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DA JURISDIÇÃO DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO RIO GRANDE DO SUL
VOLUME IV
ORGANIZADORES:
DES. ROGÉRIO GESTA LEAL | PROFA. DRA. CAROLINE MÜLLER BITENCOURT
ADRIANO GONÇALVES PAULO | ANDRÉ INACIO SILVA LOPES | ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO
| ARTHUR FELTRIN MILAMI | BETIELI DA ROSA SAUZEM MACHADO | BRUNA EMMANOUILIDIS | CAROLINA
DA SILVA RUPPENTHAL WEYH | CAROLINE ANDRESSA RECH | CAROLINE MULLER BITTENCOURT | CÉSAR
DE OLIVEIRA GOMES | DIÓGENES VICENTE HASSAN RIBEIRO | DOUGLAS RAUBER SPULDARO | FERNANDA
TAVARES SONDA | FLÁVIO BARBOZA DE CASTRO | GRÉGORA BEATRIZ HOFFMANN | IANAIÊ SIMONELLI DA
SILVA | JANRIÊ RODRIGUES RECK | JAYME WEINGARTNER NETO | JOÃO FELIPE LEHMEN | JOSÉ
ALCEBIADES DE OLIVEIRA JUNIOR | JULIA ROHERS RAUBER | JULIO CESAR FINGER | LARA SANTOS
ZANGEROLAME TAROCO | LEONARDO SERRAT DE OLIVEIRA RAMOS | LEONEL PIRES OHLWEILER |
LUCAS RECKZIEGEL WESCHENFELDER| MAURO BORBA | MICHELLE FERNANDA MARTINS | NATHAN
RITZEL DOS SANTOS | NEWTON BRASIL DE LEÃO | RICARDO HERMANY | ROBERTA DE MOURA ERTEL |
ROGERIO GESTA LEAL | SABRINA SANTOS LIMA | VICENTE DE PAULO BARRETTO
ORGANIZADORES
DES. ROGÉRIO GESTA LEAL
PROFA. DRA. CAROLINE MÜLLER BITENCOURT
VOLUME IV
Porto Alegre
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
2018
EXPEDIENTE
ORGANIZADORES
DES. ROGÉRIO GESTA LEAL
PROFA. DRA. CAROLINE MÜLLER BITENCOURT
CAPA
MARCELO OLIVEIRA AMES
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
SERVIÇO DE IMPRESSÃO & MÍDIA DIGITAL – DSO/TJRS
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ADMINISTRAÇÃO 2018-2019
10. Casos difíceis e a contribuição de Neil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça
Brasileira – José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos ................. 187
11. Ação civil pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul e qualificação do serviço público via controle da administração pública:
racionalidade e fundamentação – Caroline Muller Bitencourt e Janriê Rodrigues Reck.............. 203
12. A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública – Ricardo Hermany e Betieli da
Rosa Sauzem Machado ................................................................................................... 221
9
artigos bibliográficos será utilizada a metodologia de análise de jurisprudência e
também de casos concretos julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul.
Importa ainda referir que ao se propor realizar um estudo de caso, os
trabalhos vão abordar os temas eleitos a partir de três momentos que são distintos,
mas que ao mesmo tempo são complementares entre si: descritivo, analítico
e prospectivo. No primeiro momento, o descritivo, os esforços voltam-se aos
elementos de identificação, qualificação e contextualização do caso, aonde a fim
de destacar o caso de seu contexto irá se elucidar o máximo de informações fáticas
acerca dele; diagnosticar e aprofundar para uma melhor análise os elementos
quantitativos e qualitativos do caso; permear com elementos que ligam o caso ao
conjunto da realidade social, a partir da identificação dos agentes envolvidos, os
meios e os resultados que se relacionam.
No segundo momento, o analítico, buscar-se-á a “demarcação dos
fatores, variáveis, agentes que participam deste caso, bem como suas implicações
múltiplas (econômicas, políticas, ideológicas, culturais, religiosas, etc.), além do
enquadramento normativo matriz”.
No terceiro momento, o prospectivo, vai se definir quais os cenários de
enfrentamento do caso que estão presentes na espécie, possibilidades de ação
(jurídica, política, social, cultural, etc.), e tarefas a realizar – individuais ou
coletivas, através do enfrentamento dos cenários fáticos e normativos (em todas as
suas espécies), considerando-se todos os seus efeitos jurídicos, sociais, econômicos,
políticos, culturais e outros; o levantamento das possibilidades de enfrentamento
para realocar as perspectivas dos envolvidos fomentando as possibilidades de
escolha; e por fim, o acompanhamento através de tarefas pré-ordenadas a fim de
orientar a ação concreta.
ROGÉRIO GESTA LEAL
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Professor Titular da UNISC e FMP
Doutor em Direito
ACÓRDÃO
condenar o denunciado VILMAR BALLIN por incurso no art. 1º, inciso XIII, do
Decreto-Lei nº 201/67, na forma do art. 71 do Código Penal, à pena de 04 meses
de detenção, em regime aberto, substituída por prestação pecuniária, no valor de
cincos salários mínimos, à entidade designada no juízo da execução. Determinar,
ainda, após o trânsito em julgado, a perda do cargo e a inabilitação pelo prazo de
05 anos para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, nos
termos do disposto no § 2º do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes
Senhores DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO E DES. JULIO CESAR
FINGER.
Porto Alegre, 24 de novembro de 2016.
DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
CONTRATO
DECRETO INGRESSO
NOME CARGO (folhas dos
EXECUTIVO NO CARGO
autos)
Agente de
1. Adriana Regina Pinto de Moura 3874/2012 combate a 01/03/2012 801/802
endemias
Agente de
2. Amanda Silva Borges 3874/2012 combate a 01/03/2012 804/805
endemias
3. Ana Marcia dos Santos Paim 3889/2012 Psicóloga 13/06/2012 806/807
12
O crime de contratação de servidores e a responsabilidade penal do prefeito: perda do cargo e a inabilitação pelo
prazo de 05 anos para o exercício de cargo ou função pública
Agente de
Ana Paula Teixeira
4. 3874/2012 combate a 01/03/2012 808/809
Meireiles
endemias
Anderson Fernandes Agente
5. 3765/2011 22102/2011 810/811
Borges municipal
Agente de
6. Andrea Martins 3874/2012 combate a 01/03/2012 812/813
endemias
Agente de
7. Andressa Garcia Gonçalves 3874/2012 combate a 01/03/2012 814/815
endemias
Angela Cristiane Quadros Agente
8. 3889/2012 21/06/2012 816/817
de Farias administrativo
9. Antonio Vinícius de Moreira 3903/2012 Recepcionista 19/06/2012 818/819
Maquinista
10. Armindo Correa de Freitas 3873/2012 (Agente 19/03/2012 821/822
municipal)
Auxiliar
11. Bruno da Silva Kauer 3937/2012 Municipal 25/10/2012 823/824
(Servente)
12. Carine Mendes Garbin Diesel 3891/2012 Professor N2 24/05/2012 826/827
Agente
13. Cana Viviane Lima dos Santos 3765/2011 17/01/2012 829/830
municipal
14. Celso Luis Teixeira 3876/2012 Professor N2 09/04/2012 831/832
20/07/201
15. Claudio Antonio Ribeiro 3796/2011 Motorista 837/838
2
Atendente de
16. 16. Cristiane Moraes Silva 3815/2011 educação 20/04/2012 840/842
infantil
Auxiliar
Daniel Goniçalves de
17. 3866/2012 municipal 12/04/2012 843/844
Azevedo
Servente
18. Elizandro Domingos de Souza 3873/2012 Maquinista 2210312012 845/846
19. Elizeu da Silva Reis 3796/2011 Motorista 25/07/2011 847/848
20. Emilene Elusa da Silva 3870/2012 Assistente social 16/03/2012 850/851
Erika Vanessa de Lima
21. 3891/2012 Professor N2 25/05/2012 8521853
Silva
22. Fabiana Garcia Cabra 393812012 Psicóloga 25/10/2012 855/856
Auxiliar
23. Fabiano Nunes Maciel 3866/2012 municipal 11/06/2012 857/858
Servente
Técnica
24. Fernanda Fraporti 3796/2011 municipal 13/04/2011 859/860
(Contadora)
13
Aristides Pedroso de Albuquerque Neto
Agente
25. Fernanda Tome Henrique 3859/2011 12/01/2012 861/862
administrativo
Atendente de
26. Franciele Tricia Cezimbra da Silva 3815/2011 educação 12/12/2011 864/866
infantil
Franciene Rodrigues Agente
27. 3765/2011 01/04/2012 867/868
Pereira municipal
Auxiliar
Francisco de Paula dos
28. 3866/2012 municipal 31/05/2012 869/870
Santos
Servente
29. Gilmar de Bastos Dutra 3841/2011 Maquinista 01/12/2011 872/873
Guilherme Pereira dos
30. 3859/2011 Motorista 29/05/2012 874/875
Santos
31. lara Luíz Geiger 3859/2011 Assistente social 18/01/2012 877/878
Técnica
32. lnara Karina Dias Vieira 3796/2011 municipal 15/02/2011 879/880
Contadora
Agente de
33. Ines Dolores de Oliveira 3874/2012 combate de 01/03/2012 881/882
endemias
34. Jaqueline Flores de Souza 3889/2012 Assistente social 12/06/2012 883/884
Agente
35. Jenifer Luciano Pereira 3765/2011 23/01/2012 885/886
municipal
Técnica
Jocelaine de Fátima
36. 3796/2011 municipal 14/07/2012 887/888
Martins de Lima
Contadora
37. Jorge Tadeu dos Santos 3796/2011 Maquinista 09/08/2011 890/891
Auxiliar
38. Juliano Garcia de Oliveira 3866/2012 municipal 30/03/2012 898/899
Servente
Agente de
39. Kasusa Margarezzi 3874/2012 combate a 01/03/2012 900/901
endemias
40. Laida Paulo Rosa 3889/2012 Motorista 01/06/2012 902/903
Agente de
41. Leila Maria Einsteld 3874/2012 01/03/2012 904/905
combate a
Agente de
42. Lizandra BIos dos Santos 3874/2012 combate a 01/03/2012 906/907
endemias
43. Lucas Severo Leczinski 3903/2012 Recepcionista 20/06/2012 908/909
Agente de
44. Luciano Leonel da Silva 3874/2012 combate a 01/03/2012 912/913
endemias
14
O crime de contratação de servidores e a responsabilidade penal do prefeito: perda do cargo e a inabilitação pelo
prazo de 05 anos para o exercício de cargo ou função pública
Auxiliar
45. Lucio Mauro de Oliveira Cardoso 3866/2012 municipal 09/03/2012 91 4/915
Servente
Auxiliar
Luiz Antonio Soares
46. 3866/2012 municipal 16/03/2012 916/917
Brandão
Servente
47. Mara Cristiane Teixeira 3889/2012 Pedagoga 14/06/2012 918/919
48. Marcelo Ferreira Pires 3796/2011 Motorista 20/07/2011 921/922
Auxiliar
Marcio Lourenço Rodrigues de
49. 3866/2012 municipal 19/03/2012 925/926
Souza
Servente
Atendente de
50. Marcos Antonio de Farias 3815/2011 educação 24/11/2011 927/929
infantil
Agente de
51. Marilda Flores de Azeredo 3874/2012 combate a 01/03/2012 930/931
endemias
52. Melissa Trombíni Pedroso 3870/2012 Assistente social 16/03/2012 933/934
Agente
53. Natália Tormes da Silva 3765/2011 25/08/2011 935/936
municipal
Auxiliar
54. Nelso Luiz de Souza 3666/2012 municipal 14/06/2012 937/938
Servente
55. Nithiane Capeila Farias 3859/2011 Psicóloga 02/07/2012 940/941
56. Patricia Brum Pacheco 3859/2011 Educador social 02/05/2012 943/944
Paulo Cesar da Silva
57. 3841/2011 Maquinista 01/12/2011 946/947
Vignochi
58. Raquel Bizarro Marques 3889/2012 Assistente social 07/05/2012 948/949
59. Rodrigo Albenaz Leal 3841/2011 Maquinista 26/01/2012 950/951
Auxiliar de
60. Rosania Maria Pires 3859/2011 09/02/2012 952/953
serviços gerais
Agente de
Roselaine de Souza
61. 3874/2012 combate a 01/03/2012 954/955
Vargas
endemias
Agente de
Roselaine Joaquim
62. 3874/2012 combate a 01/03/2012 956/957
Bresolin
endemias
Atendente de
Stella Regina Gomes
63. 3815/2011 educação 31/10/2011 958/960
Ramos
infantil
Agente de
64. Tais Macíel Mendes 3874/2012 combate a 01/03/2012 961)962
endemias
15
Aristides Pedroso de Albuquerque Neto
Auxiliar
65. Valdemir Nunes 3866/2012 municipal 28/03/2012 963/964
Servente
Auxiliar
66. Viadimir da Silva 3866/2012 municipal 08/03/2012 965/966
Servente
16
O crime de contratação de servidores e a responsabilidade penal do prefeito: perda do cargo e a inabilitação pelo
prazo de 05 anos para o exercício de cargo ou função pública
17
Aristides Pedroso de Albuquerque Neto
VOTOS
Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto (RELATOR)
De acordo com a inicial, o denunciado VILMAR BALLIN, na condição
de Prefeito Municipal de Sapucaia do Sul, teria nomeado, admitido e designado
sessenta e seis servidores contra expressa disposição da Constituição Federal, em
especial o art. 37, caput, e inciso II, bem como da Constituição do Estado do Rio
Grande do Sul, art. 19, caput, e inciso II e art. 32.
A materialidade está demonstrada pelos documentos acostados aos autos, em
especial os Decretos 3765/2011, 3796/2011, 3800/2011, 3811/2011, 3815/2011,
3824/2011, 3841/2011, 3859/2011, 3861/2011, 3865/2012, 3866/2012, 3870/2012,
3873/2012, 3874/2012, 3876/2012, 3878/2012, 3889/2012, 3891/2012, 3892/2012,
3900/2012, 3903/2012 e 3937/2012 (fls. 19/68 e 983/1177v).
A autoria é certa.
Interrogado, o acusado confirma as contratações, embora alegue que estava
autorizado por lei a efetuá-las. Disse que estava amparado pela Procuradoria do
Município e que não tinha ingerência sobre as pessoas indicadas para ocupar os
respectivos cargos (fls. 1652v/1659).
As testemunhas arroladas pela defesa, Ângela Maria Schenato (fls.
1360/1363), Luciano Rodrigues (fls. 1363v/1366v), José Eloir Wink (fls. 1367/1371)
e Ademir de Almeida Pereira (fls. 1648/1652), todas ouvidas como informantes,
referem que o acusado estava amparado por lei a efetuar as contratações e que
muitas delas eram necessárias à manutenção dos centros de assistência social, para
que continuassem recebendo verba do governo federal.
As contratações, segundo a defesa, tiveram por base a Lei Municipal nº
2028/1997, que autorizava a administração municipal a efetuar contratações de
pessoal, por prazo determinado, na forma da lei.
18
O crime de contratação de servidores e a responsabilidade penal do prefeito: perda do cargo e a inabilitação pelo
prazo de 05 anos para o exercício de cargo ou função pública
19
Aristides Pedroso de Albuquerque Neto
20
O crime de contratação de servidores e a responsabilidade penal do prefeito: perda do cargo e a inabilitação pelo
prazo de 05 anos para o exercício de cargo ou função pública
1 – § 2º A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo, acarreta a perda de cargo e a
inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem
prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.
21
Aristides Pedroso de Albuquerque Neto
22
A EXIGÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO PARA
CARACTERIZAR O CRIME LICITATÓRIO:
CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
24
A exigência do dolo específico para caracterizar o crime licitatório: condições e possibilidades
Menciona que a relação é de longa data, não tendo sido o denunciado o responsável
pelo longínquo vínculo. Salienta que a relação apenas teve sua formatação alterada,
em obediência à determinação do Departamento Nacional de Produtos Minerais,
que vetou que o Poder Público realizasse, por si, a mineração. Por tal razão,
explicou, a família proprietária do terreno passou a minerar por conta própria,
inclusive assumindo o passivo ambiental. Argumenta, ainda, ausência de dolo e de
prejuízo ao erário. Postula absolvição.
Os autos foram conclusos para sentença ao Magistrado singular, quando
então, constatada a eleição do réu WALDEMAR DE CARLI para novo mandato
como chefe do Executivo municipal, foi deslocada a competência para esta 4ª
Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Neste grau, em promoção, o Ministério Público se manifestou no sentido do
regular prosseguimento do feito.
Em 22.09.2017, foi por este Relator determinada a intimação das defesas
para ratificação dos atos judiciais praticados na Comarca de origem, sendo que, no
silêncio, restariam assim considerados os atos.
A defesa de WALDEMAR ratificou seus memoriais, restando inerte a
defesa de PAULO CESAR, com o que considerados igualmente ratificados.
É o relatório.
VOTOS
25
Newton Brasil de Leão
68/70), 010/2005 (fls. 51/53), 033/2005 (fls. 54/56) e seu aditivo (fl. 657), e
066/2006 (fls. 58/60) e seus aditivos (fls. 59/61).
A relação até o contrato nº 066/2006, contudo, possuía formatação diversa,
eis que a Municipalidade arrendava a pedreira e a área rural em que instalada a
briteira, para aproveitamento de resíduos de basalto na usina de britagem.
Após, em nova fase da contratação, o Município passou a locar a área rural
em que instalada a usina de britagem, bem como a adquirir rocha de basalto para
utilização na usina de britagem do Município.
3. A prova testemunhal mostrou o que segue.
Fabiane Mercalli (CD da fl. 391), assessora jurídica na administração do
prefeito WALDEMAR DE CARLI, referiu, em síntese, que a relação entre as partes
já ocorria há muito anos. Mencionou que, antes do novo formato de contratação,
o Município locava e minerava na área. Contudo, diante de determinação legal, a
partir de 2009 os entes públicos foram proibidos de proceder, por conta própria, à
mineração. Diante disso, informou que o Município passou a locar o espaço e a
adquirir as pedras, mediante dispensa de licitação.
Zenírio Francisco Ciello, Secretário de Obras do Município quando da
administração do Prefeito WALDEMAR, comentou que a exploração do local
era realizada pelo próprio ente público. À época, o Município locava a área do Sr.
Isidoro. Apresentado o documento da fl. 153, referiu terem sido feitos inúmeros
levantamentos de preços, ressaltando que a escolha era a mais viável (CD da fl. 391).
Edgar Gilioli, filho do falecido proprietário da área em questão, Isidoro
Gilioli, referiu ter tomado ciência do fato a partir de sua convocação para depor
perante a autoridade policial. A relação perdurava por cerca de quarenta/cinqüenta
anos, através da locação da área. A partir de 2008/2009, o Município não mais
pôde explorar, por si próprio, a atividade de mineração, conforme determinação
do DNPM. Após orçamentos, foi concluído que possuíam a melhor proposta
de valores, razão pela qual a própria família passou a detonar as pedras para a
Prefeitura, cobrando do Município o custo pela aquisição do material. Com tal
mudança, assumiram não apenas a responsabilidade técnica, bem como o passivo
ambiental, e a responsabilidade civil decorrente da atividade. Soube que outras
empresas seriam consultadas, porém não pode garantir que isso tenha sido feito. O
município passou a arcar com o custo da contratação da empresa, porém deixou de
ter outros, como detonação, licenças, etc. A parceria entre as partes era reiterada,
sendo comum a prestação de serviços por parte de seu genitor ao Município (CD
da fl. 391).
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A exigência do dolo específico para caracterizar o crime licitatório: condições e possibilidades
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Newton Brasil de Leão
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A exigência do dolo específico para caracterizar o crime licitatório: condições e possibilidades
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A exigência do dolo específico para caracterizar o crime licitatório: condições e possibilidades
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A exigência do dolo específico para caracterizar o crime licitatório: condições e possibilidades
do Município, razão pela qual a escolha era a melhor opção, eis assim evitado
dispêndio com o custo do transporte.
Além disso, saliento que os autos não apresentam provas de que o material
tenha sido adquirido por valor que não fosse, efetivamente, o de mercado.
Enfim, caso a contratação direta, ainda que indevidamente realizada, tenha
gerado contrato efetivamente cumprido, não existirá crime, visto que não se pune
o “deixar de fazer uso da licitação”, ainda que reprovável.
O que se pune, com base no mais atual entendimento, é a instrumentalização
da contratação direta para gerar lesão ao erário.
E, no caso, isso não restou demonstrado.
7. Ante ao exposto, julgo improcedente a denúncia, absolvendo os réus,
forte no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
33
Newton Brasil de Leão
depois acaba por ser pacificamente considerada incorreta, é que se tem adotado
o entendimento de que a configuração da tipicidade subjetiva do delito previsto
no art. 89 da Lei 8.666/93, exige vontade dirigida a lesar o erário. Do contrário,
não haveria qualquer distinção entre a infração meramente administrativa, ligada
à dispensa ou inexigibilidade praticada fora dos parâmetros legais, e o crime
ensejador de pena corporal.
A respeito, trago à colação precedentes daquele sodalício:
Ação Penal. Ex-prefeito municipal. Atual deputado federal. Dispensa irregular
de licitação (art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93). Dolo. Ausência. Atipicidade.
Ação penal improcedente. [...] 3. Não se verifica a existência de indícios de vontade
livre e conscientemente dirigida por parte dos denunciados de superarem a necessidade
de realização da licitação. Pressupõe o tipo, além do necessário dolo simples (vontade
consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento
licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento
indevido da licitação. 4. A incidência da norma que se extrai do art. 89, caput, da Lei nº
8.666/93 depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a vontade
livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que se garante a necessária distinção
entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento
de ilícitos penais. A ausência de indícios da presença do dolo específico do delito, com
o reconhecimento de atipicidade da conduta dos agentes denunciados, já foi reconhecida
pela Suprema Corte (Inq. nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ayres Britto,
DJe de 7/5/10). 5. Denúncia rejeitada. Ação penal julgada improcedente. (Inq
2616, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2014,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 28-08-2014 PUBLIC 29-08-2014)
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A exigência do dolo específico para caracterizar o crime licitatório: condições e possibilidades
1 – Apelação Crime nº 70069719813, Relator: Newton Brasil de Leão, julgada em 09.02.2017, Apelação
Crime nº 70071518336, Relator: Julio Cesar Finger, julgado em 15.12.2016, e Apelação Crime nº
70070171673, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, julgado em 10.11.2016.
2 – “Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa de licitação mediante, no caso concreto,
fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do
respectivo serviço pelo particular) exigem, para que sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao
erário e da caracterização do efetivo prejuízo.
35
Newton Brasil de Leão
Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal. - Caso em que não estão caracterizados o dolo
específico e o dano ao erário. Ação penal improcedente. (APn 480/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA
DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em
29/03/2012, DJe 15/06/2012)”.
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A exigência do dolo específico para caracterizar o crime licitatório: condições e possibilidades
dos autos, a efetiva intenção dos réus em causar prejuízo ao erário, não basta para a
fundamentar a condenação a mera dispensa formal da licitação. Absolvição que se
impõe. PRELIMINARES REJEITADAS. APELOS DEFENSIVOS PROVIDOS.
(Apelação Crime Nº 70070575634, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Sandro Luz Portal, Julgado em 20/07/2017)
Feito o necessário registro, mas no caso não ficando comprovado o dolo
específico, imperioso o decreto absolutório, nos termos do art. 386, inc. III, do CPP.
Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto (PRESIDENTE) - De acordo
com o(a) Relator(a).
DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO - Presidente
- Ação Penal - Procedimento Ordinário nº 70074945049, Comarca de Veranópolis:
“JULGARAM IMPROCEDENTE A DENÚNCIA, ABSOLVENDO OS RÉUS,
FORTE NO ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
UNÂNIME.”
Julgador(a) de 1º Grau: ANTONIO LUIZ PEREIRA ROSA
37
LIMITES EXPANSIVOS DA REVISÃO CRIMINAL
E O DIREITO FUNDAMENTAL
A AMPLA DEFESA: UM ESTUDO DE CASO
I – NOTAS INTRODUTÓRIAS:
1 – Rogério Gesta Leal é Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
Doutor em Direito. Prof. Titular da UNISC. Professor da FMP. Professor Visitante da Università Túlio
Ascarelli – Roma Trè, Universidad de La Coruña – Espanha, e Universidad de Buenos Aires. Professor
da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura – ENFAM. Membro da Rede
de Direitos Fundamentais-REDIR, do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, Brasília. Coordenador
Científico do Núcleo de Pesquisa Judiciária, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da
Magistratura – ENFAM, Brasília. Membro do Conselho Científico do Observatório da Justiça Brasileira.
Coordenador da Rede de Observatórios do Direito à Verdade, Memória e Justiça nas Universidades
brasileiras – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Rogério Gesta Leal
2 – Ação Penal nº 042/2.03.0000034-0, em que o réu, Sr. Ernesto Maurício Carlos Arndt Neto, restou
condenado às penas da prática de homicídio culposo por decorrência de erro médico (artigo 121,
parágrafos 3º e 4º, do Código Penal), o qual teria ocorrido entre 24 e 26 de abril de 1997 no Município
de Canguçu/RS. Da decisão condenatória, o requerente interpôs recurso de apelação, no qual pleiteou a
reforma da sentença para que fosse absolvido em relação à acusação formulada pelo Ministério Público.
Ocorre que, com o trânsito em julgado à acusação, o juízo monocrático extinguiu a punibilidade do
requerente em razão da prescrição da pretensão punitiva, sendo este o estado atual da condição do réu.
3 – Como informa o ilustre Relator desta revisional, antes de o réu ser condenado criminalmente,
havia sido ajuizada ação cível visando a responsabilização do requerente frente à morte da vítima (nº
042/1.03.0001021-6). Essa ação foi julgada improcedente (sentença publicada em 16 de maio de 2005),
aliás, pelo mesmo magistrado que, posteriormente, veio a condenar criminalmente o imputado na ação
penal nº 042/2.03.0000034-0 (fls. 1510-1520, sentença publicada em 30 de abril de 2007).
40
Limites expansivos da revisão criminal e o direito fundamental a ampla defesa: um estudo de caso
Estes fatos evidenciam que a ação penal não tem por objeto exclusivamente
a condenação ou a absolvição do réu, mas ela também tem outras funções
extrapenais na medida em que gera título executivo judicial impactante, violento,
por conta da previsão das disposições não só do art. 584, do Código de Processo
Civil, mas também do art. 63, do Código de Processo Penal, que diz a mesma coisa
(transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução,
no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante
legal ou seus herdeiros).
E aí nós criamos essa teratologia, ou seja, o ora autor da revisional é absolvido
da reparação cível (primeira) por provocação da morte da vítima, mas é condenado
pelos mesmos fatos (e pelo mesmo magistrado que proferiu a sentença civil), em
sede de ação penal. A sentença penal condenatória transitada em julgado extingue
a punibilidade do autor, impossibilitando o Estado punir o réu penalmente, mas
manteve-se indene o título executivo judicial gerado por este feito criminal.
Diante destes fatos o que temos de perquirir é se existe, na espécie, para o
autor da revisional, causa legítima de pedir, visando justamente discutir algo que,
em tese, nunca foi discutido: se a prova existente dos autos autoriza a condenação?
Para responder a esta questão impõem-se a demarcação normativa do
instituto da revisão criminal, o que passo a fazer.
4 – Ver no ponto o trabalho de SOUTO, Miguel Abel. Teorias de la pena y limites al ius punieni desde el
Estado Democrático. Madrid: Dilex, 2012.
41
Rogério Gesta Leal
5 – TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2016,
pp.921/922.
6 – Conforme decidido Recurso Especial nr. 1.342.392 - GO (2012/0186262-8), da Relatoria do
Ministro Jorge Mussi, Superior Tribunal de Justiça, publicada no DJe: 12/08/2014.
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Limites expansivos da revisão criminal e o direito fundamental a ampla defesa: um estudo de caso
43
Rogério Gesta Leal
condenatório, desde que as duvidas forem de tal porte, que o possa levar a concluir que a
imputação não ficou suficientemente provada.7
É tão patente a importância desta ação que, no que se refere à correlação
entre o pedido e a revisão, a amplitude da matéria a ser examinada é a maior
possível, podendo o tribunal proferir decisão absolutória mesmo quando o pedido
tenha sido de anulação do julgamento ou diminuição da pena. Por outro lado, em
razão da proibição da reformatio in pejus, não pode a decisão da revisional agravar a
situação do condenado, estando vinculado o tribunal ao máximo da pena aplicada
no juízo do processo que se quer revisar.8
Como diz Ada Pellegrini Grinover: Só em casos excepcionais, taxativamente
arrolados pelo legislador, prevê o ordenamento jurídico a possibilidade de desconstituir-se
a coisa julgada por intermédio da ação de revisão criminal e da ação rescisória para o juízo
cível. Isto ocorre quando a sentença se reveste de vícios extremamente graves, que aconselha a
prevalência do valor “justiça” sobre o valor “certeza”. 9
Mesmo no Direito alienígena é esta a percepção hegemônica, como
evidenciam Anne-Marie Larguier e Jean Larguier, ao argumentarem acerca da
necessidade de que o Poder Judiciário tenha o conhecimento de eventuais erros
jurisdicionais, por imperativo de justiça e coerência à verdade dos fatos que se
julgam, sejam eles relacionados à participação dos indivíduos no crime, seja em
relação às condições de seu cometimento ou à identidade dos criminosos.10
O Supremo Tribunal Federal já julgou neste sentido:
7 – MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. IV. Rio de Janeiro: Forense,
1965, p.347. Na mesma direção o texto de BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p.975.
8 – Ver o texto de TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. São
Paulo: Saraiva, 1999. Ver igualmente os textos de MÉDICE, Sérgio de Oliveira. Revisão Criminal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000; NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris Editora, 2012.
9 – GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie,
ações de impugnação, reclamação aos tribunais. GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio
Magalhães, FERNANDES, Antonio Scarance. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.237.
10 – LARGUIER, Anne-Marie; LARGUIER, Jean. Droit Pénal Spécial. Paris: Dalloz, 1996, p.278.
44
Limites expansivos da revisão criminal e o direito fundamental a ampla defesa: um estudo de caso
Nesta decisão ainda lembra seu Relator, o Ministro Carlos Ayres Brito, que
a revisão criminal retrata o compromisso do nosso Direito Processual Penal com a verdade
material das decisões judicias e permite ao Poder Judiciário reparar erros ou insuficiência
cognitiva de seus julgados.12
Agora cabe refletirmos sobre o seguinte: nos casos de prescrição da pretensão
punitiva do Estado, é sempre incabível a revisão criminal da sentença condenatória
que não pode mais ser executada? A resposta é negativa. Explicamos, analisando
o caso concreto.
11 – HC 92.435/SP, relatoria do Min. Carlos Ayres Brito, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008.
Lembra o Relator ainda que: Em matéria penal, a densificação do valor constitucional do justo real é o direito
à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art.5, da CF). É dizer: que dispensa qualquer demonstração ou
elemento de prova é a não-culpabilidade (que se presume). O seu oposto (a culpabilidade) é que demanda prova, e
prova inequívoca de protagonização do fato criminoso.
12 – E nem precisamos nos valer, aqui, da lição de Radbruch, ao dizer que: O conflito entre a justiça e a
segurança jurídica pode ser resolvido de modo que o direito positivo, assegurado através de um estatuto e do poder,
tem então a precedência, mesmo quando seu conteúdo for injusto e inconveniente, a não ser que a contradição da lei
positiva em relação à justiça atinja uma medida tão intolerável que a lei, enquanto “direito injusto”, tem que ceder à
justiça. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Coimbra: Antonio Amado, 1979, p.411.
45
Rogério Gesta Leal
em face de erro médico, e pelo fato de que foi impossibilitado de debater esta
decisão no segundo grau por causa da prescrição da pretensão punitiva do Estado,
já declarada pelo decisor monocrático prolator da sentença vergastada. E quais os
interesses do réu para que houvesse o julgamento na instância superior dos fatos
denunciados contra si? Dois: (i) a de ser ver inocentado, pelos argumentos sempre
sustentados de que nunca houve prova de sua autoria no crime que lhe foi imputado;
(ii) a de não responder por reparação de danos causados pela morte da vítima.
