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Segundo Goffman, uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho
em que um grande número de indivíduos situados na mesma maneira, e separados da sociedade em
geral por um período considerável de tempo, sendo conduzidos juntos em uma rotina fechada de vida
formalmente administrado. Dentro deste contexto, o autor procura focar o mundo do internado, não dos
funcionários e busca desenvolver uma versão sociológica da estrutura do eu.
Toda instituição capta parte do tempo e do interesse de seus membros e fornece um mundo novo e
diferente para eles. Em resumo, cada instituição tem tendências de fechamento e cerceamento da
autonomia. Quando revisamos as diferentes instituições em nossa sociedade ocidental, encontramos
algumas que estão abrangendo um grau descontinuamente maior do que as próximas na linha. Seu
caráter de fechamento ou total é simbolizado pelo obstáculo colocado na relações sociais com o
exterior, nas saídas e nas barreiras construídas diretamente na planta física, como portas trancadas,
muros altos, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. Esses estabelecimentos Goffman
denomina instituições totais.
As instituições totais são classificadas, por ele, em cinco agrupamentos:
1º - instituições criadas para cuidar de pessoas que são consideradas incapazes e inofensivas. Por
exemplo: casas para cegos, velhos, órfãos e indigentes;
2º - estabelecimentos para cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e
consideradas como ameaça para a sociedade; sanatórios para tuberculosos, hospitais para doentes
mentais e leprosários.
3º - instituições organizadas para proteger a comunidade contra perigos intencionais, cujo bem-estar
das pessoas isoladas não constitui o problema imediato: cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros
de guerra, campos de concentração;
4º - estabelecimentos com intenção de realizar, de modo mais adequado, alguma tarefa de trabalho,
como por exemplo, quartéis, navios, escolas internas, campos de trabalho, colônias e grandes mansões
(onde vivem empregados);
5º - estabelecimentos destinados a servir de refúgio do mundo, embora muitas vezes sirvam também
como locais de ínstrução para os religiosos: por exemplo, abadias, mosteiros, conventos e outros
claustros.
Nossa sociedade moderna possui um arranjo social básico em que o indivíduo tende a dormir,
brincar e trabalhar em lugares diferentes, com participantes diferentes, sob o olhar de diferentes
autoridades e sem um plano racional geral. Assim, as instituições totais promovem a ruptura das
barreiras que normalmente separam essas três esferas da vida, pois: primeiro, todos os aspectos da vida
são conduzidos no mesmo lugar e sob a mesma autoridade central; segundo, cada fase da atividade
diária do internado é realizada mediante a companhia de um grande grupo de pessoas, todas tratadas da
mesma forma e obrigadas a fazer o mesmo; terceiro, todas as fases das atividades do dia são
programadas, com tempo e horário predeterminado, e toda a sequência de atividades são impostas de
cima, por um sistema de decisões formais explícitas e um corpo de funcionários; por último, as várias
atividades obrigatórias são reunidas em um plano racional único, supostamente projetado para cumprir
os objetivos oficiais da instituição.
Para Goffman, o controle das muitas necessidades de grupos completos de pessoas pela instituição
possibilita que esse movimento em conjunto possa ser supervisionado por uma pessoal, cuja atividade
principal não é orientação ou ínspeção periódica, mas a de vigilância, isto é, fazer com que todos façam
o que foi solicitado como exigência, e a infração e punição possa ser observada pelos outros.
Pode-se, portanto, observar uma divisão básica entre o grande grupo controlado e, geralmente,
como restrição ao mundo fora dos muros das instituições chamados de internados e uma pequena
equipe de supervisão, sendo que cada grupo tende a conceber o outro em termos de estereótipos hostis
e estreitos. A equipe dirigente muitas vezes vê os internados como amargos, reservados e não
merecedores de confiança, enquanto os internados, muitas vezes, veem os dirigentes como
condescendentes, arbitrários e mesquinhos. Os participantes da equipe dirigente tendem a sentir-se
superiores e corretos e os internados tendem a se sentirem inferiores, fracos, censuráveis e culpados.
Até a conversa entre os dois grupos são realizadas em tom especial de voz.
Há também restrições em relação a comunicação de informações, principalmente quanto aos
planos dos dirigentes para os internados, conferindo maior controle e distanciamento do grupo
dirigente. Isto contribui para a conservação dos estereótipos entre ambos os grupos e, também, para a
manutenção dos diferente mundos sociais e culturais que, apesar de conviverem juntos, mantêm-se
distantes e sem relação dentro das instituições totais. As instituições passam a ser identificadas, tanto
pela equipe dirigente como pelos internados, como algo que pertence à equipe dirigente, de forma que
ao comentar "interesse da instituição", implicitamente se referem aos interesses da equipe dirigente.
O Mundo do Internado
De acordo com Goffman, o internado entra no estabelecimento com uma concepção de si mesmo
possibilitada por certos arranjos sociais estáveis em seu mundo de origem. No entanto, ao dar entrada
em uma instituição ele é imediatamente despojado do suporte fornecido por esses arranjos e começa,
então, uma série de aviltamentos, degradações, humilhações e profanações de si mesmo. Seu eu sofre
sistematicamente, embora muitas vezes de forma involuntária, uma mortificação padronizada. Ele
começa a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta de
mudanças progressivas que ocorrem nas crenças que ele tem sobre si mesmo e sobre as pessoas que
são significativas para ele.
Os procedimentos pelos quais o eu de uma pessoa é mortificado são bastante padronizados em
instituições totais e a análise desses processos pode nos ajudar a ver os arranjos que os
estabelecimentos comuns devem garantir se os membros devem preservar seus eus civis.
