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Índice

I O Homem de dois mundos - O Mundo Judeu 07


II O Homem de dois mundos - O Mundo Grego 13
III Pensamentos de Paulo sobre Deus 19
IV A Iniciativa Divina 24
V O Chamado de Deus 27
VI Pensamentos de Paulo sobre O Senhor Jesus Cristo 30
VII A Encarnação 33
VIII A Obra do Senhor Jesus Cristo 39
IX A Morte do Senhor Jesus Cristo 52
X A Ressurreição do Senhor Jesus Cristo 58
XI Em Cristo 64
XII Concepção de Fé de Paulo 70
XIII A Graça Essencial 80
XIV Pensamentos de Paulo sobre o Espírito Santo 89
XV Pensamentos de Paulo sobre o pecado 95
XVI Concepção de Paulo sobre a carne 101
XVII A Segunda Vinda no pensamento de Paulo 107
XVIII A mente de Paulo a respeito da Igreja 119

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Prefacio
Estes capítulos originalmente apareceram como uma série de artigos semanais
nas páginas do The British Weekly. Tenho que agradecer o editor anterior do jornal,
Rev. Shaun Herron, por ter me dado a oportunidade de escrever eles em primeiro lugar,
e ao presente editor, Rev. Denis Duncan, por me dar a permissão para republicá-los na
forma de livro. Adicionei dois capítulos à série original, um sobre pecado e outro sobre
a Igreja nos pensamentos de Paulo.
Estes capítulos de modo algum reivindicam ser uma Teologia exaustiva e
completa sobre Paulo. Eu simplesmente fui direto as cartas Paulinas para descobrir o
que Paulo disse e pensava sobre certos assuntos importantes. O seu objetivo será
cumprido, se eles levarem as pessoas à leitura das próprias cartas de Paulo.

WILLIAN BARCLAY

Trinity College,
Glasgow,
February, 1958

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I

O HOMEM DE DOIS MUNDOS


O MUNDO JUDEU

O Cristianismo começou com um tremendo problema. Claramente a mensagem do


Cristianismo era para todos os homens. Isto porque Deus amou o mundo de tal maneira
que enviou seu Filho (João 3:16). O Senhor Jesus tinha certeza que, quando ele fosse
levantado, ele atrairia todos os homens até ele (João 12:32). A Igreja considerava como
sua comissão que ela deveria ir e ensinar todas as nações (Mateus 28:19). Estava claro
que o Cristianismo tinha uma mensagem para o mundo inteiro, e a não ser que a
mensagem fosse entregue, a Igreja poderia falhar em sue dever dado por Deus.
Mas o fato que permaneceu foi que o Cristianismo estava enraizado no
Judaísmo; e, humanamente falando, nenhuma mensagem que foi pensada para o mundo
inteiro poderia ter tido uma origem tão infeliz. Os Judeus estavam envolvidos em um
ódio duplo - o mundo odiava eles e eles odiavam o mundo.
Nenhuma nação nunca foi mais amargamente odiada que os Judeus . Cícero
chamou a religião Judaica de "uma superstição barbara" (Cícero, pro flacco 28); Tacitus
chamou a nação Judaica "as pessoas mais desprezíveis" (Tacitus, Histories 5:8).
Antissemitismo não é nada novo; ele floresceu no mundo antigo.
Nenhuma nação nunca odiou outras nações como os Judeus odiavam. É verdade
que alguns poucos Judeus defendiam que os Judeus foram feitos para ser luz aos
Gentios para guiar eles até Deus; mas para a maior parte os Judeus estavam certos do
fato que eles eram a nação escolhida envolvidos no que para eles era o fato igual e
oposto que todas as outras nações eram nações rejeitadas. Em seu pior eles podia dizer:
"Os Gentios foram criados por Deus para serem combustível para o fogo do inferno." O
melhor da serpente é extermínio; o melhor dos Gentios é morte." Era até mesmo
proibido ajudar uma mãe Gentia em sua hora de mais horrível necessidade, porque fazê-
lo poderia, no máximo, trazer apenas outro Gentio ao mundo.
Os Gentios tinham total consciência deste ódio. Tacitus acreditava que se um
Gentio se tornasse um prosélito do Judaísmo, a primeira coisa a ser ensinada era a
desprezar outros deuses, repudiar sua nacionalidade, e a manter desprezados seus pais,
filhos e amigos (Tacitus, Histories 5:5). Juvenal declarou que se alguém perguntasse a
um Judeu o caminho para qualquer lugar, ele poderia negar informação a qualquer um
com exceção a um individuo Judeu, e se alguém estivesse procurando um poço, ele
poderia recusar informar onde o mesmo estava, a não ser que quem perguntasse fosse
circuncidado (Juvenal, Satires 14: 103, 104).

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Em Alexandria havia uma história que os Judeus fizeram um pacto de nunca
mostrar bondade a qualquer Gentio, e ainda era dito que as cerimônias religiosas
Judaicas começavam com o sacrifício anual de um Gentio. (Josephus, Against Apion 2,
8, 10). Os amigos de Antiochus Sidete encorajaram ele a exterminar os Judeus porque
"isolados de todas as outras nações, eles recusam toda sociedade e relacionamento com
outras nações e creem que todos os homens são seus inimigos" (Diodorus Siculus 31: 1,
1). Josephus cita a acusação de um certo Lysimacus que Moisés ordenou os Judeus a
mostrarem boa vontade a nenhum homem, a nunca dar bom mas sim sempre mal
conselhos aos outros, e a derrubar e destruir qualquer altar e templo de deuses que eles
encontrarem. O próprio Apion afirmou que os Judeus juraram pelo Deus dos Céus e da
terra e mar a nunca mostrar boa vontade a outros homens de outras nações, e
principalmente aos Gregos (Josephus, Against Apion 1: 34; 2: 10).
O problema encarado pelo Cristianismo era sério. Tinha uma mensagem para
todos os homens; e aos olhos do mundo era uma coisa Judia, e os Judeus eram os mais
amargamente odiados e cheios de ódio do mundo antigo.
Claramente uma coisa era necessária - um homem que de alguma forma criasse
uma ponte entre os mundos Grego e Judaico. Obviamente tal homem seria difícil de
encontrar; tal homem teria que ser único; e mesmo assim, na providencia Divina, o
momento produziu o homem - e este homem era Paulo.
Em sua vida de Scott, Lockhart cita um dizer de um velho do campo sobre o
modo como as linhas da vida caíram sobre Paulo, e em seu livro Life and Letters of
Paul, David Smith pega o dizer como todo o texto para a vida de Paulo: "Ele estava
criando ele mesmo naquele tempo; mas ele talvez não soubesse o que ele era até os anos
se passarem." A vida estava moldando Paulo para ser a ponte entre os Judeus e Gregos,
para ser este canal exclusivo através do qual o Cristianismo saiu para o mundo inteiro.
Antes de tudo, vamos olhar para Paulo, o Judeu. Até o fim de sua vida Paulo era
orgulhosamente, teimosamente, inalteravelmente um Judeu. Quando ele escreve aos
Coríntios em resposta as acusações de seus caluniadores, ele defendeu sua posição de
sua linhagem Judia: "São eles Hebreus? Eu também sou. São eles Israelitas? Eu também
sou. São eles descendentes de Abraão? Eu também sou" (2 Coríntios 11:22). Todas as
três palavras que ele usa tem seu próprio significado. Um Hebreu era um Judeu que
ainda podia falar hebraico em contraste aos Judeus da Dispersão que tinham esquecido
sua linguagem nativa pelo Grego de seus países de adoção. Um Israelita era
especificamente um membro da nação do pacto. Para ser descendente de Abraão era
necessário ter pureza racial absoluta. A afirmação de Paulo era não haver em nenhum
lugar do mundo um Judeu mais puro que ele.
Ele fez a mesma afirmação quando escreveu aos seus amigos em Filipos: "Se
algum outro homem pensa ter razões para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado
ao oitavo dia; da casa de Israel; da tribo de Benjamim, um Hebreu de Hebreus, quanto à
lei, um Fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto a justiça que há na lei,
irrepreensível" (Filipenses 3:4-6). Quando ele escreveu a Igreja em Roma, ele fez o
orgulhoso relato: "Eu também sou um Israelita, da descendência de Abraão, da tribo de
Benjamim" (Romanos 11:1).

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Repetidamente o Judaísmo de Paulo aparece. Quando ele estava escrevendo aos
Gentios, os antigos Israelitas são nossos antepassados (1 Coríntios 10:1). Também
escrevendo a Igreja em Roma, Abraão é nosso pai (Romanos 4:1), como é também
Isaque (Romanos 9:10). Para Paulo, a Igreja é o Israel de Deus (Gálatas 6:16).
Nenhuma passagem em todas as cartas de Paulo pulsa com maior intensidade de
sentimento que a passagem em Romanos onde Paulo gritava que ele mesmo consentiria
em felizmente ser amaldiçoado se ele pudesse trazer a fé seus irmãos da carne
(Romanos 9:3). O discurso de Paulo em Atos pinta o mesmo quadro assim como suas
cartas. A declaração de Paulo ao comandante militar em Jerusalém é: " Eu sou um
homem assim com sou Judeu de Tarso, uma cidade na Cilicia" (Atos 21:39). No
próximo dia, quando ele está sobre análise, a sua declaração de abertura é: Eu sou
verdadeiramente um homem assim como sou um Judeu, nascido em Tarso, uma cidade
na Cilicia, mas educado nesta cidade aos pés de Gamaliel, e ensinado de acordo com os
costumes perfeitos da lei de nossos antepassados" (Atos 22:3). Quando ele está sendo
julgado, sua declaração é: "Eu vivi em toda boa consciência para com Deus até o dia de
hoje... Eu sou um Fariseu, filho de Fariseu" (Atos 23:1, 6).
Paulo não duvidava que Deus colocou tanto de si mesmo em sua criação que
todos os homens tiveram a chance de conhecê-lo e são indesculpáveis se permanecerem
na ignorância (Romanos 1:19, 20); mas até mesmo quando ele provou que a Lei não
pode salvar o homem, e até quando ele insistiu que os Gentios tem a lei dentro de seus
corações, ele ainda gritava: "Que vantagem há então em ser Judeu? ou que vantagem há
na circuncisão?" e então ele responde: "Muita em todos os sentidos, principalmente,
porque a eles foram comprometidos os oráculos de Deus" (Romanos 3:1, 2).
Repetidamente há aspirações através do pensamento de Paulo sobre seu orgulho
e prazer no privilégio em ser um Judeu, uma das pessoas escolhidas de Deus. Paulo era
o apóstolo dos Gentios, mas pode estar totalmente enganado quem pensar que ele foi
alguma vez hostil aos Judeus. Como Deissmann primorosamente aponta: "Paulo não
mostra nada de renegado odiado." Geralmente acontece que quando um homem se torna
um renegado, um dissimulado, um perverso - chame ele do que quiser - ele se torna
cruel contra o que ele deixou. É verdade que Paulo se separou de uma vez por todas do
Judaísmo, mas no fundo ele ainda era um judeu que de bom grado daria a sua vida para
trazer os companheiros judeus a mesma fé que ele mesmo tinha tão gloriosamente
descoberto. Deissmann aponta como este Judaísmo de Paulo aparece repetidamente nas
palavras e ações diárias da vida de Paulo.
Quando Paulo está datando coisas, é sempre nos padrões das datas e festivais
Judaicos que ele sempre pensa. Ele aos Coríntios que ele vai estar em Éfeso até o
Pentecostes (1 Coríntios 16:8). Na narrativa da viagem para Roma, é dito que "navegar
agora era perigoso porque já havia passado o jejum" (Atos 27:9). O jejum em questão
era o Dia de Expiação (Levitico 23:27-29) que caia em setembro, e no mundo antigo era
considerado inseguro navegar entre os meses de setembro e março. O ponto do tempo
de onde Paulo tirava todas as suas datas era o grande festival Judeu e jejuns. O próprio
Paulo não abandonou as leis dos ancestrais e costumes de seu povo; em muitas coisas
ele ainda era um Judeu devoto. O pai de Timóteo era Grego mas sua mãe era Judia,
então descobrimos Paulo pegando e circuncidando Timóteo a fim de que Timóteo

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pudesse estar habilitado a trabalhar entre os Judeus (Atos 16:3). O voto de Nazireu era
um voto em que o devoto Judeu fazia quando desejava expressar gratidão especial a
Deus. Descobrimos o próprio Paulo fazendo este voto; descobrimos que ele tinha
tosquiado a cabeça em Cencréia, devido a um voto que havia feito" (Atos 18:18).
Quando Paulo chegou a Jerusalém, vamos encontrá-lo comprometendo-se a ser
responsável pelas despesas de certos homens que estavam envolvidos na realização do
voto de Nazireu, a fim de deixar claro que ele não era renegado destrutivo da fé judaica
(Atos 21:17-29).
Paulo nunca esqueceu de sua origem Judaica, ele nunca virou as costas à fé de
seus antepassados; para Paulo era normal dizer: "Para os Judeus me tornei um Judeu"
(1 Coríntios 9:20).
Mas não era apenas em suas palavras e ações que o Judaísmo essencial de Paulo
aparecia; era igualmente claro em seus pensamentos. Paulo era um homem de um livro,
e este livro era o Velho Testamento. Mas havia esta diferença - quando Paulo citava o
Velho Testamento geralmente suas citações não eram tiradas direto do Hebraico; elas
eram tiradas da Septuaginta, a tradução Grega do Velho Testamento, a qual Judeus do
mundo inteiro usavam.
Paulo foi criado em uma cidade Grega, toda a riqueza da literatura Grega estava
a sua disposição; contudo, ele cita um escritor pagão por apenas duas vezes. Em Atos
17:28 ele cita a frase: "Também somos sua descendência," de Aratus, um poeta Grego, e
em Tito 1:12, a condenação dos cretenses, "Os Cretenses são sempre mentirosos, bestas
selvagens, glutões preguiçosos," é de um poeta chamado Epimenides. Embora toda a
riqueza da literatura Grega estivesse a sua disposição, o livro de Paulo era o Velho
testamento. Possivelmente não era tudo o que ele sabia, mas com certeza era tudo o que
ele precisava.
Quando Paulo usava o Velho Testamento, ele usava como um Judeu usaria.
Frequentemente ele introduz uma citação do Velho Testamento com a frase: "Está
escrito." Esta era a frase normal do direito Grego para uma Lei ou um acordo ou uma
condição que era inalterável e inviolável. A visão de Paulo que as escrituras eram a voz
de Deus era uma visão Judaica. Quando Paulo usa o Velho Testamento, ele geralmente
alegoriza como um Rabino Judeu faria. Por exemplo, ele pega a lei de Deuteronômio
25:4 que diz que o boi não deve ser amordaçado quando estiver debulhando o milho
como uma alegoria do fato que o apóstolo e pregador Cristão deve receber apoio
material da Igreja Cristã (1 Coríntios 9:9). Em Gálatas 4:22-31 ele trabalha uma longa
alegoria do velho e novo pacto baseado nas histórias de Sarah e Hagar. Em 1 Coríntios
10:4, ele usa a rocha da qual os Israelitas receberam água no deserto como alegoria do
Senhor Jesus Cristo. Quando Paulo usa as escrituras deste modo, ele estava usando de
um modo que qualquer Judeu podia reconhecer, apreciar e entender. Paulo não conhecia
o Velho Testamento apenas como um devoto Judeu devia conhecer, ele também era um
Rabino treinado e ele conhecia o Velho Testamento como um Rabino conhecia. Ele não
conhecia apenas o Velho Testamento; ele também conhecia tradições especiais dos
Rabinos. Ele diz em Gálatas 3:19 que a Lei foi dada através dos anjos (cp. Atos 7:53;
Hebreus 2:2). No próprio Velho Testamento não há menção de anjos no que diz respeito
a Lei; na história antiga, a Lei foi dada direto de Deus para Moisés. Mas, como o passar

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dos anos a distância enorme entre Deus e o homem começou a ser ressaltada. O homem
começou a se fascinar pelo que é chamado transcendência de Deus. Eles começaram a
afirmar que Deus jamais poderia ter tratado diretamente com qualquer homem, nem
mesmo com Moisés, e que ele necessariamente deve ter usado seus anjos como Seus
intermediários; e assim surgiu a tradição Rabínica que a Lei veio para os homens, de
Deus, pela mediação dos anjos. Paulo sabia esta tradição e a usou para os seus
propósitos. Gálatas 3:17 diz que a Lei foi dada 430 anos após Abraão. Isto novamente é
uma adição Rabínica na história do Velho Testamento. Em 1 Coríntios 10:4 Paulo fala
da "rocha que os seguiam." De acordo com as tradições dos Rabinos a rocha da qual as
criança de Israel receberam água na peregrinação pelo deserto, na verdade seguiu eles
até nas peregrinações posteriores. Esta é uma história milagrosa que não faz parte da
narrativa do Velho Testamento. Era uma das tradições Rabínicas e Paulo sabia e usou
isto.
Se alguma vez houve algum Judeu que estava mergulhado no Judaísmo, este
Judeu era Paulo. Vamos olhar novamente, antes de deixar o lado Judeu de Paulo, as
alegações de que ele era um Judeu por excelência. Nós já citamos suas própria lista de
qualificações Judaicas como ele dá em Filipenses 3:4-6. Ele foi circuncidado no oitavo
dia, isto é, ele trazia no corpo a divisa e a marca que ele era um entre o povo escolhido,
marcado pelo próprio Deus. Ele era da raça de Israel, isto é, ele era um membro da
nação que estava em uma relação de aliança com Deus, um relacionamento no qual
nenhum outro povo estava. Ele era da tribo de Benjamim, Esta é uma declaração que
Paulo reitera em Romanos 11:1. Qual a razão desta declaração? A tribo de Benjamim
tem um lugar único na história de Israel. Foi da tribo de Benjamim que o primeiro rei de
Israel saiu, pois Saul era Benjamita (1 Samuel 9:1-2) Quando se deu a trágica divisão do
reino, Benjamim e Judá foram as únicas duas tribos que permaneceram fiéis a Roboão
(1 Reis 12:21). Benjamim foi o único dos Patriarcas que realmente tinha nascido nas
terra da promessa. Quando Israel foi para a batalha, foi a tribo de Benjamim que ocupou
o posto de honra. O grito de guerra de Israel era: "Após tu, oh Benjamim" (Oséias 5:8).
Na linhagem Paulo não era apenas um Israelita, ele era um aristrocata de Israel.
Ele era um Hebreu de Hebreus; isto é, Paulo não era um desses Judeus da Dispersão
que, em terra estrangeira, esqueceu sua própria língua; Ele era um Judeu que ainda
lembrava e sabia o idioma dos antepassados.
Ele era um Fariseu, isto é, ele não era apenas um Judeu devoto; ele era mais - ele
era um entre "Os Separados" aqueles que abriram mão de toda atividade corriqueira
para dedicar sua vida na missão de guardar a Lei, e ele guardou com um cuidado tão
meticuloso que no que diz respeito ao guardar ele era inculpável. Ninguém podia dizer
que Paulo tinha abandonado, porque ele não entendia o que era isso, ou não o fez
completamente. Ninguém podia dizer que Paulo foi expulso do Judaísmo porque ele só
tinha experimentado uma versão truncado ou imperfeita do mesmo. Ninguém poderia
dizer que Paulo opunha-se aos princípios da religião judaica, porque ele não os entendia
ou os conhecia apenas por cima. Paulo conhecia o Judaísmo em seu melhor e mais
elevado; ele o conhecia profundamente, ambos altura e profundidade, e podia ensiná-lo
a qualquer homem. Paulo era o homem que cabia perfeitamente na missão de entender o
Cristianismo com todo o pano de fundo Judaico, e para trazer o Cristianismo aos

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Judeus. Para uma metade do mundo Paulo foi, por sua formação integral e educação, o
missionário ideal.
Mas havia outra metade do mundo, o grande mundo Grego, o qual estava muito
além dos confins da Palestina e das fronteiras do Judaísmo. Para os Judeus era fácil para
Paulo ser como um Judeu, porque ele era um Judeu. Agora ele tinha que continuar e ver
como ele se tornaria também um Grego para os Gregos. Temos que continuar para ver o
outro pano de fundo deste Paulo que foi tão único como um homem de dois mundos.

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II

O HOMEM DE DOIS MUNDOS


O MUNDO GREGO

Nós vimos o Judaísmo essencial de Paulo; e agora nós devemos focar no outro lado do
quadro. Se havia uma coisa da qual Paulo tinha certeza era sobre o privilégio único de
ser o apostolo dos Gentios.
Após a conversão de Paulo na estrada para Damasco, veio a palavra de Deus ao
surpreso Ananias que Paulo iria procurá-lo para ajuda-lo. Não estranhamente Ananias
tendia a considerar o ex arqui-inimigo da Igreja com uma certa suspeita; mas Deus falou
com ele: "Ele é um vaso escolhido por mim, para levar meu nome até os Gentios"
(Atos 9:15). Daquele momento em diante, Paulo nunca perdeu uma oportunidade de
insistir sobre o seu apostolado aos Gentios. Em seu primeiro sermão registrado, em
Antioquia na Pisidia, quando os Judeus recusaram a oferta do evangelho, a afirmação de
Paulo e Barnabé é: O Senhor nos ordenou, dizendo, Eu te coloquei para ser luz aos
Gentios" (Atos 13:47). Quando os Judeus da sinagoga de Coríntios demonstraram
oposição violenta a mensagem do Senhor Jesus Cristo, a resposta de Paulo foi: "A partir
de agora irei para os Gentios" (Atos 18:6). Em sua defesa frente à multidão enfurecida
em Jerusalém, Paulo recorda como Deus falou com ele após o apedrejamento de
Estevão: "Saia: pois Eu te enviarei para longe, aos Gentios" (Atos 22:21). Em seu
discurso frente ao Rei Agripa, Paulo afirma o tinha definitivamente encarregado de
pregar aos Gentios (Atos 26:17, 23).
Repetidamente em suas cartas Paulo revela esta mesma consciência especial de
ser o mensageiro exclusivo do Senhor Jesus Cristo para o mundo Gentio. Ele desejava ir
a Roma para que ele pudesse ter alguns frutos lá, como ele tinha entre outros Gentios
(Romanos 1:13). Na mesma carta ele dá para si mesmo o titulo de apóstolo dos Gentios,
e chama a si mesmo o ministro do Senhor Jesus Cristo para os Gentios (Romanos 11:13;
15:16). Em Gálatas ele diz que o propósito do Senhor Jesus Cristo ter se revelado nele
foi para que ele pudesse pregá-Lo aos Gentios (Gálatas 1:16) E a mesma carta nos dá a
ideia de uma espécie de acordo através do qual Pedro foi para os Judeus e Paulo para os
Gentios (Gálata 2:1-10). Na carta aos Efésios Paulo escreve de si mesmo como o
prisioneiro de Cristo por amor de vocês, Gentios; e fala da graça que foi dada a ele para
pregar aos Gentios (Efésios 3:1-8). Nas Cartas Pastorais Paulo é descrito como um
professor dos Gentios (1 Timóteo 2:7; 2 Timóteo 1:11).
Se alguma vez houve um homem consciente de seu destino, esse homem foi
Paulo, e seu destino foi trazer a mensagem das boas novas do evangelho para o mundo
Gentio.

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Que qualificações especiais Paulo tinha para esta tarefa? Como isso aconteceu,
que este membro da raça Judaica e da aristocracia intelectual poder ser especialmente
adaptado para levar o Cristianismo para os Gentios?
Antes de tudo, Paulo era um cidadão de Tarso, e nesta cidadania ele tinha
orgulho. Quando um comandante militar em Jerusalém estava a ponto de tratá-lo como
um revolucionário comum, Paulo impediu ele com a imperiosa declaração: "Sou
homem assim como sou Judeu de Tarso, ...um cidadão de uma cidade importante"
(Atos 21:39). Quando ele se dirigiu a população hostil, ele começou dando suas
credenciais: "Em verdade sou homem assim como sou Judeu, nascido em Tarso, uma
cidade não insignificante da Cilícia." (Atos 22:3).
Tarso de fato não era uma cidade insignificante, era um cidade tão longe quanto
860 AC, para Shalmaneser da Asíria, listada entre suas conquistas. Bem mais de 500
anos depois Tarso viu Alexandre o Grande banhar-se nas águas geladas do rio Cydnus,
e pegar um resfriado que quase causou a sua morte. Trezentos anos mais tarde, Tarso foi
o espectador deslumbrado de uma das mais famosos façanhas de Cleópatra. Marco
Antonio estava em Tarso se preparando para guerra contra a distante Partia na fronteira
do extremo oriente da Republica Romana. Ele suspeitou que Cleópatra estava tramando
contra ele juntamente com seu inimigo Cassius, e ele convocou ela a se apresentar para
ele. Ela apareceu - em seu próprio tempo e à sua maneira extravagante.
Plutarco conta a história: "Ela recebeu varias cartas de ambos Antonio e seus
amigos convocando ela, mas ela não levou em consideração essas ordens; mas
finalmente, como se estivesse zombando deles, ela veio navegando o rio Cydnus em
uma barca com popa douradas e velas roxas estendidas, remos de prata davam ritmo à
música de flautas e pífaros e harpas. Ela mesma estava deitada sob um toldo de ouro,
vestida como a Vênus em um quadro, e belos rapazes jovens, como cupidos de uma
pintura, ficavam um de cada lado para ventilar ela. Suas criadas estavam vestidas e
enfeitadas como ninfas do mar , algumas direcionavam o leme, algumas trabalhando nas
cordas. o perfume difundiu-se do navio para a costa a qual estava coberta com
multidões... O mercado esvaziou-se e Antonio finalmente foi deixado sozinho
sentado no tribunal, enquanto todos da multidão diziam que Vênus veio a festa com
Baco, para o bem comum da Ásia."
Shalmaneser, Alexandre o Grande, Antonio e Cleópatra - verdadeiramente Tarso
viu o drama da história.
Tarso era um província da Cilícia, e era um dos grandes centros onde o comércio
do Mediterrâneo e da hinterlândia da Ásia Menor se convergiam. Foi particularmente
famosa pela fabricação de feltro de pelos de cabra, do qual pano de pano, cortinas,
cobertores, roupas, cintos e selas eram feitas - e um dos seus maiores filhos era um
fabricante de tendas.
Mas Tarso não era apenas uma grande cidade comercial, era também uma cidade
universitária. Possivelmente a universidade de Tarso não era tão academicamente
distinta como as universidades de algumas cidades mais velhas. Mas em uma coisa
Tarso superou todas as outras, até mesmo Atenas e Alexandria. Era fato muito bem
conhecido que o entusiasmo em aprender em Tarso era maior que em qualquer outra
cidade do mundo. Nunca foi necessário importar estudantes, tinha mais que o suficiente

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nela mesmo. Na verdade, uma das exportações mais famosas de Tarso era estudantes.
Seus jovens homens saiam para preencher as cadeiras de outras universidades.
Em particular, Tarso ficou famosa pelos seus filósofos, e sobretudo pelos
filósofos da escola estoica. Strabo nomeia cinco famosos estoicos que nasceram em
Tarso - Antipater, Archedemus, Nestor, Athenodorus Cordylion (que era amigo e
conselheiro do próprio Augusto) e Athenodorus, o filho de Sandon. Nas cidades
próximas de Soli, Chrysippus e Aratus, nasceram dois entre dos maiores da escola
estoica.
Tarso causava tanto amor, respeito e admiração pelo aprendizado, que houve um
tempo em que Athenodorus e seus companheiros filósofos além de ensinar seus alunos
também governavam a cidade. E no que diz respeito ao governo, Tarso era bem
sucedida; dos duas uma, ou por sorte ou por boa direção sempre escolheu o lado certo
em guerras civis, e por isso foi premiada com a estatua de uma civitas libera, uma
cidade livre, auto governada e independente.
Este era o local no qual Paulo nasceu e foi criado. Era uma cidade tão
cosmopolita que ninguém conseguia andar em suas ruas sem entrar em contato com
alguém dos confins da terra. Era uma cidade com uma história tal que ninguém podia
viver nela sem um sentimento de grandeza. Era uma cidade com um tal desejo de
conhecimento, um tal respeito pela sabedoria, e uma efervescência intelectual do
pensamento tal, que nenhum homem jovem pensador poderia escapar completamente de
se contagiar com o amontoado de ideias que enchia o ar.
Se um homem estava destinado a ser um missionário para o mundo em geral,
não havia lugar melhor em todo o oriente para ele crescer até a maturidade que em
Tarso. Mas Paulo tinha uma qualificação ainda mais valiosa para ser o apóstolo dos
Gentios, ele era um cidadão Romano.
Quando Paulo e Silas são jogados no cárcere em Filipos e são açoitados sem
condenação, a declaração, no doa seguinte, da cidadania Romana de Paulo trouxe dos
magistrados locais um desprezível a aterrorizado pedido de desculpas (Atos 16:37-39).
Em Jerusalém, o comandante militar Romano foi obrigado a prender Paulo para evitar
um revolta. Eles estavam a ponto de amarrar Paulo e interrogá-lo sobre açoites, mas a
declaração da cidadania Romana de Paulo suspendeu todo o processo na hora
(Atos 22:24-30). Quando Paulo estava preso na Cesárea e, quando ele sentiu que não
havia chance de um julgamento justo, ele fez seu recurso a Cesar, e porque ele era
cidadão Romano, ninguém podia negar seu pedido (Atos 25:9-12).
A cidadania Romana era cheia de honra, e dignidade formal. A lei Romana era
clara; um cidadão Romana não podia ser amarrado como também não podia ser
açoitado; um cidadão Romano não podia ser crucificado. "É uma violação da lei
amarrar um cidadão Romano, é um crime caso ele seja açoitado," disse Cícero. Se um
homem declarasse sua cidadania Romana, não importa onde ele estivesse, mesmo nos
confins da terra, o poder e a glória de Roma estava com ele. "Frequentemente," disse
Cícero, "dizer a seguinte frase: 'Sou um cidadão Romano,' trouxe ajuda e segurança até
mesmo entre bárbaros das partes mais remotas da terra!"
Paulo tinha orgulho de sua cidadania Romana. Em Filipos ele insistiu em uma
defesa pública, frente ao magistrados locais antes mesmo dele concordar em ser liberto

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da prisão na qual eles injustamente o jogaram (Atos 16:37). Quando o comandante
militar em Jerusalém comentou ele mesmo ter comprado sua cidadania Romana por um
alto preço, Paulo orgulhosamente respondeu: "Mas eu nasci assim" (Atos 22:28).
Paulo não tinha orgulho só de sua cidadania Romana, ele também tinha orgulho
do Império Romano. Quando ele escreve aos Cristão em Roma, ele pede para eles se
sujeitarem as autoridades superiores, pois não existe autoridade que não venha Deus e
todas as existentes foram ordenadas por Deus (Romanos 13:1-5). Em suas Cartas
Pastorais o dever de orar pelo Imperados é apresentado à Igreja (1 Timóteo 2:1-3).
2 Tessalonicenses 2:6-7 é uma passagem bastante enigmática. Nesta passagem o
pensamento é que neste mundo há um força que está limitando a insolente expansão do
mal; e para Paulo este poder era Roma. No mundo antigo a cidadania Romana era um
premio de honra e um salvo-conduto até os confins da terra. Paulo possuía esta
cidadania, e ele tinha orgulho disto. Será interessante a suposição de como a família de
Paulo recebeu esta cidadania.
Haviam dois tipos de cidadania Romana. Haviam as que eram dadas para
comercio (commercium), direitos comerciais, e as que eram dadas não apenas para
comércio (commercium), mas também para casamento (connubium), direitos
matrimoniais. E está claro que Paulo possuía cidadania completa.
Começaremos com certas coisas que podemos considerar como fatos. Paulo era
nascido em Tarso (Atos 22:3); e o pai de Paulo, assim como o próprio Paulo, era um
Fariseu (Atos 23:6). É provavelmente no último caso que um homem que era Fariseu
viveria fora da terra da Palestina. Não podemos pensar que em algum momento do
tempo o Pai de Paulo tenha emigrado para a Cilicia em busca de fama e fortuna; um
Fariseu jamais teria vivido de boa vontade longe do solo sagrado da terra Santa; deve
ter sido alguma dura necessidade que o levou para lá. Além disso, a cidadania Romana
podia ser adquirida de varias maneiras.. Podia ser comprada, embora nem todo mundo
fosse aceito como comprador. Foi através da compra que o comandante militar Romano
em Jerusalém adquiriu sua cidadania (Atos 22:28). É perfeitamente certo que nenhuma
Fariseu sairia do seu caminho para adquirir a cidadania Romana. Não era porque os
Fariseus fossem hostis a Roma; eles, de fato, estavam dispostos a viver sob o regime de
qualquer governo que os permitisse viver de acordo com a Lei; mas um Fariseu não
teria interesse algum em se tornar cidadão Romano.
A cidadania Romana poderia ser concedida a certas pessoas por serviços
diferenciados ao Estado Romano, especialmente em tempos de crise e necessidade. Era
concedida à soldados Romanos quando eles completavam vinte e quatro anos de
serviço. É muito pouco provável que a cidadania Romana tenha sido concedida a
família de Paulo por alguns destes modos.
De vez em quando, como recompensa por atos de fidelidade ou como marca
favor especial, a cidadania era concedida para toda população de certas cidades ou áreas
- e pode ser que foi deste modo que foi concedida a cidadania Romana à família de
Paulo. Vamos ver se podemos achar alguma pista que justifique esta hipótese.
Jerome passa para nós uma tradição a respeito da família de Paulo. Ele tem duas
versões desta tradição. "Paulo era da tribo de Benjamim, e de um cidade na Judéia
chamada Giscala. Quando esta cidade foi capturada pelos Romanos, ele migrou junto

A Mente de Paulo Página 16


com seus pais para Tarso na Cilicia, e foi enviado por eles para estudar a lei em
Jerusalém, e lá foi treinado por Gamaliel, um homem mais culto que eles."
A segunda versão é: " Nós recebemos uma história parecida com esta. Eles
dizem que os pais do apóstolo Paulo vieram do distrito de Giscala na Judéia, e que,
quando toda a província foi devastada pela mão de Roma, e os Judeus foram dispersos
por todo o mundo, eles foram transferidos para Tarso, uma cidade na Cilicia, e que
Paulo, que era um simples rapaz naquele tempo, acompanhou seus pais."
Não importa a origem da história de Jerome, ele não é verdadeira. Nós temos a
própria palavra de Paulo que ele nasceu em Tarso e não na Giscala. Giscala ficava na
Galiléia; era a última cidade totalmente cheia nos últimos terríveis dias quando os
Romanos finalmente derrotaram os Judeus, mas isto foi em 67 AD. Verdade é, que
haviam bárbaros lutando próximo a Giscala em 04 AC nos problemas que seguiram a
morte de Herodes. Mas, não importa o quanto tentemos explicar, a história de Jerome
parece não bater com os fatos.
David Smith sentiu que a cidadania romana de Paulo possa ser explicada deste
modo. Em 63 AC Pompeu invadiu e capturou Jerusalém. Naquela época ela levou
milhares de Judeus de volta a Roma como escravos. No tempo devido estes Judeus se
estabeleceram em Roma e prosperaram. Eles, no final das contas, acabaram possuindo
uma parte da cidade; e quando em 4 AC um embaixador Judeu veio para Roma, ele foi
saudado por não menos que 8000 Judeus que residiam em Roma. Muitos desses Judeus
se tornaram cidadãos. Julio César, por exemplo, foi especialmente gentil aos Judeus, e
como nos conta o historiador Suetonius, quando Julio César morreu, "uma multidão de
estrangeiros vieram se lamentar, cada qual ao costume de seu país, e em maior
quantidade, os Judeus." É possível que o pai ou avô de Paulo estava entre os Judeus
tragos para Roma, tenha adquirido a cidadania Romana , e mais tarde mudado para
Tarso.
Ainda existe uma outra sugestão. Por volta de 175 AC grandes mudanças
aconteceram em Tarso. Nesta época Antioco reformulou e reorganizou a cidade. Na
reformulação a cidadania Romana foi concedida aos Judeus, porque geralmente eles
eram cidadãos úteis e ricos, e muitas famílias Judias tinham migrado ou foram levadas
para Tarso nesta época. É muito pouco provável que os ancestrais de Paulo tenham
vindo para Tarso nesta época. Esta mudança poderia troná-los cidadãos de Tarso, mas
não de Roma. Desde então, houveram tempos em que Tarso manteve uma conexão
muito próxima com Roma. em 64 AC era o quartel general de Pompeu, o grande
General Romano limpou os mares dos piratas e as estradas do banditismo e foi aquele
que trouxe paz a Ásia Menor. Sem dúvida muitos receberam a cidadania por suas mãos.
Em 47 AC Julio César veio para Tarso em suas campanhas orientais, e os Tarsianos
eram tão entusiasmados em apoia-lo que eles mudaram o nome de sua cidade para
Juliopolis, embora este novo nome não tenha durado. Certamente muitos Tarsianos
devem ter recebido sua cidadania Romana nesta época. em 42 AC, Marco Antonio
estabeleceu seu quartel general em Tarso; e novamente a cidadania Romana deve ter
sido concedida a muitos, ainda que Marco Antonio, que precisava de dinheiro, tivesse
vendido estas cidadanias ao invés de concede-las como presente. Finalmente em 31 AC
Augusto concedeu muitos benefícios a Tarso em gratidão por sua fidelidade à sua causa.

A Mente de Paulo Página 17


É provável que tenha sido em uma dessas ocasiões que a família de Paulo tenha
recebido sua primeira cidadania Romana.
De fato, temos aqui algo significante - se for verdade - e pode muito bem ser
verdade - que antes de Paulo, gerações de sua família já residiam em Tarso, então Paulo
cresceu em um ambiente no qual ele estava acostumado com pensamentos Gregos e
Romanos, tanto quanto estava com pensamentos Judeus de sua própria nação.
Para que o Cristianismo pudesse ser levado ao mundo inteiro, uma pessoa
especial era necessária - e Paulo era essa pessoa.
Em Tarso, de modo único, estava o homem de dois mundos, o homem que era
Judeu até a última fibra de seu ser, mas também era o homem que conhecia os Romanos
e Gregos como poucos Judeus conheciam. Verdadeiramente foi o homem preparado por
Deus para ser a ponte entre dois mundos, e para ser a ponte através da qual os Gentios
puderam vir a Deus.

A Mente de Paulo Página 18


III

PENSAMENTOS DE PAULO SOBRE DEUS

Nós vimos o pano de fundo da época na qual Paulo cresceu.


Agora vamos olhar seus pensamentos e ensinamentos, e começaremos com os
pensamentos de Paulo sobre Deus.
Todo culto nas Sinagogas Judaicas começavam, e ainda começam, com o recital
do Shema, e a grade sentença básica do Shema é: "Ouça, Oh Israel: o Senhor, nosso
Deus, é o único Senhor" (Deuteronômio 6:4). Nesta sentença é registrado um
monoteísmo inflexível. em um mundo que acreditava em vários deuses, os Judeus
acreditavam em um Deus único, e Paulo também, este é o começo de seus pensamentos
sobre Deus.
Ele escreve aos seus em Coríntios: "Não há se não um só Deus... para nós há um
só Deus" (1 Coríntios 8:4, 6). A crença em um Deus único, pode ser citada como a
pedra fundamental de todos os pensamentos de Paulo.
Mas, há também outro grande pensamento dominante em todas as lições de
Paulo. Este Deus, que é o único Deus, é também Deus, o Pai. Não há sequer uma carta
que ele tenha escrito, na qual, Paulo não chame Deus de Pai (1 tessalonicenses 1:1; 2
Tessalonicenses 1:2; Gálatas 1:3; 1 Coríntios 1:3; 2 Corintios1:2; Romanos 1:7
Filemon 3).
Agora estas duas grandes fundações das crenças de Paulo completam e
complementam uma a outra. Se Paulo dissesse que há apenas um Deus, e parasse por aí,
a força e majestade e poder do Deus único poderia estar segura e bem guardada. Se
Paulo dissesse que Deus é Pai, a benevolência e o amor e a boa vontade de Deus
poderiam ser pressionados. O primeiro relato, o relato que podemos invocar a unicidade
de Deus, nos afirma o Poder de Deus, mas não diz nada sobre algum interesse que Ele
possa ter no homem. O segundo relato nos afirma a bondade de Deus, mas não nos
garante que sua bondade não pode ser frustrada e impedida. Mas quando as duas ideias
são apresentadas juntas, nós temos a ideia completa de Deus, como um Deus cujo
poder está sempre motivado por Seu amor, e cujo amor está sempre apoiado por Seu
poder. Então Paulo acrescenta: "Para nós, há apenas um Deus, o Pai." (1 Coríntios 8:6);
e nesta única frase ele nos garante a certeza Cristã de um Deus cujo poder nunca será
usado, exceto no amor, e um Deus cujo poder de seu amor não pode ser frustrado nunca.
Para Paulo, este Deus e Pai era também o Criador. "Todas as coisas" disse ele,
"são de Deus" (1 Coríntios 11:12). "Dele, através Dele e para Ele são todas as coisas"
(Romanos 11:36). Com esta ideia de Deus, o Criador, Paulo junta a ideia do Filho como
instrumento de Deus, e agente criador, assim como João o fez mais para frente de um
modo mais completo. Paulo fala sobre "um único Senhor, Jesus Cristo, pelo qual todas

A Mente de Paulo Página 19


as coisas foram criadas" (1 Coríntios 8:6). Ele fala de Deus que criou todas as coisas
através do Senhor Jesus Cristo (Efésios 3:9). "Por Ele," diz Paulo, "todas as coisas
foram criadas" (Colossenses 1:16). Esta é a doutrina que João afirma de forma
definitiva no prólogo de seu evangelho quando diz: "Todas as coisas forma feitas por
Ele e sem Ele nada do que existe teria sido feito." (João 1:3)
Pode parecer estranho para nós que Paulo enfatize tanto Deus como criador, e o
Filho como parte no trabalho da criação. Mas ele fez isso em resposta a uma crescente
tendência de pensamento do mundo antigo. Esta tendência ficou conhecida mais tarde
pelo nome de Gnosticismo, e uma vez que a maior parte do Novo Testamento foi escrita
contra um pano de fundo Gnóstico, e foi escrito para neutralizar tendências Gnósticas, É
bom vermos aqui, primeiramente, o que era o Gnosticismo.
O Gnosticismo foi uma tentativa de resolver os problemas do pecado e
sofrimento neste mundo. O Gnosticismo acreditava que o espírito é essencialmente
bom, e que a matéria é essencialmente má. Eles ainda acreditavam que a criação do
mundo, foi feita de matéria que já existia, e que esta matéria era essencialmente falha.
Se seguirmos esta lógica, todo o problema do mundo é que ele foi feito de um material
defeituoso. O material do qual o mundo é formado é mal. Os Gnósticos forma além
dizendo, visto que Deus é puro espírito e completamente bom, ele próprio não poderia
ter tocado, manipulado e moldado este material falho. Assim, a fim de tocar esta
matéria, Deus colocou uma série de emanações, ou aeons, como eles os chamam. Cada
sucessão de emanação estava um pouco mais longe de Deus, até que ao fim desta longa
fila de emanações havia uma emanação tão longe de Deus que podia tocar e manusear a
matéria. Era esta emanação que teria criado o mundo.
Os Gnósticos se aprofundaram ainda mais. Conforme as emanações cresciam
mais e mais distantes de Deus, elas sabiam cada vez menos sobre Deus. Em um
momento da sequencia, chegou uma emanação a qual era totalmente ignorante de Deus.
Então continuando descendo a sequencia, aas emanações não eram apenas ignorantes
sobre Deus mas também ativamente hostil a Deus. E então, finalmente, os Gnósticos
vieram a acreditar que o mundo foi criado por um deus criador que não conhecia Deus e
era hostil ao verdadeiro Deus.
O passo final do pensamento Gnóstico era manter que este desconhecedor,
hostil, deus criador era identificado com o Deus do Antigo Testamento, e o Verdadeiro
Deus, que era ouro espírito e distante do trabalho da criação, era identificado como o
Verdadeiro Deus, o Deus do qual o Senhor Jesus veio tornar-se conhecido aos homens.
Esta linha de pensamento se tornou cada vez mais comum no mundo antigo. O
mundo antigo era assombrado pelo pensamento da matéria do mal. Este é o motivo
porque tantos escritores do Novo Testamento salientam o fato que Deus é Criador, e que
o instrumento de Deus na criação não é algo distante, desconhecedor, um aeon hostil,
mas sim Seu Filho e Sua Palavra. Os Gnósticos acreditavam que vivemos em um
mundo mal; os Cristãos acreditam que Deus fez todas as coisas e as fez bem feitas.
Mas Paulo também acreditava que o ato criador de Deus também era um ato de
auto-revelação de Deus. dizendo isto de uma maneira atual, Paulo acreditava que Deus
colocou tanto de si mesmo na criação, que através do estudo do mundo, os homens
deveriam ser capazes de chegar a Deus. Este é o significado da famosa passagem em

A Mente de Paulo Página 20


Romanos 1:19-21. "Os atributos invisíveis de Deus, tem sido vistos claramente, sendo
compreendidos por meio das coisas criadas, até mesmo Seu Poder Eterno e Natureza
Divina, de forma que tais homens são indesculpáveis." Era crença de Paulo que o ato
criador de Deus era um ato de auto-revelação; que este mundo era as vestes do Deus
vivo; que se os homens tivessem olhos para ver e coração para entender, eles poderiam
ver Deus em todos os lugares do mundo que Ele criou.
Um grande artista disse que foi seu pai que o ensinou a ver e amar a beleza. Seu
pai costumava falar com ele no entardecer, e pai e filho deitavam na grama alta ao lado
da arvore. Eles podia ver coelhos brincando, e os pássaros comendo, e o campo de
milho ondulando como ondas do mar sobre o vento. Uma tarde houve um por do sol de
majestade e esplendor incomparáveis, e quando seu pai o viu, parou, removeu seu
chapéu e olhou o esplendor de sol se pondo, e disse: "Meu filho, isto é Deus." Paul teria
desejado que cada homem visse e tivesse esse ato de reverência instintiva.
Paulo acreditava que o interesse de Deus no mundo não terminava no trabalho
da criação. Ele acreditava que Deus ainda era um Deus sustentador, cujo trabalho de
criação ainda continuava. Ele via a atividade continua de Deus nos processos naturais
do mundo. "Nem o que planta," disse ele, "nem o que rega são coisa alguma, mas
unicamente Deus, que efetua o crescimento" (1 Coríntios 3:7). Paulo descobriu a
verdade que deve ser redescoberta continuamente. O homem pode fazer muitas coisas.
Ele pode mudar coisas, retocá-las, atenua-las e rearranja-las. Mas não pode criá-las. O
homem controla muitas forças, mas o homem não controla a força da vida, e ele não
pode criar uma coisa viva. Criação é uma prerrogativa de Deus; o segredo da vida está
com Deus. Paulo nunca pensou em um Deus, que, por assim dizer, criaria as coisas e as
estabeleceria, e depois as deixaria por conta própria. Ele pensava em um Deus que
trabalhava sempre e era continuamente ativo no universo que criou. Ambos, criação e
providencia, pertencem a Deus.
Até agora, temos visto Deus como era nos assuntos do mundo. Agora,
continuaremos para ver como Paulo pensa sobre Deus, não apenas como ativo no
mundo, mas também ativo em sua própria vida.
Paulo viu a mão de Deus em sua própria peregrinação espiritual. Ele viu sua vida
como algo planejado e projetado por Deus. Ele fala sobre Deus "que me separou, desde
o ventre de minha mãe" (Gálatas 1:15). Ele fala sobre Deus "separado para o evangelho
de Deus" (Romanos 1:1). Paulo pensava sobre si mesmo como um homem separado por
Deus para um propósito especial, mesmo antes de ter nascido. Ele vê seu apostolado,
não como algo que ele escolheu, não como algo para o qual foi chamado por homem,
mas como algo que veio a ele, pelo plano e projeto de Deus. "Paulo, um apostolo de
Jesus Cristo," diz ele, "pela vontade de Deus" (2 Coríntios 1:1). Ainda mais completo,
ele descreve no inicia de Gálatas: "Paulo, um apostolo, não de homem, nem por
homem, mas por Jesus Cristo e Deus Pai" (Gálatas 1:1). Paulo viu Deus, não apenas nas
linhas da criação do mundo e da história do mundo, mas também na sua própria vida.
Paulo concordaria com o homem que disse que cada homem é um sonho de Deus.
Paulo foi ainda mais fundo que isto. Ele não vê Deus apenas nos momentos
grandes e cruciais, no qual sua vida tinha mudado. Ele via Deus em sua vida diária.
Quando ele escreve aos Coríntios ele diz a eles: "Eu irei, em breve, até vocês, se o

A Mente de Paulo Página 21


Senhor permitir" (1 Coríntios 4:19). Quando ele escreve a igreja em Roma, ele diz que
ora, "e peço que agora, pela vontade de Deus, seja-me aberto o caminho para que eu
possa visitá-los" (Romanos 1:10). Para Paulo, o Deus que criou o mundo, nunca estava
muito ocupado para ser incomodado com sua vida.
Outro modo de dizer isto, seria dizer que para Paulo, Deus era um Deus
abastecedor. Este Deus, que criou o homem, e que dirigia suas vidas, não deixava o
homem cumprir seus mandamentos sem ajuda e não mandava ninguém executar uma
tarefa, sem auxiliá-lo. Com a necessidade, vem o poder, com a tarefa, vem a habilidade
para realizá-la. "Não que sejamos suficientes em nós mesmos," disse Paulo, "mas a
nossa capacidade vem de Deus" (2 Coríntios 3:5).
No meio de seus problemas, quando a vida era quase um fardo intolerável, ele
ouviu Deus dizer: "A minha Graça é suficiente para você, pois minha força é
aperfeiçoada na fraqueza" (2 Coríntios 12:9). Até mesmo quando estava em uma prisão
em Roma, ele escreve ao seu amigo em Filipos; "Meu Deus suprirá todas suas
necessidades" (Filipenses 4:19). John Bucham descreveu um ateu como um homem que
não tem nenhum tipo invisível de apoio. Para Paulo, o Cristão era um homem que tinha
o apoio continuo de Deus.
O relacionamento entre Deus e o Senhor Jesus é algo ao qual devemos retornar
sempre. Mas no momento devemos notar que Deus estava por trás de cada ato da vida
do Senhor Jesus.
Deus estava por trás da Encarnação. Deus estava por trás da vinda do Senhor
Jesus ao mundo. Sua vinda ao mundo não foi, como se fosse possível, algo que o Filho
sugeriu. Deus é o motivo principal e aquele responsável por tudo. Então Paulo fala de
Deus enviando Seu Filho na semelhança da carne pecaminosa (Romanos 8:3). Ele diz
que "quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho" (Gálatas 4:4). Para
Paulo, no sentido mais amplo do termo, a vinda do Senhor Jesus ao mundo, foi um ato
de Deus.
Deus estava por trás da Cruz. A Cruz não foi um ato independente do Senhor
Jesus. A Cruz não era unicamente o resultado da fúria e pecados dos homens. A Cruz
era um evento nos planos e propósitos de Deus. "Jesus," diz Paulo, "que foi entregue
por nossas ofensas" (Romanos 4:25). "Jesus," diz Paulo, "que deu a Si mesmo por
nossos pecados, de acordo com a vontade de Deus" (Gálatas 1:4). "Ele que não poupou
Seu próprio Filho," diz Paulo, "mas O entregou por todos nós" (Romanos 8:32). Não é
ninguém menos que Deus que está por trás da vinda do Senhor Jesus ao mundo, e do
sacrifício do Senhor Jesus na Cruz.
Deus estava por trás da Ressurreição. Este, certamente é um dos pensamentos
mais conhecidos de Paulo, um pensamento encontrado em todas as cartas. Em Gálatas
1:1, Paulo fala "Jesus Cristo, e Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos." Em Romanos
4:24, ele fala " Ele que ressuscitou Jesus, nosso Senhor, dos mortos." Deus está por trás
tanto a nossa vivificação do pecado e da morte, como da ressurreição do Senhor Jesus
da morte da Cruz. "Deus nos vivificou juntamente com Cristo," ele escreve (Efésios
2:5). "Você," ele escreve, "estando mortos nos seus pecados, os vivificou com Ele"
(Colossenses 2:13). A ressurreição era para Paulo, nem somente uma conquista do
Senhor Jesus, mas também um ato de Deus.