Ambas as pretensões do revisando são legítimas sob o ponto de vista
jurídico e moral, não só porque tem convicção de que não matou ninguém – em
especial na condição de médico que tem um nome e imagem a zelar, mesmo que
agora postumamente, por seus familiares –, mas porque inexistem provas que lhe
incrimine. Não tendo sido o autor da morte da vítima – esta sua tese sempre –, nada
há que indenizar a quem quer que seja. Não há causa lícita – somente provável –
que justifique estar respondendo por ação ex delicto promovida pelo pai da vítima.
A prescrição da pretensão punitiva do Estado frente ao réu, por conta
daquela condenação criminal em primeiro grau, em nada interfere naquelas
pretensões referidas. Persistiu o revisando com sua reputação e honra manchadas
por juízo de mérito causal que lhe imputou crime de homicídio, publicizado a
todos os cantos da pequena comunidade de Canguçu, causando-lhe (e a sua
família) dissabores aflitivos por mais de vinte anos, vindo a falecer com esta
pecha, quiçá uma das causas do definhamento pessoal e orgânico sofrido. Não
seriam estas razões suficientes para justificar ação judicial própria que proporcione
ao revisando o enfrentamento minucioso do erro in judicando indicado (decisão
contrária as evidências dos autos)?
Ainda, esta mesma decisão judicial monocrática condenatória gerou
título judicial penal exequível, de forma direta e imediata, inadmitindo qualquer
irresignação por parte do revisando, pois consectário impositivo do sistema jurídico
pátrio, em nada tendo a ver com a prescrição declarada.13 Título judicial este que
13 – Esta ação ex delicto ajuizada na esfera cível contra o revisando, requerendo a indenização de dano
moral e material juridicamente reconhecido na sentença condenatória vergastada, repetimos, tem
como causa de pedir tão somente o ilícito criminal reconhecido naquela decisão jurisdicional transitada
em julgado, a qual, por consequência, faz coisa julgada no direito civil. Esta ação civil torna certa a ação
de indenizar de que trata o art. 91, I, do CP, passando para o juízo cível tão somente a liquidação e a
execução da sentença, não sendo possível instrução probatória relacionada as causas que constituíram
o titulo executivo penal.
46
Limites expansivos da revisão criminal e o direito fundamental a ampla defesa: um estudo de caso
Segundo Alexy, vale a máxima segundo a qual “quanto mais extrema for uma
injustiça, mais seguro é o seu conhecimento” (ALEXY, 1992a, p. 91). Isso significa,
portanto, que quanto mais extrema for uma injustiça, mais evidente é o fato de ela
ser uma injustiça extrema. Para Alexy, essa máxima não acaba completamente
14 – Ver o texto de ISHIDA, Válter Kenji. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2010.
15 – Ver os textos: (a) ALEXY, Robert. Defesa de um Conceito de Direito Não-positivista. Tradução A. T. G.
Trivisonno. In: ALEXY, R.; TRIVISONNO, A. T. G. (Org.). Teoria Discursiva do Direito. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2014, p.275; (b) ALEXY, Robert. On the Concept and the Nature of Law. Ratio
Juris, Oxford, v. 21, 2008, p.282 e (d) ALEXY, Robert. The Dual Nature of Law. Ratio Juris, Oxford, V.
23, 2010, P.175.
47
Rogério Gesta Leal
Bibliografia:
ALEXY, Robert. Defesa de um Conceito de Direito Não-positivista. Tradução A.
T. G. Trivisonno. In: ALEXY, R.; TRIVISONNO, A. T. G. (Org.). Teoria Discursiva
do Direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.
----. ALEXY, Robert. The Dual Nature of Law. Ratio Juris, Oxford, V. 23, 2010.
----. On the Concept and the Nature of Law. Ratio Juris, Oxford, v. 21, 2008.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Recursos no processo penal: teoria geral dos
recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. GRINOVER,
Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, FERNANDES, Antonio
Scarance. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
16 – TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes. O que significa “a injustiça extrema não é direito”?
Crítica e reconstrução do argumento da injustiça no não-positivismo inclusivo de Robert Alexy. In Revista
Estudos Jurídicos, Joaçaba, v. 16, n. 3, p. 97-122, Edição Especial 2015, p. 100. Grifos nossos. Por tais
argumentos e muitos outros apresentados no texto do autor, ele refere que se o princípio da segurança
jurídica exige o cumprimento das normas do direito positivo, o princípio da correção moral ou justiça
(de primeira ordem) exige que estas mesmas normas não sejam injustas. (p.114)
48
Limites expansivos da revisão criminal e o direito fundamental a ampla defesa: um estudo de caso
49
EXIGÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO
ECONÔMICO PARA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DO
ARTIGO 89 DA LEI DE LICITAÇÕES:
ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
CONFERIDA PELA JURISPRUDÊNCIA
INTRODUÇÃO
52
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
Não é estranho notar, nesse caso, que a própria Lei 8.666 de 1993 tenha inaugurado
a Seção III dispondo, no artigo 89, se tratar de crime a conduta de Dispensar ou
inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades
pertinentes à dispensa ou inexigibilidade.
A previsão normativa, contudo, tem sido objeto de crítica ao longo do
período da sua vigência, em especial daqueles que buscam salvaguardar a posição
de um administrador incauto, em detrimento daquele efetivamente direcionado
a evitar o procedimento licitatório. Busca a referida compreensão, endossada
atualmente pela doutrina e jurisprudência predominante, restringir o alcance
do artigo 89 da Lei 8.666, ao requerer a prova de dolo específico na conduta da
dispensa e a produção de resultado danoso (econômico) à Administração. Diante
disso, o objeto do presente é apresentar a evolução dessa compreensão, em especial
pela análise dos precedentes paradigmáticos que infirmaram o atual entendimento
e crítica doutrinária correspondente.
9 – RITT, C.F.; LEAL, R.G. Qual o bem jurídico penal protegido no âmbito dos crimes de licitações
no sistema jurídico brasileiro? In: Temas polêmicos da jurisdição do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul: dos crimes aos ilícitos de natureza pública incondicionada. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, Departamento de Artes Gráficas, 2015, p. 109-129.
53
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
10 – JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15ª ed.
Rio de São Paulo: Dialética, 2012, p. 1.034.
11 – PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração
pública. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 529.
12 – NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. São Paulo: Editora RT, 2007, p. 739.
13 – Assim, aliás, foi o que destacou o Ministro Felix Fischer no HC 94.720/PE, em 2008: “II - A
simples leitura do caput do art. 89 da Lei nº 8.666/93 não possibilita qualquer conclusão no sentido
de que para a configuração do tipo penal ali previsto exige-se qualquer elemento de caráter
subjetivo diverso do dolo. Ou seja, dito em outras palavras, não há qualquer motivo para se concluir
que o tipo em foco exige um ânimo, uma tendência, uma finalidade dotada de especificidade própria,
e isso, é importante destacar, não decorre do simples fato de a redação do art. 89, caput, da Lei
nº 8.666/93, ao contrário do que se passa, apenas à título exemplificativo, com a do art. 90 da Lei
nº 8.666/93, não contemplar qualquer expressão como "com o fim de", "com o intuito de", "a fim
de", etc. Aqui, o desvalor da ação se esgota no dolo, é dizer, a finalidade, a razão que moveu o agente
ao dispensar ou inexigir a licitação fora das hipóteses previstas em lei é de análise desnecessária
(Precedente). III - Ainda, o crime se perfaz, com a mera dispensa ou afirmação de que a licitação é
inexigível, fora das hipóteses previstas em lei, tendo o agente consciência dessa circunstância. Isto é,
não se exige qualquer resultado naturalístico para a sua consumação (efetivo prejuízo para o erário,
por exemplo) (Precedente).”
14 – COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito Penal das Licitações: comentários aos arts. 89 a 99 da Lei
n. 8.666, de 21-6-1993. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 20.
54
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
15 – LEITE, Alaor. Dolo e o crime de dispensa ou inexigência legal de licitação (art. 89 da Lei
8.666/1993). In: REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS. Ano 21. Vol. 104. out-
set/2013. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 14-29.
16 – STF, Ap 683/MA, Relator Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, Julgamento em 09/08/2016: “O
tipo do art. 89 da Lei 8.666/93 não menciona prejuízo à Administração ou finalidade específica. Esses
requisitos são agregados por construção doutrinária e jurisprudencial.”
17 – Destaca-se, no ponto, que os crimes previstos na Lei 8.666/93 não admitem modalidade culposa.
18 – STJ, Ap 214/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, DJE 01/07/2008.
19 – STF, Inquérito 2.616/SP, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, julgamento em 29/05/2014.
20 – JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed.
Rio de São Paulo: Dialética, 2012, p. 1034.
21 – “É imperioso, para a caracterização do crime, que o agente atue voltado a obter um outro resultado,
efetivamente reprovável e grave, além da contratação direta.” JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à
lei de licitações e contratos administrativos. 15ª ed. Rio de São Paulo: Dialética, 2014. p. 1173.
22 – STF, Inq 2.482/MG, Red. Min. Luiz Fux, Plenário, DJE 15/09/2011.
23 – JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16ª ed.
Rio de São Paulo: Dialética, 2014. p. 1175.
55
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
24 – “Talvez seja este o crime que maior preocupação traga ao administrador público porque diz
respeito a assuntos absolutamente controvertidos, que dependem em grande parte de interpretação de
questões não pacíficas. Assim, só pode ser aplicável à hipótese a clara e dolosa à lei.” BARROS, Márcio
dos Santos. 502 comentários sobre licitações e contratos. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora
NDJ, 2011. p. 507.
25 – “É o dolo, correspondendo ao conhecimento, pelo agente, de que a dispensa ou inexigibilidade
da licitação se haverá de efetivar em desacordo com a lei, ou, ainda que não o seja, de que se as estão
processando com menosprezo das formalidades que a lei exige para tanto, tendo o agente a vontade
livre de praticar as ações de acordo com a figura encartada no dispositivo.” PEREIRA JÚNIOR, Jessé
Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. Rio de Janeiro:
Renovar, 1994. p. 530.
26 – STF, Ap 559/PE, Rel. Ministro Dias Toffoli, 1ª Turma, Julgamento em 26/08/2014: A incidência
da norma que se extrai do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93 depende da presença de um claro elemento
subjetivo do agente político: a vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que
se garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que
revelam o cometimento de ilícitos penais.
27 – STJ, Ap 261/PB, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, DJE 02/03/2005: “É penalmente
irrelevante a conduta formal de alguém que desatente as formalidades da licitação, quando não há
conseqüência patrimonial para o órgão público.”
28 – Nesse sentido, por exemplo, foi o que destacou a Ação Penal 214/SP, ao registrar que “o delito é
de resultado, reclamando prejuízo ao erário”.
29 – Nesse sentido, PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações
da administração pública. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 529; COSTA JÚNIOR, Paulo José.
56
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
Direito Penal das Licitações: comentários aos arts. 89 a 99 da Lei n. 8.666, de 21-6-1993. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 19; entre outros.
30 – JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Rio de
Janeiro: Aide, 1993, p. 451.
31 – JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15ª ed.
Rio de São Paulo: Dialética, 2012, p. 1.031.
32 – Nesse sentido, aponta Nucci, ao referir que o crime “não exige resultado naturalístico para a
consumação, consistente em efetivo prejuízo para a Administração”. NUCCI, Guilherme de Souza.
Leis penais e processuais penais comentadas. 9ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
p. 562.
57
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
33 – Lembre-se, aqui, que o Ministro Luiz Fux já mantinha o entendimento sobre a exigência de
comprovação do dolo de causar prejuízo desde pelo menos o ano de 2008, quando ainda estava
vinculado ao Superior Tribunal de Justiça, pelo que se denota da leitura da Ação Penal 214/SP, acima
destacada.
34 – Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia
fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem
efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. § 1o Os índices a que se refere este
artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor
do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. § 2o O produto da
arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.
35 – STF, Inquérito 2.616/SP, Relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, julgamento em 29/05/2014.
36 – Refere o Relator: “Não desconheço, por exemplo, a atual orientação da Quinta e da Sexta Turmas
desta Corte, no sentido de dispensar a presença do dolo específico, bastando o genérico.”
37 – Nesse sentido, registra o Habeas corpus nº 190.782/BA, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe
17/12/2012: “Inicialmente, ressalte-se que a controvérsia relativa à caracterização do delito do art.
89 da Lei n.º 8.666/93 tem sido objeto de divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência,
orientando-se este Tribunal Superior, inicialmente, no sentido de que o ilícito em questão constituiria
crime de mera conduta, sendo dispensável, para a sua configuração, a existência do dolo específico
de fraudar o erário ou do efeito prejuízo à Administração Pública. Assim, entendia esta Corte que
era suficiente, para a caracterização desse delito, que o agente dispensasse licitação fora das hipóteses
previstas em lei ou deixasse de observar as formalidades pertinentes à dispensa. Nesse sentido: AgRg no
AG 1.367.169/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe de 03/04/2012; sem grifos no original;
58
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
HC 159.896/RN, 6.ª Turma, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador convocado
do TJ/RS), DJe de 15/06/2011; HC 171.152/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe de
11/10/2010. Contudo, em recente julgado, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, ao
analisar hipótese semelhante à dos autos, assentou que, para a configuração do delito previsto no art.
89 da Lei de Licitações, é necessário demonstrar o dano causado ao erário, bem assim o dolo específico
em produzir o resultado lesivo.”
38 – STJ, Ap 480/MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Red. Min. Cesar Asfor Rocha,
Corte Especial, DJE 29/03/2012, p. 35.
39 – Idem, ibidem. p. 36.
40 – Ver nota 13.
41 – O Ministro registra no seu voto: “[...] Desta forma, ressalvando o meu entendimento acerca do
tema, e em atenção ao decidido pelo Plenário da e. Suprema Corte nos autos da Ação Penal nº 527/
PR, bem como por esta e. Corte Especial nos autos das Ações Penais nº 261/PB, 375/AP e 330/SP,
anteriormente mencionadas, e repito, considerando as peculiaridades deste caso, peço vênia à em.
Ministra relatora, para divergir parcialmente, julgando improcedente a denúncia.”
59
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
fornecedor [...] ainda que este ofereça preço de mercado (ou seja, ainda que não se
comprove o dano material).”42
A partir desse julgado, todavia, firmou-se o entendimento da exigência da
comprovação do prejuízo, como dissemos alhures, referindo-se expressamente, em
julgados ainda de 2017, que a ausência de demonstração do elemento subjetivo
específico e da ocorrência de resultado naturalístico, consistente no prejuízo ao
erário, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta43. A compreensão ainda
dominante no Superior Tribunal de Justiça44 invoca precedentes do Supremo
Tribunal Federal, no sentido tanto do Inquérito 2.616/SP como do paradigmático
Inquérito 2.482/MG, acima destacados.
Da leitura dos precedentes, é possível observar que o Supremo Tribunal
Federal firmou o entendimento da exigibilidade da prova do dolo específico para a
caracterização do crime do artigo 89 da Lei de Licitações. Por outro lado, no que diz
respeito à prova do prejuízo, há divergência entre a Primeira e a Segunda Turmas.
Ao passo que a Segunda Turma45 vem destacando a exigência de comprovação
do prejuízo, a Primeira Turma46 é menos assertiva, apontando, tão somente, a
exigência de prova do dolo específico de causar prejuízo. O Superior Tribunal de
Justiça, por sua vez, unificou o entendimento entre as Turmas competentes para a
matéria criminal, registrando tanto ser necessária a prova do dolo específico como
a demonstração de prejuízo ao Erário, o que denota a adoção do entendimento
mais restritivo47.
42 – STJ, Ap 480/MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Red. Min. Cesar Asfor Rocha,
Corte Especial, DJE 29/03/2012, p. 59.
43 – STJ, AgInt no REsp 1582669/MG, Ministro Nefi Cordeiro, 6ª Turma, DJe 07/04/2017.
44 – STJ, RHC 49627/RN, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 30/06/2017.
45 – STF, AP 683/MA, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 09/08/2016: “[...] 2. Inépcia
da denúncia. Art. 41 do Código de Processo Penal. O tipo do art. 89 da Lei 8.666/93 não menciona
prejuízo à Administração ou finalidade específica. Denúncia apta. 3. Art. 89 da Lei 8.666/93. A
jurisprudência interpreta o dispositivo no sentido de exigir o prejuízo ao erário e a finalidade específica
de favorecimento indevido como necessários à adequação típica – INQ 2.616, relator min. Dias Toffoli,
Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014.”
46 – STF, AP 580/SP, Rel. Ministra Rosa Weber, 1ª Turma, DJe 13/12/2016: “O delito do artigo 89 da
Lei 8.666/93 exige, além do dolo genérico – representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir
licitação fora das hipóteses legais -, a configuração do especial fim de agir, consistente no dolo específico
de causar dano ao erário. Desnecessário o efetivo prejuízo patrimonial à administração pública.”
47 – STJ, RHC 49627/RN, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, DJe 30/06/2017: “A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que
60
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
o tipo penal inscrito no art. 89 da Lei 8.666/1993 exige "o prejuízo ao erário e a finalidade específica
de favorecimento indevido como necessários à adequação típica – Inq 2.616, relator min. Dias Toffoli,
Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014" (AP 683/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe
06/3/2017). Portanto, não constando da denúncia o dolo específico de causar dano ao erário e a
demonstração do efetivo prejuízo, verifica-se que não ficou devidamente demonstrada a tipicidade do
delito imputado, revelando-se, dessa forma, inepta a inicial acusatória.”
48 – STJ, Ap 480/MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Red. Min. Cesar Asfor Rocha,
Corte Especial, DJE 29/03/2012: “Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa
de licitação mediante, no caso concreto, fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei n.
201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviço pelo particular) exigem, para que
sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao erário e da caracterização do efetivo
prejuízo. Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal.”
49 – JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15ª ed.
Rio de São Paulo: Dialética, 2012, p. 1.034.
50 – Pesquisa efetuada no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no período
compreendido entre julho de 2017 e julho de 2015.
51 – Apelações Crime nº 70069719813, 70070699798, 70071518336, 70068009703, 70068028224,
70069599744, 70070171673, 70054465596, 70068782077, 70068279025, 70062655766, 70068332386,
70064336787, 70066506791, 70065870040, 70058649104, 70062050224, entre outras.
61
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
Mudança de orientação?
52 – STJ, REsp 1484415/DF, Ministro Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, DJe 22/02/2016: “[...]
Diversamente do que ocorre com o delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, o art. 90 desta lei
não demanda a ocorrência de prejuízo econômico para o poder público, haja vista que o dano se revela
pela simples quebra do caráter competitivo entre os licitantes interessados em contratar, ocasionada
com a frustração ou com a fraude no procedimento licitatório. De fato, a ideia de vinculação de prejuízo
à Administração Pública é irrelevante, na medida em que o crime pode se perfectibilizar mesmo que
haja benefício financeiro da Administração Pública.”
53 – Cabe registrar, por oportuno, que não se caminha na linha da eficiência penal, no seu pior sentido.
O recurso aos números apenas tem o objetivo de demonstrar que a jurisprudência ora em voga evidencia
um esvazimento de possíveis condutas tipificáveis, também a apontar no sentido de que a dogmática
seguida pela jurisprudência carece de sustento teórico.
54 – Tais exigências foram destacadas claramente a partir da interpretação jurisprudencial, dos quais
são paradigmáticos, como se disse, as Ação Penal 480/MG, do Superior Tribunal de Justiça, e o
Inquérito 2.482/SP, do Supremo Tribunal Federal.
55 – LEITE, Alaor. Dolo e o crime de dispensa ou inexigência legal de licitação (art. 89 da Lei
8.666/1993). In: REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS. Ano 21. Vol. 104. out-
set/2013. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 19.
56 – Tanto no Inquérito 2.482/SP como na Ação Penal 480/MG fica claro que não se tratou de discussão
pacífica entre os julgadores, havendo clara divergência em relação à exigência de comprovação de
62
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
63
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
64
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
64 – STF, Inquérito 4.104/SC, Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 22/11/2016: “[...] Esta
Corte tem decidido que, para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993,
é indispensável a demonstração, já na fase de recebimento da denúncia, do “elemento subjetivo
consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida” (INQ 2.688, Rel. Min.
CÁRMEN LÚCIA, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 12.2.2015).”
65 – Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou
omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...] VIII
- frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com
entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de
2014)
66 – STJ, AgInt no AREsp 530518/SP, Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 03/03/2017:
“[...] A fraude à licitação dá ensejo ao chamado dano in re ipsa. Nesse sentido: REsp 1.376.524/
RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9/9/2014; REsp 1.280.321/MG, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 9/3/2012; REsp 1.190.189/SP, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10/9/2010, e REsp 1.357.838/GO, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 25/9/2014.”
67 – STJ, AgRg no REsp 1499706/SP, Relator Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, DJe 14/03/2017.
65
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
Fachin e Rosa Weber, não se exige prova do prejuízo68. Tal entendimento repõe
a jurisprudência na orientação da doutrina de primeira hora, que parece a mais
correta, de que o crime em questão é formal, embora reclame dolo específico.
A manutenção da exigência do dolo específico, por outro lado, parece também
suficientemente adequada para discriminar o administrador inábil do desonesto,
satisfazendo a precupação com a fragmentariedade e a proporcionalidade.
Observamos, nesse aspecto, que a justificativa encontrada pelas Cortes
Superiores, a exemplo dos argumentos trazidos pelo Ministro Dias Toffoli69, no
que diz respeito ao requerimento da prova do prejuízo patrimonial com base no
disposto no artigo 99 da Lei 8.666, não se mostra incompatível com a dispensa
da demonstração dele. Trata-se de simples circunstância, que, acaso conhecida
e aferível (prejuízo), permite agravar a pena de multa estabelecida, por conta do
princípio da especialidade, em complemento às regras trazidas nos artigos 49 e
60 do Código Penal. Soma-se, ainda, a consideração de que eventual regra que
disponha sobre aplicação de pena, seja ela de qualquer espécie, não tem o condão
de repercutir na tipificação, a menos que a norma assim preveja. Em especial, neste
caso, em que a hipótese de gradação da pena pecuniária em nada tem a ver com o
conteúdo típico. Não tem o condão, pois, de criar um novo elemento restritivo70.
Mais, a previsão criminal não tem por escopo proteger tão somente a incolumidade
patrimonial pública, senão também todos aqueles princípios que determinam a
utilização do certame público, sobretudo a moralidade e a isonomia, bens que não
são passíveis de quantificação econômica, porém, possuem estatura constitucional.
A referida revisão do entendimento – recente, é bom que se diga -, já começa
a encontrar eco também junto ao Superior Tribunal de Justiça, que, como se viu
antes, possui um entendimento mais restritivo. Ainda que em precedente isolado e
68 – STF, Ação Penal 580/SP, Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, Julgamento em 13/12/2016:
“[...] O delito do artigo 89 da Lei 8.666/93 exige, além do dolo genérico – representado pela vontade
consciente de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses legais -, a configuração do especial
fim de agir, consistente no dolo específico de causar dano ao erário. Desnecessário o efetivo prejuízo
patrimonial à administração pública.”
69 – STF, Inq 2.482/MG, Red. Min. Luiz Fux, Plenário, DJE 15/09/2011: “[...] Seria até impossível
de se fixar uma pena desse tipo do art. 99, ausente uma nuclear do tipo que, em razão do art. 99, impõe
que o art. 89 também tenha como nuclear do seu tipo a vantagem obtida pelo agente.”
70 – LEITE, Alaor. Dolo e o crime de dispensa ou inexigência legal de licitação (art. 89 da Lei
8.666/1993). In: REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS. Ano 21. Vol. 104. out-
set/2013. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 21.
66
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
CONSIDERAÇÕES FINAIS
67
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
Código Penal75, em que, muito embora seja pretendida a obtenção da vantagem, ela
é dispensável76. A hipótese é de delito de intenção, portanto, o que não se confunde
com a necessidade de comprovação do resultado naturalístico e, menos, que se
limite ao aspecto econômico77. Trata-se, aliás, do entendimento que já começa a
ser sustentado frente ao Supremo Tribunal Federal, em especial a Primeira Turma,
como se referiu acima.
Nessa senda, nos parece ser cabível a demonstração de inexistência de
prejuízo, porém, tão somente ao condão de contribuir para a demonstração
de ausência do dolo na conduta. Estaria questionada, com a correspondente
demonstração, a prova do dolo específico de causar dano ao erário, o que não
guarda relação direta com a existência de prejuízo. Desse modo, a prova de que
o resultado não ocorreu não afasta, per se, a caracterização do crime, eis que ele
(resultado) é completamente dispensável no caso do crime de dispensa ilegal de
licitação. Acaso ocorrido, por outro lado, é mero exaurimento do crime, com
reflexos estritos à dosimetria da pena, inclusive quanto à extensão do artigo 99 da
lei.
Em suma, em vista da pluralidade de elementos acima discorridos, se
mostra necessária a reavaliação da exigência da prova do prejuízo (econômico)
para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de Licitações. O tipo penal é
formal e, segundo registra predominante entendimento hoje corrente, depende do
75 – Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para
si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma
coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. [...]
76 – Figueiredo Dias, para o caso português, traz o seguinte exemplo: “[...] o tipo legal exige, para
além do dolo do tipo, a intenção de produção de um resultado que todavia não faz parte do tipo de
ilícito. Assim, p. ex., o art. 262º-1 requer para além do dolo do tipo da contrafacção de moeda, que
esta seja levada a cabo com intenção de por em circulação, mas não que esta intenção vem efectivamente a
concretizar-se num resultado típico; [...]
77 – STF, Ação Penal 971/RJ, Ministro Edson Fachin, Primeira Turma, Julgamento em 28/06/2016:
“Nessa linha, indispensável estar atento para o fato de que a exigência do procedimento licitatório
feita pela lei e pela Constituição não busca apenas a proposta economicamente mais vantajosa para
a Administração Pública. A economicidade da proposta, por certo, é elemento importante, pois
resguarda o patrimônio público. Entretanto, a razão da exigência de licitação, porque expressamente
declarado pela Constituição da República, é oportunizar a todos igualdade de condições para contratar
com o Poder Público. Não é por outra razão que o precitado art. 37, XXI, da CR/88 ressalta que obras,
serviços, compras e alienações em geral serão contratados, enfatizo, mediante “licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes...” .
68
Exigência da comprovação do prejuízo econômico para a caracterização do crime do artigo 89 da Lei de
Licitações: análise da interpretação restritiva conferida pela jurisprudência
REFERÊNCIAS
69
Julio Cesar Finger e Douglas Rauber Spuldaro
70
OS PERIGOS DO SUBJETIVISMO JUDICIAL –
CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DE
SEU CONTROLE. ESTUDO DE CASO
Mauro Borba1
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos e cada vez com mais frequência na atualidade, o Poder
Judiciário teve suas funções expandidas, passando a exercer certo protagonismo na
seara política e institucional que envolve o Estado Democrático brasileiro.
Essa atuação de destaque pode ser observada em sua série de julgados onde
são aventadas questões cuja relevância transcende a alçada propriamente jurídica.
Embora não seja um fenômeno exclusivamente nacional, uma vez que foi/é
verificado em outros países, desde aqueles de tradição da civil law, ou da common
law, a atividade jurisdicional empreendida na atualidade não encontra similar na
história constitucional brasileira, sendo que não raras vezes tal atuação transborda
os limites legais da sua competência, caracterizando o chamado ativismo judicial,
com manifestações impregnadas de um excesso de subjetivismo que as afastam da
legalidade.
O presente ensaio pretende analisar e discutir o fenômeno, ainda que
brevemente e por isso mesmo sem pretensão de esgotá-lo. Para tanto situará as
causas que deram origem ao protagonismo judicial, pontuando a diferença entre
judicialização e ativismo; identificará, filosoficamente, a matriz subjetivista que
informa uma atuação desgarrada do modelo legal, apontará possíveis saídas de
correção, limitação e/ou controle e por fim seguirá a exposição do caso judicial
que serviu de base fática para esse ensaio.
72
Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
73
Mauro Borba
74
Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
10 – BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, op. Cit.
p. 279-280
75
Mauro Borba
11 – VALLE, Vanise Regina Lírio do (Org.). Ativismo Judicial e o Supremo Tribunal Federal:
laboratório de Análise Jurisprudencial do STF, Curitiba, Juruá, 2009, p. 32
12 – VIANNA, Werneck: CARVALHO, Maria Alice R. de; MELLO, Manuel P. Cunha; BARGOS,
Marcelo B. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan, 1999,
p.15.
76
Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
77
Mauro Borba
14 – VILHENA, Oscar V. Supremocracia. Revista DireitoGV, São Paulo, 4 (2), pp. 441-464, jul/dez
2008.
78
Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
15 – Segundo Ronald Dworkin (2002, p. 137), a “doutrina da responsabilidade política” implica que
“as autoridades políticas devem tomar somente as decisões políticas que possam justificar no âmbito de
uma teoria política que também justifique as outras decisões que eles se propõem a tomar”.
16 – SILVA, Cecília de Almeida. Et al. Diálogos institucionais e ativismo. Curitiba, Juruá, 2010, p.
13-20.
17 – STRECK, Lenio Luiz. O que é isto, o ativismo judicial em números? Coluna Observatório Constitucional,
disponível em https://www.conjur.com.br/2013-out-26/observatorio-constitucional-isto-ativismo-
judicial-numeros; acesso em agosto 2018.
79
Mauro Borba
Para STRECK19 os tribunais e o STF fazem política quando dizem que não
fazem; eles fazem ativismo quando dizem que não fazem; e judicializam quando
sustentam não fazer.
“...Por exemplo, quando o STF decide que, no artigo 366 do CPP, a prova
considerada urgente fica ao arbítrio do juiz decidir, está não somente
fazendo ativismo, com a institucionalização da discricionariedade judicial
— ponto importante para aferir o grau de ativismo e da judicialização
— como também está “legislando”. Não parece que o legislador, ao
estabelecer, nos marcos da democracia, que a prova considerada urgente
possa ser colhida de forma antecipada, tenha “querido” deixar isso ao
bel prazer do juiz... Bom, mas foi isto que o STF disse que o dispositivo
“quer dizer”. Atenção: sei que o STF mudou sua posição depois disso
(HC 114.519). O que importa, entretanto, é que assim já havia julgado.
18 – STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso, op. Cit. P. 589, nota de rodapé 123.
19 – STRECK, Lenio Luiz. O que é isto, o ativismo judicial em números? Coluna Observatório Constitucional,
disponível em https://www.conjur.com.br/2013-out-26/observatorio-constitucional-isto-ativismo-
judicial-numeros; acesso em agosto 2018.
20 – Idem
80
Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
“Para a metafísica clássica, os sentidos estavam nas coisas (as coisas têm
sentido porque há nelas uma essência. Por isso era possível revela-la.
A superação do objetivismo dá-se na (ou com) a modernidade. Com o
advento do iluminismo, o fundamento não é mais o essencialismo. O
homem não é mais sujeito às estruturas. Anuncia-se o nascimento
da subjetividade. A palavra “sujeito” muda de posição. Ele passa a
“assujeitar” as coisas. É o que se pode chamar de esquema sujeito-objeto,
em que o mundo passa a ser explicado (e fundamentado) pela razão.
Já a ruptura com a filosofia da consciência – esse é o “nome” do
paradigma da subjetividade – dá-se no século XX, a partir do que se
passou a ser denominado de “giro linguístico”. Esse giro “liberta”
filosofia do fundamentum que, da essência, passara na modernidade para
a consciência”.
Correndo sempre o risco de simplificar essa complexa questão, pode-
se afirmar que no linguistic turn, a invasão que a linguagem promove no
campo da filosofia, transfere o próprio conhecimento para o âmbito da
linguagem, onde o mundo se descortina; é na linguagem que se dá a ação;
é na linguagem que se dá o sentido (e não mais na consciência de si do
pensamento pensante).O sujeito surge na linguagem e pela linguagem, a
partir do que se pode dizer que o que morre é a subjetividade “assujeitadora
e não o sujeito da relação de objetos (...).
(...) Com o giro – que aqui denomino de ontológico-linguístico – o sujeito
não é fundamento do conhecimento.