1º - As barreiras que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a
primeira mutilação do eu como, por exemplo, o despojamento do seu papel fora da instituição,
proibição de visitas e de saídas para fora do estabelecimento, promovendo uma ruptura inicial profunda
com seus papéis anteriores.
2º – Muitas vezes verifica-se a equipe dirigente emprega o que Goffman denominou de processos de
admissão, isto é, obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais, atribuir
números, procurar e enumerar bens pessoais para que sejam guardados, despir, dar banho, desinfetar,
cortar os cabelos, distribuir roupas da instituição, dar instruções quanto a regras, designar um local para
os internados.
3º - Existe uma necessidade de conseguir a cooperação inicial do novato. Nesse momento, a equipe
dirigente diz, pela primeira vez, ao internado suas obrigações. Portanto, os momentos iniciais de
socialização podem incluir um "teste de obediência" ou até um desafio de quebra de vontade, e um
internado que se mostra insolente pode receber castigo imediato e visível, que aumenta até que
explicitamente peça perdão ou se humilhe.
Os processos de admissão e os testes de obediência podem ser desenvolvidos numa forma de
iniciação que tem sido denominados "as boas-vindas" - onde a equipe dirigente e/ou os internados
procuram dar ao novato uma noção clara de sua situação.
4º - As instituições totais possuem certos regulamentos, ordens ou tarefas, que obrigam o internado a
adotar certos movimentos ou posturas que podem mortificar seu eu, e, assim, impedindo que o
indivíduo apresente seu verdadeiro eu. Por exemplo, nos hospitais para doentes mentais os pacientes
podem ser obrigados a comer com colher, nas prisões militares, os internados podem ser obrigados a
ficar em posição de sentido sempre que um oficial entre no local.
5º - A partir da admissão, ocorre uma espécie de exposição contaminadora. No mundo externo, o
indivíduo pode manter objetos que se ligam aos seus sentimentos – por exemplo, seu corpo, suas ações
imediatas, seus pensamentos e alguns de seus bens. No entanto, nas instituições totais esses territórios
do eu são violados; a fronteira que o indivíduo estabelece entre seu ser e o ambiente é invadida e as
encarnações do eu são profanadas.
Goffman também relata sobre uma fonte de mortificação menos direta em seu efeito, e cuja
significação para o indivíduo não pode ser tão facilmente avaliada: uma perturbação na relação usual
entre o indivíduo e seus atos.
1º A primeira perturbacáo a ser considerada é o "circuito", isto é, a instituição cria uma resposta
defensiva do internado que, depois, aceita essa resposta como alvo para seu ataque seguinte. Os
padrões de deferência nas instituições totais são um exemplo. Na sociedade civil, quando um indivíduo
precisa aceitar circunstancias e ordens que ultrajem sua concepção do eu, tem certa margem para
expressar sua reação para salvar as aparências - mau humor, omissão dos sinais comuns de deferência,
palavrões resmungados, ou expressões fugidias de desprezo, ironia e sarcasmo. Embora esses tipos de
respostas expressiva de autodefesa ocorram nas instituições totais, a equipe diretora pode castigar
diretamente os internados por essa atividade, e citar o mau humor e a insolência como bases para outros
castigos.
O processo de integracáo nas instituícóes totais cria outros casos de circuito. Nas ínstituícóes
totaís, as esferas da vida sao integradas de forma que a conduta do internado numa área de atividade é
lancada contra ele, pela equipe dirigente, como comentario e verificacáo de sua conduta em outro
contexto. O esforco de um doente mental para apresentar-se de maneira bem orientada e nao
antagonista durante um diagnóstico, ou urna conferencia de tratamento, pode ser diretamente
perturbado por provas referntes a sua apatia durante a recreacáo ou aos comentános amargos que fez
numa carta a um irmáo - uma carta que este entregou ao administrador do hospital, para ser
acrescentada a sua história clínica e levada a conferencia.
[…] através do processo de circuito, 'a reacáo do internado a sua situacáo é levada de volta a
situacáo, e nao tem o direito de conservar a segregacáo usual dessas fases de acão.
Um segundo ataque ao status da internação como um ator pode ser agora citado - um assalto
descrito de forma imprecisa sob as categorias de arregimentação e tiranização. Quando o indivíduo se
torna adulto já incorporou padrões socialmente aceitáveis para a realização da maioria de suas
atividades, de forma que o problema da correção de suas ações surge apenas em alguns pontos - por
exemplo, quando se julga sua produtividade. Não precisa estar constantemente preocupado com a
possibilidade de críticas ou outras sancóes, Além disso, muitas acóes serao definidas como questóes de
gosto pessoal, e, especificamente, pode escolher dentro de certa amplitude de possibilídades. Em
muitas atividades, náo é preciso considerar o julgamento da acáo da autoridade, e o indivíduo decide
sozinho. Em tais condícóes, a pessoa pode, com proveito global, organizar suas atividades para ajustá-
las entre si - uma espécie de "economia pessoal de açao" que acorre, por exemplo, quando um
indivíduo atrasa a refeícáo por alguns minutos para terminar urna tarefa ou abandona um pouco rnais
cedo um trabalho a fim de encontrar um amigo para o juntar. Numa instituição total, no entamo, os
menores segmentos da atividade de uma pessoa podem estar sujeitos a regulamentos e julgamentos da
equipe diretora; a vida do internado é constantemente penetrada pela interação de sanção vinda de
cima, sobretudo durante o período inicial de estada, antes de o internado aceitar os regulamentes sem
pensar no assunto. Cada especificação tira do indivíduo uma oportunidade para equilibrar suas
necessidades e seus objetivos de maneira pessoalmente eficiente, e coloca suas ações à mercê de
sanções. Violenta-se a autonomia do ato. […] este processo de controle social atua em qualquer
sociedade organizada.
