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A Construção da Ordem Liberal:

II. Hobbes: nasce uma teoria do Estado Moderno

Josênio C. Parente1

Oliveiros S. Ferreira, analisando a Escola Superior de Guerra (ESG) do


período pós-64, diz que “a influência de Hobbes é aqui apontada como o ponto de
referência intelectual, para não dizer ideológica” da intervenção militar no Brasil.
Diz ainda que sua “insistência em Hobbes é para procurar demonstrar que não é o
anticomunismo que inspira a Doutrina da ESG, mas o contrário, vale dizer, é a
Doutrina que inspira o anticomunismo, pois o marxismo-leninismo deseja, e
ninguém o negará, acabar com a idéia de Nação (ou do Estado)”2. Aqui, portanto,
temos duas afirmações relacionais que merecem uma reflexão para a leitura do
Leviatã: a relação Hobbes e autoritarismo e a relação do mesmo com a idéia de
Nação (ou de Estado).

Sobre o autoritarismo no período republicano brasileiro encontramos uma


tipologia elaborada por Antônio Paim que o divide em três grupos: o castilhismo, o
tradicionalismo e o autoritarismo instrumental. O castilhismo está ligado a Júlio
Castilho (1860/1903) no Rio Grande do Sul. Inspirado em Comte, foi aprimorada
por Borges de Medeiros (1864/1961), formou uma elite altamente qualificada.
Essa linha, segundo Paim, tem “o mais solene desprezo pelo liberalismo, certa de
que a época dos governos representativos havia passado. Essa elite é que
chegaria ao poder com a Revolução de 30. A ascendência de Getúlio Vargas

1
Doutor em Ciência Política e Professor Universitário.Trabalho terminado em 27 de Abril de 1994.
2
FERREIRA, Oliveiros S., “A Escola Superior de Guerra no Quadro do Pensamento Político Brasileiro”, in
CIPPA, Adolpho (Org.), As Idéias Políticos no Brasil, Convívio, São Paulo, 1979, Volume 2, p. 279.

1
(1883/1954) durante os anos trinta e a implantação do Estado Novo correspondem
à vitória e à consagração do castilhismo”3.

O segundo grupo de autoritarismo que se formou e que Paim classifica de


tradicionalismo, tem várias raízes, sendo o mais importante a corrente que veio de
Jackson de Figueiredo (1891/1928), de Francisco Campos (1887/1968) ou de
Azevedo Amaral (1881/1942), que desembocou no Integralismo4. Esse grupo não
se coadunava com a modernidade, ao contrário de uma corrente do grupo anterior
do qual saiu a liderança de Getúlio Vargas.

O terceiro grupo, corresponde à linhagem de idéias que tem em Oliveira


Vianna o seu ponto alto. Ubiratan Macedo reforça o peso dessas idéias
autoritárias e diz que “a atual doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG)
representa a evolução do nacionalismo de Alberto Torres e do pensamento de
Oliveira Viana”5 Foi Wanderley Guilherme dos Santos quem definiu sua proposta
de ‘autoritarismo instrumental’. Ele comenta dizendo que, para Oliveira Vianna, “o
liberalismo político seria impossível na ausência de uma sociedade liberal e a
edificação de uma sociedade liberal requer um Estado suficiente forte para romper
os elos da sociedade familística. O autoritarismo seria assim instrumental para
criar as condições sociais que tornariam o liberalismo político viável. Esta análise
foi aceita, e seguida, por número relativamente grande de políticos e analistas
que, depois da Revolução de 1930, lutaram pelo estabelecimento de um governo
forte como forma de destruir as bases da antiga sociedade não liberal”6.

3
PAIM, Antônio, op. cit., p. 164.
4
Sobre o pensamento tradicionalista de Plínio Salgado, vide CHASIN, J., O Integralismo de Plínio Salgado,
Livraria ed. Ciências Humanas, São Paulo, 1978. O Integralismo teve peso variado em vários Estados. Sobre
o caso do Ceará, onde ele compartilha do poder político do Estado, vide PARENTE, Josênio C., Anauê: Os
Camisas Verdes no Poder, Editora Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1986. Uma segunda edição
revista foi realizada no ano de 1999.
5
Convivium, vol. XXI (5), set/outubro, 1979, pág. 516, apud PAIM, Antônio, (Posfácio), “Oliveira Vianna e o
Pensamento Autoritário no Brasil”, in VANNA, Oliveira, Instituições Políticas Brasileiras, Itatiaia (Belo
Horizonte) – Editora Universidade de São Paulo – EDUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense),
Niterói, RJ, (Coleção Reconquista do Brasil – 106), V. 2, p. 180.
6
SANTOS, Wanderley Guilherme dos, “A Práxis Liberal no Brasil: Propostas para Reflexão e Pesquisa”, in
SANTOS, Wanderley G. dos, Ordem Burguesa e Liberalismo Políticos, Duas Cidades, São Paulo, 1978, p.
106. Wanderley dos Santos ressalta que “a maioria dos analistas influenciados por Oliveira Vianna não
concordaria inteiramente com ele. Virgínio Santa Rosa, por exemplo, exprimiu claramente, em o Sentido do

2
Essa assertiva de Wanderley Guilherme dos Santos já revela que o
autoritarismo possui um lado moderno, comprometido contraditoriamente (ou
dialeticamente?) com a construção de uma ordem liberal. Será por esse caminho
que podemos entender também a relação de Hobbes com a ESG? Fica, portanto,
uma questão que podemos examinar nessa reflexão: existe um lugar para o
autoritarismo na construção de uma ordem liberal?