(...) a novidade é que o sentido não está mais na consciência (de si
do pensamento pensante), mas, sim, na linguagem, como algo que
produzimos e que é condição de nossa possibilidade de estarmos no
mundo. Não nos relacionamos diretamente com os objetos, mas com a
linguagem, que é a condição de possibilidade desse relacionamento; é
pela linguagem que os objetos vêm a mão (...)
(...) nesse novo paradigma, a linguagem passa a ser entendida como
condição de possibilidade. A linguagem é o que está dado e, portanto, não
81
Mauro Borba
21 – Numa tradução literal seria o sujeito “viciado em si”; filosoficamente seria um sujeito privilegiado,
que constrói/controla o mundo a partir de suas convicções
22 – STEIN, Ernildo. A caminho de uma fundamentação pós-metafísica. Porto Alegre, EDIPUCRS,
1997, p. 86
23 – STRECK, Lenio Luiz. O direito e três tipos de amor: o que isto tem a ver com subjetivismo?
Coluna Senso Incomum in https://www.conjur.com.br/2016-dez-15/senso-incomum-direito-tres-tipos-
amor-isto-ver-subjetivismo; acessada em agosto 2018.
82
Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
parece claro que quando assim dispostas e redigidas elas dizem algo, elas dão um
sentido, um condicionante que ao intérprete não é possível alterar. Ao intérprete
não é dado “preencher” o sentido da norma quando não há vazio a ser preenchido;
não lhe é permitido substituir o sentido da coletividade expresso na lei pelo
sentido de pensamento subjetivista; ao intérprete, nesses casos, não é dado decidir
conforme sua consciência.
Dizendo de outro modo, se a norma/lei é clara, não tendo lacunas de
sentido, ela tem incidência cogente, não sendo possível ao intérprete afastar essa
incidência, não lhe é possível deixar de aplicá-la, a menos, é óbvio que afaste sua
incidência naquelas hipóteses em que isso é possível através de um controle de
constitucionalidade. Se não houve esse controle sobre a lei ou a norma, ela tem de
ser cumprida.
Os paradigmas conformam o nosso modo de compreender o mundo e
nada está a indicar que o direito esteja imune a isso, de modo que não poderiam
passar desapercebidas teorizações, enuncidados, decisões que reduzem o complexo
“ato de julgar” à consciência do intérprete, como se o ato (de julgar) devesse apenas
“explicações” a um, por assim dizer, “tribunal da razão” ou decorresse de “ato de
vontade” do julgador (STRECK, 2010, p. 18).
A questão que se coloca a seguir é a da superação desse problema.
83
Mauro Borba
políticas, isto é, decisões sobre quais direitos as pessoas têm sob determinado
sistema constitucional, não decisões sobre como se promove o bem-estar geral
(DWORKIN, 2002).
Sustenta o pensador norte-americano que que a judicatura não deve invocar
argumentos que caracterizem convicções pessoais de ordem moral – own personal
morality – (LEAL, 2011). Mesmo quando precisam decidir questões que envolvam
problemas de dimensões morais, não devem confiar nas suas convicções pessoais
morais, mas na moralidade da comunidade como um todo, ou nos princípios
oriundos da história da Nação (LEAL, idem).
É preciso ter cuidado no sentido de que decidir por princípios não pode ser
encarado como álibi para nova discricionariedade.
No dizer de STRECK (2010, p. 96) as teorias do direito e da Constituição,
preocupadas com a democracia e a concretização dos direitos fundamentais-
sociais previstos constitucionalmente, necessita de um conjunto de princípios que
tenham nitidamente a função de estabelecer padrões hermenêuticos com o fito
de: a) preservar a autonomia do direito, garantindo respeito à sua integridade e
coerência; b) estabelecer que a fundamentação das decisões é um dever fundamental
dos juízes e tribunais; c) estabelecer condições hermenêuticas para a realização de
um controle da interpretação constitucional (imposição de limites às decisões – o
problema da discricionariedade); d) garantir que cada cidadão tenha sua causa
julgada a partir da Constituição e que haja condições para aferir se essa resposta
está ou não constitucionalmente adequada.
O caso judicial em concreto, que serviu de base fática para este trabalho, diz
respeito à Apelação-Crime nº 70070480017 (CNJ: 0258195-28.2016.8.21.7000), 4ª
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, comarca
de Estrela, julgada em 14.11.2017.
Onde o réu, recorrendo da sentença que o condenou em 1º grau, dentre
outras, alegou a nulidade da audiência de instrução e por conseguinte da sentença,
face à inobservância da regra contida no art. 212 do CPP, já que a juíza tomou a
iniciativa probatória, formulando, ela própria, as perguntas às testemunhas.
Tanto em 1º quanto em 2º grau o parecer do Ministério Público foi no
sentido do desacolhimento da nulidade arguída.
O voto do relator foi no sentido oposto, acolhendo a tese da nulidade,
sustentando: a) não fazer sentido falar-se em nulidade relativa quando se está
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Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
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Mauro Borba
86
Os perigos do subjetivismo judicial – condições e possibilidades de seu controle. Estudo de caso
quer Antonio Magalhães Gomes Filho, em seu texto As Reformas no Processo Penal: As
novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma.
E isto se dá porque o processo (em face do duplo grau de jurisdição) e o
juiz são os destinatários das provas, razão pela qual também quem as colhe para
formar convicção e julgar pode sim inquirir as testemunhas no feito. Aliás, se pode
suprir eventuais deficiências dos litigantes, igualmente pode iniciar a inquirição
das testemunhas, passando a palavra às partes para que façam perguntas diretas
posteriormente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Mauro Borba
88
TRIBUNAIS, AUTORREFERÊNCIA E EVOLUÇÃO DO
SISTEMA DO DIREITO: O ART. 212 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL E OS TRIBUNAIS
Abstract: The lawis self-referential. The courts occupy the central position of the
legal system. The evolution that can be stimulated, can not be caused. To the extent that
the courts operate just in the way of operational closure, highlighting the self-reference,
not opening cognitively, there is no systemic evolution and the external complexity of
the environment.is rejected. This reaffirms the self-reference at the point of operative
closure of the operational code, without opening to the Federal Constitution, true
evolutionary acquisition of the society. This problematic can be observed in judicial
decisions that deal with Article 212 of the Criminal Procedure Code.
Keywords:autopoiesis; Criminal Proceedings; Federal Constitution.
1 – INTRODUÇÃO
90
Tribunais, autorreferência e evolução do sistema do direito: o art. 212 do Código de Processo Penal e os Tribunais
na prática, muitas vezes, denota-se a não aplicação destas reformas processuais, por
consequência, a não aplicação das garantias constitucionais dos cidadãos.
Pelas breves pesquisas recentes realizadas – as quais serão abordadas neste
artigo -, aparentemente uma destas garantias que, muitas vezes, não é aplicada, é
aquela constante no artigo 212 do Código de Processo Penal, a qual consiste na
mudança da forma de inquirição de testemunhas, buscando a imparcialidade do
julgador ao distanciá-lo da colheita de provas, ocorrendo a distinção das atividades
de acusar, julgar e defender, devendo estas serem feitas por órgãos distintos. Ou então,
aparentemente, quando se verificaa aplicação desta regra, o desrespeito a tal regra é
considerado tão somente uma nulidade relativa, conforme se verifica, por exemplo,
do posicionamento da Segunda Turma do STF (RHC 110.623/DF, HC 112.212/
SP, HC 117.102/SP e RHC 122.467/SP). Este problema mostra-se constante, em
especial, no primeiro grau de instrução, conforme será abordado neste artigo.
Esta não aplicabilidade das reformas de processo penal e, principalmente,
do artigo 212 do Código de Processo Penal, identifica-se como um problema a
ser enfrentado, pois não há respeito pela tradição4, pela herança histórica e pela
aquisição evolutiva da sociedade.
No entanto, pretende-se demonstrar que, ao serem desconstituídas ou
reformadas estas sentenças pelos tribunais, isto é, ao haver a afirmação que a não
aplicabilidade deste artigo não encontra respaldo na Constituição Federal, numa
perspectiva luhmanianna, o direito é reafirmado, pois é dito que aquilo não é
direito, sendo, portanto, direito.
4 – Tradição é utilizada aqui no sentido trabalhado por Hans-George Gadamer: “A tradição sempre
é um momento da liberdade e da própria história. Também a tradição mais autêntica e venerável [...]
necessita ser afirmada, assumida e cultivada. A tradição é essencialmente conservação e como tal
sempre está atuante nas mudanças históricas” (GADAMER, Hans George. Verdade e Método I: traços
fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad: Flávio Paulo Meurer. 7ª. Edição. Petrópolis-RJ:
Vozes, 2005).
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Tribunais, autorreferência e evolução do sistema do direito: o art. 212 do Código de Processo Penal e os Tribunais
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Tribunais, autorreferência e evolução do sistema do direito: o art. 212 do Código de Processo Penal e os Tribunais
Primeiramente, as perguntas eram feitas pelo juiz, depois a parte que a tinha
arrolado e depois a parte contrária. O assistente de acusação questionava após o
Ministério Público. No sistema anterior, o juiz as elaborava mentalmente e traduzia
a testemunha. A testemunha respondia e o juiz, interpretando a linguagem, as
traduzia para sua linguagem e ditava ao serventuário, que a datilografava, de modo
que muitas declarações eram perdidas (GIACOMOLLI, 2008, p. 56).
Ainda sobre a complementariedade da inquisição pelo juiz, no caso de
pontos não esclarecidos, Nereu Giacomolli refere que:
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Tribunais, autorreferência e evolução do sistema do direito: o art. 212 do Código de Processo Penal e os Tribunais
5 – Quando se fala em ativismo judicial, se está referindo a “ultrapassagem das linhas demarcatórias da
função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e,
até mesmo, da função de governo” (RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial – Parâmetros Dogmáticos.
São Paulo: Saraiva, 2010, 2010, p. 116).
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Tribunais, autorreferência e evolução do sistema do direito: o art. 212 do Código de Processo Penal e os Tribunais
futuro dano é um fenômeno externo, ocorre o perigo. Ressalta-se ainda que “o risco
deve ser tratado como um fenômeno de contingência advinda da complexidade da sociedade
contemporânea” (SCHWARTZ, 2015, p. 15).
Para que se possa compreender o risco e o perigo, é preciso compreender a
sociedade. Para explicar a sociedade, Niklas Luhmann6 cria a teoria dos sistemas
sociais. Esta teoria refere que a sociedade é um todo, sendo dividida em diversas
esferas (economia, política, direito, entre outros) (LUHMANN, 1993, p. 9-10),
sendo que a sociedade é composta de comunicação e só de comunicação, embora
esta seja improvável. Luhmann salienta a improbabilidade de consenso:
Para una teoría de los sistemas sociales no se puede contar con un tal
consenso, y esto sobre todo es válido para describir el sistema de derecho
como un sistema social autopóietico, operativamente clausurado. En
este sentido, la ciencia del derecho que se considera ciencia de textos
no tiene ninguna necesidad de dar ninguna explicación. La sociología
del derecho se conforma la mayor parte del tiempo con un concepto
vago de acción o de comportamiento (behavior) y llena los contenidos
específicos del derecho con la consideración de las representaciones y las
intenciones del que actúa o con la consideración del “sentido mentado”
(gemeinten Sinn de Max Webber) de la acción. Para nosotros esto no basta.
No discutimos que existan operaciones del tipo psíquico equivalentes a
las operaciones sociales del derecho y que se puedan investigar en modo
empírico (con la conocida falta de confiabilidad). Pero aquel que se orienta
conscientemente al derecho, debe saber de qué sentido se trata. Debe
remitirse a un sistema social de derecho ya constituido a los sedimentos
textuales de este sistema.(…) La autopoiesis del derecho se puede realizar
tan sólo mediante operaciones sociales (LUHMANN, 1998, p. 103-104)
6 – Niklas Luhmann refere que complexidade não se confunde com complicação, mas explica que
é uma questão crucial observar a complexidade. Além disso, refere que, sem observador, não há
complexidade.. (LUHMANN, Niklas.Introdución a la teoría de sistemas. México D. F.: Antrhopos,
1996a, p. 144)
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Diógenes Vicente Hassan Ribeiro e Michelle Fernanda Martins
dar explicações. Contudo, aquele que se orienta ao direito, precisar entender o seu
sentido, remetendo-se ao sistema social do direito. Em outros termos, o direito,
para se reproduzir autopoieticamente, necessita,além da clausura operativa do
código, que o diferencia, também da abertura cognitiva ao ambiente. Conforme já
acima referido, o direito, como sistema e como função, precisa se “confrontar” com
outras funções, de outros sistemas, para que haja a construção do conhecimento,
assim como a sua compreensão.
A autopoiese consiste em “um sistema que é capaz de se autorreproduzir por
intermédio de seus próprios elementos em uma lógica recursiva” (SCHWARTZ, 2015,
p. 19). Assim sendo, mesmo que não ocorra qualquer forma de consenso entre os
sistemas sociais e os subsistemas, o direito – que tem como função a estabilização
das expectativas normativas através da regulação - (LUHMANN, 1998. p 188),
para realizar a sua função e se reproduzir autopoieticamente, precisa aprender dos
outros, por via da abertura cognitiva, o que faz, ou pode fazer, também através das
decisões judiciais.
A autopoiese do direito, nesse sentido, seria também uma forma de redução
da complexidade, a medida em que o direito se permite escolhas. Estas escolhas
são feitas por meio de sentenças judiciais, as quais se revelam um gerenciador de
risco, na medida em que optam por determinada solução, analisando as possíveis
consequências e buscando a ter o menor risco possível.
Através da análise de escolhas e riscos feitas por Anthony Giddens, em
“Modernização Reflexiva”, verifica-se que a decisão judicial nada mais é do que
uma forma de reduzir a complexidade na sociedade pós-moderna, pós-tradicional.
Assim também é o ensinamento de Leonel Severo Rocha:
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Tribunais, autorreferência e evolução do sistema do direito: o art. 212 do Código de Processo Penal e os Tribunais
readaptadas, é porque se acredita que o juiz poderá gerenciar aquele risco quando
da aplicabilidade da legislação.
Os problemas pós-tradicionais; no entanto, não descartam a tradição.
Questiona-se, portanto, até que ponto a tradição deve ser observada e até que ponto
deve ser questionada, ponto que será abordado em seguida.
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Diógenes Vicente Hassan Ribeiro e Michelle Fernanda Martins
Porém, para que este estímulo seja possível, imprescindível que se entenda
a tradição e/ou memória da sociedade, pois será através dela que será possível
a compreensão de como ocorreu, ocorre ou ocorrerá a evolução, procurando
assim evitar consequências indesejadas. Conforme Giddens, “tradição está ligada
à memória”(GIDDENS, 1997, p. 81). Ainda, segundo o autor, “a memória é um
processo ativo, social, que não pode ser apenas identificado com a lembrança” (GIDDENS,
1997, p. 81).
A memória e a tradição se mostram importantes, pois ensinam com a
própria história, conforme ensinamento de Hans-George Gadamer:
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p. 21). Assim, “as decisões dos tribunais se irradiam perante todo o sistema, alimentando
e reprocessando a periferia, ao mesmo tempo em que ela influencia e irrita as decisões dos
tribunais” (SCHWARTZ, 2015, p. 21).
A periferia, por sua vez, seria a legislação, “o ponto onde há a abertura cognitiva
e pelo meio do qual se mantém a unidade interna, situando-se a periferia como verdadeiro
borderline ente o sistema jurídico e o sistema político”(SCHWARTZ, 2015, p. 21).
Nessa forma, o Tribunal ao afirmar que a não aplicação do artigo 212 é
um não-direito, que o julgador não pode substituir o órgão acusador, acaba por
declarar o constante no artigo 212 do Código de Processo Penal como direito, já
que tudo aquilo que não se conforma com direito, demonstra que o contrário é o
direito. É o binômio Direito/Não Direito. (SCHWARTZ, 2015, p. 25).
A Constituição da República Federativa do Brasil passa a ser, portanto,
a unidade da diferença entre o Processo Penal e o que não é direito, já que a
Constituição estabelece diretrizes políticas para o processo penal, assim como
se comunica com outras esferas da sociedade, em especial, com a política,
representando as escolhas da sociedade. Desse modo, verifica-se que os tribunais
atendem ao questionamento da sociedade, informando que o sistema acusatório é
um direito, uma aquisição evolutiva da sociedade.
8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Tribunais, autorreferência e evolução do sistema do direito: o art. 212 do Código de Processo Penal e os Tribunais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VULNERABILIDADE NOS SERVIÇOS PÚBLICOS
EDUCACIONAIS: O CASO DO DIREITO À EDUCAÇÃO
DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.
Leonel Ohlweiler1
1 – Pós-Doutor em Direito pela UFSC. Mestre e Doutor em Direito. Desembargador do TJRS. Professor
da UNILASALLE, nos cursos de Graduação e Mestrado. Coordenador da revista de Jurisprudência
do TJRS.
Leonel Ohlweiler
INTRODUÇÃO.
O tema da vulnerabilidade das pessoas com deficiência sempre foi algo debatido
no âmbito do Direito e, de algum modo, relativamente a alguns serviços públicos,
no Direito Administrativo. No entanto, por ocasião da entrada em vigor da Lei nº
13.146/2015 as discussões intensificaram-se, pois o texto introduziu significativas
mudanças paradigmáticas ao adotar os pressupostos da Convenção sobre Direitos
das Pessoas com Deficiência. Migrou-se do vetusto entendimento de deficiência sob
a perspectiva médica para o modo de compreensão biopsicossocial, como o próprio
artigo 2º, §1º, da citada legislação brasileira refere. De que modo os serviços públicos,
sejam eles prestados diretamente pelo Estado ou por pessoas jurídicas de direito
privado, entenderam a nova concepção quando voltados para pessoas com deficiência?
O julgamento da ADI 5.357 pelo Supremo Tribunal Federal discutiu a
questão, considerando a demanda proposta pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (COFEN) sustentando a inconstitucionalidade de
alguns dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência em relação ao serviço
educacional e obrigações impostas às escolas privadas. Muito embora o tema
já tenha sido levado para o STF, o caso que será examinado possui contornos
originais e de grande relevância para o Direito Administrativo. Em última análise,
a polêmica centrou-se na própria concepção do modelo social de deficiência e
suas consequências jurídicas. A deficiência não pode mais ser entendida a partir
112
Vulnerabilidade nos serviços públicos educacionais: o caso do direito à educação das pessoas com deficiência.
das bases do pensamento que ressalta o aspecto da tragédia pessoal, eis que as
causas que determinam o surgimento de barreiras são de modo preponderante
sociais, relacionadas com a construção da sociedade, inclusive das escolas privadas
responsáveis pela educação, direito social fundamental.
Mas o que os intérpretes do Direito Administrativo, bem como prestadores
de serviços públicos devem compreender é que as pessoas com deficiência, em
permanente situação de vulnerabilidade, têm muito a contribuir para a sociedade,
para uma comunidade escolar na qual prime a solidariedade e a dignidade
humana. A Educação inclusiva possui determinados pressupostos teóricos e
práticos, discutidos por ocasião do caso julgado pelo STF e materializados no
Estatuto das Pessoas Com Deficiência, dai a importância desta investigação, ao
chamar a atenção dos principais aspectos de uma verdadeira dimensão social da
deficiência, com reflexos no âmbito da teoria dos serviços públicos. Quando se fala
deste instituto, tão caro para a história do Direito Administrativo, indaga-se, para
quem ele foi pensado? Há mesmo o caráter de universalidade quando se discute a
abrangência para pessoas em situação de vulnerabilidade?
Utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial,
com estudo de caso. Ainda que o caso possua contornos particulares, configura-se
indicação capaz de problematizar uma gama de referências teóricas, em especial
quando, por características particulares, tornou-se julgamento paradigmático,
como a ADI 5.357 do STF no qual, em síntese, o tema das políticas públicas
educacionais são postos em discussão.
Na primeira parte do estudo haverá a exposição do julgado, explicitando-
se os argumentos utilizados pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de
Ensino, com os fundamentos de fato, mas especialmente de direito por tratar-se
de Ação Direta de Inconstitucionalidade. É relevante destacar a importância da
ação proposta, tanto que participaram como amicus curiae a Federação Nacional
das APAES, a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down,
Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e
Pessoas com Deficiência, Conselho Federal da OAB, Associação Brasileira para a
Ação por Direitos das Pessoas com Autismo, Defensoria Pública do Estado de São
Paulo, Associação Movimento de Açao e Inovação Social, Organização Nacional
de Cegos do Brasil, Federação Fraternidades Cristãs de Pessoas com Deficiência
do Brasil, Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos do Brasil,
Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco
do Brasil e da Comunidade e Federação Nacional das Associações Pestalozzi.
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Vulnerabilidade nos serviços públicos educacionais: o caso do direito à educação das pessoas com deficiência.
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2 – Sobre a justificação operatória aduz o autor: “Deve haver coerência interna no uso dos conceitos
para que eles, em conjunto, me ofereçam um todo articulado operatoriamente, um todo que me dê a
possibilidade de dizer: o sentido deste texto é este. No momento em que uso aleatoriamente um conceito
e o coloco dentro de um conjunto de páginas sobre um tema determinado que quero desenvolver, eu
legitimo este conceito, eu lhe dou uma certa garantia que ele somente teria se eu estivesse reproduzindo
a história da filosofia na qual ele surgiu, ou o paradigma no qual ele se desenvolveu, ou no conjunto
de ideias do autor que ele se desenvolveu, porque lá ele teria uma coerência recebida do conjunto.
Assim, quando eu o desligo desse contexto histórico, sou obrigado como que criar um contexto atual
a partir de outros conceitos. É isto que chamo de uma espécie de justificação operatória. Eu passo a
justificar o uso de um conceito filosófico descritivamente. Neste sentido, descrevendo um conjunto
de conceitos, utilizando um conjunto de conceitos, eu também justifico o uso deles através de uma
descrição determinada”(STEIN, 2004,p. 98/99).
3 – Conforme Axelle Bordiez-Dolino, ao examinar o conceito de vulnerabilidade, o termo origina-se do
latim vulnus (ferimento) e vulnerare(ferido), sendo que de acordo com o Dicionário Larousse, significa
aquele que pode ser ferido, atingido. O termo também é sinônimo de frágil, sensível (BORDIEZ-
DOLINO, 2016, p. 2).
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4 – A expressão é oriunda da obra de Zygmunt Baumann e refere-se à interpretação das decisões humanas
tomadas em situações socialmente configuradas, direcionando-se para o esforço da compreensão das
realidades com base em perspectivas sociológicas (BAUMAN, 2015, p. 56). O autor aduz: “O postulado
da hermenêutica sociológica exige que sempre que busquemos o significado dos pensamentos ou ações
humanos devemos examinar as condições socialmente configuradas das pessoas cujos pensamentos ou
ações pretendemos entender/explicar.” (BAUMAN, 2015, p. 57).
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5 – Aduz o autor de modo expresso: “É possível afirmar, portanto, que o conceito de vulnerabilidade
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Vulnerabilidade nos serviços públicos educacionais: o caso do direito à educação das pessoas com deficiência.
6 – No entendimento de Mike Oliver, tal concepção pode ser criticada sobre três aspectos: a)são
essencialmente deterministas, b)esquecem os aspectos sociais, políticos e econômicos extrínsecos
e c)desautorizam e negam as interpretações subjetivas da deficiência desde a perspectiva da pessoa
implicada (OLIVER, 1998, p. 37).
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7 – Segundo Agustina Palacios, é possível situar o nascimento do modelo social no final dos anos
sessenta, em especial nos Estados Unidos e na Inglaterra, pois as pessoas que viviam em instituições
residenciais tomaram a iniciativa, impulsionadas pela reivindicação de mudanças políticas: “Los
activistas con discapacidad y las organizaciones de personas con discapacidad se unieron para condenar
su status como ‘ciudadanos de segunda clase’. Reorientaron la atención hacia el impacto de las barreras
sociales y ambientales, como el transporte y los edifícios inaccesibles, las actitudes discriminatórias y los
estereotipos culturales negativos, que, según alegaban – discapacitaban a las personas con discapacidad.
De este modo, la participación política de las personas con discapacidad y sus organizaciones abrió un
nuevo frente en el área de los derechos civiles y la legislación antidiscriminatoria.” (PALACIOS, 2008,
p. 107).
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ao longo deste breve estudo, pois passa pelo modo como o próprio conceito de
educação é construído, seja ele prestado pelo Poder Público ou pela iniciativa
privada. Aqui, em alguma medida, e muito embora examinado no contexto
do conceito de trabalho, Colin Barnes, coloca a relação entre as barreias, cuja
construção é social, e algumas questões do modo de funcionamento do capitalismo
(DINIZ, 2013, p. 249).
É que a noção de serviço educacional, independente de quem o preste, não
se desnatura, não se despe do caráter público, de elemento essencial para a vida em
sociedade. No fundo, iniciativas como a da ADIN proposta lida com a educação
como elemento que integra a cadeia produtiva e de mercado e é pensada para abarcar
as pessoas que melhor se adaptam a esse sistema, desconsiderando cidadãos inseridos
em representações culturais negativas. Como já mencionado, e a decisão em tela, de
algum modo caminha para tal, é preciso modificar a representação de alguns setores
da sociedade sobre o conceito de serviço educacional. Para Colin Barnes, “qualquer
sociedade que não ofereça algum tipo de sistema de bem-estar para pessoas em
situação de pobreza ou outra situação desvantajosa não pode ser caracterizada como
uma sociedade civilizada e desenvolvida.” (DINIZ, 2013, p. 249).
No entendimento do Ministro Relator, para afastar a tese dos custos,
“não é possível sucumbir a argumentos fatalistas que permitam uma captura da
Constituição e do mundo jurídico por supostos argumentos econômicos que, em
realidade, se circunscrevem ao campo retórico. Sua apresentação desacompanhada
de sério e prévio levantamento a dar-lhes sustentáculo, quando cabível, não se
coaduna com a nobre legitimidade atribuída para se incoar a atuação desta Corte.”
E agregou o seguinte: “Como é sabido, as instituições privadas de ensino exercem
atividade econômica e, enquanto tal, devem se adaptar para acolher as pessoas
com deficiência, prestando serviços educacionais que não enfoquem a questão da
deficiência limitada à perspectiva médica, mas também ambiental. Esta última
deve ser pensada a partir dos espaços, ambientes e recursos adequados à superação
de barreiras – as verdadeiras deficiências de nossa sociedade.”
A linha de argumentação desenvolvida pela decisão vai ao encontro do
sustentado por autores como Colin Barnes, ao criticar o foco no aspecto individual
da deficiência, pois muito embora não se desconheça que existe, urge compreender
que as causas das desvantagens das pessoas com deficiência são formados pela
própria sociedade (DINIZ, 2013, p. 245). No caso, questiona-se o modo como a
comunidade escolar – incluindo as escolas particulares – responde a pessoas com
deficiência. A Lei nº 13.146/2015 adotou o entendimento da deficiência a partir
132
Vulnerabilidade nos serviços públicos educacionais: o caso do direito à educação das pessoas com deficiência.
133
Leonel Ohlweiler
isso não significa que os agentes econômicos que o prestam o possam fazê-lo
ilimitadamente ou sem responsabilidade.”
A educação é, portanto, integrante do direito ao bem-estar, configurando-
se direito fundamental, indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa,
conectando-se de modo direito com a dignidade humana, como bem alude Regina
Maria Fonseca Muniz, aduzindo que sem tal direito o cidadão jamais poderá
atingir sua plenitude, inclusive pelo fato de configurar-se como ente eminentemente
social, “cuja integração no meio em que vive exige educação, seja para o convívio,
seja para o exercício de sua cidadania.” (MUNIZ, 2002, p. 114).
Como a dignidade humana exige o respeito à vida objetiva de todos8, a
vida das pessoas como deficiência deve ter o mesmo valor, sem discriminação, e
com especial atenção para situações de vulnerabilidade, repensando-se o serviço
público educacional, de modo a ultrapassar o paradigma individualista para
configurar-se como meio de prevenção de barreias e impedimentos, na linha do
defendido por Agustina Palacios (PALACIOS, 2008, p. 124).
Tal propósito da educação foi especificado por ocasião do julgamento
da ADI 5.357, pois prevaleceu o entendimento de aplicação direta da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, especialmente os
artigos 1º e 24. Esse último dispositivo determina que para efetivar o direito à
educação sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estado
assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, pois “à escola não é
dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver.”
CONCLUSÃO.
8 – Para Ronald Dworkin a dignidade relaciona-se com o respeito pela vida objetiva de cada um, de
modo que nenhuma ação pode ser considerada legítima, por exemplo, quando fundada na humilhação
e discriminação, pois o respeito pela importância de qualquer vida proíbe que se causem danos a
algumas pessoas para benefício de outros (DWORKIN, 2012, p. 344-345).
134
Vulnerabilidade nos serviços públicos educacionais: o caso do direito à educação das pessoas com deficiência.
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REFERÊNCIAS.
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Vulnerabilidade nos serviços públicos educacionais: o caso do direito à educação das pessoas com deficiência.
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138
APRECIAÇÃO DA PENA CRIMINAL
EM SEGUNDO GRAU: O PROBLEMA DA
“REFORMATIO IN PEJUS” INDIRETA
INTRODUÇÃO
Poucos temas, no âmbito das ciências criminais, tem tanta relevância prática
no exercício cotidiano da jurisdição de segundo grau e, ao mesmo tempo, carecem
de sólido consenso teórico-jurisprudencial, quanto o problema da dosimetria da
pena ao exame recursal.
No presente texto, recorta-se o específico problema da “reformatio in pejus”
indireta, examinando-se a jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ)
para verificar se, e em que termos, o Tribunal “ad quem”, em recurso exclusivo da
defesa, pode manter o “quantum” de pena da sentença, mesmo realizando nova
ponderação e afastando circunstâncias desfavoráveis.
O PANORAMA JURISPRUDENCIAL
2 – O Min. Relator consigna, verbis: “No que se refere à tese de constrangimento ilegal pela manutenção
da pena-base no mesmo patamar, apesar do afastamento de circunstâncias judiciais, o acórdão
proferido pelo Tribunal de origem deve ser mantido eis que está de acordo com o entendimento
reiterado desta eg. Quinta Turma no sentido de que ‘o princípo da ne reformatio in pejus não vincula o juízo
ad quem aos fundamentos adotados pelo juízo a quo, somente representando obstáculo ao agravamento da pena,
inadmissível em face de recurso apenas da Defesa’ (STJ, Quinta Turma, HC nº 236.180/RS, Rel. Min. Laurita
Vaz, DJe 11.9.13)” – grifei.
140
Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
3 – STJ, Sexta Turma, HC nº 302.488/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 10/11/14.
4 – No caso, o Juiz havia negativado a conduta social do réu por outras duas condenações transitadas
em julgado posteriormente ao fato (uma terceira, com trânsito anterior, configurou reincidência).
O Tribunal ad quem afastou tal fundamento, como inidôneo para desvalorar a conduta social, mas
o utilizou para afirmar os maus antecedentes “e personalidade voltada à prática criminosa”. Assim,
manteve o acréscimo de 10 meses à pena-base de 4 anos já operado em primeiro grau. O Min. Relator
expressamente referiu possível a “correta qualificação de elemento equivocadamente considerado, na
fixação da pena-base pelo juízo de piso” e nem o fato de haver o juízo de primeiro grau afirmado
que não havia elementos para aquilatar a personalidade “impede que se reconheça o equívoco dessa
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Jayme Weingartner Neto
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Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
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Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
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9 – No julgamento dos embargos de declaração, o Tribunal de Justiça registrou que mesmo que no
julgamento do recurso de apelação tenham sido consideradas desfavoráveis “duas circunstâncias
judiciais, em vez das três valoradas negativamente pela sentença condenatória, tal fato não induz a uma
redução automática da pena-base, mormente quando a reprimenda restou fixada em patamar suficiente
à prevenção e reprovação do delito, conforme o caso dos autos.”
10 – Como consequência lógica, o Min. Relator passa a redimensionar a pena, calculando – para
descontá-la – a fração matemática atribuída a cada vetorial negativa pelo julgamento de piso (no
particular, 1 ano e 8 meses de reclusão na fixação da pena-base de crime de latrocínio – resultado dos
cinco anos acrescidos divididos por três vetores), a redundar, na primeira fase, numa pena de 23 anos e
4 meses de reclusão, em vez dos 25 anos de reclusão originariamente atribuídos.
