Sunteți pe pagina 1din 10

A APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA PARA TRANSEXUAIS

FEMININAS: UMA DISCUSSÃO DE GÊNERO NO ESPAÇO DE ATENDIMENTO

Gabriela Boldrini da Silva1


Lorena Padilha Pereira2
Renata Botelho Campbell3

RESUMO

A Lei 11340/06 refere-se à mulher como sujeito de sua proteção e amparo. Considerando que
o conceito mulher desvela características de gênero construídas historicamente, entende-se
que a identidade feminina vem para abarcar um amplo entendimento de que o ser mulher não
se designa pelo sexo biológico, mas sim pelas relações sociais construídas ao longo da
trajetória pessoal. Neste contexto, recaem sobre as transexuais as condições estereotipadas e
machistas que permeiam a vida das mulheres, dentre elas a violência doméstica de gênero.
Em face a isso, em março de 2014 a Coordenação de Atendimento às Vítimas de Violência e
Discriminação – CAVVID realizou atendimento a uma transexual que esteve em situação de
violência doméstica proveniente da relação com seu companheiro, buscando assim a
Delegacia da Mulher. Tal procura resultou em seu encaminhamento a uma delegacia comum,
devido ao fato desta ainda não ter documentos com nome feminino. Dessa forma, concluímos
que existe a urgente necessidade de ampliação do debate institucional, da discussão de gênero
nos espaços de atendimento e do fortalecimento da rede de proteção à mulher, de forma a
ofertar o atendimento integral às transexuais nestes equipamentos.

Palavras-chave: Lei nº11.340/2006, aplicabilidade, transexuais, gênero, CAVVID.

1
Acadêmica de Psicologia. Estagiária da Coordenação de Atendimento às Vítimas de Violência e Discriminação,
SEMCID/PMV.Email:gabiboldrini@hotmail.com.
2
Graduada em Psicologia. Especialista em Saúde Coletiva. Coordenadora de Atendimento às Vítimas de
Violência e Discriminação, SEMCID/PMV. Email: lorenapadilhaa@gmail.com.
3
Graduada em Serviço social. Assistente Social da Coordenação de atendimento às Vítimas de Violência e
Deiscriminação, SEMCID/PMV.Email:llcampbell@live.com.
INTRODUÇÃO

Era uma vez


uma mulher que
via um futuro grandioso
para cada homem
que a tocava.
Um dia
ela se tocou.
(Alice Ruiz)

O presente artigo tem por finalidade provocar uma discussão sobre a aplicabilidade da Lei nº
11.340/2006 às travestis e transexuais femininas, discussão evocada na Coordenação de
Atendimento às Vítimas de Violência e Discriminação (CAVVID) a partir do atendimento
realizado a uma transexual que em seu relato trazia a situação de violência doméstica sofrida
por parte do seu companheiro. Face a isso, propõe-se uma discussão acerca da construção do
conceito de gênero e sobre a desigualdade imposta pelo machismo. Segue-se para a
conceituação da travestilidade e da transexualidade femininas e a importância de se ampliar o
debate a respeito do atendimento às transexuais e travestis femininas em situação de violência
doméstica. O debate teórico será feito por meio dos entendimentos sobre a Lei nº 11.340/2006
a partir das argumentações feitas por BUTLER (2003), BENTO (2006), LOURO (2010) e
DIAS (2014), entre outros.

Relato do Caso

A transexual X4 compareceu à CAVVID encaminhada pela Delegacia Especializada de


Atendimento à Mulher (DEAM), com o intuito de obter informações a respeito de quais
procedimentos deveriam ser tomados com relação à violência a qual foi submetida. Relatou
que tinha um relacionamento amoroso com um jovem de 18 anos desde o último novembro e
que no mês de abril (2014), este a agrediu física e verbalmente na portaria do prédio onde a
mesma reside. A munícipe foi socorrida pelo porteiro do prédio, que acionou a polícia. Neste
momento, a Polícia Militar, presente no local, orienta a transexual a procurar a Delegacia a
fim de registrar a ocorrência, liberando o agressor após uma conversa. Vale ressaltar que tal
agressor também praticou a violência patrimonial, uma vez que a munícipe relata a subtração
4
O nome civil e o nome social da transexual em questão não serão ser citados para garantir a privacidade da
mesma. Substitutivamente, será utilizada a letra “x”.
de seu notebook por parte do mesmo, além da ameaça de incêndio em seu imóvel. No
primeiro dia útil após o ocorrido, a munícipe compareceu à Delegacia Especializada em
Atendimento à Mulher (DEAM) do município de Vitória, a fim de fazer o devido registro do
fato, através do Boletim de Ocorrência (B.O.). Todavia, mesmo em face ao bom acolhimento
que recebeu, a transexual foi impedida de registrar o B.O. devido ao registro do nome civil
masculino que consta nos seus documentos de identificação. Assim sendo, a munícipe foi
orientada a procurar um Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) para fazer a denúncia, sob a
alegação de que a DEAM só pode acolher casos de pessoas em posse de documentos com
nome civil feminino. Dessa forma, a munícipe procurou a Delegacia do Centro de Vitória,
onde registrou o ocorrido. Após o registo do BO, X compareceu à CAVVID para então
requerer o direito de ser amparada pela Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), uma vez que é
uma transexual feminina, com o processo para troca do nome de registro civil em andamento,
além de já ter realizado a cirurgia de redesignação sexual.

