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Imagem: Acervo IHGB

CADERNO DE RESUMOS

IX
CONGRESSSO
BRASILEIRO
DE HISTÓRIA
DO DIREITO

De 04 a 06 de setembro de 2017
CADERNO DE RESUMOS

De 04 a 06 de setembro de 2017

REALIZAÇÃO

INSTITUTO HISTÓRICO
E
GEOGRÁFICO BRASILEIRO
IX Congresso Brasileiro de História do Direito
De 04 a 06 de setembro de 2017
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Avenida Augusto Severo, 8 – Glória – Rio de Janeiro - RJ

Coordenadores de Grupos de Trabalho

Airton Seelaender – UnB Cristina Vano – Itália


Alberto Spinosa – Itália Evandro C. Piza Duarte – UnB
Alexandre Wallmott – UFU Gilberto Bercovici – USP
Ana Lúcia Sabadell – UFRJ Giovanni Cazzetta – Itália
Andrei Koerner – UNICAMP Gustavo Cabral – UFC
Angelica Muller – UFF/ABL Gustavo S. Siqueira – UERJ
Antonio Carlos Wolkmer – UFSC/UNILASALLE Hanna Sonkajärvi – UFRJ
António Manuel Hespanha – Portugal Juliana Neuschwander Magalhães – UFRJ
Arno Wehling – IHGB/ABL Juliana Teixeira – UFPE
Beatriz Gallotti Mamigonian – UFSC Lucia Bastos – UERJ
Carlos Petit – Espanha Luis Fernando Lopes Pereira – UFPR
Carlos Fico – UFRJ Monica Duarte Dantas – USP
Carmen Margarida Oliveira Alveal – UFRN Ricardo Marcelo Fonseca – UFPR
Caroline Ferri – UERJ Samuel Barbosa – USP
Cecília Caballero Lois – UFRJ Sueann Caulfield – EUA
Christian Lynch – UERJ Thiago Reis – FGV-SP
Clara Maria Roman Borges – UFPR Thomas Duve – Alemanha
Clarize Speranza – UFRGS Thula Rafaela de Oliveira Pires – PUC-RIO
Cristiano Paixão – UnB Vera Karam de Chueiri – UFPR
Cristina Buarque – UERJ

Organizadores

Arno Wehling – IHGB/ABL


Christian Lynch – UERJ
Gabriel Melgaço – UERJ
Gustavo S. Siqueira – UERJ
Julia de Souza Rodrigues – UERJ
Ricardo Marcelo Fonseca – UFPR
Samuel Barbosa – USP
Taísa Regina Rodrigues – UERJ

Realização

INSTITUTO HISTÓRICO
E
GEOGRÁFICO BRASILEIRO

Apoio
RESUMOS

Programação 1
• HISTÓRIA SOCIAL DO DIREITO: CONTINUIDADES E RUPTURAS
Política colonizatória e estratificação da cidadania no Brasil: Uma reavaliação historio-
gráfica da Lei de Terras (1850) 9
Bernardo Pinhón Bechtlufft
Propriedade escrava e fundiária em processos judiciais (Brasil, 1835-1850) 13
Mariana Armond Dias Paes
Processos judiciais como fonte de pesquisa histórica: Aposentadoria forçada
dos magistrados do Império 15
Maria da Conceição Cardoso Panait
Uma Proposta de Organização do Contencioso Administrativo
no Brasil Império 19
Pedro Gustavo Aubert
“... Se digne mandar intimar o editor”: Autos crimes de exibição de autógrafo
na comarca de Bragança-SP (1877-1931 23
Rodrigo Camargo de Godoi
Justicia eclesiástica y control social. Acerca del funcionamiento de la Audiencia episcopal
en Córdoba del Tucumán, 1778-1836 29
María Laura Mazzoni
O Direito e o avesso do escravismo: comentários sobre os casos paradigmáticos de Luiz
Gama e as ações de liberdade 35
Paulo Henrique Rodrigues Pereira
O remédio constitucional republicano da população carioca: o habeas-corpus
nos anos 1920 41
Tatiana de Souza Castro
A compreensão parlamentar da suspensão das garantias constitucionais dos
cidadãos no Primeiro Reinado brasileiro: os debates sobre o §35 do Art. 179
da Constituição em 1826, 1829 e 1830 47
Vivian Chieregati Costa
A História do Direito para melhor compreensão do problema
da grilagem de terras devolutas 53
Cláudio Grande Júnior
Criminalizando a política? Conflitos políticos em ações de habeas corpus
julgadas pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil da Primeira República (1894-1920) 59
Raquel R. Sirotti
• HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA CRIMINAL BRASILEIRA
(CRIME, PROCESSO E PENAS)
Luis Jiménez de asúa y Brasil: las cárceles cariocas ante un
“protector de los criminales” 65
Enrique Roldán Cañizares
O crime da rua da Aurora 71
Mônica Maria de Pádua Souto da Cunha
Corrupção empresarial no Brasil republicano: A cordialidade brasileira
nas relações entre o Público e o Privado 77
Anna Flávia Arruda Lanna Barreto
Natália Silva Teixeira Rodrigues de Oliveira
“La exportación del penitenciarismo justicialista: Roberto Pettinato y la
primera reunión penitenciaria brasileña (río de janeiro, noviembre de 1952) 83
Jorge Alberto Núñez
Uma análise acerca do Inciso XLIII do Art. 5º da Cf/88 e da Lei 11.343/06:
A produção das marcas da miséria 87
Michel Cícero Magalhães de Melo
O STF e a vadiagem: Análise de casos que chegaram ao Supremo Tribunal Federal
na Primeira República (1918-1919) 91
Gustavo C. Zatelli
Os debates sobre a pena de morte no Congresso Nacional Constituinte de 1890
e as principais ideias de Beccaria e Lombroso 95
Delmiro Ximenes de Farias
Delmiro X. Farias
Os delitos de abuso de liberdade de imprensa no direito penal do Brasil Imperial 101
Danler Garcia Silva
Histórico do crime de receptação na Legislação brasileira 107
Brenda Lorrana Franco
Karen Lopes Rezende
Yasmin Felipe do Nascimento
Ilegalismo, ilegalístico e duplo nível de legalidade: Uma possível conexão entre os traba-
lhos de Michel Foucault e Mario Sbriccoli 113
Raul Ferreira Belúcio Nogueira
Para além do Código: O papel do poder executivo na interpretação
do Direito Criminal do Império 119
Fernando Nagib Marcos Coelho
O tratamento legal destinado ao ofendido no Brasil Império (1824 – 1858) 123
Antônio de Holanda Cavalcante Segundo
Afonso Roberto Mendes Belarmino
Crime, perdão e gênero: Apontamentos sobre a cultura jurídica criminal
setecentista a partir do caso de Anna Maria do Espírito Santo (1783) 127
Vanessa Massuchetto
Os crimes sexuais no Código Criminal de 1830 133
Débora Tomé de Sousa
Um “cartório de feiticeiras”: Direito e feitiçaria na Vila de Curitiba (1750-1777) 139
Danielle Regina Wobeto de Araujo
Embriaguez, violência e justiça nos jornais de Curitiba (1890-1921) 143
Otávio A. G. Weinhardt
A evolução dos mecanismos de combate à compra de votos no Brasil:
uma análise histórico-jurídica 147
Flávia Carósio Goes
Victor Rodrigues Nascimento Vieira
A presunção de inocência na história e no processo penal:
Crítica a interpretação atual 153
Patricia Rocha Castilho Binski
Nilma Jaqueline Correia
Naiana Caroline Taques
A segregação dos doentes mentais infratores na evolução histórica
da legislação penal brasileira 159
Pedro Henrique Nunes Gentil
Uma análise acerca da criminalização de mulheres negras e brancas a partir
das estatísticas do boletim policial de 1907 a 1917 163
Manuela Abath Valença
Fernanda Lima da Silva
Marília Montenegro Pessoa de Mello
O crepúsculo da forca: considerações sobre a pena de morte na sociedade imperial
a partir da análise do processo judicial relativo à última execução à pena capital ocorri-
do no Brasi 167
Hugo Leonardo Rodrigues Santos
Cultura jurídica processual penal, juristas-legisladores e a circulação
do Código (1930-1964) 171
Gabrielle do Valle Stricker
O Tribunal do Júri da Corte imperial do Rio de Janeiro durante a regência 177
João Luiz de Araújo Ribeiro
• CRISES CONSTITUCIONAIS NA HISTÓRIA DO BRASIL REPÚBLICA
O Marxismo na História do Supremo Tribunal Federal: Uma análise
do período da ditadura civil-militar-empresarial brasileira (1964-1985) 183
Enzo Bello
Rene José Keller
Crise insitucional e a relativização do princípio da proibição do retrocesso
social: Uma análise comparada 187
Débora de Oliveira Côco
Isabella Martins Cecílio
O Brasil à beira de uma crise constitucional, de novo? 191
Rafaele Balbinotte Wincardt
Juristas e ditadura: A atuação política dos professores da Faculdade
de Direito da UFSC durante a ditadura militar (1964-1969) 195
Rodrigo Alessandro Sartoti
Crises constitucionais e a violação dos Direitos Civis e Políticos entre os anos
de 1964 a 1970 no Estado da Paraíb 201
Jean Patrício Silva
Michelle Santos do Nascimento
Lara Celina Maia Mendes de Oliveira
Laís Marreiro de Souza
O autoritarismo invisível – um estudo da relação entre Direito Privado
e ditadura a partir do Decreto-lei n. 911/69 205
Fernando Honorato
O estatuto teórico dos Atos Institucionais na doutrina constitucional
brasileira (1964-1985) 209
Mário Augusto D’antonio Pires
Golpe civil-militar de 1964: Estratégias discursivas como instrumento
de legitamação ditatorial 213
Agenor Gabriel Chaves Miranda
Anna Beatriz Abreu
Marcelo Alves Vieira
Pedro Victor Porto Ferreira
Direito e golpismo: Disputas pela legalidade na crise política de 1955 217
Claudia Paiva Carvalho
O terrorismo na Assembleia Nacional Constituinte (1987-88): Do direito
da Segurança Nacional à Democracia 221
Ana Carolina Couto Pereira Pinto Barbosa
Desigualdade, disputas regionais e estabilidade democrática nos casos
do federalismo brasileiro e alemão: Em estudo comparado 227
Gustavo Castagna Machado
A Faculdade de Direito da Bahia, o golpe de 1964 e seus antecedentes (1961-1964) 237
Márcia Costa Misi
Julio Cesar de Sá Rocha
• CULTURA JURÍDICA E DIÁSPORA AFRICANA
Outras Histórias de Liberdade: Pensar a história constitucional
a partir do Atlântico Negro 245
Marcos Vinícius Lustosa Queiroz
Thiago Ferrare
Sociedade Operária 13 de Maio: Cultura jurídica e associativismo negro
no pós-Abolição (1888-1896) 249
Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino
Possibilidades metodológicas para uma história do Direito do pós Abolição 253
Maurício Azevedo Araújo
Silêncios e apagamentos no julgamento da ADI nº 3239: os quilombos
e a disputa da História constitucional 257
Rodrigo Gomes
Ubuntu: Conceito(s), História e aplicações nos direitos sul-africano e brasileiro 263
Eduardo Ramos Adami
A influência do pan-africanismo na construção do modelo de
regionalismo africano 267
Lucas A. A. de. Souza Lima
A participação do movimento de trabalhadoras domésticas na
Assembleia Nacional Constituinte de 1988 271
Juliana Araújo Lopes
A Escravidão na economia política ensinada na Academia
de Direito de Pernambuco 275
Guilherme Ricken
Gestão de uma cidade negra: Salvador e trabalho de rua no início do Século XX 279
Bruna Portella de Novaes
Memória por direito(s): A Comissão Nacional da Verdade sobre a escravidão Negra
no Brasil e o racismo em disputas sobre reparar e esquecer 283
Gabriela Barretto de Sá
• HISTÓRIA CONSTITUCIONAL
A tolerância e as liberdades das religiões sob a ótica
da teoria crítica histórico-construtivista dos Direitos Humanos 291
Brenner T. Rocha
Teoria constitucional brasileira: Uma história a ser contada? 297
Wingler Alves Pereira
A instrumentalização da fé para a propagação de uma idéia sebastianista
de constituição no limiar da Independência do Brasil 301
Gabriel Lima Marques
Epitácio Pessoa e o Constitucionalismo Estadual 305
Ana Rafaela Pessoa Alcoforado Alcoforado
Marcílio Toscano Franca Filho
Pensamento financeiro e tributário na primeira república: Um estudo
sobre a produção intelectual e a trajetória política de Inocêncio Serzedello Corrêa 311
Priscila, P. P. Gonçalves
Sistemas de governo na Constituinte de 1987/1988: a dicotomia presidencialismo
e parlamentarismo em debate 315
Leonam Baesso da Silva Liziero
Uma abordagem historiográfica sobre a política imigratória
no período Vargas (1930-1945) 319
Isabela Cristina Ferreira Borges
Washington Vinicius Almeida Dias
Lidiane Franco Oliveira
Isabella Alves Santos
Constitucionalismo Social y Lenguaje Jurídico: El caso de la reforma
constitucional argentina de 1949 323
Leticia Vita
Territorialidade e personalidade do Direito: Antecedentes ibéricos 327
João Marcos de Castello Branco Fantinato
A Constituição de 1891 no pensamento dos constituintes 331
Bruno César Prado Soares
A evolução do Poder Judiciário nas Constituições do Brasil:
De coadjuvante a protagonista 335
Carlos André Coutinho Teles
Marcio Caldas de Oliveira
Fernando Rangel Alvarez dos Santos
Centralização e descentralização no sistema educativo e a história constitucional 339
Augusto Righi
Episódios da formação constitucional do Brasil sexualidade, raça e eugenia
sob o governo de Getúlio Vargas (1930-1934) 343
Vanessa Santos do Canto
Responsabilidade política: Crimes de responsabilidade na História Constitucional
do Direito brasileiro 347
Adauto Henrique Estephanini Bignardi
Bárbara Joy Dutra Neves
Alexandre Borges Walmott
Os pareceres anônimos de João Gomes: Um retrato da racionalidade
constitucional vigente no Segundo Reinado? 351
Judá Leão Lobo
Direito, Política e Neoconstitucionalismo: Um breve esboço 357
Marja Mangili Laurindo
Participação popular na Assembleia Nacional Constituinte de 87-88:
A inserção dos instrumentos de democracia direta através de emenda popular 361
Cláudio Ladeira de Oliveira
Thiago Burckhart
Suellen Moura
Entre a Lei e a Justiça: O argumento da equidade e seu impacto
na interpretação constitucional 367
Guilherme Madeira Martins
O modelo da Constituição de 1824 e a contradição pontual
do liberalismo brasileiro 371
Geovana Soares de Oliveira
Gessyca Romilda da Rocha
Natália Siqueira Alves
A (in) constitucionalidade positivista: A Constituição rio-grandense de 1891
e as linguagens políticas republicanas 375
Pedro Pereira
Poder moderador na constituição política do Império do Brasil (1824):
bases teóricas e debates constituintes 381
Cláudio Alcântara MEIRELES JÚNIOR
A Constituição de 1824 à luz do poder moderador com ênfase nos sistemas
de responsabilidade vigentes à època 387
Felipe Eduardo de Oliveira Silva
Alexandre Walmott Borges
Educação e(m) disputa: Discussões sobre a repartição de competências na educação
durante a Constituinte de 1933-1934 393
Laila Maia Galvão
José Arthur Castillo de Macedo
Violação a direitos fundamentais no contexto que antecede a Constituição de 1937:
Uma análise do hc 26.155/1936 (O caso Olga Benário Prestes) 399
João Rodolpho Cabral de Souza
Da provisoriedade à constituição de 1934: O parecer de Hans Kelsen ao
governo Vargas e os caminhos da constituinte 403
Gabriel Frias Araújo
Carlos Eduardo de Abreu Boucault
Às vésperas da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934: uma história da
eugenia e sua positivação constitucional 409
Taísa Regina RODRIGUES
História, Política e Direito em torno de decisões judiciais 415
Leonardo Seiichi Sasada Sato
Constitucionalismo e autoritarismo no Brasil: O eterno retorno 419
João Paulo Allain Teixeira
Antiliberalismo e federalismo fiscal: Estudo de caso do município de Pelotas-RS nos
primórdios da Primeira República 423
Mauro Francisco Buss Filho
Maria das Graças Pinto de Britto
O rádio à luz da Constituição de 1937: Um instrumento de poder
a serviço do Estado Novo 427
Joanir Fernando Rigo
Patrícia Soster Bortolotto
• HISTÓRIA, GÊNERO E DIREITO: RUPTURAS E PERMANÊNCIAS
Lugar das mulheres negras no período pós-abolição e sua dimensão jurídica:
Um olhar de gênero e raça para a cultura jurídica brasileira 435
Karolyne Mendes Mendonça Moreira
Mariana Silvino Paris
Educação jurídica e a questão de gênero na República Velha:
As primeiras bacharéis em Direito no Ceará 439
Ana Carolina Farias Almeida da Costa
Sarah Dayanna Lacerda Martins Lima
Quem matou Eloá? O recrudescimento da
“Maria da Penha” e a midiatização do crime 445
Laura Lemos e Silva
O caso Sears: Negociações e recusas do binômio igualdade-diferença
quanto à discriminação de gênero no mercado de trabalho 451
Heloisa Bianquini
• DIREITO E EXPANSÃO DA ESTATALIDADE
Utilidade Pública, Interesses Privados: Engenheiros e advogados nas
disputas pela cidade (Rio de Janeiro, 1903-1906) 457
Pedro Jimenez Cantisano
A reforma judiciária de 1841 e os limites da centralização Judiciária 461
Elaine Leonara de Vargas Sodré
O projeto de Teixeira de Freitas: Um código civil antinapoleônico? 467
Alan Wruck Garcia Rangel
O controle punitivo dos escravos no Brasil do século XIX:
um Estado imperial intervencionista? 471
Liliam Ferraresi Brighente
Formação da armadura jurídica do território brasileiro (1931-1950) 475
Thiago Freitas Hansen
Proibido por lei, consentido pelo Direito: Estado, Escravidão
e Ferrovias no Brasil do século XIX 479
Walter Marquezan Augusto
Conselho de Estado e o controle da entrada de pessoas negras no Brasil:
Uma análise da atuação da Seção de Justiça 485
Txapuã Menezes Magalhães
Justicia y procesos de circulación el caso de la Justicia de Paz
(Brasil y Rio de la Plata 1821-1830) 489
Nicolás Beraldi
• DIREITO E JUSTIÇA NA AMÉRICA PORTUGUESA
Guerra justa e escravidão indígena na América Portuguesa: Uma análise sobre o massa-
cre dos índios Paiaku na ribeira do Jaguaribe em 1699 495
Marcos Felipe Vicente
A devassa contra os ilustrados neoclássicos: A “Inconfidência Carioca” de 1794-1795 499
Matheus Farinhas de Oliveira
Jurisdição da Pena de Morte na América Portuguesa (1723-1808) 505
Bárbara Benevides
A Constituição de Cádiz de 1812 e o constitucionalismo
revolucionário brasileiro de 1817 509
Leonardo Morais de Araújo Pinheiro
A Revolução Republicana de 1817 e o dilema constitucional 513
Marcelo Casseb CONTINENTINO
• HISTÓRIA DO DIREITO E TRANSIÇÕES POLÍTICAS
A Ditadura Militar brasileira captada pelas lentes do cinema. Projeto marcas da memó-
ria 519
Marília Kairuz Baracat
Carandiru: Uma história das continuidades autoritárias 525
Tiago Pires Cotias Villas
A voz das vítimas da bomba da OAB como possibilidade de reconstrução
da memória do Direito 529
Lusmarina Garcia
Juliana Neuenschwander
A ADPF n. 153 e a ideologização da memória sobre a ditadura militar 533
Marcus Giraldes
“Michael Kohlhaas” e a transição para a modernidade 537
Sávio Mello
Constitucionalizar a exceção: O debate sobre a criação dos Institutos do Estado de Emer-
gência e das medidas de emergência na Conferência Nacional da OAB de 1978 541
Mateus do Prado utzig
Entre o Direito Adquirido e os Atos Institucionais: O debate sobre
a revogação da Anistia de 1961 no Supremo Tribunal Federal (1969-1977) 547
Raphael Peixoto de Paula Marques
A conexão americana: O Serviço Nacional de Informações (SNI) do Brasil e o
governo invisível dos Estados Unidos 549
Vicente Rodrigues
Inez Stampa
Ruptura democrática e o processo de transição conciliada: Os fantasmas da ditadura
civil-militar na Constituição de 1988 553
Diogo Bacha E Silva
Um debate sobre a positivação do direito de greve a partir da Constituição de 1988.
Avanço ou retrocesso? 557
Gabriel P. P. de S. Melgaço
• HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO
Traduzindo conflitos e enunciando direitos: A 1ª Junta de Conciliação e julgamento de
Porto Alegre como espaço de formação de sujeitos
de direitos trabalhistas (1941-1943) 563
Vicente de Azevedo Bastian Cortese
Regulação trabalhista e o contexto constitucional de 1934: Um estudo de caso 569
Rafael Lamera Giesta Cabral
Legislação Social da Primeira República: O Direito, o Estado e o Trabalho 575
Fernanda Cristina Covolan
Advogados associados e sua relação com a sociedade fluminense:
Notícias de uma pesquisa 579
Jorge Luís Rocha da Silveira
De enxadas a Winchesters: Cidadania na demarcação de terras
do Sudoeste do Paraná (1957-1973) 583
Laís Mazzola Piletti
A história da formação operária no Brasil e a greve de 1917 587
Michel Zaidan
Ariston Flávio Costa
O Decreto 24.637 de 1934: Impactos efetivos nas ações de indenização por acidentes
de trabalho e relações empregatícias em Campinas-SP 591
Jacqueline Camargo Cunha
Greves, greves e mais greves: Uma análise da greve como direito a partir dos debates na
Câmara dos Deputados (1934-1935) 595
Julia de Souza Rodrigues
Eini Rovena Dias
• INICIAÇÃO CIENTÍFICA
Análise jurídica e política historiográfica da tentativa de anulação da desapropriação
confiscatória do Palácio Guanabara (Paço Isabel) conflitos temporais a luz das constitui-
ções 1891 e 1988 601
Gustavo de Almeida Muniz Coutinho
Perdidos entre duas Nações: As deportações de operários estrangeiros após a greve de
1917 607
Laryssa Emanuelle Pinheiro Lula
Campos de concentração no Estado Novo: Respaldo legal? 611
Melissa Pinheiro Almeida
A Produção do Código de Processo PenaL: Sua recepção pela sociedade à luz
dos periódicos e da doutrina 617
Guilherme Cundari de Oliveira Amâncio
Maurício Dutra de Oliveira
O trabalhador e os direitos trabalhistas no interior de São Paulo: processos
administrativos pré justiça do trabalho em Araraquara 623
Expedito Claudenilton Pereira Lima
Lauany Oliveira Amaral
Tolstói e o verbo-análise do conceito de Justiça a partir da hermenêutica
religiosa de Liév n. Tolstói 627
Caio Henrique Dias Duarte
A história da Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro entre 1935 e 1947 633
Anna Carolina Oliveira Nunes Nunes
Francisca Maria de Medeiros Marques
Maria Clara Costa Guedes Alves
Gustavo Silveira Siqueira
Histórico do crime de receptação na Legislação Brasileira 637
Brenda Lorrana Franco
Karen Lopes Rezende
Yasmin Felipe do Nascimento
A evolução dos mecanismos de combate à compra de votos no Brasil:
Uma análise histórico-jurídica 643
Flávia Carósio Goes
Victor Rodrigues Nascimento Vieira
A presunção de inocência na história e no processo penal:
Crítica a interpretação atual 649
Patricia Rocha Castilho Binski
Nilma Jaqueline Correia
Naiana Caroline Taques
A segregação dos doentes mentais infratores na evolução histórica da legislação penal
brasileira 655
Pedro Henrique Nunes Gentil
PROGRAMAÇÃO
RUPTURAS, CRISES E DIREITO
Quais as formas que os direitos assumem nas rupturas políticas?
De que forma o direito pode ser um instrumento de manutenção ou de alteração das ordens?
Sem perder o rigor metodológico e o aprofundamento nas fontes primárias, o IX Congresso de História do Direi-
to terá como tema central as formas do direito em temos de crise. Nos 190 anos da fundação dos cursos jurídicos
no Brasil, nos 80 anos da outorga da Constituição de 10 de novembro de 1937, nos 50 anos da Constituição de
1967, o objetivo acadêmico é discutir os papéis, as posições e os lugares dos juristas e do direito em tempos de
rupturas e transformações.

SEGUNDA-FEIRA 04 DE SETEMBRO
13:00h – Credenciamento
14:00h – Conferência de abertura
Local: Salão Nobre
“Tradições jurídicas” e História do direito
Thomas Duve
Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte (MPI)

15:30h-18:30h – GTS SIMULTÂNEOS


Local: Terraço
GT1 História Social do Direito: Continuidades e rupturas I
Beatriz Gallotti Mamigonian – UFSC
Mônica Duarte Dantas – USP
Coordenadoras do Grupo de Trabalho

Local: Núcleo de Pesquisas


GT2 História da cultura jurídica criminal brasileira (crime, processo e penas)
Luís Fernando Lopes Pereira –UFPR
Clara Maria Roman Borges – UFPR
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala Teresa Cristina


GT5 História constitucional I
Christian Edward Cyril Lynch – IESP-UERJ – IHGB – FCRB – UVA
Coordenador do Grupo de Trabalho
Local: Sala de Projetos Especiais – Ambiente 1

GT7 Direito e expansão da estatalidade


Airton Seelaender – IHGB – UnB
Ana Lúcia Sabadell – UFRJ
Allan Rangel – UERJ
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala de Projetos Especiais – Ambiente 2


GT11 Iniciação científica
Hanna Sonkajärv – UFRJ
Coordenadora do Grupo de Trabalho

18:30h – Intervalo
18:45h – Conferências
Local: Salão Nobre
De Volta para o futuro. Textos antigos para uma nova ciência jurídica
Cristina Vano – Università degli Studi di Napoli Federico II
República por ações. Sociedade mercantil e sociedade política SS. XVII- XX
Carlos Petit – Universidad de Huelva
Filhos ilegítimos e filhos de criação na casa grande e nas Varas Civis brasilei-
ras, 1916-1940
Sueann Caulfield – University of Michigan
Coquetel de Abertura
Local: Terraço

TERÇA-FEIRA 05 DE SETEMBRO
09:00h-12:30h – GTS SIMULTÂNEOS
Local: Terraço
GT1 História Social do Direito II
Beatriz Gallotti Mamigonian – UFSC
Mônica Duarte Dantas – USP
Coordenadoras do Grupo de Trabalho

Local: Núcleo de Pesquisas


GT2 História da cultura jurídica criminal brasileira II
Luís Fernando Lopes Pereira –UFPR
Clara Maria Roman Borges – UFPR
Coordenadores do Grupo de Trabalho
Local: Sala Pedro Calmon

GT4 Cultura jurídica e diáspora africana II


Thula Rafaela de Oliveira Pires – PUC-Rio
Evandro C. Piza Duarte – UnB
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala Teresa Cristina


GT5 História constitucional I
Christian Edward Cyril Lynch – IESP-UERJ – IHGB – FCRB – UVA
Coordenador do Grupo de Trabalho

Local: Sala Projetos Especiais


GT6 História, gênero e Direito
Cecília Caballero Lois – UFRJ
Caroline Ferri – UERJ
Coordenadoras do Grupo de Trabalho

14:00-15:30h – Conferências
Local: Salão Nobre
Brasil: Crises institucionais e utopia autoritária
Carlos Fico – UFRJ
Entre o Estado administrativo e a crise do Estado interventor: Carl Schmitt e
Francisco Campos?
Gilberto Bercovici – USP
15:30h-18:30h – GTS SIMULTÂNEOS
Local: Terraço
GT1 História Social do Direito III
Beatriz Gallotti Mamigonian – UFSC
Mônica Duarte Dantas – USP
Coordenadoras do Grupo de Trabalho

Local: Núcleo de Pesquisas


GT2 História da cultura jurídica criminal brasileira II
Luís Fernando Lopes Pereira – UFPR
Clara Maria Roman Borges – UFPR
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala Pedro Calmon


GT3 Crises constitucionais do Brasil República II
Cristiano Paixão – UnB
Vera Karam de Chueiri – UFPR
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala Projetos Especiais


GT4 Cultura jurídica e diáspora africana I
Thula Rafaela de Oliveira Pires – PUC-Rio
Evandro C. Piza Duarte – UnB
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala Teresa Cristina


GT5 História constitucional III
Christian Edward Cyril Lynch – IESP-UERJ, FCRB, UVA
Coordenador do Grupo de Trabalho

18:30h – Intervalo
19:00-20:30h – Conferências
Local: Salão Nobre
Uma polissemia conceitual: A definição jurídica dos direitos do homem e o
processo constitucional brasileiro, 1817-1824
Arno Wehling – ABL – IHGB – UVA
Constituição: A trajetória de um conceito no mundo luso-brasileiro
Lúcia Bastos – IHGB – UERJ
O papel e o lugar político do poder judicial no Império
Christian Lynch – IESP-UERJ – IHGB – FCRB – UVA
QUARTA-FEIRA 06 DE SETEMBRO
09:00h-12:30h – GTS SIMULTÂNEOS
Local: Sala Pedro Calmon
GT3 Crises constitucionais do Brasil República I
Cristiano Paixão – UnB
Vera Karam de Chueiri – UFPR
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala Teresa Cristina


GT5 História constitucional IV
Christian Edward Cyril Lynch – IESP-UERJ – IHGB – FCRB, UVA
Coordenador do Grupo de Trabalho

Local: Sala Projetos Especiais


GT8 Direito e Justiça na América Portuguesa
Carmen Margarida Oliveira Alveal – UFRN
Gustavo César Machado Cabral – UFCE
Coordenadores do Grupo de Trabalho

Local: Sala CEPHAS


GT9 História do Direito e transições políticas I
Juliana Neuschwander Magalhães – UFRJ
Angélica Muller – UFF
Coordenadoras do Grupo de Trabalho

Local: Núcleo de Pesquisas


GT10 História do Direito do Trabalho
Clarice Speranza – UFPel
Juliana Teixeira – UFPE
Coordenadoras do Grupo de Trabalho

14:00-16:00h – Conferências
Local: Salão Nobre
A exceção e a regra: o conceito de “ius singulare “ no debate jurídico dos
séculos XIX e XX
Alberto Spinosa – Università degli Studi di Ferrara
Na era das máquinas. Direito codificado e incerteza da classificação pelos
juristas
Giovanni Cazzetta – Università di Ferrara
Esquartejar ou controlar? A formação da Área Penal no Brasil (Secs. XVIII/
XIX)
Ricardo Marcelo Fonseca – IHGB – UFPR
16:00h – Lançamentos de livros
Lançamento do volume especial da R.IHGB
“O Centenário do Código Civil e o Livro do Centenário”
Airton Seelaender – IHGB – UnB
Lançamento do projeto da Revista do Instituto Brasileiro de História do Di-
reito
16:30h – Conferência de encerramento
Local: Salão Nobre
A História das “coisas invisíveis”: O Direito das cores
António Manuel Hespanha – IHGB – Universidade Nova Lisboa
Coquetel de Encerramento
Local: Terraço
RESUMOS

HISTÓRIA SOCIAL DO DIREITO:


CONTINUIDADES E RUPTURAS
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

POLÍTICA COLONIZATÓRIA E ESTRATIFICAÇÃO DA


CIDADANIA NO BRASIL: UMA REAVALIAÇÃO HISTO-
RIOGRÁFICA DA LEI DE TERRAS (1850)

BERNARDO PINHÓN BECHTLUFFT


Mestrando em Direito pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER)
E-mail: bernardo.bechtlufft@gmail.com

Eixo Temático: 1. História social do Direito: continuidades e rupturas. Co-


ordenadoras: Beatriz Gallotti Mamigonian - UFSC e Monica Duarte Dantas - USP

Palavras-chave: HISTÓRIA DO DIREITO; LEI DE TERRAS; POLÍTICA CO-


LONIZATÓRIA.

Resumo: No campo dos direitos humanos, a carência de um discurso


crítico sobre o passado do direito se faz sentir de modo desmesurado. Afinal,
muito embora a sua legitimidade seja reclamada a partir de um déficit na sua
implementação, o fundamento histórico empregado, por vezes, peca pela au-
sência de maior elaboração téorica dessa pretérita violação. Sem isto, por vezes,
o árduo trabalho de concessão de uma legitimidade histórica aos denominados
“novos direitos” tem que buscar nas mesmas fontes, teorias e discursos da história
dos vencedores a base para a sua legitimação. É dizer: procura nos despojos do
vencedor as armas com as quais quer deflagar o conflito epistêmico sob o qual,
ética e politicamente, visa afirmar, contramajoritariamente, o seu objeto.

É necessário, pois, escrever a história do direito a contrapêlo, isto é, sob a


perspectiva dos vencidos (BENJAMIN, 1987), listando-se os direitos que lhes foram
negados, subtraídos, subjugados, para a afirmação de uma vontade política que o
discurso histórico corrente oblitera ou simplesmente teima em desconhecer. Neste
sentido, se torna imprescindível a elaboração de uma contranarrativa (WHITE,
1994), fundada em uma crítica ferrenha às condições de produção de suas fontes
e de seus postulados fundamentais. Com isto, combatemos o pernicioso legado
do positivismo no seio das ciências jurídicas, o qual, transposto à historiografia
do direito, tende a compreender e glorificar o presente como se fosse legado
de uma tradição imemorial, inserida na ordem natural (e a-histórica) das relações

9
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

sociais ou, ao revés, como se fosse o produto acabado e aperfeiçoado de uma


experiência civilizatória (FONSECA, 2009; HESPANHA, 1997).

Eis aqui, por conseguinte, a chave interpretativa a partir da qual nos per-
mitimos reavaliar a importância da Lei nº 601/1850 (Lei de Terras) para a história
do direito e o resgate desta mesma experiência para o direito contemporâneo,
notadamente no que atine ao nem tão inédito direito de migrar. Pretendemos
demonstrar o quanto a análise da denominada Lei de Terras não pode estar
limitada nem à avaliação de seus efeitos jurídicos imediatos, sobre a constituição
de uma moderna acepção de direito da propriedade em contraposição à prática
sesmarial (DI BENEDETTO, 2002; FONSECA, 2005; STAUT JUNIOR, 2008), tampouco
a seus efeitos sociais, no que atine à efetiva regulação da propriedade fundiária
(CARVALHO, 2008; SILVA, 2008). Pelo contrário, recuperando-se a dimensão his-
tórico-jurídica dos debates parlamentares em torno aos quais se deu a discussão
e aprovação da Lei de Terras, ressaltamos a necessária vinculação desta proposta
legislativa a um esforço obnubilado de normatização outrora da vida social: a
elaboração de uma política colonizatória.

Muito embora a preocupação com a atração de colonos europeus para


o preenchimento do “vazio da terra” estivesse presente no imaginário das elites
letradas desde o início do século XIX, não havia, até a década de 1840, maior
vinculação entre a questão colonizatória e a discussão sobre a prática sesmarial.
Tratavam-se, pois, de assuntos aos quais os legisladores conferiam enorme urgência
e centralidade, mas que eram vistos em separado, cada qual com suas ressalvas e
pecualiaridades. Não se articulava, portanto, a expectativa de atração de braços
para a indústria com a necessidade de regulamentação dos meios e modos de
aquisição da propriedade privada, situação que apenas será modificada a partir da
recepção, pelas elites letradas brasileiras, do pensamento do economista político
britânico Edward Gibbon Wakefield (1796-1862), responsável pela elaboração de
uma proposta colonizatória para as colônias inglesas.

O pensamento de Wakefield (1839) poderia ser assim resumido: a exis-


tência de terras abundantes, escassamente povoadas e devolutas constituiria um
verdadeiro empecilho à atividade produtiva, posto que, nesta hipótese, não haveria
como compelir o operário ao trabalho assalariado. Em um contexto mais amplo,
da Inglaterra imperialista e pós-Revolução industrial, a migração para Nova Gales
do Sul (Austrália), consistia em um problema real: melhor sorte teria o trabalhador
em ser deportado do que ser submetido às péssimas condições de trabalho das
fábricas inglesas. Deste modo, Wakefield concebe sua proposta de colonização
sistemática, por meio da qual propugna a criação de artifícios jurídicos para, nas
terras coloniais, insuflar-lhes o valor e negar-lhes a pronta aquisição do domínio.
O direito seria, portanto, o instrumento essencial para a reprodução social das

10
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

aristocráticas condições da vida metropolitana em cada uma das colônias inglesas


(RUSCHE & KIRCHHEIMER, 2004; MARTINS, 2016).

Transposta a questão ao cenário legislativo brasileiro, que representava como


iminente o fim do escravismo e, em decorrência deste, o enorme caos produtivo
e social, a proposta de E. G. Wakefield despertou enorme entusiasmo, a ponto de,
no repertório político e jurídico, ser lida como capaz de superar todos os males
da vida social. A preocupação demonstrada pelo legislador com uma proposta
colonizatória não mais se refere ao vazio demográfico, ao mero povoamento da
terra. Pelo contrário, pensar a colonização em meados do século XIX implica em
trazer à tona a necessidade de se repensar diversos aspectos jurídicos, sendo a
regulação dos meios de obtenção da propriedade apenas um dentre os proce-
dimentos necessários para a atração de braços industriosos, capazes de manter
a produção e a reprodução da própria vida social, em todos os seus aspectos.

Com esta inversão de sinal, destacando-se a necessária circulação de ideias


políticas e econômicas junto ao universo letrado das elites brasileiras, ressaltamos
que o conjunto de esforços despendidos pelo Império Brasileiro para com a nor-
matização da propriedade fundiária não consistia em um fim, mas sim o meio e,
simultaneamente, o efeito de superfície de uma proposta colonizatória. Ao dizê
-lo, destacamos que o direito à propriedade não se revelava historicamente um
instrumento de regulação do acesso ao espaço, de democratização do acesso à
terra, em detrimento das práticas sesmariais da Coroa Portuguesa. Ele é, ao revés,
o caminho por intermédio do qual se opera a estratificação da própria cidadania,
a partir da modulação premeditada e artificial de meios econômico-sociais de
aquisição da propriedade privada, que refletir-se-ão posteriormente sobre uma
distribuição social desigual dos pressupostos básicos em torno aos quais se funda
então uma vivência cidadã: o acesso à terra e ao trabalho.

Referências bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: ___. Obras escolhidas: Magia
e Técnica, Arte e Política. v. 01. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
CARVALHO, José Murilo de. O teatro das sombras: a política imperial. 4. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
COSTA, Emília Viotti. Da monarquia à república: momentos decisivos (1977). São
Paulo: Unesp, 1999.
___. Da senzala à colônia (1962). São Paulo: Editora Unesp, 1998.
DI BENEDETTO, Roberto. Formação histórica do instituto da propriedade no Brasil
do século XIX. Dissertação (Mestrado em Direito), Setor de Ciências Jurídicas,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2002.

11
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

FONSECA, Ricardo Marcelo. A “Lei de Terras” e o advento da propriedade mo-


derna no Brasil. Anuário Mexicano de Historia del Derecho, México: Instituto de
Investigaciones Jurídicas Unam, n. 17, p. 97-112, 2005.
___. Introdução teórica à histórica do direito. Curitiba: Juruá, 2009.
HESPANHA, Antonio Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um milênio.
Coimbra: Almedina, 2012.
IANNI, Octavio. Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas
(1954). São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura,1990.
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra (1986). São Paulo: Hucitec, 1996.
MARTINS, Roberto Borges. “Se Deus quiser, semana que vem... ou na ou-
tra...”: Terra, Trabalho e Liberdade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HIS-
TÓRIA ECONÔMICA, XI, 2015, Vitória. Anais... Vitória: UFES, 2015. Dis-
ponível em: <http://www.abphe.org.br/arquivos/2015_roberto_borges
_martins_se-deus-quiser-semana-que-vem-ou-na-outra_terra-trabalho-e-liberdade.
pdf>. Acesso em: 16 jul. 2016.
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Boitempo, 2015.
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do poder: conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. 2ed. Niterói: EdUFF, 2008.
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. 2. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2004
SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da Lei de Terras de 1850.
2. ed. Campinas: EdUnicamp, 2008.
SMITH, Roberto. Propriedade da Terra e Transição: Estudo da Formação da Pro-
priedade Privada da Terra e Transição para o Capitalismo no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1990.
STAUT JUNIOR, Sérgio Said. Dimensão jurídica e formas de apropriação no Brasil.
Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.47, p. 29-64, 2008.
WAKEFIELD, Edward Gibbon. A view of the art of colonization. Ontario: Batoche
Books, 2001;
___. A letter from Sydney: Principal town of Australasia. London: Robert Gouger,
1839.

12
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PROPRIEDADE ESCRAVA E FUNDIÁRIA EM


PROCESSOS JUDICIAIS (BRASIL, 1835-1850)

MARIANA ARMOND DIAS PAES


Doutoranda
Universidade de São Paulo (USP)
Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte (MPIeR)
E-mail: mdiaspaes@gmail.com

Eixo temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chave: escravidão, terras, propriedade

Introdução

O presente trabalho apresenta resultados parciais de minha pesquisa de


doutorado, cujo título é Escravos e terras entre posses e títulos: a construção social
do direito de propriedade no Brasil (1835-1889). Esta pesquisa tem como propósito
principal identificar o papel desempenhado pelos títulos e pela posse na dinâmica
de aquisição da propriedade escrava e fundiária no Brasil do século XIX. Utiliza-se
a expressão “títulos” nesta pesquisa com um valor conceitual histórico, a fim de
designar todo o gênero de documentos que especificam, com valor judicial, um
bem e seu respectivo proprietário. Os “títulos” se distinguem historicamente das
“posses”, isto é, das relações fáticas entre uma pessoa e um bem que, em certas
condições, geram o reconhecimento jurídico da propriedade. A identificação da
multiplicidade concreta das espécies de documentos abarcados pela categoria
“títulos” e um tratamento jurídico mais rigoroso da expressão constitui um dos
propósitos da pesquisa.

Nota-se, ainda, que o problema da ilegalidade latente dos modos de


aquisição da propriedade aproxima as questões escrava e fundiária. Esta pesquisa
trata como pressuposto essa perspectiva unificadora das duas questões e cuidará
de aprofundá-la investigando de que maneira os títulos de propriedade atuaram
em um contexto de disseminadas práticas de apossamentos irregulares.

13
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

Metodologia

Os resultados parciais apresentados neste trabalho são fruto da análise


de 18 processos judiciais que tramitaram perante o Tribunal da Relação do Rio
de Janeiro, entre 1835 e 1850. Tratam-se de diversos tipos processuais: ações de
liberdade, ações de demarcação, ações possessórias, ações de reivindicação de
propriedade.

Resultados e conclusões

As ações analisadas são marcadas por longas discussões a respeito da


validade dos títulos de domínio. Que tipo de documentos poderiam ser consi-
derados como títulos de domínio? Qual a força desses títulos diante de situações
possessórias? Quem eram os sujeitos legítimos para produzir esses documentos?
Essas eram, naquele momento, algumas das questões cujas respostas, em constante
disputa, eram juridicamente indeterminadas. Ao longo dos procedimentos judiciais,
as partes apresentaram variados tipos de documentos com a pretensão de que
fossem considerados pelos juízes como títulos válidos: assento de batismo, contrato
de compra e venda, escritura particular, formal de partilha, carta de doação de
alforria, escritura de alforria, declaração dos limites de um terreno, instrumento
passado diante de escrivão, dentre outros. Em cada processo, havia um debate
a respeito da força e da legitimidade desses títulos.

Ao longo do período analisado, os documentos usados como títulos de


domínio também estavam intrinsecamente relacionados à posse. A posse era um
elemento central no estabelecimento de relações jurídicas entre as pessoas e as
coisas. Já havia ecos de discursos que pretendiam dotar os títulos de propriedade
de força absoluta diante de situações possessórias. Já havia ecos de discursos de
“plenitude” do direito de propriedade. No entanto, esses discursos ainda não
eram hegemônicos e não eram capazes de alijar a posse do centro dos debates
a respeito das relações jurídicas entre pessoas e coisas. Os próprios títulos de-
pendiam, frequentemente, de confirmação pelo exercício de atos possessórios.
Na ausência de posse, o próprio domínio – mesmo aquele que se baseasse em
título válido – estava em risco.

Em um cenário em que havia inúmeras controvérsias a respeito de quais


eram as características de um título hábil a comprovar o domínio ou a pro-
priedade, o recurso à prova testemunhal e ao argumento do exercício da posse
proporcionavam às partes maiores chances de sucesso. Nesse contexto, mais
importante do que ter um documento escrito, era ter o reconhecimento social
da comunidade a respeito de qual relação estava estabelecida entre uma deter-
minada pessoa e uma coisa.

14
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PROCESSOS JUDICIAIS COMO FONTE DE PESQUISA


HISTÓRICA: APOSENTADORIA FORÇADA
DOS MAGISTRADOS DO IMPÉRIO

MARIA DA CONCEIÇÃO CARDOSO PANAIT


Doutoranda
Programa de Pós-Graduação em História Comparada - PPGHC
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
maria.panait@gmail.com

Eixo Temático: História Social do Direito: continuidades e rupturas.

Palavras-chave: Império; República; Magistrados.

Introdução

Os arquivos do Poder Judiciário são reconhecidos como fonte de pesquisa


primária multidisciplinar, sendo considerados documentos públicos, nos termos
da Lei 8159, de 08 de janeiro de 1991. O presente trabalho tem como objetivo
demonstrar a função probatória destes documentos e a sua utilização para le-
vantar dados relevantes para a história social do direito, principalmente quando
estudamos certos períodos de escassa a documentação arquivística, quando não
havia grande preocupação com registros para preservar a memória.

Com esse intuito, selecionamos para análise um dos processos históricos


que compõe o acervo do Centro de Memória da Justiça Federal da 2ª Região.
Trata-se de uma ação sumária ajuizada em 18 de julho de 1896 na Justiça Fe-
deral da Capital (Rio de Janeiro). Os autores Luiz Gonzaga de Almeida Araújo,
Joaquim Ferreira Vellozo, Manoel Joaquim dos Santos Patury, Thomé Affonso
de Moura, Francisco José da Silva, Manoel Armindo Cordeiro Guraná e João de
Siqueira Cavalcanti eram juízes de direito do período imperial, postos em dispo-
nibilidade com o advento da República, e que posteriormente foram obrigados
à aposentadoria forçada, por força do Decreto nº 2.056, de 25 de julho de 1985,
recebendo proventos proporcionais ao tempo trabalhado. A ação, patrocinada
por Ruy Barbosa, visava a nulidade do referido Decreto, por violar o art. 6º das
Disposições transitórias da Constituição Federal de 1891.

15
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

A documentação probatória acostada aos autos traz uma relação nomi-


nal de outros magistrados imperiais, em diversos distritos do país, que também
foram postos em disponibilidade, bem como publicações de atos oficiais. Entre
outras peças, consta um substabelecimento, redigido de próprio punho por Ruy
Barbosa para os Drs. Edmundo Bittencourt e Domingos Olympio Braga Caval-
canti, importantes advogados do cenário jurídico da Primeira República e para o
solicitador Gaspar Teixeira de Carvalho. Observamos, também, a atuação de José
Pereira da Graça Aranha, que na época era funcionário adjunto de Procurador, e
do Procurador Seccional Esmeraldino Bandeira.

Cumpre destacar a irretocável advocacia de Ruy Barbosa, no teor de suas


petições, nas quais desenvolveu profunda interpretação legislativa e constitucional
sobre os conceitos de direito adquirido, estabilidade jurídica, princípio da vitali-
ciedade da magistratura e outros.

A sentença foi proferida em 24 de junho de 1897, pelo juiz seccional da


Capital Godofredo Xavier da Cunha, que julgou nulo o referido Decreto e conde-
nou a Fazenda Pública a pagar aos autores os ordenados atrasados desde a data
em que foram aposentados compulsoriamente até serem aposentados legalmente.

A fonte estudada retrata, portanto, vestígios do regime imperial, que ainda


permaneceram nos anos iniciais da República (recorte temporal), em confronto
com a nova estrutura federativa, que adotou o dualismo judiciário com a criação
da Justiça Federal ao lado da Justiça Estadual.

O presente trabalho também deseja fomentar o uso de processos judiciais


históricos como fonte primária de pesquisa, bem como divulgar o acesso ao
acervo da justiça federal da 2ª Região, não apenas aos pesquisadores da história
do Direito, mas aos investigadores de todas as áreas do conhecimento, tendo em
vista o caráter multidisciplinar dessas fontes.

Metodologia

O acesso aos processos históricos está disponibilizado no site do Tribunal


Regional Federal da 2ª Região, como parte de projetos visando o resgate e a
valorização da memória institucional. A amostra estudada foi selecionada através
de uma plataforma de pesquisa virtual que realiza a busca por palavras-chave.
Apesar das regras de acesso ainda estarem em fase de aprovação pelo órgão, foi
solicitada a autorização da instituição para proceder à digitalização do documento.

Realizada a análise qualitativa das narrativas do processo judicial histórico,


nos foi permitido evidenciar o posicionamento dos atores em um campo jurídico,

16
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ampliando a compreensão do discurso situado naquele contexto histórico, social


e político.

A proposta de apresentação desse estudo, no grupo de trabalho Histó-


ria Social do Direito: continuidades e rupturas, envolve a utilização do programa
PowerPoint, para melhor visualizar as características e informações pertinentes à
fonte selecionada.

Resultados da pesquisa

Após leitura e análise detalhada do processo, levantamos elementos que


problematizam o conflito abordado pelos magistrados do império nos primeiros
anos da República, a legislação vigente, a ação do judiciário, levantamento dos
personagens envolvidos, o teor dos discursos contextualizados, bem como outras
informações fornecidas no documento que enriquecem a historiografia jurídica
institucional.

Referências bibliográficas
BARBOSA, Ruy. A Aposentadoria Forçada dos Magistrados em Disponibilidade. Rio
de Janeiro: Typographia do Jornal do Comercio de Rodrigues & C., 1896.
SALLES, Campos. Discursos na República. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902.
v.3, p.09-62. Disponível em <http://www.archive.org/stream/discursos00sallgoog#pa-
ge/n2/mode/1up>. Acesso em 09. jun.2017.
FREITAS, Vladimir Passos de. Justiça Federal: histórico e evolução no Brasil. Curitiba:
Juruá, 2010.
KOERNER, Andrei. Judiciário e cidadania na constituição da primeira república
brasileira. (1841-1920). 2ªed. Curitiba: Juruá, 2010.
BRASIL. Coleção das Leis do Império. Biblioteca digital. Obras Raras. Brasília: Câma-
ra dos Deputados. Disponível em <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcama-
ra/18299> acesso em jun. 2017.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UMA PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO DO


CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
NO BRASIL IMPÉRIO

PEDRO GUSTAVO AUBERT


Universidade de São Paulo-USP
E-mail: pedroaubert@yahoo.com.br

Eixo Temático: História Social do Direito.

Palavras-Chave: Conselho de Estado; Direito Administrativo; Política.

Introdução

O Brasil Império passou pela experiência de importar da França napoleônica


a ideia de Direito Administrativo. Surgida no contexto revolucionário, se guiava
pela percepção de que a razão de Estado não poderia ficar sujeita aos tribunais
judiciais, considerados então guardiões das tradições do Antigo Regime. Com isso, a
administração tornava-se sua própria julgadora quando a razão de Estado entrasse
em conflito com o interesse particular. Nas disputas políticas do Brasil oitocentista
essa concepção de Estado encontrou eco no núcleo do Partido Conservador
que se materializou na aprovação da Lei que recriou o Conselho de Estado em
1841 com seus regulamentos de 1842 estabelecendo no Capítulo III a instituição
“Dos Objetos Contenciosos” que previa o contencioso administrativo mas não o
organizava. Por essa razão, o Conselho de Estado passou a concentrar a matéria.
Tema presente em diversas pesquisas, em geral, voltadas à história das institui-
ções, o contencioso administrativo no Império vai para além da vasta produção
jurisprudencial que encontramos na documentação das Seções do Conselho de
Estado, notadamente as de Justiça e dos Negócios do Império. Porém, em 1857,
quando as cadeiras de Direito Administrativo já estavam instituídas nos cursos
jurídicos de São Paulo e Olinda (aprovadas pela Assembleia Geral Legislativa em
1851), o Visconde do Uruguai elaborou um projeto de organização do contencioso
administrativo em primeira e segunda instância. Tal proposta veio na esteira de
disputas políticas que seu grupo vinha travando desde 1853.

19
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

Metodologia

Tornado pela historiografia um símbolo do pensamento político do Vis-


conde do Uruguai, o Ensaio Sobre o Direito Administrativo desenvolveu diversos
conceitos presentes em outro trabalho de seu autor. Trata-se das Bases Para Melhor
Organização das Administrações Provinciais, publicado como anexo do Relatório
do Ministério dos Negócios do Império de 1858, então regido pelo Marquês
de Olinda no qual a proposta foi postulada. Tanto um trabalho como o outro
foram obras políticas. Importante ressaltar que o Ensaio não foi sequer cogitado
para ser submetido à apreciação do Poder Legislativo como compêndio para os
cursos jurídicos. Sua publicação se deu em um momento de disputa política
com a chamada Liga Progressista, com Zacarias de Góes e Vasconcelos à frente.

Resultados

A proposta formulada nas Bases pelo Visconde do Uruguai para organizar


em primeira e segunda instância o contencioso administrativo brasileiro consistia
em recriar os Conselhos de Presidência de Província que foram extintos pelo
Ato Adicional de 1834. Esses conselhos funcionariam como órgão de cúpula da
segunda instância. Para a primeira instância concebia que nos diversos distritos
haveria comissários da Presidência da Província que seriam os julgadores em
primeira instância, com a lei prevendo os casos de recurso obrigatório para o
Conselho de Presidência para serem validados. Afora isso, devido ao fato de as
Seções do Conselho de Estado lidarem com matérias contenciosas propunha que
fosse criada uma Secretaria do Conselho de Estado e uma Seção específica para o
contencioso administrativo. Ademais, postulava que esse sistema fosse instituído de
forma gradual, cabendo à experiência indicar os melhoramentos que demandava.

Conslusões

Esse projeto foi concebido pelo Visconde do Uruguai em momento no


qual o chamado gabinete da conciliação chegava ao poder com uma pauta po-
lítica concebida por Pedro II que se contrapunha à prática de trocar cargos por
apoio eleitoral. Por essa razão, a primeira pauta levada adiante pela conciliação
em 1854 foi a da tentativa de reforma da Lei de 3 de dezembro de 1841 que
dotava o Poder Executivo geral de uma série de cargos policiais e judiciários que
eram negociados em troca de apoio aos candidatos do governo nas eleições
legislativas. Estano o visconde na oposição ao projeto que o derrotou no Senado,
foi enviado em missão diplomátiva à França. No ano seguinte, sem a presença
desse influente opositor, foi pautada e votada a chamada Lei dos Círculos que
institui o voto distrital e instituiu incompatibilidades.

20
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Isto posto, é preciso olhar para a proposta de organização do conten-


cioso feita dois anos após a aprovação do sistema distrital pelo prisma político.
Eleitos deputados que Uruguai denominava “notabilidades de aldeia”, defendia
ele uma ingerência maior do governo nas eleições, na contramão das pretenções
do Imperador. Esse projeto das Bases criava uma série de novos cargos que se
subordinavam ao Poder Executivo e aumentava com isso a capacidade de ne-
gociação de apoios, pois passava então o governo a dispor de mais posições de
poder para alocar seus aliados.

Referências bibliográficas
AUBERT, P.G., Entre as Idéias e a Ação: o Visconde do Uruguai, o Direito e a Po-
lítica na Consolidação do Estado Nacional. Dissertação de Mestrado. São Paulo,
FFLCH/USP, 2011.
GARNER, L., “In Pursuit of Order: The Section of Empire of the Council of State,
1842-1889”. Tese de doutoramento, The Johns Hopkins University, 1987.
LOPES, J.R.L. O Oráculo de Delfos. O Conselho de Estado no Brasil-Império. São
Paulo: Saraiva & Fundação Getúlio Vargas, 2010
RIBAS, A.J. Direito Administrativo Brasileiro: Noções Preliminares. (Obra premiada
e aprovada pela Resolução Imperial de 9 de fevereiro de 1861 para uso das aulas
das Faculdades de Direito de Recife e São Paulo). Rio de Janeiro, F.L. Pinto & C.
Livreiros-Editores 87, 1866.
URUGUAI, V. Bases Para Melhor Organização das Administrações Provinciais. Rio
de Janeiro, Typografia Nacional, 1858.
URUGUAI, V. Ensaio Sobre o Direito Administrativo. in: CARVALHO, J.M. (ORG),
Visconde do Uruguai. São Paulo, Editora 34, 2002.

21
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

“... SE DIGNE MANDAR INTIMAR O EDITOR”:


AUTOS CRIMES DE EXIBIÇÃO DE AUTÓGRAFO
NA COMARCA DE BRAGANÇA-SP (1877-1931

RODRIGO CAMARGO DE GODOI


Universidade Estadual de Campinas – Unicamp
E-mail: rcgodoi@unicamp.br

História Social do Direito: Continuidades e Rupturas.

Palavras-chave: Crime; Imprensa; Injúria.

Em fins da década de 1870, ainda não era consenso entre os juristas do


Império se a Lei de 20 de Setembro de 1830 sobre o abuso da liberdade de im-
prensa teria sido ou não revogada com a promulgação do Código Criminal, a 16
de dezembro do mesmo ano.1 Em todo caso, no que se referia à responsabilidade
pelos impressos sediciosos e caluniosos, as duas legislações mantinham pratica-
mente intacto o princípio da responsabilidade sucessiva esboçado no primeiro
decreto sobre o tema assinado por D. João VI, em 1821.2 Na medida em que
o anonimato do autor era garantido por lei, “nos delitos de abuso da liberdade
de comunicar os pensamentos” eram considerados criminosos em primeiro lugar
os impressores, gravadores ou litógrafos, seguidos dos editores, em terceiro lugar
os autores e, por fim, os vendedores ou livreiros. Os impressores, gravadores e
litógrafos só se isentavam das penas e multas previstas na lei caso apresentassem
por escrito a obrigação de responsabilidade dos editores. Estes, por sua vez, só
escapavam das malhas do judiciário se apresentassem também em juízo docu-
mentos semelhantes assinados pelos autores. O modo como estas disposições
funcionavam na prática é o que demonstra uma série de Autos de Exibição de
Autógrafo processados na Comarca de Bragança, em São Paulo, entre 1877 e 1931.

Por exemplo, no dia 20 de março de 1881, foi publicado no jornal O


Guaripocaba de Bragança um artigo intitulado “A polícia e o rolo” 3. O texto
1 “Supremo Tribunal de Justiça: Revista Cível n. 2281”, Gazeta Jurídica, 1877, p. 296-306. “Revista nos crimes
de injúria – Lei de 20 de setembro de 1830 sobre os delitos de imprensa”, Gazeta Jurídica, 1877, p. 112-119.
2 GODOI, Rodrigo Camargo de. Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). São Paulo: Edusp,
2016. Principalmente o cap. 6: “Leis e crimes de imprensa no tempo do Padre Feíjó”, p. 105-106.
3 “A polícia e o rolo”, O Guaripocaba, Bragança, 20 mar. 1881, p. 2. Um exemplar desta edição do jornal foi

23
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

anônimo narrava o esforço do delegado de polícia, Capitão José Francisco Buenos


Ayres, em suprimir as pateadas no Circo Universal da Companhia Equestre Borel &
Casali em excursão pela cidade.4 O quiproquó havia começado em uma noite de
espetáculo na qual um dos palhaços do circo, “para fazer espírito”, dirigiu pilhérias
contra um dos “filhos-família” da cidade. Já na manhã seguinte ao espetáculo
corria o rumor de que, por vingança da chalaça, o moço e seus amigos haviam
prometido patear a companhia no próximo final de semana.5

Conforme o artigo, “o boato foi correndo e sempre aumentando o vo-


lume até que chegou aos ouvidos da autoridade policial: dizia-se então que os
rapazes estavam prevenidos para um grande barulho no circo, todos iriam arma-
dos e ninguém sairia vivo de lá!!!”. O delegado então se armou até os dentes e,
acompanhado de trinta homens, marchou para o circo na noite fatídica. Porém,
lá encontrou tudo em paz. O articulista anônimo do Guaripocaba não perdeu
a oportunidade de repreender a atitude da polícia, em seu entender exagerada,
escrevendo em tom prenhe de ironias que “a conclusão lógica desse fato selva-
gem é que o Sr. Capitão delegado não deposita a menor confiança na sua força
moral, decerto por... modéstia”. Em síntese, o artigo sugeria que quem interpretou
o palhaço na noite circense foi o Capitão Buenos Ayres que, “se quisesse raciocinar
um pouco, havia de concluir que o boato não passava de uma simples pilhéria”.

Com o Guaripocaba em mãos, o delegado por certo não gostou nada


do que leu. Assim, já do dia seguinte à publicação, ele remetia ao Juiz Municipal
de Bragança a petição a seguir transcrita na íntegra:

encartado no processo, ver: Processo de injúria pela imprensa contra a autoridade policial, Basílio Ferreira do
Apocalipse, réu; Justiça, autor, 1881, CDAPH-USF, caixa 93A, pasta 4.
4 Entre 1881 e 1882, é possível seguir nas páginas do Correio Paulistano a Companhia Borel apresentando-se
em outras cidades do interior da Província de São Paulo, como Capivari e Campinas. Correio Paulistano, 18 out.
1881, p. 2; 20 jan. 1882, p. 1; 29 jan. 1881, p. 1; 6 fev. 1882, p. 1.
5 Bastante comuns na Corte e nas Províncias desde a instalação dos primeiros teatros e casas de ópera na
colônia e período joanino, as pateadas consistiam em manifestações de reprovação da plateia ao espéculo em
cena. Por meio delas o público chegava ao ponto de interromper o espetáculo batendo os pés nos assoalhos
dos teatros. SOUZA, Silvia Cristina Martins de. As noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na corte (1832-
1868). Campinas: Ed. Unicamp, Cecult, 2002, p. 290.

24
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Exmo. Sr Juiz Municipal em exercício.


Diz o Capitão José Francisco Bueno Ayres, delegado de polícia deste
termo, que ele suplicante, no exercício de suas atribuições, deparou com
um artigo inserto no jornal Guaripocaba que se publica nesta cidade, sob
a epígrafe “A Polícia e o Rolo”, sob n. 247 datado de ontem, em que se
considera injuriado em diversos períodos do mesmo artigo e em outros,
com reticências, que dependem de explicações, ainda mais injuriado se
julga porque refere-se a atos de exercício de autoridade e talvez ao seu
caráter público, que este suplicante se esforça em zelar. É por isso, de
conformidade com os artigos 230 §2º do Código [Criminal] que considera
injúria tudo que pode prejudicar a reputação de alguém e 237 § do mesmo
Código – contra qualquer depositário ou agente de autoridade pública
em razão de seu ofício, impondo as penas aí estabelecidas, considerando-
se o suplicante injuriado por um tal artigo de que necessariamente teve
responsabilidade legal, requer a V. S. que [ilegível] seja citado o redator
do mesmo jornal, o cidadão José Guilherme Christiano para na primeira
audiência exibir o autógrafo do mesmo artigo, visto como o gerente do
mesmo periódico não tem responsabilidade legal, procedendo-se a forma-
ção da culpa nos termo da Lei, isto com procedimento oficial visto como
as injúrias e calúnias irrogadas a autoridade pública em ato de exercício
de suas funções cabe o mesmo procedimento em vista do decreto n.
1090 de 1º de setembro de 1860, com citação do Dr. Promotor Público
da Comarca para promovê-lo nos termo que a lei marca.
P. deferimento
ERM
Bragança, 21 de março de 1881.
José Francisco Bueno Ayres.6

De acordo com a queixa, o delegado procurava enquadrar a ofensa que


lera no jornal no artigo 230 do Código Criminal do Império. Inserto na Seção III,
“Calúnia e injúria”, do Capítulo II, “Dos crimes contra a segurança da honra”, este
artigo dispunha sobre as calunias cometidas contra “corporações que exerçam a
autoridade pública” por meios impressos, litografados ou gravados distribuídos,
e consequentemente lidos, por mais de quinze pessoas. Nestes casos, as penas
previstas variavam de “prisão por oitos meses a dous anos e multa correspon-
dente à metade do tempo”.7 As disposições do artigo 230 eram reforçadas pelo
artigo 237 § 2º que, conforme transcrito na petição, tratava especificamente das
injúrias “contra qualquer depositário ou agente de autoridade pública em razão
do seu ofício”. Aí as condenações podiam variar de nove a três meses de prisão
e multas correspondentes.8
6 Processo de injúria pela imprensa contra a autoridade policial, Basílio Ferreira do Apocalipse, réu; Justiça,
autor, 1881, CDAPH-USF, caixa 93A, pasta 4, fls. 6-6v.
7 Em seu grau máximo as penas aplicadas ao art. 230 chegavam a dois anos de prisão simples e multa; em
grau médio, a 1 ano e 4 meses de prisão e multa; e, em grau mínimo, 8 meses de prisão simples e multa
correspondente. PESSOA, Vicente Alves de Paula. Código Criminal do Império do Brasil anotado com leis, decretos,
jurisprudência dos tribunais do país e avisos do governo até o fim de 1876. Rio de Janeiro: Livraria Popular, 1877,
p. 369.
8 Idem, ibidem, p. 378.

25
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

No entanto, como mencionado, o artigo “A polícia e o rolo” não foi as-


sinado e sem saber o nome de seu autor era impossível proceder-se a formação
da culpa. A petição então solicitava que o Juiz Municipal intimasse o redator do
jornal O Guaripocaba, José Guilherme Christiano, para que, em audiência pública,
ele apresentasse a responsabilidade assinada do texto que tanto aborrecimento
causava ao Capitão Buenos Ayres. Havia casos em que o subscritor da responsa-
bilidade não era necessariamente o autor do artigo injurioso. Em uma apelação
julgada no Tribunal de Relação da Corte, em 1875, o advogado e antigo redator do
Diário do Rio de Janeiro, Joaquim Saldanha Marinho, afirmava com conhecimento
de causa que “artigos publicados na imprensa, com assinatura de seus autores,
têm sido chamado a juízo e aí aparece um testa de ferro que toma a si a res-
ponsabilidade; só contra este se procede criminalmente”9. Entretanto, tendo em
vista o princípio da responsabilidade sucessiva vigente, para editores, redatores e
donos de jornais no Brasil do século XIX este documento registrado por tabelião
competente era o único dispositivo capaz de livrá-los, em certos casos, da cadeia.

Por certo ciente das leis de imprensa do Império, o redator do jornal O


Guaripocaba estava prevenido. Na audiência do dia 26 de março de 1881, José
Guilherme Christiano apresentou os originais manuscritos do artigo “A polícia e
o rolo”, bem como a responsabilidade assinada por Basílio Ferreira do Apocalip-
se, de 31 anos, solteiro e dono de um armazém. Quiçá um dos “filhos-família”
de Bragança que queriam patear o Circo Universal, o qual foi finalmente identi-
ficado e processado.10
Responsabilizo-me pela publicação e
circulação do artigo sob a epígrafe – A
polícia e o rolo – em três tiras das quais
esta é a 5ª coluna, cuja publicação será
feita no jornal Guaripocaba. Bragança,
18 de março de 1881.
Basílio Ferreira do Apocalipse.
R.ce [reconhece] verdadeira a firma
supra do que dou fé.
Bragança, 19 de março de 1881.
Em testemunha de verdade
O Tabelião Francisco de Oliveira Cam-
pos.11

9 “Jurisdição criminal: Tribunal da Relação da Corte. Apelação Crime n. 153”, Gazeta Jurídica, 1875, p. 464-481.
10 “Auto de perguntas ao signatário autógrafo sob o título ‘A polícia e rolo’”. Processo de injúria pela imprensa
contra a autoridade policial, Basílio Ferreira do Apocalipse, réu; Justiça, autor, 1881, CDAPH-USF, caixa 93A, pasta
4, fls. 13. “Bragança-Cidade: Armazéns de secos, molhados, ferragens e louças”, In: SECKLER, Jorge. Almanak da
Província de São Paulo: Administrativo, Industrial e Comercial para 1887. São Paulo: Jorge Seckler & Comp., 1886,
p. 289.
11 Processo de injúria pela imprensa contra a autoridade policial, Basílio Ferreira do Apocalipse, réu; Justiça,

26
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Parte da pesquisa intitulada “Penas afiadas: crimes da escrita na Província


de São Paulo, c. 1830-1930”, que se encontra em estágio inicial de desenvolvi-
mento, esta comunicação pretende analisar outros dez Autos de Exibição de
Autógrafo processados na Comarca de Bragança, entre 1877 e 1930. O objetivo
da pesquisa é contribuir com a história dos impressos e da justiça no Brasil, por
intermédio do estudo das práticas jurídicas que incidiram sobre a imprensa e
outras modalidades de comunicação no século XIX e início do século XX. Para
tanto, além dos autos do Fundo do Poder Judiciário da Comarca de Bragança,
depositados no Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da
Universidade São Francisco, CDAPH-USF, em Bragança Paulista, pretende-se in-
vestigar a documentação das Comarcas de Jundiaí e Campinas, depositada no
Centro de Memória da Unicamp, assim como os Autos Crimes de São Paulo e
do Interior depositados no Arquivo Público do Estado, na Capital.

autor, 1881, CDAPH-USF, caixa 93A, pasta 4, fls. 8.

27
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

JUSTICIA ECLESIÁSTICA Y CONTROL SOCIAL. ACER-


CA DEL FUNCIONAMIENTO DE LA AUDIENCIA EPIS-
COPAL EN CÓRDOBA DEL TUCUMÁN, 1778-1836

MARÍA LAURA MAZZONI


Doctora en Historia, Ayudante de Historia Argentina I (1776-1810) y de Historia Económica y social I y II, Facultad
de Humanidades y Facultad de Ciencias Económicas y Sociales, Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMdP).
Becaria posdoctoral del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), Argentina. Miembro
del Grupo de Investigación Problemas y Debates del Siglo XIX, Facultad de Humanidades, UNMdP.
E-mail: mazzonilaura@gmail.com

Palavras-chave: audiencia episcopal; justicia eclesiástica; Córdoba.

Eixo temático: História social do Direito: continuidades e rupturas.

Introducción

Este trabajo tiene un fin exploratorio y se propone avanzar en el es-


tudio de la audiencia episcopal del obispado de Córdoba, en su estructura y
funcionamiento. El conocimiento sobre esta institución eclesiástica me interesa a
los fines de seguir indagando en el gobierno diocesano.12 Mi recorte espacial se
circunscribe al Obispado de Córdoba del Tucumán en el periodo tardocolonial
y en la temprana independencia.13

El análisis de la Audiencia episcopal cordobesa se enmarca en un proyec-


to sobre el funcionamiento de la administración diocesana en el obispado, que

12 Esta investigación forma parte de mi proyecto posdoctoral que continúa una línea de investigación doctoral
sobre los gobiernos diocesanos del obispado de Córdoba del Tucumán entre fines del siglo XVIII y el periodo
posrevolucionario.
13 En el proyecto de trabajo propuesto aquí, el recorte temporal elegido replica el de las administraciones
diocesanas que hemos analizado en la investigación doctoral. En 1778 fue nombrado obispo del Tucumán Joseph
Antonio de San Alberto, y tomamos esa fecha como punto de partida del estudio de las administraciones
diocesanas por ser él un obispo de corte regalista que imprimió un nuevo perfil a la diócesis. La elección del
año 1836, en tanto, radica también en las trayectorias de los obispos analizados, dado que por entonces murió
Benito Lascano, quien marcó también un quiebre con las administraciones que le siguieron. En primer lugar,
porque a su muerte le siguió un prolongado período de vacancia entre Lascano y el prelado siguiente, y en
segundo lugar, por haber sido formado en Córdoba antes de la Revolución de 1810, y conservar en su gobierno
y en su práctica pastoral aspectos propios de un clérigo de antiguo régimen, característica que compartía con
sus antecesores.

29
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

inquiere en la justicia eclesiástica como puerta de entrada al mundo más amplio


del episcopado.14

El objetivo de este plan es profundizar aún más el conocimiento sobre


el ejercicio de la justicia eclesiástica en la jurisdicción de Córdoba, sede episcopal
entre finales del siglo XVIII y principios del XIX. Para ello, exploraremos los expe-
dientes de juicios criminales y civiles radicados en el fuero eclesiástico. El análisis
de estos expedientes nos permitirán analizar el rol del obispo en tanto juez, los
mecanismos de impartición de justicia en el fuero religioso, el papel del clero en
el entramado judicial, y los puntos de contacto con la justicia civil.

La hipótesis que guía este trabajo se vincula con la posición central de los
prelados en la estructura eclesiástica a escala local, pero también con su rol en
la comunidad misma donde se insertaban. Sostenemos que el obispo como juez
del fuero eclesiástico local, y por lo tanto, intérprete del derecho y administrador
de justicia, se constituyó en gestor e intermediario del poder local. En este rol
tuvo la potestad, no solo de organizar la diócesis imponiendo los lineamientos de
funcionamiento y administración diocesana, sino que además guardaba estrecha
relación con el gobierno de una diócesis y con el mantenimiento del control social.

Desde las perspectivas aquí presentadas, nos proponemos emprender


el estudio de la justicia eclesiástica en la Diócesis de Córdoba entre el periodo
colonial y temprano independiente, abarcando especialmente el papel del obispo
y del clero en la Audiencia Episcopal. En este sentido, planeamos concentrarnos
en reconstruir la presencia de la Audiencia Episcopal en la diócesis, analizar su
funcionamiento, y considerar el rol del obispo en tanto juez eclesiástico.

El trabajo constará de un primer punto que se centra en (i) determinar


algunas características generales sobre el funcionamiento de la Audiencia Episcopal
y de los actores intervinientes en ella. En una segunda parte intentaré (ii) esbozar
algunas reflexiones sobre el papel de la audiencia en el ejercicio de la justicia
eclesiástica en el obispado, aunque en este punto aún falta mucho trabajo con
indagación de los fondos del archivo.

Metodología

La nueva historia institucional nos permite pensar las diversas dimensio-


nes políticas, culturales y jurídicas presentes en las dinámicas institucionales (A.
Hespanha 2002). Los prelados analizados se insertaron en la configuración política
local, perjudicando o beneficiando, según el caso, a diferentes grupos de poder de
acuerdo a sus propias alianzas y conveniencias (Moutoukias 2000). Estos actores
14 Proyecto PICT-2015-2433 "La impartición de justicia en el ámbito diocesano. La diócesis de Córdoba del
Tucumán entre la colonia y la revolución, 1778-1836", financiado por el Fondo para la Investigación científica
y tecnológica (FONCyT), categoría Jóvenes Investigadores, Argentina. Investigadora responsable.

30
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

formaron parte de un espacio jurisdiccional, y con esto me refiero a la estructura


diocesana como un ámbito cuyos dispositivos institucionales refieren a la potestad
que implica esa jurisdicción y que le confiere una dimensión política a ese po-
der. Por un lado, esto nos conduce a analizar las acciones políticas que tuvieron
lugar en ese espacio, y por el otro, también nos lleva a apreciar la competencia
institucional de estos obispos. En este sentido, para el caso cordobés Ayrolo ya
ha advertido sobre la conformación de una región eclesiástica, la provincia-dió-
cesis, que expresaba el estrecho vínculo que existía entre el poder civil y el clero
secular en la dirección de la experiencia de autonomía provincial en la segunda
década revolucionaria, y además daba cuenta de una lógica propia (Ayrolo 2007).

Analizaremos los expedientes judiciales de la Audiencia Episcopal del


obispado de Córdoba del Tucumán radicados en el Archivo del Arzobispado de
Córdoba, Argentina. La Audiencia eclesiástica tenía como tarea principal la de
juzgar y dictar sentencia sobre procesos de nulidad matrimonial y divorcios.15
El archivo del arzobispado también consta de dos legajos: Juicios eclesiásticos
(Legajo 35) y Juicios Criminales (Legajo 37) que también contienen actuaciones
de la audiencia. El primero entiende en los casos de quejas sobre el cobro de
emolumentos, y el segundo contiene procesos por injurias, blasfemias y excesos
de los curas. El legajo 34 “Causas y demandas de los curas y seglares” contiene
una variedad de litigios en los que también tuvo actuación la audiencia.

Resultados preliminares

Las líneas de investigación que he desarrollado en mi investigación doc-


toral se centraron en las administraciones diocesanas del Obispado de Córdoba
entre 1778 y 1836 (Mazzoni 2013a). A través del estudio de las trayectorias
personales de los obispos del periodo pudimos confirmar el lugar medular que
poseían, no sólo en la estructura administrativa eclesiástica, sino también en la
vida política de esta comunidad. La experiencia de los prelados analizados aporta
una nueva mirada sobre la intermediación social que estos funcionarios ejercían
en la comunidad, entre fieles y sacerdotes, y entre los clérigos y las autoridades
civiles y eclesiásticas.

La conflictividad política fue objeto de revisión en un posterior trabajo,


en tanto motivó la indagación, a través de un conflicto entre el Comandante de
Armas de Famatina, La Rioja, y el Teniente de Cura de la comunidad en 1824, en
las relaciones entre la religión y la política, y puntualmente en el papel desem-
peñado por el clero como mediador en disputas locales (Mazzoni y Gómez 2015).

15 La palabra divorcio no adscribe a la versión moderna del término. La utilizamos como traducción más
fiel de la palabra en latín como era usada en el derecho canónico, en el título “De divortiis” en las Decretales
por ejemplo, que era utilizada para la substanciación de los pleitos de divorcio en la vía contenciosa. En esto
seguimos a (Dellaferrera, 1990: 10).

31
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

Tal vez como consecuencia de lo anterior, notamos la incidencia de las


administraciones diocesanas en el proceso de formación de una identidad regional
en la que la religión católica romana habría tenido importancia capital (Guerra
2003). La experiencia de los obispos analizados aporta una nueva mirada sobre
la intermediación social que estos funcionarios ejercían en la comunidad, entre
fieles y sacerdotes, y entre los clérigos y las autoridades civiles y eclesiásticas
(Mazzoni 2013). Asimismo, subrayamos en otros trabajos la existencia de una
zona de contacto, un terreno de negociación y de sociabilidad en las cofradías
que funcionaban en el ámbito eclesiástico que canalizaba el ejercicio del control
social por parte de la jerarquía eclesiástica (Mazzoni 2013).

La legislación eclesiástica que operaba como marco de referencia de las


administraciones diocesanas tardocoloniales también ha llamado nuestra atención.
La normativa de la Corona y la emanada del derecho canónico indiano – a través
de Concilios provinciales y Sínodos diocesanos – se constituyó en el basamento
jurídico de la Diócesis cordobesa. Sin embargo, su distancia temporal – y territo-
rial –, junto con la necesidad de regular prácticas ausentes en sus constituciones,
contribuyeron a que el alto clero cordobés se nutriera de otras fuentes jurídicas
a la hora de lidiar con problemas específicos. A fines del siglo XVIII, obispos y
clero secular gobernaron el espacio diocesano cordobés, nutriéndose de un en-
tramado jurídico variado, producto de la apelación a diversas fuentes de derecho
(Mazzoni 2015).

Referências bibliográficas
AYROLO, Valentina. 2007. Funcionarios de Dios y de la República. Clero y política
en las autonomías provinciales. Buenos Aires: Biblos.
DELLAFERRERA, N. (1990). Catálogo de causas matrimoniales. Obispado de cór-
doba (1688-1810). Córdoba: Arzobispado de Córdoba.
HESPANHA, António Manuel. 1993. “El espacio político”. En La gracia del derecho:
economía de la cultura en la edad moderna, 85-123. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales.
___. 2002. Cultura jurídica europea: síntesis de un milenio. Madrid: Tecnos.
MAZZONI, María Laura. 2013a. “Mandato divino y poder terrenal. La adminis-
tración diocesana en el Obispado de Córdoba, 1778-1836”. Tesis doctoral, Tandil:
Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires.
___. 2013. “Cofradías como zona de contacto. Diócesis de Córdoba, fines del siglo
XVIII y principios del XIX” en Lanteri, Ana Laura (comp.) Actores e identidades
en la construcción del estado nacional (Argentina, siglo XIX), Teseo, Buenos Aires,
pp. 97-127.
___. 2015. “Clero y política en La Rioja en los años veinte del siglo XIX. El Teniente
de cura Melchor León de la Barra, de revolucionario a ‘reo de alto crimen’”. En
co-autoría con Lic. Fernando Gómez. En: Almanack, N° 9, abril/2015.

32
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

___. 2015. “La administración diocesana en Córdoba del Tucumán en el periodo


tardocolonial en el marco de la legislación eclesiástica de Lima y Charcas”, en
Albani, Benedeta, Otto Danwerth y Thomas Duve (eds.) Normatividades e ins-
tituciones eclesiásticas en Iberoamérica: Perú, siglos XVI-XIX, de la serie Global
Perspective on Legal History, Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte,
Frankfurt am Main, en prensa.
MOUTOUKIAS, Z. 2000. Gobierno y sociedad en el Tucumán y el Río de la
Plata, 1550-1800.  En: Nueva Historia Argentina,  Tomo 2, Buenos Aires, Sudame-
ricana, 355-411.

33
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O DIREITO E O AVESSO DO ESCRAVISMO:


COMENTÁRIOS SOBRE OS CASOS PARADIGMÁTICOS
DE LUIZ GAMA E AS AÇÕES DE LIBERDADE

PAULO HENRIQUE RODRIGUES PEREIRA


Faculdade de Direito do Largo de São Francisco-Universidade de São Paulo
Mestre em Direito. Aluno Especial do Doutorado.
Email: paulohrpereira@gmail.com

Eixo temático: História Social do Direito: Continuidades e rupturas.

Palavras chave: Luiz Gama; Lei do ventre livre; Direito e Escravidão.

O presente artigo pretende analisar o estado da jurisprudência na segun-


da metade do século XIX, utilizando o litigio judicial como forma de revelação
dos usos práticos da linguagem jurídica atinente ao estatuto do escravismo. A
questão central é expor a lacuna existente entre o status legal da escravidão e a
realidade da sua prática na vida social brasileira. O artigo organiza reflexão sobre
o -alcance da legalidade nas contínuas tentativas de desarticulação do escravismo
por meio da inovação legislativa. A hipótese é que na segunda metade do século
XIX as contínuas leis limitando a escravidão, conforme exposto abaixo, levariam
a escravidão à inviabilidade. A instituição teria se sustentado justamente pelo
distanciamento entre legalidade e uso prático da linguagem jurídica.

Para tanto, o presente resumo apontará (i) a pertinência do tema aos


eixos propostos pelo IX Congresso de História do Direito; bem como (ii) as bases
teóricas em relação às quais se assentam as suas reflexões; depois, mostrará (iii) os
aspectos normativos centrais do estado do direito positivo nas datas das petições
analisadas; para então (iv) analisar as questões postas em discussão nos referidos
litígios judiciais. As peças escolhidas serão aquelas que se encontram disponíveis
do repertório do rábula abolicionista Luiz Gama.

Introdução

O Congresso tem por tema “Rupturas, Crises e Direito”, propondo-se a


compreender as formas que o direito assume nos momentos de tensionamento

35
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

da ordem política, assim como as derivações e performances próprias dessas


ocasiões. Apontou, no seu primeiro eixo temático, o interesse no uso de fontes
judiciais, inclusive com forma de “aproximação com grupos subalternos
que não deixaram registros próprios”.

A segunda metade do século XIX brasileiro, sobretudo a partir dos anos


de 1870, representa episódio de crise social aguda que, se protegida nos aspectos
econômicos pela explosão do café, refletiu-se com vigor nos campos político e
social. A estabilidade alcançada pelo regime imperial após a guerra do Paraguai
desfez-se sistematicamente, culminando com a Proclamação da República em
1889. Entre os muitos motivos de tal erosão, ressalta-se a centralidade da aboli-
ção da escravatura, empenhada pela criação e fortalecimento de novos grupos
de pressão e articulação.

O direito ocupou posição central no debate do escravismo tendo sido,


ao mesmo tempo, projetado nas esperanças do futuro e nas demandas daquele
presente. Protagonizou o projeto da abolição e constituiu ferramenta de ação
concreta por meio das estratégias judiciais que buscaram no arcabouço legal já
existente instrumentos de enfrentamento à servidão. É essa segunda acepção que
interessa ao presente trabalho, na medida em que o uso das fontes judicias pode
revelar aspectos da realidade social do direito atinente à escravidão: os avanços,
ainda que pequenos, já havidos nos anos de 1870 refletiram-se na prática social
do escravismo?

Metodologia

A análise jurisprudencial das ações de liberdade de Luiz Gama dá um


arcabouço interpretativo do direito como razão prática, como técnica voltada à
ação.16 Tal questão faz-se importante na medida em que a análise exclusiva das
instituições tradicionais da prática jurídica – tais quais a lei, a doutrina consagrada,
e mesmo a jurisprudência dos tribunais superiores – pode levar a compreensão
incompleta ou equivocada do uso dos sentidos possíveis de um determinado
discurso em um momento destacado do tempo.17 As fontes tradicionais do
direito nem sempre são equivalentes à sua prática social.

Uma boa compreensão do direito exige a reconstituição do discurso que


o forma, valida-o como prática, e integra os seus atores a uma comunidade. Esse
movimento, que enfraquece a percepção de uma história das ideias propriamente
16 Paul Ricoeur. (RICOEUR, Paul. Do Texto a Acção: Ensaios de Hermenêuticas II. Trad. Alcino Cartaxo e Maria
José Sarabando. Porto, Portugual: RÈS-Editora Ltda, 1989. p. 241).
17 Sobre as lições de uma história institucional do Direito, é possível citar Hespanha (HESPANHA, Manuel
Antonio. Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.) e José
Reinaldo de Lima Lopes. (LIMA LOPES, José Reinaldo. As Palavras e a Lei: Direito, Ordem e Justiça na História
do Pensamento Jurídico Moderno. São Paulo: Edesp, 2004; e LIMA LOPES, José Reinaldo. O Direito na história:
Lições Introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000).

36
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ditas, dá ênfase no que poderia ser chamado de uma história dos discursos18.
No presente artigo, interessa adaptar essa visão para o que seria a possibilidade
de se inquirir sobre a história dos discursos jurídicos atinentes à escravidão,
abandonando-se uma visão estruturalista, segundo a qual a história do direito se
daria pela análise estática da moldura legal insculpida na norma.

Os discursos, como atos de fala, revelam-se como elementos de uma


determinada ação. A retórica dos atores políticos e jurídicos constitui a formula-
ção de um princípio de prática social, que estabelece sequências argumentativas,
revela arcabouços da formação ideológica do vocabulário utilizado, e permite
a reprodução dos patamares estabelecidos, bem como dos lances que buscam
estabelecer novas formas de articulação e compreensão de um determinado
conteúdo linguístico19.

Esse estatuto estabelece importantes ressalvas sobre o exercício da his-


toriografia das ideias, no sentido de fixar a necessidade de se estabelecer o jogo
dos discursos como aquele que só pode ser compreendido no seu contexto
linguístico. Embora tal percepção tenha, em si, conteúdo problemático face a
impossibilidade real da reconstituição desse ambiente virtual de debates, a sua
colocação como parâmetro revela elementos essenciais da prática do historiador,
do seu ofício. Nesse sentido, a compreensão da fala se dá no desnudar de um
conjunto de convenções e sentidos compartilhados, em relação aos quais se
pode estabelecer as balizas comuns da comunidade que se pretende analisar,
bem como a performance dos conceitos utilizados.20

Nesse contexto, a análise de litígios judiciais auxilia na tarefa de decifrar


os chamados atores menores, praticantes da língua comum, utilizada e praticada
com naturalidade em uma determinada comunidade intelectual, organizando
uma leitura que não pode ser vertical. Dentro deste âmbito, a escolha específica
das ações de liberdades propostas por Luiz Gama se justifica na medida em que
representaram o questionamento proposital de uma prática social consolidada,
buscando tencionar o sistema legal. Por um lado, este caráter vanguardista permite
a compreensão das estratégias utilizadas para mudar os usos práticos da linguagem
jurídica; por outro, seu amparo fático demonstra quais os costumes sociais que
motivaram esta tentativa de mudança.

18 POCOCK, J.G.A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: Edusp, 2003. p. 9.


19 POCOCK, J.G.A. Ob. Cit. p. 11.
20 Ibid. pp. 38-41.

37
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

Resultados: aspectos normativos centrais e análise dos litígios judi-


cializados

As petições judiciais a serem analisadas serão todas mediadas entre os


anos de 1860 e 1870. Já no começo da segunda metade do século XIX, a teia
que sustentava a escravidão já se revelava complexa: o Brasil já havia assinado
dois Tratados internacionais se comprometendo a extinguir o tráfico de escravos,
em 1818 e 1826. Em 1831, o país proibiu o tráfico intercontinental por lei. Com
a Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, o Brasil punha em vigência mais uma norma
antitráfico, a quarta da série. Com a lei do ventre livre, de setembro de 1871, a
legislação passou a prever a possibilidade de o escravo se alforriar por preço justo.

Em que pese tais restrições legais à prática da escravidão, o instituto


encontrava-se forte e resiliente na vida social brasileira.21 Como essa contradição
foi possível? É esse questionamento que permite perceber que já nessa época a
escravidão apenas poderia se manter com um arcabouço considerável de fraudes,
conluios oficiais e distorções legais de toda a natureza. É sobre este ponto que
se debruça a análise jurisprudencial proposta.

Lidando com a dualidade apontada acima, o escravismo oscilava entre


o endurecimento institucional, no campo da legalidade, e a articulação de um
sistema pró-escravidão, na prática. Assim, o país se equilibrava dando sinais de
que resolveria a questão da servidão – como requerido pelo imperador na fala
do trono de 1871 - ao mesmo tempo que a aplicação desse arcabouço institu-
cional encontrava dificuldades de se firmar, existir na realidade concreta. A massa
de homens e mulheres escravizados boçais, ou que haviam reunido recursos
próprios à sua alforria, era imensa – sujeitos, portanto, ilegalmente submetidos
à condição de escravidão. A advocacia não estava acessível aos escravos, e não
existiam estruturas destinadas a compor, no campo dos direitos individuais dos
cativos, soluções de legalidade.

Nesse sentido, analisar o trabalho de Luiz Gama,22 a natureza dos seus


casos, bem como as soluções oferecidas pelo Judiciário, pode conferir retrato
do estado da escravidão no Brasil no período, bem como das técnicas utiliza-
das para a sua manutenção, mesmo com o aprofundamento de diplomas legais
que visavam limitá-la no campo normativo. Os resultados parciais dessa análise
demonstram o descasamento entre a formação dos diplomas legais, na análise
estruturalista-normativa, e a realidade social da prática escravista, parcialmente

21 Sobre essa contradição, pode-se citar Tâmis Peixoto Parron. PARRON, Tâmis Peixoto. Política da Escravidão
no Império do Brasil. São Paulo: Civilização brasileira. 2011.
22 Negro liberto, rábula, poeta e jornalista abolicionista e republicano, responsável pela alforria de mais de 500
(quinhentos) homens e mulheres ilegalmente reduzidos à condição de escravos. Para dados sobre Luiz Gama,
Menucci (MENUCCI, SID. O percurso do abolicionismo no Brasil: Luiz Gama. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938.).

38
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

demonstrada pelos casos submetidos ao judiciário. Um retrato interessante do


papel operativo do judiciário no episódio da escravidão brasileira também pode
ser avaliado pelos estudos demonstrados.

Referências bibliográficas
HESPANHA, Manuel Antonio. Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.
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RÈS-Editora Ltda, 1989.

39
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O REMÉDIO CONSTITUCIONAL REPUBLICANO DA


POPULAÇÃO CARIOCA:
O HABEAS-CORPUS NOS ANOS 1920

TATIANA DE SOUZA CASTRO


Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. PPHR/UFRRJ.
Bolsista FAPERJ.
E-mail: ttscastro@globo.com

História Social do Direito: Continuidades e rupturas.

Palavras-chaves: Habeas-corpus; Supremo Tribunal Federal; Rio de Janeiro.

Introdução

O habeas-corpus do latim “tome o corpo” – habeas: ter, manter, possuir,


tomar posse; e corpus, corpo – se fez presente no ordenamento político brasi-
leiro pela primeira vez no Código de Processo Penal de 1832 e sofreu diversas
transformações em sua definição até os dias atuais. Durante a Primeira República,
o habeas-corpus era considerado um remédio jurídico que garantia as liberdades
em geral. Esse período ficou posteriormente conhecido como a “doutrina brasileira
do habeas-corpus”. A interpretação da definição do habeas-corpus na Constituição
de 1891 foi objeto de debate ao longo de toda a Primeira República, culminando
na alteração do artigo que o definia na reforma constitucional de 1926.

A presente pesquisa tem como objetivo contribuir para a discussão so-


bre o processo de construção e o exercício da cidadania na Primeira República,
através da análise da relação entre a população carioca e o Estado, bem como
do exame das formas de manifestação e questionamento do que essa população
entendia serem direitos adquiridos, utilizando como cenário a cidade do Rio de
Janeiro, na década de 1920.

A escolha desta cidade como nosso recorte espacial se deve pela sua
importância no período, já que o Rio, além de sede do novo governo republi-
cano, era o principal centro financeiro, comercial e cultural do país. Quanto ao
recorte cronológico, escolhemos a década de 1920 pelo fato de representar um

41
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

período de efervescência e grandes transformações que colocaram em questão


os padrões culturais e políticos da Primeira República, bem como por ter sido
durante essa década, especificamente no ano de 1926, que a definição do instituto
do habeas-corpus seria alterada devido a reforma constitucional.

Diante desse contexto pretendemos contribuir para o debate referente à


construção da cidadania nos anos 1920, na então capital do Brasil. Nossa proposta
é analisar o exercício da cidadania em meio a esse modelo político excludente,
considerando que mesmo diante dessa realidade, havia canais de reivindicação
para essa população, nos quais práticas de questionamento e demandas feitas
ao Estado eram observadas. O Judiciário pode ser tomado como exemplo nesse
sentido e será um espaço privilegiado em nossa análise.

Trabalharemos com processos de habeas-corpus, em virtude deste caráter


singular que o mesmo apresentou durante a Primeira República. A interpretação
ampla deste instituto o transformou num defensor das liberdades do indivíduo
diante de qualquer ilegalidade ou abuso de Poder, tendo o indivíduo sofrido ou
se encontrando em perigo de sofrer qualquer violência ou coação. Essa definição
só seria alterada em 1926. O habeas-corpus poderia ser solicitado pelo próprio
indivíduo que se sentia ameaçado, não havendo a necessidade de um advogado.
Também não havia custas para o pedido e a celeridade de sua tramitação era o
seu grande diferencial. De acordo com o grau de urgência reconhecido pelo autor
do pedido, o mesmo poderia ser solicitado diretamente ao Supremo Tribunal
Federal. Nesse caso tratava-se de um habeas-corpus originário. Tais características
revelam a riqueza deste tipo de processo para verificarmos como se dava o acesso
à justiça por parte dos cidadãos durante a Primeira República. 

Trabalharemos com processos de habeas-corpus originários, ou seja, proces-


sos que foram iniciados na Suprema Corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal.
Acreditamos que no STF o habeas-corpus ganhava uma maior relevância por ser
a ação que podia acessá-lo originariamente por qualquer cidadão que se reconhe-
cesse em urgência de garantir aquilo que considerava como sendo seus direitos.

Entendemos que este estudo se enquadra na história do direito influen-


ciada pela corrente da histografia francesa da Escola dos Annales, como sinalizou
Hespanha (1982), visando superar as barreiras em diversos setores da história. Esta
entendia que para se desenvolver uma história do direito era preciso conhecer
as leis, conhecer o pensamento jurídico de determinada época, mas também
compreender como a sociedade se relacionava com essas normas jurídicas. (SI-
QUEIRA, 2009,38). É dessa linha que nos aproximamos. Entendemos que para
melhor compreendermos os processos de habeas-corpus, é preciso compreender
as normas jurídicas da época, a estrutura processual, as instituições nas quais o
mesmo era julgado, mas, principalmente, verificar como a sociedade da época se

42
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

relacionava com tudo isto. Como a população reconhecia no espaço do Judiciário


um lugar legítimo para questionar seu direito? Como fazia uso do Direito e da
estrutura por ele oferecida, de normas e garantias que poderiam ajuda-los a se
proteger dentro daquela sociedade? Como o contexto político influenciava naquela
sociedade e nos ordenamentos jurídicos que se tornavam um reflexo das reais
necessidades daquela população?

Metodologia

A pesquisa vem sendo realizada a partir de um bloco documental cons-


tituído pelos processos de habeas corpus em petição originária, isto é, oriundos
do Supremo Tribunal Federal. Nosso objetivo é verificar a atuação da população
carioca na Justiça. Os processos de habeas-corpus originários encontram-se dispo-
níveis em dois arquivos: no Arquivo Nacional – processos de 1920 e 1921 – e no
Arquivo do Supremo Tribunal Federal – processos de 1920 à 1929. Trabalharemos
com 20% dos processos encontrados, que representam 435 processos.

Os processos estão sendo lidos e catalogados em um banco de dados


que coleta informações pertinentes e está sendo classificado de acordo com
uma tipologia. A partir do mapeamento esboçado após essa etapa de trabalho
com a fonte, partiremos para o caminho sinalizado pelos mesmos. Através da
análise dos processos será possível compreender o que era mais questionado
pela população e quais eram os tipos de argumentos utilizados, como também
observar a natureza dos processos ali encontrados, apesar das limitações que a
amostragem possa produzir.

Resultados da pesquisa.

A pesquisa ainda se encontra em andamento. Até o momento já foram


lidos e catalogados os processos referentes aos primeiros seis anos da pesquisa –
1920-1925 – e podemos apresentar apenas algumas indicações iniciais e sinalizar
alguns questionamentos que ainda devem ser investigados.

Do total de 435 processos que representam 20% do total de habeas-corpus


originários protocolados no Supremo Tribunal Federal pelo Distrito Federal, verifi-
camos que os primeiros seis anos – 1920-1925 – representam menos de 50% do
total de processos encontrados. Sendo assim, podemos concluir que os últimos
4 anos da década de 1920 representam quase 60% dos processos encontrados
nos acervos. Esse crescimento no número de processos é interessante, pois em
1926 ocorreu uma reforma constitucional que limitou a definição do habeas-cor-
pus, que passou a proteger apenas o direito de locomoção. No entanto, apesar
dessa limitação em sua aplicação, a utilização deste remédio jurídico permaneceu
crescendo nos anos posteriores, como vemos na tabela abaixo.

43
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

Período Nº %
1920-1925 182 42%
1926-1929 253 68%
FONTE: Arquivo do Supremo Tribunal Federal e Arquivo Nacional: Processos de Habeas-Corpus 1920-1929

De uma maneira bem geral, podemos apresentar alguns dados encontrados


nessa primeira análise quantitativa dos processos. Os pedidos de habeas-corpus
poderiam ser individuais, com apenas um paciente, ou coletivos quando o número
era maior que um. Nesses 182 processos, verificamos que os processos coletivos
eram minoria, correspondendo a 18% do total, enquanto os individuais ocuparam
82% do número de processos. Interessante perceber que o tipo de demanda em
grupo não representou ¼ do total de processos nesse período.

Quanto a natureza dos processos, isto é, se eram processos liberatórios


– indivíduos que tinha sua liberdade de locomoção restringida, encontrando-se
presos – ou preventivos – preveniam que qualquer tipo de limitação ou coação
pudesse vir a ocorrer, quando se sentiam coagidos – encontramos um número
significativo de processos liberatórios, 71 % contra 29% de processos preventivos.
Tal fato chama atenção para percebermos que a liberdade de locomoção, neste
momento, era a liberdade mais prejudicada. Os processos preventivos poderiam
ser uma proteção quanto a um direito de ir e vir, ou qualquer outro tipo de
coação a qual o sujeito se sentisse ameaçado, como por exemplo a liberdade
de imprensa, diversos eram os processos de jornalistas que utilizaram o habeas-
corpus para assegurar a publicação de sua coluna nos jornais.

No que se refere ao julgamento dos processos, os classificamos em:


prejudicado, sem tomar conhecimento, concedido e negado. Os primeiros eram
aqueles que ao chegarem ao julgamento dos ministros já tinham sido “resolvidos”,
por exemplo, um habeas-corpus de um estrangeiro ameaçado de extradição, que
já havia sido extraditado no dia do julgamento dos ministros, o segundo, quando
os ministros alegavam não tomar conhecimento do pedido pelo fato do mesmo
não estar devidamente instruído, geralmente isso ocorria em processos redigidos
pelo próprio paciente que não apresentava todas as informações necessárias, os
concedidos e negados eram o resultado positivo ou negativo ao pedido. Do
conjunto de 182 processos, 77% foram negados, 13% não tiverem conhecimen-
to, 8,5% foram concedidos e 1,5% foram prejudicados. Esses dados são muito
significativos, pois nos mostram que praticamente 90% dos pedidos não foram
concedidos. Prosseguiremos na análise, está é apenas uma apresentação inicial da
pesquisa sem maiores aprofundamentos.

44
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Conclusão

Verificamos nessa primeira análise da pesquisa que os dados sinalizam


para maiores questões sobre o tema proposto. Não nos aprofundaremos aqui
nesta tarefa devido as limitações da apresentação. Mas é interessante perceber
como os habeas-corpus nesses seis anos iniciais da década de 1920 se deram
em menor quantidade que nos quatro anos finais, bem como que os pedidos
individuais eram maiores que os coletivos, que a maioria deles eram liberatórios
e não preventivos e que em sua maioria, os pedidos não eram concedidos.

Referências bibliográficas
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de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
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Revista Governança Social, v.3, 2010. (pp.35-40)

45
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A COMPREENSÃO PARLAMENTAR DA SUSPENSÃO


DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DOS
CIDADÃOS NO PRIMEIRO REINADO BRASILEIRO:
OS DEBATES SOBRE O §35 DO ART. 179
DA CONSTITUIÇÃO EM 1826, 1829 E 1830

VIVIAN CHIEREGATI COSTA


Doutoranda (CNPq)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo – FFLCH-USP
E-mail: vivian.costa85@gmail.com

História Social do Direito: Continuidades e rupturas.

Palavras-chave: Constituição; Parlamento; Direitos.

Introdução

Entre julho de 1824 e outubro de 1829, dez decretos emitidos pelo Exe-
cutivo brasileiro fundaram-se no dispositivo regulado pelo parágrafo (§) 35 do
artigo 179 da Constituição de 1824 para lidar com circunstâncias consideradas
atentatórias à segurança nacional. Aprovados, respectivamente, na conjuntura da
Confederação do Equador, em 1824 (em Pernambuco e no Ceará), no desenrolar
da chamada “Revolta dos Periquitos”, na Bahia (1824), no contexto da Guerra
Cisplatina, no Sul do país (1825), na sublevação de Afogados, em Pernambuco
(1829), e em consequência das movimentações que, cerca de dois anos mais
tarde, desembocariam na “Revolta de Pinto Madeira”, no Ceará (1829), tais de-
cretos privaram os cidadãos das localidades a que se destinaram de parte ou da
totalidade das formalidades constitucionais que garantiam sua liberdade individual.

O dispositivo constitucional em que se fundaram tais medidas admitia,


nos casos de rebelião, invasão de inimigos e perigo iminente da pátria, a dispensa
das formalidades que garantiam a liberdade individual dos cidadãos brasileiros.
Apesar de, em acordo com dito §35 do art. 179 da Carta de 1824, a prerrogativa
de tal medida pertencer ao Legislativo nacional, sua aplicação pelo Executivo era

47
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

admitida em circunstâncias especiais, prevendo-se a posterior prestação de contas


e responsabilização por quaisquer abusos cometidos em seu decurso.

Abertos os trabalhos do Legislativo nacional, quando seis destes decretos


já haviam sido emitidos, poucos dias se passaram até que a questão entrasse na
pauta dos representantes brasileiros, ocupando-os, com maior ou menor ênfase,
em diferentes conjunturas do Primeiro Reinado. Entre 1826 e 1831, as discussões
parlamentares sobre o §35 do art. 179 foram desenvolvidas, por um lado, sob o
impacto da abertura do legislativo e, por outro, tendo em vistas as posteriores
aplicações deste dispositivo. Daí o destaque aos debates travados em 1826, 1829
e 1830, a serem abordados nesta apresentação.

Se, em 1826, sensibilizados pelos acontecimentos dos anos anteriores – em


especial, a criação de comissões militares nos contextos de aplicação do §35 –,
deputados e senadores do país buscaram plasmar uma compreensão específica
sobre os limites inerentes à aplicação deste dispositivo – retomando interpretações
sobre o mesmo no interior de discussões as mais diversas, como as da lei de
responsabilidade de ministros e conselheiros de Estado e a de abolição dos juízos
privilegiados –, foram surpreendidos, no início de 1829, por novos decretos de
suspensão emitidos pelo Executivo, em tudo dissonantes dos acordos mínimos
firmados no período anterior.

Iniciados os trabalhos parlamentares de 1829, portanto, a questão viria


novamente à tona e com força, despertando contundentes movimentações no
sentido da abertura de denúncias formais, por crime de responsabilidade, contra
os ministros da Justiça e da Guerra do país. Ao final de 1829, impactado pelas
repercussões parlamentares do correr do ano, o Executivo brasileiro aprovaria
novo decreto de suspensão das garantias constitucionais, na província Ceará,
respeitando desta vez, no entanto, a leitura predominante sobre o dispositivo
revelada pelos deputados, concernentes aos limites necessários à sua aplicação.
Tal não impediria, no entanto, que no início do ano parlamentar de 1830, os
debates sobre a questão voltassem à tona na Assembleia nacional, envoltos em
polêmicas e acusações.

Metodologia

Partindo, fundamentalmente, dos registros dos Anais do Parlamento Brasilei-


ro, pretende-se recuperar os debates político-jurídicos travados pelos representantes
do país nos anos 1826, 1829 e 1830 em torno do dispositivo regulado pelo §35
do art. 179 da Carta de 1824. Na análise destes debates, atenção especial será
dada às diferentes interpretações deste dispositivo constitucional, sustentadas por
políticos pertencentes a distintas inclinações políticas, bem como às alterações

48
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

sofridas por tais leituras – ainda no interior de um mesmo grupo – no decorrer


do Primeiro Reinado, a depender das disputas políticas então em jogo.

Paralelamente aos registros dos Anais do Parlamento, far-se-á uso de artigos


publicados pela imprensa do período, bem como de relatórios e ofícios trocados
entre diferentes autoridades – nos âmbitos central e local – do país.

Resultados Parciais

A análise de tais debates e de suas modificações é reveladora não apenas


das inúmeras incertezas e indefinições a cercar a aplicação do §35 do art. 179
no Império do Brasil – haja vista a multiplicidade de interpretações, muitas vezes
contrastantes, sobre este mesmo dispositivo –, mas também dos diversos usos
políticos do texto constitucional empreendidos pelos parlamentares do Primeiro
Reinado.

Destaque seja dado, nesse sentido, ao modo como as discussões sobre


a suspensão das garantias constitucionais dos cidadãos brasileiros relacionaram-se
diretamente às disputas políticas travadas, entre 1826 e 1831, entre o Legislativo
e o Executivo brasileiros, bem como ao modo como, no interior dessas disputas,
fez-se uso do Direito como arma política no interior do Parlamento nacional.

Os meandros de tais contendas, por sua vez, podem ser reconhecidos


nas diferentes tentativas de acusação, por crime de responsabilidade, aos titulares
de pastas ministeriais do período, bem como nos rumos legais que envolveriam
a regulamentação e aplicação do dispositivo de dispensa das garantias constitu-
cionais pelo Império adentro.

Referências bibliográficas
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CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

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50
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

RODRIGUES, José Honório. Atas do Conselho de Estado. Brasilia: Senado Federal,


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51
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A HISTÓRIA DO DIREITO PARA MELHOR


COMPREENSÃO DO PROBLEMA
DA GRILAGEM DE TERRAS DEVOLUTAS

CLÁUDIO GRANDE JÚNIOR


Universidade Federal de Goiás – UFG
Procuradoria-Geral do Estado de Goiás – PGE-GO
E-mail: cgrandejr@gmail.com

Eixo temático – 1. História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-Chave: Terras Devolutas; Grilagem; História do Direito.

Introdução

Trata-se de texto demonstrativo da imprescindibilidade de estudos e


pesquisas de História do Direito para uma melhor compreensão do fenômeno
da grilagem de terras no território atualmente correspondente ao do Estado de
Goiás e, por extensão, a algumas outras regiões do Brasil.

O texto justifica-se porque, muitas vezes, o estudo jurídico do problema


da grilagem de terras ocorre focado em paradigmas estritamente contemporâ-
neos, com resultados insuficientes para a devida compreensão e enfrentamento
prático das grilagens de terras devolutas, mais especificamente das que ocorreram
calcadas em particularidades da legislação de terras do Império e nas falhas da
normatização registral imobiliária brasileira anterior à Lei de Registros Públicos em
vigor (Lei Federal n.º 6.015, de 1973).

Metodologia

A partir apenas de uma visão jurídica contemporânea não se consegue


compreender razoavelmente o problema jurídico das grilagens de terras devolu-
tas, principalmente das ocorridas até a década de 1970 no território atualmente
correspondente ao Estado de Goiás.

O primeiro erro, muito encontrado no trabalho prático dos operadores


do direito, é o de tentar identificar e questionar supostas antigas grilagens de

53
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

terras com arrimo unicamente na legislação atualmente vigente ou na vigente a


partir da segunda metade do século XX.

Também não proporciona resultados minimamente satisfatórios o estudo


da legislação dos séculos anteriores com as lentes do presente. Neste caso, não
passa de um estudo superficial e até contraproducente, porque o resultado dele
é a extração de um significado atual para textos legais do passado, enquanto o
que se precisa encontrar são os significados extraíveis desses textos em diferentes
momentos do passado e que permearam a cultura e a prática jurídicas vividas e
seus efetivos impactos na sociedade daquelas épocas.

Assim, o adequado enfrentamento do problema exige uma pesquisa muito


mais abrangente. É necessário analisar obras jurídicas de séculos anteriores e os
posteriores trabalhos feitos pelos historiadores do direito, principalmente sobre as
relações de pertencimento entre os seres humanos e as coisas. Ademais, é ne-
cessário ter contato direito com os vestígios do passado, sendo a dimensão mais
tangível disso a colheita de material documental, o que não se restringe a cartas
de sesmarias e registros paroquiais, estendendo-se a antigos autos de processos
judiciais e administrativos, documentos oficiais, provenientes dos ofícios públicos
e, se possível, até mesmo documentos particulares. Por fim, é imprescindível ter
algum conhecimento sobre o processo histórico de povoamento das regiões e
localidades.

Resultados

Em Goiás, na ampla maioria dos casos analisados, não é possível confirmar,


apenas mediante a pesquisa dos registros cartorários de imóveis, a validade da
origem da propriedade privada sobre a terra. Contudo, não se pode automati-
camente deduzir a ocorrência de grilagem de terras unicamente do fato de os
Cartórios de Registro de Imóveis não conseguirem certificar a origem válida da
propriedade territorial privada.

Isso porque a disciplina legal do registro imobiliário brasileiro só foi aper-


feiçoada quanto ao princípio da continuidade registral com o Decreto n.º 18.542,
de 1928. Para piorar, observou-se que, na prática, mesmo décadas depois, referido
princípio seguiu sendo muitas vezes desconsiderado por alguns Oficiais de registro
de imóveis. Além disso, a maioria dos Cartórios de Registro de Imóveis no Estado
de Goiás só foi instalada após 1930. Por outro lado, os registros paroquiais de-
monstram que, nos atuais limites territoriais do Estado de Goiás, a grande maioria
das terras sobre as quais há registros civis de propriedade já se encontravam na
posse de particulares em meados do século XIX. Os registros paroquiais, somados
a outros documentos, tais como escrituras públicas de negociação de terras e
autos judiciais de inventários e partilhas, demonstram que os domínios privados

54
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

sobre boa parte dessas terras foram plena e automaticamente reconhecidos por
força do disposto nos arts. 22 a 27 do Regulamento (Decreto n.º 1.318, de 1854)
da Lei de Terras do Império (Lei n.º 601, de 1850). O problema é que, ao longo
do século XIX, não houve obrigatoriedade do registro imobiliário, no direito bra-
sileiro, para todas as situações de transmissão da propriedade. Tal questão só foi
resolvida muito depois, com o Código Civil de 1916. Daí há um vazio registral
entre as situações fáticas que resultaram na constituição da propriedade territorial
privada e os registros imobiliários existentes. Na maioria dos casos, os títulos que
compõem a cadeia dominial anterior à 1916 estão espalhados em vários cartórios
e fóruns, além de alguns serem meros escritos particulares, conforme permitido
pelo direito pátrio do século XIX e expressamente mencionado no art. 26 do
Regulamento de 1854 da Lei de Terras do Império. Só que, transcorrido tanto
tempo, nem sempre é mais possível uma análise rigorosa disso e, quando sim,
com extrema dificuldade e muita demora. Toda essa situação é evidenciada, em
Goiás, pela análise de fontes primárias e a leitura de fontes secundárias dá conta
de semelhante problema, em outras regiões do país.

Conclusões

É a História do Direito, como ramos saber, que concede uma visão mais
abrangente e diacrônica para melhor compreensão do fenômeno de grilagens de
terras devolutas anteriores à Lei de Registros Públicos vigente, perpetradas em cima
das antigas falhas do direito brasileiro. Sem essa prévia compreensão oferecida pela
História do Direito não é possível identificar e enfrentar eficazmente, na prática,
as referidas situações de grilagem de terras devolutas.

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Rupturas, Crises e Direito

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57
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CRIMINALIZANDO A POLÍTICA? CONFLITOS


POLÍTICOS EM AÇÕES DE HABEAS CORPUS
JULGADAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO
BRASIL DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1894-1920)

RAQUEL R. SIROTTI
Doutoranda
IMPRS-REMEP (International Max-Planck Research School for Retaliation, Mediation and Punishment) [2016-2019]
com contrato doutoral no Instituto Max-Planck para História do Direito Europeu
(Max-Planck-Institut für europäische Rechtsgeschichte) em Frankfurt am Main, Alemanha.
E-mail: raquelsirotti@hotmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processos, penas).

Palavras-chave: conflitos políticos, Supremo Tribunal Federal, criminali-


zação.

A Primeira República é comumente retratada pela historiografia brasileira


como um dos períodos politicamente mais conturbados da história nacional,
quando uma multiplicidade de greves, revoltas e levantes abalavam a integridade
de uma “Nação” que se almejava assentar. Boa parte dos estudos que investigam
a forma como esses conflitos foram de alguma forma reprimidos, contidos ou
administrados pelo governo republicano têm se focado em medidas executivas,
administrativas ou policiais, como é o caso da extradição, da deportação, do estado
de sítio, da intervenção federal, dos inquéritos policiais e dos registros de prisões
para averiguação – para não falar das alterações legislativas que acompanharam
a legitimação desses processos repressivos.23 Mas a forma como a aplicação do
23 Para alguns exemplos (não exaustivos, entretanto), ver: PIVATTO, Priscila Maddalozzo. Discursos sobre o
Estado de Sítio na Primeira República Brasileira: uma abordagem a partir das teorias de linguagem de Mikhail
Bakhtin e Pierre Bourdieu. 172 p. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós- graduação em
Teoria do Estado e Direito Constitucional do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro; GUERRA, Maria Pia dos Santos Lima. Anarquistas, trabalhadores, estrangeiros. A construção do
constitucionalismo brasileiro na Primeira República. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2011; LEAL, Claudia Feierabend Baeta. Pensiero
e Dinamite – Anarquismo e Repressão em São Paulo nos anos 1890. 2006, 302p. Tese (Doutorado em História)
– Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2006; LOPREATO, Christina.
O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917. 1996, 281p. Tese (Doutorado em História) – Instituto de

59
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

Direito Penal foi adaptada, nos tribunais, por advogados, juízes e promotores
a essas situações de intensa instabilidade política tem sido, entretanto, pouco
explorada. Em outras palavras, apesar de não terem faltado, seja em quantidade
ou variedade, conflitos políticos ao longo desse período, não há muita clareza
quanto à frequência e às circunstâncias em que o Direito Penal (e não o Direito
Policial ou Administrativo) era acionado como resposta jurídica.

A partir dessa constatação, surgem alguns questionamentos sobre as possí-


veis formas de criminalização desses conflitos políticos, que remetem às estratégias
de controle social e administração da justiça criminal na Primeira República. Quais
tipos de crimes eram aplicados (se eram aplicados) nessas situações? Aqueles que
os representantes da doutrina penal costumavam chamar de “crimes políticos”24?
Os que optaram por reunir sob a alcunha de “crimes sociais”? Ou, ao contrário,
predominariam os “crimes comuns” – punidos, em boa parte, com penas mais
altas que os “políticos” –, como o crime de dano, de lesão corporal, de orga-
nização criminosa ou os crimes contra a segurança do trabalho? E mais: quem
chegava a ser de fato processado e julgado pela participação nesses conflitos?
Trabalhadores? Cidadãos brasileiros? Estrangeiros? Jornalistas? Membros do exército?

Neste trabalho – que integra uma pesquisa mais ampla, que venho
desenvolvendo para a escritura de minha tese doutoral – tentarei articular in-
formações que, se não conduzem a respostas válidas para todas as instâncias do
poder judiciário e suas respectivas localidades, ao menos contribuem para que se
compreenda as dinâmicas a orientar certas decisões em um tribunal específico:
o Supremo Tribunal Federal. Dentro desse recorte, usarei a expressão “conflitos
políticos” para definir múltiplos conjuntos de pautas, ações e agentes que foram
percebidos pelos membros do Tribunal como sendo uma ameaça à integridade
dos poderes e instituições estatais. Para mapear os usos do Direito Penal que
emergiram a partir desses acontecimentos, analisarei aproximadamente dez ações
de Habeas Corpus julgadas entre os anos de 1894 e 1920, nas quais é possível
acompanhar discussões sobre a criminalização de temas e atores que compunham
as disputas políticas republicanas.

Os primeiros padrões que emergem dessa análise podem ser divididos em


duas frentes. A primeira aponta para a questão da tipificação, ou da categorização
jurídica das condutas. Os crimes definidos pela doutrina penal como “crimes po-
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 1996; ALVES, Paulo. A verdade da repressão:
práticas penais e outras estratégias na ordem republicana (1890-1921). São Paulo: Arte e Ciência, 1997; NUNES,
Diego. Le “Irrequietas Leis de Segurança Nacional”. Sistema Penale e repressione del Dissenso Politico nel Brasile
dell’Estado Novo (1937-1945). Tesi di Dottorato di Ricerca presso l’ Università degli Studi di Macerata, Diparta-
mento di Giurisprudenza, Macerata, 2014.
24 Para informações mais detalhadas sobre esse assunto, bem como sobre a forma como que os juristas
brasileiros atuantes ao longo da Primeira República abordavam teoricamente os crimes políticos, ver: SIROTTI,
Raquel R. Os crimes políticos na doutrina penal brasileira da Primeira República (1889-1930). In: Revista Brasileira
de Ciências Criminais, São Paulo,v.25, n.131, p. 263-298, 2017.

60
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

líticos”, ou que eram classificados pelo procurador autor da denúncia como tais,
não aparecem com muita frequência nos procedimentos, o que parece indicar
que o uso de “crimes comuns” para enquadrar atos cometidos durante conflitos
políticos era bastante comum. A segunda frente conduz à relação entre o status
social dos agentes sob julgamento e o teor das decisões proferidas. Membros
de grupos ou classes sociais mais “privilegiadas”, tendiam, ao que tudo indica, a
obter resultados mais favoráveis em seus julgamentos. Diligências breves, seguidas
da concessão da ordem de habeas corpus, eram os desfechos mais comuns nos
procedimentos que tinham como pacientes membros do Exército, jornalistas e
membros do poder legislativo, por exemplo. Já as longas diligências, seguidas da
negação da ordem de habeas corpus ou da declinação de competência aparecem
como as repostas mais comuns quando se tratava dos pedidos de trabalhadores
fabris, membros de sindicatos e/ou estrangeiros de uma forma geral.

Referências bibliográficas
ALVES, Paulo. A verdade da repressão: práticas penais e outras estratégias na ordem
republicana (1890-1921). São Paulo: Arte e Ciência, 1997
GUERRA, Maria Pia dos Santos Lima. Anarquistas, trabalhadores, estrangeiros. A
construção do constitucionalismo brasileiro na Primeira República. Dissertação de
Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito
da Universidade de Brasília, 2011
LEAL, Claudia Feierabend Baeta. Pensiero e Dinamite – Anarquismo e Repressão
em São Paulo nos anos 1890. 2006, 302p. Tese (Doutorado em História) – Insti-
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Universidade Estadual de Campinas, 1996
NUNES, Diego. Le “Irrequietas Leis de Segurança Nacional”. Sistema Penale e repres-
sione del Dissenso Politico nel Brasile dell’Estado Novo (1937-1945). Tesi di Dottorato
di Ricerca presso l’ Università degli Studi di Macerata, Dipartamento di Giuris-
prudenza, Macerata, 2014
PIVATTO, Priscila Maddalozzo. Discursos sobre o Estado de Sítio na Primeira República
Brasileira: uma abordagem a partir das teorias de linguagem de Mikhail Bakhtin e
Pierre Bourdieu. 172 p. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de
Pós- graduação em Teoria do Estado e Direito Constitucional do Departamento
de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
SIROTTI, Raquel R. Os crimes políticos na doutrina penal brasileira da Primeira
República (1889-1930). In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,v.25,
n.131, p. 263-298, 2017.

61
CARDENO DE RESUMOS – História social do Direito: continuidades e rupturas

62
RESUMOS

HISTÓRIA DA CULTURA JURÍDICA


CRIMINAL BRASILEIRA
(CRIME, PROCESSO E PENAS)
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

LUIS JIMÉNEZ DE ASÚA Y BRASIL:


LAS CÁRCELES CARIOCAS ANTE UN “PROTECTOR
DE LOS CRIMINALES”

ENRIQUE ROLDÁN CAÑIZARES


Universidad de Sevilla.
E-mail: enrolcan@gmail.com

Eje temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, pro-


cesso e penas)

Palabras clave: Luis Jiménez de Asúa, Brasil, cárceles.

Introducción: En el año 1927, Luis Jiménez de Asúa es invitado a Río de


Janeiro con el cometido de dictar un ciclo de conferencias. El que fuera consi-
derado como el penalista contemporáneo de lengua española más conocido e
influyente del mundo, queda fascinado con la visita al gigante hispanoamericano1,
y deja constancia de ello en un pequeño trabajo titulado “Un viaje al Brasil”2.
En este texto, además de subrayar la belleza de las ciudades, la frondosidad y
exuberancia de los paisajes naturales y estudiar el modo de vida del brasileño, el
insigne penalista centra buena parte de su atención en el estudio de las cárceles
brasileñas. Analizar e intentar comprender el porqué de la preocupación de Jimé-
nez de Asúa por las condiciones de los presos será el objetivo de este estudio,
tratando de inscribirla en las preferencias e inquietudes intelectuales del autor
por aquellas fechas y en los debates iuspenalistas y penitenciaristas del momento.

Metodología

Para mi objeto de estudio me serviré de tres enfoques metodológicos.


En primer lugar usaré las claves básicas del análisis del discurso, estudiando los
1 La elección del término “Hispanoamérica” no es baladí. Luis Jiménez de Asúa era reacio a utilizar el vocablo
“Latinoamérica”, por considerarla como un apelativo procedente de los franceses que carecía de sentido al no
existir una raza latina propiamente dicha. Al igual ocurre con concepto “Panamerica”, que si bien en una primera
aproximación podría referirse al conjunto de América, a ojos del ilustre madrileño no significa otra cosa que la
expansión de la política “yanqui”. Por ello es partidario de utilizar el término “Hispanoamérica”, en clara referencia
al origen hispánico de los colonizadores de las tierras del centro y sur del continente americano. Vid. “El día
de la Raza”, Escritos, Archivo Luis Jiménez de Asúa 436–17. Fundación Pablo Iglesias.
2 Luis Jiménez de Asúa, Un viaje al Brasil, Madrid, Reus, 1929.

65
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

escritos de Luis Jiménez de Asúa, no solo relativos a su experiencia en Brasil, sino


también aquellos afines al sistema penitenciario, un asunto íntimamente ligado
al fin de la pena. También usaré las herramientas más elementales del análisis
biográfico analizando sus corrientes vitales y su posicionamiento intelectual con
el objetivo de dar encaje al tema estudiado durante la ponencia. Por último, el
estudio será realizado desde el enfoque de la historia social, donde no puedo
dejar de traer a colación las palabras de Albert Soboul, quien dijera que “todo
el dominio de la historia, incluso el más tradicional, pertenece a la historia so-
cial”3. Es por ello que el interés de Jiménez Asúa en los regímenes penitenciarios
en general, y en el brasileño en particular, puede ser enmarcado en un contexto
social de preocupación por los derechos individuales, por la libertad y por la
evolución de la sociedad en un régimen que, aun pretendiéndose liberal, estaba
lejos de garantizar esos derechos.

Resultados

El Luis Jiménez de Asúa que observa Río de Janeiro desde un monte del
Corcovado todavía huérfano de Cristo redentor no alcanza a contemplar el Morro
de Castelo. Este punto clave en el Río antiguo, al igual que otras muchas zonas
de la ciudad, había desaparecido para dejar paso a anchas calles que, atravesando
la metrópoli carioca como haces de luz, habían transformado radicalmente la
fisonomía de una urbe que poco tenía que ver con el Río de Janeiro de siglos
anteriores4.

Sí observa, sin embargo, la Avenida de Río Branco en su incesante conectar


del puerto con el centro neurálgico de la ciudad, al igual que una vez que cae
el sol se fascina por la “larga fila de perlas luminosas [que] se prenden sobre el
mar”5. Se deja absorber por los frondosos jardines de la Avenida de Beiramar, sin
ser plenamente consciente de que con tan solo pasar un túnel se encontraría con
el esplendor de la playa de Copacabana. Se queda embelesado por la localización
idílica de Río de Janeiro, no siendo de extrañar que llegara a considerar la bahía
de Río como la más bella del mundo6.

El Brasil en el que desembarcaba Luis Jiménez de Asúa el 29 de julio de


1927 había sido testigo, casi cuatro décadas atrás, de la caída de un emperador
y de la pacífica llegada de la República; ¡cuánto anhelaría un destino similar para
España, en aquellos momentos presa de las garras de la Dictadura de Primo de
Rivera! Pero hubo un hecho de mayor importancia e impacto para Brasil que el

3 Albert Soboul, “Descripción y medida en historia social”, en L’historie sociale: sources et méthodes (Colloque
de Saint-Cloud), París, 1967, p. 9.
4 Stefan Zweig, Brasil, país de futuro, Salamanca, Capitan Swing, 2012, pp. 182-183.
5 Luis Jiménez de Asúa, Un viaje al Brasil, cit., p. 8.
6 Ibid., p. 7.

66
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

propio cambio de régimen: la I Guerra Mundial. Tuvo que desarrollarse la Gran


Guerra allende los mares para que la industria, y en consecuencia, la economía
brasileña, creciese. La exportación de café, hasta el momento motor principal del
país, se estancó con motivo de la guerra, y surgió la necesidad de una diversificación
que fue dirigida hacia el desarrollo de artículos de producción mecánica y manual,
que hasta el estallido de la conflagración habían sido importados desde Europa7.

Se encontraba nuestro prestigioso penalista en una ciudad que había


experimentado cambios incesantes desde la caída del Imperio Brasileño, una
ciudad en la que, a pesar de las dificultades impuestas por el gobierno de la
dictadura primorriverista8, tendría el honor de dictar un ciclo de conferencias,
del mismo modo que tendría la posibilidad de estudiar la madurez del derecho
penal brasileño y la situación penitenciaria del país, tema que va a ocupar el
desarrollo de esta ponencia.

Si Brasil había evolucionado como país, también lo había hecho Jiménez


de Asúa como penalista. Se encuentra nuestro protagonista en un periodo en el
que ya ha abandonado su adhesión al positivismo, si es que ésta alguna vez fue
certera, tal y como él9, y otros penalistas10 que se dedicaron a escribir sobre su
figura, se encargaron de remarcar en alguna ocasión. Lejos quedaban los elogios
que Enrico Ferri le dedicara como consecuencia de la publicación de su tesis
doctoral La sentencia indeterminada; de hecho, durante los meses en los que
nuestro penalista disfruta de las tierras brasileñas, se produce la ruptura definitiva
con el autor italiano, surgida a raíz de que Jiménez de Asúa acusara a Enrico Ferri
de adhesión al fascismo11.
7 Stefan Zweig, Brasil, país de futuro, cit., p. 139.
8 El gobierno español recriminó al gobierno brasileño el hecho de haber invitado a un “adversario de su
política” y puso trabas, finalmente salvadas por Jiménez de Asúa, al viaje. Vid. Luis Jiménez de Asúa, Un viaje al
Brasil, cit., p. X. Curiosamente, volvería a ocurrir lo mismo en 1949, cuando con ocasión de una invitación para
dictar un ciclo de conferencias en la Universidad de Curitiba, Jiménez de Asúa llegó a perder un avión como
consecuencia de las complicaciones puestas por el “fascista del embajador” español, tal y como le contó a su
buen amigo y colega Mariano Ruíz Funes. Vid., Correspondencia entre Luis Jiménez de Asúa y Mariano Ruíz
Funes de 17 de mayo de 1959, Archivo Luis Jiménez de Asúa 421-43, Fundación Pablo Iglesias.
9 Luis Jiménez de Asúa, Problemas de Derecho Penal, Buenos Aires, La Facultad, 1944, p. 6.
10 Heinz Mattes declara que es innegable la adhesión transitoria de Jiménez de Asúa al positivismo, aunque
de igual modo remarca que fue cuestión de tiempo que declarase la superación del mismo y el anacronismo
de sus teorías. Vid. Heinz Mattes, Luis Jiménez de Asúa, vida y obra, Buenos Aires, De Palma, 1977. Por su parte,
Enrique Bacigalupo comenta que se alcanza un punto en el que el conflicto ideológico entre Jiménez de Asúa
y el positivismo se torna insostenible. Vid. Enrique Bacigalupo, “La teoría jurídica del delito de Jiménez de Asúa
(o el nacimiento de la dogmática penal de habla castellana”, en La teoría jurídica del delito, Dykinson, 2005.
11 El conflicto que acabó con la amistad entre Jiménez de Asúa y Ferri, así como con la adhesión del primero,
por somera que fuese, al positivismo, surge a raíz de una carta que envía Jiménez de Asúa a su colega italiano
en octubre de 1926. Esta carta, que entre otros aspectos criticaba el paso de Ferri a las filas del fascismo, dio
lugar a un duro epistolario que fue publicado en el diario La Prensa de Argentina, y que concluiría, curiosamente,
con una carta enviada por Jiménez de Asúa el 2 de octubre de 1927, al poco tiempo de volver de Brasil. De
este modo podemos deducir que el viaje a Brasil fue utilizado por Jiménez de Asúa como un periodo para
reflexionar sobre el conflicto con el maestro italiano; son tres meses los que transcurren entre las dos últimas
cartas escritas por Jiménez de Asúa, tiempo que utilizó para meditar una respuesta que acabó cortando de
raíz toda relación con el positivismo y con Ferri. Vid. Luis Jiménez de Asúa, Política, Figuras, Paisajes, Madrid,

67
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Pero del mismo modo que había abandonado el positivismo, todavía


no podemos decir que Jiménez de Asúa hubiera penetrado en el campo de la
dogmática penal, algo que no ocurriría, con algunos matices12, hasta la lectura
del discurso de inauguración del año académico de 1931 – 1932. La Teoría Jurí-
dica del delito13 veía la luz y con ella la primera exposición en castellano de un
sistema dogmático moderno del derecho penal, lo que supondría la apertura de
una nueva etapa en la penalística española14.

El periodo que transcurre entre la publicación de su tesis doctoral y


el abrazo a la dogmática, que para Jiménez de Asúa no era sino el verdadero
baluarte en pos de la defensa de las libertades y garantías ciudadanas15, está
marcado por dos factores: el contacto con Franz von Lizt, Alfred Gautier, Gustav
Aschaffenbung, Emile Garçon y Johan Thyren gracias a la beca obtenida de manos
de la Junta de Ampliación de Estudios; y la dedicación al estudio del trabajo de
Dorado Montero, a quien admiró profundamente16, a pesar de que nunca llegó
a conocerlo en persona, llegando a tomar su construcción del Derecho Protector
de los Criminales17 como propia.

La influencia de las doctrinas de Dorado Montero cuyo ataque al principio


de legalidad, no para derribarlo, sino para reubicar el pensamiento penal sobre
unas bases democráticas tal y como ha apuntado Sebastián Martín18, encajaba
perfectamente con la tradición krausista española, hizo que Jiménez de Asúa
concibiera la ciencia penal como una “ciencia de la reforma del derecho penal”19.
Comenzaba por entonces nuestro autor a concebir el derecho penal como una

Historia Nueva, 1927, pp. 91 y ss.


12 A pesar de que La Teoría Jurídica del Delito se considera como el primer acercamiento de Jiménez de Asúa
a la dogmática, en 1929 y en 1930 dictó, en las ciudades de Santa Fe y Montevideo respectivamente, cursos
en los que estudió la doctrina técnica del delito. Vid. Luis Jiménez de Asúa, Problemas de Derecho Penal, cit.,
pp. 5-6.
13 Luis Jiménez de Asúa, La teoría jurídica del delito, Madrid, Dykinson, 2005.
14 Enrique Bacigalupo, “La teoría jurídica del delito de Jiménez de Asúa (o el nacimiento de la dogmática penal
de habla castellana)”, cit., p. VII.
15 Sebastian Urbina Tortella, Ética y política en Luis Jiménez de Asúa, Palma de Mallorca, Facultad de Derecho,
1984, p. 15.
16 Son muchos los escritos que Jiménez de Asúa dedicó a recuperar la memoria y el trabajo de Dorado
Montero. Entre ellos podemos destacar Luis Jiménez de Asúa, “Don Pedro Dorado Montero”, en El Criminalista,
Tomo III, Buenos Aires, TEA, 1949 o Luis Jiménez de Asúa, “El drama silencioso de una vida sabia: Pedro Dorado
Montero”, en El Criminalista, Tomo IV, TEA, 1944.
17 Una idea clave en el pensamiento de Dorado Montero gira en torno a la función penal, la cual debía ser
preventiva y preservadora. Consideraba el catedrático salmantino que lo importante en la prevención de los
delitos era alcanzar la voluntad del delincuente, algo que solo podría hacerse mediante el tratamiento terapéutico
del mismo. Es en este punto cuando en la teoría de Dorado Montero entran en juego instituciones como la
sentencia indeterminada o la condena condicional, enmarcadas por supuesto en un contexto en el que las
cárceles pasarían a tener una función completamente distinta a las desempeñadas hasta el momento.
18 Sebastián Martín, “Penalística y penalistas españoles a la luz del principio de legalidad (1874-1944), en
Quaderni Fiorentini, 36, 2007, pp. 535.
19 Enrique Bacigalupo, “La teoría jurídica del delito de Jiménez de Asúa (o el nacimiento de la dogmática penal
de habla castellana”, cit., p. X.

68
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

herramienta para cambiar el mundo, algo que no tardaría en conectar con sus
ideas socialistas.

Este es el marco penal y académico en el que se desenvuelve Jiménez de


Asúa cuando visita Brasil en 1927, no siendo de extrañar su inquietud e interés
por el régimen penitenciario brasileño, del que ya había dado muestras en obras
como La sentencia indeterminada20, El estado peligroso21, La política criminal en las
legislaciones europeas y norteamericanas22 y La unificación del derecho penal en
Suiza23. Este hecho, unido a la admiración profesada hacia Dorado Montero y el
acatamiento del horizonte reformista de su obra, hace que podamos contextualizar
y dar sentido a los estudios de Jiménez de Asúa sobre la Casa de Corrección de
Río de Janeiro; la penitenciaria de Sao Paulo, la cual consideró como ejemplo a
seguir; y el tratamiento de los menores abandonados y los delincuentes en Brasil24.

Conclusión

Cuando Luis Jiménez de Asúa viaja a Brasil en el año 1927 se encuentra


en una etapa en la que ha roto casi por completo con el positivismo y en el
que todavía no se ha entregado plenamente a la dogmática penal. Se coloca en
un punto en el que, influenciado por la doctrina de Dorado Montero, conside-
ra la ciencia penal como una herramienta útil para reformar la sociedad. Esta
preocupación social es focalizada en la consecución de un sistema judicial en el
que sean respetados las garantías procesales y las libertades individuales y en el
que el fin último no sea la represión sino la prevención, y si fuera necesaria, la
resocialización. Esta preocupación, que ya aparecía en La sentencia indeterminada,
y que se vivifica al amparo de las teorías de Dorado Montero, es la que explica
el interés en conocer la realidad de las cárceles brasileñas. Un interés mostrado
desde que, embarcado en el Re Vittorio, Jiménez de Asúa observara por primera
vez cómo las luces de la luminosa Río de Janeiro quebraban las tinieblas de la
noche americana, unas tinieblas que cruzarían el Atlántico para escasos años
después obligarle a volver a América, la tierra en la que, tras una vida dedicada
al derecho penal, la parca le fue a buscar.

20 Luis Jiménez de Asúa, La sentencia indeterminada, Madrid, Reus, 1913, pp. 99-111.
21 Luis Jiménez de Asúa, El estado peligroso, Madrid, Imprenta de Juan Pueyo, 1922, pp. 86-98.
22 Luis Jiménez de Asúa, La política criminal en las legislaciones europeas y norteamericanas, Madrid, Librería
General de Vitoriano Sáez, 1918, pp. 151-236.
23 Luis Jiménez de Asúa, La unificación del derecho penal en Suiza, Madrid, Reus, 1916, pp. 352-366.
24 Luis Jiménez de Asúa, Un viaje al Brasil, cit., p. 117-147.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O CRIME DA RUA DA AURORA

MÔNICA MARIA DE PÁDUA SOUTO DA CUNHA


Doutoranda em História pelo Programa de Pós-graduação
em História da Universidade Federal de Pernambuco (PPGH-UFPE)
Memorial da Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE)
E-mail: monica.paduasc@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Direito criminal; Império do Brasil; Tribunal da Relação


de Pernambuco.

Introdução

Em 1883, na província de Pernambuco, ocorreu um crime que abalou a


cidade do Recife. Os jornais locais chamaram o episódio de Crime da Rua da
Aurora.

O caso foi de homicídio de uma menina de 15 anos de idade, qualificada


nos autos25 como “preta menor”, de nome Esperança. A autora do crime teria
sido sua antiga proprietária, que tinha alforriado a menor, sua ex-escrava, e esta
continuava vivendo sob o mesmo teto da senhora, trabalhando na sua casa, na
Rua da Aurora, nº 3. A ré teve como cúmplice um de seus escravos, chamado
Felisbino, de 19 anos, que foi também acusado no processo criminal.

O que salta aos olhos nesse processo é a discussão relacionada ao que era
ou não permitido como castigo na época, o que era considerado como ordinário
e o que poderia ter sido fora do comum, posto que essa determinação foi muito
importante para estabelecer o nexo de causalidade entre o ato praticado contra
a vítima e a sua morte. Para isso foi realizada uma perícia pormenorizada, em
um texto escrito. Inclusive há nos autos dois desenhos. Um deles onde aparece
o local do crime e a vítima, na posição em que foi castigada, e o outro é uma

25 BR PEMJ TR PJUD AP 1883.12.17, Ação Penal. Memorial da Justiça TJPE, Tribunal da Relação de Pernambuco,
Ano de 1883, caixa 1215. Ação Penal, Recife. 1883-1885. Autor: A Justiça. Réus: Herculina Adelaide de Siqueira
e Felisbino, escravo de D. Herculina Adelaide de Siqueira.

71
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

planta baixa da casa em que vivia. Vale salientar que imagens são muito raras
em processos judiciais desse período e, desenhos de suplícios, mais raros ainda.

Importante ressaltar que esse caso pode ser considerado peculiar para a
pesquisa sobre o Direito Criminal no período imperial. Ele foi noticiado em muitos
jornais locais, por isso é fácil entender que houve pressão popular durante todo
o decorrer do processo, numa época bem perto da abolição da escravidão no
Brasil. Dessa maneira, nesse cenário verifica-se como se comportaram os órgãos
investigadores e julgadores durante todo o tempo e de que forma a legislação
foi aplicada para realizar a prestação jurisdicional, como também fica evidenciada
a rotina de uma família com escravos no Recife do final do Oitocentos.

Metodologia

Foi realizado o tratamento crítico da fonte judicial e discutido o conteúdo


prático dado à legislação – genéricos, impessoais e abrangentes – pelas autoridades
judiciais, em relação à sua coerência com a sociedade escravista, comparando a
lei e suas penas e as decisões.

A fonte primária judicial da província de Pernambuco foi analisada com


relação à prática das autoridades policiais e judiciais. O Direito foi observado por
meio de sua linguagem particular, pois cada corpus documental tem produtores
e destinatários distintos na área jurídica.

Resultados parciais da pesquisa

O processo criminal analisado apresentou a mulher como protagonista,


lugar incomum naquele contexto histórico, onde o perfil do criminoso, testemunha
e informante era masculino, exceto para os crimes em que a mulher obrigatoria-
mente deveria ser o sujeito ativo ou passivo. Observe-se que a ré, as principais
testemunhas e informantes, bem como a vítima e até quem deu a notícia sobre
o crime à Polícia eram mulheres.