Greenleaf mostra que existem várias maneiras de interpretar Hobbes e ele


apresenta três tipos principais que os denomina de ‘caso tradicional’, ‘caso da lei
natural’ e ‘caso individualista’. O ‘caso tradicional’, ou a interpretação ortodoxa, diz
que ele é um materialista imbuído da nova ciência natural e a utiliza para a
elucidação de uma teoria civil e ética. Era uma interpretação que fazia seus
contemporâneos e que tinha uma pintada de crítica. Houve, contudo, quem
achasse suas idéias totalmente adequadas: Cowley, Leibniz, Diderot e d’Holbach,
entre outros. Greenleaf diz que “habitualmente, Hobbes era visto mais como um
positivista malsucedido do que como um pensador que realmente não fosse deste
tipo. As pessoas eram prisioneiras da concepção estabelecida”7.

O ‘caso da lei natural’ se divide em outras duas interpretações. A primeira


diz que as bases materialista-mecanicista são bastante enganadoras quanto
indicações de seu caráter real. A segunda diz que a verdadeira natureza de seu
pensamento ético e político derivam-se essencialmente da tradição da lei natural
cristã. Este também tem duas variações: a chamada tese de Taylor (separa as
idéias éticas e sua filosofia científica) e a que sugere que sua filosofia e a
linguagem científica são maquiagem de suas idéias cristãs e medievais. Todas
elas menosprezam a filosofia naturalista de Hobbes.

Tenentismo, uma das medidas mais óbvias que uma agenda liberalizante deveria formar: a reforma agrária”
(ibidem).
7
GREENLEAF, W. H., “Hobbes: o problema da interpretação”, in QUIRINO, Célia G. & SOUZA, Maria Tereza
Sadek (Org.), O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, São
Paulo, T. A. Queiroz, 1980, p. 54.

3
O terceiro tipo de interpretação, o ‘caso individualista ou nominalista’
também possui duas vertentes: a de Leo Strauss e a dos professores Oakeshott,
Watkins e Glover. Todas, contudo, rejeitam as duas outras interpretações, as
‘tradicionais’ e a do ‘caso da lei natural’. Leo Strauss diz que Hobbes rompe
completamente com a grande tradição aristotélica por ter induzido em suas
análises duas paixões: a vaidade e o medo. A segunda vertente acrescenta à tese
de Strauss que Hobbes se aproxima de noções medievais de um tipo particular.

Claro que essas interpretações não podem ser simplificadas assim com
apenas poucas afirmações. Nosso objetivo, contudo, as desenhar o quadro de
Greenleaf elabora a respeito das interpretações sobre Hobbes é apenas para
situar o debate que desejamos esboçar. Não pretendemos travar um diálogo com
as possíveis interpretações que foram esboçadas acima. Nossa pretensão nesse
trabalho é mais modesta, consistindo em apresentar as idéias centrais do Leviatã,
discutir com alguns comentadores as questões levantadas acima. É modesto
apenas por não apresentar novidades sobre possíveis novas interpretações sobre
Hobbes, mas importante no sentido de o situar no contexto da teoria política sobre
o Estado moderno. Mostraremos que o seu pensamento possui uma teoria sobre o
poder (“por que as pessoas obedecem?”) e se constitui numa ruptura com o
feudalismo e com a Antigüidade, além de estar afinada com as transformações
que estavam acontecendo e que ainda nos afetam. Discutiremos com alguns
comentaristas questões relativas à modernidade do seu pensamento e sua
contribuição para a construção da ordem liberal.

II – 1. A Soberania no Estado Moderno.

A idéia dominante do tempo de Hobbes era o problema da unidade do


governo devido a constantes guerras. Seguindo o método da geometria8, Hobbes

8
Macpherson enfatiza bastante o método científico da época, utilizado por Galileu. Hobbes desejava construir
uma ciência da política com características da ciência da época. Vide MACPHERSON, C. B., “Introduction”, in
HOBBES, Thomas, Leviathan, Penguin Classies. Bobbio tem uma outra visão sobre isso: “é uma questão
controversa – e que talvez não seja essencial – definir qual foi o método efetivamente seguido por Hobbes no
tratamento da matéria; ou mesmo saber se ele alguma vez teve um método. (...) Uma das características do

4
fez uma análise do poder político e situou a questão num antinomínia: a anarquia
ou a ordem. Considerou, então, o Estado como um produto artificial e que serve
para suprir as deficiências da natureza, isto é, dar paz e segurança às pessoas
que, sem Ele, permanecerão em estado de guerra. Antes, contudo, de nos deter
nesse homem artificial, vale a pena entender a questão da conjuntura inglesa do
período. Bobbio, como outros analistas, reconstrói a situação da época de Hobbes
para ressaltar que a unidade do Estado era constantemente ameaçada pelas
discórdias religiosas e pela disputa em torno das divisões dos poderes. Hobbes
assistiu à guerra civil inglesa desde sua preparação até o final. O rei Carlos I foi
executado em 1649. Henrique VIII, embora por motivos políticos, já havia rompido
com Roma. Apesar da Reforma de Lutero, o rei inglês também não era
protestante, de forma que a questão religiosa inglesa permanecera indefinida. Foi
só no reinado de Elizabeth que se fixou o destino religioso da monarquia inglesa e
aconteceu naquela direção da independência com Roma, na direção da reforma
protestante. Uma sucessão de fatos, portanto, que colaboraram para que Hobbes
percebesse que a maneira de salvar a autoridade real, condição para a paz social,
era desligá-la completamente da religião, mais precisamente, da soberania de
Roma.