SEXO X GÊNERO

O termo “gênero” começou a ser utilizado pelas feministas para expressar uma rejeição com
relação ao determinismo biológico imposto pelo “sexo”. Simone de Beauvoir, em sua célebre
afirmação de que “a gente não nasce mulher, torna-se mulher”, pretendia problematizar as
imposições sociais inquestionáveis que classificam e excluem os sujeitos (REIS, 2013), visto
que ninguém é mulher em si mesma, nem homem em si mesmo. Entretanto, “não há nada em
sua explicação que garanta que o ‘ser’ que se torna mulher seja necessariamente fêmea”
(BUTLER, 2013, p. 27), permitindo que seja feita uma reflexão a respeito das imposições
sobre o ‘ser mulher’ que recaem também sobre as trans*5, inclusive aquelas que dizem
respeito à submissão e à estigmatização feminina.

Dessa forma, entende-se que ser mulher está muito além de uma imposição biológica e, a
partir dos estudos feministas, passa-se a utilizar termos como “homem” e “mulher” para tratar
das relações construídas entre esses dois universos, entendendo que um se produz somente a
partir da relação com o outro, e que pensar a questão sobre “ser mulher” abarca a questão de
pensar sobre “ser homem”. O próprio uso do termo “gênero” implica em uma rejeição das

5
“O termo trans pode ser a abreviação de várias palavras que expressam diferentes identidades, como transexual
ou transgênero, ou até mesmo travesti. Por isso, para evitar classificações que correm o risco de serem
excludentes, o asterisco é adicionado ao final da palavra transformando o termo trans em um termo guarda-
chuva”. Fonte: <http://transfeminismo.com/trans-umbrella-term/>.
explicações biológicas concernentes à relação entre os sexos, como por exemplo as de que
“mulheres devem ter filhos” e “homens devem dar o provimento do lar devido a sua maior
força física”. Assim, quando a Lei Maria da Penha condena a conduta violenta baseada no
gênero, ela está condenando a violência baseada nas relações histórico-culturais que definem
a mulher enquanto sujeito inferiorizado nas relações entre os sexos.

Segundo Scott (1990), “o gênero se torna uma maneira de indicar as ‘construções sociais’: a
criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres.”
Portanto, o gênero pode abarcar o sexo, mas não é diretamente determinado por ele – e nem o
determina. Assim, formas diversas de feminilidades e masculinidades se constituem nas
relações sociais. Entendendo que os atravessamentos que constituem cada ser humano são
únicos e singulares, a identidade de gênero – maneira como cada um se apresenta socialmente
de acordo com o gênero constituído – se torna inevitavelmente auto-declarada.

Identidade de gênero é a convicção íntima de uma pessoa de pertencer ao


gênero masculino ou ao gênero feminino. Diferente do papel de gênero, que
são padrões de comportamentos definidos pela prática cultural na qual as
pessoas vivem papéis estereotipadamente masculinos e femininos (VIEIRA,
2011, p. 412).

Dessa forma, não é a determinação que lhe foi dada ao nascer que vai definir se um sujeito é
homem ou mulher, mas sim as relações que foram tecidas historicamente no cotidiano da
vidade cada um – e cabe a este sujeito dar forma própria à identidade com a qual se identifica.
Diferente da orientação sexual, que diz respeito ao outro, àquele com o qual nos
relacionamos, a identidade de gênero é referente a como nos reconhecemos dentro dos
padrões de gênero estabelecidos social, histórico e culturalmente.