146
Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
11 – No caso, o recorrente foi condenado em primeiro grau por 72 estelionatos (art. 171, § 3º, CP) e pelo
crime previsto no art. 288 do CP a uma pena total de 9 anos, 3 meses e 10 dias de reclusão. Para tanto,
no que interessa ao tema versado, o juiz, na pena-base de ambos os delitos, considerou desfavoráveis
cinco vetoriais: culpabilidade, antecedentes, personalidade, circunstâncias e consequências do crime.
O TRF da 5ª Região afastou os antecedentes e a personalidade, mas considerou as três vetoriais
remanescentes (culpabilidade, circunstâncias e conseqüências) efetivamente negativas – portanto,
“inexiste desproporcionalidade na sua fixação apenas um ano acima do patamar mínimo previsto no
preceito secundário da norma pena [para a associação, já que para o estelionato foram dois anos acima
do mínimo]”. O STJ chegará, ao final, a uma pena total de 8 anos, 2 meses e 18 dias de reclusão.
147
Jayme Weingartner Neto
12 – Mais uma vez, calculadora na mão, o Min. Relator constatou que cada uma das circunstâncias
judiciais, pelo juiz, equivaleram a acréscimos de 4 meses e 24 dias para o estelionato e 2 meses e 12 dias
para a associação. Operado o desconto das duas vetoriais descartadas, a pena-base resultou em 2 anos,
2 meses e 7 dias de reclusão para o estelionato; e 1 ano, 7 meses e 15 dias de reclusão para o crime de
associação.
13 – EMENTA: “[...] 1. Para o exame das fronteiras que delimitam a proibição de reforma para pior
deve ser analisado cada item do dispositivo da pena e não apenas a quantidade total da reprimenda.
Assim, se o Tribunal exclui, em apelo exclusivo da defesa, circunstância judicial do art. 59 do CP
erroneamente valorada na sentença, deve reduzir, como consectário lógico, a pena básica e não mantê-
la inalterada, pois, do contrário, estará agravando o quantum atribuído anteriormente a cada uma das
vetoriais. 2. Embora a paciente haja sido condenada a reprimenda inferior a 8 anos de reclusão, é
reincidente e possui circunstância judicial desfavorável - tanto que a sua pena-base ficou estabelecida
acima do mínimo legalmente previsto -, o que evidencia ser o regime inicial fechado o mais adequado
para a prevenção e a repressão do delito perpetrado. Inteligência do art. 33, § 2º, "a", e § 3º, do Código
Penal. 3. Habeas corpus parcialmente concedido para, reconhecida a ocorrência de reformatio in pejus
na dosimetria da pena, reduzir em parte a reprimenda-base estabelecida à paciente e, por conseguinte,
tornar a sua sanção definitiva em 5 anos, 2 meses e 15 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial
fechado, mais pagamento de 520 dias-multa”.
14 – EMENTA: “[...] 2. No caso, ao julgar a apelação exclusivamente defensiva, o Tribunal de origem
afastou as consequências do crime por considerar inidôneos os fundamentos da sentença, mantendo,
contudo a pena-base no mesmo patamar. Ocorre que, afastada pelo colegiado local uma circunstância
judicial negativa reconhecida no édito condenatório, imperiosa seria a redução proporcional da
reprimenda básica, em atenção ao princípio da non reformatio in pejus [...]”
15 – Mais restritiva, a decisão do STF no citado HC 103310, leva em conta cada uma das três fases da
dosimetria da pena, assentando que, em nenhuma delas, é possível redimensionar o quantum para além
daquele fixado no juízo originário, ainda que a reprimenda final reste reduzida.
148
Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
16 – Os lindes desta “nova ponderação sobre a dosimetria”, na leitura que fiz, não são unívocos.
Tendencialmente, possível: acrescer argumento para sanar fundamentação deficiente; utilizar
fundamento diverso; reclassificar circunstâncias fáticas, deslocando-as dentre os vetores do art. 59
do CP; substituir por outras as circunstâncias judiciais ou legais de exasperação a que a decisão de
primeiro grau haja dado relevo (vale dizer, afastar uma vetorial insubsistente, mas apontar outra que
sustente a pena aplicada). Não encontrei resposta específica quanto à possibilidade (à qual respondo
afirmativamente) de que o Tribunal ad quem afaste uma vetorial insubsistente e, sem apontar outra,
reconsidere a intensidade atribuída a vetoriais supérstites, de molde a sustentar a pena aplicada.
17 – Observo que, via de regra, a doutrina brasileira apoda de reformatio indireta os casos em que,
anulada a sentença em recurso exclusivo da defesa, o novo provimento jurisdicional de primeiro grau
ultrapasse o máximo de pena aplicado no primeiro julgamento, havendo especial discussão quanto às
hipóteses da primeira decisão ter sido proferida em situação de incompetência absoluta, bem como
nas anulações das decisões do Tribunal do Júri, em face da soberania dos veredictos. Há, também, a
hipótese da Súmula nº 160 do STF.
149
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18 – BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 6ª ed. p. 148.
150
Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
19 – É preciso densificar o multicitado princípio do ne bis in idem – ninguém pode ser julgado mais do que uma
vez pela prática do mesmo crime, que reveste duas facetas: “por um lado, a proibição de dupla valoração do
mesmo substrato material nele [ no mesmo crime ] contida, e por outro lado, o mandado de esgotante
apreciação de toda a matéria tipicamente ilícita submetida à cognição do tribunal num certo processo
penal”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – parte geral – tomo I – questões fundamentais: a doutrina
geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 978. Para uma
apreciação detalhada, confira-se pp. 982-8.
20 – DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal português: as consequências jurídicas do crime. Lisboa:
Aequitas/Editorial Notícias, 1993. pp. 227 e seguintes.
151
Jayme Weingartner Neto
como na preservação da segurança jurídica. Tal medida não pode, entretanto, ser
excedida. “Mas, abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela
é ainda efectiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda
situar-se sem que esta perca a sua função primordial; até se alcançar um limiar
mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena
sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.”.21
Ou seja, há limites consentidos, entre o ponto ótimo e o ponto ainda
comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos. A extensão
da figura da reformatio indireta e a correlata/automática redução da pena podem,
não raro, ultrapassar o limiar mínimo da função tutelar da pena, isso tendo como
diapasão exclusivo o mero resultado da aferição métrica formal do melhor ou
pior estilo da decisão singular, em vez da ponderação, por juízes em regra mais
experientes e em colegiado (sendo as instâncias ordinárias tribunais vocacionados
para enfrentar os fatos), do acerto ou erro de manter uma determinada pena que
seja necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime, no horizonte de
pacificação social com justiça, em face de acontecer social conflitivo. Manter uma
determinada pena, friso, o que obedece literalmente ao preceito específico do art.
617 do CPP,22 desde que amparada em dados empíricos processualmente aferidos,
ainda que ao explicitar ou agregar fundamentos.
Não é demais enfatizar a peculiaridade epistemológica envolvida da tarefa
de individualização da pena:
152
Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
23 – DIAS, p. 195.
24 – DIAS, pp. 195-6. Uma tal formalização está “de antemão excluída face ao carácter necessariamente
individualizado que assumem os critérios de determinação da pena e à ilimitada variedade dos fatores
que à luz daqueles relevam”.
25 – BOSCHI, p. 182.
153
Jayme Weingartner Neto
CONCLUSÃO
154
Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
chão e o restante foi encontrado nas buscas na casa. Versão do réu inverossímil e isolada nos autos.
Vínculo das drogas com o réu comprovado. Destinação comercial demonstrada. Condenação mantida.
PENA-BASE. A exclusão de alguma circunstância do art. 59 do CP erroneamente valorada na
sentença, mesmo em recurso exclusivo da defesa, não impõe automática redução proporcional da pena-
base. Desde que mantido o apenamento e respeitados os limites da imputação e a prova produzida,
possível realizar nova ponderação sobre a dosimetria aplicada pelo juízo a quo, encontrando melhor
fundamento e motivação própria, sem que se esteja a violar o non reformatio in pejus, sequer de forma
indireta. O fenômeno decorre do amplo efeito devolutivo da apelação e do princípio constitucional
da individualização da pena. No caso, agregado fundamento para manter uma pena já quantificada,
coloca-se sobre a reprimenda o selo da razoabilidade, que seria rasgado, para aquém da justa medida, se
descontada qualquer fração matemática. Pena mantida. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime
Nº 70073336828, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner
Neto, Julgado em 14/06/2017). REVISÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ERRO
JUDICIÁRIO NO TOCANTE À APLICAÇÃO DA PENA. INEXISTÊNCIA. Dosimetria da pena
realizada com razoabilidade e proporcionalidade, estando dentro do livre convencimento motivado
do Juiz, amparado na legislação vigente. Mesmo em se admitindo que a Segunda Câmara Criminal
manteve a basilar sob fundamento diverso, viável a manutenção do quantum desde que respeitados
os limites da imputação. É possível realizar nova ponderação sobre a dosimetria aplicada pelo juízo a
quo, encontrando melhor fundamento e motivação própria, sem que se esteja a violar o non reformatio
in pejus, sequer de forma indireta. O fenômeno decorre do amplo efeito devolutivo da apelação e do
princípio constitucional da individualização da pena. Agregado/explicitado fundamento para manter
uma pena já quantificada, coloca-se sobre a reprimenda o selo da razoabilidade, que seria rasgado, para
aquém da justa medida, se descontada qualquer fração matemática. Basilar exasperada motivadamente.
Pena definitiva mantida. REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE. POR MAIORIA. (Revisão
Criminal Nº 70075959254, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Jayme Weingartner Neto, Julgado em 03/08/2018)
27 – SARLET, Ingo Wolfgang/MARINONI, Luiz Guilherme/ MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. p. 391.
28 – SARLET, p. 398.
155
Jayme Weingartner Neto
29 – CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Teoria da Legislação Geral e Teoria da Legislação Penal.
Contributo para uma teoria da legislação”, Boletim da Faculdade de Direito, número especial Estudos em
Homenagem a Eduardo Correia, vol. I, 1984. p. 827 e ss.
30 – DIAS, pp. 447/448.
31 – SARLET, p. 393.
156
Apreciação da pena criminal em segundo grau: o problema da “reformatio in pejus” indireta
manter uma pena já quantificada, está colocando sobre tal reprimenda o selo
da razoabilidade, que seria rasgado, para aquém da justa medida, se descontada
qualquer fração matemática no caso concreto que examina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 6ª ed. p. 148.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Teoria da Legislação Geral e Teoria
da Legislação Penal. Contributo para uma teoria da legislação”, Boletim da Faculdade
de Direito, número especial Estudos em Homenagem a Eduardo Correia, vol. I, 1984
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – parte geral – tomo I – questões
fundamentais: a doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Portugal:
Coimbra Editora, 2007,
___. Direito penal português: as consequências jurídicas do crime. Lisboa:
Aequitas/Editorial Notícias, 1993.
SARLET, Ingo Wolfgang/MARINONI, Luiz Guilherme/ MITIDIERO,
Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. p. 391.
157
O ATIVISMO JUDICIAL NO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
160
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
3 – BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção
teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 197.
4 – Idem, ibidem, p. 190.
5 – GARCIA, Marcos Leite. “Novos” Direitos Fundamentais: características básicas. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, XII, n. 70, nov 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/
site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6654>. Acesso em jul 2018. São exemplos os
direitos étnico-raciais, as questões de gênero, o meio ambiente, a biotecnologia e a bioética.
6 – SILVA, Bruno Miola da. O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial: uma análise dos reflexos
dessa prática no Judiciário brasileiro. Revista da Faculdade de Direito Sul de Minas, Pouso Alegre, v.
161
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
162
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
12 – FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. Ativismo judicial: por uma delimitação conceitual à
brasileira. Diritto & Diritti dal 1996. Disponível em: < https://www.diritto.it/ativismo-judicial-por-
uma-delimitacao-conceitual-a-brasileira/>.
13 – BARROSO, op. cit., p. 244-245.
14 – A título de exemplo, menciona-se alguns casos: ilegitimidade da segregação racial nas escolas
públicas (Brown v. Board of Education, 1954); liberdade de imprensa (New York Times v. Sullivan, 1964) e
Roe v. Wade (reconhecimento do direito à interrupção voluntária da gravidez).
15 – CAMBI, op. cit., 172.
16 – Idem, ibidem, p. 175.
17 – Idem, ibidem, p. 175.
18 – Idem, ibidem, p. 175. “Portanto, o liberalismo não considera a realização dos direitos fundamentais
163
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
164
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
23 – HIRSCHL, Ran. The Political Origins of the New Constitucionalism. Indiana Journal of Global
Legal Studies, 2004, Vol. 11: Iss. 1, Article 4, p. 71. “Over the past two decades the world has witnessed
an astonishingly rapid transition to what may be called juristocracy. Around the globe, in numerous
countries and in several supranational entities, fundamental constitutional reform has transferred
an unprecedented amount of power from representative institutions to judiciaries. Most of these
polities have a recently adopted constitution or constitutional revision that contains a bill of rights
and establishes some form of active judicial review. National high courts and supranational tribunals
meanwhile have become increasingly important, even crucial, policy-making bodies. To paraphrase
Alexis de Tocqueville's observation regarding the United States, there is now hardly any moral, political,
or public policy controversy in the new constitutionalism world that does not sooner or later become a
judicial one.' This global trend toward the expansion of the judicial domain is arguably one of the most
significant developments in late twentieth and early twenty-first century government. […]”
24 – MCILWAIN, Charles Howard. Constitucionalism: ancient and modern. Indianápolis: Liberty
Found, 2007, p. 131-132. “[...] But to insist thus on the indispensability of legal limits to governmental
power and the safeguarding of these limits by an independent court is not to advocate the enfeebling
of that government itself. Among all the modern fallacies that have obscured the true teachings of
constitutional history, few are worse than the extreme doctrine of the separation of powers and the
indiscriminate use of the phrase ‘‘checks and balances.’’ The doctrine of the separation of powers has
no true application to judicial matters. Consideration of this important question should not be clouded
and confused by including the independence of the judges, with which it has nothing to do. […]”
25 – Idem, ibidem, p. 132. –
26 – Cambi, op. cit., p. 200.
165
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
166
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
se fazer uma leitura moral da Constituição. Destacou, ainda, que o art. 128 do
Código Penal brasileiro deveria sofrer essa releitura moral a que refere Dworkin,
exatamente porque havia novas luzes sobre as noveis necessidades científicas e
sociais.
A despeito de o Supremo Tribunal Federal ter perdido a oportunidade
de aprofundar a questão no mencionado julgamento, o debate acerca do fim da
separação entre direito e moral é essencial à compreensão dos desafios impostos
à atividade jurisdicional na era do constitucionalismo democrático. A partir de
parâmetros constitucionais, busca-se a consolidar a tese do construtivismo ético,
através de consensos a serem elaborados discursivamente.29
As principais democracias modernas inseriram em suas constituições o
princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se da expressão de um conjunto
de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade.30 Também
se verifica nos principais documentos internacionais, tais como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica - 1969), a Convenção contra a
Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (1984)
e a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata (Declaração de Durban - 2001).
A questão da moral insere-se na perspectiva da concepção moderna da
dignidade humana. Barretto refere que “a construção do conceito de dignidade
humana na cultura contemporânea deita suas raízes, principalmente, no
pensamento de Immanuel Kant”.31
Entre os conceitos desenvolvidos pelo filósofo de Könisgberg acerca da
dignidade humana, um dos mais destacados encontra-se na obra denominada
“Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. Kant explica que as coisas
possuem valor ou preço. Esse último diz respeito àquilo que pode ser substituído
por existir o equivalente, ao qual se atribui um preço de mercado. A dignidade
interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos
artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal. Em síntese, o Colegiado garantiu a possibilidade de
interrupção terapêutica da gestação de feto anencéfalo.
29 – CAMBI, op. cit., p. 137.
30 – BARROSO, op. cit., p. 339.
31 – BARRETTO, Vicente de Paulo. O Fetiche dos Direitos Humanos e outros temas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 70.
167
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
168
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
37 – Idem, ibidem, p. 167. Esclarece o autor que “no estado democrático de direito, essa relação
complementar torna-se mais evidente, pois podemos constatar como a moral sem o direito é um ditame
da consciência individual, enquanto o direito sem a moral é mera vontade de arbítrio.”
38 – DWORKIN, Ronald. A Justiça de Toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 5.
39 – Idem, ibidem, p. 3-4.
40 – Idem, ibidem, p. 31. “No âmbito dessa nova estrutura, a moral tem um papel a desempenhar em
dois pontos distintos da teoria jurídica: no estágio teórico, quando se atribui valor à prática jurídica; e
no estágio da decisão judicial, quando os juízes são instados a fazer justiça e informados de que a justiça
exige indenizações calculadas com base na participação de mercado. Mas as duas inserções da moral
são distintas. Ao contrário, em minha opinião o valor de integridade que deveríamos atribuir à prática
jurídica atravessa o estágio doutrinário e chega até o estágio da decisão judicial porque, argumento,
a integridade exige que os juízes considerem a moral em alguns casos, inclusive neste, tanto para
decidirem sobre o que é direito quanto sobre o modo de honrar suas responsabilidades de juízes. Uma
vez mais, a diferença não se encontra entre teorias que incluem e teorias que excluem a moral, mas entre
teorias que a introduzem em estágios distintos de análise, com consequências diferentes para o juízo
político final com que se vai consumar uma teoria completa.”
169
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41 – BARROSO, op. cit., p. 243. “No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da
constitucionalização abrangente e analítica – constitucionalizar é, em última análise, retirar um tema
do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis – e do sistema de controle de
constitucionalidade vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo Tribunal Federal por via
de ações diretas.”
42 – VILELA, Hugo Otávio Tavares. Além do Direito: da necessária formação multidisciplinar do
juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3209, 14 abr. 2012. Disponível
em: <https://jus.com.br/artigos/21504>. Acesso em: 15 jul. 2018.
43 – Os amici curiae tem atuado com frequência nas principais questões constitucionais postas ao
exame do Supremo Tribunal Federal, destacando-se, por exemplo, as pesquisas com células-tronco
embrionárias (ADI 3.510) e a interrupção da gestação de fetos anencefálicos (ADPF nº 54), já
mencionadas no presente estudo.
44 – HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução
de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, Editor, 1997, p. 13-14. “O conceito de
interpretação reclama um esclarecimento que pode ser assim formulado: quem vive a norma acaba
por interpretá-la, ou pelo menos co-interpretá-la [...]. Toda atualização da Constituição, por meio da
170
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
atuação de qualquer indivíduo, constitui, ainda que parcialmente, uma interpretação constitucional
antecipada. Originariamente, indica-se como interpretação apenas a atividade que, de forma consciente
e intencional, dirige-se à compreensão e à explicitação de sentido de uma norma (de um texto). A
utilização de um conceito de interpretação delimitado também faz sentido: a pergunta sobre o método,
por exemplo, apenas se pode fazer quando se tem uma interpretação intencional ou consciente. Para
uma pesquisa ou investigação realista do desenvolvimento da interpretação constitucional, pode
ser exigível um conceito mais amplo de hermenêutica: cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema
público e a opinião pública (...) representam forças produtivas de interpretação (...); eles são intérpretes
constitucionais em sentido lato, atuando nitidamente, pelo menos, como pré-intérpretes (...). Subsiste
sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre
a interpretação (com a ressalva da força normatizadora do voto minoritário). Se se quiser, tem-se aqui
uma democratização da interpretação constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre
a interpretação constitucional. Isso significa que a teoria da interpretação deve ser garantida soba a
influência da teoria democrática. Portanto, é impensável uma interpretação da Constituição sem o
cidadão ativo e sem as potências públicas mencionadas.”
45 – Barretto, op. cit., p. 167.
46 – Barretto, op. cit., p. 56.
171
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
Justiça outra coisa não foi senão dar dimensão exagerada a um fato insignificante,
se comparado à grandeza do futebol brasileiro.47
Os fundamentos trazidos pelo julgador vão de encontro ao direito à
identidade sexual, ao pluralismo jurídico e demais princípios caros ao Estado
Democrático de Direito. E por essa razão a sentença não legitimaria, socialmente,
o exercício do poder jurisdicional.48
A decisão judicial acima destacada não esteve em sintonia com a dimensão
moral que deve acompanhar os atos estatais. Violou os princípios da dignidade da
pessoa humana, do pluralismo e da tolerância, que devem amparar os anseios de
uma sociedade aberta e democrática.
A retomada do debate acerca da moral no contexto do sistema jurídico deve
ser visto como uma conquista ética. O ser humano dotado de dignidade passa a ser
o centro de referência do ordenamento jurídico. O ativismo judicial, à míngua de
um maior protagonismo dos outros poderes no exercício de suas funções típicas,
busca impulsionar o avanço civilizatório, dentro dos parâmetros constitucionais.
O desafio do poder judiciário é ainda maior nos países onde a desigualdade
socioeconômica é significativa. Por um lado, necessita olhar para o futuro,
deparando-se com questões de alta complexidade jurídica relacionadas à inovações
tecnológicas e avanços científicos. Por outro, obriga-se a olhar para o passado,
enfrentando e decidindo sobre questões não processadas e superadas em tempos
47 – CAMBI, op. cit., p. 137. “À guisa de ilustração dessa última ideologia, cabe lembrar a sentença
proferida, no dia 05 de julho de 2007, pelo juiz da 9ª Vara Criminal de São Paulo, nos autos n. 936-07, no
qual o jogador do São Paulo Futebol Clube, Richarlyson, ingressou com queixa-crime contra o diretor
administrativo do Palmeiras, José Cyrillo Júnior, por ter insinuado que o jogador seria homossexual.
O juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho rejeitou a queixa-crime, sustentando que os gramados não
seriam lugar de homossexual: ‘Futebol é jogo viril, varonil, não homossexual” e completou “Não que
um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas, forme o seu time e inicie uma
Federação. Agende jogos com que prefira pelejar contra si”. Considerou que o querelado não apontou o
querelante como homossexual e, mesmo que tivesse feito, este “poderia optar pelos seguintes caminhos:
3. A – Não sendo homossexual, a imputação não o atingiria e bastaria que, também ele, o querelante,
comparecesse no mesmo programa televisivo e declarasse ser heterossexual e ponto final; 3. B – se
fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omitir, ou silenciar a respeito. Nesta hipótese, porém,
melhor seria que abandonasse os gramados... Quem é, ou foi boleiro, sabe muito bem que estas infelizes
colocações exigem réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num
‘tête-à-tête’. Trazer o episódio à Justiça, outra coisa não é senão dar dimensão exagerada a um fato
insignificante, se comparado à grandeza do futebol brasileiro’.”
48 – CAMBI, op. cit., p. 137.
172
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
173
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
53 – PASTOR, Roberto Viciano; DALMAU, Rúben Martinez. “Los procesos constituyentes latino-
americanos y el nuevo paradigma constitucional”. IUS. Revista del Instituto de Ciencias Jurídicas
de Puebla A.C., núm. 25, 2010, pp. 7-29, Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla A.C. México.
Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/2932/293222977001.pdf. Acesso em: 15.07.2018. “[...]
con el paso del tiempo estas Constituciones tradicionales, em buena medida clásicas, de América
Latina, em general prefirieron conservar lá búsqueda de soluciones externas e problemas internos
sin um prévio estudio de los efectos de la importación, y em vez de promover um verdadero debate
republicano entre el Pueblo, continuaron como fruto de elites formadas en universidades extranjeras,
que preferían uma adaptación de mecanismos constitucionales que habían sido pensados para países y
sociedades diferentes a la reflexión sincera de las soluciones que podían ser eficaces y apropriadas par
sus propios entornos. [...]”
54 – LIMA, op. cit., p. 107-108.
55 – Idem, ibidem, p. 108.
56 – BAZZICALUPO, Laura. Biopolítica: um mapa conceitual. Trad.: Luísa Rabolini. São Leopoldo:
Ed. Unisinos, 2017, p. 97. “[...] O ato fundador da política não é uma simples transformação da vida
natural, mas a constituição de uma vida nua – ou seja, uma vida que não é apenas natural, mas que é
tomada fora na relação com o poder e mantida sob ele.”
174
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
175
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
60 – COLÔMBIA. Corte Constitucional, Magistrada Ponente Gloria Stella Ortiz Delgado, Auto
266/17. Disponível em:<http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2017/t-544-17.htm>.
Acesso em: 16.07.2018.
61 – GARAVITO, César Rodriguez. Beyond the Courtroom: The Impact of Judicial Activism on
Socieconomic Rights in Latin America. Texas Law Review, vol. 89, 2011, p. 1669-1698. Disponível
em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r27171.pdf. “The literature on the justiciability of SERs has
multiplied in proportion to the proliferation of activist rulings, both in Latin America and elsewhere.
Two angles of analysis have dominated this scholarship. First, some key contributions have concentrated
on making a theoretical case for the justiciability of of SERs in light of the demands of democratic
theory and the reality of social contexts marked by deep economic and political inequalities. Second, a
number of works have entered into the discussion from the perspective of human rights doctrine, which
has given greater precision to judicial standards for upholding SERs and boosted the utilization of these
righs with judicial organs and supervisory bodies at both the national and international level.”
176
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
62 – NUNES, Dimalice. “Em três semanas, São Paulo tem oito ataques a religiões de matriz africana”.
Carta Capital, 2017. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/em-tres-semanas-
sao-paulo-tem-oito-ataques-a-religioes-de-matriz-africana. Acesso em 15.07.2018.
63 – ROSEN, Michael. Dignidade, sua História e significado. São Leopoldo: Unisinos, 2015, p. 67.
64 – Idem, ibidem, p. 167.
65 – LIMA, op. cit., p. 109.
177
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
São muitos os desafios que vêm sendo impostos à sociedade brasileira e sua
ainda frágil democracia nessas duas primeiras décadas do século XXI. Ao tempo
em que se verifica uma forte descrença na representação política, surgem inúmeras
pautas que decorrem do estado de coisas que identifica a vida moderna e o mundo
globalizado.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem sido o destinatário do clamor
social por políticas igualitárias que viabilizem uma vida mais digna.66 E tem sido
provocado em demandas envolvendo temas relacionados à bioética e às inovações
científicas.
Um dos julgamentos de maior destaque da Corte Constitucional brasileira
foi a já citada ADPF 54, que discutia o direito à interrupção da gestação de fetos
anencéfalos. O Supremo Tribunal decidiu, por maioria, pela inconstitucionalidade
da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é
conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
O Relator, Ministro Marco Aurélio Mello, ao proferir o seu voto, destacou
que “não é dado invocar o direito à vida dos anencéfalos. Anencefalia e vida são
termos antitéticos.” Nas palavras do Ministro Relator, o “aborto é crime contra a
vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida
possível”.67
178
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
179
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
tecnocientífica exige especificidades no ato de legislar e no ato de julgar, que irão processar-se no quadro
do estado democrático de direito, mas pressupondo uma leitura da constituição e das leis que leve em
consideração ao lado do fato biológico os valores e argumentos morais, explicitados no espaço público
democrático.[...]”
71 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 124.306/RJ, Primeira Turma, Rel. p/ acórdão Luís
Roberto Barroso, j. 09.08.2016, data da publicação: 17.03.2017. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12580345. Acesso em: 17.07.2018.
180
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
possível à Corte Constitucional prescindir dessa análise para uma solução ética e
justa.
Nos três precedentes acima destacados, que tangenciam questões relacionadas
à bioética, o Supremo Tribunal Federal fez a opção de não enfrentar os desafios
morais apresentados. O voto-vista proferido pelo Ministro Barroso no HC 124.306
ainda demonstra que o ativismo judicial, embora um instrumento legítimo e eficaz
à promoção dos direitos fundamentais, deverá encontrar seus limites nos princípios
constitucionais, em especial na dignidade da pessoa humana, que tem na moral a
sua razão de ser. Tratando-se de um tema que envolve profundos dilemas morais,
impõe-se concluir que a solução não se restringe à reflexões de ordem econômica
ou social,72 e tampouco devem ser contempladas apenas sob a perspectiva da
mulher, ignorando-se a condição do feto como pessoa humana em potencial73.
Na ADPF 34774, o Supremo Tribunal Federal, acolhendo a tese do
“Estado de Coisas Inconstitucional”, determinou a adoção de providências a fim
de solucionar a crise do sistema carcerário no País, em especial a realização de
audiência de custódia, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a
autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.
Na ADI 3.239, o STF declarou a validade do Decreto 4.887/03, garantindo
a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas.
Na ADPF 18675, houve o reconhecimento da constitucionalidade da política
de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília
(UnB). O Relator, Ministro Ricardo Lewandovski fundamentou no sentido de
que as políticas de ação afirmativa adotadas pela UnB estabelecem um ambiente
acadêmico plural e diversificado, e têm o objetivo de superar distorções sociais
historicamente consolidadas.
Percebe-se que a Corte Constitucional brasileira tem protagonizado distintas
controvérsias, que vão das inovações científicas à tutela dos direitos culturais de
72 – No voto-vista, o Ministro Luís Roberto Barroso “o Estado deve atuar sobre os fatores econômicos
e sociais que dão causa à gravidez indesejada ou que pressionam as mulheres a abortar”.
73 – Barretto, op. cit., p. 174.
74 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 347 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco
Aurélio, J. 09.9.2015, data da publicação: 19.02.2016. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665. Acesso em: 17.07.2018.
75 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 186, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
j. 26.04.2012, data da publicação: 20.10.2014. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693. Acesso em: 17.07.2018.
181
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
5 CONCLUSÃO
182
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
6 REFERÊNCIAS
183
Vicente de Paulo Barretto e César de Oliveira Gomes
184
O ativismo judicial no Estado Democrático de Direito
185
CASOS DIFÍCEIS E A CONTRIBUIÇÃO
DE NEIL MACCORMICK: ALGUNS
CONTRAPONTOS COM A JUSTIÇA BRASILEIRA
Iniciando com o que foi escrito nas obras referidas, especialmente Sociologia
do Direito (2016, p. 147-148), Hart e Dworkin muito polemizaram sobre os
ditos casos difíceis4. Otfried Höffe afirmou que Hart possui um “positivismo
suave”, porque, muito embora sustente a separação entre o direito e a moral, o
fundamento de seu sistema jurídico de regras repousa no que ele denomina de
regra de reconhecimento, que pode ser entendida para além de uma autorização
formal como uma aceitação material por parte da comunidade. Na leitura de
Höffe, tal regra pode ser entendida como sendo um “querer” além do “ter-que”
clássico e explícito da teoria kelseniana5. Embora aberta, a postura de Hart segue
sendo tipicamente positivista, pois essa regra de reconhecimento visa justamente
a uma clara distinção entre o direito e o não direito, e, assim, no caso de duas
ou mais normas poderem ser aplicadas a uma mesma situação, poderia haver
dificuldade em se saber qual delas deveria ser aplicada. Inclusive, repita-se que
as dificuldades poderiam surgir também de normas com textura aberta, diante
das quais o juiz possuiria, tal como nas situações de conflito, discricionariedade
tanto no estabelecimento do conteúdo das normas, quanto ao que diz respeito ao
processo de escolha entre uma delas para aplicar.
ao final e que de certa forma desconsideram essa teoria, e que foram extraídos da realidade judicial
brasileira.
4 – Uma ótima exposição desse debate, e que utilizaremos nestes escritos, encontra-se na obra La
Decisión Judicial. El Debate Hart – Dworkin. Estudio preliminar de César Rodriguez. Santafé de Bogotá:
Siglo Del Hombre Editores: Faculdad de Derecho. Universidad de lós Andes, 1997.
5 – HÖFFE, Otfried. Justiça política. Rio de Janeiro: Vozes, 1991, p.135.
188
Casos difíceis e a contribuição de Meil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça Brasileira
6 – DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. SP: Martins Fontes, 2000, pp. 03-39.
7 – DWORKIN, Ronald. Uma questão de Princípio, SP: Martins Fontes, 2000, pp. 03-39.
8 – Debate Hart-Dworkin. La Decisión Judicial, op.cit. estúdio preliminar de César Rodriguez, pp.68-75.
189
José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos
9 – FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994,
p. 170.
10 – DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
11 – DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.3-39.