A Mente de Paulo Página 22


Para Paulo, Deus estava por trás da Incarnação, da Cruz e da Ressurreição. Isto é
algo do qual devemos recordar repetidamente. Há uma maneira de apresentar o
evangelho que chega perigosamente perto da blasfêmia, um modo em que o evangelho
de Paulo é apresentado especialmente errado. Algumas vezes, o evangelho é
apresentado como se existisse um contraste entre um Deus severo e irritado e um Cristo
gentil e amoroso, como se houvesse um contraste entre um Deus que era o juiz das
almas dos homens e um Cristo que era o que amava as almas dos homens, um contraste
entre um Deus que desejava condenar e um Cristo que deseja salvar. Às vezes o
evangelho é apresentado de forma que pareça que o Senhor Jesus Cristo fez algo para
mudar a atitude de Deus, como se o Senhor Jesus tivesse mudado a ira de Deus para
amor, como se o Senhor Jesus tivesse persuadido a Mão erguida Deus a não dar o golpe
contemplado. Os que pregar este evangelho não podem estar mais longe da verdade, e
nada poderia ser uma distorção mais grave do evangelho de Paulo. Como João viu
claramente, porque Deus amou o mundo de tal maneira, que enviou Seu Filho ao mundo
(João 3:16). Como Paulo viu tão vividamente, era Deus quem estava por trás de todo
processo de redenção. É o amor de Deus, o desejo de Deus em salvar que domina toda a
cena. A iniciativa é uma iniciativa de Deus. Por de trás de cada ato do Senhor Jesus, está
Deus. o Senhor Jesus, para Paulo, não era o pacificador da ira de Deus; Ele era o
portador do amor de Deus. E agora, devemos continuar a estudar a iniciativa Divina de
um modo mais completo.

A Mente de Paulo Página 23


IV

A INICIATIVA DIVINA

Simone Weil disse: "Pode-se definir como exigência: Todas as concepções de Deus que
são incompatíveis com um movimento de caridade pura são falsas. Todas as outras
concepções dele, em vários graus são verdadeiras." Há um modo de apresentar o
evangelho de Paulo, que é incompatível com a pura caridade de Deus. Algumas vezes o
evangelho de Paulo é pregado de modo que Deus e o Senhor Jesus Cristo são colocados
um contra o outro e contrastados um com o outro. O amor, graça e misericórdia do
Senhor Jesus Cristo é colocado contra a ira, severidade e julgamento de Deus. A
implicação nesta linha, é que através de algo que o Senhor Jesus fez, mudou a atitude de
Deus em relação ao homem, que Deus foi persuadido e pacificado pelo Senhor Jesus
Cristo para mudar Sua condenação em perdão.
Quanto mais estudamos os escritos de Paulo, mais vemos que a concepção
anterior é o reverso da verdade que Paulo via. Se uma coisa é clara, é isto, para Paulo,
toda iniciativa do processo de salvação está em Deus.
A vontade por trás de todo processo de salvação, é a vontade de Deus. Paulo
escreve aos Coríntios, "Aquele que nos estabeleceu com vocês em Cristo, e nos ungiu, é
Deus" (2 Coríntios 1:21). Ele fala aos Tessalonicenses sobre "a vontade de Deus em
Cristo Jesus" (1 Tessalonicenses 5:18). Ele escreve aos Gálatas sobre "Jesus, que deu a
si mesmo pelos nossos pecados, de acordo com a vontade de Deus" (Gálatas 1:4).
Assim, está longe da atitude de Deus, ser mudado por algo que o Senhor Jesus
fez, foi precisamente a atitude de Deus para com o homem que o Senhor Jesus
expressou. Está longe do propósito de Deus ser desviado, por algo que o Senhor Jesus
fez, era precisamente o propósito de Deus, que o Senhor Jesus veio cumprir. A salvação
veio ao homem não em oposição à vontade de Deus; ela veio porque era a vontade de
Deus.
Era o amor de Deus que estava por trás de todo processo de salvação. Paulo
escreve aos Tessalonicenses que "nosso próprio Senhor Jesus Cristo, e Deus, nosso Pai,
que nos amou, e nos deu consolação eterna" (2 Tessalonicenses 2:16). Foi seu amor que
Deus nos entregou na morte de Cristo (Romanos 5:8). É a bondade de Deus, que leva os
homens ao arrependimento (Romanos 2:4). É a partir do amor de Deus, que nada pode
nos separar (Romanos 8:39). É pela misericórdias de Deus que Paulo apela para os
homens (Romanos 12:1). Ele escreve aos Efésios sobre Deus "Aquele que é rico em
misericórdia, por causa do grande amor com o qual nos amou" (Efésios 2:4). Foi o
próprio Pai que nos fez "idôneos para participar da herança dos santos na luz"
(Colossenses 1:12). o Senhor Jesus Cristo veio dizer aos homens, não que Deus odeia

A Mente de Paulo Página 24


pecadores, mas sim que Ele os ama. Este é o fato simples, que ninguém nunca escreveu
com tal esplendor lírico sobre o amor de Deus, como Paulo fez.
Até mesmo sugerir que Paulo contrastou o amor do Senhor Jesus Cristo e a ira
de Deus é fazer uma paródia de seu evangelho. É Deus quem está por trás da iniciativa
da reconciliação. Nesta grande passagem em 2 Coríntios 5:18-20 três vezes, como em
muitos versos, a iniciativa de reconciliação é referida a Deus. É Deus que nos
reconciliou com Ele mesmo através do Senhor Jesus Cristo. E o apelo final é: "Que vos
reconcilieis com Deus."
Em Romanos 5:10 somos nós que somos reconciliados com Deus. Em
Colossenses 1:20 é Deus, que está produzindo paz através do sangue da Cruz, e
reconciliando todas as coisas com Si mesmo. Em todos os escritos de Paulo, Deus
nunca é descrito como sendo reconciliado ao homem, pela simples razão que qualquer
reconciliação ser totalmente desnecessária. Sempre a única coisa necessária, é que o
homem deve se reconciliar com Deus. A responsabilidade pela brecha entre o homem e
Deus está, não em Deus, mas no homem. Era a atitude do homem para com Deus que
precisava ser mudada. A atitude de Deus para com o homem era e sempre será de amor
paciente, perdão incansável, e procura imbatível.
Paulo pode falar muito indiscriminadamente sobre o evangelho do Senhor Jesus
Cristo e o evangelho de Deus. A própria essência da pregação de Paulo eram boas novas
sobre Deus apresentado aos homens através do Senhor Jesus Cristo. Ele diz aos
Tessalonicenses que "tivemos a confiança em nosso Deus para vos falar o evangelho de
Deus" (1 Tessalonicenses 2:2). Ele diz a eles que ele pregou para eles o evangelho de
Deus (1 Tessalonicenses 2:8,9). Ainda na mesma carta, ele pode falar de Timóteo, nosso
companheiro de trabalho no evangelho de Cristo (1 Tessalonicenses 3:2). Ele fala de si
mesmo como sendo separado para o evangelho de Deus (Romanos 1:1). o Senhor Jesus
não veio para introduzir ao mundo um evangelho novo, como um substituto da atual ira
de Deus. Foi exatamente as boas novas sobre o amor de Deus, que o Senhor Jesus veio
trazer.
Sempre que Paulo fala sobre a graça de Deus, seu habito é associar Deus e o
Senhor Jesus Cristo, neste assunto da graça. Nada podia estar mais distante do
pensamento de Paulo, do que pensar que toda a graça era do Senhor Jesus e toda justiça
severa era de Deus. A graça que o Senhor Jesus trouxe aos homens não era outra senão
a graça de Deus. Era a própria graça de Deus que estava no Senhor Jesus Cristo.
Quando ele escreve aos Tessalonicenses, ele fala da "graça de nosso Deus e de nosso
Senhor Jesus Cristo" (2 Tessalonicenses 1:12). Ele cumprimenta os Gálatas com "graça
e paz de Deus nosso Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo" (Gálatas 1:3). Ele fala aos
Coríntios da "graça de Deus, que foi dada a vocês por Jesus Cristo"(1 Coríntios 1:4).
A graça por trás de todo processo da salvação é a graça de Deus. O Senhor Jesus
não descobriu ou criou a graça; Ele trouxe aos homens a graça de Deus, que já existia.
Foi Deus quem enviou o Senhor Jesus Cristo a este mundo. Não foi como se o
Senhor Jesus dissesse: "Vou tomar a iniciativa e irei ao mundo e farei meu sacrifício e
darei minha vida, e talvez isto pacifique a raiva de meu Pai e livre os homens da ira
vindoura." Se podemos colocar assim, foi que Deus colocou sobre o Senhor Jesus a
tarefa de proporcionar o caminho para a salvação, o qual já era seu único objetivo.

A Mente de Paulo Página 25


Paulo diz aos Gálatas que Deus enviou Seu Filho na plenitude do tempo
(Gálatas 4:4). Ele diz aos Coríntios que foi Deus que fez o Senhor Jesus se tornar
pecado pelo bem dos homens (2 Coríntios 5:21). O Senhor Jesus é o dom inefável de
Deus (2 Coríntios 9:15). O dom da vida eterna é o dom de Deus (Romanos 6:23). Deus
enviou Seu Filho ao mundo em carne, a qual era exatamente como a nossa (Romanos
8:3). É a prova suprema de Paulo até onde o amor de Deus irá, o fato de que Deus que
não poupou Seu próprio Filho, por isso, certamente fará qualquer coisa por seu amor e
cuidado pelo homem (Romanos 8:32). O fato de que o Senhor Jesus veio ao mundo, se
deve absolutamente a nada mais do que ao grande amor de Deus.
Tem acontecido frequentemente que uma versão distorcida do evangelho de
Paulo tem sido pregada e ensinada aos homens, e o resultado desastroso desta distorção,
tem sido que homens tem frequentemente uma divisão em suas mentes entre Deus e o
Senhor Jesus. Eles tem visto Deus como um pessoa a ser temida e o Senhor Jesus uma
pessoa a ser amada. Eles se sentem em casa quando pensam no Senhor Jesus, mas se
sentem estranhos, desconfortáveis e com medo de Deus. Eles tem visto o Senhor Jesus
como sua defesa e libertador da ira de Deus. Isto foi tão profundamente arraigado na
mente de algumas pessoas em juventude, que eles nunca pararam de pensar nisto.
Eles sentem que o Senhor Jesus verdadeiramente é seu amigo, mas quando pensam o
mesmo sobre Deus, são assombrados ao invés de ajudados.
Em João deparamo-nos com a frase imortal: "Aquele que vê a mim, vê o Pai"
(João 14:9) A tragédia é que para muitas pessoas Deus é o oposto do Senhor Jesus;
porém todo o ensinamento do Novo Testamento, e sobretudo, o ensinamento de Paulo, é
que quando olhamos para o grande amor de Deus, seu perdão incansável, sua
compaixão infinita, a ardente gentileza do Senhor Jesus, vemos o coração de Deus,
integralmente apresentado como em nenhum outro lugar em todo o mundo.
O Senhor Jesus não veio salvar o homem contra a vontade de Deus; Ele veio
para trazer aos homens as boas novas que Deus queria nada mais que os homens
voltassem para casa, para Si mesmo, em amor contrito e confiança.

A Mente de Paulo Página 26


V

O CHAMADO DE DEUS

Vimos como Paulo acreditava com todo seu coração que Deus estava por trás de todo
processo de salvação. A iniciativa da salvação é uma iniciativa Divina, a iniciativa de
Deus.
Mas, para Paulo, o assunto era ainda mais pessoal que isso. Se dissermos que é a
vontade de Deus que está por trás de todo processo de salvação, e deixarmos assim,
podemos sentir que todo propósito de Deus, era um tipo de propósito generalizado
visando a salvação da humanidade. Mas Paulo tinha certeza que o propósito de Deus
não era um propósito generalizado, mas sim um propósito individualizado, que o
propósito de Deus não era apenas a salvação da humanidade, mas a salvação de cada
homem individualmente. Como Augustinho disse na famosa frase com a qual Paulo
concordaria de todo coração: "Deus ama cada um de nós como se existisse apenas um
de nós para amar." Por esta razão Paulo achava muito importante o chamado de Deus.
O chamado de Deus não é apenas uma chamada ampla e geral a toda
humanidade; é a convocação pessoal de Deus e convite para cada homem
individualmente. Deus não propõe apenas a salvação de toda humanidade, ele tem "Sua
própria escada secreta em cada coração." Ele convida cada homem individualmente
para responder seu chamado.
A ideia do chamado de Deus está por todas as cartas de Paulo; e é de máximo
interesse e significado ver o que Paulo acreditava sobre o porque Deus está chamando
os homens.
Paulo acreditava que Deus está chamando os homens para salvação. Ele escreve
aos Tessalonicenses que Deus está chamando eles, não para ira, mas para salvação
(1 Tessalonicenses 5:9). Deus os escolheu, desde o principio, para salvação
(2 Tessalonicenses 2:13).É objetivo de Deus, resgatar os homens da situação sem
esperança na qual se encontram, e liberta-los das correntes nas quais se envolveram.
O mundo antigo sentia, pessimistamente, que tinha perdido a batalha moral. "Os
homens", disse Epicteto, "estão dolorosamente conscientes de sua fraqueza nas coisas
necessárias." Os homens amam seus vícios e os odeiam ao mesmo tempo," disse
Sêneca. "Não temos apenas agido errado," ele disse. "Vamos fazê-lo até o fim." Pérsio,
o poeta Romano, escreveu desesperadamente: "Deixe o culpado ver a virtude e definhar,
pois perderam ela para sempre." Ele fala sobre a "imunda Natta, entorpecida pelo vício."
"Quando um homem," disse Epicteto, "está endurecido como uma pedra, como pode
algum argumento convencê-lo?" Sêneca declarou que o que os homens precisavam
acima de tudo era "uma mão estendida para levantá-los." O mundo antigo estava
profundamente consciente que era inextricavelmente emaranhados e enredados no

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pecado. Eles sentiam-se desamparados neste mundo, e sob certo juízo no próximo.
Nesta situação, Deus chamou os homens a aceitar a libertação, o resgate, a redenção, a
salvação que Ele estava oferecendo a eles através do Senhor Jesus Cristo.
Paulo acreditava que Deus estava chamando os homens à santidade. Ele diz aos
Tessalonicenses que Deus chamou eles para uma vida santa (1 Tessalonicenses 4:7). O
significado da raiz da palavra santo (hagios) é diferente. Ser santo é ser diferente; é ter
um padrão diferente, uma paz e beleza diferentes da vida manchada, frustrada e
derrotada do mundo. Deus chama os homens para uma vida na qual foi aberta a
possibilidade de uma nova vitória sobre o pecado e uma nova formosura e beleza.
Paulo acreditava que Deus estava chamando os homens para paz. Ele diz aos
Coríntios que eles foram chamados, não para servidão, mas para paz (1 Coríntios 7:15).
Onde estava esta paz? O mundo antigo nunca poderia ir além da crença na tirania cega,
a completa indiferença, do enorme capricho dos deuses. O homem era o que Homer a
muito tempo atrás chamou de paignion theon, o brinquedo dos deuses. Como o homem
podia conhecer a paz, se eternamente tremeu quando pensa no juiz eterno? Como
poderia conhecer a paz, se creditava que vivia em um mundo com o qual não se
importava? Como poderia conhecer a paz, se ele sentia que estava preso em um destino
cego e um determinismo duro que iria esmagar a vida dele? Como poderia conhecer a
paz, se ele sentia ser um brinquedo desamparado de deuses imortais? Mas a paz vem
quando o homem percebe, que a soma total das coisas está sobre controle daquele cujo
nome é Pai e cujo coração é amor. O chamado de Deus é uma convocação aos homens à
encontrar a paz de perceber que o mundo é a casa de Seu Pai.
Paulo acreditava que o chamado de Deus, era uma chamado para graça. Ele diz
aos Gálatas que Deus os chamou para a graça de Cristo (Gálatas 1:6). O significado
básico de graça é algo que é dado gratuitamente e imerecidamente, na absoluta
generosidade de Deus. Graça é algo que homem algum nunca mereceu ou adquiriu, mas
sim que é dada a ele pelo generoso amor de Deus.
Isto certamente era algo novo. Até este momento, os homens viam Deus, nos
termos da lei. Deus havia deixado certas leis. O dilema era que essas leis deveriam ser
guardadas, mas nunca eram guardadas. Elas eram ambos, obrigatório e impossível. O
homem estava eternamente em falta. Mas agora, no Senhor Jesus Cristo, Deus chama os
homens à perceber que eles não podem adquirir, mas podem apenas aceitar
maravilhados, Seu amor salvador e redentor. No minuto em que um homem percebe
isto, a tensão da vida se vai.
Paulo acreditava que o chamado de Deus, era um chamado para comunhão com
o Senhor Jesus Cristo. Ele diz aos Coríntios que Deus os chamou para comunhão do
Senhor Cristo Jesus (1 Coríntios 1:9). O horror supremo da vida é a solidão; e o valor
supremo é a amizade. Em um dos diálogos Socráticos, uma alma simples, que tinha sido
admitida naquela grande sociedade que se reunia ao redor de Sócrates, foi convidada a
nomear a benção em sua vida pela qual ele era mais grato. Sua resposta foi: "Que sendo,
como eu sou, tenho os amigos que tenho." O chamado de Deus é para compartilhar a
maior amizade no mundo, a amizade do Senhor Jesus Cristo.
Paulo acreditava que o chamado de Deus, era um chamado para participar do
Reino e da gloria de Seu Filho. Ele diz aos Tessalonicenses que Deus os chamou para

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Seu Reino e Sua gloria (1 Tessalonicenses 2:12). O convite de Deus é o convite para
participar do poder presente e futuro triunfo do Senhor Jesus Cristo. Mesmo em dias de
perseguição, mesmo em dias em que o mundo parece estar vencendo, é o homem que
aceitou o convite de Deus que está, em última análise, do lado vencedor.
Paulo acreditava que o chamado de Deus, era um chamado que tinha sido soado
desde toda a eternidade. Ele escreve aos Efésios que eles foram escolhidos, antes da
fundação do mundo (Efésios 1:4). Algumas vezes a Cruz é descrita, como se fosse um
tipo de medida emergencial de Deus, como se Ele tivesse tentado a Cruz apenas após
todas as outras coisas terem falhado. É a crença de Paulo que por toda eternidade, Deus
amou Seus homens; que por toda eternidade, o pecado do homem tem partido Seu
coração; que por toda eternidade, o amor de Deus tem sido sacrificial, sofredor e
procura os homens.
É como se a cruz fosse uma janela aberta, por um período no tempo, sobre o
eterno amor sofredor, do coração de Deus. Em uma das peças de Ibsen, há uma
passagem, como esta, sobre o Senhor Jesus Cristo: "Onde está ele agora? Ele esteve
trabalhando em outro lugar desde o que aconteceu no Gólgota? . . . "Onde está ele
agora? E se aquilo no Gólgota, perto de Jerusalém, era apenas uma questão marginal,
algo feito, por assim dizer, na passagem? E se ele vai, repetidamente, e sofre e morre e
vence, repetidamente, de mundo em mundo?" Isso pode ser uma maneira
impressionante para apresentar a questão. Mas, permanece o fato, que a Cruz é o sinal e
símbolo em um momento no tempo, do amor sacrificial, o qual esteve no coração de
Deus desde a fundação do mundo.
Paulo acreditava que o chamado de Deus veio aos homens de modo supremo no
Senhor Jesus Cristo. Ele escreve aos Cristãos Romanos, que eles estão entre aqueles que
foram chamados pelo Senhor Jesus Cristo (Romanos 1:6). Por todas as eras, Deus tem
enviado Seu chamado aos homens, pela voz da consciência, pelas experiências da vida,
pelas vozes dos profetas, pelos eventos da história. Essas coisas, os homens podem ser
muito cego para ver, e muito chato para apreciar, mas no Senhor Jesus Cristo, vem o
chamado supremo, tão claro que ninguém pode deixar de ouvir.
Paulo acreditava que o chamado de Deus vinha pela pregação do evangelho. Ele
escreve aos Tessalonicenses que Deus os havia chamado pelo evangelho que ele havia
pregado (2 Tessalonicenses 2:14). Duas coisas surgem disto. Primeiro, o chamado era o
chamado do evangelho. O chamado não era o chamado de uma ameaça; ele era o
chamado das boas novas. Não era uma convocação para evitar a perdição; era o convite
para aceitar o amor.
Segundo, ele veio aos homens através da pregação. Os homens devem ser
confrontados com o chamado e convite de Deus. É a tarefa de cada Cristão, da Igreja, e
supremamente, a tarefa do pregador trazer aos homens que nunca ouviram, ou recusam-
se à ouvir, o chamado de Deus.

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VI

PENSAMENTOS DE PAULO
SOBRE O SENHOR JESUS CRISTO

Quando tentamos descobrir o que Paulo pensava e acreditava sobre o Senhor Jesus
Cristo, devemos começar lembrando duas coisas. Primeiro, Paulo não era um teólogo
sistemático. Paul não era, de modo algum, como um homem sentado em uma biblioteca
ou em um estudo, cuidadosamente e logicamente compilando um sistema de teologia.
Em primeiro lugar Paulo argumentou pela experiência. Quando ele fala sobre o Senhor
Jesus, ele não nos oferece algo que é fruto de pensamento, dedução, estudo ou o
equilíbrio cuidadoso da teoria de um contra a teoria de outro e a filosofia de um contra a
filosofia de outro. Ele constantemente diz: "Isto é o que aconteceu comigo. Isto é o que
tenho vivido. Isto é o que o Senhor Jesus fez por mim. Isto sei que é verdade."
É verdade que isto pode ser uma distinção muito injusta para fazer. Mas é
verdade dizer que o interesse de Paulo não era em teologia, mas em religião. Ele nunca
se preocupou em elaborar e desenvolver um sistema que seria plenamente satisfatório
para a mente e o intelecto: ele estava interessado em dizer aos homens sobre uma fé
baseada em experiência, pela qual eles deveriam viver. Quando Paulo fala sobre o
Senhor Jesus, ele simplesmente estabelece sua própria experiência de seu Senhor
ressuscitado.
Segundo, devemos nos lembrar que não havia nada estático na crença de Paulo.
Paulo era sempre confrontado com o fluxo, sempre em movimento e mudança, da
experiência humana. Ele foi sempre envolvido em situações de mudanças. Ele teve que
encontrar um erro após o outro; ele tinha que igualar-se com um conjunto de pensadores
após o outro; ele tinha que lidar com uma heresia após a outra. Ele estava vivendo nos
dias quando a Igreja ainda estava em efervescência, muitos dias antes do tempo em que
a Igreja se estabeleceu como uma instituição ortodoxa. E para satisfazer cada mudança
de situação e problema, ele tinha que tirar novas verdades e novos tesouros do que ele
mesmo chamava de insondáveis riquezas de Cristo. Ele estava sempre descobrindo
novas grandezas e novas adequações no Senhor Jesus Cristo. Não importava quanto
Paulo tinha vivido, ele nunca pode chegar na religião estática.
É dito que uma certa senhora famosa foi questionada sobre qual qualidade ela
considerava como a mais necessária para uma pessoa possuir de modo que ele possa se
destacar na vida. Ela respondeu em uma palavra: "Adaptabilidade." No sentido mais
elevado possível, e não em qualquer sentido oportunista, a teologia de Paulo era uma
teologia adaptável. Estava sempre aprofundando, desenvolvendo e ampliando-se para
atender as novas situações que a vida da Igreja em crescimento trouxe para ele. É por

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isso que não é possível fazer um padrão puro dos pensamentos de Paulo sobre o Senhor
Jesus, porque conforme os anos passaram, o Senhor Jesus se tornou sempre mais
maravilhoso para Paulo.
Devemos começar em algum lugar, e começaremos com isto que é o mais
básico. Com exceção de 2 Tessalonicenses e Filemom, não há sequer uma só carta na
qual Paulo não se refira ao Senhor Jesus como Filho de Deus. Em todas as outras cartas,
quer por declaração direta ou por implicação inconfundível, encontramos esta
concepção que para Paulo era o ponto de partida de todas as coisas.
E é necessário salientar que repetidamente esta afirmação de que o Senhor Jesus
é o Filho de Deus ocorre no início das cartas de Paulo, como se por isto ele atingisse o
que era para ele a nota chave da evangelho Cristão. (compare 1 Tessalonicenses 1:10;
Gálatas 1:16; 2:20: 4:4; 1 Coríntios 1:9; 2 Coríntios 1:19; 1:3; Romanos 1:3; 1:9; 8:32;
Efésios 1:3; Colossenses 1:3). Em primeiro lugar Paulo acreditava e insistia que o
Senhor Jesus estava em uma relação única com Deus.
E ainda há outra coisa a ser definida além disso. Nunca, em qualquer momento,
Paulo identificou o Senhor Jesus Cristo e Deus. Ele nunca igualou o Senhor Jesus Cristo
e Deus. Ele pode e iguala o amor, o evangelho, a graça e o trabalho do Senhor Jesus
Cristo e de Deus, mas nunca fez, por assim dizer, identificar pessoalmente o Senhor
Jesus Cristo e Deus.
Em nenhum lugar Paulo alcança maiores alturas em sua concepção do Senhor
Jesus do que na carta aos Colossenses, onde ele vai ao ponto de dizer que o Senhor
Jesus é a plenitude da Divindade (Colossenses 2:9) no entanto, mesmo nesta carta ele
tem a figura do Senhor Jesus na mão direita de Deus (Colossenses 3:1). Não temos
nenhum desejo de tomar uma frase como esta com um literalismo bruto, mas é verdade
que ninguém poderia usá-la, a menos que tivesse uma distinção clara em sua mente
entre o Senhor Jesus Cristo e Deus.
Paulo vai ainda mais fundo que isto. Há uma sensação para Paulo, que o Senhor
Jesus é subordinado à Deus. Ele escreve aos Coríntios: "Mas eu gostaria que vocês
soubessem, que a cabeça de cada homem é Cristo... e a cabeça de Cristo é Deus"
(1 Coríntios 11:3). Neste quadro do fim das coisas, ele escreve aos Coríntios: "E quando
todas as coisas estiverem sujeitas a Ele, então, o próprio Filho também se sujeitará
Aquele que todas as coisas colocou debaixo Dele, para que Deus seja tudo em todos"
(1 Coríntios 15:28). E nas mesmas linhas está o grande pranto de triunfo em 1 Coríntios
3:22, 23: "Todas (coisas) são de vocês; e vocês são de Cristo; e Cristo é de Deus."
Ninguém nunca teve uma concepção maior do Senhor Jesus Cristo do que Paulo
tinha, e no entanto, ainda é verdade dizer que para Paulo nada jamais foi permitido
diminuir da supremacia solitária de Deus. O trabalho do Filho sempre é feito em
obediência ao Pai. Por trás de cada evento, ação e palavra na vida d Senhor Jesus está
Deus.
É aqui que chegamos a uma das mais difíceis doutrinas em toda teologia, a
preexistência do Filho. Nós geralmente consideramos esta doutrina, uma característica
dos pensamentos de João. Mas está em Paulo também. Nós temos uma visão rápida
desta crença na estranha história que Paulo usa em 1 Coríntios 10:4. Os Rabinos tinham
uma lenda, que a rocha da qual os israelitas beberam no deserto seguiu eles sempre em

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suas andanças e era para eles uma fonte contínua de refresco. Paulo refere-se a esta
lenda e a usa; e então ele adiciona o comentário: "Esta rocha era Cristo." Seja lá o que
ele quisesse dizer, ele quer dizer que o poder espiritual refrescante do Filho estava
presente nos dias de Israel no deserto.
Em Efésios 3:11 ele fala do "propósito eterno que Deus propôs em Jesus Cristo."
Isto é, antes do tempo e do mundo começar, a obra do Senhor Jesus Cristo estava na
mente, plano e propósito de Deus. Em Colossenses 1:15 Paulo fala do Senhor Jesus
Cristo como a figura do Deus invisível, e o primogênito de toda criação. Certamente na
mente de Paulo estava esta concepção que chamamos de preexistência do Filho.
Como podemos explicar esta doutrinas a nós mesmos de modo que irá realmente
significar algo? Ninguém pode explicar totalmente isto ou entender isto, mas há dois
modos que podemos pensar sobre isto.
Primeiro, há um modo muito simples. Na sua forma mais simples, esta doutrina
significa que Deus sempre foi como o Senhor Jesus. Isso significa que Deus não foi
uma vez sério, duro, rigoroso e inflexível, um Deus de julgamento e de ira, e então que
ele inesperadamente se tornou gentil e gracioso e amável para com os homens. Isso
significa que antes do tempo começar Deus era como o Senhor Jesus. Isso significa que
no Senhor Jesus vemos Deus como Deus sempre foi, e é, e sempre será.
Segundo, Há um modo mais complicado com o qual podemos tentar explicar
isto. Deus é o Pai, Filho e Espírito Santo. Esta é a doutrina da Trindade. Agora nós
conectamos Deus Pai com o trabalho vivificante da criação; conectamos Deus Filho
com o trabalho salvador da redenção; conectamos Deus Espírito com o trabalho
iluminador da revelação. Mas devemos nos esforçar para evitar um erro. Estamos muito
aptos a pensar nisso como uma espécie de sequencia no tempo. Estamos aptos a pensar
em Deus primeiro como Criador, então segundo e, na sequencia, como Redentor, em
seguida, mais tarde ainda, como Iluminador e Revelador. Nós somos capazes de pensar
em Deus criando o mundo, e depois, quando o mundo deu errado, estabelecendo o
Senhor Jesus para redimir o mundo, e depois, mais tarde ainda, quando o Senhor Jesus
deixou a terra, enviando a iluminação do Espírito Santo. Mas o que a doutrina da
Trindade diz é que Deus é sempre, antes do tempo, através do tempo, e quando o tempo
terminar, Criador, Redentor, Sustentador e Iluminador. Por toda a eternidade Deus cria e
ainda está criando; por toda a eternidade Deus redime e está redimindo, e por toda a
eternidade Deus sustenta e ilumina e ainda está sustentando e iluminando.
Falar da preexistência do Filho é dizer que Deus não começou a redimir os
homens quando o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo, mas que através de todas as
eras o poder redentor e o trabalho sacrificial de Deus estavam trabalhando. Falar da
preexistência do Filho significa que o amor que foi demonstrado no Calvário é um
movimento eterno do coração de Deus aos homens.

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VII

A ENCARNAÇÃO

O fato central do Cristianismo é que no Senhor Jesus Cristo, Deus veio a este mundo,
que no Senhor Jesus Cristo, Deus tomou a vida do homem sobre ele mesmo. Esta é a
doutrina que chamamos de Encarnação, porque a palavra Encarnação literalmente
significa a própria carne. Como isto pode acontecer, os homens ainda tentam explicar,
e através dos séculos, eles tem elaborado suas teorias. O método talvez nunca saibamos;
o fato, a maioria de nós certamente e abençoadamente sabemos. Paulo via a Encarnação
de dois lados.
Paulo via a Encarnação do lado de Deus Pai. Para Paulo a encarnação era, no
sentido mais literal, um ato de Deus. Deus enviou seu Filho em carne como a carne de
qualquer homem (Romanos 8:3). É o amor de Deus, o qual está em Jesus Cristo, nosso
Senhor (Romanos 8:39). Era Deus que estava em Cristo, reconciliando o mundo consigo
mesmo (2 Coríntios 5:19). Aquele dom é um dom indescritível (2 Coríntios 9:15).
Antes de tal ato de amor, diante de tal esplendor de generosidade, não há nada para o
homem fazer além de silencio e grata adoração. A Encarnação em sua essência é um ato
de Deus em nome do homem.
Paulo viu a Encarnação do lado do Senhor Jesus Cristo, Filho. Aqui Paulo viu a
Encarnação de um modo que é exclusivamente seu. Ele não pensava no sacrifício do
Senhor Jesus Cristo como se tivesse começado na terra. Ele não pensava no sacrifício
do Senhor Jesus Cristo apenas nos termos das coisas horríveis que aconteceram com Ele
neste mundo, e que terminou com a quebra de seu coração pela deslealdade dos homens,
e a quebra de Seu corpo na Cruz. Paulo pensava no sacrifício do Senhor Jesus Cristo
começando na eternidade. Paulo era assombrado pelo pensamento que o Senhor Jesus
Cristo deu-se a fim de tornar-se homem. Ele nunca poderia esquecer como o Senhor
Jesus Cristo deixou de lado Sua glória pela humilhação da natureza humana. Com uma
maravilha que pulsa até mesmo através da palavra escrita, ele diz: "Embora fosse rico,
por amor de vocês se fez pobre" (2 Coríntios 8:9). Para Paulo o sacrifício do Senhor
Jesus Cristo foi um sacrifício que começou antes do tempo e do mundo; era algo que
teve seu início na eternidade.
Os teólogos chamam isto de a teoria kenosis da encarnação. O verbo grego
kenoum significa esvaziar; e o substantivo kenosis (κένωζις) significa um
esvaziamento. E a ideia é que, o Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, deliberadamente
e sacrificialmente esvaziou a si mesmo de Sua glória divina a fim de tornar-se homem.
O pensamento de Paulo encontra a sua expressão máxima em Filipenses 2:5-11.
Lá Paulo fala sobre o Senhor Jesus Cristo, o qual tinha igualdade com Deus, por direito,
e não como uma coisa a ser arrancada; mas ele desistiu disto e não prendeu isto a Ele, e

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Ele se tornou um homem. Então Paulo continua a amontoar as coisas que mostram a
extensão deste auto esvaziamento. Se Deus tinha vindo a este mundo, Ele poderia ter
sido esperado como um grande rei, em força e poder e glória, e com toda a
magnificência que o mundo pode dar. Mas o Senhor Jesus se tornou um sem reputação;
Ele se tornou, não um rei, mas um servo. Ele veio, não para mandar, mas para obedecer.
Ele tornou-se obediente até à morte; e esta morte não foi apenas uma morte natural, era
a morte pela Cruz. Conforme cada peça do padrão desta passagem toma seu lugar, elas
salientam a extensão e a integralidade do auto-esvaziamento de Deus, que envolve a
Encarnação.
A coisa estranha sobre esta teoria kenosis é que ela deixa perplexa a mente e
ainda assim comove o coração. Deixa perplexa a mente ver como Deus pode abandonar
Seus atributos essenciais e ainda permanecer Deus. Deus é onisciente, e no entanto, é
evidente que na Sua vida terrestre havia coisas que o Senhor Jesus não sabia. Ele
frequentemente fazia perguntas, e quando ele as fazia, não devemos nos atrever a pensar
que Ele estava simplesmente encenando. Ele mesmo disse que nem mesmo Ele sabia o
dia e a hora quando o Filho do Homem viria em Sua glória (Marcos 13:32).
Deus é onipotente; no entanto, é evidente que havia coisas que o Senhor Jesus
em sua vida terrena não podia fazer. Mesmo os evangelhos, que contém a mais alta
visão do Senhor e Jesus, ainda mostra-nos Jesus cansado e abatido e fisicamente
exausto com a viagem (João 4:6). Marcos nos diz como, quando eles cruzaram o lago
em um barco de pesca, o Senhor Jesus estava dormindo em um travesseiro na popa do
barco (Marco 4:38). E o Deus eterno nem cochila nem dorme.
Deus é onipresente; no entanto, é evidente que durante sua vida terrestre o
Senhor Jesus estava sujeito as leis do espaço e tempo, e como qualquer outro homem
podia estar em apenas um lugar ao mesmo tempo.
Quando tentamos lidar com esta ideia de auto esvaziamento de Deus na
Encarnação, a mente não pode compreender isto. Podemos torná-la um pouco mais fácil
para as nossas mentes entender, se dissermos que na Encarnação, Deus se esvaziou de
Seus atributos puramente metafísicos, como onisciência, onipotência e onipresença, mas
não de Seus atributos morais, Sua bondade, Sua justiça e, acima de tudo, o Seu amor.
O auto-esvaziamento de Deus na Encarnação é a demonstração suprema do Seu amor,
pois era do Seu amor que Ele desejava falar aos homens e era sobre o Seu amor que os
homens, acima de tudo, precisavam saber.
Talvez esta seja a ideia Paulina da kenosis divina, o auto esvaziamento de Deus
é algo que a mente não pode compreender e explicar; mas para o coração está definido,
como nenhuma outra doutrina está, o inimaginável sacrifício de amor que Deus fez em
se tornar homem em tudo. Ela define o que Deus teve de desistir, a fim de vir para este
mundo por nós homens e para nossa salvação.
Mais de uma vez Paulo destaca a realidade da Encarnação. Nós já vimos como
em Filipenses 2:5-11 Paulo enfatiza a integralidade da Encarnação. Em Romanos 1:3
Ele fala do Senhor Jesus sendo feito da semente de Davi de acordo com a carne. Em
Romanos 8:3 ele fala de Deus enviando Seu Filho na semelhança de, sob a forma de,
como Moffatt coloca, carne pecaminosa. Encontramos esta mesma insistência na
realidade da Encarnação na primeira carta de João. João escreve: Todo espírito que

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confessa que Jesus Cristo veio em carne, é de Deus: e todo espírito que não confessa
que Jesus Cristo veio em carne, não é de Deus" (1 João 4:2, 3).
Ambos Paulo e João estavam direcionando seus ensinos contra uma heresia que
é conhecida como docetismo. Temos visto como os gnósticos acreditavam que a matéria
era essencialmente falha e má. Se isso é assim, então obviamente o corpo deve ser,
essencialmente, uma coisa má. Estes gnósticos ensinavam que o Senhor Jesus não tinha
um corpo real de qualquer tipo; que Ele era um tipo de espírito ou fantasma com um
corpo que era feito de espírito e não de carne. Dokein (δοκεῖν) significa parecer; e estes
gnósticos ensinavam que o Senhor Jesus parecia ser um homem, tinha a aparência de ser
um homem, mas na realidade não tinha corpo humano de qualquer tipo.
Os gnósticos produziram muitos livros que supostamente seriam da vida do
Senhor Jesus. Um deles é chamado Os Atos de João e foi escrito cerca de 150 D.C.
Nele João é representado dizendo sobre o Senhor Jesus: "Às vezes, quando eu ia tocá-
lo, encontrei-me com um corpo material e sólido, e em outras vezes, de novo, quando ia
senti-Lo, a substância era imaterial e, como se não existisse de qualquer modo ... E,
muitas vezes, quando eu andava com ele, eu desejava ver a impressão do Seu pé, se ela
aparecia na terra, e eu nunca a vi."
Para estes gnósticos o Senhor Jesus era uma figura fantasma que parecia com um
homem mas não era um. Paulo não tinha nada disto; ele insistia que o Senhor Jesus era
realmente e verdadeiramente um homem. Como veremos, nos pensamentos de Paulo era
completamente essencial que o Senhor Jesus devia ser completamente homem, se
alguma vez Ele ia redimir o homem. E Paulo não teria nada a ver com qualquer dessas
teorias que tentaram honrar a divindade do Senhor Jesus, destruindo sua humanidade.
Paulo considerava a Encarnação como um ato de amor de Deus; ele considerava
a encarnação como algo que envolve o inicio do sacrifício do Senhor Jesus Cristo na
eternidade e antes do tempo; ele considerava a Encarnação como algo que envolve a
plena e completa humanidade do Filho de Deus. Para Paulo a natureza humana do
Senhor Jesus era de suprema importância, porque Paulo era bem claro que somos
salvos, tanto pela vida do Senhor Jesus como pela Sua morte. Para Paulo, a vida do
Senhor Jesus Cristo é um elemento tão necessário para a salvação, como a morte do
Senhor Jesus Cristo. Temos que ver detalhadamente esta ideia de Paulo, porque isto é a
chave para um dos mais difíceis capítulos que Paulo já escreveu.
Duas vezes esta ideia da eficácia da vida do Senhor Jesus no trabalho da
salvação aparece. Isto aparece rapidamente em 1 Coríntios 15:21, 22: Uma vez que pelo
homem veio a morte, pelo homem veio também a ressurreição dos mortos, pois como
em Adão todos morreram, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados." Mas
esta ideia aparece mais plenamente em Romanos 5:12-21. A ideia básica desta
passagem é exposta no versículo 19: "Como pela desobediência de um homem, muitos
foram feito pecadores, assim pela obediência de um só, muitos se tornarão justos."
O argumento desta passagem é que todos os homens pecaram em Adão.
Devemos notar cuidadosamente que Paulo não está dizendo que todos os homens
pecaram do mesmo modo que Adão pecou. Ele não está dizendo que de Adão os
homens a tendência para pecar. Ele está dizendo que toda a humanidade literalmente e
de fato pecou em Adão. O fato de Adão ter pecado constitui todos os homens pecadores.

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Para uma mente ocidental do século vinte, esta é uma ideia muito difícil, se não
uma ideia impossível. Achamos muito difícil entender como todos os homens, como
nós, pecamos em Adão. Por trás disto, há a ideia judia de solidariedade. Esta é uma
ideia que é característica dos pensamentos primitivos da maioria das nações. Os Judeus
nunca pensaram em si mesmo como um individuo; ele sempre pensou em si mesmo
como um membro de uma família, um clã, ou uma nação. separado desta família, clã, ou
nação ele não tinha uma existência separada. Ele existia não como um individuo, mas
como uma unidade em uma sociedade. Ainda hoje, é dito que um aborígine australiano,
ao ser perguntado seu nome, vai responder, não seu próprio nome, mas o nome de sua
tribo. Ele pensa em si mesmo primeiro e acima de tudo como um membro de uma tribo.
Isso é mais claramente visto em ação, nas rixas de sangue. Suponhamos que um homem
de uma tribo é ferido ou morto por um homem de outra tribo. Então se torna dever de
toda a tribo do homem ferido se vingar de toda a tribo do agressor. A tribo inteira é
considerada como envolvida na lesão, e toda a tribo é considerada como causando a
lesão. O assunto não é uma questão de indivíduos, é uma questão de tribos, isso é a
solidariedade em ação.
Nós temos um exemplo vivido deste principio m ação no Velho Testamento em
Josué 7. Na conquista de Jericó, Acã manteve para si mesmo alguns dos espólios, em
desobediência direta ao mandamento de Deus que todos os espólios deveriam ser
destruído; e, em principio, ninguém soube da desobediência secreta de Acã. Após a
queda de Jericó Após a queda de Jericó os israelitas mudaram para tomar Ai, que
deveria ter caído sem qualquer problema. Ela não caiu, o cerco de Ai produziu desastre.
Porque? Porque Acã tinha pecado em desobedecer. O pecado de Acã constituíram a
nação inteira uma empresa pecadora, e sobre a nação, Deus estava enviando o seu
castigo. Acã não era um individuo; ele não tinha existência separada à parte da nação;
ele era parte da nação; e em seu pecado, toda a nação tinha pecado, e por seu pecado,
toda a nação estava sendo punida. O que o individual fez, toda a nação fez. Mais além,
quando foi descoberto que foi Acã que havia pecado, não foi apenas Acã executado,
mas sua família inteira foi executada com ele, porque eles estavam envolvidos em seu
pecado. Aqui, então, está a solidariedade.
Paulo começa com a ideia que completamente literalmente todos os homens
pecaram em Adão; todos os homens estavam envolvidos no pecado de Adão; porque
Adão se tornou um pecador, todos os descendentes de Adão foram constituídos
pecadores.
Mas poderia muito bem ser dito a Paulo: "Como você pode provar isto? Essa é
uma declaração extraordinária de fazer. Você pode adiantar qualquer prova que, de fato,
todos os homens pecaram em Adão?" É esta prova que Paulo procura adiantar em
Romanos 5. No argumento de Paulo há certos passos básicos.
I - Básico para o argumento de Paulo é a insistência que a morte é a
consequência do pecado. A morte vem pelo pecado (Romanos 5:12). Se não houvesse
pecado, não teria havido morte. Morte é o resultado do pecado.
II - Adão quebrou um mandamento positivo de Deus, o mandamento de não
comer do fruto da arvore proibida. Assim Adão pecou e, assim, Adão tornou-se passível
de morte (Romanos 5:12).

A Mente de Paulo Página 36


III - Mas como Paulo pode provar que neste pecado particular de Adão, todos
pecaram? A Lei não veio ao mundo até o tempo de Moisés. Agora, se não há Lei, não
pode haver pecado, porque pecado é a transgressão da Lei. Portanto, antes de Moisés,
não poderia haver tal coisa como pecado. Entre Adão e Moisés, a Lei não existia;
consequentemente o pecado não existia. E, todavia, os homens morreram. Este é o
argumento de Romanos 5:13, 14.
IV - Porque então o homem devia morrer, se não havia Lei, e consequentemente
não havia pecado? A resposta é que eles morreram, porque eles pecaram em Adão; eles
estavam envolvidos no pecado de Adão; pela ofensa de um só homem, a morte reinou
por um (Romanos 5:17).
É argumento de Paulo o fato que os homens continuavam a morrer antes do
inicio da Lei e, portanto, antes poderia haver tal coisa como o pecado, é a prova do fato
que eles pecaram em Adão. Pelo pecado de Adão, todos os homens foram constituídos
pecadores.
E agora, vamos para o outro lado do argumento. A este mundo veio Cristo. Ele
trouxe para Deus a justiça perfeita e a obediência perfeita (Romanos 5: 18, 19). E assim
como todos os homens estavam envolvidos no pecado de Adão, assim também todos os
homens estavam envolvidos na perfeita obediência, perfeita bondade e perfeita
santidade do Senhor Jesus Cristo. Através desta perfeita obediência do Senhor Jesus
Cristo, o mal e a interminável reação em cadeia do pecado e morte foi quebrada; a série
mortal foi interrompida; a nova santidade entrou. E assim como os homens tinham sidos
constituídos pecadores pelo pecado de Adão, eles foram constituídos justos pela
obediência do Senhor Jesus Cristo. Tendo em vista a concepção de solidariedade, a
humanidade estava envolvida no pecado de Adão, e tendo em vista a concepção de
solidariedade, a humanidade está envolvida na santidade do Senhor Jesus Cristo. O
pecado de Adão tornou todos os homens pecadores; a obediência do Senhor Jesus Cristo
tornou todos os homens justos.
Agora está completamente nítido que o argumento de Paulo se apoia no fato era
totalmente homem. O argumento inteiro desmorona a não ser que o Senhor Jesus seja
tão humano como Adão era humano.
Para nossas mentes modernas, tudo isto é um argumento estranho. Nós achamos
difícil de entender, e, se formos honestos, muitos de nós teremos que dizer que não
achamos isto muito convincente. Mas neste argumento há uma grande falha e há uma
grande verdade. A falha está nisto. Suponha que tomemos a história de Adão
literalmente. Suponha assumirmos, que é literalmente verdade que Adão foi o primeiro
homem, e que todos nós somos seus descendentes. Então a conclusão é que nossa
conexão com Adão é uma conexão física. Isto é, algo que não temos como escolher ou
rejeitar. Nós não temos escolha, qualquer que seja, sobre o assunto. É simplesmente
uma questão inevitável de descendência física. Mas, do outro lado, nossa conexão como
Senhor Jesus Cristo, é uma conexão espiritual. É por, qualquer meio, um
relacionamento inevitável; É algo que podemos escolher ou rejeitar. A conexão é muito
diferente. Nenhum homem pode, razoavelmente, ser condenado, porque ele está
fisicamente conectado com os seus antepassados; mas todo homem deve suportar a

A Mente de Paulo Página 37


responsabilidade por aceitar ou recusar sua conexão com o Senhor Jesus Cristo. Esta é a
falha no argumento de Paulo.
Mas também há, no argumento de Paulo, uma verdade eterna. A verdade é esta.
O homem estava envolvido em uma situação da qual, ele não podia livrar a si mesmo;
ele foi dominado pelo pecado; ele estava, impotente, nas garras de pecado. Para esta
situação, veio o Senhor Jesus Cristo, com um poder que poderia quebrar esta situação
sem esperança e introduzir um novo elemento de libertação. O que é verdade é que o
homem estava irremediavelmente e desamparadamente envolvido no pecado, e que o
Senhor Jesus Cristo libertou-o desta situação trágica e impotente. Através do Senhor
Jesus Cristo, o homem pecador se tornou, potencialmente, o homem justo. Como Paulo
teria dito, o pecado de Adão, tornou os homens pecadores; a santidade do Senhor Jesus
Cristo pode tornar os homens santos.