Essa conjuntura fez Hobbes perceber a questão da Soberania e é muito


circunscrito a uma fase de transição para o Estado Moderno, onde se procura
romper com as amarras do feudalismo. Há um debate muito rico a respeito da
natureza dessa revolução inglesa de 1640 a 1660. Teria ela sido realmente uma
revolução burguesa? C. Hill afirma que “a Revolução Inglesa do século XVII não é
menos revolucionária porque ela não foi feita por revolucionários conscientes...
Revoluções acontecem sem que os homens conscientemente a desejem... Quem
quer que esperava uma revolução social ‘pura’, jamais viverá para vê-la... A
Revolução Puritana de 1640 foi causada, em última instância, pelo

pensamento renascentista, pela qual é profundamente marcada a filosofia de Bacon – primeiro mestre de
Hobbes –, é a transformação da relação entre natureza em arte em comparação com a concepção dos
antigos: a arte não mais aparece como imitação da natureza, mas como igual à natureza”, BOBBIO, Norberto,
Thomas Hobbes, Campus, Rio de Janeiro, 1991 (trad. Carlos Nelson Coutinho), p. 31.

5
desenvolvimento econômico que não pode ser absorvido dentro do Antigo
Regime”9.

As revoluções e guerras civis inglesas do século XVII já indicavam,


portanto, transformações substantivas no Antigo Regime. Na caracterização do
feudalismo que realizamos no trabalho anterior10, segundo roteiro elaborado por
Pierre Manent, apresentamos as formas políticas que estavam à disposição dos
homens na Europa depois da queda do Império Romano do Ocidente, que eram o
império, a cidade e a igreja. No que se refere à Igreja, a importância da ocupação
de espaços políticos por ela naquela circunstância foi considerada por Manent de
tal magnitude que “o desenvolvimento político da Europa só é compreensível
como a história das respostas aos problemas levantados pela Igreja – associação
humana de um gênero totalmente novo –, vindo cada resposta institucional a
suscitar, por sua vez, problemas inéditos, e reclamando a invenção de novas
respostas. A chave do desenvolvimento europeu é o que, em termos doutos,
chamamos de o problema teológico-político”11.

9
Hill, C., Change and Contiuity in seventeenth-century England, Harvard University Press, Cambridge, 1975,
pp. 279-281. Em outro trabalho ele esclarece: “A Revolução Inglesa, como todas as revoluções, foi causada
pela ruptura da velha sociedade e não pelos desejos da burguesia ou pelos líderes do Longo Parlamento. Seu
resultado, no entanto, foi o estabelecimento de condições muito mais favoráveis ao desenvolvimento do
capitalismo do que aquelas que prevaleceram até 1640. A hipótese é a de que este resultado bem como a
própria revolução tenha se tornado possíveis por que tenha havido um desenvolvimento considerável das
relações capitalistas na Inglaterra”, HILL, C. “Uma Revolução Burguesa?”, in Revista Brasileira de História, n.
7, 1984, p. 9.
10
PARENTE, Josênio C., “A Construção da Ordem Liberal: I. Maquiavel e o Nascimento do Estado Moderno”
o
in Humanidade e Ciências Sociais, Revista da Universidade Estadual do Ceará – UECE, ano 1, v. 1, n 1,
jan/jun, 1999, semestral (p. 83-89).
11
MANENT, Pierre, História Intelectual do Liberalismo: Dez Lições, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1990, Trad.
Vera Ribeiro, (Coleção Tempo e Saber), p. 15. Ele ressalta: “A definição que a Igreja fornece de si mesma
inclui uma ‘contradição’. De um lado, o bem trazido por ela – a salvação – não é deste mundo. ‘Este mundo’
como tal, o mundo do ‘Cézar’, não lhe interessa, para a qual, pela graça de Deus, é o único veículo”, (ibidem).
No capítulo XII, do Leviatã, Hobbes mostra claramente a questão da força política da religião na sociedade
antiga: “Portanto os primeiros fundadores e legisladores de Estados entre os gentios, cujo objetivo era apenas
manter o povo em obediência e paz, em todos os lugares tiveram os seguintes cuidados. Primeiro, o de incutir
em suas mentes a crença de que os preceitos que ditavam a respeito da religião não deveriam ser
considerados como provenientes de sua própria invenção, mas como os ditames de algum deus, ou de outro
espírito, ou então de que eles próprios eram de natureza superior à dos simples mortais, a fim de que suas
leis fossem mais facilmente aceitos” (...) Em segundo lugar, tiveram o cuidado de fazer acreditar que aos
deuses desagradavam as mesmas coisas que eram proibidas pelas leis. Em terceiro lugar, o de prescrever
cerimônias, suplicações, sacrifícios e festivais, os quais se deveria acreditar capazes de aplacar a ira dos
deuses; assim como que da ira dos deuses resultava o insucesso na guerra, grandes doenças contagiosas,
terremotos, e a desgraça de cada indivíduo; e que essa ira provinha da falta de cuidado com sua veneração, e
do esquecimento ou do equívoco em qualquer aspecto das cerimônias”, in HOBBES, Thomas, Leviatã,
Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, (Tr. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da
Silva), 3ª ed., Abril, São Paulo, 1983, p. 70.

