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Dezembro 2016
O desenrolar da
serpente pág. 5
Ficha Técnica
D
esde que em 2011 surgiu o ramo de língua portuguesa do curso de
a verdade; druidismo da OBOD, estava prevista a criação de um boletim ou re-
na espiritualidade
(“conhecimento”),
tornando o druida
“aquele que possui
o conhecimento
D
«Acredita em mim, aprenderás mais esde os tempos imemo- sorveira, salgueiro, freixo, ma- semelhante, em termos de finalida-
lições nos bosques do que em livros. riais que o homem dedi- cieira, pinheiro e carvalho eram de, às runas nórdicas.”4
cou um culto à Natureza, facilmente encontradas nestes Como símbolo de especial ve-
As árvores e as pedras ensinar-te- fonte de toda a sua vida. templos sagrados. É hoje comum neração, o carvalho era a raiz de
-ão aquilo que não poderás apren- Um dos locais de especial ve- a relação entre estas árvores3 e o todo o druidismo. O termo druida
der dos mestres.»1 neração entre os povos celtas era o alfabeto Ogham, também conhe- é originário das palavras de raiz
Bosque e as suas Clareiras. Conhe- cido como “o Alfabeto das Ár- céltica dru (“carvalho”) e wid (“co-
— São Bernardo de Claraval cido como Nemeton, o Bosque é vores”. Trata-se de um alfabeto nhecimento”)5, tornando o druida
o “centro de toda a sua religião. É “composto por vinte e cinco traços “aquele que possui o conhecimento
considerado como berço da raça e traços simples, centrados numa li- do carvalho”. Esta árvore era por
o lugar onde habita o Deus supre- nha vertical ou dispostos como se vezes personificada como o Rei-
mo ao qual todas as coisas estão su- fossem ramificações da mesma, e -Carvalho, sendo-lhe associado um
jeitas e obedecem.”2
Tradicionalmente estes bos- 3
Para além das árvores citadas, o Ogham é composto por: amieiro, espinheiro-alvar,
ques possuíam uma flora bastante azevinho, aveleira, videira, hera, giesta/feto, espinheiro-negro, sabugeiro, tojo, urze,
particular; espécies como bétula, choupo, teixo, faia, evónio, madressilva, groselheira e faia (CARR-GOMM, Philip,
1
“Experto crede: aliquid amplius invenies in silvis, quam in Os Mistérios dos Druidas, Zéfiro, Sintra, 2008, p. 176).
libris. Ligna et lapides docebunt te, quod a magistris audire 2
TÁCITO, A Germânia, trad. Adolfo Ca- 4
CARR-GOMM, Philip, Os Mistérios dos Druidas, Zéfiro, Sintra, 2008, p. 172.
non possis.” São Bernardo de Clavaral, séc. XII. sais Monteiro, Editorial Inquérito, Lisboa. 5
CARR-GOMM, Philip, Os Mistérios dos Druidas, Zéfiro, Sintra, 2008, pp. 180 e 181.
Em busca da
Sintra, Portugal.
P
verdadeiros templos de Tomaros, em cial semelhança com as descrições
que herdámos dos Dodona, onde acima referidas. Gerês, Sintra e or definição, uma religião uma espiritualidade que deveria
nossos antepassados funcionava um Bussaco8, assim como o Carvalho é uma forma de reconexão - ser melhor definida mesmo como
de origem celta. oráculo dedicado de Calvos9, em Póvoa de Lanhoso, ‘religio’, do latim ‘religare’, uma ‘filosofia’, visto que propõe,
ao culto da Deu- são verdadeiros templos que her- reconectar, que permite que reen- fomenta e mesmo exige uma forma
sa-Mãe, Gaia, e dámos dos nossos antepassados de contremos algo em nós ausente ou diferente de ver, pensar e sentir a
posteriormente ao de Zeus. Este origem celta. ■ perdido. Como tal, em momento vida. Isso só se torna verdadeira-
oráculo era interpretado pelos sa- nenhum o termo implica na hierar- mente possível quando compreen-
cerdotes e pelas sacerdotisas tendo Artigo originalmente publicado quização, na dogmatização e na es- demos os processos históricos que
em conta o som provocado pelo em Mandrágora – O Almanaque truturação que a maioria das pessoas dão ao druidismo contemporâneo
vento nas suas folhas. Pagão – 2011: No Bosque Sagrado associa à palavra: afinal, se essas são sua essência e sua identidade.
