Sunteți pe pagina 1din 82

Livreto sobre

Música Litúrgica
por Alfredo Votta Jr.

Originalmente postado, em forma de vários artigos, no


Salvem a Liturgia
Intróito
A música litúrgica é assunto com o qual me preocupo
obsessivamente. Que eu seja católico talvez explique grande parte
disto; que eu seja músico explica outro tanto. Mas existe ainda
outra medida em que a coisa se explica pelo deplorável estado da
música litúrgica nos nossos dias.

Claro: o mau estado da música litúrgica faz parte do mau estado da


própria Liturgia que, sublime nos livros, nem sempre é realizada
sublimemente na prática. Ademais, problemas litúrgicos (em geral,
mas também os problemas litúrgicos musicais) não são novidade
dos nossos dias.

Quando falamos de música litúrgica inadequada, pensamos sem


dúvida nas paróquias, pensamos numa maioria. Nunca deixou de
haver lugares em que as celebrações foram sempre digníssimas e, a
música, incrível. Estes lugares mantiveram a tradição católica e a
obediência às leis litúrgicas da Igreja. Não podemos, entretanto,
nos contentar, nunca, com que a ortodoxia litúrgica se restrinja a
umas poucas casas religiosas e a umas pouquíssimas paróquias ou
a algumas catedrais europeias que se podem contar nos dedos de
uma mão. Não podemos, porque as leis da Igreja valem para toda
ela (não existem “realidades” locais que permitam ignorar as
normas, e mesmo adaptações lícitas precisam ser estudadas e
autorizadas), e todos os fiéis do mundo têm direito à Liturgia
decente, da qual é parte integrante e crucial a música litúrgica decente.

Os fiéis têm este direito; por outro lado, os mesmos fiéis não têm
direito a desobedecer nem forçar a desobediência às normas. Os
fiéis não podem tomar os sacerdotes como reféns obrigados a fazer
concessões litúrgicas sob a pena de se esvaziarem os bancos do
templo (embora, claro, nem todo abuso litúrgico nasça do desejo
de agradar fiéis).

2
O chamado Novus Ordo, ou “Missa de Paulo VI”, traz em suas
instruções algumas flexibilidades que não podem, a meu ver, ser
interpretadas como deixa para a solução mais cômoda. Em outras
palavras, a licitude não é suficiente para a beleza e a riqueza da
Liturgia (ainda que indispensável).

Neste texto eu gostaria de falar a respeito do Próprio da Santa Missa,


em cuja regulamentação existe a flexibilidade a que me refiro.
Infelizmente, mesmo esta flexibilidade sendo grande, tem sido
com enorme freqüência forçada até a quebra pela interpretação
errônea das instruções do Missal e do Concílio Vaticano II.

Para esclarecer o que é o Próprio, valho-me agora do Ordinário. Na


Missa, o Ordinário se compõe do Kyrie (Senhor, tende piedade -
parte essencial do Ato Penitencial, embora não seja, sozinho, o Ato
Penitencial inteiro), do Gloria, do Credo, do Sanctus (Santo, Santo,
Santo) e do Agnus Dei (Cordeiro de Deus). Dependendo da Missa,
pode ocorrer de se omitir uma dessas partes. Mas o que importa
para nós, agora, é que elas são sempre iguais. Em qualquer Missa o
Gloria é sempre igual, como são sempre iguais as outras quatro
partes.

O Próprio, por sua vez, muda sempre; é diferente para cada Missa.
Por esta razão é que ele se chama assim: cada Missa tem seu
“próprio Próprio”.

As partes do Próprio também são cinco: Introito (Entrada), Salmo


Responsorial (ou Gradual), Alleluia (com o seu
versículo), Ofertório e Comunhão.

Mas o Alleluia é mesmo do Próprio? Ele não é sempre igual,


sempre “Alleluia”? Bem, a parte “Alleluia” é sempre igual; mas o
seu versículo é próprio, é diferente a cada Missa. Porém, em muitos

3
lugares ele não é usado, fazendo com que muitos sequer saibam
que ele existe. Mas ele existe e deve ser usado.

Neste texto falarei apenas da primeira das partes do Próprio, o


Introito ou Entrada. Que o leitor não se assuste com isto; o fato
de eu falar apenas dele não significa que o assunto seja muito
complexo, e sim que não quero alongar demais este texto cuja
introdução já ocupa bom espaço.

Como muitos sabem ou, se não sabem, imaginarão, o Introito ou


Entrada é o momento em que o sacerdote entra para iniciar a
celebração da Santa Missa; não só ele mas também possíveis
acólitos, diácono etc. Na grande maioria das igrejas a música
utilizada neste momento é designada como “canto de entrada”, o
que não está errado. Entretanto, a música costuma ser escolhida
com base simplesmente no gosto dos fiéis dessa igreja específica,
ou no gosto do músico ou dos músicos da Liturgia. Para esclarecer
isto, vamos a fonte: o que a Igreja prescreve para este momento?

Vejamos os números 47 e 48 da IGMR. Os grifos são meus.

47. Reunido o povo, enquanto o sacerdote entra com o


diácono e os ministros, começa o canto da entrada. A
finalidade desse canto é abrir a celebração, promover a
união da assembléia, introduzir no mistério do tempo
litúrgico ou da festa, e acompanhar a procissão do
sacerdote e dos ministros.

48. O canto é executado alternadamente pelo grupo de


cantores e pelo povo, ou pelo cantor e pelo povo, ou
só pelo grupo de cantores. Pode-se usar a antífona com seu
salmo, do Gradual romano ou do Gradual simples, ou
então outro canto condizente com a ação sagrada e com a
índole do dia ou do tempo, cujo texto tenha sido aprovado
pela Conferência dos Bispos.
4
Não havendo canto à entrada, a antífona proposta no Missal é
recitada pelos fiéis, ou por alguns deles, ou pelo leitor; ou então,
pelo próprio sacerdote, que também pode adaptá-la a modo de
exortação inicial (cf. n. 31).

Numerosas questões devem ser comentadas aqui. Julgo importante


reorganizar algumas informações do texto para melhor
compreensão do leitor.

Primeiramente, no número 48, a IGMR diz quem executa o canto


de entrada. São três opções:

1 – grupo de cantores e povo


2 – cantor e povo
3 – só o grupo de cantores.

Fica bastante claro que não existe nenhuma obrigação ao canto da


assembleia, ainda que ela figure nas duas primeiras opções. Por que
esta preocupação? Porque uma objeção comum à utilização de
certos tipos de música é que o povo fique impedido de
“participar”, por não saber “cantar junto”. Já se explicou muito,
porém, que a participação também inclui a audição atenta e o silêncio
sagrado. Além disto, a lógica nos faz concluir ser impossível usar na
Liturgia somente música que a assembleia conheça (o que a Igreja
não pede, a propósito).

Outro aspecto que vemos é a distinção entre “grupo de cantores”


e “cantor”. Certamente o uso do plural e do singular deixa claro a
que o texto se refere; a meu ver, porém, em igrejas nas quais o
“grupo de cantores” seja composto por uma única pessoa, esta voz
solitária pode assumir os papéis atribuídos ao grupo de cantores. A
IGMR não deixa de pensar nas igrejas mais modestas ao dizer
“grupo de cantores” e não “coro”. Especialmente no Brasil, por
motivos culturais, é freqüentemente difícil instituir um coro de
5
igreja.

Adiante a IGMR diz o que se deve cantar como “canto de Entrada”.

Listemos:

1 – Antífona com seu salmo, do Gradual Romano ou do Gradual


Simples
2 – outro canto condizente com a ação sagrada e com a índole do
dia ou do tempo, cujo texto tenha sido aprovado pela Conferência
dos Bispos (a CNBB, no caso do Brasil).

Quantas pessoas conhecem a opção número 1? Muitas não a


conhecem, e obviamente não são culpadas disso já que nunca
aprenderam nem ouviram falar dessa possibilidade, para muitos,
até mesmo incompreensível: o que é uma “antífona”? O que é
“Gradual Romano”, o que é “Gradual Simples”?

A primeira pergunta vemos depois. Responder à segunda é fácil:


são livros de canto gregoriano. Isto é: a Igreja prescreve para o
Introito (o canto de Entrada) nada menos do que canto gregoriano.

Mas e a segunda opção? Muitos poderão dizer sobre ela: “aí, sim!”,
porque ela é a mais praticada, por muitos a única conhecida. Alguns
poderão interpretar que a primeira opção se aplica só a casas
religiosas, só a monges e, mesmo assim só alguns deles. Um hábito
que chega a ser uma mera curiosidade, de certa forma, e por tantas
pessoas apenas conhecido por meio de filmes.

Esta interpretação é completamente equivocada. A IGMR não se


preocupa em estabelecer normas para casas religiosas e normas
para paróquias, mas tão somente normas litúrgicas. O canto
gregoriano é posto pela Igreja em primeiro lugar no que concerne
à Liturgia Romana: Em igualdade de condições, o canto gregoriano ocupa o
primeiro lugar, como próprio da Liturgia romana. (IGMR, 41).
6
É também o caso de pensarmos por que a Igreja se expressa desta
maneira na IGMR; resumidamente, o que Ela nos diz é: “no canto
de entrada você pode usar a melodia gregoriana ou outro canto
condizente”. Talvez fosse mais simples dizer apenas “use um canto
condizente”; ou não?

O fato é que a Igreja está nos orientando, aqui, a respeito do texto.


Tanto que, na segunda opção, ela coloca como condição o aval dos
bispos locais. Além disto, pense o leitor comigo: se a Igreja permite
que a Missa seja no idioma do lugar, e o gregoriano é sempre em
latim, isto significa que qualquer canto no idioma do lugar (que
chamamos de “vernáculo”) se encaixará na segunda opção.

Não se trata exatamente disto. A Igreja, de fato, indica os livros: o


Gradual Romano e o Gradual Simples. Porém, pode-se utilizar o
texto lá indicado, traduzido à língua do lugar, para compor uma
outra música a se utilizar neste momento da Liturgia (e em outros
que seguem as mesmas regras).

Tomemos um exemplo. Suponha o leitor que teremos uma Missa


do Sexto Domingo do Tempo Comum, e vamos providenciar a
música para o Introito. Vamos ao Gradual Romano.

Lá encontramos, para o Sexto Domingo do Tempo Comum, uma


melodia gregoriana que utiliza o texto, em latim, dos versículos 3 e
4 do Salmo 30:

Esto mihi Deum protectorem, et in locum refugii, ut


salvum me facias: quoniam firmamentum meum, et
refugium meum est tu: et proper nomen tuum dux mihi
eris, et enutries me.

Em português:

7
Sede para mim um Deus protetor e um lugar de refúgio,
para me salvar; pois sois meu apoio e meu refúgio; e pelo
vosso nome haveis de me conduzir e me alimentar.

Este texto é parte integrante da Liturgia da Missa do Sexto


Domingo do Tempo Comum. É seu Introito. Foi assinalado pela
Igreja para fazer parte da celebração do sacrifício nesta data
litúrgica específica. Ainda que a mesma Igreja permita o uso de
música com um outro texto (e mesmo que aprovado pela
conferência episcopal), quanto não perdemos ao simplesmente
ignorar este tesouro litúrgico, colocando em seu lugar textos sem
tradição nenhuma e, na maioria das vezes, de gosto duvidoso, ou
até mesmo com problemas doutrinários e sentimentalismo?

Pessoalmente, interpreto como uma espécie de gesto de enorme


tolerância da Santa Igreja o fato de permitir aquilo se ficou
conhecido como alius cantus aptus – o famoso “outro canto apto”,
“outro canto adequado” – que substitua o texto mais propriamente
litúrgico. E utilizo aqui a palavra tolerância no seu sentido de
aceitação sem muito gosto, sem a chancela, por assim dizer, de
autenticidade e propriedade.

O fato de que o Introito (e o Próprio inteiro) muda a cada Missa


faz com que a cada Domingo seja usada uma música diferente. Isto
impede que o “povo cante junto”? Talvez impeça. Entretanto, já
não devemos mais estar presos à ideia errônea de que a
“participação” ou mesmo a “participação ativa” implique
necessariamente em fazer coisas (seja canto, recitação etc.), ou, para
ser mais exato, fazer coisas perceptíveis a todos. Ouvir atentamente o
Introito cantado é participação ativa. Meditar seu texto é
participação ativa. Não me parece errado, tampouco, que o fiel
recite o mesmo texto em voz baixa. Lembre-se ainda o piedoso
costume de acompanhar visualmente a procissão de entrada: a cruz,
o incenso, os ministros sagrados e seus paramentos.

8
Como o leitor talvez tenha percebido, não defendo que se cante o
Introito sem informar aos fiéis que texto está sendo cantado.
Evidentemente é a Deus que se dirige a Liturgia; e se o fiel sabe o
que está sendo cantando ele se pode unir mais perfeitamente a ela.
Considero importante que os fiéis tenham em mãos o texto que
está sendo cantado pelo cantor ou grupo de cantores, mesmo que
a música utilize o texto na língua do país. Imprescindível? Não;
mas, sendo possível, acredito que auxilie bastante. Pode-se
imprimir o Próprio do dia para distribuir aos presentes, caso não
exista algum outro tipo de guia publicado. Por misericórdia,
abstenhamo-nos de retroprojetores ou datashow...

Neste momento, um parêntese. Vimos que a IGMR nos indica o


Gradual Romano como fonte do texto para o Introito. Ocorre que
o Missal também provê uma antífona de Entrada. Em muitos
casos, o texto do Gradual e o texto do Missal são o mesmo, mas
isto não é a regra. Se um compositor desejar servir-se do texto do
Missal para escrever a música, pode fazê-lo. Em textos futuros
abordarei mais detalhadamente este “problema”. Fechemos o
parêntese.

Alguém poderá argumentar que é rara, ou mesmo raríssima, uma


assembleia capaz de cantar o Introito junto com o cantor ou
cantores. Não discordo; volto a insistir em que é desnecessário, em
certas partes da Liturgia, o canto da assembleia inteira, e que
justamente por a música cantada por todos precisar ser mais
acessível, é enriquecedor para a Liturgia que o Próprio possa
dispensar os fiéis, possibilitando o uso de composições mais
elaboradas. Não se pode admitir o empobrecimento da Liturgia
como preço a pagar por uma ilusória “participação ativa” de todos
os presentes à Missa.

Este é o início do Introito gregoriano Esto mihi, do Sexto Domingo


do Tempo Comum.

9
Note-se que a escrita do canto gregoriano usa uma pauta de quatro
linhas, enquanto a notação musical moderna utiliza cinco. A
notação gregoriana continua sendo usada para o canto gregoriano,
e os livros são publicados neste sistema.

Esta melodia, como as outras utilizadas no Próprio, são chamadas


de antífonas. Eu havia adiado, alguns parágrafos atrás, a explicação
do que significa esta palavra. Mesmo assim não a explicarei
inteiramente, deixando isto para um outro texto. Por enquanto,
apenas digo que é um nome utilizado para designar as melodias do
Próprio (e algumas outras).