O delegado representou à autoridade judiciária, com base dos docu-


mentos, depoimentos e informações coletadas para formação de culpa e prisão
preventiva de Herculina como autora do homicídio e Felisbino como cúmplice,
baseando-se na legislação brasileira para isso, especificamente nos termos da lei

72
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

nº 2.033 de 20/09/1871 artigo 18, § 2º, segunda parte26, e do decreto nº 4.824


de 22 novembro de 1871, artigo 2927.

Importante analisar o papel do perito para a decisão do magistrado,


elaborando documento fruto de um trabalho meticuloso, que concluiu que a
causa mortis de Esperança foi asfixia por estrangulamento, pela pressão das mãos.
Quanto aos desenhos acostados aos autos, foram solicitados pelo magistrado
para entender melhor como a vítima foi castigada, colocando-a no local do
crime, o que também terminou por inserir no processo uma planta baixa da
casa. Como disseram Pires e Santana (2013), a imagem é usada como parte da
reconstituição do crime.

Ainda sobre a decisão do juiz, saliente-se que, na sua sentença de pronúncia,


ele sentiu a necessidade de esclarecer sobre o porquê de ter dado tanto crédito
às informações prestadas por escravos, em detrimento do que foi afirmado por
testemunhas juradas, que defendiam a ré. Explicou o magistrado que as declarações
contidas nos autos foram corroboradas pelo exame cadavérico apresentado pela
perícia. Afirmou que escravos podem ser considerados informantes se estiverem
de acordo com o artigo 8928 do Código de Processo Criminal. O magistrado
pronunciou os réus, usando o artigo 94 do Código de Processo Penal de 183229
para o caso da confissão do escravo, considerado cúmplice do crime, e condenou
a ré, Herculina, como incursa no art. 19330 do Código Criminal e Felisbino no
mesmo artigo, com referência ao artigo 3431 do citado Código.
26 Art. 18. Os Juizes de Direito poderão expedir ordem de habeas-corpus a favor dos que estiverem illegal-
mente presos, ainda quando o fossem por determinação do Chefe de Policia ou de qualquer outra autoridade
administrativa, e sem exclusão dos detidos a titulo de recrutamento, não estando ainda alistados como praças
no exercito ou armada. A superioridade de grão na ordem da jurisdicção judiciaria é a unica que limita a
competencia da respectiva autoridade em resolver sobre as prisões feitas por mandado das mesmas autori-
dades judiciaes. § 2º Não se poderá reconhecer constrangimento iIlegal na prisão determinada por despacho
de pronuncia ou sentença da autoridade competente, qualquer que seja a arguição contra taes actos, que só
pelos meios ordinarios podem ser nullificados.
27 Art. 29. Ainda antes de iniciado o procedimento da formação da culpa ou de quaesquer diligencias do
inquerito policial, o Promotor Publico, ou quem suas vezes fizer, e a parte queixosa poderão requerer, e a
autoridade policial representar, acerca da necessidade ou conveniencia da prisão preventiva do réo indiciado
em crime inafiançavel, apoiando-se em prova de que resultem vehementes indicios de culpabilidade, ou seja
confissão do mesmo réo ou documento ou declaração de duas testemunhas; e, feito o respectivo autuamento,
a autoridade judiciaria competente para a formação da culpa, reconhecendo a procedencia dos indicios contra
o arguido culpado e a conveniencia de sua prisão, por despacho nos autos a ordenará, ou expedindo mandado
escripto, ou requisitando por communicação telegraphica, por aviso geral na imprensa ou por qualquer outro
modo que faça certa a requisição.
28 Art. 89. Não podem ser testemunhas o ascendente, descendente, marido, ou mulher, parente até o segundo
gráo, o escravo, e o menor de quatorze annos; mas o Juiz poderá informar-se deles sobre o objecto da queixa,
ou denuncia, e reduzir a termo a informação, que será assignada pelos informantes, a quem se não deferirá
juramento. Esta informação terá o credito, que o Juiz entender que lhe deve dar, em attenção ás circumstancias.
29 Art. 94. A confissão do réo em Juizo competente, sendo livre, coincidindo com as circumstancias do facto,
prova o delicto; mas, no caso de morte, só póde sujeital-o á pena immediata, quando não haja outra prova.
30 Art. 193. Se o homicídio não tiver sido revestido das referidas circunstâncias agravantes. Penas – de galés
perpétuas no grau máximo; de prisão com trabalho por doze anos no médio; e por seis no mínimo.
31 Art. 34. A tentativa, á que não estiver imposta pena especial, será punida com as mesmas penas do crime,
menos a terça parte em cada um dos gráos. Se a pena fôr de morte, impôr-se-ha ao culpado de tentativa no

73
O promotor, em seu libelo, considerou que o crime foi praticado por
“motivo frívolo” e que a ré tinha superioridade de forças, de maneira que a
vítima não poderia “se defender para repelir a ofensa”, a fim de que isso fosse
e foi usado para os quesitos do Júri e o conteúdo de sua resposta aplicada na
dosimetria da pena.

No mesmo caminho do pensamento de Ilmar de Mattos (1991), e de


Campos (2003, p. 127), que acreditam que o temor gerado na elite com os
movimentos dos escravos ou homens “de cor” gerou uma elevada preocupação
jurídica e policial, e mais, que as elites locais, para controlar as populações de
cor, livre e cativa, além das leis, também usavam dos castigos para impor, pela
força, esse controle, pode-se entender que existia um limite muito tênue entre o
castigo tolerado e aquele não aceito, como no caso de Esperança, que chegou
a causar a sua morte.

Conclusão

Só Felisbino foi julgado. Herculina alegou doença, conseguiu a concessão


de um habeas corpus e não compareceu ao Júri. O escravo foi condenado no
grau médio do artigo 193 do Código Criminal combinado como o artigo 3532. O
juiz decidiu pela pena de 80 (oitenta) açoites e ferro ao pescoço por 4 (quatro)
meses e as custas a serem pagas pela proprietária do escravo, a ré.

Muitas forças atuaram no desenrolar da história desse processo judicial.


A autora era de família abastada e tradicional da região; a imprensa e os movi-
mentos pró-abolição estavam acompanhando tudo, inclusive pelos jornais locais;
a Polícia e a Justiça tinham um arsenal de leis que ainda estavam regulando um
período escravocrata.

Quanto aos castigos, é muito discutido no processo, especialmente nos


depoimentos das testemunhas, o que era aceito na sociedade e o que era conde-
nado. Fica claro que ainda no final do século XIX, perto da abolição, era comum
se castigar as pessoas “de cor”, fossem elas escravas ou libertas, dependentes que
ainda eram dos antigos proprietários e os tipos de suplicio eram tão fortes, que
poderiam levar à morte, como foi o caso descrito neste trabalho.

mesmo gráo a de galés perpetuas. Se fôr de galés perpetuas, ou de prisão perpetua com trabalho, ou sem elle,
impor-se-ha a de galés por vinte annos, ou de prisão com trabalho, ou sem elle por vinte annos. Se fôr de
banimento, impôr-se-ha a de desterro para fóra do Imperio por vinte annos. Se fôr de degredo, ou de desterro
perpetuo, impôr-se-ha a de degredo, ou desterro por vinte annos.
32 Art. 35. A cumplicidade será punida com as penas da tentativa; e a cumplicidade da tentativa com as
mesmas penas desta, menos a terça parte, conforme a regra estabelecida no artigo antecedente.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências bibliográficas
CAMPOS, Adriana Pereira. Nas barras dos tribunais: Direito e escravidão no Espírito
Santo do século XIX. Rio de Janeiro: O autor, 2003. 278 f. Tese (Doutorado em
História). UFRJ/IFCS, 2003.
MATTOS, Ilmar Rohloff; GONÇALVES, Márcio de A. O império da boa sociedade:
a consolidação do estado imperial brasileiro. São Paulo: Atual, 1991.
PIRES, Antonio Liberac Cardoso Simões. SANTANA, Clíssio Santos. Nas Amarras
da tortura: Fontes textuais e imagens sobre poder e violência em Recife Oito-
centista. Revista de História Comparada, volume 7, número 2, Dezembro, 2013.
Disponível em: <http://www.hcomparada.historia.ufrj.br/revistahc/artigos/volu-
me007_Num002_documento001.pdf>. Acesso em: 25 Jun 2017.

Fonte: BR PEMJ TR PJUD AP 1883.12.17, Ação Penal. Memorial da Justiça TJPE,


Tribunal da Relação de Pernambuco, Ano de 1883, caixa 1215, p. 154.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CORRUPÇÃO EMPRESARIAL NO BRASIL


REPUBLICANO: A CORDIALIDADE BRASILEIRA
NAS RELAÇÕES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

ANNA FLÁVIA ARRUDA LANNA BARRETO


Professora Adjunta do Centro Universitário UNA, Doutora em História (UFMG)
E-mail: annaflav@prof.una.br

NATÁLIA SILVA TEIXEIRA RODRIGUES DE OLIVEIRA


Professora Adjunta do Centro Universitário UMA, Doutora em Direito (UFMG)
E-mail: nataliastroliveira@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (Crime,


processo e penas)

Palavras-chave: Corrupção; Brasil Republicano; cultura da cordialidade;


direito penal empresarial.

O objetivo da pesquisa é realizar um resgate dos casos de corrupção


empresarial durante o período republicano brasileiro pós 1964, sobretudo os
casos envolvendo grandes obras de infraestrutura, transporte, construção civil e
extração de recursos naturais e minerais. O principal impacto dessa pesquisa
está na construção de uma retrospectiva histórica do fenômeno da corrupção
no Brasil, a fim de explicar a relação entre os fatores sociais, políticos e culturais
que condicionaram a maneira peculiar do brasileiro de tratar a corrupção. Outro
impacto desejável é a verificação da possibilidade de adoção de práticas admi-
nistrativas inovadoras, tanto nas empresas públicas como privadas, que busquem
minimizar a ocorrência de práticas ilícitas que alimentam o fenômeno da corrupção
no Brasil e causam prejuízo ao erário público.

A relevância dessa pesquisa está na análise das causas da corrupção no


Brasil e na verificação da legislação vigente sobre o tema, mas sobretudo, na
identificação dos fatores culturais e morais que condicionam sua frequência e
assiduidade nas esferas públicas e privadas. Acreditamos que a identificação des-
ses fatores poderá fomentar elementos para um questionamento crítico e ético,
das nossas ações como cidadãos de direitos e deveres, compromissados com a
efetivação dos direitos fundamentais e a conquista da cidadania plena.

77
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

A metodologia adotada será a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial


sobre corrupção no Brasil republicano, buscando mapear casos de corrupção
empresarial no Brasil e, sobretudo, em Minas Gerais. São resultados esperados
da pesquisa a explicação dos condicionantes que moldam o “jeito peculiar” do
brasileiro tratar a corrupção e tornam imprecisos os limites entre o público e o
privado nas inter-relações sociais e políticas. Um dos impactos dessa pesquisa
está na análise das causas da corrupção no Brasil e na verificação da legislação
vigente sobre o tema, mas sobretudo, na identificação dos fatores culturais e
morais que condicionam a corrupção no Brasil, sua frequência e assiduidade nas
esferas públicas e privadas, tendo como referência as reflexões de Sérgio Buarque
de Holanda na obra “Raízes do Brasil” e Raimundo Faoro na obra “Os donos do
poder: formação do patronato político brasileiro”, possibilitando um questiona-
mento crítico e ético das nossas ações como cidadãos.

A corrupção no Brasil não é uma prática recente. Suas mazelas datam da


época da colonização, quando das relações dos primeiros colonos com a Metró-
pole portuguesa. Segundo o historiador José Murilo de Carvalho (2009, p. 18) “a
colonização foi um empreendimento do governo colonial aliado a particulares”.
Desde o século XVI, a conquista da América contou com práticas ilegais de fis-
calização e controle das relações comerciais desenvolvidas na colônia, baseadas no
monopólio comercial, que determinava a comercialização restrita da colônia com
a Metrópole, visando a obtenção de lucros exclusivos para esta. Os funcionários
da Metrópole, encarregados de fiscalizar o contrabando e demais transgressões
contra a coroa, praticavam o comércio ilegal de mercadorias brasileiras (como o
pau-brasil, o ouro, o diamante e o tabaco), que acabavam sendo repassadas para
os contrabandistas (BIASON, 2009). As grandes dimensões territoriais da colônia
e a dificuldade enfrentada pela Coroa portuguesa em fiscalizar essas práticas
possibilitaram sua continuidade e seu desenvolvimento durante todo o período
colonial. Sobre este aspecto, as práticas corruptas tornavam-se possíveis graças à
ineficácia da coroa portuguesa em controlar as relações comerciais e judiciais, à
falta de controle das autoridades na prestação de contas, à ineficiência na punição
dos envolvidos e ao descumprimento das leis pelos próprios funcionários reais.

Nos autos da devassa, o mais famoso da história colonial brasileira, de-


corrente da Inconfidência Mineira, as relações espúrias entre o “ouro” e o poder
público já demonstraram ser uma realidade bem presente até os dias de hoje.
Aqueles que participaram da insurreição, mas que faziam parte das elites mineiras,
tiveram penas mais brandas ou foram perdoados. Alguns deles, inclusive, lançan-
do mão de um procedimento bem conhecido atualmente, a delação premiada,
não só se livraram da pena, como ainda receberam inegáveis benefícios, como o
famoso delator Joaquim Silvério dos Reis e o abastado sesmeiro das Minas Gerais
Inácio Corrêa Pamplona. Com certeza, pagaram caro pela liberdade. Tiradentes, o
nosso herói símbolo nacional, como era um simples alferes e sem muitos recursos,

78
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

foi o único condenado à forca, esquartejado e considerado o maior traidor da


Coroa Portuguesa.

O processo de independência do Brasil deu-se via uma negociação entre


a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra. Em 1822, D. João VI aceita a
independência do Brasil mediante o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas
à coroa portuguesa. As elites brasileiras adotaram a monarquia como forma de
governo, mantendo o povo brasileiro como mero espectador do processo. A
ausência de transparência nas relações políticas durante o período imperial, pos-
sibilitou o surgimento de outras formas de corrupção no cenário nacional. Uma
delas diz respeito à manutenção do tráfico negreiro, embora as elites nacionais
tivessem assinado um acordo com a Inglaterra para aboli-lo, em troca de seu
apoio no processo de independência. A inexistência de um controle eficaz do
tráfico negreiro se deve, em parte, aos lucros obtidos pelos subornos e propinas
recebidos por todos os participantes. A origem da expressão “lei para inglês ver”
é atribuída ao período imperial quando foram criadas, pelo governo brasileiro,
uma série de leis que, teoricamente, impediam o comércio de escravos no Brasil,
mas que na prática não eram cumpridas. Essas leis foram criadas somente para os
ingleses pararem de pressionar as autoridades brasileiras quanto ao cumprimento
do acordo firmado.

A primeira Constituição do Brasil, outorgada em 1824, estabeleceu os


três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, e criou um quarto poder, o Poder
Moderador, que era privativo do Imperador, como vestígio do absolutismo por-
tuguês. Além disso, a Carta regulou os direitos políticos dos cidadãos brasileiros
e definiu o direito ao voto, permitido a todos os cidadãos homens a partir dos
25 anos, com renda mínima de 100 mil réis. As mulheres e os escravos não eram
considerados cidadãos, já os libertos poderiam votar nas eleições primárias. As
eleições eram indiretas e feitas em dois turnos. No primeiro, os votantes esco-
lhiam os eleitores, que deveriam ter renda de 200 mil réis, e esses escolhiam os
senadores e deputados. As eleições primárias eram tumultuadas e muitas vezes
eram decididas no grito. Nesse período, sugiram vários especialistas em burlar
as eleições. O principal deles foi o cabalista, a quem cabia garantir um maior
número possível de eleitores partidários de seu chefe local. Era responsabilidade
do cabalista oferecer a prova da renda mínima legal exigida para o eleitor. Cabe
ressaltar que essa prova poderia valer-se de um testemunho pago para dizer que
a renda do votante tinha aspecto legal.

Após a proclamação da República, em 1889, as fraudes eleitorais se so-


fisticaram. Com a adoção do federalismo, os presidentes das antigas províncias
passaram a ser eleitos pela população. A descentralização política tinha como
objetivo aproximar o governo da população, via eleições de presidentes de estado
(hoje, os governadores) e prefeituras. Essa aproximação se deu sobretudo com

79
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

as elites locais, apoiadas em partidos únicos. As práticas eleitorais continuaram


fraudulentas com o voto podendo ser fraudado na hora de ser lançado na urna,
na apuração ou mesmo durante o reconhecimento do eleito. Os grandes latifun-
diários, apelidado de “coronéis”, impunham, de forma coercitiva, o voto desejado
aos seus empregados e dependentes. Era o chamado voto de “cabresto”. Além
dessa, outras formas de corrupções eleitorais eram praticadas, tais como o voto
comprado e a “eleição a bico de pena”. No primeiro caso, o votante vendia o
voto em troca de um par de sapatos, por exemplo. O comprador entregava
um pé de sapato no dia da eleição e o outro pé após apurado o resultado das
eleições. Caso o candidato do comprador não ganhasse, o votante ficaria apenas
com um pé de sapato. A “eleição a bico de pena” acontecia após a apuração do
resultado das eleições e durante o reconhecimento do eleito. Nas atas eleitorais,
eram incluídos como votantes as pessoas mortas e inexistentes. Nesse caso, os
resultados eleitorais eram absurdos, sem nenhuma relação com o número efetivo
de eleitores (LESSA, 1988).

Na República Nova, as disputas eleitorais presidenciais de 1929 contaram


com uma inusitada reviravolta do resultado final. A disputa entre o candidato
das oligarquias cafeicultoras paulistas Júlio Prestes e Getúlio Vargas, candidato dos
setores insatisfeitos com a tradicional política do “café com leite”, que garantia
a alternância do poder executivo ora com um representante de São Paulo ora
com um representante de Minas Gerais, foi marcada por acusações de fraudes
por parte da aliança liberal levando à presidência da República o candidato der-
rotado Getúlio Vargas, embora os resultados eleitorais registrassem a vitória do
candidato Júlio Prestes com 1 milhão e cem mil votos contra 737 mil alcançados
por Getúlio Vargas (GOMES, 1988).

A corrupção, para além do aspecto penal, implica em práticas de subor-


no com o objetivo de corromper alguém ou obter favores de alguma pessoa
por meios ilícitos. Seu uso não se restringe às esferas política e econômica, ele
está inserido em práticas culturais cotidianas que denigrem as relações sociais e
legitimam a tolerância a determinados casos de corrupção. Uma das explicações
mais aceitas pelos estudiosos sobre o fenômeno da corrupção no Brasil é a nossa
herança patrimonialista ibérica. Segundo Raimundo Faoro, no patrimonialismo
não há distinção por parte dos líderes políticos entre o patrimônio público e o
privado, tese também defendida por Sérgio Buarque de Holanda. Mediante essa
prática, os representantes do legislativo brasileiro consideram os cargos políticos
e o Estado como patrimônio privado. Práticas como esta permitem que parentes
de políticos, sem qualquer preparo ou mérito, sejam escolhidos para cargos de
confiança na administração pública ou que empresas financiadoras de campanhas
eleitorais vençam licitações públicas.

80
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O fenômeno da corrupção não é exclusivo do Brasil ou dos tempos


recentes. Ele é fruto de uma complexidade de processos sociais e históricos que
apresentam peculiaridades em cada país e sociedade. Uma das maneiras mais
eficientes de combate a corrupção é o investimento na transparência das infor-
mações com relação ao uso dos recursos públicos e na educação consciente,
baseada em uma moral ética e correta, capaz de orientar as pessoas a realizarem
escolhas livres de vícios imorais e tendenciosos. Como já dizia João Ubaldo Ri-
beiro (2011) “nós sabemos de tudo e não somos bobos, somos apenas omissos,
submissos, cínicos e cada vez mais moralmente insensíveis – ninguém é perfeito”.

Referências bibliográficas
BIASON, Rita; JAF, Ivan. De olho na Corrupção. São Paulo: Ática, 2009.
CARVALHO, José Murilo. Cidadania do Brasil. 12. Ed. Rio de Janeiro: Civilização
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estao-querendo-enganar-quem/. Acesso em 25 nov. 2016.

81
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

“LA EXPORTACIÓN DEL PENITENCIARISMO


JUSTICIALISTA: ROBERTO PETTINATO Y LA
PRIMERA REUNIÓN PENITENCIARIA BRASILEÑA
(RÍO DE JANEIRO, NOVIEMBRE DE 1952)

JORGE ALBERTO NÚÑEZ


CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas, Argentina).
INHIDE (Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, Buenos Aires).
E-mail: jorgealber75@gmail.com

Eje temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, pro-


cesso e penas). Coordinadores: Luís Fernando Lopes Pereira (UFPR); Clara Maria
Roman Borges (UFPR); Ricardo Sontag (UFMG); Diego Nunes (UFSC).

Palabras clave: Pettinato-Reforma penitenciaria argentina-Brasil.

Introducción

En los últimos años, la historiografía jurídica y social argentina se abocó al


estudio de la política penitenciaria impulsada durante el primer gobierno peronista
(1946-1955). Además de los pioneros trabajos de Lila Caimari, cabe destacar las
obras de José Daniel Cesano y Jeremías Silva, quienes han abordado de manera
muy sagaz la labor de Roberto Pettinato, Director General de Institutos Penales de
la Nación. Estas exploraciones sobre el modo de castigar durante el peronismo se
insertan en una literatura que estudia los orígenes del primer peronismo (relación
con los intelectuales, políticas de vivienda, maternidad, infancia, democratización
del bienestar, tiempo libre y ocio, etc.) así como en las investigaciones que indagan
en la importancia de estudiar las segundas líneas en el peronismo.

En el tema carcelario se han realizado importantes contribuciones que dan


cuenta de la “humanización” del castigo que produjo el peronismo (alimentación,
salud, sexualidad -a través de las visitas íntimas- deporte, actividades culturales,
preparación técnica de los reclusos, creación del Régimen Atenuado de Disci-
plina, etc.); las políticas dirigidas al Cuerpo de Guardiacárceles (organización y
jerarquización del personal penitenciario, creación de la Escuela Penitenciaria de

83
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

la Nación, equiparación con otros cuerpos del Estado, beneficios materiales) y las
transformaciones “simbólicas” producidas (eliminación del traje a rayas, cierre del
tenebroso Presidio de Ushuaia, conocido como la Siberia criolla, etc.).

Por otro lado, la bibliografía especializada subraya la utilización que hizo el


peronismo de la prisión y la aplicación de malos tratos a los presos políticos (en
especial, comunistas, pero también radicales y socialistas). Así, mientras los presos
comunes habrían atravesado una etapa de notable mejora y bienestar, los presos
políticos, opositores al régimen, sufrieron grandes penurias.

Por último, se afirma que hubo una clara continuidad entre la ideología
carcelaria peronista y el ideario rehabilitador de la criminología positivista de fines
del siglo XIX, esto es, el derecho del Estado a privar de la libertad a un indivi-
duo y aprovechar ese lapso de tiempo para someter al penado a un régimen
coercitivo de disciplina, trabajo y educación con la finalidad de recuperarlo para
la futura vida en sociedad.

Nuestra propuesta, en esta ocasión, es analizar una temática que no ha


sido abordada por la historiografía jurídica y social: la exportación y los vínculos
científicos establecidos por el penitenciarismo justicialista en América Latina. Para
ello, nos ocuparemos de una serie de viajes realizados por Roberto Pettinato a Brasil
en el año 1952, para asistir a la Primera Reunión Penitenciaria Brasileña realizada
en Río de Janeiro. En esa ocasión, además, fue designado miembro de honor del
Instituto de Criminología de esa ciudad y dictó una serie de conferencias sobre
la revolución penitenciaria realizada por el gobierno de Juan Domingo Perón.

Esta visita de Pettinato, creemos, se enmarca en las fructíferas relaciones


e influencias comunes entre penitenciaristas argentinos y brasileños que tuvo
lugar en las décadas de 1940 y 1950, observable, por ejemplo, en la creación de
la Escuela Penitenciaria Brasileña tomando el formato de su par argentina; en la
participación de Pettinato en el Seminario Regional Latinoamericano sobre Pre-
vención del Delito y Tratamiento del Delincuente realizado en San Pablo o en
la visita de Victorio Caneppa. Presidente de la Asociación de Prisiones Brasileña,
a la República Argentina en 1953, entre otros hitos.

Metodología

Como marco general utilizaremos la bibliografía existente sobre los vínculos


entre los juristas brasileños y argentinos en la primera mitad del siglo XX. Pero la
riqueza principal del trabajo, creemos, será la utilización de fuentes éditas, pero
escasamente abordadas por los estudiosos. En particular, el periódico carcelario
Mañana, editado por la Dirección General de Institutos Penales, destinado a la
población reclusa y una serie de documentos de Pettinato ubicados en el Museo

84
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Penitenciario Antonio Ballvé. Asimismo, indagaremos en la prensa argentina y


brasileña (disponible a través de la web), rastreando el impacto de los vínculos
mencionados.

Discusión

El aporte de nuestra investigación radica en que ha sido una temática


muy poco explorada, puesto que, por lo general, la regla, son las investigaciones
“inversas”; esto es la importación de ideas europeas o estadounidenses, por parte
de los estados latinoamericanos. Nuestro trabajo, creemos, parte de una lógica
diversa, que relativiza el concepto de países periféricos. Así, mientras que las mi-
radas suelen estar puestas en la importación de ideas de países centrales hacia
la periferia; no se ha reparado en profundidad sobre el eje periferia/periferia. Por
supuesto que al hablar de “centro” y “periferia”, no suscribo tal diferencia, lo hago
aquí descriptivamente, porque, hay muchos estudios que lo hacen en esa dirección;
lo que, indudablemente, implica una visión sesgada del asunto.

En resumen, esperamos que nuestra ponencia, centrada en una figura


clave de la reforma penitenciaria argentina, analizando un aspecto específico (los
vínculos establecidos con los juristas brasileños) contribuya en el proceso de re-
novación de la historiografía jurídica y social abocada a los temas penitenciarios.

85
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UMA ANÁLISE ACERCA DO INCISO XLIII


DO ART. 5º DA CF/88 E DA LEI 11.343/06:
A PRODUÇÃO DAS MARCAS DA MISÉRIA

MICHEL CÍCERO MAGALHÃES DE MELO


Graduando em Direito no Instituto Multidisciplinar
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e bolsista voluntário da PICV – UFRRJ.
E-mail: michelciceromelo@hotmail.com

Eixo-Temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira

Palavras-chave: Encarceramento, Drogas, Corpos Marcados.

Introdução

O presente trabalho analisa a evolução da criminalização dos delitos rela-


cionados de diversas formas com as drogas ilícitas. A primeira parte do trabalho o
inciso XLIII do art. 5º da CF/88, “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis
de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”, para pensar
todo o aparelho punitivo estatal que foi empregado pelo Estado no momento
posterior a promulgação da Carta Constitucional na guerra as drogas. A partir
desse momento, a análise perpassa a situação da sociedade brasileira que se depara
com a urbanização e os conflitos e violência gerados através da inércia do poder
estatal e do projeto de sociedade inacabado presente no nosso seio social. O
segundo ponto do presente trabalho diz respeito a Lei n. 11.343/06, Lei de Drogas,
e a multiplicação de tipos penais positivados nos seus artigos, principalmente no
seu capítulo II que corresponde aos crimes elencados na legislação. Portanto, o
presente trabalho busca demonstrar as nuances das guerras às drogas e como ela
alimenta um ciclo vicioso que mitiga o poder estatal e seu monopólio da força
além de gerar zonas de conflito permanente. Problemas sociais crônicos dos dias
atuais, que inclusive estão presente a décadas no ciclo produtivo da violência no
Brasil, como encarceramento, homicídios, ausência do poder público e o combate
aos conflitos pela ótica penal é o terceiro ponto de análise que busca demonstrar

87
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

como tais fatos produzem marcas permanentes não só nas sociedades como nas
coletividades e nas relações que a compõem.

Metodologia

A pesquisa tem por base dois eixos teóricos. No primeiro, iremos abordar
a literatura que investiga a relação entre sociedade e violência (ZALUAR, Alb.
MISSE, Michel). No segundo, investigaremos a literatura que trata da perspectiva
criminológica crítica (MALAGUTI, Vera Batista. GARLAND, David. BARATTA, Ales-
sandro. KARAM, Maria Lucia. ZAFARRONI, Eugenio Raul. DE GIORGI, Alessandro.
GEORG, Rusche e OTTO, Kirchheimer), com ênfase na estrutura da punição e
produção de marcas de longa-duração nos corpos e nas relações sociais. Ademais,
serão consultados estudos publicados por órgãos independentes que investigam a
construção da violência social nos seus mais diversos aspectos, como a produção
do IPEA e da FBSP, Atlas da Violência.

Resultado Parciais

O presente trabalho faz um paralelo que começa com a urbanização


brasileira e o período de redemocratização. A partir desse ponto, positivou-se
na CF/88 dispositivos que fortaleceram a guerra a drogas pelo poder estatal.
Dentro dessa lógica, analisou-se os impactos gerados na produção dessa guerra,
especificamente as questões envolvendo encarceramento de massa e homicídios
no território brasileiro. Mostra-se então como o aparelho que antes combatia um
inimigo, opositores da ditadura militar, passam a operar para combater um novo
alvo: as drogas. Decorrente disso, temos um boom dos conflitos sociais que já
estavam latentes na sociedade brasileira na década de 1990 e que se prolongam
até os dias atuais. Temos atualmente um problema crônico no encarceramento,
na insegurança social e nas mortes decorrentes de homicídios. Como resolver
tal fato alimentado a estrutura punitiva? Nossa escolha deve ser pela mitigação
do direito penal em favor de novas formas de resolver as questões sociais, ou
seja, retirar a escolha do direito penal como prima ratio e coloca-lo como forma
excepcional de controle social, isto inclui repensar a sociedade e a produção da
violência além das relações Estado-Sociedade-Indivíduo.

Conclusão

O presente trabalho busca compreender a atuação estatal durante as


últimas décadas para a promoção de uma guerra permanente no seio social
brasileiro e como os conflitos, a violência e o processo de urbanização marca
os indivíduos e a relações que se constituem no meio social. Qual a relação dos
homicídios com a urbanização na seara da guerra às drogas e na criminalização
da miséria? O atlas da violência de 2017, produzido pelo IPEA e FBSP, trás dados

88
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

que se perpetuam pelos últimos 30 anos. No mesmo contexto o número de


encarcerados sobe a cada ano, os delitos aumentam e a sociedade fica a mercê
de um poder público ineficaz na resolução dos conflitos sociais. Se nas três úl-
timas décadas combateu-se o efeito e não a causa dos problemas geradores da
insegurança social, sendo assim, as respostas dadas pelo poder estatal foi mais
punição e criação de crimes que ao invés de reduzir a sensação de impunidade
e gerar mais segurança social só acelerou um processo de desfazimento dos
modos alternativos de resolução de conflitos como na imagem exacerbada do
que é um crime.

Referências bibliográficas
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução
a sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro.
Editora Revan. Instituto Carioca de Criminologia. 6ª edição. 3ª reimpressão. 2016.
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temporânea. Trad. André Nascimento. Rio de Janeiro. Revan, 2008. 1ª reimpressão,
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão.
Rio de Janeiro. Revan. 2007. 2ª edição. 4ª reimpressão. 2016. Coleção Pensamento
Criminológico. Volume 14.
ZALUAR, Alba. Oito temas para debate: violência e segurança pública. So-
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ponível em <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0873-65292002000100003&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 08 out. 2016.

89
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

ZALUAR, A. M., 2003. O contexto social e institucional da violência. In: ed.), pp. 8,
Rio de Janeiro. Disponível em http://nupevi.iesp.uerj.br/artigos_periodicos/contexto.
pdf. Acesso em 16 de janeiro de 2017.

90
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O STF E A VADIAGEM: ANÁLISE DE CASOS


QUE CHEGARAM AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1918-1919)

GUSTAVO C. ZATELLI
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Direito da UnB, mestre em Direito pela UFRJ
E-mail: zatelli21@gmail.com

Eixo temático: 2. História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; vadiagem; controle social.

Introdução

O que despertou o interesse na presente pesquisa foram os mecanismos de


controle social impostos pelo Estado na Primeira República – mais especificamente,
os mecanismos jurídicos de controle social. Obviamente o tema é demasiadamente
amplo e não poderia ser tratado devidamente sem delimitação apropriada.

Optamos, para tanto, pela análise dos processos-crime sobre repressão à


vadiagem nos anos 1917-1919 no Rio de Janeiro que chegaram ao STF. A deli-
mitação temporal explica-se por se tratar de período especialmente conturbado
(não só na capital, mas num contexto quase global) – fim da primeira guerra
mundial, greves gerais repercutindo em todo país. A delimitação geográfica se dá
pela importância da cidade do Rio de Janeiro à época como capital e distrito
federal, o que a transformava inclusive no modelo institucional (dos aparatos
policial e judiciário) para os demais estados federativos. A delimitação temática (a
contravenção de vadiagem) tem a ver com os números excessivos de prisão sob o
artigo 399 e a crescente preocupação da elite com a “questão social” e o controle
social dos trabalhadores livres. A escolha pela instância superior como critério de
delimitação tem a ver com o fato de esta ser uma pesquisa em andamento, na
qual a primeira e segunda instâncias do período já foram analisadas em minha
dissertação de mestrado – vale ressaltar que os processos examinados aqui não
entraram no texto dessa primeira pesquisa e, portanto, esta análise é inédita.

91
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Os processos-crime têm muito a dizer sobre o transcorrer da aplicação


do controle social estatal pois configuram-se como o espaço de mediação e (des)
legitimação das ações policiais por juízes – que, por sua vez, debatem e decidem
utilizando conceitos e lógicas próprios de sua cultura jurídica. O problema levan-
tado aqui, que norteará a pesquisa, será: o judiciário, no contexto escolhido pela
presente pesquisa, possibilitou tal defesa de direitos ou simplesmente legitimou
o controle social efetivado pela polícia?

Para elaborar a resposta, é preciso destrinchar o que se pode classificar


como “tecnologias” de controle social. Afirmamos que a efetivação do controle
social exigiu (e ainda exige) a construção de diversos instrumentos – discursivos
e institucionais – que se caracteriza(ra)m como verdadeiras técnicas de poder. O
saber penal, a legislação, os manuais de chefe de polícia, as estatísticas criminais são
alguns saberes que precisavam ser acionados (conjuntamente ou singularmente)
para a realização prática do controle social imaginado. São saberes e técnicas
que tanto legitimam quanto moldam, estruturam as intervenções de autoridades
públicas.33 Dentre essas técnicas, terão destaque na presente pesquisa a argumen-
tação jurídica34 utilizada nos casos (tanto pelos advogados quanto pelos juízes e
demais partes) e as discussões doutrinárias35 acerca da contravenção de vadiagem.

Metodologia

Nossas fontes serão os casos encontrados no catálogo do Arquivo Nacional


na seção do STF relacionados à vadiagem entre os anos de 1918-1919, no Rio de
Janeiro. Utilizaremos diferentes lentes metodológicas que podem contribuir para
a leitura dessas fontes, tais quais: paradigma indiciário de Ginzburg; “circulação
de cultura jurídica” de Luís Fernando Perreira; “antropofagia jurídica” de Gustavo
Siqueira; as considerações de Chalhoub sobre leitura de fontes judiciais em “Tra-
balho, Lar e Botequim” (que abandonam a pretensão de conhecer a “verdade”
nos processos, mas buscam confrontar as diferentes versões, todas verossímeis,
apresentadas ali entre si e entender seus papéis diante do contexto cultural e
do imaginário social do período). O enfoque recaíra sobre as estratégias e os
argumentos jurídicos operacionalizados na acusação, defesa e sentença dos julga-

33 Aqui, não poderíamos ignorar, diante da análise discursiva, também os fatores que poderíamos chamar de
“materiais” na concretização do controle social por instituições públicas. Alguns exemplos: a verba disponível,
o quadro de funcionários, a disponibilidade de meios de comunicação e transporte eficientes. Nem se pode
esquecer que o funcionamento institucional também depende de uma série de relações informais com a
população civil. Não se trata, entretanto, do objeto principal da presente investigação.
34 Entendida aqui amplamente: qualquer argumentação que incida ou procure incidir na tomada de decisão
judicial. É certo que o foco será no debate jurídico, entretanto, é comum o desenvolvimento de argumentos
que extrapolam o “campo jurídico” propriamente dito. Não levá-los em conta seria ignorar um elemento
indispensável na análise.
35 Com doutrinário entendemos o saber jurídico reconhecido como de “alta qualidade” condensado em forma
escrita (seja por livros ou artigos)

92
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

dos – ou seja, entender como o Direito foi instrumentalizado por atores sociais
diferenciados ao longo do processo judicial.

Resultados parciais

Os processos, apesar de não constarem explicitamente descritos os deba-


tes acerca dos casos pelos ministros do STF (apenas a sentença final e a direção
dos votos de cada um), são ricos ao juntarem os autos da primeira e segunda
instância, dando possibilidade à reconstrução do panorama geral de cada caso
e também do perfil de cada acusado. Assim, pode-se ter uma noção de quais
elementos eram relevantes (dinheiro, conhecimento jurídico, relações interpessoais,
etc.) para o acusado conseguir acesso à instância maior do judiciário. Além do
mais, embora a falta de autos sobre os debates entre os ministros comporte um
silêncio das fontes, pode-se extrair dados valiosos somente das decisões finais:
com exceção de apenas um caso, todos os demais foram indeferidos, que parece
indicar uma falta de disposição do Supremo de se colocar como “guardião de
direitos” para os condenados de vadiagem.

Referências Bibliográficas
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94
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

OS DEBATES SOBRE A PENA DE MORTE NO


CONGRESSO NACIONAL CONSTITUINTE DE 1890
E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE BECCARIA E LOMBROSO

DELMIRO XIMENES DE FARIAS


Mestrando em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Especialista em Direito Penal pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogado.

DELMIRO X. FARIAS
Universidade Federal do Ceará (UFC)
E-mail: delmirofarias@gmail.com

Eixo temático 2: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Pena de morte; Constituinte de 1890; Constituição de 1891.

Introdução

A pena de morte para crimes comuns, no Brasil, até a primeira Consti-


tuição de 1891, sempre teve previsão normativa. As ordenações mencionavam a
pena de morte (CABRAL, 2016, p. 31). Já, sobre a Constituição de 1824, apesar
de banir as punições cruéis, havia o entendimento de que a pena de morte era
possível (TUCUNDUVA, 1976, p. 33), que foi confirmado pelo Código Criminal
de 1830. À época, era possível a concessão de graça imperial, o qual poderia
ser utilizado pelo soberano para fins de equidade e justiça (HESPANHA, 2006, p.
107). Segundo João Barbalho Uchoa Cavalcanti (1902, p. 327), durante o segundo
reinado, a graça imperial foi sendo cada vez mais utilizada para comutar as penas
de morte, principalmente após o caso Mota Coqueiro.

Com a Proclamação da República e os inícios dos trabalhos em 1890 para


a elaboração de uma nova Constituição, começou-se a discutir no Congresso
Nacional Constituinte a adoção ou abolição de tal castigo. Na prática, a pena
de morte já era considerada abolida, mas ainda haviam parlamentares a favor
da sua manutenção. Ao fim, a sanção foi suprimida nos crimes comuns, através
do artigo 72, § 21, da Constituição de 1891, ressalvando somente os casos da
legislação militar em tempos de guerra.

95
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Desta forma, após fazer uma breve análise do contexto sobre a pena
capital no regime imediatamente anterior, este trabalho pretende estudar princi-
palmente os debates dos parlamentares sobre a abolição da punição em questão,
apresentando os argumentos daqueles que discursaram sobre o assunto, assim
como os fundamentos de suas ideias. Assim, para também fazer um contexto das
doutrinas que eram defendidas pelos representantes do povo, apresenta-se neste
trabalho as ideias principais de Cesare Beccaria e também de Cesare Lombroso,
que são autores icônicos que representavam escolas as quais davam base aos
debates constituintes, mesmo que indiretamente.

Tal trabalho se faz importante em razão da escassez de outros escritos


acerca, especificamente, das discussões acerca da pena de morte no Congresso
Nacional Constituinte de 1890, visto que, seu resultado foi a primeira Constituição
pátria que trouxe a abolição da pena de morte. Assim, trazendo os discursos de
cada parlamentar que se aventurou discutir acerca do tema naquela constituinte,
este trabalho se mostra útil para entender os motivos pelos quais a mencionada
punição deixou de ser aceita no ordenamento jurídico nacional nos crimes comuns.

Metodologia

A pesquisa para a elaboração deste trabalho se dá principalmente através


da leitura de trechos sobre a pena de morte nos anais do Congresso Nacional
Constituinte de 1890, os quais estão disponíveis no sítio eletrônico da Câmara
dos Deputados. A busca dos discursos que tratavam do tema foram encontrados
através da busca, no arquivo eletrônico em pdf de palavras-chaves como “morte”,
“pena”, “capital”, “21” e “22”.

Além da busca por estas palavras chaves, foi utilizado os índices por ses-
são dos anais de cada volume, os quais apontam votações e debates acerca do
Título IV, no qual está inserido o mencionado dispositivo. Também foi utilizado
os índices temáticos dos anais de cada volume, os quais indicam as páginas que
se discutiram a pena de morte.

Este trabalho também utiliza de artigos e livros, tanto da área do Direito


quanto de acadêmico da História, João Luiz Ribeiro (2005), assim como documentos
jurídicos, tudo com o fim de demonstrar o contexto acerca da punição durante
o Império. Para este fim, utiliza-se também de obra da época para demonstrar
que penas deveriam ser utilizadas com parcimônia, como é o caso de Pimenta
Bueno (1857, p. 418). Ainda, para demonstrar as ideias bases que deram guarida
aos debates constituintes, faz-se uso das obras de Beccaria e Lombroso, além de
outros que auxiliam no entendimentos de seus ensinamentos.

96
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Portanto, o tipo de pesquisa utilizada é tanto bibliográfica quanto docu-


mental, sendo ex-post-facto e histórico. Quanto aos resultados, a pesquisa é, prima
facie, pura, pois pretende aumentar os conhecimentos do autor e dos leitores,
e também é qualitativa. Quanto aos fins, a investigação científica é descritiva e
explicativa, pois, além de descrever o contexto social e a forma como a punição
foi abolida, também apresenta os seus fundamentos.

Resultados

Beccaria era contra a pena de morte, argumentando, por exemplo, que


ela não teria o condão de prevenir crimes, sendo inútil e, por isso, injusta (BEC-
CARIA, 2003, p. 21). Além disso, ela não teria legitimidade, já que, de acordo
com uma teoria contratualista, os cidadãos não renunciaram de uma parcela da
liberdade ao ponto de o Estado ter o poder de lhe tirar a vida (TARELLO, 1998,
p. 478). Já Lombroso defendia a ideia do delinquente nato (SHECAIRA, 2013, p.
87), aquele que teria certas características hereditárias que o levariam a cometer
crimes cruéis, sendo, então, algo incurável. Seriam considerados seres primitivos e
selvagens (LOMBROSO, 2010, p. 28). Por este motivo, este tipo de pessoa deveria
ser permanentemente excluída da sociedade, seja pela prisão ou pela morte.

As ideias de Lombroso influenciaram deputados como Barbosa Lima e


João Vieira de Araújo, os quais defenderam no Congresso que, em crimes he-
diondos, cruéis e assassinatos por motivos fúteis, a pena de morte deveria ser
aplicada, em razão de o condenado não ter possibilidade de recuperação ou
arrependimento por conta de sua característica hereditária. A sanção seria uma
forma de defender a sociedade contra esses tipos criminosos. Afirmam que a
prisão não seria suficiente para prevenir crimes, já que sempre há o risco de o
delinquente nato fugir e reincidir.

Já as ideias de Beccaria se vê nos argumentos de parlamentares como


Lacerda Coutinho e Vicente Espírito Santo. O primeiro, em seu discurso, aponta
como principal argumento contra a manutenção da pena de morte a possibilidade
do erro judiciário com a constatação de que, após a execução do condenado,
ele era inocente. Já o segundo, aparentemente com base nas ideias de Beccaria,
sempre põe em dúvida a legitimidade da pena capital, dando a entender que
acredita que a sociedade não pode tirar a vida de alguém, já que ela também
não pode dá-la.

Conclusão

O trabalho demonstra que, apesar dos discursos mais longos e funda-


mentados serem daqueles que pretendiam a manutenção da pena de morte aos
crimes comuns, esta foi a tese vencida, e que a maioria dos parlamentares eram a

97
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

favor da abolição. Destes, alguns queriam que esta medida se desse sem ressalvas,
ou seja, que o castigo ficasse suprimido para todos os casos. Já grande parte era
a favor da hipótese da punição se manter em tempo de guerra nos previstos
na legislação militar. Além disso, vê-se pontos em comum entre os argumentos
utilizados pelos parlamentares com as principais ideias de Beccaria e Lombroso,
principalmente no que tange à falta ou não de caráter preventivo da pena de
morte e na teoria do delinquente nato. Ainda, percebe-se que o contexto ante-
rior a respeito da frequente comutação do castigo também foi utilizado como
argumento para a abolição.

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Paulo: Martin Claret, 2003.
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São Paulo: Ícone, 2010.
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de junho de 1835: Os escravos e a pena de morte no Império do Brasil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.

98
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

SHECARIA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013.
TARELLO, Giovanni. Storia dela cultura giuridica moderna. Bologna: il Mulino, 1998.
TUCUNDUVA, Ruy Cardoso de Mello. A pena de morte nas constituições do
Brasil. Justitia, São Paulo, Ministério Público de São Paulo, v. 38, n. 93, p. 31-42,
jul./set., 1976.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

OS DELITOS DE ABUSO DE LIBERDADE DE


IMPRENSA NO DIREITO PENAL DO BRASIL IMPERIAL

DANLER GARCIA SILVA


Acadêmico em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Agência de fomento: CNPq
E-mail: danlergs@hotmail.com

Eixo temático: 2 – História da Cultura Jurídica Crimina Brasileira

Palavras-chave: Brasil Império; Crime de imprensa; Código Criminal.

O escopo desta pesquisa é o exame concernente a natureza jurídica dos


delitos de abuso de liberdade de imprensa no Direito Penal do Brasil Império,
que se desvela, por sua vez, uma temática significativa em virtude da ausência de
estudos jurídico-dogmáticos que averiguam esta circunstância singular. A partir da
investigação realizada à fontes históricas e literaturas atuais, vale dizer, doutrinas, anais
da assembleia constituinte do Império, revista jurisprudencial do quartel estudado,
bem como trabalhos de distintas áreas do conhecimento para além do jurídico, é
passível de se examinar uma condição específica da organização político-jurídica
brasileira. Por conseguinte, partindo da premissa de que o Código Criminal do
Império, sancionado em 1830, estava subdivido em quatro partes – Dos Crimes
e das Penas, Dos Crimes Públicos, Dos Crimes Particulares e Dos Crimes Policiais
–, constata-se a disparidade de autores do período no que concerne a conceitu-
ação dos delitos de abuso de liberdade de imprensa, qualificando-os como crime
ordinário, crime político, crime particular, bem como sui generis.

Por intermédio do elenco de autores que aludem os delitos de imprensa


em suas obras, bem como os abusos da liberdade de expressão e comunicação
– Vicente Alves de Paula Pessoa (1877), Braz Florentino Henriques de Souza
([1872] 2003), José Liberato Barroso (1866), Antonio de Paula Ramos Junior (1875),
Thomaz Alves Júnior (1864) e José Antonio Pimenta Bueno (1857) – é possível
de se examinar um debate acerca da natureza jurídica deste delito. Ora, uma vez
que os princípios dos delitos de imprensa estão devidamente previstos na Parte
Primeira do Código (arts. 7º a 9º), as espécies deste crime estão tipificadas ao
longo de todo o texto, vale dizer, Parte Segunda, Terceira e Quarta, o que resulta,
por conseguinte, na discrepância de conceituações.

101
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Esta pesquisa, por seu turno, possui o intento de aclarar as seguintes


problemáticas: qual seria a natureza jurídica dos delitos de abuso de liberdade de
imprensa? Estes delitos, por sua vez, deteriam tão somente uma única condição?
Qual é a conjuntura histórica e o contexto político-social em que estes delitos
foram emanados e permaneceram incorporados?

A metodologia desta pesquisa se amparou em investigações à fontes


históricas atreladas à literaturas atuais e interdisciplinares. Como aludido acima,
recorreu-se à doutrinas jurídicas, anais da assembleia constituinte do Brasil Império,
assim como revista jurisprudencial do período proposto estudado; outrossim, no
que versa à literatura, empreendeu-se investigação à estudos de diversas áreas do
conhecimento para além do Direito, vale dizer, História e Comunicação Social,
concebendo a investigação de trabalhos que versam as asserções da liberdade de
imprensa e crimes de abuso desta liberdade. O exame empreendido concernente
à temática referida, em obras clássicas e hodiernas, torna-se relevante por suscitar
um forte mecanismo de problematizações sobre a condição nacional supracitada.

Partindo desta crítica, esta pesquisa se mostra relevante, ademais, pelo fato
de examinar uma condição específica da organização político-jurídico brasileira
e, por meio de uma investigação histórico-jurídica, possui-se o intento de revelar
a dialética constituída neste momento, que se valeu de uma dogmática e teoria
divergentes. Ao se investigar o âmago do período, tem-se o escopo de explorar
e compreender a natureza deste delito, bem como a concepção do período
acerca da natureza do mesmo.

No primeiro fragmento da pesquisa, tem-se como escopo desvelar a con-


juntura histórica e o contexto político-social do Brasil Império e seus pormenores,
vale dizer, detém-se como fito discutir a Independência, a Constituição Imperial
de 1824, o Código Criminal do Brasil Império e seus reflexos no que concerne
aos delitos de abuso de liberdade de imprensa.

No segundo fragmento da pesquisa, tem-se como escopo desvelar o


debate presente na doutrina constitucional, bem como no parlamento brasileiro
da assembleia constituinte do Brasil Império e seus desdobramentos e prelações
específicas no que tange os delitos de abuso de liberdade de imprensa.

No terceiro fragmento da pesquisa, tem-se como escopo desvelar toda


a discussão jurídico-dogmática dos doutrinadores do Império no que tange a
conceituação dos delitos de abuso de liberdade de imprensa, vale dizer, a dispa-
ridade de conceituações que perpassam a natureza jurídica ordinária, sui generis,
privada e público-política do delito.

102
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Percorrendo a conjuntura histórica e contexto político-social relevante e


alvoroçado em que o país se localizava após todos os pormenores provenientes
da Independência (FAUSTO, 1995), vale dizer, desde o fim do Livro V das Orde-
nações Filipinas, até a promulgação do Código Criminal do Brasil Império e seus
desdobramentos no que tange aos delitos de abuso de liberdade de imprensa,
deduz-se o cariz político que este delito exerceu perante toda esta problemática,
bem como conjunção político-social em que o País se encontrara (COSTA, 2013;
NUNES, 2010). Por conseguinte, certifica-se novamente o cariz político que os
delitos de abuso de liberdade de imprensa exerceram durante a discussão do
parlamento brasileiro da assembleia constituinte do Brasil Império, desvelando,
por sua vez, seus reflexos no que tange ao regime político proferido – monár-
quico-constitucional –, bem como a divergência de conceituações devidamente
investigadas dos autores que aludem os delitos de abuso do liberdade de imprensa
em suas obras de Direito Penal e Constitucional no Brasil Império.

De outro modo, perpassando o exame da conjuntura histórica e seus


dispositivos ao qual a discussão proposta está circunscrita – Código Criminal do
Brasil Império, anais da Assembleia Constituinte de 1823 –, bem como empreen-
dendo o exame do debate jurídico-dogmático com o escopo de se obter uma
suposta conceituação da natureza jurídica do delito de abuso de liberdade de
imprensa, revela-se árduo asseverar uma única e tão somente própria natureza
jurídica do delito.

Entre seus respectivos escritos, Vicente Alves de Paula Pessoa (1877)


assegura uma natureza ordinária, Braz Florentino Henriques de Souza ([1872]
2003) assegura uma natureza sui generis, José Liberato Barroso (1866), bem como
Antonio de Paula Ramos Junior (1875) asseveram uma natureza privada, Thomaz
Alves Júnior (1864), assim como José Antonio Pimenta Bueno (1857) asseveram
uma natureza política.

Contudo, ainda que exista discrepância entre os discursos dos autores que
aludem o delito proposto, acredita-se em uma conceituação pública – política
– do mesmo. Uma vez que a Independência do Brasil acabara de transcorrer,
as transmutações proferidas posteriormente ao acontecimento – elaboração de
uma Constituição pátria, bem como a inevitabilidade de Códigos também pá-
trios – locomovem-se rumo a ânsia de auferir salvaguarda ao Império, vale dizer,
constituir instituições que propunham segurança ao Imperador e ao regime po-
lítico proferido – monárquico-constitucional. Ora, esta circunstância, atrelada às
considerações e transformações históricas vigentes no estágio, coincidem presumir
a relevância da repressão do delito face à ordem política vigente.

103
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Referências bibliográficas
Fontes
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Brazil. Vol. 1, 1823.
BRASIL. Annaes do Parlamento Brazileiro. Assembléa Constituinte do Império do
Brazil. Vol. 2, 1823.
BRASIL. Annaes do Parlamento Brazileiro. Assembléa Constituinte do Império do
Brazil. Vol. 3, 1823.
BRASIL. Annaes do Parlamento Brazileiro. Assembléa Constituinte do Império do
Brazil. Vol. 4, 1823.
BRASIL. Annaes do Parlamento Brazileiro. Assembléa Constituinte do Império do
Brazil. Vol. 5, 1823.
BRASIL. Annaes do Parlamento Brazileiro. Assembléa Constituinte do Império do
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o fim de 1876. Rio de Janeiro: Livraria Popular, 1877.
RAMOS JUNIOR, Antonio de Paula. Commentario ao Código Criminal brasileiro.
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FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de
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NERY, Fernando. Lições de Direito Criminal. 4. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1937.
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104
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

OLIVEIRA, Eduardo Romero de. A ideia de império e a fundação da monarquia


constitucional no Brasil (Portugal-Brasil, 1772-1824). Tempo, Niterói, v. 9, n. 18, p.
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SLEMIAN, Andrea. Os canais de representação política nos primórdios do Império:
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; et al. Direito Penal Brasileiro. v. I. Rio de Janeiro: Revan,
2003.

105
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

HISTÓRICO DO CRIME DE RECEPTAÇÃO


NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

BRENDA LORRANA FRANCO


Aluna do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

KAREN LOPES REZENDE


Aluna do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

YASMIN FELIPE DO NASCIMENTO


Aluna do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
E-mail para contato: lorranabrenda@hotmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Receptação; Evolução; Legislação criminal brasileira.

Introdução

O delito de receptação, atualmente tipificado em nosso ordenamento


jurídico no artigo 180 do Código Penal, não se caracteriza como inovação penal
brasileira, haja vista que sua inserção legal se deu em meados do século XVIV,
ainda no Código Imperial Brasileiro. Entretanto, tal tipificação delituosa se distingue
da atualidade em alguns aspectos, em especial, com relação à interpretação e a
materialidade atribuída. Abordaremos assim, o contexto histórico que originou
o delito em estudo, bem como as mudanças ocorridas ao longo da evolução
jurídica brasileira, no que concerne o texto normativo em si e sua aplicabilidade.

Metodologia

Buscando analisar a temática proposta, este trabalho será pautado pela


perspectiva dogmática, buscando uma possível resposta à problemática. De forma
a atingir a maior veracidade possível no processo de conhecimento da problemá-
tica a ser estudado, o trabalho examinará com um olhar investigativo. Ademais,
utilizará o método de abordagem dedutivo.

107
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Resultados da pesquisa concluída ou com resultados parciais

Após a independência do Brasil, o país continuou a ser regido pelas leis


e atos da metrópole, vigorava as Ordenações Filipinas. Nelas, havia a previsão da
receptação, contudo, as penas eram aplicadas conforme o crime antecedente36. A
sociedade brasileira passou a ter uma legislação própria com o Código Imperial
de 1830.37

Assim, nota-se que o crime de receptação não é uma inovação do Có-


digo Penal Brasileiro de 1940, sua origem na história jurídica brasileira deu-se em
um momento anterior. No Código Imperial de 1830, teve-se a previsão legal do
crime em tela, contudo, entendido de uma forma diferenciada.

O delito da receptação não era titulado como autônomo, entendendo-


se que o receptador seria o cúmplice da infração prévia.38 Além disso, referia-se
tanto à forma culposa, quanto à dolosa:
“Art. 6º. Serão tambem considerados complices: 1º Os que receberem,
occultarem ou comprarem cousas obtidas por meios criminosos, sabendo
que o foram, ou devendo sabel-o em razão da qualidade, ou condição
das pessoas, de quem as receberam, ou compraram.”

No Código Penal de 1890, não se observam mudanças, no tocante ao


crime de receptação, sendo que, o próprio texto normativo, não sofreu nenhuma
alteração:
”Art. 21. Serão cumplices: § 3º Os que receberem, ocultarem, ou com-
prarem, cousas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou
devendo sabel-o, pela qualidade ou condição das pessoas de quem as
houverem”.

Contudo, Galdino Siqueira39 já apresentava posição contrária no que tange


a observar o receptador como cúmplice:
“Pelo que diz respeito primeiramente á receptação, é uma verdadeira
anomalia ou desvirtuamento de princípios, considerá-la como caso de
cumplicidade, como faz o código, seguindo quase literalmente o anterior
de 1830, art. 6, § 1.”.

O autor possuía uma visão similar aos códigos modernos do período,


tal como italiano e o alemão, que já observavam o delito como um crime
sui generis, quer dizer, possuidor de seu próprio gênero.

36 PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro. 7ed. v.2 São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2008.p.514
37 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,2003,p.7
38 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal Brasileiro. p. 514.
39 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro. 2003,p.253

108
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Com bem alega Carlos Eduardo Massad40, tratar o receptador como


cúmplice pode acarretar efeitos notoriamente nocivos, pois ele seria punido
tendo como base a pena enquadrada ao autor daquele delito. Dessa forma um
receptador de um roubo poderia sofrer uma punição maior do que aquele que
de fato realizou um furto.

A vocação da legislação brasileira em interpretar, de enquadrar o crime


de receptação como algo de menor insulto ao bem jurídico, quando comparado
a outros crimes patrimoniais, perdurou até a criação do Anteprojeto da Parte Es-
pecial do Código Penal, de 1987. No seu art. 193, estipulava-se pena de reclusão,
de um a três anos para o tipo simples do delito. 41

Sendo assim, o legislador do Código Penal de 194042 analisou o crime


estudado de uma forma diferenciada, entendendo-o como um delito autônomo
e enquadrando-o como um crime patrimonial43. 

Por conseguinte, nota-se a desvinculação com a forma que o crime de


receptação era tratado pelo Código Penal anterior. Realiza-se a distinção entre o
delito de favorecimento (agora categorizado como crime contra a administração
da justiça) e o da receptação (especificado como contra o patrimônio). Ambos
adquirem o caráter da autonomia, quer dizer, ocorrer de fome independente. 44.

Vale ressaltar, para melhor compreender essa separação, que no período


do Império, o crime de receptação era entendido como o que hoje é denomi-
nado de “favorecimento pessoal” – atual artigo 348 do Código Penal-, apesar de
ser punido como receptação real.45

Além de ter adquirido tal característica, ocorreu à proeminência da mo-


dalidade “receptação culposa”46, diferentemente do código italiano do período,

40 MASSAD, Carlos Eduardo. O crime de receptação, sua estrutura e relevância. 2006. Monografia (Bacharel
em Ciências Jurídicas)-Universidade Tuiuti do Paraná, 2006. Disponível em: http://tcconline.utp.br/wp-content/
uploads//2013/07/O-CRIME-DE-RECEPTACAO-SUA-ESTRUTURA-E-RELEVANCIA.pdf. Acesso em: 04 de julho de
2017
41 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 27. ed.v.2 São Paulo: Saraiva, 2005.p.491-492
42 Art. 180. Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime,
ou influir para que terceiro de boa fé a adquira, receba ou oculte
43 PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro. 7ed.v.2 São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.
638.
44 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3.ed.Rio de Janeiro: Revista Forense,1967,p.302
45 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal- parte especial. São Paulo: Editora José Bushatsky,1958,p.
323-324
46 Receptação culposa: § 1º Adquirir ou receber coisa que por sua natureza ou pela desproporção entre o valor
e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção,
de um mês a um ano, ou multa, de tresentos mil réis a dez contos de réis, ou ambas as penas.

109
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

que não a considerava como uma modalidade de receptação, mas sim como
uma contravenção penal. 47

No que tange à pena do caput, ocorreu uma modificação, a partir da


Lei nº 2.505, de 11-6-1955, passando a ser de reclusão de um a quatro anos e
multa de quinhentos cruzeiros a dez mil cruzeiros. Tal modificação se fez neces-
sária, pois a pena antes imposta era caracterizada, por muitos, como excessiva.
O mínimo da condenação era superior ao do furto simples, da apropriação
indébita, do estelionato e da mesma proporção do furto qualificado. Segundo
Nelson Hungria48, tal situação seria incompatível com o caráter autônomo que
o delito de receptação agora possui. Dessa forma, não poderia apresentar uma
punição superior ao crime precedente, tratava-se de um contexto divergente de
toda a tradição histórica brasileira.

Contudo, a redação do artigo 180 do atual Código Penal sofreu altera-


ção com a Lei 9.426 de 24 de dezembro de 1996. Dentre as modificações mais
relevantes, destaca-se a introdução dos verbos “transportar e conduzir” no caput
do art. 180, e a modificação da pena, que passou a ser reclusão, de um a qua-
tro anos, e multa. Além disso, tal lei foi responsável pela criação da receptação
qualificada a partir do objeto material49 e a receptação qualificada no que tange
à atividade comercial e industrial50.

Conclusão

O presente trabalho buscou demonstrar a evolução histórica do crime de


receptação, desde sua origem, com enfoque na legislação penal brasileira, sendo
primeiramente considerada uma conduta atípica, isto é, o Direito Penal brasileiro
sequer entendia o conceito do delito de receptação para além do furto, até os
dias de hoje, dada sua autonomia.

Crescente é a preocupação com o crime de receptação, refletindo na


motivação para a realização do presente trabalho, dado o papel que referido
delito representa no incentivo à criminalidade, destacando o verdadeiro desco-
nhecimento da sociedade acerca da figura típica da receptação.

47 HUNGRIA,Nelson.Comentários ao código penal.p.303


48 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3.ed.Rio de Janeiro: Revista Forense,1967.p. 314-316
49 § 6º – Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária
de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro
50 § 1º – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender,
expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial
ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime.

110
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Portanto, é necessário um aprofundamento nos estudos do crime de


receptação, como forma de adequar a resposta punitiva do Estado, aspirando
sempre a isonomia e a justiça.

A intenção foi demonstrar a evolução histórica do delito, para que a


partir de então, fosse possível evidenciar os diferentes entendimentos acerca do
tema, uma vez que a receptação, ao contrário do que se imagina, está intima-
mente ligada ao nosso dia a dia, na medida em que fomenta a criminalidade
e a violência, consistindo, talvez, nos maiores obstáculos da evolução humana.

Referências bibliográficas
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal- parte especial. São Paulo:
Editora José Bushatsky,1958.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3.ed.Rio de Janeiro: Revista Fo-
rense,1967.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 27. ed.v.2 São Paulo: Saraiva, 2005.
MASSAD, Carlos Eduardo. O crime de receptação, sua estrutura e relevância.
2006. Monografia (Bacharel em Ciências Jurídicas)-Universidade Tuiuti do Paraná,
2006. Disponível em: <http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads//2013/07/O-
CRIME-DE-RECEPTACAO-SUA-ESTRUTURA-E-RELEVANCIA.pdf>. Acesso em: 04
de julho de 2017
PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro. 7ed. v.2 São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais,2008.
SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro. Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial,2003.

111
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ILEGALISMO, ILEGALÍSTICO E DUPLO NÍVEL


DE LEGALIDADE: UMA POSSÍVEL CONEXÃO ENTRE
OS TRABALHOS DE MICHEL FOUCAULT
E MARIO SBRICCOLI

RAUL FERREIRA BELÚCIO NOGUEIRA


Universidade Federal do Paraná – UFPR (Bolsa de Mestrado CAPES PROEX)
E-mail: raulbelucio@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas)

Palavras-chave: Ilegalismo; Ilegalístico; Duplo nível de legalidade.

Resumo

I. Meu trabalho se dedica a investigar as possibilidades de conexão


entre os conceitos de ilegalismo, utilizado por Michel Foucault e por Mario
Sbriccoli, e do duplo nível de legalidade, de Mario Sbriccoli. O método
prevalentemente utilizado é semelhante ao de uma pesquisa conceitual;
outros métodos serão utilizados conforme seguir a pesquisa. A hipótese
que levanto neste trabalho é a de que, quando os ilegalismos são objeto
de disposição de uma lei penal, a legalidade que a rege é, provavelmente,
a do “segundo nível de legalidade”. Por ser um trabalho em andamento,
ainda não apresento conclusões, mas apenas evidências e resultados parciais.

II. A ideia de ilegalismos (illégalismes) tem um sentido bastante


peculiar na obra de Michel Foucault: o ilegalismo não é apenas um ato
praticado contra a lei ou uma irregularidade não regulada por ela: diferen-
temente de ilegalidade (illegalités), “ilegalismo” não tem uso corrente na
língua francesa e pode ser considerada um neologismo do autor51. Para
Márcio Alves da Fonseca, o ilegalismo se liga à ideia de uma luta que se
dá dentro – ou ao lado – da própria ilegalidade, remetendo-se à ideia de
51 Cf. SOUTO, Caio Augusto. Direito e ilegalismos: reflexões sobre a normalização na obra de michel Foucault.
Kínesis, Vol. II, n° 04, Dezembro-2010, p. 23-39. Disponível em: << http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasE-
letronicas/Kinesis/DireitoeIlegalismos2010.pdf >>. Acesso em: 6 set. 2016.

113
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

um “de um jogo em torno da legalidade e das ilegalidades efetivamente


praticadas”52. Além disso, entre aquilo que vem estabelecido pela lei e as
ilegalidades ou as irregularidades que são praticadas no seio da sociedade,
o que temos não é um sistema absolutamente neutro: “o que ocorre é
que nem toda prática ilegal deve ser punida e, no sentido inverso e ao
mesmo tempo proporcional, nem toda lei deve ser respeitada.”53.

Mais que uma ilegalidade ou um ato que de qualquer forma


contrarie a lei, a noção de ilegalismo parece muito ligada a uma ideia
de (i) regime, de (ii) gestão, de uma (iii) política do punir. (i) Um regime
funcional e diferenciado dos diferentes atos considerados ilegais em uma
dada legislação, punindo alguns e outros não54. (ii) A gestão de um certo
número de práticas, “de ilegalidades ou irregularidades que, considerada (a
gestão) em conjunto, representa em si mesma uma certa regularidade”55.
(iii) Uma nova política do punir56 que, na sua luta contra esses ilegalismos,
rompeu com “todo um equilíbrio de tolerâncias, de apoios e de interesses
recíprocos, que sob o Antigo Regime mantivera umas ao lado das outras
os ilegalismos de diversas camadas sociais57.”

Assim, podemos inferir que na obra de Foucault é possível perce-


ber uma diferenciação mais ou menos clara entre a ilegalidade, que é o
desrespeito à lei por si só, uma irregularidade, um ato ilegal e aquilo que
se pode entender por “ilegalismo”. O ilegalismo é gerido por uma regra
própria, alheia à legislação em si, e pode ser – ou não – reprimido de
forma diferencial.

III. Sbriccoli se usa dessa expressão foucaultiana em mais de um


texto. Em um artigo intitulado La storia, il diritto, la prigione: appunti per
una discussione sull’opera di Michel Foucault58, ele faz uma análise do Sur-
veiller et Punir e de suas possíveis contribuições à historiografia jurídica.
52 FONSECA, Márcio Alves da. Michel Foucault e o Direito. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 132-133. É inte-
ressante ressaltar que a tradução de Raquel Ramalhete do Surveiller et Punir para o português (FOUCAULT,
Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987) parece
não ter se atentado para isso, usando como sinônimos os termos “ilegalidade” e “ilegalismo”. Em virtude disso,
aqui me utilizarei da obra em francês; mantenho a tradução oficial como referência para traduções livres, mas
não como base.
53 Ibidem.
54 Nesse mesmo sentido, idem.
55 Idem, 138-139.
56 Cf. FOUCAULT, Michel. Surveiller... op. cit. p. 84.
57 Traduzi. No original: tout un équilibre de tolérances, d'appuis et d'intérêts réciproques, qui sous l'Ancien Régime
avait maintenu les uns à côté des autres les illégalismes de différentes couches sociales, s'était trouvé rompu.
FOUCAULT, Michel. Surveiller... op. cit. p. 277.
58 SBRICCOLI, Mario. La storia, il diritto, la prigione. Appunti per una discussione sull’operadi Michel Foucault.
In:_____: Storia del diritto penale e della giustizia. Tomo I. Scritti editi e inediti (1972-2007). Milano: Giuffrè
Editore. p. 1075-1092.

114
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Nele, Sbriccoli defende que este trabalho de Foucault traz ao menos dois
momentos de grande importância historiográfica, fornecendo contribuições
de valor absoluto tanto

no método de investigação quanto nos resultados obtidos: a disci-


plina e os “assim chamados ilegalismos”59.

O próprio Sbriccoli retoma os ilegalismos em mais de um texto: em


La piccola criminalità e la criminalità dei poveri nelle riforme settecentesche del
diritto e della legislazione penale60 e em Il furto campestre nell’Italia mezzadrile.
Un’interpretazione61, ele parte do ilegalismo como hipótese de pesquisa, e
trás, neste último artigo, até mesmo uma definição própria desta catego-
ria explicativa: o ilegalismo é um comportamento que ele designa como
“ilegalístico”, devendo-se pensar, primeiramente, em um “comportamento
transgressivo muito difuso e raramente punido (muito difuso também por-
que raramente punido e raramente punido também porque muito difuso),
o qual – segundo o esquema de Foucault – pode ter como objeto bens
ou direitos”62. O “ilegalístico” de Mario Sbriccoli serve mais como adjetivo
(acompanhando palavras como “prática”, “comportamento”, “imposição” 63) e
parece carregar consigo não apenas o conjunto de significados trazido em
“ilegalismo”, mas também a idéia de sua gestão e seu regime de aplicação.

IV. Embora a gestão dos ilegalismos não seja restrita ao campo da


legalidade, eventualmente a regra utilizada para administrar essas práticas
pode ser a lei penal. Nesse caso, o “duplo nível de legalidade”, categoria
criada por Mario Sbriccoli para interpretar o sistema penal italiano, pode
ser útil para se comprender os jogos que regem os ilegalismos dentro do
campo legal.

Por duplo nível de legalidade entende-se a diferenciação da legalidade


em dois graus, sendo o primeiro administrado pela justiça e constituído pela
lei estabelecida nos códigos e o segundo disciplinado por leis de exceção
e mecanismos de polícia. Mas, além disso, “o duplo nível de legalidade
discerne os ‘cavalheiros’ dos ‘malandros’, destinando-os a diferentes filières

59 Traduzi. No original: “cosi dette illegalismi”. SBRICCOLI. La storia, il diritto, la prigione… op. cit. p. 1084.
60 In:_____: Storia del diritto penale e della giustizia. Scritti editi e inediti (1972-2007). Milano: Giuffrè Editore.
pp. 405 e ss.
61 In:_____: Storia del diritto penale e della giustizia. Scritti editi e inediti (1972-2007). Milano: Giuffrè Editore.
pp. 417 e ss.
62 Traduzi. No original: “comportamento trasgressivo molto diffuso e raramente punito (molto diffuso anche perché
raramente punito e raramente punito anche perché molto diffuso), il quale — secondo lo schema di Foucault —
può avere come oggetto beni o diritti.” Idem. p. 418.
63 No original, “pratica” (p. 418), “comportamento” (p. 419) e “forzatura” (p. 996”). Storia del diritto penale... op.
cit.

115
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

punitivos, faz prevalecer a oportunidade política sobre a regra jurídica, o


motivo sobre o direito”64.

Sobre o duplo nível de legalidade, pode-se inferir que ele tenha um


“espaço” (a lei de exceção), um meio de operação (mecanismos de polícia)
e uma “seletividade” (discerne os cavalheiros dos malandros), podendo ser
reconhecido em diferentes contextos e analisado em diferentes países ou
territórios65. O duplo nível de legalidade ainda é, especialmente no Brasil,
uma categoria muito nova, que demanda maiores estudos e cujo potencial
elucidativo pode ser bem aproveitado.

Até hoje, os trabalhos que estendem essa categoria explicativa


sbriccoliana dedicaram-se basicamente à compreensão do delito político.
A partir da forma com que Mario Sbriccoli conceitua o duplo nível de
legalidade em seu Caratteri originari e tratti permanenti del sistema penale
italiano (1860-1990), no entanto, podemos concluir que sua aplicação se
estende para muito além dessa categoria, permitindo-nos nos perguntar,
inclusive, se o duplo nível de legalidade pode ser considerado uma chave
interpretativa para a gestão dos ilegalismos proposta por Foucault.

V. Tanto as análises dos ilegalismos, por Foucault e por Sbriccoli, quanto


as do duplo nível de legalidade, por Sbriccoli, se ligam a um contexto europeu,
sendo que sua transposição, para interpretar a história do Brasil é arriscada de
se fazer - temos aqui muitas particularidades, especialmente se compararmos
a dois países centrais como França e Itália. Entretanto, se tomados os devidos
cuidados, essas categorias explicativas podem jogar uma nova luz também em
alguns episódios de nossa história, levando a novas conclusões e problematizações.

Os “termos de bem viver”, por exemplo, expostos nos arts. 12 e 121 do


Código do Processo Criminal de 1832 e, posteriormente, no Regulamento 120
de 1842, eram impostos “aos vadios, mendigos, bebados por habito, prostitutas,
que perturbam o socego publico, aos turbulentos, que por palavras, ou acções
offendem os bons costumes, a tranquillidade publica, e a paz das familias”. Em
64 Traduzi. No original: “il duplice livello di legalità discerne i <galantuomini> dai <birbanti> destinandoli a diffe-
renti filières punitive, fa prevalere l’oportunità politica sulla regola giuridica, lo scopo sul diritto”. SBRICCOLI, Mario.
Caratteri... op. cit. p. 491.
65 Como exemplos de aplicação do duplo nível de legalidade a outros contextos que não o italiano, podemos
citar: MECCARELLI, Massimo. Fuori dalla società: emergenza politica, espansione del sistema penale e regimi della
legalità nel tardo Ottocento: una comparazione tra Italia e Francia. In_____: Perpetue appendici e codicilli alle
leggi italiane. Le circolari ministeriali, il potere regolamentare e la politica del diritto in Italia tra Otto e Novecento.
Floriana Colao, Luigi Lacchè, Claudia Storti, Chiara Valsecchi (Eds.). Macerata: EUM, 2011, que aplica também
ao contexto francês de repressão anarquista; NUNES, Diego. Le “irrequietas leis de segurança nacional”: sistema
penale e repressione del dissenso politico nel brasile dell’estado novo (1937-1945). Tese (Doutorado em Direito).
Università degli Studi di Macerata. Macerata, 2014, que o aplica lindamente ao período do Estado Novo e
SILVA, Gabriel Videira. Terrorismo e duplo nível de legalidade na cultura jurídico-penal brasileira: da doutrina da
segurança nacional à guerra contra o terror. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2015, que tenta aplicá-lo à ditadura militar.

116
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

uma análise inicial, cogito se esses termos teriam por objetivo estabelecer e
controlar uma classe perigosa, sem necessariamente o/a “agente” ter cometido
alguma conduta, deixando-o/a em uma zona nebulosa entre a criminalização e a
liberdade. Os termos valiam-se claramente das figuras do “suspeito”, dos disturbers.

Há vasta bibliografia66 dedicada a esses termos: obras que lidam com fontes
primárias e processos, investigando quem seria o alvo e como se davam na prática
as assinaturas desses termos. Uma análise sbriccoli-foucaultiana baseada nestes
trabalhos pode trazer uma visão geral sobre o tema e ensejar novas conclusões
já que se trata, muito provavelmente, de um “instituto” dedicado a administrar
e gerir os ilegalismos a partir de uma lei penal de segundo nível.

66 Como exemplos, cito uma breve e inicial seleção bibliográfica: DINIZ, Mônica. Olhares sobre a cidade: Termos
do bem viver, vadiagem e polícia nas ruas de São Paulo (1870-1890). 2012. 133 fls. Dissertação de Mestrado
(mestrado em história social). USP. 2012. DUTRA, Guilherme Miranda. Bêbados, vadios e turbulentos: Termos de
Bem viver e Controle Social no Segundo Reinado. 2013. 100 fls. Monografia (graduação em Direito). UFRGS. 2013.
MARTINS, Eduardo. Os pobres e os termos de bem viver: novas formas de controle social no Império do Brasil.
2003. 196 fls. Dissertação de Mestrado (Mestrado em História e Sociedade). UNESP. 2003. MATA, Iacy Maia. Os
‘Treze de Maio’: ex-senhores, polícia e libertos na Bahia pós-abolição (1888-1889), Dissertação de Mestrado, UFBA,
2002. ROSA, Andréia Marsaro da. Quentes de cachaça: festas e corridas de cavalos em Guarapuava através de
processos crime e termos de bem viver (1854-1886). 2016. 117 fls. Dissertação de mestrado (Mestrado em História
Social). UEL. 2016. SOARES, Geraldo Antonio. Os limites da ordem: respostas à ação da polícia em Vitória ao
final do século XIX. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 10, n. 19, p. 112-132, Dec. 2009 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-101X2009000200112&lng=en&nrm=iso>. access
on 05 July 2017. http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X010019007.

117
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PARA ALÉM DO CÓDIGO: O PAPEL DO PODER


EXECUTIVO NA INTERPRETAÇÃO
DO DIREITO CRIMINAL DO IMPÉRIO

FERNANDO NAGIB MARCOS COELHO


Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Professor substituto na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: fernando.nagib@ufpr.br

Eixo Temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas)

Palavras-chave: Ministério da Justiça; Justiça Criminal; Avisos ministeriais

Introdução

Em dezembro de 1830, ainda antes da abdicação de D. Pedro I., foi aprovado


o Código criminal do Império, a fim de substituir a legislação penal portuguesa
vigente por uma norma sistemática e moderna para o direito público brasileiro.
Nos primeiros anos do governo regencial, foi aprovado o código de processo
criminal (1832), o exército foi reduzido a níveis mínimos e foi instituída a guarda
nacional (1831) organizada pelas províncias, foi abolido o conselho de Estado e foi
editado o Ato Adicional (1834). Aqueles anos relativos às primeiras duas legislaturas
regularmente eleitas (1826-1830, 1830-1834) seriam posteriormente identificadas
como o auge do movimento liberal reformista, que buscou estabelecer as suas
concepções políticas e jurídicas nas bases do Estado nacional. Ao lado de fatores
externos, o sucesso liberal parece ter sido responsável diretamente pela abdica-
ção e, consequentemente, pelo estabelecimento de uma regência representativa
resultante da primeira eleição direta no país.

O espírito reformista e liberal na década de 1830, no entanto, não vai


se manter forte diante das pressões políticas e sociais que marcariam a regência
como um período de verdadeira guerra civil. O programa político legislativo liberal
quando implementado, portanto, seria imediatamente seguido pelo regresso con-
servador, que cuidaria de reverter mudanças legislativas através de instrumentos
próprios do poder Executivo. Os organizadores do “regresso” realizaram mudanças

119
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

legislativas menos monumentais do que os liberais no início da regência, man-


tendo os códigos com poucas alterações. A aposta saquarema foi o retorno da
centralização como forma de controle sobre as direções do governo e da política
interna, restaurando o Conselho de Estado e reforçando o papel da reinterpreta-
ção da legislação liberal em um contexto conservador. É neste contexto que os
avisos ministeriais, um instrumento jurídico vinculado ao poder de gerir e ordenar
do executivo, ganharia um papel político novo, diretamente relacionado com o
exercício da jurisdição criminal e com a sua interpretação.

Uma parte importante dos avisos ministeriais estavam relacionados à área


criminal e ao processo criminal – justamente as áreas de maior avanço legislativo
no período de maioria liberal na Assembleia Geral. Todas as edições comentadas
dos códigos criminal e de processo criminal acessíveis nas bibliotecas e bancos
de dados pesquisados se propunham a analisar os artigos dos códigos utilizando
como referência, dentre outras fontes, os avisos ministeriais. O manual de Josino
do Nascimento Silva era intitulado Codigo Criminal do Imperio do Brasil: aumen-
tado com as leis, decretos, avisos e portarias que desde a sua publicação até hoje
se tem expedido, explicando, revogando ou alterando algumas de suas disposições.
Josino do Nascimento Silva foi diretor-geral da Secretaria de Estado dos Negócios
da Justiça durante a década de 1850. Em seu livro Silva advertia que havia tido
“o maior cuidado” para não lhe escapar nenhum ato do Executivo que tivesse
relação com as disposições do Código Criminal, compilando as referências dos
decretos e avisos relevantes ao longo das notas de rodapé do texto da lei. Em
seus comentários, os “avisos ministeriais” são a mais frequente referência norma-
tiva para a interpretação dos artigos do código – mais de sessenta referências a
avisos nas notas de rodapé – à frente dos decretos, das portarias e da legislação
extravagante. A presença dos avisos na regulação da área criminal era ampla e
estes atos do executivo determinavam o alcance da lei. Se o artigo 10 do Código
excluía os menores de quatorze anos do julgamento criminal, o Aviso de 17 de
julho de 1852 estendia tal disposição aos escravos menores. Ao artigo 47 deter-
minava que a pena de prisão obrigaria à reclusão nas prisões públicas, de acordo
com as sentenças, correspondia a vedação da prisão domiciliar dada pelo aviso
de 3 de abril de 1843. Diante do mesmo artigo, o autor do “Código Criminal
aumentado” mencionava que o aviso de 25 de janeiro de 1850 teria autorizado
ao presidente de província do Rio de Janeiro a mandar prender nos quartéis os
praças, pelo limite de até um ano, apesar da lei.

Além de delimitar a abrangência da lei, os avisos tinham uma função


disciplinar sobre a atuação dos juízes criminais. Ao comentar o artigo 60, sobre
as punições ao réu escravo, o autor mencionava o aviso de 3 de fevereiro de
1836, que impediria os juízes de comutar a pena de galés à pena de açoites. Os
avisos limitavam ainda as penalidades dispostas nas sentenças judiciais. Diante

120
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

do artigo 113 do Código, que dispunha sobre o temido crime de insurreição,


Silva mencionava:
O aviso de 10 de Junho de 1861 declarou que o numero de açoutes que
se podem dar, sem perigo de vida do paciente, não deve exceder de 200,
e em todos os casos deve ser ouvido o juizo medico. Em meu entender,
os complices que forem escravos devem ser punidos com açoutes; para
os que forem livres a penalidade que deve regular é a do art. 115.

Diante da inexistência de um “guardião da Constituição”, o Código criminal


aumentado de J. N. Silva demonstrava que na época do Império os avisos foram
usados para afastar o “princípio da presunção de inocência” ao assinalar sobre
o art. 181 do Código o aviso de 12 de janeiro de 1844, dizendo que “não ha
excesso, nem incompetência em prender réos indiciados em crimes inafiançáveis
sem lhes ter formado culpa”.

A mesma roupagem tinha a obra de José Marcelino Pereira de Vasconcellos


com nova edição publicada em 1860 com o título de Codigo criminal do Imperio
do Brazil: annotado com as leis, decretos, avisos e portarias publicados desde a sua
data até o presente, e que explicão, revogão ou alterão algumas das suas disposições,
ou com ellas tem immediata connexão. Nesta obra, a referência aos avisos aparece
desde o artigo primeiro até o antepenúltimo. Alguns comentários do Código
annotado de Vasconcellos são semelhantes aos presentes no Código aumentado
de Silva, mas o primeiro é menos extenso, contendo em torno de 150 páginas,
enquanto o trabalho de Josino do Nascimento Silva possuía aproximadamente
400 páginas. Vasconcellos anota em seu Código no artigo 38 exemplos diversos
de como os avisos determinavam os detalhes da execução da justiça. O caput
“A pena de morte será dada na forca” era acompanhado pelo seguinte rodapé:
A forca deve ser levantada somente quando fôr necessaria, afim de que
não esteja continuadamente ás vistas do publico. (Av. de 17 de julho de
1835) – É ao Juiz Municipal que compete mandar levantal-a. (Av. de 30 de
junho de 1836) – As despezas para esse fim necessarias são provinciaes
e não geraes. (Avv. de 4 e 6 de agosto de 1836).

Como os avisos consistiam em instrumentos do Poder executivo que não


possuíam uma delimitação rígida, mas eram legitimados pelo reforço da autoridade
genérica do monarca e seus ministros enquanto representantes da sociedade, os
mesmos serviriam como um instrumento de governo essencial para os gabinetes
formados durante a regência e, principalmente, após o “regresso conservador”. Em
conjunto com os outros instrumentos normativos, os avisos serviriam de veículo
pelo qual o governo poderia reforçar a autonomia do Poder executivo perante o
Poder legislativo e estabelecer o predomínio do Poder executivo sobre a regulação
da administração da Justiça, especialmente na área criminal.

121
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Metodologia

A metodologia desta pesquisa consiste na análise dos avisos ministeriais


e outros instrumentos do poder executivo registrados na doutrina criminal, nas
coletâneas e nos manuais práticos relacionados ao exercício da atividade juris-
dicional penal, rastreando e identificando em que medida a interpretação dos
juristas e praxistas criminalistas reagia e se poderia ser influenciada pelo governo
central durante o império.

Resultados

A análise não só das coletâneas de legislação, mas também dos manuais


de direito e livros práticos da área, já permite avaliar o significativo impacto o
uso dos avisos como instrumento de governo no período que segue a regência.
A quantidade de avisos presentes nas publicações oficiais do governo aumentaria
de forma consistente após o seu início no regresso (1837). No segundo reinado, o
aumento do número de publicações de “Códigos comentados” e de compilações
legais organizadas de acordo com a interpretação dos avisos do governo já serve
também para demonstrar a importância e o sucesso dos instrumentos normativos
do governo no âmbito da prática do direito criminal.

Referências bibliográficas
Codigo criminal do imperio do Brazil annotado com as leis, decretos, avisos e
portarias publicados desde a sua data até o presente, e que explicão, revogão
ou alterão algumas das suas disposições, ou com ellas tem immediata connexão.
Nova edição; a mais completa; seguido de um appendice contendo a integra das
leis addiccionaes ao mesmo codigo posteriormente promulgadas. Por J. M. Pereira
de Vasconcellos. Rio de Janeiro: 1860.
Código do processo criminal de primeira instancia para o Imperio do Brazil,
com notas, nas quaes se mostrão os artigos que foram revogados, ampliados ou
alterados. Seguido da disposição provisoria acerca da administação da justiça civil,
da lei de 3 de dezembro de 1841 que reforma o mesmo codigo. Rio de Janeiro:
Typographia de Manoel José Cardoso, 1842.
COELHO, Fernando Nagib Marcos. Tipos normativos e separação dos poderes: a
função política do aviso ministerial durante a regência (1831-1840). 2016. 251 p.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências
Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2016. Disponível
em: <http://www.bu.ufsc.br/teses/PDPC1255-T.pdf>

122
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O TRATAMENTO LEGAL DESTINADO AO OFENDIDO


NO BRASIL IMPÉRIO (1824 – 1858)

ANTÔNIO DE HOLANDA CAVALCANTE SEGUNDO


Doutorando em Ordem Jurídica Constitucional no Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD-UFC)
E-mail: holanda.segundo@gmail.com

AFONSO ROBERTO MENDES BELARMINO


Mestrando em Ordem Jurídica Constitucional no Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD-UFC)
E-mail: afonsombelarmino@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas)

Palavras-chave: Brasil Império; legislação criminal; teoria do bem jurídico.

Introdução

Em linhas gerais, o objetivo do presente trabalho é investigar acerca do


pensamento jurídico cultivado no Império e dos seus influxos na legislação penal
que se elaborava para um Brasil pretensamente independente. Naquele contexto,
como esmiuçado em tópico inicial, envidavam-se esforços de combinar a emanci-
pação política com a construção de um sistema igualmente independente, dotado
de instituições próprias e distintas daquelas estabelecidas pelas ordenações vigentes
nos tempos de colônia (BONAVIDES, 2007, p. 71).

O estudo passa, ainda, pela caracterização das ideias que nortearam as


principais leis, em sentido amplo, que surgiram no Império, como a Constituição
de 1824. Nossa primeira constituição lançou as colunas da justiça e da equidade
que sustentariam o Código Criminal de 1830, podendo-se destacar as influências
da chamada Escola Clássica do Direito Penal e da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789). As vozes liberais que se ouviam naquele período
eram, de certo modo, ecos da Revolução Francesa.

Com a superação da ideia do delito como lesão a direito subjetivo, a


qual teve como maior expoente P. A. Feuerbach, o século XIX observou franco

123
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

desenvolvimento da teoria do bem-jurídico, notadamente em Birnbaum (PRADO,


2014, p. 31). Paralelamente, verificou-se a chamada “marginalização da vítima”, na
medida em que esta se viu cada vez mais alheia à persecução penal (CÂMARA,
2008, p. 57). De um protagonismo permeado por vinganças privadas, passou-se
ao exercício do ius puniendi pelo Estado, que arrecadava as multas penais e,
portanto, lucrava com as persecuções criminais, restando à vítima uma posição
deveras subalterna.

Por outro lado, há que se ressaltar que o Código Criminal de 1830


reservava aos ofendidos um capítulo que previa a satisfação destes pelos danos
sofridos em decorrência de crimes. Em linhas gerais, previa-se a satisfação, pelo
delinquente, do dano causado pelo delito (artigo 21), a qual deveria ser “sempre
a mais completa” (artigo 22).

Assim, o artigo servirá para analisar se a legislação criminal do Império,


notadamente o Código Criminal de 1830, em alguma medida, destoava do ideário
liberal que, ao atribuir ao Estado o ius puniendi, com todos os seus consectários,
promoveu o ostracismo das vítimas em relação à persecução penal.

Metodologia

Além da análise da legislação criminal vigente à época, notadamente o


Código de 1830, o trabalho tem por base a obra de Braz de Sousa intitulada
“Código Criminal do Império”67, que traz anotações de leis, decretos, avisos e
portarias publicados até o ano de 1858. Também se elencam e se relacionam
no mesmo livro, por meio de um apêndice, leis adicionais ao código que foram
promulgadas posteriormente, o que proporcionará um recorte temporal a refinar
a investigação de tal período, uma vez que traz a legislação criminal correlata
publicada até 1858, ano de publicação do livro.

Resultados

- A legislação criminal do Brasil Império, apesar de ter recebido influências


iluministas tendentes à humanização das penas (BECCARIA, 2011), ainda as trazia
com certo ranço de crueldade, a exemplo da forca e das galés.

- Com o desenvolvimento da teoria do bem jurídico, a vítima, que pro-


tagonizava as vinganças decorrentes de delitos sofridos, passa a ser neutralizada
no âmbito da persecução penal ao longo do século XIX.

67 “Código Criminal do Império”: annotado com as leis, decretos, avisos e portarias publicados desde a sua
data até o presente, e que explicação, revogação ou alteração algumas das suas disposições, ou com ellas tem
immediata connexão: acompanhado de um appendice contendo a integra das leis addicionaes ao mesmo
codigo, posteriormente promulgadas”.

124
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

- O Código Criminal de 1830, assim como a legislação criminal correlata,


reservava diversos dispositivos em atenção ao ofendido, que fazia jus ao completo
ressarcimento, na medida do possível, pelo dano sofrido com o delito.

Conclusão

Em conclusão, pode-se afirmar que, a despeito da paulatina neutralização


da vítima verificada com o desenvolvimento da teoria do bem jurídico e da
Escola Clássica do Direito Penal, contemplava-se, no Brasil Império, notadamente
no âmbito do Código Criminal de 1830, a figura da vítima. Muito embora a
chamada “Idade de Ouro” da vítima chegasse ao seu ocaso naquela quadra do
tempo para a doutrina que, ao menos sob os olhos de hoje, figurava como a
mais destacada, o Código de 1830 e a legislação correlata, elencada por Braz de
Sousa, revela que os ofendidos ainda ocupavam certo destaque na persecução
criminal, fazendo jus ao ressarcimento mais completo possível em decorrência do
dano sofrido com o delito, contando com diversos dispositivos legais nesse sentido.

Assim, por esse prisma, conclui-se que o advento de certas ideias não se
dá necessariamente por rupturas, sendo o pensamento jurídico frequentemente
permeado por continuidades, como se verifica no tratamento destinado aos
ofendidos no âmbito dos processos criminais durante o Brasil Império.

Referências bibliográficas
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2011.
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
CÂMARA, Guilherme Costa. Programa de política criminal orientado para a vítima
de crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
ESER, Albin. Sobre la exaltación del bien jurídico a costa de la víctima, trad. Manuel
Cancio Meliá. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1988.
HASSEMER, Winfried. Consideraciones sobre la víctima del delito, trad. Rocío Can-
tarero, ADPCP, 1990, p. 241-259.
OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal: uma abordagem
do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1999.
QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. A modernização do direito penal brasileiro - Sursis,
Livramento Condicional e outras reformas do sistema de penas clássico no Brasil,
1924-1940. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 7ª Ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014.

125
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

SOUZA, Braz Florentino Henriques de. Código Criminal do Império do Brasil.


Recife: Typographia Universal, 1858. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/
bdsf/handle/id/221763>. Acesso em 05/07/2017.

126
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CRIME, PERDÃO E GÊNERO: APONTAMENTOS


SOBRE A CULTURA JURÍDICA CRIMINAL
SETECENTISTA A PARTIR DO CASO
DE ANNA MARIA DO ESPÍRITO SANTO (1783)

VANESSA MASSUCHETTO
Programa de Pós-Graduação em Direito – Doutorado
Universidade Federal do Paraná – PPGD-UFPR
Bolsista CAPES de Doutorado
E-mail: vanessa.massuchetto@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processos e penas)

Palavras-chave: América Portuguesa; cultura jurídica criminal; perdão.

Introdução

A proposta de apresentação de trabalho ora encaminhada ao IX Con-


gresso Brasileiro de História do Direito versa a respeito do estudo e da análise
de um caso crime ocorrido na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de
Curitiba e ajuizado junto à Ouvidoria da Comarca de Paranaguá em 1783 en-
volvendo os seguintes personagens: a ofendida, Anna Maria do Espírito Santo, o
acusado, Tenente Antonio José do Prado, e a representação da Justiça por seu
Promotor.68 Em suma, a culpa imputada ao Tenente resultou da querela movida
por Anna Maria do Espirito Santo por tê-la forçado a deitar-se com ele.69 Por
esta razão, o acusado fora aprisionado70 e, na tentativa de rediscutir os termos
de sua culpa e consequentemente conseguir ser liberado da prisão, ajuizou um
instrumento processual específico do direito criminal português que permitia a
68 Autos sob o número BR PRAPPR PB 045.PC2393.80, Caixa 80, 1783, Autos de Livramento crime entre a
Justiça por seu Promotor e o Tenente Antonio José do Prado.
69 Forças de mulheres era a expressão utilizada pelas Ordenações Filipinas aos casos de estupro. No caso dos
autos em questão, ao longo das petições das partes e dos depoimentos das testemunhas são cunhadas ambas
expressões.
70 O aprisionamento não era compreendido, no século XVIII, como um modo de penalização em processos
crime. Portanto, a prisão neste momento mantinha sentido de impedir a fuga do acusado, possibilitando que
o ofendido apresentasse o libelo acusatório e ensejasse a aplicação de pena.

127
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

defesa do acusado bem como a desconstituição da culpa formada na querela:


os autos de livramento crime. Todavia, durante o andamento dos termos do
livramento crime, a ofendida concedeu o perdão ao acusado por meio de uma
Escritura de Perdão, na qual “desdisse” a acusação e alegou ter dado a queixa
por medo de seus pais.71

Este caso pode ser considerado simples, entretanto traz à tona uma série
de questões próprias do direito e do processo criminal do Império Português e
dos procedimentos específicos circulantes na América Portuguesa, além de dei-
xar entrever aspectos da cultura jurídica local. Os modos de livrar configuram
maneiras específicas de defesa dos acusados e dos condenados e formas pelas
quais o caminhar de um processamento crime tornava-se menos penoso ao réu.
Em especial os autos de livramento crime era um instrumento peculiar que tinha
como objetivo a rediscussão do aspecto mais central nos processos crime dos
setecentos: a culpa. Era através deste procedimento que o acusado trazia seus
meios de defesa e – geralmente – conseguia o livramento do crime em pauta.
Ainda, cabe salientar a presença da figura do perdão da parte ofendida nestes
autos, revelando em alguma medida uma dimensão “privada”72 da justiça criminal
deste período, podendo aqui ser aproximada da permanência de uma lógica de
justiça penal negocial de Mario Sbriccoli.73 Para além, o caso selecionado para a
presente apresentação de trabalho lança luzes também em temas que envolvem a
discussão de gênero na história e traz questionamentos acerca do posicionamento
social das mulheres na atuação no interior da cultura jurídica das comunidades
existentes na América Portuguesa. O caso em tela trata especificamente de um
crime sexual e, em razão da escritura de perdão da parte compulsada aos autos,
revela os entendimentos comunitários acerca do comparecimento da ofendida
em juízo para prestar queixa.

Metodologia

A proposta metodológica empregada nesta pesquisa identifica-se com


a perspectiva de Carlo Ginzburg74, através da qual o cerne é a interpretação de
aspectos marginalizados, fronteiriços, que extrapolam os espaços comumente
analisados – que neste trabalho correspondem ao Império Ultramarino Portu-
guês como um todo e à América Portuguesa em toda sua extensão. Em uma
análise histórica, um “caso-limite” – que parte de dados a um primeiro momento
negligenciáveis – pode se revelar significativo por auxiliar na visualização e na
71 BR PRAPPR PB 045.PC2393.80, op. cit., folha 5.
72 O termo está entre aspas para marcar sua historicidade, bem como para fazer a ressalva de que a semântica
utilizada não identifica-se com a noção moderna de tentativas de separação entre os campos privado e público.
73 SBRICCOLI, Mario. Giustizia criminale. In: ______. Storia del diritto penale e dela giustizia. Tomo I. Milano:
Giuffrè Editore, 2009, p. 5-6.
74 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2014, p 149-152.

128
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

compreensão do cerne de acontecimentos mais frequentes ao mesmo tempo em


que permite a visibilização de aspectos mais latentes, mais particulares.75

Neste sentido, a Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba


encontra-se em um espaço bastante fronteiriço não somente no interior do Império
Ultramarino Português como também na América Portuguesa, configurando-se em
um espaço privilegiado de visualização da reprodução dos costumes locais e das
regras imperiais circulantes na América Portuguesa, constituindo a cultura jurídica
local.76 No que tange ao recorte temporal, a seleção é realizada pela segunda
metade do século XVIII, compreendendo o período do reinado josefino (1750 a
1777) e o reinado de Dona Maria I na sua extensão até o fim do século, tendo
em vista que este é o período conhecido por iluminismo jurídico-penal em que
existem grandes movimentos de modernização do direito criminal, o que torna
o estudo das fontes históricas mais complexo e necessário.

Resultados

Para a explicação das conclusões extraídas até o presente momento na


pesquisa é importante mencionar que o resumo de trabalho ora apresentado
resulta de duas pesquisas desenvolvidas pela doutoranda no âmbito da cultura
jurídica criminal local da América Portuguesa. Uma mais avançada, realizada ao
longo do período do mestrado, que trata especificamente dos autos de livramento
crime na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.77 Nos termos
desta pesquisa, a conclusão possível é de que a cultura jurídica criminal da Vila
de Curitiba era orientada por uma prática mais liberatória do que punitiva daque-
les sujeitos que eram condenados pela administração da justiça régia, revelando
uma grande plasticidade das práticas em comparação às normas do período.78
A segunda pesquisa encontra-se em patamar mais inicial, tendo em vista que
corresponde ao projeto de tese atualmente em andamento, e pretende delinear
a compreensão do tratamento das mulheres no interior do direito processual
criminal reproduzido nos organismos locais na Vila de Nossa Senhora da Luz
dos Pinhais de Curitiba. As impressões havidas até o presente momento permi-
tem concluir que colocando lado a lado as condições jurídicas dadas ao gênero

75 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p 21.
76 PEREIRA, Luís Fernando Lopes. O Império Português: a centralidade do concelho e da cidade, espaço da
cultura jurídica. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (org.). As formas do direito, ordem, razão e decisão. Curitiba:
Juruá, 2013, p 579-581.
77 MASSUCHETTO, Vanessa Caroline. Os autos de livramento crime e a Vila de Curitiba: apontamentos sobre
a cultura jurídica criminal (1777-1800), Curitiba, 2016, Dissertação (Mestrado em Direito) – Setor de Ciências
Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.
78 E tal característica parece ser uma constante em grande parte do território do Império Português, consi-
derando que, sob a perspectiva de António Manuel Hespanha, a ordem jurídica criminal embasava-se mais na
ameaça do que na punição. (Cf. HESPANHA, António Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política
penal no Antigo Regime. In:______. Justiça e litigiosidades. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993).

129
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

feminino pelas tradições textuais e os elementos, ritos e procedimentos pelos


quais eram processados os crimes ao longo do Império Português, os maiores
questionamentos à compreensão das práticas da cultura jurídica e do estatuto da
mulher aparecem da leitura de algumas fontes. Isto é, as representações femininas
do período79 seguramente não correspondem às práticas existentes no âmbito
da cultura jurídica local praticada nos foros, e a análise dos processos judiciais
em que mulheres figuram sobretudo como autoras auxilia na desconstrução das
noções que permeiam os estudos de gênero nas tradições textuais setecentistas.

Conclusão

A análise do processo criminal, e por extensão do direito criminal, no


contexto colonial no interior do Antigo Regime português permite a verificação
da existência efetiva de uma grande plasticidade que perpassava a ordem jurídica
criminal ao longo dos espaços do Império Ultramarino Português. Em que pese
o desenvolvimento, ao longo da segunda metade do século XVIII, de políticas
régias que intentaram difundir determinadas noções modernas a respeito do
tratamento jurídico do crime e dos condenados, um estudo centrado em ca-
racterísticas pormenorizadas demonstra a prática de várias permanências, além
de sugerir uma confluência de mentalidades medieval e moderna no interior
do mesmo imaginário. Os elementos que fazem parte de vicissitudes próprias
de uma determinada experiência – usualmente tidos como anormalidades e,
por esta razão, rejeitados por estratégias metodológicas mais tradicionais ou de
perspectiva macro – podem trazer uma maior reflexão não somente acerca da
cultura jurídica específica da comunidade em questão, mas também reflete muito
do que está contido no imaginário dos planos gerais.

Referências bibliográficas
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ. Autos sob o número BR PRAPPR PB 045.
PC2393.80, Caixa 80, 1783, Autos de Livramento crime entre a Justiça por seu
Promotor e o Tenente Antonio José do Prado.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 2ª ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2014.
___. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
HESPANHA, António Manuel. Como os juristas viam o mundo. 1550-1750. Direitos,
estados, pessoas, coisas, contratos, ações e crimes. Lisboa, 2015.
___. Da “iustitia” à “disciplina”. Textos, poder e política penal no Antigo Regime.
In:___. Justiça e litigiosidades. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

79 Como a incapacidade nata, a subordinação necessária e a impossibilidade de atuação em for. (Cf. HESPA-
NHA, Antonio Manuel. Imbecillitas, As bem aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São
Paulo: Annablume, 2010, p 102).

130
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

___. Imbecillitas, As bem aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo


Regime. São Paulo: Annablume, 2010.
MASSUCHETTO, Vanessa Caroline. Os autos de livramento crime e a Vila de
Curitiba: apontamentos sobre a cultura jurídica criminal (1777-1800), Curitiba, 2016,
Dissertação (Mestrado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade
Federal do Paraná.
PEREIRA, Luis Fernando Lopes. O Império Português: a centralidade do concelho
e da cidade, espaço da cultura jurídica. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (org.). As
formas do direito, ordem, razão e decisão. Curitiba: Juruá, 2013.
PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
SBRICCOLI, Mario. Giustizia criminale. In: ___. Storia del diritto penale e dela
giustizia. Tomo I. Milano: Giuffrè Editore, 2009.

131
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

OS CRIMES SEXUAIS NO CÓDIGO CRIMINAL DE 1830

DÉBORA TOMÉ DE SOUSA


Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: deboratomedesousa@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Crimes sexuais; Código Criminal 1830; Penas.

Introdução

O presente trabalho abordará a temática dos crimes sexuais, com enfoque


no primeiro Código Criminal do Império, publicado em 1830. Tal assunto é im-
portante para se entender como as práticas sexuais eram abordadas no período,
bem como para demonstrar as tipificações e as penalidades aplicadas no Brasil
imperial, haja vista que tal codificação foi a primeira lei produzida por deputados
brasileiros, a qual observou as realidades locais e seguiu as determinações da Cons-
tituição Imperial de 1824. Além disso, o Código Criminal Imperial foi a primeira
legislação que revogou dispositivos das Ordenações Filipinas, especificamente o
Livro V, que tratava acerca do Direito Penal e Processual Penal.

A problemática do estudo é entender como eram tipificados os crimes


sexuais e quais as penalidades a eles aplicadas durante a vigência do Código Cri-
minal de 1830. Desta feita, primeiramente se descreverá as circunstâncias sociais
e jurídicas do Brasil durante a vigência do Código Criminal de 1830. Após, serão
apresentados os tipos penais que correspondem aos crimes sexuais dispostos no
Código Criminal, ressaltando as penas aplicadas para cada delito, além de explicar
o objetivo de tais crimes e penalidades. Este estudo não tem por finalidade esgotar
as discussões acerca da temática, apesar de expor como bastante clareza como
os delitos sexuais e suas penas eram abordados no Código Criminal de 1830.

Metodologia

Utilizou-se como metodologia um estudo descritivo-analítico, por meio


de pesquisa bibliográfica, com a leitura de artigos, livros e anais, bem como o
recurso à fonte primária, qual seja, o Código Criminal de 1830, tal pesquisa tem

133
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

por finalidade o interesse intelectual e o despertar para conhecimento de insti-


tutos penais do império.

Resultados

O período colonial brasileiro foi marcado pela existência do direito co-


mum, que era o direito régio, emanado da coroa portuguesa, formado pelas
Ordenações do Reino, pelas normas de direito canônico e pelas leis particulares
editadas especificamente para o Brasil, embora em quantidade insuficiente (HES-
PANHA, 2006, p. 96).

Além da ordem jurídica do direito comum, também estavam presentes


no território brasileiro os sistemas jurídicos formados a partir dos costumes locais,
bem como das práticas dos juízos, das decisões dos casos concretos, em especial,
nas capitanias hereditárias com as decisões dos ouvidores. Estes formavam o di-
reito próprio brasileiro, o qual se solidificou a partir da influência da Revolução
Francesa, dos ideais iluministas e liberais, da Declaração de Direitos do Homem
e do Cidadão e, principalmente, com a Declaração da Independência em 1822,
que culminou com a outorga da Carta Imperial de 1824, sendo necessária a
criação de um Código Criminal do Império, que observasse a realidade brasileira
e tivesse como base a justiça e a equidade.

O Código Criminal de 1830 tratou acerca dos crimes sexuais no Título


II “Dos crimes contra a segurança individual”, Capítulo II “Dos crimes contra a
segurança da honra”. Neste contexto, verifica-se que a tipificação de crimes sexuais
pelo Estado era uma forma dele disciplinar as pessoas, manter e proteger uma
moral comum, barrar a promiscuidade, regular os instintos humanos e acima de
tudo obedecer aos preceitos da Igreja Católica como o casamento e a castidade.
O crime sexual era considerado “o conjunto de fatos que ofendem a liberdade
sexual ou individual, que lesam e põem em perigo, pela sua anormalidade, os
fins da função sexual ou que tendam à destruição do indivíduo ou da espécie”
(GUSMÃO, 1954, p. 85). Portanto, a intenção de normatizar tais condutas não
era a proteção da dignidade sexual das mulheres ou dos homens, mas manter a
ordem moral, social e patriarcal.

Os crimes sexuais previstos na legislação em comento eram basicamente


o estupro e o rapto, ambos tinham como bem jurídico a segurança da honra,
principalmente, a moral ou reputação da família. Desta feita, os artigos 219 aos
225 do Código Criminal tratavam acerca do crime de estupro. O artigo 219
descrevia o crime de “deflorar mulher virgem, menor de dezessete anos”, sendo
assim, o homem que tivesse conjunção carnal com mulher virgem cometia crime.
Deflorar correspondia ao ato sexual de rompimento do hímen feminino, tal ato
era grave, posto que a virgindade da mulher era protegida pela sociedade e pela

134
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

religião católica, que pregava a castidade absoluta como um direito divino, que
só poderia ser rompido com o casamento (GUSMÃO, 1954, p. 83).

O homem que deflorava era penalizado com desterro para fora da


comarca, que residisse a mulher deflorada, pelo período de um a três anos e
ele, ainda, pagaria um dote a ela. O artigo previa como hipótese de extinção
da pena a consumação do casamento entre o homem e a mulher deflorada, já
que se entendia que para reparar o mal causado deveria haver o casamento ou
o pagamento do dote, dessa forma, se resguardava a moral familiar da mulher,
a sua possibilidade de casar (TINÔCO, 2003, p. 401).

Por sua vez, o artigo 220 tipificava o crime de estupro praticado por quem
detinha o poder ou a guarda da mulher deflorada. O sujeito ativo do crime era
o homem que tinha o dever estatal de proteger a honra e a moral da mulher,
mas agia de forma contrária, praticando o incesto. Neste caso, a pena era mais
grave do que a prevista no artigo anterior, qual seja, de desterro, por dois a seis
anos, para fora da província que morava a mulher deflorada e pagamento de
um dote a ela.

Já o artigo 221 criminalizou o estupro praticado por parente da mulher


deflorada, sendo essa relação sexual parental de grau que não se permitia o casa-
mento entre eles. O homem era condenado a pena de degredo para a província
mais remota da qual residisse a mulher deflorada, pelo prazo dois a seis anos,
além disso, tinha que dar um dote a ela.

O artigo 222 descrevia o crime de estupro, propriamente dito, que era o


de “ter copula carnal por meio de violência, ou ameaças, com qualquer mulher
honesta” (BRASIL, online). O estupro era caracterizado fundamentalmente pela
violência (GUSMÃO, 1954, p. 96), seja ela física ou moral. Neste caso, a mulher
deveria ser honesta, embora, pudesse não ser virgem. A pena imposta era de
prisão de três a doze anos e pecuniária de dote. O artigo, ainda, previa que se
o crime fosse praticado contra prostituta, o homem sofria pena mais branda,
qual seja, de prisão por prazo de um mês a dois anos, assim sendo, não havia
previsão de pena pecuniária, por se entender que a mulher prostituta não tinha
perdido a possibilidade de bom casamento.

Por sua vez, o artigo 223 previa como crime a prática de qualquer ato
sexual para satisfação da lascívia do homem, sendo crime o ato libidinoso pesso-
almente ofensivo, que causasse dor ou qualquer mal corpóreo à mulher. Tal ato
era punido com prisão de um a seis meses e multa, correspondente à metade
do tempo, além das penas impostas as ofensas praticadas pelo réu.

135
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

A seu turno o artigo 224 descrevia como crime a sedução de mulher


honesta, menor de dezessete anos, com a finalidade de ter com ela conjunção
carnal, o presente artigo não falou acerca de defloração, desconsiderando a virgin-
dade. Neste caso, o homem era penalizado com o desterro para fora da comarca
em que residia a ofendida, pelo prazo de um a três anos, além disso, tinha que
pagar o dote à ofendida. Por fim, o artigo 225 previa uma hipótese de extinção
da pena, que se dava pelo casamento entre o réu e a mulher ofendida, contu-
do, somente incidiria nos casos dos três artigos antecedentes. Ressalta-se que o
casamento deveria ser realizado, não bastava a intenção do réu de se casar, além
disso, para a concretização do casamento a mulher deveria concordar, bem como
seu pai, tutor, curador ou juiz responsável pela jurisdição (TINÔCO, 2003, p. 407).

Já nos artigos 226 aos 228 estavam previstos os crimes de rapto. O rapto
era definido como “uma espécie de sequestro, ocorrendo quando se tirava a
moça tida como honrada, à força ou por engano, da casa de seu pai, sua mãe ou
qualquer outra pessoa por ela responsável” (ARCANJO, 2015, p. 40), assim sendo,
o crime tinha a finalidade de praticar ato libidinoso com a mulher raptada. Neste
contexto, o artigo 226 previa o crime sexual de raptar qualquer mulher de sua
casa, ou de onde ela estivesse, mediante violência, para a prática de qualquer ato
libidinoso, inclusive, conjunção carnal. A pena aplicada ao réu era de prisão de
dois a dez anos com trabalho e pecuniária de pagar dote à ofendida.

Por sua vez, o artigo 227 descrevia o crime de raptar mulher virgem ou
assim reputada, que fosse menor de dezessete anos, da casa de seu pai, tutor,
curador, ou responsável que detenha poder sobre ela, utilizando-se de afagos e
promessas para fins libidinosos. A promessa de casamento era um dos modos
mais comuns de sedução, por meio dela a mulher permitia que o homem pra-
ticasse com ela atos libidinosos, na esperança da consumação do casamento em
um futuro próximo, fato que nem sempre ocorria (GUSMÃO, 1954, p. 214). Este
tipo penal especificava que a mulher deveria ser virgem ou assim considerada e
trazia o critério da menoridade. O homem que incorresse na prática desse crime
deveria ser preso pelo prazo de um a três anos, bem como pagaria dote à mulher.

Por fim, o artigo 228 previa que nos casos de rapto se houvesse o
casamento entre o réu e a mulher ofendida as penas não seriam aplicadas, na
realidade, o casamento fazia cessar o crime e como consequência a punição
do autor (TINÔCO, 2003, p. 410). Portanto, o Código Criminal possibilitou que
a maioria dos tipos penais fosse abrangida pela extinção de punibilidade pelo
casamento, reforçando que seu interesse era a proteção da honra familiar e da
mulher, que deveria ser virgem para que conseguisse se casar, assim sendo, se o
réu com ela se casassem não haveria motivo para a penalização.

136
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Conclusão

Concluiu-se com o presente trabalho que o Código Criminal era objetivo


e conciso, posto que criminalizou apenas o estupro e o rapto, bem como seus
desdobramentos, não fazendo especificação quanto aos crimes sexuais contra a
ordem religiosa, todavia, isto não quer dizer que não houve influência religiosa
na elaboração de suas normas.

Diante da análise das penas aplicadas aos crimes sexuais, comprovou-se


que o Código de 1830 privilegiou a pena privativa da liberdade, prisão, e penas
mais brandas, não sendo previstas as penas de morte e infamantes, que passavam
da pessoa do condenado para seus descendentes, para tais crimes. Além disso,
previa a pena pecuniária do dote, que tinha como finalidade reparar o mal cau-
sado, se não houvesse o casamento. As penalidades respeitavam o princípio da
igualdade, posto que a lei não variava a pena imposta ao delito a depender da
qualidade da pessoa do acusado. Ressalta-se que a legislação previu o casamento
como forma extinção de alguns delitos sexuais e da respectiva pena, uma vez que
o bem jurídico tutelado era a moral ou a honra da instituição familiar, formada
pelo matrimonio.

Ademais, o presente estudo não esgotou e nem pretendeu explorar total-


mente a temática dos crimes sexuais no Código Criminal de 1830, assim sendo,
se abrem possibilidades para novos trabalhos, com a finalidade de se entender a
história do direito penal brasileiro no império, suas implicações e avanços.

Referências bibliográficas
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ções Primeiras do Arcebispado da Bahia. 2015. 64 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015.
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ponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm >
Acesso em: 17 jun. 2017.
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de Hamilton Carvalhido. Coleção história do direito brasileiro. Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2003. Edição fac-similar.

137
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UM “CARTÓRIO DE FEITICEIRAS”: DIREITO E FEITI-


ÇARIA NA VILA DE CURITIBA (1750-1777)

DANIELLE REGINA WOBETO DE ARAUJO


Doutora em História do Direito no Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Paraná (PPGD – UFPR).
Pesquisadora em estágio pós-doutoral na UFPR/UFMG/UEPG/UERJ
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Edital nº 13/2015 – CAPES).
E-mail para contato: daniius76@hotmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Cultura jurídica colonial. Feitiçaria. Processo Penal.

Introdução

Pouco se sabe sobre a feitiçaria no campo da justiça secular tampouco


se conhece muito acerca da cultura jurídica do período colonial, assim a pes-
quisa teve como objetivo, conhecer um pouco mais da cultura jurídica colonial
criminal e processual criminal do período pombalino por meio de processos que
investigavam o delito de feitiçaria previsto nas Ordenações Filipinas.

O delito de feitiçaria permitiu examinar aspectos sociais, culturais, reli-


giosos e jurídicos, como, por exemplo, as tramas que levavam às investigações e
ao processamento do delito, os valores (critérios de justiça) em que a sociedade
acreditava, os limites que se pretendia manter, e os instintos que deveriam ser
reprimidos.80

Bom ter em mente que de acordo a historiografia portuguesa não houve


a “caça às bruxas” no Império e o delito foi pouco recriminado nas três jurisdições
competentes: inquisitorial, episcopal e secular.

Esta constatação contribui para o debate suscitado por alguns historia-


dores acerca de uma “lenda negra” que recai sobre a cultura jurídica criminal e
evidencia que há muitas leituras anacrônicas acerca do direito e do delito na

80 Ver: GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011b.

139
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

época moderna, especialmente quanto aos temas de sistema inquisitivo, delações,


tormentos, fogueira, feminismo.

Nesse contexto é que se buscou problematizar as fontes históricas, quais


sejam, três processos de feitiçaria – um deles relativo ao curandeirismo e ou
outro à feitiçaria propriamente dita – que tramitaram na Vila de Curitiba e de
Paranaguá. Estes locais eram espaços fronteiriços, dada a sua condição geográfica e
limítrofe na América e no Império Oceânico Português, que fazia o local funcionar
dentro dos moldes da tradição portuguesa, mas que ao mesmo tempo permitia
adaptá-los à luz de suas necessidades locais. Daí porque interessante estudar o
delito em regiões fronteiriças que relatam não uma cultura rústica, mas sim uma
cultura mestiça, cabocla.

Metodologia

Tendo em vista que a pesquisa teve como fonte primária três processos
criminais de feitiçaria dos que se reconstruiu uma cultura jurídica colonial me-
todologicamente empregou-se os recursos de Carlo Ginzburg tanto em relação
ao paradigma indiciário como a uma abordagem cultural que privilegia a circu-
laridade cultural.

Resultados

No que concerne ao delito de feitiçaria pode-se apontar e explicar os


motivos do delito ser pouco recriminado e punido em Portugal; Pode-se traçar
um quadro básico da estrutura das instituições que tinham jurisdição para co-
nhecer o delito. Destacando-se pontos de aproximação e afastamento entre tais
instituições. Resumidamente pode-se dizer que se assemelham nas suas estruturas
processuais em virtude de estarem amparados na mesma doutrina e se afastam
em razão da natureza dos delitos – pecado, heresia, dano - e das finalidades
institucionais distintas, embora todas se caracterizassem mais pela misericórdia
do que pela punição.

Com base no panorama político, religioso e jurídico problematizou-se


as fontes observando que a cultura jurídica na região tinha suas peculiaridades
quanto ao delito e ao processo, mas que e momento algum deixou se mostrar
rústica no sentido pejorativo que lhes conferiam os juristas do século XVIII.

140
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Conclusão

As considerações finais são no sentido de uma cultura jurídica que não


era rústica, mas sim prática quanto ao direito criminal, conforme indicam as fontes
pelo atuar dos procuradores. Quanto ao direito processual, concluiu-se com base
no bom conhecimento das formalidades, usadas muitas vezes pró interesses locais,
mas também para interesses da Coroa. No que concerne ao processamento do
delito na justiça secular, as pistas apontam para uma preocupação com o dano
decorrente da feitiçaria, ou seja, não se preocupa com heresias, como idolatrias,
porém, não vê com bons olhos crenças não condizentes com a estabelecida pela
Igreja, ainda que esta, na América Portuguesa, fosse vivenciada de modo mestiço.

Referências bibliográficas

Manuscritos:
DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ (DEAP). BR
PRAPPR PB 045 PC 1363.41, Cx.41, 1763
DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ (DEAP). BR
PRAPPR PB 045 PC 1837.57, Cx.57, 1773.
DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ (DEAP). BR
PRAPPR PB 045 PC 1947.61, Cx.61, 1775.
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141
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

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142
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

EMBRIAGUEZ, VIOLÊNCIA E JUSTIÇA


NOS JORNAIS DE CURITIBA (1890-1921)

OTÁVIO A. G. WEINHARDT
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (PPGD/UFPR)
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (PPGHIS/UFPR)
Bolsista CnPq
E-mail: otavioaw@bol.com.br

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira

Palavras-chave: Embriaguez; Polícia; Cultura Jurídica Criminal.

A passagem do século XIX ao XX constituiu um período de grandes


transformações no país. A alternância do regime monárquico para o republicano,
a proibição completa do trabalho escravo, a consequente vinda massiva de imi-
grantes europeus, entre outros fatores, contribuíram para alterar profundamente a
paisagem local. Nesse ínterim, a pacata e periférica cidade de Curitiba, cresceu e
se urbanizou, passando a enxergar-se como uma cidade grande e cosmopolita. A
capital paranaense também enriqueceu, em grande medida favorecida pelo comér-
cio da erva-mate, possibilitando uma série de alterações em seu espaço urbano81.

Por todo o Brasil, o fim da escravidão criou a necessidade de fundar uma


nova ética de trabalho, atribuindo a ele uma valoração positiva e dignificadora. Era
necessário enaltecer o trabalho e o trabalhador, estimulando-o a “prazerosamente
mercantilizar sua força de trabalho”82. Como parte desse processo, fazia-se mister
perseguir e criminalizar todas aquelas ações que representavam a antítese dessa
ética – como a ociosidade, a embriaguez e a prostituição83.

A presente proposta concentra-se na criminalização da embriaguez, vista


pelas autoridades como um hábito extremamente reprovável, contrário aos valores
exaltados por aquela sociedade. Por isso, o alcoolismo passa a ser avidamente
81 LOPES PEREIRA, L. F. O espetáculo dos maquinismos modernos: Curitiba na virada do século XIX ao XX. São
Paulo: Blucher Acadêmico, 2009, p. 39.
82 CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle
époque. São Paulo: Unicamp, 2001, p. 48-9.
83 KARVAT, Erivan Cassiano. Discursos e praticas de controle: falas e olhares sobre a mendicidade e a vadiagem
(Curitiba: 1890-1933). Curitiba: 1996, p. 121.

143
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

combatido pelas autoridades policiais e judiciárias. Assim expressa Benedicto


Pereira da Silva Carrão, Chefe de Polícia de Curitiba em 1895:
As classes inferiores da sociedade, onde ainda não conseguirão penetrar,
de modo aproveitável, o respeito e a dignidade pessoal, são as que se
incumbem de fornecer crescido numero de elementos de perturbação
e desordem.
A embriaguez, a vagabundagem e o uso, quase generalisado, entre nós,
de armas prohibidas, são sempre as causas determinantes de ataques á
vida e a propriedade do cidadão.
[...]
Entre nós, principalmente, onde é avultado o numero de estrangeiros, na
sua maioria proletários; onde a população ignorante é bastante espalhada
por todo o vasto território paranaense; onde não ha nem instrucção
suficiente como guia, nem o sentimento religiozo predomina refreando
as paixões dos homens de baixa classe; verifica-se que a maior parte das
vezes em que é desrespeitada a vida ou a propriedade do cidadão, tem
como principal cauza a vagabundagem ou a embriaguez ou o uso de
armas proibidas, influindo no individuo que praticou a acção criminoza.84

Essa visão estava também apoiada no saber criminológico, tido como


científico e verdadeiro, o qual exerceu profunda influência na cultura jurídica
brasileira do período analisado. De Cesare Lombroso, maior nome da criminologia
positiva, tem-se que:
Depois do prazer da vingança e a vaidade satisfeita, o delinqüente não
encontra deleite maior do que o vinho e o jogo. A paixão pelo álcool é
porém muito complexa, por ser causa e efeito do crime. Tríplice causa,
ao contrário, quando se pensa que o alcoólatra dá origem a filhos de-
linqüentes, e o álcool é também o instrumento e uma razão do crime.
Alguns delinqüem para embriagar-se, ou porque, com a bebedeira os
velhacos procuram a coragem necessária aos atos nefandos, depois um
argumento para futura justificação, e com a precoce e embriaguez sedu-
zem os jovens ao delito.85

Como fonte privilegiada na presente proposta, decidiu-se optar pelos


jornais. Na Curitiba do período escolhido, os dois jornais mais importantes eram
A República e o Diário da Tarde. Deles, foram extraídas centenas de notícias
relacionadas à prisão de indivíduos por estarem embriagados no espaço urbano,
confusões e crimes cometidos sob influência do álcool. A partir daí, busca-se rastrear
a atuação da polícia e do Judiciário, extraindo-se indícios acerca da cultura jurídica
então vigentes. Obviamente, o elenco de fontes é muito mais amplo (passando
por relatórios de polícia, estatísticas, processos-crime etc.); todavia, decidiu-se aqui

84 RELATÓRIO apresentado ao Secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Instrucção Pública do Estado do
Paraná. Curitiba, 30 de Setembro de 1895, p. 5.
85 LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. São Paulo: Ícone, 2007, p. 118.

144
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

focar nas informações dadas pelo jornal, por ser um meio rico em informações
e importante formador de opinião da sociedade de então.

Quanto à escolha do recorte temporal, definiu-se 1890 como marco inicial


pelo advento do Código Penal republicano, que, em seu art. 396, criminalizou a
embriaguez em público. O encerramento do recorte coincide com o Decreto
4.294, de 06 de julho de 1921, o qual trouxe alterações no tratamento penal da
embriaguez.

A pesquisa encontra-se ainda em um estágio embrionário, mas uma série


de fontes já foi levantada e permite algumas observações. A hipótese sustentada
até o momento é de que o discurso moralizante em torno do álcool servia de
verniz à razões mais pragmáticas. Importava formar uma sociedade de cidadãos
ordeiros, morigerados e trabalhadores (adjetivos que aparecem frequentemente
nas fontes), para a qual a bebida era um obstáculo. Além disso, o ébrio – sujo,
malvestido, espalhado pelas praças e ruas – representava uma mancha no espaço
urbano de uma cidade ávida em transformar-se numa Paris dos trópicos.

Referências bibliográficas
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no
Rio de Janeiro da belle époque. São Paulo: Unicamp, 2001.
KARVAT, Erivan Cassiano. Discursos e praticas de controle: falas e olhares sobre a
mendicidade e a vadiagem (Curitiba: 1890-1933). Curitiba: 1996.
LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. São Paulo: Ícone, 2007.
LOPES PEREIRA, L. F. O espetáculo dos maquinismos modernos: Curitiba na virada
do século XIX ao XX. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2009.
RELATÓRIO apresentado ao Secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Instrucção
Pública do Estado do Paraná. Curitiba, 30 de Setembro de 1895.

145
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A EVOLUÇÃO DOS MECANISMOS DE COMBATE À


COMPRA DE VOTOS NO BRASIL:
UMA ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA

FLÁVIA CARÓSIO GOES


Graduanda em Direito
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
E-mail: flaviacarosiogoes@gmail.com

VICTOR RODRIGUES NASCIMENTO VIEIRA


Graduando em Direito
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
E-mail: victorvieira.dir@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Brasileira (crime, processo e


penas)

Palavras-chave: História do Direito; Crime eleitoral; Compra de votos.

Introdução

O período eleitoral é marcado por grande entusiasmo e polêmica, seja


pela possibilidade de mudança econômica e política; seja pelos escândalos en-
volvendo os candidatos que concorrem no pleito. Nesse cenário, a compra de
votos é assunto de destaque visto que, práticas como esta são relevantes para
uma determinada parcela do eleitorado na definição do seu candidato e podem
influenciar diretamente no resultado das eleições.

Neste sentido, cabe salientar que no contexto de criação do primeiro


Diploma Eleitoral brasileiro, o Código de 1932, a prática de manipulação das
eleições era muito comum. A elite possuía um grande poder de influenciar as
massas de eleitores, visto que, naquela época, havia uma relação de dependência
socioeconômica de parte do eleitorado em relação aos latifundiários, predomi-
nando o voto de cabresto, pelo qual a massa dos eleitores votava de acordo
com as determinações da elite por temor a represálias. Com o passar do tempo
e com a alteração na estrutura socioeconômica do país, a configuração das re-
lações sociais também mudou e, consequentemente, os modos de manipulação

147
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

das eleições também se modificaram, surgindo a figura da compra de votos que


conhecemos hoje.

Neste sentido, com o propósito de garantir a lisura do período eleitoral,


coibir e punir os delitos eleitorais foram adotados, historicamente, vários mecanis-
mos legislativos e procedimentais. Assim, em 1965 foi criado o segundo Diploma
Eleitoral, em 1990 surgia a Lei de Inelegibilidade, em 1999 era aprovada a Lei Contra
a Compra de Votos e em 2010 foi sancionada a Lei da Ficha Limpa. Ademais,
outras providências para assegurar a idoneidade do pleito foram adotadas, como
a criação da urna eletrônica e a identificação biométrica dos eleitores.

Frente a isto, o objeto de estudo deste trabalho são os mecanismos


legislativos e procedimentais de combate à prática da compra de votos. Neste
sentido, o problema desta pesquisa se traduz em constatar se o Direito Eleitoral
brasileiro conta com uma legislação eleitoral eficaz frente à compra de votos.

Nesta ordem de ideias o objetivo deste estudo é identificar quais os


dispositivos legais contribuíram de forma significativa para o combate à compra
de votos e, consequentemente, para o fortalecimento da ação da Justiça Eleitoral.

Assim, a presente pesquisa se justifica ao passo que busca mostrar a


importância da codificação das leis eleitorais e da adoção de procedimentos
de escolha dos candidatos para assegurar a lisura do processo eleitoral. Afinal,
somente com uma disputa limpa é que teremos uma concorrência paritária e
um resultado verdadeiramente democrático.

Metodologia

Para isto, a metodologia de pesquisa deste estudo abrange uma análise


legislativa, doutrinária, jurisprudencial e histórica, visando compreender os mecanis-
mos que foram criados para combater a compra de votos tanto no seu aspecto
criminal, quanto na sua feição eleitoral. Para a pesquisa legislativa, foram utilizados,
sobretudo, os Códigos Eleitorais de 1932 e de 1965, a Lei Complementar nº 64
de 1990 (Lei de Inelegibilidade), a Lei Ordinária nº 9.840 de 1.999 (Lei Contra a
Compra de Votos) e a Lei Complementar 135 de 2010 (Lei da Ficha Limpa); em
relação à pesquisa doutrinária foram utilizadas obras de juristas, como João C. da
Rocha Cabral, Galdino Siqueira, Oscar de Macedo Soares e Armando Antônio
Sobreiro Neto; para pesquisa histórica foram consultados livros de História do Brasil,
em especial do historiador Boris Fausto; já a pesquisa jurisprudencial ocorreu nos
variados Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral.

148
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Resultados parcias

Pelo fato de se tratar de uma pesquisa em andamento, apresentaremos


os resultados parciais, que serão complementados até o fim do estudo.

Assim, temos que a compra de votos é denominação popular que abrange


tanto a corrupção eleitoral, como também a captação ilícita de sufrágio. O crime
de corrupção eleitoral está disposto no art. 299 do atual Código Eleitoral e prevê
reclusão de até quatro anos e pagamento de multa. A captação ilícita de sufrágio,
por sua vez, é um ilícito eleitoral, que foi introduzido na Lei das Eleições, em seu
art. 41-A, por meio da Lei 9.840 e prevê a cassação do registro ou do diploma
eleitoral e o pagamento de multas.

Neste sentido, apresentamos o quadro abaixo que é fruto da pesquisa


legislativa que buscou no ordenamento jurídico brasileiro, os institutos legais que,
direta ou indiretamente, contribuíram para o combate à compra de votos no Brasil:
Figura 1 – Quadro dos mecanismos de combate à compra de votos.

MECANISMOS DE COMBATE À COMPRA DE VOTOS


LEI QUE
CÓDIGO ELEITO- CÓDIGO ELEITO- LEI DE INELEGIBILI-
DISCIPLI- LEI DAS ELEIÇÕES
RAL DE 1932 RAL DE 1965 DADE
NA

Corrupção Corrupção Captação ilícita de


Nome Caso de Inelegibilidade
eleitoral eleitoral sufrágio

Art. 41-A. Ressal- Art. 1º São inelegíveis:


vado o disposto I – para qualquer
no art. 26 e seus cargo:
Art. 299. Dar,
incisos, constitui j) os que forem con-
oferecer, prome-
captação de denados, em decisão
Oferecer, pro- ter, solicitar ou
sufrágio, vedada transitada em julgado
meter, solicitar, receber, para si
por esta Lei, o ou proferida por órgão
exigir ou receber ou para outrem,
candidato doar, colegiado da Justiça
dinheiro , dádiva dinheiro, dádiva,
oferecer, prometer, Eleitoral, por corrupção
ou qualquer van- ou qualquer
Previsão ou entregar, ao eleitoral, por captação
tagem para obter outra vantagem,
legislativa eleitor, com o fim ilícita de sufrágio, por
ou dar voto, ou para obter ou
de obter-lhe o doação, captação
para conseguir dar voto e para
voto, bem ou van- ou gastos ilícitos de
abstenção, ou conseguir ou
tagem pessoal de recursos de campanha
para abster-se de prometer abs-
qualquer natureza, ou por conduta vedada
voto: tenção, ainda
inclusive emprego aos agentes públicos
que a oferta não
ou função pública, em campanhas elei-
seja aceita:
desde o registro torais que impliquem
da candidatura até cassação do registro
o dia da eleição, ou do diploma,

149
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Inclusive, sob pena


de multa de mil
a cinquenta mil
Ufir, e cassação
Pena – reclusão do registro ou do
Pena - seis mê- até quatro anos diploma, observa- pelo prazo de 8 (oito)
Pena ses a dois anos e pagamento de do o procedimento anos a contar da
de prisão celular. cinco a quinze previsto no art. 22 eleição;
dias-multa. da Lei Complemen-
tar no 64, de 18
de maio de 1990.
(Incluído pela Lei
nº 9.840, de 1999)
Quem
Candidato e Candidato e
pode ser Candidato Candidato
eleitor eleitor
punido?
Natureza Crime eleitoral Crime eleitoral Ilícito eleitoral Sanção Eleitoral
Fonte: os autores.

Conclusão

Por todo o exposto, constatamos que os mecanismos que foram criados


ao longo do tempo, trouxeram inúmeros avanços para o Direito Eleitoral brasi-
leiro e contribuíam de forma significativa para o fortalecimento da democracia.
Entretanto, a despeito do avanço dos mecanismos de combate, a prática da
compra de votos encontra-se enraizada na cultura brasileira, se dando de forma
diversificada e se sofisticando com o passar do tempo.

Ademais, como se observa na leitura dos artigos que tratam da compra de


votos no Código Eleitoral de 1965, na Lei das Eleições e na Lei de Inelegibilidade
a legislação eleitoral é dura no tratamento tanto da corrupção eleitoral como da
captação ilícita de sufrágio. Entretanto, da leitura dos julgados, concluímos que
estes dois institutos jurídicos são de difícil caracterização prática e, por isso, de
difícil punição.

Por fim, acreditamos que não é somente com a criação de leis e de apa-
ratos técnicos para a realização das eleições que conseguiremos coibir a compra
de votos. É necessária uma mudança de postura e de mentalidade da população,
campanhas de conscientização e maior fiscalização, pelos órgãos públicos, da
conduta dos candidatos e eleitores durante o pleito eleitoral.

150
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências bibliográficas
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com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de
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gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm>. Acesso em: 01 de maio de 2017.
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SOBREIRO NETO, Armando Antonio. Direito Eleitoral: Teoria e prática. 4. ed.
Curitiba: Juruá, 2008.

151
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NA HISTÓRIA


E NO PROCESSO PENAL:
CRÍTICA A INTERPRETAÇÃO ATUAL

PATRICIA ROCHA CASTILHO BINSKI


Acadêmica do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná. IFPR - Campus Palmas

NILMA JAQUELINE CORREIA


Acadêmica do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná. IFPR - Campus Palmas

NAIANA CAROLINE TAQUES


Acadêmica do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná. IFPR - Campus Palmas
E- mail: patyrcastilho@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (Crime,


Processo e Penas).

Palavras chave: Presunção de inocencia; Desenvolvimento histórico; Apli-


cação do principio.

Introdução

O objetivo deste artigo e fazer uma análise histórica do princípio da


presunção de inocência, seus primeiros apontamentos em documentos históricos
e tratados internacionais, sua adoção pela Constituição brasileira e seu momento
atual moldado por decisões e julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário.

Metodologia

Utilizamos a pesquisa qualitativa, sendo que foi realizada a pesquisa:


bibliográfica, através de livros e artigos científicos; a documental com base em
documentos históricos e a legislação nacional e internacional; e a jurisprudencial
para analisar as decisões e os seus fundamentos, principalmente do STF envol-
vendo o principio da presunção de inocência. Pretende-se por meio de um viés
histórico e comparativo compreender o surgimento e a aplicação desse principio
no processo penal relacionando-o com a ruptura atual, realizando assim um
pesquisa exploratória e descritiva.

153
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Resultados

O princípio da presunção de inocência passou por um processo de cons-


trução e transformação durante longo período da história, sendo recepcionada
pela Carta Magna como um dos princípios fundamentais do Estado Democrático
de Direito.

Em um Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e as garantias


individuais são pilares de um ordenamento jurídico, sendo que a presunção de
inocência faz parte dessas garantias, inclusive no processo penal brasileiro.

Embora haja resquícios da presunção de inocência no direito romano,


nessa época sua forma era destorcida ocorrendo na verdade a presunção de
culpa. A proteção da presunção de inocência como conhecemos atualmente,
veio sendo moldada com as declarações de direitos norte-americanas, (estando
disposta na Declaração de Direitos da Virginia -1776), posteriormente na Decla-
ração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789),fruto da revolução francesa
que foi endossada de ideais iluministas. Vindo ser universalizado pela Declaração
dos Direitos Humanos criada pela Organização das Nações unidas e assinada em
1948. Sendo recepcionado pela Constituição Federal brasileira em 1988 como
princípio fundamental.
Apesar de remontar ao direito romano, o princípio da presunção de
inocência até prova em contrário foi ofuscado, se não completamente
invertido, pelas práticas inquisitórias desenvolvidas na Baixa Idade Mé-
dia. Basta recordar que no processo penal medieval a insuficiência da
prova, conquanto deixasse subsistir uma suspeita ou uma dúvida de
culpabilidade, equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de
semiculpabilidade e uma semicondenação a uma pena mais leve.Só no
início da idade moderna aquele princípio é reafirmado com firmeza: “eu
não entendo”, escreveu Hobbes, “como se pode falar de delito sem que
tenha sido pronunciada uma sentença, nem como seja possível infligir
uma pena sempre sem uma sentença prévia”. E se Pufendorf incluiu na
definição mesma de “poena” o fato de ser irrogada “post cognitionem
delicti”, Beccaria afirmou que “um homem não pode ser chamado de réu
antes da sentença do juiz, nem a sociedade pode tolher-lhe a proteção
pública senão quando seja decidido que ele violou os pactos com os
quais ela foi instituída”.Tanto o princípio de submissão à jurisdição como
a presunção de inocência do imputado foram adotados no art. 8 da
Constituição da Virgínia e nos arts. 7 e 9 da Declaração dos Direitos do
Homem de 1789.(FERRAJOLI,2002,p.441-442)

Depois da guerra da independência os americanos através de suas decla-


rações de direitos fundaram o primeiro Estado calcado nos direitos fundamentais,
assumindo posição dianteira no que se refere aos direitos humanos. Segundo

154
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

COMPARATO (2010) a Declaração de Independência Americana constitui o


nascimento dos direitos humanos na história.

A revolução francesa teve como pano de fundo as ideias iluministas,


a valorização do homem como possuidor de direitos e obrigações, a situação
social e econômica péssima da França oriundas de gastos excessivos por parte
da nobreza e má administração de recursos pelo rei, o povo passava grandes
necessidades e se via desamparado pela monarquia. Em 20 de agosto de 1789
o povo se organizou em Assembleia Geral Constituinte e aprovou a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão. Foi nesse mesmo período que a França
aboliu o sistema inquisitivo puro, fazendo uma reforma no âmbito penal.

A declaração dos Direitos norte-americana e a Declaração dos Direitos


do Homem e do Cidadão representaram importante papel para a emancipação
do indivíduo perante o Estado. A revolução americana embora importante para
emancipação dos indivíduos de forma universal, almejava a emancipação de seus
cidadãos, daqueles pertencentes as treze colônias, sua busca era pela libertação
do poder exercido pela Inglaterra, já a revolução francesa buscava que seus ideais
inspirassem outros países, havia o desejo de reescrever a história com o indivíduo
no centro da sociedade, possuidor de direitos e deveres.
A chamada Revolução Americana foi essencialmente, no mesmo espírito
da Glorious Revolution inglesa, uma restauração das antigas franquias e
dos tradicionais direitos de cidadania, diante dos abusos e usurpações
do poder monárquico. Na Revolução Francesa, em ao contrário, todo
o ímpeto do movimento político tendeu ao futuro e representou uma
tentativa de mudança radical das condições de vida da sociedade. O que
se quis foi apagar completamente o passado e recomeçar a História do
marco zero- reinício muito bem simbolizado pela mudança de calendário.
(COMPARATO, 2010, p.62)

Em 26 de junho de 1945 os líderes políticos vencedores da segunda guerra


mundial se reuniram e criaram a ONU (Organização das Nações Unidas), em 10
de dezembro de 1948 assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Com o surgimento de tal declaração surgiu também a ideia do ser humano
portador de direitos no âmbito internacional.