Nos séculos XVI e XVII, algu- dos Druidas (© Zéfiro, 2010. Todos marcas do pensamento religioso do- Durante muito tempo, o ter-
mas ordens religiosas6 procuraram os direitos reservados). minante no ocidente, em outras cul- mo ‘druidismo’, surgido na lín-
turas o conceito de religião nem de gua inglesa no século XVIII e em
6
Ordem Franciscana e Ordem dos Carmelitas Descalços. longe evoca tais elementos. seguida difundido a outros idio-
7
Os casos dos Conventos de Santa Cruz, vulgo Convento dos Capuchos em Sintra e No caso da religião celta – ou mas, foi utilizado para definir as
do igualmente Convento de Santa Cruz, no Bussaco. druidismo, como muitos a cha- ordens da Grã-Bretanha Victoria-
8
O nome Bussaco presume-se que seja originário da designação latina de Boscum mam – é fundamental que não na que floresceriam nas décadas
Sacrum, ou seja Bosque Sagrado (SANTOS, Álvaro, Caracterização da Mata Nacional apliquemos o conceito dominan- seguintes – ordens que, coerentes
do Buçaco, 1993).
te de ‘religião’ – institucionaliza- com sua natureza semi-maçônica,
9
Carvalho mais antigo de Portugal com aproximadamente 500 anos. (LASCARIZ,
Gilberto, Mandrágora 2009, Zéfiro, Sintra, 2008). da, dogmática e hierarquizada – a eram hierarquizadas, herméticas,
A colheita
N
oite profunda, o manto debaixo de nós, à nossa volta. Sen-
ao luar A
— o mistério do
da escuridão cobre a terra. timo-lo tornar-se no sangue que
No sopé do Tor de nos corre pelas veias, enquanto a
Glastonbury aguardamos em si- grande Linha do Dragão pulsa em
orvalho virgem
lêncio reverente; o frio enregela- sintonia connosco.
-nos e pequenas nuvens flutuam Por detrás do Monte Sagrado
no ar parado a cada expiração. À surge Artémis em todo o Seu es- por Isa Baptista
nossa volta, pequenos animais co- plendor, envolta no manto pratea-
meçam a sua busca nocturna por do de uma fabulosa Lua Plena.
alimento, e uma leve brisa agita a A uma só voz entoámos o Awen!