Encorajo todos aqueles que desejem aprender a ler este tipo de


notação a procurar informações ou quem lhes possa ensinar.
Garanto-lhes que a dificuldade é muito menor do que parece à
primeira vista. Se o caro leitor não sabe ler a partitura acima, olhe
para ela como, quando criança, antes de ser alfabetizado, olhava
jornais, livros e placas: coisas desconhecidas que em pouco tempo
se transformam em coisas totalmente claras.

Como afirmei anteriormente, podemos tomar este texto,


originalmente em latim, e musicá-lo na língua do país. O próximo
exemplo é esse mesmo Introito, mas em inglês, retirado de um
livro para o uso anglicano (católicos oriundos do anglicanismo). A
melodia utilizada nesta adaptação, feita por C. David Burt, é mais
simples do que a do gregoriano acima.

10
Por sua vez, o americano Richard Rice escreveu música para o
Próprio da Missa, também em inglês, destinada a coros. Suas
composições são simples (seu trabalho se chama Simple Choral
Gradual, isto é, “gradual coral simples”) e muito boas para a
Liturgia, além de muito acessíveis para coros.

Copio aqui o início do seu Introito Esto mihi. Não estranhe o leitor
a diferença de texto: Rice usa uma tradução diferente daquela usada
no exemplo anterior.

Precisamos de música em português para o Próprio. Não de


composições com textos novos, nem de paráfrases de salmos, nem
salmos metrificados. Estas opções são lícitas? São lícitas, mas, uma
vez mais, convido o leitor a ir além da mera licitude.

A Igreja chama os compositores a escrever nova música litúrgica


para enriquecer o repertório, de maneira que cultivemos o tesouro
11
já existente e que floresçam novas composições, escritas tanto para
grandes coros de nível profissional como para pequenos grupos de
cantores amadores (mas de bom nível e que cultivem o estudo da
música) ou mesmo para o cantor único ao qual alguma igrejas se
veem forçadas a restringir-se.

Eu, pessoalmente, me encaixo nesta última categoria; embora


minha formação seja precisamente a de músico, não sou cantor,
mas na Liturgia tenho exercido esta função, além da de
instrumentista. E, tendo em vista esta necessidade, procuro
compor o Próprio de cada Missa dentro das minhas possibilidades.

Enquanto escrevo este texto, ocupo-me precisamente da


composição do Próprio para o Sexto Domingo do Tempo
Comum. “Meu” Introito começa assim:

A assembleia não cantará isto – e, como já mostrei, nem precisa


que seja assim. Este Introito poderia cobrir toda a ação litúrgica até
a chegada do sacerdote ao altar. No caso específico, o sacerdote da
igreja em que toco pede que eu não exclua a entrada cantada pelos
fiéis. Da minha parte, eu nunca quis omitir o Próprio.
Concordando com a minha preocupação, o sacerdote propôs que
a sua entrada seja realmente acompanhada por música cantada
pelos fiéis, até que ele chegue ao altar. Assim que esta termine,
canto o Introito. Não é inconveniente que o padre “espere” o
Introito ser cantado: ele é litúrgico. Além disto, a IGMR especifica
no número 48 que se o Introito não for cantado, ele é lido. Repito
o trecho que fala disso:

(...) Não havendo canto à entrada, a antífona proposta no


Missal é recitada pelos fiéis, ou por alguns deles, ou pelo
12
leitor; ou então, pelo próprio sacerdote, que também pode
adaptá-la a modo de exortação inicial (cf. n. 31).

Este trecho nos mostra também que é perfeitamente possível uma


Missa sem música. Certamente que a sua ausência faz falta no que
se trata de beleza. Mas a falta de música não é motivo para não se
realizar a Missa. No meu entendimento isto é um forte indicativo
de que não se pode usar qualquer música na celebração do
sacrifício: se a única música disponível é qualquer uma, fora da
Liturgia e inadequada a ela, que seja deixada de lado. Convido
todos aqueles envolvidos com a Liturgia a não terem medo de ter
a Santa Missa sem música, se for o caso.

Há ainda diversas coisas que eu gostaria de dizer, mas prefiro deixá-


las para os próximos textos. Como se recordam, o Introito é
apenas o primeiro item do Próprio. Possivelmente, no entanto, eu
venha a tratar deles com o uso de menos espaço e, por conseguinte,
tomando menos tempo ao leitor.

Salmo Responsorial
Dando seqüência às nossas sessões de compreensão do Próprio da
Santa Missa, chegamos agora ao seu segundo item: o Salmo
Responsorial. Se o primeiro item que vimos, o Introito, é
desconhecido de muitos, o mesmo não pode ser dito do Salmo
Responsorial que, bem ou mal, parece ser feito na maioria das
igrejas.

O adjetivo responsorial deriva da palavra responsório, por sua vez


ligada à palavra resposta. Esta “resposta”, entretanto, não é resposta
à leitura bíblica que precede o Salmo Responsorial, e sim o refrão.
A maioria dos fiéis sabe que o Salmo Responsorial possui um
refrão que, geralmente, é cantado ou recitado pela assembleia.

13
Os salmos, em seu texto original, não trazem refrão; porém, na
Liturgia um refrão é introduzido, selecionado entre os versículos
do próprio salmo. Serve para sublinhar, por assim dizer, o caráter
e o espírito daquele salmo específico.

Nos Domingos e solenidades sabemos que, além do Evangelho,


são feitas duas leituras. O Salmo Responsorial, nestes casos,
posiciona-se entre elas. Nos outros dias litúrgicos, além do
Evangelho é feita somente uma leitura; quando é assim, o Salmo
Responsorial posiciona-se depois dessa leitura única.

Assim, estamos habituados, nas Missas dominicais, a ter o Salmo


Responsorial intercalado; quando ele termina, ainda temos a
segunda leitura antes de ficarmos em pé para o Evangelho. Nos
dias de semana, porém, terminado o Salmo Responsorial, já nos
levantamos para o Evangelho – ou melhor: para o terceiro item do
Próprio, comumente chamada “aclamação ao Evangelho”.

No Brasil os textos usados para o Salmo Responsorial, impressos


no Lecionário, são metrificados. É muito importante que o caro
leitor compreenda o que significa isto. A quantidade de sílabas é
medida, assim como os seus acentos. Isto não acontece num texto
como, digamos, as Cartas de São Paulo, ou uma notícia de jornal,
ou este artigo. Estas quantidades medidas são características da
poesia. Em sua infância o leitor certamente aprendeu estes versos:

Batatinha quando nasce / se esparrama pelo chão

Mesmo que tenha sido na versão espalha a rama pelo chão.


Intuitivamente, o leitor aprendeu que esses versos não podem ser
proferidos de qualquer jeito. É necessário fazer a correta
acentuação; não só a correta acentuação de cada palavra, mas a
correta acentuação de um verso inteiro. Portanto, posso apostar
em que o leitor pronuncia com ênfase as sílabas que coloco em
destaque:
14
Batatinha quando nasce / se esparrama pelo chão

Qualquer outra acentuação fica antinatural. Os acentos e as


quantidades são um aspecto musical da poesia – pois bem; falei do
acento, mas ainda não da quantidade. Então repare o leitor que os
acentos caem precisamente na terceira e na sétima sílabas de cada
verso.

Ba-ta-ti-nha quan-do nas-ce / s’es-par-ra-ma pe-lo chão

Veja que no início do segundo verso juntei duas sílabas (“se es-...”)
em uma (“s’es”), que é como pronunciamos.

Lembrando também que as sílabas poéticas devem ser contadas


somente até a última sílaba tônica, temos ali versos de sete sílabas.

Mas que tem isso a ver com o Salmo Responsorial? Tudo, pois
usamos uma versão metrificada do Saltério (o livro dos Salmos),
impressa, a propósito, com o nome de Saltério Litúrgico, pelas
Edições Lumen Christi. É a tradução oficial da CNBB. Ainda que
o Salmo Responsorial seja só recitado, na Missa (e não cantado),
este conhecimento é importante para proferi-lo com beleza.

Para mostrar um exemplo ao leitor, tomo o Salmo 1. Seu primeiro


versículo é assim traduzido pela Bíblia Ave Maria:

Feliz o homem que não procede conforme o conselho dos ímpios, não trilha o
caminho dos pecadores, nem se assenta entre os escarnecedores.

Não é um texto metrificado. Nem precisa ser, isto é importante


lembrar. Na Liturgia, a princípio, também não existe esta
obrigatoriedade. Entretanto, em alguns países existe este hábito de
metrificar os salmos, e este hábito não é novo. É uma escolha tão
legítima quanto não metrificar.
15
O Saltério Litúrgico, cujas traduções metrificadas são as utilizadas
pelo Lecionário, traduz assim o primeiro versículo do Salmo 1:

Feliz é todo aquele que não anda


Conforme os conselhos dos perversos
Que não entra no caminho dos malvados
Nem junto aos zombadores vai sentar-se.

Quando o Salmo 1 é o Salmo Responsorial da Missa, é isto mesmo


que vemos. Cada verso tem dez sílabas poéticas, com acentos na
segunda, na sexta e na décima sílabas (o terceiro verso tem onze
sílabas, basta considerá-lo como verso de dez sílabas com uma
sílaba extra no início).

O mesmo que transcrevi acima escrevo de novo, marcando as


sílabas fortes, acentuadas, de cada verso.

Feliz é todo aquele que não anda


Conforme os conselhos dos perversos
Que não entra no caminho dos malvados
Nem junto aos zombadores vai sentar-se.

Os livros litúrgicos costumam imprimir os Salmos com as sílabas


fortes de cada verso em negrito. No meu exemplo
também sublinhei, para chamar mais atenção.

É comum que me perguntem por que nos livros da Liturgia das


Horas existem essas sílabas impressas em negrito. É justamente
por isso. Posicionar corretamente os acentos na recitação do salmo
é fundamental para uma realização bela da Liturgia.

Outra pergunta comum a respeito destes salmos metrificados faz


menção a alguns símbolos que costumam ser usados nelas. Um
deles é o asterisco, que aparece no fim de alguns versos.
16
Feliz é todo aquele que não anda *
Conforme os conselhos dos perversos
Que não entra no caminho dos malvados *
Nem junto aos zombadores vai sentar-se.

Neste tipo de tradução os versos dos salmos são agrupados de dois


em dois e, às vezes, de três em três. O asterisco indica o final do
primeiro verso de um grupo de dois versos; no exemplo acima, são
dois grupos de dois versos.

Quando aparece um grupo de três versos, o asterisco indica o final


do segundo, e uma cruz indica o final do primeiro. No Salmo 58,
os versículos 3 e 4 são traduzidos como uma estrofe de cinco
versos: um grupo de dois e um grupo de três:

Eis que ficam espreitando a minha vida, *


Poderosos armam tramas contra mim.
Mas eu, Senhor, não cometi pecado ou crime; †
Eles investem contra mim sem eu ter culpa: *
Despertai e vindo logo ao meu encontro!

Esses símbolos ajudam o salmista a cantar o salmo segundo as


fórmulas gregorianas. Ao ver o asterisco, ele sabe que cantará a
terminação de um grupo de dois versos; ao ver a cruz, ele sabe que
cantará a terminação do primeiro verso de um grupo de três versos.

As “fórmulas gregorianas” a que me refiro são também chamadas


de tons salmódicos; são “clichês” melódicos (sem conotação negativa
da palavra “clichê”) utilizados, por exemplo, para cantar versos
adicionais do Introito e de outras partes do Próprio da Missa. Na
Liturgia das Horas, pode-se usar uma dessas fórmulas para todo
um salmo; elas são também apropriadas para o Salmo Responsorial
da Missa, tanto para o refrão como para os versos. Não são,
entretanto, a única possibilidade.
17
Pode-se perfeitamente compor música para o Salmo Responsorial.
O mais comum é que se utilize uma melodia para o refrão e, para
os versos, algum tipo de fórmula gregoriana ou parecida com as
fórmulas gregorianas. Em alguns lugares existe a prática de a
assembleia cantar o refrão e o salmista ler os versos. Pessoalmente,
não gosto, mas a IGMR parece aprovar: (...)De preferência, o salmo
responsorial será cantado, ao menos no que se refere ao refrão do povo.
(...) (IGMR, 61). De qualquer modo, a IGMR fala em
“preferência”, o que indica um ideal, mas não uma obrigação.

Fica claro, pela instrução do Missal, que o refrão cabe à assembleia.


Ao mesmo tempo, a natureza do Salmo Responsorial permite
concluir que a música composta para esse mesmo refrão deve ser
relativamente simples. Com “relativamente” tento dizer que
precisa ser compreensível para os fiéis, de modo que possam
repeti-lo imediatamente. É costume que o Salmo Responsorial
comece com o refrão cantado pelo cantor sozinho, após o que os
fiéis o repetem. Parece-me ideal que este refrão não precise ser
“ensaiado” antes da Missa, mas devo enfatizar que isto se trata de
uma opinião pessoal. Uma assembleia que tenha noções de escrita
musical pode aprender um refrão menos óbvio com mais rapidez,
situação que acontece em alguns países. Porém, mesmo sem este
conhecimento, há inúmeras fórmulas e melodias simples que
dispensam ensaios com os fiéis.

Com base em situações que já presenciei, eu gostaria também de


dizer que me parece ideal que o salmista, ao proceder ao canto ou
à leitura do Salmo Responsorial, limite-se a este encargo. São
péssimas quaisquer outras falas como “vamos cantar o Salmo”, ou
“nossa resposta ao salmo é...”, ou “todos deverão repetir...” etc.

No mais, convém observar o nº102 da IGMR: Compete ao salmista


proclamar o salmo ou outro cântico bíblico colocado entre as leituras. Para bem
exercer a sua função é necessário que o salmista saiba salmodiar e tenha boa
18
pronúncia e dicção. “Saber salmodiar” inclui conhecer (mesmo que
intuitivamente, em certos casos) as questões métricas de que falei
anteriormente e, no caso do canto, conhecer as fórmulas
gregorianas e, sendo possível outras fórmulas e melodias.

Por que o nº102 da IGMR fala em “salmo ou outro cântico


bíblico”? Em alguns casos, o Salmo Responsorial toma seu texto
não dos salmos, mas de algum cântico como o Magnificat (do
Evangelho segundo São Lucas), de um dos vários cânticos do
Livro do Profeta Isaías etc. E aqui falo da Missa: na Liturgia das
Horas são usados muitos cânticos bíblicos que não são salmos, e
sua tradução também aparece no Saltério Litúrgico, sendo em
número de setenta e cinco!

Gradual
Neste terceiro texto vamos falar do Gradual. Antes de
começarmos, apenas destaco que a palavra Gradual designa o tipo
de peça musical que entenderemos neste texto, mas também é o
nome dado ao livro que contém música para as Missas (Gradual
Romano, Gradual Simples, em latim Graduale Romanum e Graduale
Simplex).

Pela primeira vez, nesta série de textos sobre o Próprio, farei


menção à existência de dois ritos litúrgicos, ou para ser mais
preciso e mais fiel ao pensamento do Papa Emérito, Bento XVI, à
existência de duas formas de um mesmo rito romano. Muitos dos
leitores devem estar familiarizados com o fato de que o papa Paulo
VI aprovou uma reforma litúrgica que entrou em vigor no Advento
de 1969-1970. Essa reforma operou diversas alterações na Liturgia
da Missa. Nestes textos nos ocupamos da Missa, mas essa reforma
também modificou o Ofício Divino (a Liturgia das Horas) e outros
livros litúrgicos. A Liturgia da Missa que a maioria de nós conhece
é essa que nos foi dada por Paulo VI. Antes estava em vigor o

19
chamado rito “tridentino”, a “Missa Tridentina”. O papa Bento
XVI ensinou, recentemente, que a Missa Tridentina não foi
abolida, e que ela e a “Missa de Paulo VI” são duas formas de um
único rito romano.