O internado não pode fugir facilmente da pressão de julgamentos oficiais e da rede
envolvente de coerção. Uma instituição total assemelha-se a uma escola de boas maneiras, mas
pouco refinada. Gostaria de comentar dois aspectos dessa tendência para multiplicação de regras
ativamente impostas. Em primeiro lugar, tais regras são muitas vezes ligadas a urna obrigação de
executar a atividade regulada em uníssono com grupos de outros internados. É isso que as vezes se
denomina arregimentação.
Em segundo lugar, essas regras difusas ocorrem num sistema de autoridade escalonada: qualquer
pessoa da classe dirigente tem alguns direitos para impor disciplina a qualquer pessoa da classe de
internados, o que aumenta nitidamente a possibilidade de sanção. No mundo externo, o adulto de nossa
sociedade geralmente esta sob a autoridade de um único superior imediato, ligado a seu trabalho, ou
sob a autoridade do cônjuge, no caso dos deveres domésticos' a única autoridade escalonada que
precisa enfrentar - a polícia - geralmente não está sempre ou significativamente presente, a não ser
talvez no caso da imposição das leis de trânsito.
Considerando-se a autoridade escalonada e os regulamentos difusos novos e rigorosamente
impostos, podemos esperar que os internados, sobretudo os novos, vivam com angústia crônica
quanto a desobediência às regras e suas consequências (principalmente trabalho - eu)
Nas instituições totais, geralmente há necessidade de esforço persistente e consciente para não
enfrentar problemas. A fim de evitar possíveis incidentes, o internado pode renunciar a certos níveis de
sociabilidade com seus companheiros.
Tradicionalmente, o termo carreira tem sido, reservado para os que esperam atingir os postos
ascendentes de uma profissão respeitável. No entanto, o termo está sendo cada vez mais usado em
sentido amplo, a fim de indicar qualquer trajetória percorrida por uma pessoa durante sua vida.
Uma vantagem do conceito de carreira é sua ambivalência. Um lado está ligado a assuntos
íntimos e preciosos, tais como, por exemplo, a imagem do eu e a segurança sentida; o outro lado se
liga a posição oficial, relações jurídicas e um estilo de vida, e é parte de um complexo institucional
acessível ao público. Portanto, o conceito de carreira permite que andemos do público para o
íntimo, e vice-versa, entre o eu e sua sociedade significativa, sem precisar depender manifestamente
de dados a respeito do que a pessoa diz que imagina ser.
Portanto, este artigo é um exercício no estudo institucional do eu. O principal interesse se refere
aos aspectos morais da carreira - isto é, a sequência regular de mudanças que a carreira provoca no
eu da pessoa e em seu esquema de imagens para julgar a si mesma e aos outros.
Doente mental: a interpretação psiquiátrica de uma pessoa só se torna significativa na medida em
que essa interpretação altera o seu destino social (a visão de carreira altera a imagem que a pessoa faz
de si mesma – eu) - uma alteração que se torna fundamental em nossa sociedade quando, e apenas
quando, a pessoa passa pelo processo de hospitalização. […] uma vez iniciados nesse caminho,
enfrentam algumas circunstancias muito semelhantes e a elas respondem de maneiras muito
semelhantes (apesar da individualidade que capa pessoa, quando iniciam o processo de
desenvolvimento enfrentam circunstancias muito semelhantes e a elas respondem de maneiras muito
semelhantes - eu).
[…] os efeitos de tratamento como doente mental podem ser bem separados dos efeitos sobre a
vida de uma pessoa, dos traços que um clínico consideraria psicopatológicos.
De um ponto de vista popular ou naturalista, a carreira do doente mental caí em três fases
principais: o período anterior a admissão no hospital, e que denominarei a fase de pré-paciente; o
período no hospital, aqui denominado fase de internamento; o período posterior a alta no hospital que,
quando acorre, será denominado fase de ex-doente". Este artigo se refere apenas as duas primeiras
fases.
A FASE DE PRÉ-PACIENTE
Um grupo relativamente pequeno de pré-pacientes vai ao hospital por vontade própria, seja porque
tem uma idéia de que será bom para eles, seja porque há um acordo com as pessoas significativas de
sua familia. Presumivelmente, tais novatos verificaram que estavam agindo de uma forma que, para
eles, era prova de que estavam "perdendo a cabeça" ou o controle de si mesmos. Esta visáo de si
mesmo parece ser uma das coisas mais amedrontadoras que podem ocorrer ao eu em nossa sociedade,
principalmente porque tende a ocorrer num momento em que a pessoa está, de qualquer forma,
suficientemente perturbada para apresentar o tipo de sintoma que ela própria pode ver.
