro
da estrutura da Federação.

capítulo 3 • 91
A desapropriação pode ocorrer por três razões: por utilidade pública – a fim
de satisfazer interesses coletivos (art. 5º, Decreto-lei nº 3.365/41); por necessidade
pública, por questões urgentes de segurança e salubridade pública; e por interesse
social, para fins de reforma agrária (art.184, CF).

Do direito de vizinhança

O direito de vizinhança consiste em restrições à propriedade que se funda-


mentam na necessidade de harmonização do exercício do direito de propriedade
por parte dos proprietários confinantes. Busca-se, com isso, promover a paz social,
a solidariedade e a boa-fé entre vizinhos, bem como garantir a observância da
função social da propriedade por parte de seus titulares (DINIZ, 2013, p. 306).
Os direitos de vizinhança têm como fonte imediata a lei, não podendo o
proprietário de um imóvel se opor às limitações à sua propriedade que, porven-
tura, beneficiem o imóvel vizinho. Logo, de acordo com a doutrina majoritária,
as limitações decorrentes do direito de vizinhança possuem natureza jurídica de
obrigações propter rem, pois acompanham a coisa, sendo transmitidas ao sucessor
da propriedade a título particular, independentemente de sua manifestação de
vontade. (GONÇALVES, 2016, p. 349)
Por ter natureza de obrigação, podem consistir em dar, fazer, ou não fazer,
havendo meios processuais para tutelar as situações de violação das obrigações
impostas pelo direito de vizinhança.
Note-se que o termo vizinhança, adotado pelo Código Civil, não deve ser
interpretado de forma restritiva – considerando-se apenas aquelas relações de con-
tiguidade, ou seja, daquele vizinho que compartilha com outro o mesmo muro,
a mesma cerca ou a mesma parede –, mas de forma ampla, englobando todos os
imóveis que podem sofrer repercussão de atos propagados por imóveis próximos.
A interpretação e a aplicação das normas do direito de vizinhança devem ser
orientadas pelo princípio da função social da propriedade (art. 5º, XXII, da CF),
pelo princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CF) e pelo princípio da vedação ao
enriquecimento sem causa.
A função social da propriedade deve ser entendida como o principal funda-
mento para a limitação da autonomia privada dos proprietários, a fim de viabilizar
a concretização da finalidade social da propriedade.
A solidariedade decorre da noção de fraternidade que deve existir na huma-
nidade, especialmente entre vizinhos, fazendo com que o proprietário, ao mesmo

capítulo 3 • 92
tempo em que sofre limitações no exercício do seu direito, seja beneficiado pelas
limitações sofridas pelos proprietários confinantes em relação ao direito deles.
As obrigações e direitos decorrentes do direito de vizinhança estão discipli-
nados entre os arts. 1.277 e 1.313 do CC, sendo divididos pela doutrina em três
espécies: restrição ao direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício
(uso anormal da propriedade); limitações legais ao domínio similares às servidões
(árvores limítrofes, passagem forçada, passagem de cabos e tubulações e águas);
restrições oriundas das relações de contiguidade entre dois imóveis (direito de
tapagem e direito de construir).

Restrição ao direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício: uso


anormal da propriedade

O uso anormal da propriedade está regulado nos arts. 1.277 a 1.281 do CC


e impõe restrições aos proprietários a fim de evitar a prática de atos ilícitos por
abuso de direito decorrente do exercício intenso da propriedade. Assim, o legisla-
dor, no art. 1.277 do CC, garantiu ao proprietário ou ao possuidor de um imóvel
o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à
saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
A própria legislação destacou quais são os critérios que devem ser observados,
a fim de determinar o uso anormal da propriedade, devendo ser considerados:

•  a natureza da utilização do bem – se residencial ou comercial, haja vista


que do imóvel comercial se espera um uso muito mais intenso, em comparação
com o uso que é dado a um de finalidade residencial;
•  a localização do imóvel, atendidas as normas que distribuem as edifi-
cações em zonas – existem algumas regiões nas cidades que possuem uma predo-
minância de imóveis comerciais; logo, o nível de perturbação a ser suportado será
logicamente maior;
•  e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança –
neste critério, o intérprete deve considerar o bom senso, e ter como parâmetro a
noção de homem médio e o que se espera que esta figura jurídica suporte a título
de interferências.

É importante destacar que, em alguns casos, é possível que, mesmo se carac-


terizando como uma perturbação, certas interferências tenham de ser toleradas,

capítulo 3 • 93
como é o caso do som alto em celebrações religiosas. No entanto, o art. 1.279 con-
sagra que, ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, po-
derá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando se tornarem possíveis.
Portanto, apesar de as igrejas estarem amparadas pela liberdade de culto, direito
fundamental no Brasil, os vizinhos podem exigir que algumas medidas, como um
revestimento acústico, sejam tomadas para mitigar as perturbações causadas.
Isso viabiliza, assim, a utilização de importantes instrumentos de tutela juris-
dicional, tais como a tutela inibitória, a tutela específica e a tutela de remoção do
ilícito (art. 1.279 do CC). Ademais, as normas contidas nos arts. 1.280 e 1.281
do CC possibilitam, ainda, o manejo das ações demolitória e de dano iminente.

Limitações legais ao domínio similares às servidões

As hipóteses que você estudará a seguir são consideradas limitações legais à


propriedade que se assemelham às servidões, pois impõem uma restrição a um
proprietário como forma de beneficiar diretamente outro imóvel específico, crian-
do-se uma relação de dominância semelhante a que veremos no último capítulo
deste livro acerca do direito real de servidão.
Os direitos de vizinhança em questão são, inclusive, identificados como ser-
vidões legais, não se equiparando ao direito real de servidão, haja vista que este
último decorre de um acordo de vontade entre as partes, não de uma imposição
legal, sendo muitas vezes referido como servidão convencional.

Árvores limítrofes

Os direitos acerca das árvores limítrofes são tratados nos arts. 1.282 a 1.284
do CC. As árvores limítrofes são aquelas cujo tronco se encontra na linha divisória
entre dois imóveis contíguos.
O art. 1.282 instituiu a presunção de condomínio necessário em relação à
árvore cujo tronco estiver na linha divisória, presumindo-se que esta pertence em
comum aos donos dos prédios confinantes, o que inclui a árvore como um todo,
seu tronco e, inclusive, os seus frutos.
Assim, para a árvore limítrofe vir a ser cortada ou arrancada, deverá haver a
anuência de ambos os proprietários, regra que decorre não só do disposto no art.
1.282, como também do art. 1.297, §2º,4 do CC.
4  As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou
arrancadas, de comum acordo entre proprietários.

capítulo 3 • 94
Caso a árvore não se encontre na linha divisória entre os dois imóveis, per-
tencerá apenas ao proprietário do imóvel em que se encontrar. (GONÇALVES,
2016, p. 357)
Em relação à árvore pertencente ao vizinho, importante salientar que o Código
Civil destacou uma espécie de autotutela em favor do proprietário vizinho que,
porventura, venha a ser prejudicado por raízes e ramos de árvore que invadam o
seu imóvel. Segundo o art. 1.283, as raízes e os ramos de árvore que ultrapassarem a
estrema do prédio poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprie-
tário do terreno invadido. O CC não impõe como requisito para tal corte a necessi-
dade de anuência ou mesmo de notificação prévia do dono da árvore porque enten-
de-se que tal direito deve ser exercido em oposição à desídia do dono da árvore cujo
dever é o de evitar que esta venha a causar interferências às propriedades vizinhas.
Carlos Roberto Gonçalves (2016, p. 358-359) ressalta que, nessa situação, é
irrelevante se o corte de raízes e galhos que invadiram a propriedade vizinha venha
a acarretar a morte da árvore. Defende também que, ainda que isso ocorra, não
terá o confrontante responsável pelo corte qualquer obrigação de indenizar, por
perdas e danos, o dono da árvore.
O legislador tratou também acerca dos frutos caídos da árvore do terreno vi-
zinho, que, segundo o art. 1.284, pertencem ao dono do solo onde caíram, se este
for de propriedade particular. Isso não dá ao vizinho o direito de sacudir a árvore
para que os frutos venham a cair, nem de colher os frutos pendentes que se en-
contram em galho que invade o seu imóvel, devendo aguardar que se desprendam
naturalmente da árvore.
A doutrina explica que, na hipótese de ser propriedade pública, o terre-
no no qual os frutos venham a cair continuam a pertencer ao dono da árvore.
(GONÇALVES, 2016, p. 358)

Da passagem forçada

A passagem forçada está entre as hipóteses consideradas como servidões legais.


Por isso mesmo você deve ter um cuidado maior para não confundi-la com a hi-
pótese de direito real de servidão, que constitui entre vizinhos a chamada servidão
de passagem ou de trânsito.
A servidão de passagem é direito real sobre coisa alheia e decorre de um acordo
de vontade entre proprietários de imóveis vizinhos, não sendo necessariamente
essencial para garantir o acesso ao logradouro público, à nascente ou ao porto.

capítulo 3 • 95
A passagem forçada, por sua vez, é um direito de vizinhança que impõe ao
proprietário de um imóvel garantir a passagem pelo seu terreno ao proprietário
vizinho de imóvel encravado.
Em consonância com o disposto no art. 1.285 do CC, o dono do prédio que
não tiver acesso à via pública, à nascente ou ao porto pode, mediante pagamento
de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será
judicialmente fixado, se necessário.
O Enunciado nº 88 das Jornadas de Direito Civil esclarece que o direito de
passagem forçada também deve ser garantido nos casos em que o acesso à via pú-
blica for insuficiente ou inadequado, consideradas, inclusive, as necessidades de
exploração econômica.
Não se deve falar em passagem forçada. No entanto, quando o imóvel possui aces-
so suficiente e adequado à via pública, ou, ainda, quando o adquire posteriormente,
por exemplo pela abertura de estrada pública que passa ao lado de suas terras. Nesta
última hipótese, deve ser extinta a passagem forçada (GONÇALVES, 2016, p. 360).
A passagem forçada inegavelmente acarretará uma limitação ao exercício da
propriedade daquele que seja obrigado a concedê-la, restrição esta fundamentada
no princípio da solidariedade, mas que deverá ser devidamente indenizada em
razão da vedação ao enriquecimento sem causa.
De acordo com o art. 1.285, Caput e §1º, se necessário, o juiz fixará o rumo
da passagem, devendo sofrer tal limitação o imóvel que mais natural e facilmente
se preste à passagem.
Ressalte-se que o imóvel deve ser naturalmente encravado, ou seja, a fal-
ta de acesso à via pública não pode ter sido provocada por seu proprietário.
(GONÇALVES, 2016, p. 359) O próprio Código Civil, nos §§2º e 3º do art.
1.285, prevê que se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das
partes perca o acesso à via pública, à nascente ou ao porto, o proprietário da outra
deve tolerar a passagem. Assim como, quando, antes da alienação, existia passa-
gem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido,
depois, a dar outra.

Da passagem de cabos e tubulações

Assim como a passagem forçada, a passagem de cabos e tubulações tam-


bém tem como principais princípios norteadores a noção de solidariedade entre

capítulo 3 • 96
vizinhos e a necessidade de indenização, a fim de evitar o enriquecimento sem
causa de uma das partes.
Segundo o art. 1.286 do CC, mediante recebimento de indenização que aten-
da, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a
tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos
subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizi-
nhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.
O proprietário que suportará o ônus de ter cabos e tubulações, que atendem
ao seu vizinho, passando por seu imóvel não poderá se recusar a receber a indeni-
zação devida, com o intuito de impedir a passagem dos mesmos, tendo em vista
que trata-se de uma obrigação propter rem.
Caso o proprietário do imóvel a ser onerado se recuse a permitir a instalação dos
cabos e tubulações, o vizinho a ser beneficiado pode buscar judicialmente o cons-
trangimento do vizinho por meio de uma ação com o pedido de obrigação de fazer.
O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo
menos gravoso ao prédio onerado, para área não utilizada, por exemplo, em seu
terreno, bem como pode exigir que, depois, seja removida, à sua custa, para outro
local do imóvel (art. 1.286, parágrafo único). Também se as instalações oferecerem
grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de
obras de segurança (art. 1.287).

Das águas

Acerca das águas, o Código Civil, nos arts. 1.288 a 1.296, se concentra em es-
tabelecer regras concernentes aos conflitos de vizinhança que decorrem, em mui-
tos casos, da própria geografia do local, fazendo com que na mesma rua existam
imóveis em posição superior e outros em posição inferior.
Em decorrência das obrigações do direito de vizinhança, o dono ou o pos-
suidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente
do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo, sob pena de
ação demolitória (ex.: a construção de uma barreira para impedir que água escoe
naturalmente e passe pela porta de sua casa).
Ressalte-se que não há obrigação semelhante quando as águas correm em con-
sequência da realização de obra, ou seja, artificialmente. Também a condição na-
tural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono
ou possuidor do prédio superior, como, exemplificativamente, o direcionamento
do cano de uma calha diretamente para o imóvel vizinho.

capítulo 3 • 97
Segundo o art. 1.289, quando as águas são artificialmente levadas do prédio
superior para o inferior – nesta hipótese, inclui-se qualquer ação humana que
resulte em curso de águas ao prédio inferior –, poderá o dono reclamar que se des-
viem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer. Caso o excedente de águas recebidas
pelo imóvel inferior lhe seja benéfico, o parágrafo único prevê que da indenização
devida será deduzido o valor do benefício obtido.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias (2010, p. 457) advertem que a
regra descrita deve ser interpretada com cautela, buscando-se conciliar o interesse
de ambas as partes, a fim de evitar que o proprietário, sem justificativa plausível,
venha a obstaculizar a concretização da função social da propriedade superior.
Fundamentado nos princípios da função social da propriedade e da solidarieda-
de, o art. 1.290 dispõe que o proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas
pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir ou desviar
o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores. Nessa hipótese, o
legislador buscou impedir a prática de atitudes egoístas por parte dos proprietários, a
fim de evitar o desvio das sobras e o seu consequente desperdício, especialmente em
um momento em que a água se revela cada dia mais um bem precioso.
Diante da atual influência da Constituição Federal na interpretação e aplica-
ção do direito civil, consequência da constitucionalização do direito civil, o art.
1.291 do referido diploma cível consagra regra que tem por escopo garantir o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto como direito fun-
damental no art. 225 da CF.5
Assim, o possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispen-
sáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as
demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se
não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas.
O legislador ainda previu o chamado direito de represamento, permitindo, nos
termos do art. 1.292, que o proprietário construa barragens, açudes ou outras obras
para represamento de água em seu prédio. Dispõe, ainda, expressamente sobre a
hipótese das águas represadas invadirem prédio alheio, situação em que será o seu
proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido.
Por fim, os artigos 1.293 a 1.296 disciplinam o chamado direito de aqueduto,
garantido em razão da possibilidade de construção de canais, através de prédios
alheios, para receber as águas a que tenha direito.
5  “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.”

capítulo 3 • 98
Restrições oriundas das relações de contiguidade entre dois imóveis

Esta última espécie de direitos de vizinhança reúne as limitações oriundas das


relações estabelecidas entre imóveis contíguos, ou seja, entre vizinhos imediatos.

Limites entre prédios e direito de tapagem

O direito à intimidade das pessoas está elencado no art. 5º, X,6 da CF, como
um direito fundamental. O Código Civil, com o intuito não só de determinar
os limites entre dois imóveis, mas também de garantir o direito à intimidade e a
preservação da vida privada, consagrou o chamado direito de tapagem.
O direito de tapagem, em conformidade com o art. 1.297 do CC, consiste no
direito dado ao proprietário de cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o
seu prédio, urbano ou rural.
Em consequência de tal direito, o proprietário pode constranger o seu confi-
nante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos
apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcio-
nalmente entre os interessados as respectivas despesas, haja vista que no direito de
vizinhança aplica-se a vedação ao enriquecimento sem causa.
Para tanto, a ação a ser manejada deverá ser a ação demarcatória, prevista nos
arts. 569 a 587 do CPC/2015. No entanto, isso só se justifica na hipótese de con-
fusão de limites na linha divisória (GONÇALVES, 2016, p. 367).
Caso haja confusão de limites, o art. 1.298 do CC estabeleceu como regra
subsidiária para a definição da extensão das propriedades, a ser utilizada apenas na
hipótese dos títulos dominiais serem colidentes ou incapazes de provar, que na fal-
ta de outro meio serão determinados os limites entre os imóveis de conformidade
com a posse justa; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá
por partes iguais entre os imóveis, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se
adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro.
O Código Civil estabeleceu, no art. 1.297, §1º, uma presunção relativa de pro-
priedade comum em relação aos intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios,
tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, sendo os
proprietários confinantes obrigados, de conformidade com os costumes da localida-
de, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.