Por que fazemos menção a estes fatos? Porque o Salmo


Responsorial, que vimos no texto anterior, não existe na Missa
Tridentina. A ideia de cantar um salmo de forma responsorial não
é nova; mas o Salmo Responsorial propriamente dito não faz parte
da Missa Tridentina.

Sabemos que na Missa Tridentina a Liturgia da Palavra consta de


uma única leitura, além do Evangelho. A Missa Nova tem uma
leitura a mais nos Domingos e solenidades. Na Missa Nova o
Salmo Responsorial vem entre as duas leituras (quando há duas),
ou depois da primeira (quando há uma). Na Missa Tridentina,
depois da leitura única (não conto aqui o Evangelho), temos o
Gradual.

O Gradual é parte integrante da Missa Tridentina. Porém, continua


existindo na Missa Nova. A Liturgia nos permite utilizar o Gradual
ou o Salmo Responsorial (mas não os dois na mesma Missa,
naturalmente). O Salmo Responsorial é a opção utilizada na imensa
maioria das igrejas, e possivelmente mesmo em muitos lugares nos
quais o canto gregoriano é utilizado correntemente.

Ambas as opções são lícitas e, a princípio, uma não é superior à


outra. Certamente o uso do Gradual ocorre há muito mais tempo
neste momento da Liturgia. Alguns estudiosos da Liturgia
consideram o Gradual superior; outros talvez prefiram o Salmo
Responsorial; mesmo vários defendores do Gradual compreendem
os benefícios do Salmo Responsorial.

Mas quais são as diferenças concretas entre o Salmo Responsorial

20
e o Gradual? O primeiro já é de conhecimento do leitor. O Gradual
é que nos apresenta novidade, neste momento.

O Gradual utiliza muito menos texto do que o Salmo Responsorial.


Este último se serve de várias estrofes. O Gradual costuma usar
poucos versículos. No Terceiro Domingo da Quaresma são dois
versículos (é o caso de numerosos graduais); alguns utilizam três.

Os versículos do Gradual são cantados numa forma que em música


chamamos ABA: primeiro versículo, depois o segundo, depois o
primeiro novamente.

Não por ter menos texto é que o Gradual se torna mais curto que
o Salmo Responsorial, ao menos quando se utiliza um Gradual
gregoriano. Os Graduais costumam ser muito melismáticos. O
leitor não terá nenhuma dificuldade de entender esta palavra
quando ouvir o Gradual Viderunt omnes, da Missa do Dia de Natal.

Aclamação antes do Evangelho


Na Liturgia da Santa Missa em Rito Romano existem pelo menos
três palavras hebraicas. Duas delas são usadas em absolutamente
todas as Missas: Amém e Hosana. Em latim ou vernáculo (língua do
país), estas palavras estão sempre presentes, ainda que com alguma
pequena adaptação requerida pelo idioma da Liturgia. Amém, em
diversas orações. Hosana, no Sanctus (Hosana nas alturas; Hosanna in
excelsis).

A terceira palavra, presente não em todas as Missas, mas na maioria


delas, é Aleluia. Aparece escrita em hebraico no início deste texto.
Naquele idioma se diz Haleluya, com H aspirado (como o do inglês
na palavra hot). O uso da letra Y para escrevê-la em letras latinas
serve para lembrar que, a rigor, este som é considerado uma
consoante.

21
Mas não é meu intento entediar o leitor com considerações
lingüísticas ou fonéticas (e não seria nem mesmo se eu entendesse
destes assuntos). Apenas me permita recordar seu significado: a
partir do verbo lehalel (louvar, glorificar) obtemos o
imperativo halelu, que significa “louvai”. Este verbo, acrescido das
duas primeiras letras do nome de Deus, torna-se haleluya,
literalmente “louvai o Senhor”.

Abundante em numerosos salmos, o Aleluia está presente na Santa


Missa na Aclamação antes do Evangelho. Trata-se de uma
cerimônia em si mesma, por seu próprio direito. Não pode ser
tratada como um simples anúncio de que o Evangelho vai ser lido,
no estilo das vinhetas radiofônicas ou televisivas. Algumas músicas
totalmente inadequadas, usadas neste momento, e de uso
disseminado pelo Brasil, demonstram esse pensamento.

O leitor pode identificar facilmente essas músicas, ou melhor, esses


textos. Alguns exemplos:

“A vossa palavra, Senhor, é sinal de interesse por nós”

“Vamos aclamar o Evangelho”

“Aleluia, aleluia, aleluia, Jesus Cristo vai falar”

“Aleluia, aleluia, minha alma abrirei”

Estes são apenas alguns entre numerosos. Repare o leitor que não
estou falando da música, mas do texto. O texto para a Aclamação
antes do Evangelho (com ou sem Aleluia, pois às vezes ele é
omitido, como logo veremos) é preciso, lembremo-nos de que ele
é parte do Próprio; e, assim, está previsto no Lecionário (e também
no Graduale Romanum).

22
O texto da Aclamação antes do Evangelho não necessariamente se
relaciona, ao menos de modo óbvio, com o Evangelho que a segue.
A tradição litúrgica não exige esse tipo de correlação entre todas as
leituras da Missa, entre as antífonas, ou entre leituras e antífonas.
E, ainda que assim fosse, a iniciativa de introduzir textos novos é
incorreta; além disto, prejudica gravemente a Liturgia quando traz
expressões que querem “preparar o povo para acolher a palavra de
Deus” ou coisa do tipo, dizendo que “Jesus Cristo vai falar”, como
num dos exemplos que dei. A meu ver é a vinheta radiofônica por
excelência.

Nesta cerimônia a Igreja nos prescreve um ou mais versículos para


se cantar ou recitar alternadamente com a palavra Aleluia. De
modo geral, os versículos que a Igreja oferece no Graduale
Romanum são tirados dos salmos; os que ela nos dá no Lecionário
são freqüentemente trechos dos próprios Evangelhos. Num caso
ou no outro, veja-se quanto se perde ao se dar preferência a textos
inventados.

Estou escrevendo este texto durante a Quaresma de 2010. A


Quaresma é precisamente o tempo litúrgico em que o Aleluia é
omitido, desaparecendo por completo de todos os lugares em que
aparece nos outros tempos, inclusive na Liturgia das Horas.
Mesmo o Advento, um tempo de natureza penitencial, conserva o
Aleluia. Portanto, tomarei primeiramente exemplos do Tempo
Comum.

Abrindo o Graduale Romanum no Quinto Domingo do Tempo


Comum, encontramos o Aleluia com o seguinte texto:

Alleluia. Laudate Dominum, omnes gentes: et collaudate eum, omnes populi.


Alleluia.

Tal é a estrutura do Aleluia: a palavra Aleluia, o versículo e a


23
repetição do Aleluia. O versículo, no caso, é o primeiro versículo
do Salmo 116 (“louvai o Senhor, todas as nações, louvai-o, todos
os povos”). Na música, costumeiramente, tem-se aquilo a que
chamamos de ABA, uma forma ternária, em que a terceira parte
consiste numa repetição da primeira, e a segunda é diferente . Já
havia mencionado esta ideia de ABA no texto sobre o Gradual; e,
de fato, as composições gregorianas para o Aleluia são semelhantes
aos Graduais, diferindo no fato de que a sua parte A utiliza, em seu
texto, apenas a palavra Aleluia.

Se olharmos o Lecionário no Quinto Domingo do Tempo


Comum, o versículo ao Aleluia é outro, e igualmente lícito:

“Vinde após mim!”, o Senhor lhes falou, “e vos farei pescadores de homens”.

Este versículo tira-se do próprio Evangelho que será lido em


seguida (no caso do ano C, Lc 5, 1-11).

Se numa determinada Missa não há música, ou, por algum motivo,


não há música para o Aleluia, o leitor se encarrega deste rito
recitando: Aleluia, aleluia, aleluia. “Vinde após mim!”, o Senhor lhes falou,
“e vos farei pescadores de homens”. Aleluia, aleluia, aleluia – um “triplo
aleluia”.

Se este rito é cantado, a música pode utilizar a palavra Aleluia


quantas vezes for conveniente para a sua própria estrutura,
respeitado, naturalmente, o limite do bom senso. O canto
gregoriano utiliza uma única vez, antes do versículo; e mais uma
única vez, depois dele. Os Aleluias gregorianos são melismáticos
(o leitor se lembra desta palavra usada no texto que escrevi aqui
sobre o Gradual), desenhando seus melismas com mais
generosidade sobre a vogal a.

24
O “triplo aleluia” passou a ser utilizado em algumas composições
novas escritas para a Aclamação antes do Evangelho. Além disto,
como existem várias antífonas do Ofício Divino, no Tempo Pascal,
cujo texto é esse mesmo triplo aleluia, elas foram aproveitadas e
reunidas no Graduale Simplex como possibilidades para uso na
Missa. Um deles é o Aleluia do Sábado Santo.

O Graduale Simplex é um livro de canto gregoriano mais simples,


destinado a “igrejas pequenas”, formulado em cumprimento a uma
determinação de um dos documentos do Concílio Vaticano II (a
constituição Sacrosanctum Concilium).

Se numa igreja a música da Missa segue o Graduale Romanum, algo


especial ocorrerá durante o Tempo Pascal. Lembremo-nos de que
o Graduale Romanum nos provê um Gradual no lugar do Salmo
Responsorial do Lecionário. Durante o Tempo Pascal o Graduale
Romanum dispensa o Gradual e coloca em seu lugar um Aleluia;
assim, as Missas deste tempo contam com dois Aleluias. Numa
Missa dominical temos, então:

1 – Primeira leitura

25
2 – Aleluia
3 – Segunda Leitura
4 – Aleluia
5 – Evangelho

Os Aleluias são diferentes, cada um com seus próprios versículos.


Se seguirmos o Lecionário, depois da Primeira Leitura teremos um
Salmo Responsorial, como nos outros tempos.

Na Quaresma o Aleluia desaparece da Liturgia. No Rito Novo, a


partir de 1969-1970, isto ocorre da Quarta-feira de Cinzas em
diante. No Rito Tridentino, começa já no tempo litúrgico
chamado Septuagesima, aproximadamente setenta dias antes da
Páscoa.

Na Santa Missa, o lugar do Aleluia é tomado pelo Trato. No


Graduale Romanum são dados versículos de salmos. Vejamos os
Tratos dos Domingos da Quaresma:

1º Domingo – Sl 90, 1-7. 11-16


2º Domingo – Sl 59, 4. 6
3º Domingo – Sl 122, 1-3
4º Domingo – Sl 124, 1-2
5º Domingo – Sl 128, 1-4

O Trato do Primeiro Domingo da Quaresma é bem conhecido dos


entusiastas de canto gregoriano por ser consideravelmente longo,
contando treze versículos, enquanto os outros contêm apenas dois
ou três. Sua partitura no Graduale Romanum ocupa meia dúzia de
páginas.

Antes do Evangelho, na Quaresma, temos um Trato mesmo


quando se trata de Solenidade. É muito comum que a Solenidade
de São José (19 de Março) e da Anunciação do Senhor (25 de
Março) caiam na Quaresma, como em 2010. Uma Solenidade em
26
meio à Quaresma utiliza até mesmo o Gloria, ausente das outras
Missas; mas o Aleluia sempre precisará esperar a Páscoa.

O Aleluia, como disse, se estrutura numa forma ABA em que o


Aleluia funciona como uma espécie de “refrão”; o Trato, porém,
não tem refrão, utilizando os versículos e nada mais.

Se não o Graduale Romanum, mas o Lecionário for a fonte dos


textos para a música, temos um refrão – na verdade, não um, mas
um conjunto de refrãos possíveis. Eles são cantados também num
ABA em alternância com um versículo. Há, portanto, duas opções
num dado Domingo da Quaresma.

No Primeiro Domingo da Quaresma, a seguir o Lecionário


teremos:

Louvor e glória a ti, Senhor, Cristo, palavra de Deus.


O homem não vive somente de pão, mas de toda palavra da boca de Deus.
Louvor e glória a ti, Senhor, Cristo, palavra de Deus.

... sendo o versículo o texto de Mt 4, 4.

No Missal em uso no Brasil são diversas as aclamações:

Glória e louvor a vós, Senhor Jesus


Louvor e honra a vós, Senhor Jesus
Louvor a vós, ó Cristo, Rei da eterna glória
Louvor e glória a ti, Senhor, Cristo, palavra de Deus
Glória a Cristo, palavra eterna do Pai, que é amor
Jesus Cristo, sois bendito, sois o ungido de Deus Pai

Aparentemente esta lista não é exaustiva. Embora em cada liturgia


o Lecionário traga especificamente uma destas aclamações,
aparentemente são intercambiáveis.

27
As aclamações quaresmais em latim são oito:

1. Gloria et laus tibi, Christe (Glória e louvor a vós, ó Cristo)


2. Gloria tibi, Christe, Sapientia Dei Patris. (Glória a vós, ó Cristo,
Sabedoria de Deus Pai)
3. Gloria tibi, Christe, Verbum Dei (Glória a vós, ó Cristo, Verbo de
Deus)
4. Gloria tibi, Domine, Fili Dei vivi (Glória a vós, Senhor, Filho de
Deus Vivo)
5. Laus et honor tibi, Domine Iesu (Louvor e honra a vós, Senhor Jesus)
6. Laus tibi, Christe, Rex aeternae gloriae (Louvor a vós, ó Cristo, Rei
da eterna glória)
7. Magna et mirabilia opera tua, Domine (Grandes e maravilhosas são
vossas obras, Senhor)
8. Salus et gloria et virtus Domino Iesu Christo (Salvação, glória e
poder ao Senhor Jesus Cristo)

Um exame destas aclamações mostra que, salvo engano, nem todas


foram traduzidas para inclusão no Lecionário que usamos, e
mesmo algumas outras ausentes desta lista foram adotadas, como
a já listada “Jesus Cristo, sois bendito, sois o ungido de Deus Pai”
e a estranha “Salve Cristo, luz da vida, companheiro na partilha”.

Conheço alguns lugares, inclusive por Missas transmitidas pela


televisão, em que a aclamação antes do Evangelho é repetida
depois do Evangelho. Em muitas das vezes, esta repetição é
acompanhada de palmas, cuja suposta intenção é a de dar glória à
Palavra de Deus.

Em primeiro lugar: já se falou tanto da absoluta inconveniência das


palmas na Liturgia que se faz desnecessário que eu aborde este
assunto aqui.

Em segundo lugar: não existe nenhuma instrução para se cantar o


28
Aleluia (ou outra aclamação) depois do Evangelho. Seu lugar é
antes do Evangelho, e só. Repeti-lo é incorreto. Não só viola a
Liturgia como causa confusão aos fiéis, que, ao vê-lo cantado uma
segunda vez em certas igrejas, não entenderão por que em outras
isso não é feito, podendo achar que algo ficou faltando (é mais raro
que o fiel pense que algo esteja sobrando).