A Mente de Paulo Página 38


VIII

A OBRA DO SENHOR JESUS CRISTO

Ao estudarmos os escritos de Paulo, nos deparamos com exemplo após exemplo do que
o Senhor Jesus Cristo fez para o homem.
Na vanguarda do pensamento de Paulo estava o fato de que o Senhor Jesus
Cristo trouxe aos homens o conhecimento de Deus, que sem Ele, eles nunca poderiam
ter possuído ou entrado nele. O Senhor Jesus mesmo disse: "Aquele que vê a mim, vê
ao Pai" (João 14:9) e esta era uma parte essencial e primaria da crença de Paulo. Para
colocá-lo, em seu modo mais simples, Paulo acreditava com todo seu coração que o
Senhor Jesus mostrou-nos como é Deus. Deus ordenou a luz brilhar na escuridão "Para
dar a luz do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo" (2 Coríntios 4:6).
O Senhor Jesus é a revelação da glória de Deus; Ele é a glória encarnada; Nele todo
homem vê a glória de Deus.
É na carta para os Colossenses que esta ideia aparece em todo seu esplendor.
Esta carta foi escrita para combater uma heresia que declarava que o Senhor Jesus
certamente era grande, mas que Ele era apenas um estágio no caminho do conhecimento
de Deus. Paulo não tinha nada com isto. Para ele não havia nada de parcial sobre o
Senhor Jesus Cristo. O Senhor Jesus era a revelação completa de Deus. "Ele agradou ao
Pai," ele escreve, "que Nele deveria habitar toda plenitude" (Colossenses 1:19). Ele fala
sobre o Senhor Jesus Cristo "no qual estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e
conhecimento" (Colossenses 2: 3). Então ele continua para fazer a declaração além da
qual nenhuma declaração sobre o Senhor Jesus Cristo pode ir: "Nele habita toda a
plenitude da divindade, corporalmente" (Colossenses 2:9). Não é que o Senhor Jesus
veio para trazer a revelação plena de Deus. Não é que Ele veio escrever um livro, ou
para dar um curso de sermões ou palestras sobre como é Deus. Pelo contrário, Ele veio
para ser a revelação plena de Deus. Não é como se Paulo dissesse: "Escutem ao Senhor
Jesus Cristo, e você irá aprender como Deus é." É como se ele dissesse: "Olhem para o
Senhor Jesus Cristo, e vocês verão como Deus é." Esta procura por pecadores, este
cuidado para os sofredores, esta alimentação para os famintos, este conforto para os
aflitos, este amor sacrificial pelos homens é uma demonstração no tempo da atitude
eterna de Deus para os homens. Mas isto poderia não ser suficiente para mostrar aos
homens como Deus é. Isso, em si mesmo, pode até ser uma coisa torturante e
assombrosa. Pode ser como permitir a um homem um vislumbre de um pouco de calor e
esplendor no qual ele próprio nunca poderá entrar. Pode ser simplesmente seduzir um
homem com uma visão de beleza, que nunca poderia ser outra coisa senão algo visto a
uma grande distância. Como Paulo viu, o Senhor Jesus Cristo veio abrir o caminho de
Deus para os homens, para dar aos homens acesso à Deus.

A Mente de Paulo Página 39


Paulo fala do acesso que temos à graça através do Senhor Jesus Cristo. Ele fala
daqueles que estavam distantes sendo tragos para perto (Efésios 2:13). Ele diz que
através Dele, temos acesso ao Pai (Efésios 2:18; 3:12). A palavra que Paulo usa para
acesso é de supremo interesse. É o substantivo prosagoge, que está conectado com o
verbo prosagein. Na versão grega do Velho Testamento, prosagein é a palavra que é
usada é usada para trazer os homens a Deus para que possam ser ordenados como
sacerdotes para o Seu serviço (Êxodo 29:4).
Até mesmo o mundo celestial veria a grandeza do significado desta palavra. A
forma principal da religião Grega no tempo de Paulo, era as Religiões de Mistérios. Eles
eram como jogos de paixão e o adorador só era autorizado a participar deles depois de
um longo processo de instrução e treinamento e disciplina o tivessem preparado para
tornar-se um iniciado.
Quando ele estava preparado, era o dever de um oficial chamado de mustagogos
trazê-lo e a palavra usado para trazer tal iniciado, é prosagein.
É, talvez, ainda mais sugestivo que esta palavra tinha um uso que foi ligado
especialmente com o corte dos reis. Prosagein é a palavra normal para apresentar uma
pessoa à presença de um rei. Xenofonte diz, por exemplo, como o rei Astíages tinha um
oficial confiável chamado Sacas, que era seu copeiro, e que tinha a responsabilidade de
introduzir (prosagein) ao rei aqueles que ele pensava ter direito a esse privilégio, e de
manter fora aqueles a quem ele não achasse apto para isso. Há, de fato, na corte Persa,
um oficial da corte, cujo título em grego era prosagogeus, o introdutor, a pessoa que era
o responsável por introduzir outros na presença do rei. Então, para Paulo, o Senhor
Jesus é a pessoa que está apta e disposta a introduzir os homens à presença de Deus.
Por trás deste pensamento do Senhor Jesus Cristo como introdutor à presença de
Deus, havia na mente de Paulo dois pensamentos. O primeiro é que os homens, por seus
pecados, tinham erguido uma barreira entre eles mesmos e Deus e o Senhor Jesus
removeu esta barreira e abriu o caminho. Devemos deixar a discussão completa disto
para depois. Mas Paulo teria concordado de todo o coração que o amor do Senhor Jesus
Cristo quebrou todas as barreiras.
Mas na mente de Paulo certamente havia outra ideia. Nós já dissemos que o
Senhor Jesus Cristo veio a este mundo para mostrar aos homens o que Deus é. O fato é
que até o Senhor Jesus chegar a este mundo os homens tinham uma ideia errada de
Deus. Eles pensavam em Deus como o tirano, o legislador, o juiz. Eles pensavam em
Deus como aquela pureza terrível diante da qual todo homem está em falta e de quem
todo homem pode esperar nada além condenação. Eles pensavam em Deus como aquela
justiça inexorável, que estava ligado a sentença de condenação absoluta. Eles pensavam
em Deus como o caçador implacável, empenhado na destruição do pecador. Claramente,
os homens que tinham essa ideia, teriam apenas uma ideia, não se aproximar de Deus, e
fugir da Sua presença e escapar de Sua ira, obviamente uma tarefa impossível.
Mas a vinda do Senhor Jesus Cristo mostrou Deus em uma luz totalmente nova.
Sua vida de trabalho e Sua morte por amor, deu aos homens uma completamente nova
ideia de Deus. Ele mostrou Deus aos homens como o amado das almas dos homens. Ele
mostrou Deus como procurando amor. Ele mostrou Deus como um Deus cujo desejo é
perdoar e reunir os homens a Ele mesmo em amor paternal. Ele baniu o medo de se

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aproximar de Deus dos corações dos homens. Ele abriu uma caminho para Deus para
aqueles homens cujo desejo e instinto era fugir de Deus. Fora do Senhor Jesus Cristo os
homens nunca poderiam ter conhecido o amor de Deus. E esta nova revelação, e esta
nova descoberta, abriu a porta do acesso à Deus, pois isto tornou os homens aptos a se
lançarem no amor de Deus ao invés de fugirem eternamente da ira de Deus. Ao longo
de seus escritos, Paulo usa seis grandes metáforas para descrever a obra do Senhor Jesus
Cristo. Ele pega seis grandes imagens do cotidiano de uma vida comum para mostrar
aos homens o que o Senhor Jesus Cristo havia feito. Esta imagens podiam ser muito
vividas para aqueles que as ouviram pela primeira vez, pois elas vieram de esferas da
vida que eles conheciam e entendiam; e elas ainda são capazes de se tornarem reais para
nós hoje.
A primeira grande metáfora é a metáfora dos tribunais, a metáfora da
justificação. O Cristianismo, assim como o Judaísmo antes dele, é essencialmente uma
religião ética. Isto quer dizer que o Cristianismo insiste que o homem deve viver um
certo tipo de vida e ser um certo tipo de pessoa. É a vontade de Deus e mandamento de
Deus que o homem deva ser e fazer assim. Uma religião ética deve sempre ter sanções.
Isto quer dizer, deve haver uma diferença entre o que acontece na eternidade para o
homem que cumpriu a exigência ética de sua religião e o que não cumpriu. Dizendo de
outra maneira, significa que deve haver julgamento. Algum dia o homem deve enfrentar
seu julgamento diante de Deus, ele deve comparecer diante o tribunal de Deus; ele deve
prestar contas pelas coisas que fez em seu corpo (Romanos 14:10, 12). Se for assim,
todo homem devem comparecer em falta, porque nenhum ser humano pode cumprir as
exigências da perfeição de Deus.
É justamente aqui que a Justificação aparece. Justificação mostra um homem em
um julgamento diante de Deus. Paulo diz: "Sendo justificado pela fé, temos paz com
Deus através de nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 5:1). Ele diz que é verdade que
todos nós pecamos, mas somos justificados gratuitamente através de Sua graça
(Romanos 3:24). Somos justificados pela fé (Romanos 3:28). Deus, disse Paulo em uma
frase magnífica, justifica o ímpio (Romanos 4:5).
No Novo Testamento, especialmente em Paulo, o verbo justificar, quando é
usado para falar sobre Deus, tem um sentido muito diferente do que ele tem em Inglês.
Em Inglês justificar uma pessoa significa produzir razões por quais ele esteja certo,
trazer argumentos que provem, ou tentem provar que ele estava perfeitamente correto,
para agir como agiu. Se eu me justificar, usando a palavra em seu sentido em Inglês,
isso significa que eu busco produzir razões em defesa de qualquer ação que tomei. Mas
isto não é tudo o que esta palavra significa no Novo Testamento. Em Grego a palavra
para justificar é dikaioun. Verbos gregos que terminam em -oun não significam fazer
algo para uma pessoa; elas significam tratar, fazer as contas, contar um homem como
sendo algo. E quando Paulo fala de Deus justificando o pecador, ao invés de emitir a
pena como um juiz justo, mas implacável, trata o pecador como se ele tivesse sido um
bom homem.
Isto foi exatamente o que chocou os Judeus na essência de seu ser. Pois se
qualquer juiz tratasse um homem mal como se ele fosse um homem bom, para o Judeu
era o cúmulo da injustiça e maldade. O Velho Testamento tem: "O que justifica o ímpio

A Mente de Paulo Página 41


é abominação ao Senhor" (Provérbios 17:15). Deus diz:"Eu não justificarei o ímpio"
(Êxodo 23:7). Diante disso, Paulo vem com o audacioso e tremendo paradoxo que Deus
é, caracteristicamente, o Deus que justifica o ímpio (Romanos 4:5).
Toda a essência do evangelho que Paulo vem pregar, é que Deus, nesta
misericórdia surpreendente, trata o pecador como se ele tivesse sido um bom homem.
Ao invés de esmagar o pecador, Ele recebe ele de braços abertos. Ao invés de derramar
os poderosos frascos de Sua santidade indignada, Ele derrama as águas de purificação
de Seu amor sacrificial.
Quando a guerra civil americana estava em progresso, e o sul tinha se rebelado
contra o norte na questão da escravidão, uma vez perguntaram para Lincoln: "Quando
esta guerra terminar, e quando o sul tiver sido vencido e conquistado, e voltar para a
União, como você tratará esses rebeldes sulistas, o que você fará com eles? Lincoln
respondeu: "Irei tratá-los como se nunca tivessem se separado." Isto é precisamente o
que Paulo quer dizer com justificação; ele que dizer que neste amor surpreendente, Deus
trata os homens como se eles nunca tivessem se separado.
Nós, frequentemente, pensamos em justificação como uma teológica e até
mesmo remota, concepção; mas a figura perfeita da justificação está na Parábola do
Filho Prodigo. O filho planejou retornar com sua confissão de pecado contra o céu e seu
pai; e com seu pedido de se tornar um empregado. Ele nunca foi autorizado a fazer este
pedido (Lucas 15:18, 19, 21). Seu pai o recebe de volta, não como empregado, mas
como filho, como se ele nunca tivesse partido.
Uma professora de escola dominical umas vez estava contando a história do
Filho Pródigo para uma classe em uma missão nas favelas da Escócia. Ela contou a
história da rebelião do filho, de seu terrível destino em pais distante, e das sua resolução
de voltar para casa. E ela continuou, "O que vocês acham que seu pai deveria fazer
quando ele retornar para casa?" Daquela classe de crianças faveladas, que conheciam o
mais duro da vida, ela recebe a resposta imediata: "Dar uma surra nele!" Esta é a
resposta natural; isto é o que qualquer um esperaria; mas, esta é a resposta errada,
porque para a glória de Deus é que Deus justifica o ímpio. Ele trata o homem mal como
se ele tivesse sido bom.
É claro que há mais do que isso; o processo não termina nisto; justificação tem
que ser seguida pela santificação. O pecador que foi gratuitamente recebido de volta,
tem que continuar e vestir-se com a santidade perdida. Mas o primeiro passo no
processo de salvação é o simples, contudo totalmente tremendo, fato que Deus justifica
o ímpio, trata o rebelde como se nunca tivesse se rebelado.
Mas, devemos continuar e perguntar, porque justificação pela fé? Qual o
significado das palavras pela fé? A resposta para isso está em outra pergunta: Como
podemos acreditar que Deus é assim? Todos nossos instintos nos fazem pensar em Deus
como Juiz, como Deus tratando com rigorosa e imparcial justiça, e de nós mesmos em
pé no tribunal de Deus como criminosos condenados, e justamente, por nossos crimes.
Como podemos saber que Deus não é assim, que, na verdade, Seu único desejo é
receber o pecador em casa? Podemos saber apenas o que o Senhor Jesus nos disse.
Devemos por toda nossa fé na suposição de que o Senhor Jesus estava certo quando Ele
nos disse que Deus é assim. Fé é apostar tudo no fato que Deus é igual ao Senhor Jesus,

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que o Senhor Jesus estava certo quando Ele falou do Deus que recebe pecadores em
casa. Fé é aceitar ao Senhor Jesus em Sua palavra quando Ele traz aos homens a oferta
de Deus.
Esta, então, é a primeira grande metáfora que Paulo usa para descrever a obra do
Senhor Jesus Cristo. É a mensagem de que o justo deve viver pela fé (Gálatas 3:11);
que pelas obras da lei nenhuma carne deve ser justificada (Gálatas 2:16). É a mensagem
que recebemos um relacionamento certo com Deus, não através do nosso próprio
esforço para alcançar a desesperada tarefa de agradar a Deus, mas aceitando, assim
como nós somos, a oferta de Seu amor. Quando Paulo fala do homem que é justo, ele
quer dizer, o homem que está em um relacionamento correto com Deus. Este
relacionamento não pode ser conquistado; ele deve ser aceito, na certeza de que Deus
trata o homem mau como se ele nunca tivesse estado ausente.
Aqui está a metáfora dos tribunais. Ela mostra o homem de pé diante de Deus
com o direito de esperar nada além de condenação absoluta, e de repente descobrir
através da mensagem do Senhor Jesus Cristo que Deus não está ameaçando-o com
justiça severa mas oferecendo-lhe amor incrível.
O mais alto pensamento dos Rabinos Judeus tinham lampejos tênues disto. Um
Rabino ouviu Deus dizer: "Retorne, tanto quanto puder e Eu virei a você, o resto do
caminho." Deus está sempre pronto a encontrar o pecador além da metade do caminho.
Outro Rabino disse: "Amado é o arrependimento diante de Deus, pois Ele cancela suas
próprias palavras, por sua causa."
Tal é o amor de Deus que ele cancela as exigências de Sua própria justiça sobre
os homens. Isto é o que justificação significa. Significa que o pecador não é um
criminoso condenado, ele é um filho perdido, o qual Deus irá tratar como se nunca
tivesse partido, basta apenas ele virar e retornar para casa. A segunda das grandes
metáforas que Paulo usa para descrever a obra do Senhor Jesus Cristo é a metáfora da
amizade. Esta figura está contida na palavra reconciliação. O verbo Grego para
reconciliar é katallassein. Não é que Paulo use esta metáfora com frequência, mas,
quando ele a usa, é no coração de seu evangelho.
Ele fala sobre nós sendo inimigos de Deus, e sendo reconciliados pela morte de
Seu Filho (Romanos 5:10). Em 2 Coríntios 5:18, 20, há três ocorrências desta palavra e
desta ideia. Deus nos reconciliou Consigo mesmo através do Senhor Jesus Cristo. Deus
estava no Senhor Jesus Cristo reconciliando o mundo Consigo mesmo. E o apelo de
Paulo é: "Reconciliem-se com Deus." Em Efésios Paulo fala de como Deus reconciliou
Judeus com Gentios e ambos com Deus (Efésios 2:16). Em Colossenses ele fala disto
sendo alvo de Deus para reconciliar todas as coisas com Ele mesmo através de Jesus
Cristo (Colossenses 1:20). "Vocês" ele diz "que noutro tempo éreis estranhos, e
inimigos no entendimento pelas vossas más obras, agora contudo vos reconciliou"
(Colossenses 1:21).
A chave desta ideia é a restauração de um relacionamento perdido. Por causa do
pecado do homem e desobediência e rebeldia, o relacionamento que existe entre o
homem e Deus é um composto de distanciamento, hostilidade e medo; mas por causa do
que o Senhor Jesus Cristo fez, esta relação sombria é substituída por uma relação de
amor confiante. É a remoção de barreiras, a substituição de um relacionamento de medo

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por um relacionamento de amor, um relacionamento de distancia por um
relacionamento de intimidade.
Uma coisa deve ser observada, Paulo nunca fala de Deus sendo reconciliado
com os homens, mas sempre de homens sendo reconciliados com Deus. A violação não
estava do lado de Deus, mas sim do lado do homem. É como se Deus enviou o Senhor
Jesus Cristo a este mundo para viver, sofrer e morrer, como se dissesse: "Eu te amo
assim. Certamente você não pode fechar o seu coração para mim e me resistir mais."
Esta é a mais simples de todas as imagens. Reconciliação significa reunir
novamente duas pessoas que se tornaram estranhos, e o Senhor Jesus Cristo reuniu o
homem e Deus novamente.
A terceira das metáforas de Paulo é a metáfora da escravidão. O mundo antigo
foi construído na escravidão. Pode ser que a maioria dos membros da Igreja fossem
escravos ou tivessem sido escravos, e esta figura seria muito real para eles. É a figura
nas palavras redenção, e comprados por um preço. Esta figura tem dois panos de fundo
que compartilham igual importância em seu significado.
Tem um fundo Hebraico. No Antigo Testamento, esta ideia de redenção
(lutrosis) está intimamente conectada com o pensamento de libertação do povo do
Egito. Para os Judeus, esta libertação de sua escravidão no Egito, foi um evento
supremo em sua história, e a suprema intervenção de Deus. "Eu te livrarei," disse Deus,
"com um braço forte" (Êxodo 6:6). "Tu, em Tua misericórdia levou o teu povo que
remiste" (Êxodo 15:13). "O Senhor vos resgatou da casa da servidão" (Deuteronômio
7:8). Repetidamente o texto acontece, de uma forma ou de outra: "Tu deves lembrar de
que foste escravo na terra do Egito, e o Senhor teu Deus te resgatou" (Deuteronômio
15:15; 16:12).
Através desta figura, palpita a alegria do escravo liberto. Os Judeus nunca
esqueceram como Deus interviu para libertá-los da escravidão no Egito. Esta é a
metáfora da liberdade recuperada através da intervenção de Deus.
Mas esta figura também tem um fundo Grego. Era possível para um escravo na
Grécia, com muito esforço, comprar sua própria liberdade. O método pelo qual ele fazia
isto era, preferencialmente, uma coisa bonita. O escravo decidiria fazer um grande
esforço. No pouco tempo livre que tinha ele teria que aceitar qualquer trabalho que
pudesse conseguir, a fim de ganhar algumas poucas moedas de cobre. Pelas leis da
escravidão, ele não poderia manter nem mesmo tudo do pouco que ele ganhasse. Seu
senhor tinha o direito de reivindicar um percentual do que ganhasse. O pouco que ele
conseguia guardar, o escravo depositava no templo de algum deus. Os anos se passavam
e então chegava o dia em que o escravo havia acumulado o suficiente para pagar o preço
de sua liberdade. Então o escravo levava seu senhor ao templo, e o sacerdote pagava o
dinheiro para seu mestre; o resultado era que o escravo se tornava propriedade de deus,
e portanto, livre de todos homem.
É esta figura que está na mente de Paulo quando ele diz: "Porque fostes
comprados por um preço" (1 Coríntios 6:20). "Porque fostes comprados por um preço,
não sejais escravos de homens" (1 Coríntios 7:23). O escravo estava livre de todos os
homens, porque ele havia se tornado a posse do deus que pagou seu preço.

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Não há duvida que esta figura do modo em que um escravo obtém sua liberdade
por se tornar uma possessão de um deus estava na mente de Paulo; mas é claro que esta
metáfora não é para ser supervalorizada. Neste tipo de Liberdade e emancipação, o
escravo guardava até que tivesse acumulado seu próprio preço de compra; de certo
modo, ele era seu próprio libertador. Paulo não teria sustentado nem por um momento
que nós poderíamos pagar o nosso próprio preço de compra. Este é um bom exemplo de
uma metáfora Paulina que deve ser usada em seu sentido geral, e não literalmente.
Qualquer que seja seu pano de fundo desta figura de liberdade, de emancipação,
de liberdade recuperada está muito na mente de Paulo. Ele escreve aos Romanos sobre
os Cristão sendo justificados gratuitamente pela graça de Deus, através da redenção que
há em Jesus Cristo (Romanos 2:24). Aos Coríntios ele escreve que o Senhor Jesus é
feito por Deus justiça e santificação e redenção (1 Coríntios 1:30). Aos Efésios ele
escreve sobre os Cristãos tendo redenção através do sangue de Cristo e perdão dos
pecados de acordo com as riquezas de sua graça (Efésios 1:7). Aos Colossenses ele fala
sobre o Senhor Jesus Cristo no qual temos redenção através de Seu sangue, até mesmo
perdão dos pecados (Colossenses 1:14).
Esta certamente é uma metáfora e uma figura que fala à nossa condição. Em
tantos casas, e frequentemente, a vida é uma escravidão, prendendo-nos a correntes que
nós mesmos forjamos. Porque muitos de nós, verdadeiramente falando, sabemos que a
única razão por que não são melhores do que somos é que não podemos tornar-nos
melhor. Há fraquezas em nós que não podemos conquistar. Há hábitos que não
quebramos. Há um passado que nos mantém em suas correntes. Há coisas enraizadas
das quais não podemos escapar. Temos incorrido uma condenação a partir do qual não
pode haver absolvição que pudéssemos ganhar.
O Senhor Jesus Cristo nos liberta de nós mesmos. Eric Linklater chamou sua
autobiografia de The Man Upon My Back (O homem em minhas costas). Porque para
muitos de nós, nossa maior deficiência é nós mesmos; e o Senhor Jesus Cristo nos dá a
força e poder para conquistar nós mesmos.
O Senhor Jesus Cristo nos liberta da frustração. Outro modo de dizer isto é que a
tragédia da condição humana é que sabemos o que é certo e não podemos fazer o que é
certo. Temos visto o sonho e não podemos alcança-lo. Somos assombrados pelas
impossibilidades da vida. O Senhor Jesus Cristo nos dá o poder que torna o impossível
possível.
O Senhor Jesus Cristo nos liberta do medo. Tantas pessoa vivem em uma vida
assombrada pelo medo; mas o Senhor Jesus nos oferece Sua presença continua na qual
o medo deve morrer, pois com Ele devemos enfrentar e fazer qualquer coisa.
O Senhor Jesus Cristo nos liberta do pecado. Através do que o Senhor Jesus fez,
o pecado do passado é cancelado, e em nossas vidas surge uma força na qual as
tentações do futuro podem ser conquistadas. O resultado do pecado é removido e o
poder do pecado é quebrado pela obra do Senhor Jesus Cristo. Redenção é a metáfora da
libertação da escravidão. O Senhor Jesus Cristo é o grande libertador de toda
humanidade. Havia uma figura da obra do Senhor Jesus Cristo que para Paulo estava
muito próximo do centro das coisas. É a ideia que a Versão Autorizada processa pela
palavra propiciação. A passagem central está em Romanos 3: 25 onde Paulo fala do

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Senhor Jesus, "a quem Deus enviou como propiciação, mediante a fé em seu sangue."
Esta é uma ideia que está no coração da religião Judaica e no centro da experiência de
Paulo. A palavra para propiciação é hilasterion, o significado preciso do qual teremos
de continuar a discutir. Mas antes de tudo, deixe-nos tentar penetrar na ideia que está
por trás disto.
A palavra hilasterion está conectada com o verbo hilaskesthai, que por sua vez
está conectada com o adjetivo hileos. Vamos chegar melhor ao seu significado se
partirmos do adjetivo. Hileos, o adjetivo, significa gracioso, favorável a. Então, o verbo
hilaskethai significa fazer, ou tornar-se, gracioso para. Significa fazer expiação pelo
pecado, e quando é usado para falar sobre Deus significa pura e simplesmente perdoar.
A ideia básica é a transformação da ira de Deus em bondade, a mudança de ser
hostil em ser bem disposto para uma pessoa. Por trás dessa palavra ali usada, está todo o
significado de toda a instituição do sacrifício. A ideia básica do sacrifício é esta: há
certas coisas que o homem não deve fazer, pois se ele fazer, ele invade as prerrogativas
de Deus; ele transgride a lei de Deus; ele se rebela contra Deus. Claramente, se um
homem é culpado de tal ação, o relacionamento que deveria existir ente ele e Deus é
quebrado e interrompido. O problema então é, como este relacionamento pode ser
restaurado? É aí que entra o sacrifício. Sacrifício é aquilo que restaura o relacionamento
perdido e quebrado dos homens com Deus. É para ser claramente lembrado que, em
qualquer religião real, e certamente na religião judaica, não era o próprio sacrifício que
restaurava o relacionamento, era a penitência, da qual o sacrifício era um sinal, um
símbolo, uma garantia e uma prova.
A ideia é bem simples, O homem peca; o homem percebe o que ele fez; o
homem se arrepende. Mas como ele pode garantir e provar que a penitencia é real e
genuína? Ele só pode fazê-lo ao oferecer para Deus algo precioso de modo a mostrar
como ele realmente e verdadeiramente está arrependido. Esta é a ideia real do sacrifício.
O que é importante não é o sacrifício em si, o importante é o real arrependimento e
tristeza dos quais o sacrifício real é apenas a expressão externa.
Então, em seguida, Paulo diz que o Senhor Jesus é nosso hilasterion. Qual é o
significado desta palavra? Se a palavra for usada como substantivo, há duas sugestões.
(a) É sugerido que hilasterion signifique um sacrifício para expiar pecado. Isto
significaria que o Senhor Jesus é o sacrifício que expia o pecado do homem. Em
nenhum lugar de toda literatura Grega hilasterion significa um sacrifício, ou é possível
que a palavra possa significar sacrifício. Este é um significado da palavra que devemos
descartar.
(b) Há uma coisa que hilasterion pode significar, se for um substantivo, e que,
realmente, geralmente significa no Velho e Novo Testamento. Todos os substantivos
gregos terminados em -erion significam o lugar onde algo é feito. Diskaterion significa
o lugar onde dike, justiça é feita, e, portanto, um tribunal. Thusiasterion significa o lugar
onde thusia, sacrifício é feito, e, portanto, o altar. Logo hilasterion certamente pode
significar o lugar onde hilasmos, expiação é feita e preparada. Por causa disto, em
ambos Velho e Novo Testamento, hilasterion tem um significado normal e técnico.
Sempre significa a tampa de ouro acima da arca que era conhecido como o
propiciatório. Em Êxodo 25:17 é estabelecido o mobiliário do tabernáculo: "Farás

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também um propiciatório (hilasterion) de ouro puro." Apenas em uma passagem no
Novo Testamento esta palavra é usada, em Hebreus 9:5, e lá o escritor fala do querubim
que obscurece o propiciatório. Esta palavra é usada neste sentido mais de vinte vezes no
Velho Testamento Grego.
Agora haviam duas ideia especiais conectadas ao propiciatório. O propiciatório
como temos visto era a tampa de ouro da arca que repousava no Santo dos Santos. No
Santo dos Santos apenas o Sumo Sacerdote podia entrar, e lá o Sumo Sacerdote,
representando o povo, tinha comunhão com Deus. Era promessa de Deus: ”Eu virei a ti,
e falarei contigo de cima do propiciatório” (Êxodo 25:22). Deus prometeu: "Eu
aparecerei na nuvem sobre o propiciatório" (Levíticos 16:2). O propiciatório era, acima
de tudo, o lugar onde Deus e Seu povo se encontravam.
Mas havia outra cerimônia relacionada com o propiciatório. Era no Dia da
Expiação, que sacrifícios eram feitos, para expiar todos os pecados, conhecidos e
desconhecidos do povo. E era no propiciatório que o sangue dos sacrifícios era
aspergido (Levíticos 16:14, 15). O resultado deste sacrifício e da aspersão do sangue era
que o povo podia ser limpo de todos os seus pecados (Levíticos 16:30). Portanto o
propiciatório era o lugar onde o sangue que expiou o pecado era derramado.
Se então, pegarmos hilasterion para significar o propiciatório, e se chamarmos o
Senhor Jesus de nosso hilasterion, neste sentido, significará, por assim dizer, que o
Senhor Jesus é o lugar onde o homem e Deus se encontram, e que especialmente Ele é o
lugar onde o pecado do homem encontra com o amor expiatório de Deus.
Este é um tremendo pensamento. É o pensamento que a morte do Senhor Jesus
Cristo, a Cruz é o local de encontro onde a justiça de Deus e a misericórdia de Deus se
encontram. Significa que na Cruz vemos a misericórdia de Deus oferecendo o sacrifício
pelo pecado do homem que Sua justiça exige. Este é um modo de ver o que aconteceu
na Cruz.
Há em Deus dois atributos essenciais. O primeiro é Seu amor; este amor de Deus
exige e insiste que Deus deve perdoar. O segundo é Sua justiça; esta justiça de Deus
exige e insiste que o pecado do homem deve ser punido. Aqui está o que, em toda
reverencia, devemos chamar de dilema de Deus. O amor de Deus requer o perdão dos
pecados; a justiça de Deus requer a punição do pecado. O que Deus pode fazer? A
resposta é aquela na Cruz, no Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus paga a pena e
carrega a punição que a justiça de Deus exige. Na Cruz, no Senhor Jesus Cristo, o amor
de Deus e a justiça de Deus se encontra, no único ato possível que poderia satisfazer
ambos a justiça e o amor. Aqui, certamente, está um pensamento mais comovente, em
que a mente pode se alimentar e o coração pode descansar.
Mas existe um outro modo de usar esta palavra hilasterion. É possível, de fato, é
mais provável, que hilasterion não seja um substantivo, mas sim um adjetivo
(hilasteros), que significa capaz de fazer expiação pelo pecado.
Se usarmos este sentido, e é mais provável que este seja o modo certo, em
Romanos 3:25 o que Paulo está dizendo é que Deus propôs o Senhor Jesus a todos os
homens para ser visto, como a única pessoa em todo o universo que pode trazer o
homem de volta a Deus, que pode restaurar o relacionamento perdido e que pode fazer
expiação pelo pecado. Cranmer traduziu hilasterion como o obtentor de misericórdia; a

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Versão Geneva traduziu ela como a pacificação. O Senhor Jesus é a única pessoa capaz
por Sua vida e Sua morte de trazer o homem e Deus à união novamente.
Nós não somos obrigados a interpretar esse grande fato, em qualquer destas
formas. Podemos interpreta-lo dizendo que o Senhor Jesus Cristo pagou a pena que os
pecados do homem fez necessário. Podemos interpreta-lo dizendo que esta infinita e
tremenda demonstração de amor de Deus quebrou os corações dos homens e destruiu a
ultima barreira. Não importa como interpretamos isto, voltamos à verdade que sempre
esteve no centro do Novo Testamento. Custou a vida e morte do Senhor Jesus Cristo,
custou a Cruz, restaurar o relacionamento perdido entre Deus e o homem.
Foi a partir da experiência de Paulo que essa ideia nasceu. Pense nas
experiências (background) de Paulo. Ele era um judeu, e como Judeu ele tinha uma
intensa consciência da santidade absoluta de Deus. A sensação da santidade de Deus
torturava-o com o sentimento de sua própria indignidade e da barreira que seu pecado
havia erguido entre ele mesmo e Deus. A religião de seu país e sua nação acreditavam
que o sacrifício podia remover esta barreira. Paulo sabia que isto não poderia, pois ele
havia tentado e falhado. Então, inesperadamente, em um momento, ele foi confrontado
com o Senhor Jesus Cristo, e as barreiras caíram, e Paulo estava em casa com Deus,
finalmente. A inimizade tinha se foi, o afastamento foi destruído, Deus era seu amigo.
Paulo, mais de uma vez, usa a figura tirada da vida da família para expressar o
que Deus no Senhor Jesus Cristo fez pelos homens. É a figura da adoção (huiothesia).
Em Romanos 8:15 Paulo diz que os Cristãos receberam o espírito de adoção que nos
permite chamar Deus de Pai e aproximar Deus como tal. Em Romanos 8:23 ele descreve
os Cristãos e toda criação como esperando ansiosamente pela adoção. Em Romanos 9:4
ele fala do povo de Israel como o povo adotado de Deus. Em Gálatas 4:5 ele diz que
Deus enviou Seu Filho para redimir aqueles que estiveram sob a lei, que eles podem
receber adoção como filhos. Em Efésios 1:5 ele diz que era propósito eterno de Deus
que os Cristãos deveriam ser adotados como crianças através do Senhor Jesus Cristo.
É claro que esta é uma ideia que estava na mente de Paulo, e que era uma figura
que para ele representava o que tinha acontecido para o Cristão através da obra do
Senhor Jesus Cristo.
A ideia de adoção pintaria uma figura ainda mais vivida para o povo do mundo
antigo do que pinta para nós hoje. A adoção era comum no mundo antigo. Ela era
realizada por três razões principais, para garantir a continuação da família e do nome da
família, para garantir que houvesse alguém a quem os bens da família pudessem ser
passados e para garantir que o culto da família aos deuses ancestrais pudessem
continuar sem interrupções.
Os diferentes setores do mundo antigo tinham seus diferentes métodos de
adoção. Entre os Judeus a adoção não era comum e não havia cerimônias legais especial
conectada a ela.
Entre os Gregos a prática da adoção era muito mais comum e o processo era
mais elaborado. A adoção só poderia ser realizada por pessoas capazes de fazer um
testamento, ou seja, por homens; ambas as partes devem ser de mente sã, não deveria
haver qualquer influência indevida, antes que um homem pudesse adotar um filho, ele
não deveria ter nenhum filho legítimo, ou seja, ele não poderia adotar um filho sobre a

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cabeça de um filho legítimo já existente. A parte adotada deveria ser um cidadão Grego;
se fosse maior de idade, era necessário seu próprio consentimento, se fosse menor de
idade, era necessário o consentimento de seu guardião; nem adotante nem o adotado
deveriam ser culpado de alguma coisa que afetasse sua cidadania ou a sua situação
legal. Por exemplo, uma pessoa que, por qualquer motivo fosse privada de seus direitos
não poderia adotar nem ser adotado.
O método de adoção era a própria simplicidade. Os Gregos eram divididos em
phratriai, que eram praticamente clãs, e em demes para fins administrativos. E a
cerimônia de adoção era simplesmente uma cerimônia religiosa e civil de adoção, pelo
novo clã e inscrição no novo deme.
O resultado da adoção era que a pessoa adotada perdia todos os seus direitos na
sua antiga família e ganhava todos os direitos em sua nova família. Mesmo que filhos
legítimos nascessem posteriormente, ele herdava integralmente e sem perguntas junto
com eles.
Mas aquela que realmente está na mente de Paulo é a adoção Romana. Não
havia cerimônia legal mais dramática e extensa em qualquer sistema legal que a adoção
Romana. A seriedade e finalidade da adoção Romana se dava devido ao fato da patria
potestas Romana, alei do poder do pai. Sob a lei Romana, um pai Romano tinha poder
absoluto sobre suas crianças. Ele podia vender a criança e ele podia escravizar a criança.
Este direito também se estendia ao direito da vida e da morte. Um pai romano era
legalmente autorizado a executar seu próprio filho.Sob a lei Romana, um filho não
podia possuir nada, ou herdar nada. Qualquer coisa deixada para ele passava, de uma
vez, para o poder de seu pai. Ainda mais, sob a lei Romana nunca, desde que seu pai
estivesse vivo um filho atingia a maioridade. Ele pode ser um senhor de muito anos, ele
poderia ter alcançado elevado, nobre e honrado emprego do Estado, mas desde que seu
pai estivesse vivo, ele permanecia inteiramente no poder de seu pai. Dion Cassius, o
historiador Grego, descreve a situação: "A lei dos Romanos dá ao pai autoridade
absoluta sobre seu filho, e isto pela vida inteira do filho. Ela lhe dá autoridade, se ele
assim o desejar, para prendê-lo, para açoitá-lo, fazê-lo trabalhar em sua propriedade
como um escravo em grilhões, até mesmo matá-lo. O direito ainda continua a existir
mesmo se o filho tem idade suficiente para desempenhar um papel ativo nos assuntos
políticos, mesmo que ele tenha sido julgado de ocupar o gabinete do magistrado, e
mesmo se ele for mantido, em honra, por todos os homens."
Em Roma havia dois métodos principais de adoção, dependendo se a pessoa a
ser adotada era maior de idade ou não. Se a pessoa fosse maior de idade, ou seja, se seu
pai não fosse vivo, o processo era chamado Adrogatio. A pessoa a ser adotada tinha que
comparecer perante a Comitia Curiata (Assembleia curiata), que era o mais solene de
todos os Tribunais Romanos. Ela era presidida pelo Pontifex Maximus, o Sumo
Sacerdote, e ele era encarregado da ordenação de magistrados, da administração dos
testamentos, e esse tipo de adoção.
A adoção tinha dois estágios. Primeiro, vinha o Detestatio Sacorum (repulsa do
Sagrado): isso significava que o homem a ser adotada tinha, em público, que renunciar a
sua própria família e deuses ancestrais e aceitar como seus deuses, os deuses da família

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em que ele estava sendo adotado. Era uma negação publica dos deuses antigos e uma
aceitação publica dos novos deuses.
Segundo, seguia-se um processo chamado Rogatio (projeto de lei) no qual um
projeto de lei jurídico completo incorporando a adoção era apresentado perante a
Comitia Curiata e era votada na forma usual. Obviamente tudo isso era uma cerimônia
mais elaborada e impressionante, representando e confirmando um passo, do qual, nada
poderia ser mais sério.
Se a pessoa a ser adotada fosse menor de idade, a cerimônia era igualmente
dramática. A criança tinha que passar de uma patria potestas para outra. Era realizada
por uma venda simbólica; o processo era chamado mancipatio. Escalas e pesos de cobre
eram utilizados. Duas vezes o pai vendia o seu filho, e por duas vezes ele o comprava de
volta. Depois, vendia-o por uma terceira e última vez, e a venda era concluída. Depois
disto, as três partes, o filho adotado, seu pai e o adotante, todos compareciam perante o
Juiz Romano chamado o praetor (Presidente da Câmara), e uma ação simbólica era
realizada, na qual a ação judicial para o filho ser introduzidos na nova patria potestas
era totalmente argumentado e somente quando o caso era resolvido, a adoção estava
completa.
Pode-se ver que, sob a lei Romana a adoção não era um assunto fácil; era
considerado como os passos mais decisivos; só poderia ser tomado após a muita
pesquisa e cerimônias dramáticas tivessem sido feitas, e uma vez realizadas, era
finalmente estabelecida de uma vez por todas.
As consequências da adoção Romana eram de longo alcance. O filho adotivo
perdia completamente todos os direitos de sua antiga família e ganhava completamente
todos os direitos sobre a sua nova família. No sentido mais literal, ele ganhava um novo
pai. Ele tornava-se como herdeiro completo das propriedades de seu novo pai como
qualquer filho normal. De acordo com a lei, todas as dívidas e as obrigações de sua vida
anterior eram canceladas. Ele era uma nova pessoa entrando em uma nova vida. Se a
pessoa adotada tivesse seus próprios filhos, como ele bem poderia ter, essas crianças
também se tornavam os filhos do pai adotante. A família era afetada pela adoção tanto
quanto era o pai. Na lei Romana a pessoa adotada, no sentido mais literal, se tornava a
criança do pai adotante. Quão literal este sentido era podemos ver a partir do seguinte
caso. Claudius, o Imperador Romano, adotou Nero, para que o Nero pudesse sucedê-lo
como imperador. Nero não era familiar de Claudius. Claudius já tinha uma filha
chamada Octavia. Pensou-se que a sucessão de Nero seria ainda mais certa se ele se
casasse com Octavia. Nero e Octavia não tinham qualquer parentesco sanguíneo, mas
aos olhos da lei Romana, eles eram literalmente irmão e irmã porque Claudius havia
adotado Nero; e o senado Romano teve que aprovar uma lei especial antes que Nero
pudesse se casar com a garota, que não tinha nenhum parentesco com ele, e que ainda
era, aos olhos da lei, sua irmã legitima.
Era neste este exemplo que Paulo estava pensando quando ele falou sobre a
adoção do Cristão na família de Deus. O Cristão recebeu um novo pai, o próprio Deus.
A família do Cristão estava incluída com ele; a promessa era para seus filhos também.
Toda sua vida passada era cancelada e era dado para ele um novo começo e uma nova
oportunidade, limpa dos pecados cancelados do passado. Ele se tornou um herdeiro

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completo da graça e da fortuna das riquezas de Deus. Ele se tornou o parente de todos
os santos de Deus.
Ainda há mais um tremendo fato que está implícito nesta figura da adoção.
Enquanto pensarmos em religião nos termos da lei, e sobre o Cristão como estando
obrigado a satisfazer a lei de Deus, então a relação do Cristão com Deus é sempre a de
escravo para Mestre e de criminoso para Juiz, e deve ser sempre uma relação composta
de distância e medo. Mas assim que trazemos essa ideia de adoção na figura toda, então
o relacionamento se torna uma relação familiar. Através da mesma palavra adoção,
Deus se torna Pai e nós nos tornamos criança e a própria essência da religião torna-se,
não uma luta para manter uma lei impossível, mas a alegria de entrar, totalmente
imerecidamente, na família de Deus.