6
Dentro dessa conjuntura claramente de transição, Hobbes reflete, como
dissemos acima, sobre a questão do poder no novo contexto. A Soberania tinha
que ser absoluta a fim de evitar o caos. Como submeter também a religião ao
Leviatã (ao Estado)? Para Manent, “o argumento de Hobbes é simples, mas
devastador: acreditar que Deus falou com determinados homens é acreditar que
esses homens dizem a verdade, é crer nesses homens. A necessidades de um
intermediário humano faz com que crer num Deus revelado eqüivalha a acreditar
em homens. Pois bem, a experiência nos ensina que os homens são facilmente
mentirosos, ou, mais exatamente, que a idéia elevada que fazem de sua
sabedoria os leva com freqüência a se acreditarem inspirados por Deus”12.
Portanto, para Hobbes, não há lugar no mundo humano para outro poder do que o
poder civil. Rousseau elogia essa proposta de submeter a fidelidade do homem
religioso ao Estado e percebe que o Homem artificial de Hobbes é de mecânica
tão engenhosa que ele fundou uma “religião civil”. Ele, Rousseau, diz que “de
todos os autores cristãos, o filósofo Hobbes, o único que viu muito bem o mal e o
remédio, que ousou propor a reunião das duas cabeças de guia, o reconduzir-se
tudo à unidade política, sem a qual jamais serão bem constituídos o Estado e o
Governo”13.

A teoria de Hobbes rompe com tradições que estavam arraigadas no


feudalismo e percebe as questões que serão postas pela modernidade. Além de
ter teorizado sobre a Soberania e sobre a secularização do poder, uma
necessidade para a época, ele rompe também com o conceito aristotélico de
cidade. Gérard Lebrun comenta que realmente “é nesse ponto remoto que

12
MANENT, Pierre, op. cit., p. 56. Ele conclui que “se os homens se compenetrarem dos argumentos de
Hobbes, é pouco provável que os profetas, ‘verdadeiros ou falsos, venham a ter muitos discípulos”, (idem).
Mas Hobbes não irá de encontro frontal com Roma. No Leviatã, por exemplo, ele diz: “Mas quando foi o
próprio Deus, através da revelação sobrenatural, que implantou a religião, nesse momento ele estabeleceu
também para si mesmo um reino particular, e não ditou apenas leis relativas ao comportamento para consigo
próprio, mas também de uns para com os outros. E dessa maneira no reino de Deus a política e as leis civis
fazem parte da religião, não tendo portanto lugar a distinção entre a dominação temporal e a espiritual”,
HOBBES, Thomas, Op. cit., p. 71.
13
ROUSSEAU, Jean-Jacques, Do Contrato Social, Abril, 1983, 3ª ed., São Paulo, Trad. Paul Arbousse-
Bastide e Lourival Gomes Machado, p. 140. Rousseau explica melhor: “No entanto, como sempre houve um
príncipe e leis civis, resultou dessa dupla posse de um conflito perpétuo de jurisdição que tomou toda a boa
‘política’ impossível nos Estados cristãos e jamais se conseguiu saber se era ao senhor ou ao padre que se
estava obrigado a obedecer”, Ibidem.

7
principia a nossa modernidade: quando a comunidade não mais é entendida como
congregação de homens que são diretamente encarregados de zelar pelo
funcionamento do todo, mas como uma congregação de homens (societas) a
quem seus próprios afazeres ocupam demais para que possam dedicar-se aos
interesses do todo, e que, por isso, devem ser protegidos pela instância política,
em vez de participarem dela”14. Hobbes introduz então dois elementos que
rompem com o conceito aristotélico de Estado, Primeiro Estado, como está dito
acima, ele recusa a antiga finalidade do político que passará a ser a segurança e o
gozo ao máximo. A segunda característica que rompe com o aristotelismo é a
idéia de que o direito é o útil. Lebrun assim expressa esse novo elemento: “o
utilitarismo de Hobbes leva-o forçosamente a admitir como necessário um poder
capaz de decidir o legislar, que tenha o seu princípio apenas e si próprio, e que
não se refira a nenhuma legitimação (divina ou humana) externa a ele. A única
razão que pode me ‘convencer’ a obedecer à lei é que ela é a lei – é saber que
serei castigado se a infringir”15. Como veremos adiante, comentadores verão neste
ponto um Hobbes precursor do liberalismo. Por fim, para caracterizar um Hobbes
que rompe com as amarras feudais, ele destrói a idéia de hierarquia natural e toda
uma justificativa para uma sociedade de casta apregoando que “é uma lei da
natureza que todo homem reconheça os outros como seus iguais”.

A principal preocupação de Hobbes, diante de tantas guerras civis e mesmo


de transformações estruturais na sociedade será a questão: por que as pessoas
obedecem? Há, portanto, toda uma preocupação sobre a unidade do Leviatã
contra a anarquia e com isso se evitar a guerra civil que era típica do “estado de
natureza”. Bobbio mostra que a guerra civil sempre o preocupou. Em De Corpore,
no capítulo I, ele, da filosofia, retira a arte de governar. Diz Bobbio: “E o que
significa governar bem? Significa constituir o Estado sobre bases tão sólidas que
se torne impossível sua dissolução, ou seja, – que se mantenha distante o perigo

14
LEBRUN, Gérard, O que é Política, Brasiliense, São Paulo, 1983, 5ª ed., (Col. Primeiros Passos, n. 24), p.
38. Lebrun apresenta o conceito de cidade em Hobbes: “uma multidão de homens, unidos numa pessoa única
por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu proveito comuns”, idem, p. 36. Bobbio diz que “nas
primeiras páginas de Política, Aristóteles explica a origem do Estado enquanto polis ou cidade a partir da
família, prosseguindo através da formação intermediária do povoado”, BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 5.

8
da guerra civil, da qual – ele comenta – ‘derivam a mortandade, o deserto e a falta
de tudo’. Logo depois, falando novamente das guerras civis, ele as chama de ‘as
maiores calamidades’”16.