6  “[...] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

capítulo 3 • 99
A doutrina adverte que o proprietário que já tenha cercado o seu terreno de
outra forma não está obrigado a levantar tapume especial, a não ser em razão de
exigência do código de posturas do município. Além disso, tem se entendido que
o rateio das despesas deve ser previamente convencionado ou, ainda, reconhecida
a sua necessidade por decisão judicial (GONÇALVES, 2016, p. 369).
Finalmente, a construção de tapumes especiais para impedir a passagem de
animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou
a necessidade deles, pelo proprietário, que neste caso não está obrigado a concor-
rer para as despesas (art. 1.297, §3º), que deverão ser arcadas integralmente por
quem provocou a necessidade de tapumes.

Limitações ao direito de construir

O direito real de propriedade confere ao seu titular o direito de usar, gozar,


dispor e reaver a coisa. No entanto, como já foi visto no capítulo anterior, o exercí-
cio desses poderes deve se dar em conformidade com o princípio da função social
da propriedade, razão pela qual o titular de tal direito sofrerá certas limitações no
que tange ao seu direito de construir em seu imóvel.
Saliente-se que as normas que estudaremos a seguir, dispostas entre os arts.
1.299 e 1.313 do Código Civil, não são as únicas que contemplam restrições à
autonomia do proprietário em construir, devendo ser consideradas também as re-
gras oriundas do plano diretor do município e as regulamentações administrativas.
Nesse sentido, dispõe o art. 1.299 do CC: “O proprietário pode levantar em
seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regu-
lamentos administrativos”.
Em relação às águas e beirais, o legislador determinou no art. 1.300 que na
construção o proprietário deverá impedir que o imóvel levantado despeje águas,
diretamente, sobre o prédio vizinho. Como adverte Carlos Roberto Gonçalves
(2016, p. 376), embora esteja o proprietário do imóvel inferior obrigado a receber
as águas que correm naturalmente para o seu prédio, não estaria obrigado a supor-
tar aquelas que correm em razão da instalação de calhas ou beirais.
Com o fito de preservar a intimidade e a vida privada, o art. 1.301 proíbe a
abertura de janelas, ou a realização de eirado, terraço ou varanda, a menos de me-
tro e meio do terreno vizinho, distância reduzida para setenta e cinco centímetros
quando a visão das janelas não incida sobre a linha divisória dos imóveis, bem
como em relação às perpendiculares.

capítulo 3 • 100
Na hipótese de descumprimento dos limites acima tratados, o proprietário
que se sentir prejudicado terá um prazo decadencial de ano e dia, após a conclusão
da obra – e não da abertura da janela, da construção da sacada, terraço ou calha
–, para exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio,
conforme previsto no art. 1.302 do CC.
O dispositivo continua e prevê, por fim, que escoado o prazo, não poderá mais
o prejudicado edificar sem atender ao disposto no art. 1.301, nem impedir, ou
dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho,
constituindo-se verdadeira servidão a favor do vizinho dono da obra.
Acrescenta o legislador no §2º, do art. 1.301, que tais limites mínimos de
distância não abrangem as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez
centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois
metros de altura de cada piso.
Sobre tais aberturas para luz, o parágrafo único do art. 1.302 estabelece que,
seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo,
levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.
Na zona rural as distâncias mínimas guardadas são ainda maiores. Segundo o art.
1.303, não é permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno vizinho.
O direito de vizinhança regulou também os possíveis conflitos decorrentes do
compartilhamento de paredes entre vizinhos, chamadas de paredes divisórias, nos
seus arts. 1.304 a 1.308.
Dispõe o art. 1.304 que, nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver
adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na
parede divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção, mas deverá
embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes.
Na hipótese de ainda não ter sido realizada qualquer construção entre imóveis
contíguos, o art. 1.305 determina que o primeiro a construir poderá assentar a pa-
rede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito
a receber meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a
largura e a profundidade do alicerce.
Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para
ser travejada pelo outro, este não poderá fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução
àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior (art. 1.305, parágrafo único).
Havendo condomínio de paredes divisórias, o art. 1.306 estabelece que ambos
os condôminos poderão utilizá-la até ao meio da espessura, desde que não ponha
em risco a segurança ou a separação dos dois imóveis, e avisando previamente o
outro condômino das obras que ali tenciona fazer.

capítulo 3 • 101
Para garantir a segurança das edificações o art. 1.308 do CC, não permite
que chaminés, fogões, fornos – com exceção daqueles de cozinha – ou quaisquer
aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências preju-
diciais ao vizinho fiquem encostados à parede divisória.
Com o mesmo intuito, o art. 1.311 não permite a execução de qualquer obra
ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocamento de terra, ou
que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após ter sido feitas as obras
acautelatórias. A realização de tais obras, no entanto, não retiram do proprietário
do prédio vizinho o direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer.
O legislador proibiu, ainda, a realização de construções capazes de poluir, ou
de inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas pree-
xistentes, bem como a realização de escavações ou quaisquer obras que tirem do
poço ou da nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais,
em conformidade com os arts. 1.309 e 1.310 do CC.
Em consonância com o art. 1.312, a penalidade para aquele que violar as proi-
bições estabelecidas a partir do art. 1.299 será a demolição das construções feitas,
respondendo por perdas e danos.
Por último, segundo disposição do art. 1.313, o proprietário ou ocupante do
imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso,
para dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção,
reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório, bem como de limpeza
ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao
aparo de cerca viva; ou, ainda, apoderar-se de coisas suas – por exemplo, uma bola
jogada por crianças –, inclusive animais que aí se encontrem casualmente.
Tal dispositivo consagra a solidariedade que é marca do direito de vizinhança. 

RESUMO
Neste capítulo, você aprendeu a respeito das formas de aquisição da propriedade mobi-
liária, usucapião, ocupação, achado de tesouro, tradição, especificação, confusão, comistão
e adjunção. Dentre tais espécies, merece destaque a tradição, haja vista que em regra os
direitos reais sobre coisas móveis são constituídos ou transmitidos por ato entre vivos, so-
mente pela tradição.
No segundo tópico, discutiu-se a perda da propriedade e das hipóteses consagradas no art.
1.275 para a perda de tal direito. Trata-se de rol não exaustivo, não se limitando as hipóteses de
perda do direito real de propriedade apenas àquelas hipóteses.

capítulo 3 • 102
Finalmente, você ainda aprendeu acerca das diferentes espécies de direitos de vizinhan-
ça tratadas pelo Código Civil. O direito de vizinhança impõe ao proprietário do imóvel res-
trições ao exercício de seus poderes, fundamentadas na necessidade de observância do
princípio da função social da propriedade e do princípio da solidariedade. Tais limitações con-
sistem em obrigações de fazer, não fazer ou de dar que deverão ser observadas pelo titular da
propriedade ou, eventualmente, pelo possuidor da coisa, sendo atualmente entendidas pela
maioria da doutrina como tendo natureza jurídica de obrigações propter rem.

ATIVIDADE
1) Mário comprou imóvel, ainda ocupado pelo devedor, em leilão promovido pela
Caixa Econômica Federal, adquirindo do referido banco a propriedade e o direito à
restituição da coisa que se encontra em poder de terceiro. Considerando o exemplo
em tela, assinale a alternativa correta:
a) No caso exemplificado houve tradição real.
b) O caso em tela apresenta exemplo de tradição ficta por constituto-possessório.
c) O caso em tela apresenta exemplo de tradição ficta por traditio brevi manu.
d) No caso exemplificado ocorreu uma tradição simbólica.

2) (PC-RJ/Delegado) A propósito do direito de vizinhança no Código Civil, é INCOR-


RETO afirmar:
a) Quando decisão judicial determinar que sejam toleradas as interferências, não poderá o
vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando se tornarem possíveis.
b) O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou
a reparação deste, quando ameace ruína, bem como lhe preste caução pelo dano iminente.
c) O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode,
no caso de dano iminente, exigir do autor as necessárias garantias contra o prejuízo eventual.
d) Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do
prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários
de tolerância dos moradores da vizinhança.
e) O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização
de propriedade vizinha.

capítulo 3 • 103
3) (Questão 2 - 4º Exame OAB-RJ) A desapropriação, considerada em relação ao
direito de propriedade, supõe:
a) Ato unilateral de direito privado por meio do qual o proprietário é obrigado a entregar aquilo
que lhe pertence, mediante justa indenização em dinheiro.
b) Restrição voluntária de perda do direito de propriedade, mediante prévia e justa
indenização em dinheiro.
c) Restrição ou limitação ao direito de propriedade em razão de interesse público ou social.
d) Só ocorre face o notório abandono da coisa pelo dono, passando o bem ao poder público
em razão da lei.

GABARITO
1) B
2) A
3) A

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: reais. 6. ed. Salvador:
Rio de Janeiro, 2010.
GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. rev. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

capítulo 3 • 104
4
Condomínio e
direitos reais sobre
coisa alheia
Condomínio e direitos reais sobre coisa alheia
Ao ouvirmos o termo condomínio em geral lembramos instantaneamente de
um edifício, por exemplo. No entanto, condomínio é espécie do gênero comu-
nhão, consistindo em um estado de comunhão de propriedade. O edifício é exem-
plo de condomínio edilício, uma das espécies de condomínio. Neste capítulo,
você terá a oportunidade de estudar as diferentes espécies de condomínio e suas
características correspondentes, inclusive sobre o condomínio edilício.
Na segunda parte, serão estudados os direitos reais sobre coisa alheia, direitos
cujo titular não é o proprietário da coisa e, consequentemente, considerados direi-
tos limitados, pois não garantem aos seus titulares a possibilidade de exercício de
todos os poderes inerentes aos direitos reais.

OBJETIVOS
•  Compreender o conceito, os elementos e as características do condomínio;
•  Classificar as várias espécies de condomínio;
•  Identificar os direitos e deveres que surgem nos condomínios voluntário e necessário;
•  Identificar os direitos e deveres dos condôminos no condomínio edilício, bem como as
sanções cabíveis ao descumprimento dos deveres;
•  Diferenciar as áreas comuns das áreas sujeitas à utilização exclusiva e entender a relevân-
cia prática dessa diferenciação;
•  Compreender a administração do condomínio edilício;
•  Entender como ocorre a formação e a extinção do condomínio edilício.
•  Compreender a estrutura dos direitos reais sobre coisas alheias;
•  Analisar a propriedade superficiária;
•  Diferenciar a superfície da enfiteuse;
•  Aplicar o regime jurídico do usufruto, e diferenciá-lo do uso e da habitação;
•  Identificar os requisitos legais que conduzem o contrato de compra e venda a ser causa do
direito real do promitente comprador.

Condomínio

O condomínio é uma espécie do gênero comunhão, consistindo em uma co-


munhão de propriedade, não se tratando de uma nova espécie de direito real.

capítulo 4 • 106
Assim, para se falar em condomínio, faz-se necessária a presença de dois ou mais
titulares do direito de propriedade sobre o mesmo bem.
Apesar do exercício do direito de propriedade se dar de forma compartilhada,
o condomínio não representa uma exceção ao princípio da exclusividade, carac-
terístico dos direitos reais. Segundo o princípio da exclusividade, sobre o mesmo
bem ao mesmo tempo não pode haver a incidência de dois direitos reais de igual
conteúdo. Logo, sobre o mesmo bem ao mesmo tempo só poderá incidir um úni-
co direito de propriedade.
No condomínio, há uma pluralidade de sujeitos – dois ou mais proprietários –
compartilhando o exercício de um único direito de propriedade. Cada condômino
possui cotas abstratas da coisa, exercendo poderes sobre todo o bem, tornando-se
donos de cada parte e do todo simultaneamente. Portanto, há apenas um direito
de propriedade com vários titulares, o que não afasta a incidência do princípio da
exclusividade. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 477)
Para justificar a natureza jurídica do condomínio, aplica-se a teoria da proprie-
dade integral. De acordo com essa teoria, cada condômino tem propriedade sobre
a coisa toda, exercendo perante terceiros o domínio na integralidade. Contudo,
entre os próprios condôminos, cada um é limitado pelo outro, delimitados pelos
direitos dos demais consortes, na medida de suas partes ideais, no caso do condo-
mínio pro indiviso. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 478-479)
O condomínio pode ser classificado segundo a sua forma como condomínio
pro diviso e condomínio pro indiviso. O condomínio pro diviso só existe de direi-
to, havendo mera aparência de condomínio, haja vista que cada consorte localiza-
-se fisicamente na coisa, exercendo sobre sua fração poderes como dono exclusivo
da porção ocupada. (GONÇALVES, 2016, p. 382)
No condomínio pro indiviso a indivisão é de fato e de direito, estando a coisa
indivisa e não estando os condôminos localizados em partes certas e determinadas
da coisa. (GONÇALVES, 2016, p. 382)
O direito brasileiro contempla duas espécies de condomínio: o condomínio
geral e o condomínio edilício. A seguir, estudaremos os tipos e características do
condomínio geral.

Do condomínio geral

Conforme a origem da comunhão que estabeleceu o condomínio, este pode ser clas-
sificado como: condomínio voluntário, condomínio necessário e condomínio eventual.

capítulo 4 • 107
Do condomínio voluntário

Também chamado de convencional, é aquele que surge a partir da vontade das


partes, nascendo de um negócio jurídico quando duas ou mais pessoas adquirem
um bem conjuntamente para dele usar e gozar. (DINIZ, 2013, p. 236)
O Código Civil trata dessa espécie de condomínio em seus arts. 1.314 a
1.326, que versam sobre os direitos e deveres dos condôminos e da administração
do condomínio.

Dos direitos e deveres dos condôminos

Acerca dos direitos dos condôminos, o art. 1.314 do CC dispõe que “Cada
condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos
os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua
posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”.
Esse artigo consagra a teoria da propriedade integral, já mencionada anterior-
mente, garantindo aos condôminos o direito de usar a coisa, desde que não exclua
a mesma possibilidade dos demais consortes, surgindo em decorrência de tal uso,
o ônus de conservar o bem. Ressalte-se que, por força do parágrafo único do art.
1.314, por mais que o condômino tenha o direito de usar a coisa, ele não poderá
alterar a destinação da coisa comum nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos
sem o consentimento dos demais consortes.
Terá direito, ainda, de proteger a coisa comum contra terceiros, podendo rei-
vindicá-la ou defender a sua posse em face de terceiros, haja vista que perante estes
o condômino exerce o domínio em sua integralidade.
Além disso, é direito do condômino alhear a sua parte ideal, sem a necessá-
ria anuência dos demais, apenas garantindo, nos termos do art. 504 do CC,1 a
possibilidade de exercício do direito de preferência ou de prelação. Tem também
o condômino o direito de gravar a sua parte indivisa com ônus reais; assim, ele

1  “Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a
quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço,
haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de
benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a
quiserem, depositando previamente o preço.”

capítulo 4 • 108
poderá dar como garantia de uma dívida, em penhor ou hipoteca, a sua fração
ideal sobre a coisa.2
Quando não há disposição expressa estabelecendo a fração ideal de cada con-
dômino, o parágrafo único do art. 1.315 prevê que serão presumidas iguais.
O condômino não tem apenas direitos em relação à coisa, mas de sua proprie-
dade também decorrem obrigações, conforme disciplina o art. 1.315 do CC: “O
condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de
conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita”. Só se
eximindo o condômino de tal obrigação na hipótese disciplina no art. 1.316, caso
renuncie à sua parte ideal.3
O condômino tem ainda a obrigação de responder pelas dívidas contraídas.
Em conformidade com o art. 1.317, quando a dívida tiver sido contraída por
todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na obrigação, nem
se estipular solidariedade, cada qual responderá proporcionalmente segundo o seu
quinhão na coisa comum.
Se as dívidas tiverem sido contraídas por um dos condôminos em proveito da
comunhão, e durante ela, obrigarão o contratante; mas este terá direito de regresso
contra os demais, nos termos do art. 1.318.
O art. 1.319 consagra a seguinte regra: “Cada condômino responde aos outros
pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou”. Com base no re-
ferido artigo, tem se admitido a possibilidade, se o imóvel urbano estiver ocupado
por um dos consortes, de os demais condôminos exigirem-lhe o pagamento de
contraprestação mensal, a título de aluguel. O Superior Tribunal de Justiça já se
manifestado nesse sentido:

2  O que é ratificado pelo disposto no art. 1.420, §2º do CC: “A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode
ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar
em garantia real a parte que tiver”.
3  De acordo com os §§1º e 2º do art. 1.316, nesse caso, a parte ideal que foi renunciada será adquirida pelos
condôminos que assumirem as despesas e as dívidas decorrentes da coisa, na proporção dos pagamentos que
fizerem. Se nenhum dos condôminos assumir os pagamentos, a coisa comum será dividida.

capítulo 4 • 109
ARBITRAMENTO DE ALUGUEIS PELO USO EXCLUSIVO POR
UM CONDÔMINO DE COISA COMUM. PROCEDÊNCIA PARCIAL
DECRETADA. INCONFORMISMO PELO RÉU, EX-CÔNJUGE
VARÃO, IMPUGNANDO TERMO INICIAL DA OBRIGAÇÃO DE
PAGAR O ALUGUEL. ACOLHIMENTO. SENTENÇA REFORMADA.
1. Condômino privado do uso da coisa comum faz jus à indenização
na proporção de seu quinhão – artigos 1319 e 1326 do CC.
Recurso interposto com pedido limitado a modificar o termo inicial da
obrigação. Aluguel é devido desde a citação da presente demanda de
arbitramento até a cessação do estado de indivisão, ocorrida com a
venda da quota-parte pertencente à autora-apelada. Precedentes do
C. Superior Tribunal de Justiça. 2. Recurso de apelação provido. (TJ-SP
- APL: 00174947420118260006 SP 0017494-74.2011.8.26.0006,
Relator: Piva Rodrigues, Data de Julgamento: 15/03/2016, 9ª Câmara
de Direito Privado, Data de Publicação: 28/03/2016).