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IX

A MORTE DO SENHOR JESUS CRISTO

No capitulo anterior vimos as grandes figuras que Paulo usou para expressar a obra do
Senhor Jesus Cristo; agora devemos voltar nossos pensamentos para a mais importante
de todas as partes s pensamentos de Paulo. Devemos nos perguntar: por que é que a
morte do Senhor Jesus Cristo está na mente de Paulo? Qual é a posição da Cruz no
esquema de Paulo das coisas?
Uma coisa é certa, para Paulo a Cruz era o centro da fé Cristã. A insistência
continua de Paulo está na centralidade essencial da Cruz. Ele escreve aos Coríntios:
"Pregamos Cristo crucificado" (1 Coríntios 1:23). Ele escreve: "Determinei não saber
nada entre vocês, a não ser Jesus Cristo e Ele crucificado" (1 Coríntios 2:2). Ele escreve
aos Gálatas: "Deus proíbe que me glorie, a não ser na Cruz de Nosso Senhor Jesus
Cristo" (Gálatas 6:14). Não há necessidade de tentar provar que, para Paulo a Cruz do
Senhor Jesus Cristo estava no centro de universo.
É, ainda mais claro que, para Paulo a Cruz do Senhor Jesus Cristo tinha um certo
poder de auto comprovação. A Cruz continha seu próprio apelo. Buscar decorá-la com
belas palavras era simplesmente para obscurecê-la. Para Paulo, a Cruz era algo a ser
mostrado aos homens em toda a sua gritante simplicidade. Ele não vai pregar com
sabedoria de palavras, para que a cruz do Senhor Jesus Cristo não se torne sem efeito
(1 Coríntios 1:17). Ele não vem com excelência de discurso ou sabedoria (1 Coríntios
2:1). Ele não conseguia entender como os Gálatas podiam ter se desviado quando o
Senhor Jesus Cristo tinha sido exposto diante de seus olhos (Gálatas 3:1).
Paulo poderia ter dito que primeiro e mais importante, a Cruz não é a ser
discutido, mas sim algo a ser mostrado aos homens. Ele tinha convicção que a Cruz
tinha seu próprio poder persuasivo, que a história da Cruz, simplesmente contada, vai
quebrar as barreiras, que a primeira tarefa do pregador cristão é, sem enfeites, mostrar
ao mundo o Homem na Cruz. Por esta mesma razão, é ainda mais importante, tentarmos
ver o que Paulo viu na morte do Senhor Jesus Cristo.
Podemos muito bem começar com algo sobre o qual não pode haver disputa
possível. Paulo estava certo que o Senhor Jesus Cristo morreu em favor do homem.
Devemos ser cuidadosos para entender esta frase certo. A preposição do Grego é sempre
huper que significa em favor de. A preposição não é anti, o que significaria, em vez de.
A Versão Autorizada geralmente traduz isto simplesmente como pelos homens.
Podemos muito bem achar no final, que há um elemento no pensamento de Paulo de
que o Senhor Jesus morreu no lugar do homem, mas o fundamental, básico e essencial
pensamento é que o Senhor Jesus morreu na Cruz em favor dos homens. Ele escreve aos
Tessalonicenses sobre o Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós (1 Tessalonicenses

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5:10). Ele implora por consideração pelo irmão mais fraco por quem Cristo morreu (1
coríntios 8:11). Ele fala do irmão por quem Cristo morreu (Romanos 14:15). Ele fala
sobre o Senhor Jesus Cristo que amou a Igreja e deu a si mesmo pela Igreja (Efésios
5:25). Podemos muito bem começar com o fato básico e simples que o Senhor Jesus
Cristo morreu em favor de nós, que Sua morte alcançou algo por nós que por nós
mesmos não poderíamos nunca ter alcançado.
Agora podemos continuar a tentar definir mais completamente o que esta frase
em favor de significa e sua implicação. Paulo deixa claro que foi esta morte do Senhor
Jesus Cristo que alcançou reconciliação entre o homem e Deus. É pela Cruz e através
da Cruz que o relacionamento que deveria existir entre o homem e Deus é restaurado. O
abismo é atravessado; o estranhamento é curado; a inimizade se foi. Ele fala de nós
sendo reconciliados à Deus através da morte de Seu Filho (Romanos 5:10). Ele fala do
homem sendo aproximado através do sangue de Cristo (Efésios 2:13). Ele fala sobre
Deus fazendo paz através do sangue de Cristo (Colossenses 1:20). A morte do Senhor
Jesus Cristo é aquilo que alcançou a reconciliação do homem com Deus, aquilo que
restaurou o relacionamento, de intimidade e amor, perdido.
Podemos fazer uma pausa para observar que isso por si só não implica ou exige
um substitutivo, ou mesmo no sentido mais restrito, uma visão sacrificial da morte do
Senhor Jesus Cristo. Tomada por si mesma, isolada dos outros grandes ditos de Paulo,
pode ser interpretada no sentido de que a morte do Senhor Jesus Cristo deu aos homens
uma tal demonstração absolutamente convincente do amor de Deus, que o homem é
obrigado a deixar de ver a Deus como o legislador, o capataz e o juiz, e é obrigado a
começar a vê-lo como o amado das almas dos homens. Pode ser interpretado no sentido
que a Cruz fala aos homens como nenhuma outra coisa no mundo fala: Deus ama você
deste modo, e que esta descoberta do amor de Deus foi exatamente o fato que produziu
esta reconciliação, que deu aos homens paz com Deus. Na verdade não pode haver
dúvida possível que isso faz parte do pensamento de Paulo. " O amor de Cristo nos
constrange," ele disse (2 Coríntios 5:14). Não há duvida que Paulo viu na Cruz uma
demonstração daquele incrível e maravilhoso amor, a visão que pode quebrar os
corações dos homens. Mas deixar o assunto aí, não seria uma reflexão justa do
pensamento de Paulo.
O pensamento da Cruz, a morte do Senhor Jesus Cristo, e a ideia de redenção
estão indissoluvelmente conectados na mente de Paulo. Isto aparece em uma frase tão
simples como: " O Salvador, o Senhor Jesus Cristo" (Filipenses 3:20). O próprio uso da
palavra Salvador deixa claro que havia algo do qual o homem devia ser salvo e que esta
salvação foi operada pela vida e morte do Senhor Jesus Cristo. Em Gálatas 4:5 Paulo
diz muito claramente: "Deus enviou Seu Filho... para resgatar os que estavam sob a lei.
"Em tal frase deve haver duas ideias interligadas.
(a) Deus enviou Seu Filho para resgatar os homens de sua servidão da lei, para
leva-los para fora desta perspectiva legalista que poderia resultar em nada além de
distanciamento de si mesmo, para mostrar a ele que a força dominante na vida deve ser,
não a lei, mas o amor.
(b) Deus enviou Seu Filho para salvar os homens das penalidades que segundo a
lei tinham sofrido. Se existe uma lei moral neste mundo, a violação desta lei deve

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envolver penalidade e Deus enviou o Seu Filho para resgatar os homens da situação em
que seu pecado os trouxera.
Em Efésios 1:7 Paulo coloca as duas coisas juntos, como se elas fossem
paralelas. "Em Jesus Cristo temos redenção; através de Seu sangue, perdão dos
pecados." A redenção é redenção da punição que o homem tem merecido e tinha direito
para um perdão e graça, que ele não mereceu e que ele não tinha direito. A oração é
repetida palavra por palavra em Colosseses 1:14. Esta redenção, libertação,
emancipação, este ganho da liberdade é algo que tem de ser alcançado através do
pagamento de um preço. Foi a morte do Senhor Jesus Cristo que alcançou esta
liberdade; e o fez de uma forma dupla; alcançou libertação presente e o apagamento da
escrita que os pecados do passado produziram contra nós (Colossenses 2:14).
Temos agora de abordar a essência fundamental da questão. Repetidamente
Paulo conecta a morte do Senhor Jesus Cristo com pecado. Nesta questão não há dicas e
implicações; a conexão é feita definitivamente e sem rodeios. O primeiro item da crença
que Paulo recebeu foi esta "Cristo morreu por nossos pecados de acordo com as
escrituras" (1 Coríntios 15:3). Ele escreve aos Gálatas, no começo da carta, sobre o
Senhor Jesus Cristo que deu a si mesmo por nossos pecados (Gálatas 1:4). Ele escreve
aos Romanos sobre Jesus nosso Senhor, quem foi entregue por nossas ofensas
(Romanos 4:25). Ele fala que no devido tempo, Cristo morreu pelos ímpios (Romanos
5:6). Ele diz que enquanto ainda éramos pecadores, Cristo morreu por nós (Romanos
5:8).
Para Paulo havia a conexão mais clara possível entre a morte do Senhor Jesus
Cristo e o pecado do homem. Não foi apenas que o pecado do homem trouxe a morte do
Senhor Jesus Cristo, embora isto seja verdade; foi que a morte do Senhor Jesus Cristo
fez algo para e em favor do pecado do homem.
É necessário fazermos uma pausa aqui, por um momento, para juntar os
materiais, que vimos até agora. Vimos que para Paulo a Cruz tem um estranho poder de
auto comprovação e que para ele a pregação consistia não em argumentar sobre a Cruz,
mas em confrontar os homens com a Cruz. Vimos que em sua forma mais simples,
Paulo acreditava que o Senhor Jesus Cristo morreu em favor dos homens. Vimos que a
grande, básica obra que o Senhor Jesus Cristo fez em favor dos homens foi reconciliar
eles com Deus, que de algum modo Sua vida, e especialmente Sua morte, foi efetiva em
restaurar o relacionamento perdido entre o homem e Deus. Vimos que, para Paulo a
morte do Senhor Jesus Cristo e a redenção, a libertação, a emancipação dos homens do
poder e da penalidade do pecado estão indissociavelmente ligados. Finalmente vimos
que a morte do Senhor Jesus Cristo e o pecado do homem estão ligados um no outro e
vimos que não é simplesmente o pecado do homem que causou a morte do Senhor Jesus
Cristo, mas que a morte do Senhor Jesus Cristo fez algo para e em favor do pecado do
homem.
Resta apenas um passo a dar e nos pensamentos Paulinos devemos da-lo. Os
pensamentos de Paulo sobre a morte do Senhor Jesus Cristo nos termos de sacrifício.
Em Gálatas 2:20 ele fala do: "Filho de Deus, quem me amou e deu a Si mesmo por
mim." Em Efésios 5:2 ele usa a palavra real, pois ele fala do Senhor Jesus Cristo, "quem

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nos amou, e quem deu a Si mesmo por nos como oferta e sacrifício à Deus." Podemos
penetrar mais profundamente no significado que Paulo derramou nesta ideia?
Há uma oração nos escritos de Paulo que pode bem nos dar a chave e a dica para
todo o pensamento de Paulo. Em 1 Coríntios 5:7 Paulo diz: "Cristo, nossa Páscoa é
sacrificado por nós." O que estamos lendo, e entendendo nesta frase? Existem duas
possibilidades. A primeira é a de tomar esta frase de uma forma bastante geral. A
Páscoa era preeminentemente, a festa que comemorava a libertação do povo de Israel da
escravidão no Egito. A festa da Páscoa foi concebida para tornar certo de que o povo de
Israel nunca se esqueceria do livramento operado por eles através da mão de Deus. A
frase poderia, portanto, dizer de maneira geral que a morte do Senhor Jesus Cristo é um
sacrifício que tem o efeito de salvar os homens da escravidão do pecado em que eles
estão detidos. verdadeiramente este é um grande e verdadeiro pensamento; mas pode
muito bem ser, que nesta frase haja algo mais vivido e definido que isto.
A essência da história da Páscoa (Passover - Pass = passar e over = sobre) está
em seu próprio nome. A história antiga conta como o povo de Israel foi instruído à
manchar as vergas de suas portas com o sangue do cordeiro que havia sido morto; e
quando o anjo, que tinha sido enviado para destruir o primogênito de toda casa Egípcia,
via aquela mancha de sangue, ele passaria sobre (Passover = Páscoa) aquela casa
(Êxodo 12:22, 23). Mais tarde, quando fosse perguntado sobre o significado desta festa,
eles deveriam responder: "É o sacrifício da Páscoa do Senhor, que passou sobre as casas
dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios, e livrou as nossas casas" (Êxodo
12:27). A essência da festa da Páscoa, está consagrada para sempre em seu próprio
nome, é a memória imortal que o sangue do cordeiro da Páscoa salvou os reclusos da
casa da visitação de morte. Certamente esta é a ideia que está na mente de Paulo. A
morte do Senhor Jesus Cristo foi aquela que salvou os homens da morte, na qual seus
pecados os havia envolvido. Se isso for assim (e acreditamos que para Paulo era) então
a morte do Senhor Jesus Cristo é, no mais real sentido, um sacrifício pelos homens, um
sacrifício que os salvou da morte da alma a qual eles mereciam.
Paulo faz duas declarações adicionais que sublinham e enfatizam essa ideia. São
palavras que enfatizam o custo da salvação do Senhor Jesus Cristo. Em Gálatas 3:13 ele
escreve: "Cristo nos livrou da maldição da lei, tornando-se maldição por nós: pois está
escrito, maldito é todo aquele que for pendurado no madeiro." Em 2 Coríntios 5:21 ele
escreve: "Pois Ele se fez pecado por nós, aquele que não conheceu pecado, para que
pudéssemos ser feitos justiça de Deus Nele." Não é possível tomar estas palavras como
tendo qualquer outro significado, como Paulo viu, do que o que deveria ter acontecido
conosco aconteceu ao Senhor Jesus Cristo e que Ele suportou o sofrimento e a vergonha
que, com razão, deveríamos ter suportado.
Em qualquer oferta pelo pecado Judaica, antes que o animal fosse sacrificado, o
adorador Judeu colocava as mãos na cabeça da vitima e as pressionava sobre ela e
depois com penitência confessava o seu pecado. A ideia era que de algum modo, seus
pecados eram transferidos para o animal e o animal era um substituto dele mesmo.
Paulo sabia sobre tudo isto. Sem duvida, por muitas vezes, ele deve ter feito tudo isto; e
após feito tudo isto, ele ainda estava tão longe e afastado de Deus como sempre esteve.
Mas no momento em que o Senhor Jesus Cristo entrou na sua vida e no momento em

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que ele foi confrontado pela Cruz do Senhor Jesus Cristo, as barreiras foram removidas,
o afastamento se foi, o sentimento de culpa que o separava de Deus foi removido. Para
Paulo o Senhor Jesus Cristo fez aquilo que todos os sacrifícios do ritual Judaico
falharam em fazer; e consequentemente, Paulo viu na morte do Senhor Jesus Cristo, o
supremo e o único sacrifício disponível pelo pescado do homem (e pelo seu próprio
pecado).
Uma das mais famosas passagens do O Peregrino é a passagem onde John
Bunyan fala como o Cristão perdeu seu fardo: "Agora eu vi em meu sonho que a
rodovia que o Cristão deve subir era cercado de cada lado com uma parede e que a
parede era chamada Salvação. Subindo este caminho, portanto, o Cristão
sobrecarregado corria, mas não sem grande dificuldade, por causa do peso em suas
costas. Ele correu, assim, até que chegou a um lugar um pouco ascendente e sobre
aquele lugar estava uma cruz, um pouco abaixo, no fundo, um sepulcro. Então, eu vi em
meu sonho que, assim que o Cristão subia com a cruz, seu fardo se soltou dos seus
ombros e caiu de costas dele, começou a cair violentamente e assim continuou a fazer,
até que, chegou na boca de sepulcro, onde ele caiu, e vi que não existia mais. Para
Bunyan, como para Paulo, a Cruz removeu para sempre o fardo do pecado.
Agora podemos voltar e ler todas as figuras de Paulo sob a luz do sacrifício na
Cruz.
Há a Justificação, a figura dos tribunais. Deus trata o pecador se ele tivesse sido
um bom homem e recebe ele como se nunca tivesse ido embora. Mas, permanece o fato,
que o pecado tem sua punição; se Deus é verdadeiro consigo mesmo, o pecado não pode
ser descartado como algo sem importância, ou disto surge o caos moral; portanto,
alguém deve ter pago o preço que era devido; e este alguém foi o Senhor Jesus Cristo.
Somos, com Paulo diz, justificados pelo Seu sangue (Romanos 5:9).
Há a Redenção e a Libertação, a figura da escravidão. É verdade que o homem é
libertado da escravidão do pecado, mas nenhum homem, em um mundo de escravidão,
alguma vez recebeu sua liberdade, a não ser que ele pagasse o preço, ou a não ser que
alguma alma generosa pagasse por ele, quando não pudesse pagar por si mesmo. A
libertação do homem teve seu preço, a liberdade do homem teve seu preço, alguém teve
que pagar esse custo e esse preço e este alguém foi o Senhor Jesus Cristo.
Há a Adoção, a figura da família. O conjunto da cerimônia de adoção no direito
Romano era centrado no momento em que a pessoa adotada passava de uma patria
potestas para outra, o momento quando ele recebia um novo pai. Mas novamente a
cerimônia centrava em uma venda simbólica; alguém tinha que pagar o preço, e este
alguém foi o Senhor Jesus Cristo.
Há a propiciação, a figura do sacrifício. De acordo com a religião Judaica, para
cada pecado havia o sacrifício necessário, que era o sinal e a garantia da verdadeira
penitência do homem que o trouxe. Mas a experiência de Paulo era de que não havia tal
coisa como um sacrifício feito pelo homem de qualquer animal, por mais caro que fosse,
que removesse o sentimento de culpa e expiação pelo pecado. Tal sacrifício tinha que
ser encontrado, se o homem quisesse estar em paz com Deus para sempre e na Sua Cruz
o Senhor Jesus Cristo fez e pagou esse sacrifício.

A Mente de Paulo Página 56


Há uma ultima figura que Paulo usa. É uma figura que raramente é falada hoje
em dia; mas tendo em vista tudo o que dissemos, está muito perto do coração de Paulo.
é a metáfora do mundo da contabilidade. Está na palavra logizesthai, que a Versão
Autorizada traduz por contar ou imputar ou calcular (Romanos 4:3, 5, 6, 8, 9, 10, 11).
A palavra logizesthai significa colocar na conta de alguém. Isto pode ser usado
igualmente para colocando no débito de um homem ou no crédito de um homem.
A ideia de Paulo é que não existe nenhum homem em todo mundo que não tenha
um saldo devedor enorme em sua conta com Deus; ele está em dívida com Deus de uma
forma que ele nunca poderá pagar. Mas, na misericórdia de Deus, seu debito é
cancelado e o mérito de Jesus é creditado para ele, e ele é vestido com uma justiça que
não é sua. Fazendo uma analogia muito distante, às vezes somos autorizados a entrar em
um grupo da sociedade ou em uma casa, não por causa de qualquer de nossas próprias
qualificações, mas por causa das qualificações do amigo que nos apresentou. Então
somos recebidos à presença de Deus, não por causa de algo que somos, ou podemos
trazer, ou fazer, mas por causa dos méritos do Senhor Jesus Cristo que nos apresenta à
presença e família de Deus.
Paulo viu na morte do Senhor Jesus Cristo, uma ação do próprio Deus, pela qual
Deus tornou possível para o pecador chegar à Deus e possível a Ele mesmo aceitar este
pecador quando ele vai a Ele.

A Mente de Paulo Página 57


X

A RESSURREIÇÃO DO SENHOR JESUS CRISTO

Para qualquer um que lê o livro de Atos, até mesmo atenção mais superficial é
imediatamente claro que a Igreja primitiva era caracteristicamente e especificamente, a
Igreja do Senhor Jesus Cristo ressuscitado. Naquele estágio, a atenção da Igreja estava
mais focada na Ressurreição do que estava na Cruz.
Havia uma razão para isto. Naquela época a Igreja ainda era essencialmente
Judaica. Por esta razão, os homens ainda estavam pensando no Senhor Jesus nos termos
do Messias Judeu; e a única coisa que era a garantia final que o Senhor Jesus era o
Messias, era o fato Dele ter ressuscitado dos mortos. Era inevitável e certo que, nessa
fase, a atenção dos homens devia ser fixada sobre a Ressurreição.
É verdade que nos escritos e pensamentos de Paulo a ênfase, em algum grau,
muda. É verdade que a ênfase de Paulo está na Cruz, e na morte expiatória e sacrificial
do Senhor Jesus Cristo. Mas no final do dia, não é menos verdade que, para Paulo,
como para a Igreja primitiva como um todo, a Ressurreição era central para a fé Cristã.
Quando lemos os Evangelhos Sinópticos e ouvimos as palavras reais do Senhor
Jesus, descobrimos que o Senhor Jesus nunca predisse Sua morte sem predizer Sua
ressurreição. Ele nunca ensinou sobre vergonha sem posterior triunfo. A humilhação e a
glória estavam integralmente e inseparavelmente conectadas. Uma não podia existir sem
a outra. No primeiro anuncio do Senhor Jesus sobre Sua morte aos Seus discípulos ele
disse que, "O Filho do Homem deve sofrer muitas coisas e ser rejeitado entre os
anciãos, principais sacerdotes, escribas, ser morto e após três dias ressuscitar." (Marcos
8:31; compare Marcos 9:31). Para o Senhor Jesus a Cruz e a Ressurreição eram parte do
mesmo processo e Ele não podia nunca falar da Cruz sem falar do triunfo que estava
além dela.
Era o mesmo com Paulo. Ele fala do Senhor Jesus Cristo "que foi entregue por
nossas ofensas e ressuscitou para nossa justificação" (Romanos 4:25). Ele diz que
embora o Senhor Jesus Cristo "foi crucificado pela fraqueza, ainda assim vive pelo
poder de Deus" (2 Coríntios 13:4). Na grande passagem em Filipenses (Filipenses 2:5-
11) a humilhação do Senhor Jesus Cristo consta em toda sua terribilidade gritante, mas a
passagem chega a sua conclusão triunfante, " pelo que também Deus O exaltou
soberanamente." Paulo era igual ao seu Mestre; ele nunca podia falar da agonia e
vergonha da Cruz sem seus pensamentos irem além, para o triunfo e esplendor da
Ressurreição.
Quão central o pensamento da ressurreição era para Paulo pode ser visto a partir
do fato de que ele a menciona especificamente em cada carta, exceto em
2 Tessalonicenses e Filemom; e mesmo nestas duas cartas, embora o fato de a

A Mente de Paulo Página 58


Ressurreição não seja definitivamente declarada, o pensamento do Senhor Jesus Cristo
ressuscitado ainda permeia todas as coisas. Ele escreve aos Romanos: "Como Cristo foi
ressuscitado dos mortos pela glória do Pai, assim nós também devemos andar em
novidade de vida" (Romanos 6:4; compare 7:4). Para os Coríntios ele escreve: " Deus
ressuscitou a ambos,
o Senhor e a nós ressuscitará pelo Seu próprio poder" (1 Coríntios 6:14; compare
2 Coríntios 13:4). Suas primeiras palavras aos Gálatas são de "Jesus Cristo e Deus Pai,
que o ressuscitou dos mortos" (Gálatas 1:1). Aos Filipenses ele escreve que Deus "o
exaltou a mais alta posição e deu a Ele um nome que está acima de todo nome"
(Filipenses 2:9). Para os Efésios ele escreve sobre o poder de Deus" que ele exerceu em
Cristo, quando ressuscitou Ele dos mortos" (Efésios 1:20). Para os Colossenses ele
escreve de "Deus, que ressuscitou Cristo dos mortos" (Colossenses 2:12). Paulo não
podia pensar no Senhor Jesus Cristo sem pensar Nele como salvador que morreu e
Senhor que ressuscitou.
Isto é muito importante, pois de Paulo aprendemos que o fato da Ressurreição
era uma parte essencial dos ensinos da Igreja primitiva. Deve ser lembrado que os
escritos de Paulo nos leva de volta a um tempo antes da escrita dos evangelhos. É
provavelmente verdade que nenhum dos evangelhos, como os conhecemos, passou a
existir antes da ultima cartas de Paulo ter sido escrita. Certamente, se eles já existiam,
não eram documentos difundidos e universalmente aceito da fé Cristã. Mas havia,
existente, um conjunto de tradição oral. Em uma era em que os livros eram poucos e
escritos à mão e a impressão ainda não havia sido inventada era, de fato, pela tradição
oral que a verdade e a história eram comumente proferidas. Muito cedo esta tradição
oral era estereotipada e cristalizada. Era a base da instrução, para aqueles que estavam
entrando na Igreja pela primeira vez; era a matéria-prima essencial de todo o ensino e da
pregação da Igreja, e, certamente, era a essência concentrada do ensino dos primeiros
missionários onde quer que fossem. Um elemento essencial naquela primeira tradição
universal foi a história e fatos da Ressurreição.
Em 1 Coríntios 15 Paul tem seu ensinamento máximo sobre a Ressurreição. Ele
começa com os fatos da Ressurreição e sua primeira palavra é: "Entreguei para vocês
em primeiro lugar, o que também recebi" (1 Coríntios 15:3). Quando ele contou a
história da Ressurreição, Ele passou o ensino padrão da Igreja. Isto é importante, pois
significa que a história da Ressurreição não é um desenvolvimento lendário tardio e
enfeitado da história Cristã, mas que foi incorporado na mesma a partir do primeiro
momento da Igreja Cristã.
Mas, para a evidência da tradição da Igreja, Paulo tem algo a acrescentar, a
evidencia de sua própria experiência. Ele dá a sua lista das aparições da Ressurreição do
Senhor Jesus, e então ele diz: " E por último de todos, foi visto também por mim, como
por um nascido fora de tempo" (1 Coríntios 15:8). Para Paulo a Ressurreição não era
uma história que ele teve que aceitar de segunda mão e pela evidência de alguma outra
pessoa. Era algo que ele havia experimentado, algo do qual ele podia dar uma descrição
de testemunha ocular, algo para o qual a sua evidência era independente e de primeira
mão. Lá pode ter havido um tempo, quando a Igreja não possuía algo, no caráter de uma
crença, no entanto, nua e resumida, esta breve declaração da fé deve ter sido. A igreja

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existia no meio de uma sociedade pagã e deve sempre ter sido capaz de forma breve e
sucinta de dizer para essa sociedade pagã onde ela estava. Em uma Igreja em que
convertidos do paganismo estavam chegando em um fluxo constante, deve sempre ter
sido necessário ter alguma breve declaração da fé, que os convertidos em batismo
poderiam confessar publicamente. Aprendemos de Paulo que o fato da Ressurreição era
uma parte absolutamente essencial desta primeira crença e desta os primeira confissão
pública. Em Romanos 10:9 lemos: " Se tu confessar com a sua boca que Jesus é Senhor
e crer em seu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo."
Claramente essa frase é um extrato ou um eco da confissão de fé e crença da Igreja
primitiva, um eco da simples declaração em que os primeiros cristãos se firmavam.
Podemos, portanto, claramente ver que a Ressurreição não é apenas uma parte integral
da tradição da Igreja primitiva, mas que isto era também uma parte essencial da
primeira crença e um elemento essencial na primeira confissão de fé. É verdade dizer
que a própria Igreja e a fé de cada individua Cristão dentro dela, se baseia no Senhor
Jesus Cristo Ressuscitado. Isto não é um desenvolvimento atrasado que foi adicionado a
fé da Igreja, isto está lá desde o inicio. Foi, de fato, a pedra fundamental da fé da Igreja.
Antes de começarmos a ver mais do que a Ressurreição significava para Paulo,
devemos notar um ato básico. Para Paulo no sentido mais simples e mais literal, a
Ressurreição foi um ato de Deus. É verdade que algumas vezes Paulo diz que o Senhor
Jesus ressuscitou dos mortos; mas muito mais frequentemente, ele diz que Deus
ressuscitou o Senhor Jesus dos mortos. Para Paulo a Ressurreição é o produto do poder
de Deus, o ato da mão de Deus. Ele fala sobre Deus que ressuscitou Jesus, nosso
Senhor, dos mortos (Romanos 4:24). Ele diz que Deus ressuscitou o Senhor (1 Coríntios
6:14). Quando Paulo fala da Ressurreição, sua forma característica de falar dela é como
um ato de Deus. A Ressurreição foi, na verdade, a completa e final demonstração
incontestável do poder indestrutível e invencível de Deus.
Havia um erro no qual a Igreja primitiva nunca esteve em perigo de cair.
Naqueles primeiros dias os homens nunca pensaram no Senhor Jesus Cristo como uma
figura em um livro. Eles nunca pensaram Nele como alguém que havia vivido e morrido
e cuja história foi contada e passada para a história, como a história de alguém que tinha
vivido e cuja vida tinha terminado. Eles não pensavam Nele como alguém que tinha
sido mas como alguém que é. Eles não pensavam no Senhor Jesus Cristo como alguém
cujo ensino deve ser discutido, debatido e argumentado; eles pensavam Nele como
alguém cuja presença podia ser apreciada e cuja comunhão constante poderia ser
experimentada. A fé deles não estava firmada em um livro; a fé deles estava firmada em
uma pessoa.
Todo objetivo de Paulo e da Igreja primitiva não era dizer aos homens sobre o
Senhor Jesus Cristo, mas sim apresentar eles ao Senhor Jesus Cristo e Sua presença e
poder. Nos primeiros dias (como deve ser agora) o Cristianismo não argumentava sobre
uma pessoa morta, porém grande; era encontro com uma presença viva.
Agora devemos continuar para ver algo daquilo que o fato da ressurreição
significava para Paulo.

A Mente de Paulo Página 60


A ressurreição era para Paulo a prova final que o Senhor Jesus era o Messias.
Em um caso ele diz isto muito claramente. em Romanos 1:4 ele fala sobre o Senhor
Jesus Cristo "declarado ser o Filho de Deus com poder... pela ressurreição dos mortos."
Era inevitável que os judeus devessem pensar sobre o Senhor Jesus em termos
de Messianidade. Eles sempre estiveram esperando pelo Messias de Deus.
Inevitavelmente eles tinham pensado sobre o Messias em termos de gloria, conquista e
poder. Mas no Senhor Jesus eles foram confrontados com um Messias que morreu na
Cruz. Algo tremendo era necessário para convencer eles que este homem, que contradiz
todas as ideias aceitas de Messianidade era, verdadeiramente, o escolhido de Deus. O
fato convincente foi a Ressurreição, pois a Ressurreição foi um triunfo e gloria além de
qualquer triunfo que os homens haviam sonhado.
Pode ser perguntado por que Paulo não fez mais sobre essa ideia. Quando ele
declarar isto, ele o afirma muito claramente; mas ele não o faz muito frequentemente. A
razão é que, para a maior parte, Paulo estava lidando com Gentios em suas cartas e esta
ideia mais importante para Judeus do que para os Gentios. Mas sabemos que, quando
Paulo prega para os Judeus, ele usa esta ideia como parte principal de sua pregação.
Temos em Atos 13:14-43 O relato de Lucas do sermão de Paulo na sinagoga de
Antioquia da Pisídia; neste sermão Paulo procura convencer os Judeus da Messianidade
do Senhor Jesus pelo fato da Ressurreição. Para um Judeu, o fato da Ressurreição, era a
prova que, apesar do modo pelo qual a Cruz contradiz a ideia aceita de Messianidade, o
Senhor Jesus realmente e verdadeiramente era o Ungido de Deus.
A ideia do Senhor Jesus Cristo ressuscitado como o perfeito Sumo Sacerdote é
uma ideia que é característica da Carta aos Hebreus. Mas pelo menos uma vez Paulo usa
esta ideia. Em Romanos 8:27 ele fala sobre o Senhor Jesus Cristo Ressuscitado fazendo
intercessão pelos santos de acordo com a vontade de Deus; e em Romanos 8:34 ele fala
sobre o Senhor Jesus Cristo estando à direita de Deus e também intercedendo por nós.
Paulo viu no Senhor Jesus ressuscitado aquele que mesmo em lugares celestiais ainda
está defendendo a causa dos homens e ainda está abrindo a porta para a presença de
Deus aos homens. A palavra sacerdote ganhou, pelo menos em algumas mentes, um
significado que nunca devia ter tido. Para algumas mentes, a palavra sacerdote sugere
uma pessoa que nega Deus aos homens, que impede o caminho até Deus, que com seus
rituais e suplicas fica entre Deus e os homens. Mas a palavra em Latim para sacerdote é
pontifex, que significa construtor de pontes; e um verdadeiro sacerdote é aquele homem
que constrói uma ponte entre seus companheiros e Deus. Mesmo no céu da Igreja
ressuscitada, como Paulo viu, ainda está fazendo o trabalho que ele fez na terra; Ele
ainda está abrindo o caminho dos homens até Deus.
A ideia do Senhor Jesus Ressuscitado como Juiz é outra ideia que aparece nos
pensamentos de Paulo. Isto aparece em Romanos 14:9, 10: "Pois para isto Cristo morreu
e ressuscitou, e reviveu, para que Ele possa ser o Senhor tanto de mortos e de vivos.
Mas por que tu julgas teu irmão, ou por que tu decides desprezar teu irmão? Todos
havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo. Esse mesmo Jesus, a quem os homens
assentaram em julgamento e que foi condenado pelos homens, é o Cristo ressuscitado
ante cujo tribunal todos os homens devem comparecer."

A Mente de Paulo Página 61


Há uma ideia que está muito arraigada na mente de Paulo, e muito próxima e
querida do seu coração. Esta é a ideia do poder da Ressurreição. Em Filipenses 3:10
Paulo descreve um dos objetivos supremos de sua vida como "conhecer o poder de sua
Ressurreição." Em Efésios 1:19, 20 ele fala da grandeza do poder de Deus para nós, o s
que cremos, este poder que atuou na Ressurreição.
Repetidamente Paulo conecta a Ressurreição com a nova vida que o Cristão é
habilitado a levar, e da nova bondade que veste o homem Cristão. Em Romanos 6:4 ele
diz que, assim como o Senhor Jesus Cristo foi ressuscitado dos mortos, pela gloria do
Pai,"também nós devemos andar em novidade de vida." Em Romanos 7:4 ele diz que o
Senhor Jesus Cristo foi ressuscitado dos mortos e que " devemos trazer frutos para
Deus." Em Colossenses 2:12 ele fala da Ressurreição e vai direto falar do perdão
Cristão dos pecados, e triunfo sobre os pecados. Em 2 Coríntios 13:4 ele diz como o
Senhor Jesus Cristo foi crucificado em Sua fraqueza humana, mas vive pelo poder de
Deus; e então continua para dizer que "também somos fracos Nele, mas viveremos com
Ele pelo poder de Deus para você.
Paulo via na Ressurreição uma liberação do poder divino, uma maré crescente de
poder, que limpava e embelezava a vida do Cristão. Para Paulo a Ressurreição não era
um fato do passado, mas sim um poder do presente.
Não há mistério incompreensível e místico nisto. Se o Senhor Jesus Cristo
ressuscitou dentre os mortos, isso significa que é possível para o Cristão viver cada
momento de cada dia na presença e comunhão do Senhor Jesus Cristo vivo. Isso
significa que o cristão não se aproxima de uma tarefa sozinho, não tem qualquer tristeza
sozinho, não ataca nenhum problema sozinho, não enfrenta nenhuma exigência sozinho,
não suporta a tentação sozinho. Isso significa que o Senhor Jesus Cristo não entrega
seus mandamentos, e em seguida, nos deixar fazer o nosso melhor para obedecê-los
sozinho, mas que Ele está constantemente conosco para que possamos realizar o que Ele
manda.
Há um ditado muito bonito sobre o Senhor Jesus Cristo, que é um dos provérbios
não escritos que não aparecem em nenhuma parte no Novo Testamento: "Levante a
pedra e Me encontrará; rache a madeira e Eu estou lá." Isso significa que, assim como o
pedreiro trabalha na pedra e como o carpinteiro manipula a madeira, o Senhor Jesus
Cristo Ressuscitado está com ele. A Ressurreição significa que cada caminho da vida
pode ser percorrido de mãos dadas com o Senhor Jesus Cristo vivo. O reservatório do
poder da Sua presença está aberta para todos os Cristãos recorrerem.
Mas a declaração mais firme da necessidade absoluta da ressurreição está em
1 Coríntios 15:14-19. Lá Paulo escreve: "Se Cristo não foi ressuscitado, então nossa
pregação é em vão e sua fé também é em vão... Se Cristo não foi ressuscitado, sua fé é
em vão; ainda estais nos vossos pecados. Então também os que dormiram em Cristo
estão perdidos. Se só para esta vida que esperamos em Cristo, somos de todos os
homens os mais miseráveis." Por que deveria ser assim? Quais são as grandes verdades
que a Ressurreição, e apenas a Ressurreição, garante e conserva? A ressurreição é a
garantia de quatro grandes verdades.
Ela é a prova que a verdade é mais forte que a falsidade. No Senhor Jesus Cristo
a verdade de Deus veio aos homens; os homens procuraram eliminar, apagar, destruir

A Mente de Paulo Página 62


essa verdade, mas a Ressurreição é a prova final da indestrutibilidade da verdade de
Deus.
Ela é a prova que o bem é mais forte que o mal. O Senhor Jesus Cristo é a
bondade encarnada de Deus. O pecado do homem procurou destruir esta bondade. Mas
a ressurreição é a prova que a bondade tem, no final, triunfo sobre tudo que pode fazer
mal a ela.
Ela é a prova que a vida é mais forte que a morte. Os homens procuraram
destruir a vida do Senhor Jesus Cristo de uma vez por todas; a Ressurreição é a prova
que a vida que está no Senhor Jesus Cristo não pode ser destruída (e os Cristão
compartilham esta vida).
Ela é a prova que o amor é mais forte que o ódio. Em última análise a disputa
em Jerusalém era uma disputa entre o ódio dos homens e o amor de Deus. Os homens
pegaram este amor e procuraram destruí-lo para sempre na Cruz; mas a Ressurreição é a
prova que o amor de Deus é mais forte que todo o ódio dos homens e pode, no final,
derrotar tudo o que aquele ódio pode fazer com ele.
A não ser que pudéssemos estar certo destas grandes verdades, a vida seria
intolerável.
Para Paulo, a Ressurreição do Senhor Jesus Cristo não era nem simplesmente um
fato na história, nem um dogma teológico. Era o fato supremo da experiência. Para
Paulo, o fato da Ressurreição significava a maior coisa em todo o mundo, significava
que toda a vida é vivida na presença do amor e do poder do Senhor Jesus Cristo.

A Mente de Paulo Página 63


XI

EM CRISTO

Todo homem que escreve ou fala muito tem frases favoritas. Ele as usa quase sem saber
que o está fazendo. Paulo tinha tal frase e a frase é em Cristo. Temos estudado algo
sobre o que o Senhor Jesus Cristo significava para Paulo e é apropriado que agora
recorramos a esta frase, que ocorre tão frequentemente nos escritos de Paulo e que
claramente significava muito para ele. Esta frase não é apenas a essência da teologia de
Paulo, como é o resumo de toda sua religião. Para Paulo esta frase em Cristo sempre foi
uma declaração resumida da fé cristã. De todas as cartas que Paulo já escreveu, está
ausente em apenas uma - em 2 Tessalonicenses. Ninguém pode negar que o passar dos
anos aprofundou, enriqueceu e intensificou o seu significado para Paulo; mas o fato que
permanece é que esta frase e tudo o que ela significa não era um desenvolvimento
atrasado e súbito na mente, pensamento e coração de Paulo. Do começo ao fim de sua
vida Cristã era o centro e alma de sua experiência Cristã.
Ainda mais, devemos observar que Paulo nunca, em tempo algum, olhou esta
frase como descrevendo uma experiência religiosa que era única e peculiar a si mesmo.
Não era algo que ela aproveitava porque estava em uma posição especialmente
privilegiada ou porque ele tinha subido a uma altura devocional, que as pessoas comuns
jamais poderiam esperar chegar. Era algo a ser conhecido e vivido por todo homem e
mulher Cristão. Paulo não só teria dito que a frase em Cristo era a essência da vida
Cristã em geral, ele teria dito que é a essência de toda vida Cristã individual também.
Ainda mais, no entanto, devemos observar que Paulo nunca usa a frase em Jesus;
ele fala sobre estar em Cristo, em Cristo Jesus, em Jesus Cristo, no Senhor, mas nunca
em Jesus. Isto quer dizer que esta frase tem a ver exclusivamente e especificamente com
o Senhor Jesus Cristo ressuscitado. Ela não descreve ou expressa uma relação física,
que é dependente do tempo, espaço e contato físico, uma relação que pode ser
encontrada e perdida conforme presença e ausência se alternam. Ela descreve uma
relação espiritual, que é independente do tempo e espaço, uma relação do sempre e em
toda parte presente Senhor Ressuscitado e sempre vivo Senhor Jesus Cristo. Tennyson
chegou perto de expressá-lo, quando ele escreveu no Panteísmo Superior:

Fale com Ele tu pois Ele ouve e Espírito com o Espírito podem se encontrar -
Ele está mais perto que a respiração, e mais próximo do que as mãos e os pés.

Esta não é uma relação necessariamente limitado com uma pessoa física, é uma relação
ilimitada com o Senhor Ressuscitado.

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Devemos começar indo para as cartas de Paulo e analisando em detalhes como
ele usa essa frase em Cristo.
Paulo pensava na Igreja como um todo e em cada uma das Igrejas, como estando
em Cristo. A Igreja em Tessalonica está em Deus e no Senhor Jesus Cristo
(1 Tessalonicenses 1:1). As Igrejas na Judeia estão em Cristo (Gálatas 1:22). As Igrejas
individuais podem estar em partes diferentes e muito separadas do mundo; mas elas
estão todas em Cristo. A vida da Igreja é a vida em Cristo.
Mas não são só as Igrejas que estão em Cristo; os membros individuais da Igreja,
o individuo Cristão está em Cristo. Filipenses é endereçada aos santos em Cristo Jesus
que estão em Filipos (Filipenses 1:1). Saudações são enviadas a todos os santos em
Cristo Jesus (Filipenses 4:21). Os membros da Igreja em Filipos são irmãos em Senhor
(Filipenses 1:14). A carta aos Colossos é adereçada aos santos e fiéis irmãos em Cristo
que estão em Colossos (Colossenses 1:2). Quando Epafrodito é enviado de volta para
Filipos após sua séria doença em Roma, ele deve ser recebido no Senhor (Filipenses
2:29). Aqueles que são colocados em posição de autoridade na Igreja estão sobre os
outros no Senhor (1 Tessalonicenses 5:12).
O fato de que todos os indivíduos Cristãos estão em Cristo é, de fato,
precisamente a fonte e origem daquela unidade que deve caracterizar todos os membros
da Igreja. Todos Cristãos são as crianças de Deus pela fé em Cristo Jesus (Gálatas 3:26)
e em razão disto a circuncisão e incircuncisão são irrelevantes (Gálatas 5:6). Em Cristo
não há nem Judeu ou Grego, macho ou fêmea, escravo ou livre (Gálatas 3:28). Todos
Cristãos são um corpo em Cristo (Romanos 12:5). É objetivo de Deus trazer unidade ao
universo desintegrado e esta unidade só pode vir através do Senhor Jesus Cristo (Efésios
1:10). Isto deve funcionar da forma mais prática. As duas mulheres em Filipos que
discutiram são exortadas a se reunirem novamente em Cristo (Filipenses 4:2). Porque
toda Igreja está em Cristo, não pode nunca haver desunião entre as Igrejas. Porque cada
Cristão está em Cristo, não pode haver nunca qualquer barreira entre aqueles que são
verdadeiramente Cristãos. Eles podem ser de nações diferentes, cores diferentes,
situação e classe diferentes, habilidades diferentes, classificações e nascimento
diferentes; eles podem pertencer a diferentes ramos da Igreja; eles podem diferir na
linguagem, na política, nos métodos, no ritual, na liturgia, na administração; essas
diferenças não importam, e não podem importar, se os homens e mulheres estão em
Cristo.
A desunião da Igreja pode ser resolvida amanhã se os homens perceberem que o
Cristianismo não significa estar em uma Igreja, mas sim estar em Cristo.
Para o próprio Paulo a vida era vivida em Cristo. Toda ação que ele fez, toda
palavra que falou, cada experiência que sofreu foi em Cristo. Seus caminhos estão em
Cristo (1 Coríntios 4:17). Ele gerou o Coríntios em Cristo, e eles são o seu trabalho no
Senhor (1 Coríntios 4:15; 9:1). Ele fala em Cristo (2 Coríntios 2:17; 12:19). Ele faz seus
panos e pensa no futuro em Cristo. No Senhor ele confia enviar Timóteo à Filipos e no
Senhor ele confia em breve ele mesmo ir (Filipenses 2:19, 24). Ele envia seu amor aos
Coríntios em Cristo (1 Coríntios 16:24). Falando de si mesmo e de sua própria
experiência espiritual, ele diz que conhece um homem em Cristo (2 Coríntios 12:2).
Mesmo na prisão seus vínculos estão em Cristo (Filipenses 1:13).

A Mente de Paulo Página 65


Não é só Paulo que pode escrever assim. Tercio, o amanuense que escreveu
Romanos através do ditado de Paulo, envia sua saudação no Senhor (Romanos 16:22).
Está aberto para qualquer Cristão entrar naquela relação com o Senhor Jesus Cristo na
qual toda sua vida estará em Cristo. É, de fato, o caso que, pelo menos, algumas vezes
em Cristo significa simplesmente Cristãos no sentido real e mais profunda do termo.
Romanos 16 é especialmente instrutivo nesse sentido. Nesse capítulo a frase em Cristo
aparece nada menos que nove vezes ao longo de 15 versos. Febe deve ser recebida no
Senhor (versículo 2); ela deve receber uma verdadeira recepção Cristã (versículo 3);
eles são seus ajudadores em todo trabalho e atividade Cristã. Andrônico e Júnias
estavam em Cristo antes de Paulo (versículo 7); eles eram Cristãos antes de Paulo ser.
Amplíato é meu amado no Senhor (versículo 8); ele é o companheiro-Cristão que Paulo
amava. Urbano é nosso ajudador em Cristo; isto é, nosso ajudador no trabalho Cristão
(versículo 10); ele é um Cristão bem provado. A família de Narciso está no Senhor
(versículo 11); eles são Cristãos. Trifena e Trifosa trabalham no Senhor (versículo 12);
elas estão ativamente engajadas no trabalho Cristão. Persis trabalhou no Senhor e Rufo
foi eleito no Senhor (versículo 13); Persis está engajada no trabalho Cristão e Rufo foi
escolhido como Cristão pelo próprio Senhor Jesus Cristo. Podemos observar que, em
quase todos os casos a expressão em Cristo, ou seu equivalente, pode ser traduzida
como Cristão, embora que seria uma tradução incolor e inadequada.
Como Paulo viu, todos os grandes dons e qualidades Cristãos estão em Cristo.
Temos consolação em Cristo (Filipenses 2:1). Somos ousados em Cristo (Filemom 8).
Temos liberdade em Cristo (Gálatas 2:4). Temos verdade em Cristo (Romanos 9:1).
Temos a promessa em Cristo (Efésios 3:6). As promessas de Deus são confirmadas e
garantidas em Cristo (2 Coríntios 1:20). Somos santificados em Cristo (1 Coríntios 1:2).
Somos sábios em Cristo (1 Coríntios 4:10). Somos novas criaturas em Cristo
(2 Coríntios 5:17). Somos chamados no Senhor (1 Coríntios 7:22). O Chamado
celestial de Deus está em Cristo (Filipenses 3:14). Somos bebes em Cristo (1 Coríntios
3:1). Deus tem nos fortalecido em Cristo (2 Coríntios 1:21). Andamos em Cristo
(Colossenses 2:6).
Pode ser observado que, para Paulo todo o processo e itinerário da vida Cristã
está em Cristo. A chamada para ela está em Cristo; começamos sendo bebês em Cristo,
somos fortalecidos em Cristo, os dons de nutrir e de força estão em Cristo, o caminho
cristão é caminhado em Cristo. Para Paulo, a vida Cristã é iniciada, continuada e
terminada em Cristo.
Mas ocasiões especiais, exigências especiais e crises especiais exigem poderes e
dons especiais e estes poderes e dons especiais vem até nós em Cristo.
Em tempos de perseguição e de perigo é no Senhor que os cristãos permanecem
firmes (1 Tessalonicenses 3:8; Filipenses 4:1). É em Cristo que encontramos alegria em
tempos de tristeza (Filipenses 1:26; 3:1; 4:4, 10). É em Cristo que Seus servos são fiéis.
Assim Timóteo é fiel no Senhor (1 Coríntios 4:17); e a carta aos Efésios é enviada para
aqueles que são fiéis no Senhor (Efésios 1:1).
Cada coisa boa que vivemos, que possuímos e desfrutamos, que podemos
alcançar, está em Cristo. Na carta para Filemom Paulo fala de todo bem que temos em

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Cristo (Filemom 6); e na carta aos Efésios ele fala de Deus que nos abençoou com todas
as bênçãos espirituais em Cristo (Efésios 1:3).
Há um modo, no qual, pode ser possível simplificar toda a questão. A frase em
Grego é en Christô. No Grego clássico en significa em; mas no grego posterior do
tempo do Novo Testamento, en é muito frequentemente usada como instrumento ou
agente, e muitas vezes significa por meio de, ou através da agência de.
Linguisticamente, seria possível pegar a frase en Christô para significar através de
Cristo, por meio de Cristo, através da agência de Cristo. A frase, então, significa que o
Senhor Jesus Cristo é o poder capacitador; que é através de Sua graça e poder que
somos capazes de viver a vida Cristã. Seria simples pensar em ser chamado pelo Senhor
Jesus Cristo, em enfrentar a perseguição e perigo através da ajuda que o Senhor Jesus
Cristo dá, em receber sabedoria e verdade através da agência do Senhor Jesus Cristo.
Pegar en Christô neste sentido, certamente em muitos casos, nos dá um
significado perfeitamente inteligível e quem procura soluções fáceis, e que é intolerante
com qualquer coisa que tenha qualquer tipo de misticismo, pode muito bem ser tentado
a aceitar este significado, mas o fato é que, em muitas passagens seremos obrigados a
admitir que en Christô significa muito mais do que isso. Esta chave deve abrir algumas
portas, mas certamente não abrirá todas as portas; e as portas que ela abriu nos levaria
para a antecâmaras e vestíbulo da casa do tesouro que está além. Dizer que a frase em
Cristo significa através de Cristo é verdade, mas muito menos do que a metade da
verdade.
Pode ser possível argumentar que essa frase poderia ser tomada em sentido
meramente metafórico. Poderíamos citar como uma espécie de paralelo ou analogia,
uma frase como sendo envolta em uma pessoa. Quando duas pessoas estão muito
próximas e queridas um do outro, quando eles são muito íntimos, quando eles se amam
e só estão interessados um no outro, nós podemos falar deles como sendo envolto em si.
Não há dúvida de que essa linha de pensamento joga um raio de luz sobre este assunto,
porque é uma metáfora tomada da esfera do amor, e é somente na esfera do amor que
podemos expressar o relacionamento de Paulo com o Senhor Jesus Cristo. Mas o efeito
cumulativo de todos os usos de Paulo da frase em Cristo exige algo mais do que isso.
Algo ainda mais íntimo e certamente mais duradouro é expresso pela frase em Cristo.
Há alguns que iriam para o pano de fundo religioso pagão da época de Paulo
para a explicação dessa frase. Na época de Paulo o fenômeno religioso mais notável do
mundo Greco-Romano era das religiões de mistério.
Estas religiões de mistério foram baseadas no que poderíamos chamar de jogos
de paixão. Seu ato central era a apresentação dramática de uma história de um deus que
viveu, sofreu, morreu e ressuscitou. A mitologia Grega era cheia de histórias como esta.
Antes que o iniciado fosse autorizado a apresentar tal performance, ele ou ela teria que
se submeter um longo processo de formação, instrução, jejum e ascetismo; a pessoa a
ser iniciada era trabalhado até um tom alto de excitação emocional e expectativa. A
performance em si era dada sob condições cuidadosamente calculadas para conduzir
uma pessoa a uma espécie de êxtase histérico. Iluminação ardilosa, incenso perfumado,
música sensual eram usados para aumentar a atmosfera emocional, e o objetivo de todo
o processo e apresentação era permitir o adorador experimentar uma completa

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identificação com o deus cuja história estava sendo encenada. O adorador se tornava um
com o deus, compartilhando seus sofrimentos, sua morte e sua final ressurreição
triunfante, até que no final o adorador podia dizer e dizia: "Eu sou tu, e tu és eu."
Sem sombra de dúvida os homens eram submetidos a uma experiência incrível
nas religiões de mistério. Mas há duas razões porque isto não é uma explicação da frase
em Cristo. Primeiro, a experiência das religiões de mistério era êxtase, histérica,
altamente emocional. Mas não há nada emocional e em êxtase na experiência que Paulo
resume na frase em Cristo. Estar em Cristo não era um breve êxtase, induzida por
excitação psicológica deliberadamente provocada; era algo que era obtido a cada dia no
negócio comum e rotina da vida cotidiana. Segundo, a experiência das religiões de
mistério eram necessariamente transiente (adj. Passageiro, transitório.). Pode ser muito
vívido no breve momento de êxtase, que poderia ser repetido em circunstâncias
favoráveis, mas a experiência que Paulo descreve na frase em Cristo é algo que é
duradouro e permanente, algo que perdura, não por uma hora exótica, mas por toda a
vida do dia-a-dia.
Não encontraremos a explicação da frase de Paulo em Cristo nas religiões de
mistério, embora e experiência que eles ofereciam podiam muito bem ter sido uma
antecipação fraca da realidade Cristã.
Deissmann sugeriu que essa expressão pode ser interpretada, utilizando a
analogia da maneira em que vivemos no ar. Assim como todos os homens vivem no ar,
e não pode viver sem o ar, assim também o Cristão vive em Cristo. E assim como o ar
está dentro de toda criatura viva, no pulmão dos homens e no corpo dos homens,
também o Senhor Jesus Cristo está nos homens. Assim como todos os homens vivem no
ar, assim também o Cristão vive em Cristo; assim como o ar dentro deles a todos dá
vida, assim também o Senhor Jesus Cristo dentro de si dá ao Cristão novidade de vida.
Estar em Cristo é viver uma vida na qual o Senhor Jesus Cristo é a atmosfera que
respiramos. Este é, sem dúvida, um pensamento agradável, e ainda assim tem nele uma
nebulosidade que não está na concepção Paulina.
Existem outras figuras que Paulo usa sobre a experiência Cristã do Senhor Jesus
Cristo, que nos permitirá chegar mais perto do sentido da sua frase em Cristo.
(a) Em Gálatas 3:27 ele fala daqueles que foram batizados em Cristo se
revestiram do Senhor Jesus Cristo; em Romanos 13:14 ele diz aos seus amigos
Romanos: "Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo." É como se o Cristão fosse cercada,
envelopado, vestido com o Senhor Jesus Cristo como ele é com suas roupas.
(b) Em Gálatas 4:19 ele tem uma figura vivida. "Minhas pequenas crianças," ele
diz "de quem sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós." Na vida
Cristã, o Senhor Jesus Cristo nasce num homem, assim que o homem é preenchido com
a vida do Senhor Jesus Cristo.
(c) Em Gálatas 2:20 há uma grande passagem: "Estou crucificado com Cristo;
no entanto, eu vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim." O princípio de vida era que
Paulo está morto, e o Senhor Jesus Cristo tornou-se o princípio de vida nele. O eu de
Paulo está morto, e em seu lugar o Senhor Jesus Cristo vive nele.
(d) A mais viva de todas é a figura do batismo em Romanos 6 e em Colossenses
2:12. Temos que lembrar que batismo era o batismo de adultos, porque era a recepção

A Mente de Paulo Página 68


na Igreja de homens e mulheres vindos diretos do paganismo; e temos que lembrar que
isto era através da imersão total. O que a passagem de Romanos 6 está dizendo é:
Quando um homem é imergido na água, é como descer a sepultura, ser enterrado e
morrer de uma vez por todas. Quando ele emerge da água, é como se ele tivesse
emergido uma nova pessoa, com uma nova vida nele e esta vida nova é o Senhor Jesus
Cristo.
Lembremo-nos de quem e o que Paulo era. Uma vez ele foi um perseguidor,
saqueando a Igreja como um exército de saqueadores saqueiam uma cidade, como um
javali assolava uma vinha. Então na estrada para Damasco algo aconteceu. Em um
lampejo de tempo, Paulo o inimigo do Senhor Jesus Cristo tornou-se Paulo, o escravo
do Senhor Jesus Cristo. É difícil descrever isto de outra maneira a não ser dizer que,
naquele momento um homem morreu e outro homem nasceu. O velho Paulo estava
morto e um novo Paulo havia nascido. E quem foi responsável por esta mudança?
Ninguém menos que o Senhor Jesus Cristo ressuscitado. A partir desse momento Paulo
achava que entre ele e o Senhor Jesus Cristo havia uma união tão real, tão perto, tão
indissolúvel que não poderia ser expressa de qualquer outra forma que dizer que ele
vivia em Cristo e Cristo vivia nele.
Não era um caso de identificação com o Senhor Jesus Cristo; Paulo não tinha
perdido sua própria personalidade; pois Paulo ainda podia ajoelhar-se e olhar para cima
e adorar e venerar. Mas alguma coisa tinha acontecido, que trouxe o Senhor Jesus Cristo
ao coração de Paulo e juntou a vida de Paulo à vida do Senhor Jesus Cristo, de tal forma
que ele só poderia dizer que estava para sempre em Cristo.
Estamos aqui tentando descrever algo que tem que ser vivido para ser entendido.
Dizem com a maior verdade que o Cristianismo só pode ser entendido de dentro. Para a
grande maioria das pessoas a experiência de Paulo deve permanecer um mistério, e a
razão é que nenhum homem pode desfrutar a experiência de Paulo com o Senhor Jesus
Cristo, a menos que ele se entregue ao Senhor Jesus Cristo assim como Paulo se
entregou. É só o coração que se rende completamente que sabe o que é estar em Cristo,
no sentido mais amplo do termo.