No Brasil após anos de ditadura, a Carta Constituinte veio no sentido


de romper com o passado e valorizar os direitos fundamentais, a democracia
e a dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais previstos em nossa
constituição são inspirados em tratados internacionais.

O princípio da presunção de inocência previsto em ambas as declarações


e na constituição brasileira, que dispõe que ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de decisão definitiva, durante a história sofreu inúme-

155
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

ras afrontas, nos dias atuais vem se discutindo sua aplicação no direito brasileiro
principalmente no âmbito penal.

Como princípio fundamental previsto na constituição e princípio norteador


do processo penal, a presunção de inocência é também um dever de tratamento,
o acusado deve ser tratado como inocente até prova em contrário, sendo que
a prova é de responsabilidade da acusação, pois ninguém tem obrigação de
provar sua inocência.

O presente princípio está sendo aplicado de forma mitigada pelo Supremo.


Em decisões do STF como nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 43 e nº
44. Além da decisão do HC 126.292 no último ano, que eliminou a presunção da
inocência ao permitir o cumprimento da pena antes do transito em julgado da
sentença penal condenatória, especificadamente na 2ª instância de jurisdição. Pondo
em questionamento a sua função de guardião da Constituição, desrespeitando-a.

O resultado desta mitigação influi na tese de que o acusado é culpado antes


do transito em julgado, nota-se que há uma crise hermenêutica e de interpretação
com o retrocesso do processo penal e uma presunção de culpabilidade digna
do período medieval, influi também numa confusão no entendimento de outros
tribunais ao aplica-lo, bem como, no encarceramento em massa nos presídios do
nosso país, contribuindo ainda mais para o problema carcerário que enfrentamos.

Conclusão

No presente resumo foi realizada uma síntese sobre o surgimento, evo-


lução histórica da presunção de inocência bem como a sua importância para
o estado democrático de direito e como os juristas ao longo do tempo estão
a interpretando, ressalta-se que o trabalho tem a pretensão de ser expandido
e melhor detalhado. Todavia, a afronta ao principio constitucional que poe em
risco a própria democracia e a garantia de direitos, haja vista, que a própria
história se encarrega de explicitar sua importância e o quanto é desastroso seu
não cumprimento.

Referências bibliográficas
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Nestor Eduardo Araruna. (Coord.). Processo Penal e Constituição. Florianópolis.
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COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. In:___.
A independência americana e a revolução francesa. 7ª ed. Saraiva. São Paulo. 2010.

156
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3ª ed. Revista dos
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FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas. Nau. Rio de Janeiro. 2005.
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157
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A SEGREGAÇÃO DOS DOENTES MENTAIS


INFRATORES NA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA

PEDRO HENRIQUE NUNES GENTIL


Bacharelando do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia ( UFU );
Email: pedrovieira_nunes@live.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Manicômios Judiciários; Medida de Segurança; Inimpu-


tabilidade.

Introdução

O presente estudo visa analisar os Manicômios Judiciários – locais que


abrigam os sujeitos classificados enquanto loucos infratores – destacando as
discussões sobre a Medida de Segurança e a segregação imposta aos pacientes
manicômio-judiciários e como os Códigos criminais brasileiros trataram esses
sujeitos ao longo da história criminal brasileira.

Será feita uma análise do mecanismo judiciário manicomial, sua estrutura-


ção, legislação pertinente a esse dispositivo judicial e como ele tem se apresentado
prejudicial aos indivíduos diagnosticados com transtornos mentais que cometem
delitos. A análise será realizada de modo a atentar-se a desde quando a inim-
putabilidade dos loucos passou a vigorar na legislação, no Código Criminal de
1830 até os dias atuais, passando pelo Código Penal de 1890, pelo Código Penal
de 1940, pela Reforma da Parte Geral em 1984 ( Lei n°. 7.209/1984) e também
pela Lei da Reforma Psiquiátrica de 2001 ( Lei n°. 10.216/2001) e como o meca-
nismo se adaptou aos códigos, mas ao mesmo tempo perpetuou o modelo de
segregação e estigmatização.

Pretende também explorar as estruturas dos Manicômios Judiciários e


de que forma elas configuraram-se – e permanecem configurando-se – como
violações dos direitos, já que os indivíduos têm os laços com a família e com a

159
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

sociedade cortados, além do sofrimento aumentado com a falta de estrutura e a


constante solidão, e também como um mecanismo criado para isolar os loucos
do restante da sociedade e protegê-la, baseando-se no medo social e nos estigmas
históricos que pairam sobre os doentes mentais.

Metodologia

O estudo em questão foi realizado seguindo um caminho metodológico


bibliográfico-documental, baseando-se em estudos e documentos já publicados e
que abortam o tratamento oferecido aos loucos infratores do de maneira direta,
ou em alguns casos indiretamente.

Esta análise se fundamenta em uma revisão bibliográfica através de artigos,


livros, e outros escritos encontrados ao longo da pesquisa. Buscou-se estudar e
analisar legislações pertinentes, como as citadas anteriormente.

A busca também foi realizada em sites de institutos de pesquisa e levan-


tamentos, particulares e governamentais, a fim de conseguir dados estatísticos.
Utilizou-se para o levantamento bibliográfico bases de dados como Google Aca-
dêmico, o Portal de Periódicos da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (MEC), o portal de Periódicos
Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC), o Catálogo Online do Sistema de Automação
de Bibliotecas (SABi) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o
Portal do Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (SIBiUSP).

Resultados

O estudo em questão, a partir da discussão histórica sobre os manicômios


e os loucos infratores, se dividiu em dois eixos: o primeiro discute a evolução
das medidas de segurança na legislação brasileira; e o segundo – consequência
do primeiro – a perpetuação do modelo manicomial baseado na periculosidade
do agente portador de sofrimento mental.

Na análise dos Códigos penais que vigoraram no Brasil, o Código criminal


de 1830, muito influenciado pelos pensamentos da Escola Clássica, introduziu
em seu texto uma expressa referência aos loucos. Segundo PRADO (2010), “aga-
salhou a fórmula psiquiátrica o código criminal do império (1830), nos termos
seguintes ‘Art. 10. Também não serão julgados criminosos: §2º. Os loucos de
todo gênero, salvo se tiverem lucidos intervallos e nelles commetterem o crime’.”
Logo em seguida, no mesmo código o legislador anotou que “ Art. 12. Os loucos
que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles destinadas,
ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente.” (BRAZIL,
1830). É interessante notar que aqui a ideia de hospícios já é implantada como

160
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

uma porta de saída para o direito penal. Sontag ([2013?], p. 2) levanta o seguin-
te questinamento: “O artigo 12 do código criminal de 1830 seria uma versão
rudimentar das futuras medidas de segurança, que ganhariam, inclusive, capítulo
específico no interior do código penal de 1940?”.

O código penal Republicano de 1890 incorporou uma lógica Positivista


naturalista, com o mecanismo duplo-binário e mudou as preocupações e o objeto
da ciência penal, que passou a ser a própria personalidade do réu, especialmente
no que diz respeito à periculosidade. O duplo-binário aplicava a pena ao agente
e ao final era internado em uma casa de custódia e tratamento.

O código de 1940 modificou o posto no código anterior discriminando a


maneira de tratar os semi-imputáveis e os inimputáveis, aplicando aos primeiros
a pena cumulativamente com a medida de segurança – e aqui se institui de
fato essa denominação – e aos últimos, inteiramente incapazes de entender o
caráter delituoso, apenas as medidadas de segurança. Neste momento, o con-
ceito de poriculosidade ganha contornos médicos necessários, não podendo ser
presumida e os manicômios judiciários fixam-se na legislação como destino dos
doentes mentais infratores.

A Reforma de 1984, que mudou o código de 1940, mas em relação à


medida de segurança só operou a separação completa dela com a pena. Sendo
assim, segundo Jesus (2011) “A reforma penal de 1984, no art. 98, adotou o sis-
tema vicariante (ou unitário): ou é aplicada somente pena ou somente medida
de segurança”.

Nessa evolução histórica percebe-se que pouco mudou em relação ao


destino dos loucos infratores. Desde o império o medo do louco infrator faz o
direito penal tomar medidas que isolam esses indivíduos. O Manicômio, claramen-
te, foi criado para isolar aqueles considerados loucos do restante da sociedade,
e pode assim ser considerada uma resposta social à loucura. A visão sobre o
doente mental sempre foi cercada de estigmas sociais, porém, a grande margina-
lização teve início durante a chamada Era Clássica (FOUCAULT, 1987). No Brasil,
a positivação nos códigos penais brasileiros, foi se modificando e se adaptando
as diferentes momentos históricos e sociais, porém a realidade objetiva continou
perpetuando um modelo de exclusão e invisibilidade do louco. Essas modificação
funcionaram bem como mecanismos de legitimação desse sistema.

Fato que representa bem as tentativas da legislação de buscar adap-


tações que possibilitem legitimar esse formato excludente foi substituição no
ordenamento jurídico da denominação Manicômio Judiciário por Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico após a Reforma Penal de 1984. Entretanto, a
configuração do modelo hegemônico e suas principais características, como, por

161
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

exemplo, ser vinculado à administração do sistema prisonal e não às Secretarias de


Saúde, permaneceram. Desta forma, é justificável e simbólico que nesse trabalho
tratemos às denominações como sinônimos.

Conclusão

A partir do exposto, surgem muitas dúvidas e possibilidades, porém po-


demos concluir que as legislações penais, em toda sua evolução histórica pouco
se modificou em relação ao tratamento dado aos portadores de sofrimento
mental e que cometeram algum delito. Percebe-se, a partir disso, que há uma
violação de direitos desses indivíduos e que é urgente que o Estado pense novas
possibilidades, já que os doentes mentais nessa situação passam por internações
degradantes e desumanas, mesmo com a Reforma Psiquiátrica, instituída pela Lei
n°. 10.216/2001, que deu pouca atenção aos manicômios judiciários.

Correia (2009, p. 12) afirma que “O manicômio criminal nasce da fusão das
duas clássicas instituições totais que a sociedade moderna criou para castigar as
formas mais graves de não adaptação às regras sociais: a prisão e o manicômio.”
Nessa linha, é inadimissível que tal área seja tão negligenciada pelo Estado e pelo
próprio estudo do Direito Penal.

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PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Volume 1- Parte Geral, arts.
1º a 120. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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interpretações do artigo 12 do código criminal brasileiro de 1830. Santa Catarina,
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CORREIA, Ludmila Cerqueira. Avanços e Impasses na garantia dos direitos huma-
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162
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UMA ANÁLISE ACERCA DA CRIMINALIZAÇÃO


DE MULHERES NEGRAS E BRANCAS A PARTIR
DAS ESTATÍSTICAS DO BOLETIM POLICIAL DE 1907
A 1917

MANUELA ABATH VALENÇA


Doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília.
Pesquisadora do Grupo Asa Branca de Criminologia.
Professora da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail: manuelaabath@gmail.com

FERNANDA LIMA DA SILVA


Mestranda em Direito pela Universidade de Brasília.
Pesquisadora do Grupo Asa Branca de Criminologia.
E-mail: ffernanda.slima@gmail.com

MARÍLIA MONTENEGRO PESSOA DE MELLO


Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Fundadora do Grupo Asa Branca de Criminologia.
Professora da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail: marilia_montenegro@yahoo.com.br

Eixo temático: 2. História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas)

Palavras-chave: Polícia; Criminalização; Mulheres Negras.

Introdução

O fim do século XIX é de grande importância para a compreensão da


constituição das polícias no Brasil. Durante várias décadas, elas passaram por
um processo de crescente autonomização e delineamento enquanto instituições
responsáveis pelo gerenciamento do espaço urbano. Como apontado por vários
estudos (BATISTA, 2003, p. 145; CHALHOUB, 1988, p. 16; MAIA, 2007), suas ati-
vidades estavam profundamente atreladas ao controle dos corpos negros, vistos
como corpos temíveis e brutais. Entre o medo do haitianismo e o temor da
“onda negra” (AZEVEDO, 1987) que parecia tomar as cidades, impunha-se uma

163
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

agenda de controle dos indesejáveis que ecoava não apenas na legislação criminal,
particularmente no Código Criminal, como em diplomas de cunho administrativo
como as posturas municipais (DUARTE, 1998). De múltiplas formas, pretendia-se
cercar e vigiar estas vidas perigosas.

Com a abolição da escravidão e a proclamação da República, o papel


das polícias no controle das populações negras torna-se curiosamente ambíguo.
Ambíguo porque se, de um lado, não haveria mais como justificar legalmente a
disparidade de tratamento entre negros e brancos, de outro, o passado recente
e sua memória institucional parecem constituir, ainda, contornos do presente. Na
prática, a mobilização em torno do argumento de proteção à ordem pública e
aquilo que então se entendia como impossibilidade de limitar o chamado “poder
de polícia” constituem chaves importantes para entender as práticas policiais do
período.

No que diz respeito ao controle exercido sobre as mulheres, o senso co-


mum acadêmico costuma colocá-lo em contraposição àquele exercido sobre os
homens: enquanto estes estavam submetidos à polícia, em um controle público,
a elas se reservava o controle privado dentro dos lares. Tal leitura, no entanto, é
enviesada porque ignora as diferenças que marcam as relações e o controle social
sobre mulheres negras e brancas. De fato, a vida das mulheres negras em países
marcados, como o Brasil, pelo escravismo, desenrolava-se em grande medida no
espaço público, pois eram mulheres que não apenas tinham obrigações dentro
dos lares – principalmente dos lares brancos, quando escravas – mas ainda na
rua, trabalhando em condições muito semelhantes a dos homens negros (DAVIS,
1983). A quem ocupa o espaço público, destina-se, em certa medida, um con-
trole também público. Daí a necessidade de refletir sobre as limitações do senso
comum acadêmico e se voltar para as particularidades do controle policial sobre
essas mulheres, destacando, inclusive, suas diferenças para o controle exercido
sobre as mulheres brancas.

Metodologia

Nesta pesquisa, trabalharemos a partir de uma fonte primária, o Boletim


Policial do Distrito Federal. A pretensão do trabalho é analisar os dados estatísticos
do período de 1907 a 1917. A partir destes dados, pretendemos observar que
tipos delitivos compunham o dia-a-dia policial, observando a relação entre crimes
e contravenções penais. Pretendemos destacar, ainda, quais condutas têm maior
representação. A partir do levantamento destes crimes e contravenções, preten-
demos observar como esta criminalização incidia sobre as mulheres, refletindo
sobre possíveis disparidades no controle de mulheres negras e brancas.

164
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Resultados parciais

Analisando os dados estatísticos da polícia civil do Distrito Federal, publica-


dos no Boletim Policial, entre 1907 e 1917, verificamos que uma parte considerável
da atividade policial é ainda voltada à repressão às contravenções, sobretudo a
de vadiagem. Entre julho e setembro de 1907, por exemplo, 1019 pessoas foram
presas pela prática de contravenções. Por crimes, esse número foi de 419. No caso
das contravenções, 800 detenções fora motivadas pela imputação de vadiagem.
Dessas, 646 eram de homens (341 brancos e 305 negros) e 154 mulheres (29
brancas e 125 negras).

Esses dados nos põem de frente para a importância de compreender como


se constituíam as contravenções penais no período, particularmente como era vista
e articulada a ideia de vadiagem. A análise desta contravenção é particularmente
relevante se observamos como ela incidia sobre as mulheres. O senso comum
acadêmico costuma apontar para o fato de que o espaço de controle destinado
às mulheres era o do lar. Os dados aqui apresentados talvez nos apontem para a
necessidade de problematizar essa ideia e pensar como a atividade policial atingia
de maneira muito díspare mulheres negras e brancas.

Sabemos que esses dados são, em si, problemáticos, porque constituem o


registro das agências oficiais do Estado. Porém, é fundamental compreender que
eles cumpriam um esforço grande, na época, de gerar estatísticas e, sobretudo,
publicá-las em uma revista, com o intuito de fomentar uma imagem mais po-
sitiva e moderna da polícia. O Boletim Policial foi criado com esse intuito, após
uma grande reforma sofrida pela Polícia Civil do Distrito Federal, sob a batuta
do chefe de polícia Alfredo Pinto. Assim, apesar dessas dificuldades, entendemos
que explorar esses dados pode nos conduzir a importantes perguntas sobre o
controle penal no Brasil e as múltiplas formas como o racismo o constituiu.

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em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998.

165
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

MAIA, Clarissa Nunes. Sambas, batuques, vozerias e farsas públicas: o controle


social sobre os escravos em Pernambuco no século XIX (1850-1888). São Paulo:
Annablume, 2007.

166
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O CREPÚSCULO DA FORCA: CONSIDERAÇÕES SOBRE


A PENA DE MORTE NA SOCIEDADE IMPERIAL
A PARTIR DA ANÁLISE DO PROCESSO JUDICIAL
RELATIVO À ÚLTIMA EXECUÇÃO À PENA CAPITAL
OCORRIDO NO BRASI

HUGO LEONARDO RODRIGUES SANTOS


Professor de Direito Penal, Criminologia e História do Direito na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e Centro
Universitário CESMAC. Doutor e Mestre em Direito Penal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Pesquisador do Grupo Asa Branca de Criminologia.
E-mail: hugoleosantos@yahoo.com.br.

Eixo temático: História da cultura jurídica criminal brasileira (crime, pro-


cesso e penas).

Palavras-chave: Pena de morte; Escravidão; Brasil Império.

Resumo: O trabalho tem por objetivo analisar a aplicação da pena de


morte no Brasil, tomando-se como ponto de partida o processo criminal referente à
ultima execução ocorrida no país. Para tanto, adota-se o método da micro-história,
almejando-se o entendimento histórico do uso da forca, no período imperial, por
meio do estudo de um caso específico, de particular importância para o tema.
Os autos foram obtidos no acervo documental do Instituto Histórico e Geográ-
fico de Alagoas. Como sabido, a pena capital foi prevista no Código Criminal do
Império, de 1830. Contudo, o enorme medo das sublevações de escravos, por
parte da elite brasileira – que tomou maiores proporções após o episódio de
revolta do Haiti e se agravou depois da ocorrência de vários levantes no Brasil,
em especial a revolta dos Malês, em Salvador – impulsionou a edição da Lei nº
4 de junho de 1835. Segundo essa legislação, os escravos que matassem seus
senhores deveriam ser punidos com a morte, por meio de um procedimento
criminal abreviado. De fato, centenas de escravizados foram executados, com
base nessa legislação. Entretanto, em 1854, Dom Pedro II – sabidamente avesso
à utilização dessas reprimendas exageradas – estabeleceu que os escravos con-
denados à morte poderiam apelar, solicitando a clemência imperial, pleiteando
o seu perdão ou mesmo a comutação da pena por uma menos gravosa. Com

167
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

base nesse instrumento, a forca foi paulatinamente caindo em desuso – apesar


de ainda prevista na legislação penal –, devido ao fato de que os apelos dos ne-
gros condenados terminavam, em muitos casos, sensibilizando o regente imperial,
gerando a comutação do castigo para pena de galés ou trabalhos forçados. Tanto
que, apesar de somente ter sido abolida formalmente do ordenamento jurídico
brasileiro com a edição do Código Criminal republicano de 1890, a última exe-
cução de uma pena capital ocorreu bem antes, no dia 28 de abril de 1876, no
município de Pilar, em Alagoas. A sanção foi aplicada ao escravo Francisco, em
decorrência de sua condenação pelo assassinato de João Evangelista de Lima e
de sua esposa Josefa Marta de Lima. Desse modo, o estudo do processo criminal
que originou a derradeira execução à pena capital se faz extremamente impor-
tante, para o entendimento de todo o contexto histórico relacionado à perda
de efetividade dessa prescrição legal, bem como para a compreensão da opinião
da sociedade a seu respeito.

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elites (século XIX). Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987.
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168
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

MAIA, Clarice Nunes. Sambas, batuques, vozerias e farsas públicas: o controle


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169
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CULTURA JURÍDICA PROCESSUAL PENAL,


JURISTAS-LEGISLADORES E A CIRCULAÇÃO
DO CÓDIGO (1930-1964)

GABRIELLE DO VALLE STRICKER


Bacharela e mestranda em Direito do Estado no Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Paraná (PPGD – UFPR).
Pesquisadora bolsista pelo Programa de Excelência Acadêmica
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PROEX – CAPES).
E-mail para contato: strickergv@gmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: CPP/41; Juristas-legisladores; Francisco Campos.

Introdução

A história do Código de Processo Penal ainda não foi contada. Tomando


isso como premissa básica, os objetivos principais dessa pesquisa são: a) conhecer
as motivações políticas para essa codificação, que retirou a autonomia legislativa
processual dos Estados; b) os discursos jurídicos que atravessaram pouco mais de
uma década de reforma legislativa processual penal e; c) a recepção do Código
de Processo Penal de 1941 na doutrina.

Para tanto, tomar-se-á a cultura jurídica como um “fato histórico antropo-


lógico” que reúne um conjunto de significados mutáveis (FONSECA, 2006, p. 340).
Estes significados86 atribuem tipicidade ao direito e circulam nos diversos meios e
instituições. Portanto, a esse estudo interessa, no campo processual penal, tantos
esses significados, como os seus meios de circulação e os seus interlocutores e
intérpretes do CPP/41.

O período escolhido para a análise se deve a dois marcos. O primeiro


marco é o Governo Provisório que, instalado com a Revolução de 1930, procedeu
86 Historicamente construídos e que exigem a verificação dos “standards doutrinários, padrões de interpreta-
ção, marcos de autoridade doutrinária nacionais e estrangeiras, influências e usos particulares de concepções
jusfilosóficas” presentes na “configuração discursiva” do processo penal (FONSECA, idem).

171
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

em uma amplíssima reforma legislativa, incluindo a intenção de redigir um código


de processo penal. O segundo marco é o início do regime militar, o qual poderá
ser alterado se for detectada alguma ruptura mais explícita na cultura jurídica
processual penal e que não necessariamente acompanha as contingências políticas.

Metodologia

A proposta acima elaborada será executada nos marcos da História Cultural


do direito, que explora a circularidade da cultura jurídica dentro, mas também
para além das universidades, dos tribunais ou órgãos legiferantes. Assim, as fontes
primárias serão artigos jurídicos publicados nas revistas acadêmicas de maior ex-
pressividade na época (como a Revista Forense), documentos legislativos diversos
e livros doutrinais adotados nos currículos e os dos próprios juristas da Comissão
Revisora. Todas essas fontes são expressões de produção do direito na cultura
jurídica, sendo necessário reencontrar também as fontes relativas à reflexão e à
circulação do Código de Processo Penal de 1941, como a imprensa, por meio
dos jornais de maior circulação no então Distrito Federal, cujo destinatário era a
elite letrada, particularmente as elites política e jurídica.

Resultados parciais da pesquisa

Foi realizado um levantamento preliminar de bibliografia pertinente, com


relação à qual já se estabeleceu algumas conexões. Uma primeira percepção
permite dizer que a categoria “juristas” adquire um relevo especial no trabalho,
vez que Diego Nunes identificou ao menos um novo papel desempenhado
por eles no período, o de juristas-legisladores (2016), e Ricardo Sontag estudou
a “Comissão Revisora”, particularmente Nelson Hungria e Roberto Lyra dentro
dos enquadramentos do Direito Penal e da Lei do Júri de 1938 (2009a; 2009b;
2013; 2017). Deve-se, adiante, estabelecer um vínculo entre as análises sobre os
juristas brasileiros (HESPANHA, 2001; FONSECA, 2006; OLIVEIRA, 2015) e aque-
les seis juristas que compuseram a comissão, bem reconstruir possíveis redes de
colaboracionismo com o varguismo (SEELAENDER, 2009; 2013) e os discursos
políticos que se utilizaram do direito para legitimação (incluindo, além de Vargas,
os principais Ministros da Justiça a participarem das reformas legislativas: Vicente
Raó e Francisco Campos).

No contexto político, a questão do federalismo e da unidade processual,


levantada na Constituinte de 1934, em alguns discursos de Getúlio Vargas e no
Estado Nacional de Francisco Campos, pareceu pertinente e deve ser levantada
ao menos tangencialmente, visto que o tema é ainda original na historiografia. A
questão da reforma legislativa e da identidade nacional já foi tratada por Mariana
de Moraes Silveira (2013; 2016), autora que será levada em consideração.

172
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Por fim, mas não por último, a categoria “código” é inescapável e será
analisada dentro da circularidade da cultura jurídica, considerando que os debates
pré-legislativos envolveram diversos juristas num largo período de tempo e que, à
época da escrita definitiva do Código, não foram publicadas as atas de debates.
Não obstante, outras manifestações dessa cultura jurídica foram presentes àquela
época e novas considerações podem despontar a partir daí.

Conclusão

Até o presente momento, conclui-se que o perfil típico do jurista bra-


sileiro após a independência política é misto. O equilíbrio entre bacharelismo e
tecnicismo se fez necessário na virada do século (OLIVEIRA, 2015, p. 189). O
campo legislativo parece ser onde o jurista híbrido escolhe um caminho próprio
da designação: fazer política eloquentemente, mas legitimado por escolhas téc-
nicas, tal como se vê nos comentários elogiosos de Narcélio de Queiroz sobre
Francisco Campos (1943, p. 457).

Verificou-se, ainda, que o antibacharelismo era irmanado ao antiparla-


mentarismo e ao antiliberalismo (SILVEIRA, 2016, p. 411-460), motivo pelo qual
a cooperação no campo jurídico com o varguismo se deu por meio dos “juris-
tas-legisladores” (NUNES, 2016, p. 153-180). A atuação de Francisco Campos não
passou desapercebida nessa análise preliminar, mas, sendo o jurista um dogmata
do direito privado que exerceu cargos políticos, é possível dizer que suas par-
ticipações diretas no regime são de ordem ideológica (SEELAENDER, 2013, p.
491-525). Uma leitura diversa do articulador entre juristas-legisladores e o governo
ainda será explorada, no que pode caber uma comparação à atuação política
de Vicente Raó no projeto de Código de Processo Penal de 1935. Percebe-se, a
princípio, que Campos, por sua adaptabilidade (SEELAENDER, ibidem), teve mais
sobrevida política do que seu antecessor.

Há, portanto, um corte claro entre o papel dos juristas híbridos (que vinham
se adaptando às mudanças das últimas décadas e tinham expressão política) e os
juristas técnicos (que coparticiparam do regime por meio da atividade jurídica).
Isto provoca uma série de perguntas, para além dos objetivos supramencionados:
houve, de fato, colaboracionismo com o regime e apenas isso ou resistência
“por dentro” na redação do Código de Processo Penal? Os possíveis colabores
lograram vantagens pessoais e profissionais? O tecnicismo afastou os juristas do
nacionalismo? O andamento da pesquisa pode revelar diversos desdobramentos
nessas questões.

173
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

Referências bibliográficas
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174
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

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175
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

176
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O TRIBUNAL DO JÚRI DA CORTE IMPERIAL


DO RIO DE JANEIRO DURANTE A REGÊNCIA

JOÃO LUIZ DE ARAÚJO RIBEIRO


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
E-mail: izjo@hotmail.com

Eixo temático: 2. História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas)

No dia 19 de agosto de 1833, uma segunda-feira, reuniram-se pela pri-


meira vez no Brasil, na Corte Imperial do Rio de Janeiro, um tribunal de júri
para julgar crimes comuns.87 Dia de grandes esperanças, de muita expectativa.
O tribunal dos jurados representava, então, a liberdade face ao despotismo, ao
arbítrio, ao obscurantismo, uma instituição que vinha de encontro a tudo que
caracterizaria, segundo o pensamento liberal e iluminista de fins do setecentos e
início dos oitocentos, o antigo regime, em particular o antigo sistema penal, com
suas torturas, seu segredo, seus suplícios, suas inquisições.88

A história do júri no império apresenta duas fases bem distintas. Na


primeira, de 1832 a 1841, sob a égide do Código do Processo Criminal de 1832,
“são aptos para serem Jurados todos os cidadãos, que podem ser Eleitores, sendo
de reconhecido bom senso e probidade” (art. 23 da lei de 29 de novembro de
1832). Poderiam ser eleitores os cidadãos que tivessem 200 mil réis de renda
anual. Outrossim, nessa fase o tribunal do júri era dividido segundo o modelo
clássico inglês – um júri de acusação ou primeiro conselho, e um júri de senten-
ça, ou segundo conselho. Na segunda fase, entre 1842 e 1889, já sob as regras
da Reforma do Código do Processo Criminal, realizada em 1841, o júri se elitiza:
“São aptos para Jurados os cidadãos que puderem ser Eleitores (...) con-
tanto que esses cidadãos saibam ler e escrever, e tenham de rendimento
anual por bens de raiz, ou Emprego Publico, quatrocentos mil reis, nos
Termos das Cidades do Rio de Janeiro, Bahia, Recife e S. Luiz do Mara-
87 Na realidade, uma primeira experiência de júri no Brasil já surgira em 1828, mas limitada ao julgamento de
crimes de imprensa.
88 Sobre a ruptura representada pelo júri: ACTES DU COLLOQUE D’ORLEANS - La Révolution et l’ordre juridique
privé – Rationalité ou scandale? - PUF, 1986; CARBASSE, Jean-Marie – Histoire du droit pénal et de la justice
criminelle – PUF, 2000; CLAVERO, Bartolomé – Crédito del jurado y credenciales del constitucionalismo, in Happy
Constitution. Editorial Trotta, 1997.

177
CARDENO DE RESUMOS – História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime, processo e penas)

nhão: trezentos mil réis nos Termos das outras Cidades do Império; e
duzentos em todos os mais Termos. Quando o rendimento provier do
comércio ou indústria, deverão ter o duplo.” (art. 27 da Lei 261, de 3 de
dezembro de 1841)

Sobretudo devido a exigência de se saber ler e escrever, criou-se assim


um júri de notáveis, para utilizarmos a expressão francesa. Além disto, foi supri-
mido o júri de acusação; o júri agora se assemelha mais ao modelo do Código
de instrução criminal francês da era napoleônica.

O trabalho que pretendo apresentar no XIX Congresso Brasileiro de His-


tória do Direito, tendo como base as pesquisas que realizei, no tempo de meu
doutoramento, em jornais da Corte, especialmente nos resumos das sessões do
júri, publicadas nos jornais diários, irá traçar um panorama desta primeira fase
do júri imperial.

Para a época do segundo reinado, pudemos contar com informações


relativas a mais de 95% das sessões do júri. Infelizmente, para o período regencial,
isto não foi possível, pois a publicação dos resumos apresenta grande irregularidade
nos anos 30 e início do 40. Todavia pudemos complementar as informações dos
jornais com as extraídas do Códice 324 (minutas dos ofícios do Chefe de Polícia
da Corte) e da Série IJ6 (documentos vários da Polícia da Corte), do Arquivo
Nacional. Assim para o período entre 1833 e 1841, temos informações relativas
a cerca de 50% das sessões.

Na primeira parte do trabalho, acompanharemos a ação do juiz da primeira


vara criminal (e chefe de polícia da corte), Eusébio de Queiroz Matoso Câmara, em
particular a questão jurídica que levou ao Supremo Tribunal de Justiça, relativa ao
sorteio dos jurados. Eusébio, provavelmente inspirado no Grand Jury inglês, sorteava,
no início da sessão judiciária, um primeiro conselho que serviria por toda a sessão.
Já Vaz Vieira, da Segunda Vara, a cada dia sorteava o primeiro conselho. O aviso
de 12 de abril de 1834, com o intuito de uniformizar os procedimentos, adotou
a praxe de Vaz Vieira. Em seguida, analisaremos o balanço – positivo, diga-se de
antemão – que fez da intensa atividade do júri da Corte, desde sua criação até
abril de 1839, quando comunicou ao Ministro da Justiça que, “estando em dia
tanto os processos de réus presos como de afiançados, deixara de ter conselho de
sentença por dois dias durante a última sessão judiciária”.89 Cabe lembrar que o
júri herdou processos pendentes que remontavam a 1808. A segunda parte de
nosso trabalho apresentará os resultados das pesquisas quantitativas nas fontes
mencionadas, trazendo as estatísticas relativas ao julgamento dos principais crimes
contra as coisas – furto, furto de escravos, roubo e estelionato – e contra as
pessoas – ferimentos simples, ferimentos graves, tentativa de homicídio e homi-
89 RIBEIRO, João Luiz – A violência homicida diante do Tribunal do Júri da Corte Imperial do Rio de Janeiro
(1833-1885) – Tese de Doutorado - PPGHiS-UFRRJ, 2008.

178
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

cídio, tanto do júri de acusação como do júri de sentença. Primeiramente, em


consonância com as autoridades coevas, com uma das preocupações maiores de
Eusébio nos detemos nos números relativos à nacionalidade e à condição social
dos réus – brasileiros, africanos, portugueses, livres, escravos, desenhando assim
o quadro das então chamadas “classes perigosas”. Em seguida, determinamos as
porcentagens de absolvição e condenação, bem como as sentenças cominadas.

Por fim, concluímos, com base nos números de absolvição e condenação


pelo crime de homicídio, que o júri mais popular da Regência fora mais severo
do que o júri de notáveis do Segundo Reinado.

179
RESUMOS

CRISES CONSTITUCIONAIS
NA HISTÓRIA DO BRASIL REPÚBLICA
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O MARXISMO NA HISTÓRIA DO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL: UMA ANÁLISE
DO PERÍODO DA DITADURA CIVIL-MILITAR-EMPRE-
SARIAL BRASILEIRA (1964-1985)

ENZO BELLO
Professor Adjunto III da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação
em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá (UNESA).
Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janiro (UERJ)
E-mail: enzobello@gmail.com

RENE JOSÉ KELLER


Doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Doutorando em Serviço Social pela Pontifícia Univerisdade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
E-mail: rene.j.keller@gmail.com

Eixo temático 3: Crises constitucionais na História do Brasil República

Palavras-chave: Marxismo; Supremo Tribunal Federal; ditadura civil-mi-


litar-empresarial.

Introdução

Ao longo da história brasileira a recepção do ideário comunista e, por


conseguinte, da teoria marxista não ocorreu de modo pacífico. A própria trajetória
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 25 de março de 1922, é mar-
cada por períodos que oscilam entre a legalidade e ilegalidade1. A par de a teoria
marxista ter sua repercussão inconteste nas mais diversas áreas do conhecimento,
ainda permanece pouca a penetração no Direito, âmbito tradicionalmente ligado
a setores conservadores da sociedade.

O presente artigo tem como objetivo geral, a partir de uma investigação


histórica, examinar as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
que mencionaram expressamente a obra de Karl Marx e Friedrich Engels, ou o
1 Astrojildo Pereira (1962, 55-58) recorda que o PCB foi jogado na ilegalidade pela primeira vez após três
meses e meio de fundação, em virtude da turbulência política e decretação do estado de sítio.

183
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

marxismo, no período da ditadura civil-militar-empresarial brasileira (1964-1985). O


objetivo específico remonta à análise da influência e incursão que a teoria marxista
tem para o STF, que não passou imune à obra dos fundadores da filosofia da
práxis, bem como à maneira que foi abordada.

O estudo se justifica na medida em que incursionar na trajetória e no


pensamento dos juristas defensores da ditadura – no caso o Supremo Tribunal
Federal – é imprescindível para compreender o alicerce ideológico de parte da
literatura jurídica utilizada na atualidade na prática do Direito (SEELAENDER: 2008,
420). Destaca-se que o debate se insere como reflexo da crise constitucional
instaurada pós-golpe de 1964, cujas implicações foram sentidas no conteúdo das
decisões, como as que ora serão objeto de análise.

Metodologia

Em termos metodológicos, a pesquisa tem natureza qualitativa, perfil


histórico-teórico, e envolve uma abordagem interdisciplinar realizada mediante
raciocínio indutivo-dedutivo. As técnicas de pesquisa utilizadas são as de análise
documental e revisão bibliográfica. O manejo dos procedimentos metodológicos
envolveu a busca de acórdãos, na base de dados constante do acervo jurispru-
dencial disponível no site do STF.

O critério de busca se baseou nas expressões “Karl Marx”, “Friedrich


Engels”, “marxismo” e “marxista”. Todos os julgados encontrados, ao todo quatro
(4), foram objeto de exame. Em virtude do objetivo delineado, observou-se a
ordem cronológica de exposição dos acórdãos, a fim de examiná-los a partir do
desencadeamento histórico no Brasil no período da ditadura civil-militar-empre-
sarial (1964-1985).

Ressalta-se que não foram objeto de busca termos como “subversão” ou


“subversivo”, que decerto ampliariam o escopo da presente pesquisa, pois a análise
tem como mote examinar o marxismo como campo teórico. Ainda, deve ser
mencionado que os acórdãos encontrados foram os disponibilizados no banco
de dados virtual do STF, não necessariamente representando a totalidade dos
julgados que abordaram o marxismo.

Por fim, cabe destacar que os documentos não retratam fielmente os fatos
ocorridos no período da ditadura civil-militar-empresarial, notadamente porque
se referem a processos judiciais. Grande parte das arbitrariedades cometidas não
foram objeto de apuração pela ordem oficial. Assim, o seu conteúdo histórico
deve ser mensurado em um contexto que a decisão judicial, aliada da ordem
então vigente, não poderia denunciar todas as atrocidades perpetradas pelo
regime militar brasileiro.

184
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Resultados parciais

A partir de análise histórica dos julgados, no período da ditadura civil-


militar-empresarial, a teoria marxista jamais serviu como fundamento de decisão
no STF, restringindo-se a corte a examinar se as condutas constituíam, ou não,
atentado à soberania nacional e ao governo então vigente. Nos julgados mais
antigos, relatados pelo Min. Aliomar Baleeiro, havia uma preocupação, em virtude
do contexto histórico, de apenas situar a obra marxiana no panorama político e
científico. O que se pode depreender dos julgados é que a posição do Supremo
Tribunal Federal criminalizava o marxismo quando posto em prática, ou seja, quan-
do a teoria servia de aporte à ação dos movimentos de contestação do regime.

Conclusão

O presente estudo abre espaço para novas frentes de investiação,


que podem vir a traçar a assimilação da teoria marxista no Supremo
Tribunal Federal em correlação aos períodos históricos, que justificam um
afastamento de uma visão inicial que rejeita a uma assimilação e aplicação
de categorias. Além disso, cabe uma análise mais acurada acerca do papel
que o marxismo assumiu à formação individual dos ministros.

Há uma outra linha a ser seguida, como ampliação da presente


pesquisa, no sentido de abarcar os julgados dos presos políticos, militantes
comunistas, durante o período militar. A restrição de busca eleita, com
termos limitados ao espectro teórico do marxismo, abrangeu tão somente
uma parte das práticas sociais insurgentes, deixando de fora os militantes
dos diversos grupos contra o regime que foram presos por suas ações ou
por portarem materiais considerados subversivos.

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186
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CRISE INSITUCIONAL E A RELATIVIZAÇÃO


DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO
SOCIAL: UMA ANÁLISE COMPARADA

DÉBORA DE OLIVEIRA CÔCO


Graduanda em Direito
Universidade Federal de Uberlândia – UFU.
E-mail: deboracoco_15@hotmail.com

ISABELLA MARTINS CECÍLIO


Graduanda em Direito
Universidade Federal de Uberlândia – UFU.
E-mail: isabellamcecilio@hotmail.com

Eixo Temático: 3 - Crises constitucionais na História do Brasil República

Palavras Chave: Judicialização da política; Princípio da proibição do re-


trocesso social; Crise econômica.

Percebe-se tanto no Estado brasileiro de Direito, quanto no exterior, o


aumento da interferência do Judiciário quando se trata da resolução de diver-
gências entre os poderes executivo e legislativo, o denominado “Ativismo Judicial”.
Tal cenário resulta em decisões judiciais relativas à efetivação de direitos sociais,
matéria esta que não compete originalmente ao Poder Judiciário.

Neste processo, a existência desses fatos possibilitam o surgimento de


questionamentos acerca da efetividade do princípio da separação e autonomia
dos poderes, podendo resultar em um estado de crise institucional. A partir de
tais relatos, surge a necessidade de discutir como a judicialização da política e o
“ativismo judicial”, interferem na efetivação dos direitos fundamentais do cidadão em
tempos de crise econômica, à luz do princípio da proibição do retrocesso social.

Portanto, é de suma importância entender os fenômenos de tal processo,


para que sejam debatidas soluções adequadas e compatíveis com a realidade social.
Uma vez que, os direitos sociais são de extrema relevância para o desenvolvimento
da sociedade. Porém, é recorrente que em períodos de recesso econômico, tais

187
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

direitos sejam relativizados, desencadeando uma forte atuação do judiciário, para


que o Estado cumpra sua função social garantida na Constituição.

O presente artigo tem como objetivo comparar a utilização do princípio


da proibição do retrocesso social no Brasil e em Portugal, abordando as possíveis
influências entre os países, analisando como ocorre a atuação do judiciário em
ambos países. Além de compreender a relação da judicialização da política com
a efetivação dos direitos fundamentais sociais.

A metodologia a ser utilizada será o direito comparado, o qual visa evi-


denciar semelhanças e diferenças entre os ordenamentos jurídicos portugueses
e brasileiros, no que tange à aplicação do princípio da proibição do retrocesso
social, em uma análise qualitativa das teorias. Para isto, buscou-se pesquisar em
sítios eletrônicos, revistas, artigos e livros portugueses e brasileiros.

O princípio da proibição do retrocesso social tem suas origens no direito


europeu, principalmente em Portugal e na Alemanha, e busca a maior efetivação
e proteção de direitos fundamentais em face de intervenções do poder público.

No direito brasileiro Ingo Wolfgang Sarlet, um dos principais teóricos sobre


o tema, defende que o princípio da proibição do retrocesso social tem como
base o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da confiança e o
princípio da segurança jurídica (SARLET, 2013). De tal forma que, a aplicação do
retrocesso social resultaria em um estado de insegurança jurídica promovendo
a diminuição da efetivação dos direitos sociais. Dessa forma, cita-se o caso bra-
sileiro em que estabelece a manutenção da rede de assistência da criança e do
adolescente, com o agravo 745.745 Minas Gerais. (STF, 2014)

No entanto, José Joaquim Gomes Canotilho, importante doutrinador do


direito português, com o decorrer dos fatos que aprofundaram a recessão eco-
nômica em Portugal na última década, mudou seu posicionamento com relação
a aplicação do princípio da proibição do retrocesso social. Segundo o acórdão
39/84 do Tribunal Constitucional Português, que julgou inconstitucional a lei que
revogava parte do Serviço Nacional de Saúde, “o Estado, que estava obrigado a
actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de
atentar contra a realização dada ao direito social” (TC, 1984).

Porém, no acordão 353/2012 do Tribunal Constitucional Português, a de-


cisão proferida pela corte admite a redução salarial progressiva de 3,5% até 10%
dos servidores públicos, a suspensão do adicional de férias e do décimo terceiro
e a própria redução dos vencimentos dos servidores em até 25%.

188
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Contudo, o intuito da argumentação adotada por Canotilho, apesar de


defender que “deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizámos nou-
tros trabalhos” (CANOTILHO, 2003), não seria de violar o Princípio da Proibição
do Retrocesso Social mas assegurar o mínimo dos direitos sociais à população, ‘a
dramática aceitação de ‘menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário
e para todos’(CANOTILHO, 2003).

Indubitavelmente, existe uma forte influência das decisões do direito portu-


guês no direito brasileiro, em decorrência do histórico de colonização, porém com
certa autonomia brasileira, uma vez que a jurisprudência nacional, não seguiu as
decisões portuguesas que propõe a relativização dos direitos sociais, em decorrência
da recessão econômica. Após a comparação, pode-se concluir que a tendência
brasileira é seguir de acordo com as decisões portuguesas com o decorrer dos
anos, no que tange aos casos referentes à efetivação dos direitos sociais.

Referências bibliográficas
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189
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O BRASIL À BEIRA DE UMA CRISE


CONSTITUCIONAL, DE NOVO?

RAFAELE BALBINOTTE WINCARDT


Universidade Federal do Paraná, UFPR
E-mail: rafawincardt@gmail.com

Eixo temático: Crises Constitucionais na História do Brasil República

Palavras-chave: Constitucionalismo; Tensão entre Poderes; Crise Institu-


cional.

Introdução

O Estado Brasileiro encontra-se nasétima Constituição Republicana (1891,


1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988), sendo que a última se encontra com o
número surpreendente de cem emendas em seu texto original. Ora, se a média
permanecesse constante, significaria cerca de quatro emendas por ano, fato que
escancara uma instabilidade institucional que, por sua vez, prolonga problemas
e nutre novas crises no país. Pois, um cenário político devastado produz reflexos
imediatos na atuação dos Poderes, impactando, sobretudo, a ordem constitucional
instituída.

Na medida em que o poder constituinte de 1987/1988 pretendeu alterar


o status quo, atribuindo novas atividades ao Estado e flexibilizando o conceito de
soberania, foi aprovada uma Constituição chamada dirigente, conforme expressão
de Canotilho, a fim de se adequar, também, à perspectiva de globalização pro-
veniente do neoliberalismo e dar a devida importância à proteção dos direitos
humanos.

Contudo, na prática, a corrupção e a concussão viraram regra, desmora-


lizando as instituições estatais e conquistando o ódio e desprezo do povo. Para
além disso, os desdobramentos da crise política iniciada em 2015 garantiram uma
abertura à edição desenfreada de medidas provisórias na tentativa de encontrar
escapes, bem como um confronto explícito entre o Judiciário e os Poderes executivo
e legislativo, mitigando os valores da democracia representativa e enterrando com

191
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

cortejo fúnebre a economia do país. O presidencialismo de coalizão passou a se


tornar ameaçador e a intimidação por medidas austeras prenunciaram um “golpe”.

De outro lado, retornando ao ano de 1964, tem-se o governo e os tempos


de Goulart, objeto de interpretações controversas e polêmicas, em que tanto
liberais quanto conservadores atribuíram ao período apenas aspectos negativos
e perversos, classificando-o como “baderna política”, “crise de autoridade” e “caos
administrativo”; inflação descontrolada e recessão econômica, quebra da hierarquia
e indisciplina nas forças armadas, com uma “subversão” da lei da ordem.

Diante dessa fase crítica do constitucionalismo brasileiro, especificamente


a crise de 1964, é possível dizer que o momento atual também reflete em uma
crise constitucional? Ademais, é coerente reconhecer uma intrínseca ligação entre
a crise institucional e a crise constitucional? Sobretudo, são estas algumas das
questões que este pequeno estudo pretende explorar.

Metodologia

A partir de uma análise histórica da estabilidade constitucional no século


XX, pretende-se identificar situações experimentadas pela República em que crises
institucionais refletiram em evidentes crises constitucionais. Em seguida, realizar
um estudo comparativo com o panorama contemporâneo do Estado Brasileiro,
na busca pela compreensão da anatomia, desenvolvimento e desdobramentos
decorrentes de ambos os contextos políticos e jurídicos, com o propósito de
reconhecer se há, atualmente, a instauração de uma nova crise constitucional.

Destarte, importa resgatar as medidas políticas, econômicas e sociais que,


no passado, visaram retomar a supremacia democrática e estabilizar o constitucio-
nalismo estatal, de forma a sopesar a adoção de tais resultados e suas implicações
na conjuntura do século XIX. Para além disso, não se pretende sugerir soluções ou
respostas prontas à complexa crise que se apresenta à nação nos tempos atuais,
mas colaborar, sobretudo, para a compreensão do momento histórico vivido e
possíveis saídas alternativas.

Resultados e conclusões parciais

Há dois pontos em 1964 que são ausentes da crise atual que, por sua
vez, foram imprescindíveis ao golpe. O primeiro diz respeito à politização das
Forças Armadas. Já o segundo aspecto é que Goulart e seus aliados de esquerda
estavam contrariando o Congresso. Em decorrência das mudanças planejadas
para a Constituição, a fim de ampliar o poder do governo, a direita interpretou
indícios de uma escalada autoritária do governo, argumento que conquistou cre-
dibilidade devido às pressões sobre o Congresso. Resguardadas as peculiaridades

192
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

dos contextos jurídico-políticos vividos, o momento atual também demonstra


uma perda significativa de apoio no Congresso, de forma a atingir diretamente as
demais instituições. Uma semelhança inquestionável é a presença da Constituição
como brinquedo que é partilhado para cada um se divertir por vez, podendo
ser manipulada ao bel prazer político. E qual a posição do Poder Judiciário? É o
que o estudo ainda pretende investigar.

Em suma, a postura que se espera é uma luta incessante pelo respeito às


instituições: a defesado sistema legal, dos procedimentos jurídicos e, precipuamente,
da Constituição. As investigações e eventuais punições de práticas corruptivas
merecem ser levadas a efeito com rigor, mas sem abrir espaço à arbitrariedade
política e manipulações eleitorais. O que deve se evitar a todo custo: retrocessos
autoritários, prestigiando, assim, o poder constituinte e o poder constituído, sem
ferir os freios e contrapesos.

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193
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

JURISTAS E DITADURA: A ATUAÇÃO POLÍTICA


DOS PROFESSORES DA FACULDADE DE DIREITO DA
UFSC DURANTE A DITADURA MILITAR (1964-1969)

RODRIGO ALESSANDRO SARTOTI


Advogado, Mestre em Direito e Doutorando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
E-mail: rsartont@gmail.com

Eixo temático: Crises constitucionais na História do Brasil República

Palavras-chave: História do Direito; Ditadura Militar; Faculdade de Direito;


Juristas.

Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu sob uma Ditadura Militar. Diferentemente
das experiências ditatoriais da maioria dos países da América Latina na segunda
metade do século XX, o Brasil passou por um processo de transição para a
democracia que, em larga medida, privou a população de conhecer a fundo o
que realmente ocorreu no país durante o período de exceção. Até hoje, pouco
sabemos sobre como se portaram as instituições diante do Golpe de 1964 e a
Ditadura que se instaurou em seguida.

Neste sentido, a presente pesquisa tem por objetivo investigar a atuação


dos docentes da Faculdade de Direito da UFSC durante a primeira fase Ditadura
Militar (de 1964 a 1969), bem como analisar a postura da própria Faculdade diante
do Golpe e da Ditadura Militar, sob a ótica da História do Direito. Deste modo,
a pesquisa busca responder se houve apoio, com consequente legitimação, ou
mesmo resistência ao Golpe Militar e à Ditadura por parte dos professores da
Faculdade de Direito. Para a investigação histórica, a presente pesquisa elegeu o
período compreendido entre o Golpe de Estado, em 1º de abril de 1964, até a
edição do Ato Institucional n. 5, em 13 de dezembro de 1968, e posterior extinção
da Faculdade no início de 1969.

Colocou-se, especificamente, o seguinte problema de pesquisa: como se


posicionaram a atuaram politicamente os professores da Faculdade de Direito da
UFSC, bem como a instituição enquanto ator individual, diante do golpe de estado
de abril de 1964 e diante da imediata ditadura militar que se instaurou no Brasil?

195
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

Considerou-se a hipótese inicial de que a Faculdade de Direito da UFSC


teve papel importante na legitimação jurídica e política do golpe de abril de 1964
e na sustentação do governo ditatorial em nível estadual, principalmente por ser
o curso de direito mais antigo de Santa Catarina – fundado em 1932 –, o único
curso de direito existente no Estado em 1964 e por estar sediado na Capital.

O objetivo geral da pesquisa era verificar qual o posicionamento político


dos professores da Faculdade de Direito da UFSC diante do golpe militar de 1964
e da ditadura que se seguiu, em especial a posição institucional da Faculdade.
Já os objetivos específicos foram os seguintes: a) verificar se houve apoio e/ou
resistência ao golpe e à ditadura por parte de professores; b) verificar se houve
apoio e/ou resistência institucional da Faculdade ao golpe e à ditadura; c) analisar
a posição política e acadêmica da Faculdade após a outorga da Constituição
de 1967 e após o decreto do Ato Institucional n. 5; d) investigar como era o
ensino do direito constitucional durante este período, especialmente no período
de exceção pós-AI-5; e) investigar se houve perseguição política a professores e
estudantes; g) verificar se houve participação de professores da Faculdade de
Direito no aparato estatal da ditadura.

A pesquisa abrange de maneira mais intensa o período que vai do Golpe


de Estado, em 1964, à edição do Ato Institucional de n. 5, no final de 1968, este
último coincidindo com o fim da autonomia da Faculdade de Direito da UFSC,
vez que, em 1969, deixou ser Faculdade e passou a integrar um novo centro de
ensino da UFSC. A pesquisa abrange, ainda, a conjuntura da Faculdade de Direito
e da incipiente UFSC nas vésperas do golpe, bem como os desdobramentos dos
acontecimentos do ano de 1968 dentro da Universidade.

Para alcançar os objetivos propostos e verificar a hipótese inicial, a presente


pesquisa utilizou o método histórico. Como procedimento, adotou a coleta de
dados com pesquisa em fontes primárias (pesquisa documental e entrevistas) e
pesquisa bibliográfica.

Durante a fase de pesquisa documental, foram analisados os seguintes


arquivos e acervos: Arquivos da Faculdade de Direito e do Centro Socioeconô-
mico; Arquivo Central da UFSC, especificamente o Fundo Fechado da Faculdade
de Direito, o Fundo Fechado da Procuradoria da UFSC, o Subgrupo Fechado da
Reitoria e os Boletins de Pessoal da UFSC; Arquivo do Centro Acadêmico XI de
Fevereiro – CAXIF; Arquivo do Diretório Central dos Estudantes – DCE; Arquivo
Nacional, especificamente o Fundo do Serviço Nacional de Informações – SNI;
Acervo da Comissão da Memória, Verdade e Justiça de Santa Catarina; Acervo
da Comissão da Memória e Verdade da UFSC; Acervo de atas do Conselho
Universitário da UFSC e Hemeroteca da Biblioteca Pública de Santa Catarina,

196
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

onde foram analisados os principais jornais que circularam em Florianópolis no


período investigado.

Foram recolhidas, ainda, 12 entrevistas e relatos pessoais escritos de pes-


soas que viveram o período histórico estudado. A pesquisa também se utiliza de
recursos visuais, como fotos e imagens da época, além da reprodução, ao longo
do texto, de recortes de jornais, fichas do SNI e demais documentos históricos.

À guisa de introdução, ainda, cabe explicar que a presente pesquisa não


pretende, de forma alguma, encerrar discussões históricas e teóricas do tema
proposto, nem se afirmar como verdade absoluta acerca do período histórico
estudado. Cuida-se aqui de uma história política. Nessa linha, cumpre esclarecer
que esta pesquisa se afirma como uma história política, compreendida aqui
como ramo da história que se preocupa com a investigação e estudo acerca
das relações de poder que permeiam a sociedade e o Estado nas suas mais va-
riadas dimensões, passando por partidos políticos, dirigentes, militantes, entidades
representativas, relações sociais cotidianas, instâncias políticas de representação,
governantes, discursos e cultura política2, tornando-se, assim, um dos tentáculos
da própria história do direito.

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198
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

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199
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CRISES CONSTITUCIONAIS E A VIOLAÇÃO DOS


DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS ENTRE OS ANOS
DE 1964 A 1970 NO ESTADO DA PARAÍB

JEAN PATRÍCIO SILVA


Instituto de Ensino Superior (IESP)

MICHELLE SANTOS DO NASCIMENTO


Instituto de Ensino Superior (IESP)

LARA CELINA MAIA MENDES DE OLIVEIRA


Instituto de Ensino Superior (IESP)

LAÍS MARREIRO DE SOUZA


Faculdade Internacional da Paraíba (FPB)
E-mail: jean.historia@hotmail.com

Eixo Temático: Crises constitucionais na História do Brasil República

Direito; Memória; Paraíba.

Introdução

Este trabalho tem como objetivo, demonstrar como as crises políticas e


institucionais de 1964 e 1968, afetaram de forma decisiva a sociedade paraibana
em diversos aspectos. Ressalte-se que a violação a carta política de 1946 com
o golpe civil militar de 1964 e as alterações ocorridas com as Constituições de
1967, o Ato Institucional nº 5 e a EC/01 de 1969 tiveram profundas repercussões
no Estado da Paraíba. Em virtude da exiguidade de tempo, iremos discutir alguns
aspectos dessas crises constitucionais no Estado tendo como pressuposto a cas-
sação de parlamentares e casos de tortura durante o regime militar.

Metodologia

Em se tratando dos arquivos da Comissão Estadual da Verdade


relacionados aos parlamentares cassados durante os anos de 1964 a 1969,
tivemos acesso às atas do Conselho de Segurança Nacional dos seguintes

201
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

parlamentares: José Targino Maranhão3, Osmar de Aquino4, Pedro Gondim5


e Vital do Rego6. Destes, pela exiguidade de tempo, iremos trazer algumas
informações específicas sobre a cassação de José Maranhão e Pedro Gon-
dim, ex-governadores, como também dos deputados estaduais Assis Lemos
e Figueiredo Agra estes punidos no imediato pós golpe.

Um dos pontos fundamentais para a elucidação destes fatos encontra-


se nas chamadas audiências públicas. Nestas, as pessoas que foram punidas são
ouvidas pelos membros da Comissão, respondendo perguntas que podem elucidar
algumas lacunas. No caso específico das torturas a Comissão da verdade realizou
no dia 06 de agosto de 2013, em Campina Grande, a audiência pública intitulada
“Granjas do Terror” quando foram ouvidos os testemunhos de pessoas torturadas
em granjas cedidas por particulares nos arredores de Campina Grande. Outra
audiência pública de grande repercussão foi a de “Torturas nos presos políticos
de Fernando de Noronha”, realizada no dia 22 de outubro de 2013 na cidade de
João Pessoa. Tais depoimentos serão discutidos no presente trabalho.

Resultados da pesquisa

Na Paraíba, logo após os primeiros movimentos do Golpe civil militar


de 1964, as principais casas legislativas do Estado, antecipando-se às deter-
minações estabelecidas pelo Governo Federal através do AI-1, procederam
à cassação dos mandatos de parlamentares supostamente envolvidos com
atividades e ideologias consideradas subversivas. A Assembléia Legislativa,
através de projeto de resolução do deputado Joacil Pereira, teve o aval
para iniciar as cassações.

Através desta resolução, foram cassados os deputados Assis Lemos e


Lagstein de Almeida e dos suplentes, Figueiredo Agra e Agassiz Almeida, por
unanimidade7.

Em se tratando das punições a parlamentares pós Ato Institucional nº 5


foram punidos vários parlamentares destacando-se o Ex- Governador da Paraíba
Pedro Gondim (ARENA-PB)8.

3 Deputado estadual durante os anos de 1955 a 1969. Secretario de Agricultura do Governo Pedro Gondim
( 1958). Deputado Federal entre os anos de 1983 a 1995. Governador da Paraíba 1995 a 2002. Senador pelo
estado da Paraíba 2003 a 2009. Novamente Governador 2009 a 2011.
4 Deputado Federal punido pelo Ato Institucional nº 5
5 Ex- Governador da Paraíba (1958/1960 e 1961 a 1966). Deputado Federal punido pelo Ato Institucional nº5
6 Deputado Federal punido pelo Ato Institucional nº 5
7 Jornal o Norte, 11 de abril de 1964, p. 05.
8 Apesar de compor a bancada governista, sua postura parlamentar foi de oposição ao regime militar.

202
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Seu governo encontrou a Paraíba em grande efervescência político ide-


ológica, face ao movimento das ligas camponesas aqui no Estado9. A morte de
Pedro Fazendeiro, Pedro Teixeira e a “tragédia de Mari10” ocorridas entre os anos
de 1962 a 1964, demonstraram a tensão que envolvia camponeses e latifundiários.
Tais acontecimentos foram fundamentais para a sua cassação em meados de 1969.

Em se tratando do ex-governador José Maranhão, o mesmo era tido,


como um dos parlamentares oposicionistas mais atuantes na Assembleia Legisla-
tiva da Paraíba, tendo sido cassado em 1969, dentre outros motivos, por ter sido
indiciado em IPM, por ter assinado em 1963 manifesto subversivo que propunha
intercambio e contribuição com a CGT, UNE e UBES. E a imediata instalação da
Frente de Mobilização Popular do Estado. Foi um dos signatários do manifesto
da “Frente Parlamentar Nacionalista”, publicado no Jornal Correio da Paraíba em
05 de maio de 196311.

Em relação às torturas vamos nos deter em dois casos: o do jornalista


Jório de Lira Machado e do ex-deputado estadual ligado as Ligas Camponesas
Assis lemos. O primeiro, foi preso político, torturado na Ilha de Fernando de
Noronha. Em 1969, após passar em 1º lugar no concurso público do DASP, em
1963, a UFPB não o nomeou para o cargo de Redator, mais uma outra pessoa
com colocação bem abaixo. O segundo, defensor das ligas camponesas no Estado,
Era Deputado Estadual e professor universitário quando teve, a partir de 1964, o
mandato parlamentar cassado, a demissão da universidade e seus direitos políticos
cassado. Foi brutalmente torturado enquanto este preso.

Conclusões

Do ponto de vista histórico, as tensões sociais na Paraíba, envolvendo o


período anterior ao golpe militar brasileiro de 1964, situaram-se em quadro de
implicações internacionais, nacionais, regionais, estaduais e locais.

No âmbito regional, as crises constitucionais que ocorreram neste período,


destacando-se o golpe civil militar de 1964 e a edição do Ato Institucional nº5
tiveram profundas repercussões no nordeste, em particular na Paraíba. E neces-
sário compreender do ponto de vista do processo histórico e do Direito, como
se processou estas crises, no sentido da importância do Nordeste (em particular
pela atuação do movimento das ligas camponesas) durante a primeira metade
da década de sessenta do século passado. Compreender estes fenômenos, e de
9 Movimento iniciado em 1955 no engenho Galíleia em Pernambuco liderado por Francisco Julião. Teve forte
repercussão na Paraíba em particular nos municípios de Sapé e Mari, quando no auge, a liga de Sapé contava
com mais de 10.000 associados. Nota do autor.
10 Sobre estes episódios, consultar: “A tragédia de Mari” de Nelson Coelho e “1964 no Brasil, Nordeste e Paraíba
de José Octavio de Arruda Mello”.
11 Dados constantes na ata de cassação do deputado estadual José Maranhão MDB/PB

203
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

vital importância para se compreender alguns pontos que culminaram com os


atos de exceção durante o regime militar brasileiro.

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204
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O AUTORITARISMO INVISÍVEL – UM ESTUDO


DA RELAÇÃO ENTRE DIREITO PRIVADO
E DITADURA A PARTIR DO DECRETO-LEI N. 911/69

FERNANDO HONORATO
Mestre em Direto, Estado e Constituição
Universidade de Brasília – UnB
E-mail: fhlhonorato@gmail.com

Eixo Temático: Crises constitucionais na História do Brasil República

Palavras-chave: Direito privado. Ditadura. Decreto-lei n. 911/69

Introdução

A pesquisa versa sobre a relação entre o direito privado e a ditadura a


partir do Decreto-lei 911/69, procurando desvelar as invisibilidades autoritárias que
levaram à sua edição poucos dias depois da Junta Militar substituir Costa e Silva
no poder. O direito público e o direito privado se encontram no percurso do
Decreto-lei 911/69, na medida em que o direito econômico instrumentalizou as
políticas econômicas delfinianas por meio do direito civil. Os juristas da ditadura e
os economistas da ditadura foram determinantes para o sucesso desse encontro12.

O Decreto-lei 911/69, aprovado em pleno Ato Institucional nº 513, cons-


tituiu-se em uma norma extremamente benéfica aos interesses das instituições
financeiras e dos grandes banqueiros14, além de um importante instrumento da
12 Airton Seelaender chama a atenção para o crescente interesse dos historiadores do direito pelo compor-
tamento de profissionais do direito, notadamente juízes, professores e doutrinadores, durante as ditaduras. Para
ele “ainda em desenvolvimento na Alemanha, na França e em outros países europeus, a discussão sobre tal
tema deveria ser prontamente iniciada no Brasil”. Cf. SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite. Juristas e ditaduras:
uma leitura brasileira in História do Direito em Perspectiva. Do Antigo Regime à Modernidade (org. Ricardo
Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender). Curitiba: Juruá, 2009, p. 415-432. Para a citação, p. 415.
13 O Decreto-lei 911 foi aprovado em 1º de outubro de 1969 - após manobra muito bem articulada pelo
Ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, que assina o Decreto ao lado do Ministro da Justiça, Luís Antônio
da Gama e Silva - pela Junta Militar que governou o país, logo após a substituição de Costa e Silva. A Junta
Militar era composta pelos Ministros da Marinha de Guerra, Augusto Hamann Rademaker, do Exército, Aurélio
Lira Tavares e da Aeronáutica Militar, Márcio de Souza e Mello. Cf. GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São
Paulo: Companhia das letras, 2002, p. 83.
14 O referido Decreto-lei disciplinou a alienação fiduciária em garantia, por meio da qual é transferido ao
banco credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel oferecida em garantia do pagamento do

205
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

política econômica adotada na ditadura15. O Decreto-lei 911/69 insere-se nesta


franja de concertação entre o governo e os grandes bancos. Tendo em vista a
ampliação das garantias de proteção aos bancos, aumentaram as linhas de cré-
dito direto ao consumidor, o que possibilitou, ao mesmo tempo, o estímulo ao
consumo e um acelerado processo de acumulação financeira16. Os economistas
da ditadura teorizavam sobre as mudanças pretendidas na política econômica do
governo. Os juristas da ditadura instrumentalizaram essas ideias.

Metodologia

Com o desejo de compreender adequadamente o Decreto-lei 911/69


será necessário ir além da textualidade do decreto e examinar o contexto no
qual ele foi editado.

A aproximação entre os militares e empresários foi muito intensa durante


a ditadura. Vários eram os canais para isso, tendo a Escola Superior de Guerra
(ESG) uma função importante. Nela foram promovidas inúmeras conferências
de juristas após 1964, que são importantes fontes de pesquisa para mapear as
ideias dos juristas da ditadura17. Um campo fértil será reconstituir as ligações entre
Delfim Netto e os referidos juristas.

A figura do “Gordo”18 é emblemática para a identificação dos rastros


deixados pelas “tenebrosas transações” entre os militares e o empresariado, em
particular, os grandes banqueiros. Artífice da política econômica de expansão
empréstimo bancário contraído pelo consumidor, que se torna possuidor direto e fiel depositário. A norma
dispunha ainda que, em caso de inadimplemento da obrigação garantida, a propriedade plena se consolidaria
nas mãos da instituição financeira, que poderia vender a coisa a terceiros e aplicar o preço da venda no
pagamento do crédito, ficando ainda o devedor pessoalmente obrigado pelo eventual débito remanescente.
BRASIL. Decreto-lei n. 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de
julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências. Legislação
Federal, art. 66, §§ 4º e 5º.
15 Neste contexto, a política monetária representou um importantíssimo fator para o crescimento econômico
almejado pela nova equipe econômica, com a expansão do crédito direto ao consumidor por meio do CDC
e o consequente aumento da demanda de bens de consumo duráveis. José Pedro Macarini, Professor Doutor
do Instituto de Economia da Unicamp sustenta que: “(...) o movimento de concentração foi instrumentalizado
pelos interesses do grande capital bancário (...) A retomada do crescimento a altas taxas da indústria de bens
de consumo duráveis, em especial da automobilística, acoplou-se à forte expansão do CDC”. MACARINI, José
Pedro. A política bancária do regime militar: O Projeto de Conglomerado (1967-1973). Texto para discussão.
IR/UNICAMP, Campinas, n. 124, jan. 2007, p. 2, 9 e 13-14.
16 O movimento da centralização financeira em direção à constituição de conglomerados avançou a uma
velocidade extraordinária. No início dos anos 70 as financeiras vinculadas a conglomerados sob o controle dos
bancos comerciais concentravam cerca de 70% (setenta por cento) das emissões de aceites cambiais, em um
passo decisivo para a integração final dos sistemas financeiro e de mercado de capitais. Cf. MACARINI, José
Pedro. A política bancária do regime militar: O Projeto de Conglomerado (1967-1973). Texto para discussão.
IR/UNICAMP, Campinas, n. 124, jan. 2007.
17 Cf. SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite. Juristas e ditaduras: uma leitura brasileira in História do Direito
em Perspectiva. Do Antigo Regime à Modernidade (org. Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite
Seelaender). Curitiba: Juruá, 2009, p. 415-432.
18 Apelido atribuído a Antônio Delfim Netto tanto por pessoas próximas ao seu círculo de convívio, como
o é caso da primeira-dama, esposa de Costa e Silva, que o chamava de “gordinho”, quanto por seus inimigos.

206
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

do crédito e do consumo, com o favorecimento do conglomerado das grandes


instituições financeiras, o Ministro da Fazenda ainda controlava diretamente o
Banco Central, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, mantendo uma relação
muito estreita com os grandes banqueiros nacionais e internacionais19.

Serão utilizadas como fontes primárias de pesquisa o acervo documental


mantido pelo governo, especialmente os estudos elaborados no âmbito da Escola
Superior de Guerra (ESG). Além disso, serão utilizadas reportagens divulgadas em
revistas e periódicos sobre o tema da pesquisa, em especial, aquelas publicadas
pelas Revistas Veja e Visão. Uma personagem central nesse percurso será o to-
do-poderoso Ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto, razão pela qual iremos
procurar mapear os seus passos e recolher os fragmentos deixados pelo caminho,
como suas entrevistas20 e participações nas seguidas edições do Congresso Nacional
dos Bancos21. Uma importante fonte de pesquisa será a investigação da doutrina
produzida pelos juristas da época sobre o tema22. Caso as fontes indiquem outros
percursos, poderão ser utilizados capítulos de livros, monografias, dissertações e
teses como fontes secundárias de pesquisa.

Resultados parciais e conclusão

Após uma reflexão sobre a relação entre o direito privado e a ditadura


a partir do Decreto-lei 911-69, pretendemos demonstrar a hipótese de que o
regime fechado constituiu-se em um ambiente propício para as atividades e os
lucros dos banqueiros, possibilitando a sua instalação nas agências de poder e
a influência na definição de políticas públicas benéficas para os seus negócios,
sendo determinante para isso a mobilização do direito, como instrumento de
19 Delfim Netto articulou a compra de bancos privados pelo setor público, defendeu João Moreira Salles
junto ao presidente Costa e Silva, socorreu bancos privados através do Banco Central, além de intermediar a
aquisição de bancos de menor porte pelos grandes conglomerados financeiros. Cf. CAMPOS, Pedro Henrique
Pedreira. “Estranhas Catedrais”. As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. 2ª reimpressão. Rio
de Janeiro: EDUFF, 2017, p. 306.
20 Elio Gaspari informa que em quatro anos, Delfim Netto saíra dezoito vezes na capa da revista Veja, uma
na edição latino-americana da Newsweek e outra, como Super-Homem, na Institutional Investor. Cf. GASPARI,
Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das letras, 2002, p. 269.
21 Para as participações de Delfim Netto no Congresso Nacional dos Bancos, bem como com indicações de
artigos de revistas e jornais publicados por Delfim Netto no Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Revista
das Finanças Públicas, Revista Visão, Revista Indústria e Desenvolvimento, cf. MACARINI, José Pedro. A política
econômica da ditadura militar no limiar do “milagre” brasileiro: 1967-1969. Texto para discussão. IR/UNICAMP,
Campinas, n. 99, set. 2000.
22 É o caso, por exemplo, do artigo publicado em 1967 por Henrique Candido Camargo, sob o título “Da
Alienação fiduciária em garantia e fundos contábeis de natureza financeira face à lei de mercado de capitais”,
disponível em Arquivos do Ministério da Justiça, v. 25, n. 103, p. 36-59, set. 1967; bem como da obra “Ensaio
sobre a alienação fiduciária em garantia”, de autoria de Alfredo Buzaid, publicado em 1969, pela editora ACREFI
e ainda, especificamente sobre o artigo 66 da Lei 4.728/65, alterado pelo Decreto-Lei 911/69, do mesmo autor,
“Ensaio sobre a alienação fiduciária em garantia: Lei n 4728, de 1965 art. 66, publicado em 1969, disponível em
Revista dos tribunais, São Paulo, v. 58, n. 401, p. 9-29, mar. 1969. Para um interessante olhar sobre o Decreto-lei
911/69 como contraposição entre direito novo e texto de exceção, Alcino Pinto Falcão, “Alienação fiduciária em
garantia, ius novum de direito comum ou de texto excepcional”, publicado em Revista de direito do Ministério
Público do Estado da Guanabara, v. 4, n. 10, p. 84-93, jan./abr. 1970.

207
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

legitimação dessa confusão entre o público e o privado, legitimação essa que


não impediu a permanência dessas estruturas após o advento da democracia.

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Prof. Airton Seelaender, entre os dias 6 e 11 de outubro de 2011.
SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite. Juristas e ditaduras: uma leitura brasileira
in História do Direito em Perspectiva. Do Antigo Regime à Modernidade (org.
Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender). Curitiba: Juruá,
2009, p. 415-432.

208
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O ESTATUTO TEÓRICO DOS ATOS


INSTITUCIONAIS NA DOUTRINA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA (1964-1985)

MÁRIO AUGUSTO D’ANTONIO PIRES


Mestrando – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP
Orientação: Prof. Dr. Samuel Rodrigues Barbosa
E-mail: para contato: mario.pires@usp.br; mario.augusto85@gmail.com

Eixo temático: 3. Crises constitucionais na História do Brasil República

Palavras-chave: Atos Institucionais; estatuto teórico; doutrina constitu-


cional.

Introdução

O presente resumo diz respeito a uma pesquisa de mestrado iniciada


no primeiro semestre do presente ano e que tem como objeto as discussões
doutrinárias em direito constitucional a respeito da compreensão do locus teórico
dos “Atos Institucionais” no ordenamento jurídico brasileiro.

O trabalho buscará averiguar a hipótese de que os argumentos elencados


pela doutrina indicam uma compreensão específica de constitucionalismo e esta-
belecem um campo de questionamentos a respeito de noções como ‘democracia’,
‘poder constituinte’, ‘direitos naturais’, ‘revolução’ e ‘processo revolucionário’: mo-
bilizaram-se argumentos de ordem de filosofia política a fim de dar sustentação
jurídica a um fenômeno ainda não conhecido pela doutrina – a saber, os Atos
Institucionais.

Finalmente, reputamos notável o silêncio da doutrina jurídica brasileira


acerca dos Atos Institucionais. Os comentários se reduzem a afirmar que se tratou
de ‘puro arbítrio’, ‘destruição da ordem constitucional’, ou, por outro lado, de ‘um
mal necessário a que se evitasse um mal maior’. Há pouco potencial explicativo
a respeito da racionalidade jurídica que orientava os juristas que escreviam em
favor da legitimidade dos instrumentos do direito de que se socorreu o regime.

209
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

Desse modo, entendemos que uma reconstituição dos debates sobre o


tema é de extrema importância para a adequada compreensão dos fenômenos
apontados.

Metodologia

A pesquisa tem como principal forma de obtenção de dados a coleta de


textos e publicações relativas a Direito Constitucional, a Teoria da Constituição,
Teoria Geral do Estado, livros didáticos, manuais e cursos, discursos e palestras
proferidas por juristas, professores e operadores do Direito, de modo geral.

Busca-se elaborar um panorama das teses e posicionamentos assumidos a


respeito do assunto. Ao verificar sobre o que escreveram, quais aspectos da teoria
constitucional ressaltavam, como argumentavam, é que se buscará demonstrar
a hipótese de que, mais que uma disputa sobre o poder constituinte (PAIXÃO,
2014), tratou-se, na verdade, da elaboração de uma teoria constitucionalista diversa,
com contornos próprios.

Resultados parciais

Pudemos levantar dois posicionamentos fundamentais a respeito da posi-


ção que os Atos Institucionais ocupavam na ordem jurídica brasileira: a) Equivaliam
à emendas constitucionais (FRANCO, 1981); b) eram normas extra ou superconsti-
tucionais e, portanto, acima da Constituição (FILHO, 1973).

Além disso, é digno de nota que alguns dos comentários a respeito da


validade dos Atos Institucionais se refiram ao conteúdo dos seus preâmbulos
(MEDEIROS, 1964), a despeito de ser corrente o entendimento de que os textos
preambulares não tinham conteúdo normativo (MALUF, 1967).

Assim, a estratégia argumentativa dos doutrinadores parece apontar que


as compreensões jurídicas eram insuficientes para justificar a força normativa dos
Atos Institucionais; seja como emenda constitucional, seja como lei acima da cons-
tituição. Buscam no contexto histórico e nos conceitos e projetos assinalados nos
textos dos preâmbulos dos Atos Institucionais mais que um topos interpretativo,
mas, verdadeiramente, fundamento de validade desses instrumentos jurídicos.

Referências bibliográficas
FILHO, J. D. O. Quer conhecer a Constituição? Rio de Janeiro: Forense, 1973.
FRANCO, A. A. D. M. Direito Constitucional. Teoria da Constituição. As Constituições
do Brasil. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
MALUF, S. Direito Constitucional. 3ª. ed. São Paulo: Sugestões Literárias S/A, 1967.

210
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

MEDEIROS, C. Observações sobre o Ato Institucional. Revista de Direito Adminis-


trativo, Rio de Janeiro, v. 76, p. 473-475, Abril-Junho 1964.
PAIXÃO, C. Autonomia, Democracia, e Poder Constituinte: Disputas conceituais na
experiência constitucional brasileira (1964-2014). Quaderni Fiorentini per la storia
del pensiero giuridico moderno, Florença, v. 43, p. 415-458, 2014.

211
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964: ESTRATÉGIAS


DISCURSIVAS COMO INSTRUMENTO
DE LEGITAMAÇÃO DITATORIAL

AGENOR GABRIEL CHAVES MIRANDA


Universidade de Brasília – UnB
E-mail: agenorcmiranda@gmail.com

ANNA BEATRIZ ABREU


Universidade de Brasília – UnB

MARCELO ALVES VIEIRA


Universidade de Brasília – UnB

PEDRO VICTOR PORTO FERREIRA


Universidade de Brasília – UnB
E-mail: pedrovportoferreira@gmail.com

Eixo temático: Crises Constitucionais na História da República.

Palavras-chave: Ditadura civil-militar de 1964; estratégia discursiva; lega-


lidade autoritária.

Introdução

A tomada de poder pelos militares em 1964, em um golpe com amplo


apoio popular, acarretou a necessidade de justificação de medida tão extremada
– do ponto de vista político-constitucional (PAIXÃO, 2014). Se, por um lado, o
regime militar utilizou um argumento de índole política, qual seja a recuperação
econômica e financeira e o combate à “bolchevização” do país (SANTOS, 2012).
Por outro, notou a impossibilidade de transferência de tais fundamentos para a
seara jurídica, visto que a ascensão ao poder dos militares ocorreu por meio da
retirada de um presidente eleito de forma não prevista na Constituição de 1946,
vigente à época (PAIXÃO, 2014).

Dessa forma, o regime militar brasileiro empreendeu esforços para dar uma
roupagem de legalidade e legitimidade às práticas típicas de regime de exceção.
Tal fenômeno é denominado legalidade autoritária e destaca-se pela manipulação
dos instrumentos do sistema jurídico, com a finalidade de respaldar as atividades

213
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

de uma ditadura. Como reforça Pereira, é comum que governos autoritários


utilizem as leis e os tribunais para reforçar o poder estatal, “de modo a tornar
obscura uma distinção simplista entre regimes de facto e regimes constitucionais
(ou de jure) (PEREIRA, 2010, p. 36).

Todavia, a inovação da ditadura-civil militar de 1964 não se destacou pela


legalidade autoritária – tal prática já havia sido utilizada no país em outros mo-
mentos, inclusive na ditadura varguista –, mas pela construção de uma narrativa
consistente para justificar o afastamento de um presidente eleito em um sistema
democrático (PAIXÃO, 2014). Nessa esteira, o governo militar utilizou diplomas
normativos para desenvolver um discurso dominante e plausível apto a sustentar
o golpe iniciado em 1964.

Apresentada a contextualização, o presente trabalho tem por objetivo


analisar como o governo ditatorial de 1964 desenvolveu sua estratégia narrativa
para legitimar suas ações e manipulou as estruturas normativas, sob o aspecto
da legalidade autoritária, para alcançar tal finalidade.

Metodologia

Por meio da revisão bibliográfica, o presente trabalho realizou uma pes-


quisa em relação às produções acadêmicas que tratam do desenvolvimento da
narrativa e estratégia discursiva desenvolvida pela ditadura civil-militar de 1964 para
fundamentar seus atos. A partir disso, trabalhou-se com o conceito de “legalidade
autoridade”. Alfim, também se empreendeu uma pesquisa aos pronunciamentos
políticos proferidos, pelo Poder Executivo, logo após o golpe, de modo a tentar
compreender como os argumentos jurídico-políticos foram desenvolvidos.

Conclusão

A estratégia discursiva é fundamental a qualquer governo para a imposição


de medidas extremas e controversas. Em uma ditadura, isso gera a necessidade
de construção narrativa para se justificar perante a sociedade e às próximas
gerações. Desse modo, o direito surge como um importante mecanismo, pois
confere a aparência de legitimidade aos atos praticados e pode ser manipulado
pelas autoridades.

Como destaca Pierre Bourdieu, “os discursos não são apenas [...] signos
destinados a serem compreendidos, decifrados; são também [...] signos de auto-
ridade a serem acreditados e obedecidos” (BOURDIEU, 2008, p. 55).

214
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências
BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. História constitucional brasileira: mu-
dança constitucional, autoritarismo e democracia no Brasil pós-1964. Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2016.
BOURDIEU. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: EDUSP, 2008.
___. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989.
DE CHUEIRI, Vera Karam; CÂMARA, Heloísa Fernandes. (Des) ordem constitu-
cional: engrenagens da máquina ditatorial no Brasil pós-64. Lua Nova, n. 95, p.
259-289, 2015.
FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar.
Editora Record, 2004.
PAIXÃO, Cristiano. Autonomia, democracia e poder constituinte: disputas concei-
tuais na experiência constitucional brasileira (1964-2014). Quaderni Fiorentini per
la storia del pensiero giuridico moderno, v. 43, p. 415-460, 2014.
PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito
no Brasil, no Chile e na Argentina. Paz e Terra, 2010.
TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia.
Revista Brasileira de História, v. 24, n. 47, p. 13-28, 2004.

215
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

DIREITO E GOLPISMO: DISPUTAS PELA


LEGALIDADE NA CRISE POLÍTICA DE 1955

CLAUDIA PAIVA CARVALHO


Doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB).
Bolsista CAPES.
E-mail: claudiapaivac@gmail.com

Eixo temático: 3. Crises Constitucionais na História do Brasil República.

Palavras-chave: Legalidade; Crise 1955; Golpismo.

Introdução

O período de 1945 a 1964 traz múltiplas possibilidades de investiga-


ção para a história constitucional. Uma delas diz respeito ao estudo das crises
políticas atravessadas em 1954, 1955 e 1961.23 Os momentos de crise testam o
funcionamento do direito e das instituições jurídicas, diante de uma ascendência
da política, ou de uma aceleração do tempo político. Ao afetar a estabilidade
institucional, o sistema representativo e a separação dos poderes, as crises políticas
são também crises constitucionais. Desafiam a capacidade de a Constituição servir
como mediadora ou parâmetro organizador das relações entre direito e política.

O foco do presente trabalho é a crise política de 1955. O epicentro da


crise foi a realização das eleições presidenciais em outubro daquele ano, na qual
saiu vitoriosa a chapa PSD/PTB formada por Juscelino Kubitschek e João Goulart.
Setores militares e políticos, principalmente ligados à UDN, que haviam tentado
evitar a realização do pleito, impugnar a candidatura da chapa PSD/PTB e os resul-
tados eleitorais, passaram a endossar um discurso de apelo a soluções extralegais
com o objetivo de impedir a posse dos eleitos.24 De outro lado, setores legalistas
denunciavam o golpismo e defendiam o respeito ao resultado das urnas25. As
tensões aumentaram quando Carlos Luz (PSD), então presidente da Câmara dos
23 A respeito das crises, cf. Ferreira, 2010.
24 Nesse sentido, ver: Tribuna da Imprensa, A hora das Forças Armadas, 04/11/1955; Tribuna da Imprensa, Não
podem tomar posse, 09/11/1955; Tribuna da Imprensa, Não representa o povo o resultado do pleito, 10/11/1955.
25 Em defesa da posse, ver: Correio da Manhã, Os eleitos devem ser empossados. Fala à imprensa o brigadeiro
Alves Seco, 02/11/1955; Correio da Manhã, Os militares não serão os coveiros da opinião pública, 05/11/1955;
Correio da Manhã, Contra o golpe e pela constituição, 05/11/1955.

217
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

Deputados, assumiu a presidência após o afastamento de Café Filho por motivos


de saúde, no dia 3 de novembro. A mudança gerou suspeição, agravada por atritos
que resultaram na demissão do Ministro da Guerra, o general Henrique Teixeira
Lott, no dia 10. Este fato foi a gota d´água que ensejou o movimento de reação
militar que afastou Carlos Luz da presidência, com o objetivo de garantir a posse
dos eleitos. Esse movimento, deflagrado no dia 11 de novembro, foi capitaneado
pelo general Lott e ficou conhecido como contra-golpe ou golpe preventivo. A
ação foi chancelada pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal que, em um
primeiro momento, declararam o impedimento de Carlos Luz e, depois, aceitaram
o pedido de renúncia por ele apresentado. Pela ordem sucessória, o vice-presidente
do Senado, Nereu Ramos (PSD), assumiu a presidência.26

A presente pesquisa tem como objeto investigar os debates travados


na imprensa, no Poder Legislativo e no Supremo Tribunal Federal, durante os
meses de novembro e dezembro de 1955, relacionados ao movimento de 11 de
novembro. Interessa particularmente mapear as disputas discursivas em torno do
sentido e da legitimidade do movimento, bem como os instrumentos e meios
jurídicos acionados para gerenciar a crise política. Como apontam os estudos
sobre o período, instaurou-se uma batalha em torno da legalidade. Por um lado,
o movimento do dia 11 se auto-intitulava Movimento de Retorno aos Quadros
Constitucionais27, demonstrando um apego legalista e uma postura defensiva da
ordem e do regime. Por outro lado, a oposição udenista, que contava, até então,
com apoio a soluções extralegais, passou a empunhar a bandeira da legalidade e
a acusar o movimento de subversivo e golpista. Neste aspecto, a pesquisa busca
aprofundar esse embate de posições dentro do campo partidário.

Depois que Café Filho manifestou a intenção de reassumir a presidência,


no dia 22 de novembro, a Câmara e o Senado aprovaram seu impedimento,
por meio de uma resolução legislativa. Em contestação ao ato, Café Filho entrou
com duas ações constitucionais no STF: um habeas corpus e um mandado de
segurança. No mesmo dia em que as ações foram apresentadas, o governo enviou
ao Congresso o projeto de lei prevendo a decretação de estado de sítio, que foi
aprovado no dia 25 de novembro. Assim, para além de verificar as representações
do movimento de 11 de novembro, a pesquisa analisa a interpretação desses dois
institutos (impedimento e estado de sítio) nos diferentes espaços.

Metodologia

A presente pesquisa de tipo histórico se baseia em uma metodologia de


análise documental, envolvendo fontes institucionais (Poder Legislativo e Judiciário)
e não-institucionais (no caso da imprensa). As fontes documentais foram selecio-
26 Cf. Carloni, 2014; Carone, 1985; Marques, 2017.
27 Correio da Manhã, Mensagem do general Lott, 12/11/1955.

218
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

nadas a partir de um duplo recorte: temporal e temático. Delimitou-se os meses


de novembro e dezembro como marco temporal, uma vez que condensam os
principais eventos da crise, após a realização das eleições. Dentro desse marco,
foram levantados os debates relacionados aos temas em análise: o contra-golpe,
o impedimento, o estado de sítio, o julgamento do STF.

Os debates parlamentares foram acessados por consulta aos Diários do


Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional, delimitados
a partir dos dias dos acontecimentos e/ou das deliberações. As fontes da imprensa
têm sido consultadas por meio da plataforma Hemeroteca Digital, da Biblioteca
Nacional. Para buscar uma amostra representativa da pluralidade de posições
político-ideológicas dos veículos de comunicação, 5 jornais foram selecionados
para análise: Tribuna da Imprensa, O Globo, Correio da Manhã, Jornal do Brasil
e Imprensa Popular. Por sua vez, as ações constitucionais estão disponibilizadas,
na íntegra, no sítio eletrônico do STF, elencadas entre os julgamentos históricos
do tribunal28.

Tendo em vista os diferentes locais de fala estudados, é reforçado o cuidado


metodológico da crítica dos documentos, orientado por perguntas norteadoras,
como: quem escreveu, em qual formato, com quais objetivos concretos, quais
estratégias, para qual público-alvo29. No mesmo sentido, a história dos conceitos
também funciona como uma ferramenta metodológica para a análise das fontes,
atentando para as delimitações conceituais e os usos de linguagem do contexto.30

Resultados parciais

A pesquisa está em fase inicial de desenvolvimento, com exame parcial das


fontes levantadas. É possível apontar, nesse momento, uma maior complexidade
das posições assumidas pelos atores em jogo. Um elemento pouco destacado nos
estudos existentes diz respeito às demandas por responsabilização daqueles que, a
exemplo do jornalista Carlos Lacerda, teriam defendido e articulado o plano para
impedir a posse dos eleitos e implantar um Estado de Emergência. Em análise
veiculada no Correio da Manhã, no dia 20 de novembro, o IBESP apontava as
contradições do governo Nereu Ramos, com destaque para a falta de medidas
para punição dos golpistas, como fundamento para o discurso que acusava de
ilegal o movimento de novembro.31 Essa postura contraditória estaria ancorada,
por sua vez, em uma tendência a soluções de compromisso que permitia a
flutuação e apropriação da bandeira da legalidade.
28 Arquivo STF, Mandado de Segurança n. 3357, Habeas Corpus 33908-DF. Processos disponíveis em: http://
www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfJulgamentoHistorico&pagina=STFPaginaPrinci-
pal1. Acesso em 21 jun. 2017.
29 Cf. Cellard, 2012
30 Cf. Koselleck, 2006, p. 103.
31 Correio da Manhã, Golpe e Antigolpe na presente situação brasileira, 12/11/1955.

219
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

Também será possível compreender melhor o posicionamento das insti-


tuições no contexto da crise política e a medida em que o direito é capaz de
enquadrar a atuação legislativa e judicial e de oferecer respostas. Nesse sentido,
observa-se que a chancela das medidas do impedimento e sítio pelo Congresso
Nacional e a abstenção do STF em realizar o controle de legalidade foram fatores
que se somaram aos argumentos de crítica ao funcionamento do presidencialismo
brasileiro à época.32

Referências bibliográficas
Carloni, Karla. Forças Armadas e democracia no Brasil – o 11 de Novembro de
1955. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2012.
Carone, Edgard. A República Liberal II. Evolução política (1945-1964). São Paulo:
DIFEL, 1985.
Cellard, A. A análise documental. In: Poupart, J. (org.). A pesquisa qualitativa: en-
foques epistemológicos e metodológicos. Editora Vozes: Petrópolis, 2012.
Ferreira, Jorge. Crises da República: 1954, 1955 e 1961. In: Ferreira, Jorge; Delgado,
Lucília de Araújo Neves. (org.) O Brasil Republicano: o tempo da experiência de-
mocrática – da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. 3a edição.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
Franco, Afonso Arinos de Melo; Pila, Raul. Presidencialismo ou parlamentarismo?
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1958.
Koselleck, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
Peixoto, Raphael. Entre Impunidade e Repressão: A anistia de 1961 na história
constitucional brasileira. Tese. Programa de Pós-Graduação em Direito da Uni-
versidade de Brasília, 2017.

32 Cf. Franco, 1958

220
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O TERRORISMO NA ASSEMBLEIA NACIONAL


CONSTITUINTE (1987-88): DO DIREITO
DA SEGURANÇA NACIONAL À DEMOCRACIA

ANA CAROLINA COUTO PEREIRA PINTO BARBOSA


Doutoranda
Faculdade de Direito – UnB
E-mail: couto.anacarolina@gmail.com

Eixo temático: Crises constitucionais na História do Brasil República.

Palavras-chave: Constituinte; Criminologia; Terrorismo.

Introdução

Até 1985, o Brasil adotava a perspectiva autoritária da Doutrina de Se-


gurança Nacional formulada pela Escola Superior de Guerra, que aprofundava
uma tendência anterior de ampliar o tratamento do crime político para além da
abordagem do código penal, formando um sistema complexo, com tipo penal
aberto e supressão e mitigação de garantias processuais. Com a instauração da
Assembleia Nacional Constituinte, esse discurso autoritário é canalizado para as
disputas que envolvem a elaboração da constituição a delinear o Estado Demo-
crático de Direito.

Neste sentido, a apresentação visa a analisar, por meio de teorias e legisla-


ções acerca do crime de terrorismo no regime civil-militar, bem como da doutrina
acerca das noções de poder constituinte na história brasileira contemporânea,
se a tentativa de acrescentar terrorismo na Constituição Federal de 1988 foi um
rescaldo da forma de se tratar o dissenso político no ordenamento jurídico ante-
rior. Os parlamentares que defendiam a criminalização do terrorismo ao lado de
tortura estariam tentando reproduzir o pensamento autoritário, ao justificar que a
prática da tortura era necessária para conter atos de terrorismo, que ameaçavam
a ordem social e a existência do Estado? Este argumento venceu uma disputa
pela criminalização de terrorismo no texto constituinte?

221
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

O tema é tributário da história do direito contemporânea nos campos


constitucional (Paixão33, Barbosa34) e penal (Sbriccoli35 e Meccarelli36). No campo
penal, Mario Sbriccoli e Massimo Meccarelli desenvolveram a chave de leitura
do duplo nível de legalidade, que será útil na avaliação do grau de respeito aos
direitos e garantias de que o sistema penal dispunha tanto no contexto histó-
rico, de modo amplo, quanto na categoria do terrorismo, de modo específico.
No campo constitucional, Cristiano Paixão e Leonardo Barbosa desenvolveram
a chave de leitura do par conceitual democracia/autoritarismo nas constituições
brasileiras, bem como a chave da diversidade de noções de poder constituinte,
que servirá para extrair as disputas em torno da titularidade, do exercício e das
consequências do poder constituinte.

Metodologia

A metodologia de trabalho empregada foi a de pesquisa em fontes pri-


márias e bibliográficas. Quanto às fontes primárias, foram utilizados o Jornal da
Constituinte, os de grande circulação à época, os da mídia alternativa, os textos
legais, mensagens dos órgãos de governo, anais da Constituinte e estudos dou-
trinários da época. Quanto às fontes secundárias, foi feita a revisão bibliográfica
de estudos sobre o período e estudos sobre teoria da constituição e constitu-
cionalismo. O recorte temporal inicial consiste no período que abrange desde o
Ato Institucional nº 1 até a promulgação da Constituição Federal de 1988. Não
se trata, como disse Airton Seelaender, de refletir apenas o texto constitucional,
mas o modo como ele se vinculou à “estrutura social, ao quadro institucional, ao
ambiente cultural e às circunstâncias políticas do passado”37. Ou seja, não se trata
das histórias dos movimentos sociais, das instituições ou das ideias, consideradas
de modo isolado, mas de uma história que indaga qual o papel da Constituição
no arranjo destes elementos. Procura entender de que modo os diversos discursos
ligados ao constitucionalismo orientaram as ações na política e no direito, criando
possibilidades e limitações.

33 PAIXÃO, Cristiano. Autonomia, democracia e poder constituinte: disputas conceituais na experiência consti-
tucional brasileira (1964-2014). Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, v. 43, p. 415-460,
2014.
34 BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. História constitucional brasileira: mudança constitucional, autori-
tarismo e democracia no Brasil pós-1964. Brasília: Câmara dos Deputados, 2016.
35 SBRICCOLI, Mario. Codificazione civile e penale. In: SBRICCOLI, Mario. Storia del diritto penale e della giustizia:
scritti editi e inediti (1972-2007). Milano: Giuffrè, 2009.
36 MECCARELLI, Massimo. Paradigmi dell'eccezione nella parabola della modernità penale. Una prospettiva
storico-giuridica. In: Quaderni storici vol.2, 2009b.
37 SEELAENDER, Airton. História constitucional brasileira. In: TAVARES, André R.; DIMOULIS, Dimitri; RO-
THENBURG, Walter C. (Org.). Dicionário Brasileiro de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 172.

222
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Resultados da pesquisa

Os crimes políticos traduzem uma artificialidade. Certas condutas eram


apenadas por conveniência do governo arbitrário da ditadura militar que ou
usurpava a função legislativa ou a controlava. O fato de terrorismo ser uma
conduta penalmente reconhecida em vários países não fazia com que fosse um
consenso universal, e ainda hoje estão em vigor no Brasil algumas das disposições
da ditadura, como a Lei de Segurança Nacional de 1983. É fundamental consi-
derar, todavia, que o regime político em que são aplicadas essas figuras penais
é altamente relevante.


O arcabouço normativo da ditadura era severíssimo se levar-se em conta


um regime constitucional democrático, como o que previa Castello Branco em seu
discurso de posse, em 1964. A anulação do poder de ação legal dos comunistas,
após o Ato Institucional nº 2 possibilitou a justificativa para a criação do Ato
Institucional nº 5 a fim de reprimir a atuação política clandestina, recrudescendo
a repressão. É o que se notou também após o sequestro do embaixador norte-a-
mericano e a edição do Ato Institucional nº 14, que passou a abordar terrorismo
de “ato de sabotagem ou terrorismo”38 a termos ainda mais vagos, que eram os
“delitos decorrentes da Guerra Psicológica Adversa ou da Guerra Revolucionária ou
Subversiva”39. A repressão era uma demonstração da força que o regime adquirira,
pois, embora não tenha aplicado a pena de morte prevista no AI-14, também
não descartou o efeito simbólico que o regime adquiriu enquanto Estado forte.

Sobre a criminalização de terrorismo na Assembleia Nacional Constituinte,


há dois resultados da pesquisa: um relativo aos debates do artigo 5º e outro aos
do artigo 4º da Constituição Federal de 1988. A relação entre tortura e terrorismo
em um mesmo inciso do artigo 5º não foi um produto do acaso, nem uma
construção discursiva posterior à criação da Assembleia Nacional Constituinte,
mas o fruto de um processo de legalização do regime militar e da participação
possível das oposições, legais ou clandestinas nesse regime. O fato de estarem
contempladas na Constituição tanto a demanda de grupos ligados à resistência
quanto a demanda daqueles ligados aos militares revela dois aspectos principais.
O primeiro é o de que o ordenamento jurídico ditatorial tornou ilegal significativa
parcela das agendas políticas, e criminosos os que manifestavam por essas agendas,
não sem criar uma justificativa que se ancorava no princípio da legalidade e que
tinha o intuito de dar ao regime a aparência de Estado de Direito. O segundo é o
de que a Constituinte foi um momento político da história do Brasil em que não
38 BRASIL. Decreto-Lei no 314, de 13 de março de 1967. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem
política e social e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 mar. 1967, Seção 1, p. 2993. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960- 1969/decreto-lei-314-13-marco-1967-366980-publicacaoo-
riginal-1-pe.html>. Acesso em 14 jan. 2017.
39 BRASIL. Ato Institucional no 14, de 5 de setembro de 1969. Diário Oficial da União, 10 set. 1969, Seção 1,
p. 7649. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-14- 69.htm>. Acesso em 9 jan. 2017.

223
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

havia uma hegemonia que controlasse todo o processo, de modo que o fervor
social foi canalizado para o Congresso Nacional e as demandas foram negociadas.

Quanto ao inciso VIII do artigo 4º da Constituição Federal, a Comissão


Afonso Arinos foi o principal rascunho. Embora os primeiros anteprojetos não
reproduzam os princípios de relações internacionais assim como previsto no An-
teprojeto da Comissão Afonso Arinos, tanto os especialistas convidados a fazer
exposições nas audiências públicas quanto os constituintes foram, aos poucos,
trazendo seu texto de volta para o debate. Assim, embora os Anteprojetos da
Subcomissão 1-a tenham sido diferentes do anteprojeto Arinos, no que se refere
ao repúdio ao terrorismo permaneceram as proposições deste na redação final
da constituição.

Os debates sobre terrorismo na ANC, portanto, não são a mera con-


cretização de uma teoria dos dois demônios40, ainda que criminalize tortura e
terrorismo no inciso XLIII do artigo 5º. As disputas durante os quase dois anos de
funcionamento da ANC revelam que não há por detrás do inciso o argumento de
que a tortura era justificável porque os terroristas eram uma ameaça à segurança
nacional. Há, pelo contrário, o embate em torno, de um lado, da ideia de que,
mesmo não se aplicando aos atos praticados no regime militar, era importante
criminalizar a tortura, tanto como construção de uma memória coletiva recente
quanto como necessidade de criar mecanismos de construir uma democracia am-
pla, e, de outro lado, a lógica também de que a tortura deveria ser criminalizada,
mas, igualmente, deveriam ser criminalizados outros crimes, como o terrorismo.

Conclusão

O pensamento autoritário do regime militar que se projetou na ANC é


complexo e ultrapassa os debates sobre crime político e terrorismo, mas a rele-
vância do debate sobre a criminalização de terrorismo na constituição democrática
está em demonstrar a permanência, embora não a prevalência, de ideias como a
de que a prática do terrorismo como método político da oposição clandestina
justificaria a repressão pela ditadura militar, em defesa da ordem social e da
existência do Estado brasileiro.

É necessário não superestimar o pensamento autoritário na elaboração


da Constituição de 1988, sendo fundamental perceber como sua compreensão
sobre crimes políticos repercute na atualidade. As constituições democráticas
são constantemente reescritas, e, por isso, nenhuma sociedade está imune ao
efeito de práticas desconstituintes. No Brasil, isso é visível, já que “alguns setores
da sociedade – aqueles mais identificados com o regime anterior – nunca acei-

40 TEROL, José Manuel Barrio. Insurgencia y represión. Acerca de la teoría de los dos demonios. In: Historia
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

taram completamente o resultado do processo constituinte de 1987-1988. Essas


forças, que não são insignificantes, estão sempre se articulando para desmontar
o arcabouço normativo construído em 1988”, nas palavras de Cristiano Paixão. O
estudo da elaboração da Constituição Federal de 1988 pode, assim, contribuir para
entender essas aspirações a uma guinada autoritária, mesmo após a reconstrução
da Democracia.

225
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

DESIGUALDADE, DISPUTAS REGIONAIS


E ESTABILIDADE DEMOCRÁTICA NOS CASOS
DO FEDERALISMO BRASILEIRO E ALEMÃO:
EM ESTUDO COMPARADO

GUSTAVO CASTAGNA MACHADO


Doutor em Direito, Doutorando em Ciência Política
Universidade de Frankfurt, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS),
Faculdades João Paulo II (FJPII)
E-mail: gustavocastagna@gmail.com

Eixo temático: Crises Constitucionais no Brasil República.

Palavras-Chave: Desigualdades Regionais; Federalismo; Estabilidade De-


mocrática.

A Alemanha (analisada aqui a partir de sua reunificação em 1990) é a


4ª economia do mundo e o Brasil (analisado aqui a partir da sua redemocrati-
zação em 1985) é a 7ª. Ambos os países têm uma importância estratégica no
contexto regional e global. Brasil e Alemanha são dois estados federais, e, assim
como ambos possuem desigualdades regionais, também possuem mecanismos
de redistribuição de recursos e poderes em suas estruturas federais para comba-
ter essas desigualdades regionais e impedir que os entes federados mais ricos e
poderosos se tornem cada vez mais ricos e poderosos. Porém, esses mecanismos
federais enfrentam resistência de várias maneiras, exatamente desses estados mais
ricos e poderosos, procurando resistir a essa redistribuição de recursos e poderes.
Na Alemanha, por exemplo, um princípio fundador da equalização financeira
alemã estabelece que os estados mais ricos devem ajudar os estados alemães
mais pobres mediante o envio de recursos orçamentários, mas os estados mais
ricos se opõem a essas transferências de riqueza e ajuizaram uma ação perante o
Tribunal Constitucional alemão (Dick 2013). Mas isso funciona como uma espécie
de barganha política, não afetando a estabilidade democrática. No Brasil, o Partido
dos Trabalhadores (PT), durante seus governos (2003-2016), apoiou uma política
de redistribuição de riquezas e de investimentos fortes nos estados mais pobres

227
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

e isso foi desafiado pelos estados mais ricos em vários níveis, e isso foi feito de
uma forma que corroeu a estabilidade democrática no Brasil.

Dado esse contexto, interessado no tópico e tentando entender a dinâ-


mica de ambos os sistemas federais, comparando-os, para conhecer seus pontos
fortes e fracos, as razões para o sistema alemão reagir melhor institucionalmente
às disputas do que o brasileiro, foi elaborado um projeto para escrever uma tese
de doutorado para identificar como o federalismo desses países trata e resolve
disputas quando há uma forte controvérsia e a possibilidade de quebra demo-
crática e como as partes envolvidas respondem às resoluções de controvérsias.
Aqui, não se pretende fazer uma comparação plena, mas, dando mais ênfase
ao caso brasileiro, analisar semelhanças e diferenças com o caso alemão e ver
como a recente experiência federal alemã poderia contribuir com a brasileira. O
caso alemão deixa claro que é possível um estado federal, com desigualdades
regionais e com mecanismos de redistribuição de recursos e poderes em suas
estruturas federais, combater essas desigualdades regionais sem o risco de uma
ruptura democrática, considerando a estabilidade democrática em Alemanha nas
últimas décadas. Como é possível isso na Alemanha? O que falta na experiência
brasileira? Portanto, aqui é excluída também uma abordagem ingênua que esta-
belece a experiência federal alemã como algo perfeito e acima das críticas, mas
só se estabelece aqui o objetivo de entender o que funciona bem e pode servir
de inspiração para um sistema federal diferente com características semelhantes.

Para entender melhor a questão no Brasil, em primeiro lugar, é necessário


esclarecer que a disputa sobre a presidência da República no Brasil é polarizada
desde 1994 por dois partidos: o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e
o Partido dos Trabalhadores (PT). O primeiro está mais alinhado ideologicamente
com os estados do Sul e Sudeste (principalmente São Paulo, excluindo o Rio de
Janeiro, que está mais alinhado com o PT) do Brasil, os estados mais ricos, enquanto
o segundo está mais alinhado ideologicamente com os estados no Norte e Nor-
deste, os mais pobres. Embora o PT tenha dificuldades históricas para conquistar
as eleições na região Centro-Oeste, também realizou muitas políticas distributivas
que beneficiaram grandemente a região. Os governos do PSDB (1994-2002) não
priorizaram as políticas de distribuição, optando por uma lógica de priorização de
investimentos em São Paulo e seus estados vizinhos (quando era importante para
uma cadeia econômica que tinha São Paulo como seu epicentro), o que manteve
as desigualdades entre os membros da federação, até mesmo as aprofundando.
Durante os governos do PT (de 2003 a 2016), foram feitas políticas de distribuição
profundas, que reduziram a desigualdade entre os estados da federação, embora
a desigualdade ainda seja grande. Além disso, foi feito um trabalho para reduzir
a grande predominância de São Paulo na federação brasileira.

228
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Por exemplo, deve-se mencionar as transformações no PIB brasileiro re-


sultantes das políticas de distribuição. De 2002 a 2012, três grandes regiões
aumentaram sua participação no PIB brasileiro: a região Centro-Oeste aumentou
sua participação em 1,0%; a região Norte aumentou 0,6%; e a região Nordeste
aumentou também 0,6%. Os resultados de 2012 mostraram que a região Sudeste
contribuiu com 55,2% para o produto interno bruto brasileiro (PIB) (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística 2014: p. 13).

Por exemplo, em 2012, em relação ao ano anterior, o estado de São Paulo,


com participação de 32,1% no PIB brasileiro e com quase 32 milhões de eleitores
(22,4% dos 142,8 milhões de eleitores brasileiros), diminuiu 0,5%, enquanto o Rio
de Janeiro aumentou 0,3% e Minas Gerais diminuiu 0,1%. Todos estão localizados
na região Sudeste. A região Nordeste, em 2012, aumentou sua participação em
0,2% em relação a 2011, representando 13,6% do PIB brasileiro. Em 2012, oito
membros da Federação (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande
do Sul, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal e Bahia) representavam 76,6% do
PIB, marcando um declínio de 0,5% da contribuição em comparação a 2011. Na
série 2002-2012, esse grupo perdeu cerca de 3,1% de sua participação para os
outros 19 estados, e a atual participação de 76,6% do PIB estabelecida em 2012
é a menor participação da série. O avanço da fronteira agrícola, os incentivos
regionais, a maior mobilidade das instalações industriais, além do avanço das
novas classes de consumidores, são alguns dos fatores que influenciaram a perda
de participação desses membros da federação no PIB brasileiro nos anos da série
2002-2012. O grupo dos outros 19 estados que contribuiu com 20,3% para o PIB
em 2002 aumentou cerca de 3,1% em 2012 (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística 2014: pp. 13-14).

Além disso, o estado de São Paulo, o maior parque industrial do país, vem
perdendo participação na produção industrial brasileira. Embora seja responsável
por 29,8% de tudo o que é produzido pelo setor no Brasil, a participação do
estado perdeu peso no Produto Interno Bruto industrial (PIB) (Confederação
Nacional da Indústria 2014: p. 182).

Os números podem parecer tímidos, mas a população não percebe assim


e isso causou impactos profundos, alterando a geografia econômica brasileira,
incluindo uma mudança no fluxo migratório interno. Antes, por exemplo, o co-
mum era a migração da população do Nordeste para São Paulo, principalmente
em busca de oportunidades, o que servia para disponibilizar para a comunidade
empresarial de São Paulo (e também para a classe média paulista, que contrata
os migrantes para realizarem trabalhos domésticos) uma maior disponibilidade
de mão-de-obra, também mais barata. No entanto, a migração entre regiões do
país perdeu a intensidade na última década, e os estados do Nordeste, além de

229
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

manter sua população, começaram a receber de volta aqueles que deixaram seus
estados para o centro-sul do país, que já não atrai mais os nordestinos (G1 2011).

De acordo com uma matéria publicada na Folha de São Paulo em 2015,


atualmente é mais provável que um brasileiro faça fortuna nas regiões Norte e
Nordeste do que no Sudeste, que concentrou a maior parte da riqueza brasileira
nos últimos 150 anos ou mais. Isso é demonstrado por uma análise de dados
coletados do imposto de renda brasileiro a partir de declarações apresentadas
em 2014. De 2003 a 2013, o número total de milionários mais do que duplicou
em 13 estados brasileiros – dentre eles estão 8 dos 10 estados das regiões Norte
e Centro-Oeste, excluído o Distrito Federal. Os outros cinco estão localizados na
região Nordeste. No Sudeste, a tendência ascendente dos contribuintes com renda
anual de US $ 1 milhão ou mais foi menor. Dentro de uma década, o total dos
contribuintes dos milionários brasileiros aumentou de 18.500 para 29.800, um
aumento nacional de 61%. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná,
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que concentravam 82% dos milionários
brasileiros em 2013, o ritmo de adesão ao clube de milionários foi menor do
que a média nacional (Wiziack 2015).

Como mencionado acima, São Paulo, o estado mais rico do Brasil e


responsável por cerca de 32% do PIB brasileiro, diminui anualmente sua partici-
pação no PIB brasileiro. Mas não só isso. De acordo com sua ideologia nacio-
nal-desenvolvimentista, bem como com suas políticas de distribuição de riqueza,
os governos do PT realizaram grandes projetos de infraestrutura que, uma vez
concluídos, criarão novas cadeias econômicas e descentralizarão mais profunda-
mente a economia brasileira. Os principais projetos de construção que podem
ser mencionados aqui são a Transposição do Rio São Francisco (cerca de 700
km de extensão, passando pelo território dos estados de Pernambuco, Paraíba,
Ceará e Rio Grande do Norte), o Porto de Suape (Pernambuco) a reforma dos
portos de Pecém e Mucuripe (Ceará), a reforma do Porto de Itaqui (Maranhão),
a construção do complexo portuário do Porto Sul na Bahia (em Ilhéus), o Es-
trada de ferro Transnordestina (um projeto ferroviário para conectar o porto de
Pecém, em Ceará, até o Porto de Suape, em Pernambuco, também passando pelo
Cerrado do Piauí, na cidade de Eliseu Martins, com um total de 1.728 km), a
Ferrovia Norte-Sul (que já possui 1.574 km, começando no estado de Maranhão
e chegando a Palmas no Tocantins), a Ferrovia Transoceânica (que conectará os
oceanos Pacífico e Atlântico, começando no Porto do Açu no Rio de Janeiro,
Brasil, e chegando ao Peru), a duplicação da rodovia Belém-Brasília (com 1.959
km), a construção das hidrelétricas de Belo Monte (que será a terceira maior
barragem do mundo), Jirau e Santo Antônio, as três localizadas no norte do Brasil.

Conforme observado acima, todas essas construções estão localizadas nas


regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e causarão um impacto profundo na

230
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

economia brasileira uma vez concluídas. Embora as construções estejam sendo


realizadas em todas as regiões do Brasil, a maioria delas são de infraestrutura
social e urbana, não tendo a mesma capacidade de impactar a economia que
as construções listadas acima. Na região Sudeste, construções similares são en-
contradas apenas no Rio de Janeiro, em grande parte devido à Petrobras (Lula e
Dilma venceu no Rio de Janeiro em todas as rodadas das eleições que disputa-
ram), como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e o Porto
do Açu, e também devido à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016.
Essa lógica de descentralização da economia é uma ruptura em relação à lógica
dos governos brasileiros anteriores de priorizar os investimentos em São Paulo
e seus estados lindeiros e parceiros (quando fosse importante para uma cadeia
econômica que tinha São Paulo como epicentro).

Junto a isso, houve uma tentativa de descentralização do sistema universitá-


rio brasileiro, fortemente concentrado nas Regiões Sudeste e Sul, com a criação de
universidades federais e programas de pós-graduação em outras regiões do Brasil.
Especialmente durante o governo de Lula (2003-2010), foi adotada uma política
de expansão das universidades federais, criando 14 (Moura 2011). Mesmo sendo
tentado descentralizar os programas de pós-graduação, eles ainda estão muito
concentrados. Como afirmou o diretor executivo da the AssociaçãoBrasileira de
Mantenedoras de Ensino Superior, “no Brasil há uma restrição (na oferta) de pós-
graduação, fazendo com que o doutorado seja mais concentrado não Sudeste”.
O cenário regional também mostra forte concentração nos Estados mais ricos:
em 2009, 79% dos pesquisadores brasileiros eram oriundos das universidades do
Distrito Federal, Sul e Sudeste, 15% das universidades localizadas na Região Nordeste
e 6% das universidades das regiões Norte e Centro- Oeste. A mesma relação dez
anos antes (1999) apresentou maior distorção: 88%, 9% e 3%, respectivamente. Até
1999, os 13 estados localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste nunca
formaram um doutor. Em 2010, apenas o Acre e Roraima ainda estavam fora
da lista (Máximo 2010). Mais tarde, o Acre e Roraima criaram alguns programas
de pós-graduação, mas eles tinham, juntos, apenas 24 estudantes de doutorado
matriculados em 2014 (Righetti 2016).

Some-se a isso também a concentração dos grandes grupos de mídia em


São Paulo (Editora Abril, Folha de São Paulo e Estadão) e na zona sul do Rio de
Janeiro (Grupo Globo, aliada do capital estrangeiro e com poucos vínculos com
a maioria da população local).

Com todo esse background, São Paulo respondeu politicamente com força
à reeleição e ao governo de Roussef, elevando o nível de “antipetismo” naquele
estado, causando uma crise política e comprometendo a estabilidade da demo-
cracia brasileira (Zanatta 2015). A mesma interpretação do grande quadro aqui
colocado, mas percebendo que a estabilidade democrática foi posta em perigo

231
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

no Brasil, a American Quarterly, em um artigo de seu editor-chefe, Brian Winter,


apontou para “o retorno do antigo, instável Brasil” (Inverno 2015).

Com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o vice-presidente Mi-


chel Temer (que abertamente conspirou contra Rousseff), do PMDB, o grande
partido pêndulo brasileiro assumiu a presidência do Brasil. Assim como ele era
parte do governo de Dilma Rousseff, Temer também havia sido um importante
aliado político do PSDB durante os governos de Fernando Henrique Cardoso. Ao
assumir o governo, Temer começou a restabelecer as mesmas políticas do PSDB
(e deve ser considerado que o PMDB não tem um programa político claro e se
sente desconfortável quando está no centro dos holofotes) e desfazer as políticas
realizadas pelo governos do PT. Ao contrário de suas promessas, Temer não resol-
veu o problema da instabilidade política criada pelo impeachment, não conseguiu
melhorar a situação econômica e rapidamente se tornou altamente impopular.

Meu problema de pesquisa é: o federalismo brasileiro é marcado por


profundas desigualdades regionais que geram disputas intergovernamentais e afe-
tam a estabilidade de sua democracia. O federalismo alemão também é marcado
por desigualdades regionais que geram disputas intergovernamentais, mas essas
disputas não afetam a estabilidade de sua democracia. Por que acontece, como
os federalismos desses países tratam e resolvem disputas quando há uma forte
controvérsia e a possibilidade de ruptura e como as partes envolvidas respondem
às resoluções de controvérsias? Que tipo de lições o federalismo brasileiro poderia
tirar do caso alemão, especialmente em termos institucionais?

Neste projeto eu utilizarei a obra do cientista político alemão Arthur


Benz como referencial teórico. Ao empregar seu referencial teórico, é possível,
sempre com foco em desigualdades e disputas regionais, entender e interpretar
a dinâmica de ambos os sistemas federais, por que, por um lado, a dinâmica
do sistema federal alemão, com suas lutas de poder, com suas desigualdades
regionais e seus mecanismos de redistribuição de recursos e poderes em sua
estrutura federal não ameaçam a estabilidade democrática e, por outro, o porquê
da dinâmica do sistema federal brasileiro põe a estabilidade democrática em ris-
co. Além disso, este quadro teórico ajuda a analisar quais são as dinâmicas dos
sistemas federais do Brasil e da Alemanha e como o processo de estabilização
e ajuste desses sistemas federais funciona para mudar as condições em meio a
essas disputas, considerando que os desenvolvimentos nas sociedades, instituições
e políticas desses países relacionados às estruturas federais às vezes podem se
apoiar e se reforçar mutuamente, às vezes interferir e causar conflitos e tensões
(o que geralmente acontece no caso do Brasil, como será mostrado na tese).

Para responder à esse problema de pesquisa, este projeto emprega um


método de análise qualitativa e um estudo comparado.

232
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Dois métodos de coleta de dados devem ser aplicados: entrevistas com


experts e análise de documentos. No caso de entrevistas com experts, a opção é
justificada como uma soma a outras fontes escritas. Isso permitirá que eu pergunte
aos experts sobre as questões específicas que me interessam e que não foram
tratadas diretamente em seus escritos.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A FACULDADE DE DIREITO DA BAHIA, O GOLPE


DE 1964 E SEUS ANTECEDENTES (1961-1964)

MÁRCIA COSTA MISI


Professora de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana/Bahia - UEFS
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA
E-mail: marciamisi@gmail.com

JULIO CESAR DE SÁ ROCHA


Professor do Programa de Pós Graduação em Direito
e da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA
E-mail: julior@ufba.br

Eixo Temático: História Social do Direito

Palavras-chave: História do direito; Ditadura civil-militar na Bahia; Direito


e regimes autoritários.

Introdução

A história política do Brasil recente é marcada por um período em que


as liberdades democráticas foram tolhidas e as vozes de oposição ao governo
estabelecido foram perseguidas, intimidadas e em alguns casos violentamente
eliminadas. A ditadura que se estabeleceu no país entre 1964 e 1985 faz parte de
um passado que por algum tempo a sociedade brasileira tentou esquecer, mas
que teima em “aparecer” nos vestígios deixados em nosso presente.

Esta observação reforça o reconhecimento acerca da necessidade de


manter mobilização e interesse na produção de pesquisa para entender melhor
o percurso da nossa democracia, a partir de novas abordagens, novos questio-
namentos, novos olhares

Importantes contribuições surgem a partir de historiadores do Rio de


Janeiro que, desde 2004 começam a dirigir o olhar para o elemento civil da
ditadura (nesse sentido, Denise Rollemberg, Daniel Aarão Reis, entre outros). A
participação civil no golpe já havia sido apontada, amparada em farta pesquisa
documental, por René Dreifuss (1981), mas esses historiadores avançam no sentido

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CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

de demonstrar consenso e consentimento na construção do regime autoritário


(ROLLEMBERG E QUARAT: 2010).

A história do direito pode oferecer uma contribuição importante para a


narrativa dessa história, especialmente a história do direito tal como retomada
após a redemocratização, reinserida na matriz curricular dos cursos jurídicos e
considerada como objeto de pesquisa por juristas. Uma história que suspeita do
poder, do romantismo e das continuidades (LOPES, 2000), portanto, uma fazer
história que se liberta da narrativa linear e evolutiva dos grandes acontecimentos
e enaltecedora das grandes personalidades

O levantamento bibliográfico realizado para construir esta proposta de


pesquisa identificou produções acadêmicas que se voltam para esse período
com questionamentos próprios da história do direito. Leonardo Barbosa estu-
dou as mudanças constitucionais empreendidas pelo regime, demonstrando a
estreita relação entre direito e poder ao considerar o ambiente político em que
juristas colaboraram com a consolidação da legalidade autoritária que deu forma
à ditadura que se instalou (BARBOSA, 2012). Por outro lado, Otávio Valério se
debruçou sobre o posicionamento do STF durante o período de implantação
da ditadura (1964-1969), apresentando a corte constitucional como um espaço
de convergência, mas também de divergência com o regime (VALÉRIO, 2010).
No mesmo sentido, mas considerando a atuação do Supremo Tribunal Federal
por um período maior, até a edição da Lei de Anistia em 1979, Walter Swens-
son Junior em tese de doutorado em programa de História (SWENSSON, 2006).
Fabrícia Santos, embora com o enfoque da sociologia, que busca encontrar pa-
drões na posição dos Ministros do STF, lança contribuições para compreender
esta instituição durante a implantação da legalidade autoritária (SANTOS, 2008).

Os debates travados a partir das Faculdades de Direito durante os con-


turbados anos do Governo Goulart e durante a implantação da ditadura ainda
não foram objeto detido de estudo pela história do direito. Airton Cerqueira See-
laender afirma a importância de enfrentar o tema da participação de professores
de direito na legitimação e até mesmo em postos governamentais da ditadura
(SEELAENDER, 2009). Aliás, não são muitas as pesquisas em história do direito
sobre este período, o interesse do pesquisador nesta área costuma ir até a Era
Vargas. Assim, a historiografia sobre os cursos jurídicos e o pensamento jurídico
brasileiro não alcança os anos 60 do século XX.

Esse trabalho é parte de uma que pesquisa pretende compreender em


que medida a Faculdade de Direito da Bahia produziu e reproduziu a posição
predominante entre os atores jurídicos do Brasil a respeito do debate político-
jurídico travado durante o governo Goulart, o golpe de 1964 e a implantação
da ditadura no Brasil.

238
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Neste recorte pretende-se construir um panorama sobre o cotidiano da


Faculdade de Direito da UFBa entre 1961, ano em que Goulart toma possa e,
também ano em que é inaugurado o novo prédio da Faculdade (onde até hoje
está instalada) e 1964, quando o militares depuseram o presidente.

Metodologia

Levantamento bibliográfico sobre a ditadura na universidade; a ditadura


na Bahia; a ditadura e o campo jurídico;

Análise de fontes documentais no Memorial da Faculdade de Direito


da UFBa: Atas de reuniões da Congregação; Cadernetas; Dossiês de alunos e
professores;

Análise de Periódicos jurídicos onde professores e alunos publicavam


seus trabalhos;

Análise de arquivos de jornais onde opiniões de professores eram pu-


blicadas;

Análise de documentos nos arquivos da repressão;

Coleta de depoimentos orais de ex alunos;

Resultados da pesquisa

Consolidação da formulação do problema:


1. Familiarização com historiografia sobre história política, história do
tempo presente, história e memória
2. Familiarização com o debate historiográfico sobre a ditadura civil
militar no Brasil
Aproximação com as fontes
1. Pesquisa exploratória do Memorial da Faculdade de Direito
–– Que tipo de arquivos estão recolhidos e organizados no Memorial?
–– Que tipo de informações posso detectar nos arquivos recolhidos
pelo Memorial?
–– Análise das Atas da Congregação/ Identificação dos professores
no período estudado;
–– Recortes de jornal com notícias sobre a Faculdade de Direito
2. Pesquisa no site do Projeto Brasil Nunca Mais
–– IPM sobre a área de ensino na Bahia – depoimentos de ex-aluno
e de professores sobre fatos ocorridos logo após o golpe de 1964.

239
CARDENO DE RESUMOS – Crises constitucionais na História do Brasil República

Referências bibliográficas
Fontes documentais
Atas da Congregação da Faculdade de Direito
IPM sobre a área de ensino da Bahia
Recortes dos Jornais Diário de Notícia e A Tarde
Livros
ADORNO, Sergio. Os aprendizes do poder. O bacharelismo liberal na política bra-
sileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
BARBOSA, Leonardo de Augusto de Andrade. História constitucional brasileira,
mudança constitucional, autoritarismo e democracia no Brasil pós-1964. Brasília:
Câmara dos Deputados, Ed. Câmara, 2012.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
DANTAS NETO, Paulo Fábio. A quebra da casca do ovo: a elite baiana e a obra
do golpe de 1964. Disponível em http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=-
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DREIFUSS, René Armand. 1964 – a conquista do Estado: ação política, poder e
golpe de classe. Petrópolis: Vozes. 1981.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
3 ed. revista. São Paulo: Globo. 2001
FEEREIRA, Muniz Gonçalves. O golpe de estado de 1964 na Bahia, 2003. Dis-
ponível em http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=ar-
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Acesso em 17/06/2015.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. Lições introdutórias. São Paulo:
Max Limonad. 2000.
MOTTA, Rodrigo Pato Sá da. As Universidades e o regime militar: cultura política
brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
MOTTA, Marly Silva da. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v.5 : da
redemocratização ao estado democrático de direito, (1946-1988) / M arly Silva
da Motta, André Vianna Dantas; [coordenação Hermann Assis Baeta]. Rio de
Janeiro: OAB, 2006.
PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão. O autoritarismo e o estado de direito
no Brasil, no Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra. 2010.
ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Faculdade de Direito da Bahia: processo histórico e
agentes de criação da Faculdade Livre no final do século XIX. Salvador: Fundação
Faculdade de Direito da Bahia, 2015.
RODEGHERO, Carla Simone. Os historiadores e os estudos sobre o golpe de
1964 e o regime militar no Brasil in Revista L´Ordinaire Latino-Americano, n. 203,
2006, p. 93-123.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ROLLEMBERG, Denise e QUADRAT, Samantha (orgs.). A construção social dos


regimes autoritários. Brasil e América Latina, vol. II. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010.
SACCHETTA, José. O Direito na História: reflexão crítica sobre a pesquisa jurídica
no Brasil. In: PAMPLONA FILHO, Rodolfo; CERQUEIRA, Nelson. (Org.). Metodologia
da Pesquisa em Direito. 1ed. Salvador: JusPodivm, 2010, v. 2, p. 100-120.
SANTOS, Fabrícia Cristina de Sá. Direito e autoritarismo: o Supremo Tribunal Federal
e o processos de habeas corpus entre 1964-1969.
SWENSSON JUNIOR, Walter Cruz. Os limites da liberdade e a atuação do Supremo
Tribunal Federal no julgamento de crimes políticos durante o regime militar de
1964 (1964-1979). Tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, USP, 2007.
TOUTAIN, Lidia Maria Batista Brandão & SILVA, Rubens Ribeiro Gonçalves da
(orgs.). UFBA: do século XIX ao século XXI. Salvador: EDUFBA, 2010.
VALÉRIO, Otávio L. A toga e a farda: o Supremo Tribunal Federal e o regime
militar (1964-1969). Dissertação de mestrado Faculdade de Direito, USP, 2010.
ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (Org.). A ditadura na Bahia. Histórias de
autoritarismo, conciliação e resistência. Vol. 2. Salvador: EDUFBA, 2014.
___. A ditadura na Bahia. Novos olhares, novos objetos, novos horizontes. Vol. 1.
Salvador: EDUFBA, 2009.

241
RESUMOS

CULTURA JURÍDICA E DIÁSPORA AFRICANA


IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

OUTRAS HISTÓRIAS DE LIBERDADE:


PENSAR A HISTÓRIA CONSTITUCIONAL
A PARTIR DO ATLÂNTICO NEGRO

MARCOS VINÍCIUS LUSTOSA QUEIROZ


Doutorando em Direito – UnB
Universidade de Brasília – UnB

THIAGO FERRARE
Mestre em Teoria e Filosofia do Direito – UERJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ

Palavras-chave: História constitucional; Sincronização; Atlântico negro.

A teoria crítica euro-americana tende a reconhecer a produtividade dos


conflitos entre pretensões materiais opostas que convivem no interior de uma
comunidade política. Assim, demandas por reconhecimento ganham espaço na
arena pública enquanto conflitos materiais voltados à efetivação dos princípios
constitucionais que seriam objeto de consenso sobre o modo de resolução desses
conflitos. A política caminharia sem pôr em xeque a forma de resolução dos
conflitos, uma vez que ela se definiria pelo desdobramento daqueles conflitos
passíveis de tematização nos marcos pré-estabelecidos para a vivência da liberdade.
De modo geral, se reconhece a produtividade dos antagonismos materiais, embora
ao preço da ocultação da possibilidade dos antagonismos formais.

A ideia central aqui é a de sincronização1. A partir dela se percebe a


anulação da materialidade da vida política como um desdobramento da supo-
sição da existência de um modelo único de realização da liberdade: a liberdade
realizada no espaço institucional do Estado democrático de direito. Nos marcos
da teoria discursiva de Habermas, a materialidade que dá ensejo aos processos
de aprendizado social é demarcada e limitada em seu potencial produtivo: a

1 Paul Gilroy se vale da ideia de sincronização quando faz referência ao fato de que a história da colonização
foi experienciada a partir de perspectivas distintas e igualmente valiosas. A história sincronizada anula a variedade
de perspectivas em favor da universalização violenta de uma delas. A ilustrar esse ponto, veja-se o seguinte
trecho: “[...] não pode haver nenhuma reciprocidade na plantation fora das possibilidades de rebelião e suicídio,
fuga e luto silencioso, e certamente não há nenhum unidade de discurso para mediar a razão comunicativa.
Em muitos aspectos, os habitantes da plantation vivem de modo assíncrono” (GILROY, 2012, p. 129).

245
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

contradição que o sofrimento instaura não põe em xeque os pressupostos do


discurso prático, as bases do Estado constitucional. Nesse sentido, a descentraliza-
ção das perspectivas dominantes é sempre parcial, no sentido de que nunca dará
conta daquelas vivências cuja concretude não se deixa traduzir nos pressupostos
comunicativos embutidos nos processos constitucionais de crítica social.

A estrutura jurídica - e a gramática constitucional em especial – constitui,


portanto, o padrão hegemônico de realização da liberdade. Habermas reforça a
centralidade da ideia segundo a qual a ordem jurídica de determinada comunidade
política tem continuidade com sua identidade historicamente produzida. Embora
esteja relacionada à história de autodeterminação de um povo, a estrutura jurídica
da sociedade seria também o meio através do qual se dá a constante recons-
trução dos sentidos dessa história: “[...] a teoria do discurso concebe os direitos
fundamentais e princípios do Estado de direito como uma resposta consequente
à pergunta sobre como institucionalizar as exigentes condições de comunicação
do procedimento democrático” (HABERMAS, 2002, p. 280). A gramática constitu-
cional surge aqui como a instância mediadora do aprendizado social. Em outras
palavras, poderíamos dizer que os princípios constitucionais são o meio através
do qual a crítica social é exercida, as estruturas que compõe o espaço no qual
a história de determinada comunidade pode ser revisitada e explorada em suas
facetas até então silenciadas.

Nos marcos da teoria discursiva do Estado democrático de direito há devir,


portanto. Há história a ser ressignificada. Há memória/identidade da comunidade
a ser reconstruída. Ocorre, porém, que o devir, a ressignificação da história e a
reconstrução da memória/identidade de uma comunidade são sincronizados desde
a perspectiva da forma atual por meio da qual se pode falar sobre essas questões.
Só à luz dessa forma se fala sobre a dor dos ofendidos; é essa forma que impõe
restrições a respeito da decisão sobre qual dor pode ser tematizada. A gramática
constitucional estabelece critérios de dizibilidade, formas que são condições de
possibilidade para o falar sobre política e emancipação. É assim que a pretensão
de reconstruir a história de determinada comunidade política se perde na delimi-
tação prévia daquilo que pode ser uma pauta a ser debatida no espaço público
estruturado constitucionalmente. Em resumo, portanto, pode-se dizer que a teoria
crítica hegemônica naturaliza os marcos da crítica, determinando abstratamente
os sentidos possíveis da liberdade.

Ao que parece, há dois modos de se posicionar perante esse desafio: tomar


o direito como uma lógica necessariamente violenta e a partir daí tematizar outros
espaços de realização da liberdade; ou pensar em caminhos de ressignificação
da estrutura constitucional a partir de sua abertura a demandas historicamente
silenciadas. Emancipação fora do direito ou ressignificação histórica da estrutura
jurídico-constitucional: esse é um modo diferente de colocar a mesma questão.

246
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A postura segundo a qual a subversão dos padrões hegemônicos de


subjetivação envolve necessariamente o recurso a espaços de reconhecimento
não estruturados pela gramática jurídica corre o risco de incorrer na seguinte
contradição: manter intocada a formalidade da estrutura jurídica da sociedade
enquanto tematiza outros contextos de realização da liberdade. Por sua vez, a
postura inversa – aquela que investe seu impulso crítico na compreensão da
materialidade da própria gramática jurídica e, portanto, na possibilidade de sua
disputa e ressignificação histórica – tende a ignorar a possibilidade de que de-
terminadas dimensões da subjetividade livre não se deixem tematizar no jargão
uniformizante do direito.

Uma incursão pela obra de Paul Gilroy nos ajuda a evidenciar a insufi-
ciência dessa dicotomia. Com o objetivo de livrar-se de naturalizações, o autor
demarca o seu ponto de partida crítico: “não tomemos nada como pressuposto”
(GILROY, 2012, p. 237). Esse imperativo se concretiza na intenção de reconstruir a
história da modernidade política desde uma perspectiva que, embora tenha sido
silenciada, a constitui. Tal perspectiva tem a ver com a memória da escravidão. O
silenciamento sobre a experiência da escravidão é o pressuposto do qual Gilroy
pretende se livrar, de modo que sua construção teórica deve ser vista como um
típico trabalho de trazer à luz as contradições do pensamento hegemônico; um
típico trabalho de teoria crítica, portanto.

Dentro desse contexto, a obra de Gilroy articula as duas teses que guiam sua
investigação teórica pela produtividade crítica da memória dos povos da diáspora
africana: em primeiro lugar, defende que a escravidão dos povos africanos é uma
dimensão constitutiva da modernidade euro-americana; em segundo, sustenta que
é inocente a teoria política que se constrói sem ter em vista a complexidade das
experiências de liberdade próprias aos povos que compartilham a memória do
mundo atlântico negro2. Tais questões apontam que a teoria crítica hegemônica
e as respectivas narrativas sobre a modernidade são unilaterais na compreensão
dos sentidos que o ocidente atribui para à experiência de liberdade.

Voltando ao campo da gramática do direito moderno, tais deslocamentos


propostos por Paul Gilroy abrem novos horizontes para se pensar metodologica-
mente a história constitucional. Na medida em que toda narrativa histórica é uma
narrativa que goza de pretensões normativas, ainda que não ditas, pretendemos
realizar dois movimentos: primeiramente, apresentar os vínculos entre teoria crítica
hegemônica e o campo da história do constitucionalismo, perquirindo suas “inge-
nuidades” e obliterações; e, em um segundo momento, explorar a chave analítica
2 Gilroy define a expressão quando se refere ao objeto de sua investigação: “Este livro aborda uma pequena
área dentro da consequência maior desta conjunção histórica: as formas culturais estereofônicas, bilíngues ou
bifocais originadas pelos – mas não mais propriedade exclusiva dos – negros dispersos nas estruturas de sen-
timento, produção, comunicação e memória, a que tenho chamado heuristicamente mundo atlântico negro”
(GILROY, 2012, p. 35).

247
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

do Atlântico Negro como mecanismo disruptivo de compreensão da história do


direito na modernidade. Tem-se como pano de fundo não só a necessidade de
desvendar as lutas e experiências esquecidas na história, mas de pensar o próprio
contar da história no presente como um produtor de silêncios que limitam as
fronteiras da nossa imaginação moral e, consequentemente, do que temos como
princípios constitucionais.

Referências bibliográficas
BUCK-MORSS, Susan. Hegel, Haiti and universal reason. Pittsburgh: University of
Pittsburgh Press, 2009.
GILROY, Paul. O atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel
Moreira. São Paulo: Editora 34, 2012.
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George
Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
___. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. Trad. Luiz Repa e Rodnei
Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio. Trad. Paulo
Meneses. São Paulo: Loyola, 1995.

248
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

SOCIEDADE OPERÁRIA 13 DE MAIO:


CULTURA JURÍDICA E ASSOCIATIVISMO NEGRO
NO PÓS-ABOLIÇÃO (1888-1896)

THIAGO DE AZEVEDO PINHEIRO HOSHINO


Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: hoshino.thiago@gmail.com

Eixo Temático: Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Palavras-chave: Associativismo negro; Cultura jurídica; Operariado.

Introdução

Fazendo parte da geografia do Alto São Francisco, a Sociedade Operária


Beneficente 13 de Maio, fundada em 1888, acha-se encravada no coração do
“centro histórico” de Curitiba. Mas histórica, de fato, é a escassez de estudos e
informações balizadas a seu respeito, não tanto por culpa das fontes, que vêm
se mostrando fartas, como, talvez, por outras dinâmicas, associadas à economia
simbólica da própria produção acadêmica. Acompanhando esse déficit, apenas
recentemente passou a instituição a receber o reconhecimento público de sua
importância como um dos mais antigos clubes sociais negros do país, ainda em
atividade3. Mesmo a deliberada política de embranquecimento que editou a
narrativa sobre o Paraná4, tentando conferir-lhe ares de um suposto “Brasil dife-
rente”, todavia, não fadou à extinção nem ao olvido um dos mais contundentes
lugares de memória5 afrodescendente no estado e seu acervo que narra modos
híbridos de resistência.

3 Para o enquadramento teórico da questão e esforço inaugural de mapeamento, sistematização e reconhe-


cimento dessas instituições, vide o trabalho seminal de Giane Vargas: ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes Sociais
Negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação de Mestrado (Patrimônio
Cultural). Santa Maria: UFSM, 2010. Igualmente, um conjunto de dados já consolidados acha-se disponível em:
http://www.clubessociaisnegros.com.br/
4 Exemplo deste tipo de historiografia, atualmente foco de severas críticas no próprio campo é o trabalho de
Wilson Martins (Vide: MARTINS, Wilson. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de aculturação no Paraná.
São Paulo: T. A. Queiróz, 1989.)
5 O termo foi teoricamente refinado por Pierre Nora: NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática
dos lugares. In: Revista Projeto História (PUCSP), n. 10, pp. 07-28, dezembro/1993.

249
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Ponto de convergência de muitas trajetórias e ponto de inflexão na experi-


ência de vida de tantos homens e mulheres que a fundaram, que a comandaram,
que por ela lutaram e foram assistidos, que nela se organizaram, se instruíram, se
politizaram e se divertiram, o “Clube 13” atravessou sucessivos regimes, decerto
não sem transformações, rupturas e descontinuidades. Em meio ao jogo da per-
manência e da mudança, vale interrogar os primórdios desta sociedade: em suas
origens oitocentistas, o que propunha e no que consistia ela? Uma agremiação de
trabalhadores? Uma entidade beneficente? Um núcleo de mutualismo negro? Um
clube recreativo? Um movimento dos “homens de cor”? Essas foram as perguntas
fundamentais que nos instigaram à presente investigação, no cenário da primeira
década do pós-Abolição numa capital periférica.

Não deixando jamais de celebrar o 13 de maio, seus membros incorporam


também o 1o de maio num calendário tão festivo quanto político. Conforme
o 28 de setembro (promulgação da Lei do Ventre Livre) perdia proeminência,
outras datas foram ocupando seu lugar, como, contemporaneamente, o 20 de
Novembro, Dia da Consciência Negra (ainda não instituído em Curitiba, diga-se
de passagem). Uma cartografia da presença e do protagonismo negros.

Metodologia

A pesquisa fundamenta-se em trabalho com fontes primárias, entre as quais


destacam-se: a) acervos privados de sociedades operárias, especialmente a Socie-
dade Operária Beneficente 13 de Maio; b) jornais e periódicos da República Velha;
c) processos judiciais do Arquivo Público do Estado do Paraná. Por meio desta
documentação e com referencias da micro-história e da história social, pretende-
se traçar as biografias coletivas e entremeadas de homens e mulheres negros/as
protagonistas da mobilização política e do ativismo racial nos primeiros anos do
pós-Abolição, período que apresenta uma série de peculiaridades e dificuldades
para esta espécie de pesquisa. A categoria do “associativismo negro” é uma das
empregadas para analisar as tensões inter-raciais e os discursos de cidadania que
atravessam as lutas e performatividades da população negra na República Velha,
ressaltando seus vínculos com a construção do movimento operário.