12 – OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Teoria Jurídica e Novos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000, p. 71-82. Ver também: NINO, Carlos Santiago. Dworkin y la disolucion de la controversia
positivismo vs. iusnaturalismo, Revista Latino-americana de Filosofia, vol. VI, n. 3, nov. 1980, p. 213-234.
13 – CARRIÓ, Genaro. Princípios juridicos y positivismo juridico. Buneos Aires: Abeledo-Perrot, 1970,
pp.21-51.
14 – MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. Especialmente quando comenta o uso da expressão “interesse geral” para justificar a
190
Casos difíceis e a contribuição de Meil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça Brasileira
e juízes dessa assertiva, pois se teria, então, que admitir que a atividade jurídica
possui uma coloração política. Recorrer a princípios ou mesmo expressões tópicas
é lançar mão de valores ou referências amplas que transcendem a legislação em
sentido estrito, e isto poderia ser entendido como politização, pois tal como diria
Dworkin, isto poderia também ser entendido como uma forma de se legislar nesses
casos.
Didaticamente Genaro Carrió15 comprova a tese sobre os princípios na obra
referida há pouco, ao comparar o jogo do direito ao jogo de futebol. Em ambos,
existem três tipos de normas: uma que proíbe e sanciona uma conduta precisa,
como, por exemplo, a proibição de colocar a mão na bola no futebol e o homicídio
no direito; uma outra, que proíbe e sanciona uma variedade de condutas, a
exemplo do jogo perigoso e da norma de responsabilidade civil do código civil; e
uma terceira, mais ampla e que funciona exatamente como um princípio, tal como
a lei da vantagem no futebol e aquela que diz, no direito, que “ninguém deve levar
vantagem com sua própria torpeza”.
Ora, essas últimas, que se dirigem mais às primeiras e às segundas,
assim como aos árbitros e aos juízes, sempre existiram, restando questionar
se são jurídicas ou como se tornaram jurídicas, etc. De qualquer maneira, ao
proporcionarem possibilidades de exceções, de introdução de outros elementos
às normas jurídicas estritas, não há como negar que politizem o direito, uma
vez que permitem claramente o uso finalístico ou teleológico do sistema, o que,
ao fim e ao cabo, não é nenhum pecado, mas ataca certos mitos positivistas
como o de que o sistema jurídico possui um fim em si mesmo e que toda a
aplicação que dele se fizer estará imune a influências externas. Com efeito, o
importante de ser constatado nesse momento é que Genaro Carrió, após uma
ampla análise do que seria princípio, bem como de um confronto dessa ideia
com a do positivismo jurídico de Hart, conclui que elas não são excludentes,
mas coincidentes em muitos de seus aspectos16.
não aplicação de lei especial sobre recursos e sim a aplicação de lei geral contida no código de Processo
Civil, por essa lei privilegiar o Poder Público.
15 – CARRIÓ, Genaro. Princípios jurídicos y positivismo jurídico, B.A. Abeledo Perrot, 1970, pp.15-20.
16 – CARRIÓ, Genaro. Princípios jurídicos y positivismo jurídico, p. 60 e ss.
191
José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos
192
Casos difíceis e a contribuição de Meil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça Brasileira
19 – BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. 7ª. Ed. Revista e ampliada. Trad. Marco Aurélio
Nogueira. SP: Paz e Terra, 2000.
193
José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos
194
Casos difíceis e a contribuição de Meil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça Brasileira
Por outro lado, é importante que se diga que a ideia de ciência do direito como
a construção de uma argumentação, surge também como uma forma de limitação
dos exageros pró e anti-positivistas, e, portanto, não somente em oposição, mas em
complementação e atribuição de importância à ideia de interpretação sistemática
no direito25. Além de uma preocupação estrutural e metódica com a interpretação,
a argumentação se dirige à tentativa de explicitar os fins da interpretação. Dito de
outro modo: da busca de uma intencionalidade do legislador ou de uma solução
previamente dada pelo sistema jurídico, a argumentação funciona muito mais como
um instrumento construtor da ponte entre o direito e os ditos “hard cases” (casos
difíceis), justamente através do emprego dos topoy, expressões com um sentido
comum ou usual, como é exemplo a expressão “interesse geral”, anteriormente
referida.
Realizando, a partir de Manuel Atienza26, algumas observações acerca da
teoria de MacCormick, pode-se dizer que ele admite a existência tanto de casos
fáceis quanto de difíceis no direito. Aos primeiros se aplica de um modo mais
tranquilo a lógica dedutiva, enquanto que para os segundos é preciso ir além, pois,
nesses casos, “pelo menos em princípio, é possível propor mais de uma resposta
correta que se situe dentro das margens permitidas pelo direito positivo”.27
Entretanto, muitos dos casos no direito seriam tranquilos não fosse uma
observação importante de MacCormick: a lógica determina a obrigação do juiz
de sentenciar, mas não determina seu conteúdo, pois a lógica é apenas moldura
formal do argumento.28
Embora o argumento considerado lógico possa deter aspectos de aparente
autolegitimação, oriundos de uma possível confusão entre o que seja lógica e o
que seja justiça, MacCormick deseja chamar a atenção do fato de que tanto os
25 – Como assinala Ferraz Junior, “a teoria jurídica, sobretudo em consequência das intenções dos
séculos XVII e XVIII, durante muito tempo, supôs que a estrutura formal do direito podia ser entendida,
grosso modo, como uma conexão dedutiva explicável, principalmente, pela lógica dedutiva. Esta
concepção seria própria de uma época que considerou o papel da interpretação não como principal,
mas como secundário, pois, sem dúvida, é evidente que a interpretação tende a perturbar sensivelmente
o rigor do sistema dedutivo”. (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Apresentação. In: VIEHWEG,
Theodor. Tópica e jurisprudência. Trad. Tércio Sampaio Ferraz Junior. Brasília: Ministério da Justiça,
Departamento de Imprensa Nacional, 1979, p. 2.)
26 – ATIENZA, Manuel. As razões do Direito. São Paulo, Landy, 2000, pp.169-232.
27 – ATIENZA, Manuel. As razões do direito. São Paulo: Landy, 2000, p.179.
28 – ATIENZA, Manuel. As razões do direito. São Paulo: Landy, 2000, p. 176.
195
José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos
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Casos difíceis e a contribuição de Meil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça Brasileira
35 – SCHIAVELLO, Aldo. Neil MacCormick, teorico del diritto e dell’argomentazione giuridica, p.345.
Tema também tratado por ATIENZA, Manuel. “As razões...” p. 169 e segs. Ver também as críticas de
Dworkin a Hart sobre casos difíceis no estúdio preliminar de César Rodrígues, constante na obra La
Decisión Judicial, citado na nota segunda deste trabalho.
36 – ATIENZA, Manuel, “As razões...”, op.cit. pp.182-185.
37 – Cfe. ATIENZA, Manuel, “As razões...”, op.cit. pp.185-192. Nesse momento em que se readentra a
questão da coerência e, portanto, as possíveis antinomias de normas, deve-se trazer à colação o importante
artigo da professora Cláudia Lima Marques, "Diálogo entre o código de defesa do consumidor e o novo
código civil: do diálogo das fontes no combate às cláusulas abusivas”, Revista do Direito do Consumidor,
São Paulo:RT, jan./mar., 2003, p. 71-99, no qual após longa e fundamentada exposição, sustenta que
“é necessário superar a visão antiga dos conflitos e dar efeito útil às leis novas e antigas”, referindo-se a
um necessário diálogo entre o então novo Código Civil brasileiro e o já adolescente Código de Defesa
do Consumidor.
38 – ATIENZA, Manuel. As razões do direito, p. 186-187.
197
José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos
Por fim, além de uma decisão estar justificada internamente ou segundo suas
relações com o sistema, precisa ter sentido em relação ao mundo. Entende-se aqui
que, além de argumentos formais e sistêmicos, deve haver respeito a argumentos
práticos de utilidade, razoabilidade e proporcionalidade material, que seriam
entendidos como argumentos consequencialistas.39
Como corolário, quanto à tese da única resposta correta de Dworkin,
MacCormick a critica em quatro pontos que, em essência, se referem ao fato de
que as decisões jurídicas devem ter algo em comum (universalidade, consistência e
coerência), mas também terão diferenças, em virtude das razões práticas relativas
a argumentos consequencialistas que podem ter sua origem em crenças subjetivas.
Portanto decisões que se referem a um mesmo fato podem ser distintas, embora
ambas válidas, o que dificulta a tese de Dworkin de que existe apenas uma resposta
correta para cada caso.40
198
Casos difíceis e a contribuição de Meil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça Brasileira
Por outro lado, pode-se dizer que o que temos, nessa lógica, é o modelo
realista descrito por Calsamiglia - ao discorrer acerca do estudo da teoria
jurídica, em que “as decisões dos juízes são fruto de suas preferências pessoais e
de sua consciência subjetiva; o juiz primeiro decide e logo busca justificativa no
ordenamento jurídico”43.
Mas partindo para alguns exemplos, a arbitrariedade nas decisões judiciais
pode ser encontrada em questões mais amplas e gerais, mas também está em
questões mais pontuais. Por exemplo, diz o nosso código de processo civil que a
pena para a parte que não comparece ao ato é a confissão, mas o Juízo determinou
a condução coercitiva para o ato, tendo sido considerado pela instância superior
como decisão “arbitrária e despropositada”:
42 – Jurisdição, fundamentação e dever de coerência e integridade no novo CPC. STRECK, Lenio Luiz.
Disponível em <https://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-
fundamentacao-dever-coerencia-integridade-cpc>. Acesso em 23 jul 2018.
43 – CALSAMIGLIA, Albert. Ensayo sobre Dworkin (prólogo a la edición en español). In: Dworkin,
Ronald. Los derechos en serio. Barcelona: Ariel, 1984. Citado por OLIVEIRA JUNIOR, José
Alcebíades de; Souza, Leonardo da Rocha. Sociologia do Direito – desafios contemporâneos. Porto Alegre,
Livraria do Advogado Editora, 2016, p. 145.
199
José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos
200
Casos difíceis e a contribuição de Meil Maccormick: alguns contrapontos com a Justiça Brasileira
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
201
José Alcebiades de Oliveira Junior e Leonardo Serrat de Oliveira Ramos
202
AÇÃO CIVIL PÚBLICA E PISO SALARIAL DE
PROFESSORES NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL E QUALIFICAÇÃO
DO SERVIÇO PÚBLICO VIA CONTROLE DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: RACIONALIDADE E
FUNDAMENTAÇÃO1
1 – Este artigo é desenvolvido no grupo de pesquisa controle social e administrativo de políticas públicas
e serviços públicos no qual os autores são coordenadores junto ao Programa de Mestrado e Doutorad
da Unisc.
2 – Doutora em Direito. Professora do Programa de Pós-Graduação, mestrado e doutorado, da
Universidade de Santa Cruz do Sul. Advogada.
3 – Doutor em Direito. Professor do Programa de Pós-Graduação, mestrado e doutorado, da
Universidade de Santa Cruz do Sul. Procurador Federal.
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
1 INTRODUÇÃO
204
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
205
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
6 – STERN, Klaus. Derecho Del Estado da República Federal da Alemanha. Madrid: Madrid, 1987, p. 278.
7 – HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003. v. I.
206
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
8 – Importa referir que Habermas trata de discursos de Justificação no mesmo sentido e conotação que
Klaus Güinther se refere aos discursos de fundamentação.
9 – HABERMAS, op. cit., 2003, p. 270-275, v.I passim.
207
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
208
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
209
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
13 – (HABERMAS, Jürgen. Comentários à Ética do Discurso. Instituto Piaget: Lisboa, [s.d.]. 112-113)
210
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
211
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
212
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
Teria como seu principal objetivo a busca pela responsabilização por danos
causados ao meio ambiente, aos consumidores a ao patrimônio cultural e natural
do País ou por qualquer ato ilegal, através de prestação pecuniária de quem causou
o dano ou através do estabelecimento de obrigações de fazer ou não fazer. Logo
estamos tratando de lesão ou ameaça ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, a livre concorrência, ao patrimônio histórico, ao patrimônio turístico,
ao patrimônio artístico, ao patrimônio paisagístico, ao patrimônio estético, bem
como a qualquer outro interesse difuso ou direito coletivo.
Contudo, a ênfase da análise em questão é sobre a tutela de direito coletivo,
que, por definição do Código de Defesa do Consumidor em seu art. 81 revela que:
17 – CARVALHO FILHO, J. dos S. Ação Civil Pública. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
213
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
18 – BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ação Civil Pública nº 70049971815 (N°
CNJ: 0303773-53.2012.8.21.7000). Relator Des. Miguel Ângelo. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.
com.br/jurisprudencia/112967664/apelacao-e-reexame-necessario-reex-70049971815-rs/inteiro-teor-
112967673?ref=serp. Acesso 02 de julho de 2018.
214
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
19 – BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ação Civil Pública nº 70049971815 (N°
CNJ: 0303773-53.2012.8.21.7000). Relator Des. Miguel Ângelo. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.
com.br/jurisprudencia/112967664/apelacao-e-reexame-necessario-reex-70049971815-rs/inteiro-teor-
112967673?ref=serp. Acesso 02 de julho de 2018.
215
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
Entende-se, aqui, que o piso adquire tal relevância que ultrapassa os limites
das comunidades presentes nos Estados-membros.
O caráter de missão de superação da humilhação por que sofrem os
professores também veio através do uso da fala do supracitado autor:
216
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
com.br/jurisprudencia/112967664/apelacao-e-reexame-necessario-reex-70049971815-rs/inteiro-teor-
112967673?ref=serp. Acesso 02 de julho de 2018.
23 – Brasil, Supremo Tribunal Federal. (ADI 4.167, rel. min. Joaquim Barbosa,Pleno, DJe de 24.08.2011)
217
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
218
Ação Civil Pública e piso salarial de professores na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e
qualificação do serviço público via controle da Administração Pública: racionalidade e fundamentação
4 CONCLUSÃO
5 REFERÊNCIAS
219
Caroline Muller Bittencourt e Janriê Rodrigues Reck
220
A IMPROBIDADE DOS MUNICÍPIOS
EM MATÉRIA DE SAÚDE PÚBLICA
Ricardo Hermany1
Betieli da Rosa Sauzem Machado2
INTRODUÇÃO
O Brasil passa por uma das mais severas crises política e financeira, onde em
linhas gerais pessoas egoístas através de determinadas ações buscam a promoção
de seus objetivos individuais sem se preocupar com a coletividade. Tal crise afeta
significativamente a saúde pública, pois por meio de atos ímprobos se executam
as políticas públicas de forma ineficiente e precária, pondo em risco a vida de
muitos indivíduos, resultando, também, em intermináveis filas para a realização
de cirurgias e exames, bem como para se conseguir os medicamentos adequados,
ou seja, tais atos consequentemente acabam gerando um colapso e um possível
1 – Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2003) e Doutor em Doutorado sanduíche
pela Universidade de Lisboa (2003); Pós-Doutor na Universidade de Lisboa (2011); Professor da graduação
e do Programa de Pós-Graduação em Direito- Mestrado/Doutorado da Universidade de Santa Cruz do
Sul – UNISC; Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (1999); Coordenador do grupo de
estudos Gestão Local e Políticas Públicas – UNISC. E-mail: hermany@unisc.br
2 – Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da Universidade
de Santa Cruz do Sul - UNISC, com bolsa CAPES/PROSUP, modalidade II. Graduada em Direito
pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2016). Advogada. E-mail: betielisauzem@yahoo.
com.br
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
3 – Eis que, se fosse utilizado a alternativa de busca “inteiro teor” filtraria acórdão com referência a
temática apenas, com busca na esfera cível.
222
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
4 – Se fosse utilizado o filtro do TJ/RS selecionando também a seção criminal o mecanismo de busca
reportaria, também, para os crimes de corrupção passiva e ativa, sendo que estes não fazem parte do
objeto da presente investigação.
5 – Porque ao ser selecionado um tipo de processo em específico, a busca não corresponderia com o
número real de ações.
6 – BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004.
7 – CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria do Estado e da Constituição Direito
Constitucional Positivo. 15 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
223
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
8 – Idem
9 – MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
10 – TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
11 – ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2005.
12 – TAVARES, André Ramos, Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
13 – ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2000.
224
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
14 – MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 27. ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2011.
15 – MARTINS, Margarida Slema D’ Oliveira. O princípio da subsidiariedade em perspectiva jurídico-
política. Coimbra: Coimbra, 2003.
16 – BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de
Janeiro: Forense, 1997.
17 – KRELL, Joachim Andreas. Leis de normas gerais, regulamentação do Poder Executivo e cooperação
intergovernamental em tempos de Reforma Federativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
18 – Idem
225
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
19 – Idem
20 – Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
(BRASIL, 1988, < http://www.planalto.gov.br>).
21 – Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988, < http://www.planalto.gov.br>, grifos
nossos).
22 – SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed., rev. e atual., São Paulo:
Malheiros Editores Ltda., 2005.
23 – Idem
226
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
24 – Nos entes locais o SUS é composto mediante as secretarias de saúde e dos fundos municipais de
saúde.
25 – Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada
e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização,
com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º
O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
(BRASIL, 1988, < http://www.planalto.gov.br>).
26 – PIVETTA, Saulo Lindorfer. Direito fundamental à saúde: Regime jurídico-constitucional, políticas
públicas e controle judicial. 2013. 270f. (Dissertação Mestre em Direito do Estado - Ciências Jurídicas),
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.
227
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
27 – ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2005.
28 – BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê Rodrigues Democracia deliberativa, teoria da
decisão e suas repercussões no controle social das despesas em saúde. Revista de Direito Econômico e
Socioambiental, Curitiba, v. 8, n. 1, p. 121-147, jan./abr. 2017.
29 – Art. 198: § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em
ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados
sobre: I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo
ser inferior a 15% (quinze por cento); II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso
I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III – no
caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art.
156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. (BRASIL, 1988, <http://
www.planalto.gov.br>).
228
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
de repasse, em razão de que apenas fez previsão, em seu parágrafo primeiro, que
o SUS deveria ser financiado com os recursos da seguridade social, da União, dos
estados-membro, do Distrito Federal e dos municípios.
No entanto, coube ao poder constituinte derivado reformador, realizar a
fixação de tais índices. Dessa maneira a fixação dos percentuais mínimos se deu
mediante a aprovação da emenda constitucional nº 29/2000, acrescentando, assim,
o artigo 77, caput e inciso II ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT). Em consequência, foi estabelecido que até o exercício financeiro de 2004
os recursos mínimos que deveriam ser executados nas ações e serviços públicos de
saúde seriam correspondentes no caso dos estados-membros e do Distrito Federal,
a 12% do produto da arrecadação dos impostos no que se refere o artigo 155 e dos
recursos dispostos nos artigos 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzindo,
assim, as parcelas que fossem transferidas aos municípios.
Ainda, adicionou o inciso III ao mesmo artigo, o qual definiu que no caso
dos municípios e do Distrito Federal o percentual que deveria ser executado seria
o equivalente a 15% do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o
artigo 156 e também dos recursos previstos nos artigos 158 e 159, inciso I, alínea b
e parágrafo 3º da Constituição.
Em decorrência disso, em meados de 2012, com a advento da Lei
Complementar 141/2012, foi reafirmado o dever dos estados-membros e do Distrito
Federal aplicarem o percentual mínimo de 12% da arrecadação dos impostos em
ações e serviços de saúde, com fundamento no artigo 6° da norma em comento.30
Além disso, a Lei complementar confirmou para os municípios e o Distrito Federal
a aplicação do percentual mínimo de 15%, conforme artigo 7° desta lei.31
A partir destas premissas, passa-se, no próximo tópico, ao exame da
conceituação dos atos de improbidade, um breve estudo da lei 8.429/1992 e suas
30 – Art. 6o Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de
saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos
recursos de que tratam o art. 157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos
da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios.
(BRASIL, 2012, < http:// www.planalto.gov.br>).
31 – Art. 7o Os Municípios e o Distrito Federal aplicarão anualmente em ações e serviços públicos
de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e
dos recursos de que tratam o art. 158 e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da
Constituição Federal. (BRASIL, 2012, < http:// www.planalto.gov.br>).
229
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
230
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
34 – PAZZAGLINI Filho; et. al. Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio
público. São Paulo: Atlas, 1999.
35 – Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 4º Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens
e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
(BRASIL, 1988, < http:// www.planalto.gov.br>).
36 – JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 12. ed., rev., atual. eampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.
37 – SIMÃO, Calil. Improbidade Administrativa: teoria e prática. 2. ed. Leme-SP: Editora Distribuidora
JHMIZUNO, 2014.
231
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
38 – DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. São Paulo:
Atlas, 2010.
39 – JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 12. ed., rev., atual. eampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016.
40 – MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 18. ed., rev., atual. e ampl. São aulo: Revista
dos Tribunais, 2014.
41 SIMÃO, Calil. Improbidade Administrativa: teoria e prática. 2. ed. Leme: Editora Distribuidora
JHMIZUNO, 2014.
42 – OSÓRIO. Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: Má gestão pública, corrupção, ineficiência.
3. ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
232
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
43 – Idem
44 – SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed., rev. e atual., São Paulo:
Malheiros Editores Ltda., 2005.
45 – MAGALHÃES, Jaqueline Silva; ALCARÁ, Marcos. Reflexos da Improbidade Administrativa na
Saúde Pública. In: Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça/RJDSJ. ISSN - 2318-7034. v. 5. n. 1. Nov-
Dez/2017. p. 156-174.
46 – LEAL, Rogério Gesta; RITT, Caroline Fockink. A Judicialização da Saúde e as Práticas Corruptivas.
Revista Colóquio de Ética, Filosofia Política e Direito. Santa cruz do Sul: Editora da Universidade de Santa
Cruz do Sul, ISSN 2447- 4614. 2015.
233
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
234
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
235
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
Vale referir ainda outro acórdão - uma apelação cível52 de uma ação civil
pública contra atos ímprobos realizados no município de Mariano Moro, quanto a
um suposto favorecimento de pessoas, as quais detinham renda de até um salário
mínimo, na doação de materiais de construção para reforma de casas - sem relação,
no entanto, com o problema de pesquisa.
Outros dois acórdãos referentes a apelações cíveis53, de ações civis públicas,
foram desconsiderados como partes do problema da pesquisa por se tratarem de
contratação de pessoas para atuarem em uma creche, sem a realização de concurso
público, por intermédio do ex-secretário da saúde; e a suposto ato de improbidade
praticado por ex-secretário da saúde, sem que tais atos tenham relação com a
matéria saúde pública.
E ainda, foi identificada outra decisão de apelação cível54, de uma ação de
responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa, porém, tal acórdão
se tratava de uma apelação interposta por um espólio, sendo que o de cujus causou
prejuízos ao erário ao Caixa de Prestação de Assistência e Serviços de Saúde dos
Servidores Municipais de Passo Fundo, desse modo, sem relação com o problema
de pesquisa.
Identificou-se outra apelação cível55, de uma ação civil pública, interposta
por conta do pagamento de licença saúde para servidor que estava trabalhando
durante o afastamento, no município de São Pedro do Sul. Ainda, outra apelação
cível56, de uma ação civil pública, por conta de pagamento de horas extras a
servidor municipal, de Santana do Livramento, que estava em licença saúde,
caracterizando recebimento em duplicidade, ambas, portanto, desconectadas do
objeto da pesquisa. Por fim, quanto aos acórdãos que não tinham relação com o
estudo presente, foi identificado embargos de declaração57, referente a supostos
atos ímprobos praticados no município de Piratini.
Desse modo, de todos os acórdãos analisados, identificou-se que 23 (vinte
e três) eram apelações cíveis58, referentes a ações civis públicas, quanto a atos de
52 – Sob n° 70039657697.
53 – Sob n° 7005133314, no município de Santa Cruz do Sul. E o outro acórdão sob n° 70064862832,
no município de Casca.
54 – Sob n° 70069604056.
55 – Sob n° 70039657697.
56 – Sob n° 70064371628.
57 – Sob n° 70065842452.
58 – Dos 37 acórdãos identificados nessa pesquisa, 25 possuem vinculo ao objeto da pesquisa e,
236
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
respectivamente, os seguintes números processuais junto ao TJ/RS: 1º) 7005133314; 2º) 70076423912;
3º) 70067999151; 4º) 70072791825; 5º) 70073782062; 6º) 70070397799; 7º) 70071875322; 8º)
70063382096; 9º) 70065336687; 10º) 70065534604; 11º) 70064862832; 12º) 70050751262; 13º)
70064163975; 14º) 70061137808; 15º) 70062010632; 16º) 70053874285; 17º) 70062842927; 18º)
70060707460; 19º) 70065202228; 20º) 70056612583; 21º) 70051582351; 22º) 70037763901; 23º)
70053608303; 24º) 70058890468; 25º) 70054839949. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, http://www.tjrs.jus.br).
59 – 1º) 70076423912; 2º) 70067999151; 3º) 70072791825; 4º) 70073782062; 5º) 70070397799;
6º) 70065336687; 7º) 70050751262; 8º) 70064163975; 9º) 70061137808; 10º) 70062010632; 11º)
70053874285; 12º) 70060707460; 13º) 70065202228; 14º) 70051582351; 15º) 70053608303; 16º)
70054839949. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, http://
www.tjrs.jus.br).
60 – 1º) 70071875322; 2º) 70063382096; 3º) 70065534604; 4º) 70062842927; 5º) 70056612583; 6º)
70037763901; 7º) 70058890468. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, http://www.tjrs.jus.br).
237
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
238
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
239
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
mil reais). Em sede de segundo grau, o TJ/RS, confirmou o atentado aos princípios
da administração pública, condenando o réu, de forma unânime: a perda da função
pública, ou seja, a perda da condição de profissional credenciado junto ao Sistema
Único de Saúde (SUS); proibição de contratar com o poder público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos; suspensão dos direitos políticos por três anos; e multa ao SUS no valor de dez
vezes a remuneração percebida pelo réu como agente público.
Ainda, foi constatada na pesquisa a reforma parcial da sentença de primeiro
grau para majoração da condenação, na Apelação Cível n° 70050751262, sendo
em primeiro grau absolvidos os réus proprietários da farmácia e condenado o
secretário de saúde e do meio ambiente e gerente comercial da farmácia. O ato
de improbidade constatado é de que o secretário da saúde havia expedido alvará
sanitário para o estabelecimento comercial que administrava, mesmo sem o
preenchimento dos requisitos, bem como descartou medicamentos vencidos de
forma irregular. Em segundo grau, o TJ/RS, manteve a absolvição dos proprietários
da farmácia e mantiveram a condenação do secretário da saúde e afirmaram que
era possível verificar nos autos que o corréu secretário da saúde agiu com intenção
de se beneficiar enquanto no exercício do cargo de Secretário da Saúde e do Meio
Ambiente do Município, majorando a multa aplicada para 03 (três) vezes o valor
do acréscimo patrimonial obtido pelo réu.
Quanto aos nove acórdãos, com referência ao problema da pesquisa, mas que
não foram configurados como atos ímprobos, pode-se listar em síntese os seguintes
atos: aquisição de medicamentos sem licitação e irregular dispensa; o não repasse
para o fundo municipal de saúde do percentual mínimo; dispensa de licitação para
contratar empresa para realizar o transporte de pacientes para hospitais na capital;
aquisição, gerenciamento e distribuição de medicamentos vencidos; utilização
de ônibus da secretaria da saúde para viagem ao litoral catarinense de prefeito,
servidores públicos e familiares destes.
Sendo que destes 09 (nove) acórdãos, 05 (cinco) confirmaram a sentença
absolutória de primeiro grau, tendo como Câmaras Cíveis de julgamento em: 02
(dois) acórdãos a 2ª Câmara Cível; 01 (um) acórdão a 3ª Câmara Cível; 01 (um)
acórdão a 4ª Câmara Cível; e 01 (um) acórdão a 21ª Câmara Cível. Em 02 (dois)
acórdãos foi reformada a sentença no sentido de absolver os réus, sendo 01 (um)
acórdão da 2ª Câmara Cível e 01 (um) acórdão da 22ª Câmara Cível.
240
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
CONCLUSÃO
241
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
242
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
REFERÊNCIAS
243
Ricardo Hermany e Betieli da Rosa Sauzem Machado
244
A improbidade dos municípios em matéria de saúde pública
245
CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS DE ALTO
CUSTO NÃO PREVISTOS NA RELAÇÃO NACIONAL
DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS, LIMITES
ADMINISTRATIVOS E ORÇAMENTÁRIOS: COMO
DECIDE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL?
1 INTRODUÇÃO
248
Concessão de medicamentos de alto custo não previstos na relação nacional de medicamentos essenciais,
limites administrativos e orçamentários: como decide o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul?
249
Caroline Andressa Rech e Lara Santos Zangerolame Taroco
250
Concessão de medicamentos de alto custo não previstos na relação nacional de medicamentos essenciais,
limites administrativos e orçamentários: como decide o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul?
6 – SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9. ed., rev., atual. eampl., p. 165.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.12.
7 – RAEFFRAY, A. P. O. de. Direito da Saúde de acordo com a Constituição Federal. p. 260. São
Paulo: QuartierLatin, 2005, p.23.
8 – SCHWARTZ, G. A. D. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. p. 27. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.34.
251
Caroline Andressa Rech e Lara Santos Zangerolame Taroco
252
Concessão de medicamentos de alto custo não previstos na relação nacional de medicamentos essenciais,
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22 – BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo STF, n.841. Disponível em: http://
www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo841.htm. Acesso em: 29 jun. 2018
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Por sua vez, como disciplina o art. 30, inciso VII, do texto constitucional,
compete aos Municípios prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e
do Estado, serviços de atendimento à saúde da população. Trata-se de dispositivo
que dialoga diretamente com a previsão do art. 198, inciso I, da Constituição,
que estabelece que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, que considera a
descentralização, com direção única em cada esfera de governo.
24 – SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008. p.478.
25 – WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na Constituição Brasileira. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004. p.209
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outras pessoas de direito público e privado. Isso para assegurar de maneira conjunta
tanto a responsabilidade comum, quanto para evitar a superposição de esforços, de
agentes públicos, desorganização do sistema e desperdício de verbas públicas29.
É função precípua da União e dos Estados normatizar, financiar, organizar e
formular as políticas de prestação de tal serviço pelo Estado, sendo que a execução
de suas diretrizes ocorre, sobretudo, a nível municipal, conforme a complexidade e
especificidade do tratamento, sendo de sua competência o atendimento primário e
básico das demandas, como destacado. Desse modo, todos os entes federados são
responsáveis pela garantia do direito à saúde, na forma do art. 196, da Constituição,
tendo este texto delineado as atribuições de cada um dos entes, para permitir sua
atuação integrada, de modo a garantir a assistência a todos os cidadãos, sendo essa
organização fundamental para a política pública de saúde30.
A assistência farmacêutica no âmbito do SUS também é incluída nessa
sistemática de repartição de competências, tendo sido regulada por portarias do
Ministério da Saúde, em virtude da previsão do art. 16, da Lei n. 8.080/90, que
estabelece que a direção nacional do SUS compete a União. Dessa forma, a cada
esfera de gestão cabe um rol de atribuições distintas, sendo que o financiamento se
dá de forma comum. No que concerne ao financiamento, desde o final da década
de 1990, os Municípios passaram a gerir a aquisição de medicamentos essenciais,
seguindo a sistemática constitucional da descentralização, cabendo a esfera estadual
e federal a aquisição de outros medicamentos referentes a programas específicos31.
A Portaria GM n. 176/9932 estabeleceu o Incentivo à Assistência
Farmacêutica Básica e determinou que a alocação de recursos federais se daria
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limites administrativos e orçamentários: como decide o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul?
através de repasse fundo a fundo, isto é, do fundo federal para os fundos estaduais
e municipais de saúde. Nesse contexto, o gestor municipal passou a assumir
mais responsabilidades, como: coordenar e executar a assistência farmacêutica
no seu respectivo âmbito; associar-se a outros municípios por intermédio de
organização de consórcios, tendo em vista a sua execução; promover o uso
racional de medicamentos junto à população, aos prescritores e aos dispensadores;
assegurar a dispensação adequada de medicamentos; definir a relação municipal
de medicamentos essenciais com base na RENAME e no perfil epidemiológico da
população; assegurar o suprimento dos medicamentos destinados à atenção básica;
investir na infraestrutura das centrais farmacêuticas e das farmácias dos serviços de
saúde, visando assegurar a qualidade dos medicamentos33.