folhagem. Somos envolvidos pela As lágrimas corriam pelos ros-
F
força poderosa dos grandes Car- tos de todos aqueles que viviam
valhos Ancestrais que, quais sen- esses momentos de Magia absolu- “Não há outro mistério para chegar a oram várias as civiliza-
tinelas atentas, protegem e guar- ta, enquanto uma chuva da mais esta iniciação, senão mergulharmos ções que atribuíram valor à
dam a entrada. pura energia nos envolvia. mais e mais até às profundezas do hora ou momento do dia em
Suavemente, o Tambor co- E crescemos, crescemos, em nosso ser e não esmorecer até que que eram colhidas as plantas para
meça a tocar em sintonia com o direcção ao Infinito; éramos tenhamos alcançado a raiz viva e preparações medicinais. Fases da
Coração da Terra. Odores de fo- mais sete grandes Carvalhos que vivificante, e a partir de então todos lua, constelações ou marcos solsti-
lhagem em decomposição, em guardávamos o sopé do Tor. Ple- os frutos que gerarmos segundo a ciais e equinociais eram frequen-
conjunto com o odor da terra nos de energia, reverenciámos os nossa espécie produzir-se-ão em nós temente tidos em conta na época
húmida que pisamos, preenchem- Quadrantes e saímos em silêncio, e fora de nós, como acontece com as das sementeiras ou das colheitas
-nos a cada inspiração, unifican- renascidos, fortalecidos e com a nossas árvores terrestres que estão e, por vezes, crenças ainda mais
do-nos com aquela Força imensa Alma em êxtase. vinculadas à sua raiz primordial e específicas e detalhadas eram apli-
que nos rodeia. No dia seguinte era tempo de constantemente lhe extraem os sucos” cadas à recolha de elementos para
Crescem-nos raízes, os nossos voltar a Portugal, mas a Alma, elixires medicinais. A ideia de que
corações batem ao ritmo do Tam- essa, continua a entoar o Awen, — Louis-Claude de Saint-Martin a mandrágora só poderia ser apa-
bor, ao ritmo do Coração da Terra; algures na Velha Albion. nhada na lua nova ou de a colheita
sentimo-nos crescer enquanto o Awen! ■ das azeitonas ser ideal quando feita
Awen corre à solta acima de nós, ao luar e as temperaturas são mais
DO
e equinociais eram
frequentemente tidos baixas (o que fa- as ervas e árvores deveria ser de
em conta na época vorece a presen- linho branco e a recolha propria-
VÉ
das sementeiras ou ça de todos os mente dita ficava em muitos casos
das colheitas e, por aromas e sabores a cargo de mulheres virgens, que
vezes, crenças ainda destes frutos) poderiam encontrar-se descalças,
LI
mais específicas e pertence a um le- em nudez parcial ou total. Esta prá-
detalhadas eram que de tradições tica estava intimamente associada
aplicadas à recolha que se foram per- à pureza necessária para manter
CO
de elementos para dendo a partir de a qualidade do orvalho e deveria
elixires medicinais. meados do século ser levada a cabo antes da aurora,
XIX, altura em pois o sol alteraria as propriedades
que estas abor- desta condensação atmosférica.
dagens começaram a ser encaradas Consta que os elixires feitos com a
como meras superstições. Contudo, utilização da orvalhada detinham
todas estas referências são conteú- intrigantes propriedades que se-
dos preponderantes preservados riam posteriormente potenciadas
na misteriosa arte da espagíria ou pela exposição a determinadas fa-
alquimia vegetal e em algumas vias
já pouco praticadas de herbalismo
ses lunares ou pela colocação junto
de plantas, pedras ou gemas com
O iniciado e a divindade tópica
medicinal, as quais contam com al- atributos únicos. Algumas poções por Gilberto de Lascariz
manaques e calendários que podem medicinais poderiam ser também
E
seguir várias tradições distintas, tal enterradas em ânforas junto às raí-
como outrora. zes de árvores sagradas, menires ndovélico tem sido a di- rupestres de Poio Grande e de
Um dos costumes mais ou nascentes associadas a seres ele- vindade tópica lusitana que Rocha da Mina até ao Santuário
interessantes e antigos passa pela mentais específicos. mais tem atraído o interesse de S. Miguel da Mota, este de gé-
recolha de orvalho para ser utiliza- Poucas reminiscências restam da comunidade pagã em Portu- nese romana e posterior utilização