Contudo, o entendimento da Jurisprudência tem sido no sentido de só admi-


tir a cobrança de aluguel pelo ex-cônjuge depois de efetivada a partilha:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PARTILHA DE DÍVIDAS.


Conforme as regras atinentes ao regime da comunhão parcial
de bens, as dívidas contraídas em prol da família são partilhadas
igualitariamente. IMÓVEL DO CASAL. USO EXCLUSIVO DO
EX-CÔNJUGE. PAGAMENTO DE ALUGUEL. DESCABIMENTO.
Descabe a condenação do varão ao pagamento de aluguel do imóvel
pertencente ao casal antes de efetivada a partilha, ante a existência
da mancomunhão. Apelação parcialmente provida. (Apelação Cível
Nº 70058041088, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 26/03/2014).

A seguir, analisaremos a forma de administração do condomínio voluntário.

capítulo 4 • 110
Da administração

A coisa comum deverá ter um administrador, que poderá ser um dos condô-
minos ou mesmo pessoa estranha à comunhão, devendo ser escolhido pela maioria
dos consortes, segundo art. 1.323. Caso um dos condôminos passe a praticar, por
iniciativa própria, atos de gestão, e não havendo oposição dos demais, assumirá o
encargo de administrador, conforme art. 1.324.
Saliente-se que os atos praticados pelo administrador do condomínio vincu-
lam os demais consortes.
Na hipótese de os condôminos decidirem alugar a coisa objeto da comunhão,
o art. 1.323 estabelece a preferência, em condições iguais, do condômino em de-
trimento do que não o é.
Nas deliberações, a maioria será calculada não por pessoa, mas pelo valor dos qui-
nhões – da fração ideal de cada um sobre a coisa –, de acordo com o art. 1.325, Caput.
Assim como o quinhão serve como parâmetro para o rateio proporcional das
despesas e dívidas da coisa, ele também determina a proporção devida a cada
condômino na partilha dos frutos provenientes da coisa comum, exceto se houver
estipulação em contrário ou disposição de última vontade, nos termos do art.
1.326 do CC.

Da extinção do condomínio

Por ser o condomínio considerado um estado anormal da propriedade, que


pode gerar conflitos e desavenças, o condomínio pode ser extinto, com exceção
dos casos de condomínio forçado e de coisa indivisível. (DINIZ, 2013, p. 247)
Dessa forma, extingue-se o condomínio voluntário (art. 1.320, do CC):
a) em cinco anos, nos casos de condomínio consensual, podendo tal
prazo ser prorrogado;
b) antes do prazo estabelecido, pelo juiz, a requerimento do interessado, em
decorrência de razões graves;
c) pela venda da coisa.
Extinto o condomínio, proceder-se-á a divisão da área condominial, que pode
ser feita de forma amigável (escritura pública) ou judicialmente, por sentença com
efeito declaratório. As regras de divisão do condomínio seguem, no que couber, as
regras de partilha da herança (art. 1.321).

capítulo 4 • 111
Sobre a venda da coisa, é importante destacar a necessidade de observância do
direito de preferência dos condôminos, estabelecido no art. 1.322 do CC. Assim,
“quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só,
indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na ven-
da, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho”.
Em caso de haver vários condôminos interessados na aquisição do bem, entre
os condôminos será estabelecida também ordem de preferência, preferindo aquele
que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.
Caso nenhum dos condôminos tenha feito benfeitorias na coisa comum e partici-
pem todos do condomínio em partes iguais, realizar-se-á licitação entre estranhos e,
antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à licita-
ção entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer
melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

Do condomínio eventual

Apesar do Código Civil não tratar expressamente desta espécie de condomí-


nio, a doutrina defende haver um condomínio denominado de eventual, classifi-
cação recebida em razão da forma com que surge.
Carlos Roberto Gonçalves (2016, p. 381) afirma que “O condomínio even-
tual é o que resulta da vontade de terceiros, ou seja, do doador ou do testador, ao
efetuarem uma liberalidade a várias pessoas”.
No Código Civil, o condomínio eventual é referido de forma indireta quando
o legislador trata do condomínio voluntário, fazendo referência à espécie ora estu-
dada ao tratar das hipóteses de extinção do condomínio.
No art. 1.320, §2º, do CC restou disposto que “Não poderá exceder de cinco
anos a indivisão estabelecida pelo doador ou pelo testador”. A legislação brasileira
reconhece, assim, a existência de condomínio, que surge a partir da vontade de
pessoa estranha à comunhão, mas que, em razão disso, só pode obrigar as partes a
permanecerem na situação de indivisão imposta por um prazo de até cinco anos,
não sendo admitida a sua prorrogação.
Acrescente-se que, nessa situação, também será aplicável a disposição do §3º,
do art. 1.320, podendo qualquer interessado, havendo graves razões, pedir ao juiz
que determine a divisão antecipada da coisa comum.

capítulo 4 • 112
Do condomínio necessário

O condomínio necessário não se origina de uma convenção ou de sucessão


hereditária, como as hipóteses anteriores. Trata-se de forma de condomínio que é
imposta por lei, em decorrência de dois direitos de vizinhança estudados no capí-
tulo anterior: o direito de tapagem e o direito de construir.
Tal espécie de comunhão da propriedade, também chamada de condomínio
forçado ou legal, tem por objeto paredes, cercas, muros, valas, tapumes, conforme
disposto no art. 1.327 do CC, por usucapião coletivo.
O direito de tapagem, disciplinado a partir do art. 1.297, e o direito de cons-
truir, tratado nos arts. 1.299 e seguintes, garantem ao proprietário de um imóvel o
direito de cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu imóvel, bem como
de levantar parede.
De tais direitos de vizinhança decorre o direito do titular da propriedade,
consagrado no art. 1.328 do CC, de adquirir meação na parede, muro, valado ou
cerca do vizinho, para tanto sendo necessário reembolsar metade do que atual-
mente valer a obra4 e o terreno ocupado por ela, o que constituirá uma situação
de condomínio forçado.
Importante destacar que o art. 1.330 condicionou a possibilidade de utiliza-
ção da parede, muro, vala, cerca ou qualquer outra obra divisória ao pagamento
da meação devida. Uma vez estabelecida a comunhão, todas as despesas de conser-
vação do bem devem ser partilhadas e os comunheiros deveram usar da coisa de
forma a não prejudicar o uso dos demais.

Do condomínio edilício

O condomínio edilício tem como principal característica o fato de ser cons-


tituído de partes que são de utilização exclusiva, que correspondem ao direito
de propriedade sobre a unidade do seu titular, e partes que são comuns a todos,
devendo o direito sobre as mesmas ser subordinado ao conceito de condomínio
(PEREIRA, 2012, p. 160), tendo cada um dos condôminos uma fração ideal no
solo e nas outras partes comuns (art. 1.331, §3º, do CC).
Essa fusão entre propriedade particular e propriedade comum é impossível de
ser juridicamente separada, formando, portanto, um complexo indivisível, o que é
4  Dispõe o art. 1.329 do CC que “Não convindo os dois no preço da obra, será este arbitrado por peritos, a
expensas de ambos os confinantes”.

capítulo 4 • 113
ratificado pela disposição constante no art. 1.331, §2º,5 do CC, assim como pelo
disposto no art. 1.339, Caput e §1º do CC:

Art. 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são


inseparáveis de sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis
das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as
suas partes acessórias.
§1o Nos casos deste artigo é proibido alienar ou gravar os bens
em separado.

Podem ser considerados propriedade exclusiva, nos termos do art. 1.331, §1º,
os apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, assim como as vagas de ga-
ragem, não se estabelecendo em relação a estes qualquer tipo de direito de pre-
ferência entre os condôminos. Logo, podem ser alienados e gravados livremente
por seus proprietários, com exceção dos abrigos para veículos, que não poderão
ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização
expressa na convenção condominial.
Caso a convenção autorize a locação da vaga de garagem para terceiros, o art.
1.338 prevê que, resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos,
preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre
todos, os possuidores.
Ressalte-se que nem sempre a vaga de garagem será considerada propriedade
exclusiva. Se à garagem não tiver sido atribuída específica fração ideal do terreno,
não se poderá falar em propriedade exclusiva, sendo vinculada à unidade autô-
noma como acessória e, portanto, sua alienação terá de ser feita conforme o art.
1.339, §2º,6 do CC. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 495)
O abrigo para veículos poderá ser, ainda, considerado propriedade comum
quando puder vir a ser usado por todos os condôminos, como no caso de estacio-
namento rotativo.

5  “§2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a
calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados
em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.”
6  “§2o É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade imobiliária a outro condômino, só
podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a
respectiva assembleia geral.”

capítulo 4 • 114
O legislador garante a todos os condôminos o direito de ter acesso ao logradouro
público (art. 1.331, §4º), o que nos permite inferir que, se for o caso, deverá o vizinho
conceder passagem forçada ao outro, a fim de garantir tal direito (art. 1.285).

Instituição e constituição do condomínio

Carlos Roberto Gonçalves (2016, p. 399) afirma que “Todo condomínio


em edificações deve ter, obrigatoriamente, o ato de instituição, a Convenção de
Condomínio e o Regimento Interno”.
A instituição do condomínio está previsto no art. 1.332 do CC, podendo
ser estabelecido por ato entre vivos ou por testamento, registrado no Cartório de
Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei espe-
cial, a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva,
estremadas uma das outras e das partes comuns; a determinação da fração ideal
atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; o fim a que
as unidades se destinam.
É o registro do ato de instituição em cartório que garante a terceiros a pos-
sibilidade de exigir da construtora que o imóvel comprado na planta observe as
características anunciadas no lançamento do empreendimento.
O Código Civil distinguiu a instituição da constituição do condomínio, sen-
do o ato de constituição do condomínio um documento formal, escrito, no qual
se estabelecem os direitos e deveres dos condôminos e que deverá ser aprovado
pelos titulares das unidades condominiais.
O art. 1.333 do CC prevê que a convenção, documento que constitui o condo-
mínio edilício – que poderá ser uma escritura pública ou um instrumento particular
–, deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e
torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou
para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. No entanto, para ganhar eficácia
perante terceiros, deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
A convenção de condomínio deverá ratificar as cláusulas previstas no ato de
instituição, referidas no art. 1.332, além de contemplar aquelas que os interessa-
dos entendam por bem estipular, assim como determinará:

•  a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condô-


minos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
•  sua forma de administração;

capítulo 4 • 115
•  a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido
para as deliberações;
•  as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
•  o regimento interno.

É comum as pessoas tratarem o regimento interno como um documento di-


ferente da convenção. No entanto, aquele é parte integrante desta, sendo o regi-
mento interno o capítulo da convenção que disciplina a rotina do condomínio
edilício, dispondo acerca dos direitos e obrigações dos condôminos e sobre as
regras de convivência em comunidade, por exemplo, estabelecendo horários para
utilização de salão de festas, piscina, academia, dias e horários em que podem ser
feitas reformas ou mudanças etc.
Depois de aprovada a convenção de condomínio, só poderá ser modificada se
houver a aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos, nos termos do
art. 1.351 do CC.

Dos direitos e deveres dos condôminos

O art. 1.335 elencou alguns direitos do condômino. Pode o condômino usar,


fruir e livremente dispor das suas unidades, bem como usar das partes comuns,
conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais
compossuidores. Destaque-se que no exercício de seus poderes o condômino es-
tará adstrito às previsões legais acerca do exercício da propriedade, bem como as
limitações e obrigações consagradas na convenção do condomínio.
Apesar de a maioria dos condôminos não gostar muito de participar das as-
sembleias, a participação e o voto nas deliberações é previsto como um direito
apenas para aqueles que estejam quites com suas quotas condominiais.
Além de direito, o condômino também tem deveres, em conformidade com
o estabelecido no art. 1.336. A manutenção da área comum e a contratação de
empregados apresentam um custo que deverá ser rateado entre todas as unidades
do condomínio. Em razão disso, o condômino tem a obrigação de contribuir para
as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição
em contrário na convenção. O condômino que não pagar a sua contribuição ficará
sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% ao
mês e multa de até 2% sobre o débito.

capítulo 4 • 116
Ressalte-se que a jurisprudência7 tem se posicionado favoravelmente à pos-
sibilidade de cobrança de juros superiores a 1% ao mês, desde que haja expressa
previsão na convenção de condomínio.
O condômino está impedido de realizar obras que comprometam a seguran-
ça da edificação, haja vista que neste caso ele não comprometerá apenas a segu-
rança do seu imóvel, mas corre o risco de estar colocando em perigo as demais
unidades condominiais.
Outro impedimento constante no art. 1.336 é o que tange à impossibilidade
de alteração da forma e da cor da fachada, das partes e esquadrias externas. Essa é
uma limitação ao direito do condômino em relação à realização de modificações
na fachada do imóvel que no cotidiano costuma gerar muitos conflitos.
Ante tal vedação, é prudente que o condômino, sempre antes de introduzir al-
guma modificação em seu imóvel relacionada à fachada, submeta à assembleia de
condomínio a alteração almejada, a fim de se resguardar de uma eventual ordem
futura de desfazimento da modificação introduzida.
Deverá, ainda, o condômino dar às suas partes a mesma destinação que
tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubri-
dade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes, o que se harmoniza
com as disposições e limitações impostas ao titular da propriedade pelo direito
de vizinhança (art. 1.277).
Na hipótese de descumprimento dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV
do art. 1.336, o §2º do referido artigo prevê que o condômino pagará a multa
prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a
cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas
e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia
geral, por dois terços, no mínimo, dos condôminos restantes, deliberar sobre a
cobrança da multa.
O art. 1.337 prevê que o condômino, ou possuidor, que não cumpre reite-
radamente com os seus deveres perante o condomínio poderá ser constrangido a

7  “CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. TAXAS CONDOMINIAIS.
JUROS MORATÓRIOS ACIMA DE 1% AO MÊS. PREVISÃO NA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE.
1. Em face do conflito de leis no tempo e, conforme prevê o art. 2º, §1º, da LICC, os encargos de inadimplência
referentes às despesas condominiais devem ser reguladas pela Lei 4.591/64 até 10 de janeiro de 2003 e, a partir
dessa data, pelo Código Civil/02. 2. Após o advento do Código Civil de 2002, é possível fixar na convenção do
condomínio juros moratórios acima de 1% (um por cento) ao mês em caso de inadimplemento das taxas condominiais.
3. Recurso especial provido. Superior Tribunal de Justiça. Processo Resp 1002525/DF RECURSO ESPECIAL
2007/0257646-5 Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do
Julgamento 16/09/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 22/09/2010.”

capítulo 4 • 117
pagar multa correspondente a até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição
para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, in-
dependentemente das perdas e danos que se apurem, desde que haja a aprovação
de tal sanção por deliberação de três quartos dos condôminos restantes.
A sanção referida poderá ser majorada em razão de reiterado comportamen-
to antissocial, do condômino, ou possuidor, que acarrete a incompatibilidade de
convivência com os demais condôminos, ou possuidores, podendo a multa a ser
aplicada corresponder ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despe-
sas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia (art. 1.337).
O Código Civil prevê a título de sanção pelo comportamento antissocial de
condômino apenas a pena de multa, mas, em casos extremos, será que o condômi-
no pode chegar a ser expulso do condomínio por decisão da assembleia?
A jurisprudência costuma ser bastante conservadora em relação a esse tipo de
sanção, geralmente vedando a aplicação dessa espécie de pena. Ainda assim, é pos-
sível encontrar decisões minoritárias que permitem tal possibilidade, mas apenas
em casos extremos e desde que haja a expressa previsão de tal possibilidade em
convenção e mediante aprovação da sanção em assembleia.