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XII

CONCEPÇÃO DE FÉ
DE PAULO

É bem claro que não há palavra tão próxima do centro da crença de Paulo quanto a
palavra fé. Temos apenas que ler suas cartas para ver que para Paulo a palavra fé
sintetiza a essência do Cristianismo. É, portanto, de suprema importância entendermos
algo sobre o que Paulo quis dizer sobre fé, se queremos entender o que o Cristianismo
significava para ele.
É de fundamental importância notar que para Paulo fé é sempre fé em uma
pessoa. Fé não é a aceitação intelectual de um conjunto de doutrinas; fé é fé em uma
pessoa. Sanday e Headlam estabeleceram que há quatro significados principais da
palavra fé e quatro conexões principais nas quais Paulo as usa - fé em Deus, fé no
Senhor Jesus, fé nas promessas de Deus e fé nas promessas do Senhor Jesus. É, na
verdade, provável que todo o uso Paulino da palavra fé, possa encaixar neste esquema;
mas será ainda mais iluminador ir direto para as próprias cartas e examinar o modo que
Paulo usa a palavra fé nelas.
Devemos começar com o significado que não é teológico e que precisa de um
pano de fundo especial de conhecimento especializado para entende-lo. Paulo usa fé
significando lealdade, fidelidade, que poderíamos mais naturalmente chamar totalmente
fiel. Este é o modo que ele usa esta palavra quando ele está falando sobre o fruto do
espírito (Gálatas 5:22). Lá fé é simplesmente lealdade e a fidelidade, que são as mais
valiosas qualidades na vida. Paulo escreve regularmente para suas Igrejas da gratidão
com que ele ouviu sobre sua fé e do louvor, que a fé deles ganhou. Ele diz que a fé da
Igreja Romana é comentada por todo o mundo (Romanos 1:8). Em Efésios 1:15 ele fala
que ouviu da fé daqueles a quem ele escreve. Em Colossenses 1:4 ele diz aos
Colossenses que ele ouviu da fé deles e ele fala da firmeza da fé deles em Cristo
(Colossenses 2:5). Ele escreve aos Tessalonicenses que a história da fé deles penetrou
não apenas sobre toda a Macedônia, mas também através de toda província de Acaia
(1 Tessalonicenses 1:8). Ele diz a eles que, uma vez que ele teve que os deixar apresada
e secretamente, ele agora escreve para inquirir sobre a fé deles (1 Tessalonicenses 3:5).
Ele fala da paciência e fé deles (2 Tessalonicenses 1:4). Ele escreve aos Filipenses do
sacrifício e serviço da fé deles (Filipenses 2:17).
Em todos esses casos a referencia é a lealdade e a fidelidade da Igrejas jovens ao
Senhor Jesus Cristo, a lealdade e a fidelidade que superou a perseguição e brilhou
através das trevas da vida atribulada que os primeiros Cristão tiveram que viver.

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O mais claro de todos os casos deste significado é Romanos 3:3. Lá Paulo
contrasta a fidelidade de Israel com a fidelidade de Deus. Deve a descrença deles, tornar
a fé de Deus sem efeito? O que ele quer dizer é que nem toda desobediência, falta de
resposta e rebeldia do homem, pode alterar a fidelidade de Deus aos seus propósitos e
suas promessas. É exatamente o mesmo em 1 Tessalonicenses 3:6 onde Paulo diz que
ele recebeu boas novas da fé deles.
O segundo livro de Samuel tem um exemplo comovente desta fidelidade
(2 Samuel 15:19- 23). Davi tinha caído em dias maus. Absalão seu filho tinha se virado
contra ele e os corações das pessoas estavam com Absalão. Não restou nada para Davi a
não ser lutar. Entre seus guarda costas, Davi tinha um soldado chamado Itai, que era um
mercenário. Itai não eram nem mesmo israelita; ele era um Filisteu; ele era um daqueles
homens que lutavam pelo amor da batalha, um mercenário que venderia sua espada para
quem pagasse melhor. Davi viu que Itai que estava se preparando para segui-lo para o
exílio e desgraça e disse para Itai que ele não tinha obrigação de vir com ele. Ele era um
estranho e forasteiro; não havia nenhuma obrigação que envolvesse seu destino com o
destino caído de Davi. Itai respondeu: "Assim como o Senhor vive e como meu senhor,
o rei vive, certamente no local em que meu senhor, o rei, estiver, seja para morte ou
para vida, ali também estará o teu servo." Isto é precisamente o que Paulo quis dizer por
fé no seu modo mais simples. Fé em seu modo mais simples é a inabalável e inalterável
lealdade ao Senhor Jesus Cristo.
Quase conectado com isto está a ideia de fé como crença, a convicção inalterável
que certas coisas são verdade. Paulo escreve aos Coríntios que a fé deles não deveria se
apoiar em sabedoria humana (1 Coríntios 2:5). O significado é que a fé deles no poder
do cristianismo, a convicção deles que o Senhor Jesus Cristo é Senhor, não deve ser
algo que depende de e é apoiado por argumentos humanos eloquentes. Em 1 Coríntios
15:17 ele diz que se Cristo não ressuscitou dos mortos, então a fé deles é em vão. Isto
quer dizer, se não há ressurreição, então todas as suas convicções se desmoronaram, a
base de tudo o que eles aceitaram como verdade é destruída.
Houve dois estágios na vida religiosa de John Bunyan. No primeiro ele podia
apenas dizer que os Judeus pensam que a religião deles é a melhor e os Muçulmanos
pensam que a religião deles é melhor e pergunta: "E se o Cristianismo pensar deste
modo também?" E houve o estagio onde ele podia correr gritando: "Oh, agora eu sei!
agora eu sei! É esta convicção que para Paulo é fé
Este significado cai bem no uso do verbo crer de Paulo. E uma das coisas mais
interessantes em suas cartas é a conexão desta fé inabalável e a convicção com a
pregação. A pregação é o meio por qual os homens chegam a esta convicção. Ele
escreve aos Coríntios que é propósito de Deus salvar os que creem através da loucura da
pregação (1 Coríntios 1:21). Ele fala de Cefas, Apolo e ele mesmo como ministros
através dos quais vocês acreditaram (1 Coríntios 3:5). "Assim pregamos" diz ele aos
Coríntios, "e assim vocês creram" (1 Coríntios 5:11). Em 1 Tessalonicenses 1:7 ele fala
de todos que creram na Macedônia. Em 1 Tessalonicenses ele escreve, "Se cremos que
Jesus Cristo morreu e ressuscitou..." (1 Tessalonicenses 4:14), isto é, "Se aceitarmos o
fato da Ressurreição de Jesus Cristo." Em 2 Tessalonicenses 1:10 ele escreve: "Nosso
testemunho foi crido," isto quer dizer, ele foi aceito como verdade.

A Mente de Paulo Página 71


Para Paulo pregar e crer andavam lado a lado. Como poderia um homem ser
tocado a acreditar e a crer a não ser que ele fosse apresentado à mensagem Cristã?
"Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem
nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?" (Romanos 10:14).
Aqui, então, há dois grandes fatos Cristãos:
1 - Convicção é uma parte essencial do Cristianismo. O Cristianismo pode ter
começado, mas não pode terminar, com um tipo de resposta emocional vaga e nebulosa
à maravilha do Senhor Jesus Cristo. Deve continuar a tentar e testar as coisas e se
apegar ao que é bom. "A vida que não foi examinada," disse Platão, "é uma vida, que
não vale a pena viver," e a fé que não é examinada é uma fé que não vale a pena ter.
Onde o coração vai a mente deve seguir.
2 - A pregação é o meio que produz convicção. A pregação é , portanto, a
proclamação de certezas e a confirmação da fé. A pregação não foi feita para produzir
perguntas, mas para responder perguntas; a pregação não foi feita para despertar
duvidas, mas para esclarecer e conquistar as duvidas. O pregador que usa o púlpito para
espalhar suas próprias duvidas intelectuais, está fazendo para seu publico um grave
desserviço. Ele terá que expressar duvidas e dificuldades; mas terá que expressá-las para
responde-las, não para deixá-las sem solução. "Fale me sobre tuas certezas," disse
Goethe "minhas dúvidas já são o suficiente."
Costuma-se dizer que a ideia de fé como fé em um credo não ocorre no Novo
Testamento até tão tarde quanto as Epistolas Pastorais. De um certo modo é verdade e é
verdade porque o credo da Igreja primitiva era bem simples: "Jesus Cristo é Senhor"
(Filipenses 2:11). Mas muito frequentemente fé nas cartas de Paulo significa, o que
podemos apenas chamar, A Religião Cristã. O Cristianismo é A Fé. É conselho de Paulo
receber aquele que está fraco na fé, mas não para discutir opiniões (Romanos 14:1). Isto
quer dizer: Recebam bem o homem cujo Cristianismo ainda não está firmemente
fundado, mas não para debater coisas que apenas podem abalar sua fé. Em Gálatas 1:23
ele fala para eles que os Cristãos da Palestina estavam perplexos por ele estar pregando
a religião que tinha tentado destruir; isto é, que ele estava pregando a religião que uma
vez tentou exterminar. Em Colossenses 1:23 ele encoraja seus amigos a continuar na fé,
fundada e estabelecida. Em Colossenses 2:7 ele fala sobre estar estabelecido na fé. Em
1 Coríntios 16:13 ele encoraja à Igreja de Corinto a ficar firme na fé. Ele escreve aos
Tessalonicenses para dizer para eles que está feliz pela fé deles estar crescendo
sobremaneira (2 Tessalonicenses 1:3). Em 2 Coríntios 13:5 ele aconselha seus
adversários a examinarem eles mesmos para ver se eles estão na fé.
Nestas passagens a fé significa a Religião Cristã. Mas o próprio uso da palavra é
sugestivo; Cristianismo não é lealdade a um credo; é fé em uma pessoa, Cristianismo
não é um sistema; é uma fé. A própria prática do Senhor Jesus na terra iluminará isto.
Quando ele vem aos homens, ele não diz para eles: "Tenho um sistema que gostaria que
você examinasse; tenho uma filosofia que gostaria de discutir; tenho uma teoria que
gostaria de te apresentar."Ele diz: "Me siga." Isso está longe de dizer que não viria o dia
quando as implicações, os porquês e os motivos não precisam ser pensados e analisado
até que a convicção intelectual fosse seguida da resposta do coração; mas quer dizer que

A Mente de Paulo Página 72


a força que move o Cristianismo é, de fato, este ato de fé pessoal no Senhor Jesus
Cristo.
Fé no sentido de esperança confiante, é um conceito que é mais característico do
escritor da carta aos Hebreus do que de Paulo. Sua grande definição de fé era: "Fé é a
certeza das coisas que se esperam, a prova de fatos não vistos" (Hebreus 11:1). Mas esta
ideia acontece também nas cartas de Paulo. Pelo menos em uma ocasião, Paulo chega
perto de tornar fé e esperança uma única coisa, quando ele diz: "Andamos por fé, não
pelo que vemos" (2 Coríntios 5:7). A fé deles é uma certeza e certa esperança pela qual
eles podem andar, até mesmo quando o caminho é escuro. Como Donald Hankey dizia:
"A fé aposta sua vida, no fato de que existe um Deus." Fé é a esperança que foi além da
esperança e se tornou certeza, mesmo quando as provas e fatos parecem estar contra ela.
É verdade que todas essas coisas nas quais estamos pensando estão incluídas na
concepção Paulina de fé; mas também é verdade que, embora elas sejam para Paulo,
partes vitais da fé, elas não são o real centro e alma da fé. Vamos chegar mais perto da
ideia Paulina de fé, se continuarmos a ver que as coisas que Paulo acreditava vinham
apenas pela fé, e de nenhuma outra maneira.
Justificação vem pela fé. "Nisto", ele escreve, "está a justiça de Deus revelada de
fé em fé;" como está escrito, "O justo da fé viverá" (Romanos 1:17). Em Romanos 3:28
ele escreve: Consideramos pois, a pessoa ser justificada pela fé. Em Romanos 5:1 ele
fala sobre paz com Deus que é dada aqueles que são justificados pela fé. A grande
passagem chave está em Gálatas 2:16: "Mas sabendo que o ser humano não é
justificado por obras da lei, exceto mediante a fé no Senhor Jesus Cristo, nós também no
Senhor Jesus Cristo temos crido, para que fossemos justificados mediante a fé no
Senhor Jesus Cristo e não pelas obras da lei, porque pelas obras da lei nenhuma carne
será justificada." Paremos e lembremos o que Justificação significa. A palavra Grega
para justificar é dikaioun (δικαιοσν). Verbos gregos que terminam em -oun nunca
significam fazer algo para uma pessoa. Eles sempre significam tratar, contar, considerar
uma pessoa como algo. Então quando é dito que Deus nos justifica, isto não significa,
em primeira instancia, que Deus nos torna justos; significa que Deus nos trata como se
fossemos justos, mesmo quando, de fato, somos pecadores. Isto significa que em sua
maravilhosa e incrível misericórdia e graça Deus trata o homem mal como se tivesse
sido um homem bom. Se recebêssemos o que merecemos, se acontecesse aquilo que
temos todas as razões para esperar que acontecesse, estaríamos frente a barra do
julgamento de Deus como criminosos e sairíamos completa e totalmente condenados,
sem defesa. Mas na verdade a maravilha é que Deus nos aceita, nos ama, nos acolhe e
recebe, pecadores como somos.
A condição que resulta disto, é o que Paulo chama Justiça. Justiça para Paulo
não é, em primeiro lugar, excelência moral e retidão. É estar em um relacionamento
correto com Deus. Se recebemos o que merecemos, o único relacionamento possível
entre nós e Deus seria inimizade absoluta e separação total; mas novamente, nesta Sua
maravilhosa Graça, pecadores como somos, Deus nos colocou em um relacionamento
de companhia amorosa com Ele mesmo. Isto é o que Paulo quer dizer quando fala sobre
justiça de Deus pela fé no Senhor Jesus Cristo (Romanos 3:22); quando ele fala da
justiça decorrente da fé (Romanos 10:6); quando ele fala da justiça mediante a fé em

A Mente de Paulo Página 73


Cristo, a justiça de Deus pela fé (Filipenses 3:9). Em todos esses casos de justiça Paulo
quer dizer, aquele relacionamento apropriado com Deus, o qual humanamente falando,
tem sido impossível para pecadores, mas que na misericórdia de Deus está disponível
para nós.
Como podemos dizer que tudo isso acontece pela fé? Aqui chegamos a essência
do assunto. Acabamos de dizer que Deus trata o homem mau como se ele fosse um
homem bom; que Deus abre o caminho para um relacionamento com Ele mesmo, o qual
nós nunca merecemos e que nós nunca poderíamos ter alcançado. Mas certamente a
pergunta quente é: Como sabemos que Deus é assim? Como sabemos que Deus trata os
homens deste modo? Como podemos ter certeza que estas incrivelmente espantosas
coisas são verdade? A resposta é: Porque o Senhor Jesus nos disse que Deus é assim.
Todo nosso relacionamento com Deus é fundamentado na fé inquestionável de que o
que o Senhor Jesus disse sobre Deus é verdade. Isto é o que justificação pela fé, justiça
pela fé, significa.É apenas através da fé no Senhor Jesus Cristo que podemos acreditar
nessas coisas.
Mas surge uma nova pergunta quente. Como o Senhor Jesus pode saber que
Deus é assim? Onde o Senhor Jesus conseguiu Seu conhecimento especial de Deus?
Como podemos saber que o Senhor Jesus estava certo sobre Deus? A resposta é que
temos a certeza de que o Senhor Jesus estava certo, porque cremos que o Senhor Jesus
está tão estreitamente identificado com Deus, se você quiser colocar assim, que o
Senhor Jesus conhece a Deus tão bem, que só podemos chamá-lo de: O Filho de Deus.
Todo nosso relacionamento com Deus depende da fé que o que o Senhor Jesus disse é
verdade e a fé que o Senhor Jesus é o Filho de Deus e, portanto, não se engana.
Em Gálatas 3:26 Paulo coloca isto de outra maneira. Ele diz que pela fé se
tornamos filhos de Deus. Deixado por nós mesmos, não poderíamos conceber Deus ser
outra coisa além de nosso inimigo. Por qualquer motivo humanos não poderíamos
conceber a nós mesmos como recebendo outra coisa senão a condenação de Deus. Com
tal poder de pensamento que podemos exercer sobre isso, é incrível que a santidade de
Deus devesse receber qualquer abordagem do pecado do homem. Esta é precisamente a
posição do Velho Testamento. Moisés ouviu Deus dizer: "Nenhum homem pode me ver
e viver" (Êxodo 33:20). Quando Manoá descobriu quem seu visitante celestial era,
aterrorizado diz: "Certamente morreremos, porque vimos a Deus" (Juízes 13:22). Neste
terror, estranhamento, distância e inimizade vem o Cristianismo com a mensagem de
que Deus está ansioso para receber os homens a si mesmo, como eles são. Como pode
alguém acreditar nisto? Ela só pode ser acreditado quando considermos o Senhor Jesus
absolutamente e completamente literal em Sua palavra, e quando acreditamos que Ele
tem o direito de falar porque Ele é quem Ele é.
Isto é o que fé significa para Paulo. Vamos continuar a desenvolver isto ainda
mais, mas aqui já estamos no centro do assunto. Fé é a confiança e submissão completa
ao Senhor Jesus Cristo. É a aceitação total de tudo que Ele disse, de tudo que ele
ofereceu e de tudo o que Ele é. É se aproximar de Deus em completa confiança de que
tudo o que o Senhor Jesus disse e ensinou sobre Deus é verdade e que podemos confiar
nossas almas nisto.

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Entenderemos ainda mais sobre o que Paulo quis dizer sobre fé, se continuarmos
veremos outras coisas que Paulo diz vir pela fé. Romanos 3:22 estabelece a grande
verdade sobre a qual estamos pensando: "justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo,
para todos os que creem." Isto é, o único modo de ter um relacionamento correto com
Deus é crer nas palavras do Senhor Jesus e nos lançar na misericórdia de Deus,
acreditando totalmente que o que o Senhor Jesus diz sobre Deus é verdade.
Mas em Romanos 3:25 Paulo introduz outra ideia. Temos propiciação através da
fé em Seu sangue. O que é então propiciação? A propiciação é um sacrifício que
restaura o relacionamento perdido entre Deus e o homem. Um homem comete um
pecado; este pecado cria uma separação entre ele e Deus. Esta separação é restaurada
quando um sacrifício é trazido com um coração humilde e arrependido. Então o que
Paulo está dizendo é: Custou o sangue da vida do Senhor Jesus Cristo, custou a Cruz,
para restaurar o relacionamento perdido entre Deus e o homem. Fé é a confiança
completa que o que o Senhor Jesus Cristo fez em Sua vida e Sua morte abriu para nós o
caminho para Deus.
Podemos colocar isto de outra maneira, e de uma maneira mais simples. Pode ser
que para nós a ideia de sacrifício seja difícil de entender, porque, ao contrário dos
Judeus, não fomos educados em um sistema de sacrifício. Mas Paulo tem um outro
modo de expor isto, que é um modo muito mais universal. Em Romanos 5:2 ele fala de
acesso pela fé; em Efésios 3:12 ele fala de acesso com confiança através da fé. Como já
vimos, a palavra para acesso é prosagoge, que é a palavra técnica grega para acesso à
presença do Rei. Obviamente pessoas comuns não tem acesso à presença de um rei
terreno; um monarca terreno é todo cercado de guardas, cortesãos e funcionários do
palácio. No mundo antigo realmente havia um funcionário chamado o prosagogeus,
cuja função era afastar o indesejável e introduzir o aceitável na presença do rei. Muito
claramente ninguém podia jamais sonhar que os homens que pecam pudessem ter
acesso à presença da santidade de Deus; qualquer um podia assumir que o pecador está
excluído da presença de Deus. Mas a maravilha do Cristianismo é que o Senhor Jesus
Cristo veio para nos falar sobre Deus, cujo coração e porta estão totalmente abertos para
o pecador. Mais uma vez, além do Senhor Jesus Cristo, não poderíamos nunca ter crido
que Deus é assim. Só podemos nos aproximar de Deus porque acreditamos que Deus é
como o Senhor Jesus Cristo nos disse que Ele é. Isto para Paulo é acesso pela fé.
Mas há outra conexão que está muito próxima do centro do pensamento de
Paulo. Em Efésios 2:8 ele escreve: "Pois pela graça sois salvos mediante a fé; e isto não
é de vós, é Dom de Deus." Esta é uma palavra altamente resumida. Devemos mais
adiante em nossos estudos ter que pensar muito mais plenamente no que Paulo quer
dizer por graça, mas no momento notamos isto. Na ideia Paulina de graça há sempre
dois elementos. Graça é algo que é muito amável e graça é algo que é totalmente grátis.
É a segunda ideia que é sempre a ideia dominante no pensamento de Paulo.
Graça é algo que nunca poderíamos merecer, que nunca poderíamos ter ganho, algo que
é dado generosamente e gratuitamente para aquele que aceitar. Aqui está a essência da
religião Paulina. O judeu teria dito: Você deve ganhar o favor de Deus; você deve
guardar a Lei, você deve viver uma vida totalmente obediente aos mandamentos da Lei
e então você merecerá e receberá o favor de Deus. Todo o dever de um Judeu era ganhar

A Mente de Paulo Página 75


o favor de Deus. Paul teria dito - e ele disse isso porque ele tinha tentado - que é
absolutamente impossível para qualquer homem ganhar o favor de Deus, que a
imperfeição do homem, não pode nunca satisfazer a perfeição de Deus, que em relação
à Deus, o melhor homem do mundo e o melhor homem que já existiu está sempre em
falta. Qual é a consequência então? A consequência é que o que não merecemos,
devemos aceitar espontaneamente e com confiança usar. Não merecemos o amor de
Deus; o amor de Deus nos é oferecido gratuitamente sem precisarmos dar nada em
troca. Isto é o que graça significa.
Mas, novamente, a questão saliente surge - Como posso saber isso? Como é que
eu posso acreditar nisso? Como posso acreditar que o amor de Deus não deve ser
conquistado, mas deve ser maravilhosa e gratuitamente aceito? A resposta é a mesma - a
não ser pelo Senhor Jesus Cristo, nunca poderíamos saber isto. É porque acreditamos
que o Senhor Jesus nos disse a verdade sobre Deus que acreditamos na graça de Deus.
Há ainda uma outra maneira pela qual Paulo chega a isto. Ele diz, em primeiro
lugar, que o Senhor Jesus é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê
(Romanos 1:16). Isto significa que, fora do Senhor Jesus Cristo, seriamos estranhos,
inimigos, criminosos no olhar de Deus. Quando aceitamos tudo o que o Senhor Jesus
Cristo fala como verdade, então entra em nossas vidas o poder que nos torna amigos de
Deus novamente. Paulo tem um outro modo de explicar isto e é o maior modo de todos.
Em Efésios 3:17 é sua esperança e oração que Cristo possa habitar em corações através
da fé. Sua oração é que nós nunca, em momento algum, duvidemos do que Ele diz, que
nós nunca, em momento algum, questionaremos Sua oferta, que iremos absolutamente e
sem argumentos ou dúvidas, aceitar Sua palavra sobre Deus e portanto, entrar neste
novo relacionamento de amizade com Deus.
Com tudo isto em nossas mentes, vejamos o homem que era a ilustração de fé
perfeita para Paulo. Paulo sabia muito bem que muito poucas pessoas podem
compreender as ideias e verdades abstratas; ele era um professor sábio e ele sabia que
quase todo mundo pensa em figuras e que, se queremos apresentar uma pessoa com uma
ideia, essa ideia deve se tornar viva, concreta e dramática em uma figura. Então Paulo
transforma a palavra fé em carne; ele transforma a ideia de fé em uma pessoa e esta
pessoa é Abraão. É em Romanos 4 e Gálatas 3 que esta ideia é mais plenamente
desenvolvida. Abraão foi justificado; isto é, Abraão estava em um relacionamento
correto com Deus. Como Abraão chegou a este relacionamento correto? Certamente
não foi por guardar a Lei, pelo simples fato que a Lei não foi dada até 400 anos após a
morte de Abraão. Certamente não foi através da circuncisão, porque Abraão estava em
um relacionamento correto com Deus anos antes de ser circuncidado. A promessa,
benção e relacionamento correto com Deus veio para Abraão independentemente da Lei
e da circuncisão.
Onde, então, estava a fé de Abraão? Coloquemos isto bem resumido - Abraão
saiu sem saber para onde iria. Dito de outro modo, Abraão aceitou completa e
absolutamente à Palavra de Deus para ele. Vamos colocá-lo ainda de outra maneira - a
fé de Abraão foi composta de perfeita confiança e obediência absoluta. Abraão aceitou a
palavra de Deus sem perguntar, quando Deus prometeu e ordenou, e isto que é fé.

A Mente de Paulo Página 76


Em qualquer ponto de vista razoável e lógico da questão, não pode haver nada
além de distância entre Deus e o homem. Medindo o assunto pelos padrões humanos, o
homem não pode esperar nada além de julgamento e nada além da condenação de Deus.
Mas a verdadeira essência do Cristianismo é que a relação entre o homem e Deus não é
distancia, mas a comunhão; e a atitude de Deus para com o homem, não é condenação,
mas amor.
Mas devemos lembrar-nos repetidamente que nunca poderíamos saber isso, não
poderíamos nunca ter adivinhado isso, não poderíamos nunca, nem mesmo em nossos
sonhos mais selvagens, ter esperado por isso, a não ser pelo Senhor Jesus Cristo.
Tudo que sabemos sobre a misericórdia e o amor de Deus, vai direto de volta
para o Senhor Jesus Cristo. Isto é o que todo o Cristianismo se baseia, fé no Senhor
Jesus Cristo. Jamais teríamos possuído, até mesmo nos primórdios da religião
possuiríamos, a não ser que acreditemos totalmente nas palavras que o Senhor Jesus
Cristo disse quando nos conta as boas novas sobre Deus. E é esta total confiança nas
palavras do Senhor Jesus Cristo que é fé. Agora vamos ver se podemos desenvolver isto
um pouco mais.
O primeiro elemento na fé, é o que podemos apenas chamar de receptividade.
Em Romanos 10:17 Paulo usa uma frase muito importante quando fala sobre "fé que
vem pelo ouvir." Uma oferta tem que primeiro ser ouvida e então ser aceita. Um homem
pode confrontar a mensagem do Senhor Jesus Cristo seja com uma recusa em branco e
brusca para ouvi-la, ou então com uma mente bloqueada e fechada, que se recusa a
deixá-la entrar. Em ambos os casos, a fé é impossível. A fé começa com o
consentimento para ouvir o Senhor Jesus Cristo com uma mente aberta. Em qualquer
caso, além de todo lado religioso da questão, nenhum homem honesto e honrado
condena ninguém sem dar-lhe uma audiência. A fé começa dando para a mensagem do
Senhor Jesus Cristo, uma audiência - e um homem honesto é obrigado a fazer isto.
O segundo elemento na fé é o que poderíamos chamar o aprovação da mente.
Não pode haver fé sem a crença de que Deus existe; não pode haver fé sem a crença que
o Senhor Jesus Cristo veio a este planeta e que Ele era quem Ele era. A cada momento e
agora, somos confrontados com um ataque contra o Cristianismo que procura provar
que o Senhor Jesus Cristo nunca existiu, que Ele é, na verdade, nada além de um mito
ou uma lenda. Este ataque deve sempre se desmoronar com um fato básico. Suponha
que avaliemos a evidência da Batalha de Hastings, em que se apoia a força das provas?
Em última análise, ela não se apoia nos livros de história, nas crônicas e anais. Ela se
apoia no estado deste país hoje. Os arcos Normandos das igrejas e catedrais mais
antigas, o governo e a administração do país, as características raciais do povo, todo o
modo de vida que herdamos e vivemos, muito além de tudo que as crônicas, histórias e
livros de história podem dizer, demonstram a verdade do fato de que os normandos
conquistaram este país; e a prova da existência histórica do Senhor Jesus Cristo, não se
baseia nos evangelhos ou em qualquer livro de história; ela se baseia no estado do
mundo hoje.
Temos simplesmente que comparar o mundo antes e depois do Senhor Jesus
Cristo. De onde veio o novo código de pureza sexual? De onde veio a nova paixão por
justiça social? De onde veio o novo respeito pelas mulheres, o novo amor pelas

A Mente de Paulo Página 77


crianças, o novo cuidado pelos fracos, doentes, deformados, anciãos e pobres? Havia
um mundo antes e outro mundo depois do surgimento do Senhor Jesus Cristo na
história. A prova da existência do Senhor Jesus Cristo está na própria vida.
Mas, além disso, não devemos apenas acreditar que o Senhor Jesus viveu,
morreu e ressuscitou, devemos acreditar também que Ele é a pessoa que afirmou ser.
Nós não precisamos expressar isso de forma alguma, mas devemos concordar com a
singularidade do Senhor Jesus Cristo; devemos concordar com o Seu direito exclusivo
de falar sobre Deus e de falar por Deus. O Senhor Jesus não é uma voz entre muitas
falando sobre Deus; Ele também não é a maior voz de todas que falam sobre Deus; Ele
é, em um sentido único, a voz de Deus.
A fé, então, começa coma a receptividade; ela continua para uma aprovação da
mente dos fatos básicos. Mas a fé vai muito além disto. Podemos expor o terceiro passo
deste modo - fé não é somente a aprovação dos fatos; fé é ainda mais, é a aprovação da
significância dos fatos. Ou devemos dizer de outro modo, fé não é a simples aprovação
da mente ao Senhor Jesus Cristo; é a aprovação não só da mente, mas do homem inteiro
ao Senhor Jesus Cristo.
Aprovação intelectual por si só não é suficiente. Tiago expõe esta questão de um
modo mais contundente: "Tu crês que Deus é um, bem fazes; também os demônios
creem e tremem" (Tiago 2:19). Vamos ver como o próprio Paulo expõe isto: "Porque se
com a tua boca confessares o Senhor Jesus e creres em teu coração que Deus ressuscitou
ele dentre os mortos, serás salvo; pois com o coração se crê para a justiça, e com a boca
se confessa para salvação." (Romanos 10:9). Isto é uma crença, uma fé, que reside, não
apenas na mente, mas no coração.
Vamos pegar a mais simples das ilustrações simples dos dois tipos de crença. Eu
acredito que o quadrado da hipotenusa de um triângulo retângulo é igual à soma dos
quadrados dos outros dois lados. Eu estou intelectualmente disto, mas isso não faz
diferença para mim. Mas, acredito que seis mais seis são doze e eu, portanto,
resolutamente recuso-me a pagar 14 centavos por duas barras de chocolate de 06
centavos. Um tipo de crença está muito fora da minha vida cotidiana; o outro tipo de
crença domina minha vida cotidiana. Em um caso eu aprovo os fatos, mas isso é tudo;
no outro caso, eu aprovo a significância dos fatos e a significância dos fatos impregna
cada ação minha. É algo como isto que Paulo quis dizer quando ele fala sobre crer com
o coração. Fé não é a simples receptividade dos fatos, não é simplesmente aprovar os
fatos; é a provar a significância do fato para a vida.
Mas há um outro ditado de Paulo, que deve ser tecido neste exemplo. Em
Gálatas 5:6 Paulo fala da fé que trabalha, que se move, através do amor. Aqui estamos
chegando muito próximo do centro das coisas. Este tipo final de fé é colocada em
movimento através do amor. Não é possível fazer uma dura e rápida, cortada e seca,
análise dos pensamentos e motivos humanos, mas na fé cristã em sua plenitude e
melhor, existem três passos.
1 - Um homem é confrontado com a mensagem Cristã, através da palavra de um
pregador ou através do estudo da palavra de Deus. Ele chega a decisão que deve
acreditar no que o Senhor Jesus diz a ele sobre Deus e que Ele deve acreditar nas
próprias afirmações do Senhor Jesus. Ele fez o primeiro ato de aprovação.

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2 - Então ele é confrontado com o que custou para o Senhor Jesus trazer esta
mensagem do amor de Deus, e assim, abrir o caminho de Deus para os homens. Custou
ao Senhor Jesus todo sofrimento do corpo, mente e coração, que pode vir para a vida de
qualquer homem. Custou-lhe o ódio dos religiosos ortodoxos de sua época, lhe custou o
rompimento com seus próprios mais próximo e mais querido, lhe custou a deslealdade
de seus amigos mais próximos, lhe custou a flagelação, a coroa de espinhos, a Cruz e a
morte. Em vista de tudo isso, o homem é obrigado a dizer: Eu sou obrigado a amá-Lo,
que fez tamanho sacrifício por mim, tamanho amor, exige o meu amor. Em simples
agradecimento, não posso fazer nada mais, a não ser amar este Senhor Jesus Cristo. A fé
agora é energizada pelo amor. Primeiro vem a aprovação; então vem a realização do
que significou, até mesmo para tornar os fatos conhecidos, e aprovação incendiada em
amor e devoção apaixonada.
3 - Então vem o terceiro passo, que estabelece a pedra angular da fé e sem o
qual a fé está incompleta. Um homem recebe os fatos e aprova eles; ele vê o que custou
estes fatos e seu amor se direciona para o Senhor Jesus Cristo. Então ele é obrigado a
continuar e dizer: Porque devo responder amor com amor, irei fazer um completo
abandono do meu eu e me submeterei completamente a este Senhor Jesus Cristo.
Tamanho presente envolve grandes obrigações. Nenhum homem, em honra,
levar tudo e não dar nada de voltem troca. E a pedra angular da fé é, na verdade,
obediência. É a aceitação não só da oferta da graça, mas da obrigação da graça.
Então agora completamos os três elementos da fé. Fé é receptividade; fé vem
através de ouvir a mensagem do Senhor Jesus Cristo. Qualquer um dos dois, se recusar
a ouvir ou ouvir com a mente fechada, torna a fé impossível. A fé continua para a
aprovação que a mensagem é verdadeira; que Deus é como o Senhor Jesus o declarou
ser e que o Senhor Jesus tem o direito de fazer esta declaração, porque ele está em uma
relação exclusiva com o Deus do qual ele fala. A fé passa da aprovação para a
realização do maravilhoso amor, que produziu o sacrifício envolvido na proclamação
desses fatos, e a fé se rende em perfeita confiança, submissão e obediência ao Senhor
Jesus Cristo. Fé é a aprovação total de toda personalidade de um homem ao Senhor
Jesus Cristo.
Podemos resumir da seguinte forma: A fé é a resposta de confiança da
personalidade total de um homem ao amor de Deus, mostrado para nós através da vida e
morte do Senhor Jesus Cristo.

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XIII

A GRAÇA ESSENCIAL

James Moffatt em seu livro Grace in the New Testament (Graça no Novo Testamento)
sucintamente estabeleceu que a essência e o centro da fé e religião Paulina pode ser
resumida em uma breve frase: "Tudo é de graça, e graça é para todos." Pois para Paulo a
graça é a graça essencial.
Devemos começar observando dois fatos gerais sobre graça. Este dois fatos não
são exclusividade de Paulo; eles pertencem à própria natureza da ideia de graça.
Teremos que voltar a eles de forma mais completa, mas no momento, vamos expor eles
brevemente.
Primeiro, graça é, na essência, algo lindo. A palavra grega para graça é caris
(ταρις) e caris (ταρις) pode significar beleza física, tudo o que está contido na palavra
charme. A graça sempre se move no reino de algo cativante, da amabilidade, da
atratividade, da beleza e do charme. A palavra tem em si toda a beleza da santidade. Há
certos termos Cristãos que, inevitavelmente, têm em si uma ideia e atmosfera de
severidade e de gravidade. Mas graça, no sentido Cristão, é algo, de tal beleza
insuperável, que o coração se curva, em adoração frente a ela.
Tem um hino antigo que diz: "A graça é um som encantador", e há um mundo de
verdade nisto.
Segundo, graça sempre tem nela, a ideia de um presente que é completamente
grátis e totalmente imerecido. As ideias de graça e mérito são mutuamente exclusivos e
completamente contraditória. Ninguém pode adquirir a graça, só pode ser
humildemente, agradecidamente e adoravelmente recebida. Graça é algo que é dado,
como dizemos, grátis. A ideia fundamental de graça é um presente, dado pela pura
generosidade do coração de quem dá, um dom que quem recebe nunca poderia ter
conquistado e nunca poderia ter merecido por qualquer esforço de sua autoria. Quando
Paulo tal importância da graça, ele seguiu uma linha de pensamento que era muito
estranha para o ensino judaico ortodoxo de sua época. É verdade que em seus maiores e
mais devocionais momentos, a religião Judaica repousava na misericórdia de Deus e em
nada mais. Do livro de orações diárias dos Judeus vem a oração que todo Judeu ainda
conhece: "Soberano dos mundos, não por causa de nossas obras de justiça que nós
apresentamos as nossas súplicas diante de ti, mas por causa da tua misericórdia
abundante." Nesta oração Abrahams, comenta: "Recompensas e punições eram
infligidas em algum tipo de acordo com a justiça e pecado de um homem, mas nada que
um homem com seus pequenos poderes e oportunidades finitas podem fazer, constitui
uma reivindicação em favor do Todo-Poderoso e do Infinito. Em última instância, tudo
o que um homem recebe da mão divina é um ato de graça." Aí fala o pensamento mais

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alto e mais devotado do judaísmo; mas isto não representa os ensinos dos Rabinos
ortodoxos nos dias de Paulo. Muito mais representativo do judaísmo ortodoxo é a
passagem dos ditados dos Sayings of the Fathers - Pirkei Avot (3:22 ff): "O mundo é
governado pela bondade, mas tudo está de acordo com a quantidade de trabalho." Esse
ditado é seguido de perto por uma espécie de parábola ou alegoria: Tudo é dado em
penhor (ou seja, na promessa de reembolso) e a rede (ou seja, o destino) está espalhada
por tudo que vive. A loja é aberta e o lojista (ou credor de dinheiro) dá os créditos, a
livro de contas é aberto e a mão escreve, todo mundo que deseja emprestar vem e toma
emprestado; mas os coletores (ou seja, os anjos) girar continuamente todo o dia e exige
pagamento de um homem, quer ele saiba ou não (ou seja, quer ele saiba ou não que
calamidade, sofrimento e doença são o resultado e pagamento do débito); e eles
(os coletores) tem aquele em que eles confiam. E o julgamento é um julgamento de
verdade (ou seja, preciso e justo); os homens têm de pagar o que devem, nada mais.
Essa é a contabilidade e a ideia legalista de religião. Ela mostra as relações entre
Deus e o homem como uma relação de débito e crédito, mostra a religião como algo que
tanto se ganha muito crédito, ou incorre muita dívida.
No Mishnah há a frase: "Foi porque o Santo desejou dar a Israel uma
oportunidade de adquirir mérito, que Ele deu para eles tanta Torah (Lei) e tantos
mandamentos." A Lei foi criada para permitir um homem acumular e adquirir crédito à
vista de Deus. Moffatt cita Marmorstein como resumindo o assunto: tudo depende do
pressuposto de que, "O homem tem a capacidade de adquirir méritos diante do Pai
celestial." Por mais que o homem possa ser fraco e frágil, física e moralmente, ele está
em uma posição que o permite ajuntar méritos aos olhos de Deus.
Nada poderia ser mais diametralmente oposta à concepção de Paulo. Para Paulo
a ideia essencial de toda religião é a graça, e graça significa que nenhum homem pode
jamais adquirir qualquer coisa aos olhos de Deus; que tudo o que o homem pode fazer é
admiradamente aceitar o que Deus livre e generosamente dá.
Devemos ver a posição que a graça ocupava na mente de Paulo, uma vez que
notamos que cada carta que Paulo já escreveu começa e termina com a graça. Vale a
pena listar os começos e finais de Paulo:

Romanos 1:7. A todos os que estais em Roma, amados de Deus, chamados


santos, graça a vós e paz de Deus nosso Pai e de nosso Senhor Jesus Cristo.
Romanos 16:24. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês.
1 Coríntios 1:2, 3. Para a Igreja de Deus que está em Corinto...graça a vós e paz
de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
1 Coríntios 16:23. A Graça do Senhor Jesus seja convosco.
2 Coríntios 1:1, 2. Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus... para a
Igreja de Deus que está em Corinto... Graça a vós e paz de Deus nosso Pai e do Senhor
Jesus Cristo.
2 Coríntios 13:13. A graça do Senhor Jesus Cristo e o amor de Deus e a
comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.
Gálatas 1:1-3. Paulo apóstolo... para as Igrejas da Galácia, graça a vós e paz da
parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.

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Gálatas 6:18. A graça do nosso Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito,
irmãos; amén.
Efésios 1:1. Paulo apóstolo de Jesus Cristo... aos santos que estão em Éfeso e
fiéis em Cristo Jesus, graça a vós e paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
Efésios 6:24. A graça seja com todos os que amam o nosso Senhor Jesus Cristo
com incorruptibilidade.
Filipenses 1:1. Paulo e Timóteo... a todos os santos que estão em Cristo Jesus
que estão em Filipos...graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus
Cristo.
Filipenses 4:23. A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito.
Colossenses 1:1,2. Paulo apóstolo de Cristo Jesus...aos santos e fiéis irmãos em
Cristo em Colossos, graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai.
Colossenses 4:18. A saudação com a minha mão: de Paulo. Lembrai-vos das
minhas algemas. A graça seja convosco.
1 Tessalonicenses 1:1 Paulo...para a Igreja dos Tessalonicenses em Deus pai e
no Senhor Jesus Cristo, graça a vós e paz.
1 Tessalonicenses 5:28. A graça do nosso Senhor Jesus Cristo seja convosco.
2 Tessalonicenses 1:1, 2. Paulo...para a Igreja dos Tessalonicenses...graça a vós
e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
2 Tessalonicenses 3:18. A graça do nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos
vós.
1 Timóteo 1:1, 2. Paulo apóstolo...a Timóteo genuíno filho na fé, graça,
misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus nosso Senhor.
1 Timóteo 6:21. a qual alguns professando-o, se desviaram da fé. A graça seja
convosco.
2 Timóteo 1:1-2. Paulo apóstolo... a Timóteo, amado filho, graça, misericórdia e
paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus o nosso Senhor.
2 Timóteo 4:22. O Senhor seja com o teu espírito. A graça seja convosco.
Tito 1:1 e 4. Paulo servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo...a Tito genuíno
filho segundo a fé comum, graça e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus nosso
Salvador.
Tito 3:15. Saúdam a ti todos os que estão comigo. Saúda os que amam a nós na
fé. A graça seja com todos vós.
Filemom 1-3. Paulo prisioneiro de Cristo Jesus... a Filemom...graça a vós e paz
da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
Filemom 25. A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito.

Cada carta que Paulo escreveu começa batendo a tecla da graça e termina
deixando o som da graça tocando nos ouvidos dos homens.
Quando Paulo pensou e escreveu assim, ele estava pensando e escrevendo sobre
as profundidades e alturas de sua própria experiência religiosa. Ele sabia o que tinha
sido, e ele sabia o que era e não havia explicação possível para a mudança a não ser a
graça de Deus. Ele sabia do trabalho que uma vez ele estava fazendo, e ele sabia do
trabalho que agora lhe tinha sido dado para fazer, ele sabia como o perseguidor se

A Mente de Paulo Página 82


tornou o apóstolo, e somente a graça poderia explicar essa transformação. Ele sabia
como o mundo pagão era, e ele sabia o que um homem poderia se tornar no Senhor
Jesus Cristo, e a única explicação possível para esta recriação foi (e ainda é) a graça de
Deus. Para Paulo a graça estava no centro porque ele não podia esquecer o que a graça
havia feito por ele, e diariamente ele estava vendo o que a graça podia fazer por todos os
homens que a recebiam.
Quando lemos as cartas de Paulo, vemos que, mesmo na leitura mais superficial,
que Paulo pode falar sem diferença da graça de Deus e da graça do Senhor Jesus Cristo.
Em 1 Coríntios 1:4 ele escreve sobre "a graça de Deus que é dada avós por Jesus
Cristo." em Gálatas 2:21 ele diz: "Não anulo a graça de Deus..." Mas em 1 Coríntios
16:23 ele fala da graça do nosso Senhor Jesus Cristo, e também o faz em Filipenses
4:23; Gálatas 6:18 e Romanos 16:24 (não tem 24 no grego). E em todos os seus
discursos de abertura em suas cartas ele fala da graça de Deus, nosso Pai, e do Senhor
Jesus Cristo. Aqui somos novamente lembrados de dois grandes fatos Paulinos os quais
vimos muitas vezes antes.
Primeiro, por trás de tudo está a iniciativa de Deus. A graça é a graça de Deus; o
oferta amorosa é o amor de Deus; a iniciativa é a iniciativa divina. Deste ponto de vista
a passagem em 1 Coríntios 1:4 é muito esclarecedora; ela fala da graça de Deus que é
dada a vós en Chisto Iesou (εν Χριζηο Ιηζοσ), o que pode bem significar igualmente por
Jesus Cristo ou em Jesus Cristo. Foi a graça de Deus que foi mediada aos homens pelo
Senhor Jesus Cristo; ou, se quisermos colocar isto de maneira mais vívida, mas tão
exata quanto a anterior, o Senhor Jesus Cristo é a Graça de Deus encarnada. O Senhor
Jesus não é apenas o canal ou a expressão da graça de Deus para os homens, grande
como isso deve ser: Ele é a graça de Deus para os homens.
Segundo, o fato que Paulo começa suas cartas com a mensagem de graça de
Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo significa que a mente do Senhor Jesus e a
mente de Deus são uma e a mesma; e a atitude de Deus e a atitude do Senhor Jesus para
os homens são idênticas. Olhando para isso, como diríamos, do ponto de vista do
Senhor Jesus, podemos dizer que o Senhor Jesus não veio a este mundo por compulsão
ou por coerção, nem mesmo como um sob ordens, mas porque há nele o coração de
Deus, que é o coração da graça e do amor. Olhando para isso, como diríamos, do ponto
de vista de Deus, podemos dizer que de modo algum a vinda do Senhor Jesus mudou ou
alterou a atitude de Deus para com o homem, de modo algum qualquer coisa que o
Senhor Jesus fez mudou a ira de Deus em amor de Deus, a graça que há no Senhor Jesus
é a graça de Deus. O amor que o Senhor Jesus demonstrou é o amor de Deus. A graça é
a graça de Deus e do Senhor Jesus Cristo.
Vamos procurar agora trazer à luz as principais ideias Paulinas por trás da
concepção da graça.
Devemos começar coma mais básica de todas as ideias, uma ideias que já
mencionamos. A ideia básica por trás da concepção de graça é a generosidade não
merecida de Deus. A ideia de graça é a ideia do perdão de Deus aos homens como um
dom gratuito, o qual homem algum poderia jamais ter merecido ou conquistado, e a
qual é dada pela generosidade pura de Deus. Em 1 Coríntios 1:4 Paulo fala sobre "a
graça de Deus que é dada a vós." Em Efésios 3:7 ele fala sobre o dom da graça de Deus.