Resultados

O estágio atual da pesquisa permite identificar a centralidade da cultura


jurídica nas lutas do operariado negro curitibano, por meio de dinâmicas de
circularidade cultural entre “profissionais do direito” e “leigos”, bem como um
conjunto de vínculos pessoais e institucionais que conformam ampla rede de
mobilização social. A forte presença negra nas sociedade operárias do período é
um dos dados de destaque, bem como sua organização numa entidade própria,
a Sociedade 13 de Maio, a qual revela continuidades e rupturas com as estraté-

250
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

gias de liberdade do regime escravista. No campo das continuidades, é possível


verificar a manutenção de práticas e redes de contatos acionadas desde antes
da fundação da Sociedade, por grupos que integravam a Irmandade do Rosário
dos Pretos de Curitiba, o movimento abolicionista e corporações mais ou menos
formais de ofício, sobretudo os pedreiros. No campo das rupturas, instaura-se
uma nova gramática da cidadania, em que a negação raça/cor está permeada
de contradições e paradoxos (como o stigma social e a negação por parte do
estado), mas que precisa ser reinventada nas novas lutas da população negra e
sua integração na vida política local (a categoria “homens de cor”, por exemplo,
é uma das que será construída no período).

Conclusões

As conclusões provisórias da pesquisa indicam para aspectos ainda su-


banalisados do período pós-abolição e suas dificuldades metodológicas (como
o silêncio dos dados e fontes oficiais sobre raça/cor). Apesar disso, os resultados
permitem afirmar que existiram espaços de sociabilidade e de organização política
de corte estritamente racial, como a Sociedade Operária 13 de Maio, os quais,
todavia, se inscreviam também num cenário de lutas sociais diversas, sobretudo
dos/as trabalhadores/as. Às representações e imaginários sobre a África e sobre
os “filhos d’África” (expressão que surge nos estatutos da sociedade) agregavam-se
elementos e uma determinada retórica jurídica, patrimônio acumulado desde as
lutas abolicionistas por estes homens e mulheres, e que foi de grande relevância
não apenas para o combate dos estigmas raciais, mas também para a formulação
de um conceito alternativo e, de certa maneira, mais plural, de cidadania dentro
do processo de consolidação do movimento operário paranaense. Nesse sentido,
trabalhadores/as negros/as experienciavam, marcavam e faziam a diferença na
apropriação, expansão e radicalização de conceitos como “igualdade” e “liberdade”
apregoados pelas doutrinas européias recém chegadas à Curitiba, sobretudo os
anarquistas da Greve Geral de 1917.

251
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS PARA


UMA HISTÓRIA DO DIREITO DO PÓS ABOLIÇÃO

MAURÍCIO AZEVEDO ARAÚJO


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (PPGD/UFPR)
e Professor da Universidade Federal da Bahia(UFBA)
Email: mauricio.araujo@ufba.br

Eixo temático: Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Palavra chave: História do Direito, pós Abolição, Metodologia.

Introdução

Este trabalho é resultado de reflexões dentro da pesquisa de doutorado


que o autor está realizando no Programa de Pós-graduação em Direito da Uni-
versidade Federal do Paraná sobre “Cultura jurídica e racismo científico na Bahia
pós abolição”, mais especificamente um recorte acerca da preocupação sobre
as possibilidades metodológicas para pensar uma história do direito no pós
abolição (1888-1930).

As interpretações históricas acerca da escravidão e do pós abolição fo-


ram marcadas predominantemente pelo olhar culturalista e pela historiografia
marxista. A primeira, sob a influência da sociologia weberiana e a antropologia
cultural, via o processo de escravidão e sua transição para o trabalho assalariado
por meio de tipos culturais em torno do caráter colonizador flexível da cultura
ibérica e da ausência de racialização das relações sociais, representada na crença
da democracia racial.

Do outro lado, a perspectiva marxista, que tem no materialismo histórico


a sua bandeira metodológica, logo, imprime uma análise do período escravista e
pós abolição essencialmente econômica e voltada para os elementos estruturais
da sociedade. Esta perspectiva vai compreender o processo de desestruturação do
modelo escravista necessariamente ligado aos fatores econômicos e as necessidades
capitalistas, desconsiderando o papel de resistência e ação política dos escravos
no processo de emancipação. No caso do pós abolição implicou a negação de
um olhar sobre os processos de negociação e reconhecimento da cidadania em

253
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

um contexto de racialização, em seu lugar, o problema a ser explorado era a


inserção dos ex-escravos nas relações de classe no Brasil, uma ideia que negava
o caráter de trabalho da população negra escrava ou livre no regime escravista,
bem como seu protagonismo político.

A partir dos anos oitenta a historiografia brasileira experimenta novos


olhares e perspectivas metodológicas acerca da história da escravidão e poste-
riomente do pós abolição, autores como Robert Slenes (1999), Sidney Chalhoub
(2013), Maria Helena Machado (1987) e João Reis (2003) influenciados pela história
social inglesa, especialmente os trabalhos de Thompson, deslocam os olhares e as
fontes de pesquisas para processos penais, ações de liberdade e revoltas negras
procurando construir uma historiografia da escravidão a partir dos de baixo, ou
melhor, das ações da população negra enquanto protagonista. Ao tempo que
relativizam as tipologias e mitos da democracia racial e os fundamentos estrutu-
ralistas das perspectivas marxistas.

Neste itinerário da nova historiografia sobre a população negra e as


relações raciais no Brasil, surge diversas pesquisas sobre o pós abolição até então
negligenciado. Autoras como Hebe Mattos (2013), Wlamyra Albuquerque (2009)
e Walter Fraga (2014) e outros levantam a necessidade de pensar um período
histórico pouco pesquisado, tentando compreender as novas relações de nego-
ciação e estratégias da população negra, agora não só por liberdade, mas por
cidadania.

A história do direito por muito tempo ficou restrita a uma concepção


institucional e positivista (FONSECA, 1998), marcada por uma historiografia ins-
titucional do direito enquanto norma do estado e da cultura jurídica por meio
de fontes oficiais e doutrinas dos grandes juristas. Outra negligência, ou melhor,
cegueira proposital, diz respeito a omissão da história do direito sobre o papel
do racismo científico e da racialização da sociedade brasileira (SCHWARCZ, 1993)
na consolidação de uma cultura jurídica pautada pela criminalização e desconsi-
deração da cidadania da população negra.

Este trabalho tem como objetivo apontar caminhos metodológicos para


uma história do direito no pós abolição que permita compreender o direito e
a cultura jurídica enquanto experiência social. Portanto a recepção das idéias
racialistas, a criminalização das manifestações negras - a exemplo das religiões e
da capoeira -, as estratégias da população negra na construção da cidadania e
outras temáticas que sempre foram silenciadas surgem como desafios de uma
nova historiografia do direito.

Portanto, este trabalho pretende compreender a cultura jurídica enquanto


parte de uma experiência cultural que circula entre os “jurístas” e a experiência

254
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

cotidiana em torno do direito no pós abolição, desse modo, permite um olhar da


cultura jurídica no contexto de racialização das relações sociais no pós abolição
enquanto espaço de conflito, negociação e disputas de sentidos, que pode-
mos sistematizar em três elementos: a contextualização da recepção das teorias
racialistas pelos juristas nas faculdades de direito; a compreensão do processo
de racialização e hierarquias estabelecidas no pós abolição e sua relação com a
discussão de cidadania da população negra; e por fim, com o objetivo de per-
ceber a circularidade da cultura jurídica nas práticas cotidianas, que possibilitem
contextualizar como se dava a trama da racialização e as diversas estratégias e
práticas em torno do direito e da cidadania em contexto pós abolição.

Metodologia

Diante do desafio da pesquisa em compreender a relação entre cultura


jurídica e racialização no Brasil da primeira República, torna-se imperioso com-
preender o fenômeno jurídico enquanto experiência social e processo histórico, ou
seja, não como algo pronto, perfeito, fruto do desenvolvimento linear e evolutivo
do Direito. Ou seja, ao intentar uma reflexão sobre a cultura jurídica no pós-abo-
lição devemos analisar dentro do seu acontecimento social. (FONSECA, 1998).

Em termos teóricos e metodológico, a pesquisa situa-se na articulação da


idéia de direito enquanto experiência cultural, tanto da perspectiva da história
social de Thompson e sua abertura a uma multiplicidade de fontes na pesquisa
históriográfica, bem como a compreensão do direito enquanto elemento de
disputa. Com a possibilidade de redução da escala de análise e aprofundamento
concretos da vida cotidiana, o que possibilita um maior aprofundamento e con-
textualização do objeto pesquisado, desta forma, as noções de redução de escala
de Jacques Revel e o método indiciário de Carlo Ginzsburg serão importantes
para pesquisas em fontes de arquivo e aprofundamento dos contextos históricos
em escala reduzida.

Conclusão

Diante do desafio deste trabalho, os resultados provisórios constituem


a própria experiência na articulação entre os métodos da história social e da
micro-histórias como possibilidades para uma nova historiografia do direito no
pós abolição. Mais especificamente, o trabalho de campo em arquivos públicos
e das faculdades no período estudado, procurando refletir sobres os limites e
possibilidades das fontes enquanto indicadores do processo de racialização da
sociedade e do direito no pós abolição.

255
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
BRAGA, Júlio. Na gamela do feitiço: repressão e resistência nos candomblés da
Bahia. Salvador: Edufba,1994.
BURKE, Peter. História e teoria social. 3. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
PINTO, Cristiano Paixão Araujo. Modernidade, tempo e direito. Belo Horizonte:
Del Rey, 2002.
CARDOSO, Ciro Flamarion; BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da história. 3.
ed. Rio de Janeiro: Edição Graal, 1983.
CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não ser como fundamento do ser.
2005. Tese (Doutorado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia da Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2005.
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não
foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
___. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 16. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oito-
centista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
FONSECA, Ricardo Marcelo. História do direito: um esforço de definição. In:
FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à história do direito. Curitiba/PR:
Juruá, 2009.
FONSECA, Ricardo Marcelo; SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite. História do
REIS, J. Resistência escrava na Bahia: “Poderemos Brincar, Folgar e Cantar...”: O
protesto escravo na América. Afro-Ásia, Centro de Estudos Afro-Orientais da
Universidade Federal da Bahia, Salvador, n. 14, 1983.
___.. Domingos Sodré: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
___. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questões
raciais no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

256
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

SILÊNCIOS E APAGAMENTOS NO JULGAMENTO


DA ADI Nº 3239: OS QUILOMBOS
E A DISPUTA DA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL

RODRIGO GOMES
Mestrando em Direito
Universidade de Brasília (UnB)
E-mail: rodrigoportelag@gmail.com

Eixo Temático: Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Palavras-chave: quilombos; julgamento da ADI nº 3239; história consti-


tucional.

Introdução

O presente trabalho abordará a potencialidade normativa da historio-


grafia crítica sobre a experiência e trajetória dos quilombos para a questão da
constitucionalidade do Decreto nº 4.887/03, particularmente, tematizando o voto
do Ministro Cezar Peluso na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 32396 que
tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque, identificamos na narrativa
do referido voto uma compreensão sobre os quilombos7 como resquício, coeso
e homogêneo do passado escravista.

6 A ação tramita desde 2004 e foi ajuizada a época pelo então Partido da Frente Liberal (PFL), atualmente
Democratas (DEM), questiona a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003 dispositivo que regulamenta o art.
68 do ADCT, portanto, o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação
das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. A disputa principal está na ampliação ou
limitação do alcance do dispositivo constitucional. A tese dos autores da ação é delimitar que a Constituição
reconheceu apenas as posses das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos e exercidas
de forma mansa no período compreendido entre 1888 e 1988, tese que ficou cunhada por marco temporal.
7 Para fins de exemplificação destaca-se a compreensão de quilombo acionada pelo Ministro Relator da ADI
nº 3239 Cezar Peluso “é seguro afirmar que, para os propósitos do art. 68 do ADCT, o constituinte optou pela
acepção histórica, que é conhecida de toda a gente. Dos Dicionários da língua portuguesa, Aurélio Século XXI e
Houaiss, retiram-se as seguintes definições, respectivamente: ‘Esconderijo, aldeia, cidade ou conjunto de povoações
em que se abrigavam escravos fugidos. A palavra 'quilombo' teria o destino de ser usada com várias acepções, a
mais famosa delas a de habitação de escravos fugidos, em Angola, e a desses refúgios e dos estados que deles
surgiram no Brasil.’; ‘Local escondido, geralmente no mato, onde se abrigavam escravos fugidos; 2. povoação
fortificada de negros fugidos do cativeiro, dotada de divisões e organização’.” (Voto do Min. Rel. Cezar Peluso
ADI 3239, p. 39).

257
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Desde a promulgação do texto constitucional de 1988, há densa discussão


quanto ao termo “remanescente” presente no art. 68 do ADCT. No debate sobre
a (in)efetividade do art. 68 do ADCT muitas vezes aponta-se que o problema
reside em uma suposta controvérsia do texto constitucional quanto à definição
do que são as comunidades remanescentes de quilombos. Apesar de considerar
importante esse tipo de abordagem, acredita-se que ela não dá conta das tensões
produzidas pelos negros na formação do Estado brasileiro na luta por igualdade
e acesso a terra.

Não se trata de problema normativo, mas de cunho hermenêutico, pois


uma leitura restritiva do art. 68 do ADCT, além de reivindicar uma história-ofi-
cial – estruturada no mito da democracia racial – também não da conta das
diversas formas de disputa por direitos que foram empreendidas pelos negros.
Não perceber que essa interpretação da Constituição está vinculada ao modo
como os juristas articulam o direito dessas comunidades ao modo como se
inscreve a história dos quilombos8, é invisibilizar a potencialidade normativa que
a produção da historiografia crítica sobre a escravidão pode oferecer para a
interpretação do art. 68 do ADCT e do Decreto nº 4.88703 regulamentador do
preceito constitucional.

Metodologia

A estratégia de abordagem neste trabalho se deu em duas etapas. Em um


primeiro momento, a identificação e sistematização das discurssividades empreen-
didas no voto do Ministro Cezar Peluso para a compreensão dos quilombos e a
sua articulação com as demandas por direitos destas populações. A segunda foi
viabilizada com a revisão da literatura interdisciplinar quanto à trajetória-experi-
ência dos quilombos. Assim, buscou-se um instrumental reconstrutivo da história
constitucional no que se refere à compreensão sobre os quilombos e as suas lutas
por direitos, consequentemente o impacto que produziram na dinâmica social
do Brasil e que pode ser dimensionado no debate sobre a constitucionalidade
do Decreto nº 4.887/03 no julgamento da ADI nº 3239 no STF.

Sistematizamos que a invisibilização da historicidade dos quilombos tem


como consequência uma compreensão limitada do art. 68 do ADCT e do De-
creto nº 4.887/03. Esse quadro pode ser percebido por meio de mapeamento

8 Nesse sentido, pode-se citar a compreensão do Ministro Relator da ADI nº 3239 Cezar Peluso “os respei-
táveis trabalhos desenvolvidos por juristas e antropólogos, que pretendem ampliar e modernizar o conceito
de quilombos, guardam natureza metajurídica e por isso não têm, nem deveriam ter, compromisso com o
sentido que apreendo ao texto constitucional. É que tais trabalhos, os quais denotam avanços dignos de nota
no campo das ciências políticas, sociais e antropológicas, não estão inibidos ou contidos por limitações de
nenhuma ordem, quando o legislador constituinte, é inegável, as impôs de modo textual. Não é por outra razão
que o artigo 68 do ADCT alcança apenas certa categoria de pessoas, dentre outras tantas que, por variados
critérios, poderiam ser identificadas como “quilombolas”. Isso explica, aliás, a inserção desse dispositivo no Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias” (Voto do Min. Rel. Cezar Peluso ADI 3239, p. 39).

258
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

prévio das pesquisas no campo, as quais se norteiam da seguinte maneira: i) por


um discurso hegemônico no qual predominam narrativas que procuram apagar
o racismo, o escravismo e o colonialismo como constitutivos da modernidade e,
consequentemente, do direito; ii) por uma ausência na reflexão sobre a relação
tempo, história e colonialidade contida no discurso dos juristas sobre os quilom-
bos, enquanto forma política que opera na produção da memória; iii) por uma
unicidade na referência sobre a memória, a identidade e a história nacional que
excluem formas alternativas de narrar a história do Brasil, especialmente, quanto
à presença dos quilombos na historicidade constitucional. Esse quadro denota
que o campo é um terreno fértil à reificação da ideologia da democracia racial,
assim como evidencia a necessidade de um deslocamento teórico-epistêmico-
metodológico das pesquisas sobre a política de reconhecimento das comunidades
remanescentes de quilombos no bojo da CF/88.

Resultados

A importância da revisão historiográfica crítica sobre os quilombos está


na percepção complexa sobre o fenômeno da colonização, ressaltando que os
quilombos empregaram constante disputa sobre os sistemas econômicos, políticos
e jurídicos. Tal aspecto fortalece a produção de uma teoria crítica do direito ao
enfatizar que os fluxos da diáspora negra foram invisibilizados na elaboração do
estado nacional brasileiro, consequentemente sobre a matriz em que se estrutu-
raram as noções de liberdade, igualdade, cidadania e justiça.

O movimento da historiografia crítica sobre a escravidão tensiona às


narrativas sobre história constitucional que aponta para o sentido político e as
múltiplas relações sociais que o negro empregou na história do Brasil, pois não
“só reagiram às lógicas senhoriais, como produziram e redefiniram políticas nos
seus próprios termos” (GOMES, 2006, p. 20). Tematizar a trajetória-experiência
dos quilombos demonstra o papel fundamental que as compreensões sobre o
passado imprimem sobre a hermenêutica, o discurso e a linguagem dos juristas.
Por isso, impõe-se o debate sobre a relação entre história e tempo, uma vez que
as compreensões sobre os quilombos revelam um uso do tempo – o passado
de silenciamento e apagamento – para mobilizar – no presente – a afirmação
ou negação de direitos.

Conclusão

Neste sentido, é fundamental confronto das abordagens sobre os qui-


lombos e seus direito no voto referido perante as pesquisas que reposicionaram
a história e o impacto da população negra na formação do Estado brasileiro,
particularmente a “agency dos quilombos”9 (MOURA, 1981; 1993; GOMES, 2006;
9 Trata-se de termo cunhado por Gomes (2006, p. 21) para designar as múltiplas e complexas relações sociais

259
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

MATTOS, 2009; 2013; NASCIMENTO, 2007; REIS, 1995; REIS e GOMES, 1996). Este
movimento está atrelado à própria aprovação do art. 68 do ADCT, na medida
em que sua inscrição no texto constitucional permite uma abertura e revisão
crítica da própria hermenêutica constitucional. Pois, refere-se a sujeitos que nunca
haviam sido incluídos como titulares de direitos, e a CF/88, particularmente este
artigo, retoma o momento histórico da escravidão, evidenciando que as relações
raciais constituem um problema constitucional a ser enfrentado. Assim, o art.
68 do ADCT é um dispositivo inovador, pois possibilita evidenciar a latência e
centralidade das tensões raciais na história brasileira e permite confrontar que
tipo de narrativa prepondera nos discursos dos juristas a respeito da realidade
passada e presente de desigualdade racial.

Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição Federal de 1988, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em
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17 de jun. de 2017.
___. Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 de novembro de 2003. Disponível em <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 17 de
jun. de 2017.
___. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239/DF, de
24 jun de. 2003. Relator: Min Cézar Pelluzo. Diário de Justiça Eletrônica, Brasília,
16 de jun 2017.
DUARTE, E. C. P.; e SCOTII, G. R. História e memória nacional no discurso jurídico:
o julgamento da ADPF 186. Universitas JUS, v. 24, n. 3, p. 33-45, 2013.
DUARTE, E. C. P.; SCOTTI, G. R.; e CARVALHO NETTO, M. de. A queima dos
arquivos da escravidão e a memória dos juristas: os usos da história brasileira na
(des) construção dos direitos dos negros. In: Universitas JUS, v. 26, n. 2, p. 23-39, 2015.
GOMES, F. dos S. História de quilombolas: mocambos e comunidades de senzala no
Rio de Janeiro, século XIX. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
MATTOS, H. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista
– Brasil século XIX. 3. ed.rev. Campinas: Editora da UNICAMP, 2013.
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In: Claudia Mosquera Rosero-Labbé; Luiz Claudio Barcelos (ed.). Afro-reparaciones:
Memorias de la Esclavitud y Justicia Reparativa para negros, afrocolombianos y
raizales. Bogotá: CES/GEA, p. 96-128, 2009.
MOURA, C. Quilombos resistência ao escravismo. 3. ed. São Paulo: Ática, 1993.
___. Os Quilombos e a Rebelião Negra. São Paulo: Brasiliense, 1981.
protagonizadas pelos quilombos no período escravista e com impactos no pós-abolição. Segundo o historiador
as ações dos negros não se tratavam de mera reação ao regime ou algo esquemático, mas uma complexa inte-
ração com o processo histórico em que se inseria, inclusive provocando transformações ao regime – disputas,
negociações, sociabilidades etc.

260
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

NASCIMENTO, B. Negro e racismo. In: RATTS, Alex. “Eu sou atlântica: sobre a
trajetória de vida de Beatriz Nascimento”. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo: Instituto Kuanza, 2007.
REIS, J. J.; GOMES, F. dos S. (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
REIS, J. J. Os quilombos e revoltas escravas no Brasil. Nos achamos em campo a
tratar a liberdade. Revista USP, v.28, dez./fev., 1995.

261
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UBUNTU: CONCEITO(S), HISTÓRIA E APLICAÇÕES


NOS DIREITOS SUL-AFRICANO E BRASILEIRO

EDUARDO RAMOS ADAMI


Graduando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
E-mail: eduardo.adami@gmail.com

Eixo Temático: Cultura Jurídica e Diáspora Africana.

Palavras-chave: Ubuntu; Humanismo; Direito Comparado.

Introdução

Nosso direito é repleto de elementos coletados de ordenamentos ao redor


do mundo. Os institutos e as figuras do direito alemão e do norte-americano,
principalmente, perfilam os manuais de todos os ramos do direito brasileiro.
Entretanto, como acontece com diversos outros temas em todas as searas da
vida cotidiana, a África continua deixada de lado, desvalorizada. Isso não significa,
entretanto, que não tenha nada a oferecer – pelo contrário.

Ao voltar nossos olhares para o Continente, encontramos ubuntu. De for-


ma absolutamente insuficiente, poderíamos resumi-lo a uma palavra: humanismo.
Tal conceito, entretanto, difere muito daquele com o que estamos acostumados,
e por isso usaremos o termo original. Ubuntu é uma filosofia antiga e meio
de vida, encontrado em diversas sociedades africanas. De início, MUNYAKA e
MOTLHABI10, de onde retiramos a maior parte das referências ora mencionadas,
informam que se trata de um conceito forte, significativo e substancial – e, por
isso mesmo, por muitas vezes padece de mau uso.

Lembrado pelos autores, o sociolinguista BUNTU MFENYANA explica:


enquanto UBU se refere ao abstrato, NTU se trata do ancestral que faz a sociedade
caminhar (1986: 18) – depreende-se, aqui, outra faceta do conceito: sua relação
quase religiosa, ligada ao espiritual. Outras definições denotam a intrínseca relação
com a pessoa humana, ou como uma qualidade positiva possuída por alguém.
De todo modo, o mote tradicional relacionado ao Ubuntu é, em Xhosa, “umntu

10 Ubuntu and its socio-moral Significance. MUNYAKA, Mluleki; MOTLHABI, Mokgethi. University of KwaZulu-
Natal Press, 2009.

263
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

ngumntu ngabany’ abantu”, ou, por sua vez, em Sotho: “motho ke motho ka batho
ba babang”. Ambos significam que “uma pessoa só é uma pessoa por meio de
outras pessoas”. Ou, mais curto ainda: eu sou, porque nós somos.

Como se vê, a característica principal do Ubuntu é o foco e fortalecimen-


to dos laços comunitários – a percepção de que a indivíduo se insere em um
contexto cuja melhora para um pressupõe a melhora para todos. Ainda assim,
tal conceito é extremamente abstrato – e nem pretendemos aqui desenvolvê-lo
substancialmente –, motivo pelo que pode ser decomposto em outros componen-
tes, responsáveis por lhe dar concretude: o respeito pelas pessoas, a importância
para a comunidade, personalidade, moralidade, dentre outros.

Ubuntu, ademais, não é só um conceito filosófico ou sociológico. Ele tem


seu uso reconhecido e aplicado no direito africano, de modo geral. Inclusive, foi
usado como valor fundante da ordem jurídica sul-africana em sua restruturação
pós-apartheid. Em “Ubuntu and the Law: African ideals and Postapartheid Juris-
prudence”, DRUCILLA CORNELL e NYOKO MUVANGUA exploram sua relação
com o direito, relacionando-o a temas como justiça restaurativa, reconciliação,
direitos socioeconômicos, direito à cultura e diversos outros.

Salvo melhor juízo, não há muito material acadêmico no Brasil sobre o


assunto (ou, ao menos, nunca o encontramos). Tal trabalho poderia ser um passo
inicial para voltar nossas lentes e estudos ao conceito de Ubuntu, trazendo-o para
a língua portuguesa, analisando seus diferentes conceitos e implicações na vida
cotidiana, contrapondo-o ao individualismo exacerbado típico das sociedades
ocidentais, averiguando sua aplicação no direito sul-africano (e de outros países
de África), seus institutos e seu impacto na doutrina e jurisprudência.

Com certa ousadia, poder-se-ia pensar em trazer à ordem jurídica brasileira


tais dispositivos (assim como recentemente buscou-se o estado de coisas incons-
titucional da Corte Colombiana), procurando, inclusive, tentar extrair o conceito
de ubuntu da nossa Carta Magna.

Os caminhos são muitos e o destino final, ou melhor, destinos, parecem


guardar proveitoso potencial. Isso, é claro, para além do já imenso prazer da
própria caminhada.

Metodologia

A metodologia consiste na pesquisa exploratória, eminentemente biblio-


gráfica. Isto é, busca gerar maior familiaridade com um tema tão caro, mas des-
conhecido. O levantamento de uma farta bibliografia tanto sobre Ubuntu – a
filosofia africana – quanto sobre o individualismo ocidental parece ser o primeiro

264
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

dos passos, fazendo a contraposição das duas lógicas dominantes. Depois, o


estudo do direito comparado em seus diversos ramos, seja constitucional, penal,
cível ou outro. Assim, ainda que de maneira inicial, poderemos averiguar o uso
do Ubuntu no direito sul-africano, sua incidência nos institutos e na lógica dos
mecanismos jurídicos, sua aplicação pela doutrina e jurisprudência, valendo-nos,
inclusive, de estudos de caso. Com esse arcabouço teremos material suficiente
para dar o pontapé inicial na busca pela compatibilização do direito brasileiro com
o sul-africano. Deste, poderemos retirar estratégias e arranjos que nos socorram
a resolver problemas atuais – tanto dogmáticos, quanto sociais. Afinal, voltar à
África pode nos ensinar muito sobre o combate ao racismo, socorrendo-nos do
valor-chave utilizado na reconstrução pós-apartheid da África do Sul.

Quem sabe assim poderemos encontrar novos meios efetivos de utilizar


o Direito para a transformação da nossa realidade – e não para a manutenção
do status quo.

Pesquisa

Como ponto de partida, MLULEKI MUNYAKA e MOKGETHI MOTLHABI


têm muito a nos oferecer, do ponto de vista sociológico, com seu “Ubuntu and
its Socio-moral Significance”. Além disso, DRUCILLA CORNELL e seus “Ubuntu
and the Law: African ideals and postapartheid jurisprudence” e “Law e revolution
in South Africa: Ubuntu, dignity, and the struggle for Constitutional Transformation”
podem mostrar o caminho inicial de uma investigação fecunda.

Conclusão

Ubuntu, como se demonstrou, é um conceito denso, de inúmeras facetas


e diferentes aplicações. Entendê-lo pressupõe (ou, de outro modo, talvez permita)
um novo modelo de sociedade. Não este fundado no individualismo exacerbado,
na meritocracia, no “eu” – mas sim uma sociedade verdadeiramente comunitária,
preocupada com o próximo, ciente de que não se resolve problemas sozinho. Só
se é um por meio do todo, dos outros – “motho ke motho ka batho ba babang”.

Nesta busca, com certeza encontraremos dados surpreendentes, ideias


inovadoras e soluções transformadoras. O direito alemão, o norte-americano e
tantos outros aos quais costuma-se voltar os olhos não podem fornecer a res-
posta para problemas que não têm. O sul-africano e outros ordenamentos da
África, por outro lado, se mostram um campo inexplorado, ricos em alternativas
e fecundos de ideias.

265
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Referências
Ubuntu and its socio-moral Significance. MUNYAKA, Mluleki; MOTLHABI, Mok-
gethi. University of KwaZulu-Natal Press, 2009.
Law and Revolution in South Africa: uBuntu, Dignity, and the Struggle for Constitu-
tional Transformation. CORNELL, Drucilla. Fordham University, 2014.
Ubuntu and the Law: African Ideals and Postapartheid Jurisprudence. CORNELL,
Drucilla; MUVANGUA, Nyoko. Fordham University Press, 2012.
Como elaborar projetos de pesquisa. GIL, Antonio Carlos. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

266
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A INFLUÊNCIA DO PAN-AFRICANISMO
NA CONSTRUÇÃO
DO MODELO DE REGIONALISMO AFRICANO

LUCAS A. A. DE. SOUZA LIMA


Mestrando da linha de Direito Internacional da Pós-Graduação
em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
E-mail para contato: lucasarnaud_@hotmail.com

Eixo temático: Cultura Jurídica e Diáspora Africana.

Palavras-chave: Pan-africanismo, diáspora africana, regionalismo.

Introdução

A mobilização de africanos em diáspora ao redor do mundo no início


do século XX deu origem ao moderno movimento pan-africanista, que buscava
o resgate das relações entre os negros ao redor do mundo com suas raízes afri-
canas. Uma série de Congressos Pan-Africanos, inicialmente realizados em solo
europeu e americano, culminou com a fundação da Organização da Unidade
Africana (OUA), em 1963, em Adis Abeba.

O paulatino colapso da OUA levou não ao fim do projeto integracionista


africano, mas ao seu renascimento com a fundação da União Africana, em 2001.
Além disso, o regionalismo no continente assumiu uma característica particular,
com a pulverização de incontáveis acordos regionais, zonas de livre comércio,
uniões aduaneiras, mercados comuns, etc. Enquanto a maioria dessas iniciativas não
parece ter existência real fora dos seus atos constitutivos, cinco dessas iniciativas
se destacam por apresentarem resultados expressivos: a Comunidade Econômica
dos Estados da África Ocidental, a Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral, a Comunidade Econômica dos Estados da África Central, o Mercado
Comum da África Oriental e Austral e a Comunidade da África Oriental.

Esta pesquisa não tem como foco a análise detalhada de cada um desses
blocos, mas sim verificar que o fato dos movimentos de integração ocorridos no
continente africano no último século contarem com uma robusta base ideológica

267
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

calcada no pan-africanismo concede a esses movimentos um caráter singular em


relação àqueles ocorridos em outras regiões do mundo, inclusive em comparação
com o modelo europeu, muitas vezes adotado pela doutrina como um modelo
paradigmático, cujos valores e características são tomados como referência para
determinar o sucesso ou o fracasso de outras experiências de integração regional.

As demais iniciativas de integração levadas a cabo pelos países do antigo


“terceiro mundo”, notadamente na América Latina e na Ásia, parecem carecer de
uma base ideológica definindo, tendo como prioridade destacada a integração
econômica. Nesse contexto, a integração cultural entre os diferentes povos dessas
regiões não é tomada como prioridade pelas respectivas organizações regionais.

Esta pesquisa pretende analisar, portanto, o caráter singular do regionalismo


africano tanto frente àquele que se desenrola em regiões desenvolvidas quanto
nos demais países em desenvolvimento.

Metodologia

A metodologia consiste na revisão bibliográfica de livros e artigos cientí-


ficos sobre o assunto. Cabe ressaltar que tem se dado prioridade à utilização de
obras produzidas por autores africanos, a fim de resgatar com maior propriedade
a postura ideológica dos próprios especialistas do continente acerca da integração
regional.

Resultados parciais

Verifica-se até o momento o caráter singular do regionalismo africano e a


relação direta dessa singularidade com a forte base ideológica advinda do movi-
mento pan-africanista. Pretende-se a seguir esclarecer melhor essa relação e quais
as consequências práticas para o desenvolvimento da integração so continente.

Conclusão

O regionalismo africano não pode ser analisado sem se levar em conside-


ração a sua filosofia subjacente, já que esta vai demonstrar quais os valores que
desde o início guiaram a integração africana, indicando qual a “régua” que deve
ser utilizada para medir o seu sucesso ou fracasso. Por mais que a influência do
paradigma europeu não possa ser completamente afastada, este deve ser utilizado
apenas como mais um modelo alternativo, fruto de seu próprio contexto, e não
como um modelo absoluto, a ser seguido sem questionamentos por regiões com
características fundamentalmente diferentes.

Até mesmo no que tange ao impacto das iniciativas de integração no


volume de comércio e na dinamização da economia dos países africanos, é fun-

268
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

damental considerar os números não de forma absoluta, mas de forma relativa,


tendo como paradigma de comparação não outras regiões que já passaram por
processos de industrialização há séculos, mas sim o próprio passado recente do
continente. Neste ponto, a perspectiva histórica se mostra essencial.

Determinadas transformações que são fundamentais para que o comércio


na região atinja seu máximo potencial, como o desenvolvimento de infraestrutura
e logística e a institucionalização de instituições governamentais e democráticas,
são desafios de longo prazo cuja dificuldade de viabilização não pode ser su-
bestimada quando colocada em perspectiva com o fato de a quase totalidade
do continente ser composta de Estados que conquistaram sua independência
há poucas décadas.

Diante disso, esta pesquisa pretende ensejar a reflexão sobre os reais pro-
blemas que impedem o desenvolvimento pleno do continente africano, refletindo
sobre soluções a partir da própria cosmovisão e filosofia dos povos africanos, sem
esquecer, ao mesmo tempo, de colher os valiosos aprendizados que podemos
retirar da experiência africana, que como todo processo de integração, é permeada
por avanços e retrocessos. Fugindo da análise maniqueísta que busca apenas por
fracassos ou sucessos, esta pesquisa pretende analisar o regionalismo africano em
todas as suas complexas matizes.

Referências bibligráficas
HARRIS, Joseph E.; ZEGBIDOUR, Slimane. A África e a diáspora negra. In: MA-
ZRUI, Ali. A; WONDJI, Christophe. África desde 1935. Tradução MEC- Centro de
Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos. Coleção história
geral da África, vl. 8. 2a ed. São Paulo: Cortez; Brasiília: UNESCO, 2011, capítulo 23.
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MAZRUI, Ali. A; WONDJI, Christophe. África desde 1935. Tradução MEC- Centro
de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos. Coleção história
geral da África, vl. 8. 2a ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2011, capítulo 24.
Bach, D. The diversity of African regionalisms. GREAT Insights Magazine, Volume
5, Issue 4. July/August 2016.
FERNANDES, Lito Nunes; BOUKOUNGA, Jean Christian; FERNANDES JÚNIOR,
José. Integração Econômica Regional Na África Ocidental: Uma Visão Crítica. Revista
Conjuntura Austral, vl. 2, n. 8, Out/Nov, 2011, p. 18-47.
FERNANDES. Joel Aló. A Integração Econômica como Estratégia de Desenvolvimento
do Continente Africano: Proposta de Fusão entre a Comunidade Econômica dos
Estados da África Ocidental (Cedeao) e a União Econômica e Monetária da Áfri-
ca Ocidental (Uemoa). Orientadora: Dra. Odete Maria de Oliveira. [Dissertação]
Universidade Federal de Santa Catarina, 2007.

269
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A PARTICIPAÇÃO DO MOVIMENTO
DE TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NA
ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1988

JULIANA ARAÚJO LOPES


Graduanda em Direito. Universidade de Brasília (UnB)
E-mail: julianaaraujolopes2@gmail.com

Palavras-chave: Assembleia Constituinte de 1988; trabalhadoras domés-


ticas; colonialidade; historiografia constitucional.

Introdução

O movimento nacional de trabalhadoras domésticas, composto de diversos


sindicatos e associações pelo Brasil, tem atuação política organizada pela busca de
direitos trabalhistas e reconhecimento como categoria profissional desde a década
de 1930 (BERNARDINO-COSTA, 2015). Durante a Constituinte ocorrida entre
1987 e 1988, houve mobilização política intensa, trazendo muitas das sindicalistas
a Brasília, apresentando suas demandas. Contudo, as domésticas foram excluídas
expressamente das garantias constitucionais asseguradas a trabalhadores urbanos
e rurais, na forma do art. 7º, a, da CLT11, tendo visto com o passar dos anos a
extensão à conta gotas de direitos sociais, com legislações esparsas e pouco prote-
tivas. Recentemente, a nova regulamentação do trabalho doméstico, especialmente
na figura da Emenda Constitucional 72 de 2013 e da Lei Complementar 150 de
2015, representou algum avanço no plano normativo dos direitos da categoria,
mas, ainda sem promover a equiparação, mantém um status de sub-cidadania.

A historiografia constitucional, ao apagar de seus registros a trajetória


de luta do movimento das trabalhadoras domésticas, reproduz uma “tradição
negreira” (DUARTE, SCOTTI; 2015) que, informada pela prática colonial que se
atualiza no presente, desconsidera a agência política das pessoas negras na di-
áspora africana, construindo uma memória social ausente de sua contribuição.
A partir da experiência das trabalhadoras domésticas na Constituinte de 1988,

11 “Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando for em cada caso, expressamente
determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral,
os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”.

271
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

marginalizada no marco do Estado Democrático de Direito, é possível reescrever


o momento fundador deste paradigma constitucional, bem como questionar as
continuidades entre o trabalho escravo e o trabalho livre da população negra na
contemporaneidade (ALVES, 2017), identificando os efeitos da colonialidade do
poder na defesa de suas garantias.

O conceito de colonialidade do poder (QUIJANO, 2005) descreve o


padrão de poder nascido a partir da modernidade colonial com a conquista da
América, que sobrevive às instituições propriamente coloniais, produzindo papeis
sociais e identidades hierarquizadas pela negação do outro, considerado bárbaro.
Segundo Dussel (1993), o mito da Modernidade, entendida como emancipação
racional da humanidade, justificava a prática irracional de submissão do outro à
violência por sua suposta degeneração – o fardo civilizatório do homem branco.
A colonialidade assume centralidade para compreensão do mundo moderno
por ser a face oculta e constitutiva da Modernidade (HALL, 2013), dando ao
fenômeno colonial caráter universal, atravessado globalmente por agenciamentos
de resistência, não somente compreendido pelas relações verticais entre colonos
e colonizados (GILROY, 2012). Se a Modernidade organiza o mundo ontologi-
camente em categorias homogêneas, dicotômicas, separáveis, a intersecção entre
raça, classe, sexualidade e gênero feita por mulheres de cor do terceiro mundo
transcende a lógica categorial moderna (COLLINS, 2000). Ser ao mesmo tempo
mulher e negro, sobrepondo duas categorias separáveis, marca um não-lugar das
mulheres negras, que é ao mesmo tempo uma lente a partir da qual se podem
aprofundar as apreensões sobre o moderno.

A narrativa sobre o momento constituinte nada mais é que a transição


de um capítulo da história para o próximo. A cisão na História supostamente
produzida pela mudança do marco legal para o Estado Democrático, assim
como a transição da Monarquia para a República, pretende nos convencer de
uma ruptura que não corresponde principalmente à experiência dos grupos mais
subalternizados (DUARTE, SCOTTI; 2015), revelando uma intenção de fazer coin-
cidir transformações formais com uma gramática de práticas sociais que se revela
descontínua em relação a lutas sociais. Politizar a experiência das trabalhadoras
domésticas, que revela a marginalização marcada pela colonialidade do poder,
intercruzando raça, gênero e classe, permite questionar os limites da narrativa
oficial sobre o Brasil. Compreendendo as dinâmicas de poder implicadas na escrita
da história, indaga-se sobre os seus modos de operação na Constituição Federal
de 1988 no que diz respeito ao trabalho doméstico.

Metodologia

O artigo pretende realizar uma revisão bibliográfica sobre a participação


das trabalhadoras domésticas na Assembleia Constituinte ocorrida entre 1987 e

272
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

1988, de modo a compreender o contexto hegemônico das narrativas sobre a


Constituinte, mapear as ausências em relação à atuação do movimento, e propor,
a partir de seus registros, um novo olhar sobre a historiografia constitucional, que
dê conta das lutas empreendidas por sujeitos na diáspora africana, marginalizados
na gramática jurídica por força do colonialismo. Compreende-se que a disputa
das narrativas sobre o passado tem potencial de produzir efeitos no presente, no
sentido de ampliar o acesso a direitos.

Conclusão

Importa aqui refletir sobre como as narrativas sobre a Constituinte de


1988, ao apagarem a dimensão racial, corroboram uma percepção na narrativa
histórica de que a população negra nunca fez disputas constitucionais, seja dentro
dos espaços institucionais, como aconteceu na Assembleia Constituinte, seja ao
longo da história, produzindo tensões nos processos que os momentos consti-
tuintes possibilitam (QUEIROZ, 2017). Conclui-se que a história constitucional, ao
apagar a disputa da identidade constitucional pela população negra, corrobora
uma narrativa que a retrata de modo passivo e objetificante no âmbito do Di-
reito. Neste mote, disputar a gramática da historiografia constitucional por meio
da recuperação de narrativas dos vencidos, que rasuram o discurso oficial sobre
a nação, situando-os como sujeitos, tem potencial de resgatar um projeto de
liberdade universal, reconstituído sob novas bases (BUCK-MORSS, 2011), alargando
as concepções de uma cidadania fraturada pelo racismo.

Referências bibliográficas
ALVES, Raissa Roussenq. Entre o silêncio e a negação: uma análise da CPI do tra-
balho escravo sob a ótica do trabalho “livre” da população negra. Dissertação de
mestrado no curso de pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília, 2017.
BERNARDINO-COSTA, Joaze. Saberes subalternos e decolonialidade: os sindicatos das
trabalhadoras domésticas no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2015.
COLLINS, Patricia Hill. Black Feminist Thought. Knowledge, consciousness, and the
politics of empowerment. 2ed. New York. Routledge. 2000.
DUARTE, Evandro C. Piza; SCOTTI, Guilherme. A Queima dos Arquivos da Escra-
vidão e a Memória dos Juristas: Os Usos da História brasileira na (Des)Construção
dos Direitos dos Negros. Em: Introdução Crítica à Justiça de Transição na América
Latina - Série O Direito Achado na Rua, vol. 7. Organizadores: SOUSA JUNIOR, José
Geraldo de; FILHO, José Carlos Moreira da Silva; PAIXÃO, Cristiano; FONSECA,
Lívia Gimenes Dias da; RAMPIN, Talita Tatiana Dias. Brasília, 2015.
DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da moderni-
dade: Conferências de Frankfurt. Trad. Jaime A. Clasen. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 1993.

273
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel
Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes,
Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Organização Liv
Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende ... [et all]. 2ª ed. Belo Horizonte:
UFMG, 2013.
PAIXÃO, Cristiano. Tempo presente e regimes de historicidade: perspectivas de in-
vestigação para a história do direito. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (org.). As
formas do direito – ordem, razão e decisão (experiências jurídicas antes e depois
da modernidade). Curitiba, Juruá, 2013, p. 77-87.
QUEIROZ, Marcos. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: A experiência
constitucional de 1823 diante da Revolução Haitiana. Dissertação de mestrado no
curso de pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília, 2017.

274
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A ESCRAVIDÃO NA ECONOMIA POLÍTICA ENSINADA


NA ACADEMIA DE DIREITO DE PERNAMBUCO

GUILHERME RICKEN
Doutorando em Direito na Universidade de São Paulo – USP
E-mail: ricken@usp.br

Eixo temático: Cultura jurídica e diáspora africana

Palavras-chave: História do Direito; Economia Política; Escravidão.

A presente pesquisa tem por escopo averiguar a dualidade da escravi-


dão, na forma de sua presença e ausência, nos livros publicados pelos lentes de
economia política da Academia de Direito de Pernambuco no período imperial,
quais sejam, Pedro Autran da Matta Albuquerque (Elementos de Economia Política,
de 1844, e Prelecções de Economia Política, de 1860) e Lourenço Trigo de Loureiro
(Elementos de Economia Política, de 1854).

O ensino de economia política no Brasil só teve início efetivo com a cria-


ção dos cursos jurídicos, em 1827. De acordo com Lei de 11 de agosto daquele
ano, a cadeira de economia política seria regida no quinto ano do curso. O lente
da disciplina teria a responsabilidade de escolher o compêndio a ser utilizado
na preparação das aulas ou, não havendo nenhum, de elaborá-lo. Na prática,
os primeiros docentes empregaram os compêndios elencados nos Estatutos do
Visconde da Cachoeira. No caso da economia política, isso significava estudar,
basicamente, as obras de Jean-Baptiste Say, Adam Smith, David Ricardo, Thomas
Malthus, Jean de Sismondi e William Godwin.

A despeito da presença de Sismondi e Godwin, autores recalcitrantes em


relação ao livre mercado e duvidosos da harmonia social que ele traria em seu
bojo, é notável o predomínio dos precursores da escola clássica de economia
política. Destarte, os estudantes de direito, futuros advogados e componentes da
máquina estatal, deveriam ter uma formação econômica voltada majoritariamente
ao pensamento então dominante na Europa, segundo o qual a prosperidade
das nações seria alcançada a partir das condutas individuais em um mercado
autorregulável, aliado, ainda, à teoria das vantagens comparativas no comércio
internacional.

275
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Dessa forma, a presente pesquisa busca aclarar, ainda que de maneira


muito modesta, um dos capítulos da aclimatação do liberalismo clássico em um
chão histórico bastante diverso daquele em que foi concebido. O transplante das
ideias europeias não se deu, por certo, de maneira automática e sem adaptações.
Afinal, os autores clássicos da economia política haviam concebido sua produção
teórica em uma Europa que vivenciava a Revolução Industrial, na transição do
trabalho servil para o assalariado. Já no Brasil, os professores de economia iriam
se deparar com a escravidão, fator estranho às equações que lidavam somente
com o trabalho livre.

Assim, face a um modo de produção baseado não na eficácia, mas na


violência e na autoridade, o estudo da racionalização produtiva, bem como sua
modernização continuada, temas caros aos autores europeus, encontravam-se, no
Brasil, “fora do lugar”. Se, de um lado, no Brasil, graças à sua inserção no mercado
externo, havia a presença do raciocínio econômico burguês, voltado ao lucro,
além de a Independência ter sido realizada com base em ideias liberais francesas,
inglesas e norte-americanas, por outro lado, este conjunto ideológico conviveria
com a escravidão e seus defensores.

Isto posto, objetiva-se, aqui, averiguar a dualidade da escravidão, na forma


de sua presença e ausência, nos livros publicados pelos lentes de economia polí-
tica da Academia de Direito de Pernambuco durante o período imperial. Quatro
foram os catedráticos da academia recifense nesse ínterim: Pedro Autran da Matta
Albuquerque, Lourenço Trigo de Loureiro, Aprígio Justiniano da Silva Guimarães e
José Joaquim Tavares Belfort, tendo os dois primeiros, em meados do século XIX,
publicado obras voltadas à disseminação do conhecimento econômico.

Assim, por meio da leitura das fontes primárias, identificou-se o tratamento


conferido à escravidão pelos docentes pernambucanos. Da mesma forma, buscou-se
reconhecer a presença da escravidão nas obras estudadas, ainda que, à primeira
vista, os professores não façam menções a ela. Partimos do pressuposto, portanto,
de que a escravidão era uma realidade inseparável das ideias de propriedade, liber-
dade industrial, produção, crédito, salário e capital, conformando todo o fenômeno
econômico brasileiro no período imperial.

Alcançamos, assim, a conclusão de que os compêndios elaborados por


Matta Albuquerque e Trigo de Loureiro abarcavam todas as áreas sensíveis da
realidade econômica, estando aptos a inserir o elemento escravista em suas res-
pectivas visões acerca da economia política.

Ao tratarem da produção, tanto Albuquerque quanto Loureiro punham,


lado a lado, os elementos físicos e psíquicos dos trabalhadores. O fazer produtivo
demandaria a conjunção de ambos. Estavam, portanto, teorizando sobre traba-

276
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

lhadores assalariados, uma minoria no Brasil oitocentista. É o que se depreende,


aliás, das considerações dos autores sobre as flutuações do preço da mão de obra.

Em relação ao crédito, Albuquerque como se estivesse lidando com um


país europeu em vias de industrialização, traça um eixo de relações nitidamente
privadas: um capitalista emprestando a outro, para que este amplie seus negócios
e aquele receba os juros correspondentes. Aqui, algo fica no ar: no Brasil imperial,
onde estavam investidos os capitais? Em escravos, por certo, graças à insegurança
jurídica em relação à terra. Não é por outro motivo que, com o fim do comércio
de escravos, as elites agrícolas propugnaram a transformação da terra em mer-
cadoria, com a criação de um mercado imobiliário legítimo. O escravo estava
presente na relação creditícia, mesmo que ausente de sua formulação teórica.

Os escravos aparecem, de forma explícita, nas Prelecções de Economia


Politica de Albuquerque. Ao frisar a importância do trabalho livre, ele menciona
as críticas da economia clássica à escravidão: sua carestia, baixa produtividade e a
falta de motivação do escravo para o trabalho. A exemplo do Visconde de Cairu,
apresenta justificativas à existência da escravidão, que, em dadas circunstâncias
– como no Brasil –, seria mais barata que o trabalho livre. Todavia, consoante
ensinado pela economia política europeia, da qual Albuquerque era tributário, o
regime escravista seria superado inexoravelmente, sendo substituído pelo traba-
lhador assalariado – com, no máximo, algum interstício de trabalho servil.

Assim, a economia política ensinada na Academia de Direito de Pernam-


buco, a despeito das influências confessas dos economistas clássicos europeus,
adaptou à periferia a ciência econômica produzida no centro do sistema, confe-
rindo-lhe, em alguma medida, ares de originalidade. Se os argumentos clássicos
contra a escravidão foram repetidos no Brasil, eles foram acompanhados da defesa,
ainda que acanhada, do regime econômico então dominante. E mesmo onde, nas
elucubrações dos lentes, a escravidão estivesse aparentemente ausente, ela estava
presente nas entrelinhas, pois inseparável das ideias essenciais que formavam o
sistema econômico.

Referências bibliográficas
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Typographia de Santos & Companhia, 1844.
ALBUQUERQUE, Pedro Autran da Matta. Prelecções de Economia Politica. 2. ed.
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ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A Pré-Revolução de 30. Novos Estudos CEBRAP, n.
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277
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o


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CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da
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GREMAUD, Amaury Patrick. Das controvérsias teóricas à política econômica: pen-
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Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São
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HOLSTON, James. Cidadania insurgente: disjunções da democracia e da moder-
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ROCHA, Antonio Penalves. A escravidão na Economia Política. Revista de História,
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278
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

GESTÃO DE UMA CIDADE NEGRA:


SALVADOR E TRABALHO
DE RUA NO INÍCIO DO SÉCULO XX

BRUNA PORTELLA DE NOVAES


Mestra em Direito pela Universidade de Brasília.
Professora substituta da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (FD-UFBA)
E-mail: brunaportella@gmail.com

Eixo temático: 4 - Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Palavras-chave: Cidade Negra; Trabalho de rua; Gestão da cidade.

O presente trabalho apresenta resultados de uma pesquisa concluída. Esta


se debruça sobre a cidade de Salvador, compreendendo-na enquanto uma “cidade
negra”, uma experiência histórica de viver urbano entrelaçado por resistências e
ressignificações por parte da população negra. Em suma, um reescrever diaspórico
do cotidiano urbano (DUARTE et al, 2016). Utilizo um marco teórico centrado na
observação profunda deste cotidiano das cidades negras atlânticas (FARIAS et al,
2006), tomando o Rio de Janeiro como uma outra experiência urbana em alguns
aspectos próxima de Salvador. Pensar “cidade negra” implica, além de enxergar as
peculiaridades de um urbano construído por e para a população negra, escrava
e liberta, compreender as redes de relações que se constroem e se inscrevem no
espaço, como nos apresenta Chalhoub (2011).

A premissa para a compreensão da cidade negra – conceito no centro


do qual figura a população negra, como protagonista – é compreender libertos,
escravos e ex-escravos como sujeitos. As formas de desenvolver as suas próprias
narrativas não contam, certamente, com os meios mais tradicionais de fazer história.
Por vezes, é um povo que está aparentemente mudo nos documentos oficiais;
por vezes, se faz presente apenas como objeto de medo ou repulsa.

Este trabalho parte de uma proposta metodológica, contudo, de com-


preender os documentos oficiais tendo em mente as suas limitações, enquanto
documentos feitos para serem lidos (FARGE, 2009). Assim, pretende-se proble-

279
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

matizar as representações objetificadas e correlacionar os dados documentais


oficiais com a extensa bibliografia que compreende os processos políticos como
interações de poder entre sujeitos, com as complexidades que lhes são inerentes,
sem reduzi-los, no caso específico dos escravos, à dualidade de vítima ou algoz
(CHALHOUB, 2011).

Uma vez contextualizada a cidade negra, enquanto território físico e


simbólico, busca-se compreender a gestão de Salvador a partir de uma dimensão
privilegiada: o trabalho de rua (REIS, 1993, 2000, COSTA, 1991). Trabalhador e tra-
balhadora de rua, fazendo do espaço público seu lugar de sociabilidades, diversão
e ganho, se desdobram em ocupações diversas: vendedor ambulante de miudezas
e alimentos, quitandeira em festa popular, carregador de volumes. Compartilham,
em comum, além da apropriação do espaço público, a característica de serem
representação visual de um passado escravocrata que, ao início do século XX, se
buscava apagar a qualquer custo.

Em poucas linhas, é este o contexto que circunda o objeto: nas duas pri-
meiras décadas dos 1900, uma atmosfera de modernização paira sobre os centros
urbanos brasileiros, e desta não escapará Salvador (FERNANDES E GOMES, 1992;
PINHEIRO, 2011). Os valores arquitetônicos e urbanísticos acompanham os ideais
mais profundos do higienismo e do projeto nacional pautado pelo branqueamento
(HOFBAUER, 2006; JACINO, 2008). Não por acaso, são os territórios negros os
primeiros espaços a sofrerem diretamente as contradições das expulsões motivadas
pelo afã de modernizar a cidade (ROLNIK, 1989).

O objeto desta proposta são as práticas de gestão do poder público


municipal sobre os trabalhadores de rua, compreendendo-nas como dimensões
da gestão de cidades negras. A metodologia da análise documental qualitativa
(FARGE, 2009; CELLARD, 2014) se propõe a compreender o documento em sua
dimensão profunda, auxiliando no entendimento qualitativo de um fenômeno
social, adicionando a complexidade da questão temporal. Os documentos utili-
zados foram, além da legislação do município, pareceres de comissões e relatórios
de instituições de fiscalização do trabalho de rua, como a Guarda Municipal, a
Diretoria de Fiscalização e a Inspetoria de Higiene.

Dessa forma, o que se pretendeu foi tematizar o jurídico além da legis-


lação – e, também, além do legislativo – para ampliar o entendimento até as
instituições. Utiliza-se a ideia de governamentalidade (FOUCAULT, 2008) como
instrumento teórico para tematizar o Estado e suas relações com os indivíduos
– no recorte específico, o Estado na figura do poder municipal, e os indivíduos
como os trabalhadores de rua. Em que pese a formulação foucaultiana se di-
recione a compreender uma forma de governamentalidade liberal no contexto

280
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

europeu, entendemos que sua instrumentalidade analítica fornece referências de


grande relevância.

Quanto aos resultados, eles podem ser pensados como as formas de


gestão da cidade baseadas no branqueamento do espaço pelo poder público. O
higienismo, que renova e repensa uma forma de controle dos corpos negros, é
sustentáculo da gestão da cidade, e com ele se promovem também novas formas
de estabelecer diferenciações entre cidadania(s). Além do controle do corpo, a
gestão também se faz através de um controle sobre as miudezas do cotidiano,
que, aplicadas ao contexto do trabalho de rua, se traduzem nas inadequações
dos instrumentos de trabalho, que denunciam o caráter arcaico e “africanizado”
do trabalho de rua, aos olhos das elites da época.

As reações do poder público e de outros setores sociais quanto à per-


manência e resistência do trabalho de rua são dimensões importantes para com-
preender a peculiar configuração do início do século XX, especialmente numa
cidade em que a população negra persiste como relevante componente racial
e social. Salvador se mostra como um exemplo privilegiado para compreender
a gestão da cidade e as peculiaridades locais a partir das quais o projeto de
branqueamento inevitavelmente procurou se adaptar.

Referências bibliográficas
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CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

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282
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

MEMÓRIA POR DIREITO(S):


A COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE
SOBRE A ESCRAVIDÃO NEGRA
NO BRASIL E O RACISMO EM DISPUTAS SOBRE
REPARAR E ESQUECER

GABRIELA BARRETTO DE SÁ
Doutoranda em Direito - “Constituição e Democracia” Universidade de Brasília (UnB).
Mestra em Direito - “Teoria, Filosofia e História do Direito” Universidade Fcderal de Santa Catarina (UFSC/2014).
Professora Auxiliar do curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/Campus III).
E-mail: gabrielabsa@gmail.com

Eixo temático: 4. Cultura Jurídica e Diáspora Africana

Palavras-chave: Direito à Memória; Escravidão Negra; Racismo.

Introdução

Nas últimas décadas, reiterados esforços políticos nacionais e internacionais


no sentido de minimizar a situação de desigualdade econômica e social vivida pelas
populações afrodescendentes revelam que, apesar do fim da escravidão negra, é
difícil apontar onde principia e finda o período conhecido como “pós-abolição”
que marca a transição da condição da vida em cativeiro para a vida em liberdade.
Isto porque, a história do tráfico transatlântico de escravos é mais complexa do
que a relação individualizada entre senhor e escravo e não se resolve com as leis
que determinam a abolição.

Em atenção à necessidade de políticas públicas voltadas para a superação


do racismo e da desigualdade racial, reconhecidas como “consequências tardias”
(ONU, 2001) da escravidão, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu
a Década Internacional dos Afrodescendentes entre 1º de Janeiro de 2015 a 31
de dezembro de 2024, sob o tema “Afrodescendentes: Reconhecimento, Justiça
e Desenvolvimento”.

283
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

No Brasil, último país do mundo a abolir a escravidão, além da legislação


infraconstitucional, a Constituição Federal de 1988 reconhece expressamente direi-
tos e garantias à população afrodescendente. Em consonância com as previsões
constitucionais, na XXII Conferência Nacional dos Advogados, num Painel Especial
intitulado Reparação da Escravidão Negra no Brasil, foi proposta a criação de uma
comissão para apurar a verdade dos fatos relacionados à escravidão. Daí que, o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), através da Portaria
n.013/2015 , instalou a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra (CN-
VEN) com o propósito de romper com o “silêncio sepulcral” (OAB, 2015) do
Estado brasileiro quanto ao crime de escravidão e suas consequências. A CNVEN
funcionará por dois anos e desenvolverá seus trabalhos de forma investigatória,
com o objetivo central de apresentar relatório “apto a justificar o dever de se
reparar os fatos relativos à escravidão negra” (OAB, 2015), à luz do seguinte
problema fundamental: “Quais foram, por quem foram e como foram cometidos,
os crimes que tornaram realidade, a escravização de pessoas negras no Brasil?”

Neste contexto, o problema fundamental a ser enfrentado pela pesquisa


é analisar a experiência da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra
(CNVEN), instituída no âmbito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), problematizando os limites e possibilidades da tentativa de inserir
o pós-abolição no Brasil no conceito de justiça de transição.

Ao considerar o racismo enquanto realidade constituinte das instituições


e, consequentemente da produção de conhecimento por vias institucionais, bus-
ca-se ainda problematizar as condições da produção discursiva e construção de
sentidos sobre o direito à memória e verdade acerca da escravidão negra no
Brasil no âmbito da CNVEN.

Metodologia

A primeira fase da pesquisa consiste em realizar revisão bibliográfica,


partindo da análise de publicações nacionais e internacionais a respeito das expe-
riências de justiça histórica e comissões da verdade verificadas dentro e fora de
contextos de justiça transicional, com especial interesse no estudo das experiências
relacionadas à fatos traumáticos relacionados à populações negras. Na segunda
fase da pesquisa serão analisadas como fontes primárias os Relatórios Parcial e
Final da Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil.

Resultados parciais da pesquisa em andamento

Como resultados parciais da primeira fase da pesquisa em curso, destacamos


que, ao analisar criticamente o papel desempenhado pelas iniciativas no campo
da reparação de injustiças históricas, Berber Bevernage destaca as possibilidades

284
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

dos efeitos conservadores de tais práticas, em especial do risco do “maniqueísmo


temporal” caracterizado pela abordagem reducionista que tenta localizar o mal
em um momento passado que precisa ser superado. Neste sentido, a pesquisa
busca ainda refletir sobre os riscos de que a compreensão da escravidão negra
no Brasil como injustiça histórica termine por fortalecer mitos como a ausência
do racismo, uma vez que o mal do racismo já estaria superado e reparado.

A Comissão Sul-Africana “Verdade e Reconciliação”, instituída por uma lei


de 26 de julho de 1995 no bojo do processo de apuração dos crimes cometidos
durante as décadas de apartheid , ainda hoje se apresenta como experiência
de fundamental importância para as reflexões sobre as possibilidades jurídicas e
políticas de lidar com crimes praticados no passado. Por consequência abre um
vasto campo de discussão sobre a relação entre tempo e direito. (BEVERNAGE,
2010; OST, 1999)

A busca por investigar a verdade sobre os crimes cometidos no passado,


impõe para o presente o desafio de optar politicamente sobre o que fazer a partir
do acesso a tais verdades reveladas. Isto porque, ao abrir a caixa do passado, o
dever de memória e o dever de justiça podem resultar num tensionamento de
alto custo para toda a sociedade, em suas diversas esferas.

No caso da África do Sul, uma vez identificados os culpados pelos


crimes e escutadas suas confissões e relatos sobre as até então desconhecidas
circunstâncias de ocorrência dos fatos, foi necessário definir os rumos políticos
desta negociação . Em outras palavras era preciso definir “os termos do difícil
compromisso elaborado entre direitos da memória e necessidade de reconciliação
“ (OST,1999, p.140). Neste sentido, fez-se a opção por olhar a verdade de frente
e exorcizar o passado; perdoar sem esquecer. (OST, 1999, p.139).

A metafóra da anistia como ato de perdoar sem esquecer como pos-


sibilidade de desligar o passado estava prevista na Constituição Sul-Africana de
1993 (OST, 1999, p.139) se coaduna com a opção de atitude em relação ao
tempo que melhor se adequava ao propósito de possibilitar a melhor justiça para
o momento de transição entre o passado vergonhoso de uma nação marcada
pelo apartheid e o futuro de uma nação do arco-íris, marcada pelo projeto de
igualdade e reconciliação entre todos os cidadãos.

A utilização no campo das experiências de justiça transicional é uma das


características das comissões da verdade. Este momento de transição se carateriza
por se apresentar como campo limítrofe entre o projeto do passado que deve
ser superado e o projeto do futuro que deve ser construído a partir de outras
formas e marcos políticos, jurídicos e sociais. Assim, é comum que a justiça de

285
CARDENO DE RESUMOS – Cultura Jurídica e Diáspora Africana

transição tenha lugar em momentos de rupturas de regimes políticos autoritários


e violentos, a exemplo da experiência sul-africana pós apartheid.

Conclusão

A iniciativa de criação da Comissão Nacional da Verdade sobre a Es-


cravidão Negra no âmbito do Conselho Federal da OAB representa inegável
avanço rumo ao reconhecimento dos crimes praticados contra a população
negra durante a escravidão. No entanto, impõe reconhecer que a importância
do tema exige a participação ativa do Estado proporcionando material humano
e operacional, a exemplo do que ocorreu com a Comissão Nacional da Verdade
(sobre a Ditadura Militar).

Superar o racismo exige questionar os marcos positivistas e pretensamente


universais do direito moderno e assumir que os discursos sobre os direitos que
devem ou não ser protegidos são elaborados em consonância com pressupostos
profundamente excludentes. Se a defesa do direito à memória e à verdade acerca
da ditadura militar no Brasil se ancora e justifica pela concretização da democracia,
enquanto ideal moderno primordial, em oposição a um regime político violento
e autoritário, o direito de buscar a verdade e memória sobre a escravidão negra
no Brasil deve ser assumido em nome do direito a que determinados humanos
sejam reconhecidos não mais como “os outros” aos quais se naturaliza e justifica
toda sorte de sofrimentos. Ao mesmo tempo, impõe o compromisso do Estado
em abandonar discursos idealistas e reconhecer a assimetria das relações sociais
na qual a nossa subjetividade moderna foi forjada.

Referências bibliográficas
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memória do cativeiro, patrimônio cultural e direito à reparação. IberoAmericana,
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Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil e designa os membros.

286
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ORGANIZAÇAO DAS NAÇOES UNIDAS (ONU). Resolução 68/237 da Assembléia


Geral. Década Internacional Afrodescendente. 23 dezembro 2013.
OST, François. O tempo do Direito. Lisboa: Piaget, 1999.

287
RESUMOS

HISTÓRIA CONSTITUCIONAL
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A TOLERÂNCIA E AS LIBERDADES
DAS RELIGIÕES SOB A ÓTICA
DA TEORIA CRÍTICA HISTÓRICO-CONSTRUTIVISTA
DOS DIREITOS HUMANOS

BRENNER T. ROCHA
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo
Mestrando em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
E-mail: brenner.toledo@gmail.com

Eixo Temático: História constitucional

Palavras-chave: Tolerância religiosa; Teoria Crítica Construtivista; Direitos


Humanos.

Introdução

Submersos em uma cultura hegemônica ocidental judaico-cristã, os con-


ceitos construídos em defesa das liberdades religiosas no processo constitucional,
em que pese abstratamente segreguem Estado de religião, ainda não se mostram
suficientes para eliminar as assimetrias e os status privilegiados de determinados
seguimentos. A tradição judaica e cristã (católicos e não católicos) influencia
no calendário, no ritmo de vida, e na estruturação de pensamento ocidental: à
hegemonia, toda proteção jurídica, reconhecida na qualidade cultural e religiosa;
aos seguimentos minoritários, a luta pelo reconhecimento.

Apesar de não se tratar de um estudo em História, mas na ciência jurí-


dica, é importante reconhecer, como método de trabalho inicial, a historicidade
da liberdade religiosa construída na transição para o Estado moderno liberal, o
destinatário das liberdades defendidas pelo liberalismo de John Locke. O caminho
de análise do pensamento jurídico será conforme as teorias filosóficas de libertação
latino-americanas e a filosofia comunicativa em Jürgen Habermas.

291
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Metodologia

Na primeira seção, será abordada a formação da tolerância religiosa euro-


peia, da transição para a Idade Moderna, e a consolidação dos ideais burgueses
na Idade Contemporânea por meio das revoluções americana e francesa, com a
análise de dois autores clássicos que influenciaram esses movimentos: John Locke
e Montesquieu. Será observado o efeito da secularização após as revoluções bur-
guesas em contraposição ao quadro de diversidade religiosa no mundo.

Na segunda seção será realizado um resgate das críticas da teoria de


libertação, instrumento de reflexão entre a disparidade teórica dos Direitos Hu-
manos e a sua práxis. Mostrar-se-á a questão da tolerância no país e a incipiente
tentativa de regresso ao espaço público das discussões políticas, canal importante
que ainda não é aproveitado no país.

Resultados parciais

Para compreender o complexo significado do laicismo moderno e das


liberdades religiosas hoje explicita e implicitamente amparados pelos movimentos
constitucionais modernos ocidentais, é preciso realizar um resgate histórico ao
surgimento das ideias de segregação entre Estado e Igreja. Esse regresso objetiva
compreender a dinâmica hermenêutica dos conceitos construídos hodiernamen-
te em Direitos Humanos, processo pelo qual Alejandro Rosillo Martínez (2008),
ao reinterpretar as filosofias da libertação, descreve como um dinamismo de
atualização de possibilidades, dado a existência de uma estrutura aberta própria
da existência histórica humana. A filosofia crítica assume a responsabilidade de
desvendar o falso, o injusto e o desigual em uma ideologia hegemônica em um
sistema social, e não de um esforço de meramente observar pelo decurso do
tempo a construção de um conceito.

O laicismo e a tolerância são soluções para as disputas internas de po-


der e influência das comunidades cristãs. A liberdade religiosa interessa como
forma de proteger aos demais direitos fundamentais por Locke pregados: a vida
e os bens civis. Enquanto não houver perturbação da paz pública, defende, não
haveria porque o Estado interferir. A questão da tolerância em Montesquieu é
contraditória: ao passo que defende que o Estado deva tolerar várias religiões e
fazê-las tolerarem-se mutuamente, também defende que,
Porque uma religião que pode tolerar as outras não pensa em sua
propagação, será uma lei civil muito boa a que determine que, quando
o Estado estiver satisfeito com a religião já estabelecida, não tolere o
estabelecimento de outra”. (Montesquieu, 1996:493).

292
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Conclui que um Estado pode ou não admitir o estabelecimento de uma


religião, mas que ao aceita-la, deve tolerá-la.

A obra política de Montesquieu influenciou as revoluções ocorridas no


final da Idade Moderna, sedimentando os ideais iluministas: a guerra de indepen-
dência estadunidense e a Revolução Francesa em 1789, esta última encerrando
o período histórico e introduzindo o mundo na Idade Contemporânea. As duas
revoluções, no aspecto político ocidental, na visão de Fábio Konder Comparato
(2010:63), representaram a reinvenção da democracia,
fórmula encontrada pela burguesia para extinguir os antigos privilégios dos
dois principais estamentos do ancien régime – o clero e a nobreza – e
tornar o governo responsável perante a classe burguesa.

Tanto a revolução americana quanto a revolução francesa formam pre-


cedentes para secularização, necessários para as classes médias que impunham
suas necessidades aos movimentos de massa. A tendência era de secularização
das estruturas, de afastamento das questões religiosas do espaço público: as duas
revoluções serviram de moldes para as demais seguintes, e afastar a discussão
pública das religiões era instrumento de garantia de sucesso das demandas, para
penetrar a vontade das massas.

Já no Brasil, o processo de aceitação de outras denominações religiosas


pelo Estado no Brasil é relativamente recente, com a transição da monarquia
para a república pela Constituição de 1891. Até então, pela égide da Constituição
de 1824 – expressamente no seu Art. 5º, apenas a “Religião Catholica Apostolica
Romana” era aceita pelo Império, na esfera pública; tolerava-se o culto doméstico,
desde que não se expressasse na forma de templo ou manifestar-se publicamente.
Os apontamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística demonstram que
no início da República 98,9% da população se declarava como católica, restando
1% como evangélica e 0,1% como não religiosos. Em cem anos de república, os
dados de 1991 demonstram uma expressiva mudança: 84,1% declaram-se católicos,
9% evangélicos, 1,5% espíritas e 5,1% como não religiosos. Já no Censo de 2010,
além da redução proporcional em relação ao total da população ao longo dos
cem anos, houve uma novidade – a redução em termos absolutos da quanti-
dade de católicos no país em relação ao censo anterior, uma queda quase 1,7
milhão de pessoas. Nesse último censo, 64,6% consideraram-se católicos, 22,2%
evangélicos, 2% espíritas, 0,3% umbandistas e candomblé, e 8% de não religiosos.

Se a tolerância religiosa, como ficou demonstrada anteriormente, foi histori-


camente uma aspiração entre as denominações protestantes frente ao Catolicismo,
o pensamento laico das proteções às suas liberdades imbricadas pode levar ao
não reconhecimento das crenças minoritárias, como as matrizes africanas. Esse
pensamento, que no pós-revolução afastou dos espaços públicos a discussão

293
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

religiosa, implica também no distanciamento das origens do laicismo, na aceitação


de um establishment que segrega as demais crenças.

Observa Rubio (2015), ao abordar a teoria crítica construtivista dos Direitos


Humanos, que o discurso universalista dos Direitos Humanos, aliados ao contexto
de globalização, conseguiu um status político e moral inquestionáveis, enquanto
linguagem hegemônica sobre a dignidade da pessoa humana. Entretanto, esses
mesmos valores universalizados são incorporados de forma assimétrica entre os
países centrais, desenvolvidos, e os países periféricos, subdesenvolvidos. Essa dis-
paridade decorre tanto no âmbito internacional, da dificuldade de reconhecer e
aceitar o estrangeiro em face do nacionalismo e da identidade geográfica, bem
como internamente, por razões de exclusões sociais como classe, renda, religião,
cor. Assim,
Es decir, la universalidad de los derechos humanos se construye sobre
discursos que defienden inclusiones en abstracto de todas las personas,
pero sobre la base trágica y recelosa de exclusiones concretas, individuales
y colectivas (RUBIO, 2015:185).

Conclusão

A razão comunicativa é orientadora nas pretensões de validades, recons-


truindo um exercício para julgar a realidade constitucional: conhecer as intenções
do autor do discurso e participar da construção do discurso. Parte-se da força
social que cria os processos racionais do consenso. “Qualquer idealização gera
conceitos sobre a adaptação mimética a uma realidade dada e carente de um
esclarecimento” (HABERMAS, 1997:27). Nesse sentido, a exclusão da religião espaço
público implica em afastá-la também do locus discursivo, âmbito de formulação
de conceitos universais porém com intenções concretas excludentes.

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294
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

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295
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

TEORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA:


UMA HISTÓRIA A SER CONTADA?

WINGLER ALVES PEREIRA


Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense (PPGDC/UFF)
E-mail: wingler@gmail.com

Eixo temático: História Constitucional

Palavras-chave: História Constitucional Brasileira

Introdução

A pesquisa, que é parte da minha dissertação defendida no Programa


de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense
(PPGDC/UFF), consistiu em revelar o atual e dominante pensamento jurídico bra-
sileiro sobre a história constitucional do país. Por meio da análise das leituras mais
frequentes nos cursos de Direito das Universidades Públicas mais conceituadas do
país, segundo a avaliação da Ordem dos Advogados do Brasil, o trabalho empírico
compreendeu o levantamento dos manuais e livros mais utilizados nas disciplinas
de Teoria da Constituição, e a análise dos seus marcos teóricos. O objetivo es-
pecífico do trabalho foi discutir os resultados a partir de sua correlação com o
marco teórico do pensamento político brasileiro, como sugerem, em especial, os
estudos de Alberto Guerreiro Ramos. Em suma, a partir do método dialético e
de análise de conteúdo das obras de Direito Constitucional mais utilizadas pelos
principais cursos jurídicos do país, a pesquisa buscou entender, a partir destas
fontes primárias, como a história constitucional brasileira é vista atualmente pela
intelectualidade jurídica do país.

Teoria constitucional brasileira: uma história a ser contada?

Nas últimas décadas, o estudo do pensamento político e social brasileiro


apresentou uma expansão significativa nas ciências sociais e na Ciência Política.
A literatura especializada indica que essa ampliação pode ser medida tanto pelo
aumento expressivo do número de dissertações e teses defendidas nos programas
de pós-graduação quanto pelo crescimento do número de artigos destinados ao
tema, bem como pelos trabalhos apresentados nos congressos da Associação Na-

297
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

cional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Associação Brasileira de Ciência


Política e da Sociedade Brasileira de Sociologia (LYNCH, 2013: 727).

No estudo do imaginário político e social brasileiro há a linha específica


relacionada à análise do pensamento do intelectual periférico. Esta vertente busca
estudar a consciência que estes pensadores fazem da sua própria realidade, dos
seus problemas, em diálogo com o que é pensado nos países “desenvolvidos”. A
questão central deste tipo de estudo consiste em discernir se o intelectual da
periferia busca soluções para os problemas de seu país a partir de sua própria
história, de sua sociedade de passado colonial, em diálogo com o que acontece
nos países “centrais”, ou se suas ideias são aqui transplantadas do mundo “civilizado”
sem um confronto com as circunstâncias particulares de seu meio.

O trabalho buscou trazer esta problemática para o campo do Direito,


mais especificamente por meio do diagnóstico do pensamento constitucional
brasileiro contemporâneo. Assim, haja vista o problema delimitado quanto ao
modo de pensar no mundo periférico, o marco teórico da pesquisa centrou-se
(i) na ideia do imaginário colonial dominante no pensamento político e social
brasileiro, como sugerem os estudos de Alberto Guerreiro Ramos (1957; 1960;
1983; 1995; 1996), e (ii) nas pesquisas mais recentes sobre este mesmo assunto
realizadas por Christian Lynch (2013; 2015).

Assim, o objetivo geral da pesquisa consistiu em compreender qual seria o


imaginário constitucional brasileiro dominante na atualidade, e mais especificamente
se este imaginário é autêntico ou apenas uma imitação de ideias importadas de
países usualmente considerados mais “modernos”. O trabalho almejou, portanto,
entender a situação do pensamento constitucional dominante na intelectualidade
jurídica do país. Nesse passo, o trabalho buscou responder a seguinte questão:
o pensamento constitucional da intelectualidade brasileira é orientado por uma
concepção alienada da sua história? Nessa parte, pretendeu-se avaliar se esse
ideal de constitucionalismo é pautado por uma lógica colonial, de acordo com o
marco teórico adotado, inclusive no que diz respeito ao conceito de “alienação”.

Dada a amplitude desse imaginário, o objetivo específico do trabalho


consistiu em analisar o pensamento constitucional no ensino da graduação em
Direito. Do universo do ensino jurídico da graduação, a pesquisa considerou es-
pecificamente a matéria do Direito Constitucional que tem a capacidade de ao
mesmo tempo vislumbrar ideologias e imaginar instituições políticas e jurídicas:
a história da teoria constitucional, tomada como o estudo dos paradigmas que
definem o conceito de constituição, isto é, a explicação da essência do seu ser.
Além disso, a história constitucional é um dos pontos mais ligados às ciências
afins ao Direito, como a Ciência Política.

298
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Ainda quanto ao seu objetivo específico, a pesquisa buscou investigar


(i) quais são os constitucionalistas que figuram como paradigmáticos da história
constitucional nos livros mais utilizados pelos cursos de Direito, (ii) se eles são
brasileiros ou estrangeiros, (iii) se fazem parte da história e da política brasileira
ou da história e da política de outros países, (iv) se a produção teórica nacional
é adotada como teoria da constituição, (v) se há privilégio de teorias alienígenas,
e (vi) qual a relação entre a teoria constitucional brasileira e a estrangeira.

No aspecto metodológico, para a análise do pensamento constitucional


brasileiro, e mais especificamente para a investigação do imaginário da história
constitucional presente no ensino jurídico, o trabalho utilizou, como visto, fontes
primárias, em um procedimento de coleta de dados e de análise de conteúdo
dos manuais e livros de Direito Constitucional utilizadas nos principais cursos
de Direito do país. Além disso, o trabalho desenvolveu, por meio do método
dialético, uma pesquisa interdisciplinar do tema, orientanda por um raciocínio
não só jurídico, mas também político e social, essenciais para uma abordagem
não dogmática do assunto.

O trabalho foi divido em três partes. Em primeiro plano, apresenta o


marco teórico adotado sobre o imaginário colonial dominante no pensamento
político e social brasileiro, sobretudo com base nos estudos de Alberto Guerreiro
Ramos (1957; 1960; 1983; 1995; 1996) e Christian Lynch (2013; 2015). A partir
deste marco teórico, e a fim de trazer essa problemática para o campo do pen-
samento constitucional brasileiro, na segunda parte são detalhados os métodos
para a coleta das obras de Direito Constitucional mais utilizadas pelos cursos de
Direito selecionados pela pesquisa. A análise de conteúdo destas obras é descrita
na parte subsequente, e última, do trabalho. Assim, em seu terceiro e derradeiro
momento, são analisados os referenciais teóricos de cada obra selecionada quanto
à história constitucional, com o intuito de compreender quais são os paradigmas
dominantes.

Conclusão

O trabalho mostrou, ao final, que o pensamento do jurista brasileiro a


respeito da história constitucional é, em regra, uma reprodução quase que ex-
clusiva de ideias e teorias importadas de países usualmente considerados mais
modernos e avançados. Nesse sentido, a pesquisa apontou, em conclusão, para
o imaginário colonial que predomina no atual pensamento jurídico do país, a
partir da negação de sua história constitucional.

Referências bibliográficas
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito
Constitucional. 15. ed. São Paulo: Verbatim, 2011.

299
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

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300
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A INSTRUMENTALIZAÇÃO DA FÉ PARA
A PROPAGAÇÃO DE UMA IDÉIA SEBASTIANISTA
DE CONSTITUIÇÃO NO LIMIAR
DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

GABRIEL LIMA MARQUES


Doutorando em Direito Público na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Especialista em Direito e Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP
da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ.
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Professor (40H/DE) de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. E-mail:
gabriel-marques@hotmail.com.

Eixo Temático: História Constitucional.

Palavras-Chave: Constituição; Religião; Sebastianismo.

Resumo

É já fato há um bom tempo para a historiografia brasileira que no mo-


vimento político da independência do Brasil houve uma intensa participação do
clero católico. Levantamentos dão conta de que quando das cortes de Lisboa –
onde alimentada ainda a utopia do poderoso império luso-brasílico – 26 padres
foram escolhidos para representar os interesses das províncias brasileiras junto a
metrópole. Já em outro momento, mais precisamente quando desfeito aquele
sonho e convocada logo a seguir a primeira constituinte, de um total de 100
deputados, 22 eram sacerdotes (BARBOSA, 1973, p. 52).

Tal volume se explica, pois como em Portugal e por consequência em


seu maior território – o Brasil – as ideias típicas do Século das Luzes conviveram
sobremaneiramente mitigadas pela valorização da religião como a forma mais
elevada do conhecimento (NEVES, 2003, p. 27). Coube, portanto, à instrumen-
talização da fé cristã, entre a revolução do Porto de 1820 e a outorga da carta
política de 1824 – período que retém a atenção do presente trabalho – o papel
de transmitir as novidades liberais.

301
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Assim sendo, palavras como “Constituição” – o que poucos no Brasil es-


tavam acostumados a lidar em sentido – era tanto a ordem do dia em inúmeros
sermões de religiosos, tal qual o proferido em 1821 por um Cônego da Capela
Real no Rio de Janeiro, conforme se vê no trecho a seguir:
Constituição, senhores, é o baluarte da inocência, o prêmio do merecimen-
to, a hipoteca da segurança pública, o fiador da propriedade individual, o
sacrário da bem entendida liberdade, o refúgio dos miseráveis, o brasão
do sábio, o pergaminho da verdadeira nobreza da nação. Constituição é
a defesa do Estado, o apoio do trono, a escala da grandeza, a melhor
herança do povo, o nível da perfeita igualdade cívica. Constituição é o
código universal da sociedade, a regra infalível da justiça, o Evangelho
político da Nação, o compêndio de todas as obrigações, o manual coti-
diano do cidadão (NEVES, 2003, p. 151).

Quanto era igualmente assunto central em inúmeros periódicos e fo-


lhetos que ilustravam as concepções de seus redatores – religiosos ou não – a
partir da arraigada catolicidade popular. Caso da paródia intitulada “Padre Nosso
Constitucional”, que dispunha:
Constituição portuguesa, que estás em nossos corações, santificado seja
o teu nome, venha a nós o teu regime constitucional, seja feita sempre
a tua vontade, um melhoramento de agricultura, navegação e comércio
nos dá hoje e cada dia; perdoa-nos os defeitos e crimes passados, assim
como nós perdoamos aos nossos devedores, que não nos podem pagar,
não nos deixes cair em tentação dos velhos abusos, mas livra-nos destes
males, assim como do despotismo ministerial, ou anarquia popular. Amem
(NEVES, 2003, p. 41).

Em ambos os casos, porém, salta aos olhos uma leitura messiânica da


Constituição. E explicar a razão disso, realidade que como dito, se deu através
do manejo da fé – porque fonte dos termos e da linguagem para a formulação
de ideias naquela época e naquele lugar (COELHO, 2012, p. 100) – trata-se do
objeto do presente trabalho.

O que vale dizer, colhidos os primeiros resultados de uma pesquisa ini-


cial, alcançou-se como retorno ao problema proposto a hipótese disso se dar
por uma cultura social, tipicamente portuguesa, de contestação das dificuldades
(LIMA, 2005, p. 237). Quer dizer, a ideia orientadora, portanto, será confirmar
com base em bibliografia especializada, sermões de religiosos e semanários ou
periódicos publicados – tudo isso quanto aos procedimentos metodológicos
adotados, permitindo classificar a presente investigação como bibliográfica e do-
cumental – que apesar de toda a perseguição pombalina perpetrada contra o
mito milenarista-sebastianista, ou em outras palavras, ao culto de algo ou alguém
que seria a solução de todas as mazelas e que instauraria um tempo de justiça,
felicidade e paz em terras lusas. Tal modo de observar o mundo, sempre revivido

302
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

em momentos de crise em Portugal, como foram os períodos da Restauração,


da invasão napoleônica, e mais especificamente, mediante as consequências des-
te último evento, o próprio vintismo (AZEVEDO, 1990, p. 93). Também esteve
presente no movimento constitucionalista luso-brasileiro do primeiro quartel do
século XIX, e influenciou sob o manto da fé, os seus rumos.

Referências Bibliográficas
AZEVEDO, João Lúcio. A evolução do sebastianismo. Lisboa: Presença, 1990.
BARBOSA, Francisco de Assis. A Igreja e a independência. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Vol. 298. Janeiro-Março, 1973.
COELHO, Luiz Felipe Alves Guimarães. Os reinos de Daniel: profecia e política
em Portugal e na Inglaterra do século XVII. Dissertação de Mestrado em História
Social. Universidade Federal Fluminense – UFF, 2012.
LIMA, Luís Felipe Silvério. O império dos sonhos. Narrativas proféticas, sebastianismo
e messianismo brigantino. Tese de Doutorado em História Social. Universidade de
São Paulo – USP, 2005.
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais. A cultura
política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan, 2003.

303
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

EPITÁCIO PESSOA E O CONSTITUCIONALISMO


ESTADUAL

ANA RAFAELA PESSOA ALCOFORADO ALCOFORADO


Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB
E-mail: anarafa_alcoforado@hotmail.com

MARCÍLIO TOSCANO FRANCA FILHO


Professor da Universidade Federal da Paraíba - UFPB
E-mail: mfilho@tce.pb.gov.br

Eixo temático: História Constitucional.

Palavras-chave: Direito Constitucional; Paraíba; Epitácio Pessoa.

Introdução

Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a fe-


deração foi declarada, pelo Decreto nº 1, como forma de organização provisória
da nação brasileira, de modo a determinar que as antigas províncias, agora uni-
das pelo vínculo federativo, passassem a constituir os Estados Unidos do Brasil,
cada uma delas com autonomia e constituição próprias. Com a promulgação
da primeira Carta Magna republicana, em 1891, as assembleias constituintes das
antigas províncias iniciaram as suas reuniões, não tardando mais de seis meses a
partir da Constituição nacional até que todos os estados-membros tivessem suas
respectivas cartas. Nesse ínterim, no estado da Paraíba, a figura de um jovem
jurista e legislador, que não fazia parte da constituinte estadual, mas que, pouco
antes, fora eleito deputado na Assembleia Constituinte Nacional, elaborou um
projeto de Constituição estadual que influenciou em demasia a carta paraibana.
O caráter fortemente parlamentar de Epitácio Pessoa era, assim, mais uma vez
demonstrado, e sua importância para o início da formação da república no âmbito
nacional e estadual era afirmado.

Metodologia

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental, uma


vez que esta possibili-ta a análise de papéis de então e de agora, de modo a
viabilizar o conhecimento do passado mas tam-bém novas visões, interpretações,

305
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

analogias e questionamentos que enriqueçam o tema abordado e propiciem a


formulação de conclusões até então não obtidas. Por conseguinte, um estudo
comparativo foi feito entre o projeto de constituição estadual apresentado por
Epitácio Pessoa ao governo da Paraí-ba, em 13 de maio de 1891, e a primeira
Carta-Magna republicana da Paraíba, promulgada em 5 de agosto de 1891, pelo
viés da importância que o jurista possui e de seu destaque enquanto parlamentar.

Resultados

O CONSTITUCIONALISMO ESTADUAL

Pelo Decreto n.º 802, de 4 de outubro de 1890, o Governo Provisório do


Brasil estabeleceu que assembleias estaduais fossem convocadas até abril de 1891,
a fim de aprovarem suas respectivas cartas constitucionais. Os estados recebiam,
desse modo, sua competência constituinte derivada. Algumas Cartas estaduais
começaram a ser discutidas enquanto ainda se elaborava a Constituição da Re-
pública de 1891 – nenhuma, contudo, fora aprovada antes da nova Constituição
Federal. Com efeito, a última Constituição estadual a ser aprovada foi a da Paraíba,
editada em 5 de agosto do mesmo ano.

AS PRIMEIRAS CONSTITUINTES NACIONAL E PARAIBANA

Após a promulgação da primeira carta magna republicana do Brasil, em


24 de fevereiro de 1891, cabia aos estados-membros se organizarem politicamente.
Na Paraíba, a constituinte foi convocada em março do mesmo ano, composta
majoritariamente por advogados, magistrados e médicos de grande evidência
política na antiga Província. Epitácio Pessoa, nessa mesma altura, não era consti-
tuinte estadual mas já era um ator político importante. Pouco antes, o bacharel
em direito e ex-promotor fora eleito deputado federal constituinte. No Rio de
Janeiro, durante a Assembleia Nacional Constituinte, discutiu com destreza temas
sensíveis como a representatividade das bancadas estaduais, como as mazelas das
fraudes eleitorais que contaminam a legitimidade do voto popular, como a defesa
da autonomia estadual e como a hipertrofia do Poder Judiciário e a concentração
de poderes nas mãos do Executivo.

O PERFIL LEGISLADOR DE EPITÁCIO PESSOA

Nascido em 23 de maio de 1865 na cidade de Umbuzeiro, no interior


árido da Paraíba, Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa fora um dos mais atuantes
parlamentares eleitos pela Paraíba para a Câmara Federal e, depois, para o Senado
da República.Apesar das passagens pelo Executivo e pelo Judiciário, foi no papel
de legislador que Epitácio se sentiu mais á vontade. A face legislativa de Epitácio
Pessoapôs-se a mostra não apenas nos mandatos que ocupou no Congresso

306
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Nacional, como Deputado da primeira legislatura republicana (entre 1891 e 1893)


e Senador por dois mandatos (de 1912 a 1919 e de 1924 a 1930),mas também
quando, enquanto Ministro da Justiça de Campos Sales, redigiu o Código do
Ensino e investiu grande esforço na feitura do Código Civil por Beviláqua; quando,
enquanto Ministro do Supremo Tribunal Federal, discutiu o regimento interno da
Suprema Corte e exarou votos incontornáveis sobre a melhor compreensão do
legislador constitucional; quando, na Presidência da República, propôs projetos
legislativos importantes para o desenvolvimento nacional e quando, ainda secretário
do presidente Venâncio Neiva, redigiu um inovador projeto de constituição para
o estado da Paraíba do Norte.

O PROJETO DE CONSTITUIÇÃO DE EPITÁCIO PESSOA E A CONSTI-


TUIÇÃO ESTADUAL DE 1891

Ainda que não tenha feito parte da Assembleia Constituinte estadual,


Epitácio Pessoa – bacharel em Direito pela Faculdade do Direito do Recife e
ex-promotor de justiça – elaborou um esboço de projeto de Constituição para
o estado da Paraíba durante o exercício de sua função de secretário do então
governador Venâncio Neiva. O fez por iniciativa própria, possuindo o intuito de
poupar aos constituintes o estudo comparativo e o trabalho de unificação ao
qual se submeteu. As similaridades entre o projeto compilado por Pessoa e a
Constituição Paraibana de 1891, promulgada em 5 de agosto, estão presentes em
quase todos os capítulos dos textos. Havia também, entretanto, pontos dissonantes.
Um desses pontos é a sugestão, feita por Epitácio em seu projeto, de que cada
município elegesse um deputado à assembleia estadual, de maneira análoga ao
voto distrital, sistema eleitoral de maioria simples proposto no Brasil, pelo qual
cada parlamentar é eleito individualmente nos limites geográficos de um distrito
pela maioria dos votos.

Assim como Epitácio concebia que todos os estados-membros possuíam


os mesmos direitos e deveriam gozar das mesmas prerrogativas, acreditava que
essa igualdade também se aplicava aos municípios, não aceitando que apenas
algumas das cidades maiores decidissem sobre a política do estado como um
todo. Tal raciocínio, entretanto, não fora espelhado na Constituição paraibana, que
não possuía qualquer dispositivo de proteção aos municípios no que diz respeito
à participação legislativa. Destarte, as disposições acerca das leis e resoluções
estaduais foram mantidas com notável similaridade ao projeto apresentado. As
atribuições postas ao Congresso estadual e ao representante do Poder Executivo
do estado, o governador, enquadram-se também nessa situação: embora tenham
sido expandidas, permaneceram com diversos dispositivos similares, senão idênticos,
ao esboço apresentado pelo então secretário do governador da Paraíba. O capí-
tulo sobre legislativo estadual, a título exemplificativo, passara a dizer respeito ao
julgamento de membro dos outros dois poderes por crimes de responsabilidade.

307
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

O mesmo ocorre com os capítulos sobre o Poder Judiciário, com uma delimitação
estrutural próxima a idêntica, com algumas peculiaridades entre si.

Acerca dos municípios, Pessoa já determina de antemão em seu esboço


a quantidade populacional que os determinariam, sendo esta de dez mil pessoas.
Além disso, sugere também que haja uma proporcionalidade na quantidade de
membros de cada Conselho Municipal de acordo com sua respectiva população.
Nenhuma dessas duas determinações foram acolhidas pela Assembleia Constituinte
do estado, que não dispôs população e unificou a quantidade de sete membros
em todos os municípios que não a capital. As competências do Conselho, além
de outras especificações acerca da administração municipal, foram expandidas,
mas permaneceram iguais em essência.

Uma grande distinção entre a carta-magna aprovada e o esboço apresen-


tado a Venâncio Neiva é o Título VII, acerca dos direitos dos cidadãos paraibanos.
Enquanto Epitácio os menciona sucintamente no art. 4º de seu projeto1, a primeira
Constituição estadual reservou 22 parágrafos para os especificar, expandindo-os e,
portanto, garantindo um maior leque de direitos constitucionais. A liberdade de
expressão, a proibição de prisão sem flagrante delito e sem trânsito em julgado e
a priva-cidade de cartas são algumas das garantias que foram acrescidas. Finalmen-
te, acerca das disposições gerais e transitórias, as distinções com o sugerido pelo
então ainda secretário, mas já exímio parla-mentar, são mínimas, em sua maioria
gramaticais. A semelhança entre os dois textos evidencia o dom legiferante de
Epitácio Pessoa, legislador por uma vida inteira, seja dentro ou fora do Parlamento.

Conclusão

Epitácio Pessoa é figura de grande importância na história político-jurídica


nacional. Transpassando honrosas posições da vida pública nacional e estrangeira,
sempre demonstrou gosto especial pela atividade legislativa. Em particular legou
contribuições relevantes para as primeiras cartas constitucionais republicanas de
sua nação e de seu estado natal – tenham sido elas diretas, com a participação
na Assembleia Nacional Constituinte, ou indiretas, com a apresentação de um
esboço acolhido em quase que totalidade.

Referências bibliográficas
FERNANDES, Flávio Sátiro. História constitucional da Paraíba. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2009.
GABAGLIA, Laurita Pessoa Raja. Epitácio Pessoa. 2. vols. Rio de Janeiro: José
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1 Art. 4º - Aos nacionais e estrangeiros residentes no território do Estado é garantida a inviolabilidade dos
direitos com-cernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos mesmos têrmos que assegura
a Constituição Federal.

308
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

MELLO, José Octávio de Arruda. Epitácio Pessoa (Col. Perfis Parlamentares 7).
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TRIGUEIRO, Oswaldo. Direito constitucional estadual. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense,
1980.

309
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PENSAMENTO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO


NA PRIMEIRA REPÚBLICA: UM ESTUDO
SOBRE A PRODUÇÃO INTELECTUAL E A TRAJETÓRIA
POLÍTICA DE INOCÊNCIO SERZEDELLO CORRÊA

PRISCILA, P. P. GONÇALVES
Universidade Federal Fluminense (UFF)
E-mail: priscilapetereit@id.uff.br

Eixo Temático: História Constitucional

Palavras-chave: Pensamento Político-Econômico; Serzedello Corrêa; Pri-


meira República.

Introdução

O tema de pesquisa tem como objetivo debater as ideias de Inocêncio


Serzedello Corrêa em torno das questões fiscais e econômicas que permearam
o início da Primeira República. Serzedello Corrêa, nascido no estado do Pará,
teve um papel relevante na política econômica da recém República brasileira,
sendo um dos principais porta-vozes do debate sobre os rumos da economia no
país. Em 1890 foi eleito deputado constituinte, representando o estado do Pará
no Congresso Constituinte de 1890-1891. Já neste primeiro momento teve um
papel de destaque quando o tema em discussão tratava da temática financeira
e tributária do país.

Posteriormente, o engenheiro passou a integrar importantes cargos no


cenário político como, por exemplo, de Ministro das Relações Exteriores e Mi-
nistro da Fazenda, ainda no governo de Floriano Peixoto. Pode-se observar que
a sua política econômica e financeira se pautou no estímulo à industrialização,
com tarifas protecionistas e facilidades de crédito, sem perder de vista o controle
da especulação e da inflação. Na qualidade de Ministro da Fazenda também
empreendeu a reforma bancária, com a fusão dos bancos da República e do
Brasil, bem como iniciou uma campanha para a instalação do Tribunal de Contas.

311
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Neste sentido, a partir da análise do texto “O problema econômico no


Brasil”, produzido por Serzedello Corrêa em 1903, bem como através da leitura de
seus Relatórios, na qualidade de Ministro da Fazenda, e de seus discursos proferi-
dos no Congresso Constituinte de 1890-1891, pretende-se investigar a produção
intelectual e a trajetória política de Inocêncio Serzedello Corrêa.

Desta forma, acredita-se que o estudo aprofundado do citado político


brasileiro, bem como de sua produção na área econômica e em torno do Direito
Tributário possa nos revelar uma vertente do pensamento político-econômico
nascente na Primeira República, mostrando, assim, a permeabilidade e a necessi-
dade de estudos que relacionem Política, Direito e História.

Fontes da Pesquisa

O presente trabalho analisará as seguintes fontes primárias (i) o texto


“O problema econômico no Brasil”, escrito por Serzedello Corrêa em 1903; (ii) os
Relatórios produzidos por Serzedello Corrêa, na qualidade de Ministro da Fazen-
da; e, por fim (iii) os discursos proferidos por Serzedello Corrêa no Congresso
Constituinte de 1890-1891.

Serzedello Corrêa foi um dos principais expoentes do debate travado nas


primeiras décadas republicanas sobre os rumos do pensamento econômico-finan-
ceiro, da tributação e da sociedade brasileira. A produção intelectual do autor
sobre matéria econômica está reunida nos artigos do livro “O problema econômico
do Brasil”, publicados originalmente em A Tribuna, em 1903.

O principal objetivo da sua obra era indicar ou sugerir alguns caminhos


para a promoção de uma “evolução social e econômica” do país. Neste momento
de estabilização do regime republicano, o autor acreditava que o Império havia
legado à República “a solução do problema de nossa emancipação econômica.”
(CORRÊA, 1980 [1903]: 05). Ao destacar a monocultura, a incapacidade de
substituição do trabalho escravo, os empréstimos, as sucessivas emissões de pa-
pel-moeda, o déficit orçamentário, ao funding loan, o financista pretendia lançar
o que seriam as bases para a regeneração financeira do país.

A salvação econômica do país deveria começar pela valorização do café.


Serzedello Corrêa defendia uma política econômica que se voltasse para os in-
teresses da produção agrícola interna, bem como para o incremento do desen-
volvimento industrial. O autor ressaltou que apesar do Brasil possuir quase que,
exclusivamente, a produção do café e da borracha o mesmo não conseguia ditar
o preço ao mercado, muito pelo contrário, sofria a especulação e o monopólio
estrangeiro.

312
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Outro ponto destacado pelo autor é que 85% dos lucros da atividade
comercial do país não ficavam no país, ou seja, os fretes de navegação, os lucros
e dividendos de bancos, de empresas, de seguros de toda espécie, de aluguéis
de prédios, tudo em larga escala saia do excesso do valor da produção agrícola
em comparação ao valor da importação. (CORRÊA, 1980 [1903]: 09) É neste
sentido, que o mesmo defendia um conjunto de providências que obedecessem
uma política profundamente nacional.
Sem um plano geral, systematico e persistentemente executado por largos
annos e que obedeça á preocupação de desenvolver as nossas fontes
de produção, melhorar os nossos portos, amparar e proteger as nossas
industrias, diminuir ou suprimir os direitos de exportação e nacionalizar
uma grande parte dos lucros que o exercício da atividade comercial e
industrial vae creando entre nós, impossível será dar solução ao problema
econômico.
Continuaremos fatalmente a ser o que somos e o que temos sido – uma
colônia – de tempos a tempos agitada e perturbada por crises que irão
desmoronando a fortuna pública e particular. (CORRÊA, 1980 [1903]: 10)

Como consequência dessa perspectiva, a política econômica preconizada


por Serzedello Corrêa seria concebida por política comercial fundamentada na
proteção tarifária. Propunha, então, a nacionalização progressiva das atividades
econômicas realizadas no país, devendo operar-se a retenção dos lucros e das
riquezas geradas nos negócios conduzidos por estrangeiros, a partir da internali-
zação das mesmas atividades.

Por sua vez, para o autor, havia duas medidas vitais a serem implementa-
das para a saída da crise econômica instaurada na República: (i) a abolição dos
impostos interestaduais; e (ii) a revisão constitucional no sentido de uma mais
racional e lógica discriminação das rendas, fixada na Constituição Federal de 1891.

Considerando as medidas acima essenciais para a solução da crise eco-


nômica, Serzedello Corrêa pontuou que tendo a União recursos para atender as
responsabilidades da dívida e aos múltiplos encargos que lhe cabiam, poderia,
secundariamente, estruturar as seguintes providências: (i) medidas tendentes a me-
lhorar os portos e ancoradouros, a fim de aliviar o comércio dos ônus das estadias
demoradas e das despesas com cargas e descargas; (ii) medidas que auxiliem e
favoreçam a exploração de novas fontes de produção, entre essas, especialmente,
as minas (minerais combustíveis); (iii) medidas tendentes a combater ou diminuir
os efeitos do absenteísmo, isto é, da remessa para o exterior de quase todos os
proveitos da atividade econômica; (iv) medidas para a promoção do povoamento
do solo; e, por fim, (v) medidas referentes a cada indústria em particular: indústria
agrícola, cultura de cereais, indústria pastoril e indústria manufatureira.

313
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Conclusão

Primeiramente, é preciso pontuar que as propostas de cunho econômico


e tributário apresentadas por Serzedello Corrêa foram desenhadas no interior de
um contexto histórico específico e articulada juntamente com uma associação
de classe, o Centro Industrial do Brasil (1904).

Desse modo, acredita-se que a análise da trajetória política, bem como


da produção intelectual de Serzedello Corrêa poderá revelar uma vertente do
pensamento político-econômico voltado para o entendimento das questões eco-
nômicas em nível nacional, traduzindo, assim, uma determinada concepção de
nação. Neste sentido, observa-se que o entendimento acerca da crise financeira
republicana estava muito mais associado a uma problemática nacional, do que
a uma discussão, estritamente, econômica local.

Da mesma forma, a discussão parlamentar no Congresso Constituinte de


1890-1891, em torno da questão tributária, nos permitirá mapear e reconstruir
a tensão entre as diversas propostas de construção do Estado, bem como das
disputas sociais e regionais em torno da arrecadação dos tributos.

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Senado Federal; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.
COSTA, Wilma Peres. A questão fiscal na transformação republicana – continuidade
e descontinuidade. In: Economia e Sociedade, Campinas, n° 10, 141-173. Jun. 1998.

314
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

SISTEMAS DE GOVERNO NA CONSTITUINTE DE


1987/1988: A DICOTOMIA PRESIDENCIALISMO
E PARLAMENTARISMO EM DEBATE

LEONAM BAESSO DA SILVA LIZIERO


Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
E-mail: leonamliziero@gmail.com

Eixo Temático: História do Constitucionalismo.

Palavras-chave: Constituinte de 1987/1988; Sistemas de Governo;

Introdução

A presente pesquisa tem como objetivo investigar a formação do sentido


de sistema de governo na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988. Neste
caso, com base nos argumentos acadêmicos e políticos apresentados no momento
histórico, pretende-se reconstruir as razões da escolha pelo presidencialismo em
detrimento ao parlamentarismo. Em tempos de crise institucional, faz-se necessária
tal descrição para a melhor compreensão das instituições atuais.

No caso brasileiro, para lançar-se ao debate sobre vantagens e desvantagens


de sistema de governo no Brasil – que perfaz uma forma muito específica –, é
preciso o resgate das ideias sobre os regimes presidencialista e parlamentarista.
Especialmente, das idas e vindas imperfeitas da pretensão de se estabelecer o
parlamentarismo para o governo brasileiro ao longo da história política brasileira.

Historicamente no Brasil é perceptível o predomínio do Poder Executivo


e da figura do Presidente da República, acreditado como grande delegado nacio-
nal, nas relações com o Poder Legislativo, ao mesmo tempo em que este, numa
perspectiva da sociologia política, é visto com desprestígio.

Segundo Horta, em artigo publicado em 1987, “ é visível o esgotamento


do regime presidencial brasileiro”2. Era notável uma tendência dos autores à crítica
ao sistema do regime militar e seu autoritarismo. Grande parte da concentração
2 HORTA, Raul Machado. Tendências Atuais dos Regimes de Governo. Revista de Informação Legislativa. Brasília,
a.24, n.95, pp. 127-140, 1987, p. 139.

315
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

de poder nas mãos do Presidente deixava evidente a supremacia real do Poder


Executivo sobre o Legislativo, o que fazia presente a necessidade de rediscussão
dos limites do poder do Presidente e das relações entre estes dois poderes, o
que passa pelo modo como o sistema de governo é prescrito pela Constituição.
Assim, tais repercutem em outras questões, como a distribuição do poder entre
partidos político e as relações destes com o partido do Chefe de Governo.

Metodologia

A pesquisa terá como principal fonte os Diários da Assembleia Nacional


Constituinte de 1987/1988 e em especial, as atas de duas subcomissões temáticas: a
do Poder Legislativo e a do Poder Executivo. Nos diários destas duas subcomissões,
serão estudadas as atas das sessões nas quais sistema de governo foi discutido.

Na Subcomissão do Poder Executivo, o tema foi discutido na 6ª Reunião


Ordinária, em 5/5/1987. Na Subcomissão do Poder Legislativo, foi debatido nas
3ª, 4ª e 5ª Reunião Ordinária, ocorridas respectivamente em 14/4/1987, 23/4/1987
e 28/4/1987.

Além das dos argumentos exarados pelos Constituintes, será dada especial
atenção à audiência pública de autoridades acadêmicas convidadas a proferir
discurso sobre parlamentarismo e presidencialismo. O objetivo será a observância
de termos e definições usados e que influenciaram a decisão das subcomissões
pela manutenção do sistema presidencialista. Entre as autoridades ouvidas estão
Miguel Reale, Miguel Reale Junior, Luiz Pinto Ferreira, Sérgio Rezende de Barros
e César Saldanha.

Serão consultados também trabalhos acadêmicos sobre o tema destes


autores consultados para aprofundar o sentido de parlamentarismo e presiden-
cialismo no Brasil e suas possiblidades de realização. Também serão pesquisadas
publicações lançadas nos anos da Constituinte ou próximos que versem sobre
sistemas de governo.

Resultados Parciais

O Brasil tradicionalmente mostrou-se, até a Constituinte, um país de


forte tradição presidencialista, com grande concentração de poder no cargo de
Presidente da República. Apesar de algumas tentativas de implementação do
parlamentarismo, as relações entre Poder Executivo e Poder Legislativo pautaram-
se na proeminência do primeiro.

Foi discutido na Constituinte um sistema alternativo à dicotomia presiden-


cialismo e parlamentarismo, com algumas variações destes dois, buscando maior

316
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

equilíbrio entre os dois poderes: o semiparlamentarismo, já surgido na Comissão


Afonso Arinos. Nos propósitos dos Constituintes, maior equilíbrio significava di-
minuir o poder do Presidente da República, buscando estabelecer mecanismos
de controle às funções do cargo.

Possivelmente, a alternativa era desejável entre constitucionalistas e políticos


em razão do repúdio à centralização do poder do regime militar. Ainda assim,
por alguns o parlamentarismo era visto como utópico, completamente destoante
da experiência brasileira. Como deixa claro Pinto Ferreira, em sua exposição na
Subcomissão do Poder Legislativo, “ o parlamentarismo não tem raiz entre nós
[...] A verdade é uma só: o presidencialismo já ganhou raízes no Brasil e, por isso,
tem hoje mais condições históricas de ser aprimorado e estabilizar-se na nossa
Constituição”3.

Referências bibliográficas
ANDRADE, Régis De Castro. Presidencialismo e reforma institucional no Brasil.
Lua Nova, São Paulo , n. 24, p. 5-26, 1991
BARROS, Sergio Resende de. Parlamentarismo ou Presidencialismo? FMU Direito.
São Paulo, v. 3, p. 13-20,1989
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988). Anteprojeto da Subcomis-
são do Poder Executivo. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 1988.
___. Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988). Anteprojeto da Subcomissão
do Poder Legislativo. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 1988.
___. Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988). Diário da Subcomissão do
Poder Executivo. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 1988, 216 pp.
___. Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988). Diário da Subcomissão do
Poder Legislativo. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 1988, 218 pp.
FERREIRA, Luiz Pinto. O Problema da Representação Proporcional. Revista de
Informação Legislativa. Brasília, a. 11, n. 43, p. 3-22, 1974.
HORTA, Raul Machado. Tendências Atuais dos Regimes de Governo. Revista de
Informação Legislativa. Brasília, a.24, n.95, pp. 127-140, 1987.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Interferências entre Poderes do Estado
(Fricções entre o Executivo e o Legislativo na Constituição de 1988). Revista de
Informação Legislativa. Brasília, a. 26, n.103, pp.5-26, 1989.
REALE, Miguel. Momentos decisivos do constitucionalismo brasileiro. Revista de
Informação Legislativa. Brasília, a. 20, n.77, pp.57-68, 1983.
SARTORI, Giovanni. Nem presidencialismo, nem parlamentarismo. Novos Estudos
Cebrap. São Paulo, n.35, pp. 3-20, 1993.
STEPAN, Alfred. Parlamentarismo x presidencialismo no mundo moderno: revisão
de um debate atual. Estudos Avançados, São Paulo, v. 4, n. 8, pp. 96-107, 1990.
3 BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988). Diário da Subcomissão do Poder Legislativo. Brasília:
Senado Federal. Centro Gráfico, 1988, p. 56.

317
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UMA ABORDAGEM HISTORIOGRÁFICA SOBRE


A POLÍTICA IMIGRATÓRIA
NO PERÍODO VARGAS (1930-1945)

ISABELA CRISTINA FERREIRA BORGES


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
E-mail: isacrisfb97@gmail.com

WASHINGTON VINICIUS ALMEIDA DIAS


Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
E-mail: WashingtonVinicius@outlook.com

LIDIANE FRANCO OLIVEIRA


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
E-mail: lidianefranco2103@gmail.com

ISABELLA ALVES SANTOS


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
E-mail: isabella.alvesudi@gmail.com

Eixo Temático: 5 (História Constitucional)

Palavras-Chave: Migração; Era Vargas; Constituição.

Introdução

O Governo Vargas teve trajetória que produziu vários marcos e rupturas


na vida das instituições e do sistema político brasileiro. Os vários campos de
ação e das marcas do governo Vargas podem ser vistos nas leis produzidas, nos
diversos órgãos e agências governamentais, nos impactos na educação, nos outros
serviços do Estado (alguns inexistentes antes e criados por Vargas), e também, na
política de migração, a qual é objeto de análise desta pesquisa. Justifica-se, por-
tanto, a análise pautada no artigo na relevância de retomar elementos históricos
do Brasil buscando evidenciar as transformações tanto sociais, quanto jurídicas e
constitucionais que deles decorreram. O trabalho em questão dispor-se-á desses
elementos históricos, ou seja, dos decretos editados e as duas constituições que
vigeram no Governo Vargas, no que tange a política de imigração.

319
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

O problema levantado consiste em aferir como a política migratória de


Getúlio Vargas se desenvolveu, ou seja, quais as características relevantes em cada
momento governado.

Metodologia

Para alcançar os fins propostos, a princípio será feita uma contextualização


dos principais conceitos de nação e de nacionalidade para, a seguir, verificar as
transformações, criações e mudanças da era Vargas. Para tanto, lançar-se-á mão
da metodologia de pesquisa exploratória, pois a priori será feita uma uma análise
dos documentos jurídicos promulgados no Governo Varguista, dentre eles os
decretos e as duas constituições que vigeram, a primeira de 1934 e a segunda de
1937, a partir de contextualização teórico-bibliográfica, a fim de averiguar quais
elementos foram consideráveis no que tange a restrição imigratória.

De tal feita, é escopo perseguido na presente pesquisa extrair quais as


características relevantes de cada fase de produção de normas referentes a política
de imigração no governo de Getúlio Vargas, a começar do decreto nº 19.482 de
1930, o primeiro documento até o final do governo.

Resultados Provisórios

Pode-se dizer que a grande incorporação de massas populacionais ocor-


ridas no império e na república velha, as quais ditaram a flexibilidade das regras
de nacionalidade, e de permanência do estrangeiro no território nacional, foram
substituídas por formas mais restritivas e com maior especificidade, tanto para
a aquisição da nacionalidade como, sobretudo, para a imigração de estrangeiros.

Esta mudança foi ditada justamente pela consolidação do corpo nacional,


com diferenças em relação aos períodos anteriores quando ainda se projetava como
criar este corpo. É no período Vargas que todos os elementos de afirmação do
estado nacional brasileiro vão se apresentar de forma conjugada e unitária: nação
e povo político, a defesa do território nacional, a ideia de economia nacional, a
identidade do povo nação e a supremacia ou singularidade da cultura nacional.

Esse período é, portanto, o que mais nos interessa, até mesmo pela pro-
posta de trabalho Considerável é denotar que o governo Vargas foi marcantemente
contencioso em relação aos imigrantes quando comparado com os precedentes,
sejam eles, o Império e a República, além disso, é possível perceber variações
quanto a referida restrição no período Vargas, visto que, não foi uma restrição
contínua e homogênea, ao contrário, decorre de particularidades políticas, sociais
e econômicas de cada momento do governo de Getúlio, porém, todas dotadas
de caráter selecionador no que se refere a raça e origem.

320
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Conclusão

O trabalho em questão configura-se pesquisa inicial a respeito do tema


em destaque, qual seja, política imigratória no governo de Getúlio Vargas, compre-
endido entre 1930 e 1945. Pretende-se analisar, utilizando-se de uma abordagem
historiográfica, os documentos jurídicos e históricos produzidos entre as supra-
citadas datas, a fim de compreender como se desenvolveu a política imigratória
neste, outrossim, quais elementos e características relevantes de cada momento
dentro do período governado, considerando suas particularidades.

Referências Bibliográficas
GERALDO, Endrica. O “perigo alienígena”: política imigratória e pensamento racial
no governo Vargas (1930-1945). 2007. Tese (doutorado) Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. – Campinas, SP : [s. n.],
2007, disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/280760>
. Acesso em 20. Jun. 2017.
GERALDO, Endrica. O combate contra os “quesitos étnicos”: identidade, assimilação
e política imigratória no Estado Novo. 2009. disponível em <http://www.ufjf.br/
locus/files/2010/02/337.pdf > Acesso em 13. Jun.2017.
D’ ARAÚJO, Maria Celina. Getúlio Vargas – Brasília: Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2011.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006.

321
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CONSTITUCIONALISMO SOCIAL Y LENGUAJE


JURÍDICO: EL CASO DE LA REFORMA
CONSTITUCIONAL ARGENTINA DE 1949

LETICIA VITA
Doctora en Derecho Político, Profesora Adjunta con Dedicación Exclusiva de Teoría del Estado,
Facultad de Derecho, Universidad de Buenos Aires, (UBA) Argentina.
Investigadora del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), Argentina.
Investigadora Permanente del Instituto de Investigaciones A. L. Gioja,
Facultad Derecho, Universidad de Buenos Aires (UBA), Argentina.
E-mail: ljvita@derecho.uba.ar

Palavras-chave: Constitucionalismo Social; Circulación de Ideas, Argentina

Eixo temático: História constitucional

Introducción

En el año 1949 Argentina llevó a cabo una reforma constitucional que


incluyó por primera vez en su historia un catálogo de derechos sociales y dispo-
siciones sobre economía y rol del Estado que modificaban el modelo de Estado
liberal consagrado en el texto constitucional de 1853. De esta manera Argentina
entraba más tardíamente que otros países de la región a la ola del constitucio-
nalismo social iniciada por la Constitución mexicana de 1917 y la de Weimar de
1919. Si bien ya habían existido proyectos de reforma previos y la legislación de
la época había dado cabida a la cuestión social (ZIMMERMANN, 1995, 2013), el
proyecto de una reforma integral del texto constitucional sólo encontró la opor-
tunidad política para concretarse durante el primer gobierno de Juan D. Perón.

Este trabajo presenta los resultados preliminares de una investigación sobre


las características que adoptó el constitucionalismo social argentino por medio de
la reforma de 19494, en cuya primera etapa nos hemos abocado al análisis histórico
conceptual de los conceptos de “Estado”, “Derecho/s” e “Igualdad” en los debates
4 Esta investigación es financiada por el proyecto UBACyT 20020150200028BA: “La Constitución argentina de
1949 y la “vía argentina” al constitucionalismo social”, Programación Científica 2016, Aprobado según Resolución
(CS) Nº 4756/16 y el proyecto PICT-2015- 3239 (Raíces): “Los DESC como Derechos Exigibles en Argentina:
Aportes para una metodología de argumentación desde una perspectiva integral”, Aprobado según Resolución
N° 240/16 de la Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica, Argentina.

323
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

constitucionales de 1949. Para lograr este objetivo general nos hemos propues-
to como objetivos específicos: (i) caracterizar el “horizonte de sentido jurídico”
desde el cual se redactó la Constitución de 1949; (ii) reconstruir el sentido y el
uso de los conceptos de “Estado”, de “derecho/s” y de “igualdad” presentes en el
texto constitucional de 1949, (iii) comparar las características de la vía argentina
al constitucionalismo social con la vía “clásica” del Constitucionalismo social de
Weimar a fin de identificar continuidades y rupturas del discurso jurídico.

Metodología

La investigación utiliza como perspectiva metodológica principal la historia


conceptual en su versión de la Begriffsgeschichte alemana (Koselleck/Brunner) y los
aportes de la escuela argentina (Palti), italiana (Dusso/Chignola) e iberoamericana
(Fernández Sebastián). De esta manera, se busca recuperar los discursos lingüís-
ticamente presentes en los documentos históricos de la reforma constitucional,
pero al mismo tiempo la edificación de conceptos (como es el caso de “Estado”,
“Derecho/s” o “Igualdad”) que permiten explicar realidades o procesos históricos
particulares. De esta manera, se intenta conocer los lenguajes jurídicos que se
encontraban disponibles para los actores en un tiempo dado, asumiendo que
los conceptos representan, reproducen y producen los contextos que engloban
(KOSELLECK, 1993).

Así la historia conceptual es utilizada aquí como método de “crítica de


fuentes” en el sentido de una crítica a la utilización anacrónica de los conceptos
del presente pero también como herramienta para tener conciencia del uso
pragmático del lenguaje. Por esto la investigación se concentra en el uso que
los actores de la época dieron en la experiencia constitucional argentina a los
conceptos seleccionados, y a partir de ese uso se intenta responder a la pregunta
por las características de la “vía argentina” al constitucionalismo social y las que
se derivan de ella: ¿qué influencias tuvieron que ver en el proceso?, ¿se “receptó”
un sentido común que circulaba entre los juristas de la época?, ¿de qué manera
se redefinieron las ideas propias del constitucionalismo social clásico europeo?,
¿se tuvieron en cuenta otras experiencias de la región?, ¿qué se entendía por
Estado intervencionista, por derechos sociales y por igualdad material en la época
de la reforma?, ¿qué quisieron denotar por estos conceptos los convencionales
constituyentes?

Las principales fuentes de esta investigación han sido los proyectos de


Constitución presentados y debatidos, el texto finalmente sancionado y los de-
bates de la Asamblea Constituyente. A los fines de contextualizar el uso que
jurídicamente se dio de los conceptos mencionados y reconstruir el horizonte
de sentido jurídico de la época se analizó la literatura jurídica de la época, con-
formada principalmente por la doctrina jurídica publicada en revistas jurídicas y

324
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

de divulgación y una selección de obras de juristas que publicaron en esos años


obras sobre la materia.

Resultados preliminares

Nuestra conjetura principal sostiene que la solución constitucional argen-


tina a la aparición del llamado “nuevo derecho” implicó un tipo de localización y
redefinición de conceptos que circulaban a nivel nacional e internacional. De esta
manera, entendemos que el constitucionalismo social argentino es en parte producto
de lo que se ha dado en llamar “cuerpos híbridos de conocimiento” (ZIMMERMANN,
2017), en el sentido de que refleja un lenguaje jurídico marcado por la fusión de lo
transnacional y lo local, antes que una pasiva adopción de un modelo.

Los resultados preliminares de la investigación nos han permitido caracte-


rizar el lenguaje jurídico de la época en torno a: (i) el cambio de la concepción
sobre el rol del Estado (de abstencionista a interventor); (ii) la incorporación de
derechos sociales y su comprensión como “nuevos” derechos y (iii) el cambio de
una concepción de igualdad formal a una de igualdad material, que se manifiesta
en distintos ámbitos del derecho: constitucional, civil, laboral, etc. Estos resultados
nos invitan a reflexionar sobre la circulación de ideas en torno al Estado, los
derechos y la igualdad que confluyeron a conformar un lenguaje jurídico consti-
tucional durante el primer peronismo y a identificar en los debates constituyentes
de 1949 el alcance de esa circulación y de las connotaciones que pueden tomar
estos conceptos en el contexto específico del peronismo.

Asimismo, uno de los objetivos específicos de esta investigación ha sido


el del análisis de la recepción de la experiencia del constitucionalismo social de
Weimar en la Argentina5, sin dejar de lado que existieron otras referencias e
influencias, pero concentrándonos en particular en el caso alemán que, como
indican otras investigaciones para el caso de Brasil (FERREIRA SANTOS, 2016;
BUCCHIANERI PINHEIRO, 2006) parece ser una de las referencias más usuales en
el derecho público de los años treinta y cuarenta. De esta manera, nos interesa
presentar también algunas conclusiones respecto de la referencia a Weimar en
el lenguaje jurídico de la época respecto de los derechos sociales y el cambio
en el modelo de Estado que se estaba diseñando en la Constitución, referencia
que, veremos, es muchas veces más citada que conocida.

En síntesis, esta investigación busca realizar un aporte a la historia del


constitucionalismo social en nuestra región y a la historia del constitucionalismo
social argentino en particular, a partir de reconstruir el lenguaje jurídico del
constitucionalismo social de la época, enfatizando en particular la dimensión de
la circulación de saberes jurídicos que nos invita a revisitar el estudio de las co-
5 Ya que esta experiencia había sido objeto de una investigación postdoctoral previa de la autora.

325
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

munidades científicas y académicas, y en particular el rol de abogados y juristas


como “mediadores” de estos saberes (ZIMMERMANN, 2017). En ese sentido,
esta investigación dialoga con la literatura que en los últimos años se ha venido
dando en Argentina respecto de los llamados “saberes del Estado” (PLOTKIN Y
ZIMMERMANN, 2012a, 2012b; BERROTARÁN, 2003) y también la literatura que se
ha ocupado del trayectorias de profesores/as y formación de abogados/as en las
Facultades de Derecho argentinas (ABÁSOLO, 2008) o en la Facultad de Derecho
de la UBA en particular (MARTINEZ DEL SEL, 2016; ORTIZ, 2016), que si bien
no se dirigen al tema específico, tratan de manera tangencial la cuestión acerca
del rol y los saberes de profesores/as y juristas en el momento de la reforma.

Referencias bibliográficas
ABÁSOLO, E. El Primer Peronismo y la enseñanza jurídica universitaria. Protago-
nistas, actitudes y preocupaciones. Cuadernos del Instituto Antonio de Nebrija, V.
11, n°1, p. 13-23, 2008.
BERROTARÁN, P. Del Plan a la Planificación. El estado en la época peronista. Buenos
Aires: Editorial Imago Mundi, 2003.
BUCCHIANERI PINHEIRO, M. C. A Constituição de Weimar e os direitos funda-
mentais sociais: A preponderância da Constituição da República Alemã de 1919 na
inauguração do constitucionalismo social à luz da Constituição Mexicana de 1917.
Revista de Informação Legislativaaño, Brasilia, Senado Federal, V. 43, N° 169, 2006.
FERREIRA SANTOS, G. La constitucionalización de los derechos sociales: puentes
entre Brasil y México. Revista IUS, México, Año X, N° 38, Julio - diciembre de 2016.
KOSELLECK, R. Futuro pasado. Barcelona: Paidós, 1993.
MARTÍNEZ DEL SEL, V. La Facultad de Derecho (Universidad de Buenos Aires)
en el primer peronismo. Una aproximación sobre las trayectorias de los profe-
sores (1946-1955). Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 16, n. 2 (41), p. 106-140,
abril-junho de 2016.
ORTIZ, T. (Coord.) Hombres e ideas de la Facultad de Derecho. Buenos Aires:
Departamento de Publicaciones. Facultad de Derecho, 2016.
PLOTKIN, M. y ZIMMERMANN, E. (comp.) Las prácticas del Estado. Política, so-
ciedad y elites estatales en la Argentina del siglo XX. Buenos Aires: Edhasa, 2012a.
PLOTKIN, M. y ZIMMERMANN, E. (comp.) Los saberes del Estado. Buenos Aires:
Edhasa, 2012b
ZIMMERMANN, E. Estudio Introductorio. Una nota sobre nuevos enfoques de
historia global y transnacional. Estudios Sociales del Estado, Vol. 3, N°5, p. 12-30, 2017.
ZIMMERMANN, E. Los liberales reformistas. Buenos Aires: Sudamericana, 1995.
ZIMMERMANN, E. Un espíritu nuevo: la cuestión social y el Derecho en la Ar-
gentina (1890-1930). Revista de Indias, vol. LXXIII, nº 257, p. 81-106, 2013.

326
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

TERRITORIALIDADE E PERSONALIDADE DO DIREITO:


ANTECEDENTES IBÉRICOS

JOÃO MARCOS DE CASTELLO BRANCO FANTINATO


Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ
E-mail: joaofantinato@tjrj.jus.br

Eixo Temático: História Constitucional

Palavras-chave: Territorialidade e personalidade da lei, Direito visigótico


Art. 5º da CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: (...)

O dispositivo constitucional acima se encontra na raiz de nosso sistema


jurídico e do da maioria dos países da atualidade. De fato, o Brasil adota o sistema
da territorialidade do direito, com pequenas exceções. Mas não foi sempre assim
na história, pois quando o mundo romano se desfez, os povos germânicos que
nele adentraram trouxeram o sistema jurídico da personalidade do direito, em
contraposição à territorialidade da legislação do Império.

Na Península Ibérica o confronto dessas duas concepções do direito se


revelou dos mais profícuos. Aí se instalaram os visigodos, um dos principais pro-
tagonistas dessa justaposição entre direito romano territorial e o germânico de
cunho pessoal. Esses fatos podem parecer distantes, mas estão na genealogia do
direito atual, inclusive do brasileiro, cuja raiz provém de Portugal e de sua formação.

A territorialidade do direito havia sido alcançada no Império quando


o imperador Caracala concedeu a cidadania romana a todos os homens livres.
Aboliu-se a distinção entre aqueles que usufruíam do ius civilis e os que se sub-
metiam a seu direito particular, o ius gentium. Já os germanos d’além fronteira
tinham seu direito pessoal próprio, oral, costumeiro, carregando-o onde quer que
fossem. Dentre os povos germânicos, os visigodos adquiriram o maior nível de
desenvolvimento, por estarem estabelecidos ao longo da fronteira do Danúbio.
Seu maior contato com o Império lhes despertou a admiração pela cultura, pela
organização estatal e pelo direito romanos. Ressalte-se que, no século IV D.C., se

327
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

tronaram cristãos sob a batuta de seu bispo Ulfila, embora na heresia ariana. As-
sim, quando se fixaram dentro do Império, já eram cristãos e bastante latinizados.

Estabelecidos em torno de Tolosa, na Aquitânia, seu rei de Eurico (466-484)


promulgou o Código de Eurico, apontado por Isidoro de Sevilha como as primeiras
leis escritas dos germânicos, embora seu antecessor Teodorico II também já tivesse
regulamentado a divisão de terras com os galo-romanos. O Codex Euricianus se
destinava exclusivamente aos visigodos, não obstante fortemente inspirado na
legislação do Baixo-império, notadamente o Código de Teodósio de 438.

Logo em seguida, contudo, o Império do Ocidente caiu e os visigodos,


passaram a ter sob seu domínio uma grande população romana. Seu rei Alarico
II (485-507) editou então para os romanos um corpo de leis que repristinava o
citado Código de Teodósio e o trabalho dos últimos grandes jurisprudentes do
Império. Trata-se do Breviário de Alarico, ou Lex Romana Visigothorum, de 506,
que serviu de referência para vários outros reinos germânicos instalados nos
escombros do Império.

Instalou-se assim um sistema de duplicidade de leis, com a agravante de


que os godos eram arianos e os romanos católicos. Tal duplicidade, entretanto, não
extinguiu a territorialidade do direito no continente europeu. Na mesma época,
na Itália, o rei ostrogodo Teodorico publicava um édito prevendo expressamente
sua aplicação territorial. E, entre os visigodos, em 546, Teudis lançava uma lei sobre
custas judiciais, cuja aplicação territorial é admitida pela maioria dos historiado-
res. Cite-se ainda que na bacia oriental do Mediterrâneo, o Império continuava
próspero e Justiniano promulgava seu Corpus Iuris Civilis de 534.

Sempre se entendeu que a legislação visigótica era de cunho pesso-


al, até que, em 1941, o professor espanhol Garcia Gallo passou a defender a
aplicação territorial do Breviário de Alarico, o qual teria revogado o Código de
Eurico, igualmente de aplicação territorial. Para tanto, invocava os termos de seu
Commonitorium (Introdução), determinando que os condes locais aplicassem
o Breviário com exclusão de “qualquer outra lei ou qualquer outra fórmula de
direito”. Ademais, dita lei não versava sobre a solução de conflitos entre godos e
romanos, o que seria de se esperar numa lei de cunho pessoal. Esse argumento
ex silentio foi contestado pelo professor de Coimbra Paulo Merêa, lembrando que
nenhuma fonte originária mencionava que o Breviário tivesse aplicação territorial,
nem o Código de Eurico. Pondera que a razão deste último código ser tão ro-
manizado está no fato de os godos, na época (+/- 475-476), já estarem dentro
do Império há um século.

A polêmica sobre a territorialidade ou personalidade da legislação visigótica


continuou na análise das leis subsequentes. Leovegildo, rei visigodo de 569 a 586,

328
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

publicou seu Codex Revisus, do qual nenhum exemplar nos chegou às mãos, senão
por menções em leis posteriores. Dito código teria alterado alguns dispositivos
do Código de Eurico, o que leva a crer que só se aplicava aos godos, tal qual
a lei revogada. Importante é lembrar que o Codex Revisus aboliu a proibição
de casamentos entre godos e romanos, vedação essa já existente no código de
Teodósio e no Breviário de Alarico. Diante disso, muitos entendem que o Codex
Revisus já tivesse aplicação territorial, pois não faria sentido tal matéria se destinar
tão somente aos godos.

A territorialidade plena, contudo, só foi possível a partir da conversão dos


godos ao catolicismo com Recaredo, no Concílio de Toledo III de 589. Não se
deve subestimar a convergência da religião com o direito naqueles tempos, eis que
o cristianismo vocacionava abranger a totalidade da vida terrena. Surge assim o
Liber Iudiciorum de 654, também denominado Código Visigótico ou Fuero Juzgo,
de autoria do rei Rescesvindo, o qual revoga expressamente o direito romano no
reino visigodo. A partir de então, o reino passa a ter uma legislação territorial
de aplicação universal, a godos e romanos, agora ambos católicos. Entretanto, a
população judia continuou seguindo seu direito confessional próprio, sofrendo
várias restrições à sua participação na vida do reino.

A plena aplicação territorial do Código Visigótico correspondia a um Estado


unificado em torno do monarca e respaldado pela Igreja Católica, que se reunia
periodicamente em concílios eclesiásticos na capital Toledo. Tais concílios funcio-
navam não só como órgão legislativo, mas também administrativo e jurisdicional.
Essa primazia da lei escrita territorial, entretanto, não aboliu os antigos costumes
germânicos nem aqueles de origem pré-romana nos rincões mais afastados. O
próprio direito romano clássico, mesmo abolido pelo Liber Iudiciorum, continuou
servindo de fonte subsidiária, fenômeno, aliás, recorrente no mundo inteiro.

A invasão árabe da Península Ibérica de 711 trouxe sérias mudanças a


esse contexto, uma vez que os invasores seguiam a Sharia, direito confessional
dos muçulmanos. Mas como a religião cristã continuou sendo tolerada, o Código
Visigótico permaneceu sendo aplicado em larga escala pelos dominados, como
seu direito pessoal. Voltou-se, de certa forma, ao estágio anterior da personalidade
do direito. Tal fase só se reverteria com a Reconquista, quando os reinos cristãos
de Leão, Castela, Aragão, Navarra e o nosso Portugal promoveram a restauração
da lei territorial.

Esse é o breve panorama da questão da territorialidade e personalidade na


história do direito ibérico no momento em que Cabral desembarca na Bahia. Se
hoje em dia o sistema da territorialidade é cláusula pétrea de nossa Constituição,
sua genealogia deriva da experiência ibérica após a queda do Império romano,

329
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

em que duas civilizações se justapuseram num mesmo território, com direitos


visceralmente distintos, até se fundirem num só.

Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, Ruy e ALBUQUERQUE, Martim. História do Direito Português.
Pedro Ferreira Artes Gráficas Ltda, 12ª Edição, Sintra, 2005.
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CAETANO, Marcello. História do Direito Português. Editorial Verbo, Lisboa, 1981.
CALASSO, Francesco. Medio Evo del Diritto. Giuffré Ed., Milano, 1954
ESPINOSA, Gomes da Silva, Nuno. História do Direito Português. Fundação Calouste
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Madrid 1915. Marcial Pons, 1993.
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MERÊA, Paulo. Estudos de direito visigótico. Acta Universitatis Conimbrigensis, 1948.
RODRIGUEZ Gil, Magdalena, Curso de História del Derecho Español. Editora Iustel,
Madrid, 2010.
THOMPSON, E.A. Los godos en España. Alianza Editorial, Madrid, 2014.
UREÑA y SMENJAUD, Rafael. Legislación gótico-hispana: (Leges antiquiores – Liber
Iudiciorum) Estudio crítico. Urgoiti Editores SL, Pamplona, 2003.

330
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A CONSTITUIÇÃO DE 1891 NO PENSAMENTO


DOS CONSTITUINTES

BRUNO CÉSAR PRADO SOARES


Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP/DF)
E-mail: bruno.soares@iscp.edu.br

Eixo temático: História Constitucional

Palavras-Chave: Constituição, Constituição de 1891, Assembleia Consti-


tuinte, Nacionalismo.

O objetivo do presente trabalho é verificar qual era o pensamento da


primeira Assembleia Constituinte do Brasil como República sobre o que seria uma
Constituição. Para essa verificação, utiliza-se a definição provisória de Raimundo
Faoro sobre pensamento, ou seja, “aquilo que se tem em mente quando se re-
flete com o propósito de conhecer algo” (FAORO, 2007, p. 30). Dessa maneira, o
questionamento que norteia a pesquisa pode ser entendido da seguinte forma:
o que vinha a mente dos parlamentares quando falavam sobre a Constituição?
A pesquisa trabalha a partir dos discursos de alguns parlamentares que se pro-
nunciaram sobre o tema na Assembleia Constituinte de 1890-91. Nesse ponto,
cabe um esclarecimento: com raras exceções, os assuntos tratados no presente
trabalho não foram objeto de grandes debates ou controvérsias em que pudesse
ser verificada uma visão oposta que inviabilizasse uma generalização. Além dis-
so, com exceção do problema da separação entre o clero e a igreja, os demais
pontos explorados no trabalho restaram vitoriosos no texto final da Constitui-
ção. De forma a responder o questionamento acima apresentado, segue-se os
passos da pesquisa documental sugerida por Cellard (2012). Assim, o presente
trabalho inicia-se com uma análise preliminar, em são verificados o contexto da
produção do documento, seus autores, a sua confiabilidade e a sua natureza. A
análise preliminar é precedida de um breve aporte teórico sobre os conceitos de
constituição e poder constituinte, de forma a permitir a interpretação dos dados
coletados na análise documental. Logo após, é realizada a contextualização do
documento e a verificação dos demais dados necessários à sua interpretação. Para
a pesquisa empírica, foram selecionados como fonte primária os três volumes
dos Anais da primeira Assembleia Constituinte da República. A documentação
foi buscada na biblioteca digital da Câmara dos Deputados. Os discursos foram

331
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

reunidos dentro de sua pertinência temática, de forma a permitir uma reconstrução


argumentativa e a interpretação das intenções em seu conjunto (LIAKOPOULOS,
2013). Importante ressaltar que a sistematização não segue necessariamente a
ordem cronológica dos diálogos. Conforme orientação de Bloch, procurou-se a
ordem que permitisse a melhor exposição dos argumentos, de forma a dar me-
lhor “movimento” à reconstrução (2001, p. 66-67). Compreendida a Constituição,
preliminarmente, como o “princípio de organização” do Estado, responsável por
regular os órgãos do Estado, seu modo de criação, seu relacionamento com os
outros órgãos e suas competências (JELLINEK, 2000, p. 457), passa-se a revisão
sobre o seu sentido na literatura especializada. Nesse ponto é dada especial
atenção à questão da nação como titular do direito de elaborar a própria Cons-
tituição (SIEYÈS, 2001; COSTA, 2011). Nesse ponto, merecem destaque os atos
do Governo Provisório de Deodoro da Fonseca, em grande parte, editados “em
nome e com o assenso da nação”, inclusive o decreto nº 510, de 22 de junho de
1890, primeiro que publicava o texto da Constituição que entrava em vigor “ad
referendum da Assembleia Constituinte” (BRASIL, 1890). A Constituinte de 1890-91
foi formalmente instalada em 15 de novembro, no aniversário do primeiro ano da
República, e teve como seu presidente Prudente de Moraes. Os trabalhos foram
realizados em pouco mais de três meses, em 58 dias de sessões. Os constituintes
apressaram a votação, em parte para garantir que o novo regime constitucional
entrasse em vigor o quanto antes, em parte devido ao receio de febre amarela
no Rio de Janeiro (ROURE, 1979). Os anais da Constituinte foram registrados em
três volumes. Após a leitura dos volumes, os discursos sobre a Constituição foram
divididos em quatro partes. A primeira trata da unidade da nação brasileira e da
legitimidade dessa nação para elaborar a Constituição. A partir do compromisso
dos parlamentares (BRASIL, 1924, p. 205), e dos discursos, pode-se verificar que
a Constituição era, para os Congressistas, um instrumento elaborado pela nação,
através de seu legítimo representante, o Congresso Nacional. A segunda parte trata
dos limites do mandato dos congressistas. Nesse sentido, os discursos apontam
que, para os parlamentares, o Congresso Nacional, enquanto legítimo represen-
tante da nação, atuaria com poderes limitados, de acordo com os interesses da
nação que representava. Em um terceiro momento, foram agrupados os discursos
sobre o que seria propriamente o produto dos trabalhos dos Constituintes. Pelos
pronunciamentos, pode-se perceber que a Constituição seria uma lei primária
fundamental, que exprimisse o espírito geral da nação brasileira. Além disso,
deveria garantir a liberdade e a ordem e estabelecer a forma de governo, os
poderes públicos e suas atribuições. A quarta e última parte trata sobre o futuro
da Constituição. Os discursos apontam que, para os parlamentares, a Constituição
somente seria duradoura se fosse respeitada por todos, em especial pelo Poder
Executivo, independentemente de ser boa ou ruim. Além disso, ela deveria ser
defendida. Nesse ponto, cabe destaque para as palavras de Serzello Correa, para
quem a Constituição deveria ser defendida “á custa de nossa própria vida” (BRASIL,

332
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

1926b, p. 911). Porém, a quem caberia a defesa da Constituição? Provavelmente


o congressista se referia ao §1º do art. 35 do texto recém aprovado, que dizia
ser competência não privativa do Congresso velar na guarda da Constituição e
das leis (BRASIL, 1891). Percebe-se, a partir desses quatro pontos, o que vinha a
mente dos parlamentares na Constituinte Republicana quando refletiam sobre a
Constituição: uma lei primária fundamental, decorrente de um ato de soberania,
elaborada pela nação e para a nação, através de seu legítimo representante, o
Congresso Nacional, para garantir a liberdade e a ordem e a estabelecer a forma de
governo, os poderes públicos e suas atribuições. Para sua elaboração o Congresso
atuaria com poderes limitados aos interesses da própria nação. Essa lei, porém,
corria o risco de não passar de um pedaço de papel se não fosse respeitada e
defendida, independentemente de ser boa ou ruim.