Aqui desejo acentuar que a percepção de "perder a cabeça" se baseia em estereótipos
culturalmente derivados e socialmente impostos, quanto a significação de alguns sintomas - por
exemplo, ouvir vozes, perder a orientação espacial e temporal, sentir-se perseguido - e que muitos dos
mais espetaculares e convincentes de tais sintomas em alguns casos significam, psiquiatricamente,
apenas uma perturbação emocional temporária em situação de tensão por mais aterrorizantes que
sejam para a pessoa nesse momento. [...] a angústia resultante dessa percepção de si mesmo, e as
estratégias usadas para reduzi-la, não resultam de psicologia do anormal, mas poderiam ser
apresentadas por qualquer pessoa socializada em nossa cultura e que chegasse a pensar que está
perdendo a cabeça. É interessante observar que algumas subculturas na sociedade norte-americana
aparentemente diferem na quantidade de fantasia e estímulo para tais visões de si mesmo, o que
leva a diferentes proporções de autoavaliação, a capacidade para aceitar essa interpretação
desintegradora de si mesmo parece ser um dos discutíveis privilégios culturais das classes mais altas",
[a criança para não se sentir diferente (teoria de campo – kurt lewin), muitas vezes, acompanha a
regra para não se tornar diferente das outras (rebelde) - eu]
Urna vez que o pré-paciente voluntariamente entra no hospital, pode passar pela mesma rotina de
experiencias dos que entram contra a vontade. A carreira do pré-paciente pode ser vista através de um
modelo de expropriação; começa com relações e direitos e termina, no início de sua estada no hospital,
praticamente sem relações ou direitos. Portanto, os aspectos morais dessa carreira começam geralmente
como a experiencia de abandono, deslealdade e amargura.
Alguns fatores podem colaborar para a hospitalização, que o autor denomina "contingencias de
carreira”. Entre algumas dessas contingências encontramos:. status socioeconômico, visibilidade da
transgressáo, proximidade de um hospital para doentes mentáis, recursos disponíveis de tratamento,
avaliação, pela comunidade, do tipo de tratamento dado pelos hospitais existentes, assim por diante. E
quando essa pessoa é internada, outro conjunto de circunstancias ajuda a determinar quando receberá
alta - 'por exemplo, o desejo de sua familia para que volte, a disponibilidade de trabalho "controlável",
e assim por diante. As circunstancias de carreira ocorrem juntamente com um segundo aspecto da
carreira do pré-paciente - o circuito de agentes e agencias que participam de maneira decisiva em sua
passagem do status civil para o de ínternado.
Em primeiro lugar, está a pessoa mais proxima – a que o paciente considera como aquela de que
mais pode depender em momentos de crise; neste caso, a última a duvidar de sua sanidade e a primeira
a tuda fazer para salvá--la do destino que a ameaca. Em segundo lugar, está o denunciante, a pessoa
que, retrospectivamente, parece ter iniciado o caminho do paciente para o hospital. Em terceiro lugar
estão os mediadores - a sequencia de agentes e agencias a que o pré-paciente é levado e através dos
quais é enviado aos que internam o paciente. Aqui incIuem a policía, clero. clínicos gerais, psiquiatras
com ccnsultório, pessoal de clínicas públicas, advogados, assistentes sociais, professores, e assim por
diante.
A recusa pode ser enfrentada com ameaça de abandono, ou outra ação legal, ou com a acentuação
do caráter exploratório ou de colaboração da entrevista.
A Fase do Internado
O último passo na carreira do pré-paciente pode incluir a compreensão - justificada ou não - de que
foi abandonado pela sociedade e perdeu as relações com os que estavam mais próximos dele. Ao entrar
no hospital, pode sentir um desejo muito grande de não ser conhecido, pode evitar falar com quem quer
que seja, pode ficar sozinho sempre que puder, e pode até ficar "fora de contato," ou "maníaco", a fim
de evitar a ratificação de qualquer interação que o obrigue a um papel delicadamente recíproco, e lhe
mostre o que se tornou aos olhos dos outros. Quando a pessoa mais próxima faz um esforço para visitá-
lo, pode ser rejeitada pelo mutismo, ou pela recusa do paciente de ir a sala de visitas. Usualmente, o
paciente desiste desse grande esforço de ausência e anonimato, e começa a apresentar-se para interação
social convencional na comunidade hospitalar.
Uma vez que o paciente começa a "aceitar sua nova posição", as linhas básicas de seu destino
começam a seguir as de toda uma classe de estabelecimentos segregados - cadeias, campos de
concentração, mosteiros, campos de trabalho forçado, e assim por diante - nos quais o internado passa
toda a vida no local, e vive disciplinadamente a rotina diária, na companhia de um grupo de pessoas
que tem o mesmo status institucional.
Tal como ocorre com o novato de muitas dessas instituições totais, o novo internado percebe que
está despojado de muitas de suas defesas, satisfações e afirmações usuais, e está sujeito a um conjunto
relativamente completo de experiencias de mortificação: restrição de movimento livre, vida
comunitária, autoridade difusa de toda uma escala de pessoas, e assim por diante. Se desobedecer
as normas onipresentes da instituição, o internado receberá castigos severos que se traduzem pela perda
de privilégios; pela obediência, será finalmente autorizado a readquirir algumas das satisfações
secundárias que, fora, aceitava sem discussão,
[…] a participação numa entidade social impõe compromisso e adesão. [mas é preciso] pensar
nos limites considerados adequados para tais exigências. Na sociedade ocidental, o acordo formal ou o
contrato é um símbolo desse tema duplo, celebrando, com urna assinatura, os vínculos que liga e os
limites reconhecidos daquilo que liga.
Segundo a lição de Durkheim (Professional ethics and civic morals), atrás de cada contrato
existem suposições não-contratuais a respeito do caráter dos participantes.
Urna "organização formal instrumental" pode ser definida como um sistema de atividades
intencionalmente coordenadas e destinadas a provocar alguns objetivos explícitos e globais → a essa
unidade fechada darei o nome de estabelecimento social, instituição ou organização.
As organizações sociais podem ter muitos objetivos oficiais conflitivos, (a psicologia pode atuar
na harmonização destes conflitos elaborando justificativas, de modo a “enganar” as pessoas – eu). Em
outras organizações formais, o objetivo oficial pode ter pouca importância, e o problema principal pode
ser a conservação ou sobrevivência da própria organização (por exemplo, empresas, indústrias, escolas
particulares, etc - eu).