A questão do Soberano na sociedade moderna é fundamental no século


XVII e Hobbes percebe a realidade de forma muito clara. A pergunta fundamental,
como destacamos acima, seria aquela enfocada via obediência: a quem estou
escrupulosamente obrigado a obedecer? Há, aqui também, uma diferença de
enfoque com a tradição aristotélica. Manent faz uma comparação e diz que “para
Aristóteles, responder à pergunta sobre quem deve comandar, eqüivale a decidir
sobre quem está no topo de uma hierarquia de bens, e os bens não escolhidos
subsistem em sua significação, e até obtêm uma parcela do poder, uma vez a
escolha decisiva. Para Hobbes, ao contrário, quem tem o direito de exigir
obediência tem todos os diretos, e os que não têm esse direito não tem nenhum,
ou melhor, tem apenas os direitos concedidos pelo primeiro. Onde havia
gradação, comparativo e superlativo, passa a haver exclusão, polaridade entre
uma afirmação absoluta e uma negação absoluta”17.

Toda essa discussão a respeito da originalidade das idéias de Hobbes no


contexto da modernidade, na elaboração de um modelo que seria mais compatível
com um tempo em construção, com novas solicitações, converge, portanto, na
direção do conceito básico de Soberania. Podemos apresentar esse conceito a
partir de uma citação do capítulo VII do Leviatã que possui um conteúdo rico de
sua proposição. Hobbes diz que “a única maneira de instituir um tal poder comum,
capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros,
garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio
labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é
conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens,

15
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 39.
16
HOBBES, Thomas, De Corpore. I, 7, apud BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 27. Macpherson enfatiza em
Hobbes a questão do poder. Diz ele: “Our word is obsessed with problems of power, and Hobbes was na
analyst of power”, MACPHERSON, C. B., op. cit., p. 9
17
MANENT, Pierre, op. cit., p. 58.

9
que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só
vontade”18.

A Soberania, assim, surge do consenso, isto é, de um pacto. Hobbes,


portanto, está construindo uma sociedade orgânica que, inclusive, já existe. Numa
situação anterior a esse pacto, no estado de natureza, os homens são iguais de
fato. Essa igualdade, contudo, gera uma desconfiança recíproca, pois os homens
podem causar uns aos outros o pior dos males: a morte. Há, portanto, um estado
de guerra permanente, mesmo que seja latente19. Os mais fracos, pela astúcia,
podem dominar ou eliminar os mais fortes. Além do mais, os homens são
impregnados de paixões que lhes predispõem para a insociabilidade. O medo,
portanto, possibilita condições para o aparecimento do Estado. Em troca, as
pessoas terão ambiente, como disse Hobbes em citação acima, “garantindo-lhes
assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio labor e graças aos
frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e
poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas
diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade”. Nesse pacto cada
um cede toda sua força e poder, é bom destacar, a um homem, ou a uma
assembléia de homens. O Soberano, portanto, não é necessariamente uma
pessoa e muito menos um tirano (comentaremos melhor esse fato adiante), como
sugere sua fama de autoritário. Naquele momento, contudo, a opção que Hobbes
vislumbrava era, como também dissemos acima, a ordem ou a anarquia.

Há aqui, em Hobbes, uma teoria do poder na sociedade moderna20. No


pacto que fazem os homens saírem do estado de natureza, as pessoas conferem
todo seu poder ao Soberano, que será seu representante. Lebrun comenta que

18
HOBBES, Thomas, op. cit., cap. VII, p. 105.
19
Hobbes, no capítulo VII, diz “por que, divergindo em opinião quanto ao melhor uso e aplicações de sua
força, em vez de se ajudarem se atrapalham uns aos outros, e devido a essa oposição mútua, reduzem a
nada sua força”, (idem, p. 104).
20
Macpherson diz que ele também tem uma teoria dos direitos e obrigações: “The exposed the lineaments of
power more clearly than most hove done since Machiavelli, more systematically than anyone had ever done,
and than most have done since. But he also asserted the equal nature right of man, and tried to put the two
things together to get a theory of right, and obligation, as well as a theory of power”, MACPHERSON, C. B.,
op. cit., p. 9.

10
“seja qual for o valor de tal representação, é ele que melhor nos permite apreender
o caráter inelutável do poder soberano, pois somente um poder comum é capaz
de agregar politicamente indivíduos iguais em sua submissão”21. Esse estado,
portanto, não é um fato natural, pois produto da vontade humana, é o homem
artificial. Mas para que esse pacto realmente instaure as condições de segurança
de todo acordo sucessivo possível não pode gerar uma sociedade de ajuda
mútua, mas será necessário um poder comum. No estado de natureza, os bens
econômicos e a força física eram privados, mas após o pacto, todos devem
concordar em atribuir ao Soberano (uma pessoa ou uma assembléia) todos os
seus bens e força para poder resistir a todos aqueles que se arrisquem a violar
esse pacto. Hobbes justifica melhor ainda esse poder comum que é criado com o
consenso, no capítulo VII, dizendo que “os pactos sem a espada não passam de
palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das
leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e
quando pode fazê-lo com segurança), se não fora instituído um poder
suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiar e poder
legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção
contra todos os outros”22.