do em poções medicinais. Era um desta tradição. Contudo, a mística gal. Não só pelo carácter especial cristã. Trata-se de lugares em que
ritual tradicionalmente praticado associada ao herbalismo tradicio- da paisagem envolvente de seus a própria toponímia apela para a
por várias tribos celtas do norte nal tem em conta aspectos mui- santuários, que se poderia definir presença da Luz, dos quais a ribei-
e centro da Europa e obedecia a to semelhantes que têm vindo a como um verdadeiro espaço geosó- ra de Lucefecit é, provavelmente,
determinadas especificidades, no- ressurgir localmente um pouco por fico, como pela persistente escolha a mais interessante. A toponímia
meadamente o baptismo lunar que todo o mundo, invocando eras dis- destes lugares para ocupação de como nomeação de pertença a um
deveria ser feito por uma lua cres- tantes enquanto celebram o misté- carácter religioso e funerário, des- Númen residente do lugar, como
cente ou preferencialmente cheia: o rio da redescoberta... Uma viagem de os grupos de antas de estrutura o sufixo supõe, é muitas vezes im-
lençol que era estendido por sobre à alma da Natureza vivente... ■ cistóide de Lucas aos santuários pregnada pela presença e memória
Endouélico
os praticantes de magia ctónica, co, o Muito Bom ou Onobolicus, o vezes reinterpretada à luz da esta- é, como um Culto aos Mortos e
às propriedades dos componen- Negro, outra sua designação, con- tuária e das suas analogias formais Ancestrais e não como Divindade da
tes cristalinos de quartzo presen- tendo simultaneamente uma face- com outros cultos dos quais te- Natureza, como se tem feito.
te nos xistos. Entre praticantes ta diurna e nocturna representadas mos informações mais detalhadas, Na verdade, a faceta de Endo-
de Bruxaria Tradicional Britâni- através da Palma e do Javali. Se bem como o dos celtas e dos tartessos. vélico como Divindade redentora
ca, que mantêm vivas desde o séc. que muitas das eclosões fortuitas Contudo, no segundo caso opta- pela Primavera, associada ao termo
XVII, pelo menos, práticas rituais de Neo-Paganismo Étnico surgi- -se sempre por entrar visionaria- Andevélico, deve ter-se referido
consistentes de interacção com os das em Portugal tenham usado a mente no núcleo transpessoal de provavelmente não à fertilidade
Deuses pré-cristãos, tem-se cons- área rupestre de fundo inspirató- poder sapiencial subjacente à fi- ressuscitadora dos solos, aqui im-
tatado a importância das paisagens rio Endovélico do Alandroal como gura Endovélico através de técni- próprios para a agricultura, mas à
xistosas para a núcleo geosófico de sua referência cas mágicas e gnósicas. Foi nesta redenção eleusínica post-mortem.
A mesma Divindade comunicação es- espiritual e se tenham esforçado, última perspectiva e operatividade Porém, poderá perguntar-se como
expressa-se, muitas piritual com as também, por interpretar e limitar que o presente autor abordou no será possível conciliar ou mesmo
vezes, através de divindades ctó- essa experiência a um conjunto contexto de um grupo pequeno e compreender esta relação de Endo-
múltiplas e diferentes nicas e avernais. restrito de elementos canónicos no fechado o fenómeno mistérico de vélico aos Mortos face à perspecti-
faces e epifanias Compreende-se, seu trabalho litúrgico, inspirados Endovélico. Foi com perplexida- va esculapiana defendida por Leite
aeónicas e é necessário assim, a razão a maior parte das vezes nas espe- de, também, que descobri práticas de Vasconcelos e que se revê na
perguntarmo-nos da preferência culações arqueológicas, ela tem de abordagem semelhante feitas natureza xamânica e visionária da
hoje qual será a dos povos mega- sido feita com uma preocupação anteriormente por membros do incubatio defendida posteriormen-
epifania de Endovélico líticos britânicos tipicamente religiosa e de mera extinto Movimento Nova Era, do te pelo arqueólogo Manuel Calado.
no tempo histórico 1
DRACO, Melusine, “Spirits and Deific Forms”, in Hands of
qual emergiu uma prodigiosa do- Isso só se pode compreender diante
em que vivemos. Apostasy. Oakland: Three Hands Press, 2014, p. 118.