TRANSEXUALIDADE E TRAVESTILIDADE FEMININAS

Um corpo não é apenas um corpo. Mais do que um conjunto de músculos,


ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também a roupa e os
acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a imagem que
dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os sentidos que nele se
incorporam, os silêncios que por ele falam, os vestígios que nele se exibem, a
educação de seus gestos... Enfim, é um sem limite de possibilidades sempre
reinventadas, sempre à descoberta e a serem descobertas. Não são, portanto,
as semelhanças biológicas que o definem mas, fundamentalmente, os
significados culturais e sociais que a ele se atribuem
(GOELLNER,2008,p.28).
Como já explicitado anteriormente, a identidade de gênero diz respeito a uma identificação
social e história com os papéis masculinos e femininos. Neste contexto, a transexualidade
aparece como uma experiência de contradição entre corpo (sexo biológico) e subjetividade.
Segundo Vieira (2011), “a transexualidade é caracterizada por um forte conflito entre corpo e
identidade de gênero e compreende um arraigado desejo de adequar o corpo hormonal e/ou
cirurgicamente àquele do gênero almejado.” (p. 412).

Já a travesti, transmutando os valores de sexo e gênero, nos permite refletir sobre os rígidos
padrões que, por vezes, atribuímos às pessoas. Segundo Peres (2002),

a travesti, por sua apresentação peculiar, tensiona as polaridades homem x


mulher e as referências do que pode ser entendido como masculinidade e
feminilidade. Esse efeito tensionador atrai olhares que, perdidos diante da
incapacidade de localizá-los num código descritivo masculino ou feminino,
os rejeita e, ainda, os patologiza e criminaliza (apud BUSSINGER;
MENANDRO; TRINDADE, 2013, p. 132).

Os/as transexuais e os/as travestis são pessoas que, com suas identidades sexo-diversas,
questionam os padrões comportamentais normativos e denunciam as situações nas quais
variações da heterossexualidade são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas
sociais, políticas ou por crenças e valores morais. Estas práticas discriminatórias incluem a
ideia de que os seres humanosse configuram em duas categorias distintas e complementares:
macho e fêmea; que relações sexuais e maritais são normais somente entre pessoas de sexos
diferentes; e que cada sexo têm certos papéis naturais na vida (BENTO, 2006).

De todo modo, tanto a transexualidade quanto a travestilidade abarcam aquilo que


denominamos de identidade trans, que é a “expressão de construções sócio-históricas que
marcam a singularidade de indivíduos que não se reconhecem nos papéis de gênero
socialmente instituídos como masculino e feminino” (CFESS MANIFESTA). Embora
existam diferenças entre travestilidade e transexualidade, entende-se que sobre ambas as
formas de expressão da sexualidade recaem a dominação da heterossexualidade e do
binarismo de gênero, que patologizam e estigmatizam estes sujeitos, sendo necessárias
políticas afirmativas de combate à transfobia.

Faz-se necessário afirmar que, em uma sociedade machista, a vulnerabilidade à violência


doméstica de gênero equipara todas as formas do ser mulher. No atendimento realizado pela
CAVVID anteriormente mencionado, a violência doméstica foi praticada contra uma
transexual que, por ter uma identidade de gênero feminina, foi posta no lugar de submissão ao
masculino. Entendemos, portanto, que transexuais e travestis femininas, ao demonstrarem
socialmente sua identificação com o feminino, estão vulneráveis à violência doméstica de
gênero porque passam a ocupar nas relações sociais e de afeto o lugar de subjugação ao
machismo.

Dessa forma, implicados com os questionamentos que a experiência transexual causa em nós,
podemos refletir: as políticas públicas voltadas para as mulheres têm agregado todas as
experiências do ‘ser mulher’? Quem e o quê define o que é uma mulher? Existe apenas uma
forma de expressão do ser mulher? Que políticas públicas podem ser ofertadas para essas
mulheres? A Lei Maria da Penha (LMP) tem cumprido o seu papel de proteger as mulheres,
independentemente de sua orientação sexual? E no que diz respeito à identidade de gênero, a
Lei 11340/06 têm sido uma lei que agrega os valores referentes aos direitos humanos?

IMPLICAÇÕES DA LEI MARIA DA PENHA NAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS DE


GÊNERO E DE DIVERSIDADE SEXUAL

Entende-se por violência um fenômeno social produtor de silenciamentos, que transgride a


ética das relações interpessoais e viola os direitos humanos (POMBO-DE-BARROS; JORGE,
2009). A Lei nº 11.340/2006ressalta a violência doméstica como violação dos direitos
humanos e amplia o conceito sobre violência considerando e classificando como atos
violentos as expressões das relações de afeto que reduzem e desqualificam o lugar do
feminino.