ILEGITIMIDADE DE PARTE. PRIMEIRO REQUERIDO, PAI DO


SEGUNDO, QUE ALEGA NÃO SER PARTE LEGÍTIMA PARA
RESPONDER À AÇÃO, EM VIRTUDE DE NÃO SER EFETIVAMENTE O
PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. INADMISSIBILIDADE. APELANTE QUE
INVARIAVELMENTE AGIU COMO SE PROPRIETÁRIO PERANTE
O CONDOMÍNIO AUTOR, PARTICIPANDO DAS ASSEMBLEIAS
E RECEBENDO NOTIFICAÇÕES, SEM JAMAIS REVELAR SUA
CONDIÇÃO DE NÃO PROPRIETÁRIO. OBSERVÂNCIA DA TEORIA
DA APARÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
CONDOMÍNIO. DEMANDA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
AJUIZADA POR CONDOMINIO PARA EXPULSÃO DE MORADOR
ANTISSOCIAL E PARA RETIRADA DE LIXO ACUMULADO
NA UNIDADE. ADMISSIBILIDADE. PRÉVIA DELIBERAÇÃO DA
MEDIDA EM ASSEMBLEIA. REITERADO DESCUMPRIMENTO DAS
POSTURAS MÍNIMAS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL. SENTENÇA
MANTIDA. RECURSOS IMPROVIDOS. Apelação nº 0021743-
98.2012.8.26.0114 – Campinas. Relator Vito Guglielmi.

capítulo 4 • 118
Ressalte-se que a medida de expulsão do condômino não tem caráter expro-
priatório, portanto, não retirando dele o direito de propriedade, mas apenas o
impedindo de exercer pessoalmente a posse do imóvel, podendo este, se quiser,
alienar, alugar ou emprestar o imóvel.
Ademais, tal medida não é considerada como sendo de caráter perpétuo, recain-
do sobre a assembleia do condomínio a competência para revogar a referida sanção.
Em relação à realização de obras no condomínio, poderão ser feitas as benfei-
torias necessárias pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por
qualquer condômino, independentemente de autorização. Se as obras ou reparos
necessários forem urgentes e importarem em despesas excessivas, determinada sua
realização, o síndico ou o condômino que tomou a iniciativa delas dará ciência à
assembleia, que deverá ser convocada imediatamente (art. 1.341, §§1º e 2º).
Se as obras ou reparos necessários não forem urgentes e importarem em des-
pesas excessivas, somente poderão ser efetuadas após autorização da assembleia,
especialmente convocada pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento
deste, por qualquer dos condôminos (art. 1.341, §3º).
No que tange às benfeitorias voluptuárias, a sua realização depende de voto
de dois terços dos condôminos; no caso das benfeitorias úteis, a sua realização
depende de voto da maioria dos condôminos (art. 1.341, I e II).
Caso um dos condôminos realize benfeitoria necessária, será reembolsado das
despesas que efetuar, não tendo direito à restituição das que fizer com obras ou
reparos de outra natureza, embora de interesse comum (art. 1.341, §4º).
Por força do art. 1.340 do CC, “As despesas relativas a partes comuns de uso
exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se ser-
ve”. São exemplos de partes comuns de uso exclusivo o hall de elevador privativo,
escadarias, o terraço de cobertura.
No tocante ao terraço de cobertura, o art. 1.331, §5º, considera parte comum,
salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio. Assim, por
ser área comum, mas de uso exclusivo, deverá o condômino que goza de tal uso
arcar com as despesas de sua conservação.
Assim como, na hipótese de se constituir como área privativa de um dos titu-
lares das unidades do condomínio, o seu proprietário arcará com as despesas da
sua conservação, de modo que não haja danos às unidades imobiliárias inferiores,
nos termos do art. 1.344 do CC.
Como já visto no primeiro capítulo estudado, o rateio das despesas co-
muns, popularmente chamado de taxa de condomínio, tem natureza jurídica de

capítulo 4 • 119
obrigação propter rem e, uma vez não adimplidas pelo alienante, acompanham a
coisa, constituindo-se como ônus reais em relação ao adquirente. Em decorrência
disso, o art. 1.345 dispõe que “O adquirente de unidade responde pelos débitos
do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.
Importante frisar que, por se tratar de obrigação propter rem, o adquirente tor-
na-se devedor quando da aquisição da propriedade, mediante o registro do título
em cartório. No entanto, acerca do rateio das despesas comuns, o STJ já pacificou
entendimento diverso, permitindo a possibilidade de cobrança realizada em desfa-
vor do promitente comprador, conforme se infere da decisão colacionada a seguir.

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE


CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS
COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA
E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA.
PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR.
PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE.
CIÊNCIA INEQUÍVOCA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC,
firmam-se as seguintes teses: a) O que define a responsabilidade
pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do
compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material
com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário
comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da
transação. b) Havendo compromisso de compra e venda não levado
a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode
recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário
comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. c)
Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na
posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-
se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por
despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida
pelo promissário comprador. 2. No caso concreto, recurso especial
não provido. (STJ - REsp: 1345331 RS 2012/0199276-4, Relator:
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 08/04/2015,
S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/04/2015).

capítulo 4 • 120
Mesmo que ainda não tenha se efetivado o registro da propriedade, o con-
domínio poderá realizar a cobrança contra o promitente comprador desde que
haja ciência inequívoca do condomínio acerca da transação e que o promitente
comprador já tenha se imitido na posse.

Da administração do condomínio

A administração compete de forma direta ao síndico e indiretamente à assem-


bleia, haja vista que algumas decisões necessariamente terão de ser submetidas a esta.
De acordo com o art. 1.347 do CC, cabe à assembleia a escolha do síndico,
que poderá não ser condômino,8 para administrar o condomínio, por prazo não
superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.
O art. 1.348 elenca as várias atribuições do síndico, dentre as quais merecem
destaque a competência para convocar a assembleia dos condôminos (I); para re-
presentar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele,
os atos necessários à defesa dos interesses comuns (II); cumprir e fazer cumprir a
convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia (IV); elaborar o
orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano (VI); cobrar dos condôminos
as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas (VII); prestar
contas à assembleia, anualmente e quando exigidas (VIII).
O síndico poderá ser destituído quando praticar irregularidades, não prestar
contas ou não administrar convenientemente o condomínio. Para tanto, é neces-
sária a convocação de assembleia com a finalidade especial de deliberar acerca da
transferência de poderes do síndico, sendo necessária a aprovação pelo voto da
maioria absoluta de seus membros.
Com exceção das hipóteses em que a lei ou a convenção expressamente pre-
veem a exigência de quórum especial – é o caso do quórum de 2/3 exigido pelo
art. 1.351 para a alteração da convenção do condomínio –, as deliberações da
assembleia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos con-
dôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais (art.
1.352). Não sendo estabelecida a assembleia por falta de quórum, aguarda-se a
segunda convocação, na qual a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos
dos presentes, salvo quando exigido quórum especial (art. 1.353).
Na prática, essa segunda convocação deverá já ser informada no edital de convo-
cação da assembleia e pode estar prevista para acontecer minutos depois da primeira.
8  Atualmente, é muito comum a terceirização da administração do condomínio para administradoras especializadas.

capítulo 4 • 121
Acrescente-se que, em regra, os votos dos condôminos não são tomados por
pessoa, mas deverão ser proporcionais às frações ideais no solo e nas outras partes
comuns pertencentes a cada um, salvo disposição diversa da convenção de consti-
tuição do condomínio (art. 1.352, parágrafo único).
Nos termos do art. 1.354 do CC, a assembleia não poderá deliberar se todos
os condôminos não forem convocados para a reunião. Observe que apesar da par-
ticipação e do voto na assembleia de condomínio ser um direito do condômino
adimplente, conforme disposto no art. 1.335, III, o legislador não fez distinção
entre condôminos adimplentes ou inadimplentes quanto à sua convocação para
assembleia, prevendo que todos devem ser convocados, isso porque, uma vez con-
vocado, o condômino inadimplente, querendo, poderá quitar as dívidas junto ao
condomínio, a fim de viabilizar a sua participação na assembleia em questão.
Poderá integrar a administração do condomínio também um conselho fiscal,
composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois
anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico (art. 1.356).

Da extinção do condomínio

Mesmo sendo algo excepcional, o Código Civil contemplou a hipótese de ex-


tinção do condomínio edilício em duas situações tratadas nos arts. 1.357 e 1.358
do CC, em caso de destruição ou de desapropriação.
Na hipótese da edificação vir a ser total ou consideravelmente destruída, ou se
ameaçar ruir, os condôminos deliberarão em assembleia sobre a reconstrução, ou
venda, por votos que representem metade mais uma das frações ideais.
Em caso de desapropriação, a indenização será repartida entre os condôminos,
proporcionalmente ao valor das suas unidades imobiliárias. 

Dos direitos reais sobre coisa alheia

São aqueles que têm por titular pessoa diversa do titular da propriedade. Esses
direitos surgem a partir do desmembramento da posse do proprietário e conse-
quente transmissão de parte de seus poderes para a constituição desse novo direito.
Em razão disso, são classificados como direitos limitados.
Os direitos reais sobre coisa alheia se subdividem em direitos reais de gozo ou
de fruição, que conferem ao seu titular o(s) poder(es) de uso e/ou gozo sobre coisa
alheia; direito real de aquisição, que vincula a aquisição de um determinado bem

capítulo 4 • 122
ao titular deste direito; e direitos reais de garantia, que vinculam um determinado
bem como garantia pelo pagamento de uma dívida.
Neste tópico, estudaremos os seguintes direitos reais de gozo ou fruição: direito
real de superfície; direito real de usufruto; direito real de uso; e direito real de habitação.
Você também aprenderá sobre o direito real de aquisição, ficando para o capí-
tulo final desta obra o estudo acerca do direito real de servidão e do direito real de
laje, bem como dos direitos reais de garantia.

Direito real de superfície

O direito real de superfície está previsto entre os arts. 1.369 e 1.377 do CC.
Trata-se de direito real sobre coisa alheia e limitado, classificado como direito real
de gozo ou fruição, que confere ao seu titular o direito de construir ou de plantar
em terreno de outrem, por tempo determinado, mediante escritura pública devi-
damente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Esse direito foi incluído no Código Civil em substituição à antiga enfiteuse,
direito real consagrado no Código Civil de 1916, guardando diferenças em relação
a esta. A enfiteuse era perpétua, o enfiteuta tinha anualmente que por obrigação
pagar uma contraprestação por tal direito real chamada de foro, tendo este poderes
amplos sobre o bem, podendo usá-lo, desfrutá-lo, aliená-lo e transmiti-lo por he-
rança. A enfiteuse é considerada um dos direitos reais mais amplos que já existiu,
conservando o proprietário praticamente apenas o nome no título de domínio
(GONÇALVES, 2016, p. 648-649).
Acrescente-se que o Código Civil de 2002 retirou a enfiteuse do rol de direitos
reais e proibiu, em seu art. 2.038, a constituição de novas enfiteuses. No entanto,
não extinguiu aquelas ainda existentes, determinando que em relação as mesmas
devem ser aplicadas as disposições que regulavam a matéria constantes no Código
Civil de 1916.
A finalidade do direito real de superfície será a de permitir que pessoa diversa
do titular da propriedade construa ou plante no imóvel, conforme disposto no art.
1.369 do CC. Esse direito tem por característica a sua temporariedade, ficando ao
arbítrio das partes o prazo pelo qual será convencionado.
Por se tratar de direito real, exige-se a constituição de tal direito por meio de
escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Sem a efetivação
do registro, o direito em tela não terá eficácia perante terceiros, afigurando-se na
prática como um mero arrendamento.

capítulo 4 • 123
Em regra, o direito de superfície não garante ao seu titular a possibilidade de
realização de obras no subsolo, a não ser que as partes tenham estipulado expressa-
mente a este respeito ou ainda, caso seja inerente ao objeto da concessão.
A constituição do direito de superfície é, em regra, consensual, assumindo um
caráter contratual, razão pela qual o art. 1.370 do CC prevê a possibilidade da
concessão do direito de superfície se dar de forma gratuita ou onerosa e que, se for
concedido a título oneroso, as partes poderão acordar se o pagamento será feito de
uma só vez ou parceladamente.
Nas hipóteses em que as partes convencionem que haverá o pagamento de
contraprestação pela concessão do direito de superfície, tal pagamento recebe a
designação especial de cânon superficiário.
Os sujeitos que figuram como partes na relação jurídica que constitui o direito
ora estudado também são identificados de forma especial. O proprietário do solo
é referido pela legislação como fundieiro e o proprietário das construções e/ou
plantações é chamado de superficiário.
De acordo com o art. 1.371 do CC, cabe ao superficiário a responsabilidade
pelo pagamento dos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. Saliente-se
que o Enunciado de nº 94 das Jornadas de Direito Civil consagrou regra diversa,
entendendo o que seria possível as partes, contanto que haja estipulação expressa,
convencionarem o rateio de tais despesas.
O superficiário, em relação à construção ou plantação realizada no imóvel, se
assemelha ao titular da propriedade, sendo referido por boa parte da doutrina como
proprietário superficiário, e o direito real de superfície referido como proprieda-
de superficiária. De acordo com o posicionamento da doutrina, consagrado no
Enunciado de nº 249 das Jornadas de Direito Civil, “A propriedade superficiária
pode ser autonomamente objeto de direitos reais de gozo e de garantia, cujo prazo
não exceda a duração da concessão da superfície, não se lhe aplicando o art. 1.474”.
É como se a criação do direito real de superfície criasse duas propriedades
distintas, uma do solo e outra daquilo que nele foi implantado pelo superficiário,
podendo este, durante a vigência de tal direito, constituir direitos reais de gozo e
de garantia, inclusive podendo dar o seu direito real em garantia de hipoteca.
Esta cisão que o direito real de superfície opera nas faculdades elementares do
domínio – pertencendo o terreno a um proprietário e a construção ou a plantação
a outro – impede a aplicação do princípio da acessão imobiliária enquanto vigente
tal direito real. (GOMES, 2012, p. 293-294)

capítulo 4 • 124
Por ter tais poderes, entende-se que se trata de direito que não é personalíssi-
mo, ou seja, que pode ser exercido por outras pessoas e não necessariamente por
aquele em favor de quem inicialmente havia sido constituído.
Assim, o Código Civil admite a transmissão do direito real de superfície tanto
por ato inter vivos como também causa mortis. O art. 1.372, parágrafo único, ga-
rante que o fundieiro não poderá estipular, a nenhum título, qualquer pagamento
pela transferência do direito real em questão.
Por força do art. 1.373, na hipótese de alienação do imóvel ou do direito de
superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igual-
dade de condições. É consagrada a possibilidade do exercício do direito de prefe-
rência ao superficiário que não foi previamente notificado pelo proprietário acerca
da alienação, nos termos do Enunciado nº 510 das Jornadas de Direito Civil.9
Você pode ter entendido o motivo do superficiário querer adquirir a proprie-
dade do fundieiro, mas pode estar se perguntando que interesse teria o fundieiro
em adquirir o direito real concedido ao superficiário. Como esse direito apresenta
prazo determinado, não há possibilidade de rescisão antecipada pelo desinteresse
na manutenção de tal direito pelo fundieiro. Assim, este pode se interessar em
adquirir a propriedade superficiária para pôr fim antecipadamente ao direito real
de superfície constituído em favor de terceiro.
A superfície poderá ser extinta em três situações: pelo decurso do prazo estipu-
lado no instrumento público que a constituiu; pelo desvio de finalidade praticado
pelo superficiário, quando este dá ao terreno destinação diversa daquela que foi
convencionada com o fundieiro (art. 1.374); e por desapropriação.
Havendo a desapropriação do imóvel, extingue-se o direito real de superfície
e a indenização caberá ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente
ao direito real de cada um (art. 1.376).
Mas e nas outras hipóteses aqui apresentadas? O que acontece com a cons-
trução ou plantação após a extinção do direito real de superfície? Segundo o art.
1.375, “Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre
o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as par-
tes não houverem estipulado o contrário”.
A pessoa jurídica de direito público também poderá constituir superfície, que
será regida pelo Código Civil e lei especial, conforme art. 1.377 do CC.

9  Ao superficiário que não foi previamente notificado pelo proprietário para exercer o direito de preferência
previsto no art. 1.373 do CC é assegurado o direito de, no prazo de seis meses, contado do registro da alienação,
adjudicar para si o bem mediante depósito do preço.

capítulo 4 • 125
Por fim, é necessário destacar que o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)
foi a primeira lei a tratar sobre o direito de superfície, tendo em seguida entrado
em vigor o Código Civil regulando a mesma matéria, mas de forma mais ampla
por serem suas normas também aplicáveis à imóveis rurais.
Carlos Roberto Gonçalves (2016, p. 448) defende que o Código Civil, por se
tratar de lei posterior, teria derrogado os dispositivos sobre a matéria constantes
no Estatuto da Cidade. No entanto, trata-se de posicionamento controvertido,
haja vista que o Enunciado de nº 93 das Jornadas de Direito Civil defende posi-
cionamento contrário, afirmando que as normas previstas no Código Civil acerca
do tema não teriam revogado aquelas relativas ao mesmo assunto, previstas no
Estatuto da Cidade, em razão da especialidade desta última lei.