Bobbio destaca que a saída do estado de natureza para a criação do


Estado é diferente daqueles pactum subiectionis dos antigos. Aqui cada um cede
o próprio direito de governar a si próprio ao Soberano. Ele comenta que “ao
contrário do pactum subiectionis, o pacto de união hebbesiano é um pacto de
submissão; mas, ao contrário do pactum subiectionis – cujos contratantes são, por
um lado, o populus em seu conjunto, e, por outro, o soberano –, o hobbesiano é,
como o pactum societatis, um pacto cujos contratantes reciprocamente a
submeter-se a um terceiro não contratante. Com a contaminação provavelmente
inconsciente dos dois contratos que fundamentam o Estado segundo a doutrina

21
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 44. Lebrun diz ainda que “o Soberano e o único cimento do corpo político
porque os homens nunca foram animais racionais, se por isso entendemos animais que se inclinam perante a
razão pura. A ‘razão’ é sempre a razão do mais forte (mesmo os diálogos de Platão, onde a razão está do
lado de quem é mais forte.. no campeonato dialético) E é por isso que a essência do Estado é ser ele
soberano”, (idem, p. 42).

11
tradicional. Hobbes fez do único pacto de união um contrato de sociedade em
relação aos súditos e um contrato de submissão em relação ao conteúdo”23.

O pacto, no modelo hobbesiano, gera uma Soberania que possui algumas


características importantes. Ela é irrevogável e absoluta. A Soberania é
irrevogável, pois ela é estipulada entre os indivíduos no estado de natureza com o
soberano e não entre indivíduos enquanto povo. A Soberania tem um caráter
absoluto por consistir numa concessão de poder que cada um tem no estado de
natureza a um terceiro, que fica situado acima das partes contratantes. Nesse
aspecto, Hobbes se contrapõem às teorias que limitam o poder. Lebrun comenta a
importância desse caráter absoluto do pacto, não pelo fato de que seja
imprescindível, mas por que todos sentem a sua necessidade. Ele diz: “Seria
então o Leviatã a porta de frente de toda política moderna? Se assim fosse, o
poder político não se reduziria mais a uma força repressiva permanente: esta seria
também e, sobretudo, a condição sine qua non para haver sociedade. O
importante não seria a força nela mesma, mas o fato de todos sentirem a sua
necessidade”24.

A teoria política de Hobbes, portanto, tenta explicar a paz e com isso


justificar o Estado moderno. Em Maquiavel não havia uma teoria do Estado, mas
as condições para o príncipe conquistar e manter o poder político. Seria, então,
uma teoria da construção do Estado moderno. Em Hobbes, este Estado já estava
construído e cabia a ele explicá-lo. Tanto Hobbes quanto Maquiavel, então,
partem do pressuposto de que a natureza humana é apolítica e má. O Estado
artificial irá suprir as deficiências da natureza. Há aqui, em Hobbes, como foi visto

22
HOBBES, Thomas, op. cit., p. 103.
23
BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 42. Ele completa: “Não diversamente da soberania segundo a concepção
tradicional, esse poder compreende o supremo poder econômico (ou dominium) e o supremo poder coercitivo
(ou imperium). O poder político é a soma dos dois poderes”, (ibidem).
24
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 53. Bobbio diz que “quando defende a irrevogabilidade do poder soberano,
Hobbes se contrapõe à teoria do mandato (que será retomada, entre outros, por Locke). Assim, afirmando que
o poder soberano é absoluto, no sentido próprio de kegibus solutus, ele se contrapõe às teorias – que são
várias e usam diferentes argumentos – que afirmam esse ou aquele limite ao poder do Estado. Essas teorias,
predominantes na Inglaterra, antes e depois de Hobbes, deram origem à corrente do pensamento político do
‘constitucionalismo’”, BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 46.

12
por comentadores em Maquiavel, uma raiz do liberalismo? É o que pretendemos
discutir a seguir.

II – 2 Hobbes e a Modernidade

Procuramos mostrar acima que Hobbes tem uma reflexão abstrata sobre o
Estado. Sua teoria, como a de Maquiavel, provoca várias reações de seus
comentadores. Não há dúvidas de que ele constitui ruptura com o feudalismo e
com a Antigüidade – embora haja quem veja nisso apenas maqueamentos de uma
ruptura –, além de ele perceber as transformações que estavam acontecendo e
que ainda nos afetam. Bobbio chega a dizer que ele é um conservador, com o que
Lebrun não concorda25. Existem, portanto, outras questões sobre feudalismo e
relação de Hobbes com a modernidade que vão além de seu rompimento com o
feudalismo e com a tradição aristotélica.

O contexto ideológico básico daquele período era, relembrando a


reconstituição de Manent, o seguinte: “o mundo não religioso, profano, leigo, tinha
que se organizar numa forma que não fosse nem a cidade nem o império, numa
forma menos ‘particular’ do que a cidade e menos ‘universal’ do que o império, ou
cuja universalidade fosse diferente da universalidade do império. Sabemos que
essa forma política viria a ser a monarquia ‘absoluta’ ou ‘nacional’26. Essa
afirmação de que o absolutismo seria uma solução para novas situações que a
própria modernidade desencadeia uma questão que apresentamos na introdução
deste trabalho onde Hobbes foi apresentado como o ideólogo da ESG. Bobbio
rebate essa interpretação dizendo que “o pressuposto filosófico do Estado
totalitário é a ‘totalidade ética’ de Hegel, não a ‘persona civilis’ de Hobbes. Para
Hobbes, antes do Estado, não há um povo, e menos ainda um Wolksgeneinschaft,
mas somente uma multidão. Fundado num pacto recíproco entre indivíduos

25
Bobbio diz que: “julga ser difícil encontrar um pensador político que revele mais do que Hobbes os traços
essenciais do espírito conservador: realismo político, pessimismo antropológico, concepção anticonflitualista e
não igualitária da sociedade” (BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 62). Lebrun, ao contrário, mostra que “o
Soberano tem a tarefa de zelar pela ‘vida boa e cômoda’ dos súditos e pela sua segurança... E nesse sentido
a mensagem de Hobbes não é, absolutamente, ‘conservadora’”, LEBRUN, op. cit., p. 35.