As organizações "muradas" têm uma característica que compartilham com poucas outras entidades
sociais: parte das obrigações do indivíduo é participar visivelmente, nos momentos adequados, da
atividade da organização, o que exige urna mobilização da atenção e de esforço muscular, certa
submissão do eu a atividade considerada. Esta imersão obrigatória na atividade da organização tende a
ser considerada como símbolo do compromisso e da adesão do indivíduo; além disso, indica a
aceitação, pelo individuo, das consequências da participação para uma definição de sua natureza.
Uma organização instrumental formal sobrevive por ser capaz de apresentar contribuições úteis da
atividade de seus participantes; é preciso empregar meios estipulados e é preciso atingir fins também
estipulados. [os limites de confiança para a atividade adequada de cada participante. O ser humano é
definido como fraco, é preciso mostrar consideração, tomar medidas de proteção, [de acordo as
características de determinada cultura]. Assim em nossa cultura, é apresentada do ponto de vista aqui
aceito e que identifica uma organização com seus dirigentes.
1º – Padrões de bem-estar: nível de conforto, saúde e segurança; tipo e quantidade de esforço exigido;
férias e aposentadoria; direito de se queixar e até de ação legal, de dignidade, autoexpressão e
oportunidades para criatividade. o ser humano é algo mais do que apenas um participante de uma
determinada organização.
2º - o participante de uma organização pode voluntariamente cooperar por causa de "valores comuns",
através dos quais os interesses da organização e do internado se confundem, tanto intrínseca quanto
estrategicamente. Em alguns casos, o paciente se identifica com os objetivos da instituição.
3º - necessidade de dar "incentivos", - isto é, prêmios ou pagamentos indiretos que atraem o indivíduo
como alguém cujos interesses finais não se confundem com os da organização. Prêmios que o
indivíduo pode levar consigo e usar, de acordo com sua vontade, como pagamentos em dinheiro,
instrução e diplomas são exemplos fundamentais desse caso, ou rendimentos como aumentos de postos.
4º - os participantes podem ser induzidos a cooperar por ameaças de castigo se não o fizerem como, por
exemplo, uma redução nos prêmios ou nos níveis usuais de bem-estar. O medo do castigo pode ser
adequado para impedir que o indivíduo realize determinados atos, ou deixe de realizá-los; no
entanto, os prêmios ‘positivos’ parecem necessários para que se consiga um esforço prolongado,
contínuo e pessoal.
A instituição também delineia quais devem ser os padrões oficialmente adequados de bem-estar,
valores conjuntos, incentivos e castigos. Tais concepções ampliam um simples contrato de
participação numa definição da natureza ou do ser social do participante. Tais imagens implícitas
constituem um elemento importante dos valores que toda organização mantêm, independentemente do
grau de sua eficiência ou impessoalidade.
[Muitas vezes], o participante deve colocar-se a disposição das necessidades atuais da
organização. Ao dizer-lhe o que devo fazer e por que deve desejar fazer isso, a organização
presumivelmente lhe diz tudo que ele pode ser.
Mas não devemos esquecer que, quando urna instituição oficialmente oferece incentivos
externos e abertamente admite ter um direito limitado a lealdade, ao tempo e ao espírito do
participante, se este aceita isso - o que quer que faca com seu premio e independentemente do fato de
admitir que seus interesses pessoais não se identificam com os da instituição - tacitamente aceita urna
interpretação que o motivará, e, portanto, uma interpretação de sua identidade.
Quando um individuo contribui, cooperativamente, com a atividade exigida por urna organização,
e sob as condições exigidas - em nossa sociedade com o apoio de padrões institucionalizados de bem-
estar, como o impulso dado por incentivos e valores conjuntos, e com as ameaças de penalidades
indicadas - se transforma num colaborador; torna-se o participante "normal", "programado" ou
"interiorizado". Ele dá e recebe, com espírito adequado, o que foi sistematicamente planejado,
independentemente do fato de isto exigir muito ou pouco de si mesmo, Em resumo, verifica que,
oficialmente, deve ser não mais e não menos do que aquilo para o qual foi preparado, e é obrigado a
viver num mundo que, na realidade, lhe é afim, Nesse caso, falarei do indivíduo com ajustamentos
primários a organização, e deixarei de lado o fato de que seria igualmente razoável falar num
ajustamento primário da organização ao indivíduo.
Sistemas de privilégios → p. 49
Conclusão
Erving Goffman, em seu estudo observou que nas instituições totais despem um interno novato de sua
‘cultura aparente’ derivada do ‘mundo da família’, havendo, portanto, um certo desculturamento do
internado em longa estadia. Gera-se, então, uma tensão entre o mundo doméstico e o mundo
institucional, promovendo uma violência ao internado que ele denominou de ‘mortificação do eu'.
Buscando uma atenuação deste processo de mortificação do eu, a organização estabeleceu o
sistema de prêmios e privilégios, para aqueles que observam as regras da casa e as obedecem.