Do direito real de usufruto

É tratado no Código Civil nos arts. 1.390 a 1.411, apesar de também ser di-
reito real sobre coisa alheia, limitado. É um direito intransferível, personalíssimo,
sobre coisa alheia, que confere ao seu titular a faculdade de usar e fruir (usufruir)
da coisa de outrem, temporariamente, desde que não lhe altere a substância.
O usufruto pode ter por objeto um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um
patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os fru-
tos e utilidades, em conformidade com o art. 1.390 do CC.
Ressalte-se que no que tange à possibilidade de constituição desse direito em
relação a bens móveis, ele também poderá ser constituído sobre direitos que, por
força do art. 83 do CC, são considerados como tendo natureza de bem móvel.
É o caso dos títulos de créditos, sobre os quais poderá ser constituído usufruto,
segundo o disposto no art. 1.395 do CC.
Poderá ser adquirido em decorrência de um acordo de vontade entre as partes
ou como resultado de usucapião, como ratifica o art. 1.391, devendo ser registra-
do no Cartório de Registro de Imóveis para que ganhe natureza jurídica de direito
real e, consequentemente, tenha eficácia erga omnes.
No usufruto, as partes envolvidas também recebem uma designação especial.
O titular do direito real de usufruto será chamado de usufrutuário, sendo aquele
que tem o poder imediato sobre a coisa e o exercício dos poderes de uso e gozo,
enquanto o titular da propriedade é designado como nu-proprietário, sendo este
o possuidor indireto.

capítulo 4 • 126
Tendo em vista a regra consagrada pelo princípio da gravitação jurídica, de
que o acessório segue o destino do principal, o usufruto estende-se aos acessórios
da coisa e seus acrescidos, exceto se houver disposição expressa em contrário
(art. 1.392, Caput).
O §1º do art. 1.392 dispõe sobre situação que a doutrina denomina de qua-
se-usufruto (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 556), que ocorre quando entre os
acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, tendo o usufrutuário o dever
de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em
gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao
tempo da restituição.
É inerente à noção de usufruto o direito de usar da coisa principal e a possi-
bilidade do seu titular perceber os frutos que a coisa objeto de tal direito venha a
gerar. Além disso, por ser direito intuitu personae, o seu titular não poderá transfe-
ri-lo por alienação, assim como tal direito não é suscetível à penhora.
Poderá, no entanto, o usufrutuário ceder o seu exercício a título gratuito ou
oneroso, independentemente de autorização do nu-proprietário. A cessão do exer-
cício do poder de uso é realizada a título oneroso; por exemplo, se o usufrutuário
alugar o imóvel para outrem, os frutos civis percebidos caberão ao usufrutuário,
nos termos do art. 1.394.
Os direitos do usufrutuário estão regulados nos arts. 1.394 a 1.399, merecendo
destaque os que se seguem: o direito à posse, uso, administração e percepção dos
frutos (art. 1.394); quando o usufruto recair em títulos de crédito, o usufrutuário
terá direito a perceber os frutos e a cobrar as respectivas dívidas (art. 1.395, Caput).
Em relação à percepção dos frutos, o Código Civil estabelece regras distintas, a
depender do tipo de fruto. No tocante aos frutos naturais, o usufrutuário faz seus
os frutos naturais, pendentes ao começar o usufruto, sem encargo de pagar as des-
pesas de produção, bem como aqueles pendentes ao tempo em que cessar o usu-
fruto pertencerão ao dono, também sem compensação das despesas (art. 1.396).
Já no que se refere aos frutos civis, quando vencidos na data inicial do usufru-
to, pertencerão ao proprietário, e ao usufrutuário os vencidos na data em que cessa
o usufruto (art. 1.398). O usufrutuário também terá deveres, disciplinados nos
arts. 1.400 a 1.409 do CC. Em razão disso, incumbe ao usufrutuário o pagamento
das despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu e as
prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída (art.
1.393). Não será, no entanto, o usufrutuário obrigado a pagar as deteriorações

capítulo 4 • 127
resultantes do exercício regular do usufruto, aquelas que decorrem do desgaste
esperado do transcurso do tempo em relação à coisa.
Antes de assumir o usufruto, a legislação cível exige que o usufrutuário inven-
tarie, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e
dando caução, fidejussória ou real, se lha exigir o dono, a fim de assegurar a con-
servação e entrega dos bens, findo o usufruto, em conformidade com o disposto
no art. 1.400 do CC.
Sendo o usufrutuário doador de um determinado bem, em relação ao qual se
reservou o usufruto da coisa doada – por meio de tradição ficta por constituto-pos-
sessório –, este não será obrigado a prestar caução.
O que acontece se o usufrutuário não quiser ou não puder dar caução sufi-
ciente? De acordo com o art. 1.401, perderá o direito de administrar o usufruto;
assim, os bens serão administrados pelo proprietário, que ficará obrigado, median-
te caução, a entregar ao usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas de
administração, entre as quais se incluirá a quantia fixada pelo juiz como remune-
ração do administrador.
Segundo o art. 1.404:

Incumbem ao dono as reparações extraordinárias e as que não


forem de custo módico; mas o usufrutuário lhe pagará os juros do
capital despendido com as que forem necessárias à conservação, ou
aumentarem o rendimento da coisa usufruída.

O Código Civil definiu o que seriam essas despesas que não são consideradas
como módicas, correspondendo a dois terços do líquido rendimento em um ano
(art. 1.404, §1º).
Se o nu-proprietário não realizar as reparações que lhe competem, e que são
indispensáveis à conservação da coisa, o usufrutuário poderá realizá-las, cobrando
daquele a importância despendida (art. 1.404, §2º).
São deveres do usufrutuário, também, comunicar ao dono da coisa qualquer
lesão produzida contra a posse da coisa, ou os direitos deste (art. 1.406). Também
se o usufruto recair num patrimônio, ou parte deste, será o usufrutuário obrigado
aos juros da dívida que onerar o patrimônio ou a parte dele (art. 1.407). A obriga-
ção do usufrutuário pelo pagamento dos juros da dívida que onere o patrimônio
decorre da noção estabelecida pelo direito para o termo patrimônio. Segundo o

capítulo 4 • 128
art. 91 do CC, o patrimônio consiste no conjunto de relações jurídicas de valor
econômico da pessoa, o que inclui bens e dívidas.
Assim, a legislação brasileira, ao admitir o usufruto sobre um patrimônio, está
permitindo que os poderes de uso e gozo recaiam sobre os bens e sobre eventuais
dívidas que os onerem, que integram o patrimônio do nu-proprietário.
Se a coisa estiver segurada, cabe ao usufrutuário pagar, durante o usufruto, as
contribuições do seguro (art. 1.407, Caput). Caso seja o próprio usufrutuário que
contrate o seguro, deverá indicar como beneficiário o proprietário do bem, em
decorrência do disposto no §1º do art. 1.407.10 Em qualquer hipótese, uma vez
que o usufruto pode ter por objeto bens móveis – inclusive dinheiro –, o direito do
usufrutuário fica sub-rogado no valor da indenização do seguro (art. 1.407, §2º).
Assim como também ficará sub-rogada no ônus do usufruto, em lugar do
prédio, a indenização paga, se ele for desapropriado, ou a importância do dano,
ressarcido pelo terceiro responsável no caso de danificação ou perda, nos termos
do art. 1.409 do CC.
O usufruto é direito temporário, portanto, suscetível de extinção, em confor-
midade com as hipóteses consignadas no art. 1.410 do CC. É importante frisar
que se o usufruto recai sobre bens imóveis será necessário o cancelamento do
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Extingue-se o usufruto pela renúncia ou morte do usufrutuário. A morte do
usufrutuário põe fim ao usufruto, tendo em vista tal direito ser considerado per-
sonalíssimo, não sendo admitida a sua transmissão nem mesmo para os herdeiros
do usufrutuário. Saliente-se que a morte do nu-proprietário não colocará fim ao
usufruto, ficando seus herdeiros sub-rogados na condição de donos da coisa, mas
devendo respeitar os direitos do usufrutuário.
O usufruto será extinto pelo decurso do prazo convencionado entre as partes,
podendo em alguns casos vir a ser convencionado em caráter vitalício. Nesta últi-
ma hipótese, só se extingue com a morte de seu titular.
A pessoa jurídica poderá ser titular de um direito real de usufruto. Nesse caso,
extinta a pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela
perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer, extin-
gue-se o usufruto.
Se o usufruto tiver sido constituído em decorrência de determinado motivo,
cessado o motivo que o originou, extinguir-se-á também o usufruto.

10  “§1o Se o usufrutuário fizer o seguro, ao proprietário caberá o direito dele resultante contra o segurador.”

capítulo 4 • 129
O direito real consiste em uma relação de poder que se estabelece de forma
direta da pessoa para a coisa. Logo, se o objeto de tal direito vier a ser destruído,
consequentemente extinguir-se-á o direito. Com o usufruto também se aplica essa
regra. No entanto, se o bem estiver segurado ou vier a desaparecer em razão de
desapropriação ou dano ocasionado por terceiro, o direito do usufrutuário fica
sub-rogado no valor de tais indenizações,
Além disso, também não se extinguirá o usufruto na hipótese tratada no art.
1.408 do CC, quando um imóvel sujeito a usufruto for destruído, mas, uma vez
segurado, a indenização do seguro for aplicada à reconstrução do prédio. Não
se reestabelecerá o usufruto, no entanto, se o imóvel foi destruído sem culpa do
proprietário e este o reconstruir à sua custa, não estando este obrigado a tal ato.
Havendo a consolidação de todos os poderes inerentes à propriedade na pes-
soa do usufrutuário, o usufruto também se extinguirá. Um exemplo em que isso
possa vir a acontecer é o do filho, único herdeiro paterno, que recebe do pai em
vida o usufruto de certo bem. Com o falecimento de seu pai, haverá a consolida-
ção, pois o usufrutuário passa a ter também a propriedade da coisa, extinguindo-se
assim o usufruto.
O usufruto também se extingue por culpa do usufrutuário, quando aliena,
deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de con-
servação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias
recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395.11
A última hipótese consignada no art. 1.410 prevê que o usufruto será extinto
em razão do não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai, tendo em
vista que, se o usufrutuário não tem interesse em exercer os poderes a ele conferi-
dos, a limitação de poderes impostas ao proprietário torna-se injustificada.
Por fim, é importante mencionar as principais classificações aplicáveis
ao usufruto:

Quanto à origem:
•  legal – quando o usufruto decorre de uma imposição da lei;12
•  convencional – é aquele que resulta de um negócio jurídico, unilateral
ou bilateral.

11  “Parágrafo único. Cobradas as dívidas, o usufrutuário aplicará, de imediato, a importância em títulos da mesma
natureza, ou em títulos da dívida pública federal, com cláusula de atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos.”
12  Um exemplo é a hipótese consagrada no art. 1.689: “O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos”.

capítulo 4 • 130
Quanto ao objeto:
•  próprio – é o que tem por objeto coisas inconsumíveis e infungíveis;
•  impróprio – é o que recai sobre bens fungíveis ou consumíveis, chamado
de quase-usufruto;

Quanto à sua extensão:


•  universal – quando recai sobre um patrimônio;
•  particular – tem por objeto um bem particular;
•  pleno – quando abrange a totalidade dos frutos e utilidades;
•  restrito – quando se excluem, por força da autonomia privada, alguns ou
todos os frutos e utilidades.

Quanto à sua duração:


•  temporário – quando é concedido por prazo determinado entre as partes
ou em decorrência de algum motivo específico;
•  vitalício – quando é concedido pelo tempo que o seu titular estiver vivo.
Quanto aos titulares:
•  usufruto simultâneo – é aquele constituído em favor de duas ou mais pes-
soas ao mesmo tempo;
•  usufruto sucessivo – art. 1.411 do CC.

Há ainda uma última classificação, que leva em consideração os titulares do


direito em análise, podendo o usufruto ser classificado em simultâneo e sucessivo,
de acordo com o art. 1.411 do CC.
É considerado usufruto simultâneo aquele constituído em favor de duas ou
mais pessoas, extinguindo-se gradativamente, em relação às partes de cada um dos
usufrutuários que venha a falecer.
Considera-se usufruto sucessivo a hipótese excepcional que admite que no
usufruto simultâneo se estabeleça o chamado direito de acrescer, contanto que
haja estipulação expressa, pelo qual o quinhão do usufrutuário que venha a falecer
seja transferido para o usufrutuário sobrevivente.

Do direito real de uso e de habitação

O direito real de uso é direito real sobre coisa alheia, limitado, temporário e
intuitu personae, ou seja, personalíssimo, não podendo ser alienado ou transferido

capítulo 4 • 131
em nenhuma hipótese, tratado no Código Civil em apenas dois artigos, artigos
1.412 e 1.413.
Trata-se de direito que garante ao seu titular o exercício do poder de uso sobre
coisa alheia, podendo também perceber frutos. Mas, diferentemente do usufruto,
essa percepção se dará de forma limitada, somente para satisfazer as necessidades
do usuário e de sua família – considerados família pelo art. 1.412, §2º, do Código
Civil o cônjuge, os filhos solteiros e as pessoas do serviço doméstico que morem
com o usuário.
Outra diferença em relação ao usufruto é que o uso não admite a possibilidade
de cessão de seu exercício nem a título gratuito nem a título oneroso, haja vista
que o seu titular estaria transferindo o seu direito em si, por ter apenas o uso da
coisa e mais nenhum outro poder sobre ela.
Ressalte-se que, quando tenha por objeto bem imóvel, a sua constituição de-
penderá do registro do ato constitutivo no Cartório de Registro de Imóveis.
No mais, o uso guarda muitas semelhanças em relação ao usufruto. Assim, o
Código Civil dispôs, no art. 1.413, acerca da possibilidade de aplicação subsidiária
ao uso das disposições relativas ao usufruto.
Segundo o art. 1.414 do CC, quando o uso consistir no direito de habitar
gratuitamente casa alheia, essa espécie de uso será chamada de habitação.
O direito real de habitação trata-se de uma espécie do direito real de uso, que
tem por objeto necessariamente um imóvel comercial e que deverá ser constituído
apenas como uma finalidade o direito de habitar gratuitamente em imóvel alheio.
O titular desse direito não poderá alugar, nem emprestar, mas simplesmente
ocupar com sua família o imóvel objeto do direito de habitação. O Código Civil
admite a possibilidade de tal direito ser constituído em favor de mais de uma
pessoa (art. 1.415).
Acrescente-se que, assim como ao uso, também serão aplicáveis à habitação,
no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.

Do direito real de aquisição: direito real do promitente comprador

O direito real de aquisição também é considerado direito real sobre coisa


alheia e limitado, pois garante ao seu titular apenas uma expectativa de direito
acerca da aquisição de um bem imóvel. Há apenas uma espécie de direito real de
aquisição, o direito real do promitente comprador (arts. 1.417 e 1.418 do CC).

capítulo 4 • 132
O direito real do promitente comprador tem por objeto um bem imóvel ad-
quirido mediante promessa irretratável de compra e venda (feita sem a cláusula de
arrependimento), por instrumento público ou particular, devidamente registrada
no Cartório de Imóveis. O registro no Cartório de Imóveis é essencial para con-
ferir a esse direito de aquisição natureza real e, consequentemente, eficácia erga
omnes, caso contrário terá natureza meramente obrigacional.
O art. 1.418 do CC aponta como consequência da constituição de tal direito
o fato do promitente comprador poder exigir do promitente vendedor, ou de
terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva
de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver
recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
No entanto, dispõe a Súmula nº 239 do STJ que “o direito à adjudicação
compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no
cartório de imóveis”. A referida súmula, contudo, precisa ser interpretada restri-
tivamente, pois, se não houve o registro do direito real de aquisição, o que existe
é um direito de natureza pessoal, de eficácia relativa, vinculando apenas as partes,
o que não impede a propositura da ação de adjudicação compulsória contra o
promitente vendedor.
O problema é se o promitente vendedor tiver se aproveitado da ausência do
registro no Cartório de Imóveis do compromisso de compra e venda para alienar
o imóvel para terceiro, e este tenha efetivado o registro de propriedade do bem.
Nessa situação, o pedido de adjudicação compulsória contra o terceiro se torna
inviável, pois o promitente comprador não tinha direito real de aquisição sobre
a coisa, não tendo, portanto, um direito com eficácia perante terceiros. Em uma
situação assim, restará ao prejudicado apenas reclamar o prejuízo material sofrido,
perdendo a coisa para o terceiro adquirente, ainda que este tenha agido de má-fé.
Assim, a grande vantagem da constituição do direito real de aquisição é res-
guardar a expectativa de direito de aquisição do imóvel perante o promitente ven-
dedor, mas, principalmente, perante terceiros.