13
isolados, o Estado hobbesiano é muito mais semelhante a uma associação do que
a uma comunidade. Também Hobbes, como Hegel, chama o Estado de ‘Deus
Mortal’ (Lev., 112); mas a diferença é que o Deus de Hegel é panteísta, enquanto
o de Hobbes é teísta”27.

Lebrun, referindo-se a esta questão, não aceita explicações mecanicistas e


diz que “a esse respeito, podemos apenas referir-nos às análises, prudentíssimas,
de Perry Anderson. Embora empregue conceitos marxistas, Anderson não nos
permite afirmar sem mais que o absolutismo é produto da ascensão do
capitalismo. Melhor será dizermos que esta ascensão do capitalismo foi,
geralmente, favorecida pela consolidação do absolutismo”28. Quem afirma o
contrário, como alguns marxistas, terá o ônus da prova. Lebrun está também se
contrapondo contra outra interpretação de Hobbes que o vêem como teórico da
burguesia. Macpherson, um de seus representantes, comenta em sua Teoria
Política do Individualismo Possessivo que: “a necessidade de um poder soberano
numa sociedade de mercado possessivo, e em especial, numa emergente, é
,portanto, de toda evidência. E foi evidente para Hobbes. De fato, ele sustentava
que para essas finalidades, o poder soberano era necessário em qualquer
sociedade. Chegou a essa conclusão porque havia colocado em seu modelo de
sociedade, e como tais, as relações essenciais da sociedade de mercado
possessivo. Se ele errou ao exagerar o fôlego de sua generalização, estava
também adiante de qualquer pensador político seu contemporâneo quanto à
profundidade de seu discernimento”29.

26
MANENT, Pierre, op. cit., p. 18
27
BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 59–60.
28
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 31. Ele diz que essa fama negligencia duas coisas. Primeiro, “que o Soberano
tem a tarefa de zelar pela ‘vida boa e cômoda’ dos súditos”; segundo, “que se o Soberano pode limitar à sua
discrição as minhas liberdades, nem por isso ela será o mero exercício de uma força regressiva. Não
esqueçamos que, sem essa força – cujos efeitos tantas vezes podem ser-me desagradáveis – não haveria
unificação nem ‘povo’ rigorosamente falando”, (idem, p. 35).
29
MACPHERSON, C. B. A Teoria Política do Individualismo Possessivo: de Hobbes a Locke, Paz e Terra, Rio
de Janeiro, 1979, (Trad. Nelson Dantas), (Col. Pensamento Crítico; v. 22), p. 105-106. Ele explica com mais
informação: “o homem racional que, em tal sociedade, possui propriedades substanciais ou que tem
esperanças de adquiri-las e conservá-la, é capaz de reconhecer deveres para com tal soberano. Está
acostumado a contratos de longo prazo, vê a razão de ser da norma que diz que os contratos têm de ser
cumpridos. Dirige seus negócios pelo cálculo racional de vantagens a logo prazo; faz o que seu cálculo
racional ordena. É exatamente o tipo de homem que pode ver o lucro líquido do tipo de ordem contratual que
o poder soberano pode proporcionar”, (idem, p. 106). Bobbio diz: “Apesar da persistência e da revivescência

14
Macpherson, então, considera que Hobbes, como teórico da burguesia
emergente, foi longe demais na efetivação da Soberania e não foi capaz de
adivinhar que a solidariedade de classe burguesa permitiria economizar um
Soberano que perpetuasse a si próprio. Nesse ponto, Locke teria sido mais lúcido
em limitar seu poder absoluto. Hobbes, portanto, não consegue oferecer garantias
para a propriedade contra a interferência de um soberano absoluto. Lebrun traz
então um argumento em favor de Hobbes e diz que Locke é que pode ser
considerado como a serviço dos burgueses: “Sem dúvida, Locke utiliza o
maquinário político inventado por Hobbes, mas o faz para orientá-lo no sentido de
uma restrição da dominação política – e é isto, exatamente, que trai o espírito de
Hobbes. Em outras palavras, se Locke conserva o esquema de Soberania, ele
limita ao máximo o modo de seu funcionamento – e é então, mas só então, que o
poder é exposto, com toda a clareza, como nada mais que um fiel instrumento a
serviço dos proprietários”30. Locke, deste modo, seria o verdadeiro ideólogo da
burguesia. O interesse do Soberano, em Hobbes, é também o interesse do
Estado. As pessoas, quando não perceberem que estão seguros no Estado
teorizado por Hobbes, o contrato fundante desta sociedade está definitivamente
rompido.

Manent coloca ainda uma proposição polêmica, que é considerar Hobbes


como o fundador do liberalismo por ter elaborado a interpretação liberal da lei.
Esta seria definida como um “puro artifício humano, rigorosamente externado a
cada um, ela não transforma e não conforma os átomos individuais cuja
coexistência pacífica se restringe a garantir”32. Bobbio, ao contrário, enfatiza no
liberalismo as liberdades individuais e não a interpretação da lei, e nisso ele
discorda de que Hobbes tenha sido o seu precursor. Ele diz que “Hobbes foi um
conservador, não um totalitário. Mas também não foi – como há algum tempo se

(sobretudo através de Macpherson) da imagem de Hobbes ideólogo da burguesia nascente, Hobbes foi
conservador, porque, entre outras coisas, não se sentiu de modo algum ligado, nem sentimental nem
ideologicamente, à classe em ascensão” (BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 61).
30
LEBRUN, Gérard, op. cit., p 61. Lebrun reforça a necessidade das provas: “pois é fato que a dominação
‘burguesa’ não criou o poder codificado pela Soberania: ela o reutilizou, o mais das vezes restringindo-o. Nada
permite afirmar, sem uma demonstração, que existe coincidência entre o poder político criado pela
modernidade e a dominação de classe da burguesia”, (idem, p. 64).