Foi a Portaria GM 698/201634, que instituiu o bloco de financiamento
para assistência farmacêutica, então formado por quatro componentes, aqueles
supramencionados e que igualmente dividem a Relação Nacional de Medicamentos,
são eles: Componente Básico de Assistência Farmacêutica; Componente Estratégico
da Assistência Farmacêutica; Componente Medicamentos de Dispensação
Excepcional e Componente de Organização da Assistência Farmacêutica – sendo
que este último foi revogado pela Portaria n. 204/200735.
Assim sendo, quanto às formas de sua aquisição, em linhas gerais,
conforme prevê o art. 3º, segundo a alteração feita pela Portaria nº 2.001, de 03
de agosto de 201736, que modificou a redação da anterior Portaria nº 1.555 de 30
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Caroline Andressa Rech e Lara Santos Zangerolame Taroco
37 – BRASI., Ministério da Saúde. Portaria nº 1.555 de 30 de julho de 2013. Dispõe sobre as normas
de financiamento e de execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/
prt1555_30_07_2013.html. Acesso em: 23 jul. 2018.
38 – BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.001, de 03 de agosto de 2017. Altera a Portaria n.
1.555/GM/MS, de 30 de julho de 2013, que dispõe sobre as normas de financiamento e de execução
do Componente Básico da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2001_15_08_2017.html.
Acesso em: 23 jul. 2018.
39 – BRASIL. Portaria nº 204, de 29 de janeiro de 2007. Regulamenta o financiamento e a transferência
dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na forma de blocos de financiamento, com
o respectivo monitoramento e controle. Disponível em: http//www.saude.gov.br/doc/portariagm207/
gm.htm. Acesso em: 15 jul. 2018.
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Caroline Andressa Rech e Lara Santos Zangerolame Taroco
Devido ao amplo teor dos acórdãos, cuja fundamentação passa por uma
série de fatores precípuos à concretização do direito fundamental da saúde através
da assistência farmacêutica, abordaremos cada faceta destes de forma ordenada.
Inicialmente, a partir dos filtros selecionados, foram encontradas 43 decisões. Neste
ponto, cabe rememorar que estas decisões foram coletadas no site do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul –http://www.tjrs.jus.br/site.
A pesquisa quantitativa – pautada no levantamento das decisões – se
desenvolveu a partir da metodologia descrita na introdução deste estudo, sendo
que por meio desta foi possível levantar 43 decisões. Com base nesses dados, foi
43 – CARA, Juan Carlos Gavara de. La dimensión objetiva de losderechossociales. Barcelona: Librería
Bosch, S.L., 2010, p.76.
44 – BITENCOURT, Caroline Muller. Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. Porto Alegre:
Núria Fabris, 2013, p. 367.
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45 – SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9. ed., rev., atual. eampl., p. 165.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
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limites administrativos e orçamentários: como decide o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul?
Foi com base nesse critério, que o Tribunal sustentou um dos dois
casos de não concessão encontrado a partir do recorte proposto. Na apelação n.
70035667369, este critério não só foi mencionado, mas também foi adotado para
fundamentar a negativa do medicamento de alto custo solicitado, como se vê:
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46 – CARA, Juan Carlos Gavara de. La dimensión objetiva de losderechossociales. Barcelona: Librería
Bosch, S.L., 2010, p.43.
47 – SCAFF, Fernando. Reserva do possível, Mínimo Existencial e Direito Humanos. Interesse público,
v.32, jul./ago., 2005, p.215.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
48 – BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números. Brasília: CNJ, 2017.
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso em: 27 jul.
2018.
49 – OBSERVATÓRIO DE ANÁLISE DE POLÍTICAS EM SAÚDE (OAPS). Disponível em: http://
www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/. Acesso em: 20 jul. 2018.
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50 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 195192/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 31/03/2000.
Disponível: portal.stf.jus.br. Acesso em: jul. 2018; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REsp 674803,
Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 06/03/2007. Disponível: portal.stf.jus.br. Acesso em: jul. 2018.
51 – BARROSO, L. R. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento
gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial”. In: Interesse Público, n. 46, nov.-
dez./2007, p.59.
52 – BARROSO, L. R. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento
gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial”. In: Interesse Público, n. 46, nov.-
dez./2007, p.58.
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REFERÊNCIAS
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JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E A QUESTÃO
DA FALTA DE VAGAS EM LEITOS HOSPITALARES:
ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
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Judicialização do direito à saúde e a questão da falta de vagas em leitos hospitalares: análise da jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
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Sabrina Santos Lima e Grégora Beatriz Hoffmann
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
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Ainda que a atuação das políticas públicas ligadas ao direito à saúde tenha
evoluído bastante nos últimos anos, e tenha contribuído consideravelmente na
melhoria da qualidade de vida da população brasileira, há muito que evoluir. O
maior problema ainda reside quanto aos recursos limitados destinados à saúde pelo
Estado, incompatíveis com a demanda crescente. Embora a legislação promova a
descentralização e a consequente municipalização, na prática os governos federal e
estadual não investem em saúde de maneira eficiente. (SOUSA, 2015).
Frente a isso, cabe aos gestores o planejamento das políticas púbicas de
saúde, buscando otimizar o limitado aporte financeiro. Para tanto, inicialmente,
deve ficar claro qual o grau de abrangência do dever da Administração Pública
para com a população a fim de que seja possível, de certa forma, delimitando o
exercício do direito fundamental à saúde, com base nas disposições constitucionais.
Convém salientar que integralidade não consiste necessariamente em todo e
qualquer serviço assistencial que integre a saúde. Significa dizer que deve o Estado
prever e garantir assistência mental, física e social em todas as fases da doença,
articulando serviços preventivos e curativos, tanto individuais quanto coletivos, sem
deixar de observar os princípios da universalidade e da equidade. (AGUIAR, 2011).
O princípio da descentralização previsto também na Lei nº 8.080/90, lei
de implementação do SUS, enfatiza a municipalização da saúde, combinada com
a regionalização e hierarquização de rede de serviços. Isso implica não só na
redistribuição de responsabilidade entre os três níveis de governo, como também
na transferência do poder decisório e recursos financeiros, antes concentrados
exclusivamente na esfera federal, aos municípios. Nesse cenário, o efetivo repasse
financeiro aos municípios faz-se imprescindível, caso contrário fica inviável que
os gestores municipais atuem com autonomia e de forma plena na coordenação,
planejamento e avaliação de ações de saúde em seu território. (PIVETTA, 2014).
Outrossim, a efetividade de um programa governamental e a eficácia de
políticas públicas no campo dos direitos sociais, aqui especificamente quanto à
saúde, está estritamente relacionada ao grau de articulação entre os agentes
públicos envolvidos e o conhecimento do objeto da política pública. Sendo assim,
partindo do pressuposto que a realidade local é determinante na escolha de políticas
públicas, e que os gestores municipais estão cientes das necessidades e realidades
locais, os municípios passam a figurar como principais responsáveis pela gestão
dos serviços públicos de saúde. (AGUIAR, 2011).
A devida organização dos serviços públicos evita a duplicidade de meios
para fins idênticos e otimiza os recursos financeiros, tecnológicos, materiais e
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
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Sabrina Santos Lima e Grégora Beatriz Hoffmann
A partir do que aqui foi abordado, após ter clara a evolução do direito à
saúde no Brasil, bem como a forma como se situa a questão da judicialização
da saúde no cenário constitucional atual, partir-se-á para a análise de decisões
que envolvam a questão da busca pela proteção do direito à saúde, por meio das
demandas judiciais, no que tange, especificamente, a falta de vagas nos leitos
hospitalares, no contexto do Estado do Rio Grande do Sul.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
3 – Atenta-se que não se fala em condenação da União nesse cenário, tendo em vista que o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, por integrar a Justiça Estadual, não detém competência para julgar casos
que tenham a União como autora ou ré, cabendo isso à Justiça Federal, conforme disposto no artigo
109, inciso I, da Constituição Federal de 1988. (BRASIL, 1988).
299
Sabrina Santos Lima e Grégora Beatriz Hoffmann
tutela, o que foi deferido pelo juízo de primeiro grau, haja vista a comprovação
da necessidade por meio de laudos médicos e também pela demonstração da falta
de recursos da autora para custear os custos do leito hospitalar. O Estado, em suas
razões recursais, alega que não é da sua alçada fornecer o leito pleiteado, tendo
em vista que a legislação do Sistema Único de Saúde estabelece competências e
atribuições entre os entes federados, que devem ser seguidas. Também sustenta que
haveria ofensa ao princípio da universalidade, vez que seria necessário dispender
um grande número de recursos públicos para atender apenas uma única pessoa.
(BRASIL, 2013).
O Tribunal, por sua vez, não acatou a alegação da ilegitimidade passiva,
explicando que a Constituição Federal de 1988 (artigo 198, parágrafo único)
estabelece que que o Sistema Único de Saúde contará com recursos tanto da União,
quando dos Estados, como dos Municípios, podendo o cidadão escolher qual
ente demandar. Além disso, há entendimento firmado pelo Tribunal que aponta
a solidariedade dos entes nos fornecimento de medicamentos, procedimentos
cirúrgicos e outras demandas urgentes, como é o caso em análise. Indo além, a
Corte ainda definiu o direito à saúde como sendo norma de caráter programático
(embora entendamos que se trata, em verdade, de norma de eficácia imediata, por
ser justamente um direito fundamental), entretanto apontou que o mesmo deve
ser garantido, sendo inafastável a obrigação estatal em prestar o serviço requerido,
qual seja, vaga em leito hospitalar. Desse modo, o recurso interposto pelo Estado
restou desprovido e a sentença proferida em sede de primeiro grau foi mantida.
(BRASIL, 2013).
O próximo julgado trata-se da Apelação nº 70054107297, julgada no dia 23
de outubro de 2013. Foram partes Carlos Alberto Lancanova de Souza (apelado) e
o Estado do Rio Grande do Sul (apelante). O apelado, em sede de primeiro grau,
ajuizou ação contra o Município de Canoas e contra o Estado do Rio Grande
do Sul, postulando a transferência do autor para leito hospitalar particular,
preferencialmente para o Hospital Santa Casa ou para o Hospital de Clínicas,
para realização de cirurgia de angioplastia, postulação que foi deferida pelo juízo.
O Estado, nas razões recursais, primeiramente alegou a ilegitimidade passiva,
colocando que a prestação pretendida é de competência municipal, e não estadual,
em razão da divisão de competências prevista na Lei do Sistema Único de Saúde.
Além disso, sustentou que deve-se operar a descentralização dos serviços e que
não pode-se impor ao Estado todas as demandas referentes ao direito à saúde, sem
respeitar essa hierarquização do Sistema Único de Saúde, pois isso sobrecarregá-lo-
300
Judicialização do direito à saúde e a questão da falta de vagas em leitos hospitalares: análise da jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
ia. Por fim, colocou que o dever do Estado centra-se na prestação do direito à saúde
de forma coletiva, e não de prestações individuais. (BRASIL, 2013).
No que toca esse aspecto, o Tribunal afastou a tese da ilegitimidade passiva
e asseverou que
Quer-se dizer, pois, que não há que falar em ilegitimidade passiva, tendo em
vista que o direito à saúde é um direito constitucional assegurado pelo art. 6º, da
Constituição Federal de 1988, sendo obrigação de todos os entes (União, Estados
e Municípios) assegurá-lo solidariamente. Por esse motivo, destaca-se, não merece
prosperar a alegação de que deve-se seguir os moldes de hierarquização do Sistema
Único de Saúde, com o intuito de livrar-se de uma obrigação constitucionalmente
imposta. (BRASIL, 2013).
Outro ponto que merece destaque é que, diferentemente da decisão anterior,
nesse julgamento o Tribunal analisou o direito à saúde como sendo um direito
fundamental que repercute, frisa-se, no próprio direito à vida, motivo pelo qual
detém eficácia plena e aplicabilidade imediata, e não meramente programática.
Por fim, o Tribunal analisou também a questão orçamentária, sustentando que
301
Sabrina Santos Lima e Grégora Beatriz Hoffmann
garantido pelo Poder Público, e, por fim, por também não prosperar a alegada
violação à lei orçamentária. (BRASIL, 2013).
A sentença seguinte, última a ser tratada aqui, refere-se à Apelação nº
70068785039, julgada no dia 20 de julho de 2016, em que foram partes Guilherme
Antônio Weber (apelado) e o Estado do Rio Grande do Sul (apelante). O autor da
demanda ajuizou a ação com a pretensão de conseguir vaga em leito na Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) e transporte intermunicipal, haja vista ser portador de
diversas doenças como Diabetes Mellitus, HAS, Hipertireoidismo, ICC e IPB. O
Estado, por sua vez, em sede de apelação, tem como principais argumentos os
seguintes pontos: ilegitimidade passiva; ofensa aos princípio da universalidade
e igualdade (tendo em vista que o direito à saúde deve ser garantido por meio
de políticas públicas gerais, que contemplem a todos); alega não ser de sua
competência o cumprimento da prestação, em razão das divisões de atribuições
estabelecidas na Administração pública; coloca também que a Lei nº 8.080/90
não confere caráter ilimitado e absoluto ao direito à saúde; e, por fim, sustenta que
o transporte intermunicipal é de competência dos municípios, e não do Estado.
(BRASIL, 2016).
O Tribunal de imediato traz à tona a questão da responsabilidade solidária
que vigora entre os entes – União, Estados e Municípios – asseverando que o
demandante pode intentar a ação contra qualquer um deles, e que o condenado
poderá, posteriormente, requerer o ressarcimento dos demais, por meio de ação
regressiva, nos casos em que o procedimento solicitado for diverso daqueles
contemplados em lei. E complementa:
302
Judicialização do direito à saúde e a questão da falta de vagas em leitos hospitalares: análise da jurisprudência do
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4 – Pode, inclusive, intentar contra a União, quando assim entender cabível, entretanto, nesse caso, a
interposição da ação deverá ser feita junto à Justiça Federal, conforme já mencionado.
303
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5 CONCLUSÃO
304
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
acesso universal e igualitário, por exemplo. Ocorre que, ainda que não da forma
ideal, é por meio desse fenômeno, isto é, através da atuação do Poder Judiciário,
que se vê possível a garantia do direito à saúde, em razão, justamente, da inércia ou
omissão do Poder Público.
Por fim, respondendo a problemática suscitada inicialmente, qual seja: como
se manifesta o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos casos de judicialização
da saúde que envolvam a falta de vagas em leitos hospitalares? Tem-se que, através
da análise da jurisprudência do TJ/RS (29 decisões), foi possível perceber a postura
firme do Tribunal em conceder as demandas referentes ao requerimento de vagas
em leitos hospitalares, sendo que as condenações se dão principalmente de forma
solidária entre Estado e Município. O argumento utilizado para tanto, isto é, o
critério utilizado pela Corte, centra-se na ideia da responsabilidade solidária que
opera entre os entes federados (Estado, Município e União), no que se refere à
garantia do direito à saúde, motivo pelo qual o Tribunal, na esmagadora maioria
das decisões, sustentou que pode o autor da demanda escolher contra quem
demandar.
No mesmo sentido, quando se fala em ilegitimidade passiva de um dos entes,
o Tribunal de pronto afasta a alegação, em razão, também, da responsabilidade
solidária, não abordando, dessa forma, a questão da hierarquização do Sistema
Único de Saúde (SUS), colocando apenas que pode o ente condenado solicitar,
posteriormente, o ressarcimento dos valores aos demais entes federados. Também
aponta-se que o Tribunal reconhece, nas suas sentenças, a fundamentalidade do
direito à saúde, previsto na Constituição Federal de 1988, ainda que por vezes
estabeleça que trata-se de uma norma programática e, por vezes coloque que trata-
se de norma de eficácia plena e com aplicabilidade imediata.
E, de forma complementar, verifica-se também, ao longo dos julgados,
que o Tribunal defende que não há ofensa aos princípios da universalidade e
acesso igualitário, haja vista ser obrigação, dever do Estado implementar políticas
públicas efetivas, capazes de assegurar o direito à saúde a todos os indivíduos. Na
mesma linha, entende que não há que se falar em interferência indevida do Poder
Judiciário no âmbito da Administração Pública, pois está se falando da proteção
de um direito fundamental não garantido frente à inércia ou omissão do Estado,
sendo o Judiciário, desse modo, competente para determinar o cumprimento de
um direito fundamental social assegurado pela Constituição Federal de 1988. Há
que se atentar ainda, que não verifica-se apontamentos nas decisões que tratem
da questão orçamentária, da falta de recursos e como a condenação individual
305
Sabrina Santos Lima e Grégora Beatriz Hoffmann
REFERÊNCIAS
306
Judicialização do direito à saúde e a questão da falta de vagas em leitos hospitalares: análise da jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
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______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação
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&dtJulg=23/11/2016&relator=Marcelo%20Bandeira%20Pereira&aba=juris>.
Acesso em: 1 ago. 2018.
______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação
nº 70064548605. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/
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&dtJulg=23/12/2016&relator=Ricardo%20Bernd&aba=juris>. Acesso em: 1 ago.
2018.
______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso
Inominado nº 71006362206. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/
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313
Sabrina Santos Lima e Grégora Beatriz Hoffmann
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ulg=07/03/2017&relator=Mauro%20Caum%20Gon%C3%A7alves&aba=juris>.
Acesso em: 1 ago. 2018.
______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo
Interno nº 70071230130. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/
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8&numProcesso=70071230130&comarca=Comarca%20de%20Canela&dtJulg=3
0/03/2017&relator=Ricardo%20Bernd&aba=juris>. Acesso em: 1 ago. 2018.
______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação
nº 70064020522. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/
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8&numProcesso=70064020522&comarca=Comarca%20de%20Veran%C3%B3p
olis&dtJulg=28/09/2017&relator=Ricardo%20Bernd&aba=juris>. Acesso em: 1
ago. 2018.
______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação
nº 70075874974. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/
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314
Judicialização do direito à saúde e a questão da falta de vagas em leitos hospitalares: análise da jurisprudência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
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ia&dtJulg=13/12/2017&relator=Newton%20Lu%C3%ADs%20Medeiros%20
Fabr%C3%ADcio&aba=juris>. Acesso em: 1 ago. 2018.
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Instrumento nº 70076546258. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/
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Instrumento nº 71007654494. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/
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Leopoldo&dtJulg=08/05/2018&relator=Laura%20de%20Borba%20Maciel%20
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CAÚLA, César. Judicialização da saúde - o que deve mudar em face da
Lei no 12.401/2011. In: NETTO, L. C. P.; BITENCOURT NETO, E. Direito
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2012. p. 95-128.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma
gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Editora34, 1998.
315
Sabrina Santos Lima e Grégora Beatriz Hoffmann
316
DIREITO À SAÚDE: A ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA GAÚCHO NA CONCESSÃO DE AÇÕES E
SERVIÇOS HOME CARE DE SAÚDE
Resumo:O tema desta pesquisa envolve o direito à saúde e traz para o debate
aspectos sobre o dever do Estado em oferecer ações e serviços home care, a partir da
análise das decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, publicadas
no ano de 2017 e no primeiro semestre do ano de 2018. O questionamento que se
busca enfrentar é se existe um limite à exigência ao Estado para com essa prestação
de saúde, a partir da argumentação da jurisprudência do TJ RS? O objetivo do artigo
é identificar os limites da responsabilidade estatal na tarefa que envolve a prestação
de ações e serviços home care. Sem dúvida, trata-se de um tema atual e relevante face
ao expressivo crescimento do número de demandas relacionadas ao tema. A partir
dessa análise será possível concluir que o entendimento predominante no TJ RS, nestes
casos, é de que a intervenção jurisdicional pode causar o desequilíbrio orçamentário,
refletindo em desatendimento, em grande escala, de outros tantos pacientes.
Palavras-chave: Saúde. Ações e serviços home care. Responsabilidade estatal.
1 INTRODUÇÃO
318
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
319
Fernanda Tavares Sonda
4 – BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992. p. 72.
5 – SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito
fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do
Consumidor n. 67, 2008. p. 06.
6 – Ibid., p. 07.
320
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
7 – BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: limites e possibilidades
da Constituição Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Renovar, 1996. p. 83.
321
Fernanda Tavares Sonda
8 – KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo. Direitos fundamentais, direito à saúde e papel do executivo,
legislativo e judiciário: fundamentos de direito constitucional e administrativo. In: KEINERT, Tânia
Margarete Mezzomoet. al., (Orgs.). As ações judiciais no SUS e sua promoção do direito à saúde. São
Paulo: Instituto de Saúde, 2009. p. 91.
9 – BARROSO, Luís Roberto.Da falta de efetividade à judicialização efetiva: direito à saúde, fornecimento
gratuito de medicamentos, e parâmetros para a atuação judicial. Revista de Direito Social, Rio de
Janeiro, n. 34. 2007. p. 06.
10 – STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do Direito. 2. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 19-20.
322
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
Não se ignora que existe reserva de lei sempre que a Constituição prescreve
que o regime jurídico de determinada matéria deva ser regulado por lei e apenas
por lei, com exclusão de outras fontes normativas. Entretanto, vale destacar que
a implementação de políticas públicas por determinação judicial não representa
invasão de poderes ou ofensa à Constituição Federal, desde que realizada dentro das
peculiaridades do caso concreto e lastreada na dignidade da pessoa humana. Além
disso, é preciso reconhecer que a atividade implementadora do Poder Judiciário
não lhe autoriza criar políticas públicas, mas apenas implementar as já existentes.
323
Fernanda Tavares Sonda
Essa atuação do Poder Judiciário, por mais paradoxal que possa parecer, confirma
a regra da separação dos poderes, pois no sistema de “freios e contrapesos” que
essa regra encerra, é cabível ao judiciário controlar os abusos dos demais poderes
no exercício de suas competências13
Ainda, interpretar a Constituição de modo proativo e expansivo permite
potencializar o sentido e alcance de suas normas para ir além do legislador ordinário.
Trata-se de um mecanismo que transpassa o processo político majoritário quando
ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso14.
Nesse sentido questiona-se se a intervenção do judiciário seria causa de
iniquidade, uma vez que subtrai rotinas de fixação de prioridade, privilegiando
alguns em detrimento da grande maioria da população que não tem acesso à
justiça15.
Indiscutível que o atendimento individual das demandas de saúde, muitas
sem padrões ou critérios técnicos definidos, afastam os princípios de universalidade,
equidade e integralidade e permitem uma diferenciação do demandante para com
o restante da coletividade, alguns, inclusive com o mesmo problema de saúde, mas
que por uma razão qualquer não pleiteou ação judicial. Uma visão explícita desta
contradição, corrobora com a percepção de que o SUS não funciona, o que acaba
por estimular ainda mais ações.
É evidente que não se trata de um problema com solução objetiva, onde
basta uma negação ou positivação, haja vista, por inúmeras vezes extrapolar o
direito à saúde e tratar-se do direito à vida. Nesse sentido, a lição de Barroso traz a
seguinte ponderação sobre tal debate:
13 – GANDINI. João Agnaldo Donizeti; BARIONE. Samantha Ferreira; SOUZA. André Evangelista
de. A efetivação dos direitos sociais à saúde e à moradia por meio da atividade conciliadora do Poder Judiciário. In:
SANTOS, Lenir (Org.). Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Saberes Editora, 2010. p. 76-77.
14 – BARROSO, Luís Roberto.Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. [Syn]Thesis,
Rio de Janeiro, vol.5, nº 1, 2012, p.31.
15 – WEICHERT, Marlon Alberto. O Direito à Saúde e o Princípio da Integralidade. Em: SANTOS, L (org).
Direito da Saúde no Brasil. Campinas, SP: Saberes Editora, 2010.
324
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
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Fernanda Tavares Sonda
326
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
[...] é preciso olhar não só para quem ganha, mas também para quem
perde com determinada forma de alocar recursos. Luiz Roberto Barradas
Barata, então Secretário de Saúde do Estado de São Paulo em 2005,
afirmou que a geração de gastos não previstos no orçamento, pelo Poder
Judiciário, obrigava-o a, entre outras coisas, deixar de incrementar o
Programa de Saúde da Família, uma política voltada para atenção
básica da população mais carente. Ainda que essa afirmação seja de
difícil comprovação, não é irrazoável afirmar que a grande quantidade
de recursos da saúde gasta para cumprir as decisões judiciais não pode
ser alocada sem afetar outras políticas de saúde que, por sua vez, também
protegem o que seria o mínimo existencial de outros cidadãos23.
22 – BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15ª ed. rev. e atual. porDejalma de
Campos. Rio de Janeiro. Forense, 2002. p. 387.
23 – WANG, Daniel WeiLiang. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas
aproximações. Revista da USP. 2009. p. 308-318.
327
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Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
329
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28 – DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28ª edição. São Paulo: Atlas, 2015.
p. 136.
29 – GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 148.
30 – MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ªedição. São Paulo:
Malheiros Editores, 2015. p. 695.
330
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39 – LACERDA, et. al.Atenção à Saúde no Domicílio: modalidades que fundamentam sua prática. Saúde e
333
Fernanda Tavares Sonda
Dessa forma, esse serviço surge como uma prática alternativa ao cuidado
intra-hospitalar cuja finalidade principal é integralizar a assistência tornando o
domicílio espaço para a produção de cuidado40.
Como resposta ao avanço nas tecnologias da área médica, inúmeras
doenças podem ser tratadas em casa. Esse fenômeno de desospitalização contribui
diminuindo diretamente a média de permanência dos doentes em ambiente
hospitalar, o que consequentemente, implica em redução de custos e riscos em
hospitais, sem prejuízo aos pacientes.
Referimo-nos aqui a internação domiciliar propriamente dita, enquanto
cuidado intensivo e multidisciplinar em casa. Envolve ações de saúde que requerem
o deslocamento de parte da estrutura hospitalar ao domicílio de doentes com
complexidade moderada ou alta, equiparada a assistência “hospital em casa”41.
Tal modalidade de prestação de serviço existe tanto no setor privado
quanto no público, fazendo parte da pauta de discussão das políticas de saúde que,
pressionadas pelos altos custos das internações hospitalares, buscam saídas para
uma melhor utilização dos recursos financeiros42
Os objetivos do home care são:
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outra norma subalterna, editada por quem quer que seja, para serem aplicados e
obedecidos por todos. De fato, os argumentos apresentados são preponderantes
nas decisões deste egrégio Tribunal de Justiça e evidenciam um poder judiciário
que busca dar efetividade aos preceitos constitucionais pela via do controle
jurisdicional das políticas públicas.
Assim, o Poder Judiciário estaria agindo no uso de suas atribuições ao
suprir a lacuna deixada pelo poder público ao não abranger parte da população
carecedora e detentora do direito pleiteado pela via judicial.
O direito à saúde é um direito fundamental do ser humano, corolário do
direito à vida. As disposições constitucionais nesse sentido são autoaplicáveis,
dada a importância dos referidos direitos. Não há como afastar a responsabilidade
dos entes públicos para com o problema da saúde.
Destaca-se que compete à União, aos Estados e aos Municípios resguardar
os direitos fundamentais relativos à saúde e à vida dos cidadãos, conforme regra
expressa do artigo 196 da CF/88. Nesse mesmo sentido, dispõe a Constituição
Estadual, em seu artigo 241, que a saúde é direito de todos e dever do Estado e dos
Municípios.
Reitera-se que a responsabilidade dos entes é solidária, permitindo que
o cidadão exija, em conjunto ou separadamente, o cumprimento da obrigação
por qualquer desses entes públicos, independentemente da regionalização e
hierarquização do serviço público de saúde.
A proteção à inviolabilidade do direito à vida, bem fundamental para o qual
deve o Poder Público direcionar suas ações, deve prevalecer em relação a qualquer
outro interesse, uma vez que sem ele os demais interesses socialmente reconhecidos
não possuem o menor significado ou proveito.
Destaca-se, que embora o Agravo de Instrumento n° 0006494-
41.2018.8.21.7000, de relatoria da Des.ª Matilde Chabar Maia reconheça que a
responsabilidade da União, Estados e Municípios é integral e conjunta, decorrendo
diretamente do artigo 23, II, da Magna Carta e do artigo 241 da CERS/89, na
esfera judicial, a prestação do atendimento ou tratamento médico diretamente
pelo Estado deve observar sempre o caráter de subsidiariedade, isto é, deve ser
determinada apenas quando não houver a possibilidade de o paciente alcançá-
la de outra forma. Reitera-se que o atendimento home care constitui expediente
de alto custo, de modo que o seu fornecimento pelo Estado impede a destinação
dessas verbas para o atendimento à saúde da população em geral. Todavia, tal
encargo não exime o prevalente dever assistencial da família, consoante preconiza
340
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
341
Fernanda Tavares Sonda
que sofre de paralisia cerebral. Nesse sentido, as provas dos autos não deixam
dúvidas de que o agravante necessita de cuidados especiais permanentes e os laudos
médicos juntados aos autos indicam a necessidade de atendimento multidisciplinar
a domicílio, com equipe de enfermagem, médico pediatra, fonoaudiólogo,
fisioterapeuta e nutricionista, além de cuidados 24 horas, com suporte ventilatório,
aspirações frequentes, administração de dieta e medicamentos.
Embora se compreenda a aflição e o sofrimento do paciente e da família,
foi negado o atendimento postulado, sob o argumento de que há de se ter cautela
na concessão desse tipo de liminar, especialmente quando não se conhece o
valor do custo do atendimento/tratamento pleiteado, que poderá representar
o desatendimento, em grande escala, de outros tantos pacientes que também
necessitam de assistência médica. Ainda, há de se considerar que não há garantia de
evolução clínica do paciente, tendo presente um quadro de provável irreversibilidade
da situação. Considerou-se ainda, que de acordo com parecer técnico acostado pelo
Estado, e elaborado por médica especialista, consultora da Secretaria Estadual de
Saúde, que o cuidado domiciliar apresenta riscos aumentados, face a necessidade
de atendimento de urgência em possíveis intercorrências, e considerando o caso
em tela, o risco de piora súbita no quadro clínico do paciente existe e deve ser
levado em consideração, devendo a família estar ciente tanto dos riscos quanto dos
benefícios do sistema de atendimento domiciliar, antes de decidir pela retirada do
paciente do hospital. Nesse contexto, não há qualquer garantia de que a concessão
do serviço de home care represente a diferença entre a vida e a morte do paciente.
Nesse sentido, observa-se que a pratica corriqueira de conceder medidas
satisfativas na área da saúde, tem obrigado o poder público a realocar verbas já
destinadas a outros pacientes, os quais certamente morrerão, anonimamente, à
falta de assistência médica adequada57.
Silva defende ainda que:
57 – SILVA, Leny Pereira da. Direito à Saúde e o Princípio da Reserva do Possível. Monografia
(Especialização em Direito Público). Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Disponível
em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/DIREITO_A_
SAUDE_por_Leny.pdf.. p. 57.
342
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
58 – Ibid., p. 57.
59 – HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da Administração Pública aos precedentes administrativo e
judiciais: mecanismo de tutela igualitária dos direitos sociais. In: BLANCHET, Luiz Alberto; HACHEM,
Daniel Wunder; SANTANO, Ana Claudia (Coord.). Estado, Direito e Políticas Públicas: Homenagem
ao Professor Romeu Felipe Bacellar Filho. Curitiba: Íthala, 2014. p. 218.
60 – LEITE, Harrison Ferreira. Autoridade da lei orçamentária. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2011. p. 174.
61 – BARROSO, 2007, op. cit., p. 28.
343
Fernanda Tavares Sonda
62 – Ibid., p. 28.
63 – MORAES, Polyana Santana. Direito à saúde: o problema da eficácia das normas constitucionais e
da exigibilidade judicial dos direitos sociais. Caderno Virtual, Instituto Brasiliense de Direito Público,
São Paulo, v. 24, n. 1, jul./dez. 2011. p. 24.
64 – SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. eampl. 2. tir. Porto Alegre: Livr. do
Advogado, 2010. p. 215.
344
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
345
Fernanda Tavares Sonda
Sem dúvida árdua a tarefa de julgar, uma vez que a atividade judicial
deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de
opções legislativas e administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos
institucionais competentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
346
Direito à saúde: a atuação do Tribunal de Justiça gaúcho na concessão de ações e serviços home care de saúde
seria muito menor e o Judiciário seria responsável apenas, por apreciar casos onde
a Administração agisse com abuso de poder ou violação da legalidade.