RESUMO
Neste capítulo você aprendeu que o condomínio não se restringe à hipótese de condo-
mínio edilício, e que, na verdade, condomínio é a comunhão do direito de propriedade, quando
este tem vários titulares.

capítulo 4 • 133
Ademais, ao finalizar este capítulo, você já tem condições de diferenciar as hipóteses
de condomínio em geral do condomínio edilício, haja vista que este último trata-se de um
tipo especial de comunhão que recai apenas sobre a área comum, sendo tal propriedade
comum fundida em caráter indissolúvel com a propriedade exclusiva, que recai sobre uma
unidade condominial.
Na segunda parte, você estudou acerca de alguns dos direitos reais sobre coisa alheia e
sobre o direito real de aquisição. Aprendeu a respeito do direito real de superfície e que este
substituiu o antigo direito real de enfiteuse. Além disso, analisou o direito real de usufruto e
pôde identificar as semelhanças existentes entre este e o direito real de uso e o direito real
de habitação. Por fim, aprendeu que uma promessa de compra e venda de natureza mera-
mente obrigacional não se confunde com o direito real do promitente comprador, este último
gozando de eficácia erga omnes.

ATIVIDADE
1) A respeito do direito das coisas, como previsto no Código Civil, assinale a
alternativa correta.
a) A árvore está com o tronco na linha divisória de dois imóveis particulares, por isso pertence
em comum aos donos dos prédios confinantes. Caso caiam frutos dessa árvore, estes devem
ser repartidos por igual entre os proprietários.
b) A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no
mínimo, três terços das frações ideais. Para oposição contra terceiros, deverá ser registrada
no Cartório de Títulos e Documentos.
c) Os condomínios edilícios devem ser instituídos por ato entre vivos e registrados em Ser-
ventia competente para Títulos e Documentos que tenha competência para aquele quadrante
da área do Município.
d) Para que sejam realizadas obras necessárias no condomínio edilício, exige-se ao menos o
voto de um terço dos condôminos; para as voluptuárias e para as úteis, dois terços dos votantes.
e) O condômino que, por seu comportamento antissocial, reiteradamente gera incompatibi-
lidade de convivência com os demais, pode ser compelido a pagar multa correspondente ao
décuplo do valor das despesas condominiais.

capítulo 4 • 134
2) Mário, rico fazendeiro, é proprietário de diversos terrenos em uma cidade do
interior de São Paulo. Preocupado com ocupações ilegais, decide conceder a
Paula o direito de plantar grãos em um de seus terrenos.
Sobre a questão hipotética envolvendo o direito de superfície, assinale a alter-
nativa correta.
a) A concessão de Mário poderá ser gratuita ou onerosa. Contudo, se onerosa, Paula só
poderá realizar o pagamento em uma única parcela.
b) Apesar de Paula utilizar o direito de superfície, Mário é o responsável pelos encargos e
tributos incidentes sobre o imóvel.
c) No caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação, Paula
não terá direito à indenização.
d) Paula não pode transferir a terceiros o seu direito de superfície.
e) Em caso de alienação do imóvel, Paula terá direito de preferência.

3) Considerando que Maria da Silva é usufrutuária vitalícia do imóvel em que reside,


cuja nu-proprietária é sua filha, e que deve R$ 50.000,00 a Luís da Silva, pretenden-
do dar garantia à dívida, esse usufruto:
a) poderá ser objeto de penhor, uma vez que seu exercício pode ser cedido a título gratuito
ou oneroso.
b) poderá ser objeto de penhor, por ser o exercício de um direito com expressão econômica.
c) poderá ser objeto de penhor, desde que a nu-proprietária concorde em alterá-lo para
tempo determinado.
d) não poderá ser objeto de penhor, por não poder ser transferido por alienação.
e) não poderá ser objeto de penhor, pela impossibilidade de haver penhor de bem imóvel e o
usufruto ser em caráter vitalício.

GABARITO
1) E
2) E
3) D

capítulo 4 • 135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: reais. 6. ed. Salvador:
Rio de Janeiro, 2010.
GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. rev. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

capítulo 4 • 136
5
Direitos reais sobre
coisa alheia e
direitos reais
de garantia
Direitos reais sobre coisa alheia e direitos
reais de garantia

Neste capítulo, concluiremos o estudo a respeito dos direitos reais sobre coisa
alheia, estudando o direito real de servidão, bem como a mais recente inovação em
matéria de direitos reais, o direito real de laje.
Na segunda parte, serão estudados os direitos reais de garantia, constituídos
em razão de uma dívida, a fim de vincular um bem como garantia de pagamento.
Você também estudará a respeito da propriedade fiduciária como forma de garan-
tia de dívidas e quais são as diferenças entre esta forma de garantia e os chamados
direitos reais de garantia.

OBJETIVOS
•  Identificar as servidões e diferenciá-las do direito de passagem forçada;
•  Estudar o Direito real de laje;
•  Analisar a propriedade fiduciária e seus efeitos;
•  Aplicar as normas gerais aplicáveis aos direitos reais de garantia;
•  Compreender as normas aplicáveis ao penhor.
•  Estudar as normas relativas ao regime jurídico da hipoteca;
•  Aplicar as normas relativas ao regime jurídico da anticrese.

Servidão

O direito real de servidão, também conhecido como servidão predial, trata-se


de um direito real sobre coisa alheia e limitado, tratado no Código Civil nos arts.
1.378 a 1.389, tem por objeto bens imóveis.
O referido direito confere à pessoa diversa da pessoa do proprietário da coisa
o poder de fruição, estabelecendo entre dois imóveis uma relação de dominância e
subserviência, em que um dos imóveis é considerado dominante e o outro serviente.

capítulo 5 • 138
Servidão, assim, é um ônus real, voluntariamente imposto a um
prédio (o serviente) em favor de outro (o dominante), em virtude do
qual o proprietário do primeiro perde o exercício de algum de seus
direitos dominicais sobre o seu prédio, ou tolera que dele se utilize o
proprietário do segundo, tornando este mais útil, ou pelo menos mais
agradável. (GONÇALVES, 2016, p. 459, grifo no original)

Nos termos do art. 1.378 do CC, uma vez constituída a servidão, ela propor-
cionará para o prédio dominante uma utilidade e gravará o prédio serviente com
um ônus. Restringirá também as faculdades de uso e de gozo do proprietário desse
prédio, a fim de proporcionar um melhor aproveitamento do prédio dominante,
tornando-o mais útil, agradável ou cômodo.

Requisitos de constituição do direito real de servidão

Ao analisarmos o Caput do art. 1.378, é possível extrairmos quatro requisitos


para que o direito real de servidão seja estabelecido, são elas:

•  Existência de dois prédios


A servidão é direito real que não se estabelece entre os titulares da proprie-
dade dos imóveis, mas entre os próprios bens. O desdobramento dominial irá
ocorrer em favor e contra imóveis e não em favor e contra pessoas. (FARIAS;
ROSENVALD, 2010, p. 539)

•  Encargo imposto ao prédio serviente em benefício de outro


prédio (dominante)
A servidão resta fundamentada na utilidade do prédio dominante, a fim de
possibilitar que a sua utilização e fruição sejam mais cômodas. Logo, se não hou-
ver vantagem, não haverá servidão. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 539)
Em razão do disposto, o art. 1.383 estabelece que “o dono do prédio serviente
não poderá embaraçar de modo algum o exercício legítimo da servidão”.

•  Prédios de propriedades distintas


Não há vantagem ou ônus se os imóveis pertencerem ao mesmo dono. Sendo
assim, não há fundamento para a existência da servidão.

capítulo 5 • 139
•  Registro do ato constitutivo no cartório de registro de imóveis
Tendo em vista tratar-se de direito real que tem por objeto bens imóveis,
nos termos do disposto no arts. 1.227 e 1.378, Caput, do CC, a constituição da
servidão exige o registro do ato constitutivo no cartório de registros imobiliários.
Saliente-se que o registro deverá ser feito tanto na matrícula do imóvel dominante
como na do imóvel serviente.
Importante destacar que a servidão é direito real que não se estabelece entre os
titulares da propriedade dos imóveis, mas entre os próprios bens.

Características do direito real de servidão

Segundo Maria Helena Diniz (2013, p. 442), a servidão tem caráter acessório,
ligando-se a um direito principal, que é o direito de propriedade, prendendo-se a
servidão ao bem imóvel e o acompanhando. Como decorrência de sua acessorie-
dade, infere-se que tal direito real trata-se de direito indivisível, perpétuo, inalie-
nável e que não poderá ser presumido.
A indivisibilidade da servidão decorre da previsão do art. 1.386 do CC que
a considera indivisível, pois ainda que haja a divisão do imóvel, a servidão perma-
necerá privilegiando cada uma das porções do prédio dominante que venha a ser
objeto de divisão, bem como continuará a gravar cada uma das partes do imóvel
serviente, uma vez que este venha a ser dividido.
Exemplo que pode ser utilizado aqui é o estabelecimento de uma servidão de
não construir entre dois imóveis, em que o imóvel dominante se beneficiará da
vista e/ou da ventilação proporcionada pela não construção a partir de certo limite
de altura acordado entre os proprietários instituidores de tal direito real, gravando
assim o prédio serviente com tal limitação.
Caso qualquer um dos dois imóveis do exemplo citado venha a sofrer uma
divisão, o benefício proporcionado pelo imóvel vizinho se estenderá a cada uma
das porções do prédio dominante, assim como o encargo de não construir onerará
cada uma das parcelas do prédio serviente.
O art. 1.386 consagra uma exceção para a indivisibilidade das servidões, quan-
do pela natureza ou destino do encargo este só se aplique a certa parte de um ou
de outro. É o caso da instalação de dutos de ventilação na parede limítrofe entre
dois imóveis em razão do estabelecimento de uma servidão, por exemplo. Como
o encargo está limitado apenas a uma das paredes dos imóveis, caso qualquer um
dos dois prédios – dominante ou serviente – venha a ser parcelado, o encargo ou

capítulo 5 • 140
o proveito proporcionado pela servidão, excepcionalmente, irá recair apenas sobre
a porção afetada.
O direito real de servidão é considerado perpétuo, pois uma vez registrado
só se extingue quando cancelado, salvo na hipótese de desapropriação. O cance-
lamento de tal direito é entendido como circunstância excepcional e só poderá se
efetivar se justificado em uma das hipóteses dos arts. 1.388 e 1.389 do CC.
Ademais, a simples transferência da propriedade do prédio dominante ou do
prédio serviente não gera por si só a extinção do direito de servidão, devendo a
coisa ser transferida acompanhada do referido gravame.
A servidão é, ainda, tida como inalienável, haja vista que de uma servidão
não se pode constituir outra, assim como o proprietário do prédio dominante,
nos termos do art. 1.385, §1º, não pode ter a sua finalidade ampliada. Por se
fundamentar em uma necessidade do prédio dominante, a sua transferência para
outro imóvel implicaria na extinção da antiga servidão e na constituição de outra
(GONÇALVES, 2016, p. 464).
Por fim, o direito real de servidão não deve ser presumido, haja vista que a
sua constituição depende de ato formal, qual seja, o registro do ato constitutivo no
cartório de registros imobiliários, nos termos do art. 1.378, Caput, do CC.

Classificação

As servidões em relação à natureza dos imóveis podem ser classificadas como


urbanas ou rurais (chamadas também de rústicas). Essa classificação levará em
consideração a localização do imóvel sobre o qual recaem as servidões.
Quanto ao modo de seu exercício, as servidões podem ser consideradas positi-
vas ou negativas. As positivas são aquelas cujo exercício depende de uma ação, de
uma utilidade proporcionada diretamente pelo prédio serviente (ex.: servidão de
retirada de água). As negativas, que decorrem de uma omissão do titular da pro-
priedade do prédio serviente, caracterizam-se pela abstenção de um determinado
ato (ex.: servidão de não construir).
Podem, ainda, quanto ao seu exercício, ser classificadas como contínuas ou
descontínuas. As servidões contínuas são aquelas que não dependem de uma ação
humana continuada (ex.: servidão de energia elétrica). Já as servidões descontínuas
são aquelas cujo exercício depende de uma ação humana sequencial, ocorrendo
em caráter intermitente (ex.: servidão de trânsito).

capítulo 5 • 141
As servidões são classificadas também de acordo com a sua exteriorização,
sendo consideradas, assim, aparentes ou não aparentes. As servidões aparentes se
manifestam por marcas visíveis, sendo, portanto, exteriorizadas por meio de obras
exteriores (ex.: servidão de abrir janela na parede do vizinho). As servidões não
aparentes são aquelas que não deixam marcas externas, visíveis, de sua existência
(ex.: servidão de não construir acima de determinada altura).
Quanto à origem, podem, por fim, ser classificadas como legais ou conven-
cionais. As servidões legais não possuem natureza jurídica de direito real, mas de
obrigação propter rem. São, na verdade, direitos de vizinhança, semelhantes às
servidões, como é o caso da passagem forçada. A servidão convencional se refere
ao direito real de servidão, constituído, em regra, por meio de um acordo de von-
tade entre as partes, titulares do direito de propriedade do prédio dominante e do
prédio serviente (ex.: servidão de passagem).
Neste ponto da matéria é necessário distinguir a passagem forçada da chama-
da servidão de passagem. Apesar de ambos viabilizarem a passagem dos titulares
da propriedade de um imóvel por dentro de outro imóvel, a passagem forçada é
prevista como direito de vizinhança e é imposta em decorrência da lei, a fim de
beneficiar aqueles imóveis incrustados, ou seja, que não possuem acesso ao logra-
douro público, nascente ou porto, nos termos do art. 1.285, sendo considerada,
portanto, uma hipótese de servidão legal.
A servidão de passagem, por sua vez, decorre da vontade das partes, não ha-
vendo necessidade para ser justificada de que o imóvel dominante seja qualificado
como incrustado, mas dependendo apenas do acordo entre os titulares das pro-
priedades do prédio dominante e do prédio serviente. Logo, trata-se de exemplo
de servidão convencional.

Modos de constituição e de extinção do direito real de servidão

Para a servidão ser constituída, em regra, dependerá da vontade das partes,


constituindo-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamen-
to, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis, em conformidade
com o disposto no art. 1.378 do CC.
No entanto, o art. 1.379 consagra exceção a essa regra, estabelecendo a possibi-
lidade de a servidão vir a ser adquirida por usucapião. Para tanto, impôs o legislador
que a servidão objeto de tal aquisição deverá ser classificada como contínua e aparente.

capítulo 5 • 142
O código previu a possibilidade de aquisição desse direito por meio de duas
espécies de usucapião: ordinário e extraordinário. O usucapião ordinário foi pre-
visto no Caput, do art. 1.379, e tem como requisitos o exercício incontestado e
contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, com justo título e boa-fé, hipó-
tese em que a servidão foi acordada entre os proprietários dos imóveis, formalizada
por documento, mas não chegou a ser registrada, aperfeiçoando-se a aquisição
apenas por meio do usucapião.
O parágrafo único do art. 1.379 tratou da possibilidade de aquisição da servidão
por usucapião extraordinário, para aquelas hipóteses em que o possuidor consegue
comprovar o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, mas tal
exercício não ter se baseado na existência de um título firmado entre as partes.
O dispositivo aqui referido é objeto de polêmica, pois consagrou como prazo
necessário para o usucapião extraordinário o decurso do lapso temporal de 20
anos, prazo superior ao disposto para usucapião extraordinário da propriedade,
previsto no art. 1.238 do CC.
Diante da discrepância entre os prazos estabelecidos para a mesma espécie de
usucapião, foi editado o Enunciado nº 251 das Jornadas de Direito Civil, com o
fito de acabar com a celeuma, estabelecendo que “O prazo máximo para o usu-
capião extraordinário de servidões deve ser de 15 anos, em conformidade com o
sistema geral de usucapião previsto no Código Civil”.
Em relação a sua extinção, conforme o já exposto, esta deverá ocorrer em hi-
póteses excepcionais, podendo o dono do prédio serviente requerer judicialmente
o cancelamento do registro nas situações previstas no art. 1.388, quando o titular
houver renunciado a sua servidão; quando tiver cessado, para o prédio dominan-
te, a utilidade ou a comodidade, que determinou a constituição da servidão; ou,
ainda, quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão, havendo permissão
expressa nesse sentido no ato de instituição da servidão.
A servidão também se extinguirá quando reunidos os dois imóveis no domí-
nio da mesma pessoa; pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato,
ou de outro título expresso; e pelo não uso, durante dez anos contínuos. Nesses
casos, o dono do prédio serviente terá a faculdade de fazê-la cancelar, mediante a
prova da ocorrência de uma das circunstâncias acima explicitadas, de acordo com
o exposto no art. 1.389 do CC.

capítulo 5 • 143
Direito real de laje

Trata-se de uma inovação incluída no Código Civil por meio da Medida


Provisória nº 759 de 22 de dezembro de 2016. Apesar de no momento da edição
desta obra1 a MP não ter sido ainda convertida em lei, é necessário comentarmos
alguns de seus aspectos, bem como possíveis implicações para matéria de direito
das coisas no Brasil.
A MP nº 759/2016 versa acerca de:

[...] regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos


concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização
fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para
aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da
União, e dá outras providências.