Goffman também ressalta o problema do ambiente. Dentro da instituição existe o espaço de vigilância onde a área
destinada ao paciente está sujeita à observação das autoridades e às restrições. No entanto, os internos buscam espaços
não-regularizados, não observados e temporários para evitar a vigilância e o controle rígido dos dirigentes – a face oculta
das relações usuais entre internos e dirigentes. Casa de guarda, cantina e refeitório são esses ‘locais livres’, ambientes
empregados para as atividades proibidas, preenchido por um relaxamento, em uma conquista de tempo livre do controle
rígido. Mas quando um grupo de pacientes acrescenta, ao seu acesso a um local livre, um direito de manter afastados
todos os outros pacientes: elucidam-se ‘restrições territoriais’ ou território de grupos. Enumeramos os locais livres, os
territórios de grupo, faltam-nos definir os territórios pessoais – contínuo entre o lar e o refúgio. O quarto de dormir é o
tipo básico de território pessoal. O cobertor é um espaço mínimo em que se transforma em território pessoal. Um
território pessoal pode ser criado dentro de um local livre ou de um território de grupo. Doravante, há o ‘stash’
(esconderijo): local pessoal de armazenamento que impede intromissão e a interferência ilegítima, um corpo humano
(vivo ou morto) pode ser um objeto guardado em esconderijos.
Nesta toponímia, o hospital psiquiátrico é, pois, uma organização formal instrumental com limites físicos, que podem
ser incidentais, mas neste caso os limites são as paredes, ou seja, são organizações muradas e há a adesão visível, isto é,
há a submissão dos indivíduos nas atividades da organização. Em primeiro lugar, há alguns direitos garantidos de padrões
de bem-estar; em segundo, visa-se a cooperação por valores comuns; em terceiro, torna-se necessário dar incentivos;
enfim, induz-se por castigos para que o participante coopere (sanções negativas). Tudo isso incita o desejo de fuga dos
internados. Toda organização inclui disciplina de atividade e disciplina de ser. Há, entretanto, o esforço de a equipe
hospitalar em frustrar atos autodestrutivos que tendem a gerar ‘maus-tratos’, ora... e os castigos em celas fechadas?
Os estabelecimentos sociais, ou instituições, são locais (salas, conjunto de salas, edifícios, fábricas)
onde se desenvolve um determinado tipo de atividade. Toda instituição tem tendências de
“fechamento” (o estabelecimento conquista parte do tempo e do interesse de seus participantes e lhes
dá algo de um “mundo”), mas, na sociedade ocidental, algumas são muito mais “fechadas” do que
outras. Seu “fechamento” ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo
externo. Para tais estabelecimentos (asilos, hospitais, prisões, quartéis, conventos) o autor dará o nome
de “instituições totais”, a fim de sistematizar as características gerais e comuns que as estruturam (p.
16). O aspecto central das instituições totais pode ser descrito como a ruptura das barreiras que
comumente separam as três principais esferas da vida da sociedade moderna (o descanso, o lazer e o
trabalho). Em tais instituições, todos esses aspectos da vida são realizados no mesmo local, sob uma
única autoridade, na companhia imediata de outros coparticipantes e com um plano racional geral,
supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição (p. 18). O fato básico das
instituições totais é o controle de muitas necessidades humanas pela organização burocrática. Para isso,
existe uma divisão básica entre internados e equipes dirigentes. Geralmente, os internados vivem na
instituição e têm contato restrito com o mundo externo, enquanto a equipe dirigente está integrada ao
mundo externo. E assim, institucionalmente, formam-se dois mundos sociais e culturais diferentes, que
caminham paralelamente juntos, com alguns pontos de contato oficial, mas com pouca interpenetração.
Cada agrupamento estabelece uma relação limitada e estereotipada com o outro – a equipe dirigente vê
os internados como amargos, reservados e não merecedores de confiança, e os internados veem os
dirigentes como condescendentes, arbitrários e mesquinhos. Os participantes da equipe dirigente se
sentem “superiores e corretos”, e os internados se sentem “inferiores, fracos, censuráveis e culpados”
(p. 19). O autor não formula, em termos formais, o seu problema sociológico, mesmo assim, uma
sugestão foi apresentada no final do artigo: [como] os problemas sociais nas instituições totais [são
condicionados] pela estrutura social subjacente a todas elas (p. 108).
Depois de sugerir os aspectos comuns das instituições totais, Goffman analisará tais estabelecimentos a
partir de duas perspectivas: “o mundo do internado” e “o mundo da equipe dirigente” (p. 23). Para o
internado, o sentido completo de estar “dentro” da instituição não existe independentemente do sentido
específico de estar “fora” de tal estabelecimento. Consequentemente, as instituições totais criam e
mantêm um tipo particular de tensão entre o mundo institucional e o mundo doméstico, e assim,
reiteradamente, usam essa tensão persistente como uma força estratégica de controle dos indivíduos (p.
24). Quando o internado chega à instituição total, inicia-se o processo de mortificação do self, ou seja,
um processo sistemático de supressão da “concepção de si mesmo” e da “cultura aparente” que traz
consigo, após uma série de degradações, humilhações e profanações ao self. Esses ataques regulares
ao self advêm do “despojamento” do seu papel na vida civil mediante a imposição de barreiras de
contato com o mundo externo, do “enquadramento” às regras institucionais de conduta, do
“despojamento de bens” e consequentemente da perda dos “equipamentos de identidade”, além da
“exposição contaminadora” de um dossiê que profana a autonomia do território do self. Concomitante
ao processo de mortificação, a equipe dirigente instruirá como o internado deve orientar-se na
instituição. Esse conjunto de instruções formais e informais constituirá o “sistema de privilégios” da
instituição (p. 49). Se o internado seguir as “regras da casa”, a equipe dirigente lhe dará um pequeno
número de prêmios em troca da sua obediência, mas se descumpri-las, o interno é castigado pela sua
desobediência. Diante da influência reorganizadora, o internado desenvolve dois mecanismos de
adaptação às regras da instituição: pelos “ajustamentos primários”, quando contribui cooperativamente
com as atividades institucionais, e pelos “ajustamentos secundários”, quando emprega meios ilícitos,
não autorizados e não formais, a fim de “escapar” da realidade que a organização lhe impõe. Os
ajustamentos secundários dão ao internado uma prova evidente de que “é ainda um homem autônomo,
com certo controle de seu ambiente, e às vezes [isso] se torna quase uma forma de abrigo para o self,
um coringa, em que a alma parece estar alojada” (p. 54).