Referências bibliográfica
BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício de historiador. Edição anotada
por Étienne Bloch. Trad. de André Telles. Rio de Janeiro, Zahar, 2001.
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Volume I. 2. ed., rev. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1924.
___. Câmara dos Deputados. Annaes do Congresso Constituinte da República,
Volume II. 2. ed., rev. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926a.
___. Câmara dos Deputados. Annaes do Congresso Constituinte da República,
Volume III. 2. ed., rev. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926b.
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de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 02 jan. 2017.
___. Decreto nº 510, de 22 de Junho de 1890. Publica a Constituição dos Esta-
dos Unidos do Brasil. In: BRASIL. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos
Estados Unidos do Brazil. Sexto Fasciculo. De 01 a 30 de junho de 1890. Rio de
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CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean et al. A Pesquisa Qua-
litativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Trad. de Ana Cristina Nasser.
3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 295-316.
COSTA, Alexandre Araújo. O poder constituinte e o paradoxo da soberania
limitada. Teoria & Sociedade (UFMG), v. 19, p. 198-227, 2011.
FAORO, Raymundo. Existe um pensamento político brasileiro? In: A República inaca-
bada. Organização e prefácio de Fábio Konder Comparato. São Paulo: Globo, 2007.
JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Trad. y prólogo de Fernando de los
Ríos. México: Fondo de Cultura Económica, 2000.
LIAKOPOULOS, Miltos. Análise Argumentativa. In: BAUER, Martin W.; GASKELL,
George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um manual prático. Trad.
de Pedrinho A. Guareschi. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 218-243.

333
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

ROURE, Agenor de. A constituinte republicana. Brasília: Senado Federal; coedição


com a Universidade de Brasília, 1979 [1920].
SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa. Qu’est-ce que le Tiers État?.
Org. e introdução de Aurélio Wander Bastos. Trad. de Norma Azevedo. 4. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

334
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A EVOLUÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO


NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL:
DE COADJUVANTE A PROTAGONISTA

CARLOS ANDRÉ COUTINHO TELES


Mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto senso em Direito da Universidade Veiga de Almeida.
Especialista em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor (2006) pela UCAM e
em Direito e Processo do Trabalho pelo IBMEC (2016).
Advogado.
E-mail: carlos.teles@ctfl.adv.br.

MARCIO CALDAS DE OLIVEIRA


Doutorando em Direito da Universidade Veiga de Almeida– PPDG-UVA (Bolsista PROSUP);
Mestre em Direito pela Universidade Veiga de Almeida. LLM em Direito Corporativo pelo IBMEC-RJ
e Especialista em Direito Público pela Escola Superior de Advocacia – ESA/RJ.
Advogado e Professor de Direito Tributário de Pós-Graduação do IBMEC, FGV, PUC e FBT
E-mail: marcio.caldas@crsolucoes.com

FERNANDO RANGEL ALVAREZ DOS SANTOS


Doutorando do Programa de Pós-graduação stricto sensu
em Direito da Universidade Veiga de Almeida (Bolsista PROSUP).
Mestre em Direito pela UNESA (2007). Especialista em Direito Civil e Processual Civil (2001)
pela UNESA e em Direito Corporativo pelo IBMEC (2015).
Advogado.
E-mail: frangel2005@gmail.com

Eixo temático: História Constitucional

Palavras-chave: História, Poder Judiciário, Independência.

O presente estudo investigou, de maneira não exaustiva, a evolução do


Poder Judiciário nas Constituições do Brasil, analisando sua falta de independência
e efetividade ao longo da história a partir da Constituição de 1824 até o final da
ditadura, e após, avaliando a nova estruturação da Constituição Federal do Brasil
de 1988. Com sua promulgação, o país inaugurou uma nova fase da sua história,
e a Carta Política democrática, entre diversas inovações, tornou independente o
poder judiciário nacional e importantes instituições como o Ministério Público

335
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

(BARROSO, 2012). Os resultados apontam que esta independência foi efetivada


a partir do respeito ao sistema de tripartição dos poderes inspirado na obra de
Montesquieu, da constitucionalização dos direitos políticos o que culminou no
desenvolvimento do constitucionalismo da efetividade capitaneada por BARROSO
(2015). Relevante o estudo do tema, já que o Constitucionalismo está diretamente
ligado às mudanças sociais, econômicas e jurídicas, bem como a estruturação do
Estado ao longo da história.

Sob a perspectiva metodológica, o presente trabalho assenta-se sobre o


modelo dedutivo no que se refere ao estudo da ausência de independência e
efetividade do Poder Judiciário brasileiro até a promulgação da Constituição Cidadã,
objetivando demonstrar de maneira não exaustiva, os motivos que ensejaram a in-
dependência do Poder Judiciário sobrevir apenas quando da promulgação daquela.

A Constituição de 1824 criou quatro funções do poder estatal: Os cha-


mados Poderes Legislativo, Moderador, Executivo e o Judicial. Segundo o Marques
de São Vicente (2002, pg. 5) “todos Elles são a expressões naturaes e necessárias
da soberania nacional. ” O Executivo estava investido de jurisdição para decidir
questões de ordem administrativa, limitando às atribuições do Poder Judicial
apenas ao direito comum (direito civil, comercial e ao direito penal). Não era
autorizado ao Poder Judicial realizar qualquer controle sobre o Poder Legislativo,
já que o sistema de controle era de atribuição do Imperador por meio do Poder
Moderador.

A Constituição de 1891 instalou no país o sistema presidencialista de


governo, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de não
apenas aplicar cegamente as leis editadas pelo Legislativo, mas, também, caso
entendesse que alguma delas fosse contraria à Constituição caberia à Corte decla-
rá-las inaplicáveis (BARBOSA, 1892, pg.21). Por mais que houvesse a possibilidade
do controle de constitucionalidade difuso, observa Vianna (1949) que a justiça
brasileira se caracterizava, nessa época, pelas figuras do “juiz nosso” e do” delegado
nosso”, ou seja, era uma justiça posta a serviço dos interesses do Coronelismo
(CARVALHO, 1997). Alberto Torres (1914, pg. 34) faz duras críticas à ausência
de clareza no fato de haver interpretações dúbias sobre a possibilidade ou não
de recurso para o Supremo Tribunal Federal oriundos de julgados dos tribunais
locais, o que demonstraria o empoderamento daqueles juízes locais.

Os ministros do STF, nos crimes de responsabilidade, passaram a ser


julgados pelo Senado Federal, o que trouxe séria instabilidade aos poderes da
República. Com isso, em última instância, ao invés do Supremo Tribunal Federal
ser o órgão revisor, guardião da constitucionalidade das leis, a reforma projetada
tornava uma das câmaras do congresso o derradeiro revisor (BARBOSA, 1914).

336
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Com a Constituição de 1934 houve “avanço” em direção à independên-


cia do STF sob a ótica de que em incorrendo nos crimes de responsabilidade,
os Ministros eram julgados por um Tribunal Especial. A Carta de 1937 conferiu
ao chefe do Executivo amplos poderes e a faculdade de legislar por meio de
decretos-leis, transformando o Poder Legislativo e o Judiciário em poderes subor-
dinados, bem como instituiu o controle político sobre as decisões dos membros
do Poder Judiciário.

A Constituição de 1946 foi influenciada pela onda de democratização


que dominava o mundo ocidental a partir do fim da 2ª guerra mundial. Em que
pese à inspiração democrática, Pereira (1964, pg.133) criticava o modo pelo qual
as classes dominantes se conduziram na Constituinte para constituir um Poder
Judiciário que lhes fosse dócil, citando a competência do Presidente da República
para nomear, deliberadamente, Ministros do Tribunal Superior Eleitoral e do Su-
premo Tribunal Federal, dependendo posteriormente, da sabatina do Senado, aliás,
modelo semelhante ao de hoje. A Constituição de 1967 concentrou o poder da
República no âmbito federal, esvaziando os Estados e Municípios e, por conse-
guinte, conferiu amplos poderes ao Presidente da República. A maior expressão
de desrespeito as instituições políticas daquele governo se deu a partir da edição
do Ato Institucional nº. 5. Consolidada a República, nossas Constituições apenas
militavam no sentido de tentar tornar independentes os poderes republicanos, não
se preocupando em efetivar o comando normativo para o qual foram idealizadas,
fato este, na visão de Barroso (2003), que só se tornou uma realidade a partir
da promulgação da Constituição Cidadã. Com ela nasce o Constitucionalismo
Democrático, que está relacionado às mudanças sociais, econômicas e jurídicas,
bem como na estruturação do Estado. Com o passar dos anos novos direitos e
garantias constitucionais foram surgindo em atenção às transformações sociais e
suas novas reivindicações, o que deu origem aos fenômenos da judicialização de
questões políticas e do ativismo judicial (BARROSO, 2012), tornando-se necessá-
rio, cada vez mais, o estudo destes fenômenos, suas origens e desdobramentos.

Por fim, os resultados parciais apontam para um constitucionalismo da


efetividade, no qual foram identificados dois novos fenômenos, a judicialização
e o ativismo judicial, que emergem como novos paradigmas da atuação judicial
e que criam novo campo de pesquisa sobre as controvérsias advindas nesses
novos institutos jurídicos.

Referências Bibliograficas
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337
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

cargo de presidente, em 19 de novembro de 1914. Trabalhos jurídicos. Rio de


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338
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO
NO SISTEMA EDUCATIVO
E A HISTÓRIA CONSTITUCIONAL

AUGUSTO RIGHI
Universidade Federal Fluminense (UFF)
E-mail: augustotr82@gmail.com

Eixo Temático: História Constitucional

Palavras chave: Centralização; Descentralização; Sistemas de ensino.

Introdução

Um tema pendular na história da educação brasileira é o conflito entre


centralização e descentralização do sistema educativo. Ao considerar as recentes
reformas no ensino médio, que passa pela construção de uma nova base cur-
ricular – a base curricular mais abrangente na história da educação brasileira –,
torna-se imprescindível questionar a atual mudança e relacioná-la, também, à
luz da história constitucional brasileira. A criação de um currículo comum tão
detalhado, tal como foi apresentado em 6 de Abril de 2017, limita, até certo
ponto, a autonomia dos demais sistemas educacionais na elaboração dos seus
currículos, apesar do discurso oficial afirmar o contrário. Assim, o debate centra-
lização e descentralização do sistema educacional volta ao cenário. Por que não
analisar parte da história constitucional nacional à luz destas recentes mudanças
no âmbito educacional?

O meu trabalho tem por objetivo, então, apresentar o debate centralização


e descentralização do sistema educativo nacional à luz da história constitucional
brasileira. Um tema atual, que vai deixar mais clara a exposição, é a recente
reforma curricular. Por isso, em alguns momentos, teremos de recorrer a outras
leis, como a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, para um melhor estabelecer as
conexões entre as Constituições e a legislação educacional.

339
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Metodologia

Antes da Proclamação da Independência, as orientações sobre educação


no Brasil tinham suas origens em Portugal. Só depois dela que o Brasil passou a
ter certa autonomia na elaboração de sua legislação educacional, por represen-
tantes do Império. E, até o fim do Império, com o surgimento da República, em
1889, muitas leis foram propostas. As iniciativas legais, referentes a este período
(Proclamação da Independência até Início da República), que pretendo expor num
primeiro momento são: primeiramente a Constituição de 1824, Ato Adicional de
1834 e algumas outras reformas, como as de 1827 (Reforma Januário da Cunha
Barbosa), Reforma Couto Ferraz (1854) e Reforma Leôncio de Carvalho.

Os primeiros anos do regime republicano foram intensos de reforma.


Da Primeira República até a Revolução de 1930, verifica-se um variado leque
de propostas legais: a Constituição de 1891, e outras auxiliares como a Reforma
Epitácio Pessoa (1901), Reforma Rivadávia Corrêa (1911), etc.

Na década de 1930, com a crescente demanda por instituições de ensi-


no e o desenvolvimento do campo educacional surgem mais propostas. Neste
momento da história educacional, as propostas tornaram-se mais substantivas, e
estavam em harmonia com o contexto político da época. É famoso o Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova, que teve como organizadores intelectuais como
Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Nessa época também são concebidas
reformas significativas, como a Reforma Francisco Campos (1931), e as Leis Or-
gânicas do Ensino, esta na década de 1940. As Constituições de 1934 e de 1937,
situadas entre aqueles dois marcos da política educacional, não deixam de ser
representativas neste assunto.

Com a Constituição de 1946, surgem os conceitos de diretrizes e bases


na educação, conceitos que antes tinham sido elaborados pelo Manifesto dos
Pioneiros, da década anterior. Tomando como base as idéias do Manifesto, mas
desvirtuando-os da maneira tal como os Pioneiros tinham contextualizado, Gustavo
Capanema teve a oportunidade de apresentar uma emenda, na Constituinte de
1946, em que estabelecia que “compete à União legislar sobre as diretrizes e bases
da educação”. Mas logo em seguida, o deputado Altamirando Requião refutando
a idéia de que seria “privativo à União” tal responsabilidade na elaboração das
diretrizes, usou as seguintes palavras:
Tomei nota, senhor presidente, da opinião emitida pelo nobre defensor
dessa emenda e vou ler essa [outra] opinião, que consubstancia, perfei-
tamente, o pensamento da Comissão. O ensino não pode ser excluído
da competência legislativa da União. À União compete legislar sobre as
suas bases e diretrizes, isto é, sobre os seus meios e fins, sobre os ter-
mos gerais de sua organização e sobre as condições e finalidades de seu

340
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

funcionamento. A legislação federal não esgotará a matéria pedagógica.


Apenas disporá sobre o essencial dela, sobre aquilo que, por constituir
termo estrutural da organização do ensino ou diretrizes essenciais do
funcionamento escolar, tem caráter nacional e deve constituir um sis-
tema geral, que não pode deixar de ser coerente na sua estrutura, e
harmônico e seguro na sua filosofia. Essa legislação há de ser sumária e
restrita, limitada apenas à fixação de princípios pedagógicos gerais, com
relação ao ensino primário; mais extensa, embora genérica e flexível, no
ensino profissional; poderá ser mais precisa e pormenorizada no que diz
respeito ao ensino secundário e superior. Como quer que seja, força é
que à União se cometa a função de fixar os princípios gerais destinados
a presidir à vida escolar do país, dando-lhe em limites mínimos, mas
essenciais, unidade de plano e doutrina, segurança e compatibilidade de
métodos e processos, sem prejuízo da liberdade pedagógica das escolas
de todas as categorias e bem assim dos sistemas administrativos escolares
dos Estados”. 6

A trajetória da primeira Lei de Diretrizes e Bases foi marcada por percalços,


como o exposto acima, e esgotaram-se anos até a elaboração final dela, em 1961.

Sob a ditatura militar, a partir de 1964, inaugura-se uma nova Constituição.


O ensino superior será reorganizado por meio de um conjunto de documento
que veio a configurar-se com a Reforma Universitária de 1968. Já em 1971, surge a
Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus, focada na estruturação do ensino primário,
secundário e do ginásio.

Do regime militar, de longa duração, inicia-se aquele período que foi


chamada de “transição democrática”, até que em 1988 é aprovada uma nova
Constituição e, com ela, surge um novo período de expectativa de reformas
gerais na educação. Em 1996, no entanto, surge a nova Lei de Diretrizes e Bases,
onde consta, em seu artigo 15, os seguintes dizeres:

“Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas


de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica
e administrativa e de gestão financeira..”

Mas, além dos eventos expostos até aqui, outros mais recentes, como
a emenda constitucional 59/2009 - que insere o termo “Sistema Nacional de
Educação”, dando a idéia de que existe só um sistema e não sistemas (munici-
pal, estadual e federal) -, precisam ser estudados para entender o fim das atuais
reformas e como eles se relacionam com a história constitucional brasileira.

À luz desses grandes eventos que estruturaram a educação brasileira


ao longo dos anos, que nas últimas décadas estiveram conectadas com todo o
contexto internacional, entendemos melhor as palavras de agentes como as de
6 Horta, José Silvério Baia. Gustavo Capanema. Recife: Editora Massangana.2010.p.76

341
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Eduardo Deschamps, atual presidente do Conselho Nacional de Educação, que


recentemente pronunciou as seguintes palavras num evento patrocinado pela
Fundação Lemann:
Talvez, de todos que estão aqui neste evento [sobre educação], por ter a
formação de Engenheiro e trabalhar com gestão da Educação, talvez eu
seja o mais ‘manézinho’ na área de currículo. Eu confesso para você que
quando eu cheguei na Secretária de Educação, principalmente por tratar
de currículo e de educação básica, era um tema para mim muito etéreo,
muito complexo. Mas eu tive o prazer e a honra de ser convidado pela
Fundação Lemann em 2013 para conhecer a experiência do Common
Core nos EUA. Ali foi a primeira vez que eu tive contato com a questão
curricular, com a questão de base curricular comum. Eu achava que eles
eram muito bons em previsão porque eu não tive idéia do motivo deles
me convidarem para conhecer o Common Core... mas eu acho que eles
imaginavam que eu poderia chegar à Presidência do Consed, ou alguma
coisa do gênero. Alguma coisa boa certamente eles viram no processo...7

Conclusão

A atual reforma curricular relaciona-se, sem dúvida, com o debate centra-


lização e descentralização que marcou a história educacional brasileira. A história
constitucional, ainda que abarque um campo mais amplo de instituições, caminhou
paralelamente com as reformas educacionais. Estamos, no momento atual, diante
de um dilema: a Base Curricular Comum, como foi apresentada recentemente,
reforça ou não os princípios gerais da Constituição de 1988?

7 https://youtu.be/_3MkmQsyRzM?t=6388

342
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

EPISÓDIOS DA FORMAÇÃO CONSTITUCIONAL


DO BRASIL SEXUALIDADE, RAÇA E EUGENIA
SOB O GOVERNO DE GETÚLIO VARGAS (1930-1934)

VANESSA SANTOS DO CANTO


Docente do Centro Universitário Geraldo di Biase (UGB) e do NEPP-DH/UFRJ
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Direito da PUC-Rio
E-mail: nscanto@yahoo.com.br

Eixo temático 5: História Constitucional

Palavras-chave: História constitucional, raça, sexualidade, eugenia.

Introdução

No Brasil, a ascensão do social8, que tem como marco histórico funda-


mental a denominada “Revolução de 30”, significa não apenas uma mudança
institucional na medida em que deixa de enfrentar a “questão social” como
questão de polícia (French, 2006)9, mas também a entrada da população pobre
das cidades na cena política brasileira. Esta mudança já apresentava seus sinais
com as greves operárias ocorridas na primeira década do século XX, intensifica-se
com o movimento tenentista dos anos de 1920 e atinge proporções impensáveis
a partir de 1930, momento a partir do qual se faz necessária a elaboração de
um novo arcabouço jurídico, que seria um dos sustentáculos da nova estrutura
administrativa do Estado.

8 Referência à introdução escrita por Gilles Deleuze ao livro a Polícia das Famílias de Jacques Donzelot, no
qual apresenta uma cartografia acerca desse novo elemento que é o social. Nesta apresentação Gilles Deleuze
afirma que: “O setor social não se confunde com o setor judiciário, ainda que lhe proporcione novas extensões.
Donzelot mostrará que o social também não se confunde com o setor econômico, pois inventa precisamente
toda uma economia social e recorta a distinção entre ricos e pobres em novas bases. Nem se confunde com
o setor público ou com o setor privado pois induz, ao contrário, uma nova figura híbrida de público e privado,
produzindo ele mesmo uma repartição, um entrelaçamento original entre as intervenções do Estado e seus
recuos, entre seus encargos e desencargos. Não se trata absolutamente de saber se existe uma mistificação do
social, nem que ideologia ele exprime”. (Deleuze, 1986, p. 02).
9 Na Europa, especialmente na França, a questão social emerge e passa a ser um problema para o Estado a
partir do século XVIII. No Brasil, o problema somente passará a ser enfrentado de maneira mais sistematizada a
partir de 1930 com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Para uma retomada desse tema ver French (2006).

343
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Nesse sentido, as leis trabalhistas e previdenciárias são estendidas a uma


parcela mais ampla da população urbana e são reestruturados os serviços públi-
cos anteriormente existentes. Além disso, é iniciado um movimento de controle
da estrutura sindical por parte do Estado e a preponderância do Executivo em
relação ao Legislativo que se expressará no texto da Constituição Federal de 1934
(Bonavides, 2002; Amaral, Bonavides, 2002a, 2002b) e novas estruturas são criadas
no âmbito do Poder Judiciário, a fim de atender às novas demandas da sociedade.

Além disso, o legado político, econômico e cultural resultante do longo


período de escravidão africana e indígena, associado aos novos fluxos migratórios
de europeus para o Brasil, na segunda metade do século XIX e nas primeiras
décadas do século XX recolocava em discussão a viabilidade da nação. Assim,
a discussão sobre a mestiçagem enquanto problema ganhava novos contornos.
Ocorria uma sutil subversão no discurso das elites no qual a raça, no seu aspecto
biológico, perdia força e se mesclava com um novo discurso antropológico, mé-
dico e jurídico, no qual a cultura se tornava o fator preponderante das relações
sociais e raciais do país (Schwarcz, 1993).

Neste sentido, pode-se afirmar que, desde a segunda metade do século


XIX e durante o período conhecido como República Velha (1889-1930), já se podia
perceber os delineamentos necessários à formação de uma sociedade disciplinar
(Foucault, 2007b) no Brasil, o desenvolvimento e consolidação do dispositivo de
sexualidade (Foucault, 2007a), novas técnicas de governo que se imbricavam com
o discurso do racismo científico (Foucault, 2005) e que começavam a configurar
um racismo de Estado sui generis no Brasil. Nesse sentido, será a partir do início
do Governo Provisório que essas técnicas de poder sofrerão deslocamentos im-
portantes no sentido de atenderem às novas dinâmicas da produção capitalista.

Diante disso, afirma-se que foi reformulada toda uma antropologia acerca
do povo brasileiro não mais centrada na negatividade. Ao contrário, a partir daquele
momento a viabilidade do povo era reelaborada a partir de signos pautados por
uma positividade, na medida em que agora esse mesmo povo era considerado
ator imprescindível no processo de construção de um Estado moderno, indus-
trializado, urbanizado, com uma estrutura burocrática bem organizada e capaz
de gerir a nova gama de atribuições assumidas. Ou seja, era necessário “criar”
um povo adequado a um Estado que fosse capaz de se integrar e competir no
mercado mundial que emergia transformado após a crise de 1929. E a tarefa de
(re)construção nacional iniciada na Era Vargas ocorrerá no momento em que os
Estados, grosso modo, tornam-se mediadores dos conflitos gerados pela luta de
classes, ou em outros termos, da tensão existente entre capital e trabalho.

344
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Metodologia

É nesse cenário que o presente trabalho pretende abordar alguns episódios


do processo de formação constitucional do Brasil no período compreendido entre
os anos de 1930 e 1934, ou seja, no período que compreende o Governo Provi-
sório e o início da Fase Constitucional do primeiro Governo de Getúlio Vargas.
A ideia de episódio busca salientar o fato de que, as questões relativas à raça e
sexualidade são consideradas secundárias para os estudos sobre o processo de
formação constitucional do Brasil. E, por isso, estes elementos são obscurecidos,
merecendo no máximo uma nota de rodapé ou poucos parágrafos que contêm
afirmações genéricas e pouco esclarecedoras dos processos que os determinam e
os inserem na materialidade dos acontecimentos históricos para além dos sistemas
de dominação simbólica, pois revelam sua notoriedade ao serem compreendidas
como elementos constituintes de certa forma de governo que deslocará pouco
a pouco, os discursos e práticas que inicialmente conformaram o processo de
internalização do capitalismo por parte da população brasileira.

Nesse sentido, realiza-se uma pesquisa de caráter interdisciplinar que


recorre aos estudos da Sociologia, Antropologia e História Social da Cultura,
principalmente os trabalhos relativos à história médica e da medicina no Brasil
(Carrara, 1996; Stepan, 2005; Vilhena, 1993), bem como a alguns trabalhos na
área da História das Mulheres (Caufield, 2000; Hahner, 2003, Perrot,2005; Rohden
2003), observadas as peculiaridades e problemas pertinentes a cada uma dessas
áreas. No que se refere às fontes, são utilizados discursos registrados em alguns
dos 22 (vinte e dois) volumes dos Annaes da Assembléa Nacional Constituinte de
1933/1934. Em última análise pretendemos realizar uma genealogia dos debates
que culminaram na elaboração do art. 138 da Constituição de 1934.

Resultados

A pesquisa ainda está em andamento, mas a partir da leitura de alguns


volumes dos Annaes já podemos afirmar que a partir da ascensão de Getúlio
Vargas ao poder, as práticas eugênicas e higienistas ganham maior legitimidade em
um momento no qual as discussões relativas à raça e à sexualidade, notadamente
no que se refere ao controle de natalidade de famílias pobres são articulados à
discursos pseudo-científicos e moralistas que pautarão a elaboração de políticas
públicas. Além disso, tais práticas alcançarão base constitucional na medida em
que a constituição de 1934, no art. 138, prevê explicitamente a adoção de políticas
eugênicas. Pode-se afirmar que a “ascensão do social” no Brasil é atravessada pelo
racismo de Estado e por novas práticas de controle da vida, ou seja, é elaborada
uma biopolítica da população brasileira.

345
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Fontes primárias:
BRASIL. Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Vols. I a XXII. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1935.
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho
de 1934.
Referências bibliográficas
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002.
BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da História do Brasil:
Revolução de 30 e Governo Provisório. Volume 4. 3. ed. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2002a.
___. Textos políticos da História do Brasil: constitucionalismo (1823-1937). Volume
8. 3. ed. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002b.
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, da passagem
do século aos anos 40. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1996.
CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio
de Janeiro (1918-1940). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa
em História Social da Cultura, 2000.
DELEUZE, Glles. Prefácio “A ascensão do social”. In: DONZELOT, Jacques. A polícia
das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France: (1975-
1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
___. História da sexualidade (vol. I): a vontade de saber. 18. ed. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 2007a.
___. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2007b.
HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher
no Brasil, 1850-1940. Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.
MARQUES, Vera Regina Beltrão Marques. A medicalização da raça: médicos,
educadores e discurso eugênico. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994.
PERROT, Michelle. Michel Foucault e a história das mulheres. In: PERROT, Michelle.
As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005, pp. 489-503.
ROHDEN, Fabíola. A arte de enganar a natureza: contracepção, aborto e infanticídio
no início do século XX. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003.
SCHWARZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
STEPAN, Nancy Leys Stepan. “A hora da eugenia”: raça, gênero e nação na América
Latina. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.
VILHENA, Cynthia Pereira de Souza. Práticas eugênicas, medicina social e família
no Brasil republicano. In: Revista da Faculdade de Educação, v. 19, n.1, 199.

346
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

RESPONSABILIDADE POLÍTICA:
CRIMES DE RESPONSABILIDADE
NA HISTÓRIA CONSTITUCIONAL
DO DIREITO BRASILEIRO

ADAUTO HENRIQUE ESTEPHANINI BIGNARDI


Graduando na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Uberlândia. Minas Gerais. Brasil.
E-mail: bignardi.adautohenrique@gmail.com

BÁRBARA JOY DUTRA NEVES


Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Uberlândia. Minas Gerais. Brasil.
E-mail: barbarajoyy@hotmail.com

ALEXANDRE BORGES WALMOTT


Professor associado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Uberlândia. Minas Gerais. Brasil.
E-mail: walmott@gmail.com

Eixo-Temático: História Constitucional

Palavras-chave: Responsabilidade política; Crime de responsabilidade;


Impeachment.

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo delinear historicamente os crimes


de responsabilidade política, em seus aspectos materiais e processuais. A pesquisa
parte do contexto mundial a fim de averiguar a origem do termo “impeachment”
na Lei Maior da Inglaterra em 1376, atravessando sua consolidação constitucio-
nal pelos fundadores da República norte-americana e centrando-se no estudo
analítico de como os crimes de responsabilidade foram positivados nas diversas
cartas políticas brasileiras, tanto no período monárquico como republicano. Por
fim, através de uma análise crítica dos casos concretos do Brasil, verificam-se as
condições de aplicação do instituto.

347
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Metodologia

Incialmente, o trabalho traz uma contextualização teórica dos crimes de


responsabilidade política. A contextualização se concentrará na história constitu-
cional brasileira, perpassando o período monárquico até o advento do sistema
republicano vigente. Para tanto, utiliza-se de pesquisas bibliográficas, no âmbito
da teoria política e da teoria constitucional.

Posteriormente, busca-se um estudo jurídico tendo como objeto a evo-


lução da responsabilidade política. Neste momento, o trabalho fará a observação
das normas adotadas no ordenamento brasileiro e, também, utilizar-se-á a análise
comparativa entre os ordenamentos anteriores.

Por fim, o trabalho busca compreender a natureza do instituto. Para tanto,


será exposto o sistema positivo da responsabilidade política, através de casos
concretos de impeachment ocorridos no Brasil, valendo-se de fontes bibliográficas
e documentais (legislação, decisões da Câmara, decisões do Senado e Supremo
Tribunal Federal sobre a matéria).

Resultados da pesquisa

O presente trabalho tem como resultado a confecção de quadro compa-


rativo do crime de responsabilidade política no sistema jurídico brasileiro.

Conclusão

Na análise das diversas Constituições Brasileiras, percebe-se que o crime


de responsabilidade política sofreu transformações relevantes ao longo da histó-
ria, passando de um sistema de responsabilização monárquico para um sistema
republicano.

A pesquisa conclui como importante evolução o fato de que, na pro-


mulgação da Constituição de 1891, o Chefe do Estado passa a ser taxado no
rol daqueles que podem ser responsabilizados politicamente. Previamente, na
Constituição do Império de 1824, notava-se a posição privilegiada do rei, que
estava acima da lei, não podendo sofrer condenações.

Ademais, observa-se a mudança na natureza do crime de responsabilidade


política. No período monárquico brasileiro, tal crime poderia sofrer sanções penais
– que incluíam até a morte –, mas com o advento republicano, esse adquire
apenas um viés político, abandonando a natureza penal.

Por fim, concluem-se diversas vicissitudes dentro do período republicano,


com o retrocesso da responsabilidade política tanto na Constituição ditatorial de

348
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

1937, que afasta a responsabilidade do Chefe do Poder do Executivo, como na


Carta de 1967, que estabelece um procedimento mais severo e complexo para
o impeachment do presidente.

Referências bibliográficas
BERGER, Raoul. Impeachment: The Constitutional Problems. Boston: Harvard, 1973.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DE 1988. Constituição da República Federativa do Bra-
sil de 5 de outubro de 1988. Planalto legislação, Brasília, 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 30
jun.de 2017.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DE 1824. Constituição do Império do Brasil de 25 de
março de 1824. Planalto legislação, Brasília, 1824. Disponível em: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. DECRETO N° 27 DE 1892. Lei n° 27 de 07 de janeiro de 1892. Planalto
legislação, 1892. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/His-
toricos/DPL/DPL0027.htm>. Acesso em: 30 jun. 2017.
BRASIL. DECRETO N° 30 DE 1892. Lei n° 30 de 08 de janeiro de 1892. Planalto
legislação, 1892. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/His-
toricos/DPL/DPL0030.htm>. Acesso em: 30 jun. 2017.
BRASIL. EC N° 04 DE 1961. Emenda Constitucional n° 4 de 2 de setembro de 1961.
Planalto Legislação, 1961. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc04-61impressao.htm>. Acesso em:
15 jun. 2017.
BRASIL. LEI N° 1079 DE 1950. Lei n° 1079 de 10 de abril de 1950. Planalto legis-
lação, 1950. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm>.
Acesso em: 15 jun. 2017.
BRASIL. LEI N° 7106 DE 1983. Lei n° 7106 de 28 de junho de 1983. Planalto
legislação, 1983. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7106.
htm>. Acesso em: 01 jul. 2017.
BROSSARD, Paulo. O impeachment. São Paulo: Saraiva, 1992.
CHEIBUBI, J. A.; PRZEWORSKI, A. Democracia, eleições e responsabilidade política.
Revista brasileira de ciências sociais, São Paulo, fev. 1997.
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Planalto legislação, 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 38. ed., rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
FRONTINI, Paulo Salvador.  Crime de Responsabilidade. In Justitia, 1978.
GALLO, Carlos Alberto Provenciano. Crimes de responsabilidade: do impeachment.
1. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1992.
GERHARDT, Michael J. The Federal Impeachment Process: A Constitutional and
Historical Analysis. Chicago: University of Chicago, 2000.

349
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

LOMBA, P. Teoria da responsabilidade política. Coimbra: Coimbra, 2008.


PINTO FERREIRA, Luiz. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1974.
PINTO ANTUNES, Da Limitação dos Poderes, São Paulo, 1950.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ma-
lheiros, 2002.

350
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

OS PARECERES ANÔNIMOS DE JOÃO GOMES:


UM RETRATO DA RACIONALIDADE
CONSTITUCIONAL VIGENTE
NO SEGUNDO REINADO?

JUDÁ LEÃO LOBO


Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR
Professor de Teoria e História do Direito na Universidade Positivo (UP)
E-mail: juda.lobo@up.edu.br

Eixo temático: História constitucional

Palavras-chave: Monarquia constitucional brasileira; Racionalidade cons-


titucional; Precedentes e discursos parlamentares.

Introdução

Durante o Segundo Reinado, houve intensa disputa política, em boa parte


devida à “interferência do Poder Moderador”, capaz de favorecer “a representação
da minoria, na medida em que tornava temporária a derrota de um dos partidos”,
possibilitando “a existência do bipartidarismo” (CARVALHO, 2012, p. 406). Com a
queda da situação e a ascensão da oposição ao ministério, nomeavam-se novos
chefes dos Executivos provinciais, trocando-se os partidários do antigo gover-
no pelos do novo. Os presidentes de província, por sua vez, logo promoviam
“derrubadas em massa” (Sete de Março, Curitiba, 6 de julho de 1889, p. 3) do
funcionalismo provincial. Garantia-se, assim, a influência do governo nas eleições.

A 20 de agosto de 1885, teve seu ocaso a situação liberal inaugurada em


1878. Ascendeu ao governo o partido conservador, tendo Cotegipe por presiden-
te do conselho de ministros. Na província do Paraná, assumiria interinamente o
vice-presidente Joaquim de Almeida Faria Sobrinho. Encarregou-se de promover
a derrubada do funcionalismo liberal. Ao deixar a administração, Faria Sobrinho
elaborou um relatório, no qual se constata, por exemplo, que, de quarenta e
dois agentes dos correios, apenas três haviam sido nomeados antes de 20 de
agosto de 1885. Das nomeações liberais, portanto, restava algo em torno de 7%,

351
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

enquanto a circulação de funcionários era de aproximadamente 93% (cfr. Gazeta


Paranaense, Curitiba, 14 abril de 1888, p. 1).

Não por acaso, a oposição liberal estava despeitada contra o presidente


Faria. Em 1888, com o Legislativo da província unanimemente liberal, surgiu a
oportunidade de revanche. Um dos projetos de lei aprovados pela assembleia
extinguia a comarca de S. José dos Pinhais, onde Faria Sobrinho ocupava o car-
go de juiz de direito. O resultado prático dessa extinção seria a suspensão do
magistrado. Conforme prescrevia o Ato Adicional (art. 13), o projeto de lei foi
encaminhado ao presidente da província, Balbino Cândido da Cunha, que negou
a sanção com base no mesmo documento (art. 15).

Dispondo de unanimidade na assembleia provincial, os liberais derru-


baram o veto da presidência, devolvendo o projeto de lei “à sanção obrigatória
do art. 15 do Ato Adicional” (Dezenove de Dezembro, Curitiba, 3 de setembro
de 1888, p. 1). Por força de seu art. 16, porém, o presidente fez “constar à (...)
Assembleia que nesta data passou, na forma do Ato Adicional, a submetê-los,
com as razões de não sanção, ao conhecimento do governo e assembleia gerais,
para esta definitivamente decidir se eles devem ou não ser sancionados” (Gazeta
Paranaense, Curitiba, 6 de outubro de 1888, p. 1).

Sob forte crítica da oposição, o chefe do Executivo provincial teve sua


defesa numa série anônima de artigos intitulada O governo e a oposição (Gazeta
Paranaense, Curitiba, 5 de setembro de 1888, p. 1-2; 7 de setembro de 1888, p.
1-2; 11 de setembro de 1888, p. 1; 19 de setembro de 1888, p. 1-2). Por força de
pesquisa, descobriu-se a autoria do então chefe de polícia João Coelho Gomes
Ribeiro, que compilou seus artigos no panfleto intitulado A assembleia provincial
e o presidente do Paraná: questão constitucional, 1888 (RIBEIRO, 1917, cf. Publica-
ções do autor).

Permitiriam esses pareceres de João Gomes reconstruir a racionalidade


constitucional vigente no Segundo Reinado? A despeito de serem artigos de pro-
paganda, continham densa argumentação jurídica, em que o autor justificava sua
defesa “em face da lei, da opinião dos autores e dos precedentes parlamentares”
(Gazeta Paranaense, Curitiba, 7 de setembro de 1888, p. 2), acompanhados de
vários discursos de juristas políticos, proferidos na tribuna parlamentar.

A relevância dessa proposta reside em que, entre juristas, a história cons-


titucional brasileira em regra não foi objeto de estudos histórico-jurídicos capazes
de apreender sua complexidade. Daí o “atraso brasileiro em matéria de história
político-constitucional”, como destaca Lynch (2014, p. 13). E continua, “em matéria
de história constitucional, países como Portugal, a Espanha, o Chile e a Argentina
parecem quilômetros à nossa frente”.

352
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Se a história constitucional brasileira como um todo carece de melhores


pesquisas, que dizer do período monárquico num país que, desde 1889, adotou
a forma republicana?

Por consistir em objeto bastante inexplorado do ponto de vista histórico-


jurídico, é relevante resgatar o passado constitucional do Segundo Reinado por
meio desses indícios e testemunhos legítimos que são as fontes históricas. E os
pareceres de João Gomes oferecem vasto elenco de pistas que permitem lançar
alguma luz sobre essa época.

Metodologia

Para realizar a pesquisa, pretende-se investigar as leis, os livros e os prece-


dentes parlamentares constantes na série anônima de artigos intitulada O governo
e a oposição (Gazeta Paranaense, Curitiba, 5 de setembro de 1888, p. 1-2; 7 de
setembro de 1888, p. 1-2; 11 de setembro de 1888, p. 1; 19 de setembro de
1888, p. 1-2).

Para reconstruir compreender o caso particular, além disso, resgatou-se


a discussão pública em torno dele, analisando, de agosto a novembro de 1888,
as principais gazetas partidárias da imprensa política curitibana, sendo elas: 1) A
Republica, órgão do clube republicano; 2) Dezenove de Dezembro, órgão do partido
liberal; 3) Gazeta Paranaense, órgão do partido conservador.

Há fortes razões que recomendam a imprensa como fonte para o estudo


da história constitucional do período. Dado o perfil eloquente do jurista – jorna-
lista, literato, homem público – (PETIT, 2000; FONSECA, 2008) e o acento político
das constituições do séc. XIX (FIORAVANTI, 2009), é possível concluir que boa
parte da cultura jurídica brasileira do período, particularmente a constitucional,
não se pode encontrar nos grandes livros, e sim em páginas da imprensa e atas
parlamentares. Em outros termos, como o conhecimento jurídico era promo-
vido não por cientistas nos livros, mas por juristas eloquentes nas colunas das
gazetas e nos discursos parlamentares, havia uma relação muito próxima entre
a discussão pública e a formação da cultura jurídica (LOBO, STAUT JR., 2015).
Os pareceres de João Gomes, por exemplo, encaixam-se bem nesse padrão da
cultura jurídica eloquente.

Esse tipo de fonte, ademais, não combina com qualquer metodologia, sendo
imprescindível eleger uma que se adapte às características de um material local,
episódico e repleto de detalhes sintomáticos. Daí a escolha do método indiciário
de Ginzburg (1989), que se adapta bem aos pareceres anônimos de João Gomes
e à imprensa diária curitibana, pois privilegia o particular para compreender o
geral, e as fontes menores em detrimento das grandes fontes. O historiador deve

353
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

buscar os detalhes sintomáticos nas fontes, a fim de evitar testemunhos e pistas


perpassados por excessivo esforço de racionalização e, assim, por deformações
imaginárias do passado.

Resultados

Pela reconstrução da discussão pública em que surgiram os pareceres


anônimos, descobriu-se a autoria de João Gomes, principal resultado dessa etapa
da pesquisa. Pôde-se, assim, delinear atuação político-jurídica na Província do
Paraná. Escudeiro da oligarquia dominante durante situações conservadoras, João
Gomes defendeu o presidente da província por interesse partidário e para se
insinuar nas altas esferas do poder. O executivo paranaense estava nas mãos da
família a que pertencia o senador Correia, figura de grande influência na corte.
Essa prática, porém, não era incomum entre juristas da época, ávidos por cargos
e rendas públicas distribuídas pelo governo.

Os pareceres de João Gomes já foram transcritos e analisados. O catálogo


do material citado está em andamento devido à dificuldade de seguir algumas
das pistas a que as fontes remetem, especialmente quando se trata de livros ra-
ros e revistas jurídicas da época (e. g. O Direito). A previsão é de que já estejam
catalogadas para a apresentação do trabalho.

Conclusão

Parece razoável esperar que o vasto rol de legislação, livros, discursos e


precedentes parlamentares citados por João Gomes em seus pareceres anônimos
permitam reconstruir ao menos parcialmente a racionalidade constitucional da
época, em que se pode desde já destacar a centralidade do precedente parla-
mentar, hoje substituído pelo judicial. O poder legislativo era o grande locus de
autoridade nas constituições políticas do século XIX, não surpreendendo que a
argumentação jurídica em casos constitucionais recorresse às soluções legislativas
para casos precedentes e semelhantes, ou simplesmente à autoridade de discursos
proferidos na tribuna parlamentar.

Fontes
A Republica, Curitiba, 1888 e 1889.
Dezenove de Dezembro, Curitiba, 1888 e 1889.
Gazeta Paranaense, Curitiba, 1888 e 1889.
Sete de Março, Curitiba, 1888 e 1889.
RIBEIRO, J. C. G. A genese historica da Constituição Federal: subsidio para sua inter-
pretação e reforma. Rio de Janeiro: Officinas Graph. da Liga Maritima Brazileira, 1917.

354
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências ibliográficas
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sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
FONSECA, R. M. Vias da modernização jurídica brasileira: a cultura jurídica e os
perfis dos juristas brasileiros do século XIX. Revista Brasileira de Estudos Políticos,
Belo Horizonte, v. 98, 2008, p. 257-293.
FIORAVANTI, M. Costituzionalismo: percorsi della storia e tendenze attuali. Bari:
Laterza, 2009.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1989.
LOBO, Judá Leão; STAUT JÚNIOR, Sergio Said. Discussão pública e formação da
cultura jurídica: contribuição metodológica à história do direito brasileira. Revista
Quaestio Iuris, vol. 08, nº. 03, Rio de Janeiro, p. 1688-1710, 2015.
LYNCH, C. E. C. Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia: o pensa-
mento político do Marquês de Caravelas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
PETIT, Carlos. Discurso sobre el Discurso: oralidad e escritura en la cultura jurídica
de la Espanã liberal. Huelva: Universidad de Huelva, 2000.

355
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

DIREITO, POLÍTICA E NEOCONSTITUCIONALISMO:


UM BREVE ESBOÇO

MARJA MANGILI LAURINDO


Mestra e Doutoranda na área de Teoria do Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito (PPGD) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista CNPq
E-mail: marjamangili@gmail.com

Eixo Temático: História Constitucional

Palavras-chave: Direito; Política; Neoconstitucionalismo.

Introdução

Este artigo procura esboçar algumas relações entre direito e política, es-
pecialmente no que concerne ao papel do Poder Judiciário, na tentativa de criar
caminhos para compreender as particularidades do caso brasileiro, em especial
com relação à teoria neoconstitucionalista. Levando em consideração o caráter
instrumental do direito para fins políticos apontados nos textos selecionados,
chegou-se à conclusão de que o direito no Brasil tem servido também como
instrumento político por parte do Poder Judiciário sob a égide da teoria neo-
constitucionalista.

Metodologia

A metodologia utilizada foi indutiva, amparada em material bibliográfico,


recorrendo-se a autores da Teoria do Direito e do Direito constitucional.

Resultados

O estudo e a crítica do Direito enquanto sistema à parte de condições


políticas e morais proporcionou grandes debates no século XX10 e ainda é ob-
jeto fundamentalmente importante de análises para os que têm interesse de
10 Um dos principais – senão o mais importante – debate realizado nesse sentido ocorreu entre Carl Schmitt
e Hans Kelsen. Para Schmitt, uma norma nunca é estabelecida por si mesma porque, para além dos elementos
jurídico-normativos, o Direito também engloba elementos reais de ordenação concreta. Ao invés de falar em
uma norma fundamental para justificar a existência de um ordenamento jurídico, Schmitt entende haver uma
vontade positiva, isto é, uma força política que legitima o Direito. Não existiria, portanto, nenhum sistema
constitucional fechado de natureza puramente normativa , como apontava Kelsen (SCHMITT, 2006, p. 35).

357
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

estudar as condições fáticas e teóricas dos sistemas jurídicos. Uma das áreas que
é evidentemente atravessada por tal problemática é a do Direito Constitucional.

No que toca ao controle de constitucionalidade, para Holmes é claro que


a “revisão judicial realmente existente, assim com a constituição realmente existente
a qual pertence, é perfeitamente capaz de aumentar o poder dos poderosos“
(HOLMES, 2014, p. 604). Holmes conclui que o direito como um todo, inclusive
o Constitucional, reflete os jogos de poder através de meios como as emendas
constitucionais e as novas interpretações (HOLMES, 2014, p. 607).

Ran Hirschl aponta que por meio do controle de constitucionalidade,


os tribunais são chamados a resolver casos de liberdade religiosa, de expressão,
reprodução, casos de política pública no sistema criminal, comércio, educação,
trabalho, migração, ambiente, etc. O problema se torna mais evidente quando
o judiciário passa a decidir questões que não cabem sequer dentro do direito
constitucional, muitas vezes com a anuência dos poderes políticos. As cortes se
transformam em aparatos de política pública, naquilo que o autor chama de
juristocracia. Hirschl acredita que através dessa análise pode-se chegar à conclusão
de que o direito constitucional, na realidade, é uma “forma de política por outros
meios”. (HIRSCHL, 2006).

Ao analisar a função desempenhada pelos juízes no que concerne ao


controle judicial de constitucionalidade, Jeremy Waldron promove uma crítica
no mesmo sentido: a atividade ali desempenhada é de caráter político. Em um
sistema de judicial review (em sentido forte), as Cortes podem negar a aplicação
da lei a um caso particular, mesmo quando ela é aplicável plenamente, e podem
modificar o efeito da lei a fim de que sua aplicação respeite os direitos individuais
de modo que a lei não prevê (WALDRON, 2015-2016, p. 1354).

No Brasil, o advento da Constituição Federal de 1988 marcou a era do novo


constitucionalismo no país: a Constituição se tornou o centro do ordenamento
jurídico e conferiu aos princípios caráter normativo, a exemplo do que ocorreu
nos demais países europeus constitucionalizados do pós-guerra (BARROSO, 2005,
p. 26). Pela democratização, o Poder Judiciário ascendeu vertiginosamente como
uma instituição capaz não só de manter o aparelho jurídico em funcionamento,
mas de agir politicamente, judicializando as questões políticas da sociedade bra-
sileira (BARROSO, 2005, p. 45).

Para Dimoulis (2011), após a CF/88, o Poder Judiciário ganhou forte


expressividade no cenário nacional, ampliando seu protagonismo e alterando o
equilíbrio entre Poderes. Afirma que “Dentro dessa mudança verificamos que
o Judiciário muitas vezes supre lacunas deixadas pelo legislador ou até decide
contrariamente ao estabelecido nos textos legais, suprindo também omissões do

358
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Legislativo.” (DIMOULIS, 2011, p. 222). Tal protagonismo pode ser identificado


com uma judicialização da política, que cresce também à medida que os Poderes
Legislativo e Executivo deixam de exercer efetivamente suas funções11.

Dimoulis bem coloca a questão por trás da defesa da “principialização”


do direito: da politização do judiciário. Para esse autor, o novo constitucionalis-
mo “abdica do poder da crítica franca e direta, disfarçando-a de interpretação
corretiva.” (DIMOULIS, 2006, p. 202). A insistência dos juristas pela “moralização
do direito” e a instauração de “ordem de valores” poderia indicar a “a falta de
vontade dos moralistas de concretizar suas intenções e críticas”, dando espaço à
arbitrariedade12 (DIMOULIS, 2008, p. 98).

Conclusão

É possível depreender que, apesar de possuírem diferentes pontos de


partida, todas as teorias apresentadas apontam para a relação indissociável entre
Direito e Política, estabelecidas normalmente por grupos socialmente dominantes,
os quais possuem instrumentos de manejo sobre a criação e a interpretação da lei.

É possível observar uma relação estreita entre o Judiciário e a Política,


talvez em um nível maior do que nunca, por uma série de razões que certamente
passam por questões econômicas aqui não abordadas. A história do Brasil, com
as particularidades de sua realidade periférica, parece confirmar tal ideia e, talvez
por essa razão, evidenciar o a ligação entre o jurídico e o político. Atualmente,
o neoconstitucionalismo se apresenta como indício do crescente desprestígio da
lei ao atribuir ao Poder Judiciário a função de decidir de acordo com princípios,
ainda que contra legem, sob o argumento de ser o autêntico guardião dos valo-
res democráticos, alcançando-o inegavelmente à função política em detrimento,
evidentemente, de instituições representativas.

Referências bibliográficas
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito
(o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Adminis-
trativo, São Paulo, v. 240, p. 1-42, 2005.
BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade (algumas observações
sobre o Brasil). Estudos avançados, São Paulo, vol.18, n. 51, p. 127-150, mai./ago. 2004.
11 Nesse sentido, é significativa a fala de Paulo Bonavides, segundo o qual “A época constitucional que vivemos
é a dos direitos fundamentais que sucede a época da separação de poderes.” (BONAVIDES, 2004, p. 127).
12 Os direitos sociais trazidos pela Constituição de 88 (para além do modelo liberal-clássico, trouxe em si
garantias à saúde, previdência, etc.), apesar de terem rompido com um suposto “formalismo estabilizador da
esfera jurídica ditatorial”, “fez criar nichos de juridicidade e de conquistas sociais específicos, não necessariamente
paralelos nem atrelados a mudanças jurídico-político-sociais da redemocratização brasileira” (MASCARO, 2008,
p. 171). Isso porque, apesar de ter havido uma mudança significativa na esfera jurídica, na esfera político-insti-
tucional permaneceram resquícios do período de Ditadura e do próprio coronelismo, tendo em vista a pouca
alteração no que se refere à hegemonia político-econômica do país.

359
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

DIMOULIS, Dimitri. A relevância prática do positivismo jurídico. Revista Brasileira


de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 102, p. 215-253, jan/jun. 2011.
___. Anotações sobre o “neoconstitucionalismo” (e sua crítica). Artigos Direito
GV, São Paulo, mar. de 2008. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/
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___. O positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006b.
HIRSCHL, Ran. The new constitutionalism and the judicialization of pure politics
Worldwide. Fordham Law Review, v. 75, n. 2, 2006.
HOLMES, Stephen. Constituições e constitucionalismo, in ASENSI, Felipe. PAULA,
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Elsevier, 2014.
MASCARO, Alysson. Crítica da Legalidade e do Direito Brasileiro. São Paulo:
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SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
___ Teoria de La Constitución. Madrid: Alianza Editorial, 2006.
WALDRON, Jeremy. The Core of the Case Against Judicial Review. The Yale
Law Journal. 2015-2016. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.
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360
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ASSEMBLEIA


NACIONAL CONSTITUINTE DE 87-88:
A INSERÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA
DIRETA ATRAVÉS DE EMENDA POPULAR

CLÁUDIO LADEIRA DE OLIVEIRA


Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
E-mail: claudioladeira@hotmail.com

THIAGO BURCKHART
Mestrando no Programa de Pós-graduação
em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – PPGD/UFSC – Bolsista Capes
E-mail: thiago.burckhart@outlook.com

SUELLEN MOURA
Mestranda no Programa de Pós-graduação
em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – PPGD/UFSC – Bolsista Capes
E-mail: spmoura14@gmail.com

Eixo Temático: História Constitucional

Palavras-chave: Assembleia Nacional Constituinte; Participação Popular;


Emenda Popular.

No dia 1º de fevereiro de 1987 dava-se início às atividades da Assembleia


Nacional Constituinte13 que resultou na elaboração da Constituição de 1988. No
discurso de instalação, realizado pelo Ministro Presidente do Supremo Tribunal
Federal, José Carlos Moreira Alves, relata-se que “[...] em momentos como este,
reacendem-se as esperanças e, de certa forma, devaneios utópicos”14 de um povo
que havia recém-saído de um regime militar ditatorial e que exigia a concretização
da democracia e da cidadania enquanto ideais a serem preservados e fomentados
por um novo texto constitucional, fundante de um novo Estado.
13 Anunciado no “Jornal de Brasília”, Brasília, nº 4326, p. 12, em 01 de fevereiro de 1987 como “Os Constituintes
da nova republica”; no “O Estado de São Paulo”, São Paulo, nº 34335, p. 6, em 03 de fevereiro de 1987, com o
título “No primeiro dia, festa e vaias”. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Principais eventos do ano de 1987. Dispo-
nível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/
assembleia-nacional-constituinte/linha-do-tempo/principais-eventos-de-1987>. Acesso em: 28 jun. 2017.
14 ALVES, José Carlos Moreira. Discurso de instalação da Assembléia Nacional Constituinte. In: Revista Ciência
Jurídica, v. 3, n. 26, p. 33-39, mar/abr. 1989, p. 08.

361
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Nesse sentido, a Assembleia Nacional Constituinte não pode ser com-


preendida como uma medida política “ofertada” à sociedade brasileira por al-
guns parlamentares comprometidos com a redemocratização do país. A decisão
de convocação da Assembleia respondeu a um amplo movimento social, que
recolheu experiências e iniciativas por todo o país, mobilizando entidades e
pessoas as mais diversas15. Trata-se da primeira vez na história do país em que a
produção de uma Constituição propiciou uma oportunidade inédita de partici-
pação política ao povo brasileiro16, haja vista que “em nenhuma das constituições
brasileiras anteriores houve a participação da sociedade como na elaboração da
Constituição de 1988”17.

Nesse sentido, João Baptista Herkenhoff afirma que a convocação e fun-


cionamento da Constituinte foram uma “vitória da opinião pública”. Isso porque
houve em todo o território nacional um grande esforço de participação popular,
“não apenas antes e durante a elaboração da Constituição Federal, como também
antes e durante o processo de votação das Constituições estaduais”18. Nas palavras
do autor, esse período “foi riquíssimo para o crescimento da consciência política
do povo brasileiro”19, que pôde – pela primeira vez na história do país – participar
efetivamente de um processo constituinte20.

Como assinala José Murilo de Carvalho, o esforço de reconstrução do país


posicionou a palavra “cidadania” na centralidade dos debates políticos, de modo
que “a cidadania, literalmente, caiu na boca do povo”21, substituindo o próprio
povo na retórica política. Havia, naquele momento, um genuíno entusiasmo em
prol da positivação de novos direitos e garantias, como muito bem descreve o
documentário intitulado “Cartas ao País dos Sonhos”22, organizado pela TV Senado
15 VERSIANI, Maria Helena. Constituição de 1988: a voz e a letra do cidadão. In: Revista Democracia Viva, n.
40, setembro de 2008.
16 Em 06 de fevereiro de 1987, a Folha de São Paulo noticiava na p. a2: “Já tendo sido endossada por diversos
parlamentares, entre os quais os senadores peemedebistas Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, que
apresentaram as duas maiores votações no pleito de novembro, a idéia é garantir, no regimento da Consti-
tuinte, o instrumento que se convencionou chamar de iniciativa popular”. SENADO FEDERAL. Biblioteca Digital
Institucional. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/116614>. Acesso em: 28 jun. 2017.
17 SENADO FEDERAL. Jornal da Constituinte. Brasília, de 29 de outubro a 8 de novembro de 2013, p. 01.
18 HERKENHOFF, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos. 2. ed. Aparecida, SP: Santuário, 2002, p. 226.
19 Ibidem, p. 226.
20 “Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalha-
dores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados,
de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a
vigorar.” Trecho do discurso de Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil, em 5 de outubro de 1988. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Íntegra do discurso do presidente da Assembleia
Nacional Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/
materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277-INTEGRA-DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBLEIA-NACIONAL-
CONSTITUINTE,--DR.-ULYSSES-GUIMARAES-(10-23).html> Acesso em 31 jun. 2017.
21 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002, p. 7.
22 SENADO FEDERAL. Cartas ao País dos Sonhos. Disponível em: http://www.senado.leg.br/noticias/TV/Video.
asp?v=12604>. Acesso em: 29 jun. 2017.

362
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

e dirigido por Renata de Paula, que analisa a participação popular na Assembleia


Constituinte23.

A participação se deu por diversas vias, desde a eleição de representantes24


para a elaboração da Constituição, passando pelo envio de cartas pelos cidadãos
e até mesmo por meio da propositura de emendas populares. No ano de 1986,
antes mesmo da instauração da Assembleia Constituinte, o Senado Federal criou
o Projeto Constituição: a voz do cidadão, que buscava mobilizar a sociedade civil
organizada e indivíduos por meio de formulários para envio de sugestões aos
constituintes nas agências dos Correios de todo o país. A partir disso, foram
coletadas mais de 72.000 cartas em todo o período de duração da ANC25.

Conforme assinalado, a Constituinte também contou com o mecanismo


de propositura de emendas populares26. Trata-se de um direito que foi garantido
no âmbito do Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte, e que deu
sustentação a que vários movimentos sociais, comitês e plenários Pró-Participação
Popular se articulassem para apresentar à Constituinte diversas emendas sobre
variados assuntos27. Ao longo da Constituinte foram apresentadas 122 emendas
populares, de modo que 83 destas cumpriram os requisitos regimentais28.

Diversas dessas emendas passaram a fazer parte do texto da nova Consti-


tuição. Dentre elas estava a proposta de mecanismos de democracia direta como
23 Em 1986 o Senado disponibilizou formulários nas agências dos correios de todo Brasil. Era um convite à
sociedade para participar da Assembleia Nacional Constituinte. Na carta, constava as seguintes mensagens: “Você
também é constituinte, participe!” e ”Correios com você na Constituinte”. O documento disponibilizado consistia
em uma enquete destinada à pessoa física feita pelo Prodasen (Secretaria de Tecnologia da Informação). Nele
constava uma pesquisa (faixa etária, renda, atividade, grau de instrução, estado civil, sexo, morador rural ou
urbano, estado, município) e um espaço para a redação da carta.
24 A relação nominal dos constituintes, senadores e deputados, por Estado e partido, foi publicada no “Jornal
de Brasília”, Brasília, nº 4326, p. 12, em 01 de fevereiro de 1987. “A nova Constituição será elaborada por 559
constituintes 487 deputados e 72 senadores de 13 partidos.” SENADO FEDERAL. Biblioteca Digital Institucional.
Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/113867>. Acesso em: 01 jul. 2017.
25 Cfe. SENADO FEDERAL. Jornal da Constituinte, Op. Cit.
26 Em 17 de junho de 1987, o “Correio Braziliense” (Brasília, nº 8832, p. 6) noticiou “Campanha vai mobilizar
o apoio popular”. Após, em 15 de julho de 1987, o mesmo jornal (Brasília, nº 8860, p. 5) possuía a chamada:
“Emendas populares começam a ser recebidas hoje: propostas que garantem a participação da sociedade
poderão ser entregues até dia 13 de agosto”. Em 18 de julho de 1987, o jornal “O Estado de São Paulo” (São
Paulo, nº 34474, p. 7) também registrava o fenômeno da participação popular com a seguinte notícia: “Nas
Ruas do rio, a passeata das emendas”. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Principais eventos do ano de 1987. Dispo-
nível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/
assembleia-nacional-constituinte/linha-do-tempo/principais-eventos-de-1987>. Acesso em: 28 jun. 2017.
27 CARDOSO, Rodrigo Mendes. A iniciativa popular legislativa da Assembleia Nacional Constituinte ao regime
da Constituição de 1988: um balanço. Dissertação de Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, PUC/Rio, 2010. Para aprofundamentos, ver: BRANDÃO, Luis Coelho. Os movimentos sociais e a
Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988: entre a política institucional e a participação popular. Tese de
Doutorado em Sociologia. Universidade de São Paulo, 2011.
28 Em 12 de agosto de 1987, o “Correio Braziliense”, Brasília, nº 8888, p. 3, noticiava: “Hoje é dia da emenda
popular na Constituinte: deverão ser entregues mais de 50. Ontem, Ulysses recebeu 10 e elogiou a mobilização
do povo”. SENADO FEDERAL. Biblioteca Digital Institucional. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/
item/id/134477>. Acesso em: 02 jul. 2017.

363
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

iniciativa popular de lei29, plebiscito30 e referendo31. Houveram três propostas, uma


proveniente de grupos de São Paulo, outra proveniente do Movimento Consti-
tucionalista do Rio Grande do Sul e a última pela Federação dos Trabalhadores
da agricultura de Minas Gerais. O total de assinaturas das três propostas resultou
em 379.076 pessoas, distribuídas em quase todo o território nacional32.

Tomando em consideração essas análises, este trabalho tem por objetivo


analisar a participação popular na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988
sob o prisma da inserção de novos mecanismos de democracia direta por meio de
emendas populares. Para tanto, o trabalho parte de uma abordagem descritiva e
crítica dos fatos que suscitaram a inserção desses mecanismos na Constituição de
1988, a partir da análise de Anais da ANC, dos textos e justificativas das emendas
populares, bem como dos relatos jornalísticos feitos àquela época. O trabalho
divide-se em três partes: I – A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988
e busca pela cidadania; II – Emendas populares como instrumentos de partici-
pação popular no âmbito da ANC; III – Propostas de inserção de instrumentos
de democracia direta na Constituição de 1988.

Referências bibliográficas
ALVES, José Carlos Moreira. Discurso de instalação da Assembléia Nacional Cons-
tituinte. Revista Ciência Jurídica, v. 3, n. 26, p. 33-39, mar/abr. 1989.
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BRANDÃO, Luis Coelho. Os movimentos sociais e a Assembleia Nacional Consti-
tuinte de 1987-1988: entre a política institucional e a participação popular. Tese
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CÂMARA DOS DEPUTADOS. Íntegra do discurso do presidente da Assembleia
Nacional Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães. Disponível em: <http://www2.camara.
leg.br/camaranoticias/radio/materias/CAMARA-E-HISTORIA/339277-INTEGRA-
29 EMENDA PEOOO21-1/EMENDA 1P2070S-3; EMENDA PEOOO24·5/EMENDA 1P20691-0. CÂMARA DOS
DEPUTADOS. Assembleia Nacional Constituinte: Emendas Populares. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-258.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2017.
30 EMENDA PE00026·1/EMENDA 1P20693·6. Ibidem.
31 EMENDA PEOOO21·1/EMENDA 1P2070S-3; EMENDA PE00022-9/EMENDA 1P20716-9; EMENDA PE000056-
3/EMENDA 1P20738·0; EMENDA PE000063-6/EMENDA 1P20743-6. Ibidem.
32 Cfe. MICHILES, Carlos. Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

364
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

DO-DISCURSO-PRESIDENTE-DA-ASSEMBLEIA-NACIONAL-CONSTITUINTE,--DR.
-ULYSSES-GUIMARAES-(10-23).html>. Acesso em: 31 jun. 2017.
CARDOSO, Rodrigo Mendes. A iniciativa popular legislativa da Assembleia Nacional
Constituinte ao regime da Constituição de 1988: um balanço. Dissertação de Mestra-
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CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio
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HERKENHOFF, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos. 2. ed. Aparecida, SP:
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MICHILES, Carlos. Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de
Janeiro: Paz e Terra,1989.
SENADO FEDERAL. Jornal da Constituinte. Brasília, de 29 de outubro a 8 de
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WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 8ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015.

365
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ENTRE A LEI E A JUSTIÇA: O ARGUMENTO


DA EQUIDADE E SEU IMPACTO
NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

GUILHERME MADEIRA MARTINS


Programa de Pós-Graduação em Direito – PUC-Rio
Faculdade Metodista Granbery – FMG
E-mail: guilherme.madeira@gmail.com

Eixo temático: História Constitucional

Palavras-chave: Equidade; Interpretação constitucional; Psicologia moral.

Uma pergunta recorrente nos debates sobre interpretação constitucional


é: os argumentos morais do julgador podem derrotar uma regra jurídica?

No livro “Reading Law”, Antonin Scalia afirma ser uma falácia a ideia de
que a finalidade da interpretação constitucional é encontrar a justiça (2012, p. 347).
Já o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, percebeu a
complexidade da pergunta. No voto proferido na Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade 3.937, afirmou que o julgador, primeiro, “busca nas convicções íntimas,
na formação humanística, enfim, na cosmovisão que possui, a resposta que mais
lhe afigure mais correta e justa”, e, depois, procura no ordenamento jurídico a
base legal para fundamentar a decisão.

O problema é que nem sempre a solução justa está disponível na ordem


legal. Quando isso acontece, o que o julgador deve fazer? Aplicar a regra, mesmo
que ela não esteja em conformidade com a justiça? Ou deixar a regra de lado,
construindo uma argumentação que leve a uma decisão mais justa?

Independente de qual seja a resposta para essas perguntas do ponto de


vista normativo (“como devemos interpretar?”), estudos de psicologia moral parecem
apontar para uma resposta do ponto de vista descritivo (“como de fato inter-
pretamos?”). Segundo Jonathan Haidt, os julgamentos morais não são resultados
de uma intensa e rigorosa deliberação, mas sim de rápidas intuições. Através de
uma série de experimentos, e valendo-se de teorias advindas da psicologia, da

367
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

antropologia e da filosofia moral, Haidt chama a atenção para o (importante)


papel que as intuições exercem no raciocínio moral. Esse é um dos fundamentos
do modelo sócio-intuicionista (HAIDT, 2001). O modelo sócio-intuicionista parte
do pressuposto de que os raciocínios e os julgamentos morais funcionam atra-
vés da inter-relação entre dois sistemas: o intuitivo e o deliberativo. A intuição
opera no nível do inconsciente, ocorre de forma automática e não intencional,
podendo, inclusive, ser preconceituosa; já a deliberação é consciente, e só tem
início de forma intencional. E, entre os dois, o papel exercido pelo primeiro é
mais determinante do que aquele exercido pelo segundo. Acreditamos que os
nossos raciocínios e julgamentos morais são frutos de uma deliberação consciente,
ponderada e razoável – mas o modelo sócio-intuicionista coloca xeque essa ideia
ao mostrar o quanto as intuições são determinantes. “Intuições primeiro, depois
raciocínio estratégico” (HAIDT, 2012, xii).

As conclusões de Haidt parecem sustentar o cenário descrito pelo Ministro


Marco Aurélio e, do ponto de vista descritivo, parecem dizer que sim – os argu-
mentos morais do julgador podem sim derrotar uma regra jurídica (STRUCHINER
e BRANDO, 2014, p. 199).

Essas conclusões também reforçam um argumento muito importante


para o direito, que é argumento da equidade. Na “Ética a Nicômaco”, Aristóteles
defende que os argumentos morais do julgador podem sim derrotar uma regra
jurídica. Segundo ele, o julgador deve deixar de aplicar uma regra quando o re-
sultado por ela prescrito for tido como errado ou injusto. Esse procedimento é
conhecido como “equidade”, descrita como “uma retificação da lei onde a lei é
lacunar em função da sua generalidade” (2007, p. 137). Chama a atenção a forma
rigorosa com que Aristóteles trata os erros decorrentes das generalizações – não
como erros naturais resultantes do choque entre regras escritas e uma realidade
com infinitas possibilidades e em constante evolução, mas como situações de
injustiça que devem ser corrigidas. A equidade é, portanto, uma super-justiça
(VILLEY, 2009, p. 302). Esse argumento também é trabalhado por Frederick Schauer
(1998), porém com respostas distintas.

Nesse contexto, a pesquisa buscou analisar se, ao longo da história do


direito (e da história do direito constitucional em específico), a defesa do argu-
mento da equidade foi uma constante ou se, ao contrário, enfrentou resistência.
O objetivo é analisar se o argumento de Jonathan Haidt pode ser sustentando
também do ponto de vista histórico. Ao fim, espera-se que essa pesquisa ilumine
um pouco os debates referentes à interpretação constitucional.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa se propõe a desenvolver


uma pesquisa de caráter interdisciplinar, analisando o argumento da equidade e
da assimetria de autoridade não apenas sob o enfoque do direito, mas também

368
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

com o auxílio de outros campos do conhecimento, como a história, a filosofia e


a psicologia moral. Entre os objetos de exame, estão: uma investigação do concei-
to de equidade e da sua aplicação ao longo da história do direito (e do direito
constitucional em específico); a realização de uma análise crítica da doutrina sobre
o tema; um estudo sobre o modelo sócio-intuicionista de Jonathan Haidt; e, por
fim, um estudo do impacto dessas discussões para a interpretação constitucional.

Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro, 2007.
HAIDT, Jonathan. The Emotional Dog and Its Rational Tail: A Social Intuitionist
Approach to Moral Judgment. In: PSYCHOLOGICAL REVIEW, 108, 2001.
HAIDT, Jonathan. The Righteous Mind – Why Good People Are Divided by Politics
and Religion. New York: Pantheon Books, 2012.
SCALIA, Antonin; GARNER, Bryan A. Reading Law – The Interpretation of Legal
Texts. Thomson/West, 2012.
SCHAUER, Frederick. Playing by the Rules: A Philosophical Examination of Rule-
Based Decision Making in Law and Life. Oxford: Oxford University Press, 1998.
STRUCHINER, Noel; BRANDO, Marcelo Santini. Como os Juízes Decidem os Casos
Difíceis do Direito? In: STRUCHINER, Noel. TAVARES, Rodrigo de Souza (orgs.).
NOVAS FRONTEIRAS DA TEORIA DO DIREITO: DA FILOSOFIA MORAL À
PSICOLOGIA EXPERIMENTAL. Rio de Janeiro: PUC-Rio.
VILLEY, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno. São Paulo: Martins
Fontes, 2009.

369
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O MODELO DA CONSTITUIÇÃO DE 1824 E


A CONTRADIÇÃO PONTUAL
DO LIBERALISMO BRASILEIRO

GEOVANA SOARES DE OLIVEIRA


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU

GESSYCA ROMILDA DA ROCHA


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU

NATÁLIA SIQUEIRA ALVES


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU
E-mail: nataliasiqueira1@hotmail.com

Eixo Temático: História Constitucional

Palavras-chaves: Liberalismo brasileiro; Constituição imperial; Classificação


constitucional.

Introdução

O presente trabalho explora a classificação da Constituição de 1824


segundo a teoria constitucional com o objetivo de desenvolver e explicitar as
contradições pontuais do liberalismo brasileiro protagonizado pela elite imperial.
Partindo desta problematização, procuramos analisar como ocorreu a tentativa de
implantação de um sistema representativo com bases liberais em uma sociedade
de estrutura centralizadora e escravocrata, evidenciando as incompatibilidades
ideológicas e organizacionais dentro deste conturbado processo.

A classificação do texto constitucional imperial (item 2) valeu-se da sua


delimitação enquanto ao (1) conteúdo, (2) à forma, (3) ao modo de elaboração,
(4) à origem, (5) à estabilidade, (6) à extensão e (7) ao posicionamento em relação
aos chamados direitos individuais do cidadão. Já no tocante às contradições do
liberalismo praticado e defendido pelas elites oitocentistas (item 3), buscamos
apresentar quatro pontos principais: o estabelecimento do Poder Moderador, o
autoritarismo revestido de uma falsa áurea democrática (legitimadora) do ato de
outorga da Constituição de 1824 pelo Imperador D. Pedro I, a existência de leis
inferiores consoantes à classe social do indivíduo destinatário que contrariavam a

371
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

eficácia e a validade da norma superior e o provincialismo e o clientelismo que


caracterizavam a concepção de representação e de cidadania política daquela
época.

Metodologia

A metodologia utilizada para a presente pesquisa deste trabalho foi base-


ada substancialmente em fontes informativas disponíveis eletronicamente – como
diversos artigos da revista de informação legislativa referentes ao texto constitu-
cional estudado – que constituíam uma averiguação do quadro social, político
e cultural do Brasil antes e depois da independência da Metrópole portuguesa,
valendo-se também de algumas obras de historiadores e de juristas tanto da época
retratada – como José Antônio Pimenta Bueno, Zacarias de Goés Vasconcellos e
Paulino José Soares – quanto da nossa atualidade.

Resultados parciais da pesquisa

O texto constitucional de 1824 possui uma estrutural formal, normativa,


dogmática e analítica, sendo outorgado pelo Imperador Dom Pedro I ao perceber
que o antigo projeto elaborado por Antônio Carlos não atendia às suas pretensões
absolutistas e centralizadoras de poder. Em relação a sua estabilidade, pode-se
afirmar que o seu conteúdo é semirrígido, apresentando, portanto, dois graus de
rigidez estabelecidos pela diferença entre as normas materialmente constitucionais
daquelas apenas formalmente constitucionais. Por resguardar os direitos indivi-
duais – de cunho evidentemente jusnaturalista – do cidadão brasileiro, o texto
configura-se como liberal, classificação sobre a qual recaem algumas contradições
pontuais do liberalismo praticado e defendido pela elite oitocentista imperial.

Mesmo sendo caracterizada como liberal, a Constituição de 1824 apresenta


paradoxalmente um caráter autoritário – ato de outorga do Imperador revestido
de uma falsa pretensão ritualística democrática – e centralizador. Ao estabelecer
a existência do Poder Moderador, o princípio fundamental liberal da eliminação
do poder pessoal absoluto do monarca foi negado, fundamentando uma atuação
paternalista de um Imperador que acumulava funções tanto legislativas quanto
executivas. Além disso, os direitos imunizados pelo texto constitucional não eram
reconhecidos e praticados eficientemente, dado que havia leis hierarquicamente
inferiores a Constituição que contradiziam os princípios nela estabelecidos relacio-
nados à igualdade jurídica e ao fim do tratamento de acordo com a classe social
do indivíduo destinatário da lei. Tais direitos constitucionais eram restritos a uma
concepção censitária de cidadania política, fato que – juntamente com o primado
político das elites regionais – propiciou o estabelecimento de um clientelismo e
de um provincialismo que violavam a ideia liberal de uma representação política
de qualidade a serviço do interesse geral nacional.

372
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências bibliográfica
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373
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

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graphia Nacional, 1862. p. 353
VASCONCELLOS, Zacarias de Góes. Da Natureza e Limites do Poder Moderador.
Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862. Disponível em: <http://
www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/224211>. Acesso em: 18 mar. 2017.

374
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE POSITIVISTA:


A CONSTITUIÇÃO RIO-GRANDENSE DE 1891
E AS LINGUAGENS POLÍTICAS REPUBLICANAS

PEDRO PEREIRA
Programa de Pós-graduação em Direito – UFRGS
E-mail: pedropfpereira@gmail.com

Eixo temático: História constitucional

Palavras-chave: Constituição Rio-Grandense de 1891; História intelectual;


Pensamento constitucional.

Introdução

A instauração do período republicano no Brasil está inserida num pro-


cesso de profunda instabilidade política e transformações socioeconômicas por
que passava o país. As elites tradicionais, que ocupavam e se beneficiavam da
administração imperial, viram – sobretudo a partir da década de 1880 – suas
estruturas de sustentação serem fortemente abaladas: a sociedade se urbanizava
rapidamente, desmontava-se gradativamente a engrenagem escravista e se esta-
beleciam novos mecanismos de legitimação e ascensão social.

Nesse processo de derrocada do Império, havia também uma intensa


transformação ao nível das linguagens que informavam o debate político nacional.
Um conjunto novo de discursos passou a circular com certa fluidez nos centros
que já dotavam de alguma institucionalidade a cultura letrada de então. Autores
como Stuart Mill, Darwin, Herbert Spencer, Le Bon, Strauss, Augusto Comte, pas-
saram a ser invocados com exagerada constância nos debates que acompanharam
a crítica da tradição imperial e os dilemas da fundação republicana.

Esses discursos modernos, referidos por Sílvio Romero como “bando de


ideias novas”, invadiram irremediavelmente o país e alimentaram a imaginação
política da chamada geração de 1870. Tratava-se de uma nova geração de inte-
lectuais que, conquanto pertencessem majoritariamente às classes abastadas do
país, estavam completamente alijados do processo político nos moldes imperiais.

375
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Aqueles “homens novos” acompanharam a erosão das estruturas imperiais em


absoluta marginalidade política, criticando “desde fora” o sistema que já a algum
tempo denunciavam como decadente.

Esses jovens, educados nos melhores centros nacionais ou europeus, pas-


saram a ter acesso a esse vasto conjunto de ideais ligadas ao liberalismo ilustrado
e às correntes positivistas-evolucionistas, que lhes serviram de fundamento para
criticar a tradição imperial e fundar as bases da ordem republicana. Ordem que
passou a ser discutida a partir de um arranjo federativo igualmente novo, insti-
tuído por meio de uma descentralização radical, dotando de grande autonomia
política as oligarquias estaduais.

Como não poderia deixar de acontecer, essas novas referências intelectuais


inspiraram as diferentes propostas formuladas durante os trabalhos da assembleia
constituinte de 1891. E inspiraram igualmente os processos constituintes a nível
estadual, dentre os quais o do Rio Grande do Sul chamou especial atenção.

Isso porque a Constituição Sul-Riograndense de 1891 contrastou claramente


em relação às demais constituições estaduais concebidas no alvorecer da república.
Obra fiel do projeto castilhista, aquela carta transparecia algumas concepções
jurídico-políticas muito singulares, cultivadas por uma parcela dirigente do Partido
Republicano Rio-Grandense com manifesta orientação positivista. Promulgado em
14/07/1891, em nome da “Família, da Pátria e da Humanidade”, o documento
refletia com clareza o ideal centralizador de ordenação tecnocrática que orientava
os positivistas gaúchos.

O Art. 20, § 1º, do Capítulo III, outorgava ao presidente a competência


para a promulgação de leis, expedição de decretos e regulamentos, e mesmo a
escolha livre do vice-presidente. Tais leis só poderiam ser revogadas, de acordo
com o Art. 32, § 4º, Capítulo VI, caso a maioria dos conselhos municipais repre-
sentasse contra ela ao presidente. A Seção Segunda estipulava em seu Art. 46,
Capítulo II, que competiria à assembleia, como tarefas de maior importância, (§
1º) fixar anualmente a despesa e orçar a receita do Estado, bem como (§ 2º)
criar, aumentar ou suprimir contribuições, taxas ou impostos. Caberia à assembleia,
trocando em miúdos, apenas o papel de discutir, emendar e votar o orçamento
proposto pelo Executivo.

A Carta de 14 de julho despertou muita controvérsia entre a elite jurídi-


co-política a respeito de sua legitimidade/constitucionalidade. Os dispositivos mais
contestados foram justamente os que estendiam as prerrogativas do presidente
do Estado em detrimento daquelas atribuídas ao poder legislativo – contrariando
os postulados liberais então hegemônicos. Além de se valerem das tribunas e dos
periódicos, os detratores da constituição castilhista recorreram frequentemente ao

376
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

instituto da intervenção federal, alegando desrespeito aos princípios constitucionais


da União e à forma republicana.

O que se procurará neste trabalho é justamente analisar aquela consti-


tuição estadual enquanto objeto de intervenções políticas realizadas por agentes
de seu tempo, nos diferentes espaços de articulação do debate público que se
faziam presentes. E isso menos para fazer um balanço de sua aceitação do que
para reconhecer as diversas linguagens a partir das quais foram formuladas aquelas
intervenções. Com esse propósito, os debates envolvendo a Constituição Rio-
Grandense de 1891 serão como que instrumentalizados, procurando-se reconhecer
seus pressupostos implícitos e as problemáticas que lhes são subjacentes a partir
da intertextualidade daquelas elocuções.

Nesse sentido, não se trata de realizar uma análise pretensamente jurídica


daquele texto constitucional. Tampouco se trata de estabelecer uma narrativa
sobre os caminhos que levaram à sua concepção e posterior promulgação. Esse
tipo de informação, quando aparecer ao longo do trabalho, estará presente em
função de objetivo mais amplo: oferecer uma janela que permita visualizar, ain-
da que parcialmente, o conjunto de linguagens que informaram o pensamento
constitucional no período da afirmação republicana no Brasil e, particularmente,
no Rio Grande do Sul.

Aspectos metodológicos

O esclarecimento desses objetivos sumariamente descritos implica que


se esclareça com suficiente acuidade alguns pressupostos metodológicos e te-
óricos que orientam esse trabalho. O primeiro deles diz respeito à opção pela
utilização dessa categoria, ambígua e pouco usual entre nós, que é “linguagem”.
Afinal, quando se anuncia que essa pesquisa se debruçará sobre as “linguagens
jurídico-políticas” de um dado período, está-se a tratar de quê exatamente? De
ideias políticas? De correntes ideológicas? Caso positivo, por que não usar esses
dois últimos termos, de uso tão corrente na literatura especializada? A escolha
do vocábulo, aqui, está longe de ser fortuita.

Há algumas décadas, a historiografia política vem passando por um intenso


processo de reformulações teórico-metodológicas que reconfiguraram completa-
mente seus objetos e horizontes de pesquisa. Nos limites do presente resumo,
caberia apenas registrar que as “ideias” políticas deixaram de ser compreendidas
como entidades abstratas e logicamente integradas; reconheceu-se, pelo contrário,
que tais “ideias” só adquirem significado dentro dos diferentes contextos em que
são enunciadas e reproduzidas. A partir daí o foco da produção historiográfica
se deslocou decisivamente, como afirma Elías Palti, “em direção aos modos de

377
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

produção, reprodução e transmissão de sentidos nos distintos períodos históricos


e contextos culturais” (2012, p. 20).

Algumas perspectivas teóricas se desenvolveram paralelamente a partir


desse pressuposto sumariamente esboçado, resgatando a historiografia política do
ostracismo a que havia sido relegada, para então reconstruí-la sobre novas bases
epistemológicas. Três delas orientam diretamente as opções teórico-metodológicas
adotadas nesta pesquisa: o contextualismo linguístico da Escola de Cambridge, a
história conceitual de Reinhart Koselleck e a história conceitual do político de
Pierre Rosanvallon.

Em primeiro lugar, o contextualismo linguístico da Escola de Cambridge,


especialmente no desenvolvimento que lhe conferiu J. A. Pocock. Partindo das
formulações precursoras de Quentin Skinner, que procurou analisar a instável
dialética da significação estabelecida entre as enunciações políticas e as conven-
ções linguísticas que lhes são preexistentes, Pocock deslocou o eixo de análise
da noção de intencionalidade para a de linguagens: “A linguagem, no sentido em
que estamos usando o termo, é a chave do historiador tanto para o ato de fala
quanto para o contexto” (POCOCK, 2013, p. 35).

De outro lado, para a identificação daqueles conceitos-chave que permea-


vam o imaginário político da época, tomar-se-á por base os preceitos da história
conceitual (Begriffsgeschichte) de Koselleck. Aqui já estarão em questão enquadra-
mentos de maior escala, identificando nos significados lexicais a possibilidade de
um horizonte diacrônico. As categorias medulares do discurso político republicano
passam a configurar, nesse plano, aquelas estruturas profundas de significado que
se estabilizam ao longo dos tempos (KOSELLECK, 2006, p. 107), condicionando
e possibilitando o fazer político.

Por último, também merece menção as orientações da chamada “histó-


ria conceitual do político”. Desenvolvida por Pierre Rosanvallon, trata-se de um
tipo de filosofia política que foge das tendências normativistas que marcaram a
disciplina nos últimos anos. Reconhecendo a natureza essencialmente aporética
dos conceitos políticos, Rosanvallon trata de encarar as formações conceituais não
como expressões de postulados ético-políticos, mas como índices de problemas
concretos com os quais determinadas formações sociais se depararam. Numa
história conceitual do político, o que está em questão, portanto, é justamente
perceber como determinada sociedade “tenta construir respostas para aquilo
que, com maior ou menor precisão, elas percebem como um problema” (RO-
SANVALLON, 2010, p. 44)

378
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências bibliográficas
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos histó-
ricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
PALTI, Elías José. Giro lingüístico e historia intelectual. Buenos Aires: Universidade
Nacional de Quilmes, 2012.
POCOCK, John G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: Editora da Uni-
versidade de São Paulo, 2013.

379
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA


DO IMPÉRIO DO BRASIL (1824):
BASES TEÓRICAS E DEBATES CONSTITUINTES

CLÁUDIO ALCÂNTARA MEIRELES JÚNIOR


Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
Professor de Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (Unifor)
E-mail: claudiomeireles@unifor.br

Eixo temático: 5. História constitucional

Palavras-chave: Brasil Império; Poder Moderador; Constituição de 1824.

Introdução

O escopo da presente pesquisa é investigar as bases fundamentadoras,


tanto de fundo teórico, como político-ideológico, da incorporação do Poder
Moderador à Constituição Política do Império do Brasil. Pretende-se analisar: (1) a
obra de alicerce conceitual para o chamado poder neutro, qual seja os “Princípios
políticos constitucionais”, de Benjamin Constant; (2) os Anais da Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil de 1823, investigando a defesa pelos
constituintes de um poder real com fulcro de regulação dos demais poderes; (3)
assim como os dispositivos efetivamente elencados no texto constitucional de
1824 de regulamentação do Poder Moderador.

No transcorrer da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) ocorreu disputa


entre duas correntes: a elite coimbrã, que refletia projeto de centralização política
com fortalecimento do poder da Coroa, de modernização pelo alto e sem rupturas
abruptas que pudessem gerar alguma instabilidade; e a elite brasiliana, partidários
de um modelo símil ao de uma monarquia republicana, com descentralização
federativa do poder, privilegiando as lideranças locais e os interesses econômicos
da elite agrária. (LYNCH, 2010; 2005)

É nessa conjuntura de instalação da ANC que inicialmente se desenvolve


a problemática a ser analisada na presente pesquisa, inserida no embate entre as
duas propostas delineadas, significando o Poder Moderador ferramenta atrelada

381
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

à concepção de concentração de poder do projeto coimbrão, de cunho estati-


zante e tutelar.

Metodologia

A pesquisa busca investigar fatos históricos, com o objetivo de descortinar


o tema e estabelecer relações entre os diversos elementos pertinentes ao estu-
do. Realizou-se o trabalho mediante investigação indireta, por meio de pesquisa
documental e bibliográfica, com via exploratória, descritiva, explicativa, visando
interpretar e analisar criticamente os fatos, buscando o aprimoramento de con-
cepções postas. A abordagem é qualitativa e o método dialético e histórico, pois
busca uma maior compreensão das ações e relações humanas e uma observação
dos fenômenos sociais, além de analisar o objeto como movimento da história.

A abordagem qualitativa teve como escopo primordial investigar e in-


terpretar aspectos mais profundos do objeto a ser examinado, pois para a clara
compreensão do período, muitos aspectos devem ser observados, escapando de
simplórios diagnósticos que não atentam às forças sociais em jogo. Tampouco
deve-se olhar o passado sem atinar às peculiaridades próprias daquele tempo,
ou transplantar modelos pensados e propostos para outras problemáticas que
não às daquele contexto. (JASMIN, 2005; CABRAL, 2016)

A pesquisa documental e bibliográfica teve como fontes primárias a


análise da obra de referência de Benjamin Constant, os Anais da Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil de 1823, bem como artigos
da Constituição de 1824 que regulavam o Poder Moderador. Outrossim, foram
abordadas obras de autores contemporâneos ao período temporal delimitado,
dentre os quais: Visconde do Uruguay, Marquês de São Vicente, Joaquim Nabuco,
Frei Caneca, Zacarias de Góes e Vasconcellos. Como também literatura publicada
na forma de publicações avulsas, livros, pesquisas, monografias, teses, utilizando-se
de autores atuais, tais como: José Murilo de Carvalho, Boris Fausto, Sérgio Buarque
de Holanda, Eduardo Romero de Oliveira, Otávio Tarqüínio de Sousa, que são
referência na área de investigação do tema em exame.

Resultados parciais da pesquisa

Orientando-se pelos escritos de Christian Lynch (2010, 2010a, 2007, 2005)


para mapear a temática, identificou-se na já referida obra de Benjamin Constant
(2014) a pedra angular para compreensão das bases teórico-conceituais do Poder
Moderador. Verificou-se também que o tema foi levantado durante a ANC por
pelo menos três distintos atores políticos, que defenderam a utilização do Po-
der Moderador, que foram Antônio Carlos de Andrada Machado, José Joaquim
Carneiro de Campos e João Severiano Maciel da Costa. Constatou-se ainda a

382
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

existência de diversos dispositivos constitucionais no texto outorgado em 1824


para além dos contidos nos Capítulos II do Título 5º (Do Poder Moderador e
Do Poder Executivo, arts. 98-104), necessários para compreender as possiblidades
de funcionamento do sistema de quatro poderes constitucionalmente consagrado.

Constant (2014, p. 38) delineia sua própria teoria da repartição de pode-


res do Estado, elencando cinco poderes distintos, dos quais o poder real estaria
acima dos demais, sendo “autoridade ao mesmo tempo superior e intermediária,
interessado em manter o equilíbrio, e com máxima preocupação em conservá-lo”.
Alertou para a necessidade do chefe de Estado não se substituir na atuação dos
outros poderes, questão fundamental para um regime monárquico constitucional,
não absolutista. O poder neutro a ser exercido pelo monarca deveria possuir
natureza de arbitrar possíveis conflitos e poder os excessos dos demais poderes,
mantendo a democracia estável.

Quanto à ANC, já na sessão de abertura, a Fala do Trono de D. Pedro I foi


bastante contundente, permeada por afirmações como “disse ao povo no dia 1º
de dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado, que com
a minha espada defenderia a pátria, a nação e a Constituição, se fosse digna do
Brasil, e de mim”, e que para o cumprimento da promessa solene de defesa do
império necessário era dar força ao Poder Executivo, e ainda que “Uma assembleia
tão ilustrada e tão patriótica, olhará só a fazer prosperar o Império e cobri-lo de
felicidades; quererá que seu imperador seja respeitado, não só pela sua, mas pelas
mais nações”. A ANC iniciou-se então com tensão entre a autoridade do poder
imperial e a do poder dos constituintes. (BONAVIDES; ANDRADE, 2008, p. 32-33)

No transcorrer dos debates foram expressamente defendidas três con-


cepções de Poder Moderador pelos retro referidos constituintes, diferenciando-se
entre si conforme seu maior ou menor distanciamento da teorização de Constant
– isso em conformidade com a análise de Lynch (2005), ratificada pelo exame
dos Anais da ANC –, que sinteticamente podem ser remetidas como: 1. poder
desinteressado das entranhas dos embates políticas, por isso neutro, acima das
tensões, como mesmo o exercício de um privilégio pelo imperador; 2. poder
de exceção, que deveria ser exercido com a finalidade de proteção ao próprio
sistema representativo-constitucional, visando a estabilidade institucional; 3. poder
de centralização política na figura do imperador.

O embate entre a ANC e o imperador findou com a dissolução da


primeira e instituição por D. Pedro I de Conselho de Estado responsável por ela-
borar um projeto de Constituição. Muito embora o projeto original apresentado
na ANC antes de sua dissolução não contemplasse o Poder Moderador, o texto
outorgado em 25 de março de 1824 instaurou o instituto. Dentre as atribuições
do Poder Moderador estavam diversas disposições de ingerência sobre os demais

383
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

poderes, que seriam instrumentos necessários para era evitar a fragmentação do


país em razão do sistema representativo, possibilitando a estabilidade da ordem
política nacional (LOPES, 2014).

Conclusão

Com a declaração da independência do Brasil em 7 de setembro de 1822,


D. Pedro I é coroado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil
em cerimônia de sagração no Rio de Janeiro em 1º de dezembro do mesmo
ano. Isso significou que quando da instalação da ANC, em 3 de maio de 1823,
o sistema de governo e o chefe de Estado já estavam estabelecidos. Ainda assim,
a instauração de sistema representativo e da monarquia constitucional significou
a ruptura com o Antigo Regime de absolutismo monárquico.

Os embates no transcorrer da Constituinte a respeito da prevalência (ou


não) e limites (ou alcance) da autoridade do Poder Imperial sobre as próprias
deliberações parlamentares, resultaram na dissolução da ANC, fato que simbolizou
o triunfo da pretensão de predominância e fortalecimento da Coroa.

Nesse azo, o Poder Moderador, a ser exercido pelo imperador, recebeu


aparato de regulamentação constitucional que possibilitava a inserção do chefe
de Estado em assuntos dos outros poderes estatais, ou seja, permitia incursões
interventoras que extrapolavam a teorização pensada por Benjamin Constant.

Ainda assim, a depender, muito mais, diga-se, da postura imperial, do que


da própria entabulação prescrita pela dogmática constitucional, o exercício do
Poder Moderador poderia refletir a instrumentalização possibilitadora da concreção
da perspectiva do segmento político de conservadorismo liberal no sentido da
necessária estabilidade da neófita nação brasiliana, carente ainda da construção
da ordem e unidade nacionais, apenas possível com a prevalência da concepção
de centralização política e fortalecimento do chefe de Estado.

Referências utilizadas no resumo expandido


ANNAES DO PARLAMENTO BRAZILEIRO. Assembléia Constituinte (1823). 6 v.
Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Centro de Documentação
e Informação Coordenação de Biblioteca. Disponível em: http://bd.camara.gov.br.
Acesso em 07 jun 2017.
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 9. ed.
Brasília: OAB Editora, 2008.
CABRAL, Gustavo César Machado. Pensamento político brasileiro: roteiro e pro-
postas de trabalho. In: CABRAL, Gustavo César Machado; DINIZ, Marcio Augusto
de Vasconcelos. História do Direito e do Pensamento Político Brasileiro: debates e
perspectivas. Fortaleza: Edições UFC, 2016.

384
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CONSTANT, Benjamin. Princípios políticos constitucionais: princípios políticos apli-


cáveis a todos os governos representativos e particularmente a constituição atual
da Franca (1814). Organização e introdução de Aurélio Wander Bastos. Tradução
de Maria do Céu Carvalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2014.
JASMIN, Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e social. Revista
Brasileira De Ciências Sociais-RBCS. Vol. 20 nº. 57, fevereiro, 2005.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2008.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Quando o regresso é progresso: a formação do
pensamento conservador saquarema e de seu modelo político (1834-1851). In:
BOTELHO, A.; FERREIRA, G.. (Org.). Revisão do pensamento conservador: idéias e
política no Brasil. 1ed. São Paulo: Hucitec, p. 25-54, 2010.
___. O Poder Moderador na Constituição de 1824 e no anteprojeto Borges
de Medeiros de 1933: um estudo de direito comparado. Revista de Informação
Legislativa. Brasília a. 47 n. 188 out./dez. 2010a.
___. O momento monarquiano: o Poder Moderador e o pensamento político
imperial. 2007. 421f. (Doutorado em Ciência Política). Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
___. O discurso político monarquiano e a recepção do conceito de poder Mo-
derador no Brasil (1822-1824). DADOS: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
Vol. 48, no 3, pp. 611 a 654, 2005.

385
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A CONSTITUIÇÃO DE 1824 À LUZ DO PODER


MODERADOR COM ÊNFASE NOS SISTEMAS
DE RESPONSABILIDADE VIGENTES À ÈPOCA

FELIPE EDUARDO DE OLIVEIRA SILVA


Bacharelando em Direito da Ubiversidade Federal de Uberlândia (UFU).
Pesquisador do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU.
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia - Brasil;
Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados - LAECC-PPGD/UFU Brasil.
E-mail: ohj12@hotmail.com

ALEXANDRE WALMOTT BORGES


Professor Associado da Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Professor do programa de mestrado em Direito, Uberlândia, MG, Brasil
Professor Visitante da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita - UNESP
programa de mestrado em Direito, Franca, SP, Brasil.
Mestre e Doutor em Direito do Estado pela UFSC
Doutorando em História Social pela UFU.
E-mail: walmott@gmail.com

Eixo Temático 5: História Constitucional

Palavras-Chave: Poder; Moderador; Sistemas

Introdução

O constitucionalismo nacional começa sua jornada a partir de sua inde-


pendência de Portugal, concebendo um Estado dotado de um arranjo político
organizativo, centrado em sua autonomia enquanto nação independente. A carta
constitucional de 1824, outorgada por Dom Pedro I, delimita uma monarquia,
constitucional investida de um caráter político representativo.

O imperador exercia o controle sobre os demais poderes, através do poder


moderador, figura instituída pelo imperador, tendo como plataforma analítica a
teoria iluminista de Benjamin Constant.

387
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

O poder moderador estava disciplinado nos arts.98 a 101 da referida


Constituição, o escopo de prerrogativas destinadas ao seu exercício delineava um
quadro político centralizador com penumbra autoritária.

Conforme, Sarlet (2017) este espoco centralizador contém exemplificação,


na prerrogativa do Imperador possuir competência exclusiva para efetuar a no-
meação de senadores, dissolver a Câmara de Deputados, interferir diretamente
no Poder Judiciário, podendo aplicar suspensões aos magistrados além de realizar
reformas nas sentenças emanadas de tal poder.

A constituição adota a linha geral de que a partição funcional é a garan-


tia dos direitos dos cidadãos. Os direitos dos cidadãos são considerados aqueles
direitos da nacionalidade, os direitos políticos e os direitos individuais. A parte
da constituição que trata dos direitos individuais é o Título 8° ‘Das Disposições
Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros’, artigos
173 a 179, com destaque ao artigo 179 e os vários incisos de direitos individuais.

A palavra cidadãos também é empregada no Título 2° da constituição


imperial para definir quem são os nacionais, ou quem são os ‘cidadãos brasileiros’.
No artigo 96 da constituição imperial há a relação entre a condição de nacional
brasileiro e a elegibilidade para os cargos eletivos. Em síntese, a constituição de
1824 expressa a visão de mundo de que o Estado de direito somente se realiza
com partição funcional dos órgãos estatais, e com a divisão das funcional das
tarefas estatais.

A divisão assenta-se em 4 órgãos com as respectivas concentrações e


especializações funcionais. É possível especular que a ordem da redação ‘o Poder
Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial’, já expressa
alguma hierarquia dos órgãos. Assim, além da magnitude do legislativo, primeiro
poder listado, o outro poder em ordem de relevância é justamente o moderador.

A matriz constitucional apregoava, uma verticalização entre poder polítco


imperial e o poder religioso, na residência do fato que o Imperador centrava
autoridade sobre a Igreja, no território brasileiro bem como estava incumbido
da nomeação de algumas posições religiosas.

O sistema constitucional adotado em 1824, não possuía características


anacrônicas aos modais investidos por outros Estados. A feitura da Constituição
Imperial está em um recorte histórico, orientado pela retomada do substrato mo-
nárquico frente ao período predecessor permeado por um sentido revolucionário.

388
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Ademais, a Constituição de 1824 estava inserida em um cenário volátil


do ponto de vista político, pois havia uma problemática de unicidade territorial
e Constituição nacional do recém- formado Estado Imperial.

O modelo constitucional imperial, aglutinava um pensamento absolutista


da concepção de poder, oriundo de um substrato divino com traços edificados
na soberania popular, testemunhada sobretudo, no período revolucionário francês.

A junção entre o escopo religioso e imperial, está consubstanciada pela


tese argumentativa do estabelecimento de uma unicidade nacional, alinhada a
oficialidade religiosa como ponto fortificador deste quadro.

A Constituição de 1824 está inserida em um surto liberal presente no


continente americano, tendo como parâmetro a Revolução Portuguesa de 1820.
Não obstante, em 1817 já havia ocorrido a Insurreição Pernambucana que extraia
um ideário liberal semeado no constitucionalismo espanhol figurado na revolu-
ção de 1812.A Constituição do Império do Brasil instituiu um sistema legislativo
bicameral, composto por uma Camâra de Deputados e pelo Senado (art.14).
O ingresso na Câmara era permeado por um processo eleitoral, com mandato
temporário (art.35), já o Senado é mesclado por membros vitalícios, com processo
eleitoral provincial (art.40).

É observável, a competência privativa da Câmara dos Deputados de instituir


o processo legislativo que envolve matéria de impostos, recrutamentos e escolha
da nova casa imperial (art.36).

No escopo Senatorial, destaca-se o quesito censitário para sua investidura


no cargo. Ademais, em sua competência exclusiva prevista no(art.47) I. Conhecer
dos delitos individuais, cometidos pelos Membros da Família Imperial, Ministros
do Estado, Conselheiros de Estado e Senadores, e dos delitos dos Deputados,
durante o período de legislatura. II. Conhecer da responsabilidade dos Secretários,
e Conselheiros de Estado. III. Expedir Cartas de Convocação da Assembléia, caso
o Imperador o não tenha feito dozes meses depois do tempo, que a Constituição
determina; para o que se reunirá o Senado extraordinariamente. IV. Convocar a
Assembléia na morte do Imperador para a Eleição da Regência, nos casos, em
que ela tem lugar, quando a Regencia Provisional o não faça.

Metodologia

O objetivo mor da pesquisa é relacionar o caráter influenciador do Poder


Moderador na matriz constitucional de 1824. Em sentido específico o estudo
apresenta: (1) aspecto descritivo da carta de 1824, (2) os sistemas de responsa-
bilização vigentes à época.

389
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

A presente pesquisa está centrada no método dedutivo onde é realizada


uma interpretação da constituição brasileira de 1824 afim de analisar o sistema
de responsabilização empregado na carta constitucional, delimitar de forma or-
dinária a organicidade constitucional empregada e denotar a influência do Poder
Moderador no texto legal.

A abordagem é qualitativa, buscando uma conexão entre o mundo rea-


lístico e o sujeito pesquisado em tom dinâmico.

No escopo bibliográfico, a pesquisa é pautada pela análise de estudos já


constituídos tendo como base principal artigos científicos e livros (Cf.Gil,2008).
Desta forma a presente pesquisa apresenta uma vertente procedimental meto-
dológica bibliográfica.

Resultados Parciais

O contexto da proposta de Benjamin Constant sobre o moderador deve


ser desenhado pela análise do pressuposto de funcionamento das instituições que,
segundo o autor, é a soberania popular. Benjamin Constant apresenta argumentos
de reação aos desdobramentos da revolução francesa e as ações da revolução
baseadas na soberania popular.

O artigo 98 da constituição de 1824 mostra a influência de Benjamin


Constant sobre a redação do texto constitucional imperial, já que os aspectos
funcionais deste poder são de manutenção da separação dos poderes. Entenda-se,
o Poder Moderador existia para que não houvesse superposição ou avanço das
competências de um poder sobre o outro. Por isto, a redação do artigo fala em
‘manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos’.

Conclusão

Ao contrário do modelo teorizado por Constant, o imperador se utilizou


da estruturação francesa e inglesa para criar prerrogativas administrativas e funcio-
nais para controlar várias funções as quais eram próprias dos três poderes, sem
que fosse responsabilizado o Imperador (art.99), somente seus ministros o eram.

Referências bibliográficas
CONSTANT, B. Princípios de política aplicáveis a todos os governos. Trad. J. d. Brízida.
Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2008.
JACQUES, P. Do relacionamento dos poderes políticos na constituição do império.
In: Revista de Informação Legislativa, v. 11 n. 41, pp. 5-16, 1974.

390
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo. Trad. J. Fischer. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
Miranda, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. – 4. ed. - Rio de Janeiro :
Forense, 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso
de Direito Constitucional. 6ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

391
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

EDUCAÇÃO E(M) DISPUTA: DISCUSSÕES SOBRE


A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
DURANTE A CONSTITUINTE DE 1933-1934

LAILA MAIA GALVÃO


Mestra em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
e Doutora pela Universidade de Brasília (UnB).
Professora de direito do Instituto Federal do Paraná (IFPR).

JOSÉ ARTHUR CASTILLO DE MACEDO


Mestre e doutorando em direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Professor de direito do Instituto Federal do Paraná (IFPR).
E-mails: lailamg@gmail.com e josearthurcastillomacedo@gmail.com

Eixo Temático: escolhido: História constitucional.

Palavras-chave: Federalismo; educação; Constituição de 1934.

Introdução

A presente pesquisa investiga os debates, durante a Assembleia Consti-


tuinte de 1933 e 1934, a respeito da repartição das competências entre os entes
federados das modalidades de educação pública. Para tanto, buscou-se averiguar
se houve uma disputa mais profunda no decorrer do processo constituinte em
relação a modelos de centralização e descentralização nessa área. A análise das
disputas sobre a divisão das responsabilidades no âmbito do ensino público tem
como objetivo verificar a posição de algumas figuras públicas e de certos grupos
políticos nesse debate, bem como as propostas apresentadas que instituíram uma
nova obrigação para os entes federados. Assim, torna-se possível aprofundar uma
reflexão sobre a própria história do federalismo brasileiro e a construção de seus
desenhos institucionais.

A pesquisa parte do pressuposto de que, subjacente à disputa de com-


petências, há um debate mais abstrato e ideológico sobre os benefícios da cen-
tralização ou da descentralização. Da mesma forma, os atores que se engajaram
no debate não eram apenas intelectuais preocupados com a organização federal
do Estado, mas eram também atores políticos interessados pragmaticamente na

393
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

manutenção e ampliação de suas esferas de poder. Portanto, a pesquisa tem como


objetivo observar duas camadas nas posições apresentadas pelos atores envolvi-
dos nesse debate: (i) a investigação dos modelos de federalismo e repartição de
competências apresentados; e (ii) os interesses políticos conjunturais que estariam
por detrás das posições afirmadas durante a Constituinte. Dessa sobreposição
de visões mais pragmáticas ou mais abstratas a respeito da distribuição de com-
petências no campo da educação, pretende-se demonstrar a complexidade dos
enfrentamentos durante a Constituinte, bem como o caráter contingente das
disputas que moldaram aquele texto constitucional.

Metodologia

Apesar de o recorte temporal da pesquisa englobar o período de ela-


boração da Constituição, entre 1932 e 1934, buscou-se analisar não apenas as
discussões entre os parlamentares constituintes, mas também as participações
de intelectuais e grupos políticos que tentaram interferir na elaboração da nova
Constituição. Portanto, os Anais da Constituinte (ANAIS DA ASSEMBLEIA NA-
CIONAL CONSTITUINTE, 1935) não foram as únicas fontes primárias analisadas.
As atas da subcomissão do Itamaraty, por exemplo, figuram como importantes
fontes desses debates fora da Assembleia Constituinte (AZEVEDO, 2004), espe-
cialmente para se averiguar as posições de destacados intelectuais à época como
João Mangabeira, José Américo de Almeida, Oswaldo Aranha, entre outros. Por
mais que defendessem uma intervenção maior do Estado nas áreas sociais, com
maiores responsabilidades para a União, as propostas sobre como fazê-lo se
diferenciavam significativamente.

Os embates durante a Assembleia Constituinte de 1933 e 1934 no campo


da educação normalmente são retratados, não sem razão, como uma disputa entre
católicos e os educadores escolanovistas concentrados na Associação Brasileira de
Educação (ABE). A Liga Eleitoral Católica (LEC), como movimento suprapartidário,
levou para o centro dos debates temas como a possibilidade do ensino religioso
nas escolas públicas, saindo vitoriosa na maioria dessas disputas. O silêncio da LEC
no debate da divisão de competências na educação não deve ser interpretado
como uma omissão. É preciso averiguar o cálculo político feito pelo grupo dos
católicos em relação à centralização e a descentralização e qual modelo beneficiaria
de modo mais imediato seu programa, que tinha como um dos seus principais
objetivos exercer maior influência nos colégios públicos de modo geral.

Quanto a essa participação externa nos debates constituintes, destaca-


se a atuação da Associação Brasileira de Educação, que chegou a publicar um
livro com propostas para a nova Constituição (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
EDUCAÇÃO, 1934). A Associação Brasileira de Educação lançou proposta de
que caberia aos Estados e ao Distrito Federal organizar, administrar e custear os

394
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

seus sistemas educacionais. Os municípios que tivessem orçamento suficiente


poderiam, por delegação dos estados, administrar suas escolas. À União caberia
somente fixar o plano nacional de educação, estabelecendo os princípios que
regeriam o sistema educacional como um todo. Assim, os educadores da ABE
defendiam que a União deveria exercer um papel de coordenadora, devendo
abdicar da administração direta de escolas e universidades.

A Associação Brasileira de Educação, no entanto, não deve ser vista como


um grupo homogêneo. Nesse sentido, as disputas internas foram analisadas em
maior detalhe, justamente para averiguar a extensão do papel de liderança de-
sempenhado por Anísio Teixeira.

Por fim, textos de jornais sempre são fontes importantes para se medir a
circulação de ideias. Nesse sentido, jornais cariocas, mineiros e paulistas do período
foram investigados, no sentido de medir as reações dos estados que perderiam
autonomia para desenhar seus sistemas de educação a partir da centralização
empreendida pelo governo Vargas.

Resultados parciais

Como resultados parciais dessas reflexões, é possível apontar, de forma


preliminar, duas posições principais: (i) uma que reivindicava um papel mais ativo
da União, inclusive assumindo a gestão de escolas e universidades; (ii) outra que
reivindicava para os estados e municípios a competência para cuidar do ensino
primário, secundário e superior, restando à União um papel de coordenadora do
sistema educacional como um todo. Os interesses que sustentavam essas posições,
no entanto, eram bastante diversificados.

No primeiro caso, no mesmo sentido que Bercovici (2009) é possível


concluir que o texto final da Constituição de 1934 referendou várias das políticas
que já vinham sendo implementadas pelo governo provisório, especialmente no
sentido de atribuir à União a competência de regulamentar e fiscalizar as instituições
de ensino secundário e superior. Porém, o quadro é mais complexo se analisada
com mais atenção a atuação de certos atores. A LEC parecia se beneficiar cir-
cunstancialmente de uma aproximação com elementos do governo federal, o que
justificaria o fato da LEC não defender a descentralização da educação naquele
momento. Os intelectuais da subcomissão Itamaraty, por outro lado, defenderam
a ampliação do papel da União na construção dos sistemas educacionais, e com
esse intuito instituíram mecanismos para efetivá-la. Alguns destes mecanismos
fizeram parte do texto final da Constituição, como o estabelecimento de um
valor mínimo a ser gasto com educação pelos Estados e pela União33, proposta
esta lançada por João Mangabeira.
33 Constituição de 1934, art. 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os

395
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

De outro lado, certos grupos viam com maior desconfiança essa maior
responsabilidade da União na área educacional. A Associação Brasileira de Educação,
por exemplo, foi contra a repartição de competências no campo da educação na
Constituição de 1934. Anísio Teixeira, assumindo certa liderança na Associação,
reclamou especialmente do casuísmo das decisões, dizendo que faltou ao cons-
tituinte pensar um “sistema” de educação. Para ele, a Constituição não deixava
claro qual papel a União deveria desempenhar. No entanto, a própria posição do
Anísio Teixeira possuía, em certa medida, um caráter “casuísta”, uma vez que ele
era o Secretário de Educação do Distrito Federal e buscava obter maior controle
das esferas de ensino na capital.

Portanto, a análise não apenas do texto constitucional final, mas também


das discussões que o produziram, é fundamental para uma compreensão dos
valores e dos interesses políticos que moldaram a estrutura do ensino público no
país naquele contexto. Investigar o desenho do federalismo, nesse caso, mostra-se
particularmente importante ao demonstrar que as posições dos atores envolvem
projetos de Estado distintos, ao mesmo tempo que evidenciam disputas políticas
concretas e pontuais a respeito do arranjo institucional (GARGARELLA, 2014). Ao
analisar a constituição dos sistemas de educação e a repartição de competências
da Constituição de 1934, é possível recuperar o caráter dinâmico (RESNIK, 2009)
e concreto (JACKSON, 2013) dos conflitos subjacentes, os quais muitas vezes são
aparentemente neutralizados quando da promulgação da Constituição, mas que
na verdade se rearticulam no momento seguinte na forma de disputas interpre-
tativas acerca dos seus sentidos.

Referências bibliográficas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. O problema educacional e a nova
Constituição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934.
AZEVEDO, José Afonso de Mendonça. Elaborando a Constituição Nacional. Brasília:
Conselho Editorial do Senado Federal, 2004.
BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de instituição da democracia de massas no Bra-
sil: instabilidade constitucional e direitos sociais na Era Vargas (1930-1964). In:
FONSECA, Ricardo Marcelo e SEELAENDER, Airton (Orgs.) Historia do Direito
em Perspectiva: do Antigo Regime à Modernidade. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
BLOCK, Susan Low; JACKSON, Vicki C. Federalism: A reference Guide to the United
States Constitution. Santa Barbara: Praeger, 2013.
BRASIL. Anais da Assembleia Nacional Constituinte 1933/1934. Rio de Janeiro: Im-
prensa Nacional, 1935. 18 volumes.
GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la Constitución: dos siglos de
constitucionalismo en América Latina (1810-2010). Buenos Aires: Katz, 2014.

Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção
e no desenvolvimento dos sistemas educativos.

396
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

RESNIK, Judith. What’s Federalism For? In: BALKIN, Jack M.; SIEGEL, Reva B. The
Constitution in 2020. New York: Oxford, 2009, p. 269-284
TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia: introdução à administração escolar.
3a ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.

397
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS


NO CONTEXTO QUE ANTECEDE
A CONSTITUIÇÃO DE 1937:
UMA ANÁLISE DO HC 26.155/1936
(O CASO OLGA BENÁRIO PRESTES)

JOÃO RODOLPHO CABRAL DE SOUZA


Graduando em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
E-mail: joaorodolphocabral@hotmail.com

Eixo Temático 5: História Constitucional

Palavras-chave: Direitos Fundamentais; Constituição de 1937; Olga Be-


nário Prestes.

Introdução

Conforme se observa o cenário político nacional na década de 1930,


guardando as devidas proporções e idiossincrasias decorrentes das circunstâncias
próprias de cada momento histórico, é possível observar alguma semelhança com
fatos do momento presente.

A pouco mais de um para o pleito que decidirá que será o próximo Pre-
sidente da Reública, Jair Bolsonaro, militar da reserva, deputado federal pelo PSC
(Partido Social Cristão) do Rio de Janeiro, de retórica marcada pela intolerância,
surge como possível candidato.

Getúlio Vargas, empossado chefe do Governo Provisório após a Revolu-


ção de 1930, que pôs fim à República Velha, marcada por uma forte oligarquia
agrária, legitimado pela vitória sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, com
a Constituição de 1934, garante a si mais tempo no poder.

Em meio a tais acontecimentos, Luís Carlos Prestes, líder da Coluna Pres-


tes, é anistiado para atuar junto à Aliança Nacional Libertadora (ANL) de caráter
anti-imperialista e antifascista, em outras palavras, contra Getúlio Vargas e a Ação

399
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Integralista Brasileira de Plínio Salgado. A repercussão da organização serviu como


mote para a aplicação da Lei de Segurança Nacional, de autoria de Vicente Rao
e Raul Fernandes, “uma verdadeira ‘caça às bruxas tupiniquim’” que terminou
por se desdobrar na prisão de Prestes e Olga Benário a 05 de março de 1936.
Outrossim, Em 11 de março do mesmo ano, a Lei nº 244 estabelece o Tribunal
de Segurança Nacional com objetivo de julgar os envolvidos nos movimentos de
viés comunista dos meses anteriores.

A violência que caracteriza a repressão aplicada às medidas de oposição


ao governo, atrelada à censura pertinente ao DIP (Departamento de Imprensa
e Propaganda), é uma das faces do Estado Autocrático que se firmará com a
inauguração do Estado Novo a partir da Constituição de 1937.

O presente artigo tem como objetivo geral, a partir de uma investigação


histórica, examinar, através da obra de Carl Schmitt (expoente jurista no Terceiro
Reich), Francisco Campos (principal autor de Constituição de 1937) e Evguiéni
Pachukanis (criador de uma Teoria do Direito baseada em Karl Marx), como a
centralização do poder, típica de governos autocráticos, pode ser atravessada
por patentes violações a direitos fundamentais, no sentido de destruição de uma
oposição política, legitimada pelo texto constitucional que via de regra tem como
função primordial a limitação do Estado, conferindo garantias individuais e coletivas.

O objetivo específico remonta à análise do HC 26.155/1936 e demons-


tração de que a despeito das garantias existentes de modo a garantir a mínima
dignidade exigida, prevaleceu a mera vontade de um autocrata e seus apoiadores,
interessados em demonstrar o seu poder no cenário político em vigência o que
acarretou no envio de Olga Benário Prestes, judia, comunista, grávida de Luís
Carlos Prestes à Alemanha nazista.

O estudo se justifica na medida em que incursionar no pensamento de


juristas defensores do autoritarismo de viés militarizado é imprescindível para
compreender o risco da repetição de um contexto político em que venha a
prevalecer a violação a direitos humanos quanto o intuito alegado é a moralização
do Estado brasileiro.

Metodologia

Metodologicamente, a pesquisa tem natureza qualitativa, perfil histórico-


teórico, e envolve uma abordagem interdisciplinar realizada mediante raciocínio
indutivo-dedutivo. As técnicas de pesquisa utilizadas são as de análise documental
e revisão bibliográfica. O manejo dos procedimentos metodológicos envolveu o
acórdão proferido pelo STF no HC 26.115/1936, a Lei 38, de 4 de abril de 1935
(Lei de Segurança Nacional), e como fontes secundárias diversos artigos científicos,

400
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

material jornalístico sobre o tema, bem como bibliografia baseada em autores


especializados.

Conclusão

A partir de análise histórica do julgado, no contexto que antecede o Estado


Novo de Getúlio Vargas, marcada por forte intolerância e violência, prevalece o
posicionamento por parte do Judiciário de eliminação do inimigo, representado
pela ameaça de instauração de um regime comunista no Brasil. O que pode se
depreender do julgamento do HC 26.155/1936 é que a posição da Corte Suprema
dos Estados Unidos do Brasil, a despeito de sua vocação que seria a defesa de
preceitos constitucionais, criminalizava o comunismo quando posto em prática,
ou seja, quando o marxismo servia de base para os movimento que se rebelaram
contra o totalitarismo.

O presente estudo abre espaço para outras abordagens, uma vez que, no
Brasil, há uma tendência a busca pelo governo forte centralizado como solução
a problemas de ordem moral, sem medição das consequências, em termos
antidemocráticos, como se percebe atualmente na midiatização da Operação
Lava Jato e na manipulação sobre a opinião pública que resultou o processo de
impeachment contra Dilma Rousseff e o surgimento de Jairo Bolsonaro como
possível candidato à Presidência da República.

Referências bibliográficas
CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional: sua estrutura, seu conteúdo ideológico. 2001.
GUSTIN, Miracy B. S.; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)Pensando a pesquisa jurídica:
teoria e prática. 2a ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
MORAIS, Fernando. Olga. Grove Press, 2004.
NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. Boi-
tempo, 2000.
NETO, Lira. Getúlio (1930-1945). Editora Companhia das Letras, 2013.
PASUKANIS, Eugeny Bronislanovich. Teoria geral do direito e marxismo. Academica,
1988.
SCHMITT, Carl. O conceito do político. Teoria do Partisan. Ed. Del Rey, 2009.
STF. HC 26.155/1936. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?-
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de junho de 2017
MUNIZ, Veyzon Campos. O Caso Olga Benário Prestes: um estudo crítico sobre o
habeas corpus nº 26.155/1936. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 37, n. 1, p. 36-60,
jan./jun. 2011.

401
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

DA PROVISORIEDADE À CONSTITUIÇÃO DE 1934:


O PARECER DE HANS KELSEN AO GOVERNO VARGAS
E OS CAMINHOS DA CONSTITUINTE

GABRIEL FRIAS ARAÚJO


Mestrando em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”/UNESP – Campus de Franca.
Bolsista CAPES.
E-mail: gabriel_frias_araujo@terra.com.br

CARLOS EDUARDO DE ABREU BOUCAULT


Professor Doutor junto ao Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”/ UNESP – Campus de Franca.
E-mail: boucdexter@gmail.com

Eixo temático: Direito e extensão da estatalidade.

Palavras-chave: Governo Vargas; Constituinte; Hans Kelsen.

Introdução

O presente trabalho pretende recuperar e analisar um dos períodos mais


importantes da história brasileira: os anos Vargas. Trata-se de um momento de
intensa disputa pelo poder, marcado por ardentes e agudas lutas políticas que,
não raro, resvalaram na violência, no combate aberto e na exceção. Trabalhar
com o período implica não somente em reconhecer seu legado, sua importân-
cia política, socioeconômica e cultural mas, acima de tudo, abordar as múltiplas
faces e questões que marcam o período (GOMES, 2010, p. 37). Como observa
Bercovici, “a etapa decisiva de constituição do Estado brasileiro ocorre a partir da
Revolução de 1930 [...]”com destaque à “[...] simultaneidade de questões colocadas
em um curto espaço de tempo para o Estado brasileiro, ligadas à construção de
um Estado nacional e de um Estado intervencionista com estruturas típicas do
capitalismo avançado” (BECOVICI, 2008, p. 376). Nesse sentido, o Estado brasileiro
constituído após a Revolução de 1930 é um Estado estruturalmente heterogêneo
e ambivalente.

A Revolução de 1930 traz ao mesmo tempo, um caráter inaugural da


revolução e do novo regime, mas, sobretudo, um sentido de ruptura política e

403
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

institucional. O novo governo revela, assim, em sua gênese, uma tensão entre
legalidade e legitimidade e o questionamento acerca do fundamento capaz de
sustentar o governo de Vargas e sua nova ordem. Se o episódio da Revolução
contribui para a criação de uma imagem capaz de imprimir legitimidade ao go-
verno de transição, inaugurado a fase do governo provisório em que se observam
mudanças bastante significativas, episódios futuros como a insurreição paulista de
1932, algumas revoltas tenentistas e o surgimento da Aliança Nacional Libertadora,
questionam sua legalidade e forçam o governo a acelerar a convocação de uma
Assembleia Constituinte.

Discussões e Método

A análise de obras da época e discussões contemporâneas sobre o perío-


do, indicam-nos que a legitimação do governo Vargas passaria por duas questões
centrais: a reorganização das forças internas e a uma repactuação. Como aponta
Lucia Lippi, “A tônica principal dos autores que propõem nova forma de organi-
zação política, refere-se à crise do mundo moderno. Crise do Estado Liberal, crise
da democracia liberal, falência do Estado burguês[...]” (OLIVEIRA, 1978, p. 97).Não
obstante as diversas críticas ao Estado Liberal e à democracia em crise no mundo,
como alcançar a estabilidade institucional à margem do modelo liberal, de um
governo Constitucional? Nesse sentido é que Boris Fausto nos fala de um modelo
a que dá o nome de “Estado de Compromisso” e que marca os primeiros anos
do Governo Vargas (FAUSTO, 1986, p. 110). Contudo, muito embora a mudança
de rumos políticos, um dos aspectos que tornavam inviável o Governo Provisório
dizia respeito à ausência de uma Constituição e de um regime político capaz de
traduzir suas propostas e projetos, sobretudo frente à diversidade de projetos,
de modelos de representatividade e de composição política que vão desde as
tradicionais fórmulas da democracia liberal até novos modelos propostos como
alternativas à crise do Estado Liberal (OLIVEIRA, 1978, p. 103).

Nesse sentido, os próprios autores da época reconhecem que apenas uma


nova Carta pacificaria a questão. No entanto, os caminhos que levariam até a
promulgação da nova Constituição não seriam nada fáceis para o Governo Pro-
visório. Entre pressões de grupos antagônicos e interesses opostos, no dia 14 de
Maio de 1932, Getúlio Vargas, ainda presidente provisório publica o decreto nº
21.402, “criando uma comissão para elaborar o anteprojeto e marcando eleições
da Assembleia Nacional Constituinte para 03 de Maio de 1933”. (SIQUEIRA, 2015,
p. 351). Interessante observar, aliás, que a Revolução Constitucionalista eclode
exatamente depois da publicação desse Decreto que instituía uma comissão
encarregada da elaboração de um anteprojeto. Dois aspectos despontam ainda
na fase prévia à instauração dos trabalhos da Assembleia Constituinte e seus
debates. Enquanto Governo efetivo, ainda que com um status provisório ou de
transição, Vargas possuía competência para editar decretos, contudo, questionava-

404
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

se a legalidade e a competência de um Governo Provisório para convocar uma


Constituinte por Decreto Executivo. Para além do âmbito formal, da legalidade,
havia ainda o questionamento da própria legitimidade de um Governo Provisório
de celebrar e fundar um novo pacto. Embora já possuísse a legitimidade jurídica,
compreendida como “presença, em uma parcela significativa da população, de
um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de
recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos” (BOBBIO, 2010, p 675),
questiona-se sua competência e legitimidade política. Assim, o debate sobre a
legitimidade torna-se intenso e a legitimação do Governo Provisório, uma questão
essencial. Se não era possível afirmar a legitimidade pela legalidade, Vargas deveria
operar em sentido contrário, ou seja, valer-se de sua (alegada) legitimidade para
alcançar a legalidade e a tão desejada estabilidade de seu governo.

Assim, na difícil separação entre o jurídico e o político, o debate sobre


a Competência da ANC torna-se a grande discussão jurídica do momento. Em
1933, a revista Política: revista de Direito Público, legislação social e economia,
publicada no Rio de Janeiro em volume único em janeiro de 1934, convida o
célebre jurista austríaco Hans Kelsen, à época árbitro internacional em Genebra,
para dar um parecer sobre a convocação da ANC, sua competência, atribuições
e eventuais conflitos entre os decretos presidenciais. Destaque-se que à época,
a teoria kelseniana estava em ampla discussão no mundo. No Brasil, não apenas
seu parecer foi lido nos debates, sua nome era evocado como “o maior consti-
tucionalista contemporâneo” e suas idéias citadas seja nos debates da ANC de
1933/34 como em diversos outros momentos e discussões Vê-se dessa forma, que
além de ter inspirado muitos juristas e doutrinadores da época, Kelsen certamente
foi uma importante e inegável influência para muitos dos constituintes da época
(SIQUEIRA, 2015, p. 154).

Resultados e Conclusões

Em seu parecer, Kelsen foi favorável ao decreto manifestando não haver


como diferenciar o governo de fato de Vargas do governo de direito e respon-
dendo “aos quesitos, não do ponto de vista político ou de direito natural, mas
exclusiva e unicamente do ponto de vista do direito positivo” (KELSEN, 1995, p.
5). Ao buscarmos compreender o complexo Estado erguido por Vargas, o parecer
de Hans Kelsen desponta como um documento de grande valor, não apenas
quanto a seus impactos e influências, mas especialmente por nos permitir pensar
a forma pela qual essa e tantas outras teorias foram recebidas e apropriadas, com
desvios ou não, ao pensamento jurídico nacional. Um dos principais pontos do
breve parecer oferecido diz respeito à controvérsia sobre uma possível violação
ou limitação da soberania da Assembléia submetida a um regimento havia sido
promulgado por decreto do Executivo de Vargas. Kelsen responde, oferecendo-nos
uma visão bastante e aplicada de sua Teoria e sua visão do poder:

405
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

A promulgação do citado regimento não significa incursão na


‘soberania’ da Assembléia Nacional Constituinte. A concepção de
soberania, no verdadeiro sentido da palavra, de nenhum modo pode
ser enquadrada no domínio do direito positivo. Nem mesmo o
Estado, como tal, é sobreano, pois acima dele se encontra o direito
das gentes, que lhe confere direitos e obrigações. Ainda menos se
pode dizer de qualquer órgão do Estado que seja soberano. Quanto
à Assembléia Nacional Constituinte, seria questão de saber se ela
possui as qualidades de um órgão originário e supremo, a quem
cabe fazer as leis e cuja competência é ilimitada. Seria, então, só
o caso de uma Assembléia Nacional Constituinte que tivesse sido
originada diretamente da revolução. Mas isso não se dá. A exis-
tência legal e a competência da Assembléia Nacional Constituinte
fundam-se no regimento de 7 de abril de 1933. Ela é um órgão
criado por um outro órgão e formou-se pelo caminho legal. Não
pode modificar isso a circunstância de a Assembléia ter o nome
de ‘Assembléia Nacional Constituinte’. Desse modo, não podem
ser deduzidas quaisquer qualidades de direito.(KELSEN, 1995, p. 6).
O parecer de Kelsen, bastante conveniente no momento, dá ao governo
de Getúlio mais um argumento e respaldo para consolidar seu regime e realizar
seu projeto. Ao distinguir a limitação da competência da violação da soberania,
conclui ser o Governo Provisório a “mais alta autoridade legislativa que saiu di-
retamente da revolução”. inexistindo diferença entre um governo “de jure” e um
governo de fato, dele dependeria “determinar a convocação e a competência
da Assembléia Nacional Constituinte”, suas funções e limitações de acordo com
o Decreto de 1933. Em sua breve análise, o jurista esclarece que “a denomina-
ção de um governo ‘provisório’ tem geralmente uma significação política e de
nenhum modo uma de direito positivo”. Desse modo, “um governo formado
por meio revolucionário possui os poderes que quer possuir sob a condição de
que possa obter geralmente a obediência às suas prescrições” (KELSEN, 1995, p.
6-7). Na perspectiva do autor e de sua obra, o que valeria como princípio de
direito positivo para um governo originado de uma revolução seria o princípio
da efetividade, perspectiva essa que certamente contribuiu para fortalecer ainda
mais a figura de Vargas. O que está em jogo nesse debate é a legalidade da
medida, no caso, a forma pela qual se deu a convocação de uma Constituinte.
Contudo, por trás do plano da legalidade, a controvérsia envolve a contestação
da própria legitimidade de um governo provisório em editar normas e em fazê-las
se cumprir. Tal é o posicionamento de Kelsen ao evocar o princípio da eficácia.
A obediência às prescrições de um governo (legítimo ou provisório), pressupõe,
portanto a sua legitimação, sua eficácia, e só posteriormente, a sua inserção
dentro de um quadro de legalidade. Esse é o desafio do governo revolucionário
e os reflexos da legitimação do Governo Vargas, ainda provisória, são decisivos
no momento de construção de sua ordem constitucional. Por isso a importância
do debate. Dar a Vargas a chancela de uma Constituição significa inscrevê-lo em

406
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

definitivo dentro da ordem legal, o que, se não impede a sua contestação ou a


oposição, representa, ao menos, fazê-lo, a partir de agora, dentro de novas regras
estabelecidas ao jogo político e legislativo, uma vez que “quem legitima o regime
tem que aceitar também o Governo que veio a se concretizar e que busca atuar
de acordo com as normas e valores do regime, mesmo não o aprovando ou até
chegando a lhe fazer oposição.” (BOBBIO, 2010, p. 676).

Referências bibliográficas
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instabilidade constitucional e direitos sociais na Era Vargas (1930-1964). In: SEE-
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FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história. 10. ed. São Paulo:
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autoritarismo no Brasil. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (Org.). A
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SIQUEIRA, Gustavo Silveira. O parecer de Kelsen sobre a Constituinte brasileira
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407
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ÀS VÉSPERAS DA CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS


UNIDOS DO BRASIL DE 1934: UMA HISTÓRIA DA EU-
GENIA E SUA POSITIVAÇÃO CONSTITUCIONAL

TAÍSA REGINA RODRIGUES


Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ
Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional - ABDCONST
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR
E-mail: tai.regina1989@gmail.com

Eixo Temático: História Constitucional.

Palavra-chaves: Eugenia; Direito Constitucional; Reinhart Koselleck

Este trabalho se propõe a expor os principais pontos de uma pesquisa


realizada em sede de dissertação de mestrado intitulada “Às vésperas da Cons-
tituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934: uma história da eugenia e sua
positivação constitucional”. O objeto da pesquisa é o estudo da aplicação da
teoria da eugenia no Brasil, especificamente o período que se inicia no ano de
1920 e percorre os anos que se seguem até a publicação da Constituição dos
Estados Unidos do Brasil de 1934.

A eugenia é uma teoria científica edificada no final do século XIX, pre-


cisamente no ano de 1883, na Inglaterra, por Francis Galton34, que combinava o
conhecimento biológico com premissas estatísticas, com o fim de elaborar uma
ciência que se dedicasse ao aperfeiçoamento da raça humana. Possui vínculo
estreito com a emergência da biologia moderna, e fora difundida e apropriada
por distintos países, a qual foi instrumentalizada de modo a se tornar uma nova
possibilidade, um novo argumento em benefício da subjugação humana.

A eugenia ultrapassou os limites territoriais do espaço geográfico em que


foi criada e sua lógica do aperfeiçoamento humano adentrou as esferas do debate
intelectual e político de diversos outros países, os quais a apropriaram de forma
distinta. Ou seja, a trajetória da aplicação da eugenia tem suas peculiaridades e
34 Francis Galton, nascido na cidade de Birmingham na Inglaterra, seus estudos voltavam-se em maior parte
ao estudo de técnicas biométricas para melhoria da raça humana. STEPAN, Nancy Leys. “A hora da eugenia”:
raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005. p.9.

409
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

uma conjuntura histórica própria, vinculada a cada localidade espacial em que


se tornou objeto de disputa no campo sócio-político.

Isto posto, o interesse pelo estudo da eugenia no Brasil ocorreu quando


se verificou a positivação da concepção eugênica no texto da Constituição dos
Estados Unidos do Brasil de 1934, no corpo do artigo 138, alínea “b”, o qual
estabeleceu que seria competência de os entes federados estimular a educação
eugênica.35

Assim, fora iniciada uma pesquisa voltada à tentativa de compreender


como a teoria da eugenia foi recepcionada pelo texto de uma Constituição Federal
brasileira. Um dos primeiros passos tomados para a execução desta tarefa foi fazer
o mapeamento das menções ao vocábulo “eugenia” e seus desdobramentos [como
“eugênica”], em meio aos debates constituintes que deram origem à Constituição
de 16 de julho de 1934. Estes estão organizados em 22 [vinte e dois] volumes,
que somados totalizam mais de 12.000 [doze] mil páginas. Ao mesmo tempo,
realizou-se pesquisa em meio ao acervo da Hemeroteca Digital Brasileira que ana-
lisou os periódicos de maior circulação à época. Neste momento, procedeu-se o
primeiro recorte metodológico da pesquisa em andamento: a delimitação espacial.

A pesquisa ao acervo da Hemeroteca Digital foi feita sob o recorte geográ-


fico da capital do país nas primeiras décadas do Brasil republicano, Rio de Janeiro,
uma vez que por ser o centro do comando político do país à época, partiu-se da
premissa deste ser o maior polo não apenas de recepção de influências teóricas
de ultramar, como também por ser o local em que se veiculavam as decisões
políticas que determinariam os rumos da nação brasileira então em formação.

O próximo passo perquirido foi quando se verificou a expressão “educação


eugênica” em meio a um excerto jornalístico cuja matéria se referia à inauguração
do Ambulatório Ridavia Correia, anexo à Colônia de Alienados de Engenho de
Dentro, em 14 de junho de 1920. A expressão foi utilizada por Gustavo Riedel,
médico psiquiatra, diretor daquela instituição, o qual conta como um dos desta-
ques de sua breve carreira com a organização de um centro de ações voltadas
à eugenia.36

Em pesquisa ao acervo em comento, não se verificou o emprego da


expressão em momento anterior a este, o que conduziu o segundo e último
recorte metodológico da pesquisa em andamento: o temporal. Estabeleceu-se
que a pesquisa seria realizada a partir do ano de 1920, data em que se verificou
a primeira menção à educação eugênica nas fontes primárias em análise e teria
35 Art. 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: [...] b) estimular
a educação eugênica; [...]. BRASIL, Constituição. Constituição dos Estados Unidos do Brasil-16 de julho de 1934.
Brasília, DF: Fundação Projeto Rondom–Minter, 1986.
36 AMBULATORIO RIDAVIA Correia. O paiz. Rio de Janeiro, ano XXXVI, n. 13.031, p.3,14 de junho de 1920.

410
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

seu término no ano de 1934, ano em que foi promulgada a Constituição dos
Estados Unidos do Brasil que positivou a teoria da eugenia em seu texto.

Em visita ao acervo da antiga Colônia de Alienados de Engenho de Dentro,


atualmente conhecido como Instituto Municipal Nise da Silveira,37 a biblioteca
autorizou a livre consulta aos documentos administrativos da instituição na data
solicitada. Encontrou-se livros que retratavam parte da rotina da Colônia de
Alienados, com pesquisas, artigos, fluxo financeiro, dados numéricos acerca das
entradas, saídas e procedimentos cirúrgicos que os pacientes eram submetidos.

Com base nestas três fontes primárias [Anais da Assembleia Constituinte


de 1933-1934, jornais em circulação no Rio de Janeiro e Anais da Colônia de Enge-
nho de Dentro] a perquirição da trajetória da eugenia no Brasil até sua recepção
no texto constitucional de 1934 encetou-se, cujo deslinde foi trazendo à tona
novas fontes primárias que contribuíram para a realização da pesquisa planeada.

Assim, um dos objetivos deste trabalho é demonstrar o caminho per-


corrido pela recepção e apropriação desta teoria no cenário nacional, a qual se
viu entrecortada pela transição entre o regime político monárquico transcorrido
e o início do republicanismo, uma fase em que os discursos científicos exerciam
e sofriam influência recíproca na edificação das estruturas políticas. Mais que
isso, apontar que o termo elaborado por Galton não é estanque e adquiriu um
significado próprio no Brasil, mediante a análise de periódicos, dicionários, livros
e arquivos médicos.

A pesquisa delineou-se em momentos distintos, porém em seu conjunto


ilustram uma das possíveis facetas do caminho percorrido pela teoria da eugenia
no Brasil, tal como pode-se apontar os debates promovidos pelo jornal o “O
Globo”, que tratam sobre a inclusão ou não de legislações elaboradas com base
em ideais eugênicos, ou, ainda, dos arquivos produzidos pela liga dos psiquiatras,
que cintilam alguns dos aspectos do movimento da teoria da eugenia em meio
a sociedade brasileira.

Sabendo que “[...] não há aproximação a um objeto do saber sem o uso


de um instrumental teórico-metodológico [..]”38, esclarece-se que, para viabilizar
a execução deste trabalho, adotou-se como norte teórico a lição de Reinhart
Koselleck acerca da história dos conceitos. Partindo da premissa que a história do

37 O objetivo da visita ao hospital psiquiátrico era consultar a ficha de pacientes internados no local dos anos
estabelecidos no recorte temporal da pesquisa em andamento [1920-1934]. Entretanto, de acordo com as regras
do Ministério da Saúde, estão disponíveis para consulta apenas as fichas dos pacientes cuja data da internação
ocorreu há 100 [cem] anos, ou seja, a data limite ao momento da consulta seriam as fichas de 1916, o que
não atenderia aos propósitos do estudo.
38 FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à História do Direito. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2012. p. 26-27.

411
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

direito é local, a busca pela contextualização dos argumentos em disputa esteve


presente em todo o percurso de edificação deste trabalho.

A contribuição da metodologia proposta por Koselleck é fundamental para


a formação de juristas, uma vez que propõe que produções endógenas do corpo
social se constituem em fonte que complexificam a história do direito. Além disso,
tal método auxiliou na tarefa de mapear as singularidades das formas discursivas
que compuseram o tema em tela, demonstrando, ao final, se o conceito de eu-
genia é ou não um conceito de movimento histórico, ou seja, um conceito que
permite transparecer a percepção da aceleração do tempo histórico, fenômeno
conhecido como temporalização, vislumbrado por Koselleck.

Nesse caminho, paralelamente ao entendimento que o tempo histórico


é único39, depreende-se que a história é objeto de luta política e disputa, sendo
que o entendimento contextualizado proposto por este historiador alemão não
se presta ao simples deslinde da apreensâo semântica, mas se volta à equiparação
de uma teoria da história, em que se insurge reflexão hermenêutica dos sujeitos
históricos com vistas à compreensão da própria existência.40Na imersão na diver-
sidade de fontes que não estão no centro da história, como jornais e arquivos
institucionais, em uma tentativa de apreender a multiplicidade de motivos que
conduzem a determinadas ocorrências, se depreendem vestígios de uma história
que muitas vezes estão esquecidos.

O que ao final foi consagrado explicitamente em apenas um único dis-


positivo, foi resultado de um prolixo processo. As concepções eugênicas foram
amplamente instrumentalizadas em meio aos debates sobre imigração, educação
sexual, obrigatoriedade de exame médico pré-nupcial, saúde, higiene, combate às
doenças venéreas, preservação da família. O teor do que tange à implementação
destas medidas é diverso, mas o que parece uníssono é o desejo pela homoge-
neização e aprimoramento da raça nacional, mediante o aperfeiçoamento tanto
hereditário – tendo como exemplo a proibição de miscigenação daqueles con-
siderados geneticamente superiores – quanto à educação e higiene.

Um dos resultados alcançados foi a demonstração de que não foi apenas


o estímulo à educação eugênica que foi resultado da apropriação política da
teoria galtoniana, ocasião em que se pontuou outros artigos que sofreram influ-
ência desta concepção e que ao final foram corporificados em meio ao texto da
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934, tarefa que se realizou com
auxílio da inteligência de Pontes de Miranda e Pedro Calmon. O último ponto
da pesquisa pautou-se em um estudo sobre o fenômeno da temporalização
proposto por Koselleck e sua possível aplicação ao conceito da eugenia no Brasil.

39 Ibid.,p. 14.
40 Id.

412
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

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clássica editora. 1913.
Observação: Tendo em vista que o trabalho foi feito com extensa pesquisa em
fontes primárias, apenas algumas foram elencadas nas referências bibliográficas.