Por isso, coloco aqui um apelo pessoal pela extinção desta prática,
especialmente nas Missas transmitidas pela televisão. Nada de
repetir a aclamação; nada de aplausos.

Seqüência
Falo da Seqüência, que ainda grafo com trema porque... sem trema
não dá.

Na Idade Média as seqüências nasceram como adições feitas ao


Alleluia antes do Evangelho. Como o leitor viu no texto sobre a
Aclamação antes do Evangelho, a vogal a do Alleluia, nas melodias
gregorianas, é estendida por um melisma (muitas notas); esta
extensão é chamada de jubilus e, às vezes, era chamada também
de sequentia. Em certo momento, alguns começaram a escrever
versos (em latim) para a sequentia.

Esta palavra passou a designar também hinos metrificados e


rimados, e algumas seqüências são hoje nossas conhecidas, mas
não como seqüências; é o caso de Ave maris stella (Ave, estrela do
mar):

Ave maris stella


Dei mater alma
Atque semper Virgo
Felix caeli porta.

29
Uma tentativa de tradução: Ave, estrela do mar, cara Mãe de Deus,
sempre Virgem, feliz porta do céu. Tentativa, porque traduções literais
são um pouco difíceis de encontrar. Como o texto original é
metrificado, é comum que se façam traduções também
metrificadas, o que modifica um pouco o poema.

Ave maris stella, especificamente, é um conhecido hino de devoção


mariana, prescrito também por ambas as formas do Ofício Divino
(Ordinária e Extraordinária) como hino das Vésperas das
comemorações da Santíssima Virgem. Composto no século VIII
(isto é, tem mais de mil e duzentos anos de idade), este canto faz
parte do patrimônio fabuloso que não temos o direito a desprezar.

O papa São Pio V, ao codificar em 1570 o Rito Romano, eliminou


da Liturgia da Santa Missa um grande número de seqüências,
mantendo somente quatro. No século XVIII, uma quinta foi
introduzida (o Stabat Mater), e a lista passou a ser esta:

Victimae Paschali Laudes – na Páscoa da Ressurreição


Veni Sancte Spiritus – em Pentecostes
Lauda Sion Salvatorem – em Corpus Christi
Dies Irae – Missas dos defuntos
Stabat Mater – Nossa Senhora das Dores

A reforma litúrgica de 1969-1970 aboliu o uso do Dies Irae nas


Missas dos Fiéis Defuntos e o prescreveu, dividido em partes,
como hinos para as diversas horas do Ofício Divino durante a
Trigésima-Quarta Semana do Tempo Comum (depois de Cristo
Rei, logo antes do Advento). Suas vinte e uma estrofes foram
distribuídas igualmente entre o Ofício das Leituras, Laudes e
Vésperas.

Muitos de nós gostaríamos de ver o Dies Irae de volta às Missas dos


Fiéis Defuntos na Forma Ordinária e, se não é mesmo pecado
30
sugerir coisas específicas para a reforma da reforma, tenho certeza
de não estar sozinho na defesa desta restauração.

Por enquanto, continuamos com quatro seqüências no Rito Novo.


Porém, de acordo com a IGMR:

64. A seqüência que, exceto nos dias da Páscoa e de


Pentecostes, é facultativa, é cantada antes do
Aleluia.

- isto é, apenas duas delas são obrigatórias, a considerar a letra da


lei.

Este número 64 da IGMR também nos informa quando a


seqüência é cantada: antes da Aclamação antes do Evangelho.
Trata-se de outra mudança da reforma litúrgica de 1969-1970;
antes dela a seqüência era sempre cantada depois da Aclamação, e
antes do Evangelho.

O Graduale Romanum, mesmo em sua edição para o Rito Novo,


manda cantar a Seqüência depois da Aclamação. Debate-se de que
instrução é a precedência (Gradual ou Missal?). A prática descrita
pelo Graduale Romanum é a prática tradicional; por outro lado, se
argumenta pela maior autoridade do Missal no que se refere a
rubricas.

Ofertório
Na Forma Extraordinária do Rito Romano, a “Missa Tridentina”,
o Ofertório possui a sua própria antífona, assim como, já vimos, o
Introito possui a sua e, logo veremos, a Comunhão também.

No Missal da Forma Ordinária do Rito Romano existem antífonas


para o Introito e para a Comunhão, mas não para o Ofertório. Esta

31
não foi a única modificação feita no Ofertório pelos executores da
reforma litúrgica de 1969-1970; no Rito Novo ele se tornou
consideravelmente mais curto.

Temos feito sempre alusão ao Graduale Romanum, nesta série de


textos, como a fonte das peças gregorianas que se usam na Missa.
Depois da reforma litúrgica de 1969-1970 foi organizado e
publicado também um novo Graduale Romanum para o Rito
Novo. A propósito, esta publicação foi feita não apenas por ser
muito desejável, mas em cumprimento a uma determinação do
Concílio Vaticano II.

Claro: quando o Concílio elaborou seus documentos, a reforma


litúrgica ainda não tinha acontecido, e talvez não se esperasse que
viesse a ser tão profunda. Entretanto, refiro-me às seguintes
palavras:

117. Procure terminar-se a edição típica dos livros de canto


gregoriano; prepare-se uma edição mais crítica dos livros já
editados depois da reforma de S. Pio X.

Convirá preparar uma edição com melodias mais simples


para uso das igrejas menores.

...que podem ser lidas no documento Sacrosanctum Concilium. A


“edição com melodias mais simples” foi realizada no Graduale
Simplex. Sem sequer pretender entrar, ainda que minimamente, em
questões de interpretação do Concílio Vaticano II, fica muito claro
por sua letra que seu ensinamento é o de pôr o canto gregoriano
em “primeiro lugar”:

116. A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia


romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção
litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar.

32
Certo: “primeiro lugar” não significa “exclusividade”; mas isto
abordaremos em outro texto, fora desta série.

De volta ao Graduale Romanum: temos uma edição feita em 1974,


que atende às necessidades do Rito Novo. Para a Forma
Extraordinária, utilizamos a edição de 1961.

Entretanto, ambas nos dão antífonas para o Ofertório. Isto é


natural para a Forma Extraordinária, mas não encontra
correspondente no Missal do Rito Novo.

Nisto acabaríamos entrando na questão das diferenças entre os


textos das antífonas do Gradual e os textos das antífonas do Missal,
e este assunto poderia obscurecer um pouco o foco desta série. Em
todo caso, é importante dar-se conta de que se o Missal não provê
uma antífona de Ofertório na Forma Ordinária, o Graduale
Romanum o faz, e sua publicação traz a autoridade de um livro
litúrgico aprovado pelo Sumo Pontífice.

A IGMR, infelizmente, não dá informações claras sobre a música


no Ofertório, embora algumas conclusões possam ser tiradas.

74. O canto do ofertório acompanha a procissão das


oferendas (cf. n. 37, b) e se prolonga pelo menos até que
os dons tenham sido colocados sobre o altar. As normas
relativas ao modo de cantar são as mesmas que para o canto
da entrada (cf. n. 48). O canto pode sempre fazer parte dos
ritos das oferendas, mesmo sem a procissão dos dons.

Com a permissão do leitor, preciso utilizar numerosas citações da


IGMR. O número 74, colocado acima, faz referência ao 48 ao falar
das “normas relativas ao modo de cantar”. O 48 explica o “canto
de entrada”; já o vimos quando falamos do Introito.

33
48. O canto é executado alternadamente pelo grupo de
cantores e pelo povo, ou pelo cantor e pelo povo, ou só
pelo grupo de cantores. Pode-se usar a antífona com seu
salmo, do Gradual romano ou do Gradual simples, ou
então outro canto condizente com a ação sagrada e com a
índole do dia ou do tempo, cujo texto tenha sido aprovado
pela Conferência dos Bispos.

Não havendo canto à entrada, a antífona proposta no


Missal é recitada pelos fiéis, ou por alguns deles, ou pelo
leitor; ou então, pelo próprio sacerdote, que também pode
adaptá-la a modo de exortação inicial (cf. n. 31).

Aplica-se, então a regra sobre quem canta (cantores e povo, cantor


e povo ou cantores). Aplica-se também a regra de tomar música do
Graduale Romanum ou do Graduale Simplex (e, como o canto
gregoriano não é o único tipo de música permitido, pode-se usar
também outra música que siga o texto destes livros).

A possibilidade de a antífona ser recitada, entretanto, não se aplica,


já que para o Ofertório não existe “antífona proposta no Missal”.
Esta parte, portanto, não se relaciona ao Ofertório.

Entretanto, existe a previsão de um Ofertório sem música:

142 (...) Contudo, se não houver canto de preparação das


oferendas ou não houver música de fundo do órgão, na
apresentação do pão e do vinho, o sacerdote pode proferir
em voz alta as fórmulas de bendição, respondendo o povo:
Bendito seja Deus para sempre.

Ofertório sem música não parece muito incomum, e pelo que


tenho observado não poucas pessoas sabem a resposta Bendito seja
Deus para sempre.

34
O número 142 menciona até “música de fundo do órgão”, que não
aparece, na IGMR, em nenhum outro ponto que mencione o
Ofertório – trata-se de música exclusivamente instrumental
executada pelo órgão. Pessoalmente, gosto desta possibilidade,
embora defenda o uso das antífonas do Ofertório colocadas pelo
Graduale.

E por falar nas antífonas de Ofertório do Graduale, lembremo-nos


de que, constantes apenas desse livro, e não do Missal, elas nos
estão disponíveis apenas em latim. Se por qualquer motivo
utilizamos o português (ou outra língua nacional) na Liturgia, não
parece haver obstáculos para o uso de uma tradução correta e
sóbria. Ademais, como os textos das antífonas são praticamente
sempre extraídos da Escritura, uma simples consulta aos
versículos pode prover o texto. Na pior das hipóteses, este texto
entra na categoria de “outros” que, precisando da aprovação da
conferência episcopal, já me parecem tê-la por simplesmente serem
parte da Escritura. O leitor certamente concordará comigo que tal
opção se mostra bem mais conveniente do que um famoso “canto
de ofertório” usado em muitas paróquias no Tempo Pascal:

Eu creio num mundo novo


Pois Cristo ressuscitou
Eu vejo sua luz no povo
(...)
No pobre que se liberta
Eu vejo ressurreição.

Sabendo que as antífonas de Ofertório tomam seu texto da Sagrada


Escritura, compreendemos imediatamente que não existe a menor
necessidade de que os textos falem em pão, vinho, trigo, uva etc.
É verdade que alguns cantos populares piedosos usados no
Ofertório, já há algum tempo, falam nestas coisas todas;
certamente não estou dizendo que seja errado. Entretanto, não há
obrigatoriedade; exigir isto seria um pensamento de trilha sonora,
35
em que o texto da música supostamente tivesse que descrever os
acontecimentos.

As antífonas de Ofertório não diferem daquelas de Introito, quanto


à estrutura de seu texto. A diferença mais notável se vê quando
examinamos as partituras gregorianas: os Ofertórios são mais
difíceis de cantar do que os Introitos, que em geral são um pouco
menos complexos (as Comunhões, por sua vez, com grande
freqüência são ainda menos complexas que os Introitos).

Por esta razão, é comum que, nos lugares onde se começa a


implantar o uso do canto gregoriano, o Ofertório fique para depois
– e deve ficar mesmo; parece-me mais produtivo começar pelas
partes capazes de produzir resultados mais imediatos, como o
Ordinário, a Comunhão, o Salmo Responsorial etc. A seu tempo,
o Ofertório poderá ser feito.

O leitor me perdoe se eu me repito, mas gostaria de esclarecer


novamente: estou, aqui, falando do canto gregoriano. Se a igreja (a
paróquia, a capela, o instituto religioso etc.) utiliza outro tipo de
música litúrgica legítimo e verdadeiramente sacro, pode ser que seu
repertório específico não apresente essa dificuldade no Ofertório.

Que eu utilize o canto gregoriano como base destes textos sobre o


Próprio se deve ao seu primeiro lugar no patrimônio litúrgico
musical do Rito Romano. Aproveitamos assim a oportunidade de
uma coisa (entender o Próprio) para já fazer outra (entender um
pouco mais o canto gregoriano).

Na Forma Extraordinária, sendo o Ofertório (o rito, não a


antífona) mais longo, é comum que, ao se terminar o canto da
antífona, ainda reste tempo, durante o qual se pode cantar um
moteto – uma composição polifônica sobre outro texto, que não a
antífona do Ofertório. Este costume se encontra claramente

36
codificado em Tra le sollecitudine, o motu proprio do papa São Pio X
que provê numerosas diretrizes para a música sacra:

8. (...) Permite-se outrossim que, depois de cantado o


ofertório prescrito, se possa executar, no tempo que resta,
um breve moteto sobre palavras aprovadas pela Igreja.

Outra possibilidade foi trazida mais ao alcance dos grupos de canto


gregoriano pela publicação do Offertoriale Triplex, em 1985. Este
livro traz versículos adicionais para o Ofertório, da mesma maneira
que, como vimos, é possível fazer no Introito.

No caso do Introito (e o mesmo ocorre na Comunhão), canta-se a


antífona, e em seguida um versículo do salmo em tom salmódico;
repete-se a antífona, e outro versículo; e assim por diante.

O Ofertório apresenta uma pequena diferença: depois de um


versículo adicional, não se repete a antífona inteira, mas sua última
“metade” (essa metade pode ser maior ou menor que uma “metade
de verdade”). Esta é a estrutura de um responsório, tal como se
pode encontrar no Ofício Divino (na Liturgia das Horas).

Abaixo, um exemplo: um responsório tomado do Ofício das


Leituras do Ofício dos Fiéis Defuntos da Liturgia das Horas. A
primeira parte, marcada com R, consta de quatro versos (um
asterisco marca o início da segunda metade). A segunda parte,
marcada com V, consta de três versos. Depois dela, é repetida
apenas a parte de R que começa com o asterisco.

R - É preciso que ele reine até que tenha colocado


Debaixo de seus pés seus inimigos, todos eles,
* A morte há de ser o seu último inimigo,
A ser exterminado.
V - A morte e o seu reino devolverão todos os mortos
E a morte e o seu reino serão precipitados
37
No lago incandescente.
* A morte há de ser o seu último inimigo,
A ser exterminado.

Se numerarmos os versos, sua recitação (ou canto) ocorre nesta


ordem: 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 3 – 4.

A repetição, no final, do trecho marcado com asterisco, é


comumente abreviada nos livros (neste responsório, no livro
vemos apenas * A morte.) – mas deve ser feita integralmente.