Descabe falarmos em interferência indevida na discricionariedade estatal,
tampouco em invasão das competências do Poder Executivo, isso porque, em se
falando de saúde pública, a função do Poder Judiciário encontra-se atrelada ao
cumprimento das regras constitucionais, aplicando-se a lei como garantidora da
tutela e o acesso ao direito à saúde. Logo, o grande desafio em matéria de política
pública de saúde é saber em que circunstâncias o Judiciário poderá intervir e quais
os limites dessa intervenção. Restando evidente que no caso de descumprimento
das regras vigentes no sistema a judicialização é inevitável e necessária. Porém, faz-
se mister ao Poder Judiciário decidir e avaliar o efeito sistêmico de suas decisões.
É de extrema relevância estimular o debate sobre o direito à saúde e políticas
públicas em momento prévio ao da elaboração do orçamento, tomando como
exemplo as audiências públicas e congressos sobre a judicialização da saúde.
De fato, o Judiciário deve reconhecer como parte passiva legítima nas
ações envolvendo o direito à saúde o ente estatal que possui o dever de fornecer o
bem jurídico postulado. Reitera-se por fim que, ações e serviços que não estejam
previstos no sistema podem ser providos, contudo, devem envolver mecanismos
processuais mais sofisticados. Não se busca impedir, peremptoriamente, decisões
judiciais individuais, entretanto os magistrados devem provocar a instauração de
demandas coletivas que possibilitem ao poder público justificar políticas públicas
na matéria, bem como fomentar uma maior transparência aos critérios de decisão.
Embora legítima a discussão em torno dos impactos orçamentários que o
fenômeno da judicialização provoca, não se pode admitir que esse argumento,
única e exclusivamente impeça o Poder Judiciário de fazer valer as normas
constitucionais, destacando a saúde, de maneira acertada, como um dos cânones
do direito à vida e considerando-a como um dos conteúdos que compõem a
dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS:
347
Fernanda Tavares Sonda
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351
Fernanda Tavares Sonda
352
SOB JUDICE O TRANSPORTE ESCOLAR: UMA ANÁLISE
DO DIREITO FUNDAMENTAL A EDUCAÇÃO POR
MEIO DA GARANTIA DO TRANSPORTE A PARTIR DOS
JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RESUMO
1 – Acadêmico do curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul. Bolsista de Iniciação Cientifica
pela Fapergs, orientando da Prof. Caroline Müller Bitencourt no projeto intitulado transparência e
acesso à informação para o exercício do controle social: um estudo dos portais da transparência dos
municípios do Rio Grande do Sul com enfoque aos serviços públicos e políticas públicas de saúde e
educação. E-mail: andre.lps@hotmail.com E-mail: andre.lps@hotmail.com
2 – Mestrando do PPGD – Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade de Santa Cruz do
Sul – UNISC/RS, bolsista PROSUC/CAPES Modalidade II. Advogado e consultor na Delegação
de Prefeituras Municipais – DPM. Ex - assessor jurídico Municipal. Membro do Instituto Gaúcho de
Direito Eleitoral – IGADE e da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RS. Especialista em Direito
Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET e pós-graduando em Direito Público.
Contato:joao@borbapuseperin.adv.br
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
nestes pressupostos. Ainda que eles sejam fundamentais, inúmeros outros fatores,
como é possível citar, a alimentação para os estudantes, plano político pedagógico e
o próprio transporte escolar têm se mostrado como elementos imprescindíveis para
atingir-se a plenitude do direito encartado na Constituição Federal. Neste sentido,
o presente estudo tem por objetivo analisar criticamente, a partir de julgados do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e dos conteúdos de direito
administrativo e constitucional como tem se posicionado o órgão máximo do Poder
Judiciário Estadual com relação ao tema, especialmente no que tange a observância
a autonomia dos Municípios e sua responsabilidade. O problema de pesquisa
consiste no seguinte questionamento: como tem se posicionado o Tribunal de Justiça
com relação a autonomia dos Municípios na concretização do direito fundamental
a educação a partir do fornecimento do transporte escolar? O trabalho tem como
recorte as decisões tomadas pelo Tribunal no ano de 2018, cuja publicação tenha
ocorrido no período que medeia 01.01.2018 e 05.07.2018. Para a análise, utilizou-
se como critérios de pesquisa no site do referido órgão, as seguintes palavras
entre aspas: “educação” “direito fundamental” “transporte escolar”, ocasião em
que foram obtidos 37 (trinta e sete) retornos. A verificação dar-se-á por meio do
método hipotético-dedutivo, iniciando-se definição e contextualização do direito
fundamental a educação básica, passando pela verificação da responsabilidade dos
entes federativos com relação ao transporte escolar, bem como pela análise crítica
das decisões do Tribunal para a garantia deste direito fundamental e o respeito a
autonomia dos Municípios. Como resultado da pesquisa, evidencia-se que o acesso
à educação básica não está apenas plasmado no oferecimento de vagas nas escolas,
mas sim mediante a garantia para que os cidadãos possam efetivamente acessar o
serviço público por meio de transporte ofertado também pelo Estado. Por outro
lado, evidencia-se que a garantir não é irrestrita, visto que existem limites para
os indivíduos frente ao Estado, o que nem sempre tem sido objeto de análise pela
Corte Estadual de Justiça.
Palavras-chave: Direito fundamental. Educação. Transporte escolar.
Decisões. Tribunal de Justiça.
1 INTRODUÇÃO
354
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
extraídas pela interpretação de um texto ainda pouco conhecido, mas também sob
o ponto de vista dos meios necessário a implementação do direito fundamental.
Em 30 (trinta) anos de existência da Constituição, foi possível perceber uma
modificação naquilo que visa concretizar o direito fundamental a educação. É
possível citar como exemplo, não necessariamente nessa ordem cronológica, que em
um primeiro momento se buscou garantir escolas e recursos, mediante programas e
projetos com essa finalidade, após houve a qualificação dos profissionais, o que pôde
ser percebido com a comumente denominada década da educação, valorização dos
profissionais diante da necessidade de planos de carreira específicos com níveis de
formação, piso para a categoria do magistério, alimentação escolar, atendimento
com inserção para portadores de necessidades especiais, transporte escolar, entre
outros.
Desse contexto se percebe que não basta para atingir o direito fundamental
à educação que os responsáveis venham garantir acesso a escolas públicas, mas que
conciliado a isso estejam agregados inúmeros outros pressupostos tão importantes
quanto o primeiro. É bom lembrar que não se está querendo dizer que o acesso a
escola não busca tal finalidade, antes pelo contrário, a pretensão é indicar que essa
necessidade está atrelada com um outro rol de obrigações tão importante quanto
para que haja a concretização desse direito.
Sob essa perspectiva, o presente estudo visa analisar criticamente a partir
dos julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, como tem
sido enfrentada a questão da garantia do direito fundamental a educação por meio
do transporte escolar.
Temporalmente o trabalho se delimita a verificar decisões tomadas pelo
Tribunal no ano de 2018, especialmente no período de 01.01.2018 a 05.07.2018.
Para selecionar os julgados que foram utilizados e examinados, valeu-se a pesquisa
do sistema informatizado, por meio do link de consulta a jurisprudências (aba
jurisprudência), cujos termos de busca, em conjunto, foram: “educação” “direito
fundamental” “transporte escolar”.
O trabalho foi dividido em três capítulos que buscam primeiro
contextualizar o direito a educação como direito fundamental, segundo verificar
a responsabilidade dos entes federativos para com o transporte escolar e por fim
como tem se manifestado o Tribunal frente as questões que o envolvem.
Como hipótese a ser confirmada ou refutada pela pesquisa, se evidencia
que o transporte escolar resta apresentado no atual cenário como uma obrigação
acessória ao ensino, de tal sorte que o Tribunal de Justiça vem se manifestando
355
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
nesse sentido. Surpreende, por outro lado, que as decisões proferidas seguem um
padrão muito específico, o que denota a falta de análise da situação particular
dos autos, sobretudo na determinação dos responsáveis segundo a repartição de
competências da Constituição e eventuais limitações desse direito.
3 – GARCIA, Maria. Mas, Quais São Os Direitos Fundamentais? In: Revista de Direito Constitucional e
Internacional nº 39. São Paulo: Revista dos Tribunais.
4 – GOMES, Sérgio Alves. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito
Fundamental à Educação. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional. Ano 13. Abr/jun 2005, nº51.
5 – BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
356
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
357
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
solidária. Além disso, é requisito essencial para que se possa cogitar a erradicação
da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a diminuição da marginalidade.
Ainda, a conjuntura da educação como direito fundamental é defendida
por Silva9 no conjunto do artigo 6º, que elenca a saúde, alimentação, trabalho e
a moradia como direitos sociais e no art. 205, que transcreve a educação como
direito de todos e dever do Estado e da família, ambos elencados na Constituição
Federal, o que evidencia a importância que se pretendeu dar ao tema da educação
no Brasil.
A universalidade da educação, por sua vez, consoante Duarte10 necessita
determinada escolha quanto aos alvos ou grupos a serem atingidos, já que a
busca por educação é um direito social e desta forma possui o intuito de corrigir
desigualdades que existem na sociedade, aproximando os grupos que são
marginalizados.
Nesta senda, Silva compreende que o Estado precisa estar apto a fornecer
a todos, serviços de ensino em concordância com os preceitos estipulados na
Constituição, no sentido de que as normas e as ações sejam pautadas pela completa
eficiência, de tal forma que se o Estado não possuir o comprometimento necessário
e este direito for realizado de forma insuficiente, poderá ser exigido judicialmente.
Na tentativa de dar essa concretude necessária para o direito fundamental
à educação foi editada a Lei 9.934/96, denominada de Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LBD), a qual, em seu art. 5º11, traz o preceito citado, ou
seja, que não havendo a prestação da educação qualquer membro da comunidade
poderá acionar o Poder Judiciário para exigir o cumprimento da demanda, uma vez
que o acesso a educação encontra-se como direito público subjetivo do indivíduo.
Reforçando essa importância do direito à educação, o legislador também
achou por bem designar um mínimo de verba para os dispêndios com educação.
No art. 212 da Constituição Federal é estabelecido patamares mínimos a serem
observados pelos entes públicos quando do atendimento do direito a educação se
9 – SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2005,
p. 313.
10 – DUARTE, Clarice Seixas. In: “A educação como um direito fundamental de natureza
social”. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 – Especial. P. 691-713, out. 2007. Disponível em:
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358
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
359
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
Além de destacar que esse direito fundamental previsto não tem eficácia
apenas quando se oferta a vaga para o indivíduo, a Constituição também se encarrega
13 – SILVA, Alan Ricardo da; YAMASHITA, Yaeko. Modelo de distribuição de recursos para o
transporte escolar rural a partir dos princípios da igualdade e da equidade. Transportes, São Carlos,
v. XVIII, n. 3, p. 88-96, set. 2010. Disponível em: <http://revistatransportes.org.br/anpet/article/
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14 – BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 09. Jul.2018
360
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
15 – Ibid.
16 – BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 09. Jul.2018
17 – NUNES JÚNIOR, Flávio Martin Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora dos
Tribunais, 2017.
361
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
362
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
dos entes de forma muito complexa, e de acordo com a UNICEF18, isso se deve “as
desigualdades regionais marcantes, em termos geográficos, sociais e econômicos
que influenciam nas redes de ensino e precisam ser vencidos”.
Na busca pela igualdade a Constituição Federal disciplina que o ensino será
ministrado conforme se atém do art. 206: “O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola”.19
Acerca da igualdade de condições é necessário referir a dificuldade que
determinados alunos possuem para ir à escola e sentarem-se nos bancos escolares.
Antagônico a situação dos alunos que residem na cidade, ou nos grandes centros,
que possuem, de regra, inúmeras possibilidades de transporte para se locomoverem
até a escola, é o caso dos alunos que vivem em regiões rurais, que habitam em
locais de difícil acesso e longínquo da área urbana consoante explanam Prestes e
Pozzerati.20
Pergher discorre que a universalização do transporte escolar possui uma
das maiores prerrogativas para efetivar o direito a educação. Corroborando
esta afirmação o Ministério da Educação dispõe que em torno de 6,7 milhões
de estudantes habitam ou estudam em áreas rurais, e 70% destes necessitam do
transporte escolar para chegarem às escolas.21
O quadro de necessidade do transporte escolar para zonas rurais é muito
mais implícito do que para as cidades, no entanto o transporte escolar torna-se
imprescindível para ambas, uma vez que o que torna “uma escola acessível, não é
a quantidade de vagas, mas a possibilidades de as crianças chegarem à mesma”. 22
18 – UNICEF. Iniciativa Global pelas Crianças Fora da Escola, 2012, p. 22. Disponível em: https://
www.unicef.org/brazil/pt/br_oosc_ago12.pdf. Acesso em 18. Jul.2018.
19 – BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 09. Jul.2018
20 – PRESTES, Fernando; POZZERATI, Valmir César. O princípio da eficiência e a efetiva
prestação do transporte escolar nas zonas rurais de Manaus/AM. Revista de Direitos
Humanos e Efetividade, v. 3, nº 1, p. 60-79, jun. 2017. Disponível em: <http://www.
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21 – Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira. Portal Inep. Disponível
em: <http://inep.gov.br/> Acesso em 19.Jul.2018.
22 – PRESTES, Fernando; POZZERATI, Valmir César. O princípio da eficiência e a efetiva prestação
do transporte escolar nas zonas rurais de Manaus/AM. Revista de Direitos Humanos e Efetividade, v.
363
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
364
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
Vale dizer que o Poder Judiciário, ainda que não detenha como função
típica a prestação do serviço público de educação e seus mecanismos essenciais,
desempenha um papel extremamente relevante, atuando como órgão encarregado
de obrigar os responsáveis legalmente a fazê-lo.
Em um estado de que tem como obrigação segundo o censo de 2016 o
transporte de 89.902 mil alunos23, as dificuldades enfrentadas pelos Municípios
para custear essas políticas são infindáveis, desta forma o trabalho em questão
passa a uma análise de como se sucede as nuances no que tange ao transporte
escolar, procurando conhecer como o TJ/RS está respondendo a uma necessidade
a qual deveria ser garantida por meio do Poder Executivo.
Nesse interim buscou-se no sítio do Tribunal do Rio Grande do Sul, coletar
os acórdãos referente ao tema do transporte escolar, por meio da guia “Pesquisa
de Jurisprudência”, tendo como período de pesquisa datado entre 01.01.2018
a 05.07.2018, utilizando-se como ferramenta de buscas os critérios entre aspas:
“educação” “direito fundamental” “transporte escolar”, ocasião em que, no
período, foram retornados 37 (trinta e sete) acórdãos.
De forma ilustrativa a pesquisa se sucedeu da seguinte forma: Tribunal:
Tribunal de Justiça do RS; Órgão Julgador: Todos; Seção: Cível; Tipo de processo:
Todos; Número: Nenhum; Comarca de Origem: Nenhuma; Tipo de Decisão:
Acórdão; Data de Julgamento: Nenhuma; Data de Publicação: 01.01.2018 a
05.07.2018; Procurar resultados: “educação” “direito fundamental” “transporte
escolar”; Com a expressão: Nada; Com qualquer uma das palavras: nada; Sem
as palavras: nada. Encontrando-se 37 acórdãos, sendo que todos se referem ao
julgamento do tema proposto do transporte escolar.
Preliminarmente, é necessário apontar que a maioria dos julgados
concederam o transporte escolar, não obstante a situação encontrada no caso fático.
A principal argumentação refere-se ao transporte ser uma demanda constitucional
e sua importância para dar concretude ao direito fundamental de educação.
Nesse entorno, a maioria dos acordãos cita a AI de nº 70048485080 de 2012,
julgado que indica que o não oferecimento de transporte escolar a uma criança
necessitada, em um bairro distante da escola, seria a mesma opção que negar a
vaga, refletindo no direito que é assegurado por meio da Constituição Federal.
365
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
366
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
Outra questão importante que foi observada nos julgados diz respeito ao
direito da família e do estudante, o qual não é irrestrito. Em verdade, conforme
denotou-se dos julgamentos existe um direito, mas esse não é dado de acordo com a
vontade individual do estudante e/ou sua família. No acórdão de nº 70075965087,
evidenciou-se a situação de uma família que dispunha de educandário para a filha
em escola que dista apenas 450 m (quatrocentos e cinquenta metros) da residência.
Entretanto, a família resolveu, matricular a criança em outro local, requerendo que
lhe fosse assegurado o direito ao transporte.
Nesse particular, entendeu o Tribunal de Justiça que o direito a vaga para
a criança era na escola mais próxima de sua residência, não se devendo operar a
inversão do interesse particular sobre o interesse público. Logo, se a família optou
por matricular a criança em escola mais distante da sua residência, não deveria ser
forçado que o ente público garantisse a ela o transporte para tanto. Essa foi uma
opção particular da família, a qual não se sobrepõe ao interesse público.
Desta forma, descabe a pretensão do órgão público em fazer um orçamento
para políticas públicas, alocando os alunos conforme é necessário e remanejando
quando não houver necessidade de transporte escolar, uma vez que este é um
dispêndio não previsto para o ente, e deverás desnecessário, que ocorreu apenas
pela pretensão da vontade da família da estudante. A alegação de um direito
fundamental quando não for como o próprio nome sugere de “fundamental”
importância não é cabível, visto que a prestação estava sendo realizada.
Por fim, da análise dos julgados, percebe-se que os precedentes têm especial
importância na questão do transporte escolar, fundamentalmente quando os
acórdãos em sua maioria possuem a mesma fundamentação e até mesmo a idêntica
redação.
Resta evidente a partir dessa constatação anterior que infelizmente o direito
a educação e a necessidade de transporte escolar para concretizá-la não tem sido
assegurado sem maiores objeções pelos entes públicos responsáveis, sobretudo
quando os próprios julgamentos da instância máxima do Poder Judiciário do
Estado, o Tribunal de Justiça Gaúcho, tem adotado postura de julgamentos em
massa para os casos que chegam. Ou seja, muito ainda há que se efetivar para
que os postulados da Constituição no que se refere ao direito à educação sejam
garantidos tal como previsto nela.
367
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
5 CONCLUSÃO
368
Sob judice o transporte escolar: uma análise do direito fundamental a educação por meio da garantia do
transporte a partir dos julgados do Tribunal de Justiça
efetividade a esse direito (educação) que se mostra como alternativa para modificar
a dura realidade do país.
O transporte escolar é, sem dúvida alguma um dos mecanismos que busca
atingir a efetividade dos postulados da educação, sem ele muitos alunos não
acessam o ensino, sem ensino não se tem pretensões de mudar a realidade do povo,
ou seja, sem ele não se tem esperança para mudar os rumos de uma nação, já que
não se concretiza o direito fundamental à educação.
REFERÊNCIAS
369
André Inacio Silva Lopes e João Felipe Lehmen
370
A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE
PROFESSORES E OS SERVIÇOS
PÚBLICOS DE EDUCAÇÃO: O QUE
PENSA O TRIBUNAL DE JUSTIÇA?
RESUMO
372
A contratação temporária de professores e os serviços públicos de educação: o que pensa o Tribunal de Justiça?
3 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 774.
4 – DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30 ed. Rev. Rio de Janeiro: Forense,
2017, pag. 566.
5 – DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; MOTTA, Fabrício. Administração pública e servidores públicos.
1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
6 – BALTAR NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo.
Salvador: 2016, 6º ed., p. 248.
373
Adriano Gonçalves Paulo e Arthur Feltrin Milami
REGIME ESTATUTÁRIO
7 – Art. 37, inc. IX, CF/88 “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;”
8 – GOMES, Fábio Bellote. Elementos de Direito administrativo. Barueri: Manole, 2006, p. 166.
9 – DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30 ed. Rev. Rio de Janeiro: Forense,
2017, pag. 566.
10 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 786.
11 – MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 275.
374
A contratação temporária de professores e os serviços públicos de educação: o que pensa o Tribunal de Justiça?
12 – II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
13 – HACK, Érico. Noçoes preliminares de direito administrativo e direito tributário. Curitiba:
InterSaberes, 2013, p. 177.
14 – Disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e
fundacional, e dá outras providências
15 – Art. 22, CF/88. “Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal,
processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”
16 – DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30 ed. Rev. Rio de Janeiro: Forense,
2017, pag. 566-567.
17 – Salvo as exceções previstas no art. 37, XVI, VF/88 “a) a de dois cargos de professor; b) a de
375
Adriano Gonçalves Paulo e Arthur Feltrin Milami
dos empregados públicos, por meio dos remédios constitucionais – habeas corpus;
habeas data; mandado de segurança; mandado de injunção, ação popular e ação
civil pública. –, podem vir a ser alvos de correção e controle judicial; os empregados
públicos, obrigatoriamente, devem-se submeter a concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo a natureza e a complexidade do emprego18; os salários
dos empregados públicos estão sujeitos à baliza da Lei Maior empregado aos
servidores públicos na generalidade19; subordinando-se ao artigo 48, inciso X da
Carta Magna, o emprego público terá que ser criado por lei.20
um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;”
18 – Art. 37, II, CF/88 “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo
ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em
lei de livre nomeação e exoneração”
19 – Art. 37, II, CF/88 “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e
dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão
exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como
limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal
do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no
âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a
noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros
do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do
Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”
20 – MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 276.
21 – “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público”
376
A contratação temporária de professores e os serviços públicos de educação: o que pensa o Tribunal de Justiça?
São contratados para cumprir funções em caráter temporário, por meio regime
jurídico especial a ser estabelecido em lei de cada unidade da federação. No
entanto, se constata que constitui em notória subterfúgio a celebração de contratos
de locação de serviços como expediente para convocar servidores, conquanto,
esteja de acordo com o interesse de empresas públicas e sociedade de economia
mista22.
O citado inciso IX do art. 37 da Lei Básico prescreve a ressalva pela qual
pode transcorrer contratação por prazo determinado, não obstante, para tal, impõe
que se constatem, no caso específico, duas condições: a previsão expressa em lei; e
para satisfazer a necessidade temporária de excepcional interesse público, podendo
ser empreendidas pelos órgãos da Administração direta, pelas autarquias e pelas
fundações públicas. Buscando uma clara leitura da dimensão do instituto jurídico
previsto no mencionado inciso, se faz necessário a análise há que se examinar
minuciosamente de cada uma das duas imposições23.
Somente com uma lei regulamentadora prévia determinado ente da federação
poderá realizar a contratação temporária sem a imprescindibilidade de concurso
público. Em âmbito federal, essa lei já foi editada, Lei nº 8.745, de 9 de dezembro
de 1993, a qual designa os exatos critérios para a consumação de contratação
temporária, impondo, entre outras exigências, áreas pré-definidas, duração
abalizada e indispensabilidade de processo seletivo simplificado24. Posteriormente,
dispomos do requisito da temporariedade da função, uma vez que, tais serviços
devem, imprescindibilidade, serem temporários, pois se a necessidade é contínua,
o Estado deve realiza o recrutamento de servidores por meio de outros regimes.
Consequentemente, fica afastada a admissão de servidores temporários para o
desempenho de funções permanentes, mas se semelhante circunstância suceder,
entender-se-á que houve uma simulação, vindo a admissão ser completamente
inválida25.
22 – MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 276.
23 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 775.Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da
Constituição Federal, e dá outras providências.
24 – GOMES, Fábio Bellote. Elementos de Direito administrativo. Barueri: Manole, 2006, p. 191.
25 – MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 276.
377
Adriano Gonçalves Paulo e Arthur Feltrin Milami
26 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 775-776.
27 – Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras
providências.
28 – BALTAR NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo.
Salvador: 2016, 6º ed., p. 243.
29 – EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho.
Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que
não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência
da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes.
Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da
378
A contratação temporária de professores e os serviços públicos de educação: o que pensa o Tribunal de Justiça?
República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado
por relação jurídico-estatutária.
30 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 776.
31 – Art. 37, I, CF/88 - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
32 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 794.
33 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 794.
379
Adriano Gonçalves Paulo e Arthur Feltrin Milami
34 – BALTAR NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo.
Salvador: 2016, 6º ed., p. 251
35 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 795-796.
36 – BALTAR NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo.
Salvador: 2016, 6º ed., p. 249.
37 – BALTAR NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo.
Salvador: 2016, 6º ed., p. 255.
380
A contratação temporária de professores e os serviços públicos de educação: o que pensa o Tribunal de Justiça?
38 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 796-797.
39 – BALTAR NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo.
Salvador: 2016, 6º ed., p. 250.
40 – Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e
agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e
complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.
41 – CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4 ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2017, pag. 797.
42 – DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30 ed. Rev. Rio de Janeiro: Forense,
2017, pag. 578-579.
381
Adriano Gonçalves Paulo e Arthur Feltrin Milami
Esta análise foi feita no site do TJRS43, levantamento feito no dia 15/07/2018,
realizada na aba “pesquisa de jurisprudência”, na caixa “com qualquer uma das
palavras”, com o termo “contratação temporária de professores”, no período dos
últimos 3 anos, sendo então as decisões julgadas em 15/07/2015 à 15/07/2018 e
publicadas em 17/07/2015 à 17/07/2018, no qual foram encontradas 88 decisões44.
Dentre essas 3 foram excluídas da análise pois não se tratavam de contratação
temporária de professores, restando assim 85 decisões.
Após o levantamento das pode-se constatar que:
382
A contratação temporária de professores e os serviços públicos de educação: o que pensa o Tribunal de Justiça?
383
Adriano Gonçalves Paulo e Arthur Feltrin Milami
384
A contratação temporária de professores e os serviços públicos de educação: o que pensa o Tribunal de Justiça?
REFERÊNCIAS
385
Adriano Gonçalves Paulo e Arthur Feltrin Milami
386
AÇÕES COLETIVAS PARA O
ENFRENTAMENTO DOS PROBLEMAS
DE FALTA DE VAGAS NO SERVIÇO
PÚBLICO DE EDUCAÇÃO INFANTIL:
EM BUSCA DE UMA SOLUÇÃO VIÁVEL
INTRODUÇÃO
“A auxiliar de serviços gerais Bruna [...] está a procura de uma vaga para o
filho Pedro há quase dois anos, mas sem sucesso. Ela começou a busca pela vaga
quando ainda estava grávida”3. O caso é sintomático e mais presente na vida dos
brasileiros do que se possa, prima facie, perceber.
Nos últimos anos, o número de demandas judiciais postulando o fornecimento
de vaga em creche tem crescido exponencialmente no Estado do Grande do Sul,
sendo uma das ações com maior índice de ajuizamento na Defensoria Pública e no
Ministério Público em matéria de Direito da Criança e do Adolescente.
As razões são razoavelmente simples, entre elas podendo-se mencionar
o crescimento do número de mulheres dedicando-se a atividades laborativas e
conquistando seus próprios espaços, fugindo à figura da “mãe” o cuidado exclusivo
dos filhos (como era costumeiro há alguns anos).
Todavia, isso traz alguns problemas, mais facilmente verificável nas camadas
menos favorecidas da sociedade, posto que as mulheres mais pobres necessitam
voltar às suas ocupações habituais para conseguir sustentar a prole (o que se dá de
maneira solitária em diversos núcleos familiares, isto devido ao grande número de
abandonos pelos pais), sob pena de dificuldades financeiras, fome, problemas de
saúde e marginalização. Porém, não se pode trabalhar normalmente sem que se
tenha o auxílio de terceiros com relação aos filhos, “o que leva ao desemprego uma
importante parcela da força de trabalho feminina”4.
Segundo um estudo recente do Internacional Finance Corporation (IFC),
uma ramificação do Banco Mundial para o desenvolvimento do setor privado, sem
um estabelecimento adequado de ensino, “essas crianças podem ficar presas em um
ciclo intergeracional de pobreza, do qual é praticamente impossível se libertar”5.
Muitas são as explicações dadas pelos administradores para a oferta de
poucas vagas em estabelecimentos de educação infantil, desde problemas com
processos licitatórios até falta de verba pública para investir neste setor, havendo
questões regionais e de infraestrutura usadas para justificar a questão – existindo,
por outro lado, um número inversamente proporcional de projetos efetivos para a
solução da problemática.
Em outubro de 2016, somente no Município de Porto Alegre – RS
havia um déficit de 19.307 vagas para crianças na faixa etária de 0 a 3 anos em
estabelecimentos públicos de educação, havendo casos em que a espera chegou à
casa dos 2 anos desde a solicitação ao poder público municipal.
Segundo os dados do relatório Educationat a Glance, elaborado pela
Organisation for EconomicCo-operationandDevelopment(OECD), no Brasil, só 37% das
crianças de 2 anos de idade e 60% das de 3 anos estão matriculadas em creches,
percentual abaixo das médias de 39% e 78% de países da organização. Destas, 36%
388
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
389
Julia Rohers Rauber e Nathan Ritzel dos Santos
390
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
391
Julia Rohers Rauber e Nathan Ritzel dos Santos
392
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
393
Julia Rohers Rauber e Nathan Ritzel dos Santos
9 – MARTINEZ, 1987, p. 9.
10 – Ibidem, p. 9.
11 – SILVA, 2006, p. 196.
12 – CANOTILHO, 2003, p. 532-533.
13 – MIRANDA, [entre 2009 e 2018], p. 14.
394
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
14 – Ibidem, p. 14.
15 – Ibidem, p. 14.
16 – MARTINEZ, op. cit., p. 14.
395
Julia Rohers Rauber e Nathan Ritzel dos Santos
396
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
finalidades concretas e abstratas destas normas no mundo dos fatos (o que acaba
gerando expectativas de direitos), sua realização fica atrelada a uma série de fatores
que não podem sofrer controle somente partindo-se do texto normativo – exigindo,
como já dito, políticas públicas para tanto.
Alguns doutrinadores defendem, inclusive, que a aplicação da reserva
do possível esvaziaria o conteúdo da norma constitucional ao afirmar que seu
descumprimento deve se dar caso o Poder Público não reúna aparentes condições
financeiras para tanto, contradizendo a própria finalidade dos direitos e deveres ali
estabelecidos, como se percebe do ensinamento de Anderson Costa Vaz:
397
Julia Rohers Rauber e Nathan Ritzel dos Santos
398
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
CONCLUSÃO
399
Julia Rohers Rauber e Nathan Ritzel dos Santos
A pena para isto é clara: o direito à educação não irá alcançar sua finalidade
precípua se não agraciado com mecanismos capazes de combater a inação estatal.
Não é por outro motivo que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao
dispor sobre os direitos da criança e do adolescente, traz o Ministério Público como
fiscalizador e verdadeiro mecanismo de exigibilidade, tendo atribuição para, entre
outras medidas, promover ações judiciais visando compelir o Poder Público ao
cumprimento de seu dever fundamental.
Assim, o Poder Judiciário, provocado, vem como verdadeiro auxiliar na
concretização do direito fundamental à educação, mas mesmo assim a prática
dos entes públicos desborda dos comandos sentenciais – por eles praticamente
ignorados –, pois não raro os municípios condenados em ações civis públicas
ao fornecimento de vagas em estabelecimentos públicos de ensino preferem,
por motivos variados e particulares a cada ente, ver acumulada multa diária por
descumprimento do que efetivamente ampliar a estrutura de creches e escolas e
melhorar sua infraestrutura, tudo a permitir que a educação deixe de ser texto de
norma, mas realidade social.
REFERÊNCIAS
400
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
401
Julia Rohers Rauber e Nathan Ritzel dos Santos
402
Ações coletivas para o enfrentamento dos problemas de falta de vagas no serviço público de educação infantil:
em busca de uma solução viável
403
A NECESSIDADE DO DOLO ESPECÍFICO
E DO PREJUÍZO AO ERÁRIO PARA A
CARACTERIZAÇÃO DO CRIME
DO ART. 89 DA LEI DE LICITAÇÕES
RESUMO
ABSTRAT
The purpose of this article is to analyze the specific malice and the special
penal classification, considering the configuration of the crime provided for in
article 89 of Law 8.666/1993. This device is object of doctrinal and jurisprudential
divergences about the necessity of proving the specific intent of the agent to cause
damage to the treasury, as a special subjective element of the type, and of the
effective necessity of this damage for the configuration of the criminal type. Thus,
the analysis about the characteristics of the conduct of art. 89 of the Law of
Tenders. For that, if we observe the subjective elements of the criminal type, the
specific fraud of the agent and the damage to the treasury in the configuration of the
special criminal type. Also, check what position has been adopted in the judgments
of the Court of Justice of the State of Rio Grande do Sul. For that, the deductive
method will be used. Presented this research an observation about the concepts and
approaches about the subject. It will also be adopted, the bibliographical research
in books and scientific articles pertinent to the theme.