413
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

HISTÓRIA, POLÍTICA E DIREITO


EM TORNO DE DECISÕES JUDICIAIS

LEONARDO SEIICHI SASADA SATO


Doutorando em Ciência Política – IESP-UERJ
E-mail: lsaaato@yahoo.com.br

Eixo Temático: História Constitucional

Palavras-chaves: História do STF; Primeira República; história do direito

O presente trabalho constitui um passo para a propositura da história


política do Direito enquanto método para a compreensão de decisões judiciais em
cortes superiores, em especial no Supremo Tribunal Federal. Acredita-se que deci-
sões constitucionais possam ser melhor compreendidas através da história política
do Direito, abordagem capaz de conferir inteligibilidade a decisões colegiadas em
instância superior, mormente em casos de alta controvérsia. É proposto um caso
específico, o habeas corpus nº 3548 julgado pelo STF no ano de 1914, referente
à intervenção federal no Ceará e às decretações de estado de sítio no Distrito
Federal, Niterói e Petrópolis. As peculiaridades do caso estão justamente em a
decisão ter destoado de outras sobre os mesmos eventos, e não obstante isso ter
alcançado um lugar nos precedentes citados à época, como se ilustrativo fosse.

O governador do Ceará, Marcos Franco Rabello, eleito em 1912, solicitou


em 1913 uma intervenção federal ao presidente Hermes da Fonseca, que em
princípio anegou nos termos da requisição. Entretanto, enviou em novembro de
1913 a missão Torres Homem, que fracassou. O Ceará se tornou palco de guerra
civil pela sublevação de sertanejos e bandidos capitaneados por Cícero Romão
Baptista, por parte de quem se editou decreto pela então formada Assembleia
de Juazeiro, derrubando o governador e os deputados estaduais eleitos e nome-
ando Floro Bartholomeu da Costa como presidente do estado e da Assembleia
Legislativa. Os próprios governador e deputados requereram um habeas corpus,
o de nº 3513, impetrado pelo senador Irineu de Mello Machado.

A intervenção federal veio a ser realizada em desfavor do governador


eleito. O coronel Setembrino de Carvalho proibiu a importação de armas para
as forças estaduais, chegou a desarmá-las, e lhes proibiu o trânsito pelas estradas

415
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

de ferro da União. Ao invés de a intervenção federal se voltar contra os revolto-


sos, as tropas federais sitiaram a cidade de Fortaleza ao mesmo tempo em que
permitiam as comunicações telegráficas ao governo instalado em Juazeiro, e só
após essas medidas é que foi assinado o decreto de intervenção pelo presidente
da República.

Vários HC foram impetrados no STF, onde as discussões versaram se os


eleitos estavam devidamente diplomados, se a Corte seria competente para julgar
o ato de recusa de intervenção federal pelo presidente, se a conveniência do ato
administrativo poderia ser julgado como inconstitucional, enfim, retomavam os
tópicos das discussões sobre a doutrina das questões políticas: em sendo política
a questão, poderia intervir o Judiciário?

Os ministros divergiam, mas a resultante das opiniões se dirigia para


o equilíbrio conservador do regime. A retórica ultrafederalista que marcou a
Constituinte de 1890-1891 em questões como Judiciário, Direito, finanças, terras
e mesmo organização política, era complementada por instrumentos autoritários
e discricionários para garantir o funcionamento do regime. Não importassem as
mazelas ou o quão lamentáveis as consequências, indiscutível era o direito de
intervir. Intervenção federal e estado de sítio, instrumentos excepcionais que eram,
tornavam-se mecanismos regulares de estabilização do regime.

Assim, o HC 3513 veio a ser negado pelo STF. A ordem foi dada em
outro caso, o HC 3513A, em que um deputado estadual da Bahia foi preso no
Distrito Federal por força do estado de sítio. O HC 3527 resultou na declaração
de incompetência do STF para conferir a ordem, embora sob os protestos do
ministro Pedro Lessa contra o relator Amaro Cavalcanti. O HC 3528, motivado
pela prisão de Leonidas Rezende, diretor do jornal O Imparcial, foi também ne-
gado. O relator, ministro Pedro Lessa, era o único que concedia a ordem, fazendo
registrar que a negaria entretanto se o estado de sítio fosse constitucional. O
HC 3536 era impetrado por Rui Barbosa em seu próprio favor, para garantir a
publicação de seus discursos parlamentares no jornal O Imparcial, o que fora
proibido pelo Chefe de Polícia por ter sido o estado de sítio estendido por 6
meses, até 30.10.1914. A ordem foi concedida, sob os protestos de Godofredo
Xavier da Cunha pelo respeito à separação e independência de poderes. Já no
HC 3539 foi negada a ordem pedida por Rui Barbosa para todos os profissionais
jornalísticos de O Imparcial, Correio da Manhã, A Época, A Noite e A Careta. No
RHC 3542 o juiz federal de primeira instância concedera uma ordem a deputado
estadual do Ceará, mas a decisão foi reformada pelo STF. O mesmo paciente, o
1º tenente do Exército Augusto Corrêa Lima, impetrou novos habeas corpus:
o 3545 sequer foi conhecido, e o 3548 foi concedido mediante o cômputo do
voto de minerva pelo presidente Hermínio do Espírito Santo.

416
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Este HC 3548 foi distribuído para a relatoria do ministro André Cavalcanti,


que negava a ordem, opinião que seguiam Coelho e Campos, Godofredo Cunha,
Canuto Saraiva e Manoel Murtinho. Colocavam-se pelo deferimento Sebastião
de Lacerda, Pedro Lessa, Guimarães Natal e Oliveira Ribeiro. Naquela sessão de
23.05.1914 estavam ausentes Amaro Cavalcanti, Enéas Galvão e Pedro Mibielli. À
vista do risco de ser concedida a ordem, em meio à sessão o procurador-geral da
República Muniz Barreto retomou a palavra, para salientar o risco em se deferir
o habeas corpus em uma maioria ocasional. A ordem foi, enfim, deferida. Uma
vez que os acórdãos eram redigidos após as votações e restava vencido André
Cavalcanti, o relator para o acórdão foi o ministro Pedro Lessa, que aproveitou
para fazer registrar todas as suas concepções.

Mesmo que pontual essa vitória da doutrina de Pedro Lessa, os usos


foram profícuos. Não surpreende que o parecer da Comissão de Justiça sobre a
intervenção federal no Ceará tenha sido aprovado na Câmara dos Deputados. O
presidente da comissão era Cunha Machado e o relator, Felisbelo Freire, sendo que
ambos pediam o arquivamento da mensagem presidencial de 30.05.1914. Mesmo
que o Congresso estivesse em recesso quando da decretação da intervenção
federal, o parecer considerava que por “governo federal” a Constituição não se
referia ao Congresso, mas ao responsável pela natureza da intervenção: o chefe
do Executivo. Havia quem discordasse. A mensagem presidencial fazia referência
ao inciso 2 do art. 6º, que permitia a intervenção federal para manter a forma
republicana federativa. Seria uma das poucas hipóteses em que era inafastável a
competência do Congresso. Os deputados Mello Franco, Arnolpho Azevedo e
Pedro Moacyr registraram os votos divergentes ao parecer da Câmara. Traziam
exatamente o acórdão do HC 3548 como o julgado mais sólido, mais avançado
e mais bem fundamentado do STF.

A despeito de ter fugido à regra comum, o caso representou o que era


o uso político dos julgados do STF. Essas percepções dependem de uma minú-
cia que só a análise atenta sobre a fonte histórica, tratada como tal, é capaz de
captar. A abordagem estritamente jurídica possui uma limitação que consiste em
pretender conferir uma coerência conceitual abstrata perante critérios como a
legalidade, precedentes, normas processuais, ou qualquer outro critério que agrade
ao analista. Entretanto, a análise compreensiva sobre esses casos não pode se dar
de forma abstrata. Não há onisciência prévia que faça um oráculo decidir pela
conclusão mais coerente – que aliás comumente é a de quem a defende. Não
se pode esperar que dos fatos se conclua o único Direito aplicável. A coerência
é um esforço de construção, que faz mais sentido se elaborado mesmo após a
tomada de decisão. É o que ocorria. Dado que nestes casos era provocado o
voluntarismo do julgador, não é suficiente a abordagem estritamente jurídica. Não
se quer dizer aqui que seja esta dispensável, apenas que não pode ser a única.

417
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

Também não parece cabível a restrição a técnicas da Ciência Política que


se limitam a tabular dados de forma esquemática. O afastamento da teoria dei-
xou a falsa impressão de que as técnicas quantitativas tudo poderiam responder,
formando um falso dilema que leva a falsas conclusões, avançando em termos
de contextualização mas sob os vícios de outras abordagens. Também a História
pouco tem fornecido aparatos para explicar uma decisão judicial, transversada que
está pela abordagem social. Há grandes avanços em termos de contextualização,
mas contexto não se confunde com explicação. Assim como o Direito enfoca
na abordagem abstrata, a História incorre no risco de se ater a contextualizar o
objeto sem explicá-lo.

A explicação depende fortemente do ponto de vista de quem se sente


satisfeito com a formulação atingida. Assim, não é suficiente a restrição a uma
área do saber, sendo necessário conjugar pontos de vista, talvez na forma de
uma história política do direito. Nestes termos é que se propõem reflexões para
o desenvolvimento deste trabalho.

418
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CONSTITUCIONALISMO E AUTORITARISMO
NO BRASIL: O ETERNO RETORNO

JOÃO PAULO ALLAIN TEIXEIRA


Universidade Católica de Pernambuco, Universidade Federal de Pernambuco
E-mail: jpallain@hotmail.com

Eixo Temático: História Constitucional.

Palavras-Chave: História Constitucional Brasileira, Autoritarismo, Ruptura


Democrática

Introdução

A experiência constitucional brasileira é marcada pela instabilidade demo-


crática e rupturas institucionais que se manifestam ciclicamente. A proposta do
presente trabalho consiste em retomar o discurso autoritário brasileiro a partir da
configuração do Estado Novo tentando identificar as narrativas que dão sustenta-
ção às permanentes ameaças à democracia brasileira. Para viabilizar este objetivo,
pretendemos trabalhar com o pensamento de Oliveira Vianna, pela força que
adquiriu no debate político-institucional brasileiro da década de 1930. Esta parece
ser uma investigação necessária, já que a história constitucional brasileira revela
um movimento pendular alternando momentos de autoritarismo e momentos
de democracia (Neves, 1994 a).

Metodologia

A opção por Oliveira Vianna pode ser justificada pela permanência de


suas ideias na formatação da institucionalidade brasileira. Em seus escritos, Vianna
considerava a opinião publica brasileira fragmentada e amorfa, assim como o
pensamento político dominante no brasi, sempre influenciado por modelos estran-
geiros, não contribuía para o adequado funcionamento das instituições nacionais.
Tomamos como referência o livro “O Idealismo da Constituiçao” a partir do qual
Vianna denunciava o “Idealismo Utópico” da elite pólitica nacional, reivindicando
o necessário estabelecimento de um “Idealismo Orgânico”. Em sua proposta,
qualquer idealismo só se justificaria entre nós caso fosse ele capaz de identificar
as peculiaridades nacionais, essencialmente diferentes daquelas existentes em pa-

419
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

íses estrangeiros, e por isso mercedor de desenvolvimento específico. Contudo, a


pretexto da construção de uma identidade política nacional, a solução defendida
por Vianna passava pela defesa de um Estado Forte. Não por acaso tornou-se
um dos principais ideólogos do Estado Novo. Destaca-se no pensamento de
Oliveira Vianna, a defesa do modelo corporativista quanto à organização laboral,
agrupando patrões e empregados em uma mesma categoria profissional e com
isso eliminando o discurso em torno da “luta de classes”.

Em certa medida, as teses de Vianna tiveram grande aceitação política


em momentos críticos do constitucionalismo brasileiro, como reconhece José
Honório Rodrigues, ao atribuir a Oliveira Vianna a “responsabilidade intelectual”
pelos movimentos de 1937, 1964 e os governos militares subseqüentes41. Vianna
encontrava assim no autoritarismo a solução mais adequada para o preenchi-
mento das “lacunas” institucionais brasileiras. Seria tarefa do Estado preencher
estes espaços vazios, proporcionando um clima de normatividade constitucional.
O discurso de Oliveira Vianna atende exatamente ao propósito de legitimação
do autoritarismo no Brasil.

Resultados esperados

Este trabalho pretende assim, evidenciar os vínculos que de certo modo


identificam o autoritarismo brasileiro, relacionando as rupturas democráticas mais
recentes (2016) com a disseminação de formas de pensamento que estão presentes
em nossa cultura constitucional há muitas décadas.

41 O autor da “História da História do Brasil” escreve a respeito de Vianna : a “sua historiografia - que tem
hoje novos e afamados cultores... – pretende usar o passado para orientação política do presente. Foi isso
que fez Oliveira Vianna e com um êxito inigualado no Brasil. Ele é o responsável intelectual pelo movimento
estado-novista de 1937, de inspiração nazifascista, e pela contra-revolução de 1964, generalismo presidencial de
caráter autoritário e repressivo.” Rodrigues, 1985:03. Em outra passagem, com a sua maneira peculiar de atribuir
adjetivações, trata de vincular expressamente a doutrina de Vianna à linha de pensamento político em que
figuram Francisco de Campos e Golbery do Couto e Silva. É “...Oliveira Vianna o maior ultra-conservador político
que o Brasil produziu em todos os tempos e, ainda que se considere Francisco Campos e Santiago Dantas, este
na sua fase integralista, nenhum deles sequer se aproxima da consciência social e política de Oliveira Vianna,
pai espiritual de tudo o que nasce daí em diante de mais reacionário, como 1930, com seu autoritarismo,
desapreço pela legalidade democrática e garantias individuais (1937), com Francisco Campos e seu Estado
Novo, construindo, representando o grande retrocesso político brasileiro e, finalmente, o modelo máximo, o
exemplo perfeito, que vários militares, principalmente Golbery do Couto e Silva, seguem, e convencem a que
sigam seus companheiros de armas, o de um regime militar, ilegítimo, abusivo...que resultou na sua execução
por vinte nefastos anos. Rodrigues, 1985:08. Também no sentido de destacar a relevância intelectual de Vianna,
salientamos Vasconcelos Torres lembrando que “Muitas das suas idéias, posteriormente, tiveram aceitação e
foram incluídas nas Constituições de 1934, 1937 e 1946”. Torres, 1956:146.

420
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências bibliográficas
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RODRIGUES, José Honório (1985). A metafísica do Latifúndio: O Ultra-reacionário
Oliveira Vianna – A História da História do Brasil.Volume II tomo 2. São Paulo:
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Freitas Bastos S.A.
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421
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ANTILIBERALISMO E FEDERALISMO FISCAL:


ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE PELOTAS-RS
NOS PRIMÓRDIOS DA PRIMEIRA REPÚBLICA

MAURO FRANCISCO BUSS FILHO


Mestrando em Direitos Sociais – Universidade Federal de Pelotas – UFPel
E-mail: maurobuss.filho@gmail.com

MARIA DAS GRAÇAS PINTO DE BRITTO


Professora Doutora do Programa de Mestrado em Direitos Sociais da Universidade Federal de Pelotas- UFPel;
Professora de História das Instituições Jurídicas da UFPel
E-mail: graziapb@hotmail.com

Eixo Temático: História Constitucional.

Palavras-chave: Antiliberalismo; Federalismo Fiscal; Constituição do Rio


Grande do Sul de 1891

Introdução

Este texto apresenta resultados parciais de uma pesquisa em andamento


realizada no Mestrado em Direitos Sociais do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal de Pelotas-RS. O presenta estudo visa investigar
como se deu o impacto socioeconômico e orçamentário provocado pelo Ciclo
Constitucional Antiliberal em Pelotas, Rio Grande do Sul, que teve como marco
a promulgação da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul no ano de
1891. No mesmo ano, com a promulgação da Constituição Federal, os Estados
se fortaleceram supreendentemente, tanto no que diz respeito à União Federal,
quanto aos Municípios. Uma faceta desse fortalecimento dos Estados-Membros se
deu no que diz respeito à matéria tributária, que se consubstanciou no fenômeno
jurídico denominado Federalismo Fiscal.

Metodologia

No que diz respeito à metodologia, este trabalho está sendo realizado de


forma qualitativa, através de pesquisa bibliográfica e documental, privilegiando o
aspecto descritivo e análise crítica. Entre as fontes documentais encontradas até o

423
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

presente momento, destacam-se os Boletins Estatísticos dos anos de 1891, 1897 e


1910-1911. Contudo, será feita a busca e a análise de outras fontes documentais
nos acervos do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul e da Assembleia
Legislativa do Estado, ambos localizados em Porto Alegre, que poderão esclarecer
melhor a situação do Estado do Rio Grande do Sul.

Com o fito de elucidação e aprofundamento dos conceitos vetores da


pesquisa no que concerne ao Ciclo Constitucional Antiliberal, serão analisados au-
tores como Rogério Dultra dos Santos (2007), Cristina Buarque de Hollanda (2016)
e Eliaz Diaz (2010). Quanto ao conceito de Federalismo Fiscal, serão consultados
autores como Maria Leitão de Carvalho (1995) e Fabrício de Oliveira (1979),
passando preliminarmente pelo próprio conceito de Federalismo desenvolvido por
autores como Rosah Russomano (1965) e João Camillo de Oliveira Torres (1958).
Para a contextualização histórica e socioeconômica do Município de Pelotas
no ano de 1891 será utilizada bibliografia pertinente com autores como Michel
Hallal dos Anjos (2000), Beatriz Loner (1999), Leonardo Monasterio (2008), Mário
Osório Magalhães (1993) e Gunther Axt (2009). Igualmente, para a compreensão
da mudança de regime serão consultados autores como Emilia Viotti (1999).

Resultados da pesquisa (parciais)

No âmbito local, o Centro de Documentação e Obras Valiosas (CEDOV)


da Biblioteca Pública Municipal de Pelotas dispunha apenas de três Boletins Esta-
tísticos dos anos de 1891, 1897 e 1910-1911, havendo lacunas dos períodos entre
estes três relatórios, portanto. Primeiramente, o Boletim de 1891 faz remissão ao
momento de instabilidade da mudança de regime, sendo o ano de promulgação
de ambas as Constituições Federal e Estadual. Destaque-se que em apenas dois
anos (1889-1890) o Rio Grande do Sul teve dezoito governantes. Neste documento
destacam-se informações orçamentárias de um gradual crescimento de Despesa
Pública ocasionado pela estruturação da máquina administrativa, visando melhor
gerir a célula municipal e aumentar a sua eficiência. Passando-se à análise do bo-
letim de 1897, lavrado após a Revolução Federalista (1893-1895), há um enfoque
sobre a industrialização de Pelotas, havendo, pois, a coexistência com as profissões
antigas, ainda com notável projeção, tendo em vista a quantidade expressiva
de estabelecimentos em que eram exercidas. Além do mais, pelas estatísticas, o
município contava com um sistema de grande suficiência de insumos que eram
basicamente consumidos pela indústria e comércio local, com pouco movimento
de exportação-importação, fato este que pode ter sido ocasionado pela estagnação
causada pela Guerra Civil recente. Por último, o Boletim de 1910-1911, aborda
tópicos que ainda não haviam sido contemplados, como um levantamento das
instituições de Ensino, sendo 143 para o município de Pelotas, dentre estas 25
públicas, o que se coadunaria com a proposta do Positivismo Castilhista de investir
na Educação para fim de capacitar os cidadãos, implantando a racionalidade no

424
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

corpo social, sendo esta a inversão social financeira do orçamento castilhista. Neste
período, constatou-se que algumas profissões já começavam a entrar em declínio
ao passo que a industrialização tomava um contorno muito mais acentuado.
Lamentavelmente, não há menção de levantamento de exportação-importação
e também de receita e despesa no boletim deste ano.

No que tange à bibliografia consultada até o presente momento, consta-


tou-se no caso da Constituição Gaúcha, uma tendência Antiliberal, correlacionável
com o fenômeno fascista, o qual costumeiramente promove uma polarização de
poder no Executivo, comprometendo a separação dos poderes. É importante
fazer uma ressalva de que o contexto de instabilidade gerado pela mudança de
regime político, o temor do retorno da monarquia, a grave dissensão ideológica
na sociedade gaúcha, a crise financeira do Estado e em breve a Guerra Civil
seriam argumentos da retórica fascista do Partido Republicano Rio-Grandense
para legitimar excessos, como perseguições políticas e a usurpação de direitos,
sendo, na ótica castilhista, a sola ou ultima ratio para a consolidação da República.

Conclusão

O cruzamento dos dados dos boletins referidos e a bibliografia utilizada


poderão levar à conclusão de que a Guerra Civil (1893-1895) não esmoreceu o
foco dos investimentos em Educação e o desenvolvimento econômico não foi
severamente afetado como se esperava, como se permitiu deduzir pela verificação
dos boletins de 1897 e 1910-1911.

A hipótese mais provável em relação à atuação do município seria a


sua instrumentalidade para a realização da política centralizadora do Estado do
Rio Grande do Sul, concretizando o Município como mera longa manus. Por
conseguinte, houve perda da autonomia municipal, reiterando a hipertrofia do
Estado em relação ao Município que, por via de consequência, perde expressão
político e poder financeiro.

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d=S0011-52582016000300903&lng=en&nrm=iso&tlng=pt> Acesso em: 1º de mar.
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LONER, Beatriz Ana. Classe Operária: Mobilização e Organização em Pelotas: 1888-
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MAGALHÃES, Mário Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas (1860-1890). Pelotas: Editora
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MONASTERIO, Leonardo Monteiro. As Condições de Vida dos Gaúchos entre
1889-1920: Uma Análise Antropométrica Revista ANPEC, Brasília, v. 9, p. 111-116,
2008.
OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Aspectos históricos do federalismo fiscal brasileiro.
Fundação JP: análise e conjuntura, Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, vol. 9,
n.10, p.745-755, 1979.
OSÓRIO, Joaquim Luís. Constituição Política do Estado do Rio Grande do Sul: co-
mentário. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981.
RUSSOMANO, Rosah. O Princípio do federalismo na Constituição Brasileira. 1ª Ed.
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SANTOS, Rogerio Dultra dos. Francisco Campos e os fundamentos do cons-
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Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0011-52582007000200003> Acesso em 2 mar. 2017.
TORRES, João Camillo de Oliveira. A formação do federalismo no Brasil. 1ª Ed.,
São Paulo: Nacional, 1958.

426
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O RÁDIO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1937:


UM INSTRUMENTO DE PODER
A SERVIÇO DO ESTADO NOVO

JOANIR FERNANDO RIGO


Universidade de Brasília (UnB)
E-mail: rigojoanirfernando@gmail.com

PATRÍCIA SOSTER BORTOLOTTO


Universidade de Brasília (UnB)
E-mail: patricia.soster@gmail.com

Eixo temático: História constitucional

Palavras-chave: Rádio; Estado Novo; DIP

Introdução:

A revolução de 1930 lançou Getúlio Vargas à chefia do poder


executivo no Brasil. Mais do que isso, modificou os rumos do desenvolvi-
mento nacional. Getúlio Vargas implementou no país, ao mesmo tempo
em que buscava centralizar o poder em torno da União Federal, um nível
de modernização desconhecido até então.

A legislação nacional passou também por tal modernização, vindo o


direito administrativo a ser reestruturado, consolidando-se a própria profis-
sionalização da administração pública42. A política introduzida por Getúlio
foi a de expansão e independência econômica (via mercado interno), ao
mesmo tempo em que nacionalizava setores estratégicos importantes - tais
como o subsolo, as minas, o petróleo, as águas, etc43. Foram criados, du-

42 BERCOVICI, Gilberto. “O direito constitucional passa, o direito administrativo permanece”: A persistência da


estrutura administrativa de 1967. In: TELES, Edson; SAFATLE: Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção
brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 79. Ver também: LAUERHASS JR., Ludwig. GETÚLIO VARGAS e o Triunfo
do Nacionalismo Brasileiro. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 1986. p. 144.
43 BERCOVICI, Gilberto. Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
p. 90.

427
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

rante o Governo Provisório, o Código de Minas, Código de Águas, Código


Eleitoral, implementando o chamado de “capitalismo desenvolvimentista44”.

A radiodifusão, com destaque maior ao rádio, mereceu atenção de


Getúlio Vargas. Houve também a modernização do setor por meio da
nova legislação - com os Decretos nº 20.047/31, 21.111/32 e 24.655/34. Em
1934, a matéria foi consagrada como serviço público pela Constituição45.

A legislação aprimorada por Getúlio indicava que o rádio viria


a ter um papel muito importante para o Governo: poderia servir
como meio para aprimorar a centralização do poder na União Federal.
Cabe lembrar que na época a União precisava se afirmar enquanto
ente, disputando o poder com as oligarquias locais46. A comunicação
com o interior do país era dificultada pela dimensão territorial do
Brasil, pela baixa qualidade dos meios de comunicação e da malha
rodoviária existente. Assim, rádio poderia levar a comunicação e a
voz do governo federal mais longe. Poderia fazer com que Getúlio
fosse ouvido e, dessa forma, permitir que o projeto centralizador se
concretizasse.
Os decretos mencionados acima indicavam, desde o início, que
haveria: i) o controle da informação; ii) o controle sobre quem viria a
deter as concessões para poder informar a população; e iii) um programa
obrigatório contendo as notícias do Governo Federal (Hora do Brasil).

A aplicação de tais ideias teve início no Governo Provisório e teria


se expandido a partir de 1937, durante o Estado Novo. Nesse cenário, o
rádio cumpriu importante papel como instrumento de afirmação e ma-
nutenção do poder central.

O controle da imprensa no Brasil não era novidade, a despeito de


já existir no país um discurso consolidado sobre a liberdade de imprensa
(por exemplo, em Ruy, muito influenciado nesse ponto por John Stuart
Mill). Havia agora, no entanto, a novidade de que este controle passava a
ser feito em um novo meio, com características técnicas capazes de gerar
um impacto político diverso daquele da imprensa escrita.

44 DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da


industrialização no Brasil 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
45 BERCOVICI, Gilberto. Direito Econômico Aplicado: Estudos e Pareceres. São Paulo: Editora Contracorrente,
2016. p. 264.
46 Sobre o tema: HOCCHEIM, Bruno Arthur. Federalismo, Centralização e Intervenção Estatal: Os debates da
Comissão do Itamaraty (1932-1933). 2017. 342 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação
em Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.

428
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Com o Estado Novo, Getúlio oficializou a institucionalização do


controle da informação à serviço do governo já existente. Isso se ampliou
com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), pelo
Decreto-lei nº 1.949 de 1939, refuncionalizando e ampliando poderes de
órgãos já existentes na esfera administrativa.

Por intermédio do DIP, o governo pôde atuar de formas distintas para


controlar a opinião pública: ao mesmo tempo em que buscava “embutir”
no público um sentimento nacionalista, publicando e distribuindo material
com essa temática, promovia a censura à imprensa. Para se alcançar tais
finalidades, o cinema e o rádio foram mecanismos importantes nas mãos
do governo, sobretudo por meio do rádio e de programas como “Hora
do Brasil47”, destinada a levar informação e propaganda do governo48.

A atuação do DIP, na opinião de Nelson Sodré, seguia o modelo


nazista49 - o que não surpreende, considerado o caráter central da propa-
ganda para os regimes ditatoriais nas sociedades de massas50.

A própria fundamentação jurídica de criação do DIP poderia ser


abordada. Foi realizada por meio de decreto presidencial, fundamentado na
competência prevista no art. 180 da Constituição de 1937 – outorgada por
Vargas. Tal dispositivo era constante dos Disposições Transitórias e Finais da
Constituição de 37, em elaborada engenharia do redator Francisco Campos
– que Loewenstein chega a caracterizar como um quebra-cabeça jurídico51.
Até a realização do plebiscito pelo Presidente, o Congresso Nacional ficaria
fechado, tendo o Presidente competência para legislar em matérias da
União. A partir desses dispositivos finais, Vargas fundamentou a expedição
de decretos-lei, e, posteriormente, até de emendas constitucionais52.

Temos, portanto, um setor destinado à censura e propaganda oficial


do governo autoritário, fundamentado em uma Constituição que abria
espaço para o primado do Executivo.

Metodologia

Para estudar o rádio como um mecanismo a serviço dos propósitos do


Estado Novo, analisaremos a criação e proposta de atuação do DIP no âmbito
da radiodifusão. Dentre as fontes de pesquisa, será utilizado o material proveniente
47 A “Voz do Brasil” nos dias de hoje.
48 LAUERHASS JR., op. cit., 1986, p. 149.
49 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
50 Sobre o tema: ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
51 LOEWENSTEIN, Karl. Brazil under Vargas. New York: The Macmillan Company, 1942. p. 47
52 LOEWENSTEIN, op. cit., 1942, p. 90.

429
CARDENO DE RESUMOS – História Constitucional

do próprio DIP - como as edições da revista Cultura Política, criada em 1941,


na seção sobre rádio. Não se descarta a realização de pesquisa no arquivo do
Supremo Tribunal Federal. Além disso, a partir do estudo de obras de adminis-
trativistas da época, como Themístocles Cavalcanti, a pesquisa poderá revelar o
posicionamento de tais autores sobre o tema.

Resultados/Conclusão

Como se trata de pesquisa em andamento, no momento temos resulta-


dos parciais. Da análise da legislação específica, bem como de sua relação com
a Constituição do referido período autoritário, concluímos que a regulação do
rádio e a criação do DIP serviram como instrumentos de manutenção do poder
central no Estado Novo.

A atuação do órgão pode ter auxiliado na formação de uma opinião


pública favorável ao regime autoritário, diminuindo a resistência da imprensa da
época. O rádio cumpria a função de ligar o poder central aos diversos espaços
do país, contribuindo para a unidade nacional.

Sabemos, contudo, que o regime sofreu, por vezes, resistência de setores


da imprensa – como no caso do jornal Estado de São Paulo -, os quais passaram
a ser acompanhados por representantes do poder central. O posicionamento do
judiciário e de alguns juristas do período, contudo, ainda traz dúvidas e inquieta-
ções - as quais pretendemos responder com a presente pesquisa.

Referências Bibliográficas Preliminares:


ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2012.
BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de instituição da democracia de massas no Brasil:
instabilidade constitucional e direitos sociais na Era Vargas (1930-1964). In: FON-
SECA, Ricardo M.; SEELAENDER, Airton L. C. L. (Orgs.). História do Direito em
Perspectiva: Do Antigo Regime à Modernidade. Curitiba: Juruá, 2009, pp. 375-414.
___. Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais. São Paulo: Quartier
Latin, 2011.
___. “O direito constitucional passa, o direito administrativo permanece”: A per-
sistência da estrutura administrativa de 1967. In: TELES, Edson; SAFATLE: Vladimir
(Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010.
___. Direito Econômico Aplicado: Estudos e Pareceres. São Paulo: Editora Contra-
corrente, 2016.
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Instituições de Direito Administrativo Bra-
sileiro. 2a Edição. Volume 2. Livraria Editora Freitas Bastos – Rio de Janeiro, 1938.
CULTURA POLÍTICA. Revista mensal de estudos brasileiros. Rio de Janeiro. 1941-
1945.

430
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Es-


tado e as alternativas da industrialização no Brasil 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2004.
HOCCHEIM, Bruno Arthur. Federalismo, Centralização e Intervenção Estatal: Os
debates da Comissão do Itamaraty (1932-1933). 2017. 342 f. Dissertação (Mestra-
do) - Curso de Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade de Brasília,
Brasília, 2017.
LAUERHASS JR., Ludwig. GETÚLIO VARGAS e o Triunfo do Nacionalismo Brasileiro.
São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 1986.
LOEWENSTEIN, Karl. Brazil under Vargas. New York: The Macmillan Company, 1942.
MILL, John Stuart, 1806-1873. Sobre a Liberdade. Tradução Pedro Madeira. - [Ed.
especial]. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad,
1999.
TOCQUEVILLE, de Alexis. 1805-1859. A Democracia na América. Ed. Itatiaia, São
Paulo, 1987.

431
RESUMOS

HISTÓRIA, GÊNERO E DIREITO:


RUPTURAS E PERMANÊNCIAS
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

LUGAR DAS MULHERES NEGRAS NO PERÍODO


PÓS-ABOLIÇÃO E SUA DIMENSÃO JURÍDICA:
UM OLHAR DE GÊNERO E RAÇA PARA A CULTURA
JURÍDICA BRASILEIRA

KAROLYNE MENDES MENDONÇA MOREIRA


Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR
E-mail: karolynemendesmm@gmail.com

MARIANA SILVINO PARIS


Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR
E-mail: mari.sparis@gmail.com

Eixo Temático proposto: História, gênero e direito: rupturas e perma-


nências

Palavras-chave: Gênero, Raça, Trabalho.

Introdução

“Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de


fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no
momento de um perigo”1. É essa a tarefa que se impõe à historiadora, segundo
Walter Benjamin: diante de um momento de perigo, impelida pelo compromis-
so de despertar a centelha de esperança que reside no passado, deve-se estar
convencida de que as mortas não estarão em segurança se o inimigo vencer.

Suscitada pelas reminiscências que não cansam de relampejar nos atuais


tempos de perigo2, essa pesquisa pretende investigar a condição e o lugar ocu-
1 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio
Paulo Rouanet. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 246.
2 Atualmente, sob o pretexto de aliviar encargos de empresas e cortar gastos públicos, vivenciamos a im-
posição da chamada “reforma trabalhista”. Dentre as mudanças já aprovadas na Câmara, temos o aumento da
jornada de trabalho, a redução do tempo de intervalo intrajornada, a possibilidade de que os acordos feitos
entre trabalhadores e empregadores prevaleçam sobre os direitos já garantidos pela legislação trabalhista, e
inúmeras outras medidas que prejudicam sobremaneira as trabalhadoras negras, especialmente se considerarmos
a condição de precariedade com que essas mulheres são inseridas no mercado de trabalho. É certo que em
momentos de acirramento das desigualdades econômicas os grupos de excluídos da história são ainda mais
afetados. Nessa tragédia intitulada reforma trabalhista, a mulher negra é a personagem mais atingida.

435
CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

pado pela mulher negra no período pós-abolição da escravidão, sob o prisma da


História do Direito, especificamente no que diz respeito ao trabalho exercido por
elas. Parte, portanto, da necessidade de desvelar, dentro do pensamento jurídico
e também da dimensão legislativa, os silêncios, as permanências e as opressões
subliminares ao discurso jurídico, tomando por hipótese a chancela perpetuada
pelo direito das opressões articuladas pelo gênero e pela raça dentro das práticas
sociais.

Trata-se, portanto, de um esforço para investigar o ocultamento da traba-


lhadora negra e as consequências materiais dos silêncios no discurso jurídico para
a perpetuação dessa invisibilidade, à luz das chaves fornecidas pelas categorias
de raça e gênero. Esta pesquisa pretende, ademais, interpretar como se deram
as permanências referentes ao local da mulher no período pós-abolição da es-
cravidão: a perpetuação do lugar da mulher vinculado ao trabalho doméstico e
o seu manejo pelo discurso jurídico.

Diante desses questionamentos e da necessidade de abrir caminhos para


a interpretação da construção da cultura jurídica brasileira à luz das categorias de
raça e gênero, essa pesquisa pretende se dedicar à análise do trabalho da mulher
negra no período de 1888 a 1916.

Metodologia

Esta pesquisa se insere nos esforços para desvelar os meandros da constru-


ção da cultura jurídica brasileira e a manutenção das desigualdades interpretadas
à luz das chaves fornecidas pelas categorias de gênero e raça, especificamente no
que diz respeito às relações de trabalho.

Para isso, delimitou-se o período de 1888 a 1916. A escolha pelo ínterim


imediatamente posterior à abolição foi pensada a partir das críticas esposadas por
Silvia Hunold Lara em relação às chamadas teorias de “substituição” da mão de
obra escrava pela imigrante. Segundo a autora, a historiografia sobre a “transição”
promove um ocultamento do trabalho realizado pelos trabalhadores negros e
negras, pois identifica a história do trabalho no Brasil com a história do trabalho
livre assalariado executado pelo trabalhador estrangeiro3. Ademais, privilegiou-se
o ano de 1916 como termo final porque percebemos que é a partir desse ano,
3 “Assim, a abundante historiografia sobre a “transição”, apesar de sua diversidade, efetua um procedimento
comum: pretende estabelecer uma teoria explicativa para a “passagem” do mundo da escravidão (aquele no qual
o trabalho foi realizado por seres coisificados, destituídos de tradições pelo mecanismo do tráfico, seres aniquilados
pela compulsão violenta da escravidão, para os quais só resta a fuga ou a morte) para o universo do trabalho
livre, assalariado (no qual, finalmente, poderíamos encontrar sujeitos históricos). Em sua modalidade mais radical, a
historiografia da transição postula a tese da “substituição” do escravo pelo trabalho livre; com o negro desaparecendo
da história, sendo substituído pelo imigrante europeu”. In: HUNOLD LARA, Silvia. ESCRAVIDÃO, CIDADANIA
E HISTÓRIA DO TRABALHO NO BRASIL. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de
História. ISSN 2176-2767, [S.l.], v. 16, set. 2012. ISSN 2176-2767. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/
revph/article/view/11185>.

436
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

com a promulgação do Código Civil e com a intensificação das tensões sociais e


disputas por direitos, que os estudos na seara da História do Direito do Trabalho
também se intensificaram4. Diante disso, o objetivo dessa pesquisa é justamente
investigar esse período pouco desbravado de seminal formação do trabalho livre
e analisar a hipótese de que o gérmen do ocultamento do trabalho da mulher
negra tomou fôlego nesse intervalo.

Em termos metodológicos, essa pesquisa busca, em um primeiro momento,


destacar a importância das chaves interpretativas pelo gênero e raça para a análise
dentro da História do Direito; em segundo lugar, investigar as permanências e
manutenções das desigualdades que foram perpetuadas na construção da cultu-
ra jurídica especificamente no que diz respeito ao trabalho da mulher negra; e,
enfim, interpretar as articulações entre pensamento jurídico, produção legislativa
e práticas sociais no período delimitado.

Resultados parciais e conclusão

Em fase preliminar de desenvolvimento, essa pesquisa deteve-se à análise


dos atos normativos do Poder Legislativo no período delimitado. Buscou-se, nos
atos disponíveis no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, qualquer men-
ção a trabalho, prestação de serviço, locação de serviço, conceitos articulados à
condição da mulher. No período de 1888-1916, foram encontradas, à exceção
do Código Civil, seis menções à mulher: nenhuma delas versava questões rela-
cionadas ao trabalho. Conclui-se, parcialmente, que a situação da mulher e seu
trabalho não era objeto de produção legislativa: o discurso jurídico expresso nos
atos normativos cuidava da mulher no controle penal de sua honra e na gestão
de seu papel familiar.

Parte-se, portanto, para a interpretação da produção intelectual expressa


no pensamento jurídico. Presume-se, contudo, que os silêncios nesse âmbito do
discurso jurídico serão também eloquentes. Investiga-se, portanto, a hipótese de
que as permanências da condição da mulher negra foram discursos subliminares
que se perpetuaram na cultura jurídica e que seguem trazendo consequências
para essa população. Ademais, infere-se que esse momento de seminal formação
do trabalho livre, a partir da abolição da escravidão, é significativo para levantar
questionamentos acerca da invisibilidade e manutenção das desigualdades.

4 Ver: GOMES, Angela de Castro. Burguesia e Trabalho: política e legislação social no Brasil (1917-1937). 2
ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014; FRENCH, John D. Proclamando leis, metendo o pau e lutando por direitos:
a questão social como caso de polícia (1920-1964). In: LARA, Silvia Honold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes.
Direitos e Justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas: Unicamp, 2006; SALGADO, Gisele Mascarelli. Um
estudo sobre os manuais de direito do trabalho e a questão dos movimentos operários na Primeira República.
Âmbito Jurídico, v.15, n. 100, maio 2012.

437
CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

Referências bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.
DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. 1ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2016.
HUNOLD LARA, Silvia. ESCRAVIDÃO, CIDADANIA E HISTÓRIA DO TRABA-
LHO NO BRASIL. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados
de História. ISSN 2176-2767, [S.l.], v. 16, set. 2012. ISSN 2176-2767. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11185>.
LIMA, Henrique Espada. Sob o domínio da precariedade: escravidão e os signi-
ficados da escravidão e os significados da liberdade de trabalho no século XIX
liberdade de trabalho no século XIX. TOPOI, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005, pp. 289-326.
PEREIRA, Bergman de Paula. De escravas a empregadas domésticas: a dimensão
social e o “lugar” das mulheres negras no pós-abolição. In: Anais do XXVI simpósio
nacional da ANPUH – Associação Nacional de História, São Paulo, 2011. ISBN:
978-85-98711-08-9. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/
anais/14/1308183602_ARQUIVO_ArtigoANPUH-Bergman.pdf>
PERROT, MICHELLE. Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação
e realidade. Porto Alegre, vol. 20, n 2, jul./dez. 1995, p. 71-99.

438
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

EDUCAÇÃO JURÍDICA E A QUESTÃO DE GÊNERO


NA REPÚBLICA VELHA: AS PRIMEIRAS BACHARÉIS
EM DIREITO NO CEARÁ

ANA CAROLINA FARIAS ALMEIDA DA COSTA


Doutoranda em Direito na Universidade Federal do Ceará – UFC,
Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio do Ceará
E-mail: almeidadacosta@hotmail.com

SARAH DAYANNA LACERDA MARTINS LIMA


Doutoranda em Direito na Universidade de Coimbra – UC
Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio do Ceará
E-mail: sarahlimabr@gmail.com

Eixo temático: 6. História, gênero e direito: rupturas e permanências

Palavra-chaves: Educação jurídica; Gênero; República Velha.

Introdução

Dados do último Censo da Educação Superior, de 2013, coletados pelo


Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP,
comprovam que dos 1.982.020 concluintes de graduação (provável formando e
formados) 1.201.416 são mulheres e 780.604 são homens, levando-se em consi-
deração os cursos de presenciais e à distância, em Instituições de Ensino Superior
federais, estaduais e municipais, públicas e privadas, em todos as regiões do país
(INEP, on line). A forte presença das mulheres nos cursos superiores na atualidade
nos chamou bastante atenção para a atuação das mulheres nos espaços públicos
tipicamente dominados por homens, especialmente durante a República Velha,
como é o caso do ensino jurídico. A presença de mulheres nos movimentos
sociais e políticos que culminaram na queda da Oligarquia Accioly no Estado do
Ceará: seja na organização da passeata das mais de 600 crianças, seja na Passeata
das Mulheres, em 1912, revelam a presença das mulheres no espaço público neste
período e merecem uma maior investigação, especialmente se consideramos que
à mesma época nenhuma mulher havia ingressado nos quadros da Faculdade
Livre de Direito do Ceará - FDL, criada há quase dez anos. Assim, a pesquisa
objetiva recuperar a trajetória das primeiras bacharelas em Direito, no Ceará, e

439
CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

problematizar o papel da mulher no locus público, através da análise da história


da educação superior feminina, da história do direito no Brasil e, especialmente,
através da história do Ceará, no período denominado República Velha.

Metodologia

Para efetivar essa pesquisa utilizou-se o método histórico para a pesquisa


bibliográfica e documental nos campos da história da educação, história do direito
e história do Ceará. No período de maio a julho de 2017 foram analisados jornais
da época e diversos documentos (biografias, memórias, panfletos e crônicas), no
acervo da Biblioteca Pública Menezes Pimentel, da Biblioteca Pública Municipal
Dolor Barreira e da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Ceará – UFC. Após a fase de pesquisa exploratória nesse último acervo, consta-
tou-se a existência de documentação relativa aos anos de 1903 até os dias atuais,
destacando-se: a Memória Histórica dos anos de 1905 e 1908, os Regimentos
Internos da FDL, Livros de Registros de Matrículas, Livros comemorativos dos 50
anos de criação do Curso de Direito e as Teses e Dissertações, além de outros
livros e documentos do Antiquariato.

Resultados parciais

De acordo com Michelle Perrot (2007, p. 19), uma das precursoras da


história das mulheres na Europa5, o real interesse por esse assunto deu-se, nos
anos 1960, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América, sendo seguidos pela
França uma década mais tarde. Por volta dos anos 1970, ocorreu uma mudança
na maneira de se escrever a história. Houve, nessa época, a aliança entre a história
e a antropologia, buscando redescobrir a família e a sexualidade. Daí, começou-se
a indagar qual seria o papel da mulher nesse aspecto e o que realmente se sabia
sobre ela. A partir de tais questionamentos, a mulher passou a ser personagem
central em pesquisas, como as realizadas por Georges Duby6. Entretanto, a conso-
lidação da história das mulheres é fruto, sobretudo, do movimento das mulheres
que lutou, tanto dentro como fora das universidades, por mudanças no ensino
e na pesquisa, objetivando a compreensão das raízes da dominação masculina
nas relações de gênero. (SCOTT, 1992). Para escrever algo sobre as mulheres,
no entanto, seria necessária a existência de documentos, vestígios, imagens. Isso
ainda caracteriza uma lacuna, visto que essas fontes são amplamente escassas. A
5 Vide: PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros. Trad .Denise Bottmann.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4 ed , 1988; PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: relato de uma
experiência. In: Cadernos Pagu, Campinas, n. 4, 1995. pp. 9-28; PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios
da história. Trad. Viviane Ribeiro.Bauru: EDUSC; 2005; PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo:
Contexto, 2007.
6 Georges Duby foi um historiador francês especialista em Idade Média, autor de mais de 70 obras, dentre
elas “As Damas do século XII”. Em 1991, foi lançada a obra “A História das Mulheres no Ocidente”, sob a direção
de Michelle Perrot e Georges Duby, a partir da qual os autores propunham a apresentação de uma história
das relações de gênero.

440
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

profissão era um privilégio dos homens, que, além disso, sempre contaram com
plenos direitos de cidadania proporcionados pelo estado-nação. Os seminários e
as pesquisas em arquivos (práticas que, no final do século XIX, proporcionaram a
ascensão da história científica) também eram espaços reservados, exclusivamente,
aos homens. Segundo Ana Maria D’Ávila Lopes et al (2008), o fato de o homem
ter, por muito tempo, dominado o espaço público e, também, o privado, colocava
as mulheres em um segundo plano na sociedade. Assim, sendo representantes
do poder econômico, político e social, os homens passaram a formular não ape-
nas normas sociais, mas normas jurídicas que colocam a mulher numa posição
desprivilegiada em relação ao reconhecimento e ao exercício de seus direitos.
Tanto em Portugal como no Brasil, a mulher conquistou tardiamente o direito
de escolarizar-se. Desde as últimas décadas do século XIX até a I Guerra Mundial,
instaura-se um processo, desencadeado na Europa, de acesso à instrução. Em
diferentes países da Europa, o número de professores aumentou até treze vezes.
As transformações econômicas, o desenvolvimento das cidades e as inovações
tecnológicas proporcionaram um aumento do trabalho assalariado feminino. Com
o declínio do emprego doméstico, as mulheres tiveram mais possibilidades de
trabalho fora de casa, como em fábricas, lojas e escritórios. O exercício dessas
funções exigia das mulheres um nível de instrução diferente do que apresentavam
até então (HOBSBAWN, 2002). Aqueles que defendiam a participação feminina
nas universidades valiam-se de exemplos de outros países, principalmente os Es-
tados Unidos. Ficou célebre na imprensa, por exemplo, a brasileira Maria Augusta
Generosa Estrela, que se formou em medicina na faculdade de Nova York, e veio
a tornar-se a primeira médica brasileira. No entanto, a sociedade da época não
esperava que as mulheres se destacassem em áreas tradicionalmente masculinas,
como era o caso da Ciência Jurídica (OLIVEIRA; MIALHE, 2015, p. 17). A Reforma
do Ensino Livre, também conhecida como reforma Leôncio de Carvalho, de 1879,
ficou conhecida como a modificação mais emblemática do período, baseada nos
princípios liberais que caracterizavam o Brasil da época. Instituída pelo Decreto
nº 7.247, de 19 de Abril de 1879, a reforma alterava o ensino superior em todo
o Império, determinando a alteração nos Estatutos das Faculdades de Direito
e de Medicina e da Escola Politécnica de todo o país. Os cursos voltados ao
cuidado e a assistência, tais como Medicina (desde que a “especialização” fosse
obstetrícia e ginecologia, e respeitado o limite de idade entre 18 e 30 anos,
para as mulheres), Cirurgia Dentária ou Farmácia, tinham autorização expressa
no art. 24, § 20 para a presença de mulheres, desde que a elas fossem dados
lugares separados. Diferentemente, os Cursos Jurídicos, regulamentados no art. 23
do mesmo decreto, não ostentam qualquer permissão ao ensino das mulheres,
conquanto também não o proibia. Superando preconceitos de gênero, em 1888,
algumas brasileiras já haviam concluído o curso de Direito na Faculdade de Recife,
como Maria Coelho da Silva Sobrinha, Delmira Secundina e Maria Fragoso, mas
não chegaram a exercer o ofício (provavelmente foram desestimuladas a seguir

441
CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

a carreira jurídica). Assim, a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil foi


Myrthes Gomes de Campos (1875-1965), bacharela em Direito pela Faculdade Livre
de Ciências Jurídicas e Sociais – Rio de Janeiro, em 1899. Ressalte-se que como a
advocacia era encarada como uma atividade viril ela também foi desestimulada
a atuar nos tribunais e somente em 1906 a bacharela recebeu a sua carteira de
advogada. Em 1902, Maria Augusta Saraiva conclui curso de Direito, tornando-se
a primeira advogada do Estado de São Paulo. As pesquisas acerca das primeiras
bacharelas em Direito do Brasil mostram que as mesmas enfrentaram conflitos de
natureza social, embasados por preconceitos gerados no seio de uma sociedade
patriarcal. (OLIVEIRA; MIALHE, 2015). No caso do Ceará, a principal dificuldade
na reconstrução da história das mulheres no espaço público, seja diretamente
nos movimentos político-sociais de 1912, seja por meio do ingresso no Curso de
Direito, se dá pelo fato de que as principais fontes (imprensa e documentação
histórica da FLD) são de autoria de membros da oposição ou da situação, com
textos repletos de descrições e narrações apaixonadas, claramente parciais, seja
para enaltecer, seja para criticar as ações pessoais ou públicas (como homem de
Estado) de Nogueira Accioly, por exemplo. Da análise de toda a documentação
acima descrita não se verifica a presença de mulheres na FDL entre 1903 a
1912, apesar de toda a organização social e política que tiveram nesse período.
A primeira mulher a se formar na FDL foi Solange de Paula Barros, em 1917.
Em seguida, Odete Correia de Menezes e Henriqueta Galeno, ambas em 1918,
e Maria Pia Nogueira Pinto, em 1929. Não se constatou a presença de mulheres
na docência até 1929, na FDL. Também não foram localizadas mulheres como
autoras das teses e dissertações apresentadas durante toda a República Velha. Na
realidade, foram analisadas até o presente momento 73 teses e 42 dissertações
até o ano de 1962, sem que nenhuma fosse escrita por mulheres – o que se
destaca apenas para efeito de informação. Também é possível concluir que as
mulheres bacharelas pela FDL, posteriormente Faculdade de Direito da Universi-
dade do Ceará, sequer concorriam nas seleções para cátedra, livre-docência e/ou
vagas de lentes substitutos. Também não obtiveram título de doutor – titulação
conferida após processo de doutoramento ainda nas regras estabelecidas durante
a Primeira República.

Conclusão (parcial)

As mulheres ingressaram tardiamente ao mundo das letras, o que explica


a carência de documentos que abordem as suas vidas. Até as autobiografias são
poucas. O que muito se vê são obras sobre as mulheres, mas escritas por homens.
Isso nos leva a crer que a maioria do material que utilizamos como fonte de
pesquisa, na verdade, é fruto do imaginário masculino. Uma das possíveis expli-
cações para essa ausência de autorização (no próprio Decreto nº 7.247, norma
jurídica) para que as mulheres ingressassem nos cursos jurídicos se devia ao fato
de que as mulheres não deveriam estar associadas à atividades no espaço público,

442
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

como era o caso da política e da Administração Pública, na época fortemente


preenchido pelos bacharéis em direito e ciências sociais. Ou seja, como esse curso
superior preparava pessoal para atuação na esfera pública (política e Administração
Pública), não se destinava, por consequência, às mulheres.

Referências bibliográficas
HOBSBAWN, Eric Jonh Ernest. A Era dos Impérios: 1875-1914. São Paulo: Ed. Paz
e Terra S/A, 2002.
LOPES, Ana Maria D’Ávila et al. Gênero: fator de discriminação na teoria e prática
dos direitos fundamentais das mulheres. In: Nomos: Revista do Curso de Mestrado
em Direito da UFC. Fortaleza, Vol. 28, p. 15 – 35, 2008/1.
OLIVEIRA, Adriana Ferreira Serafim de; MIALHE, Jorge Luis. História da educação
jurídica e a questão de gênero: as primeiras bacharéis em Direito. Florianópolis:
CONPEDI, 2015.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História:
Novas Perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 63-95.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Disponível
em: <http://inepdata.inep.gov.br/analytics/saw.dll?PortalGo>. Acesso em: 01 jul 2017.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

QUEM MATOU ELOÁ? O RECRUDESCIMENTO DA


“MARIA DA PENHA” E A MIDIATIZAÇÃO DO CRIME

LAURA LEMOS E SILVA


Graduanda em Direito
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
E-mail: lemossilva.laura@gmail.com

Eixo Temático: História, gênero e direito: rupturas e permanências

Palavras-chave: Violência contra mulher; Recrudescimento; Midiatização


do crime

Introdução

No dia 13 de outubro de 2008, por volta das 13 horas e 30 minutos,


Lindemberg Fernandes Alves atirou em Eloá Cristina Pereira Pimentel e em sua
amiga Nayara Rodrigues da Silva. Elas foram levadas ao hospital. Nayara sobre-
viveu, mas Eloá não resistiu e veio à óbito, com um tiro na virilha. Tudo isso
após mais de 100 horas mantidas em cárcere privado pelo autor. O motivo do
crime? Ciúmes. Lindemberg não conseguiu suportar o fato de que Eloá terminara
o relacionamento.

O caso Eloá ficou conhecido em todo o país: o crime foi televisionado


do início ao fim; policiais e repórteres estiveram em contato com o autor, me-
diando o conflito e negociando soluções. As grandes mídias transmitiram todos
os acontecimentos e os brasileiros e brasileiras acompanharam vidrados todos os
segundos: parecia uma novela da qual todos esperavam pelo desfecho e torciam
para um final feliz.

O sequestro da menina Eloá, de 15 anos, foi assunto de corredores, ruas,


bares, encontros, por alguns dias. No entanto, pouco se falava dela. Os comentá-
rios giravam ao redor do sequestrador e feminicida: “viram o que Lindemberg fez
com a ex namorada? ”; “Ouvi dizer que Lindemberg era um rapaz trabalhador...
Qual será o motivo? ”; “Lindemberg não aceitou que a menina não ficasse junto
dele”. E tantos outros diálogos invadiram as casas da população. Mas, e onde
estava Eloá nesses diálogos? Porque, ao analisarmos a investigação criminal, ela foi

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CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

a vítima. Ela foi sequestrada. Ela foi mantida por mais de 100 horas em cárcere
privado. Ela levou um tiro. Ela quem morreu.

Por que, então, Eloá não foi a protagonista dessa “trama”? Afinal, quem
matou Eloá?

Da forma como a morte da menina foi trasmitida, desdobram-se diver-


sos pontos de reflexão. O documentário que dá nome – e base - ao presente
estudo, Quem matou Eloá?, de 2015, direção de Livia Perez, trabalha com esses
pontos, analisando-os criticamente. Um deles, e o mais evidente, é a problemática
da midiatização do crime. No caso do feminicídio documentado, percebem-se
enormes falhas éticas dos profissionais responsáveis pela transmissão daquilo que
deveria ser apenas notícia e que se tornou espaço para suposições e emissão de
opiniões machistas.

A possibilidade de “dar um furo” jornalístico sobressaiu. A imprensa ocupou


um papel muito grande e chegou até a realizar contatos telefônicos com o autor,
sob o aval da polícia. Todo o desenrolar do crime, televisionado como se uma
novela o fosse, buscou subtrair a realidade do fato e direcionar o especatador a
culpar Eloá pela situação.

Depreende-se, com estas considerações, um problema evidente: a espeta-


cularização do crime e o poder de influência social que ela tem.

É possível perceber que a pós-modernidade, no Brasil - período atual em


que a sociedade está inserida - passa pela crise de que “nada funciona”. Esta crise
tomou proporções imensuráveis na mídia e com ela, nasceu a ideia de instabi-
lidade de direitos, e para o trabalho presente, dos direitos das mulheres. Dessa
maneira, a temática da violência contra à mulher instiga o ordenamento jurídico
a voltar os olhos para a teoria retribucionista da pena e o recrudescimento das
políticas criminais.

A Lei 11.340/2006, com o codinome Lei Maria da Penha, é reflexo do que


chamamos de recrudescimento. E, possibilitando ir além, esta lei exemplifica uma
projeção prevista na criminologia midiática: o punitivismo apartidário.

Ante o exposto, delimita-se o problema do corrente trabalho: de que


maneira a tendência de dar ao crime caráter midiático influencia no recrudes-
cimento penal? E em que ponto estas linhas se cruzam à da morte de Eloá (e
de milhares de mulheres)?

446
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Metodologia

Para responder às questões supracitadas, a base de trabalho será o do-


cumentário “Quem matou Eloá?” juntamente à pesquisa teórica, que se desen-
volverá através da análise e estudo do material bibliográfico tanto nacional como
estrangeiro, referente à temática de gênero e teorias legitimadoras da pena. Serão
solicitadas materiais disponíveis na Biblioteca da Universidade Federal de Uberlân-
dia, bem como artigos de sites como “Empório do Direito” e demais ferramentas
de busca da internet.

Quanto ao método teórico, adotar-se-á o dedutivo. No que se refere aos


procedimentos técnicos da pesquisa, proceder-se-á mediante análise interpretativa
das obras bibliográficas (documentário, livros, artigos, dissertações) selecionados
com base no tema proposto e que possam enriquecer com análises críticas o esudo.

Resultados parciais

Embora o trabalho ainda esteja em desenvolvimento, foram projetados


resultados a serem alcançados. Um deles é perpassa pelo recrudescimento da
Maria da Penha. O assunto, embora controverso e alvo de críticas por grande
parte do movimento feminista, merece atenção. Isso porque a cultura do con-
trole tem adquirido grande espaço. Resta-nos analisar, dentro do tema central, se
o agigantamento do direito penal autoritário é condizente com o atual Estado
Democrático de Direito.

A respeito, David Garland na sua obra “A Cultura do Controle”, expõe que:


nos dois lados do Atlântico, sentenças condenatórias, direitos das víti-
mas, leis de vigilância comunitária, policiamento privado, políticas de lei
e ordem e uma enfática crença de que a prisão funciona se tornaram
lugares comuns no cenário do controle do crime e não surpreendem
mais a ninguém (GARLAND, 2008, p. 41).

A Lei nº 11.340 de 2006 tipifica a violência doméstica e prevê penas


específicas. É uma lei que, sem a menor dúvida, representa um grande avanço
na luta feminista, no sentido de reconhecer a violência sofrida pela mulher em
ambiente doméstico, bem como nas relações conjugais e intrafamiliares - violência
essa que é produzida e sustentada pelo machismo. Por conseguinte, reconhecer
que as mulheres são uma minoria e que a desigualdade de gêneros ainda atinge
proporções proeminentes através de uma lei que garante, de forma especializada,
proteção à nossa integridade física, moral, psicológica e sexual, é, indubitavelmente,
um avanço.

O que se questiona aqui, no entanto, não é a importância da Maria da


Penha para as mulheres, mas sim sua efetividade e eficácia. Sabe-se que a violên-

447
CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

cia contra a mulher é cíclica. Em paralelo, sabe-se também que o crime possui
destaque midiático e vende-se a ideia de que punir de maneira mais severa é a
resposta para a criminalidade. Estas informações, somadas à ideia que assola a
consciência brasileira de que não há “nada a fazer” equaciona em uma socieda-
de que compra o recrudescimento penal. Indo além e somando esse resultado
ao imediatismo advindo da pós-modernidade, nós, enquanto coletividade, nos
acostumamos muito rapidamente com a teoria do controle, que não nos causa
mais espanto, quiçá revolta.

Todavia, recrudescer é, necessariamente sinônimo de avanço? O retribucio-


nismo tem diminuído a violência contra mulher? Ele salvou Eloá de sua morte?
Estas perguntas ainda estão sendo respondidas, mas de antemão, percebe-se que
os números não apontam redução significativa da violência doméstica após a
Maria da Penha.

Conclusão

O que se espera, pois, com o presente trabalho é demonstrar que fora


construída uma teia de relações sociais da sociedade com a mídia, e nesta teia
a mídia injeta na sociedade a necessidade de punir cada vez mais e, com isso,
nos vemos inseridos num contexto de ressurgimento da legitimidade das teorias
retribucionistas, mesmo que incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.

Sob essa conjuntura, espera-se demonstrar que, no que se refere à violência


contra a mulher, existem outras medidas eficazes no enfrentamento, diferentes
do aumento da punibilidade. Uma delas, que será aprofundada ao longo do
trabalho, é desenvolvida pela promotora de Justiça de São Paulo, Gabriela Mans-
sur: o Projeto Tempo de Despertar – Ressocialização do Agressor. O projeto é
construído em parceria com o Ministério Público, Poder Judiciário, OAB, Secretaria
da Saúde, Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Secretaria da Assistência
Social, Secretaria da Segurança Pública e Coordenadoria dos Direitos da Mulher,
todos de Taboão da Serra. Gabriela Manssur, que também é criadora do site
Justiça de Saia, assim o define:
pra mim este é o projeto mais difícil, mas o que me trouxe mais resultados
na prevenção da violência contra a mulher. Na edição passada, tivemos
índice de reincidência ZERO. Acredito na capacidade de transformação das
pessoas e na desconstrução do machismo. Acho que esse trabalho com os
homens é um passo muito importante na busca da igualdade de gênero
e uma vida livre de violência  para todas as mulheres. (MANSSUR, 2015).

448
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências bibliográficas
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e critica do direito penal: introdução à
sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro:
Revan, 1997.
BRASIL. Lei “Maria da Penha” (Lei 11.340/06). Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em 15 de maio de
2017.
CAMPOS, Mariana Lemos de. Pós-modernidade penal:  O retorno da legitimidade
da teoria retribucionista da pena e o recrudescimento das políticas criminais no
ordenamento jurídico-penal brasileiro. 2014. 3 v. Dissertação (Mestrado) - Curso
de Direito, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2014.
GARLAND, David. “As contradições da ‘sociedade punitiva: o caso britânico”. In.
Revista de sociologia e política, nº 13, Curitiba, 1999.
___. A cultura do Controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea.
Rio de Janeiro. Revan. 2008.
MANSSUR, Maria Gabriela Prado. 2ª Edição do Projeto Tempo de Despertar. 2015.
Disponível em: <http://www.justicadesaia.com.br/2a-edicao-do-projeto-tempo-de-
despertar/>. Acesso em: 05 jul. 2017.
PASTANA, Debora Regina. Cultura do medo e democracia: um paradoxo brasileiro.
Revista Medições, Londrina, v. 10, n. 02/ dez. 2015.
QUEM matou Eloá?. Direção de Livia Perez. São Paulo: Doctella, 2015. (24 min.),
P&B. Gênero: documentário.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O CASO SEARS: NEGOCIAÇÕES E RECUSAS


DO BINÔMIO IGUALDADE-DIFERENÇA
QUANTO À DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO
NO MERCADO DE TRABALHO

HELOISA BIANQUINI
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Email: heloisa.bianquini@fgv.br

Eixo temático: GT 6 – História, gênero e direito: rupturas e permanências.

Palavras-chave: história do feminismo; teoria feminista do Direito; gênero


e mercado de trabalho.

Introdução

O caso Sears, ocorrido nos EUA desde 1979 até 1986, foi um momento
paradigmático para história do feminismo, tanto como movimento político quanto
acadêmico. Para as teóricas feministas do direito, o caso foi um divisor de águas
na produção acadêmica da época relativa ao dilema entre igualdade e diferença
e marcou a transição da segunda para a terceira onda feminista.

Seu início se deu em 1979, quando a agência estatal Equal Employment


Opportunity Comission (EEOC) moveu uma ação de discriminação sexual contra
a Sears, Roebuck and Company, a maior empresa varejista e o maior empregador
de mulheres dos EUA além do setor público. A ação baseou-se no Title VII, uma
seção do Civil Rights Act de 1964 (legislação americana anti-discriminação) e trou-
xe três acusações: a empresa teria discriminado quando (i) não contratou uma
quantidade de mulheres para cargos comissionados proporcional à quantidade de
homens; (ii) não promoveu funcionárias de cargos não-comissionados para cargos
comissionados na mesma proporção que funcionários; e (iii) pagava a funcionárias
da administração e gerência das lojas salários inferiores aos de seus pares.

O caso obteve maior destaque durante o julgamento principalmente


porque a Sears invocou como testemunha especializada (expert witness) a histo-
riadora feminista Rosalind Rosenberg, que afirmou que a escassez de mulheres
em cargos comissionados era resultante das próprias escolhas das mulheres que
trabalhavam na loja. Estas teriam escolhido trabalhos mais colaborativos e menos
competitivos, e preferido vender os produtos mais “femininos”, o que era possível

451
CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

apenas nas posições não comissionadas. Para Rosenberg, a acusação da EEOC


baseava-se em uma “norma masculina” que desvalorizava trabalhos tipicamente
femininos (como os das vendedoras não comissionadas) e ignorava que homens
e mulheres poderiam ter diferentes interesses quanto ao trabalho, e que mulheres
poderiam conscientemente conferir menor valor aos seus papéis profissionais. Por
sua vez, a EEOC convocou outra historiadora feminista, Alice Kessler-Harris, a
qual colocou-se frontalmente contra o argumento de Rosenberg afirmando que:
O que aparece como escolhas das mulheres, e o que é caracterizado
como “interesses femininos” são, na verdade, pesadamente influenciados
pelas oportunidades de trabalho que lhes são oferecidas. No passado, as
oportunidades oferecidas às mulheres foram condicionadas pelas percep-
ções e pressupostos da sociedade sobre elas. Portanto, mulheres foram
contratadas para um número limitado de ocupações, e discriminadas
no geral dentro da força de trabalho. O perfil resultante de “trabalho
feminino” foi então percebido como algo que as mulheres “escolheram”.
(Hall e Cooper, 1986, p. 768)

Como era de se esperar, a contenda entre duas feministas, dentro de um


tribunal, acerca de um caso que envolvia milhões e o maior varejista americano
despertou enorme atenção na época, tanto dos meios de comunicação quanto
dos acadêmicos. A subsequente vitória da Sears, e o peso razoável dado ao de-
poimento de Rosenberg fizeram inúmeras acadêmicas feministas se questionarem
qual a melhor forma de conceituar as desigualdades de gênero no mercado de
trabalho, dado que alguns discursos utilizados até então (como o da desvalori-
zação de trabalhos tipicamente femininos) se mostraram facilmente apropriáveis
para propósitos conservadores e anti-feministas, como apontaram Pierucci (2013,
p. 39) e Milkman (1986, p. 394).

As teóricas feministas do direito também devotaram grande atenção ao


caso e elaboraram diversas análises filiadas a diversas correntes teóricas (liberais,
radicais, culturais, interseccionais, pós-modernas e pragmáticas). Nesse processo,
foram reformuladas, questionadas e até mesmo descartadas as concepções de
igualdade e diferença entre homens e mulheres discutidas no caso, alguns pressu-
postos da segunda onda feminista foram questionados (como a adoção inconteste
do sujeito “mulher”) e foram antecipados temas do feminismo de terceira onda,
como a diversidade entre as mulheres e a interseccionalidade das discriminações
de gênero, raça e classe.

Metodologia

A metodologia deste trabalho consiste na realização de estudo de caso,


amparada por análise dos documentos da ação judicial e por revisão de literatura
sobre a teoria feminista do direito.

452
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Resultados parciais

As principais “descobertas” são relativas a dois dos atores mais relevantes


dentro do caso: a NOW e a EEOC.

a. O papel da NOW no caso Sears e o problema da interseccionalidade

Segundo Zuckerman (2008) e Green (2012), a NOW (National Organi-


zation for Women, organização feminista fundada em 1966) foi um ator muito
relevante para a construção do caso Sears no início. Zuckerman (2008) mostra que,
quando o caso Sears foi elaborado pela EEOC (Equal Employment Opportunity
Commission), a NOW desempenhou muitos papéis, como a arregimentação de
funcionárias das lojas para preencher os formulários de denúncia de discriminação
sexual disponibilizados pela EEOC e a convocação de protestos na porta das Sears.

Esse papel ensejou diversas críticas à organização: houve acusações de


que a NOW teria “infiltrado” pessoas da organização dentro da EEOC para que
privilegiassem o caso Sears em detrimento de outros casos, como os de discrimi-
nação racial. O enfoque que a NOW advogava para o caso Sears foi considerado
insensível às demandas de mulheres negras, e mesmo racista, por diversos motivos
(ver Green, 2012). Os formulários de denúncia da EEOC, por exemplo, permitiam
apenas a seleção de um “tipo” de discriminação: racial ou de gênero. Contudo,
muitas mulheres negras, ao preenche-los e forçadas a optar, decidiram caracteri-
zar sua situação como racismo. As ativistas da NOW, Green afirma, “retificaram”
diversas dessas denúncias para que constassem como “discriminação de gênero”,
dando maior força ao seu caso no tribunal e suscitando acusações de lobby
corporativista contra a organização, supostamente para aumentar o número de
associadas e, consequentemente, sua renda.

Contudo, a movimentação da NOW acabou por se enfraquecer por


inúmeros motivos. Os líderes da NOW mudaram, e junto mudaram as priorida-
des: o foco saiu do caso Sears para a aprovação da Emenda por Direitos Iguais
(Equal Rights Amendment). Além disso, a própria organização saiu de cena com
o surgimento de outros coletivos e movimentos políticos feministas ligados a
outras pautas que não o espaço da mulher no mercado de trabalho. Isso foi um
dos motivos pelos quais a expectativa de vitória em relação ao caso era tão alta
no início e tão baixa em seu julgamento.

b. A EEOC: papéis, críticas e contingenciamento de recursos

As principais descobertas aqui foram duas: (i) a avaliação negativa, por


parte do movimento feminista, da atuação da EEOC; e (ii) a dificuldade desta de
atuar no caso por conta do contingenciamento de recursos realizado pelo governo

453
CARDENO DE RESUMOS – História, gênero e direito: rupturas e permanências

americano. Quanto ao ponto (i), a EEOC foi bastante criticada (Green, 2012) por
ter-se “deixado levar” pelo lobby feito pela NOW, que pautou muitas das escolhas
relacionadas ao caso (Zuckerman, 2008). Também foi questionado se a pressão
feita pela NOW pela limitação do caso exclusivamente a questões de gênero não
teria impulsionado a persecução de um caso visto como “natimorto” apenas por
interesses corporativistas (Zuckerman, 2008). Além disso, outros disseram que os
esforços da EEOC foram insuficientes para garantir a vitória no caso (Zuckerman,
2008). Quanto à descoberta (ii), os recursos da organização decaíram no governo
de Jimmy Carter e diminuíram drasticamente durante o governo do republicano
Reagan (1981-1989), que era marcadamente de direita e contra reivindicações de
minorias. O governo e o chefe da EEOC (apontado por Reagan) não negaram
que preferiam perder o caso, e o próprio juiz do caso (também indicado por
Reagan), demonstrou pensar o mesmo no julgamento.

Conclusão

O caso Sears, com sua discussão sobre igualdade e diferença no ambiente


de trabalho, pode ser considerado símbolo da transição da segunda para a terceira
onda feminista tanto no movimento como um todo quanto na teoria feminista
do direito. A importância da análise histórica deste caso reside, portanto, na com-
preensão de como se deu esta mudança em termos teóricos e políticos, e nas
lições que podem ser tiradas deste caso para futuras reivindicações do movimento.

Referências bibliográficas
GREEN, Venus. Flawed remedies: EEOC, AT&T, and Sears outcomes reconsidered.
Black Women, Gender, and Families, v. 6, n. 1, p. 43-70, 2012.
HALL, Jacquelyn Dowd; COOPER, Sandi E. Women’s history goes to trial: EEOC v.
Sears, Roebuck and Company. Signs, v. 11, n. 4, p. 751-779, 1986.
MILKMAN, Ruth. Women’s history and the Sears case. Feminist Studies, v. 12, n.
2, p. 375-400, 1986.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 2013.
ZUCKERMAN, Emily B. Beyond dispute: EEOC v. Sears and the politics of gender,
class, and affirmative action, 1968-1986. Tese de doutorado submetida ao Depar-
tamento de História da Universidade de Rutgers. 2008.

454
RESUMOS

DIREITO E EXPANSÃO DA ESTATALIDADE


IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UTILIDADE PÚBLICA, INTERESSES PRIVADOS:


ENGENHEIROS E ADVOGADOS NAS DISPUTAS PELA
CIDADE (RIO DE JANEIRO, 1903-1906)

PEDRO JIMENEZ CANTISANO


Doutorando, University of Michigan
E-mail: pjimenez@umich.edu

Eixo Temático: Direito e Expansão da Estatalidade (Airton Seelander)

Palavras-chave: Reformas urbanas; desapropriação; Rio de Janeiro

Introdução

Historiadores da década de 1980 descreveram as reformas urbanas do


Rio de Janeiro do início do século XX como um processo de modernização
excludente. As elites dirigentes do país – uma coalisão de oligarcas rurais, enge-
nheiros e médicos – teriam usado o direito como instrumento de exclusão. O
direito administrativo serviu para ampliar a discricionariedade do executivo para
desapropriar e remover os pobres do centro da cidade, a fim de entrega-la a
investidores e especuladores nacionais e estrangeiros (BENCHIMOL, 1990). Já que
este processo não foi pacífico, os direitos criminal e constitucional serviram para
domesticar a cidade recalcitrante. O primeiro justificou a repressão quotidiana da
classe trabalhadora (CHALHOUB, 1986). O segundo proporcionou a declaração
de estado de sítio que justificou a repressão aos que supostamente participaram
da Revolta da Vacina (SEVCENKO, 1993). Mais recentemente, historiadores se
voltaram para a apropriação do direito pelos excluídos. Descreveram o judiciário
como arena de disputas políticas pelo exercício de cidadania (RIBEIRO, 2006;
QUEIROZ, 2008). O direito criado para excluir, reprimir e domesticar teria sido
resignificado e reapropriado como instrumento de inclusão.

Nenhuma das duas perspectivas considerou a relativa autonomia da pro-


dução, interpretação e aplicação do direito (GORDON, 1984). No plano teórico,
tomaram o direito como instrumento que pode ser usado para excluir ou incluir.
Conceitos, instituições e práticas jurídicas teriam servido ou a um projeto exclu-
dente de cidade e nação ou às demandas sociais por participação e cidadania. No

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CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

plano da história social, colocavam-se, de um lado, as elites dirigentes e, de outro,


alguns proprietários de cortiços e as classes populares. A primazia dos engenheiros
e médicos teria afastado os juristas dos debates sobre a cidade. A associação
científica relevante era o Clube de Engenharia, não as faculdades de direito. No
plano da história intelectual, esta primazia se traduziu no domínio técnico-científico
dos engenheiros e médicos sobre a delimitação de conceitos-chave como “saúde
pública”, “utilidade pública” e “bem comum”. Quando as reformas foram descritas
como parte de uma tendência global, dominava o padrão francês inaugurado
por Haussmann na Paris de meados do século XIX, com alguma atenção para a
rivalidade estabelecida com a Buenos Aires reformada da década de 1880.

Minha tese de doutorado busca resgatar a relativa autonomia do direito


no momento da reforma do Rio de Janeiro. Resgata-la significa mostrar que há
limites na instrumentalização apontada pelas duas correntes historiográficas. Mos-
trar, por exemplo, que decisões judiciais são mais do que resultados determinados
por forças políticas, econômicas e sociais externas ao judiciário. Significa também
resgatar o papel dos juristas nas disputas pela cidade. Por exemplo, na determi-
nação do significado dos conceitos-chave das reformas. Por fim, significa lançar
luz sobre um fluxo de ideias que incluía a França, mas também a Argentina, em
posição de destaque, e os Estados Unidos. Neste trabalho, tentarei exemplificar o
papel relativamente autônomo do direito nas reformas urbanas a partir de uma
análise da prática de desapropriação por zonas, importada da França por Pereira
Passos e companhia como forma de refinanciamento das reformas urbanas, mas
rejeitada pela Corte de Apelação, com base em uma interpretação limitada da
“utilidade pública”, inspirada nas jurisprudências argentina e norte-americana.

Metodologia

Trata-se de pesquisa qualitativa com processos judiciais, revistas jurídicas,


tratados e jornais. As fontes complementam-se de forma a proporcionar uma
interpretação histórica que contribui para a história social e intelectual do direito.

Resultados parciais

A desapropriação por zonas foi largamente utilizada por Pereira Passos


na reforma do Rio de Janeiro. Desapropriava-se mais do que o necessário para,
então, leiloar as partes não usadas. Os leilões serviam para refinanciar as reformas.
No entanto, foram alvo de críticas por supostamente favorecerem investidores
mais abastados e próximos ao governo, servindo, assim, como mecanismos de
transferência de propriedade – e da cidade em geral – para um grupo cada
vez mais restrito de proprietários. A aceitação jurídica desta prática passou pela
interpretação do conceito de “utilidade pública” – presente na Constituição de
1891 como justificativa para a desapropriação. Procuradores municipais interpre-

458
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

taram amplamente o conceito, buscando justificar a desapropriação de terrenos


não diretamente utilizados para a abertura e alargamento de ruas. Advogados
de proprietários o interpretaram restritivamente para evitar desapropriações des-
necessárias. O fizeram com base em jurisprudência Argentina (caso da Avenida
de Mayo) e Norte-Americana (casos em diversos estados). Em agosto de 1905, a
Corte de Apelação decidiu que a desapropriação por zonas era ilegal. O acórdão
foi diversas vezes citado como precedente na luta judicial dos proprietários contra
o ímpeto demolidor do prefeito.

Conclusão

Os casos de desapropriação por zonas mostram que, nem sempre, as


forças políticas e econômicas que dominaram a modernização do Rio de Janeiro
determinaram os resultados de disputas judiciais. Contra o projeto reformador,
a Corte de Apelação decidiu que um dos mecanismos mais importantes da
administração Passos era ilegal. Mostram, também, o papel de procuradores,
advogados e juízes na interpretação dos conceitos-chave das reformas urbanas.
Nos tribunais, o domínio intelectual dos engenheiros foi, de certa forma, abala-
do. Finalmente, mostra que as reformas tiveram outras referências internacionais,
além da França. Enquanto Passos importou a desapropriação por zonas de Paris,
a Corte se aproximou da Argentina e dos Estados Unidos para desqualifica-la.

Referências referência
BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: Um Haussmann Tropical. Rio de Janeiro:
Biblioteca Carioca, 1990.
CHALHOUB, Sidney Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no
Rio de Janeiro na Belle Époque. São Paulo: Brasiliense, 1986.
GORDON, Robert W. “Critical Legal Histories,” Stanford Law Review 36:57, 1984.
QUEIROZ, Eneida Q. Justiça sanitária – cidadãos e Judiciário nas reformas urbana e
sanitária – Rio de Janeiro (1904-1914). Dissertação de Mestrado, História, UFF, 2008.
RIBEIRO, Gladys Sabina. O Povo na rua e na Justiça, a construção da cidadania e
luta por direitos: 1889-1930. In: SAMPAIO; BRANCO; LONGHI (orgs.). Autos da
memória: a história brasileira no Arquivo da Justiça Federal. Rio de Janeiro: Justiça
Federal da 2a Região, 2006.
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Sapione, 1993.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A REFORMA JUDICIÁRIA DE 1841 E OS LIMITES


DA CENTRALIZAÇÃO JUDICIÁRIA

ELAINE LEONARA DE VARGAS SODRÉ


Doutora em História
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
E-mail: elainevsodre@ufvjm.edu.br

Eixo temático: 7. Direito e expansão da estatalidade.

Palavras-chave: Poder Judiciário; Centralização; Reforma de 1841.

O Código do Processo Criminal, doravante CPC, de 1832 ficou conhecido


por seu caráter “liberal”, que ele de fato tinha e imprimiu à estrutura judiciária do
país uma configuração descentralizada. O objetivo do CPC era organizar a justiça
de primeira instância, ao se observar a ordem hierárquica daquela instância, fica
evidente que havia pouco espaço para a presença efetiva do Estado. Naquele
modelo, os cargos de Polícia fugiam ao controle estatal, visto que apenas o
Chefe de Polícia era nomeado pelo Império. Na Magistratura, idêntica situação:
os juízes municipais, de órfãos e promotores públicos eram indicados pelas Câ-
maras Municipais e nomeados pela presidência da província. Os juízes de paz
saiam eleitos nos pleitos municipais. O juiz de direito era o único magistrado
da primeira instância, nomeado pelo Ministério da Justiça. Assim, grande parte
da Magistratura estava fora do controle do Estado Imperial, criando um aparato
de justiça, caracterizado pelo “o municipalismo judiciário” (TORRES, 1964: 227).

Os anos iniciais de implementação do CPC, coincidiram com os tempos


difíceis da Regência, o que potencializou o aparecimento de problemas ineren-
tes ao modelo descentralizado. Por esse motivo, entrou na agenda política a
necessidade de reverter aquela situação, o que teve início com o Ato Adicional
de 1834 que teria sido “la primera expresión institucional de este deseo liberal
de volver a centralizar la administración” (FLORY, 1996: 244). Segundo Graham,
o Ato Adicional, apesar de considerado “como uma medida descentralizadora,
no todo, ele tendeu a reduzir a verdadeira autonomia local, embora ainda não
levasse a centralização ao Rio de Janeiro” (GRAHAM, 1997: 74). Em termos de
Justiça, as Assembleias provinciais passaram a controlar a divisão judiciária. Con-
tudo, as ações para diminuir a descentralização ficaram mais efetivas a partir do

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CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

Regresso Conservador e foi nesse contexto que surgiu, em 1841, a Lei nº 261, a
partir daqui apenas: Reforma de 1841.

A Reforma de 1841 tinha tanto o objetivo de centralizar, quanto de


profissionalizar o judiciário, marcadamente pela exigência de bacharéis nos cargos
de juiz municipal e promotor público, pelas mudanças na organização do Júri
e a delimitação entre funções de polícia e de justiça. Essas medidas são o que
Uricoechea identifica como a perda do “monopólio local da máquina judiciária e
policial. As legislaturas municipais, as câmaras, foram privadas de sua prerrogativa
de nomear os juízes locais” (URICOECHEA, 1978: 111). No que ser refere a magis-
tratura, os focos centrais das mudanças da Reforma de 1841 eram a eleita (juiz de
paz) e a magistratura leiga (juízes municipais, de órfãos e promotores públicos).

O juiz de paz perdeu autoridade e jurisdição, sem dúvida, foi quem saiu
mais enfraquecido. Os juízes municipais, de órfãos e promotores públicos passariam
a ser nomeados pelo Imperador. Os primeiros deveriam ser escolhidos “dentre os
Bacharéis formados em Direito, que tenham pelo menos um ano de prática do foro
adquirida depois da formatura” (Lei n. 261, Art. 13) e poderiam “ser reconduzidos,
ou nomeados para outros lugares, por outro tanto tempo, contanto que tenham
bem servido” (Lei n. 261, Art. 15). Promotor público passou a ser um emprego
remunerado (Lei n. 261, Art. 23), a jurisdição deixou de ser o termo e passou a
ser a comarca e para a nomeação deveriam ter preferência “sempre os Bacharéis
formados, que forem idôneos” (Lei n. 261, Art. 22). Há várias intencionalidades
na Reforma, aqui vamos nos centrar no esforço evidente de instrumentalizar o
Ministério da Justiça para controlar o acesso à magistratura. Essa intenção pode
ser vista como: “as últimas pinceladas para o acabamento do novo aparato buro-
crático e centralizado de dominação monárquica [...]” (URICOECHEA, 1978: 111).
Não resta dúvida que, na letra da lei, a Reforma era uma proposta centralizadora.
Entretanto, na prática, a sua implementação deixou brechas para atuação dos
poderes locais, evidenciando seus limites.

Os limites da Reforma de 1841 são o tema central deste trabalho. Preten-


de-se apresentar o funcionamento da administração judiciária nas províncias de
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, entre 1833 e 1851 para demonstrar como se
implementaram as diretrizes da Reforma e analisar como elas foram executadas
na prática. Para isso, foram analisados dois corpus documentais. Por um lado,
aquele emitido pelo poder central: os Relatórios do Ministério da Justiça e os
Avisos enviados para aquelas duas províncias. De outro, os Relatórios provinciais
e as correspondências enviadas ao Ministério da Justiça, por ambas as províncias.
A análise desse conjunto de fontes permitiu delinear a configuração judiciária,
bem como, reconstruir o quadro da magistratura em cada uma das províncias.
Essa reconstrução, por seu turno, viabilizou o cruzamento de dados entre as
comarcas de cada uma das províncias, além de permitir a comparação entre

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ambas, demonstrando que há muitas semelhanças, tanto no que diz respeito


à implementação da Reforma, quanto ao funcionamento sob as novas regras.

No Rio Grande do Sul, em 11 de março de 1833, a 5ª sessão ordinária


do Conselho Geral deu execução ao CPC. No que se refere à divisão judiciária,
decidiram criar cinco comarcas. Na discussão do número de juízes de direito, para
Porto Alegre deliberou-se seriam dois “um fixo, sendo o Chefe de Polícia, que
residirá sempre na cidade, tendo nela o seu termo, a jurisdição Criminal que lhe
competir pelo Código do Processo” e outro, seria o responsável pela vara civil.
A comarca de Rio Grande, “pela sua extensão, e giro comercial”, também ficou
com dois juizados de direito, as outras três: Rio Pardo, Piratini e Missões com um
magistrado cada. A última determinação, foi prover os novos cargos e ficaram
nomeados: Manoel José de Araújo Franco e Antônio Rodrigues Fernandes Braga,
para as varas cível e criminal de Porto Alegre, respectivamente; o primeiro era
o juiz de fora da cidade e o segundo o ouvidor da comarca. Pedro Rodrigues
Fernandes Chaves, juiz de fora de Rio Grande, permaneceu na mesma comarca,
como juiz de direito criminal. Ainda “para Juiz de Direito da comarca de Piratini,
o Juiz de Fora da Vila do Rio Pardo, o Bacharel Joaquim Vieira da Cunha”1. Além
desses quatro magistrados que foram automaticamente recolocados para outros
dois lugares, também a preferência foi para juízes conhecidos na província. Até
1831, o juiz de fora de Rio Pardo foi Manoel Paranhos da Silva Velloso2 e o ou-
vidor da comarca Rodrigo de Souza da Silva Pontes, naquela 5ª Sessão, este foi
indicado para Rio Pardo e aquele para a segunda vara de Rio Grande.

Em Minas Gerais, a execução do CPC foi em 18 de março. Naquela ocasião,


havia seis comarcas na província, estas mantidas, além de mais três criadas: “em
Conselho do Governo desta Província se procedeu a designação de nove comarcas”.
Na região norte a única alteração aconteceu na comarca do Serro que diminui
sua extensão, dando origem à comarca do Rio Jequitinhonha que junto com
sua limítrofe Rio de São Francisco e a do Rio Paracatu ocupavam praticamente
metade de território da província. As antigas comarcas de Rio das Velhas e Rio
das Mortes deram origem a duas novas: Desmembrada desta última surgia Rio
Sapucaí e, Rio Paraibuna desmembrada de ambas. Ainda naquela mesma sessão,
o Conselho nomeou nove juízes de direito, sete para varas criminais e dois para
varas cíveis. A exemplo do Rio Grande do Sul, todos os nove magistrados togados
que atuavam na província foram automaticamente realocados, ficando apenas as
comarcas do Rio Jequitinhonha e Rio São Francisco vagas3.

1 Todas as citações do parágrafo são do Livro de Atas do Conselho Geral – 1832-1834. p. 32-33. AHRS.
A.9-002.
2 AHRS. B1-106. Aviso do Ministério da Justiça, enviado à presidência da província de São Pedro do Rio
Grande do Sul, em 9 de agosto de 1834.
3 Informações constantes no documento nº 763 de 31/3/1833, Fundo IJ1, Arquivo Nacional (AN).

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CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

Nascia, com a implementação do CPC, a Justiça, aos moldes brasileiros.


Contudo, o que se observa, a partir da realidade de Minas e Rio Grande do Sul,
é que todo quadro da magistratura colonial passou para a “nova Justiça”, cerca
de 80% das vagas de juiz de direito de ambas as províncias. Neste trabalho, num
primeiro momento, iremos apresentar com mais detalhes como funcionou a ad-
ministração judiciária entre 1833 e 1841, por ora, adiantamos que foi de forma
precária. Em Minas Gerais, pouco tempo após a votação da nova estrutura foi
deflagrada a “Sedição de 22 de março”. Enquanto durou a contenda, a presidên-
cia, se ocupou apenas dos assuntos relacionados a ela. No Rio Grande do Sul, a
situação foi mais difícil, pois o conflito Farroupilha se estendeu de 1835 a 1845,
afetando o funcionamento da Justiça que ficou praticamente estagnada. Para
Minas é possível uma análise geral do período 1833-1841. Primeiro, em relação
à divisão judiciária, quatro comarcas foram criadas, indicando a atuação da As-
sembleia provincial. Segundo, quanto à magistratura, inicialmente houve uma certa
estabilidade: havia juiz de direito nomeado para quase todas as comarcas, embora,
isso não fosse garantia que ele lá estivesse. Já no final da década se observa uma
maior rotatividade entre os magistrados. Nesse período, no mínimo vinte juízes
de direito aturaram na província. Um grupo homogêneo, mas permeado por
singularidades, conforme demonstraremos ao longo do trabalho.

O segundo momento que se pretende analisar é o período de 1841 a


1851, com o objetivo de comparar o funcionamento da administração judiciária
antes e após a Reforma de 1841, indicando mudanças e permanências. Em Minas
Gerais, o presidente da província informava que assim que tomou conhecimento
da Reforma e seu regulamento cuidou “de dar-lhe execução começando pelo
município da capital como tenho já participado a V.Exa. Sendo, porém, eviden-
te que não é possível fazê-lo em todos os outros municípios e comarcas da
Província sem alguma demora”. Uma das justificativas era que “essa execução
depende de muitas informações que devem ser coligidas não só pelo governo,
como pelo chefe de polícia”. Essas informações eram realmente necessárias, pois
só assim seria possível “marcarem-se os distritos da jurisdição das novas autorida-
des, como para a nomeação do pessoal e comparecimento dos nomeados nos
lugares do seu destino”4. Esses eram os pontos essenciais: as jurisdições precisariam
ser reconfiguradas e novas nomeações deveriam acontecer. No Rio Grande do
Sul, continuava o conflito Farroupilha, por isso a Reforma só foi implementada,
efetivamente, em 1846.

Após a análise do funcionamento da administração judiciária de 1833 a


1851, nas províncias de Minas Gerais e Rio Grande do Sul percebemos uma linha
de semelhanças. Antes da Reforma, é gritante da precariedade da Justiça: são juízes
togados ausentes das comarcas, juízes leigos retirando-se dos cargos, juízes eleitos
ignorando os resultados das urnas. No segundo momento, destaca-se a eficiência
4 AN, IJ1611, Ofício nº 43 de 16/3/1842. Todas as citações do parágrafo referem-se a esse documento.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

do sistema de nomeações, pois o Estado passou a controlar praticamente todos


os cargos da magistratura de primeira instância. Contudo, ao mesmo tempo, sur-
giam novos problemas, especialmente, as constantes ausências de juízes togados,
o que levava, o comando da Justiça para as mãos de leigos, agora os suplentes.
Assim, a Reforma de 1841 foi apenas o primeiro instrumento rumo a centralização
Judiciária, conforme é possível constatar-se através da análise dos atos legislativos
da década de 1850, porém esse tema foge ao propósito deste trabalho

Referências bibliográficas
FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial, 1808-1871. México:
Fondo de cultura economica, 1986.
GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1997.
TORRES, João Camilo de Oliveira. A democracia coroada: teoria política do Império
do Brasil. 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1964.
URICOECHEA, Fernando. O minotauro Imperial – A burocratização do Estado
patrimonial brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1978. (Coleção
Corpo e alma do Brasil, 55).

465
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O PROJETO DE TEIXEIRA DE FREITAS: UM CÓDIGO


CIVIL ANTINAPOLEÔNICO?

ALAN WRUCK GARCIA RANGEL


Doutorado em História do Direito, Universidade de Estrasburgo – França.
Pós-doutorando no Laboratório Interdisciplinar de História do Direito,
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

O presente artigo é o resultado parcial de uma pesquisa em andamento


cuja finalidade é conhecer, dado o contexto da circulação de modelos jurídicos no
século XIX, os processos de recepção e refutação de ideias e racionalidades vindas
do direito europeu, especificadamente do direito francês. Durante esse século, o
Code civil de 1804 figura como um modelo jurídico de exportação, circulação, e
o estudo da sua expansão tornou-se um tópico importante de pesquisa. Ainda
que o discurso do direito francês como modelo remonte aos séculos XVI e XVII,
é precisamente após a Revolução de 1789 que ele ganha notória força expansiva
através das instituições napoleônicas e da concepção revolucionária de direitos
do Homem (Soleil, 2003, p. 84).

Antes de adentrar ao estudo da sua circulação no Brasil imperial, é preciso


sublinhar que este fenômeno pode tomar, segundo Sylvain Soleil, caminhos diversos:
a força das armas (por exemplo, o Código civil francês no Primeiro Império de
Napoleão Bonaparte), a necessidade de ocidentalização (a transposição do Código
suíço na Turquia), o ensino universitário e a leitura da doutrina (nos anos 1960,
o Código civil libanês se adapta à doutrina de M. Mazeaud sobre o direito das
obrigações). Com efeito, sob Napoleão a transposição do modelo jurídico francês
converge ao espírito de conquista e nos territórios satélites do seu Império ele é
aplicado à força, e o mesmo se tenta em Portugal após a invasão e ocupação
pelo general Junot. Fundado nas doutrinas individualista e liberal burguesa do
século XVIII, o Código Napoleão – assim nomeado a partir de 1807 – figura,
perante às monarquias europeias, como uma obra de ruptura com a sociedade
estamental do Antigo Regime através da promoção do indivíduo nas relações
familiais e sociais. A circulação do modelo ganha assim contornos políticos, e de
fato há, durante o período napoleônico, uma ambição de expansão do direito
francês no mundo, cunhada na frase célebre do conquistador, já exilado e re-
colhido em Montholon: “minha glória, não é de ter ganhado quarenta batalhas;
Waterloo apagará a lembrança de tantas vitórias. O que não apagará, o que
viverá eternamente, é meu código civil...” (citado em Soleil, 2014, p. 13). Mesmo
após a queda de Napoleão, o modelo jurídico francês continua sua trajetória de

467
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

circulação pelo mundo. Juristas identificam o direito francês como um modelo


a ser seguido ou refutado, e uma ou outra posição depende de uma série de
elementos e circunstâncias que cabe à história do direito revelar.

Em linhas gerais, examino como os juristas brasileiros do século XIX tratam


o direito francês enquanto sistema e técnica jurídica, e também verifico nos seus
escritos os argumentos e as soluções originais por eles apresentadas quanto à relação
entre indivíduo, família e Estado. Para tanto, parte-se do ponto de vista local, ou
seja, do horizonte de perspectiva do jurista que vive sob o regime monárquico
do Brasil Império, tendo como referência os objetivos e as intenções específicas
desse leitor do direito europeu. A metodologia implica a operacionalização do
direito comparado e de sua convergência com a história das ideias ou do pen-
samento jurídico, já que, o conhecimento de ambos universos, o da origem e o
do local da circulação, se situam em um período específico. Não se trata apenas
de examinar a influência do modelo jurídico, de apontar os principais pontos de
aderência, como propõem alguns estudos de maneira bastante simplista, mas
também de problematizar o processo de circulação. Como se procedeu, e sob
qual contexto histórico, a circulação do modelo? Como, e sob quais argumentos,
determinados institutos jurídicos foram recepcionados e, em contrapartida, como
outros foram refutados? Quais eram as condições materiais e culturais do local
da circulação do modelo? Através dessas questões pode-se conhecer os canais
de representação do direito europeu no Brasil Império e também, como numa
imagem refletida no espelho, conhecer a própria identidade do direito brasileiro.
Essas questões envolvem enorme grau de complexidade as quais é impossível dar
conta de maneira completa em um pequeno artigo. Por isto, a estratégia reside
em tomar um autor-jurista como referência que servirá de ponto irradiador e
integrador do processo de circulação, e o jurista escolhido é, tal como descrito
no título, Augusto Teixeira de Freitas. Por que escolher Augusto Teixeira de Freitas?

É lugar comum na historiografia reconhecer, por um lado, a forte influ-


ência da doutrina alemã, sobretudo de Savigny (Reis, 2015), nas obras do jurista
baiano e, por outro lado, a sua reduzida adesão ao direito francês. Sem negar a
veracidade dessa conclusão, já que o próprio Teixeira de Freitas insinua explici-
tamente sua preferência alemã, há de se reconhecer que o Código civil francês
aparece nos escritos do autor de maneira ambígua, ora admirado ora criticado.
Em uma passagem da sua Consolidação de leis civis, Teixeira de Freitas afirma que
são os autores do Antigo Regime – Domat, Despeisses, Pothier, Blondeau –, e
a detrimento dos redatores do Code civil, os melhores representantes do direito
francês (CLC, p. LIII). Em outra passagem ele adota a “bôa legislação” do Código
Napoleão (CLC, p. LXXXII, nota 108), abandonando assim disposição do direito
romano e das Ordenações Filipinas. Neste ponto específico, Teixeira de Freitas se
revela como verdadeiro jurista eclético, perfil típico dos juristas de seu tempo - a
exemplo do francês Joseph-Louis-Elzéar Ortolan -, às vezes de difícil classificação,

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ao buscar, através de releituras da doutrina do Ancien Régime, do direito romano,


do direito estrangeiro, da prática judiciária, e até mesmo da filosofia Antiguidade,
elementos que lhe parecem interessantes para compor um sistema completo.

Limitei a análise aos projetos de Código civil elaborados por Teixeira de


Freitas, notadamente as três edições da Consolidação de Leis Civis (1857, 1865 e
1876) e o Esboço de 1864. Deve-se tomar nota de que essas fontes objeto da
análise datam de meados do século XIX, período no qual a doutrina brasileira
buscava autonomia e se emancipava de maneira mais consolidada da cultura
jurídica coimbrã. É neste sentido que em estudo recente, Teixeira de Freitas já foi
identificado como verdadeiro “inventor”, travestido de compilador, do moderno
direito brasileiro (Fonseca, 2011, p. 354), e nesta operação está incluída elementos
do direito francês.

Para melhor compreensão da posição ambígua de Teixeira de Freitas com


relação ao Código Napoleão levei em conta quatro eixos de reflexão que serviram
de paradigma para o estudo: 1) O Código Napoleão tenta conciliar liberalismo
econômico e autoritarismo, enquanto que a ordem jurídica do Brasil Império se
pretende liberal e ao mesmo tempo escravocrata; 2) O Código Napoleão, inspi-
rado numa filosofia individualista, atribui novos contornos à geometria vertical e
hierárquica da sociedade patriarcal do Antigo Regime, enquanto que os vínculos
sociais brasileiros, de aspecto comunitarista, são pautados pela distinção jurídica
entre livres e não-livres; 3) O Código Napoleão, redigido num contexto de rea-
ção aos excessos da Revolução de 1789, adota o compromisso da moderação,
transação entre o tradicional e o moderno, enquanto que a base legislativa da
sociedade civil brasileira ainda é do século XVII; 4) Nesta segunda metade do
século XIX, o direito francês, enquanto modelo, não detinha a mesma força do
início do século e se encontrava num período de refluxo, dentro de um cenário
internacional que se renovava e aderia à fertilidade da doutrina alemã.

Com base nesses paradigmas busquei nas fontes verificar a operacionalidade


discursiva do jurista baiano com relação ao direito francês enquanto modelo, e isto
em duas direções: primeiro quanto à forma da codificação, quer dizer a summa
divisio adotada pelo Código Napoleão e sua relação com a divisão proposta pelo
autor (I); em segundo lugar quanto ao fundo da codificação, especificamente
os argumentos nos quais se pode identificar e problematizar a interação entre
indivíduo, família e Estado (II).

Referência bibliográficas
BARBOSA, Samuel Rodrigues. Função dos media textuais na estruturação da
complexidade do direito civil brasileiro pré-codificação: Cândido Mendes e Teixeira
de Freitas. In: Eduardo Bittar. (Org.). História do direito brasileiro. Leituras da ordem
jurídica nacional. 2ed.São Paulo: Atlas, 2010, v. 1, p. 20-33.

469
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

___. Complexidade e meios textuais de difusão e seleção do direito civil brasileiro


pré-codificação. In: Ricardo Marcelo Fonseca; Airton Cerqueira Leite Seelaender.
(Org.). História do Direito em Perspectiva. Do Antigo Regime à Modernidade. Curitiba:
Juruá, 2008, v. , p. 363-373.
BOURDIE, Pierre. Les conditions sociales de la circulation internationale des idées,
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FONSECA, Ricardo Marcelo. Teixeira de Freitas: um jurisconsulto “traidor” na
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___. Vias da modernização jurídica brasileira: A cultura jurídica e os perfis dos
juristas brasileiros do século XIX, Revista brasileira de estudos políticos, v. 98, Belo
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470
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O CONTROLE PUNITIVO DOS ESCRAVOS


NO BRASIL DO SÉCULO XIX:
UM ESTADO IMPERIAL INTERVENCIONISTA?

LILIAM FERRARESI BRIGHENTE


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD)
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Bolsista Capes
Email: brighente@yahoo.com

Eixo temático: Direito e expansão da estatalidade

Palavras-chave: Escravidão; Direito criminal do Império do Brasil; Expansão


da estatalidade

Esta comunicação tem por objeto um dos aspectos fundamentais de


nossa pesquisa de doutorado, a qual trata dos aspectos jurídicos do sistema
penal escravista brasileiro do séc. XIX, bem como da condição jurídica criminal
do escravo no mesmo período. Pertence ao campo da História do direito e da
justiça criminais que, no Brasil, não pode ser separada da História da escravidão,
do controle e da punição dos escravos.

O problema de pesquisa pode ser situado, de um ponto de vista mais


amplo (da História do direito criminal), da seguinte forma: a transição do direito
criminal de Antigo Regime (vigência do Livro V das Ordenações Filipinas) para
o direito criminal do Império – enquanto Estado-nação que, com seu primeiro
Código Criminal de 1830, tendia ao monopólio da violência – ia de encontro à
instituição da escravidão vigente no Brasil.

O escravo estava submetido ao direito punitivo doméstico, pertencente


ao direito privado dos senhores, já que a condição jurídica do escravo era de
propriedade (coisa) do senhor. Apesar disso, o primeiro Código Criminal brasileiro
contemplava o escravo em diversos dos seus artigos, seja na especificação das
penas (artigo 60), seja prevendo crimes especialmente destinados a eles (crime
de insurreição).

471
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

Além disso, durante os debates para a aprovação do Projeto de Código


Criminal brasileiro, a única questão levantada para discussão em plenário foi se,
numa nação civilizada, seria aceitável a manutenção das penas de morte e galés.
Os deputados desejavam excluí-las, até porque a própria Constituição do Império
de 1824 já as havia abolido. Porém, durante os 4 dias de debate, um argumento
foi decisivo: o Brasil ainda se encontrava num grau inferior de civilização, pois
era um país escravagista e dada a condição do escravo, somente a pena de
morte seria capaz de dissuadi-lo do crime, somente ela seria capaz de conter os
escravos e garantir ordem.

Outro forte indício de que a compreensão do desenvolvimento histórico


do direito criminal no Brasil não pode prescindir do estudo da punição e con-
trole dos escravos é o fato de que o Código Criminal de 1830 vigorou enquanto
também vigorou a ordem escravagista. Com a abolição da escravatura, em 1888,
se cogitou sobre uma reforma do Código. Contudo, já em 1889 se havia decidido
pela substituição completa da legislação penal, pois era urgente e necessário “refor-
mar-se o atual regime de repressão”. Um novo Código Penal surgiria já em 1890.

Esse mesmo problema de pesquisa pode ainda ser analisado do ponto


de vista das relações senhor-escravo e do poder punitivo senhorial. Os juristas
brasileiros contemporâneos à escravidão (dentre eles, Perdigão Malheiros, o mais
famoso) afirmam que existe um âmbito dentro do direito no qual o escravo é
reconhecido como pessoa (não como coisa): o do direito penal. Logo, o escravo
responde pessoal e diretamente pelos crimes que vier a cometer (responsabilidade
penal). Posição contraditória, pois assim se atribui a ele a personalidade negada
com a condição de cativo. Ou seja, a condição de sujeito de direito.

Ocorre que esta inserção do escravo no âmbito do direito penal é marcada


ainda por uma outra tensão, já que há pelo menos dois poderes punitivos que
exercem jurisdição penal sobre o escravo, a saber, o privado senhorial e o público
estatal, cuja maior presença aponta para uma tendência crescente de atuação no
controle punitivo dos escravos, o que conduz a uma série de implicações a serem
investigadas, que podem ser sintetizadas nas seguintes questões: 1) O que justificava
esta intromissão da justiça estatal na propriedade privada dos senhores? Ao se
submeter o escravo às leis penais, poderia a autoridade pública, se sobrepondo
à autoridade e vontade senhoriais, apenar o escravo sob sua medida? Em síntese,
como se resolvem os conflitos entre os dois poderes? 2) Em que medida recorrer
ao cometimento de crimes não pode ter sido uma estratégia dos escravos para
se verem livres da escravidão e dos castigos físicos, muitas vezes atrozes, dos
senhores? É possível que para o escravo tenha se aberto um espaço de embate
contra seu senhor, já que agora a atuação do sistema penal da época interferia
nas relações senhor-escravo? Será que a inserção do escravo no direito penal não
corresponde também a uma expansão de sua autonomia? Em outras palavras,

472
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

não pode esta inserção ser também um indício (embora pareça paradoxal, pois
o direito penal é punitivo, e não tem a função de ampliar a liberdade, mas de
restringi-la) do processo de abolição da escravatura já em curso?

Para enfrentar o problema de pesquisa proposto, a metodologia de pesquisa


não somente trabalha com a bibliografia pertinente (dentre ela, os estudos sobre
o Código Criminal de 1830 e do Processo Criminal de 1832 dos principais juristas
brasileiros a eles contemporâneos), mas também com fontes primárias, dentre elas,
pelo menos, 45 autos de processos criminais da segunda metade do século XIX,
nos quais os escravos são vítimas ou autores de crimes, pertencentes ao Arquivo
Municipal de Castro, localidade que no século XIX concentrava a maior população
de escravos do Paraná. A pesquisa está em seu terceiro ano de existência (total
de 4 anos), atualmente na fase de leitura e síntese da bibliografia, bem como de
análise das fontes manuscritas, todas já coletadas e transcritas. Como resultados
parciais, analisaremos alguns casos concretos de sumários-crime que evidenciam
as mencionadas implicações e apontam para a tensão crescente entre a justiça
doméstica dos senhores e a justiça pública, bem como investigaremos se essa
expansão da estatalidade através do direito penal, processual penal e de instituições
como a polícia e a justiça pública, pode ter contribuído também, ainda que de
modo precário, para a expansão da autonomia do escravo.

Referências bibliográficas
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473
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

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474
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

FORMAÇÃO DA ARMADURA JURÍDICA


DO TERRITÓRIO BRASILEIRO (1931-1950)

THIAGO FREITAS HANSEN


Universidade Federal do Paraná- UFPR
Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA
E-mail: thiagohansen@gmail.com

Eixo Temático: Grupo de Trabalho 7 – Direito e extensão da estatalidade.

Palavras-chave: território; soberania; riquezas naturais.

Introdução

O processo de modernização do Estado brasileiro a partir da primeira


metade do século XX foi acompanhado de uma profusa produção de legislações
e políticas de ordenação e controle do território brasileiro. Exemplos vão desde a
concretização da demarcação das fronteiras no início do século passado, avançando
para legislações sobre florestas, águas, minas, caça e pesca, espaço aéreo e petróleo.
Pode-se dizer que o território nacional foi traduzido em linguagem jurídica por
um seleto grupo de juristas e cientistas que participavam de um intercâmbio de
diagnósticos em alguns fóruns de debate, como o Ministério da Agricultura e as
subcomissões que produziram os Códigos referentes a estas questões.

O objetivo da presente pesquisa é compreender como o pensamento


jurídico se relacionou com outras ciências duras (geologia, agronomia, botânica
entre outras) e traduziu anseios que tinham tanto caráter nacionalista quanto
cientificista em políticas públicas e conceitos jurídicos.

Metodologia

As fontes trabalhadas para dar subsídios a pesquisa aqui aventada são


das seguintes classificações:

a) Imprensa da época

475
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

Metodologia e motivação: a imprensa do período em análise nessa pes-


quisa, em especial aquela estabelecida na capital federal (RJ), se mostra como um
importante documento capaz de revelar, a partir de um discurso público que
possui seus interesses, como a produção dos códigos em análise foi acompanhada
pela opinião pública em artigos, editoriais e mesmo seções dos jornais. É possível
extrair desse corpus documental:
–– revela o cotidiano das comissões legislativas, seus dias e horários
de reunião.
–– mostra elementos específicos sobre o processo legislativo: reclama-
ção de rapidez da comissão que fez o código em contraposição
a demora de sua publicação.
–– apresenta os atores das comissões legislativas, e acena para a in-
terdisciplinaridade do tema ao noticiar a presença de botânicos,
agrônomos e outros exemplares das “classes técnicas” na produção
de um discurso sobre propriedade.
–– detém material iconográfico e infográfico (charges, tabelas, esta-
tísticas)
b) Acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contem-
porânea do Brasil (CPDOC)

Após visita ao Rio de Janeiro, fiz um levantamento no CPDOC/FGV,


importante instituição com um acervo que reúne arquivos pessoais de nomes
que cumpriram importantes cargos na Administração Pública. Ali foi possível
encontrar uma variedade de tipos documentais que são capazes de revelar e
problematizar a produção dos códigos em destaque. São exemplos de documentos
ali encontrados e digitalizados:
–– discursos, palestras e publicações de circulação restrita sobre: derru-
bada de florestas; o problema florestal-madeireiro no Brasil; parques
florestais; teses sobre regulamentação de derrubadas etc.
–– expedientes do ministério da agricultura com despachos, comuni-
cações e circulação de projetos internos à administração pública.
–– anteprojetos e atas de reuniões de autarquias, comissões legislativas
e instituições de pesquisa.
c) Textos e doutrinas de membros das Comissões Legislativas

Após o mapeamento via imprensa e decretos da administração pública


de quem são os atores/autores do Código Florestal, iniciei o processo de levan-
tamento de obras e textos produzidos por eles. São exemplos:

i) Na subcomissão do Código Florestal


–– Luciano Pereira da Silva

476
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

–– Augusto de Lima
–– José Marianno Filho
d) Textos e doutrinas de juristas do período

Além de analisar as ideias daqueles que estiveram por trás da produção


do Código à época, é um exercício interessante para mapeamento da cultura ju-
rídica do período, compreender também como outros juristas que se debruçaram
sobre esse assunto (que não eram muitos, é verdade) pensavam a regulamentação
jurídica do território nacional.

e) Sociedades, associações e reuniões científicas

Uma fonte interessante que levantei já no início da república, e de que


alguma também contribuiu com o projeto desta tese, é o Relatório Geral da “Pri-
meira Conferência Brasileira de Protecção á Natureza” realizada em abril de 1934,
no Rio de Janeiro. Este longo documento traz os resumos das palestras, grupos de
trabalho e comunicações realizadas nesse encontro científico promovido por um
grupo de intelectuais reunidos sob o manto da Sociedade dos Amigos das Árvores.

As mais de 240 páginas do Relatório contém uma seção específica sobre


“Legislação e Métodos” de proteção à natureza. É possível se observar ali nomes
estrangeiros e a internacionalidade do movimento de proteção à natureza brasileiro
à época. Além disso existem artigos jurídicos apresentando a realidade italiana e
a realidade argentina.

Não obstante, ainda é possível se encontrar temas jurídicos espalhados


nas outras seções do Relatório, o que demonstra o peso da linguagem jurídica
na formulação dos argumentos da época.

Resultados parciais da pesquisa

O processo de produção dos Códigos ora estudados, Código Florestal,


Código de Águas e Código de Minas, são capazes de apresentar uma faceta do
pensamento jurídico muito pouco explorado. As relações entre o poder do Estado
central e o território nacional, as ressignificações do discurso da propriedade em
prol de matrizes interpretativas nacionalistas e conservacionistas, e a conexão de
juristas com cientistas naturais que produziram uma compreensão tipicamente
moderna de direito como técnica de administração social e territorial.

Autores esquecidos, como Luciano Pereira da Silva, o consultor jurídico


do Ministério da Agricultura por mais de uma década e responsável por an-
teprojetos fundamentais da legislação territorial, bem como pela produção de

477
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

pareceres relevantes, trazem luz à aspectos relevantes da processo de extensão


da estatalidade nacional sobre o território brasileiro.

Conclusão

Com um trabalho ainda em desenvolvimento, é difícil estabelecer con-


clusões claras. Contudo, fica evidenciado na pesquisa ora apresentada a cons-
trução de um campo de reflexões jurídicas que posteriormente darão ensejo
ao desenvolvimento de áreas como o Direito Ambiental, o Direito de Energia e
mesmo pontos específicos do Direito Econômico. Compreender esse processo
é fundamental para ter-se um diagnóstico mais rico e crítico da organização do
Estado brasileiro pós Era Vargas.

478
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PROIBIDO POR LEI, CONSENTIDO PELO DIREITO:


ESTADO, ESCRAVIDÃO
E FERROVIAS NO BRASIL DO SÉCULO XIX

WALTER MARQUEZAN AUGUSTO


Doutorando em Direito Econômico na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (DEF-FDUSP)
Email: wmarquezan@usp.br

Eixo Temático: Direito e extensão da estatalidade (GT 7)

Palavras-chave: Estado; Ferrovias; Escravidão.

Há um senso comum que afirma que as ferrovias do Brasil no século


XIX teriam contribuído para a passagem e consolidação do trabalho assalariado.
No entanto, pesquisas historiográficas mais recentes demonstram indícios de que
a escravidão conviveu com a construção das ferrovias e, por isso, indicam que
essa relação, mediada pelo Direito, era muito mais que apenas uma previsão de
proibição. Como essa relação (Estado-Escravidão-Ferrovias) era mediada pela forma
jurídica (em sentido amplo) é o que interessa a esse estudo.5

Em um primeiro momento, a compreensão aqui veiculada filia-se aos


trabalhos que retomam a premissa de que a escravidão no Brasil do século XIX
estaria intrinsecamente relacionada com a consolidação do capitalismo numa
chave de economia-mundo.6 Seguindo esta linha, não é mero acaso que o Brasil
tenha intensificado a sua atividade produtiva e comercial especialmente com a
ascensão e auge do café, tornando-se líder na produção mundial do gênero. Para
que isso acontecesse, contudo, foi indispensável a política adotada no Império e
as condições institucionais que ali estavam sendo criadas. Não parece exagerado
afirmar, portanto, que a expansão da estatalidade se deu, também, na criação de
um domínio (macro) econômico nacional. Visando restringir o acesso à terra e
sinalizar o fim da escravidão,7 a moção das reformas legislativas da metade do
século XIX – a saber, o Código Comercial (Lei n. 556 de 25 de Junho de 1850),
a Lei Eusébio de Queirós (Lei n. 581 de 4 de Setembro de 1850) e a Lei de Terras

5 Este trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa subsidiária ao projeto de tese do autor.
6 O panorama é dado por MARQUESE, 2013.
7 HOLSTON, 2013, p. 155-196.

479
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

(Lei n. 601 de 18 de Setembro de 1850) – foi responsável pela estruturação de


uma ordem econômica liberal no país.8

Assim, enquanto a organização dos fatores de produção centrava-se na


questão da terra e da mão de obra, o recém-formado Estado Imperial consolidava
sua estrutura administrativa e legislação. A escravidão, contudo, estava no centro
do debate do Império.9 E é exatamente nessa encruzilhada que as ferrovias se
inserem no âmbito nacional.

Em meados do século XIX, o Estado Imperial engaja-se na tarefa de pos-


sibilitar a construção de caminhos de ferro a partir de leis que definem privilégios
e garantias. Após algumas experiências de pouco êxito,10 é emitido o Decreto n.
641 de 26 de junho de 1852, que autoriza o governo conceder a construção de
caminho de ferro que ligasse Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – regi-
ões de expansão da produção cafeeira (Vale do Paraíba). Além das disposições
que asseguravam ao concessionário benefícios – como o privilégio de zona e a
garantia de juros –, o referido diploma proibia a Companhia de possuir escravos
e obrigava a utilização de mão de obra livre (nacional ou estrangeira).

O que parte da historiografia11 demonstra, no entanto, é que as ferrovias,


especialmente nas primeiras décadas de suas construções, se valeram (direta e
indiretamente) da mão de obra escrava ou impuseram condições de trabalho tão
duras que tornavam trabalhadores livres indiferentes de escravos (e vice-versa). Por
conseguinte, a metodologia da presente pesquisa procura tensionar justamente o
diálogo com essa historiografia.

Para tanto, iniciou-se a investigação pelos dois conceitos jurídicos for-


mais basilares que vinculavam os trabalhadores com a construção das ferrovias,
quais sejam: a lei e o contrato. A lei proibia o uso de mão-de-obra escrava, o
contrato garantia a vinculação ao trabalho. A construção se dava por regime de
empreitada; as companhias contratavam empreiteiros e estes contratavam a mão
de obra. Ou seja, na maior parte, tecnicamente, a mão de obra não pertencia às
Companhias concessionárias.

O engajamento dessa mão de obra era feito por contratos de locação


de serviços, tendo por base a Lei de 13 de setembro de 1830 (que dispunha
sobre a prestação de serviços por tempo determinado ou por empreitada, por
nacionais ou estrangeiros) e a Lei de 11 outubro de 1837 (locação de serviços
8 BERCOVICI, 2016, p. 42-3.
9 PARRON, 2007. Esse debate marcou um modo peculiar de relação com o Direito e com a lei, especialmente
com a proibição do tráfico de escravos nas leis de 1831 e 1850.
10 A saber, a lei de 31 de outubro de 1835 e as leis da Assembleia Provincial de São Paulo de 18 de março
de 1838 e 30 de março de 1838 (MATOS, 1990, p. 59-65).
11 Sobre o tema, especificamente: LAMOUNIER, 2012; SOUZA, 2013.

480
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

de estrangeiros e colonos). Esses contratos possuíam termos muito semelhantes


independentemente do estatuto civil daquele que se obrigava a prestar serviços
e eram marcados por uma assimetria. Escravos (por seus senhores ou por senho-
res que queriam comprar sua alforria, ou com alforria condicionada), imigrantes,
libertos, brasileiros livres e pobres: esses eram os principais sujeitos aos contratos.12
Contudo, a utilização de mão de obra escrava na construção das ferrovias não
passava despercebido à época, fosse para os fiscais do Império ou mesmo para
imprensa local.13 A questão central que se colocava, então, dizia respeito à impos-
sibilidade de distinção dos status jurídicos que teriam esses trabalhadores. Nesse
ponto, a presente pesquisa apresenta uma interpretação a partir da consulta ao
trabalho dos juristas da época, especificamente sobre o estatuto do escravo e a
locação de serviços.

Na Consolidação das Leis Civis [1858], Teixeira de Freitas, embora não tenha
incluído a “mancha” da escravidão para fins de sistematização, explora nas suas
notas as nuances possíveis entre escravidão e liberdade a partir do instituto da
alforria. Assim, o jurista enfatiza, a partir do Direito Romano, a existência um estado
médio (estado-livre) para quem está destinado a ser livre depois de certo tempo
ou condição; mas esta condição é tal que o “estado-livre quasi em nada differe
dos outros escravos, e porisso está sujeito às mesmas penas”.14 Acompanhando
essas premissas, sendo a locação de serviços exclusiva a serviços corpóreos15 e tendo
em conta que a maior parte dos escravos engajados na construção de ferrovias
eram alforriados sob condição, podemos identificar que o estado-livre impõe
um impasse entre legalidade e tergiversação para garantia do trabalho escravo.

Por outro lado, em Trigo de Loureiro, nas Instituições de direito civil brasileiro,
podemos tomar a situação sob outro prisma jurídico. Ao comentar a condição
dos servos alheios, ou criados, em oposição aos servos próprios, ou escravos, o
jurista inclui no âmbito dos primeiros aqueles que se sujeitam às leis de locação
de serviços.16 Isso talvez remeta a questão menos para as distinções com relação
à liberdade do sujeito ao trabalho (livre-liberto-escravo), e mais para aquilo que
permite alguém assujeitar outrem. É dizer, trata-se de uma mudança de foco dos
direitos do senhor: não mais o domínio da coisa, mas o poder em relação à pessoa.17

12 LAMOUNIER, 2012, p. 60-2.


13 LAMOUNIER, 2012, p. 164-5; SOUZA, 2013, p. 46-48.
14 FREITAS, v.1, 2003, p. 36.
15 FREITAS, v.1, 2003, p. 447.
16 LOUREIRO, 2004, p. 47-8: “Os servos alheios, assim chamados por contraposição a servos próprios, ou es-
cravos, não são propriamente servos; porquanto servem por sua própria vontade, e são geralmente conhecidos
entre nós pelo nome de criados; Ord. liv, 4, tit. 2S in princ. ibi – todo o homem livre poderá viver com quem
quizer – , e lei de 13 de Setembro de 1830, e de 11 de Outubro de 1837.”
17 Elucida-se o ponto com o comentário de Ribas (2003, v. 2, p.52) sobre os direitos do senhor sobre o
escravo: “Entre nós também os direitos do senhor sobre o escravo constituem dominio e poder; em relação
ao dominio o escravo é cousa, em relação ao poder é pessoa”.

481
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

Assim sendo, a título de conclusões parciais, temos que o emprego do


trabalho escravo que se verifica na condução dessas obras também possui forma
jurídica. Não uma forma jurídica liberal positiva provinda do Estado. Mas uma
forma jurídica de elemento arcaico preservada pelo Estado na medida da sua
abstenção; dos “estados intermediários entre escravidão e liberdade” e das formas
jurídicas que ofereceram subterfúgio para a perpetuação do poder implícito no
trabalho compulsório – como o contrato de locações de serviços. A disciplina é
a forma jurídica da casa na medida em que o poder cabe ao pai/senhor – esse
era o paradigma de condução do trabalho. A proibição do trabalho escravo e
a forma disciplinar de condução do trabalho (escravo) produz dois termos con-
traditórios que culminam na indistinção laboral sob o viés disciplinar. Trabalha-se
como um escravo sem o poder ser. Pretende-se ser livre sem o ser. Diante dessas
duas assertivas materiais, as distinções jurídicas se desmancham. Que isso tenha
ocorrido durante a escravidão talvez aponte para o embrião de algum elemento
de continuidade, silencioso.

É, portanto, tudo menos trivial o descumprimento da norma que proíbe a


escravidão na construção das ferrovias. Que a escravidão tenha sido amplamente
difundida e justo ali, onde ela era proibida, tenha ocorrido com normalidade, é
algo que não pode passar despercebido para a história do Direito. Se entender-
mos que o Estado é um agente fundamental para a reprodução das condições
sociais, diante da constatação historiográfica de um sistemático descumprimento
de uma norma, precisamos de uma concepção de Direito que assuma tal con-
dição, afastando-se das distinções que delimitam um campo interno e externo.
Nesse caso, a ineficácia da norma faz parte da forma jurídica, ou seja, é um dos
seus produtos no contexto do Estado.

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LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. ed. fac-sim [4.
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MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo
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482
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

MARQUESE, Rafael. As desventuras de um conceito: capitalismo histórico e


historiografia sobre escravidão brasileira. Revista de História. n. 169. pp. 223-253.
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PARRON, Tâmis Peixoto. Política do tráfico negreiro: o Parlamento imperial e a
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ano 29. n. 1/2/3. pp. 91-121. Jan-Dez, 2007.
RIBAS, Antônio Joaquim. Curso de Direito Civil Brasileiro. ed. fac-sim [2. ed. 1880].
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SOUZA, Robério Santos. “Se eles são livres ou escravos”: Escravidão e trabalho
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(Doutorado). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2013.

483
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CONSELHO DE ESTADO E O CONTROLE


DA ENTRADA DE PESSOAS NEGRAS NO BRASIL:
UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA SEÇÃO DE JUSTIÇA

TXAPUÃ MENEZES MAGALHÃES


Mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGD-UFBA)
E-mail: txapuamagalhaes@gmail.com

Eixo temático 7 - Direito e extensão da estatalidade

Palavras-chave: Conselho de Estado; Controle policial; Entrada de es-


trangeiros africanos.

Introdução

O Segundo Conselho de Estado no Brasil Império foi instituição chave


para a construção e manutenção da ordem durante o Segundo Reinado. For-
mado majoritariamente por bacharéis durante toda a sua existência, o Conselho
foi composto por muitas figuras de destaque da elite política do período, cuja
carreira na burocracia imperial foi marcada pela profissionalização e experiência
em diversos cargos (CARVALHO, 2013).

Pelo Conselho passaram as questões políticas mais importantes do Segun-


do Reinado, sendo que a atuação dos conselheiros foi orientada à garantia da
estabilidade do regime imperial e ao monopólio estatal centralizado (VELLASCO,
2007). O Conselho era composto em seções, dentre as quais se destaca a Seção de
Justiça, que, segundo José Reinaldo de Lima Lopes (2010), foi espaço privilegiado
na construção de uma cultura jurídica no Brasil oitocentista.

Na Seção em questão, inúmeras matérias foram colocadas sob apreciação,


destacando-se conflitos de atribuição e jurisdição, controle de constitucionalidade,
consultas do imperador e resolução de dúvidas das autoridades imperiais na ati-
vidade judicial e policial cotidiana (LOPES, 2010), através das quais muitas vezes
eram emitidos avisos para orientar a atuação da burocracia.

485
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

Percebe-se, assim, a relevância da Seção na consolidação da organização


administrativa e judicial do Brasil Império. Dentre as questões eventualmente
colocadas aos conselheiros componentes da Seção de Justiça havia a relativa à
entrada de pessoas negras estrangeiras no Brasil.

Sabe-se que em 7 de novembro de 1831, após reiteradas pressões de


autoridades inglesas, foi editada a Lei Diogo Feijó que proibia oficialmente o trá-
fico de escravos para o país. Apesar de não ter sido cumprida em sua finalidade
precípua, o seu artigo 7º foi efetivado (e ampliado) pelas autoridades no Brasil
imperial (CHALHOUB, 2012). Esse artigo previa a proibição da entrada de pessoas
libertas no país, determinando às autoridades responsáveis a imediata deportação.

No curso do século XIX, há notícias de inúmeras situações em que as


autoridades policiais barraram a entrada de negros e negras no Brasil imperial com
o argumento da vigência da Lei de 7 de novembro de 1831 (ALBUQUERQUE,
2009; CHALHOUB, 2012), inclusive com base no aviso n. 118 de 9 de maio de
1835 expedido pelo Ministério da Justiça em 1835, com o seguinte teor:

Tendo o Governo Imperial de fazer cumprir religiosamente a Lei de 7


de novembro de 1831 acaba de expedir Circulares a todos os Encarregados de
Negócios e Cônsules Brasileiros, residentes em país estrangeiros, para participarem
aos respectivos Governos, e publicarem pelas folhas, que aos Chefes de Polícia
do Império se tem determinado que não consintam desembarcar, ou residir em
qualquer Província dele, homem algum de cor, que chegue de fora do Brasil,
quando no seu passaporte não venha declarada a sua qualidade de ingênuo, e
mesmo assim abonada essa qualidade por aqueles Cônsules, ou Encarregados de
Negócios, que existirem nos lugares d’onde vierem [...]18.

Em inúmeras ocasiões, todavia, seja por dúvidas das autoridades policiais


a respeito da aplicabilidade da lei sobre o caso concreto, seja por provocação das
pessoas que estavam sendo objeto da fiscalização na entrada do país, a Seção
de Justiça do Conselho de Estado foi chamada a se manifestar sobre a situação,
determinando os caminhos da atuação policial.

Desse modo, as decisões da Seção de Justiça a respeito da entrada de


negros e negras libertas (e livres) no Brasil imperial, sob o fundamento da proibi-
ção prevista no artigo 7º da Lei de 7 de novembro de 1831 podem ser espaços
privilegiados para compreender a atuação do Conselho no controle da atividade
das chefias de polícia nas províncias para manutenção da ordem e execução da
orientação política da Corte. Além disso, serve de estudo na atuação da Seção
de Justiça na aplicação ambígua da referida lei, bem como na existência de um
controle racial na entrada de pessoas livres no Brasil imperial.
18 Coleção das decisões do Governo do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia nacional, 1864, p. 89.

486
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Metodologia

A metodologia será baseada na leitura das atas da Seção de Justiça do


Conselho de Estado no período compreendido entre a sua instalação (1842) e
o advento da República (1889), bem como de avisos ministeriais eventualmente
expedidos com base nas decisões do Conselho. Pretende-se, na leitura das atas das
reuniões que discutiram o tema, apreender a atuação da Seção no controle das
autoridades policiais e na consolidação do Estado imperial brasileiro, bem como
as razões utilizadas pelos conselheiros para aplicar a lei e estender seu conteúdo
para impedir a entrada não só de libertos, mas também de livres. Paralelamente,
faz-se necessária a contínua leitura da bibliografia especializada sobre os temas
objeto de análise.

Resultados parciais e conclusão

A pesquisa realizada até o presente momento, além de consolidar a leitura


da bibliografia produzida pela historiografia a respeito do Conselho de Estado, sua
composição e atuação política, pôde identificar algumas vezes em que a Seção
de Justiça se manifestou sobre a matéria ora tratada.

Por exemplo, em 11 de maio de 1868, quando a Seção de Justiça do


Conselho foi instada a se manifestar sobre a entrada de legação argentina que,
dentre seus integrantes, tinha um “homem de cor e súdito inglês” (CAROATÁ,
1884, p. 1378). Na ocasião, é possível perceber que o Conselho é utilizado como
última instância para a resolução da dúvida colocada a respeito da execução da
lei. Mais especificamente, o parecer em questão também é significativo porque,
em definitivo, racializa o discurso e impede a entrada de pessoas negras livres
no Brasil, e não só libertas, como estava previsto no artigo 7º da Lei de 7 de
novembro de 1831.

Outros pareceres, anteriores e posteriores, também podem ser debatidos


tanto para fins de compreender a atuação da Seção de Justiça no controle e
orientação dos chefes de polícia, como no que se refere ao controle da entrada
de pessoas negras no Brasil, com argumentação baseada na manutenção da
ordem social.

Assim, a continuidade da pesquisa permitirá analisar, a partir de todas as


manifestações da Seção de Justiça sobre a Lei de 7 de novembro de 1831, como
ocorria a orientação dos conselheiros às autoridades policiais do Império e, mais
especificamente, as razões e interpretações utilizadas na sua aplicação. Na reflexão
sobre essas situações específicas, pode-se compreender mais amplamente a atuação
do Conselho de Estado enquanto instituição fundamental para a construção e
manutenção da ordem no Brasil Império.

487
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

Referências bibligráficas
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania
negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
CAROATÁ, José Próspero Jeová da Silva. Imperiais resoluções tomadas sobre con-
sultas da seção de justiça do Conselho de Estado. Anno de 1842, em que começou
a funcionar o mesmo Conselho, até hoje. Rio de Janeiro, B. L. Garnier Livreiro
Editor, 1884.
Coleção das decisões do Governo do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typogra-
phia nacional, 1864;
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem; teatro das sombras. Ed. 8.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oito-
centista. Ed. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O oráculo de Delfos – O Conselho de Estado no
Brasil Império. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
VELLASCO, Ivan de Andrade. A cultura jurídica e a arte de governar: algumas
hipóteses investigativas sobre a Seção de Justiça do Conselho de Estado. in Revista
de História da USP, n. 05 (2007).

488
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

JUSTICIA Y PROCESOS DE CIRCULACIÓN


EL CASO DE LA JUSTICIA DE PAZ
(BRASIL Y RIO DE LA PLATA 1821-1830)

NICOLÁS BERALDI
Universidad Nacional de Córdoba (U.N.C.)
Universidad Siglo 21.
E-mail: nicolasberaldi@hotmail.com

Mesa temática: Derecho y expansión de la estatalidade - Coordinador


del GT: Airton Seelander - U.N.B.

Palabras Claves: Justicia- Estado- Circulación.

Introducción

El presente trabajo intentará analizar el proceso de circulación de institu-


ciones jurídicas a través del Espacio Atlántico. Nos centraremos en esta ocasión
en el caso de los Jueces de Paz. A partir de un primer acercamiento a los dos
modelos más importantes en suelo europeo, el inglés y el francés -aunque de-
bemos aclarar que no eran los únicos-, intentaremos aportar algunas reflexiones
para comprender cuál fue la potencia que encarnaba esta institución de baja
justicia, de modo tal que dentro del pensamiento de la época resultase fácilmente
exportable a distintas geografías.

El siglo XIX ha sido caracterizado por los historiadores del derecho como
un momento de intensa circulación de ideas, reglas e instituciones jurídicas. Occi-
dente, con el continente europeo a la cabeza pero conjuntamente con América
fue uno de los escenarios de este fenómeno. Instituciones y soluciones jurídicas
comenzaron a atravesar aquel espacio sin mayores restricciones.

El caso de la Justicia de Paz resultó paradigmático en este sentido. A partir


de las independencias americanas y como búsqueda de suplantar las antiguas
justicias de orden colonial, poco a poco las jurisdicciones que componían los
viejos virreinatos, fijaron su mirada en institutos que representasen de una mejor

489
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

manera los nuevos principios jurídicos que las autoridades de ese momento
comprendían defender19.

A su vez la Justicia de Paz representó, en territorios americanos – junto


a otras estructuras-, una primera intención de construcción de una estatalidad
enmarcada dentro de concepciones liberales, intentando dejar atrás -al menos
formalmente – aquellas instituciones heredadas del período colonial20.

El ánimo que persigue esta ponencia está enmarcado en comprender estos


procesos de circulación a una escala Americana, intentando salir de dimensiones
de análisis estrictamente nacionales.

Metodología

Utilizaremos para este trabajo distintas herramientas metodológicas, a


saber: en primer lugar abordaremos la problemática acerca de circulación de ideas
e instituciones jurídicas. La historia del derecho para este supuesto ha utilizado
una infinidad de conceptos, desde la idea de recepción y refracción -ya prácti-
camente en desuso entre los círculos académicos-, pasando por conceptos de
trasplantes legales, hasta llegar a nociones relativas a traducción. Estas herramientas
demostraron tener sus ventajas y sus contras21.

Consideramos de todas maneras, que la idea de traducción -translation- es


la más adecuada para el tratamiento del fenómeno a analizar. Las razones son
diversas, en primer lugar porque parte de la idea de evitar todo sesgo eurocentrico
a la hora de plantear estas cuestiones. Desde este punto de vista, por lo tanto,

19 La justicia de paz junto al jurado representaba, para las elites liberales, un ideal de justicia, ya que en ella se
combinaban determinadas características: una concepción de justicia ciudadana, ejercida por pares, el ideal de
autogobierno que de alguna manera representaba, a su vez para los casos menores la justicia de paz implicaba
una justicia rápida, concisa y cercana -al menos estos elementos se encontraban formalmente en el modelo
en sí-. Si bien más centrado en el aspecto del jurado, Emmanuel Berger realiza una breve descripción sobre la
representación de ambas justicias -Justicia de paz y jurado- en aquellas elites liberales. Emmanuel Berger, “The
Criminal Jury in England and France in the Late 18th Century. Historiographical Issues and Research Perspectives
of PopularJustice”, en Émilie Delivré y Emmanuel Berger (Edts.) “Popular Justice in Europe (18th-19th centuries)”.
Bologna: Il mulino; Berlin: Duncker & Humblot, 2014. P. 71 a 88.
20 El pasaje de un orden jurisdiccional a un Estado liberal en suelo americano, se trato de un extenso pere-
grinaje, donde las instituciones judiciales tuvieron un valor preponderante en aquella construcción. De todas
formas las pervivencias de mundo jurisdiccional -heredado de la colonia- a lo largo de todo el siglo XIX fueron
una constante. Hacia finales de siglo, la emergencia de la administración pública marcará un nuevo conflicto
en el desarrollo de la construcción del Estado. Mannori Luca: “Justicia y administración entre antiguo y nuevo
régimen” en R. Romanelli (a cura di), Magistratti y potere nella storia europea, Bologna, 1997, pp. 39-65, traducido
al castellano por Alejandro Agüero y María Julia Solla.
21 Los fenómenos de circulación de ideas e instituciones a lo largo de occidente ha sido una constante en
el estudio tanto por parte de la historia de las ideas como de la historia jurídica. Para este fin se utilizaron
diferentes herramientas metodológicas, desde las ideas de “recepción” a conceptos como “trasplante legal” y
“traducción”. Para un análisis de los diferentes conceptos y herramientas metodológicas mencionadas ver: Duve,
Thomas (ed.) (2014), Entanglements in Legal History: Conceptual Approaches, Global Perspectives on Legal History,
Max Planck Institute for European Legal History Open Access Publication, Frankfurt am Main, http://dx.doi.
org/10.12946/gplh1

490
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

escapa de la percepción de modelo y copia propia de visiones ya superadas.


En segundo término – conectando con la segunda herramienta que tendremos
en cuenta – concibe a los operadores locales, tanto a los sujetos que realizan
la “traducción” como aquellos que lidian día a día con las instituciones, sujetos
centrales en el proceso de incorporación de estos nuevos institutos22.

En segundo lugar, por lo tanto, tendremos en cuenta los desarrollos que


se vienen realizando desde la historia del derecho con respecto a la idea de es-
pacio local y localización. Concebimos de tal forma, que los espacios locales son
la matriz necesaria para la comprensión de los fenómenos de circulación, ya que
estructuran, modifican, adaptan las instituciones a sus propias necesidades, de tal
forma que no operan simplemente como receptores, por el contrario, son actores
fundamentales a la hora de comprender el devenir de las instituciones analizadas23.

La idea de progreso, por último, está implícita dentro de estos esquemas.


La comprensión de estos fenómenos seria parcial si no entendemos la “necesi-
dad” de las elites americanas de dejar atrás los antiguos ordenamientos jurídicos
heredados de tiempos coloniales y suplantarlos por aquellos que entroncaran
de mejor manera con los nuevos principios jurídicos que decían defender24. La
incorporación de institutos jurídicos propios de la tradición liberal -como resul-
taron ser las justicia de paz y el jurado-, acarreaba una carga simbólica que les
permitía mostrarse como supuestos adalides del progreso.

Resultados

La pregunta que esconde nuestro trabajo es entender cuál es la potencia


que encarnaba la justicia de paz como institución, para que sea tan seductora
para las elites ilustradas y liberales americanas, de forma tal que la considerarán
como una de las opciones más interesantes a la hora de suplantar las estructuras
judiciales coloniales de baja justicia.

La justicia de paz implicaba una toma de postura por parte de estas eli-
tes. Los análisis realizados de la estructuración de la institución en suelo europeo,
22 Para un acercamiento a esta noción ver: Lena Foljanty: “Legal Transfers as Processes of Cultural Translation:
on the Consequences of a Metaphor, (October 26, 2015). Kritische Vierteljahresschrift für Gesetzgebung und
Rechtswissenschaft, Heft 2 / 2015, S. 89-107 (Der Beitrag ist hier auf Deutsch erschienen: Rechtstransfer als kul-
turelle Übersetzung. Zur Tragweite einer Metapher) ; Max Planck Institute for European Legal History Research
Paper Series No. 2015-09. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2682465. Para visiones más globales del
concepto de traducción: Peter Burke, Translating histories, en Peter Burke y R. Po-Chia Hsia, “Cultural translation
in early modern Europe”, European Science Fundation, Cambridge University Press. 2007.
23 Agüero Alejandro: “Derecho local y localización del derecho en la tradición jurídica hispanica. Reflexiones
a partir del caso de Córdoba del Tucumán”. En Tau Anzoátegui, Victor, Alejandro Agüero (Coordinadores): El
derecho local en la periferia de la monarquía hispana. 1° edición-Buenos Aires: Instituto de Investigaciones de
Historia del Derecho, 2013.
24 Bandeira Galindo, George Rodrigo: “Legal transplant between time and space”, en Duve, Thomas (ed.) (2014),
Entanglements in Legal History: Conceptual Approaches, Global Perspectives on Legal History, Max Planck Institute
for European Legal History Open Access Publication, Frankfurt am Main, http://dx.doi.org/10.12946/gplh1

491
CARDENO DE RESUMOS – Direito e expansão da estatalidade

nos marcan que poseía una serie de elementos que la tornaban muy eficaz a
distintos niveles. En primer lugar la idea de defensa de derechos y garantías que
encarnaba en el sistema inglés toda forma de gobierno local. A su vez por su
condición de grandes propietarios les otorgaba una conexión necesaria entre el
poder central y el local. Por último la propia idea de justicia que encarnaban.
Una justicia rápida, sin mayores formalidades, y que tenía como fin último la
composición entre las partes.

Estas características propias del modelo inglés tuvieron, no todas, su corre-


lato al otro lado del canal de la mancha. Aquí los cambios que se dieron fueron
producto de una nueva concepción de la ley y el lugar que ocuparía la justicia
como poder dentro del entramado institucional de la Francia post-revolucionaria.

Nos resta por analizar en profundidad el traspaso a suelo americano. La


idea en este punto parte de la visión de comprender estos movimientos más
allá de las fronteras nacionales. La incorporación de la institución se fue dando
en forma prácticamente simultánea -Brasil, la provincia de Buenos Aires, y luego
varias jurisdicciones que componían el antiguo mosaico del virreinato del Rio
de la Plata- a lo largo de los primeros años de la década del 20. Por lo tanto
consideramos que un estudio integral de la institución nos permitirá comprender
con mayor densidad el proceso comentado.