Mesmo quem não possua o Offertoriale Triplex pode utilizar estes


versos adicionais, se adota o canto gregoriano em sua igreja. No
link abaixo o leitor pode copiar um pdf feito por Richard Rice, do
qual constam partituras gregorianas para um versículo, em tom
salmódico, para cada Ofertório. As datas litúrgicas se referem à
Forma Extraordinária, mas para o uso na Forma Ordinária basta
consultar o nome do Ofertório respectivo.

http://musicasacra.com/pdf/offertoryverses.pdf

Comunhão
A Santa Missa, celebrada em Rito Romano ou em qualquer dos
ritos legítimos da Igreja, traz em si o estupendo milagre da presença
real de Cristo nas espécies eucarísticas. O milagre não só
impressiona por si mesmo, mas também por ocorrer em todas as
vezes que a Missa é celebrada, desde há quase dois mil anos: um
milagre tremendo se repetindo incessantemente, um incontável
número de vezes ao longo da história desde a sua primeira
ocorrência, pelas mãos do próprio Deus, quando sua celebração
foi instituída.

Acredito não errar demais quando digo ser este o acontecimento

38
mais impressionante da Santa Missa. Em segundo lugar, mas
igualmente fenomenal à compreensão humana, está a ideia de
receber o Corpo do próprio Cristo como alimento. Isto é a
Comunhão. Se ela não existisse, a transformação do pão e do vinho
em Corpo e Sangue de Cristo já seria suficientemente espantosa.
Mas que os fiéis sejam alimentados por estes elementos torna tudo
ainda mais grandioso.

Na Missa, a Comunhão se faz acompanhar por música. Para a


Forma Ordinária, eis as instruções da IGMR:

86. Enquanto o sacerdote recebe o Sacramento, entoa-se o


canto da comunhão que exprime, pela unidade das vozes,
a união espiritual dos comungantes, demonstra a alegria
dos corações e realça mais a índole "comunitária" da
procissão para receber a Eucaristia. O canto prolonga-se
enquanto se ministra a Comunhão aos fiéis. Havendo,
porém, um hino após a Comunhão, encerre-se em tempo
o canto da Comunhão.

Haja o cuidado para que também os cantores possam


comungar com facilidade.

87. Para o canto da comunhão pode-se tomar a antífona do


Gradual romano, com ou sem o salmo, a antífona com o
salmo do Gradual Simples ou outro canto adequado,
aprovado pela Conferência dos Bispos. O canto é
executado só pelo grupo dos cantores ou pelo grupo dos
cantores ou cantor com o povo.

Não havendo canto, a antífona proposta no Missal pode


ser recitada pelos fiéis, por alguns dentre eles ou pelo leitor,
ou então pelo próprio sacerdote, depois de ter comungado,
antes de distribuir a Comunhão aos fiéis.

39
88. Terminada a distribuição da Comunhão, ser for
oportuno, o sacerdote e os fiéis oram por algum tempo em
silêncio. Se desejar, toda a assembléia pode entoar ainda um
salmo ou outro canto de louvor ou hino.

Vemos que, assim como no Introito, toma-se a antífona do


Graduale Romanum, ou a do Graduale Simplex; existe também a
antífona do Missal, que nem sempre é a mesma do Graduale
Romanum (nem é a mesma do Simplex). É interessante notar que
a IGMR coloca a possibilidade de que essa antífona seja recitada
pelos fiéis, ou por alguns fiéis, ou pelo leitor, ou pelo próprio
sacerdote.

Desta forma, observamos mais uma vez que o Próprio da Missa,


do qual a antífona da Comunhão faz parte, é essencial mesmo que
a celebração não utilize música. O Próprio, de fato, é uma questão
litúrgica antes de ser uma questão musical. Uma vez que o
respeitemos e lhe demos a importância devida, ao utilizar música
saberemos que ele não deve ser deixado de lado.

Já tivemos a oportunidade, aqui, especialmente no texto sobre o


Introito, e mesmo em outros, de comentar a possibilidade de a
assembleia não cantar determinadas partes da Missa (especialmente
o Próprio). Normalmente, esta possibilidade não deveria causar
controvérsia nem ser explicada de maneira especial, mas certos
rumos tomados por algumas correntes de pensamento exigem que
esta ideia seja explicada e defendida praticamente a cada vez que é
mencionada.

A exigência de que a assembleia cante durante a Comunhão é


especialmente sem sentido, já que a recepção do Santíssimo
Sacramento não facilita o canto. Mesmo quando o fiel já tenha
comungado e a espécie ou espécies não estejam mais em sua boca,
é muito comum que deseje recolher-se em oração. Este espírito de
40
recolhimento, que de outra forma permeia toda a Missa, faz com
que música inadequada, prejudicial na Missa inteira, seja
especialmente danosa durante a Comunhão.

Lembro-me especialmente de um conhecido canto de Comunhão,


usado no Brasil em certo tempo litúrgico, que, desejoso de
reproduzir as terças e notas repetidas de canções sertanejas, acaba
criando uma atmosfera tão ruidosa durante este momento que
muitos fiéis são colocados frente a mais um desafio: rezar e
meditar apesar da música, e não com o auxílio dela.

Ocorre muito também que os fiéis se levantem para comungar e


cantem até o momento em que recebem a Sagrada Comunhão; a
partir de então, silenciam. Mesmo que depois voltem a cantar,
existe uma inconstância no canto da assembleia, neste momento,
que se coloca como mais um motivo para que, novamente, apenas
o cantor ou grupo de cantores se encarreguem desta tarefa.

Terminada a Comunhão, tanto o silêncio sagrado como um canto


devocional podem ser introduzidos. Na Quaresma, sem dúvida, é
muito bom que se tenha o silêncio. O mesmo vale para outras
celebrações com algum caráter penitencial, ou, quem sabe, Missas
para Fiéis Defuntos, e mesmo no Advento. Fora dessas ocasiões,
proceder a um canto devocional pode ser de grande ajuda aos fiéis.
Acredito que isto varie conforme o lugar.

Para quem tenha lido os textos anteriores desta série, a Comunhão


não apresenta grandes novidades. Apresenta, mesmo assim,
algumas peculiaridades.

Assim como todos os outros itens do Próprio, a Comunhão tem


seu texto específico para cada Santa Missa, a “antífona de
Comunhão”. Muitas vezes esse texto é tomado do livro dos
Salmos; numerosas antífonas, entretanto, utilizam texto dos

41
Evangelhos. Um exemplo é a Solenidade do Sagrado Coração de
Jesus, cuja Comunhão traz as palavras de Jo 19, 34:

Um dos soldados abriu-lhe o lado com a lança e, imediatamente, saíram sangue


e água.

Esta comunhão se chama Unus militum, e se usa nesta data litúrgica


em ambas as formas do Rito Romano.

Comunhão Unus militum


da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus
em ambas as Formas do Rito Romano

As melodias gregorianas para a Comunhão são de aprendizado


menos difícil do que os Graduais e Ofertórios. Por esta razão, um
lugar (paróquia, casa religiosa etc.) onde se deseje implantar o canto
gregoriano, sem dúvida pode colocar a Comunhão entre os
primeiros passos. Possivelmente o Ordinário da Missa deva ser
abordado primeiro, mas não se demora muito até que se tenha
habilidade para cantar também a Comunhão.

Cada Missa tem sua Comunhão própria. Entretanto, no Graduale


Romanum publicado para o Rito Novo (a Forma Ordinária do
Rito Romano), além de todas as Comunhões específicas, existe
uma lista de sete, tomadas entre elas próprias, que são
chamadas antífonas eucarísticas ad libitum. Elas podem ser cantadas
em qualquer Missa.

42
Isto facilita muito o trabalho dos grupos de canto gregoriano. Se
os cantores ainda não têm grande experiência, o fato de não
poderem estudar uma Comunhão nova por semana poderia
impossibilitar o uso do gregoriano nesta parte da Missa. A lista das
sete antífonas é uma ajuda (e tanto!) do Graduale Romanum.

Um parêntese:

É verdade que às vezes alguns de nós reclamamos de certas


imprecisões em documentos como a IGMR, o Missal, ou quaisquer
outros. Com alguma freqüência constatamos que vários abusos
litúrgicos encontram seu pretexto nessas lacunas (embora o
simples bom senso os condene). Entretanto, não existe lacuna nem
imprecisão, nos documentos da Igreja, que permita ao católico
considerar, minimamente, que o canto gregoriano tenha perdido a
sua honra e primazia no Rito Romano. Mesmo quem desconfia do
Concílio Vaticano II pode verificar que ele mandou cultivar o
gregoriano, mantendo a palavra que a Igreja sempre teve nesse
aspecto. O papa Paulo VI mandou imprimir o livreto Jubilate Deo,
em 1974, contendo o repertório gregoriano mínimo para toda
paróquia. Foi compilado o Graduale Simplex, que até mesmo
desagrada a alguns gregorianistas pela sua simplicidade, embora as
fontes sejam tradicionais. O Graduale Romanum, prescrevendo a
música específica de cada Liturgia, chega a um ponto quase
extremo, em sua edição para o Rito Novo, de permitir que a música
de qualquer dia, dentro de um certo tempo litúrgico, seja usada em
outros dias do mesmo tempo litúrgico, eliminando uma dificuldade
que poderia ser insuperável para alguns coros. Além disto, coloca
também esta lista das sete antífonas eucarísticas ad libitum.

Fecho o parêntese.

Estas são as antífonas ad libitum:

1 – Ego sum vitis vera (Jo 15,5)


43
[Eu sou a videira]
Das sete antífonas eucarísticas ad libitum, quatro utilizam palavras
do próprio Jesus Cristo. Esta é uma delas.

2 – Gustate et videte (Sl 33,9)


[Provai e vede]

3 – Hoc corpus (I Cor 11, 24-25)


[Isto é o meu corpo]
As palavras da consagração.

4 – Manducaverunt (Sl 77, 29-30)


[Comeram]
O salmo diz que os hebreus comeram até se saciarem, em clara
aparição do maná como figura da Eucaristia.

5 – Panem de caelo (Sb 16, 20)


[O pão do céu]
No Livro da Sabedoria se fala do pão do céu, alimento dos anjos,
que contém em si todas as delícias.

6 – Panis quem ego dedero (Jo 6, 52)


[O pão que eu hei de dar]
Palavras do próprio Jesus Cristo.

7 – Qui manducat (Jo 6, 57) [Quem come]


Novamente, palavras do próprio Jesus Cristo.

O leitor pode verificar que todos os textos destas sete antífonas


são de temática eucarística, o que não necessariamente ocorre nas
antífonas de Comunhão.

Muitas antífonas de Comunhão prescritas pelo Graduale do Rito


Novo coincidem com aquelas dadas pelo Graduale do Rito
Tridentino. No entanto, o Graduale do Rito Novo, em muitas
44
datas, traz antífonas específicas conforme o ano litúrgico seja A, B
ou C (o que não existe no Rito Tridentino).

Por exemplo: no Sexto Domingo da Páscoa (Rito Novo), existem


três antífonas de Comunhão, uma para cada ano do ciclo de três
anos (a antífona do ano C é a mesma usada todos os anos neste
mesmo Domingo do Rito Tridentino):

-ano A: Non vos relinquam orphanos (Jo 14, 18)


-ano B: Ego vos elegi (Jo 15, 16)
-ano C: Spiritus Sanctus (Jo 14, 26).

São abundantes exemplos como este – não somente em Domingos


do Tempo Comum ou da Páscoa, mas também em festas e
solenidades.

Introdução ao Ordinário
Quando me coloquei a tarefa de explicar o Próprio da Missa, uma
das primeiras coisas que fiz foi compará-lo ao seu companheiro, o
Ordinário, para poder contrastar os dois e dizer, explicando o que
o Próprio não é, o que ele é. Ao começar um esboço sobre o
Ordinário, não me parece tão despropositado utilizar o mesmo
método; tanto que começo dizendo, neste momento, que o
Ordinário é ordinário precisamente porque não é Próprio.

O leitor pode ter certeza de que estou falando sério, mesmo que
agora eu invoque uma particularidade um pouco cômica da língua
portuguesa: o adjetivo “ordinário” tem neste idioma, entre outros
significados, um aspecto negativo do qual às vezes nos valemos
para ofender uma pessoa. “Homem ordinário” está entre as
qualificações que homens não gostariam de ouvir a seu respeito,
normalmente... Este adjetivo, imbuído agora de um ar depreciativo
a nossos ouvidos, tem origem menos malvada: homem ordinário é

45
homem que não tem nada de esplêndido, impressionante ou...
extraordinário (claro). É o homem comum e simples. A palavra
“medíocre”, igualmente nada elogiosa, a rigor também não chega
a ser uma ofensa, significando algo ou alguém que não passa da
média.

Assim, “ordinário” é algo comum, que aparece sempre. O


Ordinário da Missa se encaixa nisto: sendo invariável, aparece
sempre, é comum. Em termos litúrgicos mais específicos, o
Ordinário é o conjunto das partes que não variam de acordo com
a Liturgia, sendo sempre as mesmas. O máximo de variação que
pode acontecer em relação ao Ordinário é alguma parte sua ser
omitida. A omissão, sim, varia conforme a Liturgia; mas, por
exemplo, se o Gloria é parte do Ordinário, todas as vezes em que
ele for usado o texto será o mesmo (seja Domingo de Páscoa, Natal
ou qualquer Domingo do Tempo Comum). Há Missas em que o
Gloria não aparece. Porém, não existem Missas em que o Gloria
possa ou deva ser substituído por alguma outra coisa. E, mesmo
que houvesse, seria uma exceção, algo de caráter tão
“extraordinário”, que apareceria simplesmente como a exceção que
confirma a regra; o Gloria é tão consistentemente o mesmo texto
ao longo do ano litúrgico, que não pode ser considerado Próprio.

Já tínhamos visto que o Próprio se compõe de cinco partes (às


vezes seis, se houver a Seqüência); no primeiro texto a seu
respeito havíamos visto que também o Ordinário se compõe de
cinco partes. Estas cinco partes estão presentes em um grande
número de Missas: Domingos do Tempo Comum, do Tempo
Pascal, do Tempo do Natal... Conforme a Liturgia, uma ou duas se
omitem (não quaisquer partes, mas partes específicas, a vermos
nos próximos textos).

Vejamos abaixo um diagrama que mostra o Ordinário e o Próprio


de acordo com sua ordem durante a Missa. Não incluí a Seqüência,
mas caso um leitor não tenha visto o texto a respeito dela e
46
tampouco saiba do que se trata, saiba que ela vem logo antes do
Alleluia ou Tractus (ou logo depois); que somente cinco existem
na Forma Extraordinária (Rito Tridentino), e apenas quatro na
Forma Ordinária (Rito Novo).

Em vermelho está o Próprio; em azul está o Ordinário.

47
Convido o leitor a perceber que escrevi os nomes das partes do
Próprio em português, e as do Ordinário em latim (exceto o
Kyrie, em grego). Isto porque, já que o Ordinário nunca varia,
podemos dar a cada parte, como nome, a primeira ou primeiras
palavras de seu texto. Isto acontece com todas elas:

Kyrie, em grego, é Senhor; esta palavra também dá nome ao


“Senhor, tende piedade” recitado ou cantado durante o Ato
Penitencial. Quando se utiliza a língua própria do Rito Romano, o
latim, esta parte permanece em grego.

Gloria é a palavra latina que dá nome ao hino que nomeamos, em


português, com palavra similar, vinda do latim para o português
sem sofrer alterações.

Credo, “creio”, é a primeira palavra da profissão de fé.

Sanctus, “santo”, é a primeira palavra do jubiloso hino cantado na


Liturgia Eucarística: Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do
Universo (...).