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tem sustentado, em relação à imagem do filósofo maldito (a começar por Leo
Strauss, passando por Michael Oakeshott e chegando a Mario Cattaneo) – um
escritor liberal ou um precursor de idéias liberais. Hobbes admite em casos
extremos (a ameaça à própria vida) o direito de resistência; valoriza o princípio da
legalidade na administração da justiça; quer que o direito seja certo; prefere um
governo com poucas leis (claras e simples) a um governo que as tenha confusas e
em excesso; considera útil ao bem-estar de uma nação uma liberdade econômica
moderada; pensa que é dever do soberano conceder aos cidadãos uma liberdade
inócua. Mas o ideal pela qual luta não é a liberdade e sim a autoridade”.

Essa relação do Hobbes é também problemática para Gérard Lebrun. Ele


diz que sim, existe uma relação com o liberalismo “até percebermos (por exemplo,
no capítulo 21 do Leviatã) que as leis civis têm menos o papel de reprimir que o de
apagar quase completamente esta liberdade natural, ‘a única que pode ser
propriamente chamada de liberdade”. Nada, portanto, anunciava em Hobbes ‘as
garantias concedidas pelas constituições aos gozos privados’ de que falará, no
século XIX, Benjamin Constant, apóstolo do liberalismo”33. Para Lebrun, portanto,
o Estado liberal é um contrafação do modelo de Hobbes. Ao colocar uma pergunta
desafiadora – “Que ‘grau de força’ deve-se deixar ao Soberano, seja ele quem for?
– ao Soberano, o liberalismo introduziu duas recusas à teoria hobbesiana do
Estado: à doutrina voluntarista da soberania e ao dilema entre soberania absoluta
ou anarquia. O liberalismo, ao contrário, tem o preconceito de que o mando
político é uma tarefa subalterna, e também “tem a preocupação de defender o
‘indivíduo’ (burguês) contra o poder e os seus possíveis abusos... A liberdade
reivindicada pelo liberal não é a outra liberdade do Cidadão rousseaunista,
mediatizada pelo Estado; é a preservação da minha esfera privada contra as
ingerências do poder. Não forma radical: quem tem o direito de exigir obediência
tem todos os direitos e os que não têm esse direito não tem nenhum, ou melhor,
tem apenas os direitos concedidos pelo primeiro. Onde havia gradação,

32
MANENT, Pierre, op. cit., p. 54.
33
LEBRUN, Gérard, op. cit., pp. 70-71.

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comparativo e superlativo, passa a haver exclusão, polaridade entre uma
afirmação absoluta e uma negação absoluta.

Lebrun, mais realista com o homem artificial elaborado por Hobbes comenta
que “Hobbes instaura um modelo de dominação política que é condição sine qua
non para o funcionamento de toda sociedade moderna. Se me perguntarem qual é
a amostra política que melhor corresponde, hoje, ao modelo hobbesiano, eu me
animaria a responder: uma ditadura militar ‘esclarecida’, instaurada com o intuito
de realizar reformas estruturais sócio-econômicas”35.

Foi Hobbes, então, o ideólogo da Escola Superior de Guerra. Oliveiros


mostra, contudo que não só Hobbes, mas uma gama de matrizes influenciou sua
noção de Poder Nacional. Ele comenta, assim, que “seria útil propor à ESG que no
seu ‘Manual’ substituísse comunismo por liberalismo; luta de classes por
soberania popular – ao fim do trabalho, o Corpo Permanente da Escola chegaria a
conclusões às que levaram à formação da Santa Aliança. Idênticas contradições e
incoerências existem – acentuadas – no capítulo dedicado ao Poder Nacional.
Nele se encontram sobrevivências maquiavélicas – ‘em suma, o poder é’ –
associadas à linguagem weberiana – ‘torna-se o Estado detentor monopolítico dos
meios de coerção física –, que se pretende conciliar com os conceitos de
Morgenthau e outros sobre o que seja o Poder Nacional”36. Será que os governos
militares pós-64 podem ser enquadrados numa “ditadura militar ‘esclarecida’,
instaurada com o intuito de realizar estruturas sócio econômicas”, de que no fala
Lebrun para caracterizar a amostra política que melhor corresponde ao modelo
hobbesiano de Estado?

35
LEBRUN, Gérard, op. cit., p. 60.
36
FERREIRA, Oliveiros S., op. cit., p. 286. Oliveiros havia dito que “muitos dos críticos da Escola Superior de
Guerra censuram-na por haver elaborado sua doutrina à luz da ‘guerra fria’, o que os elementos dela
integrantes refletirem até hoje a postura anticomunista dos militares brasileiros. Não nego a postura

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Bibliografia Citada

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Carlos Nelson Coutinho).
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anticomunista; do que duvido é tenha o clima pós-5 sido a principal de inspiração doutrinária da Escola” (idem,

18
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Brasil”, in VIANNA, Oliveira, Instituições Políticas Brasileiras, Itatiaia (Belo
Horizonte) – Editora Universidade de São Paulo – EDUFF (Editora da
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106).

. 276).

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