cumentação de carácter revelatório do facto mitológico conhecido so-
2
LASCARIZ, Gilberto, Deuses e Rituais Iniciáticos da Antiga Lusi- e místico. É, assim, na perspectiva bre Esculápio: o facto de ele ter o
tânia. Sintra: Ed. Zéfiro, 2009, pp. 93-131. dos Mistérios, cuja quintessência poder de trazer os mortos de volta à
em vez de uma transmissão linear, expressa-se, muitas vezes, através vida ela desaparece debaixo do solo isto é, infernais. É necessário, tam-
horizontal e superficial. Símbolos, de múltiplas e diferentes faces e condenando-o à aridez e à morte bém, que esses ritos nasçam não a
ritos e doutrinas epifanias aeónicas e é necessário permanente, regressando ao mundo partir de criações racionais feitas
A mesma Divindade são apenas guias perguntarmo-nos hoje qual será a ancestral e subterrâneo, deixando através de sucessivas colagens de
expressa-se, muitas provisórios e a epifania de Endovélico no tempo apenas resquícios de sua presença outras práticas
vezes, através de parte exterior histórico em que vivemos. à superfície, mas outras vezes er- religiosas antigas,
múltiplas e diferentes das Tradições. Não vivemos no Passado, na gue-se abundantemente de sua pro- uma espécie de É necessário para o
faces e epifanias Enquanto trans- época em que viviam os lusitanos, fundeza abissal alimentando as suas bricabraque para Novo Paganismo [...]
aeónicas e é necessário missão vertical mas no Presente. Cada Presente é margens. Este fluxo e refluxo per- entretenimento criar novos ritos. Não
perguntarmo-nos vivificada pela um estado fracionado de tempo pétuo do rio lucefecitiano espelha a mental, como te- já de mera reverência
hoje qual será a experiência in- num continuum infinito. O Pre- figura do próprio Endovélico na sua nho encontrado e vassalagem aos
epifania de Endovélico terior, a Tradi- sente é uma coagulação ilusória duplicidade de Deus Negro e Bom e no folclore re- Deuses [...] mas de
no tempo histórico ção exige perma- no estreito e comprimido estado de Deus do Luminoso Florescer. ligioso criado à comunhão gnósica
em que vivemos. nentemente um consciencial do espaço-tempo. É necessário para o Novo Paga- volta de Endové- com esses Princípios
encontro cons- Cada Momento está condenado a nismo que renasce historicamente lico, muitas vezes ou Deuses interiores,
ciente de natu- repetir o fluxo histórico dos impul- no centro do presente momento patrocinado por isto é, infernais. É
reza supra-sensível e gnósica com a sos eternos presos na contingência histórico, caracterizado tanto pelo agentes políticos necessário, também,
fonte transpessoal de onde emana linear de tempo. Contudo, cada frio cepticismo científico como locais como fer- que esses ritos nasçam
essa mesma Tradição. Ela exige a Momento, quando vivido como pela mais abjecta vassalagem à su- mento recreati- [....] de uma prospecção
todos os Iniciados ousados que a Eterno Agora, tem a propriedade perstição religiosa, criar novos ri- vo que leveda a interna e um encontro
desejem que tenham a capacidade de nos fazer sair do tempo histó- tos. Não já de mera reverência e estupidificação supra-sensível
anamnésica de penetrar no Mundo rico e entrar no Centro Essencial e vassalagem aos Deuses, que devem e a superstição, transpessoal que gere
Imaginal e na Memória do Lugar, Primordial, fonte eterna de todas ser entendidos como facetas pri- mas através de uma nova corrente
isto é, uma capacidade de sair de si as faces e máscaras deíficas. Assim, mordiais inconscientes de nossa uma prospecção de Iluminação no
mesmo, de suas limitações e con- a verdadeira Tradição é como a natureza eterna expressa na mul- interna e um en- presente séc. XXI.
