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Josênio C. Parente1
1
Doutor em Ciência Política e Professor Universitário.Trabalho terminado em 27 de Abril de 1994.
2
FERREIRA, Oliveiros S., “A Escola Superior de Guerra no Quadro do Pensamento Político Brasileiro”, in
CIPPA, Adolpho (Org.), As Idéias Políticos no Brasil, Convívio, São Paulo, 1979, Volume 2, p. 279.
1
(1883/1954) durante os anos trinta e a implantação do Estado Novo correspondem
à vitória e à consagração do castilhismo”3.
3
PAIM, Antônio, op. cit., p. 164.
4
Sobre o pensamento tradicionalista de Plínio Salgado, vide CHASIN, J., O Integralismo de Plínio Salgado,
Livraria ed. Ciências Humanas, São Paulo, 1978. O Integralismo teve peso variado em vários Estados. Sobre
o caso do Ceará, onde ele compartilha do poder político do Estado, vide PARENTE, Josênio C., Anauê: Os
Camisas Verdes no Poder, Editora Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1986. Uma segunda edição
revista foi realizada no ano de 1999.
5
Convivium, vol. XXI (5), set/outubro, 1979, pág. 516, apud PAIM, Antônio, (Posfácio), “Oliveira Vianna e o
Pensamento Autoritário no Brasil”, in VANNA, Oliveira, Instituições Políticas Brasileiras, Itatiaia (Belo
Horizonte) – Editora Universidade de São Paulo – EDUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense),
Niterói, RJ, (Coleção Reconquista do Brasil – 106), V. 2, p. 180.
6
SANTOS, Wanderley Guilherme dos, “A Práxis Liberal no Brasil: Propostas para Reflexão e Pesquisa”, in
SANTOS, Wanderley G. dos, Ordem Burguesa e Liberalismo Políticos, Duas Cidades, São Paulo, 1978, p.
106. Wanderley dos Santos ressalta que “a maioria dos analistas influenciados por Oliveira Vianna não
concordaria inteiramente com ele. Virgínio Santa Rosa, por exemplo, exprimiu claramente, em o Sentido do
2
Essa assertiva de Wanderley Guilherme dos Santos já revela que o
autoritarismo possui um lado moderno, comprometido contraditoriamente (ou
dialeticamente?) com a construção de uma ordem liberal. Será por esse caminho
que podemos entender também a relação de Hobbes com a ESG? Fica, portanto,
uma questão que podemos examinar nessa reflexão: existe um lugar para o
autoritarismo na construção de uma ordem liberal?
Tenentismo, uma das medidas mais óbvias que uma agenda liberalizante deveria formar: a reforma agrária”
(ibidem).
7
GREENLEAF, W. H., “Hobbes: o problema da interpretação”, in QUIRINO, Célia G. & SOUZA, Maria Tereza
Sadek (Org.), O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, São
Paulo, T. A. Queiroz, 1980, p. 54.
3
O terceiro tipo de interpretação, o ‘caso individualista ou nominalista’
também possui duas vertentes: a de Leo Strauss e a dos professores Oakeshott,
Watkins e Glover. Todas, contudo, rejeitam as duas outras interpretações, as
‘tradicionais’ e a do ‘caso da lei natural’. Leo Strauss diz que Hobbes rompe
completamente com a grande tradição aristotélica por ter induzido em suas
análises duas paixões: a vaidade e o medo. A segunda vertente acrescenta à tese
de Strauss que Hobbes se aproxima de noções medievais de um tipo particular.
Claro que essas interpretações não podem ser simplificadas assim com
apenas poucas afirmações. Nosso objetivo, contudo, as desenhar o quadro de
Greenleaf elabora a respeito das interpretações sobre Hobbes é apenas para
situar o debate que desejamos esboçar. Não pretendemos travar um diálogo com
as possíveis interpretações que foram esboçadas acima. Nossa pretensão nesse
trabalho é mais modesta, consistindo em apresentar as idéias centrais do Leviatã,
discutir com alguns comentadores as questões levantadas acima. É modesto
apenas por não apresentar novidades sobre possíveis novas interpretações sobre
Hobbes, mas importante no sentido de o situar no contexto da teoria política sobre
o Estado moderno. Mostraremos que o seu pensamento possui uma teoria sobre o
poder (“por que as pessoas obedecem?”) e se constitui numa ruptura com o
feudalismo e com a Antigüidade, além de estar afinada com as transformações
que estavam acontecendo e que ainda nos afetam. Discutiremos com alguns
comentaristas questões relativas à modernidade do seu pensamento e sua
contribuição para a construção da ordem liberal.