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Em 2 Coríntios 6:1 ele suplica aos Coríntios para não receber a graça de Deus em vão.
Graça é algo que só pode ser recebido. Em 2 Coríntios 8:1 ele fala da graça concedida
as Igrejas na Macedônia. Graça é algo que é concedido e não conquistado. Em
2 Coríntios 8:9 a graça do Senhor Jesus é demonstrada pelo fato que Ele que era rico
pelo nosso bem se tornou pobre. Graça é este sacrifício que não merecemos do amor de
Deus; é a generosidade de Deus por nós e para nós. Em Romanos 4:4 graça e débito são
constrastados. Pagamento, contrato, dívida é algo que um homem ganha e incorre, e a
qual ele tem o direito, a graça é algo inconquistável e imerecido. Em Romanos 11:6
graça e obras são contrastadas. Se obras determinam o relacionamento entre Deus e o
homem, então graça não é mais graça. A ideia de merecimento e a ideia de graça
contradizem uma a outra. Em Efésios 1:6 é dito que é pela graça somos aceitos no
Amado. Nossa aceitação não é algo merecido, é algo dado. Em Efésios 2:5-9 Paulo
estabelece com toda a ênfase em seu comando que é pela graça que somos salvos. A
salvação do homem não é devido nem a qualquer merecimento nem a qualquer esforço
da sua parte, mas depende unicamente na pura misericórdia e do amor de Deus. Mesmo
a menor ideia de conquista está descartada.
Através de todas as suas cartas Paulo está extasiado e absorto com a convicção
de que a graça é o dom da generosidade de Deus, que o homem não pode nem
conquistar nem alcançar, mas que ele só pode aceitar e receber.
Devemos notar ainda mais que para Paulo há uma certa inesgotável abundância
na graça de Deus. Em 2 Coríntios 9:14 ele fala da superabundante graça de Deus; em
2 Coríntios 9:8 ele diz aos Coríntios que Deus é capaz de fazer toda a graça abundar
para eles. Em Romanos 5:20 há a alegação triunfante que onde o pecado abundou a
graça abundou muito mais. Em Efésios 1:7 Paulo fala sobre as riquezas de Sua graça; e
em Efésios 2:7 da superabundante riquezas de Sua graça.
Graça não é algo limitado, não é uma coisa medida em quantidades
meticulosamente precisas com apenas o suficiente e nada mais, como um ingrediente,
pode estar em uma receita para alguma mistura; na graça há uma certa infinidade, uma
certa adequação completa, uma inesgotabilidade certo e ilimitabilidade. Nenhuma
exigência que pode ser feita sobre ela pode esgotá-la ou forçar a sua capacidade e seu
poder.
Há uma dedução disto. Como Moffatt coloca em uma frase vivida: "A graça não
precisa de suplementos." É pela graça e somente pela graça que os homens são salvos:
nada mais é necessário; na verdade, a introdução de qualquer outra coisa, destrói todo o
principio de salvação. Este é o principio nos quais Paulo insiste quem duas de suas
maiores cartas.
É o argumento de que está na base de Romanos. A ideia que Paulo está
combatendo lá é a ideia que aceita de bom grado o fato de que não existe tal coisa como
graça, mas sustenta que a operação de graça deve ser reforçado e ajudado pelo
desempenho das obras, concebidas para ganhar mérito. Nesse verso telegráfico em
Romanos 11:6 Paulo estabelece: "e, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a
graça já não é graça." Para Paulo graça e obras são princípios mutuamente exclusivos.
Se a salvação tem algo a ver com obras, então não é pela graça, é por mérito. Se a
salvação é algo de pura graça, então as obras não entram no assunto, pois o mérito não

A Mente de Paulo Página 84


pode entrar no assunto. Não podemos propor a nos salvar pelas obras, e em seguida,
incluir o princípio da graça, não podemos aceitar o princípio de que somos salvos pela
graça, e em seguida, incluir as obras. Os dois excluem-se mutuamente. Se a salvação é
pelas obras, então não há tal coisa como graça; e se graça é graça, não precisa de
suplemento, mas é toda suficiente. O mesmo argumento se repete em Gálatas. Os
Gálatas não negavam a existência da graça. A posição deles era: Graça existe, mas a
obra da graça tem de ser sustentada pela aceitação da circuncisão e pela aceitação da lei.
Falando claramente, eles disseram: Um homem não pode ser salvo pela somente pela
graça, à graça de Deus, ele deve adicionar a sua própria circuncisão e seu próprio
desempenho das obras da lei. À graça de Deus ele deve adicionar o seu próprio
desempenho merecedor de méritos.
Frente a este modo de pensar, Paulo lança o seu grande desafio: "Não anulo a
graça de Deus, pois se a justiça vem mediante a lei, então Cristo morreu em vão."
(Gálatas 2:21). Se um homem pode ser salvo pelos seus próprios esforços, se pelo
desempenho meticuloso das obras da Lei, um homem pode estabelecer um
relacionamento correto entre ele mesmo e Deus, então a morte do Senhor Jesus Cristo
foi um erro colossal e Seu sacrifício foi um sacrifício completamente desnecessário.
A posição de Paulo era: Aceite a posição de que as obras são eficazes para a
obtenção da salvação, e terá que aceitar a posição de que o homem, através seus
esforços, sem ajuda, pode adquirir mérito diante de Deus, e simplesmente afirmar esta
possibilidade é obliterar o fato e a necessidade da graça. Mas ao invés disto devemos
aceitar a posição de que tudo é de graça, que tudo é dom generoso de Deus, e nada mais
é necessário. Adicionar qualquer coisa é negar a total suficiência e a total adequação da
graça.
Novamente Paulo está falando de sua experiência pessoal. Para Paulo justiça
consiste em um relacionamento correto com Deus; colocando de maneira simples,
justiça é amizade com Deus. Por toda sua vida Paulo se esforçou por esta amizade. Ele
tentou atingi-lo por um desempenho meticuloso das obras da Lei, pois ele poderia
alegar que em sua performance das exigências da Lei, ele era irrepreensível (Filipenses
3:6). E o único resultado de tudo isso foi que ele estava tão longe, e cada vez mais longe
de Deus. Em seguida, diante da Cruz ele resolveu simplesmente jogar-se sobre a
misericórdia de Deus, e a paz do relacionamento correto com Deus veio a ele em um
flash. A graça de Deus tinha feito o que todas suas obras não podiam fazer. Paulo tinha
feito a grande descoberta que a graça divina não precisa de acréscimos humanos para
ser eficaz para a salvação. Para Paulo, este era o início do caminho Cristão, embora,
como ainda veremos, não era o fim.
Paulo estava certo que fomos salvos pela graça; mas Paulo iria mais longe que
isso. Paulo insistiu que não somos apenas salvos pela graça, mas que também somos
chamados pela graça. Não é apenas a obra final que é trabalho da graça; os primeiros
movimentos, os primeiros indícios, os primeiro desejos fracos no coração de um
homem, são também o trabalho de graça. A graça de Deus não apenas salva o homem, a
graça de Deus também mostra ao homem sua necessidade de ser salvo e coloca em seu
coração o desejo pela salvação. Gálatas 1:6 fala sobre os Gálatas serem chamados à
graça do Senhor Jesus Cristo. Romanos 11:5 fala sobre a eleição da graça. Nossa

A Mente de Paulo Página 85


percepção de que somos pecadores, nosso arrependimento e nossa contrição são
também o trabalho de graça.
Aqui temos algo que é de grande importância. Vimos com Paulo, especialmente
em suas ultimas cartas, pensa em termos da preexistência do Senhor Jesus Cristo.
Vimos também que o Senhor Jesus Cristo pode ser visto como a personificação e a
essência da graça de Deus. Agora se o Senhor Jesus Cristo era preexistente e eterno, isto
significa que a graça de Deus é eterna. A graça de Deus não é um tipo de medida
emergencial que foi introduzida quando um mundo fundado no mérito desabou; A graça
de Deus não foi algo que veio quando a Lei havia sido considerada impossível. O
propósito gracioso de Deus é o propósito eterno de Deus. A graça de Deus estava lá
antes do inicio de todas as coisas. Deus é o Deus da graça, ontem, hoje e eternamente.
Por todas as suas cartas Paulo deixa claro que ele estava certo que não apenas
sua salvação eterna, mas toda sua vida pessoal, seu lugar e tarefa no mundo e no
esquema das coisas de Deus, estavam ligados com a graça. Esta graça estava
trabalhando nele antes mesmo dele ter qualquer ideia que ela estava trabalhando nele.
Foi esta graça que o separou desde o ventre de sua mãe e o chamou (Gálatas
1:15). Em 2 Coríntios 1:1 ele é apóstolo pela vontade de Deus. Estes dois dizeres são
muito sugestivo pois eles dizem a mesma coisa de formas diferentes. O primeiro diz que
foi a graça de Deus que tornou Paulo um apóstolo; o segundo diz que foi a vontade de
Deus que tornou Paulo um apóstolo. Isto quer dizer, estes dois dizeres igualam a graça e
vontade de Deus. Em outras palavras, a graça de Deus é a vontade de Deus em ação nas
vidas dos homens.
É a graça de Deus que deu para Paulo a tarefa de pregar entre os gentios a
insondável riqueza de Cristo (Efésios 3:8). É a graça de Deus que permitiu Paulo
estabelecer os fundamentos da fé dos Coríntios como um sábio arquiteto (1 Coríntios
3:10). É pela graça de Deus, que ele tem a sua caminhada e conversa no mundo
(2 Coríntios 1:12). Era fato evidente de que a graça de Deus tinha sido dado a ele em
relação à sua tarefa entre os gentios, que convenceu os líderes da Igreja a aceitá-lo e, por
assim dizer, para confirmar sua comissão especial (Gálatas 2:9). Quando Paulo fala, é
através da graça de Deus que ele fala. "Digo," ele escreve aos Romanos, "pela graça
dada a mim a todo que estão entre vós, a não pensar alto demais sobre si mesmo, além
do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu
a cada um" (Romanos 12:3). Para somar, Paulo é o que é pela graça e nada mais. "Mas
pela graça de Deus sou o que sou, e a graça dele não se tornou vã para mim, mas mais
abundantemente do que todos eles trabalhei, porém não eu, mas a graça de Deus
comigo" (1 Coríntios 15:10).
Aqui temos novamente um destes paralelos iluminadores. Esta passagem de 1
Coríntios está obrigando a voltarmos nosso pensamento a passagem associada em
Gálatas 2:20: "e, vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim." Na primeira passagem é
a graça de Deus que está em Paulo; na outra passagem, é o Senhor Jesus Cristo que está
nele. O principio da vida de Paulo é graça; e o principio da vida de Paulo é o Senhor
Jesus Cristo. Paulo iguala a graça e o Senhor Jesus Cristo; ambos significam a mesma
coisa. A graça é o Senhor Jesus Cristo e o Senhor Jesus Cristo é a graça.

A Mente de Paulo Página 86


Mas não se deve pensar que Paulo ligava graça apenas com os grandes eventos
experiências da vida. Para Paulo graça é o poder que permite aos homens enfrentar com
valentia e com adequação as exigências, as responsabilidades e as tarefas da vida.
Em 2 Tessalonicenses 2:15-17 Paulo está encorajando os Tessalonicenses a se
manter firmes em meio as perseguições e dificuldades que envolvem a vida Cristã; e a
base do seu pedido é que Deus "nos deu uma eterna consolação e boa esperança, pela
graça." Foi a graça que poderia levá-los através dos trechos ameaçadores da vida.
Ainda mais, era a graça que tornava possível Paulo exercer a atividade rotineira
de vida, quando ele se deparava com elas. Ele fala do espinho em sua carne, e de suas
orações para que fosse tirado dele. Ele diz que esta libertação não era para ser, mas a
resposta veio: "Basta a ti a minha graça" (2 Coríntios 12:9). Era através desta graça que
ele vivia todo dia e nesta graça ele encontrava as tarefas rotineiras de todos os dias.
Ainda mais, é a graça que é responsável por qualquer nobreza que há na vida.
Em 2 Coríntios 1:12 Paulo atribui sua sinceridade para a graça de Deus. Em 2 Coríntios
8:7 ele atribui a liberalidade e generosidade de seus convertidos à graça. Em Gálatas
5:22, 23 a grande qualidade da vida Cristã é chamada fruto do Espírito. A obra da graça
e a obra do Espírito são a mesma. O Espírito é o que traz a Graça; e graça é o poder do
Espírito nas vidas dos homens.
A graça é esse poder de Deus que veste o homem com força e resistência para o
dia-a-dia. A graça é esse poder de Deus que adorna a vida do homem com coisas
maravilhosas. A Graça é a defesa e inspiração do dia-a-dia do homem. Graça não é
apenas a glória de chegar ao topo, é a fonte de força para o caminho normal do
cotidiano. Ainda resta um lado da questão a ser considerado, e que só pode ser chamado
de, a obrigação de graça. Duas vezes Paulo usa uma frase sugestiva, uma vez sobre si
mesmo e outra sobre seus convertidos. Em 1 Coríntios 15:10 ele fala que a graça de
Deus não foi concedido a ele em vão. Em 2 Coríntios 6:1 ele suplica a seus convertidos
para não receber a graça de Deus em vão. Nos últimos casos, a frase é eis kenon
(εις κενον), literalmente para o vazio.
Aqui está o outro lado da questão. É aqui que o equilíbrio é preservado e que a
obra entra. Podemos dizer que as obras não tem nada a ver com a salvação; mas não
podemos ousar dizer que as obras não tem nada a ver com a vida Cristã. Paulo era um
judeu muito bom, para dizer que, o judaísmo era uma religião extremamente ética. O
Cristianismo era uma religião que atribuía um determinado modo de vida. Não foi o seu
primeiro título, O Caminho?
O homem é salvo pela graça. Qual é o resultado disto? O resultado é que é
colocado sobre este homem a tremenda obrigação de gastar sua vida mostrando que esta
graça não foi gasta em vão com ele. Na graça chegou a ele o amor de Deus, ele deve
portanto ser preenchido com o inexprimível anseio e o desejo ardente de mostrar-se,
com a ajuda da graça, digno dessa graça. Isso está completamente fora da esfera da lei,
isso não é obrigação legal, não é um caso de fazer o bem ou ser bom, porque o contrário
implicaria alguma penalidade legal e punição, é um caso de fazer o bem e ser bom,
porque um homem não pode suportar decepcionar o amor que tanto nos amou.
Aqui está o que está por trás de Romanos 6. Por trás deste capítulo há um
argumento. Os equivocados dizem para Paulo: "Você acredita que a graça de Deus é a

A Mente de Paulo Página 87


maior coisa no mundo?" "Sim," responde Paulo. "Você acredita que a graça de Deus é
grande o suficiente para perdoar qualquer pecado?" "Sim." Então os equivocados
continuam a argumentar: " Se isto é assim, deixe-nos continuar pecando conforme quer
nosso coração. Deus irá perdoar. Não, mais, quanto mais pecamos, mais chances esta
maravilhosa graça de Deus terá de abundar. Vamos continuar no pecado para que a
graça pode ter mais chances de abundar."
Toda a essência desse argumento é que é um argumento legal. Basicamente, ele
diz que podemos continuar pecando, porque o pecado não será punido, e que a graça vai
encontrar uma maneira de dar escape. Mas a posição de Paulo é a posição daquele que
ama: ele não pode tornar a graça que tanto o amou, sem efeito; ele deve gastar toda sua
vida em um grande esforço para mostrar o quanto ele ama o Deus que tanto o amou.
Esta é a obrigação da graça. É aí que as obras entram.
Aqui está o equilíbrio que precisamos. Nunca poderemos ser salvos pelas obras;
mas, Se a nossa salvação não surge em obras, não é salvação. Não é primeiro obras e
então salvação. É primeiro salvação e então obras. Não nos tornamos salvos por guardar
a Lei; só podemos guardar a Lei porque somos salvos. Tudo é sobro o amor e o homem
não pode aceitar a graça de Deus e então continuar a quebrar o coração de Deus que
tanto o amou.

A Mente de Paulo Página 88


XIV

PENSAMENTOS DE PAULO
SOBRE O ESPÍRITO SANTO

Quando o Senhor Jesus deixou este mundo em seu corpo, foi Sua promessa que Ele
enviaria o Espírito Santo para Seu povo (João 14:16, 17, 26; 16:7, 13). É, por isso, claro
que a doutrina do Espírito Santo é uma das mais importantes doutrinas da fé Cristã. É a
pura verdade que o Espírito Santo é alguém para ser experimentado, e não algo para ser
falado e argumentado. No entanto, será salutar para nós ver a grandeza do pensamento
de Paulo sobre o Espírito.
Temos de começar observando que aqui, como em qualquer outro lugar, Paulo
conduz todas as coisas direto para Deus. Aqui, como em toda parte, seu monoteísmo
intransigente e sua convicção da supremacia fundamental de Deus dominam todo o seu
pensamento.
Paulo está certo que o Espírito Santo é o presente de Deus. Em
1 Tessalonicenses 4:8 ele fala sobre Deus, que também nos deu seu Espírito Santo. O
Espírito Santo, como Paulo vê o assunto, vem ao homem através do anúncio do
evangelho Cristão, que produz a fé nos corações dos homens. Devemos colocar dois dos
dizeres de Paulo juntos. Em Romanos 10:17 Paulo fala que a fé vem do ouvir e o ouvir
por meio da palavra do Senhor Jesus Cristo. Em Gálatas 3:2, 5 ele fala sobre receber o
Espírito através de escutar pela fé. O Espírito é recebido pelos homens como uma
consequência de sua escuta e aceitação pela fé do evangelho que é pregado a eles. O
Espírito Santo é presente de Deus aos homens, e vem aos homens quando os homens
reagem em fé à mensagem de boas novas enviada por Deus.
Aqui, bem no começo, estamos cara a cara com este fato essencial. A vinda do
Espírito Santo na vida do homem não é algo que um homem pode conquistar, alcançar
ou ganhar pelos seus próprios esforços; é algo que o homem deve aceitar e receber pela
fé. É um dos grandes e simples fatos da vida Cristã, que não podemos receber o Espírito
de Deus, a menos que estejamos preparados para esperar pacientemente, em oração e
esperançosamente a vinda do Espírito.
Mais de uma vez Paulo usa uma curiosa e vivida frase sobre o Espírito Santo.
Em 2 Coríntios 1:22 ele fala sobre Deus que nos deu o penhor do Espírito. Em
2 Coríntios 5:5 ele fala sobre Deus nos dando o penhor do Espírito. Em Efésios 1:14 ele
fala sobre o Espírito que é o penhor de nossa herança.
A palavra que a Versão Autorizada traduz como penhor é a palavra Grega
arrabon (αρραβων). Esta é uma palavra que aparece frequentemente em contratos e
acordos. Entre os papiros muitos desses contratos ainda existem, e esta palavra ocorre

A Mente de Paulo Página 89


neles. Uma mulher vende uma vaca e ela recebe mil dracmas como arrabon que no
devido tempo, o restante do preço de compra será pago. Uma tropa de dançarinas de
castanheira são contratadas para uma festa de aldeia; são pagas tantos dracmas
antecipadamente como um arrabon, com uma ressalva de que esta soma será levado em
conta quando for efetuado o pagamento final, após que o show tenha sido devidamente
entregue. Um arrabon era um pagamento adiantado; era uma primeira parcela; era uma
parte do pagamento, que era uma promessa e uma garantia de que, no devido tempo o
pagamento integral seria feito.
Aqui temos um grande pensamento. O dom do Espírito Santo é o é a primeira
parte da perfeita bem-aventurança que Deus tem preparado para aqueles que O amam. A
vida que é vivida no Espírito é uma antecipação e uma garantia da própria vida no céu.
Muito frequentemente Paulo usa a concepção de Espírito de um modo muito
especial. Através de todos seus escritos corre um contraste entre carne e espírito.
Frequentemente as duas palavras aparecem em justaposição, uma expressando o oposto
da outra.
Em Gálatas 3:3 Paulo protesta que aqueles que começaram no espírito agora
pensam que podem se tornar perfeitos na carne. Em Gálatas 5:16ff ele contrasta andar
no espírito com cumprir o desejo da carne e ele contrasta o fruto do espírito e as obras
da carne. Em Gálatas 6:8 ele contrasta aqueles que semeiam para a carne e, portanto,
colhem corrupção, com aqueles que semeiam para o Espírito e, portanto, colhem vida
eterna. Romanos 8 está cheio deste contraste. Em Romanos 8:5 ele contrasta aqueles que
são segundo a carne e tem na mente as coisas da carne com aqueles que são do Espírito
e que tem em mente as coisas do Espírito. em Romanos 8:9 ele insiste para que seus
convertidos não estejam na carne, mas estejam no Espírito. Mais de uma vez (Ex.:
Romanos 8:1) ele exorta seus convertidos à andar, não na carne, mas no Espírito. Para
Paulo, o Espírito estava para toda a bondade, poder e vontade de Deus como em
contraste com o mal e propensão natural para o pecado do homem sem o Senhor Jesus
Cristo.
Em outra frase vivida Paulo fala da possessão do Espírito como sendo o sinal e
selo que o homem pertence a Deus. Em 2 Coríntios 1:22 ele fala de Deus que nos selou
e nos deu o penhor do Espírito. Em Efésios 1:13 ele fala que seus ouvintes estão selados
com o Espírito da promessa. Em Efésios 4:30 ele exorta eles para não entristecer o
Espírito Santo com o qual foram selados para o dia da redenção.
Assim como no caso da palavra arrabon, há também por trás disto uma prática
comercial e financeira. Haviam dois casos em que um selo era especialmente
significante e importante no mundo antigo. Quando um homem selava um documento
ou um testamento, ele garantia pela fixação de seu selo que era seu e que ele estava
preparado para garantir o conteúdo e as condições do mesmo. Ainda mais, muito
frequentemente bens móveis eram selados. Um saco ou um pacote podiam ser fechados
com um selo colocado em cima do nó no cordão ou corda que o fechava. O selo era a
garantia do remetente que os bens realmente foram enviados por ele e que eles eram do
padrão que ele se comprometeu a entregar.
O dom do Espírito Santo é o selo de Deus sobre o homem, garantindo o fato que
aquele homem pertence à Ele. Quando vemos um homem vivendo com a paz, poder,

A Mente de Paulo Página 90


alegria, serenidade e sabedoria que somente o Espírito pode dar, esta é a prova
inquestionável que aquele homem pertence a Deus e é homem de Deus.
Antes mesmo do Cristianismo vir a este mundo, os Judeus tinham sua crença
sobre o Espírito de Deus. Os Judeus tinham duas crenças basicas sobre o Espírito de
Deus. Eles acreditavam que o Espírito era a pessoa que trazia e revelava a verdade de
Deus aos homens; eles também acreditavam que o Espírito era a pessoa que
possibilitava o homem reconhecer a verdade e entender ela, quando vinha até ele.
Repetidamente o Senhor Jesus chamou o Espírito que ele prometeu de o Espírito
da Verdade. Ele disse que o Espírito ensinaria aos homens todas as coisas; que o
Espírito traria todas as coisas à sua lembrança; que o Espírito iria guiá-los à toda
verdade (João 14:17, 26; 15:26; 16:13). Era então, muito natural que Paulo devesse
olhar para o Espírito Santo como o revelador da verdade de Deus aos homens, como
agente de Deus na revelação.
em Efésios 3:3-5 ele fala da revelação daquele mistério eterno de Deus, o qual
agora é revelado pelo Espírito Santo aos profetas e aos apóstolos. em 1 Coríntios 2:11
ele insiste que, assim como somente o espírito do homem conhece as coisas que estão
nele, assim também somente o Espírito de Deus conhece as coisas de Deus. Ele alega
que as coisas que ele mesmo ensina não são produto de sabedoria feita ou descoberta
por homens, mas resultado da revelação do Espírito de Deus (1 Coríntios 2:13, 14).
Paulo sabia e usava a antiga ideia Judaica que o Espírito de Deus fazia ambos:
revelava a verdade de Deus e possibilitava o homem reconhecer a verdade de Deus
quando ela era revelada para ele. Porém era claro para Paulo, que o homem que fechava
seu coração para o Espírito, que se recusava a aguardar em oração,pacientemente e
esperançosamente até que ele recebesse o Espírito, não poderia receber ou reconhecer a
verdade de Deus. Mesmo que ela viesse para ele, ele não poderia reconhecê-la como
verdade de Deus, pois o mesmo Espírito é revelador e intérprete.
Estamos bem conscientes de que simplificar demais pode ser muito perigoso e
pode, na verdade, se desviar para heresia; mas não é de todo errado dizer que, para
Paulo Deus Pai foi Deus na criação, na recriação e na providência, que Deus Filho foi
Deus para sempre e por toda a eternidade ativo na redenção e na salvação dos homens, e
que Deus Espírito Santo é Deus para sempre revelar a sua verdade e transmitir o seu
poder aos homens. Certamente para Paulo o Espírito Santo é o agente de Deus na
revelação. Podemos dizer deste modo: externamente, o Espírito Santo é o agente que
traz a verdade de Deus aos homens; internamente, o Espírito Santo é a pessoa e o poder
que prepara o coração do homem para receber esta verdade e que ilumina suas mentes
para compreender e entender esta verdade, e quem possibilita e inspira os homens a
passar esta verdade para outros.
Podemos dizer isto de modo mais abrangente: o Espírito Santo é o Mediador de
Deus; o Espírito Santo é a pessoa que traz e distribui os dons de Deus aos homens. É o
Espírito Santo que derrama o amor de Deus em nossos corações (Romanos 5:5). É o
Espírito Santo que nos conduz e guia à verdadeira filiação de Deus (Romanos 8:14). É
pelo Espírito Santo que temos acesso ao Pai (Efésios 2:18).
Neste contexto, existem duas concepções de beleza superior no pensamento de
Paulo.

A Mente de Paulo Página 91


Em Romanos 8:16 Paulo escreve: "O próprio Espírito testemunha com o nosso
espírito que somos filhos de Deus." Em Gálatas 4:6 (compare Romanos 8:15) ele
escreve que porque somos filhos, Deus enviou o Espírito de Seu Filho aos nosso
corações, que clama: Abbá, Pai.
Há uma ideia ainda mais bonita por traz disto. O que nos dá a certeza de que
somos filhos de Deus? O que nos move a olhar para Deus e chorar, Pai? Como, mesmo
se temos um desejo melancólico para escolhe-lo, podemos ter certeza de que o caminho
de nós até Deus está aberto? Mesmo se houver os anseios mais profundos em nossos
corações que ele deve ser assim, como podemos ter certeza de que o Deus a quem
levantamos nossos olhos é Pai? A resposta de Paulo é que o impulso que nos move, em
primeiro lugar, para desejar estas coisas, é o impulso do Espírito. E a certeza em nossos
corações que não seremos desapontados, também é obra do Espírito. É o Espírito que
nos conta sobre nossa necessidade de Deus; é o Espírito quem nos inicia no caminho
para Deus; é o Espírito que nos dá a certeza que Deus está aguardando para nos dar as
boas vindas e que Ele é o Pai que nossos corações desejam.
A segunda ideia de Paulo neste contexto é, talvez, ainda mais bonita. Em
Romanos 8:26, 27 Paulo escreve: "E semelhantemente também o Espírito ajuda na
nossa fraqueza; pois não sabemos que devemos orar como é necessário, mas o próprio
Espírito intercede com gemidos inexprimíveis; e o que examina os corações sabe qual é
o modo de pensar do Espírito, porque segundo a vontade de Deus intercede pelos
santos." Em seu comentário de Romanos, Dr. C. H. Dodd tem uma exposição desta
passagem que é um das mais nobres e bela que já foi escrita. Quando oramos, sabemos
muito pouco da vontade e propósitos de Deus para orar corretamente. Tudo que
podemos realmente oferecer para Deus, o melhor tipo de oração é um suspiro
inarticulado do coração e espírito humano, mas o Espírito Santo pode pegar este suspiro
inarticulado e traduzi-lo para nós na presença de Deus. William James, o famoso
psicólogo, uma vez escreveu: " Muitas razões foram dadas por que não devemos orar,
enquanto outras são dadas porque devemos. Mas em tudo isto muito pouco é dito sobre
a razão pela qual oramos. A razão pela qual oramos é que simplesmente não podemos
deixar de orar." Como C. H. Dodd tão magnificamente coloca: "A oração é o divino em
nós apelando para o Deus acima de nós." Paulo teria dito que é o Espírito Santo dentro
de nós que desperta este desejo inexprimível de Deus. Ele teria dito que, sendo homens
não sabemos o que fazer para orar; só podemos trazer a Deus um suspiro profundo do
coração humano, que o Espírito Santo interpreta para Deus por nós.
Em cada carta Paulo deixa claro que é certeza sua que o Espírito Santo é a fonte
da vida Cristã. O Espírito Santo ajuda nossas fraquezas (Romanos 8:26). É através do
poder do Espírito que trasbordamos em esperança (Romanos 15:13). É pelo poder do
Espírito que somos santificados (Romanos 15:16; 2 Tessalonicenses 2:13). O Espírito é
a fonte do próprio poder de Paulo (Romanos 15:19). Em 1 Coríntios 6:9-11 Paulo
estabelece a lista de pecados sombrios ao qual os Coríntios já haviam sido sujeitos, mas
eles foram lavados, santificados e justificados no nome do Senhor Jesus e pelo Espírito
do nosso Deus.
O Espírito Santo é a fonte dos muitos dons que são necessários para a
administração da ordem do dia-a-dia da Igreja Cristã (1 Coríntios 12:4ff). Todas as

A Mente de Paulo Página 92


qualidades fascinantes que enfeitam a vida Cristã são o fruto do Espírito (Gálatas 5:22).
Nossa mudança de glória em glória até nos tornarmos como Cristo, é obra do Espírito (2
Coríntios 3:18). O fato dos Cristãos poderem ser construídos e montados até estarem
em comunhão e se tornarem a morada de Deus é a obra do Espírito (Efésios 3:16).
Pode ser visto que para Paulo, o inicio, meio e fim da vida Cristã depende da
obra do Espírito. O desenvolvimento do individuo Cristão e o aperfeiçoamento da
Igreja, ambos dependem do Espírito. O chamado do homem, o perdão do homem, o
crescimento na graça do homem, são todos produtos do poder do Espírito.
Há algo muito sugestivo aqui. Algo novo foi trago para a concepção da obra do
Espírito de Deus. No Velho Testamento e no pensamento Judeu havia muito sobre o
Espírito, mas para a maioria parte, havia muito sobre o Espírito, mas para a maior parte,
é verdade dizer que o poder e a ação do Espírito estavam ligados a acontecimentos
extraordinários e anormais. As grandes declarações, as grandes visões dos profetas e as
manifestações súbitas do esplendor de Deus, foram obras do Espírito; mas no Novo
Testamento o Espírito se tornou ainda mais precioso, pois o Espírito se tornou o
movimento, o controle e o poder mantenedor para a vida e ação cotidiana.
Os filósofos pagãos clamavam para o que eles chamavam de "o remédio para a
alma doente." Para Paulo o poder do Espírito era este remédio, para o Espírito dos
homens purificados do pecado, quebrou as correntes que prendiam-nos, e deu-lhes dia a
dia força, alegria, esperança, paz e poder.
Então é fácil de ver como para Paulo as grandes ações e qualidades da vida
Cristã estão todas no Espírito. O Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo
(Romanos 14:17). Oramos no Espírito (Efésios 6:18). Cristão amam um ao outro no
Espírito (Colossenses 1:8). O Evangelho vem aos homens pelo Espírito Santo
(1 Tessalonicenses 1:5). Mesmo em meio de perseguições, os Tessalonicenses tem
alegria no Espírito Santo (1 Tessalonicenses 1:6). A adoração do Cristão é
compartilhada e oferecida pelo Espírito (Filipenses 3:3).
É como se o Espírito fosse a atmosfera e o clima na qual, e somente na qual, as
grandes qualidades Cristãs podem crescer, as virtudes Cristãs podem florescer, e as
atividades do indivíduo Cristão e da igreja Cristã podem ser exercidas.
Portanto, não é surpresa descobrir Paulo identificando o Espírito com a Vida. O
Espírito é vida por causa da justiça, ele escreve em Romanos 8:10. O Espírito é o poder
por meio do qual o Cristão entra na vida Cristã e o poder por meio do qual ele vive a
vida Cristã. O Espírito é a única, e ao mesmo tempo, a fonte e sustentador da vida no
sentido totalmente Cristão do termo.
Quando pensamos sobre o que Paulo diz do Espírito e atribui ao Espírito, se
torna claro que as coisas que estão no Espírito, são as coisas que estão no Senhor Jesus
Cristo. Paulo não era um teólogo sistemático, mas um homem a quem o Senhor Jesus
Cristo havia encontrado e um homem que havia encontrado ao Senhor Jesus Cristo, e
estava procurando partilhar essa experiência com outros. Ele não estava essencialmente
propagando uma teologia; ele estava procurando compartilhar uma experiência
religiosa. Portanto, não é surpresa encontrar Paulo simplesmente dizendo no final: "O
Senhor é o Espírito" (2 Coríntios 3:17). Para ele, viver no Espírito era viver na presença
de seu Senhor ressuscitado e eterno. Não seria muito dizer que, para Paulo, o Espírito

A Mente de Paulo Página 93


era o cumprimento da promessa do Senhor Jesus Cristo que Ele estaria sempre com
Seus homens, mesmo até o fim do mundo (Mateus 28:20).

A Mente de Paulo Página 94


XV

PENSAMENTOS DE PAULO SOBRE O PECADO

G. K. Chesterton uma vez disse que, qualquer que seja a verdade sobre o homem é
verdade que, sem dúvida, o homem não é o que ele estava destinado a ser. Com esta
máxima Paulo concordaria completamente; e a razão para esta situação é o pecado. Há
alguns que acusariam Paulo de ser, por assim dizer, obcecado com o pecado. Mas o fato
é este - Paulo usa a palavra hamartia (αμαρηια), a palavra mais comum para pecado, 62
vezes em suas cartas; e dessas 62 ocorrências 48 estão em Romanos e apenas 14 em
todas as outras cartas; na carta aos Filipenses a palavra hamartia (αμαρηια) não ocorre
nenhuma vez. Obviamente é verdade dizer que Paulo via com intensidade a seriedade
do pecado, mas seria muito errado dizer que ele tinha uma obsessão mórbida com a
ideia do pecado. Vejamos, então, o que Paulo tem a dizer sobre o pecado.
Antes de mais nada, devemos notar que Paulo insistia na universalidade do
pecado. O pecado não era, para ele, algo em que somente algumas pessoas estavam
envolvidas; não é como uma doença que ataca alguns e outros escapam. Para Paulo cada
homem está envolvido no pecado. Ambos, Judeus e Gentios, estão sob o pecado
(Romanos 3:9). Todos pecaram e estão privados da glória de Deus (Romanos 3:23). O
pecado é uma situação humana universal.
Para Paulo esta universalidade do pecado era duplamente provada. Primeiro, era
um fato da experiência humana. Segundo, era um fato da história. Para Paulo todos os
homens estavam envolvidos no pecado de Adão; este é o foco de Romanos 5. Não é que
todos os homens pequem como Adão pecou; não é que todos os homens herdaram de
Adão o vicio e a tendência de pecar; é que em Adão todos os homens, na verdade,
pecaram. Para nós este é um argumento estranho. Para um Judeu era perfeitamente
normal. Os Judeus criam fortemente na solidariedade. Até hoje existem tribos
primitivas, e se você perguntar a um homem de uma dessas tribos seu nome, ele não vai
dizer o nome dele, ele vai dar o nome de sua tribo. Ele está preso em sua tribo, ele não
tem existência separada; fora da tribo, ele não vive. Simplesmente desta mesma forma,
todos homens pecaram em Adão.
A prova de Paulo para isto é simples e para um Judeus muito lógico. Porque
Adão pecou, a morte entrou neste mundo. Morte é a pena do pecado. O pecado de Adão
foi uma violação direta de um mandamento de Deus. Onde não há mandamento, não
pode haver pecado. Agora, a Lei não estava no mundo até Moisés chegar; portanto não
podia haver violação da Lei; não podia haver pecado, no sentido acima apresentado. E
mesmo assim entre Adão e Moisés os homens também morriam. Eles não haviam
violado a Lei, pois não havia Lei para violar, mesmo assim eles morriam. Porque?
Porque eles tinham pecado em Adão; nele eles tinham, na verdade, cometido pecado.

A Mente de Paulo Página 95


Este é o argumento Paulino. Para ele os fatos da experiência humana e os fatos
da história, demonstram a universalidade do pecado. Então começamos com este fato de
que todos nós pecamos.
É inevitável que Paulo conecte intimamente a Lei e o pecado. Há dois sentidos
em que a Lei, por assim dizer, produzia pecado. A Lei define o pecado; onde não há lei,
não pode haver pecado e neste sentido a Lei cria o pecado. Peguemos um exemplo
moderno simples. Por muito tempo era permitido dirigir um veículo em qualquer
sentido da rua. Então novos regulamentos de trafego foram estabelecidos e uma lei é
promulgada pelo qual aquela rua se torna uma rua de mão única. Pela promulgação
dessa lei uma completamente nova violação da lei foi criada. Antes da aprovação da lei,
era perfeitamente legal dirigir nessa rua nos dois sentidos, agora só é legal conduzir em
uma direção, e dirigir no outro sentido é uma violação da lei recém-criada. Do ponto de
vista legal um novo pecado foi criado. Então sem a lei não pode haver pecado. "Pela Lei
vem o pleno conhecimento do pecado" (Romanos 3:20). "Mas a Escritura confinou
todas as coisas sob pecado (Gálatas 3:22). "mas o pecado não é levado em conta, não
existindo lei" (Romanos 5:13). "E a lei infiltrou-se, para que aumentasse a transgressão"
(Romanos 5:20). Até a vinda da Lei, ninguém podia violar a Lei e, portanto, há um
sentido de que a Lei criou o pecado.
Mas há outro sentido muito mais perigoso, no qual a Lei provoca pecado. É a
característica da natureza humana que assim que algo é proibido, se torna desejável. É a
grama do outro lado da cerca que sempre é mais verde. Isto é o que Paulo descobriu
através de amarga experiência: "Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por
intermédio da Lei: pois não teria eu conhecido a cobiça, a não ser que a Lei dissesse:
Não cobiçarás." O pecado "tomando ocasião" pelo mandamento. "Sem a lei o pecado
está morto, e outrora eu vivia sem Lei, mas vindo o mandamento, o pecado reviveu, e eu
morri." O mandamento que foi projetado para vida realizou a morte. Foi através do
mandamento que o pecado tomou ocasião para enganar Paulo e levá-lo para morte
(Romanos 7:7-11). Aqui está o dilema universal. A Lei, que se destina a proibir e
controlar o pecado, provoca o pecado, por causa da fascinação fatal por coisas
proibidas. C. H. Dodd cita em ilustração a isto, a famosa passagem de Augustino:

Havia uma árvore de pera perto de nosso vinhedo, carregada com frutas. Em
uma noite de tempestade, nós jovens vis, partimos para roubá-la e carregar nossos
despojos embora. Nós pegamos uma grande quantidade de peras (não para banquetear-
nos, mas para jogá-las aos porcos) apesar de comermos apenas o suficiente para ter o
prazer do fruto proibido. Mas não eram as peras que minha alma miserável cobiçava,
pois eu tinha muito melhores em casa. Eu as peguei simplesmente para ser um ladrão. O
único banquete que tive foi um banquete de iniquidade, o qual aproveitei na íntegra. O
que era isto que eu amei naquele roubo? Foi o prazer de agir contra a lei, a fim de que
eu, um prisioneiro sobre regras, pudesse ter uma imitação mutilada de liberdade, por
fazer sem impunidade o que era proibido, com uma fraca semelhança de onipotência?
(Confessions 2:4-6).
É um fato da experiência que o coração humano deseja a coisa proibida e a lei
quando proíbe algo desperta o desejo por ela.

A Mente de Paulo Página 96


Então em um duplo sentido, o pecado e a lei estão intimamente conectados. A
Lei define o pecado e, portanto, num certo sentido, cria o pecado; a Lei quando proíbe
algo desperta o desejo por ela. Como Paulo insiste, sem a Lei não pode haver pecado.
Desde que o pecado e a Lei estão tão intimamente ligados, fica claro que pecado
é desobediência. Foi através da desobediência de um homem que muitos foram
constituídos pecadores (Romanos 5:19). Qualquer homem que fosse capaz de render a
Deus e a Lei de Deus uma obediência perfeita, não poderia jamais pecar. Podemos dizer
de outro modo, pecado significa ouvir a si mesmo ao invés de ouvir à Deus.
Assim que desobedecemos a voz de Deus e pecamos, outro elemento entra na
situação. Através do pecado nós estamos privados da glória de Deus (Romanos 3:23). O
que isto significa? Quando voltamos para a velha história da criação, descobrimos que
Deus fez o homem a sua imagem e a sua semelhança (Genesis 1:26). Isso quer dizer que
Deus fez o homem para carregar sua própria imagem e, portanto, para refletir Sua
própria glória. Portanto, o pecado é o que impede um homem de ser o que ele foi
concebido para ser e o que ele foi criado para ser. Agora vamos ver o significado básico
de hamartia (αμαρηια). Hamartia (αμαρηια) não era originalmente uma palavra ética em
sentido algum. Era, na verdade, uma palavra da prática de tiro e significava um erro do
alvo. Pecado é a falha em acertar o alvo; o pecado é a incapacidade de ser, o que nós
fomos feitos para ser; pecado é cair abaixo das próprias possibilidades. No momento em
que um homem começa a desobedecer, ele começa a perder a imagem de Deus e,
portanto, está privado do que ele estava destinado a ser. Aqui está o próprio
fundamento, na prática, da universalidade do pecado. Deixar de fazer o melhor de si
como trabalhador, não ser tão bom pai, mãe, filho, filha, como se poderia ter sido,
deixar de usar e desenvolver os dons das mãos, olhos, mente e cérebro que Deus nos
deu, em qualquer modo, estar privado do melhor que podemos ser, é um pecado.
Desobediência à Deus significa falhar na vida e falhar em acertar o alvo, é pecado. É
uma característica de qualquer doença que, quando se obtém força, ela espalha-se, e
assim também é o pecado. O pecado e a ofensa aumentaram (Romanos 5:20). O pecado
é como um problema que é permitido ganhar força. As ervas daninhas que não são
erradicadas, lançam semente de si mesmas e se espalham cada vez mais virulenta. Uma
fonte de infecção que não é removida é um viveiro de doenças. Um câncer, a menos que
seja extirpado, cresce, se espalha e se desenvolve. Há no pecado, um poder
extraordinário de auto-multiplicação. ele se espalha pela vida como uma epidemia,
quando ganha o menos ponto de apoio.
Como Paulo viu, em um duplo sentido, o pecado gera morte. Ele faz isto no
sentido moral e espiritual. "pois o pecado, tomando ocasião por meio do mandamento,
enganou a mim e por meio dele me matou" (Romanos 7:11). "O corpo está morto por
causa do pecado" (Romanos 8:10). O pecado tem um poder assassino. Ele mata a
bondade; ele mata a beleza; ele mata o amor e a comunhão humana; ele mata o caráter e
a consciência.
Se um homem permite o pecado controla-lo, o fim é que ele está morto no pecado.
Mas como Paulo vê, o pecado não gera apenas morte espiritual e moral; o
pecado também é a causa da morte física. O ensino de Paulo é que, se não houvesse
pecado, não haveria morte. A morte entrou neste mundo através do pecado (Romanos

A Mente de Paulo Página 97


5:12); o pecado reinou na morte (Romanos 5:21). Um homem pode ser escravo do
pecado para morte ou da obediência para justiça (Romanos 6:16). O salário de pecado é
morte (Romanos 6:23). Como Paulo vê, é através do pecado e por causa do pecado, que
a morte entrou neste mundo. O pecado é o destruidor da vida moral, espiritual e física.
Repetidamente Paulo usa palavras que enfatizam, em figuras vividas, o poder e o
controle do pecado. O pecado reina na morte (Romanos 5:21). A palavra para reina é
basileuein, a qual vem do substantivo basileus que significa um rei. O pecado se torna
um rei e os homens tornam-se seus súditos miseráveis. O pecado é como uma
escravidão. A obra do Senhor Jesus Cristo é que não devemos mais ser escravos
(douleuein) do pecado (Romanos 6:6). Em seus dias pré Senhor Jesus Cristo, o Cristão
era o escravo (doulos) do pecado (Romanos 6:20). "Pois o pecado," diz Paulo, "não vos
dominará" (Romanos 6:14). A Palavra que ele usa é kurieuein e kurios era o titulo para
o imperador ou para o mestre de um escravo e denota propriedade e poder supremo. Em
seus dias sem o Senhor Jesus Cristo, Paulo viu a si mesmo como vendido à escravidão
do pecado (Romanos 7:14), como um escravo, abatido em um leilão e se tornando a
propriedade absoluta de seu proprietário.
Como nossa própria experiência tem mostrado repetidamente, há uma tirania e
uma escravização no pecado; o controle do pecado pode se tornar inquebrável; um
homem pode desejar desesperadamente, por exemplo, libertar-se de um hábito e ser
incapaz de fazê-lo. Ele se tornou o escravo, propriedade, súdito e criatura do pecado.
O pecado não permanece um poder externo, fora do homem. Como Paulo vê, o
pecado ocupa a sua residência no interior do homem, e ocupa ele como um inimigo
ocupa um país conquistado. Ele fala do pecado que habita (oikein) nele; ele fala do
pecado em seus membros (Romanos 7:20,23). O pecado não é simplesmente uma
influencia ou uma força; é uma espécie de poder demoníaco pessoal que invade o
homem e faz residência nele. É aí, na verdade, que todo conceito de Paulo sobre corpo e
carne entra. Qualquer inimigo invasor precisa de um ponto de apoio
(http://en.wikipedia.org/wiki/Bridgehead); é a carne que dá ao pecado este ponto de apoio.
A carne não é simplesmente o corpo e os pecados da carne não são simplesmente
pecados carnais. Idolatria, feitiçarias, inimizades, contenda, ciúmes, iras, discórdias,
dissensões, facções são todos pecados da carne (Gálatas 5:20). A carne é a natureza
humana separada de Deus. E é bem aí que o pecado obtém o ponto de apoio para a
invasão, cujo fim é a ocupação da personalidade humana. Há dois fatos adicionais sobre
o pecado, na visão Paulina, que devemos ajustar a este esquema. Primeiro, pecado é
aquilo que dificulta ou impede o trabalho do Senhor Jesus Cristo e da propagação do
evangelho.
Aqueles que impedem ou dificultam Paulo de trazer a mensagem de Deus aos
Gentios preencher o seu pecado, eles trazem o seu pecado a seu ápice e à sua plenitude
(1 Tessalonicenses 2:16). Segundo, pecado é o oposto de fé. "E tudo que não é da fé, é
pecado" (Romanos 14:23). Agora, fé para Paulo era a entrega total à Deus e, portanto,
pecado é qualquer coisa que impeça ou dificulte a entrega total de um homem à Deus.
Pecado é aquilo que opõe-se, diminui ou obstrui o senhorio de Deus e Seu Cristo no
mundo ou no coração humano.

A Mente de Paulo Página 98


Não é nossa tarefa aqui, examinar as palavras de pecados particulares, mas há
certas palavras gerais para o pecado, que Paulo usa, cada qual tem sua contribuição a
dar para o seu quadro total do pecado.
Pecado é adikia e o homem cheio de pecados é adikos. A tradução normal dessas
duas palavras na Authorized Version é injustiça e injusto. Vamos ver melhor o
significado destas palavras, se chegarmos a eles a partir de seu oposto. Na ética Grega, o
bom homem, o homem honesto, o homem justo é dikaios; e o homem que é dikaios é
definido como o homem que dá a ambos, aos deuses e aos homens o que lhes é devido.
Injustiça é a incapacidade de dar a Deus e aos homens o que lhes é devido. O homem
injusto é o homem que falha em seu dever para com Deus e para os homens, ele é o
homem que não dá a Deus o seu amor e sua obediência, e que não consegue dar aos
homens a sua caridade e seu serviço. Paulo assim descreve o pecador em Romanos 1:18;
1:29; 3:5; 6:13; 9:14; 1 Coríntios 6:1,7,8.
As palavras adikaia e adikos são comumente unidas com as palavras asebeia e
asebes. Estas palavras descrevem o homem ímpio e sua conduta. Pecado é impiedade; é
o total desrespeito de Deus; é tratar Deus com se ele não existisse. Não é ateísmo, pois
ateísmo não acredita que existe Deus. Impiedade sabe que existe um Deus e ignora ele
totalmente; é, portanto, ainda pior que ateísmo.
Pecado é anomia e o pecador é anomos (Romanos 6:19; 2:12; 1 Coríntios 9:21;
2 Coríntios 6:14). Nomos significa lei e o pecador é o homem que desobedece a Lei de
Deu (ou vive sem lei). Esta palavra enfatiza a deliberação do pecado, que descreve o
homem que conhece bem o que é certo, e que ainda assim faz o errado.
Pecado é parakoe (Romanos 5:19; 2 Coríntios 10:6). A Authorized Version
traduz esta palavra como desobediência. Mas há uma figura vivida nela. ela vem do
verbo parakouein, originalmente significava ouvir mal ou não conseguir ouvir. Ela
pode ser utilizada sobre um homem que não entendeu algo que alguém disse, porque foi
falado indistintamente, ou porque ele próprio era surdo. Em seguida, ela passou a
significar deliberadamente não ouvir, como se fosse, fechar os ouvidos para. Em última
análise, um homem ouve somente aquilo que quer ouvir e pecado significa fechar os
ouvidos para Deus, a fim de ouvir a si mesmo.
Pecado é parabasis e o pecador parabates (Romanos 2:23; 4:15; Gálatas 3:19;
Hebreus 2:2; Tiago 2, 9). Parabasis literalmente significa pisando além de. A figura é
de um homem pisando além de uma linha além da qual ele não tem o direito de pisar, de
um homem invadindo um território proibido e atravessando os limites do que é certo.
Pecado é cruzar deliberadamente a fronteira entre o certo e o errado.
Pecado é paraptoma (Romanos 4:25; 5:15, 16, 17, 20; Efésios 1:7, 2:1, 5).
Paraptoma originalmente significava um deslize, uma topada, um tropeço. Longinus,
por exemplo, o critico literário Grego, usa ela para os erros de estilo e gosto dos quais
até mesmo os melhores autores são ocasionalmente capazes. É de todas as palavras para
pecado, a menos deliberada. Ela descreve o deslize que um homem pode cometer
quando está desprevenido, quando ele não está olhando por onde vai, quando ele tira o
olho do objetivo. Pecado é a falha em se concentrar, pecado é a falta de concentração, a
falta de autocontrole por meio do qual o homem é arrastado ou desliza para o pecado.

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Pecado resulta em porosis (Romanos 11:7, 25; 2 Coríntios 3:14; Efésios 4:18).
Porosis descreve um processo de petrificação, resultando na perda de toda a
sensibilidade e de toda a capacidade de sentir. Como Burns disse sobre o pecado: "Ele
petrifica os sentimentos." Se um homem continua pecando, ele mata seu senso de
decência, honra e bondade; ele chega a um estágio quando pesar, remorso e
arrependimento estão mortos. É o endurecimento progressivo do coração, até o coração
não responder mais em obediência a Deus e compaixão aos homens.
Finalmente, há duas coisas para serem colocadas face a tudo isto. Primeiro,
graça é o antídoto para o pecado. Onde o pecado abunda, a graça superabunda
(Romanos 5:20). Há um poder que pode reprimir o pecado, há um poder que pode
libertar do pecado e esse poder é a graça; a graça é ainda superior que o pecado.
Segundo, apesar do pecado, Deus nunca deixou de amar os homens. Deus prova o seu
amor para conosco pelo fato de, sendo nós ainda inimigos, o Senhor Jesus Cristo
morreu por nós (Romanos 5:8). Há um amor que não vai nos deixar ir, que vai até
mesmo à Cruz para vencer o pecado e aqui reside a nossa esperança.