tingências históricas e beber da água que corre permanentemen- tiplicidade polissémica do mundo, contro supra-sen-
fonte eterna onde os Deuses tecem te na ribeira de Lucefecit. Num mas de comunhão gnósica com es- sível transpessoal
O autor Robert Graves viu na Canção de Amergin uma codificação do calen- Ana Simões
dário celta, atribuindo cada linha a um período determinado do ano. (Tra-
dução e Nota: Alexandre Gabriel)
CONTRA-LUZ
Por agora tens que descansar. Do grito da tua alma discernirás um chamamento capaz de trazer de vol-
ta o próprio Sol como os rebanhos aos campos. Na câmara escura terás a
Por agora tens que vergar a tua vontade e descer à câmara escura onde se visita de um pequeno raio de luz que aos poucos banhará a tua fronte, o
suspendem todos os sentidos e permanece apenas aquela saudade lenta e teu rosto, depois o resto do teu corpo, depois a sala inteira. Não reconhe-
incómoda do movimento. Pois agora é o momento de descansares o cor- cerás o teu ambiente à primeira vista, e depois verás que tu mesmo mu-
po para libertares a mente, e como nos céus, os teus movimentos são cada daste de forma. És outra pessoa, de sobrolho radiante e lábios proféticos.
vez mais estacionários. Mínimos. Primários. Fetais.
A promessa cumprir-se-á. Tudo porque te fizeste Inverno.
Faz conforme te foi instruído. Abraça o Inverno. Faz-te Inverno.
À saída, encontrarás um mundo muito diferente do que deixaste no fim
Por agora tens que te entregar a esse silêncio perturbador da câmara de do Verão. Poderás sentir uma certa confusão. Poderás não perceber o que
onde a luz parece esvair-se a cada dia que passa. Irreversivelmente, di- foi feito dos montes que agora são vales, sentir que o firmamento se fez
rias. Sentes medo. A escuridão é imensamente maior que tu, que os teus oceano e o mar foi sugado pelo céu. E o ar irrespirável, parco combustí-
planos, que as tuas rotinas. Ela determina o teu tempo e termina os teus vel para a chama que trazes em ti. Mas persiste. Nem o mar nem a terra
tempos. Ela revela todas as tuas sombras. Dolorosas. Julgas ouvir vozes, nem o ar passarão sem que a roda gire uma e outra vez, até que cada ser
alucinações várias que chegam através de ti mas não te pertencem. Re- encontre a sua nota na Grande Canção de todas as coisas. Então saberás
voltas-te. Recusas fazer o luto. Como seria de esperar, a negação é sempre a que nada foi por acaso na tua caminhada: o primeiro convite, os sinais, a
primeira fase do processo. câmara escura, a manhã seguinte.
Mas faz conforme te foi instruído. Aceita o Inverno. Faz-te Inverno. Então terás que continuar a fazer-te Inverno até que a luz se cumpra por
inteiro. Pois que ela nunca tarda em chegar, e enquanto houver sombra no
Por agora precisas de parar por inteiro e conservar energias. O pior do mundo, chegará sempre.
frio está ainda por chegar, e vais precisar de todas as tuas forças para
enfrentar os rigores do tempo de todos os silêncios. Do silêncio em que A luz invicta. O Sol que em ti habita e irradia para toda a Humanidade.
estás semeado para um dia renasceres em carne viva e espírito desperto.
Vais precisar de enfrentar os gritos que te chegarão da tua própria alma, Fábio Barbosa
mais claros que nunca, e estar a postos para a aparição de onde poucos
conseguiram sair vivos e sãos.
Morgana da Lusitânia
O S Q UAT R O EL EM EN T O S
Alexandre Gabriel
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Philip Carr-Gomm
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Estamos já a preparar o
próximo número da Ophiusa, e
contamos com a vossa colaboração!
Como é o vosso druidismo? O que faz
a diferença na vossa prática no dia-a-dia?
Sobre que tema gostariam de falar?