De acordo com o Mapa da violência de 2012, o Espirito Santo é o estado que mais mata
mulheres no país. O mesmo quadro também atinge o município de Vitória, liderando o
ranking entre as capitais: a cada 100 mil mulheres, 13,2 são assassinadas. Dados apontam que
43,4% das mulheres que morrem no Brasil são assassinadas por seus próprios parceiros ou ex-
parceiros.

No entanto, os estudos brasileiros presentes na literatura sobre violência doméstica apóiam-se


no pressuposto da heterossexualidade, contribuindo para a invisibilidade da violência conjugal
entre casais que não se encaixam neste padrão, gerando, com isso, uma deficiência de
trabalhos de prevenção e combate à violência conjugal presente no cotidiano destes casais.
Tal realidade também é evidenciada nas intervenções institucionais e políticas ao refletirem a
visão heteronormativa e heterossexista da violência conjugal. Este quadro é confrontado por
estudos internacionais que concluem que a incidência de violência conjugal é semelhante em
casais heterossexuais e homossexuais (MATTHEWS et al, apud SANTOS, 2012). Além
disso, de acordo com Island eLetellier (1990, apud NUNAN, 2004), a violência doméstica
está entre os três fatores de maior risco à saúde dos homossexuais, atrás apenas do HIV e do
abuso de álcool e outras drogas. Este padrão normativo dominante faz com que se tornem
invisíveis “outras violências de gênero - incluindo a violência transfóbica e bifóbica -, bem
como a violência doméstica entre pessoas do mesmo sexo” (SANTOS, 2012, p. 5).

Entretanto, são inegáveis os avanços que a Lei Maria da Penha trouxe para o campo da
diversidade sexual. As ampliações da proteção são observadas principalmente no Artigo 2º da
Lei 11.340/2006, que descreve incondicionalidade da orientação sexual e de outras
diversidades para que a mulher goze de todas as garantias fundamentais inerentes à pessoas
humana, preconizadas pela Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta


Constituição (BRASIL, 1988).

O Artigo 5º da Lei Maria da Penha (LMP) classifica como violência doméstica e familiar
contra a mulher toda ação ou omissão baseada no gênero. Ou seja, ressalta a característica
principal da violência doméstica de gênero, que é de estar vinculada às relações construídas a
partir do entendimento de que há uma hierarquia natural entre os gêneros, e de que há uma
supremacia do masculino sobre o feminino, perpetuada através de preconceitos e
discriminações, produzindo tais diferenças hierárquicas.

Os avanços da LMP ficam ainda mais visíveis no Parágrafo Único deste mesmo artigo, que
garante proteção às mulheres homossexuais que sofrem violência doméstica em suas relações
conjugais por parte de suas companheiras.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial.
(...)
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem
de orientação sexual (BRASIL, 2006, grifo nosso).
Novos entendimentos sobre as diversas configurações de família, de relações de afeto e de
violação aos direitos humanos são, sem dúvida, espaços de atenção trazidos pela Lei Maria da
Penha e que contribuem para o enfrentamento da violência doméstica de forma ampliada.
Abarcar as relações de afeto (até mesmo as que já se findaram), as relações familiares não
consaguíneas e entender o espaço doméstico como espaço onde as relações se produzem, para
além da noção de espaço físico, é algo que a LMP traz no sentido de ressignificar o alcance da
violência doméstica e trazer à tona suas consequências.

Faz-se necessário alertar para o fato de que nas relações que não se encaixam no padrão
heterossexual, ao contrário do que comumente se pensa, também pode ocorrer hierarquização
dos papéis sociais, provocando desigualdades baseadas nas características socialmente
impostas a cada gênero. Sendo assim, a LMP ampara aquelas que, por estarem associadas
socialmente ao lugar de submissão, acabam por sofrer violência doméstica de gênero. Este
pensamento se amplia também às travestis e transexuais femininas.

No momento em que é afirmado que está sob o abrigo da lei a mulher,


sem se distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto lésbicas
como travestis, transexuais e transgêneros que mantêm relação íntima
de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses
relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminino
justificam especial proteção (DIAS, s.d.).