Conclusión

Hasta el momento no contamos con un estudio sistemático y profundo


sobre la cuestión. Dentro de nuestra investigación nos proponemos abordar la
problemática teniendo en cuenta dos dimensiones que consideramos clave. La
primera de ellas será a nivel de cultura jurídica, esto es, como la cultura jurídica
de cada territorio modificó alguno de los elementos enunciados de manera
sustancial. El segundo nivel tiene como base comprender a la justicia de paz
dentro de un universo de instituciones con quienes compartía el gobierno de las
cuestiones locales. Es en esa interacción donde podremos ver efectivamente las
características que consideramos hicieron propia a la institución.

492
RESUMOS

DIREITO E JUSTIÇA NA AMÉRICA PORTUGUESA


IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

GUERRA JUSTA E ESCRAVIDÃO INDÍGENA


NA AMÉRICA PORTUGUESA: UMA ANÁLISE SOBRE O
MASSACRE DOS ÍNDIOS PAIAKU NA RIBEIRA
DO JAGUARIBE EM 1699

MARCOS FELIPE VICENTE


Graduando em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC
E-mail: marcos.felipev@yahoo.com.br

Eixo Temático: Direito e Justiça na América Portuguesa

Palavras-chave: Escravidão; Guerra Justa; Índios.

Introdução

No dia 04 de Agosto de 1699, o mestre de campo paulista Manoel Alva-


res de Moraes Navarro promoveu um atentado aos índios Paiaku, aldeados pelo
padre oratoriano João da Costa na ribeira do Jaguaribe. Na ocasião, se apresentou
com intenção de firmar um acordo de colaboração com aqueles indígenas para
fazer guerra a outros povos nativos.

Tal evento pode ter tomado como emblemático para análise da condi-
ção jurídica do índio na América portuguesa, uma vez que envolve uma série
de atores sociais e interesses distintos, passando por colonos, missionários e os
próprios índios.

Para a compreensão do evento narrado é importante perceber os múltiplos


processos que engendraram a situação do aldeamento. Após um longo período
de guerras, que durou meio século, paralelo à expansão do gado nas capitanias
do norte da colônia, o que provocou uma drástica redução das populações
indígenas, a questão do índio se tornou um importante tema de discussões nas
sedes administrativas metropolitanas, que por vezes, opôs colonos e missionários.
O principal ponto de divergência consistia na necessidade de civilizar, o que previa
a utilização da mão de obra, ou de extinguir os indígenas.

495
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

Na tentativa de atender a ambos os interesses, a Coroa Portuguesa produ-


ziu uma série de normas que, segundo alguns pesquisadores, oscilavam entre um
lado e outro, sendo, por diversas vezes, contraditória. Essa oscilação se daria pela
tentativa de atender a dois projetos igualmente importantes, porém incompatíveis,
para o sucesso da colonização. Sobre esses projetos divergentes, o evento de 04
de agosto de 1699 e as ações posteriores por ele provocadas podem oferecer
subsídios para reflexão.

Primeiramente, as justificativas para o ataque de Moraes Navarro, apresen-


tadas em suas cartas ao Rei e ao governador-geral, D. João de Lancastro, apontam
para uma orientação da política indigenista portuguesa relativa ao extermínio. Sob
a alegação de serem aqueles índios rebeldes e impedirem a paz nos sertões da
capitania, o mestre de campo usava a prerrogativa da guerra justa, regulamentada
pela primeira vez pela Lei de 20 de março de 1570, para combatê-los e escravizá-los.

A aplicabilidade da guerra justa estava ligada à definição do que era índio


amigo ou bravo, o que, segundo Beatriz Perrone-Moisés, indicava uma forma
orientada pela administração colonial de como deveriam ser tratados os nativos:
À diferença irredutível entre “índios amigos” e “gentio bravo” corresponde
um corte na legislação e política indigenistas que, encaradas sob esse pris-
ma, já não aparecem como uma linha tortuosa crivada de contradições,
e sim duas, com oscilações menos fundamentais. Nesse sentido, pode-se
seguir uma linha de política indigenista que se aplica aos índios aldeados
e aliados e uma outra, relativa aos inimigos, cujos princípios se mantêm
ao longo da colonização. Nas grandes leis de liberdade, a distinção entre
aliados e inimigos é anulada e as duas políticas se sobrepõem. (PERRO-
NE-MOISÉS, 1992, p 17).

Se a política indigenista da metrópole validava as duas diferentes formas


de trato com o índio, sobre a legitimidade da guerra aos Paiaku, uma verdadeira
batalha administrativa foi travada entre o Mestre de Campo Moraes Navarro e o
Oratório de Pernambuco, na tentativa de enquadrar aqueles índios em uma dessas
categorias, o que pode ser percebido pela importante documentação publicada
pelo Barão de Studart na Revista do Instituto do Ceará.

Os principais argumentos do sertanista paulista consistiam em acusar os


índios de violarem a paz estabelecida nos sertões, não honrando as amizades que
se esperavam dos mesmos, como súditos e vassalos do rei. Observa-se, nos docu-
mentos, que há uma tentativa de caracterizar os indígenas da etnia Paiaku como
bravos, insistindo no desrespeito do grupo à autoridade régia e à paz firmada com
os portugueses em 1696, quando foram aldeados pelo padre João da Costa. Não
é difícil recorrer a estes argumentos, uma vez que os nativos do sertão, chamados
de “Tapuia”, eram conhecidos por sua fama de bravos, inconstantes e incapazes
de preservar alianças. Pedro Carrilho de Andrade (1965), em sua Memória sobre

496
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

os índios no Brasil descreve os “Tapuia” como homens bárbaros, semelhantes aos


centauros descritos pelos poetas, meio homens, meio jumentos. Essa era, cer-
tamente, a imagem dos povos nativos do sertão para a administração colonial.

Além de caracterizar os Paiaku como selvagens e desleais, o mestre de


campo reforça os argumentos depreciativos, tentando distinguir os indígenas do
rancho do principal Genipapoassu dos demais daquela etnia, alegando que não se
tratavam de indígenas aldeados e, como tais, não estariam sujeitos à proteção do
missionário e mereceriam ser combatidos de forma a garantir a paz. A legislação
garantia aos índios aldeados uma condição de proteção aos ataques dos colonos,
como se pode observar no Regimento das Missões, de 1686, ou ainda, anterior-
mente, no Regimento passado ao Governador Geral do Estado do Maranhão
e Grão-Pará, em 1655. A devassa movida contra do mestre de campo Manoel
Alvares de Moraes Navarro evidencia, pois, essas disputas quanto à categorização
daqueles índios da etnia Paiaku, constituindo o objeto central deste trabalho.

Metodologia

O desenvolvimento deste trabalho se dá a partir da interpretação dos


fatos narrados e dos argumentos contidos na Devassa movida contra o mestre
de campo Manoel Alvares de Moraes Navarro em relação ao atentato realizado
contra os índios Paiaku, aldeados pelo padre João da Costa na Ribeira do Jaguaribe,
no Ceará, em 1699, tomando como referências as diferentes normas produzidas
pela coroa portuguesa, orientando o trato com os gentios na América.

Os documentos da devassa foram coletados e publicados pelo Barão


de Studart na Revista do Instituto do Ceará (1917) e apresenta um rico debate
quanto ao trato dos índios Paiaku, sendo apresentados como vassalos aldeados
pelo padre João da Costa, e como selvagens guerreiros pelo sertanista.

Para a compreensão da legislação, utilizaram-se algumas leis e ordens régias


mais relevantes e de alcance mais amplo, que visavam orientar o trato com os
nativos. Dentre elas, podem-se citar as leis de 20 de Março de 1570, 30 de Julho
de 1609, 10 de Setembro de 1611, 01 de Abril de 1680, Regimento das Missões,
de 1686, dentre outras provisões e regimentos. Essas normas tratam, dentre
outras coisas, da liberdade e proteção e da guerra justa que dava ao indígena.
Um excelente levantamento da legislação indigenista portuguesa foi realizado por
Perrone-Moisés (1992) e serviu de base para a elaboração deste trabalho.

Resultados

Esta pesquisa, ainda em desenvolvimento, aponta para duplicidade na forma


como os indígenas deveriam ser tratados. Representando as tensões existentes na

497
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

colônia, essa legislação tentava conciliar interesses de colonos e missionários, ao


mesmo tempo me que buscava uma forma legítima de se utilizar da mão de
obra indígena, fosse por meio do convencimento e do aldeamento, fosse por
meio da escravidão e da violência.

A aplicação dessas orientações variava conforme o índio era classificado


dentro da sociedade colonial, como manso ou bravo, tupi ou tapuia. Aos índios
mansos, aldeados, era conferida uma condição de aliado, sendo tratado como
servos do rei e merecedores dos mesmos benefícios dirigidos a outros súditos.
Ao índios bravos, os tapuias dos sertões, diante da resistência em se aldear e se
submeter à autoridade do branco, só restava o extermínio e o cativeiro.

Conclusão

A questão levantada nesse trabalho é exatamente perceber em qual


categoria se enquadravam os Paiaku, aldeados na Ribeira do Jaguaribe. Tendo
representado um sério obstáculo ao processo de povoamento da capitania do
Ceará, e se engajando durante décadas na resistência aos brancos na chamada
Guerra dos Bárbaros (STUDART FILHO, 1931), seria a aceitação do aldeamento
um elemento significativo para a mudança da condição ocupada por esses nativos
dentro da política indigenista portuguesa?

O que parece perceptível é que essa classificação fora muito tênue e, por
vezes, até mesmo explorada pelos povos indígenas, como forma de conseguir
benefícios para si e seus pares, apresentando-se também como elemento ativo
nessas disputas políticas, dentro do campo jurídico.

Referências bibliográficas
ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL. Vol 66, 1948.
ANDRADE, Pedro Carrilho. Memória sobre os índios no Brasil. Revista do Instituto
do Ceará. Ano 79, 1965.
COLEÇÃO STUDART. Documentos Relativos ao Mestre de Campo M. A. de
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498
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A DEVASSA CONTRA OS ILUSTRADOS


NEOCLÁSSICOS: A “INCONFIDÊNCIA CARIOCA”
DE 1794-1795

MATHEUS FARINHAS DE OLIVEIRA


Doutorando em Direito no PPGD da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Mestrando em Filosofia no PPGF da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Mestre em Direito no PPGDC na Universidade Federal Fluminense - UFF. CAPES.
E-mail: matheusfarinhas456@hotmail.com

Eixo temático: Direito e Justiça na América Portuguesa

Palavras-chave: Devassa; Ilustração; Administração do medo.

Introdução

A liberdade não parecia poder ser contida nas terras coloniais do final
do século XVIII. A clássica fábula escrita por La Fontaine, sobre o cão e o lobo
(BILAC, 1949), é ilustrativa da mentalidade de época. O Lobo seria feliz se quisesse
deixar tudo e seguir o cão, com comida à vontade, afeto, carinho e felicidade.
Entretanto, apercebendo-se do pescoço esfolado do Cão, ouviu horrorizado que
às vezes deixavam-no amarrado e colocou-se a fugir desesperado, pois que do
Cão não sentia inveja: antes livre, mas faminto, do que gordo, mas cativo!

Talvez por isso um dos principais autores proibidos pela coroa portuguesa,
insistentemente lido, era, justamente, La Fontaine. Uma das missões da devassa era
espraiar o medo; administrá-lo (SANTOS, 1992), a fim de domar as ideias liberais,
radicalizando o sistema de repressão desenvolvido pelos ilustrados na monarquia
esclarecida (FALCON, 1986), iniciada no governo josefino. Um problema surge
desse cenário: Qual a ligação do liberalismo com os “inconfidentes cariocas” neo-
classicistas? À esse somam-se outros problemas menores. Seria uma inconfidência,
uma conjuração ou apenas um encontro intelectual? Os réus realmente liam esses
livros? Havia um projeto de ruptura com o poder monárquico lusitano? Qual a
noção de brasilidade presente nesse suposto liberalismo?

499
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

As questões suscitadas só podem ser respondidas ante a compreensão da


mentalidade política da época. O esclarecimento lusitano do período josefino não
era liberal. A sua introdução no mundo lusitano ocorreu na reforma educacional
secular – reminiscência da ruptura regalista com a unidade ultramontana, mas
sem o ingresso total de ideias liberais. Cerceada pela Real Mesa Censória, tais
ideias eram alvo de um controle repressivo da Coroa. Ainda assim, na segunda
parte do século XVIII, não obstante os intelectuais ainda vivessem sob o jugo
do esclarecimento católico, demandavam por mais ideias liberais; o que incluía a
visão continental francesa.

A colônia tinha limites estreitos. No século XVIII, os limites geográficos da


cidade eram tão restritos que facilmente poderiam ser percorridos a pé. Havia,
ainda, poucos letrados, cujas leituras eram mantidas sob olhar estreito da inquisição
e, posteriormente, da Real Mesa Censória. Ademais, a ausência de uma imprensa
livre fez com que a cultura possuísse uma primazia de oralidade (SILVA, 2013),
o que parecia aproximar a interação intersubjetiva dos indivíduos na colônia:
as relações pessoais realizavam-se com um grau bastante próximo de afinidade.

Esse grau de proximidade faz ressaltar ainda mais o controle exercido pela
monarquia portuguesa. O cenário político de Portugal da década de noventa dos
setecentos era entendido como um reflexo espelhado da administração do medo,
que, na experiência lusitana, traduzia-se em dois modos de olhar a realidade: o medo
de parte dos intelectuais e negociantes, que não consideravam mais a monarquia
ilustrada como a melhor opção política - embora não tivessem a coragem para
romper com a base colonial de exploração que olhava apenas os interesses da
Metrópole; e o medo governista, que tentava barrar as ideias liberais, domando
o monstro paradoxal (MAXWELL, 1996) que, de um lado, admitia a ilustração,
mas, de outro, negava a possibilidade de introdução de ideias que pusessem a
monarquia em risco. Em outras palavras, significava evitar, a qualquer custo, um
mal que não se pode resistir (SILVA, 1789): o mal da liberdade.

A própria devassa é a fonte para compreender o que era lido na co-


lônia, dado a quantidade de citações na investigação. Contudo, não é a única.
Alguns intelectuais assistiam aos processos que ocorriam em terras estrangeiras e
buscavam mais contato com as ideias liberais. A prova mais direta de que essas
teses já tinham penetrado na colônia, através da obra de Mably (1789), era o
esboço de um Estatuto de reforma da Sociedade Literária encontrado na casa de
Manuel da Silva Alvarenga, com manifestos desejos democráticos de igualdade
e liberdade. Aqui revela-se, igualmente, o paradoxo entre liberdade e ilustração
controlada, pois que nele havia previsão de sigilo das discussões internas da So-
ciedade, justamente pela censura lusitana que se intensificara sob a administração
do conde de Resende, o vice-rei da época.

500
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Esse esboço era uma das provas contra os poetas que se encontravam
na casa de Silva Alvarenga, membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro.
Tal prova serviu para instrumentalizar o processo contra intelectuais que se apro-
ximavam dos autores liberais, contra os “inconfidentes cariocas”. Oficialmente, a
administração do medo tem seu início nas terras fluminenses em 11 de junho
de 1794, dia em que o conde de Resende enviou uma comunicação oficial ao
Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, mais especificamente ao desembargador
Antônio Dinis da Cruz e Silva, a fim de dar início à devassa contra os membros
da Sociedade Literária. Entretanto, o sistema de repressão por símbolos que susci-
tasse o cenário de terror deitava raízes anteriores: o julgamento dos inconfidentes
mineiros tinha ocorrido em solo carioca, bem como a devassa referente à carta
anônima movida contra o ilustrado juiz Baltasar da Silva Lisboa - desafeto pessoal
do Conde de Resende.

São citados na “devassa contra a Sociedade Literária” onze homens: Manuel


Inácio da Silva Alvarenga; João Marques Pinto; Mariano José Pereira da Fonseca,
bacharel em filosofia; Jacinto José da Silva, médico; Francisco Coelho Solano, pro-
prietário; Gervásio Ferreira, cirurgião; Antônio Gonçalves dos Santos, ourives; João
de Sá da Conceição, sapateiro; João da Silva Antunes, marceneiro; Francisco Antônio
Lisboa, entalhador e José Antônio de Almeida, estudante (SOUZA, 2001, p.86).

Metodologia

A metodologia utilizada foi a história das ideias do Quentin Skinner


(1966) e dos conceitos de Reinhart Koselleck (2001), que trazem um contexto
histórico, social e político para analisar temas de história. Isso significa, em outras
palavras, contextualizar aspectos políticos do passado, obedecendo seus limites
conceituais, montando uma genealogia dos autores que influenciaram os réus
da devassa carioca.

Resultados

A pesquisa obteve êxito em seu objetivo geral, comprovando a hipótese


de que os ilustrados da inconfidência carioca que eram réus da devassa foram
perseguidos por compartilhar de determinados princípios políticos e filosóficos
que seriam basilares ao decorrer da história constitucional brasileira. Entretanto, é
impossível saber se a acusação era justa ou injusta, conquanto fosse muito provável
que esses intelectuais se vissem críticos da administração do conde de Resende.

Conclusão

A discussão sobre a devassa conduzida pelo conde de Resende passa


por compreender o mundo cultural em que os personagens estavam inseridos.

501
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

É que se tratava de uma mentalidade de época, no sentido de um estilo que


englobava a arte, a literatura, o pensamento filosófico e a política. Dessa forma,
havia uma adesão em massa dos preceitos ilustrados e, com a importância dos
acontecimentos em França, as ideias liberais que refutavam muitos interesses da
coroa portuguesa passavam a pôr em discussão essa mentalidade de época.
Havia, portanto, a introjeção do pensamento liberal em pequenas doses para os
letrados do final do século XVIII, mais propriamente na década de noventa. À
isso, reagia a coroa com a administração do medo.

O ideal de igualdade absoluta entre os participantes era sem igual para


a época, principalmente com uma organização acostumada aos privilégios sociais
decorrentes das estirpes nobres. Mas os espaços eram muito diferentes. O libe-
ralismo ibérico ainda era muito diverso do proposto pelo pensamento francês.
Não obstante as denúncias realizadas nos autos da devassa, nunca ficou provado
que esses inconfidentes eram, propriamente, antirreligiosos. É que o regalismo era
bem mais sutil que o galicanismo. Além disso, o liberalismo na colônia convivia
com uma série de incoerências, como, por exemplo, a existência de escravos em
regime de exploração.

A literatura, na colônia, expressava esse paradoxo entre a centralização de


um sistema político e o apoio às ideias ilustradas que, por seus princípios, não
pareciam, quando olhadas superficialmente, distantes dos ideais de liberdade. Mas
no momento em que os ilustrados descobrem a repressão que esse pensamento
traria, não há mais volta. Sentem na pele o freio ao conhecimento imposto por
um regime autoritário em relação às ideias. O desejo de conhecer, que na década
de noventa do Setecentos significava saber sobre as produções intelectuais de
origem estrangeira e libertária, era tolhido pelo sistema de controle eficaz mon-
tado pelos portugueses. Na “Inconfidência Carioca”, esse projeto de derrocada da
monarquia ilustrada nunca chegou ao fim. Foi solapado pelo sistema eficiente de
repressão, composto por uma longa investigação que, mesmo sem chegar ao seu
final, produziu os objetivos esperados: a prisão de diversos intelectuais, privando-os
da própria expressão livre de suas ideias.

Referências bibliográficas

Fontes documentais
ADCRJB. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro:Biblioteca Nacional, v. 60,
1940, p. 265-313.
AURJ. 1794. SILVA, José Pereira da (org.)]Niterói: Arquivo Público do Estado do Rio
de Janeiro; Rio de Janeiro: UERJ, 1994, 229 p. 2ª ed. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002,
Gerais, 1978.
COMPÊNDIO histórico do estado da Universidade de Coimbra (1771). Coimbra:
Por Ordem da Universidade, 1972.

502
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Outras fontes
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celentissimo Luís de Vasconcelos e Sousa Em: Obras poeticas de Manoel Ignacio
da Silva Alvarenga, (Alcindo Palmireno). Brasilia. Bibliotheca Nacional dos melhores
auctores antigos e modernos / publicada sob os auspicios de S. M. I. O Sr D.
Pedro II. Rio de Janeiro : Pariz : B. L. Garnier ; Garnier Irmãos, 1864.
FALCON, Francisco José Calazans. Despotismo esclarecido. São Paulo, Ática, 1986..
FONSECA, Mariano José Pereira da. Máximas, Pensamentos e Reflexões (1839)
(1773-1848) —Marquês de Maricá. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura Funda-
ção BIBLIOTECA NACIONAL Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/
marica.html. Acesso em: 04/09/2016.
FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à história do direito. Curitiba: Juruá:
2009.
HESPANHA, António Manuel (coord.). O Antigo Regime (1620-1807). História de
Portugal dir. José Mattoso, vol. IV. Lisboa: Círculo de Leitores, 1993.
MABLY, Gabriel de. Des droits et des devoirs du citoyen.s.n.: Kell, 1789.
MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal : paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1996.
SANTOS, A. C. M. No Rascunho da Nação: Inconfidência no Rio de Janeiro. 1. ed.
Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
TUNA, Gustavo Henrique. Silva Alvarenga: representante das Luzes na América
portuguesa. 2009. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

503
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

JURISDIÇÃO DA PENA DE MORTE


NA AMÉRICA PORTUGUESA (1723-1808)

BÁRBARA BENEVIDES
Mestranda em História Social/Bolsista CAPES
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
E-mail: barbara.benevides@hotmail.com

Eixo temático: Direito e Justiça na América Portuguesa

Palavras-chaves: Pena de morte; América Portuguesa; Jurisdição.

Introdução

O modelo governativo luso, bem como sua estrutura judicial, serviu de


referência para o estabelecimento da administração e da configuração judiciária
da América portuguesa. A ordem política que começou a ser organizada no
Brasil esteve em sintonia com a que imperava em Portugal adotando soluções
governativas pautadas no Antigo Regime lusitano. Não obstante, é possível indicar
o termo “adaptação” como palavra chave de organização do Império Ultramarino.
Sua estruturação precisou conciliar as múltiplas realidades encontradas nos dife-
rentes e intermitentes territórios, assim como as intenções e oportunidades de
ocupação que se colocavam. O que resultou na construção de um ordenamento
marcado pela pluralidade, polivalência e maleabilidade. Deste modo, entende-se
que a colonização do Brasil não consistiu em um plano arquitetado, mas sim
em um processo contínuo que foi feito por meio de estratégias e adaptações.1

A implantação da pena de morte seguiu este mesmo ritmo, é possível


perceber que sua normatização acompanhou as transformações e adaptações
governativas e administrativas que aqui se estabeleceram. A morte foi prevista
como penalidade legal para crimes civis no Brasil de 1530 até 1891, e apesar de
ter estado presente desde os primórdios da conquista portuguesa, os estudos
sobre a pena capital no Brasil ainda são escassos e muito recentes, principalmente

1 COSENTINO, F. . “Construindo o Estado do Brasil: instituições, poderes locais e poderes centrais.” In: FRA-
GOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. . O Brasil colonial, 1443-1580. v. I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p.521;
528.

505
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

no âmbito da historiografia. Em razão disto, essa pesquisa objetiva contribuir com


a expansão das investigações sobre esta temática.

O presente estudo faz parte do projeto de mestrado em desenvolvimento,


“A Morte como Instrumento da Coroa: Pena de Morte e seus Rituais de Execução
no Brasil (1530-1808)”, que tem como proposta arquitetar um panorama geral
da pena capital abordando sua legislação, jurisdição, execução e seus rituais na
América Portuguesa ao longo da colonização. Neste trabalho buscamos estabelecer
um mapeamento da jurisdição da pena de morte no período de 1723 até 1808.
Observamos como foi realizada a delegação de poder e capacidade para processar
e sentenciar os réus com a pena capital, de acordo com as diferentes conjunturas
pelas quais a América Portuguesa passou no intervalo de tempo indicado. Bem
como, atentamos para o alcance da esfera de ação de cada oficial e as pessoas
que eram passíveis de serem condenadas. Assim, projetamos apresentar as dife-
rentes jurisdições da pena capital relacionadas principalmente à criação das Juntas
de Justiça (a partir de 1723) e do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751).

Metodologia

O estudo que aqui se apresenta segue a compreensão de António Manuel


Hespanha a respeito do caráter corporativo da monarquia do início da moder-
nidade, ao entender que o poder real, nessa conjuntura, se confrontava com
uma pluralidade de poderes adjacentes frente aos quais assumia uma hegemonia
simbólica. Similarmente, compartilhamos do entendimento de que durante o
Antigo Regime luso, a forma de governo adotada se enquadra na concepção de
monarquia pluricontinental apresentada por Nuno Gonçalo Monteiro, na qual
um único rei preside seu reino e suas diversas conquistas. Ademais, adotamos a
interpretação de Francisco Cosentino, que indica as dinâmicas sinodal e jurisdicio-
nal como aspectos desta monarquia corporativa e pluricontinental. Caracterizada
pela tomada de decisões colegiadas em conselhos diversos, a dinâmica sinodal
foi um mecanismo essencial do processo decisório. Especificamente a respeito
do funcionamento do arcabouço judiciário lusitano, Jean-Frédéric Schaub declara
que a justiça portuguesa se caracterizava por uma multiplicidade de jurisdições
e poderes estruturados em uma hierarquia de tribunais de natureza polissinodal.
Acerca do atributo jurisdicional, Cosentino indica que a tarefa de governar era
partilhada entre o rei e seus auxiliares. Como representante da unidade do corpo
político, o monarca tinha como objetivo de seu governo prezar pela “liberdade” de
cada corpo social para exercer sua própria função. Assim, mantendo a harmonia
do reino, atingiria a finalidade máxima dos governos e da atuação do poder real
português, a justiça.2
2 HESPANHA, A. M. . Justiça e Litigiosidade: História e Prospectiva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993,
p. 297; FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. . (org.) Na trama das redes: políticas e negócios no império português,
séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 18; COSENTINO, F. . Hierarquia política e poder
no Estado do Brasil: o governo geral e as capitanias, 1654-1681. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 16, n. 31, p.

506
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Tomamos como base estrutural as referências conceituais indicadas e com


intuito de mapear o estabelecimento da pena máxima na América portuguesa, e
a delegação de sua jurisdição, utilizamos principalmente as atribuições presentes
nos regimentos de oficiais, organizadas por Graça Salgado, em Fiscais e Meirinhos.
Complementamos os dados encontrados com informações fornecidas principal-
mente por Stuart Schwartz em Burocracia e Sociedade, e referências oriundas de
estudos mais recentes, como os realizados por Arno Wehling e Maria José Wehling
a respeito da Relação do Rio de Janeiro, Francisco Cosentino sobre as hierarquias
políticas e o poder no Estado do Brasil, e de Isabele de Matos Pereira de Mello a
cerca dos ouvidores gerais.3 Correlacionamos essas informações bibliográficas com
fontes oriundas do Projeto Resgate referentes à criação das Juntas de Justiça no
século XVIII. A documentação analisada foi trabalhada qualitativamente através
da análise de texto, e consiste em Consultas e Pareceres ao/e do Conselho Ul-
tramarino, Cartas Régias e cartas de autoridades coloniais ao rei.4

Resultados parciais:

Através deste estudo foi possível perceber que ao longo dos anos analisados
a normatização da pena de morte passou por alterações e adaptações concer-
nentes a quem detinha sua jurisdição, em que espaço, e em quem ela poderia
ser aplicada. Todas essas alterações acompanharam as mudanças administrativas
da colônia e corresponderam a diferentes demandas oriundas dos estágios de
ocupação do território da América portuguesa. Observamos que a partir do
final do século XVII a pena capital foi requerida por oficiais ao rei (governadores
gerais e ouvidores gerais das capitanias, ouvidores gerais das comarcas e oficiais
da Câmara) como um elemento importante para manutenção da ordem e boa
administração da justiça. Tal capacidade passou a ser concedida a nível local por
meio da constituição das Juntas de Justiça. É concebível que por conta disso a
pena de morte tenha se tornado mais “acessível” e possivelmente mais aplicável.
Podemos inferir também que a jurisdição da pena última acompanhou o de-
senvolvimento da colonização, e o estabelecimento de uma sociedade pautada
pelas hierarquias sociais característica do Antigo Regime, as distinções punitivas

515-543, jul./dez. 2015. P.518-519; SCHAUB, J. . Portugal na Monarquia Hispânica. Lisboa: Livros Horizonte, 2001,
p. 26-27; p. 9; COSENTINO, F.. “Governo-Geral do Estado do Brasil: governação, jurisdição e conflitos (séculos
XVI e XVII)”. In: FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. . (Org.). Op. Cit., p.405-407.
3 SALGADO, G. (Coord.). Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 1985; SCHWARTZ, S. B. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: O Tribunal Superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das Letras, 2011; WEHLING, A.; WEHLING, M. J. Direito de
Justiça no Brasil Colonial – O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004;
COSENTINO, F. . Hierarquia política e poder no Estado do Brasil... Op. Cit., p.27; 524; COSENTINO, F. . Gover-
no-Geral do Estado do Brasil... Op. Cit.; COSENTINO, F. . Construindo o Estado do Brasil... Op. Cit.; MELLO, I.
de M. P. de. Magistrados a serviço do rei: a administração da justiça e os ouvidores gerais na comarca do Rio
de Janeiro (1710-1790). 2013. 360 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade
Federal Fluminense Niterói, 2013. Disponível em: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1530.pdf
4 VAINFAS, R.; CARDOSO, C. F. . “História e análise de textos” in VAINFAS, R.; CARDOSO, C. F. (Org.). Do-
mínios da História: Ensaios de teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

507
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

determinadas pela qualidade dos réus estão ali presentes. Auferimos que as auto-
ridades coloniais, no período estudado, não possuíam legalmente jurisdição para
por si só condenar à morte pessoas de maior qualidade.

Conclusão

Conforme indicado anteriormente, são poucos os trabalhos a respeito da


pena de morte no Brasil. Em razão disto, essa pesquisa objetiva contribuir com a
expansão dos estudos sobre esta temática. Até o presente momento desconhe-
cemos trabalhos que apresentem a organização da pena de morte na América
lusa. Consideramos que a reconstrução dessa estrutura jurisdicional possibilita um
melhor entendimento sobre a forma pela qual deveria se proceder nos casos
que requeressem a condenação à morte natural. Entendemos que compreender
a esquematização legal da pena capital se torna imprescindível para que se possa
pensar na sua efetiva aplicação.

Referências
COSENTINO, F. . “Construindo o Estado do Brasil: instituições, poderes locais e
poderes centrais.” In: FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. . O Brasil colonial, 1443-1580.
v. I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
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FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. de F. . (org.) Na trama das redes: políticas e negócios
no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
HESPANHA, A. M. Justiça e Litigiosidade: História e Prospectiva. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1993.
MELLO, I. de M. P. de. Magistrados a serviço do rei: a administração da justiça e
os ouvidores gerais na comarca do Rio de Janeiro (1710-1790). 2013. 360 f. Tese
(Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Flu-
minense Niterói, 2013. Disponível em: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1530.pdf
SALGADO, G. . (coord.). Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SCHAUB, J. . Portugal na Monarquia Hispânica. Lisboa: Livros Horizonte, 200.
SCHWARTZ, S. B. . Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: O Tribunal Superior
da Bahia e seus desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das Letras,
2011, p. 9.
VAINFAS, R.; CARDOSO, C. F. . “História e análise de textos”. In: VAINFAS, R.;
CARDOSO, C. F. (Org.). Domínios da História: Ensaios de teoria e Metodologia.
Rio de Janeiro: Campus, 1997.
WEHLING, A.; WEHLING, M. J. . Direito de Justiça no Brasil Colonial – O Tribunal
da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

508
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A CONSTITUIÇÃO DE CÁDIZ DE 1812


E O CONSTITUCIONALISMO
REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO DE 1817

LEONARDO MORAIS DE ARAÚJO PINHEIRO


Mestrando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF).
Email: leo_pinheiro@hotmail.com

Eixo temático: Direito e Justiça na América Portuguesa.

Palavras-chave: Constitucionalismo brasileiro; Constituição de Cádiz de


1812; Revolução Pernambucana de 1817; Lei Orgânica de 1817.

Introdução: O final do século XVIII e início do século XIX no Brasil e em


toda américa espanhola, como amplamente conhecido, é fortemente marcado
pelos desdobramentos políticos das revoluções ocorridas no hemisfério norte,
mais precisamente a francesa, bem como pela independência americana em 1776.
Os ideais iluministas e liberais de republicanismo e de independência passam a
povoar as conversas das mais altas classes não apenas da Europa, mas também
dos territórios então colonizados.

No Brasil não foi diferente. Veja-se, portanto, a inconfidência mineira de


1789, a Conjuração Baiana em 1798, a Revolução Pernambucana de 1817 e o
levante conhecido como a “Confederação do Equador” ocorrido na província
de Pernambuco em 1824. Sem esquecer da própria independência brasileira que,
nada obstante tenha mantido a família real de Bragança no poder e constituído a
única monarquia da américas, de uma forma ou de outra sofreu forte influencia
de tais ideais, vide a constituição de 1824.

O corrente ano é marco temporal no cumprimento dos 200 anos da


Revolução Pernambucana de 1817. Tal movimento de caráter emancipacionista
ocorrido no nordeste do Brasil, na então Capitania de Pernambuco, deixou como
resultado, dentre muitos outros, a elaboração de um documento fundacional
para a criação um novo Estado independente na América. Documento este que,

509
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

denominado de “Lei Orgânica da República de Pernambuco”, é algumas vezes lem-


brado como sendo o primeiro projeto de constituição dado em terras tupiniquins.

Logicamente que tal movimento revolucionário pernambucano, assim


com os demais, foi reação a fatores políticos que impunham condições adversas
à manutenção da unidade à época. Nesse sentido, defende-se que a Revolução
Pernambucana de 1817 tem como início os desdobramentos seguidos com chegada
da família real à América Portuguesa, hoje Brasil, em 1808. O comportamento
da corte portuguesa na busca pela manutenção de seus luxos e privilégio e a
necessidade de adequação do Rio de Janeiro como cidade apta à abrigar a capital
de um reino, exigiram enorme esforço dos nativo locais em bancar o projeto real.
Como observa Adhemar Ferreira Maciel, in verbis:
Os pernambucanos, que bem sucedidamente haviam expulsado os ho-
landeses, mantinham ativo comércio do algodão diretamente com os
ingleses. O mesmo não se dava com a cana-de-açúcar, que tinha que
passar necessariamente pelos entrepostos portugueses. Seja por razões
econômicas, seja até por influências maçônicas, o certo é que desde 1815,
com a volta de Domingos Martins da Europa, também se conspirava
abertamente em todo Nordeste para a instalação de uma república no
Brasil. No dia 1o de março de 1817, o ouvidor de Pernambuco recebeu
denúncia de que se preparava uma sedição que arrebentaria na Páscoa.
Comunicou o fato ao governador. Dias mais tarde, um emissário do go-
vernador foi morto por oficiais amotinados. A Revolução de 1817, assim,
acabou por eclodir antes da hora marcada. O governador foi deportado
para o Rio de Janeiro. A junta governativa baixou um decreto acabando
com os títulos nobiliárquicos. Mexeu-se até no pronome de tratamento,
que seria “vós”. Os cidadãos deveriam ser tratados por “patriotas”. Criou-
se uma bandeira. Pensou-se na fundação de uma nova capital para a
república. Cogitou-se da convocação de uma constituinte. O cônsul da
Inglaterra pediu credenciamento à junta governativa. Foi designado um
cônsul estadunidense para a nova república. Um comerciante inglês no
Recife partiu para Londres com o intuito de obter de Hipólito José da
Costa seu assentimento para que representasse o novo Estado junto ao
governo britânico. No dia 8 de março (1817), montou-se, com material
fornecido por um inglês, uma tipografia, onde se imprimiu o manifesto
revolucionário.5

O Manifesto Revolucionário mencionado é justamente a Lei Orgânica


da República de Pernambuco de 1817. Diploma legal este que, dotado de 28
mandamentos, configura um verdadeiro ensaio do constitucionalismo liberal e
divulga os princípios da Revolução. Conforme explica Paulo Bonavides, in verbis:
“Com efeito, o Governo Provisório da República de Pernambuco decretava
em março de 1817 aquela lei constante de 28 artigos e que tinha todas as
características de um ato constituinte provisório, semelhante na essência ao
5 MACIEL, Adhemar Ferreira. Observações sobre o constitucionalismo brasileiro antes do advento da república.
In Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 39 n. 156 out./dez. 2002

510
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

decreto no 1 de 15 de novembro de 1889, mediante o qual se decretou


a queda do Império, a instituição da República, o fim do Estado unitário,
o advento da Federação e a criação da forma presidencial de Governo.”
(BONAVIDES, Paulo, 2000, 160)6

São estes princípios inegavelmente de origem e influência do iluminismo


francês e do liberalismo anglo-americano. É bastante farta, portanto, o rol de
autores que indicam a independência americana e a revolução francesa como
fontes diretas de influência na revolução pernambucana de 1817. Contudo, a
historiografia brasileira aparentemente desconsidera um importante processo re-
volucionário ocorrido alguns anos antes da eclosão da Revolução Pernambucana
no Brasil, e consequentemente do advento da sua Lei Orgânica. Sendo ele, por-
tanto, resumido na Constituição de Cádiz do ano de 1812. Processo este cuja
influência não se limitou ao território espanhol, conforme nos diz Helga Maria
Saboia Bezerra, in verbis:
Não se restringiu à Espanha, às Filipinas e a toda a América Espanhola.
Seu modelo foi adotado em Portugal, no Brasil, na Rússia, na Noruega,
no Reino das Duas Sicília (Piemonte e Sardenha), para citar apenas al-
guns exemplos. Foi a quarta Constituição a surgir no mundo, depois da
dos Estados Unidos (1787), da França (1791) e da Suécia (1809), mas a
primeira em importância e a que mais países influenciou.7

Para autora, a Constituição de Cádiz de 1812, também conhecida como


Constituição Gaditana, “inaugurou o liberalismo político, fundando o princípio de
soberania nacional, e legitimou a transformação de súditos em cidadãos, ajudando
a iluminar um mundo dominado pelas trevas do absolutismo”8.

Diferentemente do entendimento de nação histórica advindo com o art.


3º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na Constitui-
ção de Cádiz o mesmo é ampliado para uma compreensão de nação política,
da seguinte forma: “La Nación española es la reunión de todos los españoles de
ambos hemisférios”.

Tal avanço em relação ao entendimento ao conceito de soberania po-


demos ver no tópico preambular da Lei Orgânica da Revolução de 1817 da
seguinte forma, in verbis:
O Governo Provisório da República de Pernambuco, revestido da So-
berania pelo povo, em quem ela só reside, desejando corresponder à
confiança do dito povo, e conhecendo que sem formas e regras fixas e
distintas o exercício das funções que lhe são atribuídas, por vago, inexato
e confuso, não pode deixar de produzir choques, e dissensões sempre
6 BONAVIDES, P. A evolução constitucional do Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 14, n. 40, p.160, 2000.
7 BEZERRA, Helga Maria Saboia. A Constituição de Cádiz de 1812. In Revista de Informação Legislativa. Senado
Federal, 2015.
8 Idem.

511
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

nocivas ao bem geral, e assustadoras da insegurança individual, fim e


alvo dos sacrifícios sociais.

Assim, vemos que o conceito de nação oriunda do povo prescrito na


Lei Orgânica de 1817 vai muito mais ao encontro do conceito de nação política
da Constituição de Cádiz do que propriamente do conceito de nação histórica
proclamado pela revolução francesa.

Existem inúmeras outras semelhanças entre os dois diplomas aqui desta-


cados. Porém, o presente trabalho não tem a intenção de comparar uma análise
comparativa exaustiva de ambos. Mas, apenas tecer alguns comentários sobre
eles, inclusive porque a pesquisa ainda se encontra em fase inicial. Portanto, os
resultado ainda são incipientes. Embora se baseie metodologicamente no con-
fronto dos dispositivos legais dos mencionados textos, bem como na consulta à
literatura especializada sobre o tema.

Entretanto, algumas conclusões já podem ser destacadas como o inci-


piente conteúdo historiográfico brasileiro em relação à influência da Constituição
de Cádiz de 1812 no Brasil, mais especificamente na Lei Orgânica da República de
Pernambuco e no constitucionalismo brasileiro à época. Da mesma forma, pode-
se concluir que dada a influência espanhola em diversos territórios ultramarinos
(América e Ásia), e até mesmo em Portugal, a constituição de 1812 teve papel
estratégico em consolidar os princípios do iluminismo e do liberalismo em um
único diploma legal, o que facilitou a difusão e a influencia dessa obra pelo mun-
do. Em Portugal, Cádiz de 1812 foi base instrumental para o levante conhecido
como Revolta Liberal do Porto, eclodido em 1820. Porém, gestado com mais
força ao longo da segunda década do século XIX, e que sem sombra de dúvida
influenciou a revolução pernambucana de 1817. Temos assim, no mínimo, uma
influencia oblíqua de Cádiz em Pernambuco.

Referencias
BEZERRA, Helga Maria Saboia. A Constituição de Cádiz de 1812. In Revista de
Informação Legislativa. Senado Federal, 2015.
BONAVIDES, P. A evolução constitucional do Brasil. Estudos Avançados, São Paulo,
v. 14, n. 40, p.155-176, 2000.
MACIEL, Adhemar Ferreira. Observações sobre o constitucionalismo brasileiro
antes do advento da república. In Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 39
n. 156 out./dez. 2002.

512
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 1817


E O DILEMA CONSTITUCIONAL

MARCELO CASSEB CONTINENTINO


Professor Adjunto da Faculdade de Direito do Recife/UFPE
Email: macasseb@gmail.com

Eixo Temático: Direito e Justiça na América Portuguesa

Palavras-chave: Revolução Republicana de 1817; Constitucionalismo; His-


tória de Pernambuco.

A presente pesquisa tem por objeto a Revolução Republicana de Pernam-


buco em 1817, que, neste ano, completa seu Bicentenário. Seu objetivo precípuo
consiste em explorar o que os revolucionários republicanos do século XIX pre-
tendiam com a emancipação do Reino de Portugal, mediante a proclamação de
uma Constituição e de uma nova ordem política.

Eclodida em 6 de março de 1817, a Revolução Republicana de 1817 tem


ampla significação política e marca profundamente a história do Brasil, em face
de diversos motivos: foi, no dizer de Evaldo Cabral de Mello (2004), a primeira
independência do Brasil com a introdução de inédita e efetiva experiência de
governo republicano, no qual se proclamava a igualdade de todos perante a lei.

A motivá-la, causas mais diretas podem ser apontadas: carga tributária


excessiva a que era submetida, por ser a Capitania de Pernambuco uma das mais
rentáveis do Reino; a grande seca de 1816, que afetou a produção de alimentos
de subsistência, aumentando o custo de vida; o declínio da exportação do açúcar
e do algodão; a longeva hostilidade entre portugueses e brasileiros (ou portugue-
ses americanos), extremada em razão de os portugueses serem designados para
altos cargos administrativos e de serem credores dos grandes proprietários rurais
exportadores (nativos), devido à existência de regras comerciais leoninas.

Ainda, o impacto nas relações políticas e sociais, oriundo da “interiorização”


da Metrópole. Com a chegada de D. João VI e da família real para a Colônia
Brasil, elevada à categoria de Reino Unido a Portugal em 1815, assistiu-se à gradual
transformação na condução político-administrativa das Capitanias, o que afetou

513
CARDENO DE RESUMOS – Direito e Justiça na América Portuguesa

sensivelmente os diferentes graus de autonomia existente. No caso especial de


Pernambuco, que enfrentara a guerra de expulsão contra os holandeses, sedimen-
tara-se a identidade pernambucana alicerçada sobre o ideário da autossuficiência
e da relativa independência da Capitania.

Nesse contexto, é de destacar-se a intensa circulação de ideias (“novas”)


desde o início do século XIX, que ressignificariam as práticas políticas locais (e
nacionais) a partir da linguagem dos direitos individuais, perfilhada nas luzes
europeias e americanas, de modo que pensadores como Condorcert, Voltaire,
Rousseau, Sieyès, Mably, Montesquieu tornaram-se autores bem conhecidos àquele
tempo na Capitania de Pernambuco.

Dentre seus desdobramentos, aponta-se a edição pelo Governo Provisório


da Lei Orgânica de 1817, que segundo, o monsenhor Francisco Muniz Tavares
(1917, p. CCIII), tinha por objetivo viabilizar uma mínima estruturação orgânico
-política, legitimando sua condução pelos líderes revolucionários.

A Lei Orgânica de 1817 tratou da estrutura dos poderes políticos, ado-


tando a separação tripartite dos poderes ao cuidar do Poder Legislativo (arts. 4º
e 5º), Executivo (arts. 8º a 12) e Judiciário (arts. 13 a 20), bem como avançou
em temas de direitos individuais, tais como liberdade de imprensa (art. 25) e
tolerância religiosa (art. 23). Sob esse prisma, parece adequado caracterizá-la como
verdadeira “Constituição”, já que garantiu direitos e a separação dos poderes, an-
tecipando, de certa forma, garantias hoje presentes na Constituição Federal de
1988. A Lei Orgânica, que faria as vezes de uma Constituição e seria promulgada
pela Assembleia Constituinte a ser convocada (art. 28), foi imprescindível para
legalizar e legitimar o Governo Provisório.

Qual o significado dessas marcantes circunstâncias jurídico-políticas?

Argumenta-se, a título de conclusão, que as garantias constitucionais e os


princípios fundamentais (liberdade, igualdade, legalidade e propriedade) proclama-
dos e previstos na Lei Orgânica de 1817, lastreados no constitucionalismo francês,
inglês e norte-americano, devem ser compreendidos como parte integrante de nos-
sa identidade cultural e constitucional. Desse modo, reside o aprendizado político
e jurídico de que nossa atual Constituição Federal deve ser compreendida como
um projeto de efetivação constitucional cuja essência assenta-se numa identidade
constitucional, cujos pressupostos deixam-se reconduzir há mais de dois séculos.

Referências bibliográficas
DOCUMENTOS HISTÓRICOS. A Revolução de 1817. Vols. CI a CIX. Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, 1953.

514
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1817: estrutura e comportamentos sociais. Recife:


Massangana, 1988.
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MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência (o federalismo pernambucano
de 1817 a 1824). São Paulo: Editora 34, 2004.
QUINTAS, Amaro. A Revolução de 1817. In: Amaro Quintas: o historiador da
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SIQUEIRA, Antônio Jorge. Os padres e a teologia da ilustração: Pernambuco 1817.
Recife: UFPE, 2009.
TAVARES, Francisco Muniz. História da revolução de Pernambuco em 1817. 3. ed.
Recife: Imprensa Industrial, 1917.
VEIGA, Gláucio. História das ideias da Faculdade de Direito do Recife. Vol. I. Recife:
Universitária, 1980.

515
RESUMOS

HISTÓRIA DO DIREITO E TRANSIÇÕES POLÍTICAS


IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A DITADURA MILITAR BRASILEIRA


CAPTADA PELAS LENTES DO CINEMA.
PROJETO MARCAS DA MEMÓRIA

MARÍLIA KAIRUZ BARACAT


E-mail: kairuzbaracat@gmail.com

Eixo temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-caves: Ditadura Militar; Cinema; Projeto Marcas da Memória.

Introdução

É sabido que a sociedade brasileira pouco conhece o período histórico


concebido como ditadura militar brasileira. Pouco se sabe dos crimes cometidos
e menos ainda sobre as consequências históricas vistas e vividas até os dias atu-
ais. Conhecer pouco os arbítrios daquele período está profundamente ligado à
baixa densidade democrática que assistimos atualmente no Brasil. Quando não
se conhece bem a extensão, profundidade e gravidade de regime de exceção,
pouco se atribui valor a regime democrático. Neste sentido, ganha relevo proje-
tos como o Marcas da Memória que aborda a ditadura brasileira por meio de
produções audiovisuais nacionais, com histórias pouco conhecidas que traduzem
em certa medida o desconhecimento da própria sociedade brasileira a respeito
deste recente período vivido pelos brasileiros.

A arte ao mesmo tempo em que é a catalisadora da própria cultura


de uma sociedade em um tempo específico, também pode ser por meio dela
que se apresentem, se fomentem outras abordagens a respeito de um período
histórico. Os filmes podem ser entendidos como produções culturais que são,
concomitantemente, produto e produção social1.

Se o cinema nacional mostra o que determinada sociedade pensa a respeito


de um tema, podemos dizer que a ditadura brasileira é pouco conhecida pelo
conjunto de sua população, sendo pouco tratada pela indústria cinematográfica

1 Neste sentido vide LEME, Caroline Gomes. Ditadura em Imagem e Som: trinta anos de produções cinema-
tográficas sobre o regime militar brasileiro. 1 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2013

519
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

e, por conseguinte, pouco exibida pelas salas de cinema. Se na Argentina o cida-


dão conhece bem os horrores daquela ditadura, tendo uma extensa e excelente
produção cinematográfica a respeito, no Brasil não se pode afirmar o mesmo.
É por esta vertente que ganha relevância projetos como o Marcas da Memória
que impulsionou e impulsiona a produção audiovisual brasileira a tratar de sua
história recente e de seus desdobramentos.

O projeto Marcas da Memória apresenta-se como verdadeira política


pública que fomenta a produção audiovisual brasileira acerca do tema deste
trabalho de pesquisa. Ele foi instituído em 2008 pelo Ministério da Justiça com o
objetivo de resgatar a memória das vítimas da ditadura, construindo um acervo
de fontes orais e audiovisuais. No trabalho em epígrafe, o foco será na memória
audiovisual. Além disso, o Marcas da Memória possui relação umbilical com os
trabalhos da Comissão da Anistia, com especial atenção às Caravanas da Anistia.
Também foram por intermédio delas que se conheceram os relatos sobre prisões,
torturas e demais arbitrariedades do período. Outra característica fundamental do
Marcas da Memória é que ele traz à tona a opinião das pessoas, a experiência
vivida por cada um sobre os horrores do período, afastando-se, assim, das opiniões
governamentais e das instituições do Estado2.

É com base nas experiências individuais documentadas pelas lentes do


cinema que a sociedade brasileira poderá pactuar sobre o que compreende
por ditadura militar, atribuir maior ou menor importância à Lei da Anistia e
rechaçar novos períodos que se caracterizem por ser autoritários e de exceção.
Dessa forma, o impacto da produção audiovisual que será estudada vai além da
reparação da dor e injustiça sofridas pelos depoentes e perseguidos políticos. O
diretor ao abordar tal temática escolhendo a via do documentário, ele interfere na
realidade e quer recontar os fatos históricos à medida que constrói sua narrativa.
Para BATISTA (2009:138): “quando um diretor decide fazer um documentário,
está optando, de fato, por realizar uma intervenção na realidade, percorrer um
percurso partilhado com o espectador”.

Não se pode olvidar o poder da imagem, a força impactante da imagem


audiovisual. De acordo com a temática a ser desenvolvida, há que se considerar
a imagem do Direito projetada pelo cinema. Para Douzinas, a constituição do
moderno sujeito de direitos (ou atores sociais) somente pode ser obtida por meio
da articulação: “a força do direito depende da inscrição na alma, de um regime
de imagens” (DOUZINAS, 2007)3. Entretanto, na corrente teórica que advoga
2 “O projeto Marcas da Memória reúne depoimentos, sistematiza informações e fomenta iniciativas culturais
que permitam a toda sociedade conhecer o passado e dele extrair lições para o futuro. Reitera, portanto, a
premissa que apenas conhecendo o passado podemos evitar sua repetição no futuro, fazendo da Anistia um
caminho para a reflexão crítica e o aprimoramento das instituições democráticas”. Fonte: http://justica.gov.br/
seus-direitos/anistia/projetos#projeto-marcas-da-mem-ria
3 Op. cit. em “Direito, Imagem e Tecnologia: uma iconologia digital da soberania popular e do estado de

520
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

pelo positivismo jurídico observa-se uma separação dos mundos da Arte e do


Direito. Para os positivistas, o direito é considerado como um sistema técnico e
hermeticamente fechado, sem influências do ambiente externo e sem influenciar
o que está fora do sistema jurídico. Neste trabalho buscar-se-ão elementos que
comprovem que esta separação do sistema jurídico é ficção dogmática, sendo a
imagem projetada do Direito pelo cinema relevante para solução dos problemas
trazidos no projeto de pesquisa e verificando a assertividade das hipóteses.

Fazendo uma alusão, Batista considera que a força da imagem do Direito


pode ser vista como uma “extensão de nossas vidas, espelhos de nosso mundo”
(BATISTA: 2009, 137). Eis a força dos documentários. Mostram a realidade e inter-
ferem na realidade audiovisualmente criada por meio de uma narrativa. A força
da imagem do Direito, imagem - movimento é estratégica para a compreensão
histórica do que se quer contar.

Metodologia

A pesquisa buscará respaldo na literatura sobre a ditadura militar no Brasil


e a transição política, incluindo a reflexão cinematográfica sobre o período. Os
referenciais teóricos fundamentais encontram-se no campo da pesquisa sobre
Direito e Arte, Direito e Cinema, notadamente Luis Alberto Warat, Costas Dou-
zinas, dentre outros. O método de abordagem do trabalho será o dedutivo na
organização dos temas gerais, como por exemplo, ditadura militar, arte, cinema,
produção cinematográfica e etc. Por sua vez, o método indutivo será utilizado
no estudo e análise específica dos filmes que integram o Marcas da Memória
com vistas a confirmar ou não as hipóteses levantadas neste trabalho bem como
propor elementos para que os problemas mencionados sejam analisados com
sucesso. Dentro da análise detalhada de cada filme é importante sublinhar o que
o diretor priorizou, mostrou e, sem menos importância, o que silenciou. Analisar
a narrativa construída em cada película com base nos relatos que embasam os
documentários, valorizando a maneira pela qual a história é contada4 será traba-
lho árduo e vital para a conclusão deste trabalho. Verificar a abordagem sobre
a violência do Estado, para além de denúncias sobre tortura.

Resultados parciais

Após análise da maioria dos filmes que integram o Projeto Marcas da


Memória pode-se observar que a menção a fatos históricos acontece na medida
em que se contam as experiências individuais vividas pelos personagens à época.
exceção”. Autor: Marcus Vinicius A.B. de Matos. Projeto de Pós-Doutorado Junior – PDJ - CNPQ. Supervisão:
Prof. Drª. Juliana Neuenschwander Magalhães.
4 “Não importa apenas o que o filme diz, mas como diz. Importa a maneira pela qual a história é construída
audiovisualmente” (SORLIN, 1985:1994). Op. cit. em LEME, Caroline Gomes. Ditadura em Imagem e Som: trinta
anos de produções cinematográficas sobre o regime militar brasileiro. 1 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2013.

521
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

Evidencia-se uma necessidade de quem conta estas histórias de marcar, registrar


tais fatos na historiografia brasileira.

Os filmes trazem o tema do Direito, da Anistia, das torturas, do cerce-


amento das liberdades públicas pela ótica do realismo, do vivido, do sentido,
enfim, da experiência humana. Criando-se imagens audiovisuais poder-se-á existir
no imaginário coletivo. Existindo, poder-se-á conhecer, debater, avaliar, corrigir os
rumos, entender o processo histórico e a própria democracia. A eficácia do Direito
perpassa pela força da imagem. O Direito alimenta o Cinema e, este, alimenta o
Direito. O Direito não existe sem sua própria imagem.

Conclusões

A baixa densidade democrática vista em nossos dias pode estar atrelada


à falta de acerto de contas com o passado. Os crimes não foram julgados, a
anistia fora concebida como esquecimento. É necessário conhecer, julgar, corrigir
e avançar. Determinados crimes não podem ser apagados da memória da hu-
manidade sem seu julgamento. Não se pode interpretar a Lei da Anistia sob o
manto da ordem constitucional que imperava naquele momento. Em suma, a Lei
da Anistia deve ser interpretada de acordo com os princípios informadores da
Constituição Federal de 1988, especialmente o da dignidade da pessoa humana.

Para finalizar, é conhecendo audiovisualmente o passado que a sociedade


brasileira poderá escolher melhor o futuro. Futuro este calcado na democracia
com respeito integral aos direitos humanos. Neste sentido, as artes em geral e,
mais especificamente, o cinema, a imagem - movimento, desempenham papel
fundamental.

Referências bibliográficas
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DELEUZE Gilles. A Imagem-Movimento. Cinema 1. 2ª edição. Lisboa: Assírio &
Alvim, 2009.
La imagen-tiempo. Estudios sobre cine 2. 1ª edición. Buenos Aires: Paidós, 2005.
DOUZINAS, Costas e NEAD, Lynda. Law and the Image. The Authority of Art
and the Aesthetics of Law. The University of Chicago Press.1999.
LEME, Caroline Gomes. Ditadura em Imagem e Som: trinta anos de produções
cinematográficas sobre o regime militar brasileiro. 1 ed. São Paulo: Editora Unesp,
2013.
MARX, Ivan Cláudio. Justicia Transicional. Necesidad y Factibilidad del juicio a los
crímenes cometidos por los agentes del Estado durante la última ditadura militar
en Brasil. 1ª ed. La Plata: Al Margen, 2013.

522
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PRONER, C.; ABRÁO, P. (Org.) ; Fico, Carlos (Org.) ; MELLO, P. J. S. (Org.) ; BOI-
TEUX, L. (Org.); BERNER, V. B. (Org.) ; Moreira Filho, José Carlos (Org.) ; GENRO,
Tarso (Org.) ; GANDARA CARBALLIDO, M. E. (Org.) ; VALPUESTA FERNANDEZ,
Rosario (Org.) ; Torelly, M. (Org.) . Justiça de transição. Reparação, verdade e justiça.
Perspectivas comparadas Brasil-Espanha. 01. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013.
RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 1ª
edição, 2012.
SANTOS, Boaventura de Souza (Org.), ABRÃO, Paulo (Org.), SANTOS, Cecília M.
(Org.) e TORELLY, Marcelo D. (Org.). Repressão e memória política no contexto
ibero-brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal.
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SILVA, Nádia T. A produção de Direito no Cinema. Um estudo sociológi-
co. http://www.direito.ufrj.br/ppgd/images/PPGD/Disserta%C3%A7%C3%B5es/N%-
C3%A1dia%20Teixeira%20Pires%20da%20Silva.pdf. Acesso em 10/09/2016.

523
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CARANDIRU: UMA HISTÓRIA


DAS CONTINUIDADES AUTORITÁRIAS

TIAGO PIRES COTIAS VILLAS


Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito –
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD – FND/URFJ)
Email: t_villas@hotmail.com

Eixo Temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-Chave: Carandiru; Impunidade; Direitos Humanos.

Introdução

Em 2 de outubro de 1992, sob o comando do Coronel Ubiratan, 330


homens com 25 cavalos e 13 cães, da Tropa de Choque da Polícia Militar, além
de policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) – armados com metra-
lhadoras, espingardas, fuzis e revólveres – entraram na Casa de Detenção de São
Paulo, conhecida como Carandiru e executaram 111 detentos, segundo dados
oficiais. Nenhum policial militar morreu e 90,4% das vítimas foram alvejadas na
cabeça e pescoço. Laudos de exames de corpo delito e depoimentos comprovam
que os sobreviventes foram vítimas de golpes desferidos por projéteis de armas
de foto, mordidas de cães, cassetetes e facas5.

O caso do Carandiru marcou a história do sistema penitenciário brasileiro,


chocou o país e ganhou destaque na mídia internacional. A informação de que
111 presos haviam sido executados apenas foi divulgada na mídia dois dias após
o fatídico dia. No dia anterior da divulgação, ocorreram as eleições de presidente,
governadores e de membros do legislativo federal e estadual. A grande mídia
divulgara naquele momento que as execuções ocorreram em função de uma
rebelião que “explodiu” no Pavilhão 9 do presídio6.

5 SÃO PAULO (Estado). Polícia Militar do Estado de São Paulo. Quartel do Comando Geral. Relatório do
Inquérito Policial Militar. Coronel Comandante Geral Eduardo Assumpção. 9 de fevereiro de 1993. fls. 3973- 4308.
6 VILLELA, Gustavo. No dia do Massacre do Carandiru, em 92, o governo divulgou total de 8 presos mortos,
2014. Disponível em: < http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/no-dia-do-massacre-do-carandiru-em-92-go-
verno-divulgou-total-de-8-presos-mortos-12081218>. Acesso em: 02 de novembro de 2016.

525
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

Em 2001, o Coronel Ubiratan foi julgado pelo massacre e condenado a 632


anos de prisão em júri popular pela morte de 102 dos 111 presos assassinados na
invasão. Ele recorreu da pena em liberdade e, em 2006, o Tribunal de Justiça de
São Paulo o inocentou. Os desembargadores acolheram o argumento da defesa
de que o coronel agiu no estrito cumprimento do dever legal. No mesmo ano,
o coronel Ubiratan foi encontrado morto com um tiro, no apartamento dele. Tal
crime continua sem solução. Vale destacar que em 2002, o Coronel Ubiratan foi
eleito deputado estadual pelo PSD (Partido Social Democrático), sob a legenda
14.111, fazendo alusão a número de mortos no massacre.

Em 2003, 74 policiais foram condenados em 1ª instância pelos homicídios


cometidos. Tais agentes estatais nunca foram presos, tendo em vista que recorre-
ram em liberdade. Em setembro de 2016, a 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de
São Paulo anulou as decisões condenatórias dos 74 policiais militares. O relator
do caso, o desembargador Ivan Sartori, acatou a tese de “legítima defesa”, rogada
pelos réus. Porém, prevaleceram os votos dos demais desembargadores no sen-
tido de anular as decisões condenatórias do júri, sob a justificativa de que não
há elementos suficientes para individualizar as condutas cometidas por cada um
dos agentes, ou seja, para determinar quais agentes policiais agiram em legítima
defesa e quais de fato cometeram o crime de homicídio7. Em abril de 2017, o
Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que seja realizado novo julgamento
no Tribunal do Júri.

Metodologia

Será utilizado o método sistêmico, em particular a metodologia sistêmica


de Niklas Luhmann. As técnicas de pesquisa serão baseadas em revisão bibliográ-
fica e fontes diretas (inquérito policial e sentenças proferidas no processo penal).

Resultados

Observa-se que o inquérito policial e as decisões proferidas referentes ao


caso Carandiru, constroem uma realidade diversa daquela que pode ser observada
através dos depoimentos de sobreviventes e das provas materiais realizadas (exame
de levantamento do local, necroscópico e corpo de delito).

Através de uma argumentação que utiliza figuras da dogmática jurídica,


além de elementos externos ao sistema jurídico8 (a exemplo, a inexigibilidade
7 SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. 4ª Câmara. Apelação nº 0338975-60.1996.8.26.0001. Apelante:
Ministério Público do Estado de São Paulo. Apelado: segredo de justiça. Desembargador Relator: Ivan Sartori.
27 de setembro de 2016.
8 Falar sobre decisão judicial é falar em alternativas de interpretações argumentáveis. Como nos afirma Niklas
Luhmann, a decisão judicial busca um elemento externo para lidar com o problema da inefetividade interna da
decisão. A busca é pelo equilíbrio da legitimidade formal e material. Neste caso, a inexigibilidade de conduta
diversa será este elemento externo utilizado pelo Direito, tendo em vista seu caráter supralegal. É por meio deste

526
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

de conduta adversa, como causa supralegal de exclusão da culpabilidade), para


legitimar e declarar lícita a operação da polícia que executou sumariamente 111
presos sob a custódia do Estado.

Conclusão

Através da análise das narrativas dos inquéritos e das decisões proferidas,


observa-se como sistema jurídico oculta a realidade, legitimando uma política de
impunidade de agentes estatais praticantes de condutas violadoras dos direitos
humanos. O caso em análise nos expõem continuidades autoritárias da ditadura
militar, marcada pela impunidade.

Além de não serem responsabilizados penalmente pelos crimes que co-


meteram, atualmente a maioria dos agentes policiais ocupam patentes de hierar-
quia superior – tenentes-coronéis, majores e capitães – da Polícia Militar de São
Paulo. Fato que demonstra que a inexistência de responsabilização administrativa
destes, através de procedimentos disciplinares, que poderiam ensejar a sanção de
expulsão da corporação9. A impunidade se alastra além da esfera jurídica, o que
reforça a necessidade de uma reforma das instituições perpetradoras de violações
de direitos humanos, a qual não foi realizada após o término da ditadura militar
e redemocratização do estado brasileiro – medida essencial a ser adotada num
contexto de justiça de transição.

Referências Bibliográficas
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social de Niklas Luhmann. México D.F.: Universidad Iberoamericana dezembro, 1996.
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MACHADO, Maíra Rocha. FERREIRA, Luisa Moraes Abreu. MACHADO, Mar-
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ção. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex t&pi-
d=S0101-33002012000300001>. Acesso em 20 de Novembro de 2016.

suplemento que se presentifica o fundamento inicial ausente, tornando possível decidir o indecidível, justificar
o injustificável. (LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. Trad.: Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
p. 451 e ss).
9 MACHADO, Maíra Rocha. FERREIRA, Luisa Moraes Abreu. MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Massacre
do Carandiru: vinte anos sem responsabilização. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex
t&pid=S0101-33002012000300001>. Acesso em 20 de Novembro de 2016.

527
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

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RODRÍGUEZ MANSILLA, Dario; TORRES NAFARRATE, Javier. Introducción a la
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VILLELA, Gustavo. No dia do Massacre do Carandiru, em 92, o governo divulgou
total de 8 presos mortos, 2014. Disponível em: < http://acervo.oglobo.globo.com/
em-destaque/no-dia-do-massacre-do-carandiru-em-92-governo-divulgou-total-de-
8-presos-mortos-12081218>. Acesso em: 02 de novembro de 2016.
Fontes Diretas
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. 4ª Câmara. Apelação nº 0338975-
60.1996.8.26.0001. Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo. Apelado:
segredo de justiça. Desembargador Relator: Ivan Sartori. 27 de setembro de 2016.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. 4ª Câmara. Apelação nº 0007473-
49.2014.8.26.0001. Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo. Apelado:
segredo de justiça. Desembargador Relator: Ivan Sartori. 27 de setembro de 2016.
SÃO PAULO (Estado). Polícia Militar do Estado de São Paulo. Quartel do Co-
mando Geral. Relatório do Inquérito Policial Militar. Coronel Comandante Geral
Eduardo Assumpção. 09

528
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A VOZ DAS VÍTIMAS DA BOMBA DA OAB COMO


POSSIBILIDADE DE RECONSTRUÇÃO
DA MEMÓRIA DO DIREITO

LUSMARINA GARCIA
Ma.

JULIANA NEUENSCHWANDER
PhD.
Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD/FND/UFRJ)

Este artigo insere-se no contexto da Justiça de Transição uma vez que


trata do atentado com bomba à sede da OAB ocorrido em 27 de agosto de
1980 matando Lyda Monteiro da Silva quando a ditadura civil-militar ainda era o
regime vigente no Brasil. A narrativa policial e judicial feita a partir do Inquérito
Policial 034/80 e da Ação Penal n. 01/82-6 que compõem o Processo 01/81-8 na
Justiça Militar ocultou os fatos e silenciou as vítimas. Os verdadeiros autores do
crime, os sargentos paraquedistas Guilherme Pereira do Rosário e Magno Catarino
Motta, sob ordens diretas de Freddie Perdigão, locados no Centro de Inteligência
do 1° Exército, no Rio de Janeiro, e parte da equipe do Destacamento de Ope-
rações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI),
só foram conhecidos após o término do trabalho da Comissão da Verdade do
Estado do Rio de Janeiro, em 2015. Durante todos esses anos (1980 a 2015), as
várias tentativas de reabertura do caso esbarraram no argumento da “falta de
novas provas” e reproduziram uma memória, no escopo da prática judiciária,
que evidencia continuidades com o sistema autoritário e ditatorial negando, às
vítimas do atentado, qualquer possibilidade de reparação ou reconhecimento da
prática de crime por agentes do Estado.

Este artigo se propõe a recuperar a voz e a narrativa das vítimas da explo-


são da bomba na sede da OAB e a contribuir para a reconstrução da memória
não só daquelas pessoas mas do próprio direito.

O direito tem memória própria (DE GIORGI, 2006:61) e a memória do


direito se constrói em todos os lugares, em todas as comunicações do sistema
jurídico, e os tribunais ocupam uma posição central nesse sistema. Luhmann se
refere à centralidade dos tribunais no sistema jurídico afirmando que essa é dada
“não por sua maior importância, mas pelo fato de que o judiciário, diante do non
liquet, é constrito a decidir. E é justo essa constrição que faz do repertório de

529
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

decisões dos tribunais – a jurisprudência – um local privilegiado da produção da


memória do direito, da redundância necessária a que uma comunicação produza
outra, e outra, e assim recursivamente. Por isso, a memória do sistema judiciário
que reveste de autoridade, hoje, os argumentos referentes ao passado, atualiza
para o tempo presente um passado que outra coisa não é que a atualização
que hoje dele se faz” (GARCIA, 2016:14).

Ao não reabrir o caso da bomba da OAB o sistema judiciário continua


atualizando as decisões e narrativas da época ditatorial e persiste, assim, silen-
ciando as vítimas.

A discussão teorética sobre as vítimas que aqui se faz parte do conceito


de religião civil do sacrifício de Hartog que aponta para a mudança paradigmática
na situação das mesmas a partir dos julgamentos do Tribunal de Nuremberg.

O sexto princípio de Nuremberg estabelece os Crimes contra a humani-


dade que foram ampliados pelo Estatuto de Roma e por serem parte do Direito
Internacional gozam do status de jus cogens e dos efeitos erga omnes tornando os
Estados-membro das Nações Unidas obrigados às normas e princípios adotados.
Nossa perspectiva é de que os crimes cometidos pelos agentes de Estado do
regime ditatorial no Brasil, no qual está incluída a explosão da bomba na OAB
que matou Lyda Monteiro da Silva, apresentam os elementos necessários para
serem classificados como crime contra a humanidade. O artigo 1° da Convenção
Sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Huma-
nidade, da qual o Brasil não é signatário, define a imprescritibilidade dos crimes
contra a humanidade.

Perguntando-nos pelos motivos da não ratificação do Brasil à Conven-


ção Sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a
Humanidade, deparamo-nos com o argumento de Pereira que aponta para um
“sólido acordo” entre as elites militares, econômicas e judiciárias no Brasil que,
em nossa compreensão, não termina com o fim da ditadura, mas perdura até
o presente. Deparamo-nos igualmente com o que Calvo indica como sendo a
necessidade de “coerência narrativa” do que se inscreve na ordem daquilo que
é socialmente e culturalmente aceito. Valemo-nos de Hartog e de Ricoeur para
o debate sobre imprescritibilidade, lembrando que primeiro argumenta que “o
criminoso continua sendo contemporâneo do seu crime até a sua morte, do
mesmo modo que permanecemos ou nos fazemos contemporâneos dos fatos
julgados por crimes contra a humanidade” (HARTOG, 2012:13) e o segundo afirma
que “diante do argumento falacioso do desgaste da vindita pública pelo efeito
mecânico do tempo, a presunção é que a reprovação dos crimes considerados
não conhece limite de tempo” (RICOEUR, 2007: 479). Embora céticas de que o
sistema judiciário considerará como prova substancialmente nova os achados da

530
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Comissão Estadual da Verdade do Estado do Rio de Janeiro que identifica nas


pessoas dos militares Guilherme Pereira do Rosário e Magno Cantarino Motta,
os responsáveis pelo atentado que matou Lyda Monteiro da Silva, este artigo
advoga pela imprescritibilidade do crime.

A voz das vítimas da bomba da OAB se ouve através de dados biográficos


de Eduardo Seabra Fagundes, Lyda Monteiro da Silva e Luiz Felippe Monteiro
Dias. As narrativas sobre as três pessoas foram possíveis a partir das entrevis-
tas concedidas por Eduardo Seabra Fagundes e Luiz Felippe Monteiro Dias ao
Subgrupo Atentado com Bombas do Grupo de Pesquisa Justiça Autoritária da
Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, assim
como a entrevista posterior de Luiz Felippe a Garcia.

Ricoeur afirma que é somente “no caminho da crítica histórica que a me-
mória encontra o sentido de justiça” (RICOEUR, 2007:507). Deste modo, o trabalho
de reconstrução da memória que aqui se faz, ao criticar a história das práticas
judiciárias naquilo que diz respeito à bomba da OAB e ao construir memória a
partir da experiência das vítimas, espera que uma memória justa seja comunicada.

531
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A ADPF N. 153 E A IDEOLOGIZAÇÃO


DA MEMÓRIA SOBRE A DITADURA MILITAR

MARCUS GIRALDES
Doutorando em direito pela PUC/Rio
Email: marcusvgs@yahoo.com.br

Eixo temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-chave: Ditadura; direito; memória

Introdução

O presente estudo visa uma análise dos votos e do acórdão da Arguição


de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 153 como um caso
relevante para a crítica da relação entre o Poder Judiciário brasileiro e a memória
sobre a ditadura militar. A hipótese que é os votos dos ministros condensam
uma quantidade de mitos sobre a ditadura militar, a transição e especialmente
sobre a relação entre direito e ditadura que, na medida em que foram utilizados
como fundamentação para uma importante decisão judicial, foram reafirmados
como uma determinada versão oficial da história. Na fundamentação de seus
votos os magistrados selecionam e optam por determinadas narrativas sobre a
história em detrimento de outras e, quando associadas a decisão jurídica em si,
criadora de norma na medida que toda decisão judicial é sempre criação de
norma para aquele caso julgado, a memória que se manuseou ganha força de
oficialidade. Segundo Paul Ricoeur “a ideologização da memória é possibilitada pelos
recursos de variação que o trabalho de configuração narrativa oferece”. No caso da
seleção e apresentação de narrativas pelo Poder Judiciário é possível verificar uma
ideologização da memória associada a um efeito de normatização da memória.

Os fundamentos da decisão do STF podem ser sintetizados em três po-


sições político-jurídicas acerca da ditadura militar e da transição para a ordem
constitucional de 1988: 1) a adoção da narrativa de que a transição foi uma nego-
ciação consensual e sem fissuras, narrativa tomada sobretudo a partir do que seria
a memória individual dos ministros; 2) a ausência de qualquer questionamento à
legitimidade da ordem “jurídica” da ditadura militar, que é vista como plenamente
legítima e capaz de efeitos que se prolongam no tempo da ordem constitucional

533
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

atualmente vigente; 3) como resultado da conjugação das duas posições anteriores,


a apresentação da tese de que a Constituição promulgada em 1988 é integrada
pela Emenda Constitucional n. 26/85, modificadora da “Constituição” outorgada
de 1969, ou seja, estabeleceu-se uma linha de continuidade e de fundamentação
entre a ordem constitucional vigente e a ordem da ditadura militar. Segundo o
cântico quase unânime dos ministros que participaram da sessão, a passagem da
ditadura para a democracia foi uma transição negociada e acordada, responsável
por fundar a nova ordem constitucional. Um momento de fundamental inflexão
no processo de constituição desse grande contrato social teria sido o debate e
aprovação da Lei da Anistia (Lei n. 6.683/79), que iria desembocar na Emenda
Constitucional n. 26/85, que teria constitucionalizado a anistia bilateral.

Não obstante a seleção ideológica de determinadas narrativas sobre a


história, há contraditoriamente a defesa de um fechamento cognitivo para aque-
les que não viveram a experiência da negociação do “grande acordo nacional”.
O caráter irracional e autoritário de toda fundamentação a decisão fica muito
evidente no Voto do Relator, que tenta afastar a autoanistia de qualquer possi-
bilidade de análise crítica, pois segundo ele “quem não viveu as jornadas que a
antecederam ou, não as tendo vivido, não conhece a História, para quem é assim
a Lei n. 6.683 é como se não fosse, como se não houvesse sido”. Ou seja, o Relator
nega a possibilidade de hermenêutica sobre os fatos históricos por aqueles que
não o viveram e, como a Lei de Anistia segundo sua posição deve ser interpretada
tendo em vista as condições políticas do momento de sua promulgação e não
as de hoje, o voto consequentemente nega a hermenêutica para a norma ques-
tionada pela ADPF. E quem são os intérpretes autorizados a conhecer a História
daquele tempo? Certamente não são todos os sujeitos da época, não os presos
políticos, os torturados, os familiares dos mortos e desaparecidos. Os intérpretes
são os parlamentares da época e os membros das entidades jurídicas. E, é claro, a
memória dos ministros do STF, que tudo vê e tudo guarda. Para o ilustre Relator,
a história só se deixa conhecer por parlamentares e juristas.

No Livro III de A Política (1276a), Aristóteles colocou as questões sobre se


uma cidade é a mesma quando muda de constituição (não no sentido jurídico
de constituição, que é moderno) e se devem ser mantidos os compromissos
contraídos por uma tirania porque o acordo foi estabelecido com o tirano e não
com a cidade. A essas questões, a maioria dos ministros do STF responde que
os acordos da tirania militar brasileira são válidos, e mais, fixam o fundamento
da ordem constitucional vigente na ordem “jurídica” da ditadura. Decretam, assim,
no plano jurídico-doutrinário, o fim do constitucionalismo brasileiro.

534
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Metodologia

Análise crítica, de um ponto de vista histórico e jurídico, do acórdão da


ADPF n. 153 e dos votos dos ministros. O método de ciências sociais adotado
pelo autor é aquele que Lucien Goldmann nomeou como estruturalista-genético.
Segundo esse método o estudo de uma totalidade social relativa (como o direito,
que é um conjunto de relações sociais) exige a sua inserção em uma totalidade
social mais complexa (a formação social). Portanto, o “direito” da ditadura militar
brasileira adquire sentido quando compreendido o processo social brasileiro em
termos mais amplos, ou seja, uma teoria do “direito” da ditadura militar brasileira
necessita de alguma teoria da ditadura militar brasileira, assim como da transição
para o regime constitucional.

Resultados parciais

O presente trabalho é um esboço do primeiro capítulo da tese de douto-


rado que está sendo desenvolvida pelo autor sob o título A teoria do não-direito
e a ditadura militar brasileira. Trata-se de um estudo estruturalista-genético do
sistema de normas (legalidade) da ditadura militar brasileira (1964/1985) a partir
das categorias de direito e não-direito, tendo por referência principal a perspec-
tiva teórica desenvolvida por autores como Hegel (a diferença entre conceito
e existência imediata), Pashukanis (o direito como relação social e a crítica do
normativismo) e Franz Neumann (o direito como voluntas e ratio e a crítica do
fascismo). A conhecimento crítico acerca da legalidade da ditadura militar possui
atualidade para o debate sobre a justiça de transição no Brasil, pois questiona os
aparentes consensos e acordos de elite vigentes até hoje. A hipótese principal é
que a ditadura é um Estado de exceção permanente, portanto, um Estado de
não-direito. A parte teórica do projeto consistirá no desenvolvimento da compre-
ensão acerca da categoria de não-direito, visto como um conjunto de normas e
de aplicação de normas que se revelam como a efetivação arbitrária da vontade
de poder, afastado este de limitação jurídica e do reconhecimento de direitos
subjetivos. A crítica da ADPF n. 153 foi escolhida para ser o ponto de partida da
tese porque o autor entende que os votos dos ministros reúnem e reproduzem
ideologicamente um conjunto de velhos mitos sobre a relação entre direito e
ditadura e sobre a natureza da ditadura militar e da justiça de transição no Brasil.

535
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

“MICHAEL KOHLHAAS” E A TRANSIÇÃO


PARA A MODERNIDADE

SÁVIO MELLO
Graduando na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro
E-mail: saviosmmello@hotmail.com

Eixo Temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-chave: Pluralismo Jurídico Medieval; Diferenciação Social Estra-


tificatória; Transição para Modernidade.

Para a realização do presente texto sobre o conto “Michael Kohlhaas”,


fez-se uso da bibliografia apresentada pela Professora Doutora Juliana Neuens-
chwander Magalhães, quanto ao estudo da Idade Média e da Transição para
a Modernidade, no curso de História do Direito e Pensamento Jurídico por ela
ministrado na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Trata-se, portanto, de um olhar embasado em escritos da ciência jurídica,
na análise da arte literária.

O conto de Henrich von Kleist, publicado em 1810, retrata a saga de um


comerciante de cavalos – originalmente, Hans Kolhase, inspiração verídica para
a ficção – que sofre uma grande injustiça por parte de um nobre e busca por
reparação no Sacro Império Romano Germânico do século XVI. Para analisar a
literatura por meio do pensamento da História do Direito, os escritos de Tércio
Sampaio Ferraz Jr, António Manuel Hespanha, Paolo Grossi e da própria Professora
Doutora Juliana Neuenschwander Magalhães foram ferramenta fundamental. Aqui,
serão pontuados temas como o Pluralismo Jurídico Medieval, a Diferenciação
Social Estratificatória de Niklas Luhmann no Medievo, a gradativa Transição para
a Modernidade, e a Recepção do Direito Romano, entre outros temas que se
relacionam com esses principais tópicos, como as noções de liberdade, igualdade
e propriedade medievais.

Valendo-se da bibliografia apresentada na disciplina do primeiro período


do Curso de Direito e da prosa de Kleist, tem-se, logo, a proposta deste trabalho
em sinonímia de elo entre a Ciência e a Arte, numa relação de interdependência

537
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

de campos do conhecimento, sem os quais não seria possível a presente cons-


trução textual.

Há, primeiramente, de se analisar o contexto do Sacro Império Roma-


no Germânico do século XVI. A Unificação Alemã, como é sabido, foi tardia,
vindo a ocorrer em 1870, mas, mesmo não havendo um Estado Alemão, esse
território estava dividido em vários Reinos, no momento da Unificação, onde os
reis faziam o uso do Direito como instrumentum regnum desde a Modernidade,
com a aproximação entre os conceitos de potestas e ius (NEUENSCHWANDER
MAGALHÃES, 2013). Este último conceito, inclusive, aproximado à noção de Di-
reito Subjetivo – fortemente ligado ao Direito Contratual, haja vista a dificuldade
de implementação do Bürgerliches Gesetzbuch (ou BGB, Código Civil Alemão),
30 anos depois da Unificação. Mas, nem sempre fora assim: num passado mais
remoto, em que os reinos não eram modernamente soberanos, não havia a no-
ção de Direito Subjetivo, e sim a de que existia um Direito específico de cada
casta. Era, pois, a Idade Média, em que a Diferenciação Estratificatória de Niklas
Luhmann (FERRAZ Jr, 2013) preponderava.

Sendo assim, os clérigos; os nobres; e os plebeus; respectivamente, primeiro;


segundo; e terceiro estados, tinham, cada grupo, seus próprios direitos. Atenta-se,
aqui, à noção de aequalitas (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2013), ou igualda-
de no Medievo: nunca se falou tanto em igualdade, mas nunca se praticou tanto
a desigualdade. Isso, porque as pessoas de uma mesma casta eram consideradas
iguais, porém, as castas eram tratadas com desigualdade, em um claro modelo
estratificado. Discutida a questão da igualdade, há de se vislumbrar o conceito
de liberdade ou libertas (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2013). Se a noção
de Soberania que muito se comenta no Direito é a Soberania Moderna, de Jean
Bodin, no que tange à summa potestas de um Estado, Paolo Grossi esclarece a
não existência de somente esse conceito completo (GROSSI, 2014), mas também
seu embrião originário medieval, a qual chama de “soberania parcial”. A Soberania
Medieval era sinônimo de liberdade e de autonomia, mencionada, inclusive, nos
escritos do jurista Philippe de Beaumonoir, em 1280, acreditando que <<chacun
baron est souverain en sa baronie>> (ROULAND, 1995), ou que “cada barão é
soberano, livre, autônomo, em sua baronia”. O nobre, portanto, que tributou Koh-
lhaas, para que este transitasse em suas terras, agiu de acordo com sua liberdade,
considerando ser desigual e superior diante do mercador de cavalos e sendo,
sobretudo, detentor da proprietas (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2013),
que era o conceito de propriedade medieval, sinônimo de um dom de Deus
aos primeiro e segundo estados. Numa lógica medieval, sendo assim, o nobre
estava perfeitamente consciente de que estava agindo de acordo com o Direito.

Mas, se o conto se passa no século XVI, por que se escreveu, até aqui,
sobre a Idade Média? Porque a transição para a Modernidade foi gradativa e lenta.

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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Tanto que, até a Revolução Francesa, a Historiografia Tradicional utiliza o termo


Antigo Regime para tratar de Medievo e Modernidade, haja vista que resquícios
da Idade Média permaneceram nos Estados Modernos, como, por exemplo, na
existência do comando de feudos pela nobreza provinciana no interior dos reinos.
O próprio judiciário da época, a quem Kohlhaas recorreu antes de se tornar um
justiceiro autônomo, pensava como o nobre – até porque, esse judiciário era
composto de nobres – e julgava o caso da tributação por meio da flexibilidade.
A flexibilidade era (…) a marca da insuficiência humana para esgotar, pelo
menos por meios racionais e explicáveis, o todo da ordem da natureza
e da humanidade. (HESPANHA, 2005, p. 178)

Contudo, num contexto Moderno, o imperador, que outrora agira com


tacitus consensus, ao reconhecer essa autonomia dos feudos, não estava mais
interessado em permití-la. A prova disso é que, no século XVI, como mostra
o conto, apenas o Imperador poderia realizar tributos de pedágio, segundo um
decreto do monarca, em claro exemplo do Direito como instrumentum regnum,
na Modernidade nascente.

Realizar mudanças nesse contexto de pluralismo jurídico, no entanto,


seria algo gradual.
Por pluralismo jurídico, quer-se (…) significar a situação em que distintos
complexos de normas, com legitimidades e conteúdos distintos, coexistem
no mesmo espaço social. (HESPANHA, 2005, p. 161)

Tendo por premissa o estudo da História do Direito por meio da Litera-


tura, procurou-se o contato com o conto de Kleist como forma de dar conti-
nuidade aos estudos iniciados, no primeiro período do curso de Direito, com a
Professora Doutora Juliana Neuenschwander Magalhães. Além disso, não apenas
como provedora de flexibilidade à bibliografia do curso de História do Direito,
a prosa também serviu para estudar de modo diferente e, até, mais prazeroso.
Sabe-se que a inovação se faz necessária e, inclusive, tal ideia recebe o nome de
“transição paradigmática”, na Sociologia de Boaventura de Sousa Santos (1989),
no pensamento de que novas maneiras de produção de conhecimento devem
substituir as, então, vigentes. Todavia, mais do que uma substituição de referências,
buscou-se uma conciliação entre fontes pertencentes a campos diferentes, mas
não distantes, do conhecimento.

Almeja-se, por fim, que a postura de pesquisar mais de uma fonte bi-
bliográfica, pertencentes a campos diferentes do conhecimento, não cesse em
nossos estudos. Separar o conhecimento é ignorar uma parte do saber, sendo
que, a um bom jurista, compete convergir zetética, literatura e, sobretudo, cultura.

539
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

Referencias bibliográficas
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KLEIST, H. Michael Kohlhaas. São Paulo: Grua Livros, 2014.
ROULAND, Norbert. L’État Français et le pluralisme. Paris: Odile Jacob, 1995.
SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

540
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CONSTITUCIONALIZAR A EXCEÇÃO:
O DEBATE SOBRE A CRIAÇÃO DOS INSTITUTOS
DO ESTADO DE EMERGÊNCIA
E DAS MEDIDAS DE EMERGÊNCIA
NA CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB DE 1978

MATEUS DO PRADO UTZIG


Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB)
E-mail: mateus.utzig@gmail.com

Eixo Temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-chave: História constitucional; Ditadura Militar brasileira; Medidas


de Emergência.

Introdução

Em 1978, o regime militar apresentou uma proposta de emenda consti-


tucional que revogava os atos institucionais e, simultaneamente, criava dois novos
institutos para enfrentamento de crises: o Estado de Emergência e as Medidas
de Emergência. Eles Permitiam a suspensão por tempo determinado de algumas
garantias constitucionais, por meio das seguintes medidas: suspensão da liber-
dade de reunião e de associação; intervenção em entidades representativas de
classes ou categorias profissionais; censura de correspondência, da imprensa, das
telecomunicações e diversões públicas; obrigação de residência em localidade
determinada; detenção em edifícios não destinados aos réus de crimes comuns;
a busca e apreensão em domicílio; o uso ou ocupação temporária de bens das
autarquias empresas públicas sociedades de economia mista ou concessionárias
de serviços públicos; e a suspensão do exercício do cargo, função ou emprego
nas mesmas entidades. Elas se assemelhavam ao Estado de Sítio quanto às medi-
das que poderiam ser adotadas, mas diferiam desse por não se submeterem, de
modo expresso, ao controle por parte do Poder Legislativo e do Poder Judiciário.

Antes de apresentá-la, o governo buscou apoio para a proposta junto


aos advogados reunidos na VII Conferência Nacional da Ordem dos Advoga-

541
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

dos do Brasil, realizada no início de 1978 em Curitiba/PR. Para a missão, foram


designados Petrônio Portella, presidente do Senado e líder governista, e Oscar
Corrêa, ex-deputado udenista e futuro ministro do Supremo Tribunal Federal. O
primeiro atuou nos bastidores, enquanto o segundo apresentou uma tese (em
forma de discurso doutrinário) intitulada “A Emergência Constitucional no Esta-
do de Direito”. Em contraposição, o advogado Gofredo Telles Júnior defendeu a
tese “O Estado de Sítio e as Outras Salvaguardas”. A última foi aprovada pelos
participantes do evento.

Não obstante a posição da OAB, a proposta de emenda foi apresenta-


da e aprovada pelo Congresso Nacional no mesmo ano, na forma da Emenda
Constitucional nº 11, entrando em vigor em 1979. Posteriormente, o instituto-
das Medidas de Emergência viria a serter sido utilizado pelo governo em duas
ocasiões: em 1983, para conter a pressão de sindicalistas sobre parlamentares
durante a tramitação de Decreto-Lei que limitava o aumento de salários, aluguéis
e prestações de casa própria; e em 1984, para conter a mobilização social em
favor da aprovação da emenda que reestabeleceria eleição direta para presidente
da república. A despeito da sua importância, o tema ainda não foi estudado da
perspectiva da história constitucional.

Nesta pesquisa, buscou-se contribuir para que essa lacuna possa vir a ser
suprida, por meio da investigação do modo como o assunto foi debatido na VII
Conferência Nacional da OAB. O problema que a guia é o sentido atribuído aos
conceitos de Estado de Direito, de Estado de Exceção e de Constituição em cada
um dos dois discursos. Para além do uso de ambos para se referir à ditadura que
se instaurara no Brasil desde 1964, interessa analisar a forma que esses se interco-
nectam nas propostas de redemocratização do país, no campo do governo e da
oposição consentida. Com isso, espera-se encontrar subsídios para a investigação
mais ampla sobre a peculiaridade do regime constitucional em vigor entre 1979,
quando a emenda entrou em vigor, e a promulgação da Constituição de 1988.

Para levar a cabo a investigação, entende-se oportuna a análise das di-


ferentes possibilidades de uso e redefinição da Constituição como forma em
determinado contexto, com especial atenção para o processo de construção
conceitual (Paixão, 2014). Para se aproximar do objeto, foram utilizadas algumas
noções sobre a história constitucional da ditadura, a redemocratização e a relação
entre Constituição e exceção. Sobre o primeiro tema, tem-se que a ditadura
militar sempre se utilizou de argumentos do constitucionalismo democrático para
buscar se legitimar (Paixão, 2014), ainda que tenha criado os atos institucionais
para poder relativizar a Constituição (Barbosa, 2009). Quanto à redemocratização,
entende-se que o governo militar a iniciou como um projeto de construção de
um modelo autoritário sem ditadura militar, de traços conservadores e com maior
estabilidade. A sociedade civil teria influído sobretudo no ritmo de execução desse

542
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

projeto (Codadto, 2005). Para tratar das relações entre Constituição e exceção,
utiliza-se de uma tipologia que prevê distintas formas de relacionar a atuação
do Poder Executivo frente a crises. Em uma visão liberal clássica, é plenamente
possível controlar juridicamente essa atuação (liberal clássica). Outra posição é
aquela que considera que nunca as normas jurídicas têm razoável eficácia nessa
empreitada (grey hole). Ambas se distanciam de posições mais pessimistas que
apontam a total ineficácia dessas tentativas de estabelecer esse controle jurídico
(Dyzenhaus, 2006).

Metodologia

Trata-se de pesquisa documental em que se efetuou uma análise argu-


mentativa. Foram consultados os anais da VII Conferência Nacional da OAB, que
contêm as teses apresentadas por Gofredo Telles Júnior e Oscar Corrêa. Nesses,
buscou-se identificar os argumentos favoráveis e contrários à proposta governa-
mental de reforma constitucional, particularmente no que toca à mobilização
dos conceitos de Constituição, Estado de Direito e Estado de Exceção. Ademais,
foram consultadas notícias da imprensa da época que trataram da conferência,
sobretudo para se buscar a reconstrução do contexto em que se travou o debate.

Resultados parciais

Os discursos de Gofredo Telles Júnior e Oscar Corrêa não apenas divergiram


no que se refere ao apoio ou rejeição à proposta governamental. Mobilizaram de
modo distinto os conceitos de Constituição, Estado de Direito e Estado de Exceção.

O primeiro defendeu que Estado de Direito tem como mais importante


característica o equilíbrio entres os três poderes da república, com independên-
cia, por um lado, e possibilidade de controle mútuo. No caso de ameaça militar
externa ou de grave ameaça interna, como motins e rebeliões populares violentas
(jamais a mera discordância política, ainda que sob a forma de demonstrações
públicas), o governo pode suspender determinadas garantias constitucionais para
fazer frente à situação de crise. Entretanto, só as garantias individuais podem ser
suspensas, mas jamais as garantias que garantem o equilíbrio entre os poderes.
Assim, sempre deveria ser observada a possibilidade do Poder Legislativo apreciar
a continuidade da vigência da situação excepcional e debater, posteriormente, a
regularidade da sua decretação e da execução das medidas adotadas. Ademais,
as garantias passíveis de suspensão deveriam estar previstas exaustivamente pelo
próprio texto constitucional. Apenas o Estado de Sítio cumpriria tais requisitos,
sendo incompatíveis com o Estado de Direito outros instrumentos jurídicos (como
os propostos pelo governo), caracterizados do Estado de Exceção. Por considerar
possível (e desejável) a plena regulamentação jurídica do Estado de Sítio, pode-se
enquadrar a posição de Gofredo Telles Júnior como “liberal clássica”.

543
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

Por sua vez, Oscar Correa enfatizou como características do Estado de


Direito (sinônimo de Estado Democrático e oposto ao Estado Socialista, esse sim
autoritário) a limitação jurídica do arbítrio governamental e a previsão de direi-
tos e garantias individuais. Da mesma forma que seu contendor, defendeu que
as garantias passíveis de suspensão deveriam estar previstas de modo exaustivo
no texto constitucional, ainda que questione a eficácia do expediente. Diante
de crises, principalmente advindas da ação subversiva de “socialistas” (de acordo
com a concepção própria da doutrina de segurança nacional), o governo deveria
adotar medidas excepcionais para preservar o Estado e o regime. Entretanto, não
haveria necessidade de submeter a continuidade de sua vigência à apreciação
do Poder Legislativo, que seria chamado apenas para debater politicamente sua
adoção e execução. Quanto ao Poder Judiciário, poderia apreciar posteriormente
os abusos eventualmente cometidos. Em caráter meramente consultivo, os chefes
dos dois poderes deveriam se pronunciar sobre a conveniência da adoção das
medidas excepcionais antes que fossem decretadas pelo Poder Executivo. Portanto,
fica implícito em seu discurso que o Estado de Direito seria compatível com o
Estado de Emergência e as Medidas de Emergência. De qualquer forma, todas as
regulações jurídicas sobre o tema sempre seriam relativamente ineficazes, devido
à imponderabilidade da identificação da situação excepcional e às dificuldades de
controle de sua execução, marcada por contexto de alta conflitividade política.
Assim, percebe-se que a posição de Oscar Correa enquadra-se no paradigma
do grey hole.

Conclusão

Diante dos resultados parciais da pesquisa, pode-se concluir que ambas


as posições reivindicavam sua compatibilidade com o Estado de Direito, de viés
democrático. Chama a atenção o discurso governista, que para se sustentar
praticamente ignora o tema da relação entre os poderes, tradicional para o con-
ceito de Estado de Direito e explorado amplamente pelo discurso oposicionista.
Entretanto, a Constituição tem plena eficácia para regular a exceção apenas para
Gofredo Telles Júnior, mas não para Oscar Corrêa, o que relativiza o reconheci-
mento também efetuado pelo último da Constituição como fundamento central
da amarração entre Direito e política. Por fim, conclui-se que a sociedade civil
organizada ao menos buscou influir não apenas no ritmo, mas também no
conteúdo dos objetivos da redemocratização. Tais questões devem ser objeto de
pesquisas ulteriores para poderem ser mais bem avaliadas.

Referências bibliográficas
BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. Mudança constitucional, autoritarismo
e democracia no Brasil pós-1964. Brasília: Tese (Doutorado em Direito), UnB, 2009.

544
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CODATO, Adriano Nervo. Uma história política da transição brasileira: da ditadura


militar à democracia. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, p. 83-106, nov. 2005.
OAB. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Anais da VII Confe-
rência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba: OAB, 1978.
PAIXÃO, Cristiano. Autonomia, democracia e poder constituinte: disputas concei-
tuais na experiência constitucional brasileira (1964-2014). Quaderni Fiorentini per
la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, v. 43, p. 415-460, 2014.

545
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ENTRE O DIREITO ADQUIRIDO E OS


ATOS INSTITUCIONAIS: O DEBATE SOBRE
A REVOGAÇÃO DA ANISTIA DE 1961 NO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL (1969-1977)

RAPHAEL PEIXOTO DE PAULA MARQUES


Doutor em direito pela UnB
E-mail: raphapeixoto@gmail.com

Eixo temático: GT 9 – História do direito e transições políticas

Palavras-chave: anistia de 1961; ditadura militar; Decreto-lei n. 864/1969;


Supremo Tribunal Federal; direito adquirido.

Introdução

O presente texto busca investigar o debate ocorrido no Supremo Tribunal


Federal sobre a revogação da anistia prevista no Decreto Legislativo n. 18, de 15
de dezembro de 1961. A anistia de 1961 foi concedida no contexto da crise
político-constitucional daquele ano e foi marcada pela nota da ambiguidade. Se
de um lado a medida gerou a impunidade dos ministros militares que vetaram
a posse de João Goulart na Presidência da República, de outro reabriu a pos-
sibilidade do reingresso dos servidores públicos e militares que foram expulsos
desde 1934. Um dos grupos que adquiriu importância nesse contexto foi o dos
militares excluídos após a revolta comunista de 1935.

Embora o governo tenha criado inúmeros obstáculos para o retorno


desses anistiados (como pareceres jurídicos, requisitos burocráticos etc), a partir
de 1966 eles obtiveram o deferimento de vários mandados de segurança no
STF. Com a ocorrência do chamado “golpe dentro do golpe” em 1969, a edição
do Ato Institucional n. 12 e a Emenda Constitucional n. 01 criou-se o contexto
propício para barrar a pequena e breve vitória judicial dos anistiados de 1961.
Após a instalação da junta militar, uma das primeiras providências foi a edição
do Decreto-lei n. 864, em setembro de 1969, que revogou a anistia. O STF teve

547
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

que lidar, a partir daí, com o delicado problema da compatibilidade de um ato


da ditadura militar com a Constituição de 1967. O que tornava a sua tarefa ainda
mais complexa era a existência da chamada cláusula de exclusão de apreciação
judicial, que imunizava os atos do regime contra eventual controle judicial.

O objetivo do texto, portanto, é observar como o STF enfrentou a ques-


tão, quais foram as estratégias argumentativas utilizadas, enfim, como o sistema
do direito traduziu uma importante transição ocorrida no sistema da política.

Metodologia

O tema será estudado a partir de fontes primárias. Foram selecionados


quatro processos judiciais, julgados entre 1969 e 1977, que demonstram o percurso
percorrido pelo STF frente ao seguinte dilema: reconhecer a inviolabilidade de
um direito individual ou reafirmar o caráter de exceção das normas institucionais
do regime. Os processos serão investigados de modo a deixar claro o resultado
do julgamento, mas também o percurso argumentativo adotado pelos ministros.

Resultados

Após a análise das fontes, conclui-se que o STF reafirmou a narrativa da


ditadura militar, isto é, a retórica “revolucionária” das normas institucionais. Con-
tudo, o estudo da atuação do tribunal nos casos selecionados demonstrou que,
embora ratificando a legalidade do Decreto-lei 864/1969, houve a preocupação
em registrar a violação do direito adquirido previsto constitucionalmente. Tal
preocupação aponta para uma das características centrais da ditadura militar: a
sua intensa ambivalência entre regra e exceção.

Referências bibliográficas
Arquivo do Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 69.022, relator
ministro Thompson Flores, 1970.
Arquivo do Supremo Tribunal Federal, Embargos de Divergência no Recurso Extra-
ordinário n. 72.559, relator ministro Luiz Gallotti, 1973.
Arquivo do Supremo Tribunal Federal, Embargos de Divergência no Recurso Extra-
ordinário n. 62.841, relator ministro Oswaldo Trigueiro, 1973.
Arquivo do Supremo Tribunal Federal, Embargos de Divergência no Recurso Extra-
ordinário n. 75.222, relator ministro Bilac Pinto, 1977.

548
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A CONEXÃO AMERICANA: O SERVIÇO NACIONAL


DE INFORMAÇÕES (SNI) DO BRASIL E O
GOVERNO INVISÍVEL DOS ESTADOS UNIDOS

VICENTE RODRIGUES
Arquivo Nacional – NA
E-mail: vicenteacr@yahoo.com.br

INEZ STAMPA
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio
E-mail: inestampa@ig.com.br

Eixo temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-chave: Ditadura Militar Brasileira; Serviço Nacional de Informa-


ções (SNI); Inteligência

Em 1964, isto é, no mesmo ano no qual as tropas do general Mourão Filho


deixaram os quartéis em Minas Gerais, dando início efetivo ao golpe de Estado
que marcou o fim do governo João Goulart (1961-1964) e o início do período
ditatorial no Brasil (1964-1985), um livro surpreendente foi publicado nos Estados
Unidos. De autoria de dois jornalistas do New York Herald-Tribune, David Wise e
Thomas B. Ross, a obra trazia o provocativo título de “O Governo Invisível” e um
não menos explosivo primeiro parágrafo: “Existem hoje dois governos nos Estados
Unidos. Um é visível. O outro, invisível” (WISE e ROSS, 1968, p. 1).

O livro está dividido em vinte e cinco capítulos que tratam, com riqueza
de dados, de ações clandestinas realizadas pela Comunidade de Inteligência nor-
te-americana (batizada pelos autores de “governo invisível”) ao redor do mundo,
muitas das quais se passaram na América Latina, principalmente nos anos 1950
e 1960, como a “invasão da Baia dos Porcos” (Cuba, 1961), o golpe de Estado
na Guatemala (1954), além da operação do centro clandestino de torturas na
chamada “Escola das Américas”, no Panamá.

No âmbito dos chamados “órgãos de inteligência” contemporâneos, como a


CIA – Agência Central de Inteligência (EUA), o FSB - Serviço Federal de Segurança
da Federação Russa, o MMS – Ministério para Segurança do Estado (China) e a

549
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

Abin – Agência Brasileira de Inteligência, a palavra “inteligência” designa, de forma


geral, tanto o conjunto de informações processadas sobre entidades estrangeiras,
adversárias ou não do Estado, nos mais diferentes campos da política externa
(militar, diplomático e econômico), como também os próprios órgãos responsáveis
pela coleta, análise e difusão dessas informações.

Conforme definido na Encyclopedia of Espionage, Intelligence and Se-


curity, editada por Lee Lerner e Brenda Lerner (2004, v. 2, p. 125), o primeiro
significado está intimamente ligado ao chamado “ciclo de inteligência”, processo
complexo pelo qual a informação bruta é adquirida, convertida em inteligência
e, posteriormente, disseminada em direção a determinados agentes do Estado.
No que se refere à identificação do alvo das atividades de informação, Lerner
e Lerner sustentam que, nos Estados Unidos da América do Norte, “apesar da
óbvia relação entre inteligência e manutenção da lei, um número de barreiras
legais tem, historicamente, separado essas duas atividades” (Idem, p. 126). No
que se refere à identificação do alvo das atividades de informação como sendo
uma “entidade estrangeira”, Lerner e Lerner sustentam que, nos Estados Unidos
da América do Norte, “apesar da óbvia relação entre inteligência e manutenção
da lei, um número de barreiras legais tem, historicamente, separado essas duas
atividades” (Idem, p. 126). Citam como exemplos a lei “Posse Comitatus”10 e o
próprio ato de criação11 da Agência Central de Inteligência, que proíbe a atuação
dessa agência federal em ações de manutenção da lei no âmbito interno dos
EUA. Contudo, os autores concedem que, em anos recentes, principalmente após
os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a linha entre vigilância interna
e externa tornou-se menos definida nos EUA, e que, em regimes autoritários,
frequentemente essa linha sequer existe12.

No Brasil, a palavra inteligência, utilizada para designar as atividades do


“ciclo de inteligência”, bem como os órgãos encarregados dessas atividades, é
10 A lei Posse Comitatus (“The Posse Comitatus Act”) é uma norma federal promulgada em 1878, no contexto
pós-guerra civil dos EUA, que limita os poderes do governo federal, impedindo-o, na prática, de utilizar pessoal
militar em ações de repressão contra a própria população dos EUA. A expressão, de origem latina, significa
“poder da comunidade”.
11 A CIA foi criada através do Ato de Segurança Nacional de 1947 (National Security Act of 1947), sucedendo
ao OSS – Agência de Serviços Estratégicos, criado durante a II Guerra Mundial. O mesmo ato criou o Conselho
de Segurança Nacional (NSC – National Security Council) e o Departamento de Defesa (Departament of Defense).
12 Em que pese à posição dos autores segundo a qual poucas ideias ressoam tão mal para o público norte
-americano do que a noção de “espiões invisíveis se movendo entre os cidadãos dos EUA” (LERNER e LERNER,
2004, v. 2, p.126), está sobejamente demonstrada a convergência das atividades de inteligência e de manutenção
interna da lei em diversos momentos da história recente norte-americana, como, por exemplo, durante o período
da perseguição anticomunista dos anos 1950 e 1960, durante a chamada “guerra às drogas” dos anos 1980, no
caso da apreensão de agentes antiterroristas cubanos em Miami, no que ficou internacionalmente conhecido
como o “Caso dos Cinco Cubanos”, nos anos 1990, e, mais recentemente ainda, no escândalo da espionagem
da NSA – Agência de Segurança Nacional, revelado pelo ex-analista de segurança Edward Snowden, atualmente
autoexilado na Rússia. Por outro lado, o sistema interno de manutenção da ordem é composto por órgãos como
o FBI, cujas atividades de inteligência interna rivalizam, em escopo e técnicas, com as agências de inteligência
que têm como alvo entidades estrangeiras. O próprio FBI já era, desde a década de 1960, considerado como
integrante da chamada Comunidade de Informações (WISE e ROSS, 1968, p. 2).

550
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

de uso mais recente, tendo sido legalmente adotada apenas em 1999, com a
criação da Agência Brasileira de Inteligência – Abin e do Sistema Brasileiro de
Inteligência – SBI, pela lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, assinada pelo
então presidente Fernando Henrique Cardoso. A ditadura brasileira (1964-1985)
optara por utilizar, simplesmente, a expressão “informação”, talvez como forma
de evitar duplo sentido, uma vez que, em Português, a palavra “inteligência” tem
como significados mais comuns àqueles referentes à “faculdade de entender, pensar,
raciocinar, interpretar” e o de identificar alguém como dotado de “compreensão,
conhecimento profundo” (Dicionário Caldas Aulete, 1968, p. 2205).

Dessa forma, em ambos os casos, seja “inteligência”, seja “informação” (no


sentido atribuído durante a ditadura), temos a seguinte situação: dados informa-
cionais brutos, obtidos de fontes ostensivas ou secretas, são coletados por órgãos
especializados, processados e oferecidos a determinados destinatários privilegiados.

Essa correspondência entre os termos não é surpreendente. O sistema


de inteligência/informação adotado, a partir de 1964, pela ditadura brasileira,
recebeu notável influência do modelo norte-americano, tanto teórico quanto
em relação a técnicas e procedimentos. Nada mais natural, tendo em vista os
laços de cooperação historicamente estabelecidos entre Brasil e Estados Unidos
no campo da segurança, da economia e da cultura, principalmente a partir da
II Guerra Mundial e, mais diretamente, o fato de que a ditadura brasileira foi
estabelecida com apoio norte-americano e considerava a si própria parte do
“bloco democrático” liderado pelos EUA.

Diante do exposto, o presente artigo tem por objetivo discutir a influ-


ência do modelo norte-americano de intelligence para a constituição do sistema
brasileiro de informações e contrainformação da ditadura. Trata-se de pesquisa já
finalizada, com ampla utilização de fontes primárias, tais como documentos do
SNI liberados para consulta em 2012 (Lei 12.527, de 11 de novembro de 2011),
pesquisa em leis e obras dos EUA e do Brasil, e que tem como marco temporal
para análise a década de 1960, isto é, o período no qual foram constituídos, no
Brasil, órgãos como o SNI – Serviço Nacional de Informações. Como resultados,
podem ser apontados elementos que ampliam o conhecimento, para o campo
do Direito brasileiro, quanto às similitudes entre os marcos normativos criadores
do SNI e da CIA, bem como o aprofundamento da compreensão quanto a si-
militudes e diferenças entre o campo da inteligência nos EUA e no Brasil durante
o período da ditadura militar brasileira.

Referências: bibliográficas
FIGUEIREDO, L. Ministério do silêncio: a história do serviço secreto brasileiro de
Washington Luís a Lula – 1927-2005. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2005.

551
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

GASPARI, E. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002.


RODRIGUES, V.A.C. Documentos (In)Visíveis – arquivos da ditadura militar e acesso
à informação em tempos de justiça de transição no Brasil. Aracaju: Edise, 2017.
WISE, D. e ROSS, T. B. The Invisible Government. New York: Random, 1964.
___. O governo invisível. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1968.

552
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

RUPTURA DEMOCRÁTICA E O PROCESSO


DE TRANSIÇÃO CONCILIADA:
OS FANTASMAS DA DITADURA CIVIL-MILITAR
NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

DIOGO BACHA E SILVA


Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ
E-mail: diogobacha@ig.com.br

Eixo temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-chave: Transição política negociada – déficit democrático –


ruptura político-institucional.

Introdução

A ruptura político-institucional promovida pelo golpe parlamentar de 2016


precisa ser trabalhada à luz do panorama histórico-constitucional brasileiro. Para
tanto, o presente trabalho busca interpretar os acontecimentos do processo de
impedimento da Presidente eleita Dilma Rousseff como um ódio ao processo
de democratização com a Constituição de 1988 e todas as conquistas sociais
durante tal período.

Tal ódio, em verdade, é consequência do ódio à democracia, para falar


com Jacques Ranciere. No entanto, em nossa história constitucional tem como
origem um longo e demorado processo de democratização iniciado na década
de 1980 em que a então vigente ditadura civil-militar não permitiu um ruptura,
um coup de force, próprio de todo ato constituinte.

Na verdade, invertendo a lição de Eros Grau, o que significou “suaves


compromissos” foi propriamente a abertura democrática. Após ter conseguido
inserir um dispositivo na Lei da Anistia que permitiria a irresponsabilidade e
impunidade pelos crimes cometidos durante o período de governo, o regime
militar ainda demoraria para completar o processo de transição, tentando obter
o controle do próprio processo de abertura.

553
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

Em verdade, aqueles que creem que a constituinte somente advém de


um colapso de poder pretendem dissimular a sustentação do status quo, já que
exprime um descrédito na opinião pública ávida pela implantação de valores
democráticos Ora, como nos lembrou Raymundo Faoro, antes de 1988, o que
havia de liberal e democrático advinha das constituintes realizadas em 1823, 1891,
1932 e 1945 e o que há de estamental e elitista veio de outorgas, emendas e
atos de força, ainda que “nunca o Poder Constituinte tenha conseguido nas suas
quatros tentativas vencer o aparelhamento de poder, firmemente ancorado ao
patrimonialismo de Estado, mas essas investidas foram as únicas que arvoraram
a insígnia da luta, liberando energias parcialmente frustradas”.13

A busca aqui é realizar uma conexão necessária entre o golpe parlamentar


e a ditadura civil-militar, perpassando pelo processo de abertura democrática. Só
há sentido falar em transição política na medida em que se passa de um regime
autoritário para um regime democrático. No caso do Brasil, a transição política
que se deu de forma lenta e gradual teve como tônica a manutenção de uma
estrutura de poder, poder que conjuga violência para dizermos com Hannah
Arendt, que culminou em um rompimento político-institucional através do golpe
parlamentar de 2016.

Ora, a história constitucional não é processo linear e contínuo de progresso,


mas uma história de cidadãos e a democratização sempre será um processo de
tropeços e recomeços, todavia sujeitos ao aprendizado social.

Metodologia

O texto se vale do método crítico-descritivo para pontuar uma questão


que, até o momento, tem passado despercebido, qual seja, que o golpe parlamen-
tar de 2016 guarda uma estreita relação com a transição política da década de
1980, fazendo com que a constitucionalização de 1988 sofra de ódio por parte
da sociedade e um déficit democrático.

Resultados Parciais

Muito embora o texto constitucional de 1988 tenha sido emancipatório


para grande parte da população, há que se consignar que a democracia carrega
consigo uma afecção de ódio desde os tempos da ágora. Neste sentido, parcela
da sociedade brasileira que conectamos diretamente ao empresariado que, em
conjunto com os militares, conspiraram e efetivaram o golpe de Estado, também
mantém um ódio ao processo democrático.

13 FAORO, Raymundo. A república inacabada. São Paulo: Globo, 2007. p. 257.

554
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Essa mesma parcela, no entanto, embora tenha mudado o modus operandi,


conspirou para o impedimento da Presidente eleita Dilma Rousseff com a mesma
finalidade, romper com o processo de democratização e acesso de direitos para
minorias alijadas historicamente do poder no Brasil.

Com um novo modo de atuar, agora através de um golpe provocado


no parlamento, bem no local onde deveria atuar as vontades democráticas, o
empresariado se embasa nos mesmos fundamentos, qual seja, que o Brasil passa
por uma crise de autoridade, de moralidade e administrativa que facilitaria o
propósito “comunista” de subversão da ordem e das instituições.

Portanto, no Brasil, historicamente, tudo se muda para continuar o mesmo.

Conclusões

Uma interpretação adequada do golpe parlamentar de 2016 deve passar


por uma análise histórica que não leva em conta apenas os antecedentes po-
lítico-sociais imediatos. É preciso, para dizer com Benjamin, escovar a história a
contrapelos para interpretamos adequadamente o presente.

Nessa medida, o texto defende que o golpe parlamentar de 2016 está


assentado em 2 (duas) premissas históricas: 1) um ódio da elite evidentemente
patrimonial com relação à democracia; 2) um processo de transição política cuja
abertura democrática foi um processo gradual e controlado pela então ditadura
civil-militar e não um golpe de força que irrompe uma nova ordem.

Assim, concluímos que a democracia de 1988 sempre será assombrada


pelos fantasmas da ditadura civil-militar enquanto não se der um engajamento
político-social em torno da Constituição de 1988 e seus preceitos democráticos.

Referências bibliográficas
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Democracia sem espera e processo de
constitucionalização: uma crítica aos discursos oficiais sobre a chamada transição
política brasileira. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (org.). Constitu-
cionalismo e História do Direito. Belo Horizonte: Pergamum, 2011.
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DERRIDA, Jacques. Força de lei – o “fundamento místico da autoridade”. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
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FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
4ª ed. São Paulo: Globo, 2008.

555
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

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dão aos torturadores”. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Ministério da
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HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. São Paulo: Littera
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HABERMAS. Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo:
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KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos histó-
ricos. Trad. Wilma Patrícia Maas. Rio de Janeiro: Ed. Puc-Rio, 2006.
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MEYER, Emílio Peluso Neder. Ditadura e responsabilização: elementos para uma
justiça de transição no Brasil. Belo Horizonte: Arraes editores, 2012.
PEREIRA, Anthony. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito no
Brasil, no Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem
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SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania: para uma sociologia política
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STARLING, Heloisa Maria Murgel. Os senhores das gerais: os novos inconfidentes e
o golpe de 1964. 4ª ed. Petropólis: Ed. Vozes, 1986.

556
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

UM DEBATE SOBRE A POSITIVAÇÃO


DO DIREITO DE GREVE A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO
DE 1988. AVANÇO OU RETROCESSO?

GABRIEL P. P. DE S. MELGAÇO
Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
E-mail: gabriel.melgaco@uerj.br

Eixo temático: História do Direito e Transições Políticas

Palavras-chave: História do Direito, Direito de Greve, Experiências Jurídicas,


Legislação, Trabalhadores, História dos Conceitos, Assembleia Constituinte de 1988.

Resumo

O presente trabalho é consequência das pesquisas desenvolvidas pelo


Laboratório Interdisciplinar de História de Direito da UERJ, e pretende investigar
e debater a positivação do direito de greve a partir da Constituição da Repú-
blica Federativa do Brasil, de 1988. Lançando olhos sobre período conhecido
como redemocratização (1985-1988), observando e considerando as narrativas
dos diversos atores sociais que atuaram e contribuíram na elaboração da “Cons-
tituição Cidadã”, pretendo analisar o desenvolvimento da redação jurídica sobre
o reconhecimento do direito de greve no Brasil, desde o anteprojeto de Afonso
Arinos, até a redação final, que vigora até hoje. Dessa investigação, pretende-se
responder alguns simples, porém relevantes questionamentos. Afinal, a redação em
vigor atendeu a todos os trabalhadores brasileiros? Quais os grupos e interesses
que prevaleceram e quais os argumentos venceram? Quais foram os argumentos
vencidos? Tal positivação, para os trabalhadores, pode ser considerada uma ino-
vação útil ou um retrocesso revestido de garantia?

A análise de fontes documentais, judiciais, doutrinas jurídicas, jornais e


manifestações de sindicatos, confrontados com os discursos políticos proferidos e
registrados nos anais da constituinte, permitirá melhor compreender as estratégias
e a dinâmica de interesses e forças favoráveis e contrárias ao reconhecimento do
direito de greve. Tal investigação histórica se mostra necessária e inovadora, uma

557
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

vez que quase a totalidade dos manuais de direito do trabalho, constitucional e


administrativo, considera a redação contida na Carta de 1988 fruto de avanço
cronológico e natural do entendimento jurídico. Este projeto, em via oposta, por
uma análise diacrônica e sem se restringir a análise de texto legal positivado, fará
a problematização desse momento histórico, analisando experiências e consciências
jurídicas sobre o direito de greve, afastando eventuais brumas sobre o processo
de luta e disputa política e jurídica sobre o direito de greve.

Apesar de seu reconhecimento constitucional, o direito de greve não


foi garantido de forma plena e eficaz para todos os trabalhadores brasileiros.
Infelizmente, ainda existem casos em que o direito de greve permanece vedado
a trabalhadores brasileiros. A greve veio com restrições, dependendo de regula-
mentação para os trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos civis.
Para servidores militares e da segurança pública, o direito de greve foi expressa-
mente vedado.

Há uma ideia, que me parece equivocada, de que a carta constitucional


de 1988 consagrou direitos e avançou em todos os aspectos envolvendo direitos
sociais e dos trabalhadores. É importante deixar claro que avanços são inegáveis,
porém, a existência de avanços não nos permite inferir que estes ocorreram em
todas as matérias tratadas naquele documento político.

Assim, para saber se, de fato, a forma com que o direito de greve foi
positivado significou um avanço para todos os trabalhadores, se impõe uma
investigação histórica sobre a evolução desse conceito e a sua positivação a
partir dos debates da constituinte de 1988. De pronto, questiona-se o “senso
comum” de que a positivação do direito de greve significou um avanço para os
trabalhadores, pela existência de categorias que tiveram tal direito vedado, sem
a disponibilização de nenhum outro mecanismo de luta.

Pretende-se uma melhor compreensão da construção positiva do direito


de greve, confrontando a visão legal dos juristas, dos governantes, os sentimentos
de justiça e jurídico de trabalhadores, sindicatos e da opinião pública, por suas
propostas e contribuições. A investigação histórica pretendida tende a se afastar
do historicismo jurídico, atrelado ao positivismo, que justifica o presente como
consequência do desenrolar natural dos fatos pretéritos, em um movimento
equivocado de justificação e legitimação dos direitos de hoje, imunizando-o de
críticas a partir de uma falsa tradição histórica. Se propõe uma investigação his-
tórica que sirva como instrumento de reflexão crítica, tendo sempre em mente
que o direito é um fenômeno social, construído a partir de relações sociais entre
personagens inseridos em determinada sociedade e em determinado período. A
análise dos institutos, conceitos e teorias será feita a partir de sua adequação em

558
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

determinado período histórico, considerando as diversas condicionantes sociais,


econômicas e políticas ao redor.

Inexiste uma investigação histórica crítica, a maioria dos manuais de di-


reito sustentam que a positivação do direito de greve significou um avanço. Tal
percepção gera um grande problema, qual seja, impede que o texto positivo seja
problematizado, criticado e submetido a aprimoramentos. Não surge a preocupa-
ção em saber se tal texto repercute negativamente na vida dos trabalhadores do
Brasil. Apesar das afirmações de que a Constituição de 1988 recebeu os ares da
democracia, esses ares não foram suficientes para dissipar os odores produzidos
pelos 20 anos de regime militar.

A hipótese que se defende é a de que, muito embora o direito de greve


tenha sido positivado e alçado a categoria de direito constitucional, na carta de
1988, sua regulamentação, efetivação e exercício não permite afirmar, como fazem
os manuais, que tal legislação representou um grande avanço para os trabalha-
dores. Na verdade, a positivação do direito de greve no Brasil ainda não garante
o direito de greve a todos os trabalhadores e continua a ser criminalizada, em
alguns casos. A greve é vista como uma prática nociva, uma visão não compar-
tilhada pelos trabalhadores.

A confirmação ou refutação da hipótese vai depender das respostas


encontradas para as seguintes questões: -Por que o texto constitucional silenciou
diante da possibilidade de vedar condutas antigrevistas? -Por que o texto da lei
de greve foi tão tímido na repressão a condutas antigrevistas? -Por que doutrina
e jurisprudência não problematizam o instituto e sua positivação?

Referências bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. Tradução de Sergio Paulo Rou-
anet. Prefacio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1994. (obras
escolhidas. v. I).
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(2009), 3ª reimpressão. Curitiba. Editora Juruá, 2012. P.20-29.
HESPANHA, António Manuel. O caleidoscópio do direito: o direito e a justiça nos
dias e no mundo de hoje. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2009.
HESPANHA. Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio.
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LE GOFF, Jacques. A história nova. Tradução de Eduardo Brandão. Rio de Janeiro:
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MARTINS, Sérgio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2010;
SIQUEIRA, Gustavo Silveira. Breves Anotações para uma História do Direito no
Brasil. Revista Governança Social, v. 3, p. 35-40, 2010.

559
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito e Transições Políticas

SIQUEIRA, Gustavo Silveira. Experiências de Greve no Estado Novo. In: Ricardo


Marcelo Fonseca; Gustavo Siqueira. (Org.). História do Direito Privado: olhas dia-
crônicos. 1ed. Belo Horizonte: Arraes, 2015, v. 1, p. 216-231.
SIQUEIRA, Gustavo Silveira. História do direito de greve no Brasil: relatos de um
projeto de pesquisa. In: Gustavo Silveira Siqueira. (Org.). Teoria e Filosofia do Direito.
1ed.Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, v. 1, p. 145-162.
SIQUEIRA, Gustavo Silveira. Não ouse parar. Revista de História (Rio de Janeiro),
v. 1, p. 64-69, 2015.
SIQUEIRA, Gustavo Silveira; AZEVEDO, F. G. S. . O tratamento jurídico da greve
no início do século XX: o direito e a violência na greve de 1906. Revista Direito
e Práxis, v. 4, p. 68-84, 2013.
SIQUEIRA, Gustavo Silveira; AZEVEDO, F. G. S. ; RODRIGUES, J. S. . O direito de
greve nos debates da assembleia nacional constituinte de 1933-1934. Passagens:
Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, v. 6, p. 312-327, 2014.
SIQUEIRA, Gustavo Silveira; RODRIGUES, J. S. . O direito de greve nas constitui-
ções brasileiras: um breve debate sobre o século XX. Revista da Associação dos
Servidores do Arquivo Nacional, v. 1, p. 160-180, 2015.
SIQUEIRA. Gustavo Silveira. História do direito pelos movimentos sociais: cidada-
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VESTENA, C. ; SIQUEIRA, GUSTAVO SILVEIRA . A criminalização dos movimen-
tos sociais como criminalização da política: um breve diálogo com a população
carioca. In: José Ricardo Cunha. (Org.). Investigando convicções morais: o que
pensa a população do Rio de Janeiro sobre Direitos Humanos. 1ed. Rio de Janeiro:
Gramma, 2015, v. 1, p. 105-118.

560
RESUMOS

HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO


IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

TRADUZINDO CONFLITOS E ENUNCIANDO


DIREITOS: A 1ª JUNTA DE CONCILIAÇÃO
E JULGAMENTO DE PORTO ALEGRE COMO ESPAÇO
DE FORMAÇÃO DE SUJEITOS DE DIREITOS TRABA-
LHISTAS (1941-1943)

VICENTE DE AZEVEDO BASTIAN CORTESE


Mestrando em Direito vinculado ao Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.
E-mail: vicentecortese@gmail.com

Eixo Temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chave: História do Direito do Trabalho; Estado Novo; Direito


Social.

Introdução

Este trabalho tem como objetivo demonstrar o papel da Justiça do


Trabalho no desenvolvimento e disseminação dos direitos sociais decorrentes do
processo de regulamentação das relações de trabalho que toma forma a partir
dos anos 1930. Mais especificamente, pretende-se demonstrar mudanças no objeto
das reclamações trabalhistas realizadas à 1a Junta de Conciliação e Julgamento de
Porto Alegre durante o período compreendido entre 1941 e 1943, a partir das
quais deve ser possível observar o desenvolvimento de uma maior consciência
dos trabalhadores quanto a direitos já previstos em lei mas de pouca repercussão
prática. Para tanto, serão analisadas todas reclamações feitas à Junta de Conci-
liação e Julgamento de Porto Alegre durante o período indicado, tomando-se
como critérios principais para a catalogação dessas: a) os fatos narrados como
fundamentos dos pedidos (isto é, os fatos que eram tomados pelos reclaman-
tes como fundamentos de pretensões legais) e b) o enquadramento legal dos
direitos postulados. Assim, deve ser evidenciada uma expansão de fatos sociais
tidos como fundamentos de pretenções legais e, dessa forma, verbalizados em
demandas judiciais.

563
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

A partir de premissas teóricas desenvolvidas por Edward P. Thompson e


Pierre Bourdieu em relação ao direito, visto como “campo de conflito” [field of
conflict] (THOMPSON, 2003, p. 203) para o qual fatos do campo social devem
ser traduzidos em termos jurídicos, sem o que não é possível “revelar os direitos
e, simultaneamente, as injustiças (…)” (BOURDIEU, 2012, p. 232), pretende-se
demonstrar que a evolução no perfil de demandas levadas à 1a Junta de Conci-
liação e Julgamento de Porto Alegre é indicativo de uma consolidação da justiça
do trabalho como espaço de satisfação de interesses e como instrumento de
permeabilização das relações de trabalho pela produção normativa já estabelecida
na época. Atentando à prática jurisdicional cristalizada nas fontes examinadas,
portanto, pretende-se contribuir para a compreensão do processo de regulamen-
tação das relações de trabalho no Brasil que toma forma especialmente a partir
da década de 1930.

Ao tomar a prática vivenciada no meio institucional destinado à resolução


de demandas trabalhistas individuais como base para reflexões sobre a experiência
jurídica dos atores ali envolvidos, refuta-se a análise da produção legislativa que
se inicia na segunda metade dos anos 1910 e redunda na CLT em 1943 como
base explicativa da regulamentação das relações de trabalho no Brasil. Com
isso, busca-se evitar uma leitura eminentemente “legalista” do direito, de modo
a alinhar o trabalho à produção historiográfica dedicada à classe operária e às
relações de trabalho no Brasil que se inicia no pós 1980 (GOMES, 2004) e per-
mitiu novas interpretações das relações entre classe operária e Estado, na esteira
da qual realizaram-se uma série de trabalhos voltados à relação mantida entre
classe trabalhadora e Estado1.

Metodologia

Foram analisadas todas as 464 reclamações levadas à 1a Junta de Conciliação


e Julgamento de Porto Alegre em 1941. Tomando como critérios a natureza do
fato judicializado e o enquadramento legal a ele dado pelos reclamantes foram
estabelecidos grupos, com exceção dos pedidos de pagamento de férias (presente
em 28,4% das ações), única demanda de representatividade que não se encaixa
em nenhum grupo uniforme de pedidos:

1 GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e trabalho – Política e legislação social no Brasil (1917-1937). Rio de
Janeiro: Campus, 1979; ___. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro, 1988; FRENCH, John. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros.
São Paulo: Perseu Abramo, 2001; BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil – 1930/1942:
A construção do sujeito de direitos trabalhistas. Dissertação: UNICAM, 2005; SOUZA, Samuel Fernando de.
“Coagidos ou subornados”: trabalhadores, sindicatos, Estado e as leis do trabalho nos anos 1930. Dissertação:
UNICAMP, 2007; SOUZA, Edinaldo Antonio Oliveira. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça
do Trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação: Universidade Federal da Bahia, 2008.; SPERANZA,
Clarice Gontarski. Cavando direitos: As leis trabalhistas e os conflitos entre trabalhadores e patrões nas minas
do Rio Grande do Sul nos anos 40 e 50. Tese de Doutorado: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012,
etc.

564
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

1. Pedidos relacionados à rescição unilateral, por parte do empregador,


de contrato de trabalho sem prazo determinado, consistentes em:
indenização pecuniária por aviso prévio não concedido (presente em
48,2% das reclamações); indenização por despedida sem justa causa
(presente em 34,5% das reclamações); reclamações genéricas referindo
a despedida como fundamento de uma indenização, sem especifica-
ção de pedidos ou fundamentos legais (presente em 3,9% da ações)
e pedido de reintegração ao emprego no caso de empregados com
estabilidade (presente em 3,9% das ações)
2. Pedidos relacionados ao pagamento de verbas: verbas salariais ou de
comissões (presente em 17% das ações); horas extraordinárias (pre-
sente em 12% das ações); descanso semanal remunerado (presente
em 5,3% das ações); cumprimento do salário mínimo (presente em
7,1%) e salário por período de afastamento decorrente de enfermidade
(presente em 0,4% das ações).
3. Demandas de pouca representatividade: Indenização por acidente de
trabalho (presente em 0,4% das ações); anotação em carteira de
trabalho (presente em 1,5% das ações); redução salarial (presente em
2% das ações).
A mesma catalogação deve ser ampliada para os anos de 1942 e 1943,
de modo a mostrar a evolução do perfil de demandas, com um aumento de
pedidos relacionados a direitos não disseminados e, assim, não levados à Junta
no ano de 1941.

Resultados parciais

O que se viu a partir da catalogação feita até agora é que os pedidos


mais recorrentes, quais sejam, aviso prévio (presente em 48,2% das ações) e inde-
nização por despedida sem justa causa (presente em 34,5% das ações) decorrem
da rescisão unilateral, por parte do empregador, do contrato de trabalho sem
prazo determinado. O aviso prévio já encontrava previsão no Código Comercial
de 18502 e no Código Civil de 19163. A indenização por aviso prévio, por sua vez,
foi novidade introduzida pela lei 62 de 19354. O fato de outros direitos também
previstos nessa última lei (a estabilidade decenal – art. 10 – e a vedação à redu-
ção salarial fora dos casos em que a lei autorizasse – art. 11 - ) não terem sido

2 O capítulo IV, regulando o trabalho de feitores, guarda livros e caixeros, dispõe: “Art. 81 - Não se achando
acordado o prazo do ajuste celebrado entre o preponente e os seus prepostos, qualquer dos contraentes poderá
dá-lo por acabado, avisando o outro da sua resolução com 1 (um) mês de antecipação”.
3 Lê-se, na seção que trata da “locação de serviços”: “Art. 1.221. Não havendo prazo estipulado, nem se po-
dendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes a seu arbítrio, mediante
prévio aviso, pode reincidir o contato”.
4 “Art. 1º É assegurado ao empregado da indústria ou do comércio, não existindo prazo estipulado para a
terminação do respectivo contrato de trabalho, e quando for despedido sem justa causa, o direito de haver
do empregador uma indenização paga na base do maior ordenado que tenha percebido na mesma empresa”.

565
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

postulados à Junta de Conciliação e Julgamento em igual medida (presentes em


3,9% e 2% das ações, respectivamente) pode sustentar que tipo de reflexão? Será
possível afirmar que a existência de legislação civil prevendo a despedida como
fato (do campo social) gerador de uma expectativa de “indenização” (campo
do direito) pelo menos desde 1919 permitiu a consolidação, na cultura jurídica
e nas relações de trabalho, da ideia de que o empregado despedido poderia
“buscar os seus direitos” na justiça? Nesse sentido, será possível sustentar que o
direito à indenização por despedida sem justa causa previsto na lei 62 encontrou
maior repercussão (relativamente aos outros direitos previstos na mesma lei) na
1a Junta de Conciliação de Julgamento de Porto Alegre em razão de uma maior
receptividade do campo social a uma disposição legal regulando fato (término do
contrato) tido, desde pelo menos o ano 1919, como gerador de direitos, ainda
que inovando quanto às consequências legais?

Deixando de lado as objeções que essa exposição precária pode gerar, os


argumentos expostos em forma de perguntas servem para demonstrar a impor-
tância que a análise de processos a ser desenvolvida, a partir do marco teórico
acima referido, pode ter para a explicação da experiência jurídica do período, bem
como para que se compreenda a real repercussão da reforma legal e institucional
que então se consolidava.

Referências bibliográficas:
BIAVASCHI, Magda Barros. O Direito do Trabalho no Brasil – 1930/1942: A cons-
trução do sujeito de direitos trabalhistas. Dissertação: UNICAM, 2005.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
FRENCH, John. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores
brasileiros. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.
GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e trabalho – Política e legislação social no
Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: Campus, 1979.
___. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro, 1988.
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SOUZA, Edinaldo Antonio Oliveira. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores
na Justiça do Trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação: Universidade
Federal da Bahia, 2008.
SOUZA, Samuel Fernando de. “Coagidos ou subornados”: trabalhadores, sindicatos,
Estado e as leis do trabalho nos anos 1930. Dissertação: UNICAMP, 2007.
THOMPSON, Edward P. (2013). Whigs & Hunters – The Origin of the Black Act.
London: Breviary Stuff Publications

566
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: As leis trabalhistas e os conflitos


entre trabalhadores e patrões nas minas do Rio Grande do Sul nos anos 40 e 50.
Tese de Doutorado: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012.

567
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

REGULAÇÃO TRABALHISTA E O CONTEXTO


CONSTITUCIONAL DE 1934: UM ESTUDO DE CASO

RAFAEL LAMERA GIESTA CABRAL


Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).
Professor adjunto de História de Direito na Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA)
E-mail: rafaelcabral@ufersa.edu.br

Eixo temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chave: Regulação Trabalhista; Trabalho; Conselho Nacional do


Trabalho

Introdução

A partir de 1930, mudanças profundas marcaram o mundo do traba-


lho no Brasil. O nascimento de uma incipiente regulamentação do direito do
trabalho acelerou-se em um contexto político, econômico e social inédito, com
forte fragmentação e instabilidade no arranjo de interesses reformulados no pós
-Revolução de 1930 – Era Vargas. Grande parte das narrativas explicativas sobre
a regulação do trabalho na década de 1930 acabam por exteriorizar as tensões
existentes entre o mito da outorga de direitos pelo Estado e o protagonismo
da classe trabalhadora para firmar novos locais de Direito. A proposta desta
pesquisa tem como ponto de partida um questionamento complexo: qual o
impacto que a regulação do trabalho causa para o trabalhador em tempos de
constitucionalização de direitos, tal como os observados na década de 1930?
Essa questão coloca outros desafios, pois não basta a existência da legislação,
é necessário investigar como o acesso aos direitos consagrados pela legislação
são mediadas pelos interesses de trabalhadores, empregadores e o Estado. Ao
integrar esse ponto, os olhares se direcionam a uma das principais instituições
responsáveis pela organização de interesses entre capital e trabalho: o Conselho
Nacional do Trabalho, que entre 1923 a 1945, quando se transformou em Tribunal
Superior do Trabalho, lavrou mais de 50 mil acórdãos em ações trabalhistas e
previdenciárias. Em visita ao fundo de arquivo do Conselho Nacional do Trabalho
(CNT), no Tribunal Superior do Trabalho (TST), uma reclamação trabalhista de
agosto de 1934 chamou a atenção. Tratava-se de um pedido de reintegração ao
trabalho promovido por sete mineiros de uma mina de carvão da Companhia

569
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo – CEFMSJ, de Arroio dos Ratos, Rio
Grande do Sul, que haviam sido expulsos da mina pela polícia local por serem
considerados indesejáveis. O processo trazia à tona denúncias de greve, prisão de
trabalhadores e uma possibilidade de uso da própria lei para reformar a decisão
da empresa empregadora.

Na composição entre capital e trabalho, verificou-se o desdobramento


do conflito trabalhista em outros níveis de complexidade e a partir dos rastros
deixados pela reclamação foi possível construir um programa de pesquisa que
buscou identificar o impacto que um processo de natureza trabalhista causava
em contextos de constitucionalização de direitos e instituição de práticas e ações
protetivas de longo alcance. A forma como o processo se desenvolveu, atrelado
ainda à configuração das defesas apresentadas, refletia, na verdade, o uso de uma
racionalidade seletiva e limitada, cuidadosamente construída para não expor as
realidades mais ameaçadoras do mundo do trabalho em conflito com a lei, mas
de grande referência para a história do direito constitucional brasileiro. Os aconte-
cimentos locais (em que foram presenciados os conflitos entre polícia, mineiros e
companhia) – por mais que representassem uma prática, possivelmente, reiterada
da companhia empregadora – estavam interligados a fatos econômicos e políticos
que fugiram do controle da empresa. Nesse contexto, surgem problemas interes-
santes para a reflexão acerca da história do direito em momentos de aplicação
do direito. O que emergia desses conflitos não era apenas uma resistência ou
crise no sistema punitivo local, mas a presença de alternativas, de possibilidades
históricas que, ao serem ritualizadas mediante o processo, permitiam o registro
dos limites e avanços de uma comunidade de trabalhadores que passava a ser
mediada pelo direito de maneira inédita.

Metodologia

Em termos metodológicos, a perspectiva assumida para essa pesquisa


assentou-se nas experiências da micro-história italiana. Com a redução na escala
de observação, a reconstrução de momentos, como um conflito de greve, ou
de situações complexas, como a relação entre público e privado, ou até mesmo
entre pessoas, ao serem “investigadas com olho analítico, em âmbito circunscrito,
recuperam um peso e uma cor; não como exemplos, na falta de explicações
melhores, mas como referência dos fatos à complexidade dos contextos nos quais
os homens se movem” (LEVI, 2009, p. 14). Na prática, com a redução na escala,
há uma mudança no nível de informação disponível sobre o objeto, modificando
não apenas o que era ou não perceptível, mas também transformando a configu-
ração da realidade analisada (ROJAS, 2007). Desse modo, o desafio dessa proposta
consiste na atividade de recriar as conexões entre os diversos níveis observados,
ao mesmo tempo que se leva em conta suas especificidades e diferenças.

570
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

É nesse sentido que se analisará o caso Domingos Mantilha e outros,


presente na reclamação trabalhista nº 9.582/1934-CNT. As alterações na regu-
lamentação do trabalho e a alegada violação dessas regras por parte da com-
panhia colocaram sete trabalhadores em uma situação excepcional. As reações
dos mineiros e a forma como as instrumentalizaram estavam conectadas com
as transformações sociais e constitucionais do período. No momento em que
o movimento dos trabalhadores e a situação de despedida se agrupam, aquele
contexto de instabilidade das formas, e peso decisivo das ações do grupo/sindi-
cato, ou até mesmo as referências genéricas que o processo envolveu passam a
se constituir como um campo específico que põe em jogo configurações sociais
não apenas complexas, mas também imprevisíveis.5

Os mineiros foram identificados a partir de seus registros civis, visando


situá-los em um espaço de institucionalidade que envolvia o local de trabalho
e as formas de organização política nas quais estavam inseridos. Nesse aspecto,
concedeu-se atenção especial à história do Sindicato dos Mineiros de Arroio dos
Ratos, a qual colaborou, principalmente, na interpretação acerca das estratégias e
contradições às quais os trabalhadores estavam submetidos. A relação microscó-
pica e a dimensão contextual mais ampla tornou-se o princípio organizador da
narrativa. Por seu turno, a reconstrução da história da companhia também foi
feita, para contextualizar, na prática, o impacto de uma reclamação trabalhista na
relação entre o público e o privado, tal como a estabelecida pela companhia à
margem da ordem constitucional.

Resultados

O estudo de caso destacou um duplo movimento que congregou a


resistência da companhia empregadora em se adequar às novas regras consti-
tucionais trabalhistas (1934), ao mesmo tempo em que destacava a reação de
trabalhadores, protegidos por seu sindicato de classe, frente a uma demissão que
reputavam sem justa causa.