O autor prossegue, só que agora, a partir do ponto de vista da equipe dirigente. O “mundo da equipe
dirigente” é atravessado pela contradição entre o que a instituição realmente faz e aquilo que
oficialmente a instituição deve dizer que faz (p. 70). Nesse “mundo”, a equipe dirigente precisa impor
obediência ao internado, mas com a impressão de que os padrões humanitários são mantidos e de que
os objetivos racionais da instituição estão sendo operacionalizados. Seguindo o “esquema de
interpretação” automático da instituição, assim que o internado é admitido, a equipe dirigente o define
como o tipo de pessoa que a instituição objetiva tratar, em seguida, a equipe dirigente estabelece um
tipo de comportamento “legítimo” que se ajuste às regras da instituição. À primeira vista, “os dois
mundos” (internados e equipe dirigente) mantêm uma distância social e têm somente uma interação
limitada aos “padrões de deferência” formais da instituição (“impermeabilidade”). Na prática,
entretanto, internados e membros da equipe dirigente estabelecem relações, até de modo ilícito, pessoal
e solidário, quando existe um compromisso conjunto em relação à instituição (“permeabilidade”). Esse
conjunto de atividades e rotinas da instituição “comuns a todos” é denominado pelo autor como
“cerimonias institucionais” (p. 85). Tais cerimônias, festa anual, confecção de jornais internos, eventos
esportivos, cerimônias religiosas, apresentação teatral, são vistas como a possibilidade do internado
“reaprender” a viver em sociedade – e “voluntariamente”. Enfim, o mundo da instituição é marcado
pelo choque entre “impermeabilidade” (supressão das influências sociais do mundo externo) e
“permeabilidade” (manutenção dos padrões sociais no mundo interno), e isso, de acordo com Goffman,
contribui para a compreensão das relações entre uma instituição total e a sociedade mais ampla, que a
mantém e que a tolera (p. 104). Enfim, uma instituição total apresenta-se como uma realidade fechada e
formalmente administrada, onde todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local, sob uma
única autoridade, na companhia imediata de outros coparticipantes, com um plano racional geral. Em
contrapartida, o contexto básico das atividades diárias da instituição é atravessado pela contradição e
irracionalidade da ação. O contato entre “o mundo dos internados” e “o mundo da equipe dirigente” é
marcado por um sistema de representações automáticas, padronizadas, limitadas e estereotipadas do
“outro”.
O conceito de “carreira”, em um sentido mais amplo, é definido pelo autor como “qualquer trajetória
percorrida por uma pessoa durante sua vida” (p. 111). O termo admite a perspectiva da “história
natural”: os resultados singulares são esquecidos, considerando-se somente as mudanças temporais que
são básicas e comuns aos participantes de uma determinada categoria social. O conceito de carreira,
além de não ser valorativo, refere-se aos aspectos subjetivos e objetivos, pois está ligado tanto aos
assuntos íntimos, como a imagem do self, quanto à posição oficial, relações jurídicas e estilo de vida, e
é parte de um complexo institucional acessível ao público. Sendo assim, o termo permite que andemos
do público para o privado, e vice-versa, entre o selfe sua sociedade significativa. Este artigo, segundo
Goffman, é um exercício no estudo institucional do self, cujo principal interesse relaciona-se aos
aspectos “morais” da carreira do “doente mental” (p. 112). E, em vista disso, [quais seriam] as
mudanças que essa carreira [moral] provoca no selfda pessoa e em seu esquema de imagens para julgar
a si mesma e aos outros (p. 112). O autor tomará a categoria “doente mental” somente a partir do
processo se hospitalização, não no sentido psicopatológico do termo. O “comportamento doentio” e a
“loucura” atribuída ao doente mental é, em grande parte, resultado da distância social entre os
“doentes” e aqueles que lhes atribui isso, e assim, a situação em que o paciente foi colocado,
fundamentalmente, não é um produto da doença mental (p. 113). Quaisquer que sejam os refinamentos
dos diagnósticos psiquiátricos, o hospital psiquiátrico não é significativamente diferente de qualquer
outra comunidade (p. 113). Em seguida, Goffman analisará as etapas da carreira moral do doente
mental: o período anterior à admissão, a fase de pré-paciente, e o período de internamento no hospital
psiquiátrico, a fase de internado (p. 114).
A carreira moral do doente mental inicia-se com a denúncia de “transgressão” que acarretará na
hospitalização. Na fase de pré-paciente, o individuo ingressa na instituição, voluntariamente ou
involuntariamente, e a partir disso, ele é expropriado de suas relações e direitos com o mundo externo,
tornando-se um paciente, não mais um civil. Portanto, os primeiros aspectos morais dessa carreira são
os sentimentos de abandono, deslealdade e amargura. Comumente, o pré-paciente sente-se
“perturbado” por “estar perdendo a cabeça” e isso o leva a uma interpretação desintegradora de si
mesmo, ainda que essa autoimagem se baseie em estereótipos culturais e sociais mais amplos. Em
seguida, já na instituição, um circuito de agentes – tutor, denunciante e mediadores – engendra uma
“coalização alienadora” sobre o self do pré-paciente, que, por sua vez, se sente apenas como uma
terceira pessoa do processo, traído e enganado em relação à pessoa mais próxima e ao denunciante (p.