Agnus Dei, “Cordeiro de Deus”.

Por enquanto, oferecemos este pequeno esboço do Ordinário da


Missa. É uma introdução necessária, mesmo que tantos leitores
nossos tenham conhecimento de cada uma das informações aqui
colocadas (e, sem dúvida, bem além delas), para que depois
possamos nos deter em cada uma das partes.

Kyrie e Ato Penitencial


Começamos aqui nossa abordagem da música no Ato Penitencial
da Santa Missa. O leitor pode ver no título deste texto
mencionados dois objetos, não apenas um. Embora meu intento

48
seja comentar apenas a música, faz-se necessário compreender
algumas questões referentes à Liturgia em si e suas partes.

A palavra Kyrie, em grego, é uma invocação dirigida ao Senhor. Se


quiséssemos simplesmente dizer Senhor, sendo Ele o sujeito de uma
frase, diríamos Kyrios. Mas aqui falamos com o Senhor, dirigimo-
nos a Ele; e o idioma grego (como também o latino) nos permite
flexionar (“declinar”, mais especificamente) esta palavra de modo
a deixar claro que estamos nos dirigindo ao Senhor – a isto a
gramática chama caso vocativo. “Senhor”, no caso vocativo, é Kyrie, e
assim é que a Liturgia se dirige a Deus neste momento da Liturgia.

É importante lembrar-se de que no Kyrie o idioma é o grego, e, se


o leitor pesquisar algum outro rito litúrgico cujo idioma seja o
grego, encontrará lá também o Kyrie.

O texto do que chamamos de Kyrie consta de três invocações


muito simples, conhecidas de, creio poder dizer, todo católico. Em
português:

Senhor, tende piedade de nós.


Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Em grego:

Kyrie eleison.
Christe eleison.
Kyrie eleison.

Se o fiel assistir à Missa em português, terá o Kyrie em português.


Se assistir à Missa em latim (seja na Forma Ordinária ou no Rito
Tridentino), terá o Kyrie em grego. A Liturgia de Rito Romano
utiliza três idiomas (sem contar o vernáculo): o latim, o grego e o
hebraico. O latim, na maior parte do texto. O grego, no Kyrie. Do
49
hebraico o Rito Romano toma as
palavras Alleluia, Hosanna e Amen.

É verdade que o grego e o hebraico contribuem com partes muito


pequenas e específicas, a rigor tratáveis como palavras que o latim
tomou emprestadas e incorporou a si. Entretanto, alguns ritos
dispensam o grego em seu Kyrie, como os eslavos e os armênios.

Não dispensam, entretanto, as hebraicas Alleluia, Hosanna nem


Amen. Todas elas são traduzíveis, mas sua manutenção na Liturgia
(e mesmo na oração extralitúrgica) se coloca na Igreja como fator
de comunhão e universalidade, assumindo sua herança hebraica
sem ser hebraizante.

As três invocações – Kyrie eleison, Christe eleison, Kyrie eleison – se


pronunciam, no Rito Novo, duas vezes. No Rito Tridentino, três
vezes. As duas vezes do Rito Novo fazem com que o Kyrie seja
um diálogo em que a invocação é enunciada e repetida, assim
(C representa o celebrante, A a assembleia):

C – Kyrie eleison.
A – Kyrie eleison.

C – Christe eleison.
A – Christe eleison.

C – Kyrie eleison.
A – Christe eleison.

Na Forma Extraordinária, as três vezes funcionam como indicado


abaixo (indiquei C para celebrante e A para assistente)

C – Kyrie eleison.
A – Kyrie eleison.
C – Kyrie eleison.
50
A – Christe eleison.
C – Christe eleison.
A – Christe eleison.

C – Kyrie eleison.
A – Kyrie eleison.
C – Kyrie eleison.

Devido às três vezes em que cada invocação é enunciada, o


assistente é quem diz Christe eleison primeiro, já que se mantém a
alternância entre ele e o celebrante.

Até aqui é tudo bastante simples; não que as coisas se compliquem


a partir de agora: elas se ramificam, por assim dizer, e surgem
detalhes aos quais se faz muito necessário dar atenção.

Primeiramente, vamos considerar o Rito Tridentino, a Forma


Extraordinária. Seu Ato Penitencial contém o Kyrie que estamos
descrevendo, na forma mostrada acima, cada invocação feita três
vezes. Porém, o Kyrie é apenas uma das partes do Ato Penitencial
deste rito. Eu até gostaria de descrevê-las mais minuciosamente,
mas não é o objetivo deste texto, já que esta é a série sobre a música
do Ordinário.

O Ato Penitencial do Rito Tridentino (todo em latim, não nos


esqueçamos), em linhas gerais, funciona assim:

1 – o celebrante recita o Confiteor. No Rito Tridentino ele é um


pouco mais longo do que no Rito Novo, pois invoca também
Nossa Senhora, São Miguel, São João Batista, São Pedro, São Paulo
e todos os santos. Lembremo-nos: Confesso a Deus Todo Poderoso...

51
2 – o assistente recita: Tenha misericórdia de ti Deus Onipotente e, tendo
perdoado teus pecados, conduza-te à vida eterna; o celebrante
responde Amém.

3 – agora o assistente recita o Confiteor, igual ao que o celebrante


recitou, com uma pequena diferença, apenas; no trecho em que o
padre havia pedido “a vós, irmãos” que rogassem por ele, o
assistente pede ao padre que rogue por ele e os fiéis.

4 – o celebrante recita a mesma fórmula que o assistente havia


rezado no número 2.

5 – seguem-se orações, algumas dialogadas, outras só ditas pelo


celebrante.

6 – Kyrie

Terminado o Kyrie, terminado está também o Ato Penitencial.

Na Forma Ordinária do Rito Romano existem três possibilidades


para o Ato Penitencial. Todas começam com o convite do
sacerdote. A partir de então, elas diferem, como vemos agora.

A primeira delas constitui-se do Confiteor, seguido da absolvição


pronunciada pelo sacerdote (“Deus todo-poderoso tenha
compaixão de nós, perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida
eterna”); conclui-se com o Kyrie.

A segunda compõe-se de um breve diálogo, seguido da mesma


absolvição (“Deus todo-poderoso tenha compaixão de nós...”) e
do Kyrie. O breve diálogo é assim:

C – Tende compaixão de nós, Senhor.


A – Porque somos pecadores.

52
C – Manifestai, Senhor, a vossa misericórdia.
A – E dai-nos a vossa salvação.

Como se vê estas duas fórmulas compõem-se de um primeiro


elemento (Confiteor num caso, diálogo no outro); segundo
elemento, a absolvição; terceiro elemento, o Kyrie.

A terceira possibilidade utiliza o texto do Kyrie como o vimos até


aqui adicionando-lhe breves frases chamadas tropos. Os tropos
possíveis são numerosos e, embora o Missal apresente alguns,
permite-se criar outros. Um exemplo:

C – Senhor, que sois o caminho que leva ao Pai, tende piedade de nós.
A – Senhor, tende piedade de nós.

C – Cristo, a verdade que ilumina os povos, tende piedade de nós.


A – Cristo, tende piedade de nós.

C – Senhor, que sois a vida que renova o mundo, tende piedade de nós.
A – Senhor, tende piedade de nós.

Embora eu continue indicando ali o celebrante com a letra C, esta


parte pode ser cantada seja por um cantor, seja por um coro.

Tropos não são novidade introduzida pelo Rito Novo, sua origem
é bem antiga. O fato de que tropos possam ser criados com
liberdade pode nos deixar um tanto apreensivos quanto à
possibilidade de abusos. Porém, e infelizmente, os abusos
cometidos no Ato Penitencial passam longe da invenção de tropos
inadequados, preferindo vias mais radicais como a completa
omissão de qualquer destes textos que estamos examinando,
substituindo-os por alguma canção pop de “cantor católico” cuja
letra, na opinião de alguém, pareça ter alguma relação com perdão
ou misericórdia.

53
E mesmo que a tal canção não seja pop, basta que seu texto difira
destes que o Missal coloca para que tenhamos grave abuso
litúrgico. Algumas composições tentam disfarçar seu texto como
se fossem tropos de um Kyrie de verdade, mas o estrago já está
feito. Um exemplo muito conhecido:

Pelos pecados, erros passados; por divisões na Tua Igreja, ó Jesus!


Senhor, piedade! Senhor, piedade! Senhor, piedade, piedade de nós!

À parte a infeliz ideia de evocar pecados coletivos (e sempre


pecados dos outros, como bem observou um amigo), a própria
estrutura desse texto não é a de um Kyrie com tropo. O trecho
“pelos pecados, erros passados; por divisões na Tua Igreja, ó
Jesus!” não é um tropo. O tropo existe quando adorna e estende a
invocação do Senhor, enunciando algum de seus atributos, alguma
forma tradicional, poética ou bíblica, de falar de Cristo, a quem se
dirige todo o Kyrie. A estrutura correta funciona deste modo:

Senhor, [tropo], tende piedade de nós.


Senhor, tende piedade de nós.

Não se enumeram pecados no Kyrie. Não se faz mea culpa no Kyrie


– aliás, o mea culpa já é feito no Confiteor... “minha culpa, minha tão
grande culpa”. Especialmente, referindo-me agora ao exemplo
específico que dei mais acima, o Kyrie não é momento para
afirmações dúbias sobre a Igreja, causadoras de confusão entre os
fiéis mais simples por não explicar a diferença entre erros
cometidos por membros da Igreja e a inerrância da mesma Igreja.
Exemplos podem ser multiplicados, mas fiquemos neste.

O Missal sugere tropos, como afirmei anteriormente, e as


sugestões se agrupam conforme sua relação com o tempo litúrgico.
Por exemplo, uma possibilidade para o Advento:

Senhor, que viestes ao mundo para nos salvar, tende piedade de nós.
54
Senhor, tende piedade de nós.

Cristo, que continuamente nos visitais com a graça do vosso Espírito, tende
piedade de nós.
Cristo, tende piedade de nós.

Senhor, que vireis um dia para julgar as nossas obras, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Outra, sugerida para o Tempo do Natal:

Senhor, Filho de Deus, que, nascendo da Virgem Maria, vos fizestes nosso
rmão, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Cristo, Filho do Homem, que conheceis e compreendeis nossa fraqueza, tende


piedade de nós.
Cristo, tende piedade de nós.

Senhor, Filho primogênito do Pai, que fazeis de nós uma só família, tende
piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Existem várias para o Tempo Comum, sem impedimento a seu uso


nos outros tempos litúrgicos, conforme suas palavras. Não é
obrigatório que os tropos façam menção ao perdão e à misericórdia
divinos, mas este é o caso de algumas sugestões do Missal que me
agradam, particularmente (aqui é gosto pessoal mesmo). Eis uma
delas:

Senhor, que oferecestes o vosso perdão a Pedro arrependido, tende piedade de


nós.
Senhor, tende piedade de nós.

55
Cristo, que prometestes o paraíso ao bom ladrão, tende piedade de nós.
Cristo, tende piedade de nós.

Senhor, que acolheis toda pessoa que confia na vossa misericórdia, tende piedade
de nós.
Senhor, tende piedade de nós.

Assim funciona o Kyrie e, em geral, o Ato Penitencial da Santa


Missa em Rito Romano.

A tradição e a atual regulamentação são suficientes para que não


existam dúvidas a este respeito; mesmo assim abusos continuam
ocorrendo, lamentavelmente. Falaremos agora a respeito da
música.

Nos livros de canto gregoriano o conjunto de composições para o


Ordinário da Missa é chamado de Kyriale, embora não contenha
apenas peças para o Kyrie. O Graduale Romanum contém dezoito
ordinários. Tradicionalmente eles contêm alguma indicação do
tipo “para festas da Virgem Maria”, “para festas dos Apóstolos”;
são anotações que sobreviveram aos séculos mas não têm caráter
obrigatório – mesmo em épocas antigas não o tinham. Um
ordinário indicado para festas dos Apóstolos pode ser utilizado
num Domingo do Tempo Comum, ou num dia de semana, ou
numa memória etc. Também não é obrigatório tomar todas as
peças do mesmo ordinário: é permitido cantar, na mesma Missa, o
quarto Kyrie, o décimo Gloria, o primeiro Sanctus e assim por
diante.

Além dos dezoito ordinários, há algumas peças avulsas adicionais


agrupadas, nos livros, conforme o texto: nove Kyries, quatro
Glorias etc. Estão ali também as composições para a aspersão da
água benta: o Asperges e o Vidi aquam, este usado no Tempo Pascal,
aquele usado fora do Tempo Pascal.

56
O Kyrie mais simples é o de número XVI, cuja indicação é para os
dias de semana do Tempo Comum. Mais simples porque
praticamente todo silábico.

Gravação dos beneditinos de São Paulo encontrável neste site:


http://www.christusrex.org/www2/cantgreg/kyriale.html

Como já vimos, a Forma Extraordinária do Rito Romano faz cada


invocação ser pronunciada três vezes. Assim também na música.
Esta partitura foi retirada do Graduale Romanum de 1961,
destinado ao Rito Tridentino, e indica as três vezes que cada
invocação é cantada. Observaremos na figura abaixo as letras iij,
indicando que se deve cantar três vezes.

iij indica três. Por quê, então, mais adiante aparece apenas ij?
Porque nas últimas três vezes em que se canta Kyrie eleison, nesta
composição, as duas primeiras são iguais, mas a terceira é um
pouco diferente, e vem escrita por extenso na seqüência, depois
do ij.

Para facilitar a compreensão, pensemos no Kyrie como um


conjunto de nove súplicas. Assim considerando, escrevi na figura o
número de cada uma delas, para que se possa ver bem que a última
57
delas tem sua própria melodia, um pouco mais ornamentada.

No Rito Novo, decorrente da reforma litúrgica de 1969-1970, o


Kyrie passou a ser um conjunto de seis súplicas, em que cada uma
das três invocações se diz duas vezes. Em cumprimento a essa
determinação, este rito utiliza do seguinte modo esta peça:

Algumas peças para o Kyrie nos dão melodias diferentes para cada
vez em que uma invocação é cantada. É o caso do décimo Kyrie.
Neste caso, mesmo no Rito Novo, cantam-se todas as melodias
escritas. As rubricas da Forma Ordinária, ao mesmo tempo em que
fixam as seis súplicas, estabelecem que o número pode ser maior,
por razões de composição musical. Mesmo nas composições
58
polifônicas, em ambos os ritos se admite um número maior de
repetições.

Glória
O Gloria, fazendo parte do Ordinário, é (ou deve ser) muito bem
conhecido pelos fiéis, pois figura em todas as Missas dominicais.
Todas? Bem – não exatamente em todas, mas já chegaremos lá. A
maioria das Missas dominicais utiliza, sim, o Gloria, que vou
escrever sem acento neste texto por usar a palavra latina.

59
Maioria das Missas Dominicais, isto é, não todas; donde já
concluímos que o Gloria é uma daquelas partes do Ordinário que
se omitem em certas datas litúrgicas. Não se trata de regra e
exceção; a Missa com o Gloria não é a regra, e a Missa sem Gloria
também não é a regra. A regra é, de acordo com a data, usá-lo ou
não.