Em meio a todos esses temas, o governo decidiu instituir um novo direito real
sobre coisa alheia: o direito real de laje.
Apesar da justificativa apresentada pelo governo federal para a criação do di-
reito real de laje ser louvável, qual seja, a necessidade de adequação do Direito à
realidade brasileira, bem como a necessidade de criação de um mecanismo eficien-
te para a regularização fundiária das favelas, critica-se a ausência de urgência que
justifique o tratamento de tal matéria por meio de medida provisória.
A referida MP previu a inclusão do inciso XIII ao art. 1.225 do Código Civil,
incluindo assim o direito real de laje no rol de direitos reais constante no CC.
Determinou, ainda, a inclusão do artigo 1.510-A ao texto do Código Civil.

1  Em 10 de abril de 2017.

capítulo 5 • 144
Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de
coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades
distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o
proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro
edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.
§1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a
impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a
solidariedade de edificações ou terrenos.
§2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo
de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como
unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas
edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.
§3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que
possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que
seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma
das referidas unidades.
§4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e
tributos que incidirem sobre a sua unidade.
§5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão
ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o
adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas
previstas em legislação local.
§6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de
fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional
em áreas já edificadas.
§7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos
de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de
unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos
termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.
§8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas
edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.

De acordo com o disposto no Caput e no §1º do art. 1.510-A, infere-se que


são requisitos para a constituição desse direito a coexistência de unidades imobi-
liárias autônomas, situadas em uma mesma área, construídas de forma sobreposta

capítulo 5 • 145
ou em que haja solidariedade de edificações ou terreno, sendo impossível a indi-
vidualização de lotes.
Deve-se entender como unidades imobiliárias autônomas aquelas que tenham
um isolamento funcional e possuam acesso independente umas das outras, indepen-
dentemente de qual seja o seu uso, nos termos do disposto no §3º, do art. 1.510-A.
Na prática, o direito real de laje poderá vir a ser instituído naquelas hipóteses,
diga-se de passagem, bastante recorrentes nas favelas brasileiras, em que sobre a
laje de um imóvel é edificado outro, com estrutura autônoma à do prédio original
– configurando, por exemplo, um imóvel residencial distinto e completamente
autônomo, com seus cômodos próprios – e, inclusive, com acesso independente.
Muitos autores criticam o fato da criação de um novo direito real de laje,
quando tais circunstâncias fáticas já eram abarcadas pela possibilidade de consti-
tuição de direito real de superfície.2
O Enunciado nº 568 das Jornadas de Direito Civil3 já havia, inclusive, reco-
nhecido a possibilidade de instituição de direito real de superfície para sobreleva-
ção de imóvel sobre a laje de outro.
Pablo Stolze (2017) defende que não seria necessária a criação de novo direito
real, mas apenas a inclusão de previsão expressa quanto à possibilidade do direito
de superfície por sobrelevação.
Em conformidade com o disposto no art. 1.510- A, §§3º, 4º e 5º, deverá ser
aberta matrícula própria para cada uma das unidades, respondendo o titular do
direito real de laje pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade e
podendo tais unidades virem a ser alienadas e gravadas livremente por seus titu-
lares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as
posturas previstas em legislação local.
Ressalte-se que, apesar do aqui exposto, a abertura de nova matrícula a fim
de beneficiar o titular do direito real de laje não lhe confere a atribuição de fração
ideal sobre o solo ou participação proporcional em áreas já edificadas, o que nos
leva à conclusão de que tal direito limita-se, de fato, à possibilidade de exercício
de poderes apenas sobre a laje. Logo, não institui um novo direito de propriedade,
apenas um direito real sobre coisa alheia, no entanto.
Por fim, destaque-se que o §7º do art. 1.510-A estabelece de forma expressa
que a instituição do direito de laje não deve ser confundido com o direito de

2  “O direito de laje não constitui um direito real novo, mas uma modalidade de direito de superfície que, desde
2001, já tem previsão expressa na legislação brasileira, a superfície por sobrelevação”(ALBUQUERQUE JR., 2017).
3  O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na
forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.

capítulo 5 • 146
propriedade autônoma que advém da constituição de condomínio, haja vista que
os condôminos possuem além de sua propriedade exclusiva uma fração ideal sobre
o solo, considerado propriedade comum dos consortes.
Ainda é cedo para avaliarmos se esse novo direito real se consolidará e se real-
mente produzirá efeitos práticos no que tange à regularização fundiária nas fave-
las. Em muitos casos, o dono do solo nem ao menos tem o seu direito real devi-
damente regularizado, o que com certeza dificultará a regularização dos casos que
poderiam vir a dar ensejo à constituição de um direito real de laje. 

Propriedade fiduciária

A propriedade fiduciária é tratada pelo Código Civil entre os arts. 1.361 a


1.368. Esse tipo de propriedade é considerado hipótese excepcional, em razão de
suas peculiaridades, bem como de seu prazo de duração, sendo classificada como
uma espécie de propriedade resolúvel. Logo, esse tipo de propriedade não surge
com a característica da perpetuidade, mas fadada a extinção.
Para o Código Civil, art. 1.361, “Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel
de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”.

Trata-se de uma propriedade constituída como forma de garantir uma dívida, constituindo-
se mediante negócio jurídico de disposição condicional, subordinado a uma condição
resolutiva, qual seja, a quitação da dívida. A alienação fiduciária é o negócio jurídico do
qual poderá decorrer a propriedade fiduciária.

Em conformidade com o disposto no art. 1.369:

Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento


do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos
na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução,
pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.

Portanto, uma vez implementada a condição resolutiva, não há a necessi-


dade de nova declaração ou de qualquer novo ato. O alienante, que transferiu

capítulo 5 • 147
fiduciariamente a propriedade como forma de garantir uma dívida, readquire-a
pelo só pagamento do crédito.
Com a constituição da propriedade fiduciária, opera-se uma tradição ficta,
pelo constituto-possessório, ocorrendo o desdobramento da posse, permanecendo
o devedor com a posse direta da coisa e transferindo-se o domínio resolúvel e a
posse indireta ao credor, em garantia.
A alienação fiduciária, em garantia de bem móvel ou imóvel, confere direito real
de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor, nos termos do art. 1.368-B.
As partes envolvidas nesse negócio são identificadas como credor fiduciário,
ou proprietário fiduciário, e o devedor como fiduciante.
A constituição da propriedade fiduciária depende do registro do contrato, celebrado
por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos
e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição
competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.
No que concerne ao registro da alienação fiduciária que tem por objeto veí-
culos, a Súmula nº 92 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “Ao terceiro
de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no Certificado de
Registro do veículo automotor”. Assim como já decidiu a 1ª Turma do referido
Tribunal que a exigência de registro em cartório do contrato de alienação fiduciá-
ria não é requisito de validade do negócio jurídico.
Dessa forma, ainda que não tenha havido o registro, permanece o devedor
pessoalmente obrigado ao pagamento da dívida. Contudo, a propriedade fidu-
ciária do credor não aperfeiçoa eficácia perante terceiros, não podendo ser oposta
contra o adquirente de boa-fé, o qual, mesmo diligente, buscou averiguar se o
veículo estava livre para ser alienado e que pela ausência de registro do gravame foi
levado a acreditar que não havia qualquer óbice jurídico para a alienação do bem.
O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, de acordo com o
art. 1.362 do CC, deverá conter o total da dívida, ou sua estimativa; o prazo, ou
a época do pagamento; a taxa de juros, se houver; a descrição da coisa objeto da
transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.
O Código Civil restringe o objeto da propriedade fiduciária à coisa móvel
infungível. No entanto, é importante destacar que o ordenamento jurídico brasi-
leiro admite também a constituição de propriedade fiduciária tendo como objeto
bens imóveis, sendo esse tipo de alienação fiduciária regulada pela Lei nº 9.514,
de 20 de novembro de 1997, somente se aplicando as disposições do Código Civil

capítulo 5 • 148
a essa espécie de propriedade fiduciária naquilo que não for incompatível com a
legislação especial, de acordo com o disposto no art. 1.368-A.
A Súmula nº 28 do Superior Tribunal de Justiça validou uma prática conhe-
cida como refinanciamento, muito utilizada em relação a veículos seminovos,
quando as taxas de juros para financiamento de veículos usados é mais atrativa
que empréstimos de natureza pessoal para o devedor, consagrando o STJ que “O
contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já inte-
grava o patrimônio do devedor”.
Por ser o fiduciante possuidor direto, antes de vencida a dívida, a suas expen-
sas e risco, poderá usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como de-
positário, a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza, bem
como a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento (art. 1.363).
Contudo, uma vez vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a
vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pa-
gamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver,
ao devedor. Tal previsão resta consignada no art. 1.364 do CC.
Note que a venda da coisa para satisfação da dívida não foi elencada pelo
legislador como um direito do credor fiduciário, mas como uma obrigação. Isso
ocorre em decorrência da vedação quanto ao estabelecimento de pacto comissório,
conforme se infere do disposto no art. 1.365: “É nula a cláusula que autoriza o
proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for
paga no vencimento”. Tal regra tem por escopo resguardar o direito do devedor
que já tenha adimplido valores substanciais da dívida, caso o bem tenha sido leva-
do a leilão e o valor apurado com a venda supere os valores devidos, sendo direito
do fiduciante receber o saldo remanescente.
O parágrafo único do artigo supracitado privilegia, no entanto, a autonomia
da vontade das partes, garantindo ao devedor, com a anuência do credor, dar seu
direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após seu vencimento. O que
restou proibido, portanto, é que esse tipo de pacto seja feito em caráter prévio,
constando como cláusula contratual, haja vista que na maioria das vezes a aliena-
ção fiduciária é celebrada por meio de um contrato de adesão.
Ressalte-se que, quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o paga-
mento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor pessoalmente
obrigado pelo restante, segundo o disposto no art. 1.366 do CC.
A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis se sujeita às
disposições gerais aplicáveis aos direitos reais de garantia e, no que for específico,

capítulo 5 • 149
à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à pro-
priedade plena de que trata o art. 1.231.4
Com o implemento da condição resolutiva, ou seja, a quitação da dívida, ex-
tingue-se a propriedade fiduciária e a propriedade do bem será automaticamente
transferida ao fiduciante, tornando-se este proprietário pleno por meio de uma
tradição ficta por traditio brevi manu.
Por fim, saliente-se que a principal diferença da propriedade fiduciária em re-
lação à hipoteca e ao penhor é o fato de que na propriedade fiduciária o titular do
domínio é o credor. É, portanto, muito mais eficaz e célere a cobrança da dívida
e a eventual consolidação da propriedade em favor do fiduciário, diferentemente
do que acontece no penhor e, principalmente, na hipoteca, em que a execução
tende a ser mais demorada e necessariamente pela via judicial, haja vista que o
credor pignoratício tem, em alguns casos, apenas a posse direta, assim como o
credor hipotecário não tem nem posse direta nem indireta, tendo, assim, apenas a
possibilidade de executar a garantia judicialmente.
Em razão das diferenças aqui apontadas, a propriedade fiduciária como forma
de garantia de financiamentos imobiliários e de veículos se popularizou no Brasil.

Direitos reais de garantia

Três são os direitos reais de garantia previstos pelo ordenamento jurídico bra-
sileiro: penhor, hipoteca e anticrese.

Segundo Orlando Gomes (2012, p. 349), o direito real de garantia é aquele que “confere
ao credor a pretensão de obter o pagamento da dívida com o valor de bem aplicado
exclusivamente à sua satisfação”.

Apesar de cada um dos direitos reais de garantia ter suas peculiaridades, há


entre eles algumas regras e princípios comuns que foram reunidos em um único
capítulo do Código Civil intitulado “Disposições gerais”, tratados entre os arts.
1.419 a 1.430. A seguir, comentaremos os dispositivos principais.

4  “Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.”

capítulo 5 • 150
Das disposições gerais

A definição de direitos reais de garantia apresentada decorre do disposto no art.


1.419 do CC que estabelece que nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hi-
poteca, o bem dado em garantia fica vinculado ao cumprimento da obrigação. Logo,
os direitos reais de garantia são considerados ônus reais, encargos da coisa.
O poder de gravar a coisa com um dos direitos reais de garantia é conferido
àquele que tem poder de disposição sobre o bem. Assim, só quem pode alienar po-
derá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese, e só os bens que se podem alienar
poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca (art. 1.420).
Em consonância com o disposto no art. 1.314 do CC,5 que trata dos direitos
dos condôminos, o art. 1.420, §2o , ratifica que a coisa comum a dois ou mais
proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o con-
sentimento de todos, mas consagra que cada um pode individualmente dar em
garantia real a parte que tiver.
Outra importante disposição restou consignada no art. 1.421 do CC, no qual o
legislador vedou a possibilidade de exoneração parcial da garantia, ainda que com-
preenda vários bens, em razão do pagamento de parte das prestações da dívida, salvo
disposição expressa no título ou na quitação. Dessa forma, em regra, a exoneração
da garantia só ocorrerá em sua totalidade, quando da quitação integral da dívida.
Tendo em vista o gravame que recai sobre o bem objeto de penhor ou hipote-
ca, o credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipoteca-
da ou empenhada, e preferir, no pagamento, outros credores, observada, quanto à
hipoteca, a prioridade no registro (art. 1.422).
São exceção à regra estabelecida no art. 1.422, quanto à preferência dos di-
reitos reais de garantia em relação ao pagamento de dívidas, as dívidas que, em
virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.
Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não ter
eficácia, o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; o prazo fixado para
pagamento; a taxa dos juros, se houver; e o bem dado em garantia com as suas
especificações (art. 1.424).
Segundo o art. 1.425, a dívida garantida por um dos direitos reais de garantia
será considerada antecipadamente vencida se, deteriorando-se ou depreciando-se
o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a
5  “Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos
compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou
gravá-la (grifo nosso).”

capítulo 5 • 151
reforçar ou substituir; também se o devedor cair em insolvência ou falir; e, ainda,
se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que, desse modo, se achar
estipulado o pagamento. Nesse caso, o recebimento posterior da prestação atrasa-
da importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata.
Aperfeiçoar-se-á também a antecipação do vencimento da dívida se perecer o
bem dado em garantia, e não for substituído; e se se desapropriar o bem dado em
garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o
pagamento integral do credor.
Destaque-se que quando o objeto da garantia vier a perecer ou se deteriorar,
o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-
-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore ou desvalorize, salvo
cláusula expressa, em conformidade com o art. 1.427.
Infere-se do consignado no art. 1.427 do CC que o bem objeto de garantia
real pode ser, inclusive, de pessoa diversa da do devedor, desde que o titular do
domínio sobre a coisa tenha anuído de forma expressa.
Ressalte-se que a mesma vedação existente de forma expressa acerca do estabele-
cimento de pacto comissório na alienação fiduciária também foi imposta no que se
refere ao penhor, hipoteca e anticrese, o que restou consignado no art. 1.428 do CC.6
Haja vista a impossibilidade de liberação parcial da garantia consagrada no
art. 1.421, o legislador vedou aos sucessores do devedor a possibilidade de remir
parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção de seus quinhões, sendo per-
mitido a qualquer um deles, porém, fazê-lo no todo. Neste caso o herdeiro ou
sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quotas
que houver satisfeito (art. 1.429).
Quando, excutido o penhor ou executada a hipoteca, o produto não bastar
para pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado
pessoalmente pelo restante (art. 1.430).
A seguir, comentaremos as peculiaridades de cada um dos direitos reais de
garantia, a fim de permitir que você identifique as diferenças entre eles e quando
a utilização de cada um deles é mais apropriada.

6  Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto
da garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a
coisa em pagamento da dívida.

capítulo 5 • 152
Do penhor

O penhor é um dos direitos reais de garantia elencados pelo Código Civil.


As normas acerca do tema estão reunidas entre os arts. 1.431 a 1.472, tendo por
objeto bens móveis.
Segundo Arnaldo Rizzardo (2009, p. 1.037), o penhor pode ser definido como:

[...] a efetiva transmissão da posse direta, ou a transferência de um bem


móvel das mãos ou do poder do devedor, ou de terceiro anuente, os
quais tem o poder dominial sobre o mesmo, para o poder e guarda do
credor, ou da pessoa que o representa com a finalidade de garantir a
satisfação do debito.