Keywords: Criminal type. Dolo. Tenders. Public Agent. Loss
INTRODUÇÃO
406
A necessidade do dolo específico e do prejuízo ao erário para a caracterização do crime do art. 89 da Lei de
Licitações
407
Carolina da Silva Ruppenthal Weyh
408
A necessidade do dolo específico e do prejuízo ao erário para a caracterização do crime do art. 89 da Lei de
Licitações
409
Carolina da Silva Ruppenthal Weyh
410
A necessidade do dolo específico e do prejuízo ao erário para a caracterização do crime do art. 89 da Lei de
Licitações
411
Carolina da Silva Ruppenthal Weyh
412
A necessidade do dolo específico e do prejuízo ao erário para a caracterização do crime do art. 89 da Lei de
Licitações
413
Carolina da Silva Ruppenthal Weyh
414
A necessidade do dolo específico e do prejuízo ao erário para a caracterização do crime do art. 89 da Lei de
Licitações
CONCLUSÃO
415
Carolina da Silva Ruppenthal Weyh
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
416
O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO PARA PRESERVAÇÃO
DO INTERESSE PÚBLICO SOB A PERSPECTIVA DA
DEMOCRACIA DELIBERATIVA
RESUMO
I - INTRODUÇÃO
418
O papel do Poder Judiciário para preservação do interesse público sob a perspectiva da democracia deliberativa
419
Roberta de Moura Ertel
Portanto, o espaço público pode ser traduzido como uma rede ideal para a
comunicação de assuntos e de tomadas de opiniões em que o fluxo de comunicação
é selecionado e resumido, até que se detenha em uma opinião pública sobre assuntos
específicos (HABERMAS, 2003). Justifica-se, por fim, que esse agir comunicativo
proposto por Habermas seja o tipo ideal de comunicação, já que este defende o
racionalismo para fundamentar a viabilidade dos entendimentos e acordos entre
os cidadãos (LEAL, 2011).
Ou seja, denota-se que a participação pública nas deliberações é fundamental
para a tomada de decisão e para fortalecimento do contexto democrático, já que os
governantes não devem ficar alheios aos anseios do povo. O mesmo pode-se dizer
sobre aquilo que se entende por interesse público dentro de um espaço comum para
debate.
Para Souza Neto (2006), a vontade popular não pode ser entendida como
uma junção de vontades particulares, mas sim como uma vontade comunitária
caracterizada e que tem por finalidade o interesse público. Essa diferenciação
também foi formulada por Rousseau, quando este opõe os conceitos de “vontade
geral” e “vontade de todos”: o último significa uma soma das vontades particulares,
e o primeiro indica a vontade do povo conduzida à realização do bem comum.
Neste sentido, a soberania popular deve ser manifestada por meio do
primeiro conceito, isto é, pela vontade geral, sendo esta que deve guiar o conteúdo
das leis. Assim, dentro de um debate público, os argumentos que foram aceitos pela
maioria são os que possuem maior força legitimadora.
Atualmente, a tendência da democracia é de valorizar o momento
comunicativo instaurado quando os governantes e a população buscam
fundamentar perspectivas próprias acerca das questões de interesse público,
já que o modelo deliberativo possibilita o debate sobre a melhor decisão a ser
tomada, legitimando as decisões do Estado. Assim, os que participam de interação
democrática-deliberativa promovem os motivos de determinada decisão, alegando
de forma fundamentada que esta seria a melhor conduta a empreender o bem
comum (SOUZA NETO, 2006).
420
O papel do Poder Judiciário para preservação do interesse público sob a perspectiva da democracia deliberativa
421
Roberta de Moura Ertel
422
O papel do Poder Judiciário para preservação do interesse público sob a perspectiva da democracia deliberativa
423
Roberta de Moura Ertel
V - CONCLUSÃO
424
O papel do Poder Judiciário para preservação do interesse público sob a perspectiva da democracia deliberativa
REFERÊNCIAS
425
Roberta de Moura Ertel
426
AS FRAGILIDADES DA DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA E O PAPEL DO
JUDICIÁRIO DIANTE DE ATOS ATENTÓRIOS
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: REFLEXÕES
QUANTO AOS MECANISMOS DE CONTROLE
RESUMO:
1 – Advogada. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. E-mail: <ianaie.
simonelli@gmail.com>
Ianaiê Simonelli da Silva
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
428
As fragilidades da democracia representativa e o papel do Judiciário diante de atos atentórios contra a
Administração Pública: reflexões quanto aos mecanismos de controle
429
Ianaiê Simonelli da Silva
430
As fragilidades da democracia representativa e o papel do Judiciário diante de atos atentórios contra a
Administração Pública: reflexões quanto aos mecanismos de controle
2 – HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo. Companhia das Letras, 26ª ed. 1995.
Capítulo 6 - NOVOS TEMPOS (pp. 153-167) Então o autor explica o termo: [...] Podem-se acolher
com reservas as tendências, de que não se acha imune o grande sociólogo, para acentuar em demasia,
na explanação de determinados fenômenos, o significado das influências puramente morais ou
intelectuais em detrimento de outros fatores porventura mais decisivos. No caso, o da influência do
"espírito protestante" na formação da mentalidade capitalista em prejuízo de movimentos econômicos,
cujo efeito se fez sentir em particular nos países nórdicos onde vingaria a predicação protestante,
principalmente calvinista.
431
Ianaiê Simonelli da Silva
julgamentos dos tipos penais elencados nos artigos 893 e 904 da Lei nº 8.666/93, a
Lei de Licitações e, artigo 1º5, inciso I do Decreto-Lei nº 201/67.
No primeiro caso6, o Tribunal absolveu os réus da imputação de prática
dos delitos previstos no artigo 90 da Lei n.º 8.666/93, e no artigo 1º, inciso I, do
Decreto-Lei n.º 201/67, ademais, a Turma entendeu, por maioria, condenar os
empresários pela prática descrita no artigo 90, da lei nº 8.666/93, e absolver o
prefeito municipal da imputação do artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n.º 201/67,
bem como os funcionários ligados ao setor de licitação da prefeitura.
Noutro caso7 que tratou de prática delitiva com incurso no artigo 89 da
Lei de Licitações a Turma entendeu, por maioria, absolveu o réu, com fulcro no
artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal, sob o argumento de que com o
3 – Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as
formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a
consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato
com o Poder Público.
4 – Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
5 – Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder
Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; [...]
6 – APELAÇÃO-CRIME. ART. 90, DA LEI Nº 8.666/93. FRAUDE OU FRUSTRAÇÃO DO
CARÁTER COMPETITIVO DE CERTAME LICITATÓRIO. Prévio ajuste, entre empresas de
fachada, mas do mesmo grupo familiar, para fraudar as licitações de saneamento urbano. APELO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDO. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº
70063136089, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão,
Redator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 06/08/2015)
7 – APELAÇÃO-CRIME. DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS.
ORIENTAÇÃO ATUAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSIÇÃO DESTA CÂMARA.
AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO ESPECÍFICO E PREJUÍZO AO ERÁRIO. Conclusão de obra
de ciclovia sem a realização de procedimento licitatório. Dispensa de licitação fora das hipóteses
legais. Reconstituição probatória que aponta mais para negligência da administração no atendimento
das formalidades da licitação ou de sua dispensa, do que propriamente a conduta típica prevista no
art. 89 da Lei nº 8.666/93. Ausente dolo específico e efetivo prejuízo ao erário. Impositiva a solução
absolutória. Apelo provido, por maioria. (Apelação Crime Nº 70065870040, Quarta Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 12/11/2015)
432
As fragilidades da democracia representativa e o papel do Judiciário diante de atos atentórios contra a
Administração Pública: reflexões quanto aos mecanismos de controle
433
Ianaiê Simonelli da Silva
434
As fragilidades da democracia representativa e o papel do Judiciário diante de atos atentórios contra a
Administração Pública: reflexões quanto aos mecanismos de controle
Não obstante, para o autor tal fato não deveria se superestimar como
forma de controle, uma porque o sistema coloca os líderes no apogeu da
máquina administrativa totalmente hierarquizada, ainda que sua competência de
controle inclusive seja limitada. Outra, porque os partidos podem fazer uso de
suas colocações no governo em troca de poder, conservando-se por anos em tais
posições, propondo políticas que os mantém em seus cargos.
Destarte, a centralização estatal atrapalha a prestação de contas para o
cidadão ao concentrar informações e poder administrativo bem como ao estabelecer
barreiras à intervenção social nas decisões políticas. Uma forma de enfraquecer
esse tipo de ação, seria alterar o desempenho do governo central e o volume de
assuntos em jogo nas eleições nacionais. De tal modo, tem-se que a delegação
de papéis à sociedade civil organizada, completa o processo anterior transferindo
afazeres de organização social e econômica para associações autogovernadas e
associações voluntárias de cidadãos.
Anastasia e Santana (2008) explanam que todas as vezes que as regras do
jogo não estabelecerem condições necessárias à prática da responsividade e da
responsabilidade política o exercício do poder público restaria ameaçado, traçam
uma relação entre a responsividade e a responsabilidade com as capacidades dos
distintos atores políticos inteirados nas democracias representativas.
As doutrinadoras trazem as seguintes capacidades:
435
Ianaiê Simonelli da Silva
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
436
As fragilidades da democracia representativa e o papel do Judiciário diante de atos atentórios contra a
Administração Pública: reflexões quanto aos mecanismos de controle
437
POLÍTICAS DE PREVENÇÃO E PUNIÇÃO
A CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A
PARTIR DE CASOS JULGADOS NO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
INTRODUÇÃO
2 – Parece ser semelhante a perspectiva de Mota (2017) quando diz que o constitucionalismo democrático
latino-americano traz de volta um ingrediente que, em eras de século XIX independentista, faltou à
construção dos “Estados sólidos”, tal qual, a reflexão sobre sua legitimidade.
440
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
3 – Held (1987) defende a i) igualdade de votos; ii) participação efetiva; iii) compreensão qualificada das
matérias debatidas; iv) controle final da agenda pelo povo; v) incorporação de todos os cidadãos ao
processo, alimentando direitos “individuais” e sociais” para um mesmo fim.
4 – Utiliza-se somente estes autores devido à necessidade espacial-temporal-intelectual de congregar
ideias gerais sobre suas teorias e construir o discurso de forma minimamente criteriosa, sem adentrar em
seus aspectos filosóficos/epistemológicos.
441
Lucas Reckziegel Weschenfelder
práticas sociais e suas ideias de boa vida aos poderes públicos. A participação,
tanto nas estruturas governamentais, como fora delas, é vista como um pressuposto
mínimo nesse cenário, de forma a desenvolver qualidades psicológicas (sentimento
de eficiência política) inter-cívicas nas pessoas, ao passo que estas descobrem coisas
em comum e influenciam as decisões que atingem suas vidas, desde formas, por
exemplo, de organizar seu ambiente de trabalho, até as esferas estatais, regionais
e/para nacionais. As decisões institucionais, na verdade, necessitam buscar, em
suas estruturas de racionalidade, “conteúdos de validade universal” acertados
com a ideia de uma sociedade democrática. A igualdade e a liberdade surgem
como organismos potencializadores, em que os constructos usados por Habermas,
de razão/agir comunicativo, mundo da vida, esfera pública e intersubjetividade,
trabalhados com os postulados da filosofia da linguagem (sujeito-sujeito), atentam
a confluir, nas decisões, um real e consciente compartilhamento de valores,
construídos mediante uma ética discursiva de consensos sobre eles (respeitando a
alteridade de cada qual). O poder comunicativo, erigido com estes mandamentos,
é, ao cabo, agente de infiltração no (nos sistemas) poder administrativo do Estado-
governo, quando transforma-se em legislação/políticas públicas com maior
escopo democrático, universalizável, não como substratos prontos e acabados,
mas discutidos historicamente, temporalmente e perenemente, abarcando temas
socialmente relevantes, dirigentes e comprometidos com o ideário de direitos
fundamentais sociais e individuais (MILL, 1987; PATEMAN, 1992; HABERMAS,
2007; LEAL, 2011).
Une-se, com Gabardo (2009), à relevância da república enquanto tal para a/
na democracia, de incorporar a liberdade e a igualdade à realidade política, por uma
isonomia que parte de sua neutralidade, esta sendo possível mediante a existência
de um “a priori” constituinte, que é o interesse público, norteador tal como um
princípio ético-jurídico de todo o sistema político e jurídico-administrativo, nesta
esfera atuando de sua soberania. Especificando à administração pública, é por isso
que em todas as suas relações há a normatização pelos princípios (deon) atrelados
ao art. 37, caput, da Constituição Federal, devendo esta instituição caminhar por
um mundo ético e moral (re)público e democrático, havendo como característica
“intrínseca” de sua (re)formação constitucional o que se intitula de accountability,
envolvendo um conceito amplo de prestação de contas, horizontal e vertical, de
uma atuação ética, transparente, eficiente e responsável. Como diz Peruzzotti
(2012), este conceito atua em duas dimensões, no da “política” e na “legal”, que se
entrecruzam. Insere-se, pois, a punição, como grau último aos corruptores de seu
442
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
443
Lucas Reckziegel Weschenfelder
5 – Fazendo-se a asserção de que não há diferença “metafísica” ou “natural” entre estes assuntos, apenas
construções socialmente trabalhadas que as “diferenciam”.
444
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
445
Lucas Reckziegel Weschenfelder
Ação Penal 580/SP, onde mantém-se a necessidade de perceber-se um dolo específico somado à um
dolo genérico, porém, não trazendo como elemento caracterizador o dano econômico à administração
pública.
8 – Veja-se que não há discordância sobre haver uma real busca de diferenciá-los, levando em conta
a “realidade” brasileira (ausência de especialização etc.). Diverge-se, entretanto, que isto deva ser
realizado mediante uma “conversão” do tipo, devido, do mesmo modo, à “outra realidade”, a corrupta, do
pensamento/agir estratégico em direção ao “público”, em seus meandros muitas vezes imperceptíveis
que levam à sua deturpação (não apenas econômica, mas simbólica, ética-moral etc.)
446
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
9 – REsp 1.073.676/MG.
10 – Nº 70070699798 (CNJ: 0280173-61.2016.8.21.7000).
447
Lucas Reckziegel Weschenfelder
diploma legal retro mencionado. Outrossim, embora o réu alegue que tais compras
ocorreram em virtude de sanar urgência, tal argüição não restou devidamente
comprovada, visto que, como referido na denúncia, os produtos adquiridos sem
licitação são materiais de uso comum, os quais são usados ordinariamente pelo
Município, motivo pelo qual cuidava de despesa perfeitamente previsível, a obrigar
a realização de procedimento licitatório. Saliente-se que a dispensa/inexigibilidade
de licitação só pode ser realizada nos estreitos limites concedidos pela Lei de
Licitação, obedecendo-se ao procedimento correto e aos valores nela estipulados,
o que não foi observado pelo réu. Não houve dano econômico ao erário, devido
ao fato dos preços dos produtos e serviços serem, teoricamente, compatíveis ao
do mercado. Deve-se evidenciar um ponto elementar do caso: as dispensas foram
executadas a partir do comum fracionamento de compras, a fim de não realizar
procedimento licitatório (o que foi corroborado por depoimentos e documentos de
auditorias acostados aos autos) de produtos e serviços comuns e que poderiam/
deveriam ter sido adquiridos a partir de um só volume, mediante licitação.
A absolvição do réu foi reafirmada.11 Não é possível concordar com
os critérios utilizados. O fracionamento estratégico, frequentemente operado,
representa o dolo do agente público em não cumprir com os preceitos republicanos
da Lei de Licitação. Ademais, em vezes, os preços ultrapassaram os limites legais
de dispensa de licitação previstos na mesma legislação. Não há, do mesmo modo,
indícios de prova documental ou testemunhal que ligue a conduta do réu às
exceções que envolvem contextos de emergência, os quais justificariam, em geral,
os seus atos. Esta alegação de emergência, que o réu perfaz, por acaso, acaba por
retirar do mesmo qualquer justificativa de desconhecimento legal/ingerência etc.
uma vez verificando-se que o mesmo, implicitamente, transmite reconhecer, de um
mínimo, os postulados da Lei. Condicionar a configuração do tipo do art. 89, caput,
ao dolo específico e ao efetivo prejuízo ao erário (anteriormente já debatido), revela-
se inapropriado ao projeto político-social que o Brasil vem conduzindo. Neste caso
isto fica ainda mais patente.
Caso 3.12 Narrativa: justificando a dispensa de licitação, o ex-prefeito alegou
11 – Na fundamentação: “Aliás, como referido pelo auditor fiscal do Tribunal de Contas Marcos Antônio
Feltrin, a auditoria realizada abordou apenas a ilegalidade quanto ao procedimento para adquirir os
materiais”. Ou seja, não se apurou a efetiva existência de prejuízo ao erário com a não realização da
licitação”.
12 – Nº 70066861592 (CNJ: 0371537-51.2015.8.21.7000)
448
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
13 – A testemunha Carlos Henrique Azi de Araújo disse que na época soube pela Secretaria da Saúde que
havia dificuldade de serviço de ambulância, no município, procurando a Prefeitura para habilitar-se para
uma “tomada de preço”. Referiu ter trabalhado com Paulo Ricardo Antônio Fraga, ficando com a parte da
449
Lucas Reckziegel Weschenfelder
organização do serviço. Referiu que eram prestadores de serviços, dirigindo ambulâncias, pelo período
de três meses, ele, Ari e Ciro. Aduziu que Paulo Ricardo foi contratado pelo município, através de uma
microempresa, terceirizando os serviços para ele e outro colega. Narrou que sabendo que não poderia
contratar com a municipalidade em razão de ser sócio e servidor do INSS, procurou a empresa de Paulo
Ricardo para “pegar” o contrato de três meses, ficando responsável pelo serviço [...].
14 – Em algumas oportunidades, percebe-se, nos diálogos auferidos via interceptação telefônica, o agir
estratégico dos réus, com base em estudos jurisprudenciais, de enquadramento da “forma de conduzir”
os atos corruptivos, consoante as decisões (majoritárias) dos tribunais, para, se em eventual ação penal,
obter sentença absolutória. Explicitamente encontra-se isso no caso relacionado à operação gabarito (Nº
70070170386 – CNJ: 0227232-37.2016.8.21.7000).
450
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
modo acessível e padronizado, sob pena de responsabilização, para ter-se base, “um
trajeto documental e justificado”, para apreciar iii) concomitantemente, mediante
entrecruzamento de informações, nos “contextos emergenciais”, as contratações
diretas e, do mesmo modo, qual serviço público será destinatário da contratação,
particularizando-se o seu peso no “interesse público (local)”. Mescla-se, pois, uma
normatização preventiva e punitiva, necessariamente sistematizada e coordenada
para uma moral e ética pública. Enfim, o “ideal”: sistema nacional informatizado
padronizado, englobando todas as esferas, “aberto” e compatível com sistemas de
outras instituições, como a dos tribunais de conta.
451
Lucas Reckziegel Weschenfelder
CONCLUSÃO
16 – Cita-se, apenas para exemplificação, a nova versão, de 2018, do Sistema de Informações para
Auditoria e Prestação de Contas (SIAPC) para envio de remessa de dados e informações, referente ao
TCE-RS. Uma importante alteração está na necessidade de “melhorar a qualidade da informação que
está sendo remetida ao Tribunal”, em que, primeiramente, as validações serão incluídas como avisos.
Entretanto, aponta-se que, ao futuro, as informações deverão ser acompanhadas de justificativas ou o
próprio sistema enquadrará, no ato da remessa, um impedimento (“erro”) para o envio das respectivas
informações.
452
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
REFERÊNCIAS
453
Lucas Reckziegel Weschenfelder
454
Políticas de prevenção e punição a corrupção na Administração Pública a partir de casos julgados no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
455
A FUNÇÃO DO JUIZ A PARTIR DA DEMOCRACIA
DELIBERATIVA
Bruna Emmanouilidis1
1 INTRODUÇÃO
458
A função do juiz a partir da democracia deliberativa
459
Bruna Emmanouilidis
460
A função do juiz a partir da democracia deliberativa
461
Bruna Emmanouilidis
Dessa forma, Leal esclarece que Habermas ao defender a relação “de uma
esfera pública fundada na sociedade civil com a formação da opinião e vontade
institucionalizada nos corpos parlamentares e nos tribunais fornece perspectiva
melhor para traduzir em termos sociológicos o conceito de política deliberativa”
(LEAL, 2011, p. 49)
Estudado a teoria da ação comunicativa, estudar-se-á no capítulo seguinte
os limites de atuação do Poder Judiciário frente à democracia contemporânea e o
ativismo judicial.
462
A função do juiz a partir da democracia deliberativa
2 – Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa
(BRASIL, 1993, <http://www.planalto.gov.br>).
463
Bruna Emmanouilidis
3 – Para a configuração da fraude ao procedimento licitatório, art. 90 da Lei n.º 8.666/93, requer
“o efetivo prejuízo para a Administração Pública e a obtenção de vantagem para o particular” (RIO
GRANDE DO SUL, 2016, 70069984433, p. 34).
No mesmo sentido, o acordão n.º 70070171673, os Desembargadores negaram provimento à apelação
interposta pelo Ministério Público contra Secretário da Administração do Município e o Prefeito
Municipal. Os Desembargadores aplicaram o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em que
para configuração do crime previsto no art. 89, caput, da Lei n.º 8.666/93, é necessária “a presença
do dolo específico de causar danos ao erário e a demonstração de efetivo prejuízo para a tipificação
do delito” (RIO GRANDE DO SUL, 2016, 70070171673, p. 13). No caso, restou-se comprovado
apenas o dolo genérico, através da não benefício das empresas contratadas ou escolhidas, mesmo que
inobservados a Lei de Licitações. Quanto à comprovação do efetivo prejuízo, tendo em vista que as
aquisições realizadas, sem a devida licitação, os acusados dispensaram a licitação, foram corrigidas com
novas licitações posteriores. Destaca-se que dos Desembargadores presentes no julgamento esclareceu
que aplica a jurisprudência consolida do STJ, no entanto, não concorda com seus fundamentos (RIO
GRANDE DO SUL, 2016, 70070171673).
464
A função do juiz a partir da democracia deliberativa
art. 3334, parágrafo único, do Código Penal (31 vezes) e art. 3175, caput, ambos do
Código Penal (31 vezes) (RIO GRANDE DO SUL, 2016).
O Prefeito Municipal e cinco pessoas da mesma família fraudaram três
processos licitatórios, através de três empresas laranjas, para o recolhimento e
destinação final do lixo. A corrupção ativa foi tipificada pela promessa e oferta de
vantagem indevida ao Prefeito Municipal, no valor de 12.200,00 mais 200,00, com
o objetivo de receber convites para as licitações. Além disso, o Prefeito homologou
o certame fraudulento. Por sua vez, a corrupção passiva restou tipificada pela
solicitação e recebimento dos valores acima mencionados, pagos pelos empresários
da mesma família. Assim, o Prefeito Municipal
4 – Corrupção ativa – Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos,
e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa,
o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional (BRASIL, 1940,
<http://www.planalto.gov.br>).
5 – Corrupção passiva – Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (BRASIL, 1940,
<http://www.planalto.gov.br>).
465
Bruna Emmanouilidis
4 CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
466
A função do juiz a partir da democracia deliberativa
BRASIL. Lei n.º 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso
XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da
Administração Pública e dá outras providências. Disponível em <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8666compilado.htm>. Acesso em 27 de julho
de 2018.
CUNNINGHAM, Frank. Teorias da democracia: uma introdução crítica.
Tradução de Delmar José Volpato Dutra. Porto Alegre: Artmed, 2009.
GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Tradução
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HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Tradução de George Sperber e
Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
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Sul: EDUNISC, 2011.
LEAL, Rogério Gesta. Qual democracia: a necessidade premente de romper com a
univocidade identitária artificial e casuística do fenômeno político. Revista do Direito, Santa
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MÁRMOL, José Luis Martí. Democracia y deliberación. una reconstrucción del
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MARTÍ, José Luis. La república deliberativa: una teoria de la democracia.
Madrid: MARCIAL PONS, 2006.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acordão
n.º 70069984433. Desembargador Relator Aristides Pedroso de Albuquerque Neto.
Julgado em 15 de dezembro de 2016.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Acordão n.º 70069579522. Desembargador Relator Julio Cesar Finger. Julgado em
15 de dezembro de 2016.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acordão
n.º 70070171673. Desembargador Relator Aristides Pedroso de Albuquerque Neto.
Julgado em 10 de novembro de 2016.
467
DEMOCRACIA, JUDICIÁRIO E
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
FRENTE A JURISPRUDÊNCIA DA
4ª CÂMARA CRIMINAL DO TJRS
1 INTRODUÇÃO
470
Democracia, Judiciário e Administração Pública frente a jurisprudência da 4ª Câmara Criminal do TJRS
5 – RUIZ, Juan Cámara. Judicialización y activismo judicial en España. In: LEAL, Rogério Gesta.;
LEAL, Mônia Clarissa Hennig Leal. (Orgs.). Ativismo judicial e déficits democráticos: algumas experiências
latino-americanas e europeias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
6 – LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A jurisdição entre a judicialização e o ativismo judicial. In: COSTA,
Marli Marlene Moraes da; ______. (Orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos.
Tomo 13. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2013, p. 217-247.
471
Flávio Barboza de Castro
quando instado pela inércia e pela omissão dos Poderes Públicos, pela ineficácia de
políticas públicas ou por um crime contra a Administração Pública, a sua função
não é de ficar inerte, a sociedade clama por uma resposta, por uma punição aos
infratores.
Importante é trazer, que o papel do Poder Judiciário nos sistemas jurídicos
e políticos contemporâneos tem imenso significado social. Tanto pela inflação
legislativa, gerando conflitos entre normas (como se verá nos acórdãos em seguida,
tratando-se da Lei de Licitações), como também, em face do incumprimento destas
mesmas normas associadas a cultura belicosa dos indivíduos e das instituições,
da corrupção instalada nos Poderes Públicos, o que vem aumentar a provocação
jurisdicional7.
Nestas condiçoes, analisa-se os acórdãos julgados pela 4ª Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, observando a atuação do Poder
Judiciário nos casos envolvendo atos corruptivos.
7 – LEAL, Rogério Gesta. Riscos dos déficits democráticos à sustentabilidade dos equilíbrios
institucionais entre os poderes do Estado de Direito.
8 – Os presentes acórdãos estão disponíveis no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
<https:www.tjrs.jus.br>.
472
Democracia, Judiciário e Administração Pública frente a jurisprudência da 4ª Câmara Criminal do TJRS
473
Flávio Barboza de Castro
474
Democracia, Judiciário e Administração Pública frente a jurisprudência da 4ª Câmara Criminal do TJRS
475
Flávio Barboza de Castro
476
Democracia, Judiciário e Administração Pública frente a jurisprudência da 4ª Câmara Criminal do TJRS
anos, esta reprimenda legal não foi expressamente aplicada ao réu Cleomar da
Rosa.
Observa-se que somente surge para o Poder Judiciário espaço para atuação
no momento em que há uma violação à norma, seja pelo Poder Legislativo, seja
pelo Poder Executivo, como é o caso dos acórdãos ora examinados.
Diante da constatação da existência de um crime, valendo-se do devido
processo legal e à luz dos princípios norteadores do contraditório, ampla defesa e
dignidade da pessoa humana, compete ao Poder Judiciário analisar e julgar os fatos
tidos como ilícitos, na forma da Constituição e da lei; restando comprovada a prática
do ato ilícito, cumpre ao julgador aplicar as sanções penais cabíveis, atendendo às
circunstâncias judiciais e demais parâmetros previstos no ordenamento jurídico.
Neste ponto, a função do Poder Judiciário, é de fundamental importância
para o cumprimento da lei estabelecida, reprimindo erros e apontando acertos, a
fim de iluminar o caminho dos administradores de bens públicos, que, de forma
invigilante, deturpam e defraudam os cofres públicos em detrimento de interesses
pessoais. A democracia legítima, com instituições sólidas, com deferência a lei e
com atuação eficiente de funcionários públicos, consolida a atuação do Judiciário
para reprimir tais abusos.
Em face dessa conjuntura, o modelo de democracia deliberativa ganha
destaque. No atual estado da arte, em que as informações circulam de maneira
mais rápida perante a população e tendo em mente a transparência exigida para a
realização dos atos públicos, é clarividente que o papel da sociedade civil não pode
ficar adstrito apenas à participação do processo eleitoral.
Ora, é necessária uma participação mais direta dos indivíduos no domínio
da esfera pública, em um processo contínuo de discussão e crítica reflexiva das
normas e valores sociais. Não se pode perder de vista que a esfera pública é um local
destinado à deliberação comunicativa, um espaço onde os indivíduos interagem
uns com os outros, debatem as decisões tomadas por autoridades políticas, gerando
uma rede de procedimento comunicativos.
477
Flávio Barboza de Castro
reconheçam a gravidade dos fatos e a sanha em lesar os cofres públicos por parte
dos administradores municipais, ficam de mãos amarradas, pois não lhes restam
outra alternativa senão aplicar as brandas leis que tratam sobre o tema.
Além do mais, deve-se observar que a natureza das penas previstas para
os crimes julgados nos acórdãos referendados permite que as penas privativas
de liberdade sejam substituídas pelas restritivas de direitos, igualmente aplicadas
em parâmetros mínimos, não representando, ao fim e ao cabo, uma verdadeira
punição. Isto é a pena ao final aplicada não guarda qualquer identidade com a
onerosidade do fato típico descrito no tipo penal.
Há, ainda, discussão sobre os fatos analisados nos acórdãos trazidos a
debate no que se refere ao conflito aparente entre a Lei 8.666/93 e o Decreto-Lei
201/67. Veja-se que há dispositivos previstos no Decreto-Lei 201/67 que tratam de
igual tema proposto pela Lei 8.666/93, tangentes às formas de contratação de bens,
serviços ou obras pela Administração Pública.
Em que pese as penas previstas da Lei 8.666/93 sejam, em geral, mais
severas que as do Decreto-Lei 201/67, impõe consignar que no Decreto-Lei 201/67
é prevista a pena secundária de perda ou inabilitação do cargo ou função pública
pelo prazo de cinco anos, pena esta muito mais coerente com os anseios públicos.
Nesse sentido, o que se verifica é um conflito aparente entre as normas, pois, há
a utilização da Lei de Licitações por ela ser mais nova e específica, em face do
Decreto-Lei que, por sua vez, contempla a inabilitação do cargo ou função pública,
o que se comporta de forma mais adequada quando da ocorrência dessas infrações.
Apesar da Lei da Ficha Limpa alterar a Lei Complementar no 64, de 18
de maio de 1990, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a
probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato, prevendo no
artigo 1º, inciso I, alínea c, a inelegibilidade ao “Governador e o Vice-Governador
de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus
cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei
Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições
que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes
ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos”.
Com esse olhar, é de se afirmar que a legislação deve ser modificada, para
não dar espaço a interpretações errôneas que possam beneficiar o agente público
que comete ato ilícito contra a Administração Pública. O aprimoramento da
legislação é o ponto inicial ao combate à corrupção.
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Democracia, Judiciário e Administração Pública frente a jurisprudência da 4ª Câmara Criminal do TJRS
9 – LEAL, Rogério Gesta. Riscos dos déficits democráticos à sustentabilidade dos equilíbrios
institucionais entre os poderes do Estado de Direito.
10 – SANTA CATARINA. Ministério Público. MPSC lança programa para fortalecer o controle
interno dos municípios. MPSC, 2015. Disponível em:< https://www.mpsc.mp.br/noticias/mpsc-
lanca-programa-para-fortalecer-o-controle-interno-dos-municipios>. Acesso em: 23 jul. 2018.
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Flávio Barboza de Castro
da penalização mais severa daqueles que maltratam os cofres públicos, assim como
daqueles que auferem ilícitos lucros, em detrimento das finanças públicas.
6 CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
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