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XVI

CONCEPÇÃO DE PAULO
SOBRE A CARNE

Qualquer exame da mente de Paulo, que não procurar entender o que Paulo queria dizer
com a carne seria muito inadequado, pois esta expressão aparece repetidamente em suas
cartas. Ao mesmo tempo, a leitura mais apressada das cartas de Paulo deixa claro que
não é fácil de entender exatamente o que Paulo queria dizer com esta palavra, pois ele
muito obviamente não a usa sempre do mesmo modo. Ele usa ela em muitas conexões
diferentes e com muitas conotações diferentes, embora seja verdade dizer que entre seus
vários usos, há um uso que é característico da mente e pensamentos de Paulo.
Basta apenas olharmos por cima para o que está escrito em 2 Coríntios 10:3 para
ver a dificuldade. Lá Paulo escreve: Embora andemos na carne (en sarki - εν ζαρκι),
não combatemos segundo a carne (kata sarka - καηα ζαρκα). É muito claro que nesta
frase Paulo está usando a palavra carne com significados muito diferentes, embora esses
significados podem estar inter-relacionados. Andar na carne é algo que nenhum homem
pode evitar; combater segundo a carne é algo que todo homem deve evitar. Vamos,
então, ver se podemos separar os vários usos Paulinos da palavra carne, sarx.
Paulo frequentemente usa a palavra carne em um sentido bastante neutro e
literal, significando nada além que corpo humano. Ele nos fala que sua primeira visita
para a Galácia e sua primeira pregação lá, foram devido à uma enfermidade da carne
(Gálatas 4:13). Isto significa simplesmente que sua chegada na Galácia se deu devido a
alguma moléstia corporal, alguma doença física. Ele fala do espinho em sua carne
(2 Coríntios 12:7). A probabilidade esmagadora é que o espinho na carne era uma
deficiência física que lhe causou dor intensa e excruciante. Ele fala de estar ausente na
carne (Colossenses 2:5) e daqueles que nunca viram seu rosto na carne (Colossenses
2:1). Ele está se referindo ali para aqueles que não o conheciam pessoalmente, e que
nunca tinham visto ele cara a cara, em presença física. Ele fala sobre viver na carne e
permanecer na carne (Filipenses 1:22, 24). Ele está se referindo a vida corporal, física
que ele vivia. Quando ele fala do Senhor Jesus, ele fala do corpo de Sua carne
(Colossenses 1:22) pelo qual ele quer dizer o corpo humano, físico, natural que o
Senhor Jesus usou em seus dias na terra. Ele fala do dever Cristão de ministrar para
aqueles que são pobres em coisas carnais (Romanos 15:27). A palavra é o adjetivo
correspondente sarkikos (ζαρκικοις). Carnal (Versão em inglês) é uma tradução infeliz,
porque é uma palavra que em inglês adquiriu uma má conotação. Quando Paulo fala
sobre ministrar as necessidades carnais daqueles menos afortunado, ele simplesmente
quer dizer o dever de trazer ajuda prática para a vida e cotidiano daqueles que são

A Mente de Paulo Página 101


pobres, famintos e nunca tem o suficiente. Em 1 Coríntios 9:27 ele fala sobre como
manter seu corpo sob, e de trazê-lo em sujeição, e se essa passagem for lida no seu
contexto, seu significado é que ao longo dos duros, cansativos e longos anos, ele havia
ensinado e disciplinado a sim mesmo a viver sem os luxos, refinamentos, as
indulgências e as suavidades, as quais ele poderia muito bem ter tido e apreciado.
Veremos mais tarde que quando Paulo fala dos pecados da carne, ele está
pensando muito além de pecados sexuais, que de fato, esses pecados são uma parte
muito pequena e não a parte mais importante, dos pecados da carne. Mas em 1 Coríntios
7:28 ele fala daqueles que tem problemas na carne, onde a referência é o problema de
incontinência numa situação difícil e perigosa.
Paulo frequentemente usa a concepção de carne quando ele deseja falar de coisas
que podemos chamar de ponto de vista puramente humano, quando ele está
considerando as coisas do humano e não do ponto de vista divino. Geralmente não há
nenhum tipo de condenação, nem mesmo qualquer tipo de crítica, envolvidos. Muito
frequentemente Paulo usa a frase a carne assim como podemos dizer humanamente
falando. Deste modo, o Senhor Jesus nasceu da semente de Davi de acordo com a carne
(Romanos 1:3). Isto quer dizer, visto do ponto de vista humano, o Senhor Jesus era um
descendente de Davi. Ele define que nenhuma carne será justificada diante de Deus pela
obras da Lei (Romanos 3:20). Aqui nenhuma carne simplesmente significa nenhum ser
humano. Ele fala de Abraão, nosso pai segundo à carne (Romanos 4:1). Isto
simplesmente quer dizer que é de Abraão que os Judeus traçam sua descendência física.
Em Efésios 6:5 ele exorta os escravos a serem obedientes aqueles que são seus mestres
segundo a carne. Lá ele está mostrando a distinção entre aqueles que são os seus mestres
humanos e de Deus que é o seu Senhor celestial.
Em Gálatas 1:16 ele diz que após sua conversão ele não consultou carne e
sangue. Isto quer dizer que ele não pediu conselhos e admoestações de qualquer
autoridade meramente humana. Em 2 Coríntios 1:17 ele fala de um propósito de acordo
com a carne, isto é, um propósito puramente humano. Em Filipenses 3:3, 4 ele alega
que, se alguém tem motivos para se gloriar na carne, ele tem mais. Isto quer dizer que se
ao que diz respeito de um concurso com base nas realizações e qualificações humanas,
ele pode ser comparado com qualquer homem, e sair vitorioso da comparação. Em
2 Coríntios 11:18 ele fala daqueles que se gloriam na carne, isto é, aqueles que fazem
valer seus reivindicações de honra e autoridade nas realizações puramente humanas e
por motivos puramente humanos.
Este é, na verdade, um dos usos mais comuns da palavra carne nas cartas de
Paulo. Ela não confere ou implica qualquer tipo de censura ou condenação. Ela limita
coisas em termos puramente humanos, separado do plano e propósito divino.
Paulo tem dois usos da palavra carne, os quais podemos olhar no transcurso,
porque eles são interessantes e esclarecedores. Em um caso, ele usa a palavra quase no
sentido de pré-cristão. Em Romanos 7:5 ele usa a expressão "quando estávamos na
carne." Neste contexto, isto significa antes de conhecermos o Senhor Jesus Cristo,
quando estávamos lutando junto, derrotadamente, em nossa própria força e antes de
encontrarmos paz e poder no Senhor Jesus Cristo. É como se Paulo olhasse para vida
em dois estágios. No primeiro estágio, ele estava na carne tentando tratar com as coisas

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em sua própria força e encontrando nada além de frustração. No segundo estágio ele
estava no Senhor Jesus Cristo e estava experimentando todas as vitoriosas bênçãos que
estar no Senhor Jesus Cristo traz consigo.
O outro exemplo é quando ele usa a palavra da mesma família sarkikos
(ζαρκικος), que a Authorized Version traduz como carnal no sentido de sub-Cristão.
Em 1 Coríntios 3:3 ele exige dos Coríntios: "Não é assim que sois carnais (sarkikoi) e
segundo o ser humano andais?" A razão da exigência é que eles ainda estavam vivendo
uma existência conflituosa, dividida e sectária, que está muito abaixo do padrão de vida
que aqueles que estão no Senhor Jesus Cristo devem viver. Eles estão vivendo um vida
sub-Cristã.
Chegamos agora no uso caracteristicamente Paulino da palavra carne. Na mente
de Paulo a carne está intimamente conectada com o pecado. Neste sentido, a palavra
carne perdeu o seu significado físico e adquiriu um sentido ético. Em Romanos 7:14 ele
diz que nos dias antes de conhecer o Senhor Jesus Cristo, ele era carnal (sarkinos, outro
adjetivo da mesma família) e vendido sob o pecado. Em Romanos 7:23-25 está o grito
agonizante da alma doente, que termina com o dilema de partir o coração: "Assim pois
eu mesmo por um lado com a mente sirvo a Lei de Deus, por outro lado com a carne
sirvo a lei do pecado." Em Romanos 8:6 o modo de pensar da carne (literalmente, o
hábito da mente da carne) é morte. Em Romanos 8:7 este mesmo hábito da mente é
inimizade contra Deus. Em Romanos 8:12, 13 viver segundo a carne é morrer.
Em Romanos 13:14 Paulo exorta seu povo para não satisfazer sua carne e seus
desejos. Em Gálatas 5:13 ele insiste que os Gálatas não devem usar sua liberdade como
ocasião para a carne. Em Gálatas 5:17 carne e espírito são totalmente opostos. Em
2 Coríntios 7:1 ele fala da impureza da carne. Em Efésios 2:3 ele fala dos desejos da
carne. Aqui a carne está integralmente conectada com pecado.
É aqui que temos de ter o cuidado de observar um fato muito importante.
Quando Paulo pensa nos desejos da carne, ele não está de forma alguma pensando
apenas, ou mesmo principalmente, nos pecados mais grosseiros, os pecados que em
nossa terminologia moderna, são os pecados da carne. Certamente ele inclui eles, mas
eles não são os principais pecados da carne. Em Gálatas 5:19, 20 temos a lista dos
pecados da carne. Esta lista inclui adultério, fornicação, lascívia, impureza; mas também
inclui discórdias, dissenções, facções, iras, contendas, invejas, homicídios, bebedices, e
até heresias.
Está muito claro que, para Paulo, não são apenas os pecados carnais, que tem a
sua origem e lugar na carne; é nela que o que nós chamaríamos os pecados espirituais
também têm o seu lugar e origem. É muito importante observar isto.
Paralelamente a esta, devemos trazer outra concepção Paulina, a concepção do
velho homem. em Efésios 4:22 Paulo exorta seu povo para abandonar o velho homem
que se corrompe segundo os desejos do engano. Há duas passagens paralelas que juntas
mostram como estão intimamente interligados as concepções da carne e do velho
homem. Em Romanos 6:6 Paulo escreve: "sabendo isto, que o nosso velho homem foi
crucificado com ele, para que fosse destruído o corpo do pecado, para nós não servimos
mais ao pecado." E em Gálatas 5:24 Paulo escreve: "Mas os de Cristo Jesus
crucificaram a carne coma as paixões e os desejos." O paralelismo é tão próximo que

A Mente de Paulo Página 103


fica claro que para Paulo a carne e o velho homem representam uma e a mesma coisa;
eles representam a submissão impotente ao pecado, que domina a vida antes do Senhor
Jesus Cristo entrar nela.
Agora devemos perguntar o que estava na mente de Paulo quando ele fala da
carne e quando ele conecta tão intimamente a carne e o pecado. Era esta conexão, o
resultado do dualismo grego, comum no mundo em que Paulo viveu? Os pensamento
gregos eram dominados pela convicção de que a matéria é essencialmente má, que a
matéria, como tal, é falha e degradante. Com esta convicção os Gregos não podiam
fazer outra coisa senão pensar no corpo como essencialmente mal, eles eram obrigados
a ansiar pelo dia quando eles se livrariam do corpo de uma vez por todas.
Para os gregos a carne do corpo é a prisão-casa da alma; todo o universo
material é mal e apenas o espírito é bom. Este é o porque os maiores dos Gregos
acreditavam na imortalidade da alma, mas teria ficado chocado com a ideia de
ressurreição do corpo. Para os Gregos os corpo era uma mal absoluto. Era essa ideia que
produziu o jingle orfico em palavras: Soma sema, o corpo é um túmulo. Plotino, o
neoplatônico, poderia dizer que tinha vergonha de ter um corpo. Sêneca poderia
irromper: "Eu sou um ser superior e nascido para coisas mais elevadas do que ser um
escravo do meu corpo, que considero apenas como uma algema colocada sobre a minha
liberdade ... Em tão detestável morada habita a alma livre " (As Cartas Morais 65:20).
Epicteto diria: "Tu és uma pobre alma sobrecarregada com um cadáver."
É esta a base da concepção Paulina de carne? Quando Paulo conecta a carne com
o pecado, estava simplesmente usando esta concepção Grega do mal essencial de toda
matéria e coisas corporais, e a supremacia essencial do espírito?
A resposta para esta pergunta deve ser um inflexível não. Paulo estava além de
ter tal visão do corpo. Para Paulo o corpo era um instrumento nobre feito para coisas
nobres. Os pagãos com seus modos imundos desonram o corpo (Romanos 1:24),
portanto o corpo em si é uma coisa honrável. Um imoral sexual peca contra o corpo
(1 Coríntios 6:18). Impureza sexual é um pecado contra o corpo que foi feito para
pureza. Em 1 Coríntios 12 Paulo trabalha sua grande figura da Igreja, quando a chama
de corpo de Cristo. Em Romanos 12:1 ele exorta seu povo para apresentar seus corpos
por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, uma ideia que jamais poderia ter entrado
na cabeça de um Grego e que um grego teria visto com repulsa. Em 1 Coríntios 3:16 e
6:19 Paulo insiste que o corpo é o santuário do Espírito Santo, e em 2 Coríntios 6:16
que é, na verdade, o santuário de Deus.
1 Coríntios 15 lida com a ressurreição do corpo, uma ideia que, como vimos,
seria não apenas incrível, mas ativamente repugnante para um Grego. O Espírito Santo
vivificará o corpo mortal (Romanos 8:11). O próprio corpo será redimido (Romanos
8:23). O corpo será conforme ao corpo glorioso de Cristo (Filipenses 3:21).
A concepção de Paulo sobre a carne vem de nenhuma outra fonte do que a
experiência humana. É, na verdade, por impressões sensoriais que o pecado entra. É na
verdade os instintos básicos primitivos do corpo que dão ao pecado sua oportunidade e
seus meios de abordagem. São estas coisas, estas tendências que são as armas e
instrumentos do pecado. Os Rabinos Judeus sabiam isto. "As mãos e os olhos," eles
disseram, "são os dois corretores do pecado." "As paixões se alojam apenas no coração

A Mente de Paulo Página 104


de quem vê." Como A. H. McNeile coloca, é verdade que o corpo é na realidade "a alça
e instrumento de pecado."
O Novo Testamento várias vezes usa uma palavra muito vivida; uma vez em
Gálatas 5:13 Paulo efetivamente a utiliza em conjunto com a palavra carne; a palavra é
aformê (αθορμη). Uma aformê é o que podemos chamar em linguagem militar, uma
Cabeça de Ponte. Uma aformê é o ponto em que um ataque pode ser lançado com a
maior possibilidade de sucesso. Aformê é, certamente, frequentemente usado em seu
sentido literal; mas pode ser usado também em um sentido metafórico. Dionísio de
Halicarnasso (8:2, 5) diz como Coriolanus foi para Tullus Attius para traçar uma
insurreição que o levaria ao poder. Ele sugeriu como uma determinada situação podia
ser provocada deliberadamente, uma situação que podia ser usada como base (aformê)
para irritação. A situação poderia fornecer uma ponte, um ponto de partida, uma
ocasião, uma oportunidade para lançar o ataque contemplado. O que Paulo tem em
mente quando fala da carne é que o corpo com todos os seus instintos, mental,
emocional e físico, é a ponte onde o pecado pode lançar o seu ataque com a maior
possibilidade de sucesso. É por isso que Paulo fala sobre o corpo do pecado (Romanos
6:6); o corpo desta morte (Romanos 7:24). É por isso que o corpo está morto por causa
do pecado (Romanos 8:10), e por isso é o corpo de nossa humilhação (Filipenses 3:21).
Quando Paulo falou sobre a carne ele estava pensando simplesmente em termos
de experiência humana universal. O corpo é capaz de fazer, e feito para, o mais alto e o
maior e as coisas mais puras, embora empiricamente e na prática real, o corpo é a sede
das paixões e emoções que levam ao pecado, e o que dá ao pecado a sua oportunidade.
É aqui que obtemos nossa pista sobre todo o assunto. Começaremos citando
2 Coríntios 10:3: "Pois andando na carne (en sarki), não combatemos segundo a carne
(kata sarka)." En sarki, na carne, devemos estar; kata sarka, segundo a carne, não
precisamos estar. Quando o velho homem é crucificado com o Senhor Jesus Cristo,
quando morremos para a velha vida e ressuscitamos para a nova vida, nós ainda estamos
en sarki, na carne, mas já não estamos mais kata sarka, segundo a carne, pois o Espírito
do Senhor Jesus Cristo está em nós, de modo que já não andamos segundo a carne, mas
andamos segundo o Espírito. " A vida que agora vivo na carne," diz Paulo, "vivo pela fé
no Filho de Deus" (Gálatas 2:20). Todos os instintos, as paixões, as emoções, os
desejos que eram o material bruto do pecado quando controlados por nosso próprio
poder humano se torna o material bruto de bondade quando estão controlados pelo
Senhor Jesus Cristo. Para Paulo, a carne representava toda a fraqueza, toda a
inadequação, toda a responsabilidade para o pecado, que são inerentes à natureza
humana sem o Senhor Jesus Cristo. A ideia é a impotência, a falibilidade, mesmo o
pecado, da natureza humana sem o Senhor Jesus Cristo. É a natureza humana sem o
Senhor Jesus Cristo que é impotente frente a tentação. É a natureza humana que não é
só impotente em face da tentação, mas é também, para usar uma palavra escocesa,
escravizada ao pecado. Calvin escreveu: "Tudo o que não está em Cristo, Paulo chama
carne." C. H. Dodd escreve: "A natureza é a coisa comum da natureza humana que
herdamos. Paulo... não pensa nisso como necessariamente mal, mas como impotente
para fins morais." A carne é o homem separado de Deus. Karl Barth pergunta: " O que

A Mente de Paulo Página 105


de fato significa a carne, senão a completa inadequação da criatura quando está diante
de seu criador?"
Então neste assunto vemos Paulo fazendo o que ele tantas vezes e tão
acertadamente fazia. Ele está argumentando a partir da experiência. Ele não era um
teólogo que "nunca olhou para fora da janela." Ele não era um desses escritores que tem
tinta em suas veias ao invés de sangue. Ele não estava interessado em especulações
obscuras e misteriosas sobre o corpo. Ele nunca pensou e nunca quis dizer que, como os
Gregos acreditavam, o corpo era essencialmente uma coisa má. Por sua própria
experiência amarga ele havia descoberto, como todos devem descobrir, que o homem
sem o Senhor Jesus Cristo tem em seu corpo uma ponte através do qual o pecado pode
efetuar uma entrada em sua vida com facilidade fatal. Mas quando o velho eu do um
homem morre e o Senhor Jesus Cristo ganha vida dentro dele, não tem apenas sua alma
salva mas seu corpo também se torna o templo do Espírito Santo. O homem em cujo ser
íntimo o Senhor Jesus Cristo entrou é resgatado no corpo e na alma, e o corpo que uma
vez foi instrumento do pecado torna-se a arma da justiça. Não era a destruição do corpo,
mas a redenção do corpo, pela qual Paulo esperava e trabalhava e orava.

A Mente de Paulo Página 106


XVII

A SEGUNDA VINDA
NOS PENSAMENTOS DE PAULO

Fazemos bem em tentar ver qual o lugar que a doutrina da Segunda Vinda tinha nos
pensamentos da Igreja primitiva; pois esta é uma doutrina que sofreu um de dois
destinos opostos no pensamento da Igreja moderna. Para a maioria, é muito
negligenciado; é raro que um sermão sobre isto seja ouvido; não é exagero dizer que em
muitos locais isto venha a ser encarado como uma das excentricidades da fé, que tem
sido superada e deixada para trás. Por outro lado há alguns poucos que pensam muito
sobre isto, mais que qualquer outra coisa; a Segunda Vinda para eles é a doutrina mais
importante da fé Cristã; ela domina todo o seu pensamento e toda a sua pregação. É de
extrema importância tentarmos ajustar o equilíbrio, e vermos tanto que a doutrina da
Segunda Vinda receba seu lugar certo em nosso pensamento, e que ela não usurpe um
lugar que não é o seu, até preencher todo o horizonte.
É sempre importante ver não apenas onde os pensamentos Cristãos terminavam,
mas também onde eles começavam. Para um Judeu a doutrina da Segunda Vinda teria
parecido não só completamente inteligível, mas também completamente inevitável. Não
estamos dizendo que a doutrina da Segunda Vinda é um produto de pensamento Judeu,
pois ninguém pode honestamente ler os evangelhos e não conseguir admitir que o
Senhor Jesus falou de Sua Vinda em poder; mas estamos dizendo que as figuras nas
quais a Segunda Vinda foram visualizadas eram, em grande parte Judaica, tanto em seu
contorno e em seus detalhes.
É possível considerar o pensamento Judaico de duas maneiras. Em um sentido,
que os Judeus foram os maiores pessimistas da história; mas em um sentido muito mais
verdadeiro, que os judeus foram os maiores otimistas da história. Os Judeus nunca
perderam a certeza que eles são o Povo Escolhido. Para eles, povo eleito
necessariamente implicava o respeito, poder e domínio mundial. Tornou-se cada vez
mais claro para eles que esse triunfo que aguardavam nunca poderia acontecer por
meios puramente humanos; deveria acontecer pela intervenção direta de Deus nos
assuntos mundial. Seu numero era muito pouco para alcançarem poder mundial; havia
apenas cerca de 4 milhões de Judeus na Palestina no tempo do Senhor Jesus e isto não
era nada comparado com os impérios no mundo. Eles tinham perdido sua
independência. Eles foram, por sua vez sujeitas aos Babilônios, Persas, Gregos e
Romanos. Se a promessa de Deus, como eles viam, sempre se tornavam realidade,
poderia apenas se tornar realidade pela intervenção direta, sobrenatural e divina nos
assuntos humanos. Os Judeus aguardavam por esta intervenção e ainda aguardam.

A Mente de Paulo Página 107


No pensamento do Judeu esta ideia tomou uma forma básica e fundamental. Os
Judeus dividiram todos os tempos em duas eras. Havia esta presente era, que era
totalmente mal, totalmente perversa e totalmente ruim. Estava além da cura; poderia ser
curada apenas sendo destruída, aniquilada e obliterada. Havia a era por vir, que seria a
era de ouro de Deus.
Como uma era iria se tornar a outra? Como essa mudança fundamental seria
realizada? A mudança viria através do Dia do Senhor. O Dia do Senhor seria o dia da
intervenção de Deus; seria um dia de agonia cósmica, o dia das dores de parto do
surgimento de um novo universo. Vejamos antes de tudo o sonho Judeu da era de ouro.
A era de ouro será uma era de fartura, uma era que a terra produzirá seus frutos
em tal abundância generosa e sem esforço que todos terão o suficiente e ninguém terá
muito pouco. "Vejam, dias virão, declara o Senhor, em que a ceifa continuará até o
tempo de arar, e o pisar das uvas até o tempo de semear. Vinho novo gotejará dos
montes e fluirá de todas as colinas.... Plantarão vinhas e beberão do seu vinho,
cultivarão pomares e comerão do seu fruto" (Amós 9:13, 14). "O deserto se transformará
em campo fértil, e o campo fértil pareça uma floresta. (Isaías 32:15). "Com certeza o
Senhor consolará Sião e olhará com compaixão para todas as ruínas dela; ele tornará
seus desertos como o Éden, seus ermos, como o jardim do Senhor." (Isaías 51:3).
Será uma era de amizade; em especial, será uma era quando a inimizade entre o
homem e as bestas não existirá mais. "Naquele dia farei em favor deles uma pacto com
os animais do campo, com as aves do céu, e com as criaturas que rastejam pelo chão.
Arco, espada e guerra eu abolirei da terra, para que todos possam viver em paz" (Oséias
2:18). "O lobo habitará com o cordeiro, o leopardo se deitará com o cabrito; o novilho, o
leãozinho e a ovelha pastarão juntos; e uma criança os guiará. A vaca se alimentará com
o urso, seus filhotes se deitarão juntos, e o leão comerá palha como o boi. A criança de
peito brincará no buraco da víbora, e a criança desmamada colocará sua mão no ninho
da serpente. Ninguém fará nenhuma mal, nem destruirá coisa alguma em todo meu
santo monte, pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor como as águas cobrem
o mar" (Isaías 11:6-9). Na era de ouro haverá uma amizade que cobrirá todas as coisas
vivas em toda a terra.
Na era de ouro não haverá mais dor; será a terra dos sempre jovens, que em
Gaélico, os habitantes das terras altas da Irlanda chamam Tir-nan-og
(http://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%ADr_na_n%C3%93g). "Nunca mais haverá nela uma
criança que viva poucos dias, ou um idoso que não complete seus anos de idade: quem
morrer aos cem anos ainda será criança, e quem não chegar aos cem anos será maldito"
(Isaías 65:20). "A vida de um homem será longa como a vida das árvores" (Isaías
65:22). "Nenhum morador de Sião dirá: 'Estou doente!'" (Isaías 33:24). "Ele tragará a
morte na vitória; o Senhor Deus enxugará as lágrimas de todos os rostos" (Isaías 25:8).
Não haverá mais dor, e não haverá mais morte precoce.
A era de ouro será uma era de paz, a era quando não haverá mais guerras. "Ele
julgará entre as nações e resolverá contendas de muitos povos. Eles farão de suas
espadas arados, e de suas lanças foices. Uma nação não mais pegará em armas para
atacar outra nação, elas jamais tornarão a preparar-se para a guerra" (Isaías 2:4).
"Ninguém fará nenhum mal, nem destruirá em meu santo monte..." (Isaías 11:9). " O

A Mente de Paulo Página 108


meu povo habitará em locais pacíficos, em casas seguras, em tranquilos locais de
descanso" (Isaías 32:18). "Todos os seus filhos serão ensinados pelo Senhor, e grande
será a paz de suas crianças" (Isaías 54:13). O terror da guerra desaparecerá para sempre.
Devemos agora continuar e perguntar: Qual seria o lugar do povo de Israel neste
novo universo de Deus? Não há uma resposta para essa pergunta. Era acreditado
universalmente que Jerusalém seria o centro do mundo, e para ela os nações viriam para
aprender os caminhos de Deus. "Nos últimos dias o monte do templo do Senhor será
estabelecido como o principal; será elevado acima das colinas, e todas as nações
correrão para ele. Virão muitos povos e dirão: 'Venham, subamos ao monte do Senhor,
ao templo do Deus de Jacó, para que ele nos ensine os seus caminhos, e assim andemos
em suas veredas'. Pois , a lei sairá de Sião, de Jerusalém virá a palavra do Senhor"
(Isaías 2:2, 3; Miquéias 4:1, 2). Jerusalém deveria ser o centro religioso do mundo. Para
ela, todos os homens viriam para encontrar Deus.
Alguns poucos, alguns muito poucos, dos Judeus, tinham o mais nobre de todos
os sonhos, o sonho que os Judeus devem ir ao mundo para trazer todos os homens ao
conhecimento de Deus, que os Judeus tinham um dever missionário, que eles foram
feitos por Deus para ser uma luz aos gentios. "... Também farei de você uma luz para os
gentios, para que você leve minha salvação até aos confins da terra" (Isaías 49:6). "A
glória do Senhor será revelada, e toda a carne o verá. Pois é o Senhor quem fala" (Isaías
40:5). Este era um sonho que muitos poucos tinham. A tarefa missionária, era uma
tarefa que a grande maioria dos Judeus ignorava.
O sonho mais comum de todos, era o sonho de poder, o sonho da conquista, o
sonho do dia quando todos os homens estariam sujeitos a um império mundial Judeu.
"A nação e o reino que não a servirem perecerão; serão totalmente exterminados"
(Isaías 60:12). "Assim diz o Senhor: 'Os produtos do Egito e as mercadorias da Etiópia,
e aqueles altos sabeus, passarão para o seu lado e lhe pertencerão, ó Jerusalém; eles a
seguirão acorrentados, passarão para o seu lado..." (Isaías 45:14). "Se algum dentre os
povos da terra não subir a Jerusalém para adorar o Rei, o Senhor dos Exércitos, não virá
para ele a chuva. se os egípcios não subirem para participar, o Senhor mandará sobre
eles a praga com a qual afligirá as nações que se recusarem a ir celebrar a festa das
Cabanas" (Zacarias 14:17, 18).
Devemos agora voltar nossos pensamentos para a maneira em que a mudança se
daria. Em termos gerais, o pensamento Judaico prevê duas maneiras em que esta
mudança ocorreria.
Havia um tempo quando os Judeus acreditavam que esta mudança se daria sob
liderança humana. Nos dias antes de terem percebido a sua própria pequenez e
impotência, nos dias antes de seus sucessivos cativeiros haverem os convencido de que
o poder humano jamais os levaria à grandeza, seu sonho sempre foi que um grande líder
e comandante surgiria da casa de Davi, e os levaria à grandeza mundial. "Um ramo
surgirá do tronco de Jessé (Davi era um filho de Jessé), e das suas raízes brotará um
renovo" (Isaías 11:1). "...então os reis que se assentarem no trono de Davi entrarão
pelas portas deste palácio..." (Jeremias 22:4). "Servirão ao Senhor, ao seu Deus, e a
Davi, seu rei, que darei a eles" (Jeremias 30:9). "'Dias virão', declara o Senhor, 'em que
levantarei para Davi um renovo justo, um rei que reinará com sabedoria e fará o que é

A Mente de Paulo Página 109


justo e certo na terra" (Jeremias 23:5). Era neste homem que os homens estavam
pensando quando, nas histórias dos evangelhos, se dirigiam ao Senhor Jesus como filho
de Davi (Lucas 18:38; Mateus 21:9).
Mas, como já dissemos, os Judeus se convenceram de que nenhum poder
humano poderia trazer a nova era, e que ela só poderia vir através da intervenção direta
de Deus na história. E daí surgiu a concepção do Dia do Senhor que permeia tanto o
Antigo Testamento. O Dia do Senhor era para ser o dia da intervenção direta de Deus;
que era para ser um dia de medo concentrado, as dores do parto da nova era. Vejamos
agora as características que no pensamento Judaico, marcava o Dia do Senhor.
Era para ser um dia de destruição e terror. "Vejam! O Dia do senhor está perto,
dia cruel, dia de ira e grande furor, para devastar a terra e destruir os seus pecadores"
(Isaías 13:9). "Ah! Aquele dia! Sim, o Dia do Senhor está próximo; como destruição
poderosa da parte do Todo-poderoso, ele virá" (Joel 1:15). "Aquele dia será um dia de
ira, dia de aflição e angústia, dia de sofrimento e ruína, dia de trevas e escuridão, dia de
nuvens e negridão," (Sofonias 1:15): Todo o terror de Deus será liberado na maldade do
mundo.
Será um dia de convulsão cósmica, quando o mundo será abalado e quebrado até
os alicerces. "Mostrarei maravilhas no céu e na terra, sangue, fogo e nuvens de fumaça.
O sol se tornará em trevas, e alua em sangue; antes que venha o grande e terrível Dia do
Senhor" (Joel 2:30, 31). "As estrelas do céu e as suas constelações não mostrarão a sua
luz. O sol nascente escurecerá, e alua não fará brilhar a sua luz... Por isso farei o céu
tremer; e a terra se moverá do seu lugar diante da ira do Senhor dos Exércitos, no dia do
furor da sua ira" (Isaías 13:10, 13). O dia do Senhor será uma dissolução violenta do
mundo estabelecido.
Será um dia de julgamento, quando os ímpios serão procurados e finalmente
destruídos. "Castigarei o mundo por causa da sua maldade, os ímpios pela sua
iniquidade. Darei fim à arrogância dos altivos e humilharei o orgulho dos cruéis."
(Isaías 13:11).
Até agora, temos tomado todas as nossas provas a partir das páginas do próprio
Antigo Testamento. Mas nos dias entre o Velho e Novo Testamentos, muitos livros
Judeus foram escritos relativo a este tempo de terror que seria o prelúdio para a nova
era. Esses livros são chamados Apocalipses; a palavra Grega apokalupsis significa um
desvendar ou uma revelação e estes livros eram visões do fim deste mundo e o começo
do novo mundo, visões da intervenção de Deus. Devemos lembrar que eles foram
escritos nos dias em que Israel estava sofrendo terrivelmente nas mãos de seus
conquistadores, e esses livros foram o assunto preferido da leitura das pessoas, pois
previam o fim do sofrimento de Israel e o início de sua glória. Eram livros que o Senhor
Jesus certamente conhecia e que Paulo certamente teria lido. Neles, as características do
Velho Testamento sobre o Dia do Senhor são repetidas e ainda mais acentuados. Eles
profetizaram que haveria guerras. Haveria " tremores de lugares, tumultos dos povos,
conspirações da nações, confusão de líderes, inquietação dos príncipes" (4 Esdras 9:3).
" Virá espanto da mente sobre os habitantes da terra. E eles devem planejar guerrear um
contra o outro, cidade contra cidade, lugar contra lugar, pessoa contra pessoa, reino
contra reino" (4 Esdras 13:31).

A Mente de Paulo Página 110


Estes livros dão figuras ainda mais aterrorizantes da agitação do mundo. "Do céu
cairá espadas de fogo, na terra. Luzes virão, brilhantes e grande, piscando no meio dos
homens, e a terra, a mãe universal, tremerá naqueles dias na mão do Eterno, e os peixes
do mar e os animais da terra e as inúmeras tribos das coisas voantes e todas as almas
dos homens e todos os mares estremecerão com a presença do Eterno e haverá pânico"
(Os Oráculos Sibilinos 3; 363ff). "Os chifres do sol serão quebrados, e ele se tornará em
trevas, e a lua não dará a sua luz, e será completamente transformada em sangue, e os
círculos das estrelas serão perturbados" (A Assunção de Moisés 10:5).
Uma das coisas mais terríveis será uma espécie de destruição completa e
reversão de todos os padrões morais.

E honra será transformada em a vergonha,


E a força humilhada em desprezo,
E honradez destruída,
E a beleza se tornará feiura. . .
E inveja surgirá em quem não tinha pensado qualquer coisa de si mesmo,
E a paixão agarrará àquele que é pacífico,
E muitos se envolverão com ira para ferir a muitos,
E eles despertarão exércitos a fim de derramar sangue,
E, no final, todos perecerão juntamente com eles
(2 Baruque 27)

Nos pensamentos do Velho Testamento e nos escritos dos Judeus entre os


Testamentos, não há nada mais profundamente enraizado do que o pensamento da
terrível vinda do Dia do Senhor. Foi no Judaísmo que o Cristianismo foi embalado;
estas eram ideias com as quais todos Judeus alimentavam suas mentes; era natural que
houvesse uma espécie de identificação do Dia do Senhor com a Segunda Vinda do
Senhor Jesus Cristo; ambos são a grande intervenção de Deus nos assuntos humanos.
No pensamento Cristão os dois se tornaram profundamente interligados. Para o Cristão
a Segunda Vinda do Senhor Jesus Cristo, era na verdade o Dia do Senhor.
Com toda essa herança Judaica em nossas mentes, nos voltamos agora
diretamente para o Novo Testamento. A Segunda Vinda do Senhor Jesus Cristo sempre
foi uma parte essencial da mensagem da Igreja Cristã. Uma das contribuições mais
notáveis para o estudo do Novo Testamento, nos tempos modernos é a reconstrução de
C. H. Dodd do que é chamado o kerugma.
A palavra kerugma literalmente significa o anúncio de um arauto, e é usada para
descrever os elementos básicos na pregação da Igreja primitiva. Como C. H. Dodd os
formulou, com base nos sermões do Livro de Atos, e as Cartas de Paulo, esses
elementos básicos eram:

As profecias foram cumpridas, e a nova era foi inaugurada pela vinda de Cristo.
Ele nasceu da semente de Davi.
Ele morreu, de acordo com as escrituras, para nos livrar desta presente era má.
Ele foi enterrado.

A Mente de Paulo Página 111


Ele ressuscitou no terceiro dia, de acordo com as escrituras.
Ele está exaltado à mão direita de Deus, como Filho de Deus, e Senhor dos vivos
e dos mortos.
Ele virá novamente como juiz e salvador dos homens.

Ou seja, a doutrina da Segunda Vinda do Senhor Jesus Cristo era desde o


princípio uma parte integral e essencial da mensagem Cristã.
Esta doutrina está em Atos 1:11 no anuncio das duas figuras angélicas: "Este
Jesus o qual foi elevado de vós para o céu, virá assim na mesma maneira em que vistes
o mesmo indo para o céu." Está no sermão de Pedro: "É necessário que ele, Jesus,
permaneça no céu até que chegue o tempo em que restaurará todas as coisas, como Deus
falou a muito tempo, por meio dos seus santos profetas" (Atos 3:21). Em Atos 10:42 é
dito que o Senhor Jesus é constituído juiz dos vivos e dos mortos.
Em Atos há apenas estas três referências à Segunda Vinda no relato da pregação
inicial; mas com Paulo é diferente. O simples fato de que, em cada uma das cartas de
Paulo, exceto Gálatas e, possivelmente Efésios, a Segunda Vinda não é apenas
mencionado, mas enfatizada como uma parte essencial do evangelho Cristão.
Antes de prosseguirmos para examinar as referências de Paulo sobre a Segunda
Vinda em detalhes, podemos observar duas referências especiais para ele. Em Romanos
2:16 Paulo fala do dia em que Deus julgará o mundo através do Senhor Jesus Cristo
"segundo o meu evangelho." A Segunda Vinda era, portanto, uma parte essencial dessa
descrição do evangelho que Paulo considerava ser exclusivamente seu. Quando ele está
escrevendo aos Tessalonicenses, ele suplica para que eles viverem a vida Cristã pela
vinda do Senhor Jesus Cristo, e pela nossa reunião com ele (2 Tessalonicenses 2:1). A
Segunda Vinda era um dos motivos principais para a vida Cristã. Além de muitas outras
referências, que continuaremos a considerar, mesmo estes dois tomados isoladamente
serviriam para mostrar como a ideia central da Segunda Vinda era para o pensamento e
ensino de Paulo.
Se costuma dizer que a concepção de Paulo da Segunda Vinda passou por um
certo desenvolvimento. É verdade que as ideias de Paulo sobre a Segunda Vinda
mudaram, mas não é verdade que Paulo, por assim dizer, trabalhou a ideia, ou que ele
abandonou ela. Do começo ao fim da vida de Paulo a ideia estava lá. Vamos às suas
cartas, e iremos sondá-las a partir da mais antiga para a mais recente. Com a possível
exceção de da carta aos Gálatas, as cartas para as Igrejas em Tessalonica são as cartas
mais antigas. Lá a Segunda Vinda é definida diante dos homens, com vivacidade e
imediatismo. Uma das coisa que preocupavam os Cristão de Tessalonica era o problema
do que aconteceria aos Cristão que tinham morrido antes da chegada da Segunda Vinda.
Será que eles perderiam a glória que estava prestes a vir para os que permaneceram?
Paulo assegura-lhes que isto não será assim: "Pois isto vos dizemos por palavra do
Senhor, que nós os vivos que ficarmos para a vinda do Senhor, de maneira nenhuma
precederemos os que dormiram" (1 Tessalonicenses 4:15). Quando Paulo escreveu isto,
ele obviamente esperava que a Segunda Vinda acontecesse no tempo de sua própria
vida e na tempo de vida daqueles a quem ele estava escrevendo. Em 1 Tessalonicenses
5:23 ele escreve que ora para Deus para que seus espíritos, alma e corpo sejam

A Mente de Paulo Página 112


preservados irrepreensíveis até a vinda do Senhor Jesus Cristo. O importante nisto é a
menção do corpo. A implicação óbvia é que ele esperava que eles estivessem no corpo
quando o Senhor Jesus Cristo viesse; ele esperava que a vinda do Senhor Jesus Cristo
fosse durante de sua vida e das deles.
Voltemo-nos agora para Romanos. Em Romanos 13:11, 12 há a grande
passagem onde Paulo escreve com um certo esplendor de palavras: "E, sabendo o
tempo, que já é hora para serdes despertados do sono, pois agora mais perto está de nós
a nossa salvação do que quando viemos a crer. A noite avançou, e o dia se aproximou.
Deixemos pois as obras da escuridão, e revistamo-nos das armas da luz." Nesta
passagem a Segunda Vinda não é mencionada em palavras; mas a Segunda Vinda é o
pano de fundo em todo o texto; e é a iminência da Segunda Vinda, que é a base da
urgência de seu apelo. Mas uma coisa deve ser observada. Essa mesma passagem é o
culminar de uma longa passagem em que Paulo aguarda com expectativa pela
evangelização de todo o mundo, Judeu e Gentio. Todos os homens deveriam ouvir o
evangelho; e a todos deveria ser dada a oportunidade de fazer parte dele. Claramente um
processo de evangelização como esta levaria tempo; e poderíamos pensar que a esta
altura Paulo não esperava que a Segunda Vinda acontecesse logo quando ele escreveu à
Igreja em Tessalônica. Mas é duvidoso se podemos estabelecer uma grande ênfase nesse
argumento.
Vejamos agora 1 Coríntios 7 que é de suma importância para o assunto. A tônica
dessa passagem está em 1 Coríntios 7:29: "Mas digo isto, irmãos, o tempo está
abreviado..." A passagem trata de uma discussão do casamento e das relações sexuais. A
decisão de Paulo é que, se a paixão natural do homem é forte, e se a abstenção do
casamento irá levar o homem ao risco de imoralidade, então o homem deve se casar;
mas ele seria muito melhor se não o fizesse; seria melhor evitar todas as obrigações e
compromissos terrestres, para que ele possa concentrar toda a sua vida na preparação
para a vinda do Senhor Jesus Cristo. A importância dessa passagem está nisto. Ela não
apenas mostra que Paulo naquele momento acreditava na iminência da Segunda Vinda,
como também mostra que seu conselho para todos os homens era para organizar e
ordenar a vida na suposição de que a Segunda Vinda estava para acontecer a qualquer
momento.
Vejamos agora as últimas cartas que Paulo escreveu. Quando ele escreveu a
carta aos Filipenses é provável que ele estivesse em sua última prisão; e mais uma vez
nesta carta vem a advertência e o desafio: "...O Senhor está perto" (Filipenses 4:5). Tem
sido dito, e verdadeiramente dito, que a Carta aos Efésios representa a maior
abrangência do pensamento Paulino. Na verdade, é a Rainha das Epístolas. Aqui está o
pleno desenvolvimento do pensamento de Paulo. É muito comumente, quase que
universalmente, declarado que em Efésios não há nenhuma menção à Segunda Vinda,
que a essa altura Paulo tinha superado toda esse conceito. Isto é totalmente verdadeiro?
Em Efésios 4:30 Paulo fala do Espírito Santo "...com o qual fostes selados para o dia da
redenção." Não é isso, pelo menos, ainda que possivelmente outra referência para o
último grande dia de vitória e de julgamento na Segunda Vinda do Senhor Jesus Cristo?

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É, acreditamos, demonstrável que, a partir da primeira até a última carta que
escreveu, a Segunda Vinda sempre esteve na mente de Paulo, embora esteja menos em
primeiro plano no final do que estava no início.
A carta aos Coríntios foi enviada na metade do ministério de Paulo, e por isso
elas são muito importantes. Em 1 Coríntios 10:11 ele fala de nós para quem os fins dos
tempos chegaram. Naquela era os homens estavam vivendo (não importa como
colocamos para este fim) no último crepúsculo da velhice da velha era, ou no primeiro
amanhecer da nova. Mas, de longe, as passagens mais importantes estão bem no final da
primeira carta aos Coríntios em 1 Coríntios 16:22. Lá Paulo escreve: "Se alguém não
ama o Senhor, seja anátema (amaldiçoado) Maranatha." Maranatha em aramaico
significa O Senhor está perto, ou Vem, Senhor!
Algumas conclusões extremamente importantes são tiradas desta sentença. Ela
vem bem no final da carta, tendo apenas a benção após ela. É como se fosse o ponto
culminante, a pedra angular, o coração da mensagem de Paulo. É como se ele desejasse
deixar os leitores da carta com esta frase ecoando em seus ouvidos. É quase com se ele
falasse: "O que quer que você lembrar ou esquecer, nunca se esqueça de que o Senhor
está próximo." A própria posição desta frase define-a, por assim dizer, em negrito. Além
disso, está isto. A Igreja em Corinto era uma Igreja Grega; ele poderia ter tido muito
poucos Judeus; e mesmo escrevendo para Gregos, Paulo termina com esta frase em
Aramaico. Não era obrigação de nenhum Grego saber o aramaico, e ainda assim os
Gregos de Corinto devem ter compreendido essa frase aramaica. Apenas uma conclusão
é possível; frase deve ter sido um chavão, um slogan, um grito de guerra, a palavra de
ordem, um lema, que todos os Cristãos conheciam e entendiam.
Esta mesma expectativa deu origem nas cartas de Paulo a uma frase que com
Paulo é uma descrição característica da vida Cristã. Repetidamente Paulo fala dos
Cristãos como esperando pelo Senhor Jesus Cristo. A vida Cristã era, essencialmente,
nada além de um expectativa e espera pela vinda do Senhor Jesus Cristo. Ele lembra aos
Tessalonicenses "...como vos convertestes a Deus dos ídolos, para servir o Deus vivo e
verdadeiro e aguardar o Filho dele dos céus,..." (1 Tessalonicenses 1:9, 10). Ele ora para
que o Senhor possa direcionar seus corações para a perseverança de Cristo (2
Tessalonicenses 3:5). Ele declarou que os tessalonicenses são sua esperança, sua alegria,
sua coroa de glória na presença do Senhor Jesus Cristo, na sua vinda (1 Tessalonicenses
2:19). Ele fala dos Coríntios como aguardando pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo
(1 Coríntios 1:7). Ele diz aos Filipenses que a nossa pátria está nos céus, de onde
também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo (Filipenses 3:20).
Devemos observar agora outro fato importante. Quando Paulo falava da Segunda
Vinda geralmente usava uma linguagem que tinha herdado de sua sabedoria Judaica e
educação. Em particular, ele foi muito influenciado pelo vigésimo sexto e vigésimo
sétimo capítulos de Isaías. Podemos notar certas semelhanças.
1. A Vinda do Senhor: Isaías 26:21; 2 Tessalonicenses 2:1.
2. A vinda de julgamento: Isaías 26:21; 2 Tessalonicenses 1:9; 2:8.
3. A Ressurreição dos mortos: Isaías 26:19; 1 Tessalonicenses 4:16.
4. O Som da trombeta: Isaías 27:13; 1 Tessalonicenses 4: 16.