Com o uso da metodologia da micro-história, o contexto que ensejou


o conflito trabalhista foi reconstruído, e a partir de um levantamento de fontes
primárias e documentos judiciais, a reclamação trabalhista exteriorizou uma relação
em que a dimensão público e privado se encontrava radicalizada, vislumbrada
na relação entre a companhia, o município de São Jerônimo e os contornos da
ordem pública e privada reconstruídos pela direção da CEFMSJ.

5 Maurizio Gribaudi (1998, p. 129) entende que a “essa noção de imprevisibilidade é a que me parece esclarecer
melhor o nível em que se situa a análise microssocial: o de uma causalidade que é, a cada momento, pensada
como abertura. Se um processo evolui de maneira não previsível, isso significa que os fatores que favoreceram a
concretização de uma solução de preferência a outra são contextuais; estão ligadas à especificidade de escolha
e de dinâmicas que se atualizaram num momento e num lugar particulares”.

571
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

Essa rede complexa de relações entre público e privado era forjada também
na medida em que a companhia se utilizava da autoridade policial local para o
controle e fiscalização dos trabalhadores nas minas e, depois, ao tentar se isentar
de suas obrigações legais, transferindo a responsabilidade para a autoridade poli-
cial. As ações da polícia contra os trabalhadores da mina eram justificadas pelo
combate aos movimentos grevistas e sindicais que colocava a ideia de direitos e
seu exercício em uma zona cinzenta.

A reconstrução da realidade dos mineiros colocou em destaque um sistema


de controle e vigilância que institucionalizava a violência policial em parâmetros
complexos que superdimensionavam o espaço privado. O CNT, mesmo diante
dos movimentos de ajuste, acabava por desempenhar um papel inédito para a
consolidação de direitos, pois não deixava de representar uma aposta na estabili-
zação de expectativas normativas, mas também de instrumentalizar a capacidade
do direito de fundamentar a confiança social e criar segurança de conduta. A
concretização dessa premissa era fundamental para que o Estado pudesse dar
andamento às modificações nas relações sociais trabalhistas, com vistas à realização
dos objetivos sociais firmados politicamente.

Referências biliográficas
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de Ferro e Minas de São Jerônimo. Brasília: Fundo CNT-TST, Série Dissídios, Cx.
27, Maço 01, 195p., 1934.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Do CNT ao TST. Brasília, 1975.
CABRAL, Rafael Lamera. Uma leitura do legado constitucional brasileiro entre
1930-1937. Revista de História Constitucional, Oviedo, n. 15, 2015. Disponível em:
<http://www.historiaconstitucional.com/index.php/historiaconstitucional/article/
viewFile/425/pdf_9>. Acesso em: 10 out.2015.
FORTES, Alexandre. “Buscando os nossos direitos...”: trabalhadores e organização
sindical na Porto Alegre de 1933 a 1937. Dissertação (Mestrado em História
Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994.
GINZBURG, Carlo. Checking the Evidence: the jugde and the Historian. Critical
Inquiry, Chicago, v. 18, n. 1, p. 79-92, 1991.
___. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras,
2007.
___. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela
Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção do trabalhismo. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005.
___. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil, 1917-1937. Rio de
Janeiro: Campus, 1979.

572
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

GRENDI, Edoardo. Microanálise e história social. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro


de; ALMEIDA, Carla M LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um
exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
___. Prefácio. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho
de (Org.). Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
GRIBAUDI, Maurizio. Escala, pertinência, configuração. In: REVEL, Jacques (Org.).
Jogos de escala. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.
ROJAS, Carlos Antônio Aguirre. Convite a outra micro-história: a micro-história
italiana. In: MARLERBA, J.; ROJAS, C. A. (Org.). Historiografia contemporânea em
perspectiva crítica. Bauru, SP: EDUSC, 2007.
SANTOS, Adalberto Thimóteo. A legião dos condenados. São Jerônimo: [s.n.], 1966.
SOUZA, Samuel Fernando de. “A questão social é, principalmente e antes de
tudo, uma questão jurídica”: o CNT e a judicialização das relações de trabalho
no Brasil (1923-1932). Cadernos AEL: Trabalhadores, leis e direitos, Campinas, v.
14, n. 26, 2009.
SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos
entre trabalhadores e patrões nas minas do Rio Grande do Sul nos anos 40 e
50. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
UNTURA NETO, Marcos. O Conselho Nacional do Trabalho e a construção dos
direitos sociais no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2010.

573
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

LEGISLAÇÃO SOCIAL DA PRIMEIRA REPÚBLICA:


O DIREITO, O ESTADO E O TRABALHO

FERNANDA CRISTINA COVOLAN


Doutoranda em Direito Político e Econômico com bolsa Capes na Universidade Presbiteriana Mackenzie;
Professora no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)
E-mail: fernandacovolan@hotmail.com

Eixo Temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chave: Primeira República; Legislação Social; Comparativo Con-


juntural.

Introdução

No início do século passado, a Questão Social tornou-se parte das pre-


ocupações da sociedade brasileira, em especial a urbana, na medida em que
o trabalho urbano, nas primeiras organizações fabris, dava azo à movimentos
reivindicativos antes não experimentados no país, cuja economia fora até então
movida essencialmente pela produção agrícola. Cem anos depois, muitas con-
quistas jurídicas depois, e ainda a Questão Social toma conta das preocupações
dos cidadãos: empregados, poder judiciário, políticos e empresários, mas neste
momento parecem predominar os movimentos no sentido contrário aquele antes
referido, com propostas de desregulamentação profundas nos Direitos Sociais. O
embate teórico que rodeia este processo de desregulamentação, dominado em
grande medida por interesses econômicos implícitos, não tem ocorrido somente
no Brasil, antes vem ocorrendo em quase todos os países que organizaram um
dia uma estrutura de sustentação social dentro dos diversos modelos de Estado
social. Esta afirmação pode levar o leitor a um primeiro obstáculo intelectual:
há ou houve no Brasil, em algum momento, um Estado de Bem-Estar Social?
A resposta a tal questão enseja uma ressalva importante, a de que não há um
único modelo de Estado-Providência, e que há que se considerar as peculiarida-
des econômico-sociais de cada país, bem como seu contexto histórico e político,
nesta avaliação. (AURELIANO; DRAIBE, 1989) O devir histórico do Welfare State
faz parte dele mesmo. É justamente este o desejo desta pesquisa, averiguar o
processo de criação das primeiras leis sociais no Brasil, ocorridas na Primeira
República, examinando os elementos presentes e constitutivos, suas influências e

575
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

a construção do pensamento jurídico, de modo a compreender de que maneira


esta primeira modelação influenciou a construção legislativa posterior, já que –
nos demais países que tiveram qualquer modelo de Estado de bem-estar social
– esta influência parece interferir significativamente nas tentativas de alterações
posteriores. Metodologia: Esta pesquisa segue uma proposta dialética, em espe-
cial em face dos antagonismos marcados durante o período de estudo no que
tange ao papel do Estado como interveniente nas relações econômico-sociais:
fundado em uma narrativa liberal, as elites defendiam que as relações de trabalho
permanecessem fora da esfera estatal (FAUSTO, 1977), ainda que esta narrativa
visse como admissíveis e mesmo desejáveis intervenções que beneficiassem seus
interesses (FURTADO, 1967). Ao mesmo tempo, no que respeita às questões
sociais, movimentos operários cresciam não apenas em número como também
na força de seu discurso, por meio de sindicatos e periódicos das mais diversas
orientações políticas, e as ações grevistas aumentaram significativamente até as
greves ocorridas entre os anos de 1917 e 1919 (GOMES, 1979), contexto em que
veio à lume a Lei de Acidentes de Trabalho e foi criada a Comissão de Legislação
Social na Câmara (FAUSTO, 1977). Alguns anos depois, em 1923, seria criada a
denominada Lei Eloy Chaves, sobre as Caixas de Aposentadorias e Pensões, e
ambas as normas foram precedidas de debate entre juristas e precedida de in-
tensas discussões que ocuparam todos os espaços de atuação social da época,
em especial os jornais das duas principais cidades: Rio de Janeiro e São Paulo.
Assim, o país possuía conjunturas próprias mas também àquelas em que estava
inserido como os demais países da América Latina e do ocidente: a Primeira
Guerra, a Revolução Russa, a industrialização e as transformações daí advindas.
Este olhar que reconhece as conjunturas como sedimento dos fatos remete esta
pesquisa aos escritos de Braudel (2007), na medida em que percebe a existência
dos acontecimentos mas também a existência deste tempo social, capaz de
observar suas peculiaridades, caminhando não apenas pelos documentos oficiais
políticos, mas colocando-os frente às fontes operárias, ao mesmo tempo em que
se resgatam as vozes jurídicas emitidas nas obras especializadas. Resultados parciais:
Os estudos teóricos sobre Estado social estabelecem modelos históricos, entre os
quais o modelo alemão, cujo início sob a direção de Bismarck foi marcado por
um direcionamento corporativista (ESPING-ANDERSEN, 1990; FERRERA, 1993),
iniciado com legislação acidentária e de aposentadorias, entre outras, como aliás foi
a tendência dos demais países europeus continentais (EWALD, 2004). Este molde
parece guardar semelhanças com o processo de surgimento das primeiras leis de
cunho social da Primeira República justamente em face de aspectos conjunturais
convergentes, na mesma medida em que os espaços conjunturais marcadamente
diversos conduziram a experiências diferentes. No Brasil, o desenvolvimento in-
dustrial não era o alvo político e econômico das elites governantes, pelo que as
demandas advindas da própria industrialização pareciam pouco importantes, mas
também aqui os receios quanto aos malefícios das lutas de classe e a instabilidade

576
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

política e social daí derivadas levaram à admissão de uma interferência legiferante


do Estado, antes inadmissível, ainda que mitigada pela tradição nacional de leis
que se bastam sem grande eficácia (FAUSTO, 1977). Estes primeiros resultados
levam à conclusão inicial de que, em que pese a tendência dos juristas daquele
período histórico de se reportarem quase que exclusivamente às obras e ideias
francesas como fontes de inspiração (MORAES, 1919; CASTRO, 1935), há elemen-
tos significativos que levam a crer que as primeiras leis sociais brasileiras ainda na
Primeira República já revelavam a vocação corporativista da legislação social, em
especial previdenciária, que se reconhece no período Vargas, cujo marco inicial
seria o modelo alemão bismarckiano. Esta moldura desenhada então pareceu
condicionar as modificações posteriores, mesmo aquela proposta na década de
1960, com a unificação da previdência social.

Referências bibliográficas
AURELIANO, Liana; DRAIBE, Sônia Miriam. A Especificidade do Welfare State
brasileiro. In MPAS/CEPAL. Economia e desenvolvimento. V. 1. Reflexões sobre a
natureza do Bem-estar. Brasília, 1989.
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2007.
CASTRO, Araujo. Accidentes de Trabalho. 4ª edição revista e augmentada. São
Paulo: Ed. Freitas Bastos, 1935.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. The three worlds of Welfare Capitalism. New Jersey:
Princeton University Press, 1990.
EWALD, François. Diritto e Rischio: il rapporto giuridico come rapporto assicurativo.
Torino: G. Giappichelli Editore, 2004.
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social: 1890-1920. Rio de Janeiro: Difel,
1977.
FERRERA, Maurizio. Modelli di Solidarietà. Politica e riforme social nelle democrazie.
Il Mulino, Bologna, 1993.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 7ª ed. São Paulo: Cia. Editora
Nacional, 1967.
GOMES, Angela Maria de Castro. Burguesia e Trabalho: política e legislação social
no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1979.
MORAES, Evaristo. Os accidentes no trabalho e sua reparação: ensaio de legislação
comparada e comentário á Lei Brazileira. Rio de Janeiro: Livraria Leite Ribeiro &
Maurillo, 1919.

577
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ADVOGADOS ASSOCIADOS E SUA RELAÇÃO


COM A SOCIEDADE FLUMINENSE:
NOTÍCIAS DE UMA PESQUISA

JORGE LUÍS ROCHA DA SILVEIRA


Professor-Doutor em História Social (UERJ)
Museu da Justiça - Centro Cultural do Poder Judiciário do Rio de Janeiro (CCMJ)
Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Rio de Janeiro (OAB-RJ)
E-mail: jl.rocha@hotmail.com

Eixo Temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chaves: História; OAB-Rj; Advogados.

Introdução

A Ordem dos Advogados do Brasil nasceu em meio a um momento de


ruptura e transformação das estruturas socioeconômicas brasileiras: a Era Vargas
(1930-1945). O processo desse nascimento é tido por muitos como “milagre”
frente ao autoritarismo que caracterizou essa fase da história brasileira, como
revelado por GUIMARÃES e FERREIRA (in BAETA, 2003, 15). Junto com ela, a
seção do Rio de Janeiro.

Este Estado, como espelho do estilo antidemocrático característico do


Estado Novo, era governado por um interventor, genro do ditador, que investiu
então no desenvolvimento industrial. Ernani do Amaral Peixoto incentivou a
construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Fábrica Nacional de
Motores (FNM), assim como a ampliação da malha rodoviária estadual (segundo
BARCELAR: 2017, s/p.).

Enquanto instituição, a OAB adquiriu a imagem de “defensora dos direitos


individuais”, conhecida pela comunidade, durante outra ocasião de mudanças
históricas: a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Principalmente, a partir da se-
gunda metade da década de 1970, a entidade passou a ser uma das principais
instituições da sociedade civil empenhadas no processo de abertura política
iniciado no governo de Ernesto Geisel (1974-1979); ao lado, especialmente, da

579
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

Associação Brasileira de Imprensa - ABI - e da Conferência Nacional dos Bispos


do Brasil – CNBB.

Entretanto, para o Estado do Rio de Janeiro, essa ocasião foi profundamente


marcada pela fusão com o Estado da Guanabara, ocorrida em 1975. Atuação
dos advogados fluminenses se voltou para lidar com as inúmeras demandas
judiciais e, muitas vezes, pessoais, surgidas com este ato arbitrário do governo
Geisel (1974-1979).

Do ponto de vista da recuperação desse longo processo histórico e, em


especial, da relação entre os advogados e a sociedade em que estão inseridos, a
restrição às narrativas produzidas pelos próprios filiados é característica marcante
e tal situação conduz as abordagens historiográficas (GUIMARÃES E FERREIRA,
opus citatum, 15). A pesquisa ora apresentada é uma tentativa de acrescentar
novas propostas de estudo, pautadas em metodologias consagradas no meio
acadêmico, mas ainda pouco utilizadas pelos que se debruçam sobre a instituição.

Metodologia

A metodologia empregada pode ser sintetizada como o emprego das


técnicas da história comparada e das concepções teóricas da história social, pois
se pretende relacionar os principais fatos ocorridos no interregno de 80 anos
história brasileira e fluminense e a história da Seção do Rio de Janeiro, da Or-
dem dos Advogados do Brasil. Tal cotejo vai privilegiar a atuação dos advogados,
como protagonistas dessa narrativa, destacando a interação dos laços sociais, em
diferentes momentos históricos.

As principais fontes são os documentos produzidos pela entidade, sejam


atas de reuniões e assembleias sejam ofícios e documentos diversos; pesquisas já
desenvolvidas por historiadores consagrados acerca da história do país e do Estado
do Rio de Janeiro; e, por fim, a memória daqueles que vivenciaram muitos desses
momentos. Entrevistas já concedidas ou a conceder serão utilizadas; o que está de
acordo com os métodos da História Social que faz uso de novas fontes, ideias e
procedimentos metodológicos. O que pode ser considerado imprescindível para
a renovação crítica da história dessa instituição.

Resumo

O primeiro período alcançado pela pesquisa é aquele em que Getúlio


Vargas esteve no poder, entre os anos de 1930 e 1945. A Revolução de 1930, o
empossou no poder e, mais tarde, ao término da II Grande Guerra, a pressão
dos militares o retirou do cargo de Presidente da República. Este período englo-

580
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ba o chamado “Estado Novo”, ditadura cuja estrutura simbólica emulava muitas


características do fascismo italiano e do nazismo alemão.

Sobre este momento, a pesquisa se empenha na participação dos ad-


vogados, através de sua entidade, quer na Comissão Constitucional, incumbida
de dar parecer sobre o anteprojeto da Constituição de 1934, quer em outros
movimentos. Por exemplo: com os acontecimentos que se seguiram à repressão
a Intentona Comunista, marcados pelas primeiras medidas de estado de sítio e
da Lei de Segurança Nacional, a Ordem passou a defender a liberdade política
e os direitos humanos; o que pautou sua atuação ao longo da ditadura estado-
novista (Conselho Federal da OAB, 2017, s/p).

Ao mesmo tempo, o foco dos estudos recai sobre o Estado e a Cidade do


Rio de Janeiro. Os anos da ditadura Vargas foram de intervenção e implantação
de um projeto político que tinha na industrialização um de seus principais pilares.
Nesse sentido, a atuação dos advogados fluminenses e cariocas se voltou para
o fortalecimento de sua organização de classe para fazer frente ao autoritarismo
governamental.

O segundo período do estudo versa sobre o alvorecer e, posterior, oca-


so da Ditadura Civil-Militar, entre 1964 e 1985, no qual – em meio a outros
destaques – os advogados representados pelo órgão que dita as regras para o
exercício profissional da advocacia se notabilizaram pela defesa do estado de-
mocrático de direito.

Ao longo dessa nova ditadura, a Ordem capitaneou diversos embates


com as autoridades governamentais. Seja por ocasião da prisão de diversos ad-
vogados brasileiros, destacando-se: Sobral Pinto, George Tavares, Heleno Fragoso
(vice-presidente da Seção da Guanabara), Augusto Sussekind de Moraes Rego (da
Seção do Paraná), Albertino de Souza Oliva, Mário Edson de Barros, João Pereira
da Silva, Levy Raw de Moura e Ruy César (do Espírito Santo), dentre outros, seja
quando da campanha pela revogação dos atos institucionais e pela anistia ampla,
geral e irrestrita, a OAB acabou por forjar a imagem pela qual ela é respeitada
pela sociedade (BRASIL, op. cit., s/p).

Conclusão

A pesquisa tem o prazo de um ano para apresentar conclusão definitiva


sobre os dados estudados. Mas, à guisa de “arremate” para este artigo, é possível
afirmar que a apresentação de um novo viés à interpretação de importantes
acontecimentos históricos relacionados a Seção do Rio de Janeiro, da Ordem dos
Advogados Brasileiros, nos permite trabalhar fontes historiográficas e metodologias

581
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

renovadas, capazes de apresentar outras dimensões para esses mesmos episódios


que ora se tornaram objeto de estudo.

O ganho para o conhecimento histórico sobre a formação da instituição


é imenso; assim como à compreensão de sua atual estrutura e das relações de
poder, externas e internas a ela.

Referências bibliográficas
BAETA, Hermann A. História da ordem dos advogados do Brasil. Brasília: OAB Ed.,
2003, v. 4.
BRASIL. CONSELHO FEDERAL DA OAB. História da OAB. Disponível em: http://
www.oab.org.br/historiaoab/estado_excecao.htm. Acesso em 1.º de julho de 2017.
BARCELAR, Jonildo. Rio de Janeiro no século 20. In: ___. Guia Geográfico do
Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.rio-turismo.com/historia/seculo-20.htm.
Acesso em 1.º de julho de 2017.
HESPANHA, António M. A história do direito na história social. Lisboa: Livros
Horizonte, 1978.
SILVA, Francisco C. T. História geral do Brasil. São Paulo: Ed. Campus, 1990.

582
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

DE ENXADAS A WINCHESTERS: CIDADANIA


NA DEMARCAÇÃO DE TERRAS
DO SUDOESTE DO PARANÁ (1957-1973)

LAÍS MAZZOLA PILETTI


Mestranda em Direito do Estado com bolsa Capes na Universidade Federal do Paraná (UFPR)
E-mail: laispiletti@gmail.com

Eixo Temático: História Social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chave: Cidadania; Direito de Propriedade; Revolta dos Posseiros.

Este trabalho pretende demonstrar elementos jurídicos da Revolta dos


Posseiros, ocorrida em 1957 no sudoeste do Paraná. Por uma série de razões,
algumas das quais vinham desde o final do século XIX6, o Estado, a União e
companhias imobiliárias disputavam judicialmente a propriedade das terras da
região sudoestina paranaense. Estudar os interesses e argumentos em conflito
mostrava que uma solução jurídica estava muito longe de acontecer. No con-
texto da Marcha para o Oeste, o governo Vargas instalou milhares de colonos
naquela região7. Ignorando os processos judiciais, companhias vendiam as terras
convencendo os colonos de que eram de fato proprietárias8. O modo caótico
de ocupação do sudoeste do Paraná se aliou à demora e desinteresse do poder
judiciário em resolver as demandas, de modo a criar um espaço de violência9 que
encontra muitos precedentes na história agrária brasileira10. Diante da hesitação
camponesa em comprar, ou em quitar o já acordado, as companhias passaram
a contratar jagunços11. Começa então uma campanha de intimidação para

6 GOMES, Iria Zanoni. 1957: a revolta dos posseiros. Curitiba: Criar Edições, 2005, p. 29-30. A autora é gaúcha
e, com a família, se mudou ainda menina para Francisco Beltrão, no contexto de ocupação das terras. Viveu
os principais momentos da revolta que retrata.
7 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Paraná, sudoeste: ocupação e colonização. Curitiba: Lítero-Técnica, 1985, p.
141.
8 Idem, p. 194.
9 COLNAGHI, Maria Cristina. Colonos e poder: a luta pela terra no Sudoeste do Paraná. Curitiba:1984. Disser-
tação, Mestrado, Universidade Federal do Paraná, p. 92.
10 Uma análise sobre os processos violentos de ocupação das fronteiras do Paraná, Pará e Mato Grosso do
Sul está em FOWERAKER, Joe. A luta pela terra: a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930
aos dias atuais. Rio de Janeiro, Zahar Editores SA, 1982.
11 COLNAGHI, Maria Cristina. Op. Cit., p. 110

583
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

obrigar os camponeses a pagar ou deixar as terras, vendidas a preços cada vez


mais altos para novos migrantes. Quando a proposta era recusada, começavam
as violências: abate do gado, destruição da lavoura, incêndio nas casas, violência
sexual contra mulheres e crianças, espancamentos e assassinatos. Os posseiros
pagavam quando podiam, mas alguns não tinham condições. Esses últimos se
escondiam no mato ou fugiam para a Argentina12. A situação se tornou insus-
tentável. Um levantamento das atrocidades que puderam ser contabilizadas com
provas, durante um período de apenas sete meses do ano de 1957 mostra 14
mortos, 2 desaparecidos e 47 vítimas de tortura, estupro, mutilações, extorsões,
incêndios etc. Todas as autoridades da região pareciam favoráveis às companhias:
polícia, militares, juízes, governo13. Como os posseiros não encontrassem apoio
oficial, recorreram aos chamados farrapos, como se chamavam os foragidos da
polícia escondidos pela região14. Sob essa nova liderança, às vezes em grupos de
centenas, os colonos emboscavam os jagunços15. Vários assassinatos aconteceram
dos dois lados, e em outubro de 1957 as cidades de Pato Branco, Francisco Beltrão
e Santo Antônio do Sudoeste foram tomadas pelos moradores16. Ameaçado pela
população armada, não restou alternativa ao governo estadual senão retirar as
companhias da região17. Continuava o problema da legalização de terras. Após
algumas tentativas frustradas, a União e o Estado chegam ao acordo de renunciar
aos seus argumentos jurídicos de propriedade. Assim, em março de 1962, o
decreto 51.431 criou o Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná
(Getsop). O objetivo do órgão era programar e executar as medidas necessárias
à desapropriação das terras, assim como colonizar as glebas desapropriadas. As
atividades começaram onde havia maior chance de conflito, com o critério de
respeitar a decisão e a posse dos ocupantes. Em 1973, o Getsop encerrou suas
atividades. Titulou todos os lotes rurais e urbanos exceto três ou quatro, pois os
vizinhos não chegaram a um acordo18. As linhas divisórias entre os posseiros foram
mantidas, mesmo com as formas irregulares dos lotes. A revolta dos posseiros
atingira seus objetivos. Algumas perguntas surgem quando se estuda esta revolta
e seus desdobramentos. Processos judiciais referentes à posse da gleba Missões
foram ignorados e as terras desapropriadas, divididas e tituladas conforme a
vontade de seus ocupantes. Essa pesquisa pretende compreender melhor esses
resultados ao lançar o olhar sobre aspectos jurídicos da revolta dos posseiros.
O levante parece mostrar o homem do campo como capaz de participar ativa-
12 FOWERAKER, Joe. Op. Cit., p. 50
13 GOMES, Iria Zanoni. Op. Cit., p. 60.
14 O nome que mais se destaca nas fontes é o de Pedro Santin, foragido da polícia Argentina. Os farrapos
desempenharam um papel central durante a revolta, e nesse ponto as análises Hobsbawm parecem muito
pertinentes. Ele afirma ser “essa ligação entre o camponês comum e o rebelde, o proscrito e o ladrão que torna
o banditismo social interessante e significativo”. HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Rio de Janeiro, Forense, 1975, p. 10.
15 COLNAGHI, Maria Cristina. Op. Cit., p. 120.
16 WACHOWICZ, Ruy Christovam. Op. Cit., p. 247
17 GOMES, Iria Zanoni. Op. Cit., p. 96
18 Idem, p. 112.

584
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

mente na defesa do que crê serem seus direitos, independente das instituições
oficiais. É possível perceber um senso de justiça enraizado antes no corpo social
que nas leis. Procura-se resgatar os colonos em sua relação ativa com o direito,
como sujeitos jurídicos que exercem e constroem sua cidadania. Dessa revolta
irromperam questões jurídicas profundas, como a mentalidade proprietária dos
colonos e o conflito desta com os modos oficiais de pensar o conflito. Acredi-
ta-se que as concepções dos juristas, ao tratar das questões relativas ao levante,
são preponderantes para entender como a propriedade de entes federativos ou
grandes companhias foi relativizada em prol dos camponeses. O tema, portanto,
também se concentra em entender como o pensamento jurídico se relaciona a
esse movimento social. Essa pesquisa está em sua fase inicial, portanto alguns diá-
logos serão essenciais para aprofundar a matéria e elaborar conclusões. O primeiro
deles é com a História Social. Esse campo se formou no Brasil como resistência
ao hábito da historiografia de contar a história da política e das elites, a partir das
fontes oficiais lidas pela ótica do Estado19. Como linha histórica inserida na escola
dos Annales, a História Social renova os estudos histórico-jurídicos com temas
mais ligados ao pensamento e à cultura que à ação estatal20, numa perspectiva
de longa duração. Em especial, serão consultadas as obras de Eric Hobsbawm
e Edward Thompson. Os dois autores são centrais para trabalhar com história
subalterna, formação de classe e movimentos sociais. A História do Direito pelos
Movimentos Sociais, proposta na tese de Gustavo Silveira Siqueira, é outra influ-
ência importante no sentido de escrever uma história do direito que, apesar do
recorte temporal curto, não se limita ao eventual. Se trata de entender a história
do direito a partir do exercício da cidadania21. Mais duráveis e importantes que as
leis positivadas e seus “intérpretes autorizados” são os sentimentos e projetos de
uma comunidade que levaram à sua criação. O direito não parece tão distante
da realidade prática quando relacionado ao contexto social do qual advém ou
no qual se insere. No propósito de fazer um estudo metodologicamente cuida-
doso e de viés crítico sobre a propriedade e cidadania, Paolo Grossi e António
Manuel Hespanha serão referenciais importantes. Em um primeiro momento, o
objetivo é consultar a bibliografia e demais fontes referentes ao levante, para
situá-lo no âmbito histórico-jurídico e aclarar algumas questões controvertidas.
Depois, estudar a ação dos colonos a partir de um conceito amplo de direito
e de cidadania. Para compreender o êxito do movimento ao provocar reflexos
no direito de propriedade da região, será necessário mapear o pensamento dos
juristas que lidaram diretamente com o movimento social em estudo.
19 CHALHOUB, Sidney. "O conhecimento da História, o direito à memória e os arquivos judiciais." Curso de
Formações de Multiplicadores em “Políticas de resgate, preservação, conservação e restauração do patrimônio
histórico da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul”. Porto Alegre (2005). Disponível em: http://s3.amazonaws.
com/academia.edu.documents.pdf. Acesso em 15 de junho de 2017.
20 FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à história do direito. Curitiba: Juruá, 2012, p. 85.
21 Aqui ela é conceituada como prática de direitos em relação ao Estado e à sociedade, mesmo que fora dos
canais oficiais de participação. SIQUEIRA, Gustavo Silveira. História do direito pelos movimentos sociais: cidadania,
experiências e antropofagia jurídica nas estradas de ferro (Brasil/1906). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 30.

585
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO OPERÁRIA


NO BRASIL E A GREVE DE 1917

MICHEL ZAIDAN
Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (1974)
Mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1982)
Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (1986).
Professor-Titular do centro de Filosofia e Ciências Humanas e do Programa de pós-graduação
em Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
E-mail: mzaidan@bol.com.br

ARISTON FLÁVIO COSTA


Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2017)
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2016)
Professor convidado do Programa de pós-graduação da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)
E-mail: aristonflavio@gmail.com

Eixo Temático: História social do Direito: continuidades e rupturas.

Palavras chave: Anarcossindicalismo; Greve; Legislação social

Introdução

O presente artigo tem como objeto revolver o primeiro movimento


sindical brasileiro que está centrado no anarcossindicalismo. O que motiva o
seu autor é, primeiro, identificar a flagrante omissão da doutrina clássica quando
a este momento significativo da própria história da formação operária brasileira;
em segundo lugar, apresentar a comunidade acadêmica um registro consistente
sobre os movimentos que ocorreram entre a última década do século XIX e a
década de vinte, do Século XX. É que, a doutrina jurídico-trabalhista brasileira
descreve apenas dois momentos históricos: aquele instituído a partir de 1937,
como o advento do Estado Novo – do chamado sindicalismo de raiz corpora-
tiva, fascista - e aquele que se desenvolveram a partir da Constituição de 1988,
considerado como Sindicalismo Pós-constituinte Omitindo-se assim uma análise
mais profunda de movimentos grevistas que surgiram no país, a exemplo da Greve
Geral de 1917. Se o Direito, em geral, constitui-se como fenômeno histórico-cul-
tural, e se o Direito do Trabalho, em particular, provém das lutas – reformistas
e libertárias –, sendo estas mesmas lutas a fonte por excelência deste campo

587
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

do Direito, como ter-se um visão estruturante deste fenômeno jurídico específico


– organização sindical brasileira –, quando a doutrina clássica se omite sobre
ele, sendo assim a necessidade de revisitar os movimentos sociais e a eclosão da
legislação social no Brasil.

Metodologia

A pesquisa a ser desenvolvida aqui se afasta da limitação aos métodos


tradicionais de pesquisa em direito, a pesquisa doutrinária, histórica e legal. A
tentativa é de empreender uma postura construtivista de fazer ciência, aliada à
dedicação à pesquisa empírica, com, foco na crítica da sociedade. Adotar-se-á, por
questão didática, a distinção entre método e técnica. Métodos são os caminhos
seguidos na confecção da pesquisa; Técnica se refere aos instrumentos de levan-
tamento de dados à análise. Para a consecução do fim proposto pelo presente
trabalho, seguir-se-á o método hipotético-dedutivo, partindo-se da formulação
de hipóteses através de conjecturas sobre o mundo exterior, que antecedem
e determinam o rumo das observações feitas ao longo do estudo. A pesquisa
proposta estrutura-se sob a concepção exploratória, baseada em dados secundá-
rios. A rotina, na fase inicial da pesquisa, constará da leitura da bibliografia geral
coletada, com a produção de fichamentos e análise em periódicos, permitindo
discussão recente da matéria, comparação e análise crítica. Em seguida serão
sistematizados dados obtidos, tendentes à formação do arcabouço teórico, em
análise dos fundamentos necessários para a reconfiguração e resgate histórico e
teórico-dogmática do Direito Sindical, em atenção a formação operária no Brasil.

Resultados da pesquisa

Desta forma, como resultado da pesquisa observa-se que para compre-


ender a história do sindicalismo anarquista no Brasil, tem-se que estabelecer uma
narrativa que envolva o surgimento desta doutrina política, os seus principais
autores e líderes, os escritos mais relevantes por eles produzidos e as diversas
correntes que os envolve. Constatando-se que as deflagrações dos movimentos
grevistas fizeram surgir inúmeros conflitos sociais que forjaram o surgimento de
uma legislação social voltada para a classe dos trabalhadores que acabara de
surgir no seio da sociedade brasileira.

Conclusão

No início do movimento migratório e da formação operária houve pro-


blemas que foram identificados, desde os conflitos étnicos às grandes repressões
desencadeadas pelo aparelho estatal instituídas no governo da Primeira República.
Opressões e perseguições que culminavam com um número significativo de ex-
pulsões ou deportações. Esta narrativa não poderia parar aqui, teria que seguir o

588
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

seu itinerário, a fim de descrever as mobilizações, as táticas e estratégias de ação


– sequestros, lutas e resistência em meio a um sindicalismo incipiente que expe-
rimentou momentos relevantes e momentos de fracassos. Neste contexto, registra
as principais insurgências, colocando em relevo algumas greves significativas e o
perfil das principais lideranças anarquistas, sobretudo, a greve de 1917. Uma vez
construída toda esta narrativa, que envolve as raízes mais profundas desta doutrina
política e sua experiência, no Brasil, o estudo passa a descrever a maneira como a
doutrina jurídico-trabalhista clássica e a doutrina jurídico-trabalhista crítica encara
este fenômeno. Neste estágio atual da pesquisa é fácil verificar a obsolescência
da doutrina clássica e a negligência da doutrina crítica. A primeira, pela omissão;
a segunda por tratar deforma o movimento anarquista de maneira superficial.

Referencias bibliograficas
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Estudos Eleitorais, Partidários e de Democracia, UFPE, 2011.

589
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O DECRETO 24.637 DE 1934: IMPACTOS EFETIVOS


NAS AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTES
DE TRABALHO E RELAÇÕES
EMPREGATÍCIAS EM CAMPINAS-SP

JACQUELINE CAMARGO CUNHA


Graduanda em Direito no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP)
E-mail: jacqueline.camargo@hotmail.com.br

Eixo Temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chave: Era Vargas; Processos Indenizatórios; Legislação.

O trabalho em questão visa estudar a construção dos direitos sociais na


Era Vargas, especificamente no que concerne a busca por indenização em con-
sequência de acidentes no trabalho na região da comarca de Campinas-SP. Para
tanto desenvolve análise deste tipo de ações judiciais, armazenadas no Centro
de Memória da Unicamp, do período de 1932-1936. Referida análise processu-
al objetiva verificar como o processo indenizatório por acidentes no trabalho
transformou-se à medida que o Decreto 24.637, de 10 de julho de 1934, foi
introduzido. Inicialmente remonta-se a história da legislação acidentária no Brasil,
que tem como marco inicial o Decreto Legislativo nº 3.724 de 15 de janeiro de
1919, tido como a primeira lei que versava sobre acidentes do trabalho, enten-
de-se como inaugurando um microssistema indenizatório-acidentário brasileiro.
Como é cediço, especialmente no que concerne a legislações inovadoras, estas
já vem carregadas de vícios que necessitam ser sanados. Quando se trata de tal
lei, neste específico contexto histórico, o encontro com desarranjos é ainda mais
expectável. Portanto, como bem afirma Octávio Bueno Magano (apud FREUDEN-
THAL, 2006, p. 41) “pouco tempo depois de promulgada a lei nº 3.724/19, já se
começou a pensar em sua alteração”, e o resultado deste empenho culminou
no Decreto 24.637/34. O citado decreto concretizou-se em um novo momento
político do país, que se sustenta bem controverso nos escritos de estudiosos do
período, tendo em vista que a questão dos trabalhadores era tida como “caso
de polícia”, e “a proclamação das leis trabalhistas, depois de 1930, se combinou
a uma ação policial repressora no regime Vargas, tanto antes quanto durante

591
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

o Estado Novo”. (FRENCH, 2006, p. 381). Acontece que, até então, o direito
comum não considerava que o patrão era responsável pelo acidente, a não ser
quando ficava comprovado dolo ou culpa deste. Desta forma, um caso fortuito
ou negligência da vítima não seria atribuído ao patrão, e cabia exclusivamente
ao acidentado o ônus da prova do dolo ou culpa. (CASTRO, 1939, p. 16). A
Lei de 1919 veio como paliativo a questões básicas principais concernentes a
regulamentação de acidentes do trabalho, porém esta apresentava falhas que
clamavam por reparações, como aponta Araújo (1939, p. 10): necessidade de
melhoramentos na indenização, tanto quanto ao seu valor como a sua forma
de pagamento; questões relacionadas a seguradoras etc. Indo de encontro a es-
tes apelos, Anníbal Fernandes (apud FREUDENTHAL, 2006, p. 41) comenta que
dentre as principais inovações têm-se que “a figura protegida do empregado vem
muito melhor delineada, em termos de definição jurídica e por igual classe de
dependentes”, sendo que a proteção ao trabalhador e ampliada visto que a lei
de 1934 impões ao empregador o repasse de “sua responsabilidade para uma
seguradora ou deposita o valor em estabelecimento bancário”. Em tal conjuntura
se desenvolve o presente trabalho, visto que, como é cediço, há um significativo
aparato legislativo trabalhista concretizado na Era Vargas (1930-1945). Na década
de 30 é implementada a CLT, assim como outras leis de segurança no trabalho,
entre as quais o decreto nº 24.637/34. Nessa mesma época, pode-se notar quais e
como eram tratados os principais acidentes, principalmente no sistema ferroviário
da região de Campinas. Entende-se que estudar o passado é imprescindível para
entender como os avanços foram construídos. Desta forma esta pesquisa foca-se
nos acidentes de trabalho de uma importante região econômica do país, para
enxergar como era a atuação tanto das empresas, dos trabalhadores e do próprio
sistema judiciário na lide dos acidentes. Assim toma-se como destaque a legislação
indenizatória-acidentária, já que tendo como base os processos de acidentes do
trabalho em Campinas/SP, no período de 1932-1936, nota-se uma leve mudança
nas estruturas processuais do período, em decorrência, essencialmente, do decreto
nº 24.637/34. Não obstante, trata-se de um período que trouxe uma ampliação
tênue no espaço do trabalhador na luta pela conquista dos interesses, carregado
de mudanças concernentes aos direitos a ele garantidos. Para que isso se realizasse,
houve uma longa trajetória de lutas em prol de adquirir estes direitos, como são
apontadas claramente por diversos autores contemporâneos e até mesmo pelos
da época. O presente trabalho proporciona, ainda que apenas por um fragmento,
a possibilidade de estudar sob quais circunstâncias os trabalhadores do período
interagiam com seus empregadores e com a própria Justiça, por meio da aplicação
das leis da época, apontando o início e desenvolvimento de um microssistema
processual acidentário-indenizatório de significativa importância para conjectura
de Direitos Sociais. Esta pesquisa encontra-se em fase inicial, portanto deverá ser
inserida revisão bibliográfica acerca do período histórico estudado, especialmente
da questão trabalhista na Era Vargas. Ainda, sobre a doutrina da época e atuais,

592
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

em relação ao comparativo legislativo entre a lei n. 3.724, de 15 de janeiro de


1919 e o decreto n. 24.637 de 10 de julho de 1934, os apontamentos e críticas
esculpido. Por fim, análise dos processos de forma analítica pontuando as alterações
na sistemática processual da indenização de acidentes do trabalho posteriores ao
advento do decreto 24.637/34. Tal análise buscando avaliar o nível de evolução/
retrocesso/estaticidade que tenha ocorrido na sistemática processual refletida nas
relações empregatícias e garantias dos direitos ao empregador, conforme observado
na análise das características processuais. Deste modo responder se a legislação
trouxe alterações significativas na sistemática processual de tais ações, se houve
melhorias e quais foram; se tiveram, os empregados, mais facilidade e melhores
resultados na busca por indenização.

Referências bibliográficas
CASTRO, Araújo. Accidentes do trabalho. 5.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1939.
FREUDENTHAL, Sergio H. Pardal B. A evolução da indenização por acidente do
trabalho. São Paulo, 2006. 196f. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontífica
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
FRENCH, John D. Proclamando leis, metendo o pau e lutando por direitos: A questão
social como caso de polícia, 1920-1964. In: LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA,
Joseli Maria Nunes. Direitos e Justiças no Brasil. Campinas: Unicamp, 2006.

593
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

GREVES, GREVES E MAIS GREVES: UMA ANÁLISE


DA GREVE COMO DIREITO A PARTIR DOS DEBATES
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS (1934-1935)

JULIA DE SOUZA RODRIGUES


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Bolsista CAPES
Doutoranda em Direito
E-mail: julia_srodrigues@yahoo.com.br

EINI ROVENA DIAS


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Mestre em Direito
E-mail: einirovena@gmail.com

Eixo Temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras-chave: Direito de greve; Câmara dos Deputados; Poder Legislativo.

A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1933-34 não reconheceu


a greve como direito na Constituição da República dos Estados Unidos do Bra-
sil, de 1934. Apesar disso, a greve era entendida como um direito, mesmo que
não positivado. Inexistente em qualquer tipo legal, reconhecido desde a Primeira
República, o direito de greve não necessitava, como outros diversos direitos, de
uma lei para existir.

A ANC não foi dissolvida ao término de seus trabalhos, após eleger Getúlio
Vargas como Presidente da República, tornou–se a Câmara dos Deputados, nos
termos do artigo 2º das Disposições Transitórias da Constituição. A Câmara exerceu
também as funções de Senado, até que novas eleições fossem realizadas, e ambos
se reorganizassem em 1935. Desse modo, não há uma ruptura abrupta e, apesar
das atribuições distintas, pode-se notar a continuidade entre a ANC e a Câmara.

O tema da greve como direito emerge com frequência na Câmara entre


julho de 1934 e dezembro de 1935, quando o Poder Legislativo se coloca como
um eminente palco de embates políticos, condutor de demandas sociais e efetivo
contrapeso ao Poder Executivo. O Legislativo é enfraquecido ao final de 1935,
em razão das emendas à Constituição que acrescem prerrogativas ao Executivo

595
CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

e da reformulação da Lei de Segurança Nacional (Lei n. 38/35), que havia sido


promulgada em abril do mesmo ano.

O direito de greve é suscitado de forma específica ou através de temas


correlatos, geralmente pela “minoria proletária” ou “bancada proletária” – uma
divisão da bancada classista.

Diversos movimentos sociais, dentre os quais movimentos grevistas, es-


crevem telegramas a estes Deputados, que são lidos na tribuna, denunciando os
impeditivos ao exercício da greve como do direito no recente regime constitu-
cional. Esses telegramas nos permitem pensar o Legislativo como um lugar de
interlocução, em que se reforça a ideia da greve como direito, ainda que, não
positivado. Contudo, é um direito que se percebe ameaçado, sobretudo, nos
relatos de violência policial.

Os discursos proferidos pelos Deputados não sofreram censura, razão


pela são tomados como um instigante manancial de pesquisa. Os “Diários da
Câmara dos Deputados”, publicados a cada sessão e, atualmente, disponibilizados
integralmente no site da Câmara dos Deputados na internet, serão nossas fontes
de pesquisa.

Para que possamos problematizar o direito em seu contexto e, ainda, por


se tratar de um momento no qual proliferam regulamentações do trabalho, a
investigação será associada às notícias publicadas nos jornais citados nas sessões.

Os resultados parciais da investigação indicam a continuidade da atuação


da “minoria proletária” em defesa do direito de greve como forma legítima de
luta dos trabalhadores no período analisado. Ou ainda, como único modo do
proletário se colocar ante ao capital e aos desmandos da política.

Essa atuação, entretanto, não se resume às denúncias da violência policial


nas greves realizadas no período analisado. Os Deputados, através de requerimentos
solicitam esclarecimentos e providências aos empregadores, Executivo e Judiciário,
sendo atendidos através do envio de ofícios pelos requeridos à Câmara.

A defesa dos direitos dos que trabalham são apresentadas em termos


jurídicos, sempre com apelo à nova ordem constitucional, que apesar de não
contemplar o reconhecido direito de greve, assegura o direito de reunião e as-
sociação, também violados na “Nova República”. E, para esclarecimentos desses
debates, também adicionaremos a análise a “Revista do Trabalho”.

596
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Os resultados parciais mostram ainda que os acontecimentos no Distrito


Federal e adjacências são acompanhadas com maior atenção pelos Deputados,
tais como a greve da firma Pereira e Carneiro & Comp. e da Companhia Light.

A ideia da investigação é compreender como a lei nem sempre cria o


direito, mas, especificamente, no que tange a greve, servirá para criminalizá-lo.

Referências Bibliográficas
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CARDENO DE RESUMOS – História do Direito do Trabalho

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VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e
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598
RESUMOS

INICIAÇÃO CIENTÍFICA
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

ANÁLISE JURÍDICA E POLÍTICA HISTORIOGRÁFICA


DA TENTATIVA DE ANULAÇÃO DA DESAPROPRIA-
ÇÃO CONFISCATÓRIA DO PALÁCIO GUANABARA
(PAÇO ISABEL) CONFLITOS TEMPORAIS A LUZ DAS
CONSTITUIÇÕES 1891 E 1988

GUSTAVO DE ALMEIDA MUNIZ COUTINHO


Discente da Universidade Federal Fluminense - UFF
Licenciatura em História
E-mail: gustavcoutinho@gmail.com

Eixo temático: História social do Direito: continuidades e rupturas

Palavras Chaves: Anulação, Confisco, Palácio Guanabara.

Introdução

O projeto de pesquisa tem por objetivo fazer uma análise política e jurí-
dica historiográfica a luz das Constituições Brasileira de 1891 e 1988, acerca dos
conflitos temporais quanto a aplicabilidade de dispositivos legais vigentes sob o
regime de uma monarquia constitucional, posteriormente no regime provisório,
e por fim, já da promulgação da república, o marco temporal entre a queda da
monarquia para primeira república e a constituição de 1988. Ressaltando o estudo
do caso do processo de anulação da desapropriação confiscatória do Palácio
Isabel, hoje Palácio Guanabara.

A pesquisa é fruto do interesse em questionar a subjetividade da “razoável


duração do processo1”, que a posteriori culminou no conhecimento do que se
acredita ser um dos processos mais antigos do Brasil ainda em tramitação. Processo

1 A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu o princípio da razoável duração do processo dentro das garantias
fundamentais asseguradas a cada indivíduo, insculpido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de
1988, com o seguinte teor: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Aqui busca-se uma interdisciplinaridade
do texto constitucional e sua aplicação material aplicação uma interpretação histórica na perspectiva da história
de longa, média e curta duração sustenta pelos historiadores de Annales.

601
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

ajuizado em 25 de setembro de 1895 pela Condessa e Conde D’Eu na tentativa


de anularem a posse confiscatória do Palácio Isabel feita pelos republicanos em
1894. Propriedade privada, adquirida, através de dote de casamento da então
Princesa Isabel com o Conde D’eu 1865.

Antes de abordar o tema, é preciso destacar a importância historiográ-


fica constitucional do tema, uma vez que o processo consta com 121 anos de
tramitação, passando por vários períodos de transições jurisdicionais políticas.

Metodologia

Considerar-se-á, para tanto, o estudo dos autos do processo, ainda em


tramitação, entrevistas com os herdeiros do litigio e com a corregedora do Mu-
seu da Justiça Federal, na tentativa de reaverem o palácio adquirido como dote,
confiscado e incorporado posteriormente ao patrimônio da União pelos militares
através do decreto nº 447 de 18 de julho de 1891. Atualmente incorporado
propriedade do Estado do Rio de Janeiro.

Discutindo a não recepção2 da Lei 1217 de 07 de julho de 1864 diante


da Constituição de 1891, em oposição a aplicabilidade do decreto nº 447 de
18 de julho de 1891, confiscando o Palácio Isabel. Teria o decreto validade ao
adentrar e esbulhar o patrimônio privado, vez que este foi promulgado sob o
regime do governo provisório instaurado, sem a vigência de uma Constituição?
A Constituição promulgada daria legalidade a possível atuação do Governo Pro-
visório frente a transição de regimes de governo? São questões que se pretende
inquirir haja vista a forma abrupta com grandes rupturas em que fora promulgada
a República. Diante da omissão no ordenamento jurídico até então perpétuo e
dos republicanos.

Objetivando a problematização e contradições existente transição para


República, diante da legalidade, vigência e eficácia dos seguintes dispositivos, Lei
422 de 9 de setembro de 1826 (Lei que versa sobre a indenização sobre desapro-
priação de imóvel privado), bem como a lei nº 166 de 20 de setembro de 1840
(versa sobre dotação matrimonial), lei nº 1217 de 07 de julho de 1864, 1904 de
17 de outubro 1870, em confronto com o disposto no artigo 72, Constituição de
1891 (indenização quanto a desapropriação) e a Constituição de 1988.

De aporte de métodos de análise da Teoria da Recepção, Desconsti-


tucionalização, Controle de Constitucionalidade, e no caso das características
necessárias para instituir desapropriação da propriedade examinar-se-á possíveis
meios a apuração da indenização ou meios reparatórios a égide de transição
2 Teoria da Recepção – mecanismo interpretativo de análise jurídica para quando diante de um novo texto
constitucional normas supraconstitucionais do ordenamento anterior não venham ferir a supremacia da nova
Carta Magna, havendo perfeita harmonia entre as normas e sua aplicabilidade.

602
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

dos regimes Monárquicos para o Republicano, respectiva responsabilização do


Estado pelo confisco. ‘

Resultados

Da pesquisa empírica é possível extrair os principais elementos a se for-


mar um panorama a desconstruir a terminologia de “Proclamação” e sim, uma
“Imposição” da República. Consolidando dados que venham a comprovar que
independente do regime imposto a transição se manteve com vícios institucionais
geridos entre o fim do Brasil Colônia a declínio do Império, em um Brasil inchado
institucionalmente, através dos seus inúmeros cargos de barões, marqueses, condes,
ouvidores, necessários para a construção do mito do império e principalmente
de unidade como nação.

Outra resultante recai sobre a constatação que, em todas as constituições


brasileiras quando confrontadas no tema desapropriação versaram e/ou indicaram
meios a ressarcir o dano causado pelo Estado aqueles que sofressem o esbulho
da propriedade. Conduto da interseção das informações jurídicas, de dados da
história factual e do cenário político à época se demonstrará que os mesmos
meios utilizados pela Corte Portuguesa, recém-chegada ao Brasil em 1808, foram
os mesmos meios transmutados pelos Republicanos para que conseguir apoio e
base dos cinturões oligárquicos brasileiros. Há de se ressaltar que o homem pobre
médio, os pulares se viam órfãos da figura patriarcal de D. Pedro II.O povo assistia
bestializado a queda do regime.

Conclusão

O processo em questão envolve muito mais do que só uma disputa


processual confiscatória de propriedade, mas também uma disputa política entre
personagens importantes, tanto pelo lado dos republicanos, quanto pelo lado dos
monarquistas, na transição de regime. Indo além da boa técnica jurídica, uma vez
que perpassa toda a razoabilidade temporal para a duração do processo.

Transparece-se a parcialidade de ambos os lados, elo frágil da instabilidade


política brasileira no final do século XIX. Se por um lado, as alegações inicias do
processo, sustentam que a propriedade seria privada, nunca compondo o quadro
de imóveis do poder moderador, justificando ainda, que fora adquirido relativos ao
dote de casamento entre Isabel e Conde D’eu em 1865. Por outro lado, afirmam
os Republicanos, em tese de defesa, que a posse confiscatória se pauta com o
advento do decreto 447 de 18 de julho 1891, bem como o fim da vigência da lei
1217 de julho de 1864 (Estabelece a dotação de suas Altezas Imperiaes, quando
houver de realizar-se o seu Consórcio), uma vez que a apresente lei dispunha
sobre o dote a ser pago a Vossa Alteza quando diante do seu consórcio.

603
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

Evidentes lacunas jurídicas, políticas que merecem ser suscitadas por ca-
racterizar verdadeira ferida aberta mal cicatrizada do regime imperial a nossa
malfada República.

Outro ponto de relevância é a questão da recepção do ordenamento legal


instituído pela monarquia constitucional através do imperador D. Pedro II. Com
características próprias do poder moderador, que vão desde o perfil centralizador
prescrito como perpétuo, a concentração de poder absoluto unitário, interessante
observar que, para toda transição de regime, seja qual for, o mínimo do exercício,
do resquício da atuação do regime anterior vigente, deve vigorar, possibilitando
a existência necessária da continuidade das instituições existentes neste Estado.
Caso assim não ocorra não há estrutura institucional mínima possível para que
ocorre uma transição de regime.

De um lado a monárquica constitucional respaldada na constituição de


1824, marcada por um centralismo administrativo e político, unitarismo absoluto
sob o manto de atuação do imperador. Diz a Constituição de 1824;
Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio
do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder
Executivo, e o Poder Judicial.

As ideias contempladas pela repartição dos poderes apresentados por


Montesquieu, não foram introduzidas na constituição de 1824, desta forma toda
e qualquer atuação estava sempre ligada em última ratio ao imperador. Por outro
lado, ao ser instaurado o governo provisório em 1889 a 1891, este gerido através
de inúmeros decretos emitidos pelos Republicanos.

O Decreto nº 1 de 15 de novembro de 1889, não menciona nada que


possa dar ensejo a compreensão de normas de recepção e aplicabilidade das leis
vigentes do império, desta forma, antes mesmo de ser promulgada a constitui-
ção de 1891, em 18 de julho do mesmo ano, passa a vigorar o decreto nº 447
sancionado por Marechal Deodoro da Fonseca.

Por fim, o processo encontra-se tramitando junto ao Superior Tribunal de


Justiça, o que por sua vez obstar o prosseguimento do mesmo em seu trânsito
em primeira instância junto a 1º Vara Federal do Rio de Janeiro. De certa o
trânsito deste processo será o fechamento do último capítulo ainda aberto entre
o regime imperial e os republicanos.

Referências Bibliograficas
BRASIL, Assis. A republica federal. 2ª ed. São Paulo: Typographia King, 1885.

604
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial;


Teatro de sombras: a política imperial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relu-
me-Dumará, 1996.
A formação das almas: imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia
das Letras, 1987
(...)

605
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

PERDIDOS ENTRE DUAS NAÇÕES:


AS DEPORTAÇÕES DE OPERÁRIOS
ESTRANGEIROS APÓS A GREVE DE 1917

LARYSSA EMANUELLE PINHEIRO LULA


Graduanda e aluna Pibic de I.C. do Curso de Direito do
Centro Universitário Adventista de
São Paulo – UNASP
E-mail: laryssaepl@gmail.com

Eixo Temático: Iniciação Científica

Palavras-chave: Primeira República; Deportações; Supremo Tribunal Fe-


deral.

Resumo

Tendo por base fontes secundárias, em especial bibliográficas sobre o


tema, e fontes primárias – tais como jornais da época – este trabalho tem por
objetivo analisar a ineficácia da norma Constitucional de 1891 ante a atuação
do Poder Executivo por meio da entidade policial e a deportação em massa de
imigrantes ocorrida após a Greve Geral de 1917, bem como a sua relação com
o Decreto-lei 1.641 de 1907. Muitos dos imigrantes que vieram para o Brasil
durante a Primeira República eram europeus e anarquistas que abandonaram
seus países devido às perseguições políticas, sendo os responsáveis pela criação e
liderança de boa parte dos sindicatos trabalhistas, que surgiram e foram agentes
da Greve Geral de 1917 (BIONDI, 2009). Após deliberações entre trabalhadores
e patrões, acordos foram firmados e a greve findou, resultando na obtenção dos
direitos almejados (O COMBATE, 14 set 1917). Todavia, a Greve Geral trouxe
um resultado negativo: a perseguição dos líderes sindicais, realizada pela polícia
paulista. O motivo apresentado para a execução de tamanha empreitada contra
os operários foi a certeza de que esta classe estaria elaborando outra greve, tal
como a acorrida em julho de 1917 (RAZÃO, 10 set 1917). Os principais alvos
da caçada intentada pela polícia paulista foram os líderes da classe operária e
membros do Comitê de Defesa Proletária – o CDP –, sendo eles, dentre outros:
Luigi Damiani, Antonio Nalepinsky, José Sarmento Marques, Antonio Candeias

607
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

Duarte e Florentino de Carvalho (A RAZÃO, 6 out 1917; O COMBATE, 25 set


1917). Todas as pessoas citadas eram estrangeiras, vindas especialmente da Itália e
da Espanha, países nos quais os ideais anarquistas haviam se difundido em grande
escala (GUERRA, 2012; LOPREATO, 1996). Este foi o cenário do caso do Navio
Curvello, a bordo do qual líderes do CDP e, consequentemente, do movimento
operário foram expulsos do País e enviados à Barbados, sem inquérito policial,
sem o devido processo legal, sem o direito de se defender em juízo acerca das
alegações feitas (A RAZÃO, outubro de 1917). A fundamentação legal para a
expulsão destes imigrantes foi a prática do anarquismo, considerado crime pela lei
penal vigente, bem como o aparente enquadramento dos mesmos no artigo 1º
do decreto-lei 1641 de 8 de Janeiro de 1907, criado pelo Senador Adolfo Gordo,
que determinava que “o estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a
segurança nacional ou a tranquilidade publica, póde ser expulso de parte ou de
todo o território nacional” (BRASIL, 1907). O referido Decreto sofreu uma altera-
ção no ano de 1913 que removeu o artigo 3º (requisitos para não expulsão de
estrangeiros); o parágrafo único do artigo 4º; e o artigo 8º (direito do estrangeiro
de recorrer ao Poder que ordenou a sua expulsão) (A RAZÃO, 07 out 1917;
BRASIL, 1913). Tais alterações geraram debate sobre a constitucionalidade da lei e
evidenciaram a discordância entre os Poderes Judiciário e Legislativo. Amparados
na crença da inconstitucionalidade do Decreto-lei 1.641 de 1917, os advogados
dos operários presos, entre os quais advogado Evaristo de Moraes, impetraram
pedidos de habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, com base
no artigo 72 da Constituição de 1891; infelizmente, os resultados desta intentada
foram infrutíferos (A RAZÃO, 09 out 1917), levando os advogados a recorrerem
ao Supremo Tribunal Federal (O COMBATE, 24 set 1917). O julgamento do caso
dos deportados à bordo do Curvello teve início, de fato, no dia 29 de setembro,
sendo o pedido dos advogados indeferido por nove votos a quatro em decisão
proferida no dia 06 outubro do mesmo ano (A RAZÃO, 07 out 1917). Evaristo
de Morais insistiu, impetrando dois novos processos de habeas corpus: um em
favor de Luigi Damiani e outro em favor de José Sarmento Marques. A decisão
proferida no dia 10 de novembro de 1917 concedeu, por sete votos a seis, a
liberdade a Damiani e a Sarmento. Essa decisão abriu precedentes que serviram
de fundamentação legal para os novos habeas corpus em favor dos operários que
ainda estavam a bordo do navio Curvello (LOPREATO, 1996). Não obstante o fato
de as conclusões obtidas até então serem parciais, sendo imprescindível a análise
dos processos de habeas corpus em questão para que haja uma compreensão
mais acertada do tema, o caso do Navio Curvello aparenta exemplificar duas
questões: a dicotomia existente entre a norma e a sua aplicabilidade ante a reali-
dade da sociedade; e a insubordinação dos Poderes e das leis infraconstitucionais
a Constituição. Os líderes do CDP foram presos, processados e deportados sem
que em momento algum lhes fosse concedido o direito constitucional de refutar
as alegações a eles impostas. E toda esta ação teve por base uma lei que violava

608
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

o texto constitucional, que, em tese, deveria ser obedecida por todos os Poderes.
Entretanto, as mãos da realidade pintam um quadro diferente, no qual a polícia,
ignorando direitos e garantias previstos na Constituição, abusa dos poderes por
ela concedidos, e em que uma lei infraconstitucional que fere a Carta Magna
tem mais importância e eficácia que a mesma.

Referências bibliográficas
BIONDI, Luigi. A greve geral de 1917 em São Paulo e a imigração italiana:
novas perspectivas. Cadernos Ael, Campinas, v. 15, n. 27, p.261-308, jan. 2009.
Semestral. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esr-
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ZAKHc-wBZwQFggoMAE&url=https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ael/
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DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. A Primeira República e a imigração portugue-
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Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014. p. 359-385. Disponível
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GUERRA, Maria Pia dos Santos Lima. Anarquistas, Trabalhadores, Estrangeiros: A
Construção do Constitucionalismo Brasileiro na Primeira República, 2012. 267 f.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, DF 2012.
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LOPEREATO, Christina da Silva Roquette. O Espírito da Revolta: A Greve Geral
Anarquista de 1917. São Paulo, 1996. 281 f. Tese (Doutorado em História) -
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP 1996. Disponível em: <http://
www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000110607>. Acesso em: 31
de Out. 2014.
MATTOS, Luiz de (Org.). E grave a situação do operariado em S. Paulo: A policia
pratica toda a sorte de violências. O “Carlos Gomes” conduzirá os deportados. A
Razão. Rio de Janeiro, p. 1-1. 10 set. 1917. Disponível em: <http://memoria.bn.br/
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MATTOS, Luiz de (Org.). Desmascarando os enxovalhadores da Republica: A oly-
garchia de S. Paulo, além de ser prepotente, é mentirosa. A Razão. Rio de Janeiro,
p. 5-5. 06 out. 1917. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.
aspx?bib=129054&PagFis=2439&Pesq;=>. Acesso em: 15 jul. 2015.
MATTOS, Luiz de (Org.). As infamantes deportações de operarios: O julgamento
do “habeas-corpus” impetrado pelo dr. Evaristo de Moraes – O STF, negando,
por uma questão de facto, o “habeas-corpus” reconheceu, entretanto, por grande
maioria que os estrangeiros, residentes no paiz, não podem ser expulsos. A Razão.

609
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

Rio de Janeiro, p. 1-1. 07 out. 1917. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocRe-


ader/DocReader.aspx?bib=129054&PagFis=2444&Pesq;=>. Acesso em: 15 jul. 2915.
MATTOS, Luiz de (Org.). Entrevista com com o dr. Evaristo de Moraes. A Razão.
Rio de Janeiro, p. 1-3. 09 out. 1917. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocRe-
ader/DocReader.aspx?bib=129054&PagFis=2463&Pesq;=>. Acesso em: 15 jul. 2015.
PESTANA, Nereu Rangel (Org.). Está revogada a Constituição: A policia está
praticando violências para provocar a gréve geral. O Combate. São Paulo, p. 1-1.
14 set. 1917. Disponível em: < http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?-
bib=830453&PagFis=252>. Acesso em: 12 jul. 2015.
PESTANA, Nereu Rangel (Org.). Alerta, brasileiros!: O governo de S. Paulo é trahidor
á Patria – Para onde vamos? Iremos para onde nos levarem a honra nacional
e a dignidade humana. O Combate. São Paulo, p. 1-1. 24 set. 1917. Disponível
em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=830453&PagFis=284>.
Acesso em: 14 jul. 2015.
PESTANA, Nereu Rangel. As violências da policia: O caso Leuenroth - O ad-
vogado pulveriza o despacho de pronuncia. O Combate. São Paulo, p. 1-8. 25
set. 1917. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bi-
b=830453&PagFis=288>. Acesso em: 14 jul. 2015.
PETRI, Kátia Cristina. A sociedade promotora de imigração: a política de subvenção
para imigração em São Paulo (1871-1894). In: Anais do X Encontro Estadual de
História . Porto Alegre: Anpuh-RS, 2010. p. 1 - 16. Disponível em: <http://www.
eeh2010.anpuh-rs.org.br/resources/anais/9/1277845733_ARQUIVO_TrabalhoCom-
pletoRS-KatiaCPetri.pdf>. Acesso em: 03 jul. 2017.
SALLES, Maria do Rosário R.; SANTOS, Luiz A. de Castro. Imigração e médicos
italianos em São Paulo na Primeira República. Revista de Estudos de Sociologia,
Araraquara, v. 6, n. 10, p.63-95, 2001. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/
estudos/article/view/181>. Acesso em: 03 jul. 2017.

610
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NO ESTADO NOVO:


RESPALDO LEGAL?

MELISSA PINHEIRO ALMEIDA


Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp - EC)
E-mail: melissapinheiro@hotmail.com

Eixo Temático: Iniciação Científica

Palavras-chave: Estado Novo; Campos de Concentração; Legalidade.

Introdução

Os campos de concentração são muito conhecidos por seu papel durante


a Segunda Guerra Mundial, principalmente na Alemanha nazista. No entanto,
limitar a atuação deste instrumento repressivo à este tempo e espaço é omitir
diversas outras conjunturas que também merecem atenção, como o fato de que
no Brasil tal recurso foi largamente usado, não só durante o maior conflito bélico
da história, mas desde antes.

Com as Leis de Nacionalização e os diversos decretos emitidos em 1938,


a imigração passou a ser um problema durante o Estado Novo, visto que a
não assimilação da brasilidade iria diretamente contra os objetivos políticos para
construção do estado nacional almejado pelo governo. Isto colocou alguns grupos
étnicos sob a mira do governo, mas foi com a entrada direta do país na Grande
Guerra que os alemães, italianos e japoneses passariam a representar uma ameaça
que precisava ser contida.

A proposta dos campos é excluir do seio social elementos taxados como


indesejáveis, e os proclamados “súditos do Eixo”, por serem elencados como
inimigos da nação, viriam a sofrer as ofensivas estatais inclusive por meio deste
mecanismo coercitivo.

Desta forma, o que este artigo pretende investigar é se o uso dos cam-
pos de concentração era respaldado pela lei, especialmente após o Brasil tomar
partido ao lado dos Aliados e pronunciar-se inimigo do bloco do Eixo durante a
Segunda Guerra Mundial. Não se contesta a existência deles, mas ora se questiona
se, por ser uma via austera, era indiscretamente utilizado por ser contemplado
por fundamento legal.

611
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

Metodologia

A pesquisa valeu-se de fontes secundárias, através de trabalhos científicos,


bem como revisão bibliográfica de estudiosos do período histórico em comento,
servindo-se a pesquisa do método dedutivo. Oportunamente inicia-se com uma
contextualização, examinando-se as políticas estadonovistas e os pretextos para
produção de uma legislação restritiva, alçando por fim a forma de uso dos campos.

Resultados

O cenário descrito permite perceber que por volta da década de 40 o


Brasil passava por um período de grande convulsão social. Havia questões internas
e externas e o governo Vargas trabalhava verdadeiro jogo de poder para lidar
com a situação política.

Para se alcançar as respostas desejadas, é elementar observar o que se


passou durante a década de 30. Pode-se destacar que foi a década que Getúlio
Vargas assumiu a presidência e que a Constituição Federal de 1937 foi outorga-
da. Mas a respeito do fim dos incentivos migratórios, Ângela de Castro Gomes
(2013) assinala que se relaciona com a imposição restrições e emissão de diversos
decretos-lei, a maioria de 1938, a respeito da imigração.

Quando foram proclamados “súditos do Eixo”, os alemães, italianos e


japoneses foram perseguidos sob alegação de defesa da pátria e confinados nos
campos de concentração. No entanto, o governo possuía também objetivos
além-fronteiras, intentando estreitar as relações internacionais e crescer perante
as outras potências. Por isto, por meio de uma legislação tendenciosa, práticas
repressivas foram tuteladas e, conforme sustenta Giralda Seyferth (1997), as “ame-
aças” estrangeiras se tornaram desculpa para tornar arbitrariedades legais.

Neste contexto vigia a Carta de 1937, e Marlene de Fáveri (2002) explica


que esta Constituição possuía um caráter centralizador e discricionário, e colocava
nas mãos do Poder Executivo porção grande de poder. Sob a gestão de Vargas
o Brasil assumiu o “estado de emergência” e teve todas as ações justificadas sob
pretexto de segurança nacional, isto é, legítimas. Assim, é possível concluir que
limitação de liberdades e de garantias individuais era absolutamente possível e
devida.

O estado de emergência permitiu que imigrantes tivessem suas casas in-


vadidas, que fossem detidos e que sua defesa fosse cerceada. A suspeita bastava,
por isto não adiantava impetrar mandado de segurança ou habeas corpus. Tais
remédios seriam dispensados porque o crime contra a segurança nacional já havia
se caracterizado com a suspeita (SANTOS, 2004).

612
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Cancelli (apud FÁVERI, 2002) afirma que os “súditos do Eixo” eram pro-
cessados pelo Tribunal de Segurança Nacional, o que significa que não se enqua-
dravam nos processos legais comuns. Justamente por fugir o comum, durante
a análise processual era natural que o imigrante fosse confinado no campo de
concentração, onde já permaneceria caso fosse condenado.

É possível dizer que o presidente Vargas era um entusiasta de discursos.


Por meio deles ele promovia uma mensagem de salvação contra aqueles que
ameaçavam a pátria, e incutia na população o dever de conter tal perigo. Sobre
isto, Endrica Geraldo (2008) indica que foi inclusive através do incitar popular a
respeito dos estrangeiros que foi se formando um contexto adequado para tornar
legais as condutas estatais.

Segundo Priscila Perazzo (2009), todos os gabinetes ministeriais estavam


engajados na produção de legislação que circunscrevesse a reclusão dos imigrantes
alemães, italianos e japoneses. Mas para isto, questionava-se sobre quais imigrantes
deveriam ser reclusos, porque havia que se levar em consideração que o Brasil
era signatário da Convenção de Genebra de 1929, e isto repercutiria.

Mas fato é que na prática, independente do que contrariasse, seria exe-


cutado no país o que o governo achasse favorável aos seus interesses. Por isto é
possível afirmar que alguns feitos foram realizados de forma silenciosa para não
manchar a imagem que o Brasil almejava tanto desenvolver na esfera internacional.

Conclusão

Desta maneira, durante o Estado Novo os campos de concentração foram


generosamente explorados, pelo fato de que seu exercício imoderado possuía
amparo legal. Isto se confirma ao examinar a liberdade de governança que o
chefe do Executivo possuía.

O Presidente Vargas, porque a Constituição de 1937 lhe permitia, declarou


o Estado de Guerra e justificou seus atos com o momento beligerante. Assim,
ao governar por meio de decretos e estabelecer no país uma corrida contra o
nazi-fascismo, assentiu que todas as medidas eram adotadas era em prol do bem
e da segurança.

Logo, o uso imodesto dos campos era entendido como “um mal neces-
sário”, e para isto o Presidente era descomedido em seus discursos salvacionistas,
incitando a população à “caçar” os imigrantes inimigos, porque a saúde da nação
disto dependia. Isto significa dizer que os campos de concentração não só eram
legitimados, como também vistos popularmente como uma necessidade social.

613
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

O povo brasileiro assumiu o papel de delator, e sabia muito bem para onde seu
vizinho alemão, ou italiano ou japonês estava sendo encaminhado.

É verdade que os campos eram ativos desde antes da guerra, mas foi com
a efervescência desta que eles ganharam novos espaços. Vale ressaltar que esta foi
apenas uma das várias medidas repressivas do período, sofrendo os “súditos do
Eixo” ainda de diversas outras formas desde as práticas mais simples do dia a dia.
Porém, como diz Fáveri (2002, p. 153), “eram as prisões a maior desgraça naquele
momento”, ainda que a intensidade da opressão variasse de região para região.

Há muito sobre esta temática ainda a ser explorada. Faz-se necessário que
tal fato histórico seja difundido e discutido. Os campos de concentração ficaram
limitados ao Holocausto nazista, e uma leva de brasileiros desconhece este con-
texto vivido no próprio país. Claro que as diferenças dos campos europeus para
os nacionais foram inúmeras, a começar pelo objetivo. Mas a importância da
pesquisa é justamente crescer o acesso aos fatos e informações sobre nossa história.

Referências bibliográficas
BROCCA, Lionei Alves. As perseguições aos súditos do Eixo através das páginas do
jornal Correio do Povo durante a segunda guerra mundial. Porto Alegre, 2010. 49f.
Monografia (licenciatura em História). Departamento de História da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
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em História Cultural). Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
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HAAG, Carlos. Cálculos Mortais: estudos sobre a “diplomacia dos campos” e a
“economia do Holocausto” revelam as sutilezas da banalidade do mal. Revista
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PERAZZO, Priscila Ferreira. Prisioneiros, Direitos e Guerra no Brasil de Vargas
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em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/2175-7976.2009v-
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SANTOS, Janaína. Os silenciamentos impostos aos alemães durante o Estado Novo
em Florianópolis, 2004. Disponível em: <labhstc.ufsc.br/files/2012/09/Janaina-santos.
doc>. Acesso em: 28 fev. 2017.

614
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

SEYFERTH, Giralda. A assimilação dos imigrantes como questão nacional. Mana, Rio
de Janeiro , v. 3, n. 1, p. 95-131, Apr. 1997. Disponível em <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131997000100004&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 19 fev. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131997000100004.

615
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A PRODUÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:


SUA RECEPÇÃO PELA SOCIEDADE À LUZ
DOS PERIÓDICOS E DA DOUTRINA3

GUILHERME CUNDARI DE OLIVEIRA AMÂNCIO


Graduando em Direito, pela UERJ – Rio, desde 2015
Integrante do corpo de pesquisa do Laboratório Interdisciplinar de História do Direito
E-mail: guicundari@gmail.com

MAURÍCIO DUTRA DE OLIVEIRA


Graduando em Direito, pela UERJ – Rio, desde 2015
Bolsista na categoria Permanência e Iniciação à Docência
Integrante do corpo de pesquisa do Laboratório Interdisciplinar de História do Direito
E-mail: mdoliveiras@gmail.com

Eixo Temático: Iniciação Científica

Palavras-chave: Código de Processo Penal; Estado Novo; Mídia.

Resumo

O presente trabalho estudou a redação do Código de Processo Penal de


1941 sob o ângulo dos espectadores do Estado Novo, diretamente afetados por
suas disposições. Para tanto, aplicamos uma metodologia de investigar o teor da
cobertura jornalística da capital federal (Rio de Janeiro) e também a recepção
da doutrina, no que toca a própria confecção do código, já que a mídia e a
produção literária cumpriam o papel de principal elo entre a sociedade civil e as
decisões estatais, respectivamente em relação ao público leigo e aos profissionais
de Direito. Assim, restringiu-se o corte temporal de 1937 a 1942, e foram analisa-
das as expectativas, críticas e quaisquer situações inesperadas que pudessem ter
ocorrido durante o processo de criação do diploma processual.

Introdução

O Estado Novo foi anunciado a todos os brasileiros na voz de Getúlio


Vargas em seu célebre discurso via rádio, em 10 de novembro de 1937, declarando
3 Resumo expandido referente à pesquisa realizada para apresentação no IX Congresso Brasileiro de História
do Direito.

617
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

que o objetivo desta nova ordem política era reajustar o organismo político do
país. Anunciando que “é a necessidade que faz a lei”4, o presidente inicia uma
campanha para renovar o ordenamento jurídico substancial do país, passando
desde a redação de uma nova Constituição outorgada, até as leis processuais
civis e penais, à época esparsas e descentralizadas.

Este momento, chamado pelo Correio da Manhã de “era da grande le-


gislação nacional”5, carregava para o plano da organização jurídica do Estado as
aspirações que motivaram a Revolução de 1930, quais sejam: a unidade nacional,
centralização política e fortalecimento do poder público.6

Ainda que sob um governo altamente interventor e autoritário como


o brasileiro pós-golpe de 1937, a imprensa nacional, em especial a da antiga
capital (Rio de Janeiro), acompanhou todos os passos da redação das novas
leis e codificação do direito. Dentro de um contexto em que a comunicação
via rádio começava a integrar os cidadãos ao Estado, os periódicos gozavam
de ímpar relevância para o esclarecimento do público acerca das novidades do
novo Estado que se construía de forma pouco democrática, de fato, mas sempre
com ganas de se fazer acessível aos brasileiros, cujo nacionalismo era construído.
Desta forma, ainda que atada às exigências políticas da época e com pouca
possibilidade de oposição e crítica às medidas do governo, a compreensão do
jornalismo político do Estado Novo traduz-se pela compreensão tanto da forma
como o povo conseguia enxergar as mudanças nacionais, quanto a forma como
o Estado queria que o povo enxergasse estas mudanças, que são pontos de vistas
essenciais para o nítido entendimento deste momento histórico singular que foi
o Brasil de 1937 a 1946.

Objetivos

Dentre a campanha de renovação do ordenamento jurídico, destaca-se


para a presente pesquisa a proposta de um novo Código de Processo Penal. A
1º de dezembro de 1937, o Diário Carioca escreve no artigo “Código de Proces-
so Penal” sobre “a necessidade imperiosa” deste novo código7, em um país que
ainda não gozava de unidade processual e fazia uso não modesto das antigas
Ordenações. Desde sua proposta até sua instituição pelo Decreto-Lei 3689 de 3
de outubro de 1941, passando por todas suas inovações (como o instituto do
júri, extremamente aclamado pela imprensa e juristas da época) e conflitos com
a lei antiga existente (como sua incompatibilidade com o Código Penal de 1890,
ocasionando em uma série de adaptações após ter sido concluído o anteprojeto

4 VARGAS, 1941.
5 Correio da Manhã, 7 de fevereiro de 1939, p. 04.
6 Sobre esta última faceta do Estado Novo, vide Diário Carioca, 4 de março de 1938, p. 03.
7 Diário Carioca, 1º de dezembro de 1937, p. 06.

618
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

processual), os periódicos acompanharam, recorrentemente com notório otimismo,


os trabalhos de juristas como Nelson Hungria e Francisco Campos na redação
e revisão do anteprojeto.

Desta forma, delineia-se como objetivo geral deste trabalho, como intro-
duzido na seção precedente, a compreensão da relação entre a imprensa nacio-
nal e recém-inaugurado governo do Estado Novo em sua missão de renovação
político-jurídica, assumindo como premissa a necessidade deste entendimento
para uma compreensão fidedigna do contexto histórico brasileiro daquela época
e da mentalidade dos próprios brasileiros, que se relacionavam com o Estado
principalmente através destes artigos jornalísticos.

Deste campo de investigação, é de especial interesse, na qualidade de


objetivo específico, o levantamento de informações sobre o teor – se otimista
ou pessimista; se acurado ou superficial – destas notícias periódicas, de modo a
possibilitar uma análise acadêmica sobre as expectativas nacionais – seja do Esta-
do, da mídia ou da comunidade civil – do país acerca da codificação processual
penal, seus impactos e potenciais avanços para o Brasil.

Assim, à luz destes objetivos, é patente a constatação de algumas hipóte-


ses que hão de ser confirmadas ou refutadas durante a pesquisa: (1) a imprensa
manteve-se uniforme perante o acompanhamento da redação do código, sem
divergências dignas de nota entre um periódico e outro; (2) a imprensa demons-
trou heterogeneidade em sua abordagem ao código; e se, (3) seja uniforme ou
heterogênea em seus artigos, a imprensa foi um incisiva ou rasa em seu traba-
lho jornalístico sobre as inovações, processo de produção e impactos do novo
diploma processual.

Metodologia

Para se verificar as hipóteses apresentadas, a presente pesquisa prestar-


se-á à análise de quatro periódicos cariocas: A Noite, Correio da Manhã, Diário
Carioca e O Radical. Assim, o recorte espacial (a capital da república) obedece às
pretensões e possibilidades reais da pesquisa de responder sobre o contexto social
e político de um Brasil ainda precoce em sua marcha ao oeste e concentrado
no litoral, com especial enfoque naquele que banhava o centro político nacional.
Além disso, complementarmente, será lida a doutrina imediatamente posterior ao
código (1941 e 1942) com vistas em documentar a recepção do público instruído
em Direito acerca da confecção do código, dispensando-se análises sobre seus
institutos, mas focando-se no teor técnico-histórico de sua redação.

619
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

O recorte temporal forçosamente deve se restringir de 1937 até 1942, de


modo a englobar o período de proposta do código (1937), de redação (1938-
1941) e da recepção imediata do texto instituído pelo Presidente Vargas (1942).

Para se extrair estas informações, serão selecionados os artigos, e capítulos


no caso das produções jurídicas, cujo título ou corpo fazem referência ao código,
direta ou indiretamente, através de palavras-chave como “Código de Processo
Penal”, “Código Penal”, “lei processual”, “reforma judiciária”, e relativos. Realizada
a seleção, cumpre analisar o material, mediante um olhar comparativo entre os
quatro periódicos e as obras doutrinárias de forma a confrontar a abordagem
de uma mesma notícia, em uma mesma época, de publicação para publicação,
e daí se extrair conclusões que versam sobre os objetivos gerais e específicos da
pesquisa. Ainda, como uma aproximação igualmente relevante, as notícias sele-
cionadas serão estudadas em si mesmas e dentro da própria linha publicitária de
cada periódico, de forma a flagrar qualquer alteração de tom digna de alguma
interpretação jurídico-histórica no contexto de sua publicação.

Resultados parciais

Foram encontradas 85 matérias cujo tema envolveu a produção do Código


de Processo Penal dentre os quatro periódicos, com especial enfoque do Jornal
Noite, que acumula 42 artigos do total encontrado. A disparidade da frequência
publicitária entre jornais não se repete na frequência de escritos por ano: com
a exceção d’O Radical, o maior número de matérias sobre o diploma processual
concentrou-se em 1937-38, e depois, embora em menor intensidade, 1942. Em
todos os jornais, o ano de 1940 é silencioso sobre o tema, restando dos quatro
periódicos analisados apenas uma notícia deste período, referente ao Jornal Noite.
O fenômeno foi compreensível à luz do fato de que foi precisamente a época
que o anteprojeto fora concluído e enviado à apreciação do governo – todas as
críticas e comentários foram reservados, assim, para após sua publicação oficial,
em 1941.

Ainda, também não se encontra considerável disparidade no tom e aborda-


gem dos quatro periódicos, imperando uma razoável uniformidade, possivelmente
melhor entendida devido ao contexto autoritário e nacionalista do Estado Novo:
as publicações de 1937-38, em geral, demonstraram otimismo e enquadraram a
redação do código como um passo na reforma jurídica que o Brasil passava,
unanimemente tomada como um progresso, e não mera mudança.

Considerações finais

O Código de Processo Penal de 1941, antes de representar um programa


político estrategicamente pensado da Era Vargas, significou uma mudança há

620
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

muito esperada pelo país, cuja legislação processual ainda era arcaica, descen-
tralizada e recorrente às Ordenações. Trazendo institutos modernos no modelo
romano-germânico de operação do direito, como o importado júri, o decreto que
pôs em vigor o diploma processual, longe de ser uma operação abstrata, afetou
diretamente a vida de brasileiros, cuja opinião, grandemente favorável, pôde-se
sentir através da mídia e da doutrina.

Referências bibliográficas
A Noite, Rio de Janeiro, 1937-1942.
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1937-1942.
Diário Carioca, Rio de Janeiro, 1937-1942.
O Radical, Rio de Janeiro, 1937-1942.
VARGAS, G. A nova política do Brasil. São Paulo: Livraria José Olympio, 1941.

621
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

O TRABALHADOR E OS DIREITOS TRABALHISTAS


NO INTERIOR DE SÃO PAULO: PROCESSOS
ADMINISTRATIVOS PRÉ JUSTIÇA
DO TRABALHO EM ARARAQUARA

EXPEDITO CLAUDENILTON PEREIRA LIMA


Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)
Aluno no Grupo de iniciação cientifica de História do Direito
E-mail: expedito.lima@icloud.com

LAUANY OLIVEIRA AMARAL


Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)
Aluno no Grupo de iniciação cientifica de História do Direito
E-mail: lauany.oliveira@hotmail.com

Eixo Temático: Iniciação Científica

Palavras-chave: Comissões Mistas; Conciliação e Julgamento; Justiça do


Trabalho.

Muito se conquistou entre os anos de 1931-1934, anos que foram de


suma importância para os trabalhadores, visto que durante esse período o governo
provisório de Vargas legislou sobre quase todos os importantes pontos críticos das
relações trabalhistas, exceto o salário mínimo. Por outro lado, era necessário muito
mais que somente a teorização e a positivação da lei, existia a necessidade de criar
meios de efetivação das normas (FERREIRA, 2012), o que tem sido o desafio da
legislação trabalhista no país desde então (FRENCH, 2001). Nesse contexto é que
foi idealizada a Justiça do Trabalho, visando dar prosseguimento a mediação entre
capital e trabalho, iniciadas com as leis sociais entre os trabalhadores (FERREIRA,
2012). Com o fito em organizar a classe trabalhista, e promover a nacionalização
do trabalho, resguardando a proteção aos direitos sociais, e a fiscalização dos no-
vos dispositivos criados, por meio de instituições adequadas para tais atividades,
como as Juntas de Conciliação e Julgamento é que começa a se construído o
que na atual conjuntura chama-se de Direito do Trabalho, bem como ainda o
Direito Processual do Trabalho (BIAVASCHI, 2011). Assim, a problemática será

623
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

compreender como funcionava a estrutura administrativa das Comissões Mistas


antes da instauração da Justiça do Trabalho no interior do estado de São Paulo.

Metodologia: Esse trabalho procura guiar-se como referencial teórico a


Escola de Annales na medida em que compreende a necessidade de enfrentar
o discurso jurídico como algo que possui uma estrutura histórica relativamente
autônoma face as intenções dos sujeitos, tanto que deve se analisar e estudar a
linguagem do direito. Outra grande estratégia de busca e investigação da história
do Direito diz as suas formas de abordagem em visão dos questionamentos do
poder. O poder aqui então visto é analisado como uma forma descentrada não
coligado ao Estado fazem com que o âmbito de perspectivas possam se multiplicar.
Mais ainda vale ressaltar que a escola analisa os problemas não obviamente vistos
entre súditos e Estado mas sim destinados a novos objetos e a novos problemas
dispostos ao nosso redor, ainda o historiador deve estar atento ao tempo de
duração da história (FONSECA,2010). Além disso, serão usadas fontes secundárias
advindas da história social, econômica e jurídica, em uma análise interdisciplinar, e
como fontes primárias o estudo dos procedimentos administrativos depositados
no Arquivo histórico do TRT15, sediado na cidade de Campinas, até o ano de
1943, quando da criação da Justiça do Trabalho.

Resultados parciais: Este trabalho, ainda em andamento, em sua primeira


fase de investigação em fontes secundárias observou que foi através da criação
das Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento, por meio do decreto nº
21.396/32 que surge um sistema com o intuito de solucionar os conflitos traba-
lhistas. Contudo, a priori, tal sistema era apenas um privilégio dos empregados
que fizessem parte do sindicalismo oficial (DELGADO, 2010). Salienta-se que “as
Comissões e as Juntas de Conciliação e Julgamento não eram órgãos judiciais
porque das decisões cabia o recurso para o Ministério do Trabalho denominado
‘avocatória’ e não as executavam, processando-se a execução perante a Justiça
Comum” (SILVA, 2011, p. 78). A criação desse sistema trouxe para o trabalhador
algumas mudanças, tendo em vista a transformação da situação em que ele era
visto, saindo da esfera das relações privadas do proprietário do capital, em tudo
submetido às condições impostas pelo patrão, e passando a ser um individuo/
sujeito que possui direitos. E indubitavelmente foi um marco social ao que tange
as normas e as instituições que tutelavam até então (ADORNO JUNIOR, 2011).
O dispositivo legal que possibilitou aos trabalhadores tal condição de sujeito
de direito foi a Lei 62/35, o “passe” aos operários para buscarem seus direitos
lesados, quer seja individualmente ou ainda por meio de sindicatos, nas Juntas
de Conciliação e Julgamento. Assim, era usada constantemente como uma lei
fundamental para realizarem as reclamações (BIAVASCHI, 2005). No entanto, na
segunda fase do trabalho serão compulsados os autos dos processos administrativos
ocorridos até a existência das Juntas de Conciliação e Julgamento, em especial
processos da cidade de Araraquara entre os anos de 1939 e 1945, um total de

624
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

253 autos, que se encontram sob os cuidados do Arquivo Histórico do Tribunal


Regional do Trabalho 15ª Região, cuja sede é em Campinas. Inicialmente fez-se o
levantamento destes processos e na sequência far-se-á a análise qualitativa, com
o fito de compreender como efetivamente processavam-se os pedidos, quais os
mais frequentes, e se possível verificar o espaço real de enfrentamento e demanda
de direitos, comparando-os com os processos dos dois primeiros anos após a
existência da primeira estrutura judicial específica.

Conclusões: Portanto, se faz necessário entender que os primeiros passos


para a efetivação da instauração da Justiça do Trabalho começaram bem antes da
criação das Comissões. Ainda assim, as referidas Comissões tiveram papel impor-
tante influenciando na criação da Justiça do Trabalho no interior de São Paulo.
Percebe-se que existiu uma grande dificuldade, além de um determinado grau de
ineficácia nos andamentos dos processos nas esferas administrativas, devido à falta
de celeridade como ainda, uma área jurídica que podia comprometer as respostas.

Referências bibliográficas
ADORNO JÚNIOR, Hélcio Luiz. Apontamentos sobre a história do direito do
trabalho e da Justiça do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v.
36, n. 140, p. 61-80, out./dez. 2010.
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São Paulo, v. 77, n. 2, p. 83-102, abr./jun. 2011.
BIAVASCHI, Magda Barros. O direito do trabalho no Brasil: 1930-1942: a constru-
ção do sujeito de direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007. TST 331(091) B579 D
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9.ed. São Paulo: LTr, 2010.
FERREIRA, Jorge. Os conceitos e seus lugares: trabalhismo, nacional-estatismo e
populismo. In: BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; FONSECA, Pedro Cezar Dutra. A
Era Vargas: desenvolvimentismo, economia e sociedade. São Paulo: Unesp, 2012.
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FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à história do direito. Curitiba:
Juruá, 2010.
FRENCH, John. Afogados em Leis: A CLT e a cultura política dos trabalhadores
brasileiros. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. A trajetória da justiça do trabalho. Revista do
Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 77, n. 2, p. 77-82, abr./jun. 2011.

625
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

TOLSTÓI E O VERBO-ANÁLISE DO CONCEITO DE


JUSTIÇA A PARTIR DA HERMENÊUTICA
RELIGIOSA DE LIÉV N. TOLSTÓI

CAIO HENRIQUE DIAS DUARTE


Faculdade de Direito do Largo de São Francisco-Universidade de São Paulo
Estudante de graduação
Orientador: Prof. José Reinaldo de Lima Lopes
Email: caiohdduarte@gmail.com

Eixo temático: Iniciação Científica

Palavras chave: Liév Tolstói; Hermenêutica Jurídica; Filosofia do Direito.

Introdução

Liév Tolstói firmou-se como um dos grandes escritores na história mundial.


Entretanto, sua obra de análise hermenêutica dos textos bíblicos, pouco explora-
da, teve grande influência em sua militância de impacto internacional contra o
Estado autocrático que era o Império Russo, além da formação de figuras como
Mahatma Gandhi e Ludwig Wittgenstein.

Este trabalho propõe expor e situar o pensamento hermenêutico de


Tolstói através da noção de Justiça propagada pelo escritor, relacionando-a com
a prática e o posicionamento deste frente à crise que levou ao fim do Czarismo
e à Revolução Russa. Tendo vivido os momentos da decadência do regime, como
a derrota na Guerra da Crimeia, a abolição da servidão, as reformas judiciais de
Alexandre II, as reformas liberais de descentralização sob Nicolau II, além de
militado com repercussão internacional em disputas de contestação legal, como
a perseguição aos Dukhobors pelo Estado Russo e pelo direito ao pacifismo na
guerra Russo-Japonesa, Tolstói firmou-se como a única voz crítica em um período
de reformas e crise cujos resultados repercutem até os dias de hoje.

Assim, em diálogo com a proposta do IX Congresso Brasileiro de Histó-


ria do Direito, através de seu eixo de iniciação científica, este trabalho propõe,
através da análise de fontes primárias e da crítica fundamental que Liév Tolstói

627
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

produz destas e de seu ativismo frente ao aparato legal, expor como o direito
se operacionalizou nas décadas que precederam o violento colapso do Estado
autocrático na Rússia

Metodologia

Usando o instrumental hermenêutico, com especial enfoque nas noções


expostas por Hans Georg Gadamer, expõe-se a reflexão feita por Tolstói, partindo
de uma ótica gadameriana para essa análise, que usa no método histórico a apli-
cação da lógica da pergunta e resposta para analisar a tradição histórica. Assim
como Gadamer usa a descrição que Tolstói faz do conselho de guerra antes da
batalha de Austerlitz para exemplificar a construção da pergunta de modo a
compreender o sentido do texto e a verdade histórica nele contida8, Tolstói usa
seus personagens para fomentar essa reflexão no leitor, como em Ressurreição
(1889), onde surge indiretamente durante a narrativa a pergunta sobre qual é o
sentido da justiça, na qual o autor se vale dos conflitos expostos para expor as
contradições morais da sociedade russa e das autoridades dominantes, partindo
sempre de sua visão própria do cristianismo, a dita doutrina de Jesus Cristo.

Aqui começa a delinear-se o objetivo desse projeto de pesquisa, tal qual


seja um maior esclarecimento sobre a fonte da reflexão religiosa em Tolstói e seu
reflexo em como este pensa o Direito e a prática.

Deseja-se assim responder à seguinte pergunta: como a inovadora herme-


nêutica de Tolstói, consolidada em seus anos finais, expõe um sentido de justiça
ligado à prática e à visão de religião tolstoísta como imperativo categórico sob
uma concepção de mundo sub specie aeterni?

Buscar um Direito que consiga vencer a querela limitadora sobre a qual


preconiza Gadamer é então retomar, através da literatura, o que Tolstói tem a
dizer sobre o os paradigmas que hoje se esgotam onde a Filosofia tem papel
urgente e fundamental, países com democracias e liberdades individuais e coletivas
em processo de consolidação.

A reflexão em sua obra sobre a fundamentação das regras e juízos é o


que pode permitir ao Direito avançar ainda mais, que é o que Tolstói busca ao
promover debates críticos frente a medidas legais e à estrutura do Estado Czarista.

A metodologia adotada será a de um método trifásico simples: em primeiro


lugar, serão feitas as leituras das principais obras literárias de Tolstói no final de sua
vida, visto que essa é a fase que consolida-se sua filosofia e teologia; juntamente

8 GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método I: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tra-
dução: Flávio Paulo Meurer-Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 484.

628
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

comparadas com os preceitos da obra teológica de Tolstói com relação ao Direito,


nominalmente, a exploração dos conceitos de juízo, justiça e a relação entre as
leis e institutos jurídicos presentes nos textos literários à luz do que preconiza
o autor através de sua hermenêutica dos textos bíblicos. Esta, centrada nas falas
de Jesus Cristo no Novo Testamento – nota-se aqui que como ferramenta para
esse estudo será usada a perspectiva gadameriana de modo comparativo e instru-
mental, para que seja possível tornar clara a orientação hermenêutica de Tolstói.

Em uma segunda fase, situa-se o pensamento de Tolstói na tradição


filosófica russa e mundial, de modo a expor as influências que sofreu e que
provocou, além de fundamentar especificidades do modelo de Estado e das
concepções de Justiça na Rússia frente aos preceitos universais da filosofia com
os quais dialoga Tolstói.

Já na terceira fase, busca-se a identificação da concepção tolstoísta de


Justiça e sua visão do Direito e do papel dos indivíduos, Estado e sociedade nas
críticas feitas por Tolstói a ações do Estado Czarista, nominalmente: A emancipação
dos servos de 1861; As reformas judiciais de Alexandre II; O discurso de abertura
do Czar e os trabalhos de abertura da Primeira Duma; Acontestação à Guerra
Russo-Japonesa; Além de seu ativismo em questões sociais que confrontavam
a estrutura do Estado Russo e suas políticas: A campanha pelos Dukhobors; A
campanha para aliviar a fome em Samarkand; A atuação como membro do censo
em Moscou; A correspondência com Gandhi.

Comparam-se então os pontos principais do pensamento de Tolstói acer-


ca do papel do Direito e de sua formulação Justiça com a crítica que articula,
pretendendo-se compreender a inserção de seu pensamento Hermenêutico na
discussão sobre a Justiça na Filosofia do Direito, através de pontos vitais na crise
do Estado Russo do final do século XIX ao início do XX, momento que coin-
cide com a fase reflexiva do autor, onde se dá a maior parte de sua produção
teológica e filosófica, além da literatura que confronta os preceitos do Czarismo.

Resultados parciais

Ressalta-se o pensamento de Tolstói na discussão política e filosófica da


Rússia, além de seu diálogo com os embates teológicos que se davam também
lá, mas principalmente na Europa, como com Ernest Renan.

Expõem-se as diferenças epistemológicas entre o pensamento russo e o


europeu e, com isso, sua relevância para as proposições de Tolstói.

Relacionam-se esses pressupostos com as correntes de interpretação her-


menêutica, com enfoque na interpretação da Lei por Tolstói e sua visão do que é

629
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

justo e do que seria a Vida Boa. A partir daí, faz-se a relação dessa interpretação
com os textos legais da época com os quais Tolstói teve contato e diálogo.

Assim, inicia-se aqui uma metafísica própria do autor na busca pela reali-
zação de uma vida que negue a individualidade, de influência schopenhaueriana
e também das filosofias asiáticas9.

Faz-se assim possível, entendendo os objetos de análise do autor, adentrar


à sua visão de religião, que por sua vez será fundamental para interpretar a lei, já
que o significado de justiça se faz indissociável de sua visão de mundo.

Tolstói é largamente conhecido por sua leitura pacifista do Sermão da


Montanha, concentração de ponderações e preleções que Jesus faz sobre como
se viver a vida. Em sua análise das escrituras, o conde russo buscou uma litera-
lidade que fez dele um racionalista extremo em uma visão que favorece a ética
dos Evangelhos10. Nisso inicia-se o confronto com as leis e a ordem vigente, que
Tolstói contesta em sua própria fundamentação legitimadora, rejeitando a positi-
vação de leituras distorcidas de princípios éticos que os Romanov promoveram
ao longo do século XIX. O presente trabalho expõe então tais conflitos e sua
relação com a visão de ética que Tolstói busca disseminar entre as instituições e
a sociedade russa, que entravam em um período de convulsão e esgotamento
do sistema autocrático.

Referências Bibliograficas
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GRONDIN, Jean. Que saber sobre filosofia da religião. Ideias e Letras, 2012.

9 Para a influência de outras filosofias em Tolstói, destaca-se a biografia de Rosamund Bartlett, mais atualizada
que os estudos russófilos da época da União Soviética. BARTLETT, Rosamund. Tolstói: a biografia. Tradução:
Renato Marques-São Paulo: Globo, 2013.
10 TOLSTÓI, Liev. Os últimos dias. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.

630
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

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Editora 34, 2010.
TOLSTÓI, Liev. Padre Sérgio. Tradução: Beatriz Morabito-São Paulo: Cosac Naify, 2010.
TOLSTÓI, Liev. Khadji-Murát. Tradução: Boris Schnaiderman-São Paulo: Cosac Naify,
2012.
TOLSTÓI, Liev. Contos Completos. Tradução: Rubens Figueiredo-São Paulo: Cosac
Naify, 2015.
TOLSTÓI, Liev. Os últimos dias. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras,
2011.
TOLSTÓI, Liev. Ressurreição. Tradução: Rubens Figueiredo-São Paulo: Cosac Naify,
2013.
TOLSTÓI, Liev. O diabo e outras histórias. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
TOLSTÓI, Leão. A insubmissão e outros escritos. Trad. Plínio A. Coelho. Cotia:
Ateliê Editorial, 2010.
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução: Claudia
Berliner-São Paulo: Martins Fontes, 2005.
ZENKOVSKY, Basile. Histoire de la philosophie russe – tome II. Tradução: C. An-
dronikof. Lonrai. Paris: Gallimard, 1992.

631
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A HISTÓRIA DA FACULDADE DE DIREITO


DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ENTRE 1935 E 1947

ANNA CAROLINA OLIVEIRA NUNES NUNES


Graduanda do 3° período da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
E-mail: annacaroliveira15@gmail.com

FRANCISCA MARIA DE MEDEIROS MARQUES


Graduanda do 3° período da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ.
E-mail: franciscamaria.mm@gmail.com

MARIA CLARA COSTA GUEDES ALVES


Graduanda do 2º período da Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro, UERJ.
E-mail: clarinhagermanotta@hotmail.com

GUSTAVO SILVEIRA SIQUEIRA


Orientador
Professor de História do Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ.
Bolsista de produtividade do CNPq e Pesquisador da FAPERJ.
E-mail: gustavosiqueira@uerj.br.

Eixo temático: 10 – Iniciação científica.

Palavras-Chave: História; Faculdade de Direito; Rio de Janeiro

Introdução

O tema do presente trabalho é a origem da então Faculdade de Direito


do Distrito Federal no contexto do Estado Novo. A pesquisa tem como limite
temporal o ano de fundação da instituição, que ocorre em 1935 até o ano de
1945. A inspiração para o trabalho surgiu após a descoberta da concessão do
título de “Professor Honoris Causa” a Getúlio Vargas pelo auxílio prestado para
a aquisição de uma sede própria11. Assim, se pretende reconstruir a história dos
primeiros anos da Faculdade de Direito, buscando entender a razão inicial pela
qual foi fundada, o motivo de sua integração à Universidade do Distrito Federal,
hoje conhecida como Universidade do Estado do Rio de Janeiro, examinar os
primeiros obstáculos ao seu funcionamento, investigar a veracidade das ideias

11 Uma homenagem da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro ao Senhor Presidente da República. Gazeta
de Notícias, Rio de Janeiro, p.6, 28 ago. 1939

633
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

difundidas até então sobre sua fundação e entender em que medida os eventos
políticos ocorridos naquele período influenciaram em sua formação.

Metodologia

A presente pesquisa se desenvolverá através da investigação de fontes


bibliográficas, tais como o livro “Pequena História da Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro” feito em homenagem aos 50 anos de sua fundação e os livros
escritos por seus fundadores, além da análise de periódicos da época disponibi-
lizados pela Biblioteca Nacional que retratam os principais acontecimentos dos
primeiros anos da Faculdade como: Jornal do Brasil, Gazeta de Notícia, A Noite,
Jornal do Commercio, Jornal da Manhã. As pesquisas pretéritas feitas em come-
moração aos aniversários da Faculdade de Direito se destacando as de 50, 70
e 80 anos e outras fontes documentais guardadas na UERJ como atas e anais
também serão utilizadas.

Nesse sentido, a partir dessas fontes planejamos organizar de forma cro-


nológica os principais acontecimentos entre 1935 e 1945 destacando suas razões
e figuras envolvidas para assim reconstruir a história da Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro do ano de 1935 a 1945.

Resultados Parciais

Até o momento, algumas das notícias que pesquisamos relatam como


se estabeleceu a sua formação. Dentre as mais importantes temos as seguintes.

Em 06 de fevereiro de 193512, o Jornal do Brasil ressaltou o prestígio dos


professores da nova faculdade que foi formada por iniciativa do prof. Ephraim
Rizzo. E ainda em 1935, no dia 17 de março, noticiou-se a fundação da nova
Faculdade de Direito do Distrito Federal.13

Em 1937, foi concedida a inspeção preliminar pelo Conselho Nacional


de Educação à Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, que tornou-se então a
segunda do ramo jurídico na Capital Federal.14

Na data de 30 de maio de 1939, foi feita uma homenagem da Faculdade


de Direito do Rio de Janeiro ao Senhor Presidente da República. O acontecimento
se deu no Palácio do Catete, onde participaram uma junta de professores e alguns
alunos, com a finalidade de agradecer ao Presidente pela assinatura do Decreto
3.772 que nivelou a faculdade às escolas superiores oficiais.15
12 Elevando o nível de ensino livre no Brasil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p.11, 06 fev.. 1935
13 Fundação de uma nova Faculdade de Direito. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 17 mar. 1935.
14 O reconhecimento da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.Gazeta de Notícias , p.06, 29. ago.1937.
15 Idem.

634
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Somente em 1942, foi noticiada a nova sede da faculdade pelo jornal A


Noite em 05 de julho, após o Presidente da República ter deferido o requeri-
mento da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro possibilitando a instalação de
sua sede própria.16

E por fim, em 1944 o Instituto dos Advogados solicitou o cancelamento


da dívida da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro ao presidente e o pedido
foi então concedido.17

Estas primeiras descobertas estão associadas aos obstáculos apresentados


à sua fundação e ao seu posterior funcionamento, como o local para o ensino,
visto que a primeira sede foi emprestada pela Associação Cristã dos Moços, e
apenas em momento posterior ocorre a compra de um prédio próprio e o perdão
da dívida. Além disso, temos a questão orçamentária com os poucos alunos e a
demora das inspeções para devida oficialização da faculdade. Todavia, ainda estão
sendo analisadas as relações entre a fundação da faculdade e o movimento do
“Ensino Livre”, que marcou a criação das novas universidades na década de 1930,
incluindo a relação de seus fundadores com este movimento.

Conclusão

A finalidade desta pesquisa é reconstruir a origem da Faculdade de Direito


da Universidade do Estado do Rio de Janeiro com a sua posterior apresentação
à comunidade acadêmica, em razão de sua história ainda ser relativamente
desconhecida, apesar de sua considerável relevância à comunidade científica e
aos significativos serviços prestados à sociedade no geral. Com isso, os princi-
pais pontos que iremos analisar serão as razões que levaram a sua fundação, o
que motivou sua integração à Universidade do Distrito Federal, quais foram as
primeiras dificuldades e os seus acontecimentos iniciais através de uma pesquisa
minuciosa das diversas fontes encontradas. Os periódicos, o livro “Pequena His-
tória da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro’’ e as pesquisas pretéritas feitas
em homenagem aos aniversários da Faculdade têm sido a base das descobertas
feitas até o momento. Entretanto, o objetivo é, após a análise das outras fontes,
organizar cronologicamente os acontecimentos de maior destaque, entender como
se sucederam e as pessoas que deles participaram, para assim compreender os
pontos de análise citados.

16 A faculdade de Direito do Rio de Janeiro vai ter sede própria. A Noite, p. 06, 05 jul. 1942
17 Cancelada, a pedido do Instituto dos Advogados, a dívida da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. A
Noite, p. 07. 14 jul. 1944

635
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

Referências bibliográficas
Periódicos
Elevando o nível de ensino livre no Brasil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p.11,
06 jan. 1935
Fundação de uma nova Faculdade de Direito. Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
17 mar. 1935
O reconhecimento da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Gazeta de Notícias,
p. 06, 29. ago.1937.
Uma homenagem da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro ao Senhor Presidente
da República. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, p.6, 28 ago. 1939
A faculdade de Direito do Rio de Janeiro vai ter sede própria. A Noite, p. 06, 05
jul. 1942
Cancelada, a pedido do Instituto dos Advogados, a dívida da Faculdade de Direito
do Rio de Janeiro. A Noite, p. 07. 14 jul. 1944
Livros
ALEGRIA, Lopo. Pequena História da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro, 1985.
BASTOS, Aurelio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2000.
LIMA, Adamastor, O ensino livre na constituinte de 1933 (discurso... por ocasião
da abertura do anno lectivo de 1937). Rio de Janeiro, Gráf. Sauer, 1937.
SANT’ANNA, Álvaro Cumplido de. A Universidade do Distrito Federal (Histórico),
in Anuário da Universidade do Distrito Federal, 1956.
MACHADO NETO, LA. A ex-Universidade de Brasília. Revista Civilização Brasileira,
nº 14, jul. 1967.
Documentos
Anuários da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, de [193..] a 1947.
Sites institucionais
Faculdade de Direito da UERJ - 70 anos de história e memória. Disponível em:
<http://www.direitouerj.org.br/2005/fdir70/ >. Acesso em: 01 jun. 2017
Projeto Direito Uerj 80. Disponível em: < http://www.direitouerj80.com.br >. Acesso
em: 01 jun. 2017

636
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

HISTÓRICO DO CRIME DE RECEPTAÇÃO


NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

BRENDA LORRANA FRANCO


Aluna do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

KAREN LOPES REZENDE


Aluna do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

YASMIN FELIPE DO NASCIMENTO


Aluna do curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
E-mail: lorranabrenda@hotmail.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas).

Palavras-chave: Receptação; Evolução; Legislação criminal brasileira.

Introdução

O delito de receptação, atualmente tipificado em nosso ordenamento


jurídico no artigo 180 do Código Penal, não se caracteriza como inovação penal
brasileira, haja vista que sua inserção legal se deu em meados do século XVIV,
ainda no Código Imperial Brasileiro. Entretanto, tal tipificação delituosa se distingue
da atualidade em alguns aspectos, em especial, com relação à interpretação e a
materialidade atribuída. Abordaremos assim, o contexto histórico que originou
o delito em estudo, bem como as mudanças ocorridas ao longo da evolução
jurídica brasileira, no que concerne o texto normativo em si e sua aplicabilidade.

Metodologia

Buscando analisar a temática proposta, este trabalho será pautado pela


perspectiva dogmática, buscando uma possível resposta à problemática. De forma
a atingir a maior veracidade possível no processo de conhecimento da problemá-
tica a ser estudado, o trabalho examinará com um olhar investigativo. Ademais,
utilizará o método de abordagem dedutivo.

637
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

Resultados da pesquisa concluída ou com resultados parciais

Após a independência do Brasil, o país continuou a ser regido pelas leis


e atos da metrópole, vigorava as Ordenações Filipinas. Nelas, havia a previsão da
receptação, contudo, as penas eram aplicadas conforme o crime antecedente18. A
sociedade brasileira passou a ter uma legislação própria com o Código Imperial
de 1830.19

Assim, nota-se que o crime de receptação não é uma inovação do Có-


digo Penal Brasileiro de 1940, sua origem na história jurídica brasileira deu-se em
um momento anterior. No Código Imperial de 1830, teve-se a previsão legal do
crime em tela, contudo, entendido de uma forma diferenciada.

O delito da receptação não era titulado como autônomo, entendendo-se


que o receptador seria o cúmplice da infração prévia.20 Além disso, referia-se tanto
à forma culposa, quanto à dolosa: “Art. 6º. Serão tambem considerados compli-
ces: 1º Os que receberem, occultarem ou comprarem cousas obtidas por meios
criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabel-o em razão da qualidade,
ou condição das pessoas, de quem as receberam, ou compraram.”

No Código Penal de 1890, não se observam mudanças, no tocante ao


crime de receptação, sendo que, o próprio texto normativo, não sofreu nenhuma
alteração: ”Art. 21. Serão cumplices: § 3º Os que receberem, ocultarem, ou com-
prarem, cousas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devendo
sabel-o, pela qualidade ou condição das pessoas de quem as houverem”.

Contudo, Galdino Siqueira21 já apresentava posição contrária no que tange


a observar o receptador como cúmplice: “Pelo que diz respeito primeiramente á
receptação, é uma verdadeira anomalia ou desvirtuamento de princípios, considerá
-la como caso de cumplicidade, como faz o código, seguindo quase literalmente
o anterior de 1830, art. 6, § 1.”. O autor possuía uma visão similar aos códigos
modernos do período, tal como italiano e o alemão, que já observavam o delito
como um crime sui generis, quer dizer, possuidor de seu próprio gênero.

Com bem alega Carlos Eduardo Massad22, tratar o receptador como


cúmplice pode acarretar efeitos notoriamente nocivos, pois ele seria punido

18 PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro. 7ed. v.2 São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2008.p.514
19 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,2003,p.7
20 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal Brasileiro. p. 514.
21 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro. 2003, p. 253.
22 MASSAD, Carlos Eduardo. O crime de receptação, sua estrutura e relevância. 2006. Monografia (Bacharel
em Ciências Jurídicas)-Universidade Tuiuti do Paraná, 2006. Disponível em: http://tcconline.utp.br/wp-content/
uploads//2013/07/O-CRIME-DE-RECEPTACAO-SUA-ESTRUTURA-E-RELEVANCIA.pdf. Acesso em: 04 de julho de
2017

638
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

tendo como base a pena enquadrada ao autor daquele delito. Dessa forma um
receptador de um roubo poderia sofrer uma punição maior do que aquele que
de fato realizou um furto.

A vocação da legislação brasileira em interpretar, de enquadrar o crime


de receptação como algo de menor insulto ao bem jurídico, quando comparado
a outros crimes patrimoniais, perdurou até a criação do Anteprojeto da Parte Es-
pecial do Código Penal, de 1987. No seu art. 193, estipulava-se pena de reclusão,
de um a três anos para o tipo simples do delito. 23

Sendo assim, o legislador do Código Penal de 194024 analisou o crime


estudado de uma forma diferenciada, entendendo-o como um delito autônomo
e enquadrando-o como um crime patrimonial25. 

Por conseguinte, nota-se a desvinculação com a forma que o crime de


receptação era tratado pelo Código Penal anterior. Realiza-se a distinção entre o
delito de favorecimento (agora categorizado como crime contra a administração
da justiça) e o da receptação (especificado como contra o patrimônio). Ambos
adquirem o caráter da autonomia, quer dizer, ocorrer de fome independente. 26.

Vale ressaltar, para melhor compreender essa separação, que no período


do Império, o crime de receptação era entendido como o que hoje é denomi-
nado de “favorecimento pessoal” – atual artigo 348 do Código Penal-, apesar de
ser punido como receptação real. 27

Além de ter adquirido tal característica, ocorreu à proeminência da mo-


dalidade “receptação culposa”28, diferentemente do código italiano do período,
que não a considerava como uma modalidade de receptação, mas sim como
uma contravenção penal. 29

No que tange à pena do caput, ocorreu uma modificação, a partir da


Lei nº 2.505, de 11-6-1955, passando a ser de reclusão de um a quatro anos e
multa de quinhentos cruzeiros a dez mil cruzeiros. Tal modificação se fez neces-

23 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 27. ed.v.2 São Paulo: Saraiva, 2005.p.491-492
24 Art. 180. Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime,
ou influir para que terceiro de boa fé a adquira, receba ou oculte
25 PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro. 7ed.v.2 São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.
638.
26 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Revista Forense,1967,p.302
27 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal- parte especial. São Paulo: Editora José Bushatsky,1958,p.
323-324
28 Receptação culposa: § 1º Adquirir ou receber coisa que por sua natureza ou pela desproporção entre o valor
e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena – detenção,
de um mês a um ano, ou multa, de tresentos mil réis a dez contos de réis, ou ambas as penas. 
29 HUNGRIA,Nelson. Comentários ao código penal. p. 303.

639
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

sária, pois a pena antes imposta era caracterizada, por muitos, como excessiva.
O mínimo da condenação era superior ao do furto simples, da apropriação
indébita, do estelionato e da mesma proporção do furto qualificado. Segundo
Nelson Hungria30, tal situação seria incompatível com o caráter autônomo que
o delito de receptação agora possui. Dessa forma, não poderia apresentar uma
punição superior ao crime precedente, tratava-se de um contexto divergente de
toda a tradição histórica brasileira.

Contudo, a redação do artigo 180 do atual Código Penal sofreu altera-


ção com a Lei 9.426 de 24 de dezembro de 1996. Dentre as modificações mais
relevantes, destaca-se a introdução dos verbos “transportar e conduzir” no caput
do art. 180, e a modificação da pena, que passou a ser reclusão, de um a qua-
tro anos, e multa. Além disso, tal lei foi responsável pela criação da receptação
qualificada a partir do objeto material31 e a receptação qualificada no que tange
à atividade comercial e industrial32.

Conclusão

O presente trabalho buscou demonstrar a evolução histórica do crime de


receptação, desde sua origem, com enfoque na legislação penal brasileira, sendo
primeiramente considerada uma conduta atípica, isto é, o Direito Penal brasileiro
sequer entendia o conceito do delito de receptação para além do furto, até os
dias de hoje, dada sua autonomia.

Crescente é a preocupação com o crime de receptação, refletindo na


motivação para a realização do presente trabalho, dado o papel que referido
delito representa no incentivo à criminalidade, destacando o verdadeiro desco-
nhecimento da sociedade acerca da figura típica da receptação.

Portanto, é necessário um aprofundamento nos estudos do crime de


receptação, como forma de adequar a resposta punitiva do Estado, aspirando
sempre a isonomia e a justiça.

A intenção foi demonstrar a evolução histórica do delito, para que a


partir de então, fosse possível evidenciar os diferentes entendimentos acerca do
tema, uma vez que a receptação, ao contrário do que se imagina, está intima-
mente ligada ao nosso dia a dia, na medida em que fomenta a criminalidade
e a violência, consistindo, talvez, nos maiores obstáculos da evolução humana.

30 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed.Rio de Janeiro: Revista Forense,1967.p. 314-316
31 § 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária
de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro
32 § 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender,
expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial
ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime.

640
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Referências bibliográficas
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641
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A EVOLUÇÃO DOS MECANISMOS DE COMBATE À


COMPRA DE VOTOS NO BRASIL:
UMA ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA

FLÁVIA CARÓSIO GOES


Graduanda em Direito
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
E-mail: flaviacarosiogoes@gmail.com

VICTOR RODRIGUES NASCIMENTO VIEIRA


Graduando em Direito
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
E-mail: victorvieira.dir@gmail.com

Eixo Temático: História da Cultura Jurídica Brasileira (crime, processo e


penas)

Palavras-chave: História do Direito; Crime eleitoral; Compra de votos.

Introdução

O período eleitoral é marcado por grande entusiasmo e polêmica, seja


pela possibilidade de mudança econômica e política; seja pelos escândalos en-
volvendo os candidatos que concorrem no pleito. Nesse cenário, a compra de
votos é assunto de destaque visto que, práticas como esta são relevantes para
uma determinada parcela do eleitorado na definição do seu candidato e podem
influenciar diretamente no resultado das eleições.

Neste sentido, cabe salientar que no contexto de criação do primeiro


Diploma Eleitoral brasileiro, o Código de 1932, a prática de manipulação das
eleições era muito comum. A elite possuía um grande poder de influenciar as
massas de eleitores, visto que, naquela época, havia uma relação de dependência
socioeconômica de parte do eleitorado em relação aos latifundiários, predomi-
nando o voto de cabresto, pelo qual a massa dos eleitores votava de acordo
com as determinações da elite por temor a represálias. Com o passar do tempo
e com a alteração na estrutura socioeconômica do país, a configuração das re-
lações sociais também mudou e, consequentemente, os modos de manipulação

643
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

das eleições também se modificaram, surgindo a figura da compra de votos que


conhecemos hoje.

Neste sentido, com o propósito de garantir a lisura do período eleitoral,


coibir e punir os delitos eleitorais foram adotados, historicamente, vários mecanis-
mos legislativos e procedimentais. Assim, em 1965 foi criado o segundo Diploma
Eleitoral, em 1990 surgia a Lei de Inelegibilidade, em 1999 era aprovada a Lei Contra
a Compra de Votos e em 2010 foi sancionada a Lei da Ficha Limpa. Ademais,
outras providências para assegurar a idoneidade do pleito foram adotadas, como
a criação da urna eletrônica e a identificação biométrica dos eleitores.

Frente a isto, o objeto de estudo deste trabalho são os mecanismos


legislativos e procedimentais de combate à prática da compra de votos. Neste
sentido, o problema desta pesquisa se traduz em constatar se o Direito Eleitoral
brasileiro conta com uma legislação eleitoral eficaz frente à compra de votos.

Nesta ordem de ideias o objetivo deste estudo é identificar quais os


dispositivos legais contribuíram de forma significativa para o combate à compra
de votos e, consequentemente, para o fortalecimento da ação da Justiça Eleitoral.

Assim, a presente pesquisa se justifica ao passo que busca mostrar a


importância da codificação das leis eleitorais e da adoção de procedimentos
de escolha dos candidatos para assegurar a lisura do processo eleitoral. Afinal,
somente com uma disputa limpa é que teremos uma concorrência paritária e
um resultado verdadeiramente democrático.

Metodologia

Para isto, a metodologia de pesquisa deste estudo abrange uma análise


legislativa, doutrinária, jurisprudencial e histórica, visando compreender os mecanis-
mos que foram criados para combater a compra de votos tanto no seu aspecto
criminal, quanto na sua feição eleitoral. Para a pesquisa legislativa, foram utilizados,
sobretudo, os Códigos Eleitorais de 1932 e de 1965, a Lei Complementar nº 64
de 1990 (Lei de Inelegibilidade), a Lei Ordinária nº 9.840 de 1.999 (Lei Contra a
Compra de Votos) e a Lei Complementar 135 de 2010 (Lei da Ficha Limpa); em
relação à pesquisa doutrinária foram utilizadas obras de juristas, como João C. da
Rocha Cabral, Galdino Siqueira, Oscar de Macedo Soares e Armando Antônio
Sobreiro Neto; para pesquisa histórica foram consultados livros de História do Brasil,
em especial do historiador Boris Fausto; já a pesquisa jurisprudencial ocorreu nos
variados Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral.

644
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Resultados parcias

Pelo fato de se tratar de uma pesquisa em andamento, apresentaremos


os resultados parciais, que serão complementados até o fim do estudo.

Assim, temos que a compra de votos é denominação popular que abrange


tanto a corrupção eleitoral, como também a captação ilícita de sufrágio. O crime
de corrupção eleitoral está disposto no art. 299 do atual Código Eleitoral e prevê
reclusão de até quatro anos e pagamento de multa. A captação ilícita de sufrágio,
por sua vez, é um ilícito eleitoral, que foi introduzido na Lei das Eleições, em seu
art. 41-A, por meio da Lei 9.840 e prevê a cassação do registro ou do diploma
eleitoral e o pagamento de multas.

Neste sentido, apresentamos o quadro abaixo que é fruto da pesquisa


legislativa que buscou no ordenamento jurídico brasileiro, os institutos legais que,
direta ou indiretamente, contribuíram para o combate à compra de votos no Brasil:
Figura 1 – Quadro dos mecanismos de combate à compra de votos

MECANISMOS DE COMBATE À COMPRA DE VOTOS


LEI QUE CÓDIGO CÓDIGO
LEI DE INELEGIBILI-
DISCI- ELEITORAL ELEITORAL LEI DAS ELEIÇÕES
DADE
PLINA DE 1932 DE 1965
Corrupção Corrupção Captação ilícita de Caso de Inelegibili-
Nome
eleitoral eleitoral sufrágio dade
Art. 1º São inelegí-
Art. 299. veis:
Dar, ofere- I – para qualquer
Oferecer, Art. 41-A. Ressalva-
cer, prome- cargo:
prometer, do o disposto no art.
ter, solicitar j) os que forem con-
solicitar, 26 e seus incisos,
ou receber, denados, em decisão
exigir ou constitui captação de
para si ou transitada em julgado
receber sufrágio, vedada por
para outrem, ou proferida por órgão
dinheiro , esta Lei, o candidato
dinheiro, colegiado da Justiça
dádiva ou doar, oferecer, pro-
dádiva, ou Eleitoral, por corrup-
Previsão qualquer meter, ou entregar,
qualquer ção eleitoral, por
legisla- vantagem ao eleitor, com o fim
outra van- captação ilícita de
tiva para obter de obter-lhe o voto,
tagem, para sufrágio, por doação,
ou dar voto, bem ou vantagem
obter ou dar captação ou gastos
ou para pessoal de qualquer
voto e para ilícitos de recursos
conseguir natureza, inclusive
conseguir de campanha ou por
abstenção, emprego ou função
ou prometer conduta vedada aos
ou para pública, desde o re-
abstenção, agentes públicos em
abster-se gistro da candidatura
ainda que a campanhas eleitorais
de voto: até o dia da eleição,
oferta não que impliquem cassa-
seja aceita: ção do registro ou do
diploma,

645
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

Inclusive, sob pena


de multa de mil a
cinquenta mil Ufir, e
Pena –
cassação do registro
Pena - seis reclusão até
ou do diploma, obser-
mêses a quatro anos pelo prazo de 8 (oito)
vado o procedimento
Pena dois anos e pagamento anos a contar da
previsto no art. 22 da
de prisão de cinco a eleição;
Lei Complementar no
celular. quinze dias-
64, de 18 de maio de
multa.
1990. (Incluído
pela Lei nº 9.840, de
1999)
Quem
Candidato e Candidato e
pode ser Candidato Candidato
eleitor eleitor
punido?
Crime Crime elei-
Natureza Ilícito eleitoral Sanção Eleitoral
eleitoral toral
Fonte: os autores.

Conclusão

Por todo o exposto, constatamos que os mecanismos que foram criados


ao longo do tempo, trouxeram inúmeros avanços para o Direito Eleitoral brasi-
leiro e contribuíam de forma significativa para o fortalecimento da democracia.
Entretanto, a despeito do avanço dos mecanismos de combate, a prática da
compra de votos encontra-se enraizada na cultura brasileira, se dando de forma
diversificada e se sofisticando com o passar do tempo.

Ademais, como se observa na leitura dos artigos que tratam da compra de


votos no Código Eleitoral de 1965, na Lei das Eleições e na Lei de Inelegibilidade
a legislação eleitoral é dura no tratamento tanto da corrupção eleitoral como da
captação ilícita de sufrágio. Entretanto, da leitura dos julgados, concluímos que
estes dois institutos jurídicos são de difícil caracterização prática e, por isso, de
difícil punição.

Por fim, acreditamos que não é somente com a criação de leis e de apa-
ratos técnicos para a realização das eleições que conseguiremos coibir a compra
de votos. É necessária uma mudança de postura e de mentalidade da população,
campanhas de conscientização e maior fiscalização, pelos órgãos públicos, da
conduta dos candidatos e eleitores durante o pleito eleitoral.

Referências bibliográficas
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www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

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CABRAL, João C. da Rocha. Código Eleitoral da República dos Estados Unidos do
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SOBREIRO NETO, Armando Antonio. Direito Eleitoral: Teoria e prática. 4. ed.
Curitiba: Juruá, 2008.

647
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NA HISTÓRIA


E NO PROCESSO PENAL:
CRÍTICA A INTERPRETAÇÃO ATUAL

PATRICIA ROCHA CASTILHO BINSKI


Acadêmica do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná.
IFPR – Campus Palmas.

NILMA JAQUELINE CORREIA


cadêmica do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná.
IFPR – Campus Palmas.

NAIANA CAROLINE TAQUES


cadêmica do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná.
IFPR – Campus Palmas.
E-mail: patyrcastilho@gmail.com

Eixo Temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (Crime,


Processo e Penas).

Palavras chave: Presunção de inocencia; Desenvolvimento histórico; Apli-


cação do principio.

Introdução

O objetivo deste artigo e fazer uma análise histórica do princípio da


presunção de inocência, seus primeiros apontamentos em documentos históricos
e tratados internacionais, sua adoção pela Constituição brasileira e seu momento
atual moldado por decisões e julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário.

Metodologia

Utilizamos a pesquisa qualitativa, sendo que foi realizada a pesquisa:


bibliográfica, através de livros e artigos científicos; a documental com base em
documentos históricos e a legislação nacional e internacional; e a jurisprudencial
para analisar as decisões e os seus fundamentos, principalmente do STF envol-
vendo o principio da presunção de inocência. Pretende-se por meio de um viés
histórico e comparativo compreender o surgimento e a aplicação desse principio

649
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

no processo penal relacionando-o com a ruptura atual, realizando assim um


pesquisa exploratória e descritiva.

Resultados

O princípio da presunção de inocência passou por um processo de cons-


trução e transformação durante longo período da história, sendo recepcionada
pela Carta Magna como um dos princípios fundamentais do Estado Democrático
de Direito.

Em um Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e as garantias


individuais são pilares de um ordenamento jurídico, sendo que a presunção de
inocência faz parte dessas garantias, inclusive no processo penal brasileiro.

Embora haja resquícios da presunção de inocência no direito romano,


nessa época sua forma era destorcida ocorrendo na verdade a presunção de
culpa. A proteção da presunção de inocência como conhecemos atualmente,
veio sendo moldada com as declarações de direitos norte-americanas, (estando
disposta na Declaração de Direitos da Virginia -1776), posteriormente na Decla-
ração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789),fruto da revolução francesa
que foi endossada de ideais iluministas. Vindo ser universalizado pela Declaração
dos Direitos Humanos criada pela Organização das Nações unidas e assinada em
1948. Sendo recepcionado pela Constituição Federal brasileira em 1988 como
princípio fundamental.

Apesar de remontar ao direito romano, o princípio da presunção de


inocência até prova em contrário foi ofuscado, se não completamente invertido,
pelas práticas inquisitórias desenvolvidas na Baixa Idade Média. Basta recordar que
no processo penal medieval a insuficiência da prova, conquanto deixasse subsistir
uma suspeita ou uma dúvida de culpabilidade, equivalia a uma semiprova, que
comportava um juízo de semiculpabilidade e uma semicondenação a uma pena
mais leve.Só no início da idade moderna aquele princípio é reafirmado com fir-
meza: “eu não entendo”, escreveu Hobbes, “como se pode falar de delito sem que
tenha sido pronunciada uma sentença, nem como seja possível infligir uma pena
sempre sem uma sentença prévia”. E se Pufendorf incluiu na definição mesma de
“poena” o fato de ser irrogada “post cognitionem delicti”, Beccaria afirmou que
“um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, nem a
sociedade pode tolher-lhe a proteção pública senão quando seja decidido que ele
violou os pactos com os quais ela foi instituída”.Tanto o princípio de submissão
à jurisdição como a presunção de inocência do imputado foram adotados no
art. 8 da Constituição da Virgínia e nos arts. 7 e 9 da Declaração dos Direitos
do Homem de 1789.(FERRAJOLI,2002,p.441-442)

650
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

Depois da guerra da independência os americanos através de suas decla-


rações de direitos fundaram o primeiro Estado calcado nos direitos fundamentais,
assumindo posição dianteira no que se refere aos direitos humanos. Segundo
COMPARATO (2010) a Declaração de Independência Americana constitui o
nascimento dos direitos humanos na história.

A revolução francesa teve como pano de fundo as ideias iluministas,


a valorização do homem como possuidor de direitos e obrigações, a situação
social e econômica péssima da França oriundas de gastos excessivos por parte
da nobreza e má administração de recursos pelo rei, o povo passava grandes
necessidades e se via desamparado pela monarquia. Em 20 de agosto de 1789
o povo se organizou em Assembleia Geral Constituinte e aprovou a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão. Foi nesse mesmo período que a França
aboliu o sistema inquisitivo puro, fazendo uma reforma no âmbito penal.

A declaração dos Direitos norte-americana e a Declaração dos Direitos


do Homem e do Cidadão representaram importante papel para a emancipação
do indivíduo perante o Estado. A revolução americana embora importante para
emancipação dos indivíduos de forma universal, almejava a emancipação de seus
cidadãos, daqueles pertencentes as treze colônias, sua busca era pela libertação
do poder exercido pela Inglaterra, já a revolução francesa buscava que seus ideais
inspirassem outros países, havia o desejo de reescrever a história com o indivíduo
no centro da sociedade, possuidor de direitos e deveres.

A chamada Revolução Americana foi essencialmente, no mesmo espírito


da Glorious Revolution inglesa, uma restauração das antigas franquias e dos
tradicionais direitos de cidadania, diante dos abusos e usurpações do poder mo-
nárquico. Na Revolução Francesa, em ao contrário, todo o ímpeto do movimento
político tendeu ao futuro e representou uma tentativa de mudança radical das
condições de vida da sociedade. O que se quis foi apagar completamente o
passado e recomeçar a História do marco zero- reinício muito bem simbolizado
pela mudança de calendário. (COMPARATO, 2010, p.62)

Em 26 de junho de 1945 os líderes políticos vencedores da segunda guerra


mundial se reuniram e criaram a ONU (Organização das Nações Unidas), em 10
de dezembro de 1948 assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Com o surgimento de tal declaração surgiu também a ideia do ser humano
portador de direitos no âmbito internacional.

No Brasil após anos de ditadura, a Carta Constituinte veio no sentido


de romper com o passado e valorizar os direitos fundamentais, a democracia
e a dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais previstos em nossa
constituição são inspirados em tratados internacionais.

651
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

O princípio da presunção de inocência previsto em ambas as declarações


e na constituição brasileira, que dispõe que ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de decisão definitiva, durante a história sofreu inúme-
ras afrontas, nos dias atuais vem se discutindo sua aplicação no direito brasileiro
principalmente no âmbito penal.

Como princípio fundamental previsto na constituição e princípio norteador


do processo penal, a presunção de inocência é também um dever de tratamento,
o acusado deve ser tratado como inocente até prova em contrário, sendo que
a prova é de responsabilidade da acusação, pois ninguém tem obrigação de
provar sua inocência.

O presente princípio está sendo aplicado de forma mitigada pelo Supremo.


Em decisões do STF como nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 43 e nº
44. Além da decisão do HC 126.292 no último ano, que eliminou a presunção da
inocência ao permitir o cumprimento da pena antes do transito em julgado da
sentença penal condenatória, especificadamente na 2ª instância de jurisdição. Pondo
em questionamento a sua função de guardião da Constituição, desrespeitando-a.

O resultado desta mitigação influi na tese de que o acusado é culpado antes


do transito em julgado, nota-se que há uma crise hermenêutica e de interpretação
com o retrocesso do processo penal e uma presunção de culpabilidade digna
do período medieval, influi também numa confusão no entendimento de outros
tribunais ao aplica-lo, bem como, no encarceramento em massa nos presídios do
nosso país, contribuindo ainda mais para o problema carcerário que enfrentamos.

Conclusão

No presente resumo foi realizada uma síntese sobre o surgimento, evo-


lução histórica da presunção de inocência bem como a sua importância para
o estado democrático de direito e como os juristas ao longo do tempo estão
a interpretando, ressalta-se que o trabalho tem a pretensão de ser expandido
e melhor detalhado. Todavia, a afronta ao principio constitucional que poe em
risco a própria democracia e a garantia de direitos, haja vista, que a própria
história se encarrega de explicitar sua importância e o quanto é desastroso seu
não cumprimento.

Referências bibliográficas
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Nestor Eduardo Araruna. (Coord.). Processo Penal e Constituição. Florianópolis.
CONPEDI, 2015.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

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COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. In:___.
A independência americana e a revolução francesa. 7ª ed. Saraiva. São Paulo. 2010.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3ª ed. Revista dos
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653
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

A SEGREGAÇÃO DOS DOENTES MENTAIS


INFRATORES NA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA

PEDRO HENRIQUE NUNES GENTIL


Bacharelando do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Email: pedrovieira_nunes@live.com

Eixo temático: História da Cultura Jurídica Criminal Brasileira (crime,


processo e penas)

Palavras-chave: Manicômios Judiciários; Medida de Segurança; Inimpu-


tabilidade.

Introdução

O presente estudo visa analisar os Manicômios Judiciários – locais que


abrigam os sujeitos classificados enquanto loucos infratores – destacando as
discussões sobre a Medida de Segurança e a segregação imposta aos pacientes
manicômio-judiciários e como os Códigos criminais brasileiros trataram esses
sujeitos ao longo da história criminal brasileira.

Será feita uma análise do mecanismo judiciário manicomial, sua estrutura-


ção, legislação pertinente a esse dispositivo judicial e como ele tem se apresentado
prejudicial aos indivíduos diagnosticados com transtornos mentais que cometem
delitos. A análise será realizada de modo a atentar-se a desde quando a inim-
putabilidade dos loucos passou a vigorar na legislação, no Código Criminal de
1830 até os dias atuais, passando pelo Código Penal de 1890, pelo Código Penal
de 1940, pela Reforma da Parte Geral em 1984 (Lei n°. 7.209/1984) e também
pela Lei da Reforma Psiquiátrica de 2001 (Lei n°. 10.216/2001) e como o meca-
nismo se adaptou aos códigos, mas ao mesmo tempo perpetuou o modelo de
segregação e estigmatização.

Pretende também explorar as estruturas dos Manicômios Judiciários e


de que forma elas configuraram-se – e permanecem configurando-se – como
violações dos direitos, já que os indivíduos têm os laços com a família e com a

655
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

sociedade cortados, além do sofrimento aumentado com a falta de estrutura e a


constante solidão, e também como um mecanismo criado para isolar os loucos
do restante da sociedade e protegê-la, baseando-se no medo social e nos estigmas
históricos que pairam sobre os doentes mentais.

Metodologia

O estudo em questão foi realizado seguindo um caminho metodológico


bibliográfico-documental, baseando-se em estudos e documentos já publicados e
que abortam o tratamento oferecido aos loucos infratores do de maneira direta,
ou em alguns casos indiretamente.

Esta análise se fundamenta em uma revisão bibliográfica através de artigos,


livros, e outros escritos encontrados ao longo da pesquisa. Buscou-se estudar e
analisar legislações pertinentes, como as citadas anteriormente.

A busca também foi realizada em sites de institutos de pesquisa e levan-


tamentos, particulares e governamentais, a fim de conseguir dados estatísticos.
Utilizou-se para o levantamento bibliográfico bases de dados como Google Aca-
dêmico, o Portal de Periódicos da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do
Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (MEC), o portal de Periódicos
Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC), o Catálogo Online do Sistema de Automação
de Bibliotecas (SABi) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o
Portal do Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (SIBiUSP).

Resultados

O estudo em questão, a partir da discussão histórica sobre os manicômios


e os loucos infratores, se dividiu em dois eixos: o primeiro discute a evolução
das medidas de segurança na legislação brasileira; e o segundo – consequência
do primeiro – a perpetuação do modelo manicomial baseado na periculosidade
do agente portador de sofrimento mental.

Na análise dos Códigos penais que vigoraram no Brasil, o Código criminal


de 1830, muito influenciado pelos pensamentos da Escola Clássica, introduziu em
seu texto uma expressa referência aos loucos. Segundo PRADO (2010), “ agasa-
lhou a fórmula psiquiátrica o código criminal do império ( 1830 ) , nos termos
seguintes ‘Art. 10. Também não serão julgados criminosos: §2º. Os loucos de
todo gênero, salvo se tiverem lucidos intervallos e nelles commetterem o crime’.”
Logo em seguida, no mesmo código o legislador anotou que “ Art. 12.  Os loucos
que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles destinadas,
ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente.” ( BRAZIL,
1830). É interessante notar que aqui a ideia de hospícios já é implantada como

656
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO DIREITO
Rupturas, Crises e Direito

uma porta de saída para o direito penal. Sontag ([2013?], p. 2) levanta o seguin-
te questinamento: “O artigo 12 do código criminal de 1830 seria uma versão
rudimentar das futuras medidas de segurança, que ganhariam, inclusive, capítulo
específico no interior do código penal de 1940?”.

O código penal Republicano de 1890 incorporou uma lógica Positivista


naturalista, com o mecanismo duplo-binário e mudou as preocupações e o objeto
da ciência penal, que passou a ser a própria personalidade do réu, especialmente
no que diz respeito à periculosidade. O duplo-binário aplicava a pena ao agente
e ao final era internado em uma casa de custódia e tratamento.

O código de 1940 modificou o posto no código anterior discriminando a


maneira de tratar os semi-imputáveis e os inimputáveis, aplicando aos primeiros
a pena cumulativamente com a medida de segurança – e aqui se institui de
fato essa denominação – e aos últimos, inteiramente incapazes de entender o
caráter delituoso, apenas as medidadas de segurança. Neste momento, o con-
ceito de poriculosidade ganha contornos médicos necessários, não podendo ser
presumida e os manicômios judiciários fixam-se na legislação como destino dos
doentes mentais infratores.

A Reforma de 1984, que mudou o código de 1940, mas em relação à


medida de segurança só operou a separação completa dela com a pena. Sendo
assim, segundo Jesus ( 2011 ) “A reforma penal de 1984, no art. 98, adotou o
sistema vicariante (ou unitário): ou é aplicada somente pena ou somente medida
de segurança”.

Nessa evolução histórica percebe-se que pouco mudou em relação ao


destino dos loucos infratores. Desde o império o medo do louco infrator faz o
direito penal tomar medidas que isolam esses indivíduos. O Manicômio, claramen-
te, foi criado para isolar aqueles considerados loucos do restante da sociedade,
e pode assim ser considerada uma resposta social à loucura. A visão sobre o
doente mental sempre foi cercada de estigmas sociais, porém, a grande margina-
lização teve início durante a chamada Era Clássica (FOUCAULT, 1987). No Brasil,
a positivação nos códigos penais brasileiros, foi se modificando e se adaptando
as diferentes momentos históricos e sociais, porém a realidade objetiva continou
perpetuando um modelo de exclusão e invisibilidade do louco. Essas modificação
funcionaram bem como mecanismos de legitimação desse sistema.

Fato que representa bem as tentativas da legislação de buscar adap-


tações que possibilitem legitimar esse formato excludente foi substituição no
ordenamento jurídico da denominação Manicômio Judiciário por Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico após a Reforma Penal de 1984. Entretanto, a
configuração do modelo hegemônico e suas principais características, como, por

657
CARDENO DE RESUMOS – Iniciação científica

exemplo, ser vinculado à administração do sistema prisonal e não às Secretarias de


Saúde, permaneceram. Desta forma, é justificável e simbólico que nesse trabalho
tratemos às denominações como sinônimos.

Conclusão

A partir do exposto, surgem muitas dúvidas e possibilidades, porém po-


demos concluir que as legislações penais, em toda sua evolução histórica pouco
se modificou em relação ao tratamento dado aos portadores de sofrimento
mental e que cometeram algum delito. Percebe-se, a partir disso, que há uma
violação de direitos desses indivíduos e que é urgente que o Estado pense novas
possibilidades, já que os doentes mentais nessa situação passam por internações
degradantes e desumanas, mesmo com a Reforma Psiquiátrica, instituída pela Lei
n°. 10.216/2001, que deu pouca atenção aos manicômios judiciários.

Correia (2009, p. 12) afirma que “O manicômio criminal nasce da fusão das
duas clássicas instituições totais que a sociedade moderna criou para castigar as
formas mais graves de não adaptação às regras sociais: a prisão e o manicômio.”
Nessa linha, é inadimissível que tal área seja tão negligenciada pelo Estado e pelo
próprio estudo do Direito Penal.

Referências bibliográficas
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CORREIA, Ludmila Cerqueira. Avanços e Impasses na garantia dos direitos huma-
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<http://www.altrodiritto.unifi.it/ricerche/latina/cerqueir/>. Acesso em: 26 jun. 2017.

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Realização:

INSTITUTO HISTÓRICO
E
GEOGRÁFICO BRASILEIRO

Apoio:

Universidade Federal Fluminense


UFRJ

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