Acredito ser interessante começarmos com a distinção entre as


datas litúrgicas conforme seu uso ou omissão do Gloria. Vamos
pensar na Forma Ordinária. Nestes dias o Gloria não aparece:

1-) Dias de semana (Segunda a Sábado) de qualquer tempo. A não


ser que ocorra uma Festa ou Solenidade.

2-) Todos os dias (inclusive Domingo) do Advento e da Quaresma.


A não ser que ocorra Solenidade.

Solenidade que costuma ocorrer durante a Quaresma é a


Solenidade de São José, em 19 de Março; a Missa tem o Gloria. No
Advento sempre ocorre a Solenidade da Imaculada Conceição, em
8 de Dezembro; também então a Missa tem o Gloria.

O Gloria aparece em:

1-) Todos os Domingos. A não ser na Quaresma e no Advento.

2-) Festas e Solenidades.

O texto do Gloria se origina, como se pode notar, do canto dos


anjos na noite do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim
diz a Escritura em Lc 2, 14:

Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens, objetos da
benevolência (divina) [Bíblia Ave Maria]

60
Gloria in altissimis Deo et in terra pax in hominibus bonae
voluntatis [Vulgata]

Gloria in altissimis Deo, et super terram pax in hominibus bonae


voluntatis [Neo Vulgata]

Com estas palavras a abri-lo, este texto foi composto em grego; era
um dos inúmeros psalmi idiotici que se escreveram nos séculos II e
III. Esta designação pode nos causar a nós, falantes de português,
um certo estranhamento, por idiotici nos fazer lembrar da
palavra idiota, que tem para nós significado bastante negativo.
Entretanto, mesmo o nosso idiota vem do grego idiôtés, referindo-
se ao homem privado, particular (e não público). Os psalmi
idiotici são “salmos privados”, de composição nova, diferentemente
dos poemas do Saltério hebraico.

Antes mesmo que São Jerônimo empreendesse a tradução da Bíblia


Sagrada para a língua latina, o Gloria foi traduzido para esse mesmo
idioma, embora não tão antes. Isto explica a diferença entre
o Gloria in excelsis com que começa o Gloria propriamente dito e
o Gloria in altissimis que São Jerônimo preferiu para traduzir o
versículo evangélico.

Quando o Gloria foi introduzido na Santa Missa em Rito Romano,


era exclusivo da celebração litúrgica do Natal do Senhor. A
extensão do uso se deu lentamente, passando a ser usado nos
Domingos, em algumas festas, mas sempre só pelos bispos;
posteriormente, foi concedido aos padres usar o Gloria, embora
apenas no dia de sua ordenação e na Páscoa.

No século XII, finalmente, pode-se dizer que estava pronta a


configuração que conhecemos na Forma Extraordinária, que omite
o Gloria desde a Septuagésima até a Semana Santa; e a introdução
do caráter mais penitencial do Advento, do qual o Gloria passou a
ser omitido também.
61
Infelizmente, já na Idade Média o texto do Gloria se submetia, com
certa freqüência, a adições não previstas pela Liturgia. É verdade
que a natureza de tais adições se mostra muito diferente daquelas
que vemos em nossos dias; porém, tratam-se, da mesma maneira,
de elementos novos colocados sem autoridade e sem autorização
na celebração Litúrgica, cujas normas devem ser dadas somente
pela Igreja. Aqueles tempos talvez pudessem, aqui, gozar de
alguma complacência devido à existência de Missais diversos. A
partir de 1570, entretanto, esta desculpa não existe; nesse ano, o
Santo Padre, o papa São Pio V promulgou o que chamamos de
Missal Tridentino e deixou mais claro ainda como devia ser a
celebração da Liturgia. As regras para inclusão e omissão do Gloria
continuam válidas para a Forma Extraordinária do Rito Romano
em nossos dias, e para incluí-las neste texto me vem em socorro
a Catholic Encyclopaedia:

(...) [o Gloria] é omitido nos dias de semana (exceto no Tempo da Páscoa),


Têmporas, Vigílias, durante o Advento e da Septuagésima até a Páscoa,
quando a Missa é de tempore. A festa dos Santos Inocentes, mas não sua
oitava, é mantida com vestimentas roxas e sem o Te Deum ou Gloria.
Tampouco se diz o Gloria nas Missas de Requiem ou votivas, com três
exceções: Missas Votivas da Santíssima Virgem aos Sábados, dos Anjos e
aquelas ditas pro re gravi ou por causa pública da Igreja, a não ser que as
vestimentas sejam roxas. (...)
A menção ao Te Deum se refere ao Ofício Divino, e não
precisamos nos preocupar com ela agora.

A tradução portuguesa do Gloria que utilizamos na Missa traz a


curiosidade de inverter dois blocos de texto, quando a
comparamos com o Gloria em latim. Não encontrei até hoje
nenhuma explicação para esta ocorrência. Agradeço a quem puder
esclarecer este fato. O quadro abaixo mostra a inversão, ao mesmo
tempo em que coloca para o estimado leitor, lado a lado, o Gloria

62
em latim e o Gloria em português. Para vê-lo maior, clique no
quadro.

De qualquer forma, isto se encontra muito distante de ser o maior


problema que temos com o Gloria. Esta simples inversão se
conserta com a publicação de uma nova versão oficial; o que parece
difícil de consertar é o uso de outros textos no lugar do Gloria.

São dois pensamentos básicos que dão origem a abusos no Gloria.


O primeiro é que, por se tratar de um hino de louvor, qualquer
“hino de louvor” pode ser colocado neste momento. Engano
gravíssimo. O Gloria faz parte do Ordinário da Missa e não dá
lugar a nenhum outro texto. A IGMR diz, textualmente: o Glória é
um hino antiquíssimo e venerável, pelo qual a Igreja, congregada no Espírito
Santo, glorifica e suplica a Deus Pai e ao Cordeiro. O texto deste hino não
pode ser substituído por outro.

63
O texto não pode ser substituído por nenhum outro. Isto exclui
textos parecidos, paráfrases, extensões, abreviações etc. Tampouco
vejo como seria possível admitir versões métricas.

O segundo pensamento é o de que o Gloria é um “louvor


trinitário”. Pois bem; ainda que consideremos o Gloria como
louvor à Trindade, não é nisto que ele se concentra; e mesmo que
fosse o caso, o fato de ser um louvor trinitário não autoriza
ninguém a substitui-lo por outro texto que seja considerado
“louvor trinitário” por quem quer que seja.

Daí provêm canções, freqüentemente utilizadas em nossos dias no


lugar do Gloria, cujo texto dedica uma estrofe para cada Pessoa da
Santíssima Trindade, com as quais se alterna um refrão que
costuma conter a palavra “Glória” – e estes simples elementos
ficam considerados suficientes para que a tal canção seja colocada
neste momento da Liturgia. Ainda que a música não fosse péssima,
seria um erro litúrgico muito grave.

É urgente abolir essas canções. Certamente há muita música que


precisa ser extirpada da Liturgia, atualmente, mas o Gloria
realmente clama aos céus. Não é possível que se jogue no lixo um
texto de mais de quinze séculos para pôr, em seu lugar, uns versos
fraquíssimos de péssimo gosto musicados com o que há de mais
medíocre na música. O que há algum tempo temos visto no Gloria
é comparável ao uso de vasos de plástico no altar, comparável à
substituição dos paramentos por bermudas e camisetas.

Em alguns fóruns da internet ainda se faz a pergunta: é permitido


bater palmas no Gloria? Esta pergunta encerra um pensamento
bastante curioso: seria permitido bater palmas na Missa, mas não
em todas as partes. Tal assunto já foi bastante debatido, e a resposta
definitiva é não; não se batem palmas em nenhum momento da
Missa. E é especialmente desagradável que, indo a uma Missa,

64
deparemo-nos com música que poderia ser acompanhada de
palmas (mesmo que efetivamente não seja).

Por ser um texto relativamente longo, no canto gregoriano o


Gloria nunca é melismático, mantendo-se no silábico e se
aventurando um pouco no neumático. Recordemo-nos: melismático,
muitas notas para uma sílaba; neumático, algumas notas para uma
sílaba; silábico, uma nota por sílaba.

O Gloria possivelmente mais simples é o Gloria


chamado ambrosiano. O leitor pode ver na figura abaixo suas
primeiras linhas, e poderá perceber que é bastante silábico.
Somente na sílaba bi de tibi é que surge um melisma (de treze
notas), o qual marquei em verde.

65
Assim ele continua, alternando muitas frases silábicas com
ocasionais melismas. Seu Amen é melismático – dezenove notas na
segunda sílaba!

Este Gloria ambrosiano é o quarto das melodias ad libitum, não


fazendo parte dos dezoito ordinários do Kyriale. O Gloria
colocado como primeira ilustração deste texto é o Gloria IV do
Kyriale. Aquela imagem é de um livro mais antigo. Vejamos a
mesma partitura (com a continuação, claro) impressa em 1961:

Este Gloria IV também é eminentemente silábico, com poucos


melismas; mais numerosos, entretanto, que os do Gloria
66
ambrosiano. Um aspecto do ambrosiano que o faz mais fácil é seu
constante uso de notas repetidas, como se fosse um canto
salmódico. Observe o leitor que o Gloria IV se move bem mais.

Na música polifônica sempre se deixou a primeira frase – Gloria in


excelsis Deo – para o celebrante entoar, entrando o coro a partir de et
in terra pax. Na verdade, isto acontece também no gregoriano, mas
o efeito é mais forte na música polifônica, pois a primeira frase é
cantada por um homem só e, de repente, se ouvem múltiplas vozes
cantando a várias partes.

Credo
Passamos neste momento ao Credo, palavra latina que abre este
texto que os cristãos desde cedo aprendem a recitar. É o terceiro
item do Ordinário, lembrando que o primeiro é o Kyrie e o segundo
é o Gloria.

À semelhança do Gloria, o Credo não está presente em todas as


Missas. Mais que isto, o Credo consta da Liturgia em ocasiões ainda
menos numerosas. O Gloria se canta ou recita nos Domingos que
não sejam da Quaresma nem do Advento (no Rito Tridentino
ausenta-se já na Septuagesima), bem como nas Festas e nas
Solenidades (e, segundo a IGMR, quando houver razão pastoral,
mesmo em memórias, férias, votivas).

O Credo, por sua vez, faz parte da Missa nas Solenidades (mas não
nas Festas) e em todos os Domingos (incluindo os da Quaresma e
os do Advento). Em algumas ocasiões especiais, em que a Liturgia
inclui a renovação das promessas do Batismo, o Credo é omitido;
ou, melhor dizendo, apenas parece omitido, porque o próprio rito
da renovação das promessas inclui o texto do Credo adaptado à
forma de perguntas do celebrante, às quais respondem
afirmativamente os fiéis.

67
No Rito Tridentino, chamado também a Forma Extraordinária do
Rito Romano, o texto é o do Credo Niceno-constantinopolitano. Esta
designação se explica pelo fato de que ele se formulou no Concílio
de Nicéia (donde é niceno) e no Concílio de Constantinopla
(donde é constantinopolitano), no século IV. Aqui o copio em
português:

Creio em um só Deus,
Pai todo-poderoso,
Criador do céu e da terra
De todas as coisas visíveis e invisíveis.

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,


Filho Unigénito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, Luz da Luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;
Gerado, não criado, consubstancial ao Pai.
Por Ele todas as coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa salvação
desceu dos céus

E encarnou pelo Espírito Santo,


no seio da Virgem Maria.
e Se fez homem.
Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia,
conforme as Escrituras;
e subiu aos céus,
onde está sentado à direita do Pai.
De novo há-de vir em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos;
e o seu reino não terá fim.
68
Creio no Espírito Santo.
Senhor que dá a vida,
e procede do Pai e do Filho;
e com o Pai e o Filho
é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos Profetas.

Creio na Igreja una, santa,


católica e apostólica.
Professo um só baptismo
Para remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos,
e vida do mundo que há de vir. Amém

Na Forma Ordinária do Rito Romano, a Missa Nova, o Rito de


Paulo VI introduzido em 1969-1970, o texto é o mesmo. Para
alguns países existiu a permissão para se usar o Símbolo dos Apóstolos.
Agora, já há alguns anos, ambos os textos estão aprovados para
todos os países. O referido Símbolo dos Apóstolos, de modo geral,
é mais conhecido dos brasileiros que assistem ao Rito Novo; além
disso, é com ele que começa o Rosário da Virgem Maria. Em
português:

Creio em Deus Pai Todo Poderoso, Criador do céu e da terra, e em Jesus


Cristo, seu único filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito
Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado
morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia,
subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo Poderoso, de onde há
de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja
Católica, na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição
da carne, na vida eterna. Amém.

Ao copiar aqui ambos os textos, lembro-me de que os dois


69
mencionam a onipotência divina. Deus é Todo Poderoso, se me
permitem as letras maiúsculas de que alguns não gostam muito.
Imploro a todos os sacerdotes que, todas as vezes em que o texto
litúrgico diga “Todo Poderoso”, leiam de fato “Todo Poderoso”.
Vejo alguns substituindo esta expressão por “Todo Amoroso” ou
“Todo Misericordioso”, como se fosse necessário diminuir o
poder de Deus para torná-lo aceitável aos fiéis. O poder e a
misericórdia não são incompatíveis, e ninguém se deverá sentir
oprimido por um Deus “Todo Poderoso”, achando que Ele não
tem misericórdia. Caso algum fiel sinta isso, será bem instruído pela
boa catequese.

Embora eu não veja esse abuso cometido no Credo, vejo-o


cometido nas bênçãos: “Abençoe-vos Deus Todo Amoroso [sic]
... Pai, Filho e Espírito Santo”.

Toda adulteração de texto litúrgico é grave, e adulterar o Credo


constitui-se em um tipo especial de crime, já que nele são
enumerados os artigos da Fé.

Por outro lado, o Credo escapou a um outro problema,


nomeadamente o da música inadequada. Creio podermos dizer que
nuns 90% das Missas dominicais, ao menos no Brasil, o Credo é
recitado, e não cantado. O Gloria, infelizmente, não teve esta sorte.
O Credo também apresenta estrutura incompatível com melodias
métricas e muito regulares, o que deve ter desencorajado tentativas
de musicá-lo.

Refiro-me, naturalmente, à utilização do Credo (quaisquer dos


textos) no Rito Novo, em vernáculo (português, no nosso caso).
Existem melodias gregorianas para o Credo Niceno-
constantinopolitano em latim, além das composições polifônicas
de compositores diversos, até nossos dias.

70
Uma consulta ao Graduale Romanum mostra que as melodias para
o Credo se encontram em parte separada do livro. Além disto, são
menos numerosas (seis), o que se explica pelo fato de que
o Credo se tornou parte fixa da Missa relativamente tarde, no século
XI.

Possivelmente o Credo mais conhecido seja o de número III. Sua


pouca idade é informada pela partitura: ficamos sabendo que esta
melodia é do século XVII, recentíssima em termos de canto
gregoriano. Mesmo assim, temos, por exemplo, o Credo I
proveniente do século XI. Abaixo, o início da partitura do Credo
III.