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Macpherson enfatiza bastante o método científico da época, utilizado por Galileu. Hobbes desejava construir
uma ciência da política com características da ciência da época. Vide MACPHERSON, C. B., “Introduction”, in
HOBBES, Thomas, Leviathan, Penguin Classies. Bobbio tem uma outra visão sobre isso: “é uma questão
controversa – e que talvez não seja essencial – definir qual foi o método efetivamente seguido por Hobbes no
tratamento da matéria; ou mesmo saber se ele alguma vez teve um método. (...) Uma das características do
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fez uma análise do poder político e situou a questão num antinomínia: a anarquia
ou a ordem. Considerou, então, o Estado como um produto artificial e que serve
para suprir as deficiências da natureza, isto é, dar paz e segurança às pessoas
que, sem Ele, permanecerão em estado de guerra. Antes, contudo, de nos deter
nesse homem artificial, vale a pena entender a questão da conjuntura inglesa do
período. Bobbio, como outros analistas, reconstrói a situação da época de Hobbes
para ressaltar que a unidade do Estado era constantemente ameaçada pelas
discórdias religiosas e pela disputa em torno das divisões dos poderes. Hobbes
assistiu à guerra civil inglesa desde sua preparação até o final. O rei Carlos I foi
executado em 1649. Henrique VIII, embora por motivos políticos, já havia rompido
com Roma. Apesar da Reforma de Lutero, o rei inglês também não era
protestante, de forma que a questão religiosa inglesa permanecera indefinida. Foi
só no reinado de Elizabeth que se fixou o destino religioso da monarquia inglesa e
aconteceu naquela direção da independência com Roma, na direção da reforma
protestante. Uma sucessão de fatos, portanto, que colaboraram para que Hobbes
percebesse que a maneira de salvar a autoridade real, condição para a paz social,
era desligá-la completamente da religião, mais precisamente, da soberania de
Roma.
pensamento renascentista, pela qual é profundamente marcada a filosofia de Bacon – primeiro mestre de
Hobbes –, é a transformação da relação entre natureza em arte em comparação com a concepção dos
antigos: a arte não mais aparece como imitação da natureza, mas como igual à natureza”, BOBBIO, Norberto,
Thomas Hobbes, Campus, Rio de Janeiro, 1991 (trad. Carlos Nelson Coutinho), p. 31.
5
desenvolvimento econômico que não pode ser absorvido dentro do Antigo
Regime”9.
9
Hill, C., Change and Contiuity in seventeenth-century England, Harvard University Press, Cambridge, 1975,
pp. 279-281. Em outro trabalho ele esclarece: “A Revolução Inglesa, como todas as revoluções, foi causada
pela ruptura da velha sociedade e não pelos desejos da burguesia ou pelos líderes do Longo Parlamento. Seu
resultado, no entanto, foi o estabelecimento de condições muito mais favoráveis ao desenvolvimento do
capitalismo do que aquelas que prevaleceram até 1640. A hipótese é a de que este resultado bem como a
própria revolução tenha se tornado possíveis por que tenha havido um desenvolvimento considerável das
relações capitalistas na Inglaterra”, HILL, C. “Uma Revolução Burguesa?”, in Revista Brasileira de História, n.
7, 1984, p. 9.
10
PARENTE, Josênio C., “A Construção da Ordem Liberal: I. Maquiavel e o Nascimento do Estado Moderno”
o
in Humanidade e Ciências Sociais, Revista da Universidade Estadual do Ceará – UECE, ano 1, v. 1, n 1,
jan/jun, 1999, semestral (p. 83-89).
11
MANENT, Pierre, História Intelectual do Liberalismo: Dez Lições, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1990, Trad.
Vera Ribeiro, (Coleção Tempo e Saber), p. 15. Ele ressalta: “A definição que a Igreja fornece de si mesma
inclui uma ‘contradição’. De um lado, o bem trazido por ela – a salvação – não é deste mundo. ‘Este mundo’
como tal, o mundo do ‘Cézar’, não lhe interessa, para a qual, pela graça de Deus, é o único veículo”, (ibidem).