Como se pode inferir, há, em regra, a transmissão da posse direta para o credor
pignoratício como forma de garantir uma dívida, permanecendo a posse indireta
com o titular do domínio.
O Código Civil, em seu art. 1.431, Caput, prevê que a constituição do penhor
se dá justamente pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao
credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa
móvel suscetível de alienação.
Ressalte-se que, excepcionalmente, em razão das peculiaridades de certos bens
que podem ser objeto desse direito, as coisas empenhadas podem continuar em
poder do devedor, que deverá guardá-las e conservá-las. É o caso do penhor rural,
industrial, mercantil e de veículos (art. 1.431, parágrafo único).
Nos termos dos arts. 1.431 e 1.432 do CC, apesar da regra ser a constituição
do penhor mediante a tradição da coisa móvel, a sua eficácia está condicionada
ao registro do ato constitutivo no Cartório de Títulos e Documentos. Em re-
lação ao penhor de veículos, o art. 1.462 do CC estabelece que a constituição
do penhor ocorrerá mediante instrumento público ou particular, registrado no
Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, e anotado no certi-
ficado de propriedade.
De acordo com a causa que origina o penhor, esse direito pode ser dividi-
do em dois tipos: penhor legal e convencional. O penhor convencional é aquele
cuja constituição decorre da vontade das partes. Em contrapartida, o penhor legal

capítulo 5 • 153
constitui-se por ato unilateral do credor e por força da lei, elencados os casos no
art. 1.467 do Código Civil7. (PINTO, 2016)
O penhor convencional se subdivide em comum e especial, tendo o comum
como objeto, geralmente, joias. O especial reúne as hipóteses previstas no Código
Civil de penhor rural (1.438 a 1.446), penhor de veículos (1.461 a 1.466), indus-
trial e mercantil (art. 1.447 a 1.450), penhor de direitos e títulos de crédito (art.
1.451 a 1.460).
Uma vez constituído o penhor, o credor pignoratício tem direito (art. 1.433):

•  à posse da coisa empenhada;


•  à retenção da coisa empenhada, até que o indenizem das despesas devida-
mente justificadas, que tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua;
•  ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada;
•  a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir expres-
samente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração;
•  a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder;
•  a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial, sem-
pre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore,
devendo o preço ser depositado.

O dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada, substituindo-


-a, ou oferecendo outra garantia real idônea.
Também se considera um direito do credor o fato de não poder ser constran-
gido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela, antes de ser integralmente
pago, podendo o juiz, a requerimento do proprietário, determinar que seja ven-
dida apenas uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o paga-
mento do credor (art. 1.434).
O credor pignoratício, além de direitos, tem também obrigações (art. 1.435),
tais como:

7  “Art. 1.467. São credores pignoratícios, independentemente de convenção:


“I - os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, joias ou dinheiro que os
seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou
consumo que aí tiverem feito;
“II - o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo
prédio, pelos aluguéis ou rendas.”

capítulo 5 • 154
•  a custódia da coisa, como depositário, e o ressarcimento ao dono pela perda
ou deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na dívida, até a
concorrente quantia, a importância da responsabilidade;
•  a defesa da posse da coisa empenhada e a dar ciência, ao dono dela, das
circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória;
•  a imputar o valor dos frutos, de que se apropriar nas despesas de guarda e
conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida, sucessivamente;
•  a restituí-la, com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga a dívida;
•  a entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga, no caso de ter
sido promovida a execução judicial ou a venda amigável da coisa.
Em conformidade com o disposto no art. 1.436, o penhor será extinto quando:
•  extinguir-se a obrigação;
•  perecer a coisa;
•  renunciar o credor;
•  confundir-se na mesma pessoa as qualidades de credor e de dono da coisa;
•  ocorrer a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada,
feita pelo credor ou por ele autorizada.

A renúncia do credor será presumida quando consentir na venda particular do


penhor sem reserva de preço, quando restituir a sua posse ao devedor ou quando
anuir à sua substituição por outra garantia (art. 1.436, §1º).
Em relação à confusão, caso ocorra apenas quanto à parte da dívida pignoratí-
cia, subsistirá inteiro o penhor quanto ao resto (art. 1.436, §2º).
A extinção do penhor se torna eficaz apenas após a averbação do cancelamento
do registro, à vista da respectiva prova (art. 1.437).
Por fim, saliente-se que, além das normas aqui comentadas, você não deve
esquecer que as regras comentadas no tópico acerca das disposições gerais dos
direitos reais de garantia também se aplicam ao penhor.

Da hipoteca

A hipoteca também é considerada pelo Código Civil um direito real de garan-


tia, sendo disciplina entre os arts. 1.473 a 1.505, tendo por objeto bens imóveis
e direitos equiparados a estes por força da lei, podendo recair, excepcionalmente,
também sobre navios e aeronaves.

capítulo 5 • 155
Nos termos do art. 1.473, podem ser objeto de hipoteca:

•  imóveis e acessórios de imóveis conjuntamente com eles;


•  domínio direto;
•  domínio útil;
•  estradas de ferro;
•  recursos naturais a que se refere o art. 1.2308, independentemente do solo
onde se acham;
•  navios e aeronaves;
•  o direito de uso especial para fins de moradia;
•  o direito real de uso;
•  a propriedade superficiária.

Acerca dos bens e/ou direitos objetos de hipoteca, é necessário esclarecer que a
hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial (art. 1.473,
§1º) e que os direitos de garantia instituídos nas hipóteses de direito real de uso e de
propriedade superficiária ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfí-
cie, caso tenham sido transferidos por período determinado (art. 1.473, §2º).
O objetivo da hipoteca é afetar um determinado bem imóvel, a fim de vin-
culá-lo ao pagamento de uma dívida. Assim, no caso de inadimplemento do de-
vedor, o credor hipotecário tem o direito de executar a garantia em juízo, para ao
final do processo a coisa ser levada à hasta pública, arrematada, e o valor apurado
revertido para o pagamento da dívida.
Por se tratar de direito real que recai, em regra, sobre bens imóveis, a hipoteca
dispensa a tradição, exigindo para a sua constituição o registro do título constitu-
tivo no Cartório de Registros Imobiliários.
As hipotecas serão registradas no cartório do lugar do imóvel, ou no de cada
um deles, se o título se referir a mais de um, competindo aos interessados, exibido
o título, requerer o registro da hipoteca (art. 1.492).
Tendo em vista o princípio da gravitação jurídica, a hipoteca abrangerá todas
as acessões, melhoramentos ou construções feitas no imóvel, assim como subsis-
tem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o
mesmo imóvel (art. 1.474).
A constituição da hipoteca não impede a alienação do imóvel hipotecado,
dispondo o art. 1.475 que, na hipótese de ser consignado em contrato cláusula
8  “Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de
energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.”

capítulo 5 • 156
que proíba ao proprietário da coisa hipotecada a sua alienação, tal cláusula será
considerada nula.
Por ser a hipoteca um ônus real, caso o bem hipotecado venha a ser alienado,
a hipoteca acompanhará a coisa, permanecendo o bem como garantia do crédito
hipotecário. Lembre-se que isso é possível, pois, conforme disposto no art. 1.427,
o bem sobre o qual recai um direito real de garantia pode ser de propriedade de
terceiro. O art. 1.475, parágrafo único, no entanto, prevê a possibilidade de ser
convencionado entre as partes o vencimento antecipado do crédito hipotecário, se
o imóvel for alienado.
Acrescente-se que o adquirente de imóvel hipotecado, desde que não se tenha
obrigado pessoalmente a pagar as dívidas aos credores hipotecários, poderá exonerar-se
da hipoteca, abandonando-lhes o imóvel, de acordo com o disposto no art. 1.479.
A hipoteca é o único direito real que não se submete à característica da exclusivi-
dade. Em razão disso, o dono do imóvel hipotecado poderá constituir outra hipoteca
sobre ele, mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor (art. 1.476).
Haja vista a característica da preferência aplicável aos direitos reais de garantia,
salvo o caso de insolvência do devedor, o credor da segunda hipoteca, embora ven-
cida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a primeira. Além disso, não se
considera insolvente o devedor por faltar ao pagamento das obrigações garantidas
por hipotecas posteriores à primeira (art. 1.477).
Ressalte-se que a preferência entre credores hipotecários é estabelecida nos
termos do art. 1.493, que determina:

Os registros e averbações seguirão a ordem em que forem requeridas,


verificando-se ela pela da sua numeração sucessiva no protocolo.
Parágrafo único. O número de ordem determina a prioridade, e esta a
preferência entre as hipotecas.

O art. 1.487 prevê a possibilidade de constituição da hipoteca para garantir


dívida futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito
a ser garantido. Em casos assim, a execução da hipoteca dependerá de prévia e
expressa concordância do devedor quanto à verificação da condição, ou ao mon-
tante da dívida. Havendo divergência entre o credor e o devedor, caberá àquele
fazer prova de seu crédito. Reconhecido este, o devedor responderá, inclusive, por
perdas e danos, em razão da superveniente desvalorização do imóvel.

capítulo 5 • 157
A hipoteca tem como uma de suas características a indivisibilidade, caracterís-
tica que se fundamenta no disposto no art. 1.488, o qual prevê que se o imóvel,
dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomí-
nio edilício, o ônus gravará cada lote ou unidade autônoma, se o requererem ao
juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada
um deles e o crédito. O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento
do ônus provando que o mesmo importa em diminuição de sua garantia.
Saliente-se que o desmembramento do ônus não exonera o devedor originário
da responsabilidade a que se refere o art. 1.430,9 salvo anuência do credor.
A extinção da hipoteca se aperfeiçoa, conforme art. 1.499 pela:

•  extinção da obrigação principal; pelo perecimento da coisa;


•  resolução da propriedade;
•  renúncia do credor; pela remição;
•  arrematação ou adjudicação.

De acordo com o art. 1.500, “Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação,


no Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova”.
Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, contudo, a arrematação ou
adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores
hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução (art. 1.501).
O Código Civil tratou, de forma expressa, acerca de dois tipos especiais de hi-
poteca: a hipoteca legal (art. 1.489 a 1.491) e a hipoteca de vias férreas (art. 1.502
a 1.505). Sobre a hipoteca legal é importante notar que se trata daquela conferida a
certos credores que recebem uma proteção especial, em razão da posição que ocupam
e do fato de seus bens serem confiados à administração alheia. (DINIZ, 2013, p. 616)
Finalmente, lembre-se que as regras estudadas neste tópico são complementa-
das pelas disposições gerais do Código Civil acerca dos direitos reais de garantia.

Da anticrese

Dos direitos reais de garantia, a anticrese, tratada nos arts. 1.506 a 1.510 do
Código Civil, é a que se encontra mais em desuso, em razão de suas peculiaridades.

9  “Art. 1.430. Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida
e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.”

capítulo 5 • 158
Nessa hipótese de direito real de garantia, estabelece-se um vínculo diferente entre
o bem e o pagamento da dívida.

A anticrese é constituída pela entrega de imóvel ao credor pelo devedor ou por outrem
por ele, cedendo àquele o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e
rendimentos (art. 1.506).

Apesar da necessidade de observância da característica da exclusividade em


relação ao direito real de anticrese, tal característica veda a incidência de dois
direitos reais de igual conteúdo ao mesmo tempo, sobre o mesmo bem, sendo
possível a incidência de mais de um direito real quando tiverem conteúdos distin-
tos. Portanto, permite-se a constituição de hipoteca tendo por objeto bem imóvel
sobre o qual recai anticrese ou, ainda, ser dado em anticrese imóvel já hipotecado
(art. 1.506, §2º).
Tendo em vista que os frutos percebidos referentes ao bem objeto da anticrese
é que servirão para o pagamento do crédito anticrético, o credor poderá adminis-
trar os bens dados em anticrese e fruir seus frutos e utilidades, mas deverá apresen-
tar anualmente balanço, exato e fiel, de sua administração (art. 1.507).
Deve-se ressaltar o disposto no art. 1.423, que prevê ter direito a reter em seu
poder o bem, enquanto a dívida não for paga, o credor anticrético. No entanto,
extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição.
O art. 1.508 dispõe que o credor anticrético responde pelas deteriorações
que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer, ratificando o disposto no art. 1.21710
do Código Civil acerca da responsabilidade por perda e deterioração da coisa do
possuidor de boa-fé. No que concerne aos frutos e rendimentos, apesar do credor
anticrético ser considerado possuidor de boa-fé, este responderá por aqueles que,
por sua negligência, deixar de perceber, a fim de evitar que por sua negligência a
duração da anticrese acabe sendo prorrogada.
Ao adquirente dos bens dados em anticrese foi dada a possibilidade de remi-
-los, antes do vencimento da dívida, pagando a sua totalidade à data do pedido de
remição e imitir-se-á, se for o caso, na sua posse.
Não se esqueça de que, por ser a anticrese um direito real de garantia, aplica-se
a mesma, no que lhe for compatível, às normas constantes nas disposições gerais
acerca dos direitos reais de garantia.
10  “Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.”

capítulo 5 • 159
RESUMO
Neste capítulo, finalizamos o nosso programa de estudo sobre os direitos reais. Como
você deve ter percebido, os direitos estudados ao longo desta obra estão presentes em
nosso cotidiano e têm uma direta correlação com os bens que integram o nosso patrimônio.
Perceba que por ser os direitos reais e os direitos obrigacionais considerados direitos
patrimoniais, as duas categorias de direitos guardam muitas semelhanças. No entanto, a
principal diferença reside no fato de que os direitos reais possuem uma eficácia absoluta,
sendo oponíveis erga omnes, o que confere aos seus titulares uma maior segurança jurídica.
No último capítulo estudado, você aprendeu sobre o direito real de servidão e sobre a
inovação legislativa introduzida pela MP nº 759/2016, o direito real de laje. Ambos são con-
siderados direitos reais de fruição sobre coisa alheia.
Na parte final do capítulo analisamos as formas de garantia real de dívidas previstas no
Código Civil, com o intuito de compará-las e diferenciá-las, para que você aprendesse a iden-
tificá-las e a aplicar a mais adequada diante de uma situação concreta.

ATIVIDADE
1) (VUNESP, 2016. Titular de Serviços de Notas e de Registros – Remoção/TJ – SP)
Sobre o direito de servidão, é correto afirmar que:
a) não pode ser extinto unilateralmente, por simples renúncia.
b) pode ser resgatado pelo dono do prédio serviente.
c) não exige, para o seu cancelamento, a anuência do credor, caso o imóvel dominante
esteja hipotecado.
d) não é passível de usucapião.

2) (FCC, 2017. Analista Judiciário – Área Judiciária/TRT – 24ª Região) Sobre a hipo-
teca, de acordo com o Código Civil, é correto afirmar que:
a) não é nula a cláusula que autoriza o credor hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se
a dívida não for paga no vencimento.
b) desapropriado o bem dado em garantia hipotecária pelo devedor a dívida estará, em
regra, vencida.
c) os sucessores do devedor podem remir parcialmente a hipoteca na proporção dos
seus quinhões.
d) a propriedade superficiária não pode ser objeto de hipoteca.

capítulo 5 • 160
e) as partes poderão convencionar em contrato cláusula proibindo o proprietário de alienar
o imóvel hipotecado.

3) (FAURGS, 2016. Juiz de Direito Substituto/ TJ – RS) Assinale a alternativa correta


a respeito dos direitos reais no Código Civil:
a) Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel fungível que o devedor,
com escopo de garantia, transfere ao credor.
b) É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em
garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
c) No condomínio edilício, as partes suscetíveis de utilização independente, tais como abrigos
para veículos, sujeitam-se à propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livre-
mente por seus proprietários.
d) Constitui-se o penhor de direito mediante instrumento público ou particular, registrado no
Cartório de Registro de Imóveis.
e) A hipoteca não abrange as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel, sendo
nula de pleno direito a alienação de imóvel hipotecado.

GABARITO
1) B
2) B
3) B

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE JR., Roberto Paulino de. O direito de laje não é um novo direito real, mas um direito
de superfície. Consultor Jurídico, São Paulo, 2 jan. 2017. Disponível em: <http://bit.ly/2siYQmG>.
Acesso em: 10 abr. 2017.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: reais. 6. ed. Salvador: Rio
de Janeiro, 2010.
GOMES, Orlando. Direitos reais. 21. ed. rev. por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

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PINTO, Reginaldo Leandro. Direitos reais de garantia. Jusbrasil, Salvador, out. 2016. Disponível em:
<http://bit.ly/2rJOq2q>. Acesso em: 16 abr. 2017.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. Jusbrasil, Salvador, jan. 2017. Disponível
em: <http://bit.ly/2rvtCKZ>. Acesso em: 10 abr. 2017.

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