Sanctus
O Sanctus, quarta parte do Ordinário da Missa, precedido pelo
Kyrie, pelo Gloria e pelo Credo, apresenta o simbolismo do
número 3 ao proclamar “Santo, Santo, Santo”. Mais uma vez, a
Liturgia tem a Escritura como principal fonte, e falo
especificamente do livro do santo profeta Isaías, capítulo 6,
versículo 3:

71
Bíblia Ave Maria - 3. Suas vozes se revezavam e diziam: Santo,
santo, santo é o Senhor Deus do universo! A terra inteira proclama
a sua glória!

Bíblia da CNBB - 3. Exclamavam um para o outro: “Santo, santo,


santo é o SENHOR dos exércitos, a terra inteira está repleta de sua
glória.”

Vulgata - 3. et clamabant alter ad alterum et dicebant sanctus


sanctus sanctus Dominus exercituum plena est omnis terra gloria
ejus

Neo Vulgata - 3. Et clamabat alter ad alterum et dicebat: “Sanctus,


Sanctus, Sanctus Dominus exercituum; plena est omnis terra gloria
eius”.

O leitor poderá perceber que, destas quatro traduções, três


escolheram a palavra “exércitos”, inclusive as traduções para o
latim; lembremo-nos de que o original é hebraico. Uma delas
escolheu a palavra “universo”, a mesma da tradução oficial, para o
português, do texto litúrgico. A versão latina da Liturgia não fala
em exércitos; mantém, sim, a palavra “Sabaoth”, do texto original
hebraico, uma espécie de sugestão da impossibilidade de traduzi-la
adequadamente.

Entretanto, ela realmente significa “exércitos”, e não há dificuldade


na tradução. A manutenção de “Sabaoth” se deve ao fato de que
“Senhor dos Exércitos” é um hebraísmo que pode acabar
sugerindo algo diferente do verdadeiro para a mentalidade não-
hebraica. Tais exércitos são os exércitos celestiais, e conservar a
palavra hebraica num texto latino transmite melhor a ideia de que
não falamos de qualquer exército. O texto litúrgico em português,
entretanto, preferiu “Senhor do Universo”.

72
Uma segunda palavra hebraica faz parte do texto do Sanctus:
“Hosana”. Seu significado original é uma súplica por salvação, mas
logo se tornou uma aclamação triunfal. Mais uma vez a fonte é a
Escritura: Mt 21, 9.

Bíblia Ave Maria - 9. E toda aquela multidão, que o precedia e


que o seguia, clamava: Hosana ao filho de Davi! Bendito seja aquele
que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!

Biblia da CNBB - 9. As multidões na frente e atrás dele


clamavam: “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em
nome do Senhor! Hosana no mais alto † dos céus!”

Vulgata - 9. turbæ autem quæ præcedebant et quæ sequebantur


clamabant dicentes osanna Filio David benedictus qui venturus est
in nomine Domini osanna in altissimis

Neo Vulgata - 9. Turbae autem, quae praecedebant eum et quae


sequebantur, clamabant dicentes: “Hosanna filio David!
Benedictus, qui venit in nomine Domini! Hosanna in altissimis!”.

Temos, finalmente, o texto litúrgico em português:

Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do Universo. O céu e a terra proclamam a


vossa glória. Hosana nas alturas. Bendito o que vem em nome do Senhor.
Hosana nas alturas.

E em latim:

Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth. Pleni sunt coeli et terra
gloria tua. Hosanna in excelsis. Benedictus qui venit in nomine Domini.
Hosanna in excelsis.

Infelizmente, mais uma vez somos obrigados a ressaltar o fato de


que o texto do Sanctus é exclusivamente o que acabo de citar. O
73
motivo que se apresenta mais uma vez são os constantes abusos
dessas palavras na forma de modificações e inserções.

Existe no Brasil um conhecido Sanctus em português que, creio


poder dizer, todo católico sabe cantar, e é considerado por muitos
como “tradicional”, e talvez até “antigo”, na atual cultura de
considerar antigas as coisas cuja idade passe de uns trinta ou
quarenta anos. É fácil referir-se a esse Sanctus justamente pela
inserção indevida feita no texto:

O Senhor é Santo, o Senhor é Santo, o Senhor é Santo


O Senhor é nosso Deus, o Senhor é nosso Pai
Que seu reino de amor se estenda sobre a terra.
O Senhor é Santo, o Senhor é Santo, o Senhor é Santo
Bendito o que vem em nome do Senhor
Bendito o que vem em nome do Senhor
Hosana, Hosana, Hosana.

As repetições que não constam do texto original podem até ser


consideradas lícitas, mas não custa lembrar que o canto gregoriano
não faz isso nunca. Em todo caso, texto repetido é mais comum
na tradição polifônica, e não nas monodias. Especialmente num
texto do qual faz parte uma repetição evocadora de um número
simbólico, o 3, as repetições de outras partes ou a alteração dessas
três aclamações para quatro ou cinco acabam enfraquecendo o
simbolismo.

Embora a famosa composição cujo texto é o que citei ali não seja
uma monodia gregoriana, é uma melodia única destinada ao canto
a uma voz só. De qualquer maneira, realmente incorretas são as
adições feitas ao texto.

Desconheço a autoria desta música, e o julgamento nada tem de


pessoal, mas ela não deve ser utilizada na Liturgia.

74
Um caso bem pior, sobre o qual cheguei mesmo a escrever um
texto específico no blog Salvem a Liturgia, é o famoso “Santo dos
Anjos”. Dói-me profundamente citar-lhe o texto, mas
lamentavelmente terei que fazer isso.

Santo, santo, santo, dizem todos os anjos


Santo, santo, santo, é o Senhor Jesus
Santo, santo, santo, é quem nos redime
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de sua glória está
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de sua glória está

Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará


Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Não, não, não passará
Não, não, não passará

Hosana a Jesus Cristo, filho de Maria


Bendito o que vem em nome do Senhor
Santo, santo, santo, é quem os redime
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de Sua glória está
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de Sua glória está

Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará


Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Não, não, não passará
Não, não, não passará

O texto é tão diferente do litúrgico que talvez pudesse ser


registrado para fins de cobrança de direitos autorais. Talvez seja
exagerado pensar assim, considerando inclusive que uma das
inserções abusivas foi tomada da própria Escritura: céus e terra
passarão, mas Sua palavra não passará. E isto aparece quatro vezes
no texto; não contente, a letra diz “não” diversas outras vezes, e
quero fazer desse “não” um “não” a essa composição
absolutamente indigna da Liturgia. A rítmica da música é de algum
75
tipo de dança folclórica brasileira, talvez nordestina, o que deve ser
deplorado especialmente pelos devotos nordestinos. O nordeste
do Brasil, já alvo de tantas caricaturas, tem sua cultura mais uma
vez usada de modo ridículo no contexto mais errado possível, a
Santa Missa.

Quase sempre acompanhada de palmas (outro erro inadmissível na


Liturgia), esta composição se usa em muitos lugares do Brasil no
lugar do Sanctus, a poucos minutos da consagração. Para mim,
pessoalmente, é um dos símbolos máximos da decadência litúrgica
e ainda, por extensão, da decadência intelectual do Brasil. Não
hesito em pedir que seja permanentemente banida na companhia
de diversas outras composições inadequadas.

Na Santa Missa em Rito Romano o Sanctus conclui o prefácio,


texto cujo canto ou recitação cabe ao sacerdote, logo depois do
diálogo:

-O Senhor esteja convosco.


-Ele está no meio de nós. (cuja correção para “e com teu espírito” aguardamos!)

-Corações ao alto.
-O nosso coração está em Deus.

-Demos graças ao Senhor nosso Deus.


-É nosso dever e nossa salvação.

Sacerdote: Na verdade, é justo e necessário (...)

Em latim:

-Dominus vobiscum.
-Et cum spiritu tuo.

-Sursum corda.
76
-Habemus ad Dominum.

-Gratias agamus Domino Deo nostro.


-Dignum et iustum est.

Sacerdote: Vere dignum et iustum est (...)

Todos os prefácios começam com “Na verdade, é justo e


necessário”, variando o restante do texto de acordo com o dia
litúrgico. Todos eles terminando com “cantando a uma só voz” ou
“dizendo a uma só voz”, ao que se segue o Sanctus. A expressão
“uma só voz” indica união dos exércitos celestiais e dos fiéis na
Terra, de toda a Igreja, exaltando o Deus Altíssimo; não tem
significado técnico musical e não proscreve a polifonia.

Na figura a seguir o leitor pode ver uma partitura gregoriana das


últimas frases do prefácio, em latim, seguida do texto latino do
Sanctus.

A partitura do Sanctus está ausente pois se encontra em outro livro,


o Graduale Romanum, ou então no Kyriale. Na Missa Tridentina
(a Forma Extraordinária do Rito Romano), mesmo que um coro

77
cante o Sanctus, o sacerdote o recita em voz baixa, logo depois do
prefácio.

Na Forma Ordinária (o rito de Paulo VI, introduzido em 1969-


1970), o sacerdote prossegue com a Oração Eucarística assim que
se termina o canto do Sanctus. Na Forma Extraordinária isso não
é necessário, pois o celebrante recita em voz baixa as orações. Se o
Sanctus se alonga, entretanto, ele deve aguardar seu término antes
de proceder à consagração.

Dentro do repertório gregoriano o Sanctus mais simples é o de


número XVIII. Utiliza apenas três notas, aparecendo uma vez
somente uma quarta nota na primeira sílaba do segundo
“Hosanna”. Seu aprendizado não apresenta dificuldades, sendo
uma ótima peça para figurar entre as primeiras abordadas por um
grupo ou estudante solitário. Não por acaso é que faz parte do
livreto “Jubilate Deo”, compilado a mando do papa Paulo VI e
enviado por ele aos bispos do mundo inteiro como “presente
pessoal”, contendo o repertório gregoriano mínimo para os fiéis.

78
Remetemos o leitor a este site
http://www.christusrex.org/www2/cantgreg/kyriale.html do
qual constam gravações dos diversos ordinários gregorianos, onde
encontrará também o Sanctus XVIII gravado no Mosteiro de São
Bento de São Paulo. Muitas pessoas têm conhecido o canto
gregoriano por meio desse site, e somos muito gratos a tão boa
iniciativa.

Agnus Dei
O Cordeiro de Deus (em latim Agnus Dei) é quinto e último
integrante do Ordinário da Missa. Seu texto de compõe das
seguintes invocações:

Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.


Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, dai-nos a paz.

Em latim:

Agnus Dei qui tollis peccata mundi, miserere nobis.


Agnus Dei qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Agnus Dei qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem.

Mais uma vez, as Sagradas Escrituras são fonte dos textos


litúrgicos. O leitor encontrará no Evangelho segundo São João,
no versículo 36 de seu primeiro capítulo:

E, avistando Jesus que ia passando, disse: Eis o Cordeiro de Deus.

Na Vulgata:

et respiciens Jesum ambulantem dicit ecce agnus Dei

79
É São João Batista quem avista Jesus passando e profere este
solene título dado pela Igreja ao Messias desde o início e
para sempre.

Na Missa, o Agnus Dei acompanha a fração do pão, rito abordado


no número 83 da Instrução Geral do Missal Romano:

Fração do pão

83. O sacerdote parte o pão eucarístico. (...)

Enquanto o sacerdote parte o pão e deita uma parte da hóstia no


cálice, a schola ou um cantor canta ou pelo menos recita em voz alta
a invocação Cordeiro de Deus, a que todo o povo responde. A
invocação acompanha a fração do pão, pelo que pode repetir-se o
número de vezes que for preciso, enquanto durar o rito. Na última
vez conclui-se com as palavras: Dai-nos a paz.

Omiti um trecho do texto original, que transcreverei mais adiante


por se tratar de uma explicação do significado da fração do pão.

Por enquanto vamos considerar o texto do Agnus Dei. Como o


leitor pôde observar, a Instrução do Missal diz que a
invocação "pode repetir-se o número de vezes que for preciso,
enquanto durar o rito". Isto significa que a invocação que termina
com "tende piedade de nós" ("miserere nobis") pode ser enunciada
mais do que as duas vezes a que estamos habituados.

As melodias gregorianas para o Agnus Dei, entretanto, seguem este


modelo que conhecemos: duas invocações terminadas por "tende
piedade de nós" e uma terceira terminada por "dai-nos a paz".

Mais uma vez é necessário observar que o texto não deve ser
alterado nem sofrer acréscimos. Eventualmente se ouve, em
certas igrejas, um Cordeiro de Deus com o acréscimo "morreste
80
por causa de nós, foste imolado em nosso lugar" - o que,
certamente, não deveria acontecer. Sabemos que muitos são os
casos de composições para o Ordinário que mutilam o texto ou
acrescentam palavras indevidas; falei disto nos outros textos desta
série, às vezes examinando casos concretos; isto deve já estar
suficientemente claro para muitos, incluindo nossos leitores. E
para que não se diga que é algum tipo de ideia inventada
pelo Salvem a Liturgia, observo que comentários escritos por
leitores indicam que muitos deles já há algum tempo estão
incomodados com a violação dos textos litúrgicos. A própria
IGMR se preocupa com esse erro, o que fica claro no número 53,
quando se fala do Gloria:

53. O Glória é um antiquíssimo e venerável hino com que a Igreja,


congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e
ao Cordeiro. Não é permitido substituir o texto deste hino por outro.

E, ainda mais, no número 366, falando do Ordinário inteiro:

366. Não é permitido substituir os cânticos do Ordinário da Missa,


por exemplo, o Cordeiro de Deus (Agnus Dei), por outros cânticos.

Finalmente, transcrevo integralmente o número 83 da IGMR,


agora com o trecho explicativo da fração do pão:

83. O sacerdote parte o pão eucarístico. O gesto da fração, praticado


por Cristo na última Ceia, e que serviu para designar, nos tempos
apostólicos, toda a ação eucarística, significa que os fiéis, apesar de
muitos, se tornam um só Corpo, pela Comunhão do mesmo pão da
vida que é Cristo, morto e ressuscitado pela salvação do mundo (1
Cor 10, 17). A fração começa depois de se dar a paz e realiza-se com
a devida reverência, mas não se deve prolongar desnecessariamente nem
se lhe deve atribuir uma importância excessiva. Este rito é reservado
ao sacerdote e ao diácono.

81
Enquanto o sacerdote parte o pão e deita uma parte da hóstia no
cálice, a schola ou um cantor canta ou pelo menos recita em voz alta
a invocação Cordeiro de Deus, a que todo o povo responde. A
invocação acompanha a fração do pão, pelo que pode repetir-se o
número de vezes que for preciso, enquanto durar o rito. Na última
vez conclui-se com as palavras: Dai-nos a paz.

Quanto ao canto gregoriano, o Agnus Dei mais simples é o de


número XVIII, cuja partitura o leitor pode ver neste link:
http://www.christusrex.org/www2/cantgreg/partituras/agnus_
XVIII.gif.

E ouvir
neste: http://www.christusrex.org/www2/cantgreg/cantus/agnu
s_18.mp3.

Trata-se da conhecida página de canto gregoriano hospedada em


christusrex.org, com gravações feitas no Mosteiro de São Bento de
São Paulo, cujo conteúdo geral pode ser visto neste
link: http://www.christusrex.org/www2/cantgreg/index_por.ht
ml

82

S-ar putea să vă placă și