No capítulo XII, do Leviatã, Hobbes mostra claramente a questão da força política da religião na sociedade
antiga: “Portanto os primeiros fundadores e legisladores de Estados entre os gentios, cujo objetivo era apenas
manter o povo em obediência e paz, em todos os lugares tiveram os seguintes cuidados. Primeiro, o de incutir
em suas mentes a crença de que os preceitos que ditavam a respeito da religião não deveriam ser
considerados como provenientes de sua própria invenção, mas como os ditames de algum deus, ou de outro
espírito, ou então de que eles próprios eram de natureza superior à dos simples mortais, a fim de que suas
leis fossem mais facilmente aceitos” (...) Em segundo lugar, tiveram o cuidado de fazer acreditar que aos
deuses desagradavam as mesmas coisas que eram proibidas pelas leis. Em terceiro lugar, o de prescrever
cerimônias, suplicações, sacrifícios e festivais, os quais se deveria acreditar capazes de aplacar a ira dos
deuses; assim como que da ira dos deuses resultava o insucesso na guerra, grandes doenças contagiosas,
terremotos, e a desgraça de cada indivíduo; e que essa ira provinha da falta de cuidado com sua veneração, e
do esquecimento ou do equívoco em qualquer aspecto das cerimônias”, in HOBBES, Thomas, Leviatã,
Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, (Tr. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da
Silva), 3ª ed., Abril, São Paulo, 1983, p. 70.
6
Dentro dessa conjuntura claramente de transição, Hobbes reflete, como
dissemos acima, sobre a questão do poder no novo contexto. A Soberania tinha
que ser absoluta a fim de evitar o caos. Como submeter também a religião ao
Leviatã (ao Estado)? Para Manent, “o argumento de Hobbes é simples, mas
devastador: acreditar que Deus falou com determinados homens é acreditar que
esses homens dizem a verdade, é crer nesses homens. A necessidades de um
intermediário humano faz com que crer num Deus revelado eqüivalha a acreditar
em homens. Pois bem, a experiência nos ensina que os homens são facilmente
mentirosos, ou, mais exatamente, que a idéia elevada que fazem de sua
sabedoria os leva com freqüência a se acreditarem inspirados por Deus”12.
Portanto, para Hobbes, não há lugar no mundo humano para outro poder do que o
poder civil. Rousseau elogia essa proposta de submeter a fidelidade do homem
religioso ao Estado e percebe que o Homem artificial de Hobbes é de mecânica
tão engenhosa que ele fundou uma “religião civil”. Ele, Rousseau, diz que “de
todos os autores cristãos, o filósofo Hobbes, o único que viu muito bem o mal e o
remédio, que ousou propor a reunião das duas cabeças de guia, o reconduzir-se
tudo à unidade política, sem a qual jamais serão bem constituídos o Estado e o
Governo”13.
12
MANENT, Pierre, op. cit., p. 56. Ele conclui que “se os homens se compenetrarem dos argumentos de
Hobbes, é pouco provável que os profetas, ‘verdadeiros ou falsos, venham a ter muitos discípulos”, (idem).
Mas Hobbes não irá de encontro frontal com Roma. No Leviatã, por exemplo, ele diz: “Mas quando foi o
próprio Deus, através da revelação sobrenatural, que implantou a religião, nesse momento ele estabeleceu
também para si mesmo um reino particular, e não ditou apenas leis relativas ao comportamento para consigo
próprio, mas também de uns para com os outros. E dessa maneira no reino de Deus a política e as leis civis
fazem parte da religião, não tendo portanto lugar a distinção entre a dominação temporal e a espiritual”,
HOBBES, Thomas, Op. cit., p. 71.
13
ROUSSEAU, Jean-Jacques, Do Contrato Social, Abril, 1983, 3ª ed., São Paulo, Trad. Paul Arbousse-
Bastide e Lourival Gomes Machado, p. 140. Rousseau explica melhor: “No entanto, como sempre houve um
príncipe e leis civis, resultou dessa dupla posse de um conflito perpétuo de jurisdição que tomou toda a boa
‘política’ impossível nos Estados cristãos e jamais se conseguiu saber se era ao senhor ou ao padre que se
estava obrigado a obedecer”, Ibidem.