119). Como a “transgressão” se tornou um fato social público, a traição testemunhada é seguida de uma
“cerimônia de degradação”, uma extensa ação reparadora diante da testemunha, a fim de que possa
restaurar sua honra e seu valor social (p. 120). Também, antes da hospitalização, os médicos da equipe
dirigente constroem a “história de caso” que é atribuída ao passado do paciente. O último passo na
carreira do pré-paciente pode incluir a compreensão, justificada ou não, de que foi abandonado pela
sociedade e perdeu as relações sociais com o mundo externo. Inicialmente, na fase de internado, o
paciente adota a estratégia do “silêncio”, “ausência” e “anonimato”, o que sugere certo apego ao “resto
do seu passado”. O recém-internado percebe que está despojado de suas defesas, satisfações e
afirmações usais, e está sujeito a um conjunto relativamente completo de “experiências de
mortificação”, como restrição de movimento livre, vida comunitária, autoridade difusa. Depois, com a
“aceitação”, apresenta-se para a interação convencional na comunidade hospitalar e, sobretudo, aprende
a orientar-se no “sistema de enfermarias”.
Parte I: Introdução
Os vínculos que ligam o indivíduo aos diferentes tipos de instituições sociais têm certas propriedades
gerais e comuns, como compromisso e adesão às regras. Na sociedade ocidental, o acordo formal ou o
contrato é um símbolo clássico dessa forma de associação. Com uma assinatura, “celebra-se os
vínculos que liga e os limites reconhecidos daquilo que liga” (p. 148). Por trás de cada contrato existem
suposições não contratuais a respeito do caráter dos participantes (p. 148). Cientes do que “devem” e
“não devem”, os participantes concordam quanto à validade geral dos direitos e obrigações contratuais
e quanto à legitimidade dos tipos de sansão para o rompimento do contrato. Quem aceita um contrato
supõe que seja uma pessoa de determinado caráter e forma de ser. Se todo vínculo supõe uma
concepção ampla da pessoa ligada a ele, “devemos ir adiante e perguntar como o indivíduo enfrenta
essa definição de si mesmo” (p. 149). Para isso, Goffman perscrutará os padrões de comportamento
(modos de “agir” e “ser”) segundo um tipo particular de instituição social, as “organizações formais
instrumentais”, localizadas nos limites de um único edifício ou complexo de edifícios (p. 149). Como
ponto de partida, uma “organização formal instrumental” pode ser definida como um sistema de
atividades intencionalmente coordenadas e destinadas a provocar alguns objetivos explícitos e globais.
Essas organizações, principalmente as “muradas”, têm uma característica singular: parte das obrigações
do indivíduo é participar visivelmenteda atividade da organização, o que exige uma mobilização da
atenção, com esforço muscular e certa submissão do selfà atividade como símbolo de compromisso e
adesão do indivíduo (p. 150). Uma organização formal instrumental só sobrevive por ser capaz de
apresentar contribuições úteis da atividade de seus participantes. Entretanto, esse tipo de
estabelecimento social não se limita apenas a usar a atividade de seus participantes – a organização
formal instrumental também determina quais são os padrões oficialmente adequados de bem-estar,
valores comuns, prêmios e castigos. Portanto, nas disposições sociais de tais organizações, existe não
só uma concepção completa de participante, mas uma concepção dele como ser humano (p. 153). A
organização estipulará “o que fazer” e “por que fazer” e, consequentemente, tudo “o que se pode ser”.
Participar de determinada atividade com o espírito esperado (“fitting in”) é aceitar que se é um
determinado tipo de pessoa que vive em um tipo determinado de mundo, enfim, toda organização inclui
também uma “disciplina do ser”, uma obrigação de ser de um determinado mundo.
Quando um indivíduo contribui, cooperativamente, com as atividades exigidas por cada instituição
social, e sob as condições exigidas pela sociedade, se transforma em um colaborador, tornando-se um
participante “normal”, “programado” e “interiorizado”. Oficialmente deve ser não mais e não menos do
que aquilo para o qual foi preparado, e é obrigado a viver em um mundo, cuja realidade lhe é afim.
Essa adequação regular à instituição refere-se aos ajustamentos primários. Em seguida, Goffman
estabelece outro termo – os ajustamentos secundários– que define qualquer disposição pelo qual o
participante de uma organização emprega meios ilícitos ou com fins não autorizados, ou os dois, como
modo de “escapar” daquilo que a organização supõe que deve fazer e daquilo que deve ser, e assim, o
indivíduo se isola do papel e do selfque a instituição admite para ele (p. 160). Se tomarmos o espaço
físico onde são praticados os ajustamentos secundários e a região de origem dos “praticantes”, o centro
da atenção se estende do indivíduo para os indivíduos. Considerando-se uma organização formal
instrumental como um estabelecimento social, o ajustamento secundário do indivíduo se integraria ao
conjunto total de tais ajustamentos que todos os participantes da organização mantêm coletivamente.
Tais práticas, em conjunto, abrangem o que pode ser chamado de vida íntima da instituição, o que
corresponderia ao “submundo” da instituição (p. 167). Os ajustamentos secundários,
fundamentalmente contidos, assim como os ajustamentos primários, categorizam-se pelo encaixe
(“fitting in”) nas estruturas institucionais existentes, sem pressões radicais. Seguindo o ponto de vista
estrutural, contrário à sociopsicologia, Goffman questiona “qual o caráter das relações sociais exigidas
para manutenção da prática dos ajustamentos secundários” (p. 168).
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