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5. A Reunião e Assembleia dos Eleitos de Deus, que era uma parte essencial da
ideia Judaica dos últimos dias: Isaías 27:12; 1 Tessalonicenses 4:17.
Era inevitável que Paulo deve falasse para as pessoas na linguagem e figuras que
eles pudessem entender; ele era obrigado a tirar suas figuras do Antigo Testamento e do
imaginário do fim com que os homens estavam familiarizados.
Mas há aqui um aviso, é evidente que não podemos nos aproximar destas figuras
com um literalismo bruto, que não podemos considerá-las ser um registro fotográfico
antecipado dos eventos da Segunda Vinda. É claro que elas são figuras de simbolismo
profético. Elas salientam e estabelecem o fato da Segunda Vinda; mas usá-las como
figuras literais dos detalhes da Segunda Vinda é esquecer que elas vêm das mentes e
vozes dos profetas, que os usaram apenas como símbolos dos indescritíveis horrores e
glórias que seriam.
Vimos como a ideia da Segunda Vinda era parte integrante do pensamento de
Paulo; e vimos como Paulo pegou muitos de suas figuras sobre a Segunda Vinda dos
profetas e de sua herança Judaica. Portanto, não nos surpreenderá descobrir que uma
ideia Judaica central ocorre no pensamento de Paulo em uma nova roupagem. Vimos,
quão grande parte, a ideia do Dia do Senhor desempenhou no pensamento Judaico. Nos
pensamentos de Paulo o Dia do Senhor se torna o Dia do Senhor Jesus Cristo. Ele
escreve aos Tessalonicenses: "O Dia de Cristo está próximo" (2 Tessalonicenses 2:2). É
sua certeza que os Coríntios estarão irrepreensíveis no Dia do Senhor Jesus Cristo
(1 Coríntios 1:8). Eles serão o seu orgulho no Dia do Senhor (2 Coríntios 1:14). Ele diz
aos Filipenses que, se eles são merecedores de seu chamado Cristão, ele terá motivo
para se orgulhar no Dia do Senhor (Filipenses 2:16). O Dia do Senhor Jesus Cristo era
uma parte essencial do pensamento de Paulo, como o Dia do Senhor estava no
pensamento dos Judeus. Vamos, então, ver o que Paulo tem a dizer sobre o dia do
Senhor Jesus Cristo.
Paulo acreditava que o Dia do Senhor Jesus Cristo viria de repente e sem aviso
prévio. "O Dia do Senhor virá como um ladrão na noite" (1 Tessalonicenses 5:2). Isso
era para dizer que ele não iria ser precedido por sinais (2 Tessalonicenses 2). Haveria
um tempo de apostasia, e uma disputa final com o mal, mas o atual momento de sua
vinda seria destruidoramente súbita.
O Dia do Senhor Jesus Cristo seria um dia em que a ira santa de Deus seria solta
em um mundo rebelde. É a esperança de Paulo de que o seu próprio povo, o povo do
Senhor Jesus Cristo, serão encontrados irrepreensíveis (1 Tessalonicenses 3:13; 1
Coríntios 1:8); mas para os rebeldes e aqueles que estão em inimizade com Deus, será
um dia de castigo terrível (2 Tessalonicenses 1:7-10). Em certo sentido, é por isso
que o Cristão aguarda pelo Dia do Senhor. Naquele dia os justos encontrarão o seu
descanso, e seus perseguidores encontrarão o castigo que seus crimes merecem
(2 Tessalonicenses 1:6, 7). A esperança e a alegria Cristã estão na expectativa daquele
dia (1 Tessalonicenses 1:10); pois, quando o Senhor Jesus Cristo aparecer, eles também
aparecerão em glória (Colossences 3:4).
Este é o ponto onde temos de encarar, não é um dos problemas, mas um dos
grandes fatos do esquema de Paulo das coisas. Paulo acreditava intensamente em
julgamento. Não importa se Paulo acredita que esse julgamento viria no dia do Senhor,

A Mente de Paulo Página 115


ou se seria adiado para algum tempo depois, o fato essencial é que Paulo deu um lugar
muito real para o julgamento no esquema Cristão das coisas. Em Romanos 2:5 ele fala
daquele dia de ira e revelação, quando Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras.
Em Romanos 2:16 ele fala do dia quando Deus julgará os segredos dos homens através
do Senhor Jesus Cristo. Em Romanos 5:9 ele fala do Cristão sendo salvo da ira pela
obra do Senhor Jesus Cristo. 1 Coríntios 4:5 fala da insensatez de julgar até que o
Senhor que há de vir julgará as coisas secretas dos corações dos homens. Em
Colossenses 3:24, 25 Paulo exorta os homens a fazerem tudo como que fazendo para o
Senhor, sabendo que do Senhor receberão a recompensa da herança... pois o que faz
injustiça receberá o que faz de injusto, e não há parcialidade. Efésios 6:8 aconselha
viver bem, na certeza de que qualquer coisa boa que o homem faz, o mesmo receberá do
Senhor. 1 Coríntios 3:13 declara que a obra de todo homem será julgada. 1 Coríntios
3:17 declara que aquele que destruir o templo de Deus irá pagar a penalidade.
1 Coríntios 5:13 e estende esse julgamento para aqueles que estão de fora, será um
julgamento universal. 2 Coríntios 5:10 diz sem rodeios que todos devemos comparecer
ante o tribunal do Senhor Jesus Cristo, para que cada homem receba as coisas feitas em
seu corpo, sejam elas boas ou más. E então Paulo continua e diz que é conhecendo o
terror do Senhor, que persuadimos os homens. Em Romanos 14:10 ele estabelece que
todos de compareceremos ante o tribunal de Deus.
Julgamento é um principio essencial da fé Cristã. Isso causou dificuldade para
muitas pessoas. O que a graça tem a ver com o julgamento? Se o Cristianismo é uma
religião da graça, se perdão é totalmente grátis, imerecido, o produto de outra coisa
senão o amor e a misericórdia de Deus, e se essa graça é tão superabundante que,
sempre que o pecado abunda, abunda ainda mais, onde cabe o julgamento? Se um
homem deve ser julgado pela obras feitas no corpo, o que aconteceu com a justificação
pela fé? Se nenhuma carne jamais pode ser justificada por obras, então como pode um
homem ser julgado pelas obras? Estas são perguntas que exigem uma resposta.
Primeiro, Paulo foi criado no Judaísmo, e o Judaísmo é uma religião
intensamente ética. Ela oferecia um modo de vida, como o próprio Senhor Jesus disse:
"Pelos seus frutos os conhecereis" (Mateus 7:20). Mesmo que ele tivesse desejado,
Paulo jamais teria escapado das exigências éticas da fé religiosa. E uma religião ética
envolve padrões de julgamento, dos quais não pode haver nenhuma fuga. Quando um
modo de vida é estabelecido, a incapacidade de viver esse estilo de vida deve ter sua
consequência inevitável.
Segundo, Paulo era um missionário. Ele viveu e pregou em um mundo Gentio
que era notoriamente imoral; ele não poderia usado qualquer outra mensagem a não ser
que essa bondade era exigida do Cristão, e que o mal é punido. Nenhuma mensagem
que não seja a exigência severa poderia ter produzido resultados.
Terceiro, é seriamente possível uma ma exposição da doutrina da graça. Graça é
o maior presente no mundo; mas graça também é a maior responsabilidade do mundo. A
Graça é um presente; e graça é um presente de amor; oferecer esta graça aos homens
custou a Deus tudo o que Ele tinha para dar; e portanto, é estabelecida em cada homem
a obrigação inspiradora de fazer todo o possível para merecer essa graça. Que jamais
poderá fazer, mas ele pode e deve responder a essa graça, buscando em toda a sua vida

A Mente de Paulo Página 116


ser o que a graça deseja que ele seja. Ele deve dizer: " Se Tenho sido amado deste
modo, que eu não me atreva a quebrar o coração desse amor." Um homem que falha em
ver a obrigação da graça é um homem que é cego à honra e cego para o amor; ele pecou
contra o maior amor do universo. É verdade que a graça faz tudo; mas um homem deve
responder a graça. E se um homem falha em responder, deve haver consequências.
Quarto, deve ser claramente entendido que a Justificação pela fé é o início da
vida Cristã. Através da Justificação pela fé, um homem é colocado em um
relacionamento certo com Deus; ele aprende, percebe e se orgulha no fato de que Deus é
seu amigo e não seu inimigo. Mas este novo relacionamento deve emanar uma nova
vida; ele deve continuar para a santificação, pela qual a vida e viver de um homem é
mudado. Toda a questão deste novo relacionamento é tornar possível um homem viver
uma vida, onde ele pode conquistar o pecado e entrar na justiça do Senhor Jesus Cristo.
Ele só pode provar que ele entrou nessa relação, buscando viver uma vida que se
encaixa nessa relação. A muito tempo atrás Nietzsche, o filósofo ateísta Alemão disse: "
Mostre-me que você está redimido, e acreditarei em seu redentor." Justificação, como a
graça, traz a um homem um imenso privilégio e estabelece em um homem uma imensa
responsabilidade. Julgamento é uma parte essencial da fé Cristã, pela simples razão que
o Cristianismo é a intenção de fazer do homem um certo tipo de homem, e lhe permite
ser esse tipo de homem, e, se ele não consegue ser esse tipo de homem, então só há uma
conclusão, ele não é realmente Cristão; e a falha é dele, pois a graça capacitadora estava
lá.
Vamos, então, somar os últimos valores da doutrina da Segunda Vinda. Ajudará
bastante se em primeiro lugar percebemos que somos, de fato, proibidos de especular
sobre sua data e hora. O Senhor Jesus disse: "Mas acerca daquele dia ou a hora ninguém
sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai" (Marcos 13:32). Reivindicar, ou
aspirar a, um conhecimento daquilo de que o próprio Senhor Jesus era ignorante é nada
menos que blasfêmia. Devemos aceitar o fato da Segunda Vinda; a data e a hora dela
estamos proibidos de especular.
O grande valor da doutrina da Segunda Vinda é que garante que a história está
indo para algum lugar. Não podemos dizer quando irá acontecer. Nós não podemos
tomar como verdade literal as figuras Judaicas deste dia, que Paulo usou. Não
precisamos pensar em uma vinda física do Senhor Jesus Cristo nas nuvens, ou um toque
de trombeta físico. Mas o que a doutrina da Segunda Vinda conserva é o tremendo fato
de que há um divino, distante evento para o qual toda a criação está se movendo, há
uma consumação, há um triunfo final de Deus (???). Em seu livro, An arrow into the air
(Uma flecha no ar), John H. Withers tem uma citação, da peça de Gerald Healy The
black stranger (O estranho negro). Ela vem da época da escassez da batata irlandesa em
1846. Naquela época, como parte do trabalho de alívio, os homens foram colocados
fazer estradas que não tinham qualquer propósito. Era simplesmente para dar para eles
algum trabalho para fazer. Um dia nesta situação desesperada Michael chega na casa de
seu pai, e diz com uma espécie de desilusão comovente: " Eles estão fazendo rodovias
que não levam a lugar algum!" Quando confessamos nossa ignorância, uma ignorância
que até mesmo o Senhor Jesus compartilhava, de datas e tempos; quando abandonamos
todo o imaginário e figuras Judaicas, o qual a esta altura se tornaram apenas fantástica,

A Mente de Paulo Página 117


quando reduzimos a doutrina da Segunda Vinda a apenas o essencial; ficamos com esta
tremenda verdade, a doutrina da Segunda Vinda é a garantia final de que a vida nunca
poderá ser uma estrada que leva a lugar nenhum, é um caminho que leva ao Senhor
Jesus Cristo.

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XVIII

A MENTE DE PAULO
A RESPEITO DA IGREJA

As cartas de Paulo nos proporcionar um amplo material para chegar a uma ideia clara de
seus pensamentos e crenças sobre a Igreja; pois nelas a palavra ekklesia, igreja, aparece
cerca de sessenta vezes. Vejamos primeiro como, e em que conexões, ele usa essa
palavra.
Paulo usa a palavra ekklesia, em ambos, singular e plural, para descrever o corpo
dos crentes em qualquer lugar. Assim ele fala para a Igreja em Cencréia (Romanos
16:1); a Igreja dos Laodicenses (Colossenses 4:16); a Igreja dos Tessalonicenses
(1 Tessalonicenses 1:1; 2 Tessalonicenses 1:1). Ele fala sobre as Igrejas dos Gentios
(Romanos 16:4); as Igrejas da Galácia (1 Coríntios 16:1; Gálatas 1:2); as Igrejas da
Macedônia (2 Coríntios 8:1). Ele chama aqueles que trouxeram várias doações para os
Cristãos pobres de Jerusalém, os mensageiros das Igrejas (2 Coríntios 8:23); e exorta
aos Coríntios à mostrar o fruto de seu amor perante todas as Igrejas (2 Coríntios 8:24).
Ele fala sobre o cuidado de todas as Igrejas, que está em seu próprio coração
(2 Coríntios 11:28).
Sabemos que nos primeiros dias, as reuniões dos Cristãos deve ter sido pequena,
pois antes do início do terceiro século não havia surgido qualquer tipo de edifícios da
Igreja. Nos primeiros dias os Cristãos ainda se reuniam em qualquer casa que tivesse
uma sala grande o suficiente para acomodá-los. Assim Paulo usa a palavra ekklesia para
qualquer parte específica da Igreja em qualquer lugar. Assim ele fala da Igreja que está
na casa de Áquila e Priscila (Romanos 16:5; 1 Coríntios 16:19); da Igreja em Laodicéia
que está conectada com a casa de Ninfa (Colossenses 4:15); da Igreja que está na casa
de Arquipo (Filemom 2).
Paulo usa a palavra ekklesia como uma descrição do corpo dos Cristãos locais
reunidos em qualquer lugar para o culto e para a instrução. Esse é um uso que está
muito perto de nosso uso da palavra congregação. Ele fala das coisas impróprias que
aconteciam quando os Cristãos de Corinto se reuniam na Igreja (1 Coríntios 11:18). Ele
sustenta que o profeta edifica a Igreja (1 Coríntios 14:4, 5, 12), e critica aqueles que
colocam muita ênfase no falar em línguas, pois na Igreja, ele mesmo prefere falar cinco
palavras com entendimento, do que dez mil palavras em uma língua desconhecida
(1 Coríntios 14:19). Ele fala de toda a Igreja sendo reunida em um único local
(1 Coríntios 14:23). Ele estabelece que as mulheres devem estar em silencia na Igreja, e
que é uma vergonha para elas falar (1 Coríntios 14:34, 35). Ele fala das coisas que
ordenou e ensinou em todas as Igrejas (1 Coríntios 4:17; 7:17). Em todos esses casos a

A Mente de Paulo Página 119


palavra Igreja descreve as pessoa adoradoras do Senhor Jesus Cristo, reunidas em seu
nome.
Por fim, Paulo usa ekklesia para descrever a Igreja como um todo, todo o grupo
dos crentes no Senhor Jesus Cristo em todos os lugares e em todas as nações. Ele fala
sobre si mesmo que, segundo o zelo, ele era perseguidor da Igreja (Filipenses 3:6). Ele
fala da multifacetada sabedoria de Deus que está sendo mostrada através da Igreja, e da
glória que está sendo dada a Deus na Igreja (Efésios 3:10, 21). Ele fala do Senhor Jesus
Cristo sendo o cabeça da Igreja (Efésios 1:22). Ele fala da Igreja sendo sujeita a Cristo,
e de Cristo amando a Igreja (Efésios 5:24, 25). Ele fala da Igreja como sendo o corpo de
Cristo (Colossenses 1:24). Paulo usa a palavra Igreja como uma palavra abrangente para
incluir todos aqueles que deram seus corações e dedicaram suas vidas ao Senhor Jesus
Cristo.
Além disso, Paulo frequentemente deixa claro que ele não considera a Igreja
como uma organização meramente humana ou como uma instituição. A Igreja e as
Igrejas são a Igreja e as Igrejas de Deus. Duas vezes ele confessa que ele perseguiu a
Igreja de Deus (1 Coríntios 15:9; Gálatas 1:13). Quando ele está repreendendo os
membros controversos da Igreja em Corinto, ele diz que as Igrejas de Deus não tem tal
costume (1 Coríntios 11:16). Ele tenta fazer os Coríntios, que são culpados de conduta
imprópria, perceber que sua conduta é o equivalente a desprezar a Igreja de Deus
(1 Coríntios 11:22). Ele fala das Igrejas de Deus que estão na Judéia (1 Tessalonicenses
2:14); e diz que se orgulha da excelência da fé e conduta dos tessalonicenses, nas Igrejas
de Deus (2 Tessalonicenses 1:4). A Igreja pode ser composta de homens, mas não deixa
de ser a Igreja de Deus. Do mesmo modo ele fala das Igrejas de Deus, que estão na
Judéia e que estão em Cristo (1 Tessalonicenses 2:14; Gálatas 1:22). A Igreja está em
Cristo e pertence à Deus.
Nas duas cartas aos Coríntios há uma dica de um desenvolvimento no
pensamento de Paulo. Estas duas cartas são dirigidas para as Igrejas de Deus que estão
em Corinto (1 Coríntios 1:2; 2 Coríntios 1:1). A comunidade Cristã não é mais a Igreja
de Corinto; é a Igreja de Deus que está em Corinto. Aqui é o início da grande concepção
que a Igreja não é uma coleção de unidades fracamente integradas ou isoladas, onde
quer que uma congregação possa estar, é a igreja de Deus. Agora não há tal coisa como
uma Igreja de Corinto, ou de Galácia ou de Roma; são todas a Igreja de Deus.
Duas coisas podem ter movido os pensamentos de Paulo nesta direção.
(a) Em Corinto ele tinha que lidar com o problema da desunião; ele teve de lidar
com uma situação em que a congregação local tinha sido dividida em fragmentos que se
diziam de Paulo, de Apolo, de Cefas e de Cristo (1 Coríntios 1:12). Paulo estava
convicto que a Igreja é uma unidade, que não é composta de diferentes Igrejas, seitas e
partidos, que não é ainda, em última análise, composto por diferentes congregações, que
é tudo, onde quer que esteja, a Igreja de Deus.
(b) Pode muito bem ser que a experiência crescente de Paulo do Império
Romano ajudou nesse sentido. Por todo o mundo havia colônias Romanas. Uma colônia
Romana não era uma colônia no sentido inglês do termo. Não era um assentamento em
uma terra desconhecida e inexplorada, não era um movimento de pioneiros em direção
ao desconhecido. Roma tinha um costume que seguia em todo o mundo. Haviam

A Mente de Paulo Página 120


lugares estratégicos, que comandavam entroncamentos rodoviários, e a partir dos quais
áreas inteiras poderiam ser controladas. Em tais locais, Roma estava acostumada estava
acostumado a estabelecer pequenos bandos de cidadãos, geralmente compostas por
veteranos do exército, que tinham servido o seu tempo, a quem tinham sido concedida a
cidadania. Estas colônias eram os centros estratégicos que unia o Império. Agora as
características destas colônias eram que, não importa onde elas estivessem, a língua
falada era a Romana, e os costumes Romanos eram seguidos; a lei Romana era
administrada e observada. Estas colônias eram pequenas porções de Roma plantadas em
todo o mundo, e eles estavam completamente e orgulhosamente consciente de que isto
era assim. Não importa onde estivessem, nos confins da terra, talvez cercados por
bárbaros, eles estavam em Roma. Assim Paulo via a Igreja, não importa onde
estivessem, como a Igreja de Deus. A Igreja era uma unidade que adotou todas as
nações, e manteve-se a Igreja de Deus, independentemente da sua habitação local. A
ideia da unidade da Igreja, tinha raízes na mente de Paulo, e estava, como veremos, para
ser muito e maravilhosamente desenvolvida.
Antes de deixarmos a palavra ekklesia, temos ainda algo mais a notar. A palavra
ekklesia não era uma criação da Igreja Cristã. Quando a Igreja Cristã a anexou para seus
propósitos, já era uma palavra com uma história, e uma história dupla. Neste pano de
fundo duplo devemos olhar, a fim de que possamos ver as associações que a palavra
ekklesia trazia com ela, e as memórias que ela despertaria nas mentes daqueles que a
ouvissem.
Primeiro, a palavra tinha um pano de fundo Judaico. Na septuaginta, a versão
Grega das escrituras em Hebraico, a palavra ekklesia é regularmente usada para o povo
reunido de Israel, isto é, para o povo reunido de Deus. É, por exemplo, usada na
assembleia do povo no dia quando os dez Mandamentos foram dados por Deus à
Moisés. O livro de Deuteronômio fala de " todas as palavras que o Senhor tinha falado
convosco no monte, do meio do fogo, no dia da assembleia (ekklesia)" (Deuteronômio
9:10; 18:16). Frequentemente a palavra é usada para a reunião ou a congregação de
Israel (Deuteronômio 31:30; Juízes 20:2; 1 Samuel 17:47; 1 Reis 8:14; Salmos 22:22).
Assim, então, para um Judeu esta palavra sempre significou o povo reunido de Deus. O
próprio uso da palavra traz consigo a implicação de que a Igreja é o povo de Deus.
Israel era o povo escolhido de Deus; mas Israel tinha falhado em reconhecer e aceitar o
Filho de Deus, quando Ele veio; Israel havia, portanto, perdido seu lugar e privilégio
como uma nação. O verdadeiro Israel, o novo Israel, o verdadeiro povo de Deus, a
ekklesia genuína, não era mais a nação de Israel; era a Igreja. A própria palavra ekklesia
estabelece que é a Igreja Cristã que é o verdadeiro instrumento e agente de Deus.
Segundo, a palavra tinha um pano de fundo Grego. Na grande democracia
Grega, o corpo governante se chamava a ekklesia, e a ekklesia era constituída de todo
cidadão que não tinha perdido os seus direitos como cidadão. É verdade que nos dias
das oligarquias a ekklesia pode ter sido limitada aos que tinham algum tipo de
propriedade; mas nos grandes dias da democracia, a ekklesia era composta por todos os
homens livres que eram cidadãos de sua cidade. Era a ekklesia que elegia e destituía os
magistrados, que recebia e enviava embaixadores, e que tinha a última palavra na

A Mente de Paulo Página 121


administração da justiça e na elaboração das leis. Então para um Grego a palavra
ekklesia contaria das glórias da cidadania, e quando os cristãos assumiram a palavra,
o membro da ekklesia, se fosse um grego, poderia pensar em si mesmo mais facilmente
e mais naturalmente, como um cidadão do Reino dos Céus.
É raro que as grandes ideais históricas nacionais de duas linhas de cultura se
encontrem como fazem na palavra ekklesia.
A esta altura, somos capazes de estabelecer um dos grandes fatos básicos sobre a
Igreja, um fato simples e óbvio, mas um fato muitas vezes esquecido. Em nenhum lugar
do Novo Testamento, a palavra Igreja significa um edifício. No Novo Testamento a
Igreja nunca é uma estrutura, composta de pedras e cal ou de blocos e cimento. Se a
referência fosse a uma construção, ninguém no Novo Testamento teria entendido a frase
"uma bonita Igreja." No Novo Testamento a Igreja é sempre uma companhia de
adoradores que deram seus corações e entregaram suas vidas ao Senhor Jesus Cristo.
Sendo assim, vamos encontrar informações quanto à verdadeira natureza e função da
Igreja, nas palavras que Paulo usa para descrever os membros da Igreja. Três títulos
para os membros da Igreja constantemente se repetem em suas cartas.
1- O título mais frequente de todos é o título santos. Nas cartas de Paulo os
membros das Igreja são chamados santos quase quarenta vezes. A palavra Grega é
hagios, e para ouvidos modernos santo é uma tradução infeliz. Para muitas pessoas hoje
em dia a palavra santo traz pensamentos de figuras em vitrais, e de pessoas cercadas por
um halo de bondade de outro mundo. Hagios é a palavra que também é traduzida
sagrado; e a ideia básica nela, é a ideia de diferença das coisas comuns, a de ser
separado dos objetivos comuns. Então o Templo era santo porque era diferente das
outras construções; um sacerdote era santo porque ele era separado e, portanto,
diferente dos outros homens, um animal destinado ao sacrifício era santo, porque ele era
diferente dos outros animais, na medida em que foi separado para um propósito
sagrado, o dia de sábado era santo porque era diferente de outros dias, e Deus é
supremamente O Santo, porque Ele é diferente dos homens. Logo, dizer que um
membro da Igreja é hagios, sagrado, um santo como a Authorized Version traduziu,
quer dizer que ele é diferente de outros homens.
Mal acabamos de dizer isto e devemos imediatamente acrescentar outra coisa à
ela. Essa diferença é expressa, não por se retirar do mundo, mas em viver de modo
diferente dentro do mundo. Frequentemente Paulo dá uma habitação local para as
pessoas a quem ele intitula hagios. Ele escreve a todos que estão em Roma, chamados
santos (Romanos 1:7). Ele fala dos pobres santos que estão em Jerusalém (Romanos
15:26). Ele escreve para todos os santos que estão em Acaia (2 Coríntios 1:1). Qualquer
que a diferença possa ser, essa diferença se destina a ser expressa na vida cotidiana do
lugar onde um homem se encontra, e não se consiste na retirada do mundo, por exemplo
dos eremitas, os monges e as freiras.
Onde, então, essa diferença essencial consiste? Mais de uma vez, Paulo
acrescenta a palavra hagios uma frase definidora. Ele escreve aos santos em Cristo
Jesus que estão em Filipos (Filipenses 1:1), e na mesma carta ele envia a saudação final:
"Saudai todo santo que está em Cristo Jesus" (Filipenses 4:21). Ele escreve aos santos e
fiéis irmãos em Cristo que estão em Colossos (Colossenses 1:2). Assim, um santo é

A Mente de Paulo Página 122


aquele que está em Cristo Jesus. A diferença que a palavra hagios expressa é que o
homem que é hagios vive sua vida na constante presença do Senhor Jesus Cristo, na
consciência constante dessa presença, e na tentativa constante e deliberada de ouvir os
mandamentos do Senhor Jesus Cristo e de cumpri-los. Sua vida é vivida no mundo, e
dentro dos assuntos do mundo, mas toda a sua vida é ditada pelos padrões do Senhor
Jesus Cristo, e não pelos padrões do mundo.A palavra santos realmente significam
"Pessoas dedicadas de Cristo." Aqueles que são membros da Igreja são aqueles que
dedicam suas vidas ao Senhor Jesus Cristo.
2- Quase, se não completamente, tão comum, um título para os Cristãos em
cartas de Paulo é os irmãos. Quando ele escreve aos Cristãos em Roma, ele
cumprimenta algumas pessoas pelo nome, em seguida, acrescenta: "Saúdem os irmãos
que estão com eles" (Romanos 16:14). Dar um mau exemplo é pecar contra os irmãos
(1 Coríntios 8:12). "Todos os irmãos te cumprimentam," ele escreve aos Coríntios
(1 Coríntios 16:20). Ele fala dos irmãos que vieram da Macedônia (2 Coríntios 11:9). A
carta aos Efésios chega ao seu fim com a bênção: "Paz esteja com os irmãos" (Efésios
6:23). "Saudai os irmãos que estão em Laodicéia," ele escreve aos Colossenses
(Colossenses 4:15), e aos Tessalonicenses ele escreve: "Saudai todos os irmãos com
beijo santo" (1 Tessalonicenses 5:26). Ao longo de todas as suas cartas o trato comum e
favorito de Paulo para as pessoas a quem ele escreve é: "Irmãos!"
Aqui reside a grande verdade que a Igreja foi feita para ser um grupo de irmãos.
Ela foi criada para ser a família de Deus na qual os homens são irmãos uns dos outros.
Quando a Igreja está dividida em espírito e coração, quando a amargura invadiu sua
comunhão, quando o espírito rancoroso causou falhas que continuam sem cura, a Igreja
deixa de ser Igreja, pois a Igreja não é Igreja, a menos que se trate de uma fraternidade.
Nelson em seus despachos atribuiu uma de suas maiores vitórias para o fato de que ele
teve a felicidade de comandar um grupo de irmãos. A Igreja é destinada por Deus a ser
um grupo de irmãos.
3- Menos comum, mas ainda assim, muitas vezes, os Cristãos são os crentes,
aqueles que creem. Deus é o Pai de todos os que creem (Romanos 4:11). Os
Tessalonicenses em sua fé e amor eram um exemplo para todos que creem
(1 Tessalonicenses 1:7).
Isto quer dizer, o membro da Igreja é o homem que aceita aquilo que o Senhor
Jesus Cristo diz como verdade, e que vive sua vida na certeza pressuposta que ela é
verdade. O Cristão é o homem que está convencido que o Senhor Jesus Cristo é o
Salvador de sua alma, e que tornou o Senhor Jesus Cristo no Senhor de sua vida.
Assim, no que diz respeito ao mundo, o membro da Igreja é o homem que é
diferente, porque ele vive na presença de, e de acordo com os padrões do Senhor Jesus
Cristo. No que diz respeito aos seus semelhantes, o membro da Igreja é o homem que
vive na comunhão da Irmandade. No que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo, o membro
da Igreja é o homem que aceita a oferta do Senhor Jesus Cristo por sua alma, e a
exigência do Senhor Jesus Cristo para sua vida.
Devemos agora voltar-se para determinadas grandes figuras da Igreja que Paulo
usa em suas cartas. A partir delas, vamos aprender mais da concepção de Paulo sobre a
Igreja do que em qualquer outra fonte, mas, ao mesmo tempo, devemos ter o cuidado de

A Mente de Paulo Página 123


lembrar que elas são figuras e metáforas e que não se deve tomá-las literalmente, ou
construir teorias em cima delas. À medida que as estudarmos, a dificuldade sempre será
ter certeza quando a metáfora é uma metáfora e quando é um fato literal. Vamos
começar com a maior das figuras, a figura da Igreja como um corpo vivente.
Paulo usa a figura da Igreja como um corpo para enfatizar a unidade essencial da
Igreja. Ele escreve aos Cristãos em Roma: "Pois assim como temos muitos membros em
um só corpo, mas todos os membros não tem a mesma função, assim também nós,
conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros," (Romanos
12:4, 5). Assim, cada homem deve utilizar plenamente o dom que Deus lhe deu, o dom
da profecia, o dom do serviço, do dom da exortação, o dom da liberalidade, o dom de
administração, o dom da misericórdia (Romanos 12:7, 8). Agora deve ser claramente
observado de qual situação esta imagem Paulina surge. Ele insistia que ninguém deve
pensar de si mesmo mais alto conceito do que convém, mas que ele deve pensar sobre si
mesmo, em termos de dons e das graças que Deus deu a ele para colocar ao serviço
comum da comunidade (Romanos 12:3). Assim, a Igreja é uma unidade como um
corpo. Nenhum homem deve estar presunçosamente orgulhoso de qualquer dom que
Deus deu a ele, nenhum homem deve pensar que o seu dom é o mais importante, e
engrandecer e exalta-lo à custa dos dons dos outros. Todos os dons devem ser utilizados
no espírito de humildade e de serviço, na lembrança constante de que nunca estamos em
competição uns com os outros, mas que somos como os membros de um corpo, os quais
devem trabalhar em harmonia e cooperação.
Paulo trabalha esta figura ainda mais completa e vividamente em 1 Coríntios 12.
A Igreja, como o corpo, é composta de muitos membros. Cada membro tem a sua
função. O pé não pode ficar sem o ouvido, nem o ouvido, sem o olho. O corpo não
poderia funcionar, se fosse inteiramente composto por um membro. Até mesmos os
membros que estão ocultos, a que seria vergonhoso mencionar ou mostrar, tem uma
própria honra especial e peculiar. Quando um membro do corpo sofre, ele não sofre em
isolamento solitário, pois seu sofrimento afeta o corpo inteiro, e é necessariamente
partilhado pelo corpo inteiro (1 Coríntios 12:12-27). Mais uma vez, deve ser claramente
lembrado de qual situação esta imagem surgiu. A Igreja de Corinto estava duplamente
dividida. Ela foi dividida em seitas e partidos que se haviam anexado aos nomes de
pessoas diferentes, pessoas que de maneira nenhuma eram responsáveis pelas divisões,
mas cujos nomes, todos contra a sua vontade, tinham sido anexado por estes partidos
concorrentes (1 Coríntios 1:12). Além disso, como Coríntios 14 mostra, dentro da Igreja
havia uma espécie de competição piedosamente profana no que diz respeito aos dons
espirituais. Aqueles com o dom de línguas orgulhavam-se sobre ele, e até mesmo os
profetas competiam entre si por uma oportunidade para entregar sua mensagem. Em
Coríntios 12 Paulo, na verdade, enumera os vários dons. Há a palavra de sabedoria e a
palavra de conhecimento; há fé, há o dom de curas e de operação de milagres; há
profecia, discernimento de espíritos, o dom de línguas e de interpretar línguas
(1 Coríntios 12:7-9). Dentro das funções dos membros da Igreja há apóstolos, profetas,
mestres, aqueles com os dons dos milagres, das curas, de ajuda, de administração, de
línguas (1 Coríntios 12:28, 29). O problema de Corinto era que os dons do Espírito
eram usados em competição ao invés de cooperação. Até mesmo na Ceia do Senhor a

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Igreja de Corinto estava dividida em panelinhas, partes e seções (1 Coríntios 11:18); e o
resultado foi que todo o efeito do sacramento estava arruinado, porque eles se reuniam
não discernindo que eram o corpo do Senhor, e não estavam sensivelmente conscientes
da sua íntima união no Senhor Jesus Cristo.
O objetivo imediato que Paulo tinha em usar a imagem do corpo nesta grande
passagem de 1 Coríntios não tem nada a ver com a Igreja em geral; e tem tudo a ver
com a vida e espírito da congregação particular. Dentro de sua própria assembleia os
Coríntios nunca aprenderam a viver como um só corpo, pois eles estavam vivendo
como átomos desintegrado e fragmentos em guerra, pois eles estavam usando seus dons
para a auto exaltação e em concorrência uns com os outros, ao passo que eles deveriam
estar vivendo como os membros do corpo humano, em um estado intimo e harmonioso.
É desnecessário dizer que esta figura tem em si o embrião de uma concepção que pode
ser, e que era para ser aplicada, a toda a Igreja do Senhor Jesus Cristo, mas que, o que
primeiramente a produziu foi, na verdade, a guerra de uma Igreja particular dentro de si
mesma.
Além disso, a Igreja é um corpo no sentido de que é o progenitor da unidade. A
grande carta da Igreja é a Carta aos Efésios. O tema das carta pode ser resumida deste
modo Como vemos, este mundo é uma desagregação em guerra. Há guerra entre nações,
entre credos, entre Gentios e Judeus, e no próprio ser do homem. É objetivo de Deus
reconciliar e reunir todos os homens e todas as coisas no Senhor Jesus Cristo (Efésios
1:10). O Senhor Jesus Cristo é o instrumento de Deus na reconciliação de todas as
coisas divididas e contrárias e pessoas nessa nova unidade. Através da Sua vida e de
Sua morte o Senhor Jesus Cristo trouxe aos homens os meios para essa unidade. Mas o
meio em direção essa unidade tem que ser trazida ao mundo inteiro para todos os
homens, e essa tarefa é a tarefa da Igreja. Na Igreja há um só corpo (Efésios 4:4); o
Senhor Jesus Cristo é a paz dos homens; ele reuniu Gentios e Judeus dentro da Igreja; a
parede de divisão foi derrubada; e eles são reconciliados em um corpo dentro da Igreja.
Isto quer dizer, resumidamente, o Senhor Jesus Cristo é o instrumento de reconciliação
de Deus; e a Igreja é o agente de reconciliação do Senhor Jesus Cristo. A Igreja se
destina dentro de si mesmo a ser um só corpo em sua unidade, e se destina a ser a
geradora dessa unidade entre os homens.
Mas Paulo faz muito mais além de chamar a Igreja um corpo; ele a chama pelo
maior de seus títulos, o corpo de Cristo. Aqui está a grande frase que começa em
1 Coríntios, mas que atravessa as cartas posteriores aos Efésios e aos Colossenses.
"Agora," diz Paulo, "vós sois corpo de Cristo, e membros individuais desse corpo"
(1 Coríntios 12:27). Ele fala sobre a Igreja que é o corpo de Cristo (Efésios 1:23); ele
fala sobre a edificação do corpo de Cristo (Efésios 4:12). Ele fala do Senhor Jesus
Cristo como a cabeça do corpo (Colossenses 1:18); e sobre o corpo de Cristo que é a
Igreja (Colossenses 1:24). Aqui deparamo-nos com um dos problemas reais de
interpretação Paulina. Há mais de um ponto de vista do que Paulo quis dizer quando ele
falou da Igreja como o corpo de Cristo. Há aqueles que acreditam que esta frase deve
ser usada em um sentido místico, e que quando um homem entra na Igreja de Cristo, em
um sentido místico ele entra no corpo de Cristo. Em uma famosa frase a Igreja foi
descrita como "uma extensão da encarnação," de modo que, assim como Deus se

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encarnou no Senhor Jesus Cristo, o Senhor Jesus Cristo se encarna na Igreja. Por outro
lado existem aqueles que acreditam que esta frase deve ser usada em um sentido muito
mais prático, e no que poderia ser chamado de um sentido funcional. A obra do Senhor
Jesus Cristo deve continuar; mas Ele mesmo não está mais aqui em carne para fazê-lo,
pois ele retornou para Sua glória. Se o Senhor Jesus Cristo quer ensinar uma criança,
Ele deve achar um homem ou mulher para ensinar essa criança. Se Ele quiser trazer
Sua mensagem para pessoas que nunca a ouviram, Ele deve encontrar um homem ou
mulher para fazê-lo. Se Ele quiser a sua ajuda e o seu conforto trazidos para a
humanidade, Ele deve encontrar aqueles que estão dispostos a ser os canais para eles.
Ou seja, o Senhor Jesus Cristo precisa da Igreja como Seu corpo, no sentido de que na
Igreja Ele deve encontrar as mãos para fazer a Sua obra, pés para executar as Suas
tarefas, uma voz para falar a Sua mensagem. A Igreja deve ser o corpo através do qual o
Senhor Jesus Cristo atua. Trata-se, evidentemente, verdade que esses dois pontos de
vista sobre o significado da expressão o corpo de Cristo não são mutuamente
exclusivas, mas a direção em que um homem coloca seu esforço e sua ênfase faz a
diferença.
Vamos por um momento deixar a resposta a essa questão da diferença de
significado em suspenso, e voltemos às figuras de Paulo sobre a Igreja.
Em Efésios e Colossences Paulo tem uma outra ideia frequentemente recorrente,
a ideia do Senhor Jesus Cristo como o Cabeça da Igreja. Deus colocou Cristo como
cabeça de todas as coisas para a Igreja (Efésios 1:22). Os membros da Igreja devem
crescer naquele que é a cabeça, Cristo (Efésios 4:15). Como o marido é o cabeça da
esposa, assim Cristo é o cabeça da Igreja (Efésios 5:23). Cristo é a cabeça do corpo, que
é a Igreja (Colossenses 1:18). Ele é o cabeça através da qual todo o corpo é alimentado,
administrado e unido (Colossenses 2:19). Devemos observar também que o Senhor
Jesus Cristo é chamado de Salvador do corpo (Efésios 5:23).
Agora uma coisa surge de tudo isso. Se pegarmos a frase, o Corpo de Cristo, em
um sentido místico, se considerarmos a Igreja como a extensão da Encarnação, então
isso significa que, em algum sentido o Senhor Jesus Cristo é identificado com a Igreja.
Com Paulo isso não é assim, sempre há uma distinção clara e definida entre o Senhor
Jesus Cristo e a Igreja. Cristo é o Salvador do corpo (Efésios 5:23). A Igreja está sujeita
a Cristo (Efésios 5:24). O corpo é o instrumento através do qual as decisões e propósitos
da cabeça são realizados; o corpo é o agente da cabeça. O corpo é aquilo que sem o qual
a cabeça é praticamente indefeso. Parece-nos ser, quase sem sombra de dúvida, que é
neste sentido que Paulo chama a Igreja de o Corpo de Cristo. A Igreja é o instrumento, o
agente, a arma, o organismo através do qual os propósitos e planos do Senhor Jesus
Cristo devem ser realizados. É através da Igreja que o Senhor Jesus Cristo procura
trazer vida, luz e salvação aos homens. Nisto consiste a glória da Igreja, que a Igreja é o
instrumento necessário nas mãos do Senhor Jesus Cristo.
Há duas passagens nas cartas de Paulo que especialmente confirmam isto. Pode
ser contestado que sustentar que a Igreja é o instrumento ou o agente através do qual e
pelo qual o Senhor Jesus Cristo cumpre os propósitos e os planos de Deus não é nada
menos do que dizer que o Senhor Jesus Cristo é dependente da Igreja. Por mais
surpreendente que possa parecer, é precisamente isso que Paulo diz. Escrevendo aos

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Colossenses Paulo diz que se alegra em seus sofrimentos por eles e que ele "preenche o
que está por trás (falta) das aflições de Cristo, na sua carne, a favor do seu corpo, que é
a Igreja" (Colossenses 1:24). Pode ser uma coisa extraordinária dizer que há algo
faltando nos sofrimentos do Senhor Jesus Cristo. O que Paulo quer dizer é isto: O
Senhor Jesus Cristo de uma vez por todas encontrou a cura para o pecado; mas este
remédio tem que ser apresentado, manifestado e oferecido aos homens, e este é o
trabalho de Paulo e o trabalho da Igreja. E se a tarefa de levar as boas novas da salvação
de Deus oferecida no Senhor Jesus Cristo aos homens envolve sofrimentos, esses
sofrimentos podem muito bem ser considerados o completar dos sofrimentos do Senhor
Jesus Cristo. Vejamos uma analogia. Um cientista ou um doutor pode descobrir uma
nova cura para alguma até então doença incurável; um cirurgião pode descobrir uma
nova técnica para alguma até então operação impossível; mas a cura e a técnica não tem
de ser apenas descobertas, mas também devem ser disponibilizadas para aqueles que
delas necessitem; e o tornar disponível pode envolver trabalho, sacrifício, fadiga e
pensamento que são, no mínimo, comparável com o preço pago para a própria
descoberta. O fato evidente é, que o que o Senhor Jesus Cristo fez para os homens, não
pode se tornar disponível para os homens até que os homens saibam disso, e eles não
podem saber disso até que a Igreja lhes diga. "Como, pois, invocarão aquele em quem
não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como ouvirão, se não
houver quem pregue?" (Romanos 10:14). O Senhor Jesus Cristo precisa da Igreja para
trazer aos homens o conhecimento da Salvação que Ele oferece, e aquilo que é sofrido
nessa tarefa preenche e completa os sofrimentos do Senhor Jesus Cristo. Mais uma vez
somos forçados a concepção da Igreja como agente e instrumento do Senhor Jesus
Cristo.
A segunda passagem está na carta aos Efésios. Lá Paulo escreve, com a
Authorized Version traz, sobre a Igreja, "que é o Seu corpo, a plenitude Daquele que
enche todas as coias. em toda e qualquer circunstância" (Efésios 1:23). Agora esta não é
uma declaração fácil, e os estudiosos não estão de acordo quanto ao que isso significa.
Mas, como vemos, o significado mais simples e mais natural disso, tanto quanto no
grego, é isso. A Palavra Grega que é traduzida como plenitude é pleroma. O substantivo
pleroma vem do verbo pleroun, que significa completar; e um pleroma é aquilo que
resulta quando algo é preenchido. Pleroma é usado, por exemplo, para o completar de
um copo. Eurípedes (The trojan women 823) poeticamente descreve a atividade de um
copeiro: "Criança de Laomedon, tens o enchimento dos copos, uma obrigação justa."
Novamente, pleroma geralmente é usado para uma tripulação de navio ou complemento
de um navio, como também é usada para a carga de um navio. É utilizado de forma
natural e regularmente por uma cesta cheia ou uma mão cheia. Ainda mais uma vez, em
sua Política, Aristóteles descreve como Sócrates havia delineado a organização de uma
cidade em sua forma mais simples (Política 4:4). Sócrates estabeleceu que a cidade
mais simples deve conter seis artesãos: um tecelão, um agricultor, um sapateiro, um
construtor, um ferreiro, um pastor, ao qual deve ser adicionado um comerciante, e um
negociante de varejo. Estes, diz Aristóteles, compõem o pleroma de uma cidade. Sem
eles, a cidade não pode existir, com eles há a base essencial de uma cidade. Assim, o
mais simples e, de fato, o significado mais comum da palavra Grega pleroma pode ser

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expressa pela palavra Inglesa complement (complemento, complementar); o pleroma é
aquilo pelo qual algo é preenchido ou completo. Assim, o que Paulo está dizendo é que
a Igreja é o complemento do Senhor Jesus Cristo. A Igreja é aquilo através do qual a
tarefa do Senhor Jesus Cristo é completada. Devemos deixar claro que estamos fazendo
uma distinção clara entre a obra do Senhor Jesus Cristo e a tarefa do Senhor Jesus
Cristo. A obra do Senhor Jesus Cristo foi concluída uma vez por todas na Cruz, pois lá a
salvação dos homens foi de uma vez por todas garantida, mas a tarefa do Senhor Jesus
Cristo permanece, e a tarefa é tornar conhecido esse ato salvador e todos os seus
benefícios para toda a humanidade. E é a tarefa do Senhor Jesus Cristo que a Igreja deve
completar; é na conclusão dessa tarefa que a Igreja é o complemento do Senhor Jesus
Cristo. Mantemos que quando Paulo fala da Igreja como Corpo de Cristo, a ênfase
principal de seu pensamento está na função da Igreja como o instrumento e agente do
Senhor Jesus Cristo, o complemento essencial através do qual o Senhor Jesus Cristo dá
a conhecer a todos os homens aquilo que Ele já fez. É justamente aqui que o outro
significado do Corpo de Cristo vem entra. Se a Igreja tem que completar esta tarefa, se
ela é digna dessa tarefa, se ela tem que fazer o trabalho para o qual o Senhor Jesus
Cristo a projetou, então ela deve viver tão perto do Senhor Jesus Cristo, ela deve estar
tão no Senhor Jesus Cristo, que sua união com Ele é tal que ela só pode ser chamada de
nada menos do que o Corpo de Cristo, no sentido místico do termo. Em outras palavras,
para ser o Corpo de Cristo no sentido prático a Igreja deve ser o Corpo de Cristo no
sentido místico também. Mas nós de maneira nenhuma chegamos ao fim das grandes
figuras Paulinas da Igreja. Uma das figuras mais belas das cartas de Paulo é a figura da
Igreja como a Noiva de Cristo. Esta figura é mais claramente exposta em Efésios 5:22-
23, onde é dito que o relacionamento do marido e esposa deve ser igual ao
relacionamento entre o Senhor Jesus Cristo e a Igreja. "Maridos, amai as esposas, como
também Cristo amou a Igreja" (Efésios 5:25). Essa concepção aparece, menos
obviamente, mas ainda mais intensamente quando a figura é vista em 2 Coríntios
11:02. Lá Paulo escreve aos Cristãos de Corinto na explicação da urgência de seus
apelos "Pois zelo por vós com zelo de Deus, pois vos como virgem pura vos dei em
casamento a um esposo, para vos apresentar a Cristo."
Em um casamento Judeu haviam duas pessoas importantes que eram chamadas
"os amigos do noivo." Um representava o noivo e o outro a noiva. Eles agiam como
intermediários; eles transmitiam os convites para os convidados, pois eles geralmente
cuidavam de todos os preparativos. Mas eles tinham uma obrigação que era muito mais
importante que qualquer outra, era dever deles garantir a castidade da noiva; era dever
deles assegurar ao noivo a pureza e a virgindade da noiva. Então Paulo pensa no Senhor
Jesus Cristo como o noivo, e nele mesmo como o amigo do noivo, e a Igreja de Corinto
como a noiva que está sendo preparada para o Senhor Jesus Cristo; e Paulo vê como sua
tarefa que ele deve apresentar a Igreja em Corinto uma noiva pura e imaculada para o
Senhor Jesus Cristo.
Este é um conceito que volta muito atrás, e que tem suas raízes no Antigo
Testamento. Os profetas viam Israel como a Noiva de Deus. "Pois o seu Criador é o seu
marido, o Senhor dos Exércitos é o seu nome,..." (Isaias 54:5). "Mas, como a mulher
que trai o marido, assim vocês tem sido infiéis comigo, ó comunidade de Israel, diz o

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Senhor" (Jeremias 3:20). Isto é porque o Velho Testamento tão frequentemente fala de
infidelidade espiritual como adultério, e por isso que, quando Israel é infiel, é dito a ela
"se prostituírem após outros deuses" (Êxodo 34:15, 16; Deuteronômio 31:16; Salmos
73:27; Oséias 9:1); e é esta infidelidade espiritual a Deus que o Senhor Jesus falou
quando disse sobre "Uma geração má e adultera" (Mateus 12:39; 16:4). E isto é porque
no Velho Testamento Deus pode muitas vezes ser chamado um Deus ciumento
(Deuteronômio 32:21; Êxodo 20:5, 34:14; Zacarias 8:2). Deus é o apaixonado que não
pode tolerar rival.
Aqui temos a mais linda de todas as figuras sobre o relacionamento entre o
Senhor Jesus Cristo e a Igreja. A Igreja é a Noiva de Cristo; o relacionamento entre o
Senhor Jesus Cristo e a Igreja é tão intimo quanto o relacionamento entre marido e
mulher. Nada menos do que o mais próximo de todos os laços serão suficientes como
uma analogia da relação entre o Senhor Jesus Cristo e Sua Igreja.
Restam ainda alguns outros títulos para a Igreja nas cartas de Paulo aos quais
devemos olhar.
Os Cristãos são membros da família de Deus (oikeioi Theou). Paulo escreve aos
Efésios que eles não são mais estrangeiros, mas eles são concidadãos dos santos e
membros da família de Deus (Efésios 2:19). É da maior importância observar como a
relação entre o Cristão, a Igreja e Deus é descrito em termos de relações humanas mais
próximas e íntimas, em nada menos do que termos de marido e mulher, e de pai e filho.
Algumas vezes nas cartas de Paulo a Igreja é descrita em termos de uma
construção, erguida por e para Deus. "Vós sois edifício de Deus" (oikodome) Paulo
escreve aos Coríntios (1 Coríntios 3:9). Toda a Igreja é como um edifício bem ajustado
(Efésios 2:21).
É a partir dessa concepção que nós temos a ideia de edificação, que literalmente
significa construir. As palavras dos profetas edificam a Igreja (1 Coríntios 14:3-5). A
razão porque os Cristãos devem buscar sobressair em dons espirituais não é glorificar a
si mesmos, mas edificar a Igreja (1 Coríntios 14:12). Paulo sempre faz tudo para a
edificação do seu povo, e sua autoridade é Deus (2 Coríntios 12:19; 13:10; 10:8). O
dever Cristão é edificar um ao outro (1 Tessalonicenses 5:11), e sempre perseguir as
coisas que servem para a edificação mútua (Romanos 14:19; 15:2). Todos os cargos e
dons são dados para nenhuma outra finalidade que não a edificação da Igreja (Efésios
4:12, 16), e a vida e conduta do Cristão deve ser tal que é boa para a edificação da Igreja
(Efésios 4:29).
Aqui estamos diante de duas grandes verdades. A obra da Igreja deve ser sempre
de construção, e nunca destruição. Se a destruição tem que acontecer, e se as ideias e
concepções velhas e arraigadas devem ser varridas, deve ser sempre para levantar algo
novo e melhor em seu lugar. Todo o ensino e ação Cristã deve ser caracteristicamente
positivo e nunca meramente negativa em seu alvo e objeto. Novamente, isso significa
que o Cristão nunca deve pensar em si mesmo como um indivíduo. Ele é uma pedra de
um edifício. Ele não está lá para chamar a atenção para si mesmo, mas para adicionar
força ao edifício do qual ele é uma parte. Ele se juntou a seus companheiros Cristãos,
tanto quanto pedra se une a pedra em um edifício bem compactado.

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Ainda mais pode-se observar que há passagens onde esta construção está mais
intimamente definida. A Igreja não é simplesmente um edifício; é um edifício que é o
templo de Deus. "Não sabeis que," exige Paulo "que sois santuário de Deus e o Espírito
de Deus habita em vós?" (1 Coríntios 3:16, 17). "Que acordo há entre o santuário de
Deus e os ídolos?" (2 Coríntios 6:16). Todo o edifício está bem ajustado, e está
crescendo para "santuário santo no Senhor" (Efésios 2:21).
A ideia aqui é muito simples, e ainda assim muito grande. Um santuário é o
lugar de habitação na terra de um deus; e a Igreja é nada mais que o lugar de habitação
terrestre do Espírito de Deus.
Há mais duas metáforas sobre construção nas cartas de Paulo. Em primeiro
lugar, o Senhor Jesus Cristo é o fundamento da Igreja (1 Coríntios 3:11); e, em segundo
lugar, o Senhor Jesus Cristo é a principal pedra angular da Igreja (Efésios 2:20). É no
Senhor Jesus Cristo que toda Igreja é construída, e é pelo Senhor Jesus Cristo que toda
estrutura da Igreja é mantida unida.
Finalmente, há uma figura da Igreja nas cartas de Paulo a partir de uma fonte
completamente diferente. Ele escreve aos Coríntios como a Authorized Version traz:
"Vós sois lavoura de Deus" (1 Coríntios 3:9). A palavra é georgion, e ela significa um
campo. A Igreja é o solo que pode se tornar fértil em todas coisas boas, através da ação
do Espírito de Deus sobre ela.
Então, quando olhamos para trás atravessando os pensamentos de Paulo sobre a
Igreja, vemos que para ele a Igreja é a companhia de homens que dedicaram suas vidas
ao Senhor Jesus Cristo, cujo relacionamento com o Senhor Jesus Cristo é tão próximo
como o de um marido com a esposa, cuja relação um com o outro é firme como as
pedras de um edifício, e cuja glória suprema é que eles são o Corpo em quem o Senhor
Jesus Cristo habita, e por meio do qual Ele age sobre o mundo.

O FIM

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