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principia a nossa modernidade: quando a comunidade não mais é entendida como
congregação de homens que são diretamente encarregados de zelar pelo
funcionamento do todo, mas como uma congregação de homens (societas) a
quem seus próprios afazeres ocupam demais para que possam dedicar-se aos
interesses do todo, e que, por isso, devem ser protegidos pela instância política,
em vez de participarem dela”14. Hobbes introduz então dois elementos que
rompem com o conceito aristotélico de Estado, Primeiro Estado, como está dito
acima, ele recusa a antiga finalidade do político que passará a ser a segurança e o
gozo ao máximo. A segunda característica que rompe com o aristotelismo é a
idéia de que o direito é o útil. Lebrun assim expressa esse novo elemento: “o
utilitarismo de Hobbes leva-o forçosamente a admitir como necessário um poder
capaz de decidir o legislar, que tenha o seu princípio apenas e si próprio, e que
não se refira a nenhuma legitimação (divina ou humana) externa a ele. A única
razão que pode me ‘convencer’ a obedecer à lei é que ela é a lei – é saber que
serei castigado se a infringir”15. Como veremos adiante, comentadores verão neste
ponto um Hobbes precursor do liberalismo. Por fim, para caracterizar um Hobbes
que rompe com as amarras feudais, ele destrói a idéia de hierarquia natural e toda
uma justificativa para uma sociedade de casta apregoando que “é uma lei da
natureza que todo homem reconheça os outros como seus iguais”.
14
LEBRUN, Gérard, O que é Política, Brasiliense, São Paulo, 1983, 5ª ed., (Col. Primeiros Passos, n. 24), p.
38. Lebrun apresenta o conceito de cidade em Hobbes: “uma multidão de homens, unidos numa pessoa única
por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu proveito comuns”, idem, p. 36. Bobbio diz que “nas
primeiras páginas de Política, Aristóteles explica a origem do Estado enquanto polis ou cidade a partir da
família, prosseguindo através da formação intermediária do povoado”, BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 5.
8
da guerra civil, da qual – ele comenta – ‘derivam a mortandade, o deserto e a falta
de tudo’. Logo depois, falando novamente das guerras civis, ele as chama de ‘as
maiores calamidades’”16.
15
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 39.
16
HOBBES, Thomas, De Corpore. I, 7, apud BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 27. Macpherson enfatiza em
Hobbes a questão do poder. Diz ele: “Our word is obsessed with problems of power, and Hobbes was na
analyst of power”, MACPHERSON, C. B., op. cit., p. 9
17
MANENT, Pierre, op. cit., p. 58.
9
que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só
vontade”18.
18
HOBBES, Thomas, op. cit., cap. VII, p. 105.
19
Hobbes, no capítulo VII, diz “por que, divergindo em opinião quanto ao melhor uso e aplicações de sua
força, em vez de se ajudarem se atrapalham uns aos outros, e devido a essa oposição mútua, reduzem a
nada sua força”, (idem, p. 104).
20
Macpherson diz que ele também tem uma teoria dos direitos e obrigações: “The exposed the lineaments of
power more clearly than most hove done since Machiavelli, more systematically than anyone had ever done,
and than most have done since. But he also asserted the equal nature right of man, and tried to put the two
things together to get a theory of right, and obligation, as well as a theory of power”, MACPHERSON, C. B.,
op. cit., p. 9.
10
“seja qual for o valor de tal representação, é ele que melhor nos permite apreender
o caráter inelutável do poder soberano, pois somente um poder comum é capaz
de agregar politicamente indivíduos iguais em sua submissão”21. Esse estado,
portanto, não é um fato natural, pois produto da vontade humana, é o homem
artificial. Mas para que esse pacto realmente instaure as condições de segurança
de todo acordo sucessivo possível não pode gerar uma sociedade de ajuda
mútua, mas será necessário um poder comum. No estado de natureza, os bens
econômicos e a força física eram privados, mas após o pacto, todos devem
concordar em atribuir ao Soberano (uma pessoa ou uma assembléia) todos os
seus bens e força para poder resistir a todos aqueles que se arrisquem a violar
esse pacto. Hobbes justifica melhor ainda esse poder comum que é criado com o
consenso, no capítulo VII, dizendo que “os pactos sem a espada não passam de
palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das
leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e
quando pode fazê-lo com segurança), se não fora instituído um poder
suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiar e poder
legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção
contra todos os outros”22.
21
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 44. Lebrun diz ainda que “o Soberano e o único cimento do corpo político
porque os homens nunca foram animais racionais, se por isso entendemos animais que se inclinam perante a
razão pura. A ‘razão’ é sempre a razão do mais forte (mesmo os diálogos de Platão, onde a razão está do
lado de quem é mais forte.. no campeonato dialético) E é por isso que a essência do Estado é ser ele
soberano”, (idem, p. 42).