Verifica-se que é a identidade feminina que está em questão. É a identidade feminina


encharcada com as impressões padronizadas sobre o que é ser mulher – de como esta deve se
comportar, agir, pensar e do que pode produzir –que também são as causas da violência
doméstica sofrida por travestis e transexuais femininas. Segundo Louro (2010) aceitar que as
identidades sexuais são definidas biologicamente é esvaziar de conteúdo as discussões sobre a
dimensão social e política da construção das sexualidades humanas. “As identidades de
gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas
pelas redes de poder de uma sociedade” (LOURO, 2010, p. 11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sexualidade é um direito fundamental, inerente à própria condição humana. Os


fundamentos constitucionais que consagram o direito à igualdade são enérgicos quanto à
proibição de qualquer discriminação no que tangencia a orientação sexual. A discriminação
evidenciada na aplicabilidade de tais normas igualitárias denuncia uma realidade
constitucionalmente vedada.

É mister que nesse contexto de diferenças e igualdades, deve-se considerar que, diante de uma
agressão ao bem jurídico tutelado, a vida, surge o dever de punir do Estado, independente de
como essa pessoa se apresenta para si e para as demais - como masculino ou feminino. A
privação da proteção garantida configura-se uma prática discriminatória que vai de encontro
ao preconizado pela Lei 11.340/06 no que tange a violência praticada contra a mulher.

Diante das argumentações expostas neste estudo, ressalta-se que o entendimento da equipe da
Coordenação de Atendimento às Vítimas de Violência e Discriminação (CAVVID) é de que
as transexuais e travestis femininas comungam da mesma vulnerabilidade que afeta mulheres
cisgêneras6no que tange a violência doméstica praticada no íntimo das relações de afeto. Tal
setor pactua com a noção de que a Lei 11.340/06 objetiva prevenir, punir e erradicar a
violência doméstica e familiar contra a mulher, não por razão do sexo, mas em virtude do
gênero. Dessa forma, toma-se a compreensão de que a proteção adscrita tem alcance de
extensão superior à noção do sexo biológico “mulher”, buscando-se resguardar todos aqueles
que se comportam como mulheres, por efeito, as lésbicas, travestis, transexuais e
transgêneros.

Dar visibilidade aos casos de violência doméstica nas relações que envolvem as mulheres
trans* (como o caso tratado) faz parte das atribuições da Coordenação no enfrentamento de
todas as formas de violência doméstica e também de enfrentamento da homofobia, ambas
expressões do machismo em nossa sociedade. Não há dúvidas de que o amparo da Lei Maria
da Penha será o diferencial para que as mulheres trans* acessem o direito à segurança, à vida
e tenham a garantia de seus direitos humanos preservados.

6
Pessoa cuja identidade de gênero é consonante ao sexo biológico.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual,


rio de Janeiro. Gramond. 2006.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei N.°11.340, de 7 de Agosto de 2006.

BUTLER. J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2013.

CFESS. CFESS Manifesta: Dia Nacional da Visibilidade Trans. Brasília, 29 de janeiro de


2013. Disponível em:
<http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2013_visibilidadetrans-site.pdf>.

DIAS, M. B. Violência doméstica e as uniões homoafetivas. Acesso em 02 de julho de


2014. Disponível em: <http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?81,14>.

GOELLNER, S V. A produção cultural do corpo. In: LOURO, Guacira; FELIPE, Jane;


GOELLNER, S. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 3.
ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

LOURO, G. L. Pedagogias da Sexualidade. In: LOURO, G. (Org). O corpo educado.


Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

NUNAN, A. Violência doméstica entre casais homossexuais: o segundo armário? PSICO,


v. 35, n. 1, 2004, p. 69-78.

REIS, D. F. Ideias subversivas de gênero em Beauvoir e Butler. SapereAude. Belo


Horizonte, v.4 - n.7, p.360-367 – 1º sem. 2013.

SANTOS, A. C. ‘Entre duas mulheres isso não acontece'– Um estudo exploratório sobre
violência conjugal lésbica. Revista Crítica de Ciências Sociais, 98, 2012.

SCOTT, J. Gênero:Uma Categoria Útil para a Análise Histórica. Traduzido pela SOS:
Corpo e Cidadania. Recife, 1990.

VIEIRA, T. R. Transexualidade. In DIAS, M. B. (coord.). Diversidade Sexual e o Direito


Homoafetivo. Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2011.

POMBO-DE-BARROS, C. F.; JORGE, M. A. S. A dor silenciada: violência de gênero nos


dispositivos de saúde. In MOURÃO, J. C. (Org). Clínica e Política 2: Subjetividade, direitos
humanos e invenção de práticas clínicas. Rio de Janeiro: Abaquar: Grupo Tortura Nunca
Mais, 2009.

S-ar putea să vă placă și