11
tradicional. Hobbes fez do único pacto de união um contrato de sociedade em
relação aos súditos e um contrato de submissão em relação ao conteúdo”23.
22
HOBBES, Thomas, op. cit., p. 103.
23
BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 42. Ele completa: “Não diversamente da soberania segundo a concepção
tradicional, esse poder compreende o supremo poder econômico (ou dominium) e o supremo poder coercitivo
(ou imperium). O poder político é a soma dos dois poderes”, (ibidem).
24
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 53. Bobbio diz que “quando defende a irrevogabilidade do poder soberano,
Hobbes se contrapõe à teoria do mandato (que será retomada, entre outros, por Locke). Assim, afirmando que
o poder soberano é absoluto, no sentido próprio de kegibus solutus, ele se contrapõe às teorias – que são
várias e usam diferentes argumentos – que afirmam esse ou aquele limite ao poder do Estado. Essas teorias,
predominantes na Inglaterra, antes e depois de Hobbes, deram origem à corrente do pensamento político do
‘constitucionalismo’”, BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 46.
12
por comentadores em Maquiavel, uma raiz do liberalismo? É o que pretendemos
discutir a seguir.
II – 2 Hobbes e a Modernidade
Procuramos mostrar acima que Hobbes tem uma reflexão abstrata sobre o
Estado. Sua teoria, como a de Maquiavel, provoca várias reações de seus
comentadores. Não há dúvidas de que ele constitui ruptura com o feudalismo e
com a Antigüidade – embora haja quem veja nisso apenas maqueamentos de uma
ruptura –, além de ele perceber as transformações que estavam acontecendo e
que ainda nos afetam. Bobbio chega a dizer que ele é um conservador, com o que
Lebrun não concorda25. Existem, portanto, outras questões sobre feudalismo e
relação de Hobbes com a modernidade que vão além de seu rompimento com o
feudalismo e com a tradição aristotélica.
25
Bobbio diz que: “julga ser difícil encontrar um pensador político que revele mais do que Hobbes os traços
essenciais do espírito conservador: realismo político, pessimismo antropológico, concepção anticonflitualista e
não igualitária da sociedade” (BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 62). Lebrun, ao contrário, mostra que “o
Soberano tem a tarefa de zelar pela ‘vida boa e cômoda’ dos súditos e pela sua segurança... E nesse sentido
a mensagem de Hobbes não é, absolutamente, ‘conservadora’”, LEBRUN, op. cit., p. 35.
13
isolados, o Estado hobbesiano é muito mais semelhante a uma associação do que
a uma comunidade. Também Hobbes, como Hegel, chama o Estado de ‘Deus
Mortal’ (Lev., 112); mas a diferença é que o Deus de Hegel é panteísta, enquanto
o de Hobbes é teísta”27.
26
MANENT, Pierre, op. cit., p. 18
27
BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 59–60.
28
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 31. Ele diz que essa fama negligencia duas coisas. Primeiro, “que o Soberano
tem a tarefa de zelar pela ‘vida boa e cômoda’ dos súditos”; segundo, “que se o Soberano pode limitar à sua
discrição as minhas liberdades, nem por isso ela será o mero exercício de uma força regressiva. Não
esqueçamos que, sem essa força – cujos efeitos tantas vezes podem ser-me desagradáveis – não haveria
unificação nem ‘povo’ rigorosamente falando”, (idem, p. 35).
29
MACPHERSON, C. B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo: de Hobbes a Locke, Paz e Terra, Rio
de Janeiro, 1979, (Trad. Nelson Dantas), (Col. Pensamento Crítico; v. 22), p. 105-106. Ele explica com mais
informação: “o homem racional que, em tal sociedade, possui propriedades substanciais ou que tem
esperanças de adquiri-las e conservá-la, é capaz de reconhecer deveres para com tal soberano. Está
acostumado a contratos de longo prazo, vê a razão de ser da norma que diz que os contratos têm de ser
cumpridos. Dirige seus negócios pelo cálculo racional de vantagens a logo prazo; faz o que seu cálculo
racional ordena. É exatamente o tipo de homem que pode ver o lucro líquido do tipo de ordem contratual que
o poder soberano pode proporcionar”, (idem, p. 106). Bobbio diz: “Apesar da persistência e da revivescência
14
Macpherson, então, considera que Hobbes, como teórico da burguesia
emergente, foi longe demais na efetivação da Soberania e não foi capaz de
adivinhar que a solidariedade de classe burguesa permitiria economizar um
Soberano que perpetuasse a si próprio. Nesse ponto, Locke teria sido mais lúcido
em limitar seu poder absoluto. Hobbes, portanto, não consegue oferecer garantias
para a propriedade contra a interferência de um soberano absoluto. Lebrun traz
então um argumento em favor de Hobbes e diz que Locke é que pode ser
considerado como a serviço dos burgueses: “Sem dúvida, Locke utiliza o
maquinário político inventado por Hobbes, mas o faz para orientá-lo no sentido de
uma restrição da dominação política – e é isto, exatamente, que trai o espírito de
Hobbes. Em outras palavras, se Locke conserva o esquema de Soberania, ele
limita ao máximo o modo de seu funcionamento – e é então, mas só então, que o
poder é exposto, com toda a clareza, como nada mais que um fiel instrumento a
serviço dos proprietários”30. Locke, deste modo, seria o verdadeiro ideólogo da
burguesia. O interesse do Soberano, em Hobbes, é também o interesse do
Estado. As pessoas, quando não perceberem que estão seguros no Estado
teorizado por Hobbes, o contrato fundante desta sociedade está definitivamente
rompido.
(sobretudo através de Macpherson) da imagem de Hobbes ideólogo da burguesia nascente, Hobbes foi
conservador, porque, entre outras coisas, não se sentiu de modo algum ligado, nem sentimental nem
ideologicamente, à classe em ascensão” (BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 61).
30
LEBRUN, Gérard, op. cit., p 61. Lebrun reforça a necessidade das provas: “pois é fato que a dominação
‘burguesa’ não criou o poder codificado pela Soberania: ela o reutilizou, o mais das vezes restringindo-o. Nada
permite afirmar, sem uma demonstração, que existe coincidência entre o poder político criado pela
modernidade e a dominação de classe da burguesia”, (idem, p. 64).
15
tem sustentado, em relação à imagem do filósofo maldito (a começar por Leo
Strauss, passando por Michael Oakeshott e chegando a Mario Cattaneo) – um
escritor liberal ou um precursor de idéias liberais. Hobbes admite em casos
extremos (a ameaça à própria vida) o direito de resistência; valoriza o princípio da
legalidade na administração da justiça; quer que o direito seja certo; prefere um
governo com poucas leis (claras e simples) a um governo que as tenha confusas e
em excesso; considera útil ao bem-estar de uma nação uma liberdade econômica
moderada; pensa que é dever do soberano conceder aos cidadãos uma liberdade
inócua. Mas o ideal pela qual luta não é a liberdade e sim a autoridade”.
32
MANENT, Pierre, op. cit., p. 54.
33
LEBRUN, Gérard, op. cit., pp. 70-71.
16
comparativo e superlativo, passa a haver exclusão, polaridade entre uma
afirmação absoluta e uma negação absoluta.
Lebrun, mais realista com o homem artificial elaborado por Hobbes comenta
que “Hobbes instaura um modelo de dominação política que é condição sine qua
non para o funcionamento de toda sociedade moderna. Se me perguntarem qual é
a amostra política que melhor corresponde, hoje, ao modelo hobbesiano, eu me
animaria a responder: uma ditadura militar ‘esclarecida’, instaurada com o intuito
de realizar reformas estruturais sócio-econômicas”35.
35
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 60.
36
FERREIRA, Oliveiros S., op. cit., p. 286. Oliveiros havia dito que “muitos dos críticos da Escola Superior de
Guerra censuram-na por haver elaborado sua doutrina à luz da ‘guerra fria’, o que os elementos dela
integrantes refletirem até hoje a postura anticomunista dos militares brasileiros. Não nego a postura
17
Bibliografia Citada
anticomunista; do que duvido é tenha o clima pós-5 sido a principal de inspiração doutrinária da Escola” (idem,
18
PAIM, Antônio, (Posfácio), “Oliveira Vianna e o Pensamento Autoritário no
Brasil”, in VIANNA, Oliveira, Instituições Políticas Brasileiras, Itatiaia (Belo
Horizonte) – Editora Universidade de São Paulo – EDUFF (Editora da
Universidade Federal Fluminense), Niterói, RJ, (Coleção Reconquista do Brasil –
106).
. 276).
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